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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY

RIBEIRO - UENF

TÚLIO MELLO TEIXEIRA

O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS HOBBES

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ

OUTUBRO – 2010

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TÚLIO MELLO TEIXEIRA

O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS HOBBES

Dissertação apresentada ao Centro de Ciências

do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para a obtenção do título de mestre em Cognição e Linguagem.

Orientador: Professor Dr.º Júlio César Ramos Esteves

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ OUTUBRO - 2010

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O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA EM THOMAS

HOBBES

TÚLIO MELLO TEIXEIRA

Dissertação apresentada à UENF como parte das

exigências para a conclusão do curso de Pós-Graduação:

Cognição e Linguagem.

Aprovado em: ______/______/______.

COMISSÃO EXAMINADORA: ______________________________________________________________________ Professor e Orientador Dr.º Júlio César Ramos Esteves (UENF - Campos)

______________________________________________________________________

Professor Dr.º Giovanne do Nascimento (UERJ – Cabo Frio ) ______________________________________________________________________ Professor Dr.º José Glauco Ribeiro Tostes (UENF - Campos)

______________________________________________________________________ Professor Dr.º Leandro Garcia Pinho (UENF - Campos)

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RESUMO O tema central desta dissertação é o problema do fundamento da obrigação política

dos súditos relativamente ao soberano, segundo Thomas Hobbes. Desse modo, em primeiro

lugar, buscamos expor em suas linhas gerais duas correntes de interpretação opostas

prevalecentes na atualidade, a saber, a interpretação secularista, de um lado, e a interpretação

teológica, de outro lado. De acordo com a primeira, o fundamento da obrigação por parte dos

súditos estaria no seu interesse próprio em conformidade com princípios puramente

prudenciais, segundo os quais seria melhor para cada súdito renunciar à liberdade ilimitada

característica do estado de natureza em troca da garantia da preservação da própria vida no

Estado absoluto. Desse modo, segundo os secularistas, Hobbes seria o fundador da filosofia

política moderna, da moderna teoria do contrato social baseado num consenso por parte dos

indivíduos. De acordo com a interpretação teológica, Hobbes não aceitaria que o mero apelo

ao interesse próprio racional por parte dos súditos fosse suficiente para dar conta da

vinculação dos súditos ao soberano, o que ficaria claro no famoso “problema do carona”,

segundo o qual poderia estar no interesse de pelo menos alguns súditos simplesmente fingir

terem entrado no pacto social. Assim, de acordo com a interpretação teológica, Hobbes teria

introduzido elementos da filosofia política tradicional e recorrido ao conceito de fundamento

divino do Estado, de modo que a obrigação política seria vista não como algo de ordem

meramente prudencial, mas como uma obrigação moral, pois a autoridade do Estado na Terra

seria sucedânea da autoridade de Deus no Céu. Em segundo lugar, uma vez expostas essas

correntes de interpretação, buscamos tomar posição a favor da corrente secularista, rejeitando

a incorporação de elementos advindos da fé como elos da submissão e fundamento da

renúncia à liberdade ilimitada por parte dos súditos.

Palavras-chave: Estado de natureza, obrigação política e Estado.

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ABSTRACT

The main topic of this dissertation is the problem of the foundations of the political

obligation of the subjects, taking into account the sovereign, according to Thomas Hobbes.

This said, in the first place, we tried to expose in its general aspects two different lines of

thought with opposed interpretation prevailing nowadays: the secularist interpretation, on one

side, and the theological interpretation, on the other side. According to the first one, the

foundations of the obligation from the subjects’ part would be in its own interest in

compliance with purely prudential principles, according to which it would be better for each

subject to renounce its unlimited freedom, which is characteristic of the state of nature, in

exchange of the preservation of its own life in the absolute State. This said, according to the

secularists, Hobbes can be considered the founder of the modern political philosophy, the

modern theory of the social contract based in a consensus by the individuals. According to the

theological interpretation, Hobbes would not accept that the mere appeal to the subjects own

interest would be enough to secure the linking of the subjects to the sovereign, which would

be made clear in the famous “problem of the free-rider”, according to which could be the

interest of at least a few subjects to pretend getting in the social pact. This said, according to

the theological interpretation, Hobbes had introduced elements from the traditional political

philosophy and appealed to the concept of the divine foundation of the State, in such way that

the political obligation would not be seen as something of purely prudential order, but as a

moral obligation, for the State authority in the Earth would be succeeding God’s authority in

Heaven. Second, once exposed these lines of interpretation, we looked to take position in

favor of the secularist interpretation, rejecting the incorporation of elements resulting from

faith as links of submission and foundation of the renunciation of unlimited freedom by the

subjects.

Key-words: State of nature, political obligation and State

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................ 7 CAPÍTULO 1 – A TEORIA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA .............11

1.0 – O Problema da Filosofia Política Moderna...............11 1.1 – Hobbes e o Seu Tempo...........................................15 1.2 – O Estado de Natureza ............................................21 1.3 – As Leis de Natureza ..............................................25 1.4 – O Pacto Social .......................................................31 1.5 – O Contrato Social ..................................................34

CAPÍTULO 2 - A FILOSOFIA POLÍTICA ...................................41 2.0 – A Influência da Ciência Moderna na Filosofia de

Hobbes......................................................................42 2.1 – As Causas Primárias e seus Conseqüentes:

Hobbes vs Aristóteles ...............................................46 2.2 – Dos Prazeres do Espírito e Bens Visíveis ............ 52 2.3 – O Governo..............................................................54 2.4 – O Estado Absoluto .................................................58

2.4.1 –- A Religião...............................................................59 CAPÍTULO 3 – AS LEIS CIVIS ....................................................63

3.0 – Das Leis Naturais e o Direito .........................................63

3.1 – O Direito Positivo, as Leis Civis e a Obediência....65

CONCLUSÃO .............................................................................. 73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................... 75

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INTRODUÇÃO

Nesta dissertação, procuramos discutir a obrigação política na filosofia política de

Thomas Hobbes. Existem duas correntes interpretativas e incompatíveis referentes ao

fundamento e à fonte da obediência dos homens ao Estado. Ambas as escolas de pensamento

diferem-se pelo cabedal de conhecimento atribuído ou negado aos elementos jusnaturalistas e

teológicos como a essência da submissão dos súditos.

Os secularistas David Gauthier, Michael Oakeshott, Carl Schmit e Leo Strauss

afirmam não existir uma motivação divina para o ato de submissão dos homens à tutela do

Leviatã. Negam a possibilidade de legitimidade divina do poder. Os teológicos A. E. Taylor,

F. C. Hood, Howard Warrender e Thamy Pogrebinschi creem na força das leis divinas,

orientando os indivíduos a serem governados. Deus e os conceitos sagrados são fundamentais

na compreensão da filosofia de Hobbes.

Os laicos concentram no contrato social e nas leis civis a fonte da obrigação. Os

divinistas concordam que as leis divinas são a fonte da adesão ao amparo do Estado. Em

relação ao fundamento, os secularistas acreditam na capacidade deliberativa dos homens para

renunciar ao direito natural e no designio do soberano para criar as leis coercitivas; então, é a

vontade a chave da obrigação. Para os divinistas a fonte da obrigação é o exercício da

autoridade divina.

O antagonismo presente entre as interpretações é estabelecido pela diferença de

pensamento sobre a constituição do elo de obediência entre os súditos e o Estado. Os teóricos

laicos acreditam que o pacto social corresponde ao consentimento racional. O contrato social

e as leis civis estabelecem os direitos, os deveres e criam a organização social, tornando a

adesão irrevogável. Os teológicos defendem os pressupostos da obediência política

originários das leis divinas também conhecidas como leis de natureza. Estas não são regras

explicativas dos fenômenos naturais, pois correspondem às leis da razão e levam à

conscientização de que é conveniente buscar a paz e abdicar da situação selvagem.

A concepção teológica do Estado hobbesiano acredita na organização social

moldada pelo controle externo fundamentado na teoria da autoridade divina. As leis de

natureza, leis divinas ou leis morais são suficientes em si para efetuarem a adesão dos súditos

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pelo seu preceito. Os indivíduos estariam obrigados a se sujeitarem ao poder soberano devido

à sua crença na eterna lei de Deus, que os torna servos dos reis.

A obrigação compreendida pelo teórico laico vai ao encontro do consentimento

como alicerce do Estado, legitimando-o em consonância com a vontade dos indivíduos em se

entregarem sob a representação de uma autoridade maior do que qualquer outro poder e

capaz de pôr fim à desordem do estado de natureza.

A concepção teológica nos remete a uma espécie de crença do senso comum de que

o homem tem uma obrigação natural com Deus nas suas escolhas, especialmente aquelas

realizadas tendo em vista o Estado representante das vontades populares nos países

ocidentais. Contudo, a ideologia cristã perpassa a crença contrária de que o Estado é, na

realidade, a soma da vontade geral. Portanto, existe uma espécie de obediência da teoria

judaico-cristã nos países ocidentais sem que as pessoas façam uma reflexão crítica e

consciente sobre seu arbítrio.

A importância do tema se deve exatamente à proposta de desconstruir a ideologia

da tradição judaico-cristã, introduzida no pensamento político de Hobbes por autoras como

Thamy Pogrebinschi (2002), desvelando sociocriticamente seu surgimento, sua consolidação

e sua naturalização. A aplicação prática desse estudo resultará num filosofar sobre a velada

obediência que poderemos encontrar bem desenvolvida na obra de Thomas Hobbes. Nesse

sentido, podemos indagar o que faz o homem obedecer à autoridade constituída? A que se

deve esse poder?

A dissertação está estruturada da seguinte maneira:

No capítulo 1, revivemos o tempo de vida do autor, enfatizando os obstáculos ao

pensamento cientificista dotado de uma lógica formal no período, a perseguição aos críticos

da metafísica teológica e explicamos os conceitos hobbesianos referentes ao estado de

natureza, às leis naturais, ao pacto ou contrato social.

Ao sintetizar os conceitos no primeiro capítulo, procuramos definir a real motivação

dos homens a decidirem-se por abandonar o estado de natureza, desconstruímos a crença

teológica da obrigação motivada por leis divinas ou naturais, por uma obediência

estabelecida verticalmente pelo soberano representante das vontades gerais e legítimo

defensor do bem público. O pacto social é autossuficiente pela transferência mútua de

direitos à tutela do poder soberano. É consentido pelos indivíduos em troca da proteção e

defesa contra os inconvenientes da ordem natural. Portanto, originam-se no contrato social os

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direitos, os deveres civis e a organização jurídica coercitiva. O Estado tem a obrigação de

conservar a paz e o direito.

A justiça só é possível graças à aplicação das leis estabelecidas pela deliberação do

Estado. O emprego da força faz com que sejam realizados os atos de vontade do poder

soberano capazes de manter a ordem social pelas leis reguladoras da convivência e de toda a

sociedade criada após a ruptura definitiva com o estado de natureza.

Existe uma relação dialética sobre aquilo que se constitui como a ação humana no

estado de natureza. As paixões naturais são atos desgovernados movendo os indivíduos; por

outro lado, tem-se a ação governada ou o pensamento designado pela vontade. Contudo, no

estado de natureza, não há garantias quanto ao cumprimento dos acordos celebrados entre os

homens uma vez que sempre haverá a bipolaridade nas intenções humanas.

No capítulo 2, compreendemos a influência da ciência moderna sobre a filosofia

política e social de Hobbes. O homem é um ser empírico e capaz de entender as

conseqüências dos acontecimentos conhecidos. Hobbes supera a mentalidade escolástica,

refutando a teoria aristotélica do primeiro motor imóvel e introduzindo o conceito de causas

primárias. O autor explica a série de eventos causais livre dos determinantes teológicos.

Apresentamos a teoria cognitiva hobbesiana e a renuncia à série de pensamentos

desgovernados e guiados pela imaginação. Os homens tornam-se indivíduos guiados pela

vontade e capazes de deliberar, quando são capazes de compreender as causas fundamentais

dos eventos. Então, compreendendo as causas primárias da barbárie; decidem buscar a paz. O

Estado é fruto da deliberação e o único capaz de assegurar que os acordos celebrados serão

cumpridos.

Para os intérpretes teológicos como Thamy Pogrebinschi (2002), o homem sociável

é derivado da obediência às leis naturais que são também denominadas leis divinas. Este

novo indivíduo criado pela Arte divina distancia-se da sua peculiaridade natural, situando-o

como súdito do soberano. A obrigação dos súditos advém da imposição das leis divinas. Na

realidade, os indivíduos aceitam o código civil por se tratar de uma analogia com as leis de

Deus.

Os intérpretes laicos definem a obediência como a decisão dos indivíduos em

abrirem mão da liberdade natural e serem governados por um poder maior do que o deles.

Nesse sentido, o soberano é o representante da vontade geral e qualificado a regular as ações

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pelo código civil. O Estado existe para evitar que a barbárie leve à guerra de todos contra

todos.

O objetivo estatal é garantir aos homens a paz, portanto é através do código civil

que as liberdades irrestritas são lapidadas pelas finalidades da república. O homem artificial é

instituído pelo poder único, cuja aplicação e regimento das leis civis coordenam o aparelho

coercitivo, criando os mecanismos de controle externo e cumprindo com o objetivo do pacto

social, que é assegurar a paz e a harmonia na sociedade.

O capítulo 3 elucida a obrigação política fundamentada pelas leis civis. As leis

divinas não são adequadas para o exercício do governo, por não transparecerem aquilo que é

lei propriamente. O soberano é o único com o direito de dizer o que é lei e ordenar o seu

cumprimento, assegurando que o objetivo do Estado (preservar a sociedade civil contra os

inimigos comuns) será cumprido.

No capítulo final, entendemos as leis civis como aquelas que são criadas pelo juízo

sintético do soberano, então são válidas para todos os indivíduos, diferentemente das leis

divinas, que dependem da crença ou da fé e não gozam de fontes confiáveis. As leis civis,

pelo contrário, permitem que os homens vivam em paz e segurança, protegidos pela força do

Estado dos perigos que possam levar-los à morte. O direito de resistência poderá ser evocado

nos casos de violação à vida e à segurança pública, finalidade última do Estado.

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Capítulo 1

A TEORIA DA OBRIGAÇÃO POLÍTICA

1-O Problema da Filosofia Política Moderna

Antes de passarmos para a análise e discussão dos princípios e teses da filosofia

política de Hobbes, tal como é apresentada no Leviatã, é preciso contextualizá-la no interior

da temática mais geral da filosofia política moderna, da qual Hobbes é uma das expressões

mais importantes.

Podemos dizer que o problema da filosofia política moderna é também o problema

do mundo político, a saber: como é possível legitimar e justificar a limitação das liberdades

individuais por parte do Estado, ou seja, por parte de um ordenamento jurídico-político

constituído por leis que preveem sanções, caso os indivíduos não obedeçam a elas? Em

outras palavras, sob que condições, indivíduos supostamente originalmente livres poderiam

considerar justa a limitação e restrição dessa sua liberdade por uma autoridade externa que os

ameaça com sanções e penalidades em caso de desobediência?

Porém, antes de prosseguirmos, precisamos nos entender aqui sobre o significado da

palavra “liberdade” nesse contexto. Liberdade diz respeito aqui à liberdade externa, à

liberdade do arbítrio, à liberdade que consiste em não sofrer nenhum impedimento externo na

busca de obtenção do que se deseja. Desse modo, ela se distingue da liberdade interna ou

liberdade da vontade, que está relacionada à capacidade de o indivíduo tomar,

autonomamente, posição diante dos seus próprios desejos. A primeira é a liberdade de que se

ocupam a filosofia política e a do direito; a segunda é típica da moral ou ética.

Isso posto, parece que a questão acerca da possibilidade de justificar e legitimar o

Estado tem de ser respondida na negativa, pois o Estado se constitui justamente como uma

restrição externa à liberdade. E é exatamente isso que concluem as utopias sociais em geral.

Contudo, em contraposição às utopias sociais em geral, os teóricos da filosofia política

moderna consideram que a autoridade do Estado e a limitação das liberdades individuais que

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ela acarreta são, por assim dizer, um “mal necessário”. Eles consideram que uma ordenação

social completamente livre de autoridade externa e capaz de aplicar sanções só é possível,

como escreveu Rousseau, “para um povo de anjos”, mas não para simples seres humanos.

Desse modo, o que deve ser rejeitada não é a implementação de autoridade e leis externas,

mas o autoritarismo e o despotismo. Naturalmente, a questão toda está no estabelecimento de

critérios segundo os quais avaliamos se e quando um determinado ordenamento político-

jurídico extrapola em seu direito à limitação e à restrição das liberdades externas e se torna

despótico.

De acordo com o modelo de solução para esse problema propugnado pela escola de

filosofia política dominante, havia até pouco tempo, nos países de língua inglesa, a saber: o

utilitarismo1, segundo o qual um ordenamento político-jurídico será considerado justificado

em sua limitação das liberdades individuais, na medida em que for capaz de maximizar o

bem-estar ou felicidade dos indivíduos a ele submetidos. Na verdade, o princípio utilitarista

foi interpretado de diversas maneiras, mas ele prega, essencialmente, que o máximo bem-

estar ou felicidade da maioria é uma razão suficiente para considerar justo o Estado, pois a

promoção da felicidade geral seria exatamente a função do Estado. Com isso, o utilitarismo

poderia, por exemplo, vir a admitir como justos ordenamentos político-jurídicos constituídos

por ditaduras militares, desde que trouxessem mais prosperidade e felicidade pelo menos para

a maioria, o que não nos parece correto.

Em contraposição tanto ao utilitarismo quanto às utopias sociais, temos as assim

chamadas teorias do contrato ou, simplesmente, contratualismo, que busca fundamentar e

legitimar o Estado por meio da concepção de um contrato social. Diferentemente do

utilitarismo, que se orienta pelo conceito da felicidade geral e das utopias, que pregam a

abolição do Estado e da coerção externa. O contratualismo põe o foco no conceito da justiça

com que ordenamentos político-jurídicos inevitavelmente restringem a liberdade dos

indivíduos mediante sanções, ou seja, no conceito da justiça política.2 Entre os autores

contratualistas, temos o próprio Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau,

Immanuel Kant e, mais recentemente, John Rawls. Apesar de suas doutrinas apresentarem

1- Utilitarismo: As atitudes que geram maior bem-estar social são as ações mais úteis. Os utilitaristas usam a cientificidade

guiada pela política para obter retorno. A visão utilitarista explica a sociedade nos séculos XVII e XVIII, a partir de uma

ordem natural sobre o cumprimento de leis regulando as ideias e se opõe aos conceitos morais. 2-

Em outras palavras, justiça aqui não diz respeito a uma das virtudes dos indivíduos, quando dizemos que uma pessoa é

justa em suas ações para com os outros, mas a uma característica de todo um corpo político. A justiça pode ser muito

diferente nos dois casos, porque o que é justo do ponto de vista do indivíduo pode não sê-lo do ponto de vista do Estado, e

vice-versa.

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diferenças significativas entre si, há, contudo, pontos de convergência e de semelhança entre

elas que permitem classificá-las como contratualistas. Apresentaremos sucintamente a seguir

alguns desses pontos comuns.

Em primeiro lugar, o ponto de partida dessas teorias é o reconhecimento da

necessidade de legitimação das relações constitutivas do Estado. Isso significa que seus

teóricos levantam questões de caráter normativo, ou seja, sobre o que deve ser, e não

questões empíricas e descritivas, i.e. sobre o que é, existe ou existiu. Por isso, é preciso que

fique bem claro logo de saída, quando eles falam de um “contrato social” ou mesmo de um

“estado de natureza” anterior a esse contrato, não estão pretendendo fazer descrições de

eventos historicamente localizados, mas uma reconstrução racional das condições de um

ordenamento político-jurídico idealmente justo. Numa palavra, o objetivo das teorias

contratualistas em geral é fornecer uma concepção de Estado idealmente justo, com base na

qual poderíamos avaliar o grau de aproximação a esse ideal por parte dos Estados realmente

constituídos no tempo e no espaço.

