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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 5ª REGIÃO

EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Processo nº : 0001724-04.2016.4.05.0000 (HC 6243 PE)Referência : Habeas CorpusImpetrantes : Ademar Rigueira Neto e outrosImpetrado : Juízo da 4ª Vara Federal de PernambucoPaciente : Apolo Santana VieiraRecorrente : Ministério Público FederalRecorrido : Apolo Santana VieiraRelator : Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho – Segunda Turma

RAZÕES DE RECURSO ESPECIAL Nº 20.647 / 2016

Ínclitos Ministros,

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu representante infine firmado, vem, tempestivamente, com fundamento no art. 105, III, ‘a’, da ConstituiçãoFederal, e art. 1029 e ss. do Código de Processo Civil vigente, interpor RECURSOESPECIAL, objetivando a reforma do Acórdão de fl. 178, proferido pela Segunda Turma doEgrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos autos do Habeas Corpus 0001724-04.2016.4.05.0000 (HC 6243 PE), pelas razões adiante aduzidas.

I - DOS FATOS

Os Impetrantes ingressaram com Habeas Corpus em favor de APOLOSANTANA VIEIRA objetivando trancar a Ação Penal n.º 0004073-09.2016.4.05.8300, em

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curso perante o Juízo da 4ª Vara Federal de Pernambuco, apontado como Autoridade Coatora,que determinou o desmembramento desta Ação Penal dando origem a outra Ação Penal, a den.º 0010752-25.2016.4.05.8300, aduzindo a) inépcia material da Denúncia por ausência dejusta causa para a persecução penal (art. 395, III, do Código de Processo Penal); b) inépciaformal e material da Denúncia (art. 41, do Código de Processo Penal); e c) da impossibilidadede cisão da Denúncia ante a conexão entre os fatos.

Os Impetrantes narram que o Paciente foi denunciado nos autos daAção Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300 pela prática do crime de organização criminosa(art. 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013) como decorrência dos desdobramentos da chamada“Operação Turbulência”. Sustentam a inépcia da Denúncia e ausência de justa causa para aação penal por ausência de indícios do crime de organização criminosa, por existirem apenasindícios de lavagem de dinheiro, pois os fatos apontados para a caracterização da organizaçãocriminosa são os mesmos utilizados para os crimes de branqueamento de capitais, de forma aevidenciar que a análise das provas de materialidade e autoria do delito de ORCRIM guardamnecessária conexão instrumental e probatória com a configuração daquele crime financeiro.

A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pormaioria, concedeu a ordem de Habeas Corpus para trancar a Ação Penal em questão,conforme se extrai da ementa do Acórdão de fl. 178.

Inconformado com o Acórdão supra, vem este representante doMinistério Público Federal, tempestivamente, perante Vossas Excelências, interporRECURSO ESPECIAL, pelas razões que passa a expor.

II - DO CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL

A Constituição Federal, em seu art. 105, inciso III, estabeleceu ashipóteses de cabimento do Recurso Especial, quais sejam:

Art. 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça:(…)III – julgar em recurso especial, as causas decididas, em única ou últimainstância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dosEstados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outrotribunal. (grifo nosso)

O primeiro permissivo constitucional refere-se à decisão quecontrariar tratado ou lei federal, como é o caso sob análise.

Segundo o entendimento do Prof. Rodolfo de Camargo Mancuso, inRecurso Extraordinário e Recurso Especial, 3ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1993, pág. 112:

Contrariamos a Lei quando nos distanciamos da mens legislatoris, ou dafinalidade que lhe inspirou o advento; e bem assim quando a interpretamos

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mal e assim lhe desvirtuamos o conteúdo. Negamo-lhe vigência, porém,quando declinamos de aplicá-la, ou aplicamos outra, aberrante nafattispecie; [...]

Portanto, é com fulcro no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal,por violação aos arts. 41 e 395, ambos do Código de Processo Penal, e ao art. 2º, § 3º, da Lein.º 12.850/2013, que o Ministério Público Federal interpõe este Recurso Especial, contra oAcórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

III – DA NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 07 DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇA

O Superior Tribunal de Justiça editou, seguindo posição limitativa doSupremo Tribunal Federal quanto à possibilidade de interposição do Recurso Especial, aSúmula nº 07, criando mais um requisito de admissibilidade do recurso constitucional.

Assim está redigida a citada Súmula n.º 07:

A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

Nos moldes estabelecidos pelo enunciado acima, o Recurso Especialnão pode ser interposto para se rediscutir a matéria probatória. Este regramento limita asquestões a serem levadas ao Superior Tribunal de Justiça, que deve se ater às hipótesesprevistas no art. 105, da Constituição Federal. A matéria fática é apreciada nos primeiro esegundo graus de jurisdição, à Corte Superior de Justiça compete, prima facie, auniformização do entendimento da lei federal no País.

Roberto Rosas fez as seguintes reflexões acerca da questão de fato e aquestão de direito, verbis:

Chiovenda nos dá os limites da distinção entre questão de fato e questãode direito. A questão de fato consiste em verificar se existem ascircunstâncias com base nas quais deve o juiz, de acordo com a lei,considerar existentes determinados fatos concretos. A questão de direitoconsiste na focalização, primeiro, se a norma, a que o autor se refere,existe, como norma abstrata (Instituições de Direito Processual, 2ª. Ed., v.I/175)1

E continua, o eminente jurista Roberto Rosas, tecendo os comentáriossobre a Súmula n.º 07, reproduzidos abaixo:

O exame do recurso especial deve limitar-se à matéria jurídica. A razãodessa diretriz deriva da natureza excepcional dessa postulação, deixando-se às instâncias inferiores o amplo exame da prova. Objetiva-se, assim,impedir que as Cortes Superiores entrem em limites destinados a outrosgraus. Em verdade, as postulações são apreciadas amplamente emprimeiro grau, e vão, paulatinamente, sendo restringidas para evitar aabertura em outros graus. Acertadamente, a doutrina e a jurisprudência do

1 Rosas, Roberto. Direito Sumular, 13ª Edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 121

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Supremo Tribunal abominaram a abertura da prova ao reexame pela CorteMaior.2

Vê-se, pois, que o Recurso Especial não se presta para simplesreapreciação probatória, diante do óbice imposto pela Súmula n. º 7. Entretanto, este não é ocaso dos presentes autos.

Merece ser ressaltado, também, que não há que se confundir reexamede prova e valoração de prova. A primeira impede o conhecimento do Recurso Especial,enquanto a segunda não. No reexame de prova se examina o conjunto probatório, analisa-se amatéria fática; enquanto na valoração da prova se está diante do valor jurídico do meioprobatório, ou seja, se aquele valor está de acordo com as normas e os princípios do Direito,analisa-se matéria eminentemente de direito.

