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Apresentação

Este livro visa oferecer uma visão global dos nossos modelos de santidade marista. Até o presente, muito se publicou sobre as nossas causas, mas nada ainda que permita um conhecimento de conjunto de tais causas, da sua natureza e mesmo do seu número.

O livro versa dois temas que se alternam. O primeiro é uma reflexão acerca da santidade em geral e das exigências da Congregação para as causas dos santos ao longo do percurso até a canonização.

O segundo tema, muito mais importante, apresenta os nossos modelos de santidade marista, que são os confessores: Marcelino, Francisco, Alfano, Basílio; em seguida comparecem os nossos numerosos mártires, pouco conhecidos, mas tão tipicamente maristas. As últimas páginas dão lugar também aos Irmãos cuja causa não foi introduzida e que são considerados com atenção e reconhecimento por muitos Irmãos, como o Irmão Chris Mannion, o Irmão Estevão Ruesa, os quatro Irmãos de Bugobe e os nossos mártires da China, ademais do Irmão Marie-Nizier, amigo íntimo de são Pedro Chanel, e que segue na frente de todo este grupo.

A descoberta dos nossos modelos vai levar-nos à ação de graças: Deus, realmente, abençoou a nossa Congregação. Compreendemos que esses modelos não são senão a ponta do iceberg da santidade marista. Na humildade do cotidiano, o Espírito de Deus está em atividade e muitos Irmãos, leigos maristas, antigos alunos e alunos dizem sim a este Espírito que cria os santos.

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Por fim, estas páginas podem também ajudar-nos a rezar com esses Irmãos que nos precederam no caminho marista em que hoje andamos. Eles nos recordam isto: fazer-se Irmão é comprometer-se a se tornar santo.

Janeiro de 2010.

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Índice das matérias

Apresentção2

M. Champagnat, fundador 5

Ir. Francisco Gabriel Rivat 20

Ir. Alfano, Joseph Carlo Vaser 30

Ir. Basilio Rueda Guzmán 42

Ir. Lycarion 61

Bernardo Fábrega Juliá 66

A noite dos mártires: Laurentino etc. 76

El grupo del H. Crisanto154

Os nossos mártires de Las Avellanas 155

Os Irmãos da comunidade de Toledo 163

Os nossos Irmãos mártires de Valencia171

Os Irmãos mártires da comunidade de Vich 179

O Irmão José de Arimatea 184

Irmão Aureliano 190

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Irmão Guzmán e confrades de Málaga 194

Os nossos mártires de Madrid 197

Os quatro mártires de Chinchón 211

Três violetas : os mártires de Torrelaguna 215

Os nossos Irmãosde Villalba de la Sierra 220

Vítimas nossas de Cabezón e de Carrejo 225

Um túmulo: 60 mártires, Barruelo de Santullán 230

Um mártir fora de série: Irmão Benedicto Andrés 233

Os Irmãos Valente José e Eloy José 236

Morrer juntos, mestre e discípulo: Ir. Millán 240

A morte de um humilde : Irmão Luis Firmín 244

Roupeiro, jardineiro e pedreiro testemunham o Cristo 247Irmão Pablo Daniel 252

A causa do Irmão Eusebio e 58 outros confrades 256

Os nosos Irmãos da Oceania 272

Os nossos mártires da China 279

Irmão Henri Vergès 342

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Os nossos Irmãos da África 352

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MARCELINO CHAMPAGNATFUNDADOR DOS PEQUENOS IRMÃOS DE

MARIA

A descoberta do homem de coração sem fronteiras1

Você tem nas mãos a vida de um homem sem fronteiras: Marcelino Champagnat. Boa ocasião para você achegar-se a ele, tornar sua a pessoa dele, com o seu espírito, com a sua missão e coração.

É convite para você acolher a vida e a mensagem dele como

novo ideal. Para você descobrir o jeito de Deus num homem de carne e osso como você e como eu. Ele deixou marcas, porque se entregou nas mãos amorosas de Deus; porque soube estar aberto às necessidades do tempo; porque soube responder com audácia ao projeto de Deus em sua vida; porque arriscou sem medo, porque construiu sobre a rocha, porque buscou sempre a vontade de Deus.

É risco, porque você não sabe até que ponto vai ser levado. A vida dele é um tesouro, que estamos chamados a compartilhar como dom e graça do Senhor, vida que nos vai interpelar e questionar para não ficarmos indiferentes perante o mundo, como se tudo já estivesse feito. A vida de Marcelino é para cada um de nós uma aventura, porque estamos chamados a revivê-la criativamente.

1 Ir. Alberto Arrieta Garcia : Marcelino Champagnat, coração sem fronteiras, pp. 7-9.

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É ideal, porque é evidente que depois que você descobrir esse homem, ele vai comunicar-lhe o seu ideal. Você terá o coração transbordante de esperança e coragem. Marcelino é homem que transmite coragem e energia. Dá vontade incrível de parecer-se com ele, pelo menos parcialmente. Depois de conhecê-lo, você vai gostar dele, porque o coração e os gestos dele cativam e criam laços de amizade.

É convite que faço a você: chegue mais perto desse homem, que é Amigo, porque a felicidade dele é estar junto com as crianças e jovens, porque convive na simplicidade. Marcelino é educador pela presença e pelo amor: sempre com as crianças no coração. Para educar é preciso ter amor e passar muito tempo no meio das crianças e dos jovens.É Apóstolo, porque a paixão da vida dele foi tornar Jesus conhecido e amado: Não posso ver uma criança sem desejar dizer-lhe quanto Deus lhe tem amor. Foi uma resposta concreta a tanta ignorância religiosa da juventude do seu tempo. Foi daí que nasceram todas as escolas que fundou para educar cristãmente as crianças pobres da zona rural.É Pai e Fundador: Pai de irmãos, fundador dos Pequenos Irmãos de Maria, simples e pobres: nascidos dos braços da Boa Mãe, porque Ela é que tudo fez entre nós. Somos propriedade de Maria; por isso temos o nome dela.

Quando entra, todos os olhares se voltam para ele. Há um delírio de jubilo indescritível. Todos se levantam instantaneamente, como um só homem. Descontraem-se os semblantes, todas as fisionomias traduzem felicidade. A comunidade em peso volta-se para ele e exclama: “É o padre Champagnat, nosso bom pai!” (Cf. Vida, Ed. Do Centenário, p. 135)

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Gosta de ficar junto dos seus irmãos e os ama com extremos de ternura. “Sabem que só vivo para vocès; não há nenhum bem verdadeiro que eu não peça diariamente para vocês e que eu não esteja disposto a conseguir às custas dos maiorres sacrifícios”. (Vida, 41).É Santo porque fez a experiência de Deus na sua vida; Deus pôde atuar na historia por meio dele. A generosidade e a disponibilidade de Marcelino foram a resposta ao convite do Senhor.

A experiência de sentir-se guiado pelo Espírito e cativado pelo amor de Jesus e de Maria para com ele e para com os outros e, ainda mais, a sua abertura aos acontecimentos do seu tempo (C.2) fazem de Marcelino um santo para hoje, para cada um de nós, que lhe temos profundo amor, e para a Igreja, que reconhece e confirma a sua santidade e no-lo propõe como modelo, como vereda de santidade no início do novo seculo. Marcelino Champagnat, homem sem fronteiras para os cristãos. Marcelino Champagnat, ideal evangélico de vida para nossos dias. Marcelino Champagnat, santo para os dias de hoje. Faça por descobri-lo e seguir-lhe as pegadas.

Os grandes momentos da vida

Em 20 de maio de 1789, nasceu na aldeia de Rosey, Marlhes, França. No batismo recebeu o nome de José Bento Marcelino.Em 1805, Marcelino entrou no seminário menor de Verrières, aos dezesseis anos. Um sacerdote que procurava jovens para o seminário lhe havia dito: “Tu deves fazer-te sacerdote, Deus o quer”. As palavras de que “Deus o quer” será a força do jovem Marcelino em todas as dificuldades.

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Em julho de 1816, ele é ordenado sacerdote em Lião, França. Em 12 de agosto, como coadjutor ou vigário, chega a La Valla.Em 28 de outubro foi chamado à cabeceira do jovem Montagne, adolescente que ignorava quase tudo de Deus e que morreu pouco depois. Marcelino leu aí o sinal que Deus lhe dava para que fundasse os Irmãos.Em 2 de janeiro de 1817, fundou a Congregação em La Valla.Em 1824, ele construiu l’Hermitage.Em maio de 1825, a comunidade se estabeleceu em l’Hermitage.Em fins de dezembro de 1826 e janeiro de 1826, Marcelino adoeceu gravemente. O ano foi de grandes provações: Courveille e Terraillon, dois sacerdotes, deixaram l’Hermitage; Jean Marie Granjon, primeiro Irmão, abandonou a vocação; Marcelino enfrentou a doença, as dívidas, o desânimo dos Irmãos. Encontrou grande apoio no Irmão Estanislau, cujo devotamento salvou o Fundador e a jovem Congregação.Em 1836 e 1838, fez diligências em Paris para a autorização legal da Congregação.Em 1839, aconteceu a última doença do Fundador.Em 6 de junho de 1840, de madrugada, morreu em l’Hermitage. Fez preceder a sua morte da leitura do testamento espiritual, jóia de afeição e sabedoria. Ele deixou a Congregação com 300 Irmãos, 50 escolas, 7000 alunos e grande ambição apostólica: “Todas as dioceses do mundo entram nos nossos planos”.Em 1889-1891, houve o Processo ordinário, em Lião.Em 1920, o papa Bento XV decretou a heroicidade das suas virtudes. Em 29 de maio de 1955, foi beatificado pelo papa Pio XII.

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Em 18 de abril de 1999, o papa João Paulo II canonizou-o.

Cinco episódios da sua vida

1– A casa partilhada. A direção da casa dos Irmãos absorvia tempo considerável de Champagnat. Ai passava os seus recreios e todo o tempo livre de que dispunha em seu ministério sacerdotal. Convenceu-se, porém, de que isto era insuficiente, pois os seus Irmãos eram apenas noviços na vida religiosa e no magistério, e necessitavam a toda a hora da sua orientação e dos seus conselhos. Muita coisa faltaria, enquanto não se pusesse à frente de sua comunidade. Essas razões e, mais ainda, o afeto que votava aos Irmãos, decidiram-no a morar com eles.

Falou com o pároco, que tudo fez para demovê-lo: “Que fará você, disse ele, no meio desses jovens? São bons e piedosos, sem dúvida, mas rudes e pobres, incapazes de assisti-lo e de preparar-lhe a comida”. As alegaçãos, mesmo verdadeiras, não influíram absolutamente no ânimo de Champagnat. Bem sabia que, vivendo em comunidade, deveria suportar a pobreza, a vida regular, as privações e todos os sacrifícios da vida religiosa. Era exatamente por isso que desejava estar com os Irmãos. No seu entender, o melhor meio de afeiçoá-los à vocação, levá-los ao amor da pobreza, à vida regular e à prática de todas as virtudes do seu estado seria pôr-se à frente deles; unir sua sorte à deles, identificar-se com eles, dar-lhes o exemplo e ser o primeiro a praticar antes de ensinar. Além do mais, amava os Irmãos como filhos e o seu coração de pai lhe dizia que deveria ficar no meio deles, viver com eles e como eles. (Vida de Champagnat, edição do bicentenário, cap. 7, p. 71.)

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2– O trabalho partilhado. O Irmão Lourenço, no cartório civil Jean Claude Audras, um dos seus primeiros discípulos, fala-nos de Marcelino Champagnat com muita humildade.

“O nosso bom Pai, celebrava a missa sempre de madrugada. Era inimigo declarado dos preguiçosos. Ele levantava sempre muito cedo. Depois da missa, não perdia tempo. Gostava do trabalho manual ; não se poupava ; ele fazia sempre o trabalho mais penoso e mais perigoso. Foi ele que construiu a nossa casa de La Valla. Nós fazíamos, certamente, alguma coisa; mas como não éramos peritos como pedreiros, era preciso que, a todo o instante, nos mostrasse como fazer; às vezes, era preciso recomeçar. Deslocar alguma pedra muito pesada era sempre com ele; dois de nós a colocávamos nos seus ombros.

Ele nunca se incomodava pelo nosso pouco jeito no trabalho; por certo não nos faltava boa vontade, mas éramos muito canhestros. No entardecer, muitas vezes, ele chegava de roupa rasgada e todo coberto de suor e poeira; mas nunca era mais contente do que quando havia trabalhado e sofrido muito. Diversas vezes, eu o vi trabalhar em tempo de chuva e neve; nós abandonávamos o trabalho, mas ele continuava e quase sempre de cabeça descoberta, apesar do rigor da temperatura.

Nós éramos muito pobres no começo; o nosso pão tinha a cor da terra; mas nunca nos faltava o necessário. O nosso bom superior, como o mais terno dos pais, tinha grande cuidado de nós. Sempre recordo quão bem ele cuidou de mim, quando estive doente em La Valla. Ele me visitava todos os dias e sempre me trouxe algo para aliviar o meu estado.

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Com palavras de consolo, ele me animava a sofrer com paciência e por amor de Deus.

Quando nos falava da bondade de Deus e do seu amor por nós, punha certo acento de persuasão, para nos transmitir o fogo divino de que estava repleto, de modo que as penas e os trabalhos e todas as misérias da vida teriam sido incapazes de nos desanimar.

Ele tinha grande devoção à Santíssima Virgem, devoção que ele inspirava a todos; falava de Maria em todas as suas conferências. Sempre tinha algo que dizer em louvor desta boa Mãe. Queria que comungássemos em todas as suas festas e que a cultuássemos de forma toda particular. Dizia-nos muitas vezes: “Se a Sociedade faz algum bem, se o número de candidatos aumenta, é à Santíssima Virgem que devemos. É a esta boa Mãe que somos devedores de todo o progreesso que a Sociedade realizou desde o começo: sem ela nada teríamos conseguido”.

3– O pão partilhado.O Irmão Jean Pierre Martinol, diretor de Boulieu, Ardèche, em 1824 visitou La Valla. No dia seguinte, na sua despedida de madrugada, o venerado Pai lhe disse: “Como o Irmão cozinheiro ainda não levantou, tome este bolo que recebi como oficiante da missa solene; você o comerá pelo caminho, como almoço”. _ “Não, Padre, replicou o Irmão. Vou levá-lo aos meus Irmãos; nós o comeremos em comunidade com muita satisfação, porque tudo o que vem do senhor e da nossa casa-mãe de La Valla é doce, agradável e nos faz muito bem. Estou prazerosamente disposto a causar esta alegria aos meus Irmãos; estou certo de que os farei vibrar de contentamento e que na hora

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do almoço falaremos apenas do senhor e dos nossos confrades de La Valla”.

Encantado com tais sentimentos, o venerado Pai exclamou: Caro Irmão, assim você me faz chorar de alegria; esses são os sentimentos do espírito de família que deve animar a todos os Irmãos de Maria; conservemos com cuidado esses sentimentos e esse espírito que, assim, gozaremos em plenitude a felicidade da vida religiosa. (Avis, Leçons, Sentences. Edição de 1927, p. 321-322)

4– O castigo partilhado e negociado.Certo dia, na leitura espiritual, como eu houvesse feito barulho em colocar um quadro na minha estante, o mestre de noviços, algo incitado, certamente, por alguma travessura anterior, deu-me como penitência 1200 linhas para decorar.

Avaliando essa penitência muito injusta, assumi o risco de ir ter com o venerado Pai, para me safar da dificuldade. Chegado ao quarto, chorando eu lhe contei detalhadamente por que vinha visitá-lo. Depois de escutar-me com atenção, ele retirou uma folha de papel da gaveta, escreveu alguma linha, assinou e envelopou, apôs o seu selo e me entregou, recomendando-me de ser mais silencioso. Qual era o texto da linha? Ei-lo: Quitação de mil e duzentas linhas. Agradeci da melhor forma e levei o documento ao mestre de noviços. O bom Irmão, vendo a assinatura do venerado Pai, recebeu o pagamento com muito respeito e tudo terminou aí.Compreende-se que essa eqüidade, que era natural ao nosso Fundador, o garantia de qualquer parcialidade e lhe ganhava o coração, a afeição e a confiança de todos os Irmãos e de todos os que

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tratavam com ele. (Memórias do Irmão Silvestre, p. 303-304).

5– A vida partilhada. Eu vos peço também, meus queridos Irmãos, com toda a afeição de minha alma e por toda a afeição que tendes por mim, procederdes sempre de tal modo que a santa caridade se mantenha sempre entre vós. Amai-vos uns aos outros como Jesus Cristo nos amou. Que não haja entre vós senão um mesmo coração e um mesmo espírito. Que se possa dizer dos Pequenos Irmãos de Maria como dos primeiros cristãos: “Vede como eles se amam”. É o mais ardente voto de meu coração neste último momento de minha vida. Sim, meus caríssimos Irmãos, atendei às ultimas palavras do vosso pai, pois são as mesmas do nosso amado Salvador: “Amai-vos uns ao outros”. (In Testamento espiritual)

Contemplando Marcelino

1–Documento do 20° Capitula Geral Olhamos Marcelino como o filho olha o pai, aprendendo dele os valores essenciais, como se explicita em seguida. Um homem de fé, que vive na presença de Deus e

que nele vê o mundo; homem cativado por Jesus e por Maria, homem de oração, peregrino na fé, coração apaixonado por Deus.

Um pai que cuida dos Irmãos como filhos; homem cheio de vigor e de ternura, sabe cultivar a alegria e o bom humor, homem de coração paterno e materno.

Um pastor que escuta e acolhe as pessoas: apóstolo de coração ardente para anunciar a Boa Nova de Jesus; amigo das crianças e dos jovens; educador

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que sabe ser misericordioso e exigente; pessoa criativa e audaz; coração de apóstolo.

Um homem que vê além da sua época; abraça o mundo inteiro na sua visão e prepara missionários; alguém que vive o seu ideal com tal intensidade, que muitos querem ser como ele; em suma, homem de coração sem fronteiras.

2– Irmão Seán Sammon Cristo era a referência nuclear na espiritualidade do Fundador. A virtude marcante de Marcelino era a simplicidade. O seu jeito direto, entusiasta e confiante transpirava grande humildade. Nunca foi descrito como pessoa pretensiosa. A espiritualidade transparente de Marcelino expressava um critianismo prático, com o poder de nos transformar, assim como transformar o nosso mundo. (Uma Revolução do Coração.)

Apaixonado e pragmáticoQue herança Marcelino deixou aos seus Irmãos? Certamente não foi uma biblioteca de reflexões teológicas e religiosas. A sua herança consiste no coração generoso, na paixão pelo Evangelho de Jesus, no grande bom senso e na maneira prática de considerar a vida. Em palavras simples, ele foi homem de paixão e de ação.

A construção de l’Hermitage com os seus primeiros Irmãos permite que vejamos alguma coisa do caráter fogoso deste homem. A construção, levantada com pedras grosseiramente talhadas, revela as suas qualidades: força, determnação, constância. O local, no meio de jardins, campos e regatos cristalinos e as mudanças das estações da região, tudo sugere outros aspectos da personalidade: amor da vida, compaixão, compreensão.

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A alma de Marcelino era fogo que aquecia e iluminava. A sua acolhida era sempre calorosa; era homem de coração, cheio de afeto. Sem dúvida, foi essa paixão que fez dele a pessoa carismática que todos conhecemos, e não somente para os jovens que ele atraía naturalmente, mas também para todos aqueles que o encontravam. ( In Um Coração sem fronteiras)

3– Do Irmão Basilio Rueda.Quem foi Champagnat? Um homem que, de maneira dinâmica e com eficácia, soube escutar os apelos dos seus contemporâneos e do seu mundo. No coração aflito do Padre Champagnat ressoa a voz da ignorância religiosa com toda uma série de percalços, inibições e frustrações pessoais e sociais. Sobe aos seus ouvidos o clamor de uma pedagogia deficiente, isto é, maneiras infelizes de abordar as crianças e os jovens, com as seqüelas de cicatrizes e fracassos educativos conseqüentes.

Marcelino ouviu o grito da marginalização rural. Soube enxergar as necessidades e votar-se, de corpo e alma, a remediá-las.Marcelino soube aplicar a resposta. Fez-se eco ouvido por aqueles que seriam os seus discípulos e companheiros na Sociedade de Maria e na sociedade civil. Grande perito espiritual, soube sondar os corações e adivinhar, com ouvido atento, o murmúrio de Deus na alma dos jovens, para convertê-los em colaboradores da sua apaixonante aventura.

Enfim, ele soube formar os seus discípulos. Se considerarmos a matéria prima que usou, é preciso convir que os resultados não poderiam ser melhores. Desses jovens camponeses quase analfabetos, em

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poucos anos e quase sem meios, fez pedagogos intuitivos, educadores que sabiam fazer-se respeitar nos vilarejos. (Quemar la vida, p. 210-211.)

4– O olhar de IrmãoMarcelino, tu foste plantado no solo do evangelho. Vemos desabrochar em ti a conversão interior que transforma o ser humano na imagem de Cristo.

Marcelino, vemos crescer em ti a fé em Cristo que levanta o olhar até reconhecer no rosto dos jovens o próprio rosto de Deus.

Marcelino, vemos amadurecer em ti a oração que leva à proximidade cotidiana de Deus e do próximo.

Marcelino, vemos difundir-se em ti a claridade que situa espíritos e corações na única verdade do carisma.Marcelino, vemos desenvolver-se em ti o serviço que te colocou à disposição dos jovens, dos pobres e dos pequenos.Marcelino, a paixão do evangelho te invade, ela já não te deixa tranqüilo, até ao dom de ti mesmo, para que faças brilhar o conhecimento de Deus.

5– O olhar da Igreja (Um dos prefácios propostos para a festa de Marcelino)

É verdadeiramente justo dar-te graças, é belo cantar a tua glória, Deus grande e cheio de amor, por Cristo, teu Filho, nosso Senhor. Tu, como Pai, no teu eterno amor, suscitaste na tua Igreja são Marcelino, como amigo,

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como irmão e como pai dos jovens, para conduzi-los no caminho da vida. Ele, Marcelino, com olhar profético dos novos tempos, preparou os jovens para enfrentar a vida com honesta sabedoria e fé comprometida. Animado pelo teu Espírito, deu nascimento a uma grande família, para que ela continue no meio dos homens a sua missão de educador e de pai. E nós, Irmãos, jovens e amigos de Marcelino, reunidos nesta ditosa assembléia, fazemos subir a ti, Pai, um hino de adoração e de louvor e, juntamente com os anjos e os santos do céu, proclamamos a tua glória e cantamos a imensa santidade que está em ti.

Meu Credo2

Muitas vezes empregamos a expressão creio como sinônimo de uma convicção tão profunda que permite encarar a vida com decisão e entusiasmo. A realidade da vida nos mostra que, sem utopia, não há entusiasmo, inovação, nem fé animada que nos impulsione a “escolher a vida”. Quero terminar esta circular, expressando-lhes “o meu credo”.

Creio que o Espírito acendeu em Marcelino o amor apaixonado por Jesus Cristo e o zelo ardente em propagar o seu Reino. Creio que esse é o fundamento da nossa origem como família religiosa, porque “cada 2 Circular de Convocação do XX Capítulo Geral, 2000, Ir.. Benito Arbues, S. G.

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vez que vejo um menino, sinto o desejo de dizer-lhe quanto Jesus Cristo o ama”. E creio que esta será sempre a medida da nossa razão de ser.

Creio que Marcelino aprendeu na escola de Maria o amor à vontade de Deus. Como ela, quis fazer o bem sem alarde, na simplicidade e na humildade.

Creio que também hoje o Espírito e Maria sustentam a nossa vida marista, acompanhando-nos na nossa peregrinação, na nossa fidelidade e em nossas incertezas. Creio que eles nos inspiram gestos e ações que recriam o que há de mais autêntico do carisma confiado a Marcelino.

Creio que, nesta caminhada coletiva, continuamos recebendo o presente de Irmãos e de mártires que, por inspiração do Espírito e na docilidade a Ele, nos apontam novos horizontes de evangelho comprometido. É dos profetas que vamos necessitar sempre.

Creio que os Irmãos na África, nas Américas, na Ásia, na Europa e na Oceania, todos são dom do Senhor uns para aos outros. Sentimo-nos chamados a viver a herança espiritual de são Marcelino na diversidade cultural, mas com “um só coração e um mesmo espírito”, em comunhão de oração e de vida fraterna.

Creio que há mais riqueza no Instituto do que aparentemente podemos perceber. E, graças a muitas vidas generosas, por vezes ocultas, podemos esperar, serena e alegremente, o novo amanhecer.Creio no poder evangelizador de uma comunidade que testemunha a fraternidade e que se abre à comunidade eclesial mais ampla, como fermento na massa que atua silenciosamente.

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Creio que os jovens e os pobres são imprescindíveis na nossa vida: Marcelino nos fundou para estarmos junto deles, para sermos presenças de Jesus no meio deles. Sem o cultivo do amor a eles, mediante a ação, deixaremos de ser “sal que dá sabor e luz que ilumina”.

Creio que a pessoa de Marcelino está impregnando de sentido muitas vidas de Irmãos e leigos. Com a sua canonização nos tornamos mais conscientes de que ele é modelo de vida evangélica para a Igreja universal.

Creio que há muitos motivos para esperar que novas formas de “ser marista” serão realidade. (In Circular da convocação do XX Capítulo Geral)

O credo dos Irmãos e dos amigos de Marcelino

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Cremos, Senhor, que Marcelino encarna para nósa vocação a que nos chamas cada dia.Faz-nos andar nas pegadas dele.Cremos que Marcelino, atraído pelo

Espírito,Colhido pelo amor que Jesus e Maria Tinham por ele e pelos outros.Faz-nos andar nas pegadas dele.

Cremos que MarcelinoFoi profundamente tocado pela carênciaReligiosa e cultural dos jovens campesinos.Para nós, hoje, são os jovens menos

favorecidosDo nosso sistema educativo.Faz-nos andar nas pegadas dele.

Cremos que, para Marcelino, A melhor forma de educação é o amor,E que tal amor exige que estejamos

presentesÀs crianças e conscientes do seu mundo.Faz-nos andar nas pegadas dele.

Cremos que Marcelino desejaQue Maria seja a nossa esperança e Boa Mãe,Ele nos quer simples, pobres e industriosos,Testemunhas do amor fraterno.

Faz-nos andar nas pegadas dele. Marcelino, ajuda-nos a imitar-te No nosso tempo, Vivendo o carisma que tu nos deste, Sabendo adaptar-nos,

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Seguindo os apelos que recebemos. Amém.

(Circ. Avancer sereinement mais sans tarder, Fr. Benito, S.G. 8 nov. 1997) Ladainha (Fonte : Bélgica 1999, canonização)

São Marcelin Champagnat,Em ti o espírito de Deus fez maravilhas. Nós te bendizemos.Hoje ainda tu nos convidas A “seguir a Cristo como Maria, Na sua vida de amor pelo Pai E pelos homens. » Nós te bendizemos.

Homem de fé, tu te apoiaste em Deus como em rochedo; ensina-nos a confiança que dá paz e audácia.

Servo de Maria, Tu a tomaste em tudo como mãe e modelo; ensina-nos a imitar a sua humildade, a sua simplicidade e disponibilidade.

Irmão entre os irmãos,Artista da comunhão fraterna, Ensina-nos o espírito de famíliaQue oferece o sinal da alegria e da unidade.

Coração sem fronteiras, Aberto a todos, sobretudo aos menos favorecidos,

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ensina-nos o serviço desinteressado que encoraja.

São Marcelino Champagnat, Roga por nós, Por aqueles que amamos, Em particular pelos jovens, A fim de que todos descubram O amor de Cristo E possam responder ao seu apelo.

São Marcelino, conheceste o amor no seio de uma família cristã; desde jovem quiseste responder com generosidade ao chamado de Deus; criaste uma comunidade de Irmãos sob o signo da fraternidade; fundaste o Instituto Marista para educar crianças e jovens, especialmente os mais necessitados; quiseste anunciar o Evangelho por toda a parte, porque todas as dioceses do mundo entravam nos teus planos. Pedimos-te que intercedas perante Deus e Maria, nossa Boa Mãe, para que saibamos cumprir a sua vontade amorosa na nossa vida, para que ela nos abençoe e à nossa família, nas nossas tarefas e preocupações, a fim de que saibamos partilhar a tua missão em favor dos pobres e necessitados. Por Cristo, Nosso Senhor. Amém. São Marcelino Champagnat, roga por nós.

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IR. FRANCISCO GABRIEL RIVAT

Um renascimentoO ano especial do Irmão Francisco, de 6 de junho de 2003 a 6 de junho de 2004, produziu grande despertar de interesse por aquele que foi o nosso primeiro Superior Geral e o retrato do Fundador. Nunca se haviam feito tantas novenas para obter a sua intercessão. No mesmo tempo produziram-se opúsculos, artigos, imagens, cartazes, livros. É uma como renascença do Irmão Francisco

no coração dos Irmãos. Esse ano especial revelou diversos aspectos do Irmão Francisco que o tornam mais achegado a nós.

1– O grande amor que ele teve pelos Irmãos e pelo Instituto, com cuidado particular para consolidar as vocações. Nas suas cartas podem ler-se acentos de afeição muito sincera e, provavelmente, o Instituto não mais conheceu, depois dele, tão forte perseverança dos Irmãos.

2– Ele demonstrou uma atenção materna pelos doentes e pelos pobres: era enfermeiro habilidoso e apaixonado pelos conhecimentos médicos; repleto do amor de Deus, atendia aos enfermos. Ele visitava também os pobres e os doentes fora de l’Hermitage, levando consigo medicamentos por ele preparados. Nessas visitas, as pessoas se deram conta de que o Irmão Francisco era como habitado por Deus. Por ocasião do seu enterro diziam: “Morreu um santo”.

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3– O Irmão Francisco revelou-nos sobretudo a alegria de amar a Deus, de se dar a ele generosamente, de colocar Jesus no centro da nossa vida; na sua companhia redescobre-se a beleza e alegria da vida mística. Não é pouco para o mundo que se torna cada vez mais um deserto espiritual, que nos assedia por toda a parte e bloqueia em nós a fome e a sede de Deus. Francisco ensina o caminho das fontes vivas. O XX Capítulo Geral retorna à sua escola, quando convida a todos aqueles que vivem do carisma e da espiritualidade de Marcelino Champagnat a “centrar apaixonadamente as nossas vidas e as nossas comunidades em Jesus Cristo, como Maria” (Doc. du Chap. gén. N°18).

1. Alguns traços da vida do Irmão Francisco

Gabriel Rivat (Irmão Francisco) nasceu em 22 de janeiro de 1808, em Maisonnettes, povoado de La Valla-en-Giers (França). Na família, a recitação do terço era cotidiana; quando Gabriel atingiu cinco anos de idade, a mãe o consagrou à Virgem Maria, numa peregrinação a Valfleury.

Marcelino Champagnat chegou a La Valla em 1816. Gabriel tinha 8 anos, mas era dos primeiros a assistir ao catecismo matinal do coadjutor. Aos 10 anos, recebeu a primeira Comunhão, que o marcou para a vida. Três semanas depois, pediu que o aceitassem na nova comunidade, que Marcelino Champagnat acabava de fundar, em 2 de janeiro de 1817.

Gabriel era muito jovem, mas a sua fidelidade desconhecia falhas. Em 1826, aos 18 anos, emitiu os votos perpétuos; irradiava tal alegria, que Marcelino lhe disse: «Invejo-lhe a felicidade!». Iniciou a carreira

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do magistério com 12 anos de idade: de manhã, se encarregava da cozinha da comunidade e dos alunos semi-internos; de tarde, ensinava a leitura, o catecismo e as orações aos menos adiantados.

Em breve foi nomeado diretor de escola. Marcelino, que lhe conhecia as qualidades, chamou-o perto de si: foi o homem da sua confiança, o seu secretário e enfermeiro da casa. Nessas tarefas demonstrou grandes aptidões: cuidava dos doentes, valendo-se de ervas, que recolhia ou cultivava; aconselhava os doentes, rezava com eles e, muitas vezes, obtinha curas inesperadas.

Em 1839, as forças de Marcelino declinavam e pediu aos Irmãos que elegessem o seu sucessor; o Irmão Francisco foi o escolhido. Quando Marcelino morreu, em 6 de junho de 1840, Francisco se decidiu a ser a “imagem viva do Fundador”, e pediu aos confrades que também o revivessem na sua vida.Durante 20 anos foi Superior Geral dos Irmãos Maristas. Herdou de Marcelino uma Congregação de 280 membros, entregou-a ao Ir. Luís Maria, seu sucessor, com mais de 2000 Irmãos. A partir de 1860, isto é, sepois do seu mandato, esteve em l´Hermitage, santuário marista construído por Marcelino. Superior da casa, era para todos o modelo de oração e de vida interior. Ao voltar da comunhão, o sorriso iluminava-lhe o rosto, expressando a alegria de receber o Senhor. Em 22 de janeiro de 1881, faleceu, de joelhos, ao recitar o Angelus. Toda a vizinhança dizia: «Morreu o santo».

2. Excertos dos escritos do Irmão Francisco.

Escreveu a um diretor de escola: «A doença do Irmão Acário me leva a recomendar-lhe com insistência que

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dê, em abundância, aos seus colaboradores tudo aquilo de que necessitam para bem suportar as fadigas do ensino. A conservação da saúde deles é a maior economia que pode fazer».

Para proteger a vocação de um Irmão, escreve a um Superior:“Para desfazer-se de alguém, basta mostrar-lhe a porta e a gente se livra dele; mas aí não há paciência, nem coragem, nem zelo, nem verdadeira caridade. A coragem está em não desesperar de nada, quando se tratar de formar um Irmão. A caridade está em amá-lo, apesar dos defeitos, rezar por ele, dirigi-lo, encorajá-lo, pondo tudo em ação para conservá-lo na sua vocação ».

Num de seus cadernos o Ir. Francisco anota: «Um dos maiores defeitos em que o Superior de uma grande casa pode cair é ocupar-se demasiadamente com as minúcias. O Superior deve governar fazendo escolhas, formando e dirigindo os que trabalham com ele. Governa-se bem, quando se escolhem e se empregam, segundo seus talentos, as pessoas que colaboram conosco. Querer examinar tudo pessoalmente é desconfiança, é mesquinhez. As pessoas que governam pelos detalhes ficam sempre determinadas pelo presente, sem alargar a vista para o futuro distante. Os Superiores que trabalham, que despacham serviço, que mais se empenham em atividades, são os que menos governam. O verdadeiro Superior é aquele que, parecendo nada fazer, faz com que tudo seja feito: pensa, inventa, penetra no futuro, volta ao passado, compara, resolve, decide. Numa palavra, o verdadeiro Superior apenas deve fazer as coisas que ninguém pode fazer no lugar dele.»

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“Vamos a Maria com toda a confiança, pois ela tudo pode junto de seu divino Filho, o qual lhe é inteiramente favorável; ela dispõe dele, tudo pode sobre ele; usa desse poder como algo que lhe pertence, e o aplica como quer, porque o princípio desse grande poder é o imenso amor de Jesus por Maria”.

Todos as cristãos são como pintores que devem copiar Jesus Cristo. Cumpre que os seus olhos estejam atentos a este divino original, a fim de bem copiar os traços das suas virtudes. Façam o teste e reconhecerão logo que a contemplação dos seus mistérios e o exemplo da sua vida, como em admirável painel, farão uma perfeita cópia deste divino Salvador. (Ir. Pierre Zind, Conselhos Espirituais do Irmão Francisco, p. 23.)

Prudência e experiência no trato com os confrades.1–Nada dizer e nada fazer, sentimentos de antipatia no coração. 2–Expressar-me clara e brevemente, com afeto e de maneira que se possa compreender e responder com tranqüilidade, fácil e agradavelmente.3–Antes de propor, de concordar ou de recusar uma coisa, consultar pessoas interessadas ou afetivamente ligadas à Congregação, para estar mais seguro e ser mais agradável. 4–Não utilizar pretextos especiais, finuras e astúcias subtis.5– A pessoa que eu advertir deve sentir que ela não perdeu a minha consideração.6–Ir docemente, orar muito e agir com coerência para dirigir solidamente o Instituto. 7– Cumpre ser lento na deliberação e rápido na ação.8–Ver tudo, dissimular bastante e castigar pouco.

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9-Quando tiver feito uma penosa advertência ou punido a um Irmão, devo perguntar-me : Este Irmão vai corrigir-se? 10- Quando alguém me faz uma advertência sobre alguém, ter sempre uma orelha para o acusado, ter minhas reservas a respeito de um e de outro, escutando-os tranqüilamente.

O legado do Irmão Francisco1) Uma congregação legalmente reconhecida (1851).2) Cinco noviciados. 3) O primeiro escolasticado, em 1848, em la Grange-Payre.4) Novas Regras Comuns, em 1852.5) O Guia das Escolas, em 1853.6) Constituições e Regras do Governo, em 1854.7) Um novo voto, o de Estabilidade, em 1855.8) A primeira biografia do Fundador, (Ir. Jean Baptiste Furet) 1856.9) Uma nova casa geral: Saint- Genis-Laval, 1853-1858.10) 2086 Irmãos, 379 escolas, 50.000 alunos.11) A congregação está presente na França, na Bélgica, na Inglaterra, na Escócia e dezenove Irmãos trabalham na Oceania.12) As primeiras diligências são tomadas em Roma, em 1858, para o reconhecimento do direito pontifício da Congregação. Francisco deu à Congregação sólidas estruturas.

Testemunhos sobre o Irmão Francisco1–Ouvi do bom velhinho Ir. Renovato, que outrora conheceu o Ir. Francisco em l’Hermitage: “O Ir. Francisco não será beatificado tão cedo, é demasiado humilde, nunca quererá passar antes do Padre Champagnat”. O bom Irmão dizia isso

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com certo acento de gravidade e segurança que me tocou e me fez sentir a impressão profunda que ele guardava da humildade do Ir. Francisco.3

2–Depoimento do Irmão Estratônico

Recebia em particular todos os novos postulantes, chegados durante sua ausência. Era para conhecê-los. Não foi sem emoção, mesclada de receio, que, chegando a minha vez, entrei no quarto do Superior Geral. «Como se chama? Que idade tem? De onde provém? Está se habituando bem? Não há nada que o aflija na casa? Você dorme bem?». Essas foram as perguntas que me fez com bondade maternal verdadeiramente comovente. Como eu ia deixá-lo para ceder o lugar a outro, me reteve para perguntar: «Você faz quatro horas, meu filho?». Hesitei em responder, porque não compreendi bem o que pretendia dizer com a expressão «Você faz quatro horas?». Então mudou a forma da pergunta para colocá-la a meu alcance: «Você vai comer algo às quatro horas?», disse-me sorrindo. À minha resposta afirmativa acrescentou paternalmente: «Nutra-se bem, meu filho; você precisa crescer, porque é muito pequeno, mas é defeito de que se corrigirá, com certeza. Não duvido disso».

Esse breve entretenimento com o primeiro Superior do Instituto deixou-me na alma algo que me encantou. Era alegria de boa qualidade que sentia, deixando esse bom pai para juntar-me aos condiscípulos.

Toda a comunidade de l´Hermitage notava ou podia observar a espécie de transformação que se manifestava no rosto do Irmão Francisco no trajeto 3 Summarium, p. 665.

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que fazia ao voltar ao lugar, depois de ter comungado; devia percorrer quase todo o comprimento da capela. Eu estava colocado de modo a poder observá-lo sem me deslocar. Era sorriso que diferia do sorriso humano comum. É difícil achar uma expressão para pintar o aspeto que assumia sua fisionomia nesse momento. Era algo que parecia aproximar o sobrenatural e, no entanto, parecia produzir-se muito naturalmente. Acho que todos os meus colegas notavam tão bem como eu essa transfiguração. Falávamos disso, por vezes, nos recreios e nos passeios. Vários Irmãos mais antigos, a quem falei desse fato, me afirmaram terem constatado a mesma coisa.

3 - Do Irmão Juventino4

A razão desta carta é a convicção que tenho da santidade do Reverendíssimo Ir. Francisco, que teve a bondade de me admitir no noviciado de l´Hermitage, em 15 de setembro de 1853. Tenho o costume de invocá-lo, ao visitar nossos benfeitores dos juvenatos.

O que me faz acreditar na sua santidade é a estranha permissão que me deu, quando lhe dei a conhecer de que maneira vivemos em Quincié, no ano de 1854-1855. Eis suas próprias palavras: «Se, no futuro, se encontrar em casa semelhante, sendo deixado sozinho por dias inteiros no estabelecimento, venha à casa-mãe; se para obter dinheiro, for necessário pegar um machado, quebre a escrivaninha e pegue a importância e venha».

Em 1860, encontrando-me em l´Hermitage, na função de enfermeiro provisório, aconteceu o seguinte. Certo 4 Santo Stefano, Ventimiglia, Itália, 19 de março de 1911. Summarium, pp.500-501.

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Irmão, chamado Zeferino, da escola especial, foi operado das amígdalas; na da esquerda, devido à operação demasiadamente profunda, houve considerável hemorragia, das 4 às 6 horas da tarde. Nessa hora, deixando o doente aos cuidados de um coirmão, corri a chamar o Ir. Francisco, que veio logo. Ao chegar, pediu-me o frasco de ácido sulfúrico e pegando um pouco de algodão molhado no ácido, aplicou-o um instante na parte exterior do pescoço, do lado esquerdo. A hemorragia cessou imediatamente. Terá sido a aplicação do ácido que a fez cessar, ou a oração do Ir. Superior? Ele rezava ao fazer a aplicação; não sei. O certo é que a hemorragia foi detida de repente, e o doente, que estava desmaiado, logo recuperou os sentidos.

4–Do Irmão Gaciano5

Em 1857, o Ir. Bajulo era diretor da escola de Izieux, onde também me encontrava. A cozinha desse lugar era muito malsã. Combinou-se com o Ir. Francisco que seria instalada na sala de estudos do primeiro andar. Esse quarto estava separado da sala da prefeitura apenas por um simples tabique.

Tal vizinhança era pouco conveniente para ambos. O prefeito não agüentou. Assim, poucos dias depois de nossa instalação, deu-nos ordem de sair, sem demora.

Às observações do Ir. Diretor, o prefeito respondeu que se, dentro de quinze dias, não se tivesse evacuado a sala, viria ele próprio lançar o nosso mobiliário pela janela. Não quis ouvir nenhuma observação e se retirou muito mal-humorado.

5 Grugliasco, Itália, 3 de março de 1912. Summ. p.507-508.

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Voltou na mesma tarde para entender-se com o Ir. Diretor. O Ir. Bajulo disse que nada tinha feito e nada faria sem a autorização do Superior. “Se é assim – diz o prefeito – eu mesmo irei a l´Hermitage para convencer o seu Superior.” Com efeito, ele foi; mas a bondade e a firmeza do Rev. Ir. Francisco conquistaram o prefeito a ponto não apenas de deixar os Irmãos tranqüilos, mas de ceder-lhes a sala da prefeitura. E isso realmente foi feito.

5–De outra testemunha

Nenhum acidente ou insucesso o molestava. A sua serenidade era sempre a mesma. A sua confiança em Deus era ilimitada. Ele nos lembrava que nunca algo acontece sem a permissão do nosso Pai, que nos ama, que saberá fazer-nos justiça, se confiarmos nele. Não desanimava; pelo contrário, quanto mais dificuldades, maior confiança ele tinha. Todos os Irmãos observaram isso.”Ele fala ao Bom Deus”, dizia-se. Ia buscar junto ao Santíssimo a solução das dificuldades! Sei que, pela confiança em Deus, o Ir. Francisco nunca desanimava. Em caso de insucesso, aguardava o momento de Deus.Por ocasião da morte do Padre Champagnat, em 1840, o Ir. Francisco, que certamente a sentiu mais que todos os outros que se deixavam levar ao desânimo, repreendia-os suavemente, consolava-os e lhes dizia entre outras coisas: “Não se deve desesperar. Tenhamos, pois, confiança em Deus que prometeu a vida aos que têm confiança nele”. O Ir. Francisco pôs sempre a sua esperança em Deus nas numerosas dificuldades do seu Generalato, mesmo nos casos que pareciam sem esperança. Em todas as suas doenças sempre manteve a serenidade em razão da sua confiança em Deus.

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6 - “Quando o Servo de Deus via um coirmão vítima de melancolia obstinada, acentuava a condescendência, ele que era tão sério, a ponto de entoar uma canção humorística, e só se retirava depois de lhe arrancar um sorriso e uma palavra religiosa de confiança.”6

Ladainha do Ir. Francisco. 1-Filho dado e consagrado a Maria, 2-Fiel discípulo do Padre Champagnat, 3-Assíduo adorador de Jesus Eucarístico, 4-Intrépido formador marista, 5-Primeiro servo dos Pequenos Irs de Maria, 6-Superior jovem e prudente, doce e honesto,

7-Discreto e seguro acompanhante, 8-Alma e espírito dos « três um », 9-Filho amável da Virgem Recurso Habitual, 10-Imitador de são José, 11-Exemplo de profunda e verdadeira piedade, rogai por nós12-Modelo do dever cumprido, 13-Homem pleno de espírito de fé, 14-Homem da Igreja, 15-Religioso simples e cordial, 16-Irmão achegado aos vossos irmãos,

6 Testemunha 16 no Processo Diocesano.

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17-Amigo dos pobres e dos humildes, 18-Visitante dos doentes, 19-Irmão atencioso, 20-Irmão obediente, 21-Guardião do espírito marista, 22-Presença que congrega e unifica, 23-Fonte de audácia e de confiança, 24-Imagem viva do Padre Champagnat,

Oração para pedir uma graça

Pai boníssimo, deste ao Irmão Francisco aptidão particular para cuidar dos doentes e

saná-los,ou prepará-los para aceitarem, em paz, a evolução do seu estado de saúde. Permite que recorramos a ele para que possa, como na sua vida terrestre, pedir ao teu Filho Jesus e a Maria, sua santa

Mãe, a graça relativa ao problema de saúde que lhe

confiamos. Irmão Francisco, tu que nos ouves, intercede por

nós.

Oração para pedir Vocações Irmão Francisco, o Senhor quis fazer de ti um santo da vida

cotidiana, santificada pelo trabalho e pela oração,

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na vocação de Irmão Marista. Tu te abriste a Deus, tu te consagraste a Maria, e as vocações de novos Irmãos floresceram ao

teu redor. Hoje, nós te rogamos, Francisco, que olhes nossa Família, para que se renove na acolhida de jovens que queiram doar-se totalmente a Deus, como educadores consagrados e apóstolos da juventude de hoje. Venerável Irmão Francisco, intercede pela nossa Família, com Marcelino, com todos os Irmãos do céu e Maria, nossa Boa Mãe, junto a Cristo, nosso único Senhor. Amém.

Situação da causa do Irmão Francisco

1-Em 20 de junho de 1910, o Processo ordinário se abriu em Lião e se encerrou em 10 de maio de 1912.

2-Em 14 de novembro de 1934, a causa do Irmão Francisco foi introduzida em Roma.

3-Em 4 de julho de 1968 : Decreto sobre a heroicidade das virtudes e o título de venerável. A causa atualmente está parada neste ponto. Faltam duas outras etapas: beatificação e canonização.

Cada uma delas demanda um milagre para ser ultrapassada.7 Um primeiro milagre reconhecido leva à beatificação. Um segundo milagre

7 Ver a página dos milagres.

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reconhecido termina o processo na canonização. Os milagres só se alcançam pela oração.

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IR. ALFANO (JOSEPH CARLO VASER)1873-1943

Merece ser mais bem conhecido.O Padre Valentino Macca, OCD, era o relator da causa do Irmão Alfano. Apresentando a causa, ele escreveu a teólogos, cardeais e bispos as linhas que seguem. “A Leitura atenta dos documentos põe-nos em contato com um religioso que a tradição oriental primitiva não tem receado colocar entre os ‘namorados de Deus’, com o sentido concreto que se emprestava à expressão.

Com efeito, o servo de Deus viveu em plenitude de amor que, em pensamento e ação, parece fazer-lhe esquecer os anos. Os extratos de cartas citados mostram uma linha de caridade que não somente conserva o seu viço, mas, no entardecer da vida, se torna mais generosa e mais forte. Isso faz pensar no ‘vinho velho’, expressão com que são João da Cruz definia os velhos namorados”.

Não sendo freqüentes nas pessoas de idade os arroubos de jovens, o Irmão Alfano dá provas de caridade excepcional, cujos propósitos o ligam fortemente aos corações de Jesus e de Maria, mas também dilatam o espírito até aos confins do mundo, naqueles anos conturbados pela guerra. (1943).

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O primeiro teólogo que examinou os escritos do Irmão Alfano afirma: “Aqui, na verdade, a messe é tão copiosa que há dificuldade na escolha. O Servo de Deus compreendera perfeitamente que o estado da vida religiosa, vivida plenamente, é o jardim onde, sob o calor do Espírito Santo, desabrocham as flores de todas as virtudes”.

1–Simplicidade de vida

Estas são as primeiras linhas do livro Pane di Casa Nostra, biografia breve do Irmão Alfano: “Giusepe Carlo Vaser, Irmão Alfano (l873-l943), é um Irmão Marista italiano, melhor dizendo, o primeiro Irmão Marista italiano. Primeiro em sentido cronológico do termo, primeiro principalmente em sentido espiritual: escalou o cume da santidade com impulso e determinação não menor daqueles que exigiram dele, como criança, para subir os montes da sua bela e forte terra natal, o Vale de Aosta.

A sua vida, despojada de acontecimentos extraordinários, tem o aspecto de aventura toda interior. É como cadeia de montanhas, em que somente aqueles que tiveram a coragem de ascender aos mais altos picos podem gozar-lhe a beleza. Estas são as etapas essenciais da sua vida como religioso. Em 1886, Giuseppe se dirigiu à Saint-Paul-Trois-Chateaux. Em l891, emitiu o voto de obediência. De l891 a 1903, lecionou no Colégio San Leone Magno e se enamora de Roma, da arte, da cultura e da fé que esta cidade encerra. De 1903 a 1941, foi um Irmão formador, com cargos de mestre dos noviços por 15 anos, de 1907 a l922; depois diretor dos Irmãos estudantes de 1925 a 1941. Foi também

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ininterruptamente conselheiro provincial de 1909 a 1941: 32 anos. Morreu em primeiro de março de 1943, em plena guerra mundial. Vida simples, como a de tantos Irmãos, como a nossa, quando dermos um olhar para trás; contudo é vida para Deus e por inteiro dedicada ao amor de Deus.

2–A personalidade do Irmão Alfano

1–A personalidade humana Alfano era muito inteligente. Aos cinqüenta anos estudou o latim e dele se tornou um dos melhores professores. Era um homem de grande força de vontade, tenaz no esforço, monolítico e de grande retidão, mas também de grande cultura. Entre as suas notas características estão a alegria e a bondade. Os que o conheceram reconhecem: “Mostrava-se afável, especialmente nas relações interpessoais; nos recreios e nos passeios era muito ameno e de alegria contagiante; de caráter forte, mostrava-se bom com quem errava e de grande sensibilidade diante das necessidades dos outros, sempre atento aos problemas dos que estavam perto. Aos Irmãos chamados ao serviço militar, durante a primeira guerra mundial, seguidamente enviava cartas e circulares com muitas notícias da congregação, conselhos e também dinheiro para que pudessem passar os dias de festa um pouco melhor. Um dos seus discípulos escreve: “A severidade do Irmão Alfano era um mito que se criou na cabeça de certas pessoas”. Pela riqueza desta personalidade humana louvemos a Deus.

2–A personalidade espiritual. Neste particular o Irmão Alfano é ainda mais surpreendente. Mestre dos noviços por 15 anos,

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formou 266 jovens, dos quais l44 perseveraram até a morte e entre eles muitos de grande estatura espiritual, porque um santo gera santos, como foi o caso de Marcelino. O olhar que lançava no coração dos noviços e os conselhos que lhes dava eram de grande lucidez e exatidão, como de psicólogo seguro. A sua sabedoria prática lhe vinha da sua longa permanência diante de Deus. Dizia: “Quanto ajuda um pouco de serena e tranquila reflexão diante de Deus”. Tinha preferência especial para os três primeiros lugares do Fundandor: Belém, a cruz, o altar. Fazia a via-sacra todas as manhãs. Levantava-se antes dos outros para ter tempo de fazê-la. Há pensamentos que nos deixam aturdidos: “Lembrar-me-ei seguidas vezes de que o sofrimento é mais doce do que o bem-estar físico. Procurá-lo-ei, portanto, e o abraçarei com generosidade.”

1– Ele considerava a Virgem Maria como a sua verdadeira mãe e dizia que os Pequenos Irmãos de Maria são os benjamins da Virgem, exatamente porque eles são pequenos.

2– A devoção à Virgem Maria foi uma de suas características. Ele a invocava sobretudo com o título de Maria Imaculada, seguidamente ele empregava também a expressão do Fundador : Recurso habitual.

3– Como Irmão Marista, ele era muito devoto da Virgem Maria e dizia que nos deveríamos aproximar dela todos os dias. A sua devoção a Maria está toda encerrada no neologismo por ele criado. “o rosariante”, aquele que preenche o dia com Ave-Marias. Eis uma oração dele a Maria: “Maria, fez-se toda para todos, deu-se aos justos e aos pecadores, a todos abre os tesouros da sua misericórdia. Ela desfaz as cadeias dos escravos, dá a saúde aos

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enfermos, a consolação aos aflitos, o perdão aos pecadores, o aumento da graça aos justos; ninguém pode subtrair-se à sua influência benéfica”.

Aquilo que o caracteriza como Marista é uma admiração sem limites pelo Fundador, pelas suas qualidades e pelo seu carisma. Sempre convidava os noviços a contemplar o Fundador, a nutrir-se da sua doutrina que chamava “o pão de casa”. Acrescentava: “Tenho somente um desejo, o bem do Instituto pela imitação do Fundador por parte de todos os Irmãos.”

Quando colocamos juntas a personalidade humana e a espiritualidade, vemos quanta vida manava do Irmão Alfano. Louvemos a Deus, fonte da vida, que para nós quer a vida em plenitude.

2–A personalidade do Irmão Alfano

1–Personalidade humana O Irmão Alfano era intelectualmente muito dotado. Marcel Colin, no seu livro “A linha Direita”, que é uma biografia do Irmão Alfano, escreveu: “Humanista, com espírito de finura, vibrando com as coisas belas, adivinhando-as com justeza de intuição e de apreciação, amigo das flores, dos cantos e das vastas paisagens, o Irmão Alfano soube dominar a sua afetividade”. Tudo no Irmão Alfano exprimia uma sensibilidade forte e profunda, mas controlada. Um homem dos nossos, que se aperfeiçoou e se afinou por Deus. Foi por meio da vontade que Alfano nunca admitiu a mediocridade e atingiu o equilíbrio. A sua arte de viver era a da fidelidade, da lealdade, da linha reta. Ele próprio escreveu: ”Não esmolar popularidade às custas do bem”. Nunca pertenceu à raça dos medíocres.

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Aos cinqüenta anos, teve de aprender latim e do idioma se tornou excelente professor. Era homem de vontade tenaz, inteiriço, de grande retidão e de grande cultura. Mas a alegria e a bondade eram também duas notas características suas. Aqueles que o conheceram atestam: “Ele mostrava-se afável, de modo especial nas relações interpessoais; em recreio ou em passeio era divertido e de alegria contagiosa. O seu caráter forte não o impedia de ser compreensivo com aqueles que erravam; era sensível às necessidades alheias, atento aos problemas do próximo”. Aos confrades convocados ao serviço militar, na primeira guerra mundial, enviava cartas repletas das notícias da congregação e de bons conselhos, sem esquecer o envio de algum dinheiro, para que os dias de festa fossem mais agradáveis. Um dos seus alunos escreveu: “ A severidade do Irmão Alfano é um mito que se criou na cabeça de alguns”. Ele acolhia com bondade e gentileza aqueles que vinham a ele; ninguém saía do seu gabinete sem ser consolado. São os jovens que o dizem. Ele havia tomado como resolução: “Bondade, amizade para com os confrades e para com a nossa querida juventude, encorajar muito. Caridade paciente com todos: saber esperar antes de repreender. Cumpre ser firme, quando se exige o que deve ser feito, mas isso com mansidão, paciência e com a generosa indulgência da caridade. Isso eu sabia na teoria, mas pouco o traduzi na prática”.

Eis o testemunho do Irmão Antelmo : « Na primeira guerra mundial, ele enviava circulares policopiadas aos seus antigos noviços e aos Irmãos que se achavam no front. Elas eram cheias de sábios conselhos e de notícias da Congregação. Empenhava-se em que mantivessem laços com os superiores. Pelo

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Natal de 1917, enviou-me um cheque de cinco liras, para que estivesse mais feliz nesse dia. Ele o logrou, visto que isso me permitiu difundir um pouco de alegria com os que se encontravam na trincheira comigo”.

2– A personalidade espiritual.Neste domínio o Irmão Alfano é de grande riqueza. Mestre de noviços por 15 anos, esteve à testa da formação de 266 jovens; 144 deles perseveraram até a morte, alguns tendo logrado grande estatura espiritual. É o caso de dizer que os santos formam santos, como foi o caso de Marcelino. O olhar que ele dirigia ao coração dos noviços e o juízo que dava deles eram de grande lucidez, como de psicólogo seguro. Mas essa justeza provinha de longos momentos que ele passava de joelhos. Dizia ele: “Como nos ajuda refletir com calma e serenidade perante Deus”. Ele tinha preferência pelos três lugares do Fundador: berço, cruz e altar. Todos os dias ele fazia a via-sacra e, para ter o tempo de fazê-la, se levantava antes. Ele tem reflexões que nos podem surpreender: “Eu me lembrarei de que o sofrimento, muitas vezes, é mais doce que o prazer ou o bem-estar físico. Hei de procurá-lo, pois, e o abraçarei generosamente”.

3-Alma mariana

A vida do Irmão Alfano é toda marial. Consagrou-se a Maria totalmente; ele recorre a ela em toda a necessidade e circunstância, porque ela é o seu recurso ordinário, invoca-a muitas vezes durante o dia, faz na sua honra numerosas e fervorosas novenas, a sua confiança nela é sem reticência.

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Maria é o seu modelo. A divisa marista tudo a Jesus por Maria, tudo a Maria para Jesus, o Irmão Alfano a vive para si e para levar os outros a Jesus. Junto de Maria ele aprende as três virtudes que o caracterizam: “a piedade, a humildade e a caridade”. Se tem necessidade de força para avançar ou para fazer avançar os outros, ele vai aos pés de Maria.Maria é para ele a expressão sucinta da santidade. Ele realmente visava dar o melhor de si ao Senhor e aos Irmãos; para realizar isso ele tomava, na sua própria palavra, Nossa Senhora como sumário. Ela o conduzia mais de pressa ao Filho. Ele celebrava as festas da Santíssima Virgem com peculiar alegria e dava à liturgia o maior espaço possível, a fim de que ela embalsamasse o dia todo com o perfume da festa da Mamãe.

Ainda assim, a lição principal que descobrimos no Irmão Alfano, na sua relação com Maria, é que, em companhia da Virgem, ele aprende a ser reto, a ter consciência reta, a ir ao essencial, isto é, Deus. Com Maria ele se torna linha reta. Então Maria o guia para aquilo que vai ser primordial para Alfano: a vontade de Deus. O que Deus quer, como ele o quer, eis o essencial. Como para Marcelino, Maria ensina a Alfano a prontidão em cumprir o que o seu Filho lhe vai dizer.

O Irmão Alfano criou o neoglogismo rosariante, termo que o liga ao rosário.

Que significado Alfano lhe atribuía? Ele convidava todos os noviços, todos os seus confrades a imergir muitas vezes nos mistérios do rosário, a conseguir que as Ave-Marias lhes cheguem aos lábios, a viver na companhia de Maria, na sua alegria, a tecer verdadeira relação de filho para com a Mãe e, com

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ela, contemplar em cada mistério o Filho, a maravilhar-se do amor de Deus. Alfano orgulhava-se de ser rosariante, encontrando nisso grande fonte de alegria. E o Magnificat? É significativo que toda a sua vida terminasse em Magnificat; a sua vida canta as maravilhas que Deus fez, a atenção de Javé para os pequenos, a longa fidelidade do Deus de Israel a Abraão, a Maria, a Marcelino, a Francisco, a Alfano, a todos aqueles que estão abertos ao Filho de Maria.

4– Com Marcelino

O Irmão Alfano tem para com o Padre Champagnat uma admiração sem limites, em face das suas qualidades e do seu carisma. Ele convidava os seus noviços a ter sempre o olhar no Fundador e a se alimentar da sua doutrina, que ele chamava o pão de casa. Acrescentava: “Só tenho um desejo, o bem do Instituto mediante a imitação do Fundador por parte de todos os Irmãos”. Unindo a personalidade humana e a espiritual do Irmão Alfano, vemos a vida copiosa que brotava dele.

Alguns pensamentos do Irmão Alfano

1–Com Jesus, o paraíso sempre e em qualquer lugar. Sem Jesus, o inferno. Com Ele tudo é fácil. Eu quero, pois, me abandonar em seus braços, com alegria, com confiança. Nas dificuldades e nas cruzes eu vou recorrer ao Coração eucarístico de Jesus e ao Coração de Maria. Jesus é a minha força, a minha defesa, a minha riqueza, o meu tesouro, o meu tudo. Jesus é o amigo fiel, constante. (Positio, p. 120. As páginas seguintes serão tiradas da Positio.)

2–Ele chamava a missa de sol dos nossos exercícios espirituais. (p. 107)

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3–Nunca teremos suficiente confiança no coração de Jesus. (p. 121)

4–O Menino Jesus me ensina, de maneira muito eficaz e muito eloqüente, todas as virtudes, e particularmente a humildade, a obediência, a castidade, uma confiança filial. Querido Menino Jesus, tu és minha alegria, tu és meu conforto, tu és minha paz. Eu te amo como bem supremo. Acende em mim, Senhor, teu fogo ardente. Dá-me o que tu queres e eu realizarei o que tu queres. (p. 129).5– Jesus, luz verdadeira que ilumina, fogo que inflama, alegria e paz. (p. 129).6– Eu me esforço para permanecer, tanto quanto possa, em espírito e coração, diante do tabernáculo em sentimento de adoração, de gratidão, de súplica ao Coração Eucarístico de Jesus. (p. 131)

7– Senhor, voluntariamente eu quero sofrer o que quiseres. Mas dá-me de te amar intensamente e de te fazer conhecido e amado, de ganhar para ti muitos corações. (p.133)

8–Jesus é para mim companheiro, reconforto, amigo, pai, tesouro e alegria. (p.133)

9– Por que tanto temor em mim? Posso duvidar da bondade de Jesus ou da Virgem Maria ? Por que não deixarei dilatar o meu coração na alegria e gratidão? Nos braços de Jesus desejo abandonar-me com alegria e confiança. (p. 119)

10– O Evangelho é o livro por excelência que dilata os corações dos cristãos. Deus é o Mestre dos homens e dos acontecimentos. A experiência pessoal nos ensina que sobre mil perigos possíveis, segundo a nossa

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imaginação, Deus os reduz de muito; talvez sobre um apenas, e ainda bastante mais leve do que o imaginamos. Um santo otimista é conforme a fé e o bom senso. (122)

11– A caridade fraterna é a alegria e a felicidade das casas religiosas. É uma participação no amor que Deus tem pelo próximo e por nós. E nós, Maristas, devemos estar animados pelo espírito desta virtude, de maneira contínua e prática, estimando, de maneira sincera, os nossos coirmãos, respeitando-os, tendo-lhes religiosa veneração, vendo-os com os olhos da fé. (139)

12–A oração viva é a que vivifica tudo, abarca tudo; que faz como o coração físico. Como chegar à oração contínua? Pondo unidade em nossa vida. Fazer tudo em Deus, por Deus, com Deus. Que a nossa oração seja sempre uma preparação à ação; que a preceda, acompanhe e siga. Visar à união com Deus, recorrendo a Ele naturalmente como a criança a seu pai. Sempre um olhar, um ouvido, uma mão para Deus, no meio de todas as ações, mesmo as mais absorvedoras. (Informatio, p. 127)

13–Não vivo senão para este breve momento que se chama instante. Quero aproveitá-lo ao máximo, dizendo: ‘Sim, Pai!’. Desse modo, garanto-me dias plenos da vontade de Deus. ‘Sim, Pai!’. É viver o momento presente, o momento que foge na presença de Deus, aceitando a sua vontade. Eis como o coração reza constantemente com o querer de Deus. (Positio, p. 24)

Testemunhos em favor do Ir. Alfano (Tomados da Positio).

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1–“O Irmão Alfano, afirma um seu discípulo, era considerado pelos co-irmãos e pelos superiores um homem excepcionalmente santo, Irmão Marista exemplar.”Na base da sua santidade pode-se descobrir grande espírito de fé, grande generosidade e constante fidelidade”.

Outros testemunham: “Reconheço nele um religioso completamente dedicado ao bem do Instituto, somente preocupado com a glória de Deus e com o bem das almas. Aperfeiçoou-se cultural e espiritualmente.” “Vivia tão intensamente o espírito da regra que o chamávamos a regra viva. No modo de rezar e em seu comportamento demonstrava estar possuído sempre pela presença de Deus e em contínua meditação.” “É minha impressão, e sei que é o pensamento e firme convicção de outros coirmãos, de que o Irmão Alfano foi um religioso que praticou com constância e de modo heróico as virtudes da vida religiosa.”

2– Dom Emilio Biancheri, bispo de Rimini, natural de Ventimiglia, conheceu muito bem o Ir. Alfano. Na carta endereçada ao Santo Padre, assim se exprime:« Quero assegurar que tanto no clero quanto no laicato, aqueles que tinham a oportunidade de se aproximar dele tinham a clara impressão de estar diante de uma autêntica santidade de vida. Era um religioso com o espírito e o olhar fixos em Deus. Ele possuía um traço ao mesmo tempo austero e amável. Nele se encontrava uma força de alma que lembrava são Paulo. « Quando sou fraco, é então que sou forte ». Tinha um caráter forte que ultrapassava os limites de um físico delicado do qual obtinha resultados surprendentes que deixava a todos cheios de admiração e de reflexão.

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Na sua obra de mestre do espírito, educador e professor, mostrava equilíbrio sereno e assombroso com um sentido profundo e doce do sobrenatural, como se fossem coisas que ele via, sentia e tocava com a mão. Os de Vintimiglia, que o conheciam, tinham a impressão de que um santo passava ao seu lado, uma flor graciosa e de bondade sobre a terra das Flores8 ».

3–Dom Giuseppe Della Volta, testemunha do tribunal ordinário, traça em poucas palavras a fisionomia psicoespiritual do Servo de Deus: « Era um religioso leal, alheio a todo artifício ou jogo duplo; sempre coerente no que dizia ou fazia, era de uma retidão ilibada ».

4–O Dr. Mario Colombino escreve ao Ir. Umberto, Provincial : « O Irmão Alfano era para nós uma como força magnética que nos atraía. As linhas de força que emanavam da sua personalidade sólida nos transformavam e nos levavam a imitá-lo e a seguir-lhe as pegadas no árduo caminho da perfeição. Querendo ser honestos com nós mesmos, devemos admitir que a nossa vida espiritual estava em função daquela do Ir. Alfano. Ele nos fazia degustar as belezas de uma vida consagrada ao Senhor. O fascínio que exercia o Ir. Alfano era tal que me sentia fortemente atraído pela sua personalidade admirável. Quando ele ilustrava ou comentava a vida dos santos, o Evangelho e a Imitação de Cristo, eu tinha a impressão de que ele falava de um mundo que lhe era particularmente congenial, que lhe era habitualmente familiar. Em outras palavras, era um mundo de que ele nunca se havia separado e em que ele vivia cotidianamente ».

8 Ventimiglia é chamada a terra das flores.

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Oração ao Irmão Alfano Senhor, que concedeste ao Irmão Alfano a graça de seguir fielmente a Cristo pobre e humilde, dando-lhe a vocação de Irmão Marista, educador e apóstolo, concede-nos, pela sua intercessão, viver também nós com generosidade e plenitude a nossa vida marista, irradiando com entusiasmo o espírito de Marcelino, nosso Fundador. E tu, Maria, nossa Boa Mãe, glorifica o teu servo Alfano que tanto te amou e te glorificou entre nós. Amém

Oração para pedir uma graçaSenhor Jesus, é no teu nome que

rezamos. Tu colocaste no coração do Irmão AlfanoA vontade firme de viver generosamentea sua vida de religioso e de educar

cristãmentea juventude. Dá-nos imitar os seus

exemplos e, pela sua intercessão, concede-nos a

graça... Maria, nossa Boa Mãe e Rainha do

Rosário, obtém-nos a glorificação do teu humilde

servo,

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que tanto se dedicou a fazer-te conhecida

e amada. Amém.