Em segundo lugar, deve-se observar que, do ponto de vista da compreensão do

homem e do mundo, o contratualismo está dentro da tradição do Renascimento. Isso significa

que a referência última da legitimação do Estado é o indivíduo supostamente originalmente

livre. Ou seja, quem tem o dever de se legitimar é o Estado frente aos indivíduos livres, e não

o contrário. Além disso, como foi observado acima, a liberdade em questão é a liberdade

externa, a liberdade de ação ou liberdade do arbítrio, e não a liberdade interna, a liberdade da

vontade.

Do que foi dito imediatamente acima, decorre, em terceiro lugar, que o Estado é

compreendido pelos contratualistas como uma restrição ou limitação não natural, ou seja,

artificial, da liberdade natural e originária característica dos indivíduos. Assim, o Estado é

por eles concebido como exercendo uma restrição artificial à liberdade dos indivíduos, e não

como a realização da própria natureza ou télos, ou seja, da finalidade ou fim dos seres

humanos, como o era, por exemplo, para Aristóteles, segundo o qual “o homem é um animal

político”, ou seja, segundo o qual o homem fora da pólis perde sua identidade, pois é algo

totalmente contrário à sua própria natureza.3 Desse modo, para o pensamento político da

Antiguidade clássica, a pergunta pela legitimação do Estado simplesmente não se coloca,

pois seria como se o indivíduo se descaracterizasse sem a política na sua formação. Em 3- Política - 1253 a 2

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contraposição a isso, exatamente por conceberem o Estado como constituindo uma restrição

artificial e imposta de fora sobre a natureza do indivíduo, os contratualistas sustentam que o

Estado tem de ser legitimado, que ele tem de se justificar diante do indivíduo.

Isso explica também o sentido de parte do título desse trabalho. Com efeito, quando

Hobbes concebe o Estado como um homem artificial, está justamente expressando o

reconhecimento desse caráter de artificialidade do Estado, ao mesmo tempo em que nutre a

expectativa de que, concebido o mais próximo possível à luz da natureza do próprio homem,

i.e. tendo por base a antropologia, o Estado possa se constituir como justo e legitimado diante

dos seres humanos.

Em quarto lugar, tendo por base esse axioma da liberdade original dos indivíduos, o

contratualismo sustenta que a justificação/legitimação do Estado só poderá ser feita se for

possível obter o assentimento de todos os concernidos igualmente considerados. O Estado

tem de aparecer como igualmente justo aos olhos de cada indivíduo.4

A resposta dos contratualistas ao problema da justificação e legitimação do Estado

obedece geralmente à seguinte sequência: a) Eles começam com a sua concepção do estado

de natureza, ou seja, de uma situação imaginária em que os indivíduos viveriam em

sociedade, mas não numa sociedade civil, isto é, sem o reconhecimento de autoridade e de

leis externas. A partir dessas considerações sobre como seria a situação sem as restrições

impostas pelo Estado, eles concluem então que tal situação seria insustentável por gerar uma

série de consequências nefastas para os próprios indivíduos; b) A solução para essa situação

insustentável parece então consistir na instituição de uma restrição recíproca das liberdades

individuais originárias; c) Mas essa restrição recíproca das liberdades tem de ser

consubstanciada num pacto, num acordo comum, numa palavra, num contrato imaginário,

celebrado por homens livres e que fundaria um Estado que poderia ser considerado como

igualmente justo para todos.

4-

Essa ideia fundamental sobrevive na versão contemporânea do contratualismo, proposta por John Ralws em A Theory of

Justice, mais exatamente, na sua concepção da justiça como “fairness”. – Contudo, poder-se-ia aqui talvez questionar se

seria aceitável aos olhos de indivíduos racionais e lúcidos a concepção de um Estado absolutista, tal como a defendida por

Hobbes, segundo a qual, para garantir a preservação da própria vida, os súditos deveriam abrir mão de todos os meios de

violência e de defesa e depositá-los aos pés do soberano absoluto. Nessa altura, não temos ainda condições de tratar

adequadamente dessa questão, mas poderíamos lembrar a esse respeito que, em face da ameaça de mais ataques

terroristas logo após o 11 de Setembro, os cidadãos americanos, normalmente tão ciosos de sua liberdade e privacidade,

não fizeram grandes objeções à renúncia substancial dessa liberdade em troca da segurança pessoal.

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As diferenças entre os contratualistas resultam das diferentes concepções do estado

de natureza e, por conseguinte, do tipo de ordenamento político-jurídico necessário para dar

conta dos problemas resultantes daquele estado pré-estatal.

1.1- Hobbes e o seu Tempo

Hobbes faz um estudo etnográfico para explicar a condição nefasta em que vivem

os homens no estado de natureza e elabora uma doutrina contratualista capaz de dizer que

tipo de Estado civil surge para dar conta dos problemas causados pela selvagem guerra de

todos contra todos no estado anterior à sociedade.

Thomas Hobbes, de fato, foi um filósofo político, preocupado em entender como a

sociedade civil se estabelecia e qual a importância de os súditos obedecerem ao poder

concedido ao Estado. Portanto, não existiam correntes intelectuais, no seu momento de vida,

dotadas de ideias capazes de explicar as razões da importância da política para a vida dos

homens movidos até então por suas paixões.

Antes dos estudos de filosofia política de Hobbes, a transferência de poderes dos

súditos para o rei era derivada de uma vontade divina. A Igreja pretendia a unificação da

humanidade dentro de uma cultura cristã e tratou de criar uma fundamentação para justificar

o seu poder na estrutura do Estado. O rei, quando ordenava aos súditos, era imediatamente

obedecido, pois, se ele mandasse matar, era prontamente atendido já que seus poderes eram

divinos.

No Estado medieval, a ordem hierárquica exigia dos súditos que obedecessem ao

Estado em consonância aos preceitos ditados pelos reis e fundamentados por dogmas e

crenças5 estabelecidos por meio da metafísica teológica6. O período da Inquisição, no qual a

Igreja ordenava a morte dos infiéis descumpridores de tais dogmas, foi estabelecido

justamente com a Escolástica7 e perdurou até o Iluminismo. As ordens ditadas pelo soberano

não exigiam um fundamento por justificativa prática, mas por meio da moral cristã

estabelecida pelo clero por meio da intervenção política. Esse pensamento vai ao encontro da

5 -Teo – místico: forma de compreensão do mundo com a explicação mitológica dos fatos.

6- Metafísica teológica: Conceitos sobre a sociedade criados por uma explicação teológica do cosmo.

7-Escolástica: é a filosofia fundada na tentativa de criar uma justificação racional para os dogmas religiosos, ou seja,

interligando a razão com elementos da fé. O pensamento escolástico introduz uma ética cristã, opondo-se à filosofia

clássica e helenística, ao revelar verdades baseadas na crença da providência divina.

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teoria do direito divino formulada na concepção de que a soberania é concedida por Deus.

O jurista Jean Boudin (século XVI), autor da obra Os Seis Livros da República,

afirma que o soberano é escolhido por Deus e os súditos devem prestar obediência somente a

ele. Essa teoria desagrada a Sua Santidade, o Papa, e à ideologia da infalibilidade do seu

poder, cuja intermediação com os homens ocorria perante a Igreja Católica. A teoria de

Boudin afirma uma autoridade divina sustentando o poder concedido ao rei sem a

interferência do clero.

Na concepção do ministro de Luís XIV no século XVII, Jacques Bossuet, numa

obra chamada Poética Segundo as Sagradas Escrituras, a autonomia do Estado advém do

soberano porque este é o próprio Deus. Bossuet afirma o poder do rei como ação de Deus,

isto é, o soberano é a encarnação divina em sua atribuição pessoal.

A superação do clero como elemento fundamental do Estado faz parte do desmonte

institucional promovido pela nacionalização da Igreja à medida que os Estados-nações se

consolidaram. A Igreja, principalmente nos países ocidentais, se reestruturou com a crença de

que os homens têm o livre-arbítrio e guiam-se pela fé na sociedade.

Nicolau Maquiavel criou a ciência política moderna no século XVI com a obra O

Príncipe, atribuindo ao soberano a capacidade de ação política dotada de virtudes e

encarnando a pessoalidade excepcional. Dessa forma, a soberania se faz na sua ação política.

O monarca tem todos os poderes em suas mãos, igualando-se a Deus, contudo não emana de

Deus a obediência dos súditos, mas do emprego da racionalidade para atingir os objetivos do

soberano.

Maquiavel estava preocupado em garantir à Itália a consolidação do Estado-nação e

via a Igreja como a causadora principal da fragmentação do território desse país. Com Roma

no centro da Itália e o poder eclesiástico em franco declínio, ocorre a dissolução da

centralidade da Igreja católica na Europa, após o aparecimento das igrejas nacionais e da

doutrina teológica do protestantismo. O pensamento religioso metafísico, segundo o autor, se

opunha ao racionalismo político pelo qual deveriam se guiar os príncipes para manterem

sólidas as bases dos seus reinados.

Ele empregou o método empírico e dedutivo, com o qual analisou diversos

principados conquistados e arruinados, mantidos pelas armas ou pelas virtudes dos

soberanos. Suas ideias foram dedicadas ao rei numa receita de como controlar o Estado, a fim

de evitar sua dissolução por guerras ou pela fraqueza de poder.

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O Renascimento trouxe à tona a descoberta de livros que eram proibidos pelos

eclesiásticos. Constituiu-se em uma atitude política de valorizar a ética humana clássica que

se perdeu com o domínio da filosofia revelada pela fé como visão da verdade única do

mundo. É nesse aspecto que o Renascimento é composto pela razão, no sentido cósmico,

genérico e intelectual. No aspecto político, significou o fim da autonomia da Igreja no poder.

O Iluminismo, que se concretiza, a partir do século XVIII, aparece com outras ideias

Com o surgimento de diversos campos de estudos científicos como a fisiologia, a sociologia,

a filosofia como ciência, tivemos uma oposição e uma ruptura com a teologia.

No século XVII, a metafísica teológica como explicação do cosmo ainda iria gerar

questões relacionadas à cosmovisão das verdades da fé; contudo, enfrentou uma mudança de

paradigmas com o surgimento da revolução científica, justamente com as descobertas dos

físicos, matemáticos e astrônomos como Copérnico, Galileu e Newton sobre o universo.

O tempo de Hobbes é igualmente marcado pelo avanço dos estudos das ciências

naturais e a formulação de uma ordem natural. Temos o filósofo Galileu Galilei, com quem o

próprio Hobbes se encontrou em 1636, em uma viagem à Itália, onde conversaram sobre as

descobertas científicas naturais dos movimentos dos corpos ligadas à física e à matemática. O

objetivo de Galileu era explicar a universalidade pelo método de observar os fenômenos que

ocorrem na natureza.

Apesar de Galileu quase ter sido queimado pelo clero, suas ideias serviram como

oposição aos dogmas da Igreja que explicavam tudo pela visão metafísica teológica. As

respostas encontradas por Galileu sobre as causas naturais incomodavam justamente por

estabelecerem uma episteme8, isto é, um conhecimento lógico formal, o que constituía uma

concepção de mundo criada e creditada por uma cientificidade. Antes das respostas

encontradas por ele, todos os fenômenos naturais eram justificados com elementos da fé.

Temos Isaac Newton com a teoria da gravidade, sustentando uma lei física capaz de

dar sentido ao que antes não possuía nenhuma lógica, tal como era estabelecido pela visão

metafísica, ao preencher o sentido com coisas irracionais para explicação de os corpos caírem

obedecendo a preceitos doutrinários explicados por uma lei física (Koyré, 2002).

Todos os grandes intelectuais dos séculos XVI e XVII se dedicaram a sistematizar

princípios por meio de argumentos lógicos. As ideias naturalistas desse período buscavam

compreender o social pelos estudos da física e da astrologia. Assim, poderia parecer

8-Epistemologia: conceitos dotados de lógica formal que estudam o método de conhecer.

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impossível um filósofo, apesar da grande influência das ciências naturais, não se deixar levar

pelas inovações do método de observação de fenômenos.

Na realidade, naquele período ainda não havia muito clara a noção de ciência que,

na verdade, era uma vaga concepção que buscava explicar uma coisa que você realmente

consegue observar, como exemplo: nas ciências naturais. Contudo, a cientificidade do

período é dotada de uma apuração de fatos na busca de uma sistematização lógica do

conhecimento.

Por outro lado, a metafísica definida pelo pensamento vago, sem nenhuma

fundamentação prática, empírica e sem uma formalidade lógica e racional, tinha o objetivo de

modificar atitudes e ações. O pensamento da Igreja era definir todas as coisas pela visão

dogmática da crença em Deus.

Dessa forma, a grande ambiguidade pela qual os filósofos do tempo de Hobbes

passavam era, na verdade, a superação de paradigmas da filosofia escolástica com a transição

para o século das luzes, o que relegou o lugar da filosofia a um segundo plano com as leis

físicas e o método das ciências naturais.

Thomas Hobbes estuda, no seu tempo de vida, autores como Euclides e o método

empirista dos cientistas naturais do seu período. É influenciado pelas descobertas biológicas

sobre a circulação do sangue no organismo humano e constrói um idealismo dos povos

nativos da América que, segundo o autor, viveriam sem leis ou poder.

Além do método experimental, uma descoberta revolucionária no campo da biologia influenciou sobremaneira o status do pensamento filosófico: a descoberta da circulação do sangue e o mecanicismo biológico. Quando o médico inglês Willian Harvey (1578-1657) publicou o livro Exercitatio Anatomica de Motucordis et Sanguinis (1628), expondo a teoria da circulação do sangue, causou mais um forte golpe na tradição galênica e fixou um ponto cardeal da fisiologia experimental. (Ismar Dias, 2002, p.33).

A obra escrita por Harvey leva Hobbes a compreender o corpo humano como uma

máquina funcional operando num fluxo contínuo do sangue bombeado pelo coração e que

depois de percorrer o corpo todo retorna ao ponto inicial, por isso a metáfora empregada pelo

autor sobre o Estado ser um artifício da criação humana como as peças de uma máquina que

são encaixadas para lhe atribuir vida.

O final do século XVI é marcado pelas constantes guerras entre os Estados-nações

europeus. Em antagonismo aos valores católicos, ocorria a reforma protestante, as disputas

pela hegemonia das rotas comerciais ao redor do mundo, o processo de formação dos

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Estados- nações europeus e a independência de colônias conquistadas pelas armas. O autor

diz que o medo era seu irmão gêmeo, devido à ameaça de uma possível invasão espanhola à

Inglaterra no momento do seu nascimento.

O século XVI é marcado pelas frequentes conquistas marítimas provocadas pela

expansão mercantilista. A Inglaterra, por ser uma ilha, disputava os mares em busca de

suprimentos que não tinha condição de cultivar. Os espanhóis eram os mais prejudicados com

os constantes saques dos piratas ingleses contra seus navios cargueiros abarrotados de metais

preciosos e especiarias provenientes das colônias orientais e americanas. Portugal, em 1588,

se encontrava sob o domínio do rei Felipe II da Espanha por razão do desaparecimento do rei

lusitano numa batalha no continente africano contra os povos nativos, o que levou a uma

intervenção espanhola e ao domínio da coroa portuguesa.

Os conflitos provocados pelos saques dos piratas ingleses são agravados por

desavenças de posições religiosas entre as duas potências. Os espanhóis, representados pelo

rei Felipe II, apoiavam a Igreja Católica; a rainha Elizabeth II apoiava a causa protestante. A

trama dos espanhóis era depor a rainha Elizabeth II e substituir o trono com a rainha católica

escocesa Maria Stuart. O plano falha com o assassinato de Maria Stuart, e o conflito entre as

nações tem início. Os espanhóis lançam a Invencível Armada contra a ilha anglicana, mas são

derrotados pela astúcia da esquadra britânica ao aproveitar os ventos favoráveis, durante uma

tempestade, para lançar navios incendiários contra a formação dos inimigos.

Portanto, vemos por que nosso autor se deixou dominar pelo medo das constantes

guerras de seu tempo, e isso é decisivo para sua compreensão da estrutura e dos objetivos do

Estado. O método empírico, a mecânica dos corpos fisiológicos e o medo de guerras

permanentes levam Thomas Hobbes a definir uma epistemologia antropológica sobre a

condição humana. O autor procura demonstrar como o Estado, cujo objetivo é garantir a

seguridade pública e eliminar os riscos à preservação da vida dos seus membros, está

organizado pelo aparato jurídico na organização dos indivíduos,

No século XVII, a obra de Thomas Hobbes inaugura uma nova visão sobre os

poderes do clero em relação ao Estado. Hobbes foi o fundador do conceito de Estado

moderno por elaborar uma doutrina explicando o momento em que os homens decidem-se

por aceitarem ser governados. Com isso, rompe com a metafísica teológica e dedica-se a

encontrar a lógica formal da convenção que legitima a organização social e política entre os

homens.

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Até o pensamento de Hobbes, os argumentos políticos tentavam se desvencilhar da

Igreja como elemento da organização burocrática estatal. Contudo, a Escolástica sempre se

manteve por meio do culto ao livre-arbítrio, ou seja, em justificar que os indivíduos exercem

o pensamento e são donos das suas próprias escolhas, reforçando o vínculo entre a fé e a

obrigação do Estado. Logo, o papel da Escolástica neste período foi garantir que os

elementos metafísicos se compatibilizassem entre os homens e os obrigassem a respeitar as

leis da Igreja por meio das leis de Deus em consonância com o Estado.

Muitos filósofos dos séculos XVII e XVIII passaram a explicar a sociedade pelo

conceito de ordem natural influenciados, pelas leis da física e do método das ciências

naturais. Hobbes se desapega das leis físicas criadas por Galileu e Newton, no que tenciona

outros filósofos a estabelecerem conceitos que regulam o social por princípios naturais.

A teoria de Hobbes ultrapassa e contraria a visão da ordem natural do homem como

animal político, tal como era explicado na teoria aristotélica sobre a origem do Estado na

obra Política. Ele entende que o estado de natureza é violento e que, sem o Estado civil, não

haveria a ordem social.

Hobbes cria uma teoria contratualista, cuja finalidade é explicar a ordem social,

assim como outros filósofos posteriores, dentre os quais podemos citar: Locke, Rosseau e

Kant. Essa teoria surge no momento em que os homens abandonam o estado natural. Do

contrato social, nasce a sociedade civil e política, instituída por um poder centralizador

expresso pelas leis, cujo preceito são deveres, mas só existem na decisão dos indivíduos de

abrirem mão da liberdade natural. Contudo, não são leis físicas, mas leis que regulam a

condição dos homens vivendo em sociedade.

Thomas Hobbes cria uma concepção antropológica para explicar a natureza humana

precedente à sociedade civil. Mesmo não havendo a noção de método etnográfico nesse

período, o autor faz uma idealização do modo de vida humano antes de aceitar o contrato

social. Nesse estágio, o homem é um ser insociável e luta contra outrem por status. A vontade

de poder o move em suas paixões na forma de submeter o maior número possível sob posse.

Posteriormente, outros autores contratualistas usaram o mesmo método. Podemos citar

Rousseau na obra Do Contrato Social, estabelecendo o mito do ‘‘bom selvagem’’.

Hobbes diz que a sociedade é uma invenção da arte humana e que o Estado é um ser

artificial projetado para proteger o homem dele próprio, por isso a frase: ''O homem é o lobo

do homem'', pois, sem leis coercitivas e poder coativo, não viveríamos em sociedade.

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A interpretação política de Hobbes rompe de vez com a compreensão aristotélica do

homem como animal político, sociável por natureza, que encontra no Estado a sua

autorrealização, devido a uma evolução natural. No pensamento filosófico hobbesiano, o

Estado é uma convenção originada da ruptura do estado de natureza e tem a finalidade de

preservar a vida dos homens dos inconvenientes da guerra de todos.

Na teoria contratualista de Thomas Hobbes, temos como a fonte do Estado o

consentimento. A causa da formação do Estado não é natural, como pensava Aristóteles.

Portanto, existe a necessidade de um poder coercitivo. O Estado hobbesiano é artificial, é

uma invenção humana e a vida em sociedade só é possível após a sua instituição.