Colho da oportunidade para trazer os elucidativos comentários deLourival Gonçalves de Oliveira a respeito da indigitada Súmula:

Ao rigorismo de seu enunciado segue-se verdadeira amenizaçãojurisprudencial, passando-se à distinção entre simples apreciação daprova e sua valoração. A esta é reconhecido o ensejo do recurso. Omesmo se diga quanto ao recurso especial.A respeito, é de voto do Ministro Nilson Naves:“Distingue-se entre a apreciação da prova e valoração da prova. Aprimeira diz respeito à pura operação mental de conta, peso e medida;na segunda, apura-se se houve ou não a infração de algum princípioprobatório” (RESP 982-RJ)Igualmente esclarecedor é o entendimento do Ministro RodriguesAlckmin exposto em voto do qual anotamos:“No tocante ao direito probatório, portanto, somente podem ser objeto deapreciação questões de direito.O chamado erro na valoração das provas, invocado para permitir oconhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro dedireito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado. Assim, sea lei federal exige determinado meio de prova no tocante a certo ato ounegócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ounegócio por outro meio de prova ofende ao direito federal. Se a leifederal exclui baste certo meio de prova quanto a determinados atosjurídicos, acórdão que admita esse meio de prova excluído ofende à leifederal...(RE 84.699-SE, RTJ, 86:558)3

Com tais considerações iniciais será demonstrado, ao longo desta peçarecursal, que a Súmula n.º 07, da Corte Superior de Justiça, não incide no Recurso orainterposto, pois não visa a reapreciação de matéria probatória, mas sim a correta aplicação dosdispositivos legais tidos por violados.

Diante do exposto, satisfeito este requisito recursal, requer este

2 Idem 344/345

3 OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. in Comentários às Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993, pp. 26/27.

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Ministério Público Federal a admissibilidade do presente Recurso Especial.

IV - DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

Como outros recursos, o Recurso Especial subordina-se aoatendimento dos pressupostos processuais genéricos, subjetivos e objetivos, previstos na leiprocessual, bem como aos pressupostos específicos, de natureza constitucional, que sãoverificados no Juízo de admissão e no Superior Tribunal de Justiça.

Com relação aos pressupostos específicos, Rodolfo de CamargoMancuso, na sua obra intitulada Recurso Extraordinário e Recurso Especial, pág. 83/84,alerta:

Por outras palavras, a simples situação de sucumbência, de prejuízo, quebasta ao exercício dos recursos comuns, não é suficiente para embasar osde índole excepcional, que ainda requerem o implemento de um plus, nocaso a existência de uma questão constitucional, ou federal, conforme setrate do extraordinário ou do especial, respectivamente.

E ainda:

Esse mesmo requisito – da definitividade da decisão recorrida – aplica-se aorecurso especial, porque, embora o STJ não seja o ‘ápice’ da estruturajudiciária brasileira, ele é certamente a terceira – e na maioria dos casosserá a última – instância; o recurso especial não é comum, e também o STJ,como o STF, não é Corte para reexame do ‘justo’, nem para a revisão deprova. Então, compreende-se que o ‘controle da inteireza positiva do direitofederal’, a cargo do STJ, só venha a ser exercido diante de casosdefinitivamente esgotados nos graus judiciários precedentes. Certo, assim,o magistério de Vicente Greco Filho: ‘Só cabe recurso especial se foramesgotados os recursos ordinários, inclusive os embargos infringentesperante os Tribunais, se cabíveis, de modo que a parte não pode abandonarou deixar de utilizar os recursos ordinários para querer, desde logo, interporo especial’.De modo que, como corretamente observa Almeida Santos, para desafiarrecurso especial ‘a causa deve estar decidida em única ou última instância,não se tolerando recurso especial de acórdão embargável (embargosinfringentes) ou do qual deixou a parte vencida, por votação comdiscrepância, de interpor os embargos infringentes cabíveis, salvo,naturalmente, se a matéria do recurso especial contiver-se no âmbito davotação uniforme. (pág. 77).

O instituto do prequestionamento, consagrado na Súmula 282, doSupremo Tribunal Federal, foi recepcionado pelo Superior Tribunal de Justiça comopressuposto essencial para a admissibilidade do Recurso Especial.

A doutrina, aqui representada por Vicente Greco Filho, apresenta oseguinte entendimento:

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Somente é admissível o recurso especial se a matéria foi expressamenteexaminada pelo tribunal, ou seja, foi prequestionada. O requisito doprequestionamento, que é da tradição do direito brasileiro em matéria derecursos aos Tribunais Superiores, está consagrado pelas Súmulas 282 e356 do Supremo Tribunal Federal, que eram relativas ao recursoextraordinário, mas que continuam adequadas ao recurso especial e aopróprio recurso extraordinário. O prequestionamento refere-se à matériaobjeto do recurso e, também, ao fundamento da interposição. Não épossível, portanto, a apresentação de matéria ou fundamentos novos, pormais relevantes que sejam, que não tenham sido objeto de exame expressona decisão recorrida do tribunal a quo. (in Direito Processual Civil Brasileiro, 9ªed., São Paulo: Saraiva, 1995, v.2, p.323/324).

E a jurisprudência pátria aponta neste sentido, como demonstra oAcórdão abaixo transcrito, que teve por Relator o Ministro José Augusto Delgado, doSuperior Tribunal de Justiça, verbis:

Certo é que não se deve exigir o prequestionamento com muito rigor, pois,em casos excepcionalíssimos, especialmente nas questões que possam serconhecidas, por expressa disposição legal, em qualquer tempo ou grau dejurisdição, é de atenuar-se o seu rigor, bem como parece constituir exagerosdo formalismo a indicação expressa do artigo de lei, para aperfeiçoar-se oprequestionamento, e a necessidade de oposição de embargosdeclaratórios, para tornar explícito o que, de modo implícito, está contido noacórdão recorrido.(STJ – Ac. Unân. da 1ª Turma, public.DJ: 18/12/89, Rec.Esp.294/SP, Rel. Min. JoséDelgado).

Nota-se, deste modo, que tanto a doutrina como a jurisprudênciaposicionam-se numa vertente menos rigorosa no que diz respeito à questão doprequestionamento, pois, outrora, exigia-se que este fosse claro e induvidoso, mencionando-se, inclusive, artigos de lei. Atualmente, como demonstrado acima, admite-se oprequestionamento implícito, ou seja, basta que o acórdão vergastado tenha decidido pelaaplicação ou não da norma legal mencionada no recurso.

Quanto à tempestividade, frise-se, inicialmente, que de acordo com oque dispõe o art. 18, II, h, da Lei Complementar nº 75/93, abaixo transcrito, a intimação dosmembros do Ministério Público da União será feita pessoalmente nos autos.