Em que ponto está a causa do Irmão Alfano?

1– Em 1951, abertura do Processo Ordinário em Ventimiglia, oito anos após a sua morte.2– Em 1955, fim do Processo Ordinário.3– Em 1987, aprovação do Processo e introdução da causa em Roma. Este atraso se deveu ao fato de que, na Congregação para as causas dos santos, foram adotadas novas normas.4– Em 1991, em 22 de janeiro, decreto da heroicidade das virtudes e o título de venerável.A causa do Irmão Alfano, como aquela do Irmão Francisco, está parada nesse ponto. É necessário um milagre para proceder à beatificação e outro milagre para a canonização.Em cada etapa é preciso constituir a positio9 (ponto de discussão, tese) do milagre. Esta apresenta duas partes. (1) Os documentos médicos que provam a cura. Os documentos são estudados por médicos; em primeiro lugar, na diocese onde o milagre ocorreu, por dois médicos; em seguida, pela equipe de médicos do Vaticano: cinco médicos e o presidente da comissão. (2) As provas de que o servo de Deus foi realmente invocado. Estas provas serão examinadas por teólogos, depois pela comissão dos cardeais e bispos. A oração é o único caminho do milagre.

9 A positio é o conjunto dos trabalhos de demonstração. Ele é feito pelo postulador auxiliado pelo relator.

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IR. BASILIO RUEDA GUZMÁN1924-1996

PrólogoDisseram-me que se pretende introduzir a sua « causa ». Nao havia pensado nisto, entretanto acredito ! Era verdadeiramente um santo. Penso que os santos devem ser como ele. Não duvido da sua santidade. (P. Raoul Soto Vázquez. M. Sp. S) (Um estilo de una vida, p. 65).

Quando se quer testemunhar em favor do Irmão Basílio, fica-se tentado a falar no superlativo. Quando se escuta a sua palavra, fica-se tentado a viver no superlativo. É certamente um homem que aquece o coração, cria a generosidade; ele foi o primeiro a viver no patamar do magnânimo. Ele causa impacto, mas permanece próximo, acolhedor, abordável. Todos os que falam dele progridem em louvores de elevado estilo: um santo, um profeta, um perito em humanidade, um coração atento, inclinado à compreensão, à compaixão, ao reconforto, um intelectual que se sente à vontade na Antropologia, na Sociologia, na Filosofia e na Teologia; homem profundamente dono de si mesmo e sempre igual, trabalhador incansável e metódico, mestre de espiritualidade segura e sólida, místico, superior geral excepcional e coirmão encantador, simples, à vontade com todos, amigo de saídas espirituosas e sempre pronto a vestir o avental para lavar a baixela. Eis o que dizem, muito melhor e com mais convicção e detalhes os que foram seus amigos.

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Os depoimentos deles alternam com textos do Ir. Basílio, apanhados nos seus escritos, sobretudo nas Circulares. Reler as suas Circulares equivale a descobrir tesouros de espiritualidade, de experiência vivida, de fraternidade e de sabedoria que são nossas; o laitor se encontra diretamente suspenso na inteligência e no coração de Basílio. Muitas vezes é evidente que as melhores reflexões ele busca na sua vida interior ou no seu convívio com os Irmãos e com as pessoas. Basílio é, com certeza, um intelectual, mas a trama dos seus escritos provém do que nos é conhecido, cotidiano, familiar. Algumas das suas Circulares são umas jóias. Fica-se tentado a copiar capítulos inteiros, como as suas Circulares sobre a Obediência e sobre Vida Comunitária. As suas primeiras Circulares, as de 1968, quando então ainda não tinha o cargo de Superior Geral, não revelam apenas o conhecimento que Basílio tinha do mundo, da Igreja e do homem, mas surpreendem-nos pelas novas pistas que indicam e que são todas antecipações; hoje, são evidentes e com elas nos comprometemos, convictos.

Digamos ainda que o estilo de Basílio não envelheceu, inspira-se na conversação com as descobertas surpreendentes que uma conversa pode sugerir. É linguagem próxima, imediata, simples; mas, muitas vezes, ela corta as frases, como máximas. Outras vezes, parágrafos inteiros condensam verdades, sabedoria, humanidade, tudo expresso por uma pena das mais privilegiadas. Algumas vezes peca por excesso, pela necessidade de precisar o que já havia dito claramente. Ele é o primeiro a reconhecer isso; mas jamais escreve para dizer trivialidades. Surpreende sempre pela profundidade, pela propriedade, pela verdade.

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Que finalidade terão estes excertos de testemunhos e textos selecionados? Tornar o Irmão Basílio presente, vivo entre nós, arrancá-lo do passado e do esquecimento que estão sempre à espreita, ajudar a nossa admiração em viver e amplificar-se, a tornar-se amizade, diálogo, oração. Oração? Sim, muitas testemunhas confessam que eles o invocam. Pressentem um santo. É o que se ouve muitas vezes, espontaneamente, quando a conversa recai sobre ele. Com certeza, Basílio é um dom extraordinário que Deus e a Virgem Maria nos fizeram. Na sua pessoa Deus nos abriu uma fonte de vida. E Basílio, nos seus escritos e na sua amizade, fez jorrar em borbotões essa vida. São tesouros que não se podem ignorar, porque são tesouros nossos: o amor de Deus, de Maria e de Marcelino, que procuram fazer viver a nossa família marista.

“Escolhamos a vida!” É o lema inscrito na bandeira do XX Capítulo Geral. Com certeza, conhecer o Irmão Basílio e os seus escritos é descobrir uma fonte de vida muito generosa, abundante e bem marista.

Perfil biográfico

1924. Em 16 de outubro, o Irmão Basílio nasceu em Acatlán de Juarez. É o quarto filho da família; no batismo recebeu os nomes de José Basílio. Com apenas quatro anos perdeu a mãe.

1942. No mês de julho, entrou no juvenato dos Irmãos Maristas em Tlalpán. Fez seus primeiros votos em 8 de dezembro de 1944 e sua profissão perpétua, em 1.° de janeiro de 1950.

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1947. Iniciou sua carreira apostólica e entrou de imediato nos grupos de Ação Católica, de animação da catequese nos bairros populares; desempenhou papel importante na organização dos “Cursilhos de Cristandade”, no tempo em que garantiu os seus estudos de Filosofia. No dia 17 de dezembro de 1961, defendeu tese de mestrado em Filosofia, sobre o tema “Ser e Valor”.

1961-1965. Foi membro da Equipe do Padre Ricardo Lombardi, no movimento “Mundo Melhor”. No Equador foi o principal responsável, dando retiros e conferências muito apreciadas pelos auditórios mais variados: operários, políticos, gente da Igreja e pessoas consagradas.

1966-1967. Foi nomeado Diretor do Segundo Noviciado, na Espanha, em Sigüenza, depois em El Escorial. Revolucionou os cursos com abordagens modernas, mais humanidade, melhor centralização no Evangelho, abertura aos apelos do Concílio e aos problemas de um mundo em transformação. Os Noviços são os seus entusiastas. O sucesso, em toda a parte, lhe valeu ser nomeado delegado ao Capítulo Geral de 1967.

1967. Em 24 de setembro, foi eleito Superior Geral para um primeiro período de 9 anos. Imediatamente começou a volta ao mundo marista para conhecer-lhe a realidade. Deixou a administração direta do Instituto ao seu Vigário, o Irmão Quentin Duffy, e assumiu a pastoral de animação: visitas às comunidades – portanto viagens – e muito tempo usado para receber e escutar os Irmãos ou para escrever-lhes cartas. Período difícil é aquele que se segue ao Concílio: o mundo, a Igreja, a vida consagrada, mudam rapidamente, no meio de uma

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juventude contestadora e de gerações adultas inquietas. Basílio foi uma grande chance para a nossa Congregação que, graças a ele, empreendeu com firmeza as mudanças pedidas pelo Concílio. Por natureza, ele é aberto a toda a mudança sadia e, muitas vezes, antecipou-se a ela. Durante esse período, escreveu Circulares notáveis: Um Capítulo para o mundo de hoje; Os Apelos da Igreja e do Fundador, Conversação sobre a Oração; A Vida Comunitária, uma obra-prima lida e estudada por muitas outras congregações religiosas.

1976. De fato, contra a sua esperança, o Irmão Basílio foi reeleito Superior Geral por grande maioria de votos. Como fizera antes, vai entregar-se de corpo e alma às visitas, à animação dos retiros, à direção espiritual. Na Congregação nos habituamos a um Superior Geral que trabalha todas as noites até 2 ou 3 horas da madrugada. Desse período datam as Circulares sobre O Projeto de Vida Comunitária que deveriam dar às comunidades um estilo de vida mais evangélico e mais próprio a responder aos apelos do homem de hoje; A Obediência, uma jóia de verdadeira compreensão da Vida Religiosa; Um Novo Espaço para Maria, em que muitas interpretações exegéticas são avançadas sobre o seu tempo; e as Circulares sobre A Oração e A Fidelidade; esta é como seu canto de cisne, ou grande Magnificat em que faz cantar toda a Congregação Marista.

1985. Após o Capítulo Geral, gozou um ano sabático e teve a felicidade de visitar a Terra Santa. Fora os 18 anos de Superior Geral, em período dos mais turbulentos, percorreu milhares de quilômetros, escreveu cerca de 2.500 páginas de Circulares e mais de 50.000 cartas, acolheu milhares de Irmãos e acompanhou mais diretamente centenas. Na sua

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reeleição, em 1976, uma autoridade do Vaticano telefonou a um Irmão da Casa Generalícia: “Vocês acabam de salvar sua Congregação”. Voltando ao México, foi mestre de Noviços da Província do México Central.

1990. Assumiu a direção do Curso de 18 meses para mestres de noviços, na Casa Oasi, perto do lago Albano, Roma.

1991-1996. Retomou o seu cargo de mestre de noviços, para os noviços das duas Províncias mexicanas. No meio dos jovens ele foi pai, formador, irmão, amigo. Criou grandes espaços de liberdade, de alegria, de família e de intimidade com Deus na simplicidade.

1996. Em 21 de janeiro, entrou na Páscoa definitiva pela volta ao Pai. A missa de sepultamento, em 23 de janeiro de 1996, foi uma apoteose de reconhecimento e de amor. As suas cinzas repousam na casa da Quinta Soledad, casa provincial do México Central.

As palavras de alguém que viveu conosco10

1–O profeta sente arder no coração a paixão pela glória de Deus e, uma vez que lhe acolheu a palavra, proclama-a com a boca, com as ações e pensamentos, pelos seus contatos com os outros, em transparência que integra a autenticidade dos grandes ideais em favor do Reino, em comprometimento heróico com todos.Quando comprometeu a sua existência no campo do amor, não há mais marcha à ré. A vela foi acesa nas duas pontas. O tempo depende da intensidade com 10 O presente trabalho, na sua brevidade, limita as citações. Os livros Queimar a vida, O estilo de uma vida, Basílio um outro Champagnat, Quero acordar a aurora e os 12 cadernos sobre Basilio oferecem uma escolha de citações muito abundante. Conviria retornar a tais fontes.

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que é vivido; mas, quando o amor irrompe no centro de uma vida, o tempo adquire densidade eterna. O amor não nos foi dado para encher vazios do coração, mas para lançar os homens a alturas inimagináveis de generosidade e doação de si mesmos. Quem conheceu a fascinação do amor de Deus sabe que não se pertence. A alma, com efeito, não pede, ela se dá, e dessa doação nasce a grande intuição: a vida não vale a pena ser vivida, senão quando se ama incondicionalmente e quando se está disposto a apostar tudo numa só cartada.

Portanto a vontade do Senhor é colocada acima do amor de si e o desejo se transfere a uma disponibilidade absoluta. Quando o amor de Deus irrompe numa vida, desencadeia um tipo de amor que faz perder a medida racional. O Tu de Deus e do próximo predomina em tudo. A morte prematura é o destino dum amor que se condensa no tempo. O amor quer dar-se, quer queimar sua vida. (Quemar la Vida, pp.304- 305; entrevista J.M.V., p. 162)2– Hoje vejo a realização prática de uma verdade que me disse o Irmão Léonida, há muito tempo: “Você queima a vida nos dois lados, a sua vela arde nas duas pontas”. E mandou-me a página de uma revista em que havia uma espécie de vela muito grossa, cujas duas pontas estavam acesas. E eu lhe mandei uma resposta, talvez meio insensata: “Esse foi sempre o meu ideal”. Queimar a minha vida por Cristo e pela Congregação, mesmo se isso a consumisse em menos tempo do que deveria normalmente durar. (Mensagem escrita por Basílio, um mês antes de morrer; apud “Quemar la Vida”, pp. 306-307)

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3– « Irmãos, o que fundamentalmente faz a nossa paz não é o fato de que sejamos bons, mas o fato de que Deus é bom. Não é o fato de que amamos, mas o fato de que somos amados por um amor eficaz e infalível. Deus nos ama, e não faz outra coisa senão amar-nos; Deus não pode deixar de amar. Deus é amor, amor gratuito. Ele não te ama porque tu o amas. Ele não te ama porque és digno de ser amado. Ele não te ama porque tu terias criado na tua vida as condições que te fariam digno deste amor. Deus te ama porque ele é amor, ponto final11. Na sua santa vontade palpita sempre uma ternura maior do que aquela que se possa imaginar12. O verdadeiro amor respeita a liberdade de cada um e ama gratuitamente. Ele não pede, ele dá13. A mola das molas da vida comunitária é o amor verdadeiro e a capacidade de gerar a amizade, balizando de amigos a estrada da vida14. Mas “se há alguém que tu excluis do teu coração, o amor em ti morreu”15.

11 No apelo à renovação, a problemática da oração, outubro de 1971; ou ainda no apelo à superação: o mandamento novo, no retiro dado no Canadá em 1970. 12 Circular sobre a obediência, p. 27.13 Carta de 5-3-1985. AFM 51.o9, B1, Peru.14 Circular sobre a vida comunitária, p.176.15 Bética Marista, nº52, outubro de 1972, p.11.

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4– Basilio se dá conta de que, com muita boa vontade, o Instituto está muito centrado na maneira de ajudar os pobres, nas missões, na maneira de se fazer um exercício mais evangélico da autoridade, e “pouco a pouco o Cristo, o bom Jesus, passou para segundo plano e, em certas situações, desapareceu, sendo ele a razão principal, a sublime razão pela qual nós vivemos e morremos. É ele que está na origem do nosso chamado, da nossa fraternidade e da nossa amizade. Ele é a nossa salvação; é evidente que chegou o momento oportuno de realizar todos os nossos esforços para fazer de Jesus o centro da nossa vida.” 16 A renovação da vida comunitária e da oração deve ser o fruto da nossa união apaixonada com Jesus ».

Desde os primeiros retiros que ele pregou aos Irmãos do Canadá, da Espanha e do Brasil, nos anos de 1970, dizia: “Quando tu anuncias o Cristo ressuscitado, tu te comprometes a favor dele, de modo que, em face de qualquer dilema entre Jesus e outra coisa, tu te deixas esfolar antes de renunciar a Jesus, e que tudo se perde, mesmo a própria mãe, mas nunca Jesus”.

5–Ele torna a copiar em caracteres maiúsculos o conselho do seu diretor espiritual : « Não serão as pesquisas, os congressos, as conferências, os cursos que vão salvar a Igreja e o mundo das suas crises hodiernas, mas os santos, os homens de Deus. A tua santidade pessoal, que Deus espera ardentemente, é indispensável ao teu Instituto”.

6– « Na justa ordem das coisas, as pessoas valem mais que as obras. Se se perde a pessoa, tudo se perde. Pelo contrário, a obra pode continuar, mesmo

16 Carta aos amigos, 1º de novembro de 1978.

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quando as pessoas mudam »17. « O amor não é escopo, mas a atitude, cujo escopo é a pessoa amada »18.

1–Na universidade do motorista de táxi.Basílio, na sua primeira viagem à Venezuela, chegou ao aeroporto às 3 horas da madrugada. Ninguém o esperava. Alugou um táxi e foi a Los Teques, a 30 km de Caracas, lugar do retiro espiritual; mas o local fora mudado sem que Basílio fosse avisado. Chegou bem cedo a Los Teques e ninguém lhe veio abrir, apesar de vários toques da campainha. Então, esperando que viessem atendê-lo, ficou no táxi, ótima ocasião para falar com o motorista.– Acho que teremos tempo para bater um papo, a não ser que você não goste de falar com os passageiros. Eu teria preferido encontrar no aeroporto uma fisionomia conhecida – disse-lhe – mas fico feliz por fazê-lo ganhar seu dia. Como se chama você?– Ramón Sánchez, às suas ordens! Está na cara que você é pessoa distinta e de bons sentimentos. Acontece que neste carro tenho de escutar tanta coisa... E você, como se chama?– Basílio Rueda, Irmão Basílio Rueda. Sou religioso marista. A batina está na mala; é que as leis do México não nos permitem usar publicamente o hábito. Você tem família?– Sim, uma esposa maravilhosa e cinco filhos que, felizmente, vão crescendo bem. Mas comem que devoram. O táxi paga bem, não posso me queixar, mas estou sempre pobre.

E ficamos conversando. Respondeu a tudo o que eu queria saber sobre a Venezuela: política, sociedade, educação dos filhos, as pessoas das aldeias e das

17 Carta de 9-5-1975. AFM 51.09 – A3 – Equador.18 Circ. Projeto de vida comunitária, p. 92.

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grandes zonas urbanas residenciais de luxo; sobre a Igreja, os sacerdotes, sobre a crença das pessoas e a moral cristã. Trata-se de um homem honesto, de inteligência notável e que não havia estudado em livros; mas o seu táxi valia uma universidade.

No horário fixado pelo regulamento, uma religiosa nos abriu a porta. Apresentei-me e mostrei-me preocupado, porque tinha apenas tempo para tomar banho antes de começar o retiro.– Mas não é aqui; é no Seminário Interdiocesano. Felizmente ela nos ofereceu um café quente que nos revigorou nessa manhã de setembro de Los Teques, Caracas!

Outro momento de conversa amigável e rica do Ramón Sánchez. Chegamos ao Seminário, quando acabara a 1.ª Conferência-meditação, justamente aquela que Basílio deveria ter dado.– Seu Ramón, quanto lhe devo? Pense na sua esposa, nos seus filhos, nas horas que você teve a bondade de me dedicar.– Sim, penso em tudo isso, mas penso também, que você é um homem valente e não merecia a péssima acolhida que a Venezuela lhe reservou. Dê-me o que o taxímetro marca e mais um pouco para a gasolina que na Venezuela é barata. Pois bem, isso tudo e mais a lição de sociologia venezuelana que você me deu durante tantas horas.Prometi-lhe que o visitaria na sua casa na primeira ocasião que se apresentasse.

Ele o fez. Quando precisou voltar ao México, saímos de casa um pouco mais cedo, para parar na casa do motorista. A alegria daquela família humilde poderia ser comparada à de Zaqueu, que fez as honras da casa ao Divino Mestre. Quanto essa simples história do taxista nos revela a personalidade de Basílio!

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(Irmão Jesús Martínez Gómes, de Caracas, Venezuela.)

2– Adulto de doze anos.Recordo o caso do menino de doze anos, na Bolívia, do qual me interessei para que recebesse boa educação. Um Irmão me acompanhava ao bispado de Cochabamba, para falar com o Vigário Geral da arquidiocese. O menino se aproximou e disse:– Padre, posso lustrar-lhe os sapatos? – Não, obrigado. Neste momento, temos de ficar sozinhos.Na saída do bispado, vejo-o de novo e lhe pergunto o nome e se estuda.– Não vou à escola, eu lustro sapatos.– Gostarias de estudar? – Sim, gostaria. – Por que os teus pais não pagam a escola? Onde está o pai? – Eles o mataram. – E a tua mãe ? – Ela morreu.– Como morreu ? – Ela ficou de cama e morreu. – Quem toma conta de ti ? Tens algum parente. – Parentes? Sim, tenho dois irmãos pequenos, um de seis anos e o outro de dois.Esforçava-me em não demostrar demasiada emoção. Cumpre não traumatizar essas pessoas; já sofrem suficientemente; a vida as põe à prova.– Mas tem de haver alguém que se ocupa de você, uma tia, um tio.– Não. Não temos ninguém. – Então quem te dá de comer? – Uma senhora. Eu trabalho; dou-lhe o que ganho e ela dá de comer aos meus irmãos. É por isso que lustro sapatos.Nesse ponto, eu disse ao Irmão: Veja, é preciso levar este menino ao colégio; eu vou encarregar-me de lhe encontrar um pai que o adote e tome cuidado dos pequenos irmãos. Onde? Em qualquer parte do mundo, eu ou você temos de fazer algo. São homens como este garoto que salvam uma nação. Quando se encontra um menino de doze anos capaz de deixar

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brinquedos, estudos e tudo o que o interessa para se ocupar dos seus irmãos pequenos, estamos em face de um homem capaz de fazer da vida muito mais do que imaginamos19.

No coração dos seus Irmãos20

1– Acrescentava a isso notável delicadeza no relacionamento com os outros. Soube cultivar rica sensibilidade que o tornava extremamente atento às pessoas. Era amável, atento aos detalhes e pronto em servir em grau máximo. Dono de um coração tão generoso, sabia ser ‘amigo universal’. Tinha o dom de conservar e cultivar a amizade; para isso nem a memória, nem a imaginação lhe faltavam” 21.

2– O Irmão Basílio queimou sua vida por Jesus Cristo. E o fez nas pegadas de Maria, a Virgem fiel. Amava a todos profundamente. O engraxate das praças, o jovem Irmão, o pai de família, o colega de trabalho e, sem limites e sem medida, a Igreja, o mundo, a Congregação e, sobretudo, o que ele chamava a santa vontade de Deus.”22

3– Era esse o estilo do Irmão Basílio, direto e direto ao assunto e sempre atento à pessoa. Um dos maiores dons que ele fez a cada um de nós e ao Instituto é este: era o nosso Irmão. Amava-nos a todos como aos seus Irmãos e amava a todos aqueles com quem entrava em contato como irmãos e irmãs. O seu modo de ser Irmão conosco e para nós foi uma bênção para cada um, como para o Instituto e para a Igreja.23

19 Exemplo inserto nas conferências sobre a pobreza. Cf. Bética Marista, p. 147, abril de 1973. 2029 O livro El estilo de una vida, 160 páginas, é feito só de testemunhos. O livro Basilio, un autre Champagnat, alterna de uma página para outra os testemunhos com as cartas do Ir. Basilio.2130 Ir. Arturo Chaves de la Mora, Provincial do México Central, depois Conselheiro Geral de Basílio, in México Marista, n° 10, setembro-dezembro de 1996, p. 1.22 Ir. Carlos Martínez Lavín, in “México Marista, nº10, p. 14.23 Ir. Seán Sammon, S.G. – FMS-Message, n°19, p.13.

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4– Ele viveu e morreu como timoneiro, como chefe, timoneiro de mão firme e chefe de grande coração. Bastava saber que ele estava por aí para restabelecer-se a confiança e a calma, mesmo no turbilhão das piores tormentas. Ele sabia por que e por qual causa vivia, por quem trabalhava e nas mãos de quem entregaria o seu espírito. É por isso que deixou um rastro visível e exemplar, até mesmo para aqueles que não têm a coragem de segui-lo.24

5– Sempre tive a impressão de que era um homem afável e sereno, culto e humilde, religioso cheio de fé e de doutrina, zeloso promotor da vida consagrada e fiel ao carisma do Fundador. Tinha a simpatia e admiração do Padre Geral dos Barnabitas, Pe. Giovanni Bernasconi, que tratava com ele dos problemas mais difíceis do nosso tempo, época de contestação, especialmente entre os jovens, na Igreja e nos Institutos Religiosos. A palavra do Irmão Basílio era animada por um sopro de otimismo e de confiança, apesar das dificuldades e das crises. Eu sabia que ele era autor seguro para a vida espiritual e ascética e eu lia com prazer os seus livros sobre a oração, comunidade religiosa e caridade fraterna, encontrando neles luz, consolação e ajuda. Era mestre autêntico, guia seguro, líder de grande sensibilidade humana e evangélica. 25

6– O IrmãoBasílio foi apóstolo do mundo marista e portador de Boa Notícia. A sua solicitude pelos Irmãos, no pleno sentido da palavra, dava atenção pessoal especial àqueles que estivessem em grande necessidade.

24 Carlos Castillo Peraza, FMS MESSAGE, n° 19, p. 18. 25 Dom Andrea Maria Erba, bispo de Velletri, dans FMS MESSAGE, n° 19, p. 20.

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Na sua capacidade de atingir os corações, dava sempre preferência às pessoas em face da instituição. A sua presença, a serviço nosso e do trabalho, era total. Dedicava-se ao exame de cada situação, com detalhe e profundidade. Era hábil em obter a informação necessária para formular um juízo sempre adequado. Era voz profética que nos convidava a aceitar os desafios lançados pelo Vaticano II e a responder aos seus apelos.

Orientou de maneira especial a nossa atenção para as necessidades das missões e dos pobres. Os seus retiros nos alertaram sobre uma dimensão de nossa vida: a dimensão marista. Incentivou profunda renovação da nossa vida espiritual pessoal. A sua competência nesse setor é baseada na sua união pessoal com Deus na oração. Essa união deu-lhe unidade de objetivo, integridade, simplicidade e humildade. Estava totalmente integrado à tradição do Instituto e do Fundador. A sua equanimidade ia junto com o senso de humor. O seu coração transbordava virtude e ensino.

Jamais abatido, ele era fonte de inspiração para todos nós. Deu a muitos Irmãos nova confiança em si mesmos e no Instituto. Devemos gratidão a esse intrépido guia que nos mostrou o caminho e nos dirigiu. Na verdade, o Irmão Basílio foi líder nessa marcha. 26

7– Com a morte do Irmão Basílio Rueda, uma personalidade marcante desaparece, de porte acima da média, cujo destaque não é resultado da longa duração de 18 anos de superiorato, mas fruto da riqueza pessoal fora do comum. Com certeza, possuía o espírito, isto é, aquela penetração rápida e 26 Ir. Charles Howard, S.G. Discurso de agradecimento, em 15-10-1985, quando Basílio já não era Superior Geral.

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profunda de um conceito, unida à capacidade de concluir com uma noção precisa, justa e completa. Quase não se consegue imaginar de outro modo o Irmão Basílio, senão com o seu espírito sempre desperto e pronto a reagir.27

8–Para o Irmão Quentin Duffy, que trabalhou dezoito anos como Vigário dele, Basílio será lembrado pela sua jovem alegria, pela sua inteligência rápida em apanhar o essencial de uma boa vida religiosa, pelo seu ascendente e influência sobre os homens e mulheres de qualquer idade, pela sua notável piedade, pela sua fé e caridade ardente, pela palavra fácil e pena inspirada28.

9– Pode-se afirmar, sem engano, que o Irmão Basílio, quer nos seus escritos, quer pela sua presença ativa e única entre nós, foi um dos orientadores mais ouvidos e mais equilibrados nos anos de renovação, não apenas no seu Instituto, mas no conjunto da vida religiosa. Numerosos consagrados, graças aos seus escritos e ao seu testemunho, puderam avançar mais seguramente e com maior alegria no mistério do Deus vivo e verdadeiro29.

10– Eu o conheci quando ele era Superior-Geral do Instituto. Uma das principais características do Irmão Basílio foi a notável capacidade de escuta paciente e alegre. Quando não tinha reunião ou conselho, estava sempre disponível, apesar da montanha de papéis que se acumulavam sobre a sua mesa. Quem viesse bater à sua porta, fosse o mais humilde dos Irmãos da comunidade ou viesse de país distante, encontrava o

27 Ir. Paul Sester, Conselheiro, depois Secretário Geral com Basílio, in FMS MESSAGE, n° 19, pp. 29-31.28 Testemunho do Ir. Quentin Duffy, colhido em 26-2-2003.2937 Pe. Pier Giordano Cabra, S. G. Da Sagrada Família de Nazaré, in FMS MESSAGE, nº19, p. 37.

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Irmão Basílio sempre acolhedor, sorridente e totalmente à disposição.

As suas absorventes ocupações contavam pouco, dedicava então todo o seu tempo ao visitante. E, mesmo que este passasse os limites convenientes, não manifestava cansaço, ficava atento ao que lhe dizia e parecia mesmo perder a noção do tempo para continuar à disposição do seu visitante todo o tempo necessário. Para ele não havia nada mais urgente: devia-se todo ao que vinha visitá-lo. Esse modo de perder o tempo e deixar de lado as suas ocupações, para dar-se aos outros sem limites, foi realmente uma das características predominantes do Irmão Basílio. Passava a noite recuperando o tempo que havia consagrado aos outros30.

11– Era uma personalidade excepcional: unia bondade e firmeza, prudência e audácia, o amor às sãs tradições à capacidade não só de acolher todas as novidades úteis, mas de suscitar iniciativas de renovação. E isso não apenas com as estruturas, mas também na linha da vida espiritual individual e de todo o Instituto31.

12– A sua visão de futuro e valentia, o seu apoio e segurança foram para nós as maiores fontes de fortaleza, de esperança e decisão naqueles obscuros dias32.

13– O Irmão Basílio possuía a grande qualidade do senso da escuta, que lhe permitia ouvir os seus coirmãos. As numerosas visitas às comunidades do Instituto, durante dezoito anos de generalato, 30.Ir, Alessandro di Pietro, Postulador Geral com Basílio, FMS MESSAGE,nº19, p. 45. 31 Ir. Gildo Cotta, Conselheiro Geral com Basílio Rueda, FMS M\ESSAGE, nº19, p. 46.32 Ir. Leonard Voegtle, FMS MESSAGE, nº19, p. 44

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proporcionaram-lhe muitas ocasiões de receber Irmãos em entrevista, compartilhar as suas alegrias, encontrar soluções para as suas dificuldades. Sabia escutar, mesmo uma ladainha de misérias, às vezes exagerada, com toda a paciência cristã e caridade fraterna. O amor aos Irmãos traduzia-se nele em grande delicadeza, que o levava a estar próximo de cada um. A sua caridade era atenção ao próximo e compreensão do próximo. Na sua ação e nos seus escritos, o Ir. Basílio nos fez compreender que cultivava dois amores sinceros, o de Deus e o dos homens, e que compreendia tudo o que a fé põe em nós de luz e segurança, de força e garantia.33

14–A carta de um amigoBeauceville, 19 de novembro de 2002

Irmão Giovanni Maria Bigotto, Roma

“Um cachorro sem dono”.É o nome que me deu o Irmão Basílio Rueda, ao saudar-me, quando estava no Pavilhão Champagnat. A minha lembrança ainda é muito viva. Hoje sou feliz em relatar este pequeno incidente na seqüência de numerosos testemunhos que o valoroso confrade Basílio recebe de tantas partes do mundo. Nesse dia, encontrei na sua pessoa um homem: simpático, feliz, sorridente, comunicativo, fraternal.

Eu era diretor desta casa, tendo comigo sete confrades e 114 moças de dezessete a vinte anos. Para ele não foi surpresa. Eu cumpria uma função normal na comunidade dos Irmãos Maristas. Para mim era tudo natural. Senti-me seguro, aceito, valorizado, compreendido. Contava com um amigo com quem podia fraternalmente repousar.33 Ir. Roland Bourassa, Conselheiro Geral de Basilio, « El Estilo de una vida », p. 26.

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Mais tarde, quando ele partiu e que eu relia esta saudação assinada com a sua bela letra em pedaço de papel e na sua língua materna, como lhe havia pedido e que ele executou sem hesitar e com sorriso matreiro, um como calor de amizade me invadiu. Eu havia encontrado um homem que portava Deus consigo.

É próprio do homem rir do seu semelhante, mas fazê-lo sem ferir, com humor, requer caminhar com aquele que caminha sobre as águas e as muda em vinho. Eu sorrio, quando me lembro do dia em que nos ensinavam e nos diziam que se devia compor o rosto, com algo como máscara. Já havia encontrado tais máscaras ou, pelo menos, personalidades de santos religiosos, sem carisma, sem calor, como o inverno canadense. O Irmão Basílio, pelo contrário, era o verão, a doçura, o amor, a simplicidade. Ele se fazia tudo para todos.

Quando soube que o processo de canonização havia sido inscrito em Roma, exultei e com sinceridade invoquei esse campeão da fé. Com esse testemunho faço chegar esta relíquia que me é cara; é o meu testemunho.

Subscrevo-me, humildemente, entre os seus amigos. Conto com que ele esteja comigo para o resto dos meus dias. Sinceramente, em Jesus, Maria e Champagnat.Borromée Caron, fms, Canadá.

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Obrigado, Basílio.

1 – Obrigado, Basílio, por você ter aceitado, por duas vezes, na eleição da Assembléia Capitular, a incumbência de Superior Geral, assumindo responsabilidade muito pesada e exigente.

2 – Obrigado, Basílio, por você ter sido, durante dezoito anos, um Padre Champagnat para nós; você nos amava, nos inspirava, como ele o fazia com os primeiros discípulos, os Pequenos Irmãos de Maria.

3 – Obrigado, Basílio, pelas suas primeiras Circulares, repletas de doutrina e ensinamento sobre o homem religioso, o ser religioso, o mundo religioso e toda a evolução que se desenrolava no cenário mundial e na Igreja.

4 – Obrigado, Basílio, por suas longas viagens, umas urgentes, outras perigosas, sempre semelhantes a excursões de amor.

5 – Obrigado, Basílio, por ter sido trabalhador incansável e insaciável em comunicar aos Irmãos as mensagens claras e límpidas em favor dos jovens, dos pobres, da justiça, da comunidade e da Igreja.

6 – Obrigado, Basílio, por você ter trabalhado lealmente, em equipe e co-responsabilidade, com aqueles que partilhavam com você o serviço da autoridade.

7 – Obrigado, Basílio, pelo tempo dedicado ao menor dentre nós, ao mais jovem, como ao mais idoso, por carta, telefonema, visita, mensagem inesperada e gesto fraternal, por vezes inesperado.

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8 – Obrigado, Basílio, pela sua alegria comunicativa, riso jovial, brincadeiras finas e benfazejas na sua linguagem gostosa.

9 – Obrigado, Basílio, pelas Circulares sobre a oração, obediência, vida comunitária, assinalando novo espaço para Maria.

10 – Obrigado, Basílio, pelo exemplo da sua vida de oração intensa, pela sua fidelidade à presença de Deus e sede imensa de adoração e contemplação.

11 – Obrigado, Basílio, pelo mistério de amor e de unidade de que você era portador, profeta e realizador, onde quer que você fosse, apressado, ou hóspede esperado e retido.

12 – Obrigado, Basílio, pelo seu grande cuidado da formação no Instituto em todos os níveis e pela sua preocupação com os nossos Irmãos missionários longínquos.

13 – Obrigado, Basílio, por ter sido Irmão universal para todos e para cada um e por ter lutado em prol da fraternidade universal; pela sua discrição e respeito em todo o encontro, comunicação, intervenção, em toda a exigência e em toda a solicitação.

14 – Obrigado, Basílio, por ter salvado do esquecimento e do abandono o Patrimônio Marista de Notre Dame de l’Hermitage e ter-nos dado a ocasião de reencontrar, para sempre, o Padre Champagnat, o Irmão Francisco e os nossos primeiros Irmãos.

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15- Obrigado, Irmão Basílio, por ter sido o nosso Irmão maior e aceitar sê-lo ainda, intercedendo por nós.

Oração

Deus, nosso Pai, destes ao nosso Irmão Basílio um coração magnífico, inteligência penetrante e imensa paixão pelo vosso

Reino. O coração foi-lhe generosa fonte de mizade;

a sua inteligência sabia resolver os nossos problemas; a sua paixão pelo vosso Reino renovou a Família

Marista. Nós vos damos graças, Deus nosso e Pai,

por esse dom precioso que foi Basílio para a Igreja, para inúmeros amigos e para nós.

Permiti-nos chamá-lo para nos ajudar, quando a dúvida pairar nas nossas vidas,

quando a doença, os problemas ou os anos nos afligirem.

Sobretudo pedimos-vos, neste momento, ... .E vós, Maria, nossa Boa Mãe,

a quem Basílio dedicou uma das suas mais belas Circulares,

intercedei também por nós. Ó Pai, que nossa oração vos glorifique, a vós,

a vosso Espírito Santo e a vosso Filho Jesus Cristo,

por quem vos pedimos. Amém.

Em que ponto está a causa do Irmão Basilio ?

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Ela está dando os seus primeiros passos.

1–Em cinco de junho de 2002, nas primeiras vésperas de são Marcelino, o Conselho Geral tomou a decisão de introduzir a causa do Irmão Basílio Rueda Guzmán. Essa decisão abriu a fase da pesquisa dos documentos pessoais, dos escritos públicos ou privados do Irmão Basílio e dos testemunhos em favor dele. Os escritos serão submetidos ao estudo de dois censores teológicos e de três historiadores. 2–Em 19 de junho de 2004, sua eminência o cardeal Juan Sandoval Iñíguez, arcebispo de Guadalajara, estabeleceu o Tribunal diocesano34 e abriu, assim, o Processo Ordinário. Este ato significa que a causa está oficialmente aberta da parte da Igreja. O Irmão Basílio pode, agora, oficialmente receber o título de servo de Deus35. Esse tribunal está encarregado de interrogar as testemunhas36 constantes da lista preparada pelo Irmão Vice-Postulador; no entanto tem o direito e o dever de convocar outras testemunhas que não estão na lista.

3–Em 26 de junho, quinta-feira, foi convocada a primeira testemunha, Irmão Arturo Chaves de la Mora. Ele é da mesma turma de formação que o Irmão Basílio ; foi Provincial do México Central no premeiro mandato de Basílio; enfim, Conselheiro Geral durante o segundo mandato do Irmão Basílio. A sessão durou 2h 40.

4– Esse tribunal se reúne todas as quintas-feiras, até que todas as testemunhas tenham sido ouvidas. O processo pode durar vários anos.

34 O Tribunal diocesano comporta um juiz de instrução, que é sacerdote, um promotor de justiça, também sacerdote, com um ou diversos secretários.35 A causa do Ir. Henri Vergès, introduzida pela Congregação em 2000, ainda não está aberta do lado da Igreja.36 Todos os que constam na lista são testemunhas oculares ou de visu: conheceram pessoalmente o Ir. Basílio.

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5–Haverá um Processo rogatório na Espanha, para as testemunhas espanholas que conheceram o Irmão Basílio. Quando esse processo ordinário houver terminado, a documentação será enviada à Congregação dos santos, em Roma, para estudo. Se os documentos recebem o decreto de validade, o postulador começa a escrever a positio. O estudo desta pelos teólogos e pelos cardeais e bispos se encerra habitualmente pelo decreto de heroicidade das virtudes e com o título de venerável. O tempo médio entre a apresentação da positio à Congregação da causa dos santos e o decreto de heroicidade das virtudes é de cerca de quinze anos. Um milagre reconhecido leva à beatificação ; um segundo milagre leva à canonização. O tempo entre o decreto das virtudes e o milagre depende da bondade de Deus e da nossa oração.

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MEMÓRIA DO IRMÃO LYCARIÓN*21-7-1870 – +22-7-1909

O aniversário da morte do Irmão Lycarión é 27 de julho, que podemos considerar testemunha da fé até ao sangue e que, por muito tempo, deixamos na sombra. Hoje, desejaríamos rezar com ele, conhecê-lo um pouco, e louvar a Deus pelos Irmãos que nos concede.

O mártir marista LycariónNasceu em Bagnes, Valais, na Suíça, em 21 de julho de 1870, chamava-se François Benjamin May. Com 18 anos, foi a Saint-Paul-Trois-Châteaux para tornar-se Irmão. Foi enviado à Espanha. Com 25 anos, foi diretor da escola de Canet del Mar, na Catalunha, depois em Arceniega, na região basca. Os superiores confiaram nele e lhe pediram que abrisse o Patronato São José, em Pueblo Nuevo, bairro operário de Barcelona. É necessário recordar a grande pobreza que o mundo proletário conhecia no começo do século XX. A escola do Irmão Lycarión acolheu gratuitamente os filhos dos operários. O diretor, perante a tarefa, não hesitou em abrir novas aulas para outras crianças, sempre de famílias operárias, e ministrar aulas noturnas para os próprios operários. Conquistou a estima das famílias, mas também o ódio dos anarquistas para quem os operários eram o seu monopólio, o seu mundo eleitoral. Assim, quando explode a Semana Trágica de Barcelona, a sua escola foi a primeira incendiada, e ele a primeira vítima.

A Semana Trágica É o nome que levam os acontecimentos trágicos que vão de 27 de julho a 1.° de agosto de 1909. É a

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revolta das massas operárias sob a instigação e direção dos anarquistas. Nesses seis dias, 80 edifícios da Igreja serão incendiados: 33 escolas, 16 conventos, 14 igrejas, 11 instituições de beneficência e 6 círculos a favor dos operários. As escolas vão pagar o preço mais elevado desse levante.

O nosso Irmão Lycarión é mártir ? Sim, no sentido popular do termo: foi morto pelos anarquistas que se diziam ateus. A Escola do Irmão Licarión acolhia os filhos dos operários e tinha bons resultados. Na frente, do outro lado da rua, havia a escola anarquista e o círculo dos Jovens Bárbaros, ramo dos jovens do partido radical da esquerda. Nos seus jornais, brochuras, publicações e reuniões inculcavam nas almas dos operários o ódio à Igreja. Prometiam sangue e fogo. Alguns dias antes dos acontecimentos, houve uma reunião no círculo dos Jovens Bárbaros, diante da Escola do Irmão Lycarión. A decisão tomada foi o incêndio do Patronato São José e a eliminação dos Irmãos. O diretor da escola anarquista – Francisco Ferrer Guardia – não deixou o local antes de ver a Escola da frente queimar por todos os lados. Foi posto fogo ao Patronato São José na noite de 26 para 27 de jullho. O Irmão Lycarión foi morto com diversos tiros, pelas 10 horas da manhã do dia 27. Assim, a Escola encabeçava a lista dos prédios que seriam incendiados; o seu Diretor encabeçava a lista das vítimas. Era normal: eles se achavam a alguns passos do centro dos organizadores da Semana Trágica.

Ladainha de ação de graças e pedido

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1) Senhor, por nos teres salvo pela morte do teu Filho, primordial mártir de todos os mártires, e também o primogênito dentre os mortos, nós te glorificamos.2) Senhor, por todos os homens e todas as mulhres que te são fiéis até ao sangue, nós te glorificamos.3) Senhor, por todos os educadores que fazem crescer os jovens com entusiasmo e que lhes abrem caminhos para ti, arriscando a própria vida, nós te glorificamos.4) Senhor, por todos os que têm fome e sede de justiça e que a reclamam, pagando-a com a própria vida, nós te glorificamos.5) Senhor, por todos os artífices da paz, que se imolam vítimas dos violentos, nós te glorificamos.6) Senhor, por todos os que hoje são vítimas da ambição política, vítimas que somente desejam a promoção e a solidariedade entre os homens, nós te glorificamos.7) Por todos os pobres, Senhor, que apesar do seu martírio cotidiano, permanecem fiéis a ti e contam contigo, pelo seu testemunho de fé, nós te glorificamos.8) Senhor, porque nunca deixas que nos faltem mártires e o seu exemplo estimulante, nós te glorificamos.9) Senhor, pelos nossos mártires da Oceania, da China, da Espanha e da África, todos dignos filhos de Marcelino e nossos irmãos, nós te glorificamos.10) Senhor, por todos os mártires que fizeram de ti o seu único tesouro e que proclamam a fé na ressurreição e na vida eterna, nós te glorificamos.11) Senhor, por todas as vítimas inocentes de hoje, onde há focos de guerra e rivalidades políticas, nós te rogamos.12) Senhor, por todos os que na nossa sociedade são vítimas da cultura, do sistema econômico, da droga e

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dos abusos e indignidades contra as jovens, nós te rogamos.13) Senhor, por todos os que tu chamas neste ano para testemunhar na tua defesa até ao sangue, nós te rogamos.14) Senhor, aumenta em nós a generosidade, o compromisso a favor da justiça, para que nos tornemos promotores de fraternidade e de solidariedade, nós te rogamos.15) Senhor, aumenta na nossa família marista a santidade, a abertura para ti e a abertura aos problemas do mundo que nos cerca, nós te rogamos.

Oração ao Irmão Lycarión.Deus onipotente, foste glorificado pela confissão do mártir Irmão Lycarión, testemunha fiel da escola cristã dedicada aos filhos dos necessitados; pela intercessão do mártir, aumenta em nós a fé, a esperança e a caridade e concede-nos a graça...que te pedimos em favor de ... Pai, glorifica o teu servidor Lycarión, o que te pedimos por Jesus, teu Filho e nosso Senhor. Amém.

As testemunhas depuseram.

1- «Ele era um professor admirável, sacrificado e preocupado com o progresso dos alunos. Preparava as aulas com muito cuidado. Explicava as lições com grande interesse e muita clareza. Punha mais cuidado ainda na catequese do sábado, em honra da Santíssima Virgem Maria, de quem era grande devoto. Distinguia-se sobretudo no relacionamento social, de maneira que, depois de um ano,

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conquistara a confiança de todos pelo seu trabalho e bondade. Gozava da estima de toda a população, que o qualificava de ‘irmão santo.’»

2- «O servo de Deus se distinguia pela caridade, pela proteção que oferecia aos operários e aos seus filhos. Era edificante para as pessoas do bairro, que nele reconheciam uma irradiação especial de santidade.»

3- «Meu pai, que o teve vários anos por professor, não se cansava de elogiá-lo. Sempre o considerou como religioso exemplar, opinião que partilhava com os antigos alunos, ressaltando-lhe o espírito humanitário, enérgico, e que não poupava esforços.»

4- Alguns de seus ex-alunos, cinqüenta anos depois da sua morte, diziam que ainda o invocavam todos os dias e que lhe deviam muito da sua formação humana e cristã.

5- O Irmão Rafael, que viveu com ele, e se achava na sua comunidade, quando aconteceram os fatos, escreve: «Durante o tempo em que vivi com ele, deu-me sempre o melhor exemplo nas relações que o educador deve ter com os alunos; e como membro da comunidade, foi para mim o melhor dos pais.»

6- Eis o que Lycarión escreve à sua família com referência aos operários: «Causa pena lançar um olhar sobre os operários, quando saem das oficinas, porque a gente vê então, ao lado dos que já têm os cabelos brancos, crianças de ambos os sexos, de apenas oito anos, cujo aspeto já desfigurado anuncia um outono precoce».

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Em que ponto se encontra a causa do Irmão Lycarión?

O Irmão Lycarión é um dos Irmãos cujo martírio a Congregação desejaria que fosse reconhecido por Roma, proclamando-o beato. Ele o merece, foi homem notável no plano humano e de grande valor no plano espiritual. Muitas vezes o martírio é o coroamento de uma vida cristã já de alto nível. Todos os trabalhos da causa, feitos na diocese de Barcelona, pelo Tribunal Ordinário, receberam de Roma o decreto de validade. Agora estamos na fase romana.

O trabalho da positio (a documentação) está pronto e prestes a ser impresso. Mas essa causa será unida à do grupo do Irmão Eusébio e de seus companheiros; são 59 mártires durante a guerra civil espanhola de 1936-1939. Para esse grupo, o trabalho está bem adiantado. Em síntese: o Irmão Lycarión agora está a caminho da beatificação, que é lento, mas exige apenas paciência. A sua causa nos recorda que «tornar-se Irmão é comprometer-se a ser santo», e que muitos Irmãos da nossa família religiosa tomaram isso a sério. Que esses Irmãos sejam incluídos nas nossas orações e façam parte das nossas amizades diárias.

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BERNARDO FÁBREGA JULIÁ*1889-+1934

IRMÃO E MÁRTIR

Em 6 de outubro de 1934, o Irmão Bernardo é assassinado em Barruelo, Espanha. Ele tem 45 anos. A página que abre a sua causa sintetiza o acontecimento com estas palavras: « O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas », Jo 10,11.

Não se improvisa um mártir.Em Bernardo pulsava um coração de apóstolo. Em todos os lugares por que passou, multiplicava as iniciativas: corais, associação de antigos alunos, grupos de ação católica, movimento de apóstolos entre os alunos, portas abertas, entronização de estátuas do Sagrado Coração, vigílias de oração, circulo de estudos, conferências culturais e religiosas, aula para adultos, caixas de poupança para os filhos de mineiros, bolsas de estudos, biblioteca itinerante, grupos de teatro, atividades folclóricas, visita às famílias de mineiros, visitas aos doentes, promoção vocacional, acompanhamento de jovens Irmãos, sem esquecer o trabalho normal de professor e de diretor. « Nove horas de aula diárias, escreve ele a um dos seus antigos alunos, horas que me parecem minutos, porque encontro plena satisfação em estar no meio de crianças e tudo o que faço por eles parece-me muito pouco. » (p. 67)37. Tudo isso amadurece numa forte vida íntima com o Senhor e com a Boa Mãe, sem esquecer a mortificação e

37 As páginas indicadas são aquelas da Informatio; esta constitui a primeira parte da Positio ou do conjunto dos trabalhos que apresenta uma causa de beatificação ou de canonização.

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mesmo o cilício. Ele dizia: «Que posso fazer de bem aos alunos, se não sou o primeiro a viver o que eu digo ? » (p.71).

Um artigo do jornal El Debate escreveu: « O religioso que foi assassinado, Plácido Fábrega, era homem verdadeiramente apostólico. Durante nove anos em Barruelo e Villejo de Orbó, dedicou-se à formação intelectual e moral dos filhos dos mineiros da região. Era muito estimado pelos alunos, para os quais havia chegado a criar uma caderneta de poupança». (p.215)

O Irmão Bernardo sentia-se ameaçado. A um coirmão de Lérida ele dizia: « Não sei o que se passará em Barruelo, mas cedo ou tarde passar-se-á algo horrível. Os pobres operários são fanatizados, eles estão armados; preparam-se todas as semanas; eles ameaçam o pároco e as irmãs; mas que tudo seja segundo a vontade de Deus ; é nas suas mãos que estamos. » (p. 197). Quando a sua mãe soube que ele devia dirigir a escola de Barruelo, na região das minas, ela lhe disse: –Que Deus te proteja, meu filho. Os mineiros têm péssima reputação. Esperemos que eles não te matem.–Eles não são tão maus, mãe; se assim for, para mim não há maior felicidade que a de dar a vida por Deus e pelo evangelho (p. 199).

O Irmão Laurentino, seu provincial, notificado da morte do Irmão Bernardo, este religioso íntegro e inteiriço, escreveu: “Era um apóstolo infatigável da criança pobre, religioso exemplar, marista completo, superior, pai e modelo dos seus Irmãos, excelente recrutador de vocações.”

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Em 5 de outubro, festa de são Plácido, nome de batismo do Irmão Bernardo, as comunidades de Barruelo e de Vallejo de Orbó reuniram-se para festejar o diretor. Num poema de ocasião um dos Irmãos deseja ao Irmão Bernardo « uma felicidade eterna » (p. 94).

Excertos do Irmão BernardoComo Marcelino, o Irmão Bernardo gostava de aproximar-se das crianças para lhes falar de Deus. Um coirmão nos deixou esta lembrança: « Foi em Barcelona, um dia de passeio. Encontramos uma criança pobre, vestida de andrajos. O Ir. Bernardo me diz: « Quem sabe se esta criança pobre sabe que Deus existe ? ». A criança se achega para pedir uma esmola ou uma estampa”. Antes de dá-la, o Irmão Bernardo fala com a criança e vê que ela sabe o Pai Nosso e a Ave Maria. Ele lhe pergunta: –E quem te ensinou estas orações ?–-Minha mãe.–Onde está tua mãe? –Ela morreu. –Há muito tempo ? –Três meses.–-Você rezou bastante por ela? E como a criança não respondia, ele lhe perguntou: –E onde está a tua mãe agora? –No cemitério. –O seu corpo, sim, mas sua alma? –Também. –Não, meu filho, não sabes que a alma não morre? Não sabes que existe o céu? p.102)

Dois empregados da administração da Casa do Povo, ambos marxistas e ateus, deviam submeter-se a um concurso. Eles vieram simplesmente visitar o Irmão Bernardo para cursos de preparação. Bernardo nunca recusou tais pedidos e ainda menos desta vez. Durante dois meses ele deu uma hora de aula por dia. Não quis ser pago: « É de coração! » diz ele (p. 152).

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Era o dia da sua festa patronal. Bernardo encontrava-se à mesa com os seus Irmãos e aqueles que a comunidade de Vallejo de Orbó havia convidado. Soube de que um jovem marxista, pobremente vestido e desempregado, estava à porta, pedindo esmola. Levantou-se imediatamente. Vendo os andrajos do infeliz, trouxe-lhe roupas, sapatos e o fez sentar-se à mesa. Uma vez refeito, o despediu amavelmente (p. 152).

Todos os anos ele recebia grande quantidade de roupas. Ele as distribuía às famílias dos mineiros mais pobres (p.153). De boa vontade se fazia mendigo em favor dos seus pobres. Deram-lhe o apelo de « d’escroc » «el atracador », apelido que nada tinha de pejorativo (p. 155).

Bernardo escreve a um de seus benfeitores: «Há alguns dias, indo à missa das 6h30, encontramos duas crianças acocoradas na porta de igreja, dois órfãos, quase nus e morrendo de frio. Trouxemo-los à escola e os vestimos dos pés à cabeça. Seria mais correto se dissesse que vós os vestistes dos pés à cabeça. » (p. 153)

Um dia ele encontra uma pobre anciã, tão miserável que as suas roupas eram trapos. Logo tirou sua blusa e cobriu a pobre mulher (p.155).

Nos dias de chuva ou de muita umidade, alguns alunos não tinham para voltar para casa senão alpargatas. O Irmão Bernardo os retinha, comprava-lhes galochas ou tamancos e lhes dava de presente. E quando fazia muito frio, chamava os menos protegidos, dava-lhes mantos para abrigarem-se do frio e eles guardavam-nos para si (p.155).

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Dava cursos particulares e utilizava os honorários para socorrer as crianças pobres, para que pudessem vestir-se dignamente no dia da Primeira Comunhão (p. 156). Era sempre ele que preparava as crianças para ela. Em todas as partes ele se reservava este apostolado.

Em certa ocasião, estando em Vallejo de Orbò, soube que um dos seus alunos estava doente em Matabuena. Para ali chegar, era necessário percorrer longa estrada e subir montanhas. Bernardo pôs-se a caminho, a pé como sempre. Encontrou o doente em péssimas condições. Administrou-lhe um remédio que tinha preparado e depois de encorajar a família, dirigiu-se para Barruelo. Suplicou o médico de visitar o doente imediatamente. Depois retornou apressado a Vallejo para os seus cursos. Havia percorrido 15 km. (Depois do dia da visita o doente começou a sentir-se melhor… e em 1991 ele tinha 85 anos.) (p. 157).

Numa cidade próxima de Barruelo, um adolescente de 17 anos, querendo roubar 25 pesetas de uma criança de 10 anos, o matou, quebrando-lhe a cabeça com uma pedra. Quando Bernardo tomou conhecimento deste horrível crime, quis participar do enterro com todos os alunos do seu setor, apesar do grande frio. As pessoas expressaram-lhe grande admiração por este gesto (p. 159).

Muitas vezes superior de pequenas comunidades, Bernardo aceitava de bom grado ser o goleiro, se isto permitia que os jovens Irmãos realizassem um jogo (p. 178).

Alguns traços e fatos da biografia

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Em 18 de fevereiro de 1889, o Irmão Bernardo nasceu em Camallera, perto de Gerona. No batismo recebeu os nomes de Plácido Juan José.

Em 1901, em 9 de março, ele entrou no juvenato, onde um dos seus irmãos o havia precedido.

Em 1905, no dia 8 de setembro, emitiu os seus primeiros votos ; em 1910, os votos perpétuos; e em 1930, o voto de estabilidade.Percorreu todas as etapas dos Irmãos neste período : cozinheiro da comunidade, estudos, professor na escola primária, na secundária, subdiretor da escola, superior da comunidade e diretor da escola. Em 1910, lecionou na escola de Igualada e ficou, em toda a sua vida, particularmente afeiçoado aos alunos desta escola.Em 1916, ele se encontrou entre os fundadores do colégio San José de Barcelona. Durante nove anos, ali permaneceu, consolidando e desenvolvendo os traços do seu apostolado.

Em 1925, foi nomeado superior da comunidade e diretor da escola das minas (minas de carvão) em Vallejo de Orbó. Esta escola está no mesmo vale de Barruelo, a alguns quilômetros. O seu apostolado centrou-se na formação dos filhos dos mineiros. Ele amou apaixonadamente essas pessoas trabalhadoras, pobres e infiltradas de marxismo. Consciente da pobreza destas famílias, ele quis criar para as crianças a oportunidade de um futuro melhor.

Em 1931, os superiores lhe pediram que assumisse a direção da escola de Barruelo e que assumisse o cargo de superior da comunidade de seis Irmãos.

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Em 1934, no dia 6 de outubro, ele foi morto às 4h30 da manhã: o seu corpo foi ultrajado, mutilado, arrastado pelos pés até a propriedade dos Irmãos e ficou abandonado durante 24 horas. Em 8 de outubro, é enterrado no cemitério paroquial de Barruelo.

Em 1935, no dia 12 de outubro, durante uma solene cerimônia, é posto num túmulo novo no cemitério de Barruelo.

A púrpura de aurora e de sangue

Clima ameaçadorNa Espanha, com a instauração da segunda República (1931), a difusão do anticlericalismo e do marxismo tornaram-se provocantes e orientados de forma desavergonhada contra a Igreja e contra os valores cristãos.

O Irmão Bernardo opôs-se corajosamente a esta maré funesta que ameaçava o cristianismo de Barruelo e sobretudo os jovens. Ele multiplicava as iniciativas educativas para prevenir a apostasia: Ação católica, Círculos de estudos, cursos vespertinos e conferências, caixa de poupança. Muitos que, num primeiro momento, tinham aderido ao marxismo, retornavam à Igreja, vendo o testemunho de vida consagrada do Ir. Bernardo e a generosidade da sua caridade para com todos aqueles em necessidade. Esta foi também a razão principal pela qual os dirigentes locais do partido comunista o inscreveram na lista de morte; eles o ameaçaram várias vezes; a sua eliminação física era um dos seus primeiros objetivos, quando a revolta irrompeu. Ainda assim, nada desviava o Irmão Bernardo do anúncio de Cristo e do testemunho da sua palavra. Ele foi a vítima de

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« um ódio sem razão », Jo 15,25. O seu próprio assassino reconheceu isso no tribunal. As últimas palavras de Bernardo são uma prece a Deus, à Virgem Maria e o perdão oferecido ao seu verdugo, que o observava morrendo e disso se vangloriava. ( p 3 e 4).

Grita-se “liberdade” e mata-se.Deixemos a palavra ao Ir. Heraclio José que vivenciou os acontecimentos:« Deviam ser quatro horas da manhã, quando um tiro de petardo e de fuzil contra as nossas janelas nos acordou. Impossível fugir senão pela porta que dava sobre o pomar e dali, por um buraco, atravessar o rio. Chegados neste lugar e vendo que hesitávamos, o Irmão Bernardo nos diz: « Coragem, Irmãos, Deus nos protege », e encabeçou o grupo. Os seis Irmãos atravessaram o rio. Após alguns metros o Irmão Bernardo deu de frente com um atirador que lhe gritou: « Liberdade !» Era a palavra de ordem, precisa responder: «é por ela que lutamos ». O Irmão Bernardo lhe disse: «Em nome de Deus não atire. Sou o diretor da escola; há nove anos que me dedico à educação dos filhos dos mineiros». Mas o outro lhe descarregou dois tiros de fuzil. Ouvi as últimas palavras do mártir: « Virgem Santa ! Senhor ! perdoa-me, perdoa-lhe, Senhor, Ai ! Mãe. » (pp. 182-183)

O assassino chamou os seus amigos e se gabou: « Vinde ver; há aqui um monge com a boca mais fria que sua mãe que o pôs no mundo ». E pisoteou o corpo. Proferiram-se contra o morto muitas obscenidades e blasfêmias. Um deles o apunhalou, depois mutilou o corpo; amarraram-lhe uma corda nos pés e o arrastaram ao pomar dos Irmãos, onde ficou abandonado por 24 horas. (pp. 186-187)

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Celestino Mediavilla, o assassino, assegurou que o motivo da vingança não foi nem político, nem uma vingança pessoal. Ele reconhecia no Irmão Bernardo uma pessoa boa, que fazia o bem aos filhos dos mineiros. Mas era a ordem de matar sacerdotes e religiosos e incendiar a igreja da paróquia e a escola dos Irmãos. Era a lógica marxista (p. 206).

O depoimento das testemunhasO nó central da espiritualidade do Irmão Bernardo é a fé em Deus-Amor (p. 111).

A virtude do Irmão Bernardo não é o fruto do temperamento, mas o produto elaborado de um esforço particular e cotidiano. Os seus dias não eram uma sucessão de períodos iguais, como produto em série que emanasse da usina da sua mente. A sua vida era um empenho constante pelo desempenho cabal das tarefas cotidianas (p. 166).

Tendo-se o Irmão Bernardo tornado educador eficiente da fé dos seus jovens alunos, ele não propunha somente conhecimentos teológicos, mas sobretudo a sua experiência de Deus (p. 98).

Ele foi mestre extraordinário, de vontade forte, de caráter, enérgico, sério e profundo em tudo quanto dizia ou empreendia. Por outro lado, ele era respeitoso, afável, delicado nas suas maneiras e extremamente caridoso. A sua sinceridade e a sua retidão integral eram marcantes (p. 95).

Um jovem Irmão deveu juntar-se à comunidade do Irmão Bernardo. O Provincial não lhe deu senão um conselho: « Esforça-te de ir sempre com Bernardo ». Após alguns dias o Irmão compreendeu: « Era como

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se me tivesse dito: poderei aconselhar-te que te tornes piedoso, mortificado, zeloso, um santo; tudo isso te recomendo pelo único fato de te colocar na companhia do bom Irmão Bernardo. Com efeito, ele será para ti modelo de piedade, espelho de abnegação e de regularidade, exemplo de zelo, luz de santidade, cópia e resumo de todas as virtudes religiosas e maristas. Nele encontrarás um guia amigo, como irmão e pai. » (p. 135)Ele tinha predileção especial pelos filhos dos mineiros, ele os via desprovidos de meios para lutar pela vida. (p. 150). O seu objetivo era fazer o bem a todos, mas de preferência aos filhos dos mineiros. Preocupava-se em encontrar meios para responder às necessidades dos outros, sobretudo das crianças mais pobres. Para elas, todos os anos, ele recebia roupas (p. 154). Ele distribuía também as suas roupas velhas a jovens já crescidos que lhe vinham pedir. Nunca lhes perguntava que idéias professavam. Para cobrir as despesas que isso representava ele dava cursos extraordinários (p. 155). A sua virtude era tão sólida quanto atraente; irradiava tal alegria e tal simpatia que não me lembro, nas saídas, que lhe recusassem o bom-dia, mesmo dos mais aguerridos socialistas (p. 178).

No tempo em que pude conhecer o Irmão Bernardo, apreciei duas grandes qualidades que se destacavam entre as outras: piedade sólida e trabalho infatigável. Quando li no jornal de que morte ele foi vítima, uma só idéia veio-me à mente: Deus o quis recompensar com a coroa do martírio (p. 180).

Inquietudes e convicções do coraçãoEle repetia seguidamente aos alunos: « É preciso crer com palavras e com obras ! » (p. 98)

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« Quando, na solidão e no repouso do retiro, lanço um olhar para trás, os braços me caem, ao ver o meu pouco progresso na virtude. Como ousarei me apresentar diante de Deus? » (p. 104). « Cinco anos de luta sem chegar a nada. Lutei, fiz fervorosas novenas, busquei os meios, consultei os meus confessores. Tudo foi inútil. Como estou distante da perfeição que Deus espera de mim, mormente em face do grande número de graças que ele me concede. Recebo a comunhão diariamente e sou tão tíbio. Em que abismo caí. Quanto seria útil para os coirmãos e para os meus alunos que eu fosse santo ! » (p. 161).

A respiração é sinal de vida. A devoção a Maria é sinal de salvação (p. 118). Nós somos vossos, Maria, porque vós sois a nossa Mãe muita amada, porque vós sois a nossa Rainha venerada; nós somos totalmente vossos, porque Jesus, morrendo, nos entregou à vossa ternura e à vossa proteção (p. 119). Hoje, na festa da Imaculada Conceição, tive a alegria de receber o bom Jesus na igreja da Virgem dos Desamparados. Para não esquecer ninguém, levei o caderno de notas dos meus alunos e li os seus nomes um por um, pedindo à Santíssima Virgem que abençoe a todos e que ela não permita que um só daqueles que Deus me confiou se perca. (Carta a um aluno; p. 121)A nossa miséria nos obriga a rezar. Ele tinha uma idéia tão elevada da oração que, cada vez que eu fazia a entrevista hebdomadária, ele me exortava a adquirir o espírito de oração, ele me dizia: « A oração é o ponto capital, é o termômetro do religioso » (p. 128).

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Ele dizia a respeito do carnaval: « Com aquela alegria eu daria cursos durante estes dias de carnaval, e não apenas aos nossos alunos, mas a todas as crianças da cidade, se isso pudesse evitar um só pecado mortal » (p. 131).

Há poucos dias, seu pai me chamou à sua cabeceira e, colocando nas suas palavras toda a sua afeição paterna, ele me disse: « Irmão, tome cuidado dos meus filhos. Quando os vir, diga-lhes que o meu mais ardente desejo é que eles pratiquem bem a religião ». Vocês sabem bem, meus queridos, o pai está já no céu, mas ficam com um segundo pai disposto a fazer por vocês tudo o que faria o melhor dos pais. O seu segundo pai, que vocês amam muito e os abençoa de todo o coração (p. 149).

Ele dizia dos filhos dos mineiros: «Eles têm o rosto um pouco escuro, é verdade, mas eles são almas de Deus » (p. 150).

Meu muito estimado pequeno amigo Emílio, não podes imaginar a alegria e a satisfação que me trouxe a tua carta carinhosa. Que coração nobre e delicado Deus nosso Senhor te deu. Dizes-me que me pedes perdão de todos os pequenos desprazeres que me causaste, e eu te digo que tudo está esquecido, tudo está perdoado e me sinto feliz por ti (179).

Testemunho para o terceiro milênio38 Sete decênios já se passaram depois da aurora sangrenta deste 6 de outubro de 1934. Depois desta data, houve a guerra mais destruidora da história. A Espanha ficou de fora: ela ainda devia curar as suas feridas. A ideologia marxista tornara-se metástase 38 Página inspirada no livro Il vécut en travaillant, il mourut en pardonnant, p.47, do Ir. Claudio Alberti.

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cancerosa, a mais dolorosa do século. Depois, de súbito, irromperam desmoronamentos gigantescos: desabaram muros, paredes, ideologias. Aquilo em que criam os homens da Casa do Povo de Barruelo foi deglutido pela história. Aquilo em que cria com obstinação o apaixonado de Cristo de Barruelo, Irmão Bernardo, ficou como ponto de referência para todos aqueles que buscam a luz.

A vida dele é maravilhosa página dessa maldita história que nos queima ainda: ele foi vítima de uma ideologia já desmoronada. A morte violenta não conseguiu reduzir ao silêncio o pacífico (não se chamava ele Plácido?) operário do Evangelho. Ele está sempre ali para recordar que, se os pequenos temem a noite, os grandes temem a luz; e os pequenos estão sempre à espera da Luz do mundo. A humanidade entrou no terceiro milênio, guardando a sua sede de testemunhas. Irmão Bernardo não deixa ninguém tranqüilo: ele ali está para dizer que na vida não é permitido escolher uma mediocridade tranqüila. Ademais, somente Cristo dá sentido e alegria; e ele merece o amor até ao sangue.

OraçãoPai bondoso,

chamaste o Irmão Bernardo a participar da missão da Igreja

numa vida totalmente consagrada à educação dos filhos dos operários

e lhe deste a força de testemunhar a fé e o amor até ao sangue.

Torna-nos dignos de imitar os seus exemplos e concede-nos, por sua intercessão, a graça ....

E tu, Maria, nossa Boa Mãe, obtém-nos a glorificação do teu servo fiel

que trabalhou para te fazer conhecida e amada. Por Nosso senhor Jesus Cristo. Amém.

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IRMÃOS LAURENTINO, VIRGÍLIOE 44 OUTROS IRMÃOS

Apresentação

Por ocasião do centenário da chegada dos Irmãos Maristas à Espanha, 1886-1986, o Irmão Basilio, em carta dirigida à família marista espanhola, escrevia estas linhas: “Uma recordação emocionada e agradecida aos 179 Irmãos que souberam selar com seu sangue a promessa que haviam feito ao Senhor no dia de sua profissão. Eles são exemplos que não podem ser esquecidos. Eles serão os seus melhores protetores e o mais belo florão que podem oferecer ao Senhor em sinal de gratidão”.