1.2- O Estado de Natureza

Thomas Hobbes é um filósofo político do jusnaturalismo ou Direito de

Natureza e defende a ideia de que o homem tem a liberdade de usar seu próprio poder na

manutenção da sobrevivência. Ele é livre para usar o arbítrio sem restrições, conforme sua

razão ordenar, para preservar a vida, empregando todas as artimanhas para essa finalidade.

O estado de natureza para Hobbes é trágico devido aos perigos, pondo em risco a

vida dos indivíduos numa guerra incessante de todos contra todos. A anarquia caracteriza o

homem vivendo por suas inclinações sem restrições.

Com isto torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. (Hobbes, 2008, p.109).

Na guerra nada é considerado injusto, não há noção de justiça. Os indivíduos são

iguais em força, em astúcia e temem que outro venha lhes roubar os bens ou causar-lhes o

mal, pois todos são capazes disso. O caos instalado entre os indivíduos na luta pela satisfação

das necessidades vitais traz consequências nefastas. Hobbes (2008, p.109) afirma: ''de modo

que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a

competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.''

No estado de natureza, não existe ordem, por isso o conceito de liberdade natural

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decorre da total ausência de regras, impossibilitando uma organização jurídica coercitiva.

Sem governo, os indivíduos seriam motivados pelas paixões e encontrariam limites pelo

choque de forças com seus rivais. Os homens, vivendo na pura barbárie, são caracterizados

por Hobbes como selvagens, insociáveis e dotados de uma natureza agressiva capaz de

colocar a vida dos seus semelhantes em risco na luta pelas satisfações pessoais.

A ausência de mecanismos de controles externos proporciona aos indivíduos o

estabelecimento de um tipo de liberdade hostil ligada à ânsia de poder, ou seja, existe a

vontade de ser o homem mais poderoso. É esse o desejo que motiva a ruína já que, sendo

todos iguais e astutos na mesma proporção, não existe um único ser capaz de sobressair-se

sobre os demais de acordo com a própria natureza.

O uso do poder pessoal é empregado subjetivamente por cada um dos homens na

satisfação das suas paixões, não existe um compromisso entre eles de usarem moderadamente

suas forças. Cada qual trama para subjugar outros ao seu poder pessoal e não existe paz

quando se pretende estabelecer laços familiares ou de propriedade, pois a falta de segurança e

de meios de preservação da integridade física torna os laços de sociabilidade impossíveis.

Não existe no estado de natureza o acatamento de um juízo comum, apenas o uso

indiscriminado da força de acordo com a capacidade de julgamento individual sobre o que é

melhor para si. Os homens, não sendo sociáveis por natureza, não necessitam de regras para

sobreviverem e boas maneiras para tratarem seus iguais. Havendo a disputa por bens

externos, não podemos dizer que haja uma distribuição proporcional ou a racionalidade de

uma justiça comutativa ou distributiva9.

O estado de natureza é, para o homem, um espaço de estratégias e armadilhas para

ver qual deles obteria maior sucesso ao deter o maior número de bens pessoais concentrados

ao seu próprio status. O emprego da racionalidade na busca dos fins individuais é uma prova

da motivação por impulsos desmedidos, porque não existe a satisfação pela alocação de

recursos ou um plano de controle sobre eles. O autor afirma que os homens disputam esses

bens e tramam no seu íntimo o agir para tal finalidade ser obtida com melhor êxito diante de

seus rivais.

9- O conceito hobbesiano de justiça se refere às ações. A justiça distributiva remete-se à equidade e à imparcialidade do

julgamento por um árbitro. A justiça comutativa relaciona-se ao cumprimento dos acordos pactuados e dos contratos

estabelecidos entre os indivíduos.

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Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem. (Hobbes, 2008, p.112).

No estado de guerra, os indivíduos não gozam da plenitude de serem livres, pois a

ausência de regras impossibilita o convívio e a cordialidade, isto é, os inconvenientes

causados pela guerra impedem a propriedade e a garantia de suas vidas. O homem torna-se o

seu carrasco porque sem leis todos têm direito a todas as coisas. Não existe posse de terra,

bens e sequer o homem conta com uma formação familiar. No estado de natureza, apenas as

paixões impulsionam as ações humanas, o que acarreta a guerra permanente, devido à

ausência de impedimentos externos.

Hobbes afirma não existir um plano de governo no estado de natureza porque cada

um se autogoverna como a sua razão lhe indicar mediante a ausência de impedimentos e na

satisfação de desejos. Os homens têm direitos iguais sobre todas as coisas, podendo empregar

seus esforços como bem desejarem na busca de satisfação das necessidades vitais e para

protegerem-se dos inimigos.

E dado que a condição do homem (conforme foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado pela sua própria razão, e nada havendo de que possa lançar mão que não lhe ajude na preservação da sua vida contra os seus inimigos, segue-se que numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, até mesmo aos corpos uns dos outros. (Hobbes, 2008, p.112).

A lei de natureza não é a ‘’conditio sine qua non’’ para estabelecer o pensamento

da importância da imparcialidade no julgamento, por isso não institui uma república, mas

provoca a vontade de mudança de um estado sem leis para uma atitude regulada pelas leis

civis. O desejo de uma vida sem inconvenientes motiva a renúncia ao direito a todas as coisas

na renegação do poder pessoal pela busca da paz. Cabe às leis morais o despertar consciente

da necessidade de mecanismos de controle que assegurem eficazmente uma organização

coercitiva.

As convenções que sejam firmadas segundo um contrato de confiança recíproca – quando portanto nenhumas das partes cumpre prontamente o que lhe compete -, se por acaso

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ocorrer a qualquer uma delas uma justa suspeita, são inválidas no estado de natureza. Pois aquele que primeiro cumprir – devido à perversa disposição da maior parte dos homens, que perscrutam sua própria vantagem sem se importarem se os meios são corretos ou errados – expor-se-á a vontade maldosa daquele com quem contratou. (Hobbes, 2002, p. 44).

No estado de natureza, não existem conceitos de bem e mal, de justiça e injustiça e

de certo e errado. Não há restrição e todos podem tudo, mesmo que venham a roubar, a

matar e a contradizer os princípios e valores dos outros. Não há o princípio da imparcialidade

das ações e atos referentes ao cumprimento dos pactos efetivados entre os indivíduos.

O segundo aspecto que radicaliza o contexto da liberdade é a ausência de consenso sobre o que é o bem ou mal, isto é, a ausência de regras que determinem e tornem possível a efetivação de um domínio moral. Cada qual julga o bem e o mal na profusão dos seus desejos e de suas experiências mundanas. ( Bernardes, 2002, p.37).

A busca pela paz transforma-se em uma meta ou um objetivo comum, devido às

consequências da grave crise no estado hipotético estabelecido pelo autor, denominado

estado de natureza. O caos leva ao desejo de buscar a paz na certeza de que haverá a

segurança e a estabilidade para a conservação da vida.

As leis de natureza predispõem às virtudes morais tais como: a justiça, a paz e a

caridade. Contudo, não tratam da equidade entre os homens já que Deus os dotou das

mesmas capacidades naturais. O homem no estado natural adquire consciência das virtudes

morais por meio do preceito estabelecido pela reta razão, ao passo que conhece as leis

naturais eternas e as põe gradativamente no lugar antes preenchido pelas suas paixões.

Como a razão declara que a paz é uma coisa boa, segue-se, pela mesma razão, que todos os meios necessários para a paz igualmente o são; e, portanto, que a modéstia , a equidade, a confiança, a humanidade, a misericórdia, (que demonstramos serem necessárias para à paz) são boas maneiras ou hábitos bons, isto é, virtudes. Em consequência, a lei ordena também como meios para a paz, que tenhamos bons modos, ou seja, que pratiquemos as virtudes: e por isso ela é dita lei moral. (Hobbes, 2002, p. 72).

São as leis de natureza que formam uma conscientização nos indivíduos de que é

preciso organização para pôr fim à barbárie, mas elas em si não encerram os elementos

fundamentais para alicerçarem a república. Hobbes acredita que são uma sistematização

racional dos homens, sugerindo que tenha qualidades virtuosas. Contudo, não são

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suficientemente capazes de gerarem a sociedade civil.

1.3- As Leis de Natureza

As leis de natureza não são leis que explicam a física, a química e os princípios

naturais. Elas são leis provenientes da razão natural. Os homens interagiam por impulsos

desmedidos na anárquica condição de guerra do estado de natureza e não tinham a noção de

justiça em suas consciências particulares. O caos provocado pela ausência de regras comuns

transformava as virtudes morais em princípios indicativos da necessidade dos laços de

coercibilidade.

Os indivíduos, vivendo no estado de natureza, percebem que é preciso pôr fim aos

perigos do caos perpétuo; pois, à medida que os homens decidem não mais viverem sem

segurança, eles ainda não possuem um poder comum capaz de protegê-los. As leis de

natureza chamadas de leis morais ou divinas são recíprocas no desejo de buscarem a paz, mas

como fazê-lo sem garantias de justiça já que, no estado de natureza, as paixões egoísticas

sufocam os laços de cordialidade?

As leis de natureza existem‘’in foro interno’’ nos homens e indicam um vazio que

precisa de preenchimento para pôr fim à discórdia. A lacuna começa a ser solucionada no

despertar para a essencialidade de poder comum. Apesar de ser egoísta e impulsionado pelas

paixões, o homem utiliza a reta razão para superar o estado de natureza, por isso ele sabe que,

se persistir na luta pela sobrevivência, jamais alcançará a paz.

As leis de natureza são regras gerais coibindo os homens de destruírem suas vidas

ou privá-los dos meios de preservá-las. Os indivíduos não se entregam completamente,

devido à possibilidade de exposição aos perigos de vida nos casos em que os pactos sejam

desrespeitados. Os princípios equitativos expostos nos preceitos das leis de natureza são

anulados na iminência de riscos à vida, comum onde não há justiça comutativa.

Hobbes (2008, p. 113) estabelece as duas primeiras leis da natureza explicando o

processo de formação da dinâmica social. Os homens, à medida que concordam com essas

leis, tornam-se conscientes da importância de aderirem ao pacto social. A primeira lei

fundamental da natureza, que é um preceito ou regra da reta razão diz: ‘’ que todo homem

deve se esforçar pela paz de todos os modos, mas caso não consiga pode recorrer às

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vantagens da guerra. ’’ A segunda lei de natureza: ‘ ’todo homem concorda na medida em que

considere necessário para a paz e proteção da própria integridade física, em resignar o direito

a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que

aos outros homens permite em relação a si mesmo. ‘’

A sociedade, na teoria de Hobbes, é uma organização estabelecida por uma

convenção entre cidadãos. As leis de natureza não criam os elos que unem os homens, por

meio de virtudes morais, mas os tornam predispostos a procurar a paz, a justiça, a equidade.

As leis de natureza adquirem sua importância ''in foro interno'', porque não temos a garantia

de que, sem um poder comum todos, os indivíduos vão cumpri-las.

Caso não houvesse a necessidade de um poder comum, poderíamos afirmar que as

leis de natureza seriam elementos imprescindíveis à obediência dos súditos e às leis civis do

Estado. Contudo, sempre vai haver o peso da recusa entre os indivíduos em aderirem às leis

de natureza no estado natural, já que a condição nefasta advém dos males do próprio homem

agindo por honra, por glória, por egoísmo e por todas as paixões naturais como fins.10

A viabilidade das leis de natureza está no nível da conscientização dos

inconvenientes, pois soberano no estágio anterior à ordem social faz com que as virtudes

morais adquiram seu valor na exata medida em que todos se tornem cúmplices. Mas, no caso

de não cumprimento das partes, as leis de natureza não são capazes de coibir as paixões

humanas. Não são leis publicas e escritas, mas são referentes ao desejo que os homens

possuem de alcançarem a paz em plena segurança.

Mas – como, em sua maior parte, os homens, ainda que eventualmente reconheçam tais leis, devido a seu perverso desejo de vantagens imediatas, são totalmente inaptos para observá-las-, se porventura alguns, mais humildes que os demais, viessem a exercer aquela equidade e disposição de se mostrarem úteis que a razão ordena, certamente não estarão sendo racionais adotando uma tal atitude caso os outros não se portem da mesma forma. Aliás, assim não conseguirão paz para si mesmos, mas uma certíssima e pronta destruição, e portanto quem cumprir a lei se tornará presa fácil de quem a viola. Por conseguinte, não se deve imaginar que a natureza (ou seja, a razão) obrigue os homens no estado de natureza a observar todas aquelas leis, se outros não as respeitarem. Enquanto isso, estamos obrigados a uma disposição mental no sentido de cumpri-las, qual elas foram feitas. E disso devemos concluir que a lei de natureza sempre e em toda parte obriga ''in foro interno'', ou na corte da consciência, mas nem sempre ''in foro externo'', e neste apenas quando puder ser cumprida com segurança.. (Hobbes, 2002, p.70).

10

- O ''problema do carona'' formulado por Thamy Progrenbschi (2002) justifica a insatisfação de alguns indivíduos com a

efetivação do contrato. Estes são levados junto com a maioria e estão opostos à sociedade civil, justamente por não

reconhecerem benefícios na associação.

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A essência da lei de natureza, apesar de ser semelhante a um dos dez mandamentos

bíblicos expresso na proposição ''Ama ao próximo como a ti mesmo'' e complementado pelo

Evangelho com ''não faças ao outro aquilo que não gostarias que outrem te fizesse’’, na

realidade é empregado pelo autor como um pensamento assertivo de reciprocidade com o

qual justamente garante que os homens guiem suas ações por princípios morais e não se

deixem guiar por suas paixões naturais.

Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder que as faça ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. (Hobbes, 2008, p. 143).

Portanto, as leis da natureza não são suficientes por si mesmas para garantirem o

cumprimento do pacto, pois sempre haverá a desconfiança e a impunidade nos casos de

desrespeito, já que não existe um poder comum no estado de natureza, ou seja, nada que

concretamente garanta a paz.

Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente a sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é a condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto. Mas se houver um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente para impor o seu cumprimento, ele não é nulo. (Hobbes, 2008, p 118).

Caso as leis de natureza fossem imprescindíveis para a infraestrutura da república,

realmente não haveria a necessidade de entender quais são os elementos de efetivação do

pacto social. Este é a transferência mútua de direitos, logo obriga o homem a abdicar do

direito natural a todas as coisas pela paz, pois o elo unindo-o socialmente é fruto de uma

obediência garantida pelas leis civis do Estado.

As leis de natureza não restringem as paixões naturais por não haver um poder

coibindo as ações em caso de violação; portanto, ocorre a parcialidade do ato quando não

temos uma legislação preexistente punindo tais situações, o que leva cada um a tender para o

seu próprio lado. Então, aquilo que tomo como correto não exige um mediador para dizer o

que é correto, sigo a minha inclinação e nada mais. Todas as ações humanas no estado de

natureza são provocadas por atos parciais visando à satisfação pessoal, já que atendem apenas

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às paixões irrefletidas da subjetividade na busca da sobrevivência.

O primeiro aspecto do estabelecimento da equidade é a aplicação do princípio da

imparcialidade, ou seja, dizer aquilo que a lei ordena, independente da vontade dos agentes e

sem favorecimento. O estabelecimento de uma legislação comum a todos estabelece aquilo

que é o ato correto. Em oposição às paixões naturais, impedem de sermos parciais, visando

ao proveito próprio. Somente numa sociedade civil regrada, os magistrados, legítimos

representantes do poder soberano, podem dizer a quem pertence o direito e para isso devem

ser imparciais.

Não existe uma neutralidade no pensamento hobbesiano, como dito pelo autor no

capítulo XV. Os homens são obrigados a cumprir seus pactos mediante o poder soberano. É

necessária a justiça capaz de dizer a quem pertence o direito, o que só ocorre com a

imparcialidade no julgamento de um juiz que recorre à lei para aplicar uma sentença.

Numa controvérsia de fato, dado que o juiz não pode dar mais crédito a um do que a outro (na ausência de outros agrupamentos), precisa dar crédito a um terceiro, ou a um terceiro e a um quarto, ou mais. Caso contrário a questão não pode ser decidida, a não ser pela força, contra a lei de natureza. (Hobbes, 2008, p. 135).

As leis de natureza visam à paz; as leis civis garantem uma ordem estabelecida pela

judicatura. Na ausência de um poder que as faça serem respeitadas, temos uma situação

anômica. As regras estabelecidas são obrigatórias e, se não são levadas a sério, instala-se a

crise.

Que todo o indivíduo é juiz das boas e más ações. Isto é verdade na condição de simples natureza, quando não existem leis civis, e também sob o governo civil nos casos que não estão determinados pela lei. Mas não sendo assim é evidente que a medida das boas e das más ações é a lei civil, e o juiz legislador, que é o representante da república. (Hobbes, 2008, p. 273).

Hobbes preocupa-se em descrever uma transposição do homem, de um estado

anárquico para a sociedade civil. No estado selvagem, o indivíduo pode tudo fazer

impensadamente, sem comprometimento com a legalidade, a justiça, a noção de bem e mal.

A ordem social, pelo contrário, é regrada e justificada pelo bem público em detrimento do

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individualismo garantido pelos direitos naturais a todas as coisas.

Na esfera social, há a supressão do individualismo, o que faz com que exista a

sociedade na própria coercitividade elaborada pela imparcialidade das leis, ou seja, dizer

aquilo que é correto que façamos sem discriminar outrem, de acordo com o princípio de

equidade. A sanção é a garantia de cumprimento do acordo mútuo, pois todos os homens são

iguais perante as leis.

Hobbes acredita que a parcialidade dos julgamentos individuais compromete os

laços de justiça entre os homens, pois qualquer um que aplicasse as leis naturais para

justificar uma pretensão o faria a seu favor. Portanto, é preciso um poder maior e imparcial

capaz de, através da formulação das leis, dizer a quem pertence a razão do litígio para pôr fim

à má-fé nos casos de lide.

O princípio da imparcialidade encontra-se seguro pela aprovação de leis que

regulem os fundamentos essenciais à existência da justiça na sociedade civil, pois só teremos

uma ação ilícita e uma conduta antissocial se houver uma sanção para ela. Nos outros casos,

não havendo por parte do estatuto civil uma lei regulando a conduta, poderá ser aplicada a lei

de natureza de acordo com o julgamento individual.

Poderíamos imaginar o problema do 'free-rider' ou do 'carona', defendido por

Thamy Progrebincshi (2002), formulado da seguinte maneira: se após a passagem do estado

de natureza para a sociedade civil os indivíduos que não estivessem satisfeitos com os

benefícios garantidos pelo Estado resolvessem voltar ao estado anterior? Thamy argumenta

que a obrigação dos súditos é anterior ao pacto social e que os indivíduos são compelidos a

aceitar as ordens do soberano por uma obediência às leis morais ou divinas que são as leis de

natureza. Portanto, o contrato social é relegado a um compromisso anterior, regulado pela

autoridade divina sobre os homens.

Os indivíduos insatisfeitos com a sociedade civil tenderiam ao regresso à barbárie,

mas não o fazem porque estão obrigados moralmente a aceitar o Estado civil pelas leis de

natureza, que são leis divinas. Contudo, resta-nos indagar sobre o fundamento do Leviatã e a

essencialidade de suas leis que são decretadas. Todos devem cumprir, ou seja, o Estado não

pede permissão a cada um para tomar uma decisão, o poder é único e sua revogação é

impossível, pois visam ao benefício proporcionado pelo pacto, que é a seguridade contra os

inimigos comuns.

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A finalidade principal do Estado é a de que os homens cumpram com os seus pactos

celebrados, isso porque o contrato é realizado entre os próprios homens, tornando-os

impotentes em prol do poder comum acima deles. Sem o soberano, a sua validade não seria

garantida. A efetividade daquilo que se compromete a ser feito é resguardada na força do

Estado. O descumprimento de uma das partes acarreta a obrigação desfeita e cabe o apelo,

nos casos de lide, ao arbitro oficial, ou seja, ao aparato judicial do Estado.