Art. 18. São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União:(...)II – processuais:(...)h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e graude jurisdição nos feitos que tiver que oficiar.

Por outro lado, o art. 1.003 do CPC vigente estabelece que o prazopara a interposição do Recurso Especial é de 15 (quinze) dias. Recebidos os presentes autosem 18/11/2016 (fl. 2016), tempestivo, pois, o Recurso Especial em tela.

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Assim, observa-se a presença dos pressupostos genéricos e específicosrecursais, e, quanto a estes últimos, nota-se que o Acórdão atacado foi proferido em últimainstância pelo Tribunal Regional Federal – 5ª Região.

V - DO MÉRITO

A Constituição Federal no seu art. 105, III, ao estabelecer as hipótesesde cabimento do Recurso Especial, destina a sua alínea “a” à decisão que contrariar tratado oulei federal, como é o caso em questão. E essa contrariedade também traz consigo o significadode negação de vigência e equivocada interpretação da lei.

V. 1 – DA OFENSA AOS ARTS. 41 E 395, AMBOS DO CPP

A Denúncia, peça inaugural da Ação Penal deve ser redigida de modoa atender a alguns requisitos estabelecidos em lei, visando, precipuamente, permitir aodenunciado identificar o fato delituoso pelo qual está sendo acusado.

Dispõe o art. 41, do Código de Processo Penal o seguinte:

Art.41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, comtodas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentospelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quandonecessário, o rol das testemunhas.

A partir da leitura do texto legal acima transcrito, identifica-se que aDenúncia deve atender aos seguintes requisitos mínimos: exposição do fato criminoso;qualificação do acusado, classificação do crime e rol de testemunha, se possível.

In casu, este Parquet Federal vai se debruçar acerca da “exposição dofato criminoso”, questão que foi objeto de irresignação do ora Recorrido quando daimpetração do Habeas Corpus.

Conforme nos ensina Eugênio Pacelli e Douglas Fischer4 a exposiçãodo fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, “tem por objetivo a satisfação doprincípio da ampla defesa. A preocupação é com a descrição completa do fato, com ainclusão de todas as elementares do tipo, bem como de suas circunstâncias.”. Assim, precisaa exordial acusatória descrever os fatos tidos por delituosos, narrando-os com todos oselementos até então apurados na fase de investigação, para que o denunciado possadesenvolver sua defesa.

E o art. 395, do Estatuto de Ritos Penais prescreve:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da açãopenal; ou

4 In Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, 7ª ed.

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III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Por outro lado, sabe-se que a ordem de habeas corpus para trancaração penal, por falta de justa causa, só é concedida quando evidenciada de plano.

Julio Fabbrini Mirabete esclarece que a ausência de justa causa tem derestar “... evidenciada pela simples exposição dos fatos com o reconhecimento de que háimputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente aacusação. ... Há constrangimento ilegal quando o fato imputado não constitui, em tese, ilícitopenal, ou quando há elementos inequívocos, sem discrepâncias, de que o agente atuou sobuma causa excludente de ilicitude. Não se pode, todavia, pela via estrita do mandamus,trancar ação penal quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado e valorativoda prova dos autos.”(in Código de Processo Penal Interpretado, 11ª edição, pág.1705).

Em que pese os judiciosos argumentos dos i. DesembargadoresFederais do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, entende este representante ministerialque o Acórdão recorrido merece ser modificado. Veja-se.

O Tribunal a quo determinou o trancamento da Ação Penal n.º0004073-09.2016.4.05.8300 sob o argumento de “nítida carência de maiores elementos aautorizarem um juízo, ainda que inicial, sobre a autonomia da prática do crime deorganização criminosa, calcando-se as acusações descritas na exordial em fatos que, emtese, mereceriam ser descortinados em ação buscando elucidas a eventual prática do crimede lavagem de dinheiro.”.

Com as devidas vênias, bem se vê que o julgamento do HabeasCorpus se deu de forma precipitada, eis que, ao que parece, a exordial acusatória da AçãoPenal n.º 0004073-09.2016.4.05.8300 não foi devidamente analisada pela Corte Regional.

Para justificar a afirmação acima, transcrevo alguns excertos daDenúncia, em que resta evidenciada a descrição do crime de organização criminosa praticadopelo Paciente, ora Reco rrido, verbis:

02. Desde meados do ano de 2010, JOÃO CARLOS LYRA PESSOA DEMELO FILHO, EDUARDO FREIRE LEITE e APOLO SANTANA VIEIRAassociaram-se estável e ordenadamente com o fito de praticar crimes,concentrados nesta capital pernambucana, liderando uma organizaçãocriminosa com o objetivo de obter lucro mediante a prática de agiotagem e oescamoteamento da origem e do destino de capitais, incluindo verbasoriundas de superfaturamento em obras públicas, envolvendo o pagamentode propinas a agentes políticos e funcionários públicos.

[…]

07. Na organização criminosa em exame, JOÃO CARLOS LYRA PESSOADE MELO FILHO, EDUARDO FREIRE LEITE e APOLO SANTANA VIEIRAcomportavam-se como líderes, tendo em vista deterem o controle dasmovimentações financeiras espúrias perpetradas nas contas bancárias daspessoas físicas e jurídicas ligadas ao grupo criminoso. Com efeito, cada um

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dos líderes construiu em torno de si uma rede de indivíduos e empresas sobseu controle ou influência, servindo-se dessa rede para circularizar e avultaro capital que eles próprios haviam investido num primeiro momento, comações de agiotagem e lavagem de dinheiro.

[…]

II.1.3) APOLO SANTANA VIEIRA

40. Terceira peça fundamental na formação do grupo criminoso e da redede contatos para a prática dos ilícitos em comento, APOLO SANTANA,dono de duas embarcações e um automóvel, possui uma extensa rede depessoas jurídicas sob seu controle fático (ainda que conste formalmentecomo acionista) e de pessoas físicas sob sua influência (as quais APOLOindicava para compor os quadros societários e o corpo diretor das empresaspor ele comandadas). Assim, também controlava as movimentações debranqueamento de recursos através das contas de várias pessoas físicas ejurídicas investigadas, sendo inclusive autor mesmo de diversas operaçõesfinanceiras suspeitas, além de praticar agiotagem com os recursos“lavados”, a fim de incrementar o lucro que possuía com a empreitadacriminosa levada a cabo junto com JOÃO CARLOS LYRA e EDUARDOBEZERRA.

[…]

42. Ademais, houve uma intensa movimentação financeira entre empresascontroladas por APOLO VIEIRA e empresas controladas por JOÃOCARLOS LYRA e EDUARDO BEZERRA LEITE, como será melhordetalhado adiante.