Dentre aqueles 179 Irmãos mártires, este livreto apresenta o primeiro grupo que chega à beatificação: o Irmão Bernardo, assassinado no tempo da revolução de Astúrias, em 6 de outubro de 1934, e os Irmãos Laurentino, Virgilio e outros 44, todos eles assassinados na noite do dia 8 de outubro de 1936, no cemitério de Barcelona.

Este opúsculo apresenta a situação da Espanha em 1936, a perseguição, o caso particular de Astúrias na revolta de 1934, a biografia do Ir. Bernardo. No que se refere ao grupo do Ir. Laurentino, ele faz um esboço do marco histórico, jogando luz sobre a “questão Ordaz”, apresenta o Ir. Laurentino com sua carta profética de 1933, e, sem seguida, as outras 45 biografias, reduzidas ao mais essencial, incluindo algumas reflexões e terminando com uma bela oração.

Esses irmãos maristas mártires e beatificados são como a ponta do iceberg dos 172 que deram sua vida por fidelidade ao Senhor, e também de todos os demais, ainda

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mais numerosos, que conheceram o cárcere, a tortura e os campos de trabalho forçado. Existem outras duas causas apresentadas à Congregação do Santos, que são a do Irmão Crisanto, junto com outros 65 Irmãos e dois leigos, e a do Irmão Eusébio, com outros 58 Irmãos.

Mártires? Sim, porque desde 1930 era evidente que a perseguição se aproximava com uma força cada vez mais evidente e violenta. O Ir. Laurentino havia comunicado a seus Irmãos que estavam a caminho do martírio, e o clima espiritual nas comunidades havia adquirido uma densidade excepcional. Nas prisões, na medida do possível, reorganizavam a vida de oração e não somente entre eles; inclusive, fizeram o retiro e viveram a semana santa com fervor nos calabouços de Barcelona.

Porém, deixemos que as páginas seguintes nos ilustrem e nos encham de admiração até nos sentirmos orgulhosos desses Irmãos e reservar-lhes um espaço em nossa vida.

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A Espanha de 1936

Os faros relativos à perseguição e o martírio desses 46 servos de Deus estão inseridos num quadro histórico muito complexo. A Espanha é atingida pela guerra civil (1936-1939) e a Igreja gravemente ferida em todos os seus componentes. Mas seria falso afirmar que a perseguição foi a causa pela qual a guerra civil tenha sido agravada.

Os historiadores críticos reconhecem que a perseguição contra a Igreja já estava acontecendo antes do dia 18 de julho de 1936, dia do golpe do general Franco.

O evento da segunda República, 14 de abril de 1931, fez da Espanha o teatro de uma agitação revolucionária caracterizada por uma perseguição religiosa sistemática e ininterrupta, cujas princiapais manifestações eclodiram no mês de maio de 1931, com o incêndio de muitos conventos e igrejas sobre todo o território.

No dia 17 de maio é votada a “Lei relativa às Confissões e Congregações religiosas” que impõe a laicisação das Congregações religiosas e a proibição do ensino de religião nas escolas.

A insurreição de outubro de 1934, nas Astúrias, que faz os primeiros márties, entre os quais o nosso Irmão Bernardo, continua com assassinatos, roubos, atentados com dinamite, agressões contra as forlas de ordem e incêndios, entre os quais a nossa escola de Barruelo. O ano termina com um balanço negativo para a legalidade.

A F.A.I (Federação Anárquica Ibérica) conserva intacta matriz radical laica e anticlerical, tendo por objetivo destruir toda crença religiosa e a Igreja. Quanto ao partido Comunista

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Espanhol (PSUC), é totalmente inspirado pela Rússia e deseja realizar na Espanha um programa soviético.

Em 16 de fevereiro de 1936, acontecem as eleições que são ganhas pela esquerda. Imediatamente começam os incêndios das igrejas, das prefeituras e conventos. Os adversários políticos são objetos de violência. No dia 27 de fevereiro o Comitê de Moscou elabora um programa de intervenção na política espanhola através de 10 pontos, onde o 4º. pede “ a destruição das igrejas e das casas religiosas”, e o 7º. “o terror geral”. Esse programa torna-se o vademécum da esquerda.

Quando a deposição do presidente da República, Niceto Alcalà Zamorra, foi votada, em 7 de abril de 1936, Leroux, homem forte da esquerda e no poder até 1935, faz essa avaliação sarcástica: “A destruição do Presidente da República, dando o golpe de misericórdia sobre a pirâmide da decomposição da disciplina moral, social e política, torna possível que exista a seguir Governos presididos por criminosos...”.

De 16 de fevereiro a 2 de abril, houve 58 invasões às sedes de partidos, 78 aos prédios públicos e privados, 36 às igrejas; 12 incêncios de sedes de partidos, 45 dos prédios públicos, 106 às igrejas. Em julho de 1936, o político mais moderado, Calvo Sotelo, é assassinado.

Entre 1934 e 1936, sete governos se formam e caem. A Espanha é um país em estado de fibrilação.

É neste quadro que a guarnição militar do Marrocos declara um levantamento nacional, no dia 18 de julho, às 17 horas. Como reação, logo se formam Comitês revolucionários nos territórios da Espanha fiéis à República, que de fato toma nas mãos os poderes do Estado e da justiça e a Igreja terá muito a sofrer por causa deles.

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Mas, entre julho e agosto de 1936, o governo também toma várias medidas contra a Igreja:- confisco dos prédios da Igreja,- fechamento dos conventos e dispersão dos religiosos,- requisição de todos os centros beneficentes administrados pelos religiosos,- confisco dos arquivos paroquiais,- instituição de tribunais populares.

A Espanha republicana vive num tipo de caos legal.

De 18 de julho de 1936 a março de 1939, na Espanha são assassinados, muitas vezes sem a menor formalidade jurídica, um grande número de bispos, de padres, religiosos, e milhares de leigos, pela simples razão de serem cristãos.

Entre os Institutos religiosos mais atingidos existe aquele dos Irmãos Maristas das Escolas. Os Irmãos que viviam nas zonas governadas pelos revolucionários tiveram que viver como fugitivos, esconderem-se, privados de tudo, com a vida física e moral ameaçada. Muitos conheceram a prisão, 172 deram a vida pelo Senhor, entre os quais os 46 Irmãos que são tema deste opúsculo.

(Página inspirada pela Positio do Ir. Laurentino, Virgílio e os 44 companheiros mártires, pp. 3 a 19).

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Contexto histórico

O que aconteceu aos 46 Irmãos Maristas assassinados na noite de 8 de outubro de 1936, à frente dos quais estava o Ir. Laurentino, provincial, é reconhecido na história da perseguição religiosa como “Um dos episódios mais cruéis, sujos e funestos de toda a perseguição”.

Antes do dia 18 de julho de 1936, foi formado um comitê unindo a CNT-FAI (Confederação Nacional dos Trabalhadores – Federação Anarquista Ibérica) e a Generalidade a Catalunha. Foi pedido armar ao Presidente Luis Companys. Os anarquistas, não obtendo armas suficientes para armar suas milícias, apoderaram-se das que tinham os militares nos quartéis.

O Comitê foi organizado em secções: uma delas foi a de Patrulhas de Controle. As Patrulhas de Controle são onze, uma por distrito. Além dessas 11 Patrulhas havia três outras: a de Santo Elias, a Patrulha Central e uma terceira, a do Porto. Todas estavam sob o comando direto do anarquista Aurélio Fernández e seus colaboradores diretos de serviço, Dionísio Eroles e José Asens. A Patrulha com sede em Santo Elias recebia ordens diretas para efetuar invasões, confiscos e assassinatos.

“Os componentes dessa patrulha, chamados de patrulheiros, eram elementos revolucionários recrutados entre os mais audazes e de histórico mais negro. Tinham autorização para praticar invasões domiciliares e prisões de pessoas; atuavam à margem das normas da legalidade. Esses homens, metade anarquistas metade terroristas, semeavam o pânico em Barcelona.” Os militantes anarquistas acreditavam que havia chegado a hora da instauração da revolução libertadora e proceder, segundo seus planos, a destruição de tudo aquilo que eles

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acreditavam como incompatível com a nova ordem revolucionária: se procedeu a queima de igrejas e conventos, assassinatos de todo elemento eclesial, ou simplesmente praticante religioso.

Nesse contexto devemos situar as prisões e morte de muitos Irmãos Maristas durante os meses que se seguiram ao dia 19 de julho de 1936, e os negros acontecimentos ocorridos em 8 de outubro, durante os quais pereceram os 46 Irmãos Maristas, cujas biografias apresentamos.

Este grupo foi precedido no martírio pelo Irmão Bernardo, massacrado em 6 de outubro de 1934, na região das minas de carvão de Barruelo de Santullán (Palencia).

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“A questão Oudaz” ou a traição perfeita

Tudo começa em Les Avellanes (Lérida), casa central de formação dos postulantes, dos noviços e dos escolásticos; eram cerca de 200 pessoas. Depois que a casa foi requisitada para ser transformada em hospital, os jovens em formação tiveram que ser dispersos pelos vilarejos e granjas dos arredores. Eles foram muito bem acolhidos pelas pessoas, mas essa situação não poderia durar por muito tempo.

O Conselho provincial decide de entrar em contato diretamente com os responsáveis da FAI, Aurélio Fernández Sánchez e Antonio Ordaz Lázaro. Longas e difíceis conversas, mas finalmente um acordo parecia haver sido estabelecido: pagar 100.000 francos franceses e toda a comunidade de Les Avellanes poderia passar para a França através do estreito de Puigcerdá. Depois dar ainda 100.000 francos franceses para que os outros Irmãos da Província pudesse, por barco, chegar à França. O Irmão Adjuteur, francês, foi encarregado de buscar e entregar esses montantes.

No dia 5 de outubro de 1936, a comunidade de Les Avellanes chega a Puigcerdá. Mas apenas aos jovens em formação é permitida a passagem da fronteira, num total de 114, acompanhados do Ir. Moïse Félix, que era francês, e dois outros jovens Irmãos. Todos os formadores foram enviados de volta. Assim a FAI não mantém a integridade do compromisso. Mas entre os irmãos se considerava um sucesso o fato de que os jovens em formação, através da França, tenham podido alcançar a parte da Espanha onde não existia perseguição.

A segunda parte do contrato previa que os Irmãos se reuniriam no barco “Cabo Santo Agostinho”, no dia 7 de outubro de 1936, às 21 horas, para serem transferidos para um barco francês e conduzidos à Marselha. A senha era: “Questão Ordaz”. Assim, 107 Irmãos se reuniram no barco.

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Quando o Ir. Adjuteur quis entregar os 100.00 francos pelos Irmãos, Antonio Ordaz Lázaro lhe disse secamente: “A CNT e a FAI não se vendem nem se deixam comprar!” O Ir. Adjuteur, de forte caráter, lhe respondeu: “É verdade, mas elas roubam, saqueiam e matam!” Tendo despojado o Irmão de tudo o que ele tinha, Ordaz o jogou na prisão. Sobre o barco as horas passam e nenhum sinal do barco francês. A idéia de traição começou a ser formar como suspeita, depois como angústia, finalmente como certeza. Aurélio Fernández Sánchez, presidente da FAI, se gloria da cassa abundante e pede aos milicianos para não errarem “esses pequenos coelhos”.

Os Irmãos, tendo sido aprisionados, foram divididos em três grupos de 50, 44 e 13, segundo a capacidade das celas. No grupo dos 44 se encontravam os superiores e os Irmãos de valor da Província. Foi esse grupo e mais dois outros Irmãos que foram conduzidos, na noite de 8 de outubro de 1936, aos cemitérios de Barcelona, Montacada e Les Corts, onde foram fuzilados.

Essa traição não tinha necessidade de nenhum tribunal, de nenhum julgamento. Os Irmãos foram mortos por serem religiosos, homens da Igreja, testemunhas de Cristo e dos seus valores. Para os anarquistas isso era suficiente, pois queriam instaurar um mundo ateu.

Os restos mortais de um grande número desses Irmãos repousam na capela de Les Avellanes, um lugar de peregrinação marista entre os mais amados e freqüentados.

Duas cartas

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1-Carta de Manuel de Irujo39, Ministro das Relações Exteriores da Espanha durante o Governo Republicano, em 7 de janeiro de 1937.40

O Ministro da República durante o Governo Republicano.

A Constituição da República proclama a liberdade de consciência e de cultos. A Lei sobre as Congregações e as confissões regulamenta e garante o seu exercício.

A situação real da Igreja, a partir de julho passado41, em todo o território leal, exceto os Países Bascos, é a seguinte :a- Todos os altares, imagens e objetos de culto, com raras exceções, foram destruídos e, com freqüência, profanados. b- Todas as Igrejas foram fechadas às celebrações, as quais ficaram totalmente e absolutamente suspensas.c- Na Catalunha, uma grande parte das igrejas foi incendiada, como se isso fosse normal.d- Os depósitos e os organismos oficiais receberam sinos, cálices, cibórios, candelabros e outros objetos de culto; eles foram derretidos e utilizados para fins militares ou industriais. e- Nas igrejas foram instalados depósitos de todo tipo : mercados, garagens, estrebaria de quartéis, abrigos e diversos outros tipos de ocupação... f- Todos os conventos foram esvaziados e a vida religiosa proibida. Os prédios, os objetos de culto e os bens de todo

39 Manuel de Irujo é de origem basca, católico convicto, convidado a fazer parte do Governo Republicano em 25 de dezembro de 1936.40 Fonte : Hilari Raguer, A pólvora e o incenso, A Igreja e a Guerra Civil espanhola, - Península, HCS. pp. 418-420. Os Republicanos detinham o poder na Espanha em 1936. Em 18 de julho, Franco se rebela contra este governo e cria o mouvimento nationalista. A Espanha se divide em duas : Algumas regiões continuam fiéis à República, outras aderem ao movimento de Franco. A perseguição tem início nas regiões que permaneceram republicanas. Nessas regiões, padres e religiosos serão mortos aos milhares. – A carta desse ministro tem muitos méritos, pois ela descreve essa perseguição com grande riqueza de detalhes. 41 18 Julho, revolta de Franco contra o Governo de Madri.

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tipo foram queimados, saqueados, ocupados ou destruídos. g- Os padres, os religiosos foram presos, lançados na prisão e fuzilados aos milhares sem nenhum processo; esses fatos, embora tenham diminuído, continuam ainda, não somente na região rural, onde foram cassados e mortos de maneira selvagem, mas também nas cidades. Em Madri e Barcelona, assim como em outras grandes cidades, existem centenas de presos cujo crime é o fato de serem padre ou religioso.h- A posse de imagens e objetos sacros, mesmo que de maneira privada, é totalmente proibida. A polícia, que mantém o registro das famílias, realiza, com freqüência, vistorias nas casas, na vida íntima pessoal ou familiar, destrói com desprezo e violência imagens, quadros, livros religiosos e tudo o que se refere à religião ou simplesmente a faz lembrar.

A opinião do mundo civilizado vê com estupor e indignação a conduta do governo da República que não impediu esses atos de violência mencionados, e que consente com a sua continuidade, na maneira como foi exposto. A vaga revolucionária pode ser considerada cega, irresistível e incontrolável nos primeiros momentos. A destruição sistemática das igrejas, altares e objetos sacros não pode ser mais considerada como uma ação incontrolada. A participação de organismos oficiais na transformação das igrejas e dos objetos sacros para fins industriais, a prisão de padres e religiosos nos cárceres do Estado, seus assassinatos, a continuação de um sistema verdadeiramente fascista, visto que se ultraja todos os dias a consciência individual dos cristãos, mesmo na intimidade do seu lar, e isso através das forças oficiais do poder público, tudo isso não pode mais receber um explicação plausível sem colocar o Governo da República diante do dilema da sua cumplicidade ou da sua impotência. A conclusão é que a política exterior da

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República não atrai mais para sua causa a estima do mundo civilizado.

O Ministro concluiu sugerindo toda uma série de medidas para pôr fim a essa situação: conceder a liberdade aos padres e religiosos, reabrir as igrejas, permitir publicamente a prática do culto, não mais incomodar a intimidade das famílias...

2-É agora o tempo !

No início do ano de 1933, o Irmão Laurentino, Provincial, enviou votos aos seus irmãos, um tanto surpreendentes:

“Vocês que todos os dias dizem a Deus que o amam com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu ser, então, é agora o momento de demonstrar isso. Sim, é agora que aqueles que perseveram no seu amor serão zombados, abandonados, caluniados, privados dos seus legítimos direitos de cidadão, insultados e feitos alvo de uma perseguição satânica.

É agora o momento de mostrar até onde vai a fidelidade que vocês têm jurado ao Senhor. É agora o momento de provar que seus desejos de sacrifício não são ilusórios e pura fantasia. Aqueles que hoje dão prova de fraqueza e abandonam a boa causa, talvez um dia se achavam invencíveis...

O tempo virá onde se verão os valentes, aqueles que podem tudo naquele que nos fortifica e que é nossa Vida e nossa Força, aqueles que por nada neste mundo perdem a paz, mas que, protegidos pela fortaleza de Deus, dão a impressão que sua alma torna-se mais forte diante das dificuldades e das angústias do momento. Eles não recuam diante dos maiores sacrifícios – ainda que reconheçam espontaneamente sua fragilidade – como não recuaram

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diante dos tiranos e perseguidores... a plêiade de mártires, de confessores e dos homens apaixonados por Jesus Cristo.

É agora o tempo de se alegrar e se rejubilar, como nos disse Jesus e como fizeram os apóstolos, quando chegou o momento de sofrer penas e perseguição por causa do nome do divino Mestre.

No entanto, não somos nós os que são perseguidos, mas é Jesus que é perseguido em cada um dos seus fiéis servidores. Cada um de nós sofre por um só, mas ele sofre em todos os seus membros.

Façam, pois, calar dentro de vocês as queixas e lamentações, vocês que seguem o Redentor; vocês que não chegaram ainda às dores do Calvário, nem ao despojamento do Salvador. Ele se cala, reza, sofre e redime. Rezem, fortifiquem-se, trabalhem, cooperem com Ele na salvação das almas. Vocês querem uma preparação melhor para celebrar o 19o. centenário do drama sangrento do Calvário? É agora o tempo de fazer a reparação de maneira mais eficaz, por si mesmo e pelos outros, do desprezo dado a Deus. É agora o tempo de fazer violência ao céu com preces fervorosas e contínuas em favor da vontade de Deus e da Igreja; em favor das pessoas e das obras que nos são tão caras e que nos são particularmente confiadas.

Sim, é agora o tempo de rezar, e rezar bem, como nos exige nosso estado de religiosos.

Agora, agora, sem esperar nem depois nem amanhã... Agora é a hora para merecer esse tempo de provação que é um tempo de graça e de bênçãos... Que esta seja a nossa divisa para o ano de 1933.

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Irmão Laurentino – Stella Maris, janeiro de 1933, n. 138, p. 5.

2- A perseguição

« Um Irmão Marista não deve ter outra política, que a de Cristo ! »

Fr. Laurentino

A carta do Irmão Laurentino nos faz compreender o quanto nossos irmãos da Espanha estavam conscientes de que, no horizonte de suas vidas, o martírio se apresentava como algo concreto, e que a subida ao Calvário já havia começado.

Nós gostaríamos de esquecer isso, hoje. Nossa sociedade tornou-se mais tolerante e medimos melhor os horrores que foram perpetrados dos dois lados daquilo que chamamos “A guerra civil Espanhola”. É possível que sejamos também tentados a olhar para nossos irmãos mártires como simples vítimas políticas: assim eram as forças e as violências do momento.

É muito raro que a dimensão política esteja ausente de um martírio. Na morte de Cristo, os atores e as motivações políticas estão fortemente presentes, e João Batista foi decapitado porque uma jovem dançou magistralmente diante de um rei grotesco. É mártir aquele que se mata porque se gostaria de matar Deus, o Cristo, a Igreja e demolir tudo o que o homem constrói e a sociedade organiza em torno dos valores do Espírito.

Os irmãos estavam conscientes de que deveriam evitar a armadilha e o pretexto da política. O Irmão Laurentino lhes escreve em janeiro de 1933: “Agora, mais do que nunca, nós devemos afastar tudo o que é política de

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nossas casas, como tudo o que pode fomentar divisões e grupos. Que triste espetáculo faria o religioso que se declarasse simpatizante de algum setor político... O religioso, pelo menos um irmão Marista, não deve ter outra política que a de Cristo!” 42

Aqueles que mataram nossos irmãos, na Espanha, expressaram claramente seu projeto de expulsar Deus do coração do homem e da sociedade; esse foi o resultado do choque de duas visões diferentes: o homem prometeu e o homem na luz de Deus. O testemunho do Irmão Elias Arizu Rodríguez confirma essa explicação: “Eu fui chamado diante dos chefes da revolução para ser expulso da Espanha. Então perguntei a Aurélio Fernández Portela, da F.A.I., Eroles e Ordaz, porque eles nos perseguiam e nos assassinavam. Eles responderam que, pessoalmente, não tinham nada contra nós, mas que nós professávamos ideais completamente opostos aos deles, e que eles queriam exterminá-los. Desse modo, a única razão da morte de tantos Servos de Deus foi o ódio à Igreja e aos seus ministros.43 Essa intenção é claramente confirmada por um dos chefes da revolução: “Nós nos propomos, em toda a Espanha, mas sobretudo na Catalunha, de acabar com tudo que cheira a cera.” 44 As milícias do Comitê Revolucionário cantam um refrão semelhante para o Irmão Hipólito, diretor da casa das Avellanes: “Você e os seus apressem-se para deixar o mais rápido essa zona. Caso contrário, vocês irão passar por maus momentos; nós não queremos nem religiões nem pessoas religiosas. Nossa religião é a humanidade.”45

Os fatos, na sua materialidade, atestam também a perseguição. Entre as sessenta comunidades e estabelecimentos que tínhamos na Espanha em 1936, 44

42 Informatio, p. 367.43 Informatio, p. 369.44 Informatio, p. 370.45 Informatio, p. 139.

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tiveram vítimas, 11 foram incendiados, outro tanto foi saqueado, e as profanações das capelas e de objetos sagrados não se contam. Se o número dos nossos Irmãos assassinados chega a 172, o dos que conheceram a prisão, a tortura, os insultos, é bem mais elevado. “Logo que o movimento revolucionário teve início em 18 de julho de 1936, as igrejas e conventos foram incendiados, saqueados e devastados; os padres e os religiosos perseguidos até à morte, muitos foram assassinados... e o culto religioso foi totalmente proibido até o fim da guerra, em janeiro de 1939.”46

Hoje experimentamos uma forte emoção diante do grande número de mártires na Rússia sob o período marxista, e nos admiramos desses testemunhos silenciosos da fé. Nossos irmãos mártires na Espanha têm o mesmo mérito pelos mesmos motivos. Eles nos dizem como amar e como permanecer fiéis em situações extremas. Exemplos de humanidade e de santidade, eles são um tesouro precioso na nossa Família Marista, eles são nossos intercessores, eles são nossos Irmãos.

A luta que nós conhecemos, hoje, é simplesmente mais silenciosa, mas, nos meios de comunicação e nas leis sociais, ela é confrontada constantemente com duas visões de homem: o homem que não tem outro horizonte que a sua mortalidade absoluta, filho do absurdo, e o homem na luz, filho de Deus, forte na esperança e no amor que liberta; violência quotidiana, sem derramamento de sangue, mas não sem doação de vida.

Um olhar sobre nossos mártires nos ajudará a dar a Deus e ao homem uma resposta audaciosa, integral, fiel, que abre as portas à esperança.

46 A senhora Mercedes Setoain Puig, testemunha no processo diocesano. Informatio p. 369.

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Ir. Laurentino(Mariano Alonso Fuente), 1881-1936Irmão Marista

Mariano Alonso Fuente (Ir. Laurentino) nasceu no dia 21 de novembro de 1881, em Castrecías, (Burgos).Em 1897 inicia o noviciado. Em 1899 começa o apostolado em Cartagena. No início, lhe custa bastante manter a disciplina. Porém, logo consegue se fazer respeitar: seu caráter franco e equânime, a bondade e a ciência lhe ganham os corações, ao ponto que quarenta anos mais tarde seus alunos recordam com admiração suas grandes qualidades de educador. Em 1905 é nomeado diretor do colégio de Cartagena. O Ir. Berilo, Assistente geral, quando visita esta comunidade encontra nela tal união e dedicação aos alunos que, admirado, recompensa os irmãos com uma excursão a Orán (Argélia).Aos 31 anos assume a direção do colégio de Burgos, um dos mais importantes da Espanha. Seu sucesso é total. Ele tem a ocasião de formar um grande número de irmãos jovens e consegue uma grande estabilidade em sua comunidade. O Ir. Floriberto, Provincial, ao apresentá-lo a seus irmãos lhes diz: “Trago-lhes como diretor um irmão muito devoto do Sagrado Coração.”O Ir. Eoldo, Visitador, solicita seus serviços como adjunto, pois a Província da Espanha é muito grande, com 800 irmãos e mais de 60 casas. Porém, o Ir. Eoldo é enviado ao México e o Ir. Laurentino se encontra sozinho em sua função de Visitador.

Em 1928, o Ir. Laurentino é chamado para dirigir a Província da Espanha. Em Canet de Mar, no Santuário da Virgem,

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renova sua consagração que ali mesmo havia feito há 31 anos antes, e põe nas mãos de Maria o trabalho que lhe é confiado.A Espanha entra em um período turbulento e trágico e os irmãos têm necessidade de guiados por uma pessoa prudente e firme. Em meio da tormenta, o Ir. Laurentino transmite aos irmãos coragem e audácia para resistir e ainda para funda novas escolas: Sevilla, Córdoba, Huelva... que continuam sendo hoje colégios florescentes. Ele também sabe criar entre os irmãos um clima de intensidade espiritual, que dinamiza o apóstolo e prepara o mártir. Durante o tempo de tormenta, o nível espiritual e apostólico das comunidades chega a um nível extraordinário.A hora do martírio estava próxima. Em 18 de julho de 1936, o Exército da África inicia o levante nacional. No dia 19 iniciava a revolução em Barcelona, e pela tarde centenas de igrejas e conventos são incendiados.

Qual era o estado de ânimo do Ir. Laurentino? No dia 3 de outubro de 1936, ele envia o Ir. Atanásio à Murcia para socorrer os irmãos que estão no cárcere. Pede-lhe para leve consigo o Santíssimo Sacramento e lhe dá essa mensagem: “Diga aos irmãos que desde o início dessa sangrenta revolução não vivo mais que eles, que me recordo deles continuamente e não deixo de recomendá-los à proteção da Santíssima Virgem.”

O irmão Laurentino recebeu propostas e facilidades para ir para a Itália. Ele sempre preferiu ficar com seus irmãos dispersados e atacados. Ele conseguiu fazer com que 117 jovens irmãos em formação passassem para a França. No entanto, ele e 106 outros irmãos caem na armadilha preparada pelas F.A.I (Forças Anarquistas Insurgentes). No dia 7 de outubro de 1936, em Barcelona, eles foram presos no navio Cabo Santo Agostinho, que deveria levá-los para a França, segundo os acordos com as F.A.I.

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Nas primeiras horas de 8 de outubro, 46 irmãos, entre os quais os irmãos Laurentino e Virgilio, foram fuzilados nos cemitérios de Barcelona.

2- Um olhar através da alma

Esses trechos nos permitem conhecer um pouco mais da alma do irmão Laurentino.

« Durante esses dias cheios de problemas, durante os quais todos ou quase todos vivemos horas e dias de profunda inquietação... tenho pensado constantemente nas pessoas e nas obras da nossa Província que tanto amamos; desejo estar quase que continuamente em comunicação com os irmãos, particularmente aqueles que sofreram por causa dessa desordem. Como gostaria de poder consolá-los, encorajá-los, ouvi-los e manifestar minha afeição religiosa que, nesses dias de luto, tenho sentido como jamais senti no meu coração de pai.”

“Nesses momentos críticos, que nossa atitude não seja semelhante àqueles que se entregam a lamentações estéreis... Sejamos religiosos em nossas ações, palavras e sentimentos, particularmente nesses momentos em que o Senhor deseja nos fazer sentir um pouco o peso da sua Cruz adorável... Rezemos, pois, com fervor, continuemos nosso trabalho de maneira intensa e metódica, entreguemos-nos a Deus e às nossas ocupações sem reserva. Nós vivemos um tempo precioso; agora nos sentiremos verdadeiramente discípulos de Cristo. Mil vezes felizes se o Senhor nos julgar dignos de sofrer por Ele.”

Ir. Virgilio(Trifón Nicasio Lacunza Unzu), 1891-1936

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Irmão Marista

Trifón Nicasio Lacunza Unzu (Ir. Virgilio) nasceu em Ciriza, Navarra, no dia 3 de julho de 1891.Em 17 de março de 1903, seu irmão mais velho, Ir. Sixto, o leva para o juniorato de Vic.

Brilhante nos estudos, ele obtém o diploma de professor em 1908, e o diploma superior em Filosofia e Letras, o bacharelado em 1920 e, enfim, a licença em filosofia com história e geografia, em 1923.Em outubro de 1908, ele é enviado para o colégio de Burgos, onde permanecerá ininterruptamente até 1935. Em 1925 é nomeado diretor desse Colégio, que conta com 638 alunos. Mesmo durante os anos difíceis da perseguição, o número de alunos não deixa de aumentar. Entre janeiro e junho de 1936, está em Murcia, substituindo o diretor do Colégio. Era intenção dos superiores prepará-lo para substituir o Ir. Laurentino.

Quando começa a revolução em 19 de julho de 1936, o irmão Virgílio se encontra em Barcelona, em uma das escolas. Ele escapa dos anarquistas jogando-se pela janela.O irmão Laurentino lhe pede para encarregar-se da saída dos jovens irmãos em direção à França. Em 2 de outubro de 1936, ele se encontra, em Les Avellanes, com Ordaz, um dos chefes da F.A.I. No dia 4 de outubro, os jovens irmãos passam a fronteira. Os outros irmãos, no entanto, são presos, conduzidos à Barcelona, colocados no navio O Cabo Santo Agostinho, depois na prisão Santo Elias. Virgilio é um dos 46 irmãos que, no silêncio das primeiras horas da manhã de 08 de outubro de 1936, são fuzilados: mártires envoltos de noite e de silêncio.

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Uma rica personalidade

Os numerosos testemunhos sobre a pessoa do irmão Virgilio iluminam sua rica personalidade.

- “Sua autoridade sobre os alunos era absoluta, mas, ao mesmo tempo, era amável. Ele inspirava confiança, encantava os alunos por sua eloqüência...”

- Em comunidade ele tinha “a devoção do trabalho”, essa aptidão ao serviço, sendo sempre o primeiro a chegar ao local de trabalho.

- “Sua maneira de vida austera consolida seu caráter, educa sua vontade, o obriga a autodisciplina e o prepara para prestar todo tipo de serviço.”

- Desde que ele terminou os estudos, foi-lhe pedido que redigisse um trabalho sobre História Universal. A partir desse momento ele não mais deixou de colaborar com as publicações da editora Luis Vives.

- Ele falava da Virgem Maria de uma maneira que denotava um autêntico lirismo. A Mãe do Senhor o atrai e voltando os olhos suplicantes e confiantes para ela, diz: “Faz com que jamais me falte teu socorro e que agora e sempre teu amor me encante, me irradie, me cative, me fascine, me seduza o coração, me embeleze, me surpreenda, me extasie e me conduza para as alturas...”.

- Ele era amigo da alegria e do bom humor: « Era um companheiro junto do qual encontrávamos coragem, esquecíamos as dificuldades do dia, renovávamos as energias para o dia seguinte. Nos momentos de recreação, ele era um brincalhão que nos fazia rir e, assim, acabar com as tensões.” Um co-irmão que o conheceu durante o segundo noviciado,

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lembra-se dele assim: « De relacionamento agradável, alegre nas conversações, entusiasta para o trabalho, empreendedor em todas as iniciativas. Durante nossos passeios, recreações, excursões, ele manifestava espírito de família e simpatia. Sua alegria sadia e seu bom humor encantavam todo mundo, e fazia rir, mesmo os mais sérios. Trabalhador incansável, assíduo e simples na realização dos seus trabalhos... Sua simplicidade e seu caráter sociável lhe angariavam a afeição e a admiração de todos.”

- Um co-irmão cuja doença o forçou a ficar de cama durante um ano, testemunha que o irmão Virgilio lhe visitava várias vezes durante o dia, como se ele não tivesse a responsabilidade da direção da escola.

- Ele era bastante humilde e prudente para estar aberto aos conselhos das pessoas, mesmo dos professores que começavam a se informar junto aos irmãos que chegavam de outros colégios, para conhecer os métodos que eles haviam aplicado com sucesso.Ele havia se tornado um especialista como “operador de cinema”. Desde 1918, durante os longos domingos de inverno, quando era possível sair, ele realizava projeções de filmes para os alunos, seguidas de debates sobre os valores artísticos e morais. Insistia junto aos Superiores para que o colégio fosse equipado dos melhores instrumentos para filmes sonorizados. Ele justificava assim as sessões de cinema: “É um meio excelente para preservar as crianças e os jovens, e para fazer o apostolado.”

Em 1932 se põe em prática as leis de perseguição contra o ensino católico. Diante da ameaça iminente, o irmão Virgilio criou a sociedade civil, “A Cultura”, e por contrato, passa a essa sociedade, o colégio dos irmãos, que assume um novo nome: “Liceu Zorilla”. Os professores são leigos e maristas secularizados, sem batina e não sendo mais chamados pelo

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nome de irmão. Da mesma maneira foram colocados em segurança o museu, a biblioteca e o mobiliário. Em setembro de 1933, os irmãos maristas não existem mais em Burgos, como professores. O irmão Laurentino acha essa iniciativa genial e a propõe a todas as escolas maristas, com essas palavras: “Acalmar-se, resistir e salvar, se possível, todas as nossas obras.”.

Além do martírio, encontramos no irmão Virgilio a qualidade de um santo simpático e próximo de nós.

Ir. Alberto Maria (Néstor Vivar Valdivielso), 1910-1936Irmão Marista.

Nestor nasce em Estépar (Burgos), em 4 de março de 1910. Aos dez anos ingressa no seminário marista de Vic (Barcelona). Em 23 de agosto de 1931 faz sua profissão perpétua. Terminados os anos de formação é destinado aos cargos de prefeito e roupeiro do postulantado em Les Avellanes. Era admirável na ordem e disciplina com que organizava as coisas e as pessoas. Os postulantes o amavam de verdade. Seu caráter alegre, numa habitual simpatia que deixava transparecer a pureza de uma alma contente e satisfeita no divino serviço, era proverbial. À sua jovialidade e inalterável simpatia se unia um interesse constante por tudo quando se relacionava com cada um dos elementos da sua secção.Mais tarde foi destinado ao colégio de Valldemía (Mataró), onde apesar da sua juventude conquistou a simpatia mesmo dos estranhos. Todos confiavam nele e lhe pediam conselho em muitas ocasiões.

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Quando começou a revolução e perseguição em julho de 1936, ele se encontrava em visita de família. Com a tormenta que se aproximava, seus pais não acreditavam que ele estivesse seguro na Catalunha. Porém, o irmão respondia: “Não posso ficar; meu lugar é lá. Mesmo que não voltemos a nos ver, seja lá o que Deus quiser. Ele me ajudará! Se me matarem, não chorem; feliz se eu puder derramar meu sangue por Jesus Cristo”. E se despediu para sempre de seus pais e irmãos.

Ir. Ángel Andrés, (Lucio Izquierdo López), 1899-1936.Irmão Marista.

Nasceu em Dueñas (Palencia), em 4 de março de 1899. No dia 3 de janeiro de 1912, se encaminha para Artziniega, juniorato dos Irmãos Maristas. Em 12 de abril de 1914, veste o hábito marista e recebe o nome religioso de Angel Andrés. Em agosto de 1920, faz sua profissão perpétua.

Graduado na Faculdade de Filosofia e Letras, estilista, poeta, foi homem dedicado aos estudos, sem contudo, perder a piedade e o espírito religioso. Escreveu muitos artigos, que foram publicados na revista Stella Maris. Além disso foi um dos mais ativos colaboradores da Editora FTD. Também colaborou nas Festividades do ano litúrgico e O Santo de cada dia. Ao Ir. Ángel Andrés se deve a edição escolar de El Quijote, enriquecida com notas, comentários e temas de aplicação e composição.

Além desses trabalhos, era professor. Exerceu essa função em Burgos, Logroño e principalmente em Madri. Todos os

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domingos, à frente de um grupo de jovens, ele visitava e dava assistência aos pobres. Passou o último ano ensinando em Madri. Terminado o curso foi para Barcelona para dedicar seu tempo férias à Editora Luis Vives. Em meio ao perigo se esqueceu de si mesmo e da própria segurança, e só pensou em ajudar seus irmãos. Essa solicitude não passou despercebida dos dirigentes da FAI e especialmente de Ordaz. Quando no dia 8 de outubro fizeram descer os irmãos do barco para conduzi-los à prisão, os irmãos Angel Andrés e Vigílio Lacunza foram colocados num carro e desapareceram. Ele faz parte do grupo de 46 Irmãos Maristas fuzilados por serem religiosos.

Conosco, Senhor, permanece,segue amante regendo tua grei;símbolo augusto que nunca feneceé na Cruz em que ditas tua Lei.

Ir. Anselmo (Aniceto Falgueras Casellas), 1879-1936Irmão Marista

No dia 16 de abril de 1879, nasce Aniceto, em SALT (Girona)No dia 24 de julho de 1893, ele ingressa no juniorato dos Irmãos Maristas de Canet de Mar.Em 15 de agosto de 1895, emite os primeiros votos.Em 1899 faz a profissão perpétua.

Era piedoso, mortificado e austero. Quando havia sobras da sobremesa no refeitório ele as recolhia para distribuir com os pobres durante suas caminhadas, ou com as crianças a quem

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fazia a catequese. Isso acontecia no porto, entre os ciganos de Barceloneta, e em São José da Montanha.Durante o juniorato em Vic, ele exerceu a função de ecônomo. A comunidade não era rica, mas assumiu essa função com tanto zelo que a ninguém nunca lhe faltou o necessário.

Nos primeiros dias da revolução, isto é, de 19 a 30 de julho, ele se manteve com muita serenidade e tomou medidas prudentes para fazer frente a situação da melhor maneira possível. Atendeu, sem descanso, os diferentes grupos da casa de Vic: jovens irmãos escondidos nas diversas propriedades de Vic.

No dia 30, quando os milicianos se apoderaram do colégio, transformando-o em prisão, o Ir. Anselmo foi para Barcelona. Resignado, esperava os acontecimentos, quando no início de outubro de 1936, teve notícias do possível embarque para Marselha. Dirigiu-se então à Barcelona e foi no dia 7 à cidade do “Cabo Santo Agostinho”. Integra-se ao grupo dos 46 da prisão de Santo Elias: assassinados pelo simples fato de serem religiosos.

O Ir. Anselmo foi co-fundador da primeira cada marista no México, Guadalajara. Trabalhou no México de 1899 a 1909.

** A Província da Espanha foi generosa com as missões. Enviou mais de 20 Irmãos ao México, uma dezena ao Peru, dez à Colômbia e outros tantos à Argentina. Continuou sendo Província missionária depois da perseguição, enviando Irmãos à Venezuela, Cuba, Equador, Paraguai, Uruguai e Bolívia. E essa bela tradição se mantém no presente com o envio de Irmãos a Hungria, Romênia, Argélia,... e os quatro Irmãos mártires de Bugobe, Servando, Miguel Angel, Fernando e Julio são os herdeiros direitos destes Irmãos y também são os pioneiros, modelos e intercessores da Missão “ad Gentes”.

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Ir. Antolín (Antonio Roig Alibau), 1891-1936.Irmão Marista

Em 6 de fevereiro de 1891, nasce Antonio, em Igualada (Barcelona).Em 1893 ingressa no juniorato de Vic. Em 8 de setembro de 1907, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1912 faz a profissão perpétua.

Os superiores o colocaram como sacristão e auxiliar de alfaiate. Ele se sentia feliz com estes dois empregos humildes e mantinha tudo organizado e pronto. Aos trinta anos já não tinha nenhum fio de cabelo preto. Corria a versão de que sua cabeleira havia se tornado completamente branca em razão do grande susto que teve na Semana Trágica, em 1909, quando, para impedir as profanações impetradas por um grupo revoltoso, ele ficou escondido várias horas no confessionário com as hóstias consagradas. O fato aconteceu em Santo André de Palomar.

Quando a revolução teve início, e da qual seria uma das vítimas, depois de um mês de encarceramento em Girona, foi-lhe concedida a liberdade condicional, e permitido transferir-se para Igualada, sua terra natal. Convidado para a França, aceitou a oferta e subiu a bordo do navio “Cabo Santo Agostinho”, em 7 de outubro. Ele foi morto no dia 8 de outubro de 1936, simplesmente por ódio à religião. Seu cadáver foi reconhecido no cemitério de Montcada.

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Ir. Baudillo (Pedro Ciordia Hernández), 1888-1936Irmão Marista

Em 19 de maio de 1888 nasce Pedro, em Cárcar (Navarra).Em 29 de maio de 1901ingressa no juniorato de San Andrés de Palomar. Em 2 de fevereiro de 1905, emite os primeiros votos.Em 30 de agosto de 1910 faz a profissão perpétua.

O Ir. Baudillo era fiel e exato na correção dos trabalhos realizados, em indicar o bom e o deficiente. Quantas horas dedicadas por dia na correção de cadernos e deveres! Porém, tudo era compensado pelo entusiasmo que sabia despertar em seus alunos.Em 1917, o Ir. Baudillo fez os exercícios do segundo noviciado em Grugliasco (Itália). Durante esses dias fez uma sinopse da teologia ascética: de imediato seus companheiros de comunidade disseram que a doutrina e o espírito ali contidos impregnavam sua vida interior e todos os seus atos. Nomeado diretor do colégio de Canet de Mar, e depois de Sants (Barcelona), ambas as obras conheceram dias de glória e prosperidade sob sua prudente e firme direção: grande número de alunos, bom espírito e emulação reinavam entre os professores, assim como entre os alunos. Em 1933 foi preciso cumprir a ordem de Azaña, através da qual desapareciam as congregações docentes. O colégio de Valldemia (Mataró) foi adquirido, em conformidade com as novas leis, pela “Imobiliária Mundial S.A.”, cuja sede estava em Lyon (França), e foi alugado a um grupo de professores titulados, que não eram senão os mesmos Irmãos Maristas vestidos à paisana.

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Quando, em fins de setembro de 1936, se falou de um acordo com a FAI, o Ir. Baudillo continuou cético. No navio ocupou o mesmo camarote que o Ir. Provincial, e seguiu o superior no mesmo trágico destino: foram assassinados na noite do dia 8 de outubro de 1936.

Ir. Bernabé (Casimiro Riba Pi), 1877-1936Irmão Marista

Em 14 de setembro de 1877 nasce Casimiro, em Rubí (Barcelona). Em 1893 ingressa na vida religiosa marista, em Canet de Mar .Em 17 de setembro de 1899 faz a profissão perpétua.

Iniciou seu apostolado em Girona, sob a direção do Ir. Hilário. Foram duas almas que se compenetraram para sempre. Seu êxito no ensino foi completo, tanto em Girona como mais tarde em Lérida e Barcelona (Escolas da Conceição). Cativava os alunos e sua autoridade moral era grande. Em 1903, o Ir. Barnabé funda o colégio da Garriga. Ali, como em todos outros lugares, ganhou a simpatia das famílias e autoridades, contentes da educação que seus filhos recebiam e orgulhosas de disporem de semelhante centro docente. Mais tarde, será sucessivamente diretor dos colégios de Girona, Igualada e Badalona. Suas qualidades de diretor brilharam especialmente nessa última localidade.

Quando a revolução teve início, em 19 de julho de 1936, ele se transferiu a Rubí, para uma casa de um dos seus irmãos. Lá ele estava em segurança, porque seu irmão era conhecido como da esquerda. Quando lhe falaram da viagem projetada

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por barco a Marselha, ele aceita em também fazer parte. Não sabia que se dirigia para o martírio, mas este estava no coração de todos os Irmãos.

Assassinaram o Irmão Barnabé não por razões políticas nem vinganças pessoais, mas simplesmente por ódio à fé.

** A Espanha marista em 1936 estava dividida em três Províncias.1 – A Província de Anzuola, no País Basco, fundada pela Província francesa de Lacabane.2 – A Província de Léon, que se estendia pela parte noroeste da Espanha: Galícia e Léon. Foi fundada pela Província francesa de Aubenas.3 – A Província da Espanha, mais numerosa, com cerca de 800 Irmãos, até o ano de 1930. Era também a mais ampla geograficamente, ocupando a Catalunha, Aragon, Navarra, Castilha e todo o sul da Espanha.Quase todos os mártires da perseguição de 1936-1939 pertenciam a esta Província.

Ir. Carlos Rafael (Carlos Brengaret Pujol), 1917-1936Irmão Marista

Em 11 de julho de 1917, nasce Carlos, em Sant Jordi Desvalls (Girona). Em 1928 ingressa no juniorato de Vic.Em 2 de julho de 1934, emite os primeiros votos.

Concluídos os estudos de formação, foi enviado pelos superiores para o colégio da Rua São José, em Mataró.

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Foi a vítima mais jovem do grupo marista de Montcada. Um verdadeiro anjo introduzido no céu pela Virgem. Durante os anos em que exerceu seu apostolado entre as crianças, foi modelo admirável de candura e simplicidade. Em sua nobre vocação de religioso e educador desfrutava de grande otimismo e sã alegria que eram proverbiais e contagiavam a todos. Não tinha dificuldades com ninguém e se sentia felicíssimo em seu ministério. Dele escreveu o Ir. Doroteo, seu diretor: “Era excelente professor e, além disso, uma alma piedosa e regular”.

Quando iniciou a revolução saiu de Mataró e foi para seu povoado natal. Quando soube que se projetava passar para a França de barco, despediu-se da família e se dirigiu para o porto, em 7 de outubro de 1936. Encarcerado na prisão Santo Elias, ao saber que os grupos que saiam não voltavam, porque eram mortos pelos comunistas, calculando que iria ter a mesma sorte, disse sorridente ao seu vizinho: “Assim morreremos mártires e iremos para o céu. Que felicidade!” Isso estava na mente de todos que morriam por Cristo. “Vós aceitas com alegria a expoliação dos vossos bens, certos de possuir uma fortuna melhor e mais durável”. (Hb 10, 34-35).

** No grupo dos 46 mártires, 12 tinham um pouco mais de 20 anos: mártires jovens, com uma vida religiosa curta e simples, porém souberam dar a vida ao Senhor com a generosidade própria da juventude.

Ir. Dionísio Martín (José Cesari Mercadal), 1903-1936.Irmão Marista

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Em 16 de janeiro de 1903, nasce José, em Puig-reig (Barcelona). Em 1916 toma o caminho da vida religiosa.Em 8 de setembro de 1919, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1924, faz a profissão perpétua.

Exercerá sua carreira docente em Les Avellanes, 1919; Lérida, 1921; Madri, 1924; Larache, 1925; Valência (Almeda), 1928; Vic, 1929; Pamplona, 1932; Zaragoza, 1934; Les Avellanes, 1935-36 (no noviciado).

Excelente professor, ele inspirava seus alunos ao amor, ao trabalho e ao estudo. Dava cursos brilhantíssimos que lhe proporcionavam as felicitações dos tribunais de exame. Cheio de piedade e zelo, conseguia que seus discípulos participassem da comunhão frequentemente ou diária. Amante da vida oculta e do estudo solicitou dos superiores um emprego na casa do Noviciado de Les Avellanes. “Era bondoso, muito zeloso, com uma grande preocupação com seus discípulos, dando-lhes exemplos de piedade e, sobretudo, das virtudes humanas”.

A Folha Dominical de Barcelona, do dia 13 de agosto de 1939, traz uma fotografia do Ir. Dionísio Martín com o hábito religioso marista, e o menciona como uma das vítimas sacrificadas pelo chefe asturiano da FAI, Aurélio Fernández, da prisão Santo Elias, no dia 8 de outubro de 1936.

Seus restos foram reconhecidos no cemitério de Montcada. Sua mãe e seu irmão estiveram presentes a esse momento.

** As estatísticas nos ajudam a entender que os anos de 1930-1939 foram uma grande prova para a Província da Espanha, uma vez que o número de 800 Irmãos foi reduzido a pouco mais de 400. Considerando que as vítimas da perseguição foram 172 ou 179, além de outros que morreram no front, e considerando ainda que houve

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menos vocações nesse período, deve-se concluir que pelo menos 100 Irmãos se retiraram. Esta realidade dá, entretanto, mais valor aos Irmãos que foram generosos no momento da prova.

Ir. Epifânio (Fernando Suñer Estrach), 1874-1936Irmão Marista

Em 26 de março de 1874, nasce Fernando, em Tayala (Girona). Em 21 de setembro de 1888, ingressa no juniorato de Saint-Paul-Trois-Châteaux (França).Em 7 de setembro de 1890, emite o voto de obediência.Em 19 de setembro de 1895, professa os votos perpétuos.

O irmão Epifânio deixou uma profunda marca na Província marista da Espanha. Foi aluno do primeiro colégio fundado em nosso país e pediu ao diretor, Ir. Hilário, para entrar na Congregação marista, a qual honrou com seus méritos e virtudes. Foi um excelente educador, de tal maneira que ganhava a confiança dos alunos rapidamente. Atuou como diretor em Lloret, Malgrat, Igualada, Logroño, Manresa e Lérida. Mais tarde assumiu a direção do colégio da Rua Lauria, 38 (Barcelona). Nessa cidade o surpreendeu o levantamento nacional da Espanha. Apenas iniciada a revolução, a comunidade se dispersou em busca de alguma hospedagem apropriada. O diretor, preocupado com a casa, teve a nefasta idéia de voltar ao colégio para tentar salvar alguns objetos. Foi então quando o encontraram e o colocaram na prisão. É liberado e busca alojamento de pensão em pensão até que cai novamente nas mãos dos esbirros, que o enviam para a prisão pela segunda vez. Foi um dos que desconfiavam desde o início da boa fé dos

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seguidores de Aurélio Fernández, porém se inclinou finalmente ao desejo dos superiores. O Irmão Epifânio, com seus 62 anos de idade, era o mais velho do grupo.

O mártir que dorme em nós

No coração do mártir se conjugam três linhas de força:- O senhorio absoluto do Senhor,- Um clima de amor que vai ao extremo,

O dom total num contexto de morte violente

Ir. Felipe José (Fermín Latienda Azpilicueta), 1891-1936Irmão Marista

Em 7 de julho de 1891, nasce Fermín, em Iruña-Pamplona (Navarra).Em 8 de setembro de 1903, ingressa no casa de formação de Vic.Em 8 de setembro de 1907, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1913, faz os votos perpétuos.

No Ir. Felipe José – escreve um companheiro – vi personificadas as virtudes do educador religioso: piedade, dignidade, competência. Amigo da prática socrática, encaminhava seus alunos de maneira inteligente para que, de pergunta em pergunta, eles mesmos descobrisses as respostas e conclusões adequadas.

Em fevereiro de 1936, chegava à Les Avellanes, com a função de professor interino dos noviços. Era uma situação delicada e difícil. Os noviços se sentiam órfãos, pois gostavam muito do Ir. Luis de Gozaga, que acabava de partir para o segundo

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noviciado. A piedade, a prudência e a alegria do Ir. Felipe José contribuíram para trazer imediata serenidade aos espíritos.

Graduado pela Universidade de Zaragoza, era competente e simples em suas orientações, proporcionando a cada um a ciência e os conselhos mais oportunos.

Com o início da revolução, o Ir. Felipe José se dirigiu a Vilanova da Sal com todos seus professores e alunos. Em Vilanova logo surgiram os comentários sobre seu desvelo e abnegação por seus alunos. Grande foi sua dor quando, por ordem do comitê vermelho, tiveram que espalhar-se pela comarca. Em semelhante situação, a presença do Ir. Felipe José era comprometedora. Juntamente com outros irmãos ele se escondeu nas propriedades dos arredores. Mas diante daquela situação incômoda lhe veio uma paralisia que lhe dificultava muito os movimentos. Ele foi uma das vítimas da prisão Santo Elias.

Um condiscípulo testemunhou: “Caráter franco, aberto e humorístico. Recordo sua exemplaridade, sua piedade simples, intensa, persistente”.

Ir. Félix León (Félix Ayúcar Eraso), 1911-1936Irmão Marista

Em 4 de dezembro de 1911, nasce Félix, em Estella (Navarra).Em 16 de outubro de 1924, ingressa no juniorato de Villafranca de Navarra.Em 8 de setembro de 1929, emite os primeiros votos. Era, por tanto, professo temporal quando começou a revolução. Foi docente em Igualada, Mataró, Barcelona.

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Durante os anos de formação se destacou por sua piedade e seu silêncio. Terminados os estudos do escolasticado, foi destinado a dar seus primeiros passos como professor em Igualada.

Iniciado o levantamento nacional, encontrou uma maneira de esconder-se durante os primeiros dias em casa do seu irmão. No dia em que foi preso pelos milicianos, ele se encontrava em companhia de outros maristas. Os detiveram e os levaram para Guinardó, onde já se encontravam outros Irmãos, entre eles o bom Ir. Epitáfio. Mais tarde, se reuniram com os demais no “Cabo Santo Agostinho”. Ali ele teve a estranha surpresa de contemplar dois milicianos que vestiam os trajes que eles haviam roubado anterior dele e do seu irmão.O Ir. Félix Leon ficou depois recluso na prisão de Santo Elias, de onde saiu para ser sacrificado com os demais na noite de 8 de outubro de 1936.

Um irmão companheiro disse “Ele não entrou em pânico pelo que poderia lhe acontecer, uma vez que para ele a morte naquelas circunstâncias lhe permitiria ganhar o que mais desejava: o martírio”.

O mártir que dorme em nósEntre o Senhor e o mártir há um amor que permite a loucura do martírio.Tal amor precede, prepara, presume, permite o martírio, muitas vezes como desejo, como prece, como alegria e como dom da vida no momento da prova. Neste contexto de amor o perdão dos carrascos é espontâneo, é elemento do martírio e início de reconciliação para uma humanidade unificado.

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Ir. Fortunato Andrés (Fortunato Ruiz Peña), 1898-1936Irmão Marista

Em 2 de fevereiro de 1898, nasce Fortunato, na La Piedra (Burgos).Em 21 de novembro de 1911, ingressa no juniorato de Artziniega (Álava).Em 8 de setembro de 1914, emite os primeiros votos.Em 28 de setembro de 1920, faz a profissão perpétua.

Desenvolve sua carreira docente em Artziniega, Cabezón de la Sal (Santander),Vallejo de Orbó (Valência), Zaragoza, Les Avellanes.

Era paciente, bondoso, prestativo e muito hábil para a mecânica. Nenhuma máquina o resistia. Não se sossegava até colocar em funcionamento qualquer motor avariado. Quando os milicianos se apoderaram do centro de Les Avellanes, quiseram protegê-lo ao conhecer seus conhecimentos em questão de motores e eletricidade. Preparava, além disso, saborosas comidas para os ocupantes, e se dedicava a todo tipo de trabalhos.

Bastava ver um necessitado para se comover. Não tolerava que nenhum fosse embora sem algum tipo de socorro e sempre acrescentava um copo de vinho à comida dos pobres e pedia roupa aos superiores quando via as pessoas com necessidade.

Por causa de todos os grandes serviços que realizava, os milicianos que ocupavam o convento não queriam lhe fazer nenhum mal, porém o aconselharam ir para onde quisesses. Ele partiu para Os de Balaguer. Todos o conheciam nesse povoado. As coisas não pareciam que lhe iam mal, pois

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quando foi levado para a prisão de Santo Elias era o único que tinha um bom aspecto físico.

Ir. Frumêncio (Julio García Galarza), 1909-1936Irmão Marista

Em 28 de junho de 1909, nasce Julio, em Medina de Pomar (Burgos)Em 24 de dezembro de 1921, ingressa no juniorato de Artziniega (Álava).Em 8 de setembro de 1926, emite os primeiros votos. Em 15 de agosto de 1932, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado serão sucessivamente Artziniega, Vic (Barcelona), Sants (Barcelona), Valência, Alcazarquivir. Quando começa a revolução estava em Sants.

Em companhia do Ir. Alberto Ayúcar abandonou a casa Sants e se hospedou na Rua Nova de São Francisco, e pouco depois na Rua Tallers, onde se encontraram com os irmãos Santiago Maria Saiz e Feliz Leon Ayúcar. Ali ficaram tranqüilos os quatro até 20 de setembro, dia em que foram detidos e encarcerados.O mesmo comitê vermelho que os tinha detido os levou, escoltados, para o barco no dia 7 de outubro, depois para a prisão de Santo Elias, e dali para Montcada, onde foram assassinados.

O caminho do martírio termina no cemitério de Montcada, onde eles foram fuzilados na noite de 8 de outubro de 1936.

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O mártir que dorme em nós

Tudo isso é evidente no Cristo, o mártir por excelência, que fundamente nossa fé. Atinge o cume do seu amor na Cruz. Sua vida, Ele a dá. “Minha vida ninguém me toma mas sou eu que a dou”(Jo 10,18). E Jesus motiva seu dom: “Não há maior amor que entregar sua vida por aqueles que se ama”(Jo 15,13). E aqueles que Ele ama, o Senhor os ama até o extremo de seu tempo e de seu ser (Jô 13,1).Nele, nesse contexto de amor, o perdão corre da fonte: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!”(Lc 23,34).Jesus torna-se por sua morte o grande reconciliador, aquele que unifica toda a humanidade.

Ir. Gabriel Eduardo (Segismundo Hidalgo Martínez), 1913-1936Irmão Marista

Em 28 de abril de 1913, nasce Segismundo, em Tobes e Rahedo (Burgos).Em 1924 ingressa no juniorato de Artziniega.Em 8 de setembro de 1929, emite os primeiros votos.

Seus campos de apostolado foram: o juniorato de Villafranca de Navarra, 1930; Zaragoza, 1933; Les Avellanes, 1935. Em julho de 1936, os milicianos ocupam o convento de Les Avellanes. O Irmão Gabriel Eduardo se reúne com o mestre de noviços, o Ir. Felipe José, e decidem esconder-se definitivamente diante dos perigos que correm por ser religiosos. No dia 4 de outubro de 1936, o Ir. Virgílio foi buscá-lo para passar à França por Puigcerdá. Foi detido na fronteira. No dia 7 de outubro, chega ao barco Santo

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Agostinho, em Barcelona, e no dia seguinte é imolado junto com os outros 45 irmãos maristas no cemitério de Montcada. Tinha apenas 23 anos.

** Esses Irmãos mártires levavam uma vida oculta e simples do Irmão marista, tão simples e banal como a nossa, que às vezes não reflete senão a humilde fidelidade nas coisas ordinárias: o encontro cotidiano com as crianças e os jovens para dar-lhes a conhecer Jesus Cristo e transmitir-lhes o saber e a prudência para fazer deles bons cristãos e virtuosos cidadãos. Uma vida modesta e sublime.

Ir. Gaudêncio, (Juan Tubau Perelló), 1894-1936Irmão Marista

Em 10 de março de 1894, nasce Juan, em Igualada (Barcelona).Em 11 de agosto de 1907, ingressa na casa de formação de Vic.Em 27 de setembro de 1910, emite os primeiros votos.Em 11 de agosto de 1915, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado foram Lérida, 1911; Zaragoza, 1919; Alicante, 1920; Barcelona, 1923; Murcia, 1926; Alicante, 1930; Valência, 1931; Girona, 1934; Valência, 1935. Durante os dias da revolução se refugiou entre sua família, em Igualada.

Do Ir. Gaudêncio Tubau podemos assegurar que foi sempre um religioso autêntico, destacando-se, de maneira especial,

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por sua caridade sem limites e piedade angélica. Nunca foi visto faltar à oração na comunidade. Mesmo que tivesse muito que fazer, jamais se negou prestar um serviço a um irmão. Um companheiro de comunidade costumava lhe fazer com freqüência este pedido: “Faça-me um resumo do que existe de importante nesta lição”. E ele o fazia sem questionar.Relacionava-se maravilhosamente com todos os irmãos com os quais lhe tocou conviver: “Tranqüilidade e bons alimentos” era seu lema. Porém dizia isso em catalão, que ganhava mais força e sentido. O Diretor do Ir. Gaudêncio Tubau era de gênio forte, o que às vezes altera a boa harmonia da comunidade. Entretanto, o Ir. Gaudêncio, que era virtuoso, jamais teve dificuldade alguma com ele.

Refugiado em sua cada familiar de Igualada, logo que se inteirou do projeto de partir para a França, deixou os seus e foi à Barcelona para entrar a bordo do “Cabo Santo Agostinho”, tornou-se uma vítima a mais da prisão Santo Elias, em Montcada, em 8 de outubro de 1938.

Ir. Gil Felipe (Felipe Ruiz Peña), 1907-1936Irmão Marista

Em 23 de março de 1907, nasce Felipe, em Silleruelo de Bezana (Burgos).Em 27 de novembro de 1923, ingressa na casa de formação de Artziniega (Álava)Em 8 de setembro de 1926, emite os primeiros votos em Les Avellanes. Em 15 de agosto de 193, faz a profissão perpétua.

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Exerce seu apostolado e docência em Artziniega, 1928; Jaén, 1931; Lérida, 1933. Encontrava-se nesta cidade no início do levantamento nacional. Primeiro foi para o colégio Montserrat, como enfermeiro, quando o centro foi transformado em hospital e Sangue e os Irmãos em enfermeiros. Depois, chegou a Barcelona e se uniu aos que estavam no barco Santo Agostinho. Foi assassinado no dia 8 de outubro de 1936 com outros 45 Irmãos maristas no cemitério de Montcada.Seus restos descansam na igreja monástica de Les Avellanes (Lérida).

A simplicidade do Ir. Gil Felipe era extraordinária, o que lhe ganhava a estima de todos. Causam admiração os depoimentos que alguns companheiros de infância fazem dele.Deus quis premiar com a palma do martírio aquele que soube servi-lo sem reservas.

** Na cidade de Lérida havia dois colégios maristas: um, o externato, e o outro, o Colégio Montserrat, internato. Este último foi requisitado para convertê-lo em hospital militar. No primeiro momento, os Irmãos do colégio permaneceram ali, trabalhando como enfermeiros. Acolhiam os feridos que chegavam todos os dias do front de Huesca. Porém, depois caíram sob suspeita por sua condição de religiosos, seus serviços foram dispensados e se buscou eliminá-los fisicamente. Cinco desses Irmãos sofreram o martírio na noite do dia 8 de outubro de 1936.

Ir. Hermógenes (Antonio Badía Andalé), 1908-1936Irmão Marista

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Em 13 de abril de 1908, nasce Antonio, em Bellcaire de Urgell (Lérida).Em 15 de agosto de 1921, ingressa no juniorato de Vic.Em 8 de setembro de 1925, faz a primeira profissão.Em 15 de agosto de 1930, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado e de docência foram La Garriga (Barcelona) 1926; Badalona, 1927; Vic, 1929; Palafrugell (Girona), 1931; Sabadell, 1932; Alcazrquivir (Marrocos), 1933; e finalmente Torelló. Saiu de Torelló durante a revolução. Refugiou-se na Barceloneta, bairro de Barcelona. Depois mudou para o Distrito de Sants, sempre na casa de seus irmãos. No dia 7 de outubro de 1936 chegou ao Barco Santo Agostinho. Foi assassinado com os outros 45 Irmãos no cemitério de Montcada. Seus restos mortais descansam na igreja monástica do convento de Les Avellanes.

Ao mudar de casa, quando iniciou começava seu apostolado, disse-lhe um irmão: “Creio que não deixa nada aqui”. “Não acredite, lhe respondeu um outro, deixa você, a recordação da sua regularidade, bom caráter, sensatez e obediência. Sua memória perdurará entre professores e alunos”. Era, com efeito, um desses irmãos que valem seu peso em ouro, porque sempre respondem ao que a obediência lhes confia.

O ódio à religião foi a única razão do assassinato de um irmão tão jovem.

O mártir que dorme em nós

O mártir nos lembra que o Senhor é amávelE que Ele é o único em quem realizamos a plenitude de nosso ser.O mártir recorda, contra todo ateísmo, contra todo materialismo

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que vale a pena de apostar tudo pelo Cristo.O mártir proporciona energia à nossa fé e esta recomeça a testemunhar.

Nossos 47 mártires, Bernardo, Laurentino, Virgílio, Carlos Rafael, Epifânio...nos ajudam a recolocar o Senhor no centro, despertam energia ao nosso batismo e à nossa consagração e despertam o mártir que dorme em nós.

Ir. Isaías Maria (Victoriano Martínez Martín), 1899-1936.Irmão Marista

No dia 1 de março de 1899, nasce Victoriano Martínez em Villalbilla de Villadiego (Burgos).Em 28 de dezembro de 1912, ingressa na casa de formação de Vic.Em 5 de julho de 1915, faz os primeiros votos.Em 28 de setembro de 1920, faz profissão perpétua.

Desempenha seu apostolado com os jovens em Lérida, 1917; Madri (Cisne), 1924; Málaga, 1927; Lérida Montserrat, 1928; Mataró (Vakkdeía), 1929; e finalmente Barcelona (São José Oriol). Encontrava-se naquela comunidade quando os irmãos tiveram que se dispersar a partir de 18 de junho de 1936.

Era um homem decidido, lutador e de caráter sincero e aberto. Poucas mudanças e pouca mobilidade em seu currículo docente. Esta é uma observação importante para a época em que as necessidades e outros motivos obrigavam muitas mudanças, sobretudo para os irmãos jovens.

Em 18 de julho de 1936 o Ir. Isaías se encontrava na comunidade de São José Oriol. Depois que o colégio foi

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incendiado e das perseguições à mão armada, não duvidou um instante e se refugiou na residência provincial. Também havia iniciado procedimentos para mudar-se para Madri. Porém, antes de partir, recebeu o convite para embarcar e se reuniu com os demais no barco-armadilha “Cabo Santo Agostinho”. Dali foi enviado para a prisão Santo Elias, e na seleção do passeio da morte, entrou no número dos 46 Irmãos maristas escolhidos para o sacrifício.

** O passeio: era assim como os milicianos anarquistas chamavam a última viagem quando retiravam as vítimas e as conduziam a caminho do martírio, em geral durante a noite, para lugares solitários e sem testemunhas. Muitos mártires simplesmente desapareceram. Somente o Deus vivo acolheu seu testemunho.

Ir. Ismael (Nicolás Ran Goñi) 1909-1936Irmão Marista

Em 6 de dezembro de 1909, nasce Nicolas, em Cirauqui (Pamplona).Em 7 de janeiro de 1920, ingressa no juniorato de Artziniega (Álava)Em 8 de setembro de 1926, emite os primeiros votos.Em 23 de agosto de 1931, faz a profissão perpétua.

Trabalha como docente e catequista em Burgos, 1927; Villafranca de Navarra, 1929; Burgos, internato, 1930; Jaén, 1931; Logroño, 1932; Artziniega, 1934; Lérida Montserrat, 1936. Quando começaram os dias violentos da guerra civil, ele se encontrava no pensionato de Lérida. Como os outros irmãos ele começa a trabalhar como enfermeiro cuidando dos

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feridos. Estes últimos chegavam em grande número do front de Huesca e os Irmãos se encarregavam deles. O colégio tinha sido transformado em hospital. Mas o Ir. Ismael teve que fugir quando vieram procurá-lo para matá-lo.

No dia 7 de outubro ele também se entrou no barco “Cabo Santo Agostinho”: era o encontro com a morte e o testemunho ao Senhor até o sangue.

Em seu trabalho como professor nos colégios de Burgos e Logroño, ele soube ganhar a afeição e o amor dos seus alunos e dos seus pais. Por causa da sua saúde delicada passou alguns anos na enfermaria de Les Avellanes. Durante a convalescença foi construindo uma grande confiança em Deus e uma disponibilidade maior às suas decisões e a seu querer.

Ir. Jaime Ramón (Jaime Morella Bruguera), 1898-1936Irmão Marista

Em 25 de novembro de 1898, nasce Jaime, em Osor (Sant Pere de Osor) (Girona). Em 4 de fevereiro de 1914, ingressa no juniorato de Vic. Em 25 de julho de 1915, emite os primeiros votos. Em agosto de 1920, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado foram: Sabadell, 1916; Barcelona, 1919; Valência, 1920; Barcelona (Lauria 38u), 1924; Barcelona (São José Oriol), 1925; Sabadell, 1930; Barcelona (São Olegário), 1934; e finalmente vai para a Editora FTD.

