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Brain Greene, em “O Universo Elegante” consegue de forma leve e didática, dar ao leitor uma visão conceitual da Física moderna, passando pela mecânica quântica, relatividade e a teoria das supercordas. Para isso ele utiliza boas e divertidas analogias, sem entrar no formalismo matemático, tornando acessível a visão da ciência de um Universo realmente elegante.

Prefácio

Nos últimos trinta anos da sua vida, Einstein buscou semdescansoachamadateoriadocampounificado—umateoriacapazdedescrever as forças da natureza por meio de um esquema único,completo e coerente. As motivações de Einstein não eram as quenormalmenteinspiramosempreendimentoscientíficos,comoabuscadeexplicaçõesparaesteouaqueleconjuntodedadosexperimentais.Eleacreditavaapaixonadamentequeoconhecimentomaisprofundodouniversorevelariaamaiordasmaravilhas:asimplicidadeeapotênciadosprincípiosqueoestruturam.Einsteinqueriailuminarosmecanismosda natureza com uma luz nunca antes alcançada, que nos permitiriacontemplar,emestadodeencantamento,todaabelezaeaelegânciadouniverso.

Ele nunca realizou o seu sonho, em grande parte porque ascircunstâncias não o favoreciam, já que em sua época váriascaracterísticas essenciais da matéria e das forças da natureza eramdesconhecidasou,quandomuito,malcompreendidas.Masduranteosúltimos cinqüenta anos, as novas gerações de físicos — entrepromessas, frustrações e incursões por becos sem saída — vêmaperfeiçoando progressivamente as descobertas feitas por seuspredecessoreseampliandoosnossosconhecimentossobreamaneiracomofuncionaouniverso.Eagora,tantotempodepoisdeEinsteinterempreendido em vão a busca de uma teoria unificada, os físicosacreditamterencontradofinalmenteaformadecombinaressesavançosemumtodoarticulado—umateoriaintegrada,capaz,emprincípio,dedescrever todos os fenómenos físicos. Essa teoria, a teoria dassupercordas,éotemadestelivro.

EscreviOuniversoelegantecomoobjetivodetornaracessívelauma ampla faixa de leitores, especialmente aos que não conhecemfísicaematemática,onotávelfluxodeidéiasquecompõeavanguardadafísicaatual.Nasconferênciasquetenhofeitonosúltimosanossobrea teoria das supercordas, percebi no público um vivo desejo deconheceroquedizemaspesquisasatuaissobreasleisfundamentaisdo universo, de como essas leis requeremumgigantesco esforço dereestruturação dos nossos conceitos a respeito do cosmos e dosdesafios que terão de ser enfrentados na busca da teoria definitiva.Esperoqueosdoiselementosqueconstituemestelivro—aexplicaçãodasprincipaisconquistasdafísicadesde

EinsteineHeisenbergeorelatodecomoassuasdescobertasvieramaflorescercomvigornosavançosradicaisdanossaépoca—venhamasatisfazereenriqueceressacuriosidade.

EsperoaindaqueOuniversoeleganteinteressetambémaquelesleitoresquedefatotêmconhecimentoscientíficos.Paraosestudanteseprofessoresdeciências,esperoqueolivrologrecristalizaralgunsdoselementosbásicosda físicamoderna, comoa relatividadeespecial, arelatividade geral e a mecânica quântica, e ao mesmo tempo possatransmitir a euforia contagiante que sentem os pesquisadores ao seaproximarem da conquista tão ansiosamente aguardada da teoriaunificada. Para o leitor ávido por ciência popular, tratei de explicaraspectos do extraordinário progresso que o nosso conhecimento docosmos experimentou na última década. E para osmeus colegas deoutrasdisciplinascientíficas,esperoqueolivrolhesdêumaindicaçãohonestaeequilibradadeporqueosestudiososdascordasestão tãoentusiasmados com os avanços alcançados na busca da teoriadefinitivadanatureza.

Ateoriadassupercordasenglobaumagrandeárea.Eumtemaamploeprofundo,relacionadocommuitasdasdescobertascapitaisdafísica.Comoelaunificaasleisdograndeedopequeno,leisqueregema física desde as unidades mínimas da matéria até as distânciasmáximas do cosmos, sãomúltiplas asmaneiras de abordá-la. Decidifocalizá-laapartirdaevoluçãodapercepçãoquetemosdoespaçoedotempo.Creioqueesseéumcaminhoespecialmente interessanteporpermitirumavisãofascinanteericadasnovasmaneirasdepensar.

Einsteinmostrouaomundoqueoespaçoeotempocomportam-sedemaneirasincomunsesurpreendentes.Agora,aspesquisasmaisrecentes conseguiram integrar as suas descobertas a um universoquântico, com numerosas dimensões ocultas, enroladas dentro dotecidocósmico—dimensõescujageometriaprodigamenteentrelaçadapodepropiciarachaveparaacompreensãodealgumasdasquestõesmais profundas que já enfrentamos. Embora alguns destes conceitossejamsutis,veremosquepodemserapreendidosatravésdeanalogiascomuns. Uma vez compreendidas, essas idéias proporcionam umaperspectivadeslumbranteerevolucionáriadouniverso.

Emtodootranscorrerdolivro,procureimanteropadrãocientíficoe, ao mesmo tempo, dar ao leitor — freqüentemente por meio deanalogiasemetáforas—acompreensãointuitivadecomooscientistaschegaramàconcepçãoatualdocosmos.Emboraeutenhaevitadoouso

de linguagem técnica e a apresentação de equações, a naturezaradicalmentenovadosconceitosaquiconsideradospodeforçaroleitorafazerumapausaemalgunspontos,ameditaraquieali,ouarefletirsobreasexplicaçõesdadas,demodoaacompanharaprogressãodasidéias.CertasseçõesdaparteIV(arespeitodosavançosmaisrecentes)sãomaisabstratasqueasdemais;tomeiocuidadodeadvertiro leitorsobreessasseçõesedeestruturarotextodemodoqueelaspossamserlidassuperficialmenteoumesmosaltadassemmaior impacto sobreofluxo lógico do livro. Incluí um glossário de termos científicos com oobjetivo de propiciar definições simples e acessíveis para as idéiasapresentadas no texto. Embora o leitor menos comprometido possaignorar totalmente as notas finais, o mais aplicado encontrará aíobservaçõesadicionais,esclarecimentosdeidéiasexpostasdemaneirasimplificadanotexto,bemcomoincursõestécnicasparaosquegostamdematemática.

Devoagradeceramuitaspessoaspelaajudarecebidaduranteapreparaçãodestelivro.DavidSteinhardtleuomanuscritocomatençãoegenerosidade,alémdepropiciarinestimáveisincentivosecomentárioseditoriais precisos. David Morrison, Ken Vineberg, Raphael Kasper,Nicholas Boles, Steven Carlip, Arthur Greenspoon, David Mermin,MichaelPopowitzeShaniOffenleramomanuscritodetalhadamenteeofereceram sugestões que emmuito beneficiaram a apresentação daobra.OutrosqueleramomanuscritototalouparcialmenteeforneceramconselhoseincentivosforamPaulAspinwail,PersisDrell,MichaelDuff,Kurt Gottfried, Joshua Greene, Teddy Jefferson, Marc Kamionkowski,YakovKanter,AndrasKovacs,DavidLee,Megan McEwen, Nari Mistry, Hasan Padamsee, Ronen Plesser,Massimo Poratti, Fred Sherry, Lars Straeter, Steven Strogatz, AndrewStrominger,HenryTye,CumrunVafaeGabrieleVeneziano.DevoagradecimentosespeciaisaRaphaelGunner, entre outras coisas pelas críticas feitas logo ao início dotrabalho, que me ajudaram a dar-lhe a forma definitiva, e a RobertMalley,porseuincentivosuaveepersistenteparaqueeupassassedoestágiodepensarnolivroparaodeescrevê-lo.StevenWeinberg e Sidney Coleman contribuíram com sua assistência econselhos valiosos, e é um prazer registrar as muitas interaçõespositivascomCarolArcher,VickyCarstens,DavidCassei,AnneCoyle,Michael Duncan, Jane Forman, Wendy Greene, Susan Greene,Erikjendresen,GaryKass,ShivaKumar,RobertMawhinney,PamMorehouse, Pierre Ramond, Amanda Salles e Elero Simoncelli.DevoaCostase fthimiouaajudanaspesquisasde confirmaçãoena

organização das referências, bem como na transformação de meusesboços preliminares em desenhos gráficos, a partir dos quais TornRockwellcriou—compaciênciadesantoeolhosdeartista.AgradeçotambémaAndrewHansoneJimSethnapelaajudanapreparaçãodealgumasfigurasespecializadas.

Porconcordarememserentrevistadoseoferecersuasprópriasperspectivasemdiversostópicos,agradeçoaHowardGeorgi,SheldonGlashow,MichaelGreen,JohnSchwarz,JohnWheeler,EdwardWittene,novamente,aAndrewStrominger,CumrunVafaeGabrieleVeneziano.

Fico feliz em reconhecer as penetrantes observações e asinestimáveis sugestões de Angela Von der Lippe e a agudasensibilidadeparaodetalhedeTraciNagie,minhaseditorasnaW.W.Norton,queaumentaramsignificativamenteaclarezadaapresentação.Agradeço ainda ameus agentes literários, John Brockman e KatinkaMatson,porsuaexcelenteorientaçãonaartede"pastorear"o livrodocomeçoaofim.

Por haverem apoiado com generosidade asminhas pesquisasem física teórica por mais de quinze anos, expresso meureconhecimentoegratidãoàNationalScienceFoundation,àAlfredP.Sloan Foundation e ao Departamento de Energia do Governo dosEstadosUnidos.Nãoésurpresaparaninguémqueaminhapesquisaseconcentrou no impacto da teoria das supercordas sobre os nossosconceitosdeespaçoetempo,enoscapítulosfinaisdolivroeudescrevoalgumasdasdescobertasemquetiveafelicidadedeparticipar.Apesarda minha esperança de que o leitor aprecie a leitura destes relatos"íntimos",temoqueelespossamdarumaidéiaexageradadopapelquedesempenheinodesenvolvimentodateoriadassupercordas.Permitam-me,portanto,aproveitarestaoportunidadeparahomenagearosmaisdemil físicos de todo o mundo que participam de maneira dedicada ecrucial do esforço de compor a teoria definitiva do universo. Peçoperdãoatodosaquelescujotrabalhonãofoiincluídonesterelato;issoreflete apenas a perspectiva temática que escolhi e as limitações detamanhodeumaapresentaçãodecarátergeral.

Agradeço também o trabalho de tradução deste texto para alínguaportuguesa, feito por JoséViegasFilho, assim comoa revisãotécnicarealizadaporRogérioRosenfeld.

Finalmente,expressoosmeusprofundosagradecimentosaEllenArcher por seuamore seuapoio incansável, semosquais este livronuncateriasidoescrito.

PARTEI

Afronteiradoconhecimento

1.Vibrandocomascordas

Chamá-ladetentativadeabafaraverdadeseriamuitodramático.

Porém, por mais de meio século — mesmo em meio às maioresconquistascientíficasdahistória—os físicosconviveramemsilênciocomaameaçadeumanuvemescuranohorizonte.

O problema é o seguinte: a física moderna repousa em doispilares. Um é a relatividade geral de Albert Einstein, que fornece aestruturateóricaparaacompreensãodouniversonasmaioresescalas:estrelas, galáxias, aglomerados de galáxias, até além da imensaextensãototaldocosmos.Ooutroéamecânicaquântica,queforneceaestruturateóricaparaacompreensãodouniversonasmenoresescalas:moléculas, átomos, descendo até as partículas subatômicas, comoelétrons e quarks. Depois de anos de pesquisa, os cientistas jáconfirmaram experimentalmente, e com precisão quase inimaginável,praticamentetodasasprevisõesfeitasporessasduasteorias.

Mas esses mesmos instrumentos teóricos levam de formainexorável a uma outra conclusão perturbadora: tal como atualmenteformuladas,arelatividadegeraleamecânicaquânticanãopodemestarcertas aomesmo tempo. As duas teorias que propiciaram o fabulosoprogressodafísicanosúltimoscemanos—progressoqueexplicouaexpansão do espaço e a estrutura fundamental da matéria — sãomutuamenteincompatíveis.

Se você ainda não ouviu falar dessa feroz controvérsia, deveestar perguntando qual a razão dela. A resposta não é difícil. Empraticamentetodososcasos,comexceçãodosmaisextremos,osfísicosestudamcoisasqueou sãopequenase leves (comoosátomoseaspartículasqueosconstituem)ouenormesepesadas(comoasestrelaseasgaláxias),masnãoambosostiposdecoisasaomesmotempo.Issosignificaqueelessónecessitamutilizarouamecânicaquânticaouarelatividade geral, e podem desprezar semmaiores preocupações as

advertênciasdooutrolado.Estaatitudepodenãotrazertantafelicidadequantoaignorância,masandaperto.

Porém o universo está cheio de casos extremos. Nasprofundezas do interior de um buraco negro umamassa enorme ficacomprimidaapontodeocuparumespaçominúsculo.Nomomentodobig-bang,ouniversointeiroemergiudeumapepitamicroscópica,pertodaqualumgrãodeareiaéalgocolossal.Essessãomundosmínimosmas incrivelmentedensos,quepor isso requeremoemprego tantodamecânicaquânticaquantodarelatividadegeral.Pormotivosqueficarãomais claros à medida que avançarmos, as equações da relatividadegeraledamecânicaquântica,quandocombinadas,começamaratear,trepidar e fumegar, comoumcarro velho.Falandodemaneiramenosfigurativa,quandosejuntamasduasteorias,osproblemasfísicos,aindaquebemformulados,provocamrespostassemsentido.Mesmoquenosresignemosadeixarenvoltasemmistérioquestõesdifíceiscomooqueocorre no interior dos buracos negros ou como se deu a origem douniverso,nãosepodeevitarasensaçãodequeahostilidadeentreamecânica quântica e a relatividade geral clama por um nível deentendimentomaisprofundo.

Será verdade que o universo, no seu nível mais fundamental,apresenta-sedividido,requerendoumconjuntoderegrasparaascoisasgrandeseoutro,diferenteeincompatível,paraascoisaspequenas?

A teoriadassupercordas,umacriançaemcomparaçãocomasveneráveis teorias da mecânica quântica e da relatividade geral,respondeaessaperguntacomumsonoronão.Pesquisasintensasdefísicosematemáticosem todoomundo revelaram, naúltimadécada,que essa nova maneira de descrever a matéria no nível maisfundamental resolvea tensãoentre a relatividadegeral e amecânicaquântica. Na verdade, a teoria das supercordas revela aindamais: arelatividadegeral eamecânicaquânticaprecisamumadaoutraparaquea teoria façasentido.Deacordocoma teoriadassupercordas,ocasamentoentreas leisdograndeedopequenonãosóé felizcomotambéminevitável.

Essa é uma boa notícia. Mas a teoria das supercordas— ousimplesmenteteoriadascordas—levaessauniãomuitomaisadiante.DurantetrintaanosEinsteinbuscouumateoriaunificadadafísicaqueentrelaçasse todas as forças e todos os componentes materiais danatureza em um único conjunto de teorias. Ele fracassou. Agora, aoiniciar-se o novo milênio, os proponentes da teoria das cordasproclamam que os fios dessa difícil obra de tecelagem já foram

identificados. A teoria das cordas tem a capacidade potencial dedemonstrarquetodososformidáveisacontecimentosdouniverso—dadança frenéticadosquarksàvalsaelegantedasestrelasbinárias,dabola de fogo do big-bang ao deslizarmajestoso das galáxias— sãoreflexosdeumgrandeprincípiofísico,umaequaçãouniversal.

Como esses aspectos da teoria das cordas requerem umamudançadrásticanosnossosconceitosdeespaço,tempoematéria,énecessário deixar passar algum tempo para que nos acostumemos aessas transformações. Mas logo ficará claro que, vista no contextocorreto, a teoria das cordas é uma conseqüência natural, ainda queextraordinária, das descobertas revolucionárias da física nos últimoscem anos. Veremos que o conflito entre a relatividade geral e amecânicaquânticanaverdadenãoéoprimeiro,massimoterceirodeumasériedechoquescruciaisocorridosnoséculoXX,confrontoscujosresultados provocaram revisões estonteantes na nossa visão douniverso.

OSTRÊSCONFLITOS

O primeiro conflito, conhecido desde o fim do século passado,temavercomcertaspropriedadescuriosasdomovimentoda luz.Emsíntese,segundoasleisdamecânicadeNewton,sevocêsedeslocarcom rapidez suficiente, poderá acompanhar um raio de luz, massegundo as leis do eletromagnetismo, de James ClerkMaxwell, não.Como veremos no capítulo 2, Einstein resolveu esse conflito com ateoria da relatividade especial e, ao fazê-lo, aniquilou a nossaconcepção do espaço e do tempo. De acordo com a relatividadeespecial, não sepodepensar no espaçoe no tempo como conceitosuniversaise imutáveis,experimentadosdemaneira idênticapor todos.Aocontrário,oespaçoeo tempoaparecemnos trabalhosdeEinsteincomo elementos maleáveis, cuja forma e aparência dependem dasituaçãodoobservador.

O desenvolvimento da relatividade especial armouimediatamenteocenárioparaosegundoconflito.Umadasconclusõesdo trabalho de Einstein era a de que nenhum objeto— na verdadenenhumtipodeinfluênciaouefeito—podeviajaravelocidadesmaioresdoqueadaluz.Mas,comoveremosnocapítulo3,ateoriadagravitação

universal de Newton, tão bem comprovada e tão agradável à nossaintuição, envolve influências que se transmitem instantaneamente portodooespaço.FoiEinstein,novamente,quemresolveuoconflito,graçasaumanovaconcepção da gravidade, apresentada em 1915 com a teoria darelatividade geral. Assim como a relatividade especial, a relatividadegeraltambémderrubouasconcepçõesanterioresdoespaçoedotempomostrando que eles não só são influenciados pelo movimento doobservador,mas tambémpodemempenar-seecurvar-seemreaçãoàpresença da matéria ou da energia. Essas distorções no tecido doespaçoedotempo,comoveremos,transmitemaforçadagravidadedeum lugaraoutro.Oespaçoeo tempo,portanto,nãopodemmaisservistoscomoumcenárioinertenoqualosacontecimentosdouniversosedesenrolam;aocontrário,arelatividadeespecialearelatividadegeralrevelamque eles exercemuma influência profunda sobre os própriosacontecimentos.

Denovoopadrãoserepete:adescobertadarelatividadegeral,aoresolverumconflito,levaaoutro.Duranteastrêsprimeirasdécadasdo século XX, os físicos desenvolveram a mecânica quântica (quediscutiremos no capítulo 4) em resposta a uma série de problemasgritantessurgidosquandoasconcepçõesdafísicadoséculoXIXforamaplicadasaomundomicroscópico.Comoditoacima,oterceiroconflito,detodosomaior,derivadaincompatibilidadeentreamecânicaquânticaearelatividadegeral.Comoveremosnocapítulo5,acurvasuavequedáaformadoespaçonarelatividadegeralnãoconsegueconvivercomo comportamento frenético e imprevisível do universo no nívelmicroscópicodamecânicaquântica.Umavezquesomenteapartirdemeadosdadécadade80a teoriadascordaspassouaoferecerumasolução para esse conflito, ele é considerado, com justiça, como oproblema capital da físicamoderna. Além disso, ao desenvolver-se apartirdarelatividadeespecialegeral,ateoriadascordasrequeroutragrandearrumaçãodasnossasconcepçõesdeespaçoetempo.

Por exemplo, a maioria de nós dá como certo que o nossouniverso tem três dimensões espaciais, mas isso não é verdadesegundoateoriadascordas,queafirmaqueonossouniversotemmuitomaisdimensõesdoqueparece - dimensões recurvadas,queocupamespaços mínimos no tecido espacial. Essas incríveis observações arespeitodanaturezadoespaçoedotemposãotãoessenciaisquenosservirãocomoguiasemtudooqueapartirdaquisedisser.Naverdade,

a teoria das cordas é a história do espaço e do tempo a partir deEinstein.

Parasabermosbemoqueéateoriadascordas,temosderecuarumpoucoparadescrever brevementeoqueaprendemosnosúltimoscemanossobreaestruturamicroscópicadouniverso.

OUNIVERSONAESCALAMICROSCÓPICA:OQUESABEMOSSOBREAMATÉRIA

Os gregos antigos propuseram que a matéria do universo écomposta por partículas mínimas e indivisíveis, que denominaramátomos.Assimcomoemumalínguaalfabéticaasincontáveispalavrassãooresultadodeumenormenúmerodecombinaçõesdeumpequenonúmerode letras,elessupuseramqueagrandevariedadedeobjetosmateriaistambémfosseoresultadodascombinaçõesdeumapequenavariedade de partículas ínfimas e elementares. Foi uma suposiçãoclarividente.Maisde2milanosdepois,aindaacreditamosnela,emboraa identidade dessas unidades fundamentais tenha sofrido numerosasrevisões. No século XIX os cientistas demonstraram que muitassubstânciasfamiliares,comoooxigênioeocarbono, tinhamumlimitemínimoparao seu tamanho.Seguindoa tradiçãodosgregoselesoschamaramátomos.Onomeficou,emboraahistóriatenhareveladoqueele era inadequado, uma vez que hoje sabemos que os átomos sãodivisíveis. No começo da década de 30, o trabalho coletivo de J. J.Thomson, Ernest Rutherford, Niels Bohr e James Chadwick já haviaconsagradoomodeloqueassemelhaoátomoaumsistemasolarequetodos nós conhecemos bem. Longe de ser os constituintes maiselementaresdamatéria,osátomosconsistemdeumnúcleoquecontémprótonsenêutronseéenvolvidoporumenxamedeelétronsorbitantes.

Durante algum tempo os físicos acreditaram que os prótons,nêutronseelétrons fossemosverdadeiros "átomos"dosgregos.Mas,em 1968, experiências de alta tecnologia feitas no Stanford LinearAccelerator Center (Centro do Acelerador Linear de Stanford) parapesquisarasprofundezasmicroscópicasdamatéria revelaramqueosprótonsenêutronstampoucosão"indivisíveis".Descobriu-sequeelessão formados por três partículasmenores chamadas quarks— nomeimaginativo, tirado de uma passagemdeFinnegansWake, de JamesJoyce,edadopelofísicoteóricoMurrayGell-Mann,queanteriormentejápropuseraasuaexistência.

Asexperiênciasconfirmaramaindaqueosquarksapresentam-seemduasvariedades,quereceberamosnomes,algomenoscriativos,deup e down. Um próton consiste de dois quarks up e um down; umnêutron consiste de um quark up e dois down. Tudo o que se vê nomundoterrestreenaabóbadacelestepareceserfeitodecombinaçõesdeelétrons,quarksupequarksdown.Nãoexistenenhuma indicaçãoexperimentaldequequalquerumadessastrêspartículassejaformadaporalgoaindamenor.Masmuitasexperiênciasindicamqueouniversocontatambémcomoutraspartículasdematéria.Emmeadosdadécadade 50, Frederick Reines e Clyde Cowan comprovaramexperimentalmente a existência de uma quarta espécie de partículafundamental, chamada neutrino— cuja existência já fora prevista porWolfgangPauli no iníciodosanos30.Éextremamentedifícil detectarumneutrino, partícula fantasma que sómuito raramente interage comqualquer outra espécie dematéria: um neutrino com nível normal deenergia pode atravessar com facilidade um bloco de chumbo com aespessurademuitostrilhõesdequilômetrossemexperimentaramenorperturbaçãoemseumovimento.Vocêpodesentir-semuitoaliviadocomisso,porqueagoramesmo,enquantoestá lendoestafrase,bilhõesdeneutrinoslançadosaoespaçopeloSolestãoatravessandooseucorpo,assimcomotodaaTerra,emsuaslongasesolitáriasviagensatravésdocosmos. No final dos anos 30, outra partícula, chamada múon —idênticaaoelétron,excetoporsercercadeduzentasvezesmaispesada—foidescobertaporfísicosqueestudavamosraioscósmicos(chuvasdepartículasquebombardeiamaTerradoespaçoexterior).Comonãohavianadanaordemcósmicaquedemandasseaexistênciadomúon,nenhumenigmaporresolver,nenhumaáreaespecíficaquepudesseserpor ele explicada, Isidor Isaac Rabi, físico de partículas ganhador doprêmio Nobel, saudou a descoberta do múon com muito poucoentusiasmo: "Quem foiqueencomendou isto?",eleperguntou.Mas láestavaomúon.Eaindaviriamais.

Os físicos continuaram a provocar choques entre partículas,usandotecnologiascadavezmaispoderosaseníveisdeenergiacadavezmaisaltos,recriando,porummomento,condiçõesquenuncamaisocorreramdepoisdobig-bang.Entreostraçosdeixadospelosestilhaçosdessas colisões, eles procuravam outros componentes fundamentais,queseiamsomandoaumalistasemprecrescentedepartículas.Eisoqueelesencontraram:maisquatroquarks—charm,strange,bottometop—eoutroprimodoelétron,aindamaispesado,chamadotau,assimcomo duas partículas com propriedades similares às do neutrino

(chamadas neutrino domúon e neutrino do tau, para distingui-las doneutrinooriginal, quepassoua chamar-seneutrinodoelétron).Essaspartículassãoproduzidasemcolisõesaaltasenergiasesuaexistênciaéefêmera;elasnãosãocomponentesdenadaquepossamosencontrarnormalmente. Mas a história ainda não terminou. Cada uma dessaspartículastemumaantipartículaquelhecorrespondecomopar—comigual massa, mas oposta a ela em outros aspectos, como a cargaelétrica (assim como as cargas relativas a outras forças quediscutiremosabaixo).

Aantipartículadoelétron,porexemplo,chama-sepósitron—temexatamenteamesmamassadoelétron,masasuacargaelétricaé+1,enquantoacargaelétricadoelétroné-1.Quandoentramemcontato,amatéria e a antimatéria podem aniquilar-se mutuamente, produzindoenergia pura—e é por isso quehá tão poucaantimatéria ocorrendonaturalmentenomundoànossavolta.

Os físicos identificarama existência de umpadrão entre essaspartículas.Aspartículasdematériaenquadram-seclaramenteem trêsgrupos, freqüentemente denominados famílias. Cada família contémdois quarks, um elétron ou um dos seus primos, e um exemplar daespéciedosneutrinos.Ostiposcorrespondentesdaspartículasdecadafamília têm propriedades idênticas, exceto quanto à massa, queaumenta sucessivamente de uma família para outra. Em resumo, osfísicos pesquisaram a estrutura da matéria até a escala de umbilionésimo de bilionésimo demetro e verificaram que tudo o que foiencontradoatéagora—sejananatureza,sejaproduzidoartificialmentenos gigantescos despedaçadores de átomos — consiste decombinaçõesdaspartículasdessastrêsfamílias,oudosseusparesdeantimatéria.

A distribuição das partículas em famílias pelo menos dá umaperspectiva de ordem,mas inumeráveis "porquês" saltamà vista.Porque há tantas partículas fundamentais, especialmente quandopraticamentetudooqueexistenomundonãoparecerequerermaisdoqueelétrons,quarksupequarksdown?Porquehátrêsfamílias?Porque não uma só, ou quatro, ou outro número qualquer? Por que aspartículas apresentam uma variedade de massas aparentementealeatórias—porque,porexemplo,otaupesa3520vezesmaisqueoelétron?Porqueoquarktoppesa40200vezesmaisqueoquarkup?Essesnúmerossãomuitoestranhoseaparentementealeatórios.Elesaconteceram por acaso, por escolha divina, ou existirá alguma razão

científicaparaessascaracterísticasbásicasdonossouniverso?As três famíliasdepartículas fundamentaisesuasmassas (em

múltiplos damassa do próton).Os valores dasmassas dos neutrinosaindanãopuderamserdeterminadosexperimentalmente.ASFORÇAS,OUONDEESTÁOFÓTON?

As coisas complicam- se aindamais quando consideramos asforçasdanatureza.Omundoànossavoltaestárepletodemaneirasdeexercerinfluência:vocêpodechutarumabola,ospraticantesdebungeepodem atirar-se de altas plataformas, trens super-rápidos trafegamsuspensospor imãssemcontatocomos trilhosmetálicos, contadoresGeiger registramapresençadematerial radioativo,bombasnuclearesexplodem. Podemos influenciar objetos puxando, empurrando ousacudindo-os;lançandoouatirandooutrosobjetossobreeles;rasgando,torcendoouesmagando-os;congelando,aquecendoouqueimando-os.Nosúltimoscemanososfísicosacumularamprovascrescentesdequetodasessasinteraçõesentreobjetosemateriaisdiversos,assimcomoqualquer outra interação, entre milhões e milhões que acontecemdiariamente, podem ser reduzidas a combinações de quatro forçasfundamentais.Umadelaséaforçadagravidade.Asoutrastrêssão:aforçaeletromagnética,aforçafracaeaforçaforte.

A gravidade é a força mais conhecida, responsável por nosmanteremórbitaàvoltadoSolecomospéssobreaTerra.Amassadeum objeto determina a força gravitacional que ele exerce ou sofre. Aforçaeletromagnéticaéasegundamaisconhecidadasquatro.Éaforçaqueproduztodososconfortosdavidamoderna—luzes,computadores,televisores,telefones—eestápresentetantonopoderdevastadordastempestades de relâmpagos quanto no toque suave damãohumana.Microscopicamente,acargaelétricadeumapartículaestáparaaforçaeletromagnética assim como a massa está para a gravidade: eladeterminaaintensidadecomqueumapartículapodeexercerousofreroeletromagnetismo.

As forças forte e fraca são menos conhecidas porque a suaintensidadediminuirapidamentealémdasdistânciassubatômicas;sãoasforçasnucleares.Poressarazãosóforamdescobertasmuitodepois.A força forte é responsável por manter os quarks presos dentro dosprótonsedosnêutronsemanterosprótonsenêutronscomprimidosnointerior do núcleo atômico. A força fraca é mais conhecida por ser

responsávelpeladesintegraçãoradioativadeelementoscomoourânioeocobalto.

Durante o último século, os físicos descobriram dois aspectosquesãocomunsatodasessasforças.Emprimeirolugar,comoveremosnocapítulo5,nonívelmicroscópicocadaumadelastemumapartículaassociada,quepodeserconsideradacomoaunidademínimaemqueaforça pode existir. Se você disparar um raio laser — que é um raioeletromagnético — estará disparando um feixe de fótons, a unidademínima da força eletromagnética. Do mesmo modo, os componentesmínimosdoscamposdasforçasfracaefortesãopartículaschamadasbósonsdaforçafracaeglúons.(Otermoglúonderivadeglue,apalavrainglesapara "cola": vocêpode imaginar o glúon comoo componentemicroscópico da cola que mantém coesos os núcleos atômicos). Em1984oscientistasjáhaviamprovadodefinitivamenteaexistênciaeaspropriedades desses três tipos de partículas de força. Os físicosacreditam que também a força da gravidade tem uma partículaassociada — o gráviton —, mas a sua existência ainda não foiconfirmadaexperimentalmente.

As quatro forças da natureza, juntamente comas partículas deforçaaelasassociadaseassuasmassas,emmúltiplosdamassadopróton.(Aspartículasdaforçafracaapresentam-seemvariedades,comduasmassaspossíveis.Estudos teóricos indicamqueogravitondeveserdestituídodemassa.)

Osegundoaspectocomumdasforçaséodequeassimcomoamassadeterminaoefeitodagravidadesobreumapartículaeacargaelétrica determina o efeito da força eletromagnética sobre ela, aspartículas são dotadas de certa quantidade de "carga forte" e "cargafraca", que determinam como são afetadas pelas forças forte e fraca.Mas tal como no caso das massas das partículas, ainda que asexperiênciascientíficastenhamconseguidoquantificarcuidadosamenteessaspropriedades,ninguémexplicouaindaporqueonossouniversoécomposto especificamente por essas partículas, comessasmassas ecomessascargasdeforça.

Apesar das características comuns das forças fundamentais,examiná-las só faz aumentar o número das perguntas. Por que, porexemplo,asforçasfundamentaissãoquatro?Porquenãocinco,outrês,ouquemsabeumasó?Porqueelastêmpropriedadestãodiferentes?

Por queas forças forte e fraca confinam-seàsescalasmicroscópicasenquantoagravidadeeaforçaeletromagnéticatêmalcanceilimitado?E por que a variação da intensidade intrínseca dessas forças é tãogrande?

Paraconsideraressaúltimaquestão, imaginequevocêtemumelétron namão esquerda e outro namão direita e procura aproximarambas as partículas, que têm cargas elétricas idênticas. A atraçãogravitacionalmútuaentreelasfavoreceaaproximaçãoeporoutroladoarepulsão eletromagnética as afasta. Quem ganha? É covardia: arepulsãoeletromagnéticaé1milhãodebilhõesdebilhõesdebilhõesdebilhõesdevezes(IO42)maisforte!Seoseubraçodireitorepresentasseaintensidadedaforçadagravidade,oseubraçoesquerdoteriadesermaiordoque todoouniversopara representara intensidadeda forçaeletromagnética.Aúnica razãopela qual a forçaeletromagnéticanãosuplantatotalmenteaforçadagravidadenomundoànossavoltaéquequase todas as coisas contêm quantidades iguais de carga elétricapositiva e negativa, e as forças cancelam-se mutuamente. Por outrolado, comoagravidadesempreatrai, nãoháuma forçaopostaqueacancele — quanto mais matéria, mais atração gravitacional. Masessencialmente a gravidade é uma força extremamente débil. (Issoexplica a dificuldade de confirmar experimentalmente a existência dográviton.Encontraraunidademínimadaforçamaisdébildetodaséumgrande desafio.) As experiências realizadas mostram também que aforça forte é cerca de cem vezes mais intensa que a forçaeletromagnética e 100mil vezesmais intensa que a força fraca.Masqualarazãoparaqueonossouniversotenhaessascaracterísticas?

Não é uma questão meramente filosófica a de saber por quecertosdetalhesacontecemdeumamaneiraenãodeoutra;ouniversoseriaumlugarradicalmentediferenteseaspropriedadesdamatériaedas partículas de força semodificassem, ainda que ligeiramente. Porexemplo,aexistênciadosnúcleosatômicosestáveisqueformamtodosos elementos da tabela periódica depende de uma delicadaproporcionalidade entre a força forte e a força eletromagnética. Osprótons que se comprimem em um núcleo atômico repelem-semutuamentepelaaçãoeletromagnética;aforçaforte,queageemmeioaos quarks que os compõem, felizmente supera essa repulsão emantém os prótons juntos. Mas bastaria uma pequena mudança nasintensidades relativas dessas duas forças para fazer desaparecer oequilíbrioentreelas,oqueprovocariaadesintegraçãodamaiorparte

dosnúcleosatômicos.Alémdisso,seamassadoselétronsfosseumaspoucas vezesmaior, eles tenderiam a combinar-se com os prótons eformarnêutrons,em lugardenúcleosdehidrogênio (oelementomaissimplesdouniverso,cujonúcleocontémumúnicopróton),oque,porsua vez, impediria a produção dos elementos complexos. As estrelassão o produto da fusão de núcleos atômicos estáveis, e com essasalteraçõesnosfundamentosdanaturezaelasnãochegariamaformar-se. A intensidade da força da gravidade também tem um papel naformaçãodocosmos.Adensidadeesmagadoradamatériasocadanocoraçãodasestrelasalimentaassuas fornalhasnucleareseproduzoseubrilho.Seaintensidadedaforçadagravidadefossemaior,amassadaestrelaseriaaindamaisdensa,oqueaumentariasignificativamenteoritmodasreaçõesnucleares.

Amatériaécompostadeátomos,queporsuavezsãoformadosporquarkseelétrons.Deacordocomateoriadascordas,todasessaspartículassão,naverdade,laçosmínimosdecordasvibrantes.

Masassimcomoumalabaredabrilhantequeimaseucombustívelmuitomaisdepressadoquealentachamadeumavela,oaumentodoritmodas reaçõesnucleares levaria estrelas comooSol a esgotar-semuito mais rapidamente, o que teria um efeito devastador sobre aformaçãodavidacomoaconhecemos.Poroutrolado,seaintensidadeda força da gravidade fosse significativamente menor, a matéria nãochegaria a concentrar-se, o que também impediria a formação dasestrelasedasgaláxias.

Poderíamosprosseguir,masaidéiaestáclara:ouniversoexistedamaneiraqueexisteporqueamatériaeaspartículasdeforçatêmaspropriedadesque têm.Mashaveráumaexplicaçãocientíficaparaporqueelastêmessaspropriedades?

TEORIADASCORDAS:AIDÉIABÁSICA

A teoria das cordas oferece, pela primeira vez, um paradigma

conceitual capaz de produzir umamaneira articulada de responder aessasperguntas.Primeirovejamosaidéiabásica.

Aspartículassãoas "letras"que formam todaamatéria.Assimcomo as suas correspondentes lingüísticas, elas não parecem tersubestruturas internas. Mas a teoria das cordas diz o contrário. Deacordo com ela, se pudéssemos examinar essas partículas com

precisãoaindamaior—umgraudeprecisãoqueestáváriasordensdemagnitude além da nossa capacidade tecnológica atual —,verificaríamos que elas, em vez de assemelhar-se a umponto, têmaformadeumlaço,mínimoeunidimensional.

Cada partícula contémum filamento, comparável a umelásticoinfinitamentefino,quevibra,oscilaedançaequeosfísicos,carentesdacriatividade de GellMann, chamaram de corda. A teoria das cordasacrescenta um novo nível microscópico — o do laço vibrante — àprogressão já conhecida do átomo aos prótons, nêutrons, elétrons equarks.

Emboraissonãosejademedoalgumóbvio,veremosnocapítulo6 que a simples substituição dos componentes materiais de tipopartícula puntiforme por cordas resolve a incompatibilidade entre amecânicaquânticaearelatividadegeral.A teoria das cordas desata, portanto, o nó górdio da física teóricacontemporânea.Essaéumatremendaconquista,maséapenasumadasrazõespelasquaisateoriadascordasdespertoutantacomoção.TEORIADASCORDASEATEORIASOBRETUDO

Nos dias de Einstein, a força forte e a força fraca ainda nãohaviam sido descobertas, mas para ele a existência de duas forçasdiferentes — a gravidade e o eletromagnetismo — já era algoprofundamente perturbador. Einstein não conseguia aceitar que anaturezativesseporbaseumaconcepçãotãoextravagante.Issoolevouaumaviagemde trintaanosembuscadachamada teoriado campounificado,queeleesperavaviesseamostrarqueessasduasforçassão,naverdade,manifestaçõesdeumúnicoegrandeprincípiofundamental.Essa busca quixotesca isolouEinstein da corrente principal da física,compreensivelmente muito mais preocupada com as evoluçõesdecorrentes damecânica quântica. Nos anos 40, ele escreveu a umamigo:"Tornei-meumvelhosolitário,maisconhecidoporquenãousomeias,equeéexibidoemocasiõesespeciaiscomoumacuriosidade".

Einstein estava simplesmente à frente do seu tempo. Mais decinqüentaanosdepois,oseusonhodeencontrarumateoriaunificadatornou-se o Santo Graal da física moderna. E uma proporçãoconsideráveldacomunidadeda físicaedamatemáticaestácadavez

maisconvencidadequeateoriadascordasécapazdedararesposta.Apartirdeumúnicoprincípio—odequenonívelmaismicroscópicotudo consiste de combinações de cordas que vibram— a teoria dascordas oferece um esquema explicativo capaz de englobar todas asforçase todaamatéria.Elaafirma,porexemplo,queaspropriedadesqueobservamosnaspartículas,osdadosresumidos,sãoreflexosdasdiversas maneiras em que uma corda pode vibrar. Assim como ascordasdeumpianooudeumviolinotêmfreqüênciasressonantesemquevibramdemaneiraespecial—equeosnossosouvidospercebemcomo as notas musicais e os seus tons harmônicos —, o mesmotambémocorrecomoslaçosdateoriadascordas.Veremos,noentanto,queemvezdeproduzirnotasmusicais,ostiposdevibraçãopreferidospelascordasnateoriadascordasdãolugarapartículascujasmassasecargasde forçasãodeterminadaspelopadrãooscilatóriodacorda.Oelétronéumacordaquevibradeumamaneira,oquarkupéumacordaquevibradeoutramaneira,eassimpordiante.Dessemodo,longedeconstituirumconjuntocaóticodedadosexperimentalmenteverificados,aspropriedadesdaspartículas,nateoriadascordas,sãomanifestaçõesdeumaúnicacaracterísticafísica:ospadrõesressonantesdevibração—ouseja,a"música"—doslaçosfundamentaisdascordas.Amesmaidéia aplica-se também às forças da natureza. Veremos que aspartículas de força também se associam a padrões de vibração dascordas, e, dessemodo, tudo o que existe, toda amatéria e todas asforças, está unificado sob o mesmo princípio das oscilaçõesmicroscópicasdascordas—as"notas"queascordastocam.

Pelaprimeiraveznahistóriadafísicadispomos,portanto,deumesquema que tem a capacidade de explicar todas as característicasfundamentais comas quais o universo foi construído. Por essa razãodiz-se que a teoria das cordas pode ser, afinal, a "teoria sobre tudo"(TST), ou a teoria "definitiva", ou a "última" das teorias. Com essestermos grandiosos, quer-se significar a teoria física mais profundapossível—quealimentatodasasoutrasequenãorequernempermitenenhumabaseexplicativaaindamaisprofunda.Naprática,muitosdoscientistasligadosàteoriadascordastêmumafilosofiamaispragmáticaevêemaTSTnosentidomaismodestodeumateoriaquelograexplicaras propriedades das partículas fundamentais e as propriedades dasforçasquepermitemàspartículasinteragireinfluenciar-semutuamente.Um reducionista ferrenho afirmaria que não há aí limitação alguma e

que, em princípio, absolutamente tudo, desde o big-bang até asfantasias oníricas, pode ser descrito em termos de processos físicosmicroscópicosqueenvolvemoscomponentesfundamentaisdamatéria.Se você souber tudo a respeito dos componentes, diria ele, vocêcompreenderátudo.

A filosofia reducionistaacende facilmenteumcrepitantedebate.Muitos a consideram ilusória e sentem repulsa à idéia de que asmaravilhas da vida e do universo sejam apenas reflexos da dançaaleatóriadaspartículas,coreografadapelasleisdafísica.Seráverdadeque os sentimentos de alegria, de sofrimento ou de preguiça nãopassam de meras reações químicas no cérebro? — reações entremoléculas e átomos que, em escala ainda mais microscópica, sãoreações entre as partículas, que na verdade são apenas cordas quevibram?Em resposta a essa linha de pensamento, StevenWeinberg,ganhador do premio Nobel, adverte, em Dreams of a Final Theory[Sonhos de uma teoria final]: “Do outro lado do espectro estão osoponentesdo reducionismo,aterrorizadospeloquepercebemcomoaaridezdaciênciamoderna.Admitirahipótesedequeelespróprioseoseu mundo possam ser reduzidos a uma questão de partículas oucamposdeforçaesuasinteraçõesfazcomquesesintamdiminuídos.[...]Nãovou tentarconvencê-loscomumsermãosobreasbelezasdaciênciamoderna.Avisãodemundodosreducionistasémesmofriaeimpessoal. Ela tem de ser aceita como é, não porque seja do nossoagrado,massimporqueessaéamaneiracomofuncionaomundo.”

Alguns concordam, outros não. Outros ainda argumentam queformulações como a teoria do caos nos informam que as leis queconhecemos são substituídas por outras quando o nível decomplexidadedeumsistemaaumenta.Entenderocomportamentodeumelétronoudeumquarkéumacoisa;usaresseconhecimentoparacompreender o comportamento de um ciclone é algo totalmentediferente.Achoquetodosconcordamosquantoaisso.Masasopiniõesdivergem quanto a se os fenômenos diversos e muitas vezesinesperados que ocorrem nos sistemas mais complexos do que aspartículas individualmente consideradas significam verdadeiramentequenovosprincípiosfísicosentramemação,ouseessesprincípiossãoderivados, ainda que de modos incrivelmente complicados, dosprincípios físicos que governam o número imenso dos componenteselementares.Minha impressão é a de que eles não representam leisfísicas novas e independentes. Embora seja difícil explicar aspropriedades de um ciclone em termos da física dos elétrons e dos

quarks, creio que essa é umaquestão de impasse de cálculo, e nãoumaindicaçãodanecessidadedenovasleisfísicas.Masaquitambémhaveráosquediscordamdemim.

Oque, noentanto, está foradedúvida, e temuma importânciafundamentalnoargumentodeste livro,éque,mesmoqueseaceiteoraciocíniodiscutíveldoreducionistaferrenho,umacoisaéumprincípioeoutramuitodiferenteéaprática.HáconsensogeralquantoaqueadescobertadaTSTnãosignificarádemodo algum que a psicologia, a biologia, a geologia, a química, oumesmo a própria física tenham chegado ao estado de resoluçãocompleta.Ouniversoéumlugardetalmaneiraricoecomplexoqueadescobertadateoriadefinitiva,nosentidoquelheatribuímosaqui,nãodeterminará o fim dos avanços científicos. Muito pelo contrário, adescobertadaTST—aexplicaçãofinalsobreouniversoemseunívelmaismicroscópico, que não dependerá de nenhuma explicaçãomaisprofunda—proporcionariaomaisfirmedosalicercesparaaconstruçãodanossacompreensãodomundo.Marcariaumcomeçoenãoumfim.Ateoria definitiva proporcionaria uma coerência a toda prova, que nosassegurariaparasempredequeouniversoéumlugarcompreensível.OESTADODATEORIADASCORDAS

Apreocupaçãomaiordestelivroéadeexplicarosmecanismosdouniversodeacordocomateoriadascordas,comaênfaserecaindosobre as implicações dessas conclusões com relação às noções quetemosdoespaçoedo tempo.Aocontráriodemuitosoutros relatosarespeitodeavançoscientíficos,oqueaquifazemosnãoserefereaumateoria já totalmentedesenvolvida,confirmadapor testesexperimentaisrigorosos e integralmente aceita pela comunidade científica. A razãodisso, como veremos nos capítulos subseqüentes, é que a teoria dascordaséumaestrutura teórica tãoprofundaesofisticadaque,mesmocomoprogressoimpressionantefeitonasduasúltimasdécadas,aindatemosmuito o que caminhar até podermos afirmar que conseguimosdominá-la.

Dessemodo,ateoriadascordasdeveservistacomoumtrabalhoemandamento,cujodesenvolvimentoparcial járevelasurpreendentespercepçõessobreanaturezadoespaço,dotempoedamatéria.Aunião

harmoniosaentrearelatividadegeraleamecânicaquânticaéumêxitonotável.Alémdisso,aocontráriodetodasasteoriasanteriores,ateoriadas cordas é capaz de responder a perguntas essenciais sobre anatureza dos componentes materiais e das forças mais elementares.Igualmente importante, embora mais difícil de intuir, é a extremaelegância das respostas da teoria das cordas e da estrutura quepossibilita tais respostas. Por exemplo, na teoria das cordas muitosaspectos da natureza que podiam parecer aspectos técnicosestabelecidos arbitrariamente — como o número das diferentespartículas fundamentais e suas respectivas propriedades — surgemcomodecorrênciadeaspectosessenciaise tangíveisdageometriadouniverso.Seateoriadascordasestivercerta,otecidomicroscópicodonosso universo é um labirinto multidimensional ricamente urdido, noqual as cordas do universo retorcem-se e vibram sem cessar, dandoritmo às leis do cosmos. Longe de serem detalhes acidentais, aspropriedades dessematerial de construção básico da natureza estãoprofundamenteligadasaotecidodoespaçoedotempo.

Em última análise, no entanto, nada pode substituir o testedefinitivodaconfirmaçãodasprevisões,quedeterminaráseateoriadascordasrealmenteécapazde levantarovéudemistérioqueocultaasverdadesmaisprofundasdonossouniverso.Podeserqueaindapassealgumtempoatéqueonossoníveldecompreensãotenhaalcançadoaprofundidade suficiente para chegar a esse ponto. Contudo, comoveremos no capítulo 9, alguns testes experimentais poderãoproporcionarumclaroapoiocircunstancialemfavordateoriadascordasdentro dos próximos dez anos. Além disso, veremos no capítulo 13comoateoriadascordasresolveurecentementeumimportantequebra-cabeças associado à chamada entropia de Bekenstein-Hawking,relativa a buracos negros, o qual vinha resistindo aos meiosconvencionaisderesoluçãopormaisde25anos.Esseêxitoconvenceumuitos cientistas de que a teoria das cordas tem reais condições depropiciar-nosoconhecimentomaisprofundosobreofuncionamentodouniverso.

EdwardWitten, um dos pioneiros e principais peritos da teoriadascordas,resumeasituaçãodizendoque"ateoriadascordaséumaparte da física do século XXI que caiu por acaso no século XX",avaliaçãoarticuladaemprimeirolugarpelofísicoitalianoDanieleAmati.Emcertosentido,écomoseosnossosantepassadosdeparassem,nofinaldoséculoXIX,comumsupercomputadordosdiasdehoje,semas

instruções de operações. Aprendendo por tentativa e erro,provavelmente poderiam perceber algo da capacidade dosupercomputador, mas o verdadeiro domínio requereria, sem dúvida,muitíssimosesforçosprolongadosevigorosos.Osindíciosdopotencialdocomputador,assimcomoosindíciosquetemosdopoderexplicativoda teoria das cordas, teriam propiciado uma forte motivação para arealizaçãodessesesforços.

Hoje,umamotivaçãosimilardáenergiaatodaumageraçãodefísicosteóricosquebuscamoentendimentoanalíticoprecisoecompletoda teoria das cordas. As observações de Witten e de outros peritosindicam que podem se passar ainda décadas ou séculos até que ateoria das cordas seja desenvolvida e compreendida por inteiro. Issopodebemserverdade.Comefeito,amatemáticadateoriadascordasétão complexa que até hoje ninguém conhece as equações exatas dateoria.Oqueosfísicosconhecemsãoapenasaproximaçõesdassuasequações,emesmoessasequaçõesaproximadassãotãocomplicadasqueatéaquiforamresolvidasapenasparcialmente.

Noentanto,umasériedeavançosocorridosnasegundametadedosanos90

— avanços que deram resposta a questões teóricas de dificuldadeinimaginável—pareceindicarqueoentendimentoquantitativodateoriadas cordas pode estar muito mais próximo do que se supunhaoriginalmente. Os físicos do mundo inteiro estão desenvolvendotécnicas novas e poderosas com vistas a transcender os numerososmétodosaproximativosusadosatéagora,ecomasuaatuaçãoconjuntatêmconseguidoagruparoselementosdispersosdoquebra-cabeçadateoriadascordasemumaprogressãoimpressionante.

Surpreendentemente,essesavançosvêmproporcionandonovospontosdevistaparaa reinterpretaçãodealgunsaspectosbásicosdateoriaquevinhamprevalecendojáporalgumtempo.Porexemplo,umaperguntanaturalquepodeter lheocorridoé:porquecordas?Porquenãopequenosdiscosdefrisbee!Oupepitasmicroscópicasemformadebolha? Ou uma combinação de todas essas possibilidades? Comoveremosnocapítulo12,osestudosmais recentes revelamqueessesoutros tipos de componentes têm um papel importante na teoria dascordas e indicam também que a teoria é, na verdade, parte de umasíntese ainda maior, que atualmente recebe o nome (misterioso) deteoriaM.Essesúltimosavançosserãootemadoscapítulosfinaisdestelivro.

Oprogressocientíficosefazpormeiodesaltosintermitentes.Emcertos períodos ocorrem grandes progressos; em outros, nada. Oscientistas apresentam as suas conclusões, tanto teóricas quantoexperimentais.Osresultadossãodebatidospelacomunidadecientíficae podem ser descartados ou modificados, mas também podemproporcionarfontesdeinspiraçãoparamaneirasnovasemaisprecisasdecompreenderouniversofísico.Emoutraspalavras,aciênciaprogrideem ziguezagues pelo caminho que esperamos leve à verdade final,caminho que começou com as primeiras tentativas de entender ocosmosecujo fimé imprevisível.Aindanãosabemossea teoriadascordaséapenasumaescalanessecaminho,ouumimportantepontodeinflexão,oumesmoachaveparaodestinofinal.Masaspesquisasfeitasnas duas últimas décadas por centenas de dedicados físicos ematemáticos de muitos países nos dão fundadas esperanças deestarmosnocaminhocorreto,epossivelmentenoseutrechofinal.

Ariquezaeoalcancedateoriadascordasrevela-senofatodeque mesmo com o atual nível incompleto de entendimento já somoscapazes de descobrir coisas fantásticas sobre o funcionamento douniverso.Anarrativaquesesegueterácomofiocondutorosprogressosquepermitiramarevoluçãoqueocorreucomosnossosconhecimentossobre o tempo e o espaço, iniciada com as teorias da relatividadeespecialedarelatividadegeral,deAlbertEinstein.Veremosqueseateoria das cordas está certa, o tecido do nosso universo tempropriedadesqueteriamdeixadoatéopróprioEinsteinboquiaberto.

PARTEII

Odilemadoespaço,dotempoedosquanta

2.Oespaço,otempoeoobservador

Em junho de 1905, Albert Einstein, com 26 anos de idade,

apresentou um artigo técnico aos Anais da Física, no qual ele seconfrontoucomumparadoxoarespeitodaluzqueofascinavadesdeaadolescência. Ao terminar de ler a última página do manuscrito deEinstein, o editor do periódico, Max Planck, percebeu que a ordemestabelecidaeaceita pela ciência havia sidodestruída.Semnenhumalarde, um funcionário dodepartamentodepatentesdeBerna,Suíça,tinhaviradodecabeçaparabaixoasnoçõestradicionaisdeespaçoetempo, substituindo-as por um novo conceito cujas propriedadesdivergiamdetudooqueanossaexperiênciacomumensinavasercerto.

OparadoxoqueperturbouEinsteinpordezanoseraoseguinte.EmmeadosdoséculoXIX,depoisdeestudaratentamenteo trabalhoexperimentaldofísico inglêsMichaelFaraday,o físicoescocêsJamesClerk Maxwell conseguiu unificar a eletricidade e o magnetismo pormeio do campo eletromagnético. Se você já esteve no alto de umamontanhalogoantesdeumatrovoadaforte,ousejaficoupertodeumgeradordeVandeGraaf,sabebemoqueéumcampoeletromagnéticoporque já sentiu os seus efeitos.Mas se ainda não passou por isso,posso descrevê-lo como algo semelhante a uma maré montante delinhasdeforçaelétricasemagnéticasquepermeiamaregiãodoespaçoporondepassam.Sevocêsalpicarfragmentosdeferropertodeumimã,porexemplo,a formaordenadaemqueelessedistribuemmostra-nosalgumasdas linhas invisíveisda forçamagnética.Quandovocê tiraosuéter de lã em um dia seco e ouve estalos, ou talvez sinta até umpequenochoqueelétrico,estátestemunhandoaexistênciadelinhasdeforçaelétricas,geradasporcargaselétricasacumuladasnas fibrasdosuéter.

Além de unir esse e todos os demais fenômenos elétricos e

magnéticos em um esquema matemático único, a teoria de Maxwelldemonstrou—inesperadamente—queosdistúrbioseletromagnéticosviajamaumavelocidade constante e imutável, igual à velocidadedaluz.Apartirdaí,Maxwellconcebeuaidéiadequeapróprialuzéumtipoespecífico de onda eletromagnética, uma onda, como hoje se sabe,capaz de interagir com elementos químicos na retina e produzir osentido da visão. Além disso (e isto é crucial), a teoria de Maxwellreveloutambémquetodasasondaseletromagnéticas—inclusivealuzvisível—sãooprotótipodoviajanteperipatético:nuncaparam.Nuncadesaceleram.Aluzviajasempreàvelocidadedaluz.

Tudo vai muito bem até fazermos, como fez Einstein aosdezesseisanos,apergunta:queacontecesesairmosperseguindoumraiodeluzàvelocidadedaluz?O raciocínio intuitivo, que está na base das leis de movimento deNewton,nosdizque ficaremosemparelhadoscomasondasde luzequeelas,portanto,nosparecerãoestacionárias;aluzficaparada.Masde acordo com a teoria de Maxwell e com todas as observaçõesconfiáveis, luz estacionária é algo que simplesmente não existe:ninguémjamaispôdecolherumpunhadodeluzestacionárianapalmadamão.Aíestáoproblema.FelizmenteEinsteinnãosabiaquemuitosdosprincipaisfísicosdomundoestavamabraçoscomessaquestão(eandandoporvárioscaminhosespúrios)epôderefletirsobreoparadoxode Maxwell e Newton na pura privacidade dos seus própriospensamentos.

NestecapítulodiscutiremoscomoEinsteinresolveuoconflitopormeiodateoriadarelatividadeespecial,ecomissomudouparasempreas nossas noções de espaço e tempo. Em certo sentido, ésurpreendente que a preocupação essencial da relatividade especialseja a de entender precisamente como o mundo se mostra aosindivíduos, comumentechamados "observadores", quesemovemunscomrelaçãoaosoutros.Àprimeiravistaissopodeparecerumexercíciointelectual de importânciamínima. Muito pelo contrário: nasmãos deEinstein,comasuafantasiadeobservadoresqueperseguemraiosdeluz, revelaram-se implicações profundas para que possamoscompreendercomoatémesmoassituaçõesmaiscorriqueirassãovistaspordiferentesindivíduosemestadodemovimentorelativo.AINTUIÇÃOEASFALHAS

Aexperiênciacomumnosmostracomocertasobservaçõesfeitas

porindivíduosemmovimentorelativopodemvariar.Asárvoresàbeirade uma estrada, por exemplo, estão aparentemente se movendo dopontodevistadomotorista,masparecemestacionáriasparaumcaronasentado no guard-rail. Damesma forma, o capo do carro não parecemover-se (espera-se!) do ponto de vista do motorista, mas sim,juntamentecom todoocarro,dopontodevistadocarona.Essassãopropriedades tão básicas e intuitivas domundo em que vivemos quenemchegamosadar-lhesatenção.

A relatividade especial, contudo, proclama que as diferençasentre as observações feitas por esses indivíduos são mais sutis eprofundas.Ateoriafazaestranhaafirmaçãodequecadaobservadoremmovimento relativo tem uma percepção diferente das distâncias e dotempo.Issosignifica,comoveremos,queosponteirosdedoisrelógiosidênticosusadospordoisindivíduosemmovimentorelativoavançarãoaritmos diferentes e, portanto, não estarão de acordo quanto ao tempotranscorrido entre dois eventos determinados. A relatividade especialdemonstraqueessaafirmaçãonãoéumadenúnciaquantoà faltadeprecisãodosrelógios,esimqueelarefleteumacaracterísticadoprópriotempo.

Domesmomodo,doisobservadoresemmovimentorelativonãoconcordarão quanto ao comprimento das distâncias que medem.Tambémaqui,issonãosedeveà imprecisão dos instrumentos demedida nema erros cometidos emseuuso.Osinstrumentosdemedidamaisprecisosdomundoconfirmamquepessoasdiferentesnãopercebemdemaneiraidênticaoespaçoeotempo—medidosemtermosdedistânciasedurações.

A relatividade especial, delineada com precisão por Einstein,resolve o conflito entre a nossa visão intuitiva do movimento e aspropriedadesda luz,masháumpreçoapagar: os indivíduosquesemovem,unscom relaçãoaosoutros,nãoestarãodeacordoemsuasobservaçõesarespeitodoespaçoedotempo.

Já faz quase um século queEinstein revelou aomundo a suadescoberta sensacional e, no entanto, praticamente todos nóscontinuamosapensarnoespaçoeno tempoem termosabsolutos.Arelatividadeespecialnãoexistedentrodenós;nósnãoasentimos.Assuasimplicaçõesnãoformampartedanossaintuição.Earazãoébemsimples:osefeitosdarelatividadeespecialdependemdavelocidadedodeslocamentoe,paraasvelocidadesdosautomóveis,dosaviõeseatémesmo dos veículos espaciais, esses efeitos são minúsculos. As

diferenças na percepção do espaço e do tempo entre indivíduosestacionárioseoutrosqueviajamdecarrooudeaviãoexistemdefato,massãotãoínfimasquenãochegamasernotadas.Contudo,sevocêestivesseabordodeumanaveespacial fantástica, capazde viajar aumafraçãosubstancialdavelocidadedaluz,osefeitosdarelatividadetornar-se-iamóbvios.Evidentemente,estamosaquinodomíniodaficçãocientífica.Noentanto, como veremos mais adiante, algumas experiências bemarquitetadaspermitemaobservaçãoclaraeprecisadaspropriedadesrelativasdoespaçoedotempoqueEinsteinpreviraemsuateoria.

Para que se tenha uma idéia das escalas aqui consideradas,imagine que estamos no ano de 1970 e que os carros grandes epossantesestãonamoda.Crispim,quegastou todaapoupançaparacomprarumcarrão,vaicomseuirmãoJoaquimaumapistadecorridaspara fazer um teste não recomendado nem pelo fabricante nem pelorevendedor.Crispimlevaomotora8milrotações,soltaaembreagemechegaa180quilômetrosporhora,enquantoJoaquim ficanabeiradaestrada para cronometrar. Crispim também leva um cronômetro paraobterumaconfirmaçãoindependentedotempoquelevaparacompletaro circuito. Antes de Einstein, ninguém teria dúvida de que se oscronômetros dos dois irmãos estivessem em bom estado, ambosmediriamomesmotempo.Masdeacordocomarelatividadeespecial,se Joaquim cronometrar um tempo de trinta segundos, o relógio deCrispim marcará 29,99999999999952 segundos — uma diferençaquase infinitesimal. Evidentemente a diferença é tão pequena que sópoderiaserdetectadapormétodosmuitomaissofisticadosdoqueosdeumcronômetrodemão,deumsistemadecronometragemdequalidadeolímpica ou mesmo do mais preciso relógio atômico que possa serproduzidohoje.Nãoédeadmirarqueanossaexperiênciadiárianãoreveleofatodequeapassagemdotempodependedonossoestadodemovimento.

Desacordossimilaresocorremcomasmediçõesdasdistâncias.Porexemplo,emumoutrotesteJoaquimusaaimaginaçãoparamedirocomprimentodocarrodeCrispim:eleacionaocronômetroassimqueopára-choquedianteirodocarropassasuafrenteeo interrompeassimquepassaopára-choquetraseiro. Como ele sabe que a velocidade do automóvel é de 80quilômetros por hora, deduz o comprimento multiplicando essavelocidadepelotempomarcadoemseurelógio.Tambémaqui,antesdeEinstein ninguém duvidaria de que a medida obtida por Joaquim

coincidiriaexatamentecomaqueCrispimtomou,comtodoocuidado,quandoocarroestavaparadonaloja.Mas,aocontrário,arelatividadeespecial proclama que se ambos executarem com precisão asoperaçõeseseCrispimobtiverumresultadode,digamos,4,88metros,nessecaso,amedidaobtidaporJoaquimseráde4,8799999999999992metros — uma diferença quase infinitesimal. Como no caso dasmedidas do tempo, a diferença é tão minúscula que não pode serdetectadaporinstrumentoscomuns.

Apesar de extremamente diminutas, essas diferenças revelamuma falha insanável na noçãogeral de que o tempoe o espaço sãouniversaiseimutáveis.ÀmedidaqueavelocidaderelativadepessoascomoCrispimeJoaquimaumenta,afalhasetornamaisevidente.Paraqueasdiferençaspossamsernotadas,asvelocidadestêmdeserumafração importante damaior velocidadepossível—a da luz—, queateoria de Maxwell e as medições experimentais comprovam ser deaproximadamente300milquilômetrosporsegundo,ou1,08bilhãodequilômetrosporhora, suficienteparadaravoltaàTerramaisdesetevezesemumsegundo.Se,porexemploCrispimestivesseviajandonãoa180quilômetrosporhora,masa940milhõesdequilômetrosporhora(cerca de 87 por cento da velocidade da luz), a matemática darelatividadeespecialprevêqueamedidadocarrotomadaporJoaquimseriade2,44metros,substancialmentediferentedamedidatomadaporCrispim (e tambémdasespecificaçõesdomanualdoproprietário).Domesmomodo, o tempo da corrida do automóvelmedido por JoaquimseráodobrodomedidoporCrispim.

Comoessasenormesvelocidadesestãomuitíssimoalémdoquesepodeatingirhoje,osefeitosda"dilaçãodotempo"eda"contraçãodeLorentz",quesãoosnomestécnicosdessesfenômenos,sãoínfimosnavida cotidiana. Se vivêssemos em um mundo em que as coisas semovessem normalmente a velocidades próximas à da luz, essaspropriedadesdoespaçoedotemposeriamtãointuitivas—umavezqueas experimentaríamos constantemente — que nem mereceriamdiscussão,comonós,naverdade,nãodiscutimosomovimentoaparentedasárvoresàbeiradaestrada,dequefalamosnocomeçodocapítulo.Mas como não vivemos nesse mundo, essas características nos sãoestranhas. Como veremos, compreendê-las e aceitá-las requer quesubmetamosanossavisãodemundoaumareformacompleta.OPRINCIPIODARELATIVIDADE

Háduasestruturassimpleseprofundasnabasedarelatividadeespecial.

Comomencionamos,umadelastemavercomaspropriedadesdaluzenósadiscutiremosmaisnapróximaseção.Aoutraémaisabstrataenãoserelacionacomnenhumaleifísicaespecífica,massimcomtodasasleisfísicaseéconhecidacomooprincípiodarelatividade.Oprincípioda relatividade resulta de um fato simples: sempre que discutimos avelocidade e a direção do movimento de um objeto, temos deespecificar com precisão quem está fazendo a medição. Pode-secompreenderfacilmenteosignificadoeaimportânciadessaafirmaçãoexaminandoaseguintesituação.SuponhaqueJoão,vestidocomumtrajeespacialquetemumpisca-piscadeluzvermelha,estáflutuandonaescuridãoabsolutadoespaçocompletamentevazio,longedequalquerplaneta,estrelaougaláxia.Desuaperspectiva,eleestácompletamenteestacionário, circundado pela escuridão silenciosa e uniforme docosmos.Bemao longe,Joãopercebeuma luzinhaverdequepiscaequepareceaproximar-se.Porfim,elachegasuficientementepertoparaque ele veja que a luz provém de um traje espacial de uma outraastronauta,Maria,queflutualentamente.Aopassar,elalheacena,Joãotambémacena,epoucoapoucoelavoltaadesaparecernadistância.

Essa história pode ser contada com a mesma validade daperspectiva de Maria. Começa do mesmo modo, com Mariacompletamentesónaescuridãoimensaesilenciosadoespaçoexterior.Adistânciaelapercebeumaluzinhavermelhaquepiscaequepareceaproximar-se.Porfim,chegasuficientementepertoparaqueMaria veja que a luz provém de um traje espacial de um outroastronauta,João,queflutualentamente.Aopassar,elelheacena,Mariatambémacena,epoucoapoucoelevoltaadesaparecernadistância.

Asduashistóriasdescrevemamesmasituaçãodedoispontosdevistadistintos,masigualmenteválidos.Cadaumdosobservadoressente-se estacionário e percebe o outro em movimento. Ambas asperspectivassãocompreensíveisejustificáveis.Comohásimetriaentreosdoisastronautas,éimpossíveldizer,eporrazõesbemfundamentais,queumaperspectivaesteja"certa"eaoutra"errada".Ambastêmomesmodireitoaseproclamarverdadeiras.

Esseexemplocaptaosignificadodoprincípiodarelatividade:oconceitodemovimentoé relativo.Sópodemos falardomovimentodeumobjetoseo relacionarmoscomoutroobjeto.Portanto,aafirmação

"João está viajando a dez quilômetros por hora" não tem nenhumsignificado se não especificarmos um outro objeto para fazer acomparação. Já a afirmação "João está passando por Maria a dezquilômetrosporhora"temsignificadoporqueespecificamosMariacomoreferência. Como o nosso exemplo ilustrou, essa última afirmação éinteiramente igual à de que "Maria está passando por João a dezquilômetros por hora (na direção oposta)". Em outras palavras, nãoexisteumanoção"absoluta"demovimento.Omovimentoérelativo.

Umelemento-chavenessahistória é quenemJoãonemMariaestãosendopuxadosouempurradosnemsofremaaçãodequalqueroutra força ou influência capaz de interferir em seu sereno estado demovimento, livrede forçasea velocidadeconstante.Assim,podemosfazeraafirmaçãomaisprecisadequeomovimento livrede forçassótem significado em comparação com outros objetos. Esse é umesclarecimento importante porque, havendoo envolvimento de forças,ocorremmudanças nomovimento dos observadores—mudanças navelocidadee/ounadireçãodomovimento—eessasmudançaspodemsersentidas.Porexemplo,seJoãoestivesseusandoumjatoàscostas,aoacioná-loeleexperimentariaclaramenteasensaçãodemovimento.Essasensaçãoé intrínseca.Seo jatoéacionadoJoãosabequeestáemmovimento, mesmo com os olhos fechados, e por isso não podefazer comparações com outros objetos. Mesmo sem essascomparações, ele já não poderia atribuir-se um estado estacionárioenquanto "o resto do mundo passa à sua frente". O movimento avelocidade constante é relativo; mas isso não é verdade para omovimento a velocidade não constante, ou movimento acelerado.(Reexaminaremos essa afirmação no próximo capítulo, quandofocalizarmos o movimento acelerado e discutirmos a teoria darelatividadegeraldeEinstein.)

Essas histórias que ocorrem na escuridão do espaço vazioajudam a compreensão porque retiram do cenário coisas familiarescomoruaseedifícios,àsquaisnormalmente,emborainjustificadamente,atribuímos a condição especial de "estacionárias". Apesar disso, omesmo princípio se aplica aos cenários terrestres e é, na verdade,sentidoportodos.Imagine,porexemplo,quedepoisdeadormeceremumtrem,vocêacordajustamentequandooseutremestácruzandocomoutronalinhaaolado.Comoooutrotremestábloqueandoporcompletoa visão da paisagem e você não consegue ver nenhum outro objetoexterno,podeserquemomentaneamentevocêfiqueinseguroseoseu

trem está ou não emmovimento, ou se é o outro trem que está emmovimento,ouambos.Evidentemente,seotremsacolejaroumudardedireçãoemumacurva,vocêsentiráomovimento.Massenãohouvertrepidação alguma e se a velocidade permanecer constante, vocêobservaráomovimento relativoentreos trenssemsabercomcertezaqualdelesestásemovendo.

Vamosaprofundaroraciocínioumpoucomais.Imaginequevocêestá nesse trem e que puxou as cortinas demodo que a janela estácompletamentetapada.Sempodervernadaforadacabine,esupondoqueotremsemovaauma velocidade absolutamente constante, você não terá comodeterminaroseuestadodemovimento.Acabine teráprecisamenteomesmoaspecto,querotremestejaparado,querestejadeslocando-seaaltavelocidade.Einsteinformalizouessaidéia,quenaverdaderemontademuitoantes,àsinferênciasdeGalileu,proclamandoqueé impossível, para você e para qualquer viajante no interior de umacabinefechada,comprovarexperimentalmenteseotremestáounãoemmovimento.Aquitambémsepercebeoprincípiodarelatividade:comotodo movimento livre de forças é relativo, ele só tem significado emcomparaçãocomoutrosobjetosouindivíduosquetambémestejamemmovimento livre de forças. Não há maneira de determinar ascaracterísticas do seu estado demovimento sem fazer comparações,diretas ou indiretas, com objetos "externos". A noção de movimentouniforme"absoluto"simplesmentenãoexiste.Sóascomparaçõestêmsignificadofísico.

Comefeito,Einsteinpercebeuqueoprincípiodarelatividadetemuma acepção ainda mais ampla: as leis da física — quaisquer quesejam — têm de ser absolutamente idênticas para todos osobservadoresemestadodemovimentouniforme.SeJoãoeMarianãoestivessem apenas flutuando no espaço, e sim fazendo experiênciasidênticasemseusrespectivosveículosespaciais,osresultadosobtidosseriamosmesmos.Tambémaqui,ambosteriamtodarazãodecrerqueo seupróprio veículo está parado, aindaquehajamovimento relativoentre eles. Se os seus equipamentos forem totalmente iguais, nãohaveránenhumadiferençaentreosdoisprojetosexperimentais—elesserão inteiramente simétricos. As leis físicas que cada um dos doisdeduzirádassuasexperiênciastambémserãoidênticas.

Nemelesnemasexperiênciaspodesentiraviagemavelocidadeconstante. Esse é o conceito simples que estabelece a simetriacompletaentreosobservadores;esseéoconceitoqueestáincorporadono princípio da relatividade. Logo faremos uso desse princípio, com

conseqüênciasprofundas.AVELOCIDADEDALUZ

Osegundocomponente-chavedarelatividadeespecialtemavercom a luz e as propriedades do seu movimento. Ao contrário daafirmaçãoque fizemosdequenãohásignificadona frase "Joãoestáviajando a dez quilômetros por hora", sem que haja um ponto dereferênciaespecíficoparaacomparação,quaseumséculodeesforçosporpartedeumasériedededicadosfísicosexperimentaisdeixouclaroque todoequalquerobservadorconcordaráemquea luzviajaa l,08bilhãodequilômetrosporhoraindependentementedaexistênciadeumpontodecomparação.Esse fato provocou uma revolução na nossa visão do universo.Tentemosavançarnacompreensãodoseusignificadocontrastando-ocom afirmações similares aplicadas a objetos mais comuns. Imaginequetemosumdiabonitoequevocêsaiparabrincardeatirarumaboladebeisebolcomumamigo.Vocêspassamalgumtempojogandoabolaum para o outro a uma velocidade de, digamos, seis metros porsegundo, até que de repente começa uma tempestade com raios etrovõesevocêssaemàprocuradeabrigo.Quandoatempestadepassa,vocês voltam para jogar novamente, mas vê-se que algo mudou. Oscabelos do seu amigo estão desgrenhados e arrepiados, os olhosparecem os de um louco e quando você olha para a mão dele, vê,perplexo, que ele já não está comvontade de brincar coma bola debeisebol,massimqueestáapontodelançarumagranadacontravocê.Compreensivelmente, o seu entusiasmo pelo jogo decai de formasensívelevocêcomeçaacorrer.Quandooseuamigolançaagranada,ela avançará na sua direção, mas como você está correndo, avelocidadecomqueelaseaproximaserámenordoqueseismetrosporsegundo.Apráticaensinaquesevocêcorrer,digamos,aquatrometrospor segundo, a granada se aproximará a (6 - 4 =) dois metros porsegundo.Emoutroexemplo,sevocêestiveremumamontanhaeumaavalanchacomeçaracairnasuadireção,asuatendênciaserácorrer,porque isso reduzirá a velocidade comque a neve se aproxima—oque,emprincípio,éumamedidaacertada.Tambémaqui,umindivíduoestacionário percebe a velocidade da neve que desce como sendomaiordoqueaqueépercebidaporalguémquebateemretirada.

Comparemosagoraessasobservaçõesbásicassobrebolasde

beisebol, granadas e avalanchas com as referentes à luz. Paraaperfeiçoarascomparações,pensequeumraiode luzé formadoporunidades mínimas chamadas fótons (uma característica da luz quediscutiremos mais a fundo no capítulo 4). Quando acendemos umalanternaoudisparamosumraiolaser,estamos,naverdade,emitindoumfeixe de fótons na direção em que apontamos o instrumento. Assimcomofizemoscomrelaçãoàsgranadaseàsavalanchas,consideremoscomo omovimento de um fóton aparece para alguém que esteja emmovimento. Imagine que o seu amigo enlouquecido tenha trocado agranadaporumpoderoso laser.Sevocêdispuserdoequipamentodemedidasapropriado,quandoeledispararo laservocêverificaráqueavelocidade com que os fótons se aproximam é de 1,08 bilhão dequilômetros por hora. Mas o que acontece se você correr, como fezquandoseviudiantedaperspectivadejogarbeisebolcomumagranadade mão? Que velocidade você registrará para os fótons que seaproximam?Paratornaroexemplomaisconvincente,imaginequevocêconsigapegarumacaronananaveespacialEnterprisee fugirdoseuamigoàvelocidadede,digamos,180milhõesdequilômetrosporhora.SeguindooraciocíniobaseadonavisãotradicionaldeNewton,umavezquevocêestáseafastando,deveriamedirumavelocidademenorparaosfótonsqueseaproximam.Especificamente,vocêesperariaregistrarumavelocidadedeaproximaçãode (1,08bilhão -180milhões=)900milhõesdequilômetrosporhora.

Constantescomprovações,origináriasdeexperiênciasrealizadasdesde1880,assimcomointerpretaçõeseanálisescuidadosasdateoriaeletromagnética da luz, de Maxwell, pouco a pouco convenceram acomunidadecientíficadeque,defato,issonãoéoqueacontece.Muitoemboravocêesteja recuando,continuaráa registraravelocidadedosfótonsqueseaproximamcomoexatamente1,08bilhãodequilômetrosporhora.Aindaqueàprimeiravistapareçaabsurdo,aocontráriodoqueacontecequandovocê fogedeumagranadaoudeumaavalancha,avelocidade de aproximação dos fótons é sempre de 1,08 bilhão dequilômetrosporhora.Assimé,quervocêseaproximedosfótons,quervocêseafastedeles.Avelocidadedeaproximaçãooudeafastamentodosfótonsnãovarianunca;elessempreparecerãoviajara1,08bilhãode quilômetros por hora. Independentemente do movimento relativoentreafontedosfótonseoobservador,avelocidadedaluzésempreamesma.

As limitações tecnológicas impedem a realização de"experiências"coma luzcomoasaquidescritas.Maspodem-se fazer

experiências comparáveis. Em 1913, por exemplo, o físico holandêsWillemdeSittersugeriuqueasestrelasbináriasdemovimentorápido(duasestrelasqueorbitamumaàvoltadaoutra)podemserusadasparamedir o efeito de uma fontemóvel sobre a velocidade da luz. Váriasexperiênciasdessetipo,executadasaolongodosúltimosoitentaanos,verificaramqueavelocidadeda luzquechegadeumaestrelaquesemoveéamesmaqueprovémdeumaestrelaestacionária—1,08bilhãodequilômetrosporhora—,pormaisrefinadoseprecisosquesejamosinstrumentos de medida. Além disso, inumeráveis experiências foramrealizadas durante o último século — experiências que mediram avelocidadeda luzemváriascircunstânciaseque testarammuitasdasimplicaçõesdecorrentesdascaracterísticasdaluzdescritasacima—etodasconfirmaramaconstânciadavelocidadedaluz.

Sevocêachardifícilaceitaressapropriedadedaluz,nãoseráoúnico.Cemanosatrás,oscientistasseempenharamaomáximopararefutá-la.Nãoconseguiram.Einstein,aocontrário,aceitouaconstânciadavelocidadedaluz,poisaíestavaarespostaparaoparadoxoqueoperturbavadesdeaadolescência:qualquerquesejaavelocidadecomquevocêpersegueumraiodeluz,eleseafastadevocêàvelocidadedaluz.Vocêé incapazde reduzir,aindaqueminimamente,avelocidadeaparentecomquealuzparte,emuitomenosdesacelerá-laapontodetorná-laestacionária.Casoencerrado.Eessetriunfosobreoparadoxonãofoipoucacoisa.Einsteinentendeuqueaconstânciadavelocidadedaluzsignificavaofimdafísicanewtoniana.AVERDADEESUASCONSEQÜÊNCIAS

Avelocidadeéamedidadadistânciaqueumobjetoatravessaem um tempo determinado. Se estivermos em um carro a cemquilômetros por hora, isso significa, é claro, que, se o estado demovimento não se alterar, em uma hora teremos percorrido cemquilômetros. Assim descrita, a velocidade é um conceito bastantecorriqueiro,evocêseperguntaráporquetantaconfusãoarespeitodavelocidade de bolas de beisebol, avalanchas e fótons. Notemos,contudo, que a distância é uma noção relativa ao espaço — emparticular, é a medida de quanto espaço existe entre dois pontos.Notemos também que a duração é uma noção relativa ao tempo—quantotempotranscorreentredoiseventos.Portanto,avelocidadeestáintimamente ligada às nossas noções de espaço e tempo. Assimdescrita a velocidade, vemos que qualquer fato experimental que

desafieanossaidéiacomumarespeitodela,talcomoaconstânciadavelocidadedaluz,temacapacidadededesafiartambémanossaidéiacomum do espaço e do tempo. É por isso que esse fato estranho arespeitodavelocidadeda luzmereceumexamecuidadoso—examequequandofoifeitoporEinsteinlevou-oaconclusõesnotáveis.OEFEITOSOBREOTEMPO:PARTEI

Comummínimodeesforço,podemosfazerusodaconstânciadavelocidadeda luzparamostrarqueoconceito cotidianoe familiardotempoestásimplesmenteerrado.

Imaginequeoschefesdedoispaísesemguerra,sentadosfrentea frente em uma mesa, tenham acabado de concluir um acordo decessar-fogo,masquenenhumdosdoisquerseroprimeiroaassiná-lo.O secretário-geral da ONU surge com uma brilhante solução. Umalâmpada,inicialmenteapagada,serácolocadaameiadistânciaentreosdois presidentes. Quando ela se acender, a luz emitida chegará aambos simultaneamente, uma vez que eles estão eqüidistantes comrelaçãoàlâmpada.Osdoispresidentesconcordamemassinarotextodo acordo ao acender-se a luz. O plano é executado e o acordo éassinadoparaasatisfaçãodeambosos lados.Animadopeloêxito,osecretário-geral utiliza o mesmo método com dois outros países emguerraquetambémchegaramaumentendimento.Aúnicadiferençaéque dessa vez os dois presidentes estão sentados frente à frente emuma mesa dentro de um trem que viaja a velocidade constante. OpresidentedaFrentáliaestádefrenteparaadireçãoemqueotremsedeslocaeopresidentedaTraslândiaestádecostas.Osecretário-geral,queestáapardequeasleisdafísicatêmprecisamenteamesmaforma,independentemente do estado de movimento da pessoa, desde queessemovimento não se altere, despreza essa peculiaridade e efetuanovamenteacerimôniadeassinaturaaoacender-sealâmpada.Ambosospresidentesassinamoacordoecelebram,juntamentecomosseusséquitosdeconselheiros,ofimdashostilidades.

Imediatamente chega a notícia do início de umabriga entre osassessoresdosdoispaísesqueestavamnaplataforma,esperandopelacerimôniadeassinatura,doladodeforadotremquepassava.Todososqueestavamdentrodo tremficamperplexosaosaberquea razãodabriga era o fato de que os assessores daFrentália achamque foram

enganados,poisoseupresidenteassinouoacordoantesdopresidentedaTraslândia.Ora,se todososqueestavamnotrem—deambososlados— concordam em que o acordo foi assinado simultaneamente,comopodeserqueosobservadoresexternosqueassistiamàcerimôniapensem diferentemente? Consideremos com maior detalhe aperspectivadeumobservadornaplataforma.Inicialmentealâmpadanotremestáapagadaatéqueemdeterminadomomentoseacendeeemiteraiosdeluzemdireçãoaambosospresidentes.Daperspectivadeumapessoanaplataforma,opresidentedaFrentáliaestásedeslocandoemdireção à luz emitida e o presidente da Traslândia está se afastandodela.Issosignificaque,paraosobservadoresnaplataforma,oraiodeluzviajamenosparaalcançaropresidentedaFrentália,quesedeslocaao encontro da luz que dele se aproxima, do que para alcançar opresidentedaTraslândia,queseafastadela.Observequeissonãotema ver com a velocidade da luz, em sua viagem em direção aos doischefes de Estado— já vimos que, independentemente do estado demovimentoda fonteedoobservador,avelocidadeda luzésempreamesma. Estamos discutindo apenas a distância que a luz tem depercorrer,dopontodevistadosobservadoresnaplataforma,atéchegaracadaumdosdoispresidentes.Comoessadistânciaémenorparaopresidente da Frentália do que para o da Traslândia e como avelocidade da luz é a mesma nos dois sentidos, a luz chegará aopresidente da Frentália primeiro. É por isso que os assessores daFrentáliaachamqueforamenganados.

Quando a CNN noticia a renovação das hostilidades, osecretário-geral, os dois presidentes e todos seus conselheiros nãopodemacreditar.Todosestãodeacordoemquealâmpadaestavabemcolocada, exatamente a meia distância entre os dois mandatários, eque, portanto, sem nenhuma dúvida, a luz emitida viajou a mesmadistânciaatéchegaraeles.Todosnotremcrêem,oquecorrespondeàssuasobservações,que,comoavelocidadedaluzemitidaemambasasdireções é a mesma, é evidente que ela chegou simultaneamente aambosospresidentes.

Quem está certo — os do trem ou os da plataforma? Asexplicaçõesearrazoadosdecadagruposãoimpecáveis.Arespostaéqueosdoisestãocertos.Talcomoosnossosdoisviajantesespaciais,JoãoeMaria,ambasasperspectivastêmigualdireitoaseconsideraremcorretas.Aúnicasutilezaaquiéqueasrespectivasverdadesparecemsercontraditórias.Eumaquestãopolíticaimportantedependedisso:ospresidentes assinaram o acordo simultaneamente ou não? Asobservaçõeseo raciocínio levam-nos inevitavelmenteàconclusãode

quesegundoosqueestãonotremarespostaésimesegundoosqueestãonaplataformaarespostaénão.Emoutraspalavras,coisasquesão simultâneas do ponto de vista de alguns observadores não sãosimultâneasdopontodevistadeoutros,seosdoisgruposestiverememmovimentorelativo.

Essa é uma conclusão surpreendente. E uma das descobertasmaisprofundasque jásefizeramarespeitodanaturezadarealidade.Contudo,se temposdepoisdevocêfechareste livroaúnicacoisadeque você se lembrar deste capítulo for o fracasso da tentativa dedistensãomilitar,vocêteráretidoaessênciadadescobertadeEinstein.Sem matemáticas sofisticadas e sem retorcidos exercícios de lógica,essa característica completamente inesperada do tempo decorrediretamentedaconstânciadavelocidadedaluz,comodemonstraessecenário. Note que se a velocidade da luz não fosse constante e secomportassedeacordocomanossaintuição,baseadaemlentasbolasde beisebol e bolas de neve, os observadores da plataformaconcordariam com os do trem. Os observadores da plataformacontinuariamaacharqueosfótonstêmdeviajarmaisparachegaraopresidentedaTraslândiadoqueparachegaraopresidentedaFrentália.No entanto, a intuição usual implica que a luz que se aproxima dopresidente da Traslândia estaria movendo-se mais rapidamente porestarrecebendoum"impulso"domovimentodotrem.Domesmomodo,essesobservadoresveriamquealuzqueseaproximadopresidentedaFrentália estaria movendo-se mais vagarosamente, por estar sendo"freada"pelomovimentodo trem.Aoconsideraressesefeitos (falsos),os observadores da plataforma veriam que os raios de luz alcançamambosospresidentes simultaneamente.Noentanto, nomundo real aluz não sofre acelerações ou desacelerações e não pode ser"impulsionada" nem "freada". Os observadores da plataforma podem,portanto, afirmar justificadamente que a luz alcançou o presidente daFrentáliaantes.

Aconstânciadavelocidadeda luz requerqueabandonemosanoção tradicional de que a simultaneidade é um conceito universal arespeito do qual todos, independentemente do seu estado demovimento,estãodeacordo.OrelógiouniversalquenósimaginávamospudessemarcarsegundosidênticostantonaTerracomoemMarte,emJúpiter, na galáxia de Andrômeda e em todo e qualquer recanto docosmos não existe. Ao contrário, os observadores em movimentorelativo não concordarão sobre quais eventos ocorrem ao mesmo

tempo. A razão pela qual essa conclusão — uma característica domundo que habitamos—parece tão estranha deriva de que os seusefeitossãoextremamentediminutosquandoasvelocidadesenvolvidassãoasqueencontramosnavidacotidiana.Seamesadenegociaçãotivessetrintametroseotremviajasseaquinzequilômetrosporhora,osobservadoresdaplataforma"veriam"quealuzalcançouopresidentedaFrentáliacercadeummilionésimodebilionésimodesegundoantesdealcançaropresidentedaTraslândia.Emboraessasejaumadiferençaautêntica, é tão mínima que não pode ser detectada pêlos sentidoshumanos. Se o movimento do trem fosse consideravelmente maisrápido, próximo a 1 bilhão de quilômetros por hora, por exemplo, daperspectivadealguémnaplataformaaluzdemorariaquasevintevezesMais tempo para chegar ao presidente da Traslândia do que parachegar ao presidente da Frentália. A velocidades altas, os efeitossurpreendentes da relatividade especial tornam-se cada vez maisimportantes.OEFEITOSOBREOTEMPO:PARTEII

É difícil dar uma definição abstrata de tempo — as tentativasnesse sentido muitas vezes terminam recorrendo à própria palavra"tempo",ouentãoacontorcionismoslingüísticos,deformaaevitá-lo.Emvez de seguir esse caminho, podemos adotar um ponto de vistapragmático e definir o tempo como aquilo que os relógiosmedem. Élógicoqueissotransfereoproblemaparaadefiniçãode"relógio";aquipodemos pensar que um relógio é um instrumento caracterizado porciclos de movimento perfeitamente regulares. Medimos o tempocontando o número de ciclos por que passa o relógio. Um relógiocomum,comooquevocêusanopulso,podeserdefinidoassim; temponteirosquesemovememciclos regulares,eamedidado tempoédadaefetivamentepelacontagemdonúmerodeciclos(ousuasfrações)transcorridosentredoiseventosescolhidos.

Evidentemente, o significado de "ciclos de movimentoperfeitamenteregulares"envolveimplicitamenteanoçãodetempo,umavezqueoqualificativoregularserefereaquecadacicloduraomesmolapso de tempo.Na prática, isso se resolve construindo relógios comcomponentes físicos simples, que sabemos estarem submetidos a

evoluçõescíclicas repetitivasquenãovariamnuncadeumcicloparaoutro.Osantigosrelógiosdepênduloeosrelógiosatômicos,baseadosemprocessosatômicosrepetitivos,proporcionamexemplossimples.

O nosso objetivo é compreender como o movimento afeta apassagem do tempo, e como demos uma definição operacional dotempo em termos de relógios, podemos reformular a pergunta daseguintemaneira:comoomovimentoafetao"tique-taque"dosrelógios?Écrucialdeixarclarodesdeocomeçoqueanossa discussão não se preocupa com a maneira pela qual oselementosmecânicosdeumrelógioqualquerreagemcomrelaçãoaossolavancos e trepidações que podem resultar do movimento. Naverdade,vamosconsiderarapenasa formamaissimpleseserenademovimento—omovimentoavelocidadeabsolutamenteconstante—epor isso não haverá nenhum solavanco ou trepidação. Ao contrário,estamosinteressadosnaquestãouniversaldecomoomovimentoafetaa passagem do tempo e, por conseguinte, de como ele afetafundamentalmente o tique-taque de todo e qualquer relógio,independentementedoseuformatooufabricação.

Com esse fim, apresentamos o relógio conceitualmente maissimples (emenosprático)domundo.Trata-sedeum "relógiode luz",queconsistededoispequenosespelhosmontadosemumahaste,umvoltadoparaooutro,comumúnicofótondeluzaoscilarcontinuamenteentreeles.Seosespelhosestiveremaquinzecentímetrosumdooutro,ofótonlevaráumbilionésimodesegundoparacompletarumpercursodeidaevolta.Cadavezqueofótoncompletaopercurso,contamosum"tique-taque".Umbilhãodetique-taquessignificamotranscursodeumsegundo.

Orelógiodeluzpodeserusadocomocronômetroparamedirotempoquepassaentredoiseventos.Simplesmentecontamosquantossãoostique-taquesocorridosnoperíodoqueinteressaemultiplicamosoresultadopelotempoquecorrespondeaumtique-taque.Porexemplo,seestamostomandootempodeumacorridadecavalosecontamos55bilhõesdetique-taquesentreapartidaeachegada,podemosconcluirqueacorridadurou55segundos.

Usamos o relógio de luz na nossa discussão porque a suasimplicidademecânicaeliminaos fatoresestranhosenosproporcionaumavisãoclaradecomoomovimentoafetaapassagemdotempo.Paratermos uma idéia concreta, imaginemos que estamos observando apassagemdotempoolhandoparaumrelógioemcimadeumamesa.De

repente, um segundo relógio passa deslizando sobre a mesa a umavelocidadeconstante.Aperguntaaserfeitaéseorelógioquesemovemarcaráotemponomesmoritmoqueorelógioqueestáparado.Pararesponderàpergunta,consideremos,danossaperspectiva,ocaminhoqueofótondorelógioquesemovetemdepercorrerparacompletarumtique-taque.Ofótoncomeçanabasedorelógio,eviajaemdireçãoaoespelhodecima. Como, da nossa perspectiva, o relógio está em movimento, atrajetória do fóton não pode ser vertical,. Se o fóton não fizer umatrajetóriainclinada,elenãoatingiráoespelhosuperioreseperderánoespaço.Comoorelógioquesemovetemtodoodireitodeafirmarqueestáestacionárioequetudoomaisestáemmovimento,sabemosqueofótonalcançaráoespelhosuperioreque,porconseguinte,ocaminhoque traçamosestácorreto.O fóton rebatenoespelhosuperiore viajanovamente por um caminho inclinado até atingir o espelho inferior eentãoorelógiocompletaumtique-taque.Oessencialéqueocaminhoduplamenteinclinadoqueofótonpercorreémaislongoqueocaminhoverticaldofótondorelógioestacionário:alémdeatravessaradistânciaverticalentreosdoisespelhos,ofótondorelógioquesemovetambémtemdeavançarparaadireita,danossaperspectiva.Ora,aconstânciadavelocidadeda luznos informaqueo fótondorelógioquesemoveviaja exatamente à mesma velocidade que o fóton do relógioestacionário.Comoeletemdefazerumaviagemmaiorparacompletarumtique-taque,pulsarácomumafreqüênciamenor.Essaargumentaçãosimples demonstra que o relógio de luz que se move pulsa maisvagarosamente, da nossa perspectiva, do que o relógio de luzestacionário. E como concordamos quanto a que o número de tique-taquesrefletediretamenteotempotranscorrido,verificamosqueotempopassamaisdevagarparaorelógioquesemove.Umrelógiodeluzconsistededoisespelhosparaleloscomumfótonqueoscilaentreambos.Orelógiofazum"tique-taque"cadavezqueofótoncompletaumaviagemdeidaevolta.Relógiodeluzestacionárionoprimeiroplanoeoutrorelógiodeluzquesedeslocaavelocidadeconstante.Danossaperspectiva,ofótondorelógioquesedeslocapercorreumatrajetóriadiagonal.

Vocêpoderáperguntarseissonãorefletesimplesmentealgumacaracterística específica dos relógios de luz e que, portanto, não seaplicariaaosrelógiosdepênduloouaumRolexdepulso.Seráqueotempomarcado por esses relógiosmais comuns também ficariamaislento?A respostaéumclarosim,e istopodeservistomedianteumaaplicaçãodoprincípiodarelatividade.ColoquemosumRolexemcimadosnossosdoisrelógiosdeluzefaçamosdenovoaexperiência.Comovimos,orelógiodeluzestacionárioeoRolexqueestáemcimadelemedemapassagemdotempodemodoidêntico,com1bilhãodetique-taquesdorelógiodeluzcorrespondendoaumsegundonoRolex.EorelógiodeluzquesemovecomoseurespectivoRolex?Oritmodamarcação do tempo do Rolex que se move também diminuirá, demaneiraquepermaneçasincronizadocomorelógiodeluzsobreoqualfoi colocado? Bem, para aperfeiçoar a nossa argumentação,imaginemos que a combinação relógio de luz / Rolex está emmovimento porque está aparafusada no chão de uma cabine semjanelas de um trem que viaja sobre trilhos retos e perfeitos a umavelocidadeconstante.

Deacordocomoprincípiodarelatividade,nãohámaneirapelaqual um observador dentro dessa cabine possa detectar qualquerinfluênciacausadapelomovimentodotrem.MasseorelógiodeluzeoRolexperdessemasincronização,claramenteestariaocorrendoaíumainfluência verificável.Portanto, o relógiode luzeo seuRolexquesemovemtêmdecontinuaramedirotempodemaneiraidêntica;oRolextemdeatrasar-senamesmamedidaqueorelógiodeluz.Qualquerquesejaasuamarcaou tipo,osrelógiosquesemovemcomrelaçãoaosoutrosmarcamapassagemdotempoemritmosdiferentes.

A discussão sobre o relógio de luz também deixa claro que adiferençaespecíficanoritmodotempoentreumrelógioestacionárioeumrelógioquesemovedependedequãomaiorsejaadistânciaqueofótondo relógioquesedesloca temdepercorrerparacompletarumaviagem de ida e volta a partir do espelho inferior. Isso, por sua vez,dependedavelocidadecomqueo relógiosedesloca—dopontodevistadeumobservadorestacionário,quantomaisrapidamenteorelógiose deslocar, tanto maior será a inclinação do trajeto do fóton para adireita.Concluímos que, em comparação com o ritmo de um relógioestacionário,oritmodamarcaçãodo tempopelorelógioquesemoveserátãomaislentoquantomaisrapidamenteelesemova.

Paraterumaidéiadasproporçõesenvolvidas,notequeofóton

faz uma viagem de ida e volta entre os espelhos em cerca de umbilionésimodesegundo.Paraqueadistânciaqueofótonviajaduranteesse tempo seja apreciável é preciso queo relógio esteja viajandoaumavelocidadeenormementealta—ouseja,umafraçãosignificativada velocidade da luz. Se ele estiver viajando a velocidades maiscorriqueiras,comoquinzequilômetrosporhora,adistânciaqueelepodepercorrer para a direita, no tempo correspondente a um ciclo, seráminúscula — cerca de cinco milionésimos de milímetro. A distânciasuplementarqueo fótondeslizantedeveviajarémínima,assimcomomínimoéoefeitocorrespondentesobreoritmodepulsaçãodorelógioquesemove.Maisumavez,oprincípiodarelatividadedizqueissoéválidoparatodososrelógios,ouseja,paraoprópriotempo.Éporissoqueserescomonós,quenosdeslocamos,unsemrelaçãoaosoutros,avelocidadestãobaixas,geralmentenãonosdamoscontadasdistorçõesnapassagemdotempo.Os efeitos, embora presentes, são incrivelmente pequenos. Por outrolado, se pudéssemos subir no relógio deslizante e viajar com ele a,digamos, três quartas partes da velocidade da luz, as equações darelatividadeespecialmostramqueparaosobservadoresestacionáriosopulsardorelógioquesemoveseriaumterçomaislentoqueodosseusprópriosrelógios.Umefeitobastantenotável.VIDAASCARREIRAS

Vimos que a constância da velocidade da luz implica que umrelógio de luz emmovimentomarca o tempomais vagarosamente doqueoutroestacionário.Equepeloprincípiodarelatividadeissotemdeserválidoparatodososrelógiosenãosóparaosrelógiosdeluz—ouseja, tem de ser válido para o próprio tempo. O tempo passa maisdevagar para um indivíduo emmovimento do que para um indivíduoestacionário. Se o raciocínio bastante simples que nos levou a essaconclusão estiver correto, então isso significa que uma pessoa emmovimento viveria mais tempo que outra estacionária? Afinal, se otempo passa mais devagar para um indivíduo em movimento, essadisparidade deve revelar-se não só no tempomedido pêlos relógios,mas também no tempo medido pelas pulsações cardíacas e peloprocessodeenvelhecimentodocorpo.

Eassimédeverdade,oquejáfoidiretamenteconfirmado—nãocomrelaçãoàexpectativadevidadossereshumanos,masparacertaspartículas domundomicroscópico: osmúons. Há, porém, um detalheimportante, que nos impede de proclamar a descoberta da fonte dajuventude.

Emrepouso,noslaboratórios,osmúonssedesintegramporumprocessomuito semelhante ao da desintegração espontânea, em umtempo médio de cerca de dois milionésimos de segundo. Essadesintegração é um fato comprovado por um enorme número deexperiências. E como se o múon vivesse com um revólver apontadoparaaprópriacabeça:quandoeleatingeaidadededoismilionésimosdesegundo,ogatilhodisparaeomúonsedespedaçaemelétronseneutrinos. Mas se esses múons não estiverem em repouso em umlaboratório, e simviajandopormeiodeumequipamentodenominadoaceleradordepartículas,oqualoslevaavelocidadesbempróximasàdaluz,háumaumentoexpressivonasuaexpectativadevida,verificadopêlos cientistas. Isso acontece de verdade. A 99,5 por cento davelocidadedaluz,otempodevidadomúonémultiplicadopordez.Aexplicação, segundo a relatividade especial, é que os "relógios depulso"usadospêlosmúonsandammuitomaisdevagarqueosrelógiosdo laboratório,demodoquebemdepoisdeosrelógiosdo laboratórioindicaremomomentoemqueosrevólveresdosmúonsdevemdisparar,os relógios dos múons apressados ainda estão dentro do tempopermitido. Essa é uma demonstração direta e clara do efeito domovimento sobre a passagem do tempo. Se as pessoas pudessemviajar com amesma velocidade dessesmúons, a sua expectativa devida aumentaria namesma proporção. Em vez de viver setenta anoselasviveriamsetecentos.

Agora, o detalhe importante: embora os observadores nolaboratóriovejamqueosmúonsdoaceleradordepartículasvivemmuitomaisqueosseuscompanheirosestacionários,issosedeveaofatodeque para os múons em movimento o tempo passa mais devagar. Adesaceleração do tempo aplica-se não só aos relógios usados pêlosmúons, mas também a todas as atividades que eles realizam. Porexemplo, seummúonestacionáriopode ler cem livrosdurantea suacurtavida,oseuirmãoqueviveàscarreirassópoderálerosmesmoscem livros, porque embora ele pareça viver mais que o múonestacionário,oritmodasualeitura—assimcomooritmodetudoomaisquefaçanavida—tambémsedesacelera.Daperspectivadolaboratório,écomoseomúonemmovimentovivesse

avidaemcâmara lenta;dessepontodevista,omúonemmovimentoviverá mais tempo que o múon estacionário, mas o "total de vida"experimentado por ele será exatamente omesmo. A conclusão seriaidêntica, é claro, para as pessoas em movimento acelerado quetivessem uma expectativa de vida de vários séculos. Da suaperspectiva,avidaseguiriaigual.Danossaperspectiva,elasestariamlevandoavidaemcâmarasuperlentae,portanto,cadacoisaqueelasfaçamnavidatomaumaquantidadeenormedonossotempo.AFINAL,QUEMESTAEMMOVIMENTO?

Arelatividadedomovimentoéachaveparaacompreensãodateoriade

Einstein,masétambémumafontepotencialdeconfusão.Vocêdeveternotadoqueareversãodasperspectivastrocaospapéisdosmúons"emmovimento", cujos relógios, de acordo com a argumentação, andamdevagar,edosmúons"estacionários".AssimcomoJoãoeMariatinham,ambos, igualdireitoaconsiderar-seestacionárioseatribuiraooutroomovimento, tambémosmúonsquedissemosestaremmovimento têmtodoodireitoaproclamar,desdeasuaperspectiva,queestãoimóveisequeosmúonsditos"estacionários"sãoosquesemovem,nadireçãooposta. Os argumentos apresentados aplicam-se igualmente bem aessaperspectiva,oquelevaàconclusãoaparentementeopostadequeos relógios dos múons que chamamos de "estacionários" andamdevagaremcomparaçãocomosdosmúonsquedescrevemoscomoemmovimento.

Jávimosumasituação,acerimôniadeassinaturaaoacenderdalâmpada, na qual pontos de vista diferentes levam a resultados queparecem incompatíveis.Naquele caso, fomos forçados pelo raciocíniobásicodarelatividadeespecialaabandonaraidéiaenraizadaemnósdequetodos,independentementedoestadodemovimento,concordama respeito da simultaneidade de eventos. A presente incongruência,contudo, parece ser maior. Como pode ser que dois observadoresproclamem que o relógio do outro é que anda mais devagar? Maisainda: as perspectivas, diferentes mas igualmente válidas, dos doisgruposdemúonsparecemlevar-nosàconclusãodequecadaumdosgrupospoderáafirmarqueéooutrogrupoquemorreantes.Estamosaprendendoa ver queomundoapresenta aspectos inesperadamenteestranhos, mas sempremantemos a esperança de que isso não nosfaçachegaraoabsurdológico.Então,oqueéqueestáhavendo?

Comoacontececomtodososparadoxosaparentesquederivamdarelatividadeespecial,tambémessedilemalógicodissolve-sediantede uma boa análise e traz novas percepções dos mecanismos douniverso.EvitemosnovosesforçosdeantropomorfizaçãodepartículasevoltemosdosmúonsparaJoãoeMaria, queagora levamemseus trajesespaciais, alémdas lanternascoloridas,brilhantesrelógiosdigitais.DaperspectivadeJoão,eleestáestacionárioenquantoMaria, com a lanterna verde e o grande relógio digital, aparece àdistânciaepassaporelenaescuridãodoespaçovazio.ElenotaqueorelógiodeMariaestáandandodevagaremcomparaçãocomoseu(aproporção do retardamento depende da velocidade com que eles secruzam). Se fosse um pouquinhomais esperto, João notaria tambémquealémdapassagemdo temponoseu relógio, tudoomaisqueserefereaMaria—oseuaceno,avelocidadecomquepiscaosolhoseassimpordiante—ocorreemcâmara lenta.DaperspectivadeMaria,exatamenteomesmoocorrecomJoão.

Embora isso pareça paradoxal, imaginemos uma experiênciaprecisaquereveleumabsurdo lógico.ApossibilidademaissimpleséarranjarascoisasdemodoquequandoJoãoeMariapassemumpelooutro, acertem os seus relógios para marcar, digamos, doze horas.Prosseguindo nos seus caminhos, ambos afirmarão que o relógio dooutro está andando mais devagar. Para enfrentar diretamente essedesacordo, João e Maria têm de reencontrar-se e comparar o tempotranscorrido nos seus relógios. Mas como fazê-lo?João tem umpropulsora jatoquepodeserusado,apartirdasuaperspectiva,paraalcançarMaria.Masseelefizerisso,asimetriadasduasperspectivas,queéacausadoaparenteparadoxo,sequebrará,umavezqueJoãopassaráaummovimentoacelerado,enão livrede forças.Seelessereencontraremdessamaneira,realmenteterátranscorridomenostemponorelógiodeJoão,porqueelepoderádizercomcertezaqueestáemmovimento,umavezqueécapazdesenti-lo.AsperspectivasdeJoãoeMaria já não estarão em pé de igualdade. Ao usar o propulsor, Joãoperdeodireitodesedizerestacionário.

SeJoãoforaoencalçodeMariadessamaneira,adiferençadetempoentreosseusrelógiosdependerádassuasvelocidadesrelativasedospormenoresreferentesaomodoemqueJoãousao jato.Comosabemos, se as velocidades forem pequenas, a diferença será

minúscula.Massechegarmosafraçõessubstanciaisdavelocidadedaluz,asdiferençaspodemserdeminutos,dias,anos,séculos,oumais.Para umexemplo concreto, imaginemos que a velocidade relativa deJoãoeMariaaosecruzaremsejade99,5porcentodavelocidadedaluz.DigamosaindaqueJoãoesperatrêsanos,segundooseurelógio,paraacionaropropulsorqueolevaráaoreencontrodeMaria,àmesmavelocidadecomqueumseafastaradooutro,ouseja,99,5porcentodavelocidade da luz. Quando ele reencontrar Maria, seis anos terãopassadoemseurelógio,poisaviagemderegressotomarátambémtrêsanos.Noentanto,amatemáticadarelatividadeespecialmostraquenorelógiodeMariaterãopassadosessentaanos.Nãohátruque:Mariateráde recorrer ao fundoda suamemóriapara lembrar-sedoepisódiodapassagem de João por ela na escuridão do espaço vazio. Por outrolado,paraJoãoterãopassadoapenasseisanos.EmumsentidomuitorealsepodedizerqueJoãoviajounotempo,emboraosentidosejabemestrito:eleviajounofuturodeMaria.

Pôr novamente os dois relógios em contato para umacomparaçãodiretapodeparecerummeroproblemalogístico,masisso,na verdade, é o que mais importa. Podemos imaginar uma série deexpedientesparaevitaressarachaduranaestruturadoparadoxo,masem última análise todos eles fracassarão. Por exemplo, por que nãotentar, em vez de reunir novamente os relógios, que João e Mariacomparem a hora dos seus relógios comunicando-se por telefonecelular?Seessacomunicaçãofosseinstantânea,estaríamosdiantedeumainconsistênciainsuperável:raciocinandoapartirdaperspectivadeMaria,orelógiodeJoãoestariaandandodevagare,portanto,eleteriadeassinalarumtempomenor; raciocinandoapartirdaperspectivadeJoão,orelógiodeMariaestariaandandodevagare,portanto,elateriade assinalar um tempomenor.Os dois não poderiam estar certos aomesmotempo,enósnosafundaríamosnacontradição.Aquestãoéque,tal como ocorre com todas as formas de comunicação, os telefonescelulares não transmitem os seus sinais de modo instantâneo. Elesoperamcomondasderádio,umaformadeluz,eosinalquetransmitemviaja,portanto,comavelocidadedaluz.Issosignificaquepassaalgumtempoparaqueossinaissejamrecebidos—naverdade,justamenteotemposuficienteparatornarasduasperspectivascompatíveisentresi.

VejamosasituaçãoinicialmenteapartirdaperspectivadeJoão.Imaginequeacadahora,emcimadahora,Joãorecitanotelefone"Sãodozehorasetudoestábem";"Éumahoraetudoestábem",eassimpordiante.ComoapartirdaperspectivadeJoãoo relógiodeMariaandadevagar, a sua tendência é acreditar que Maria receberá essas

mensagensantesdequeoseurelógiomarqueamesmahora.Dessemodo,concluiele,Mariaterádeconcordarqueorelógiodelaéoqueseatrasa.Masdepoiselepensamelhor:"ComoMariaestáseafastandodemim, o sinal que eu lhe envio pelo telefone celular tem de viajardistâncias cada vez maiores para alcançá-la. Talvez esse tempoadicionaldeviagemcompenseovagardoseurelógio".Aocompreenderqueessesefeitoscompetemumcomooutro—alentidãodorelógiodeMaria e o tempo de viagem do sinal — João senta-se e calculaquantitativamenteacombinaçãodosefeitos.Oresultadoqueeleobtémindica que o efeito do tempo de viagem mais do que compensa alentidãodorelógiodeMaria.ElechegaàsurpreendenteconclusãodequeMariareceberáosseussinaisquemarcamapassagemdashorasdepois de cada uma das horas assinaladas. Na verdade, como JoãosabequeMariaéboaemfísica,deduzqueelalevaráemcontaotempodeviagemdosinalparachegaraconclusõesarespeitodorelógiodele,combase nas comunicações por telefone celular.Umpoucomais decálculo revela que, mesmo levando em conta o tempo de viagem, aanálisedeMariaà levaráaconclusãodequeorelógiodeJoãoandamaisdevagardoqueodela.

O mesmo raciocínio se aplica quando tomamos por base aperspectivadeMaria,fazendo-amandaraJoãoossinaistelefônicosacada hora. Inicialmente a lentidão do relógio de João, a partir daperspectivadela,alevaráapensarqueelereceberáasmensagensdelaantes de enviar as suas próprias. Mas quando ela leva em conta asdistânciascadavezmaioresqueoseusinaltemdeviajarparaalcançarJoão àmedida que ela se afasta na escuridão, verifica que João, naverdade, receberáasmensagensdepoisdemandarassuaspróprias.TambémnessecasoelapercebequemesmoqueJoãoleveemcontaotempodeviagem,eleconcluirá,apartirdaschamadasdela,queoseurelógioandamaisdevagardoqueodele.

ContantoquenemJoãonemMariaalteremosseusmovimentos,assuasperspectivasestarãoprecisamentenomesmopé.Mesmoquepareçaparadoxal,dessamaneiraambosverificamqueéperfeitamentecoerente para cada um deles pensar que o relógio do outro andadevagar.OEFEITODOMOVIMENTOSOBREOESPAÇO

A discussão anterior revela que qualquer observador percebe

queosrelógiosquesemovemmarcamotempocommaisvagardoqueo seu — isto é, que o tempo é influenciado pelo movimento. Daí aadmitirmos que o movimento exerce um efeito igualmente importantesobreoespaçoéquestãodedarapenasmaisumpasso.VoltemosaCrispim e Joaquim na pista de corrida. Quando estava na loja deautomóveis, como vimos, Crispim mediu cuidadosamente ocomprimentodoseucarrocomumafitamétrica.Masenquantoeledirigeemalta velocidadenapista, Joaquim,queobservade fora,nãopodeusaromesmométodoparamedirocomprimentodocarro.Eletemdeprocederdeumamaneiraindireta.Umapossibilidade,comoindicamosantes,éaseguinte:Joaquimacionaocronômetroexatamentequandoopára-choque dianteiro do carro passa à sua frente e o interrompeexatamente quando passa o pára-choque traseiro. Multiplicando otempo marcado pela velocidade do carro ele determina o seucomprimento.

Usando os nossos conhecimentos recém-adquiridos a respeitodassutilezasdotempo,verificamosque,daperspectivadeCrispim,eleestá estacionário enquanto Joaquim se move e, portanto, Crispimpercebe que o relógio de Joaquim anda mais devagar. Emconseqüência Crispim se dá conta de que a medição indireta deJoaquimdaráumresultadomenordoqueoqueelemesmoobtevenalojadeautomóveis,umavezque,emseucálculo(ocomprimentoéigualà velocidade multiplicada pelo tempo transcorrido), Joaquim estámedindo o tempo em um relógio que anda devagar. Se ele andadevagar,otempotranscorridoqueelemarcaserámenoreoresultadofinalseráumcomprimentomenor.

Dessemodo,JoaquimperceberáquequandoocarrodeCrispimestá emmovimento o seu comprimento émenor do quequandoestáparado. Esse é um exemplo de um fenômeno geral, pelo qual osobservadores percebem comprimentos menores nos objetos que semovem.As equações da relatividade especial, por exemplo,mostramqueseumobjetosedeslocaacercade98porcentodavelocidadedaluz,umobservadorestacionáriooveráoitentaporcentomaiscurtodoqueseestivesseemrepouso.Essefenômenoestáilustrado.OMOVIMENTOATRAVÉSDOESPAÇO-TEMPO

A constância da velocidade da luz resulta na substituição davisão tradicional do espaço e do tempo como estruturas rígidas eobjetivasporumnovoconceitonoqualambosdependemintimamentedo movimento relativo entre o observador e a coisa observada.Poderíamosterminaranossadiscussãoaqui,aoconcluirqueosobjetosquesemovemofazememcâmaralentaeficammenores.Arelatividadeespecialproporciona,porém,umaperspectivaunificadaemaisprofundaqueenglobatodosessesfenômenos.