As leis de natureza não bastam para preservar a paz (…) disso podemos inferir que não basta um homem compreender corretamente as leis naturais para que, só por isso, tenhamos garantida a sua obediência a elas; e por isso, enquanto não houver garantia contra a agressão cometida por outros homens, cada qual conserva seu direito primitivo à autodefesa por todos os meios que ele puder ou quiser utilizar, isto é, um direito a todas as coisas, ou direito de guerra. E basta para que alguém cumpra a lei natural, que mentalmente esteja disposto a abraçar a paz quando ela se mostrar viável. (Hobbes, 2002, p. 91).

Hobbes demonstra que os riscos incessantes inerentes à vida levam os homens a

tenderem à autodefesa e fatalmente instala-se o estado de guerra. Sem uma seguridade

possibilitando a preservação da vida e da integridade física, cada qual tem o direito a todas as

coisas e o direito de empregá-las do melhor modo na preservação da sua própria

sobrevivência. A paz é uma busca interior motivada pelo desejo de melhoria na qualidade das

condições de vida no sentido de longevidade e fim do medo de um ataque surpresa de rivais.

As leis de natureza não obrigam os homens a seu cumprimento, pois o medo

constante de ataques rivais levam os homens a terem desconfiança. Somente sob a proteção

do Estado os homens se sentiriam realmente seguros, pois cessariam os efeitos da

desconfiança entre os indivíduos. O efeito proporcionado pelo poder coercitivo do Leviatã

adverte que a república não pode ser governada pelo poder espiritual, senão se dissolve em

guerra civil. O poder soberano é projetado para garantir a paz e a concórdia.

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1.4- O Pacto Social

A ausência de governo no estado de natureza ilustra o quadro de crise provocado

pelos riscos à vida na anárquica situação de conflito. O autor está preocupado em demonstrar

o perecimento e o sofrimento dos indivíduos na guerra generalizada.

Hobbes estima que a desconfiança e a instabilidade no estado de natureza tornam os

homens improdutivos e inaptos a cooperar uns com os outros, porque lhes faltam justamente

as qualidades essenciais à cordialidade e ao respeito quanto aos bens do labor pessoal. É

impossibilitada a propriedade pelo excesso de valor da honra no desrespeito alheio. Somente

uma força superior os garantiria contra as mazelas da condição de competição inspirada pelas

paixões naturais.

Portanto, tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, infere-se também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua invenção. Numa tal condição não há lugar para o trabalho, pois o seu fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar, não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior de tudo, um medo contínuo e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e curta. (Hobbes, 2008, p. 109).

O pacto social pleno e autossuficiente é provocado pelo desejo de superação da

guerra, isso motiva a renuncia da liberdade natural. A convenção marca a passagem do estado

de natureza para a sociedade civil. Os homens decidem por sair do estado de natureza.

Associam-se, desejando evitar os inconvenientes provocados pela sua vontade de lutar.

A iniciativa dessa atitude é o resultado da posição consciente dos homens, no estado

natural, da importância de terem uma associação pela paz. A obra hobbesiana não contempla

apenas uma visão nefasta do homem, traz por meio da teoria política dentro da sociedade

questões regulando a vivência dos indivíduos e seu acesso a bens primários e secundários que

antes eles não possuíam, como por exemplo: a família, a propriedade, o trabalho e outros.

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de os defender das invasões dos estrangeiros e dos danos uns dos outros, garantido-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante o seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um homem , ou a uma assembleia

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de homens como portador de suas pessoas, admitindo-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que assim é portador de sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e à segurança comuns, todos submetendo deste modo as suas vontades à vontade dele, e as suas decisões à sua decisão. (Hobbes 2008, p. 147)

O medo constante e a instabilidade emocional causados pela insegurança

transformam a capacidade individual em instinto de sobrevivência e autodefesa. Hobbes

aponta quais seriam as paixões que levariam os homens a decidirem-se por melhorias de vida

ao invés de se digladiarem em campos de batalha na ausência de paz.

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de as conseguir por meio do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a um acordo. Essas normas são aquelas a que em outras situações se chamam leis de natureza. ( Hobbes, 2008, p. 111).

A lógica hobbesiana, ao criar o conceito de pacto social, é pôr fim à metafísica

teológica preestabelecida aleatoriamente pela Igreja com a filosofia escolástica. Hobbes

elabora um sistema de direitos e deveres como o objetivo para a reivindicação e a obrigação

dos súditos diante do Estado, ou seja, o poder concedido ao soberano não o isenta de garantir

à sociedade civil a seguridade, pois essa é a finalidade do pacto e a razão de ser estabelecido

entre os homens.

A sociedade civil vai além da esfera metafísica teológica e constrói uma doutrina

contratualista. Define quais são as funções do soberano e por quais motivos os súditos podem

evocar o direito de resistência, mesmo o Estado sendo forte e independente.

A regulação das vivências é produzida para evitar a volta ao caos do estado de

natureza. A coerção é a ordem, pois, sem o Estado, não haveria intersubjetividade e

organização política para a formação da sociedade civil regulada.

E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de as respeitar e quando o poder fazer com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros. Em todos os lugares aonde os homens viviam em pequenas famílias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi um comércio, e tão longe de ser considerado contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida. (Hobbes, 2008, p.144).

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A lógica do pacto social estabelecido é criar laços firmes de proteção e seguridade

no convívio entre os homens no contexto da sociedade civil. Pensar em uma teoria da

autoridade divina como legítima na conservação da obediência dos súditos é reafirmar o

próprio estado de guerra, já que as leis de natureza ditas leis divinas não exercem uma força

coativa e coercitiva autênticas, pois não são válidas e obrigatórias e muito menos são

punitivas nos casos de violação do preceito.

Os poderes são concedidos a um único homem e são irrevogáveis para que se evite a

própria ruína da república. O poder soberano encarna a vontade coletiva e representa a

coletividade numa só pessoa, o soberano legítimo. O pacto é uma convenção marcando a

associação entre os homens e é autossuficiente, porque todos concordam que, sem um poder

único, não haveria a ordem social.

De modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: autorizo e transfiro o meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações. (Hobbes, 2008, p. 147).

A república é uma instituição coletiva. Ao mesmo tempo, suprime as liberdades

individuais concedidas pela liberdade natural irrestrita e ilimitada em prol da vida

estabelecida pelo Estado, por isso cria uma situação de ordem social. O Leviatã, apesar de ser

uma figura do monstro bíblico, não é projetado para justificar uma ordenação divina, pois

tem uma finalidade específica, que é a paz e a defesa. Como Hobbes (2008, p. 147) nos diz:

“ é esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes)

daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus imortal, a nossa paz e defesa”. A

metáfora empregada pelo autor refere-se à ordem estabelecida pelo homem.

A transposição de uma mentalidade que pressuponha inexistência de regras para

uma consciência de sociedade regrada impõe limites bem estipulados aos súditos e daí sim

podemos dizer que temos uma obediência bem clara às ordens do Estado, ou seja, uma

situação de legalidade.

A essência da república, a qual pode assim ser definida: uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por todos como autora, de modo que ela pode usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e defesa comuns. (...) Àquele que é portador dessa pessoa chama-se soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os demais são súditos. (Hobbes, 2008, p.148).

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Hobbes diz que só se formam repúblicas: ou conquistadas pela força natural, ou por

meio de pactos consentidos. As repúblicas políticas são autorizadas por uma convenção que

legitima o pacto social. Então, podemos dizer que os homens viverão em paz e seguridade ao

passo que cumpram com seus pactos uns com os outros, pois, caso contrário, o poder

soberano está autorizado a fazê-los cumprir pelo uso da força.

1.5- O Contrato Social

No estado de natureza, a completa inexistência de instituições políticas eficazes, de

leis, de poderes coercitivos e coativos leva à desordem e, tragicamente, à guerra de todos. O

ato racional de adesão ao contrato social é provocado na superação dos inconvenientes do

estado natural. O autor formula as duas primeiras leis de natureza como o fundamento do elo

entre os homens e, consequentemente, do pacto social. Entretanto, elas por si não são

suficientes para mantê-lo, porque sempre haverá o risco de retorno ao estado de guerra.

Os mecanismos externos de controle têm a finalidade de zelar pela ordem instituída,

cuja força se encontra nos poderes concedidos ao Estado. As ações contrárias às leis civis

serão punidas pela aplicação da sanção prevista.

A justiça comutativa afirma a equidade da lei e a importância do estatuto

estabelecido e veta a violação do contrato mútuo celebrado. As regras criadas pela sociedade

civil são obrigatórias para todos os indivíduos, pois representam a manifestação da livre

decisão e da vontade na renúncia da liberdade irrestrita em prol da convivência e

coercibilidade criada no Estado civil e de direito.

Os indivíduos não são compelidos a aceitar o Estado quando o vínculo é referente ao

de força natural, caso o fosse, poderíamos dizer que são obrigados a aceitar os mecanismos

de controle impostos pelo uso do poder coativo do Estado. Hobbes, ao contrário, defende a

posição de que os indivíduos aderem ao contrato social em troca da conservação da

seguridade e paz, então temos um consentimento para a autorrealização. O direito civil é a

liberdade dos súditos na sociedade; as leis são garantias de cumprimento dos contratos

realizados entre eles.

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A república, tal como é elaborada em sua teoria, é uma instituição política, o que

também nos remete a uma invenção da arte humana. Hobbes admite que as leis são uma

produção humana e são elaboradas pela autoridade concedida ao soberano, nesse sentido são

válidas para os membros da sociedade civil.

Porém, alguns intérpretes acreditam que os homens estão submetidos e obrigados aos

poderes estabelecidos pelo Estado por uma teoria da autoridade divina do rei, isto é, o Deus

imortal é aquele que com suas leis comandaria a vontade do poder soberano. Os homens

obedeceriam ao poder único pelas leis divinas. Os estudiosos teológicos acreditam que exista

na obra de Hobbes uma autoridade divina acima do soberano, o que colocaria a doutrina

contratualista hobbesiana em um segundo plano.

Os intérpretes divinistas, como Thamy Progrebinsch (2002), defendem que as leis

de natureza são também as leis divinas, e os homens se obrigariam a submeter-se ao Estado

antes mesmo de firmado o contrato recíproco entre eles. A autora cita o último parágrafo do

capítulo XIII para rebater os intérpretes que acreditam que o contrato é uma fonte de

obrigação. Essa passagem nós já citamos no tópico referente ao pacto social. A autora

teológica continua sua explanação ao assumir o pensamento de que há uma confusão sobre o

fundamento do contrato e da obediência.

Paixão e razão parecem se confundir como se confundem os fundamentos do contrato e da obediência. O medo, o desejo e a esperança – paixões analisadas no capítulo VI do Leviatã – têm povoado as mais diversas interpretações do contrato social hobbesiano. A razão que sugere normas de paz ou de leis de natureza que levam os homens ao contrato consiste ainda em objeto de indagação por parte dos comentadores de Hobbes. Que razão é esta? Uma razão ética ou teológica? Razão humana ou Divina? É isso que se tentará analisar ao identificar-se essa razão, que também se denomina leis de natureza ou normas de paz, com a idéia de autoridade divina. (Thamy Progrebinsch, 2002, p.105).

O que Thamy indaga é que há outro fundamento do Estado, comprometendo

Hobbes com a metafísica teológica do período, porque o autor não teria desvencilhado a

submissão estabelecida pelo contrato social dos vínculos estipulados pelas leis de natureza,

sendo estas o fundamento único de toda a estrutura de poder. As leis de natureza

estabeleceriam a obrigação política entre os indivíduos e o poder soberano. Sendo divinas,

pressupõem uma obediência a Deus anterior à autoridade do Estado civil e ao pacto social.

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O cumprimento das leis de natureza ocorreria previamente ao aparecimento do

direito positivado. Após a criação da sociedade civil, as leis de natureza seriam incorporadas

ao estatuto civil na consonância entre ambas.

Porém, será que é apenas essa obrigação primária ao soberano, derivada do contrato, a que Hobbes se referia? Ou será que, a partir dessa afirmação, pode-se chegar a um fundamento anterior dessas leis, ou seja, será que a sua obrigatoriedade está contida e outro fundamento que não o próprio poder soberano? (…) Ora, é evidente ao longo do Leviatã a preocupação hobbesiana com o surgimento de novas e outras religiões. Hobbes quer assegurar a religião cristã, o que melhor então do que criar um Estado a partir de princípios de obediência teológicos? A obediência à palavra divina e a segurança da manutenção da cristandade assumem a forma de obediência ao Estado. O que é mais eficiente então senão identificar as leis com a vontade de Deus?'' (Thamy Progrenbinsch, 2002, págs 107 e 111).

Vemos que são muitas as indagações de Thamy ao tentar estabelecer outro

fundamento para o Estado civil, criando uma interpretação para o problema da obrigação na

teoria hobbesiana. A autora salientou que as leis de natureza obrigam os súditos pelas leis de

Deus, mas, como fazer isso numa sociedade civil, na qual os direitos dos cidadãos é que são

assegurados e não as suas crenças ou a sua fé.

O contrato social emancipa os homens do estado de natureza bélico. A filosofia

política contratualista hobbesiana trata de uma doutrina, explica a origem do governo no

momento em que os indivíduos entregam-se à tutela do poder soberano. Após o contrato

social, deu-se a transferência dos poderes pessoais para o poder único do Estado soberano,

encarnando a representação das vontades gerais.

Portanto, para que as palavras justo e injusto possam ter lugar, é necessária alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento de seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de confirmar propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. (Hobbes,2008, p. 124).

Hobbes elabora o contratualismo como sistematização doutrinária para explicar o

momento em que os indivíduos aceitam superar o estado de natureza, estabelecendo uma

ordem social assegurada pelo Estado. Sugere a organização da sociedade e a obediência ao

poder do Estado como forma de evitar o regresso à barbárie do estado de natureza. A origem

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do contrato está no consentimento e ocorre à medida que os indivíduos cedem sua liberdade

irrestrita, isto é, abrem mão das vantagens da guerra em troca da preservação da vida, para

serem comandados por um poder único e soberano.

Pois se conseguíssemos imaginar uma grande multidão capaz de consentir na observância da justiça e das outras leis de natureza, sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito, igualmente conseguiríamos imaginar a humanidade inteira capaz de fazer o mesmo. Nesse caso não haveria, nem seria necessário, nenhum governo civil ou república, pois haveria paz sem sujeição. (Hobbes, 2008, p. 145).

O poder do Estado está acima de qualquer outro e estabelece as leis coercitivas e

coativas. Hobbes acredita que é preferível um poder absoluto, centralizado no rei, à

possibilidade de anarquia, portanto somente o soberano sanciona a lei. O monarca é isento

das próprias leis civis, pois suas decisões são acatadas para evitar os conflitos da ausência de

lei. Contudo, o direito de resistência é evocado nos casos em que as leis que os protegem na

sociedade política são insuficientes para evitarem o estado de perigo à vida. O contrato é

mantido por um poder único e capaz de gerar uma organização coercitiva na sociedade.

O soberano de uma república, quer seja uma assembleia ou um homem, não se encontra sujeito às leis civis. Como tem o poder de fazer e revogar as leis, pode, quando lhe aprouver, libertar-se dessa sujeição, revogando as leis que o estorvam e fazendo outras novas: por consequência, já antes era livre. Porque é livre quem pode ser livre quando quiser. Além disso, a ninguém é possível estar obrigado perante si mesmo, pois quem pode obrigar pode libertar; logo, quem está obrigado apenas perante si mesmo não está obrigado. (Hobbes, 2008, p.227).

O poder do Estado é único e absoluto justamente para que não haja mais dúvidas

quanto ao que deverá ser cumprido por todos os homens. Somente o poder soberano pode

burlar as leis, pois é ele que as aprova ou as outorga, tendo em vista a preservação do

contrato social. Os objetivos do Estado são a preservação da vida, da propriedade, da

integridade física e dos riscos de retorno à barbárie. O poder único existe no ato de

impossibilitar que seja feita a vontade individual e particular de qualquer indivíduo. O Estado

suprime as liberdades individuais em benefício do bem público.

Diferentemente do que Thamy propõe, Hobbes diz que o soberano não está

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obrigado às leis civis. Se as leis de natureza são asseguradas pelo soberano por meio das

sanções civis, então ele não se obriga ''in foro externo'' às leis divinas, que são as leis civis

em consonância com as leis de natureza. Como o próprio Hobbes disse, não há paz sem

sujeição, logo só nos resta afirmar que somente é realizada a vontade do poder único e não

aquilo que são supostamente as ordens de Deus.

O soberano está isento de cumprir as leis civis, pois está acima delas na sociedade.

Nem mesmo ''in foro interno'', haveria a possibilidade de ele cumprir as leis de natureza. Os

súditos cumprem o que o soberano ordena, mas o que pode revogar o contrato é o risco à

vida, coisa que suscita uma grande dúvida sobre a real condição do que seria melhor para o

bem público.

Numa situação de risco à sociedade civil, cabe ao soberano decidir o que fazer.

Portanto, como ele poderia se sujeitar e também a seus súditos aos preceitos das leis naturais,

nos casos em que declara guerra aos inimigos comuns? Não há neutralidade no Estado, e suas

ações visam à manutenção do contrato social, caso contrário volta-se à condição de guerra

civil.

O poder soberano é aquele que decide todas as questões pertinentes à seguridade

social e legisla para ordenar a condição anárquica, portanto goza de uma força ilimitada e

está acima de todos os outros poderes para essa finalidade. Caso um grupo de rebeldes queira

implantar uma situação de risco à seguridade, cabe ao Estado usar sua força para pôr fim a

ela. Isso ocorre nas situações de risco à vida em que só o Estado deve usar sua força na

proteção de todos, pois ele é a soma dos interesses coletivos.

É o soberano que decide quando uma lei será benéfica ou será abusiva para os seus

súditos visto que os súditos decidem acatá-la somente se não desrespeitar os seus direitos

inalienáveis. Se um poder paralelo interferir contra a sociedade civil, o Estado, efetiva sua

estrutura na finalidade de impedi-lo de se manter.

Os instrumentos empregados na seguridade pública são constituídos pelas leis civis

e órgãos públicos, portanto as ações contra os mecanismos de controle externos violam

preceitos da sociedade organizada pelo poder soberano e são duramente contidos. Por outro

lado, se não forem, podem destruir a república.

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Acontece por vezes também que no governo meramente civil há mais do que uma alma, como, por exemplo, quando o poder de arrecadar impostos (que é a faculdade nutritiva) depende de uma assembleia geral, o poder de conduzir e comandar (que é a faculdade motora) depende de um só homem, e o poder de fazer leis (que é a faculdade racional) depende do consenso acidental não apenas daqueles dois, mas também de um terceiro. Isto coloca em perigo a república, às vezes por falta de consenso para boas leis, mas sobretudo por falta de alimento que é necessário para vida e para o movimento. Pois, muito embora alguns percebam que tal governo não é governo, mas divisão da república em três facções, e a chamem de monarquia mista, a verdade é que não é uma república independente, mas três facções independentes, não uma pessoa representante, mas três. No Reino de Deus pode haver três pessoas independentes sem quebra da unidade no Deus que reina, mas, quando são os homens que reinam e estão sujeitos à diversidade de opiniões, isso não pode acontecer. (Hobbes, 2008, p. 279).

A sociedade civil está organizada na coercitividade jurídica do Estado, fundamentada

pelo contrato social, cujos efeitos não inibem a evocação do direito de resistência que ocorre

quando existe a violação ou abuso de poder do Estado diante dos direitos inalienáveis como a

vida. Portanto, acreditamos que a obediência dos súditos deriva-se do aparelho estatal

incluindo a judicatura implementada na garantia da validade contratual. A soberania advém

da convenção legitimada por uma organização política.