O Ir. Jaime Ramón e encontrava na Editora no mesmo em que a queiram, em 19 de julho de 1936. Conseguiu se refugiar na

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casa de um parente, na Praça de Tetuán. Foi reconhecimento como religioso, acusado, detido e encarcerado. Foi visto na prisão Santo Elias, e apresentava um aspecto exterior lamentável, devido os maus tratos recebidos. Foi retirado na noite do dia 8 de outubro de 1936 e assassinado com seu Provincial, o Ir. Laurentino.Seus restos mortais descansam na igreja do convento de Les Avellanes (Lérida)

O Ir. Jaime Ramón se distingue por sua dedicação ap ensino. Seu gênio, algo raro, o faz sofrer muito no desempenho desse trabalho, penoso para ele. Gritava com freqüência, porém o fazia como prova do interesse enorme com que se entregava aos seus alunos. Queria que eles aprendessem, que avançassem, e tudo lhe parece pouco, inclusive o desgaste rápido das suas energias, diante do resultado que julga necessário para o futuro dos seus discípulos.

O trabalho de como professor termina o esgotando; ele pede um trabalho mais tranqüilo. Em razão do seu devotamente lhe é concedido trabalhar na editora FTD.

Ir. José Carmelo (Gregorio Faci Molins), 1908-1936Irmão Marista

Em 2 de março de 1908, nasce Gregório, em La Codoñera (Teruel).Em 25 de setembro de 1919, ingressa no juniorato de Vic.Em 8 de setembro de 1924, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1929, faz a profissão perpétua.

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O irmão José Carmelo trabalhou em Cartagena, 1925; Alicante 1929; Valência, 1929; Girona, 1931; Mataró (Valledemia), 1933; Sabadell, 1935.

Gregório era uma alma de Deus. Era possuidor de uma esmerada formação cristã, tesouro herdado de seus pais. Distinguia-se por sua inocência e caráter simples, era delicado no trato, amável, piedoso e cumpridor dos deveres. O Ir. José Carmelo era calado, simples sem presunção, discreto e silencioso.Tinha grande paixão pelo violino. Tocar esse instrumento constituía sua distração favorita, seu passa tempo ideal.

Ele se encontra em Sabadell no dia 18 de julho de 1936, quando na cidade deu-se início à revolução. O colégio ardeu em chamas pelos quatro lados. Os nove irmãos tiveram que fugir. Cada um teve sua odisséia. O diretor, Ir. Fausto e o Ir. José Carmelo foram martirizados em datas diferentes. Do barco “Cabo Santo Agostinho”, onde o Ir. José Carmelo se encontrava, foi levado para a prisão Santo Elias, de onde ele saiu apenas para ser fuzilado.

** O “Cabo Santo Agostinho” era um barco convertido em prisão. Durante a perseguição de 1936-1939 era corrente que nos portos alguns barcos fossem utilizados como cárcere. No acordo estabelecido entre os superiores da Província Marista da Espanha e os responsáveis da CNT-FAI, o “Cabo Santo Agostinho” devia acolher os Irmãos na noite do dia 7 de outubro de 1936, para que na manhã seguinte fossem transferidos para o barco francês que os levaria para Marselha. Os Irmãos nunca chegaram a ver aquele barco. Eles foram detidos e levados para os calabouços da prisão Santo Elias.

Ir. José Federico(Nicolás Pereda Revuelta), 1916-1936

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Irmão Marista.

Em 20 de fevereiro de 1916, nasce Nicolas, em Villanueva la Blanca (Burgos).Em 15 de agosto de 1927, ingressa no juniorato de Artziniega.Em 8 de setembro de 1932, emite seus primeiros votos.

Suas comunidades são: Barcelona (San José Oriol) 1933; Canet de Mar, 1934; e em novembro de 1935 é enviado a Torelló. Nesta casa e comunidade o surpreende o início da revolução em 18 de julho de 1936.

A fé e a piedade vividas em seu lar serão reproduzidas e vividas pelo Ir. José Frederico. Pouco a pouco foi crescendo nele a atração pela vida religiosa. Fui testemunha, disse um irmão da sua comunidade, do entusiasmo com que falava de seus primeiros anos de religioso, e do desejo que sentia em consagrar-se a uma vida de perfeição.

O anzol daquela astuta cilada de uma saída fácil para a França através do barco traiçoeiro o seduziu totalmente, e também caiu na armadilha. A pensão onde ele se encontrava era segura e tranqüila, mas ele a deixou para ir ao barco, e aí encontrou o desassossego, a inquietude, e finalmente a morte, quando ainda estava tão cheio de juventude e de sonhos. Ele tinha apenas 20 anos e 7 meses.

Ir. Juan Crisóstomo(Juan Pelfort Planell), 1913-1936Irmão Marista

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Em 21 de maio de 1913, nasce Juan, em Ódena-Espelt (Barcelona)Em 23 de fevereiro de 1929, ingressa no postulantado de Les Avellanes (Lérida)Em 8 de setembro de 1930, emite os primeiros votos.

Talvez a piedade dos pais ou aquela dos Irmãos do colégio de Igualada o tivessem formado, uma vez que Juan, que ingressa diretamente na casa do noviciado, não estranha nada e se adapta perfeitamente a todas as exigências do horário, do estudo e do trabalho.

Impregnado de piedade e o estudo das casas de formação, ainda que muito recentes em sua vida, seguirá o caminho do martírio. Tinha apenas 23 anos e 5 meses. Não tinha feito ainda os votos perpétuos.

Só havia recebido dois envios de obediência: Badalona e Mataró. Seu trabalho na turma dos pequenos se fez notar pelo apreço que lhe manifestavam as crianças e a admiração dos pais de família. Sua entrega e seu trabalho na educação foram notórios.

Quando o colégio de Valldemia foi requisitado para servir de hospital, o Ir. Juan Crisóstomo e refugiou-se no povoado natal de Ódena, perto de Igualada, entre a sua família. Porém, ao final preferiu seguir corajosamente o convite dos superiores e deslocou para Barcelona. Partilhou do destino de seu Irmão Provincial, o Ir. Laurentino, e de seus 44 outros Irmãos Maristas, que foram fuzilados na noite de 8 de outubro de 1936, no cemitério de Montcada.

Ir. Juan de Mata(Jesús Mechón Franco), 1898-1936Irmão Marista

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Em 15 de junho de 1898, nasce Jesús, em Puente Tocinos (Murcia).Em 27 de fevereiro de 1926, ingressa no postulantado de Les Avellanes.Em 8 de setembro de 1927, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1932, faz a profissão perpétua.

No ano de 1936 prestava seus serviços como ajudante da enfermaria de Les Avellanes.Em 7 de outubro desse mesmo ano se dirigiu ao barco “Cabo Santo Agustinho” e dali o levaram para a prisão Santo Elias.Foi assassinado na noite do dia seguinte, 8 de outubro, com outros 45 irmãos.

O Ir. Juan de Mata é um caso extraordinário de adaptação e flexibilidade. Já havia feito 27 anos quando tomou a decisão de entrar para o noviciado de Les Avellanes. Muitos poucos acreditavam que apesar da boa vontade e das mais belas disposições, ele pudesse se adaptar à vida rígida do noviciado no ano de 1926. A disciplina rigorosa e as práticas exigentes não o dobraram. A tudo se adaptou e em tudo se sentia feliz. Conhecia a vida dos irmos e estava acostumado ao serviço.

Suas testemunhas falam de um jovem reservado em palavras, porém de rosto expressivo que manifestava profundos sentimentos. A alegria da vida religiosa e da sua vocação era uma marca visível. Uma testemunha afirma que lhe era impossível conter as lágrimas quando lia o testamento espiritual do santo Padre Marcelino Champagnat.

Ajudante de enfermeiro em Les Avellanes se entregou completamente ao seu trabalho com alma e coração. Era hábil na solução dos problemas caseiros e estava sempre próximo dos enfermos e lhes dava muita atenção.

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Ir. Laureano Carlos(Pedro Sitjes Puig), 1889-1936Irmão Marista

Em 4 de maio de 1889, nasce Pedro, em Parlavà, província de Girona.Em 4 de julho de 1904, ingressa no juniorato-postulantado de Santo Andrés de Palomar.

Em 22 de fevereiro de 1906, emite os primeiros votos.Em 20 de fevereiro de 1911, faz sua profissão perpétua, em Lérida.

Era um excelente professor que sabia ganhar a confiança dos alunos. Seus irmãos, de diversas comunidades educativas dão testemunho dessa repercussão. Em Toledo, Badalona, Sabadell e Igualada, onde permaneceu por mais anos seguidos, guardaram uma agradável recordação de sua atividade docente. “Foi para mim um homem de uma simplicidade com as características próprias de nossos Irmãos: afabilidade, modéstia, disponibilidade para qualquer e em qualquer ocasião; incapaz de ter adversários em razão da sua bondade e sinceridade de coração”.

Durante o ano escolar de 1935-36 se encontrava na comunidade de Igualada com outros oito Irmãos. O Governo da Catalunha deu a ordem para se tomar todos os edifícios que tivessem caráter religioso. O Comitê, que havia defendido os Irmãos a todo momento, até mesmo colocando um carro a sua disposição para retirar do colégio quantos objetos considerassem oportunos, já não pode fazer nada.

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Vários irmãos da comunidade se reuniram para hospedar-se em uma pensão de Igualada e nela permaneceram até que chegou a proposta-convite dos superiores para seguir para Barcelona. O Ir. Laureano Carlos partiu imediatamente e entrou no barco “Cabo Santo Agostinho”, onde o martírio o aguardava.

** No barco de nome “Cabo Santo Agostinho” 107 Irmãos ficaram detidos e foram conduzidos presos para a prisão Santo Elias; 46 foram fuzilados. Isto nos dá uma proporção entre os Irmãos assassinados e aqueles aprisionados. Se no total morreram 172, provavelmente foram 300 ou mais os que passaram pela prisão, e às vezes também sofreram a tortura e o envio para campos de trabalho forçado. Trezentos, representa um terço da Província.Essa prisão era um lugar onde a tortura era comum.

Ir. Leônidas(Jerônimo Messegué Ribera), 1884-1936Irmão Marista

Em 27 de janeiro de 1884, nasce Jerônimo, em Castelló de Farfanya (Lérida). Em 27 de agosto de 1898m ingressa no Postulantado de Vic.Em 5 de agosto de 1900, emite o voto de obediência. Em 27 de agosto de 1905, emite os votos perpétuos.

Os Irmãos mais antigos recordam-se do seu valor e mérito como professor. Era um mestre que explicava de maneira concisa e metodológica, com precisão e exatidão. O Ir. Leônidas mudou muitas vezes de comunidade educativa e percorreu um amplo território da Província marista desde Girona até Cartagena; desde Madri até Pamplona e Mataró.

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Suas convicções como religioso eram fortemente arraigadas e profundas. Guardamos esta confissão de sua própria boca: “Devo minha vocação à minha santa mãe – dizia – que seguramente passou a metade de sua vida na igreja do povoado, de joelhos diante do Santíssimo Sacramento, ou rezando o rosário diante da Virgem”. A piedade, que acompanha e ajuda em todas as necessidades, e a devoção que satisfaz e preenche a alma, ele também atribuía às qualidades herdadas de sua boa mãe.

Quando as autoridades republicanas requisitaram o colégio de Mataró (Valledemia), os irmãos tiveram que refugiar-se em lugares hospitaleiros. O Ir. Leônidas se alojou na casa de uma tia sua, que vivia em Barcelona. Ele também entrou no barco onde foi preso e encarcerado. O passeio da morte de 8 de outubro de 1936, o pequeno passeio, como dizia os milicianos, acabou com sua via.

Ir. Leopoldo José(Florentino Redondo Insausti), 1885-1936Irmão Marista

Em 14 de março 1885, nasce Florentino, em Cárcar (Navarra).Em 13 de fevereiro de 1898, ingressa no juniorato de Canet de Mar.Em 5 de agosto de 1902, emite o voto de obediência. Em setembro de 1903, parte para a América (Argentina-Luján), onde permanece 12 anos.Em 15 de agosto de 1907, faz a profissão perpétua.

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Em sua estada na Argentina trabalha em Mar del Plata, Caseros e Luján.Em 1915 volta para a Europa e fica na Itália até 1920: Grugliasco, Ventimiglia, Mondovi. Depois o encontramos em mataró (Valldemía). Ali permanece 16 anos seguidos como roupeiro ou enfermeiro até o dia do início do levantamento.No dia 07 de outubro de 1936 se dirige ao barco “Cabo Santo Agostinho”, e é assassinado na noite do dia 8, em Montcada.

Silencioso servidor do Senhor e de todos quantos necessitavam sua ajuda. Os testemunhos sobre a vida do Ir. Leopoldo abundam em duas direções fundamentais: sua vida interior e suas atitudes de serviço e observância da Regra. Guardava o silêncio com rigidez regular. Por isso, ao invés de convertê-lo em desagradável e estranho em suas maneiras e em sua relação com os demais, o tornava simpático e atraente. Um sorriso franco e contínuo enchia seu rosto e sua pessoa de encanto, e o tornava agradável em seu trato e serviço. Os alunos o chamavam “o santo”.

Escrevia à sua irmã Leonor: “Leonor, vou lhe dar um conselho: deves gastar mais tempo em dar graças a Deus Nosso Senhor pelos benefícios sem conta que tem recebido, do que para pedir novos favores e graças; e isso é a coisa que mais agrada a Deus. Além disso, é sabido que a melhor maneira de pedir é agradecendo, mesmo entre os homens”.

Ir. Lino Fernando(Víctor Gutiérrez Gómez), 1899-1936Irmão Marista

Em 23 de dezembro de 1899, nasce Victor, em Villegas (Burgos).

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Em 24 de setembro de 1913, ingressa no na casa de formação marista de Artziniega (Álava).Em 8 de setembro de 1916, emite os primeiros votos.Em 25 de agosto de 1925, faz a profissão perpétua.

Sua maneira de ser e seu comportamento na relação com os demais lhe deram a fama de ser um homem pacífico. Ao seu redor não somente não havia problemas, como se tinha a segurança de que tudo funcionaria em ordem. Obedecia com tal facilidade que os companheiros costumavam dizer: “é uma obediência natural”.

O Ir. Lino passou quase toda a sua vida religiosa em les Avellanes (Lérida), salvo uma breve estada em Torrelaguna, um ano, em Manzanares, um ano escolar, e em Barruelo, outro ano escolar. Em Les Avellanes desempenhou a função complementar de enfermeiro.

No dia 7 de outubro de 1936 se dirigiu para o barco “Cabo Santo Agostinho”, e foi assassinado na noite do dia 8 de outubro junto com outros 45 irmãos maristas no cemitério de Montcada. “Homem muito dócil e serviçal, de caráter tímido, em conseqüência de uma meningite.”

** A mensagem dos mártires

Homens de amor, tudo entregais a Deus,homens de fidelidade, guardais a palavra dada;homens de reconciliação, construís a unidade.

Em vós triunfa o amor sobre a violência e a vida sobre a morte.Mensageiros da ressurreição, vossos passos conduzem à eternidade.Na humildade do cotidiano demonstrais paixão pelo Absoluto,

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na riqueza da vida sois amigos do Essencial.

Credes no homem e na família dos santos.sois o rosto da Igreja e nossa pura identidade.Em vós está o Senhor que matam e Jesus glorificado.

Ir. Licarión(Ángel Roba Osorno), 1895-1936Irmão Marista

Em 27 de janeiro de 1895, nasce Angel, em Sasamón (Burgos).Em 15 de abril de 1907, ingressa na casa de formação marista de Artziniega (Álava).Em 25 de julho de1911, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1916, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado foram: Barcelona, Artziniega, Pamplona, Logroño, Girona, Toledo, Zaragoza, Valencia, Lérida, Alicante e Burgos.

Era de caráter franco e expansivo, que mantinha ao seu redor a alegria e o otimismo. As pessoas se sentiam bem ao seu lado, e também os alunos, que o apreciavam porque sabia ganhar a simpatia deles. Sua atividade, seu amor ao trabalho e a disciplina eram pouco comuns, e mesmo esses valores não agradem facilmente nos alunos, ele conseguia excelente resultado com exemplos práticos, que os entusiasmavam.

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Quando o colégio internato onde residia o Irmão Licarión foi requisitado para hospital, ali ficou prestando serviço como enfermeiro, socorrendo os soldados feridos. Desde Lérida, onde residia quando começou a perseguição religiosa, se transferiu para Barcelona. E ali se envolveu na aventura do barco “Cabo Santo Agostinho”. Foi fuzilado com outros 45 Irmãos no cemitério de Montcada, em 8 de outubro de 1936.

Seus restos mortais descansam na igreja do Mosteiro de Nossa Senhor de Bellpuing de Les Avellanes (Lérida).

“Era muito ativo e eficaz no seu trabalho de educador e catequista: pese seu caráter enérgico, era um religioso dócil e exemplar”.

Ir. Martiniano(Isidro Serrano Fabón), 1901-1936Irmão Marista

Em 5 de agosto de 1901, nasce Isidro, em La Cañada de Verich (Teruel).Em 2 de dezembro de 1915, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona). Em 25 de julho de 1918, faz os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1923, emite os votos perpétuos.

Os superiores o destinam à Barcelona, Girona, Lérida, Cartagena, Valência. Ele se encontrava no colégio dessa cidade quando começou a revolução-perseguição.Faz parte do grupo de 46 Irmãos assassinados em 8 de outubro de 1936 em Montcada.

Depois de se formar como experiente professor em diferentes colégios, trabalhou nas “Escolas Paroquiais da Conceição” de

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Barcelona, onde permaneceu o maior período da sua vida docente. Sentia-se bem nessas escolas paróquias pelo ambiente simples das crianças do bairro, com os quais se sentia muito próximo e em um ambiente onde acreditava que podia viver o carisma de São Marcelino. Nesse ambiente o Ir. Martiniano viveu sua vocação com alegria.

“O víamos feliz e satisfeito, feliz em seu trabalho de professor. Era um verdadeiro filho da família, com as características dos bons filhos de São Marcelino Champagnat. Nas Escolas Paroquiais da Conceição de Barcelona, o Irmão Gastón e o Irmão Martiniano eram como pai e filho”.

Ir. Miguel Ireneo(Leocadio Rodríguez Nieto), 1899-1936Irmão Marista

Em 9 de dezembro de 1899, nasce Leocadio, em Calahorra de Boedo (Palencia).Em 15 de setembro de 1912, ingressa no juniorato de Carrión de los Condes (Palencia).Em 8 de setembro de 1916, emite os primeiros votos.Em 28 de setembro de 1921, professa os votos perpétuos.

Depois de uma breve estada no México em 1916, volta à Espanha. O apostolado o chama a Pamplona em 1921, e Barcelona em 1933.

Era muito inteligente, superava facilmente seus companheiros e coetâneos. Suas capacidades intelectuais tiveram um reflexo no rendimento escolar e em sua preparação acadêmica, onde não encontrava nenhuma

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dificuldade nos estudos. Como professor, preparava as aulas com esmero, e as dava com extraordinária competência. Os Irmãos de sua comunidade apreciavam especialmente seu espírito de fé, sua piedade e a serenidade com que contemplava em tudo a Providência divina.

Sua vida foi a melhor preparação para o martírio, na noite do dia 8 de outubro de 1936.

“Com todos ele tinha um caráter afável e pronto a servir; amava seu trabalho, era fiel aos seus deveres religiosos; dava provas de uma fé sólida e um amor visceral por sua vocação.”

Ir. Porfírio(Leôncio Pérez Gómez), 1899-1936.Irmão Marista

Em 6 de julho de 1899, nasce Leôncio, em Masa (Burgos).Em 6 de março de 1914, ingressa na casa de formação marista de Artziniega (Álava).Em 2 de fevereiro de 1916, faz os primeiros votos.Em 6 de agosto de 1925, emite os votos perpétuos.

Realiza seu apostolado em Alcoy (Alicante), Pamplona, Murcia, Mataró e Barcelona. Encontrava-se em São José de Oriol quando a revolução/perseguição teve início, e da qual foi vítima em 8 de outubro de 1936, juntamente com outros 45 Irmãos Maristas.

Ele adquiriu a fama de ser um homem exigente consigo mesmo, mortificado e rigoroso nas dietas. Teve ataques de febre amarela, porém dificilmente o sujeitavam ao leito. Se assim era durante as enfermidades, mais exigente era na vida

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diária. Não tolerava esquisitices de vida cômoda e regalada e suportava com facilidade a austeridade e o rigor.

“Homem alegre, serviçal, competente em suas aulas que preparava com antecedência, além de ser extremamente caridoso”.

** A comunidade de São José Oriol, de 17 Irmãos, foi a que sofreu maior prova. O colégio foi queimado no primeiro dia da revolução, 19 de julho de 1936. Quatro Irmãos desta comunidade encontraram a morte no dia 8 de outubro de 1936, enquanto que outros três, entre eles o diretor, foram assassinados antes.

Ir. Prisciliano(José Mir Pons), 1889-1936Irmão Marista

Em 1 de fevereiro de 1889, nasce José, em Igualada (Barcelona).Em 2 de outubro de 1904, ingressa na casa do noviciado de Santo André de Palomar.Em 22 de fevereiro de 1906, emite os primeiros votos.Em 20 de agosto de 1911, faz a profissão perpétua.

Seu apostolado escolar o realiza em Manresa, Mataró, Sabadell, Azpeitia, Badalona, Valencia, Toledo, Lérida, Alicante, Murcia, Cartagena, Lucena (Córdoba), Barcelona. Quando teve início a perseguição religiosa ele se encontrava no colégio de São José de Oriol. Os patrulheiros expulsaram a comunidade e os irmãos buscam abrigo nas casas de amigos, familiares e em pensões.

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Foi assassinado simplesmente por ser religioso, na noite do dia 8 de outubro de 1936, com outros 45 Irmãos Maristas.

Procedente de uma família de músicos, o Ir. Prisciliano era um grande pianista. Fez seus cursos no conservatório de Madri com pleno êxito, e praticava essa arte como um virtuoso perfeccionista.

“Era um homem bondoso no trato e amável com todos, especialmente conosco, seus familiares, que nos atraia por suas virtudes e a eloqüência no falar. Ele nos exortava para que nos comportássemos bem com nossos pais, avós e amigos. Muitas vezes o ouvi dizer que era muito feliz em seu estado religioso ao qual havia sido chamado pro Deus. Era organista, tocava durante as solenidades na paróquia de São José Oriol. Durante o período revoltoso não quis ficar na casa de seus pais nem da avó de Igualada, com medo de que sua presença causasse problemas”.

Ir. Ramón Alberto(Feliciano Ayúcar Eraso), 1914-1936Irmão Marista

Em 24 de janeiro de 1914, nasce Felician, em Estella (Navarra).Em 16 de outubro de 1924, ingressa na casa de formação marista Villafranca de Navarra.Em 8 de setembro de 1930, emite os primeiros votos.

Os superiores o destinam sucessivamente a Vic, Torellò (Barcelona), Vilafranca del Penedès, Girona, colégio externado de La Mercè.

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O Irmão Ramón Alberto se encontrava na comunidade de Sants (Barcelona) quando teve início a perseguição.

Em conseqüência de uma investigação realizada no dia 20 de setembro de 1936 na pensão onde estava alojado, foi detido junto com seu irmão, o Ir. Santiago Maria, e o Ir. Frumencio. Logo depois ficaram em liberdade, mas ao tomarem conhecimento do convite dos superiores, dirigiram-se ao barco “Cabo Santo Agostinho”, no dia 7 de outubro. Depois de passar pela prisão Santo Elias foi assassinado na noite do dia 8 de outubro de 1936.

Era um dos mais jovens do grupo. Tinha apenas 22 anos.Sua primeira missão foi como formador no seminário de Vic. Suas qualidades e virtudes faziam com que os superiores lhe depositassem essa confiança e queriam enviá-lo para uma casa de formação.

“Era um jovem simples, serviçal, modesto, desse que parece que não podem fazer nada de mal. Era trabalhador e aplicado nas aulas.”

Ir. Salvio(Victoriano Gómez Gutiérrez), 1884-1936Irmão Marista

Em 8 de novembro de 1884, nasce Victoriano, em Villamorón (Burgos).Em 9 de outubro de 1896 ingressa na casa de formação marista de Burgos.Em 5 de agosto de 1902, emite os primeiros votos.Em 28 de agosto de 1907, faz a profissão perpétua.

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Depois de sua formação esteve nas seguintes comunidades: Alella (Barcelona), Santo André de Palomar (Barcelona) Pamplona, Artziniega (Alava), e les Avellanes, onde o surpreende a perseguição de 1936. Em 3 de outubro, depois das peripécias e escondidas nos arredores do mosteiro, o Ir. Sálvio respondeu ao chamado dos superiores para tentar passar para a França. Desejo não realizado pela traição da organização da FAI. No dia 7 de outubro é detido com 107 Irmãos Maristas no barco “Santo Agostinho” pelos patrulheiros da FAI e conduzidos à prisão Santo Elias. Dali são retirados os 46 maristas, entre eles o Irmão Sálvio, e lavados ao cemitério de Montcada e Les Corts. E ali os assassinaram na noite do dia 8 de outubro.

Os testemunhos são unânimes em ressaltar sua humildade, sua simplicidade nas palavras e no afeto. Seu sorriso habitual demonstrava uma serenidade constante na relação com Deus e com os homens. Este sorriso não o abandonou nem mesmo quando, atingido por hemiplegia, teve que ficar prostrado na cama. Os jovens tinham nele um exemplo de virtude.

Dizia abertamente: “Desejo obter a graça do martírio, ou pelo menos sua compensação: poder morrer mártir de amor como Teresa do Menino Jesus".

Ir. Santiago(Serafín Zugaldía Lacruz), 1894-1936Irmão Marista

Em 16 de abril de 1894, nasce Serafín, no povoado de Echálaz, Valle de Egüés (Navarra).

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Em 17 de março de 1909, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona), de donde passa para o juvenato internacional de Grugliasco (Itália). Em 15 de agosto de 1914, emite os primeiros votos.Em 27 de setembro de 1919, faz a profissão perpétua. O Ir. Santiago começa seu apostolado em Pamplona no ano de 1915, e logo passa por Carrión dos condes (Palencia), Vic (Barcelona), Les Avellanes (Lérida), Villafranca de navarra, Girona, Barcelona. Ele se encontrava na comunidade de les Avellanes quando começa a perseguição de 1936. Julho, agosto e setembro andou se escondendo por lugares inóspitos. Faz parte do grupo de 46 Irmãos Maristas assassinados na noite de 8 de outubro de 1936, no cemitério de Montcada, por serem religiosos.

Era um homem de vasta cultura literária e artístico-musical. Trabalhou na edição de livros. Em seu repertório musical se mostra conhecedor da liturgia, entusiasta animado da vida de participação e grande comunicador do amor nas celebrações através do canto religioso.Publicou artigos nos quais manifesta não somente o gosto e o saber litúrgico, como também seu fervor eucarístico.Em 1933, ano da Redenção, escrevia: “Oh Cruz, ave! És toda minha, sou todo teu, e presos com as docíssimas ataduras da mútua e constante dileção, será nossa união perpétua”.

Uma testemunha escreveu: “Era simples, laborioso e excelente organista que trabalhava na igreja do Mosteiro de Les Avellanes onde permaneceu muito tempo. Como músico foi compositor e publicou várias obras litúrgicas”.

Ir. Santiago Maria(Santiago Sáiz Martínez), 1912-1936Irmão Marista

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Em 30 de dezembro de 1912, nasce Santiago, em Castañares (Burgos).Em 23 de setembro de 1925, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona).Em 8 de setembro de 1930, se consagra a Deus no Instituto dos Irmãos Maristas com os primeiros votos.

O Irmão Santiago Maria começou seu apostolado em Lérida, 1931, de donde passou para Barcelona em 1933.A perseguição de 1936 o surpreendeu no colégio de São José Oriol. A comunidade foi obrigada a desalojar o edifício. Os Irmãos tiveram que buscar esconderijo nas casas de amigos, familiares, ou pensões. Seguiu o destino dos 46 Irmãos assassinados no cemitério de Montcada na noite de 8 de outubro de 1936, sem julgamento e sem poder declarar sua inocência.

A vida foi cortada ainda em flor sem motivo e pelo simples fato de ser religioso, não por motivos políticos.

As testemunhas afirmam: “O Ir. Santiago sáiz era um excelente educador: cumpria com seu trabalho e função, e prometia muito como homem-apóstolo entre a juventude”.A comunidade de São José de Oriol, que estava composta por 17 Irmãos, foi uma das mais castigadas. O Ir. Santiago Maria era o seu membro mais jovem.

“Era um professor zeloso e dedicado à sua missão. Ensinava com zelo o catecismo a seus discípulos e era notória sua devoção à Santíssima Virgem e à Eucaristia. Era de caráter alegre e prestativo para com alunos e professores.”

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Ir. Santos(Santos Escudero Miguel), 1907-1936Irmão Marista

Em 30 de outubro de 1907, nasce Santos, em Medinilla (Burgos).Em 27 de setembro de 1919, ingressa na casa de formação marista de Artziniega (Álava).Em 8 de setembro de 1924, emite os primeiros votos em Les Avellanes (Lérida).Em 15 de agosto de 1929, faz a profissão perpétua.

Sua primeira comunidade foi Lérida, colégio-externato, onde permaneceu por cinco anos. Logo depois foi destinado para o colégio-internato de Montserrat da mesma cidade. Neste colégio o surpreende a perseguição/revolução de 1936.

Faz parte do grupo de 46 Irmãos maristas assassinados na noite de 8 de outubro de 1936, por sua condição de religiosos e pela traição cometida pela organização da FAI. Seus restos mortais descansam desde 15 de agosto de 1967, na igreja do mosteiro de Nossa Senhora de Bellpuing de Les Avellanes (Lérida).

Durante a sua curta vida apostólica foi admirado por sua virtude e suas qualidades como bom educador.

Os testemunhos falam da sua simplicidade e piedade: “Era um professor muito competente com as crianças às quais se dedicava por inteiro; era exemplar no cumprimento de seus deveres e um bom religioso.”

** Les Avellanes era um grande centro de formação da Província Marista de Espanha. Ali estava o juniorato, o postulantado, o noviciado, o escolasticado e a enfermaria

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provincial. É fácil compreender que nesta casa viviam mais de 200 pessoas.Quando o convento foi requisitado pelos revolucionários para convertê-lo em hospital, os Irmãos e os jovens em formação se viram obrigados, em questão de dias, a encontrar alojamento nos arredores, nos povoados, em granjas, inclusive esconder-se nas grotas das montanhas.Do grupo dos 46 mártires, 10 pertenciam a esta comunidade.Atualmente, Les Avellanes é um santuário marista, uma vez que os restos mortais de muitos mártires repousam em sua capela. Santuário marista e centro de formação no espírito marista, freqüentado por muitos jovens e pessoas leigas

Ir. Teódulo(Lucio Zudaire Aramendía), 1890-1936Irmão Marista

Em 23 de abril de 1890, nasce Lucio, em Echávarri (Navarra).Em 3 de setembro de 1902, ingressa na casa de formação marista de San Andrés de Palomar.Em 24 de fevereiro de 1907, emite os primeiros votos. Em 15 de agosto de 1912 se consagra definitivamente através dos votos perpétuos.

Realizou seu trabalho apostólico em Cabezón de la Sal (Santander), Valencia, Mataró e Les Avellanes. Era diretor do escolasticado de Les Avellanes quando teve início a perseguição de 1936. O mosteiro de Les Avellanes foi ocupado pelos revolucionários e os formandos se dispersaram. Os Irmãos tiveram que esconder-se nas montanhas.

No dia 3 de outubro de 1936, colabora com o Ir. Virgilio para passar os jovens formandos para a França através do posto

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fronteiriço de Puigcerdá. No dia 7 de outubro se dirige ao barco “Cabo Santo Agustinho” onde 107 Irmãos Maristas são detidos pelos patrulheiros. Na noite do dia 8 de outubro, 46 deles são levados aos cemitérios de Montacada e Les Corts onde são fuzilados.

O Ir. Teódolo era uma grande figura na qual os superiores haviam colocado grandes esperanças. Contrariamente à prática habitual, ele havia recebido a autorização de ir à Alemanha seus conhecimentos filosóficos. Desempenhou o cargo de diretor do colégio de Valência, onde brilhou como educador e como diretor.

Foi encarregado do escolasticado de Les Avellanes onde se formavam 50 jovens maristas. As opiniões do Ir. Teódolo pesavam muito por sua ponderação e reto juízo crítico. Gozava de grande prestígio e admiração entre os jovens.

Ir. Víctor Conrado(José Ambrós Dejuán), 1898-1936Irmão Marista

Em 26 de março de 1898, nasce José, em Tragó de Noguera (Lérida).Em 25 de março de 1913, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona). Em 12 de abril de 1915, emite seus primeiros votos, em Las Avellanas (Lérida).Em 28 de setembro de 1920, faz a profissão perpétua.

Seus campos de apostolado foram: Cullera (Valencia) Les Avellanes (Lérida), Torelló (Barcelona) Centelles (Barcelona)

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Canet de Mar (Barcelona). Ele se encontrava em La Garriga (Barcelona) quando teve início a revolução de 1936.

Os acontecimentos revolucionários do levantamento iam repercutindo em todas as populações dos arredores de Barcelona. Em 20 de julho amanheceu aparentemente tranqüilo, porém, às 11 da manhã ardia já a igreja paroquial de La Garriga, e imediatamente começaram as prisões e os assassinatos.

Os Irmãos foram avisados por um amigo do colégio. Saíram de casa correndo para refugiar-se na granja da família do Ir. Victor Luis Tresserras, onde foram acolhidos com todo carinho. Desfrutavam de bastante paz, porém as perseguições por parte do Comitê eram cada vez mais freqüentes. Para não comprometer a família Tresserras, os Irmãos decidem no mês de agosto de esconder-se em pensões de Barcelona.

O início de outubro, diante do convite dos superiores para viajar para a França, o Irmão Victor Conrado se dirige ao barco “Cabo Santo Agostinho”. A consequência trágica dos acontecimentos já nos é conhecida.

O grupo dos mártires 1

Conhecer os detalhes da vida desses irmãos seria um trabalho muito longo, mas o grupo apresenta características que acreditamos que seja importante sublinhar: Se prestarmos atenção às idades, nós encontraremos um irmão de 19 anos, o mais jovem, e um irmão de 62 anos, o mais idoso. Entre esses dois extremos, encontramos: 17 irmãos entre 20 e 30 anos; 11 irmãos entre 31 e 40 anos; 11 irmãos entre 41 e 50 anos, e 6 irmãos entre 51 e 60 anos. Eis, portanto, um grupo bastante jovem que foi martirizado.

Ir. Victoriano José

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(José Blanch Roca), 1908-1936Irmão Marista

Em 23 de fevereiro de 1908, nasce José, em Torregrossa (Lérida) Em 1 de junho de 1919, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona).Em 8 de setembro de 1924, emite os primeiros votos em Les Avellanes (Lérida) Em 15 de agosto de 1929, se consagra a Deus através da profissão perpétua.

O Ir. Victorino José desempenhou seu trabalho apostólico em uma série de colégios da província marista da Espanha tais como: Mataró, Sabadell, Alcoy, Alicante, Girona, Barcelona (Sants) e desde 1935 novamente Mataró.

Sempre foi um homem de modos simples, trabalhando sem dubiedade. Sua odisséia do martírio é digna das atas dos heróis do cristianismo. Dirigiu-se ao barco “Cabo Santo Agostinho” no dia 7 de outubro de 1936. Ali se encontram 107 Irmãos que foram traídos e conduzidos à prisão Santo Elias.Um grupo de 46 foi retirado na noite do dia 8 de outubro e conduzido aos cemitérios de Montcada e les Corts. O Irmão Victorino José recebeu os tiros com seus companheiros e caiu por terra. Porém, esse irmão continuou com vida. Depois que os assassinos abandonaram o lugar, ele se recuperou e se arrastou como pôde até uma cada nas proximidades que era de boa família, mas que estava sob ameaça: “Aqui você está em perigo – lhe disse a dona da casa – e neste momento andam procurando meu marido, que é ferroviário, para matá-lo”. E lhe indicou o caminho para chegar à Barcelona. E no caminho, dirigiu-se a outra casa, mas esta, em lugar de indicar-lhe a maneira como chegar à

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cidade, o delatou ao comitê revolucionário. Foi novamente detido e o fuzilaram no cemitério de Montcada.

“Era um homem muito estudioso e inteligente, humilde e constante no serviço dos demais”, ... “muito devoto da Virgem e intrépido na defesa de sua fé”.

O grupo dos mártires 2

As páginas biográficas que lhes são dedicadas pela Informatio47, são, em geral, de exaltação. Diante da morte e do martírio, a memória guarda as boas qualidades de uma pessoa. Aqui, no entanto, estamos diante de um grupo de irmãos que, por cinco anos, sabia que caminhava em direção à prova final do martírio. Mas esses irmãos eram orientados por Superiores que os ajudavam a tomar consciência dessa realidade, e criar um clima de generosidade e de fervor que fazem com que o coração esteja pronto para o sacrifício, a ponto mesmo de desejar que isso aconteça.

Ir. Vito José(José Miguel Elola Arruti), 1893-1936Irmão Marista

Em 5 de março de 1893, nasce José Miguel em Régil (Guipúzcoa).Em 10 de agosto de 1907, ingressa na casa de formação de Vic (Barcelona).Em 21 de setembro de 1909, emite os primeiros votos, em Manresa (Barcelona).Em 15 de agosto de 1914, se consagra a Deus através da profissão perpétua.47? Informatio, pp. 59-285.

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Trabalha como docente e catequista em Santa Coloma de Querat (Tarragona), Malgrat de Mar (Barcelona), Badalona (Barcelona), Torrelaguna (Madri), Melilla, Barcelona. Em agosto de 1919 os superiores o enviam a Les Avellanes onde permanece dezesseis anos como encarregado da enfermaria. Aqui se encontrava, atendendo os enfermos, quando teve início a perseguição de 1936.

O Ir. Vito José era um enfermeiro qualificado, motivo pela qual foi nomeado responsável da enfermaria da casa de les Avellanes. Porém, sobretudo, é sua amabilidade, manifestada em suas palavras e com um serviço de dedicação, que o faz ganhar o afeto e a amizade de todos os que ficavam em repouso na enfermaria. Seus conhecimentos médicos ultrapassaram os muros do convento e com freqüência as famílias o chamavam para atender os enfermos da comarca.

A casa de Les Avellanes ao ser requisitada para o serviço da República, os Irmãos enfermos foram levados para o dispensário de Balaguer. Sabendo os milicianos dos bons serviços do Ir. Vito, o convidaram para ficar com eles, porém ele lhes disse com toda firmeza: “Irei com meus Irmãos a Balanguer. E se Deus nos pede a vida, devemos saber entregá-la”. No dispensário estavam todos admirados da delicadeza com que tratava os pacientes da instituição; atendia a todos com igual atenção e afeto, não importando de que lado estivessem.

O grupo dos mártires 3

Todos não tinham a fibra de um santo: um irmão era muito melancólico e taciturno; outro, um tanto autoritário nas suas responsabilidades; um terceiro, jovem, havia encontrado uma noiva, mas disse sim ao seu Provincial para se apresentar ao Cabo Santo Agostinho... No limite do humano, sua escolha foi o Cristo.

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Ir. Vivêncio(Juan Núñez Casado), 1908-1936Irmão Marista

Em 10 de janeiro de 1908, nasce Juan, em Covarrubias (Burgos).Em 5 de janeiro de 1920, ingressa na casa de formação de Artziniega (Álava). Em 8 de setembro de 1924, emite os primeiros votos. Em 15 de agosto de 1930, faz a profissão perpétua.

Exerceu seu apostolado e docência nos colégios que os Irmãos maristas dirigem em Sabadell (Barcelona), Badalona (Barcelona), Igualada (Barcelona), Zaragoza, Barcelona (Sants), Barcelona (Lauria), Larache (Marrocos), Logroño, Girona (La Mercè).

Nesta comunidade de La Mercè transcorria o ano escolar de 1935-1936, quando receberam o convite dos superiores para partir para a França. O Ir. Vivencio saiu de Girona com este propósito. Junto com o Irmão Vicente Palmada subiram ao barco “Cabo Santo Agostinho”, aonde chegaram com a seguinte instrução: “Assunto Ordaz”. Era uma armadilha mortal, mas também a glória do martírio.

“Eu pude ler as cartas que sua mãe lhe enviava à Larache, diz uma testemunha, e eram daquelas de uma santa. Ela tinha uma grande influência sobre ele. Ele sempre manifestou uma grande admiração por sua mãe. Era a ela que ele devia sua vocação e sua vida espiritual. O Ir. Vivencio tinha um caráter impetuoso, mas fazia esforço para se dominar; era um bom religioso”.

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O grupo dos mártires 4

A leitura das biografias cria, como sentimento dominante, a admiração, mais por causa da qualidade da vida do que da morte trágica. Alguns eram verdadeiros intelectuais, outros, exímios educadores, próximos dos jovens; outros, como diretores, reuniam a arte da organização e a atenção paternal; aqueles que exerciam trabalhos manuais, tornaram-se capazes de realizar vários serviços que assumiam sempre com alegria. Havia poetas e outros de um coração delicado, como esse irmão, em las Avellanes, encarregado de acolher os pobres, que se preocupava em acrescentar sempre um copo de vinho às refeições que lhes eram dadas.

Ir. Vulfrano(Ramón Mill Aran), 1909-1936Irmão Marista

Em 3 de março de 1909, nasce Ramón, em Castellserà (Lérida).Em 7 de outubro de 1920, ingressa na casa de formação marista de Vic (Barcelona).Em 8 de setembro de 1925, emite os primeiros votos.Em 15 de agosto de 1930, faz a profissão perpétua.

O Ir. Vulfrano começa seu apostolado em Centelles (Barcelona) e continua depois em Vic (Barcelona), Igualada (Barcelona), Sabadell (Barcelona), Mataró (Barcelona), Girona, Alcazarquivir (Marrocos). A perseguição/revolução de julho 1936 o surpreendeu em Girona.

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O Ir. Vulfrano se distinguiu por uma perfeita docilidade, sempre disposto a cumprir tudo que viesse de seus superiores. Demonstrou isso através de numerosas funções que teve que aceitar durante a sua curta vida de religioso. Em todos os lugares ele desenvolveu com zelo sua missão de educar cristãmente as crianças, colocando todo seu esforço em mostrar-lhes o caminho do saber. Sua classe se sobressaía das demais pela disciplina e trabalho.

“Lembro-me do meu tio pelo bem que nos queria, sobretudo aos sobrinhos e em especial aos pequenos, e éramos felizes com nosso tio religioso. Em razão da perseguição religiosa nossa mãe nos dizia que não disséssemos que o tio estava em casa para que ele não fosse preso, e ele dizia que não se importava que se os revolucionários viessem, que Deus seja bendito”.

O grupo dos mártires 5

Todos traziam em seu coração uma densa e delicada devoção à Mãe do Senhor, e mantinham uma vida discreta e simples de marista.

Nossa Família marista pode se orgulhar desses irmãos. Ela pode pedir para que eles sejam seus intercessores, para que nosso coração se abra à generosidade que Deus espera de nós, hoje.

Oração

Senhor, tu amaste nossos Irmãos mártires,e tu os amaste até o fim.E nossos Irmãos mártires também te amaramaté o extremo de seu corpo e do seu coração.Nós te damos graças por essa maravilha,nós te damos graças pelo dom desses Irmãos

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generosos no amor.Senhor, nós te pedimos para que eles se tornemintercessores para nossa família Marista,para cada um de nós, seus Irmãos,para todos aqueles que os invocarem,de modo que tu sejas cada vez mais o Senhor de nossas vidas,o único ao qual vale a pensa tudo entregar.Que tua Mãe, assim como foi para eles, se torne também a Boa Mãe, amada no hoje de nossas vidas.E por sua intercessão nos te pedimos a graça de.... Amém!

O GRUPO DO IRMÃO CRISANTO

Esta « positio »48 é complexa, visto que ele reagrupa os casos de martírio de Irmãos que pertencem a comunidades muito variadas e muito dispersas no território espanhol. Por vezes, a mesma comunidade conhece dois momentos diferentes onde Irmãos são mortos, terminando em dois grupos de mártires. Esta página apresenta estas comunidades para ajudar no esclarecimento.

1–Os Irmãos mártires Las Avellanas :1-Irmão Crisanto2-Os mártires da fachada de Las Avellanas

2– Os Irmãos da comunidade de Toledo 3– Os Irmãos da comunidade de Valencia 4– Os Irmãos da comunidade de Vich 5–O Irmão José de Arimatéa de Ribadesella 6–O Irmão Aureliano de Badajoz 7–Os Irmãos da comunidade de Malaga

48 O livro que apresenta esses mártires.

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8–Os Irmãos da comunidade de Madrid 9–Os quatro Irmãos de Chinchón10–Os três Irmãos de Torrelaguna11–Os nossos Irmãos de Villalba de la Sierra (Cuenca)12–Os Irmãos de Cabezón de la Sal e de Carrejo13–Os Irmãos de Barruelo de Santullán14–O Irmãol Benedicto Andrés de Huesca15–Os Irmãos Valente José e Eloy José de Valencia16–O Irmão Millán de Denia17–O Irmão Luis Firmín de Arceniega18–Um roupeiro, um jardineiro, um pedreiro de Las Avellanas19–O Irmão Pablo Daniel de Barcelona.

Assim, do martírio do Irmão Crisanto àquele do Irmão Pablo Daniel, encontramo-nos no interior da mesma “positio”.

OS MÁRTIRES DE LAS AVELLANAS

Em 1936, Las Avellanas é centro marista importante49. Ele conta com o efetivo de 210 pessoas entre Irmãos e jovens em formação. A casa abriga juvenato, postulado, noviciado e escolasticado, com os seus respectivos Irmãos formadores. Há também a enfermaria provincial e uma comunidade para os serviços gerais: administração, granja, obras de alvenaria e reformas.

O Ir. Crisanto, encarregado dos aspirantes; o Ir. Aquilino, submestre de noviços; e três Irmãos enfermos Fabián, Félix Lorenzo e Ligorio Pedro vão encontrar o martírio no lugar ou nos seus arredores.

49 « Positio », p. 85.

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O Irmão Crisanto (Casimiro González García)

1–O martírio 50

Em 27 de agosto de 1936, pelo meio-dia, um grupo de milicianos desconhecidos penetra na aldeia de Tartareu. Os habitantes adivinham as intenções dos milicianos e previnem o Irmão Crisanto, que tinha encontrado refúgio entre eles, para que se esconda. Ele responde que não pode abandonar os jovens aspirantes de que está encarregado. Assim, ele se dirige às pressas ao posto de polícia, onde os milicianos do comitê desconhecido o aguardam. Estes agem como déspotas, ordenando que os policiais do lugar se retirem.

“Sabendo que dispunha de uma caminhoneta, mandam que a ponha à disposição deles”. Pouco depois, o Irmão Crisanto desceu acompanhado dos milicianos vermelhos e de três membros do comitê local. O Irmão estava sorridente, tranqüilo e despedia-se das pessoas mais próximas. A aldeia estava aflita com o pensamento de que o Irmão tinha caído nas mãos de tais selvagens. O chefe dos milicianos desconhecidos, dando-se conta desses sentimentos do povo, ameaçou a multidão com o fuzil e mandou a todos, de forma brutal, que se retirem para as suas casas. Chegando a trezentos metros do Mas del Pastor, os milicianos conduziram o Ir. Crisanto a certa encosta, convidando os três policiais do comitê de Tartareu a atirar. Eles se recusaram, dizendo que não tinham a coragem de matar pessoais da sua aldeia.

50 Toda esta parte se inspira diretamente nas páginas 84-89 da « Positio” sobre o martírio do Irmão Crisanto e de 67 outros, sendo dois leigos.

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Sem demora, ouviram-se tiros, enquanto virávamos as costas para não assistir ao assassínio. Ouvimos sete ou oito tiros. O servo de Deus jazia no chão; deram-lhe outtros tiros. Quando retornaram, os assassinos nos mostraram objetos tomados das roupas do servo de Deus: relógio, caneta e algum dinheiro.

Os milicianos obrigaram os agricultores locais a enterrar o morto, ameaçando-os com a mesma sorte, se se recusassem. Esses agricultores observaram que a mão direita do Irmão Crisanto tem um pedaço de madeira entre os dedos, formando com eles uma cruz evidente. Morto no fim da manhã, o Irmão Crisanto é enterrado no lugar depois do meio-dia. Em 4 de maio de 1940, houve a primeira exumação, em presença de uma centena de testemunhas. O corpo se decompusera, mas a mão direita, intata, segura ainda um pedaço de madeira em forma de cruz.

A segunda exumação, 31 anos após a morte, ocorreu em 15 de agosto de1967. Nessa circunstância, a mão direita continua inteira, coberta de pele e de pelos, com o pedaço de madeira entre os dedos, em forma de cruz. Por ocasião dessa segunda exumação, os restos mortais do Ir. Crisanto e de outros Irmãos martirizados no mesmo período, entre outros 45 do grupo do Irmão Laurentino, são depositados na grande capela de Las Avellanas. A capela é hoje lugar de peregrinação. 2–Um homem límpido 51

« Passei os primeiros anos da minha infância em Torrelaguna52, tranqüilo e longe do mundo, não ouvindo mais que as orações que a minha mãe me 51 « Positio », pp. 65-67.52 Aldeia não longe de Madrid, onde os Irmãos Maristas tinham uma escola. Nessa aldeia quatro Irmãos também foram mortos. Os seus restos, colocados em urna; repousam na igreja paroquial de Torrelaguna.

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fazia recitar. Que doce lar. Assim, crescendo como pequena flor delicada ao abrigo do vento, eu não me ocupava senão em ornar um pequeno altar da Santíssima Virgem. Diane deste altar eu me ajoelhava muitas vezes com a minha mãe para recitar o rosário, fazer os exercícios do mês de Maria e cantar-lhe o doce hino Ave Maris Stella. »53.

Esse testemunho nos introduz na infância e no seio da família do Ir. Crisanto. Ele nasceu em 4 de março de 1897. No batismo, três dias depois, recebeu o nome de Casimiro.

Em 1914, ele entrou como candidato dos Irmãos Maristas e não tardou a revelar grande disponibilidade : « Eis-me aqui; façam de mim o que quiserem. Não quero senão obedecer. »54 Vestiu a batina em 2 de fevereiro de 1915, dia em que escreveu: « Ó Mãe, cobre-me com o teu manto. Faça o Senhor que esse dia nunca se apague do nosso espírito e que, no fim, coroemos a nossa vida com a morte característica de um Irmão Marista, clamando: Ave, Maris Stella”. O dia chegou, Irmão, de te unir a Deus e de oferecer-lhe para sempre e sem reserva o teu coração. »55

A partir de 1916, ele trabalhou em várias das nossas escolas. Os superiores notaram as suas qualidades e, em 1935, lhe confiaram a importante responsabilidade da formação dos aspirantes em Las Avellanas, período difícil em que ele assumiu a sua tarefa com coração e responsabilidade de pai e com a firmeza de quem está consciente de que o martírio é possível. Em agosto de 1936, a Comissão Revolucionária de Balaguer tinha colocado os

53 « Positio », p. 66, que cita os escritos pessoais do Irmão Crisanto.54 “Positio”, o. 66, que cita vítima pelo seu rebanho, p. 15.55 “Positio”, p. 66. Citação dos escritos pessoais.

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aspirantes em residência vigiada nas famílias das granjas de Tartareu, vila próxima de Las Avellanas; o Irmão Crisanto devia apresentar-se duas vezes por dia na prefeitura e assinar o respectivo comprovante. As pessoas dessa vila, cristãos simples e convictos, haviam-nos acolhido com presteza e generosidade. Um dos aspirantes, recordando os dias em que viveram nas famílias de Tartareu, confessa: “Nas conversas, ele nos dizia que eles vão matar-me. Abraçava-nos, chorando. Rezem muito por mim; a sentença de morte já foi pronunciada contra mim. Eu diria que cada dia que passava as expressões de afeto para conosco ficavam mais fortes. »56 Certo jovem da vila quer indicar-lhe esconderijo mais seguro ; mas ele responde : « Muito obrigado; se for necessário, darei a minha vida com alegria para salvar os meus jovens.»57

Em 25 de agosto, dois dias antes do martírio, o Ir. Crisanto visita alguns confrades que o convidam a fugir. Ele diverge. “Dei a minha palavra de apresentar-me à Comissão todos os dias e o farei. Não vou fugir, mesmo que eles venham para me matar. Devo acompanhar esses jovens que os superiores me confiaram. Ademais, não quero decepcionar esta população que tão bem nos acolheu. Se me matam, será unicamente porque sou religioso marista e cumpro o meu dever. Se é por essa causa, posso considerar-me feliz. Como vocês querem que abandone os meus caros aspirantes? Enquanto eu viver, com a ajuda de Deus e da Santíssima Virgem, vou cuidar deles”.58

56 « Positio », p. 84.57 « Positio », p. 84.58 « Positio », p. 93.

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No momento do assassínio, de novo exprime a sua inquietação pelo futuro dos seus jovens: “Em nome de Deus, suplicava ele, não me matem; deixem-me cuidar dos meus jovens”59. Uma descarga de sete ou oito tiros crivou o peito do Irmão, seguida de uma segunda descarga: « Para que ele não nos escape! », diziam os assassinos.60

Os seus jovens aspirantes, os noviços e os escolásticos vão poder, em 5 de outubro de 1936, atravessar a fronteira da França, guiados pelo Ir. Moisés Felix, Irmão que era o colaborador imediato de Crisanto em Las Avellanas. A última oração do Irmão Crisanto havia sido atendida.

3–Verdadeiramente mártir !61

João Paulo II, falando das vítimas da perseguição espanhola, colocou em relevo que nunca faltarão aqueles que querem negar a coroa do martírio, sob o pretexto de motivos políticos. Mas ele conclui: “Se devêssemos tomá-los em consideração, deveríamos apagar do catálogo dos santos todos os mártires clássicos do tempo dos romanos. Então também o motivo político estava presente: eles se recusavam a prestar culto ao imperador. E, contudo, os nossos altares estão cheios de relíquias de santos, mártires autênticos e proclamados tais na sua época”. 62

No caso dos mártires de Las Avellanas, não se trata singelamente de tiro de fuzil acidental, mas de encarniçamento: sacerdotes e religiosos são literalmente acuados. O Ir. Hippolytus63, então superior da casa de Las Avellanas, escreveu: « Na 59 « Positio », p. 85.60 « Positio », p. 85 et p.89.61 Esse ponto se inspira na « Positio », pp, 79-82.62 Idem, “Positio”, p.3. João Paulo II a um grupo de bispos espanhóis recebidos no Vaticano, em 9-3-1982.63 Esse Irmão é de nacionalidade francesa.

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Catalunha não há mais nenhum padre livre, nenhuma igreja que não tenha sido incendiada ou profanada, tanto nas cidades quanto nas vilas. Nosso Senhor é expulso de toda essa região que fica numa situação de desolação e de morte. »64 Os milicianos foram muito explícitos com ele : « Você e os seus procurem abandonar estes lugares o mais depressa possível ; caso contrário, vão em busca de desgraça; e a razão é esta: não queremos religião nem pessoas religiosas. A nossa religião é a humanidade »65.

De modo geral, onde governam os membros da CNT, Confederação Nacional do Trabalho, ou a FAI, Federação Anarquista Ibérica66, tudo converge para fazer desaparecer o que pode testemunhar a fé: as igrejas são destruídas; os sacerdotes, os religiosos e os cristãos fiéis constantemente vexados ou mortos, sem que nenhuma ativdidade política possa ser imputada às vítimas. A nossa comunidade de Las Avellanas conheceu fases crescentes de perseguição.

1– Em 18 de julho de 1936, primeiro dia da insurreição marxista em Barcelona, pela tarde, o prefeito de Balaguer, o senhor Verdaguer, que também é o médico da casa, visita a comunidade. Ele quer saber, da parte da Comissão Revolucionária, se estamos dispostos a ceder a casa para servir de hospital, ou se será preciso confiscá-la. Os Irmãos aceitam cedê-la e se distribuem pelas vilas e granjas próximas. Os doentes, contudo, são autorizados a ficar, com o Irmão enfermeiro e o diretor. 2– Em 23 de julho, todo o mundo deve esvaziar os lugares. Em 24, de tarde, o presidente da Comissão Revolucionária de Balaguer e aquele de Os, com 64 Idem, “Positio”, p. 81.65 Idem, “Positio”, p. 81.66 CTN, FAI (Confederação Nacional do Trabalho; Federação Anarquista Ibérica, ou Federação Anarquista Internacional; “Positio”, p. 8.

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milicianos, vêm intimar que se deixe a casa vazia para o dia seguinte, “absolutamente ninguém pode ficar. Antes das oito horas, enviaremos um caminhão para transportar os enfermos ao hospital de Balaguer”. Em 25 de julho, domingo, muito cedo os Irmãos participam da missa, para alguns a última antes do martírio.

3– Em 30 de julho, a Comissão Revolucionária faz anunciar por todas as aldeias próximas de Las Avellanas que se devem restituir os bens do convento: víveres, roupas, cobertores, colchões. Os Irmãos os haviam entregado às famílias, a fim de que elas pudessem acolher e alimentar os jovens em formação. Os próprios Irmãos levaram as coisas. A partir desse dia, são obrigados a dormir em pranchas ou no chão. Fazem-no com a alegria de sofrer por Cristo.67

4- Em 5 de agosto, um grupo de milicianos desconhecidos toma posse de Las Avellanas. A Comissão Revolucionária de Balaguer difundiu o boato de que o convento esconde armas. Conduzidos pelo Ir. Hippolytus, eles inspeccionam os lugares sem nada encontrar. Mas os milicianos têm uma segunda missão: determinar os esconderijos dos Irmãos, levantar uma lista e inscrever mesmo os enfermos que se achem no hospital de Balaguer, assim como os noviços.

5- Em 23 de agosto, um grupo de comunistas chega de Os e procede a uma investigação para ver se todos os bens do convento foram restituídos. Eles encontram roupa em alguma casa e o proprietário se vê castigado por pesada multa.

67 “Positio”, p. 81.

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6– O Ir. Crisanto encontrou refúgio na aldeia de Tartareu, cujo Comitê Revolucionário é dos mais moderados e até mesmo composto de cristãos fiéis. Em 6 de agosto, a população está na praça para acolher o Ir. Crisanto e os seus 25 aspirantes. Estes são colocados nas famílias e nas granjas ; neste último caso, eles auxiliam nos trabalhos da lavoura. Mas o Comitê Revolucionário de Balaguer não perdeu de vista o Ir. Crisanto; eles deixam-lhe certa liberdade, porque ele deve apresentar-se na prefeitura duas vezes por dia, às oito da manhã e às seis da tarde, onde assina comprovante, o que ele cumpre com simplicidade e fidelidade: ¨Dei a minha palavra de apresentar-me ao Comitê todos os dias e o farei. Não fugirei, mesmo que venham para me matar. »68

7– Nos dez primeiros dias de agosto, graças ao seu Comitê Revolucionário moderado, a vila de Tartareu não conhece destruições nem mortes. Mas logo chega um grupo de jovens comunistas de fora. Obrigam as famílias a amontoar na praça pública os seus objetos religiosos, os livros e os símbolos da fé; eles lhes põem fogo, deixando a população na consternação. Quatro membros do Comitê Revolucionário de Tartareu são destituídos e substituídos por outros de maior convicção revolucionária.

8- Em 27 de agosto, milicianos estranhos chegam com intenções pouco inocentes. As pessoas do lugar se dão conta e despacham alguém para suplicar que o Irmão Crisanto se esconda. Esses milicianos vieram para executar a sentença de morte já pronunciada contra ele, que o ignora. Convocado, ele se apresenta confiante e saudando afetuosamente as pessoas vizinhas da vila dele.68 “Positio”, p. 93.

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4–A fama do martírioNo enterro, feito às pressas sob a ameaça dos assassinos, nenhum sinal foi colocado na tumba do Ir. Crisanto. Porém o proprietário do campo, por respeito, não cultivou a parte onde sabia que o Ir. fora enterrado. Várias testemunhas atestaram no tribunal diocesano: “Desde que o corpo foi enterrado, a fama de santidade e do martírio do servo de Deus se espalha e até hoje o lugar do sepultamento foi respeitado e excluído do cultivo”.69

A família Garrofé, que o havia acolhido em Tartareu, confirma a fama de santidade : « A voz da santidade e do martírio do servo de Deus difundiu-se imediatamente após a sua morte”.Essa reputação foi crescente nos anos seguintes, a ponto de que começou a ser invocado para obter favores extraordinários. Segue-se um caso entre outros.“Quando o meu marido se achava em Barcelona, sofreu um ataque cerebral tão forte, que o doutor que o visitou disse aos meus filhos que ele tinha apenas algumas horas de vida. Considerando a gravidade da situação e o estado de agonia, o meu filho médico o transportou de carro a Alicante. Na viagem ele lhe injetava óleo conforado e lhe renovava a bolsa de gelo da cabeça. Ninguém acreditava que ele chegasse vivo ao destino. Em Alicante os médicos não tinham esperança de salvá-lo. Então, com grande fé, eu invoquei o Irmão Crisanto, coloquei a sua imagem com a relíquia debaixo do travesseiro e comecei uma novena com fé e confiança. Pouco dias depois, ele melhorou muito, até a sua cura completa. Estou convencida de que o meu marido recobrou a saúde graças ao Irmão Crisanto”.70

69 “Positio”, p. 95. 70 “Positio”, p. 99.. A revista da postulação Flores de Martirio de 1947 a 1965 apresenta diversos outros casos semelhantes.

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OS MÁRTIRES DA FACHADAIRMÃOS AQUILINO, FABIAN,

FELIX LORENZO, LIGORIO PEDRO

LAS AVELLANAS, 3 DE SETEMBRO DE 1936. (Cont.)

1– O martírio71

« Nos últimos dias de agosto ou nos primeiros de setembro de 1936, eu me encontrava por acaso na vila de Balaguer e me dispunha a voltar. Então recebi a ordem de certo Chala de recebê-lo no meu caminhão e mais alguns dos seus companheiros, quatro ou cinco, aparentemente todos milicianos e todos armados. Eles me mandaram seguir ao convento de Las Avellanas.

Chegados à frente do convento, assisti à cena seguinte. Eu estava no volante. Quatro metros na frente, havia um indivíduo de nome El Peleteiro, com dois outros, armados, e na distância de trinta metros, vi quatro Irmãos Maristas, de traje civil, serem colocados em fila na fachada da Casa. Reconheci neles quatro Irmãos Maristas, que conhecera nas minhas freqüentes visitas do convento. Ignorava os nomes deles, menos de um, Irmão Aquilino Baró. Com ele, nesse momento, pude trocar um olhar de saudação e entendimento. Os indivíduos que eu havia trazido de Balaguer, Chala e os comapnheiros, desceram do caminhão e se juntaram àqueles do cabecilha El Peleteiro; saudaram-se.

71 “Informatio”, pp. 104-105.

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Nesse momento, o Irmão Aquilino pediu a palavra. O cabeça El Peleteiro lhe respondeu: “Fale, enquanto carregamos os fuzis”. Os milicianos não lhe deram atenção, mas ele falou com serenidade e firmeza: “Como homem, lhes perdôo; como católico, lhes agradeço, porque nos colocam nas mãos a palma do martírio que todo o católico deve desejar”. El Peleteiro perguntou: “Você terminou” ? Aquilino Baró : Viva Cristo Rei. El Peleteiro lhe disse : « Agora tu podes virar-te de costas ». Aquilino replicou: “De frente”. Os milicianos descarregaram as armas e os quatro servos de Deus caíram ao chão”.

2- A Vida

1– Irmão Aquilino (Baldomero Baró Riera)72

O Ir. Aquilino nasceu em 29 de setembro de 1903, em Tiurana, Lérida, graciosa vila de 600 habitantes, no rico vale do rio Segre. No dia seguinte, no batismo, recebeu os nomes de Baldomero Miguel Jerônimo. Assim, não havia completado 33 anos, quando foi morto em 3 de setembro de 1936. Ele entrou no juvenato de Vich em 1916; seguiu os cursos da formação religiosa normal. Fez os primeiros votos em 8 de setembro de 1920; em 1923, aos 20 anos, ei-lo professor no juvenato de Vich. Não teve muito êxito. Os superiores o enviaram a Arceniega, onde os resultados foram melhores.

Na profissão perpétua, em 19 de julho de 1925, os confrades notaram nele uma aplicação ascendente na vida espiritual e boa unificação da vida interior com a vida comunitária e com a vida apstólica.

A sua dedicação sem limites à formação dos juvenistas mereceu-lhe que fosse associado ao mestre 72 “Informatio”, pp. 68-72.

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de noviços em Las Avellanas. Nessa incumbência se notaram melhor os traços particulares da espiritualdiade marista: “humildade, simplicidade em fazer o bem sem alarde. Toda a atividade pedagógica do Ir. Aquilino pretende que os seus alunos sejam cristãos verdadeiros e comprometidos”.

Ele não cessava de esclarecer e de sustentar a fé da sua própria família. O segundo teólogo censor, a este respeito, formulou a seguinte reflexão: “Cada uma das suas cartas vem animada de sopro sobrenatural. Em nenhuma das suas cartas ele se esquece de falar a língua do religioso, de exortar ao bem e à prática das virtudes cristãs. Os destinatários deviam certamente ficar com bons sentimentos por tais cartas”.

A seguinte oração a Maria, escrita pouco antes do martírio, revela a sua vida profunda: “Maria, Mãe de Deus e Mãe da minha alma, de vós depende a união e a fusão de dois seres tão diferentes, tão distanciados e, ainda assim, feitos para se unirem: Deus e a minha alma, Jesus e eu. Por favor, fazei que Deus se dê à minha alma e que a minha alma se dê a Deus. Concedei-me, Senhora, que o pensamento de Deus ocupe a minha alma por inteiro; que o meu coração seja invadido por este Amor único e que a grande máxima de santa Teresa se torne, em toda a verdade, a norma da minha vida: Deus basta, Desus basta”.

Viver na presença de Deus lhe era habitual, como também confiar muito nele, sobretudo quando os acontecimentos conduziam à rota do martírio. Ele escreveu à sua irmã: “Quanto àquilo que nos diz respeito, não tenha preocupação; sem dúvida, a situação mudou muito, as ameaças e as tentativas contra os religiosos, contra as igrejas e conventos

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são freqüentes, mas nós estamos nas mãos de Deus e dependemos inteiramente dele. Ele nos chamou, ele nos reuniu e ele vela sobre nós”.

Depois do levante de dezoito de julho de 1936 e da confiscação, nesse mesmo dia, da casa de Las Avellanas, o Irmão Aquilino e os seus noviços foram destinados pelo Comitê de Balaguer à aldeia próxima de Vilanova de la Sal. Em seguida, ele vai para a sua família em Tiurana. Neste período de cerca de um mês, a sua mortificação voluntária se intensifica. Ele considera o seu corpo como o grão que deve ser jogado na terra, para que ele possa dar fruto (Mc, 8,34-35 e Jn, 12, 24-26). A sentença de morte contra ele já foi pronunciada. Ele o sabe e está pronto.

2–Irmão Fabián (Juan Pastor Marco)73

O Irmão Fabián nasceu em Barcelona, em 14 de janeiro de 1876 ; dois dias depois, recebeu o batismo e os nomes de Juan Jaime Ramón. Em 3 de setembro de 1936, dia do martírio, estava com 60 anos, o mais velho do grupo dos quatro fuzilados na fachada de Las Avellanas.

Fabián fez a sua formação religiosa em Saint-Paul-Trois-Chateaux, visto que os Irmãos Maristas, recém-chegados à Espanha, não tinham ainda casas de formação no país. Desde 1891, ele foi enviado a algumas das nossas escolas da França: Beausset, Lambesc, Dieulefit. Ligou-se definitivamente ao Instituto com os votos perpétuos em 21 de setembro de 1897.Ele é chamado de volta à Espanha, onde havia grande necessidade de Irmãos espanhóis; o seu primeiro posto foi Mataró. As fundações se multiplicaram e o Irmão Fabián mudou muitas vezes de lugar. Ele tinha 73 “Informatio”, pp. 72-74.

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êxito em toda a parte, porque ele se doava por inteiro. A bondade, a simplicidade e a humildade lhe atraíam os alunos. Ele era para os jovens como um pai, fazendo-se às vezes de esmoler para ajudar os mais necessitados. Foi o Ministro do Trabalho de então que assim testemunhou.