Paracompreenderessaperspectiva, imaginemosumautomóvelnaverdademuitopoucoprático,quealcançarapidamenteavelocidadede150quilômetrosporhoraeamantéminvariávelatéserdesligadoeparar. Imaginemos também que, graças a sua reputação de chofercompetenteCrispimtenhasidoescolhidocomopilotodeprovasemumtestequeocorreemumapistalonga,retaelarganomeiodeumdesertoplano.Comoadistânciaentreaslinhasdepartidaedechegadaédequinzequilômetros,ocarrodevepercorrê-laemumdécimodehora,ouseja,emseisminutos.Joaquim,quedenoitetrabalhacomoengenheiroautomobilístico,confereosdadosdedezenasdetestesjárealizadosefica intrigadoaoverque,emboraamaioriados registros indiqueseisminutos,osúltimosresultadossãomaisdemorados:6,5,7eatémesmo7,5 minutos. Inicialmente ele suspeita de algum problema mecânico,uma vez que esses tempos parecem indicar que o carro andava amenosde150quilômetrosporhoranosúltimostrêstestes.Masdepoisdefazerumexamecompletodoveículo,ficaconvencidodequeeleestáem perfeitas condições. Incapaz de explicar a anomalia dos temposlongos,consultaCrispimarespeitodastrêsúltimassaídas.Crispimtemumaexplicaçãosimples.ElecontaquecomoapistavaideLesteparaOeste, no final da tardeoSol lhe ofuscavaa vista e nos três últimostestesoproblemafoitãograndequeeleapontouocarroumpoucomaisparaadireita.Crispimdesenhouumesboçodo caminhoque feznastrêsúltimasvezes,.Aexplicaçãoagoraéperfeitamenteclara:ocaminhodocomeçoao fimdapistaémaior quandoo carro semoveemumadireção inclinada com relação ao comprimento da pista e, portanto,mesmo mantendo-se à velocidade de 150 quilômetros por hora, opercursotomarámaistempo.Ditodeoutramaneira,quandoseviajaemuma linha inclinada com relação à direção Leste-Oeste, parte davelocidadede150quilômetrosporhoraégastaemumdeslocamentodoSul para oNorte, o que resulta emuma velocidadeumpoucomenorpara cumprir o trajeto do Leste para o Oeste. Isso implica um tempomaiorparaatravessiadapista.

AexplicaçãodeCrispimédefácilentendimento;contudo,valea

penamelhorar um pouco a sua redação para que possamos dar umsalto conceitual. As direções Norte-Sul e Leste-Oeste são duasdimensõesespaciais independentesemqueumcarropodemover-se.(Eletambémpodemover-severticalmente,quandosobeumamontanha,porexemplo,masnósnãovamosprecisardissoaqui.)AexplicaçãodeCrispimilustraque,emboraocarroestivesseviajandoa150quilômetrospor hora em todos os testes, nos três últimos ele dividiu a suavelocidadeentreduasdimensõesecomissopareceudesenvolverumavelocidade menor na direção Leste-Oeste. Nos testes anteriores, atotalidade dos 150 quilômetros por hora destinou-se ao movimentoLeste-Oeste;nostrêsúltimos,umapartedessavelocidadefoiusadanomovimentoNorte-Sul.

Einstein percebeu que exatamente essa idéia— a divisão domovimentoentreasdiferentesdimensões—estápresenteemtodososaspectosdafísicadarelatividadeespecial.Issosenosdermoscontadeque não são apenas as dimensões espaciais que envolvem omovimentodeumobjeto,poisadimensãodotempotambémoenvolve.

Com efeito, na maioria das circunstâncias, a maior parte domovimentodeumobjetodá-senotempoenãonoespaço.Vejamosoqueissosignifica.Trajetória normal devido à claridade do sol no fim da tarde, Crispimdirigiuocarroemtrajetóriascadavezmaisinclinadas.

Omovimentoatravésdoespaçoéumconceitoqueaprendemoscedonavida.Emboramuitasvezesnãopensemosnascoisasnestestermos, sabemos que nós, os nossos amigos e os nossos pertencestambémsemovematravésdotempo.Basta olhar para um relógio, mesmo que estejamos quietos vendotelevisão,paraverificarquea leituradorelógiomudaconstantemente,"movendo-separaafrentenotempo".Nós,etudooqueestáànossavolta, envelhecemos e passamos inevitavelmente de ummomento dotempoparaoseguinte.Comefeito,omatemáticoHermannMinkowski,eemúltimaanáliseopróprioEinstein,sustentaramqueotempopoderiaservistocomoumaoutradimensãodouniverso—aquartadimensão—,emalgunsaspectosmuitosimilaràs trêsdimensõesespaciaisemquenosencontramos imersos.Aindaquepareçaabstrata,anoçãodo

tempocomodimensãoéconcreta.Quandomarcamosumencontrocomalguém,dizemosolugardo"espaço"emquequeremosnosencontrar—porexemplo,nononoandardoedifícioqueficanaesquinadarua53comaSétimaAvenida.Aquihátrêsinformações(nonoandar,rua53eSétima Avenida) que se referem às três dimensões espaciais douniverso. Igualmente importante é a especificação de quandoesperamosqueoencontroserealize—porexemplo,àstrêshorasdatarde. Essa informação nos diz em que lugar "do tempo" o encontroocorrerá. A especificação dos eventos se dá, portanto, com quatroinformações:trêsparaoespaçoeumaparaotempo.Diz-sequeessesdadosespecificamalocalizaçãodoeventonoespaçoenotempo,ou,abreviadamente, no espaço-tempo. Nesse sentido, o tempo é umadimensão.

Sepodemosdizerqueoespaçoeotemposãosimplesexemplosdedimensõesdiferentes,seráentãopossívelfalardavelocidadedeumobjetonotempo,assimcomofalamosdavelocidadenoespaço?Sim,podemos.Umaboa pista a esse respeito provémde uma informaçãoque já temos. Quando um objeto se move através do espaço comrelaçãoanós,oseurelógioandadevagaremcomparaçãocomonosso.Ouseja,avelocidadedoseumovimentoatravésdoespaçosereduz.Aquiestáosalto:Einsteinproclamouquetodososobjetosdouniversoestãosempreviajandoatravésdoespaço-tempoaumavelocidadefixa— a velocidade da luz. Essa é uma idéia estranha; estamosacostumados à noção de que os objetos viajam a velocidadesconsideravelmentemenoresqueadaluz.Repetidas vezes salientamos que essa é a razão por que os efeitosrelativísticossãotãoincomunsnodia-a-dia.Tudoissoéverdade.Aquiestamos falando da velocidade de um objeto combinada através dasquatrodimensões—trêsespaciaiseumatemporal—,eéavelocidadedoobjetonessesentidogeneralizadoqueéigualàdaluz.Parafacilitaracompreensãoeressaltaraimportânciadesseponto,notemosque,talcomo no caso do carro de velocidade constante, que discutimosanteriormente,essavelocidadeconstantedistribui-seentreasdiferentesdimensões—ouseja,asdiferentesdimensõesdoespaçoetambémadotempo.Seumobjetoestáemrepouso(comrelaçãoanós)econseqüentementenão se move através do espaço, então, tal como aconteceu nosprimeirostestesrealizadoscomocarro,atotalidadedoseumovimentoéusada para viajar através de uma única dimensão— nesse caso, a

dimensãodotempo.Alémdisso,todososobjetosqueestãoemrepousocomrelaçãoanósetambémcomrelaçãoaosoutrosobjetosmovem-seatravésdotempo—envelhecem—exatamentenomesmoritmo,ouàmesmavelocidade.Contudo,seumobjetosemoveatravésdoespaço,isso significa que uma parte do seu movimento anterior através dotempotemdeserredistribuída.Talcomoocarro,quenosúltimostestesviajava em uma linha inclinada, a repartição do movimento entre asdiferentesdimensõesimplicaqueoobjetoviajarámaisdevagaratravésdotempodoqueosobjetosestacionários,umavezqueumapartedoseu movimento está sendo usada na viagem através do espaço. Ouseja,orelógiodesseobjetoandamaisdevagarseelesemoveatravésdoespaço.Issoéexatamenteoquehavíamosconcluídoantes.Vemosagoraqueotempopassamaisdevagarquandoumobjetosemovecomrelaçãoanósporqueissoconverteumapartedoseumovimentoatravésdotempoemmovimentoatravésdoespaço.Assim,avelocidadedeumobjetoatravésdoespaçoésimplesmenteumreflexodaproporçãoemqueessemovimentoatravésdotempoédesviado.

Vemostambémqueesseesquemaincorporaautomaticamenteofato de que há um limite para a velocidade espacial de um objeto: avelocidademáximaatravésdoespaçosópodeocorrerseatotalidadedo movimento de um objeto através do tempo for convertida emmovimento espacial. Isso ocorre quando a totalidade domovimento àvelocidadedaluz,queanteriormentesedavanotempo,converte-seemmovimento à velocidade da luz no espaço. Se um objeto converter atotalidadedoseumovimentoàvelocidadedaluzatravésdotempoemmovimentoespacial,ele—equalqueroutroobjeto—alcançaráamáximavelocidadeespacialpossível.Issoéoqueocorreria,emtermosdasdimensõesespaciais,seo nosso carro percorresse a pista exatamente no sentido Norte-Sul.Nessecaso,nãolhesobrarianenhumavelocidadeparaomovimentonosentidoLeste-Oeste;domesmomodo,umobjetoqueviajeàvelocidadedaluzatravésdoespaçonãoteránenhumavelocidadedisponívelparaomovimentoatravésdotempo.Portanto,aluznãoenvelhece;umfótonproveniente do big-bang temhoje amesma idade que tinha então.Àvelocidadedaluz,otemponãopassa.EQUANTOAE=MC2?

EmboraEinsteinnão tenhadefendidoonomede "relatividade"

para a sua teoria (sugerindo, em vez disso, o nome de teoria da"invariância", para refletir, entre outras coisas, o caráter imutável davelocidadedaluz),osignificadodotermoficouclaro.AobradeEinsteinmostrouqueconceitoscomoosdeespaçoetempo,queantespareciamser separados e absolutos, são, na verdade, entrelaçados e relativos.Surpreendentemente,Einsteinmostroutambémqueoutraspropriedadesfísicas do mundo são também entrelaçadas. A sua equação maisfamosa constitui um dos exemplos mais importantes. Nela, Einsteinafirmou que a energia (E) de um objeto e a suamassa (m) não sãoconceitos independentes; podemos determinar a energia seconhecermos a massa (multiplicando a massa duas vezes pelavelocidadedaluz,c2)epodemosdeterminaramassaseconhecermosaenergia(dividindoaenergiaduasvezespelavelocidadedaluz).Emoutraspalavras,aenergiaeamassa—comodólaresefrancos—sãomoedaspassíveisdeconversão.Aocontráriodoqueacontececomodinheiro,noentanto,ataxadecâmbio,queéoquadradodavelocidadedaluz,éfixaeeterna.Comoessataxaétãogrande(c2éumnúmerogrande), uma pequena massa produz uma enorme quantidade deenergia. O mundo conheceu o poder devastador resultante daconversão de menos de dez gramas de urânio em energia emHiroshima; um dia, por meio de usinas de fusão, poderemos usarprodutivamente a fórmula de Einstein para satisfazer a demandamundial de energia com o nosso inesgotável suprimento de água domar.

Do ponto de vista dos conceitos ressaltados neste capítulo, aequaçãode

Einsteinnosdáaexplicaçãomaiscompletadofatocrucialdequenadapode viajar mais rápido do que a luz. Você pode ter pensado, porexemplo, por que razão não se pode tomar um objeto, digamos ummúon,queumaceleradordepartículastenhalevadoa99,5porcentodavelocidadedaluze"empurrá-loumpouquinhomais",até99,9porcentodavelocidadeda luz,eentão"empurrá-lomaisainda",impelindo-oaatravessarabarreiradavelocidadedaluz.AfórmuladeEinsteinexplicaporqueessesesforçosnuncaterãoêxito.Quantomaisrapidamenteumobjetosemover,maisenergiaeleterá,epelafórmuladeEinsteinvemosquequantomaisenergiaumobjetotiver,maiorseráasuamassa.Ummúonqueviajea99,9porcentodavelocidadedaluz,porexemplo,pesamuitomaisqueoutroestacionário.Comefeito,pesacercade22vezesmais—literalmente.Masquantomaiorforamassa

deumobjeto,maisdifícilseráaumentarasuaenergia.Empurrarumacriançaemumcarrinhodebebeéumacoisaeempurrarumcaminhãodeseiseixoséoutramuitodiferente.Assim,quantomaisdepressasemoveromúon,maisdifícilseráaumentaraindamaisasuavelocidade.A 99,999 por cento da velocidade da luz a massa do múon estarámultiplicada por 224; a 99,99999999 por cento da velocidade da luz,estará multiplicada por 70 mil. Como a massa do múon cresce semlimitesàmedidaqueasuavelocidadeseaproximadavelocidadedaluz, seria necessário um empurrão com uma quantidade infinita deenergia para que ele alcançasse ou ultrapassasse a barreira davelocidadedaluz.

Isso, evidentemente, é impossível e, por conseguinte,absolutamentenadapodeviajaraumavelocidademaiordoqueadaluz. Como veremos no próximo capítulo, essa conclusão planta asemente do segundo maior conflito que a física enfrentou no séculopassado e em última análise sela a sorte de outra teoria querida evenerada—ateoriadagravitaçãouniversal,deNewton.

3.Dascurvaseondulações

Por meio da relatividade especial, Einstein resolveu o conflitoentrea"intuiçãotradicional"arespeitodomovimentoeaconstânciadavelocidadeda luz.Emsíntese,asoluçãoéqueanossa intuiçãoestáerrada — ela é informada por movimentos extremamente lentos emcomparação com a velocidade da luz e essas velocidades baixasocultam o verdadeiro caráter do espaço e do tempo. A relatividadeespecial revela a natureza do espaço e do tempo emostra que elesdiferem radicalmente das concepções anteriores.Mas alterar a nossanoçãobásicadeespaçoe temponão foi tarefa fácil.Einstein logoviuque dentre todas as revelações da relatividade especial havia umaparticularmenteprofunda:o fatodequenadapodesermaisrápidodoquealuzrevela-seincompatívelcomareverenciadateoriauniversaldagravidade, proposta por Newton na segunda metade do século XVII.Assim, ao resolver um conflito, a relatividade especial criou outro.Depoisdeumadécadadeestudos intensoseporvezes tormentosos,Einstein resolveu o dilema com a teoria da relatividade geral. Nela,Einstein revolucionou novamente a nossa noção de espaço e tempo,mostrandoqueelessofremcurvasedistorçõesparacomunicaraforça

dagravidade.AVISÃONEWTONIANADAGRAVIDADE

IsaacNewton, nascido em1642emLincoinshire, na Inglaterra,mudouopanoramadapesquisacientíficapondoplenamenteaforçadamatemáticaaserviçodainvestigaçãofísica.Newtontinhaumintelectode tal modo monumental que, por exemplo, quando a matemáticaexistente na sua época era insuficiente para a realização das suaspesquisas, ele inventava uma matemática nova. Foram necessáriosquasetrêsséculosmaisparaqueomundoviesseaconhecerumoutrogêniocientíficocomparável.

Dentre todos os avanços profundos feitos por ele noconhecimentodosmecanismosdouniverso,oquemaisnos interessaaqui é a sua teoria da gravitação universal. A força da gravidadepermeiaavidacotidiana.Elanosmantém,anóseatodososobjetosque nos rodeiam, presos à superfície da Terra; impede que o ar querespiramos se perca no espaço exterior; conserva a Lua em órbita àvoltadaTerraeaTerraemórbita à volta doSol.Agravidadedita o ritmodadançacósmicaincansávelemeticulosaexecutadaporbilhõesebilhõesde asteróides, planetas, estrelas e galáxias. Mais de três séculos deinfluência newtoniana levaram-nos a achar simplesmente natural queumaúnicaforça—agravidade—sejaresponsávelporessapletoradefatosterrestreseextraterrestres.MasantesdeNewtonnãosesabiaqueumamaçãquecaidaárvoreeamarchadosplanetasàvoltadoSolobedecem ao mesmo princípio físico. Em um passo audacioso nosentido da afirmação da hegemonia da ciência, ele unificou a físicaterrestreeafísicacelesteedeclarouqueaforçadagravidadeéamãoinvisívelqueoperaemambososníveis.

Pode-se dizer que Newton via a gravidade como o grandeequalizador.Eledeclarouqueabsolutamentetodasascoisasexercemuma força de atração gravitacional sobre absolutamente todas asdemaiscoisas.Independentementedasuacomposiçãofísica,todasascoisasexercemesofremaforçadagravidade.Newtonestudou intimamenteaanálisedeJohannesKeplerarespeitodos movimentos dos planetas e deduziu a partir daí que a força daatraçãogravitacionalentredoiscorposdependeprecisamentededoisfatores:aquantidadedematerialquecompõecadaumdessescorpose

adistânciaentreeles."Material"significamatéria—oquecompreendeo número total de prótons, nêutrons e elétrons, que, por sua vez,determina a massa do objeto. A teoria da gravitação universal deNewtonassinalaqueaforçadeatraçãoentredoisobjetosétantomaiorquantomaiorforasuamassaequantomenorforadistânciaentreeles.

Newtonfoimuitoalémdesserelatoqualitativoedesenvolveuasequações que descrevem quantitativamente a força da atraçãogravitacionalentredoisobjetos.Traduzidas em palavras, essas equações dizem que a forçagravitacional entre dois corpos é proporcional ao produto das suasmassas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entreeles. Essa "lei da gravidade" serve para prever o movimento dosplanetas e cometas à volta doSol, o da Lua à volta da Terra, o dosfoguetes que saem em explorações interplanetárias e também o deelementosmenoscelestes,comoumaboladebeisebolvoandoatravésdo ar ou mergulhadores que pulam de um trampolim para cair emespirais numa piscina. A concordância entre as previsões e asobservações reaisdosmovimentosdosobjetoséespetacular.OêxitorendeuàteoriadeNewtonumprestígioinigualadoatéoiníciodoséculoXX.MasquandoEinsteindescobriuarelatividadeespecial,elatevedeenfrentarumobstáculoquesemostrouinsuperável.A INCOMPATIBILIDADE ENTRE A GRAVIDADE NEWTONIANA E A RELATIVIDADEESPECIAL

Olimiteabsolutoquealuzdeterminaparatodasasvelocidadeséumdos traços fundamentaisda relatividadeespecial.É importante teremmentequeesselimitenãoseaplicaapenasaosobjetosmateriais,esim tambémaos sinais eàs influênciasde todo tipo.E simplesmenteimpossívelcomunicarqualquer informaçãooualteraçãodeumlugaraoutroaumavelocidademaiordoqueadaluz.Naturalmenteexisteminumeráveismaneirasdetransmitir influênciasavelocidadesmenores do que a da luz. A sua voz e todos os demaissons,porexemplo,sãotransmitidospormeiodevibraçõesqueviajampelo ar a mais de 1100 quilômetros por hora, feito medíocre secomparado à velocidade da luz, que é de quase 1100 milhões dequilômetros por hora. Essa diferença de velocidade fica evidentequando se assiste a um jogo de beisebol, por exemplo, de assentosmuito distantes da base. Quando o batedor rebate a bola, o som só

chegaavocêalgunsmomentosdepoisquevocêviuabolaserrebatida.Omesmoocorreemumatempestade,quandovocêvêoclarãodoraioefica esperando pelo ruído do trovão, embora ambos tenham sidoproduzidos simultaneamente. Esses exemplos refletem a diferençasubstancialdevelocidadeentreosomea luz.Oêxitodarelatividadeespecial nos informa de que a situação oposta, em que algum sinalpudessealcançar-nosantesdaluzqueeleemite,simplesmentenãoépossível.Nadaémaisrápidodoqueumfóton.

Aíestáoproblema.NateoriadagravitaçãodeNewton,umcorpoexerce atração gravitacional sobre outro com uma intensidadedeterminada apenas pela massa dos objetos envolvidos e peladistânciaqueossepara.Essaintensidadenãovariasegundootempoqueosobjetosfiquemnapresençaumdooutro.Issosignificaque,deacordo com Newton, se a massa ou a distância se modificarem, osobjetos sentirão imediatamente amudança ocorrida na sua interaçãogravitacional.A teoria da gravitação de Newton diz, por exemplo, que se o Solexplodisserepentinamente,aTerra—auns150milhõesdequilômetros— sofreria instantaneamente uma alteração na sua órbita elípticanormal.MuitoemboraaluzlevemaisdeoitominutosparaviajardoSolàTerra,naconcepçãodateoriadeNewtonoeventodaexplosãoseriainstantaneamentesentidonaTerradevidoàrepentinaalteraçãonaforçagravitacionalqueregulaoseumovimento.

Essa conclusão entra em conflito direto com a relatividadeespecial,queasseguraquenenhuma informaçãopodeser transmitidamaisdepressadoqueavelocidadedaluz—atransmissãoinstantâneaviolamortalmente esse princípio. Portanto, no começo do século XX,EinsteinpercebeuqueasacrossantaecomprovadateoriadagravitaçãodeNewtonconflitavacomateoriadarelatividadeespecial.Confiantenaexatidão da sua teoria, apesar do número colossal de comprovaçõesexperimentaisjáobtidasemfavordateoriadeNewton,Einsteinbuscouumanovateoriadagravitaçãoquefossecompatívelcomarelatividadeespecial.Issoolevou,finalmente,àdescobertadarelatividadegeral,naqual as características do espaço e do tempo sofreriam outra notáveltransformação.OPENSAMENTOMAISFELIZDEEINSTEIN

Mesmoantesdadescobertadarelatividadeespecial,ateoriade

Newton já era insuficiente em um aspecto importante. Embora façaprevisões altamente precisas a respeito dos movimentos dos objetosque sofrem a influência da gravidade, ela não oferece qualquerinformaçãoquantoànaturezadessa força.Ouseja,comopodemdoiscorpos fisicamente separados, a bilhões de quilômetros ou mais dedistânciaumdooutro,influenciarmutuamenteosmovimentos?Comquemeiosagravidadeconseguecumprirasuamissão?Newtonestavabemconscientedesseproblema.Emsuasprópriaspalavras,“Éinconcebívelqueamatériabruta inanimadapossa, semamediaçãodealgomais,quenãosejamaterial,afetaroutramatériaeagirsobreelasemcontatomútuo.Queagravidadesejaalgoinato,inerenteeessencialàmatéria,detalmaneiraqueumcorpopossaagirsobreoutroàdistânciaatravésdo vácuo e sem a mediação de qualquer outra coisa que pudessetransmitirsuaforça,é,paramim,umabsurdotãograndequenãocreiopossaexistirumhomemcapazdepensarcomcompetênciaemmatériasfilosóficas e nele incorrer. A gravidade tem de ser causada por umagente,queoperaconstantemente,deacordocomcertasleis;massetalagente é material ou imaterial é algo que deixo à consideração dosmeusleitores.”

Ou seja, Newton aceitou a existência da gravidade edesenvolveu equações que descrevem com exatidão os seus efeitos,masnuncaofereceuqualquer indicaçãosobrecomoelaatua.Eledeuaomundoum"manualdoproprietário"dagravidade,queensinacomo"usá-la"—instruçõesquefísicos,astrônomoseengenheirosutilizaramcom êxito para estabelecer trajetórias de foguetes interplanetários,antecipareclipsesdoSoledaLua,preverapassagemdecometaseassimpordiante.Masdeixouosprocessos internos—oconteúdoda"caixa-preta"dagravidade—envoltosemcompletomistério.Aousaroseu computador ou ouvir o seu CD, você pode encontrar -se em umestadosimilardeignorânciacomrespeitoaosmecanismosinternosdefuncionamento.Desdequesaibacomooperaroequipamento,nemvocênemninguémmaisprecisasabercomoeleexecutaatarefaque lheéatribuída. Mas se seu aparelho de som ou seu computador sofre umdefeito, é fundamental conhecer os mecanismos internos deles parapoder repará-los.Domesmomodo,Einsteinpercebeuque,apesardecentenas de anos de confirmações experimentais, a relatividadeespecialsutilmenteimplicavaqueateoriadeNewtontinhaum"defeito"equepararepará-loeranecessárioresolveraquestãodanaturezareal

ecompletadagravidade.

Em 1907, quando pensava sobre esses problemas no seuescritório da repartição de patentes de Berna, na Suíça, Einsteinconcebeu o pensamento essencial que finalmente o levaria a proporumateoriadagravitaçãoradicalmentenova—umenfoquequenãosópreencheria a lacunada teoria deNewton como também reformulariatotalmente a maneira de encarar a gravidade e, o que é da maiorimportância, de ummodo inteiramente compatível com a relatividadeespecial.

A contribuição de Einstein é relevante para uma pergunta quepodeterdeixadovocêintrigadonocapítulo2,quandoressaltávamosonosso interesse ementender comoomundoaparece para indivíduosque se deslocam em movimento relativo em velocidade constante.Comparando cuidadosamente as observações desses indivíduos,encontramosalgumasimplicaçõesnotáveissobreanaturezadoespaçoe do tempo. Mas e os indivíduos que experimentam movimentoacelerado a análise dessas observações é mais complexa do que arelativaaosobservadoresque sedeslocamemvelocidadeconstante,cujo movimento é mais sereno, mas é possível perguntar se existealgumamaneiradedomaressacomplexidadeecolocaromovimentoaceleradodentrodoslimitesdonossonovoentendimentodoespaçoedotempo.

O"pensamentomaisfeliz"deEinsteinmostrou-noscomofazê-lo.Paracompreenderoseupontodevista, imaginequeestamosnoano2050equevocêéoprincipalperitoemexplosivosdoFBI,razãopelaqualacabadereceberumachamadatelefônicaurgenteparainvestigaro que parece ser uma sofisticada bomba deixada no coração deWashington,D.C.Vocêcorreparaolocal,examinaoartefatoeconfirmao seu pior pressentimento: é uma bomba nuclear tão poderosa que,mesmoquefosseenterradanasprofundidadesdaTerraou jogadanofundo do mar, o dano causado pela sua explosão seria catastrófico.Depois de estudar atentamente o mecanismo de detonação, vocêverificaquenãohánenhumaesperançadedesarmá-laeaindaporcimadescobreumoutrodetalhe:abombaestámontadasobreumabalançaese o peso por ela registrado variar mais de cinqüenta por cento emqualquersentido,abombaexplode.Omecanismodetemporevelaquevocê tem apenas uma semana para agir. O destino de milhões depessoasdependedevocê—quefazer?Sabendoquenãohánenhumlugar,nemnasuperfíciedaTerra,nemnoseuinterior,emqueoartefatopudesse ser detonado com segurança, você parece ter apenas uma

opção: lançar a bomba nas profundezas do espaço exterior, onde aexplosão não causará nenhummal. Você apresenta a idéia em umareuniãonasaladeoperaçõeseoseuplanoéimediatamentederrubadoporumjovemassessor."Oseuplanotemumproblemasério",dizIsaac,oassessor. "Àmedidaqueabombaseafastenoespaço,oseupesodiminuirácomadiminuiçãodaatraçãogravitacionaldaTerra.Comisso,opesoregistradonabalançatambémdiminuirá,oquelevaráabombaaexplodirbemantesdealcançarasegurançadoespaçoprofundo."Antesquevocêtenhatempoderefletir,outrojovemassessortomaapalavra:"Pensando bem, há umoutro problema", dizAlbert, o outro assessor,"tãoimportantequantooqueIsaaclevantou,masumpoucomaissutil.Permitam-me,então,explicar".Vocêcontinuaquerendopensarnoquedissera Isaace tratade fazercomqueAlbert fiquequieto,mas,comosempre,depoisqueelecomeça,nãoháquemofaçaparar."Paralançarabombanoespaçoprecisamospô-laemumfoguete.Àmedidaqueofogueteacelereverticalmente,oregistrodopesonabalançaaumentará,e isso também causará a explosão prematura da bomba. A base dabombapressionaráabalançacommaiorforça,domesmomodocomooseu corpo pressiona commaior força o assento do seu carro quandovocê o acelera. A bomba comprimirá a balança, o registro do pesoaumentará e o artefato explodirá quando esse aumento chegar acinqüentaporcento."VocêagradeceaAlbert,mascomoficaracomocomentáriodeIsaacnacabeça,assinalacomironiaquebastaumgolpemortalparamatarumaidéia,oqueaobservaçãodeIsaac,obviamentecorreta, já havia feito. Desesperançado, você pede novas sugestões,mas nesse exato momento Albert tem uma inspiração: "Pensandomelhor", continua ele, "não acho que a sua idéia esteja morta. AobservaçãodeIsaacdequeagravidadediminuiàmedidaqueoartefatoganha o espaço significa que o registro do peso na balança tambémdiminui.Aminhaobservaçãodequeaaceleraçãovertical do foguetelevaráabombaapressionarcommaiorforçaabalançasignificaqueoregistrodopesoaumenta.Emconjunto,issosignifica,portanto,queseajustarmosprecisamenteeacadamomentoaaceleraçãodofoguete,osdois efeitos se cancelarão! Especificamente, no início da ascensão,enquantoofogueteaindasenteintensamenteaforçadagravidadedaTerra,elenãopodeacelerarmuito,demodoaqueapressãosobreabalançafiquedentrodolimitedecinqüentaporcento.Àmedidaqueelese afaste da Terra— e sinta, portanto, cada vezmenos a gravidadeterrestre—precisamosaumentaraaceleraçãoverticalparacompensar.O aumento do registro causado pela aceleração vertical pode ser

exatamente igual à diminuição resultante do decréscimo da atraçãogravitacional,demodoque,naverdade,oregistrodopesonabalançaficaráestável!".

PoucoapoucoasugestãodeAlbertcomeçaafazersentido."Emoutraspalavras", respondevocê, "aaceleraçãovertical funcionacomoumaalternativaparaagravidade.Podemosimitaroefeitodagravidadepormeiodeummovimentoaceleradoadequado."

"Exatamente",respondeAlbert."Então",continuavocê,"épossívellançarabombanoespaçoe

ajustarcriteriosamenteaaceleraçãodofoguetedemodoqueoregistrodo peso da bomba na balança não mude. Com isso se evita adetonaçãoatéquesealcanceumadistânciaseguradaTerra."Assim,comum jogoentreagravidadeeomovimentoacelerado—ecomoprogressodaciêncianoséculoXXI—vocêconsegueevitarodesastre.

Oreconhecimentodequeagravidadeeomovimentoaceleradosão intimamente entrelaçados foi a revelação que ocorreu dentro dacabeçadeEinstein,aquelebelodia,narepartiçãodepatentesdeBerna.Aindaqueaexperiênciadabombareveleaessênciadaidéia,convémreapresentá-laemumesquemamaisparecidocomodocapítulo2.Paraisso, lembre-se de que se você for colocado em um compartimentoselado e sem janelas que não sofra aceleração, não há maneira dedeterminarasuavelocidade.Ocompartimentoconservaoseuaspecto,e qualquer experiência que você faça dará os mesmos resultados,independentemente da velocidade com que você esteja semovendo.Mais importante ainda: semumponto externo para comparar, não hámaneiradedeterminaraquevelocidadevocêestáviajando.Poroutrolado,seestiveremmovimentoacelerado,mesmoqueasuapercepçãoesteja limitadaaosconfinsdoseucompartimentoselado,vocêsentiráumaforçaemseucorpo.Porexemplo,seasuacadeiraestiverpresanochãoeaaceleraçãodocompartimentofornadireçãoemquevocêestásentado,vocêsentiráaforçadacadeiranassuascostas,comonocasodocarromencionadoporAlbert.Domesmomodo,seocompartimentoforaceleradoverticalmente,vocêsentiráaforçadochãonosseuspés.Einstein percebeu que no interior do compartimento você não serácapazdedistinguiressassituaçõesdeaceleraçãodeoutrassituaçõessem aceleração mas com gravidade: se as suas imensidades foremajustadasdemaneiraexata,aforçaprovocadapelocampogravitacionaleaforçaprovocadapelomovimentoaceleradosãoindistinguíveis.Seoseucompartimentoestiverplacidamentepousadonasuperfícieterrestre,

vocêsentiráaconhecidaforçadochãocontraosseuspésexatamentedomesmomodoemquesentiriaaforçadeumaaceleraçãovertical,talcomonocenárioquedescrevemos.

EssaéexatamenteamesmaequivalênciaqueAlbertusouparasolucionaroproblemadabomba.Seocompartimentoforcolocadocoma parede de trás no chão, você sentirá a força da cadeira nas suascostas do mesmo modo em que sentiria a força de uma aceleraçãohorizontal. Einstein deu a essa impossibilidade de distinguir entre omovimento acelerado e a gravidade o nome de princípio daequivalência.

Essa descrição mostra que a relatividade geral completa otrabalho iniciado pela relatividade especial. Através do princípio darelatividade,a teoriadarelatividadeespecialestabeleceademocraciadospontosdevistaobservacionais:asleisdafísicasãoidênticasparatodososobservadoresque semovema velocidades constantes.Masessaéumademocraciamuitolimitada,poisexcluiumnúmeroenormedeoutrospontosdevista—osdosindivíduosquesofremaceleração.Arevelação de Einstein em 1907 mostrou-nos como abarcar todos ospontosdevista—comvelocidadeconstanteecomaceleração—emumsóesquema igualitário.Nãohádiferençaentreumpontode vistaacelerado sem um campo gravitacional e um ponto de vista nãoacelerado com um campo gravitacional. Podemos, então, invocar omesmo princípio e declarar que todos os observadores,independentementedoseuestadodemovimento,podemconsiderar-seestacionáriosedizerque"orestodomundopassaporeles",desdequeincluamum campo gravitacional adequado na descrição do ambienteque os envolve. Nesse sentido, com a inclusão da gravidade, arelatividadegeralasseguraquetodosospontosdevistaobservacionaispossíveis estão em pé de igualdade. (Como veremos depois, issosignifica que as distinções entre os observadores feitas combase nomovimento acelerado, como no capítulo 2 — quando João foi aoencontrodeMariaativandooseupropulsora jatoea viumuitomaisvelha do que ele —, admitem uma descrição equivalente, sem aaceleraçãoecomagravidade).

A descoberta desse vínculo profundo entre a gravidade e omovimentoaceleradoé,semdúvida,umaconclusãonotável,masporqueEinsteinficoutãofelizassim?Arazãoestáemqueagravidadeémisteriosa. É uma grande força, presente em toda a vida do cosmos,

maséfugidiaeetérea.Poroutrolado,omovimentoacelerado,emboraalgomaiscomplicadoqueomovimentouniforme,éconcretoetangível.Aoencontrarumnexofundamentalentreambos,Einsteinverificouquepoderia usar o conhecimento do movimento como um instrumentopoderosoparaalcançaroconhecimentodagravidade.Pôrempráticaessaestratégianãofoinadafácil,mesmoparaumgêniocomoele,mas,emúltimaanálise, foiesseométodoqueo levouà relatividadegeral.ParachegaraesseobjetivofoinecessárioqueEinsteinestabelecesseum segundo elo na cadeia que une a gravidade e o movimentoacelerado: a curvatura do espaço e do tempo, que agora vamosconsiderar.AACELERAÇÃOEACURVATURADOESPAÇOEDOTEMPO

Einsteinestudouoproblemadagravidadecomumvigorquaseobsessivo.CercadecincoanosdepoisdafelizrevelaçãonarepartiçãodepatentesdeBerna,eleescreveuaofísicoArnoldSommerfeld:"Agoraestoutrabalhandoexclusivamentenoproblemadagravidade.[...]Umacoisaécerta—nuncanaminhavidaalgomeatormentoutantoquantoisso.[...]Comparadaaesseproblema,aprimeirateoriadarelatividade[ouseja,aespecial]éumbrinquedodecriança".

Aparentemente ele só conseguiu fazer novos progressos em1912 — uma conseqüência simples mas sutil da aplicação darelatividade especial ao vínculo entre a gravidade e o movimentoacelerado.ParabemcompreenderessepassodoraciocíniodeEinstein,serámaisfácilquenosconcentremos,comoeletambémpareceterfeito,emumexemploparticulardomovimentoacelerado.Lembre-sedequeum objeto sofre aceleração sempre que ou a sua velocidade ou adireçãodoseumovimentosoframalteração.

Para tornarascoisasmaissimples, focalizaremosomovimentoaceleradoemqueapenasadireçãodomovimentodonossoobjetosemodifica e a sua velocidade se mantém constante. Especificamenteconsideraremos o movimento circular, semelhante ao que vocêexperimentanoTornadodeumparquedediversões.Casovocênuncatenhatestadoaestabilidadedasuaconstituiçãofísicanessebrinquedo,trata-se de ficar de costas contra a parede interna de uma estruturacircular de Plexiglas que gira em alta velocidade. Como em todomovimento acelerado, você sente omovimento— sente o seu corposendoempurradonosentidoopostoaodocentrodaestruturaesentea

parede circular de Plexiglas pressionando contra as suas costas,mantendo-o em um movimento circular. (Na verdade, embora essainformaçãonãosejarelevanteaqui,omovimentogiratório"prega"oseucorpo noPlexiglas com tanta força que quando o chão em que vocêpisavaseafasta,vocênãoescorregaparabaixo.)Seomovimento forsuave e se você fechar os olhos, a pressão nas suas costas —semelhante à de uma cama— faz com que se sinta quase como seestivesse deitado.O "quase" se deve a que você continua a sentir agravidade normal, vertical, e por isso o seu cérebro não pode sertotalmenteenganado.MassevocêandardeTornadonoespaçosideral,e se ele girar no ritmo certo, a sensação seria igualzinha à de estardeitadonumacamaestacionárianaTerra.Emais,sevocêse"levantar"esairandandopeloladointernodoPlexiglasgiratório,osseuspéssentiriamamesmapressãoquesentemao caminhar na Terra. Na verdade, as estações espaciais sãoprojetadasparagirarexatamenteassimecriarasensaçãodegravidadenoespaçoexterior.

Jáquenos valemosdomovimentoaceleradodoTornadoparaimitar a gravidade, podemos agora seguir Einstein para ver como oespaçoeotempoaparecemparaumapessoaqueestejaandandonobrinquedo.Oseu raciocínio,adaptadoaessasituação,éassim.Paranós,observadoresestacionários,éfácilmediracircunferênciaeoraiodotrajetogiratório.Paramediracircunferência,porexemplo,podemosusarumaréguaedeslocá-lasucessivamenteaolongodesualinhadecomprimento;paramediro raio, podemosempregaromesmométodousandoaréguadesdeocentroatéessalinha.Comojávimosnasaulasdegeometriadaescolaprimária,arazãoentreasduasmedidaséigualaduasvezesonúmeropi—cercade6,28—,domesmomodocomoseriaparaqualquercírculodesenhadonumafolhaplanadepapel.Mascomoéqueessascoisassãodaperspectivadequemestádentrodobrinquedo?

Paradescobrir,vamospediraCrispimeJoaquim,quejustamenteestãodandoumavoltanoTornado,quenosajudemfazendoalgumasmedições.JogamosumadasréguasparaCrispim,paraqueelemeçaacircunferênciadotrajeto,eoutraparaJoaquim,quemediráoraio.Paratermosamelhorperspectiva,observemosoaparelhoemmovimentodoalto. Colocamos uma flecha no desenho para indicar a direção domovimento.AréguadeCrispimcontrai-se,umavezqueelaapontanadireção do movimento do rotor. Mas a régua de Joaquim aponta nadireçãodahasteradialperpendicularaomovimentodorotor.Portanto,o

seu comprimento não se contrai. Quando Crispim começa a medir acircunferência,vemosimediatamente,danossaperspectiva,queobteráumresultadodiferentedonosso.Quandoelepõearéguanochão,nosentido da circunferência, notamos que o comprimento da régua estámenor. Isso não é nada mais que a contração de Lorentz, vista nocapítulo 2, em que o comprimento de um objeto aparece menor nadireção do seumovimento. Se a régua émais curta, ela terá de serusada mais vezes para medir a circunferência inteira. Como Crispimainda considera que a régua tem trinta centímetros (como não hámovimento relativo entre ele e a régua, ele não percebe nenhumaalteraçãoemsuasdimensões),issosignificaqueCrispimobteráparaacircunferênciaumamedidamaislongadoqueanossa.

E o raio? Bem, Joaquim também usa ométodo da régua paraobter a medida do comprimento da haste radial, e nós, da nossaperspectiva,vemosqueeleobteráumamedidaigualànossa.Arazãodissoéquearéguanãoestáapontando instantaneamentenadireçãodomovimentodoaparelho(comonocasodamediçãodacircunferência). Em vez disso, ela aponta para um ângulo de noventa graus comrelaçãoàdireçãodomovimentoeporissooseucomprimentonãosofrenenhumacontração.Porconseguinte,Joaquimobteráamesmamedidaquenós,paraocomprimentodoraio.Figura 3.2 Um circulo desenhado em uma esfera (b) tem umacircunferênciamenordoqueoutrodesenhadoemumpapelplano(a),enquantoumcírculodesenhadonasuperfíciedeumasela(c)temumacircunferênciamaior,muitoemboratodostenhamomesmoraio.

Mas então, quando os dois calcularem a razão entre acircunferênciado trajetoeo raio,onúmeroqueelesencontrarãoserámaior do que nossa resposta de duas vezes pi, uma vez que acircunferênciaémaioreoraioéigual.Issoéestranho.Comopodeserquealgoquetemaformadeumcírculovioleoantigopostuladogregodequeparaqualquercírculoessarazãoésempreeexatamenteigualaduas vezes pi? Eis a explicação de Einstein. O resultado obtido naGréciaantigavaleparatodososcírculosdesenhadosemumasuperfícieplana.Masassimcomoasuperfícierecurvadadeumespelhodeparquedediversõesdistorcenasuaimagemasrelaçõesespaciaisnormais,seum círculo for desenhado em uma superfície curva ou empenada as

suasrelaçõesespaciaisnormaistambémserãodistorcidas:nessecaso,arazãoentreacircunferênciaeoraionãoseráigualaduasvezespi.

Porexemplo, põeemcomparação três círculos cujos raios sãoidênticos. Note, porém, que as circunferências não são iguais. Acircunferência do círculo (b), desenhada na superfície curva de umaesfera,émenordoqueadocirculodesenhadonasuperfícieplanade(a), muito embora ambos tenham o mesmo raio. O caráter curvo dasuperfície da esfera faz com que as linhas radiais convirjamligeiramente, o que provoca um pequeno decréscimo na medida dacircunferência.Jáacircunferênciadocírculo(c),tambémdesenhadoemumasuperfíciecurva—emformadesela—émaiordoqueadocírculoplano;ocarátercurvodasuperfíciedaselafazcomqueaslinhasradiaisdivirjamligeiramente,oqueprovocaumpequenoacréscimonamedidada circunferência. Essas observações implicam que a razão entre acircunferênciaeoraiodocírculo(b)serámenordoqueduasvezespi,enquantoamesmarazãoem(c)serámaiordoqueduasvezespi.Masesses desvios, especialmente o valor maior encontrado em (c),coincidem com o que verificamos no caso do Tornado. Isso levouEinsteinaproporumaidéia—acurvaturadoespaço—paraexplicaraviolação da geometria euclidiana "comum". A geometria plana dosgregos,ensinadanasescolaspormilharesdeanos,simplesmentenãose aplica a uma pessoa numa viagem giratória. A generalização dageometriaparaespaçoscurvos,desenhadaesquematicamentenaparte(c),tomaoseulugar.

Dessemodo,Einsteinviuqueageometriadasrelaçõesespaciaiscodificadapêlosgregos, que se correlaciona com figurasgeométricas"planas",comoumcírculoemumasuperfícieplana,nãovalemparaaperspectiva de um observador em movimento acelerado.Evidentemente, discutimos apenas um tipo particular de movimentoacelerado, mas Einstein mostrou que para todas as instâncias demovimento acelerado verifica-se um resultado similar: a curvatura doespaço.Comefeito,omovimentoaceleradoresultanãosónacurvaturado espaço, mas também em uma curvatura análoga do tempo.(Historicamente, Einstein considerou primeiro a curvatura do tempo esubsequentementeviua importânciadacurvaturadoespaço).Emumnível,nãochegaasurpreenderqueotempotambémsejaafetado,pois,comovimosnocapítulo2,arelatividadeespecialarticulaauniãoentreo

espaçoeotempo.EssafusãofoisintetizadanaspalavraspoéticasdeMinkowski,que,emumaconferênciasobrearelatividadeespecial,em1908, disse: "Daqui emdiante, o espaçoe o tempo, como categoriasseparadas,seconverterãoemmerassombras,eapenasauniãoentreambossemanterácomoconceitoindependente".Numalinguagemmaiscorriqueira,masigualmenteimprecisa,aouniroespaçoeotempoemuma estrutura unificada de espaço-tempo, a relatividade especialdeclaraque "oquevaleparaoespaçovaleparao tempo".Mas issolevantaoseguinteproblema:épossíveldescreveroespaçocurvopormeio de uma forma encurvada, mas qual o significado exato daexpressãotempocurvo?

Paratermosumaidéiadaresposta,vamosnovamenterecorreraCrispim e Joaquim no Tornado e pedir-lhes que façam a seguinteexperiência.Crispimficaempé,decostasparaaparede,nopontoemqueahaste radial seencontracomela,enquantoJoaquimengatinhavagarosamenteemdireçãoaele,apartirdocentrodoaparelho.Acadametro,Joaquimpáradeengatinhareosdoisirmãoscomparamaleituradosseusrelógios.Qualoresultado?Donossopontodevistaaéreoeestacionário podemos novamente prever a resposta: os relógios nãocoincidirão.Chegamos a essa conclusão porque vemos que Crispim e Joaquimandamemvelocidadesdiferentes—quantomaisdistantedocentrodoTornadoapessoaesteja,maiorseráopercursoparasecompletarumavolta e, portanto, maior terá de ser a velocidade. Mas por causa darelatividade especial, quanto mais depressa a pessoa anda, maisdevagar anda o seu relógio, e por isso concluímos que o relógio deCrispimandarámaisdevagarqueode Joaquim.Alémdisso, osdoisverãoqueàmedidaqueJoaquimseaproximadeCrispim,o ritmodoseurelógiodecresceráeseaproximarádoritmodorelógiodeCrispim.Isso reflete o fato de que à medida que Joaquim avança em seupercurso pela haste, a sua velocidade circular aumenta e tende aigualar-seàdeCrispim.

Concluímos que para os observadores no dispositivo giratório,comoCrispimeJoaquim,oritmodapassagemdotempodependedasuaposição—nessecaso,dasuadistânciacomrelaçãoaocentrodoaparelho. Isso ilustra o que entendemos por tempo curvo: o tempo écurvo se o ritmo da sua passagem difere de um lugar para outro. É

particularmenteimportanteparaessanossadiscussãoofatodequeJoaquim também notará algo mais enquanto engatinha ao longo dahasteradial.Elesentiráumaforçacentrífugacrescente,nãosóporqueavelocidadecresce,mastambémporqueaaceleraçãoaumentaàmedidaqueeleseafastadocentro.Vemosassimqueaumaaceleraçãomaiorcorresponde um relógio mais vagaroso — ou seja, o aumento daaceleraçãoresultaemumacurvaturamaisacentuadadotempo.Essasobservações levaramEinsteinaosalto final.Comoele jáhaviamostradoqueagravidadeeomovimentoaceleradosãoefetivamenteindistinguíveisetambémqueomovimentoaceleradoestáassociadoàcurvaturadoespaçoedo tempo, formulouaseguinteproposiçãoparaexplicar o funcionamento interno da "caixa-preta" da gravidade — omecanismopeloqualelaopera.DeacordocomEinstein,agravidadeeacurvaturadoespaçoedotempo.Vejamosoqueissosignifica.RELATIVIDADEGERALBÁSICA

Para termos uma idéia dessa nova visão da gravidade,consideremosasituaçãoprototípicadeumplanetacomoaTerra,quegiraàvoltadeumaestrelacomooSol.NagravidadenewtonianaoSolmantém a Terra em órbita por meio de um "cabo" gravitacional nãoidentificado, que de algum modo alcança instantaneamente vastasextensões do espaço e segura a Terra (enquanto, reciprocamente, aTerra segura o Sol). Einstein ofereceu uma nova concepção darealidade.Seráútilparaanossadiscussãoque tenhamosummodelovisual concreto do espaço- tempo para que possamos manipulá-loadequadamente. Para isso, simplificaremos as coisas de duasmaneiras. Em primeiro lugar, ignoraremos, por ora, o tempo etrabalharemos exclusivamente com um modelo visual do espaço.Posteriormentereincorporaremosotempo.Emsegundolugar,paraquepossamos desenhar e manipular imagens nas páginas deste livro,faremos referências freqüentesaumarepresentaçãobidimensionaldoespaço tridimensional. A maioria das conclusões a que chegarmos,raciocinandocomonossomodelobidimensional,poderáseraplicadadiretamenteaoambiente físico tridimensional, demodoqueomodelosimplificadoéumexcelenteinstrumentopedagógico.

Faremos uso dessas simplificações para desenhar ummodelobidimensionaldeumaregiãoespacialdonossouniverso.Aestruturaemformademalhaéumamaneiraconvenienteparaespecificarposições,

assim como a malha rodoviária de uma cidade permite especificarendereços. Numa cidade, naturalmente, um endereço especifica umlocal na malha bidimensional das ruas e também pode dar umalocalizaçãonadireçãovertical, comoonúmerodoandar.Essaúltimainformação, a localização na terceira dimensão espacial, é o que anossaanalogiabidimensionalsuprime,paramaiorclarezavisual.

Naausênciadequalquermatériaouenergia,Einsteinimaginavaqueoespaçoseriaplano.Nonossomodelobidimensionalissosignificaquea"forma"doespaçoseria talqualasuperfície lisadeumamesa.Essaéaimagemdonossouniversoespacialquefazemoshámilharesdeanos.MasoqueaconteceaoespaçoseestiverpresenteumobjetodegrandemassacomooSol?AntesdeEinsteinarespostaeranada;oespaço(eotempo)eramvistoscomo um simples teatro inerte onde se desenrolam os eventos douniverso. A cadeia do raciocínio de Einstein, que estamosacompanhando,leva,contudo,aumaconclusãodiferente.

Um corpo de grande massa como o Sol, qualquer corpo, naverdade, exerce uma força gravitacional sobre os demais objetos.Noexemplo da bomba terrorista, vimos que a força gravitacional éindistinguíveldomovimentoacelerado.NoexemplodoTornado,vimosqueadescriçãomatemáticadomovimentoaceleradorequerasrelaçõesde um espaço curvo. Esses vínculos entre a gravidade, omovimentoaceleradoeoespaçocurvolevaramEinsteinànotávelsugestãodequea presença de umamassa, como a do Sol, faz com que o tecido doespaçoàsuavoltasecurve.Umacomparaçãoútilebemconhecidaéade uma superfície de borracha sobre a qual se coloca uma bola deboliche.Assimcomoaborracha,otecidodoespaçosedistorcedevidoàpresençadeumobjetodegrandemassacomooSol.Deacordocomessapropostaradical,oespaçonãoésimplesmentealgopassivoqueproporcionaumaarenaparaoseventosdouniverso;emvezdisso,aformadoespaçoreageaosobjetosdoambiente.

Essacurvatura,porsuavez,afetaoutrosobjetosquesemovemnavizinhançadoSol,osquaissevêemnacontingênciadeatravessarotecidoespacialdistorcido.Usandoaanalogiadamembranadeborrachae da bola de boliche, se pusermos uma esfera de rolamento sobre aborrachaelhedermosumbomimpulso,ocaminhoqueelapercorrerádependedequeaboladebolicheestejaounãosobreaborracha.Seela não estiver, a membrana de borracha estará plana e a pequena

esferaseguiráumalinhareta.Seaboladebolicheestiverpresente,noentanto,aborrachasecurvaráeaesferafaráumatrajetóriacurva.Comefeito,desprezandoafricção,sedermosàpequenaesferaavelocidadeeadireçãocertas,elacontinuaráamover-seemumacurvarecorrenteàvoltadaboladeboliche—naverdade,ela"entraráemórbita".Nossalinguagem pressagia a aplicação dessa analogia à gravidade.OSol,comoaboladeboliche,encurvao tecidodoespaçoà suavolta, eomovimentodaTerra,comoodaesferadeaço,édeterminadopelaformadacurvatura.ATerra,comoapequenaesfera,semoveráemórbitaàvolta do Sol se a sua velocidade e orientação tiverem os valoresadequados. Esse efeito sobre o movimento da Terra é o quenormalmentedenominamosinfluênciagravitacionaldoSol.Adiferençaestáemque,aocontráriodeNewton,Einsteinespecificouomecanismopeloqualagravidadeétransmitida:acurvatura do espaço. Na visão de Einstein, o cabo gravitacional queseguraaTerraemsuaórbitanãoéumaaçãomisteriosaeinstantâneadoSol,esimacurvaturadotecidoespacialcausadapelapresençadoSol.

Nos permite compreender de uma maneira nova as duascaracterísticasessenciaisdagravidade.Emprimeirolugar,quantomaiorforamassadaboladeboliche,maiorseráadistorçãoqueelacausanasuperfíciedeborracha;domesmomodo,nadescriçãoqueEinsteinfazda gravidade, quanto maior for a massa de um objeto, maior será adistorçãoqueelecausanoespaçoadjacente.Issoimplicaque,quantomaior for amassadeumobjeto,maior seráa influênciagravitacionalqueelepodeexercersobreoutroscorpos,oqueestáprecisamentedeacordocomasnossasexperiências.Emsegundolugar,assimcomoadistorção da superfície de borracha, devido à presença da bola deboliche, vai diminuindo àmedida que nos afastamos dela, também ovalordacurvaturaespacialdevidaaumcorpodegrandemassacomooSolvaidiminuindoàmedidaqueaumentaadistânciadele.Novamenteaquivemosumaconsonânciacomonossoentendimentodagravidade,cuja influência se enfraquece com o aumento da distância entre osobjetos.É importante observar quea pequenaesfera deaço tambémcausaumacurvaturanasuperfíciedeborracha,emboramuitoligeira.Domesmo modo, a Terra, que também é um corpo de grande massa,provocaumacurvaturadoespaço,emboramuitomenordoqueadoSol.Éassim,nalinguagemdarelatividadegeral,queaTerramantémaLua

em órbita e também é assim que ela nos mantém presos à suasuperfície.Quandoumpára-quedistapuladoavião,eledeslizaporumadepressãonotecidoespacialcausadapelamassadaTerra.Alémdisso,cadaumdenós—comoqualquerobjetodotadodemassa—tambémprovoca uma curvatura no tecido do espaço adjacente aos nossoscorpos, ainda que, amassa relativamente pequena do corpo humanonãoproduzamaisqueumapequeníssimamossa.

Em resumo, pois, Einstein estava de pleno acordo com aafirmação de Newton no sentido de que "a gravidade tem de sercausadaporumagente"eenfrentouodesafiodeNewton,quedeixaraaidentificaçãodoagente"àconsideraçãodosmeusleitores".Oagentedagravidade,segundoEinstein,éotecidodocosmos.ALGUMASRESSALVAS

A analogia da bola e da borracha é útil porque nos dá umaimagem visual que nos permite perceber tangivelmente o que seentendeporcurvaturadotecidoespacialdouniverso.Osfísicosusamessaeoutrasanalogias similaresparaorientar a suaprópria intuiçãocomreferênciaàgravitaçãoeàcurvatura.Contudo,apesardautilidade,elanãoéperfeitae,paraefeitosdeclareza,ébomchamaraatençãoparaalgunsdosseuspontosfracos.

Em primeiro lugar, quando o Sol provoca uma curvatura noespaço à sua volta, isso não se deve a que o espaço esteja sendo"puxadoparabaixo"pelagravidade,comonocasodaboladeboliche,queencurvaasuperfíciedeborrachaporqueéatraídapelagravidadeemdireçãoàTerra.NocasodoSol,nãohánenhumoutroobjetoque"puxe".Comefeito,Einsteinnosensinouqueacurvaturadoespaçoéagravidade.Amerapresençadeumobjetodotadodemassalevaoespaço a responder, curvando-se. Assim também, a Terra não semantém em órbita por causa da atração gravitacional de algum outroobjetoexternoqueaguiepelasdepressõesdeumambienteespacialcurvo, como ocorre com a pequena esfera de aço na superfície deborracha. Ao contrário, Einstein mostrou que os objetos se movematravésdoespaço(doespaço-tempo,maisprecisamente)pelocaminhomaiscurtopossível—o"caminhomaisfácilpossível",ouo"caminhodemenor resistência".Seo espaçoé curvo, esse caminho tambémserácurvo.Assim,emboraomodelodabolaedaborrachapropicieumaboa

analogiavisualdecomoumobjetocomooSolencurvaoespaçoàsuavolta, influenciando com isso o movimento de outros corpos, omecanismofísicoatravésdoqualessasdistorçõesocorremétotalmentediferente.Omodelocorrespondeànossaintuiçãosobreagravidadenoesquema newtoniano tradicional, enquanto o conceito de Einsteinexpressa uma reformulação da gravidade em termos de um espaçocurvo.

Umasegundalimitaçãodaanalogiaderivadequeasuperfíciedeborrachaébidimensional.Narealidade,emboraissosejamaisdifícildevisualizar, o Sol (assim como todos os objetos dotados de massa)encurvaoespaçoqueoenvolvenas trêsdimensõesespaciais,queéumatentativatoscadedescreveressefato;todooespaçoàvoltadoSol— "abaixo", "ao lado" e "acima"— sofre omesmo tipo de distorção,representaesquematicamenteumaamostraparcial.UmcorpocomoaTerraviajaatravésdoambienteespacial tridimensionalcurvocausadopela presença do Sol. E possível que a figura lhe traga algumadificuldade: por que a Terra não se choca com a "parte vertical" doespaçocurvodaimagem?Tenhaemmente,noentanto,queoespaço,aocontráriodasuperfíciedeborracha,nãoéumabarreirasólida.Emvez disso, as malhas encurvadas da imagem são apenas duasmembranasfiníssimasemumespaçocurvotridimensionalnoqualnós,aTerraetudomais,estamostotalmenteimersoseemmeioaoqualnosmovemoslivremente.Talvezvocêachequeissocomplicaaindamaisoproblema: por que não sentimos o espaço se estamos totalmenteenvolvidosemsuacontextura?Masacontecequesim,nósosentimos.Sentimos a gravidade, e o espaço é o meio pelo qual a força dagravidadesecomunica.ComodissetantasvezesoeminentefísicoJohnWheeler para descrever a gravidade, "a massa maneja o espaçoensinando-o como curvar-se; o espaçomaneja amassa ensinando-acomomover-se".

Umaterceiralimitaçãodaanalogiaéasupressãodadimensãodotempo.

Assim fizemos em nome da clareza visual, porque, embora arelatividade especial nos lembre que devemos sempre pensar nadimensão do tempo no mesmo nível e do mesmo modo em quepensamosnastrêsdimensõesespaciaisconhecidas,émuitomaisdifícil"ver" o tempo. Mas o exemplo do Tornado nos mostrou que a

aceleração—eportantoagravidade—encurvatantooespaçoquantootempo.(Comefeito,amatemáticadarelatividadegeralrevelaquenocasodeumcorpoquesemoveaumavelocidaderelativamentebaixa,comoaTerra,girandoàvoltadeumaestrelatípica,comooSol,acurvaturadotempoexerceumimpactomuitomaissignificativosobreomovimentodaTerradoqueacurvaturadoespaço.)Voltaremosaotemadacurvaturadotempodepoisdapróximaseção.

Aindaqueessas ressalvas sejam importantes, desdequevocêtenhaconsciênciadelaséperfeitamentelegítimorecorreràimagemdacurvaturadoespaçoproporcionadapeloexemplodaborrachaedabolacomoumasínteseintuitivadavisãoeinsteinianadagravidade.RESOLUÇÃODECONFLITOS

Aotrataroespaçoeotempocomoparceirosdinâmicos,Einsteinpropiciou uma imagem conceitual clara de como atua a gravidade. Aquestão principal, no entanto, é saber se essa reformulação da forçagravitacionalresolveoconflitocomarelatividadeespecialqueafligeateoria newtoniana da gravidade. Sim. A analogia da superfície deborrachatransmitenovamenteaessênciadaidéia.Imagineumaesferade rolamento movendo-se em linha reta sobre uma superfície deborracha,semaboladeboliche.Nomomentoemquepusermosabolade boliche sobre a borracha, o movimento da pequena esfera seráafetado, mas não instantaneamente. Se filmássemos a seqüência deeventos e a examinássemos em câmara lenta, veríamos que aperturbação causada pela presença da bola se expande, como oscírculos que se formam na superfície da água de um lago, e acabachegandoatéaposiçãodaesfera.Depoisdecertotempo,asoscilaçõestransitórias da borracha cessarão e teremos uma superfície curvaestável.

Assimé tambémparao tecidodoespaço.Semapresençadequalquer massa, o espaço é plano, e um objeto pequeno ou estaráserenamenteemrepousoouviajaráemvelocidadeconstante.Seentraemcenaumcorpocommassaconsiderável,oespaçoseencurvará—mascomonocasodaborracha,adistorçãonãoserá instantânea.Emvezdisso,elaseexpandiráapartirdocorpoatéacomodar-seemumaforma curva que comunica a atração gravitacional da suamassa. Nanossaanalogia,asperturbaçõessofridaspelaborrachaviajamporsuasuperfície com uma velocidade ditada por sua própria composição

material. No cenário real da relatividade geral, Einstein calculou avelocidade com que viajam as perturbações do tecido do universo eobteve como resposta que elas viajam precisamente à velocidade daluz. Isso significa, por exemplo, que na situação hipotética quediscutimos, em que o desaparecimento do Sol afetaria a Terra emvirtudedamodificaçãodaatraçãogravitacionalmútua,ainfluêncianãoseria comunicada instantaneamente. Quando um objeto muda deposiçãooumesmoquandodesapareceemumaexplosão,eleproduzuma alteração na distorção do tecido do espaço e do tempo, que seexpande à velocidade da luz, precisamente de acordo com o limitecósmicodavelocidadenarelatividadeespecial.Assim,nós,naTerra,tomaríamosconhecimentovisualdadestruiçãodoSolaomesmotempoquesentiríamosasconseqüênciasgravitacionais—poucomaisdeoitominutosdepoisdaexplosão.AformulaçãodeEinsteinresolve,portanto, o conflito; as perturbações gravitacionais acompanham avelocidadedosfótons,masnãoaultrapassam.ACURVATURADOTEMPOREVISITADA

A curva distorce a forma do espaço. Os físicos inventaramimagens análogas para tratar de transmitir o significado de "tempocurvo", mas decifrá-las é tarefa bem mais difícil e por isso não asapresentaremos aqui. Vamos então retomar o exemplo de Crispim eJoaquim no Tornado e tentar entender a experiência da curvatura dotempoinduzidagravitacionalmente.

Parachegaratéeles,vamosprimeirovisitarJoãoeMaria,quejánãoestãonaescuridãoprofundadoespaçovazio,esimflutuandonascercanias do sistema solar. Eles continuam usando aqueles grandesrelógiosdigitais, sincronizadosao início daexperiência.Emnomedasimplicidade, ignoraremos os efeitos dos planetas e consideraremosapenas o campo gravitacional do Sol. Imaginemos também que umanaveespacialquenavegapróximoaJoãoeMaria tenhadesenroladoum longocaboqueseestendeatéavizinhançadasuperfíciedoSol.Joãousaocaboparadeslocar-se,vagarosamente,nadireçãodoSol.Ao fazê-lo, ele pára periodicamente para comparar o ritmo do seurelógiocomodeMaria.AcurvaturadotempoprevistapelarelatividadegeraldeEinsteinimplicaqueorelógiodeJoãoandarácadavezmaisdevagar em comparação com o de Maria, à medida que o campogravitacional em que ele se encontra se torna mais forte. Ou seja,

quanto mais próximo ao Sol ele chega, mais devagar o seu relógioandará.Enessesentidoqueagravidadedistorceotempoassimcomooespaço.Deve-senotarque,aocontráriodocasodocapítulo2,emqueJoãoeMariaestavamnoespaçovazioesemoviamumemrelaçãoaooutroavelocidadesconstantes,nocenárioatualnãohásimetriaentreeles. Ao contrário deMaria, João sente que a força da gravidade setornacadavezmaisforte—etemdeagarrar-seaocabocadavezcommaisforça,àmedidaqueseaproximadoSol,paranãoseprecipitarnele.AmbosconcordamemqueorelógiodeJoãoandamaisdevagar.Nãoháaquias"perspectivasigualmenteválidas"quepermitematrocadospapéiseareversãodasconclusões. Isso, na verdade, foi o que encontramos no capítulo 2,quandoJoãosofreuumaaceleraçãoaorecorreraoseupropulsorajatopara reencontrar-se comMaria.A aceleração sentida por ele resultouemqueoseurelógioefetivamenteandassemaisdevagaremrelaçãoaodeMaria.Agoraquejásabemosquesentirumaaceleraçãoéomesmoquesentirumaforçagravitacional,vemosqueasituaçãoatualdeJoãoenvolve omesmo princípio e novamente vemos que o seu relógio, etudo mais na sua vida, anda em câmara lenta em comparação comMaria.

EmumcampogravitacionalsemelhanteaodasuperfíciedeumaestrelacomumcomooSol,oretardamentodosrelógiosébempequeno.SeMariapermanecera1,5bilhãodequilômetrosdoSol,quandoJoãoestiverapoucosquilômetrosdasuperfíciesolaroritmodoseurelógioserácercade99,9998porcentodorelógiodeMaria.Maisdevagar,écerto,masnãomuito.Se,noentanto,Joãoestivessependuradoemumcabo muito próximo à superfície de uma estrela de nêutrons, cujamassa, similar à do Sol, estivesse comprimida em uma densidademilhões de bilhões de vezes maior do que a do Sol, esse campogravitacionalmaisfortelevariaoseurelógioaandaracercade76porcentodoritmodorelógiodeMaria.Camposgravitacionaisaindamais fortes,comoosqueexistemnas proximidades de um buraco negro (como discutiremos a seguir),levam o fluxo do tempo a retardar-se aindamais; quantomaior for ocampogravitacional,maisintensaseráacurvaturadotempo.VERIFICAÇÃOEXPERIMENTALDARELATIVIDADEGERAL

A maioria das pessoas que estuda a relatividade geral se

apaixonapelasuaelegânciaestética.Substituindoavisãonewtonianafria e mecanicista do espaço e da gravidade por uma descriçãodinâmica e geométrica que leva a um espaço-tempo curvo, Einsteinincorporou a gravidade à contextura básica do universo. Em vez deaparecer como uma estrutura adicional, a gravidade se torna parteintegrantedouniversonoseunívelmais fundamental.Oefeitodedarvida ao espaço e ao tempo, permitindo que eles se encurvem, seempenem e ondulem, resulta no que comumente chamamos degravidade.

Deixandodeladoaestética,otestedefinitivodeumateoriafísicaéacapacidadedeexplicareprevercomprecisãoosfenômenosfísicos.Desdea suaapresentação, no final do séculoXVII, até o começodoséculoXX, a teoria da gravitação deNewton passou comhonras emtodosostestes.Sejacomrelaçãoaumabolalançadaaoar,umobjetoquecai,umcometaqueseaproximadoSolouumplanetaquedeslizaem sua órbita, a teoria de Newton proporciona explicaçõesextremamenteprecisasparatodasasobservaçõeseprevisões,asquaisforamverificadas inumeráveisvezesemsituaçõesasmaisdistintas.Amotivação para que se questionasse essa teoria tão bem-sucedidaexperimentalmentefoi,comoressaltamos,atransmissãoinstantâneadaforçadagravidade,queentravaemconflitocomarelatividadeespecial.Emborafundamentaisparaacompreensãobásicadoespaço,dotempoedomovimento,osefeitosdarelatividadeespecialsãoextremamentediminutos no mundo das velocidades baixas em que vivemos. Domesmomodo,osdesviosentrearelatividadegeraldeEinstein—umateoriadagravitaçãocompatívelcomarelatividadeespacial—eateoriadagravitaçãodeNewtontambémsãoextremamentediminutosnamaiorpartedassituaçõescomuns.Issoébomeémau.ÉbomporqueumateoriaqueviseasuplantarateoriadagravitaçãodeNewtontemaobrigaçãodeconcordarcomelaquando aplicada às áreas em que a velha teoria passou no teste daverificaçãoexperimental.Émauporquesetornamuitodifícildiscriminarexperimentalmente entre as duas teorias, uma vez que isso requermedições de enorme precisão em experiências que têm de serparticularmentesensíveisàsdivergênciasentreasduasteorias.Sevocêchutaumabola,tantoagravidadenewtonianaquantoaeinsteinianasãocapazesdepreverondeelatocaráosolo.Asrespostasserãodiferentes,

masasdiferençasserãotãomínimasquenãopoderãoserdetectadaspelagrandemaioriadosnossosinstrumentos.Seriaprecisofazerumaexperiênciamaissutil,eEinsteinasugeriu.'°

Édenoitequevemosasestrelas,masélógicoquetambémdedia elas estão no céu.Normalmente não as vemos porque a luz queemitemàdistânciaéofuscadapelaluzdoSol.Duranteumeclipsesolar,noentanto,aLuabloqueiatemporariamentealuzdoSol,easestrelasdistantesse tornamvisíveis.ApresençadoSol, todavia,aindaexerceumefeito.AluzdealgumasestrelastemdepassartangencialmenteaeleemseucaminhoemdireçãoàTerra.AteoriadarelatividadegeralprevêqueoSolprovocaacurvaturadoespaçoaeleadjacente,eessadistorção afetará o caminho da luz da estrela. Os fótons longínquosviajampelotecidodouniverso;seessetecidoseencurva,omovimentodosfótonssofreráosefeitos,domesmomodoqueumcorpomaterial.Odesvio dos raios de luz serámaior para os fótons que passammaispróximosaoSol.Oeclipsepermitequesevejaa luzdessasestrelassemqueaclaridadedoSolaofusquecompletamente.

Oângulododesviodoraiodeluzestelarpodesermedidodeummodosimples.Odesvioresultaemumamudançanaposiçãoaparenteda estrela, a qual pode então ser comparada com a posição real daestrela, conhecida pelas observações anteriores (livres da influênciagravitacionaldoSol),efetuadasquandoaTerraseencontraemposiçãoapropriada, cerca de seis meses antes ou depois. Em novembro de1915, Einstein calculou o ângulo do desvio de uma estrela cuja luzpassariaraspandooSoleobtevecomoresposta0,00049degrau(1,75segundosdearco,sendoumsegundodearcoiguala1/3600degrau).Essepequenoânguloéigualumamoedadepévistaatrêsquilômetrosdedistância.Suadetecçãoerapossível,contudo,comatecnologiadaépoca. A pedido de Sir Frank Dyson, diretor do observatório deGreenwich,SirArthurEddington,astrônomoreconhecidoesecretáriodaRoyalAstronomicalSocietyda Inglaterra, organizouumaexpediçãoàilha de Príncipe, próxima à costa ocidental da África, para testar aprevisãodeEinsteinduranteoeclipsesolarde29demaiode1919.Nodia6denovembrode1919,depoisdecincomesesdeanálisesdasfotografiastiradasduranteoeclipseemPríncipe(edeoutrasfotostiradasporumasegundaequipe britânica, conduzida porCharlesDavidsoneAndrewCrommelin, em Sobral, no Brasil), a Royal Society e a RoyalAstronomical Society anunciaram em um encontro conjunto que asprevisões de Einstein baseadas na relatividade geral haviam sido

confirmadas.Empoucotempoanotícia—quesignificavaasuperaçãototaldasconcepçõesanterioressobreoespaçoeotempo—espalhou-semuitoalémdoslimitesdacomunidadedosfísicosetornouEinsteinmundialmentecélebre.Em7denovembrode1919,oTimesdeLondrespublicavaoseguintetítulo:"REVOLUÇÃONACIÊNCIA — NOVA TEORIA DO UNIVERSO — IDÉIASNEWTONIANASDERRUBADAS".Esse foiomomentodeglóriaparaEinstein.

Nosanosqueseseguiramaessaexperiência,aconfirmaçãodarelatividade geral obtida por Eddington sofreu um escrutínio critico.Numerosas dificuldades e sutilezas relativas às medições efetuadastornaramdifícil reproduzi-laepermitiramquese levantassemalgumasquestõesquantoà confiabilidadedaexperiênciaoriginal.Nosúltimosquarenta anos, no entanto, diversas outras experiênciastecnologicamente avançadas verificaram múltiplos aspectos darelatividade geral com grande precisão. As previsões da relatividadegeralforamconfirmadasdemodouniforme.JánãohánenhumadúvidadequeadescriçãoeinsteinianadagravidadenãosóécompatívelcomarelatividadeespecialcomotambémproduzprevisõesmaiscoerentescomosresultadosexperimentaisdoqueateoriadeNewton.OSBURACOSNEGROS,OBIG-BANGEAEXPANSÃODOESPAÇO

Se a relatividade especial manifesta-se sobretudo quando ascoisassemovemcomrapidez,arelatividadegeralsobressaiquandoascoisas têmgrandemassaeoencurvamentodoespaçoedo tempoécorrespondentementeintenso.Vejamosdoisexemplos.

Oprimeiroéumadescoberta feita pelo astrônomoalemãoKarlSchwarzschild.Em1916,na frente russadaPrimeiraGuerraMundial,em meio aos cálculos de trajetórias balísticas, ele estudava asrevelações de Einstein sobre a gravidade. Poucos meses depois deEinstein ter dado os toques finais à relatividade geral, Schwarzschildconseguiu aplicar a sua teoria para captar a maneira exata como oespaço e o tempo se curvam na vizinhança de uma estrelaperfeitamente esférica. Ele enviou os resultados da frente russa paraEinstein,queosapresentou,emnomedeSchwarzschild,àAcademiada Prússia. Além de confirmar e dar precisão matemática ao

encurvamento,otrabalhodeSchwarzschild—hojeconhecidocomo"asoluçãodeSchwarzschild"— revelouuma implicaçãoestonteantedarelatividade geral. Ele demonstrou que se a massa de uma estrelaestiver concentrada em uma região esférica suficientemente pequenaparaqueoresultadodadivisãodasuamassapeloseuraiosejamaiordo que determinado valor crítico, o encurvamento do espaço-tempoassim produzido será de talmodo radical que nada que estejamuitopróximoàestrela,nemmesmoaluz,écapazdeescapardasuaatraçãogravitacional.Comonemmesmoa luzpodeescapardessas "estrelascomprimidas", elas foram inicialmente denominadas estrelas escuras,oufrias.PosteriormenteJohnWheelerdeu-lhesumnomemaisatraente— buracos negros (black holes). Negros porque esses objetos nãopodem emitir luz, e buracos porque qualquer coisa que esteja muitopertocaidentrodeleenuncamaissai.Onomepegou.

Emboraosburacosnegrostenhamumareputaçãodevoracidade,os objetos que passampor eles a umadistância "segura" sofremumdesvio comparável ao que sofreriam ao passar perto de uma estrelanormaleprosseguemsuaviagem.Masseumobjeto,qualquerquesejaasuacomposição,seaproximademais—dentrodoquesedenominaohorizonte de eventos do buraco negro — ele está condenado: serátragado inexoravelmenteparaocentrodoburaconegroesofreráumatensão gravitacional crescente que terminará por destruí-lo. Porexemplo, se vocêmergulhasse, comos pés à frente, no horizonte deeventos,àmedidaquevocêseaproximassedocentrodoburaconegrosentiriaumdesconfortocadavezmaior.Aforçagravitacionaldoburaconegroaumentariaemumaproporção tãogigantescaqueosseuspésseriampuxadoscommuitomaisintensidadequeasuacabeça(umavezque os seus pés estarão sempre um poucomais perto do centro doburaco negro); tanta intensidade mais, na verdade, que você seriaesticadocomuma forçaque rapidamente rasgariaseucorpoem tiras.Se, ao contrário, você for mais prudente em suas andanças nasproximidadesdoburaconegroetomartodoocuidadoparanãotransporo horizonte de eventos, poderá usar o buraco negro para um feitorealmente impressionante. Imagine, por exemplo, que você descobriuumburaconegrocujamassaémilvezesmaiordoqueadoSolequevai usar um cabo, tal como fez João, para descer até uns doiscentímetros acima do horizonte de eventos. Como vimos, os camposgravitacionaiscausamoencurvamentodotempo,oquesignificaqueasua passagem pelo tempo se desacelerará. Com efeito, como os

buracosnegros têmcamposgravitacionaisextremamente fortes,asuapassagem pelo tempo se desacelerará muitíssimo. O ritmo do seurelógioserá10milvezesmais lentoqueosdosseusamigosaquinaTerra. Se você ficar na beira do horizonte de eventos por um ano edepoissubirdenovopelocabo,entrarnasuanaveespacialeefetuarumacurtaedeliciosaviagemdevoltaàTerra,quandochegarverificaráquetranscorrerammaisde10milanosdesdequevocêpartiu.VocêteráusadooburaconegrocomoumaespéciedemáquinadotempoqueolevaemumaviagemaofuturoremotodaTerra.

Umburaconegroencurvaotecidodoespaço-tempoadjacentedemaneiratãointensaquequalquercoisaquepasseparadentrodoseu"horizontedeeventos"—ilustradopelocirculoescuro—nãoconsegueescapardasuaatraçãogravitacional.Ninguémsabeexatamenteoqueacontecenopontocentralemaisprofundodeumburaconegro.

Para dar uma idéia das escalas de que estamos falando, umaestrelacomamassadoSolseriaumburaconegroseoseuraio,emvezdemediroquemedenarealidade(uns720milquilômetros),tivessetrêsquilômetros. Imagine: oSol inteiro espremido a tal ponto que caberiacom folganapartealta deManhattan.Umacolher de chádamatériadesseSolpesariatantoquantoomonteEverest.ParaconverteraTerraemumburaconegro,serianecessáriocomprimi-laatéqueoseu raiomedisse cerca de um centímetro. Por muito tempo os físicospermaneceram céticos quanto à possibilidade de que essasconfiguraçõesextremasdamatériapudessemexistir.Muitospensavamqueosburacosnegrosnãoerammaisqueumefeitodoexcessodetrabalhosobreasmentesimaginativasdoscientistas.Noentanto,duranteaúltima década acumulou- se um importante acervo de experiênciascujosresultadosindicamaexistênciadosburacosnegros.Logicamente,como eles são negros, não podem ser observados diretamente comtelescópios. O que os astrônomos fazem para buscá-los é tentarlocalizar comportamentos anômalos em estrelas normais que estejampróximasaohorizontedeeventosdeumburaconegro.Porexemplo,apoeiraeogásquecaemdascamadasexterioresdaestrelanormalemdireção ao horizonte de eventos do buraco negro sofrem umaaceleraçãoqueas levaaaproximar-sedavelocidadeda luz.Aessasvelocidades, a fricção do material sugado no rodamoinho geratemperaturas extraordinárias, o que leva amistura de poeira e gás a

brilhar,emitindoluzvisíveleraiosX.Comoessaradiaçãoéproduzidano limite exterior do horizonte de eventos, ela consegue escapar doburaco negro, atravessar o espaço e ser observada e estudadadiretamentepornós.

A relatividade geral faz previsões específicas a respeito dascaracterísticas dessas emissões de raios X; a observação dascaracterísticas previstas oferece uma comprovação significativa, aindaque indireta, daexistência dosburacosnegros.Há cada vezmaioresindícios,porexemplo,dequeumburaconegrodemassaenorme,2,5milhõesdevezesmaiordoqueadoSol,existenocentrodanossaprópriagaláxia,aViaLáctea.Emesmoessegigantescoburaconegroempalidece diante do que os astrônomos acreditam constituir osquasares incrivelmente luminosos que povoam o universo: buracosnegroscujasmassaspodemserbilhõesdevezesmaioresdoqueadoSol.

Schwarzschildmorreupoucosmesesdepoisdeencontrarasuasolução em decorrência de uma doença de pele contraída na frenterussa. Ele tinha 42 anos. O seu encontro tragicamente breve com ateoria da gravitação de Einstein pôs a nu uma das facetas maisestranhasemisteriosasdanatureza.

O segundo exemplo em que se desdobra a relatividade geralconcerne à origem e evolução do universo. Como vimos, Einsteindemonstrouqueoespaçoeotemporeagemàpresençadamassaedaenergia.Essadistorçãodoespaço;tempoafetaomovimentodeoutroscorpos cósmicos que se deslocam nas imediações das curvaturasresultantes. Por sua vez, a maneira exata em que esses corpos semovem, em razão da sua própria massa e energia, produz um novoefeitosobreoencurvamentodoespaço-tempo,oqual,porsuavez,voltaa afetar omovimento dos corpos, e assim por diante, emumadançacósmica. Por meio das equações da relatividade geral, equaçõesderivadasdoestudodageometriadosespaçoscurvos,cujopioneirofoio grandematemático do século XIX J. Georg Bernhard Riemann (hámais sobre Riemann a seguir), Einstein pôde descreverquantitativamenteaevoluçãomútuadoespaço,dotempoedamatéria.Parasuagrandesurpresa,quandoasequaçõessãoaplicadasemumcontextomaiordoqueodeum localespecíficodouniversocomoumplaneta ou um cometa em órbita de uma estrela, chega-se a umaconclusãoespetacular:o tamanhodouniversoespacial temdemudarcomotempo.Ouseja,otecidodouniversopodeestarseexpandindooucontraindo, mas simplesmente não pode permanecer estático. As

equaçõesdarelatividadegeralodemonstramexplicitamente.Essa conclusão era demasiado estranhamesmoparaEinstein.

Ele já destruíra a intuição coletiva sobre a natureza do espaço e dotempo,formadapelahumanidadeaolongodemilharesdeanos,masanoçãodeumuniversoeternoeimutáveltinharaízestãoprofundasquenemmesmoele,pensadorradical,foicapazdeabandoná-la.PoressarazãoEinstein revisitouas suasequaçõeseasmodificoumedianteaintrodução de uma constante cosmológica, termo aditivo que lhepermitiu neutralizar a suaprópria previsãoe voltar ao conforto de umuniverso estático. Doze anos depois, contudo, através de mediçõespormenorizadas de galáxias distantes, o astrônomo norte-americanoEdwinHubble comprovouexperimentalmente queo universo está emexpansão.Emumahistóriahojefamosanosanaisdaciência,Einsteinvoltou à forma original das suas equações, referindo-se à constantecosmológicacomoomaiorerrodasuavida.Apesardarelutânciainicialde Einstein em aceitar aquela conclusão, a sua teoria efetivamentepreviaaexpansãodouniverso.Comefeito,nocomeçodadécadade20— anos antes das medições de Hubble — o meteorologista russoAlexander Friedmann usara as equações originais de Einstein parademonstrar,comdetalhes,quetodasasgaláxiasteriamdeacompanharosubstratodeum tecidoespacialqueseesticava,oque implicaqueelastinhamdeafastar-seumasdasoutras.AsobservaçõesdeHubbleemuitas outras que se sucederam confirmaram plenamente essasurpreendente conclusão da relatividade geral. A contribuição deEinstein para a explicação da expansão do universo foi uma dasmaioresconquistasintelectuaisdetodosostempos.

Se o tecido do universo está se estirando, o que aumenta adistânciaentreasgaláxiasqueacompanhamofluxocósmico,podemosimaginar o caminho inverso da evolução, recuando no tempo paraaprendersobreaorigemdouniverso.Caminhandoparatrás,otecidodoespaçoseencolheeasgaláxiasseaproximamcadavezmaisumasdasoutras. O encolhimento do universo faz com que as galáxias secomprimam e, tal como em uma panela de pressão, a temperaturaaumentaextraordinariamente,asestrelassedesintegrameseformaumplasma superaquecido, composto pêlos constituintes elementares damatéria. À medida que o tecido espacial continua a encolher-se, atemperaturaeadensidadedoplasmaprimordialcontinuamaelevar-se.Seimaginarmosqueotemporetrocedeucercade15bilhõesdeanos,

queéaproximadamenteaidadeatualdouniverso,veremosqueeleseencolhemaisemaiseamatériaqueformatudo—todososautomóveis,casas,edifíciosemontanhasdaTerra;aprópriaTerra;aLua;Júpiter,Saturnoetodososplanetas;oSoletodasasestrelasdaViaLáctea;agaláxia de Andrômeda com seus 100 bilhões de estrelas e todas asoutras galáxias que são mais de 100 bilhões — comprime-se atéalcançardensidadesespantosas.Àmedidaqueseretrocedenotempo,a totalidade do cosmos reduz-se ao tamanho de uma laranja, de umlimão, de uma ervilha, de um grão de areia e a volumes cada vezmenores.Extrapolandoessepercursoaté"ocomeço",ouniversopareceriaterseiniciadocomoumponto—imagemquereexaminaremosecriticaremosnos capítulos posteriores— no qual toda amatéria e toda a energiaestariam contidas, a uma densidade e temperatura inimagináveis.Acredita-sequeumaboladefogocósmica,obig-bang,irrompeudessamistura volátil e espargiu as sementes do universo em que hojevivemos. A imagem do big-bang como uma explosão cósmica queexpeliu o conteúdo material do universo como os estilhaços de umabombaéútil,mastambéméenganadora.Quandoumabombaexplode,esse é um acontecimento que tem lugar em um local particular doespaço e em um momento particular do tempo e os estilhaços seespalhampeloespaçoadjacente.Nobig-bang,noentanto,nãohaviaespaçoadjacente.Aopercorrermosparatrásocaminhodouniverso,nadireçãodoseucomeço,acontraçãodetodooconteúdomaterialocorreporquetodooespaçoestáseencolhendo.Alaranja,aervilhaeogrãodeareiarepresentamatotalidadedouniverso—enãoalgoquesucededentrodele.Chegandoaocomeço,simplesmentenãohaviaespaçoforado ponto universal. O big-bang é justamente a irrupção do espaçocomprimido, cujo desdobramento, como a onda de um maremoto,arrastaconsigoamatériaeaenergiaatéosdiasdehoje.ARELATIVIDADEGERALESTACERTA?

As experiências realizadas com o nível tecnológico atual nãorevelaram qualquer desvio com relação às previsões da relatividadegeral. Só o tempo dirá se com o aperfeiçoamento tecnológico algumdesvio ocorrerá, o que demonstraria que a teoria é apenas umadescrição aproximada do funcionamento do universo. O testesistemáticodasteoriasemníveiscadavezmaioresdeprecisãoéumadas maneiras principais pelas quais a ciência avança, mas não é a

única.Comefeito, jávimososeguinteexemplo:abuscadeumanovateoriadagravitaçãoteveinícionãocomumarefutaçãoexperimentaldateoriadeNewton,esimcomoconflitoentreagravidadenewtonianaeumaoutrateoria—arelatividadeespecial.Sódepoisdadescobertadarelatividade geral como teoria alternativa da gravidade é que seidentificaram falhas experimentais na teoria de Newton, quando secomeçou a explorar aspectosmínimos,masmensuráveis, em que asduas teorias divergiam. Assim, as inconsistências teóricas internaspodemtertambémumpapelcrucialnapromoçãodoprogresso.

Nos últimos cinqüenta anos, os físicos depararam com outroconflito teórico tão grave quanto o que surgiu entre a relatividadeespecial e a gravitação newtoniana. A relatividade geral parece serfundamentalmente incompatível com outra teoria extremamente bemtestada:amecânicaquântica.Comrelaçãoaoconteúdodestecapítulo,oconflito impedequeos físicospossam tercertezadoque realmenteacontececomoespaço,otempoeamatérianoestadodecompressãoquecaracterizaobig-bang,ounopontocentraldeumburaconegro.Deummodogeral,oconflitonosalertaparaumadeficiênciafundamentalnanossaconcepçãodanatureza.Asoluçãodesseconflitotemresistidoaosesforçosdosmaiorescientistas,oquelhevaleuareputaçãodeseroproblemacapitaldafísicateóricamoderna.Paracompreendê-lo,seránecessárioquenosfamiliarizemoscomalgumascaracterísticasbásicasdateoriaquântica.

4.Loucuramicroscópica

Ainda meio esgotados da expedição através do sistema solar,JoãoeMaria,devoltaàTerra,dãoumpulonoH-Barpara tomarunsdrinquesrefrescantes.Joãopedeodesempre—sucodemamãocomgelo para ele e vodca com água tônica para ela— e se afunda nacadeira, com as mãos atrás da cabeça, desfrutando de um charutorecém-acendido.Derepente,aopuxarumatragada,nãosentemaisocharutonabocae,perplexo,vêqueeledesapareceu.Pensandoqueocharutodealgumaformaescorregoudeseusdentes,Joãosesentanaponta da cadeira, esperando encontrar umburaco de queimadura emsua camisa ou em suas calças. Mas não encontra nada. O charutosumiu.Maria, reagindo aomovimento brusco de João, corre os olhospelasalaeachaocharutodooutrolado,atrásdacadeirade

João."Estranho",dizele,"comoéquepodetercaídoali?Sópassandopor dentrodaminha cabeça—masaminha línguanão sequeimou,nemeutenhonenhumburaconovoemmim."Mariaoexaminabemetemdeadmitirquealínguaeacabeçaparecemperfeitamentenormais.OgarçomtrazosdrinqueseJoãoeMariadãodeombros, incluindoocharutocaídona listadospequenosmistériosdavida.Masa loucuracontinuanoH-Bar.Joãoolhaparaosucodemamãoereparaqueoscubos de gelo não param de se mexer, chocando-se uns contra osoutrosecontraovidrodocopo,comooscarrinhosdebatidasdeparquedediversões.Edessavezelenãoestásó.Mariaergueoseucopo,bemmenordoqueooutro,etantoelaquantoelevêemqueoscubosdegelode seu drinque se agitam ainda mais freneticamente. Mal se podemdistinguiroscubos,de talmaneiraelesseconfundem, formandoumaespécie demassa gélida.Mas omelhor é o que está por vir. João eMaria ficam estáticos, diante dos gelos trêmulos, com os olhosesbugalhados, e vêem que um dos cubos passa através do vidro docopoecainobar.Pegamogeloevêemqueeleestáabsolutamentenormal.Dealgummodoatravessouovidrosemproduzirnenhumdano."Deve ser alucinação pós-viagemespacial", diz João. Eles enfrentamcomcoragemodinamismodoscubinhoseengolemosdrinquesdeumavez, para ir para casa descansar. Não chegam a perceber que, napressadesair,tomamporverdadeiraumaportapintadanaparede.Masos freqüentadores do H-Bar já estão acostumados a ver genteatravessandoasparedesenemseincomodamcomosúbitosumiçodeJoãoeMaria.

Cemanosatrás,enquantoConradeFreudiluminavamocoraçãoeaalmadastrevas,ofísicoalemãoMaxPlanckdirigiaoprimeiroraiode luz sobre a mecânica quântica, um esquema conceitual queproclama,entreoutrascoisas,que—naescalamicroscópica—asexperiênciasdeJoãoeMarianoH-Barnão têm por que ser atribuídas a falhas das faculdades mentais.Acontecimentosassim,bizarroseestranhos,sãonaverdadetípicosdamaneiracomoonossouniversosecomportanasescalasextremamentepequenas.OESQUEMAQUÂNTICO

Amecânicaquânticaéumesquemaconceitualquepossibilitaacompreensão das propriedades microscópicas do universo. E assim

como a relatividade especial e a relatividade geral demandarammudançasradicaisnanossavisãodomundoquantoàscoisasquesemovem muito depressa ou têm massas muito grandes, a mecânicaquânticarevelaquenaescaladasdistânciasatômicasesubatômicasouniverso tempropriedadesaindamaisespantosas.Em1965,RichardFeynman,umdosmaioresexpoentesdamecânicaquântica,escreveu:

Houveumaépocaemqueos jornaisdiziamquesóhaviadozepessoasnomundoqueentendiama teoria da relatividade.Achoqueessaépocanuncaexistiu.Podeterhavidoumaépocaemquesóumapessoaentendia,porquefoio primeiro a intuir a coisae aindanãohavia formuladoa teoria.Masdepoisqueaspessoasleramotrabalho,muitasentenderamateoriadarelatividade,deumamaneiraoudeoutra;certamentemaisdedoze.Poroutro lado, acho que posso dizer sem medo de errar que ninguémentendeamecânicaquântica.

Feynmandisseissomaisdetrintaanosatrás,masaobservaçãotemplenavigêncianosdiasdehoje.Elequisdizerqueas teoriasdarelatividadeespecial egeral requeremuma revisãodrásticadanossamaneiradeveromundo,masquandoseaceitamosprincípiosbásicosqueasinformam,asimplicaçõessobreoespaçoeotempo,aindaquenovaseestranhas,podemserdeduzidasdiretamente,pormeiodeumraciocínio lógico cuidadoso. Se você refletir com a intensidadeadequadasobreadescriçãodo trabalhodeEinsteinque fizemosnoscapítulos anteriores, reconhecerá, ainda que só por um momento, ainevitabilidadedasconclusõesaquechegamos.Amecânicaquânticaédiferente.Porvoltade1928,muitasdasfórmulaseregrasmatemáticasdamecânicaquântica jáhaviamsido reveladasedesdeentãoelaseconverteunafontedasprevisõesnuméricasmaiscorretaseprecisasdetoda a história da ciência. Mas, de algummodo, quem fazmecânicaquântica sempre se vê seguindo fórmulas estabelecidas pêlosfundadoresdateoria—procedimentosdecálculodeexecuçãosimples— sem chegar nunca a entender por que esses procedimentosfuncionam nem o que significam. Ao contrário do que ocorre com arelatividade,poucaspessoas,seéqueexistealguma,serãocapazesdeentendera"alma"damecânicaquântica.

Que dizer disso? Será que o universo opera no nívelmicroscópicodemaneiratãoestranhaeobscuraqueamentehumana—queevoluiuao longodemuitosmilênioscomo fimdemanejarosfenômenoscotidianosdanossaescaladetamanho—nãoécapazde

compreendê-lo totalmente? Ou será que em função de um acidentehistóricooscientistaselaboraramumaformulaçãodamecânicaquânticatãodesengonçadaeincompleta,emboraquantitativamenteprecisa,quetolda a verdadeira natureza da realidade? Ninguém sabe. Talvez nofuturoalguémmais hábil consiga chegar a umanova formulaçãoquereveleporcompletoos"porquês"eos"oquês"damecânicaquântica.Talveznão.Aúnicacoisaquesabemoscomcertezaéqueamecânicaquântica demonstra de modo absoluto e inequívoco que váriosconceitos básicos essenciais para o nosso entendimento do mundocotidianoperdemtotalmenteosentidonosdomíniosmicroscópicos.Emconseqüência, temos de alterar significativamente tanto a nossalinguagem quanto o nosso raciocínio para tentarmos compreender eexplicarouniversonasescalasatômicaesubatômica.

Nas seções seguintes desenvolveremos os aspectos básicosdessalinguagemedescreveremosalgumasdasmaioressurpresasqueela nos traz. Se a mecânica quântica lhe parecer bizarra ou mesmoridícula enquanto avançamos pelo caminho, tenha presentes duascoisas.Primeiro,alémdacoerênciamatemática,aúnicarazãopelaqualsepodeacreditarnamecânicaquânticaéofatode que ela faz previsões que foram verificadas com precisãoextraordinária. Se aparece uma pessoa que é capaz de contarinumeráveisaspectosíntimosdasuainfânciacomumaconstrangedorariquezadedetalhes,édifícilnãolhedarcréditoquandoeledizqueéoseuirmãodesaparecido.

Segundo, você não será o único a reagir assim diante damecânica quântica. Em maior ou menor medida, essa sensação écompartilhada por alguns dos físicos mais consagrados de todos ostempos.Einsteinrecusou-seaaceitá-laporcompleto.AtémesmoNieisBohr,umdosprincipaispioneiroseproponentesdateoriaquântica,observouquesevocênãoficartontodevezemquandoaopensaremmecânicaquântica,éporquenãoentendeunada.QUENTEDEMAISNACOZINHA

O caminho da mecânica quântica começou com um problemainteressante.Imaginequeofornoemsuacozinhacontacomisolamentoperfeito, e que você o regula a uma temperatura, digamos, cerca deduzentosgrausCelsius.Mesmoque você tenha retirado todooar dedentro do fornoantes deacende-lo, o aquecimento dasparedesgera

ondasderadiaçãonointerior.Trata-sedomesmotipoderadiação—calore luzsoba formadeondaseletromagnéticas—emitidapelasuperfície doSol oupor umespetode ferro incandescente.Esseéoproblema.Asondaseletromagnéticastransportamenergia—avidanaTerra,porexemplo,dependebasicamentedaenergiasolar,transmitidaàTerraporondaseletromagnéticas.NocomeçodoséculoXX,tentou-secalcular a energia total transportada pela soma de toda a radiaçãoeletromagnética no interior de um forno a uma temperatura dada. Oemprego dos procedimentos de cálculo tradicionais produziu umresultado ridículo: qualquer que fosse a temperatura, a energia totaldentrodofornoseriainfinita.Todossabiamquearespostanãofaziasentido—umfornoquentepodeabrigar muita energia, mas não uma quantidade infinita. Para quepossamos entender bema solução proposta por Planck, vale a penaconheceroproblemacomumpoucomaisdeprofundidade.AcontecequequandoseaplicaateoriaeletromagnéticadeMaxwellàradiaçãoexistentenointeriordeumforno,verifica-sequeasondasgeradaspelasparedesaquecidasdevemterumnúmero inteirode picos e depressões que caibam exatamente no espaço entre asparedesopostas.Os físicosdescrevemessasondaspormeiode trêselementos: o comprimento, a freqüência e a amplitude da onda. Ocomprimentodaondaéadistânciaentredoispicosouduasdepressõessucessivasdasondas,.Quantomaioronúmerodepicosedepressões,tantomenor será o comprimento da onda, uma vez que eles têm deapertar-se para caber entre as paredes do forno. A freqüência é onúmerodeoscilaçõescíclicasqueaondacompletaemcadasegundo.Resultaquea freqüênciaédeterminadapelocomprimentodaondaevice-versa:quantomaiorocomprimentodaonda,menora freqüência;quanto menor o comprimento da onda, maior a freqüência. Paraentender,pensenoqueacontecequandovocêsacodeumacordacujaoutrapontaestáamarradaemumposte.Paraproduzirumcomprimentodeondagrande,vocêsacodeacordavagarosamente.Afreqüênciadasondascoincidirácomonúmerodeciclosporsegundoqueoseuprópriobraço provoca, razão por que ela é relativamente baixa. Mas paraproduzircomprimentosdeondacurtos,vocêsacodeacordacommaisvigor—pode-sedizer,commaiorfreqüência—,oqueproduzumaondade freqüência mais alta. Finalmente, usa-se o termo amplitude para

descreveraalturaouaprofundidademáximadasondas.A teoria deMaxwell diz que as ondas de radiação no interior de umforno têmnúmeros inteirosdepicosedepressões.Elaspreenchemoespaçointeriorcomcicloscompletos.

Casovocêacheasondaseletromagnéticasmuitoabstratas,outraboaanalogiaéadasondasqueseformamquandovocêtocaacordade um violão. As diferentes freqüências da onda correspondem àsdiferentes notasmusicais: quantomais alta a freqüência,mais alta anota.Aamplitudedeumaondaemumacordadeviolãoédeterminadapelaforçacomquevocêatoca.Umpuxãomaisfortesignificaquevocêadiciona energia ao movimento oscilatório da corda; mais energiacorresponde, portanto, a maiores amplitudes. O ouvido percebe essaalteração como um som de maior volume. Do mesmo modo, menosenergiacorrespondeamenoresamplitudeseasonsdemenorvolume.

Com os recursos da termodinâmica do século XIX, pôde-sedeterminar a quantidade de energia que as paredes de um fornoconverteriam em ondas eletromagnéticas para cada comprimento deondaexatoepermitido,oquecorrespondeàforçacomqueasparedes"tocam", por assimdizer, asondas.O resultadoencontradoé fácil deexpor: todas as ondas permitidas — independentemente docomprimentodeonda—transportamamesmaquantidadedeenergia(cujo valor é determinado pela temperatura do forno). Em outraspalavras,todosostipospossíveisdeondanointeriordofornoestãoempé de igualdade quanto à quantidade de energia que encerram. Àprimeiravistaissopareceinteressantemasinócuo.Nadadisso.Marcaofim do que veio a chamar-se física clássica. A razão é a seguinte:emboraorequisitodequetodasasondastenhamumnúmerointeirodepicosedepressõeselimineumaenormevariedadedetiposdeondanointeriordoforno,aindapersisteumnúmeroinfinitodeondaspossíveis—comnúmerosinteiroscadavezmaioresdepicosedepressões.Comotodosostiposdeondatransportamamesmaquantidadedeenergia,umnúmero infinito de comprimentos de onda significa uma quantidadeinfinitadeenergia.NofimdoséculoXIXhaviaumamoscagargantuananasopadafísicateórica.

VISÃOGRANULADANOCOMEÇODOSÉCULO

Em1900,Planckaventouumahipótesequeresolveuoquebra-cabeçae valeu-lhe o prêmioNobel deFísica em1918.Para ter umaidéiadoqueelepropôs, imaginequevocêeumaenormemultidão—umnúmero"infinito"depessoas—estãoaglomeradosemumgalpãogrande e frio, administrado por um velho pão-duro.Na parede há umlindotermostatodigitalquecontrolaatemperatura,masvocêarregalaosolhos quando vê o preço que o velho cobra pela calefação. Se otermostatoforprogramadoparaaqueceracinqüentagrausFahrenheit(oequivalenteadezgrausCelsius),cadapessoatemdepagarcinqüentadólares. Se for programado para 55 graus, o preço que cada pessoapagaráé55dólares,eassimpordiante.Vocêlogovêque,comoháumnúmero infinito de pessoas no galpão, o velho receberá uma somainfinitadedinheirosealguémpuseracalefaçãoparafuncionar.Lendomelhorasregrasdepagamento,vocêdescobreumfuro.Comoovelhoémuitoocupadoenãoquerperdertempodandotroco,sobretudoparaumnúmeroinfinitodepessoas,elerecebeodinheirodaseguintemaneira: todomundotemdepagarasomaexata.Quemnãotiveraquantiaexata,pagaovalormaispróximopossíveldopreço,demodoquenãohajatroco.Comovocêquercontarcomtodososdemaise não quer pagar taxas exorbitantes pela calefação, induz os seuscompanheirosaorganizarogrupodoseguintemodo:umapessoalevatodasasmoedasdeumcentavo,outralevatodasasmoedasdecincocentavos,outratodasasdedez,outraasde25,eassimpordianteatéasnotasdeumdólar,decinco,dedez,devinte,decinqüenta,decem,de mil e até de valores maiores (e desconhecidos). Você então,atrevidamente, programa o termostato para oitenta graus e ficaesperando o velho chegar. Quando finalmente ele chega, a primeirapessoaapagaréaquetrazasmoedasdeumcentavo,quelheentrega8milmoedas.Aseguirvemoquetemasmoedasdecincocentavosedeixa1600moedas,odasmoedasdedezcentavosdeixaoitocentas,odasde25centavosdeixa320,apessoacomnotasdeumdólardeixa-lheoitentanotas,adasnotasdecincodádezesseisnotas,adasdedezdáoitonotas,apessoacomnotasdevintedáquatroeapessoaquetemasnotasdecinqüentadáumanotasó(umavezqueduasnotasdecinqüentaexcederiamovalordopagamento,oqueexigiriaumtroco).Todos os demais têm consigo apenas notas cujo valor— um "grão"(lump) mínimo de dinheiro — excede o valor do pagamento. Porconseguinte,nãopodempagarnadaaovelho,que,assim,emvezdereceberumasomainfinita,ficacomapenas690dólares.

Planckusouumaestratégiamuitosimilaraessapara reduziratermosfinitosoresultadoridículodeumfornoqueproduzquantidadesinfinitas de energia. Veja como: ele audaciosamente imaginou que aenergia transportada por uma onda eletromagnética em um forno, talcomoacontececomodinheiro,apareceemquantidadespadronizadas.Elasemanifestaemmúltiplosdeumadeterminadaunidadedeenergia,e sempre em números inteiros. Você pode ter uma, ou duas, ou trêsunidades, e assimpor diante,mas não pode haver, por exemplo, umterçodeunidade,assimcomonãopodehaverumterçodecentavoouametadede25centavos.Planckdeclarou,portanto,quequandosetratadeenergia,nãoseadmitemfrações.Ora,osvaloresdenossamoedasão determinados pelo Tesouro dos Estados Unidos. Planck, quebuscavaumaexplicaçãomaisprofunda,sugeriuqueaunidadebásicadaenergiadeumaonda,aquantidademínimadeenergiaqueelapodeconter—a "granulação"mínima dessa energia, por assimdizer—édeterminadapelasuafreqüência.Especificamente,elepostulouqueaenergia mínima que uma onda pode conter é proporcional à suafreqüência:quantomaiorforafreqüência(quantomenorocomprimentodeonda)tantomaiorseráogrãomínimodeenergia;quantomenorforafreqüência(quantomaiorocomprimentodeonda)tantomenorseráessegrãomínimodeenergia.Grossomodo,pode-sedizerque,assimcomonomarasondas longaseharmoniosassãomaissuaveseasondascurtasecrespassãomaisfortes,aradiaçãocomcomprimentodeondalongo é intrinsecamente menos energética que a radiação comcomprimentodeondacurto.Aqui está o segredo: os cálculos de Planck demonstraram que essa"granulação" das quantidades permitidas de energia em cada ondaeliminaoridículoresultadoanteriordeumtotalinfinitodeenergia.Nãoédifícilverporquê.Quandoseaqueceumfornoaumacertatemperatura,oscálculosfeitoscombasenatermodinâmicadoséculoXIXprevêemaenergia que cada onda supostamente aportaria para a formação daenergia total. Mas assim como no caso dos companheiros que nãopodiam contribuir para o pagamento da calefação porque o valor dasnotas que possuíam era grande demais, também aqui, se a energiamínimadeumadeterminadaondaformaiordoqueovalordaenergiaqueeladeveriaaportar,elanãopodeprestarasuacontribuiçãoeficainerte.Como,segundoPlanck,aenergiamínimaqueumaondapodetransportar é proporcional à sua freqüência, à medida que vamosexaminando as ondas do forno em ordem crescente de freqüência

(comprimentosdeondamaiscurtos),maiscedooumaistardeaenergiamínimaqueelaspodemtransportarserámaiordoqueacontribuiçãodeenergia que elas devem fazer. Tal como as pessoas do galpão quedetinhamasnotasdevalorsuperioracinqüentadólares,essasondasdefreqüênciasmaioresnãopodemaportarovalordeenergiarequeridopelafísicadoséculoXIX.Portanto,assimcomosóumnúmerofinitodepessoasconseguecontribuirparaopagamentodacalefação—oqueleva a um total finito de dinheiro—, também só um número finito deondasconseguecontribuirparaaenergiatotaldoforno—oquelevaaumtotalfinitodeenergia.Tantonocasodaenergiaquantonododinheiro,ocaráter"granulado"dasunidadesfundamentais—eotamanhocrescentedessasunidadesàmedida que aumenta a freqüência ou a denominaçãomonetária—transformaumarespostainfinitaemfinita.

Eliminando o despropósito evidente de um resultado infinito,Planckdeuumpassoimportante.Masoquefezcomqueseacreditasserealmentenavalidadedasuaproposição foio fatodequea respostafinitaqueoseumétodopropiciavaconcordavademaneiraespetacularcom as experiências já realizadas. Especificamente, Planck verificouqueajustandoumúnicoparâmetroqueentravaemsuasequaçõeserapossível prever com precisão amedida da energia no interior de umforno a qualquer temperatura dada. Esse parâmetro é o fator deproporcionalidade entre a freqüência de uma onda e a quantidademínima de energia que ela pode ter. Ele obteve comomedida dessefator — hoje conhecido como constante de Planck e designado ~h(pronuncia-se"h-barra")—cercadeumbilionésimodebilionésimodebilionésimo das nossas unidades normais de medida. Esse valordiminuto da constante de Planck significa que o tamanho dasquantidadesmínimasdeenergiaénormalmentemuitopequeno.Éporisso,porexemplo,quetemosaimpressãodepodermosfazercomqueaenergiadeumaondadeumacordadeviolino—eporconseguinteovolumedosomporelaproduzido—modifique-sedemaneiragradualecontínua. Na verdade, a energia da onda semodifica por degraus, àPlanck,masotamanhodosdegrausétãopequenoqueossaltosdeumníveldevolumeparaooutrosãoimperceptíveisaosnossosouvidos.DeacordocomaafirmaçãodePlanck,otamanhodessessaltosdeenergiacresceàmedidaqueafreqüênciadasondasaumenta(eàmedidaqueo comprimento das ondas diminui). Esse é o elemento essencial daresoluçãodoparadoxodaenergiainfinita.

Comoveremos,ahipótesequânticadePlanck temumalcance

muitomaiordoquesimplesmenteodepermitir-nosconhecerototaldaenergiadeum forno.Ela liquidacomboapartedascoisasdomundoque consideramos evidente. A pequenez de ti confina a maior partedesses desvios radicais de comportamento aos níveismicroscópicos,masseifossebemmaiordoqueé,osestranhosacontecimentosdoH-Bar seriam, na verdade, lugar-comum.Nonívelmicroscópicoé o queelessão.OQUESÃOOSGRÃOS?

Planck não tinha uma justificativa para introduzir o conceitofundamentaldaenergiagranulada.Alémdofatodequefuncionava,nemelenemninguémeracapazdeapresentarumarazãoconvincenteparaafirmarqueoconceitocorrespondeàverdade.ComodisseocientistaGeorge Gamow, é como se a natureza permitisse que uma pessoatomasseouumcopo inteirodecervejaouentãonada,masnuncaosvalores intermediários.Em1905,EinsteinencontrouumaexplicaçãoeporcausadissoganhouoprémioNobeldeFísicaem1921.

Eledesenvolveuaexplicaçãoaoestudaralgoconhecidocomoefeitofotoelétrico.Em1887,ofísicoalemãoHeinrichHertzfoioprimeiroadescobrirquequandoa radiaçãoeletromagnética—a luz— incidesobrecertosmetais,estesemitemelétrons.Issoporsisónãoconstituinadadeparticularmentenotável.Osmetais têmapropriedadedequealgunsdosseuselétronsligam-seaosátomosdemaneiratênue(eporissosãotãobonscondutoresdeeletricidade).Quandoaluzincidesobreasuperfíciemetálica,elaperdeenergia.Issoéoqueacontecetambémquando ela incide sobre a sua pele, em conseqüência do que vocêexperimenta a sensação de calor. Essa energia transferida agita oselétrons do metal, e alguns dos que têm as conexões mais tênuespodemserexpelidosdasuperfície.Ascaracterísticasestranhasdoefeitofotoelétrico tornam-se perceptíveis quando se estudam maisdetalhadamente as propriedades dos elétrons expelidos. À primeiravista,vocêpoderiasuporqueàmedidaquea intensidadeda luz—oseu brilho — aumenta, a velocidade dos elétrons expelidos tambémaumentaria, uma vez que a onda eletromagnética incidente temmaisenergia. Mas isso não acontece. O que aumenta é o número doselétrons expelidos, enquanto a velocidade permanece constante. Poroutro lado, observou-se experimentalmente que a velocidade doselétronsexpelidosdefatoaumentacomoaumentodafreqüênciadaluzincidente.Domesmomodo,avelocidadediminuiquandoafreqüência

daondadiminui. (Paraasondaseletromagnéticasdaparte visível doespectro,oaumentoda freqüênciacorrespondeàvariaçãodacor,dovermelhoparaolaranja,oamarelo,overde,oazul,oanilefinalmenteovioleta.As freqüênciasmaisaltasqueadovioletanãosãovisíveisecorrespondemaoultravioletaeaseguiraosraiosX;asfreqüênciasmaisbaixas que a do vermelho tampouco são visíveis e correspondem àradiação infravermelha).Comefeito,sereduzimosprogressivamenteafreqüência da luz, chegamos a um ponto em que a velocidade doselétrons emitidos cai para zero e eles deixam de ser expelidos dasuperfície,mesmoquea luzemitidatenhaumaintensidadeofuscante.Poralgumarazãodesconhecida,acordoraiodeluzincidente—enãoasuaenergiatotal—determinaseumelétronseráounãoexpelidoe,casooseja,aenergiaqueeleterá.

ParaentendermoscomoEinsteinexplicouessesfatosintrigantes,voltemos ao galpão, agora aquecido à temperatura amena de oitentagraus Fahrenheit (26,6 graus Celsius). Imagine que o velho dono dogalpão, que está sempremal-humorado e que odeia crianças, obrigatodososquetêmmenosdequinzeanosapermanecernosubterrâneo,demodoqueosadultospossamvê-losdeumavarandaqueseestendeaolongodeumdosladosdaestrutura.Paraascrianças,cujonúmeroéenorme,aúnicamaneiradesairdosubterrâneoépagaraoguardaumataxa de 85 centavos. (O velho é realmente um tirano.) Os adultos,impelidosaajudá-las,juntaramdinheironosvaloresdescritosacima,etêmdedarodinheiroàscriançasjogando-odavaranda.Vejamosoqueacontece.

Apessoaquetemasmoedasdeumcentavocomeçaajogá-las,masissonãoésuficienteparaquequalquerdascriançasconsigajuntaronecessárioparapagarataxa.Comoonúmerodelaséessencialmente"infinito"e comoelas lutam ferozmenteentre si parapegarodinheiroque cai, mesmo que o adulto possuidor das moedas de um centavoatirasseumnúmeroenormedemoedas,nenhumadascriançassequerchegaria perto de juntar os 85 centavos necessários para pagar aoguarda.Omesmoacontececomosadultosque jogamasmoedasdecinco, de dez, de 25. Ainda que joguem quantidades fabulosas dedinheiro,ascriançasterãosorteseconseguiremapanharumamoeda(amaioria não consegue apanhar nada) e com certeza nenhuma delasconseguirá juntaros85centavosnecessárioparasair.Masquandooadultoquedetémasnotasdeumdólarcomeçaajogá-las—aindaquesomas relativamente pequenas, uma nota de cada vez—, a criança

afortunada que conseguir apanhar a nota poderá sair imediatamente.Observe ainda que,mesmo que esse adulto atiremaços de notas, onúmero de crianças capazes de sair cresce demais, mas cada umadeixaexatamentequinzecentavosdetrocoapóspagaroguarda.Issoéverdade independentementedonúmerototaldedólaresatirados.Aquiestáoqueissotemavercomoefeitofotoelétrico.Combasenosdadosexperimentaisassinaladosacima,EinsteinsugeriuquesetratassealuzdamesmamaneiracomoPlancktrataraaenergiadasondas,ouseja,aplicando-seaelaadescriçãogranulada.SegundoEinstein,umraiodeluzdeveservistocomoumfeixedegrãosmínimos—grãosmínimosdeluz—quevieramareceberonomedefótons,dadopeloquímicoGilbertLewis (idéia que utilizamos no nosso exemplo do relógio de luz nocapítulo2).Paratermosumanoçãodasescalasenvolvidas,deacordocomavisãodaluzcomopartícula,umalâmpadanormaldecemwattsemite cerca de 100 bilhões de bilhões (IO20) de fótons por segundo.Einstein usou essa nova concepção para sugerir a existência de ummecanismomicroscópicoresponsávelpeloefeitofotoelétrico:umelétronéexpelidodeumasuperfíciemetálica,propôsele,quandoéatingidoporum fóton comenergia suficiente.E o quedetermina a energia de umfóton?Paraexplicarosdadosobtidosnasexperiências,EinsteinseguiuorumodePlanckeafirmouqueaenergiadecadafótoné proporcional à freqüência da onda de luz (sendo que o fator deproporcionalidadeéaconstantedePlanck).