E a Denúncia relata vultuosas operações financeiras envolvendo osDenunciados, incluindo o Recorrido, com empresas de fachada, verbis:

43. As pessoas físicas da organização criminosa subordinadas a APOLOSANTANA eram DIANA MARGARIDA FERRY VIEIRA, BRUNOALEXANDRE DONATO MOUTINHO, PAULO GUSTAVO CRUZ SAMPAIO,CAROLINA GOMES DA SILVA e SILVÂNIA CRISTINA DANTAS, havendosido indicados por ele para trabalharem em diversas funções nas empresasdo conglomerado e reportando-se a ele hierarquicamente, pelo poder degestão que ele detinha sobre as empresas.

44. O conglomerado empresarial controlado por APOLO SANTANA écomposto, dentre outras, pelas seguintes pessoas jurídicas, ligadas àorganização criminosa ora denunciada: ASV HOLDIND S/A, MSPESCADOS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO S/A,D'MARCAS COMÉRCIO LTDA – ME, GATEWAY PARTICIPAÇÕES LTDAe REFIN INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES EMPRESARIAIS LTDA,DELPHOS HOTEIS TURISMO S/A, BANDEIRANTES DISTRIBUIDORA DEPNEUS LTDA, BANDEIRANTES RENOVADORA DE PNEUS S/A, BR PARPARTICIPAÇÕES S/A (atualmente denominada BR HOLDING S/A),SMARTCRED SECURITIZADORA DE CRÉDITOS, SPE HORIZONTE &PARTICIPAÇÕES S/A, NORCRED SECURITIZADORA DE CRÉDITOS S/A,AM DE PONTES PNEUS LTDA, TONIMAR ARAÚJO RIBEIRO, WESTPNEUS e NEGOCIAL FACTORING FOMENTO MERCANTIL.

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E segue, a peça exordial acusatória, descrevendo como funcionava aorganização criminosa e, para viabilizar o esquema criminoso, a função que cada Denunciadoexercia na dita organização, que foi subdividida em quatro grupos, a saber: os Líderes(posição ocupada pelo Recorrido); os Gerentes; os Colaboradores e os Subordinados.

Como pode uma Denúncia, com tanta riqueza de detalhes, ser tida porinepta? A peça inaugural descreve inúmeros fatos atribuídos aos Denunciados, inclusive aoRecorrido, demonstra a expressiva movimentação financeira entre eles e as empresas defachada, restando muito claro do que estão sendo acusados de modo a permitir facilmente oexercício da defesa por parte dos Denunciados.

Numa persecução penal, envolvendo organizações criminosasdedicadas à prática de vários delitos, é muito trabalhoso conseguir desmantelar a quadrilha emrazão das peculiaridades próprias desse tipo de delito, pois envolve várias pessoas, e há umadivisão de tarefas, tornando a fraude cada vez mais sofisticada, e em geral há a presença dopoder econômico e/ou político.

Saliente-se, ainda, que a instrução criminal está apenas no início. Osatos instrutórios úteis à elucidação da prática delituosa ou não por parte do Recorrido aindaestavam pendentes. Os fatos narrados no writ ainda se encontram controvertidos, demandandomelhor análise pelo julgador.

Não se sustenta a tese defendida pela Segunda Turma, do TribunalRegional Federal da 5ª Região, de ausência de justa causa para o início de uma persecuçãopenal em virtude da Denúncia imputar apenas “a prática do crime de organizaçãocriminosa”. O próprio Acórdão recorrido admite a “independência de instâncias entre asinvestigações dos delitos de lavagem de dinheiro face aos chamados crimes antecedentes”.Se a Denúncia descreveu minudentemente como funcionava a organização criminosa,estabelecendo o liame subjetivo que unia seus integrantes e apontando inúmeras operaçõesfinanceiras realizadas entre seus componentes e empresas de fachada, não há motivos paraobstar a persecução penal em seu nascedouro.

Vê-se pois o quanto é prematuro trancar a Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300 ainda tão incipiente, pois há indícios mais que suficientes de autoria paradar início a uma persecução penal, não restando evidenciada de plano, a ausência de justacausa para dar continuidade ao processo. Para alcançar o fim almejado neste writ serianecessário que o Denunciado/Paciente, ora Recorrido, tivesse demonstrado a negativa deautoria ou a inexistência ou atipicidade dos fatos narrados na peça delatória. O que nãoocorreu. As condutas descritas constituem crime e há indícios de que o autor pode ser oRecorrido.

É inconveniente e contrário ao interesse público o trancamento daação penal tão prematuramente, pois nesta fase, deve vigorar o princípio da proporcionalidadecotejando-se qual o bem jurídico constitucionalmente assegurado merece, neste momento, serprotegido, se o do Paciente, ora Recorrido, de não se ver processado pela prática delitiva emquestão ou a sociedade que confia na justiça e quer ver apurado o fato e, se procedentes as

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acusações, seu autor devidamente condenado na forma da lei. É de clareza solar que osegundo interesse é prevalente

Verifica-se, assim, que há fortes indícios da participação do Recorridono delito em questão, que será apurada ao longo da instrução criminal da Ação Penal járeferida. Os argumentos invocados pelos Impetrantes, em favor do Paciente, ora Recorrido,necessitam de uma análise minuciosa dos elementos de prova que subsidiaram a acusação,análise esta incabível em sede de Habeas Corpus, pois tal instituto ampara o direito líquido,que se mostra estreme de dúvidas, inteiramente inequívoco, inconteste.

O habeas corpus só pode ser utilizado, excepcionalmente, como meioprocessual idôneo para o trancamento de inquérito policial ou da ação penal acaso provadas,de plano, a evidente ausência de autoria do crime ou a materialidade do delito, hipóteses estasque não restaram demonstradas nos autos.

Com muito bem ressaltou a Autoridade Impetrada, “é importantefrisar que, para concluir-se pela suposta prática do crime de organização criminosa, nãoprecisa estar evidenciada a materialidade e autoria incontestes dos demais crimessupostamente praticados pelos membros daquela, basta que exista uma estrutura ordenada,com funções bem definidas entre os integrantes, voltada à prática daqueloutros delitos. Porisso que esta ação foi instaurada, com o recebimento da denúncia por suposta prática decrime de organização criminosa, ainda que não exista denúncia por todos os demais crimessupostamente cometidos por essa aventada ORCRIM.”. (fl. 59)

E prossegue afirmando:

Para além da consabida independência do delito de organização criminosae da possibilidade de processamento autônomo de seus agentes, sem queno mesmo processo também sejam processados pelos demais crimes que aorganização criminosa se volta a praticar, no caso destes autos há, sim,descrição formal (e lastreada em provas materiais) da associaçãoestável e ordenada entre os denunciados, com especificação do papel quecabia a cada um deles, por isso classificados como líderes (“cabeças”) ougerentes (“testas de ferro”) ou subordinados (“laranjas”). (fl.60)

A Denúncia cuidou de especificar a função de cada Denunciado naorganização criminosa. Como dito, pelos documentos encartados neste feito, depreende-se, aomenos, em princípio, que a conduta do Paciente é aparentemente típica, motivo pelo qual seriaprecipitado o trancamento da Ação Penal, pois não constatada, de plano, a atipicidade daconduta. É que os argumentos que dizem respeito à inocência do Paciente devem serdeduzidos na Ação Penal e não no presente habeas corpus.