Em agosto de 1935, ele está em Barcelona. Não pode terminar o ano escolar; grave enfermidade o obriga a ir à enfermaria de Las Avellanas. Este homem seriamente enfermo foi obrigado pelos milicianos a se pôr na fachada do estabelecimento. Mataram-no simplesmente porque era religioso, porque era educador cristão dos jovens.

3–Irmão Félix Lorenzo (Lorenzo Gutiérrez Rojo)74

Lorenzo nasceu em 10 de agosto de 1906, na vila de Las Hormazas, Burgos. No dia seguinte, foi batizado e recebeu o nome de Lorenzo Macario Julián.

Com treze anos, entrou no juvenato de Arceniega e terminou as estapas da formação. Emitiu os primeiros votos em 8 de setembro de 1923, seguidos dos votos perpétuos em 1928.

Foi professor primeiramente em Múrcia; mas não gozava de boa saúde. Os superiores o enviaram a Saragossa em 1930, na esperança de que a mudança o ajudasse. Sofria do coração, tinha crises que, às vezes, o levavam à beira da morte. A enfermaria o acolheu em 1931; os médicos lhe deram cinco meses de vida. Aí recebeu três vezes o sacramento dos enfermos.

Ele vivia a provação com bondade, doçura de convívio e humildade. Apesar da gravidade do mal, de que 74 Informatio, pp. 74-76.

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tinha clara consciência, mantinha o sorriso e procurava ser útil com pequenos serviços ao seu alcance.Em 23 de julho de 1936, o Comitê Revolucionário de Balaguer deu vinte e quatro horas para deixar totalmente vazia a casa de Las Avellanas. Em 25 de julho, o Irmão Lorenzo sofreu uma das mais severas crises cardíacas e estava sem forças. Em tais condições os milicianos o puseram no caminhão e o conduziram ao dispensário municipal de Balaguer.

Esse homem, no fim da vida, foi aprisionado pelos vermelhos. Em 3 de setembro de 1936, fizeram-no sair do hospital, conduziram-no à fachada de Las Avellanas e o fuzilaram com Aquilino, Fabián e Ligorio Pedro; os dois últimos ajudaram o Irmão Félix Lorenzo a se manter em pé na hora da execução.

4– Irmão Ligorio Pedro (Hilario de Santiago Paredes)75

É o mais jovem dos quatro Irmãos fuzilados na fachada. Em 3 de setembro de 1936, ele contava um pouco mais de vinte e quatro anos. Os seus quatro irmãos e irmãs testemunharam a favor dele no processo diocesano e falaram da sua infância.

Ligorio Pedro nasceu em 13 de maio de 1912, em Cisneros de Campo, Valência. No batismo recebeu o nome de Hilário. A família era pobre, faltando-lhe, às vezes, a própria comida. Um dos seus tios, sacerdote, prestava-lhe alguma ajuda, sobretudo nos estudos. Desejava que o seu sobrinho Hilario o seguisse no sacerdócio, mas a atração pela vida marista foi mais forte.

75 Informatio, pp. 76-78.

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Em 24 de setembro de 1927, Hilario entrou no juvenatode Carrión de los Condes. Este juvenato formava os candidatos para as missões e acolhia jovens latino-americanos. Lentamente Hilario toma uma mentalidade de hábitos mais internacionais.

Em Espira de l’Agly, na França, Hilario continuou os estudos e aperfeiçoou o seu conhecimento de francês ; depois foi a Pontos, Gerona, para o postulado. Em 2 de agosto de 1932, ele emitiu os primeiros votos e tomou o nome de Ligorio Pedro. Então foi convocado ao serviço militar por dois anos. Durante esse período, ele contraiu uma doença diagnosticada como “o mal de Pott”. Ele próprio nos informa acerca da doença: “O mal de Pott consiste em que os ossos e o sangue se tornam pus”. Depois do serviço militar, os susperiores lhe concederam um ano para completar os estudos em Carrión de los Condes. Era destinado às missões no México. Mas a doença se agravou e, por conselho médico, em 12 de maio de 1936, ele foi enviado à enfermaria de Las Avellanas. Foi em tais condições que o martírio o esperava. Os milicianos “o retiraram do leito e o conduziram à fachada da Casa, onde o assassinaram, sem que pudesse opor resistência e enquanto gritava: Viva Cristo Rei.”

3– O estofo dos mártires76

Da narração dos fatos ressalta que os servos de Deus Aquilino, Fabián, Félix Lorenzo et Ligorio Pedro foram mortos pela única razão de serem pessoas consagradas a Deus. É o procedimento dos milicianos que nos permite crer nisso, procedimento inserido no quadro mais geral da Catalunha, onde as igrejas eram queimadas, profanadas, e toda a pessoa religiosa acuada e morta sempre que era presa.76 “Informatio”, pp. 114-118.

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Sem esse ódio da religião, como explicar o que foi feito com os três Irmãos gravemente enfermos Fabián, Félix Lorenzo e Pedro Ligorio, estando os três no hospital público e, portanto, nas mãos do Comitê de Balaguer? Matar três doentes, porque são religiosos, constitui não só um fato odioso e vil, mas contrário a qualquer legislação de país civilizado.

Consideremos, ademais, como se comportaram os novos patrões, quando tomaram posse da nossa casa de Las Avellanas. “Passaram os primeiros dias banqueteando-se. A orgia durou vários dias. Esvaziaram a despensa, despovoaram o galinheiro e o estábulo. Mas ainda mais doloroso era o espetáculo das blasfêmias, profanações sacrílegas das imagens sagradas que acompanhavam as bacanais. O crucifixo da capela, de tamanho natural, foi arrastado no espaço da entrada; os milicianos macaquearam contra ele as cenas da paixão; depois o fizeram em pedaços. A estátua do sagrado Coração que dominava o claustro teve a mesma sorte; depois seguiu-se o mesmo com a estátua da Virgem Maria da capela. A estátua da Virgem que dominava a fonte dos contos d’Urgel foi profanada e quebrada; sorte análoga foi reservada à estátua da colina diante da qual os Irmãos tantas vezes cantaram a Salva Regina; a própria cruz do século XIIX, de grande valor artístico, ante a qual os peregrinos se detinham, foi presa desses iconoclastas incultos”.

Em Lérida, na noite de 4 a 5 de agosto, começaram o morticínio dos padres e religiosos. O bispo foi uma das primeiras vítimas, com dois Irmãos Maristas, Candido e Emerico. Em 5 de agosto, os vermelhos mataram onze religiosos, entre franciscanos e Irmãos

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das Escolas Pias. Em 12 de agosto, elementos do Comitê de Os chagaram a Vilanova pela tarde, com a intenção de incendiar a igreja; mas o Comitê local se opôs. No dia seguinte retornaram e se valeram de mais astúcia; não puseram fogo na igreja, mas levaram todos os objetos e os entregaram às chamas em praça pública.

Os nossos Irmãos que viviam no meio dessa população sabiam tudo isso. Eles estavam conscientes de que eram procurados e que a sentença de morte pesava sobre eles pelo fato de pertencerem a Cristo. Além disso, desde 1931, caminhavam para essa situação. O Irmão Provincial Laurentino os havia desafiado a se prepararem para o martírio. Os testemunhos do Processo diocesano vão nesse sentido. « Tenho a convicção de que o Irmão Aquilino tinha o estofo dos mártires ; ele era incapaz de ceder à pusilanimidade, estava pronto a morrer por Cristo. »

O Irmão Aquilino confiava a um confrade pouco antes de morrer : « No que me concerne, creio que não devo abandonar os jovens de que sou responsável, mormente depois que o Irmão mestre teve de fugir. Mesmo que não possa fazer-lhes todo o bem que desejo, a minha simples presença constitui um freio ; se eles me matam, serei feliz de morrer por Deus Nosso Senhor e pelos meus caros noviços. »

Nos últimos dias que ele passou na família, ele não se escondia. Ele dizia as suas orações de livro aberto em público; nos dias de festa, reunia os jovens e com eles rezava o terço; continuou a levar o escapulário; as

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suas cartas, mesmo as últimas, levam este início: JMJ77.Em família foi advertido de que era um pouco arriscado. Respondeu-lhes: “Se eles me matam, eu serei um mártir na terra e um santo no céu”.

A um miliciano, em casa do seu Irmão, e que acusa o Irmão Aquilino de medo, ele lhe responde: «Não é verdade ; não temos medo da morte, porque Jesus Cristo foi perseguido e morto antes de nós; portanto não tememos a morte, se podemos oferecer a nossa vida a Deus. Vocês é que têm medo da morte. »

O Irmão Aquilino é a figura emblemática do grupo. Se temos dele mais testemunhos que dos outros três, é porque ele, por mais tempo, foi acuado, e porque os seus noviços e os pais deles lhe sobreviveram e testemunharam a favor dele.

OS IRMÃOSDA COMUNIDADE DE TOLEDO

No decurso do ano escolar de 1935-1936, a comunidade marista de Toledo compreendia 16 Irmãos. Mas, em meados de julho, havia apenas os seguintes: Cláudio Luis; Cipriano José, superior, 43 anos; Jorge Luis, 50 anos; Jean Marie, 63 anos; Julio Fermín, 37 anos; Javier Benito, 24 anos; Anacleto Luis, 23 anos; Bruno José, 21 anos; Evencio, 37 anos; Abdon, 41 anos; Eduardo Maria, 21 anos; e Félix Amâncio, 24 anos. Quatro jovens haviam partido a Múrcia, em cursos de verão. O Irmão Cláudio Luis não será do grupo dos mártires.78 Os outros foram mortos em 23 de agosto de 1936, exceto o Irmão

77 JMJ = Jesus, Maria, José.78 Foi preso com os outros Irmãos, mas declarou-se professor leigo e foi liberado. Saiu da congregação em abril 1939.

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Jorge Luis, qui foi assassinado no dia seguinte, 24 de agosto.79 O grupo de mártires será apresentado sobretudo por meio de conhecimento mais detalhado pelo Irmão Cipriano José, superior.

1– Irmão Cipriano José (Julián Iglesias Bañuelos)80

O Irmão Cipriano José nasceu em 26 de fevereiro de 1893, em Valcárceres, Burgos. No batismo, dois dias depois, recebeu o nome de Julián. Os seus pais eram modestos agricultores; deixaram aos filhos duas riquezas: a piedade e o amor do trabalho.

Em 1905, com doze anos, Julián começou a sua formação marista no juvenato de Burgos; mas foi em San Andrés de Palomar, Barcelona, que tomou o hábito, em 8 de setembro de 1908, e se tornou o Irmão Cipriano José. Os votos perpétuos foram emitidos em primeiro de agosto de 1915, e o voto de estabilidade no dia 15 de agosto de 1924.

Bem prendado e tenaz nos estudos, ele obteve a licenciatura em letras e filosofia, numa demonstração de competência profissional espantosa. No exterior podia parecer tímido e brusco. Na realidade, era de alma sensível, nobre e de grande retidão. Mostrava-se decidido, empreendedor, condescendente e afável, sempre atento às pessoas. Ele servia os confrades como se fosse o último da comunidade. Quando alguém ficava seriamente doente, ele era capaz de passar a noite à sua cabeceira, malgrado as tarefas que lhe incumbiam na manhã seguinte. Esta dedicação inspirava-se na grande devoção que tinha pela eucaristia. Aos Irmãos e aos professores ele recomendava vivamente as visitas ao Santíssimo

79 « Informatio », p. 126. Trata-se sempre da « Positio » do Ir. Crisanto e do seu grupo.80 « Informatio », pp. 126-129.

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Sacramento. Ele considerava esta prática extremamente frutuosa. A sua maneira de rezar fazia com que os seus confrades não tivessem nenhuma necessidade de exortações nesse domínio.

Ele estimava a obediência de maneira que os menores desejos dos superiores eram aceitos sem o mas desta ou daquela justificação. Com tal sentido da obediência, ele combatia velhos hábitos ou pequenos abusos que se haviam introduzido na vida comunitária, arriscando, por vezes, a sua própria popularidade.

A pobreza era virtude que, no exterior, mais sobressaía nele. Contentava-se como indispensável. Para os confrades, em contrapartida, mostrava-se atencioso, compreensivo, nada lhes deixando faltar do que podia propiciar-lhes alguma inocente alegria, como uma árvore de Natal, algum prato bem preparado nas festas etc. “Quando os superiores ordenaram o traje civil para se adaptar às exigências políticas, ele deixava os confrades escolher os melhores, servindo-se por último. Comprou um sobretudo tão ordinário que, em face da sua função, foi-lhe aconselhado de adquirir um de melhor qualidade. A isso contestava com um sorriso”.

Ele era admirável pela quantidade de trabalho que levava a termo. Não dava mais que cinco minutos à leitura do jornal. Muitas vezes, ele o deixava na comunidade, dizendo: “Tome-o você, trabalhos urgentes me aguardam, não tenho tempo de lê-lo”. Diretor de uma escola com 185 alunos no secundário e 300 no primário, ele era também o ecônomo e o administrador. Ele próprio se ocupava das mensalidades e do material escolar. Lecionava três

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ou quatro disciplinas nas duas últimas séries secundárias; encontrava tempo para inspecionar as aulas e para acompanhar os professores iniciantes. Os confrades diziam: “Que vida, como é que ele nunca está cansado?.

De fato, nessa quantidade de trabalho escondia-se o zelo do religioso marista. Dava grande importância ao ensino da religião e ele mesmo assegurava tais cursos nas últimas séries secundárias. Virara moda um dos seus refrões: “Tudo pode cair, menos a hora de religião”. Este é o homem que as autoridades republicanas de Toledo vão matar e que Deus vai colher como mártir.

2– O martírio 1– A situação em ToledoNos dois primeiros dias após o levante nacional de 18 de julho de 1936, Toledo viveu em calma relativa, porque a força pública se havia colocado do lado dos nacionalistas. Mas, em 21 de julho, quando chegaram de Madrid 6000 milicianos, a Guarda Civil se concentrou no Alcázar. A cidade foi tomada em 22 de julho.

Os marxistas não hesitaram em pôr em obra os seus projetos de perseguição. Confiscaram todos os bens da Igreja e imediatamente depois deflagraram a caça aos sacerdotes, aos religiosos e aos leigos mais comprometidos. “Em Toledo a revolução tomou um caráter anti-religioso catastrófico. Pude dar-me conta por causa do meu encargo de oficial chefe do cemitério. As vítimas eram todas de bem e de sentimentos religiosos; a revolução se opunha aos religiosos e aos sacerdotes. Na cidade de Toledo, foram mortas entre 450 e 500 pessoas, todas pessoas de bem e religiosas, entre elas todos os cônegos da

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catedral, os sacerdotes e as duas comunidades que se encontravam na cidade, a dos sacerdotes carmelitas e a dos Irmãos Maristas”.

2– Os Irmãos foram presos. 81

No começo da revolução, os Irmãos tomaram uma atitude de resignação, no aguardo dos acontecimentos. A confusão e as desordens que se criaram em seguida da declaração do estado de guerra, em 21 de julho de 1936, não os desviaram das suas ocupações habituais; eles não se puseram em segurança no Alcázar, como se lhes havia aconselhado. Estavam longe de imaginar que eles figuravam na lista dos que deveriam ser presos. Assim, foi fácil para os milicianos surpreendê-los. Quando o Irmão Cipriano José se deu conta, pediu que os Irmãos fossem logo à capela para consumir as santas espécies. Mas os milicianos já haviam invadido a escola e os prenderam antes que pudessem ir à capela. “Os milicianos entraram gritando: Todos os religiosos do colégio apresentem-se no pátio. Eles os puseram em fila perto da parede, separando-os das outras pessoas que se encontravam no colégio. Mas, como eu protestava que era um professor civil, um dos milicianos me fez sair e me empurrou fora da porta, dizendo-me: Retire-se. Mantive-me nos arredores do estabelecimento para ver como isso terminaria. No começo da tarde, vi como eles os expulsavam do colégio aos encontrões violentamente. Eu os segui pelas ruas até vê-los entrar na prisão”.82

Antes todos os presos haviam sido revistados. A descoberta do terço, de uma medalha ou do escapulário dava azo a acessos de raiva e a blasfêmias. Eles desencadearam o mesmo furor na 81 « Informatio », pp. 150-152.82 A testemunha é o Ir. Claudio Luis que se declarou professor civil. Daí dois dias, prenderam-no também; mas foi libertado algum tempo depois.

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revista da escola. No lugar das armas que eles procuravam encontraram em quantidade objetos religiosos que fizeram em pedaços e jogaram pelas janelas.

Na prisão os Irmãos não tiveram tratamento de favor, pelo contrário. Desde o começo tiveram que suportar toda a sorte de privaçõe. “Foram logo colocados em cela sem ar e sem água e na qual ficamos entre quinze e vinte dias. Não podíamos sair para beber um pouco de água. Havia apenas uma jarra de água para 35-40 pessoas que éramos”.

Os guardas tornaram-se de pressa carrascos e constantemente ameaçavam entregar-nos ao pelotão de execução. Faziam passar diante de nós grupos de detidos que nunca voltavam. Uma testemunha assim apresenta a nossa situação: “O comportamento dos Irmãos foi de resignação e de oração, em face da certeza da morte. Com efeito, matava-se até mesmo na porta da prisão. Em todo o tempo em que permaneceram aí, eles guardaram o mesmo comportamento de calma e de oração”.

3– A execução 83

É assim que eles chegaram ao 23 de agosto de 1936. Como na véspera os aviões de Franco haviam bombardeado Madrid, causando muitas mortes, em represalha se vingaram naqueles que estavam presos, massacrando o primeiro grupo na esplanada do Trânsito.Nesse mesmo dia, chegou a vez dos Irmãos Maristas, de outros religiosos e sacerdotes. Mas o Trânsito estava cheio de corpos. Assim, eles foram conduzidos ao ponto chamado Porta do Cambrão, onde foram ceifados por metralhadora.83 Informatio, pp. 151-152.

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Essas execuções não foram precedidas de nenhum julgamento, de nenhuma defesa possível. O fato de ser religioso era a única razão suficiente para ser culpado e digno de execução. 4– Martírio do Irmão Jorge Luis84

No dia seguinte o Irmão Jorge Luis foi encontrar a morte. Quando os seus confrades foram levados à prisão, ele se encontrava na cozinha, como auxiliar de cozinheiro. Ele foi informado de que os seus confrades foram convocados e foi aconselhado a não se mexer. Mas um miliciano o reconheceu como Irmão Marista e o denunciou. Ele foi encerrado em cela de segurança. O senhor Carmelo Moscardó Guzmán, que partilhava a mesma cela, deixou-nos o seguinte testemunho: “Certo dia fizeram-me sair da prisão e fui colocado em cela particular até alta noite. É então que se mostrou o Granadino. Quando eu lhe perguntei acerca da morte do meu irmão, ele simplesmente respondeu que era de justiça fuzilá-lo, como o que tu vais ver, acrescentou. Então apresentaram-me um Irmão Marista que, como auxiliar de cozinheiro, não fora encontrado na véspera. Fizeram-lhe uma série de perguntas e de respostas sobre a existência de Deus. Era Granadino que tinha a parte mais importante. Depois este acrescentou: Veja como isso vai acabar. Tomou o fuzil pelo cano e assentou forte coronhada na cabeça do Irmão. Mais tarde, retiraram-me da cela. Não sei se a morte do Irmão foi conseqüência do golpe ou se foi assassinado depois”.

Na realidade o Irmão sobreviveu, mas no dia seguinte foi conduzido ao Trânsito para ser fuzilado.

84 Informatio, pp. 152-153.

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3–A alma dos mártires85

Penetremos um pouco mais na alma dos nossos Irmãos enquanto estavam na prisão, escutando aqueles que tinham partilhado a mesma sorte.“Durante o tempo em que estive com eles na prisão, todos esses Irmãos mostraram grande doçura, suportando as humilhações com dignidade”.

Na prisão eles procuraram criar forte ambiente de oração: “No tempo em que os Irmãos estavam na prisão, eles levaram uma vida eminentemente cristã e religiosa, a ponto de constituir contínua edificação e encorajamento para os prisioneiros. Eles rezavam muito. Todos os dias o terço era recitado e muitas vezes um Irmão o animava. Mostravam-se repletos de coragem para sofrer a morte pelo amor do Senhor. Desde o primeiro dia, eles esperavam com certeza essa morte”.

Companheiro de prisão dos Irmãos, o senhor Felice Bretaño Encinas recorda: “Nos dias da revolução, os servos de Deus, pelo que posso testemunhar, se dedicavam ao regime penitenciário e, quando não eram observados, rezavam”.

O Irmão Jorge Luis não fazia mistério do seu desejo de ser mártir: “O meu maior desejo, depois da minha conversão, é poder derramar o meu sangue por Cristo”. O senhor Carmelo Moscardó Guzmán assistiu à discussão entre Granadino e o Irmão Jorge Luis acerca da existência de Deus; o Irmão defendeu tão bem a religião que o outro, enraivecido, lhe assentou violenta coronhada na cabeça.

O Irmão Jean Marie era de nacionalidade francesa. Quando o cônsul francês o visitou e o informou de 85 « Informatio », pp. 159-166.

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que ele havia empreendido as diligências para libertá-lo e repatriá-lo, recusou categórico: “Isso nunca. Sempre vivi com eles, quero morrer com eles”.

Na carta que o Irmão Anacleto Luis enviou da prisão aos pais, quinze dias antes de ser fuzilado, escreveu: “Queridos pais, não se penalizem por mim. Como vocês seriam felizes, se pudésseis ter a morte que vou ter”.

O Ir. Bruno José recebeu a visita da mãe e da irmã no colégio. Esta descreve a cena: “Então a minha mãe, angustiada, alude aos perigos que correm os religiosos. O meu irmão se levanta e com alegria exclama: Mamãe, que alegria seria morrer mártir. Aí mamãe rompe em soluços; eu, interiormente, admirava a resolução do meu irmão. Ele, para diminuir a tensão de mamãe, achega-se a ela e diz-lhe que o colégio contava com uma saída secreta. Na prisão, em companhia dos Irmãos, havia o filho do general Moscardó, defensor do Alcázar de Toledo. Houve um diálogo memorável entre o pai e o filho; este informando o pai que se ele não se rendesse, ele seria fuzilado. Pouco depois, dirigindo-se ao Irmão Javier Benito, de quem era aluno, perguntou-lhe: Que será de nós? O Irmão respondeu-lhe: Meu filho, que se faça a vontade de Deus. Nessa noite, em pequenos grupos, foram levados ao fuzilamento. Nessa noite, morreram os Irmãos do colégio, o filho de Moscardó e outras pessoas”.

Algumas testemunhas afirmam que o Irmão Jorge Luis caminhou para a execução com o recolhimento que tinha quando ia à comunhão. “Ouvi dizer que ele caminhava de braços cruzados e olhos fechados”. E, na hora do fuzilamento, ele fez grande apologia da

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religião pela qual morria contente. Antes de ser fuzilado, gritou: Viva Deus, viva a religião, viva Cristo Rei! Um senhor que morava muito próximo do lugar da execução assegura. “Ouvi perfeitamente como ele perdoava de coração àqueles que o matavam e que não guardava nenhum rancor e que a sua exclamação final foi esta: Viva Cristo Rei”.

Diante dessas afirmações, pode-se estar tentado a pensar que se trata do estilo hagiográfico; mas é mais do que certo que essas testemunhas da fé se prepararam em conjunto e longamente para a graça do martírio.

4– Na madrugada da glóriaOito Irmãos Maristas inumados

numa igreja paroquial de Toledo

Os dias 24 e 25 de outubro de 2003 foram marcantes para os anais da nossa santidade marista. Em 24 de outubro, de tarde, procedeu-se ao reconhecimento legal, diante de um tribunal eclesiástico, dos restos mortais de 8 Irmãos da comunidade de Toledo, Espanha, mortos em 23 e 24 de agosto de 1936.

No sábado, 25 de outubro, de manhã, procedeu-se à inumação dos restos mortais desses Irmãos na igreja paroquial de Santa Teresa, próxima do nosso colégio. Tudo transcorreu no curso de uma eucaristia solene, presidida pelo arcebispo de Toledo e concelebrada por muitos sacerdotes. Estavam presentes alguns pais dos Irmãos mártires e uma centena de Irmãos. Os restos mortais tinham sido colocados em oito pequenas urnas. Cada uma delas, no fim da missa, foi levada por um membro da família; as urnas foram depositadas em sarcófago de mármore, na nave

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lateral esquerda, que é também a capela do Santíssimo Sacramento.

O translado dos restos mortais dos mártires é tradição muito antiga na Igreja, cujos primeiros traços se encontram no próprio martírio de santo Estêvão. Nessa celebração a Igreja exprime a sua estima, o seu respeito e a sua gratidão às grandes testemunhas da fé. No martírio a Igreja reconhece o ideal para todos os cristãos: fazer da vida um dom sem reserva ao Senhor.

A nossa Congregação conta muito mártires: eles são um dom do amor de Deus e a força deste dom se difunde ainda hoje. Isso era evidente em 25 de outubro, por ocasião da inumação: a igreja estava repleta de pessoas felizes de acolher no seu templo essas oito testemunhas de Cristo. Doravante, os fiéis terão a oportunidade de deter-se diante do túmulo dos oito Irmãos para um momento de reflexão e de prece: essas testemunhas lhes pertencem e pertencem a toda a Igreja. Nós, Irmãos Maristas, como não abrir o nosso coração e a nossa vida à graça e cantar com a Virgem Maria o Magnificat pelas maravilhas que Deus operou entre nós? 86

Esses oito Irmãos de Toledo fazem parte da causa do Irmão Crisanto que apresenta um grupo de 66 Irmãos e dois leigos assassinados durante a perseguição de 1936. A “positio” desta causa foi entregue à Congregação dos Santos em 7 de dezembro de 2001. Todo este grupo de Irmãos está no caminho da beatificação.

86 O trabalho demorado e complexo da exumação e da inumação foi obra principalmente do Ir. Mariano Santamaría, vice-postulador das nossas causas da Espanha.

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Os oito87 Irmãos inumados na igreja paroquial de Santa Teresa são estes : Javier Benito, Bruno José, Jean Marie, Cipriano José, Abdón, Jorge Luis, Julio Firmín e Félix Amancio.

OS NOSSOS IRMÃOS MÁRTIRESDA COMUNIDADE DE VALENCIA

Na cidade de Valência os Irmãos Maristas dirigiam duas prósperas escolas: a « Academia Nebrija », escola primária e C.E.G. e o Liceo Mayans. As duas comunidades tinham laços fraternos muito estreitos, visitando-se com freqüência. As páginas seguintes apresentam o caso do martírio dos Irmãos da Academia Nebrija.88

1– Uma comunidade de mártires

No decurso do ano escolar de 1935-1936, quatro Irmãos compunham a comunidade da Academia Nebrija: Luis Damián, diretor, de 45 anos; José Ceferino, de 31 anos, subdiretor; Berardo José, de 24 anos; e Benedicto José, de 23 anos.

1– O Irmão Luis Damián nasceu na França em 1891, nos Pireneus orientais. Quando as leis de Combes confiscaram aos religiosos os bens e os forçaram ao exílio, o pequeno Joseph Sobraqués, Luis Damián, pediu aos seus pais licença para se fazer Irmão

87 Não foi possível encontrar os corpos dos Irmãos Anacleto Luis, Evencio e Eduardo María. Eles, fuzilados antes dos outros, foram lançados na cova comum ; depois, em jazigo comum do cemitério da cidade. Foi impossível reconhecer os seus restos mortais; mas fazem parte da mesma positio, candidatos como os outros à beatificação. 88 Essas páginas que apresentam o caso dos nossos Irmãos da  Academia Nebrija se fundamentam na informatio do grupo do Ir. Crisanto, p.172-194.

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Marista e de poder formar-se na Espanha. Entrou no juvenato de Vich, depois fez o noviciado em San Andrés de Palomar. Na Espanha ele nunca se sentiu no exílio. Ele escreveu ao confrade espanhol encarregado das vocações da França. “O fato de te achares em Espira, na França, não te dê a impressão de estares no exílio. Eu nunca me considerei no exílio: para o cristão a pátria é o céu; para o religioso o que importa é o seu campo de apostolado em qualquer canto do mundo, pouco interessando o nome que leve. Que o bom Deus nos torne firmes, tu e eu, nesses princípios”.

Ele confirmou esses sentimentos, quando o Estado espanhol exigiu a nacionalidade espanhola para ensinar. O Ir. Luis Damián logo renunciou à sua nacionalidade francesa para abraçar a espanhola. Os perigos se tornaram iminentes; foi aconselhado a retomar a sua nacionalidade francesa. A sua irmã, do seu lado, lhe propôs que voltasse a Perpignan e se tornasse sacerdote. Ele ficou fiel à vocação de Irmão e guardou a nacionalidade espanhola. Ele o fez de plena consciência, porquanto escreveu à sua tia religiosa: “Desde esta data é espantoso o número de conventos, de igrejas e de edifícios pertencentes aos católicos que foram queimados ou saqueados. São as cidades menores as mais maltratadas. Assim, grande número de religiosos tiveram de abandonar os seus postos. Sublinha com clareza uma das razões sociais da perseguição. Os ricos cheios de egoísmo esquecem as injunções severas do evangelho no uso dos bens temporais. Eles não pensam naqueles que vivem na miséria; eis por que os pobres engrossam os partidos comunistas e socialistas; eis o que faz odiar a religião que, por ignorância, se acredita seja aliada à burguesia”. A essa tia religiosa ele pede orações pela sua comunidade. Mais do que nunca, recomendo-me

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às tuas boas orações e àquelas da tua comunidade, a fim de que eu esteja à altura da minha tarefa em tempo de paz como em tempo de guerra e que não perca nenhum daqueles que Nosso Senhor confiou à minha guarda”.

Foi escutado, visto que ele e os seus três confrades e o capelão da escola venceram juntos a provação do martírio.

2–O Irmão José Ceferino nasceu em Centellas, Barcelona, em 1905. Em 1918, depois da morte da mãe, ele começou a formação marista. Era de caráter conciliador, habituado à humildade e à atenção para com os outros. Foi nomeado subdiretor da Academia Nebrija para o ano escolar 1935-1936. Ele e o Irmão diretor formavam um binômio perfeito no governo da escola e na via da santidade. Um confrade da outra escola da cidade registra o que se dizia dele: “Familiarmente o chamávamos São Luís de Gonzaga. Apresentava-se como jovem sadio, virtuoso, comprometido, orante, de vida interior que irradiava beleza, limpidez, disponibilidade ativa. Ele era grande no saber, hábil em dar-se conta das coisas e pronto a servir”.

3–Os Irmãos Berardo José e Benedicto José são os dois benjamins desta comunidade de mártires; o primeiro tinha 24 anos e o último 23. Vinham ambos da província de Burgos. Bernardo se mostrava simples, franco, amável, jovial, constante no estudo, sem ter grandes talentos intelectuais; no ensino, porém, tinha pleno êxito. Benedicto era rapaz de sentimentos nobres, simples, sem malícia. Em 1929, quando começou a ensinar, foi enviado por dois anos a Vallejo de Orbó e um ano em Barruelo de Santullán, na região das minas de carvão, na Província de

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Palencia. Ele viveu três anos em companhia de Bernardo. Em 1935-36, fez parte da comunidade da Academia Nebrija de Valência. Quando a perseguição obrigou os Irmãos a se dispersarem, Benedicto ficou sempre em companhia de Berardo. Foram presos juntos; o cárcere era o colégio dos salesianos, na Rua Sagunto. Aí encontraram o seu diretor e o subdiretor, detidos alguns dias antes.

É belo ver uma comunidade caminhar junta ao martírio e, junta, testemunhar com o seu sangue a fidelidade a Nosso Senhor.

2– O martírioEm 17 de julho de 1936, difundiu-se a notícia do levante militar de Franco. Logo a tempestade se desencadeou contra a igreja de Valência, onde a multidão furiosa pôs a saque o colégio vocacional dos sacerdotes. O temor de que as próximas vítimas poderiam ser as escolas maristas aconselhou o Diretor a evitar pelo menos profanações sacrílegas: “Ele se preocupou antes de tudo em pôr a salvo o cibório do colégio. Ele não se contentou com isso, mas atravessou a cidade já em chamas para chegar ao outro colégio. Disse-me ele que é preciso salvar o Santíssimo; vou colocá-lo em lugar seguro, como fiz com o cibório do meu colégio. É o que ele fez, cruzando de novo a cidade com as ruas cheias de gente armada”.

Em 21 de julho, um grupo de milicianos irrompeu na escola e deu aos Irmãos meia hora para deixar os lugares e lhes indicou uma pensão em que residir. Mas o dono da pensão foi declarado em prisão domiciliar e os Irmãos decidiram dispersar-se. O Irmão Damián escondeu-se na casa de um antigo aluno, o senhor Andreu; o Irmão José Ceferino na

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casa do capelão do colégio, o padre Antonio de la Portilla; os Irmãos Berardo e Benedicto, numa pensão mantida por três senhoras idosas.Em tal situação um Irmão, vindo de Barcelona para esconder-se em casa da sua irmã em Valência, encontrou o Irmão Luis Damián e lhe aconselhou de visitar o cônsul da França. Respondeu-lhe: E quem vai cuidar dos meus Irmãos?”

Não se sabe bem como o Irmão Luis Damián foi preso. Quando em 4 de agosto Francisco Martínez Ciudad, pároco de Benisa, Alicante, foi encarcerado no antigo colégio dos salesianos, Rua Sagunto, já encontrou aí o Irmão: “Quando fui conduzido à prisão da Rua Sagunto, o servo de Deus já estava lá. Estava estendido sobre um pobre colchão. Quando se deu conta de que eu era sacerdote e obtida a confirmação disso, ele pediu-me que o ouvisse em confissão. Dele eu soube que toda a comunidade e o capelão da escola estavam presos. Cheguei no dia 4 de agosto e o Irmão Luis Damián me disse que eles haviam sido detidos três dias antes. Ele estava estendido de mãos cruzadas no peito e como em oração”.

A estada na prisão dos Irmãos foi curta, mas os sofrimentos que se lhes infligiram foram cruéis. O que o padre Francisco Martínez Ciudad diz do Irmão Luis Damián deixa adivinhar qual foi para os quatro Irmãos o ritual de preparação à morte. “O motivo pelo qual estava ele estendido no colchão era a extrema fraqueza que sentia, tendo passado três dias sem comer. Durante esse tempo, foi submetido a torturas morais: ameaças, barulhos terríveis, desfile de gente imoral que zombava dele, mulheres de má vida que o provocavam, ameaças constantes por meio de punhais. Mantiveram-no nesse estado de fraqueza,

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que eles chamavam “sangria”, como preparação imediata antes de ser passados pelas armas”.

A mesma testemunha continua.«Estava eu presente, quando eles fizeram que Luis Damián fosse ter com o chefe, chamado Hungria, que portava uma pistola; este gritou: O Irmão Diretor dos Maristas compareça com os seus quatro companheiros. Vi com os próprios olhos nesta sala o Irmão Diretor, três Irmãos e o capelão levantarem-se dos seus lugares. Passados alguns minutos, o tempo de descer a escada e chegar ao pátio; ouviram-se cinco tiros e depois outros ruídos como se fechassem caixões; depois ruído de caminhão, o que nos fez compreender que os corpos eram levados. Depois o chefe Hungria pediu que se lhe apresentassem os quatro sacerdotes de Alicante que estavam aí, falando: Vocês viram os cinco senhores que foram mortos e enterrados; vocês terão a mesma sorte, se em quatro horas não me entregam vinte mil pesetas”.

Nunca se pôde saber onde os quatro Irmãos foram sepultados. Isto é o caso para a maioria dos religiosos que foram mortos nessa prisão. Esconder os corpos e as suas sepulturas fazia parte da perseguição.

3– Verdadeira perseguiçãoEm Valência os comitês da FAI e o partido socialista não perdiam tempo com processos. Os religiosos, os sacerdotes e os leigos presos eram executados rapidamente, depois de curta detenção, sem processo algum.

O Irmão Rafael Iriberri San Martín, do liceu Mayans, que também conheceu a prisão, vê o que se passou da seguinte forma: “A revolução de 1936 foi raivosamente anticatólica. Em Valência, onde me

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encontrava, quase todas as igrejas foram queimadas; muitos sacerdotes, religiosos e religiosas foram mortos”.

O reverendo sacerdote Francisco Martínez Ciudad acrescenta: “No pátio da prisão havia a imagem de um santo. Ela servia de alvo para treinar a pontaria e dela tomavam a distância para fuzilar. Na prisão havia o hábito de nos apresentar duas propostas: uma passagem para a Rússia, ou a liberdade, se apostatássemos. Fui testemunha disso; pode-se supor que essas propostas foram feitas a esses mártires”.

O sacerdote Francisco Sastre Valles, pároco de Mislata, que partilhava a mesma prisão, dá este interessante testemunho: “Os dirigentes vermelhos estimavam que os Irmãos eram pessoas importantes por causa da sua vida religiosa e da santidade, pelo que eles os escalavam para serem as primeiras vítimas”. Ele acrescenta, com efeito, que nos dias da estada na prisão eles faziam apostolado aos demais prisioneiros. Eles se distinguiram pela sua firmeza heróica e piedade singular e profunda. Todos os reconheciam como almas extraordinárias, como poucas vezes se encontram”.

Eis a imagem do Irmão Luis Damián que permaneceu na memória do reverendo sacerdote Francisco Martínez Ciudad, quando foi convocado pelo tribunal diocesano: “Tive a impressão de confessar um santo; a sua preparação ao martírio e o seu comportamento bem que o diziam. Desde o dia da sua execução nunca esqueci a atitude do santo; recomendei todos os meus negócios ao servo de Deus; cheguei a sugerir a doentes graves que se recomendassem a ele para que a vontade do Altíssimo se cumprisse”.

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IRMÃOS MÁRTIRES DA COMUNIDADE DE VICH89

Vich é uma pequena cidade da Catalunha interior, a uns quarenta quilômetros ao norte de Barcelona. Nesta cidade, em 1936, havia três comunidades maristas: a da escola do Sagrado Coração de Jesus; a da alfaiataria, que providenciava a roupa de todos os Irmãos da Espanha; e a do juvenato, onde havia quarenta jovens em formação.

Cada uma dessas comunidades teve os seus mártires; mas aqui vamos seguir sobretudo a sorte da comunidade do juvenato. Ele contava quatro Irmãos: Severino, de 28 anos; José Teófilo, de 19 anos; Justo Pastor, de 29 anos; Alípio José, de 20 anos. A comunidade inteira foi exterminada, mas em dois momentos diferentes: começaram com José Teófilo e Severino, em primeiro de agosto de 1936; depois, Justo Pastor e Alípio José, em 8 de setembro de 1936. É um grupo de jovens mártires: o mais idoso tinha 29 anos; o primeiro a derramar o seu sangue pelo Senhor foi o mais novo, José Teófilo, de 19 anos.

1- Clima de perseguiçãoOs principais responsáveis pela perseguição na Catalunha eram os membros da FAI, organização particularmente sedenta de sangue dos sacerdotes e dos religiosos, cujo objetivo era o desaparecimento da Igreja. Muitos testemunhos históricos vão por esse caminho: “Se na cidade de Vich houve o movimento anti-religioso, foi por causa dos elementos que chegaram de Barcelona. Por ela, a cidade de Vich era favorável aos sacerdotes. Os elementos de fora impuseram o movimento revolucionário. Os primeiros 89 O caso dessa comunidade é referido pela “Informatio” do grupo do Ir. Crisanto, pp. 194-220.

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edifícios incendiados foram a catedral e a casa do bispo”.

Na praça central de Vich os vermelhos haviam amontoado os objetos religiosos para queimá-los. “Vimos fazer limpeza”, diziam. Constatando essa fúria iconoclasta, um franciscano concluiu : « É claro, aquilo que mais os enfurece é o que de mais perto se refere a Deus”.

O que aconteceu com o Irmão Severino é também eloqüente: enquanto acompanhava um grupo de juvenistas, foi detido pelos milicianos que lhe pergutaram quem ele era. Respondeu-lhes: Como vêem, sou um professor saindo com os seus alunos. Apenas procuramos os sacerdotes, disseram; e o deixaram continuar. Alguns dias depois, foi reconhecido como marista, sendo preso com os outros. Embarcado em viatura, num posto de controle ele ouviu o seguinte: “Façam-nos descer, que nós os depenaremos”. O que aparentava ser o chefe, pondo-lhe a mão no ombro, disse-lhe: “Sabemos agora que tu és jesuíta fichado; se te poupamos a vida, tu vais cair de novo nas nossas mãos”.

Os advogados que deviam defender os religiosos sabiam que a sua tarefa era inútil; contra as pessoas da Igreja a pena capital fora decretada de antemão. As autoridades da FAI deram como senha às patrulhas milicianas: Nenhuma proteção a sacerdotes, monges e religiosas. Eis em que clima viviam os Irmãos da comunidade de Vich no decorrer de 1936.

2– Os nossos quatro Irmãos1– O Irmão Severino (Severino Ruiz Hidalgo).

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Severino nasceu em 5 de novembro de 1907 nas Astúrias. Embora tivesse dois irmãos como religiosos maristas, e desejoso de também fazer-se marista, via contrariado o seu plano. Dois tios, um sacerdote e o outro Irmão marista, insistem em que os pais impeçam Severino de entrar no juvenato. Somente depois de três anos de serviço militar, em 1930, conseguiu entrar no noviciadode Las Avellanas. Terminada a sua formação, ele foi incumbido de orientar os postulantes; mas em 1935 foi indicado para o juvenato de Vich. Ele disse ao seu diretor: “Não tema em apontar-me os defeitos que notar em mim; eu sou raposa velha”. Alimentou o projeto de que o seu irmão mais novo ingressasse também na congregação dos Irmãos, para que todos os meninos da família se fizessem maristas.

Para a comunidade de Vich tudo se precipitou em 27 de julho de 1936, depois de uma inspecção do Comitê Revolucionário. Os juvenistas e os Irmãos que estavam nas granjas dos arredores deviam voltar ao colégio. Durante alguns dias, estiveram na casa como em prisão, sob a direta vigilância dos milicianos. O Irmão Severino conserva a sua igualdade de humor e a sua alegria. Em 30 de julho, depois de encerrar a conta bancária da comunidade, os milicianos colocaram os aspirantes na casa da caridade, ao passo que os Irmãos receberam uma passagem para Barcelona. Em 31 de julho os quatro Irmãos foram aprisionados e, na madrugada de primeiro de agosto, o Irmão José Teófilo primeiro e, depois, o Irmão Severino colheram a palma do martírio.

2– O Irmão José Teofilo (José Mullet Velilla)Ele nasceu em 28 de junho de 1917. Entrou no juvenato em 1928; com onze anos já possuía uma personalidade que se distinguia por sã alegria,

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inteligência viva, amor do trabalho bem feito e da oração. Em setembro de 1935, ele se encontrava na comunidade de Vich como professor estagiário. Nessa comunidade surpreenderam-no os acontecimentos de 1936. Em tudo ele partilhou a sorte do Irmão Severino. Estava com 19 anos, quando, em primeiro de agosto, ele foi vítima do ódio religioso; foi o primeiro a derramar o seu sangue por Nosso Senhor.

3– O Irmão Justo Pastor (Máximo Aranda Modrego)Máximo nasceu em 3 de setembro de 1907, perto de Saragossa. Aos doze anos o pároco da sua aldeia o levou ao juvenato de Vich, onde vai amadurecer a sua vocação marista. Um dos seus formadores prestou dele este testemunho: “Conceda-nos o Senhor muitos Irmãos desta têmpera: piedosos, fervorosos, zelosos, aplicados nos estudos, generosos, industriosos em acumular riquezas espirituais e intelectuais”. O Irmão Cleto Luís, que viveu com ele os dois últimos anos, disse que a sua vida espiritual tinha três pontos de apoio sólidos: o amor de Jesus no Santíssimo Sacramento, terna devoção à Virgem Maria e fidelidade à regra. Todos os dias ele agradecia à Boa Mãe a sua vocação e lhe pedia que perseverasse até o fim.

Desde setembro de 1934, o seu campo de ação é o juvenato de Vich. Quando, em 30 de julho de 1936, ele obteve a passagem para Barcelona, alojou-se na casa da irmã Angelita, com o Irmão Emidio Paniagua. Contudo não deixou de visitar os juvenistas na “casa da caridade”. Ele se apresentou ao diretor como mestre de música e foi aceito. Ele era muito achegado aos juvenistas, encorajava-os, acompanhava-os nos passeios e aproveitava a ocasião para lhes ensinar o catecismo. Como, porém, ele não estava inscrito em nenhum sindicato, o diretor da

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“casa da caridade” não queria guardá-lo por muito tempo. O Irmão alojou-se numa pensão de Barcelona, com os Irmãos Alípio, Máximo e Jacinto Miguel. Em 7 de setembro, durante o jantar, os quatro foram aprisionados e, no dia seguinte, festa da natividade da Virgem Maria, foram mortos.

4– O Irmão Alipio José (Maximiano Drionda Lehoz)Maximiano nasceu em Uzstárroz, Navarra, em 8 de junho de 1916. Com 14 anos entrou na casa de formação de Villafranca, Navarra. Os seus condiscípulos de noviciado e de escolasticado atestaram que ele era obediente, dedicado, trabalhador, animado de espírito de sacrifício. Para evitar os perigos do serviço militar, ele pediu e obteve licença de partir para as missões. Em 15 de julho foi de Las Avellanas para Vich, na esperança de poder partir para a Argentina. De fato, ele teve a sorte da comunidade do juvenato. Consciente da possibilidade do martírio, ele suplica à Boa Mãe: “Se devo morrer, ó minha Boa Mãe, que seja no dia da vossa festa”. Ele pensava no dia 15 de agosto; mas aconteceu no dia 8 de setembro de 1936, festa da natividade da Virgem Maria, aniversário da sua vestição religosa e da sua primeira emissão de votos.

3– O martírio1–Dos Irmãos José Teófilo e Severino  em primeiro de agosto de 1936.Em 27 de julho de 1936, pelas seis horas da tarde, doze milicianos, enviados pelo Comitê de Barcelona, armados de pistolas e fuzis, apresentaram-se para uma inspeção da casa de Vich e para apossar-se dela. Eles decidiram transferir para a “casa da caridad” os 15 juvenistas que não puderam alojar-se com as suas famílias, ao passo que os Irmãos puderam passar as noites na comunidade até 29 de julho. Em 30 de

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julho, os milicianos acompanharam ao banco o Irmão ecônomo, obrigaram-no a retirar todo o dinheiro que, depois, confiscaram. Pouco após, deram 100 pesetas a cada Irmão e uma passagem para Barcelona.

Os Irmãos Cleto Luis, Dionísio David e os servos de Deus Severino e José Teófilo se alojaram na pensão San Antonio, mas tomavam as refeições no Hotel Espanhol. No jantar de 31 de julho, os milicianos irromperam no hotel e prenderam os quatro Irmãos. No interrogatório são acusados de serem fascistas, como todos os monges e sacerdotes, e de fazer rondas de noite para matar o povo humilde. Seguem-se as ameaças de matá-los.

Às quatro horas de primeiro de agosto de 1936, uma escolta miliciana os fez sair. Viaturas aguardavam-nos e os Irmãos compreenderam que seriam convidados a um pequeno passeio, isto é, o caminho final. Foram conduzidos para fora de Barcelona, José Teófilo e Dionísio David numa viatura, e Severino e Cleto Luis em outra. A viatura desses dois últimos parou em local deserto; à direita havia árvores frutíferas e à esquerda a encosta de uma colina. Eles desembarcaram. Disseram ao Irmão Cleto Luis que tomasse a direção da colina. Ao Irmão Severino pediram que gritasse: Viva a FAI. Mas ele disse: Viva a Virgem do Pilar. Você estará livre se gritar: Viva a República. Ele retrucou: Viva Cristo Rei. Furiosos, os milicianos mandaram que retornasse à viatura. « Sobe que te arranjaremos ». Durante esse tempo, retornou a outra viatura com os Irmãos José Teófilo e Dionísio David. O Irmão Severino pediu licença para abraçá-los pela última vez. Diante da recusa e imaginando que iam descarregar as armas em Cleto Luis, ele gritou: Viva Cristo Rei. Um miliciano, vestido de soldado, disse aos outros: Ele está

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transtornado, não sabe o que diz. Mandaram-no subir na viatura com os dois outros Irmãos. Chegando ao rio Llobregat, a viatura parou. Pediram que o Ir. Dionisio David corresse na direção do rio. Enquanto corria, ele ouviu uma descarga. Os milicianos mataram o jovem Irmão José Teófilo. Entre as suas mãos sobrou apenas o Irmão Severino. Os milicianos continuaram a viagem até La Palma de Cervelló. Como o Irmão Severino se recusasse a dizer os lemas revolucionários, obrigaram-no a descer da viatura e descarregaram nele os seus fuzis. Morreu dizendo: “Viva Cristo Rei, viva Nossa Senhar do Pilar”. Os milicianos que não atiraram se aproximaram do corpo e, na sua vez, descarregaram os fuzis. Por fim, derramaram gasolina sobre o corpo e puseram fogo, abandonando-o na beira do caminho.

2– Os Irmãos Justo Pastor e Alipio José : 8 de setembro de 1936.Estes dois Irmãos estavam juntos para orientar os juvenistas da casa de Vich que não tinham podido alojar-se nas famílias e que estavam na “casa da caridad”. Tornando-se impossível este apostolado, o Irmão Provincial os convocou a Barcelona. Eles foram residir numa pensão com os Irmãos Jacinto Miguel e Maximino, dois Irmãos idosos. Os quatro foram detidos na tarde de 7 de setembro e fuzilados no dia seguinte. Isso corresponde bem à maneira expedita de agir da FAI nas execuções de sacerdotes e religiosos. Os corpos foram reconhecidos na Clínica pelo Irmão Gerard que nela recebia assistência, e pelos Irmãos Eraclio Maurin, suíço, o francês Ismier e pelo servo de Deus Irmão Raimondo, no civil Egmidio Paniagua. Este será morto mais tarde.Todos esses Irmãos tinham o coração preparado para o martírio. Antes de separar-se em Vich, o Ir. Jerônimo Emiliano, diretor, encorajava-os, dizendo:

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“Adeus. Queira o Senhor que nos revejamos; senão nos tornaremos a ver no céu, na vida eterna, na bem-aventurança. Enquanto isso, fiquemos unidos pela oração”.

Recordando a noite do interrogatório, o Irmão Cleto Luis escreveu: “Em tudo isso estávamos tranqüilos, porque, cinco dias antes, festa de são Tiago, havíamos confessado e comungado como se fosse pela última vez”.

O Irmão Severino dá a conhecer os seus sentimentos profundos, quando escreveu aos pais e aos irmãos: “Não se penalizem por nós. Bem sabemos o que buscamos e quanto nos custa. Dias maus virão, talvez muito maus, até muito de pressa; mas, como Jesus, dizemos: Vencemos o mundo”.

No decorrer do interrogatório, os milicianos disseram ao jovem Irmão José Teófilo: “Pensa bem, tu és muito jovem; dize-nos a verdade e te deixaremos viver. A vida é tão bela. Vais encontrar a família e haverá grande alegria”. Ele não escutou as palavras enganadoras.

O Irmão Cleto Luis escreveu: “Nos três dias em que a nossa casa serviu de prisão, em 27-28-29 de julho, vigiados de contínuo pelos milicianos, o Irmão Justo Pastor caminhava pelos corredores recitando o terço ou cumprindo outros exercícios de Regra”.

Esses Irmãos sofreram unidos o martírio e receberam a graça de colocar o Senhor Jesus acima de tudo e transformaram a morte no ápice do amor e da alegria.

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O IRMÃO JOSÉ DE ARIMATEA90

Os Irmãos Maristas haviam aberto uma escola em Ribadesella, nas Astúrias, em 1930. A escola contava três salas primárias e três do primeiro ciclo do secundário. Cinco Irmãos formavam a comunidade. O Irmão José de Arimatea era o diretor. Se o trabalho era excelente do ponto de vista intelectual e moral e tinha o apoio do pároco e da população, o prefeito da vila e o professor público não partilhavam essa simpatia. O prefeito inscreveu o Irmão José de Arimatea entre os perigosos.

1– Perfil biográficoO Irmão José de Arimatea (Restituto Santiago Allende) nasceu perto de Santander, em 10 de junho de 1902. Toda a sua formação marista se desenvolveu em Anzuola, no território basco, do juvenato ao escolasticado. De temperamento entre colérico e sangüíneo e dando por vezes a impressão de ser intratável e tumultuário, havia nele um lastro que não facilitava o relacionamento.

Muito lhe aproveitou o segundo noviciado de Grugliasco de 1930 para equilibrar a sua natureza fogosa e, no seu retorno, os confrades descobriram nele um homem pacificado e sociável. Ainda assim, o seu natural retornava, por momentos; os Irmãos o achavam ríspido, de respostas descaridosas. Assim, por ocasião da revolução nas Astúrias, em outubro de 1934, quando foi morto o Irmão Bernardo, um policial deu aos Irmãos uma pistola para se defenderem em caso de necessidade. Numa saída, os Irmãos levavam dita arma. Passando por uma taberna, se depararam com uma dúzia de indivíduos; um deles provoca: 90 Todos os dados são retirados da  Informatio do grupo do Irmão Crisanto, pp. 221-233.

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“Esta noite vocês vão ver correr o sangue”. De pronto o diretor replica: “E balas, agora mesmo, se você quiser”. Tal reação, muito longe do espírito das bem-aventuranças, revelava, ainda assim, força e coragem. O Irmão Arimatea era incapaz de silenciar diante das injustiças do prefeito, por exemplo, e das imoralidades.

Esse homem, um tanto violento, preparava, contudo, os meninos à primeira comunhão e lhes infundia o amor a Nosso Senhor; dirigia a schola cantorum, que tornava mais bela e mais solene a liturgia da paróquia. Ele se preocupava em acolher gratuitamente os meninos pobres na sua escola. Mostrava-se paternal e justo com os operários que trabalhavam na escola e nunca despachava de mãos vazias o pobre que lhe batia à porta. Quando o jovem farmacêutico da vila, pouco praticante, contraiu tuberculose, ele o assistia dia e noite com tal dedicação, que o doente se reaproximou da Igreja e morreu reconciliado com Deus. Isso lhe conquistou a estima da população, mas não aquela do prefeito, cujas injustiças ele fustigava, nem a do mestre da escola pública, que só desejava o fechamento do colégio dos Irmãos.

Em 25 de julho a vila de Ribadesella caiu em mãos marxistas. Pela uma hora da noite, um grupo de milicianos invadiu a escola com ordem de prisão para o diretor. Os milicianos apenas procuravam a ele, não prenderam senão a ele, deixando os outros Irmãos tranqüilos; permitiram-lhes ficar na casa e chegaram a pedir ao subdiretor, Irmão Demétrio Ortigosa Oraá, que o substituísse. O tempo da prisão foi longo, penoso e se concluiu com a morte em 4 de setembro de 1936.

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2– O caminho do martírioOs primeiros sinais de encarniçamento contra os Irmãos datavam de 16 de março de 1936. Três Irmãos voltavam da igreja, de noite, e foram apedrejados. Na mesma noite, a comunidade foi acordada com violentas batidas na porta. A polícia local reclamou o diretor, com ordem de prisão e procedeu à inspeção da escola. Os Irmãos foram acusados de organizar um complô para matar o prefeito, de esconder armas, de fabricar gases tóxicos e explosivos. Nada disso se comprovou, mas o diretor foi levado ao prefeito. O Irmão José de Arimatea, no seu temperamento impetuoso, não deixou de recriminar ao prefeito a sua excessiva facilidade em acreditar.

Depois de 25 de julho, as Astúrias caíram nas mãos dos marxistas. Na tarde desse dia, festa de são Tiago, o pároco da cidade foi preso e conduzido à prefeitura, sob as zombarias da multidão. A perseguição se desencadeou. O Irmão José de Arimatea foi preso à uma hora da noite subseqüente e mantido prisioneiro no subterrâneo da “casa do povo”. Tal lugar se revelou por demais estreito. Assim, todos os prisioneiros foram encerrados na igreja, tranformada em prisão. Até 15 de agosto, a vida foi um calvário de humilhações e de sofrimentos físicos para todos, mas especialmente para as pessoas da Igreja. Os guardas comportavam-se como carrascos, e os dirigentes fizeram executar condenações sumárias de incrível ferocidade. Por exemplo, o comandante da artilharia Luis Berenguer foi amarrado a uma árvore e queimado vivo.

Quando o navio mercante Mistral chegava ao porto, os prisioneiros deviam garantir, sob a zombaria e insultos dos milicianos, a pesada tarefa da estiva,

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descarregando e carregando, apesar de estarem fracos por falta de alimentação. O pároco é a vítima preferida das zombarias e dos insultos.

Em 14 de agosto, os milicianos retiraram treze prisioneiros, entre os quais o pároco de Ribadesella e três outros sacerdotes da vizinhança. Foram levados ao cemitério e crivados de balas. No dia seguinte, um utilitário levou ao cemitério o Irmão José de Arimatea e dois outros. A escolha era intencional, o Irmão devia enterrar o seu amigo pároco; o segundo foi o seu próprio irmão, e o terceiro, o seu cunhado. A visão dos corpos crivados de balas pôs no coração do Irmão a mais profunda amargura. Feria-se, assim, uma grande amizade, porque o Irmão e o pároco colaboravam em tudo no trabalho da paróquia.

Em 4 de setembro, ele foi colocado num caminhão com outros condenados. Transportados à entrada de um poço de mina, de mãos amarradas com fios metálicos, foram jogados vivos no fundo do poço, onde foram deixados para morrerem de sede e fome. Os agricultores próximos do lugar escutavam de noite gritos pavorosos que não os deixavam dormir.

Quando, em outubro de 1937, o exército de Franco conquistou as Astúrias, a cruz vermelha procedeu à exumação. Os restos dos Irmãos foram reconhecidos pelas roupas, iniciais da camisa e escapulário. Em 3 de junho de 2000, os restos mortais do Irmão José de Arimatea foram inumados na igreja paroquial de Ribadesella.

A senhora Maria Cuevas Vitorero, cozinheira da comunidade, fazia seguidas visitas ao Irmão detido em prisão. Ela deixou o seguinte testemunho: “Eu o visitava todos os dias, levando-lhe as refeições e as

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roupas. Nunca o ouvi queixar-se da Providência; como eu o encorajava, dizendo-lhe que ele sairia dessa. Não, respondia ele; vou morrer porque sou religioso; mas aceito porque Deus me escolheu. Na prisão eu o vi muitas vezes rezar. Tinha consigo o terço, o escapulário e o crucifixo de profissão. Poucos dias antes da morte, ele me confiou o crucifixo para que não fosse profanado”.

IRMÃO AURELIANO(PEDRO ORTIGOSA ORAA)91

O colégio Nuestra Señora del Carmen”, na cidade de Badajoz, era de fundação recente, 1930. A comunidade marista, em 1936, compunha-se de 12 Irmãos ; o Irmão Aureliano fazia parte dela, mas era membro do corpo docente do seminário diocesano.

1– Vida e martírioO Irmão Aureliano nasceu em 5 de fevereiro de 1894, na vila de Torralba del Río, em Navarra. A partir dos 16 anos ele começou a sua formação marista em Anzuola. Ele mostrava um caráter forte, decidido, alegre, com otimismo inato. O seu ideal no apostolado era assim sumariado por ele: guiar os jovens, educá-los de tal sorte que eles façam a experiência do amor de Deus e da Virgem Maria. Para ele próprio, o segredo da sua espiritualidade era de estar na presença da Boa Mãe e ir a Jesus por meio dela.

De talentos culinários, muitas vezes surpreendia a comunidade com pratos bem preparados. Além dos cursos normais do seminário, ele visitava o quarteirão

91 Aquilo que consta aqui se encontra na Informatio do grupo do Irmão Crisanto, pp. 234-246.

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mais pobre da cidade, onde abriu pequena escola para as famílias menos favorecidas.

Quando os vermelhos se apossaram de Badajoz, em 18 de julho de 1936, requisitaram todas as igrejas, todos os conventos e aprisionaram 300 pessoas. Por prudência, o Irmão Estanislau José, superior da comunidade, solicitou que os Irmãos procurassem abrigo nas famílias dos alunos. Em 2 de agosto, os comunistas autorizaram uma missa em convento de Irmãs. Na saída, prenderam os religiosos, entre eles três Irmãos, que foram lançados na prisão.

Em 14 de agosto, os nacionalistas libertaram a cidade, os prisioneiros recuperaram a liberdade e a comunidade se reconstituiu, mas o Irmão Aureliano faltou à chamada.

Com um grupo de amigos, havia tentado a fuga para Portugal. Os amigos portavam algumas armas para cruzarem a fronteira com mais segurança. Em face disso, Aureliano preferiu a família dos Pesini, em Badajoz, que já lhe haviam oferecido refúgio. Eles o esconderam numa pequena herdade, fora da cidade. Mas a cozinheira da família indicou o esconderijo e os milicianos prenderam o Irmão.

Encontrando-o na estrada, um deles disse: É um sacerdote. Todos se lançaram sobre ele, ferindo-o com a coronha das armas, dando-lhe golpes e mais golpes, de sorte que ele caiu várias vezes. Ele pegou um pequeno crucifixo e se pôs a beijá-lo, o que enfureceu os milicianos, que se puseram a bater-lhe com tamanha violência, que uma vista lhe saiu da órbita. As milicianas gritavam: Dispam-no.

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Com golpes e empurrões, fizeram-no chegar a um dos arcos da ponte. Queriam fuzilá-lo de pé, mas ele se punha de joelhos. Eles o forçaram a ficar de pé, ele tornava a ajoelhar-se. Durante todo esse tempo, os milicianos e as milicianas não cessavam de blasfemar. Diversas vezes eles tinham convidado o Irmão a repetir as blasfêmias; mas ele se calava ou dizia: Isso eu não direi. Perguntavam onde ele queria ser morto. Ele respondia: Onde quiserem. Foi de joelhos que o fuzilaram, enquanto apertava o crucifixo e exclamava: Viva Cristo Rei.

Surpreso da rapidez da execução, o chefe perguntou: Já lhe fizeram tomar o café? Respondeu o que o fuzilara: Já o tomou, sim. Continuou o chefe: Agora vai dar-lhe um tiro por mim. Ele o fez.

2– Sofrer por Jesus, eis a verdadeira alegria.Uma das suas resoluções diz bem quem era o Irmão Aureliano.« A partir de hoje, o escopo de toda a minha vida é tornar-me o Cireneu, levando com santa paciência a cruz dos trabalhos que o esposo da minha alma e senhor Jesus Cristo quiser oferecer-me. É a minha resolução, meu Deus. Tu conheces a minha fraqueza; não me abandones um só instante, de medo que caia e que o meu inimigo se ria de mim e de ti. Virgem Santíssima, põe o teu selo de misericórdia e de piedade nesta resolução, para que eu possa cumpri-la e que eu não a abandone até que me vejas no céu contigo por toda a bem-aventurada eternidade. Em contrapartida, prometo que nunca te esquecerei, e agirei de forma que os outros ajam do mesmo modo”. Sofrer por Jesus e com Jesus, eis a verdadeira alegria; um dia sem Jesus, eis o verdadeiro sofrimento. »

3– As pessoas têm confiança nele e o invocam.

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O senhor Esteban Esquiroz Pascual sofria de úlcera de estômago que não lhe permitia alimentar-se senão de um pouco de leite e água. Reduzido a essa situação, o médico previa a sua morte. “Quando Modesta Ortigosa, irmã do Irmão Aureliano, soube do meu estado, ela enviou-me como relíquia um pedaço da roupa do servo de Deus. Foi-me aplicada às escondidas. Isso foi entre três e quatro horas de 3 de agosto de 1942; um sacerdote administrou-me o sacramento dos enfermos. Logo a seguir, tive um desmaio. Depois de vinte minutos pedi um copo de leite. Na sua surpresa, a minha mulher, a minha mãe e os parentes não queriam atender-me; eu insisti, eu me sentia bem. Vinte minutos depois, pedi outro copo de leite. Todo o mundo estava surpreso, mesmo o sacerdote que me havia administrado o sacramento dos enfermos, e o próprio médico, ao inteirar-se. Este me disse: Certamente você tomou leite com muita água. Não, era só leite. Ficou mais surpreso. Desde aquele momento me venho sentindo bem até hoje ». Veja-se outro testemunho.

“Devo declarar que, tendo sofrido de embolia pulmonar, o médico Alexandro Encinas de la Rosa me achou em fase terminal. Então pedi aos familiares que pusessem debaixo do travesseiro um pouco de terra do lugar onde tinha caído o servo de Deus, terra que eu havia recolhido antes. A minha cura foi tão rápida e completa que ela surpreendeu os médicos. Ela dura ainda hoje e posso dedicar-me aos afazeres da minha profissão”.

O IRMÃO GUZMÁN E OS SEUS CONFRADES DA COMUNIDADE DE MÁLAGA92

92 Fonte : « Informatio » do grupo do Irmão Crisanto, pp. 247-275.

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Depois do martírio do Irmão Bernardo, escutei o Irmão Guzmán dizer:” Deus recompensa os justos, os seus eleitos e amigos, com esse tipo de morte. Isso causa-me santa inveja. A palha, como eu, ele não quer; deixa-nos neste mundo, para ver se fazemos penitência dos nossos pecados”. Em plena perseguição em Málaga, ele recitava o terço no bonde

Na cidade de Málaga, os Irmãos dirigiam o colégio « Nuestra Señora de la Victoria ». No decurso do ano escolar de 1935-1936, o diretor era o Irmão Guzmán, de 51 anos ; oito outros Irmãos colaboravam com ele : Teógenes, 50 anos; Fernando Maria, 41 anos; Roque, 51 anos; Luciano, 44 anos; Pedro Jerónimo, 31anos, todos companheiros de martírio; e os Irmãos Dalmiro, Isaías e Paulino León, que partilharam com eles a prisão, mas não lhes partilharam a morte. O grupo é de Irmãos maduros que caminharam para o martírio.

O Irmão Guzmán fez parte do número de Irmãos que fundaram a escola em 1924. Em 1931, ele era subdiretor, quando, em 11 de maio, irrompeu o primeiro levante marxista: o palácio episcopal e a escola, contígua dele, foram entregues às chamas. A partir de 1933, ele foi diretor do estabelecimento e superior da comunidade.Estas linhas bosquejam especialmente o retrato do Irmão Guzmán, mas os demais Irmãos Teógenes, Fernando María, Roque, Luciano e Pedro Jerónimo eram vasos comunicantes, de certa forma, com a personalidade do seu diretor.

1– O Irmão Guzmán (Perfecto Becerril Merino)O Irmão Guzmán nasceu em Grajalba, Burgos, em 19 de abril de 1885. No batismo recebeu o nome de Perfecto. Com treze anos ele tomou o caminho da vida marista no juvenato de Burgos, depois em San

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Andrés de Palomar, Barcelona. Emitiu os primeiros votos em 1901, e os perpétuos, cinco anos depois.Os seus confrades se recordam de que ele vivia fortemente a presença de Deus segundo a máxima de Santa Teresa de Ávila: uma hora a mais, uma hora a menos; uma hora a mais vivida neste mundo, uma hora a menos de espera antes de ver o Senhor. Ele gostava de chamar a Virgem Maria de a Mamãe do céu, para exprimir um relacionamento mais afetuoso e mais confiante, para ninguém sentir-se órfão desta mamãe.

Não se esquecia dos pobres: os alunos que passavam por momentos difíceis continuavam os estudos sem pagar. Em tais circunstâncias, ele dizia: Nós somos pobres, mas temos tudo, ao passo que essas pobres pessoas não terão nada para comer hoje e sofrerão para arranjar alguma coisa para os seus filhos. Muitos operários, com a sua intervenção, encontraram trabalho estável; escapavam, assim, da condição dos diaristas que, muitas vezes, eram vítimas dos patrões. No primeiro aniversário do seu martírio, o jornal Sur de Málaga reconheceu oficialmente os seus méritos no domínio social: “O Irmão Guzmán, amigo dos operários de Málaga, pela sua generosidade atraiu a simpatia de todo o mundo porque tratava as pessoas com cordialidade e bom coração. Ele foi assassinado em 24 de setembro de 1936”.

De boa-vontade visitava os doentes nos hospitais, civis e militares e lhes arrumava um confessor, se lhe exprimissem o desejo.

Quando a escola e o palácio episcopal foram incendiados, em 11 de maio de 1931, numa primeira revolta marxista, o Irmão Guzmán passou de quarto

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em quarto, para assegurar-se de que nenhum Irmão estava em perigo. O bispo e certos membros da família dele ficaram no palácio em chamas; sabendo isso, Guzmán foi socorrê-los e os salvou fazendo com que passassem pelo subsolo do colégio. Então ele era subdiretor. Não ficou chorando a escola incendiada; pressuroso se pôs ao trabalho; manobrou tão bem que os alunos puderam continuar os estudos daquele ano em casas particulares.