Tal comonocasoda taxadesaídaqueascrianças tinhamdepagar, os elétrons dometal têmde ser atropelados por um fóton quepossua uma certa quantidade mínima de energia para poderem serexpulsos da superfície metálica. (Como no caso das crianças quelutavam pelo dinheiro, é extremamente improvável que um mesmoelétronsejaatingidopormaisdeum fóton—amaioriasimplesmentenãoéatingida.)Masseafreqüênciadoraiodeluzincidenteforbaixademais,osfótonsindividualmentenãoproduzirãooimpactonecessárioparaexpulsaroselétrons.Assimcomonenhumadascriançasconseguesairsójuntandomoedas,qualquerquesejaototaldasmoedasjogadaspêlosadultos,nenhumelétronéexpulso,qualquerquesejao totaldaenergiacontidanoraiodeluzincidenteseasuafreqüência(eportantoaenergiaindividualdosfótons)forbaixademais.Edomesmomodocomoas crianças começam a sair do subterrâneo tão logo a denominaçãomonetária atirada da varanda alcance um certo valor, também oselétronscomeçamaserexpelidosdometaltãologoafreqüênciadaluz

que incide sobre eles—queé a denominaçãoemque a energia sereparte—atingeumcertonível. Igualmente,domesmomodocomooadulto que joga as notas de um dólar aumenta o total de dinheiroexistente no subterrâneo ao aumentar o número de notas que atira,também a intensidade de um raio de luz de determinada freqüênciaaumentaaoaumentaronúmerodefótonsqueelecontém.Edomesmomodocomomaisdólaressignificammaiscriançascapazesdesair,maisfótons significam que mais elétrons serão atingidos e expelidos dasuperfíciemetálica.

Observe ainda que a energia que resta em cada um desseselétronsapósaexpulsãovariaapenasemfunçãodaenergiadofótonqueoatingiu—eédeterminadapelafreqüênciadoraiodeluzenãoporsuaintensidade.Domesmomodocomotodasascriançassaemdosubterrâneocomamesmaquantidadededinheironobolso—quinzecentavos—pormaisquesejoguemnotasdeumdólar,tambémcadaelétron deixa a superfície comamesmaenergia—e portanto comamesma velocidade — por maior que seja a intensidade total da luzincidente. Mais dinheiro significa simplesmente que mais criançaspodemsair;maisenergianoraiodeluzsignificasimplesmentequemaiselétronssãoliberados.Paraqueascriançassaiamdosubterrâneocommaisdinheiroéprecisoaumentarovalormonetáriodasnotaslançadas;para que os elétrons deixem a superfície com maior velocidade épreciso aumentar a freqüência do raio de luz incidente — ou seja,aumentar o valor energético dos fótons que emitimos na superfíciemetálica.

Isso está perfeitamente de acordo com os resultadosexperimentais.A freqüênciada luz(asuacor)determinaavelocidadedoselétronsexpelidos;aintensidadedaluzdeterminaoseunúmero.Eassim Einstein demonstrou que a hipótese da energia granulada dePlanck corresponde a um aspecto fundamental das ondaseletromagnéticas: elas são compostas por partículas— fótons—quesão pequenos pacotes, ou quanta, de luz. O aspecto granulado daenergiacontidanessasondasdeve-seaqueelassãocompostasporgrãos.AcontribuiçãodeEinsteinrepresentouumgrandeprogresso.Mas,comoveremosagora,ahistórianãoétãosimplesassim.EUMAONDAOUEUMAPARTÍCULA?

Todomundosabequeaágua—eportantoasondasdeágua—compõe-sedeumnúmeroenormedemoléculasdeágua.Portanto,nãochega a ser surpreendente que as ondas de luz também sejamcompostasporumnúmeroenormedepartículas,ouseja,defótons,nãoéverdade?Não,nãoéverdade.Masasurpresaestánosdetalhes.Hámais de trezentos anosNewton proclamou que a luz consiste de umfluxodepartículas,oquemostraqueessaidéianãoéparticularmentenova.Masalgunsdos colegasdeNewton, especialmenteoholandêsChristianHuygens,discordarameargumentaramquealuzéumaonda.Odebateprolongou-seatéquenocomeçodoséculoXIXofísicoinglêsThomas Young realizou experiências que mostravam que Newtonestavaerrado.

Conhecida como a experiência das duas fendas — daexperiênciadeYoung.Feynmangostavadedizer que todamecânicaquânticapodeserdeduzidaapartirdeumareflexãocuidadosasobreasimplicações dessa experiência. Vamos, então, analisá-la. Joga-se luzsobre uma barreira sólida e fina na qual há duas fendas. Uma placafotográficacolocadaatrásdabarreira registraa luzquepassaatravésdas fendas — as partes mais claras da fotografia indicam maiorincidênciadeluz.Aexperiênciaconsisteemcompararasimagensqueresultamquando uma, ou outra, ou ambas as fendas estão abertas edeixampassar a luz.Sea fendadaesquerdaestiver fechadae a dadireita aberta. Isto faz sentido, uma vez que a luz que atinge a placafotográfica tem de passar através da única fenda aberta e seconcentrará,portanto,napartedireitadafotografia.Domesmomodo,seafendadadireitaestiverfechadaeadaesquerdaaberta.

Naexperiênciadasduasfendas,umraiodeluzincidesobreumacarreiraemqueháduasfendas.Aluzquepassaporelaséregistradaem uma placa fotográfica quando uma das fendas, ou ambas, estãoabertas.

Nestaexperiênciaafendadadireitaestáaberta,oqueproduznaplacafotográfica,mascomafendadaesquerdaaberta.

Essencialmente, se você pensar nos corpúsculos de luz deNewtoncomopequenasesferasqueatiracontraabarreira,aquelesqueatravessarem as fendas ficarão concentrados nas duas áreas que sealinhamcomasfendas.Aocontrário,avisãodaluzcomoondalevaauma previsão muito diferente para o que acontece quando as duas

fendas estão abertas. Vejamos. Imagine que em vez de estarmostratando aqui de ondas de luz estivéssemos considerando ondas deágua.Oresultadoseráomesmo,masémais fácilexemplificarcomaágua. Quando as ondas de água atingem a fenda, do outro lado dabarreira surgem ondas circulares, semelhantes às que faz umpedregulho em um lago. (É fácil fazer a experiência, colocando umabarreiradepapelãoemumabaciacheiad'água.)Asondasquesaemdecada uma das fendas encontram- se umas com as outras e algointeressanteacontece.Se,aoseencontrarem,asduasondasestiveremnopico,aalturadaondanessepontoaumentará:éasomadasalturasdasduasondas.Se,aoseencontrarem,asduasondasestiveremnoponto mínimo, a profundidade da depressão da água nesse pontotambémaumentará. Finalmente, se o pico de uma onda encontra- secomadepressãodeoutra,elessecancelarãomutuamente.(Comefeito,essaéaidéiabásicadosfonesdeouvido,queeliminamruídos—elesmedemaformadaondadesomqueentraeproduzemoutracujaformaé exatamente a "oposta", o que leva ao cancelamento dos ruídosindesejados.)Entreessaspossibilidadesdeencontros—picocompico,depressão com depressão e pico com depressão — estão todos osaumentosediminuiçõesparciaisdaalturadaondaresultante.

Se você e uma porção de amigos formarem uma fila debarquinhos paralela à barreira e cada um registrar o tamanho daoscilação que sofre com a passagem da onda. Os lugares de maioroscilaçãoserãoaquelesemqueospicos(ouasdepressões)dasondasprocedentesdecadafendacoincidem.Oslugaresdeoscilaçãomínimaou igual a zero serão aqueles em que os picos procedentes de umafendacoincidemcomasdepressõesprocedentesdaoutra,oqueresultaemumcancelamento.

Comoaplacafotográficaregistraasoscilaçõesdaluzincidente,omesmoraciocínio,aplicadoaotratamentodoraiodeluzcomoonda,indica que quando as duas fendas estiverem abertas. As áreasmaisbrilhantesestãoondecoincidemospicos(ouasdepressões)dasondasprocedentesdecadafenda.Asáreasescurasestãoondeospicosdasondasdeum ladocoincidemcomasdepressõesdasdooutro,oqueresulta em um cancelamento. A seqüência de faixas de luz e deausênciade luzéconhecidacomopadrãode interferência.Eaíestá,portanto,umaexperiênciaconcretaparadistinguirentreasvisõesdaluzcomopartículaoucomoonda.Confirmandoassimavisãoondulatória.Avisão corpuscular de Newton estava derrotada (embora os físicos

tenhamdemoradoalgumtempoparaaceitarofato).Ainterpretaçãodaluz como onda foi posteriormente posta em termos matematicamentesólidosporMaxwell.MasEinstein,ohomemquederrubouaconsagradateoriadagravitaçãodeNewton,provocouumaressurreiçãodomodelodoscorpúsculosnewtonianoscomaincorporaçãodofóton.Aperguntacontinuadepé:comopodeomodelocorpuscularexplicaropadrãodeinterferência?De imediato, vocêpoderia fazera seguinte sugestão.Aáguacompõe-sedemoléculasdeHO—quesãoos"corpúsculos"daágua.Noentanto,quandoumgrandenúmerodessasmoléculasfluiemconjunto, produzem-se ondas de água.Dessemodo, parece razoávelsupor que as propriedades típicas das ondas, como o padrão deinterferência, possam também ocorrer no modelo corpuscular da luz,desdequeestejamosdiantedeumgrandenúmerodefótons,quesãooscorpúsculos,ouaspartículasdaluz.

Naverdade,contudo,omundomicroscópicoémuitomaissutil.Mesmoqueaintensidadedafontedeluzdiminuacadavezmais,atéopontoemqueosfótonsatinjamabarreiraumporum—aoritmodeumacada dez segundos, por exemplo—, desde que esperemos o temposuficiente para que um número bem grande desses pacotes de luzpasse pelas fendas e seja registrado como um ponto na placafotográfica, esses pontos terminarão por compor a imagem de umpadrão de interferência. Isso é incrível. Como é que os fótons quepassamumdecadavezpelasfendaseseimprimemumdecadaveznaplacafotográficapodemconspirarentresiparaproduzirasfaixasclaraseescurasdasondasqueseinterferem?Oraciocínioconvencionalnosindicaquecadafótonpassaouporumafendaoupelaoutrae,portanto,seria de esperar a produção do padrão mostrado. Mas isso nãoacontece.

Sevocênão ficouprofundamente impressionadocomesse fatodanatureza,ouéporquevocêjáoconheciaeficoublasé,ouporqueadescriçãodadaaquinãofoisuficientementevívida.Seforesseocaso,tentemosdenovo,deumamaneiraligeiramentediferente.Vocêfechaafendadaesquerdaelançaosfótonsumporumcontraabarreira.Algunsaatravessameoutrosnão.Osqueaatravessamcriamnaplaca,pontoporponto.Emseguidavocêfazdenovoaexperiênciacomumanovaplaca fotográfica, mas dessa vez você abre as duas fendas.Naturalmentevocêesperaquecomissoaumentaráonúmerodefótonsquepassampelasfendaseatingemaplaca,razãoporqueapelícula

fotográficareceberáumamaiorquantidadedeluzdoquenaexperiênciaanterior.Masquandovocêexaminaa imagemproduzida, verificaquenãosóháregiõesdaplacafotográficaqueantesestavamescurasequeagora aparecem claras, como era de esperar, mas também que háregiões que antes estavam claras e que agora aparecem escuras. Oaumentodonúmerode fótonsqueatingeaplaca fotográficaproduziuumadiminuiçãodebrilhoemcertasáreas.Dealgummodo,os fótonscorpusculares e separados no tempo conseguem cancelar-semutuamente.Vejabemqueloucura:háfótonsqueteriampassadopelafendadadireitaseaoutraestivessefechada(criandoumafaixaclaranaplaca),masquenãopassamporelaquandoafendadaesquerdaestáaberta(razãoporqueessafaixadaplacaficaescura).Mascomoéqueumminúsculopacotedeluzquepassaporumafendapodeserafetadopelo estado da outra fenda, quer aberta ou fechada? É tão estranho,como disse Feynman, quanto se você estivesse atirando com umametralhadora contra a barreira e, quando as duas fendas estivessemabertas, as balas começassem a cancelar-se mutuamente, deixandoilesascertasregiõesdoalvoqueteriamsidoatingidasseapenasumafendaestivesseaberta.

EssasexperiênciasrevelamqueaspartículasdeluzdeEinsteinsão bem diferentes das de Newton. De alguma maneira, os fótons,mesmosendopartículas, incorporamaspectoscaracterísticosdavisãoondulatória da luz. O fato de que a energia dessas partículas sejadeterminadapor uma característica dasondas—a freqüência—éoprimeiroindíciodequeumaestranhauniãoestáocorrendo.Masoefeitofotoelétricoeaexperiênciadasduasfendasresolvemaquestão.

O efeito fotoelétrico revela que a luz tem características departícula.Aexperiênciadasduasfendasrevelaquealuzmanifestaaspropriedades de interferência das ondas. Em conjunto, eles mostramquealuztempropriedadestantodeondaquantodepartícula.Omundomicroscópico nos obriga a desfazermo-nos da nossa intuição de queumacoisaouéumapartículaouéumaondaeaceitarapossibilidadedequesejapartículaeondaaomesmotempo.Eaquiquea frasedeFeynman,deque"ninguémentendeamecânicaquântica",ganhaoseucontexto.Podemoscriarexpressõescomo"dualidadeonda-partícula".Podemostraduzi-lasemfórmulasmatemáticasquedescrevemexperiênciasreaiscomincrívelprecisão.Maséextremamentedifícilentendernoníveldaintuiçãoprofundaesseaspectofascinantedomundomicroscópico.

ASPARTÍCULASDEMATÉRIATAMBÉMSÃOONDAS

Nas primeiras décadas do século XX, muitos dos maioresteóricosdafísicaempenharam-sesemdescansonatarefadeencontrarumaexplicaçãomatematicamentecorretae fisicamenteaceitável paraessas características microscópicas da realidade, até então ocultas.Nieis Bohr e seus colaboradores em Copenhague, por exemplo,progredirammuito na explicação das propriedades da luz emitida porátomos de hidrogênio incandescente. Mas os trabalhos anteriores ameadosdadécadade20erammaisumatentativadefazerconvergirasidéiasdoséculoXIXcomosrecém-descobertosconceitosquânticosdoque um esquema coerente de explicação do universo físico. Emcomparação comaestrutura clara e lógica das leis demovimento deNewtonedateoriaeletromagnéticadeMaxwell,ateoriaquântica,aindanãototalmentedesenvolvida,estavaemestadocaótico.

Em1923,ojovempríncipefrancêsLouisdeBroglieacrescentouum novo elemento à desordem quântica, o qual, no entanto, veio apropiciar,poucodepois,odesenvolvimentodoesquemamatemáticodamecânicaquânticamodernae lhevaleuoprémioNobeldeFísicade1929. Inspirado em uma cadeia de raciocínio que derivava darelatividadeespecial deEinstein,DeBroglie sugeriu queadualidadeonda-partículanãoseaplicavasomenteàluz,massimàmatériacomoum todo. Por assim dizer, ele pensou que se a equação E = me2relacionamassaeenergiaeseopróprioEinsteinePlanckrelacionarama energia à freqüência das ondas, então, combinando-se as duascoisas, a massa também deveria ter uma encarnação ondulatória.Depois de muito elaborar essa linha de raciocínio, ele sugeriu que,assim como a luz é um fenômeno ondulatório para o qual a teoriaquânticatemumadescriçãoigualmenteválidaemtermosdepartículas,os elétrons — que normalmente imaginamos como partículas —poderiam ter uma descrição igualmente válida em termos de ondas.EinsteinaceitouimediatamenteessaidéiadeDeBroglie,aqualeraumdesdobramentonaturaldosseus trabalhossobre relatividadee fótons.Mesmo assim, nada substitui a prova experimental, e ela viria com otrabalhodeClintonDavissoneLesterGermer.Emmeadosdadécadade20,DavissoneGermer,físicosexperimentaisdaBellTelephoneCompany,estavamestudandoamaneiracomoumfeixe de elétrons ricocheteia sobre uma superfície de níquel. O únicodetalhequenos interessaaquiéquenessaexperiênciaoscristaisdeníquel agem demodo similar ao das duas fendas da experiência da

últimaseção—comefeito,éperfeitamentecabívelpensarquesetratada mesma experiência, levando-se em conta que, em lugar da luz,emprega-seumfeixedeelétrons.Esseéopontodevistaqueadotamosaqui.

Nasuaexperiência,DavissoneGermerexaminavamoselétronsque passavam pelas "fendas" do níquel e atingiam uma telafosforescente,que registravacomumpontobrilhantea localizaçãodoimpactodecadaelétron—oque,essencialmente,éoqueocorredentrode uma televisão. Verificaram então algo notável. A experiênciamostrou, assim, que os elétrons também apresentam fenômenos deinterferência,osinalqueidentificaasondas.Nospontosescurosdatelafosforescente, os elétrons, de alguma forma, "cancelavam-semutuamente", tal como os picos e depressões das ondas de água.Mesmoqueofeixedeelétronsfossetão"fino"queapenasumelétronfosseemitido,porexemplo,acadadezsegundos,oselétrons,umporum, iam construindo as faixas claras e escuras, ponto por ponto. Dealgummodo,oselétrons,assimcomoosfótons,"interferem"unscomosoutros,nosentidodequecadaumdeles,aolongodotempo,reconstróio padrão de interferência associado às ondas. Somos forçosamentelevados à conclusão de que todos os elétrons, além da suacaracterizaçãocomopartículas,têmtambémcaracterísticasdeondas.Embora tenhamos descrito apenas o caso dos elétrons, experiênciassimilares levam à conclusão de que todas as formas da matériaapresentam características de ondas. Mas como conciliar isso com anossapercepçãodequeamatériaéalgosólidoeconcreto,demodoalgum ondulatório? De Broglie estabeleceu uma fórmula para ocomprimentodasondasdamatéria,quemostraqueocomprimentodeonda é proporcional à constante de Planck, K (Mais precisamente, ocomprimento de onda é igual a pi dividido pelo momento do corpomaterial.)Comoémuitodiminuto,oscomprimentosdeondaresultantessãotambémminúsculos,comparadoscomasescalasnormais.

Por essa razão, o caráter ondulatório da matéria só se tornaapreciávelmediantecuidadosaspesquisasmicroscópicas.Assimcomooenormevalordec,avelocidadedaluz,oculta,emgrandemedida,averdadeiranaturezadoespaçoedotempo,ovalormínimodeocultaosaspectosondulatóriosdamatérianomundocotidiano.ONDASDEQUE?

OfenômenodeinterferênciaencontradoporDavissoneGermertornouevidenteanaturezaondulatóriadoselétrons.Masondasdeque?

ErwinSchrödinger,ofísicoaustríaco,foiumdosprimeirosasugerirqueessasondaseramassimcomoum"borrifo"deelétrons,oquecaptaalgodosentidodeumaondaeletrônica,masdeixamuitoadesejar.Afinal,quandoalgoéborrifado,umpoucoficaporaqui,umpoucomaisparalá,mas nunca ninguém encontroumeio elétron por aqui ou um terço deelétronmaisparalá.Edifícilentenderoqueseriaumborrifodeelétrons.Como alternativa, em 1926 o físico alemão Max bom refinou ainterpretação deSchrödinger, e a sua conclusão—desenvolvida porBohreseuscolegas—éoquenosiluminaatéhoje.Asugestãodebomé um dos aspectos mais estranhos da teoria quântica, mas a suacomprovaçãoexperimentaléavassaladora.Ele afirmou que a onda eletrônica deve ser interpretada do ponto devistadaprobabilidade.Os lugaresemqueamagnitude (oumelhor,oquadradodamagnitude)daondaforgrandeserãooslugaresemqueémaisprovávelencontraroelétron;os lugaresemqueamagnitude forpequenaserãooslugaresemqueémenosprovávelencontrá-lo.Esta sim é uma idéia peculiar. Que papel pode desempenhar aprobabilidadenaformulaçãodosfundamentosdafísica?Normalmenteocálculodeprobabilidadesaparecenascorridasdecavalos,nocara-ou-coroaenasmesasdoscassinos,masnessescasoselerefleteapenasocaráter incompleto do nosso conhecimento. Se conhecêssemosprecisamenteavelocidadedaroleta,opesoeaelasticidadedabolinha,asua localizaçãoevelocidadenomomentoemquetocaaroletaquegira,asespecificaçõesexatasdomaterialqueconstituioscubículoseassim por diante, e se tivéssemos computadores suficientementepotentes para efetuar todos os cálculos, conseguiríamos prever,segundoafísicaclássica,olocalprecisoemqueabolinharepousaria.Oscassinosvivemdofatodequenãosomoscapazesdecoligirtodasas informações e fazer todos os cálculos necessários a tempo defazermosaaposta.Maséfácilverqueessecálculodeprobabilidadessobrearoletanãorevelanadafundamentalarespeitodecomofuncionaomundo.Jáamecânicaquânticaintroduzoconceitodeprobabilidadeemumnívelmuitomaisprofundo.Deacordocombomecommaisdecinqüentaanosdeexperiênciasposteriores,anaturezaondulatóriadamatéria implica que a própria matéria tem de ser descrita, no nívelfundamental, de modo probabilístico. Para os objetos macroscópicos,comoumaxícaradecaféouumaroleta,aregradeDeBrogliemostraque o caráter ondulatório passa virtualmente despercebido, e paraquase todos os propósitos práticos as probabilidades da mecânicaquântica podem ser completamente ignoradas. Mas no nível

microscópico,vemosqueomáximoquepodemosfazer,hojeesempre,édeterminaraprobabilidadedequeumelétronpossaserencontradoemumlugarespecífico.

Ainterpretaçãoprobabilísticatemavirtudedeindicarqueseumaondaeletrônicaforcapazdefazeroqueasoutrasondasfazem—porexemplo,chocar-secontraumobstáculoeproduzir,emconseqüência,ondulaçõesdetiposdiferentes—,issonãosignificaqueoelétrontenhasedespedaçado.Significa,emvezdisso,quehávárioslugaresemqueele poderia ser encontrado com probabilidade não desprezível. Naprática, quer dizer que se se repetir muitas vezes e de maneiraabsolutamente idênticaumaexperiênciaqueenvolvaumelétron,paradeterminar, por exemplo, a sua posição, não se obterá o mesmoresultado todas as vezes. Ao contrário, as sucessivas repetições daexperiência produzirão uma gama de resultados diferentes, com apropriedadedequeonúmerodevezesemqueoelétronéencontradoem uma certa posição é determinado pela forma da sua onda deprobabilidade.Seaondadeprobabilidade(oumelhor,oquadradodaondadeprobabilidade)forduasvezesmaiornolocalAdoquenolocalB,ateoriaprevêquenasériedeexperiênciasoelétronseráencontradoemAcom freqüênciaduasvezesmaiordoqueemB.Nãosepodemprever resultadosexatosnessasexperiências;omáximoquesepodepretender é prever a probabilidade da ocorrência de um resultadoespecífico.

Mesmo assim, desde que possamos determinar com precisãomatemática a forma das ondas de probabilidade, as previsõesprobabilísticaspodemsertestadascomarepetiçãodaexperiênciaemum grande número de vezes, com o objetivo de medirexperimentalmente a probabilidade de obtenção dos diferentesresultados.PoucosmesesapósasugestãodeDeBroglie,Schrödingerdeu o passo decisivo nesse sentido, quando estabeleceu a equaçãoque comanda a forma e a evolução das ondas de probabilidade, ou,comovieramaserconhecidas,asfunçõesdeondas.Logo,aequaçãodeSchrödingereainterpretaçãoprobabilísticaestavamemplenousoeproduziamprevisõesincrivelmenteprecisas.Em1927,afísicajáhaviaperdidoa inocênciaclássica.Estavamterminadososdiasdouniversomecânico, cujos componentes, uma vez postos em marcha,funcionavam como um relógio, para cumprir obedientemente o seudestinoinexorávelepredeterminado.Segundoamecânicaquântica,ouniversoevoluideacordocomumaformalizaçãomatemáticarigorosae

precisa,masqueselimitaadeterminaraprobabilidadedequeumfuturoemparticularvenhaaacontecer—enãoqualofuturoqueacontecerá.

Muitas pessoas ficam confusas com essa conclusão e aconsideramtotalmenteinaceitável.Einsteinfoiumadelas.Emumadasexpressõesmaiscitadasdahistóriadafísica,elealertouospartidáriosdamecânicaquânticaparaofatodeque"Deusnãojogadadoscomouniverso". Ele achava que o aparecimento da probabilidade na físicafundamental devia-se, ainda que de formamais sutil, àmesma razãopela qual ela aparece no jogo da roleta: por causa do caráterbasicamenteincompletodonossoconhecimento.NavisãodeEinstein,aformaprecisadofuturodouniversonãopoderiaserumaquestãodesorte. A física teria de prever como o universo evolui, e nãosimplesmenteaprobabilidadedaocorrênciadecadaevoluçãopossível.Masexperiênciaapósexperiência—feitasemsuamaioriadepoisdasuamorte—foiseconfirmandoo fatodequeEinsteinestavaerrado.ComodisseocientistabritânicoStephenHawking,"AconfusãoeradeEinstein,enãodamecânicaquântica".

Contudo, o debate sobre o verdadeiro significado damecânicaquântica continua vivo. Todos estão de acordo quanto ao uso dasequaçõesdateoriaquânticaparafazerprevisõesprecisas.Masnãoháconsensoquantoaseasondasdeprobabilidadetêmsignificadoreal,ouaindaquantoàmaneirapelaqualumapartícula"escolhe",dentreosmúltiplosfuturospossíveis,aquelequeelaseguirá,oumesmosobreseela realmenteoescolhe.Podeseraindaqueela sedivida, comoumramodeárvore,evivatodososfuturospossíveisemumasucessãodeuniversosparalelosqueseduplicameternamente.Essasquestõesdeinterpretaçãomerecem ser tratadas em um livro à parte, e com efeitoexistemmuitoslivrosexcelentesqueesposamessaouaquelamaneiradepensararespeitodateoriaquântica.Oqueparececerto,noentanto,éque,qualquerquesejaamaneirapelaqualamecânicaquânticaéinterpretada, ela mostra, sem a menor dúvida, que o universo estábaseadoemprincípiosque,dopontodevistadasnossasexperiênciasdiárias,sãobizarros.

Ametaliçãodarelatividadeedamecânicaquânticaéadequequandoexaminamosofuncionamentobásicodouniversoencontramosaspectos que diferem enormemente das nossas expectativas. Acoragem de fazer perguntas profundas requer uma flexibilidade cadavezmaiorparaaceitarasrespostas.

APERSPECTIVADEFEYNMAN

Richard Feynman foi um dos maiores teóricos da física desdeEinstein. Ele abraçou francamente a essência probabilística damecânica quântica e, nos anos que se seguiram à Segunda GuerraMundial,ofereceuumamaneiranovadesepensarateoria.Dopontodevista das previsões numéricas, a perspectiva de Feynman concordaexatamentecomtudooquefoiditoantes.Masasuaformulaçãoébemdiferente.Vamosdescrevê-lanocontextodaexperiênciadoelétronjedasduasfendas.

Oaspectoperturbadoréque imaginamosquecadaelétron temde passar ou pela fenda direita ou pela esquerda, o que nos leva aesperar que os dados resultantes possam ser representadosadequadamentepelaunião:Oelétronquepassapelafendadadireitanão deveria importar-se com o que possa acontecer com a fenda daesquerda,evice-versa.Masacontecequeeleseimporta.Opadrãodeinterferênciaiqueégeradorequerumasobreposiçãoeumainteraçãoque envolve algo que é sensível a ambas as fendas, mesmo quedisparemososelétronsumporum.Schrödinger,DeBroglie e Bohr explicaram esse fenômeno associando uma onda deprobabilidade a cada elétron. Como as ondas de água, a onda de Íprobabilidadedoelétron"vê"ambasasfendaseficasujeitaaomesmotipo,deinterferênciadecorrentedainteração.Oslugaresemqueaondade probabilidade cresce em conseqüência da interação, tal como oslugares de oscilação significativa, são aqueles onde émais provávelque o elétron seja encontrado; os lugares em que a onda deprobabilidade diminui em conseqüência da interação, tal como oslugares de oscilação mínima ou nula, são aqueles onde é menosprovável que o elétron seja encontrado. Os elétrons atingem a telafosforescenteumporum,distribuem-seemconcordânciacomesseperfildeprobabilidadeeconstroem.

Feynmantomouumcaminhodiferente.Eledesafiouapremissaclássicadequecadaelétronoupassapelafendadadireitaoupeladaesquerda.Vocêpodeperfeitamenteacharqueessaéumapropriedadetãoelementardofuncionamentodascoisasquedesafiá-laéumatolice.Afinaldecontas,seráquenãosepodeolhararegiãoqueexisteentreas fendas e a tela fosforescente e assimdeterminar por qual fendaoelétron passa? Sim, pode-se. Mas se o fizermos, modificaremos aexperiência. Para ver o elétron é preciso fazer algo com ele — por

exemplo iluminá-lo, ou seja, lançar fótons sobre ele. Nas escalasnormais,os fótonsatingemárvores,quadrosepessoas,semprovocarqualquer conseqüência sobre o estado de movimento desses corposmateriais relativamentegrandes.Masoselétronssãocomopequenasfagulhas dematéria.Pormais que se procure realizar a operação demaneiradelicada,ofótonqueatingeoelétronparadeterminarporqualfenda ele terá passado afeta necessariamente o seu movimentoposterior, e essa mudança no movimento modifica o resultado daexperiência.Sesealteraaexperiênciaparadeterminarporqualfendapassacadaelétron.Omundoquânticofazcomqueainterferênciaentreasduasfendasdesapareçanomomentoemquesedeterminaporqualfenda entrou cada elétron. E assim Feynman tinha razão ao fazer odesafio— apesar de que a nossa experiência de vida suponha quecadaelétronpasseouporumaoupelaoutrafenda—,umavezque,nofinaldadécadade20,osfísicoschegaramàconclusãodequequalquertentativa que se faça para verificar essa característica aparentementebásicadarealidadeinvalidaaexperiência.

Feynmanproclamouquecadaelétronqueconsegueatravessarabarreira e atingir a tela fosforescente passa, na verdade, pelas duasfendas. Parece loucura mas não é: as coisas ainda vão ficar maisestranhas. Feynman argumentou que, ao viajar da fonte para umdeterminadopontodatelafosforescente,todosecadaumdoselétronspercorrem todas as trajetórias possíveis simultaneamente. Ele segueordeiramente pela fenda esquerda. Simultaneamente, também passatranqüila e ordeiramente através da fenda direita. Ele aponta para afendadaesquerda,masdesúbitomudadecursoetomaadireçãodafendadireita.Oscilaparacáeparaláatéfinalmentetomaradireçãodafenda esquerda. Empreende uma longa jornada até a galáxia deAndrômeda antes de voltar e passar pela fenda esquerda em seucaminhoatéatela.Eassimvai—segundoFeynman,oelétron"fareja"simultaneamentetodososcaminhospossíveisqueligamoinícioaofinaldaviagem.Feynmanmostrouqueépossívelatribuirumnúmeroacadaumadessastrajetórias,demaneiraqueasuamédiacombinadaproduzexatamente o mesmo resultado que seria obtido com o cálculo deprobabilidadesbaseadona funçãodeonda.Assim,daperspectivadeFeynman,nãoénecessárioassociarondasdeprobabilidadeaoelétron.Em lugar disso, devemos imaginar algo ainda mais estranho. Aprobabilidadedequeoelétron—semprevistoaquicomoumapartícula— chegue a um ponto determinado na tela é o resultado do efeito

combinadodetodasasmaneiraspossíveisdeaíchegar.Essemétodoéconhecidocomoa"somasobreastrajetórias",afamosacontribuiçãodeFeynmanàmecânicaquântica.

0SegundoaformulaçãodeFeynmanparaamecânicaquântica,deve-sesuporqueaspartículasviajamdeumlugaraoutroatravésdetodas as trajetórias possíveis. Aqui semostram algumas das infinitastrajetórias possíveis para a viagem de um elétron da fonte à telafosforescente.Notequeesseelétronpassapelasduasfendas.

Aessaaltura,asuaeducaçãoclássicaestáemcrise:comoéqueumelétronpodetomardiferentescaminhossimultaneamente—eaindaporcimaumnúmeroinfinitodecaminhos?Pareceumaobjeçãolegítima,masamecânicaquânticaafísicadonossomundo—requerquevocêrenuncie a essas preocupaçõesmundanas. Os resultados do cálculofeitocombasenométododeFeynmanconcordamcomosdométododafunção de onda, que, por sua vez, concordam com os fatosexperimentais.Vocêtemdepermitirqueanaturezaresolvaoqueéquefazeoqueéquenãofazsentido.ComoopróprioFeynmanescreveu,"[Amecânicaquântica]descreveanaturezacomoabsurda,dopontodevista do bom senso. E ela concorda plenamente com os fatosexperimentais.Portanto,euesperoquevocêaceiteanaturezacomoelaé — absurda". Mas por mais absurda que seja a natureza quandoexaminada em escalas microscópicas, é preciso que as coisas sereacomodemdealgumamaneiraparaquepossamosrecuperaravisãodos fatos que compõema nossa experiência prosaica domundo dasescalas normais. Com esse fim, Feynman demonstrou que seexaminarmos o movimento dos objetos grandes — como bolas debeisebol,aviõeseplanetas,quesãograndesemcomparaçãocomaspartículassubatômicas—,aregradeatribuiçãodenúmerosparacadatrajetóriaseencarregadegarantirque,quandosecombinamtodasascontribuições, todas as trajetórias se cancelam mutuamente, menosuma.Comefeito, sóumadas trajetórias importadopontodevistadomovimento do objeto.E essa trajetória é exatamente a prevista pelasleisdemovimentodeNewton.Eporissoquenomundodetodososdiasosobjetos—comoumabolajogadaparacima—parecemseguirumcaminhoúnicoeprevisível,desdeaorigematéodestino.Masparaosobjetosmicroscópicos,aregradePeynmanparaaatribuição de números às trajetórias mostra que muitas delas podemcontribuirparaomovimentodeumobjeto,emuitasvezescontribuemde

verdade.Naexperiênciadasduas fendas, por exemplo, algumasdastrajetórias passam por fendas diferentes, dando lugar ao padrão deinterferência observado. No reinomicroscópico, por conseguinte, nãopodemosdeterminarseumelétronpassaapenasporumafendaouporoutra.OpadrãodeinterferênciaeaformulaçãoalternativadeFeynmanparaamecânicaquânticaatestamcategoricamenteocontrário.

Assimcomoasdistintasinterpretaçõesdeumlivrooudeumfilmepodem ser úteis para ajudar a compreensão de alguns aspectos daobra,omesmoacontececomosdistintosenfoquesdadosàmecânicaquântica. Embora as suas previsões sempre estejam totalmente deacordo entre si, o enfoque da função de onda e o da soma sobre astrajetórias,deFeynman,proporcionammaneirasdiferentesdeentendero que está ocorrendo. Como veremos posteriormente, para certasaplicações, cada um dos enfoques pode propiciar esquemasexplicativosdevalorinestimável.LOUCURAQUÂNTICA

Vocêjádeveterumaidéiadecomoomundoédiferentequandovistocomosolhosdamecânicaquântica.Seaindanãocaiuvítimadatontura sentenciada por Bohr, com a loucura quântica que vamosdiscutiragora,vocêvaificarpelomenosumpouquinhodelirante.Émaisdifícilaceitarintimamenteamecânicaquântica—imaginar-seepensarem si mesmo como uma minipessoa, nascida e criada no reinomicroscópico — do que as teorias da relatividade. Mas existe umaspectodateoriaquepodefuncionarcomoguiaparaasuaintuição,umprincípiocardeal,quedistinguefundamentalmenteamecânicaquânticado pensamento clássico. É o princípio da incerteza, descoberto pelofísicoalemãoWernerHeisenbergem1927.

Oprincípiodecorredeumaobjeçãoquejápodeterlheocorrido.Observamos que o ato de determinar a fenda pela qual passa cadaelétron (a sua posição) afeta necessariamente o seu movimentosubseqüente (asuavelocidade).Masseépossível fazercontatocomuma pessoa dando-lhe um expressivo tapa nas costas ou tocando-asuavemente, por que então não poderíamos determinar a posição doelétroncom fontesde luz cadavezmais suaves,demodoaproduzirconseqüênciascadavezmenoressobreoseumovimento?DopontodevistadafísicadoséculoXIX,issoseriapossível.Usandofontesdeluzcada vez mais fracas (e detectores de luz cada vez mais sensíveis)

podemos produzir um impactomínimo sobre omovimento do elétron.Masaprópriamecânicaquânticaidentificaumerronesseraciocínio.Aoreduzirmos a intensidade da fonte de luz, sabemos que estamosreduzindo o número de fótons que ela emite. Quando chegamos aopontoemqueosfótonsestãosendoemitidosumaum,nãopodemosmaisreduziraintensidadedaluz:teríamosdeapagá-la.Existeumlimitebásico,impostopelamecânicaquântica,à "suavidade" da nossa intervenção. E portanto haverá sempre umefeitomínimosobreavelocidadedoelétron,causadopelonossoatodedeterminarasuaposição.Bem,équaseassim.AleidePlanckdizqueaenergiadeumfótonéproporcionalàsuafreqüência(einversamenteproporcionalaoseucomprimentodeonda).Utilizando luzde freqüênciascadavezmaisbaixas (comprimentosdeonda cada vez maiores), podemos produzir fótons cada vez maissuaves.Masaquiestáaquestão.Quandolançamosumaondasobreumobjeto, a informação que recebemos só nos permite determinar aposiçãodoobjetodentrodeumamargemdeerroigualaocomprimentodaonda lançada.Paraumapercepção intuitivadesse fato importante,imagine que você esteja tentando determinar a localização de umagrande rocha ligeiramentesubmersa,observandoamaneiracomoelaafetaasondasdomar.Antesdechegaràpedra,asondascompõemuma bela sucessão de ciclos ordenados. Ao passarem pela rocha,esses ciclos se distorcem—e com isso dão o sinal da presença darochasubmersa.Mas,assimcomoostraçosdeumarégua,osciclosdasondasconfiguramasuaunidadedemedida,marcandoosintervalosdomovimento das ondas, demodo que, concentrando-nos no exame damaneira como os ciclos se desorganizam, nós só conseguimosdeterminara localizaçãoda rocha comumamargemdeerro igual aocomprimentodociclodasondas,ouseja,ocomprimentodeondadasondas,que,nocaso,correspondeao intervaloentreelas.Nocasodaluz,os fótonsconstituem,porassimdizer,osciclosdasondas(sendoqueaalturadosciclosédeterminadapelonúmerodefótons);ofóton,por conseguinte, sópodeserusadopara indicara localizaçãodeumobjeto com uma margem de erro igual a um comprimento de onda.Portanto, estamosdiante de umnúmero de equilibrismodamecânicaquântica. Se usarmos luz de freqüência alta (comprimento de ondacurto), poderemos localizar um elétron com maior precisão. Mas osfótonsdefreqüênciaaltatêmmuitaenergiaeporissoafetamfortementea velocidade do elétron. Se usarmos luz de freqüência baixa(comprimento de onda longo), minimizaremos o impacto sobre o

movimento do elétron, uma vez que os fótons têm energiacomparativamente baixa, mas com isso sacrificaremos a precisão nadeterminaçãodaposiçãodoelétron.Heisenbergquantificouessejogoeencontrouumarelaçãomatemáticaentreaprecisãocomquesepodemediraposiçãodoelétroneaprecisãocomquesepodemedirasuavelocidade.Eleverificou—emconcordânciacomanossadiscussão—que uma é inversamente proporcional à outra: quanto maior for aprecisão na determinação da posição, tanto maior será,necessariamente,aimprecisãonadeterminaçãodavelocidade,evice-versa.Eoqueémaisimportante:emboraanossadiscussãotenhaserelacionadocomocasoparticulardadeterminaçãodoparadeirodeumelétron,Heisenbergdemonstrouqueesseintercâmbioentreaprecisãodamedidadaposiçãoeadevelocidadeéumfatofundamental,quesemantém qualquer que seja o equipamento usado ou o procedimentoempregado. Ao contrário dos esquemas de Newton e mesmo deEinstein, em que se descreve o movimento de uma partícula peloregistrodesuaposiçãoesuavelocidade,amecânicaquânticamostraquenonívelmicroscópiconãosepodesaberjamaisambasascoisascomprecisãototal.Alémdisso,quantomaiorforaprecisãocomrelaçãoauma, tantomaior será a imprecisão com relaçãoà outra.E emboratenhamos exemplificado esse fato com elétrons, ele se aplicadiretamenteatodososcomponentesdanatureza.

Einstein tentou minimizar esse desvio com relação à físicaclássicaargumentandoque,emborasejacertoqueoraciocínioquânticoparece limitaroconhecimentodaposiçãoedavelocidadedoelétron,este, noentanto, temumaposiçãoe umavelocidadedefinidas, comosempre se supôs.Mas os avanços propiciados pelo falecido cientistairlandês John Bell nas duas últimas décadas e os resultados dasexperiências de Alain Aspect e seus colaboradores demonstraramconvincentemente queEinstein estava errado.Não é possível afirmarsimultaneamentequeumelétron—etudomais,naverdade—estejanesta ou naquela posição e tenha essa ou aquela velocidade. Amecânicaquântica revelaque talafirmaçãonãosónuncapoderiaserverificada — tal como vimos acima — como também contradizdiretamenteoutrosresultadosexperimentaismaisrecentes.Comefeito,se se capturasse um único elétron dentro de uma caixa sólida e sepoucoapoucosefossemaproximandoasparedesumasdasoutrasdemodoairreduzindoosespaçosinternoscomoobjetivodedeterminarcomprecisãocrescenteaposiçãodoelétron,veríamosqueelepoucoapouco se moveria de maneira cada vez mais frenética. Como se

sofresse de claustrofobia, o elétron pareceria desesperado, batendocontra as paredes da caixa com velocidade cada vez maior e emtrajetóriascadavezmaisimprevisíveis.Anaturezanãopermitequeosseus componentes sejam encurralados. No H-Bar, onde imaginamosparaumvalormuitomaiordoqueoquetemnomundoreal,osobjetoscotidianoseramafetadosdiretamentepêlosefeitosquânticoseoscubosdegelodasbebidasdeJoãoeMariatrepidavamfreneticamentecomosetambémelessofressemdeclaustrofobia.EmboraoH-Barsejaumafantasia—narealidadeovalordabebidaéincrivelmentepequeno—,essetipodeclaustrofobiaquânticaéumacaracterísticasemprepresenteno mundo microscópico. O movimento das partículas microscópicastorna-se cada vez mais agitado quando elas são confinadas eexaminadasemespaçoscadavezmenores.

O princípio da incerteza também faz surgir um fenômenosumamente interessante conhecido como tunelamento quântico. Sevocêjogarumaboladeplásticocontraumaparededeconcretodetrêsmetrosdelargura,afísicaclássicaconfirmaráoqueosseusinstintoslhedizem:abolarebateránaparedeevoltaráparavocê.Arazãoéqueabola simplesmente não tem energia suficiente para penetrar em umobstáculo tão formidável.Masnonível daspartículas fundamentais, amecânica quântica demonstra inequivocamente que as funções deondas — ou seja, as ondas de probabilidade — de cada uma daspartículas que compõem a bola têm uma pequeníssima parte que seprolonga através da parede. Isso significa que existe uma chance—mínima,masmaiordoquezero—dequeabolaconsigapenetrarnaparedeesairdooutrolado.Comoéquepode?ArazãoestánovamentecomasimplicaçõesdoprincípiodaincertezadeHeisenberg.

Imaginequevocêéabsolutamentepobreederepenterecebeanotíciadequeumatiaquevivenoexteriormorreuedeixouumagrandefortunaquededireitolhepertence.Oproblemaestáemquevocênãotemodinheiroparapagarapassagematéo fimdomundoondea tiamorava.Vocêexplicaasituaçãoparaosamigosedizqueseeleslheemprestaremodinheirodaviagem,aoseu regresso receberão régiosdividendos,masninguémtemdinheiroparaemprestar.Vocêselembraentão de um velho amigo dos bons tempos, que trabalha em umacompanhia de aviação, procura-o e lhe implora uma passagem. Eletampoucotemcomolheemprestarodinheiro,massugereumasolução.Osistemadecontabilidadedacompanhiafuncionadeummodotalquesevocêcreditaropagamentodapassagemnas24horasseguintesao

vôo,nãohácomosaberqueodinheirosófoicreditadodepoisdapartidadoavião.Eassimvocêconsegueirreclamaraherança.

Os procedimentos de contabilidade da mecânica quântica sãobastante similares. Heisenberg demonstrou que não só existe umintercâmbioentreaprecisãodamedidadaposiçãoeadavelocidade,comotambémentreaprecisãodamedidadaenergiaeotempoqueselevaparafazeramedição.Amecânicaquânticaafirmaquenãosepodedizer que uma partícula tenha precisamente essa ou aquela energiaprecisamentenesteounaquelemomento.Paraqueasmedidassejamprecisasénecessário tempoparaefetuá-las.Ora,emoutraspalavras,issosignificaqueaenergiadeumapartículapodeflutuarviolentamentedesdequeporumtempomuitocurto.Portanto,assimcomoosistemadecontabilidade da companhia de aviação "permite" que você "tomeemprestado" o dinheiro da passagem desde que o reponha comsuficiente rapidez, também a mecânica quântica permite que umapartícula "tomeemprestada"aenergia,desdequeestasejadevolvidadentrodeumperíododetempodeterminadopeloprincípiodaincertezade Heisenberg. A matemática da mecânica quântica demonstra quequantomaiorforabarreiradeenergia,tantomenorseráaprobabilidadedequeessacriativaoperaçãodecontabilidademicroscópicachegueaocorrer. Mas as partículas microscópicas que enfrentam um muro deconcreto podem e às vezes conseguem tomar emprestada umaquantidadedeenergiasuficienteparafazeroqueéimpossíveldopontodevistadafísicaclássica—penetrar,porummomento,comosefosseporumtúnel,emumaregiãoondeinicialmenteelasnãotinhamenergiasuficiente para entrar. Àmedida que aumenta a complexidade de umobjeto, com um número cada vez maior de partículas em suacomposição,ostunelamentosquânticospodemaindaocorrer,masvãose tornando muito improváveis, uma vez que todas as partículascomponentes teriam de ter a sorte de sofrer a mesma flutuação aomesmo tempo. Mas os episódios do desaparecimento do charuto deJoão,docubodegeloqueatravessaovidrodocopoedapassagemdeJoãoeMaria pela parededobar podemacontecer.Emum lugar de fantasiacomooH-Bar,emque~hégrande,essestunelamentosquânticossãoeventos corriqueiros. Mas as regras de probabilidade da mecânicaquântica—eemparticularapequenezde~hnomundoreal—indicamquesevocêtentaratravessarumaparedeumavezacadasegundo,teriadeesperarmaistempodoqueaidadetatualdouniversoparapoderterumaboachancedeobterêxitoemuma

dastentativas.Cometernapaciência(elongevidade),noentanto,maiscedooumaistardevocêaparecerádooutrolado.

O princípio da incerteza é o coração da mecânica quântica.Coisasqueconsideramosbásicasapontodejamaisasquestionarmos—queosobjetostenhamposiçõesevelocidadesdefinidaseníveisdeenergiadefinidosaqualquermomentodado,porexemplo—agoratêmdeservistascomosimplesconseqüênciasdofatodequeaconstantedePlanckébastantediminuta,secomparadaànossaescalacotidiana.De importância fundamental é o fato de que, quando se aplica essaconcepção quântica ao tecido do espaço e do tempo, revelam-seimperfeiçõesfataisnas"malhasdagravidade"quenoslevamaoterceiroconflitoprincipaldafísicanesteúltimoséculo.

5.ANECESSIDADEDEUMATEORIANOVA:RELATIVIDADEGERALVERSUSMECÂNICAQUÂNTICA

A compreensão que temos do universo físico aprofundou-seduranteos

últimoscinqüentaanos.Osinstrumentosteóricosdamecânicaquânticae da relatividade geral permitem-nos compreender e preveracontecimentos físicosdesdeasescalasatômicaesubatômicaatéasdas galáxias, dos aglomerados de galáxias e da estrutura do própriouniverso. Essa é uma realização monumental. É extraordinário queseres confinados a um planeta que orbita uma estrela prosaica nosconfinsdeumagaláxiabastantecomumtenhamconseguido,pormeiodopensamentoedaexperiência,descobrirecompreenderalgumasdascaracterísticas mais misteriosas do universo físico. Além do que, osfísicos, por sua própria natureza, não se satisfarão enquanto nãodesvendarem os fatos mais profundos e fundamentais do universo.StephenHawkingsereferiuaissocomooprimeiropassonorumodoconhecimentoda"mentedeDeus".

Está cada vez mais claro que a mecânica quântica e arelatividadegeralnãochegamaalcançaressenívelmaisprofundodoconhecimento.Como os seus campos de aplicação são normalmentetãodiferentes,nagrandemaioriadoscasos,ouseaplicaamecânicaquântica,ouarelatividadegeral,masnuncaasduasemconjunto.Emcertascondiçõesextremas,noentanto,emqueosobjetostêmgrandesmassasesãomuitopequenos—comonopontocentraldeumburaconegro,ounoprópriouniversonomomentodobig-bang,paradardoisexemplos —, precisamos tanto da mecânica quântica quanto darelatividadeparaoentendimentocorreto.Mas,talcomoacontececomapólvoraeo fogo,quandotentamoscombinaramecânicaquânticaearelatividade geral, a união gera catástrofes violentas. Problemas bemformulados produzem respostas sem sentido quando associamos asequaçõesdasduas teorias.A formamais freqüenteque tomamessesabsurdoséqueoresultadoobtidoparaaprobabilidadedeocorrênciadeumprocessonãoseja,porexemplo,devinteporcento,oude73porcento,oude91porcento,massimoinfinito.Ora,qualéosignificadodeumaprobabilidademaior doqueum?Ou, pior, deumaprobabilidadeinfinita?Somosforçadosaconcluirqueháalgodeerrado.Examinando cuidadosamenteaspropriedadesbásicasda relatividade

geraledamecânicaquântica,podemosverificarquerealmenteháalgodeerrado.AESSÊNCIADAMECÂNICAQUÂNTICA

QuandoHeisenberg descobriu o princípio da incerteza, a físicamudou de rumo e nunca mais regressou ao caminho anterior.Probabilidades, funções de ondas, interferências, quanta, tudo issoenvolvemaneirasradicalmentenovasdeencarararealidade.Umfísico"clássico" particularmente renitente poderia ainda apegar-se àesperançadeque,afinaldecontas, todosessesdesvios terminassemporproduziralgonãomuitodiferentedoantigomododepensar.Masoprincípio da incerteza liquidou, clara e definitivamente, com qualquerpossibilidadedeaferrar-seaopassado.

Oprincípioda incertezanos informaqueouniversoéumlugarfrenético quando visto em escalas cada vez menores de espaço etempo. Vimos alguns exemplos na tentativa que fizemos, no capítuloanterior,dedeterminaralocalizaçãodepartículaselementarescomooselétrons: se jogamos sobre o elétron luz de freqüências cada vezmaiores, podemos determinar a sua posição com precisão crescente,mastemosdepagarumcusto,umavezqueasnossasobservaçõessetornamcadavezmaisintrusivas.Osfótonsdefreqüênciaaltatêmmuitaenergiae,portanto,dãoumforte"empurrão"noselétrons,oquealterasignificativamenteoseumovimento.Éumaconfusãosemelhanteàdeumasalacheiadecrianças:acadamomentovocêpodedeterminaraposição de todas elas com grande precisão, mas não tem nenhumcontrole sobre os seus movimentos — velocidade e direção. Essaimpossibilidadedeconhecersimultaneamenteaposiçãoeavelocidadedas partículas elementares implica que o mundo microscópico éintrinsecamenteturbulento.

Embora esse exemplo dê a idéia da relação básica existenteentre a incerteza e o frenesi, na verdade ele só conta uma parte dahistória. Poderia levá-lo a pensar, por exemplo, que a incerteza sóocorre quando nós, na qualidade de observadores desastrados,entramosemcena.Issonãoéverdade.Oexemplodoelétronquereageviolentamenteaoserconfinadoemumespaçopequeno,chocando-secontra as paredes em alta velocidade, está mais perto da verdade.Mesmosemo"impactodireto"causadoporumfótonintrusivolançadopelo experimentador, a velocidade do elétron muda, pronunciada e

imprevisivelmente, de um momento a outro. Mas nem mesmo esseexemplo revela por completo as surpreendentes característicasmicroscópicas da natureza que a descoberta de Heisenberg implica.Mesmono cenáriomais tranqüilo que sepossa imaginar, uma regiãovaziadoespaço,oprincípiodaincertezanosdizque,dopontodevistamicroscópico, ocorre uma tremenda atividade. E quanto menores asescalasdeespaçoetempo,maisagitadaéessaatividade.

Para compreender isso é essencial fazer uma contabilidadequântica.Nocapítuloprecedente,vimosque,assimcomopodetornar-senecessáriotomaralgumdinheiroemprestadoparasuperarumproblemafinanceiro, também uma partícula como um elétron pode tomaremprestada alguma energia, por algum tempo, para superar umobstáculofísico. Issoéverdade.Masamecânicaquânticanosforçaalevar a analogia um passo adiante. Imagine uma pessoa que tem acompulsãodesairpedindodinheiroatodososamigos.Quantomenorotempoemqueficacomodinheiro,maioromontantedoempréstimoqueelapede.Pedeepaga,pedeepaga—sempararnemesmorecer,tomandodinheiroapenasparapagá-loemseguida.AssimcomoopreçodasaçõesemumdiaturbulentoemWallStreet,odinheiro em poder do nosso amigo compulsivo sofre oscilaçõesextremas,masdepoisdetudo,quandosefazacontabilidadedassuasfinanças,verifica-sequeasituaçãopermaneceestável.

O princípio da incerteza de Heisenberg afirma que flutuaçõesfrenéticasdeenergiaedemomentotambémocorremperpetuamentenouniverso, em escalas microscópicas de espaço e tempo. Mesmo emumaregiãovaziadoespaço—dentrodeumacaixavazia,porexemplo—oprincípiodaincertezadizqueaenergiaeomomentosãoincertos:eles flutuamemescalasquese tornammaisamplasàmedidaqueovolumedacaixaouointervalodetempodiminuem.Ecomosearegiãoaoespaçonointeriordacaixa"tomasseemprestadas"compulsivamentequantidadesdeenergiaedemomento,"contraindoepagandodívidas"douniversoconstantemente.Masquais sãoascoisasqueparticipamdessas interações em uma região quieta e vazia do espaço? Todas.Literalmente.Aenergia(etambémomomento)éa"moedaconversível"fundamentaldouniverso.E=me2nosinformadequeaenergiapodeconverter-seemmatériaevice-versa.Assim,umaflutuaçãodeenergiasuficientementegrandepode,porexemplo,fazercomqueumelétroneumpósitron,seupardeantimatéria,apareçamderepente,mesmoemumaregiãoemqueantesnãohavianada!Comoaenergiatemdeser

rapidamentedevolvida,asduaspartículasseaniquilammutuamenteemuminstante,comoqueliberamaenergiausadaquandodasuacriação.Isso também é verdade para todas as formas que a energia e omomentovenhama tomar—aparecimentoseaniquilaçõesdeoutraspartículas, fortes oscilações nos campos eletromagnéticos, flutuaçõesnoscamposdasforçasfracaeforte.Aincertezadamecânicaquânticanosinformaqueouniversoéumlugarfrenético,prolíficoecaóticonasescalasmicroscópicas.NaspalavraszombeteirasdeFeynman:"Criareaniquilar; criar e aniquilar — que perda de tempo". Como osempréstimoseospagamentoscancelam-semutuamentenamédia,asregiões vazias do espaço parecem calmas e plácidas quandoexaminadas em escalas maiores. Contudo, o princípio da incertezarevela que essas médias macroscópicas ocultam a exuberância daatividademicroscópica.Comoveremosdaquiapouco,essefrenesiéoobstáculo que tem impedido a fusão entre a relatividade geral e amecânicaquântica.TEORIAQUÂNTICADECAMPO

Durante as décadas de 30 e 40, físicos teóricos, guiados porcientistascomo

PaulDirac,WolfgangPauli,JulianSchwinger,FreemanDyson,Sin-ItiroTomonagaeFeynman, paramencionar alguns, empenharam-seardorosamenteemencontrar fórmulas matemáticas capazes de lidar com essa bagunçamicroscópica. Eles verificaram que a equação de onda quântica, deSchrödinger (mencionada no capítulo 4), é apenas uma descriçãoaproximadadafísicamicroscópica—aproximaçãoquefuncionamuitobem desde que não nos aprofundemos demasiado no frenesimicroscópico (tanto experimental quanto teoricamente), mas quefracassa com certeza se o fizermos.O elemento central da física queSchrödinger ignorou na sua formulação da mecânica quântica foi arelatividade especial. Na verdade, inicialmente Schrödinger tentouincorporararelatividadeespecial,masasprevisõesfeitaspelaequaçãoquântica gerada por essa tentativa não eram compatíveis com asmedidas experimentais já obtidas para o hidrogênio. Isso levouSchrödingeraapelarparaatradiçãoseculardafísica,adedividirparaconquistar.Emvezde tentar incorporardeumasóvez tudooquesesabe sobre o universo físico, muitas vezes, ao se desenvolver uma

teorianova,émaisvantajosodarumasériedepequenospassosparaincluir progressivamente as descobertas mais novas geradas pêlospesquisadores de vanguarda. Schrödinger buscou e encontrou umesquemamatemático que compreendia a descoberta experimental dadualidade onda-partícula, mas não incorporou, nesse estágio, arelatividade especial. Logo se descobriu, contudo, que a relatividadeespecialeraessencialparaaformulaçãodamecânicaquântica.Issosedeve a que o frenesi microscópico requer que se reconheça que aenergiapodesemanifestaremumaenormevariedadedemaneiras—noçãoqueprovémdaarmaçãodarelatividadeespecialdequeE=me1.Ao ignorar a relatividade especial, Schrödinger ignorou o inter-relacionamento entre matéria, energia e movimento. Os cientistasconcentraramosseusesforços iniciaisdedesbravamentodocaminhoque levaria à compatibilização entre a relatividade especial e osconceitos quânticos no estudo da força eletromagnética e suasinteraçõescomamatéria.Umasériedeavançosfascinantesconduziuàcriação da eletrodinâmica quântica.Esse é umexemplo do quemaistarde ficouconhecidocomo teoria relativísticaquânticadecampo,ou,para resumir, teoriaquânticadecampo.Éuma teoriaquânticaporquetodas as questões de probabilidade e incerteza estão incorporadasdesdeoinício;éteoriadecampoporqueassociaosprincípiosquânticoscom a noção clássica de campo de força — nesse caso, o campoeletromagnético de Maxwell; e é relativística porque a relatividadeespecial também está incorporada desde o início. (Se preferir umametáfora visual para um campo quântico, você pode perfeitamenterecorreràimagemdeumcampoclássico—digamos,comoumoceanodelinhasdecampoinvisíveispermeandotodooespaço—,masterádeaperfeiçoá-laemdoissentidos.Emprimeirolugar,imaginequeocampoquânticoécompostoporpartículas—comoos fótonsnocasodeumcampoeletromagnético.Emsegundolugar,imaginequeaenergia,soba forma da massa e do movimento das partículas, oscilaincessantemente entre os diversos campos quânticos que vibramcontinuamenteatravésdoespaçoedotempo.)

Aeletrodinâmicaquânticaéprovavelmenteateoriamaisprecisasobre os fenômenos naturais jamais formulada. Um exemplo dessaprecisão está no trabalho de Toichiro Kinoshita, da Universidade deCornell,quetrabalhouincansavelmentecomaeletrodinâmicaquânticadurante trinta anos, para calcular em detalhe certas propriedades doelétron.OscálculosdeKinoshitaencherammilharesdefolhasdepapele só com a ajuda dos maiores computadores do mundo foi possível

completá-los. Mas valeu a pena: os cálculos a respeito dos elétronsproduziram previsões que se revelaram precisas até a nona casadecimal. Essa é uma concordância absolutamente fantástica entre ocálculo teórico abstrato e o mundo real. Através da eletrodinâmicaquântica,oscientistasconseguiramconsolidaropapeldofótoncomo"amenor quantidade possível de luz" e revelar a sua interação com aspartículas dotadas de carga elétrica, como o elétron, em umdesenvolvimentomatemático completo, convincente e coerente comomundoreal.Oêxitodaeletrodinâmicaquânticalevououtrosfísicos,nasdécadas de 60 e 70, a buscar caminhos análogos para alcançar oentendimento das forças fraca, forte e gravitacional, em termos demecânicaquântica.Essalinhadeaçãorevelou-seimensamentefrutíferacom relação às forças fraca e forte. Seguindo os passos daeletrodinâmica quântica, os cientistas conseguiram construir teoriasquânticasdecampoparaas forças fortee fraca,que foramchamadascromodinâmicaquânticaeteoriaquânticaeletrofraca."Cromodinâmicaquântica"éumnomemaisexpressivoque"dinâmicaquânticadaforçaforte", que seria mais lógico, mas é apenas um nome, sem nenhumsignificado mais profundo; por outro lado, a expressão "eletrofraca"sintetiza um avanço importante nos nossos conhecimentos a respeitodasforçasdanatureza.

EmumtrabalhoquelhevaleuoprêmioNobel,SheldonGlashow,Abdus

Saiam e Steven Weinberg demonstraram que a força fraca e aeletromagnéticaunem-senaturalmentepormeiodadescriçãoquelhesproporciona a teoria quântica de campo, ainda que as suasmanifestações no mundo à nossa volta nos pareçam totalmentediferentes entre si. Afinal de contas, os campos da força fracapraticamentedesaparecemalémdasescalassubatômicas,enquantooscamposeletromagnéticos—aluzvisível,ossinaisderádioetelevisão,osraiosX—têmumainegávelpresençamacroscópica.Apesardisso,Glashow, Saiam e Weinberg demonstraram, essencialmente, que aenergias e temperaturas suficientemente altas — como as queocorreram uma fração de segundo após o big-bang — a forçaeletromagnéticaeaforçafracadissolvem-seumanaoutraeassumemcaracterísticas indiferenciáveis, pelo que são mais corretamentechamadas campos eletrofracos. Com a queda da temperatura, o quevem acontecendo regularmente desde o big-bang, a forçaeletromagnética e a força fraca cristalizam-se demaneiras distintas àforma comum que tinham a altas temperaturas — por meio de um

processo conhecido como quebra de simetria, que descreveremosdepois—eporissoparecemserdiferentesnouniversofrioemquehojevivemos.Assim,paraquemestáacompanhandoodesenrolardojogo,na altura da década de 70 os cientistas já haviamdesenvolvido umaexplicaçãosensataebemsucedida,nostermosdamecânicaquântica,para três das quatro forças (forte, fraca e eletromagnética) edemonstradoqueduasdelas(afracaeaeletromagnética)têmamesmaorigem (a força eletrofraca). No curso das duas últimas décadas, osfísicos submeterama um intensoescrutínio experimental o tratamentodado pelamecânica quântica às três forças não gravitacionais—emsuas interações entre elas próprias e com as partículas de matériaapresentadas no capítulo 1. A teoria superou todos esses desafiosimpavidamente.Depoisqueoscientistasatribuíramvaloresacercadedezenoveparâmetros,assuascargasdeforça,registradasnanota1docapítulo1,as intensidadesdastrêsforçasnãogravitacionaisealgunsoutrosnúmerosquenãoprecisamosdiscutiraqui),edepoisqueessesnúmerosforaminseridosnasteoriasquânticasdecampodaspartículasde matéria e das forças forte, fraca e eletromagnética, as previsõessubseqüentes relativas aomicrocosmosmostraramuma concordânciaespetacular com os resultados experimentais. Esse é um fatocomprovadoatéumníveldeenergiacapazdepulverizaramatériaemestilhaçostãopequenosquenãomedemmaisqueumbilionésimodebilionésimodemetro,queéonossolimitetecnológicoatual.Poressarazão,os físicosdãoà teoriadas três forçasnãogravitacionaisedastrêsfamíliasdepartículasdematériaonomedeteoria-padrão,ou,maisfreqüentemente,odemodelo-padrãodafísicadepartículas.PARTÍCULASMENSAGEIRAS

Segundoomodelo-padrão,assimcomoofótonéocomponentemínimodoscamposeletromagnéticos,tambémaforçaforteeafracatêmcomponentesmínimos.Comovimosrapidamentenocapítulo1,ogrãomínimodaforçaforteéconhecidocomoglúoneodaforçafracatemonomedebósondaforçafraca(maisprecisamenteosbósonsWeZ).Omodelo-padrão nos ensina a pensar que essas partículas não têmestruturainterna—nesteesquema,elassãotãoelementaresquantoaspartículasdastrêsfamíliasdamatéria.

Os fótons, os glúons e os bósons da força fraca constituem omecanismomicroscópicodetransmissãodasforçasqueelesintegram.

Por exemplo, quando uma partícula eletricamente carregada repeleoutradecargaelétricasemelhante,vocêpodeconceberasituaçãoemtermos de que cada partícula está cercada por um campo elétrico—uma"nuvem"ouuma"bruma"de "essênciaelétrica"—ea forçaquecadapartículasenteprovémda repulsãoentreos respectivoscamposde força. Há, contudo, uma descrição diferente e mais precisa damaneira pela qual ocorre a repulsão. Um campo eletromagnéticocompõe-sedeumenxamedefótons.Ainteraçãoentreduaspartículasdotadasdecargaelétricadecorredequeambas"atiram"fótonsumacontraaoutra.Assimcomovocêpodeafetaromovimentodeumcorredorlançandoumagrandequantidadedebolas sobre a pista, assim também duas partículas eletricamentecarregadas influenciam-se mutuamente pela troca desses grãosmínimosdeluz.

Umadeficiênciaimportantedaanalogiacomocorredoréqueasbolas lançadas sobre a pista têm sempre um efeito "repulsivo" —sempreafastamocorredor.Aocontrário,duaspartículasquetêmcargasopostas também interagem mediante a troca de fótons, mas a forçaeletromagnética resultante é atrativa. É como se o fóton não fosse otransmissor da força em si mesma, mas sim o transmissor de umamensagem sobre como o destinatário deve responder à força emquestão. Para as partículas de carga similar, o fóton transmite amensagem "afastar-se" e para as partículas de carga oposta, eletransmiteamensagem"aproximar-se".Poressarazão,porvezesofótonédocomoapartículamensageiradaforçaeletromagnética.Damesmamaneira,osglúonseos bósons da força fraca são as partículas mensageiras das forçasnuclearesforteefraca.Aforçaforte,quemantémosquarkspresosnointeriordosprótonsedosnêutrons,derivadatrocadeglúonsentreosquarks.Osglúons,porassimdizer,proporcionama"cola"quemantémunidasessaspartículassubatômicas.Aforçafraca,queéresponsávelpor certos tipos de transmutações de partículas que ocorrem emepisódiosdedesintegraçãoespontânea,étransmitidapêlosbósonsdaforçafraca.SIMETRIADECALIBRE(GAUGE)

Você jádeve terpercebidoqueoestranhononinhoemnossadiscussão da teoria quântica das forças da natureza é a gravidade.

Tendoemvistaosucessodométodousadocomrelaçãoàsoutrastrêsforças, você poderia sugerir que os cientistas buscassem uma teoriaquânticadecampoparaa forçagravitacional—uma teorianaqualomenor grão dos campos da força gravitacional, o gravitem, seria apartícula mensageira dessa força. À primeira vista, essa sugestãopareceparticularmenteválida,umavezqueateoriaquânticadecampodastrêsforçasnãogravitacionaisrevelasedutoramenteaexistênciadeuma similaridade entre elas e um aspecto da força gravitacional quevimosnocapítulo3.Lembre-sedequeaforçagravitacionalpermite-nosdeclarar que todos os observadores — independentemente do seuestado de movimento — estão em perfeita igualdade de condições.Mesmoaquelesquenormalmenteconsideraríamosestaremmovimentoacelerado podem supor-se em repouso e atribuir a força queexperimentamaofatodeestaremimersosemumcampogravitacional.Nestesentido,agravidadeensejaasimetria:elaasseguraquetodosospontosdevistaetodososreferenciaispossíveissãoigualmenteválidos.Asemelhançacomasforçasforte,fracaeeletromagnéticaestáemquetambémelasassociam-seasimetrias,emborasignificativamentemaisabstratasqueasimetriaassociadaàgravidade.

Para se ter uma idéia aproximada desses sutis princípios desimetria,consideremosumexemploimportante.Osquarksapresentam-se em três "cores" (imaginosamente chamadas de vermelho, verde eazul,emborasetratedemerosrótulos,semqualquerrelaçãocomcoresnosentidovisualcomum),asquaisdeterminamo tipode respostadoquarkàforçaforte,maisoumenosdomesmomodopeloqualacargaelétricadeterminacomoelerespondeàforçaeletromagnética.Todososdados até aqui apurados estabelecem a existência de uma simetriaentreosquarks,nosentidodequetodasasinteraçõesentredoisquarksdamesmacor(vermelhocomvermelho,verdecomverdeouazulcomazul) são idênticas e todas as interações entre dois quarks de coresdiferentes(vermelhocomverde,verdecomazulouazulcomvermelho)tambémsãoidênticas.Naverdade,osdadosapontamparaalgoaindamaisnotável.Seastrêscores—astrêsdiferentescargasfortes—queum quark pode ter se modificassem de uma determinada maneira(grossomodo,se,nanossalinguagemcromáticadefantasia,vermelho,verdeeazulseconvertessememamarelo,anilevioleta,porexemplo)emesmoqueosaspectosespecíficosdessasmodificaçõessealterassemdeummomentoparaooutro,oudeumlugarparaooutro,asinterações

entre os quarks semanteriam totalmente inalteradas.Por essa razão,assimcomosedizqueaesferaexemplificaa simetria rotacional, porconservar o mesmo aspecto quando a giramos em nossas mãos ouquandovariamosoângulopeloqualavemos,dizemostambémqueouniversoexemplificaasimetriada força forte:a físicanãosemodificacomessasmudançasdecargasdeforçaeécompletamenteinsensívelaelas.Pormotivoshistóricos,osfísicostambémdizemqueasimetriadaforçaforteéumexemplodesimetriadecalibre.

Esseéopontoessencial.Assimcomoasimetriaentretodosospontosdevistaobservacionaisdarelatividadegeralrequeraexistênciadaforçagravitacional,fatoresderivadosdotrabalhodeHermannWeyl,nadécadade20,edeChenNingYang e Robert Milis, na década de 50, revelaram que a simetria decalibrerequeraexistênciadeoutrasforças.Domesmomodocomoumbomsistemadecontroleambientalmantémconstantesatemperatura,apressãoeaumidadedoar,contrabalançandoexatamenteasvariaçõesexternas,deacordocomYangeMiliscertostiposdecamposdeforçatambém contrabalançam perfeitamente as alterações nas cargas deforçaemantêmcompletamenteinvariáveisasinteraçõesfísicasentreaspartículas.Paraocasodasimetriadecalibreassociadaàsmudançasdecordascargasdosquarks,a força requeridanãoéoutra senãoaprópria força forte. Ou seja, sem a força forte, a física sofreriamodificaçõesemconseqüênciadasvariaçõesdecordascargas,comoindicadoanteriormente.Issomostraqueemboraaforçagravitacionaleaforça forte tenhampropriedadesamplamentediferentes (basta lembrarqueagravidadeémuitomaisdébilqueaforçaforteeoperaadistânciasincomensuravelmentemaiores),elas têmumaherançaatécertopontosimilar:ambassãonecessáriasparaqueouniversoincorporesimetriasparticulares.Alémdisso,omesmotipodesituaçãoaplica-seàsforçasfracaeeletromagnética,oquerevelaqueasuaexistênciatambémestáligadaaoutrassimetriasdecalibre,chamadassimetriasdecalibrefracaeeletromagnética.Porconseguinte,asquatroforçasestãodiretamenteassociadasaprincípiosdesimetria.

Essa característica comumdas quatro forças parece justificar asugestão feita no início dessa seção, de que, no nosso esforço porincorporaramecânicaquânticaàrelatividadegeral,deveríamosbuscarumateoriaquânticadecampopara a força gravitacional, do mesmo modo como os cientistasconseguiram descobrir as teorias quânticas de campo para as outras

três forças. Ao longo do tempo, esse raciocínio tem servido deinspiração para um destacado e prodigioso grupo de físicos quecontinuam trabalhando com vigor, mas o terreno tem se mostradorepleto de perigos e ninguém ainda logrou atravessá-lo por inteiro.Vejamosporquê.RELATIVIDADEGERALVERSUSMECÂNICAQUÂNTICA

Ocampodeaplicaçãousualdarelatividadegeraléodasescalasastronômicasdedistância.Emtaisescalas,ateoriadeEinsteinimplicaqueaausênciademassasignificaqueoespaçoéplano.comvistasaunirarelatividadegeraleamecânicaquântica,devemosagoramudarradicalmente o nosso enfoque e examinar as propriedadesmicroscópicas do espaço, mediante um zoom que ampliasucessivamenteregiõescadavezmenoresdotecidoespacial.Comasprimeirasampliaçõesnãoacontecenadadeextraordinário.Comosevê,aestruturadoespaçoretémamesmaformabásica.Raciocinandoapartirdeumpontodevistapuramenteclássico,seriadeesperar que essa imagem plana e plácida do espaço persistisse otempo todo, até as menores escalas de tamanho. Mas a mecânicaquântica muda radicalmente essa conclusão. Tudo está sujeito àsflutuaçõesquânticasinerentesaoprincípiodaincerteza—atémesmoocampogravitacional.Emboraoraciocínioclássicoindiquequeoespaçovazio tem um campo gravitacional igual a zero, amecânica quânticarevelaqueeleéigualazeronamédia,masoseuvalorrealoscilaparacima e para baixo, ao sabor das flutuações quânticas. Além disso, oprincípiodaincertezanosdizqueotamanhodasondulaçõesdocampogravitacionalaumentaàmedidaqueanossaatençãoseconcentraemregiõescadavezmenoresdoespaço.Amecânicaquânticamostraquenão existe coisa alguma que goste de ficar confinada; quanto maisestreitoforofocoespacial,tantomaioresserãoasondulações.Comooscampos gravitacionais se expressampela curvatura, essas flutuaçõesquânticasmanifestam-se comodistorções cadavezmais violentasdoespaçocircundante.

Vemos os primeiros sinais do surgimento das distorções noquarto nível de ampliação. Continuando a examinar o espaço emescalas cada vez menores, como no quinto nível, vemos que asondulaçõesaleatóriasdocampogravitacionalcorrespondematalgraudedeformaçãodoespaço,queessejánãolembraumobjetogeométricodecurvaturasuave,comoasuperfíciedeborrachadanossadiscussãodo capítulo 3. Ao contrário, ele toma a forma irregular, espumosa,

turbulentaeretorcida.JohnWheelercunhouotermoespumaquânticapara descrever o burburinho que uma sondagem ultramicroscópicacomoessarevelariaexistirnoespaço(enotempo)—otermodescreveumaspectoestranhodouniversoemqueasnoçõesconvencionaisdeesquerdaedireita,adianteeatrás,emcimaeembaixo(emesmoantesedepois)perdemosentido.Enessasescalasmínimasdetamanhoqueencontramosaincompatibilidadefundamentalentrearelatividadegeraleamecânicaquântica.Anoçãodeumageometriaespacial suave,oprincipio cardeal da relatividade geral, fica destruída pelas flutuaçõesviolentas do mundo quântico nas pequenas escalas espaciais. Nasescalasultramicroscópicas,oaspectoessencialdamecânicaquântica— o princípio da incerteza— entra em conflito direto com o aspectoessencialdarelatividadegeral—omodelogeométricosuavedoespaço(edoespaço-tempo).

Naprática,oconflitoaparecedeumamaneirabemconcreta.Oscálculosque juntamasequaçõesdarelatividadegeraledamecânicaquântica produzem tipicamente um resultado absurdo: o infinito. Oinfinitocomorespostaéamaneiraqueanaturezatemdenosdizerqueestamoscometendoalgumerro,assimcomoobeliscãodasprofessorasde antigamente. As equações da relatividade geral não conseguemsuportara incessante febricitaçãodaespumaquântica.Deve-senotar,contudo, que quando regressamos a escalas mais comuns, asondulaçõesaleatóriase violentasdasescalaspequenascancelam-semutuamente — do mesmo modo como a conta bancária do nossotomador compulsivo de empréstimos não registra evidência da suacompulsão—eoconceitodeumageometria suaveparao tecidodouniverso volta a ter precisão. Isso é semelhante ao que acontecequandoseolhaumaimagemformadaporpontosdeluz:àdistância,ospontos se harmonizam e compõem uma imagem coerente, cujasvariaçõesdeluminosidadeocorremsemdescontinuidadesdeumaáreaparaoutra.Aoinspecionarafiguraacurtadistância,verifica-se,porém,queelaémuitodiferentedoquepareciaquandovistadelonge.Elanãoémaisdoqueumconjuntodepontosseparadoseindependentesunsdos outros. E importante observar que a natureza descontínua daimagemsósetornavisívelquandoéexaminadanasescalasmenores;delonge,elapareceintegrada.Domesmo modo, o tecido do espaço-tempo parece integrado, salvoquando examinado com precisão ultramicroscópica. Por isso, a

relatividadegeral trabalhabemnasescalasmaioresdeespaço (edetempo) — que são as escalas que importam para a maioria dasatividades astronômicas —, mas se torna incoerente nas escalasmenores do espaço (e do tempo).A noção básica de umageometriasuave, de curvas harmoniosas, justifica-se no que é grande, masdissolve-sesobo impactodasflutuaçõesquânticasquando levadaaoqueépequeno.

Os princípios básicos da relatividade geral e da mecânicaquântica permitem-nos calcular aproximadamente as escalas a partirdasquaisosfenômenosperniciososcomeçamaaparecer.Otamanhodiminuto da constante de Planck— que comanda a intensidade dosefeitos quânticos — e a debilidade intrínseca da força gravitacionalsomam-separaproduzirumnúmerodenominadodistânciadePlanck,cujapequenezdesafiaaimaginação:ummilionésimodebilionésimodebilionésimo de bilionésimo de centímetro (IO33 cm). O quinto níveldescreve,assim,demaneiraesquemática,apaisagemdouniversonaescalaultramicroscópica,abaixodadistânciadePlanck.

Para que se tenha uma idéia das proporções aqui envolvidas,digamosquesenósampliássemosumátomoatéqueelealcançasseotamanho do universo conhecido, a distância de Planck alcançaria otamanhodeumaárvorecomum.Vemosassimqueaincompatibilidadeentrearelatividadegeraleamecânicaquânticasurgeapenasemumreinobastanteesotéricodouniverso.Vocêpoderiaentãoperguntarsetodaessadiscussãovaleapena.Defato,acomunidadedafísicatemopiniõesdivididasaesserespeito.Háosquereconhecemaexistênciado problemamas continuam felizes usando amecânica quântica e arelatividadegeral,conformeanaturezadoproblemaeasuaescaladedimensões. Há outros, no entanto, que se sentem profundamentefrustradoscomofatodequeosdoispilaresfundamentaisdafísicasão,emsuaessência,incompatíveis,aindaqueoproblemasóserevelenasdistânciasultramicroscópicas.Aincompatibilidade,emsuaopinião,põeanuumafalhabásicanonossoentendimentodouniversofísico.Esseponto de vista deriva da noção largamente compartilhada, emboraimpossíveldeprovar,dequeouniverso,emseunívelmaisprofundoeelementar,podeserexplicadoporumateorialogicamentecorreta,cujaspartesseunamdeformaharmônica.Comefeito,independentementedarelevânciaqueessaincompatibilidadepossaterparaoseutrabalho,emúltimaanáliseamaioria dos físicosnãoacredita queo conhecimentoteórico mais profundo do universo esteja para sempre condenado aconstituir um remendo matematicamente inconsistente entre dois

esquemasdeexplicaçãovigorososmasconflitantes.

Os físicos já fizeram numerosas tentativas de introduzirmodificações, seja na relatividade geral, seja na mecânica quântica,com o objetivo de evitar esse conflito, mas por mais engenhosos ecorajosos que tenham sido tais esforços, o resultado até aqui foi ofracasso.Istoé,atéadescobertadateoriadassupercordas.

PARTEIII

Asinfoniacósmica

6.Puramúsica:aessênciadateoriadassupercordas

Historicamenteamúsica tempropiciadoasmelhoresmetáforas

para quem quer entender as coisas cósmicas. Desde o tempo da"músicadasesferas",dePitágoras, até as "harmonias da natureza", que orientam a pesquisacientífica ao longo dos séculos, sempre nos sentimos coletivamenteatraídospelamúsicadanaturezaeprocuramosouvi-lanoselegantesmovimentos dos corpos celestes, assim como nas desenfreadasvariaçõesdaspartículassubatômicas.Comadescobertadateoriadassupercordas, as metáforas musicais assumem uma surpreendenterealidade,umavezquea teoriasugerequeapaisagemmicroscópicaestárepletadecordasmínimas,cujasvibraçõesorquestramaevoluçãodo cosmos. Os ventos da mudança, de acordo com a teoria dassupercordas,sopramatravésdeumuniversoeólico.Emcomparação,omodelo-padrão vê os componentes elementares do universo comopontos,destituídosdeestruturainterna.Pormaispositivoquesejaesseenfoque (e já mencionamos que praticamente todas as previsões arespeito do microcosmos feitas pelo modelo-padrão foram verificadasatéumbilionésimodebilionésimodemetro,queéolimitedatecnologiaatual), o modelo-padrão simplesmente não pode ser a teoria final ecompleta porque não inclui a gravidade. Além disso, as tentativas deincorporaragravidadeaoesquemadamecânicaquânticafracassaramdevido às flutuações violentas do tecido espacial que surgem nasescalas ultramicroscópicas — ou seja, a distâncias menores que adistânciadePlanck.Esseconflitonão resolvidoengendroupesquisasquelevaramaumentendimentoaindamaisprofundodanatureza.Em1984,osfísicosMichaelGreen, então no Queen Mary College, John Schwartz, do CalifórniaInstitute of Technology, produziram os primeiros resultadosconvincentesdequea teoriadassupercordas (oumaissimplesmenteteoriadascordas)bempoderiapropiciaresseentendimento.

A teoria das cordas proporciona uma mudança profunda erenovadorananossamaneiradesondarteoricamenteaspropriedadesultramicroscópicasdouniverso—mudançaessaque,comoaospoucosfoisevendo,alteraarelatividadegeraldeEinsteindemaneiratalqueatorna integralmente compatível comas leis damecânicaquântica.Deacordo com a teoria das cordas, os componentes elementares douniverso não são partículas puntiformes. Em vez disso, são mínimosfilamentos unidimensionais, como elásticos infinitamente finos, quevibramsemcessar.Masnãosedeixeenganarpelonome:aocontráriodeumacordacomum,compostapormoléculaseátomos,ascordasdateoria das cordas habitam omais profundo do coração damatéria. Apropostadateoriaéqueascordassãoingredientesultramicroscópicosque formam as partículas que, por sua vez, compõem os átomos. Ascordasdateoriadascordassãotãopequenas—elastêmemmédiaocomprimentodadistânciadePlanck—queparecemserpontos,mesmoquandoobservadascomosnossosmelhoresinstrumentos.Contudo,asubstituiçãodaspartículaspuntiformesporfilamentosdecordacomooscomponentes fundamentais de todas as coisas tem amplasconseqüências.Emprimeiríssimolugar,parecequeateoriadascordasécapazde resolveroconflitoentrea relatividadegeraleamecânicaquântica.Comoveremos,aextensãoespacial da cordaéoelementonovoecrucialquepermitequeumesquemaharmônicoúnicoincorporeambasasteorias.Emsegundolugar,ateoriadascordasofereceumateoria verdadeiramente unificada, uma vez que propõe que toda amatéria e todas as forças provêm de um único componente básico:cordas oscilantes. Finalmente, como veremos nos próximos capítulos,além dessas conquistas notáveis, a teoria das cordas modifica, maisumavezedemaneiraradical,onossoentendimentodoespaço-tempo.lUMABREVEHISTÓRIADATEORIADASCORDAS

Em1968,um jovemfísico teóricodenomeGabrieleVenezianoestavaempenhadoemdescobrirosentidodealgumaspropriedadesdaforça nuclear forte que haviam sido observadas experimentalmente.Veneziano, então um pesquisador no CERN, o laboratório doaceleradordepartículasdaEuropa, localizadoemGenebra,Suíça, jáhaviatrabalhadoemcertosaspectosdesseproblemaporalgunsanos,atéqueumdiadeparoucomumarevelaçãonotável.Parasuagrandesurpresa,eleviuqueumafórmulaherméticaimaginadaduzentosanos

antes pelo famosomatemático suíço Leonhard Euler com finalidadespuramentematemáticas—achamadafunçãobetadeEuler—pareciadescreverdeumsógolpenumerosas propriedades das partículas que a força forte põe eminteração. A observação de Veneziano pôs um potente instrumentomatemáticoàdisposiçãodaanálisedediversosaspectosdaforçafortee desencadeou um intenso fluxo de pesquisas que usavam a funçãobetadeEulereváriasdesuasgeneralizaçõesparadescreverapletorade dados que os aceleradores de partículas estavam produzindo nomundo inteiro. Em um certo sentido, no entanto, a formulação deVeneziano era incompleta. A função beta era como as fórmulasmemorizadas pêlos alunos que não conhecemnemo seu significadonemasuajustificativa:ninguémsabiaporqueelafuncionava.Erauma fórmulaàprocuradeumaexplicação. Issomudouem1970,quandoostrabalhosdeYoichiroNambu,daUniversidadedeChicago,Holger Nielsen, do Instituto Nieis Bohr, e Leonard Sussekind, daUniversidadedeStanford, revelaramadoutrina físicaqueseocultavasob a fórmula de Euler. Eles demonstraram que se as partículaselementares fossem concebidas como pequenas cordas vibrantes eunidimensionais,assuas interaçõesnuclearespoderiamserdescritasexatamentepelafunçãodeEuler.Seascordasfossemsuficientementepequenas,disseram,elascontinuariamaparecerpartículaspuntiformesepoderiam,assim,sercompatíveiscomasobservaçõesexperimentais.

Apesardefornecerumateoriasimpleseagradávelàintuição,adescrição da força forte em termos de cordas não tardou muito emapresentar falhas. Nos anos seguintes, experiências de alta energia,capazes de explorar o mundo subatômico em maior profundidade,mostraram que várias das previsões feitas pelo modelo nãocorrespondiamaosfatosobservados.Aomesmotempo,desenvolvia-sea cromodinâmicaquântica, a teoria quânticade campodaspartículaspuntiformes,eoseuenormeêxitoemdescreveraforçaforte levouaoabandonodateoriadascordas.

Enquantoamaiorpartedosfísicosdepartículaspensavaqueateoriadascordashaviasidorelegadaàlatadelixodaciência,algunsdedicadospesquisadorescontinuavamaocupar-sedela.Schwarz,porexemplo,considerouque"aestruturamatemáticadateoriadascordasera tão bonita e tinha tantas propriedades miraculosas que isso nãopodiadeixardeindicaralgoprofundo".Umdosproblemasencontradosna teoriadascordaseraoseuaparenteexcessode riqueza.A teoria

continha configurações de cordas vibrantes com propriedadessemelhantesàsdosglúons,oquejustificavaasuapretensãoinicialdeser uma teoria da força forte. Mas além disso ela continha outraspartículasdetipomensageiro,quenãopareciamterqualquerrelevânciaparaasobservaçõesexperimentaisdaforçaforte.Em1974,SchwarzeJoël Scherk, da Ecole Normale Supérieure, empreenderam um saltocorajosoquetransformouesseaparentevícioemvirtude.Aoestudarosintrigantes tipos de vibração das cordas que se associavam àspartículas mensageiras, eles verificaram que as suas propriedadescorrespondiamperfeitamenteàsdahipotéticapartículamensageiradaforçagravitacional—ográviton.Emboraesses "pacotesmínimos"daforça gravitacional ainda não tenham sido vistos até hoje, osespecialistaspodemprevercomconfiançacertascaracterísticasbásicasqueelesteriamdepossuir,eScherkeSchwarzverificaramqueessaspropriedadescorrespondiamexatamenteacertosmodelosdevibração.Combasenisso,ScherkeSchwarzsugeriramqueofracassoinicialdateoria das cordasdevera-sea queos cientistas haviamminimizadooseualcance.Ateoriadascordasnãoéapenasumateoriadaforçaforte,afirmaram;éumateoriaquânticaqueincluitambémagravidade.

Acomunidadefísicanãochegouareceberoanúnciocomgrandeentusiasmo. Com efeito, Schwarz recorda que "o nosso trabalho foiuniversalmente ignorado".Aestradadoprogresso jáestavacheiadascarcaçasde tentativas fracassadasdeunir a gravidadee amecânicaquântica.A teoria das cordasmostrara-se equivocada em seu projetoinicialdedescreveraforçaforte,demodoqueparamuitosnãopareciafazersentidotentarusá-laparaalgoaindamaior.Nosúltimosanosdadécadade70enosprimeirosdadécadaseguinte,novosestudos,aindamais devastadores, revelaram que a teoria das cordas e amecânicaquânticanãodeixavamde terosseusprópriosconflitossutis.Pareciaque a força gravitacional resistia, mais uma vez, a incorporar-se àdescriçãomicroscópicadouniverso.

Essaeraasituaçãoaté1984.Emumdocumentohistóricoqueculminava mais de doze anos de pesquisa intensa e que forapraticamente ignorado e mesmo contestado pela maioria dos físicos,GreeneSchwarzafirmaramqueosutilconflitoquânticoqueafetavaateoria das cordaspodia ser resolvido.Mais ainda, elesdemonstraramqueateoriatinhafôlegosuficienteparaenglobartodasasquatroforças

e também toda a matéria. A medida que a notícia desse resultadodifundiu-sepelacomunidadecientíficamundial,centenasdefísicosdepartículasabandonaramosseusprojetosdepesquisaselançaramumaofensivageralsobreoquepareciaseroúltimocampodebatalhateóricona velha luta por compreender os mecanismos mais profundos dofuncionamento do universo. Iniciei omeu curso de pós-graduação naUniversidade de Oxford em outubro de 1984. Eu estava ansioso poraprendertudosobreasteoriasquânticasdecampo,teoriasdecalibreerelatividadegeral,masnoteiquehaviaumasensaçãodominanteentreosestudantesmaisantigosdequeafísicadepartículasnãotinhafuturo.Omodelo-padrãojáhaviasidoarticulado,eoseuêxitoextraordinárionaprevisãode resultadosexperimentais indicavaquea sua confirmaçãodefinitiva era apenas questão de tempo e de detalhes. Avançar alémdesseslimitesparaincluiragravidadeouparaexplicarosinsumosdeque o modelo dependia — os dezenove números que sintetizam osdados relativos às partículas elementares, suas massas e cargas deforçaeaintensidaderelativadasforçassãonúmerosqueseconhecema partir das experiências,mas para os quais não há uma explicaçãoteórica—era uma tarefa tão gigantesca que nenhum físico, salvo osmais corajosos dentre todos, a aceitava como desafio. Seis mesesdepois, essa sensação havia se transformado no oposto. O êxito deGreeneSchwarz finalmente se difundira e já envolvia atémesmoosque estavam apenas iniciando a pós-graduação. Passara a dominarentrenósumsentimentoeletrizantedeestarnocentrodeummovimentoprofundo na história da física.Muitos de nós trabalhávamos até altashorasdanoiteparacompreenderasvastasáreasdafísicateóricaedamatemáticaabstratanecessáriasaoconhecimentodateoriadascordas.

O período de 1984 a 1986 ficou conhecido como a "primeirarevoluçãodas supercordas".Nesses trêsanospublicaram-semaisdemiltrabalhosdepesquisasobreateoriadascordasemtodoomundo.Taisestudosmostravamconclusivamentequenumerososaspectosdomodelo-padrão — aspectos que haviam sido laboriosamentedescobertosdepoisdedécadasdepesquisasexaustivas—emergiamdemaneiranaturalesimplesdaestruturaglobaldateoriadascordas.Nas palavras de Michael Green, "no momento em que se tomaconhecimentodateoriadascordasesevêquepraticamentetodososavançosprincipaisdafísicanosúltimoscemanosemergem—ecomtalelegância—apartirdeumpontodepartida tãosimples, intui-seque

essateoria,francamenteirresistível,nãotemparalelo".Alémdisso,paramuitos desses aspectos, como veremos, a teoria das cordas ofereceexplicaçõesmuitomaiscompletasesatisfatóriasdoqueasdomodelo-padrão. Essa percepção convenceumuitos cientistas de que a teoriadascordasestavaclaramenteacaminhodecumprirapromessadeserateoriaunificadadefinitiva.

Apesar de tudo, os pesquisadores da teoria das cordasencontraram repetidas vezes um obstáculo importante. Na pesquisafísica teórica, freqüentemente se encontram equações que sãodemasiadodifíceisparacompreendereanalisar.Normalmenteosfísicosnãodesistem,mas tentam resolverasequaçõesporaproximação.Nateoria das cordas, essa situação é aindamais difícil. Até a tarefa dedeterminar as próprias equações mostrou- se tão difícil que só seconseguiudeduziratéagoraversõesaproximadasdasua formulação.Osestudiososdateoriadascordastêmselimitado,portanto,abuscarsoluçõesaproximadasparaequaçõesaproximadas.Apósosprimeirosanosdeprogressointenso,comaprimeirarevoluçãodassupercordas,oscientistasverificaramqueasaproximaçõesentãousadasnãoeramadequadas para dar resposta a diversas questões essenciais queimpediamquesechegasseanovosavanços.Sempropostasconcretasparaavançaralémdosmétodosaproximativos,muitosfísicossentiram-se frustrados e abandonaram a teoria das cordas para retomar suasantigas linhas de trabalho. Para os que permaneceram, o final dadécadade80eocomeçodaseguintefoiumperíododeprovações.Abeleza e as promessas da teoria das cordas eram como um tesouroguardado em um cofre, que só podia ser visto através do buraco dafechadura,porqueninguémtinhaachaveparaliberarosseuspoderes.Importantes descobertas alternavam-se com longos períodos deesterilidade, e todos os que conheciam a matéria sabiam que erapreciso desenvolver novos métodos que permitissem superar asaproximações anteriores. Então, em uma palestra espetacular naconferênciaCordas,1995,realizadanaUniversityofSouthernCalifórnia — palestra que deixou boquiaberta uma platéia compostapêlos principais físicos do mundo e que superlotava o auditório —,EdwardWittenanunciouumplanoparaospassosseguintes,comoquedeuinícioà"segundarevoluçãodassupercordas".Atéosdiasdehoje,ospesquisadoresda teoriadas cordas trabalhamvigorosamenteparaaguçar um conjunto de métodos novos que prometem superar os

obstáculos teóricos encontrados anteriormente. As dificuldades queestãopor vir porãoà provaa competência técnica dos estudiosos dateoria das cordas,mas a luz no fim do túnel, embora ainda distante,podefinalmenteestarficandovisível.

Neste capítulo e emoutros que se seguem, descreveremos asformulações da teoria das cordas que surgiram a partir da primeirarevolução das supercordas e os avanços que se seguiram até asegunda revolução. Ocasionalmente indicaremos novas percepçõesderivadasdessasegundarevolução;adiscussãodessesavançosmaisrecentessedaránoscapítulos12e13.OSÁTOMOSDOSGREGOSOUTRAVEZ?

Comofoimencionadonoiníciodestecapítulo,ateoriadascordasarmaqueseaspartículaspuntiformespresumidaspelomodelo-padrãopudessem ser examinadas com uma precisão significativamentesuperior à nossa capacidade atual, veríamos que cada uma delas éconstituída por um único laço de corda, minúsculo e oscilante. Pormotivosqueficarãoclaros,ocomprimentotípicodeumlaçodecordaésemelhante à distância de Panck, ou seja, cerca de 100 bilhões debilhões(IO2")devezesmenordoqueumnúcleoatômico.Nãoédeadmirarqueasexperiênciasquesomoscapazesdefazerhojenão consigam determinar que as cordas constituem a naturezamicroscópica damatéria: elas sãominúsculasmesmo na escala daspartículas subatômicas. Precisaríamos de aceleradores de partículascapazesdeproduzirchoquesaumníveldeenergiacercade1milhãodebilhõesdevezesmaiordoqueoquehojeatingimosparacomprovardiretamentequeumacordanãoéumapartículapuntiforme.

Descreveremosaquibrevementeasconseqüênciasestonteantesque decorrem do fato de substituirmos as partículas puntiformes porcordas. Antes, porém, vamos responder uma pergunta ainda maisfundamental:dequesãofeitasascordas?

Essaperguntatemduasrespostaspossíveis.Aprimeiraéqueascordas são verdadeiramente elementares— são "átomos", elementosindivisíveis, no mais puro sentido da palavra grega. Por serem oselementos constituintes absolutamentemínimos de tudo o que existe,elasrepresentamofimdalinha—aúltimadasmatrioshkas—,aúltimadasnumerosascamadasdasubestruturadomundomicroscópico.Vistadessa perspectiva, embora as cordas tenham extensão espacial, aperguntaarespeitodasuacomposiçãoédesprovidadeconteúdo.Se

ascordas fossemfeitasdealgomenordoqueelas,entãonãoseriamelementares.Emvezdisso,aquilodequeascordasfossemcompostastomariaimediatamenteoseulugarcomooelementomínimoconstituintedo universo. Usando a nossa analogia lingüística, os parágrafos sãocompostosporsentenças,assentençasporpalavraseaspalavrasporletras.Dequesãofeitasasletras?Dopontodevistalingüístico,esseéofimdalinha.Asletrassãoletras—omaterialdeconstruçãobásicodalinguagemescrita;nãoháoutrasubestruturaalémdela.Perguntarsobrea sua composição não faz sentido. Do mesmomodo, as cordas sãosimplesmentecordas— como não há nadamais elementar, não se pode dizer que sejamcompostaspornenhumaoutrasubstância.

Essaéaprimeiraresposta.Asegundabaseia-senofatodequeaindanãosabemosseateoriadascordasestácorretanemseéateoriadefinitivadanatureza.Seateoriaestivererrada,podemossimplesmenteesquecer as cordas e as perguntas irrelevantes a respeito da suacomposição.Emboraessapossibilidadeexista,aspesquisasfeitasnosúltimos quinze anos tendem a indicar que ela é extremamenteimprovável.Masahistórianosensinacomclarezaquecadavezqueaprofundamos o nosso conhecimento do universo, encontramoscomponentesmicroscópicosaindamenores,quecompõemníveisaindamais elementares da matéria. Portanto, se as cordas caírem nessapossibilidade e se a teoria das cordas não for a teoria definitiva, ascordas podem ser apenas mais uma camada da cebola cósmica, acamadaquesetornavisívelnaescaladadistânciadePlanck,aindaquenão seja a camada final. Nesse caso, as cordas poderiam sercompostasporestruturasaindamenores.Osestudiososda teoriadascordasjálevantaramessapossibilidadeecontinuamaconsiderá-la.Noestágio atual do nosso conhecimento, os estudos teóricos apontam aexistência de indícios sugestivos de que as cordas podem tersubestruturas, mas não há certeza a respeito. Só as pesquisas e otempodarãoapalavrafinalquantoaisso.

Afora algumas especulações feitas nos capítulos 12 e 15, asnossasdiscussõesarespeitodascordastomarãoporbaseopropostonaprimeiraresposta— ou seja, consideraremos que as cordas são o componente maiselementardanatureza.AUNIFICAÇÃOPELATEORIADASCORDAS

Além de não incorporar a força gravitacional, omodelo-padrão

tem outra falha: não dá explicações sobre os detalhes da suaconstrução. Por que a natureza escolheu especificamente a lista departículas e forças descritas nos capítulos anteriores. Por que osdezenove parâmetros que descrevem quantitativamente essescomponentestêmosvaloresquetêm?Éimpossívelnãopensarqueoseu número e as suas propriedades parecem ser arbitrários. Haveráalgo mais profundo esperando por nós atrás desses númerosaparentemente aleatórios, ou será que as propriedades físicas douniversoforam"escolhidas"aoacaso?

O modelo-padrão não pode oferecer uma explicação por sipróprio porque a lista das partículas e das suas propriedades seincorporam a ele como dados de entrada (inputs) obtidos medianteresultados experimentais. Assim como o desempenho da bolsa devaloresnãopodeserusadoparadeterminaroquantovocêteráganhoouperdido,amenosquevocêforneçacomodadosdeentradaovalordo seu investimento inicial, também o modelo-padrão não pode serusadoparafazerquaisquerprevisõessenãoseconhecerosdadosdeentradadaspropriedadesdaspartículas fundamentais.Depoisqueoscientistasexperimentaisdafísicadepartículasconseguiram,comtodoocuidado,obterosvaloresdessesdados,aíentãooscientistasteóricospuderam usar o modelo-padrão para fazer previsões verificáveis, taiscomooqueaconteceriasedeterminadaspartículassechocassememum acelerador. Mas o modelo-padrão não é capaz de explicar aspropriedades das partículas fundamentais, assim como o índiceDowjonesdodiadehojenãoécapazdeexplicaroinvestimentoinicialquevocêfezhádezanos.Naverdade,seasexperiênciashouvessemreveladoumconjunto departículas diferente doqueexiste nomundomicroscópico, interagindo com forças também diferentes, essasmudançaspoderiamfacilmenteincorporar-seaomodelo-

padrão, desde que os novos parâmetros fossem aplicados à teoria.Nessesentido,aestruturadomodelo-padrãoédemasiadoflexívelparapoderexplicaraspropriedadesdaspartículaselementares,umavezquetodaumasériedepossibilidadespoderiaseracomodada.

Ateoriadascordaséradicalmentediferente.Éumedifícioteóricoinflexível e único. Não requer nenhum insumo além de um úniconúmero, que descrevemos abaixo, o qual estabelece a escala dereferênciadasmedidas.Todasaspropriedadesdomundomicroscópicoestãocompreendidasemsuacapacidadeexplicativa.Paraumamelhorcompreensão desse aspecto, pensemos em cordasmais conhecidas,comoasdeumviolino.Cadaumadelaspodeexperimentarumaenormevariedade (na verdade, um número infinito) de padrões vibratóriosdiferentes, conhecidos como ressonâncias. Esses são os padrões deondas cujos picos e depressões ocorrem a espaços iguais e cabemperfeitamenteentreosdoisapoios fixosdacorda.Osnossosouvidospercebem esses diferentes padrões vibratórios ressonantes comodiferentes notas musicais. As cordas da teoria das cordas têmpropriedadessimilares.Existempadrõesvibratóriosressonantesqueacordapodeaceitardevidoaqueosseuspicosedepressõesocorremaespaçosiguaisecabemperfeitamenteemsuaextensãoespacial.Esseéo fatocentral:assimcomoosdiferentespadrõesvibratóriosdeumacorda de violino dão lugar a diferentes notas musicais, os diferentespadrões vibratórios de uma corda elementar dão lugar a diferentesmassas e cargas de força. Como esse é um conceito crucial, vamosrepeti-lo.Deacordocomateoriadascordas,aspropriedadesdeuma"partícula" elementar— amassa e as várias cargas de força— sãodeterminadaspelopadrãodevibraçãoressonanteespecíficoexecutadoporsuacordainterior.

Émaisfácilentenderessaassociaçãocomrelaçãoàmassadeumapartícula.Aenergiadopadrãovibratórioespecíficodeumacordadependedasuaamplitude—odeslocamentomáximoentreumpicoeumadepressão—edoseucomprimentodeonda—adistânciaentreumpicoeoseguinte.Quantomaioraamplitudeequantomenorocomprimentodeonda,tantomaioraenergia.Issocorrespondeaoqueanossaintuiçãopoderiaesperar—ospadrões vibratórios mais frenéticos têm mais energia e os menosfrenéticostêmmenosenergia.Aquitambémoresultadopodeservisto

comonormal,umavezqueascordasdeviolinoquesãotocadascommaisvigorvibramcommaisintensidade,enquantoasquesãotocadascom mais delicadeza vibram com mais suavidade. Ora, aprendemoscomarelatividadeespecialqueaenergiaeamassasãoduasfacesdeumamesmamoeda:maiorenergiasignificamaiormassaevice-versa.Assim,deacordocoma teoriadascordas,amassadeumapartículaelementarédeterminadapelaenergiadopadrãovibratóriodasuacordainterna.Aspartículasmaispesadastêmcordasinternasquevibramcommaisenergiaeaspartículasmaislevestêmcordasinternasquevibramcommenosenergia.Comoamassadeumapartículadeterminaassuaspropriedades gravitacionais, vemos que existe uma associação diretaentre o padrão vibratório da corda e a reação da partícula à forçagravitacional. Embora o raciocínio aqui envolvido seja algo maisabstrato, os cientistas descobriram que existe um alinhamento similarentreoutrospormenoresdopadrãovibratóriodeumacordaeassuaspropriedadescomrelaçãoaoutrasforças.Acargaelétrica,acargafracaeacargafortetransmitidasporumacordaespecífica,porexemplo,sãodeterminadas pelamaneira comoela vibra.Amesma idéia prevalecetambém para as próprias partículas mensageiras. Partículas como osfótons, os bósons da força fraca e os glúons correspondem a outrospadrões vibratórios ressonantes das cordas. Entre os padrõesvibratórios—eesseéumfatoespecialmenteimportante—háumqueconcorda perfeitamente com as propriedades do gravitem, o queasseguraqueagravidadeéparteintegrantedateoriadascordas.

Vemos, portanto, que, de acordo com a teoria das cordas, aspropriedadesobservadasdecadapartículaelementarexistemporqueasua corda interna experimenta um determinado padrão vibratórioressonante. Essa perspectiva difere agudamente da que os físicosesposavamantes da descoberta da teoria das cordas; na perspectivaanterior,asdiferençasentreaspartículasfundamentaiseramexplicadascomo conseqüência de que cada espécie de partícula eraestruturalmente diferente. Embora cada uma das partículas fosseconsiderada elementar, pensava-se que elas fossem feitas com tiposdiferentes de "material". O "material" do elétron, por exemplo, tinhacarga elétrica negativa e o "material" do neutrino não tinha cargaelétrica.Ateoriadascordasalterouradicalmenteessavisãoaodeclararqueo"material"detodasasmanifestaçõesdamatériaedasforçaséomesmo.Cadapartículaelementarécompostaporumaúnicacorda—ou seja, cada partícula é uma única corda— e todas as cordas são

absolutamente idênticas.Asdiferençasentreaspartículasresultamdeque as suas respectivas cordas experimentam padrões vibratóriosressonantesdiferentes.Oquepercebemoscomopartículaselementaresdiferentes são na verdade "notas" diferentes de uma mesma cordafundamental. O universo— sendo composto por um número enormedessascordasvibrantes—assemelha-seaumasinfoniacósmica.

Estaapresentação revelacomoa teoriadascordasofereceumesquemaunificadorverdadeiramentemaravilhoso.Todasaspartículasdematériaetodosostransmissoresdeforçasconsistemdeumacordacujopadrãovibratórioéasua"impressãodigital".Comotodososacontecimentosfísicos,processoseocorrências do universo podem ser descritos em seu nível maiselementaremtermosdaaçãodeforçassobreoscomponentesmateriaiselementares,ateoriadascordasmantémapromessadeumadescriçãounificada, única e completa do universo físico: uma teoria sobre tudo(TST).AMUSICADATEORIADASCORDAS

Muito embora a teoria das cordas acabe com o conceito departículas elementares sem estrutura interna, os nomes tendem apermanecer,especialmentequandoelesdãoumadescriçãoprecisadarealidade até as mais diminutas escalas de distância. Seguindo,portanto, esse costume consagrado, continuaremos a nos referir às"partículas elementares" significando com isso, no entanto, "o queparecem ser partículas elementares, mas são, na verdade, unidadesmínimasdecordasvibrantes".Naseçãoprecedentepropusemosqueasmassas e as cargas de força dessas partículas elementares, são oresultadodamaneirapelaqualvibramassuasrespectivascordas.Issonoslevaàseguinteconclusão:seconseguirmoscalcularcomprecisãoospadrõesvibratóriosressonantespermitidosàscordasfundamentais— as "notas"que elas tocam, por assim dizer —, provavelmentepoderemosexplicar as propriedadesdaspartículas elementares.Pelaprimeira vez, portanto, graças à teoria das cordas, conseguimosestabelecer um esquema que pode explicar as propriedades daspartículasobservadasnanatureza.

Aessaaltura,então,jádeveríamossercapazesde"pegar"umacordae

"tocá-la"detodasasmaneiraspossíveisparadeterminarosrespectivospadrõesvibratóriosressonantes.Seateoriadascordasestivercorreta,

deveríamosverificarqueospadrõespossíveisproduzemexatamenteaspropriedades das partículas de matéria e de força registradas.Evidentemente, as cordas são demasiado pequenas para quepossamosrealizaraexperiêncialiteralmente,comodescrevemosantes.Mas usando descrições matemáticas, podemos tocar a cordateoricamente.Emmeadosdadécadade80,muitosdospartidáriosdascordasacreditavamqueopoderdeanálisematemáticanecessárioparaissoestavaprestesahabilitar-nosaexplicartodasaspropriedadesdouniversononívelmaismicroscópico.Algunsfísicosmaisentusiasmadosdeclararam que a TST havia finalmente sido descoberta. Cerca dequinzeanosdepoissabemosqueaeuforiageradaporessacrençaeraprematura.AteoriadascordastemascaracterísticasdeumaTST,masainda hámuitos obstáculos por superar, o que nos tem impedido dededuziroespectrodasvibraçõesdascordascomanecessáriaprecisãoparafazerascomparaçõescomosresultadosexperimentais.

Na etapa atual, por conseguinte, não sabemos ainda se ascaracterísticas fundamentais donossouniverso, queestão resumidas,podemserexplicadaspelateoriadascordas.Comoveremosnocapítulo9,deacordocomcertaspremissasqueexplicitaremoscomclareza,ateoria das cordas pode produzir um universo com propriedades queestãoqualitativamentedeacordocomosdadosconhecidosrelativosàspartículas e às forças, mas extrair previsões numéricas específicas apartirdateoriaaindaestáforadonossoalcance.Dessemodo,emboraaestruturada teoriadascordas,aocontráriodomodelo-padrãoparaaspartículas puntiformes, tenha a capacidade de explicar por que aspartículas e as forças têm as propriedades que têm, nós ainda nãosomoscapazesdeextraí-las.Mesmoassim,a teoriadascordasé tãorica e potente que, mesmo sem sermos capazes de determinarespecificamente as suas propriedades, já temos a capacidade deavançar na compreensãodeumapletoradenovos fenômenos físicosquedecorremdateoria,comoveremosnoscapítulosposteriores.

Nos capítulos seguintes discutiremos a situação atual dosobstáculos com alguma profundidade, mas, em primeiro lugar, seráconvenientecompreende-losdeumamaneirageral.Nomundoànossavolta, as cordasaparecemcomdiversosgrausde tensão.Umacordaenlaçada em um par de sapatos, por exemplo, em geral é bastantefrouxaemcomparaçãocomumacordaesticadadeumapontaaoutradeumviolino.Asduas,porsuavez,estãosobmuitomenostensãodoqueascordasdeaçodeumpiano.Oúniconúmerorequeridopelateoriadascordas para estabelecer a sua escala geral de valores é a tensãocorrespondenteemseuslaços.

Comosedeterminaessatensão?Sepudéssemostocarumacordafundamental,conheceríamosa

suarigidezepoderíamosassimmedirasuatensão,talcomomedimosadecordasmais familiares.Mascomoascordas fundamentaissão tãoínfimas,essemétodonãopodeserexecutadoetemdesersubstituídopor outro, mais indireto. Em 1974, quando Scherk e Schwarzpropuseramqueumdospadrõesvibratóriosdascordascorrespondiaaográviton, eles conseguiram explorar essa técnica indireta e com elaprever as tensões das cordas da teoria das cordas. Os cálculosindicaramqueaintensidadedaforçai;transmitidapelopadrãovibratóriopropostoparaográvitonéinversamenteproporcionalàtensãodacorda.Ecomoográvitonsupostamentetransmiteaforçagravitacional—forçaque é intrinsecamente bastante débil —, eles concluíram que issoimplicavaumatensãocolossal,demilbilhõesdebilhõesdebilhõesdebilhões (IO") de toneladas, a chamada tensão de Planck. As cordasfundamentais são, portanto, extremamente rígidas, se comparadas aexemplosmaisfamiliares.Eissotemtrêsconseqüênciasimportantes.TRÊSCONSEQÜÊNCIASDARIGIDEZDASCORDAS

Primeiro, enquanto as pontas das cordas dos pianos e dosviolinos estão presas, o que significa que elas têm uma extensãodeterminada,ascordasfundamentaisnãoestãosujeitasanenhumtipode constricção que limite o seu tamanho. Por issomesmo, a enormetensãodacordafazcomqueoslaçosdateoriadascordassecontraiamaumtamanhominúsculo.Oscálculosrevelamque,porestarsujeitaàtensãodePlanck,umacordatípicatemotamanhodadistânciadePlanck—10centímetros—comojámencionamos.

Segundo, por causadaenorme tensão, a energia típica deumlaçodecordavibrantenateoriadascordaséextremamentealta.Paraentender isso, notemos que quantomaior for a tensão suportada porumacorda,maisdifíciléfazê-lavibrar.Emuitomaisfácil,porexemplo,tocarumacordadeviolinoefazê-lavibrarquefazeromesmocomumacordadepiano.Assim,duascordasquevibremexatamentedamesmamaneira mas que estejam sujeitas a tensões diferentes não têm amesmaenergia.Acordacomatensãomaiorterámaisenergiadoqueacorda com a tensão menor, visto que é necessário aplicar-lhe maisenergiaparaimprimir-lheavibração.Issonosalertaparaofatodequeaenergiadeumacordaquevibraé

determinada por dois fatores: a sua maneira específica de vibrar(padrõesmaisagitadoscorrespondemaenergiasmaisaltas)eatensãoda corda (tensõesmais altas correspondemaenergiasmais altas).Àprimeiravista,issopoderialevá-loapensarquecompadrõesvibratórioscada vez mais suaves— com amplitudes cada vez menores e commenospicosedepressões—umacordapodepossuircadavezmenosenergia.Mas, como vimos no capítulo 4, em um contexto diferente, amecânica quântica nos diz que esse raciocínio não é correto. Comoacontececomrelaçãoatodasasvibraçõeseperturbaçõesondulatórias,amecânicaquântica implicaqueesses fenômenosaparecemsempreemdegraus,separadosunsdosoutrosporsaltos,oudescontinuidades.Comparativamente,assimcomoovalordodinheirolevadoporqualquerdoscompanheirosdogalpãocontroladopelovelhotirânicoésempreumnúmerointeiro,múltiplodadenominaçãomonetáriaquelhefoiatribuída,assimtambémaenergiapresentenopadrãovibratóriodeumacordaéum número inteiro, múltiplo da unidade mínima de energia. E essaunidade mínima é proporcional à tensão da corda (e tambémproporcional ao número de picos e depressões do padrão vibratórioespecífico), enquanto o número inteiro múltiplo é determinado pelaamplitudedopadrãovibratório.