A transferência mútua de direitos é aquilo a que se chama Contrato (...) Um dos contratantes pode, de sua parte, entregar a coisa contratada, e deixar que o outro cumpra a sua parte num momento posterior determinado, confiando nele até lá. Nesse caso, da sua parte o contrato chama-se pacto ou convenção. (...) Resignar-se a um direito simplesmente renunciando a ele, ou transferindo-o para outrem. Simplesmente renunciando, quando não importa em favor de quem irá redundar o respectivo benefício. Transferindo-o, quando com isso se pretende beneficiar uma determinada pessoa ou pessoas. Quando de qualquer destas maneiras alguém abandonou ou adjudicou o seu direito, diz-se que fica obrigado ou forçado a não impedir àqueles a quem esse direito foi abandonado ou adjudicado o respectivo benefício, e que deve, e é seu dever, não tornar nulo esse seu próprio ato voluntário e que tal impedimento é Injustiça e dano dado que é sine jure, pois se transferiu ou renunciou ao direito Dano ou injustiça, nas controvérsias do mundo, é de certo modo semelhante àquilo que nas disputas dos escolásticos se chama absurdo. Porque tal como nestas últimas se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou, assim também no mundo se chama injustiça e dano desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha voluntariamente feito. (...) A matéria ou objeto do pacto é sempre alguma coisa sujeita a deliberação (porque fazer o pacto é um ato da vontade, quer dizer, um ato, da deliberação); portanto sempre se entende ser alguma coisa futura, e que é considerada possível cumprir por aquele que faz o pacto. (...) Um pacto em que eu me comprometa a não me defender da força pela força é sempre nulo. Porque ninguém pode transferir ou renunciar ao seu direito de evitar a morte, os ferimentos ou o cárcere (o que é o único fim da renúncia do Direito), e, portanto a promessa de não resistir à força não transfere nenhum direito em pacto algum, nem é obrigatória. (...) Antes da sociedade civil, ou em caso de interrupção desta pela guerra, nada há que seja capaz de fortalecer um pacto de paz a que se tenha anuído, contra as

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tentações da avareza, da ambição, da concupiscência, ou outro desejo forte, a não ser o medo daquele poder invisível que todos cultuam como Deus, e na qualidade de vingador da sua perfídia. ( Hobbes, 2008, págs:114,115,121 e 122).

A república é instituída, e o poder soberano cria as leis civis estabelecendo o Estado

de direito, pela capacidade de apaziguar os conflitos provocados pelo estado de natureza. A

ordem é uma criação artificial, porque é legislado por um homem detentor das decisões

universais para o bem público.

Os homens percebem que a paz é uma conquista e que, vivendo por impulsos

desmedidos, não se sentiriam protegidos das suas próprias forças, que são empregadas na

busca de bens necessários à sobrevivência. A guerra é o empecilho do desenvolvimento do

homem em sociedade. Somente tendo seus direitos assegurados pelo Estado, poderiam atingir

uma ordem plena contra os males de sua própria condição antropológica.

A sociedade civil regrada por lei é uma invenção do homem artificial, pois a força

do emprego da lei como dever e obrigação gera os laços profundos da organização da

sociabilidade, bem como o não cumprimento envolve a exclusão do indivíduo transgressor do

convívio social.

O Estado tem a obrigação de conservar a paz e o direito. Caso não existisse o

Leviatã, os homens voltariam a se autogovernar, retrocedendo ao estado de natureza.

Portanto, o Estado deve garantir a sociedade civil. É nesse aspecto que o poder soberano

representa a vontade de cada um, cabendo até o uso da força pelo Estado para manter a

seguridade social contra inimigos comuns.

A religião não desempenha o papel de fio condutor da obediência, das leis, da justiça

e da equidade. Assim, todos os indivíduos, mesmo aqueles que têm uma crença ou uma fé

nas leis divinas, estão submetidos à organização coercitiva do Estado. A liberdade dos

súditos é condicionada ao que possa ser feito conforme as leis criadas para garantir a ordem

social, pois a sociedade civil não é cerceada pelas paixões, mas pela reta razão dos homens

no cumprimento do pacto celebrado.

Os súditos que não tenham recebido uma revelação segura e certa relativamente à vontade de Deus, feita pessoalmente a cada um deles, devem obedecer como tais às ordens da república. Porque se os homens tivessem a liberdade de tomar por mandamentos de Deus os seus próprios sonhos e fantasias, ou os sonhos e fantasias de determinados indivíduos, dificilmente haveria dois homens capazes de concordar quanto ao que são os mandamentos de Deus, e além disso, por respeito a eles, todos desprezariam os mandamentos da república. (Hobbes, 2008, p.245).

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A liberdade criada pelo Estado concede aos indivíduos a livre-iniciativa, pois existe

a vontade popular em se respeitar o uso da força na finalidade de preservar as leis

garantidoras da ordem social. Contudo, cabe a cada um julgar por si aquilo que considerar

uma virtude moral ou um ato ilícito, pois as leis de natureza sempre existiram ''in foro

interno'' e auxiliaram os homens no cumprimento e na formulação da judicatura.

A passagem de um estado natural para uma ordem social regrada por leis impõe a

limitação das liberdades dos homens em função de uma obediência exterior guiada por um

poder soberano.

As leis não são para constranger a existência dos homens mas servem para dirigi-los, protegê-los contra si mesmos e contra os outros, com a finalidade de que reine a paz. Portanto, a liberdade dos súditos, uma ampla esfera da liberdade real, é assegurada pela própria lei, ou seja, pelo silêncio da lei. (Sérgio Wollmann,1993, p.92).

Em Sérgio Wollmann (1993), a liberdade civil é condicional, pois os indivíduos são

coagidos pela lei a obedecer ao poder soberano. O direito de resistência é cabível somente se

existe o risco de violação da preservação da vida, pois, sem a iminente situação em que uma

lei ou ato venham a provocar riscos a outrem, não existe na teoria hobbesiana o direito de

resistir à pretensão estabelecida verticalmente pelo poder soberano. As leis estabelecidas pelo

Estado geram os laços de coercibilidade e não provocam a ruptura de todo o aparato

estabelecido pela república.

Podemos concluir que Hobbes afirma que, se houver uma facção do poder, a

república ruirá, então o poder do Estado deve ser absoluto para conduzir ao bem público. Os

súditos estão sujeitos às leis da república, mas estas não são puras leis acidentais, são regras

fundamentadas racionalmente, visando aos fins pelos quais a sociedade civil deverá ser

mantida e conservada a sua soberania.

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Capítulo 2

A FILOSOFIA POLÍTICA

2- A Influência da Ciência Moderna na Filosofia de Hobbes

O conceito de causa envolve a conexão entre uma cadeia de eventos no tempo e no

espaço. A segunda diz-se que é o efeito, a partir da primeira. O homem possui em essência a

peculiaridade de descobrir os eventos causais por meio da experiência, isto é, quais os

possíveis efeitos ocorridos para sucessão da série; só ele é dotado da condição lógica de

entendimento dos acontecimentos averiguados, sendo-lhe peculiar procurar uma explicação

sobre a boa ou má fortuna.

A série de eventos causais pressupõe um antecedente para as consequências dos

efeitos. Remete-se ao princípio da causalidade, ou seja, às relações possíveis entre as coisas.

Investigar um evento é pensar o antecedente que o provocou e intuir uma resposta

interessante, sendo esta comprovada pela repetição, se ocorrer a consonância com seu

resultado esperado. Definir uma causa por meio do princípio lógico é compreender seu

consequente, essa é uma peculiaridade do raciocínio empírico hobbesiano. Hobbes (2008,

p.93): ‘’o homem, por seu lado, observa como um evento foi produzido por outro e recorda

os seus antecedentes e consequentes’’. O autor define a memória como a capacidade de

recorrer às abstrações possíveis dos eventos analisados no tempo.

Os homens extraem experiências das suas memórias, recordando-as. Hobbes é

empirista, pois entende que, pela interpretação dos efeitos das sequências causais passadas,

os indivíduos se tornam conhecedores dos efeitos possíveis e sagazes em relação às suas

expectativas inferidas da relação causal dos eventos da série.

Porque na sensação de uma mesma coisa percebida ora se sucede uma coisa, ora outra, acontece com o tempo que ao imaginarmos alguma coisa não há certeza do que imaginaremos em seguida. Só temos a certeza de que será alguma coisa que antes, num ou noutro momento, se sucedeu àquela. (Hobbes, 2008, p.24, 2ºpar.).

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Hobbes compreende que as ações passadas são recordadas pelos homens, quando

eles aplicam essa experiência às suas ações presentes e conduzem seus desígnios com mais

certeza do que antes. Ele também faz a distinção entre o homem racional, dotado de

recordações e lembranças, e os outros animais incapazes de serem sagazes, pois na natureza

não existem fatos passados, mas tão somente as ações presentes. As recordações são

realizadas na mente humana e não existem ''in foro externo''.

Hobbes defende a posição de que os homens utilizam suas mentes para criarem

sequências lógicas (discurso mentais), sendo estes capazes de expressarem-se por

proposições (discurso em palavras). Hobbes (2008, p.24, 1º par.) diz: ‘’Por sequência, ou

cadeia de pensamentos, entendo aquela sucessão de um pensamento a outro, que se denomina

(para se distinguir do discurso em palavras) discurso mental.’’

Na sequência de pensamentos, que é a sucessão de uma coisa a outra, podemos ter

uma resposta lúcida às questões ou podemos nos perder neste discurso mental. Os indivíduos

que não desvendam ou estão impossibilitados de descobrir as verdadeiras causas das coisas

supõem causas e deixam-se guiar pelo desconhecido. O devaneio não representa a realidade e

é definido por Hobbes como uma cadeia de pensamentos desgovernados.

A barbárie é a própria situação de desgoverno, por isso os indivíduos preferem não

confiar uns nos outros, Temos, por outro lado, a sequência lógica de discurso mental que põe

fim à ilusão e alicerça a doutrina política hobbesiana. O autor apresenta a motivação para o

governo na compreensão da realidade.

Esta cadeia de pensamentos, ou discurso mental, é de dois tipos. O primeiro é desgovernado, sem designio, e inconstante, não havendo nenhum pensamento apaixonado para governar e dirigir aqueles que se lhe seguem, como fim ou meta de algum desejo, ou outra paixão. ( Hobbes, 2008, p.24, 3ºpar.).

Todo pensamento sem governo desencadeia problemas, portanto este é o lado

egoísta do ser humano motivado por orgulho, egoísmo e individualidade. A guerra gera a

discórdia e o sentimento de honra ao vencedor; a traição de Cristo custou 30 moedas, que foi

o preço pago pelo beijo de Judas em sua face, identificando-O aos soldados romanos.

Portanto, há na natureza humana um sentimento avesso aos princípios.

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A segunda (refere-se ao tipo sequência de pensamentos) é mais constante por ser regulada por algum desejo ou desígnio. Pois a impressão feita por aquelas coisas que desejamos ou tememos é forte e permanente, ou (quando cessa por alguns momentos) de rápido retorno. É por vezes tão forte que impede e interrompe o nosso sono. (Hobbes, 2008, p.25, 2º par.).

Nesta segunda sequência de pensamentos, o autor diferencia a cadeia de

pensamentos desgovernados por um outro tipo de discurso mental, sendo este motivado pelo

desejo ou pelo desígnio. Neste ponto, Hobbes está definindo que a série causal do indivíduo

está sendo comandada por um motivo ou inclinação para a ação.

A sequência causal motivada pelo impulso é guiada pela busca do prazer de

satisfazer apenas as suas vontades fisiológicas. A segunda sequência causal é motivada pelo

desígnio, para tanto o elemento primordial desta corrente de pensamento é a inclinação que o

levou a fazer a ação que abrirá a série de eventos previstos.

A cadeia de pensamentos regulados é de duas espécies; primeira, quando, de um efeito imaginado, buscamos as causas ou os meios que o produziram, e esta espécie é comum ao homem e aos outros animais; a outra, ao imaginarmos seja o que for, buscamos todos os possíveis efeitos que podem por essa coisa ser produzidos ou, por outras palavras, imaginamos o que podemos fazer com ela, quando a tivermos. Desta espécie só tenho visto indícios no homem, pois se trata de uma curiosidade pouco provável na natureza de qualquer criatura viva que não tenha outras paixões além das sensuais, como por exemplo, a fome, a sede, a lascívia e a cólera. Em suma, o discurso do espírito, quando um desígnio o governa, nada mais é do que uma busca, ou faculdade de invenção, que os latinos denominam ‘sagacitas’ e ‘solertia’, uma descoberta das causas de algum efeito presente ou passado, ou dos efeitos de alguma causa passada ou presente. (Hobbes, 2008, p.26, par. 1º).

Há duas cadeias regulares: uma comum aos homens e outros animais irracionais

que são aquelas manifestas por impulsos, isto é, refere-se às causas que motivaram a série de

pensamentos a serem satisfeitas em acordo às inclinações fisiológicas. Porém, Hobbes diz

que somente os homens têm a capacidade de associar os efeitos dessas séries causais pelo

discurso do espírito, buscando compreender e inventariá-las, isto é, sobressaindo-se ao puro

instinto. Assim, os indivíduos agem racionalmente, verificando fatos passados e presentes,

bem como ruins ou bons, e compreendem os efeitos das causas possíveis. O homem se

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50

distingue dos outros animais ao observar como um evento foi produzido por outro e recordar

seus antecedentes e consequentes.

Hobbes entende que existem ''causas primárias'' para a série de eventos

comandada pelo processo mental. O homem, usando a sua capacidade de memorizar tais

efeitos, sente-se confiante para prever os seus consequentes. A cadeia de pensamentos forma-

se empiricamente e é determinada pelos antecedentes que irão compor a série dos efeitos

causais. Os indivíduos entendem os efeitos da coisa e pressupõem aquilo que vai ocorrer para

as mesmas sequências causais.

Ao analisar a sequência de eventos no tempo, extraem a experiência possível para

agirem. A série retrocede ‘in foro interno’ a favor daquele que a recorre, mas não avança

porque não é possível saber o futuro. O homem emprega o método empírico na prevenção de

situações e também na realização de ações. O uso racional, para Hobbes, está na alocação e

organização das informações obtidas pela experiência.

Mas isto é certo: quanto mais experiência das coisas passadas tiver um homem, tanto mais prudente é, e as suas expectativas raramente falham. Só o presente tem existência na natureza; as coisas passadas têm existência apenas na memória, mas as coisas que estão por vir não têm existência alguma, sendo o futuro apenas uma ficção do espírito, aplicando as sequências das ações passadas às ações que são presentes, o que é feito com mais certeza por aquele que tem mais experiência, mas não com a certeza suficiente (...) um signo é o evento antecedente do consequente e, contrariamente, o consequente do antecedente, quando consequências semelhantes foram anteriormente observadas. E quanto mais vezes tiverem sido observadas, menos incerto é o signo. ( Hobbes, 2008, p.27).

Quanto mais vezes uma mesma sequência de eventos for observada, mais provável

se torna a conexão dos signos correspondentes. Podemos dizer: Se amanhã chover, não fará

sol. Isso se refere ao fato de nos antepormos ao fato e prevermos o seu consequente. Bem

como: Se amanhã fizer sol, não choverá. Hobbes está afirmando que os homens, por terem a

capacidade de recordar os antecedentes que levaram a tal consequência e por sistematizarem

determinadas situações pela observação e pelos testes vivenciados, podem recordá-los a todo

instante por meio da memória e supor o que acontecerá, caso venha a ocorrer a mesma série

prevista. Os indivíduos tornarão as suas expectativas assertivas se puderem decifrar a série

causal dos eventos e chegarem a uma proposição lógica.

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Hobbes sabe que o mundo se originou no tempo e no espaço, preocupa-se em

averiguar a validade do evento, deixando-o retroceder até que chegue à causa primária do

efeito da série. As respostas encontradas pelos homens podem ser duas: a primeira seria

aquela que é compatível com a dos seres irracionais, isto é, as causas e os fins que a

produziram. A segunda é o conhecimento dos efeitos possíveis produzidos pela coisa,

empregando o método empirista para compreender os fins em que podemos inteirá-la;

Hobbes denomina essa investigação de ''discurso do espírito'', que é governada pelo designio

e se trata de uma invenção humana.

Hobbes compreende que a sociedade civil não é regulada e explicada por leis

naturais. A concepção política de que as ações políticas justificam seus meios e necessitam

de um retorno compõe a visão utilitarista que entende o social a partir de conceitos extraídos

de princípios oriundos da ordem natural, opondo-se aos conceitos morais como princípios

reguladores do convívio e sociabilidade. Hobbes procura explicar por meio da sua

cientificidade as leis que regulam o social e as ações. Se determinado ato vai trazer prejuízos

para a sociedade, pela compreensão dos efeitos das causas podemos gerar uma base coerente

capaz de possibilitar a contestação dos princípios metafísicos teológicos.

2.1- As Causas Primárias e seus Conseque ntes: Hobbes

VS Aristóteles

A cosmologia é a explicação das causas sem uma lógica formal ou cálculo,

respaldada por argumentos puramente especulativos. A visão cosmológica pretendia gerar

teorias para explicar o mundo como totalidade, ou seja, justificar todas as coisas de maneira

metafísica. Os metafísicos discordam do princípio da causalidade, pois acreditam poderem

conhecer as coisas por meio de uma resposta abrangente sobre o problema, sem consultarem

a série dada pelo evento no tempo e no espaço. Portanto, os metafísicos pretendem livrar o

princípio da causalidade das amarras da experiência possível. Por outro lado, a teoria

hobbesiana entende o homem como agente que busca, diante da compreensão dos efeitos

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provocativos das consequências, chegar a uma causa primária para a coisa em si,

compreendê-la e questionar, o porquê.

A ideia aristotélica do primeiro motor imóvel11, entendida pelo pensamento

medieval, refere-se à concepção de que, se mergulhássemos na série causal dos eventos,

chegaríamos à explicação de que a origem do universo se encontra em Deus. Encontraríamos

para todas as coisas do universo um primeiro motor, ele próprio não criado, mas que gerou

toda a série dos eventos causais, isto é o ''Deus aristotélico'' na teoria medieval.

É o começo de todas as coisas, tudo se move e se altera. Toda alteração e todo

movimento exigem uma causa, isto é, alguma coisa que os torne possíveis. Contudo, essa

alteração e esse movimento que dão origem a todas as outras coisas, na teoria aristotélica,

não são explicados por leis ou princípios. Mas, extraem sua validade pela argumentação

metafísica.

Aristóteles afirma que não pode haver um regresso ao infinito das causas, por isso

tem que haver um primeiro motor e ele próprio motor movido. Então, por que tem que haver

um primeiro motor e por que as causas não podem ser infinitas? Porque, se formos

regredindo infinitamente às causas, encontraremos vários motores e não um único. Na

concepção escolástica aristotélica, a ação é espontânea porque advém da alma, ou seja, não é

determinada por nenhuma outra ação ou outra causa anterior.

Um corpo inerte não possui movimento. É preciso alguma coisa agindo sobre ele

para que ele saia do estado de repouso e mova-se. A física explica que uma força provoca o

impulso que leva ao deslocamento, retirando-o do estado inerte. A concepção aristotélica

sobre a razão de o corpo inerte mover-se é uma lei metafísica, porque não tem uma força

agindo sobre o objeto, mas toda a alteração partiu de Deus, pois ele é o primeiro motor. A

sequência causal é iniciada por esse primeiro motor, sendo ele próprio o início de toda a série

posterior.

Entretanto, a mudança não vem do nada e é necessária alguma explicação para

sabermos a alteração. A experiência possível na resolução de dúvidas quanto à explicação

dos eventos causais é aquilo que leva ao homem a renegar a sua apatia sobre as causas

naturais e utilizar a reta razão. Hobbes retira o centro do pensamento eclesiástico e o transfere

11

- Metafísica, Livro XI.

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diretamente para o homem como ser que é capaz de reconhecer os efeitos que são possíveis

para a série causal do evento, assim tem explicações pensadas e não cosmológicas.

Hobbes vai refutar a religião e, consequentemente, o Deus único como fundamento

para os eventos causais e afirmar a religião como secundária para a efetivação da sociedade

civil. A política é referente ao caminho legítimo e eficaz para termos assegurada a paz.

Hobbes nos diz que apenas há efeitos possíveis para uma causa e aqueles que mergulham na

série infinitamente sem levar em consideração que os eventos são conhecidos pelos homens e

não são cosmológicos encontram-se sensibilizados à teoria aristotélica do primeiro motor

imóvel. O modelo hobbesiano é o de causa-ação e é válido para as relações humanas.