Marco Aurélio Nunes da Silveira, in A Tipicidade e o Juízo deAdmissibilidade da Acusação, Ed. Lumen Juris, já citado neste feito quando da emissão doParecer n.º 16157/2016, deste Parquet Federal, afirma que em sede de admissibilidade daacusação necessita-se apenas de um juízo de aparente credibilidade, as questões atinentes aomérito são afetas à instrução probatória. Veja-se:

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Com efeito, o juízo de admissibilidade da acusação, no tocante à“tipicidade aparente”, não se presta ao conhecimento de questões de mérito(se é matéria para instrução probatória, não se conhece no recebimento dadenúncia), mas, como referido supra, à demonstração, pelo autor, de que osfatos imputados gozam, aparentemente, de credibilidade suficiente paraserem considerados típicos. Exclui-se, portanto, a possibilidade de serarguir a não-satisfação da condição da ação “tipicidade aparente” napresença de uma excludente da culpabilidade.

E a jurisprudência dessa Colenda Corte de Justiça é uníssona nestesentido, como se pode conferir abaixo:

[...] HABEAS CORPUS. [...] TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DEJUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.NEGATIVA DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA.INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.[...]2. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus só é cabívelquando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, sejaem razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado,seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitivas, ou aindada incidência de causa de extinção da punibilidade.[…]4. A discussão aprofundada de autoria e materialidade do fato delituosodemanda revisão fático-probatória, o que é vedado na via estreita doremédio constitucional.5. Habeas Corpus não conhecido.(HC 201401029481, Nefi Cordeiro, STJ - 6ª Turma, DJE Data:29/06/2016)

HABEAS CORPUS [...]. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO POR INÉPCIA DADENÚNCIA POR MEIO DE HC. EXCEPCIONALIDADE. INICIALACUSATÓRIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS DO ART. 41 DOCPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. [...][…]5. O trancamento da ação penal (rectius; do processo), no âmbito dehabeas corpus, é medida excepcional, somente cabível quandodemonstradas a absoluta ausência de provas da materialidade do crime ede indícios de autoria (falta de justa causa), a atipicidade da conduta ou aexistência de causa extintiva da punibilidade.6. A denúncia apresenta uma narrativa congruente e individualizada dosfatos, possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.[...].(HC 200800864440, Rogerio Schietti Cruz, STJ - Sexta Turma, DJEData:29/06/2016)

Deste modo, toda e qualquer discussão acerca da existência ou não docrime ou da autoria delitiva deve ser debatida ao longo da instrução processual, nãocomportando tal exame na via estreita do habeas corpus. Quando do recebimento da denúncianão se pode exigir um juízo de valor, pois nessa fase inicial impera o princípio do in dubiopro societate.

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V. 2 – DA OFENSA AO ART. 2º, § 3º, DA LEI Nº 12.850/2013

Do mesmo modo, in casu, o Acórdão vergastado contrariou odisposto no art. 2 º, §3º, da Lei nº 12.850/2013, ao conceder a Ordem de Habeas Corpus paratrancar a Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300, sob o argumento de que esta Açãocareceria de maiores elementos a autorizarem um juízo, ainda que inicial, sobre a autonomiada prática do crime de organização criminosa, calcando-se as acusações descritas na exordialem fatos, que, em tese, mereceriam ser descortinados em ação buscando elucidar a eventualprática do crime de lavagem de dinheiro, consoante narrado na Ementa de fls. 178, in verbis:

Penal e Processo Penal. Habeas Corpus perseguindo o trancamento deação penal a imputar ao paciente, apenas a prática de crime de organizaçãocriminosa (artigo 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013), instaurada no âmbito dadenominada Operação turbulência, deflagrada com vista a apurar,essencialmente, a ocorrência do ilícito de lavagem de dinheiro.Denúncia que se comporta como se fosse abertura de uma instrução dentrodo inquérito.Conquanto a jurisprudência majoritária se incline pela independência deinstâncias entre investigações dos delitos de lavagem de dinheiro face aoschamados crimes antecedentes, no presente caso, encontra-se evidenciadaa precocidade de ação penal calcada, singelamente, na incursão do delitode organização criminosa, calcando-se as acusações descritas na exordialem fatos que, em tese, mereceriam ser descortinados em ação buscandoelucidar a eventual prática do crime de lavagem de dinheiro.Ordem de habeas corpus concedida, para trancar a ação penal.

Contudo, verifica-se que o Ilustre Desembargador Federal VladimirSouza de Carvalho, quando da prolação do seu Voto Condutor, não valorou adequadamenteos elementos de informação e demais provas cautelares, os quais serviram de lastro àpropositura da Ação Penal n.º 0004073-09.2016.4.05.8300, ao se pronunciar pelainsuficiência de provas concretas para subsidiar a autonomia da prática do delito deorganização criminosa, descrito no art. 2º, § 3º, da Lei n.º 12.850/2013, ante ao fato dasacusações descritas na Exordial Acusatória estarem calcadas, unicamente, na busca deelementos elucidativos da eventual prática do delito de lavagem de dinheiro (Lei n.º12.836/2013), imputado ao Paciente e aos demais denunciados no bojo daquela AçãoCriminal, conforme seguinte trecho, in verbis:

“(…) vejo uma distinção bem grande entre um inquérito policial e uma açãopenal. Há uma total liberdade de atuação, de investigação no inquéritopolicial e nós temos sempre votado aqui pelo não trancamento do inquéritopolicial. O inquérito policial é uma coisa e aqui estamos diante de umadenúncia. Segundo consta do relatório do eminente relator e do voto, étrancar uma ação penal pela falta desses crimes anteriores e, no voto, S.Exa., deixa bem claro que são ações criminosas supostamente praticadas; aexpressão. “supostamente” é utilizada duas vezes no voto, o que revela quenão há, atrás do cenário, nada de concreto, nada que possa servir, e peloque estou vendo, há uma denúncia e essa denúncia se comporta como sefosse a abertura de uma instrução dentro do inquérito e, nesse sentido,pedindo todas as vênias ao eminente relator, abro divergência e voto pelaconcessão da ordem.”