O ponto central dessa discussão é o seguinte: como asquantidadesmínimasdeenergiasãoproporcionaisàtensãodacorda,ecomo tal tensão é enorme, as energias mínimas fundamentais, nasescalas normais da física das partículas elementares, são igualmenteenormes. Sãomúltiplos do que se conhece como energia dePlanck.Paraquetenhamosumsentidodeproporção,setraduzirmosaenergiadePlanckemtermosdemassa,usandoafamosafórmuladeconversãodeEinsteinE=me,osníveisdetalenergiacorrespondemamassasdaordemde10bilhõesdebilhões(IO19)devezesmaioresdoqueadopróton.Essamassagigantesca—naescaladaspartículaselementares—éconhecidacomomassadePlanckeéaproximadamenteigualàmassadeumgrãodeareiaouàde1milhãodebactériascomuns.Assim,atípicaequivalênciademassadeum laço de corda vibrante, na teoria das cordas, é, geralmente, umnúmero inteiro (1, 2, 3, ...) múltiplo da massa de Planck. Os físicoscostumamreferir-seaissodizendoqueaescalaenergética(eportantotambém a sua escala demassas) "típica", ou "natural", da teoria dascordaséaescaladePlanck.Istotrazàbailaumaquestãocrucialqueserelacionadiretamentecomoobjetivodereproduziraspropriedadesdas

partículas,seaescalaenergética"natural"dateoriadascordasécercade10bilhõesdebilhõesdevezesmaiordoqueadeumpróton,comopoderiaelareferir-seàspartículasmuitomaisleves—elétrons,quarks,fótonsetc.—quecompõemomundoànossavolta?

Uma vezmais, quem dá a resposta é amecânica quântica.Oprincípio da incerteza nos diz que nunca nada está em repousoabsoluto. Todos os objetos sofremagitações quânticas.Se não fosseassim, saberíamos com precisão total onde eles estão e com quevelocidadesemovem,oqueviolariaaformulaçãodeHeisenberg.Issotambéméválidoparaos laçosda teoriadascordas;pormaisplácidaquesejaaaparênciadeumacorda,elasempreestarásofrendoalgumavibraçãoquântica.Ofatonotável,comoseviudesdeadécadade70,éque podem haver cancelamentos mútuos de energia entre essasoscilaçõesquânticaseostiposmais intuitivosdevibraçãodascordasdiscutidos acima, com efeito, por causa da loucura da mecânicaquântica,aenergiaassociadaàagitaçãodeumacordaénegativa,oque reduz omontante total de energia de uma corda vibrante emumvalorcomparávelaodaenergiadePlanck.Issosignificaqueospadrõesvibratóriosdascordascomasmenoresenergias,quenósingenuamentepoderíamospensarquechegassemaoníveldaenergiadePlanck(ouseja, a energia de Planck multiplicada por um), cancelam-sesubstancialmente,oqueproduzvibraçõesdeenergiasque,afinal,sãorelativamente baixas— energias cujas respectivas equivalências emmassaencontram-senoníveldasmassasdaspartículasdematériaedeforça.São,portanto,ospadrõesvibratóriosdeenergiamaisbaixaquedevem propiciar o contato entre a descrição teórica das cordas e omundo das partículas físicas ao qual temos acesso. É importanteobservar, por exemplo, queScherk eSchwarz verificaramqueparaopadrãovibratóriocujaspropriedadesotornamcandidatoparaapartículamensageiradográviton,ocancelamentodasenergiaséperfeito,oqueresultaemumapartículacommassazero,relativaàforçagravitacional.Isso é exatamente o que se espera para o caso do gráviton; a forçagravitacionalétransmitidaàvelocidadedaluz,eapenaspartículassemmassapodemviajaraessavelocidademáxima.Masascombinaçõesvibratóriasdebaixaenergiasãomuitomaisaexceçãodoquearegra.Acorda fundamental de vibração mais comum corresponde a umapartículacujamassaébilhõesebilhõesdevezesmaiordoqueadopróton.

Issonosindicaqueaspartículasfundamentaiscomparativamenteleves surgiriam da fina névoa que paira acima do mar agitado dascordasmais energéticas.Mesmoumapartícula pesada comoo quark

top,demassa189vezesmaiordoqueadopróton,sópodesurgirdeumacordavibranteseaenergiadoníveldePlanck,queécaracterísticadacorda,forcanceladapelaagitaçãodaincertezaquânticaanãomaisqueumaunidadeem100milhõesdebilhõesdoseuvalor.Écomosevocê estivesse participando de The Price is Right e Bob Barker lhedesse 10 bilhões de bilhões de dólares, desafiando-o a comprarprodutoscujocustofinal—oqueequivaleaocancelamentononossoexemplo— fosse igual aos 10 bilhões de bilhõesmenos exatamente189dólares,nemumamaisouamenos.Conseguirfazeresseenormevolumedecompras,comtalgraudeprecisãoesemterocontroledospreços das coisas adquiridas poria à prova a perícia dos maioresgastadoresdomundo.Nateoriadascordas,ondeaunidadedetrocaéaenergiaenãoodinheiro,cálculosaproximativosmostraramdemaneiraconclusiva que esse tipo de cancelamento certamente pode ocorrer,mas como ficará claro nos capítulos posteriores, a verificação de taiscancelamentosaumníveltãoaltodeprecisãoestá,normalmente,alémdanossacapacidadetécnicaatual.Mesmoassim,comojá indicamos,veremosquemuitasoutraspropriedadesda teoriadascordas,menossensíveisaessesdetalhesmaissutis,podemserextraídaseentendidascomsegurança.

Issonoslevaàterceiraconseqüênciadoenormevalordatensãodascordas.Ascordaspodemexecutarumnúmero infinitodepadrõesvibratórios diferentes. Mostra o início de uma série sem fim depossibilidades,caracterizadasporumnúmerocadavezmaiordepicosedepressões.Então,issonãosignificariaquedevehavertambémumasériesem fimdepartículaselementares,oqueaparentementeestariaemconflitocomosfatosexperimentaisresumidos.

Arespostaésim:seateoriadascordasestivercorreta,cadaumdos infinitos padrões vibratórios ressonantes das cordas devecorresponderaumapartículaelementar.Odadoessencial,noentanto,éque a alta tensão da corda faz com que quase todos esses padrõesvibratórios correspondam a partículas extremamente pesadas (e asexceções são as vibrações de energia mínima, que sofremcancelamentosquaseperfeitosgraçasàagitaçãoquântica).Novamenteaqui,otermo"pesado"significamuitasvezesmaispesadoqueamassadePlanck.Comoosnossosaceleradoresdepartículasmaispoderosossóalcançamenergiasdaordemdemilvezesamassadopróton,oqueémais de 1milhão de bilhões de vezesmenor do que a energia dePlanck, estamos longe de atingir a capacidade de pesquisar nos

laboratórios a existência de qualquer uma dessas novas partículasprevistaspelateoriadascordas.

Existem, no entanto, maneiras indiretas de pesquisá-las. Porexemplo,asaltíssimasenergiasmobilizadasnonascimentodouniversoteriam sido plenamente suficientes para produzir essas partículas emquantidades copiosas. Em geral, não se poderia esperar que elassobrevivessem até hoje, pois que as partículas superpesadas sãonormalmente instáveis e se livram de suas enormes massasdesintegrando-se e produzindo uma cascata de partículas cada vezmaisleves,atéalcançarasqueconhecemosnomundoànossavolta.Épossível,contudo,queesseestadovibratóriosuperpesadodacorda—uma relíquia do big-bang — possa ter sobrevivido até o presente.Encontrartaispartículas,comoveremoscommaisvagarnocapítulo9,seriaumadescobertamonumental,paradizeromínimo.AGRAVIDADEEAMECÂNICAQUÂNTICANATEORIADASCORDAS

O esquema unificado oferecido pela teoria das cordas éimponente,masasuaprincipalatraçãoéapossibilidadedemitigarashostilidadesentreaforçagravitacionaleamecânicaquântica.Lembre-se de que o problemade fundir a relatividade geral comamecânicaquânticasurgequandoopostuladocentraldaprimeira—queoespaçoe o tempo constituem uma estrutura geométrica suave e curva —confronta-secomoaspectoessencialdaúltima—quetudonouniverso,inclusive o tecido do espaço e do tempo, sofre flutuações quânticascadavezmaisturbulentasàmedidaqueasescalasdetamanhovãosetornandomenores.NasescalasdetamanhoabaixodoníveldePlanck,asondulaçõesquânticassãotãoviolentasquedestroemanoçãodeumespaçogeométricosuaveecurvo;issosignificaquearelatividadegeralcaiporterra.

A teoria das cordas suaviza as ondulações quânticas violentasmodificando as propriedades do espaço nas menores escalas dedistância. Há duas respostas, uma aproximada e outra mais precisa,paraaperguntasobreoqueissosignificanaverdadeesobrecomooconflitoseresolve.Vamosdiscutirumadecadavez.ARESPOSTAAPROXIMADA

Aindaquepareçapoucosofisticado,umamaneiradeconheceraestruturadeumobjetoéatirarcoisasneleevercomoelasricocheteiam.Por exemplo, nós podemos ver porque os nossos olhos colhem eenviam para o cérebro informações transmitidas por fótons quericocheteiamnos objetos queolhamos.Osaceleradores de partículastambém se baseiam no mesmo princípio: eles lançam partículas dematéria umas contra as outras, assim como contra outros alvos, edetectores de alta precisão analisam a chuva de estilhaços paradeterminaraarquiteturadosobjetosenvolvidos.

Como regra geral, o tamanho da partícula de sondagemestabelece um limite inferior na escala de distância para a qual hásensibilidade. Para que se tenha uma idéia do que significa essaimportanteafirmação,imaginequeCrispimeJoaquimdecidiramganharumpoucodeculturaeinscreveram-seemumcursodedesenho.Comopassardotempo,JoaquimvaificandocadavezmaisirritadocomosnotáveisprogressosartísticosdeCrispimeodesafiaaumaestranhaprova:cadaumpegaumcaroçodepêssego,coloca-oentreasgarrasde um torno e procura desenhá-lo com amaior precisão possível. Aparteestranhadodesafioestáemquenenhumdosdoispodeolharparaocaroçoe temdedescobrir tudoa respeitodoseu tamanho, formaerelevo arremessando coisas (menos fótons!) contra ele e observandocomoessascoisasricocheteiamdepoisdechocar-secomocaroçoAsescondidas, Joaquimcarregao "arremessador"deCrispimcombolasde gude e carrega o seu próprio com esferas plásticas de cincomilímetros.Acompetiçãocomeça.

Algum tempo depois, vê-se o melhor desenho que Crispimconsegue fazer.Observando as trajetórias das bolas de gude após ochoque,elepercebequeocaroçoépequenoe temasuperfíciedura,masissoépraticamentetudooqueconseguedescobrir.Asbolassãodemasiadograndesparapoderregistraraestruturacorrugadadoobjeto.MasquandoeleolhaparaodesenhodeJoaquim,ficasurpresodeverque estámuitomelhor. Logo, contudo, ele percebe a causa ao olharpara o arremessador de Joaquim: as partículas arremessadas por elesão pequenas o bastante para que o ângulo dos ricochetes reflita ascaracterísticas mais flagrantes da superfície do caroço. Desse modo,arremessandomuitasesferasdecincomilímetroseobservandoassuastrajetóriasapósochoque,Joaquimpôdedesenharuma imagemmaisdetalhada.Crispim,comoorgulhoferido,voltaparaoseuarremessador

eocarregacompartículasaindamenores—bolinhasdemeiomilímetro— suficientemente pequenas para refletir, em seus ricochetes, asirregularidades mais miúdas da superfície do caroço. Observando astrajetóriasapósochoque,eleconseguedesenharaimagemvencedora.

A lição oferecida por essa pequena competição é clara: paraserem úteis, as partículas de sondagem não podem sersubstancialmentemaioresdoqueosaspectosfísicosqueestãosendoexaminados;deoutramaneira,elasnãoserãosensíveisàsestruturasdeinteresse.Evidentemente,essemesmoraciocíniovalesequisermosexaminarocaroçoaindamaispormenorizadamenteparadeterminarasua estrutura atômica e subatômica. Bolinhas de meio milímetro nãoproporcionarãonenhuma informaçãoútil;sãograndesdemaispara terqualquersensibilidadecomrelaçãoàsescalasatômicas.Éporissoqueosaceleradoresdepartículasusamprótonsouelétronscomosondas,jáqueo seu tamanhodiminuto torna-osmuitomaisadequadosà tarefa.Nasescalassubatômicas,ondeosconceitosquânticostomamo lugardo raciocínioclássico,amedidamaisapropriadaparaasensibilidadedesondagemdeumapartículaéoseucomprimentodeondaquântico,que indica a janela de incerteza na sua posição. Esse fato reflete anossadiscussãosobreoprincípiodeHeisenberg,nocapítulo4,naqualvimosqueamargemdeerroquandoseutilizaumapartículapuntiformecomosondagem(adiscussãocentrava-senosfótons,maspodereferir-se a todas as outras partículas) é aproximadamente igual aocomprimento de onda quântico da partícula utilizada. Em linguagemmenostécnica,issosignificaqueasensibilidadedesondagemdeumapartículapuntiformetorna-seimprecisaporcausadaagitaçãoquântica,assimcomoaprecisãodobisturidocirurgião ficacomprometidaseasuamãotreme.Maslembre-sedequenocapítulo4tambémnotamosofato importante de que o comprimento de onda quântico de umapartícula é inversamente proporcional ao seu momento, o qual, emtermosgerais,correspondeàsuaenergia.Assim,aumentandoaenergiade uma partícula puntiforme, podemos tornar o seu comprimento deonda quântico cada vez menor — e a imprecisão quântica tambémdiminui progressivamente — e desse modo podemos utiliza-la parasondarestruturasfísicascadavezmenores.Intuitivamente,aspartículascommais energia têmmaior poder de penetração e, portanto, podemfazersondagensnostraçosmaisdiminutos.

Nesse sentido, a distinção entre as partículas puntiformes e as

cordassetornamanifesta.Talcomonocasodasesferasmaioresquesondavamasuperfíciedeumcaroçodepêssego,aextensãoespacialinerenteàcordaaimpededesondaraestruturadequalquercoisaquesejasignificativamentemenordoqueoseupróprio tamanho—nessecaso,asestruturasquesurgememescalasmenoresdoqueadistânciadePlanck.Comprecisãoalgomaior,em1988DavidGross,entãonaUniversidade de Princeton, e seu aluno Paul Mende mostraram quequandoselevaemcontaamecânicaquântica,oaumentoprogressivoda energia de uma corda não leva ao aumento progressivo da suacapacidadedesondarestruturasmenores,oquecontrastadiretamentecomoqueacontececomumapartículapuntiforme.Elesverificaramquequandoaenergiadeumacordaaumentaelaé inicialmentecapazdesondar estruturas de escalas menores, tal como uma partículapuntiformecomaltaenergia.MasquandoaenergiaaumentaalémdovalorrequeridoparasondarestruturasnaescaladadistânciadePlanck,aenergiaadicionalnãoproduzresultadosfavoráveis.Aocontrário,elafaz com que a corda cresça em tamanho, o que diminui a suasensibilidadeparaasdistânciascurtas.Comefeito,emboraotamanhotípicodeumacordasejaadistânciadePlanck, secontinuássemosaadicionar-lhe energia — em níveis que superam a nossa maisdesenfreada imaginação,masquepodem tersidoatingidosduranteobig-bang — faríamos com que a corda crescesse a dimensõesmacroscópicas,oquea tornaria totalmente inadequadaparasondaromicrocosmos! É como se, ao contrário das partículas puntiformes, ascordas tivessem duas fontes de imprecisão: a agitação quântica, talcomoparaaspartículaspuntiformes,etambémasuaprópriaextensãoespacial. O aumento da energia da corda diminui a imprecisãoresultantedaprimeirafontemasaumentaaresultantedasegundafonte.Aconseqüênciaéquepormaisquese tente,aextensãoespacialdacorda impede o seu uso para sondar fenômenos que ocorrem emescalas inferiores à distância de Panck. Mas o conflito entre arelatividade geral e amecânica quântica deriva das propriedades dotecidoespacial nessasescalas inferiores à distância dePlanck.SeocomponenteelementardouniversonãopodesondarumespaçoinferioràdistânciadePlanck,então,nemelenemnadacompostoporelepodeser afetado pelas ondulações quânticas supostamente desastrosasdaquelas distâncias mínimas. E o mesmo que acontece quandopassamos a mão por uma superfície de mármore polido. Embora nonível microscópico o mármore apresente uma textura granulada e

irregular,osnossosdedosnãosãocapazesdedetectaressasvariaçõesde pequena escala e a superfície lhes parece perfeitamente lisa euniforme.Osnossosdedos,grandesegrossos,tornamimperceptívelagranulaçãomicroscópica.Domesmomodo,comoacordatemextensãoespacial, a sua sensibilidade para as distâncias curtas também temlimites. Ela não pode detectar variações nas escalas inferiores àdistânciadePlanck.Assimcomoosnossosdedosnomármore, tambémascordastornam imperceptíveis as flutuações ultramicroscópicas do campogravitacional. Embora as flutuações resultantes sejam aindasubstanciais,esseefeitoniveladorsuaviza-asosuficientepararesolvera incompatibilidade entre a relatividade geral e amecânica quântica.Principalmente, os infinitos perniciosos (discutidos no capítuloprecedente) que afetam a construção de uma teoria quântica dagravidade com base nas partículas puntiformes são eliminados pelateoriadascordas.

Umadiferençaessencialentreaanalogiadomármoreeonossointeressepelotecidoespacialéqueefetivamenteexistemmaneirasdeexporagranulaçãomicroscópicadasuperfíciedomármore:podem-seusar instrumentos mais finos e mais precisos do que os dedos. Ummicroscópioeletrônicotemcapacidadeparaexporascaracterísticasdeuma superfície de menos de um milionésimo de centímetro; isso ésuficientementepequenopararevelarasnumerosasimperfeiçõesdessasuperfície.Poroutrolado,nateoriadascordasnãohánenhumamaneiradeexporas "imperfeições" inferioresàescaladePlanckno tecidodoespaço.Emumuniversocomandadopelasleisdateoriadascordas,anoçãoconvencionaldequeésemprepossíveldissecaranaturezaemescalas cada vezmenores, sem limite, não corresponde à realidade.Existeumlimite,eeleentraemaçãoantesqueencontremosaespumaquânticadevastadora.Dessamaneira,emumsentidoque ficarámaisclaronoscapítulosposteriores,pode-semesmodizerqueassupostasondulações quânticas inferiores à escala de Planck não existem.Umpositivista diria que uma coisa existe somente quando pode— pelomenos em princípio — ser examinada e medida. Como a corda éconsiderada o objeto mais elementar do universo, e uma vez que égrandedemaisparaserafetadapelasondulaçõesviolentasdo tecidoespacial nas escalas inferiores à distância de Planck, tais flutuaçõesnãopodemsermedidase,porconseguinte,deacordocomateoriadas

cordas,nãochegamaocorrer.PRESTIDIGITAÇÃO?

Essadiscussãopodenãolheterparecidomuitosatisfatória.Emvezdemostrarqueateoriadascordasécapazdedomarasondulaçõesquânticas do espaço nas escalas inferiores à distância de Planck,aparentemente usamos o tamanho nulo das cordas apenas paracontornaraquestão.Seráqueresolvemosalgumacoisa?Resolvemossim.Osdoispróximoscomentáriosesclarecerãoesseponto.

Emprimeirolugar,aimplicaçãodoargumentoprecedenteéqueas flutuações espaciais supostamente problemáticas das escalasinferiores à distância de Planck são conseqüências artificiais daformulaçãodarelatividadegeraledamecânicaquânticaemtermosdepartículas puntiformes. Nesse sentido, portanto, o conflito capital dafísica teórica contemporânea é um problema criado por nósmesmos.Como imaginávamos que todas as partículas de matéria e todas aspartículasdeforçativessemadimensãodeumponto,literalmentesemextensãoespacial,estávamosobrigadosaconsideraraspropriedadesdouniversoemescalasdedistânciaarbitrariamentepequenas.Enasmenores de todas as distâncias incorríamos em problemasaparentemente insuperáveis. A teoria das cordas nos diz queencontramos esses problemas apenas porque não entendemos asverdadeiras regrasdo jogo;essas regrasnos informamqueexisteumlimiteparaapossibilidadedeexaminarouniversoemdistânciascurtas— um limite real à possibilidade de aplicação da nossa noçãoconvencional de distância à estrutura ultramicroscópica do cosmos.Vemos agora que as flutuações espaciais supostamente perniciosasapareceram nas nossas teorias porque não nos demos conta daexistência desses limites e fomos levados pela concepção daspartículas puntiformes a ultrapassar grosseiramente as fronteiras darealidadefísica.

Dada a aparente simplicidade dessa solução para superar oproblemaentrea relatividadegeraleamecânicaquântica,vocêdeveestarseperguntandoporquedemoroutantoparaquealguémsugerisseque a concepção das partículas puntiformes fosse uma meraidealização e que no mundo real as partículas elementares têmextensão espacial. Isso nos leva ao segundo comentário. Há muitotempo, algumas das maiores cabeças da física teórica, como Pauli,

Heisenberg,DiraceFeynmanchegaramasugerirque,naverdade,oscomponentesdanaturezanãoerampontos,massimpequenas"bolhas"ou "pepitas"ondulantes. Eles e outros mais, contudo, verificaram sermuito difícil construir uma teoria cujo componente fundamental nãofossem as partículas puntiformes, sem que a teoria perdesse a suacoerência com relação aos princípios físicos mais básicos, como aconservaçãodasprobabilidadesdamecânicaquântica(demodoqueosobjetosfísicosnãopossamdesaparecersubitamentedouniverso,semdeixar traço) e a impossibilidade da transmissão de informações avelocidades maiores do que a da luz. Mesmo adotando diferentesperspectivas,aspesquisasmostravamcontinuamentequepelomenosumdessesdoisprincípioseravioladoaosedescartaroparadigmadaspartículaspuntiformes.Pormuitotempopareceuimpossíveldesenvolverumateoriaquânticaplausívelquenãoestivessebaseadanaspartículaspuntiformes.Oaspectomaisimpressionantedateoriadascordaséquemais de vinte anos de pesquisas exaustivas revelaram que, emboraalgumasdesuascaracterísticassejamincomuns,elarespeitatodasaspropriedades indispensáveis a qualquer teoria física plausível. Alémdisso,graçasaopadrãovibratóriodográviton,ateoriadascordaséumateoriaquânticaquecontémagravidade.ARESPOSTAMAISPRECISA

Arespostaaproximadatransmiteaessênciadarazãopelaqualateoriadascordaspersisteondeasoutrasteoriasdesistem.Dessemodo,sevocêquiser,podeirlogoparaaoutraseçãoenãoperderáofiológicoda nossa discussão. Mas como já desenvolvemos no capítulo 2 asidéias essenciais da relatividade especial, temos em nosso poder osinstrumentos necessários para descrever commaior precisão como ateoriadascordasacalmaaviolentaagitaçãoquântica.

Narespostamaisprecisa,nosbaseamosnamesmaidéiacentralque nos orientou na resposta aproximada, mas aqui a expressamosdiretamente no nível das cordas. Isso se faz comparandoespecificamente as partículas puntiformes e as cordas como sondas.Veremoscomoaextensãoespacialdacordatornadifusaouimprecisaainformação que seria obtida com o uso de partículas puntiformes e,novamente, como a corda elimina o comportamento responsável, nasdistânciasultracurtas,pelodilemacentraldafísicacontemporânea.

Consideremos inicialmente a maneira pela qual as partículaspuntiformesinteragiriam,seelasrealmenteexistissem,paraverdequemodo poderiam ser usadas como sondas físicas. A interação maisfundamental é a que ocorre entre duas partículas puntiformes que semovememrotadecolisão,demodoqueassuastrajetóriassecruzem.Se essas partículas fossem bolas de bilhar, elas se chocariam eseguiriam por novas trajetórias. A teoria quântica de campo daspartículas puntiformes mostra que essencialmente a mesma coisaacontece quando as partículas elementares se chocam — elasricocheteiamumanaoutraecontinuamemnovastrajetórias—,masosdetalhessãoumpoucodiferentes.

Paratornarascoisasconcretasesimples,imaginequeumadasduaspartículaséumelétroneaoutraéasuaantipartícula,umpósitron.Quandoamatériasechocacomaantimatéria,ambaspodemaniquilar-semutuamente, em umamicroexplosão de energia pura, produzindo,porexemplo,umfóton.Paradistinguiratrajetóriadofótondastrajetóriasanterioresdoelétronedopósitron,seguimosaconvençãotradicionaldafísicaearepresentamoscomumalinhaondulada.Tipicamente,ofótonviajará um pouco e descarregará a energia derivada do primeiro parelétron-pósitronproduzindoumoutroparelétron-pósitron,queseguirãotrajetórias como as indicadas no lado direito. Em resumo, duaspartículassãolançadasumacontraaoutra,interagempormeiodaforçaeletromagnéticaefinalmentereemergemcomtrajetóriasdesviadas,emuma seqüência de eventos que guarda alguma semelhança com adescriçãodacolisãoentreduasbolasdebilhar.

Interessam-nos os aspectos específicos da interação —particularmente, o ponto em que o elétron e o pósitron iniciais seaniquilam e produzem o fóton. O fato principal, como se verá, é queexiste uma hora e um lugar em que isso acontece, que sãoabsolutamenteidentificáveis,semambigüidade.Dequemaneiramudaessa descrição se, ao examinarmos bem de perto os objetos quepensávamos serem pontos com dimensão zero, verificamos que sãocordasunidimensionais?

Oprocessobásicodeinteraçãoéomesmo,masagoraosobjetosque estão em rota de colisão são laços oscilantes. Se esses laçosestiverem vibrando segundo os padrões vibratórios apropriados, elescorresponderão a um elétron e um pósitron em rota de colisão. Sóquandoossondamosnamaisdiminutadasescalasdedistância,muito

menoresdoquequalquercoisaqueatecnologiaatualpodeexaminar,équeasuaverdadeiranaturezaunidimensionalserevela.Talcomonocaso das partículas puntiformes, as duas cordas chocam-se e seaniquilamemumamicroexplosão.Aexplosão,umfóton,éelaprópriaumacordaemumpadrãovibratórioparticular.Assim,asduascordasqueseaproximaminteragemfundindo-seeproduzindoumaoutracorda.Talcomonadescriçãoemtermosdepartículaspuntiformes,essacordaviajaráumpoucoedescarregaráaenergiaderivadadoprimeiropardecordas, dissociando-se em duas cordas, que seguirão a viagem.Tambémaqui,vê-seque,vistodequalquerperspectiva,excetoamaismicroscópica de todas, esse caso parecerá exatamente igual àinteraçãodaspartículaspuntiformes.

Há,noentanto,umadiferençacrucialentreasduasdescrições.Ressaltamosqueainteraçãodaspartículaspuntiformesocorreemumponto identificável do espaço e do tempo, a respeito do qual todosestamosdeacordo.Comoveremosagora,issonãoéverdadeparaasinteraçõesentrecordas.VerificaremosissocomparandoasmaneirasemqueJoãoeMaria,doisobservadoresemmovimentorelativo,comonocapítulo 2, descreveriam a interação. Veremos que eles nãoconcordarãoarespeitodequandoeondeasduascordassetocampelaprimeiravez.

Imaginequeestejamosobservandoainteraçãoentreduascordascom uma máquina fotográfica cujo diafragma mantém-se aberto, demodoaregistrarnofilmetodoodesenrolardoprocesso.'°Oresultado—que se denomina a folha de mundo da corda. Cortando a folha demundoem"fatias"paralelas—domesmomodocomosefatiaumpão—a história da interação pode ser recuperadamomento amomento.João,deliberadamenteconcentradonasduascordasqueseaproximam,juntamente comumplanoque separaemuma fatia todososeventosque ocorrem ao mesmo tempo no espaço, de acordo com a suaperspectiva. Como já fizemos tantas vezes nos capítulos anteriores,suprimimos uma dimensão espacial no diagrama em prol da clarezavisual. Na realidade, como é lógico, há um conjunto de eventostridimensionaisqueocorremaomesmotempo,deacordocomqualquerobservador.

Duas cordas em rota de colisão podem unir-se, formando umaterceira corda, que em seguida pode dividir-se em duas cordas, queviajamportrajetóriasdesviadas(b)Omesmoprocessomostradoem(a),

comênfase nomovimento da corda (c)Uma "fotografia de exposiçãomúltipla" de duas cordas que interagem e descrevem uma "folha demundo".

ExecutemosagoraomesmoprocedimentocomrelaçãoaMaria.Comovimosnocapítulo2,omovimentorelativodeJoãoeMariaimplicaque eles não estarão de acordo quanto a quais eventos ocorremsimultaneamente.Da perspectiva deMaria, os eventos espaciais queocorrem simultaneamente estão em um plano diferente. Ou seja, daperspectivadeMaria,a folhademundodeveserdivididaem fatiasapartir de um ângulo diferente para revelar a progressão da interaçãomomento a momento. Agora do ponto de vista de Maria, inclusive omomentoemqueelavêqueasduascordasse tocameproduzematerceiracorda.

Comparando, vemos que João e Maria não concordam sobrequandoeondeasduascordas iniciaisse tocampelaprimeiravez—ondeelas interagem.Comoa cordaé umobjeto dotadodeextensãoespacial,nãoexisteumlocalespecíficoesemambigüidadesnoespaçonem ummomento exato no tempo em que as cordas interagem pelaprimeiravez—issodependedoestadodemovimentodoobservador.Seaplicarmosexatamenteomesmoraciocínioàinteraçãodepartículaspuntiformes, voltaremos à conclusão proclamada antes — existe, defato,umlugardefinidodoespaçoeummomentodefinidodotempoemqueasduaspartículasinteragem.Aspartículaspuntiformesconcentramtodas as suas interações em um ponto definido. Quando a forçaenvolvidaemumainteraçãoéaforçagravitacional,ouseja,quandoapartículamensageira envolvida na interação é o gráviton, em vez dofóton, essa concentração da intensidade da força em umúnico pontoleva a resultados desastrosos, como as respostas infinitas a que nosreferimos anteriormente. As cordas, ao contrário, tornam impreciso olugarondeocorreainteração.Comoobservadoresdiferentespercebemqueainteraçãoocorreemlocaisdiferentesaolongodaparteesquerdadasuperfíciedafigura,issosignifica,emumsentidoreal,queolocaldainteração fica distribuído entre todas as possibilidades. Isso tambémdistribui a intensidade da força e, no caso da força gravitacional, taldistribuição dilui significativamente as suas propriedadesultramicroscópicas—tantoassimqueoscálculosproduzemrespostasfinitasebem-comportadasemlugardosinfinitosdeantes.Essaéumaversãomaisprecisadadifusãoencontradanarespostaaproximadadaúltima seção. E também aqui tal difusão resulta na suavização da

agitação ultramicroscópica do espaço, uma vez que as distânciasinferioresàdePlancksedesfazem.

Os detalhes inferiores à escala de Planck, teoricamenteacessíveisàsondagemdeumapartículapuntiforme,tornam-sedifusoseinofensivosnateoriadascordas,comosefossemvistoscomóculosfortesdemais,oudemasiadofracos.Sóquenocasodateoriadascordas,seelaestivercorreta,nãohálentecapaz de pôr em foco as supostas flutuações inferiores à escala dePlanck. A incompatibilidade entre a relatividade geral e a mecânicaquântica—quesóse tornavisívelnessasescalas—desapareceemumuniversoqueimpõeumlimiteàsdistânciasquepodemseratingidas,oumesmoquepossamterexistêncianosentidoconvencional.Esseéouniversodescritopelateoriadascordas,noqualvemosqueasleisdogrande e do pequeno podem fundir-se harmoniosamente e que assupostas catástrofes características das distâncias ultramicroscópicassãosumariamentecanceladas.ALEMDASCORDAS?

As cordas são especiais por duas razões. Em primeiro lugarporque, apesar de teremextensãoespacial, podemser descritas comcoerênciapelamecânicaquântica.Emsegundo lugarporqueentreospadrõesvibratóriosressonantesháumcomasexataspropriedadesdográviton, uma garantia de que a gravidade é parte integrante da suaestrutura. Mas assim como a teoria das cordas revela que a noçãoconvencionaldepartículaspuntiformescomdimensãozeropareceserumaidealizaçãomatemáticaquenãoacontecenomundoreal,tambémnão pode ser verdade que as cordas infinitamente finas eunidimensionaissejamoutrasidealizaçõesmatemáticas?Nãopodesertambém que as cordas tenham, afinal, alguma espessura— como asuperfície de uma câmara bidimensional de pneu de bicicleta? Oumelhor ainda, como um doughnut tridimensional? As dificuldadesaparentemente insuperáveis que Heisenberg, Dirac e outrosencontraram ao tentar construir uma teoria quântica com pepitastridimensionaisdesencorajaramospesquisadoresapensaremseguiressaseqüêncialógicaderaciocínio.

Inesperadamente, contudo, em meados da década de 90 os

teóricos das cordas concluíram, por meio de um raciocínio indireto ebastanteastuto,quetaisobjetosfundamentaiscommaioresdimensõesefetivamente têm um papel importante e sutil na própria teoria dascordas.Poucoapoucoelesforamseconvencendodequeateoriadascordasnãoéumateoriaquecontenhaapenascordas.Umaobservaçãocrucial, que está na base da segunda revolução das supercordas,iniciadaem1995porWitteneoutros,éadequea teoriadascordasinclui, na verdade, componentes com uma variedade de dimensõesdiferentes: componentes bidimensionais, semelhantes a discos defrisbee, tridimensionais, semelhantes a bolhas, e até mesmo outraspossibilidades mais exóticas. Essas conclusões mais recentes serãoobjeto dos capítulos 12 e 13. Por enquanto, continuaremos a seguircronologicamente o caminho da história e a explorar as notáveispropriedades de um universo construído com cordas unidimensionaisemvezdepartículaspuntiformescomdimensãozero.

7.O"super"dassupercordas

AoseconfirmaroêxitodaexpediçãodeEddingtonquemediu,em1919,aprevisãodeEinsteinsobreacurvaturada luzocasionadapeloSol,ofísicoholandêsHendrikLorentzmandouumtelegramaparaEinstein, informando-o da boa notícia. À medida que a notícia daconfirmação da relatividade geral difundia-se, um aluno perguntou aEinstein o que ele teria pensado se a experiência de Eddington nãoconfirmasse a previsão da curvatura da luz. Einstein respondeu: "Euteria ficadocompenadoquerido lorde,porquea teoriaestácerta".'Elógico que se as experiências efetivamente não confirmassem asprevisõesdeEinstein,ateorianãoestariacorretaearelatividadegeralnãoseriaumpilardafísicamoderna.OqueEinsteinquisdizeréquearelatividadegeraldescreveagravidadecomumaelegânciainteriortãoprofunda, com idéias tãosimplesepoderosasqueeradifícil paraeleimaginarqueanaturezapassasseporcimadela.NavisãodeEinstein,arelatividadegeralerabonitademaisparanãoserverdadeira.

Mas juízos estéticos não solucionam problemas científicos. Emúltimaanálise,asteoriassãojulgadaspelamaneiracomosecomportamdiantedosresultadosfrioseimplacáveisdasexperiências.Essaúltimaobservação merece, no entanto, uma qualificação de imensaimportância. Enquanto uma teoria está em construção, o seu estadoincompleto de desenvolvimentomuitas vezes impede a comprovaçãoexperimental de suas implicações específicas. De toda maneira, osfísicos são forçados a fazer escolhas e julgamentos a respeito dadireção a ser dada às pesquisas relativas à nova teoria. Algumasdessas decisões são ditadas pela coerência lógica interna; é justorequererqueumateoriasensatanãocaiaemabsurdoslógicos.Outrasdecisões sãoguiadasporumaavaliaçãodas implicaçõesqualitativasdasexperiênciasrealizadasemumcontextoteóricocomrelaçãoaoutro;em geral, não nos desperta interesse uma teoria que não tenha acapacidadederelacionar-secomalgumacoisaqueexistanomundoànossa volta. Mas é bem verdade que algumas decisões dos físicosteóricos baseiam-se no sentido da estética— a sensação de que asestruturas teóricas têm uma elegância e uma beleza naturais, quecondizem com o que vemos no mundo físico. Evidentemente, nadagarantequeessaestratégiaconduzaàverdade.Quemsabe,noâmbitomais profundo, a estrutura do universo não é tão elegante quanto anossaexperiêncianoslevouacrer,ouquemsabe,ainda,venhamosa

descobrirqueosnossoscritériosestéticosprecisamsofisticar-semuitomaisparaquepossamosaplicá-losasituaçõespoucocomuns.Detodomodo,especialmenteagora,quandoentramosemumaeraemqueasnossasteoriasdescrevemáreasdouniversoquedificilmentepodemseralcançadasexperimentalmente,osfísicosrecorremàestéticaparaguiá-lospêlos caminhos, eevitar obstáculosebecos semsaída.Atéaqui,esseprocedimentotempropiciadoorientaçãoválidaeesclarecedora.

Nafísicacomonaarte,asimetriaépaneintegrantedaestética.Masnafísica,aocontráriodaarte,asimetriatemumsignificadomuitoconcretoepreciso.Naverdade,seguindocuidadosamenteessanoçãoprecisa de simetria até as suas últimas implicações matemáticas, notranscursodasúltimasdécadasoscientistasapresentaram teoriasemque as partículas de matéria e as partículas mensageiras têm umarelaçãomuitomaisíntimadoqueantessepensavaserpossível.

Taisteorias,queunemnãosóasforçasdanaturezamastambémoscomponentesmateriais,contêmomaiorgraupossíveldesimetriaepor essa razão são chamadas supersimétricas. A teoria dassupercordas, como veremos, é, ao mesmo tempo, a pioneira e oexemplomáximodosesquemassupersimétricos.ANATUREZADASLEISFÍSICAS

Imagineumuniversoemqueasleisdafísicasejamtãoefêmerasquantoamoda—mudandodeanoaano, de semanaa semana, oumesmo de momento a momento. Nesse mundo, supondo que asmudanças não destruam os processos básicos da vida, não haveriatédio,paradizeromínimo.Asaçõesmaissimplesseriamumaaventura,uma vez que variações aleatórias tornariam impossível, para você oupara quem quer que fosse, usar a experiência passada para preverqualquer coisa a respeito dos resultados futuros. Um universo assimseriaopesadelodosfísicos—edetodososdemaistambém.Osfísicosconfiam na estabilidade do universo: as leis que hoje governam omundo são as mesmas que o governavam ontem e o governarãoamanha (mesmoquenão tenhamosaindaa capacidadededescobri-las).Afinaldecontas,quesentidopodeterapalavra"lei"seelapodemodificar -se abruptamente? Isso não significa que o universo sejaestático; é certo que ele se modifica de múltiplas maneiras e a todomomento.Significa,issosim,queasleisquepresidemataismudanças

são fixas e imutáveis. Você poderá perguntar se nós podemos tercertezadisso.Naverdadenãopodemos.Masoêxitoquetemostidoemdescrevernumerosascaracterísticasdouniversodesdeumbrevíssimomomentoapósobig-bangatéopresentenosasseguradequeseasleisestãomudando,devemestarmudandobemdevagar.Apremissamaissimples emais coerente com tudo o que sabemos é que as leis sãofixas.

Imagine agora um universo em que as leis da física sejamprovincianascomoaculturadepequenascomunidades—alterando-sedemaneiraimprevisíveldeumlugaraoutroeresistindobravamenteaosestímulos externos para que se igualem. Como nas aventuras deGulliver,osviajantesemummundodessetipoficariamexpostosaumaenormevariedadedeexperiênciasimprevisíveis.Daperspectivadeumfísico,contudo,esseéumoutropesadelo.Jáédifícil,porexemplo,queasleishumanasquevalememumpaísnãovalhamemoutros.Imagineentãocomoseriamascoisasseas leisdanaturezavariassemassim.Emummundodessetipo,asexperiênciasfeitasemumlugarnãoteriamqualquervalidadeemumoutrolugar,governadoporoutrasleisfísicas.Os cientistas teriam de refazer suas experiências inúmeras vezes emcada local, para ver quais são as leis físicas que aí prevalecem.Felizmente, tudo o que sabemos indica que as leis físicas são asmesmasemtodososlugares.Todasasexperiênciasfeitasemtodososlugares convergememdireção a ummesmo conjunto de explicaçõesfísicas.Alémdisso,anossacapacidadedeexplicarumvastonúmerodeobservações astrofísicas de regiões remotas de espaço, usando umconjuntoúnicoeconstantedeprincípiosfísicos,leva-nosacrerqueasleis que governam todo o universo são as mesmas. Como nuncaviajamos para o outro extremo do universo, não podemos excluir porcompletoapossibilidadedequeumaespécie totalmentediferentedeestrutura física prevaleça em algum outro lugar, mas tudo indica ocontrário.

Isso tampoucosignificaqueouniverso tenhaomesmoaspecto—ouasmesmaspropriedadesespecíficas—emlocaisdiferentes.Umastronauta na superfície da Lua pode dar saltos que na Terra seriaminimagináveis.MasnóssabemosqueissosedeveaofatodequeaLuatemmuitomenosmassadoqueaTerra,enãoquealeidagravidademudedeumlugaraoutro.AleidagravidadedeNewton, oumelhor, deEinstein, é amesma, naTerra ou na Lua.As

diferentes experiências do astronauta explicam-se pelas mudançasambientais,enãopelavariaçãoda lei física.Oscientistasdescrevemessas duas propriedades das leis físicas — o fato de que elas nãodependemda ocasião ou do lugar em que forem invocadas— comosimetriasdanatureza.Comissoelesqueremreferir-seaofatodequeanatureza trata todos os momentos do tempo e todos os lugares doespaçodeformaidêntica—simétrica—,fazendocomqueasmesmasleis estejam em operação em todas as partes. O efeito causado poressassimetriaséomesmoqueexercemnamúsicaenaarteemgeral—odeumaprofunda satisfação; elas revelamordeme coerêncianofuncionamentodanatureza.Aelegância,ariqueza,acomplexidadeeadiversidade dos fenômenos naturais que decorrem de um conjuntosimplesdeleisuniversaiséparteintegrantedoqueoscientistasqueremdizerquandoempregamotermo"beleza".

Nas nossas discussões a respeito das teorias da relatividadegeral e da relatividade especial, deparamos com outras simetrias danatureza. Lembre-se de que o princípio da relatividade, que está nocernedarelatividadeespecial,nosdizquetodasasleisfísicastêmdeser iguais, independentementedomovimentorelativouniformequeosobservadores individuais possam experimentar. Isso é uma simetriaporque significa que a natureza trata todos esses observadores demaneiraidêntica—simétrica.

Cadaumdessesobservadorespodejustificadamenteconsiderar-seemrepouso.Sabemosqueissonãoquerdizerqueosobservadoresemmovimentorelativotenhamdefazerobservaçõesidênticas;comojávimos,diferençasincríveisdetodotipoocorremnessasobservações.Aocontrário, tal como nas experiências díspares dos que dão saltos naTerra e na Lua, as diferenças das observações refletem aspeculiaridades do ambiente local — os observadores estão emmovimentorelativo—,muitoemboraasobservaçõessejamgovernadasporleisidênticas.

Como princípio da equivalência da relatividade geral, Einsteinampliousignificativamenteessasimetriamostrandoqueasleisdafísicasão,naverdade,idênticasparatodososobservadores,mesmoqueelesestejamexecutandocomplexosmovimentosacelerados.Lembre-sedequeEinsteinchegouaessaconclusãoaoverificarqueumobservadoremmovimentoaceleradotambémpode,comtodajustificativa,declarar-se em repouso e armar que a força que experimenta se deve a umcampogravitacional.Comainclusãodagravidadenoesquema,todosos pontos de vista dos diferentes observadores são postos empé deigualdade.Alémdabelezaintrínsecadessetratamentoigualitáriodado

a todos os movimentos, vimos que esses princípios de simetriadesempenhamumpapel decisivo nas conclusões estonteantes a queEinsteinchegoucomrelaçãoàgravidade.

Existem outros princípios de simetria que tenham a ver com oespaço,otempoeomovimentoequetenhamdeserrespeitadospelasleis da natureza? Se você pensar bem, pode aventar mais umapossibilidade.Asleisfísicasnãodeveriamimportar-secomoânguloapartir do qual a observação é feita. Por exemplo, se você fizer umaexperiência e em seguida decidir girar os equipamentos e fazer aexperiência de novo, asmesmas leis devemaplicar-se emambos oscasos.Issoseconhececomosimetriarotacionalesignificaqueasleisdafísicatratamtodasasorientaçõespossíveisempéde igualdade.Eum princípio de simetria que tem a mesma hierarquia dos quediscutimosantes.

Haverá outros? Será que esquecemos alguma simetria? Vocêpoderia sugerir as simetrias de calibre associadas às forças nãogravitacionais,comovimosnocapítulo5.Claramenteelassãosimetriasda natureza, mas pertencem a um tipo mais abstrato. O que nosinteressaaqui sãoas simetriasquese relacionamdiretamente comoespaço,otempoouomovimento.Comessaestipulação,éprovávelquevocênãoconsigapensaremoutraspossibilidades.Comefeito,em1967os físicosSidneyColemaneJeffreyMandulaconseguiramprovarquenenhuma outra simetria relacionada com o espaço, o tempo ou omovimentopoderiacombinar-secomasqueacabamosdeveremumateoriaqueguardealgumarelaçãocomonossomundo.Posteriormente,noentanto,umaconsideraçãomaisatentadesseteorema,baseadanaspercepçõesdenumerososfísicos,revelouaexistênciadeumaexceção,única,precisaesutil: aconclusãodeColemaneMandulanão levarainteiramenteemcontaassimetriasquesãosensíveisaalgoconhecidocomospin.SPIN

Umapartículaelementarcomooelétronmantém-senaórbitadeumnúcleoatômico,maisoumenosdamesmamaneiracomoaTerrasemantémnaórbitadoSol.Masdeacordocomadescriçãotradicionaldoelétron como partícula puntiforme, pareceria falar uma analogia comrelaçãoaomovimentoderotaçãodaTerraemtornodoseupróprioeixo.

Quandoumobjetoqualquergira,ospontosqueestãosobreoeixoderotação—comoopontocentraldeumdiscodefrisbeegirando—nãosemovem.Mas se pensamos verdadeiramente emumponto, não há"outrospontos"queestejamsobreoeixoderotação.Pareceria,então,carecerdesentidoanoçãodequeumpontopossagirarsobreoseupróprio eixo. Há muitos anos esse raciocínio caiu vítima de outrasurpresadamecânicaquântica.

Em 1925, os físicos holandeses George Uhienbeck e SamuelGoudsmitverificaramqueumaboaquantidadededadosatéentãonãoexplicados relativosàspropriedadesda luzemitidaeabsorvidapêlosátomospoderiaserentendidaseatribuíssemosaoelétronpropriedadesmagnéticasmuitoparticulares.Cemanosantes,ofrancêsAndré-MarieAmperedemonstraraqueomagnetismodecorredomovimentodacargaelétrica. Uhienbeck eGoudsmit seguiram esse caminho e concluíramque apenas um tipo específico de movimento do elétron poderia darlugaràspropriedadesmagnéticassugeridaspêlosdados:omovimentoe rotação—ou seja, o spin.Ao contrário das expectativas clássicas,Uhienbeck e Goudsmit proclamaram que, de alguma maneira, assimcomoaTerra,tambémoselétronsgiramemumaórbitaeemtornodelesmesmos.

IssosignificaqueUhienbeckeGoudsmitrealmentequeriamdizerqueoelétrontemrotação?Simenão.Oqueoseutrabalhorevelaéqueamecânicaquânticatemanoçãodespin,queseassemelhaemalgoànossa noção tradicional de rotação, mas cuja natureza estáintrinsecamente ligada à mecânica quântica. Essa é uma daspropriedades do mundo microscópico que entram em atrito com asidéiasclássicas,masqueintroduzemumtoquequânticoquepodeserverificado experimentalmente. Por exemplo, imagine uma patinadoragirandosobresimesma.Quandoelapõeosbraçossobreopeito,rodamaisdepressa;quandoabre os braços, roda mais devagar. E mais cedo ou mais tarde,dependendodovigorcomquecomeçouagirar,elaperderávelocidadegiratóriaeparará. Issonãoacontececomo tipodespin reveladoporUhienbeckeGoudsmit.Deacordocomoseu trabalhoecomestudossubseqüentes, todososelétronsdouniverso,hojeeparasempre,sãodotadosdespinaumritmofixoeimutável.Ospindeumelétronnãoéum estado de movimento transitório, como acontece com os objetosmaiscomunsque,poralgumarazão,giramsobreelesmesmos.Nesse

caso, o spin do elétron é uma propriedade intrínseca, assim como amassaeacargaelétrica.Seoelétronnão tivessespin,nãoseriaumelétron.

Emboraostrabalhosiniciaissereferissemaoselétrons,osfísicosdemonstraramposteriormentequeasidéiasrelativasaospinaplicam-seigualmente a todas as partículas de matéria que compõem as trêsfamílias. Issocorrespondeàverdadeatéomais ínfimodetalhe.Todasaspartículasdematéria(eseusparesdeantimatériatambém)têmspin,talcomooelétron.Nolinguajardomeio,diz-sequetodasaspartículasdematériatêm"spin-1/2",ondeovalor1/2é,porassimdizer,amedidada velocidade de rotação das partículas em termos de mecânicaquântica.Alémdisso,oscientistasdemonstraramqueostransmissoresdasforçasnãogravitacionais—fótons,bósonsdaforçafracaeglúons—tambémpossuemcaracterísticasintrínsecasdespinqueresultamserodobrodaquelasdaspartículasdematéria.Todoselestêm"spin-1".

E a gravidade? Bem, mesmo antes da teoria das cordas, osfísicos já sabiam qual deveria ser o spin do hipotético gráviton, otransmissor da força gravitacional. A resposta: o dobro do spin dosfótons,bósonsdaforçafracaeglúons—istoé,"spin-2".Nocontextodateoriadascordas,ospin—talcomoamassaeascargasdeforça—associa-seaopadrãovibratórioexecutadopelacorda.Assimcomonocasodaspartículaspuntiformes,podeserenganadorpensarnospindeumacordacomooresultadodeumarotaçãoqueelaliteralmenterealizepelo espaço, mas a imagem dá uma sensação aproximada do quedevemosconservaremmente.

Apropósito,podemosagoraesclarecerumaquestãoimportantecom a qual cruzamos anteriormente. Em 1974, quando Scherk eSchwarzproclamaramquea teoriadascordasdeveriaservistacomouma teoria quântica que incorporava a gravidade, eles o fizeram porhaververificadoqueascordastêmnecessariamenteemseurepertórioum padrão vibratório que não tem massa e tem spin-2 — a marcaregistradadográviton.Ondehágrávitonshátambémgravidade.

A partir dessas considerações a respeito do conceito de spin,vejamosagoraopapelqueeledesempenhaaorevelaraexceçãoqueseaplicaà conclusãodeColemaneMandulanoquediz respeitoàspossíveissimetriasdanatureza,mencionadasnaseçãoprecedente.SUPERSIMETRIAESUPERPARCEIROS

Járessaltamosqueoconceitodespin,emborasuperficialmente

semelhante à imagem de um pião que roda, difere substancialmentedeleemaspectosrelativosàmecânicaquântica.Adescobertadospinem1925 revelou quehá umoutro tipo demovimento de rotaçãoquesimplesmentenãoexistianouniversopuramenteclássico.Issosugereaseguinte pergunta: assim como o movimento normal de rotaçãoocasionaoprincípiodesimetriadainvariânciarotacional("afísicatratatodasasorientaçõesespaciaisempédeigualdade"),poderiaserqueomovimentorotacionalmaissutilassociadoaospinlevasseaumaoutrasimetria nas leis da natureza? Por volta de 1971, os cientistasdemonstraramquea respostaaessaperguntaerapositiva.Ahistóriacompletaébemcomplicada,masaidéiabásicaéquequandosetomaospinemconsideração,surgeprecisamenteumanovasimetriadas leisda natureza que ématematicamente possível. Ela é conhecida comosupersimetria.

Asupersimetrianãopodeserassociadaaumamudançasimpleseintuitivadepontodevistaobservacional;asalteraçõesnotempo,nalocalização espacial, na orientação angular e na velocidade domovimento esgotam essas possibilidades. Mas assim como o spin é"semelhante ao movimento de rotação com um toque dado pelamecânica quântica", a supersimetria pode ser associada a umamudançadepontodevistaobservacionalemuma"regiãodoespaçoedo tempo definida em termos de mecânica quântica". As aspas sãoespecialmenteimportantesporqueaúltima frasedestina-seadaruma idéiaapenasaproximativado lugarque a supersimetria ocupa no arcabouço maior dos princípios desimetria.

Todavia,emboraacompreensãodaorigemdasupersimetriasejaalgo muito sutil, vamos nos concentrar em uma das suas primeirasimplicações — se é que as leis da natureza incorporam os seusprincípios—,oqueémuitomaisfácilentender.Nocomeçodadécadade70,os físicosperceberamqueseouniverso forsupersimétrico,aspartículas da natureza têm de acontecer em pares, cujos respectivosspinsdiferememmeiaunidade.Taisparesdepartículas—quersejamconsiderados como pontos (tal qual no modelo-padrão), quer comomínimos laços vibrantes — são chamados superparceiros. Como aspartículasdematériatêmspin-

1/2ealgumasdaspartículasmensageiras têmspin-1,asupersimetriaparece resultar em um emparelhamento— uma parceria— entre aspartículas de matéria e de força. Desse modo, parece ser ummaravilhoso conceito unificador. O problema está nos detalhes. Emmeados daquela década, quando os físicos tentaram incorporar asupersimetria ao modelo- padrão, verificaram que nenhuma daspartículasconhecidas—podiasersuperparceiradequalquerumadasoutra.Emvezdisso,análisesteóricasespecíficasmostraramqueseforverdadeque universo incorpora a supersimetria, então cada umadaspartículas conhecidas deve ter umapartícula superparceira aindanãodescoberta, cujo spin é meia unidade menor do que o da partículaconhecida. Por exemplo, deve haver um parceiro de spin O para oelétron;essapartículahipotéticarecebeuonomedeselétron(contraçãodesupersimétricoeelétron).Omesmodevetambémacontecercomasoutraspartículasdematéria,demodoqueossuperparceiroshipotéticosdespinOdosneutrinosedosquarkssechamariamsneutrinosesquark.Domesmomodo, as partículas de força devem ter superparceiros despin 1/2. Para os fótons devem haver fótinos, para os glúons devemhaver gluínos, para os bósons W e Z devem haver winos e zinos.Portanto,observandomelhor, a supersimetriapareceser terrivelmenteanti-econômica; requer toda uma multidão de novas partículas queacabam por duplicar a lista dos componentes fundamentais. Comonenhumadaspartículassuperparceirasjamaisfoidetectada,justifica-seque nos lembremos da observação de Rabi, citada no capítulo 1,quando da descoberta do múon, e a mencionemos neste contexto.Então diríamos que "ninguém encomendou a supersimetria" erejeitaríamossumariamenteesseprincípiodasimetria.Hátrêsrazoesnoentanto, que levam os cientistas a acreditar firmemente que essademissão sumária da supersimetria seria muito prematura. Vamosdiscutiressasrazões.ASRAZOESDASUPERSIMETRIA:ANTESDATEORIADASCORDAS

Emprimeirolugar,deumpontodevistaestético,édifícilparaosfísicosaceitarqueanaturezarespeitequase todas,masnãotodasassimetriasquesãomatematicamentepossíveis.Evidentemente,podeserque a utilização incompleta das simetrias efetivamente ocorra narealidade, mas seria algo muito frustrante. Seria como se Bachdesenvolvesseumapeçacomváriasvozesemumabrilhantetessituramusical, cheia de engenhosos padrões de simetria e deixasseinconclusoocompassofinal,deresolução.

Em segundo lugar, mesmo no modelo-padrão, uma teoria queignoraagravidade,diversosproblemastécnicosespinhososassociadosa processos quânticos são resolvidos rapidamente se a teoria forsupersimétrica. O problema básico está em que cada espécie departículaprestaa suaprópria contribuiçãoao frenesimicroscópicodamecânica quântica. Os cientistas verificaram que nesse mar deagitação, certos processos que envolvem interações de partículaspermanecemcoerentesapenasseosparâmetrosnuméricosdomodelo-padrãoestiveremcorretoscomumamargemdeerroinferioraumsobrelmilhãodebilhões,paraquepossamsercanceladososefeitosquânticosmais perniciosos. Esse grau de precisão corresponde a ajustar apontaria de umaarmahipotética de talmaneira quea bala atinja umalvonaLuacommargemdeerro inferioràespessuradeumaameba.Muitoemboraomodelo-padrãocomporteajustesnuméricosdeprecisãoanáloga, muitos físicos não podem deixar de sentir uma fortedesconfiança com relação a uma teoria cujo equilíbrio é tão delicadoque se romperia se alterássemos a décima quinta casa decimal dealgunsdosseusparâmetros.

Essa situação altera-se drasticamente com a supersimetriaporqueosbósons

— partículas cujo spin é um número inteiro (assim denominadas emhomenagem ao físico indiano Satyendra Bose) — e os fénnions —partículas cujo spin é ametade de um número inteiro (ímpar) (assimdenominadasemhomenagemaofísicoitalianoEnrico Fermi) — tendem a dar contribuições que se cancelammutuamentenamecânicaquântica.Quandoaagitaçãoquânticadeumbósonépositiva,adoférmiontendeasernegativa,evice-versa,comoem uma gangorra. Como a supersimetria afirma que os bósons e osférmions ocorrem em pares, esses cancelamentos substanciais, queacalmam significativamente o frenesi quântico, verificam-se desde oinício. O que acontece é que a coerência do modelo-padrãosupersimétrico — o modelo-padrão acrescido de todas as partículassuperparceiras—jánãodependedosajustesnuméricostãodelicadosdequedependeo modelo-padrão comum. Embora essa seja uma questão técnica,muitos físicos de partículas acreditam que esse fator torna asupersimetriaespecialmenteatraente.

Aterceiraprovacircunstancialemfavordasupersimetriaprovémdanoçãodegrandeunificação.Umdosaspectosmais intrigantesdas

quatroforçasdanaturezaéaenormediferençaqueexisteentreassuasimensidadesintrínsecas.Aintensidadedaforçaeletromagnéticaédecercadeumcentésimodaintensidadedaforçaforte,aforçafracaécercademilvezesmaisfracadoqueissoeaforçagravitacionalémaisde100milhõesdebilhõesdebilhõesdebilhões(10)devezesmaisfracaainda.Em1974,Glashow—continuando a explorar o caminho que revelou a existência de umaconexão profunda entre a força eletromagnética e a força fraca(focalizadonocapítulo5)eque lhevaleuoprêmioNobel, juntamentecomSaiameWeinberg—sugeriu,agoraemcompanhiadeseucolegade Harvard Howard Georgi, que uma conexão análoga poderia serestabelecida com a força forte. O trabalho, que propôs uma "grandeunificação" de três das quatro forças, apresentava uma diferençaessencialcomrelaçãoàteoriaeletrofraca:a forçaeletromagnéticaeaforçafracacristalizaram-secomoforçasindependentesapartirdeumaunião mais simétrica, o que aconteceu quando a temperatura douniversobaixouparacercade1milhãodebilhõesdegrausacimadozeroabsoluto(IO15grausKelvin).GeorgieGlashowdemonstraramqueauniãocomaforçafortesópoderiasedaraumatemperaturacercadedeztrilhõesdevezesmaisalta—porvoltade10bilhõesdebilhõesdebilhõesdegrausacimadozeroabsoluto(IO28grausKelvin).Emtermosdeenergia, issoequivale a cercade1milhãodebilhõesde vezesamassadopróton,ouseja,umvalorquatroordensdegrandezamenordoqueamassadePlanck.GeorgieGlashowtiveramacoragemdelevarafísicateóricaaumníveldeenergiaváriasordensdegrandezasuperioràquelesqueosdemaisousaramexplorar.

Trabalhosposteriores realizadosemHarvard porGeorgi,HelenQuinne

Weinberg,em1974,tornaramaindamaismanifestaaunidadepotencialdas forças não gravitacionais no arcabouço da grande unificação.Vamosexplicaressepontoumpoucomais,jáqueacontribuiçãodessescientistascontinuaaterumpapelimportantenaunificaçãodasforçasena avaliação da relevância da supersimetria para o mundo natural.Todossabemosqueaatraçãoelétricaentreduaspartículasdecargasopostasouaatraçãogravitacionalentredoiscorposdotadosdemassaaumenta com a diminuição da distância entre eles. Essas sãocaracterísticas simples e bem conhecidas da física clássica. Masquandoestudamosoefeitodafísicaquânticasobreasimensidadesdas

forças,ocorreumasurpresa.Qualarazãodisso?Arespostaestá,umavezmais,nas flutuaçõesquânticas.Quandoexaminamosocampodaforçaelétricadeumelétron,porexemplo,naverdadenósoexaminamosatravés da "névoa" de irrupções e aniquilamentos instantâneos departículaseantipartículasqueocorrememtodaaextensãodoespaçocircundante.Algumtempoatrás,osfísicosverificaramqueessanévoafervilhantedeflutuaçõesmicroscópicasobscureceaintensidadetotaldocampodeforçadoelétron,assimcomoonevoeiroobscurecealuzdeumfarol.Note,contudo,queàmedidaquenosaproximamosdoelétron,penetramosmais profundamente na névoaenvolvente de partículas eantipartículas e assim ficamos menos sujeitos aos seus efeitos. Issoimplica que a intensidade do campo elétrico do elétron aumenta àmedidaquenosaproximamosdele.

Os físicos distinguem entre esse aumento de intensidade queocorre à medida que nos aproximamos do elétron do aumentoconhecidopelafísicaclássica,dizendoqueaintensidadeintrínsecadaforçaeletromagnéticaaumentanasescalasmenoresdedistâncias.Issorefleteofatodequeaintensidadenãosóaumentaporqueestamosmaisperto do elétron, mas também porque um volume maior do campoelétrico intrínseco do elétron torna-se visível. Com efeito, emboratenhamosnosconcentradonoelétron,oqueaquiexpusemosaplica-seigualmentea todasaspartículasdotadasdecargaelétricaepodeserresumido da seguinte maneira: os efeitos quânticos causam umaumento da intensidade da força eletromagnética quando ela éexaminadanasescalasmenoresdedistâncias.

Easoutrasforçasdomodelo-padrão?Qualocomportamentodassuas imensidades intrínsecas conforme a variação da distância? Em1973,GrosseFrankWilczek, de Princeton, e David Politzer, de Harvard, atuandoindependentemente,estudaraaquestãoechegaramaumaconclusãosurpreendente: a nuvem quântica de irrupções e aniquilamentos departículas amplia as intensidades da força fraca e da força forte. Issoimplica que quando fazemos as sondagens a pequenas distâncias,penetramos na nuvem turbulenta e com isso sentimos menos o seuefeito amplificador. Assim, as imensidades dessas forças ficam maisfracas quando as sondamos a pequenas distâncias. Georgi, Quinn eWeinbergconsideraramasimplicaçõesdessadescobertaechegaramaumaconclusãonotável.Elesdemonstraramquequandoosefeitosdofrenesiquânticosãocuidadosamentelevadosemconta,oresultadofinalé que as intensidades das três forças não gravitacionais convergem.

Conquanto as intensidades dessas forças sejammuito diferentes nasescalas acessíveis à tecnologia atual, Georgi, Quinn e Weinbergargumentaramqueessadiferençasedeveaosefeitosdiferenciadosqueanévoadaatividademicroscópicaquânticaexercesobrecadaforça.Osseuscálculosmostraramquesepenetrarmosnanévoaeexaminarmosasforças,nãonasescalashabituais,massimparaestudaramaneiracomoelasatuamadistânciasdecercadeumcentésimodebilionésimode bilionésimo de bilionésimo (10 29) de centímetro (apenas 10 milvezes mais do que a distância de Planck), as intensidades das trêsforçasnãogravitacionaisparecemigualar-se.

Apesardeextremamentedistantesdoreinodaexperiênciausual,asaltasenergiasnecessáriasparaquepossahaversensibilidadenessaordemtãodiminutadedistânciassãocaracterísticasdouniversoquenteeopacoqueexistiucercadeummilésimodetrilionésimodetrilionésimode trilionésimo (IO") de segundo após o big-bang — quando atemperatura era da ordem de IO28 graus Kelvin, comomencionamosantes.Assimcomoumconjuntodeelementosdíspares—pedaçosdemetal, madeira, pedras, etc. — funde-se em uma massa uniforme ehomogêneaquandoaquecidoaumatemperaturasuficientementealta,esses trabalhos teóricos sugerem que as forças forte, fraca eeletromagnéticaconfluemparaformarumaúnicagrandeforçaquandoessasenormestemperaturassãoatingidas.

Embora não tenhamos a tecnologia necessária para realizarsondagens a essas distâncias ínfimas e tampouco para gerartemperaturastãointensas,desde1974oscientistasexperimentaisvêmrefinando consideravelmente a medição das intensidades das trêsforças não-gravitacionais em condições normais. Esses dados —distânciacadavezmenor—quesãoopontodepartidaparaascurvasde intensidadedas três forças—sãoo inputdasextrapolações feitasem termos demecânica quântica por Georgi, Quinn eWeinberg. Em1991,UgoAmaidi,doCERN,WimdeBóereHermannFürstenau,daUniversidade de Karisruhe, na Alemanha, recalcularam asextrapolações de Georgi, Quinn e Weinberg, valendo-se dosmencionadosrefinamentosexperimentais,erevelaramduasconclusõessignificativas.Emprimeirolugar,nasescalasmínimasdedistância(edomesmomodo a altas energias e altas temperaturas), as imensidadesdastrêsforçasnãogravitacionaisquaseseigualam,masnãochegamafazê-lo.Emsegundolugar,essadiscrepânciaminúsculamasinegável

entreas imensidadesdesapareceseasupersimetriaé incorporada.Arazão está em que as partículas superparceiras requeridas pelasupersimetriacontribuemcomnovasflutuaçõesquânticas,asquaistêmoporteexatoparaprovocaraconvergênciadasimensidadesdasforças.

Muitos cientistas crêem ser extremamente improvável que anaturezatenhacriadoasforçasdetalmaneiraqueassuasimensidadesquase se unifiquem no nível microscópico, sem, contudo, chegar aigualar-se.Seriacomoarmarumquebra-cabeçascujaúltimapeçanãose inserisse de forma perfeita e ficasse ligeiramente desajustada. Asupersimetria resolve rapidamente o problema e todas as peças seencaixamperfeitamente.

Outro aspecto dessa última conclusão é que ela proporciona apossibilidadederesponderapergunta:porqueaindanãosedescobriunenhuma das partículas superparceiras? Os cálculos que levam àconvergência das imensidades das forças, assim como outrasconsiderações estudadas pêlos físicos, indicam que as partículassuperparceiras devem ser muito mais pesadas do que as partículasconhecidas.Emboraaindanãosejapossívelfazerprevisõesdefinitivas,osestudosmostram que as partículas superparceiras podem ser mil vezesmaispesadas que um próton, se nãomais. Como nemmesmo os nossosaceleradores mais modernos alcançam esse nível de energia, issoproporcionaumaexplicaçãoparaofatodequetaispartículasaindanãotenham sido descobertas. No capítulo 9 voltaremos à discussão dasperspectivasdequeasexperiênciaspossamlevar,nofuturopróximo,adeterminar se a supersimetria é ou não é umapropriedade do nossomundo.

Obviamente,as razõesque fornecemosparaquevocêacreditenasupersimetria—oupelomenosparaquenãoarejeiteporenquanto—estãolongedeserprecisas.Descrevemoscomoasupersimetrialevaas nossas teorias à sua forma mais simétrica — mas você poderiasugerir que o universo não tem amenor preocupação em alcançar aformamatematicamentemaissimétricapossível.Observamosumpontotecnicamenteimportante,odequeasupersimetrianoslivradadelicadatarefadeajustarosparâmetrosnuméricosdomodelo-padrãodemodoaevitarproblemasquânticossutis—masvocêpoderiaargumentarquepode ser bem verdade que a teoria que verdadeiramente descreve anaturezaandesobreacordabambaestendidaentreaautocoerênciaea

autodestruição. Discutimos como a supersimetria modifica asimensidades intrínsecas das três forças não gravitacionais nasdistâncias mínimas exatamente da maneira correta para que elas sefundamemumagrandeforçaunificada—masvocêpoderiaretrucarquenada na concepção da natureza exige que tais forças se igualemexatamentenasescalasmicroscópicas.Efinalmentevocêpoderiaaindasugerirqueaexplicaçãomaissimplesparaofatodequeaspartículassuperparceirasnuncatenhamsidoencontradaséqueonossouniversonãoésupersimétricoeque,portanto,elassimplesmentenãoexistem.

Ninguémpoderefutaressasrespostas.Masasrazõesemfavorda supersimetria se fortalecem imensamente quando consideramos oseupapelnateoriadascordas.ASUPERSIMETRIANATEORIADASCORDAS

Ateoriadascordasoriginal,quesurgiudotrabalhodeVenezianonofinaldadécadade60,incorporavatodasassimetriasdiscutidasnocomeçodestecapítulo,masnão incorporavaasupersimetria(quenãohaviaaindasidodescoberta).Essaprimeirateoriabaseadanoconceitodacordachamava-se,maisprecisamente,teoriadascordasbosônicas,emquebosônicas indicaquetodosospadrõesvibratóriosdascordasbosônicastêmspinsdenúmerosinteiros—nãohápadrõesfermiônicos,ouseja,padrõescomspinsquediferemdosnúmerosinteirospormeiaunidade.Issolevouadoisproblemas.Oprimeiroéque,seateoriadascordasvisaadescrever todasas forçase todaamatéria,ela teriadeincorporar,dealgummodo,ospadrõesvibratóriosfermiônicos,umavezquetodasaspartículasdematériaconhecidastêmspin-1/2.Osegundo,e muito mais complicado, foi a verificação de que havia um padrãovibratório na teoria das cordas bosônicas cuja massa (maisprecisamentemassa ao quadrado) era negativa— ao qual se deu onome de táquion. Mesmo antes da teoria das cordas, os físicos jávinhamestudandoa possibilidade de que o nossomundo contivessepartículastáquions,alémdaspartículasusuais,quetêm,todas,massaspositivas,mas os seus esforçosmostraram as dificuldades, se não aimpossibilidade,dequeumateoriacomoessativessesensatezlógica.Domesmomodo,nocontextodateoriadascordasbosônicas,osfísicostentaramtodotipodemanobraparapoderdarumaexplicaçãorazoávelàprevisãodopadrãovibratóriodotáquion,masnãoobtiveramresultado

algum. Essas questões deixavam cada vez mais claro que, emborainteressante, à teoria das cordas bosônicas parecia faltar algumelementoessencial.

Em1971,PierreRamond,daUniversidadedaFlórida,aceitouodesafiodemodificarateoriadascordasbosônicasparaincluirpadrõesvibratórios fermiônicos.Oseu trabalhoeasconclusõessubseqüentesdeSchwarzeAndréNeveulevaramaosurgimentodeumanovaversãoda teoria das cordas. E para a surpresa de muitos, os padrõesvibratóriosbosônicose fermiônicosdessanova teoriapareciamsurgirempares.Para cadapadrãobosônicohavia umpadrão fermiônico, evice-versa. Em 1977, as apreciações de Ferdinando Gliozzi, daUniversidadedeTurim,deScherkedeDavidOlive,doImperialCollege,deramaessesparesaperspectivaadequada.Anovateoriadascordasincorporava a supersimetria e o já assinalado emparelhamento dospadrões vibratórios bosôfenicos e fermiônicos refletia esse caráteraltamentesimétrico.Assim,acabavadenascera teoriasupersimétricadascordas—ouseja,ateoriadassupercordas.Alémdisso,otrabalhodeGliozzi, Scherk e Olive produziu outro resultado, revelando que oincomodopadrãovibratóriodotáquion,nascordasbosônicas,nãoafetaas supercordas. Pouco a pouco, as peças do quebra-cabeças iamentrandonosseuslugares.

MasoprincipalimpactoinicialdotrabalhodeRamond,etambémodeNeveueSchwarz,nãosedeunateoriadascordas.Em1973,osfísicosJuliusWesseBrunoZuminoperceberamqueasupersimetria—anovasimetriaquesurgiadareformulaçãodateoriadascordas—eraaplicável mesmo às teorias baseadas em partículas puntiformes.Rapidamenteelesfizeramprogressosnaincorporaçãodasupersimetriaaoesquemadateoriaquânticadecampodaspartículaspuntiformes.Ecomonaquelaépocaateoriaquânticadecampoeraameninadosolhosdacomunidadedosfísicosdepartículas—enquantoateoriadascordasficava progressivamentemarginalizada—, as apreciações deWesseZuminodesencadearamumaenormequantidadedepesquisassobreoqueveioaserchamadaateoriaquânticadecamposupersimétrica.Omodelo-padrão supersimétrico, discutido na seção precedente, é umadas mais celebradas conquistas teóricas dessas pesquisas; vemosagora,pormeiodas idasevindasdahistória,queatéessateoriadaspartículaspuntiformesdevemuitoàteoriadascordas.

Comoressurgimentodateoriadassupercordasemmeadosdadécada de 80, a supersimetria reapareceu no contexto da sua

descoberta original. E nesse esquema, as razões em seu favor vãomuitoalémdoquedissemosnaseçãoprecedente.Ateoriadascordaséaúnicamaneiraanossoalcanceparaunificararelatividadegeraleamecânicaquântica.Maséapenasaversãosupersimétricadateoriadascordasqueevitaoperniciosoproblemadotáquionequetempadrõesvibratóriosfermiônicoscapazesdeexplicaraspartículasdematériaqueconstituemomundoànossavolta.Asupersimetria,portanto,associa-seesoma-seàpropostadateoriadascordasparaaformulaçãodeumateoriaquânticadagravidade,assimcomoà suagrandepromessadeunificartodasasforçasetodaamatéria.Seateoriadascordasestivercerta,osfísicosesperamquetambémasupersimetriaesteja.Contudo,atémeadosdadécadade90haviaumaspectoparticularmentedifícilqueafetavaateoriasupersimétricadascordas.UMARIQUEZASUPEREMBARAÇOSA

Se algumas pessoas lhe dissessem ter resolvido omistério dodesaparecimentodeAméliaEarhart,vocêtalvezficassecéticodeinício,mas se elas lhe fornecessem uma explicação bem documentada eequilibrada, você provavelmente as escutaria e quem sabe até sedeixaria convencer. Mas o que aconteceria se, num piscar de olhos,essas pessoas lhe dissessem que na verdade tinham uma segundaexplicação? Você escutaria pacientemente e, afinal, poderia até ficarsurpreso de ver que a segunda explicação pareceu ser tão bemdocumentada e equilibrada quanto a primeira. E após a segundaexplicação,vocêéapresentadoaumaterceira,umaquartaeumaquintaexplicações — cada uma delas diferente das outras e igualmenteconvincente?Semdúvida,aofinaldaexperiência,vocênãoestarianemumpoucomaispertodesaberoverdadeirodestinodeAméliaEarhartdo que estava no começo de tudo. Na arena das explicaçõesfundamentais,maisédefinitivamentemenos.

Em1985,ateoriadascordas—apesardetodaaexpectativaquedespertava

—estavacomeçandoasoarcomonossossuperzelososespecialistasnahistóriadeAméliaEarhart.Naqueleano,oscientistasdispunhamdecinco maneiras diferentes de incorporar a supersimetria já então umelemento essencial à estrutura da teoria das cordas. Cada um dosmétodos resulta em um emparelhamento de padrões vibratórios

bosônicos e fermiônicos, mas os aspectos específicos desseemparelhamento, assim como numerosas outras propriedades dasteoriasresultantes,diferemsubstancialmenteentresi.Emboraosnomesnão sejammuito importantes, é bom lembrar que essas cinco teoriassupersimétricasdascordassãochamadas teoriaTipo I, teoriaTipoA,teoriaTipoUB,teoriaHeteróticaTipo0(32)—pronuncia-se"ó-trinta-e-dois"—eteoriaHeteróticaTipoEgxE—pronuncia-se"e-oitovezese-oito".Todasascaracterísticasdateoriadascordasatéaquidiscutidassãoválidasparatodosessestiposdateoria.Elesdivergemapenasnosdetalhesmenores.DispordecincoversõesdiferentesdasupostaTST— possivelmente a teoria unificada definitiva — foi um grandeconstrangimentoparaos teóricosdascordas.Assimcomodevehaveruma única explicação verdadeira para o que aconteceu com AméliaEarhart (independentementedequeaencontremosounão),omesmose deve esperar com relação à explicação mais profunda e maisfundamental de como funciona o mundo. Vivemos em um únicouniverso;esperamosumaúnicaexplicação.

Umapossibilidadederesolveresseproblemapoderiaocorrerse,dentreascincoalternativas,quatro fossemeliminadaspela realizaçãodeexperiências,restandoapenasumacomoaexplicaçãoverdadeiraepertinente.Masmesmoque issoocorresse,permaneceriaa incomodaquestãodoporquêdaprópriaexistênciadasoutrasteorias.Nasirônicaspalavras de Witten, "Se uma das cinco teorias descreve o nossouniverso,quemvivenosoutrosquatro?".Osonhosdosfísicoséqueabuscadasrespostasdefinitivaslevaráaumaconclusãoúnica,exclusivaeabsolutamenteinevitável.Idealmente,ateoriafinal—sejaateoriadascordas, seja algo diferente — derivaria a sua forma do fato desimplesmentenãoexistirnenhumaoutrapossibilidade.Sechegarmosadescobrirqueexisteumaúnicateorialogicamentecorretaqueincorporaos componentes básicos da relatividade e da mecânica quântica, naopinião de muitos cientistas teremos chegado ao entendimento maisprofundo de por que o universo tem as propriedades que tem. Emsíntese,esteseriaoparaísodateoriaunificada.

Comoveremosnocapítulo12,aspesquisasrecenteslevaramateoria das supercordas a dar um passo gigantesco na direção dessautopia,aorevelarqueascincoteoriasdiferentessão,naverdade,cincomaneirasdiferentesdedescreverumaúnicateoriaqueenglobatodas.Ateoriadassupercordastemopedigreedaunicidade.Ascoisasparecemirtomandoosseuslugares,mas,comoveremosnopróximocapítulo,aunificaçãoatravésdateoriadascordasrequermaisumarupturacoma

sabedoriaconvencional

8.Maisdimensõesdoqueoolharalcança

Einstein resolveu dois dos grandes conflitos científicos dosúltimos cemanos pormeio da relatividade especial e da relatividadegeral.Emboraosproblemasqueinicialmentemotivaramoseutrabalhonão antecipassem essa conseqüência, ambas as soluçõestransformaram completamente a nossa compreensão do espaço e dotempo.AteoriadascordasresolveoterceirograndeconflitocientíficodoúltimoséculoeparaissorequeroquemesmoEinsteinprovavelmenteteria achado surpreendente: que submetamos a nossa concepção doespaçoedotempoaoutrarevisãoradical.Ateoriadascordassacodeosalicercesdafísicamodernacomtalvigorqueatémesmoonúmerogeralmenteaceitodasdimensõesdonossouniverso— algo tão básico que poderíamos supor que estivesse fora dediscussão—éalteradodemodoconvincenteeespetacular.AILUSÃODOUSUAL

A experiência da vida informa a intuição. E mais ainda: aexperiênciaadquiridadeterminaomarcodentrodoqualanalisamoseinterpretamosoquepercebemos.Semdúvida,poderíamosesperarqueum "menino selvagem" criado por uma alcatéia de lobos na florestainterpretasse o mundo a partir de perspectivas substancialmentediferentesdasnossas.Mesmocomparaçõesmenos radicais, comoasquepodemserfeitasentrepessoasquevivememcondiçõesculturaismuito diferentes, servem para mostrar o grau em que as nossasexperiências de vida determinam a atitude mental com queinterpretamos a realidade. Mas há certas coisas que todos nósexperimentamos. E muitas vezes as crenças e expectativas quedecorremdessasexperiênciasuniversaissãoascoisasmaisdifíceisdeidentificare confrontar.Segue-seumexemplosimpleseprofundo.Sevocê parar de ler este livro, poderá mover-se em três direçõesindependentes—ouseja,nastrêsdimensõesespaciaisindependentes.Qualquerquesejaocaminhoseguido—nãoimportaquãocomplicado—, ele resultará de combinações de movimentos através do que

poderíamoschamarde"dimensãoesquerda;direita","dimensãofrente-trás" e "dimensão acima-abaixo". A cada passo que você dá, estáimplicitamente fazendo três escolhas separadas, que determinam amaneiracomovocêsemoveatravésdessastrêsdimensões.

Do mesmo modo, como vimos em nossa discussão sobre arelatividadeespecial,qualquerlugardouniversopodeserespecificadopor meio de três dados: a sua localização com relação às trêsdimensõesespaciais.Emlinguagemcomum,vocêpodeespecificarumendereço informando a rua (localização na "dimensão esquerda-direita"), a rua transversal (localização na "dimensão frente-trás") e oandar do edifício (localização na "dimensão acima-abaixo"). Em umaperspectivamaismoderna,vimosqueotrabalhodeEinsteinnospermitepensar no tempo como uma outra dimensão (a "dimensão passado-futuro"), oquenosdáum total dequatrodimensões (trêsespaciaiseumatemporal).Oseventosdouniversosãoespecificadosemtermosdeondeequandosucederam.Estacaracterísticadouniversoétãobásicae tão consistente que realmente parece estar fora de discussão. Em1919,noentanto,umobscuromatemáticopolonêschamadoTheodorKaluza,daUniversidadedeKõnigsberg,teveatemeridadededesafiaroóbvio — ele sugeriu que o universo talvez não tivesse apenas trêsdimensões espaciais: poderia ter mais. Por vezes, as sugestões queparecemtolassãosimplesmentetolas.Porvezeselaspodemabalarosalicerces da física. A sugestão de Kaluza demorou bastante pararepercutir,masacabouporrevolucionaraformulaçãodasleisfísicas.Eaindaestamossentindoassuasconseqüências.AIDÉIADEKALUZAEOREFINAMENTODEKLEIN

A sugestão de que o nosso universo poderia ter mais de trêsdimensões espaciais pode parecer supérflua, bizarra ou mística. Narealidade, contudo, ela é concreta, e perfeitamente plausível. Paraperceberisso,omaisfácilémudartemporariamenteonossopontodevista,deixandoouniversocomoumtodoepensandoemumobjetomaiscorriqueiro,comoumamangueirade jardim, longaefina. Imaginequeumamangueirademaisoumenoscemmetrosdecomprimentoestejaestendidasobreumvaleequevocêaestejavendoaumadistânciade,digamos, quatrocentos metros,. Dessa perspectiva, você perceberáfacilmenteaextensão,longaehorizontal,damangueira,mas,amenos

que tenha uma visão extraordinária, a espessura da mangueira serádifícildediscernir.Apartirdadistânciadoseupontodevista,vocêpodepensar que se uma formiga fosse obrigada a viver sobre essamangueira,elateriaapenasumadimensãoporondeandar:adimensãoesquerda-direita, ao longo do comprimento damangueira. Se alguémlhepedisseaespecificaçãodaposiçãodaformiganamangueiraemummomento determinado, você só precisaria recorrer a um dado: adistância da formiga a partir da extremidade esquerda (ou direita) damangueira.Ofatoéque,aumadistânciadequatrocentosmetros,umamangueirapareceserumobjetounidimensional.Narealidade,sabemosque amangueira tem espessura. A quatrocentosmetros de distânciavocê terá dificuldade em comprová-lo, mas usando binóculos vocêpoderá observar diretamente a sua circunferência. Nessa perspectivaampliada, vê-sequeuma formiguinhaquevivanamangueira tem,naverdade, duas direções independentes pelas quais pode andar: adimensão esquerda-direita, já identificada, que acompanha ocomprimentodamangueira,ea"dimensãoafavorecontraossentidodos ponteiros do relógio", em torno da parte circular da mangueira.Agoravocêsabequeparaespecificaralocalizaçãodaformigaemumdadomomentoéprecisousardoisdados:aposiçãodaformigaaolongodo comprimentodamangueira e ao longoda sua circunferência. Issorefleteofatodequeasuperfíciedamangueiraébidimensional.Masháumaclaradiferençaentreessasduasdimensões.Adireçãoaolongodocomprimento damangueira é longa, estendida e facilmente visível. Adireção circular em volta da espessura da mangueira é curta,"recurvada" e difícil de ver. Para tomar conhecimento da dimensãocircular, você tem de examinar a mangueira com precisãosignificativamentemaior.

Esse exemplo realça uma característica sutil e importante dasdimensões espaciais: elas existem em duas variedades. Podem serlongas, estendidas e, portanto, claramente manifestas, e podem serpequenas,recurvadasemuitomaisdifíceisdedetectar.Evidentemente,nesse exemplo não foi necessário um grande esforço para revelar adimensão"recurvada"queenvolveaespessuradamangueira.Bastouousodebinóculos.Todavia,seamangueirafossemuitofina—comoumfiodecabelo, ouumvasocapilar— , detectaradimensão recurvadaseriamuitomaisdifícil.

Em um estudo enviado a Einstein em 1919, Kaluza fez uma

sugestão extraordinária. Propôs que o tecido espacial do universopoderia ter mais dimensões do que as três da nossa experiênciacomum.Amotivaçãoparaessateseradical,comoveremosembreve,foiapercepçãodeKaluzadequeelapropiciavaumesquemaeleganteeconvincentepara relacionara relatividadegeraldeEinsteinea teoriaeletromagnética de Maxwell, construindo um esquema conceitualunificadoesingular.Antes,porém, comoseriapossível conciliar essapropostacomofatoevidentedequeoquenósvemossãoexatamentetrêsdimensõesespaciais?

A resposta estava implícita no trabalho de Kaluza e tornou-seexplícita depois, com os refinamentos incorporados pelo matemáticosuecoOskarKlein,em1926:otecidoespacialdonossouniversopodeter tanto dimensões estendidas quanto dimensões recurvadas. Isto é,assimcomoaextensãohorizontaldamangueira,onossouniversotemdimensõesquesãograndes,estendidasefacilmentevisíveis—astrêsdimensões espaciais da nossa experiência diária.Mas assim comoacircunferência da mangueira, o universo também pode ter outrasdimensões espaciais que estão acentuadamente recurvadas em umespaço mínimo — um espaço tão pequeno que escapa à detecção,mesmopêlosnossosmaissofisticadosinstrumentosdeanálise.

Reconsideremosporummomentoaimagemdamangueiraparatermos uma idéia mais precisa a respeito dessa notável proposta.Imagine que a mangueira tenha círculos negros pintadossucessivamenteaolongodasuacircunferência.Vistadelonge,talcomoantes,elapareceráumalinhafinaeunidimensional.Massevocêusarbinóculos, verá a dimensão recurvada, inclusive, agora, com maiorfacilidade por causa dos círculos pintados. A figura ressalta que asuperfíciedamangueiraébidimensional,comumadimensãograndeeestendidaeoutrapequenaecircular.KaluzaeKleinpropuseramqueonossouniversoespacialésemelhante,masqueeletemtrêsdimensõesespaciaisgrandeseestendidaseumadimensãopequenaecircular—emumtotaldequatrodimensõesespaciais.Édifícildesenharalgocomtantasdimensões,demodoque,parafinsdevisualização,temosdenoscontentarcomumailustraçãoqueincorporeduasdimensõesgrandeseuma dimensão pequena e circular, na qual ampliamos o tecido doespaço,assimcomofizemoscomrelaçãoàsuperfíciedamangueira.

Cadanívelsuperiorrepresentaumaampliaçãonovaeenormedotecido espacial mostrado no nível imediatamente inferior. O nosso

universopodeteroutrasdimensões—comosevênoquartoníveldeampliação—,desdequeelesestejam recurvadasemumespaço tãopequenoquetenhaescapado,atéagora,àdetecçãodireta.

Aparteinferiormostraaestruturaaparentedoespaço—omundonormalànossavolta—emumaescaladedistânciasfamiliar,comoaque temporbaseometro.Essasdistânciasestão representadaspelamalha mais ampla de traços. Nos níveis seguintes, ampliamosprogressivamenteotecidodoespaço,focalizandoaatençãoemregiõescada vez menores. Inicialmente, à medida que vamos diminuindo asescalassobexame,nadademaisacontece;oespaçoparececonservaramesmaformabásicaquetemnasescalasmaiores,comosevênostrês primeiros níveis de ampliação. Mas ao continuarmos a nossaviagemrumoàsregiõesmaismicroscópicasdoespaço—,surgeumadimensão nova, recurvada e circular, muito semelhante aos laçoscircularesde lãqueconformamasuperfíciepeludadeumtapetebemurdido. Kaluza e Klein sugeriram que a dimensão circular adicionalexiste em todos os pontos das dimensões estendidas, assim como adimensão circular da mangueira existe em todos os pontos da suaextensão horizontal. (Para clareza visual, desenhamos apenas umaamostra ilustrativa da dimensão circular, a intervalos regulares dasdimensões estendidas.) A semelhança comamangueira émanifesta,embora haja diferenças importantes. O universo tem três dimensõesespaciaisgrandeseestendidas(dasquaissóduasforamdesenhadas),enquanto a mangueira tem apenas uma. Além disso, o que é maisimportante, agora estamos descrevendo o tecido espacial do própriouniverso,enãoodeumobjetoqueexistedentrodouniverso,comoamangueira. Mas a idéia básica é a mesma: como no caso dacircunferência da mangueira, se a dimensão adicional, circular erecurvadadouniversoforextremamentepequena,elaserámuitomaisdifícil de detectar do que as dimensões manifestas, grandes eestendidas.Naverdade,seoseutamanhoforextremamentepequeno,elaescaparáàdetecçãomesmodosnossosinstrumentosdeampliaçãomais poderosos. Note bem, o que é da maior importância, que adimensãocircularnãoésimplesmenteumasaliênciacircularqueexistedentrodasusuaisdimensõesestendidas,comoailustraçãopodefazercrer.Elaé, naverdade,umaoutradimensão,queexisteem todosospontos das dimensões conhecidas, do mesmo modo como asdimensõesacima-abaixo,esquerda-direitaefrente-trásexistemtambémemtodosospontos.Éumadireçãodiferentee independente,naqual

uma formiga, se fosse pequena demais, poderia mover-se. Paraespecificar a localização espacial de tal formiga microscópica,precisaríamosdizerondeelaestánastrêsusuaisdimensõesestendidas(representadas pela malha) e também onde ela está na dimensãocircular.Precisaríamos de quatro informações espaciais; se acrescentarmos otempo,temosumtotaldecincoinformaçõessobreoespaçoeotempo—umaamaisdoqueoquenormalmentedeveríamosesperar.

Assim, surpreendentemente, vemos que embora tenhamosconsciência de apenas três dimensões espaciais estendidas, oraciocíniodeKaluzaeKleinrevelaqueissonãoimpedeaexistênciadedimensões adicionais recurvadas, pelo menos se elas forem muitopequenas.Ouniversobempodetermaisdimensõesdoqueparece.

Quequerdizer"muitopequenas"?Osnossosinstrumentosmaisavançadospodemdetectarestruturasatéumbilionésimodebilionésimodemetro.Seumadimensãoadicionalestiverrecurvadaemumtamanhomenordoqueessadistânciamínima,elaescaparáànossacapacidadeatual de detecção. Em 1926, Klein combinou a sugestão inicial deKaluzacomalgumas idéiasprovenientesdasnovidadesdamecânicaquântica.OsseuscálculosindicaramqueadimensãocircularadicionalpoderiaserdotamanhodadistânciadePlanck,muitomenordoqueasquesãoexperimentalmenteacessíveis.Desdeentão,oscientistasdãoo nome de teoria Kaluza-Klein à possibilidade da existência dedimensõesespaciaisadicionaisemínimas.IDASEVINDASEMUMAMANGUEIRA

Oexemplotangíveldamangueiradejardimdestina-seadarumaimpressãodecomoépossívelqueonossouniversotenhadimensõesespaciaisadicionais.Masmesmoparaospesquisadoresdessecampo,é bastante difícil visualizar um universo commais de três dimensõesespaciais. Por essa razão, os físicos muitas vezes estimulam a suaprópria intuição a respeito dessas dimensões adicionais especulandosobrecomopoderiaseravidaemumuniversoimagináriocommenosdimensões— seguindo a idéia do livro clássico de Edwin Abbott, oencantador Flatland [Terra plana], de 1884, no qual pouco a poucovamospercebendoqueouniversotemmaisdimensõesdoqueaquelas

de que temos consciência imediata. Vamos experimentar, tentandoimaginarumuniversobidimensionalcomaformadanossamangueirade jardim. Para isso, é preciso que você abandone a perspectiva dequemestá"doladodefora"evêamangueiracomoumobjetodonossouniverso.Emvezdisso,vocêtemdedeixaromundoconhecidoeentrarnouniverso-mangueira, noqual a superfície deumamangueiramuitolonga(vocêpodeimaginarqueasuaextensãosejainfinita)étudooqueexiste em termos de extensão espacial. Imagine que você é umaformiguinha mínima que passa a vida nessa superfície. Comecemosfazendocomqueascoisassejamaindamais radicais. Imaginequeocomprimento da dimensão circular do universo-mangueira seja muitopequeno—tãopequenoquenemvocênemosdemaishabitantesdamangueirasequertêmconsciênciadequeelaexiste.Aocontrário,vocêetodososdemaisseresquevivemnouniverso-mangueiraestãodiantede um fato básico tão evidente que ninguém o põe em dúvida: ouniversotemapenasumadimensãoespacial.(Seouniverso-mangueirativesse produzido o seu próprio Einstein-formiga, os habitantes damangueira diriam que o universo tem uma dimensão espacial e umadimensãotemporal).Comefeito,essacaracterísticaétãoevidentequeoshabitantesdamangueiradenominamoseuuniversoaGrandeLinha, para ressaltar explicitamente o fato de que ele só tem umadimensãoespacial.

A vida na Grande Linha é muito diferente da que nósconhecemos.Porexemplo,ocorpocomoqualvocêestáhabituadonãocabenaGrandeLinha.Pormaisquevocêfaçaginástica,nuncapoderánegarofatodequetemcomprimento,larguraeespessura—extensãoespacialemtrêsdimensões.NaGrandeLinhanãohá lugarparaumacoisatãoextravagante.Lembre-se—aindaqueasuaimagemmentaldaGrande Linha continue ligada à idéia de um objeto semelhante aumalinhaqueexistenonossoespaço—dequevocêtemdepensarnaGrande Linha como um universo, ou seja, a única coisa que existe.ComohabitantedaGrandeLinha, você tem de caber na sua extensão espacial. Tente imaginar.Mesmoquetomeocorpodeumaformigavocênãocaberá.Vocêtemdecomprimirocorpodaformigaatéqueelasepareçaaumaminhocaedepoiscomprimirocorpodaminhocaatéqueelajánãotenhanenhumaespessura. Para caber na Grande Linha, você tem de ter apenas ocomprimento.

Imaginetambémqueoseucorpotemumolhonafrenteeoutro

atrás.Aocontráriodosolhoshumanos,quepodemrevolver-seeolharnasdiferentesdireçõesdastrêsdimensões,osseusolhosde"ser-linha"estão para sempre na mesma posição, olhando a distânciaunidimensional. Essa não é uma limitação anatômica do seu novocorpo. O que acontece é que você e todos os outros seres-linhasaceitam que, como a Grande Linha só tem uma dimensão,simplesmentenãoháoutradireçãoparaaqualolhar.Paraa frenteeparatrás.NãoexistemoutraspossibilidadesnaGrandeLinha.

PodemoscontinuaraimaginaravidanaGrandeLinha,maslogopercebemosquenãohámuitomaisquepossaocorrer.Porexemplo,seumoutroser-linhaestiveràsuafrente,ouatrás, imaginecomovocêoverá:veráumdosseusolhos—oqueestávoltadoparavocê—,mas,ao contrário dos olhos humanos, o olho que você vê será um únicoponto.OsolhosnaGrandeLinhanãotêmcaracterísticaspróprias,nemmostramemoção—nãohálugarparaessascoisastãofamiliares.Alémdisso, você ficará para sempre presoa essa imagemdoponto-olhodoseuvizinho.Sequiserpassarporeleparaexplorarosdomíniosda Grande Linha, você sofrerá um grande desapontamento. Não sepode ultrapassar. O vizinho literalmente "tranca a rua" e na GrandeLinhanãoháespaçoparacontorná-lo.

A ordem em que os seres-linhas se distribuem ao longo dadimensãoúnicaépermanenteeimutável.Umachatice!Algunsmilharesde anos após uma epifania religiosa na Grande Linha, um ser-linhachamado Kaluza Klain Linha ofereceu uma esperança aos seusreprimidos habitantes. Seja por inspiração divina, seja por puraexasperaçãodevidaaosanospassadosna contemplaçãodoolhodoseu vizinho, ele sugeriu que aGrande Linha, afinal, talvez não fosseunidimensional.EseaGrandeLinhafor,naverdade,bidimensional,eleteorizou, com uma segunda dimensão circular muito pequena, tãopequenaquenuncapôdeserdetectada?Ecomeçouadescreverumavidainteiramentenovaquepoderiaexistirseessanovadireçãoespacialrecurvadaseexpandisse—algoquepoderiaserpossívelsegundoosrecentestrabalhosdeseucolegaAlbertLinhestein.KaluzaKlainLinhadescreve um universo que fascina a você e seus companheiros e osenche de esperança— um universo em que os seres-linhas podemmover-se livremente e passar à frente dos outros, fazendo uso dasegunda dimensão: o fim da escravização espacial. Percebemos queKaluzaKlainLinhaestádescrevendoavidaemumuniverso-mangueira,commaiorespessura.

Com efeito, se a dimensão circular crescesse, "inflando" aGrandeLinhaetransformando-anouniverso-mangueira,asuavidasemodificariaprofundamente.Veja,porexemplo,oseucorpo.Comoser-linha,tudooqueexisteentreosseusdoisolhosconstituio interiordoseucorpo.Portanto,osolhosdesempenhamnocorpo-linhaopapelqueapeledesempenhanocorpohumano:constituiabarreiraentreointeriordocorpoeomundoexterior.OsmédicosdaGrandeLinhasópodemteracessoaointeriordoseucorpo-linhaperfurandoasuasuperfície—emoutras palavras, na Grande Linha as cirurgias se fazem através dosolhos. Imagine agora o que aconteceria se a Grande Linha tivesserealmenteumadimensãosecretaerecurvada,àKaluzaKleinLinha,ese essa dimensão se expandisse até alcançar um tamanhosuficientemente grande para que pudéssemos observá-la. Agora osseres-linhas podem ver o lado dos seus corpos e, portanto verdiretamente o seu interior. Utilizando essa segunda dimensão, ummédico pode operar o seu corpo alcançando diretamente a partedesejada. Estranho! Com o tempo, sem dúvida, os seres-linhasdesenvolveriamalgum tipodepele para proteger dos contatos comomundoexteriorointerior,agoraexposto,dosseuscorpos.Semdúvida,eles evoluiriam, além disso, transformando-se em seres dotados decomprimento e largura: seres-planos, deslizando ao longo de umuniverso-mangueira bidimensional. Se a dimensão circular seexpandisse amplamente, o universo bidimensional se pareceriamuitocomaTerraPlana de Abbott — o mundo bidimensional imaginário que Abbottpovooucomumricopatrimônioculturaleatécomumsistemasatíricodecastas, baseado na forma geométrica de cada habitante. Se é difícilimaginarqualquercoisainteressantequepudesseacontecernaGrandeLinha—porquesimplesmentenãohálugar—,avidanamangueira,porsuavez,seabreainumeráveispossibilidades.Aevoluçãodeumaparaduasdimensõesespaciaisgrandeseobserváveiséespetacular.

E agora o refrão: por que parar aí? O universo bidimensionaltambémpodeterumadimensãorecurvadaeser,portanto,secretamentetridimensional, desde que reconheçamos que agora estamosimaginandoqueháapenasduasdimensõesespaciaisestendidas(poisquando vimos a figura pela primeira vez, imaginávamos que amalhaplanarepresentavatrêsdimensõesestendidas).Seadimensãocircularse expandisse, um ser bidimensional se encontraria em um mundoradicalmente novo, em que os movimentos não se limitariam aesquerda- direita e frente-trás ao longo das dimensões estendidas.

Agora,osserespodemmover-setambémemumaterceiradimensão—para cima e para baixo — ao longo do círculo. Com efeito, se adimensão circular crescesse o suficiente, esse poderia ser o nossouniverso tridimensional.Nomomentoatual,nãosabemossequalquerumadasnossastrêsdimensõesespaciaisseestendeinfinitamente,ouse, na verdade, se recurva sobre si mesma, na forma de um círculogigantesco, que se estende para além do alcance dos nossostelescópios mais poderosos. Se a dimensão circular crescesse osuficiente — com uma extensão de bilhões de anos-luz—, a figurapoderiaperfeitamenteserumarepresentaçãodonossomundo.

Masvoltemosaorefrão:porquepararaí?IssonoslevaàvisãodeKaluzaeKlein:adequeonossouniversotridimensionalpoderiateruma quarta dimensão espacial que até aqui não antecipávamos. Seessapossibilidadefascinante,ouasuageneralizaçãoparanumerosasdimensõesrecurvadas(quediscutiremosembreve),forverdadeira,eseessasdimensõesmicroscópicas tambémseexpandissema tamanhosmacroscópicos,osexemploscommenosdimensõesqueacabamosdever deixam claro que a vida como a conhecemos se modificariaimensamente. Para a nossa surpresa, contudo, mesmo que elaspermaneçam para sempre recurvadas e pequenas, a existência dedimensõesrecurvadasadicionaistemimplicaçõesprofundas.AUNIFICAÇÃOEMMAISDIMENSÕES

Emboraa sugestão feita porKaluzaem1919, de queo nossouniverso poderia ter mais dimensões espaciais do que as quepercebemosdiretamente,sejaemsimesmaumapossibilidadenotável,umaoutra razão tornou-a realmente convincente.Einstein formularaarelatividadegeraldeacordocomocenárioclássicodeumuniversocomtrês dimensões espaciais e uma dimensão temporal. A formalizaçãomatemática da sua teoria, contudo, pode ser ampliada de maneirarazoavelmentediretaparaaelaboraçãodeequaçõesanálogasrelativasaumuniversocomdimensõesespaciaisadicionais.Trabalhandocomapremissa"modesta" de uma dimensão espacial adicional, Kaluza efetuou asanálisesmatemáticasederivouexplicitamenteasnovasequações.

EleverificouquenaformulaçãorevistaasequaçõesrelativasàstrêsdimensõesfamiliareseramessencialmenteidênticasàsdeEinstein.

Mas como ele incluíra uma dimensão espacial adicional, KaluzaencontrouequaçõesadicionaisàsqueEinsteinderivaraoriginalmente.Após estudar as equações associadas à nova dimensão, Kaluzadescobriu que algo espantoso estava ocorrendo. As equaçõesadicionaiseramnadamaisnadamenosdoqueasequaçõesescritasporMaxwellnadécadade1880paradescreveraforçaeletromagnética!Aoacrescentarumaoutradimensãoespacial,KaluzaunificaraateoriadagravitaçãodeEinsteincomateoriadeMaxwellsobrealuz.Antesdahipótese de Kaluza, a gravidade e o eletromagnetismo eramconsiderados como forças que não se relacionavam; absolutamentenadaindicavaqueessarelaçãopudesseexistir.Portertidoacoragemea criatividade de imaginar que o nosso universo tem uma dimensãoespacial adicional, Kaluza apontou a existência de uma conexãorealmente profunda. A sua teoria sustentava que tanto a gravidadequanto o eletromagnetismo associam-se a ondulações no tecido doespaço.Agravidadeétransmitidaporondulaçõesnastrêsdimensõesespaciais familiares, enquanto o eletromagnetismo é transmitido porondulaçõesqueenvolvemadimensãoadicionalerecurvada.

Kaluzaenviouoseu trabalhoaEinstein,que inicialmente ficoubastanteintrigado.Em21deabrilde1919,EinsteinrespondeuaKaluzadizendo que nunca lhe havia ocorrido que a unificação pudesse seralcançada"atravésdeummundocilíndricodecincodimensões"(quatroespaciais e uma temporal). E acrescentou: "À primeira vista, aprecioenormementeasua idéia".Cercadeumasemanadepois,noentanto,EinsteinvoltouaescreveraKaluza,dessavezcomcertoceticismo:"Litodo o seu texto e acho-o realmente interessante. Até aqui, nãoencontrei impossibilidades em nenhuma parte. Por outro lado, devoadmitirqueosargumentosatéaquiapresentadosnãomeparecemsuficientementeconvincentes".Em14deoutubrode1921,maisdedoisanosdepois,EinsteinescreveudenovoaKaluza,játendotidotemposuficienteparadigerirumpoucomais a sua proposta inovadora: "Sinto certo arrependimento por te-loinduzidoanãopublicarasuaidéiaarespeitodeumaunificaçãoentreagravitaçãoeaeletricidadedoisanosatrás. [...]Sevocêquiser,possoapresentarseutextoàacademia,afinal".Tardiamente,Kaluzaobtinhaoselodeaprovaçãodomestre.

Emboraaidéiafossebonita,oestudodetalhadodapropostadeKaluza, acrescida das contribuições de Klein, revelou sérios conflitoscomosdadosexperimentais.Osesforçosmaissimplesdeincorporaro

elétronà teoria implicavamrelaçõesentreasuamassaeasuacargaque diferiam brutalmente dos valores conhecidos. Como não pareciahavernenhumamaneiraóbviade resolveresseproblema,muitosdosfísicosquehaviatomadoconhecimentodaidéiadeKaluzaperderamointeresse por ela. Einstein e outros continuaram, esporadicamente, aexperimentar as possibilidades de dimensões adicionais recurvadas,maslogoissofoisetornandoumaatividademarginalnocampodafísicateórica.

Na realidade, a idéia de Kaluza estava muito adiante do seutempo.Adécadade20marcouoiníciodeumperíododeouroparaafísicateóricaeexperimentalnoquedizrespeitoàcompreensãodasleisbásicas do microcosmos. Os teóricos estavam totalmente envolvidosnas tentativas de desenvolver a estrutura damecânica quântica e dateoria quântica de campo. Os experimentalistas empenhavam-se emdescobrir os detalhes das propriedades do átomo e os numerososcomponenteselementaresdamatéria.Ateoriaguiavaasexperiênciaseessasrefinavama teoriaemumprocessoque,ao longodecinqüentaanos,levariaaoestabelecimentodomodelo-padrão.Nãoédeespantar,portanto, que as especulações em torno das dimensões adicionaistenhamficadorelegadasaovirtualesquecimentoduranteessestemposprodutivos e vertiginosos. Com os físicos explorando poderososmétodos quânticos, cujas implicações ensejavam previsõesexperimentalmente testáveis, havia pouco interesse pela merapossibilidade de que o universo pudesse ser um lugar amplamentediferenteemescalasde comprimentoqueeramdemasiadopequenasparaserexaminadasmesmopêlosnossosinstrumentosmaissensíveis.

Mais cedo ou mais tarde, no entanto, os períodos de ouroterminam.Porvoltadofinaldadécadade60edocomeçodade70,aestrutura teórica domodelo-padrão já estava construída. Por volta dofinaldadécadade70edocomeçodade80,muitasdassuasprevisõesjáhaviamsidoverificadasexperimentalmente,eamaioriadosfísicosdepartículascomeçavaaacharqueaconfirmaçãodasoutraseraapenasumaquestãodetempo.Emboraalgunsdetalhespermanecessemsemsolução, muitos acreditavam que as perguntas principais relativas àsforçasforte,fracaeeletromagnéticajátinhamsidorespondidas.

Chegara finalmente o tempo de voltar à maior de todas asquestões:oconflitoenigmáticoentrearelatividadegeraleamecânicaquântica.Oêxitona formulaçãodeuma teoriaquânticapara trêsdasforças da natureza animava os cientistas a continuar a luta paraincorporar também a força da gravidade. Depois de experimentar

numerosas idéias, todas as quais terminaram por fracassar, a atitudementaldacomunidadeabriu-seapossibilidadesmaisradicais.Apóstersidodeclaradamortaaofinaldadécadade20,ateoriadeKaluza-Kleinressuscitou.AMODERNIZAÇÃODATEORIADEKALUZAKLEIN

O conhecimento da física modificara-se significativamente eaprofundara-sesubstancialmentenasseisdécadasquesesucederamàpropostaoriginaldeKaluza. A mecânica quântica já estava inteiramente formulada eexperimentalmenteverificada.Asforçasforteefraca,desconhecidasnadécadade20,jáhaviamsidodescobertaseestavambemassimiladas.Alguns físicossugeriramqueapropostaoriginaldeKaluza fracassaraporqueelenãoconheciaessasoutrasforçaseporissoforademasiadoconservadornasuareformulaçãodoespaço.Maisforçassignificavamanecessidade de mais dimensões. Argumentou-se que uma únicadimensãocircularnovanãobastava,poisdavaapenasos indíciosdaexistência de uma ligação entre a relatividade geral e oeletromagnetismo.

Emmeadosdadécadade70,desenvolvia-seumintensoesforçodeinvestigaçãotendoporbaseasteoriassobredimensõesadicionais,commúltiplas direções espaciais recurvadas. Um exemplo com duasdimensõesadicionaisquese recurvame formamasuperfíciedeumabola—ouseja,umaesfera.Talcomonocasodeumadimensãocircularúnica, essas dimensões adicionais existem em todos os pontos dasdimensões estendidas usuais. (Para clareza visual, novamentedesenhamos apenas um exemplo ilustrativo que representa asdimensõesesféricasem intervalosregularesnamalhadasdimensõesestendidas.) Além de propor um número diferente de dimensõesadicionais,épossíveltambémimaginaroutrasformasparaessasnovasdimensões. Ilustra uma possibilidade em que novamente temos duasdimensõesadicionais,agoranaformadeumdoughnutoco—ouseja,um toro. Se bem que elas estejam além da nossa capacidade dedesenhar, podem-se imaginar possibilidades mais complicadas, comtrês,quatro,cinco,naverdadequalquernúmerodedimensõesespaciaisadicionais,recurvadasemumamploespectrodeformasexóticas.Aquitambém, o requisito essencial é que todas essas dimensões tenhamuma extensão espacial menor do que a menor das escalas que

possamossondar,umavezquenenhumaexperiênciaatéaquirevelouasuaexistência.

Detodasaspropostasrelativasàsdimensõesadicionais,asmaispromissoras eram as que também incorporavam a supersimetria. Osdentistas tinham a expectativa de que o cancelamento parcial dasflutuações quânticas mais fortes, derivadas do emparelhamento daspartículassuperparceiras,ajudariaalimarasasperezasexistentesentreagravidadeeamecânicaquântica.Ederamonomedesupergravidadeemmaiores dimensões para designar as teorias que compreendemagravidade,asdimensõesadicionaiseasupersimetria.

Tal como no caso da tentativa original de Kaluza, várias dasversões da supergravidade em maiores dimensões pareciaminicialmentebastanteprometedoras.Asnovasequaçõesresultantesdasdimensões adicionais pareciam-se notavelmente com as que haviamsidousadasparaadescriçãodoeletromagnetismoedasforçasforteefraca. Mas um exame mais apurado demonstrou que os velhosproblemas persistiam. Mais importante ainda, a suavização dasperniciosas ondulações quânticas a distâncias curtas por meio dasupersimetria nãoeramsuficientes para produzir uma teoria razoável.Eradifícil tambémdeterminaruma teoriaúnicae sensataemmaioresdimensões,queincorporassetodososaspectosdasforçasedamatéria.

Gradualmentefoisetornandoclaroqueaspartesepeçasdeumateoriaunificadavinhamaparecendo,masquefaltavaaindaumelementocrucialcapazderealmenteuni-lasdemaneiraconsistentedopontodevistadamecânicaquântica.Em1984,esseelementoque faltava—ateoriadascordas—entroudramaticamenteemcenaeocupouocentrodopalco.MAISDIMENSÕESEATEORIADASCORDAS

Aessaalturavocêdeveestarconvencidodequepodeserqueouniverso tenha dimensões espaciais adicionais recurvadas;efetivamente, desde que elas sejam suficientemente pequenas, nadaproíbeasuaexistência.Masasdimensõesadicionaispodemparecerapenas um artifício. A nossa incapacidade de examinar distânciasmenoresdoqueumbilionésimodebilionésimodemetropermitenãosódimensões adicionais de tamanho ínfimo, mas também todo tipo depossibilidadesfantasiosas—atémesmoumacivilizaçãomicroscópicaformadaporseresaindamenores.Conquantoasdimensõesadicionais

pareçam ter uma razão de ser mais lógica do que essas últimashipóteses, o ato de postular qualquer dessas possibilidades nãotestadas—enomomentoimpossíveisdesertestadas—podeparecerbastantearbitrário.

Essaeraasituaçãovigenteatéquesurgiua teoriadascordas,pois ela resolveu o dilema fundamental que confrontava a físicacontemporânea — a incompatibilidade entre a relatividade geral e amecânica quântica — e unificou o nosso entendimento de todos oscomponentesmateriaisedetodasasforçasfundamentaisdanatureza.Masparachegaraissoateoriadascordasrequerqueouniversotenhadimensõesespaciaisadicionais.

Eis o porquê. Uma das conclusões principais da mecânicaquânticaéadequeonossopoderdefazerprevisõeslimita-seaafirmarque esse ou aquele resultado tem essa ou aquela probabilidade deocorrer.EmboraEinsteinconsiderasseseresseumaspectodeextremomaugostodaciênciacontemporânea— e você pode até estar de acordo —, ele continua a parecerverdadeiro.Temosdeaceita-lo.TodossabemosqueasprobabilidadessãosemprerepresentadaspornúmerosentreOel—oqueequivale,emtermosdepercentagens,anúmerosentreOe100.Osfísicosconcluíramqueumsinalcaracterísticodequeumateoriademecânicaquânticasaiudostrilhosocorrequandoelaproduz"probabilidades" que não caem nessa faixa. Mencionamos, porexemplo,queumsinaldaincompatibilidadeentrearelatividadegeralea mecânica quântica, em termos de partículas puntiformes, é que oscálculosresultamemprobabilidadesinfinitas.Comovimos,ateoriadascordasresolveessesinfinitos.Masoqueaindanãomencionamoséqueumproblemaresidualemaissutilpersiste.Logonoiníciodateoriadascordas, verificou-se que certos cálculos produziam probabilidadesnegativas,oquetambémficaforadafaixadeaceitabilidade.Portanto,àprimeira vista, a teoria das cordas parecia sofrer das mesmasdificuldades das suas predecessoras. Com teimosa determinação, osfísicos buscaram e encontraram a causa desse defeito inaceitável. Aexplicaçãocomeçacomumaobservaçãosimples.Se uma corda for obrigada a permanecer em uma superfíciebidimensional—comootampodeumamesaouumamangueira—,onúmerodedireçõesindependentesemqueelapodevibrarreduz-seadois:adimensãoesquerda-direitaeadimensão frente-atrás,ao longodasuperfície.Qualquerpadrãovibratórioquepermaneçanasuperfícieenvolvealgumacombinaçãodevibraçõesnessasduasdireções.