2– No caminho do martírioMálaga havia sido sempre um reduto subversivo, praça forte da esquerda e da revolução. Depois do levante de Franco, os vermelhos se apossaram da cidade em 19 de julho de 1936. Ocuparam a catedral, incendiaram 400 edifícios, prenderam adversários políticos e gente da Igreja.

Na volta da missa, vendo pessoas armadas bivacando em frente da escola, os Irmãos decidiram dispersar-se. O Irmão Guzmán teve com eles palavras de encorajamento e lhes deu algum dinheiro para as necessidades urgentes.

Em 20 de julho a escola foi saqueada e devastada, mas não ocupada; os Irmãos podiam passar a noite aí. Em 22 de julho, Guzmán convocou os Irmãos na escola; deu-lhes o conselho de se porem em abrigo e distribuiu o dinheiro que sobrara.

Diversas vezes detido, o Irmão Guzmán foi liberado das garras marxistas pelo secretário civil, que era amigo seu.

Em 22 de agosto de 1936, a vida dos Irmãos de Málaga estava em perigo. Nesse dia a aviação de Franco bombardeou pesadamente um quarteirão

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popular. Nesse dia os espíritos dos revolucionários se exaltaram a ponto de que sonhavam em matar todas as pessoas da Igreja. Nos dias seguintes, todos os Irmãos foram aprisionados, afora o Irmão Isaías Maria.

1– Os primeiros detidos foram os três Irmãos que ainda residiam na escola : Fernando María, Dalmiro e Paulino León. Era um pouco além da meia-noite. Os milicianos notificaram os Irmãos que não se vestissem com muita elegância, porque os aguardava o passeiozinho, isto é, a estrada da execução. No caminho, os Irmãos ouviram os milicianos discutir acerca do lugar e do momento da execução. Mas no comissariado decidiu-se lançá-los na prisão comum, onde ficaram mais de um mês, até 24 de setembro. Nesse dia, o chefe da FAI apresentou-se e, enfileirando os prisioneiros, falou: “Vamos pô-los em liberdade, mas o primeiro que for pego de novo será convidado ao passeiozinho. Eu me coloquei na ponta da fila, o Irmão Fernando Maria no meio, e Paulino Leon no fim. Quando o chefe da FAI chegou à minha frente, perguntou-me por que eu estava aí. Respondi que era porque não tinha os documentos. Aí ele me mandou pegar a lista e ir embora. Passei pela primeira, pela segunda e pela terceira porta. O Irmão Fernando Maria me seguia. Mas um da FAI o reconheceu e gritou aos canalhas: É um marista. Lançaram-se sobre ele; um miliciano lhe entortou um braço e lhe deu dois tiros, deixando-o semimorto. Os outros deram cabo dele.

2– Em 24 de agosto, descobriram o Irmão Guzmán no hotel Império, onde residia. O sacerdote Luis Vera Ordás o viu entrar na prisão: « … Notamos que estava extremamente pálido. Quando lhe perguntamos a razão, ele nos disse que o haviam

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conduzido fora para matá-lo, mas no lugar da execução os carrascos disseram simplesmente: Meia-volta. E o levaram ao cárcere”. O sacerdote jesuíta Francisco Garcia Alonso atesta: “Quando saí da prisão, em 22 de setembro, deixei-o na enfermaria, com febre muito forte. Nessa manhã, o confessei, ele de joelho e eu de pé, no meio da sala”.

O Irmão Guzmán foi executado dois dias depois. Em 24 de setembro, a aviação nacionalista bombardeou de novo a cidade de Málaga. Como represalha fuzilaram muitos presos, especialmente os que estavam na enfermaria. Eram tão numerosos que no lugar da execução deviam aguardar a sua vez. O Irmão foi morto com outros sacerdotes e enterrado em cova comum do cemitério próximo.

3– Em 27 de agosto, chegou a vez dos Irmãos Pedro Jerónimo, Teógenes e Luciano. Quando a patrulha se apresentou na casa da senhora Rosaria Jurado Rivas, onde os Irmãos se abrigavam, eles disseram à senhora : – Vimos prender três sacerdotes que se escondem na sua casa ! – A quem buscam? » perguntou o Irmão Pedro Jerônimo, apresentando-se.– Alguns sacerdotes ! – Não há sacerdotes aqui ! – Fomos informados que há, sim, sacerdotes. E tu és um deles! –Nós não somos sacerdotes, somes religiosos maristas. – Para nós não faz diferença !

Os milicianos conduziram-nos ao passeiozinho. A senhora que os havia abrigado foi presa também. No

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comissariato conseguiram que se decretasse contra eles a pena capital. Depois, a senhora foi liberada, mas com ameaças; os Irmãos foram levados ao cemitério mais próximo, onde foram fuzilados.

4– O Irmão Roque tinha sido acolhido pela família do cônsul do México, que o alojou em casa do cunhado, fora da cidade. No decorrer de uma inspeção, um dos milicianos, antigo aluno, o reconheceu e lhe disse : Agora tu vais pagar todas as punições que me impuseste porque eu lia o jornal na aula. Esse miliciano informou os outros de que tinham nas mãos personagem importante, um Irmão Marista. A sentença de morte foi imediatamente decretada e executada ao pé de árvore próxima. Era o 18 de outubro de 1936.

3– Eles teriam podido salvar-se.Homens de bem, longe de toda a política, foram acuados, aprisionados, mortos. Não era questão de justiça, nem de lógica, senão de justiça e de lógica inteiramente marxista. Expressando-se na sua peculiar maneira de ver, certa testemunha afirmou: “Segundo o meu parecer, eles foram martirizados por serem pessoas conhecidas como religiosas, perseguidas e mortas como tais. Era o caso do Irmão Guzmán, especialmente porque não tinha inimigos; a sua bondade era conhecida de todo o mundo”. Muitos operários de Málaga lamentaram essas mortes que consideraram um erro.

Veja-se o estridente argumento jurídico atestado pelo sacerdote Luís Vera Ordás. “Fui julgado de maneira sumária; quando me perguntaram por que eu tinha sido preso, eu disse simplesmente, adivinhando que poderia ser mártir: Por que sou sacerdote.

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Replicaram os membros do tribunal: E isto te parece pouco?”

Com efeito, religiosos e sacerdotes eram levados ao tribunal tão somente para escutarem a sentença de morte ou de prisão. Nenhuma defesa era possível. Os milicianos tinham o direito de matar os sacerdotes e os religiosos que encontravam pelo caminho das suas inspeções.

Eles bem sabiam que os Irmãos não eram politicamente perigosos; era à fé que eles visavam. Bastava aparentar desinteresse pela religião para ser posto em liberdade e evitar a morte. “Um ato qualquer de apostasia, ainda que simplesmente verbal, bastava para salvar a vida. E isso os servos de Deus sabiam”.Na prisão o Irmão Guzmán procedeu a verdadeiro apostolado de encorajamento dos demais. O sacerdote Luís Vera Ordás, que viu a morte de perto, escreveu: “Devo acrescentar, no concernente ao espírito que reinava nas prisões vermelhas, que nunca houve a menor idéia de apostasia. Tamanha era a graça de Deus, que nós esperávamos a morte confiando no Senhor; nem o menor pensamento de apostasia nos vinha à mente. Recitava-se o terço, fazia-se a meditação, vivia-se vida espiritual tão intensa que o martírio era aguardado como verdadeira gentileza de Deus”.

Aqueles que foram agraciados, em conseqüência das próprias surpresas caprichosas de uma justiça arbitrária, experimentaram um sentimento de inveja daqueles que alcançaram a mercê de morrer pelo Senhor.

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O Irmão Guzmán teria podido salvar-se. Ele contava entre os seus amigos o cônsul da Itália. Sugeriram-lhe que fizesse contacto com ele, mas respondeu : O capitão do navio é o último a se salvar. Enquanto houver alguém em perigo, ficarei no leme. Ele confidenciou, na prisão, ao sacerdote Francisco Garcia Alonso: Poderia ter-me salvado, mas eu não quis deixar os meus. Como diretor, acreditei que devia partilhar a sorte dos outros e não deixar Málaga sem eles.

Esses Irmãos mártires foram exumados e identificados no dia primeiro de dezembro de 1941. Agora eles repousam na cripta da catedral de Málaga com muitos outros, sacerdotes e leigos, que sacrificaram as suas vidas por Cristo.

São os nossos Irmãos, membros da nossa Família Marista do céu, nossa glória e, ainda mais, nossos intercessores para a nossa vida de testemunhas, educadores e de pessoas que fazemos do Senhor o centro da nossa vida.

OS NOSSOS MÁRTIRES DE MADRID93

1– Presença marista na capital

Em Madrid os Irmãos Maristas dirigiam quatro escolas : duas da Província de Espanha, e duas da Província de León. Todas essas quatro comunidades terão os seus mártires.

1– O « Colegio externado Chamberí », escola primária e secundária de 693 alunos, tinha uma comunidade de 15 Irmãos, oito dos quais residiam fora do 93 Fonte: « informatio » do grupo do Irmão Crisanto, pp. 275-322.

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estabelecimento, num apartamento da rua Modesto Lafuente. Nessa comunidade, Deus escolheu três Irmãos mártires: Benigno, 30 anos, morto em 11 de agosto de 1936; Adrián, 40 anos, morto em 11 de agosto de 1936; Euquerio, 22 anos, morto em 4 de janeiro de 1937.

2– O « Colegio los Madrazos » fora fundado em 1902. Tinha tantos alunos como o precedente, com uma comunidade de 23 Irmãos. Cinco deles colheram a palma do martírio. Aqui são apresentados apenas três Irmãos: Gaspar, 38 anos, morto em 22 de julho de 1936; Camerino, 30 anos, morto em 22 de julho de 1936; Luis Afonso, 25 anos, morto em 26 de agosto de 1936.

3– O « Colegio San José » era então o mais próspero ; a sua comunidade compreendia 31 Irmãos, entre espanhóis e franceses.

4-–A « Residência de estudantes Cardeal Cisneros » acolhia Irmãos e antigos alunos universitários. Quando estourou a revolução, a comunidade do Colégio São José se concentrou nesta residência, que era mais segura. Seis Irmãos foram mortos por causa da sua fé: León Argimiro, 23 anos, morto em 20 de julho de 1936; Luis Daniel, 26 anos, morto em 16 de outubro de 1936; Angel Hipólito, 33 anos, morto em 12 de dezembro de 1936; Julián Marcelino, 22 anos, morto em 3 de dezembro de 1936; Domingo Ciriaco, 25 anos, morto em 20 de abril de1937; Jorge Camilo, 20 anos, morto em 21 de agosto de 1937. O grupo é de mártires relativamente jovens: 40 anos, o mais velho; 20 anos, o mais jovem.

2– A perseguição em Madrid

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Sede do governo e centro das comunicações, Madrid deu-se conta da gravidade do levante nacional antes de qualquer outra parte da Espanha. Em 18 de julho de 1936, contra a vontade do governo, que queria manter a legalidade, aqueles que aderiram à Esquerda começaram uma agressão sistemática contra tudo o que representava a ordem e a religião. O governo central perdeu o controle da situação e deixou aos revolucionários grande liberdade para se lançarem aos roubos, aos incêndios e à eliminação física das pessoas. Mais de cinqüenta edifícios foram saqueados ou entregues às chamas. Por toda a parte se estabeleceram « checas »94 da Frente Popular. Daí partiram os grupos de milicianos incumbidos de prender os inimigos da revolução : sacerdotes e religiosos. Os milicianos se deram a faculdade de assassiná-los, sem julgamento nem sentença.

Nenhuma comunidade marista escapou à raiva deles. Muitos testemunhos concordam em dizer que os Irmãos foram de imediato o objeto do ódio, expulsos das suas casas, acuados, detidos, presos e candidatos a morrer unicamente porque eram religiosos. “Pelo modo como eu próprio fui julgado, posso atestar que os meus Irmãos foram martirizados por serem religiosos. Todos os monges eram considerados inimigos. Eu compareci ante o Tribunal Popular e fui interrogado sobre o que havia feito no dia das eleições. Surpreendido pela pergunta, relatei o acontecido; quando me escapou que havia ido à missa, o juiz disse: ‘Não tenho necessidade de mais provas; por teres ido à missa, tens um ano de prisão’. Já havia cumprido dez meses e tive de cumprir tal condenação por ter ido à missa”.

94 A checa era, simultaneamente, quartel de milicianos e prisão.

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A senhora Josefa Aparicio Hierro relembra o que a rádio comunista dizia de modo sarcástico: “Era preciso fazer a limpeza na igreja de Nossa Senhora das vassouras”, aludindo à Virgem da medalha milagrosa e aos raios que partem das suas mãos.

Descrevendo o caso dos Irmãos do Colégio Los Madrazos, o guarda-portão testemunha: “Os Irmãos não sofreram apenas o martírio, mas antes disso toda a sorte de humilhações e insultos. A populaça chegava ao colégio gritando: Abaixo o clero. Os milicianos entraram no colégio e fui testemunha da pilhagem, especialmente dos objetos do culto, como os crucifixos eram quebrados a machado; da mesma forma os livros de oração eram rasgados e jogados ao chão”.

Para com os religiosos ou sacerdotes os vermelhos exibiam uma raiva tal, que faziam pensar em animais ferozes. O testemunho mais freqüente que se lê nas páginas das diversas positiones sobre os mártires da Espanha é o seguinte: “A morte desses servos de Deus deve-se ao fato de que eram religiosos e ao ódio contra a religião e contra a fé em Cristo. Não há aí nenhum motivo político e nenhuma reivindicação de justiça social”.

Em face desse clima de violência, certo número de Irmãos abandonou a vida religiosa. Houve pais que, por prudência, na situação de perseguição existente, aconselharam aos filhos que retornassem à família, ou ainda que se inscrevessem em algum sindicato ou partido de esquerda.

Os Irmãos que conheceram o martírio não quiseram entrar nesse jogo ambíguo. O martírio deles significou a fidelidade ao Senhor. É o pensamento do

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senhor Fernando Casals Câmara, antigo aluno: “Para ir até o martírio eles mostraram virtudes extraordinárias. Reconheço que bom número de Irmãos, na primeira ocasião, abandonou a vida religiosa e se secularizou. Os que se mantiveram, até o último momento, no seu estado religioso alcançaram o martírio”.

Expulsos dos colégios, procuraram abrigo em famílias amigas e confiáveis onde residir. Esses Irmãos conheceram a dispersão, a solidão, as privações, a insegurança e foram constantemente acuados. Alguns deles foram eliminados sem deixar traços. Isso fazia parte da estratégia vermelha: não deixar traços. O que é certo é que esses Irmãos sempre desapareceram depois de cair nas mãos deles.

3–Quando o martírio bate à porta1– Os Irmãos Benigno José, Adrián e EuquerioEstes três Irmãos do Colégio Externato Chamberí abandonaram o estabelecimento depois de 22 de julho de 193695 e encontraram abrigo na residência da rua Modesto Lafuente. Em 11 de agosto, uma patrulha miliciana se apresentou para obter informações dos sacerdotes que residiam aí. O porteiro lhes garantiu que na pensão não havia sacerdotes nem monges, mas apenas professores. Estavam saindo, quando um vizinho lhes fez sinal de que os sacerdotes moravam no primeiro andar. Os milicianos subiram e surpreenderam os Irmãos Benigno José e Adrián no preparo do almoço. Os milicianos improvisaram amarras com os tecidos encontrados, fizeram-nos descer a escada aos empurrões e insultos. Os Irmãos foram levados à 95 É o dia da rendição da caserna  El cuartel de la Montaña.

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Checa de Bellas Artes. Era entre meio-dia e duas horas. Às três, foram transladados para outro lugar. Nunca se teve a menor informação de como acabaram.

O Irmão Euquério abrigou-se no Hotel Altorga. Na manhã de 30 de agosto, alguns policiais se apresentaram ao dono do hotel para verificar uma lista de nomes que tinham encontrado. De tarde o dono do hotel e os Irmãos Maristas foram detidos. O Irmão Euquerio estava com o seu irmão; este nos noticia os fatos. “Fomos levados à Direção Geral da Polícia e daí à prisão General Porlier. Uma vida de privações começou então. É por milagre que, no primeiro momento, sobrevivemos a tanta falta de tudo. Pelo Natal de 1936, o meu irmão caiu gravemente doente, devido a tais privações. Havia um médico detido, diagnosticou a doença grave dele, mas não podíamos fazer nada. Para evitar contágio, foi ele levado ao subsolo úmido; eu o acompanhei para cuidar dele. Sem alimento, sem remédios e sem roupas para o frio, o meu irmão delirava e, finalmente, perdeu os sentidos e morreu, sem receber nenhuma atenção médica”. Era o dia 4 de janeiro de 1937. 2– Os Irmãos Gaspar Pablo, Camerino e Luis AlfonsoO calvário da comunidade do Colégio Los Madrazos começou em 20 de julho de 1936. Os Irmãos, forçados a abandonar a escola, passaram por diversas pensões. Gaspar e Camerino se estabeleceram naquela da Posada San Blas. Em 22 de julho de 1936, pelas 11 horas da noite, uma patrulha miliciana fez repentina irrupção na pousada. O porteiro que os recebeu nos informa o desenrolar dos fatos. “Fui interrogado acerca de alguns sacerdotes que estariam alojados na pensão. Consultei o livro dos

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inscritos e lhes fiz notar com insistência que nenhum sacerdote constava. Um dos milicianos me replicou que ele estava certo de que estavam presentes, mas se tinham inscrito como professores. Sem mais explicações sobem a escada e começam a abrir as portas dos quartos. Abrem a cela onde estavam Gaspar e Camerino. Perguntam se são religiosos. Longe de negar, eles o afirmam com naturalidade. Os milicianos lhes fazem sinal de os acompanhar. Vamos segui-los, respondem, sem protestar, de rosto sereno. Tudo se desenvolveu sem violência, sem medo, sem histeria, nem nenhuma manifestação de terror. Partiram tranqüilamente com os milicianos. Desde então não conseguimos notícia deles”. Ninguém duvida do seu martírio, ainda que não se saiba onde foram mortos nem onde repousam os seus corpos.

O Irmão Luis Alfonso alojou-se na pensão da senhora Irene Garcia. O Irmão Celso era o seu companheiro; Celso relata as circunstâncias da prisão do servo de Deus: « Um dia, na hora do jantar, um desconhecido se apresentou e falou textualmente: Tenho a ocasião, que pode não se repetir, de prestar um bom serviço. Saiam logo, que eles vem prendê-los. E desapareceu. Eu, um sacerdote e Luis Alfonso nos preparamos para partir. A senhora me fez partir por primeiro para a casa de uma das suas filhas. Desta soube que, na mesma noite, o Irmão Luis Alfonso foi preso. Era 26 de agosto. Depois disso não tive nenhuma informação”. Não demorou que se soube que ele havia sido martirizado.

3– Os Irmãos León Argimiro, Luis Daniel e Domingo Ciriaco do Colégio São José viveram situações semelhantes. Foram presos pelos milicianos; depois desapareceram quaisquer traços deles.

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Quanto ao Irmão Luis Daniel soube-se que foi detido e colocado no mesmo comboio que o deputado da CEDA96 Salvador Madero Ortiz. Este chegou a Villa Don Fadrique, sua aldeia natal, onde foi fuzilado. O Irmão Luis Daniel nunca chegou.

O Irmão Domingo Ciriaco, denunciado como religioso marista por um antigo aluno, foi conduzido ao Colégio São José, estabelecimento transformado em checa, cujo responsável era o pai do dito antigo aluno denunciante. Foi visto entrar em 20 de abril de 1937 para nunca mais sair. Mas nessa checa foram encontrados sinais evidentes de torturas infligidas às vítimas

O Irmão Jorge Camilo era o mais novo, 21 anos, foi chamado ao serviço militar. Evitava os lugares de batalha para não matar ninguém. Descoberto como religioso, foi fuzilado no pátio do quartel em 21 de agosto de 1937.O caso dos Irmãos Angel Hipólito e Julián Marcelino foi muito mais trágico. “Eis o que ouvi dos lábios do coveiro de Aravaca97, que estava detido na prisão de San Antón, no colégio das Escolas Pias 98. «Eles trouxeram um grupo de mártires, entre os quais havia o Irmão Angel Hipólito, ao cemitério de Aravaca. Na entrada despiram-nos e, em sacas preparadas para o caso, recolheram todos os objetos. Desde a entrada, conduziram-nos nus, dois a dois, na parte recém-acrescentada ao cemitério. Obrigaram-nos a cavar a sepultura e, acabada esta triste tarefa, metralharam-nos de modo que caíram nela. O coveiro confessou que ele próprio não tomou como espólio senão o ouro dos dentes dos corpos, ouro que extraiu

96 União dos partidos contrários à revolução e que apoiavam o movimento nacional do general Franco.97 Cemitéio onde muitos condenados foram enterrados.98 Esta testemunha foi detida depois de terminada a guerra civil.

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por meio de um picão que havia servido para cavar a cova”.

O testemunho seguinte é comprovadamente válido para os Irmãos mártires de Madrid. “No meio dessa situação hostil, os Irmãos Benigno José e Adrián se mostraram ambos resignados, pacientes, serenos e amáveis, disponíveis à vontade de Deus. Aqueles que tiveram a oportunidade de conhecê-los na detenção puderam ver a sua humildade e o seu desapego. Nenhuma queixa mostraram quanto ao lugar onde estavam detidos. Nunca falaram de política, nunca emitiram um juízo sobre os terríveis acontecimentos; numa palavra, o seu procedimento era a aceitação absoluta das disposições divinas”.

4–Esses Irmãos se parecem conosco.Ainda assim, seria falso apresentar esses Irmãos como insensíveis e acima da tormenta e do tormento. Eles tiveram os seus instantes de abatimento, as suas apreensões; eles sofreram por ver a sua inocência pisoteada por uma justiça arbitrária; o seu coração estremeceu cada vez que souberam da morte de um dos seus. O Irmão León Argimiro desmaiou, ao ver o seu amigo99 abatido ao seu lado, pelo que recebeu pontapés e foi tratado como preguiçoso. Eles fugiam, quando podiam. Ninguém procurou temerariamente o martírio.

Realmente foram Irmãos muito próximos de nós na vida corrente. O Irmão Benigno José foi de natureza otimista e alegre. Os confrades diziam que, com ele, a vida não era um vale de lágrimas.

99 Trata-se do empregado doméstico Eustasio Aguilar, membro da Ação Católica. Examinando os seus bolsos, os milicianos encontraram certa quantidade de dinheiro. Bastou para tratá-lo como « inimigo do povo e burguês sujo », o que os levou a descarregarem nele, à queima-roupa, os seus fuzis.

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O Irmão Adrián gostava de ensinar, mas ficou doente e quando a perseguição o levou, ele era cozinheiro da comunidade. Consciente de que a mesa representava o seu papel na renovação das energias e do entusiasmo, ele se esforçava em preparar bons pratos.

O Irmão Euquerio, provavelmente, foi o único Irmão que emitiu os votos perpétuos sob a República marxista. Ele gostava dos estudos, era dotado para as línguas. Com os alunos era bom, afável, mas exigente e sério no cumprimento dos objetivos do programa. O Irmão Gaspar, pelo contrário, tinha dificuldade em manter a disciplina. Alguns lhe fizeram notar que a vida de educador para ele seria muito dura e que faria melhor em mudar de vocação. Ele respondeu que gostava da vida marista, que nunca a abandonaria, mesmo que tivesse de ater-se a lavar pratos. Mostrou estar tão desprendido de si, que diziam: ele atraía a atenção porque em nada a procurava.

O Irmão Camerino terminou o serviço militar e, aos 24 anos, decidiu fazer-se Irmão. Ele era homem forte, entusiasta, sereno, corajoso e atento às necessidades dos outros. O Irmão Luis Alfonso teria podido viver tranqüilo, se tivesse a consciência menos delicada. A sua prima lhe havia arrumado abrigo seguro na casa de uma amiga casada com um comunista. Este, porém, blasfemava de tal maneira, que Luis Alfonso não agüentou uma semana.

O Irmão León Argimiro gostava dos esportes, era um jovem alegre no melhor sentido da palavra. O Irmão Luis Daniel teve de defender a sua vocação contra o pai que se apresentou ao noviciado para levá-lo para casa; aliás também numa segunda vez, quando os

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negócios da família periclitavam. Ele respondeu: Com onze filhos, você bem que pode oferecer um a Deus.

O Irmão Angel Hipólito seguiu cursos de ciências naturais na universidade e se dedicou ao ensino. Entre as suas notas foi registrada a seguinte oração: No seguimento do meu Senhor, capitão invencível, caminharei com a minha cruz, jurando fidelidade aos meus votos e resoluções até a morte. Amém.

O Irmão Domingo Ciriaco lecionou apenas na escola primária. Ele também poderia ter evitado a morte. A sua irmã, comerciante de legumes em Madrid, o acolheu e o inscreveu no sindicato como empregado dela. Domingo servia os clientes com desembaraço, como tinha feito sempre. Ele arranjou a inscrição de confrades na União Geral dos Trabalhadores, UGT100, pondo-os a salvo de muitos perigos. Com 26 anos foi chamado ao serviço militar. Em 20 de abril de 1937, foi ao quartel para solicitar uma passagem; reconhecido como marista, ele desapareceu. Em 20 de julho, quando os milicianos surgiram no Colégio São José, o Irmão Jorge Camilo estava acamado com tifo. Mesmo assim, foi arrastado à prisão.

Esses lampejos sumários mostram que nenhum desses Irmãos se tomava por herói. Eles viviam a vida religiosa intensa, porque a situação era particular: a perseguição retemperava a sua fé. Eles, porém, permaneciam homens simples, com relações humanas normais. Ainda assim, nunca se deixaram levar à violência; eram vítimas, não queriam em nada imitar os carrascos. Depois das apreensões que acompanhavam a arbitrária detenção, eram a oração e a graça que devolviam a paz, despertavam o

100 Sindicato da esquerda: União Geral dos Trabalhadores.

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apostolado na prisão e faziam subir ao coração a alegre ufania de dar a vida pelo Senhor.

OS QUATRO MÁRTIRES DE CHINCHÓN

Comecemos por duas singelas citações de pessoas de Chinchón que conheceram os Irmãos.

« Se isto dependesse de nós, eles já estariam nos altares. »

« Não consigo imaginar o céu, sem estarem aí esses servos de Deus. »

A comunidade de Chinchón apresenta um caso de martírio simples e simpático.101 Em 1936, Chinchón era um arrabalde no norte de Madrid, com sete mil habitantes. Os Irmãos Maristas tinham uma pequena escola primária gratuita, custeada pelos marqueses Aparicio e de la Peña. A situação era aparentemente de bonança; os Irmãos gozavam da simpatia da população e das autoridades locais, que souberam acolhê-los no momento da tormenta. Havia, contudo, verdadeiro trabalho de missão por desenvolver, segundo o que escreveu o Irmão Philippe de Neri: « O bairro conta sete mil habitantes. A maioria da população trabalha nos domingos e nos dias santificados; poucos vão à missa e blasfemam muito. Sem ir às missões, temos aí com que trabalhar e muito perto de Madrid. Na aula tenho 62 alunos que se comportam bem, pelo menos na minha presença ».

O Irmão Philippe nos apresenta a comunidade: « Somos três professores, quatro com o cozinheiro, quatro monges de traje civil. Conto com o auxílio do cozinheiro praticamente durante todo o dia. Temos 101 A fonte é a Informatio do grupo do Irmão Crisanto, p. 323-338.

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162 alunos, além de 70 crianças de catequese do bairro. »

1– Os quatro candidatos ao martírioEra um pouco estranha esta comunidade de quatro.

1– O Irmão Feliciano era diretor e superior, homem de 52 anos. Tinha grande ascendente sobre os alunos e sobre os pais, porque ele preferia os conselhos personalizados e pregava pelo exemplo. Foi ele que precedeu o Irmão Bernardo como diretor em Barruelo de Santullán, de 1928 a 1931. De fato, eles trabalhavam juntos; o Irmão Bernardo, por essa época, dirigia uma escola próxima em Vallejo de Orbó. Sob a sua direção as crianças de Chinchón mudaram de forma radical, algo que a população comentava favoravelmente. Pais que não pisavam mais na igreja desde o seu casamento, voltaram a ela para acompanhar os filhos e escutar os cantos litúrgicos que eles executavam sob a batuta do Irmão diretor. Este conquistava os corações pela beleza das cerimônias litúrgicas.

2– O Irmão Philippe de Neri constitui caso à parte. Jovem militar, quando chegava o seu turno de montar guarda, ele tinha o fuzil numa mão e o terço na outra. Passa o tempo na oração. Terminado o serviço militar, ele se orienta para o matrimônio. Com a sua noiva, em passeio, coisa rara, sabem ter algum tempo para rezar o terço.

O Ir. Philippe guardava da sua mãe uma imagem de santa. Na família eles são doze; cinco já se consagraram a Deus. Ele tinha o hábito de longas visitas ao Santíssimo Sacramento e foi aos pés do Senhor que a sua vocação germinou, depois de uma

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novena à Santíssima Virgem. Ele estava com quase trinta nos, quando entrou no noviciado. Admitido ao voto de obediência em 1931, ele foi cozinheiro por dois anos, antes de começar a ensinar. Chegou a Chinchón em 1933. Demonstrou forte personalidade. Por vezes afirmava : « Nós defenderemos as nossas obras. Não vamos dizer passivamente que estamos aqui e que nos podem matar”. Mas em seguida, meditando a paixão do Senhor, sabia encontrar uma generosidade disposta por inteiro à vontade de Deus. A sua firmeza na vocação comunicava-se aos demais.

3– Por exemplo, comunicava-se com o jovem Irmão Herminio Pascal. Esse Irmão de 24 anos hesitava em continuar na vida religiosa e os superiores deviam, todos os anos, mudá-lo de lugar. Foi em companhia do Irmão Philippe Neri que o seu dom a Jesus Cristo se firmou. Foi ele, o mais novo da comunidade, que deu o exemplo do martírio generoso. O senhor que o alojava em Chinchón lhe arrumou um esconderijo seguro. Ele preferiu ficar com os seus Irmãos e partilhar em tudo a sua sorte. Com eles, em 29 de julho de 1936, foi fuzilado.

4– O quarto membro da comunidade, que trabalhava na cozinha, era leigo, mas de coração marista. Julián Aguilar Martín foi postulante e noviço. Uma enfermidade tornou a sua visão tão ruim que ameaçava impossibilitar a sua função de professor. Os superiores optaram por aconselhá-lo a que retornasse à família. Ele exercitou-se na vida agrícola; mas, de coração, continuou marista. Foi entender-se com o Irmão Feliciano para assumir a cozinha. A partir desse momento, partilhou em tudo a vida dos Irmãos: orações, trabalho, dissensões, perseguição e martírio. Em Chinchón todo o mundo o

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julga Irmão como os demais. A justo título, aqui é apresentado como mártir marista.

2– Irrompe a provação em 29 de julho de 1936.Nos primeiros dias da revolução, nenhum dos milicianos do lugar ousou incomodar a pequena comunidade. No local, era fácil medir o bem que faziam os Irmãos. Ainda assim, na meia-noite de 21 de julho de 1936, chegou um grupo de milicianos de fora. Cercaram a escola e alguns tentaram penetrar pelo teto. O senhor Francisco Medina Pintado deixou este testemunho: «Estava presente no assalto do Colégio; os milicianos tentaram tomá-lo como se fora fortaleza. Os Irmãos saíram modestamente e encontraram refúgio em casas particulares. »

O Ir. Feliciano foi acolhido pelo tabelião do bairro; o presidente do Comitê Revolucionário local também lhe ofereceu hospitalidade. Os outros encontraram alojamento em casa de Teódulo de la Peña Fernández, sobrinho dos fundadores da escola. Essa situação durou uma semana.

Em 29 de julho chegaram uns trinta milicianos, que exigiram do Comitê local o banimento dos Irmãos Maristas. Estes foram conduzidos à estação e embarcados no trem para Madrid. Na capital, não puderam contar com nenhuma comunidade marista, porque todas haviam sido invadidas e os Irmãos dispersados e ameaçados.

Assim, procuraram asilo na casa da benfeitora Paula Aparicio. A empregada da casa Maria Ontalva Ruiz deu o seguinte testemunho: Os encarregados da portaria opunham dificuldades por causa das bagagens. Creio que eles conheciam os Irmãos, como eu os conhecia. O fato é que o senhor Valentin

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opinava que se deveria dar conhecimento à Polícia, se desconfiavam dos Irmãos; mas os funcionários informaram o caso aos milicianos em lugar da Polícia. Por fim, os Irmãos se instalaram no primeiro andar. Pelas quatro horas da tarde, quando alguma comida estava servida na mesa, os milicianos despontaram e levaram os Irmãos. Nesse dia, ninguém comeu na casa. Depois de hora e meia, retornaram os milicianos para se apossarem das bagagens. Nada se soube, em seguida, do destino deles. Parece que a patroa teve notícia de que haviam sido fuzilados sem demora. Não ficou nenhum traço deles. Quando os milicianos chegaram, um dos porteiros lhes disse: Os quatro pássaros estão em cima. A expressão aludia aos presos que os revolucionários tanto procuravam.

O senhor Francisco Medina Pintado se pergunta: Eles não eram ricos, nenhum mal fizeram aos pobres; então que motivo teriam para matá-los, afora o fato de serem religiosos?

O antigo aluno Jesús Saez López testemunha: “Eles eram homens de fé, de esperança e de caridade. Quando a revolução de outubro de 1934 estourou, eles faziam rezar pela paz, sem nunca dizer uma palavra de ódio contra qualquer dos campos em conflito”.

Essa pequena comunidade, desaparecida bruscamente sem deixar traço algum, fornece a imagem de que não formava senão um só coração e uma só alma.

Ela era bela na sua simplicidade, na sua sinceridade, na sua limpidez, na integridade do dom: o santo e o forte, o fraco e o laico, o obreiro da primeira hora e

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aquele da hora tardia, todos franqueavam com generosidade a prova do martírio.

TRÊS VIOLETASOS MÁRTIRES DE TORRELAGUNA

1– Simpatizemos com homens simples102.Destes três Irmãos Maristas, unidos por uma vida humilde, não sobra senão a lembrança de uma existência dedicada por inteiro à causa dos mais pobres. É pouco, mas o exemplo deles é um daqueles que continuam a nos esclarecer e afervorar.

Os três Irmãos são estes: Victorico Maria, 42 anos; Jerônimo, 60 anos; Marino, 35 anos. Eles nasceram em pequenos povoados das províncias de Burgos e Castellón. A Providência os reuniu em Torrelaguna, vila de dois mil habitantes, na austera Castela, não longe de Madrid. A escola deles tinha 135 alunos que recebiam um ensino de base.

Vidas simples, apagadas, tornadas fortes e fecundas pela fé. Vidas anônimas, mas para aqueles que com eles viveram eram repletas de amor e devotamento. Depois de uma visita da escola, o Irmão Moisés, visitador e inspetor, escreveu: “Deixando a casa, tive de partilhar com o meu companheiro o sentimento que me dominava: Eles são três santos”.

Eram três: um diretor, um professor, um cozinheiro. Difícil seria traçar os limites das respectivas funções, tamanha era a união na partilha das fadigas cotidianas.

102 Essas páginas inspiram-se no livrinho publicado em castelhano em 2000: “Los hermanos maristas en Torrelaguna, 1903-1936”. O autor é Juan Carlos Arbex. A outra fonte é a informatio da causa do Ir. Crisanto, p.339-354.

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Para as pessoas do lugar os Irmãos eram a prova de que a humildade e a bondade podem existir numa época tão violenta e sectária. Triste ficava somente o mestre-escola público que invejava o sucesso escolar dos Irmãos. Na hora das trevas, ele tomou a frente dos assassinos. Em 22 de julho de 1936, muitos vizinhos da povoação, pais de alunos e antigos alunos sabiam que haviam perdido mais do que três educadores, porque se sentiam roubados de uma fonte de bondade.

1– O Irmão Jerónimo (Trifón Tobar Calzada) nasceu em 3 de julho de 1876. Quando foi martirizado, tinha 60 anos. Já havia trabalhado muito na Espanha, na Colômbia por 21 anos, na França e novamente na Espanha. Nunca teve boa saúde, motivo que o retirou das missões. Em março de 1932, chegou a Torrelaguna. O Irmão Domicio recorda o caráter humilde, simples e sério de Jerônimo: “Irmão da velha marca, daqueles que gostam da vida apagada e despretensiosa”. Foi pessoa alegre, apesar da pouca saúde, amigo do recolhimento e da modéstia. As suas aulas eram sempre numerosas, a disciplina sofria um bocado, porque o professor se apresentava de natural tímido. Mesmo assim, soube infundir em não poucos alunos o espírito missionário.

2– O Irmão Victorico María (Eugenio Artola Sorolla) era o diretor da escola. Nasceu em 12 de abril de 1894. Era homem de confiança e de serviço. Trabalhou em Vallejo de Orbó, quando o Irmão Bernardo foi diretor e era o seu principal colaborador. Torrelaguna o viu chegar em outubro de 1928. O Irmão Maximiano Albéniz sumaria o ideal do Irmão Victorico em duas palavras: serviço e amor. O zelo apostólico do Irmão Bernardo se reflete na atividade do Irmão Victorico: Ação Católica, círculos

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de estudos, novenas. Tudo era proposto com bondade, sem autoritarismo. Tal era o seu ascendente que ele obteve do Ministério da Justiça a autorização de ensinar a religião na segunda República e vestir o hábito religioso.

3- O Irmão Marino (Pedro Alfonso Ortega) era o mais jovem dos três. Nasceu em 14 de janeiro de 1901. A pouca saúde não lhe permitiu fazer os estudos regulares. Em 1932, foi obrigado a recolher-se à enfermaria de Las Avellanas. Ademais, a sua vida marista consistiu quase somente no serviço da cozinha nas pequenas comunidades, dando eventual auxílio nas aulas do primário e no movimento da Ação Católica. A obediência o enviou a Torrelaguna em agosto de 1929. Ele foi um jovem Irmão alegre e bom; pronto para servir, afável, delicado, como se procurasse uma vida sem barulho. Certa testemunha não hesita em afirmar que, se Torrelaguna pode orgulhar-se de jovens leigos mártires, o fato se deve à influência do Irmão Marino no seio da Ação Católica.

2– O trabalho em Torrelaguna

Esses três Irmãos educavam os filhos dos agricultores e dos operários de Torrelaguna. Aos pais era propiciado um curso noturno que logrou êxito; basta dizer que cerca de 120 o freqüentavam. A iniciativa era muito útil, visto que na Espanha de então 9 adultos sobre 10 eram analfabetos; obviamente esses pais podem avaliar melhor as vantagens de uma boa educação para os seus filhos. Eles admiravam o progresso da educação dos filhos, reconhecendo que era devida ao silêncio, à disciplina, à cortesia e constância dos Irmãos no trabalho escolar. Tal educação primária estava preparando uma sociedade responsável.

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O Irmão Moisés, visitador e inspetor das escolas, assim escreveu sobre esse estabelecimento: “A assistência e a pontualidade dos alunos é excelente. O exame dos diversos cursos deixa a convicção de que os alunos seguem o programa e o assimilam bem. A ordem e a disciplina geral do colégio não poderiam ser melhores. A vida religiosa da comunidade é verdadeiramente marista. Os Irmãos vivem perfeitamente unidos. Quando há algum trabalho que fazer, os três estão sempre aí”.

Os habitantes de Torrelaguna não pensam diferentemente, afirmando que é difícil saber quem era o diretor, ou quem era o cozinheiro. Um antigo aluno testemunhou: “Os três muito se dedicam a nós. Os habitantes da vila gostavam dessa comunidade de Irmãos Maristas, de coração agradecido. Eram amados também por aqueles que pensavam diversamente quanto à educação recebida”. Outro antigo aluno subscreve testemunho ainda mais forte: “ Não tenho palavras para qualificar o trabalho dos religiosos maristas. Eles ensinaram-me a amar; ensinaram-me a perdoar; eu lhes devo esta glória de contar entre os mártires de Cristo os meus pais, pai e mãe. Deus os tenha na sua glóira. Eu soube perdoar e aparar um golpe tão terrível com amor cristão”. 3– Quando soa a hora do domEra muito estranho o que se passava na Espanha na perseguição da guerra civil. Pessoas de condição social modesta, como os proletários, punham-se a matar sacerdotes e religiosos que provinham do mesmo humilde estrato social operário ou agrícola.

Em Torrelaguna o drama chegou pela via do trivial sentimento de inveja. O mestre-escola público não

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suportava o êxito educacional dos Irmãos. Por ocasião da revolta das Astúrias, em 1934, quando foi morto o Irmão Bernardo, o mestre-escola era chefe do Comitê local por algum tempo; disso que se valeu para ordenar a prisão dos Irmãos. Felizmente o seu poder foi de curta duração; ele próprio conheceu por algum momento a prisão.

Tudo se precipita em 20 de julho de 1936. A guerra civil havia começado e os alunos estavam de férias. O mestre da escola pública, chefe do Comitê revolucionário, senhor agora de Torrelaguna, percorria as ruas da povoação em busca de vítimas. Ele pensava nos Irmãos que ansiava aprisionar : a hora da vingança havia chegado.

O governo republicano central despachou a Torrelaguna os seus carabineiros que deviam substituir a guarda civil. Era assinar o decreto de morte dos Irmãos. Em 20 de julho, os três Irmãos são aprisionados pelos carabineiros, guiados por Severino. Eles foram trancafiados na prisão no subsolo da prefeitura, em companhia de um grupo de leigos praticantes da religião, entre os quais antigos alunos.

De que foram acusados os Irmãos? De vestir batina, de ter consagrado a sua vida a Deus, de ter infunido no coração dos jovens e crianças a semente da fé e do amor.

Na noite de 21-22 de julho chegou a Torrelaguna um grupo de milicianos das Astúrias. De madrugada assaltaram a prisão com a intenção de eliminar os detentos. Batem nos prisioneiros, interrogam aos gritos. Uma miliciana assentou tal golpe com o cano do fuzil na presidente da Ação Católica, que esta

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perdeu um olho. Em seguida, fazem a seleção das vítimas: todos os que não tinham mãos calosas eram suspeitos. Assim, os agricultores ficaram liberados. Os demais eram nove: três Irmãos, dois sacerdotes, o presidente da Ação Católica e dois leigos são algemados e embarcados em caminhão.

Na manhã de 22, o leiteiro da aldeia Redueña, ao fazer o seu giro habitual, descobriu nove corpos. Eram seis da manhã. Correu a informar e pedir ajuda. Um dos detentos com os Irmãos deixou-nos esta informação : « Os Irmãos sabiam que partiam para o martírio. Aceitaram a provação com grande firmeza, sem otimimismo leviano nem pessimismo inútil. Era antes um sadio realismo que os levava a conformar-se com o martírio; eram literalemnte como cordeiros conduzidos ao matadouro. A coragem deles não periclitou; foi assim que os vi partir para a morte”.

Um agricultor assistiu à execução e assim se reporta ao fato: “Não houve cenas de desespero nem nada semelhante. Um derradeiro apelo à piedade, sim, por parte de dois detentos que ofereciam dinheiro para ter a vida salva, invocando que tinham filhos de pouca idade, nada mais. Eles faziam o sinal da cruz quando receberam a descarga mortal”.

Em 23 de julho, Juan, antigo aluno que tinha 14 anos então, aproximou-se da escola. A comoção dele foi imensa: “Fiquei como desfalecido. Tudo fora saqueado. Os nossos livros queimados juncavam o chão; os móveis foram quebrados; a foto de entrada, em que figuravam todos os alunos, estava rasgada”.

Em 15 de julho de 2000, os restos mortais dos três Irmãos foram colocados em urna e esta foi posta na nave lateral direita da igreja paroquial de

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Torrelaguna. A urna funerária, talhada na pedra, foi obra de antigo aluno dos três Irmãos mártires. Ela está ornada com o friso das três violetas.

OS NOSSOS IRMÃOSDE VILLALBA DE LA SIERRA

(CUENCA)

O nosso colégio de Cuenca103 apresenta a particularidade de ter sido fundado no período da República, em 1934, quando fortes ameaças anunciavam a perseguição. Este colégio, chamado “Fray Luis de León”, com estatuto puramente civil, deixa muito bem adivinhar como os Irmãos da Espanha estavam preparados para enfrentar a nova situação política e a persistir na tarefa da educação dos jovens. O colégio não demorou em conquistar a simpatia e a estima da população, mas suscitou também a inveja rancorosa dos professores públicos anticlericais. Tal inveja se tornou fatal, quando estourou a revolução em 18 de julho de 1936.

Sete Irmãos trabalhavam nesse colégio; apenas um conheceu o martírio, o Irmão Julián José e um professor leigo, cristão convicto, de nome Ramón Emiliano Hortelano Gómez; este fazia parte do corpo docente do colégio.

1-Retrato dos dois mártiresEsses dois servos de Deus estavam ligados por forte amizade no decurso de alguns meses de serviço militar, amizade profundamente vivida e partilhada. A união deles era tamanha, que foram considerados ambos religiosos e, assim, foram fuzilados juntos ao pé de um poste da rede elétrica, ensopados de 103 Essas páginas inspiram-se na Informatio do grupo do Irmão Crisanto, p..355-368.

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gasolina e queimados. Foi em 28 de julho de 1938. Cinco dias antes, Ramón conhecera o primeiro filho. Faltava um semana para o Irmão completar trinta anos; ao seu parceiro, doze dias. Ambos haviam nascido em agosto de 1908. Os restos mortais repousam na mesma urna mortuária.

1– O Irmão Julián José (Nemesio Cabria Andrés) nasceu em 5 de agosto de 1908, em Susilla, na província de Santander. Dois dos seus irmãos precederam-no no juvenato de Arceniega, Alava; um deles, de nome Florentino, foi missionário no Chile. O Irmão Julián emitiu os primeiros votos em 8 de setembro de 1924, com dezesseis anos, e os votos perpétuos em 15 de agosto de 1929. Foi um dos fundadores do colégio de Cuenca.

Ele era amável, simpático, bem dotado para a matemática e para as ciências. No ensino, demonstrava grande igualdade de humor; nunca se encolerizava; sabia compreender os alunos menos habilidosos, preferindo valer-se de palavras de encorajamento. Estava sempre pronto para prestar pequenos serviços. Sabia varrer as salas de aula, onde não havia empregados, caso em que os alunos o auxiliavam espontaneamente. Na escola de Cuenca, o porteiro era homem sem nenhuma instrução. Julián ensinou-lhe a leitura, a escrita e as boas maneiras de comportamento. Infundiu-lhe o gosto das verdades da religião, de modo que o funcionário retomou o caminho das práticas religiosas que havia abandonado de todo. Quando a perseguição dispersou os Irmãos, este homem lhe ofereceu a hospitalidade mais segura. Mas, em 1938, Julián foi convocado ao serviço militar da República. Não conseguiu esconder o seu estado religioso, motivo suficiente para ser fuzilado.

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2– Ramón Emiliano Hortelano GómezEste servo de Deus nasceu em Cuenca, em 8 de agosto de 1908. O pai dele era inspetor de polícia; a mãe era senhora de princípios cristãos sólidos. Foi um menino de caráter bom, apaixonado pelo estudo e de espírito descontraído. Durante os estudos, ele colaborava nas revistas da escola. Naturalmente ele se encaminhou para o ensino. A esposa deixou o testemunho seguinte: ”O meu esposo e eu nos conhecemos desde pequenos. Ele vinha à minha casa com o meu irmão. Ele sempre me pareceu um garoto distinto acima da média: mais virtuoso e mais exemplar. Não demorou em simpatizar comigo; mas tinha tal respeito que não ousava confessar-me os seus sentimentos. Passamos ambos no exame de magistério e fomos designados para a mesma vila. Ele queria que nos casássemos sem muito demora, para não ser separado pela guerra”. A mulher o recorda como um pedagogo inovador que, por vezes, no seu trabalho incluía a educação sexual dos jovens. Pedia, ademais, que a esposa fizesse o mesmo na educação das jovens.

As alegrias da vida matrimonial e profissional foram curtas. Em primeiro de março de 1938, convocado ao serviço militar, foi enviado a Villalba de la Sierra, Cuenca. Aí ele encontrou aquele que seria o seu amigo e companheiro de martírio, Irmão Julián José. Eles viveram uma amizade de cinco meses, unindo tão bem as suas vidas, que marcharam juntos para o martírio, juntos na morte e no fogo dos seus corpos. Uma única urna funerária recebeu as suas cinzas.

2– O martírioNa cidade de Cuenca, no dia do levante de Franco, 18 de julho de 1936, a perseguição começou. Elementos

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da Frente Popular invadiram as ruas. No dia seguinte a catedral e o bispado foram assaltados. Em 28 de julho, o bispo foi detido, posto em prisão e morto no dia 8 de agosto.

Em 18 de julho, os Irmãos foram avisados de uma iminente invasão da escola por um grupo da Juventude Socialista. Dispersaram-se, solicitando alojamento em famílias de confiança. O Irmão Julián José foi acolhido, durante um ano e meio, pelo porteiro da escola, Zoilo Escamilla. Mas, no dia primeiro de março de 1938, foi convocado ao serviço militar, em tarefas auxiliares do quartel de Villalba de la Sierra. No mesmo dia chegava aí Ramón Emiliano Hortelano Gómez.

Os dois não tardaram em descobrir que os seus sentimentos se aproximavam, em contraste com aqueles dos demais soldados. A amizade de ambos crescia na medida em que o perigo se tornava iminente. O perigo se concretizou, quando eles foram enviados à localidade de nome “El Sitio de Abajo”. Deviam preparar o campo para a tristemente célebre “Columna del Rosal”. Entre os soldados dessa Coluna, muitos eram criminosos comuns, ateus públicos, grosseiros, violentos, sem respeito pela vida e pela pessoa humana. Por todo o lugar onde passavam, a sua ocupação preferida era a pilhagem, o assalto das igrejas e conventos, o assassínio das pessoas religiosas e honradas. Esses soldados logo se deram conta de que os dois amigos ou eram religiosos ou cristãos autênticos e se puseram a vigiá-los de perto.

Em 23 de julho de 1938, Ramón Emiliano recebeu licença de 48 horas: ele acabava de ter o primeiro filho e queria abraçá-lo. No seu retorno ao campo, ele foi detido e morto. Testemunhou a esposa de Ramón:

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“De um pastor, amigo do meu esposo, que nos fornecia o leite, soubemos que o meu marido e Julián José foram apresados por milicianos que os mataram junto de um poste de eletricidade. Depois, ensopados de gasolina, foram queimados, condenação que se reservava aos traidores. Quando o meu sogro foi recolher os corpos, não encontrou senão uns ossos”. Foi possível reconhecê-los por pedaços de roupa não de todo queimados e papéis do Irmão Julián José. O pouco que restou dos corpos foi inumado, em uma única urna, no cemitério de Cuenca.

3– O coração prevenido havia dito sim.O Irmão Julián José e Ramón Emiliano pressentiram o martírio e, como pessoas realistas, se prepararam. Em primeiro de março de 1937, Julián José escreveu ao seu irmão Florentino, missionário no Chile, em linguagem codificada, mas fácil de descodificar. “Tu não podes imaginar os rios de sangue que isso nos custou. Felizmente isso nos vai permitir forjar uma nova Espanha, sem sombra da velha e apodrecida. Deves saber que a revolução está em curso sob muitos aspectos. Já não se vêem os fatídicos corvos negros que o povo abomina, os santos e os altares das igrejas foram queimados, para os reacionários abriram-se as portas das prisões e todos os verdadeiros revolucionários saíram há muito tempo”.

Por natureza, Julián José era levado ao temor, às preocupações, ele se conformava com a vontade de Deus. “Seja o que Deus quiser”. Nunca foi visto incomodado. Nas longas horas em que tinha de se esconder na casa do porteiro, horas que podiam fazer irromper nele motivos de temor, ele demonstrava força e coragem. Eis como o via Ricardo Martinez Alonso, na época em que era seu confrade: “Ainda que a reclusão do Irmão fosse total, quando eu o

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visitava o seu estado de alma era bom, paciente, tranqüilo e confiante em Deus”.

Ramón Emiliano conservou até o último minuto a sua maneira espirituosa. A sua prima testemunhou o seguinte: “Ele vinha visitar-nos e saudar os meus pais. O lugar chamava-se “Sitio de Abajo”, papai desejava que não mudasse de lugar, já que ficava longe do front e que não teria perigo imediato. Ele brincava com isso. Certo, que eles me deixem aqui, mas não para sempre. Ocorre que em castelhano popular, “deixar no lugar” significa “morrer”. O humor dele mostrava-se normal. Dois dias depois, ele recebia a palma do martírio”.O caso desses dois servos de Deus seduz pela sua simplicidade e pela sua humanidade. Foi grande amizade no decurso do serviço militar: a mesma morte, no mesmo lugar, pelo mesmo motivo; mostraram-se de profundos sentimentos cristãos. A mesma execução, a dos traidores, fuzilados e queimados; a mesma urna funerária; a mesma fama de santidade para o povo de Deus, que os invoca e pede para eles a glória da beatificação comum.

VÍTIMAS DAS NOSSAS COMUNIDADES MARISTAS

DE CABEZÓN DE LA SAL E DE CARREJO

« Se ousamos dizer que há santos neste mundo, sem dúvida este grupo de Maristas inspirava aos alunos a santidade por todos os lados. »104

Os confrades que sobreviveram afirmam que Deus encontrou os seus companheiros dignos do martírio 104 As páginas seguintes se inspiram na Informatio do grupo do Irmão Crisanto, p. 369-379.

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justamente porque a vida deles era, incondicionalmente e por inteiro, uma doação.

Nas localidades de Cabezón de la Sal e de Carrejo, os Irmãos dirigiam duas escolas modestas no estilo dos começos da Congregação. Em Cabezón de la Sal uma comunidade de quatro Irmãos assegurava cursos primários e de comércio a 182 alunos. Os três Irmãos de Carrejo acolhiam 44 alunos das três classes primárias. Essas duas vilas próximas estão na província de Santander. Cada comunidade teve duas vítimas. Em Cabezón, os Irmãos Pedro, de 53 anos, e Narciso, de 59 anos; em Carrejo, os Irmãos Colombanus-Paul, francês de 59 anos, e Nestor Eugenio, de 24 anos. Os quatro Irmãos foram mortos juntos em Santander, em primeiro de janeiro de 1937.

1– Os nossos Irmãos mártires1- O Irmão Pedro (Jaime Cortasa Monclús) era muito apreciado em Cabezón de la Sal por ter ensinado aí durante dezoito anos, doze dos quais como diretor da escola. A sua influência lhe permitiu, no primeiro tempo, de auxiliar os seus confrades a sair da prisão, mas ele acabou por ficar nela também detido.

A sua vida inteira foi dedicada à educação dos estratos sociais mais modestos, filhos de agricultores e de operários. Como diretor convidou os docentes a acompanhar pessoalmente cada um dos seus alunos. O antigo aluno Victoriano Fernández testemunhou o seguinte: “Quando alguém, como eu, se tornava culpado de falta, era chamado à parte; o aviso que se recebia vinha envolto de prudência e de afeição cristã. Mesmo hoje, quando nos confessamos, os sacerdotes de Cabezón dizem que a delicadeza de

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consciência e a maneira de se confessar dos Irmãos eram notáveis”.

O Irmão Pedro nasceu em Millá, Lérida, em 15 de julho de 1883; consagrou-se ao Senhor pelos votos perpétuos em 27 de agosto de 1905.

2– O Irmão Narcisio (Baldomero Arribas Arnáiz) nasceu em 27 de fevereiro de 1877, em Santibáñez de Esgueva, Burgos. Com dezessete anos, emitiu o voto de obediência; depois se lançou na aventura da educação das crianças. A obra marista na Espanha de então estava ainda nos seus primórdios, mas as fundações se multiplicavam. Os superiores, conhecendo os talentos de Narciso, solicitaram-lhe que aceitasse fundar escolas, dirigi-las e ficar à testa de internatos. Ele chegou a Cabezón depois de 38 anos de experiência no mundo da educação, contente de poder investir os seus dons em prol dos filhos das classes menos aquinhoadas. Ele, aliás, estava muito atento em auxiliar as famílias pobres; era apelidado “amigo dos pobres”. Uma carta anônima o critica, dizendo que ele teria feito melhor se se houvesse ocupado pela aula dos seus alunos, em vez da aula dos pobres.

3– O Irmão Colombanus-Paul (Henri Oza Motinot) era francês, dos muitos que tiveram de deixar a França em 1903, por causa das leis de Combes. Ele nunca teria imaginado que, 33 anos depois, seria mártir na Espanha. Nasceu em Lião, em primeiro de agosto de 1877; completou a sua formação marista em Saint-Paul-Trois-Chateaux.

Manter a disciplina na sala de aula não era o seu forte, nem na França, nem na Espanha, pelo que os

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superiores tinham de mudá-lo com freqüência. Era demasiado tímido e demasiado bom. A partir de 1926, ele virou cozinheiro na comunidade de Carrejo. Intelectualmente, contudo, era muito dotado e obteve com facilidade os diplomas necessários para ensinar. Além do francês e do castelhano, dominava o inglês, tinha talento musical e funcionava de boa mente como organista nas paróquias, assegurando belas liturgias.

As dificuldades profissionais não enfraqueceram a sua vida espiritual, muito pelo contrário; um dos seus alunos assim testemunhava dele: “Está no rosto que é um santo”. Como cidadão francês, poderia ter escapado do martírio; o amor dos confrades o levou a partilhar a sorte deles até o fim.

4– O Irmão Nestor Eugénio (Tesifonte Ortega Villamudrio) é o mais jovem deste grupo de mártires. Nasceu em 10 de abril de 1912, em Arlanzón, Burgos. Quando chegou a Arceniega em 1924, para formar-se marista, a sua saúde foi tão abalada, que os superiores lhe pediram retornasse à família. Ele retornou ao postulado de Las Avellanas em 1929; emitiu os primeiros votos em 8 de setembro de 1932. Por causa da revolução, a sua presença na comunidade de Carrejo teve a duração de um sorriso. Chegou aí em setembro de 1935.

2- Martírio em diversas etapas1– Problemas catalisados por ninhariasNa província de Santander, a Frente Popular dominou depois do levante nacionalista de Franco. Até o fim de outubro, os Irmãos das duas comunidades não foram importunados. No fim de outubro, a Comissão da Cultura confiscou a escola de Cabezón e os Irmãos se concentraram na de Carrejo.

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Nos primeiros dias de novembro, os milicianos inspecionaram a escola de Carrejo; encontraram uma bandeira nacionalista, que fora posta de lado em 1931. Eles infligiram uma multa de cem pesetas que devia ser saldada até as 15 horas. A vila cooperou e a dívida foi paga. Apesar disso, o Irmão Erasmo José, superior da comunidade, foi detido e preso.

Na prisão ele encontrou o pároco em estado lastimável, um seminarista e diversas pessoas reputadas de direita. O Irmão Pedro, que conhecia as autoridades, logrou a libertação do seu superior. Antes de sair deveu assinar o motivo da acusação: “esconder uma bandeira que ele adora”. Uma segunda inspecção privou os Irmãos de todos os recursos alimentícios. Sobreviveram apenas com aulas particulares.

2– Primeira detenção em 27 de dezembro de 1936Em represália pelo bombardeamento nacionalista de Santander os milicianos decidiram prender os Irmãos. “A prisão já estava cheia, sem nenhum lugar. Então empregou-se a igreja como prisão. Mas nós fomos aprisionados na prefeitura. Passamos aí a noite de domingo e os dias 28 e 29; depois eles nos libertaram pelas quatro e meia. Chovia muito; quando chegamos tivemos de mudar de roupa. Assim terminou o nosso primeiro momento de prisão que devia ser seguido de outro”.

3– Segunda detenção, em 30 de dezembro de 1936.Em 30 de dezembro, pelas 16 horas, prenderam de novo os Irmãos. Faltavam os Irmãos Ruperto Maria e Luís Maria, que haviam partido a Santander. No seu retorno, a empregada os informou da situação. Eles foram à prisão em visita dos confrades, visita que se mudou em detenção e prisão.

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4– O martírio em primeiro de janeiro de 1937Pela uma da noite de 31 de dezembro os sete Irmãos tiveram de subir a três viaturas e foram conduzidos a Santander. Chegaram às duas, foram lançados na prisão provincial. O Irmão Ruperto nos forneceu os pormenores da noite de primeiro de janeiro de 1937: “Eles já haviam inspecionado as celas. Pelas 21h15, contudo, estávamos deitados no chão duro, já que não havia almofada nem cobertas; felizmente tínhamos os sobretudos. Nós nos pusemos de pé. Dois oficiais se apresentaram com fichas e começaram a chamar os Irmãos Pedro, Narciso, Colombanus e Nestor Eugenio. Eles saíram todos juntos”. Na prisão correu o palpite de que eles haviam sido libertados. Victoriano Fernández Zubiaurre esclarece melhor a libertação: “Eles foram martirizados perto do farol de Santander e em seguida jogados ao mar”. Ambrosio Calzada Hernández dá uma versão ligeiramente diferente: “Eles foram imolados ou junto ao farol ou em Jesús del Monte, então lugares sinistros, lugares afastados propícios para as execuções. Depois foram lançados ao mar ou em algum precipício das brenhas próximas”. Na cidade de Santander ninguém duvida de que os Irmãos foram assassinados.

3– O homem no martírio.O ódio é o primeiro móvel nesses assassínios. O principal ator nessa tarefa apresenta-se assim: “Manuel Forcelledo, homem das Astúrias, voltando da América e tendo algum negócio em Cabezón, homem ateu e que se ufana de sê-lo: era ele que odiava a comunidade dos Maristas e que ordenou que os Irmãos fossem fuzilados”.

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Quando eles tinham os Irmãos entre as mãos, não somente cevavam a sua raiva contra eles, mas também contra os objetos religiosos que eles portavam. Arrancaram o crucifixo do peito de Pedro, o pisotearam, gritando: Que necessidade temos nós de outra prova? No Irmão Colombanus-Paul encontraram um terço. Isso lhe valeu vexações, ele e o terço se tornaram temas de insultos.

Os Irmãos que se salvaram haviam-se apresentado como mestres-escolas. Os que foram fuzilados haviam-se declarado professores. Os professores do secundário, então, eram considerados religiosos. Como é que os Irmãos enfrentaram tudo isso ? Os que estiveram na prisão responderam: “A nossa vida na prisão estava, de fato, repleta de privações. Ainda assim, o espírito dos Irmãos nunca desfaleceu. Estávamos muito felizes em sofrer por Jesus Cristo. Conheço o estado de alma dos Irmãos, porque nos falávamos com freqüência; despretensiosamente, eu lhes dizia que teria gostado de morrer por Nosso Senhor como eles. Era este o estado de alma. Na prisão a vida era trágica. Ou nos privávamos de alimentação, ou éramos constrangidos a comer em bacia de limpeza, onde havia restos de grãos-de-bico. Tínhamos de nos servir dos dedos. Com o tempo, adaptamos as latas de leite em pó para tomarmos a sopa. Mesmo em tal situação pouco humana, o nosso espírito não desfalecia absolutamente”.

Outro prisioneiro matizou o relato assim: “Estávamos resignados e entregues às mãos do Senhor; mas este lugar de horror trágico pesava nos nossos espíritos e posso dizer que havia tristeza e abatimento em nós, ao mesmo tempo que a resignação e a certeza de estar nas mãos do Senhor”.

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O martírio permanece uma coisa horrível para a natureza humana; mas, sem eclipsar a dor, a graça nos diz que Deus está próximo e que “aos seus olhos o sangue dos pobres é precioso” (Salmo 71, 14).

UM TÚMULO PARA 60 MÁRTIRES(BARRUELO DE SANTULLÁN)105

“Se estes são religiosos leigos, quisera eu fazer-lhes a tonsura a machado!”

1– Da prisão à morte« Mês de outubro de 1936, quem não se lembra de ti ? No primeiro dia do mês, pelas vinte horas, a chave girou na fechadura, com barulho tal que se gravou em nós. A porta se abriu e dois filhos de Lênin entraram e levaram, algemados, quatro dos nossos companheiros. Uma hora depois, dois deles foram devolvidos irreconhecíveis: tudo nos seus corpos ficara ferido. Eles nos contaram que uma chuva de golpes se abateu sobre eles, pontapés e socos. Para que eles não pudessem devolver os golpes aos carrascos, em momento de desespero, os campeões da liberdade mantinham-nos algemados. Que dizer dos que não voltaram? Vocês podem imaginar a sua sorte, visto que nunca se soube nada deles. Eram dois, três, quatro, até cinco. Levavam dois e devolviam dois, até uma hora depois da meia-noite. Assim, a prisão virou hospital sem nenhuma assistência médica”.

Em 12 de outubro, anunciou-se aos prisioneiros a transferência de Reinosa a Santander. De fato, para muitos, isso seria o passeiozinho para a morte.105 Estas três páginas extraem os esclarecimentos da Informatio do Irmão Crisanto, pp. 380-390.

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« Em 23 de outubro, sexta-feira, às 10 horas da manhã, a porta dos subterrâneos se abriu. Martín Erro Ripa e Leonardo Arce Ruiz são chamados. Separamo-nos para nunca mais nos vermos. Pela fechadura, percebemos que os algemavam; fizeram-nos subir a uma viatura e desapareceram. Fizeram-nos crer que haviam sido levados a Santander. Mas, dois meses depois, quando eu também fui levado a Santander, a minha decepção foi grande, porque não vi nenhum sinal de que houvessem passado por lá. »

Um ano depois, a região passou para as mãos dos nacionalistas. As pessoas de Reinosa se puseram a procurar os seus mortos. Em 14 de outubro de 1937, no monte Saja, a 40 quilômetros de Reinosa, na via de Santander, descobriu-se uma vala comum com 43 vítimas. “Os corpos mostravam sinais de mutilações e nas mãos os indícios de algemas e cordas”. Foi possível reconhecer os restos do Irmão Egberto, no civil Leonardo Arce Ruiz, e do Irmão Teófilo Martín, no civil Martín Erro Ripa.

Em 17 de outubro de 1937, fez-se a transferência dos restos mortais. As autoridades da prefeitura de Reinosa decidiram a construção de grande e bela tumba coletiva, onde inumaram as 60 vítimas.

2– Ainda BarrueloEsta vila ficou conhecida como aquela do martírio do Irmão Bernardo, em 6 de outubro de 1934. Tudo recomeçou depois do levante de Franco, em 18 de julho de 1936. Muitos mineiros do lugar estavam imbuídos de idéias marxistas e aqueles que dirigiam a “Casa do Povo” queriam o desaparecimento das escolas católicas.

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Os Irmãos trabalhavam nessa região mineira, em Vallejo de Orbó, desde 1914. Em 1920, abriram também uma escola em Barruelo. No decurso do ano escolar de 1935-1936, a comunidade tinha 6 Irmãos, entre os quais Egberto e Teófilo Martín, as duas vítimas citadas acima.Quando a revolução explodiu, em julho de 1936, os Irmãos da escola de Vallejo de Orbó conseguiram chegar a Burgos. Com a autorização dos superiores, três Irmãos da comunidade de Barruelo, Heraclio José, Egberto e Teófilo Martín, tomaram o trem para Cillamayor. Mas na rota decidiram continuar até Quintanilla. Daí pensavam chegar a Burgos com mais facilidade.

Na estação dessa cidade, havia milicianos patrulhando. Os Irmãos que desceram foram reconhecidos por funcionários da estrada de ferro e por algumas mulheres que se puseram a gritar que deviam ser logo passados pelas armas. Os milicianos prenderam-nos e os conduziram a Reinosa, onde foram encerrados na prisão. O restante da história é conhecido.

3– Muito novos para morrerO Irmão Egberto, o mais velho, contava 29 anos; o Irmão Teófilo Martín, o mais moço, 22. Estavam em Barruelo apenas desde 1935.1– O Irmão Egberto (Leonardo Arce Ruiz) nasceu em 6 de janeiro de 1907, em Arcellares del Tozo, Burgos. Com 12 anos entrou no juvenato de Arceniega, Álava. Manifestava bondade, docilidade e piedade, mas inteligência modesta; assim, os superiores o deixaram na cozinha por quatro anos. Depois, foi ensinar, mas apenas no curso primário. Os seus antigos alunos se recordam da sua total dedicação; os seus confrades sublinham o seu espírito de família, a sua alegria, a

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aceitação das condições modestas e mesmo da pobreza das pequenas escolas. Durante dois anos, esteve no serviço militar em Marrocos, na nossa escola de Alcazarquivir. No retorno do serviço militar, em 1935, Egberto foi enviado a Barruelo. O ano escolar de 1935-1936 passou na calma.