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Máxima vênia, não procedeu com acerto o Ilustre DesembargadorFederal responsável pelo Voto Condutor do Habeas Corpus em testilha.

Antes de mais nada, é de trazer-se à colação o comando inscrito noartigo 2º, §3º, da Lei nº 12.850/2013, o qual dispõe sobre a tipificação do delito deorganização criminosa, bem como sobre a agravante penal decorrente do exercício da funçãode comando dentro da cadeia delitiva desse crime de natureza coletiva, cuja definição de“organização criminosa”, doravante positivada, assenta-se no art, 1º, § 1º, daquele mesmotexto legal, in verbis:

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigaçãocriminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e oprocedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) oumais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão detarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ouindiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática deinfrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos,ou que sejam de caráter transnacional.

...omissis...

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou porinterposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penascorrespondentes às demais infrações penais praticadas.

...omissis…

§ 3º A pena é agravada para quem exerce o comando, individual oucoletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmenteatos de execução.

Nessa senda, a partir da vigência hodierna da Lei nº 12.850/2013, afigura da organização criminosa deixou de ser “apenas” uma forma de se praticar crimes parase tornar delito autônomo, punido com reclusão de 03 (três) a 8 (oito) anos, tendo em vista anecessidade do Estado em coibir com mais eficácia a crescente ação da criminalidadeorganizada, considerando seu elevado grau de nocividade à paz pública e às instituições doEstado Democrático de Direito.

Consoante mencionado, é o art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, quetraz o conceito de “organização criminosa”, com vistas a subsidiar propriamente aconfiguração do tipo penal do art. 2º, §2º, daquela mesa Lei.

Com efeito, as elementares tipificadoras do delito em espequeencontram-se descritas no art. 2º, da Lei nº 12.850/2013, as quais, com amparo nas lições deCésar Roberto Bittencourt e Paulo César Busato5, podem ser assim analisadas:

5 Comentário à Lei de Organização Criminosa: Lei nº 12.850/2013/Cezar Roberto Bitencourt; Paulo César Busato. - SãoPaulo:Saraiva,2014.

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a) Promover que significa organizar, estruturar, viabilizar, criar condições,dar suporte, levar a efeito, enfim, tornar possível ou efetiva a existência efuncionamento de uma organização criminosa. Nesse tipo deempreendimento criminoso, pode o participante contribuir – pessoalmenteou por interposta pessoa -, inclusive com fornecimento de armamento, demateriais de construção etc. A conduta promover significa, ainda, realizar,impulsionar ou fomentar a criação de organização criminosa estruturalmenteordenada, inclusive com divisão de tarefas;

b) Constituir significa criar, estruturar, formatar, dar forma ao grupamentocriminoso, em qualquer das modalidades elencadas. Constituir não deixa deser, de certa forma, sinônimo de organizar, ordenar, formatar a instituiçãocriminosa, ou em outras palavras, regularizar sua estrutura, engenharizar oformato adequado para otimizar seu funcionamento, ou pensar suadinâmica funcional, encontrando a melhor forma de atingir seus objetivos;

c) Financiar significa custear, sustentar, manter, arcar com os custos, ou aomenos compartilhar com os demais participantes, não apenasfinanceiramente, mas com toda e qualquer ajuda, material, moral e atépsicológica. Financiar, finalmente, pode significar também patrocinar oempreendimento criminoso ou bancá-lo para que possa ser colocado emprática.

d) Integrar, por sua vez, é fazer parte, agregar-se, juntar-se, associar-se, serum de seus membros, fundador ou não do grupo.

Ainda sob a égide do magistério de César Roberto Bittencourt ePaulo César Busato6, para que a atuação de 4 (quatro) pessoas ou mais possa ser tipificadasubjetivamente como crime de organização criminosa, exige-se dos autores a vontadeconsciente de organizar-se estruturalmente ordenados, associando-se a outras pessoas com afinalidade de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes graves (compenas superiores a quatro anos), criando vínculo associativo entre os participantes. O ânimoassociativo caracteriza-se pela vontade e a consciência dos diversos componentes deorganizarem-se em associação criminosa, de forma estruturalmente ordenada, inclusive comdivisão de tarefas para a prática indiscriminada de crimes graves, como meio de obtervantagem de qualquer natureza.

No tocante às elementares constitutivas do delito de organizaçãocriminosa, insta pontuar que a sua configuração reclama a existência de uma estruturaordenada que se caracteriza pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, caracterizando-se, geralmente pela presença de hierarquia estrutural, planejamento empresarial, uso de meiostecnológicos avançados, recrutamento de pessoas, divisão funcional das atividades, conexãoestrutural ou funcional com o Poder Público ou com pessoas integrantes da máquina estatal,oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades ilícitas, alto poder deintimidação, alta capacitação para a prática de fraude, conexão local, regional, nacional, ouinternacional com outras organizações. Observe-se que a divisão direcionada de tarefascostuma ser estabelecida pela gerência segundo as especialidades de cada um dos integrantesdo grupo, a exemplo do que ocorre com o roubo de veículos, em que um agente fica

6 Comentário à Lei de Organização Criminosa: Lei nº 12.850/2013/Cezar Roberto Bitencourt; Paulo César Busato. - SãoPaulo:Saraiva,2014.

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responsável pela subtração, e outros pelo “esquentamento” ou desmanche, falsificação dedocumentos e revenda, conforme pontuado por Renato Brasileiro de Lima7, em sua obra“Legislação Criminal Comentada”, no trecho que trata do art. 2º, Lei nº 12.850/2013.

Segundo as lições de Renato Brasileiro, quanto à elementarconsistente na “Finalidade de obtenção de vantagem de qualquer natureza mediante aprática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou decaráter transnacional”, para sua caracterização de uma organização criminosa, aassociação deve ter por objetivo a obtenção de qualquer vantagem, seja ela patrimonial ounão, mediante a prática de infrações penais com pena máxima superior a 4 (quatro) anos,ou que tenham caráter transnacional – neste caso, pouco importa o quantum de penacominado ao delito -, sendo indiferente que as infrações penais sejam (ou não) da mesmaespécie.”; ou seja para a caracterização do delito de crime organizado a lei não restringe ostipos penais que sejam praticadas pela organização criminosa, vez que a mens legis visa coibiro desenvolvimento de estruturas organizacionais, dotadas de uma sofisticada estruturahierárquica e material, tendo por objeto de atuação a prática de delitos de natureza grave,pondo em risco a paz social e o próprio Estado Democrático de Direito, mormente a elevadacapacidade ostentada por essas de organizações criminosas de cooptar ilicitamente com amáquina Estatal, ferindo os mais caros interesses da coletividade.