Correspondentemente,vemosqueissotambémsignificaqueumacordanaTerraPlana,nouniverso-mangueira,ouemqualqueroutrouniversobidimensional, também fica obrigada a vibrar em um total de duasdireções espaciais independentes. Mas se a corda puder deixar asuperfície, o número das direções independentes de vibração cresceparatrês,umavezqueelapassaapoderoscilarnadimensãoacima-abaixo. Do mesmo modo, em um universo com três dimensõesespaciais, a corda pode vibrar em três dimensões independentes.Embora seja mais difícil de visualizar, o modelo continua: em umuniverso com mais de três dimensões espaciais, haverá um númerocorrespondente de direções independentes nas quais a corda podevibrar.

Ressaltamosesseaspectodasvibraçõesdascordasporqueoscientistas verificaram que os cálculos problemáticos são altamentesensíveis ao número de direções independentes em que uma cordapodevibrar.Asprobabilidadesnegativassurgiamemconseqüênciadeum desencontro entre o que a teoria requeria e o que a realidadepareciaimpor:oscálculosmostravamqueseascordaspudessemvibrarem nove direções espaciais independentes, todas as probabilidadesnegativassecancelariam.Muitobem,issoéótimoparaateoria,masedaí?Seopropósitoda teoriadascordasédescreveronossomundocom três dimensões espaciais, parecia que ainda tínhamos muitosproblemas.

Seriaverdade?Maisdemeioséculodepois,vemosqueKaluzaeKlein proporcionaram uma saída. Como as cordas são tão diminutas,elas não só podem vibrar nas dimensões longas e estendidas, mastambém nas pequenas e recurvadas. E assim, o requisito de novedimensõesespaciaisdateoriadascordaspodesersatisfeitononossouniverso,supondo—àKaluzaeKlein—que,alémdastrêsdimensõesespaciais estendidas que conhecemos, há seis outras dimensõesespaciais recurvadas. Desse modo, a teoria das cordas, que pareciaestarapontodesereliminadado reinoda relevância física,estavaasalvo. Além disso, em vez de se limitar a postular a existência dedimensõesadicionais,comofizeramKaluzaeKleineseusseguidores,ateoriaasrequer.Paraqueateoriadascordaspossafazersentido,ouniversotemdeternovedimensõesespaciaiseuma dimensão temporal, com um total de dez dimensões. Assim aproposta que Kaluza fez em 1919 encontra a sua expressão maisconvincenteepoderosa.

ALGUMASPERGUNTAS

Issoprovocaumasériedeperguntas.Primeiro,porqueateoriadas cordas requer o número específico de nove dimensões espaciaisparacancelarosvaloresinadequadosdeprobabilidade?Provavelmenteessaéaperguntamaisdifícilderespondersemrecorreraformalizaçõesmatemáticas.Oscálculosdattodascordasquerevelamarespostasãorelativamente simples, mas não há uma explicação intuitiva e nãotécnica para esse número. Ernest Rutherfòrd disse que se você nãoconsegue explicar um resultado em termos simples e não técnicos, éporquenãochegouacompreendê-lo.Comisso,elenãoquisdizerqueoresultado esteja errado; simplesmente que a sua origem, o seusignificado as suas implicações não são inteiramente conhecidos.Talvez issosejaverdadecomrelaçãoaocarátersuperdimensionaldateoriadascordas.(Aproveitemosessaoportunidadeparareferirmo-nos—parenteticamente—aumaspectoessencialdasegundarevoluçãodas supercordas, que discutiremos no capítulo 12. Os cálculos quelevamàconclusãodequesãodezasdimensõesdoespaçodotempo—noveespaciaiseumatemporal—são,abemdizer,aproximativo.Emmeados da década de 90, Witten, com base em seus própriosconhecimentos e nos trabalhos de Michael Duff, da Texas A&MUniversity, e de Chris H e Paul Townsend, da Universidade deCambridge, proporcionou provas convincentes de que esses cálculosaproximativos,naverdade,deixamdeincluirumdimensãoespacial.Oqueateoriadascordasrequer,disseele,paraoespantodamaioriadosteóricos,sãodezdimensõesespaciaiseumatemporal,paraumtotaldeonze dimensões. Nós não levaremos em conta essa importanteinformação até chegarmos ao capítulo 12, uma vez que ela não temrelevânciadiretaparaamatériaqueestudaremosatéentão.)

Segundo, se as equações da teoria das cordas (ou, maisprecisamente, a equações aproximadas que orientam as nossasdiscussõesanterioresaocapítulo12)revelamqueouniversotemnovedimensões espaciais e uma temporal, pó que é que três dimensõesespaciais são grandes e estendidas e todas as outra sãomínimas erecurvadas?Porquenãosãotodasestendidas,outodasrecurvadas,oualguma outra combinação intermediária? Ninguém sabe a respostaatualmente.Seateoriadascordasestivercorreta,algumdiadeveremosconsegui deduzir a resposta certa,mas até aqui o conhecimento quetemosdateorianãoérefinadoobastanteparaalcançaresseobjetivo.

Isso não quer dizer que não se tenham feito corajosas tentativas deexplicar. A partir de uma perspectiva cosmológica, por exemplo,podemos imaginar que, no início, todas as dimensões estavamrecurvadas,atéque,comobig-bang, trêsdimensõesespaciaiseumadimensãotemporalsedesdobrarameseexpandiramatéasproporçõesatuais, enquanto as outras dimensões espaciais permanecempequenas. Algumas argumentações genéricas já foram apresentadaspara explicar por que são apenas três as dimensões espaciais quecrescem, como veremos no capítulo 14, mas devo dizer que taisexplicações ainda estão no estágio formativo. Na discussão que sesegue,suporemosquetodasasdimensõesespaciais,comexceçãodastrêsqueconhecemos,sãorecurvadas,deacordocomoquevemosnarealidade. Um dos objetivos principais das pesquisas atuais écomprovarqueessapremissadecorredaprópriateoria.

Terceiro, tendo em vista o requisito de numerosas dimensõesadicionais, será possível que algumas delas sejam dimensõestemporaisenãoespaciais?Sepensarumpoucoarespeito,vocêveráque essa é uma possibilidade bizarra. Todos nós entendemosintuitivamenteoquesignificao fatodequeouniverso tenhamúltiplasdimensões espaciais, pois vivemos em um mundo em que lidamosconstantementecomtrêsdelas.Masoquesignificariaaexistênciademúltiplos tempos? Acaso um deles se alinharia com o tempo queconhecemospsicologicamenteenquantoooutroseriadealgummodo"diferente"?Maisestranhoaindaépensaremumadimensãotemporalrecurvada. Por exemplo, se uma formiga minúscula andar à volta deuma dimensão espacial recurvada como um círculo, ela voltarácontinuamenteaopontodepartida,àmedidaquecompletaocircuito.Nãohámistérionissoporque,paranós,nãohánenhumproblemaemvoltaraummesmolugarquantasvezesquisermos.Masseadimensãorecurvada for temporal, passar por ela significaria voltar, após certolapso temporal, a ummomento anterior no tempo. Isso, é claro, estámuitoalémdosdomíniosdanossaexperiênciadevida.Otempocomonósoconhecemoséumadimensãoquesópodeserpercorridaemumsentido,comabsolutainevitabilidade,enuncaépossívelregressarauminstantedepoisqueeletenhatranscorrido.Evidentemente,poderiaserqueumadimensãotemporalrecurvadativessepropriedadesvastamentediferentes das que tem a nossa dimensão temporal familiar, que nósimaginamos existir desde a criação do universo até o presentemomento. Mais ainda do que no caso das dimensões espaciaisadicionais, dimensões temporais novas e desconhecidas claramenterequereriam uma reestruturação ainda mais monumental da nossa

intuição.Alguns teóricosvêmestudandoapossibilidadede incorporardimensões temporais adicionais à teoria das cordas, mas até aqui asituaçãopermanece indefinida.Nasnossasdiscussõessobrea teoriadascordas,ficaremoscomasidéiasmais"convencionais",segundoasquais todas as dimensões recurvadas são espaciais, mas apossibilidade instigante de que existam outras dimensões temporaispoderá, quem sabe, desempenhar um papel importante na futuraevoluçãodateoria.ASIMPLICAÇÕESFÍSICASDASDIMENSÕESADICIONAIS

Anos de pesquisas, desde o trabalho original de Kaluza,mostraramque,emboraasdimensõesadicionaispropostaspêlosfísicostenhamdesermenoresdoqueolimitemínimodealcancedosnossosinstrumentos de observação (uma vez que nunca as vimos), elasproduzem importantes efeitos indiretos na física quenós observamos.Na teoria das cordas, essa conexão entre as propriedadesmicroscópicasdoespaçoea físicaqueobservamoséparticularmentetransparente.Para compreenderessaafirmação, lembre-sedequeasmassas e as cargas das partículas são determinadas, na teoria dascordas, pêlos possíveis padrões vibratórios ressonantes da corda.Imagine umaminúscula corda, movendo-se e oscilando, e você veráque os padrões de ressonância são influenciados pelo seu entornoespacial.Pensenasondasdomar,porexemplo.Nomeiodooceanoaberto, as ondas formam padrões isolados que viajam com liberdadenestaounaqueladireção.Issoseparecemuitoaospadrõesvibratóriosdeumacordaquesemoveatravésdasdimensõesespaciaisgrandeseestendidas.Comovimosnocapítulo6,acorda tem liberdade tambémpara oscilar em qualquer das três direções estendidas a qualquermomento.Masseumaondadomarpassaporumlocalmaisapertado,aformaespecíficadoseumovimentoondulatóriocertamenteseráafetada,porexemplo,pelaprofundidadedaágua,pelalocalizaçãoepelaformadasrochassubmersas,pêloscanaisatravésdosquaisaáguacircula,eassimpordiante.Ouentãopenseemuminstrumentodesopro,ouemum órgão. Os sons que esses instrumentos produzem são umaconseqüência direta dos padrões ressonantes das vibrações dascorrentesdearquepassampeloseuinterior,osquaissãodeterminadospelotamanhoepelaformadoentornoespacialdentrodo instrumento,por onde circulam as correntes de ar. As dimensões espaciaisrecurvadas exercem um impacto similar sobre os padrões vibratóriospossíveisdeumacorda.Comoascordasminúsculasvibramatravésde

todas as dimensões espaciais, a maneira específica em que asdimensõesadicionaisserecurvameseretorcemumassobreasoutrasinfluencia e condiciona fortemente os possíveis padrões vibratóriosressonantes. Esses padrões, em grande medida determinados pelageometria extradimensional, constituem a gama das propriedadespossíveis das partículas observadas nas dimensões estendidasfamiliares. Isso significa que a geometria extradimensional determinaatributos físicos fundamentais, como as massas e as cargas departículasqueobservamosnas trêsgrandesdimensõesespaciaisqueconhecemosemnossaexperiênciacotidiana.

Essepontoédetalmodoprofundoeimportantequevourepeti-lo,com sentimento. De acordo com a teoria das cordas, o universo écompostoporcordasminúsculascujospadrõesvibratóriosressonantessão a origem microscópica das massas e das cargas de força daspartículas. A teoria das cordas também requer dimensões espaciaisadicionais, que devem estar recurvadas e cujo tamanho deve sermínimo, para que sejam compatíveis com o fato de que nunca astenhamos visto. Mas uma corda minúscula pode sondar um espaçominúsculo.Quandoacordasemove,oscilandoàmedidaqueviaja,aforma geométrica das dimensões adicionais desempenha um papelcrucialnadeterminaçãodospadrõesvibratóriosressonantes.Comoospadrõesvibratóriosdascordasserevelamanóscomoasmassaseascargasdaspartículaselementares,concluímosqueessaspropriedadesfundamentaisdouniverso sãodeterminadas, emgrandemedida, pelotamanho e pela forma geométrica das dimensões adicionais. Essa éumadascontribuiçõesmaisimportantesdateoriadascordas.

Comoas dimensões adicionais influenciam tão poderosamenteas propriedades físicas básicas do universo, devemos agora procurarcompreender — com incansável vigor — qual a aparência dessasdimensõesrecurvadas.QUALAAPARÊNCIADASDIMENSÕESRECURVADAS?

Asdimensõesespaciaisadicionaisdateoriadascordasnãopodem"enroscar-se"dequalquermaneira;asequaçõesquedecorremdateoriarestringemfortementeasformasgeométricasqueelaspodemtomar.Em1984,PhilipCandeias,daUniversidadedoTexasemAustin,GaryHorowitzeAndrewStrominger,daUniversidadedaCalifórniaemSanta Bárbara, e Edward Witten demonstraram que uma classe

específica de formas geométricas de seis dimensões é capaz desatisfazeressascondições.Taisformassãoconhecidascomoespaçosde Calabi-Yau (ou formas de Calabi-Yau), em homenagem a doismatemáticos,EugênioCalabi,daUniversidadedaPensilvânia,eShing-TungYau, daUniversidade deHarvard, cujos trabalhos de pesquisa,anterioresàteoriadascordas,masreferentesaumaáreacorrelata,têmum papel fundamental no entendimento desses espaços. Embora amatemáticaquedescreveosespaçosdeCalabi-Yausejacomplexaesutil, podemos fazer uma idéia da sua aparência por meio de umailustração.

UmexemplodeespaçodeCalabi-Yau.Aoexaminar,vocêdevelevaremcontaqueelatemlimitaçõesintrínsecas.Estamostratandoderepresentar uma forma de seis dimensões em uma folha de papelbidimensional, o que implica distorções significativas. A imagem,todavia, transmiteemessênciaoaspectoquepode terumespaçodeCalabi-Yau.AformaéapenasumadentreasdezenasdemilharesdepossibilidadesdeformasdeCalabi-Yau que satisfazem os severos requisitos que a teoria dascordasimpõeàsdimensõesadicionais.Pertenceraumclubequetemdezenasdemilharesdesóciosnãochegaaseralgomuitoexclusivo,éverdade,maséprecisocompararessenúmerocomaquantidadeinfinitadas formasquesãomatematicamentepossíveis;nestaperspectiva,osespaçosdeCalabi-Yausãoverdadeiramenteraros.

Paracompletara idéia,vocêagoradevesubstituirmentalmentecada uma das esferas — que representavam duas dimensõesrecurvadas—porespaçosdeCalabi-Yau.Ouseja,emcadapontodastrês dimensões estendidas que conhecemos, a teoria das cordas dizqueháseisoutrasdimensõesatéaquidesconhecidas,compactamenterecurvadas dentro de uma das formas de aspecto complicado. Essasdimensões são partes integrante e ubíqua do tecido do espaço eexistememtodososlugares.Porexemplo,sevocêdescreverumarcocomamão,elanãosósemoveránastrêsdimensõesestendidas,mastambém nas outras dimensões recurvadas. Evidentemente, como asdimensões recurvadas são pequenas demais, ao mover a sua mão,você as circunavegará um número enorme de vezes, voltando,repetidamente, ao ponto de partida. A extensão ínfima dessasdimensões significa que um objeto grande como a suamão não tem

muitoespaçoparamover-se.Afinal,tudosecancela,demodoque,apósdescreveroarcocomamão,vocêpermanecetotalmenteinconscienteda viagem feita pelas dimensões recurvadas dos espaços deCalabi-Yau.

Essaéumacaracterísticaestonteantedateoriadascordas.Masse você for uma pessoa com espírito prático, certamente estarádesejandoqueanossaconversavolteaumpontoessencialeconcreto.Agora que temos uma idéia melhor da aparência das dimensõesadicionais,podemosperguntar:quaissãoaspropriedades físicasquesurgem das cordas que vibram através dessas dimensões e de quemaneira tais propriedades se conciliam com as observaçõesexperimentais?Essaéaperguntadeourodateoriadascordas.

9.Aevidênciairrefutável:sinaisexperimentais

Nada dariamais prazer aos teóricos das cordas do que poderapresentar ao mundo uma lista de previsões específicas eexperimentalmentecomprováveis.Averdadeéqueaúnicamaneiradecomprovar que uma teoria efetivamente descreve o nosso mundo ésubmeteràverificaçãoexperimentalasprevisõesqueelafaz.Pormaisconvincentequesejaa imagempintadapelateoriadascordas,seelanãodescrevercomprecisãoonossouniverso,nãoterámaisrelevânciadoqueumsofisticadojogodeRPGtipoDungeonsandDragons.

EdwardWittengostadedizerqueateoriadascordasjáfezpelomenos uma previsão espetacular e experimentalmente confirmada: “Ateoria das cordas tem a extraordinária propriedade de prever agravidade".OqueelequerdizercomissoéquetantoNewtonquantoEinsteindesenvolveram teoriasdagravidadeporqueaobservaçãodomundo exterior revelava claramente a sua existência, e isso, por suavez,requeriaumaexplicaçãocoerenteeprecisa.Aocontrário,umfísicoqueestudeateoriadascordas—mesmoquedesconheçatotalmentearelatividade geral — será inexoravelmente levado a ela pelo próprioesquema da teoria. Por meio do padrão vibratório de spin-2 e semmassa,correspondenteaográviton,ateoriadascordastemagravidadetotalmente incorporada à sua estrutura teórica.Como disseWitten, "ofatodequeagravidadesejaumaconseqüênciadateoriadascordaséumdosmaioresachadosteóricosdetodosostempos".Elereconheceque essa "previsão" é mais corretamente uma "posvisão", porque a

ciência já descobrira as propriedades teóricas da gravidade antes deconhecer a teoria das cordas, mas assinala que esse é um meroacidente histórico ocorrido aqui na Terra. Em outras civilizaçõesavançadas do universo, é perfeitamente possível que a teoria dascordastenhasidodescobertaantesequeateoriadagravitaçãotenhasurgidocomoumaextraordináriaconseqüênciadela.

MascomoestamospresosànossahistórianaTerra,sãomuitosos que acham pouco convincente que essa posvisão da gravidadepossa valer como confirmação experimental da teoria das cordas. Amaior parte dos físicos ficaria muito mais satisfeita com uma dessasduas possibilidades: uma previsão clara, que decorra da teoria dascordasepossasercomprovadaexperimentalmente,oua"posvisão"dealguma propriedade do mundo (como a massa do elétron, ou aexistência de três famílias de partículas) para a qual não hajaatualmenteumaexplicação.Nestecapítulodiscutiremososprogressosfeitospêlosteóricosnadireçãodessesobjetivos.

Ironicamente, veremos que embora a teoria das cordas seja,potencialmente,ateoriacommaiorcapacidadedeprognósticosjamaisestudada pêlos cientistas — uma teoria que tem a capacidade deexplicaraspropriedadesmais fundamentaisdanatureza—,os físicosainda não conseguem fazer as previsões com a precisão necessáriaparaqueelaspossamserconfrontadascomresultadosexperimentais.ComoumacriançaquerecebeopresentedeNatal tãosonhado,masnão consegue fazê-lo funcionar porque não leu todo o manual deinstruções, assim também os físicos de hoje têm nasmãos algo quepodeseroSantoGraaldaciênciamoderna,masnãoconseguemutilizarplenamente o seu poder de previsão porque ainda não acabaram deescreveromanualdeinstruções.Todavia,comoveremosnestecapítulo,setivermosumpoucodesorteépossívelqueumaspectoessencialdateoriadascordasrecebaconfirmaçãoexperimentaldentrodospróximosdezanos.Esetivermosmuitomaissorte,ossinaisdevalidadedateoriapodemserconfirmadosaqualquermomento.

FOGOCRUZADO

Ateoriadascordasestácerta?Nãosabemos.Sevocêacreditaque as leis do universo não devem estar fragmentadas entre as quegovernam o que é grande e as que governam o que é pequeno etambémacreditaquenãodevemosestar tranqüilosatéque tenhamosumateoriacujocampodeaplicaçãosejailimitado,entãovocênãopodedeixarde interessar-sepelateoriadascordas.Vocêpodeargumentar,poroutrolado,queissoapenasrevelaafaltadeimaginaçãodosfísicos,enãoasingularidadefundamentaldateoriadascordas.Talvez.Vocêpodeatéirmaisadianteedizerque,talcomoohomemqueperdeuaschaves de noite e as procura somente embaixo do poste de luz, osfísicos se amontoam no estudo da teoria das cordas simplesmenteporqueosmeandrosdahistóriadaciênciailuminaramcasualmentecomumraiodeluzesselugarespecífico.Talvez.Esevocêérelativamenteconservador ou gosta de bancar o advogado do diabo, podemesmoafirmarqueosfísicosnãotêmporqueperdertempocomumateoriaquepostulaumaspectonovodanaturezaemumaescala100milhõesdebilhõesdevezesmenordoqueanossacapacidadedeobservação.

Sevocêfizesseessescomentáriosnadécadade80,quandoateoria das cordas causou o seu primeiro impacto, teria ao seu ladoalguns dosmais respeitáveis cientistas da nossa época. Emmeadosdaqueladécada,porexemplo,SheldonGlashow,deHarvard,ganhadordo premio Nobel de Física, juntamente com Paul Ginsparg, entãotambémemHarvard,criticoupublicamenteafaltadedemonstrabilidadeexperimentaldateoriadascordas:Emlugardatradicionalconfrontaçãoentre teoria e experiência, os teóricos das supercordas buscam umaharmonia interior, na qual a elegância, a singularidade e a belezadefinem a verdade. Para que possa existir, a teoria depende decoincidências mágicas, cancelamentos miraculosos e relações entrecamposaparentementedesconexos(epossivelmenteaindanemsequerdescobertos) da matemática. Será que essas condições constituemrazão suficiente para que aceitemos as supercordas como realidade?Seráqueamatemáticaeaestéticasuplantame transcendemameraexperiência?Em outra ocasião, Glashow foi à carga novamente: A teoria dassupercordasétãoambiciosaquesópodeestaroutotalmentecertaoutotalmenteerrada.Oúnicoproblemaéqueasuamatemáticaétãonovaquevamos levardécadasatésabera resposta.Elechegoumesmoaquestionar se os teóricos da teoria das cordas deveriam ser "pagos

pêlos departamentos de física para perverter estudantesimpressionáveis", e a alertar para que a teoria das cordas estavaprejudicando a ciência, domesmomodo como a teologiamedieval ofizeraduranteaIdadeMédia.

RichardFeynman,poucoantesdemorrer,deixouclaroquenãoacreditavaqueateoriadascordasfosseaúnicacuraparaosproblemas— em particular os perniciosos infinitos— que impediam uma fusãoharmoniosa entre a gravidade e a mecânica quântica: “Tenho asensação—maspossoestarerrado—dequehámaisdeumamaneirade matar uma galinha. Não acho que haja só uma maneira de noslivrarmosdosinfinitos.Ofatodequeumateoriaconsigafazê-lonãomepareceserrazãosuficienteparaacreditarqueelasejaaúnicacapazdeconsegui-lo.”

EHowardGeorgi,oeminentecolegaecolaboradordeGlashowem Harvard, também vociferou criticas ao final dos anos 80: Se nosdeixarmos atrair pelo canto de sereia de uma unificação "definitiva"conseguidaemcondiçõesdedistâncias tãopequenasqueosnossosamigos experimentalistas simplesmente não podem prestar qualquerajuda,estaremosemmásituaçãoporqueperderemosoprocessocrucialdepodarasidéiasinaplicáveis,quedistingueafísicadetantasoutrasatividadeshumanasmenosinteressantes.

Como em tantas outras questões de grande importância, paracadaincréduloexisteumadeptofervoroso.Wittendissequequandoviuqueateoriadascordas incorporaagravidadeeamecânicaquântica,sentiu "a maior emoção intelectual" da sua vida. Cumrun Vafa,importante teórico das cordas naUniversidade deHarvard, disse que"sem dúvida, a teoria das cordas está permitindo o mais profundoentendimento do universo que jamais tivemos". E Murray Gell-Mann,ganhador do prêmio Nobel, afirmou que a teoria das cordas é "umacoisafantástica"equeesperaquealgumdiaumaversãodateoriadascordassejaateoriadomundointeiro.

Comosevê,odebateéalimentadoempartepelaprópriafísicaeem parte pelas diferentes filosofias sobre como a física deve serdesenvolvida. Os "tradicionalistas" desejam que o trabalho teóricoestejasemprepróximoàobservaçãoexperimental,seguindoalinhade

êxitodaspesquisasdosúltimosséculos.Outros,noentanto,achamquejáestamosprontosparaenfrentarquestõesqueestão foradoalcancedas nossas capacidades atuais de comprovação experimental.Independentementedasquestõesfilosóficas,grandepartedascríticasàteoriadascordasperdeuvigornaúltimadécada.Glashowatribuiessefatoaduascoisas.Emprimeirolugar,eleobservaque,emmeadosdosanos 80, os teóricos das cordas proclamavam com exuberanteentusiasmoquelogoestariamdandorespostasatodasasperguntasdafísica. Como agora eles estão bem mais cautelosos com o seuentusiasmo,amaiorpartedascríticasperdeurelevância.Emsegundolugar,eletambémassinala:Nós,osteóricosquenãoaderimosàteoriadascordas,nãofizemosnenhumprogressonaúltimadécada.Portanto,o argumento de que a teoria das cordas é o único caminho a seguirtornou-se forte e sedutor. Existem problemas que não encontramrespostana teoriaquânticadecampoconvencional. Issoécerto.Elespodem encontrar resposta em algum outro esquema, e o único outroesquemaqueeuconheçoéateoriadascordas.

Georgirefletesobreadécadade80nomesmosentido:Emseusprimórdios,pordiversasvezesateoriadascordasfoisupervalorizada.Nos anos seguintes, vi que algumas das idéias da teoria das cordaslevaram a maneiras novas e interessantes de pensar a respeito dafísica,quemeajudaramemmeutrabalho.Estoumuitomaiscontenteagoraaoveraspessoasdedicandooseutempoàteoriadascordasporqueseiquealgodeútilpodesairdaí.

OteóricoDavidGross,umlídertantonateoriadascordasquantonafísicaconvencional,resumiucomeloqüênciaasituaçãodaseguintemaneira: Antes, para subir a montanha da natureza, osexperimentalistas iamà frente,mostrandoocaminho.Nós,os teóricospreguiçosos, íamos nos arrastando atrás. De vez em quando elesderrubavam uma pedra experimental nas nossas cabeças eacabávamos entendendo e prosseguíamos no caminho aberto pêlosexperimentalistas. Quando chegávamos onde eles estavam,explicávamos aos nossos amigos o que significava a paisagem e oporquêdocaminhoseguido.Essaeraamaneirafácil(pelomenosparaos teóricos) de subir a montanha. Todos ansiamos pela volta dessaépoca. Mas agora, nós, os teóricos, talvez tenhamos que tomar aliderança.Esseéumempreendimentomuitomaissolitário.

Os teóricos das cordas não têm nenhum desejo de chegar

sozinhos ao topo do monte da natureza; prefeririam muito maiscompartilharoesforçoeaemoçãocomoscolegasexperimentalistas.Éapenas por um acidente tecnológico da nossa situação atual— umaassincronia histórica — que o cordame e os ganchos teóricosnecessáriosparaumasubida finalatéo topo jáestejamparcialmentedesenvolvidos, enquanto os dosexperimentalistas aindanãoexistem.Issonãosignificaqueentreateoriadascordaseaexperimentaçãohajaumdivórcioinsuperável.Aocontrário,osteóricosdascordastêmmuitaesperançade"derrubarumapedrateórica"doaltodamontanha,ondeestãoasenergiasultraaltas,paraosexperimentalistasque trabalhammaisabaixo.Esseéumdosprincipaisobjetivosdaspesquisasatuaisno campoda teoriadas cordas.Atéentão, nenhumapedra caiu,masagora mesmo, enquanto discutimos aqui, alguns pedregulhospromissoresjásefizeramsentir.AESTRADADOEXPERIMENTO

Se não ocorrerem avanços tecnológicos monumentais, nuncaseremos capazes de alcançar as escalas mínimas de distâncianecessáriasparaquesepossaverdiretamenteumacorda.Oscientistaspodem sondar até um bilionésimo de bilionésimo de metro, comaceleradoresquetêmváriosquilômetrosdeextensão.Parasondardistânciasmenoressãonecessáriasenergiasmaisaltas,oque significa máquinas ainda maiores, capazes de focalizar essaenergiasobreumaúnicapartícula.ComoadistânciadePlanckécercadedezesseteordensdegrandezamenordoqueoespaçomínimoquehoje podemos sondar, com a tecnologia atual precisaríamos de umacelerador de partículas do tamanho da nossa galáxia para poderenxergarumacorda.Naverdade,ShmuelNussinov,daUniversidadedeTel Aviv, demonstrou que essa estimativa, baseada em um simplescálculo linear, é provavelmente demasiado otimista; um estudo maiscuidadoso feito por ele indicaque seria necessário umacelerador dotamanho do universo. (A energia requerida para sondar amatéria naescala da distância de Planck equivale aproximadamente a milquilowatts-hora—queéomontantenecessárioparafazerfuncionarumaparelho de ar-condicionado normal durante cem horas —, nadaextraordinário,portanto.Odesafiotecnológicopraticamenteinsuperável

éodefocalizartodaessaenergiaemumaúnicapartícula,ouseja,emumaúnicacorda.)TendoemvistaqueoCongressodosEstadosUnidoscancelou o financiamento do Superconducting Supercoilider[SuperaceleradorSupercondutor]— cuja circunferência teria "apenas"87quilômetros—,émelhoresperarsentadopelodinheironecessárioparaumaceleradordepartículascapazdeoperarnaescaladePlanck.Paratestarexperimentalmenteateoriadascordas,seráprecisooperardemaneiraindireta.Teremosdedeterminarimplicaçõesfísicasdateoriadascordasquepossamserobservadasemescalabemmaioresdoqueotamanhodaprópriacorda.

Em seu trabalho pioneiro, Candeias, Horowitz, Strominger eWitten deram os primeiros passos no rumo desse objetivo. Elesverificaramnãosóqueasdimensõesadicionaisda teoriadas cordastêmdeestar recurvadasemuma formadeCalabi-Yau, como tambémdesenvolveram algumas das implicações dessa situação sobre ospossíveis padrões vibratórios das cordas. Uma das conclusõesprincipaisaquechegaram revelaquãosurpreendenteseprovocantespodemserassoluçõesoferecidaspela teoriadascordasparavelhosproblemas da física de partículas. Lembre-se de que as partículaselementaresjáobservadasdividem-seemtrêsfamíliasdeorganizaçãoidêntica,sendoqueemcadafamíliaaspartículasvãosetornandocadavezmaispesadas.Aperguntaparaaqualnãohaviarespostaantesdateoriadascordaséaseguinte:porqueexistemfamíliaseporquetrês?Essaéapropostadateoriadascordas.UmaformadeCalabi-Yautípicacontémburacos semelhantesaosqueexistemno centro deumdiscofonográfico,oudeumdoughnut,oudeum"multidoughnut".Nocontextodas dimensões adicionais do espaço de Calabi-Yau, existem naverdade diversos tipos diferentes de buracos, os quais, por sua vez,podem ter diversas dimensões ("buracos multidimensionais"), mastransmite a idéia básica. Candeias, Horowitz, Strominger e Wittenexaminaram atentamente os efeitos que esses buracos poderiamexercersobreospossíveispadrõesvibratóriosdascordase isso foioque encontraram. Para cada buraco no espaço de Calabi-Yau existeuma família de vibrações das cordas de energia mínima. Como aspartículas elementares comuns devem corresponder aos padrõesoscilatórios de energia mínima, a existência de buracos múltiplos —comoosqueaparecemnomultidoughnut—significaqueospadrõesvibratóriosdascordasdistribuem-seemmúltiplasfamílias.Se o Calabi-Yau recurvado tiver três buracos, encontraremos trêsfamíliasdepartículaselementares.Assim,ateoriadascordasproclama

que,emvezdeserumacaracterísticainexplicáveldeorigemdivinaoualeatória, a organização familiar que observamos experimentalmenterefleteonúmerodeburacosexistentesnaformageométricaemqueseencontram as dimensões adicionais! Esse é o tipo de resultado quecausapalpitaçõesnocoraçãodeumfísico.VocêpoderiapensarqueonúmerodeburacosnasdimensõesrecurvadasdaescaladePlanck—física do topo damontanha par excellence— representa uma pedra,testável experimentalmente, que desce pela encosta na direção dasenergiasacessíveis.Afinal,osexperimentalistaspodemdeterminar—ede fato já determinaram— o número das famílias de partículas: três.Infelizmente, o número de buracos que existem em cada uma dasdezenas de milhares de formas de Calabi-Yau varia em uma amplafaixa. Alguns têm três. Mas outros têm quatro, cinco, 25 e assim pordiante—algunschegama ter480buracos.Oproblemaestáemque,atéaqui,ninguémsabecomodeduzirapartirdasequaçõesda teoriadas cordas qual das formas de Calabi-Yau constitui as dimensõesespaciaisadicionais.Sepudéssemosencontraroprincípioquepermiteselecionar uma forma de Calabi-Yau dentre as numerosaspossibilidades, aí sim, a pedra cairia do topo da montanha até oacampamento dos experimentalistas. Se a forma de Calabi-Yauespecíficaselecionadapelasequaçõesda teoria tivesse trêsburacos,teríamosencontradoumaconvincente"posvisão"da teoriadascordasexplicando um conhecido aspecto do mundo que, de outro modo, écompletamentemisterioso.Masoproblemadeencontraroprincípioquepermite escolher entre as formas de Calabi-Yau permanece semsolução.

Todavia—eesseéumpontoimportante—,vemosqueateoriadas cordas tem a capacidade potencial de resolver esse quebra-cabeças fundamental da física de partículas, e isso é, por si só, umprogresso substancial. O número de famílias é apenas uma dasconseqüências experimentais da forma geométrica das dimensõesadicionais.Pormeiodosefeitosqueelasexercemsobreospossíveispadrões vibratórios das cordas, outras conseqüências das dimensõesadicionais abrangem as propriedades específicas das partículas damatéria e das forças. Em um primeiro exemplo, Strominger e Wittendemonstraramemumtrabalhoposteriorqueasmassasdaspartículasdecadaumadas famíliasdependem—presteatençãoporque issoédifícil — do modo pelo qual os contornos dos vários buracosmultidimensionaisdaformadeCalabi-Yauestabeleceminterseçõesou

sobreposiçõesunscomosoutros.Avisualizaçãoédifícil,masaidéiaéque conforme as cordas vibram através das dimensões adicionaisrecurvadas,adisposiçãoexatadosdiversosburacoseamaneirapelaqualaformadeCalabi-Yauosenvolveexerceminfluênciadiretasobreospossíveispadrõesdevibraçãoressonantes.

Emboraosdetalhessejamdifíceisdeacompanharenãosejamtãoessenciaisassim,oqueimportaéque,comonocasodonúmerodasfamílias,a teoriadascordaspodenosproporcionarumesquemaparadarrespostaaperguntas—comooporquêdasmassasdoelétronedasoutraspartículas—arespeitodasquaisasoutrasteoriassilenciam.Mastambémaquiparaseguiradiantecomoscálculoséprecisosaberqualéo espaço de Calabi-Yau que deve ser usado para as dimensõesadicionais.

A discussão precedente dá uma idéia de como a teoria dascordas poderá um dia explicar as propriedades das partículas dematéria.Osteóricosdascordasacreditamqueumahistóriasemelhanteumdiaexplicará tambémaspropriedadesdaspartículasmensageirasdasforçasfundamentais.Umpequenosubconjuntodovastorepertóriode oscilações das cordas que vibram e se retorcem sinuosamenteatravésdasdimensõesestendidaserecurvadasconsistedevibraçõescomspinigualalou2.Essessãoosestadosdevibraçãodascordasquepossivelmente transmitemas forças. Independentementeda formadoespaçodeCalabi-Yau,sempreháumpadrãovibratórioqueésemmassaetemspin-2;essepadrãoéidentificadocomoográviton.Alistaprecisa das partículas mensageiras de spin-1 — seu número, aintensidadedasforçasqueelastransmitem,assimetriasdecalibrequeelas observam — depende crucialmente, no entanto, da formageométricaexatadasdimensões recurvadas.Chegamosnovamenteàconclusãodequeateoriadascordasforneceumesquemaparaexplicara existência das partículas mensageiras que observamos no nossouniverso, ou seja, para explicar as propriedades das forçasfundamentais,masqueenquantonãosoubermosexatamenteemqualdas formasdeCalabi-Yauasdimensõesadicionaisestão recurvadas,nãopoderemosfazernenhumaprevisãoou"posvisão"definitivas(alémdaobservaçãodeWittenrelativaà"posvisão"dagravidade).

Por quenão conseguimosdescobrir qual é a formadeCalabi-Yau"certa"?Amaiorpartedos teóricosdascordasatribuiesse fatoàinadequação dos instrumentos teóricos atualmente utilizados paraanalisara teoriadascordas.Comoveremosmaisdetalhadamenteno

capítulo12,oesquemamatemáticodateoriadascordasétãocomplexoqueosfísicossóforamcapazesdeefetuarcálculosaproximadosgraçasa uma formalização denominada teoria da perturbação. Nesseesquema, todasas formasdeCalabi-Yaupossíveisparecemestarempé de igualdade umas com as outras; as equações não distinguemnenhumaemparticular.Ecomoasconseqüênciasfísicasdateoriadascordas dependem sensivelmente da forma precisa das dimensõesrecurvadas, enquanto não tivermos a capacidade de selecionar umespaçodeCalabi-Yauentreosmuitosqueexistem,nãopoderemostirarnenhuma conclusão experimentalmente testável. Um dos fatores quehojeestimulamaspesquisascomvistasadesenvolvermétodosteóricosque transcendam o enfoque aproximativo até aqui seguido é aesperança de que, entre outros benefícios, sejamos levados a umaformadeCalabi-Yauúnicaparaasdimensõesadicionais.Discutiremososprogressosquesefazemnessesentidonocapítulo13.EXAURINDOASPOSSIBILIDADES

Entãovocêpoderiaperguntar:aindaquenãosaibamosqualéaforma deCalabi-Yau escolhida pela teoria das cordas, existe algumaescolha possível capaz de produzir características físicas compatíveiscom as que observamos na realidade? Em outras palavras, se nósdeduzíssemosaspropriedadesfísicascorrespondentesacadaumadasformas de Calabi-Yau e as reuníssemos em um enorme catálogo,haveriaalgumaquecoincidissecomarealidade?Essaéumaperguntaimportante,mas,porduasrazões,difícilderespondercabalmente.Ummodosensatodecomeçaréconcentrarmo-nosapenasnasformasde Calabi-Yau que produzem três famílias. Isso reduzconsideravelmentealistadeescolhasviáveis,masaindasãomuitasasque permanecem. Com efeito, note que é possível deformar umdoughnut com várias pontas e convertê-lo em uma série de outrasformas — na verdade, um número infinito delas — sem modificar onúmerodeburacosqueele contém. Ilustra umadessasdeformações,obtida a partir da forma inferior. Dessa mesma maneira, podemoscomeçar com um espaço de Calabi-Yau de três buracos e deformarsuavemente o seu aspecto sem alterar o número de buracos, o quenovamente pode gerar uma infinidade de formas. (QuandomencionamosaexistênciadedezenasdemilharesdeformasdeCalabi-Yau,jáestávamosconsiderandocomoumsógrupotodasasformasquepodem converter-se umas nas outras através dessas deformações

suavesecontandotodoogrupocomoumúnicoespaçodeCalabi-Yau.)Oproblemaéqueaspropriedadesfísicasespecíficasdasvibraçõesdascordas,suasmassasesuasrespostasàsforçassãomuitoafetadasporessasmudançasdeforma,mastambémaquinãotemososmeiosparaselecionarumapossibilidadeemdetrimentodequalqueroutra.Epormaisquecoloquemospesquisadoreseestudantesdefísicaparatrabalharnesseproblema,simplesmentenãoépossíveldeterminarascaracterísticas físicas correspondentes a uma lista infinita de formasdiferentes.Istolevouosteóricosaexaminarosresultadosfísicosdeumaamostrade formasdeCalabi-Yaupossíveis.Mesmoaqui,porém,nemtudosãoflores.Asequaçõesaproximadasusadasatualmentenateoriadas cordas não são suficientemente precisas para determinar porcompletoaestruturafísicaresultantedenenhumadasformasdeCalabi-Yau escolhidas. Elas propiciam um entendimento genérico daspropriedadesdasvibraçõesdascordasquenóstemosaexpectativadeassociar com as partículas que observamos. Mas conclusões físicasprecisasedefinitivas,taiscomoamassadoelétronouaintensidadedaforçafraca,requeremequaçõesmuitomaisexatasdoqueaquiloqueoesquemaaproximadoatualnospermite.Lembre-sedocapítulo6—edoexemplodeThePrice isRiht—,emquevimosqueaescala"natural"deenergiasdateoriadascordaséaenergiadePlanckequesó por meio de cancelamentos extremamente delicados a teoria dascordas produz padrões vibratórios com massas próximas às daspartículasconhecidasdematériaedeforça.Cancelamentosdelicadosrequeremcálculosprecisosporquemesmoerrospequenostêmumforteimpactosobreaexatidão.Comoveremosnocapítulo12,emmeadosdadécada de 90 a ciência fez progressos significativos no sentido detranscender as atuais equações aproximadas, mas o caminho apercorreraindaélongo.

Então, onde estamos? Bem, mesmo com os sérios problemasdecorrentesdenãodispormosdecritérios fundamentaisparaescolherumaformadeCalabi-Yaudentretodasasdemaisedenãotermostodosos instrumentos teóricos necessários para extrair por completo asconseqüênciasobserváveisdetalescolha,podemossempreperguntarsealgumadasescolhasdocatálogodeformasdeCalabi-Yaupodedarlugar a um mundo que seja pelo menos compatível com o queobservamos.Arespostaaessaperguntaébastanteanimadora.EmboraamaiorpartedositensquecompõemocatálogoCalabi-Yauproduza

conseqüências observáveis que diferem significativamente do nossomundo (número diferente de famílias de partículas e número e tiposdiferentes de forças fundamentais, entre outros desvios substanciais),alguns itens do catálogo geram esquemas físicos que se aproximamqualitativamentedoquenósobservamosnarealidade.Ouseja,existemexemplos de espaços de Calabi-Yau que, se escolhidos para asdimensõesrecurvadasrequeridaspelateoriadascordas,dãoorigemavibraçõesdascordasmuitopróximasàspartículasdomodelo-padrão.Omaisimportanteéqueateoriadascordasconsegueincorporaraforçadagravidadeaumesquemademecânicaquântica.

Nonossonívelatualdeavanço,issoéomelhorquepoderíamosesperar.SemuitasdasformasdeCalabi-Yauparecessemcompatíveiscomasexperiênciasobjetivas,ovínculoentreumaeventualescolhaeaestrutura física que observamos seria menos convincente. Muitasescolhas poderiam servir e então nenhuma delas apareceria como adefinitiva,mesmo a partir de uma perspectiva experimental. Por outrolado,senenhumadasformasdeCalabi-Yauchegassesequerpertodegeraraspropriedadesfísicasobservadas,ateoriadascordas,apesardabeleza do seu esquema teórico, poderia não ter qualquer relevânciapara o nosso universo. Encontrar um pequeno número de formas deCalabi-Yauque,dentrodanossacapacidadelimitadadedeterminarasimplicaçõesfísicasespecíficas,pareçamestarnafaixadaaceitabilidadeéumavançoextremamenteanimador.

Explicaraspropriedadesdaspartículaselementaresdematériaedeforçaestariaentreasmaiores—senãoforamaior—dasconquistascientíficas. Todavia, você ainda pode perguntar se haveria algumaprevisão — e não "posvisão" — da teoria das cordas que osexperimentalistas pudessem tentar confirmar, agora ou no futuroprevisível.Sim,há.

SUPERPARTICULAS

As limitações teóricas que atualmente nos impedem de extrairprevisões específicas da teoria das cordas nos obrigam a buscaraspectosgenéricosdouniverso,emvezdeaspectosespecíficos.Nestecontexto, a palavra "genéricos" refere-se a características tãofundamentais da teoria das cordas que são praticamente, ou mesmototalmente, independentes das propriedades específicas da teoria, asquaisestãohojeforadonossoalcance.Essascaracterísticaspodemser

discutidas com confiança, mesmo no cenário incompleto dos nossosconhecimentos a respeito da teoria como um todo. Nos capítulosseguintes voltaremos a outros exemplos, mas por agora vamos nosconcentraremapenasum:asupersimetria.

Como já vimos, uma propriedade fundamental da teoria dascordaséqueelaaltamentesimétricaenãosó incorporaosprincípiosintuitivos da simetria como também respeita a extensão matemáticamáximadessesprincípios, a supersimetria. Isso significa, comovimosnocapítulo7,queospadrõesvibratóriosdascordasocorremempares—pares superparceiros—que diferementre si pormeia unidade despin.Seateoriadascordasestivercorreta,algumasdasvibraçõesdascordascorresponderãoàspartículaselementaresconhecidas.Edevidoaoemparelhamentosupersimétrico,a teoriadascordas fazaprevisãode que cada uma das partículas conhecidas tem um superparceiro.Podemosdeterminarascargasdeforçaquecadaumadessaspartículasdeve possuir,mas não temos ainda a capacidade de prever as suasmassas.Mesmo assim, a previsão de que os superparceiros existemumacaracterísticagenéricadateoriadascordas;éumapropriedadedateoriadascordasqueseráverdadeiraindependentementedosaspectosdateoriaquenósaindanãodominamos.

Nunca se observou nenhum superparceiro das partículaselementares conhecidas. Isso pode significar que eles não existem eque a teoria das cordas está errada.Masmuitos físicos de partículasachamqueissosedeveaqueossuperparceirossãotãopesadosqueestãoalémdanossacapacidadedeobserva-losexperimentalmente.Oscientistas estão construindo agora um gigantesco acelerador departículasemGenebra,naSuíça,quetemonomedeLargeHadronCoilider[GrandeAneldeColisãodeHádrons].Háfortesesperançasdequeessamáquinatenhapotênciasuficienteparaencontraraspartículassuperparceiras.Oaceleradordeveentraremoperaçãoantesde2010elogo a seguir a supersimetria poderá encontrar confirmaçãoexperimental. Como disse Schwarz, "a supersimetria deverá serdescoberta dentro de algum tempo, e quando isso acontecer, serásensacional".

Masháduascoisasquevocêdeveteremmente.Mesmoqueaspartículas superparceiras sejam encontradas, esse fato por si só nãobastará para determinar que a teoria das cordas está certa. Como jávimos, embora a supersimetria tenha sido descoberta por meio doestudodateoriadascordas,elatambémfoi incorporadacomêxitoem

teorias de partículas puntiformes, e não é, portanto, uma propriedadeexclusivadateoriadascordas.Poroutrolado,aindaqueoLargeHadronCoilidernãoencontreaspartículassuperparceiras,essefatoporsi só não refutará a teoria das cordas, pois pode ser que ossuperparceirossejamtãopesadosqueestejamforadoacessotambémdesse acelerador. Dito isso, também deve ser assinalado que se aspartículassuperparceirasforemdescobertas,essaseráamaioremaisdecisivacomprovaçãocircunstancialemfavordateoriadascordas.PARTÍCULASCOMCARGASFRACIONARIAS

Outrosinalexperimentaldateoriadascordas,quetemavercoma carga elétrica, émenos global do que as partículas superparceirasmas igualmente sensacional. As partículas elementares do modelo-padrãotêmumestoquemuitolimitadodecargaselétricas:osquarkseantiquarkstêmcargaselétricasdeumterçooudoisterços,positivosounegativos, e as outras partículas têm cargas elétricas de zero, um oumenos um. As combinações entre essas partículas correspondem àtotalidade da matéria conhecida do universo. Na teoria das cordas,contudo, é possível a existência de padrões vibratórios ressonantescorrespondentes a partículas com cargas elétricas significativamentediferentes.Acargaelétricadeumapartículapode,porexemplo, tomarvaloresfracionáriosexóticoscomo1/5,1/11,1/13,ou1/53,entretantasoutras possibilidades. Essas cargas insólitas podem ocorrer se asdimensões recurvadas tiverem uma certa propriedade geométrica:buracos que têm a propriedade particular de que as cordas que osenvolvem só conseguemdesemaranhar-se se deremumdeterminadonúmerodevoltascompletasaoseuredor.Osdetalhesnãoapresentamgrandeimportância,massabemosqueonúmerodasvoltasnecessáriaspara desemaranhá-lasmanifesta-se nos padrões vibratórios admitidosdeterminandoodenominadordacargafracionária.

AlgumasformasdeCalabi-Yautêmessapropriedadegeométricae outras não, razão por que a possibilidade da existência de cargaselétricasfracionáriasnãoétãogeralquantoaexistênciadaspartículassuperparceiras.Poroutrolado,conquantoaprevisãodossuperparceirosnãosejaumacaracterísticaexclusivadateoriadascordas,décadasdeexperiências revelaram que não existe nenhuma razão determinantepara que essas cargas fracionárias devam existir em qualquer dasteorias de partículas puntiformes. Tais cargas podem ser impostas a

umateoriadepartículaspuntiformes,masissoseriatãonaturalquantoaproverbial presença de um touro em uma loja de porcelanas. Apossibilidadedosurgimentodessaspartículasapartirdepropriedadesgeométricassimplesdasdimensõesadicionaisfazdascargaselétricasfracionárias e exóticas umamarca experimental natural da teoria dascordas.

Tal como no caso dos superparceiros, nunca se encontrounenhuma dessas partículas com cargas estranhas, e os nossosconhecimentos da teoria das cordas ainda não nos permite umaprevisão definitiva das suas massas, supondo que as dimensõesadicionais tenham as propriedades corretas para gerá-las. Umaexplicação possível para isso é que as suas massas, se é que elasexistem,devemserdemasiadograndesparaquepossamosdetectá-lascomosmeiosdequedispomosatualmente.Comefeito,épossívelqueasmassassejamdaordemdamassadePlanck.Massealgumdiaumaexperiênciaencontrartaiscargaselétricasexóticas,issoconstituiráumfatormuitoconvincenteemfavordateoriadascordas.POSSIBILIDADESMAISREMOTAS

Há outras maneiras pelas quais é possível encontrar indícioscomprobatórios da teoria das cordas. Por exemplo, Witten anotou apossibilidade remota de que os astrônomos um dia vejam um sinaldireto da teoria das cordas nos dados obtidos com a observação dofirmamento.Comofoiditonocapítulo6,otamanhotípicodeumacordaéadistânciadePlanck,masascordasquecontêmmaisenergiapodemsersubstancialmentemaiores.Comefeito,aenergiadobig-bangdeveter sido suficientemente alta para produzir algumas cordasmacroscopicamentegrandes,que,comaexpansãocósmica,podemteralcançadoproporçõesastronômicas.Épossívelimaginarqueagora,ouemqualquermomentofuturo,umadessascordasapareçaderepentenocéu, deixando uma marca inconfundível e mensurável nos dadoscoligidos pêlos astrônomos (tais como uma pequena alteração natemperatura da radiação cósmica de fundo em microondas; veja ocapítulo14).ComodizWitten,"apesardeserumtantofantasioso,esseéomeucenáriofavoritoparaaconfirmaçãodateoriadascordas,umavezquenadaresolveriaaquestãodemaneiratãoespetacularquantoverumacordaemumtelescópio".

Mais perto da Terra, já foram erguidas outras marcasexperimentaispossíveisparaateoriadascordas.Eisalgunsexemplos.Primeiro, notamosquenãosabemosaindaseosneutrinos sãomuitoleves ou se são totalmente destituídos de massa. De acordo com omodelo-padrão, eles não têm massa, mas não há nenhuma razãorealmentedeterminanteparaisso.Umatarefadesafiadoraparaateoriadas cordas seria a de encontrar uma explicação convincente para osdados relativosaosneutrinos, atuais e futuros, especialmente se ficardemonstrado que eles efetivamente têm uma massa mínima, masdiferentedezero.Segundo,hácertosprocessoshipotéticosquenãosãopermitidos no modelo-padrão e sim na teoria das cordas. Entre elesestãoapossibilidadedadesintegraçãodopróton(nãosepreocupe;seessadesintegraçãoforpossível,elaserámuitovagarosa)easpossíveistransmutações e desintegrações de diversas combinações de quarks,fenômenos que violariam certas propriedades já há muito tempoestabelecidaspelateoriaquânticadecampodaspartículaspuntiformes.Processos desse tipo são particularmente interessantes porque nãoexistemnateoriaconvencional,oquefazcomquesejamsinaisfísicossignificativosquenãopoderiamserexplicadossemrecursoaprincípiosteóricos novos. Se qualquer desses processos for observado,encontraríamossolofértilparaumaexplicaçãooferecidapelateoriadascordas. Terceiro, para certas escolhas da forma de Calabi-Yau hádeterminados padrões de vibração das cordas que podem produzirnovoscamposdeforça,mínimosedelongoalcance.Seosefeitosdealguma dessas forças forem descobertos, isso poderia propiciar odesenvolvimento de uma parte da nova física da teoria das cordas.Quarto, como assinalaremos no próximo capítulo, os astrônomosdispõem de provas de que a nossa galáxia — assim como,possivelmente, todoouniverso—está imersaemummardematériaescura,cujaidentidadeaindanãofoideterminada.Graçasàsmúltiplaspossibilidadesdepadrõesvibratóriosressonantes,a teoriadascordaspodesugerirdiversoscandidatosparaamatériaescura;adecisãofinalterádeaguardar futurosresultadosexperimentaisqueestabeleçamaspropriedadesespecíficasdamatériaescura.

Finalmente, uma quinta possibilidade de vincular a teoria dascordas a observações objetivas relaciona-se com a constantecosmológica—lembre-sedequevimosnocapítulo3queaconstantecosmológicaéumamodificaçãoqueEinstein impôs, temporariamente,

às suas próprias equações originais da relatividade geral para poderexplicarumuniversoestático.EmboraadescobertaposteriordequeouniversoestáemexpansãotenhalevadoEinsteinaretiraramodificaçãoproposta,osfísicosconcluíramquenãoexistenenhumaexplicaçãoparaqueaconstantecosmológicasejaefetivamenteigualazero.Comefeito,a constante cosmológicapode ser interpretada comoumaespéciedeenergia geral existente no vácuo do espaço. Portanto, o seu valordeveriaser teoricamentecalculáveleexperimentalmentequantificável.Masatéagoraessescálculostêmlevadoaumcolossaldesencontro:asobservações revelam que a constante cosmológica ou é zero (comoEinsteinacabousugerindo)oumuitopequena;masoscálculosindicamqueas flutuaçõesdamecânicaquântica no vácuoespacial tendemagerarumaconstantecosmológicadiferentedezero,cujovalorécercade120ordensdegrandeza(onúmero1seguidode120zeros)maiordoque o que é permitido pela experiência! Isso apresenta umaoportunidadeeumdesafioexcelentesparaos teóricosdascordas:oscálculosfeitoscomateoriadascordasserãocapazesderesolveressedesencontroeexplicarporqueaconstantecosmológicaéigualazero?Eseasexperiênciasterminaremporestabelecerumvalorpequenomasdiferente de zero para a constante cosmológica, a teoria das cordasconseguirá produzir uma explicação? Se os estudiosos das cordasconseguiremenfrentar esse desafio—o que ainda não aconteceu—,proporcionarãoumacomprovaçãoconvincentedaveracidadedateoria.UMBALANÇO

A história da física está cheia de idéias que, ao seremapresentadas, eram inteiramente intestáveis, mas que, ao longo dediversos acontecimentos imprevistos, foram trazidas ao campo daverificabilidadeexperimental.Anoçãodequeamatériaécompostaporátomos, a hipótese de Pauli sobre a existência do neutrino e apossibilidade de que o céu esteja repleto de estrelas de nêutrons eburacosnegrossãotrêsidéiasdessetipo,hojetotalmenteaceitas,masqueaoseremarticuladaspelaprimeiravezpareciammaiscriaçõesdeficçãocientíficadoquefatoscientíficos.

Asmotivações que levaram à proposição da teoria das cordassãopelomenostãosólidasquantonoscasosdessastrêsidéias,e,naverdade, a teoria das cordas é considerada como o avanço maisimportantedafísicateóricadesdeadescobertadamecânicaquântica.

Essa comparação é particularmente interessante porque a história damecânicaquânticanosensinaqueasrevoluçõesdafísicapodemlevarváriasdécadasparaamadurecer.Emcomparaçãocomosteóricosdascordas de hoje, os que trabalharam comamecânica quântica tinhamuma grande vantagem: mesmo quando a sua formulação era aindaapenas parcial, amecânica quântica podia estabelecer contato diretocomosresultadosexperimentais.Mesmoassim, foramprecisosquasetrinta anos para que a estrutura lógica da mecânica quântica fosseelaboradaeoutrosvinteanosparaincorporararelatividadeespecialàteoria.Agoraestamosincorporandoarelatividadegeral,oqueéumamissãomuitomaisdifícil,alémdeapresentarproblemasmuitomaioresde contato com o mundo das experiências. Ao contrário dos quetrabalhavamcoma teoriaquântica, os teóricosdas cordasdenossosdiasnãodispõemda luzbrilhantedanatureza—ouseja,detalhadosresultados experimentais — que os oriente quanto aos passosseguintes.

Assim, é possível que uma geração inteira de cientistas, oumesmomais,devotesuasvidasàpesquisaeaodesenvolvimentodateoria das cordas sem dispor de nenhum elemento de comprovaçãoexperimental.Onúmerosubstancialdefísicosdetodoomundoqueseempenha vigorosamente pelo aperfeiçoamento da teoria das cordassabeoriscoqueestácorrendo:odededicartodaumavidadeesforçosaumempreendimentoquepode,afinal,serinconclusivo.Semdúvida,oprogresso teóricocontinuará,masserá issosuficienteparasuperarosobstáculos atuais e produzir afinal previsões verificáveisexperimentalmente? Será que os testes indiretos que discutimosresultarão em uma verdadeira prova irrefutável da teoria das cordas?Essas perguntas têm uma importância essencial para todos osestudiososdateoriadascordas,masaindanãosepodeafirmarnadaarespeitodelas.Sóo temporevelaráasrespostas.Abelasimplicidadedateoriadascordas,amaneirapelaqualelaresolveoconflitoentreagravitaçãoeamecânicaquântica,asuacapacidadedeunificartodososcomponentesdanaturezaeoseupotencialilimitadodefazerprevisõesenchemdeânimoosestudiososeoslevamaassumirosriscos.

Essas considerações elevadas têm recebido continuamente oreforço propiciado pela capacidade da teoria das cordas de descobrircaracterísticasnovase instáveisdeumuniversobaseadoemcordas-características que revelam uma coerência sutil e profunda no

funcionamentodanatureza.Muitasdelasreferem-seaaspetosglobaisquevirãoaconstituiraspropriedadesbásicasdeumuniversoformadoporcordas,quaisquerquesejamosdetalhesquehojedesconhecemos.Dentre essas propriedades, algumas das mais surpreendentes jácausaramumefeitoprofundonanossacompreensãoquenãocessadesedesenvolverdoespaçoedotempo.

PARTEIV

Ateoriadascordaseotecidodoespaço-tempo

10.Geometriaquântica

No transcurso de uma década, Einstein conseguiu derrubar

sozinhooesquemanewtonianosecularedaraomundoumaexplicaçãoradicalmentenovaeindubitavelmentemaisprofundaparaagravidade.Leigos e especialistas deslumbram-se da mesma maneira diante dafabulosa originalidade e do brilho extraordinário da sua mente aoarquitetar a relatividadegeral.E bom, contudo, quenãopercamosdevista o fato de que circunstâncias históricas favoráveis contribuíramfortemente para o êxito de Einstein. Dentre elas se destacam asdescobertas matemáticas de Georg Bernhard Riemann, que deixoufirmemente estabelecido no século XX o método geométrico quedescreve os espaços curvos em qualquer número de dimensões. Emsua famosa conferência inaugural de 1854 na Universidade deGöttingen,Riemannrompeuosgrilhõesdoespaçoplanoeuclidianoepavimentouocaminhoparaumtratamentomatemáticodemocráticodageometriaemrelaçãoatodasasvariedadesdesuperfíciescurvas.

Foram as exposições de Riemann que desenvolveram amatemáticanecessáriaparaanalisarquantitativamenteespaçoscurvos.OgêniodeEinsteinconsistiuemreconhecerqueessaobramatemáticaprestava-se com perfeição para a implementação da sua novaconcepçãodaforçagravitacional.Eleteveacoragemdedeclararqueamatemática da geometria de Riemann alinha-se perfeitamente com afísicadagravidade.

Mas agora, quase um século depois da proeza de Einstein, ateoria das cordas nos dá uma descrição da gravidade em termos demecânicaquântica quenecessariamentemodifica a relatividadegeralquandoasdistânciasenvolvidas reduzem-seaoníveldadistânciadePlanck. Como a geometria riemanniana é o núcleo matemático darelatividade geral, isso significa que também essa teoria tem de sermodificada para refletir com fidelidade a nova física das pequenas

distânciasqueaparecenateoriadascordas.Enquantoarelatividadegeralafirmaqueaspropriedadescurvas

do universo são explicadas pela geometria riemanniana, a teoria dascordasafirmaque issosóéverdadequandoexaminamoso tecidodouniversoemescalassuficientementegrandes.Naescaladadistânciade Planck, surge uma nova geometria, a qual se alinha com a novafísicadateoriadascordas.Essenovoesquemageométricorecebeuonome de geometria quântica. Ao contrário do caso da geometriariemanniana, aqui não há nenhuma obra matemática preexistenteesperandoemalgumaprateleiraqueosestudiososdateoriadascordasaadotemparapô-laaserviçodageometriaquântica.Emvezdisso,osfísicosematemáticosdeagoraestãovigorosamenteempenhadosemmontar, peça por peça, um novo ramo dessas ciências, emconformidadecomateoriadascordas.Emboraessahistóriaaindanãotenhachegadoaofim,aspesquisas járevelarammuitaspropriedadesgeométricasnovasdoespaçoedotempoquedecorremdateoriadascordas—propriedadesquecomcertezateriamembasbacadoopróprioEinstein.OCERNEDAGEOMETRIARIEMANNIANA

Sevocêpularemumacamaelástica,opesodoseucorpofarácom que ela afunde sob os seus pés, estirando as suas fibras. Oestiramentoémaispronunciadonaregiãoqueestásoboseucorpoevaisesuavizandoemdireçãoàsbordasdacamaelástica.Issopodeservisto com clareza se uma imagem conhecida, como a daMona Lisa,estiver pintada na superfície. Quando a cama elástica não estásuportando nenhum peso, a Mona Lisa aparece normalmente. Masquando você sobenela, a imagem fica distorcida, sobretudonaparteque está diretamente abaixo do seu corpo. Este exemplo nos levadiretamente ao cerne do esquema matemático de Riemann paradescreverformasrecurvadasouempenadas.TrabalhandocombaseemdescobertasanterioresdeCariPriedrichGauss, Nikolai Lobachevsky, Janos Bolyai e outros, Riemanndemonstrou que a análise cuidadosa das distâncias entre todos oslugaresdasuperfícieoudointeriordeumobjetoproporcionaummeiode quantificar a sua curvatura. Em termos gerais, quanto maior for oestiramento (nãouniforme)—ouseja,quantomaior forodesvio com

relação às distâncias em uma superfície plana—, tantomaior será acurvaturadoobjeto.Acamaelástica,porexemplo,estira-semaisondeestáoseucorpoe,portanto,as relaçõesdedistânciaentreospontosdesse lugarespecíficosãoasqueficammaisdistorcidas.Essaregiãodacamaelásticatem,porconseguinte,amaiorproporçãodecurvatura,oquecorrespondeaoquesepoderiaesperar,umavezqueafiguradaMonaLisasofreaíamaiordistorção,dandoaimpressãodeumacaretanocantodoseufamososorrisoenigmático.

EinsteinadotouasdescobertasmatemáticasdeRiemannedeuaelasuma interpretação físicaprecisa.Eledemonstrou,comovimosnocapítulo 3, que a curvatura do espaço-tempo incorpora a forçagravitacional.Examinemosumpoucomaisdepertoessainterpretação.Matematicamente,acurvaturadoespaço-tempo—comoacurvaturadacamaelástica—refleteasrelaçõesdistorcidasde distância entre os seus pontos. Fisicamente, a força gravitacionalexperimentadaporumobjetoéumreflexodiretodessadistorção.Comefeito, trabalhando com objetos cada vez menores, a física e amatemáticaalinham-secomprecisãocadavezmaior,àmedidaquenosaproximamos da realização física do conceitomatemático abstrato doponto.Masateoriadascordas impõeumlimiteàprecisãocomqueaformalizaçãogeométricadeRiemannpodeserrealizadapelafísicadagravidade,porqueháum limitemínimoparao tamanhodeumobjeto.Quando chegamos ao tamanho das cordas não podemos continuar adiminuir.Anoçãotradicionaldepartículapuntiformenãoexistenateoriadascordas—eesseéumelementoessencialparaasuacapacidadedegerarumateoriaquânticadagravidade.Essaéumademonstraçãoconcretadequenasescalasultramicroscópicasoesquemageométricode Riemann, que está baseado fundamentalmente nas distânciasexistentesentrepontos,émodificadopelateoriadascordas.

Essa observação tem impacto diminuto sobre as aplicaçõesmacroscópicascomunsdarelatividadegeralNosestudoscosmológicos,porexemplo,costumeiramenteasgaláxiasdistantessãorepresentadascomosefossempontos,umavezqueoseutamanhoéextremamentepequeno em relação ao universo como um todo. É por isso que aimplementação do esquema geométrico de Riemann, mesmo dessamaneira tosca, produz aproximações bastante precisas, o que éevidenciadopelo êxito da relatividadegeral no contexto cosmológico.

Mas no domínio ultramicroscópico, o fato de que as cordas têm umaextensãofísicafazcomqueageometriadeRiemannsimplesmentenãoofereçaaformalizaçãoadequada.Comoveremos,ela temdesersubstituídapelageometriaquânticadateoria das cordas, o que leva à descoberta de propriedades novas eabsolutamenteinesperadas.UMPARQUEDEDIVERSÕESCOSMOLÓGICO

Segundo omodelo cosmológico do big-bang, o universo comoumtodosurgiudeumaexplosãocósmicaviolentaesingular,cercade15bilhõesdeanosatrás.Hoje, tal comoHubbledescobriu, sabemosqueos "estilhaços"dessaexplosão,sobaformademuitosbilhõesdegaláxias,aindaconservamum movimento expansivo. O universo continua em expansão. Nãosabemos se esse crescimento cósmico seguirá para sempre ou sechegaráumtempoemqueaexpansãoperderáovigoredará lugarauma contração que levará o universo a uma implosão cósmica. Osastrônomoseosastrofísicosestãotentandoresolverexperimentalmenteesse problema, uma vez que a resposta depende de algo que emprincipiopodesermedido:adensidademédiadamatériadouniverso.

Seadensidademédiadamatéria formaiordoqueachamadadensidadecríticacercadeumcentésimodebilionésimodebilionésimode bilionésimo (10 2) e grama por centímetro cúbico, o que equivaleaproximadamenteacincoátomosdehidrogênioparacadametrocúbicodouniverso—,entãoaforçagravitacionalquepermeiaocosmosserásuficiente para fazer reverter a expansão. Se a densidade média damatéria for menor do que o valor crítico, a atração gravitacional nãoconseguirádeteraexpansão,quecontinuaráparasempre.(Sevocêsebasearnassuasprópriasobservaçõesdouniverso,poderápensarquea densidade média da matéria excede emmuito o valor crítico, mastenha em mente que a matéria — como o dinheiro — tende a seconcentrar.UsaradensidademédiadaTerra,oudosistemasolar,oumesmoadaViaLácteacomoindicadordadensidadedouniversoseriacomousarafortunadeBillGatescomoindicadordarendamédiadoshabitantes da Terra. Assim como há muitas pessoas cuja renda émicroscópica em comparação com a de Bill Gates, o que diminuiextraordinariamente a renda média, também há enormes porções deespaço pratica mente vazio entre as galáxias, o que reduzdrasticamenteadensidademédiadamatéria.)

Oestudocuidadosodadistribuiçãodasgaláxiaspelouniversodáaos astrônomos uma idéia bem aproximada da quantidademédia dematéria visível no universo. Esse valor é significativamentemenor doqueodadensidadecrítica.Masexistem fortes indícios, tanto teóricosquantoexperimentais,dequeouniversocontémenormesquantidadesdematéria escura. Esse é um tipo dematéria que não participa dosprocessosdefusãonuclearqueiluminaasestrelase,emconseqüência,não emite luz, sendo assim invisível para os nossos telescópios.Ninguém ainda conseguiu decifrar a identidade da matéria escura emenosaindaasuamassareal.Por isso,odestinodonossouniversoaindaéincerto.

Paraefeitosderaciocínio,vamossuporqueadensidademédiadamatériasupereovalorcríticoequealgumdia,nofuturodistante,aexpansão cessará e o universo começará a contrair -se. Todas asgaláxiascomeçarãoaaproximar-selentamenteumasdasoutrase,comopassardotempo,asuavelocidadedeaproximaçãoaumentarácadavez mais, até tornar-se estonteante. Imagine o universo inteirocontraindo-se em uma massa cósmica cada vez menor. Como nocapítulo3,apartirdeumtamanhomáximodemuitosbilhõesdeanos-luz,ouniversoseencolheráprogressivamente,alcançandoumdiâmetrode algunsmilhões de anos-luz, sempre aumentando a velocidade dacontração, fazendo comque tudo se comprima, depois no volume deumaúnicagaláxia,depoisnodeumaestrela,deumplaneta,deumalaranja,umaervilha,umgrãodeareia,e,deacordocomarelatividadegeral,novolumedeumamolécula,deumátomoe,nofinalinexorávelnacontraçãocósmica,atéalcançarvolumezero.Deacordocomateoriaconvencional,ouniverso teve iníciocomumaexplosãoapartirdeumvolumezero,eseasuamassaforsuficiente,teráfimemumacontraçãoqueodevolveráaesseestadodecompressãocósmicaabsoluta.Masquandoasescalas de comprimento alcançamonível dadistância dePlanck, ou menos, a mecânica quântica invalida as equações darelatividadegeral,comojásabemos.Aídevemospassarausarateoriadas cordas. Desse modo, se sabemos que a relatividade geral deEinsteinsupõequea formageométricadouniversonão temqualquerlimitemínimoparaoseutamanho—exatamentecomoamatemáticadageometria riemanniana supõe que o tamanho de uma forma abstratapode ser tão pequeno quanto o deseje a sua imaginação—, somoslevados a perguntar de que maneira a teoria das cordas afeta essequadro.Comoveremosagora,pode-seafirmarqueateoriadascordas

estabeleceaquitambémumlimitemínimoparaasescalasdedistânciafisicamenteatingíveise,oqueéalgointeiramentenovo,proclamaqueouniversonãopode ser comprimidoabaixodadistância dePlanckemnenhumadassuasdimensõesespaciais.

Como você está cada vezmais familiarizado com a teoria dascordas, pode ser que esteja agora imaginando uma hipótese sobre arazãoporqueissoacontece.Poderiaargumentar,porexemplo,quepormais que se empilhem pontos sobre pontos — ou seja, partículaspuntiformes—,ovolumetotalcontinuarásendozero.Poroutrolado,seaspartículasforemnaverdadecordas,comprimidasumascomasoutrasdemodo totalmente aleatório, elas ocuparão um glóbulo de tamanhomaior do que zero, como uma bola de elásticos emaranhados, cujotamanhoestánaescaladePlanck.Seessaéasuaargumentação,estánadireçãocerta,masénecessárioacrescentaralgunsaspectossutisesignificativos que a teoria das cordas emprega para sugerir, comelegância,umtamanhomínimoparaouniverso.Taisaspectosdenotamconcretamenteanovafísicadascordasqueentraemação,assimcomooseuimpactosobreageometriadoespaço-tempo.

Para explicá-los é preciso primeiro trazer um exemplo quedesprezadetalhesirrelevantessemsacrificaranovafísica.Emvezdeconsiderar todas as dez dimensões espaço-temporais da teoria dascordas—oumesmoasquatrodimensõesestendidasqueconhecemos—,voltemosaouniverso-mangueira.Originalmente apresentamos esse universo de duas dimensõesespaciaisnocapítulo8,antesdenosconcentrarmosnascordas,paraexplicarcertosaspectosdasdescobertasdeKaluzaeKleinnadécadade20.Utilizemo-loagoracomoum"parque de diversões cosmológico" para explorar as propriedades dateoria das cordas em um ambiente simples; logo usaremos asinformaçõesassimabsorvidasparaummelhorentendimentode todasasdimensõesespaciais requeridaspela teoriadascordas.Comessefim, imaginaremos que a dimensão circular do universo-mangueira éinicialmenteamplaeemseguidavaiseencolhendocadavezmaisatéchegaràformadaGrandeLinha—umaversãoparcialesimplificadadacontração inicial. A pergunta que queremos responder é se aspropriedades geométricas e físicas desse colapso cósmico têmcaracterísticasmarcadamentediferentes,sejaemumuniversobaseadoemcordas,sejaemoutrobaseadoempartículaspuntiformes.

OASPECTONOVOEESSENCIAL

Nãoéprecisoirlongeparaencontraroessencialdanovafísicadas cordas. Uma partícula puntiforme que se mova nesse universobidimensionalpodeexecutarostiposdemovimento:elapodedeslocar-sepeladimensãoestendidadouniverso-mangueira,podedeslocar-sepela sua dimensão recurvada, ou por qualquer combinação entre asduas dimensões. Um laço de corda pode apresentar movimentossimilares, com a diferença de que ele oscila ao deslocar-se pelasuperfície.Essaéumadistinçãoquejádiscutimoscomalgumdetalhe:as oscilações da corda conferem-lhe características como massa ecargas de força. Embora esse seja um aspecto crucial da teoria dascordas,nãonosdeteremosneleporagora,umavezquejáconhecemosassuasimplicaçõesfísicas.

Onosso interesseatualresideemumaoutradiferençaentreosmovimentosdaspartículaspuntiformeseosdascordas,diferençaessaquedependediretamentedaformadoespaçoatravésdoqualacordasemove.Comoacordaéumobjetodotadodeextensão,existeumaoutra configuração possível além das já mencionadas: ela podeenvolver— enlaçar, por assim dizer — a parte circular do universo-mangueira. A corda continuará a deslizar e a oscilar, mas ela o faránessa configuração estendida. Na verdade, a corda pode envolver apartecirculardoespaçoqualquernúmerodevezes,etambémaquielaexecutará um movimento oscilatório ao mesmo tempo que desliza.Quandoacordaestánessaconfiguraçãoenvolvente,dizemosqueelaexecuta omodo demovimento denominadomodo de voltas (windingmode).Essaéumapossibilidadeclaramenteinerenteàscordasparaaqualnãohácontrapartidanoreinodaspartículaspuntiformes.

Vejamos agora as implicações que esse tipo qualitativamentenovo de movimento das cordas traz para elas próprias e para aspropriedadesgeométricasdadimensãoporelasenvolvidas.AFÍSICADASCORDASENROLADAS

Em toda a nossa discussão sobre o movimento das cordas,concentramo-nosemcordasdesenroladas.Aspropriedadesdascordasqueenlaçamumcomponentecirculardoespaçosãoquasetodasiguais

às das cordas que estudamos. Suas oscilações, assim como as dascordas desenroladas, influenciam fortemente as suas propriedades. Adiferençaessencialéqueumacordaenroladatemumamassamínima,determinada pelo tamanho da dimensão circular e pelo número devezes que a corda a envolve. O movimento oscilatório da cordadeterminaamassaquesesomaaessemínimo.

Nãoédifícilentenderaorigemdessamassamínima.Umacordaenroladatemumcomprimentomínimodeterminadopelacircunferênciadadimensãocircularepelonúmerodevezesqueacordaaenvolve.Otamanhomínimodacordadeterminaasuamassamínima:quantomaiorocomprimento,maioramassa.Comoacircunferênciadeumcírculoéproporcional ao seu raio, asmassasmínimas domodo de voltas sãoproporcionais ao raio do círculo envolvido. Usando a equação deEinstein,E=me1,querelacionaamassaàenergia,poderemosdizertambémqueaenergiacontidaemumacordaenroladaéproporcionalaoraio da dimensão circular. (As cordas desenroladas também têm umcomprimentomínimo, pois se não o tivessem estaríamos de volta aodomíniodaspartículaspuntiformes.Omesmoraciocíniopoderialevaràconclusão de que até as cordas não enroladas têm uma massaminúsculaediferentedezero.Emumcertosentido,issoéverdade,masos efeitos damecânica quântica que vimos no capítulo 6 conseguemcancelarexatamenteessacontribuiçãoparaamassa.Lembremo-nosdeque essa é a maneira pela qual as cordas não enroladas podemproduzirofótoneográviton,quetêmmassazero,easoutraspartículassemmassaouquasesemmassa.Ascordasenroladassãodiferentesnesseaspecto.)

Dequemodoaexistênciadeconfiguraçõesdecordasenroladasafeta as propriedades geométricas da dimensão em volta da qual ascordasseenrolam?Aresposta,encontradapelaprimeiravezem1984pêlos cientistas japoneses Keiji Kikkawa e Masami Yamasaki, éestranhaenotável.

Consideremos os últimos estágios cataclísmicos da nossavariantesobreacontraçãofinalnouniverso-mangueira.Àmedidaqueoraio da dimensão circular contrai-se até a distância de Planck e, nomodelodarelatividadegeral,continuaacontrair-seaindamais,ateoriadascordas insisteemumareinterpretaçãoradicaldoqueacontece.Ateoria das cordas afirma que todos os processos físicos do universo-mangueira em que o raio da dimensão circular é menor do que adistância de Planck e continua a contrair-se são absolutamente

idênticosaos-processosfísicosemqueadimensãocircularémaiordoque a distância de Planck e continua a crescer! Isso significa que àmedida que a dimensão circular, em seu colapso, tenta transpor adistânciadePlanck,rumoatamanhoscadavezmenores,ateoriadascordasreverteessemovimentodandoumareviravoltanageometria.Elarevela que essa evolução pode ser descrita— ou,mais exatamente,reinterpretada — como um movimento da dimensão circular que secontrai até a distância dePlancke a partir daí volta a expandir-se.Ateoriadascordasreescreveas leisdageometriadasdistânciascurtasparadizerqueoqueantespareciaserumcolapsocósmicototaltorna-se, na verdade, uma expansão cósmica. A dimensão circular podecontrair-se até a distância de Planck, mas, por causa dos modos devoltas, as tentativasde contraçãoalémdesseponto convertem-seemexpansão.Vejamosporquê.A nova possibilidade das configurações de cordas enroladas implicaque a energia de uma corda no universo-mangueira provém de duasfontes:omovimentovibratórioeaenergiadasvoltas.DeacordocomosconhecimentosbaseadosemKaluzaeKlein,cadaumadelasdependeda geometria damangueira, ou seja, do raio da componente circularrecurvada.Masaquiocorreumtoquecaracterísticodascordas,umavezque as partículas puntiformes não podem enlaçar as dimensões.Portanto,anossaprimeiratarefaseráadedeterminarcomprecisãodequemaneiraascontribuiçõesdasvibraçõesedasvoltasqueconcorrempara a energia de uma corda relacionam-se com o tamanho dadimensão circular. Para esse fim, é conveniente dividir o movimentovibratório das cordas em duas categorias: vibrações uniformes evibrações comuns. As vibrações comuns referem-se às oscilaçõesnormais que temos discutido reiteradamente, as vibrações uniformesreferem-seaummovimentoaindamaissimples:omovimentoglobaldacordaquandoeladeslizadeumaposiçãoparaoutrasemvariarasuaforma. Todos os movimentos das cordas são com binações dedeslizamentos e oscilações— de vibrações uniformes e comuns—,mas, para os fins dessa discussão, é conveniente separá-los dessamaneira. Na verdade, as vibrações comuns não terão grandeimportância para o nosso raciocínio, de modo que só incluiremos osseusefeitosdepoisquetivermosterminadodeexporaargumentação.

Devemos fazer duas observações essenciais. Primeiro, asexcitações vibratórias uniformes de uma corda têm energias que sãoinversamenteproporcionaisao raiodadimensãocircular.Essaéumaconseqüênciadiretadoprincípiodaincertezadamecânicaquântica:um

raio menor aumenta o confinamento da corda e, por meio daclaustrofobiaquântica, aumentao total deenergia do seumovimento.Portanto, àmedida que o raio da dimensão circular diminui, aumentanecessariamenteaenergiadomovimentodacorda—oqueéamarcacaracterística da proporcionalidade inversa. Segundo, como vimos naseçãoprecedente,asenergiasdomododevoltassãodiretamente—enãoinversamente— proporcionais ao raio. Lembre- se de que isso se deve aocomprimento mínimo das cordas enroladas e por isso a sua energiamínima é proporcional ao raio. Essas duas observações estabelecemquevaloresgrandesparaoraioimplicamgrandesenergiasdevoltasepequenasenergiasdevibração,enquantovalorespequenosparaoraioimplicampequenasenergiasdevoltasegrandesenergiasdevibração.

Issonoslevaaofatocrucial:paracadaraiodetamanhograndeda dimensão circular do universo-mangueira existe um raiocorrespondentedetamanhopequeno,demodoqueaenergiadevoltasdas cordas do primeiro universo é igual à energia de vibração dascordasdosegundo,eaenergiadevibraçãodascordasdoprimeiroéigualàenergiadevoltasdascordasdosegundo.Comoaspropriedadesfísicassãosensíveisàenergiatotaldaconfiguraçãodeumacorda—enãoàmaneiracomoaenergiasedivideemenergiadevoltaseenergiade vibração — não há distinção física entre essas formasgeometricamente distintas do universo-mangueira. E assim, porestranhoquepareça,a teoriadascordasafirmaquenãohánenhumadiferençaentreumuniverso-mangueira"gordo"eoutro"magro".

É um ato cósmico de "cercar" as apostas, semelhante ao quevocê, investidorastuto,deveria fazercasoseencontrassenaseguintesituação. Imagine que você ficou sabendo que as cotações de duasaçõesdeWallStreet—digamosquesejamasaçõesdeumaempresaque fabrica aparelhos de ginástica e de outra que produz válvulasartificiais para o coração — têm os seus destinos indissoluvelmenteligados.Ao final da sessão de hoje as ações de cada uma delas valiaexatamenteumdólar,euma fontemuitobem informada lhesegredouqueseovalordeumadasduassubir,aoutradescerá,evice-versa.Asuafonte—queétotalmenteconfiável(emborapossaestarcometendoumatoilegal)—disse-lhetambémqueaofinaldasessãodeamanhãéabsolutamentecertoqueospreçosdasduasaçõesserãoumo inversodooutro.Ouseja,seumaaçãovalerdoisdólares,aoutravalerá1/2dólar(cinqüentacentavos);seumaação

valerdezdólares,aoutravalerá1/10(dezcentavos),eassimpordiante.Aúnicacoisaqueasuafontenãopodedizeréqualaaçãoquevaisubire qual a que vai descer. O que é que você faz? Você investeimediatamentetodooseudinheironabolsaeodivideporigualentreasações das duas empresas. Como você poderá facilmente verificarusando alguns exemplos, o que quer que aconteça no dia seguinte,vocênãoperderádinheiro.Opiorquepodeaconteceréquevocêfiquenamesmasituação (seambasasações fecharemnovamenteemumdólar),massehouverqualquermovimentaçãodepreços—nostermosprevistospeloseuinformante—vocêganharádinheiro.Porexemplo,seaempresadeginásticafecharaquatrodólareseaempresadeválvulasfechara1/4(25centavos),asomadovalordasduasserá4,25dólares,sendoquevocêascomprounodiaanteriorpordoisdólares.Dopontodevistadoseu lucro,não faznenhumadiferençaseéaempresadeginástica que fecha em alta ou se é o contrário. Se a sua únicapreocupaçãoécomoseudinheiro,asduassituaçõessão,dopontodevistafinanceiro,indistinguíveis.

A situação que descrevíamos no caso da teoria das cordas éanáloga,umavezqueaenergiadasconfiguraçõesdascordasprovémde duas fontes — vibrações e voltas — cujas contribuições para aenergia total dacordageralmentesãodiferentes.Mas, comoveremosmais detalhadamente abaixo, certas circunstâncias geométricasdistintas—quelevamaaltasenergiasdebaixasenergiasdevibraçãoou a baixas energias de voltas e altas energias de vibração— sãofisicamente indistinguíveis. Observe-se que se no caso da analogiafinanceirapodehaverconsideraçõesoutrasquenãoasmonetárias,asquaispodedeterminarumadiferenciaçãoentreosdoistiposdeações,nocasodascordasnãohánenhumadistinçãofísicapossívelentreosdoiscenários.

Comefeito,veremosqueparatornarmaisexataaanalogiacomateoriadascordas,devemosconsideraroqueaconteceriasevocênãodividisseoseudinheiroporigualentreasaçõesdasduasempresasnoseu investimento inicial e sim comprasse, por exemplo,mil ações daempresadeginásticae3mil daempresadeválvulas.Agora, onovototal ao seu investimento passa a depender de qual seja a empresacujasaçõessobemequalaquelacujasaçõesbaixam.Porexemplo,seabolsafecharcomasaçõesdaginásticaadezdólareseasaçõesdasválvulas a dez centavos, o seu investimento inicial de 4 mil dólaresvalerá10300dólares.Eseacontecerocontrário—dezcentavosparaaginásticaedezdólaresparaasválvulas—vocêterá30100dólares,oqueémuitomais.

De qualquer maneira, a relação inversa entre os preços defechamentodasaçõesasseguraoseguinte.Seumamigoseu investirexatamente o oposto do que você faz—3mil ações da empresa deginástica e mil ações da empresa das válvulas —, o valor doinvestimento dele será de 10300 dólares se as ações da ginásticafecharem baixas (tal como aconteceria no seu caso se as ações daginástica fechassemaltas)e30100dólares seasaçõesdas válvulasfecharem baixas (igual à sua situação no caso inverso). Ou seja, doponto de vista do valor total das ações, asmudanças nos valores defechamentodasaçõessãocompensadasexatamentepelasmudançasnosnúmerosdeaçõescompradasdecadaempresa.Tenhaemmenteessaúltimaobservaçãoenquantovoltamosàteoriadascordasepensenosníveispossíveisdeenergianoseguinteexemplo.Imaginequeoraiodadimensãocirculardamangueiraseja,digamos,dezvezesmaiordoqueadistânciadePlanck.VamosescreverentãoR=10.Umacordapodeenrolar-seemvoltadessadimensãocircularuma,duas,trêsvezese assim por diante. O número de vezes que uma corda envolve adimensão circular denomina-se número de voltas. A energia desseprocesso de enrolamento é determinada pelo comprimento da cordaenvolvente e é proporcional ao produto entre o raio e o número devoltas.Adicionalmente,qualquerquesejaonúmerodevoltas,acordapodetermovimentovibratório.Comoasvibraçõesuniformes,queagoraconsideramos, têm energias inversamente proporcionais ao raio, elassão tambémproporcionaisaosmúltiplos inteirosdo inversodo raio—l/R—que,nestecaso,equivaleaumdécimodadistânciadePlanck.Essemúltiplointeiroédenominadonúmerodevibrações.

Comosevê,essasituaçãoémuitosimilaràqueencontramosnabolsadevalores,sendoqueosnúmerosdevoltasedevibraçõessãoanálogosdiretosdosnúmerosdasaçõesdasduasempresaseRel/Rsãoanálogosdosseuspreçosdefechamento.Assimcomoovalortotaldoseuinvestimentopodeserfacilmentecalculadomultiplicando-seosnúmeros das ações compradas de cada empresa pêlos seus preçosfinais,tambémsepodecalcularaenergiatotalqueacordacontémemtermosdonúmerodevibrações,donúmerodevoltasedoraio.Damosumalistaparcialdaenergia totalparaváriasconfiguraçõesdecordas,especificadaspêlosnúmerosdevoltasedevibrações,emumuniverso-mangueiraderaioR=10.

Atabelacompletateriacomprimentoinfinito,poisosnúmerosde

voltasedevibraçõespodemserquaisquernúmerosinteiros,masessaamostra é suficiente para a nossa discussão. Vemos pelas nossasobservaçõesqueestamosemumasituaçãodealtaenergiadevoltasebaixa energia de vibrações: as energias de voltas aparecem emmúltiplosde10easenergiasde vibraçãoaparecememmúltiplosde1/10.

Imagine agora que o raio da dimensão circular contrai-seprogressivamente,de10para9,2,para7,1,3,4,2,2,1,1,0,7eassimpordianteaté0,1(1/10),onde,paraosfinsdanossadiscussão,elesedetém. Nessa forma geométrica distinta do universo-mangueirapodemos compilar uma tabela análoga de energias das cordas: asenergias de voltas agora são múltiplas de 1/10 e as energias devibração são múltiplas do seu inverso, 10. À primeira vista, as duastabelas podem parecer diferentes. Mas se olharmos com atençãoveremos que, embora dispostas em ordens diferentes, as colunasreferentes ao "total de energia" de ambas as tabelas apresentamnúmerosidênticos.Paraencontraronúmerocorrespondenteaodeumasituação da tabela basta intercambiar os números de vibrações e devoltas. Ou seja, as contribuições das vibrações e das voltasdesempenham papéis complementares quando o raio da dimensãocircular muda de 10 para 1/10. Assim, no que se refere ao total deenergiadascordas,nãohádistinçãoentreessesdiferentes tamanhosdadimensãocircular.Assimcomoavariação,nabolsadevalores,entreginásticaemaltaeválvulasembaixaeginásticaembaixaeválvulasemaltaécompensadaexatamentepelavariaçãoentreosnúmerosdasaçõescompradasdecadaempresa,tambémavariaçãoentreoraiodevalor10eoraiodevalor1/10écompensadaexatamentepelavariaçãoentre os números de vibrações e de voltas. Além disso, embora porquestãodesimplicidadenostenhamosconcentradonosraiosdevalor10 e seu recíproco de 1/10, as conclusões a que chegamos são asmesmasparaqualquervalordoraioeseurecíproco.

Amostra das configurações de vibrações e de voltas de umacordaquesemoveemumuniverso,comraioR10.Ascontribuiçõesdasenergiasdeviraçãoaparecememmúltiplosde1/10eascontribuiçõesdasenergiasdevoltasaparecememmúltiplosde10,oquecompõealistadeenergiastotais.AunidadedeenergiaéaenergiadePlanck,demodoque,porexemplo,ovalorde10,naúltimacolunacorrespondea10,1vezesaenergiadePlanck.

As tabelassão incompletaspordoismotivos.Primeiro,como jámencionamos, a lista contém apenas algumas das infinitas

possibilidades de números de voltas e de vibrações que uma cordapode ter. Evidentemente, isso não é um problema, pois poderíamosfazerlistastãolongasquantoatureanossapaciênciaeencontraríamossempreamesmarelaçãoentreelas.Segundo,porque,alémdaenergiadevoltas,somenteconsideramosatéaquiascontribuiçõesdeenergiaderivadasdomovimentovibratóriouniformedascordas.Agoradevemosincluir também as vibrações comuns, pois elas fornecem novascontribuiçõesparaaenergiatotaldascordasetambémdeterminamassuas cargas de força. O importante, contudo, é que as pesquisasrevelaramqueessascontribuiçõesnãodependemdotamanhodoraio.Assim,mesmoque incluíssemosessesaspectosespecíficosnasduastabelas,elascontinuariamacorresponder-seexatamente,umavezqueas contribuições vibratórias comuns afetam ambas as tabelas demaneiraidêntica.Concluímos,portanto,queasmassaseascargasdaspartículas em um universo-mangueira de raio R são inteiramenteidênticas às de um universo-mangueira de raio l/R. E como essasmassasecargasdeforçacomandamosfundamentosdafísica,nãohácomodistinguirfisicamenteentreessesdoisuniversosgeometricamentediferentes.Paratodaexperiênciaquesefaçaemumdeleshaveráumaexperiênciacorrespondentequepodeserfeitanooutroequeproduziráosmesmosresultados.UMDEBATE

João e Maria, depois de terem sido reduzidos a seresbidimensionais,estabelecem-secomoprofessoresdefísicanouniverso-mangueira. Cada um deles monta então o seu próprio laboratório eambos afirmam haver determinado o tamanho da dimensão circular.Emboraosdoistenhamexcelentereputaçãopelagrandeprecisãocomquerealizamassuasexperiências,asconclusõesaquechegamnãocoincidem.JoãodizqueoraiodadimensãocircularéR=10vezesadistânciadePlanckeMariaafirmaqueoraiomedeR=1/10vezesadistânciadePlanck.

"Maria",dizJoão,"combasenosmeuscálculos,deacordocomateoria das cordas, sei que se a dimensão circular tem raio 10, porcoerência é deesperar queas cordas tenhamas energias queestãoenumeradas na tabela. Fiz múltiplas experiências usando o novoacelerador de partículas da escala de Planck e elas confirmaram o

resultadocomprecisão.Possoafirmar,portanto,ecomconfiança,queadimensão circular temum raioR= IO."Maria defende a sua posiçãofazendo as mesmas observações, exceto quanto à conclusão, que,segundoela,équealistadeenergiasdatabelaconfirmaqueoraioéR=1/10.Emumlampejodeinteligência,MariapercebeemostraaJoãoqueasduastabelas,emboradispostasdiferentemente,sãonaverdadeiguais.Porsuavez,João,que,comosesabe,raciocinaumpoucomaislentamentequeMaria,responde:"Comoéquepode?Eusei,deacordocomamecânicaquânticaecomaspropriedadesdascordasenroladas,quevaloresdiferentesparaoraiodãolugaravaloresdiferentesparaasenergiaseascargasdascordas.Seestamosdeacordoquantoaessesvalores,entãotemosdeestardeacordoquantoaoraio".Elaborandoumpoucomais,Mariaresponde:"Oquevocêdizéquasecorreto,masnãointeiramente correto. Normalmente, é verdade que valores diferentespara o raio dão lugar a energias diferentes. Mas na circunstânciaespecialdequeosdoisvaloresdoraiosãorecíprocos,ouinversamenteproporcionaisentresi—como10e1/10—,asenergiaseascargassãona verdade idênticas. Sabe por quê?O que para você é omodo devoltas,paramiméomododevibraçãoeoqueparavocêéomododevibração,paramiméomododevoltas.Sóqueanaturezanãoligaparaas palavras que nós usamos. O que comanda a física são aspropriedadesdoscomponentes fundamentais—asmassas(energias)daspartículaseassuascargasdeforça.EqueroraiosejaRquerl/R,alista de propriedades dos componentes fundamentais da teoria dascordasésempreamesma".Emummomentodeprofundacompreensão,Joãoadmite: "Achoqueentendi.Apesardedescrevermosdemaneiradiferentecomoascordasestãoenroladasàvoltadadimensãocircularoucomosãoosdetalhesdoseucomportamentovibratório,a listadascaracterísticasfísicasqueascordaspodemtomarésempreamesma.Portanto,comoaspropriedades físicasdouniversodependemdessaspropriedades dos componentes básicos, não há distinção, não hámaneiradedistinguirentredoisraiosquesejamoinversoumdooutro".Exatamente.TRÊSPERGUNTAS

A essa altura você pode estar dizendo: "Veja, se eu fosse umserzinho minúsculo no universo-mangueira, simplesmente mediria acircunferênciadamangueiracomuma fitamétricae ficariasabendoo

valordoraiosemnenhumadúvida.Então,paraquetodaessaconfusãosobre duas possibilidades indiferenciáveis, embora com raiosdiferentes?Ealémdisso,nãoéverdadequeateoriadascordasacabacomasdistânciasmenoresdoqueadistânciadePlanck?Entãocomoéquenósestamosfalandodedimensõescircularesderaiosquesãoumafração da distância de Planck? Por último, já que estamos falandofrancamente, qual é a importância prática de um universo-mangueirabidimensional? Qual é a conseqüência disso tudo quando incluímostodasasdimensões?".

Vamoscomeçarpelaúltimapergunta,umavezquearespostavaiforçar-nosaenfrentarasoutrasduas.Emboraanossadiscussãotenhagiradoemtornodouniverso-mangueira,nósnoslimitamos,porrazõesdesimplicidade,aumadimensãoespacialestendidaeoutrarecurvada.Se fossem três dimensões espaciais estendidas e seis dimensõescirculares recurvadas — no mais simples de todos os espaços deCalabi-Yau—,aconclusãoseriaexatamenteamesma.Cadaumdoscírculostemumraioque,sefortrocadopeloseurecíproco,produzumuniversofisicamenteidêntico.Podemoslevaressaconclusãoumpassoadiante, na verdade um passo gigantesco: no nosso universoobservamostrêsdimensõesespaciais,cadaumadasquais,deacordocomasobservaçõesastronômicas,pareceestender-seporcercade15bilhõesdeanos-luz(umano-luztemcercade10trilhõesdequilômetros,demodoqueestamosfalandodeumadistânciademaisde140bilhõesde trilhões de quilômetros).Como vimos no capítulo 8, não podemosdizer nada sobre o que existirá depois disso. Não sabemos se asdimensões continuam indefinidamente, ou se se curvam sobre elasmesmas, na forma de um círculo tão grande que estaria além dasensibilidade visual dos telescópios atuais. Se for esse o caso, umastronauta que viajasse pelo espaço sempre na mesma direçãoterminariapordaravoltacompletanouniverso—comoMagalhãesaodaravoltaaomundo—echegardevoltaaolugardequepartira.

Portanto,asdimensõesestendidastambémpodemperfeitamenteteraformadecírculos,estandoassimsujeitasàidentidadefísicaentreRe l/R da teoria das cordas. Para efeitos de quantificação, se asdimensõesquenossãofamiliaresforemcirculares,entãoosseusraiostêmdemedirpelomenosos15bilhõesdeanos-luzdequefalávamos,oque equivale a uns 10 trilhões de trilhões de triIhões de trilhões detrilhões (CR = IO") de vezes a distância de Planck, e continuam a

cresceràmedidaqueouniversoseexpande.Sea teoriadascordasestiver certa, o nosso universo é fisicamente idêntico a um outrouniverso em que as nossas dimensões familiares teriam um raioincrivelmentepequeno,igualal/R=1/10"'=10"'vezesadistânciadePlanck!Aíestãoasnossasdimensõestãofamiliaresemumadescriçãoalternativa propiciada pela teoria das cordas. Com efeito, nessalinguagem recíproca, esses círculos mínimos vão se reduzindo emtamanhoàmedidaqueotempopassa,poisàmedidaqueRcresce,l/Rdiminui. Bem, parece que estamos nos perdendo no espaço. Comopodeacontecertalcoisa?Comopoderiaumserhumano"caber"emumuniverso incrivelmente microscópico como esse? Como pode umuniversoassimserfisicamenteidênticoàenormeextensãoquevemosnoscéus?Maisainda,somosforçadosagora,aconsiderarasegundaperguntadastrêsquefizemos:dissemosqueateoriadascordaseliminaa possibilidade de examinarmos distâncias inferiores à distância dePlanck.MasseumadimensãocirculartemumraioR,cujocomprimentoé maior do que a distância de Planck, o raio recíproco, l/R, énecessariamenteumafraçãodadistânciadePlanck.Entãooqueestáacontecendo? A resposta, que também se refere à primeira perguntaque fizemos, ressalta um aspecto importante e sutil do espaço e dasdistâncias.

DUASNOÇÕESINTER-RELACIONADASDEDISTANCIANATEORIADASCORDAS

Oconceitodedistânciaétãobásicononossoentendimentodomundo que é fácil subestimar a sua profundidade e sutileza.Comosefeitos surpreendentes que a relatividade geral e a especial exercemsobre a noção que temos do espaço e do tempo e com as novasconcepçõesda teoria das cordas, temosde tomar umpoucomais decuidado com a nossa definição de distância. Em física, as definiçõesmais ricas são as operacionais — ou seja, as que, pelo menos emprincípio, propiciammeiosdemedir aquiloqueseestádefinindo.Pormaisabstratoquesejaumconceito,umadefiniçãooperativanospermiteexpressaroseusignificadoemumprocedimentoexperimentalemediroseuvalor.

Comodarumadefiniçãooperacionalaoconceitodedistância?Aresposta,nocontextodateoriadascordas,ébeminusitada.Em1988oscientistas Roberts Brandenberger, da Universidade Brown, e CumrunVafa, de Harvard, assinalaram que se a forma espacial de umadimensão for circular, a teoria das cordas oferece duas definiçõesoperacionais diferentesmas correlatas de distância. Cada uma delasestabeleceumprocedimentoexperimentaldiferenteparamedi-laetemporbase,porassimdizer,oprincípiosimplesdequequandoumobjetoviajaaumavelocidadefixaeconhecida,podemosmedirumadistânciadeterminandootempoqueoobjetotomaparapercorrê-la.Adiferençaentreosdoisprocedimentoséotipodeobjetoqueseusa.Aprimeiradefiniçãousacordasquenãoestãoenroladasàvoltadeumadimensãocircular e a segunda usa cordas que, sim, estão enroladas. Vemos,assim, quea extensãoespacial da cordaqueusamos como sondaéresponsável pela existência das duas definições experimentais dedistância.Emumateoriabaseadaempartículaspuntiformes,ondenãoapareceanoçãodeenlaçamento,haveriaapenasumadefinição.

Emquediferemosdoisprocedimentos?A respostaencontradaporBrandenbergereVafaésurpreendenteesutil.Aidéiabásicapodeser apreendida por meio do princípio da incerteza. As cordas nãoenroladas podem mover-se livremente e sondar todo o perímetro docírculo,umadistânciaqueéproporcionalaR. Em razão do princípio da incerteza, as suas energias sãoproporcionaisal/R(lembre-sedequenocapítulo6vimosqueháumarelaçãoinversaentreaenergiadeumasondaeasdistânciasàsquais

elaésensível).Poroutrolado,vimostambémqueascordasenroladastêmumaenergiamínimaproporcionalaR;oprincípiodaincertezanosdizentãoque,comosondasparamedirdistâncias,elassãosensíveisaorecíprocodessevalor,l/R.Aconcreçãomatemáticadessaidéianosdizqueseasusarmosparamediroraiodeumadimensãocirculardoespaço,ascordasnãoenroladasencontrarãoovalordeReascordasenroladas obterão l/R. Em ambos os casos estaremos medindodistânciasquesãomúltiplosdadistânciadePlanck.Osresultadosdasduas experiências têm igual direito a proclamar-se como o raio docírculo. O que aprendemos com a teoria das cordas é que o uso desondas diferentes para medir distâncias pode produzir respostasdiferentes.Comefeito,essapropriedadeseaplicaatodasasmedidasdecomprimentosedistâncias,enãosóàdeterminaçãodotamanhodeumadimensãocircular.Osresultadosobtidoscomascordasenroladasecomasnãoenroladasrelacionam-seinversamenteumcomooutro.

Seateoriadascordasdescrevecorretamenteonossouniverso,por que então nunca encontramos essas duas noções possíveis dedistância em nenhuma das nossas atividades diárias ou científicas?Todasasvezesquefalamosdedistânciasutilizamosumúnicoconceito,que é compatível com a nossa experiência de que só existe umamaneirademedirdistâncias,semqualquerindíciodequehajaalgumaoutra. Por que a possibilidade alternativa nunca nos aparece? Aresposta é que embora haja um alto grau de simetria na nossadiscussão, sempre que R (e, portanto, também l/R) divergesignificativamentedovalorl(sendoligualàdistânciadePlanck),umadasnossasdefiniçõesoperacionaisresultaserextremamentedifícildelevar à prática e a outra resulta ser extremamente fácil. Em resumo,semprepraticamosaopçãofácil,semsequernosdarmoscontadequeexisteoutra.

Adiscrepânciadedificuldadeentreasduasalternativasdeve-seàgrandediferençaentreasmassasdassondasqueseempregam—altaenergiadevoltas/baixaenergiadevibrações,evice-versa—seoraio R (e, portanto, também l/R) for significativamente diferente dadistânciadePlanck(ouseja,dovalorl).Aqui,energia"alta",pararaiosamplamente diferentes da distância dePlanck, correspondea sondasincrivelmentepesadas—bilhõesebilhõesdevezesmaispesadasdoqueopróton,porexemplo—,enquantoenergia"baixa"correspondeasondasdemassasmuitíssimopróximasazero.Nessascircunstâncias,

existe uma diferença monumental de dificuldade entre as duasalternativas, uma vez que a simples produção das configurações dascordas pesadas já é um empreendimento que está fora da nossacapacidade tecnológica atual. Na prática, portanto, só uma dasalternativasé tecnologicamentepossível—aqueenvolveo tipomaisleve de configuração das cordas. Esse é o conceito que usamosimplicitamenteemtodasasdiscussõessobredistânciaquefizemosatéaqui.Éoconceitoque informaanossa intuiçãoequesemesclacomela.

Deixandoàparteasquestõesdepraticabilidade,emumuniversocomandado pela teoria das cordas existe liberdade para medir asdistâncias usando qualquer um dos dois métodos. Quando osastrônomosmedemo"tamanhodouniverso",elesexaminamfótonsqueviajaramatravésdocosmoseacabaramentrandonotubodotelescópio.Os fótonssão,nessasituação,omododascordas leves.O resultadoobtidoéode10vezesadistânciadePlanck,quemencionamosantes.Seastrêsdimensõesespaciaisfamiliaresforemrealmentecirculareseseateoriadascordasestiverrealmentecerta,osastrônomospoderão,em princípio e usando equipamentos muito diferentes e atualmenteinexistentes,mediraextensãodouniversocomosmodospesadosdascordas enroladas e encontrar assim um resultado que é o recíprocodessa enorme distância. É nesse sentido que podemos pensar nouniverso como algo extraordinariamente grande, como normalmentefazemos, ou incrivelmente pequeno. De acordo com os modos dascordas leves, o universo é grande e se expande; de acordo com osmodos pesados, ele émínimo e se contrai.Não há contradição aqui:ocorre apenas que temos duas definições de distância, diferentes eigualmentesensatas.Estamosmuitomaisacostumadoscomaprimeira,devidoàsnossaslimitaçõestecnológicas,masambososconceitossãoigualmenteválidos.

Agora podemos responder à pergunta anterior, sobre sereshumanosgrandesemumuniversomínimo.Semedimosaestaturadeuma pessoa e encontramos, por exemplo, 1,75 metro, empregamosnecessariamenteosmodosdascordasleves.Para comparar esse tamanho com o tamanho do universo, temos deusaromesmoprocedimentodemedida,oquenosdáoresultadode15bilhões de anos-luz para o universo,muitomaior do que 1,75metro.Perguntarcomoessamesmapessoapodecabernouniverso"mínimo",medido pêlos modos das cordas pesadas, não faz sentido. E como

comparar maçãs e laranjas. Como agora temos dois conceitos dedistância — empregando sondas leves ou pesadas —, só podemoscomparar as medidas quando elas são tomadas dentro do mesmométodo.UMTAMANHOMÍNIMO

Fizemosumgrandedesvio,masagoraestamosprontosparaaquestãochave.Senoslimitarmosafazerasmedições"damaneirafácil"—ou seja, empregandoosmodosdas cordas leves emvez dos dascordaspesadas—,osresultadosobtidosserãosempremaioresdoquea distância de Planck. Para melhor compreender esse ponto, vamospensar na hipótese da contração inicial para as três dimensõesestendidas,supondoqueelassejamcirculares.Vamossupor tambémqueaoiníciodanossaexperiênciateóricaosmodoslevessãoosdascordasnãoenroladas,de formaqueaoempregá-los ficadeterminadoqueouniversotemumraioenormeequeeleestásecontraindocomotempo. À medida que ele se contrai, os modos não enrolados vãoficandopesadoseosmodosenroladosvãoficandoleves.QuandooraioemsuacontraçãoalcançaadistânciadePlanck—ouseja,quandoRadquire o valor igual a l—, osmodos de voltas e de vibrações têmmassas comparáveis. Os dois métodos de medição tornam-seigualmente difíceis de executar e, além de tudo, produzem o mesmoresultado,umavezqueléoseuprópriorecíproco.Amedidaqueoraiocontinuaacontrair-se,osmodosenroladostornam-semaislevesdoqueos não enrolados e, portanto, como estamos sempre optando pelo"métodomais fácil",sãoelesosquedevempassaraserusadosparamedir as distâncias. Segundo essemétodo demedida, que produz oresultado recíprocodoqueseobtémcomosmodosnãoenrolados,oraio é maior do que a distância de Planck e se expande. Issosimplesmente reflete o fato de que àmedida que R— a quantidademedidapelas cordasnãoenroladas—secontrai, alcançao valor l econtinuaadiminuir,l/R—aquantidademedidapelascordasenroladas—seexpande,alcançaovalorlecontinuaacrescer.Porconseguinte,se utilizarmos sempre osmodos das cordasmais leves— ométodo"fácil" de medir distâncias —, o valor mínimo que se encontra é adistânciadePlanck.

Emparticular,evita-seacontraçãoatézero,umavezqueoraiodouniverso,medidopelométododascordasleves,ésempremaiordo

queadistânciadePlanck.EmvezdepassarmospeladistânciadePlanckrumoatamanhoscadavezmenores,oraiomedidopêlosmodosdascordasmaislevescontrai-se até a distância de Planck e imediatamente começa a crescer. Acontração é substituída pela expansão. O emprego dos modos dascordas leves paramedir distâncias é compatível com a nossa noçãoconvencional de distância— a que conhecemos desde muito tempoantesdadescobertadateoriadascordas.Édeacordocomessanoçãode distância, como vimos no capítulo 5, que encontramos problemasinsuperáveis com as ondulações quânticas violentas, quando asdistânciasinferioresàescaladePlanck passam a desempenhar um papel importante nas estruturasfísicas.Apartirdessaperspectivacomplementar,vemosnovamentequeateoriadascordasevitaasdistânciasultracurtas.Naestruturafísicadarelatividade geral e na estrutura matemática correspondente dageometria riemanniana, há um único conceito de distância, que podealcançarvalorestãopequenosquantosequeira.Naestruturafísicadateoria das cordas, e, correspondentemente, no domínio da disciplinanascente da geometria quântica, há duas noções de distância.Empregandojudiciosamenteasduasnoções,encontramosumconceitodedistânciaqueseentrosa tantocomanossa intuiçãoquantocomarelatividade geral nas escalas amplas, mas que diverge delasradicalmentenasescalasdiminutas.Especificamente, as distâncias de escalas inferiores à distância dePlancksãoinacessíveis.

Como essa discussão é bastante sutil, vamos sublinhar umaspecto fundamental. Se rejeitássemos a distinção entre os métodos"fácil"e"difícil"demedirdistânciasecontinuássemosausarosmodosnão enrolados àmedida que R se contrai e passa pela distância dePlanck,poderiaparecerquerealmenteseríamoscapazesdeencontrarumadistânciamenordoqueadistânciadePlanck.Mas os parágrafos acima nos alertarampara o fato de que a palavra"distância",nessaúltimasentença,temdeserinterpretadacomcuidado,poispodeterdoissentidosdiferentes,umdosquaisseconciliacomanossa noção tradicional. E nesse caso, quandoR se contrai e passapeladistânciadePlanckenóscontinuamosaempregarascordasnãoenroladas(aindaqueelastenhamsetornadomaispesadasdoqueascordas enroladas), estamos empregando o método "difícil" de medirdistânciase,assim,osignificadode"distância"nãoseconciliacomonossousocomum.Acontrovérsia,noentanto,ébemmaisprofundado

queumadiscussãosobresemânticaouumaquestãodeconveniênciaoupraticabilidadedasmedições.Mesmoqueescolhamosempregaranoção incomumdedistânciaecom issopossamosdizerqueo raioémenordoqueadistânciadePlanck,aestruturafísicaqueencontramos—comovimosnasseçõesanteriores—seráidênticaàdeumuniversoemqueoraio,nosentidoconvencionalde"distância",émaiordoqueadistânciadePlanck(comoatesta,porexemplo,acorrespondênciaexataentre as tabelas). E o que importa aqui é a estrutura física, e não aspalavras.

Brandenberger,Vafaeoutrosfísicosutilizaramessasidéiasparasugerirquesereescrevessemasleisdacosmologiademodoquetantoo big-bang quanto uma possível contração final não impliquem umuniversodetamanhozero,esimumuniversocujasdimensõestenham,todas,otamanhodadistânciadePlanck.Nãohádúvidadequeessaéumaproposta tentadoraparaevitarosenigmasmatemáticos, físicoselógicos de um universo que tem por início ou por fim um pontoinfinitamente denso. Embora seja conceitualmente difícil imaginar ouniverso inteiro comprimidoemumapepitado tamanhodaescaladePlanck, muito mais difícil é imaginá-lo contraído em um ponto semtamanhoalgum.Acosmologiadascordas, comoveremosnocapítulo14,éumcampoqueaindaestánascendo,maséaltamentepromissorepodeperfeitamenteproporcionar-nosessaalternativamais fácilparaomodelo-padrãodobig-bang.ESSACONCLUSÃOEGERAL?

Eseasdimensõesespaciaisnãotiveremformacircular?Essasnotáveisconclusõessobreumtamanhoespacialmínimonateoriadascordas ainda teriam validade? Ninguém sabe ao certo. O aspectoessencialdasdimensõescirculareséqueelaspermitemapossibilidadedas cordas enroladas. Desde que as dimensões espaciais —independentementedosaspectosespecíficosdasuaforma—permitamqueascordasseenrolemàsuavolta,amaiorpartedasconclusõesaque chegamos mantém-se válida. Mas e se, por exemplo, duas dasdimensõestiveremaformadeumaesfera?Nestecaso,ascordasnãopoderiam ficar "presas" em uma configuração enrolada, porque elaspoderiam"soltar-se",damesmaformacomoumatiradeborrachapodesoltar-sedeumaboladebasquete.Mesmoassim,ateoriadascordas

imporia um limite mínimo para o tamanho a que essas dimensõespodemchegaraocontrair-se?

Numerosaspesquisasparecemrevelarquearespostadependedeseoqueseestácontraindoéumadimensãoespacialcomoumtodo(comonosexemplosdessecapítulo)ou(comoveremoseexplicaremosnoscapítulos11e13)um"pedaço"isoladodoespaço.Éopiniãogeralentre os estudiosos da teoria das cordas que, independentemente daforma, existe um limite mínimo de tamanho, tal como no caso dasdimensõescirculares,desdequeoquesecontraisejaumadimensãoespacialcomoum todo.Acomprovaçãodessaexpectativadeveráserumobjetivo importantedaspesquisas futuras,pelo impactodiretoqueproduzirá sobre diversos aspectos da teoria das cordas, inclusive asimplicaçõesqueterásobreacosmologia.SIMETRIAESPECULAR

Pormeiodarelatividadegeral,Einsteinestabeleceuumvínculoentreafísicadagravidadeeageometriadoespaço-tempo.Aprimeiravista,ateoriadascordasfortaleceeampliaovínculoentreafísicaeageometria,poisaspropriedadesdascordasvibrantes—suasmassaseascargasdeforçaquecontêm—sãodeterminadasemgrandemedidapelaspropriedadesdoscomponentesrecurvadosdoespaço.Acabamosdever,noentanto,queageometriaquântica—aassociaçãoentreageometriaeafísicanateoriadascordas—oferecealgumassurpresas.Narelatividadegeralenageometria"convencional",umcírculoderaioR é diferente de outro cujo raio seja l/R e pronto.Mas na teoria dascordaselessãofisicamenteindiferenciáveis.Issonoslevaatomarumpouco mais de coragem e perguntar se poderiam haver formasgeométricas do espaço que se diferenciassem de maneiras maisdrásticas — não apenas quanto ao tamanho, mas também,possivelmente, quanto à forma —, mas que fossem fisicamenteindiferenciáveisentresideacordocomateoriadascordas.