Este medo perpétuo que acompanha os homens ignorantes das causas, como se estivessem no escuro, deve necessariamente ter um objeto. Quando portanto não há nada que possa ser visto, nada acusam, quer da boa quer da má sorte, a não ser algum poder ou agente invisível. Foi talvez neste sentido que alguns dos antigos poetas disseram que os deuses foram criados pelo medo dos homens, o que, se aplicado aos deuses (quer dizer, aos muitos deuses dos gentios), é muito verdadeiro. Mas o reconhecimento de um único Deus eterno, infinito e onipotente pode ser derivado do desejo que os homens sentem de conhecer as causas dos corpos naturais, e as suas diversas virtudes e operações, mais facilmente que do medo do que possa vir a acontecer-lhes nos tempos vindouros. Pois aquele que de qualquer efeito que vê ocorrer infira a causa própria e imediata desse efeito, e depois a causa dessa causa, e mergulhe profundamente em direção à busca das causas, deverá finalmente concluir que necessariamente existe (como até os filósofos pagãos confessavam) um primeiro motor. Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as coisas, que é que os homens significam com o nome de Deus. (...) porque a filosofia e doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos escolásticos. Pois daí vieram à tona tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma reputação tanto de ignorância como de intenção fraudulenta. (Hobbes, 2008, p.94 e p. 105).

Hobbes faz uma ironia daqueles que buscam explicações para os corpos naturais e

sua cientificidade no reconhecimento do Deus único e eterno. As razões desconhecidas e

avaliadas pela cosmovisão levam os homem a mergulhar na série até chegar ao motor imóvel,

sem desenvolver as habilidades de averiguar os eventos pela experiência, o que os faz crer e

ter fé na ficção.

A segunda crítica é a separação que Hobbes faz entre as capacidades intelectuais

dos homens e dos animais. Os homens em busca de status promovem no estado de natureza a

barbárie. Somente no homem moderno encontramos a capacidade de entender os efeitos

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possíveis das causas primárias e descobrir os seus consequentes; os animais agem por

impulso e tão somente sofrem os efeitos das causas.

A série de eventos é determinada pelo antecedente que pressupõe uma causa

possível, não acontecem efeitos contracausais. Os efeitos se justificam pelo modelo causa-

ação e a série se estende até o alcance da memória dos indivíduos.

Há a preocupação em fazer a distinção entre os homens e os animais, ou sociedade

e natureza. Notamos em sua obra, além do conceito de Estado elaborado pelo autor, também

uma visão antropológica do homem e sua peculiar formação.

O indivíduo, no estado de natureza, é guiado apenas pela aquisição de bens e status

e se torna um ser isolado. Portanto, não difere dos animais irracionais na luta pela

sobrevivência; mas, devido à sua capacidade de conhecer os efeitos possíveis da coisa, é

capaz de superar esse estado de mediocridade e elevar-se a uma categoria acima de todos os

outros seres.

Na teoria ética aristotélica, os homens não são livres para pensar os fins. Ele

entende a condição humana determinada pela natureza, ou seja, é dela que temos a

capacidade de receber o conhecimento e este é aperfeiçoado e apurado pelo hábito. No livro

Ética a Nicômaco, Aristóteles (2007) defende a ideia de que o homem é capaz de pensar os

meios e não os fins, pois estes são completamente determinados pela natureza humana. O

indivíduo é determinado pelos meios, pois não tem uma previsão dos melhores fins.

Portanto, cada proposição deverá ser recebida dentro dos mesmos pressupostos, pois é característica do homem instruído buscar precisão, em cada gênero de coisas, apenas até o ponto que a natureza do assunto permite, do mesmo modo que é insensato aceitar um raciocínio apenas provável da parte de um matemático, e exigir demonstrações científicas de um retórico. (Aristóteles, 2007, p.19).

No âmbito hobbesiano, a natureza humana está em pensar as causas e efeitos para

o consequente e dessa forma guiar as ações. Hobbes define como os homens podem

manifestar seu lado bom e mau. Contudo, há sempre um efeito previsto e visado pelos

homens, sendo estes motivados pelas consequências de seus desejos, tanto os reprimidos

quanto aqueles manifestos. O estado de natureza iguala os homens pelo emprego da razão na

obtenção de bens, mesmo os mais fracos conseguem superar a força dos mais fortes, então

pelas paixões tem-se um estado de conflito. Os homens não são bons por natureza, precisam

antes de um poder maior do que eles próprios capaz, de torná-los sociáveis.

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Hobbes afirma que os indivíduos são dotados das mesmas capacidades físicas. É a

‘sagacitas’ ou a apuração dos efeitos possíveis para as causas que os distinguem dos outros

animais quanto aos signos causais. Os conhecimentos das causas primárias e a obtenção de

respostas sobre seus efeitos permitem que o homem deduza quais serão seus atos em vista de

possíveis consequentes; portanto, empregar a ação vai sempre no sentido de poder alcançar

os bens visíveis em detrimento dos males que possam se tornar obstáculos. Pressupõe que os

indivíduos conheçam os meios e guiem-se quanto aos fins, o que remete a uma concepção de

ação referente às decisões de acordo com a vontade.

Na deliberação, o último apetite ou aversão imediatamente anterior à ação ou à

omissão desta é o que se chama vontade, o ato (não a faculdade) de querer. Os animais, dado

que são capazes de deliberações, devem necessariamente ter também vontade. A definição de

vontade vulgarmente dada pelas escolas, como apetite racional não é aceitável. Porque, se

assim fosse, não poderia haver atos voluntários contra a razão. Pois um ato voluntário é

aquele que deriva da vontade, e nenhum outro.

Hobbes considera que tanto os homens quanto os animais são capazes de

deliberações, ou seja, fazer ou omitir uma ação. Sendo assim, ambos dotados de vontades.

Contudo, o homem tem a capacidade de buscar bens visíveis pelo seu empenho e não

puramente pelo instinto de sobrevivência.

O agir dos indivíduos é definido pela capacidade de agir em relação àquilo que se

delibera. Portanto, a vontade e o empenho, não a razão, levam os homens a agirem ou

omitirem, já que existem boas e más ações. Os animais não se importam quanto aos fins, pois

guiam-se por vontades fisiológicas.

Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela previsão das boas ou más conseqüências e sequelas da ação sobre a qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da previsão de uma extensa cadeia de conseqüências, cujo fim muito poucas vezes qualquer pessoa é capaz de ver. Mas até o ponto em que se consiga ver que o bem dessas conseqüências é superior ao mal, o conjunto da cadeia é aquilo que os autores chamam bem visível ou manifesto. Pelo contrário, quando o mal é maior do que o bem, o conjunto chama-se mal visível ou manifesto. (Hobbes, 2008, p.57, 2º par.).

Os homens, nas suas deliberações, preveem os consequentes das suas ações, ou

seja, já existe uma coadunação com base em fatos transcorridos e em relação ao bem visível.

Portanto, é válido acrescentar um compromisso social nas ações realizadas pelos indivíduos.

A condição de chegar ao final da série é remota, mas os homens pesam suas decisões em

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detrimento total dos aspectos maléficos do bem desejado. Hobbes, contudo, entende a

importância de compreender objetivamente aquilo que realmente se busca.

Hobbes acredita que a capacidade de desejar algo tem uma consonância com o

amor, já a aversão é o oposto e identifica-se com o ódio. O simples ato de desejar não é o

objeto e o mesmo acontece com a aversão, que não é o objeto. O amor e o ódio são os

próprios objetos.

Então, o conceito da satisfação está em antagonismo àquilo considerado

desagradável. São polos opostos. Ou se consegue algo bom, ou ruim. Quanto mais a ação for

benéfica e amável, maior é a graça do indivíduo. Não há mensura do bem, mas a

possibilidade de alcançá-lo através do labor. O que torna a ordem social possível é a

regulamentação dos acordos estabelecidos e a proteção da sociedade mediante as ameaças

externas.

Contudo, não existe a preocupação do Estado em zelar pelo planejamento da

qualidade de vida dos indivíduos. Seu papel é a proteção e defesa da sociedade civil como

um todo. Hobbes introduz o conceito de ação voluntária12 referente à chance que o homem

possui por meio do labor em construir laços familiares, sociáveis e adquirir propriedade. Os

indivíduos buscam com mais vontade aquilo que amam e se distanciam dos males a que têm

uma aversão.

As funções vitais comuns a todos os animais são aquelas caracterizadas como um

movimento de geração e evolução da espécie. O apetite e o desejo referem-se a essas ações e

são comuns a todos os animais, pois os movem pelo instinto e significam aproximação. Ao

contrário, a aversão é o afastamento. O segundo tipo de movimento é aquele chamado

voluntário, porque depende de um estímulo da imaginação para ser ativado. São exemplos: o

ato de correr, andar, falar e outros relacionados à mente para guiá-la e induzi-la

.

12

-Hobbes está interessado em saber a motivação do homem em viver na sociedade. A ação voluntária explica a dedicação

ao labor e detrimento da constante busca por status no estado de natureza.

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2.2- Dos Prazeres do Espírito e Bens Visíveis

O utilitarismo é substituído na teoria hobbesiana pelo conceito de ação voluntária.

Os homens, ao dedicarem seus esforços ao labor, têm a possibilidade de alcançar os bens

visíveis. Os acordos celebrados entre eles são resguardados pelo direito. A ação é coordenada

e indiferente às paixões impulsivas e peculiares aos indivíduos na situação de barbárie.

No estado natural, não há propriedade, sequer a noção de justiça ou daquilo que é

bom ou mau, então não existe uma satisfação completa das necessidades, mas a constante

disputa. A luta pela sobrevivência é igual para todos e apenas se difere em relação ao

conhecimento dos efeitos das causas que os motivam a agir.

Portanto, o prazer (ou deleite) é a aparência ou sensação do bem, e o incômodo ou desprazer é a aparência ou sensação do mal. Consequentemente, todo apetite, desejo e amor é acompanhado por um deleite maior ou menor, e todo ódio e aversão, por um desprazer e ofensa maior ou menor. (Hobbes, 2008, p. 49, 1ºpar.).

Hobbes está estudando as sensações dos homens e seus sentimentos. Os prazeres

dos sentidos são aqueles advindos do corpo, ou seja, tudo o que é causado pela sensação

física e que se torna agradável. De acordo com Hobbes (2008, p.50): ‘’dentre os prazeres ou

deleites, alguns derivam da sensação de um objeto presente, e a eles pode-se chamar prazeres

dos sentidos’’.

O segundo tipo de prazer provém do espírito e relaciona-se a um fim previsto

empiricamente, cuja finalidade é a alegria, a concórdia, a sociabilidade e outros. Os animais

movem-se apenas pelos efeitos que os compelem a saciar os prazeres corporais e os homens

satisfazem, não apenas os prazeres do corpo, mas aqueles advindos do espírito, adquiridos

pela experiência possível dos efeitos das causas.

Outros prazeres ou deleites derivam da expectativa provocada pela previsão do fim ou consequências das coisas, quer essas coisas agradem ou desagradem aos sentidos. Estes são os prazeres do espírito daquele que extrai essas conseqüências, e geralmente recebem o nome de alegria. (Hobbes, 2008, p. 50, 2º par.).

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O homem, na teoria hobbesiana, maximiza sua preocupação em assegurar os laços

profundos das relações sociais, pois no estado de natureza não existia a possibilidade de

satisfazer os deleites do espírito devido à insegurança desse estado bélico. A distinção entre

ordem natural e social novamente está estabelecida; quando temos a separação dos elementos

de prazer que movem os homens e os animais na busca de satisfação. Os homens aceitam que

é preciso um compromisso com a ordem social na aquisição de bens; em contraposição, os

animais maximizam a ação por bens.

Hobbes prova que somente o homem é capaz de investigar a causa, chegar a uma

conclusão coerente, elaborar a previsão da cadeia desses eventos na série e empregar nas suas

ações pelos bens visíveis. Os animais não são capazes de relembrar suas experiências

passadas, porque não têm memória, por isso são determinados a agir pelo instinto ou prazeres

dos sentidos. Somente o homem é dotado da capacidade investigativa pelo pleno

conhecimento das causas primárias.

As causas determinadas pelo instinto fogem do juízo porque são sem nexo, fio

condutor do pensamento. e levam ao domínio natural das ações. O desgoverno se dá quando

não temos uma noção de bem e mal, certo e errado, justo e injusto. É o momento em que os

indivíduos se assemelham aos outros animais, porque não são lógicos e os impulsos os

tornam selvagens. O preceito da organização advém do espírito e não da sua singular

característica humana natural.

Os elementos que impõem uma sociabilidade são advindos da vontade dos

indivíduos e do conhecimento das experiências possíveis, ou seja, os efeitos que são

produzidos pela ação, tendo estes as consequências previstas, o que incumbe os homens de

moldarem seus atos e se empenharem em fazer o designio do espírito. A qualificação para

que não seja mais praticada nenhuma violação contra outrem advém da vontade geral em

abdicar dos prazeres puramente carnais.

O desejo de saber o porquê e como chama-se curiosidade, e não existe em nenhuma criatura viva a não ser no homem. Assim, não é só pela razão que o homem se distingue dos outros animais, mas também por esta singular paixão. Nos outros animais, o apetite pelo alimento e outros prazeres dos sentidos predominam de modo tal que impedem toda e qualquer preocupação com o conhecimento das causas, o qual é uma lascívia do espírito que, devido à persistência do deleite na contínua e infatigável produção de conhecimento, supera a fugaz veemência de qualquer prazer carnal. (Hobbes, 2008, p. 52, 2º par.).

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Além dos prazeres que são provocados pelos sentidos do corpo ou pelo espírito, o

autor irá fazer uma ligação desses prazeres com a possibilidade de obtenção do objeto do

desejo, isso forma uma nova cadeia, unindo-o ao movimento denominado por sentimento.

Hobbes (2008, p. 50, 3º par.) ‘’Estas paixões simples chamadas apetite, desejo, amor,

aversão, ódio, alegria e tristeza recebem nomes diversos conforme a maneira como são

consideradas’’. Há neste movimento um duplo viés: ora o sentimento almejado pode ser uma

coisa boa, ora uma coisa má. Isso é o que classifica os sentimentos em coisas boas ou ruins.

2.3 – O Governo

As ações desgovernadas reforçam o quadro de insociabilidade, já que

desencadeiam um mal. Com isso, nos deparamos com a dura realidade da natureza humana,

pois cada qual busca o que é melhor para si.

A concepção hobbesiana sobre os costumes não remete a um valor da pequena

moral, pois, sem regras claras, não há convívio. Os costumes tratam de qualidades que dizem

respeito à vida comum em paz e unidade. O autor afirma a possibilidade de o governo

efetivar os mecanismos externos de controle. O indivíduo que não põe freio ao seu impulso

ou cadeia de pensamento desgovernado pode ferir aquilo que é um desejo comum, ou seja,

procurar a paz.

No estado de natureza, os indivíduos eram livres, contudo não eram motivados por

sentimentos nobres. O constante estado de ameaça em que viviam os tornava inseguros. Os

homens eram livres quando agiam, mas a natureza os fez iguais a todos os animais, então

seus impulsos guiados pelo desejo os levavam à busca da satisfação por bens que lhes

garantissem status.

Empregavam sua iniciativa na busca de sobrevivência. A não concórdia pela

satisfação dos bens primários levava a uma disputa pela sobrevivência, consequentemente à

guerra de todos contra todos pelas funções vitais. Os homens estavam em risco, devido à

violência instalada nas disputas pelos bens garantidores da vida.

No estado de natureza, não há família nem trabalho e não existem regras claras que

coordenem as ações. Hobbes (2008, p. 112): ‘ ’e dado que a condição do homem (conforme

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foi declarado no capítulo anterior) é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo

neste caso cada um governado pela sua própria razão’’.

Os homens possuem direitos naturais, inatos e ninguém pode violá-los. Caso haja

essa possibilidade, os homens podem recorrer ao seu próprio poder para defender-se, como

podem utilizar a razão para obter os fins necessários à vida. A liberdade é sem limites e

estabelecida pela natureza, entre o choque de forças.

Os homens viventes em ausência de regras estão sob o medo constante, o que

incapacita a recusa da liberdade natural. A cada um é permitido externar atos de acordo com

a razão. Os homens são livres de vínculos ou impedimentos, pois nada lhes impõe sanções. A

regra universal na ordem natural é preservar os direitos naturais com o emprego da força

física.

A manifestação dos sujeitos, proporcionada pelo desejo ou vontade, encontra no

livre acordo o caminho pela criação do Estado. Os homens aceitam a criação de leis comuns,

por não terem garantias de que todos cumpriram com aquilo que é apenas um desejo

manifesto de abandonar a guerra perpétua em que se encontram. O Estado lhes garantirá o

convívio em sociedade ao abdicarem dos direitos naturais. Os indivíduos podem usar seu

conhecimento para possuírem bens particulares essa é a lógica formal das ações dos homens.

O Direito consiste na liberdade de fazer ou omitir, ao passo que a lei determina ou obriga a uma dessas duas coisas (...) a matéria ou objeto do pacto é sempre alguma coisa sujeita a deliberação (porque fazer o pacto é um ato da vontade, quer dizer, um ato, da deliberação); portanto sempre se entende ser alguma coisa futura, e que é considerada possível cumprir por aquele que faz o pacto. (Hobbes, 2008, p. 120, 2º par.).

Na sociedade civil, os indivíduos não são racionais para agirem, optando por meio

de uma escolha por fazer aquilo que é certo ou bom; agem pela vontade, que é delimitada no

ato ou na omissão, porque são coagidos pela força de um poder maior que os faz renunciar

aos males previstos. Eles perdem sua autonomia diante das inclinações que os levam a agir

ou omitir.

A filosofia política hobbesiana expõe o fato de que os indivíduos no estado

natureza são tão ingênuos, a ponto de serem ludibriados por quem julguem superior ou mais

sábio. O desconhecimento da verdade impõe a visão metafísica sobre a origem de todas as

causas em Deus. Desse modo, o homem não tem que questionar a autoridade daqueles que se

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dizem sábios. A carência de cientificidade sobre os efeitos das causas transforma os

indivíduos em meros seres passíveis de sofrerem qualquer tipo de punição injustificada.

A falta de ciência, isto é, a ignorância das causas, predispõe, ou melhor, obriga os homens a confiar na opinião e autoridade alheias. Porque todos os homens preocupados com a verdade, se não confiarem na sua própria opinião, deverão confiar na de alguma outra pessoa a quem julguem mais sábia que eles próprios e não considerem provável que queira enganá-los (...) a ignorância das causas e da constituição original do direito, da equidade, da lei e da justiça predispõe os homens para tomarem como regra das suas ações o costume e o exemplo, de maneira que consideram injusto aquilo de cuja impunidade e aprovação podem apresentar um exemplo, ou (como barbaramente lhe chamam os juristas, os únicos que usam esta falsa medida) um precedente. ( Hobbes, 2008, p. 89-90, par. 3º).

Hobbes busca compreender a formação e a importância do Estado e o modo como

ele foi instituído. Para tanto, argumenta em sua visão científica as finalidades que dispõe os

homens a confiarem no conjunto de ações cabíveis ao governo, para preservar os direitos

inalienáveis dos indivíduos. O autor questiona o estado de guerra e o utiliza como atributo de

responsabilidade do Estado na conservação da ordem, na própria proteção e soberania. O

direito é instituído como meio de obter a aplicação da justiça e dizer o que é a lei.

O poder soberano estabelece uma série de regras para a manutenção da

sociabilidade, portanto nosso autor está pressupondo, no ''Leviatã'', a criação de uma

organização social, na qual os indivíduos não mais estarão livres para agirem por sua própria

deliberação e vontade, independentemente das leis impostas pelo Estado.

As leis estabelecidas regulam ações na satisfação dos desejos; as regras de

sociabilização e de comportamento punem os atos maus visíveis, sendo o homem compelido

pela coercitividade a relacionar-se para a proteção de todos.

Hobbes (2008, p. 87, 4º par.) ‘’O medo da opressão predispõe os homens à

antecipação ou a buscar ajuda na associação, pois não há outra maneira de assegurar a vida e

a liberdade ’’. Um dos motivos que levam os homens à guerra é o medo, então a associação é

o melhor modo de preservar a vida.