Dessa forma, a essência medular da infração penal de organizaçãocriminosa reside na finalidade de obter vantagem de qualquer natureza mediante a prática decrimes que a caracteriza. Trata-se, a rigor, de um fim coletivo, e, como tal, tem naturezaobjetiva em relação a cada um e de todos os participantes.

Ademais, tratando-se de delito autônomo, conformesupramencionado, a punição da organização independe da prática de qualquer crime pelaassociação, o qual ocorrendo, gera concurso material (art. 698 do Código Penal), cumulando aspenas.

Reconhecendo a possibilidade de propositura de Ação Penal autônomapela prática de crime de organização criminosa, à luz da Lei nº 12.850/2013, trazemos oseguinte julgado proferido por essa Corte Superior, in verbis:

HABEAS CORPUS Nº 372.429 - MT (2016/0251249-3). RELATOR:

MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO. IMPETRANTE:

LEONARDO MORO BASSIL DOWER E OUTRO. ADVOGADO:

LEONARDO MORO BASSIL DOWER E OUTRO(S) – MT013914.

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO

GROSSO. PACIENTE : SILVIO CEZAR CORREA ARAUJO (PRESO)

7 Legislação Criminal Especial Comentada/Renato Brasileiro de Lima – Bahia: Editora Juspodvm, 2014.8 Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ounão, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicaçãocumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

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DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em

favor de SILVIO CEZAR CORREA ARAUJO, apontando como autoridade

coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. Consta dos autos

que o Juízo da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT acolheu a representação da

autoridade policial, ratificada pelo Ministério Público Estadual, decretando a

prisão preventiva do ora paciente, no curso de investigações acerca de

suposta organização criminosa voltada à prática de crimes contra a

administração pública e lavagem de dinheiro, dentro da "Operação

Sodoma" (e-STJ fls. 56/89).

[...]

- CRIMES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, CONCUSSÃO E LAVAGEM

DE DINHEIRO - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA - INSURGÊNCIA -

PROPALADA A AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA -

INSUBSISTÊNCIA - AMPLA E IDÔNEA INVESTIGAÇÃO A EVIDENCIAR

A INGERÊNCIA DO AGENTE EM SUPOSTO QUADRO DE CORRUPÇÃO

SISTÊMICA,

CONSISTENTE EM CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS COM O PODER

PÚBLICO EM TROCA DE PROPINAS - ROBUSTA PROVA INDICIÁRIA A

MERECER RESPALDO, MÁXIME EM SE TRATANDO DE

MACROCRIMINALIDADE

[...]

1. Descabe excogitar de ausência de indícios suficientes de autoria,

idôneos a lastrearem a prisão preventiva do coato, quando o material

coligido revela o produto de corpulenta investigação policial, que

sinaliza a sua possível ingerência no cenário delitógeno.

2. Faz-se irrespondível uma nova postura em relação à matéria

probatória subjacente a casos que envolvem a macrocriminalidade,

que demanda, para além do aperfeiçoamento de técnicas especiais de

investigação, o efetivo reconhecimento da prova indiciária como

substrato hábil ao desencadeamento dos aparatos investigativos, às

decretações de prisões cautelares e, eventualmente, à deflagração das

ações penas respectivas.

[...]

Em juízo de cognição sumária, não visualizo manifesta ilegalidade no

ato ora impugnado a justificar o deferimento da medida de urgência. O

decreto preventivo ressalta o suposto envolvimento do paciente com

organização criminosa, através da qual se teria adquirido de forma

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dissimulada uma propriedade urbana pelo valor de R$13.033.200,00

(treze milhões, trinta e três mil e duzentos reais), além da provável

prática de diversos relacionamentos espúrios do Estado de Mato

Grosso com determinadas empresas, incluindo pagamentos

milionários em dinheiro vivo de origem duvidosa. Foi, então,

deflagrada a "Operação Sodoma", com a investigação de diversas

tratativas imobiliárias fraudulentas. A esse propósito, o Ministério

Público estadual apontou que a organização criminosa estaria

tentando destruir provas do crime em apuração, pretendendo criar

documentos falsos para acobertar a verdadeira face criminosa dos

fatos, que versam sobre uma soma superior a R$13.000.000,00 (treze

milhões de reais). Há de se ressaltar o elevado valor da propina que teria

sido exigida pelo paciente a Willians Paulo Mischur, proprietário da

sociedade empresária "CONSIGNUM Programa de Controle e

Gerenciamento de Margem Ltda.", com o fim de manter o contrato firmado

entre tal sociedade e o Estado de Mato Grosso, que variou entre R$

500.000,00 e R$ 700.000,00. Não bastasse a gravidade concreta dos

delitos supostamente perpetrados pelo paciente e seus comparsas #

tratando-se de "verdadeira fortuna desviada [...] da sociedade mato-

grossense, em favor de poucos personagens, hoje milionários à custa

de falcatruas" (e-STJ fl. 71), presente ainda a pretensa periculosidade

da aventada organização criminosa, com "condições de perverter

empresários e servidores que porventura ainda não tenham resolvido

contar a verdade", mormente quando as testemunhas Willians Paulo

Mischur e Julio Minori Tsuji declararam terem sido ameaçados e

sentirem medo de represálias pela organização, inclusive em relação

aos seus próprios filhos (e-STJ fls. 77/78).

[...]

Ante o exposto, indefiro a liminar. [...]

(Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, 03/10/2016) (Grifos nossos)

Nessa senda, diversamente do que foi levantado pelo IlustreDesembargador Federal Relator do Voto Condutor (fls. 192), embora o Ministério PúblicoFederal tenha requisitado o desmembramento da Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300,com vistas à obtenção de provas complementares à corroboração do delito de lavagem dedinheiro por parte da organização criminosa descortinada naquela ação penal, talcircunstância não tem o condão de desqualificar os demais elementos informativos quelastrearam a propositura da denúncia do Paciente APOLO SANTANA VIEIRA pela práticado delito descrito no art. 2º, § 3º, da Lei nº 12.850/2013.