Em1988,LanceDixon,doStanfordLinearAcceleratorCenter,fezumaobservaçãocrucialaesserespeito,aqualfoidepoisampliadaporWolfgangLerche,doCERN,Vafa,deHarvard,eNicholasWarner,entãono Massachusetts Institute of Technology. Com base em argumentosestéticosligadosaconsideraçõesdesimetria,essescientistasfizerama

audaciosasugestãodequeduasformasdeCalabi-Yaudiferentesentresi, escolhidasparaasdimensões recurvadasadicionaisda teoriadascordas,poderiamdarorigemacondiçõesfísicasidênticas.Paraterumaidéiadecomoessapossibilidade inusitadapoderiaocorrer, lembre-sede que o número de buracos nas dimensões Calabi-Yau adicionaisdeterminaonúmerodas famíliasemqueasexcitaçõesdascordasseorganizam.Essesburacossãosemelhantesaosqueencontramosemumtoroouemseusprimoscompontasmúltiplas.Umadeficiênciadafigurabidimensionalquepodesermostradanapáginadeumlivroéqueela não transmite a idéia de que um espaço de Calabi-Yau de seisdimensões pode ter buracos de várias dimensões diferentes. Emborasejamaisdifícilcaracterizarvisualmenteessesburacos,elespodemserperfeitamente descritos pela matemática. Um fator decisivo é que onúmero das famílias de partículas que resultam das vibrações dascordasésensívelapenasaonúmerototaldosburacos,enãoaonúmerodosburacosqueexistamemcadadimensãoespecífica(essaéarazãopela qual não nos preocupamos em estabelecer distinções entre ostiposdiferentesdeburacosnocapítulo9).Imagine,então,doisespaçosdeCalabi-Yauemqueonúmerodeburacosemcadaumadasváriasdimensõessejadiferente,masemqueonúmerototaldeburacossejaomesmo.Comoonúmerodeburacosemcadadimensãonãoéigual,osdoisespaçosdeCalabi-Yautêmformasdiferentes.Mascomoelestêmomesmo número total de buracos, ambos produzem universos com omesmonúmerodefamílias.Logicamente, essa é apenas uma das propriedades físicas. Aconcordânciadetodasaspropriedadesfísicaséumrequisitomuitomaisrestritivo, mas isso dá uma noção de como funciona a conjetura deDixon,Lerche,VafaeWarner.

Concluídoomeupós-doutorado, nooutonode1987 fui para odepartamento de física deHarvard, e aminha sala ficava nomesmocorredorqueadeVafa.Comoeuhaviaescritoaminhatesesobreaspropriedades físicas e matemáticas das dimensões recurvadas dosespaços de Calabi-Yau na teoria das cordas, Vafa manteve-me beminformado a respeito do seu trabalho nessa área.Quando, no outonoseguinte, ele me falou, na minha sala, sobre a conjetura que haviaformulado com Lerche e Warner, fiquei interessado, mas permanecicético.Ointeressedecorriadequeseaconjeturafossecorreta,poderiaabrir umnovo campodepesquisas na teoria das cordas; o ceticismodecorria de que formular hipóteses é uma coisa, e determinar efundamentaraspropriedadesdeumateoriaéoutrabemdiferente.

Nosmesesqueseseguirampenseibastantesobreaconjeturaedevodizercomfranquezaqueestavapraticamenteconvencidodequeelanãoeraverdadeira.Para minha surpresa, no entanto, um projeto de pesquisa queaparentemente não tinha nada a ver com isso e que eu haviadesenvolvido com Ronen Plesser — que estava fazendo sua pós-graduaçãoemHarvardequeagoraéprofessornoWeizmann Institute e na Universidade de Duke — iria mudarcompletamenteomeupontodevista.PlessereeunosdedicáramosadesenvolvermétodosparatomarumaformadeCalabi-Yauemanipulá-la matematicamente para produzir outras formas de Calabi-Yau atéentão desconhecidas. Ocupamo-nos sobretudo de uma técnicaconhecidacomoorbidobra(orbifold),elaboradainicialmenteporDixon,JeffreyHarvey,daUniversidadedeChicago,VafaeWitten,poucosanosantes.Emlinhasgerais,pormeiodesseprocedimentodiferentespontosdeumespaçodeCalabi-Yau podem ser colados um ao outro, de acordo com regrasmatemáticas,oquedálugaràformaçãodeumnovoespaçodeCalabi-Yau.Oscálculosmatemáticosquepermitemessetipodemanipulaçãosão dificílimos, razão por que os estudiosos da teoria das cordasconcentraramas suas pesquisas apenas nas formasmais simples—versões supradimensionais das formas. Plesser e eu verificamos, noentanto, que algumas dasmais belas descobertas de DoronGepner,então na Universidade de Princeton, poderiam fornecer um esquemateóricocapazdepermitiraaplicaçãodatécnicadaorbidobraaformasdeCalabi-Yaumaiscomplexas.

Durante alguns meses dedicamo-nos intensamente aodesenvolvimento da idéia, até que chegamos a uma conclusãosurpreendente. Se uníssemos determinados grupos de pontos damaneiracorreta,aformadeCalabi-Yauassimproduzidadiferiadaformainicialdeummodoverdadeiramentechocante:onúmerodeburacosdasdimensõesímparesnaformadeCalabi-Yaunovaeraigualaonúmerode buracos das dimensões pares na forma original, e vice-versa. Emespecial, issosignificaqueonúmero totaldeburacos—eportantoonúmero das famílias de partículas — em ambos os casos é igual,embora a alteração entre par e ímpar signifique que as formas e asestruturasgeométricasfundamentaissejambastantediferentes.

Empolgados com o contato que aparentemente tínhamos feito

com a hipótese de Dixon, Lerche, Vafa e Warner, Plesser e eu nosconcentramos na pergunta-chave: será que, além do número dasfamíliasdepartículas,osdoisespaçosdeCalabi-Yau diferentes concordam também quanto ao resto das suaspropriedadesfísicas?Depoisdeoutrosdoismesesdeárduasanálisesmatemáticas— quando contamos com a inspiração e o incentivo deGrahamRoss,meuorientadordeteseemOxford,etambémdeVafa—,Plesser e eu pudemos argumentar que a resposta era positivamentesim.Porrazõesmatemáticasrelativasaointercâmbioentrepareímpar, Plesser e eu cunhamos o termo conjunto espelhado paradescrever os espaços de Calabi-Yau fisicamente equivalentes masgeometricamentediferentes."Osespaços individuais emumpar espelhadodeespaçosdeCalabi-Yaunãosãoliteralmenteimagensespelhadasumdooutro,nosentidocorriqueirodaexpressão.Mas apesar de terem propriedades geométricas diferentes, eles dãoorigem a um mesmo universo material quando usados para asdimensõesadicionaisnateoriadascordas.

As semanas que se seguiram a esse descobrimento foram deextremaansiedade.Plessereeusabíamosquetínhamosdiantedenósalgonovoeimportanteparaateoriadascordas.Demonstráramosqueateoria das cordas modificava substancialmente a associação estreitaentre a geometria e a física, estabelecida originalmente por Einstein:formasgeométricasdrasticamentediferentes,quenarelatividadegeralimplicariampropriedadesfísicasdiferentes,nateoriadascordasdavamlugar a propriedades físicas idênticas.Mas e se tivéssemos cometidoalgumerro?Eseasimplicaçõesfísicasfossem,naverdade,diferentes,por causadealgum fator sutil quenão tivéssemos levadoemconta?Quando mostramos as nossas conclusões a Yau, por exemplo, eledeclarou, com polida firmeza, que havíamos cometido algum erro;afirmouquedopontodevistamatemáticoasnossasconclusõeseramesquisitasdemaisparaseremexatas.Essaavaliaçãoprovocouemnósumapausa.Umacoisaécometerumerroemalgumexercíciomodestoou pequeno, que atrai pouca atenção; mas as nossas conclusõesindicavamumcaminho inesperadoe totalmentenovo,quecertamenteprovocaria uma resposta forte. Se estivéssemos errados, todomundosaberia.

Finalmente,depoisvererevertudodenovo,anossaconfiançavoltouacresceredecidimosenviarotrabalhoparapublicação.Alguns

diasdepois,euestavanomeuescritórioemHarvardquandootelefonetocou. Era Philip Candeias, da Universidade do Texas, que meperguntouimediatamenteseeuestavasentado.Estava. Eleme disse então que ele próprio e dois dos seus alunos,MonikaLynkereRolfSchimmrigk,haviamdescobertoalgoquemefariacairdacadeira.AoexaminarumgrandenúmerodeespaçosdeCalabi-Yau gerados por computador, eles verificaram que quase todosapareciamemparesquediferiamentresiprecisamenteemfunçãodointercâmbioentreonúmerodeburacospareseímpares.RespondiqueeucontinuavasentadoequePlessereeuhavíamosobtidoomesmoresultado. O trabalho de Candeias e o nosso mostraram-secomplementares;nóstínhamosidoumpassoadianteaodemonstrarquetodos os aspectos físicos resultantes de um par espelhado eramidênticos,enquantoCandeiaseseusalunoshaviamdemonstradoqueumaamostragemsignificativamentemaiordeformasdeCalabi-Yau aparecia em pares espelhados. Com os dois trabalhos,descobrimosasimetriaespeculardateoriadascordas.AFÍSICAEAMATEMÁTICADASIMETRIAESPECULAR

A diluição da associação singular e rígida que Einsteinestabeleceuentreageometriadoespaçoea físicaobserváveléumadas mudanças de paradigmamais espetaculares trazidas pela teoriadascordas.Masissoimplicamuitomaisqueumamudançadecaráterfilosófico. A simetria especular, particularmente, é um instrumentopoderoso para a compreensão da física da teoria das cordas e dageometriadosespaçosdeCalabi-Yau.Osmatemáticosquetrabalhamemumcampodenominadogeometriaalgébricajávinhamestudandoosespaços de Calabi-Yau, por motivos puramente matemáticos, desdepoucotempoantesqueateoriadascordasfossedescoberta.Muitasdaspropriedades concretas desses espaços geométricos já haviam sidoidentificadassemqualquerpreocupaçãocomasuaaplicabilidadefísica.CertosaspectosdosespaçosdeCalabi-Yau,contudo,revelavam-sededecifração matemática difícil e mesmo virtualmente impossível. Adescoberta da simetria especular da teoria das cordas mudouradicalmenteoquadro.Emessência,asimetriaespecularproclamaquedeterminados pares de espaços de Calabi-Yau, pares entre os quaisantes se pensava não existir qualquer relação, têm, na verdade, umavinculaçãoíntima,reveladapelateoriadascordas.

Eles se relacionam por meio do universo físico comum que ambosimplicamsequalquerdelesforescolhidoparaasdimensõesadicionaisrecurvadas. Essa interconexão antes desconhecida constitui uminstrumentomatemáticoefísiconovoeprofundo.

Imagine, por exemplo, que você esteja calculando aspropriedadesfísicas—asmassasdaspartículaseascargasdeforça—associadasaumadasescolhaspossíveis deespaçosdeCalabi-Yaupara as dimensões adicionais. Sua preocupação básica não é a deconferirosseusresultadosconcretoscomaexperiência,pois,comojávimos,diversosobstáculosteóricosetecnológicosoimpedemnonívelatual de conhecimentos. O que você quer é desenvolver umaexperiência teórica destinada a mostrar como o mundo seria se umespaçodeCalabi-Yauparticular fosseescolhido.Atécertaaltura tudovaibem,quandoentãoapareceumcálculomatemáticodedificuldadeinsuperável. Ninguém, nem mesmo o melhor matemático do mundo,conseguedescobrircomoavançar.Evocêtemdeparar.Derepentevemà suamente queesseespaçodeCalabi-Yau temumpar espelhado.Como,deacordocomateoriadascordas,aestruturafísicaassociadaaosdoismembrosdoparespelhadoéidêntica,vocêverificaquepodefazerosseuscálculosusandoqualquerumdosdois.Portanto,ocálculodifícildoprimeiroespaçodeCalabi-YaupodeserrefeitocomoempregodosegundoespaçodeCalabi-Yau,tendo-seporcertoqueoresultadodocálculo—aestruturafísica—seráomesmo.Àprimeiravistavocêpodepensarqueadificuldadedoscálculosserátambémamesma,maséaíquesurgeumasurpresagrandeeagradável:emborao resultadofinalsejaomesmo,asformasconcretasdocálculosãomuitodiferentese em alguns casos a horrível dificuldade calculatória da primeiraalternativa se transforma em um exercício extremamente fácil nosegundo espaço de Calabi-Yau. Não existe uma explicação simplespara isso, mas — pelo menos em certos casos — o procedimentofuncionaeadiminuiçãodoníveldedificuldadepodeserespantosa.Aimplicação,naturalmente,éclara:oproblemaestásuperado.

Émaisoumenoscomosealguémlhepedissequecontetodasaslaranjasqueforamjogadasdentrodeumenormedepósitodequinzemetrosdecadaladoetrêsdeprofundidade.Sevocêcontá-lasumaporuma,logoveráqueatarefaésumamentelongaeenfadonha.Porsorte,passa um amigo seu que estava presente quando as laranjas foramjogadasnodepósitoelhedizquequandoelaschegaram,estavamemcaixasmenores(casualmenteoseuamigotrazianasmãosumadelas)e

quese lembra tambémdequeascaixas forampostas juntasemumagrandepilhadevintecaixasdecomprimento,vintedelarguraevintedealtura.Logovocêvêqueaslaranjaschegaramem8milcaixasequesóprecisasaber, portanto,quantas laranjas cabememcadacaixa.Vocêpedeemprestadaacaixadoseuamigoeaenchedelaranjas,multiplicaoresultadopor8milerealizaatarefaquasesemfazeresforçoalgum.Em síntese, por meio de uma reorganização do cálculo, você otransformouemalgosubstancialmentemaisfácildefazer.

Essaéasituaçãoqueocorrecomnumerososcálculosdateoriadascordas.

NaperspectivadeumdosespaçosdeCalabi-Yau,ocálculoenvolveumnúmeroenormedepassosmatemáticosdifíceis.Ao transporocálculoparaoespaçoespelhado,noentanto,vocêo reorganizadeummodomuito mais eficiente, o que lhe permite completá-lo com relativafacilidade. Isso foioquePlessereeudescobrimosequeCandeiasesuascolaboradorasXeniadeIaOssaeLindaParkes,daUniversidadedo Texas, e Paul Green, da Universidade deMaryland, puseram empráticaposteriormente.Elesdemonstraramquecálculosdedificuldadequase inimaginável podiam ser feitos por meio da perspectivaespelhada usando apenas algumas páginas de álgebra e umcomputador pessoal. Os matemáticos adoraram a descoberta porquealguns dos cálculos assim resolvidos eram precisamente os que osestavam paralisando havia anos. A teoria das cordas — assimproclamaramosfísicos—lhespropiciaraasolução.

Éprecisoquevocêsaibaqueexisteumacompetição,emgeralsadiaeproveitosa,entreosfísicoseosmatemáticos.Nocasopresente,aconteceuquedoismatemáticosnoruegueses—GeirEiïingsrudeSteinArildStrmme—estavam trabalhandoemumdosnumerososcálculosque Candeias e seus colaboradores tinham resolvido por meio dasimetria especular. Em síntese, tratava-se de calcular o número deesferasquepodiamser"enfiadas"dentrodeumespaçodeCalabi-Yauespecífico, algo assim como contar laranjas em um depósito enorme.Em um encontro de físicos e matemáticos em Berkeley, em 1991,Candeiasanunciouoresultadoobtidopeloseugrupousandoa teoriadascordaseasimetriaespecular:317 206 375 esferas. Eilingsrud e Strmme anunciaram também oresultadodoseudificílimocálculomatemático:2682549425esferas.Pordiasediasos físicoseosmatemáticosdebateramentresi:quemtinha razão? O problema transformou-se em um teste a respeito da

confiabilidade quantitativa da teoria das cordas. Várias pessoaschegaramacomentar—comalgodehumor—que,jáquenãosepodiacomprovarexperimentalmenteateoriadascordas,aquelaeraamelhoralternativa disponível para testá-la. Além disso, as conclusões deCandeiasiammuitoalémdosimplesresultadonuméricoqueEilingsrudeStrmmeafirmavamterencontrado.Eleeseuscolaboradoresdiziamterresolvidodiversasoutrasquestõestremendamentemaisdifíceis—tãodifíceis que, com efeito, nenhum matemático sequer havia tentadoformulá-las. Mas, afinal, os resultados da teoria das cordas eramconfiáveis?Oencontroterminou,depoisdeumintercâmbiograndeefrutíferoentreosmatemáticoseosfísicos,massemqueseencontrasseumasoluçãoparaadiscrepância.

Cerca de um mês depois, circulou um e-mail entre osparticipantes do evento de Berkeley, cujo título era A física ganhou!Elhngsrud e Strmme haviam encontrado um erro no código do seucomputadoreaocorrigi-loconfirmaramoresultadodeCandeias.Desdeentão fizeram-semuitasoutrasverificaçõesmatemáticasa respeitodaconfiabilidadequantitativadasimetriaespeculardateoriadascordaseemtodosostesteselapassoucomlouvor.Quasedezanosdepoisdeosfísicosdescobrirema simetriaespecular, osmatemáticos continuamaavançarnaexplicitaçãodosseus fundamentosmatemáticos.Valendo-se de contribuições substantivas dosmatemáticosMaxim Kontsevich,Yuri Manin, Gang Tian, Jun Li e Alexander Givental, Yau e seuscolaboradoresBongLianeKefengLiuconseguiramfinalmenteconcluiruma demonstração matemática rigorosa das fórmulas usadas paracontarasesferasno interiordeumespaçodeCalabi-Yau,comoqueresolveramproblemasqueatormentavamosmatemáticosporcentenasdeanos.

Além dos aspectos particulares desse triunfo, o que se revelaaqui é o papel que a física passou a desempenhar na matemáticamoderna.Pormuito tempoosfísicostêm"garimpado"osarquivosdosmatemáticosàprocurade instrumentosparaaconstruçãoeaanálisedosmodelosdomundo físico.Agora, comadescobertada teoriadascordas, a física começa a pagar a conta, proporcionando aosmatemáticosenfoquesnovoseeficazespararesolvervelhosproblemas.Ateoriadascordasnãosópropiciaumesquemaunificadorparaafísica,mas também pode produzir uma união igualmente profunda com amatemática.

11.Arupturadotecidoespacial

Sevocêesticarumamembranadeborrachacadavezmais,mais

cedo ou mais tarde ela rebentará. Esse fato simples levou muitoscientistasaolongodotempoaperguntarseomesmopoderiaacontecercom o tecido espacial que compõe o universo. Ou seja, o tecido doespaço pode romper-se, ou será que isso é simplesmente umaconclusão falsa a que seríamos conduzidos se levássemos longedemaisaanalogiacomamembranadeborracha?

ArelatividadegeraldeEinsteinnosdizquenão:queotecidodoespaçonãopodese romper.Asequaçõesda relatividadegeralestãoprofundamenteenraizadasnageometriariemannianae,comonotamosnocapítuloanterior,esseéoesquemapormeiodoqualanalisamosasdistorções nas relações de distância entre lugares relativamentepróximosnoespaço.Parafalarmosdemaneiraconseqüentearespeitodessasrelaçõesdedistância,aformalizaçãomatemáticarequerqueosubstratodoespaçosejasuave—termoquetemumsignificadotécnicoemmatemática,mascujosentidoéessencialmenteigualaocorriqueiro:destituídodedobras,buracos,emendasourasgões.

Se o tecido espacial apresentasse essas irregularidades, asequaçõesdarelatividadegeralseespatifariam,sinalizandoalgumtipode catástrofe cósmica— resultado desastroso que o nosso universoaparentementebem-comportadonãorevela.

Isso não impediu que ao longo dos anos a imaginação doscientistasconjecturassea respeitodapossibilidadedequeumanovaformulaçãodafísica,quetranscendesseateoriaclássicadeEinsteineincorporasseafísicaquântica,viesseamostrarquerachaduras,rasgõesefusõesdotecidoespacialpodemocorrer.Defato,arevelaçãodequea física quântica indica a existência de ondulações violentas nospequenosespaçoslevoualgunscientistasaespecularquerachadurase rasgões possam ser ocorrências comuns no nível microscópico dotecido espacial. O conceito de túnel do espaço-tempo (wormhole,literalmente"buracodeminhoca"—noçãofamiliarparatodososfãsdeJornadanasestrelas:DeepSpaceNine)incorporaessaselucubrações.A idéia é simples: imagine que você é o presidente de uma grandeempresacujasedeestánononagésimoandardeumdosdoisedifícios

gêmeosdoWorldTradeCenter,emNovaYork.Comaevoluçãonaturaldosnegócios,umramodasuaempresa,comoqualvocêtemdemanterrelações cada vez mais estreitas, acabou ficando localizado nononagésimo andar do outro edifício gêmeo. Uma vez que fazer amudançade todasassalaséumaoperaçãopoucopráticaecustosa,vocêapresentaumasugestãosimples:aconstruçãodeumaponteentreos dois edifícios, para permitir que os funcionários se desloquemlivrementedeumescritórioaooutrosemterdedesceresubirnoventaandares.O buraco deminhoca faz omesmo papel: é uma ponte, outúnel,queproporcionaumatalhodeumaregiãodouniversoparaoutra.Usandoummodelo bidimensional, imagine umuniverso coma formaqueaparece.Seasededasuaempresaestiverlocalizadapróximoaocírculoinferiorrepresentadoem11.1(a),vocêprecisará,parairaooutroescritório, localizado no círculo superior, atravessar todo o caminho,percorrendoamembranaemformadeU,parairdeumladoaooutrodouniverso.Masseotecidodouniversopuderrasgar-seeformarburacos,e se os buracos puderem desenvolver tentáculos que terminem porencontrar-se,umaponteespacialuniriaasduasregiõesanteriormentelongínquas. Issoéumburacodeminhoca,ou túneldoespaço-tempo.Observe que o túnel do espaço-tempo tem certa semelhança com aponte do World Trade Center, mas que há também uma diferençaessencial:apontedoWorldTradeCenteratravessariauma regiãoexistentedoespaço—oespaçoqueexisteentreasduas torres. Jáo túnel doespaço-tempo, ao contrário,criaumaregiãonovadoespaço,umavezqueoespaçoconstituídopelamembrana bidimensional é tudo o que existe (no contexto da nossaanalogia bidimensional). As áreas que ficam fora da membranasimplesmente refletem a imperfeição da ilustração, que representa ouniverso em forma de U como se ele fosse um objeto dentro de umuniverso com dimensões adicionais. O túnel do espaço-tempo criaespaçonovoe,dessamaneira,criaumnovoterritórioespacial.

Ostúneisdoespaço-tempoexistemnouniverso?Ninguémsabe.Esedefatoexistirem,aindaestamoslongedesaberseasuaformatemnecessariamente de ser microscópica ou se poderia abranger vastasáreas do universo (como em Deep Space Nine). Mas um elementoessencialparadeterminarseeles,naverdade,sãofatoouficçãoestarádado quando soubermos se o tecido do espaço pode efetivamenteromper-se.

Osburacosnegros sãooutroexemploeloqüentedas situaçõesemqueo tecidoespacialéestiradoatéo limite.Vimosqueoenormecampogravitacionaldeumburaconegroresultaemumacurvaturatãointensa que o tecido espacial parece constringir-se ou se perfurar nocentro do buraco negro. Ao contrário do caso dos túneis do espaço-tempo, há amplas provas experimentais em apoio à existência dosburacosnegros,demodoqueaquestãorelativaaoqueacontecenoseupontocentralécientífica,enãoespeculativa.Tambémnessecasoasequações da relatividade geral desmoronam devido às condiçõesextremas.Algunsfísicossugeremqueefetivamenteháumfuronotecidodoespaço,masquenósestamosprotegidoscontraessa"singularidade"cósmicapelohorizontedeeventosdoburaconegro, que impedequequalquercoisaescapedasuaatraçãogravitacional.

EsseraciocíniolevouRogerPenrose,daUniversidadedeOxford,asugerira

"hipótese da censura cósmica", que só permite que esses tipos deirregularidadesespaciaisocorramseestiveremmuitobemescondidasdenossasvistas,atrásdobiombodeumhorizontedeeventos.Poroutrolado, antes da descoberta da teoria das cordas, alguns físicospropuseram que a fusão entre a mecânica quântica e a relatividadegeralrevelaráqueoaparentefuronotecidodoespaçoé,naverdade,suavizado — "remendado", digamos assim — por meio deconsideraçõesquânticas.Comadescobertada teoriadascordaseafusãoharmoniosaentreamecânicaquânticaeagravidade,finalmentepodemos estudar essas questões. Até aqui, os teóricos não puderamaindarespondê-lasporinteiro,masnosúltimosanosalgumasquestõescorrelatasforamresolvidas.Nestecapítulo,discutiremoscomoateoriadas cordas, pela primeira vez, mostra definitivamente que existemcircunstânciasfísicas—diferentes, emalguns sentidos, dos túneis doespaço-tempoedosburacosnegros—emqueotecidoespacialpoderomper-se.UMAPOSSIBILIDADETENTADORA

Em 1987, Shing-Tung Yau e seu aluno Gang Tian,atualmenteno

Massachusetts Institute of Technology, fizeram uma observaçãomatemática interessante.Valendo-se de umprocedimentomatemáticobem conhecido, eles demonstraram que certas formas deCalabi-Yaupodem transformar-se em outras se a sua superfície for perfurada e

depois cosida, de acordo com um padrão matemático preciso. Emtermos gerais, eles identificaram um tipo particular de esferabidimensional—comoasuperfíciedeumaboladeborracha—quejaznointeriordeumespaçodeCalabi-Yau.(Umaboladeborracha,comotodososobjetoscotidianos,étridimensional.Aqui,noentanto,referimo-nosexclusivamenteàsuasuperfície;ignoramosaespessuradomaterialdequeéfeita,assimcomooespaçointeriorqueelaencerra.Ospontoslocalizadosnasuperfíciedabolapodemser identificadospormeiodedois números — "latitude" e "longitude" —, do mesmo modo comolocalizamosospontosdasuperfíciedaTerra.Eporissoqueasuperfícieda bola, assim como a superfície da mangueira que discutimos noscapítulosprecedentes,ébidimensional.)Oscientistasempenharam-seentãoemcontrairaesferaatéqueelaficassereduzidaaumponto.Essafigura, assim como as que aparecem a seguir neste capítulo, sãosimplificações emostram apenas a partemais relevante da forma deCalabi-Yau.

A região assinalada no interior de um espaço de Calabi-Yaucontémumaesfera.

Aesferano interiordeumespaçodeCalabi-Yaucontrai-seatéreduzir-seaumponto,perfurandootecidodoespaço.Essafiguraeassubseqüentes estão simplificadas e mostram apenas uma parte doespaçodeCalabi-Yaucompleto.

Nãosedeveperderdevista,portanto,queessastransformaçõesocorremdentrodeumespaçodeCalabi-Yaualgomaior.Finalmente,TianeYaupropuseram-serasgarligeiramenteoespaçodeCalabi-Yauexatamente no ponto da constrição, abri -lo, pôr no lugar outra formasimilar à da bola e voltar a inflar essa forma até torná-la novamenteredonda.

Os matemáticos denominam essa seqüência de manipulaçõesumatransiçãodevirada(jlop-transition).Écomoseaformaoriginaldaboladeborrachafosse"virada"paraumanovaorientaçãodentrodaformadeCalabi-Yauqueaenvolve.Yau,Tiane outros notaramque, emcertas circunstâncias, anovaformadeCalabi-Yauassimproduzida,étopologicamentediferentedaformadeCalabi-Yau inicial.Esseéummododedizerquenãoháabsolutamente nenhumamaneira de transformar o espaço deCalabi-

Yau inicial no espaço de Calabi-Yau final sem rasgar o tecido doespaçodeCalabi-Yauemumestágiointermediário.

Dopontodevistadamatemática,esseprocedimentodeYaueTianteminteresseporqueofereceummododeproduzirnovosespaçosdeCalabi-Yauapartirdeoutros jáconhecidos.Masoseuverdadeiroimpacto está no reino da física, porque aí se coloca a seguinteimplicação tentadora: será que, além de ser um procedimentomatemático abstrato, a seqüência que pode também ocorrer nanatureza?Seráque,aocontráriodaexpectativadeEinstein,otecidodoespaçopodeserrasgadoedepoisreparadodamaneiradescrita?

OespaçodeCalabi-Yauperfuradosedivideedá lugaraumaesfera que cresce e suaviza a sua superfície. A esfera original é"virada".APERSPECTIVADOESPELHO

Duranteumperíododeunsdoisanos,depoisdaobservaçãode1987,freqüentementeYauseanimouapensarnapossibilidadedeumaencarnação física dessas transições de virada. Mas eu não meentusiasmei.Paramim,atransiçãodeviradaeraapenasumexercíciodematemáticaabstrata,semnenhumarelevânciaparaafísicadateoriadascordas.Naverdade,combasenadiscussãodocapítulo10,quandovimos que as dimensões circulares têm um raio mínimo, poder-se-iaargumentarqueateoriadascordasnãopermitequeaesferaseencolhaaté reduzir-seaumponto.Mas lembre-se, como tambémnotamosnocapítulo10,dequequandoumapartedoespaçoentraemcolapso—nesse caso uma parte esférica de uma forma de Calabi-Yau —, aocontrário do colapso de toda uma dimensão circular espacial, aimpossibilidadedediferenciarentreos raiospequenosegrandesnãose aplica diretamente. Contudo,mesmo que a idéia de excluir dessemodoastransiçõesdeviradanãoresistisseàanálise,apossibilidadede que o tecido espacial pudesse romper-se parecia ainda bastanteimprovável.

Masem1991,o físiconorueguêsAndyLütken, juntamentecomPaul Aspinwaiï, meu colega em Oxford e agora professor daUniversidade de Duke, propuseram-se uma pergunta que se reveloumuito interessante:seotecidoespacialdaparteCalabi-Yaudonosso

universo sofresse uma transição de virada que efetivamente orompesse, qual seria o efeito examinado a partir da perspectiva doespaço de Calabi-Yau espelhado? Para compreender a motivaçãodessapergunta,éprecisorecordarqueaestruturafísicaquesurgedeambososmembrosdeumparespelhadodeformasdeCalabi-Yau(quesejamescolhidosparaasdimensõesadicionais)éamesma,masqueacomplexidadedasoperaçõesmatemáticasquetêmdeserempregadaspara deduzir essa estrutura física pode ser bastante diferente em umcasoenooutro.AspinwaiïeLütkenespecularamentãoqueatransiçãodeviradamatematicamentecomplexapoderia tersoluçõesmuitomaissimplesnoparespelhado,produzindoassimumavisãobemmaisclaradaestruturafísicaassociada.

Naquelaépoca,oconhecimentodasimetriaespecularnãotinhaaindaaprofundidadenecessáriaparadarrespostaàperguntaporelesformulada.AspinwaiïeLütkennotaram,contudo,quenãopareciahavernada na versão espelhada que indicasse que alguma conseqüênciafísica desastrosa estivesse associada aos rompimentos espaciais dastransiçõesdevirada.Paralelamente,otrabalhofeitoporPlesserepormimnaidentificaçãodeparesespelhadosdeformasdeCalabi-Yau (ver capítulo 10) levou-nos inesperadamente a nosocuparmostambémdastransiçõesdevirada.Éumfatomatemáticobemconhecidoqueoacoplamentodeváriospontos,—oprocedimentoqueusamos para construir pares espelhados —, leva a situaçõesgeométricas idênticas às constrições e perfurações. Fisicamente, noentanto,Plessereeunãoencontramosnenhumacalamidadecorrelata.Alémdisso,inspiradospelasobservaçõesdeAspinwaileLütken(assimcomoporumtrabalhoanteriorpublicadoporeleseporGrahamRoss),Plesser e eu verificamos que podíamos reparar matematicamente aconstrição de duasmaneiras diferentes.Uma delas levou à forma deCalabi-Yaueaoutralevou.

Issonosfezpensarqueaevoluçãopodiaocorrerdeverdadenanatureza.Nofinalde1991,pelomenosalgunsestudiososdateoriadascordasestavampersuadidosdequeotecidoespacialpoderomper-se.Masninguémpossuíaoinstrumentaltécnicoparacomprovarourefutardefinitivamenteessapossibilidade.LENTOSAVANÇOS

Em diversas ocasiões, em 1992, Plesser e eu tentamos

demonstrarqueotecidoespacialpodesofrertransiçõesdeviradaqueorompam.Osnossoscálculosproduziamalgunselementosesparsosecircunstanciais nesse sentido, mas a prova definitiva continuava aescapar-nos.Duranteaprimavera,PlesservisitouoInstitutodeEstudosAvançadosdePrincetonparadar umapalestrae revelouaWittenasnossas tentativas mais recentes de desenvolver, dentro da física dateoria das cordas, amatemática das transiçõesde virada capazesderomper o espaço. Plesser resumiu as nossas idéias e esperou aresposta.Wittenafastou-sedoquadro-negroeolhoupelajanela.Depoisdeumsilênciodeumminuto,'outalvezdois,elevirou-separaPlesseredissequeseasnossasidéiasfossemcorretas,oresultadoseria"espetacular".Issonosanimouaretomarosnossosesforços,mas,comotempo,aausênciadeprogressonoslevoudevoltaaoutrosprojetosrelativosàteoriadascordas.

Mesmo assim, eu continuava cismado com a possibilidade dequeastransiçõesdeviradapudessemcausarrompimentosnoespaço.Comopassardosmeses,fuificandocadavezmaissegurodequeelasnãopodiamdeixardeestarpresentesnateoriadascordas.Osnossoscálculospreliminares,assimcomoasutilíssimasconversasquetivemoscomDavidMorrison,matemáticodaUniversidadedeDuke, indicavamque essa era a conclusão a que a simetria especular levavanaturalmente.Defato,duranteumavisitaaDuke,Morrisoneeu,comaajudadasobservaçõesdeSheldonKatz,daOklahomaStateUniversity,que também estava visitando Duke, esboçamos uma estratégia paraprovarqueastransiçõesdeviradapodemocorrernateoriadascordas.Quando nos sentamos para fazer os cálculos necessários, contudo,vimos que eles eram extraordinariamente trabalhosos. Mesmo com ocomputadormaisvelozdomundo,seriaprecisomaisdeumséculoparacompletá-los.Tínhamosprogredido,masobviamenteprecisávamosdeumaidéianovaparaaumentar,emuito,aeficiênciadonossométododecálculo.A idéiaapareceu,acidentalmente,graçasadois trabalhosdeVictor Batyrev, matemático da Universidade de Essen, publicados naprimaveraenoverãode1992.

Batyrev passara a interessar-se pela simetria especularsobretudodevidoaoêxitoqueCandeiaseseuscolaboradorestiveramaoutilizá-lapararesolveroproblemadacontagemdasesferas,descritoao final do capítulo 10. Mas Batyrev, com a sua perspectiva dematemático,nãosereconciliavacomosmétodosquePlessereeuusáramosparaencontrarosparesdeespaçosdeCalabi-

Yau. Embora o nosso enfoque empregasse instrumentos bemconhecidosparaosestudiososdateoriadascordas,Batyrevdepoisnosdissequeonossotrabalholheparecera"magia negra". Isso revela o grande hiato cultural que existe entre afísicaeamatemática.Amedidaqueateoriadascordastornadifusasasfronteiras entre as duas ciências, as fortes diferenças de linguagem,métodoeestiloqueexistementreosdoiscampostornam-secadavezmais visíveis. Os físicos assemelham-se mais aos compositores demúsica de vanguarda, que gostam de violar as regras tradicionais eforçamoslimitesdaaceitabilidadeembuscadenovassoluções.Jáosmatemáticos parecem -se mais aos compositores clássicos, quenormalmentetrabalhamcomnormasmuitomaisrígidasenãoavançamenquantotodosospassospréviosnãoestejamdefinidoscomomáximorigor.Ambososmétodos têmsuasvantagensedesvantagens;ambosproporcionamambientespropíciosparaasdescobertascriativas.Assimcomonãosepodedizerqueamúsicamodernasejamelhordoqueaclássica,evice-versa,tampoucosepodedizerqueafísicasejamelhordoqueamatemática,evice-versa.Osmétodosescolhidosdependemmuitodegostoedetreinamento.

Batyrevdedicou-seareconstruirosconjuntosespelhadosusandoumaestruturamatemáticamaisconvencionaleteveêxito.Inspiradopelomatemático de Taiwan Shi- Shyr Roan, ele desenvolveu umprocedimento sistemático para a produção de pares espelhados deespaços de Calabi-Yau. A sua construção reduz-se ao procedimentoquePlessereeuempregáramosnosexemplosqueconsideramos,masoferece um esquema mais amplo e uma apresentação mais simplesparaosmatemáticos.Poroutrolado,ostrabalhosdeBatyrevrecorriamaáreas damatemática que amaior parte dos físicos nunca encontraraantes.Eu,porexemplo,entendiaaessênciadasuaargumentação,mastivemuitadificuldadeemcompreenderdiversosdetalhescruciais.Umacoisa, no entanto, era clara: o seu método de trabalho, desde queentendidoeaplicadocorretamente,podiaperfeitamenteabrirumanovalinha de ataque aos problemas dos rompimentos espaciais causadospelastransiçõesdevirada.

No fim do verão setentrional, estimulado por esses avanços,decidi voltar a esses problemas com intensidade total e exclusiva.Soube que Morrison tiraria licença em Duke e passaria um ano noInstituto de Estudos Avançados e que Aspinwail também estaria noinstituto,comopós-doutor.Comalgunstelefonemasee-mails,consegui

tirarlicençanaUniversidadedeCornellefuitambémparaoinstituto.SURGEUMAESTRATÉGIA

Seria difícil encontrar um lugar mais apropriado para longashoras de intensa concentração do que o Instituto de EstudosAvançados. Fundado em 1930, situado entre suaves camposondulados, à borda de uma floresta idílica, a alguns quilômetros docampus da Universidade de Princeton, diz-se que no instituto vocênuncasedistraidoseutrabalho,porque,bem,porquenãohánenhumadistração.

Depois de deixar a Alemanha em 1933, Einstein foi para oinstituto e lá ficou o resto da vida. É fácil imaginá-lo pensando erefletindosobreateoriadocampounificadonoambientequieto,isoladoe quase ascético do instituto. Esse legado de pensamento profundoinundaaatmosfera,oque,dependendodoprogressodoseutrabalho,podeserexcitanteouopressivo.

Logoapósanossachegada,Aspinwaileeuestávamosandandopelarua

Nassau(aprincipalruadecomércionacidadedePrinceton) tentandodecidir onde jantar, tarefa que não era nada fácil porque Paul é umdevotocarnívoroeeusouvegetariano.Enquantoandávamos,pondoemdiaasnossasvidas,elemeperguntouseeutinhaalgumaidéiasobrecoisas novas para trabalhar. Eu disse que sim e falei sobre aimportânciadedemonstrarqueseadescriçãodouniversopela teoriadas cordas for correta, então o rompimento do espaço devido àstransições de virada pode ser uma coisa real. Falei também sobre aestratégiaqueeuvinhaseguindoesobreaminharenovadaesperançadequeotrabalhodeBatyrevnosajudasseapôrnolugaraspeçasquefaltam.PenseiqueestivesseplantandoemterrafértilequePaulficariaanimado coma perspectiva.Nada disso.Pensando bem, a reticênciavinhabasicamentedonossoduelointelectual,longoepositivo,emqueestamossempre fazendooadvogadododiaboumparaooutro.Diasdepois ele apareceu e começamos a dedicar atenção completa àsviradas.

Aessaaltura,Morrisontambémjáhaviachegadoenóstrêsnosreunimosparaformularumaestratégia.Concordamosemqueoobjetivoprincipal era determinar se a evolução pode efetivamente ocorrer no

nosso universo. Não se podia fazer um ataque frontal ao problemaporque as equações que descrevem essa evolução sãoimpraticavelmentedifíceis,especialmentequandoocorreorompimentodo espaço. Resolvemos então reformular a questão usando aperspectivadoespelho,naesperançadequeasequaçõesfossemmaisacessíveis. Tal como alguns de nós já havíamos previsto, nareformulação pelo espelho a física das cordas comporta-seperfeitamentebemenãoproduznenhumacatástrofe.Comosevê,nãoparece haver nenhuma constrição, perfuração ou rompimento na filadebaixo da figura. No entanto, a verdadeira pergunta que essaobservação nos trazia era a seguinte: será que estávamos levando asimetriaespecularalémdoslimitesdasuaaplicabilidade?Aindaqueasduas formasdeCalabi-Yauqueaparecemmaisàesquerdanasduasfilasproduzamestruturasfísicas idênticas,seráverdadequeemtodosospassosintermédiosdaevolução—passandonecessariamentepeloprocessodeconstrição,perfuração, rompimentoerestauraçãona fasecentral—aspropriedadesfísicasdeambasaslinhasdeevoluçãosãoidênticas?

Embora tivéssemos sólidas razões para crer que a correlaçãoentreasduaslinhassemantinhaduranteafasedaprogressãoquevaiatéaconstriçãoeorompimentonasformasdafiladecima,nenhumdenóssabiaseessacorrelaçãocontinuavaaexistirdepoisdorompimento.Esseeraumpontocrucial,porquesearespostafossepositiva,entãoaausência de catástrofe na perspectiva do espelho significaria quetampouco ocorrem catástrofes na perspectiva original, e assimestaríamosdemonstrandoqueoespaçopoderomper-sena teoriadascordas.Vimosqueessaquestãopodiareduzir-seaumcálculo:deduziras propriedades físicas do universo, após o rompimento, tanto para aformadeCalabi-Yaudafiladecima(usando,porexemplo,aformamaisà direita quanto para a forma que lhe corresponde na correlaçãoespelhada(usandoaformamaisàdireitadafiladebaixo)everseelassãoidênticas.

FoiaessecálculoqueAspinwail,Morrisoneeunosdedicamosnooutonode

1992.NOITESEMCLARONOSTERRENOSDEEINSTEIN

OintelectocortantedeEdwardWittenrevela-seatravésdassuas

maneirassuaves,porvezesquaseirônicas.EleévistopormuitoscomoosucessordeEinsteinnopapeldemaiorcientistavivo.Algunscrêemmesmoqueelesejaomaiorfísicodetodosostempos.Seuapetiteparaosproblemasdavanguardadafísicaéinsaciáveleainfluênciaporeleexercida na definição das linhas de pesquisa na teoria das cordas étremenda.

O alcance e a profundidade da produtividade de Witten sãolegendários.Suamulher,ChiaraNappi,tambémfísicanoinstituto,gostaderetratarWittensentadoàmesadacopa,percorrendomentalmenteasfronteiras do conhecimento na teoria das cordas e, muito de vez emquando, tomando o lápis e o papel para verificar algumdetalhemaissutil.Hátambémorelatodeumpós-doutorqueteveporumtempoumasalaao ladodadeWitten.EledescreveadesanimadoracomparaçãoentreassuaslutascomoscálculoscomplexosdateoriadascordaseoruídoincessantedotecladodocomputadordeWitten,produzindo,semparar,umtextodevanguardaapósooutro,diretamentedocérebroparaocomputador.

Emaisoumenosumasemanadepoisquecheguei,Witteneeuestávamosconversandonojardimdoinstitutoeelemeperguntousobreos meus planos de pesquisa. Falei-lhe a respeito das viradas querompemoespaçoedaestratégiaquepensávamosseguir.Elemostrouumclaro interessepelasnossasidéias,masalertou-meparaofatodequeoscálculosseriamterrivelmentedifíceis.Apontoutambémparaumelopotencialmentefrágilnaestratégiaqueeudescrevera,algoqueserelacionavaaumtrabalhoqueeuhaviafeitoalgunsanosatráscomVafaeWarner.Aquestãoqueelelevantourevelou-seapenastangenciacomrelaçãoaonossométodoparaestudarasviradas,masteveoméritodelevá-loapensarsobrequestõesqueafinalmostraram-se relevantesecomplementares.

Aspinwail,Morrisoneeudecidimosdividirosnossoscálculosemduaspartes.

Inicialmente, pareceu-nos que a divisão natural seria fazer primeiro adeduçãodaestruturafísicaassociadaàúltimaformadeCalabi-Yaudafila de cima e depois fazer omesmo com relação à última forma deCalabi-Yau da fila debaixo. Se a correlação espelhada não ficassedesfiguradapelorompimentodaformadeCalabi-Yaudecima,entãoasduas formas finais deveriam produzir estruturas físicas idênticas,exatamentecomoaconteciacomasduasformasiniciais,dasquaiselas

provinham. (Comessamaneira de formular o problema, evitam-se oscálculos demasiado difíceis que envolvem a forma deCalabi-Yau decimanomomentodorompimento.)Calcularaestruturafísicaassociadaà última forma de Calabi-Yau da fila de cimamostrou-se uma tarefarelativamentesimples.Adificuldaderealdonossoprogramaconsistia,emprimeirolugar,emdeterminaraformaprecisadoúltimoespaçodeCalabi-Yauda filadebaixo—oespelhoputativodoespaço de Calabi-Yau da fila de cima — e em seguida deduzir aestruturafísicaaelaassociada.

Algunsanosantes,Candeiashaviaelaboradoumprocedimentopararealizarasegundatarefa—adeduçãodaestruturafísicadoúltimoespaço de Calabi-Yau da fila debaixo —, uma vez conhecida comprecisão a sua forma.Ométodo, contudo, dependia intensamente decálculos complexos, e vimos que precisaríamos de um programa decomputadorbemsofisticadoparaaplicá-loaonossoexemplo.Aspinwail, que além de ser um físico de renome é um campeão deprogramação, ficou com essa parte do trabalho. Morrison e eu nosdedicamosàprimeiratarefa,ouseja,aidentificaçãoprecisadaformadoespaçodeCalabi-Yaucorrespondenteaoespelho.Foinessepontoquevimos que o trabalho de Batyrev poderia dar-nos pistas importantes.Maisumavez,adivisãocultural entreosmatemáticoseos físicos—neste caso, entre Morrison e eu — começou a afetar o progresso.PrecisávamossomarapotênciadosdoiscamposparaencontraraformamatemáticadosespaçosdeCalabi-Yauda filadebaixoquedeveriamcorresponderaomesmouniversodasformasdeCalabi-Yaudecima,seéqueos rompimentosde virada fazemmesmopartedo repertório danatureza. Mas nenhum de nós dois era suficientemente fluente nalinguagemdooutroparavercomclarezacomoalcançaresseobjetivo.Nósdoispercebemosqueeraóbvioquetínhamosdeatacaroproblemade frente: precisávamos tomar cursos intensivos, um na área deconhecimento do outro. Decidimos então que de dia procuraríamosavançaromelhorpossívelnoscálculosedenoiteseriamosprofessorealunodeaulasparticulares:euensinavafísicaaMorrisonduranteumaouduashoraseelemeensinavamatemáticapelomesmoperíododetempo.Aescolafechavanormalmenteàsonzedanoite.

Seguimos essa rotina diariamente. O progresso era lento, maspoucoapoucoascoisasiamtomandoosseuslugares.Enquantoisso,Witten avançava celeremente na reformulação do elo frágil que ele

próprio identificaraedesenvolviaummétodonovoemaiseficazparaobter uma linguagem comum entre a física da teoria das cordas e amatemática dos espaços de Calabi-Yau. Aspinwail, Morrison e eutínhamosencontrosimprovisadoscomWittenquasetodososdiaseelenosnarravaosavançosderivadosdasua linhade trabalho.Semanasdepois, já ia ficando claro que o caminho deWitten, embora tivessecomeçado de um ponto de vista completamente diferente do nosso,convergia inesperadamente para a questão das transições de virada.Aspinwail,Morrisoneeupercebemosquesenãoterminássemos logoosnossoscálculos,Wittenchegarianafrente.ASCERVEJASEOTRABALHONOSFINSDESEMANA

Nadamelhorparaconcentraramentedeumcientistaqueumaboadosedecompetiçãosadia.Aspinwail,Morrisoneeutrabalhávamosaplenovapor.EimportanteobservarqueparaMorrisoneparamimissotinhaumsignificadomuitodiferentedoquetinhaparaAspinwail.Eleéumainteressantecombinaçãodafleumabritânicadeclassealta,reflexodos dez anos que passara em Oxford, desde o primeiro ano até odoutorado,comumadosesutildeirreverênciabrincalhona.Dopontodevistadoshábitosde trabalho,éprovavelmenteo físicomaiscivilizadoqueeuconheço.MorrisoneeuficávamostrabalhandoatétardedanoiteeAspinwailjamaistrabalhadepoisdascincodatarde.Enquantomuitosde nós trabalhamos nos fins de semana, ele não o faz nunca. Eleconsegue fazer isso porque é preciso e eficiente. Trabalhar a plenovapor,paraele,significaapenaselevaro índicedeeficiênciaaníveisaindamaisaltos.

Jáestávamosnocomeçodedezembro.Morrisoneeudávamosaulas um para o outro há meses e o resultado já se fazia notar.Estávamosbempertodeconseguiridentificaraformaprecisadoespaçode Calabi-Yau que buscávamos. Aspinwail tinha praticamenteterminado o seu programa de computador e esperava os nossosresultados para jogá-los no seu programa. Numa quinta-feira à noite,MorrisoneeusentimosquejápoderíamosidentificaraformadeCalabi-Yau desejada. Também essa tarefa precisou de um programa decomputadorespecial,aindaquebastantesimples.Sexta-feiraàtardeoprogramaestavapronto;nessamesmanoitejátínhamosoresultado.Oproblema é que era sexta-feira e já passava das cinco da tarde.

Aspinwail saíra para o fim de semana e só voltaria na segunda-feira.Semoseuprogramanãopodíamosfazernada.NemMorrisonnemeupodíamosconceberaidéiadepassartodoofimdesemanaesperando.Estávamos a ponto de dar resposta ao decantado problema dosrompimentos espaciais do tecido cósmico. O suspense era grandedemais para suportar. Chamamos Aspinwail em casa. Sua primeirareaçãofoidizernãoaonossopedidodequeviessetrabalharnamanhãdesábado.Porfim,depoisdemuitosapeloseexortações,eleconsentiuemjuntar-seanós,mascomacondiçãodequelhecomprássemosseislatinhasdecerveja.Concordamos.AHORADAVERDADE

Encontramo-nostodosnoinstitutonamanhãdesábado,talcomocombinado.

Eraumamanhãalegredesoleaatmosferaestavacalmaefeliz.Eu,pormeulado,achavaqueAspinwailnãoiriaaparecer;equandoovipasseiquinzeminutoscelebrandoaimportânciadaquelaprimeiravezemqueelevinhaao localdetrabalhoemumfimdesemana.Elemegarantiuque isso nunca voltaria a acontecer. Convergimos todos para ocomputador de Morrison, na sala que ele compartilhava comigo.AspinwailensinouaMorrisoncomotrazeroseuprogramaparaatelaemostrou-nosaformaespecíficaemqueosdadosdeviamserinseridos.Morrison então formatou as conclusões a que chegáramos na noiteanteriorenospusemosemcondiçõesdedarapartida.

O cálculo que estávamos fazendo correspondia, em termosgerais,adeterminaramassadeumacertaespéciedepartícula—umpadrãoespecíficodevibraçãodacorda—quesemoveatravésdeumuniversocujocomponenteCalabi-Yaunóspassáramos todoooutonotratando de identificar. Em função da estratégia que adotamos,esperávamos que essamassa fosse idêntica à obtida com relação àforma de Calabi-Yau resultante da transição de virada que rompe oespaço. Esse fora um cálculo relativamente mais fácil e nós já otínhamos completado semanas antes. A resposta obtida fora 3, emtermosdasunidadesqueestávamosusando.Comoestávamosagorafazendo no nosso computador o cálculo numérico relativo à formaespelhada, esperávamos encontrar algo extremamente próximo, masnãoexatamente iguala3,comoporexemplo,3,000001,ou2,999999,emconseqüênciadosarredondamentos.

Morrisonsentou-seàfrentedocomputadorcomodedopairandosobre as teclas. Com a tensão em alta ele disse "então vamos", eacionouamáquina.Segundosdepois,apareceuaresposta:8,999999.Meu coração apertou-se. Seria possível que a transição de viradativesse destruído a relação de espelho, indicando com isso que taistransições não podem existir no campo real? Quase de imediato, noentanto,percebemosquealgoengraçadotinhadeestarocorrendo.Seas estruturas físicas decorrentes das duas formas fossem realmenteincompatíveisentresi,seriaextremamente improvávelqueoresultadoobtido fosse to próximo a um número inteiro. Se a nossa hipóteseestivesse errada, não haveria nenhuma razão para esperar algodiferente de um número totalmente aleatório. Ora, a resposta queobtivemos estava errada, mas ela sugeria que talvez tivéssemoscometido algumerro aritmético simples. Aspinwail e eu fomos para oquadro-negroenummomentoencontramosoerro:havíamosesquecidoumfatordemultiplicaçãopor3nocálculo"maissimples"quefizéramossemanasantes;oresultadoverdadeiroeranove.Arepostaobtidaera,portanto,exatamenteaquequeríamos.

Evidentemente,essaconcordânciaaposteriorinãochegavaaserplenamente convincente. Quando já se sabe a resposta desejada,muitasvezeséfácilencontrarumamaneiradechegaraela.Tínhamosde recorrer a um outro exemplo. Como toda a programação docomputador já estava feita, a operação não foi difícil. Calculamos amassadeoutrapartículanaformadeCalabi-Yaudafiladecima,dessaveztomandomaiscuidadoparanãoerrar.Encontramosaresposta:12.Novamentepreparamosocomputadorparaosegundocálculo.Instantesdepoiselemostrou:11,999999.Concordância.Havíamosdemonstradoque o suposto espelho é realmente o espelho e que, portanto, astransições de virada que rompem o espaço fazem parte da física dateoria das cordas. Imediatamente saltei da cadeira e dei uma voltaolímpica pela sala. Morrison ficou apitando atrás do computador. AreaçãodeAspinwailfoioutra."Tudobem,maséclaroqueiadarcerto",disseelecomcalma."Ecadêaminhacerveja?"OMÉTODODEWITTEN

Na segunda-feira fomos triunfalmente contar a Witten o nossoêxito. Ele ficou muito feliz com o resultado e vimos que também eleacabaradeencontrarumamaneiradedemonstrarqueastransiçõesdeviradaocorremnateoriadascordas.Aargumentaçãoerabemdiferente

danossaeesclarecesignificativamenteasrazõesmicroscópicaspelasquais os rompimentos espaciais não provocam conseqüênciascatastróficas.

O método de Witten mostra a diferença que existe entre umateoria de partículas puntiformes e a teoria das cordas no caso daocorrênciadetaisrompimentos.Adiferençafundamentaléque,próximoaolocaldaruptura,ascordaspodemterdoistiposdemovimentoseaspartículas puntiformes podem ter apenas um. Ou seja, a corda podeviajar pelas adjacências do local da ruptura, tal como uma partículapuntiforme,maspodetambémenvolverarupturaàmedidaqueavança.Essencialmente, a análise de Witten revelava que as cordas queenvolvem a ruptura — algo que não pode ocorrer na teoria daspartículas puntiformes — isolam o universo circundante dos efeitoscatastróficosque,senãofosseassim,aconteceriam.Écomoseafolhademundodacorda—lembre-sedequevimosnocapítulo6queessaéumasuperfíciebidimensionalqueacordaformaaosedeslocaratravésdo espaço — constituísse uma barreira de proteção que cancelaprecisamenteosaspectoscalamitososdadegeneraçãogeométricadotecidoespacial.

Vocêpoderiaentãoperguntaroqueaconteceriaseocorresseumrompimento justamente em um lugar onde não haja nenhuma cordaparaenvolvê-loe isolá-lo.Poderiaperguntar tambémse,aoocorrerorompimento, a corda, que é um laço infinitamente fino, podeproporcionaralgumtipodeproteçãosuperioràqueumbambolêpoderiaoferecer contra a explosão de uma bomba. A resposta a essas duasquestõesderivadeumaspectofundamentaldamecânicaquântica,quediscutimosnocapítulo4.Vimosentãoque,deacordocomaformulaçãoda mecânica quântica dada por Feynman, um objeto, seja ele umapartículaouumacorda,viajadeumlugaraoutro"farejando"todasastrajetórias possíveis. O movimento resultante que se observa é umacombinação de todas as possibilidades, e a probabilidade de cadatrajetória possível é determinada com precisão pela matemática damecânicaquântica.Nocasodaocorrênciadeumrompimentonotecidodo espaço, entre as trajetórias possíveis das cordas estarão as queenvolvem o local da ruptura — trajetórias semelhantes. Mesmo quenenhuma corda pareça estar próxima do local da ruptura quando elaocorre,amecânicaquânticalevaemcontaosefeitosfísicosdetodasastrajetóriaspossíveisdascordas,eentreelashaverámuitas(naverdadeumnúmeroinfinito)quesãocaminhosdeproteçãoqueenvolvemolocalda ruptura. Witten revelou que essas possibilidades cancelam

precisamente a calamidade cósmica que o rompimento poderiaocasionar.

Figura11.6Afolhademundodescritaporumacordaforneceumescudoquecancelaosefeitospotencialmentecatastróficosassociadosaumrompimentodotecidoespacial.

Em janeiro de 1993, Witten e nós três publicamos as nossasconclusõessimultaneamentenoarquivoeletrônicodainternetpeloqualsedivulgammundialmenteedeimediatoostrabalhossobrefísica.Osdoisdocumentosdescreviam,apartirdeperspectivasacentuadamentediferentes,osprimeirosexemplosdetransiçõestopológicas—onometécnicodadoaosprocessosde rompimentodoespaçoquehavíamosdescoberto.Avelhaperguntasobreseotecidodoespaçopoderasgar-sehaviasidoresolvidaquantitativamentepelateoriadascordas.CONSEQÜÊNCIAS

Jáfalamosmuitoarespeitodadescobertadequeoespaçopoderasgar-sesemproduzircalamidadesfísicas.Masoqueéqueacontecequando o tecido espacial se rompe? Quais as conseqüênciasobserváveis? Já vimos que muitas das propriedades do universodependemdaestruturaespecíficadasdimensõesrecurvadas.Pode-sepensar, portanto, que a transformação até certo ponto drástica de umespaçodeCalabi-Yauemoutro,produzaimpactosfísicossignificativos.Naverdade,contudo,asilustraçõesbidimensionaisqueusamosparaavisualizaçãodosespaços fazemcomqueas transformaçõespareçammais complicadas do que verdadeiramente são. Se pudéssemosvisualizarageometriaemseisdimensões,veríamosque,comefeito,oespaçoserompe,masdeummodobastantesuave.Émaiscomoofurofeitoporumatraçaemumtecidodelãdoqueorasgãodeumacalçavelhanaalturadojoelho.

O nosso trabalho, assim como o de Witten, mostra quecaracterísticas físicas como o número de famílias de vibrações dascordaseostiposdepartículasdentrodecadafamílianãosãoafetadosporessesprocessos.AmedidaqueoespaçodeCalabi-Yaupassaporumrompimento,oquepodeserafetadoéovalorespecíficodasmassasdas partículas individuais — as energias dos possíveis padrões

vibratóriosdascordas.Osnossostrabalhosrevelaramquetaismassasvariamcontinuamente,umasparacima,outrasparabaixo,emrespostaàsvariaçõesdasformasgeométricasdoscomponentesCalabi-Yaudoespaço. O mais importante, no entanto, é que não ocorrem saltoscatastróficos,constriçõesouqualqueroutraanormalidadecomrelaçãoàvariaçãodasmassas,àmedidaqueorompimentoocorre.Dopontodevista da física, o momento do rompimento não tem característicasdiferenciadoras.

Issolevantaduasquestões.Emprimeirolugar,nosconcentramosnos rompimentos do tecido espacial que ocorrem nos componentesCalabi-Yaudeseisdimensõesdouniverso.Essesrompimentospodemocorrer também nas três dimensões espaciais estendidas queconhecemos? A resposta, com toda probabilidade, é sim. Afinal decontas, o espaço é o espaço, independentemente de estarcompactamenterecurvadoemumaformadeCalabi-Yauouenfunadonagrandeextensãoquevemosemumanoiteestrelada.Ademais,jávimosqueasdimensõesespaciaisfamiliarespodemtambémserrecurvadas,soba formadecurvasgigantescasquesevoltamsobreelasprópriasdepois de percorrer o outro lado do universo, de modo que adiferenciação entre dimensões recurvadas e dimensões estendidaspodeseralgoartificial.EmboraanossaanáliseeadeWittenderivemdecertascaracterísticasmatemáticasespeciaisdas formasdeCalabi-Yau,oresultado—apossibilidadedequeotecidodoespaçoserompa—certamentetemaplicabilidademaisampla.

Em segundo lugar, será que uma transição topológica dessanatureza pode ocorrer hoje ou amanhã?Será possível que ela tenhaocorridonopassado?Sim.Asmedidasexperimentaisdasmassasdaspartículas elementares revelam que os seus valores permanecemestáveisnotempo.Masserecuamosàépocamaispróximaaobig-bang,mesmoasteoriasquenãosebaseiamnascordasindicamquehouveperíodos importantes durante os quais as massas das partículaselementares variaram com o tempo. Do ponto de vista da teoria dascordas, nesses períodos certamente podem ter ocorrido as transiçõestopológicas discutidas neste capítulo. Mais próximo ao presente, aestabilidadedasmassasdaspartículaselementares implicaque seouniverso estiver sofrendo uma transição topológica, ela tem de estarocorrendoaumavelocidadeextremamentelenta—tãolentaqueoseuefeito sobreasmassasdaspartículaselementaresémenordoqueanossacapacidadeatualdemedi-lo.Nessascondições,épossívelqueo

universoestejaemmeioaumrompimentoespacial.Seesseprocessoestivesseocorrendocomsuficientelentidão,nemsequernosdaríamoscontadasuaexistência.

Esseéumexemploraronaciênciafísicaemqueaausênciadeum fenômeno claramente observável provoca grande expectativa. Aausênciadeumaconseqüênciacalamitosaobservávelapartirdeumaevoluçãogeométricaexóticacomoessanosmostraoquantoa teoriadascordassedistancioudasexpectativasdeEinstein.

12.Alémdascordas:embuscadateoriaM

Na sua longa busca de uma teoria unificada, Einstein refletiusobreapossibilidadedeque "Deuspudesse ter criadoouniversodemaneira diferente; ou seja, se a necessidade de simplicidade lógicapermite algum grau de liberdade". Com essa observação, Einsteinarticuloude forma incipiente umavisãoquehoje é compartilhadapormuitos físicos: se existe uma teoria definitiva da natureza, um dosargumentosmaisconvincentesemfavordasuaformaespecíficaéodeque ela não poderia ser diferente. A teoria final teria de tomar a suaformaparticularporseroúnicoesquemaexplicativocapazdedescreverouniversosemincorrerem incoerências ou absurdos lógicos. Tal teoria declararia que ascoisassãocomosãoporquetêmdeserassim.Qualquervariação,pormenor que seja, leva a uma teoria que — tal como a frase "Estasentença é uma mentira" — contém a semente da sua própriadestruição.

A determinação dessa inevitabilidade na estrutura do universonosfariaavançarmuitonorumodaresoluçãodealgumasdasquestõesmais profundas de todos os tempos. Tais questões referem-se aomistério de quem ou o que terá feito as inumeráveis escolhasaparentemente necessárias para a estruturação do nosso universo. Ainevitabilidaderesolveriaessasquestõeseliminandoasalternativas.Ainevitabilidade significa que na realidade não há escolhas. Ainevitabilidadedeclaraqueouniversonãopoderiaserdiferente.Comodiscutiremos no capítulo 14, nada garante que a estruturação douniverso seja algo tão inflexível. No entanto, a busca dessa mesmainflexibilidadenas leisdanaturezaestánaessênciadosesforçosemfavordaunificaçãodafísicamoderna.

Aofinaldadécadade80,osfísicostinhamasensaçãodequeemboraateoriadascordasprometessepropiciarumadescriçãoúnicado universo, ela na verdade não chegava a preencher totalmente asexpectativas.Haviaduasrazõesparaisso.Primeiro,comoobservamosrapidamente no capítulo 7, os cientistas descobriram que havia cincoversões diferentes da teoria. Você se lembrará de que elas sãochamadas de Tipo I, Tipo HA, Tipo UB, Heterótica 0(32)(abreviadamenteHeterótica-0)eHeteróticaExE(abreviadamenteHeterótica-E).Todastêm uma série de características básicas em comum — os padrõesvibratórios de cadaumadeterminamasmassase as cargas de forçaquesãopossíveis;todasrequeremdezdimensõesdeespaçoetempo;asdimensõesrecurvadastêmdeestarcontidasemumadasformasdeCalabi-Yauetc.—epor issonãoressaltamosassuasdiferençasnoscapítulos anteriores. No entanto, as análises feitas na década de 80deixaramclaroqueasdiferençasexistem.

Nasnotas,aofinaldolivro,vocêpoderálermaisarespeitodassuaspropriedades,masbastasaberqueelasdiferemnamaneirapelaqualincorporamasupersimetria,assimcomoemaspectossignificativosdospadrõesvibratóriosqueprivilegiam.(AteoriadascordasdoTipoI,por exemplo, tem cordas abertas, com duas pontas soltas, além doslaços fechados em que nos temos concentrado.) Isso é umconstrangimento para os estudiosos da teoria das cordas, porqueembora o desenvolvimento de uma proposta séria para a teoriaunificada final seja algo desejável, ter cinco propostas diferentesenfraqueceacredibilidadedetodaselas.

Osegundodesviocomrelaçãoàinevitabilidadeémaissutil.Paraexaminar plenamente esse aspecto, é preciso lembrar que todas asteorias físicas consistemde duas partes.A primeira é o conjunto dasidéiasbásicasdateoria,normalmenteexpressoemtermosdeequaçõesmatemáticas. A segunda compreende as soluções das equações. Demodogeral,algumasequaçõespermitemumaúnicasolução,enquantooutras permitem várias (e possivelmente muitíssimas). (Para dar umexemplosimples,aequação"2vezesxéiguala10"temapenasumasolução: 5. Mas a equação "0 vezes x é igual a O" tem um númeroinfinitodesoluções,umavezque0vezesqualquernúmeroéiguala0.)Assim,mesmoqueapesquisaleveaumateoriaúnica,comequaçõesúnicas, a inevitabilidade pode ficar comprometida se as equações

permitiremmuitassoluçõesdiferentesepossíveis.Issoéoquepareciaocorrercoma teoriadascordasao finaldadécadade80.Quandoosfísicos estudavam as equações de qualquer uma das cinco teorias,percebiamquetodaselaspermitiamsoluçõesmúltiplas—porexemplo,muitas maneiras diferentes e possíveis de recurvar as dimensõesadicionais—,cadaumadasquaiscorrespondendoaumuniversocompropriedades diferentes. Em sua grande maioria, esses universos,emborafossemsoluçõesválidasparaasequaçõesdateoriadascordas,pareciam irrelevantes do ponto de vista do mundo como nós oconhecemos.

Esses desvios com relação à inevitabilidade podiam ser vistoscomoincomodascaracterísticasfundamentaisdateoriadascordas.Masas pesquisas levadas a efeito na segundametade da década de 90reforçaram tremendamente as esperanças de queeles sejamsimplesreflexosdamaneirapelaqualoscientistasvinhamanalisandoateoria.Emresumo,asequaçõesdateoriadascordassãotãocomplexasqueninguémconheceaindaasuaformaexata.Atéaqui,sóseconseguiuobter versões aproximadas das equações. São essas equaçõesaproximadas que diferem significativamente de uma das teorias dascordasparaasoutras.Esãoelasque,nocontextodequalquerumadascinco teorias,dão lugaràabundânciadesoluçõeseàcornucópiadeuniversosindesejados.

Apartirde1995(oiníciodasegundarevoluçãodassupercordas),têm-se acumulado os indícios de que as equações, em suas formasprecisas,queaindanãoconhecemos,podemresolveressesproblemas,oquepermitemanterasesperançasdequeateoriadascordasadquiraaauradainevitabilidade.Comefeito,amaioriadosestudiososdateoriaconcorda em que, quando se conseguir a compreensão total dasequaçõeseasuaformaexata,ver-se-áqueascincoversõesdateoriaestãointimamenteligadas.Comoaspontasdeumaestrela,todaselassão parte de uma única entidade, cujas propriedades específicasencontram- se agora sob intenso escrutínio. Os cientistas estãoconvencidosdeque,emvezdecincoteoriasdiferentes,existeapenasuma,quereúnetodasemumsóesquemateórico.Assimcomoaclarezasurgecomarevelaçãodasrelaçõesocultas,auniãodascincoteoriaspropiciaráumexcelentepontodevistaparaacompreensãodouniversodeacordocomateoriadascordas.

Para entendermos esses novos avanços, é preciso consideraralgumasdasdescobertasmaiscomplexas,inovadorasepenetrantesda

teoria das cordas. Teremos de compreender a natureza dasaproximaçõesusadasnoestudoda teoriaeas limitações inerentesàtécnica empregada. Teremos de familiarizar-nos com os astuciososprocedimentos—chamadoscoletivamentededualidades—aqueosfísicosrecorremparacontornaressaslimitações.Eteremosdeseguiroraciocínio sutil que, pormeiode tais técnicas, conseguenos levar àsnotáveis descobertas a que nos referimos. Mas não se preocupe. Otrabalhopesadojáfoifeitopêlosteóricos,enósnoscontentaremosaquiem explicar os resultados a que eles chegaram. Contudo, como sãomúltiplasaspeçasaparentementeseparadasqueteremosdemontarejuntar, neste capítulo é muito fácil perder o quadro mais amplo porobservartãodepertoosdetalhes.Portanto,seaoleressecapítulovocêsentirqueadiscussãoestásetornandodemasiadotécnicaeficarcomvontadedepassar logoparaosburacosnegros(capítulo13)eparaacosmologia (capítulo14),podese limitara lercomatençãoapróximaseção,que resumeosavançosessenciaisdasegunda revoluçãodassupercordas,epassaradiante.RESUMODASEGUNDAREVOLUÇÃODASSUPERCORDAS

A idéia principal da segunda revolução das supercordas estáresumida e mostra a situação anterior à atual, pois agora temos acapacidade de ir (parcialmente) além dos métodos aproximativostradicionais usados na teoria das cordas. Vê-se que, antes disso, ascincoteoriaseramvistascomocoisascompletamenteseparadasumasdas outras. Com os novos avanços decorrentes das pesquisas maisrecentes, vemosque, comoas cincopontasdeumaestrela, todasasteoriasdascordassãovistasagoracomopartesdeumúnicoesquemaqueasunifica.(Comefeito,veremosnestecapítuloqueatémesmoumasexta teoria — uma sexta ponta — participará dessa união.) EsseesquemaabrangenterecebeuprovisoriamenteonomedeteoriaM,porrazões que comentaremos no prosseguimento da nossa discussão.Representaumprogressomarcantenabuscadateoriadefinitiva.Linhasdepesquisaaparentementenãorelacionadasagorafazempartedeumamesmaurdiduraquecompõeatapeçariadateoriadascordas—umateoriaúnicaeabrangentequebempodeseratãoalmejadateoriasobretudo.

Embora haja ainda muito trabalho pela frente, duas

característicasessenciaisdateoriaMjáforamidentificadas.Emprimeirolugarela temonzedimensões (dezespaciaiseuma temporal).Assimcomo Kaluza percebeu que com uma dimensão espacial a mais erapossívelobter-seumainesperadaunificaçãoentrearelatividadegeraleoeletromagnetismo,osestudiososdascordasconcluíramquecomumadimensãoespacialamais—alémdasnoveespaciaiseumatemporalque temos considerado nos capítulos precedentes — logra-se umasíntese interessantíssimaentreascincoversõesda teoriadascordas.Observe-sequeessadimensãoadicionalnãoaparecegratuitamente;aocontrario,oscientistasverificaramqueoraciocíniodasdécadasde70ede 80, que levou a nove dimensões espaciais e uma temporal, eraaproximativo e que os cálculos exatos que agora podem ser feitosrevelamqueumadimensãoespacialforaignorada.

AsegundacaracterísticajádescobertadateoriaMéquealémdecordas que vibram, ela contém também outros componentes:membranas bidimensionais vibratórias, glóbulos tridimensionaisondulatórios e uma série de outros objetos. Assim como no caso dadécimaprimeiradimensão,esseaspectodateoriaMaparecequandooscálculos ficam livres das aproximações usadas antes da segundarevolução.

Apesardeesseedediversosoutrosavançosobtidosnosúltimosanos,grandepartedaverdadeiranaturezadateoriaMpermaneceaindaenvoltaemmistério—eesseéumdossignificadospossíveisdoMqueaparecenoseunome.CientistasdomundointeirotrabalhamcomgrandevigorcomoobjetivodealcançaroentendimentocompletodateoriaM.EssepodebemserotemaprincipaldafísicadoséculoXXI.UMMÉTODOAPROXIMATIVO

As limitações dos métodos que vinham sendo usados pêloscientistas para analisar a teoria das cordas relacionam-se com algodenominadoteoriadaperturbação.Esseéonomecuriosoquesedáaométodo de dar respostas aproximadas a um problema e, a partir daí,buscarsistematicamenterefinartaisaproximações,incorporandofatoresanteriormente ignorados. Esse método tem um papel importante emmuitasáreasdaspesquisascientíficasefoiumelementoessencialparaa composição da teoria das cordas, além de ser uma prática que

encontramoscomfreqüêncianavidacotidiana,comoveremosaseguir.

Imaginequeumdiaoseucarrocomeçaaratear,equevocêvaiaomecânicopara fazeruma revisão.Apósdarumaolhadageral,elevemcomasmásnovas.Ocarroprecisadeumbloconovoparaomotor,o que normalmente custa, entre material e mão-de-obra, algo comonovecentosdólares.Essaéumaprimeiraaproximaçãoevocêsabequeovalordefinitivodependerádeaspectosespecíficosdotrabalho,quesóaparecerãoposteriormente.Diasdepois,apósarealizaçãodetestes,omecânicolhedáumaestimativamaisprecisa:950dólares.Eleexplicaqueocarrotambémnecessitadeumreguladornovo,quecustaalgoemtornodecinqüentadólares,entrematerialemão-de-obra.Finalmente,quandovocêvaibuscarocarronaoficina,omecânicosomatodososcustoseapresentaacontade987,93dólares.Issosedeve,dizele,aque,alémdoblocodomotoredoregulador, foinecessáriocomprareinstalarumanovacorreiadeventilador,novalorde27dólares,umcabodebateria,dedezdólares,eumgrampodepressão,de93centavos.Odadoaproximativoinicialdenovecentosdólaresfoisendorefinadocomainclusãodediversosdetalhesadicionais.Nostermosdafísica,essesdetalhessãochamadosdeperturbaçõesdaestimativainicial.

Quando a teoria da perturbação é aplicada de maneiraapropriada e efetiva, parte-se de uma estimativa inicial que não estámuito longe da resposta final; a incorporação dos detalhes menores,ignorados na primeira estimativa, produz uma diferença relativamentepequena no resultado final.Mas por vezes, quando você vai pagar aconta definitiva, encontra uma diferença chocante com relação aoorçamentoinicial.Emboranormalmentenosrefiramosaessassituaçõesem termosmaisemocionaisdoque técnicos,na física issosechamainaplicabilidade da teoria da perturbação, o que significa que aaproximação inicial não era um guia adequado para a resposta final,umavezqueos"refinamentos",emvezdecausardesviosrelativamentepequenos,resultamemgrandesmodificaçõesdaestimativadebase.

Tal como indicamos brevemente em capítulos anteriores, aexposiçãodateoriadascordasfeitaatéaquibaseou-seemummétodoperturbativo parecido ao utilizado pelo mecânico. O "entendimentoincompleto" da teoria das cordas, a que nos temos referidoocasionalmente, tem suas raízes, de um modo ou de outro, nessemétodo aproximativo. Vamos aprofundar um pouco mais a nossa

discussãodessepontoimportantepormeiodeumaexposiçãodateoriadaperturbaçãoemumcontextomenosabstratodoqueodateoriadascordas,masmaispróximoàaplicaçãodométodoperturbativoaeladoquenoexemplodomecânico.UMEXEMPLOCLÁSSICODATEORIADAPERTURBAÇÃO

AcompreensãodomovimentodaTerraatravésdosistemasolarpropiciaumexemploclássicodoempregodométodoperturbativo.Emgrandes escalas de distâncias como essas, podemos levar em contaapenas a força gravitacional, mas a menos que se façam outrasaproximações, asequações sãoextremamente complexas. Lembre-sedeque,segundoNewtoneEinstein,todasascoisasexerceminfluênciagravitacionalsobre todasasdemais,e isso levaaumcabodeguerragravitacional praticamente insolúvel entre a Terra, o Sol, a Lua, osoutrosplanetase,emprincípio,todososdemaiscorposcelestes.Comosepode imaginar facilmente,é impossível levaremconta todasessasinfluências para determinar omovimento exato daTerra.Na verdade,mesmoqueosparticipantesfossemapenastrês,asequaçõessetornamtão complexas que até agora ninguém foi capaz de resolvê- las porcompleto.Apesardisso,épossívelpreveromovimentodaTerraatravésdosistemasolarcomgrandeprecisãopormeiodométodoperturbativo.A enorme massa do Sol, em comparação com a de qualquer outromembro do sistema, e a sua relativa proximidade da Terra, emcomparação com a de qualquer outra estrela, fazem com que a suainfluênciasobreomovimentodaTerraseja,delonge,amaisimportante.Assim, podemos ter uma primeira estimativa considerando apenas ainfluência gravitacional do Sol. Isso é perfeitamente adequado paradiversas finalidades. Caso necessário, podemos refinar essaaproximação incluindo sucessivamente os efeitos gravitacionais maissignificativos dos demais corpos, tais comoa Lua e qualquer planetaque passe mais perto da Terra no momento. Os cálculos podemcomeçaraficardifíceisàmedidaqueateiadeinfluênciasgravitacionaissetornamaiscomplexa,masnãodeixequeissoobscureçaafilosofiaperturbativa:ainteraçãogravitacionalSol-Terranosdáumaexplicaçãoaproximada domovimento daTerra, e a adição sucessiva das outrasinfluênciasgravitacionaisofereceumaseqüênciaderefinamentoscadavezmaissutis.

Ométodo perturbativo funciona nesse caso porque existe uma

influência física dominante que proporciona uma descrição teóricarelativamente simples.Mas isso não ocorre sempre. Por exemplo, seestivermos interessados no movimento de três estrelas de massascomparáveisquesemovememórbitasmútuasemumsistematrinário,não há nenhuma relação gravitacional cuja influência sobrepuje asdemais. Por essa razão, não há nenhuma interação dominante quepropicieumaestimativainicial,cabendoàsdemaisopapeldecontribuircom os refinamentos menores. Se tentássemos usar o métodoperturbativoescolhendoumadasatraçõesgravitacionaisentreduasdastrêsestrelasparafazeropapeldeestimativainicial,logoveríamosqueométodo fracassaria. Os cálculos revelariam que os "refinamentos"decorrentesda inclusãodaterceiraestrelanãoseriampequenos,massim tão significativos quanto a suposta aproximação inicial. Isso énormal:osmovimentosdeumadançaa três têmpoucoavercomosmovimentos de uma dança a dois. Um refinamento grande demaissignificaqueaaproximaçãoinicialindicavaumvalormuitodistantedocorretoequetodooesquemaestavabaseadoemumcastelodeareia.Vejabemquenão se trata apenasdequea inclusãodo refinamentodecorrenteda inclusãoda terceiraestrelasejagrandedemais.Ocorreum efeito dominó: o tamanho do refinamento produz um impactosignificativosobreomovimentodasduasoutrasestrelas,oque,porsuavez, produz um impacto considerável sobre o movimento da terceiraestrela, e isto, por seu lado, produz um impacto substancial sobre asoutrasduas,eassimpordiante.Todasas linhasda teiagravitacionaltêmamesmaimportânciaetêmdesertratadassimultaneamente.Muitasvezes,emcasosassim,onossoúnicorecursoéutilizaraforçabruta dos computadores para simular o movimento resultante. Esteexemplo mostra claramente que quando se emprega o métodoperturbativo, é preciso verificar se a suposta aproximação inicial érealmenteumaaproximação,e,seforesseocaso,determinarquantosequais sãoosdetalhesmenoresquedevemser incluídosparaquesealcanceograudesejadodeexatidão.Nocontextodanossadiscussão,essas questões são verdadeiramente cruciais para que se possamaplicarosinstrumentosperturbativosaomicrocosmos.UMMÉTODOPERTURBATIVOPARAATEORIADASCORDAS

Nateoriadascordas,osprocessosfísicossãoconstruídosapartirdasinteraçõesbásicasentrecordasvibrantes.Comovimosaofinaldo

capítulo6,essasinteraçõesenvolvemabifurcaçãoeareuniãodelaçosdecordas,paramaiorconveniência.Osteóricosjárevelaramcomoumafórmula matemática precisa pode ser associada com o retratoesquemático—fórmulaqueexpressaainfluênciaquecadacordaqueseaproximaexercesobreomovimentoresultantedaoutra.(Osdetalhesdafórmuladiferemparacadaumadascincoteoriasdascordas,masporenquanto nós ignoraremos esses aspectos sutis.) Se não fosse pelamecânica quântica, essa fórmula encerraria o capítulo de como ascordas interagem.Maso frenesimicroscópicoditadopeloprincípiodaincerteza implica que pares de cordas e anticordas (duas cordas queexecutam padrões vibratórios opostos) podem materializar-serepentinamente,roubandoenergiadouniverso,desdequeseaniquilemmutuamentecomsuficienteprestezaedevolvamaenergiaroubada.Esses pares de cordas, nascidos do frenesi quântico e que devem aexistência à energia roubada, razão por que têm de recombinar-seinstantaneamente em um laço único, são conhecidos como pares decordasvirtuais.Aindaqueapenasinstantânea,asuapresençaafetaaspropriedadesespecíficasdainteração.

Asduascordas iniciaischocam-senopontomarcado (a),ondeelasseunemparaformarumsólaço.Esselaçoviajaalgumtempo,masem(b),flutuaçõesquânticasfrenéticasresultamnacriaçãodeumpardecordasvirtuais,quecontinuaaviagemesubsequentementeseaniquilaem(c),produzindonovamenteumacordaúnica.Finalmente,em(d),acorda escoa a sua energia dissociando-se emumpar de cordas queprossegueaviagememnovasdireções.Aexistênciadeumlaçoúniconocentrolevouoscientistasadenominaressecasode"processodeumsó laço". Tal como no caso da interação, uma fórmula matemáticaprecisapodeserassociadaaessediagramaparasintetizaroefeitodopardecordasvirtuaissobreomovimentodasduascordasoriginais.

Masahistórianãoterminaaquitampouco,porqueasoscilaçõesquânticaspodemcausarirrupçõesmomentâneasdecordasvirtuaisemumnúmero indefinidodevezes,produzindoassimumaseqüênciadeparesdecordasvirtuais. Issoproduzdiagramascomumnúmerocadavezmaiordelaços.Cadaumdessesdiagramasofereceumamaneirasimplesepráticadedescrever os processos físicos envolvidos: as cordas que chegam se

fundem,emseguidaasoscilaçõesquânticasprovocamabifurcaçãodolaço resultante, formando um par de cordas virtuais, que viajam e seaniquilam,fundindo-senovamenteemumlaçoúnico,queviajaeproduzoutropardecordasvirtuaiseassimpordiante.Talcomonocasodosoutrosdiagramas,existeumafórmulamatemáticaparacadaumdessesprocessos,quesintetizaoefeitosobreomovimentodopardecordasoriginais.Alémdisso,assimcomoomecânicodeterminouacontafinaldo conserto do seu carro por meio de um refinamento da estimativainicial de novecentos dólares, acrescentando cinqüenta, 27 e dezdólares e 93 centavos, e assim como chegamos a um entendimentomais preciso domovimento da Terra pormeio de um refinamento dainfluência doSol,mediante a inclusão dos efeitosmenores causadospela Lua e pêlos outros planetas, os cientistas demonstraram que épossível compreender a interação de duas cordas somando-se asexpressões matemáticas para os diagramas sem nenhum laço (semparesdecordasvirtuais),comumúnico laço(umúnicopardecordasvirtuais), com dois laços (dois pares de cordas virtuais) e assimsucessivamente.

Ocálculoexatorequerquesomemosasexpressõesmatemáticasassociadasacadaumdessesdiagramas,comumnúmerocrescentedelaços. Mas como há um número infinito de diagramas e os cálculosmatemáticos associados a cada um deles tornam-se mais difíceis àmedidaqueonúmerodelaçosaumenta,essatarefaéimpossível.Poresse motivo, os estudiosos da teoria das cordas inseriram essescálculosemumesquemaperturbativo,baseadonaexpectativadequeosprocessossem laços fornecemumarazoávelaproximação inicialede que os diagramas que contêm laços propiciem refinamentos cadavezmenores àmedida que o número de laços aumenta. Com efeito,quase tudo o que sabemos a respeito da teoria das cordas—o queinclui a maior parte do que vimos nos capítulos anteriores — foidescoberto por cientistas que executaram cálculos específicoselaborados com base nesse método perturbativo. Mas para quepossamos ter confiança na precisão dos resultados encontrados, énecessário determinar se as supostas aproximações iniciais, queignoram tudo o que vai além dos diagramas iniciais, são realmenteaproximações. Isso nos leva à pergunta essencial: estamos nosaproximando?AAPROXIMAÇÃOAPROXIMA?

Depende.Embora as fórmulasmatemáticas associadas a cada

diagramasetornemcadavezmaiscomplicadasàmedidaqueonúmerodelaçosaumenta,osfísicosjáreconheceramumacaracterísticabásicae essencial. Assim como a resistência de um cabo determina aprobabilidadedequeumpuxãoviolentopossaparti-loemdois,existeum número que determina a probabilidade de que as flutuaçõesquânticas possam causar a bifurcação de uma corda, produzindomomentaneamente um par virtual. Esse número é conhecido como aconstantedeacoplamentodascordas(cadaumadascincoteoriastemasua própria constante de acoplamento, como veremos em breve) . Onomeébemdescritivo:ovalordaconstantedeacoplamentodascordasdescreveaforçadarelaçãoentreasoscilaçõesquânticasdetrêscordas(olaçoinicialeosdois laçosvirtuaisemqueelesedivide)—ovigorcomqueelesseacoplam,porassimdizer.Aformacalculatóriarevelaque quanto maior for a constante de acoplamento das cordas, tantomaior seráaprobabilidadedequeasoscilaçõesquânticascausemabifurcaçãodacordainicial(esuareuniãosubseqüente);quantomenorfor a constante de acoplamento das cordas, tanto menor será aprobabilidade de que essas cordas virtuais irrompam em existênciamomentânea.

Antes de nos dedicar à questão de determinar o valor daconstantedeacoplamentodascordasparacadaumadascincoteoriasdascordas,vejamosprimeirooqueentendemospor"maior"ou"menor",quando nos referimos a esse valor. Os fundamentos matemáticos dateoriadascordasrevelamquealinhadivisóriaentre"maior"e"menor"éo número l, da seguinte maneira: se o valor da constante deacoplamentoformenordoquel,onúmerodeparesdecordasvirtuaisteráprobabilidadedecrescente—ouseja,quantomaioronúmerodeparesvirtuais,tantomenorseráaprobabilidadedesuaocorrência.Se,noentanto,aconstantedeacoplamentoforigualoumaiordoquel,serácada vez mais provável que números crescentes de pares virtuaisirrompam em cena. A conseqüência é que se a constante deacoplamentodascordasformenordoquel,odiagramadafreqüênciadoslaçostorna-sedecrescentecomoaumentodonúmerodelaços.Éexatamenteissooqueénecessárioparaoesquemaperturbativo,umavez que obteremos resultados razoavelmente precisos mesmo queignoremos todos os processos commuitos laços. Mas se o valor da

constantedeacoplamentodascordasnãoforinferioral,odiagramadefreqüênciadoslaçostorna-secrescentecomoaumentodonúmerodelaços. Como no caso do sistema trinário de estrelas, isso invalida ométodoperturbativo.Asupostaaproximaçãoinicial—oprocessosemlaços—nãoconstituiumaaproximaçãoreal.(Essadiscussãoseaplicaigualmentea cadaumadascinco teoriasdascordas—sendoqueovalor da constante de acoplamento das cordas determina, em cadacaso,aeficáciadométodoperturbativo.)

Isso nos leva à próxima questão crucial: qual é o valor daconstantedeacoplamentodascordas(oumelhor,quaissãoosvaloresdas constantes de acoplamento das cordas em cada uma das cincoteorias)? Até aqui, ninguém conseguiu dar resposta a essa pergunta.Esseéumdosmaisimportantesproblemasnãoresolvidosnateoriadascordas.Só podemos estar certos de que as conclusões baseadas noesquemaperturbativosãoapropriadasseaconstantedeacoplamentodascordasformenordoquel.Alémdisso,ovalorexatodaconstantedeacoplamento exerce um impacto direto sobre as massas e cargastransportadas pêlos diversos padrões vibratórios das cordas. Vemos,portanto,queumaboapartedateoriadependedovalordaconstantedeacoplamentodascordas.Examinemosentãoumpoucomaisdepertopor quea importantequestãodo seu valor—emqualquer das cincoteoriasdascordas—permanecesemresposta.ASEQUAÇÕESDATEORIADASCORDAS

Ométodoperturbativoparadeterminarcomoascordasinteragemumas com as outras também pode ser usado para determinar asequações fundamentais da teoria das cordas. Essencialmente, asequaçõesdateoriadascordasdeterminamcomoascordasinteragem.Reciprocamente, a maneira como as cordas interagem determina asequações da teoria. Como exemplo básico, em cada uma das cincoteoriasdascordasháumaequaçãodestinadaadeterminarovalordaconstantedeacoplamentodateoria.Atéagora,contudo,oscientistassóforamcapazesdeobteraproximaçõesdessaequaçãoemcadaumadascinco teorias,avaliandomatematicamente,comométodoperturbativo,umpequenonúmerodediagramas relevantes. Issoéoquedizemasequações aproximativas: em qualquer das cinco teorias das cordas aconstantedeacoplamentotemumvalortalque,seformultiplicadopor

zero, o resultado será zero. Ora, essa equação é um terríveldesapontamento;comoqualquernúmeromultiplicadoporzerodázero,a equação se resolve com qualquer valor para a constante deacoplamentodascordas.Dessemodo,emqualquerdascincoteoriasaequaçãoaproximativaparaaconstantedeacoplamentodascordasnãonosdánenhumainformaçãosobreoseuvalor.

Já que estamos falando disso, em cada umadas cinco teoriasdas cordas há outra equação destinada a determinar a forma precisadas dimensões espaço-temporais, tanto das estendidas quanto dasrecurvadas. A versão aproximada dessa equação, de que dispomosatualmente, é bem mais específica que a anterior, mas ainda assimadmite soluções múltiplas. Por exemplo, quatro dimensões espaço-temporaisestendidas juntamentecomqualquerespaçodeCalabi-Yaudeseisdimensõesrecurvadasfornecemtodaumaclassedesoluções,mas nem assim as possibilidades se esgotam, uma vez que podemhaverdiferentesrepartiçõesentreonúmerodasdimensõesestendidaseodasrecurvadas.

Que sentido têm essas conclusões? Há três possibilidades.Primeiro, começando pela mais pessimista, embora cada teoria dascordasestejaequipadacomequaçõesdestinadasadeterminarovalordasuaconstantedeacoplamentoassimcomoadimensionalidadeeaformageométricaprecisadoespaço-tempo—algoquenenhumaoutrateoria pode pretender —, mesmo as formas exatas e aindadesconhecidasdessasequaçõespodemadmitirumespectroamplodesoluções,oqueenfraquecesubstancialmenteoseupoderdeprevisão.Se foresseocaso, teremosuma frustração,vistoqueapromessadateoriadascordaséadeexplicaressascaracterísticasdocosmossemrequererquenósasdeterminemosapartirdaobservaçãoexperimental,para então inseri-las de maneira mais ou menos arbitrária na teoria.Voltaremosaessapossibilidadenocapítulo15.Segundo,aflexibilidadeindesejadadasequaçõesaproximadaspodeseroreflexodeumafalhasutil no nosso raciocínio. Estamos tentando empregar um esquemaperturbativoparadeterminarovalordaconstantedeacoplamentodascordas.Mas,comovimos,osmétodosperturbativosfuncionamapenasseaconstantedeacoplamentodascordasformenordoquel,demodoqueosnossoscálculospodemestarbaseadosemumapremissafalsa,ouseja,adequeovalordaconstanteémenordoquel.Ofracassoque

experimentamosatéaquipodeserumaindicaçãodequeapremissaéincorretaedequeaconstantedeacoplamentoemqualquerdascincoteoriasdascordasémaiordoquel.Terceiro,aflexibilidadeindesejadapode dever-se simplesmente a que estamos usando equaçõesaproximadas e não exatas. Por exemplo,mesmo que a constante deacoplamento de umadas teorias das cordas sejamenor do que l, asequaçõesdateoriapodemdependersubstancialmentedacontribuiçãodetodososdiagramas.Issosignificaqueaacumulaçãodospequenosrefinamentosresultantesdediagramascomnúmeroscadavezmaioresdelaçospodeseressencialparaconverterasequaçõesaproximadas—que admitem soluções múltiplas — em equações exatas muito maisrestritivas.

Nocomeçodadécadade90,essasduasúltimaspossibilidadesjádeixavamclaroparaamaioriadosestudiososda teoriadascordasque a nossa total dependência dos métodos perturbativos estavaimpedindo que se alcançassem novos avanços. A superação dessasituação requeria, na opinião de quase todos, um método nãoperturbativo — um método que não estivesse preso às técnicas decálculoaproximativoequepudesse,dessemodo,superaraslimitaçõesdoesquemaperturbativo.Até1994,encontraressemétodopareciaumsonho.Porvezes,todavia,ossonhosserealizam.DUALIDADE

Centenas de estudiosos da teoria das cordas se reúnemanualmenteparaumaconferênciadedicadaarecapitularosprogressosrealizados no ano anterior e a discutir as possibilidades futuras dasdiferentes linhas de pesquisa. Dependendo do nível de progressoalcançadoemumdeterminadoano,normalmentepode-sepreverograudeinteresseedeanimaçãodosparticipantes.Emmeadosdadécadade80, no auge da primeira revolução das supercordas, as reuniõestranscorriam em clima de euforia incontida. Havia uma grandeesperançadequelogosealcançariaodomíniocompletodateoriadascordas e de que ela se revelaria ser a teoria definitiva do universo.Agora se sabe que essa perspectiva era ingênua. Os anossubseqüentesdemonstraramquehámuitosaspectossutiseprofundosdateoriadascordascujoentendimentorequererá,semdúvida,esforçosprolongados e intensos. Essa expectativa irrealista provocou umamudançanoestadodeespírito;namedidaemqueosproblemasnãose

resolviam, muitos pesquisadores sentiram-se desanimados. Asconferênciasdofinaldadécadade80refletiamessadesilusão—aindaque os físicos apresentassem resultados interessantes, a atmosferacareciadeinspiração.Chegou-semesmoasugerirqueasconferênciasdeixassemdeserrealizadas.Masascoisassereacenderamno iníciodosanos90.Graçasaváriosavanços,algunsdosquais foramvistosnoscapítulosanteriores,ateoriadascordasvoltavaaatrairinteresse,eos pesquisadores recobravam entusiasmo e otimismo. Nadapressagiava,porém,oqueaconteceunaconferênciademarçode1995,naUniversityofSouthernCalifórnia.Quandochegouasuahoradefalar,EdwardWittendirigiu-seaopódioeproferiuapalestraquedeuinícioàsegundarevoluçãodassupercordas.Inspiradoemtrabalhosanterioresde Duff, Huli e Townsend e elaborando conceitos formulados porSchwarz,ofísicoindianoAshokeSeneoutros,Wittenapresentouumaestratégiaparasuperarométodoperturbativodeanálisedateoriadascordas. Uma parte fundamental do seu plano envolve o conceito dedualidade.

Osfísicosempregamotermodualidadeparadescrevermodelosteóricos que parecem diferentes mas que descrevem exatamente amesmaestruturafísica.Existemexemplos"triviais"dedualidadeemqueteoriasquenaverdadesãoidênticasparecemserdiferentesunicamenteporcausadamaneirapelaqualsãoapresentadas.Umapessoaquesóconheçaas línguas ocidentais podenão reconhecer imediatamente ateoriada relatividadegeraldeEinsteinseela lhe forapresentadaemchinês.Umcientistafluenteemambasas línguas,noentanto,poderiafacilmente comparar os dois textos e comprovar a sua equivalência.Consideramosesseexemplocomo"trivial"porquenadaseganha,dopontodevistadafísica,comatraduçãofeita.Sealguémfluenteemsualíngua e em chinês estivesse estudando um problema difícil darelatividade geral, o desafio teria o mesmo grau de dificuldade,independentementedalínguadetrabalho.Passardeumidiomaaoutronãofacilitanada.

Osexemplosnão triviais dedualidade sãoaqueles emqueasdiferentesdescriçõesdeumamesmasituaçãofísicaefetivamentegerampercepçõesdefenômenosemétodosdeanálisematemáticadiferentese complementares. Na verdade, já encontramos dois problemas dedualidade. No capítulo 10 discutimos como um universo com umadimensãocircularderaioRpodeserigualmentedescritopelateoriadascordascomoumuniversocomumadimensãocircularderaiol/R.Essassão situações geometricamente diferentes que, por meio das

propriedadesdateoriadascordas,revelam-sefisicamenteidênticas.Asimetria especular é outro exemplo.Aqui, duas formasdeCalabi-Yaudiferentesparaasseisdimensõesespaciaisadicionais—universosqueà primeira vista pareceriam ser totalmente diferentes — produzemexatamenteasmesmaspropriedadesfísicas.Elasproporcionamdescriçõesduaisdeummesmouniverso.Odadodeimportânciacrucialéque,aocontráriodocasodosidiomas,aquisimháimportantesmodificaçõesnapercepçãodosfenômenos,decorrentesdoempregodedescriçõesduais, taiscomoum tamanhomínimoparaasdimensõescirculareseprocessosquemodificamatopologia.

Na sua palestra perante a conferência de 1995, Wittenapresentou os elementos de um tipo novo e profundo de dualidade.Comoobservamosrapidamentenoiníciodestecapítulo,elesugeriuqueascinco teoriasdascordas,emboraaparentementediferentesemsuaconstrução básica, são apenas maneiras diferentes de descrever amesma realidade física. Em vez de termos cinco teorias das cordasdiferentesentresi,teríamossimplesmentecincojanelasdiferentesqueconvergemparaummesmoesquemateóricocomumatodas.

Antesdosavançosdemeadosdadécadade90,apossibilidadedeumaversãodedualidadeque fossemajestosa comoessaeraumsonhoqueosfísicospodiamter,masarespeitodoqualelesnemsequerconversavam,tãoirreal lhesparecia.Seasteoriasdascordasdiferemcom relação a aspectos tão significativos da sua construção, é difícilimaginarquepossamserapenasdescriçõesdiferentesdeumamesmarealidade física. No entanto, por meio do poder sutil da teoria dascordas, existem crescentes elementos de convicção de que todas ascinco teorias das cordas sãoduais.Alémde tudo,Wittendemonstrouaindaqueatémesmoumasextateoriafazpartedoensopado.

Essesavançosestão intimamente interligadoscomasquestõesrelativasàaplicabilidadedosmétodosperturbativosquevimosaofinalda seçãoprecedente.A razãoéqueas cinco teoriasdas cordas sãomanifestamente diferentes quando são fracamente acopladas —expressãotécnicaquesignificaqueaconstantedeacoplamentodeumateoria é menor do que um. Devido à dependência com relação aosmétodosperturbativos,oscientistasviram-seimpedidos,durantealgumtempo, de resolver o problema de identificar as propriedades dequalquerdasteoriasdascordasseasuaconstantedeacoplamentoformaiordoqueum—quandoelassãofortementeacopladas.Aafirmaçãode Witten e outros é que já é possível resolver essa questão. Os

resultados obtidos por eles sugerem de maneira convincente quequandoqualquerdas teoriasapresentaumcomportamento fortementeacoplado,existeumadescriçãodualcorrespondentequeapresentaumcomportamento fracamente acopladoemalgumadas outras teorias, evice-versa.Eissoacontecetambémcomrelaçãoaumasextateoria,queaindanãodescrevemos.

Paraquesetenhaumaidéiamaistangíveldoqueissosignifica,convémteremmenteaseguinteanalogia.Imaginedoisindivíduosbemespeciais.Umadoraogelo,mas,por incrívelquepareça,nuncaviuaáguaemsuaformaliquida.Ooutroadoraaágua,masnuncaconheceuogelo.Ambosseencontramparaumpiqueniquenodesertoecadaumficafascinadocomoequipamentoqueooutroleva.Oquegostadogelonãosecansadeadmirarolíquidosedoso,macioetransparentequeooutroleva,eessecontemplaembevecidoosfantásticoscubosdecristalsólido trazidos pelo colega. Nenhum dos dois tem qualquer idéia deque, na verdade, existe uma relaçãoprofundaentre a águae o gelo;para eles, essas duas substâncias são completamente diferentes.Caminhando de dia, sob o calor tórrido do deserto, no entanto, elesvêem que o gelo pouco a pouco se converte em água e, de noite,quandoa temperaturabaixa fortemente,verificamqueaágua tambémseconvertepoucoapoucoemgelosólido.Elespercebementãoqueasduas substâncias que inicialmente julgavam ser totalmente estranhasuma à outra estão, na verdade, intimamente associadas. A dualidadeentre as cinco teorias das cordas é algo semelhante. Em síntese, asconstantes de acoplamento das cordas desempenham um papelanálogoaodatemperaturanaanalogiadodeserto.Aprimeiravista,ascincoteoriasdascordasparecemtotalmentediferentesentresi,comoaágua e o gelo.Mas se alterarmos as suas respectivas constantes deacoplamento,asteoriassetransformamumasnasoutras.Assimcomoogelosetransformaemáguacomaelevaçãodatemperatura,umateoriadascordassetransformaemoutrapormeiodoaumentodovalordasuaconstante de acoplamento. Esse é um grande passo no sentido dedemonstrar que todas as teorias das cordas são descrições duais deumaúnicaestrutura—correspondenteaoHOparaaáguaeogelo.

O raciocínio que leva a essas conclusões deriva quase queinteiramentedousodeargumentosbaseadosemprincípiosdesimetria.Vejamoscomoéisso.

OPODERDASIMETRIA

Até pouco tempo atrás, ninguém sequer tentava estudar aspropriedades de qualquer das cinco teorias das cordas para valoresgrandesdaconstantedeacoplamentodascordas,porquenãosetinhanenhuma idéia sobre como proceder sem o emprego do métodoperturbativo.Contudo,emfinsdadécadade80enocomeçodadécadade 90 teve início um progresso lento e contínuo na identificação decertaspropriedades—inclusivecertasmassasecargasdeforça—quefazempartedafísicadoscomportamentosfortementeacopladosdeumadeterminadateoriadascordasequeseencontramdentrodoslimitesdanossa atual capacidade de cálculo. A determinação dessaspropriedades, que necessariamente transcendem os esquemasperturbativos, tem sido um elemento essencial para o progresso dasegunda revoluçãodassupercordase temsuas raízesprofundamenteimplantadasnopoderdasimetria.

Osprincípiosdasimetriaproporcionamexcelentes instrumentosparaoentendimentodemuitosaspectosdomundofísico.Jávimos,porexemplo,queaidéia,claramenteestabelecida,dequeasleisdafísicanãodão tratamentoespecialanenhum lugardouniversoeanenhummomentodotemponospermiteargumentarqueasleisfísicasquenosgovernamaquieagorasãoasmesmasqueoperamemtodososlugareseemtodosostempos.Esseéumexemplodeenormealcance,masosprincípios da simetria podem ser igualmente importantes emcircunstânciasmaisespecíficas.Porexemplo,sevocêtestemunhouumcrime,maspôdeapenasverderelanceumladodorostodocriminoso,umespecialistadapolíciapoderáusarasuainformaçãoparadesenharorostoporinteiro.Arazãoéasimetria.Emborahajadiferençasentreosdoisladosdorostodeumapessoa,elessãosuficientementesimétricosparaqueaimagemdeumdosladospossaserrebatidaparadarumaboaaproximaçãodooutro.

Emcadaumadessasaplicações,tãodiferentesumadaoutra,opoderdasimetriaestánasuacapacidadedeidentificarpropriedadesdemaneiraindireta—oquemuitasvezesébemmaisfácildoqueoperarde maneira direta. Pode-se aprender sobre a física fundamental dagaláxia de Andrômeda indo até lá para tentar encontrar um planetapropício, construir aceleradores de partículas e executar os mesmostiposdeexperiênciasquesefazemaquinaTerra.Masométodoindiretodeinvocarasimetriacomrelaçãoàsmudançasdelugarémuitomaisfácil.Tambémsepodemconhecerascaracterísticasdoladoesquerdodorostodocriminosoperseguindo-oeexaminando-lheaface.Mascom

freqüênciaémaisfácilinvocarasimetriaentreosdoisladosdosrostoshumanos.

A supersimetria é um princípio mais abstrato da simetria, queestabelece relações entre as propriedades físicas dos componenteselementarescomspinsdiferentes.Namelhordashipóteses,háapenasindíciosexperimentaisdequeomicrocosmos incorporaessasimetria,mas,pelasrazõesquejáapontamos,acrençadequeassimsejaégerale a supersimetria efetivamente faz parte da teoria das cordas. Nadécadade90,combasenostrabalhospioneirosdeNathanSeiberg,doInstituto de Estudos Avançados, os cientistas perceberam que asupersimetriaconstituiuminstrumentodetrabalhoversátilepenetrante,que pode resolver, por meios indiretos, algumas das questões maisimportantesedifíceis.

Mesmoqueaindanãosejamoscapazesdecompreenderbemosdetalhesdeumateoria,ofatodequeelaincorporaasupersimetrianospermite restringir significativamente as propriedades que podeapresentar.Usandoumaanalogialingüística,imaginequeemumpapeldentrodeumenvelope fechadoescreveu-seumaseqüênciade letrasemqueocorreexatamente,porexemplo, três vezesa letra y.Senãotivermos nenhuma outra informação, será impossível descobrir qual aseqüência—queatéondesabemospoderiaserumasériealeatóriadeletrasemqueapareçamtrêsy,comomvcfojziyxidcfqzyycdi,ouqualqueroutra,dentreumnúmeroinfinitodepossibilidades.Masimaginetambémquetenhamosduasoutraspistas:aseqüênciaocultaformaumapalavranalínguainglesaecontémonúmeromínimodeletrasquesatisfaçaacondição já estabelecida dos três y. A partir do número infinito deseqüênciasde letras inicial,essaspistasreduzemaspossibilidadesaumaúnicapalavra—apalavramaiscurtanalínguainglesacontendotrês y: syzygy (sizígio). A supersimetria oferece pistas restritivassimilaresparaasteoriasqueincorporamosseusprincípiosdesimetria.Paraterumaidéia,imagineumquebra-cabeçasdefísicasemelhanteaode lingüísticaqueacabamosde ver.Dentro deumacaixaháalgo—cujaidentidadenãoéfornecida—quetemumacertacargadeforça.Acargapodeserelétrica,magnéticaoudequalqueroutranatureza,mas,parasermosconcretos,digamosqueelacorrespondeatrêsunidadesdecargaelétrica.Semoutrasinformações,aidentidadedoobjetonãopodeserdeterminada:podemsertrêspartículasdecargal,comoprótonsoupósitrons; podem ser quatro partículas de carga l e uma partícula de

carga-l (comooelétron),umavezqueessacombinação tambémtemcomoresultadolíquidoumacargadetrês;podemsernovepartículasdecarga1/3(comooantiquarkdown);podemseressasmesmaspartículasacompanhadasdeumnúmeroqualquerdepartículassemcarga(comoosfótons).Talcomonocasodaseqüênciaocultadeletrasquandosótínhamosapistareferenteaonúmerodevogaisseguidas,asrespostaspossíveissãoinfindáveis.

Mas imaginemos agora, tal como no caso do quebra-cabeçaslingüístico,quetemosduasnovaspistas:ateoriaquedescreveomundo—equedescreve,portanto,oconteúdodacaixa—ésupersimétricaeoobjeto oculto contém a massa mínima compatível com a condiçãoinicialmente proposta. Com base nas conclusões de EugeneBogomonyi, Manoj Prasad e Charles Sommerfield, verificou-se que aespecificação de uma estrutura organizacional estrita (a estrutura dasupersimetria,queéoanálogodalínguainglesa,noexemploanterior)ea "preferência pelo mínimo" (a massa mínima para um determinadomontante de carga elétrica, que é o análogo da extensãomínima dapalavra com três letras y) implicam que a identificação do conteúdoocultoreduz-seaumapossibilidadeúnica.Ouseja,bastaestabelecerqueoconteúdodacaixadeveseromaislevepossívelequesatisfaçaorequisito especificado para a carga, para que a identidade do objetofiqueplenamentedeterminada.OscomponentesdemassamínimaparaumdeterminadovalordecargasãoconhecidoscomoestadosBPS,emhomenagemaseustrêsdescobridores.

O importante a respeito dos estados BPS é que as suaspropriedades podem ser determinadas de maneira específica, fácil eexata, sem recurso a cálculos perturbativos. Isso é válidoindependentemente dos valores das constantes de acoplamento. Ouseja,aindaqueaconstantedeacoplamentodascordassejaalta,oqueinvalida o método perturbativo, continuaremos sendo capazes dededuzir as propriedades exatas das configurações BPS. Aspropriedades são denominadas muitas vezes massas e cargas nãoperturbativas,umavezqueosseusvalorestranscendemosesquemasperturbativos de aproximação. Por isso, a sigla BPS também podesignificar"alémdosestadosperturbativos"(beyondperturbativestates).

As propriedades BPS esgotam apenas uma pequena pare dafísicadasteoriasdascordas,quandoasuaconstantedeacoplamentoé

alta,masmesmoassimfornecemumbompontodeapoioparaoestudodas características do comportamento fortemente acoplado. Àmedidaqueaconstantedeacoplamentodeumadasteoriasdascordaseleva-sealémdodomínioacessívelàteoriaperturbativa,oavançodosnossoslimitadosconhecimentosdependedosestadosBPS.Ecomoconheceralgumaspalavras-chaveemumalínguaestrangeira:épouco,maspodelevar-noslonge.ADUALIDADENATEORIADASCORDAS

VamosseguirWittenecomeçarcomumadascincoteoriasdascordas,comoadeTipoI,porexemplo.Imaginemosquetodasassuasnovedimensõesespaciaissãoplanaseestendidas.Naturalmenteissonão é realista, mas torna a discussão mais simples; em brevevoltaremos às dimensões recurvadas. Começamos por supor que aconstante de acoplamento das cordas é bemmenor do que l. Nestecaso,osinstrumentosperturbativossãoválidose,portanto,muitasdaspropriedadesespecíficasdateoriapodemsertrabalhadascomprecisão.Se aumentarmos o valor da constante de acoplamento mantendo-oainda bem abaixo de l, os métodos perturbativos continuam a serutilizáveis. As propriedades específicas da teoria sofrerão algumamodificação—porexemplo,ovalornuméricoassociadoàfreqüênciadebifurcaçãodascordasseráumpoucodiferente,porqueosprocessosdelaços múltiplos ocorrem com probabilidade crescente quando aconstante de acoplamento aumenta.Masalémdessasmudanças naspropriedadesnuméricasespecíficas,ascaracterísticasfísicasglobaisdateoriasemantêm,desdequeaconstantedeacoplamentoseconservedentrodosdomíniosperturbativos.

QuandoaumentamosaconstantedeacoplamentodascordasdeTipo Ialémdovalor l,osmétodosperturbativos tornam-se inválidosenósnosconcentramosapenasnoconjuntolimitadodemassasecargasnão-perturbativas— os estados BPS— que permanecem dentro danossa capacidade de discernir. Isso foi o que Witten afirmou, eposteriormenteconfirmouemumtrabalhoconjuntocomJoePolchinski,daUniversidadedaCalifórniaemSantaBárbara:essascaracterísticasdocomportamentofortementeacopladonateoriadascordasdeTipoIconcordamexatamentecomaspropriedadesconhecidasdateoriadascordasHeterótica-0quandoasuaconstantedeacoplamentodascordastemumvalorpequeno.Ouseja,quandoaconstantedeacoplamentoda

teoria de Tipo I é grande, as massas e cargas cujo valor sabemoscalcularsãoprecisamenteiguaisàsdateoriaHeterótica-0 quando a sua constante de acoplamento é pequena. Esse é umimportanteindíciodequeessasduasteoriasdascordas,queàprimeiravista parecem totalmente diferentes, como o gelo e a água, são, naverdade,duais.RnosdeixaumafortesugestãodequeaestruturafísicadateoriadeTipoIparavaloresaltosdasuaconstantedeacoplamentoéidênticaàestruturafísicadateoriaHeterótica-0paravaloresbaixosdasuaconstantedeacoplamento.Outrosargumentospropiciaramindíciosigualmentepersuasivosdequeoopostotambémóverdadeiro:afísicadateoriadeTipoIparavaloresbaixosdasuaconstantedeacoplamentoéidênticaàdateoriaHeterótica-0paravaloresaltosdasuaconstantedeacoplamento.Emboraasduasteoriaspareçamindependentesumaem relação à outra, quando analisadas por meio do esquemaperturbativodeaproximação,vemosqueumasetransformanaoutra—emanalogiacomatransmutaçãoentreaáguaeogelo—emfunçãodavariaçãodovalordaconstantedeacoplamento.

Essa conclusão, nova e fundamental, em que a física docomportamento fortementeacopadodeuma teoriasevêdescritapelafísica do comportamento fracamente acoplado de outra é conhecidacomodualidadeforte-fraca.Talcomonocasodasoutrasdualidadesquediscutimosantes,elanosrevelaqueasduasteoriasnaverdadenãosãodiferentes. Em vez disso, elas correspondem a duas descriçõesdiferentesdeumamesmateoriasubjacente.Aocontráriodadualidadetrivialentrealínguaocidentaleochinês,adualidadedocomportamentofortemente/fracamente acoplado é poderosa. Quando a constante deacoplamentodeumdosmembrosdeumpardualdeteoriasépequena,assuaspropriedadesfísicaspodemseranalisadaspormeiodousodeinstrumentosperturbativosbemdesenvolvidos.Masseaconstantedeacoplamento da teoria for grande, o que faz com que os métodosperturbativospercamoseuvalor,sabemosagoraquesepodeusaradescriçãodual—naqualaconstantedeacoplamentorespectivaépequena—evoltaraempregarosinstrumentosperturbativos.