Chegando a Barruelo, o Irmão Egberto pressentiu que uma sorte semelhante à do Irmão Bernardo o aguardava: no horizonte da sua vida e da sua fé, havia o martírio.

2– O Irmão Teófilo Martín (Martín Erro Ripa) nasceu em 2 de março de 1914, em Viscarret, Navarra. Com 11 anos tomou o caminho da vida marista. Notabilizou-se pela sua generosidade em seguir a nova vocação. O seu apostolado educativo foi breve e se concluiu no ano escolar de 1935-1936, em Barruelo de Santullán. O seu diretor testemunha dele o seguinte: « A sua caridade resplendia no seu comportamento para com os confrades e para com os alunos. No serviço dos outros não poupava sacrifício. Como diretor, eu nunca tive de repreendê-lo em alguma coisa. Estava sempre desejoso de servir, nunca de ser servido. »

O Irmão Teófilo tomava o Irmão Bernardo como modelo: em favor dos filhos dos mineiros despendia as suas energias sem parcimônia e com entusiasmo.

UM MÁRTIR FORA DE SÉRIEIRMÃO BENEDICTO ANDRÉS

“Como espanhol, eu lhes perdôo ; como religioso marista, eu lhes agradeço haver-me oferecido este martírio em que dou glória a Deus. Espero que, se

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não pude ser seu irmão aqui, por causa das nossas idéias diferentes, eu o seja no céu. »106

«Que monge corajoso acabamos de matar! »

1– Candidato pouco sério ?O Irmão Benedicto Andrés serviu no exército e corria o boato de que ia abandonar a vida religiosa. O seu primo, Irmão Jerônimo Emiliano, escreveu-lhe uma carta severa. Respondeu Benedicto: “Do ponto de vista humano, tinha motivos para largar tudo. Mas, graças a Deus, estou longe de pensar em retirar-me. Não esqueço que assumi compromissos. Podes dizer aos interessados que o Benedicto continua sendo o Irmão Benedicto”.

Já nos primeiros anos de ensino, ele fora levado ao tribunal por abuso praticado contra um aluno. Quando ele se apresentou, os pais do menino dizem: “Não é este, é outro”. No aguardo, o seu coração ficou com angústia e vergonha. De volta do serviço militar no Marrocos, solicita ao superior licença para passar duas semanas com os pais. Deve ter sido um momento de dificuldade para a obediência, visto que a autorização lhe foi negada.

O Irmão Benedicto Andrés (Enrique Andrés Monfort) nasceu em 25 de abril de 1899, em Villafranca del Cid, na província de Castellón.

Mais tarde, na passagem pela vila de um Irmão recrutador, este assegurava ao pai do menino que os Irmãos Maristas nutriam grande devoção à Santíssima Virgem, e que tal devoção constituía um sinal de salvação. O pequeno Henrique compreendeu que um Irmão Marista não se pode perder. Em 22 de 106 Os esclarecimentos deste caso de martírio são tomados na Informatio do Irmão Crisanto, pp. 391-399.

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janeiro de 1911, fazendo a pé muitos quilômetros na neve e no frio, ele partiu para o juvenato de Vich.

Duas marcas características já se revelavam e iriam assinalá-lo: seriedade e firmeza. Adivinha-se também nele a riqueza interior do homem em íntima comunicação com Deus. No serviço militar, ele rezava no meio dos outros, sem nenhum respeito humano; aos companheiros de armas, que são analfabetos, ensinou a ler. Ele designava a guerra como desgraça execrável. A Espanha de então estava em guerra contra certas tribos marroquinas.

Para obter o diploma de mestre-escola ele deveu fazer um estágio docente de um ano. Fê-lo em escola pública em Huesca, no tempo da República. “Em que pese que a época era levada ao sectarismo leigo, ele obteve o diploma de mestre-escola e preparou meninos à primeira comunhão; ensinou o catecismo a todas as crianças da escola, que era escola leiga”.

No seu último ano escolar, 1935-1936, ensinou no colégio La Inmaculada, escola totalmente gratuita. Tinha prazer em ensinar os filhos das famílias menos aquinhoadas. Paradoxalmete foi privado dessa alegria por aqueles cujo ideal era melhorar a sorte das pessoas de condição modesta.

2– Quando chega o beijo de JudasEm 19 de julho de 1936, o superior da comunidade e o cozinheiro caíram nas mãos dos revolucionários da FAI. Os outros Irmãos se dispersaram. O Irmão Benedicto Andrés e o primo Jerônimo Emiliano se retiraram nas famílias.

Quando se apelou a voluntários para o serviço militar, com garantia de vida para os religiosos, Benedicto se

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alistou, pensando que isso poderia evitar riscos para a família. Porém logo compreendeu o engano e exprimiu o seu pressentimento à família: “A sentença de morte contra mim já foi assinada”. Acrescentou esta mensagem para o primo: “Digam ao primo Emiliano que não se apresente. Que pelo menos ele se salve, se me matarem”. Foi-lhe proposto um esconderijo seguro, mas ele recusou, pensando nas vinganças possíveis contra a sua família.

Em 7 de dezembro se apresentou na casa um membro do Comitê. Havia sido amigo de infância do Irmão e fizera o serviço militar com ele. Quando a sua irmã o informou da visita, Benedicto exclamou: “A minha hora chegou”. Abraçou os familiares, dizendo: “Até o nosso encontro no céu”. Foi acompanhar o camarada.

Sem nenhum processo, foi lançado sem detença na prisão. Aí encontrou o seu velho mestre-escola, o filho deste e outras pessoas. A sua prima Maria Montfort Vicente escreveu: “Fui uma das últimas a vê-lo. Havíamos trazido alimentos e um cobertor. Ele recusou o alimento, mas aceitou o cobertor, porque ele sofria dos rins. Eu lhe afirmei: Henrique, não nos veremos mais”.

A previsão se realizou. “No dia seguinte, 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, perto do lugar chamado San Pau, no município de Albocácer, ele foi morto ao mesmo tempo que o seu velho mestre, o filho deste, o sacristão da cidade e o médico. Primeiro mataram o velho mestre, o sacristão e o médico, depois o servo de Deus e o jovem”.

A irmã guarda dele esta imagem: “Ele estava sempre rezando o terço. Ele se sentia feliz de sofrer por Jesus Cristo. Recordo que, na véspera da Imaculada

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Conceição, véspera do seu martírio, ele me disse: Maria, devemos jejuar, é a véspera da festa de Nossa Senhora, e mesmo que estejamos em tempos difíceis, importa que jejuemos. Com tal jejum ele se preparou para o martírio”.

Os milicianos que o mataram foram os primeiros a surpreender-se com a sua coragem. Confessaram-no à Irmã Balbina Fontanet. “Sendo obrigada a me ocupar de um grupo de milicianos, certa noite travei conversa com um dos milicanos que estivera presente na morte do Irmão e talvez tivesse mesmo atirado. O miliciano disse-me: Que monge corajoso nós matamos. No primeiro tiro ele disse: Viva Cristo Rei. Na segunda descarga, com coragem, ele disse: Viva a Imaculada. Na terceira descarga, com voz apagada, ele disse: Santa Família, acolhei-me nos vossos braços. Que monge valente, repetia o miliciano”.

O Irmão morreu, dizendo obrigado, expressando o nobre perdão citado acima. Belo martírio, corajoso perdão, tríplice profissão de fé, em morte violenta, mas nas mãos do Senhor do tempo e da eternidade.

OS IRMÃOS VALENTE JOSÉ E ELOY JOSÉ

Na noite de 5 de outubro de 1936, eles estavam no trem da morte de Valencia a Barcelona. «Os Irmãos foram obrigados a descer do trem em Castellón. Sofreram tão duros golpes, que o superior Ir. Antonino desmaiou diversas vezes. Ordenaram ao Ir. Crispin, de quem queriam arrancar confissões, de se estender sobre os trilhos da ferrovia. Diversas vezes lhe arrancaram cabelos; dão diverso tiros de fuzil para intimidá-lo. Levado ao tribunal, os juízes se surpreendem com as equimoses da face. Ambos ficam

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um dia inteiro na cela prisional, sem lhes dar de comer”.

Os Irmãos Valente José e Eloy José, cujo martírio se narra, trabalhavam no colégio Mayáns de Valencia. Nesta cidade os Irmãos dirigiam outro colégio, a Academia Nebrija, cujos Irmãos mártires já foram apresentados.

1– Os dois mártires 1– O Irmão Valente José (Jesús Delgado de la Fuente) nasceu em 17 de abril de 1894, em Mazuelo de Muno, na província de Burgos. Com 13 anos ele foi a Vich, para seguir as etapas da formação marista. Chegou à profissão perpétua em 11 de agosto de 1915. Voltava do segundo noviciado, em 1935, quando retornou ao colégio Mayáns de Valencia como professor de matemática. Os antigos alunos assim o retrataram: “Era professor de matemática extraordinário. Era professor muito eficaz. O seu talento consistia no fato de que dava o curso de matemática de sorte a levar o auditório a glorificar a Deus, semeando em nós a esperança. A sua vida interior era extraordinária sem ser espetacular”. Um confrade da comunidade acrescentou: “O Irmão Valente queria permanecer apagado, a sua vida não tinha nódoas, dedicada por inteiro à glória de Deus e à salvação das almas”. O Irmão Valente caminha para o Senhor, de lâmpada acesa.

2– O Irmão Eloy José (Eloy Rodríguez Gutiérrez) nasceu na província de Burgos, em Torrepadre, no dia 9 de setembro de 1899. Com 12 anos foi ao juvenato de Arceniega para se formar à vida marista. A sua consagração definitiva foi em 28 de setembro de 1921.

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Por longos anos, trabalhou nas escolas de Valencia, seja na Academia Nebrija, seja no Colégio Mayáns. Apresentou aos confrades e aos alunos as qualidades de caráter doce, simples e alegre, com que conquistou a simpatia de todos. Os antigos alunos reconhecem que ele os formava para serem capazes de testemunhar a fé. O senhor Mariano Andreu Llobat, falando em nome de todos, afirmou: “Ele foi para mim grande apoio, tanto que as suas intervenções por vezes eram mais eficazes do que as do confessor. Semeava em mim uma esperança de alegrias espirituais que enchiam o meu espírito inquieto. Penso que ocorria o mesmo com os demais alunos da aula”.Depois da vitória da esquerda, em fevereiro de 1936, quando as ameaças se tornaram claras e iminentes, ele escreve ao seu irmão: “Continuamos a trabalhar na missão sublime que nos foi confiada, missão que eles nos querem tirar. Reze muito por mim, porque nós estamos em momento crítico para a religião e para a pátria; se o Senhor não nos socorre, caminhamos para uma hecatombe espantosa. Não se respira senão ódio de pessoas envenenadas por um regime ímpio”.

Desse ódio o Irmão Eloy José foi uma das primeiras vítimas.

2– No trem da morteDepois do levante nacionalista, a cidade de Valencia conheceu dias de pilhagem. O Irmão Valente José e outros confrades foram, por um momento, detidos e levados à prisão, enquanto havia pessoas gritando: “Matem-nos logo, são fascistas”. Para surpresa deles, foram soltos e se lhes pediu que se afastassem sem demora.

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Na tarde de 25 de julho de 1936, dois grupos de milicianos invadiram a escola e disseram aos Irmãos: “Podem partir; doravante esta escola se torna propriedade do povo”. A partir desse momento, os Irmãos foram obrigados a alojar-se nas famílias amigas e de mudar seguidamente de residência. Na última, eles foram visitados por milicianos e foram despojados de tudo; foram insultados e levados ao Comitê de Salvação Pública e constrangidos a pensar seriamente no passeiozinho sinistro. Não esqueciam de dizer-lhes reiteradamente: Vocês são sacerdotes. Também se ouviam os milicianos afirmar: Guardem bem a estes, porque amanhã lhes daremos o que merecem.

Estavam eles vivendo esta situação, quando chegou um Irmão de Barcelona para lhes dizer, em nome do Irmão Provincial, que se dirigissem para lá. No porto estava previsto que embarcariam para a França. Cinco Irmãos tomaram o trem noturno de Valencia para Barcelona, pensando que a vigilância miliciana não seria severa. De fato, eles foram descobertos no meio do caminho, em Castellón. O Irmão Crispín Lope Sancho, que era do grupo, se recorda bem: “Havíamos sido descobertos em Castellón de la Plana. Enquanto a mim, ao superior e a outro Irmão nos fizeram descer em Castellón, o Irmão Valente, depois de ter dito à polícia que era do mesmo grupo que nós, prosseguiu viagem. O Irmão Eloy José seguiu a mesma opção de Valente e continuaram a viagem nesse famoso trem”.

Aqui o rastreio de Valente e de Eloy se perde de todo, sem deixar o menor traço. Os dois Irmãos nunca chegaram a Barcelona. Testemunhas afirmaram que Valente José foi morto na estação norte de Barcelona, na manhã de 6 de outubro, e Eloy José na noite de 5

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de outubro. O Irmão Crispín Lope Sancho pensa que Valente José foi morto em Horta, perto de Barcelona, ao passo que Eloy José foi morto na cidade de Barcelona. Foi impossível encontrar o lugar da sua sepultura.

Não é caso estranho, porque os milicianos da FAI têm o hábito de matar as vítimas longe do olhar indiscreto e de enterrá-las em fossas anônimas, sem nenhuma data nem identificação.

3– O meu coração está pronto, meu Deus!Nos últimos dias, quando eles estavam muito conscientes do perigo iminente, a nota dominante do seu espírito era a serenidade. Assim os via o antigo aluno Mariano Andreu Llobat. “Eu ouvi do Irmão Valente que a perseguição era certa e que se tratava de sofrer por Jesus Cristo. Ele aceitava esta situação, pensando que a sua morte seria semente de uma renovada Igreja e de uma Espanha nova. Demonstrava espírito simples e forte e nunca pensava em fugir. Nunca o vi hesitar nem se perturbar em face dos perigos terríveis desses dias. Na última vez que vi o Irmão Eloy, ele me disse: Caso não nos tornemos a ver aqui, havemos de ver-nos no céu. Ele pressentia o seu martírio”.

O Irmão Crispín, companheiro de sofrimento desses dois Irmãos, guardou linda lembrança do confrade Valente José. “No começo, o espírito de todo o mundo estava abatido. Depois, porém, com a graça e a força de Deus, nós nos recompusemos a tal ponto que estávamos preparados para a morte. É o Irmão Valente que falou ao superior: Vou confessar-me para estar mais bem preparado para a outra vida. Pelo desenrolar dos acontecimentos, vai ser a nossa vez. Nesta alegria, ele se preparou para o martírio”.

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Mariano Andreu Llobat, particularmente apegado a esses dois Irmãos, invoca-os nas suas orações, confia-lhes as situações da vida e constata que, muitas vezes, é atendido.

MORRER JUNTOS, MESTRE E DISCÍPULO.O IRMÃO MILLÁN

Não foi por acaso que ele virou mártir.107

Uma coisa é patente : as testemunhas no Processo Ordinário vêem no servo de Deus Irmão Millán um verdadeiro santo, cuja vida é coroada pela graça do martírio e todos ficariam felizes com a sua beatificação.

1– Perfil biográficoO Irmão Millán (Esteban Llover Torrent) nasceu em 27 de julho de 1885, em Las Planas, província de Gerona. A sua infância foi aquela de um menino de família modesta de agricultores, muito cedo aproveitado nas tarefas do campo e da herdade. Era necessário cooperar na mantença da numerosa família de onze filhos.

Com 14 anos ele adivinhou o apelo do Senhor para a vida religiosa; em 4 de abril de 1899 ele foi a San Andrés de Palomar, Barcelona, casa de formação marista. Ele emitiu os votos perpétuos em 1906 e o de estabilidade em 1922.

Cedo ele mostrou adequada qualificação de formador, pelo que os superiores o colocaram nas casas que preparavam os candidatos, depois como superior de comunidades apostólicas. À sua competência 107 Os esclarecimentos foram tomados na Informatio do grupo do Irmão Crisanto, pp. 409-416.

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profissional e ao seu zelo ele unia o dom da simpatia que atrai e que auxilia os alunos a se abrirem à mensagem cristã. Mostrou-se paternal, dedicado e de piedade que deixa adivinhar o hábito da intimidade com Deus.

No decurso do mês de setembro de 1928, os superiores lhe confiaram a missão de fundar e dirigir a escola Denia. A escola logo conheceu o sucesso e conquistou a estima da população. As dificuldades surgiram com a chegada da República, em abril de 1931; quando a esquerda ganhou as eleições em fevereiro de 1936, começou verdadeira perseguição.

2– O Calvário e a morteOs desencantos não tardaram. « Em 10 de abril de 1936, pela uma da tarde, os Irmãos receberam uma comunicação da prefeitura: são notificados que, para evitar desordens possíveis,eles deviam abandonar a escola e o município de Denia, nessa mesma tarde’. »

Para mostrar a seriedade do negócio as novas autoridades instigam a multidão a se reunir na frente da escola; em atitude ameaçadora, proferia insultos e zombarias.

Na Sexta-Feira santa, os Irmãos, protegidos pelos alunos, abandonaram a escola, exceto o Irmão Millán, que permaneceu para protegê-la. Ele gozava de grande estima por parte da população para ser ameaçado. Os novos adversários, então, tentaram proibir-lhe a atividade educativa, alternando promessas, pressões, mentiras e ameaças para alcançar o fechamento da escola, o que é finalmente logrado. Sob a pressão dos pais, o governador autorizou que os cursos das classes terminais pudessem encerrar os programas letivos, mas não no

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estabelecimento escolar. Os cursos recomeçaram na quinta “La Senia”, colocada à disposição do Ir. Millán pela senhora Francisca Moreno. Os Irmãos, durante esse tempo, se dispersaram nas famílias amigas. O Irmão Millán, findos os exames, foi obrigado a alojar-se em diversas vilas nos arredores de Denia.

Por fim, decidiu ir a Barcelona, para entender-se com o Irmão Provincial. Nos últimos dias de julho, tomou o trem. Foi reconhecido por um funcionário da ferrovia, cujo filho havia estudado gratuitamente no colégio dos Irmãos em Denia. Denunciado, foi detido, lançado na prisão de Tavernes de la Valldigna, onde ficou doze dias que terminaram na morte.

“Em 10 de agosto de 1936, pela uma da manhã, fui requisitado por Salvador Grau Corella, apelidado “el carabinero” e três outros milicianos, para levar Ropdrigo Gil e Esteban Millán ao lugar chamado Cuesta del Portichol, em La Plana de Alcira. Chegando aí, Salvador Grau Corella fez parar o caminhão e mandou descer todos. Os três milicianos se afastaram uns duzentos metros com os dois prisioneiros; em seguida atiraram em Rodrigo Gil e Esteban Millán, abandonando os corpos na beira da estrada”. Rodrigo era o jovem mais preparado do colégio. Diretor e discípulo morreram juntos, juntos foram inumados e juntos foram transferidos solenemente a Denia.

3– Verdadeiro mártirNo estudo de um caso de martírio solicita-se que se vá além da morte física da vítima, para ver se o coração estava pronto a se dar a Deus totalmente e se os carrascos, por ódio, visavam atacar a fé e tudo o que ela representa.

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1– A intenção dos perseguidoresDois aspectos são evidentes no seu comportamento sectário : privar a cidade de Denia dum centro de educação e de formação cristã. Eles tudo fariam para que o colégio dos Irmãos tivesse de fechar. Se o governador autorizou os cursos das aulas finais para os exames do bacharelado, foi apenas por pressão dos pais e sabendo que concedeu uma permissão de pouca duração. Com efeito, terminados os exames, o diretor Irmão Millán teve de esconder-se nas vilas próximas de Denia, com a servidão de mudar de residência freqüentemente.

Os revolucionários queriam, mais que tudo, fazer calar uma testemunha cristã muito querida e por demais influente na população de Denia. A ocasião era mais que oportuna: detê-lo fora do município, eliminá-lo de noite, em lugar afastado, de modo que a notícia só chegasse a Denia como fato consumado.

Diversas testemunhas subscrevem a opinião do Irmão Miguel Coll Salis: “Todos esses religiosos morreram somente por um motivo: o fato de serem religiosos. Nenhum deles havia militado em campo político e a sua atividade se restringia à matéria religiosa e pedagógica em prol da fé das crianças”. Outras testemunhas esclarecem ainda mais: “Bastava ser religioso para sofrer o martírio por Deus e pela fé em Jesus Cristo”. 2– Disposição para o martírioO Irmão Millán sempre demonstrou a personalidade forte que o levava ao dom total ao Senhor e ao devotamento sem medida pelo bem dos alunos, das famílias e dos Irmãos; a sua influência era grande nas paróquias. Ademais, o martírio não ocorreu por acaso. “ Era homem extraordinário na sua caridade.

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Ninguém influenciou mais a população de Denia que o Irmão Millán; reporto-me a todos os estratos sociais. O trabalho do Irmão Millán foi extraordinário”.

Pedro Muñoz Cardona, que foi o último a hospedar o Irmão Millán, assim o via nos últimos dias do mártir: “A última lembrança que guardo do estado de alma do Irmão Millán, no concernente a esses dias, é a calma que ele mostrava, como se nada estivesse passando. Cumpre reiterar que nós havíamos vivido riscos muito sérios”.

4– A recordação do santoNo coração dos seus confrades e dos seus alunos, bem como da população de Denia, a recordação do Irmão Millán ficou como aquela de um santo simpático. Muitos testemunharam admiração sincera, afetuosa e profunda: “O que posso dizer do servo de Deus se resume na lembrança que nós, antigos alunos, conservamos dele como de pessoa de grandes qualidades humanas e religiosas. Fui informado de que ele foi martirizado. Na cidade de Denia lamentou-se o fato vivamente e este penoso sentimento era partilhado por todos, visto que a admiração que tínhamos deste religioso era unânime. Na prática a virtude do Irmão Millán ultrapassava não somente aquela dos demais Irmãos da sua comunidade, mas também aquela do próprio clero de Denia. Quando vivo, ele tinha excelente fama e esta continua depois da morte”.

Os antigos alunos lhe dedicaram uma placa de mármore em que escreveram o seguinte: “A tua morte não foi morte, mas passagem gloriosa. Por isso nós, ainda tão penetrados daquilo que sempre temos ouvido de ti, mesclamos as nossas orações nesta

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única súplica: do lugar em que tu gozas, lugar destinado aos mártires, continua a infundir-nos o teu espírito”. É motivo de surpresa e de alegria constatar que, hoje ainda, o Irmão Millán goza de grande admiração da parte dos Irmãos, dos antigos alunos, dos pais dos alunos e dos fiéis em geral: eles continuam a chamá-lo simplesmente o mártir.

A MORTE DE UM HUMILDEIRMÃO LUIS FIRMÍN

Cozinheiro para os seus Irmãos, ele foi homem de humildade, alegre no serviço.Foi morto porque tinha alguns objetos religiosos na mala.

1– O Irmão Luis Firmín (Luis Huerta Lara)O servo de Deus Luis Huerta Lara, em religião Irmão Luis Firmín, nasceu em 21 de junho de 1905, em Torrecilla del Monte, Burgos. Ele iniciou a sua formação marista em Vich; doou-se definitivamente a Deus pelos votos perpétuos em 15 de agosto de 1927.

Sofria de forte miopia, o que lhe tornava quase impossível o ensino; desse modo, ele foi sobretudo cozinheiro nas comunidades por que passou. O seu superior Irmão Luis Venâncio escreveu: “Tem cumprido com perfeição o humilde e meritório emprego de cozinheiro. Era limpo, pontual, atento em tudo e pronto para servir. De consciência timorata e de nobres sentimentos, sofria em si, quando lhe acontecia de ofender alguém. Certo dia escaparam-lhe palavras pouco respeitosas a respeito do Irmão Diretor. Terminada a oração da noite e depois da

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leitura dos pontos da meditação, ele foi ao diretor e pondo-se de joelhos, pediu-lhe perdão, acrescentando: Não vou erguer-me antes de que me tenha perdoado. Logrado o perdão, levantou-se muito agradecido e prometendo corrigir-se no futuro”.

Entre 1932 e 1935, ele lecionou em Carrejo numa aula primária, ademais de titular da cozinha; no ano seguinte fez a mesma coisa na pequena escola de Arceniega, perto do juvenato.

2– O cozinheiro mártirAs circunstâncias que levaram o Irmão Luis Firmín primeiro à prisão e depois ao martírio foram desconcertantes. Em 18 de julho de 1936, na escola marista se encontravam os Irmãos León Pablo e o Irmão Firmín. O superior estava em Burgos. Era tempo de férias. Os dois Irmãos haviam sido visitados e inspecionados pelos milicianos e, sentindo-se pouco seguros, decidiram unir-se à comunidade do juvenato para não se isolarem. Firmín preparou a mala e a confiou ao padeiro, a fim de que o rapaz que buscava o pão cada manhã a levasse ao juvenato. Ele estava ainda com o padeiro, quando os milicianos entraram. Pediram que abrisse a mala. Com as roupas e os pertences encontraram objetos de piedade. A razão é suficiente para levá-lo à prisão.

Ele ficou oito dias na prisão de Arceniega. Depois foi transferido a Bilbao, no Cabo Quilates. Nesse navio os prisioneiros eram submetidos a contínuas importunações. Os guardas se encarniçavam especialmente contra os eclesiásticos e ainda mais contra aqueles que se mostravam submissos; exercitavam-se em torturas contra as vítimas, no seu ofício de carrascos.

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Carlos Langa Zuvillaga, companheiro de prisão do Irmão Luis Firmín, descreveu a situação dramática que reinava no navio: “Conheci o servo de Deus por ter sido prisioneiro no mesmo navio-prisão de Bilbao. Estive com ele uns vinte dias. Estávamos amontoados como animais. Havia quatro celas; o servo de Deus estava na primeira e eu na terceira. No Cabo Quilates as execuções se faziam no tombadilho da popa. Não era só o fuzilamento. Ouvíamos as descargas; por vezes eram rajadas de metralhadora; outras vezes tiros na nuca; outras vezes golpes de coronha encerravam o suplício. Tais execuções eram acompanhadas de vexações, injúrias, zombarias, bofetadas etc.”

A sorte do Irmão não terá sido diferente daquela do sacerdote Matias Lumbreras. Eles partilhavam a mesma cela. “Todas as noites, pelas duas horas, levavam o sacerdote à ponte e aí, seminu, com crueldade espantosa, queimavam-no com pontas de cigarro no pescoço, no peito, no ventre. Por vezes, suspendiam as queimaduras para submeter a vítima a uma ducha sob pressão com vasilhame centrífugo. No navio era preciso praticar todas as virtudes em grau heróico. As humilhações chegavam ao ponto de sermos obrigados a ingerir alimentos temperados com fezes”.

Em 25 de setembro de 1936, a aviação nacionalista bombardeou a cidade de Bilbao. Como represália, milicianos e milicianas assaltaram os navios-prisões Altuna Mendi e Cabo Quilates. Os milicianos escolhiam vítimas que, algemadas, eram conduzidas duas a duas ao tombadilho da popa, onde os aguardavam rajadas de metralhadora. Assim foram mortos os sacerdotes Matias Lumbreras, Mariano Larrea e o Irmão Luis Firmín.

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De fato o sacerdote Matias não estava morto. Içaram-no do chão, amarraram-no e o atiraram ao mar como fardo, deixando afogar-se; depois içaram-no de novo e de novo o jogaram ao mar. Depois retiraram-no, quase asfixiado e, com golpe de cutelo no ventre, acabaram com ele.108

O sacerdote José Echeandría recorda a cena macabra que terminou a execução de 15 sacerdotes no navio-prisão Cabo Quilates. Uma miliciana, com faca de açougue, retalhou parte do couro cabeludo de uma vítima, ergueu-a numa vara, gritando: “Camaradas, assim é que devemos içar todos os detentos. Nos navios não deve sobrar nenhum ser vivo”.

As testemunhas que recordam o Irmão Luis Firmín falam de afeição, de devoção, das suas virtudes, da sua memória, da sua intercessão. Folhetos, santinhos e uma biografia foram impressos e distribuídos. São sinais que falam da fama de santidade de que este humilde Irmão ainda goza.

Em 24 de outubro de 2004, procedeu-se à exumação dos restos mortais do Irmão Luis Firmín, que foram inumados, depois, na capela da casa provincial dos Irmãos Maristas em Laredo, La Rioja. O Irmão Firmín foi humilde cozinheiro, homem de serviço e finalmente mártir.

ROUPEIRO, JARDINEIRO E PEDREIROTESTEMUNHAM O CRISTO.

« Enterrem os três animais ! »

108 Veja o volume III da positio do Irmão Crisanto, Documenta, p. 256.

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Todos os cristãos podem chegar a amar o Senhor, até o ponto de derramar o próprio sangue. É a reconfortante mensagem que nos vem dos três Irmãos empregados em trabalhos caseiros na grande casa de Las Avellanas: O Irmão Emiliano José, auxiliar na rouparia; o Irmão Timoteo José, jardineiro; e o Irmão Andrés José, pedreiro e homem de sete instrumentos.109

1– Gostar de servir 1- O Irmão Emiliano José (Marcos Leyún Goñi) nasceu em 7 de outubro de 1897, em Sansoaín, Navarra. Com 13 anos a mãe o acompanhou ao juvenato de Arceniega. Ele iniciou a sua formação na família marista e a levou ao pináculo pelos votos perpétuos em 1919.

O Irmão Emiliano José distinguiu-se pela sua paixão em prestar serviço. Habilidoso em instalações elétricas, ele se oferece muitas vezes ao Irmão Provincial, sacrificando as suas férias, para fazer esses trabalhos de instalação nas casas de formação, nas comunidades, nas escolas. Conhecendo a sua generosidade, o Irmão Provincial, nos cursos de férias do verão de 1936, pediu-lhe que fosse a Las Avellanas, para encarregar-se da rouparia, porque uma longa sessão de formação estava prevista para muitos Irmãos. A disponibilidade do Irmão cruzou o caminho do martírio.

2– O Irmão Timoteo José (Julián Lisbona Royo) nasceu em Torre de las Arcas, província de Teruel, em 23 de outubro de 1891. A família é antes modesta: a mãe era do pequeno comércio ambulante de açafrão; Julián a acompanhava, como anunciante da venda pelas ruas das vilas. Mais tarde reconheceu que era 109 Esses esclarecimentos extraem-se da Informatio do grupo do Irmão Crisanto, pp. 424-436.

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muito tímido em tal ofício, mas não havia meio de furtar-se, se quisesse comer. O pai era dado à bebida, muito esquecido dos deveres de família. Somente após o serviço militar, Julián sentiu o apelo para a vida religiosa. O noviciado em Las Avellanas foi-lhe muito difícil. Ele arrastava consigo os costumes de uma vida laboriosa e rude. Teve muito trabalho em polir o seu trato com as pessoas que, muitas vezes, o arrebatava. Com 28 anos, em 2 de fevereiro de 1919, ele emitiu os primeiros votos.

Tinha tal estima da vida religiosa, que não conseguia compreender como alguns a podiam abandonar. Antes de fazer-se religioso, tinha servido como empregado numa quinta; a dona o estimava tanto que estava disposta a herdá-lo, se continuasse com ela. Mas no seu coração o atrativo de Deus foi mais forte. O amor que sentia pelo Senhor o levou a se dar a ele pela profissão perpétua em 2 de fevereiro de 1924. Os superiores lhe pediram que fosse à casa de Las Avellanas, para se encarregar dos trabalhos pesados da quinta e, mais tarde, da horta. Nessas humildes ocupações desenvolveu grande vida interior e bom espírito de família. “O Irmão Timoteo José, como hortelão, tinha muito relacionamento com os jovens em formação, uma vez que deviam trabalhar com ele. Levava vida muito piedosa e muito espiritual. Podia-se ver que tinha contínua união com Deus. Desse modo, quando os jovens vinham ao trabalho, ele percebia que alguns demonstravam pouco empenho nas tarefas mais penosas; ele dirigia-lhes palavras atenciosas e espirituais que os encorajavam a executar a tarefa com fim sobrenatural. Em certa ocasião ouvi dele a seguinte frase: “Meus pequenos irmãos, se é feito para Deus, o que suja as mãos pode purirficar a alma. Todo o mundo na comunidade o

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estimava pelas suas virtudes e pelo bom caráter, apesar da aparência rude do trabalhador manual”.

Muitas testemunhas se disseram maravilhadas com virtude espiritual tão profunda em homem, cuja vida se passava em trabalhos manuais. Essa vida interior se irradiava nos Irmãos e igualmente nas pessoas das vilas próximas, visto que, quando a revolução irrompeu, diversas famílias se ofereceram para acolhê-lo.

1-O Irmão Andrés José (Francisco Donázar Goñi) nasceu em Iroz, Navarra, em 10 de outubro de 1893. O pai era pedreiro e o filho seguia o mesmo ofício. Contudo um acidente de trabalho lhe tornou a vida difícil. Um balde de soda cáustica respingou nos olhos; doravante, foi-lhe difícil suportar a luz do sol ou simplesmente a brancura duma parede. Ainda assim, conservou o seu emprego, para auxiliar a mãe que ficou viúva.

Uma experiência de noivado o decepcionou, porque a jovem que ele amava lhe ocultou que era mãe solteira. Ele escreve ao irmão, que é marista em Valencia, para saber se ele poderia juntar-se à comunidade como leigo comprometido. Os superiores permitiram essa experiência que se concluiu pela entrada no noviciado em primeiro de fevereiro de 1921. Ele estava com 28 anos. No noviciado distinguiu-se pela sua bondade e simplicidade. O seu caminho na vida marista continuou sem obstáculos e, em 15 de agosto de1927, culminou com a profissão perpétua.

Ele também foi indicado para a casa de Las Avellanas, encarregado dos trabalhos de pedreiro e da manutenção da casa. Ele era feliz em prestar

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serviços aos seus Irmãos, em melhorar as suas celas, trabalhos que lhe permitiam grande união com Deus. Ele passava longos momentos diante do Santíssimo Sacramento. “Era exemplar e muito fervoroso. Seja depois do café da manhã, antes de começar o trabalho, seja depois da ceia, era visto na capela em adoração. Foi sempre de grande edificação”.

Sabia manter a capela sempre linda, dando-lhe os retoques que julgava necessários. Muito se alegrou no começo de 1936 com a decisão dos superiores de efetuar uma reforma completa. Pôs-se ao trabalho, preparando o material condizente. Ele deu ao Senhor uma linda capela e, mais que isso, a sua própria vida, à beira de uma estrada isolada.

2– Vão enterrar os três animaisBem conhecemos o que aconteceu em Las Avellanas, depois do levante de Franco, em 18 de julho de 1936: confiscação da casa, dispersão dos Irmãos e dos jovens formandos pelas vilas dos arredores.110

Num primeiro momento, três Irmãos foram encontrados com os noviços, numa povoação de Vila Nova de la Sal. Mas, quando os milicianos começaram a matar alguns Irmãos e visavam a prender os demais, os nossos três Irmãos decidiram dirigir-se a Navarra, atravessando Aragão. Chegados à vila de Estopiñán, foram informados de que o Comitê Revolucionário local era moderado. Os três Irmãos, fatigados da caminhada, pediram o passaporte que lhes assegurasse viagem tranqüila. Na realidade eles foram detidos, trancafiados na prisão e condenados à morte. Mas o Comitê local não ousou encarregar-se da execução. Apelou a um

110 Veja o caso do Irmão Crisanto e Aquilino nas p. 91-106.

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Comitê próximo. “No dia seguinte, os milicianos de Estopiñán informaram àqueles de Alguire que viessem matá-los, porque eles não se atreviam a fazê-lo. De fato esses vieram. Sob o pretexto de libertá-los, retiraram-nos da prisão. Pediram que os Irmãos se afastassem pelo campo adiante, e os mataram pelas costas”.

De fato, a execução ocorreu a 5 quilômetros de Estopiñán, à beira do caminho. Os pormenores objetivos foram contados por Joaquina Vidal Cama, testemunha ocular do cenário: “Sei que eles foram mortos em 11 de agosto de 1936. Eu estava à janela da minha pequena casa de campo. Eu vi chegar o caminhão. Estava preparando uma leve refeição no meio da tarde. A curiosidade e o horror que experimentávamos nesses dias terríveis fizeram com que me interessasse com esse caminhão que parou ao longe. Vi descer um homem. Depois escutei um tiro. Depois dois outros desceram e ouvi outros tiros. Eu diria poucos tiros. Pode ser um tiro para cada um. Os que os haviam executado vieram à minha casa; disseram literalmente ao meu marido ‘enterre esses três animais’. Depois soubemos que se tratava de três religiosos”.

Quando os agricultores foram enterrar “os três animais que os milicianos haviam deixado”, os corpos jaziam à beira da via. Os assassinos lhes tinham colocado certo tipo de gorro para esconder o tiro de misericórdia.

De 1936 a 1939, a parte do campo onde eles foram enterrados nunca havia sido cultivada, pelo que o reconhecimento dos restos mortais ficou facilitado. Isso ocorreu em 24 de maio de 1939; os seus despojos mortais foram transferidos a um monumento

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funerário erigido para as vítimas da perseguição no município de Tamarite de Litera, Huesca.

Quando se perguntou à senhora que assistira à execução por que haviam sido mortos esses três Irmãos, a resposta da agricultora foi simples: “Eles os mataram porque eram religiosos”. Eles costumavam fazer assim. Sobre o túmulo ela havia erguido uma cruz simples e aí depositava flores regularmente. Assim começou o respeito e a estima por esses três mártires que, com o tempo, se tornou devoção, confiança e prece.

IRMÃO PABLO DANIELELE ANUNCIAVA O SENHOR

NA PRISÃO E NO EXÉRCITO VERMELHO.

« Particularmente ele soube semear uma grande esperança cristã. »

Este Irmão apresentou um caso único: jovem, cheio de vida, inteligente, ousado, ele testemunhou de público a sua fé na prisão, diante do tribunal, no campo de trabalho e depois no exército republicano. Ele sustentou a fé dos outros, que o apelidaram anjo consolador, procurou converter os seus próprios carcereiros, devotou-se aos soldados feridos e foi morto em 29 de janeiro de 1939 por se haver claramente manifestado como religioso. Provavelmente foi o último a se reunir à falange dos mártires maristas dessa época. Ele conheceu a prisão com 24 anos, e com 28 foi mártir de Jesus Cristo.

1– Perfil biográficoPablo Daniel (Daniel Altabella García) nasceu em 19 de outubro de 1911, numa família muito cristã; os

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três filhos dela abraçaram a religião, dois maristas e um sacerdote diocesano.

Com 11 anos ele entrou no juvenato de Vich. Las Avellanas o acolheu no postulado e no noviciado; nesta casa emitiu os primeiros votos, em 8 de setembro de 1928. A sua experiência apostólica junto dos meninos e jovens foi breve: primeiro Alicante, depois Mataró, onde, em 1936, caiu nas malhas da perseguição.

Este jovem religioso foi morto aos 28 anos; era entusiasta, dinâmico e piedoso; suscitou a admiração sincera e duradoura dos alunos, por causa da sua preparação cultural, do seu trabalho, da atividade pastoral, mas particularmente por causa da prática das virtudes. Os alunos viam nele um artífice de homem e cristão autêntico.

O Irmão dele, Pedro, que foi cônego de São Pedro em Roma, não hesitou em dizer que Pablo Daniel teria merecido o processo de canonização, mesmo sem o martírio.

2– Martírio como corrida com obstáculos.A perseguição sofrida pelo Irmão Pablo Daniel durou o tempo da guerra civil, de 1936 a 1939. As estações principais da sua via-sacra foram três prisões: navio-prisão, campo de trabalhos forçados e o serviço militar no exército vermelho republicano.

1– Primeira detenção O Irmão Pablo Daniel fazia parte do grupo dos 107 Irmãos que deviam embarcar no navio Cabo San Augustín para ir à França. Era cilada e todos acabaram na Checa, prisão de San Elias, na manhã de 7 de outubro de 1936. Na noite seguinte, 46

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Irmãos, incluído o Irmão Provincial Laurentino, foram fuzilados no cemitério de la Moncada. Os outros ficaram encarcerados, submetidos a toda a sorte de maus tratos, questionamentos e insultos continuados. Depois foram transferidos à prisão Audiencia e daí ao Cárcere Modelo de Barcelona. O Irmão Pablo Daniel ficou aí treze meses; depois foi libertado, uma vez que nenhuma acusação foi formulada contra ele.

2– Segunda detenção Para sobreviver, ele procurou um lugar de ensino. Na nova escola o seu ensino era de aberta manifestação cristã. Ele defendia a causa de Deus com audácia e bravura. Foi o que lhe valeu a segunda detenção, desta vez no navio-prisão Argentina. Aí a vida era dura, mas o Irmão já estava acostumado a isso. Partilhava a cela com cinco outros companheiros. Essa cela virou em breve um mosteiro : missa diária, meditação da manhã, rosário inteiro, meditação e oração da tarde; retiros foram aí organizados, sem excluir a própria liturgia da semana santa. O sacerdote garantia a missa, mas o Irmão Pablo Daniel dirigia as orações e fazia a homilia. Por causa do seu grande espírito de fé e do dom de confortar, chamavam-no anjo consolador. Não demorou em virar o confidente dos presos das outras celas, que procuravam reaquecer a fé com o ardor daquela do Irmão.

Depois de quatro meses de detenção no navio-prisão Argentina, foi enviado ao castelo-prisão Montjuich, no aguardo de um julgamento que nunca ocorreu. Sem julgamento, ele foi transferido ao campo de concentração de Ogern. Praticamente era condenação a trabalhos forçados. Os presos deviam construir pontes, reformar estradas e abrir outras. O Irmão Laureano, companheiro seu nos trabalhos

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forçados, recordou o seguinte: “No campo de trabalho, quando nos reuníamos de noite, recitávamos as orações como podíamos e fazíamos alguns comentários. Recordo que certa noite, quando nos faltava tudo e morríamos de fome, de frio, sem roupas condizentes e cheios de piolhos, ele me disse: ‘É verdade que aqui nós muito sofremos, mas para aqueles que estão ao relento pode ser muito pior”. E acrescentou: ‘Quando Jesus percorria a Palestina ensinando, em muitas noites ele se achou como nós: cansado, com fome, sofrendo as intempéries. Aceitemos a nossa sorte e mostremo-nos corajosos”.

3– Alistamento no exército: outubro de 1938Como a sua classe era chamada ao serviço militar, acreditou conveniente alistar-se. Pensava ocupar-se dos feridos e se inscreveu no serviço sanitário. Ele foi enviado à Frente Catalã.

4– O martírioEm janeiro de 1939, o exército republicano recuava na direção da França. A companhia onde se achava o Irmão chegou às paragens de Figueras, não longe da fronteira. O Irmão exprimiu publicamente a gratidão que se devia a Deus pelo fato de estar ainda vivo e de ter sido livrado dos inimigos. O discurso pareceu estranho a alguns que avisaram o capitão, de nome Lister. Este selecionou alguns soldados que fuzilaram o Irmão e todos os que estavam com ele. Era o dia 29 de janeiro de 1939.

3– Estatura fora de sérieO que impressiona no relato das testemunhas é a insistência em afirmar o vigor e a ousadia do Irmão Pablo Daniel. Aos outros detentos ele declarava logo a sua identidade religiosa; não fazia diversamente com os milicianos e com os juízes. Um dos juízes,

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admirando a sua inteligência, se ofereceu para pagar-lhe os estudos de advocacia; mas o Irmão Pablo estava profundamente enraizado na sua vocação marista. O Irmão Eduardo Escola Ganet, companheiro de prisão, fez o seguinte relato. “A vida deste Irmão na prisão tem sido heróica. Primeiramente ele encorajava todo o mundo para o martírio e o mesmo dizia na corte da prisão”. Outra testemunha assim depôs: “Particularmente ele soube semear uma grande esperança cristã, porque ele falava do seu próprio martírio com profunda serenidade de alma”. Outras testemunhas sublinharam a sua disponibilidade à vontade de Deus: “As suas palavras autenticavam a sua total conformidade à vontade de Deus. Não havia nele nenhum sinal de impaciência e não queria mal aos seus carcereiros. Aceitava a vontade de Deus com firme inteireza, reconhecendo as atenções de Deus por nós no meio da perseguição”.

Além disso, a fama da santidade irradiava desta pessoa: “ Se não houvesse sido mártir, ainda assim ele teria merecido este processo, tão heróicas eram as suas virtudes. Baseio-me em dados objetivos e comprovados”. É a opinião do irmão dele, que acrescentou: “Há pessoas que não são da família, mas que o conheceram na prisão ou fora dela. Essas pessoas se recomendam a ele e me escrevem, sublinhando as virtudes heróicas do meu irmão. Procuro acalmar o entusiasmo delas sem resultado. As pessoas sentem grande admiração pelas suas virtudes e dizem que se recomendam a ele; conservam como relíquias algumas porções das suas roupas ou objetos que estiveram ao seu uso”.

Testemunhos similares podem ser multiplicados. « Admiro e venero a memória do servo de Deus. E

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não somente eu, mas todos os que o conheceram e viram nele uma pessoa extraordinária”. “Experimento para com ele verdadeira devoção, uma lembrança piedosa e o desejo ardente de vê-lo beatificado. Já na prisão o apelidávamos “anjo consolador”, visto que possuía todas as virtudes teologais e sabia semear em nós um verdadeiro espírito de confiança em Deus”. “Todas as noites, ao deitar, antes da última oração, recomendo-me a ele como a um santo”.

O Irmão Pablo Daniel, esse jovem mártir, deixou a todos uma lição de ousadia, quando os ventos eram contrários, e também o testemunho de generosidade sem limites para com Jesus Cristo, proclamando-o Senhor com o seu sangue.

A CAUSA DO IRMÃO EUSEBIOE DE 58 OUTROS CONFRADES

Esta causa reagrupa Irmãos martirizados nas dioceses da Catalunha: Barcelona, Girona, Lérida, Vich. Caracteriza-se pelo fato de que os Irmãos foram martirizados separadamente, mesmo quando pertenciam a uma só comunidade. Tal dispersão obriga a que se resumam fatos que se desenrolaram entre julho e outubro de 1936, muitas vezes semelhantes, o que produz certa aridez narrativa.111

Vamos deparar-nos sempre com execuções sumárias e violentas, em que as vítimas não têm nenhum direito. É o estilo expedito da FAI que não quer gente apodrecendo na prisão. Os milicianos fazem irrupções freqüentes nas pensões112 e levantam listas de 111 Fonte :Vidas entregadas, p. 547-794. Edelvives, Espanha, 1997.112 Cumpre pensar que os colégios ou casas dos Irmãos foram em geral confiscados e os Irmãos deviam alojar-se ou em pensões ou com famílias amigas ou ainda retornar à própria família. Nas pensões eles foram facilmente encontrados

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pessoas. Para muitos isso significa o passeiozinho113

final, em geral noturno, em lugar solitário, para um martírio anônimo, às vezes com testemunhas acidentais. Nada de espetacular.

Estes mártires que vamos conhecer formam dois grupos. No primeiro, são 23 Irmãos acima de cinqüenta anos, geralmente nas funções de diretor; homens em atividade, uma vez que o mais velho tem 63 anos. O segundo grupo compreende os 20 jovens com menos de trinta anos, sendo quatro de dezenove anos. Além disso, temos entre os dois extremos, 6 Irmãos com trinta anos e 10 com quarenta anos. A Congregação foi privada das suas forças vivas, especialmente se se recorda que 112 outros figuram na causa de Laurentino e naquela de Crisanto, ademais de outros que tiveram morte e desaparecimento tão silenciosos, que deles não sobrou traço sequer. O Irmão Eusébio, Visitador da Província, dá o seu nome a esta causa. A positio, em via de acabamento, ainda não foi a Roma. Entre as causas dos nossos mártires, é a que está mais atrasada.

1– O terror dos primeiros diasNa comunidade provincial, no começo, alimentava-se certa esperança, vendo o general Goded na testa das guarnições de Barcelona. Mas sentimentos de angústia se apoderaram de todos por causa das notícias: incêndios de igrejas e de conventos, detenções, assassínios, linhas telefônicas cortadas, tiros de fuzil e de canhão, tirania da Frente Popular, agricultores e exército revoltados.

pelos milicianos.113 Paseito, passeiozinho para o lugar da execução.

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Mais precisamente dois fatos alarmaram a comunidade provincial, no domingo de 19 de julho de 1936. O Irmão Isaias Maria chegou para informar que o colégio San José Oriol foi incendiado. Na manhã seguinte, o Irmão Virgilio fez saber que a Editora Luis Vives foi também presa das chamas. Trata-se de dois estabelecimentos da cidade de Barcelona.

Pelas 12h30 fortes coronhadas bateram na porta. Fora um pelotão de gente armada aguarda. Os Irmãos foram colocados contra a parede, alguém perguntou se era para atirar. Perguntaram se eram sacerdotes. Sacerdotes, não, mas religiosos, sim, respondeu o Irmão Moisés, secretário provincial. Vocês tiveram sorte de não serem sacerdotes; caso contrário, os teríamos fuzilado imediatamente, falou o cabeça do pelotão.

Eles foram levados à presença de um tribunal da FAI. No encerramento do interrogatório, o presidente do tribunal declarou: “Tiveram a sorte de cair nas mãos da FAI; ela despacha depressa os negócios. Culpados, vocês seriam fuzilados de imediato. Como não temos encontrado nada, deixamo-los em liberdade. Nas mãos da polícia, vocês apodreceriam na prisão”.

O Irmão Eusébio (Cecilio Gómez Gutiérrez)114 nasceu em 22 de novembro de 1878 em Villadiego, na província de Burgos. Com 15 anos ele estava no noviciado de Canet de Mar, Barcelona. Na sua família dois dos seus irmãos e quatro sobrinhos se tornaram também maristas, e uma irmã ficou religiosa. Depois dos votos perpétuos, em 5 de agosto de 1900, as suas responsabilidades, por mais de uma vez, o levaram a diretor em Pamplona. Em 1909, por um ano, foi mestre do segundo noviciado em Grugliasco. Desde 114 Vidas entregadas, p. 552-559.

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então ficou nas casas de formação: Arceniega, em 1912; depois, em longo período, mestre de noviços em Las Avellanas, a partir de 1918. Por fim, em 1932, foi nomeado visitador provincial.

Os confrades descreveram-no como bem estruturado, forte, cheio de vida, dotado de inteligência clara e tenaz, e o todo o exorna de elegância e autoridade. Punha empenho e ufania em que as coisas fossem sempre perfeitamente acabadas. Atraía a simpatia, porque ele tinha a precisão do pêndulo; era disciplinado, sabia apresentar-se e mormente porque se valia de condizente humor, ademais da sua graciosa maneira de pronunciar o espanhol à andaluza. Inteiriço e resoluto na sua pessoa, respirava por todos os poros o amor pelo Instituto. Na sua responsabilidade de visitador, ele completava muito bem o Irmão Provincial Laurentino, em perfeito acordo.

Como mestre de noviços, as suas conferências sobre Nossa Senhora, porque profundas e provenientes do coração, inspiravam o amor da Mãe do Senhor pela qual tinha notável devoção. Dotado de algum dom poético, comprazia-se em compor pequenos poemas em honra da Mãe de Deus ou do Fundador.

Ele foi detido três vezes. Em 20 de julho de 1936, mas de forma passageira. Depois, ele muda seguidamente de residência; perseguido pela polícia, acabou na prisão. O Irmão Virgilio logrou que o libertassem. Então tentou ir para a França, mas sem resultado. Em 20 de setembro, perdeu-se qualquer pista dele.

A dona do último refúgio dele afirmou: “Em certa manhã, muito cedo, uma patrulha da FAI apresentou-

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se. Os milicianos o exigiram e o levaram. Como ele quisesse levar alguma roupa, responderam: Para a viagem que tu vais fazer o que tens é suficiente”.

3- Mártires nas comunidades1- A comunidade de Claveria (Girona)115

Quando explodiu a revolução, 14 Irmãos formavam a comunidade. A metade conheceu o martírio. Em 21 de julho, o telefone informou os Irmãos de que o Colégio foi confiscado e que as chaves deviam ser entregues na prefeitura. Pela última vez os Irmãos recitaram o terço e juntos tomaram a refeição.

Em 26 de julho, quatro Irmãos foram detidos e lançados na prisão entre blasfêmias, gritos e coronhadas. Ficaram aí até o dia em que foram trancafiados no navio-prisão Cabo San Agustín, em 7 de outubro. Os Irmãos Heraclio, 47 anos, e Florentino, 52 anos, foram detidos em 12 de setembro por um grupo de milicianos. O governador, alertado por outros Irmãos, respondeu-lhes: “Não se preocupem com eles; neste momento nada lhes falta”. Na realidade, no fim da tarde, foram fuzilados, despojados das roupas e abandonados nus à beira da estrada. Heraclio teve o queixo quebrado, os dentes de ouro lhe foram arrancados. Passaram a noite sem sepultura. De manhã uma cova foi cavada no lugar, os corpos lançados dentro, cobertos de palha, à qual se pôs fogo; depois cobriram de terra os corpos calcinados.

Os Irmãos Abeldino, de 34 anos, León Gonzalo, de 25 anos, Teótimo, de 46 anos, Crisógono, de 39 anos, e Patrício, de 42 anos, foram detidos na prisão de Girona, a partir de 25 de julho, onde ficaram até 5 de outubro. Nesse dia se apresentou o Irmão Justino, 115 Vidas entregadas, p. 560-595.

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com documento que os punha em liberdade e uma carta do Provincial que os convocava a Barcelona. Os cinco Irmãos foram assassinados pela brigada do trem, na viagem que os levava a Barcelona. O nome desses cinco figura nas vítimas de 6 de outubro.

O Irmão Melecio, de 54 anos, diretor do colégio, viu desaparecer a sua comunidade que tentava ir a Barcelona para o sinistramente famoso navio-prisão Cabo San Agustín, a pedido do Irmão Provincial. Melecio encontrou refúgio em família amiga, esperando tempos melhores. Mas a família também foi ameaçada. Ele pensou que esconder-se em Barcelona seria mais seguro. Assim, dispôs-se a tomar o trem, mas foi detido na própria estação de Girona. Posto em liberdade, ele encontrou o Irmão Eudaldo e juntos arriscam a viagem para Barcelona. Mas eles também caíram nas mãos da brigada do trem. Os jornais de Girona do dia seguinte deram a notícia da descoberta dos corpos de dois monges. Era 19 de novembro de 1936.O Irmão Miguel Ignacio, de 21 anos, era sobrinho do Irmão Melecio e pertencia à mesma comunidade. Ele fez parte do grupo das 64 vítimas mortas no cemitério de Lérida, em que figurava o Irmão Jenaro.

O Irmão Adriano José, de 48 anos, era diretor da escola de Palafrugell. Foi preso e morto em 16 ou 17 de agosto de 1936.

2– A casa da editora Luis Vives (Barcelona)116

Nesta casa trabalhava uma comunidade de 13 Irmãos; o Irmão Heraclius era o seu diretor. Na noite de 19 para 20 de julho de 1936, tudo foi entregue às chamas: construções, máquinas, depósito de livros, biblioteca, arquivos e dependências.116 Vidas entregadas, p. 596-609.

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Três Irmãos dessa comunidade foram vítimas em Barcelona ou arredores, sem contar aqueles que, mais tarde, fizeram parte do grupo do Irmão Laurentino, como o Irmão Virgilio. Apresentemos os três Irmãos.

O Irmão Bernardino, 58 anos. Quando os milicianos vieram prendê-lo, em 20 de setembro, ele estava acamado, enfermo. Ordenaram que se levantasse: « No lugar a que vamos levar-te, encontrarás todos os cuidados necessários ! » Ele foi assassinado no dia seguinte, em 21 de setembro.

O Irmão Isidro, 60 anos, salvou-se da casa em chamas e se escondeu na cidade, mudando de pensão seguidamente. Por fim, ele decidiu ir a Terrasa, onde tinha parentes. Reconhecido como religioso, foi fuzilado em 9 de setembro. O Irmão Cosme José, 52 anos, depois do incêndio, procurou também alguma pensão. Em 20 de setembro, caiu nas mãos dos milicianos, que o executaram no mesmo dia.

3– As comunidades de Lauria, Barcelona 117.Neste bairro de Barcelona, duas comunidades trabalhavam no Colégio La Inmaculada. A construção não foi queimada, porque no térreo havia lojas e os proprietários protestaram para salvar os seus bens. Isso não impediu a pilhagem dos andares superiores nem a confiscação dos locais. Os Irmãos tiveram de alojar-se alhures. Cinco Irmãos foram detidos e fuzilados.

O Irmão Justino, 58 anos, era homem ativo e otimista. Muito auxiliou o Provincial no plano de salvar os Irmãos. Ele se deslocava entre Barcelona e Girona, 117 Vidas entregadas, p. 610-630.

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para tentar tirar os confrades da prisão e muitas vezes lhes levava a comunhão. Aconselhou-se-lhe prudência, visto que os espiões estão em toda a parte. Ele respondeu: “Todos os meus documentos estão em ordem e neles figura que eu sou viúvo, já que me arrancaram a esposa Congregação”. Em 6 de outubro, de madrugada, ele tomou o trem de Girona para Barcelona. Detiveram-no na estação de Barcelona. A partir daí não se teve nenhum sucesso no rastreio dele.

O Irmão Teodoro, 48 anos, encontrou refúgio em casa de parentes. Os vizinhos, porém, vendo a pessoa desconhecida, denunciaram a situação. Em 30 de setembro foi detido e fuzilado.

O Irmão Mauro, 55 anos, esteve em pensão onde se alojavam os Irmãos Bernardino, Graciano e Perpetuo. Descobertos como religiosos, foram assassinados em 21 de setembro.

O Irmão Ignacio Maria, 23 anos, em 30 de setembro, foi detido numa pensão e logo o levaram à execução.

O Irmão Pedro Bartolomé, 25 anos, em 6 de outubro, dirigiu-se à estação de Barcelona para receber o Irmão Justino e outros Irmãos que chegavam de Girona. Na realidade, neste mesmo dia, todos foram executados.

4– A comunidade de San José Oriol, Barcelona118.Esta comunidade contava 17 Irmãos. Foi a primeira a ser atacada e a ser obrigada a se dispersar, enquanto o colégio era queimado. Oito Irmãos desta comunidade sofreram o martírio, constando quatro deles na causa do Irmão Eusébio: Os Irmãos 118 Vidas entregadas, p. 631-644.

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Graciano, 59 anos, Cosme, 24 anos, Apolinar, 20 anos, e Pascual Pedro, 24 anos. Aprisionados em pensões diferentes, eles foram fuzilados no mesmo dia, em 21 de setembro, no lugar chamado la Rabassada.5– A comunidade de Sants, Barcelona 119.O colégio era belo, novo e de estilo moderno. Ele acolhia os filhos dos operários e de outros trabalhadores modestos. A comunidade era de 12 Irmãos ocupados no ensino. Nas primeiras horas da revolução, em 19 de julho de 1936, o colégio foi entregue às chamas, enquanto a comunidade teve de dispersar-se. Dos oito Irmãos que derramaram o sangue por Jesus Cristo, cinco fazem parte da presente causa. Como para as outras comunidades de Barcelona, aqui não se tem uma execução de grupo fechado; os Irmãos foram detidos em datas e pontos diferentes. Segue a lista dos cinco Irmãos.

Os Irmãos Adjutorio, 54 anos, e Eladio Clemente, 21 anos, assassinados em 23 de julho em las Arenas, Barcelona. O Irmão Berenguer, 53 anos, em 28 de julho, em Molins del Rei. O Irmão Silvano Maria, 38 anos, em 20 de setembro, em Barcelona. O Irmão Perpétuo, 56 anos, em 21 de setembro, em Barcelona.

6– A comunidade de Badalona120.Nesta cidade, o colégio dos Irmãos foi incendiado imediatamente depois do levante de Franco, restando para os Irmãos apenas a fuga. O Irmão Barnabé, diretor, foi a Barcelona para tomar o navio Cabo San Agustín. Ele faz parte do grupo de Irmãos que foram mortos com o Irmão Laurentino. Três Irmãos desta comunidade foram incluídos na causa do Irmão Eusébio: Gumersindo, 37 anos, e Julio, 56 anos, foram

119 Vidas entregadas, p. 645-663.120 Vidas Entregadas, p. 664-675.

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mortos em 8 de agosto em Badalona. Macário José, 25 anos, foi morto em 27 de setembro, junto com um sacerdote carmelita.

7–As comunidades de La Garriga, Centellas e Sabadell121.Cada uma destas três comunidades perdeu um Irmão. Da comunidade de La Garriga foi o Irmão Jacindo Miguel, de 42 anos, diretor da escola, morto em 8 de setembro.

A pequena comunidade de Centellas contava quatro Irmãos que gozavam verdadeiramente da simpatia da população, mas o perigo veio de fora. Por prudência os Irmãos se refugiaram em Barcelona. Aí os milicianos, numa revista da pensão, prenderam os Irmãos Cosme José, Ladislao e Cirilo Portugal, 59 anos, este último da comunidade de Centellas. Os três foram martirizados em 20 de setembro.

Em Sabadell funcionava um colégio de ensino secundário e uma escola de ensino primário, em duas comunidades. O colégio foi totalmente destruído pelo fogo; a outra escola não foi pilhada. O Irmão Fausto Pi, de 57 anos, diretor do colégio, foi assassinado em Barcelona, em 17 de setembro.

9– As comunidades de Lérida122

Nesta cidade os Irmãos dirigiam duas escolas: Montserrat com 21 Irmãos e Clavé com 10. Das suas fileiras saíram nove mártires: três pertencentes à causa do Irmão Laurentino e seis àquela do Irmão Eusébio. Na primeira inspeção do Colégio Montserrat, o diretor teve a idéia de oferecer a escola como hospital e os Irmãos como enfermeiros, o que

121 Vidas entregadas, p. 676—688.122 Vidas entregadas, p. 689-710.

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foi aceito. Em 25 de julho, porém, milicianos se aprentaram, exigindo informações sobre os monges. Uma enfermeira indicou dois enfermeiros vestidos de branco. Eram os Irmãos Emérico, de 46 anos, e Cándido, de 58 anos. Aprisionados, foram levados por uma viatura ao Campo de Marte. Aí arrancaram-lhes a blusa de enfermeiros e os mataram.

Então os Irmãos das duas comunidades se reagruparam em Montserrat; mas a vida tornava-se cada vez mais arriscada. A prudênia sugeriu que se dispersassem. O Irmão diretor Basílio Maria, de 41 anos, e o jovem Irmão Efrén Agustín, de 22 anos quiseram ir a Mataró, onde o diretor estava com o pai. Mas, chegados a Barcelona, foram detidos e, em 5 de setembro de 1936, assassinados.

Sorte semelhante atingiu os Irmãos Lorenzo Matias, de 23 anos, e Cecilio Benjamín, de 20 anos. Em 4 de outubro tomaram o trem para Lérida para ir a Barcelona. Foram seguidos pelos milicianos. Em Manresa, trocaram de vagão; os milicianos também. Os Irmãos foram assassinados nesse mesmo dia, 4 de outubro.

10– Os Irmãos da casa de Vich123.Esta comunidade comportava três secções : juvenato, colégio, alfaiataria. Nove Irmãos foram vítimas de morte violenta, entre eles seis que constam na presente causa.

O Irmão Alfonso. Ele manteve agenda, em que anotou todos os acontecimentos de primeiro de agosto a 3 de setembro. Nesse dia, diante da mãe e dos seus irmãos, ele foi detido com o mano Jaime; foram conduzidos à prisão. Ficaram aí até 23 de setembro, 123 Vidas entregadas, p. 711-733.

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dia em que Alfonso compareceu ao tribunal. Queriam saber onde estava escondido o dinheiro da comunidade. Mas ele fez notar ao juiz que as obras estavam em déficit, com dívidas vencidas. De tarde, um agente do Comitê se apresentou para notificar que foi decretada a morte de um deles, à escolha: “Imediatamente o Irmão Alfonso se levantou e me disse: tu tens família e te deves a ela. Serei eu, pois estou livre de tal responsabilidade”. Enquanto Jaime se dirigiu a casa, o Irmão Alfonso foi levado à execução. Dos 59 Irmãos servos de Deus da presente causa, Alfonso era o mais idoso, com 63 anos.

O Irmão Carlos Maria, 47anos, era o diretor do colégio, estava com o jovem confrade Federico José, 26 anos. O diretor deu-se conta depressa de que a situação ficara séria. Encontrou bom esconderijo em Barcelona, mas o seu senso de responsabilidade fez com que retornasse muitas vezes a Vich, tanto pela escola como pelos Irmãos que aí ficaram. Numa dessas viagens, a polícia o deteve com o jovem Federico. Levados fora cidade, foram fuzilados na noite de 23 de setembro.

O Irmão Emigdio acompanhou, num primeiro tempo, os juvenistas e com eles viveu numa herdade. Quando os milicianos deram a ordem de devolver todos os jovens, ele preferiu partir para Barcelona. Aí foi feito prisioneiro da FAI, cujos integrantes o mataram. Era o dia 23 de setembro e Emigdio tinha apenas 19 anos, um dos mais jovens da presente causa.

Vejamos o caso dos Irmãos Jenaro, 39 anos e Lucio. Estes dois Irmãos deixaram Vich com a intenção de irem a Las Avellanas, considerando esse canto afastado como casa isolada e lugar tranqüilo e seguro. Eles foram aprisionados na estação de

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Lérida. Seguiu-se longo interrogatório, no curso do qual o juiz aceitou que o Irmão Lucio conservasse o crucifixo, o terço e o escapulário. O pouco de dinheiro que ele tinha entregou ao juiz, que se admirou, mas o Irmão lhe explicou: “Na prisão não vou precisar, porque penso que vão dar-me de comer”. O juiz encontrou nos seus pertences agulhas, linha e botões e lhe perguntou para que servia isso. “Não tenho mulher, aqui as dificuldades não faltam; tenho de me arrumar, respondeu ele. Ambos ficaram presos. Os milicianos que os receberam comentaram entre si:“Olhe que ambos são bastante gordos. Os vermes vão ter banquete esta noite”.

O Irmão Lucio ficou na prisão até 27 de novembro, dia em que foi conduzido à audiência e posto em liberdade. O Irmão Jenaro conheceu sorte diferente. Em 20 de setembro, o retiraram da prisão e o conduziram ao cemitério de Lérida. Foi morto na noite de 20 para 21 de setembro, com 64 outros mártires, entre os quais o Irmão Miguel Ignacio. No aguardo da execução, o grupo se preparou ao martírio com o canto da Salve Regina e do Magnificat.

11– Os humildes de Las Avellanas124.Em 30 de julho a inquietação tomou conta dos Irmãos de Las Avellanas. Não viam solução do seu problema. O Irmão Hipólito, José Oriol e Felix Alberto queriam ir a Lérida. Desceram em Balaguer. O Irmão Hipólito, francês, pôde continuar no rumo de Lérida, os outros dois não. Procuram alojamento entre amigos, mas por toda a parte era perigoso. Retornaram a Las Avellanas, mas caíram nas mãos dos milicianos, que os despojaram e em seguida os executaram. José

124 Vidas entregadas, pp. 734-756.

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Oriol tinha 50 anos, Felix Alberto 19. Este foi o mais novo dos 59 mártires da causa do Irmão Eusébio.

Os Irmãos Amador José, 30 anos, e Saturnino, 53 anos, eram os dois cozinheiros de Las Avellanas, onde viviam 217 pessoas. Foram presos pelos milicianos e interrogados. Perguntaram-lhes: “Se as coisas se normalizam, vocês vão retornar ao convento”? O Irmão Amador respondeu que ele seria o primeiro a fazê-lo. Essa asserção encheu-os de cólera. Retornaram a Las Avellanas. Descendo da viatura, ordenaram que caminhassem pela estrada que sobe para a padaria; enquanto avançavam, foram crivados de balas pelas costas. O padeiro, que fora requisitado para conduzi-los à cena, testificou: “Eles morreram sem grandes discursos, sem grande profissão de fé, mas com a candura de pessoas simples”.

Os Irmãos Domingo Maria, 28 anos e Saturio, 55 anos eram dois Irmãos da enfermaria : o primeiro havia cinco anos que estava doente do mal de Pott; o segundo era enfermeiro. Quando a casa de Las Avellanas foi expropriada, os doentes foram transferidos ao hospital de Balaguer. Em 2 de setembro, o Irmão Domingo Maria foi retirado do hospital e levado à porta do cemitério e morto na sua maca. Depois o corpo foi encharcado de gasolina e queimado. Este doente inofensivo nunca sonhou com martírio tão glorioso. O Irmão Saturio foi morto em 25 de setembro, em circunstâncias misteriosas, ele que tanto se dedicara aos enfermos.