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Isto porque, os elementos informativos colhidos na fase inquisitorial,composto pela oitiva de testemunhas, provas judiciais cautelares, dentre elas gravaçõesobtidas mediante interceptações telefônicas e provas documentais, corroboram os fortesindícios de que o Paciente APOLO SANTANA VIEIRA, de fato, faz parte de um esquemadelituoso que atuava no estado de Pernambuco desde meados de 2010, voltado para a práticade movimentações financeiras espúrias a partir de contas correntes de diversas pessoas físicase jurídicas (muitas delas de fachada, constituídas em nome de “laranjas”), sempre com oobjetivo de escamotear a origem e o destino de capitais tidos como oriundos desuperfaturamento em obras pactuadas no contexto de relações estabelecidas com a Petrobras(objeto de ação penal que tramita perante a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, no âmbito da“Operação Lava Jato”), quando não vinculadas à Transposição do Rio São Francisco (objetodo IPL nº 0093/2014-SR/DPF/PE), de modo a alcançar agentes políticos e servidores públicosligados às referidas obras e visando ao pagamento de propinas, em tudo a apontar para aexistência de uma organização criminosa que se prestava a cometer vários delitos de lavagemde dinheiro decorrente de desvio de verbas públicas, quase todas, de origem federal, além decrimes contra o sistema financeiro nacional, a exemplo do delito de agiotagem.

Nesse passo, o fato de ter o Parquet requisitado a continuidade dasinvestigações no tocante à apuração complementar do delito de lavagem de dinheiro,possivelmente perpetrado pela organização criminosa em questão, não afasta a presença dofumus comissis delict, no tocante à configuração do crime de organização criminosa, o qual,além de possuir contornos legais autônomos, teve sua materialidade e autoria delineadas,ainda que em caráter indiciário, por meio do conjunto probatório formado na fase Policial.

Ademais, a acusação formulada por este Parquet em desfavor do oraPaciente e demais Réus da Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300, pela prática do crimede organização criminosa, embasou-se na presença de fortes indícios da prática de outrosdelitos, além do crime de lavagem de dinheiro, possivelmente perpetrados pela engrenagemcriminosa em questão, dentre os quais destacam-se a possível prática de crimes contra osistema financeiro nacional e desvios de recursos públicos federais, como bem pontuou oMinistério Público Federal, em seu Parecer de fls. 137/160, ofertado em segunda instância,cujo trecho citamos abaixo:

Para completar, não se perca de vista que o delito de lavagem de dinheiroconstitui apenas um dos vários crimes supostamente praticados pelaorganização criminosa, aqui tida como responsável, como se sabe, pelocometimento de delitos contra o sistema financeiro nacional, a exemplo docrime de agiotagem, isso para não falar no suposto envolvimento comdesvios de recursos públicos federais e pagamentos de propina a políticos,objeto de outras investigações e ações penais, o que só vem a colocar emxeque a argumentação trazida na presente impetração, ao insistir na relaçãode prejudicialidade entre a imputação do crime do art. 2º da Lei nº12.850/2013 e o delito de lavagem, olvidando-se dos outros delitos quefaziam parte do espectro de atuação do grupo criminoso.

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Corroborando a tese ministerial, trazemos à baila o Voto vencido,proferido pelo Ilustre Desembargador Relator Convocado Ivan Lira de Carvalho (fls.169/170):

A peça acusatória, além de trazer precisa qualificação dos denunciados e aclassificação penal, descreve o fato típico e atribui a cada um dos agentesali nominados suas específicas condutas na empreitada criminosa a elesimputada, permitindo-lhes o exercício da ampla defesa e do contraditório,pelo que não prospera a alegação de inépcia da denúncia.

Acrescente-se não ser prescindível, para a imputação pelo crime deorganização criminosa, trazer a peça acusatória igualmente o delito delavagem de dinheiro, para o qual o órgão ministerial pretende envidarmaiores diligências, notadamente quando se observa um elenco deações criminosas supostamente praticadas pela organizaçãocriminosa, destacando-se o ânimo de desviar recursos públicosfederais destinados a obras de transposição do Rio São Francisco,supostamente adotando como modus operandi fraudes em licitaçõescom superfaturamento, e eventuais cometimento de crime deagiotagem, com possível enquadramento na Lei nº 7.429/1986, quetrata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, ou de lavagemde dinheiro, ainda que a peça acusatória, em sua cota introdutória, noticieainda haver elementos que devem ser investigados para melhor elucidar oenvolvimento dos investigados com essas duas últimas condutas, a serobjeto de nova manifestação do órgão ministerial em desfavor dos mesmos,onde se inclui o ora paciente. (Grifo nosso)

Da análise dos autos, portanto, constata-se a presença dos requisitosautorizadores do prosseguimento da Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300, mormente aadequada narração dos fatos descritos na exordial acusatória, os quais guardam consonânciacom o conjunto probatório lastreado àquele feito, que indicam a presença de fortes indícios daprática do delito de organização criminosa, capitulado no art. 2º, §3º, da Lei nº 12.850/2016,imputado ao ora Paciente.

Assim, tendo presente que o Acórdão recorrido valorizouinadequadamente a prova produzida, estando a merecer reforma por parte desse EgrégioTribunal Superior.

Nesse diapasão, não deve prosperar o entendimento esposado noAcórdão vergastado, que decretou o trancamento da Ação Penal nº 0004073-09.2016.4.05.8300, proposta pelo Parquet Federal, ao se pronunciar, data maxima venia,equivocadamente, pela insuficiência de provas concretas para subsidiar a autonomia daprática do delito de organização criminosa, descrito no art. 2º, § 3º, da Lei nº12.850/2013, ante ao fato das acusações descritas na Exordial Acusatória estaremcalcadas, unicamente, na busca de elementos elucidativos da eventual prática do delitode lavagem de dinheiro, (Lei nº 12.836/2013); o que se deu apenas por erro na valoraçãodos elementos de convicção dos autos, os quais, aliás, como se percebe dessas Razões deRecurso Especial, são uníssonos em apontar para os indícios da caracterização damaterialidade e autoria do delito em foco na conduta do Paciente. Constata-se, pois, que o

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referido decisum procedendo desta forma contraria e nega vigência a dispositivos de LeiFederal, razão pela qual deve ser provido este Recurso.

Constata-se, dessa maneira, que o referido Decisum procedendo destaforma contraria e nega vigência a dispositivo de Lei Federal, qual seja, o art. 2º, § 3º, daLei nº 12.850/2013.

Claro está, portanto, o cabimento do presente Recurso Especial, eisque, ao negar aplicação dos comandos legais citados, o Acórdão atacado passou a integrar orol das decisões que devem ser reformadas por força do que dispõe o art. 105, III, “a”, daConstituição Federal.

VI - CONCLUSÃO

Por todo o exposto, demonstrado à saciedade o desacerto do Acórdãofustigado, requer este representante do Ministério Público Federal que seja ADMITIDO opresente Recurso Especial, e que lhe seja dado PROVIMENTO, para o fim de reformar oDecisum recorrido que promoveu o trancamento da Ação Penal n.º 0004073-09.2016.4.05.8300.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Recife, 29 de novembro de 2016.

JOAQUIM JOSÉ DE BARROS DIASProcurador Regional da República

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