A transposição resulta em que contamos com métodosquantitativos para analisar uma teoria que inicialmente pensávamosestaralémdanossacapacidadedeteorizar.AcomprovaçãoefetivadequeafísicadocomportamentofortementeacopladodateoriadascordasdeTipoIéidênticaàfísicadocomportamentofracamenteacopladodateoriaHeterótica-0,evice-versa,éumatarefaextremamentedifícil,que

aindanãofoiexecutada.Arazãoésimples.Umdosmembrosdopardeteoriassupostamenteduaisnãoseprestaàanáliseperturbativaporqueasuaconstantedeacoplamentoégrandedemais.Issoimpedequesecalculem diretamente muitas das suas propriedades físicas. Aliás, éexatamenteporissoqueadualidadeproposta,seforverdadeira,temopoder de permitir a análise de uma teoria com comportamentofortementeacoplado,umavezquetornapossíveloempregodemétodosperturbativosna teoriadualcomcomportamento fracamenteacoplado.Masmesmoquenãoconsigamosprovarqueasduasteoriassãoduais,oalinhamentoperfeitoentreaspropriedadesquepodemosdeduzircomconfiança é uma indicação claríssima de que a relação decomportamentofortemente/fracamenteacopladoentreasduasteoriasécorreta. Com efeito, cálculos cada vez mais sofisticados feitos paratestar a dualidade proposta tiveram resultados positivos em todos oscasos.Amaioriadosestudiososdateoriadascordasestáconvencidadequeadualidadeéreal.

Seguindoomesmométodo,podem-seestudaraspropriedadesdocomportamentofortementeacopladodeoutradasteoriasdascordas,digamosadeTipoUB.HulieTownsendpropuseram,easpesquisasdenumerosos físicos confirmaram que algo igualmente notável pareceocorrer.AmedidaqueaconstantedeacoplamentodateoriadeTipoUBaumenta,aspropriedadesfísicasquecontinuamapoderserentendidasparecem ter uma correspondência exata com as da própria teoria deTipoUBcomcomportamentofracamenteacoplado.Emoutraspalavras,a teoriadeTipoUBéautodual.Especificamente,análisesdetalhadassugeremdemodoconvincentequeseaconstantedeacoplamentodateoriadeTipoBformaiordoquelesemodificarmososeuvalorparaonúmero recíproco (cujo valor será, portanto,menor do que l), a teoriaresultanteseráabsolutamenteidênticaàquelacomquecomeçamosatrabalhar.Talcomoacontecequandosetenta contrair uma dimensão recurvada para abaixo da escala dePlanck,quandosetentaaumentaroacoplamentodateoriadeTipoUBparaumvalorsuperioral,aautodualidaderevelaqueateoriaresultanteé precisamente equivalente à teoria de Tipo UB com o acoplamentorecíprocomenordoquel.SUMÁRIO(ATÉAQUI)

Vejamos onde estamos. Em meados da década de 80, oscientistas haviam elaborado cinco teorias das supercordas diferentes.Deacordocomosesquemasaproximativosda teoriadaperturbação,

todas pareciam diferentes entre si. Mas o método aproximativo só éválidoseaconstantedeacoplamentodascordasdateoriaformenordoquel.Oidealseriaquesepudessecalcularovalorprecisodaconstantede acoplamento das cordas para todas as teorias, mas a forma dasequaçõesaproximadasdequedispomosatualmentenãonospermitefazê-lo. Por essa razão, os cientistas visam a estudar cada uma dasteorias das cordas para um conjunto de valores possíveis para suasrespectivasconstantesdeacoplamento,tantomenoresquantomaioresdo que l — isso é tanto para o comportamento fortemente acopladoquanto para o comportamento fracamente acoplado.Mas osmétodosperturbativos tradicionaisnãopossibilitamoexamedascaracterísticasde comportamento fortemente acoplado de nenhuma das teorias dascordas.

Recentemente, pormeio do uso do poder da supersimetria, oscientistas aprenderam a calcular algumas das propriedades docomportamento fortementeacopladodas teoriasdas cordas.Eparaasurpresa de quase todos os especialistas, as propriedades docomportamento fortemente acoplado da teoria Heterótica-0 parecemidênticas às propriedades do comportamento fracamente acoplado dateoria de Tipo I, e vice-versa. Além disso, a física de comportamentofortemente acoplado da teoria de Tipo UB é idêntica a ela própriaquando o seu acoplamento é fraco. Esses vínculos inesperadosencorajam-nosaseguirWittenecontinuarinvestigandoasoutrasduasteoriasdascordas,adeTipoHAeaHeterótica-E,paraobservarcomoelas se inserem no quadro global. Encontraremos surpresas aindamaiores.Parapreparar-nos,vamosfazeragoraumapequenadigressãohistórica.SUPERGRAVIDADE

Emfinsdadécadade70enoiníciodadécadade80,antesdoaugede interessepela teoriadascordas,muitos teóricosbuscavamoarcabouçoqueunificariaamecânicaquântica,agravidadeeasdemaisforçasnocontextodeumateoriaquânticadecampoparaaspartículaspuntiformes.Haviaaesperançadequeasincoerênciasentreasteoriasde partículas puntiformes que envolviam a gravidade e a mecânicaquântica fossem superadas por meio do estudo de teorias queapresentassem um alto teor de simetria. Em 1976, Daniel Freedman,

SérgioFerraraePeterVanNieuwenhuizen, todosdaUniversidadedeNovaYorkemStonyBrook, descobriram que as mais promissoras eram as teorias queenvolvemasupersimetria,umavezqueatendênciadosbósonsedosférmions a produzir flutuações quânticas que se cancelam ajuda aacalmaroviolentofrenesimicrocósmico.Osautoresinventaramotermosupergravidade para descrever as teorias quânticas de camposupersimétricas que tratam de incorporar a relatividade geral. Essastentativasdefundirarelatividadegeraleamecânicaquânticaacabarampor fracassar. Contudo, como vimos no capítulo 8, essas pesquisasrenderamumaliçãoquepressagiavaodesenvolvimentodateoriadascordas.

A lição, tornadamaisclara, talvez,comostrabalhosdeEugeneCremmer,

Bernardjulia e Scherk, todos da École Normale Supérieure em 1978,ensinavaqueastentativasquemaisseaproximaramdoêxitoforamasteorias de supergravidade formuladas não em quatro, e sim em umnúmero maior de dimensões. Especificamente, as mais promissoraseram as versões que pediam dez ou onze dimensões, sendo onze onúmero mais alto possível. O contato com as quatro dimensõesobservadasdeu-se,umavezmais,nocontextodeKaluzaeKlein:asdimensõesadicionaiseramrecurvadas.Nasteoriasemdezdimensões,como na teoria das cordas, seis delas são recurvadas, enquanto nateoriaemonzedimensões,setesãorecurvadas.

Quando, em 1984, a teoria das cordas entrou em cena, demaneira súbita e revolucionária, a perspectiva das teorias desupergravidade para partículas puntiformes modificou-seextraordinariamente. Como já ressaltamos, quando examinamos umacordacomaprecisãodequedispomosnãosóagoramastambémnofuturoprevisível,elaseparececomumapartículapuntiforme.Podemostornar essa observaçãomais precisa: ao estudar processos de baixaenergia na teoria das cordas — os processos que não têm energiasuficiente para sondar a extensão ultramicroscópica da corda —podemosusaraspartículaspuntiformessemestruturainternaparafazerumaaproximaçãocomascordas,usandoa teoriaquânticadecampopara as partículas. Não podemos usar essa aproximação aotrabalharmos com processos de curta distância ou de alta energiaporque sabemos que a extensão da corda é crucial para a sua

capacidade de resolver os conflitos entre a relatividade geral e amecânica quântica, que uma teoria para partículas puntiformes não écapaz de resolver. Mas a energias suficientemente baixas, essesproblemas não são encontrados e freqüentemente se fazem essasaproximações,parafacilidadedecálculo.

Ateoriaquânticadecampoquemaisseaproximadateoriadascordas neste sentido não é outra senão a supergravidade em dezdimensões. As propriedades especiais da supergravidade em dezdimensões,descobertasnasdécadasde70e80,sãohojevistascomovestígios, nos níveis de baixa energia, do poder maior da teoria dascordas. Os pesquisadores que estudavam a supergravidade em dezdimensõeshaviamvistoapontadoiceberg—aricaestruturadateoriadascordas.Na verdade, há quatro teorias diferentes de supergravidade em dezdimensões,quesedistinguemnosdetalhes relativosàmaneiraexatapela qual cada uma delas incorpora a supersimetria. Três delasrevelaram-se os correspondentes de baixa energia das teorias dascordas de TipoHA, IIB eHeterótica-E. A quarta tem esse papel comrelaçãoàsteoriasdascordasdeTipoIeHeterótica-0;dopontodevistaatual,essas foramasprimeiras indicaçõesda relação íntimaexistenteentreessasteoriasdascordas.

Essa é uma bonita história, salvo pelo fato de que asupergravidade em onze dimensões ficou esquecida. A teoria dascordas formulada em dez dimensões parece não dar lugar para umateoriaemonzedimensões.Pormuitosanos,avisãodemuitos,senãodetodososteóricosdascordas,eraadequeasupergravidadeemonzedimensões era uma excentricidadematemática semnenhuma ligaçãocomafísicadateoriadascordas.VISLUMBRESDATEORIAM

Avisãoatualébemdiferente.NaConferênciaAnualdeCordasde1995,WittensustentouquesecomeçarmoscomateoriadeTipoHAe aumentarmos a sua constante de acoplamento de um valor muitomenordoquelparaumvalormuitomaiordoquel,aestruturafísicaquecontinuamos a poder analisar (essencialmente a das configuraçõessaturadasdosestadosBPS)temumaaproximaçãoembaixasenergiasqueéasupergravidadeemonzedimensões.QuandoWittenanunciouessadescoberta,aplatéiaficouempolvorosaeatéhojesentem-seos

efeitosdesseanúncionacomunidadecientíficainteressada.Paraquasetodos os estudiosos do campo, o avanço anunciado era totalmenteinesperado.Aprimeira reaçãoà revelação foi fácil de imaginar: comopodeuma teoria queé específica para onzedimensões ser relevanteparaoutrateoriafeitaparadezdimensões?

Aresposta temumsignificadoprofundo.Paracompreendê-la,éprecisodescreveraafirmaçãodeWittencommaiorprecisão.Aliás,serámais fácil referirmo-nos a umadescoberta intimamente ligada a essa,feita posteriormente pelo próprio Witten e por um pós-doutor daUniversidadedePrinceton,PetrHorava.ElesdescobriramqueateoriaHeterótica-Ecomcomportamentofortementeacopladotambémtemumadescriçãoemonzedimensões.Naprimeirapartedafigura,aconstantedeacoplamentodascordasdateoriaHeterótica-E é muito menor do que l. Esse é o domínio em queestivemos trabalhando nos capítulos anteriores e que os teóricos dateoria das cordas vêm estudando por bem mais de uma década. Amedida que avançamos para a direita vamos aumentando o valor daconstante de acoplamento. Antes de 1995, os teóricos das cordassabiamqueissotornariaosprocessosdelaçosmúltiploscadavezmaisimportantese,àmedidaqueaconstantedeacoplamentoaumentasse,isso acabaria por impossibilitar o emprego do esquema perturbativo.Mas o que ninguém suspeitava era que à medida que crescia aconstantedeacoplamento,umanovadimensãosefaziavisível!

Trata-sedadimensão"vertical".Lembre-sedequenestaamalhabidimensional com que começamos representa todas as novedimensões espaciais da teoria Heterótica-E. Desse modo, a novadimensão vertical representa a décima dimensão espacial, a qual,juntamente com o tempo, nos leva a um total de onze dimensõesespaço-temporais.

Além disso, ilustra uma conseqüência profunda dessa novadimensão. A estrutura da corda Heterótica-E se modifica com ocrescimentodessadimensão.Elapassadeum laçounidimensionalaumafitaeaumcilindrodeformado,àmedidaqueaumentamosovalordaconstantedeacoplamento!Emoutraspalavras,acordaHeterótica-Eé,naverdade,umamembranabidimensionalcujalarguraédeterminadapelovalordaconstantedeacoplamento.Pormaisdeumadécada,osteóricos empregaram apenas os métodos perturbativos, firmementeenraizados na premissa de que a constante de acoplamento émuito

pequena. Como Witten expôs, essa premissa fez com que oscomponentes fundamentais parecessemser cordasunidimensionais esecomportassemcomotal,emborapossuíssemumasegundadimensãoespacial oculta. Relativizando a premissa de que a constante deacoplamentoémuitopequenaeconsiderandooaspectofísicodacordaHeterótica-E quando o valor da constante de acoplamento é alto, asegunda dimensão torna-semanifesta. Esta constatação não invalidanenhumadasconclusõesaquechegamosnoscapítulosprecedentes,masforça-nosavê-lasemumnovocontexto.Porexemplo,comoéquetudo isso se concilia com as nove dimensões espaciais e a únicadimensão temporal requeridas pela teoria das cordas? Lembre-se dequenocapítulo8vimosqueessaespecificaçãodecorredacontagemdonúmerodedireçõesindependentesemqueumacordapodevibraredorequisito de que esse número tenha o valor necessário para que asprobabilidadesdamecânicaquânticatenhamvalorescoerentescomarealidade. A nova dimensão que acabamos de revelar não é umadimensão em que uma corda Heterótica-E possa vibrar, por ser umadimensão que está contida dentro da estrutura das próprias "cordas".Emoutraspalavras,oesquemaperturbativoqueosfísicosempregaramparaderivarorequisitodeumespaço-tempodedezdimensõesassumiadesdeoprincípioqueaconstantedeacoplamentodateoriaHeterótica-E é pequena. Embora isso só tenha sido reconhecido muito tempodepois, esse esquema implicitamente fez valer duas aproximaçõescoerentesentresi:adequealarguradamembranaépequena,oqueafazparecer-seaumacorda,eadequeadécimaprimeiradimensãoétão pequena que está aquém da sensibilidade das equaçõesperturbativas.

Dentrodesseesquemaaproximativo,somoslevadosàvisãodeumuniversocomdezdimensões,povoadodecordasunidimensionais.Agora vemos que isso é uma aproximação a um universo com onzedimensões que contém membranas bidimensionais. Por motivostécnicos, Witten chegou à décima primeira dimensão ao estudar aspropriedadesdocomportamentofortementeacopladodateoriadeTicoHA, tema com relação ao qual a história émuito parecida. Como noexemploda teoriaHeterótica-E,existeumadécimaprimeiradimensãocujo tamanhoédeterminadopelaconstantedeacoplamentoda teoriade Tipo A. Quando o seu valor aumenta, a nova dimensão cresce.Quando isso acontece, afirmaWitten, a corda de Tipo A, em vez deesticar-separaformarumafita,comonocasodateoriaHeterótica-E, expande-se para formar um "tubo interno". Novamente

Witten argumentou que, embora os teóricos tenham sempre visto ascordas de Tipo A como objetos unidimensionais, dotados decomprimento mas não de espessura, essa visão era um reflexo doesquemaperturbativodeaproximaçãoque supõequea constantedeacoplamentodascordasépequena.Seanaturezativercomorequisitoque a constante de acoplamento tenha um valor pequeno, então aaproximaçãoéválida.Todavia,aargumentaçãodeWittenedeoutrosfísicos durante a segunda revolução das supercordas introduz forteselementosdeconvicçãodequeas "cordas"deTipoAeHeterótica-Esão,fundamentalmente,membranasbidimensionaisqueexistememumuniversocomonzedimensões.

Masemqueconsisteessateoriaemonzedimensões?SegundoWitten e outros, a níveis baixos de energias (baixos em comparaçãocom a energia de Planck), essa teoria tem como aproximação aesquecida teoria quântica de campo da supergravidade em onzedimensões. Mas a energias mais altas, como se pode descrever ateoria? Esse tópico está atualmente sob intenso escrutínio. Sabemosqueateoriaemonzedimensõescontémobjetosquetêmextensãoemduas dimensões—membranas bidimensionais. Como logo veremos,outrosobjetoscomextensãoemmaisdimensõestambémtêmumpapelimportante. Mas além de um aglomerado de propriedades jáconhecidas, ninguém sabe em que consiste essa teoria em onzedimensões.Asmembranasserãoosseuscomponentesfundamentais?Quaissãoaspropriedadesqueadefinem?Comoelafazcontatocomafísica tal como nós a conhecemos? Se as respectivas constantes deacoplamento forem pequenas, as nossas melhores respostas paraessas perguntas são as que vimos nos capítulos anteriores, uma vezquecomconstantesdeacoplamentopequenassomoslevadosdevoltaà teoriadascordas.Masseasconstantesdeacoplamentonão forempequenas,ninguémsabehojequaissãoasrespostas.

Seja lá o que for a teoria em onze dimensões,Witten deu-lheprovisoriamente o nome de teoria M. De acordo com a opinião dediversas pessoas, o nome pode ter diversos significados. Aqui estãoalguns exemplos: TeoriaMisteriosa, TeoriaMãe (a "mãe de todas asteorias"),TeoriadasMembranas(umavezqueasmembranasparecemfazerpartedahistória,qualquerquesejaela)eTeoriadeMatrizes(deacordo com trabalhos recentes de torn Banks, da Universidade deRutgers,WillyFischier,daUniversidadedoTexasemAustin,StephenShenker,deRutgers,eSusskind,osquaisoferecemumainterpretaçãonovadateoria).Mesmo

que ainda não tenhamos umdomínio satisfatório, seja do nome, sejadaspropriedadesdateoria, jáestáclaroqueelaofereceumsubstratopromissorparaareuniãodascincoteoriasdascordasemumasó.ATEORIAMBAREDEDEINTERCONEXOES

Todosconhecemavelhaanedotadostrêscegoseoelefante.Oprimeiro cego apalpa a presa de marfim do elefante e descreve asuperfície dura e lisa que toca. O segundo cego apalpa a perna doelefanteedescreveumobjetoásperoemusculoso.Oterceiroseguraacaudadoelefanteedescreveumapêndice forteedelgado.Comoasdescriçõesmútuassãotãodiferentesecomonenhumdelespodeverosdemais,cadaumpensaquetocouumanimaldiferente.Pormuitosanososfísicosestiveramtãoàsescurasquantoostrêscegos,pensandoqueasdiferentesteoriasdascordasfossemrealmentemuitodiferentes.Masagora,comasdescobertasdasegundarevoluçãodassupercordas,elesconstataramqueateoriaMéopaquidermeunificadordascincoteorias.Neste capítulo discutimos as mudanças pelas quais passou a nossacompreensãodateoriadascordasemfunçãodasaventurasparaalémdo domínio do esquema perturbativo — um domínio que usamosimplicitamente antes deste capítulo. Resume as inter-relações queencontramosatéaqui.Assetasindicamasteoriasduais.Comosevê,temos uma rede de conexões, mas ela ainda não está completa.Incluindoasdualidadesdocapítulo10podemoscompletaro trabalho.Lembre-sedadualidadeentreoraiograndeeoraiopequenodocírculo,quetornaintercambiáveisduasdimensõescircularesderaiosRe l/R.Anteriormente, afloramos um aspecto dessa dualidade, que agoradevemos esclarecer. No capítulo 10 discutimos as propriedades dascordas em um universo com uma dimensão circular, sem especificarcom cuidado qual das cinco formulações da teoria das cordasestávamosempregando.Sustentamosquea intercambiabilidadeentreosmodosdevoltasedevibraçõesdeumacordapermite-nos,deacordocom a teoria das cordas, descrever em termos exatamente iguaisuniversoscujasdimensõescircularestenhamraiosiguaisaRel/R.OaspectoquenãoexplicitamosentãoéqueasteoriasdascordasdeTipoHAeBtambémsãointercambiáveispormeiodessadualidade,assimcomo as teorias das cordas Heterótica- 0 e Heterótica-E. Assim, oenunciadomaisprecisodadualidadeentreoraiograndeeopequenoé

o seguinte: a física das cordas de Tipo HA em um universo comdimensãocircularderaioRéabsolutamenteidênticaàfísicadascordasde Tipo B em um universo com dimensão circular de raio l/R (umenunciado similar vale para as cordas Heterótica-0 e Heterótica-E).Esse refinamento da dualidade entre o raio grande e o pequeno nãoproduz efeitos significativos sobre as conclusões do capítulo 10,mastemumimpactoimportantenapresentediscussão.

Arazãoestáemque,aoproporcionarumvínculoentreasteoriasdas cordas de Tipo A e B, assim como entre a Heterótica-0 e aHeterótíca-E,adualidadeentreoraiograndeeopequenocompletaarede de conexões, o que é ilustrado pelas linhas pontilhadas.Mostraquetodasascincoteorias,juntamentecomateoriaM,sãoduaisentresi. Todas estão integradas em um único esquema teórico; elasproporcionam cinco maneiras diferentes de descrever uma mesmaestruturafísicacomumatodas.Paracertasaplicações,umadelaspodesermuitomais efetivaqueasoutras.Por exemplo, émuitomais fáciltrabalhar com a teoria Heterótica-0 de comportamento fracamenteacopladodoquecoma teoriadeTipo Idecomportamento fortementeacoplado.Noentanto, elasdescrevemexatamenteamesmaestruturafísica.OQUADROGERAL

Agora podemos compreender melhor o que apresentamos noinício deste capítulo para resumir os pontos essenciais. Vemos queantes de 1995, sem levar em conta as dualidades, tínhamos cincoteorias das cordas aparentemente diferentes. Vários cientistastrabalharam em cada uma delas, que, sem a noção da dualidade,pareciam ser teorias diferentes.Cada uma das teorias tinha aspectosvariáveis,comootamanhodaconstantedeacoplamentoeostamanhoseformasgeométricasdasdimensõesrecurvadas.Havia(eaindahá)aesperança de que essas propriedades definidoras possam serdeterminadas pela própria teoria, mas, carentes da capacidade dedeterminá- laspormeiodasequaçõesaproximadasdequedispomos,osfísicosnaturalmenteestudaramasestruturasfísicasquederivamdetodaumagamadepossibilidades.Pormeiodasáreassombreadas—cada ponto nessa região denota uma escolha específica para aconstante de acoplamento e a geometria recurvada. Sem invocarqualquer dualidade, temos ainda cinco (conjuntos de) teorias

dissociadas.

Masagora,seaplicarmostodasasdualidadesquediscutimos,aovariaroacoplamentoeosparâmetrosgeométricos,podemospassardeuma teoriaparaqualquerdasoutras,desdeque incluamos tambémaregiãocentraldateoriaM.MesmoqueonossoentendimentodateoriaMseja ainda precário, esses argumentos indiretos dão grande apoio àafirmaçãodequeelaproporcionaosubstratounificadorparaascincoteoriasdascordasaparentementediferentes.

Alémdisso,vimosqueateoriaMrelaciona-seintimamentecomumasextateoria—asupergravidadeemonzedimensões.

A incorporação das dualidades, as cinco teorias das cordas, asupergravidade,asdimensõeseateoriaMsefundememumarcabouçounificado.

Emboraonossoconhecimentoatualaseurespeitosejaapenasparcial,asidéiaseasequaçõesfundamentaisdateoriaMunificamasidéiaseasequaçõesdetodasasformulaçõesdateoriadascordas.Ateoria M é o elefante teórico que abriu os olhos dos estudiosos dascordasparaumesquemaunificadormuitomaisgrandioso.UMASPECTOSURPREENDENTEDATEORIAM:DEMOCRACIAEMEXTENSÃO

Quandoaconstantedeacoplamentodascordasépequenaemqualquerdasregiõespeninsulares,ocomponentefundamentaldateoriaparece ser a corda unidimensional. Mas agora podemos ver essaobservaçãodeumanovaperspectiva.SecomeçamospelasregiõesdateoriaHeterótica-EoudateoriadeTipoHA,eaumentamosovalordasrespectivasconstantesdeacoplamentodascordas,nósnosmovemosem direção ao centro do mapa, e o que parecia ser uma cordaunidimensional se transmuta em umamembrana bidimensional. Alémdisso,pormeiodeumasériemaisoumenoscomplexaderelaçõesdedualidadequeenvolvemasconstantesdeacoplamentodascordaseaforma específica das dimensões espaciais recurvadas, podemos nosmover fácil e continuamente de qualquer ponto para qualquer outro.Como as membranas bidimensionais que encontramos nas teoriasHeterótica-EedeTipoHApodemserseguidasemnossosdeslocamentosparaqualquerumadasoutrastrêsformulaçõesqueaparecem,vemosquecadaumadascincoformulaçõesenvolvetambémasmembranasbidimensionais.

Isso levanta duas questões: primeiro, as membranas

bidimensionais serão os componentes fundamentais da teoria dascordas?Segundo,depoisdossaltoscorajososdasdécadasde70e80,quenoslevaramdaspartículaspuntiformesdedimensãozeroparaascordas unidimensionais, e depois de termos visto que a teoria dascordasenvolvemembranasbidimensionais, seráqueexistem tambémcomponentes demaiores dimensões na teoria?Nomomento em queescrevemos,asrespostasaessasperguntasnãosãobemconhecidas,mas a situação parece ser a seguinte. Baseamo-nos firmemente nasupersimetria para conseguir algum entendimento das distintasformulações da teoria das cordas além do domínio de validade dosmétodosperturbativosdeaproximação.Emparticular,aspropriedadesdos estados BPS, suas massas e suas cargas de força, sãodeterminadas exclusivamente pela supersimetria, o que nos permitiucompreender alguns dos aspectos do comportamento fortementeacoplado sem ter de executar cálculos diretos de dificuldadeinimaginável.Comefeito,pormeiodosesforçosiniciaisdeHorowitzeStrominger e do trabalho posterior de desbravamento de Polchinski,temosagoramaioresconhecimentosa respeitodosestadosBPS.Emparticular, não só conhecemos as massas e cargas de força quetransportam, como temos uma clara noção da sua aparência. E essequadrotalvezsejaoavançomaissurpreendentedetodos.Algunsdosestados BPS são cordas unidimensionais. Outros são membranasbidimensionais.Jáestamosfamiliarizadoscomessasformas.Masasurpresaéqueoutrossãotridimensionaisetetradimensionais—na verdade, o número de possibilidades compreende todas asdimensõesespaciaisaténove,inclusive.

Ateoriadascordas,ouateoriaM,ouqualqueroutronomequeelavenhaater,contém,assim,objetoscomextensãoemtodasessasdimensõesespaciaispossíveis.Osfísicoscunharamostermos3-branae 4-brana para descrever objetos com extensão em três e em quatrodimensõesespaciais,eassimpordiante,atéas9-branas (e, de modo mais geral, para um objeto com p dimensõesespaciais, onde p representa um número inteiro, os físicos cunharamumaterminologiabempoucoeufônica:p-brana).Porvezes,deacordocom essa terminologia, as cordas são descritas como 1-brana e asmembranas, como 2-brana.O fato de que todos esses objetos fazemparte da teoria levouPaul Townsend a proclamar a "democracia dasbranas".

Democracia das branas à parte, as cordas— os objetos com

extensão unidimensional — são especiais pela seguinte razão. Osfísicos demonstraram que a massa dos objetos com extensão emqualquer número de dimensões, com exceção das cordasunidimensionais, é inversamente proporcional ao valor da respectivaconstante de acoplamento das cordas, quando nos encontramos emalguma das cinco regiões peninsulares. Isso significa que com umcomportamento fracamente acoplado, em qualquer das cincoformulações,todososobjetos,comexceçãodascordas,terãomassasenormes—muitasordensdegrandezasuperioresàmassadePlanck.Sendo tãopesadas,e tendoemvistaque,porcausadaequaçãoE=me2, as branas requerem uma quantidade inimaginavelmente alta deenergiaparaseremproduzidas,elastêmefeitoapenasmarginalsobregrandeparteda física(masnãosobre todaa física,comoveremosnopróximocapítulo).

Contudo,quandosaímosdasregiõespeninsulares,asbranasdemaiores dimensões tornam-se mais leves e assumem importânciacrescente.Porconseguinte,aimagemareteréesta:naregiãocentral,temosumateoriacujosprincipaiscomponentessãonãoapenascordasoumembranas,massim"branas"deváriasdimensões,todasmaisoumenoscomamesmaimportância.Nestemomentoaindanãotemosumconhecimento adequado de muitos aspectos essenciais dessa teoriaglobal. Mas uma coisa que sabemos é que ao nos deslocarmos daregiãocentralparaaspeninsulares,somenteascordas(oumembranasrecurvadasatalpontoqueseparecemcadavezmaiscomascordas,sãosuficientementelevesparapoderestarpresentesnafísicaquenósconhecemos—adaspartículasdatabelaedasquatroforçaspormeiodasquaiselasinteragem.Asanálisesperturbativasfeitaspêlosteóricosdurantequaseduasdécadasnãotinhamrefinamentosuficientesequerparadescobriraexistênciadeobjetossuperpesadoscomextensãoemoutrasdimensões;ascordasdominaramasanáliseseateoriarecebeuonomepoucodemocráticode teoriadascordas.Convémrepetirque,nas regiões peninsulares, é lícito, para amaior parte dos propósitos,ignorartudooquenãosejamascordas.Essencialmente,issoéoquefizemosatéaquinestelivro.Agoravemos,noentanto,que,naverdade,ateoriaémaisricadoqueanteshavíamosimaginado.ISSORESOLVEASPERGUNTASNÃORESPONDIDASDATEORIADASCORDAS?

Simenão.Conseguimosampliaronossoentendimentolivrando-nos de certas conclusões que, em retrospecto, eram mais

conseqüências das análises perturbativas de aproximação do queelementos reais da física das cordas.Mas o âmbito de aplicabilidadedos nossos instrumentos não perturbativos é ainda muito limitado. Adescobertadanotávelredederelaçõesdedualidadenospermiteumapercepção bem mais profunda da teoria das cordas, mas muitasquestões permanecem sem resposta. Atualmente, por exemplo, nãosabemos como ir além das equações aproximadas para determinar ovalordaconstantedeacoplamentodascordas—equaçõesque,comovimos,sãodemasiadotoscasparproduzirinformaçõesúteis.Tampoucotemos maior percepção sobre por que existem exatamente trêsdimensões espaciais estendidas, nem sobre como escolher a formaespecífica das dimensões recurvadas. Essas questões requeremmétodosnãoperturbativosmaisprecisosedesenvolvidosdoqueosqueatualmentepossuímos.

Oque realmenteconseguimos foiumacompreensãobemmaisprofundadaestruturalógicaedoalcanceteóricodateoriadascordas.Antesdasconstatações,ocomportamentofortementeacopladodetodasascincoteoriasdascordaseraumacaixa-preta,ummistériocompleto.Como nos mapas de antigamente, o domínio do comportamentofortementeacopladoeraaterra incógnita,potencialmentehabitadapordragõesemonstrosmarinhos.Agoravemosque,emboraaviagemaoscomportamentos fortemente acoplados possa conduzir-nos a regiõesdesconhecidasdateoriaM,emúltimaanáliseelanostrazdevoltaàspaisagens reconfortantes do comportamento fracamente acoplado —aindaquenalinguagemdualdoqueanteseravistocomooutrateoriadascordas.

A dualidade e a teoria M unem as cinco teorias das cordas esugeremuma conclusão importante.Pode ser que já não haja outrassurpresas do porte das que temos visto, e que estejam aindaaguardando a nossa descoberta. Quando o cartógrafo conseguedesenhar todas as regiões do globo terrestre, o mapa está feito e oconhecimento geográfico está completo. Isso não quer dizer que asexpediçõesàAntártidaouàsilhotasremotasdaMicronésiacareçamdevalor científico ou cultural. Significa apenas que a era dosdescobrimentos geográficos terminou. A ausência de espaços embranconomapa-múndisignificaisso.O"mapateórico"desempenhaumpapel similar para os teóricos das cordas. Ele cobre toda a gama deteorias que podem ser atingidas em uma viagem que pode partir dequalquerumadascincoteoriasdascordas.Emboraestejamoslongede

conhecerbematerraincógnitadateoriaM,jánãohááreasembranconomapa.Talcomoocartógrafo,o teóricodascordaspodeproclamaragora, com certo otimismo, que o espectro de teorias logicamentecorretasqueincorporamasdescobertasessenciaisdoúltimoséculo—a relatividade geral e a especial; amecânica quântica; as teorias decalibre das forças forte, fraca e eletromagnética; a supersimetria e asdimensõesadicionaisdeKaluzaeKlein—estáinteiramentecontidonomapa.

Odesafiodoestudiosodateoriadascordas—talvezsejamelhordizer o estudioso da teoriaM—é o demostrar que algum ponto domapateóricodescreveonossouniverso.Issorequerqueencontremosasequaçõescompletaseexatascujasoluçãodeterminaráalocalizaçãodesse ponto no mapa e depois estudemos a estrutura físicacorrespondentecomprecisãosuficienteparapermitircomparaçõescoma experiência. Como disse Witten, "Compreender em que consisterealmenteateoriaM—afísicaqueelaencerra—transformariaanossacompreensão da natureza de uma maneira pelo menos tão radicalquanto a que ocorreu em todas as grandes revoluções científicas dopassado".EsseéoprogramaparaaunificaçãonoséculoXXI.

13.Buracosnegros:umaperspectivadateoriadascordasedateoriaM

Oconflitoentrearelatividadegeraleamecânicaquântica,que

vicejou antes do surgimento da teoria das cordas, era uma afronta ànoçãointuitivadequeasleisdanaturezadevemconstituirumconjuntoúnico,harmônicoecoerente.Masesseantagonismoeramaisdoqueumadesuniãoabstrata.Ascondiçõesfísicasextremasqueocorreramnomomentodobig-bangequeprevalecemnointeriordosburacosnegrosnão podem ser compreendidas sem uma formulação da forçagravitacional em termos demecânica quântica.Coma descoberta dateoriadascordas,temosagoraaesperançaderesolveressesmistériosprofundos. Neste capitulo e no próximo, descreveremos o quantoavançouateoriadascordasrumoàcompreensãodosburacosnegrosedaorigemdouniverso.OSBURACOSNEGROSEASPARTÍCULASELEMENTARES

Àprimeiravista,édifícilimaginarduascoisastãodiferentesentresiquantoosburacosnegroseaspartículaselementares.Normalmentevemos os buracos negros como colossais devoradores de corposcelesteseaspartículaselementarescomoasmaisdiminutasfagulhasdamatéria.Masumbomnúmerodepesquisas realizadasem finsdadécadade60einíciosdadécadade70porDemetriosChristodoulou,WernerIsrael,RichardPrice,BrandonCárter,RoyKerr,DavidRobinson,HawkingePenrose,entreoutros,revelaramqueosburacosnegros e as partículas elementares talvez não sejam entidades tãodiferentesassim.

Esses pesquisadores concluíram, com certeza cada vezmaior,que, comodisse JohnWheeler, "os buracos negros não têm cabelo".Wheelerqueriadizercomissoque,excetoporumpequenonúmerodecaracterísticas distintivas, todos os buracos negros são iguais. Quaissãoas característicasdistintivas?Uma, evidentemente, é amassadoburaconegro.Quaisasoutras?Aspesquisasrevelaramquesãoacargaelétrica, assim como outras cargas de força que o buraco negrocontenha,easuavelocidadederotação(spin).Eissoétudo.Quaisquerburacos negros que tenham a mesmamassa, as mesmas cargas deforça e amesma velocidade de rotação são absolutamente idênticos.Elesnão têm "penteados"elegantes—ouseja, outras característicasintrínsecas — que os diferenciem uns dos outros. Aí está umacoincidência interessante: lembre-se de que são precisamente essaspropriedades — massa, cargas de força e spin — que tornam aspartículaselementaresdiferentesentresi.Essasimilaridadedostraçosdefinidoreslevoudiversosfísicosaespecular,aolongodosanos,sobreaestranhapossibilidadedequeosburacosnegrossejam,naverdade,gigantescaspartículaselementares.

Comefeito, deacordocoma teoriadeEinstein,nãoexisteumlimitemínimoparaamassadeumburaconegro.Secomprimirmosumtorrão de terra, qualquer que seja a sua massa, a um volumesuficientementepequeno,aaplicaçãolineardarelatividadegeralmostraque ele se transformará em um buraco negro. (Quanto menor for amassainicial,menorseráovolumefinal.)Podemos,portanto,imaginarumaexperiênciaabstrataemquecomeçamoscomglóbulosdematériacada vez menores e os comprimimos para formar buracos negros,tambémcadavezmenores,comoobjetivodecompararaspropriedadesdos buracos negros resultantes com as propriedades das partículaselementares.Acalvíciedafrasede

Wheeler nos leva à conclusão de que, com uma massa inicialsuficientementepequena,oburaconegroqueformarmosdessamaneiraserámuito parecido a uma partícula elementar. Ambos serão objetosmínimos, caracterizados apenas pelamassa, pelas cargas de força epelospin.Masháumaressalva.Osburacosnegrosastrofísicos,cujasmassassãomuitasvezesmaioresdoqueadoSol,sãotãograndesepesadosqueamecânicaquânticaébasicamenteirrelevanteesomenteas equações da relatividade geral devem ser usadas para acompreensão das suas propriedades. (Estamos discutindo aqui aestruturaglobaldoburaconegro,enãoopontocentraldocolapso,nointerior do buraco negro, cujas mínimas dimensões certamenterequerem tratamento pela mecânica quântica.) Mas à medida queavançamosnonossoprocessodecriaçãodeburacosnegroscadavezmenores, chegamos a um ponto em que eles são tão leves que amecânica quântica tem de entrar em cena. Isso é o que acontecequandoamassatotaldoburaconegroédoportedamassadePlanck,oumenor.(Dopontodevistadafísicaelementar,amassadePlanckéenorme— cerca de 10 bilhões de bilhões de vezesmaior do que amassadopróton.Dopontodevistadosburacosnegros,noentanto,amassadePlanck, que corresponde à de um grão de poeira comum, épequeníssima.)Assim,osfísicosqueespeculavamqueosminiburacosnegros e as partículas elementares pudessem estar intimamenterelacionados encontraram-se frente a frente com a incompatibilidadeentrearelatividadegeral—ocerneteóricodosburacosnegros—eamecânica quântica. No passado, essa incompatibilidade estancouqualquerprogressonessaintrigantedireção.ATEORIADASCORDASNOSPERMITEAVANÇAR?

Sim. Graças a uma concepção sofisticada e até certo pontoinesperada dos buracos negros, a teoria das cordas permite pelaprimeira vez estabelecer uma ligação teórica sólida entre os buracosnegroseaspartículaselementares.Ocaminhodessaligaçãoéumtantoindiretoepassaporalgunsdosmais interessantesavançosda teoriadascordas,demodoqueaviagemvaleapena.

Elecomeçacomumaquestãoqueosestudiososdascordasvêmdebatendo desde fins da década de 80.Osmatemáticos e os físicos

sabem já há algum tempo que quando seis dimensões espaciais seencontramrecurvadasemumaformadeCalabi-Yau,geralmentehádoistiposdeesferascontidasdentrodesseespaço.Umtipoéodasesferasbidimensionais,comoasuperfíciedeumabola,queexercemumpapelvitalnastransiçõesdeviradaquevimosnocapítulo11.Ooutrotipoémais difícil de descrever, mas ocorre com a mesma freqüência. Sãoesferas tridimensionais — como a superfície de uma bola em umuniverso comquatro dimensõesespaciais estendidas.Evidentemente,comovimosnocapítulo11,umabolacomumnonossomundotambémtemtrêsdimensões,masasuasuperfície,talcomoadeumamangueirade jardim, temduasdimensões:bastamdoisnúmeros—basicamentelongitudeelatitude—paralocalizarqualquerposiçãonessasuperfície.Mas aqui estamos imaginando uma dimensão espacial a mais: umabola tetradimensional cuja superfície é tridimensional. Como épraticamente impossível imaginarumabolaassim,namaiorpartedasvezes recorreremos a esquemas analógicos com menos dimensões,mais fáceis de visualizar. Mas, como veremos agora, um aspecto danatureza tridimensional das superfícies esféricas é de importânciacapital.

O estudo das equações da teoria das cordas revelou que épossível,emesmoprovável,quecomopassardo tempoessasbolasvenhamaencolher-se—entraremcolapso—atéumvolumemínimo.Mas as perguntas são as seguintes: o que aconteceria se o tecidoespacialentrasseemcolapsodessemesmomodo?Esseencolhimentodotecidoespacialcausariaalgumtipodeefeitocatastrófico?Aperguntaémuitosemelhanteàquefizemoserespondemosnocapítulo11,masaqui estamos lidando com o colapso de esferas de três dimensõessuperficiais, enquanto no capítulo 11 nos ocupávamos do colapso deesferas com duas dimensões superficiais. (Tanto aqui quanto nocapítulo 11, como o encolhimento se refere apenas a uma parte doespaço de Calabi-Yau, e não a esse espaço como um todo, aidentificaçãoentreraiopequenoeraiogrande,quevimosnocapítulo10,nãoseaplica.)Essaéadiferençaqualitativaessencialquedecorredamudança do número de dimensões. Vimos no capítulo 11 que umaconstataçãocrucialéqueascordas,aosemoverematravésdoespaço,podem envolver as esferas bidimensionais. Ou seja, a sua folha demundo bidimensional pode envolver por completo a esferabidimensional. E exatamente isso o que é preciso para evitar que ocolapso de uma esfera bidimensional cause catástrofes físicas. Mas,agora, estamos tratandode umoutro tipo de esfera no interior de um

espaçodeCalabi-Yau,aqual temdemasiadasdimensõesparapoderserenvolvidaporumacordaquesemove.Sevocêtiverdificuldadeemvisualizar isso, pode perfeitamente recorrer à analogia que se obtémreduzindo o número de dimensões. E possível visualizar as esferastridimensionaiscomosefossemassuperfíciesbidimensionaisdasbolascomuns,desdequevocêtambémvisualizeascordasunidimensionaiscomosefossempartículaspuntiformescomdimensãozero.Ora,comouma partícula puntiforme de dimensão zero não pode envolver coisaalguma— e muito menos uma esfera bidimensional —, assim também umacordaunidimensionalnãopodeenvolverumaesferatridimensional.

Esseraciocínio levouos teóricosaespecularqueocolapsodeumaesferatridimensionalno interiordeumespaçodeCalabi-Yau—evento que as equações aproximadas mostram ser perfeitamentepossíveletalvezmesmoumaextensãonaturaldateoriadascordas—pode produzir resultados catastróficos. Com efeito, as equaçõesaproximadasda teoriadascordasdesenvolvidasantesdemeadosdadécadade90pareciamindicarqueouniversodeixariadefuncionarseesseeventoviesseaocorrer;elasindicavamquealgunsdosresultadosinfinitos domados pela teoria das cordas voltariam a aparecer, emconseqüência do colapso do tecido espacial. Por muitos anos osteóricos das cordas tiveram de conviver com essa possibilidadeinquietante,aindaqueinconclusiva.Masem1995,AndrewStromingerdemonstrouqueaquelasespeculaçõeseraminfundadas.

Strominger,seguindoalinhadesbravadoradeWitteneSeiberg,pôs em prática a constatação de que a teoria das cordas, quandoexaminadacomamaiorprecisãoobtidacomasegundarevoluçãodassupercordas,nãoéapenasumateoriasobrecordasunidimensionais.Oseuraciocínioeraoseguinte:umacordaunidimensional—ouuma1-brana, na nova linguagem do meio acadêmico — pode envolvercompletamenteumtrechodeespaçounidimensional.Aomover-sepeloespaço,envolveumaesferabidimensional.Afiguradeveservistacomoum instantâneo, tomado emumdeterminadomomento no tempo.)Domesmomodo,vemosqueumamembranabidimensional—uma2-brana— pode envolver e cobrir completamente uma esfera bidimensional,basicamente da mesma maneira como uma folha de plástico podeenvolverecobrircompletamenteasuperfíciedeumalaranja.Emboraavisualizaçãonestecasosejamaisdifícil,Stromingerdeuseguimentoaoraciocínio e constatou que os componentes tridimensionais recém-

descobertos da teoria das cordas—as 3-brans—podemenvolver ecobrir completamente uma esfera tridimensional. Com base nessaconstatação,Stromingerdemonstrouaseguir,pormeiodeumcálculosimples,quea3-branaenvolventepropiciaumescudofeitosobmedidaque cancela exatamente todos os efeitos potencialmente catastróficosqueos teóricos temiamquepudessemocorrernocasodocolapsodeumaesferatridimensional.

Esse foi um avanço extraordinário e importante. Mas o seualcancesófoireveladoporinteiroumpoucodepois.RASGANDOOTECIDODOESPAÇO-COMCONVICÇÃO

Uma das coisas mais fascinantes da física é como o nível doconhecimentopodemudar literalmentedanoiteparaodia.NamanhãqueseseguiuaodiaemqueStromingerpublicouoseutextonoarquivoeletrônicodainternet,euoliemmeuescritórioemCornell,apóspegá-lonaWorldWideWeb.Deumsógolpe,StromingerhaviautilizadoosmaisrecentesavançosdateoriadascordaspararesolverumadasquestõesmaisespinhosasreferentesàsdimensõesrecurvadasemumespaçodeCalabi-Yau.Masàmedidaqueeurefletiasobreotexto,tiveaidéiadequeelesóhaviatrabalhadoumapartedaquestão.

No trabalho relativo às transições de virada que rompem oespaço, descrito no capítulo 11, estudáramos um processo de duaspartes em que uma esfera bidimensional comprime-se até setransformar em um ponto, o que faz com que o tecido espacial serasgue.Emseguida,aesferabidimensionalvoltaa inflar-secomumanova formae com isso reparao rasgão.Emseu trabalho,Stromingerhavia estudado o que acontece quando uma esfera tridimensional secontraiatéotamanhodeumpontoerevelaraqueosrecém-descobertosobjetospluridimensionaisdateoriadascordaspermitemqueaestruturafísicacontinueacomportar-sebem.Atéaíele foi.Haveriaaindaumaoutrapartedahistória,envolvendodenovoorompimentodoespaçoeasuareparaçãopormeiodoreinflamentodasesferas?

DaveMorrisonestavamevisitandoemCornellnaprimaverade1995enaquelatardenosreunimosparadiscutirotextodeStrominger.Em umas duas horas já tínhamos um esboço do que poderia ser a"continuação da história". A partir de algumas observações feitas nofinaldadécadade80pêlosmatemáticosHerbClemens,daUniversidadedeUtah,RobertFriedman,daUniversidade

deColumbia,eMilesReid,daUniversidadedeWarwick,desenvolvidasporCandeias,GreeneTristanHübsch,entãonaUniversidadedoTexasemAustin,constatamosquequandoumaesferatridimensionalentraemcolapso, é possível que o espaço de Calabi- Yau se rasgue esubsequentementese reparepormeiodo reinflamentodaesfera.Masháumasurpresaimportante.Enquantoaesferaqueentrouemcolapsotinha três dimensões, a que se reinfla tem apenas duas. E difícilvisualizar o que sucede, mas podemos fazer uma idéia utilizando aanalogia emmenosdimensões.Emvez de imaginar o casodifícil deumaesferatridimensionalqueentraemcolapsoeésubstituídaporumaesferabidimensional, imaginemosumaesferabidimensionalqueentraemcolapsoeésubstituídaporoutraesfera,comdimensãozero.Em primeiro lugar, o que são essas esferas unidimensionais ou comdimensãozero?Pensemos por analogia. Uma esfera bidimensional é o conjunto dospontosemumespaço tridimensionalqueestãoàmesmadistânciadeum centro escolhido. Seguindo a mesma idéia, uma esferaunidimensionaléoconjuntodospontosemumespaçobidimensional(como a superfície dessa página, por exemplo) que estão à mesmadistância de um centro escolhido. Isso corresponde a um círculo.Finalmente, seguindo essa linha de raciocínio, uma esfera comdimensãozeroéoconjuntodospontosemumespaçounidimensional(umalinha)queestãoàmesmadistânciadeumcentroescolhido.Issocorrespondeadoispontos,sendoo"raio"daesferadedimensãozero igual à distância entre cada um dos pontos e o centro comum.Assim, a analogia em menos dimensões a que nos referimos noparágrafoanteriorenvolveumcírculo(umaesferaunidimensional)quesedesinfla,aoquesesegueorompimentodoespaçoeasubstituiçãodocírculoporumaesferacomdimensãozero(doispontos).

Esferadedimensõesquepodemservisualizadas facilmente—(a)duasdimensões;(b)uma:e(c)zero.

Umuma porção circular de um doughnut (um toro) entra emcolapso e se reduz a um ponto. A superfície se rasga e se abre,produzindo duas perfurações. Uma esfera de dimensão zero (doispontos) é "colada" para substituir a esfera unidimensional original (ocirculo) reparando a superfície rasgada. Isso permite a transformaçãoemumaformatotalmentediferente—umabola.

Comecemos com a superfície de um doughnut, na qual está

contidaumaesferaunidimensional(umcírculo).Imaginemosagoraquecom o passar do tempo o círculo entre em colapso, o que causa aconstriçãodotecidoespacial.Oprocedimentodereparaçãoconsisteemdeixarqueo tecidose rasguemomentaneamenteesubstituiraesferaunidimensionalconstrita—ocírculoqueentrouemcolapso—porumaesferacomdimensãozero—doispontos—,aqualtapaosburacosnasporções superior e inferior da formaque surgeapóso rompimento.Aforma resultante parece uma banana bem curva, a qual, pormeio deuma deformação suave (que não rasga o espaço), pode sertranquilamente convertida na superfície esférica de umabola.Vemos,portanto,quequandoumaesferaunidimensionalentraemcolapsoeésubstituídaporumaesferacomdimensãozero,atopologiadodoughnutinicial,ouseja,asuaformafundamental,sofreumaalteraçãodrástica.No contexto das dimensões espaciais recurvadas, o processo derompimento do espaço retratado, resultaria na transformação douniverso.

Emboraessasejaumaanalogiaemmenosdimensões,elacolheos aspectos essenciais do que Morrison e eu calculamos ser acontinuaçãodahistóriadeStrominger.ApósocolapsodeumaesferatridimensionaldentrodeumespaçodeCalabi-Yau,parecia-nosqueoespaço podia se rasgar e subsequentemente reparar-se com odesenvolvimento de uma outra esfera bidimensional, o que levaria amudançastopológicasmuitomaisdrásticasdoqueasqueWittenenósmesmosencontráramosno trabalhoanterior (discutidonocapítulo11).Desse modo, uma forma de Calabi-Yau poderia, essencialmente,transformar-seemoutra formadeCalabi-Yaucompletamentediferente—demaneiramuitosemelhanteàtransformaçãododoughnutembola,enquanto a física das cordas permaneceria absolutamente bem-comportada. Embora o quadro estivesse ficando claro, nós sabíamosquehaviaaspectossignificativosque tinhamdeser trabalhadosantesque pudéssemos afirmar que a nossa continuação da história nãoprovocaria nenhuma singularidade — ou seja, conseqüênciasperniciosas e fisicamente inaceitáveis. Fomos para casa aquela noitecom a sensação de que estávamos às vésperas de uma descobertanova.CASCATASDEE-MAILS

Namanhãseguinterecebiume-maildeStromingernoqualpediaqueeulhemandassecomentáriosereaçõesaoseutextoemencionavaqueele"deveriaentrosar-se,dealgummodo,comotrabalhoquevocêfezcomAspinwaileMorrison", uma vez que também estivera explorando um possívelvínculo com o fenômeno das alterações topológicas. Imediatamenteenviei-lheume-mailquedescreviaoesboçoaquehavíamoschegado,Morrison e eu. A resposta dele mostrou-nos que o seu nível deentusiasmo era comparável ao que Morrison e eu estávamosexperimentandodesdeodiaanterior.

Nosdiasseguintes,um fluxocontínuodee-mailscirculouentrenóstrês,enquantobuscávamosfebrilmentedaralgumrigorquantitativoà nossa idéia das alterações topológicas drásticas associadas aorompimento do espaço. Com vagar, mas com segurança, todos osdetalhesforamsendoinseridos.Naquarta-feiraseguinte,umasemanadepoisqueStromingerpublicaraasuadescobertainicial,játínhamosorascunho de um trabalho conjunto que expunha as profundastransformaçõesdo tecidoespacialquepodemdecorrerdocolapsodeumaesferatridimensional.StromingertinhadedarumaconferênciaemHarvardnodiaseguinteeviajoucedopelamanhã.CombinamosqueMorrison e eu continuaríamos a trabalhar o texto para submetê-lo aoarquivo eletrônico aquela mesma noite. As 23h45 já havíamosconfirmado e reconfirmado os nossos cálculos e tudo pareciaharmonizar-seperfeitamente.Assim,enviamosotrabalhoedeixamosoprédiodauniversidade.Andandoemdireçãoaomeucarro(para levarMorrison à casa que ele alugara), passamos a fazer o papel deadvogadododiabo.Imagineientãoquaisseriamaspiorescríticasquealguém que estivesse decidido a não aceitar as nossas conclusõespoderia fazer ao nosso texto. Durante a viagem, verificamos que,embora a nossa argumentação fosse sólida e convincente, não eratotalmente à prova de balas. Nenhum de nós achava que houvessequalquerpossibilidadedeestarmoserrados,masadmitimosqueovigordas nossas afirmações e as palavras que havíamos escolhido emalgunspontospoderiamdeixarocaminhoabertoparaumdebateácido,o que talvez acabasse por ofuscar a importância das conclusões.Concordamosque teriasidomelhorse tivéssemosescritoo textocomumalinguagemalgomaiscontida,comafirmaçõesmenospretensiosas,de modo que a comunidade dos físicos pudesse julgar o trabalhodesapaixonadamente, sem provocar reações à nossa forma deapresentação.

No carro, Morrison lembrou que, de acordo com as regras do

arquivoeletrônico,poderíamosrevisaronossotrabalhoatéasduasdamanhã,quandoeleseriaefetivamenteliberadoparaacessopúbliconainternet.Nomesmomomentodeimeia-voltacomocarroevoltamosàuniversidade, recuperamos o texto enviado e passamos a suavizar alinguagem. Felizmente foi fácil. Umas poucas mudanças em algunsparágrafos críticos bastaram para limar as arestas das nossasafirmações sem prejudicar o conteúdo técnico. Em uma horareapresentamos o texto e combinamos que não falaríamos nem umapalavramaissobreissodurantetodootrajetoatéacasadeMorrison.

No começo da tarde já estava claro que a reação ao nossotrabalho era de entusiasmo. Entre os muitos e-mails que recebemosestavaumdePlesser,quenosmandavaumdosmaiorescumprimentosqueumfísicopodefazer:"Quepenaqueeunãopenseinissoantes!".Apesardosnossos temoresdanoiteanterior, havíamosconvencidoacomunidadedateoriadascordasnãosódequeotecidoespacialpodesofrer os pequenos rompimentos já descobertos (capítulo 11), mastambémdequepodemocorreralteraçõesbemmaisacentuadas.DEVOLTAAOSBURACOSNEGROSEASPARTÍCULASELEMENTARES

Oque é que isso tudo tema ver comos buracos negros e aspartículas elementares? Muito. Para percebê-lo, temos de fazer amesma pergunta que fizemos no capítulo 11. Quais são asconseqüências físicas observáveis que os rompimentos produzem notecidoespacial?Paraocasodas transiçõesdevirada,comovimos,asurpresada respostaestavaemqueafinalnãoacontecequasenada.Nocasodastransiçõescônicas—eminglês,conifoldtransitions,nometécnicodadoàstransiçõesdrásticasderompimentoqueacabávamosdedescobrir—tampouco havia catástrofes físicas (as quais ocorreriam segundo arelatividade geral convencional), mas, sim, ocorriam conseqüênciasobserváveismaispronunciadas.

Dois conceitos correlatos associam-se a essas conseqüênciasobserváveis;explicaremosumdecadavez.Primeiro,comojávimos,adescobertainicialdeStrominger foi a de que uma esfera tridimensional no interior de umespaçodeCalabi-Yaupodeentraremcolapsosemprovocardesastres

porqueuma3-branaa envolvee propícia umescudoprotetor perfeitoMasqualéoaspectodaconfiguraçãodessamembranaenvolvente?Aresposta provémde um trabalho anterior deHorowitz eStrominger, oqual revelara que, para pessoas como nós, que conhecemosdiretamenteapenasastrêsdimensõesespaciaisestendidas,a3-brana,quese"distribui"demaneiradifusaemtornodaesferatridimensional,estabelece um campo gravitacional que se parece ao de um buraconegro. Essa não é uma conseqüência evidente e só se torna clara apartir de um estudo detalhado das equações que comandam asmembranas.Tambémnessecaso,édifícildesenharcomprecisãoemumapáginaasconfiguraçõesemmaioresdimensões,nosdáumaidéiabásica pormeio de uma analogia emmenos dimensões, envolvendoesferasbidimensionais.Vemosqueumamembranabidimensionalpodedistribuir-seemvoltadeumaesferabidimensional(aqual,porsuavez,estáinseridaemumespaçodeCalabi-Yaulocalizadoemalgumpontodasdimensõesestendidas).Umapessoaqueolhasseparaessepontoatravés das dimensões estendidas poderia perceber a membranaenvolventepelasuamassaepelascargasdeforçaqueelatransporta,propriedadesessasqueHorowitzeStrominger jáhaviamdemonstradoser semelhantesàsdeumburaconegro.Alémdisso,notrabalhorevolucionárioqueStromingerpublicaraem1995,eleafirmavaqueamassada3-brana—ouseja,amassadoburaconegro—éproporcionalaovolumedaesferatridimensionalqueelaenvolve:quantomaiorovolumedaesfera,tantomaiorterádesera3-brana para poder envolvê-la e tanto maior será a sua massa. Domesmomodo,quantomenorovolumedaesfera,menorseráamassada3-branaqueaenvolve.Comocolapsodaesfera,aqualépercebidacomoumburaconegro,a3-branaqueaenvolveparecetornar-secadavezmaisleve.Quandoocolapsodaesferaatransformaemumponto,oburaconegrocorrespondente—controle-se—ficasemmassa.Emboraisso pareça absolutamentemisterioso—afinal, como pode haver umburaconegrosemmassa!—,logoveremosaligaçãodesseenigmacomafísicamaisortodoxadateoriadascordas.

O segundo componente de que nos devemos lembrar é que onúmero de buracos em uma forma de Calabi-Yau, como vimos nocapítulo 9, determina o número de padrões vibratórios das cordas debaixa energia e, por conseguinte, de baixa massa, que são os quepodemocasionaraspartículasdatabela,assimcomoosmensageiros

dasforças.Comoastransiçõescônicasquerasgamoespaçomodificamonúmerodeburacosemqueoburacododoughnutéeliminadopeloprocessoderompimentoereparação),podemosesperarumaalteraçãononúmerodepadrõesvibratóriosdebaixamassa.Efetivamente, quando Morrison, Strominger e eu estudamos esseaspectoemdetalhe,vimosquequandoaesferatridimensionalconstritaésubstituídapelanovaesferabidimensionalnasdimensõesrecurvadasdoespaçodeCalabi-Yau,onúmerodepadrõesvibratóriosdestituídosde massa aumenta exatamente em uma unidade. (O exemplo datransformação do doughnut em bola, levaria a crer que o número deburacos—e,portanto,onúmerodepadrões—diminui,masessaéumaconseqüênciadaanalogiaemmenoresdimensões,quenos induzaoerro.)

Para combinar as observações dos dois últimos parágrafos,imagineumaseqüênciadeinstantâneosdeumespaçodeCalabi-Yauemqueotamanhodeumadeterminadaesferatridimensionalsetornecadavezmenor.Aprimeiraobservação implicaqueuma3-branaqueenvolva essa esfera tridimensional — a qual nos aparece como umburaconegro—terámassacadavezmenoratéque,nopontofinaldocolapso,terámassazero.Mas,comoperguntamosacima,quesignificaisso?Arespostasetornouclaragraçasàsegundaobservação.Onossotrabalhomostrouqueonovopadrãodevibraçãodascordasdestituídode massa e derivado da transição cônica que rasga o espaço é adescriçãomicroscópicadeumapartículasemmassanaqualoburaconegro se transforma. Concluímos que com a evolução da transiçãocônicaporquepassaa formadeCalabi-Yau,umburaconegro inicialdotado de massa vai ficando cada vez mais leve até tornar-se semmassa, transformando-seentãoemumapartículasemmassa—comoumfóton—,oque,nateoriadascordas,correspondeaumacordaqueexecutaumpadrãovibratóriodeterminado.Dessamaneira,ateoriadascordasestabeleceuexplicitamenteepelaprimeiravezumvínculodireto,concreto e quantitativamente inatacável entre os buracos negros e aspartículaselementares.BURACOSNEGROSDERRETIDOS

Ovínculo entre os buracos negros e as partículas elementaresque encontramos é bastante semelhante a algo que conhecemos na

vidacotidianaeque recebeonome técnicode transiçãode fase.Umexemplosimplesdetransiçãodefasefoimencionadonoúltimocapítulo:a água pode existir em forma sólida (gelo), líquida (água líquida) egasosa(vapor).Essassãoasfasesdaágua,eastransformaçõesqueocorrementreelassãoastransiçõesdefase.Morrison,StromingereeumostramosqueexisteumaestreitaanalogiamatemáticaefísicaentreastransiçõesdefaseeastransiçõescônicasquerasgamoespaçoequeocorremdeumaformadeCalabi-Yauparaoutra.Aquitambém,talcomoalguémquenuncativessevistoogeloouaágualíquida,osfísicosnãohaviamantesreconhecidoqueostiposdeburacosnegrosqueestamosestudandoeaspartículaselementaressãonaverdadeduas fasesdeumamesmamatéria que tem a corda como natureza. Assim como atemperaturaambientedeterminaafaseemqueaáguaseapresenta,aforma topológica das dimensões Calabi-Yau adicionais determinaquando certas configurações físicas da teoria das cordas aparecerãocomo buracos negros ou como partículas elementares. Ou seja, naprimeira fase,quecorrespondeàformadeCalabi-Yau inicial (análogaao gelo, no nosso exemplo), vemos que certos buracos negros estãopresentes. Na segunda fase, a da segunda forma de Calabi-Yau(análoga à água líquida), esses buracos negros passam por umatransiçãodefase—"derretem-se",porassimdizer—esetransformamem padrões vibratórios fundamentais das cordas. O rompimento doespaçooperadopelastransiçõescônicaslevadeumafaseCalabi-Yauparaaoutra.Dessemodo,vemosqueosburacosnegroseaspartículaselementares, como a água e o gelo, são duas faces de umamesmamoeda. Vemos também que os buracos negros se inseremconfortavelmentenocontextodateoriadascordas.

Utilizamos propositalmente a mesma analogia da água paratransformaçõesdrásticaspormeioderompimentosespaciaiseparaastransformações entre as cinco diferentes formulações da teoria dascordas (capítulo 12) porque elas estão intimamente relacionadas.Lembre-se de que expressamos que as cinco teorias das cordas sãoduaisentresieque,portanto,elasseunificamsobaégidedeumaúnicateoria abrangente. Mas será que a capacidade de mover-noscontinuamentedeumadasteoriasparaoutra—deviajardequalquerpontodomapaparaqualqueroutro—persistemesmodepoisqueasdimensões adicionais se recurvem em alguma forma de Calabi-Yau?Antes da descoberta das alterações topológicas drásticas, a resposta

queseesperavaeranegativa,umavezquenãoseconhecianenhumamaneira de transformar continuamente uma forma de Calabi-Yau emoutra.

Mas agora vemos que a resposta é positiva: por meio dessastransições cônicas que rompem o espaço e que são fisicamenteplausíveis, podemos transformar continuamente qualquer espaço deCalabi-Yauemqualqueroutro.Pormeiodavariaçãodasconstantesdeacoplamento e da geometria recurvada dos espaços de Calabi-Yau,novamente vemos que todas as construções das várias teorias dascordas são fases diferentes de umamesma teoria.Mesmo depois detodas as dimensões adicionais estarem recurvadas, a unidadepermanecefirme.AENTROPIADOSBURACOSNEGROS

Durante muitos anos os mais renomados teóricos da físicaespecularamarespeitodapossibilidadedosprocessosderompimentodoespaçoedeumavinculaçãoentreosburacosnegroseaspartículaselementares.Emborataisespeculaçõesparecessemaprincípiocoisasde ficção científica, a descoberta da teoria das cordas e da suacapacidadedeharmonizara relatividadegeraleamecânicaquânticatrouxe-as claramente para o primeiro plano da vanguarda da ciência.Taisêxitosnosanimamaperguntarseoutraspropriedadesmisteriosasdo universo, que têm resistido durante décadas aos esforços porresolvê-las,poderiamtambémcederaopoderdateoriadascordas.Umadasprincipaisdentreelaséanoçãodeentropiadosburacosnegros.Essaéaarenaondeateoriadascordasdemonstroumaiscabalmenteasua força, resolvendoumproblemaprofundamentesignificativoque jáduravaumquartodeséculo.

A entropia é uma medida de desordem ou aleatoriedade. Porexemplo, se a sua mesa de trabalho está repleta de livros abertos,camadas e mais camadas de jornais velhos, artigos por ler ecorrespondência por abrir, ela se encontra em um estado de grandedesordem,oualtaentropia.Poroutrolado,seamesaestivertotalmenteorganizada,comosartigospostosemarquivosemordemalfabética,osjornais em ordem cronológica, os livros dispostos por assunto e porautorecomespaçoparavocêescrever,pode-sedizerqueelaestáemestadodealtaordem,ou,oqueéequivalente,debaixaentropia.Esse

exemplo ilustra a idéia básica, mas os físicos têm uma definiçãointeiramentequantitativadeentropia,quepermitedescreverograudeentropiadealgumacoisapormeiodeumvalornumérico:quantomaiorele for, tantomaior será a entropia, e vice-versa.Embora os detalhessejam um tanto complicados, esse valor representa o número decombinações em que os componentes de um determinado processofísico podem ser rearranjados de modo que a sua aparência geralpermaneça intacta. Quando a sua mesa de trabalho está limpa eordenada, praticamente qualquer rearranjo — mudar a ordem dosjornais, dos livros ou dos artigos, por exemplo — afeta o grau deorganização. Issomostraporqueasuaentropiaébaixa.Quando,aocontrário,amesaestáumabagunça,numerososrearranjosdosjornais,livros e cartas significam apenas a continuação da bagunça e nãoafetarão,portanto,aaparênciageraldamesa.Issomostraporqueasuaentropiaéalta.

Evidentemente, a definição dos rearranjos dos livros, jornais eartigos que estejam em cima de umamesa e a decisão sobre quaisdentreessesrearranjos"deixamasuaaparênciageral intacta"carecede precisão científica. A definição rigorosa da entropia envolve acontagemouocálculodonúmeroderearranjospossíveis,emtermosdemecânicaquântica,daspropriedadesmicroscópicasdoscomponenteselementaresdeumsistemafísicoquenãoafetemassuaspropriedadesmacroscópicasgerais(taiscomoaenergiaouapressãodosistema).Osdetalhesnãosãoessenciais,desdequeseleveemcontaqueaentropiaéumconceitototalmentequantitativodamecânicaquântica,quemedeprecisamenteadesordemglobaldeumsistemafísico.

Em1970, JacobBekenstein, então umaluno de JohnWheeleremPrinceton,fezumasugestãoaudaciosa.Elepropôsanotávelidéiadequeosburacosnegrospossamterentropia—eumaentropiabemgrande.AmotivaçãodeBekensteinestavanaveneráveletantasvezescomprovadasegundaleidatermodinâmica,quedeclaraqueaentropiade um sistema sempre aumenta: todas as coisas tendem a umadesordemmaior.Mesmoquevocêarrumeadesordemdasuamesadetrabalho,diminuindoassimasuaentropia,aentropiatotal,queincluiadoseucorpoeadoardasala,naverdadeaumenta.Paraarrumaramesavocêtemdedependerenergia;temdedesorganizaralgumasdasmoléculasdegorduradoseuorganismoparadarenergiaaosmúsculos;ao trabalhar, o seu corpo emite calor, que agita as moléculascircundantesdear,agitando-asedesordenando-as.Quandoselevam

emcontatodosessesefeitos,elesmaisdoquecompensamaquedanaentropiadasuamesaeaentropiageralaumenta.Masoqueacontece—essafoiaperguntadeBekenstein—sevocêarrumaramesabempertodohorizontedeeventosdeumburaconegroelevarumaspiradorde pó que suga todas as moléculas de ar recém-agitadas pelo seutrabalho para as profundezas do interior do buraco negro? Sejamosaindamaisradicais:eseoaspiradorsugartodooaretudooqueestáem cima da mesa e a própria mesa para dentro do buraco negro,deixando-o sozinho na sua sala vazia e fria e, portanto, totalmenteordenada?Comonãohádúvidadequeaentropiadasuasaladiminuiu,Bekensteinraciocinouqueaúnicamaneirapelaqualasegundaleidatermodinâmicapodeserrespeitadaéatribuirentropiaaoburaconegroeadmitirqueessaentropiaaumentacomaabsorçãodematériaemumvalorsuficienteparacompensaradiminuiçãoobservadanaentropianoexteriordoburaconegro.

Bekensteinconsegueaindaapoiar-seemumafamosaconclusãodeStephen

Hawkingparafortalecerasuaargumentação.Hawkingdemonstrouqueaáreadohorizontedeeventosdeumburaconegro—olimiteexternoda região que envolve o buraco negro, a partir do qual nada poderegressaraomundoexterior—sempreaumenta,emqualquerinteraçãofísica.Eledemonstrouqueseumasteróide,ouogásdasuperfíciedeumaestrela vizinha, caírememumburaconegro, ou sedois buracosnegroscolidiremefundirem-se,emqualquerdessescasoseemtodososdemaisaáreatotaldohorizontedeeventosdoburaconegrosempreaumentará.ParaBekenstein,aevoluçãoinexorávelparaumaáreacadavez maior sugere um vínculo com a evolução inexorável para umaentropiacadavezmaior,dequetrataasegundaleidatermodinâmica.Ele propôs que a área do horizonte de eventos do buraco negroproporcionaamedidaprecisadasuaentropia.

Examinandobem,noentanto,haviaduas razõespelasquaisamaioriadosfísicosacreditavaqueaidéiadeBekensteinnãopoderiasercorreta.Emprimeiro lugar,osburacosnegrospareciamestarentreosobjetosmais bemordenados e organizados de todo o universo.Umavezmedidasamassa,ascargasdeforçaeospindeumburaconegro,asua identidade fica totalmente estabelecida. Com tão poucascaracterísticasdefinidoras,osburacosnegrosparecemnoterestruturasuficiente parapermitir a desordem.Assim comoemumamesaondeexistamsomenteumlivroeumlápisnãohámuitolugarparaconfusões,

assim também os buracos negros parecem demasiado simples paraabrigardesordens.Asegundarazãopelaqualédifícilaceitarapropostade Bekenstein é que a entropia, tal como a examinamos aqui, é umconceitodamecânicaquântica,enquantoosburacosnegros,atépoucotempo atrás, permaneciam firmemente entrincheirados no campoantagônicodarelatividadegeralclássica.

No começo da década de 70, quando não havia maneira deharmonizar a relatividade geral e a mecânica quântica, parecia nomínimodespropositadodiscutiraentropiadosburacosnegros.NEGROATEQUEPONTO?

Hawkingtambémpensaraarespeitodaanalogiaentreasualeidoaumentodaáreadoburaconegroealeidoaumentoinevitáveldaentropia,maspensouqueaíhouvesseapenasumacoincidência.Afinaldecontas,argumentouele,combasenaleidoaumentodaáreaeemoutrasconclusõesaqueeleprópriohaviachegado, juntocomJamesBardeeneBrandonCárter,seselevasserealmenteasérioaanalogiaentre as leis dos buracos negros e as leis da termodinâmica, não sóseríamosforçadosaidentificaraáreadohorizontedeeventosdoburaconegrocomaentropia,mastambémteríamosdeatribuirumatemperaturaao buraco negro (cujo valor preciso seria determinado pela força docampogravitacionaldoburaconegronoseuhorizontedeeventos).Masseatemperaturadoburaconegrofordiferentedezero—pormenorqueseja essa temperatura—, os princípios físicos mais básicos e clarosrequereriam que ele emitisse radiações, assim como um espeto demetal incandescente.Masosburacosnegros,comotodossabem,sãonegros;supostamentenãoemitemcoisaalguma.Hawking,assimcomoquasetodoomundo,acreditavaqueissodescartavadefinitivamenteasugestãodeBekenstein.Com efeito, estava mesmo disposto a aceitar que se algum materialdotadodeentropiafossesorvidoporumburaconegro,essaentropiaseperderia pura e simplesmente. Pior para a segunda lei datermodinâmica.

Assimestavamascoisasaté1974,quandoHawkingdescobriualgoverdadeiramentesensacional.Osburacosnegros,eledisse,nãosão totalmente negros. Se ignorarmos a mecânica quântica etrabalharmossomentecomasleisdarelatividadegeralclássica,então,tal como se descobrira sessenta anos antes, é certo que os buracos

negrosnãopermitemquenada—nemmesmoaluz—escapedasuaatração gravitacional. Mas a inclusão damecânica quântica modificaessaconclusãodemaneiraprofunda.Mesmosempossuirumaversãoda relatividade geral em termos de mecânica quântica, Hawkingalcançouumauniãoparcialdosdoisinstrumentosteóricos,chegandoaconclusões limitadas mas confiáveis. E a conclusão mais importantequeobteve foi a dequeosburacosnegros, sim, emitem radiaçãodopontodevistadamecânicaquântica.

Oscálculossãoárduoselongos,masaidéiabásicadeHawkingésimples.

Vimos que o principio da incerteza nos informa quemesmo o vácuoespacial abriga um frenesi de partículas virtuais que irrompem e seaniquilammutuamenteemquestãodemomentos.Essecomportamentoquânticofrenéticotambémocorrenaregiãodoespaçoqueestánabeiradohorizontedeeventosdeumburaconegro.Hawkingconstatouqueaforçagravitacionaldoburaconegropodeinjetarenergiaemumpardefótons virtuais, por exemplo, separando- os o suficiente para que umdeles seja sugado para dentro do buraco negro. Com odesaparecimentodeumdosmembrosdoparnoabismodoburaco,ooutro fóton já não temumparceiro como qual se aniquilar.Hawkingdemonstrouqueofótonremanescenterecebe,naverdade,umimpulsode energia proveniente da força gravitacional do buraco negro e,enquanto o seu parceiro penetra no abismo, ele é arremessado paralonge do buraco negro. Hawking constatou que alguém que ficasseolhando para o buraco negro veria o efeito cumulativo da separaçãodessesparesdefótonsvirtuaisqueocorrematodaavoltadohorizontede eventos do buraco negro como um fluxo contínuo de radiaçãoemitida.Osburacosnegrosbrilham.

Alémdisso,Hawkingcalculouatemperaturaqueumobservadordistanteassociariacoma radiaçãoemitidaeverificouqueelaédadapela forçado campogravitacional nohorizonte deeventosdoburaconegro,exatamentecomosugeriraaanalogiaentreasleisdafísicadosburacosnegroseasdatermodinâmica.Bekensteinestavacerto:asconclusõesdeHawkingmostravamqueaanalogiadeviaserlevadaasério.Comefeito,taisconclusõesrevelaramquesetratademuitomaisdoqueumaanalogia—éumaidentidade.Osburacosnegrostêmentropia.Osburacosnegrostêmtemperatura.Easleisgravitacionaisdafísicadosburacosnegrosnãosãomaisdoque

as leis da termodinâmica reescritas em um contexto gravitacionaltotalmenteexótico.EssafoiabombadeHawkingem1974.

Paradarumaidéiadasescalasenvolvidas,quandoselevaemconta,cuidadosamente,todososdetalhes,umburaconegrocujamassaseja três vezes maior do que a do Sol terá uma temperatura de umcentésimo milionésimo de grau acima do zero absoluto. Não éexatamentezero,masquase.Osburacosnegrosnãosãoexatamentenegros,masquase. Infelizmente, isso fazcomquea radiaçãoemitidapor um buraco negro seja mínima e impossível de detectarexperimentalmente. Mas há uma exceção. Os cálculos de Hawkingdemonstraramtambémquequantomenorforamassadoburaconegro,maiorseráatemperaturaemaisintensaaradiaçãoqueeleemite.Umburaco negro que tivesse a massa de um asteróide pequeno, porexemplo,emitiriatantaenergiaquantoumabombanuclearde1milhãodemegatons, e a radiação estaria concentrada na parte do espectroeletromagnéticorelativaaosraiosgama.Osastrônomostêmprocuradoencontraressaradiaçãonocéu,masatéagoranãoobtiveramindíciossignificativos, o que faz supor que esses buracos negros de poucamassaounãoexistem,ousãomuitoraros.ComoobservoujocosamenteopróprioHawkingmuitasvezes,éumapena,poissea radiaçãodosburacos negros prevista por ele fosse detectada, sem dúvida eleganhariaumprêmioNobel.

Emcontrastecomapequenezdasuatemperatura,inferioraummilionésimo de grau, a entropia de um buraco negro de massa trêsvezesmaiordoqueadoSolé um número incrivelmente enorme, com 78 zeros! E quantomaior oburaconegro,maiora suaentropia.OêxitodoscálculosdeHawkingestabelecem inequivocamente que os buracos negros contêm umaenormequantidadededesordem.Masdesordemdequê?Comovimos,os buracos negros parecem ser objetos notavelmente simples. Qualserá,portanto,afontedetantadesordem?Quantoaisso,oscálculosdeHawkingnãodizemnada.Afusãoparcialentrearelatividadegeraleamecânicaquânticaqueeleengendrousóera capaz de produzir o valor numérico da entropia do buraco negro,masnadapodiadizersobreoseusignificadomicroscópico.Porquase25anos,algunsdosmaioresfísicostentaramentenderquaisseriamaspossíveis propriedades microscópicas dos buracos negros quepudessemexplicar a suaentropia.Mas semumamálgama realmente

confiávelentreamecânicaquânticaearelatividadegeral,sósepodiamencontrarvislumbresdeumaresposta.Omistériopermaneciainsolúvel.ENTRAEMCENAATEORIADASCORDAS

Issodurouaté1996,quandoStromingereVafa—combaseemtrabalhos anteriores de Susskind e Sen— publicaram um texto nosarquivos eletrônicos da física intitulado "Origem microscópica daentropia de Bekenstein-Hawking". Nesse trabalho, Strominger e Vafalograram utilizar a teoria das cordas para identificar os componentesmicroscópicosdeumacertaclassedeburacosnegrosecalcularcomprecisão a sua entropia. O seu trabalho beneficiou -se da recém-conquistada capacidade de contornar parcialmente os problemas dasaproximaçõesperturbativasutilizadasatéocomeçodadécadade90,ea conclusão a que chegaram concorda exatamente com o que eraprevistoporBekensteineHawking.Completou-se,assim,oquadroquecomeçaraaserpintadomaisdevinteanosantes.

Strominger e Vafa concentraram-se na classe dos chamadosburacosnegrosextremos,quesãodotadosdecarga—aqualpodeservistacomocargaelétrica—etêmamassamínimapossívelconsistentecomacargaquelevam.Comosepodeverporessadefinição,elesserelacionam estreitamente com os estados BPS discutidos no capítulo12. Com efeito, Strominger e Vafa exploraram essa semelhança aomáximo.Demonstraramserpossívelconstruir— teoricamente,éclaro— certos buracos negros extremos começando com um conjuntoparticulardemembranasBPS(emdimensõesespecificadas)eunindo-asdeacordocomummodelomatemáticopreciso.Maisoumenosdomesmomodopodeseconstruirumátomo— teoricamente, de novo— começando com um punhado dequarks,organizando-oscomprecisãoparaformarprótonsenêutronseenvolvendo-oscomórbitasdeelétrons.StromingereVafarevelaramcomoalgunsdosnovoscomponentesdateoriadascordaspoderiamcongregar-se,demaneirasimilar,paraproduzirburacosnegrosparticulares.

Naverdade, osburacosnegros sãoumdospossíveis destinosfinais das estrelas. Quando uma estrela queima a totalidade do seucombustível nuclear, depois de bilhões de anos, falta-lhe a força —pressãodirigidaparafora—pararesistiràenormeintensidadedasua

própria gravidade. Em determinadas condições, relativamentefreqüentes, isso resulta em uma implosão catastrófica da massa daestrela; ela entra violentamenteemcolapso, recurvando-se sobo seuprópriopesoe formandoumburaconegro. Independentementedessamaneira natural de formação, Strominger e Vafa propuseram buracosnegros"feitosàmão",emostraramcomoelespodemserconstruídosdemaneira sistemática— na imaginação do teórico— pormeio de umprocesso cuidadoso, vagaroso e meticuloso de ordenamento dasmembranasquesurgiramdasegundarevoluçãodassupercordas.

Rapidamente o alcance desse enfoque tornou-se claro.Graçasaocontrole teórico total sobreoprocessodeconstruçãomicroscópicados seus buracos negros, Strominger e Vafa podiam contar fácil ediretamenteonúmeroderearranjosdoscomponentesmicroscópicosdoburaco negro quemanteriam inalteradas as suas propriedades geraisobserváveis—amassaeascargasdeforça.

Dessemodo,podiam tambémcompararonúmeroassimobtidocom a área do horizonte de eventos do buraco negro — a entropiaprevista por Bekenstein e Hawking. A concordância foi perfeita. Pelomenos no caso dos buracos negros extremos, Strominger e Vafaconseguiram utilizar a teoria das cordas para revelar precisamente aassociaçãoentreos componentesmicroscópicoseaentropia.Estavaresolvidoumquebra-cabeçasde25anos.

Muitos teóricos das cordas vêem nesse êxito uma provaimportante e convincente a favor da teoria.O nosso domínio sobre ateoriadascordaséaindamuitofrágilparaquepossamosfazercontatosdiretos e precisos com observações experimentais, como as quepermitiriamdeterminar teoricamenteamassadoquark, oudoelétron.Masagorapodemosverqueateoriadascordasproporcionouaprimeiraexplicaçãofundamentalparaumapropriedadedosburacosnegrosqueestavahámuitoestabelecida,masqueassombroupor tantosanososcientistas que buscavam explicá-la por meio de teorias maisconvencionais.Eessapropriedadeestáintimamenteligadaàprevisãode Hawking de que os buracos negros emitem radiação, a qual, emprincípio,deveriaserexperimentalmentemensurável.Logicamente, issorequerqueencontremosumburaconegronocéueconstruamosumequipamentosuficientementesensívelparadetectararadiaçãoqueeleemite.Seoburaconegro forsuficientemente leve,asatisfaçãodoúltimorequisitoestariadentrodoalcanceatualdanossatecnologia.Mesmo que esse programa experimental não tenha aindatido êxito, não há dúvida de que ele ressalta novamente que o hiato

atualmenteexistenteentreateoriadascordaseafirmaçõesdefinitivassobre a física do mundo natural pode ser superado. Até SheldonGlashow— o arqui-rival da teoria das cordas na década de 80 — disserecentementeque"quandoosteóricosdascordasfalamsobreburacosnegros é quase como se estivessem falando sobre fenômenosobserváveis—eissoéimpressionante".OSMISTÉRIOSREMANESCENTESDOSBURACOSNEGROS

Doisgrandesmistériospersistemarespeitodosburacosnegros,apesar desses avanços impressionantes. O primeiro refere-se aoimpacto dos buracos negros sobre o conceito de determinismo. NocomeçodoséculoXIX,omatemáticofrancêsPierre-SimondeLaplaceenunciou a conseqüência mais estrita e penetrante do universomecânicoquesedepreendiadas leisdeNewtonsobreomovimento:Uma inteligência que, em um momento dado, pudesse compreendertodas as forças que animam a natureza e a situação respectiva dosseresqueacompõem,eque,alémdisso,fosseamplaosuficienteparaprocederàanálisedetaisdados,abarcariaemumamesmafórmulaosmovimentosdosmaiorescorposdouniversoeosdosmenoresátomos.Para tal inteligência, nada seria incerto, e o futuro, como o passado,estariaabertoaosseusolhos.

Emoutraspalavras,seemummomentodadovocêconhecerasposiçõeseasvelocidadesdetodasaspartículasdouniverso,asleisdemovimento de Newton poderão ser usadas para determinar — pelomenosemprincípio—suasposiçõesevelocidadesemqualqueroutromomento dopassadooudo futuro.A partir dessaperspectiva, todaequalquer ocorrência, desde a formação do Sol até a crucificação deCristoeomovimentodosnossosolhosporessemundoafora,derivamestritamentedasposiçõesevelocidadesdaspartículascomponentesdouniversonomomentoqueseseguiuaobig-bang.Essavisãorígidadodesenvolvimentodouniverso levaa todo tipodedilemas filosóficosarespeito da questão do livre-arbítrio, mas a sua importância ficousubstancialmente diminuída com a descoberta damecânica quântica.Vimos que o princípio da incerteza de Heisenberg quebra odeterminismo laplaciano,umavezque,essencialmente,nãopodemossabercomprecisãoasposiçõeseasvelocidadesdoscomponentesdouniverso.Emvezdisso,aspropriedadesclássicassãosubstituídaspor

funções de ondas quânticas que nos informam apenas sobre aprobabilidadedequeessaouaquelapartículadeterminadaestejanesteounaquelelugaroutenhaessaouaquelavelocidade.

AderrotadavisãodeLaplace,contudo,nãocausouadestruiçãototaldoconceitodedeterminismo.Asfunçõesdeondas—asondasdeprobabilidade damecânica quântica—evoluemno tempo de acordocomregrasmatemáticasprecisas,comoaequaçãodeSchrödinger(ouassuascorrespondentesrelativísticasmaisprecisas,comoaequaçãode Dirac e a equação de Klein-Gordon). Isso nos mostra que odeterminismoquânticosubstituiuodeterminismoclássicodeLaplace:oconhecimento das funções de ondas de todos os componentesfundamentais do universo em um determinado momento permite queumainteligência"amplaosuficiente"determineasfunçõesdeondasemqualquermomentodopassadooudo futuro.Odeterminismoquânticonosdizqueaprobabilidadedequequalquereventoespecíficovenhaaocorreremalgummomentodadodofuturoéinteiramentedeterminadapelo conhecimento das funções de ondas em qualquer momento dopassado. O aspecto probabilístico da mecânica quântica suavizasignificativamente o determinismo laplaciano transformando ainevitabilidade de um acontecimento em probabilidade, mas essa étotalmente determinada dentro do contexto convencional da teoriaquântica.

Em1976,Hawkingdeclarouquemesmoessaformamaissuavede determinismo é violada pela presença dos buracos negros.Novamente,oscálculosquelevamataldeclaraçãosãodificílimos,masaidéiaessencialérelativamentefácil.Quandoalgocaiemumburaconegro,asuafunçãodeondatambémésugada.Masissosignificaquena tentativa de estabelecer todas as funções de ondas em todos ostempos futuros, a nossa inteligência "ampla o suficiente" sofrerá umaperdairreparável.Parapreverofuturoporcompletoéprecisoconhecertodasas funçõesdeondasporcompletonopresente.Massealgumadelasfoitragadapeloabismodeumburaconegro,ainformaçãoqueelacontémseperde.

À primeira vista, essa complicação decorrente dos buracosnegrosnãoparecemerecerpreocupação.Comotudooqueestáatrásdohorizontedeeventosdeumburaconegro fica isoladodo restodouniverso, será que não podemos simplesmente ignorar por completoalgo que teve o infortúnio de cair lá dentro? Além do que, nãopoderíamos dizer, do ponto de vista filosófico, que o universo nãochegouaperderainformaçãolevadapeloobjetotragado,esimqueela

ficou trancada em uma região do espaço que nós, seres racionais,evitamosaqualquercusto?AntesdaconstataçãodeHawkingdequeosburacosnegrosnãosãocompletamentenegros,arespostaaessasperguntaserapositiva.Masdepoisqueeleinformouomundodequeosburacos negros emitem radiação, a história mudou. A radiaçãotransporta energia e, portanto, se os buracos negros a emitem, a suamassadiminuipoucoapouco—eleseevaporaaospoucos.Aofazê-lo,adistânciaentreocentrodoburaconegroeoseuhorizontedeeventosdiminui pouco a pouco e, à medida que isso ocorre, as regiões doespaçoqueantesestavam isoladasdo restodouniverso reingressamna arena cósmica. Agora a nossa especulação filosófica tem deresponder à seguinte pergunta: será que a informação contida nascoisas tragadas pelo buraco negro — os dados que imaginamosexistirem no interior do buraco negro — ressurge com a suaevaporação?Essaéainformaçãonecessáriaparaqueodeterminismoquânticopossaprevalecer,demodoqueaperguntapenetranocernedaquestão sobre se os buracos negros conferem à evolução do nossouniversoumelementoaindamaiordealeatoriedade.

No momento ainda não existe consenso entre os físicos arespeito da resposta a essa pergunta. Por muitos anos Hawkingdefendeucomvigorqueainformaçãonãoressurge—queosburacosnegrosadestroem,"introduzindoassimumnovoníveldeincertezanafísica,alémdaincertezausual,assinaladapelateoriaquântica".Aliás,Hawking e Kip Thorne, do Califórnia Institute of Technology, fizeramuma aposta com John Preskill, também do Califórnia Institute ofTechnology, a respeito do que acontece coma informação capturadaporumburaconegro:HawkingeThorneapostaramqueainformaçãoseperde para sempre e Preskill defende o ponto de vista contrário,afirmando que a informação ressurge quando o buraco negro emiteradiaçãoeseevapora.Aaposta?Mais informação:"O(s)perdedor(es)presenteará(ão) o(s) vencedor(es) com uma enciclopédia da escolhadesse(s)".Aapostaaindanãofoiresolvida,masrecentementeHawkingadmitiuqueonovoentendimentodosburacosnegrospormeiodateoriadascordas,talcomovimosacima,revelaquepodehaverumamaneirapelaqualainformaçãoressurge.AidéianovaéadequeparaaclassedeburacosnegrosestudadaporStrominger e Vafa, e pormuitos outros depois da publicação do seu

trabalhoinicial,ainformaçãopodeserguardadaerecuperadapormeiodasmembranascomponentes.

Essa idéia, disse Strominger recentemente, "levou muitosestudiosos a tentar cantar vitória — a afirmar que a informação érecuperávelquandooburaconegroseevapora.Naminhaopinião,essaconclusãoéprematura;faltaaindamuitotrabalhoparadeterminarseelaéverdadeira".Vafaconcordaedizque"éneutronestecaso—oresultadoaindapodeirtantoparaumladoquantoparaooutro".Arespostaaesseproblemaéumdosmaioresdesafiosenfrentadospelaspesquisas atuais. Nas palavras de Hawking: A maioria dos físicosprefereacreditarqueainformaçãonãoseperde,poisissofariaomundomais seguro e previsível. Mas creio que se levarmos a sério arelatividadegeraldeEinstein,éprecisoadmitirapossibilidadedequeoespaço-tempoformebolsas, fechadaspormeiodenós,que isolamdoresto do universo as informações que a bolsa contenha. Saber se ainformaçãopodeounãopodeperder-seéumadasprincipaisquestõesdafísicateóricadehoje.

Osegundomistérionãoresolvidorefere-seànaturezadoespaço-temponopontocentraldeumburaconegro.Umaaplicaçãodiretadarelatividadegeral,conhecidadesde1916,pormeiodeSchwarzschild,revela que a enorme quantidade demassa e energia comprimida nocentrodeumburaconegroprovocaumafendadevastadoranotecidodoespaço-tempo,dobra-oradicalmenteemumestadodecurvaturainfinita— perfura-o em uma singularidade espaço temporal. Uma conclusãotirada pêlos físicos a partir desse fenômeno é que uma vez que todamatéria que cruze o horizonte de eventos é inexoravelmente tragadaparaocentrodoburaconegroecomo,umavezlá,amatérianãotemfuturo,opróprio tempochegaao fimnocoraçãodeumburaconegro.Outros físicos, que há anos exploram as propriedades do centro dosburacos negros utilizando as equações de Einstein, revelaram aestranhapossibilidadedequeelepossaseraportaparaoutrouniversoque se ligaaonossoapenasatravésdo centrodoburaconegro.Porassimdizer,ondeotempononossouniversotermina,começaotempoemoutrouniverso.

No próximo capítulo consideraremos algumas das implicaçõesdessapossibilidadefascinante,masporagoradesejamosdestacarumpontoimportante.

Devemoslembrar-nosdaliçãoprincipal:massasextremamentegrandese tamanhos extremamente pequenos, que levam a densidadesinimaginavelmente altas, tornam impossível o uso exclusivo da teoriaclássica de Einstein e requerem também o emprego da mecânicaquântica.Issonoslevaaperguntar:oqueequeateoriadascordastema dizer a respeito da singularidade espacial do centro de um buraconegro?Atualmentedesenvolvem-seintensaspesquisasaesserespeito,masassimcomonaquestãodaperdadeinformação,oproblemanãofoiaindaresolvido.Ateoriadascordaslidadestramentecomváriasoutrassingularidades - como os cortes e rompimentos do espaço, quediscutimosnocapítulo11enaprimeirapartedestecapítulo.Masnemtodasassingularidadessãosemelhantes.O tecidodonossouniversopodeserrasgado,perfuradoeamassadodemuitasmaneirasdiferentes.A teoriadascordasnospropiciouumentendimentomaiscompletodealgumas dessas singularidades, mas outras, entre as quais a dosburacos negros, continuam a resistir aos esforços dos estudiosos Arazãoessencialparaisso,novamente,éanecessidadedoempregodeinstrumentosperturbativos,cujasaproximações,nestecaso,nãoajudamanossa capacidadedeanalisar demodocompletoe confiável oqueacontecenopontomaisprofundodeumburaconegro.Contudo,dadootremendoprogressorecentedosmétodosnãoperturbativoseoêxito da sua aplicação a outros aspectos dos buracos negros, osestudiososdateoriadascordastêmmuitasesperançasdequeemnãomuito tempo osmistérios que residem no centro dos buracos negroscomeçarãoaserdesvendados.

14.Reflexõessobreacosmologia

Por todo o transcurso da história, os seres humanos buscaramapaixonadamentecompreenderaorigemdouniverso.Talveznenhumaquestãosejacapazdetranscender,maisdoqueesta,apassagemdotempo e a diferenciação das culturas e de inspirar a imaginação dahumanidade,tantoadosnossosancestraisquantoadospesquisadoresda cosmologia moderna. Existe uma ânsia coletiva, permanente eprofundaporumaexplicaçãoparaofatodequeouniversoexiste,paraarazãopelaqualeletomouaformaqueconhecemoseparaalógica,ouoprincípio, que alimenta a sua evolução.O que é fabuloso é que pelaprimeiravezahumanidadechegouaumpontoemquecomeçaasurgirumesquemacapazdefornecerrespostascientíficasaalgumasdessasperguntas.

Ateoriacientíficadacriaçãohojeaceitadeclaraqueouniversoexperimentouascondiçõesmaisextraordinárias—energia,temperaturae densidade enormes — em seus primeiros momentos. Essascondições,comohojesabemos,requeremquelevemosemcontatantoamecânicaquânticaquantoagravitação, razãopor queaorigemdouniversoproporcionaumprofundocampodeestudoparaqueprovemosashipóteseseasconclusõesdateoriadassupercordas.Discutiremosaqui essas hipóteses e conclusões, mas primeiro devemos contarrapidamenteahistóriadateoriacosmológicaantesdateoriadascordas,conhecidaemgeralcomoomodelo-padrâodacosmologia.OMODELO-PADRAODACOSMOLOGIA

A teoria moderna das origens cósmicas data de quinze anosdepois queEinstein concluiu a relatividade geral. Embora ele própriohouvesseserecusadoa reconhecerqueasua teoria implicavaqueouniversonãoeranemeternonemestático,AlexanderFriedmannofez.E como vimos no capítulo 3, Friedmann descobriu o que agora seconhececomoasoluçãodobig-bangparaasequaçõesdeEinstein—soluçãoquedeclaraqueouniversosurgiuviolentamentedeumestadode compressão infinita e vive ainda hoje a fase de expansão dessaexplosãoinicial.Einsteinestavatãocertodequeessetipodesoluçãonão podia ser visto como resultado da sua teoria que publicou umpequeno artigo em que afirmava ter encontrado um erro capital no

trabalho de Friedmann. Cerca de oito meses depois, no entanto,Friedmannconseguiuconvencê-lodequeafinalnãohaviaerro.Einsteinretirouasuaobjeçãodemaneirapública,maslacônica.Éclaro,todavia,que ele não acreditava que as conclusões de Friedmann tivessemqualquer relevância para o universo. Cinco anos depois, no entanto,Hubbleconfirmouqueobservaçõesdetalhadasdedezenasdegaláxias,feitasapartirdotelescópiodecempolegadasdoObservatóriodeMonteWilson, revelaram que o universo realmente está em expansão. Otrabalho de Friedmann, reelaborado de modo mais sistemático eeficienteporHowardRobertsoneArthurWalker,aindahojeconstituiabasedacosmologiamoderna.

Avisãomodernadaorigemdouniversoéaseguinte.Hácercade 15 bilhões de anos o universo irrompeu a partir de um eventosingulardotadodeenormeenergia,queexpeliutodooespaçoetodaamatéria.(Nãoéprecisoirmuitolongeparalocalizarondeocorreuobig-bang, pois ele ocorreu aquimesmo, assim como em todos os outroslugares; no início, todos os lugares que hoje percebemos comodistanteseramomesmolugar.)AtemperaturadouniversoapenasIO43segundosapósobig-bang,ochamadotempodePlanck,eradecercade10grausKelvin,10trilhõesdetrilhõesdevezesmaisquentequeointeriorprofundodoSol.Rapidamente,ouniversofoiseexpandindoeresfriandoe,aofazê-lo,oplasmacósmicoprimordial,homogêneoetorridamentequente,começoua formar rodamoinhos e concentrações. Cerca de um centésimomilésimodesegundodepoisdobig-bang,ascoisashaviamresfriadoosuficiente(algocomo10trilhõesdegrausKelvin—lmilhãodevezesmais quente que o interior do Sol) para que os quarks pudessemorganizar-se em grupos de três, formando os prótons e os nêutrons.Cerca de um centésimo de segundo depois as condições estavamprontas para que os núcleos dos elementos mais leves da tabelaperiódicacomeçassema tomar forma,apartirdoplasmaoriginal.Nostrês minutos que se seguiram, quando o universo esfriou-se a umatemperaturade1bilhãodegraus,osnúcleospredominanteseramosdehidrogênio e hélio, juntamente com traços residuais de deutério(hidrogênio "pesado") e lítio. Esse é o período da nucleossínteseprimordial.Duranteasprimeiras centenasdemilharesdeanosque se seguiramnãoaconteceunadadeespecial,alémdoprosseguimentodaexpansãoedoresfriamento.Masquandoatemperaturacaiuaalgunsmilharesde

graus, a velocidade dos elétrons que se moviam em um frenesidesordenado reduziu-se o suficiente para que os núcleos atômicos,especialmente os de hidrogênio e hélio, os capturassem, formandoassimosprimeirosátomoseletricamenteneutros.Essefoiummomentocrucial: a partir de então o universo como um todo tornou-setransparente.Antesdacapturadoselétrons,ouniversoestavainundadoporumdensoplasmadepartículaseletricamenteativas—umas,comoosnúcleos,comcargaelétricapositiva,eoutras,comooselétrons,comcargaelétricanegativa.Os fótons,que interagemapenascomobjetosdotadosdecargaelétrica,eramatirados incessantementedeum ladoparaooutropelodensomardepartículasionizadas,epraticamentenãochegavam a percorrer distância alguma sem serem desviados ouabsorvidos. Essa nuvem espessa de partículas ionizadas impedia omovimentolivredosfótons,oquetornavaouniversoquasetotalmenteopaco,assimcomooarqueconhecemosemumaneblinamuitodensaouemumavigorosatempestadedeneve.Masquandooselétrons,comcargaelétricanegativa,entraramemórbitaaoredordosnúcleos,comcarga elétrica positiva, produzindo átomos eletricamente neutros, aneblinadesapareceu.Desdeentão,os fótonscriadoscomobig-bangtêmviajadolivremente,etodaaextensãodouniversotornou-sevisível.

Maisoumenos1bilhãodeanosdepois,quandoouniversojáseachava substancialmente mais calmo, as galáxias, as estrelas e porúltimo os planetas começaram a surgir como aglomerados doselementosprimordiais,unidospelagravitação.Hoje,cercade15bilhõesde anos depois do big-bang, nós nos maravilhamos com amagnificênciadocosmosecomanossacapacidadecoletivadereunirosnossosconhecimentosemumateoriarazoáveleexperimentalmentetestáveldaorigemdouniverso.Masquantafémerecerealmenteateoriadobig-bang?OTESTEDOBIG-BANG

Os astrônomos vêem hoje nos seus telescópios a luz emitidapelasgaláxiasepêlosquasaresalgunsbilhõesdeanosdepoisdobig-bang.Issopermiteverificaraexpansãodouniversoprevistapelateoriado big-bang desde essa época até agora e todos os resultados seencaixam perfeitamente. Para testar a teoria em épocas ainda maisremotas, os físicos e os astrônomos têm de recorrer amétodosmais

indiretos. Um dos mais sofisticados envolve algo conhecido comoradiaçãocósmicadefundo.

Sevocêtocaropneudeumabicicleta logodepoisdeenchê-lovigorosamente, verá que ele estámais quente. Isso acontece porquequando o ar é comprimido sua temperatura aumenta — é esse oprincípio, por exemplo, das panelas de pressão, em que o ar éfortementecomprimidodentrodeumrecipienteseladoa fimdeatingircomrapideztemperaturasanormalmenteelevadas.Oinversotambéméverdadeiro: quando a pressão diminui e os elementos podem seexpandir,elesseresfriam.Sevocêremoveratampadapanela—ou,demodo mais dramático, deixá-la explodir — o ar que ela contém seexpandiráatésuadensidadenormalatingindoatemperaturaambiente.

Esse é o elemento científico subjacente à expressão blowoffsteam,"esfriar"emumasituação"quente".Derepenteessassimplesobservações corriqueiras revelam um profundo significado cósmico.Vimosacimaquequandooselétronseosnúcleospuderam juntar-separaformarosátomos,osfótonsficaramlivresparaviajarpelouniversoafora,damesmaformaqueosátomosdeardentrodeumapaneladepressãoquente,mas,nomais,vazia.Eexatamentecomooarnapanelade pressão esfria quando a tampa é removida, permitindo- lhe seexpandir,omesmoocorrecomo"gás"defótonsquesemoveportodoocosmosàmedidaqueouniversoseexpande.Comefeito, jáemseutempo,GeorgeGamoweRalphAlphereRobertHermann,nadécadade 50, eRobertDicke e JimPeebles, emmeados da década de 60,concluíramqueouniversodosnossosdiasdeveriaestarinundadoporum mar praticamente uniforme desses fótons primordiais cujatemperatura, ao longodos15bilhõesdeanosdeexpansão cósmica,teria caídoparaunspoucosgrausacimado zeroabsoluto.Em1965,AmoPenziaseRobertWilson,dosLaboratóriosBellemNovaJersey,fizeram acidentalmente uma das descobertas mais importantes danossa época ao detectar essa radiação remanescente do big-bangenquanto trabalhavam em uma antena destinada à comunicação viasatélite. As pesquisas posteriores trouxeram maior refinamento tantopara a teoria quanto para a experimentação, o que culminou com asmedições feitas pelo satéliteCobe (CosmicBackgroundExplorer), daNasa, nos primeiros anos da década de 90. Com esses dados foipossívelconfirmarcomaltaprecisãoqueouniversorealmenteérepletodeumaradiaçãoemmicroondas(seosnossosolhosfossemsensíveisa essa radiação, veríamosumbrilho difuso noespaçoà nossa volta)

cujatemperaturaédeaproximadamente2,7grausacimadozeroabsoluto,oquecoincideexatamente com a expectativa da teoria do big-bang. Em termosconcretos,emcadametrocúbicodouniverso—inclusiveesseemquevocêestá—existememmédia400milhõesde fótonsque compõemcoletivamenteovastomarcósmicodaradiaçãoemmicroondas,oecodacriação.Umafraçãodo"chuvisco"quevocêvênateladatelevisãoquandonãoestá ligadaanenhumaemissoraé,naverdade,resultadodessa discreta repercussão do big-bang. Essa concordância entre ateoriaeaexperiênciaconfirmaoquadrodacosmologiadobig-bang,atéo tempo em que os fótons puderam mover-se livremente através douniverso pela primeira vez, algumas centenas de milhares de anosdepoisdobig-bang(DBB).

Serápossívelrecuaraindamaisnotempoparatestarateoriadobig-bang?Sim.Utilizandoprincípiosconsagradosdateorianuclearedatermodinâmica, podem-se fazer previsões específicas a respeito daabundânciarelativadoselementoslevesproduzidosduranteoperíododanucleossínteseprimordial,ocorridaentreumcentésimodesegundoealgunsminutosDBB.Deacordocomateoria,porexemplo,cercade23porcentodouniversodeveriaconsistirdehélio.Pormeiodamediçãodapresença de hélio nas estrelas e nas nebulosas, os astrônomospuderamreunirgrandequantidadededadosqueconfirmamplenamenteaprevisão.Talvez mais impressionante ainda seja a previsão e a confirmaçãorelativas à presença de deutério, uma vez que essencialmente nãoexisteoutroprocessoastrofísico,alémdobig-bang,quepossaexplicarapresença, pequena mas clara, de deutério por todo o cosmos. Aconfirmaçãodessasprevisões,aquesesomourecentementeadolítio,éumtestesignificativodanossacompreensãodafísicadouniversoaotempodasínteseprimordial.

Isso é absolutamente impressionante. Todos os dados quepossuímosconfirmamqueateoriaécapazdedescreveracosmologiadouniversodesdeumcentésimodesegundoDBBatéopresente,cercade15bilhõesdeanosdepois.Nãodevemosperderdevista,contudo,ofato de que o universo em seus inícios evoluiu com uma rapidezfenomenal.Fraçõesmínimasdesegundo—muitomenoresdoqueumcentésimo — constituem épocas cósmicas, durante as quais seimplantaramcaracterísticasduradourasdouniverso.Assim,oscientistascontinuaram a pesquisar, buscando explicar o universo em tempos

ainda mais remotos. Como o universo é menor, mais quente e maisdenso quanto mais recuamos no tempo, torna-se cada vez maisimportantedescrevercomprecisãoamatériaeasforçasemtermosdemecânica quântica. Como vimos em capítulos anteriores, a partir deoutros pontos de vista, a teoria quântica de campo das partículaspuntiformesfuncionaatéqueoníveldeenergiadaspartículasalcanceaescala de Planck. No contexto cosmológico isso ocorreu quando atotalidade do universo estava contida em uma pepita do tamanho daescaladePlanck,oquecorrespondeaumadensidadetãograndequeescapaaoalcancedequalquermetáforaouanalogia.AdensidadedouniversonotempodePlanckerasimplesmenteenorme.Nesseníveldeenergias e densidades, a gravidade e a mecânica quântica já nãopodemsertratadascomoentidadesseparadas,comoacontecenateoriaquântica de campo das partículas puntiformes. Ao contrário, amensagem principal deste livro é que a partir desse nível energéticocolossalénecessáriorecorreràteoriadascordas.Emtermosdetempo,encontramosessasenergiasedensidadesquandobuscamosexaminarocosmosantesdotempodePlanckde10segundosDBB,eassimessaépocaantiqüíssimaéaarenacosmológicadateoriadascordas.

Antes de chegar a essa era, vejamos primeiro o que a teoriacosmológicadomodelo-padrãonosdizarespeitodouniversoantesdeumcentésimodesegundoDBB,masdepoisdotempodePlanck.DOTEMPODEPLANCKATEUMCENTÉSIMODESEGUNDODBB

Lembre-se de que vimos no capítulo 7 que as três forças nãogravitacionaisparecemfundir-senoambienteextremamentequentedouniversoprimordial.Ocálculodavariaçãodaintensidadedessasforçasem função da energia e da temperatura revela que até 10 segundosDBB as forças forte, fraca e eletromagnética constituíam uma única"forçaunificada",ou"superforça".Nesseestado,ouniversoeramuitomaissimétricodoqueéhoje.Assimcomoumconjuntodíspardemetaisdiversosao fundir-secomocaloratingeahomogeneidadedeumlíquido,domesmomodoasdiferençassignificativasqueagoraobservamosentre as forçasdeixamdeexistirnascondiçõesextraordináriasdeenergiaetemperaturaencontradasnoinícioimediatodouniverso.Comopassardotempoecomaexpansãoe

oresfriamentodouniverso,aformalizaçãodateoriaquânticadecampomostra que essa simetria foi se quebrando bruscamente em diversossaltos repentinos, o que levou, por fim, à forma comparativamenteassimétricaquehojenosparecefamiliar.

Não é difícil de entender a estrutura física que preside a essaredução de simetria, ou quebra de simetria, em uma linguagemmaistécnica. Imagine um tanque cheio d'água.Asmoléculas deHOestãodistribuídasuniformementepelotanqueeindependentementedoângulopeloqualasvejamosaáguatemamesmaaparência.Observeagoraotanque à medida que baixamos a temperatura. Inicialmente nãoacontece nada de mais. Na escala microscópica a velocidade dasmoléculas de água diminui, mas isso é tudo. No entanto, quando atemperatura alcança zero grau Celsius, algo drástico repentinamenteocorre.Aágua líquidacomeçaa transformar-seemgelosólido.Comovimosnocapítuloanterior,esseéumexemplosimplesdetransiçãodefase.Nocasopresente,oaspectoimportanteareteréqueatransiçãode faseresultaemumadiminuiçãodo teordesimetria reveladopelasmoléculas deH2O. Enquanto a água líquida tem amesma aparênciaqualquer que seja o ângulo em que a observemos — um caso desimetriarotacional—, o gelo é diferente. Ele se estrutura em blocos de cristal, o quesignifica que se você o examinar com a precisão adequada, a suaaparência mudará segundo o ângulo de visão. A transição de faseresultaemumadiminuiçãodoteordesimetriarotacional.

Embora tenhamos discutido apenas um exemplo familiar, épossível generalizar: em muitos sistemas físicos, a diminuição datemperaturaprovocaemumpontodeterminadouma transiçãode fasequetipicamenteresultaemumadiminuiçãoou"quebra"dealgumadassuassimetriasprévias.Aliás,osistemapodepassarporumasériedetransições de fase se a temperatura variar o suficiente. A águaproporcionaumoutroexemplosimples.SecomeçarmoscomHOacimadecemgrausCelsius,teremosumgás,ovapord'água.Nessaforma,osistema temmais simetria do queno estado líquido, uma vez queasmoléculas individuais de HO estão livres da forma congestionada eassociativadoestadolíquido.Elaspasseiamlivrementepelotanque,emigualdade absoluta, sem formar "turmas" ou aglomerações, nas quaiscertos grupos de moléculas "escolhem-se" mutuamente para comporassociações que excluem as demais. Nas temperaturas mais altas,prevalece a democracia molecular. Quando a temperatura cai abaixodos cem graus, evidentemente dá-se a formação de gotas d'água

quandoocorreapassagempelatransiçãodefasegás-líquidoeoteordesimetriareduz-sebruscamente.Seatemperaturacontinuarabaixar,nadademaisaconteceráatéchegarmosazerograuCelsius,quandoentão,talcomovimosacima,atransiçãodefaselíquido-sólidoresultaráemoutradiminuiçãoabruptadasimetria.

Os cientistas acreditam que entre o tempo de Planck e umcentésimo de segundo DBB o universo comportou-se de maneiracomparável e atravessou pelo menos duas transições de fase. Atemperaturas superiores a 10 graus Kelvin, as três forças nãogravitacionaisapareciamunidas,apresentandoummáximodesimetria.(Aofinaldestecapítulo,discutiremoscomoateoriadascordasincluiaforçagravitacionalnessaunificaçãoaaltatemperatura.)Masquandoatemperatura descendente passa pelo nível de 1028 graus Kelvin, ouniverso atravessa uma transição de fase em que as três forças secristalizam individualmente, rompendo a união anterior. As suasrespectivas intensidades e as características da sua ação passam adivergir. Assim, a simetria que existia entre as forças a temperaturasmaiselevadasrompe-secomoresfriamentodouniverso.Noentanto,otrabalhodeGlashow,SaiameWeinberg(verocapítulo5)revelaqueasimetria não fica totalmente eliminada, pois as forças fraca eeletromagnética permanecem ainda profundamente interligadas.Conforme o universo continua a sua expansão e o seu resfriamento,nadamaisaconteceatéqueatemperaturachegaa10grausKelvin—cerca de 100 milhões de vezes a temperatura do centro do Sol —,quandoouniversopassaporoutratransiçãodefase,queafetaasforçasfracaeeletromagnética.Aessatemperatura,tambémessasduasforçasseparam-se e cristalizam-se individualmente, rompendo a sua uniãoanterior,maissimétrica,eàmedidaqueouniversoseresfria,maisasdiferenças entre elas semagnificam. As duas transições de fase sãoresponsáveis pela aparência diferenciada das três forças nãogravitacionaisqueoperamnomundo,apesardeque,comomostraessebreve resumo da história cósmica, elas são, na verdade, intimamenterelacionadas.UMQUEBRA-CABEÇASCOSMOLÓGICO

A cosmologia da era pós-Planck proporciona um esquemaelegante, coerente e factível de ser calculado para que possamoscompreenderouniversodesdeosprimeiríssimosmomentosapósobig-bang.Mas,comoacontececomamaioriadasteoriasdeêxito,assuas

conquistaslevantamumnúmeroaindamaiordeperguntas.Eaconteceque algumas dessas perguntas, ainda que não invalidem o cenáriocosmológico-padrão,mostramqueeleapresentacertasdeficiênciasqueindicamanecessidadedeumateoriamaisprofunda.Vejamosumdeles,o problema do horizonte, uma das questões mais importantes dacosmologiamoderna.

A análise cuidadosa da radiação cósmica de fundo emmicroondasrevelouquequalquerquesejaadireçãodocéuparaaqualaantenaaponte,atemperaturadaradiaçãoésempreamesma—comumavariaçãodeumaunidadeem100mil.Sevocêpensarummomentosobre esse aspecto, verá que é bem estranho. Por que razão osdiferenteslugaresdouniverso,separadospordistânciasenormes,têmtemperaturas tão precisamente iguais? Uma solução aparentementenatural para esse quebra- cabeças é dizer que, sim, dois lugaresdiametralmente opostos do universo hoje estãomuito distantes, mas,assimcomogêmeosseparadosaonascer,eles(etudomais)estavambemjuntosnosprimeiríssimosmomentosdouniverso.Comoambososlugaresvieramdomesmopontodepartida,pode-seadmitirqueofatodequetenhamcaracterísticasfísicascomuns,comoatemperatura,nãochegaasersurpreendente.

Na cosmologia-padrão do big-bang essa explicação nãofunciona.Eisporquê.Umaterrinadesoparesfria-segradualmenteatéatingir a temperatura ambiente, porque está em contato com o arcircundante,queémaisfrio.Comopassardotempo,astemperaturasdasopaedoartenderãoaigualar-se,graçasaoseucontatomútuo.Masseasopaestiveremumagarrafatérmica,logicamenteelareteráocalorpor muito mais tempo, por haver muito menos comunicação com oambiente externo. Isso é conseqüência do fato de que ahomogeneização da temperatura entre dois corpos é função de umacomunicação prolongada e desimpedida entre eles. Para testar ahipótesedequeduasposiçõesespaciaisquehojeestejamseparadaspor vastas distâncias compartilham a mesma temperatura emconseqüênciadoseucontato inicial,precisamos,portanto,examinarapossibilidadedequetenhaocorridoumatrocadeinformaçõesentreelasnoiníciodouniverso.Aprimeiravistavocêpodepensarque,comoasdistâncias eram muito menores nos tempos iniciais, a comunicaçãoseria cadavezmais fácil.Masaproximidadeespacial é apenasumapartedahistória.Aoutraéaduraçãotemporal.