A seguridade é justamente a garantia de que as suas ações estarão limitadas pelo

poder absoluto, ou seja, nada está acima do poder do soberano nem mesmo os desejos e

inclinações. Hobbes admite apenas o direito de resistência nos casos em que o poder do

Estado viole os direitos naturais dos indivíduos dado que a motivação de renúncia a todas as

coisas é a proteção física e a paz.

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Do mesmo modo que a prudência é uma suposição do futuro, tirada da experiência dos tempos passados, também há uma suposição das coisas passadas tiradas de outras coisas (não futuras, mas) também passadas. Pois aquele que tiver visto por que graus e fases um Estado florescente primeiro entra em guerra civil e depois chega à ruína, à vista das ruínas de qualquer outro Estado suporá uma guerra semelhante e fases semelhantes ali também. Mas esta conjectura tem quase a mesma incerteza que a conjectura do futuro, sendo ambas baseadas apenas na experiência. (Hobbes, 2008, p.28, 1ºpar.).

O governo prudente é aquele que analisa e constrói um modelo comparativo entre

situações ocorridas com outros Estados. Por exemplo, o caso de Estados falidos e arruinados

no pós-guerra ou na guerra civil. Desse modo, sempre que os homens lutam uns com os

outros, podem inferir que o Estado derrotado será destruído pelo vitorioso. O autor entende

que o governo não deve almejar a guerra pelo simples interesse, a menos que tenha de

defender os interesses do bem público e preservar a sociedade civil. À ação legítima não cabe

contestação. É pelo Leviatã que os indivíduos estão protegidos da insegurança natural.

A doutrina hobbesiana entende que o indivíduo tem a vontade e delibera por

consentimento em renunciar a seu direito natural, portanto não está alienado no momento do

pacto social. Podemos afirmar que antes do consentimento inexistiam leis e regras, porque

não podíamos ter a confiança naquilo que fosse celebrado apenas na força da fé individual.

Hobbes entende que os homens possuem um encadeamento de pensamentos

coerentes (discurso mental), mas, sem o poder do Estado, os indivíduos seriam enganados

pelos que se dizem intelectualmente superiores ou sábios. O governo é uma forma de se ter

um consenso pelo bem público e que deve ser cumprido pelo Estado.

Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente a sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples natureza (que é uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens), a menor suspeita razoável torna nulo esse pacto. Mas se houver um poder comum situado acima dos contratantes, com direito e força suficiente para impor seu cumprimento, ele não é nulo (...) numa república civil, em que foi instituído um poder para coagir aqueles que do contrário violariam a sua fé, esse temor deixa de ser razoável. Por esse motivo, aquele que mediante o pacto deve cumprir primeiro a sua parte é obrigado a fazê-lo. ( Hobbes, 2008, p.118- 119).

Hobbes acredita na força que o pacto precisa ter para superar a desconfiança e a

deslealdade. O poder de punir também inibe a iniciativa de descumprimento dos pactos

celebrados. Nesse sentido, o autor afirma a essência da sociedade civil ser os laços humanos;

em contraste, o estado de natureza impossibilita a confiança nos outros indivíduos,

justamente pela inconstância de cumprimento das regras concordadas e da própria palavra.

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Enquanto perdurar a indecisão quanto à renúncia dos direitos naturais, o pacto não

pode ser legitimado, já que ninguém é obrigado a privar-se dos meios de defender a sua vida

e fazer aquilo que for necessário para mantê-la. É pela conservação da vida que o Estado é

alicerçado, logo as leis civis são elaboradas exclusivamente para manterem os pactos

firmados pela vontade dos indivíduos em renunciarem ao estado de guerra anterior.

Em suma, podemos dizer que os homens aceitam o governo desde que tenham

assegurado o direito à vida. Os pensamentos desgovernados levam às paixões humanas

nocivas ao espírito. Os que não se deixam governar são os animais sem memória dos efeitos

perversos na ruína da sociedade civil, são os que desconhecem os efeitos das causas e podem

almejar o regresso ao estado natural.

2.4- O Estado Absoluto

Bobbio (1997) analisa o desenvolvimento político do Estado apontando as

principais filosofias sobre a sua formação e a sua constituição desde o período medieval até a

modernidade. A sociedade medieval, baseada no sistema feudal, não possuía uma noção de

acumulação de riqueza, a mão de obra estava presa à terra e não havia uma produção de bens

ligada à técnica de produção.

A sociedade medieval, dividida entre servos e aristocratas, era pluralista, pois as

fontes do direito se originavam de diversos ordenamentos jurídicos diferentes (igrejas, feudos

e servos) e sem um critério definido de aplicação. Os poderes do rei no período medieval

descendiam das teorias de predestinação, apoiados por uma ética religiosa. O estado medieval

é caracterizado pelo poder máximo que um homem ou um grupo de homens tem sobre os

outros, derivado do fato de que ele é a manifestação do poder de Deus.

A ruptura com a sociedade medieval multipolarizada centraliza o poder nas mãos

de um único governante: o soberano. A formação de um estado nacional e uma igreja

nacional ruem com a pretensão de uma universalidade institucional da Igreja e do Estado.

O nascimento dos burgos faz florescer os Estados-nações cada vez mais protegidos

e delimitados por territórios; portanto o sistema feudal entra em crise enfraquecido pelos

seguintes fatores: o poder único, o desenvolvimento dos centros urbanos, a liberação da mão

de obra dos campos e o surgimento de técnicas de produção.

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As transformações que levaram a uma nova etapa denominada modernidade inicia-

se com a superação do Estado Medieval baseado no sistema feudal. O Estado na

modernidade se desenvolve buscando garantir a propriedade e o acúmulo de riquezas, numa

visão pré-capitalista.

Sendo assim, teve de reformular todo o ordenamento jurídico pluralista do período

anterior, dividido entre diversas estruturas de poder. Na modernidade o ordenamento jurídico

válido é o do Estado, isto é, não há nenhum poder acima dele, isso torna o Estado absoluto,

pois unifica todas as fontes de produção jurídica na lei, expressa pela vontade do monarca.

O principal filósofo político representante do Estado absoluto é Hobbes, que

acredita que a fonte do direito é a vontade do soberano, pois essa se autoafirma pela oposição

ao direito consuetudinário. O homem se encontra inseguro e só o Estado pode garantir a sua

sobrevivência.

No maquiavelismo, temos a concepção amoral e antiética com a sua formulação da

teoria racional do Estado. O príncipe está acima das leis e livre dos vínculos morais que

delimitam a ação. O estado nacional só é possível com a consolidação do poder absoluto.

Porém, não encontramos um vínculo entre o poder soberano e a justiça.

Os ideais liberais e democratas surgem como uma antítese ao poder absoluto

porque o poder estatal absolutista não permitia nenhum outro poder acima do poder do

monarca, pois era centralizado e antropocêntrico.

2.4.1- A Religião

A formulação do conceito político de Estado expressa a transferência dos direitos

inalienáveis ao resguardo do poder soberano. O engano é acreditar que os indivíduos estão

presos a uma justificação cosmológica ou metafísica para alicerçarem o poder soberano.

Logo, ficam alienados no momento de transição entre o estado de natureza e a formação do

Estado consentido pelo pacto social.

Os animais são apenas impulsivos. Os homens são dotados de impulsos e da

capacidade lógica. O autor diz que só os homens possuem sinais da religião. Hobbes atribui à

religião uma qualificação natural sobre os eventos causais. Na realidade, ele se opõe aos

valores eclesiásticos, introduzindo conceitos políticos e criando uma doutrina lógica para o

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pensamento humano, cujo objetivo é livrar o homem da visão cosmológica na qual Deus

originaria todas as causas. O conhecimento humano das sequências causais, apesar de

limitado no transcorrer do tempo futuro, forma, segundo o autor, uma relação entre o sujeito

e o objeto acontecido e vivenciado; na medida em que esta capacidade se encontra no espaço

e no tempo.

A religião desorganiza a sociedade por não alicerçar o mecanismo que garanta os

princípios reguladores do convívio, o que agrava a diferença de opiniões e o dissenso sobre

aquilo que é o correto. O problema da decadência religiosa é moral e político, já que não

existem elementos em sua doutrina para assegurar a confiabilidade da palavra de Deus data

aos homens e para manter intacta a estrutura do Estado.

Na medida em que a falta de virtude dos pastores fez a fé faltar no povo; e em parte porque a filosofia e doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos escolásticos. Pois daí vieram à tona tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma reputação tanto de ignorância como de intenção fraudulenta e levaram o povo a revoltar-se contra eles, como na França e na Holanda, quer de acordo com sua vontade, como na Inglaterra. (...) De modo que posso atribuir todas as mudanças de religião do mundo a uma e mesma causa, qual seja, sacerdotes desprezíveis, e isto não apenas entre os católicos, mas até naquela Igreja que mais presumiu de Reforma. (Hobbes, 2008. p. 105).

A política, na interpretação de Hobbes, está presente em todos os casos de

instituição da religião natural. O pensamento hobbesiano nos ensina a enxergar a participação

das leis civis na busca de um caminho seguro para a conduta das ações na ordem social.

Contudo, agora será o Estado que indicará quais serão os legítimos representantes dessa

instituição, aprovará os códigos vigentes e tornará públicas as críticas ao poder eclesiástico.

Hobbes compreende a aprovação racional da lei como um processo social, o

estatuto é um código, a regra máxima que impõe os limites das ações dos homens e coordena

os comportamentos padrões sugeridos pelos valores e pela moral. A força da sua aplicação

submete os indivíduos à sanção punitiva, desde que a conduta ilícita tenha sido comprovada

pelo código vigente. Há os casos em que determinada lei não teve aplicação, portanto sem lei

não há lide, ou seja, se não há um reprovação social da conduta, não pode haver uma

pretensão irresistível. O magistrado não é capaz de aplicar uma sentença sem antes haver

uma lei escrita e sancionada pelo soberano.

O autor propõe uma ênfase sobre a força da lei e deixa claro seu desapego aos

dogmas metafísicos impostos durante tanto tempo ao povo e que geraram profunda crise na

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Europa, porque os Estados se comprometeram com governos alicerçados por religiões e por

elementos contrários à racionalidade dos seus súditos, portanto esse pacto não têm validade.

Pois, considerando que toda religião estabelecida assenta inicialmente na fé de uma multidão em determinada pessoa, que se acredita não apenas ser um sábio, capaz de conseguir a felicidade de todos, mas também, ser um santo, a quem o próprio Deus decidiu declarar de forma sobrenatural a sua vontade, segue-se necessariamente que, quando aqueles que têm o governo na religião se tornam suspeitos quanto à sua sabedoria, à sua sinceridade ou ao seu amor, ou quando se mostram incapazes de apresentar sinal provável da revelação divina, nesse caso a religião que eles desejam manter torna-se igualmente suspeita e ( sem o medo da espada civil) contradita e rejeitada. (Hobbes, 2008, p.102).

O pensamento lógico hobbesiano é desfeito de crenças e acredita na importância

de legitimar um único poder soberano isento de dogmas. Segundo Hobbes (2008, p. 86, 4º

par.), ‘’O desejo de conhecimento e das artes da paz inclina os homens a obedecer a um

poder comum, pois tal desejo encerra um desejo de ócio, consequentemente de proteção

derivada de um poder diferente do seu próprio ’’. Consiste no fato de que as ações políticas

do Estado são apenas para a garantia dos direitos inalienáveis tidos estes como civis. Caso

haja uma violação do poder absoluto voltaríamos ao estado de guerra entre os homens. A

outra importante ação do governo é a defesa do Estado contra a invasão dos outros Estados,

portanto, em Hobbes, o Leviatã tem sua legitimidade garantida contra a ordem natural no

estado de selvageria anterior.

Porque a fé interior é por sua própria natureza invisível, e conseuüentemente está isenta de qualquer jurisdição humana, ao passo que as palavras e ações que dela derivam, na medida em que violam nossa obediência civil, constituem injustiça perante Deus e os homens. Assim, considerando que o nosso Salvador negou que o seu reino fosse deste mundo, e que ele disse não ter vindo para julgar, mas para salvar o mundo, ele não nos sujeitou a lei alguma a não ser as da república; quer dizer, os judeus à lei de Móises (que, como disse – MT 5 – não veio para destruir, mas para realizar), e as outras nações às leis dos seus diferentes soberanos, e todos os homens à leis de natureza. (Hobbes, 2008, p. 439).

Hobbes deixa claro que as leis de Deus deixadas aos homens não representam nada

além de fé. São leis divinas, mas não têm alcance sem a judicatura. Somente as leis

elaboradas pelo Estado são coercitivas, justo que o reino de Deus está no céu e na terra

somente o poder soberano estabelecido é dotado dos poderes plenos para governar. O autor

também se preocupa em afirmar que os indivíduos devem se preocupar com as leis da

república, porque estas são obrigatórias e a elas estamos sujeitas, pois o reino de Deus só

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existe após a morte e durante a vida nada vale. Portanto, as controvérsias serão julgadas pelos

magistrados de acordo com a lei civil e não será permitido o recurso a outros estatutos

inválidos, exceto para os casos em que não haja lei estabelecida.

Além disso, a missão da qual Cristo nosso Salvador encarregou os seus apóstolos e discípulos foi a de proclamar o seu Reino, não presente, mas vindouro; ensinar a todas as nações a batizar aos que acreditassem (...) nem obrigá-los à obediência pela espada. Em tudo isto nada é poder, mas apenas persuasão. Eles não tinham a missão de fazer leis, mas a de obedecer e ensinar obediência às leis existentes; consequentemente não podiam fazer dos seus escritos cânones obrigatórios, sem a ajuda do poder civil soberano. Portanto, as Escrituras do Novo Testamento só se tornam leis quando o poder civil legítimo assim o quis. E nesse caso o rei ou soberano também faz delas uma lei para si mesmo, com o que se sujeita, não ao doutor ou apóstolo que o converteu, mas ao próprio Deus, e a seu filho Jesus Cristo, de maneira tão imediata como o fizeram os próprios apóstolos. (Hobbes, 2008, p. 440).

Hobbes defende que os homens devem obedecer à lei civil. Caso não o façam, serão

punidos pela sentença estabelecida. A interpretação única das escrituras sagradas cabe ao

soberano e ele faz as leis que bem entender, usando a sua interpretação ou discurso mental

para empregá-las na forma coativa ao povo. Contudo, o autor não diz que são cópias fiéis do

Novo Testamento, e sim, que são objetos de estudo transformados segundo a tendência e

interesse do monarca. Hobbes defende que o poder soberano está acima da própria

interpretação escrita no Novo Testamento realizada pelos apóstolos e discípulos de Cristo.

A Bíblia é uma compilação, ou seja, são vários livros escritos por discípulos ou

apóstolos de Cristo ou aqueles que contam suas histórias após a conversão ao cristianismo.

No caso da aprovação em leis, cabe ao poder soberano decidir a interpretação correta sobre o

que foi escrito no Novo Testamento. Portanto, não existe a neutralidade, ou seja, o soberano

dita as leis que forem convenientes para assegurarem os interesses da sociedade civil e livrá-

la dos perigos do estado de natureza.

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Capítulo 3

AS LEIS CIVIS

3- Das Leis Naturais e o Direito

As leis de natureza são regras incoercitivas quando aplicadas externamente, mas

tornam os indivíduos conscientes da importância da sociedade. Seu preceito é estabelecido

''in foro interno'' e não tem alcance e efetividade se não há uma organização jurídica

coercitiva tornando realmente válidos os pactos firmados.

Porque tudo o que os homens conhecem como lei, não pelas palavras de outros homens, mas cada um através da sua própria razão, deve ser válido para a razão de todos os homens, o que não pode acontecer com nenhuma lei, a não ser a lei de natureza. (Hobbes, 2008, p. 231).

As leis de natureza criam nos homens um juízo analítico, válido enquanto representação

pessoal expressa oralmente. Elas regulam parte dos atos individuais, mas não são essenciais

para o convívio harmônico. Enquanto preceito jurídico, são insuficientes para estruturar toda

a ordem social.

Os homens, quando empregam sua razão para tomar decisões acerca dos atos

praticados, levam em conta uma aprovação social do comportamento que julgam em comum

ser aquele ideal para a vida coletiva; então, as leis de natureza ressaltam a importância do

lado sociável dos indivíduos, mas não dão conta de amarrar os princípios à certeza de que

sempre a harmonia e a paz serão contempladas, com a preservação dos acordos firmados.

O fundamento da sociedade está na proteção mútua estabelecida pelo pacto. No

momento em que o soberano declara uma ordem, temos a certeza daquilo que é a finalidade

pela qual o acordo das partes é comum.

A sociedade não se autorregula, isso porque não é perfeita. Para solucionar os casos

de incompatibilidade de interesses ou descumprimento das leis, aplica-se o direito aos casos

concretos, cuja finalidade é apaziguar os conflitos e estabelecer o cumprimento da ordem

social.

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Por ser um juízo analítico, afirma a pessoalidade, cuja força advém da aprovação

racional em coletividade. Contudo, a lei válida é estabelecida pelo Estado civil. Os casos em

que não existem leis previamente regulando a questão não são tidos como ilícitos. Os

estatutos punitivos e distributivos são aqueles em que já há a formulação de leis que regulem

as ações delituosas. Somente o soberano pode fazer uma lei justamente para evitar a anarquia,

portanto é a única fonte de direito legítima.

O juízo sintético é aquele que diz o que é a lei vigente, pois resguarda para si o

poder que suprime as liberdades individuais na formulação de leis ou princípios. O Estado

torna a liberdade restrita, porque, se cada homem empregasse sua razão para sancionar leis,

não mais existiria consenso sobre o que é justo.

O juízo sintético formula a lei comum a todos. Amplia o conhecimento,

corresponde a uma criação humana respaldada na cientificidade, cujo objetivo é regular as

ações e o comportamento, já que obriga todos a procurarem conhecer o que a lei ordena que

seja cumprido verticalmente na submissão ao poder soberano.

As leis civis representam a vontade geral, pois os anseios de paz e de justiça são os

elementos que a todo o momento devem estar preservados pelo direito. Nos casos em que as

leis não vão ao encontro do fundamento da república, os indivíduos podem recorrer ao direito

de resistência por violar àquilo que foi previamente acordado por todos os homens em

comum, que é a paz.

O princípio básico de reciprocidade elaborado por Hobbes “não faças ao outro o que

não consideras razoável que seja feito por outrem a ti mesmo” guia os ditames da lei de

natureza. É o elemento de reconhecimento da conduta moral no respeito dos direitos do outro

em si por meio de uma relação resguardada, ou seja, se fizeres o mal receberás uma punição

na mesma proporção de tua ação. Desse modo, a lei de natureza tem uma força sancionadora

na medida em que garante os princípios básicos para a convivência.

Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em resignar ao seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo (...) é esta a lei do Evangelho: Faz aos outros o que queres que te façam a ti. E esta é a lei de todos os homens. (Hobbes, 2008, p. 113, 2º par.).

Elas são exteriorizadas por palavras e atos, expressam uma conjuntura entrelaçando

as perspectivas, os objetivos e os propósitos que devem ser observados em consonância com

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a igualdade de condições. A pessoa da república ao elaborar a judicatura, na qual todos estão

sujeitos ao dever de cumprir, ou seja, o código civil o faz atendendo e respeitando os

elementos coercitivos dentro da sociedade.

O Estado cria a ordem social e esta estabelece a convivência por meio do elo

jurídico. Neste momento, não existe mais a situação de resguardo pessoal, porque todos são

compelidos a aceitar as regras estipuladas.

O direito positivo é o único aplicado aos casos de lide13. A racionalidade, na

intenção do legislador, está sujeita a uma justificação das demandas da sociedade e nesse

sentido ao fundamento do Estado. Contudo, podemos concluir que o direito deve ser dado

àqueles que o obtêm em conformidade com os princípios vigentes na sociedade.

O Estado emprega o direito positivo para comandar todos os poderes por meio das

funções executivas, legislativas e judiciárias. Ele estabelece as cobranças de impostos, a

preservação da propriedade, a segurança dos homens e, consequentemente, a preservação das

vidas, os laços matrimoniais e todas as instituições pelas quais os indivíduos recorrerem para

a regulação dos direitos e deveres.