Paraexaminarmosessaquestãocommaisdetalhe,imaginemos

um "filme" da expansão do cosmos, que passa do futuro para opassado,dehojeparaomomentodobig-bang.Comoavelocidadedaluzmarca o limite dentro do qual qualquer sinal ou informação podeviajar,osobjetosmateriaisqueestejamemduasáreas diferentes do espaço só podem trocar energia de calor — echegar,portanto,atertemperaturascomuns—seadistânciaentreeleshouversido,emalgummomento, inferioràquea luz tenhapercorridodesde o momento do big-bang. Assim, à medida que o filme sedesenrola,vemosqueháumacompetiçãoentreadistânciaqueexiste,em um determinado momento, entre as duas áreas do espaço queaparecemnonossoexemploeaquelaquealuzpodepercorrerdesdeoinstantedobig-bangatéaquelemomento.Porexemplo,seadistânciaentre as duas áreas por nós escolhidas for maior do que 300 milquilômetrosantesdeumsegundoDBB,nãoexistemaneirapelaqualelas possam influenciar-se mutuamente, ainda que estejamrelativamentetãopróximaumadaoutra,porqueapróprialuzprecisariadeumsegundointeiroparaatravessaradistânciaentreeles.

Ditodeoutramaneira,umsegundodepoisdobig-bang,apenasos corpos que estivessem a uma distância menor do que 300 milquilômetros um do outro poderiam ter intercambiado sinais ouinformaçõesouterseinfluenciadomutuamente,poisessaéadistânciamáximaquealuzpodepercorrernaqueletempo.Omesmoraciocínioseaplica a distâncias e tempos menores: um bilionésimo de segundodepoisdobig-bang,lapsodetempoduranteoqualaluzpercorretrintacentímetros,duasáreasquetivessementresiumadistânciasuperioraessanãopoderiam terse influenciadomutuamente. Isso revelaqueofatodequedoispontosquaisquerdouniversoestejamcadavezmaispróximos um do outro à medida que recuamos no tempo e nosaproximamos do big-bang não significa necessariamente que elestenhamtidoocontatotérmico—comooqueocorreentreasopaeoar—quelhespermitiriacompartilharamesmatemperatura.

Esse é o problema com o modelo- padrão do big-bang. Oscálculosmostramquenãohámaneiradequeasregiõesdoespaçoquehoje se encontram separadas por grandes distâncias pudessem terintercambiado energia térmica para apresentar hoje uma temperaturacomum.Comoapalavrahorizonterefere-seàdistânciaquealcançaanossa visão— a distância que alcança a luz, por assim dizer—, a

uniformidadede temperaturaemtodaaextensãodocosmos,atéaquiinexplicada, é conhecida como o "problema do horizonte". O enigmanão significa que a teoria cosmológica- padrão esteja errada. Mas auniformidadedatemperaturaéumaclaraindicaçãodequeestáfaltandoalgum elemento importante para compor a história do universo. Em1979,AlanGuth,atualmentenoMIT,escreveuocapítuloquefaltava.INFLAÇÃO

A origem do problema do horizonte está em que, paraverificarmos a aproximação entre duas regiões do universo que hojeestãoseparadasporgrandesdistâncias, temosdeverofilmecósmicoaté o início dos tempos, quando não havia tempo algum para quequalquer influência física se pudesse fazer sentir viajando de umaregiãoparaaoutra.Eadificuldadeestáemque,nestefilmepeloqualrecuamosnotempo,avelocidadecomqueouniversosecomprimenãoésuficienteparaisso.

Vamosaperfeiçoarumpoucomaisessaafirmação.Oproblemadohorizontederivadequeopoderdeatraçãodagravidadefazcomquea velocidade da expansão do universo diminua progressivamente, talcomo acontece com uma bola que lancemos para cima. Voltando aofilmeemquerecuamosnotempo,issosignifica,porexemplo,queparaqueadistânciaqueseparadoislugaresdocosmossereduzaàmetadeéprecisorebobinarmaisdoqueametadedofilme.Domesmomodo,vemosqueparaqueadistânciasereduzaàmetade,éprecisopercorrermais do que a metade do tempo que nos separa do big-bang.Proporcionalmente,portanto,havendomenos tempo"disponível"atéobig-bang, isso significa que é mais difícil para as duas regiões secomunicaremmesmoqueelasseaproximem.

AsoluçãodadaporGuthaoproblemadohorizonteésimples.EleencontrouumasoluçãoparaasequaçõesdeEinsteinsegundoaqualouniverso primordial passa em um breve período por uma expansãoextraordinariamenterápida—umperíodoemqueelese"infla"aumataxaexponencialinaudita.Aocontráriodoqueacontececomabolaquearremessamosparacima,aexpansãoexponencialacelera-secadavezmais.Aovermosofilmecósmico,aexpansãocadavezmaisrápidaemdireçãoaofuturoseconverteemumacontraçãocadavezmaisrápidaem direção ao passado. Isso significa que para reduzir à metade adistância que separa dois lugares diferentes do cosmos (durante aépocaexponencial)temosdevermenosdoqueametadedaextensão

dofilme—muitomenos,aliás.Querdizerqueosdoislugaresterãotidomais tempo para estabelecer comunicação térmica e para chegar, talcomosopaquenteear,aumamesmatemperatura.ComadescobertadeGuthe importantesrefinamentosposterioresdeAndréLinde,agoranaUniversidade de Stanford, Paul Steinhardt e Andreas Aibrecht,então na Universidade da Pensilvânia, e muitos outros, o modelo-padrão da cosmologia converteu-se no modelo cosmológicoinflacionário.Nessecontexto,omodelo-padrãosofreumamodificaçãoduranteumabrevejaneladotempo—de10'6a10'4segundosDBB—pormeiodaqualouniversomultiplicaoseutamanhoporumfatordepelomenos10vezes,colossalmentemaiordoqueofatordecercadecemvezesqueocorrerianocenárioconvencional. Issoquerdizerqueemumintervalodetempoabsolutamenteminúsculo,umtrilionésimodetrilionésimo de trilionésimo de segundo DBB, o tamanho do universoaumentoupercentualmentemaisdoquenos15bilhõesdeanosqueseseguiram. De acordo com esse modelo, corpos que hoje estão empontosopostosdoespaçoestavammuitomaispróximosentresidoquenomodelo-padrãodacosmologia,oquetornapossívelaexistênciadeuma temperatura comum entre eles. Assim, mediante o surtomomentâneodeinflaçãocosmológicadeGuth—seguidodaexpansãomais normal do modelo-padrão da cosmologia —, essas regiões doespaço foramcapazesdese tornarseparadaspelasvastasdistânciasqueobservamoshoje.Dessemodo,abrevemasprofundamodificaçãoinflacionária domodelo-padrão da cosmologia resolve o problema dohorizonte (assim como vários outros problemas importantes que nãodiscutimos),peloqueobtevegrandeaceitaçãoentreoscosmólogos.

Resumimos a história do universo desde o que ocorreuimediatamenteapósotempodePlanckatéotempopresente,deacordocomateoriaatual.ACOSMOLOGIAEATEORIADASSUPERCORDAS

Existe uma faixa, entre o big-bang e o tempo de Planck, queaindanãodiscutimos.Aaplicaçãocegadasequaçõesda relatividadegeralaessaregiãolevaaumasituaçãoemqueouniversoficacadavezmenor,maisquenteemaisdensoàmedidaquenosaproximamosdobig-bang. No tempo zero, o tamanho do universo desaparece e atemperatura e a densidade chegam ao infinito, o que nos dá umaindicaçãoextremadequeessemodeloteóricodouniverso,derivadodo

esquema gravitacional clássico da relatividade geral, também entroutotalmenteemcolapso.

Anaturezanosdizcomênfasequenessascondiçõestemosdeprocederaumafusãoentrearelatividadegeraleamecânicaquântica—em outras palavras, somos forçados a utilizar a teoria das cordas.Atualmente, as pesquisas a respeito das implicações da teoria dascordas para a cosmologia ainda estão em fase inicial dedesenvolvimento.Omáximoqueosmétodosperturbativospodemnosfornecersãoidéiasesquemáticas,umavezqueosextremosdeenergia,detemperaturaededensidaderequeremumaanáliseprecisa.Emboraa segunda revolução das supercordas tenha proporcionado algumastécnicasnão-perturbativas,algumtempoaindaseránecessárioparaqueelaspossamgerarotipodecálculorequeridopelocenáriocosmológico.Todavia, durante os últimos dez anos os primeiros passos dacosmologia das cordas vêm sendo dados. Aqui está o que já seconseguiu.

Aparentemente,ateoriadascordasmodificaomodelo-padrãodacosmologia de três maneiras essenciais. Primeiro, algo que aspesquisas atuais ainda estão explorando, a teoria das cordas implicaque o tamanho do universo possui um valor mínimo. Isso trazconseqüênciasprofundasparaquepossamosentenderouniversonoexato momento do big-bang, quando a teoria-padrão afirma que otamanhodocosmosreduz-seazero.Segundo,ateoriadascordastemumadualidadeentreoraiograndeeopequeno(intimamenteligadaàquestãodotamanhomínimo),quetambémtemumprofundosignificadocosmológico,comoveremosemummomento.Finalmente,ateoriadascordastemmaisdequatrodimensõesespaço-temporaise,dopontodevistacosmológico,temosdeconsideraraevoluçãodetodaselas.NOPRINCIPIOERAUMAPEPITADOTAMANHODEPLANCK

Nofinaldadécadade80,RobertBrandenbergereCumrunVafaderam os primeiros passos no sentido de compreender como aaplicação das características teóricas das cordas modifica asconclusões do modelo-padrão da cosmologia. Eles chegaram a doisimportantes resultados. Primeiro, à medida que nos aproximamos docomeço,atemperaturacontinuaasubiratéqueotamanhodouniversoalcança a distância de Planck em todas as direções. Então, atemperaturaalcançaovalormáximoecomeçaabaixar.Arazãointuitiva

queestáportrásdessaconclusãonãoédifícildeentender.Imagine,comofizeramBrandenbergereVafa,quetodasasdimensõesespaciaisdouniversosãocirculares.Amedidaquerecuamos no tempo e o raio de cada um desses círculos diminui, atemperatura do universo aumenta. Mas à medida que o colapso dosraios levaàdistânciadePlanckeasupera,sabemosque,deacordocoma teoriadascordas, issocorresponde fisicamenteaqueos raiosdiminuematéadistânciadePlanckevoltamaaumentarde tamanho.Como a temperatura baixa quando o universo se expande, podemosimaginarqueatentativainútildeconstringirouniversoemumtamanhoinferioraodadistânciadePlancklevaaqueatemperaturachegueaumvalor máximo e volte a baixar em seguida. Por meio de cálculospormenorizados, Brandenberger e Vafa comprovaram explicitamentequeesseédefatoocaso.

Isso levou a que ambos propusessem o seguinte quadrocosmológico.Noprincípio,todasasdimensõesespaciaisdateoriadascordas estão fortemente recurvadas em seu tamanho mínimo, quecorrespondemaisoumenosàdistânciadePlanck.A temperaturaeaenergia são elevadas, mas não infinitas, uma vez que a teoria dascordas evita os impasses de um ponto de partida infinitamentecomprimido de tamanho igual a zero. Nesse momento inicial douniverso,todasasdimensõesespaciaisdateoriadascordasestãoemcompleto pé de igualdade— são absolutamente simétricas—, todasrecurvadasemumapepitamultidimensionalcomotamanhodePlanck.Então, segundo Brandenberger e Vafa, o universo passa pelo seuprimeiroestágioderompimentodesimetria,quando,àalturadotempodePlanck,trêsdasdimensõesespaciaisexpandem-se,enquantoasoutrasretêmotamanhoinicial,naescaladePlanck.Sãoessastrêsdimensõesespaciais que se identificamcomo cenário cosmológico inflacionário,quemarcaaevoluçãoposterioraotempodePlanck.Apartirdeentão,essastrêsdimensõesseexpandematéotamanhoquetêmatualmente.PORQUETRÊS?

Aperguntaóbviaé:oqueéquelevaàreduçãodesimetriaqueprovocaaexpansãodeexatamentetrêsdimensõesespaciais?Ouseja,alémdofatodequeaobservaçãoexperimentalnoslevaàconclusãodequeapenastrêsdimensõesespaciaisseexpandiram,seráqueateoriadas cordas é capaz de indicar uma razão fundamental para que a

expansãonãotenhaalcançadoumnúmeromaiordedimensões(quatro,cinco,seiseassimpordiante),oumesmotodaselas,oqueseriamaissimétrico?BrandenbergereVafaencontraramumaexplicaçãopossível.Lembre-sedequeadualidadeentreoraiograndeeopequenoqueateoriadascordasapresentaéumaconseqüênciadofatodequequandouma dimensão se recurva como em um círculo, uma corda podeenvolvê-la.BrandenbergereVafaconcluíramque,assimcomotirasdeborracha envolvendo uma câmara de ar de um pneu de bicicleta, acorda envolvente tende a constringir as dimensões envolvidas,impedindo-asdeexpandir-se.Aprimeiravista,issopareceriasignificarque todas as dimensões ficariam recurvadas, pois as cordas podemenvolvê-las todas,ede fatoo fazem.A respostaestáemqueseumacordaenvolventeeasuaparceiraanticorda(basicamente uma corda que envolve a dimensão na direção oposta)entram em contato, rapidamente elas se aniquilam, produzindo umacorda não envolvente. Se esses processos ocorrem com rapidez eeficiênciabastantes,umnúmerosuficientedecasosdeenvolvimentosserá eliminado, o que permitirá a expansão das dimensões.BrandenbergereVafasugeriramqueessareduçãodoefeitosufocantedas cordas envolventes acontece apenas com relação a três dasdimensõesespaciais.Eisporquê.Imagineduaspartículaspuntiformesque correm ao longo de uma linha unidimensional, como a extensãoespacial da Grande Linha. A menos que elas tenham velocidadesiguais, mais cedo ou mais tarde uma alcançará a outra e elas sechocarão. Veja, porém, que se essas mesmas partículas puntiformesdeslizarem aleatoriamente em um plano bidimensional, como aextensãoespacialdaTerraPlana, é provável queelas nunca venhama colidir.A segundadimensão espacial abre um novo mundo de trajetórias para cadapartículaeemsuagrandemaioriaessastrajetóriasnãosecruzamemummesmopontoaomesmotempo.Emtrês,quatrooumaisdimensões,torna-se cada vez mais difícil que as duas partículas venham aencontrar-se.BrandenbergereVafaverificaramqueumaidéiaanálogaprevalecesesubstituirmosaspartículaspuntiformesporlaçosdecordasqueenvolvemasdimensõesespaciais.Emborasejamuitomaisdifícilvisualizar, se houver três (oumenos) dimensões espaciais circulares,duascordasenvolventesprovavelmentesechocarãoumacomaoutra— análogo ao que acontece com duas partículas puntiformes que semovem em uma só dimensão. Mas com quatro ou mais dimensões

espaciais,écadavezmaisdifícilqueascordasenvolventesvenhamacolidir—análogoaoqueacontece comaspartículas puntiformesemduasoumaisdimensões.

Issolevaaoseguintequadro.Noprimeiromomentodouniverso,o tumulto decorrente da temperatura altíssima, mas finita, leva a quetodasasdimensõescircularesbusquemexpandir-se.Aomesmotempo,as cordas envolventes contêm a expansão, mantendo as dimensõescomosseusraiosoriginaisdotamanhodePlanck.Maiscedooumaistarde, no entanto, uma flutuação térmica aleatória levará a que trêsdimensõescresçammomentaneamentemaisdoqueasoutras.Anossadiscussãonosdizqueascordasqueenvolvemessasdimensõesmuitoprovavelmentecolidirãoentresi.Cercademetadedascolisõesatingiráos pares de cordas / anticordas, o que leva a aniquilamentos quecontinuamente fazem diminuir as constrições. Isso permite que essastrês dimensões continuem a expandir-se. Quanto mais elas seexpandem, mais difícil será que as cordas possam envolvê-las porcompleto,pois,àmedidaqueelascrescem,ascordasprecisariam tercadavezmaisenergiaparaenvolvê-las.Dessemodo,aexpansãoseauto-alimenta,tornando-secadavezmaisdesimpedidaàmedidaqueasdimensõessetornammaiores.Agora podemos imaginar que essas três dimensões espaciaiscontinuaram a evoluir da maneira que descrevemos nas seçõesprecedentes,expandindo-seatéalcançarotamanhoatualdouniverso.ACOSMOLOGIAEASFORMASDECALABI-YAU

Parasimplificar,BrandenbergereVafaimaginaramquetodasasdimensões espaciais são circulares. Com efeito, como notamos nocapítulo 8, desde que as dimensões circulares sejam suficientementegrandes a ponto de que a sua curvatura fique fora do alcance dosnossosinstrumentosdeobservação,aformacircularécoerentecomouniverso que percebemos.Mas para as dimensões que permanecempequenas,émaisrealistapensarqueelasestejamrecurvadasemumespaço de Calabi-Yau mais complexo. Evidentemente, a pergunta-chaveé:qualespaçodeCalabi-Yau?Comosedeterminaesseespaçoparticular?Aindanãoconhecemosaresposta.Mascombinando-seasalterações topológicas drásticas descritas no capítulo anterior comesses avanços da cosmologia, é possível sugerir um esquema

explicativo. Sabemos que por meio dos rompimentos espaciaisprovocados pelas transições cônicas qualquer forma de Calabi- Yaupode transformar-se emqualquer outra. Podemos então imaginar quenosmomentos tumultuadose tórridosqueseseguiramaobig-bang,ocomponenteCalabi-Yaurecurvadodoespaçomantém-sepequeno,masentraemumadançafrenéticanaqualoseuprópriotecidoserompeesereconstitui sucessivamente, metamorfoseando-se em uma longa sériedeformasdeCalabi-Yau.Comoresfriamentodouniversoeaexpansãode três das dimensões espaciais, as transições entre as formas deCalabi-Yauvãoperdendofreqüênciaatéqueasdimensõesadicionaisacabam por encontrar a forma de Calabi-Yau que supostamente dálugaràscaracterísticasfísicasqueobservamosnomundoànossavolta.O desafio que os físicos enfrentam hoje é o de conhecerespecificamenteaevoluçãodocomponenteCalabi-Yaudoespaçodemodoqueasua formaatualpossaserprevistaapartirdosprincípiosteóricos.Coma recém-descobertaconversibilidadeentreasdiferentesformasdeCalabi-Yau,vemosqueaquestãodeselecionarumadentretodasasformasdeCalabi-Yaupassaaserumproblemadacosmologia.ANTESDOPRINCIPIO?

Semasequaçõesexatasdateoriadascordas,BrandenbergereVafa viram-se forçados a recorrer a uma série de aproximações e depremissasemseusestudoscosmológicos.Vafadisserecentemente:Onossotrabalhopõeemdestaqueanovamaneirapelaqualateoriadascordaspermitereestudarproblemaspersistentesdomodelo-padrãodacosmologia. Vemos, por exemplo, que a própria noção de umasingularidadeinicialpodesertotalmenteevitadapelateoriadascordas.Mas devido às dificuldades que impedem a execução de cálculosinteiramenteconfiáveisnessascondiçõesextremas,comonossonívelatualdeconhecimentosobrea teoriadascordasonosso trabalhosópode proporcionar um vislumbre inicial da cosmologia das cordas eaindaestámuitolongededarapalavrafinal.

Desdeapublicaçãodessetrabalho,acosmologiadascordastemfeito contínuos progressos, graças, sobretudo, às contribuições deGabriele Veneziano e seu colaborador Maurizio Gasperini, daUniversidadedeTurim,entreoutros.GasperinieVenezianoapresentaraasuaprópriaversãodacosmologia

dascordas,interessantetrabalhoquecompartilhacertosaspectoscomocenário descrito acima, mas que também difere dele de modosignificativo. Como no trabalho de Brandenberger e Vafa, eles sebasearamnaexistênciadeum tamanhomínimona teoriadascordas,que evita as temperaturas e as densidades de energia infinitas quedecorremdomodelo-padrãoedateoriacosmológicainflacionária.Masemvezdeconcluirqueissosignificaqueouniversotemseuiníciocomoumapepita do tamanhodePlanck extremamente quente,Gasperini eVeneziano sugerem que pode ter havido toda uma pré-história douniverso—quecomeçamuitoantesdoqueatéaquiestamoschamandodetempozero—quelevaaoembriãocósmicoplanckiano.

Nessecenáriopré-big-bang,ouniversoteminícioemumestadoamplamente diferente do que é apontado pelo esquema do big-bang.GasperinieVenezianosugeremque,emvezdeenormementequente,recurvado e contido em uma fagulha de espaço, o universo teve uminício frio e essencialmente infinito, do ponto de vista da extensãoespacial.Asequaçõesdateoriadascordasindicamentãoaocorrênciadeumainstabilidade—semelhanteàdaépocainflacionáriadeGuth—quelevoutodosospontosdouniversoaafastarem-serapidamenteunsdosoutros.GasperinieVenezianodemonstramqueissolevouoespaçoatornar-seprogressivamentemaiscurvo,oqueresultaemumfortíssimoaumentodatemperaturaedadensidadedeenergia.Depoisdealgumtempo, uma região tridimensional de tamanho milimétrico, no interiordesse vasto espaço, poderia parecer exatamente igual ao volumesuperquenteedensoquesurgedaexpansão inflacionáriadeGuth.Apartir daí, o processo de expansão previsto pela cosmologiaconvencional do big-bang explica a transformação desse grão nouniversoqueconhecemos.Comoaépocaanterioraobig-bangimplicaasuaprópriaexpansãoinflacionária,asoluçãodeGuthparaoproblemado horizonte está automaticamente incorporada nesse cenáriocosmológico.NaspalavrasdeVeneziano,"ateoriadascordasoferece-nosumaversãodacosmologiainflacionáriaemumabandejadeprata".

O estudo da cosmologia das supercordas está se tornandorapidamente uma área ativa e fértil de pesquisas. O cenário pré-big-bang,porexemplo,jávemgerandoumconsideráveldebate,animadoefrutífero,enãosabemosaindaqualopapelqueeledesempenharánoarcabouço cosmológico que por fim surgirá da teoria das cordas. A

realização dessa obra dependerá muito da nossa capacidade deequacionartodososaspectosdasegundarevoluçãodassupercordas.Quaissão,porexemplo,asconseqüênciascosmológicasdaexistênciade branas fundamentais de dimensões múltiplas? Que modificaçõessofreriamaspropriedadescosmológicasquetemosdiscutidoseovalorda constante de acoplamento da teoria das cordas nos levar para aregiãocentralenãoparaassuasregiõespeninsulares?Ouseja,qualserá o impacto final da teoria M sobre a origem do universo? Essasquestões capitais estão sendo estudadas vigorosamente e umaconstataçãoimportantejásurgiu.ATEORIAMEAFUSÃODETODASASFORÇAS

A imensidades das três forças não gravitacionais convergemquandoatemperaturadouniversoalcançaumdeterminadovalor.Qualo comportamento da força gravitacional neste quadro? Antes dosurgimentodateoriaM,osteóricosdascordaspuderamdemonstrarquecomasescolhasmaissimplesdocomponenteCalabi-Yaudoespaçoaforça gravitacional quase chega a fundir-se com as outras três. OsteóricosdescobriramqueessadiferençapodiaserevitadapormeiodeexpedientescomoodeumacuidadosamodelagemdaformadeCalabi-Yau escolhida, mas essas correções a posteriori sempre causaminsatisfação.Comoatéhojeninguémsabecomoprevera formaexatadas dimensões Calabi-Yau, parece perigoso apoiar-se em soluçõesparaproblemasimbricadostãodelicadamentecomosricosdetalhesdesuaforma.

Witten demonstrou, contudo, que a segunda revolução dassupercordasofereceumasoluçãobemmaisconsistente.Aoexaminarcomo a intensidade das forças varia quando a constante deacoplamento das cordas não é necessariamente pequena, Wittenpercebeu que a curva da força gravitacional pode ser corrigidasuavementedemodoaconfluircomasoutrasforças,semnecessidadedenenhumamodelagemespecialdaparteCalabi-Yaudoespaço.Embora seja demasiado cedo para que tenhamos certeza, isso podeindicarqueauniãocosmológicaéalcançadacommaior facilidadeseutilizarmosoesquemamaisamplodateoriaM.

Os avanços discutidos aqui e nas seções precedentesrepresentamosprimeirospassos,aindainseguros,norumododomínio

das implicações cosmológicas da teoria das cordas/teoriaM.Para ospróximosanos,édeesperarqueoaperfeiçoamentodos instrumentosnão perturbativos da teoria das cordas/teoria M e sua aplicação àsquestõescosmológicasproduzamconclusõesdegrandeprofundidade.

Mas como ainda não dispomos de métodos capazes de nospossibilitaroentendimentototaldacosmologiadeacordocomateoriadas cordas, vale a pena refletir a respeito de algumas consideraçõesrelativasaopossívelpapeldacosmologianabuscadateoriadefinitiva.Advertimos que algumas dessas idéias têm um caráter muito maisespeculativodoqueamaiorpartedoquejávimosatéaqui.Maselassereferem a questões que a teoria final, qualquer que seja ela, terá deenfrentar.AESPECULAÇÃOCOSMOLOGICAEATEORIADEFINITIVA

Acosmologia temacapacidadede interessar-nosemumnívelprofundoemisterioso,poissabercomofoiqueascoisastiveraminíciopareceser—pelomenosparaalgumaspessoas—amelhormaneirade chegar a saber por que elas existem. Isso não quer dizer que aciênciamodernaproporcioneumvínculoentreocomoeoporquêdascoisas—algoqueelarealmentenãofaz—etambémpodeserverdadequeessevínculojamaissejaencontrado.Masoestudodacosmologiasemdúvidaacenaparaapossibilidadedepropiciar-nosumapercepçãomaiscompletadoporquê—onascimentodouniverso—,e isso,porsuavez,nospermiteaomenosumaopiniãobeminformadaarespeitodo marco em que essas coisas acontecem e essas perguntas sãoformuladas.Às vezes, ganhar intimidade comapergunta é omáximoquesepodeesperar,nafaltadeumaboaresposta.

No contexto da busca da teoria definitiva, essas reflexõesabstratas sobre a cosmologia dão lugar a considerações maisconcretas.Amaneiracomoascoisasaparecemaosnossosolhosnouniversocontemporâneo—bemàdireitanalinhadotempo—depende,evidentemente, das leis fundamentais da física, mas pode dependertambémdeaspectosligadosàevoluçãocosmológica,bemàesquerdadalinhadotempo,quepotencialmenteescapamaoalcanceatémesmodas teorias mais profundas. Não é difícil imaginar como isso ocorre.Pense,porexemplo,noqueacontecequandovocêarremessaumabola

noar.Asleisdagravidadecomandamosmovimentossubseqüentesdabola,masnãoépossívelprevercomexatidãoolugarondeelacairásenos basearmos apenas nessas leis. É preciso conhecer também avelocidadeea direçãodabola nomomentoemqueela deixaa suamão.Ouseja, temosdeconhecerascondições iniciaisdomovimentodabola.Domesmomodo, háaspectosdouniversoque também têmuma contingência histórica: as razões que levamà formação de umaestrelaaquiedeumplanetaaliadiantedependemdeumacomplexacadeiadeeventosque,pelomenosemprincípio,podemsercolocadosemfunçãodealgumaspectodouniversoquese formouquando tudocomeçou. Mas é possível que algumas características ainda maisbásicas do universo, talvezmesmo as propriedades fundamentais damatéria e das forças, também estejam em dependência direta daevoluçãohistórica—evoluçãoquedepende,elaprópria,dascondiçõesiniciaisdouniverso.

Aliás, já vimos uma possível encarnação dessa idéia na teoriadas cordas: com a evolução do tórrido universo primordial, asdimensões adicionais podem ter se transfigurado sucessivamente deumaformaparaoutra,atéestabilizar-seemumespaçodeCalabi-Yauparticular, quando o resfriamento universal o permitiu. Mas, tal comouma bola arremessada no ar, o resultado dessa viagem através denumerosas formas de Calabi-Yau pode muito bem depender, emprimeirolugar,dedetalhesrelativosàmaneirapelaqualaviagemteveinício.A influênciaqueaformadeCalabi-Yauresultanteexercesobreasmassas das partículas e sobre as propriedades das forçasmostracomoaevoluçãocosmológicaeoestadodouniversoquandodesuaformação podem produzir impactos profundos sobre a estrutura físicaqueobservamoshoje.

Nãosabemosquaiseramascondiçõesiniciaisdouniverso,nemestamoscertosdasidéias,dosconceitosedalinguagemquedevemserempregadosparadescrevê-las.Cremosqueoinsólitoestadoinicialdeenergia, densidade e temperatura infinitas que decorre do modelo-padrãodacosmologiaedomodeloinflacionáriosãoantesumsinaldequeessas teoriasentraramemcolapsodoqueumadescriçãocorretadas condições físicas que realmente ocorreram. A teoria das cordasoferece um aperfeiçoamento ao revelar que esses extremos e essesinfinitos podem ser evitados; contudo, ninguém tem ainda umapercepção clara sobre como as coisas realmente começaram. Naverdade,anossa ignorânciaémanifestaatémesmonosplanosmais

altos: não sabemos sequer se faz sentido formular a questão dadeterminação das condições iniciais, uma vez que ela podesimplesmente estar para todo o sempre fora do alcance das nossasteorias—podeserassimcomopediràteoriadarelatividadegeralquedeterminequala intensidadecomquevocêarremessouabolaparaoar.FísicoscomoHawkingeJamesHartie,daUniversidadedaCalifórniaem Santa Bárbara, fizeram bravas tentativas de tratar a questão dascondiçõescosmológicasiniciaisnocontextodateoriafísica,mastodososesforçosfeitosatéaquipermaneceminconclusivos.

O domínio que temos da teoria das cordas/teoriaM até aqui éaindamuitoprimitivoenãonospermiteumconhecimentocosmológicosuficiente para determinar se a nossa candidata a "teoria sobre tudo"realmentemereceessenomeese revelacapazdeestabelecerquaisforam as condições cosmológicas iniciais, elevando-as assim àcategoriade lei física.Essaéumaquestãocentralparaaspesquisasfuturas.Masalémmesmodaquestãodascondições iniciaisedoseuimpacto sobre os pormenores e circunstâncias da evolução cósmica,algumas idéias recentes, e altamente especulativas, apontam paraoutros limites potenciais à capacidade explicativa da teoria definitiva,qualquerquesejaela.Nãosesabesetaisidéiassãocertasouerradase é verdade que hoje elas permanecem na periferia da correntecientíficaprincipal.Maselasassinalam—aindaquedeumamaneiraaltamenteprovocadoraeespeculativa—aexistênciadeumobstáculoqueasupostateoriadefinitivateriadeenfrentar.

Aidéiabásicaapoia-senaseguintepossibilidade.Imaginequeoquenóschamamosouniversosejaapenasumapartemínimadeumespaçocosmológicomuitíssimomaior,umdentreumenormenúmerodeuniversos-ilhas, espalhados por um majestoso arquipélagocosmológico.Muitoembora issopossaparecerextravagante—oquebempodeserverdade—,AndréLindepropôsummecanismoconcretoquepodeproduziressetipogigantescodeuniverso.Lindeverificouqueo breve mas crucial surto de expansão inflacionária que discutimosantespodenãotersidooúnico.Eleargumentaqueascondiçõesparaaexpansão infiacionária podem acontecer repetidamente em regiõesisoladasespalhadaspelocosmos,quesofrem,cadaumadelas,oseupróprio processo de crescimento vertiginoso e se transformam emuniversos novos e separados. E em cada um desses universos oprocessocontinuaenovosuniversossurgemnasdiversas regiõesdoespaço, gerando uma interminável onda de vertiginosa expansãocósmica. A terminologia parece estar pisando em falso, mas vamos

seguir amoda e chamar demultiverso essa noção ampliadíssima douniverso,edeuniversocadaumdosseuscomponentes.

Aobservaçãoprincipaléqueenquantonocapítulo7 indicamosquetudofazcrerqueasleisfísicassãoconsistentementeiguaisemtodoo nosso universo, isso pode não ser verdadeiro com relação aosatributosfísicosvigentesnosoutrosuniversos,desdequeelesestejamseparadosdenós,oupelomenostãodistantesqueasualuzaindanãotenha tido tempo de chegar até nós. Podemos então imaginar que afísicavariadeumuniversoaoutro.Emalgunscasos,adiferençapodesersutil:porexemplo,amassadoelétronouaintensidadedaforçafortepoderiamserummilésimodeumporcentomaioresoumenoresdoqueno nosso universo. Em outros casos, as diferenças podem ser maispronunciadas:oquarkuppoderiapesardezvezesmaiseaintensidadeda força eletromagnética poderia ser dez vezes maior, com todas asprofundas implicações que isso traria para as estrelas e para a vidacomoaconhecemos(comovimosnocapítulol).Emoutrosuniversos,asleis físicas podem ser ainda mais estranhas: a lista das partículaselementaresedasforçaspodesercompletamentediferentedanossaeatémesmoonúmerodedimensõesestendidaspodevariar,comalgunsuniversos tímidos tendo zero ou uma dimensão espacial estendida eoutros, mais expansivos, tendo oito, nove ou mesmo dez dimensõesespaciaisestendidas.Sedeixarmosvoaraimaginação,asprópriasleispodem variar drasticamente de universo a universo. O número depossibilidadeséinfinito.

Aquestãoé a seguinte.Seexaminarmosessaenorme teia deuniversos,aamplamaiorianãoterácondiçõespropíciasàvida,oupelomenosanadaquesepareça,aindaqueremotamente,comavidacomonós a conhecemos. Quanto às mudanças drásticas nas leis básicas,umacoisaéclara:seonossouniversofosseparecidoaumuniverso-mangueira,avidacomonósaconhecemosnãoexistiria.Masmesmomudanças bemmais sutis interfeririam, por exemplo, coma formaçãodasestrelas,oqueafetariaasuacapacidadedeatuarcomofornalhascósmicas que sintetizam os átomos complexos, como o carbono e ooxigênio, indispensáveis à vida, e que, no nosso universo, sãoarremessados ao espaço por meio das explosões das supernovas.Tendo em vista que a formação da vida depende crucialmente dascaracterísticasdaestruturafísica,seperguntarmosagora,porexemplo,porqueasforçaseaspartículasdanaturezatêmaspropriedadesquetêm, surgeuma resposta possível: em todaa extensãodomultiverso,essas características variam fortemente; as suas propriedades podem

ser diferentes e são diferentes em outros universos. O que acombinaçãoparticulardepropriedadesdaspartículasedasforçasqueobservamosnonossouniversotemdeespecialéqueelasensejamaformaçãodavida.Eavida,avida inteligenteemparticular,éumpré-requisito até mesmo para que se possa perguntar por que o nossouniversotemaspropriedadesquetem.Emlinguagemcomum:ascoisassão como são no nosso universo porque, se não fossem, nós nãoestaríamos aqui para poder notar. Em um jogo de roleta-russa, asurpresa de quem ganha émitigada pela certeza de que se ele nãotivesse ganho não poderia não estar surpreso. Assim também ahipótesedomultiversotemacapacidadedemitigaranossainsistênciaemexplicarporqueonossouniversoécomoé.

Essa linha de argumentação é uma das versões de uma idéiaque vem de muito tempo atrás e que é conhecida como o princípioantrópico. Tal como aqui apresentado, esse princípio tem umaperspectiva diametralmente oposta ao sonho de uma teoria unificada,rígidaetotalmentevaticinadora,naqualascoisassãocomosãoporqueouniversonãopoderiaserdeoutramaneira.Emvezdeserarealizaçãomáxima da graça poética, em que tudo se harmoniza com inflexívelelegância,omultiversoeoprincípioantrópiconosoferecemoquadrodeum extraordinário conjunto de universos com apetite insaciável pelavariedade. Será extremamente difícil, se não impossível, saber se oquadro do multiverso é verdadeiro. Mesmo que existam outrosuniversos,ébempossívelquenuncavenhamosaentraremcontatocomeles.Mas ao ampliar fantasticamente a perspectiva do que existe narealidade— de umamaneira que reduz ao mínimo a descoberta deHubbledequeaViaLácteaéapenasumadentretantasgaláxias—,oconceito do multiverso serve ao menos para alertar-nos quanto àpossibilidade de que talvez não possamos exigir tanto de uma teoriadefinitiva.

Devemos esperar que a nossa teoria definitiva nos dê umadescriçãocoerentedetodasasforçasedetodaamatériaemtermosdemecânicaquântica.Devemosesperarqueanossateoriadefinitivanosdêumacosmologiaconvincente para o nosso próprio universo. Mas se o quadro domultiverso for correto— o que é uma enorme interrogação—, talveztampouco possamos exigir que a nossa teoria explique também aspropriedadesespecíficasdasmassasedascargasdaspartículaseasintensidades das forças. Devemos ressaltar, contudo, que ainda que

aceitemosapremissaespeculativadomultiverso,aconclusãodequeisso compromete a nossa capacidade vaticinadora está longe de serincontestável.A razão, em linguagemsimples, éadeque sedermosasas à imaginação e nos permitirmos considerar um multiverso,devemos dar asas também às especulações teóricas e contemplarmaneirasdedomaraaparentealeatoriedadedomultiverso.Comumaespeculaçãorelativamenteconservadora,podemosimaginarque—seoquadrodomultiversoforcorreto—anossateoriadefinitivaseapliqueatodaasuaextensãoequeessa"teoriadefinitivaestendida"nosdirácomprecisãoporqueecomoosvaloresdosparâmetrosfundamentaissedistribuempêlosuniversosconstituintes.

Uma especulaçãomais radical deriva de uma proposta de LeeSmolin,da

Penn State University, que se inspirou na similaridade entre ascondições existentes no big-bang e no centro dos buracos negros—ambos caracterizados por uma densidade colossal de matériacomprimida—parasugerirquecadaburaconegroéasementedeumnovo universo que irrompe com uma explosão semelhante a um big-bang, mas que permanece para sempre escondido de nós pelo seupróprio horizonte de eventos. Além de propor esse outro mecanismoparaageraçãodeummultiverso,Smolinintroduziuumnovoelemento— a versão cósmica de uma mutação genética — que desafia aslimitaçõescientíficasassociadasaoprincípioantrópico.

Elesugerequeimaginemosquequandoumuniversoirrompedocoração de um buraco negro os seus atributos físicos, tais como asmassas das partículas e as imensidades das forças, sejam próximos,mas não idênticos aos do universo-pai. Como os buracos negrosresultamdeestrelasextintasecomoaformaçãodasestrelasdependedosvaloresexatosdasmassasdaspartículasedas intensidadesdasforças,afecundidadedeumuniverso—onúmerodedescendentesqueosseusburacosnegrospodeproduzir—dependecrucialmentedetaisparâmetros. Pequenas variações nos parâmetros dos universosdescendenteslevarão,portanto,aquealgunssejammaispropensosàprodução de buracos negros do que o universo-pai e tenham, emconseqüência, uma descendência ainda maior. Depois de muitas"gerações", os descendentes dos universos otimizados para produzirmais buracos negros serão tão numerosos que constituirão a partedominante da população do multiverso. Assim, em vez de invocar oprincípioantrópico, a sugestãodeSmolinproporcionaummecanismo

dinâmico que, em média, conduz os parâmetros de cada geraçãosucessiva de universos a se aproximar cada vez mais de valoresparticulares—osquesãotimosparaaproduçãodeburacosnegros.

Esse enfoque fornece, mesmo no contexto do multiverso, umoutrométodo para explicar os parâmetros fundamentais damatéria edas forças. Se a teoria de Smolin estiver certa, e se nós formos ummembrotípicodeummultiversomaduro(essessãograndes"ses",epodemserdebatidosemdiversasfrentes,éclaro), os parâmetros do nosso universo para as partículas e para asforçasquemedimosdevemserotimizadosparaaproduçãodeburacosnegros. Ou seja, qualquer alteração desses parâmetros tornaria maisdifícilaformaçãodeburacosnegrosnonossouniverso.Essaprevisãojávemsendoestudada;aindanãoháconsensoquantoàsuavalidade,masmesmoqueapropostaespecíficadeSmolinsereveleerrônea,elanãodeixadeapresentarumaformaalternativaparaateoriadefinitiva.Àprimeiravista,podeparecerque tal teoriacareçaderigidez.Podeserque ela descreva uma pletora de universos, amaioria dos quais nãoapresentaqualquerrelevânciaparaaqueleemquevivemos.Podemosimaginar também que essa pletora de universos pode ser realizadafisicamente,levandoaummultiverso—algoque,àprimeiravista,limitaparasempreonossopoderdefazerprevisões.

Essa discussão ilustra, todavia, que ainda podemos alcançarumaexplicaçãodefinitiva,desdequeconsideremosnãoapenasasleisfísicasmastambémassuasimplicaçõesparaaevoluçãocosmológicaemumaescalainesperadamenteenorme.Semdúvida,asimplicaçõescosmológicas da teoria das cordas/teoria M constituirão um campoimportantedeestudopelomenosemboapartedoséculoXXI.Semoauxíliodeaceleradoresdepartículascapazesdeproduzirenergiasnaescala de Planck, dependeremos cada vez mais do aceleradorcosmológico do big-bang e dos vestígios que ele deixou por todo ouniversoparaaobtençãodosnossosdadosexperimentais.Comsorteeperseverança, talvez possamos finalmente resolver os problemasrelativosacomoouniversocomeçoueporqueeleevoluiuatétomaraformaquehojevemosnaTerraenocéu.Evidentemente,aindaháumlongocaminhoapercorreratéchegarmosadarrespostascompletasaessasperguntas fundamentais.Masodesenvolvimentodeuma teoriaquânticadagravidadenocontextodateoriadassupercordasconfirmaaesperançadequejátenhamosoinstrumentalteóricoparalançarmo-nosàs vastas regiões do desconhecido e, quem sabe, depois de muitas

lutas,encontrarasrespostasparaalgumasdasdúvidasmaisprofundaseantigasdahumanidade.

PARTEV

UnificaçãonoséculoXXI

15.Perspectivas

Dentro de alguns séculos, a teoria das supercordas, ou a sua

evolução no contexto da teoria M, poderá ter sofrido tantastransformações diante de sua formulação atual que talvez se torneirreconhecível mesmo para os principais pesquisadores de hoje. Nanossabuscada teoriadefinitiva,éperfeitamentepossívelquea teoriadas cordas seja apenas um dos passos capitais de um caminho quelevaaumaconcepçãomuitomaisampladocosmos—concepçãoqueenvolve idéias que diferem radicalmente de qualquer coisa quetenhamosvistoantes.Ahistóriadaciêncianosensinaquecadavezqueacreditamosterchegadoaofimdocaminho,anaturezaabreasuacaixade surpresas radicais e volta a exigir mudanças significativas e porvezes drásticas na nossamaneira de considerar o funcionamento domundo. Aí novamente, em um rasgo de deslumbramento, podemostambém imaginar, comooutrosantesdenós ingenuamenteo fizeram,quevivemosumperíododecisivodahistóriadahumanidade,duranteoqualabuscadasleisdefinitivasdouniversofinalmentechegaráaofim.ComodisseEdwardWitten,achoquejáavançamostantocomateoriadascordasque—emmeusmomentosdemaiorotimismo— imaginoque a qualquer hora a forma final da teoria cairá do céu no colo dealguém.Mas,mais realisticamente, estamos no processo de construiruma teoriamuitomais profundadoquequalquer outra que tenhamosproduzido antes e creio que, já bementrados no séculoXXI, quandoestareivelhodemaisparaproduzirqualquerconhecimentonovonestecampo,osjovenscientistasdaépocapoderãoestardecidindosedefatoencontramosateoriadefinitiva.

Emboraaindaestejamossentindoasconseqüênciasdasegundarevoluçãodassupercordaseabsorvendoagrandequantidadedenovasformulaçõesqueelaengendrou,amaiorpartedosteóricosconcordaemque provavelmente serão necessárias uma terceira ou mesmo uma

quartarevoluçãoparapoderdesenvolvertodaapotencialidadedateoriadascordaseavaliaroseupossívelpapelcomoteoriadefinitiva.Comovimos, a teoria das cordas já pintouumquadronovoenotável sobrecomoouniversofunciona,masaindaexistemobstáculosimportantesepeçassoltas,sobreosquais,semdúvida,asmentesdoscientistasdoséculoXXIseconcentrarãoprioritariamente.

Assim, neste último capítulo, não poderemos contar o fim dahistóriadabuscahumanapelas leismaisprofundasdouniverso,umavezqueabuscaaindanãoterminou.Emvezdisso,dirigiremosonossoolharparaofuturodateoriadascordaseanalisaremoscincoquestõescruciais que os teóricos enfrentarão em sua jornada rumo à teoriadefinitiva.

QUALOPRINCIPIOFUNDAMENTALSUBJACENTEATEORIADASCORDAS?

Umadas liçõesmaisamplasqueaprendemosnosúltimoscemanos é a de que as leis físicas que conhecemos associam-se aosprincípios da simetria. A relatividade especial baseia-se na simetriaincorporadanoprincípiodarelatividade—asimetriaentre todosos referenciais comvelocidadeconstante.Aforça gravitacional, tal como equacionada pela teoria da relatividadegeral,baseia-senoprincípiodaequivalência—extensãodoprincípioda relatividade que abarca todos os pontos de vista possíveis,independentementedacomplexidadedoestadodemovimentoemqueseencontrem.Easforçasforte,fracaeeletromagnéticabaseiam-seemprincípiosmaisabstratosdesimetriadecalibre.

Já assinalamos que os cientistas tendem a dar grandeproeminência aos princípios de simetria, pondo-os explicitamente nopedestal das explicações. De acordo com esse ponto de vista, agravidadeexisteparaquehajaumaigualdadeabsolutaentretodososreferenciaisobservacionaispossíveis—istoé,paraqueoprincípiodaequivalênciaprevaleça.Domesmomodo,asforçasnãogravitacionaisexistem para que a natureza respeite as simetrias de calibre a elasassociadas.

Evidentemente,esseenfoque transformaaperguntadeporqueexiste certa força em por que a natureza respeita os princípios desimetria a elas associados.Mas issonãodeixade representar algumprogresso, principalmente porque a simetria em questão pareceeminentementenatural.Porexemplo,porqueoângulodeobservação

deumapessoadeveriaser tratadode formadiferentedodequalqueroutra?Parecemuitomaisnaturalqueasleisdouniversotratemtodosospontos de vista demaneira igualitária. Isto se consegue pormeio doprincípiodaequivalênciaedaintroduçãodagravidadenaestruturadocosmos. Embora sejam necessários maiores conhecimentosmatemáticos para a plena compreensão desse ponto, existe, comoindicamos no capítulo 5, um raciocínio similar para as simetrias decalibrequeorientamastrêsforçasnãogravitacionais.

Ateoriadascordasnosconduzmaisumnívelabaixonaescaladas profundidades explanatórias porque todos esses princípios desimetria—assimcomoumoutro,asupersimetria—surgemdiretamenteda sua estrutura. Com efeito, se a história tivesse seguido um outrocurso—seosfísicostivessemdescobertoateoriadascordas,digamos,cem anos antes —, podemos supor que todos esses princípios desimetria teriamsidodescobertospormeiodoestudodaspropriedadesdateoria.Maslembre-sedeque,conquantooprincípiodaequivalêncianospossibilitecompreenderporqueagravidadeexisteeconquantoassimetrias de calibre nos dêem uma idéia de por que as forças nãogravitacionaisexistem,nocontextodateoriadascordasessassimetriassãoconseqüências;embora issoemnadadiminuaasua importância,elas são parte de um produto final que é uma estrutura teóricamuitomaisvasta.Estadiscussãopõeemevidênciaaseguintepergunta:seráque a teoria das cordas é uma conseqüência inevitável de algumprincípiomaisamplo—talvezalgumprincípiodesimetria,talveznão—,assim como o principio da equivalência leva inexoravelmente àrelatividade geral e as simetrias de calibre levam às forças nãogravitacionais?

Neste momento, ninguém tem ainda como responder a essasinterrogações.Paraavaliarasua importância,basta imaginarEinsteintentando formular a relatividade geral sem ter tido antes a inspiraçãoquelheveionoescritóriodepatentesdeBerna,em1907,equeolevouao princípio da equivalência. Formular a relatividade geral sem terpassado antes por essa percepção crucial não teria sido impossível,mas certamente muitíssimo mais difícil. O princípio da equivalênciapropicia um esquema organizacional sucinto, sistemático e poderosopara analisar a força gravitacional. A descrição da relatividade geraldadanocapítulo3,porexemplo,baseou-seessencialmentenoprincípioda equivalência, e o papel por ele desempenhado na formalizaçãomatemáticadateoriaéaindamaisdecisivo.

Atualmente, os teóricos das cordas estão em uma posiçãoanáloga àquela em que Einstein se encontraria sem o princípio daequivalência.DesdeahipótesecriativadeVenezianoem1968,ateoriafoi sendo desenvolvida aos saltos, de descoberta em descoberta, derevolução em revolução. Mas ainda está faltando um princípioorganizador fundamental que reúna essas descobertas, revoluções etodososdemaisaspectosdateoriaemumúnicoarcabouçosistemáticoe abrangente, que demonstre que a existência de cada um dos seuscomponenteséabsolutamenteinevitável.Adescobertadesseprincípiomarcariaummomentocrucialdodesenvolvimentodateoriadascordas,inclusive porque provavelmente exporia com notável clareza ofuncionamento internoda teoria. Logicamentenãohágarantiadequeesseprincípiofundamentalexista,masaevoluçãodafísicaduranteosúltimos cem anos encoraja os teóricos das cordas a ter esperançaspositivas.Com relaçãoaospróximosestágiosdedesenvolvimentodateoria das cordas, encontrar o seu "princípio de inevitabilidade"— aidéiabásicaapartirdaqualateoriasedesenvolvenecessariamente—éalgodamaisaltaprioridade.OQUESÃOREALMENTEOESPAÇOEOTEMPO,EPODEMOSCONSEGUIRSEMELES?

Emmuitos dos capítulos precedentes, utilizamos livremente osconceitos de espaço e espaço-tempo. No capítulo 2 dissemos queEinstein concluiu que o espaço e o tempo estão inextricavelmenteentrelaçados devido ao fato inesperado de que o movimento de umobjetoatravésdoespaçoinfluenciaasuapassagematravésdotempo.Nocapítulo3aprofundamosacompreensãodopapeldoespaço-tempono desdobramento do cosmos por meio da relatividade geral, o querevela que a forma específica do tecido espaço-temporal transmite aforça da gravidade de um ponto a outro. As violentas ondulaçõesquânticasqueocorremnaestruturamicroscópicadotecido,comovimosnoscapítulos4e5,demonstraramanecessidadedeumanovateoria,oquenoslevouàteoriadascordas.Finalmente,emmuitosdoscapítulosseguintes,vimosqueateoriadascordasproclamaqueouniversotemmuitasdimensõesmaisdoqueasquepercebemos,algumasdasquaisestão recurvadasem formasmínimas,emboracomplexas,quepodempassar por transformações fantásticas nas quais o seu tecido éperfuradoerasgadomasdepoissereparaporsisó.

Tentamos ilustrar essas idéias por meio de visualizaçõesgráficas,representandootecidodoespaçoedoespaço-tempocomoomaterial com o qual o universo é feito. Essas imagens têm umconsiderável poderdeexplicaçãoe sãoutilizadasnormalmente comoorientaçãovisualemtrabalhostécnicos.Emboraoseuestudopossadargradualmenteumaimpressãodoseusignificado,aperguntacontinua:oqueérealmenteotecidodouniverso?

Essaéumadúvidaprofunda,que,deumamaneiraoudeoutra,vem sendo debatida há centenas de anos. Newton declarou que oespaço e o tempo são componentes eternos e imutáveis daconfiguraçãocósmica,estruturasprimordiaisqueestãoalémdoslimitesdasperguntaserespostas.ComoeleescreveunosPrincipia,"Oespaçoabsoluto, por sua própria natureza, sem relação com qualquer coisaexterna, permanece sempre igual e imóvel. O tempo verdadeiro,absolutoematemático,porsipróprioesegundoasuanatureza,fluiporigual, sem relação com qualquer coisa externa". Gottfried Leibniz eoutrosdiscordaramvivamente,afirmandoqueoespaçoeotemposãosimples instrumentos de contabilidade, úteis para medir as relaçõesentreosobjetoseoseventosqueocorremnouniverso.Alocalizaçãodeumobjetonoespaçoenotemposótemsentidoemcomparaçãocomoutroobjeto.Oespaçoeotemposãoovocabuláriodessasrelaçõesenadamais.Embora a visão de Newton, apoiada pelo êxito comprovadoexperimentalmente das suas três leis de movimento, tenha sesustentado por mais de duzentos anos, a concepção de Leibniz,desenvolvidapelofísicoaustríacoErnstMach,aproxima-semuitomaisdavisãoatual.

Como vimos, as teorias da relatividade geral e especial deEinsteindeterminaramclaramenteofimdoconceitodeumtempoeumespaço absolutos e universais. Mas ainda se pode perguntar se omodelo geométrico do espaço-tempo, que desempenha umpapel tãocrucial na relatividade geral e na teoria das cordas, é apenas umsímbolo adequado para descrever as relações espaciais e temporaisentre diversos lugares ou se, ao contrário, devemos realmenteconsiderar-nos imersos em algo quando nos referimos ao tecido doespaço-tempo.

Emboraestejamosentrandoaquiemumazonadeespeculação,ateoriadascordassugereumarespostaaessaquestão.Ográviton,opacotemínimodaforçagravitacional,éumpadrãoparticulardevibração

dascordas.Eassimcomoumcampoeletromagnético, tal comoa luzvisível, é composto por um número enorme de fótons, um campogravitacionalécompostoporumnúmeroenormedegrávitons— ou seja, um número enorme de cordas que executam o padrãovibratório do gráviton. Os campos gravitacionais, por sua vez,incorporam-se à curvatura do tecido do espaço-tempo, razão por quesomoslevadosaidentificaresseprópriotecidocomumnúmerocolossalde cordasqueexecutamdemaneiraordenadaopadrãovibratóriodográviton. No jargão do meio, esse conjunto enorme e organizado decordasquevibrampor igualédescrito comoumestadocoerentedascordas.Éumaimagempoética—ascordasdateoriadascordassãoosfiosdo tecidoespacial—,masébomassinalarqueoseusignificadoprecisoaindanãofoicompletamenteestabelecido.

A descrição do tecido do espaço-tempo como uma trama decordas,contudo, leva-nosaconsideraraseguintequestão.Um tecidocomum é o resultado do trabalho de alguém que interligoucuidadosamenteosfiosindividuais,quesãoamatéria-primadostêxteis.Domesmomodo,podemosperguntarseexisteumamatéria-primaparao tecido espacial—uma configuração anterior das cordas que agoracompõem o tecido cósmico, na qual elas ainda não se tivessementrelaçadona formaquecorrespondeaoquehojedefinimoscomooespaço-tempo.Note-sequenãoépropriamentecorreto imaginaresseestadocomoumamassadesordenadadecordasvibrantesqueaindaestão por associar-se em um conjunto organizado, uma vez que, nanossamaneirausualdepensar,issopressupõeanoçãodoespaçoedotempo—oespaçoemqueacordavibraeaprogressãodotempoquenospermiteacompanharasmudançasdeformadeummomentoparaoutro.Masnesseestadoinicial,antesqueascordasqueconformamotecido cósmico tivessem começado a dança vibratória coerente eorganizadaqueestamosdiscutindoaqui,arealizaçãodeespaçoedetempo não existia. Na verdade, as nossas palavras são inadequadasparaexpressaressasidéias,porquetampoucoexisteanoçãodeantes.Emcertosentido,écomoseascordasfossem"fragmentos"deespaçoetempo e apenas quando elas se associam em vibrações coerentes edefinidas é que as nossas noções convencionais de espaço e tempotomamforma.

Imaginar esse estado inicial da existência, despido de todaestrutura e carente das noções de espaço e de tempo como asconhecemos, força ao máximo a capacidade de compreensão damaioria das pessoas (pelo menos a minha). Como na sentença deStephenWrightsobreofotógrafoqueestáobcecadoemtirarumclose

do horizonte, terminaremos por nos defrontar com um choque deparadigmassetentarmosvisualizarumuniversoqueexiste,masquedealgummodonãonecessitadosconceitosdeespaçoetempo.Apesardetudo,provavelmente teremosdeenfrentarosdesafiosdessas idéiasetratar de compreender os seus mecanismos de operação para quepossamosrealmenteavaliarovalordateoriadascordas.Arazãoestáemqueanossa formulaçãoatualda teoriapressupõeaexistênciadoespaço e do tempo comoo ambiente no qual as cordas (e os outroscomponentes encontrados na teoriaM) vibram e semovem. Isso nospermite deduzir as propriedades físicas da teoria das cordas em umuniversocomumadimensãodetempo,umcertonúmerodedimensõesespaciais estendidas (normalmente tidas como três) e dimensõesadicionaisrecurvadasemumadasformaspermitidasparaasequaçõesdateoria.Masissocorrespondeaavaliarotalentodeumaartistapondo-aatrabalharcomumlivrinhodecoloririnfantil,dotipopinteonúmerotalcomacortal.Semdúvida,elaconseguirámostraraquiealiumtoquedecriatividade,masaformadotrabalhoétãoacanhadaquenosimpededeapreciaralgomaisdoqueumapequenafaixadassuashabilidades.Domesmo modo, assim como o êxito da teoria das cordas está naincorporação natural da mecânica quântica e da gravidade em seuesquema,eassimcomoagravidadeestáligadaàformadoespaçoedotempo,nãodevemos limitara teoria forçando-aaoperardentrodeumespaço-tempo que fosse preexistente. Em vez disso, assim comodeveríamospermitirqueanossaartista trabalhasse livrementeapartirdeumatela,domesmomododevemospermitirqueateoriadascordascrie o seu próprio ambiente espaço-temporal, começando com umaconfiguraçãodestituídadeespaçoedetempo.

Espera-sequetendoessatelaembrancocomopontodepartida—possivelmenteemumaeraqueexistiuantesdobig-bang,oudopré-big-bang (se é que podemos empregar termos temporais, na falta deoutrosrecursoslingüísticos)—a teoriasejacapazdedescreverumuniversoqueevoluiparaumaforma na qual um pano de fundo de vibrações de cordas coerentesemerge,produzindoasnoçõesconvencionaisdeespaçoe tempo.Talversãorevelariaqueoespaço,otempoe,porextensão,asdimensõesnão são elementos definidores essenciais do universo. São, aocontrário,noçõesconvenientesquesurgemapartirdeumestadomaisbásico, atávico e primário. Stephen Shenker, Edward Witten, TornBanks,Willy Fischier, Leonard Susskind e outros, numerosos demaisparamencionar,têmdesenvolvidopesquisasdevanguardasobrecertos

aspectos da teoria M que mostram algo conhecido como 0-brana—possivelmenteocomponentemaisfundamentaldateoriaM,umobjetoqueagrandesdistânciassecomportademodocomparávelaodeumapartícula puntiforme, mas que a distâncias curtas tem propriedadesradicalmentediferentes—podeviradar-nosaidéiadoreinoondenãohátemponemespaço.Aobradessescientistasrevelaque,enquantoascordasnosmostramqueasnoçõesconvencionaisdeespaçoetempodeixam de ser relevantes abaixo da escala de Planck, as 0-branapermitemessencialmenteamesmaconclusão,emboraabramtambémuma janela minúscula para o novo esquema não convencional quesurge.Osestudossobreessas0-branaindicamqueageometriacomumésubstituídaporalgoconhecidocomogeometrianãocomutativa,áreada matemática desenvolvida em grande parte pelo francês AlainConnes. Neste arcabouço geométrico, as noções convencionais deespaço e distância entre pontos dissolvem-se, deixando-nos em umapaisagem conceitual bem diferente. Mas note que se focalizamos aatençãoemescalasmaioresdoqueadePlanck,anoçãoconvencionaldeespaçoreaparece.

Épossível que o esquemada geometria não comutativa aindaesteja longe de adequar-se à tela em branco que imaginamos comoestadoinicial,massemdúvidaelenosdáumaidéiadecomopodeseroesquemamaisamplodeincorporaçãodoespaçoedotempo.Encontraro aparato matemático correto para formular a teoria das cordas semrecorrer a uma noção preexistente de espaço e tempo é uma dasquestões mais importantes para os estudiosos das cordas. Sechegarmosacompreenderomecanismodesurgimentodoespaçoedotempo,estaremosbemmaispertoderesponderaperguntacrucialsobrequaléaformageométricaquedefatoemerge.

ATEORIADASCORDASPODERÁLEVARAUMAREFORMULAÇÃODAMECÂNICAQUÂNTICA?

Osprincípiosdamecânicaquânticacomandamouniversocomumaprecisãofantástica.Mesmoassim,aoformularassuasteoriasnosúltimoscinqüentaanos,oscientistasseguiramumaestratégiaque,dopontodevistaestrutural,colocaamecânicaquânticaemumaposiçãoalgo secundária. Ao conceber uma teoria, freqüentemente elescomeçam trabalhando em uma linguagem puramente clássica queignoraasprobabilidadesquânticas,as funçõesdeondaseassimpor

diante—umalinguagemqueseriaperfeitamenteentendidaporfísicosda época deMaxwell, e mesmo de Newton—, e depois aplicam osconceitos quânticos sobre esse esquema clássico. Tal método nãochegaasersurpreendente,umavezquerefletediretamenteasnossasexperiências.Aprimeiravista,ouniversoparecesercomandadoporleisquesebaseiamemconceitosclássicos,comoodequeaposiçãoeavelocidadedeumapartículapodemserdefinidasaqualquermomento.Só depois de um escrutínio microscópico detalhado é quereconhecemos que temos de modificar essas idéias clássicas efamiliares. O nosso processo de descobrimentos foi evoluindo de umcenárioclássicoparaumoutroqueincorporaasmodificaçõestrazidaspelasrevelaçõesquânticas,eessaprogressãoserefleteatéosdiasdehojenamaneirasegundoaqualosfísicosconstroemassuasteorias.

Assimaconteceucomrelaçãoàteoriadascordas.Aformalizaçãomatemáticaquedescreveateoriadascordascomeçaporequaçõesquedescrevem os movimentos de um filamento clássico, mínimo einfinitamentefino—equaçõesque,emgrandemedida,Newtonpoderiater escrito trezentos anos atrás. Essas equações são, então,quantizadas. Ou seja, por meio de um processo sistemático,desenvolvido ao longo de mais de cinqüenta anos, as equaçõesclássicassãoconvertidasemumesquemademecânicaquânticaqueincorpora diretamente as probabilidades, a incerteza, as oscilaçõesquânticaseassimpordiante.

Comefeito,nocapítulo12vimosesseprocedimentoemação:osprocessos de laço incorporam conceitos quânticos — nesse caso, acriação momentânea de pares virtuais de cordas, em termos demecânicaquântica—,emqueonúmerodelaçosdeterminaaprecisãocomquesãoexplicadososefeitosemtermosdemecânicaquântica.

A estratégia de começar por uma descrição teórica que sejaclássicaparadepoisagregar-lheaspectosdamecânicaquânticarendeumuitos frutos durantemuitos anos. Ela está por trás, por exemplo, domodelo-padrão da física das partículas.Mas é possível, e parece sercadavezmaisprovável,queessemétodosejademasiadoconservadorparalidarcomteoriastãoamplasquantoateoriadascordaseateoriaM. A razão está em que uma vez que tenhamos concluído que ouniversoécomandadoporprincípiosdemecânicaquântica,asteoriasjádeveriampartirdesdeoiníciodamecânicaquântica.Temostidoêxitoatéagoracomonossométododecomeçarporumaperspectivaclássicaporquenãotemossondadoouniversoemumnívelprofundoosuficiente

paraqueessaabordagemgrosseiranosinduzaaerro.Masnoníveldeprofundidade da teoria das cordas/teoria M, essa estratégia já tantasvezestestadatalveztenhachegadoaofimdalinha.

Podemos comprovar esse ponto de vista reconsiderandoalgumas das conclusões derivadas da segunda revolução dassupercordas.

Comovimosnocapítulo12,asdualidadessubjacentesàunidadedascincoteoriasdascordasmostram-nosqueosprocessosfísicosqueocorrem em qualquer dada formulação de cordas podem serreinterpretados pela linguagem dual de qualquer uma das outras. Àprimeiravista,essafraseassimrefeitanãoparecetermuitoavercomadescriçãooriginal,mas,naverdade,trata-sedeumaaplicaçãodopoderda dualidade: por meio da dualidade, um processo físico pode serdescrito de múltiplas maneiras, radicalmente diferentes entre si. Taisresultados são ao mesmo tempo notáveis e sutis, mas ainda nãomencionamosoquepodeserasuacaracterísticamaisimportante.

As traduçõesdedualidademuitasvezesseguemumprocesso,descrito em uma das cinco teorias, que depende fortemente damecânicaquântica(porexemplo,umprocessoqueenvolveinteraçõesde cordas que não aconteceriam se omundo fosse comandado pelafísica clássica e não pela física quântica) e que é em seguidareformulado em um processo que depende fracamente dela, naperspectiva de uma das outras teorias das cordas (por exemplo, umprocesso cujas propriedades numéricas específicas são influenciadasporconsideraçõesquânticas,mascujaformaqualitativaésimilaràqueteriaemummundopuramenteclássico).

Issosignificaqueamecânicaquânticaestátotalmenteinterligadacomassimetriasdedualidadesubjacentesàteoriadascordas/teoriaM:elassãosimetriasinerentesàmecânicaquântica,umavezqueumadasdescriçõesduaiséfortementeinfluenciadaporconsideraçõesquânticas.Isso indica necessariamente que a formulação integral da teoria dascordas/teoriaM—formulaçãoqueincorporaemsuaessênciaasrecém-descobertassimetriasdedualidade—nãopodecomeçardemaneiraclássicaparadepoisserquantizada,nosmoldes tradicionais.Opontodepartidaclássicoomitiránecessariamenteassimetriasdedualidade,uma vez que elas só se manifestam quando se leva em conta amecânicaquântica.Assim,parecequeaformulaçãocompletadateoriadascordas/teoriaMteráderomperomoldetradicionaletransformar-seemumateoriatotalmenteformuladaemtermosdemecânicaquântica.

Ninguém sabe ainda como fazê-lo, mas muitos estudiosos

prevêemqueareformulaçãodamaneiradeincorporarosprincípiosdamecânicaquânticaànossadescriçãoteóricadouniversoseráapróximarevolução do nosso conhecimento. Por exemplo, como disseCumrunVafa:"Achoqueareformulaçãodamecânicaquântica,quehaveráderesolvermuitosdosseusenigmas,estáprestesaacontecer.Achoquemuitos de nós compartilham o ponto de vista de que as dualidadesrecém-descobertaslevamaumesquemanovoemaisgeométricoparaamecânica quântica, no qual o espaço, o tempo e as propriedadesquânticasestarãounidasinseparavelmente".EnaspalavrasdeEdwardWitten:"Creioqueostatus lógicodamecânicaquânticasemodificaráda mesma maneira como se modificou o status lógico da gravidadequandoEinsteindescobriuoprincípiodaequivalência.Esseprocessoestálongedecompletar-secomrelaçãoàmecânicaquântica,mascreioquenofuturoaspessoasdirãoqueeleteveinícionanossaépoca".

Podemosesperar,comcertootimismo,queareestruturaçãodosprincípios damecânicaquântica dentro da teoria das cordas venhaaproduzir um formalismo poderoso capaz de fornecer uma resposta àquestãosobrecomoouniversocomeçoueporqueexistemcoisascomooespaçoeo tempo—umformalismoquenos levaráumpassomaisadiantenonossoanseioderesponderàperguntadeLeibnizdeporqueexistealgodepreferênciaanada.ATEORIADASCORDASPODERÁSERTESTADAEXPERIMENTALMENTE?

Entreosmúltiplosaspectosdateoriadascordasquediscutimosnoscapítulosanteriores,hátrêsquetalvezsejammaisimportantesdeteremmentecomfirmeza.

Oprimeiroéquetantoagravidadequantoamecânicaquânticafazempartedosmecanismosdefuncionamentodouniversoe,portanto,qualquer teoria que pretenda ser unificadora tem de incorporá-las. Ateoria das cordas consegue fazê-lo. O segundo é que os estudosrealizados no último século revelaram que há outras idéiasfundamentais—muitasdasquaisjáforamconfirmadas—queparecemser essenciais para a compreensão do universo. Entre elas estão oconceitodespin,aorganizaçãodaspartículasdamatériaemfamílias,as partículas mensageiras, a simetria de calibre, o princípio daequivalência, a quebra de simetria e a supersimetria, paramencionarapenasalgumaspoucas.Todosessesconceitossurgemnaturalmentedateoriadascordas.Oterceiroéque,aocontráriodoqueacontececom

teoriasmaisconvencionais,comoomodelo-padrão,quetemdezenoveparâmetros livres, os quais têm de ser ajustados para pôr-se emconcordânciacomosresultadosexperimentais,ateoriadascordasnãotemparâmetrosajustáveis.Emprincípio,assuasimplicaçõesdevemserabsolutamentedefinidorasea suavalidadedevepoder serobjetodetestesdestituídosdequalquerambigüidade.

Masaestradaquelevadesseraciocínio"emprincípio"aumfato"naprática"écheiadeobstáculos.Nocapítulo9descrevemosalgunsdosobstáculosdenaturezatécnica,taiscomoadeterminaçãodaformadasdimensõesadicionais,queaindaestorvamonossocaminho.Noscapítulos12e13pusemosesseseoutrosobstáculosnocontextomaisamplodanecessidadedealcançarumentendimentoexatodateoriadascordas,oquenos levanaturalmente, comovimos,àconsideraçãodateoriaM.

Sem dúvida, para que alcancemos esse objetivo faltam aindaenormesquantidadesdetrabalhoduroeengenhosidade.Acadapassodo caminho, estaremos sempre buscando encontrar conseqüênciasexperimentalmenteobserváveisda teoria.Nãodevemosnosesquecerdas possibilidades remotas de confirmação da teoria discutidas nocapítulo 9. Além disso, à medida que se aprofunda o nossoconhecimentohaverá,semdúvida,outrosprocessosouaspectosrarosda teoria das cordas que poderão sugerir outros possíveis sinaisexperimentais.Acimadetudo,aconfirmaçãodasupersimetriapormeioda descoberta de partículas superparceiras, discutida no capítulo 9,seriaummarcoextraordinárioparaateoriadascordas.Lembremo-nosdequeasupersimetriafoidescobertacomoconseqüênciadepesquisasteóricassobreateoriadascordasequeconstituipartecentraldateoria.Asuaconfirmaçãoexperimentalrepresentariaumacomprovaçãoclara,aindaquecircunstancial,dateoriadascordas.Alémdomais,encontraras partículas superparceiras seria também um grande desafio, pois aconfirmação da supersimetria faria muito mais do que simplesmenterespondercomumsimouumnãoàdúvidasobreasuaexistênciareal.As massas e as cargas das partículas superparceiras revelariam amaneira específica pela qual a supersimetria se incorpora às leis danatureza. Os teóricos enfrentariam então o desafio de ver se essaimplementaçãopodesertotalmentealcançadaouexplicadapelateoriadascordas.Logicamente,podemosseraindamaisotimistaseesperarque jánapróximadécada—antesqueoaceleradordepartículasdeGenebra, o Large Hadron Coilider, entre em funcionamento — o

entendimentoda teoria das cordas tenhaprogredidoo suficienteparaque possamos fazer previsões específicas sobre os superparceirosantesdasuadescobertaefetiva.Aconfirmaçãodetaisprevisõesseriaumdosmaioresmomentosdahistóriadaciência.ASEXPLICAÇÕESTEMUMLIMITE?

Explicar tudo, ainda que no sentido mais limitado decompreender todos os aspectos das forças e dos componenteselementaresdouniverso,éumdosmaioresdesafiosqueaciência jáenfrentou.Pelaprimeiravez,ateoriadassupercordasnosproporcionaum arcabouço que parece ter profundidade suficiente para pôr-se àalturadodesafio.Masseráqueconseguiremosrealizarnaplenitudeaspromessasdateoriaecalcular,porexemplo,amassadosquarks,ouaintensidade da força eletromagnética, descobrindo assim a razãodesses números que tanta importância têm para a conformação donosso universo? Tal como na seção anterior, teremos de superarnumerosos obstáculos teóricos antes de alcançar esses objetivos—neste momento, o mais proeminente deles é o de alcançar umaformulaçãointegralmentenãoperturbativadateoriadascordas/teoriaM.

Será possível, contudo, que mesmo que alcancemos umentendimentoexatodateoriadascordas/teoriaM,nocontextodeumaformulação nova e muito mais transparente da mecânica quântica,possamosfracassar,aindaassim,emnossosesforçosparacalcularasmassas e as cargas de força das partículas? Será possível quetenhamosdecontinuararecorreràsmediçõesexperimentais,emvezdeaoscálculosteóricos,paraconhecerosseusvalores?Maisainda,seráqueessefracassosignificariaque,emvezdetentarprosseguirnanossabusca de uma outra teoria ainda mais profunda, deveríamossimplesmenteconcluirquenãoháexplicaçãoparaaspropriedadesqueencontramosnanatureza?

A resposta imediata a todas essas perguntas é sim. Einsteindisse,hámuitotempo,que"Acoisamaisincompreensívelarespeitodouniversoéqueeleécompreensível".Emumaeradeprogressorápidoeimpressionante como a nossa, é fácil perder contato com o carátermaravilhoso da nossa capacidade de compreender o universo. Maspodehaverumlimiteàcompreensibilidade.Talveztenhamosdeaceitarque depois de atingirmos o nível mais profundo possível doconhecimento científico, haverá sempre aspectos do universo que

permanecerãosemexplicação.Talveztenhamosdeaceitarquecertosaspectosdouniversosãocomosãoporobradoacaso,ouporacidente,ouporescolhadivina.Oêxitodométodocientíficonopassadoensinou-nos a pensar que, com tempo e esforços suficientes, é possíveldesvendar os mistérios da natureza. Mas atingir o limite absoluto daexplicaçãocientífica—oqueéalgomaisdoquesuperarumobstáculotecnológicooufazeravançarolimitedoconhecimentohumano—seriaumeventosingularparaoqualaexperiênciapassadanadapodefazerparapreparar-nos.

Estaéumaquestãodegranderelevânciaparaanossabuscadateoriadefinitivaequenãoconseguimosaindaresolver.Naverdade,apossibilidadedequeaexplicação científica tenha limites, damaneiraamplaemqueacolocamos,éumadúvidaquetalveznuncapossasersolucionada.Vimos,porexemplo,quemesmoanoçãoespeculativadeum multiverso, que à primeira vista parece impor um claro limite àsexplicações científicas, pode ser tratada por teorias igualmenteespeculativas que, pelo menos em princípio, são capazes derestabeleceracapacidadedefazerprevisões.

Umcaminhoquesurgeapartirdessasconsideraçõeséopapelqueacosmologiapodeternadeterminaçãodasimplicaçõesdateoriadefinitiva.Como assinalamos, a cosmologia das supercordas é aindaum campo recente, mesmo em comparação com a pouca idade daprópriateoriadascordas.Essaserá,semdúvida,umaáreadeintensaspesquisas nos próximos anos, na qual podem haver grandesprogressos. A medida que ganhemos mais domínio sobre aspropriedades da teoria das cordas/teoriaM,mais se refinará a nossacapacidade de avaliar as implicações cosmológicas dessa tentativapotencialmentefértildechegaràteoriadefinitiva.

Épossível, naturalmente, queessesestudos venhamumdia aconvencer-nos de que realmente há um limite para as explicaçõescientíficas.Mas tambémépossívelqueelesabramasportasdeumanova era — uma era em que finalmente poderemos declarar queencontramosaexplicaçãofundamentaldouniverso.RUMOASESTRELAS

Emboraestejamos tecnologicamente ligadosàTerraeàssuascercanias no sistema solar, o poder do pensamento e da

experimentação nos permite sondar as profundidades do espaçoexterioredoespaçointerior.Particularmenteduranteosúltimos cemanos, o esforço coletivo demuitos físicos revelou algunsdossegredosmaisbemguardadosdanatureza.Eumavezreveladas,essasjóiasexplicativasabriramnovospanoramassobreummundoquepensávamos conhecer mas cujo esplendor nem sequer chegáramospertodeimaginar.Umamaneirademediraprofundidadedeumateoriafísicaéverificaratéquepontoeladesafiaaspectosdanossavisãodemundo que antes pareciam imutáveis. Sob esse ponto de vista, amecânica quântica e as teorias da relatividade forammuito além dasnossasexpectativasmaisousadas: funçõesdeondas,probabilidades,tunelamentoquântico, o incessante tumultodas flutuaçõesdeenergianovácuo,oentrelaçamentodoespaçoedotempo,anaturezarelativadasimultaneidade,acurvaturadotecidodoespaço-tempo,osburacosnegroseobig-bang.Quempoderiapensarqueaperspectivaintuitiva,mecânicaeprecisadeNewtonsetornariatãoprovinciana—quehaviaummundonovoeextraordinário logoabaixodasuperfíciedascoisasquevemostodososdias?

Mas mesmo essas descobertas que sacodem os nossosparadigmas são apenas uma parte de uma história maior, que tudoabarca.Comumaféinquebrantávelemqueasleisdoqueépequenoeasdoqueégrandedevemharmonizar-seemumconjuntocoerente,osfísicos prosseguem em sua luta incessante por encontrar a teoriadefinitiva.Abuscaaindanãoterminou,masateoriadassupercordaseasua evolução em termos da teoria M já fizeram surgir um esquemaconvincenteparaafusãoentreamecânicaquântica,arelatividadegeraleasforçasforte,fracaeeletromagnética.Osdesafiostrazidosporessesavançosànossamaneiradeveromundosãomonumentais: laçosdecordas e glóbulos oscilantes que unem toda a criação em padrõesvibratórios executados meticulosamente em um universo que temnumerosas dimensões escondidas, capazes de sofrer contorçõesextremas,nasquaisoseutecidoespacialserompeedepoisserepara.Quem poderia ter imaginado que a unificação entre a gravidade e amecânicaquânticaemumateoriaunificadadetodaamatériaedetodasasforçasprovocariaumatalrevoluçãononossoentendimentodecomoouniversofunciona?

Nãohádúvidadequeencontraremossurpresasaindamaioresàmedida que avançarmos na nossa busca de entender a teoria das

supercordasdemaneiratotalefactíveldopontodevistadocálculo.Oestudo da teoriaM já nos propiciou vislumbrar um reino estranho nouniverso, abaixo da distância de Planck, em que possivelmente nãovigoramas noções de espaço e de tempo.No extremo oposto vimostambém que o nosso universo pode ser simplesmente uma dentreinumeráveis bolhas que se espalham pela superfície de um oceanocósmicovastoeturbulentochamadomultiverso.Essasidéiasestãonavanguarda das especulações atuais e pressagiamos próximos saltospêlosquaispassaráanossaconcepçãodouniverso.

Temososolhos fixosno futuro,àesperadosdeslumbramentosquenosestão reservados,masnãodevemosdeixardeolhar tambémparatrásemaravilhar-noscomaviagemquejáfizemos.Abuscadasleisfundamentaisdouniversoéumdramaeminentementehumano,queexpande a nossa visãomental e enriquece o nosso espírito. Einsteindeu-nos uma descrição vívida da sua própria luta por compreender agravidade: "os anos ansiosos da busca no escuro, que provocavamsentimentos intensos de angústia e alternâncias entre estados deconfiançaedeexaustão,e,finalmente,aluz".Aívemosaprofundidadedessedramahumano.Todosnósbuscamosaverdade,cadaqualàsuamaneira,etodosesperamosumdiapoderdizerquesabemosporqueestamos aqui. À medida que subimos a montanha do conhecimento,cadanovageraçãoapoia-sesobreosombrosdaanterior,aproximando-se coletivamente do cume. Não temos como prever se algum dia osnossosdescendenteschegarãoaotopoegozarãodasoberbavistaqueseabresobreavastidãoeaelegânciadouniverso,comclarezainfinita.Masaotrilharmosocaminho,subindoumpoucoacadanovageração,realizamos as palavras de Jacob Bronowski, que dizia que "a cadaépocacorrespondeumpontodeinflexão,umanovamaneiradeveredeafirmaracoerênciadomundo".Hojeanossageraçãosemaravilhacoma nossa nova visão do universo — a nova maneira de afirmar acoerênciadomundo—ecumpreassimoseupapel,contribuindocomumdegrauamaisnaescadahumanaqueconduzàsestrelas.

GlossáriodetermoscientíficosACELERAÇÃO. Modificação da velocidade ou da direção domovimentodeumobjeto.VertambémVelocidade.ACELERADOR.VerAceleradordepartículas.ACELERADORDEPARTÍCULAS.Máquinaqueacelerapartículasatévelocidadespróximasàdaluzefazcomqueelassechoquemcomofimdesondaraestruturadamatéria.AMPLITUDE.Aalturamáximadopicodeumaondaouaprofundidademáximadasuadepressão.ANTIMATÉRIA. Matéria que tem as mesmas propriedadesgravitacionaisdamatériacomum,mastemcargaelétricaoposta,assimcomocargasdeforçanuclearestambémopostas.ANTIPARTÍCULA.Partículadeantimatéria.ÁTOMO. Constituinte fundamental da matéria, que consiste de umnúcleo (que compreende prótons e nêutrons) e de um enxame deelétronsorbitais.BIG-BANG. Teoria atualmente aceita segundo a qual o universo emexpansãoteveiniciocercade15bilhõesdeanosatrás,apartirdeumestadodeenergia,densidadeecompressãoenormes.BRANA(brane).Qualquerdosobjetosestendidosquesurgemdateoriadascordas.Uma1-branaéumacorda,uma2-branaéumamembrana,uma3-brana temtrêsdimensõesespaciaisestendidasetc.Emtermosgerais,umap-branaapresentapdimensõesespaciais.BÓSON.Partículaoupadrãovibratóriodacordacujospincorrespondeaumnúmerointeiro;tipicamenteumapartículamensageira.BÓSONDAFORÇAFRACA.Unidademínimadocampodaforçafraca;partículamensageiradaforçafracadenominadobósonWouZ.BÓSONz.VerBósondaforçafraca.BURACODEMINHOCA(wormhole).Regiãodoespaço,emformadetubo,queconectaumaregiãoaoutradouniverso.BURACOMULTIDIMENSIONAL.Generalizaçãodoburacoencontradoemumdoughnutparaversõesemmaioresdimensões.BURACO NEGRO. Objeto cujo imenso campo gravitacional sugaqualquer coisa, mesmo a luz, que se aproxime demasiado (maispróximodoqueohorizontedeeventosdoburaconegro).BURACONEGROSEMMASSA.Nateoriadascordas,tipoparticularde

buraconegroquepodetergrandemassainicialmente,masquesetornacadavezmaisleveàmedidaqueumapartedaporçãoCalabi-Yaudoespaço se contrai. Quando a contração alcança a dimensão de umponto,oburaconegrojánãotemqualquermassa.Nesseestado,elejánão manifesta propriedades normais dos buracos negros, como ohorizontedeeventos.BURACOS NEGROS EXTREMOS. Buracos negros dotados deintensidademáxima possível de cara de força para uma determinadamassatotal.CAMPO,CAMPODEFORÇA.Vistodeumaperspectivamacroscópica,meio pelo qual uma força comunica a sua influência; descrito por umconjuntodenúmerosrelativosacadapontodoespaço,querefletemaintensidadeeadireçãodaforçaemcadaponto.CAMPO ELETROMAGNÉTICO. Campo de força às forçaeletromagnética,queconsistedelinhasdeforçaelétricasemagnéticasemcadapontodoespaço.CARGADEFORÇA.Propriedadedeumapartículaquedeterminacomoelareageaumaforçaespecífica.Porexemplo,acargaelétricadeumapartículadeterminacomoelareageàforçaeletromagnética.CLAUSTROFOBIAQUÂNTICA.VerFlutuaçõesquânticas.COMPRIMENTODEONDA.Distânciaentredoispicosoudepressõessucessivosdeumaonda.CONDIÇÕES INICIAIS.Dadosquedescrevemoestado inicial deumsistema físico. CONSTANTE COSMOLÓGICA. Modificação dasequaçõesoriginaisdarelatividadegeralquesatisfazascondiçõesparaum universo estático; pode ser interpretada como uma densidadeconstantedeenergianovácuo.CONSTANTEDEACOPLAMENTO.VerConstantedeacoplamentodascordas.CONSTANTEDEACOPLAMENTODASCORDAS.Número(positivo)quecomandaaprobabilidadedeumacordadividir-seemduasoudeduas cordas unirem-se em uma— o processo básico da teoria dascordas.Cadaumadasteoriasdascordastemasuaprópriaconstantede acoplamento, cujo valor deve ser determinado por uma equação;atualmente, tais equações não são suficientemente bem conhecidasparaproduzirinformaçõesúteis.Asconstantesdeacopamentomenoresdoque1implicamqueosmétodosperturbativossãoválidos.CONSTANTEDEPLANCK.Designada pelo símbolo, a constante dePlanckéumparâmetrofundamentaldamecânicaquântica.Determinaotamanhodasunidadesmínimasdeenergia,massa,spinetc.,emquese

divideomundomicroscópico.Seuvaloré1,05x1027g-cnr/seg.CONTRAÇÃO DE LORENTZ. Fenômeno decorrente da relatividadeespecial em que um objeto que se move mostra-se mais curto nosentido do seu movimento. CONTRAÇÃO FINAL (BIG CRUNCH).Futurohipotéticodouniversoemqueaexpansãoatualcessa,reverte-seeresultaemquetodooespaçoe todaamatériaentraconjuntamenteemcolapso;reversãodobig-bang.CORDA. Objeto unidimensional fundamental que é o componenteessencialdateoriadascordas.CORDAABERTA.Tipodecordacomduaspontassoltas.CORDAFECHADA.Tipodecordaquetemaformadeumlaço.COSMOLOGIA INFLACIONÁRIA. Modificação do modelo-padrão dacosmologianosprimeirosmomentosdaexistênciadouniverso,emqueelepassaporumbrevíssimoperíododeenormeexpansão.CROMODINÂMICA QUÂNTICA (QCD) (quantum chromodynamics).Teoriaquânticadecamporelativísticadaforçaforteedosquarks,queincorporaarelatividadeespecial.CURVATURA.Desvio de umobjeto, do espaço ou do espaço-tempocomrelaçãoàformaplanae,porconseguinte,comrelaçãoàsregrasdageometriaeuclidiana.DBB. Iniciaisde"depoisdobig-bang";empregadasnormalmenteparafazerreferênciaaotempotranscorridodesdeobig-bang.DETERMINISMOLAPLACIANO.Concepçãomecânicadouniversoemque o conhecimento total do estado do universo em certo momentodeterminaporcompletooseuestadoemqualquermomentodofuturooudopassado.DETERMINISMO QUÂNTICO. Propriedade da mecânica quânticasegundoaqualoconhecimentodoestadoquânticodeumsistemaemum momento determina integralmente o seu estado quântico emqualquermomentodofuturoedopassado.Oconhecimentodoestadoquântico, contudo, determina apenas a probabilidade de que um ououtrofuturopossaproduzir-se.DILATAÇÃODOTEMPO.Aspectodecorrentedarelatividadeespecial,noqualofluxodotemposeretardaparaumobservadoremmovimento.DIMENSÃO.Eixo ou direção independente do espaço ou do espaço-tempo.Oespaçocomumànossavoltatemtrêsdimensões(esquerda-direita, adiante-atrás, acima-abaixo) e o espaço-tempo comum temquatro (os trêseixosanterioreseoeixopassado-futuro).A teoriadassupercordas requer que o universo tenha dimensões espaciais

adicionais.DIMENSÃORECURVADA.Dimensãoespacialquenão temextensãoespacial observável; dimensão espacial comprimida, enrolada ourecurvadaemumtamanhomínimo,queescapaàdetecçãodireta.DIMENSÕESESTENDIDAS.Dimensãoespacial (eespaço- temporal)grandeeobserváveldiretamente;dimensãocomquemantemoscontatonormal,aocontráriodasdimensõesrecurvadas.DISTÂNCIADEPLANCK.Cercade10centímetros.Escalaabaixodaquais flutuações quânticas do tecido do espaço-tempo tomam-seenormes.Tamanhotípicodeumacordanateoriadascordas.DOIS-BRANA,2-BRANA.Verbrana.DUAL,DUALIDADE,SIMETRIASDEDUALIDADE.Situação emqueduasoumais teoriasparecemser completamentediferentesmasdãolugaraconseqüênciasfísicasidênticas.DUALIDADE FORTE- FRACA. Situação em que uma teoria decomportamentofortementeacopladoédual—fisicamenteidêntica—aoutrateoria,decomportamentofracamenteacoplado.DUALIDADE ONDA-PARTÍCULA. Característica básica da mecânicaquântica segundo a qual os objetos manifestam tanto propriedadesrelativasaondasquantorelativasapartículas.EFEITOFOTOELÉTRICO.Fenômenopeloqualelétronssãoexpelidosdeumasuperfíciemetálicaquandosobreelesselançaluz.ELETRODINÂMICA QUÂNTICA (QED) (quantum electrodynamics).Teoria relativísticaquânticadecampoda forçaeletromagnéticaedoselétrons,queincorporaarelatividadeespecial.ELÉTRON. Partícula com carga negativa, tipicamente encontrada emórbitaàvoltadonúcleodeumátomo.ENERGIA DE PLANCK. Cerca de mil quilowatts-hora. Energianecessária para que se sondemdistâncias da ordemda distância dePlanck.Energiatípicadeumacordavibrantenateoriadascordas.ENERGIADEVOLTAS(windinenergy),Energia incorporadaporumacordaqueseenrolaàvoltadeumadimensãoespacialcircular.ENTROPIA. Medida da desordem de um sistema físico; número dosrearranjosdoscomponentesdeumsistemaquedeixam intactaasuaaparênciageral.ENTROPIADOBURACONEGRO.Entropiaincorporadadentrodeumburaconegro.EQUAÇÃO DE KLEIN-GORDON. Equação fundamental da teoriaquânticadecamporelativística.

EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER. Equação que comanda a evoluçãodasondasdeprobabilidadenamecânicaquântica.ESFERA. Superfície exterior de uma bola. A superfície de uma bolatridimensional comum tem duas dimensões (pelo que pode ter doisnúmeroscomoreferência,taiscomo"latitude"e"longitude",assimcomoa superfície da Terra).O conceito de esfera, no entanto, aplica-se demaneirageralàsbolaseàssuassuperfíciesemqualquernúmerodedimensões.Umaesferaunidimensionaléumnomepomposoparaumcírculo; uma esfera de zero dimensão são dois pontos (tal comoexplicado no texto). Uma esfera tridimensional é mais difícil deconceber;éasuperfíciedeumaboladequatrodimensões.ESFERA BIDIMENSIONAL.Ver Esfera. ESFERA DEDMENSÃOZERO. Ver Esfera.ESFERA TRIDMENSIONAL.VerEsfera.ESPAÇODECALABI-YAU,FORMADECALABI-YAU.Espaço(forma)emqueasdimensõesespaciaisadicionais requeridaspela teoriadascordas podem recurvar-se demaneira coerente com as equações dateoria.ESPAÇOSUAVE.Regiãoespacialemqueotecidodoespaçoéplanoou ligeiramente curvo, sem constrições, rompimentos ou rugas dequalquertipo.ESPAÇO-TEMPO. União entre o espaço e o tempo que surgeoriginalmenteda relatividadeespecial.Podeservistocomoo "tecido"comoqualouniversoéformado;constituioambientedinâmicoemquetranscorremosacontecimentosdouniverso.ESPUMA.VerEspumaespaço-temporal.ESPUMA ESPAÇO-TEMPORAL (space-time foam). Caráter irregular,tênue e tumultuoso do tecido do espaço-tempo em escalasultramicroscópicas, de acordo com a perspectiva convencional daspartículas puntiformes. Razão essencial da incompatibilidade entre amecânicaquânticaearelatividadegeral,antesdateoriadascordas.ESPUMAQUÂNTICA.VerEspumaespaço-temporal.ESTADOS BPS. Configurações de uma teoria supersimétrica cujaspropriedades podem ser determinadas com exatidão por argumentosbaseadosnasimetria.FAMÍLIAS.Organizaçãodaspartículasdamatériaemtrêsgrupos,cadaumdosquaiséconhecidocomoumafamília.As

partículasdecadafamíliasucessivadiferemdaspartículasdasfamíliasanterioresporseremmaispesadas,mastransportamasmesmascargasdeforçaelétricaenuclear.FASE. Quando usado com referência à matéria, descreve os seuspossíveisestados:fasessólida,líquidaegasosa.Emgeral,refere-seàspossíveisdescriçõesdeumsistemafísicoàmedidaquevariamcertosaspectosdequeeledepende(temperatura, valoresda constantedeacoplamentodas cordas, formadoespaço-tempoetc.)FÉRMION. Partícula ou padrão vibratório da corda cujo spincorresponde à metade de um número inteiro ímpar; tipicamente umapartículadematéria.FLUTUAÇÃO QUÂNTICA. Comportamento turbulento de um sistemaemescalasmicroscópicasdevidoaoprincípiodaincerteza.FOLHADEMUNDO(Worldsheet).Superfíciebidimensionalqueumacordapercorreaomover-se.FORÇA ELETROMAGNÉTICA. Uma das quatro forças fundamentais;uniãodasforçaselétricaemagnética.FORÇAFORTE,FORÇANUCLEARFORTE.Amais fortedasquatroforças fundamentais, responsável pormanter os quarks presos dentrodosprótonsedosnêutronsepormanterosprótonseosnêutronsemformaçãocompactadentrodosnúcleosatômicos.FORÇAFRACA,FORÇANUCLEARFRACA.Umadasquatro forçasfundamentais, mais conhecida por mediar a desintegração radioativaespontânea.FORÇAGRAVITACIONAL.Amaisfracadasquatroforçasfundamentaisdanatureza.DescritapelateoriauniversaldagravidadedeNewtone,posteriormente,pelarelatividadegeraldeEinstein.FORTEMENTEACOPLADA.Teoriacujaconstantedeacoplamentodascordasémaiordoque1.FÓTON.Unidademínimadocampodaforçaeletromagnética;partículamensageiraaforçaeletromagnética;unidademínimadaluz.FRACAMENTE ACOPLADA. Teoria cuja constante de acoplamentodascordasémenordoque1.FREQÜÊNCIA.Númerodeciclosondulatórioscompletosqueumaondaperfazemumsegundo.FUNÇÃODEONDA. Ondas de probabilidade nas quais a mecânicaquânticaestábaseada.GEOMETRIA QUÂNTICA. Modificação da geometria riemanniananecessáriaparaadescriçãoprecisadaestrutura físicadoespaçoem

escalas ultramicroscópicas, nas quais os efeitos quânticos tornam-seimportantes.GEOMETRIA RIEMANNIANA. Esquema matemático que descreveformascurvasdequalquerdimensão.Desempenhaumpapelcapitalnadescriçãodoespaço-temponarelatividadegeraldeEinstein.GLÚON.Unidademínimadocampodaforçaforte;partículamensageiradaforçaforte.GRANDEUNIFICAÇÃO.Classede teoriasque fundemas três forçasnãogravitacionaisemumesquemateóricoúnico.GRAVITAÇÃOQUÂNTICA. Teoria que unifica com êxito a mecânicaquântica e a relatividade geral, envolvendo, possivelmente,modificações emumadelas ou emambas.A teoria das cordas é umexemplodeteoriadagravitaçãoquântica.GRÁVITON.Unidademínimadocampodaforçagravitacional;partículamensageiradaforçagravitacional.HORIZONTEDEEVENTOS.Superfíciedeatraçãodeumburaconegro;limite externo da região queenvolve o buraco negro, a partir do qualnadapoderegressaraomundoexterior,poisnãohácomoescapardopoderdeatraçãogravitacionaldoburaconegro.INFINITOS.Respostascarentesdesentidoqueocorremtipicamentenoscálculosqueenvolvema relatividadegeral eamecânicaquânticanocontextodaspartículaspuntiformes.INFLAÇÃO.VerCosmologiainflacionária.KELVIN.Escaladetemperaturasemqueelassãomedidasapartirdozero absoluto. LEIS DE MOVIMENTO DE NEWTON. Leis quedescrevem omovimento dos corpos com base no conceito de que oespaçoeotemposãoabsolutoseimutáveis;taisleismantiveram-seatéqueEinsteindescobriuarelatividadeespecial.MACROSCÓPICO.Refere-seàsescalasqueencontramostipicamentenomundoquotidiano;basicamenteoopostodemicroscópico.MASSADEPLANCK.Cercade10bilhõesdebilhõesdevezesmaiordoqueamassadopróton;cercadeumcentésimomilésimodegrama;corresponde à massa de um pequeno grão de poeira. Massa típicaequivalenteàdeumadeumacordavibrantenateoriadascordas.MECÂNICA QUÂNTICA. Conjunto de leis que comanda o universo,cujas características incomuns, tais como a incerteza, as flutuaçõesquânticaseadualidadeonda-partícula tornam-semais flagrantesnasescalasmicroscópicasdosátomosedaspartículassubnucleares.MÉTODO PERTURBATIVO, ABORDAGEM PERTURBATIVA. VerTeoriadaperturbação.MODELO-PADRÂODACOSMOLOGIA. Teoria do big-bang acoplada

ao entendimento das três forças não gravitacionais, resumida nomodelo-padrãodafísicadaspartículas.MODELO-PADRÂO DA FÍSICA DAS PARTÍCULAS, MODELO -PADRÂO,TEORIA-PADRÂO.Teoria imensamente bem-sucedida dastrês forças não gravitacionais e da sua ação sobre a matéria. Uniãoentreacromodinâmicaquânticaeateoriaeletrofraca.MODELO-PADRÂO SUPERSIMÉTRICO. Generalização do modelo-padrãodafísicadepartículasque incorporaasupersimetria. Implicaaduplicaçãodasespéciesconhecidasdaspartículaselementares.MODO DAS CORDAS (string mode). Possível configuração (padrãovibratório,configuraçãodeenvolvimento)queumacordapodeassumir.MODODEVIBRAÇÃO(vibrationmode).VerPadrãovibratório.MODODEVOLTAS(windingmode).Configuraçãodeumacordaqueseenrolaàvoltadeumadimensãoespacialcircular.MULTIDOUGHNUT,DOUGHNUTMÚLTIPLO.Generalizaçãodaformadodoughnut(umtoro)quetemmaisdeumburaco.MULTIVERSO(multiverse).Ampliaçãohipotéticadocosmosemqueonossouniversoéapenasumdentreumnúmeroenormedeuniversosseparadosediferentes.NÃOPERTURBATIVA.Característicadeumateoriacujavalidadenãodependedecálculosaproximadosperturbativos;propriedadeexatadeumateoria.NEUTRINO.Partículaeletricamenteneutra,sujeitaapenasaforçafraca.NÊUTRON.Partícula eletricamente neutra, encontrada tipicamente nonúcleodeumátomoequeconsistedetrêsquarks(doisquarksdowneumquarkup).NÚCLEO. O núcleo atômico, que consiste de prótons e nêutrons.NUCLEOSSÍNTESEPRIMORDIAL.Produçãodenúcleosatômicosqueocorreduranteosprimeirostrêsminutosdepoisdobig-bang.NÚMERO DE VIBRAÇÕES (vibration number). Número inteiro quedescreveaenergiadomovimentovibratóriouniformedeumacorda;aenergiadoseumovimentototal,poroposiçãoàqueestáassociadaàsalteraçõesdeforma.NÚMERODEVOLTAS(windingnumber).Númerodevezesqueumacordaseenrolaàvoltadeumadimensãoespacialcircular.OBSERVADOR. Pessoa ou equipamento idealizado, muitas vezeshipotético,quemedepropriedadesrelevantesdeumsistemafísico.ONDA ELETROMAGNÉTICA. Distúrbio ondulatório em um campo

eletromagnético;taisondasviajamàvelocidadedaluz.Sãoexemplosaluzvisível:osraiosX,asmicroondasearadiaçãoinfravermelha.PADRÃO DE INTERFERÊNCIA. Padrão ondulatório que resulta dajustaposição e da interpenetração de ondas emitidas de diferenteslocais.PADRÃOOSCILATÓRIO.VerPadrãovibratório.PADRÃO VIBRATÓRIO. Número exato e amplitude dos picos edepressõesformadospelaoscilaçãodeumacorda.PARTÍCULAMENSAGEIRA.Unidademínimadeumcampode força;transportadormicroscópicodeumaforça.PARTÍCULASVIRTUAIS.Partículasque irrompemporummomentoapartir do vácuo; existem devido à energia tomada de empréstimo, demaneira consistente com o princípio da incerteza, e se aniquilamrapidamente,pagandocomissooempréstimodeenergia.PLANO(A). Diz-se do que está sujeito às regras da geometriacodificadas por Euclides; forma, como a superfície de uma mesaperfeitamentelisaeassuasgeneralizaçõesemdimensõesadicionais.PRINCÍPIOANTRÓPICO.Doutrinasegundoaqualaexplicaçãodeporqueouniverso temaspropriedadesqueobservamosestáemqueseessas propriedades fossem diferentes, provavelmente a vida não seformariae,portanto,nãoestaríamosaquiparaobservarasalterações.PRINCÍPIODAEQUIVALÊNCIA.Principiocentraldarelatividadegeralque declara que o movimento acelerado e a imersão em um campogravitacional(emregiõesdeobservaçãosuficientementepequenas)sãoindistinguíveis entre si. Generaliza o principio da relatividade aodemonstrar que todos os observadores, independentemente do seuestado de movimento, podem considerar-se em repouso, desde quereconheçamapresençadeumcampogravitacionaladequado.PRINCÍPIO DA INCERTEZA. Principio da mecânica quânticadescobertoporHeisenbergsegundooqualháaspectosdouniverso,comoaposiçãoea velocidade de uma partícula, que não podem ser conhecidos comprecisão total. Esses aspectos de incerteza no mundo microscópicotornam-semaispronunciadosàmedidaqueasescalasdedistânciaedetempoemquesãoconsideradostornam-semenores.Aspartículaseos campos ondulam e saltam entre todos os valores possíveis demaneiracoerentecoma incertezaquântica. Isto implicaqueomundomicroscópicoéummarfrenéticoeviolentodeflutuaçõesquânticas.PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE. Princípio central da relatividade

especial que declara que todos os observadores a velocidadesconstantesestãosujeitosaumconjunto idênticode leis físicaseque,portanto,qualquerobservadoravelocidadeconstantepodeconsiderar-se em repouso. Esse principio é generalizado pelo principio daequivalência.PROBLEMADOHORIZONTE.Quebra-cabeçascosmológicoassociadoao fato de que as regiões do universo que se acham separadas pordistâncias enormes apresentam propriedades praticamente idênticas,comoatemperatura.Acosmologiainflacionáriaofereceumasolução.PROCESSODEUMSÓLAÇO(oneloopprocess).Contribuiçãoaumcálculodeteoriaperturbativaqueenvolveumúnicoparvirtualdecordas(oupartículas,emumateoriadepartículaspuntiformes).PRODUTO.Resultadodamultiplicaçãodedoisnúmeros.PRÓTON. Partícula com carga positiva, tipicamente encontrada nonúcleodeumátomo,consistindodetrêsquarks(doisquarksupeumquarkdown).QUANTA.Asmenoresunidadesfísicasemquealgopodeserdividido,deacordo comas leis damecânicaquântica.Por exemplo, os fótonssãoosquantadocampoeletromagnético.QUARK.Partículasobreaqualageaforçaforte.Osquarksexistememseisvariedades(up,down,charm,strange,topebottom)etrês"cores"(vermelho,verdeeazul).QUEBRADESIMETRIA.Reduçãodaquantidadedesimetriaqueumsistemapareceter,usualmenteassociadoaumatransiçãodefase.QUIRAL, QUIRALIDADE. Característica da física das partículaselementaresquedistingueentreumaorientaçãoparaaesquerdaeadireita e mostra que o universo não obedece inteiramente à simetriaesquerda-direita.RADIAÇÃO.Energiatransportadaporondasoupartículas.RADIAÇÃOCÓSMICADEFUNDOEMMICROONDAS.Radiaçãoemmicroondasqueabrangetodoouniverso,produzidaduranteobig-bangetornadaprogressivamentemaistênueemaisfriacomaexpansãodouniverso.RADIAÇÃOELETROMAGNÉTICA.Energiatransportadaporumaondaeletromagnética.RECÍPROCO.Oinversodeumnúmero;porexemplo,orecíprocode3é1/3eorecíprocode1/2é2.RELATIVIDADEESPECIAL.Leiseinsteinianasdoespaçoedotemponaausênciadagravidade(vertambémRelatividadegeral).RELATIVIDADEGERAL.FormulaçãodeEinsteinparaagravidade,querevela que o espaço e o tempo comunicam a força gravitacional por

meiodasuacurvatura.RELÓGIODELUZ.Relógiohipotéticoquemedeo tempotranscorridocontando o número de viagens de ida e volta entre dois espelhoscompletadasporumúnicofóton.RESSONÂNCIA.Umdosestadosnaturaisdeoscilaçãodeumsistemafísico. SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA. Lei que afirma que aentropiatotalsempreaumenta.SEGUNDA REVOLUÇÃO DAS SUPERCORDAS. Período dedesenvolvimentodateoriadascordasquecomeçouporvoltade1995enoqualalgunsaspectosnão-perturbativosda teoriacomeçaramasercompreendidos.SIMETRIA. Propriedade de um sistema físico que não se modificaquandoosistemaé transformado de alguma maneira. Por exemplo, uma esfera temsimetria rotacional, uma vez que a sua aparência não muda se elaestiveremrotação.SIMETRIADAFORÇAFORTE.Simetriadecalibresubjacentedaforçaforte,associadaàinvariânciadeumsistemafísicosobaalteraçãodascargasdascoresdosquarks.SIMETRIADAFORÇAFRACA.Simetriadecalibrequenorteiaaforçafraca.SIMETRIADECALIBRE(GAUGESYMMETRY).Princípiodasimetriaquenorteiaadescriçãodastrêsforçasnãogravitacionaisemtermosdemecânicaquântica;asimetriaenvolveainvariânciadeumsistemafísicodiante de diversas alterações nos valores das cargas de forças,alteraçõesquepodemvariardeumlugarparaoutroedeumtempoparaoutro.SIMETRIADECALIBREELETROMAGNÉTICA.Simetriadecalibrequenorteiaaeletrodinâmicaquântica.SIMETRIAESPECULAR(mirrorsymmetry).Nocontextoda teoriadascordas,simetriaquemostraqueduasformasdeCalabi-Yaudiferentes,conhecidascomoparespelhado,dãolugaraestruturasfísicasidênticasquandoescolhidasparaasdimensõesrecurvadasdateoriadascordas.SINGULARIDADE. Lugar em que o tecido do espaço ou do espaço-temposofreumrompimentodevastador.SOLUÇÃO DE SCHWARZSCHILD. Solução das equações darelatividade geral para uma distribuição esférica damatéria; uma dasimplicaçõesdessasoluçãoéapossívelexistênciadosburacosnegros.SOMASOBREASTRAJETÓRIAS.Formulaçãodamecânicaquânticasegundo a qual as partículas viajam de um ponto a outro através de

todososcaminhospossíveisqueexistementreeles.SOMASOBREASTRAJETÓRIASDEFEYNMAN.VerSomasobreastrajetórias.SPIN.Versãodamecânicaquânticaparaanoçãofamiliarderotação;aspartículastêmumvalorintrínsecodespinquecorrespondeouaumnúmerointeiroouàmetadedeumnúmerointeiro(emmúltiplosdaconstantedePlanck),equenuncasealtera.SUPERGRAVIDADE.Classede teoriasdepartículaspuntiformesquecombinaarelatividadegraleasupersimetria.SUPERGRAVIDADEEMMAIORESDIMENSÕES.Classedas teoriasdasupergravidadecommaisdequatrodimensõesnoespaço- tempo.SUPERGRAVIDADE EM ONZE DIMENSÕES. Promissora teoria dasupergravidade emmaiores dimensões, desenvolvida inicialmente nadécada de 70, subsequentemente ignorada e mais recentementeconsideradacomoparteimportantedateoriadascordas.SUPERPARCEIRAS. Partículas cujos spins diferem entre si em 1/2unidadeequeseemparelhampormeiodasupersimetria.SUPERSIMETRIA.Princípiodasimetriaquerelacionaaspropriedadesdaspartículasque têmvalordespinequivalenteaumnúmero inteiro(bósons) com as das partículas que têm valor de spin equivalente àmetadedeumnúmerointeiro(impar)(férmion).TÁQUION. Partícula cuja massa (ao quadrado) é negativa; suapresençanasteoriasgeralmenteproduzincoerências.TEMPO DE PLANCK. Cerca de 10 segundos. Tempo em que otamanhodouniversoeraaproximadamenteigualàdistânciadePlanck;maisprecisamente,otempolevadopelaluzparaatravessaradistânciadePlanck.TENSÃODEPLANCK.Cercade10toneladas.Tensãotípicadeumacordanateoriadascordas.TEORIA DA GRAVITAÇÃO UNIVERSAL DE NEWTON. Teoria dagravitação que declara que a força de atração entre dois corpos édiretamenteproporcionalaoprodutodassuasmassase inversamenteproporcional ao quadrado da distância entre eles. Posteriormente foisuplantadapelarelatividadegeraldeEinstein.TEORIA DA PERTURBAÇÃO. Esquema destinado a simplificar umproblemadifícil,encontrando-seprimeiroumasoluçãoaproximadaqueé subsequentemente refinada com a inclusão sistemática de novosdetalhesanteriormenteignorados.TEORIADASCORDAS.Teoriaunificadadouniversoquepostulaqueos componentes fundamentais da natureza não são partículas

puntiformes de dimensão zero, mas sim filamentos mínimos eunidimensionais denominados cordas. A teoria das cordas uneharmoniosamente amecânica quântica e a relatividade geral, as leisanteriormente conhecidasdopequenoe dograndee que, fora dessecontexto, são incompatíveis. Forma abreviada de teoria dassupercordas.TEORIADASCORDASBOSÔNICAS.Primeiraversãodateoriadascordas;todosospadrõesvibratóriosquecontémsãobósons.TEORIA DAS CORDAS DE TIPO I. Uma das cinco teorias dassupercordas;envolvetantoascordasabertasquantoasfechadas.TEORIA DAS CORDAS DE TIPO IA. Uma das cinco teorias dassupercordas; envolve cordas fechadas com padrões vibratórios queobedecemàsimetriaesquerda-direita.TEORIA DAS CORDAS DE TIPO UB. Uma das cinco teorias dassupercordas; envolve cordas fechadas com padrões vibratóriosesquerda-direita assimétricos. TEORIADASSUPERCORDAS. Teoriadascordasqueincorporaasupersimetria.TEORIADEKALUZA-KLEIN.Classedeteoriasqueincorporamdimensõesrecurvadasadicionaisnocontextodamecânicaquântica.TEORIA DE MAXWELL, TEORIA ELETROMAGNÉTICA DEMAXWELL.Teoriaqueuneaeletricidadeeomagnetismocombasenoconceitodecampoeletromagnético,concebidoporMaxwellnadécadade 1880; revela que a luz visível é um exemplo de ondaeletromagnética.TEORIAELETROFRACA. Teoria quântica de campo relativística quedescreveforçafracaeforçaeletromagnéticaemumesquemaunificado.TEORIA HETERÓTICA-E (TEORIA DAS CORDAS DE TIPOHETERÓTICA Eg x Eg). Uma das cinco teorias das supercordas;envolve cordas fechadas cujas vibrações à direita assemelham-se àsdascordasdeTipo II e cujasvibraçõesàesquerdaenvolvemasdascordasbosônicas.DiferedateoriaHeterótica-0demaneirassutis,masimportantes.TEORIA HETERÓTICA-O (TEORIA DAS CORDAS DE TIPOHETERÓTICA-O(32)).Umadascincoteoriasdassupercordas;envolvecordasfechadascujasvibraçõesàdireitaassemelham-seàsdascordasde Tipo II e cujas vibrações à esquerda envolvem as das cordasbosônicas. Difere da teoria Heterótica-E de maneiras sutis, masimportantes.TEORIAM.Teoriaquesurgedasegundarevoluçãodassupercordaseune as cinco teorias das supercordas preexistentes em um único

esquema abrangente. A teoria M parece envolver onze dimensõesespaço-temporais,masmuitasdassuaspropriedadesespecificasaindanãosãobemcompreendidas.TEORIA QUÂNTICA DE CAMPO. Ver Teoria quântica de camporelativística. TEORIA QUÂNTICA DE CAMPO SUPERSIMÉTRICA.Teoriaquânticadecampoqueincorporaasupersimetria.TEORIAQUÂNTICAELETROFRACA.Verteoriaeletrofraca.TEORIAQUÂNTICADECAMPORELATIVÍSTICA.Teoriadoscamposem termos de mecânica quântica, de que é exemplo o campoeletromagnético,queincorporaarelatividadeespecial.TEORIA UNIFICADA, TEORIA DO CAMPO UNIFICADO. Qualquerteoriaquedescrevaasquatroforçasetodaamatériaemumesquemaúnicoedeabrangênciatotal.TERMODINÂMICA.ConjuntodeleisdesenvolvidasnoséculoXIXparadescreveraspectosdecalor,trabalho,energia,entropiaesuaevoluçãomútuaemumsistemafísico.TOPOLOGIA. Classificação das formas em grupos que podemtransformar-seunsnosoutrossemrasgarouromperassuasestruturas.TOPOLOGICAMENTE DIFERENTES. Duas formas que não podemtransformar-seumanaoutrasemromperdealgummodoasuaestrutura.TORO.Superfíciebidimensionaldeumdoughnut.TRANSIÇÃOCÔNICA(CONIFOLDTRANSITION).EvoluçãodaporçãoCalabi-Yaudoespaçoemqueotecidoespacialserompeeserestaura,causandoconseqüênciasfísicasleveseaceitáveisnocontextodateoriadascordas.O rompimentonestecasoémais intensodoqueemumatransiçãodevirada.TRANSIÇÃODEFASE.Evoluçãodeumsistema físicodeum faseaoutra.TRANSIÇÃO DE VIRADA (FLO TRANSITON). Evolução da porçãoCalabi-Yaudoespaçoemqueotecidoespacialserompeeserepara,causandoconseqüênciasfísicasleveseaceitáveisnocontextodateoriadascordas.TRANSIÇÃO DE VIRADA COM RUPTURA DO ESPAÇO. VerTransição de virada. TRANSIÇÃO QUE MODIFICA A TOPOLOGIA.Evoluçãodotecidoespacialqueenvolverompimentosourasgõesquemodificamatopologiadoespaço.TRÊS-BRANA,3-BRANA.VerBrana.TST (TEORIA SOBRE TUDO) ( TOE - theory of everything) Teoriaquântico-mecânicaquecompreendetodasasforçasetodaamatéria.TUNELAMENTO QUÂNTICO. Aspecto da mecânica quântica quedemonstra que os objetos podem passar através de barreirasaparentementeimpenetráveisdeacordocomasleisclássicasdafísica

newtoniana.ULTRAMICROSCÓPICA. Escala de distâncias menores do que adistância de Planck (e também escalas de tempomenores do que otempo de Planck). VELOCIDADE. Conceito que envolve, além davelocidadepropriamentedita, tambémadireçãodomovimentodeumobjeto.VIBRAÇÃOUNIFORME.Movimentototaldeumacordaemqueasuaformanãosealtera.ZERO ABSOLUTO. Amenor temperatura possível, de cerca de -273grausCelsius,ouzeronaescalaKelvin.