O direito divino não é aplicado à sociedade apenas existe pela fé e o

autorregulamento impostos pela crença interior, portanto não são leis14 no sentido literal do

termo.

3.1- O Direito Positivo, as Leis Civis e a O bediência

A lei é a ordem expressa pela autoridade do soberano civil sobre todos os demais

indivíduos pertencentes à sociedade civil. Somente o monarca ou a assembleia soberana

aprovam as leis obrigatórias.

Hobbes entende que o soberano, ao elaborar as leis, o faz para assegurar aquilo

que ficou estabelecido pelos indivíduos, ou seja, ter assegurada a paz. O soberano equilibra

os pratos da balança proporcionalmente entre a aplicação da força e os princípios que

conduzem ao consentimento efetivado no momento do pacto. O livre-arbítrio regula-se nas

13

- Lide- refere-se às demandas ou litígios submetidas a um arbítrio, ou seja, é uma pretensão irresistível julgada pelo

magistrado. 14

- De acordo com a definição do Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito a palavra Lei é a regra

imperativa de caráter geral, emanada do detentor da autoridade dentro de um grupo social, imposta exteriormente ao

homem e sancionada pela força pública.

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leis impostas pelo Estado. As esferas individuais são substituídas pelo poder único capaz de

comandar as vontades coletivas.

A lei é uma ordem direta e diferencia-se de um pedido formal ou de um conselho.

Também não se faz cumprir por simples força do destino ou acaso, uma lei encontra seu

poder na coação, isto é, na pena aplicada àqueles que ousaram desrespeitá-la. A punição é

aplicada de acordo com as sanções previstas no estatuto. Hobbes é claro quanto ao

estabelecimento de uma ordem social regrada pelas leis civis criadas e inventariadas pelo

poder soberano e único.

A obediência à lei é direta, isto é, trata-se de um compromisso de obrigação. Se

existe um código é porque existe um poder soberano a quem se deve obediência. Por se

tratar de uma ordenação, quem a desrespeitar será punido. A força do Estado advém da lei,

sendo esta capaz de tornar a sociedade coercitivamente unida. Hobbes define o que é a

obediência às leis civis.

Entendo por leis civis aquelas leis que os homens são obrigados a respeitar, não por serem membros desta ou daquela república em particular, mas por serem membros de uma república. Porque o conhecimento das leis particulares é da competência dos que estudam as leis dos seus diversos países, mas o conhecimento da lei civil é de caráter geral e compete a todos os homens. (Hobbes, 2008, p.225).

Thomas Hobbes não acredita que seja possível conciliar a convivência humana em

paz e reciprocidade benevolente sem leis capazes de tornar o pensamento social consciente

sobre a judicatura, isto é, daquilo que seja o conceito de justiça. No estado de natureza o lado

mau dos indivíduos se manifesta nas suas paixões desenfreadas e a inexistência de leis

impossibilita o surgimento da sociedade.

O Estado é uma organização jurídica coercitiva, o homem artificial é composto de

poder coativo e coercitivo, utilizado como mecanismo de controle que é efetivado para

manter o contrato social. O homem, mesmo estando em sociedade, age sob a tutela da lei.

Caso cometa infrações contrárias às normas do direito positivado, sofrerá sanções.

A lei civil é para todo súdito constituída por aquelas regras que a república lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente da sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal, isto é, do que é contrário à regra. (Hobbes, 2008, p. 226).

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As leis civis são uma invenção da arte humana e regulam a vida em sociedade;

emanam de uma fonte única e soberana, com a qual os homens regulam suas vivências. A lei

é o alicerce e a estrutura da sociedade e todos os indivíduos estão sujeitos à sua validade e

aplicabilidade nos casos de violação. Nesse sentido, o poder do Estado representa o poder

coercitivo na soma das vontades coletivas expressas pela sua autoridade absoluta. A lei é

igual para todos os homens de um mesmo Estado.

A ordem social só é possível quando é resguardada pela força da lei, já que o

homem no estado de natureza é um ser insociável, porque é movido por paixões na luta pela

sobrevivência. O caos instalado na ordem natural é a comprovação de que, sem mecanismos

de controle, retorna-se à guerra permanente. Portanto, a sociedade é plena na medida em que

os homens formam uma convenção pela associação. O pacifismo advindo com o fim do

estado de natureza é assegurado pelo Estado. Os inconvenientes somados na ordem natural

impossibilitam os indivíduos de constituírem famílias, de terem acesso à propriedade e de

viverem em segurança, devido ao risco de morte.

O poder emanado pelo soberano, na realidade, é a fonte do direito, cujo respeito é

uma obrigação. Na terra, portanto, não existe nenhum outro reino que possa se equiparar em

poder e força ao Estado. A razão convencional emana o consentimento para o poder soberano

governar. A soma das vontades legitima o pacto, e o poder soberano é aquele que encarna a

responsabilidade de assegurar o desejo de segurança e a proteção da vida.

O soberano representa a soma das vontades coletivas, entretanto, para evitar que a

diferença de opiniões traga prejuízos à ordem convencional, temos a tendência do Estado

imposta verticalmente sobre todos os membros da associação, para aprovar o código civil.

O poder único do rei cria as condições de convívio e regula as ações. Temos, então,

o Estado como legítimo representante da coletividade. Contudo, o Leviatã suprime as

liberdades individuais, porque a razão particular empregada na elaboração das leis cabe

exclusivamente ao poder soberano.

A vontade do soberano é empregada para elaborar as leis. Após a promulgação de

uma ordem da república, ninguém poderá se opor à razão expressa na forma de lei. O direito

de resistência é evocado se houver porventura alguma ordem contrária aos preceitos pelos

quais os homens pactuaram. O rei cumpre o papel de proteger a vida e gerar a segurança dos

seus súditos contra os inconvenientes que os façam retroceder à ordem natural anterior.

Hobbes (2008, p.115) diz: ‘’ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque

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pela força para lhe tirar a vida, pois é impossível admitir que com isso vise algum benefício

próprio. ’’

O cumprimento da lei é renunciar à liberdade irrestrita e ser governado pelo poder

soberano. A obrigação de fazê-lo é a consonância da vontade ao código civil vigente.

Segundo Hobbes (2008, p.230): ‘’ o que faz a lei não é aquela jurisprudência, ou sabedoria

dos juízes subordinados, mas a razão deste nosso homem artificial, a república, e suas

ordens.''

Hobbes manifesta e sua inaptidão aos costumes e afirma a obrigação advinda da lei,

sua força e refuta a jurisprudência, que corresponde às decisões reiteradas dos tribunais.

O autor está afirmando uma única fonte emanante do código em vigor proveniente à

razão do soberano. Não é advinda de outros tribunais e das justificativas transmitidas sobre

os casos transitados nas cortes. A razão do soberano diz o que é a lei e não se submete às leis

divinas já que depende apenas da vontade do juízo sintético do soberano.

Um juiz não poderá recorrer à analogia das sentenças nos casos reiterados nos

tribunais. Hobbes diz que o magistrado, ao empregar o juízo sintético para publicar uma

decisão, é obrigado a justificá-la pelas regras do estatuto. As leis escritas são mutáveis, mas

sua aprovação depende do Estado, ou seja, quando o monarca é obrigado a inutilizar ou

sancionar uma nova lei para a proteção dos valores e princípios da sociedade.

Os magistrados ou juízes são os que julgam a pretensão e dão a sentença de acordo

com a lei atual. Ao proferir a sentença, o magistrado o faz em nome do Estado. Se o juiz

julga um caso com erro, a sua decisão não corresponderá ao estatuto vigente, logo não há

legitimidade.

O código civil é aprovado indo ao encontro da proteção da sociedade civil. Nas

decisões dos magistrados, há uma aplicação da lei ao caso que está sendo julgado e o

indivíduo só será condenado caso seu ato seja considerado ilícito, como é previsto pelos

códigos civis estabelecidos pelo Estado como uma conduta atípica, ou seja, contrária às

normas consideradas sociais pelo comportamento padrão.

Sabemos que a lei é geral a todos os homens subordinados à república, portanto sua

formulação é vertical, mas sua aplicabilidade é horizontal, situando-se acima das

consciências individuais. Os indivíduos não escolhem obedecer à lei. Eles são coagidos a

fazê-lo. O Estado para Hobbes, ao impor as leis pelo poder que lhe foi consentido, proíbe

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uma ação contrária ao direito positivo que sustenta todo aparato em que se encontra

estruturada a sociedade civil.

A lei só pode ser escrita. As leis que não se encontram no papel e são transmitidas

oralmente não possuem o mesmo valor das leis escritas. A validade dos estatutos depende da

racionalidade empregada pelo soberano e a garantia desta é o timbre de certificação da

república. As leis não podem prescrever o absurdo, consequentemente estão sujeitas a um

preceito lógico. Uma sanção equivalente ao dano provocado pelo descumprimento. A lei que

não condiz com a realidade não possui eficácia, pois não se comprovará nos estatutos

posteriores. Explica Hobbes (2008, p. 231): ‘’ porque toda lei que seja escrita, ou de alguma

maneira publicada por aquele que faz lei, só pode ser conhecida pela razão daquele que lhe

obedece, portanto é uma lei de natureza e não apenas civil.’’

Thomas Hobbes compreende a aprovação racional da lei como um processo social.

O estatuto é um código, a regra máxima que impõe os limites das ações dos homens e

coordena os comportamentos padrões sugeridos pelos valores morais que impeçam a barbárie.

A força da sua aplicação submete os indivíduos à sanção punitiva, desde que a

conduta ilícita tenha sido comprovada pelo código vigente. Se não há uma reprovação social

da conduta, não pode haver uma pretensão irresistível. O magistrado não é capaz de aplicar

uma sentença sem antes haver uma lei escrita e sancionada pelo soberano.

A lei civil se encontra acima das leis de natureza, já que os conflitos normalmente

iniciam-se devido às disparidades bipolares da racionalidade dos indivíduos. A lei soberana

existe para afirmar os direitos civis, resolver e apaziguar a rivalidade, que é uma

característica das paixões humanas, somar e representar as vontades coletivas e apoiar a

preservação da sociedade. Afirma Hobbes (2008, p.235): ‘’a interpretação da lei de natureza

é a sentença do juiz constituído pela autoridade soberana, para ouvir e determinar as

controvérsias que nela se fundam, e consiste na aplicação da lei ao caso em questão’’.

Os magistrados, antes de uma sentença, devem uma justificação à sociedade. Assim,

ao aplicarem à lei aos casos transitados em julgado, fazem-no em consonância com o código

civil por ser a consciência máxima dos homens submetidos ao Estado. O juiz interpreta e

estuda os códigos vigentes para que sua decisão não contrarie as leis estabelecidas pelo

soberano. Cabe ao juiz observar o preceito e a validade da lei ao caso em questão, cuja

finalidade é acertar na aplicação da sentença.

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Portanto, se alguém tem um caso de dano fundado na lei de natureza, quer dizer, da equidade comum, a sentença do juiz que possui por delegação autoridade para examinar tais causas constitui, nesse caso individual, suficiente confirmação da lei de natureza. Pois, embora a opinião de quem professa o estatuto das leis seja útil para evitar litígios, trata-se apenas de uma opinião: é ao juiz que compete dizer aos homens o que é a lei, depois de ter escutado a controvérsia. (Hobbes, 2008, p.233).

Hobbes enfoca a necessidade de os magistrados se comprometerem com os

objetivos e a função do Estado. As controvérsias geradas na lei de natureza, que não são

reguladas pelo código civil, serão estudadas e ganharão uma sentença razoável à equidade

comum.

A sociedade evolui amadurecendo certos assuntos em acordo à lei civil, que pode

condená-la ou não. As leis de Deus são imutáveis, mas não orientam as decisões nem os

tratados de paz porque não conseguem efetivá-los. Hobbes se opõe à jurisprudência, inclusive

de outros códigos válidos socialmente não reconhecidos como lei. Estes seriam a analogia da

lei, mas não ampliariam seu conhecimento.

A falácia está nos casos em que a aplicação da sentença ocorre por analogia de

princípios. As leis não escritas e imutáveis sempre existirão, mas as sentenças errôneas são

insustentáveis, portanto o juiz precisa conhecer a síntese da lei e seu objetivo para fazer a

correta aplicação do código civil. As controvérsias fundadas pela bipolaridade só são sanadas

caso se faça a justiça. Os homens recorrem de decisões insanas se um outro magistrado puder

lhe mostrar o verdadeiro sentido da lei.

Pois embora uma sentença errada dada pela autoridade do soberano, caso ela a conheça e autorize, nas leis que são mutáveis, seja constituição de uma nova lei, para os casos em que todas as mais diminutas circunstâncias sejam idênticas, nas leis imutáveis, como as leis de natureza, tal sentença não se torna para o mesmo ou outros juízes, nos casos semelhantes que a partir de então possam ocorrer. Os princípios sucedem-se uns e outros, e um juiz passa e outro vem; mas nem um artigo da lei de natureza passará, porque ela é a eterna lei de Deus. (Hobbes, 2008, p.236).

O julgamento das controvérsias envolve um estudo profundo dos estatutos vigentes. O

poder que cabe ao juiz de sentenciar está em consonância ao zelo da aplicação da justiça

distributiva e comutativa dos casos transitados em julgado, a devida aplicação da lei evita

litígios na aplicação da regra vigente.

O juiz deve dizer o que é a lei. As sentenças são justas na medida em que o

magistrado compreende a síntese do seu preceito em consonância aos objetivos do Estado. As

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sentenças errôneas são falácias determinadas por princípios pessoais aplicados aos casos em

julgado e não àquilo que é a lei civil propriamente.

As sentenças aplicadas erroneamente constituem-se na analogia do magistrado ao caso

julgado, portanto as outras decisões dadas pelos tribunais irão confirmar seu erro, pois as leis

são fundamentadas nos estatutos válidos e devem ser cumpridas. Portanto, os estatutos devem

zelar pelo acordo da sociedade.

A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e têm igual alcance. Porque as leis de natureza, que consistem na equidade, na justiça, na gratidão e outras virtudes morais destas dependentes, na condição de simples natureza (conforme já disse no capítulo XV) não são propriamente leis, mas qualidades que predispõe o homem para paz e a obediência. Só depois de instituída a república elas efetivamente se tornam leis, nunca antes, pois passam então a ser ordens da república. (Hobbes, 2008, p.227).

Hobbes considera as leis de natureza como um juízo de valor. uma qualificação do

homem enquanto código moral, que os auxilia na conduta correta. Contudo, na ausência das

qualidades morais, a lei civil é obrigatória de qualquer modo. No descumprimento da lei

civil, o Estado exerce seu poder para manter a ordem. As leis naturais, ao contrário, afirmam

os modos assertivos, guiando a consciência por princípios. São auxiliares no caminho até a

aplicação do direito civil e somente este concretiza a legalidade.

O consentimento dos indivíduos é pleno porque as leis alicerçam o Estado,

sintetizando as leis morais, garantidas pela instituição da república. Então, são leis que

ninguém pode violar; pois, se assim o fizerem, estarão cometendo um ato injusto ou imoral.

A força coercitiva das leis de natureza se dissipa quando não há uma boa vontade

para o seu cumprimento. Por exemplo: Se a lei não escrita não prejudica a outrem, é dotada

dos elementos morais de justiça e equidade. É lei de natureza e sua obrigação vale igualmente

para todos. Nesse caso devem uma obrigação ao código civil elaborado pelo Estado por não

se oporem aos seus ditames.

A lei requer uma ação do Estado para que seja aplicada em cumprimento aos fins

cabíveis. A lei de natureza não é considerada imediatamente lei. As leis civis é que são

elaboradas para preservar a sociedade civil e a ordem, uma vez que seu cumprimento é

inviolável.

Numa república, a interpretação das leis de natureza não depende dos livros de filosofia moral. Sem a autoridade da república, a autoridade dos escritores não basta para

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transformar em leis as suas opiniões, por mais verdadeiras que sejam. Tudo o que escrevi neste tratado sobre as virtudes morais, a sua necessidade para obtenção e preservação da paz, embora seja evidentemente verdadeiro, não passa por isso a ser imediatamente lei. Se o é, é porque em todas as repúblicas do mundo faz parte das leis civis. (Hobbes, 2008, p.235).

As leis civis são imprescindíveis no desempenho dos objetivos do Estado. São

elementos de preservação da paz e da segurança pública. Devem regular a sociedade civil,

concedendo os direitos e organizando a judicatura. Formam o ordenamento político e social,

auxiliando na coercitividade e nos mecanismos de controle; portanto, são fundamentais para

a existência da república.

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CONCLUSÃO

Nesta dissertação vimos que as leis de natureza ou as leis divinas não formam a

obrigação dos súditos. A essência das leis de natureza contidas no preceito ‘’não fazer aos

outros aquilo que não gostaria que outrem lhe fizesse’’ na verdade constitui-se apenas como

uma doutrina espiritual tal como Confúcio ou o Evangelho relatam, pois não são capazes

efetivar os laços de reciprocidade na sociedade.

O fundamento que compõe as leis de natureza é, na realidade, um conceito vazio,

sem a espada civil capaz de regular e dizer o que é a equidade comum, a justiça e a lei. O

autor entende-as como qualidades que predispõem os homens às virtudes, mas como na

natureza humana não há apenas boas virtudes, nada pode garantir que esses preceitos sejam

cumpridos. Portanto, cabe aos homens renderem-se à tutela do Leviatã, cuja finalidade é

defendê-los do retorno ao estado de barbárie em que viviam.

As verdades reveladas pela fé mostram como os homens criam uma ilusão por

crenças. A lei de Deus, na realidade, representa um assentimento, mas não exerce sobre os

homens o dever de seu cumprimento. Se os dogmas religiosos bastassem, para tornar viável a

obrigação política, não seria preciso a elaboração do código civil. O Direito é a liberdade; a

lei é a ordem na sociedade civil.

O idealismo hobbesiano mostra a vida do homem sem a justiça e a força da

república como elementos de efetivação da coercibilidade. Na natureza, os indivíduos se

encontram em constante insegurança e o medo é causado pela luta de todos contra todos pela

disputa dos bens externos.

Hobbes entende que o homem, vivendo no estado natural, está preocupado em

assegurar apenas seu próprio prestígio, sucesso e glória. O estado natural pressupõe a

ausência de leis. O estado de discórdia possibilita aos indivíduos uma liberdade natural isenta

de determinações exteriores, já que são livres para tomar suas próprias decisões.

A liberdade irrestrita é incontrolável e inibe as chances reais que os indivíduos têm

de viverem em paz e concórdia entre si. A todo momento, temem um ataque do vizinho à sua

propriedade e família, e isso os força a elaborar os meios de se autodefenderem empregando

seu esforço nesta finalidade.

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A convenção cria as condições para a efetivação do contrato social e marca a

passagem da ordem natural para a ordem social. Thomas Hobbes entende que a legitimidade

do poder soberano está na transferência recíproca dos poderes individuais, pelo acordo mútuo

entre os indivíduos. Logo, a teoria política hobbesiana preocupa-se em definir a forma pela

qual o poder único é exercido no estabelecimento da ordem social.

As leis criadas pelo poder único consentido e representante da vontade geral na

sociedade garantem os direitos dos cidadãos. Acreditamos que o poder soberano exerce uma

tendência, portanto rompe com o estado de neutralidade e parcialidade das leis de natureza. O

poder é estabelecido com a finalidade de regular os interesses e está acima de qualquer outro

que se oponha à sua posição.

A guerra de todos é uma consequência da ausência do Estado como defensor dos

interesses da sociedade civil, diante das ameaças ao alicerce e à finalidade da república. O

Estado possibilita que a sociedade civil se organize por meio das leis elaboradas de acordo

com a vontade do soberano.

O Estado em Hobbes é uma organização jurídica coercitiva, capaz do exercício dos

poderes: legislativo, executivo e judiciário. A obediência dos súditos é estabelecida pela

convenção que legitima o poder soberano, criando a sociedade civil. O Estado é representado

na organização jurídica estabelecida por meio da obrigação dos súditos às leis civis.

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