12– Comunidade de Canet de Mar125. Esta comunidade era a menor da Província ; não contava senão três Irmãos. Quando a prudência aconselhou que se deixasse a escola, o diretor Irmão 125 Vidas entregadas, pp. 757-765.

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Damasceno alojou-se na sua família em Girona. Atravessando região montanhosa, os Irmãos Salvador Luis e Leandro José, dois jovens da comunidade, de 29 e 22 anos, chegaram a Calella, onde foram acolhidos por Pelayo Girbau, irmão do Irmão Graciano e pai de dois outros maristas. O Comitê estava informado dessa presença. Em 26 de julho, pelas três da tarde, um grupo de milicianos foi prender os dois Irmãos, sob o pretexto de reconduzi-los a Canet de Mar. Na estrada, tiveram de descer e os mataram com descargas à queima-roupa. Era difícil para o Irmão Leandro morrer tão novo. Em vão suplicou aos carrascos, que eram da sua idade, que não os matassem.

Para maior precisão, os milicianos haviam feito um rastreio à meia-noite na casa de Girbau, para notificá-lo de que estava convocado pelo Comitê. Foi interrogado sobre os dois Irmãos; ele respondeu: “Eu acreditaria na doutrina de vocês que prega a liberdade para todos, se deixassem em liberdade esses dois inocentes; seria covardia matar dois rapazes que vocês querem prender apenas pelo motivo de que não pensam como vocês. Deixem-nos em paz, que eu acreditarei no que vocês pregam”. Mas os pregadores da liberdade, já no dia seguinte, mataram os dois Irmãos, jovens nos seus vinte anos.

13– Comunidade de Pontos126.Esta casa de formação pertencia à Província do México. Lá se formavam os escolásticos e os noviços mexicanos com alguns espanhóis. No total uma vintena de escolásticos, sob a orientação de cinco Irmãos formadores e 35 noviços e postulantes. Os mexicanos puderam retornar ao seu país em 24 de

126 Vidas entregadas, p.766-772.

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julho. Ficaram na casa 25 jovens com os Irmãos Louis e Valerius, franceses.

Aqueles que podiam retornar às suas famílias tinham o risco de ter de alistar-se no exército. Era o caso dos Irmãos Valério Paulino e Fidencio, incorporados no mesmo batalhão republicano. Durante o dia eles tinham algum tempo para retirar-se e rezar o terço e o ofício da Santíssima Virgem. Facilmente lhes podem escapar palavras de conteúdo religioso que podem chegar ao capitão da companhia.

Um belo dia, eles foram convocados pelo comandante do batalhão. Era cilada; no retorno, o capitão da companhia deles os aguardava na estrada. Obrigou o Irmão Valério Paulino a tomar certo desvio do caminho e o matou pelas costas. “Espero que esta lição te baste”, falou o capitão ao Irmão Fidêncio. “Caso se trate de defender a religião e a Deus, não vou calar”, respondeu Fidêncio. Furioso, o capitão, de revólver empunhado, obrigou-o a tomar o mesmo caminho de Valério e o crivou de balas. Era na frente de Balaguer, Lérida, em outubro de 1938. Os jovens mártires não haviam atingido os vinte anos.

14– Outros Irmãos assassinados em Barcelona127.O Irmão Eudaldo, 51 anos, diretor da escola de Igualada, foi morto em 19 de novembro de 1936, com o Irmão Melecio, pela “brigada do trem”, logo que chegou a Barcelona vindo de Girona. O Irmão Rodrigo, 36 anos, trabalhava em Torelló. Tinha ido a Barcelona. Detido pelos milicianos, foi executado em 31 de agosto de 1836.O Irmão Maximino, 59 anos, era o ecônomo da casa provincial. Em 20 de julho, ele saiu como de costume para fazer compras e preparar a refeição. Meia hora 127 Vidas entregadas, p. 773-794.

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antes do almoço, os milicianos fizeram irrupção e inspecionaram a casa; foram embora, levando os superiores. De modo surpreendente, deixaram em liberdade o Irmão Maximino e o Irmão Moisés; este era francês. A prudência lhes ditou que abandonassem a casa. Encontraram uma pensão em que outros Irmãos já estavam alojados. Um antigo cozinheiro do colégio de Sants reconheceu o Irmão Maximino e o denunciou. Em 8 de setembro, os Irmãos Maximino, Jacinto Miguel, Justo Pastor e Alípio José caíram em cilada dos milicianos; foram detidos e assassinados no mesmo dia.

O Irmão Honorio, 54 anos, fazia parte da comunidade de Denia, quando os acontecimentos explodiram, em 18 de julho. Ele foi alojar-se em Barcelona, em pensão que parecia segura; nela ele encontrou o Irmão Fausto, diretor de Sabadell. Essa pensão era freqüentada também por operários marxistas que aí tomavam as refeições; os operários desconfiaram dos religiosos. Em meados de setembro, na hora do almoço, um grupo de milicianos se apresentou. Levaram consigo o dono da pensão, um carmelita e os dois Irmãos. Todos encontraram a morte em 17 de setembro de 1936.

No umbral do martírioEste grupo de 59 Irmãos, para a maioria dos quais o martírio se passou de noite e na solidão, deixou a impressão de plenitude. Muitos eram homens maduros, homens de fidelidade e de responsabilidade; 33 haviam passado os quarenta anos, 23 estavam nos cinqüenta. Aqueles de menos de trinta haviam amadurecido nos tempos difíceis da República, desde 1931, quando a vida religiosa constituía risco e desafio.

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As páginas da obra Vidas Entregadas se detêm de boa mente no perfil da alma de cada um deles. A justaposição desses retratos comporia um mosaico imponente feito de educadores, de apóstolos e de homens de Deus, em que se podem ler com clareza as linhas de força da identidade marista.

1– EducadoresA folgada maioria desses Irmãos trabalhava na educação de crianças e jovens. Como educadores, foram notáveis na competência, na dedicação, no amor aos meninos, no culto do respeito e da alegria, na preocupação em forjar homens de valor, como pedia Marcelino: bons cidadãos. O Irmão Bernardino, da Editora Luis Vives, foi assim apresentado: “Ele era um dos maiores valores da Espanha marista; inteligente, piedoso, extraordinariamente caridoso, ele possuía todas as qualidades para formar um religioso perfeito. Ele escrevia bem. No tempo em que também dava muita aula, sabia compor livros para a Editora; publicou, por exemplo, a excelente ‘Gramática do terceiro grau’. »128

O perfil do Irmão Basílio Maria tinha como primeiro título “Educador prestigioso”. No tempo da perseguição, ela era diretor em Lérida; dele foi escrito o seguinte: “Ele era professor especializado em letras; mestre notável pelo interesse tanto intelectual como moral e espiritual que ele despertava nos seus discípulos que dele guardam a melhor das recordações. Ele era extremamente atencioso, cortês, afável. Sempre sorridente, atraía a simpatia dos jovens. Os seus modos eram gentis, doces; nunca empregava atitudes bruscas, rudes, nem palavras que pudessem ofender. »129

128 Vidas Entregadas, p. 601.129 Vidas Entregadas, p. 692-693.

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As quintas-feiras eram dias livres. O Irmão Berenguer os aproveitava para exercitar os voluntários em cursos de declamação, de redação poética, cultivo da leitura, de modo que a conversação se tornasse mais vigorosa, mais simples ou mais ornada.130

A leitura das curtas biografias oferecidas pela obra Vidas Entregadas mostra bem que para esses Irmãos educar era uma como paixão, vocação ou amor, a que se entregavam com devotamente total.

2–ApóstolosNa maioria desses Irmãos, constitui tarefa difícil separar o educador do apóstolo: o educador é motivado pelo apóstolo, impregnado de valores apostólicos; a competência e os dons pedagógicos, unidos às qualidades humanas do educador, dispõem o coração dos jovens ao encontro com Deus.

Os retratos espirituais sublinham o cuidado que os Irmãos tinham com a catequese, especialmente no catecismo marial. O apostolado desbordava da escola para atingir a paróquia: preparação para a primeira comunhão, animação da liturgia, catequese dada a crianças que não eram da escola marista. Não era menos cuidada a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Um Irmão para quem esta devoção era cara organizava conferências, horas de adoração, distribuía santinhos, folhetos; policopiava folhas, entronizava estátuas do Sagrado Coração. O Irmão Bernardino, durante bom número de anos, publicou uma revista que se chamava o amigo da juventude131, revista pedagógica e apostólica muito apreciada, lida

130 Vidas Entregadas, p. 653.131 Amigo da juventude.

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por professores e jovens.132 Mesmo na prisão se pode ser apóstolo. Era o caso do Irmão Jenaro. Dois seminaristas que partilhavam a sua cela testemunharam : “Jenaro fazia a alegria deles com os seus cantos religiosos, contos, destaques espirituosos e paradoxos, com o que se podia esquecer um pouco a prisão. Ele sustentava o bom-humor de todo o mundo”.133

3–Homens de Deus. Era o elemento constitutivo central desses Irmãos, porquanto nesses homens de Deus se forjavam o educador e o apóstolo. Múltiplas são as facetas religiosas que apresentam esses Irmãos, como explicita o trio a seguir.

(1) É o cuidado que eles dão à oração como tempo de intimidade com Deus, as visitas freqüentes ao Santíssimo Sacramento, breves momentos de amizade e de luz. (2) É a devoção mui afetuosa à Santíssima Virgem que, como Mãe, a todos acolhe; alguns a chamam dulcíssima Mãe. (3) Ademais, é o senso da vida eficaz, o amor da família, a atenção para as pequenas coisas, que fazem do Irmão um filho da casa.

Um confrade retrata o Irmão Fausto, diretor em Sabadell, com as palavras seguintes: «No meu ponto de vista, é um dos homens mais virtuosos que eu tenha conhecido. Era de tamanha candura como se o pecado original não houvesse passado pela sua alma. Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus, palavras evangélicas de Jesus, tinham nele perfeito cumprimento. Isso não quer dizer que ele fosse crédulo; pelo contrário, exibia cultura extraordinária. Ele dominava o inglês, o francês, o

132 Vidas Entregadas, p. 600.133 Vidas entregadas, p. 723.

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alemão; professava cursos de física e de matemática nas últimas séries, ademais das letras e das matérias comerciais »134.

Muitas vezes, o que impressiona é o radicalismo do dom, a consciência cotidiana de pertencer aos outros: a Deus, aos alunos, aos confrades, dos quais eles se fazem alegres servidores.

Além disso, há os Irmãos encarregados dos trabalhos manuais: alfaiates, cozinheiros, enfermeiros, para quem constitui grande alegria prestar serviço, sendo-lhes dado conservar no coração e no relacionamento fraterno uma como alegre transparência, em que a comunidade pode espelhar-se à vontade.

Eis o triplo entrelaçamento das diversas fibras da identidade e da santidade marista.

(a) O trabalho da educação que integra sempre o apostolado do cidadão probo e do bom cristão, isto é, o homem equilibrado que queria Champagnat. (b) O Irmão que se abre a Deus, se faz disponível, assegura os seus tempos de intimidade, ama a Mãe do Senhor e a faz amar. (c) O Irmão que é irmão na comunidade, atento à alegria dos outros, cuidadoso dos bens de todos, vivendo a simplicidade de uma vida de família sadia.

Esses 59 Irmãos mártires constituem condizente espelho que reflete o rosto marista. Lendo a vida deles, não nos sentimos estranhos, temos a alegria de descobrir as coisas da nossa casa, as que conhecemos e as que também vivemos no nosso cotidiano. O

134 Vidas Entregadas, p. 687.

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martírio apôs um como selo no sangue dessas vidas que já haviam sido ofertadas.135

OS NOSSOS IRMÃOS DA OCEANIA

Na Oceania, dois Irmãos perderam a vida no decurso da sua missão. Em 1847, o Irmão Hyacinthe foi imolado no mesmo tempo dos sacerdotes maristas Jacquet e Paget, na ilha de São Cristóvão–Salomão. Em 1864, o Irmão Euloge foi morto, quando estava cuidando dos feridos de um combate.

A morte do Irmão Hyacinthe(Notas extraídas dos trabalhos do Ir. Edward Clisby, arquivista da Província da Nova Zelândia).

Em 10 de dezembro de 1847, o Irmão Gennade (Pierre Rolland, 1817-1898) escreveu uma carta ao Irmão Francisco, contando-lhe como o Irmão Jacinto tinha sido morto, no dia 20 de abril de 1847. Antes de descrever a morte, faz esta reflexão para o Irmão Francisco: “O senhor perdeu um Irmão, mas tem a alegria de ter um mártir, nas fileiras da sociedade.”

Na manhã de 20 de abril de 1847, os padres Paget e Jacquet, acompanhados pelo Irmão Jacinto, deixam a missão mantida na tribo dos Jones, com a intenção de observar um possível novo campo de missão. Chegam a um povoado dos Toros, tribo rival dos Jones, de onde provinham os missionários. Eles têm a impressão de serem bem acolhidos e alguns homens os acompanham gentilmente, fora do povoado, como expressão de homenagem.De repente, um grito e começa o morticínio. O Pe. Paget recebe uma lança no estômago, o Pe. Jacquet é morto com 135 É o que justamente quer expressar o título da obra que apresenta todos os nossos mártires: “Vidas Entregadas”.

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uma machadada na cabeça. O Irmão Jacinto é acompanhado por um jovem da tribo que o abraça pelo pescoço, como se fossem amigos. De repente, tenta encravar-lhe sua lança nos ombros, mas a lança resvala superficialmente e a vítima é morta a golpes de machado… Os corpos foram esquartejados e preparados para um festim.

O Irmão Gennade entende que essas mortes foram motivadas pela tradicional inimizade existente entre os Toros e Jones. Eles mataram os missionários porque esses se haviam estabelecido entre os Jones. E conclui que os Padres e o Irmão não foram mortos por causa da fé e não são mártires, no sentido tradicional da palavra. Pode-se matizar diferentemente essa compreensão, considerando que mártir é também aquele que está pronto a dar sua vida, aquele que deixa tudo e vive num contexto sabidamente perigoso. Ali está, porque deseja anunciar o Cristo; sabe que arrisca sua vida.

A morte do Irmão Euloge (Antoine Chabany, 1821-1864)

Ele foi morto no dia 16 de maio de 1864, por ocasião de um combate, na ilha de Moutoa (Nova Zelândia), dos Hauhau contra os cristãos católicos e protestantes.

No livro ‘Marist Brothers and Maori, 1838-1988’, do Ir. Edward Clisby, encontramos este parágrafo: “Pensando que o Ir. Euloge (Eulógio) tinha sido morte por causa de sua fé, muitos o consideraram mártir. É por isso que está na lista dos 200 Irmãos maristas mártires. Alguns Maori têm mesmo pedido sua canonização. Na realidade, ele mais parece ter sido morto por ser um branco e não por causa de sua fé. No entanto, como foi voluntário no socorro aos feridos, colocou sua vida em perigo. Por essa razão, os Irmãos maristas e a Sociedade de Maria o consideram mártir da caridade.

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Nessa região do mundo não podemos esquecer são Pedro Chanel, protomártir da Oceania, e o seu companheiro de trabalho e amigo do coração, Irmão Marie Nizier. Estes dois homens não somente viviam a mesma missão, mas igualmente a mesma santidade. O martírio de Chanel, de certa forma, é o martírio do Irmão Marie Nizier: ele perde o amigo mais íntimo, seu pai e irmão. Embora tenham tido diferente destino, na nossa memória eles têm direito a uma celebração comum.

O IRMÃO MARIA NIZIER

Introdução.

No dia 3 de fevereiro de 2004, foi celebrada a festa dos 130 anos da morte do Irmão Maria Nizier, companheiro do padre Pedro Chanel, em Futuna, na Oceania. No decurso da celebração, levantou-se um pouco o véu deste generoso Irmão, jovem e cheio de ardor no serviço do Evangelho. Foi na fé e na oração que ele hauriu forças para vencer os obstáculos da sua vida missionária e o tempo de doença que tantas vezes lhe bloqueou o zelo apostólico. Com Maria, esse santo Irmão, catequista das populações autóctones, realizou notável inculturação. Foi a mais séria testemunha do martírio de são Pedro Chanel. Somos Irmãos, rezemos na sua companhia, para que ele nos inspire a sua fidelidade e a sua coragem.

1.Quem é Maria Nizier?João Maria, futuro Irmão Maria Nizier, nasceu em 19 de julho de 1817, em São Lourent–D’Agny, França. É o segundo filho de Jean-Antoine Delorme e de Pierrett-Rose Reynard. Ele freqüentou a escola de sua aldeia. A vida de João Maria testemunha a seriedade

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da sua vocação. Sendo conhecida na região a presença dos Pequenos Irmãos de Maria, pode-se dizer que João Maria certamente foi influenciado pela sua missão e gênero de vida. O padre Jacques Fontbonne, vigário de Saint-Laurent-D’Agny, que foi a l’Hermitage como candidato marista, pôde favorecer o futuro projeto de vida religiosa de João Maria, então com 11 anos. Em 23 de agosto de 1833, abre-se a porta do noviciado dos Irmãos Maristas para o jovem de dezesseis anos, João Maria.

2.Companheiro de são Pedro Chanel.Após a emissão dos votos perpétuos, em 10 de outubro de 1836, com apenas 19 anos de idade, João Maria, com o nome de Maria Nizier, foi convidado pelo Pe. Champagnat a que se preparasse para uma missão longínqua na Oceania, em companhia do Irmão Michel. Conheceu o Pe. Chanel ao se hospedar na sua companhia na Província do Chemin-Neuf. Quando os sacerdotes Chanel e Bataillon partiram a Paris, Maria Nizier, na mesma ocasião, voltou à sua família para obter o consentimento escrito do pai, dentro das formalidades em uso para semelhante partida. Chegou o grande dia. O grupo missionário foi a Fourvière, lugar de peregrinação particular dos Maristas. Com a proteção de Maria, os missionários tomaram a condução para Paris, no domingo de manhã, 16 de outubro.

3.A amizade se descobre durante a travessia.A leitura do memorial do Ir. Maria Nizier revela os seus sentimentos a respeito do Pe. Chanel, no momento em que o redige. Os fatos relatados remontam a mais de 30 anos e se referem a um homem que o Irmão amou e continua venerando. Assim, quando relata a travessia de Santa Cruz a

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Valparaíso, ele se compraz em sublinhar a atividade apostólica do sacerdote junto aos marinheiros e a influência que exerceu nas pessoas do seu convívio. As instruções aos Irmãos, à tripulação, bem como a preparação à comunhão pascal são trabalhos de toda a equipe dos missionários: maristas e padres franciscanos; mas o Ir. Maria-Nizier não vê senão o Padre Chanel. O prelado Pompallier é apenas mencionado (in Joseph Ronzon, p. 37). Dois fatos importantes mostram a amizade recíproca: a ruptura do breviário e o Padre Chanel que segura o braço de Maria Nizier, para impedir que o balanço do navio o espatifasse no chão.

4.Evangelizar os autóctonesA atividade missionária do Ir. Nizier não se exercia apenas nas tarefas materiais; participava também do trabalho pastoral do Pe. Chanel. Este tinha nele absoluta confiança, a tal ponto que enviava o Irmão junto aos moribundos que recusavam o sacerdote. Antes de partir, o Ir. Nizier se munia sempre de um frasquinho de água benta e, sobretudo, pedia a bênção do sacerdote. Muito se lamentou, quando se esqueceu desse gesto, no dia 26 de abril de 1841, porque, dois dias depois, o sacerdote foi assassinado. Levava a sério todas as missões apostólicas. Eis por que o Pe. Chanel considerava o Ir. Nizier como colaborador indispensável. Apreciava a disponibilidade do Irmão e, por que não dizê-lo, a estima que lhe votava. O Irmão dirigia-se ao Pe. Chanel, dizendo-lhe respeitosamente: “Meu pai”, como fazia em l’Hermitage com o Pe. Champagnat. E Chanel lhe respondia simplesmente: “Meu Irmão”. O padre se considerava e se comportava em relação a ele como um irmão mais idoso. O Ir. Nizier confessava-se com o Pe. Chanel e lhe confiava todas as dificuldades e tentações. Sentia-se compreendido e

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ajudado. Isso supõe confiança recíproca. Que bela cumplicidade! O amor ao trabalho bem feito é traço do caráter do Ir. Maria Nizier.

5.A provação da doençaAo voltar à ilha, em junho de 1842, o Ir. Nizier dava a catequese quase todas as tardes, após as ocupações do dia. Repentinamente, viu-se reduzido à impotência por uma doença, cuja causa desconhecia; pensava que ia morrer. Era tal a sua fraqueza que nem podia fazer sozinho o sinal da cruz. Estava tão mal que estranhava que os padres não lhe dessem a unção dos enfermos. Certo dia decidiu fazer uma novena ao Pe. Chanel e, no final, sentiu-se muito melhor. Atribuiu esse milagre ao Pe. Chanel. Essa doença não foi muito prolongada, mas particularmente dolorosa.

Durante a quarentena teve outras doenças, conseqüência inevitável da sua longa permanência naqueles climas. Mas nunca se queixou; conservou o espírito de regularidade e obediência. Falou dos seus achaques de saúde ao Ir. Francisco nestes termos: “Depois de minha última carta que lhe mandei, minha saúde tem sofrido abalos que a fizeram vacilar durante algum tempo. Agora, embora não esteja tão bem, posso trabalhar um pouco em diversas coisas, conforme as diferentes necessidades...”. Todas essas enfermidades terminaram por levá-lo na tarde de 3 de fevereiro de 1874.

6.O religioso e o homem serviçalO conjunto da sua correspondência revela o religioso preocupado com a fidelidade aos seus compromissos; ele sabe praticar com humildade a abertura do coração, e está atento às necessidades dos outros. A confiança e afeição que uniam o Ir. Nizier ao Pe. Chanel tornavam-lhe fácil a franqueza de coração. Os

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missionários que conheceram o Ir. Nizier mencionam o seu espírito religioso, a sua retidão e bom senso. O testemunho do Pe. Palazy fala do Ir. Nizier nestes termos: “Esse bom Irmão sabia falar a língua de Futuna; caminhava, pés descalços, como o povo, e se adaptava perfeitamente à sua alimentação. Era muito piedoso, modesto e respeitoso, além de ser assíduo aos seus exercícios de piedade”. Depois, o Pe. Rocher deu a notícia da sua morte, dizendo: “Ele fez de muito bom grado o sacrifício da sua vida; a morte dele foi morte de um santo”.

7. Alguns pensamentos edificantes do Ir. Maria NizierSua admiração pelo Pe. Chanel.“Para mim é evidente que o venerável Pe. Chanel era dotado de grande bondade, de rara caridade. Além disso, ele havia recebido, não tenho dúvida, boa dose de graça de amor cego. Mas o venerável Servo de Deus, em 1840, será que ele conhecia bem os Futunenses? Tenho as minhas dúvidas, eles eram mais viciados e depravados do que ele os via. As aparências enganam”.

O pesar de não ser mártir“O dia 28, determinado para a minha volta, eu estava a caminho. Mais uma hora e eu iria misturar o meu sangue com o do meu anjo da guarda visível, meu pai espiritual, daquele que, depois de Deus, era o meu tudo em Futuna. Mas, ai de mim, para acompanhá-lo não era assaz puro.”

Durante a perseguição“Não deixei de continuar todos os meus exercícios de piedade, que foram a consolação de toda a minha vida nestes catorze dias que passaram desde a morte do Pe. Chanel até a minha partida.”

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Muda o espírito na ilha após os acontecimentos.

“O santo missionário conseguira finalmente, pelo seu sangue e morte, o que não conseguira pelos seus trabalhos e sofrimentos”.

De volta a Futuna“A coisa que mais ambiciono é encerrar a minha carreira, pela intercessão de Maria, na glória de Deus e que esse prazo não seja adiado por muito tempo.”

Nizier não se engana.“Eles estão quase todos batizados, mas nem todos convertidos, porque o comportamento de alguns o prova quase diariamente.”

Abertura de coração.“Não posso resistir à necessidade que sinto de lhe abrir o coração sobre certas coisas que quase me desanimam. Aviso-o, contudo, meu Reverendíssimo Padre, que nada lhe direi por animosidade, por ódio. Apenas lhe exporei as coisas como são.”Resposta à sua irmã religiosa, antes de morrer.“Recebi sua carta. Obrigado! Reze por nós. Adeus, até o céu! Seu mano”.

OS NOSSOS MÁRTIRES DA CHINA

Os nossos Irmãos da China, certamente, ofereceram ao Instituto um sólido exemplo de santidade. Depois da interrupção de trinta anos com os nossos superiores, causada pela perseguição política, aqueles que puderam retomar o contacto conosco, no tempo do Irmão Basílio, a primeira coisa que pediram foi a renovação dos votos, para a sua restaurada doação ao Senhor. Eles haviam sofrido a perseguição,

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o confisco de todas as suas escolas, conheceram os campos de trabalho forçado, os tribunais populares, a fome, a clandestinidade, a ameaça constante da sua liberdade, a impossibilidade de viver publicamente a sua fé, a privação da vida da Igreja, do pão da vida, da palavra de Deus. Na provação esses Irmãos se ancoraram no Senhor e nos deram exemplo de fidelidade, como fina flor de santidade.

1– A Província da China havia tido começos difíceis, com diversos Irmãos mortos. Foram quatro em 1900, com dois chineses: Irmãos Jules André, Joseph Félicité; o Irmão chinês Joseph Marie Adon e o postulante chinês Paul Jen. Em 1906, cinco outros Irmãos foram vítimas em Nant Chang: os Irmãos Léon, Louis Maurice, Prosper Victor, Joseph Amphien e Marius. Os sacerdotes lazaristas, mortos nas mesmas circunstâncias, já foram canonizados. Os nossos Irmãos no céu são todos gloriosos e aptos para interceder.

2– No começo da perseguição comunista de 1949, os nossos Irmãos da China ofereceram ainda um testemunho muito sólido de fidelidade e dom total. O caso mais conhecido é aquele do Irmão Joche Albert. Ainda que a sua causa não haja sido introduzida, estamos em presença de verdadeira testemunha de Jesus Cristo, até o sangue; estamos mesmo em face de um mártir que defendeu e professou a sua fé com vigor de inteligência e com dialética brilhante.

3– A carta do Irmão Provincial da China, dirigida ao Irmão Basílio Rueda em 1979, é pouco conhecida de nós. A carta informa a sorte dos Irmãos chineses que ficaram na China continental, sob o poder dos marxistas. No relato do Irmão Provincial Laurence Tung, de 8 de setembro de 1979, sublinhamos alguns

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casos próximos do martírio. Desde 1950, 26 Irmãos morreram ou foram mortos. O Irmão Jules André morreu de fome e frio ; o Irmão André Joseph Wei, foi morto depois de julgamento público; o Irmão Augustin Liu foi maltratado até morrer; o Irmão Antoine Hsio morreu em campo de concentração, como o Irmão Marcellin Yang e o Irmão Ernest Chang; o Irmão Marie Xavier Chang morreu na prisão. Há 23 Irmãos vivos. Há 6 Irmãos condenados a trabalhar em fazendas estatais ou em campos de concentração, muitas vezes longe de nós, como na Mongólia interior ou na Manchúria. O Irmão Damien Chang, que era o Visitador, cumpriu oito anos de prisão. O Irmão Emile Chang cumpriu quinze anos de prisão por ter ensinado o catecismo.Estamos, por certo, em face de mártires que merecem a nossa gratidão, como Irmãos nossos e santos da nossa família.

Mártires da China 1900ou

A perseguição dos Boxers

1-O Documento reencontrado

Havia muitos anos que perdêramos todo e qualquer traço da Cópia Pública do processo diocesano acerca dos nossos mártires da China de 1900, isto é, os cristãos mortos pelos Boxers.

Pesquisando nos Arquivos do Vaticano, o postulador geral dos Lazaristas Pe. Giuseppe Guerra encontrou o Transunto, isto é, a cópia integral dos atos do tribunal diocesano de Pequim enviado à Congregação dos Ritos que, naqueles anos, se ocupava também da causa dos santos.

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O Transunto e a Cópia Pública são dois documentos idênticos. O primeiro é enviado ao Vaticano, o segundo ao ator, isto é, à congregação religiosa que se encarrega da causa, no nosso caso os Lazaristas.

Os Arquivos do Vaticano fizeram fotos do Transunto: 1500 páginas e as consignaram ao Pe. Giuseppe Guerra. Ele teve a gentileza de entregar-nos um DVD, de sorte que tivéssemos a posse dos atos do Processo Diocesano de Pequim. O pedido a Roma para abrir o processo foi feito em 1905 pelo bispo de Pequim. A abertura oficial do processo se realizou em Pequim, em primeiro de janeiro de 1914; em 28 de maio de 1936 o Transunto e a Cópia Pública estavam prontos e foram enviados a Roma. O tribunal diocesano, pois, ficou aberto por 23 anos.

O documento se apresenta como um conjunto de 1500 páginas manuscritas em latim. Trata-se essencialmente da transcrição dos depoimentos das testemunhas chamadas ao tribunal.

2-As testemunhas

A grande maioria das testemunhas são pessoas que presenciaram os fatos.

1. São parentes próximos dos mártires que escaparam da morte: pais, mães, maridos, mulheres, filhos, filhas, primos, vizinhos. Por exemplo, na paróquia de Tong-Tang em Pequim, Tomás Yen-Sung-Chan, comerciante de 62 anos, vem depor sobre 35

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pessoas, que foram clientes seus. Antes de tudo, porém, ele testemunha sobre os membros da sua família: a mulher, os filhos, a irmã e os filhos dela, o sogro e cunhada deste. Tomás também deveria ter morrido na casa em chamas; mas, envolto em cobertura, logrou fugir.

2. Algumas testemunhas são particulares, no sentido de que fazem parte da família exterminada; mas foram poupadas, porque eram pagãs. Essas pessoas tentaram muitas vezes convencer os próximos a oferecerem incenso aos ídolos, habitualmente sem resultado. Depois da perseguição, elas se tornaram testemunhas preciosas do martírio dos membros das suas famílias.

3. Um grupo de cristãos, em face da ameaça de exterminação de toda a família, apostataram; mas assistiram ao martírio dos cristãos fiéis. É o caso de Teresa Yu. Ela reconheceu ter renegado a fé; aceitou a penitência imposta pela Igreja para o seu retorno à fé. Ela viu morrer avô, pai, mãe, irmã; o último dos irmãos foi considerado desaparecido. Depois da tormenta, esses cristãos, que renunciaram à fé, retornaram à Igreja e se tornaram as melhores testemunhas.

4. Outras testemunhas são pagãs, vizinhos que, eventualmente, esconderam os cristãos nas suas casas, ou são pagãos, convertidos posteriormente à fé cristã. Há também muçulmanos, budistas e pessoas que se dizem sem religião. Há, enfim, aqueles que eram empregados dos Boxers.

5. Os quatro grupos citados acima são testemunhas de visu, oculares. Em número menor, há aqueles que

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ouviram contar os fatos em família ou entre amigos e até mesmo, por vezes, por antigos Boxers. São testemunhas ob auditu, de oitiva.

Em geral não são testemunhas de uma pessoa, mas de um conjunto de mártires; este grupo, por vezes, é tão numeroso, que o testemunho tem de ser resumido. Quando, em 25 de fevereiro de 1914, Nicolau Tchu presta o testemunho, ele pode enumerar até 51 mártires de diversas vilas próximas de Pequim. Maurício Tchu, que o precede no tribunal, é capaz de citar uns quarenta mártires.

Outra constante: muitas vezes, membros de família exterminada são testemunhas que não se deixam dominar pela emoção. Não há nenhum impulso romântico: os testemunhos se caracterizam, em geral, por grande autocontrole, nunca exprimem desejo de vingança.

Todas essas testemunhas expressam quanto almejam a beatificação dos mártires, como, aliás, espera toda a cristandade de Pequim.

As testemunhas são 130, muitas delas analfabetas. Deram o seu testemunho sobre 896 mártires, vítimas da perseguição desencadeada na China entre junho e agosto de 1900, evento conhecido pelo nome de perseguição dos Boxers.

Do ponto de vista histórico, o valor do documento é incontestável.

3-Os mártires

O documento oferece uma lista de 896 mártires, número considerável, porém limitado; ocorre que o

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número de cristãos chacinados pelos Boxers é estimado em trinta mil, entre junho e agosto de 1900.

A grande maioria dos mártires é de fiéis simples: agricultores ou operários, mas cuja vida cristã era de muita intensidade. Os testemunhos declarados no tribunal diocesano permitem-nos entrar no universo da sua vida cristã. Podemos ficar surpresos em verificar como o seu apego a Cristo era apaixonado. Muitas vezes, famílias inteiras são exterminadas: pais, filhos e até crianças. São os membros dessas famílias, miraculosamente escapados da morte, que se tornam testemunhas diretas desses mártires. Os quadros levantados desses cristãos simples mostram frescor único, uma integridade de fé que edifica e isto junto de grande reserva e autocontrole dos sentimentos.

As idades dos mártires são extremas, descendo dos oitenta anos para os poucos dias de alguns bebês. O grupo é formado tanto de homens quanto de mulheres e com grande número de crianças.

Cumpre não considerar esses mártires como estóicos insensíveis ao perigo. Pelo contrário, são tomados de medo ante a violência que se abate sobre eles. Na medida do possível, fogem da morte. Eles medem o horror: os seus bens são pilhados, casas e igrejas são entregues às chamas, a sua família é ameaçada de extermínio. Diante da morte, contudo, esse medo cede o lugar à coragem, à fidelidade. Por vezes, assiste-se a verdadeiros gestos de heroísmo. O aldeão Wang Yong Shing, para dar tempo a que a família fuja, apresenta-se diante dos Boxers que, ao invés de o matarem, lhe exigem que indique o esconderijo do dinheiro e das armas; ele contemporiza; afirma que fuzil ele não possui, mas pode conduzi-los aonde há

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um pouco de dinheiro. A mulher, que logrou salvar-se, foi testemunhar no tribunal.

Os mártires são agrupados por paróquias. Formam dezesseis blocos. A paróquia de mais mártires conta 145; outras têm 115, 103, 100, 78, 67...Aquelas de menor número contam 12, 11, 8. Mais que de mártires individuais, muitas vezes há grupos de mártires, famílias inteiras que são chacinadas.

A Congregação Marista teve quatro Irmãos mártires. O Irmão Adon e o postulante Paulo Jen, ambos chineses, fazem parte dos mártires de Chala, localidade perto de Pequim. Os Irmãos Júlio André e José Felicidade constam na lista dos mártires de Jen-Tse-Tang e Pe-Tang. A lista oficial dos mártires de Chala apresenta uma centena de nomes; mas, quando se abriu a fossa comum, (em geral lançavam os corpos em poços), retiraram-se 350 corpos. O número de cristãos mortos é sempre superior aos nomes que figuram na lista oficial do tribunal diocesano.

A lista do tribunal dá as notas essenciais de cada mártir: nome de batismo, nome chinês, lugar do nascimento, idade, condição de vida, parentela, lugar do martírio e, por vezes, algum informe como o seguinte: Na família Shun há cerca de oitenta cristãos, provindos de diversos pontos da cidade e, refugiados nesta casa, nela foram mortos. Muitos provêm de estratos sociais modestos: agricultores, operários, artesãos, alguns médicos, farmacêuticos, alguns raros professores ou pequenos comerciantes. São pessoas modestas e desarmadas, que suportaram a violência dos Boxers, que estão armados de fuzis, espadas, lanças e facões.

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Vamos a outra característica. Os simples fiéis formam o maior número, enquanto os sacerdotes e os religiosos e religiosas não passam de vinte: quatro sacerdotes Lazaristas, quatro Irmãos Maristas, uma dúzia de religiosas chinesas.

São os cristãos chineses que os Boxers tentaram fazer desaparecer, seja pela morte violenta, seja pela apostasia, cuja condição primeira era renunciar a Cristo.

Tal grupo de mártires nos dá uma ideia desse extraordinário povo de Deus. As nossas famílias religiosas devem sentir-se, a um só tempo, ufanas e humildes: ufanas, por ter gerado um modo chinês de ser igreja tão fortemente apegada a Cristo e de uma generosidade tão inteira e fiel; cumpre que os religiosos se considerem humildes, porque os nossos mártires lazaristas, maristas e religiosas comportam pequeno número. É o povo de Deus que foi golpeado e ficou fiel.

Houve apóstatas? Em certas paróquias, nenhum; em outras, sim. Para o pai e para a mãe, era intolerável que a família toda fosse ameaçada de extermínio. Quase todos esses cristãos, passada a tormenta, retornaram à Igreja, aceitaram a penitência imposta e se transformaram em testemunhas dos mártires.

Todos os grupos de Boxers não se comportam do mesmo jeito. Alguns não matam os cristãos que oferecem incenso; outros, depois de ter humilhado os cristãos por uma apostasia arrancada, chacinam-nos sem piedade, convictos de que tais cristãos, uma vez restaurada a paz, retornariam à Igreja. Os testemunhos recolhidos permitem ver que não houve comportamento monolítico nem da parte dos Boxers,

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alguns dos quais não matavam as crianças, nem da parte dos pagãos, dos quais alguns viam com bons olhos a eliminação dos cristãos, porque, pelo menos, tencionavam pilhar-lhes as casas, ao passo que outros os salvavam, escondendo-os ou assegurando-lhes enterro digno. As testemunhas aportam também julgamentos diferentes. Bom número deles dizem que as relações entre cristãos e pagãos eram boas antes da perseguição, ao passo que outros reconhecem certa animosidade no coração, sendo as relações condizentes apenas no exterior da pessoa. Os cristãos, por outro lado, não se comportaram todos do mesmo modo. A grande maioria não opôs resistência, como agricultores ou operários desarmados, mantendo-se apenas na defensiva da fuga. Nas Legações ou no Pe-Tang, onde muitos cristãos buscaram refúgio, tal resistência durou meses. Era uma resistência de defesa, não de ataque, isto é,. de assediados e não de sitiantes.

Passada a perseguição, a Igreja de Pequim preocupou-se em dar sepultura cristã a todos os corpos que foram encontrados. Muitas vezes, porém, os mortos eram queimados. Este sinal de respeito, primeiro sinal da fama de martírio, atesta que a Igreja considerava esses cristãos como verdadeiros mártires, imolados por se manterem fiéis ao Senhor.

4-Contexto histórico e social

Procuremos compreender o contexto histórico e social desta perseguição, na qual os cristãos foram mergulhados como por surpresa e acuados ao martírio.

1-A China

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O Império da China, no século XIX, ia perdendo a sua força de coesão e se via, de modo crescente, penetrado pelas grandes potências coloniais, que conseguiam concessões e legações no território chinês.

A dinastia mandchu dos Qing experimentava certo declínio. Duas forças sociais opostas se enfrentavam no Império: os contrarreformistas, em especial os Boxers, que pleiteavam manter a China nas suas tradições seculares, livre do aporte estrangeiro e da presença no seu solo de armas e de religiões de fora. Queriam uma China que não fosse presa das nações que sonhavam com o desmembramento do Império chinês. Essas nações coloniais eram a Grã-Bretanha, a Alemanha, a França, a Rússia, o Império Austro-Húngaro, a Itália, os Estados Unidos e o Japão, este apenas no fim do século XIX. Os contrarreformistas são profundamente nacionalistas, xenófobos, não sem razão, mas igualmente retardatários.

Em contrapartida, um grupo de intelectuais quer modernizar a China, dar-lhe uma Constituição, reformar a economia, os estudos e as forças armadas. A China, tendo perdido a guerra primeiro contra a Rússia, depois contra o Japão em 1894-1895, dá-se conta do seu atraso.

Esses dois grupos vivem em estado de tensão. Cixi, rainha viúva, escolheu o movimento contrarreformista, vivendo ela própria a humilhação a que a China foi submetida. Assim, ela vai apoiar tacitamente o movimento dos Boxers. Aqueles, porém, que visavam a modernizar a China tomaram o poder em 1911, suprimiram o Império e transformaram a China em República.

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2-Os Boxers

O Império da China, na sua história milenar, sempre conheceu movimentos de seitas secretas. Aquela dos Boxers, no começo, por volta de 1800, fazia parte desta tradição e era propriamente contra a rainha Thu Hi. O movimento era formado por grupos assaz diversos; no início, contava com agricultores que haviam perdido as suas terras. Os Boxers praticavam as artes marciais, como o Kung Fu, pelo que os britânicos os chamaram boxers ou pugilistas.

Sem tardar, o movimento adquiriu alma nacionalista, hostil a toda a presença ocidental, querendo a China forte e independente. A sua luta, por vezes desordenada, é luta nacionalista e atingiu o seu apogeu no período de junho a agosto de 1900.

Nos primeiros dias do levante, os Boxers não estavam presentes em toda a parte e matavam pouca gente. Assim, quando a Igreja de Tong-Tang foi incendiada, as Filhas de São José tiveram de deixar o seu convento. Elas perambularam pelas ruas por três ou quatro meses, mas não foram mortas.

Os Boxers se opõem com a mesma violência, muitas vezes brutal, à presença de estrangeiros tanto quanto aos chineses convertidos ao cristianismo, que eles chamavam de meioeuropeus ou Eul-Mao-Tze, modo injurioso de apelidar os cristãos. Para os Boxers os chineses cristãos haviam perdido a integridade da alma chinesa. Ademais, os Boxers iam entregar às chamas as igrejas e as casas dos cristãos, matando homens, mulheres, crianças, estripando mulheres grávidas, atirando os corpos nos poços. Por vezes, as

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casas incendiadas estavam cheias de cristãos. Os pagãos os ouviam rezar no meio das chamas.

Cerca de 30.000 chineses cristãos vão ser chacinados entre junho e agosto de 1900. Cumpre reconhecer, porém, que são raros os cristãos submetidos a torturas. Eles eram, em geral, agarrados e mortos.

Certa leitura da história poderia como heróis nacionais os Boxers, talvez desconhecendo que eram manipulados pela rainha; eles eram sobremodo insensíveis à liberdade de consciência das pessoas. Não estavam isentos de fanatismo e sadismo na chacina.

Outra realidade é que a perseguição dos Boxers se inscreve numa série de perseguições que começaram no século XVIII e se repetiram nos séculos seguintes. Essa perseguição não é a primeira nem a última. A perseguição dos Boxers não se deve considerar como fenômeno isolado.

A desforra das nações ocidentais, a partir de agosto de 1900, foi de extrema violência, ceifando vítimas na população humilde e saqueando a cidade de Pequim. Os vencedores impuseram à China a lei do mais forte e um tratado de paz de verdadeira humilhação. A repressão foi desproporcionada. Pretendia-se abater a China para que ela não mais se levantasse, pelo que as grandes potências estão carregadas de responsabilidade.

3-Os cristãos chineses

As relações com os pagãos, antes do acontecimento dos Boxers, em geral eram pacíficas. Muitas testemunhas o sublinham, quando são chamadas ao

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tribunal diocesano. Outras reconhecem ter havido uma tensão larvada. Em verdade os cristãos eram acusados de coisas extravagantes, como arrancar olhos e coração dos moribundos, cozer crianças em marmitas e comê-las, preparar remédios de poderes maléficos ou mesmo envenenar a água dos poços. Acima de tudo, porém, eram acusados de se terem tornado semieuropeus, ou Eul-Mao-Tze. Em contrapartida, eram também objeto de admiração, uma vez que muitos pagãos se convertiam à fé cristã, o que continuou depois da perseguição dos Boxers.

Da sua parte, os cristãos chineses sempre negaram que se haviam tornado semichineses ou semieuropeus: amavam a sua pátria como todos os demais e continuavam na vida simples de estilo chinês. Eles não se juntaram ao exército das potências ocidentais para desforrar-se dos perseguidores. Cerca de trinta mil foram as vítimas cristãs dos Boxers. Os testemunhos falam de famílias exterminadas, de cristãos queimados nas próprias casas muito mais do que de mártires individuais. Um catequista de Si-Tang afirma que na sua paróquia foram mortos entre 200 e 250 cristãos. Na tormenta dos Boxers, os cristãos chineses nunca opuseram violência contra violência. Eram campesinos de mãos nuas, em face dos Boxers armados de fuzis, de espadas e de lanças. Tentaram fugir, esconder-se na cidade de Pequim. Presos pelos Boxers, a grande maioria preferiu a morte à apostasia. Aceitaram ser vítimas de preferência a serem matadores. Tiveram muitos sinais para compreender que grande tormenta se desencadearia contra eles. Em tese, mártires não se improvisam; era o caso deles. .

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Entre os cristãos, não poucas famílias eram cristãs havia diversas gerações. Diante dos seus carrascos, afirmavam com clareza: “Somos cristãos há muito tempo e os senhores querem que renunciemos a Cristo”?

Eis a palavra ou pensamento chave. Os cristãos eram convidados, com insistência inverossímil, a renunciar à sua fé, muito mais que renunciar ao seu estilo de vida europeu, que efetivamente não tinham. Esses cristãos, de condição modesta, e longe de toda a política, haviam chegado ao amor de Cristo, e tamanho apego ao Senhor nos surpreende. Eles tinham encontrado Aquele que dava sentido à sua vida. E por Ele aceitaram morrer. Ficamos surpresos da fidelidade no martírio de certos cristãos que não eram fervorosos, que raramente frequentavam a igreja, ou que tinham o hábito de se embebedar. Em face da escolha definitiva, optaram pelo Cristo. Todos esses que foram mortos foi porque quiseram permanecer fiéis a Jesus. Aqui nos deparamos com a razão central do seu martírio. A sua vida fica exclusivamente dedicada ao Senhor. Aos pagãos que lhes suplicam de oferecer incenso aos ídolos para salvarem a vida, eles respondiam: “É impossível. Preferimos morrer a apostatar”. A razão política empalidece ante a fidelidade ao Senhor. Por certo eles foram vítimas políticas; mas muito mais são mártires, porque não quiseram renunciar a Cristo.

A Igreja de Pequim

A perseguição vai abater-se especialmente sobre a Igreja de Pequim e dos seus arredores. Durante os três meses trágicos do levante dos Boxers, de junho a agosto de 1900, as vilas das cercanias de Pequim,

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povoadas de campesinos sem nenhuma defesa, vão pagar pesado tributo. Já havia quatro grandes paróquias na cidade de Pequim, designadas segundo a sua situação quanto aos pontos cardeais: Si-Tang, no oeste; Nan-Tang, no sul; Tong-Tang, no leste; e Pe-Tang, no norte.

A Igreja de Pe-Tang era a catedral. Havia também a residência do bispo, Sua Excelência Favier, com o seu coadjutor episcopal Jarlin. Os Padres Lazaristas tinham aí a sua missão principal. Esta paróquia contava várias congregações religiosas na direção de escolas. No seminário maior e menor formavam-se 111 jovens candidatos ao sacerdócio.

Em Jen-Tse-Tang, bairro contíguo a Pe-Tang, havia 1.800 mulheres cristãs e jovens e crianças, 450 moças das escolas e dos orfanatos, 30 bebês nas creches. No total, havia 3.420 cristãos chineses nos dois bairros.

Esses dois bairros vão suportar o sítio dos Boxers por dois meses. Nesses dois bairros muitos cristãos tinham procurado refúgio. Aí se encontravam os Irmãos Júlio André e José Felicidade, com outros Irmãos, ao passo que seis deles se haviam refugiado nas Legações, isto é, residências dos representantes das diversas nações presentes na China.

Por ocasião do sítio de Pe-Tang e de Jen-Tse-Tang, os Irmãos Maristas vão dedicar-se por inteiro a defender esses postos: eles eram sucessivamente soldados, construtores de barricadas, vigias e enfermeiros, prestando aqui e acolá toda a sorte de serviços, sempre sob o fogo dos sitiantes. Os dias e as noites não eram mais que canhoneios, tiros de fuzil,

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combates, incêndios, explosões, mortes, feridos, doentes, moribundos; em suma, todos os horrores da guerra, seguidos do horror da fome. No espaço desses 64 dias, os Irmãos viram enterrar mais de 400 corpos dos pobres refugiados. Aí encontraram a morte os Irmãos José Felicidade, em 18 de julho de 1900, e o Irmão Júlio-André, visitador, em 12 de agosto de 1900…

Cha-la-Eul, ou Cha-la, encontrava-se num subúrbio de Pequim. Desde o mês de maio de 1893, os Irmãos dirigiam um orfanato de 125 crianças. Os Boxers puseram fogo à igreja, à escola das Irmãs e ao orfanato. Os órfãos se dispersaram e do total apenas sobreviveram 25. Dois Maristas chineses encontraram a morte: o Irmão José Maria Adon e o postulante Paulo Jen, em 17 de junho de 1900.

Os Irmãos Maristas haviam chegado à China em 26 de abril de 1891. No momento dos acontecimentos eles eram 48; dirigiam a escola de Nan-Tang, o orfanato de Cha-la, a escola de Tien-Tsin e uma escola em Shanghai. Em Pequim, em Nan-Tang e em Cha-la havia 15 Irmãos.

Os mártires de Si-Tang:Paróquia ocidental de Pequim.

1-Numa famíliaA minha mãe foi batizada poucos dias antes da sua morte. Ela tinha ido buscar o padre Maurice Doré para ser batizada. Dizia ela: ‘Se os Boxers me matam antes que seja batizada, não poderei entrar no céu’. O padre contestou: ‘Eu a batizarei quando você souber as quatro partes do catecismo. Mesmo que os Boxers a matem antes do batismo, é por Deus que você morre e, assim, irá ao céu’. Mas ela tanto insistiu,

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que o padre a batizou, junto com a minha irmã. Esta se casou algum tempo depois.

Contudo o pai e a avó paterna insistiram na apostasia dela. A mãe aceitou, porque ela temia muito o pai. A minha irmã, em contrapartida, recusou-se a oferecer o incenso.

Em 28 de junho, os Boxers chegaram e puseram fogo à casa dos nossos vizinhos que eram cristãos: a casa estava cheia de gente e os pagãos os ouviam rezar no meio das chamas.

Depois os Boxers irromperam na casa. Um dos meus irmãos e uma das minhas irmãs, ambos crianças, puderam escapar. A minha mãe, a minha irmã , a minha cunhada e a sua filha Maria como um dos meus irmãos, ainda criança, foram amarrados e conduzidos para fora. Ao longo do caminho, a minha mãe e os outros da família recitavam sem cessar o Pai Nosso e a Ave Maria. O pessoal dizia com admiração: “Mesmo caminhando, eles rezam” .

Os Boxers tomaram o meu pequeno irmão e, jogando-o ao alto, eles o aguardavam de lanças apontadas. Vendo isto, a minha mãe se pôs a chorar. Mas os Boxers os mataram todos, sem exceção.

2-Um cristão pouco fervorosoJosé Tchao Yung, pescador, não era muito fervoroso. Os Boxers o agarraram e o conduziram ao lugar onde se achava o tribunal. Pelo caminho, um pagão lhe diz: ‘No tribunal, basta que diga que não é cristão’. Ele, porém, respondeu: ‘Isso nunca. Sou cristão desde várias gerações’. Chegado ao tribunal, os Boxers lhe apresentaram o incenso para os ídolos. Ele teve termos de menosprezo a respeito e lhes disse: ‘Somos

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cristãos há várias gerações. Podem matar-me’. Conduzido à porta da cidade onde havia nascido, ele disse aos Boxers;’Aqui é a minha pátria, aqui é o paraíso’. Ele invocava a Mãe de Deus, pedindo-lhe que viesse na sua ajuda. Foi logo executado.

3-Um catequistaAgostinho Pao Chan, eu o conheci como catequista. Antes do seu batismo, fazia parte dos cavaleiros do Imperador. Ele abandonou esta função, porque não lhe permitia que respeitasse as leis de Deus. Era cristão muito fervoroso; exortava os outros à virtude. Levou à Igreja muitos pagãos. Depois do incêndio da igreja de Pequim, buscou refúgio em Pe-Tang, que era legação dos europeus e que contava com soldados. Refletindo, porém, ele dizia consigo: ‘Eis uma ocasião única de morrer por Deus. ‘Vou retornar ao lugar de onde vim. Sou velho; que pode acontecer-me’? Dizia àqueles que tinham medo, recordando o martírio: ‘Onde podem vocês encontrar melhor oportunidade’?

Ele foi preso na sua família; seis membros desta foram mortos. Ele perguntou aos Boxers: ‘Aonde vocês me levam’? Responderam-lhe: ‘Não é da sua conta; siga-nos’.Como passassem diante de uma igreja de Si-Tang, pediu que o autorizassem a parar um pouco. Ajoelhou-se, fez profunda inclinação diante da igreja queimada, cobriu o corpo com grande sinal da cruz e disse: ‘Aqui é a minha pátria’. Continuou a rezar. Os Boxers estavam surpresos que ele continuasse a rezar; mas acordaram em matá-lo aí mesmo, já que dizia que o lugar era a sua pátria. Mesmo moribundo, prosseguia orando. Foi no dia 15 ou 18 de junho de 1900. O seu corpo não foi encontrado.

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Mártires da paróquia de Nan-Tang : Paróquia no sul da cidade de Pequim.

Estas linhas oferecem o testemunho completo de Ana Ly, de 24 anos. O testemunho nos leva a mergulhar nesses dias de terror para as famílias cristãs. O testemunho é completado por aquele do irmão dela José Tchu, de sete anos na hora dos acontecimentos, e vinte e um na hora em que testemunha. Na formulação do seu testemunho no tribunal, ele estudava filosofia no seminário maior. O testemunho centra-se na sua mãe, Agnes Wang, de 41 anos, e no pai Martim Tcheo, de 38 anos.

Quando os Boxers iam entrar na casa, a cunhada do catequista Wang (vizinho nosso, mas a mãe deles, Agnes era uma Wang), que era ainda pagã; veio à nossa casa com incenso, para que o queimássemos perante os Boxers em sinal de veneração dos ídolos. Ela nos disse: ‘Os Boxers vão entrar na casa’. Papai e mamãe estavam escondidos no quarto de dormir. Então entraram no salão 30 Boxers e se dispuseram ao redor do salão. O pai nos reconfortava, dizendo: ‘Não tenham medo’. Depois perceberam que não poderiam mais ficar escondidos e pensaram em fugir.

O pai e o meu irmão José, segurando a mão da irmã Maria, escaparam pela porta do norte. Alguns Boxers correram atrás e miraram nas suas cabeças, mas os tiros caíram no vazio e puderam salvar-se. O pai, corpulento, bateu numa pedra da rua e caiu. Sobrevindo dois Boxers, mataram-no. A minha irmã ficou perto do pai e disse aos Boxers: ‘Eu também sou católica; podem matar-me’. Eles, porém, fitando-a de revés, foram embora.

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A mãe e eu ficamos sós no quarto. Ela não cessava de me dizer: ‘Fujamos, fujamos’. Ela tentou fugir e eu com ela, grudada no seu vestido. Mas no umbral da casa, os Boxers nos pegaram. A mãe, vendo que não poderia escapar-lhes, disse-me: ‘Ajoelhemos e que eles nos matem’. Ela caiu de joelhos e eu com ela. Tínhamos a cabeça inclinada e os olhos fechados, no aguardo da morte. Os Boxers nos feriram com as espadas e lanças e ficamos prostradas no solo, semimortas. Crendo-nos liquidadas, eles se foram. Pouco depois, a mãe me perguntou: ‘Está viva’? Eu respondi: ‘Sim, mãe’. Já que não a mataram, reze uma Ave Maria, mas em voz baixa. Invoque Maria. Entremos na casa. Perguntei: ‘Mas eles não queimaram a casa’? . .Então apoiando a mãe, já que eu fora ferida de leve, ajudei-a a entrar e ambas nos pusemos de joelhos. Depois, sentando-se, ela me disse:’Tire as suas jóias; se você morre com elas, vai ao purgatório’. Ela fez a mesma coisa e as depositou sobre a mesa.

Aí eu disse à mãe: ‘Vamos ao quarto de dormir. Se os Boxers passam e nos vêem, vão acabar de nos matar’. Sim, contestou ela. Ambas entramos e nos atiramos no leito.

A mãe me pediu água e eu lha servi, mas a água saía do lado esquerdo, pela grande ferida que ela tinha. Ela perguntou-me: ‘Sabe você o que aconteceu ao seu pai’. Respondi que não sabia. Em seguida, acrescentou: ‘A minha cabeça encheu de sangue a cama. Que fazer’? Respondi-lhe: ‘Tome um lenço e tampone a ferida’.

Um homem de uns trinta anos entrou na casa. Era um pagão de bom coração. Do corredor perguntou-nos:

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‘Vocês são católicas’? Tomando-o por um Boxer, a mãe respondeu-lhe: “Sim, somos católicas’. Continuou ele: ‘Se sois católicas, saiam depressa, porque soldados europeus estão vindo para salvá-las’.A mãe me disse: ‘Se vieram soldados europeus para nos salvar, você deve aproveitar’. Contestei-lhe que não tinha sapatos para fugir. Ela, então, me disse que calçasse os da minha irmã.

Mas, no exato momento, entrou na casa uma velha mulher pagã, brandindo um facão e dizendo: ‘Onde estão os bens de vocês? Se não entregam, mato vocês’. Respondeu-lhe a mãe: ‘Tome aí o que quiser. Tome o que achar. Leve consigo o que bem entender’. A mulher do facão vasculhou a casa e levou o que quis.

A mãe tinha ferida tamanha no pescoço, que a cabeça se cosia ao peito.

Então eu parti. Disseram-me que ela sobreviveu por três dias. Os Boxers retornaram e a levaram à casa de um cristão Ly-Tsin Tachang, embaixador da China na França. Puseram fogo na casa. Mamãe morreu queimada.

Eu, uma vez na rua, vi muitos cristãos reunidos e soldados europeus. Aí encontrei o meu irmão José e, pouco depois, a minha irmã Maria. Ela me disse que os Boxers tinham matado o pai com violento golpe de espada na cabeça, tiraram-lhe as roupas e as guardaram para si.

Por que mamãe não logrou salvar-se? Estava grávida, era difícil caminhar; a ferida do pescoço era por demais profunda; assim, ela não poderia chegar à Legação estrangeira.

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Alguns dias antes da sua morte, melhor dizendo, quando a igreja de Na-Tang foi incendiada, mamãe nos disse: ‘Se os Boxers chegam e lhes dizem: ‘Caso vocês apostatem, estão salvos; caso contrário, nós os matamos’. Deve-se responder: ‘Somos cristãos, podem matar-nos. Mas nunca digam que não são cristãos’. Erguendo o filho José, ela o apresentava à imagem da Virgem: ‘Veja como é bela a santa Mãe de Deus. Ela virá socorrê-lo’.

José testemunhou no tribunal que a sua mãe se confessava muitas vezes, que nos sábados e domingos ia à missa, muito cedo de manhã, cuidando de não acordá-lo; de manhã e de tarde dizia as suas orações e o rosário todos os dias. Foi mulher muito piedosa. Ela nos ensinou a rezar.

Mártires da paróquia de Tong-Tang: Igreja na parte leste de Pequim

Este testemunho é de José Ning Cheu-Tchen. É um aldeão de 67 anos. O testemunho dele é sobre os mártires da sua família e da sua parentela.

Conheci a família Tchang: Francisco Xavier Tyii, o filho dele João Batista, Teresa Tchang, minha irmã e mulher de João Batista, e João, Pedro, Rosa, Maria e Ana, filhos de Teresa e João Batista; Maria Tchang, viúva, Teresa Uang, nascida Tchang, Josefina Tchang, Gabriela Tchang, Maria Tchang, Paulina e Lúcia, mulher de Paulo, Pedro, seu filho maior e as suas irmãs Filomena e Agnes. Com eles foi morta Madalena Ning, nascida Liu, minha mãe; e Lúcia Jen, Pedro Jen, Paulo Jen, Filipe Jen, Maria Jen, Maria Liu, e Melquior, meu avô.

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Toda a família era muito correta, sobretudo Francisco Xavier: ele assistia à missa todos os dias e penso que merece a canonização.

A família Tchang nada fez para defender-se. Ela estava longe de imaginar as intenções dos Boxers e de pensar que eles iriam matá-los. Se houvessem cogitado disso, poderiam ter fugido. Quando os Boxers cercaram a casa, os cristãos nada puderam fazer senão rezar, depois fugir por uma porta secreta.

1-Francisco Xavier TchangFrancisco Xavier Tchang, venerável ancião de 73 anos, verdadeiro patriarca de outrora, era muito justo no comércio, caridoso com os pobres e com os pequenos; humilde, tomava-se como o último de todos. A sua fé e piedade se manifestavam pelo respeito com que se comportava na igreja, para edificação de todos. Apesar da idade avançada, ia todos os dias à santa missa e de tarde fazia uma hora de adoração, em qualquer tempo ou estação.

O pai Tchang tinha grande atrativo para as coisas de Deus; nos seus momentos livres, fazia leituras piedosas à família reunida, depois nos falava das boas coisas e nos exortava ao bom comportamento, a não nos prevalecermos sobre os outros, a nunca enganar o próximo. “O bom Deus vai abençoar-nos”, acrescentava sempre. Como chefe de família, todos os dias, distribuía aos pobres uma tigela de arroz ou as sobras do restaurante. Na comemoração do ano novo, ele dava aos pobres alguns trocados e algum presente.Por vezes esvaziava a casa, por assim dizer, para vesti-los. Entregava cobertas ou dinheiro a pessoas que ele sabia estarem na necessidade ou no hospital. Certo dia, indo à igreja, o pai Tchang

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encontra uma mulher quase nua. Sem tardar, mandou que a nora lhe desse alguma roupa. Em outro dia, encontrou uma mulher no fim da gravidez e estava sem abrigo. Mandou procurá-la, cedeu-lhe um quarto e encarregou as suas duas noras de cuidar dela. Só a desligou da habitação um mês depois, mas provida de roupa e também para o filho e com rica esmola para prover aos seus cuidados imediatos.

Não logro terminar o relato dos seus atos de caridade, que só Deus pode contar. A sua felicidade era prover os bens da sua querida paróquia, a igreja de Tong-Tang. O digno e santo sacerdote Garrigues levou para o céu muito segredo dele.

2-Maria TchangA sua nora, viúva Maria Tchang, era a filha de um tártaro chamado Yang, antigo cristão. Perdeu o pai, quando ela era muito jovem. A mãe dela era pobre; Maria Tchang foi confiada às Filhas da Caridade de Pequim. Aí ela ficou por três anos. Ela guarda eterna gratidão para com as Irmãs.

Maria Tchang teve dois filhos, mortos em tenra idade e uma filha, agora Irmã de Caridade. A minha cara tia, que ficou viúva aos 22 anos, não quis contratar um segundo casamento. Eis uma verdadeira viúva, que pode ser apresentada aos cristãos como admirável modelo de edificação pouco comum.

Muito jovem, quando ficou viúva, ela dirigiu o seu coração para Deus. A Providência lhe forneceu os meios de prover às necessidades da sua alma ávida de justiça. Encontrou no venerando sacerdote Kho um diretor sábio e prudente, que a dirigiu, apoiou, consolou, traçando-lhe até mesmo uma linha de procedimento. Pelos seus conselhos, esta alma tão

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dócil tornou-se mulher modelar: forte na virtude, corajosa nas provas, paciente nas dificuldades, generosa nos sacrifícios, sobremodo e essencialmente piedosa.

Maria Tchang levantava-se todos os dias às quatro horas; começava o seu dia na oração e na meditação, quando nos imaginava dormindo. Eu a espiava, olhando discretamente de sob as cobertas, e a via muitas vezes vertendo abundantes lágrimas, tamanha era a doçura do seu entretenimento com Deus.

Acabadas as suas devoções, ela se lançava prontamente ao trabalho, para deixar tudo em ordem, antes de ir à missa. Nos domingos e nas festas, ela ia à primeira missa, para deixar aos outros o tempo e a consolação de assistir aos ofícios mais belos e solenes. Para tanto auxiliava e substituía as empregadas. Ela estava encarregada de prover a todas as necessidades desta casa, tão grande e de tanto trabalho, agindo com bondade e exercendo vigilância escrupulosa. Em suma, esta piedosa viúva comia o seu pão no suor do seu rosto; nunca estava ociosa, sempre em busca do melhor para os outros e do pior para ela.

Maria Tchang era simples e modesta no seu vestir, mortificada no alimento, afável com todo o mundo e conservava em todo o seu exterior a modéstia e ao mesmo tempo a dignidade que impunham respeito.

Na época da perturbação e dos rumores em Pequim, ela foi presa num agrupamento em que se entretinham velhas calúnias contra os cristãos e contra as Irmãs que, dizia-se, arrancavam os olhos e o coração das crianças. Maria Tchang, sem parecer perturbada, falou com calma: “Olhem para mim;

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tenho os olhos e o coração e eu fui educada pelas Irmãs”. Os pagãos ficaram sem argumento, em face de tal ato de coragem.

Por mediação desta vida santa e dos seus sacrifícios diários, Maria Tchang preparou-se para o sacrifício supremo.

3-Martírio de Maria TchangA viúva Maria Tchang, enquanto os Boxers pilhavam e incendiavam o restaurante e a casa, logrou sair pela porta do norte, levando consigo a nora Petronila, casada havia dois meses. Maria queria achar um abrigo seguro para ela. Ambas puderam chegar a uma casa muito pobre, onde havia diversos membros da família Tchang.

Ela passou aí quatro dias de ansiedade e de angústia, de agonia mais penosa que a morte, sem saber o que se haviam tornado os seus familiares. Um empregado da família, de nome Tu Chan, ainda pagão, encontrou o retiro deles. Ela lhe perguntou onde estava o avô, o pai, a família dele, o meu irmão José, objeto da sua terna solicitude. Este foi o único que conseguiu escapar e sobreviver. Ela teve a resposta de que tudo estava terminado, não havia mais nada, nem ninguém. Quem pode compreender o que se passou na alma dela? Ela ficou em silêncio grave; depois verteu amargas lágrimas.

Nos dias de ansiedade e angústia que precederam a sua morte, a fervorosa viúva Maria preparou para a morte toda a sua família, exortando os seus a serem firmes na fé, repetindo-lhes: ‘Logo mais estaremos no céu’.

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Depois de quatro dias de indizível angústia, foi descoberto pelos Boxers o refúgio da fervorosa viúva e dos membros da família Tchang. Os mandarins Boxers queriam levar a jovem Petronila, bonita e encantadora. Mas ela foi invencível, preferindo a morte às suas propostas. A corajosa sogra, durante esse tempo, a apertava nos seus braços. Ela disse aos Boxers, em tom de autoridade severa: ‘Matem-na diante de mim; eu morrerei depois, mas nunca a terão. A jovem Petronila foi morta nos braços de Maria. Perante esta heroica cristã, todos os membros da família Tchang foram também executados. Nesse último momento ela repetia: ‘No céu, logo estaremos no céu’. Por fim, Maria recebeu o golpe que lhe abriu o céu. .

Mártires das aldeias de Koan-Teu ; Tsai-Hu-Yng e Wa-Tsiuen-Sze

Destas três aldeias o tribunal diocesano guardou um grupo de 67 camponeses, todos mortos pela sua fé em Cristo.

No começo os pagãos convidavam os cristãos a renunciar à sua fé; por vezes queriam defendê-los, dizendo em público que eles eram pagãos. Mas a grande maioria dos cristãos não aceitou tal maneira indireta de apostatar. ‘Mas como? Somos cristãos há várias gerações. Nunca renunciaremos à nossa fé’.

Às vezes, um testemunho se prende por mais tempo em tal ou qual mártir. É assim que Marcos Ly testemunha a morte do pai, de nome Paulo, e da mãe, Ana Ly. Mas na sua família ele também perdeu um irmão, vários sobrinhos e outros membros.

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Quando a vila é invadida pelos Boxers, Paulo e Anne Ly tentam a fuga em duas direções diferentes. Os Boxers prendem primeiro a mãe e a ferem com três golpes de lança. Ela cai por terra. Vendo que ela ainda respira, eles a liquidam com novo golpe. O pai também é alcançado, reconduzido à sua casa e morto no interior dela. Em seguida, a casa é pilhada e queimada. Foi em 8 de junho de 1900.

Essa mesma testemunha historia o fato relativo à sua irmã Filomena. Para fugir, ela com os filhos, aluga modesta carruagem puxada por burro. Na estrada foi detida pelos Boxers que lhe perguntam se ela era cristã. Contestou ela com audácia: ‘Eu sou. Matem primeiro os meus dois filhos, depois a mim, aqui mesmo. O cocheiro, porém, é pagão a quem pedi este serviço. Portanto deixem-no ir. Os Boxers mataram as crianças e a mãe; e não pouparam o cocheiro, porque queriam apossar-se da carruagem.

José Su-Koang-Joei relata um fato vivido em família. Em face do risco de que toda a família do seu irmão fosse exterminada, o pai, que era pagão, lhe disse: ‘Você vai deixar-me o filho mais novo, assim a família não vai extinguir-se’. O meu irmão contestou: ‘Se morremos e o menino viver com vocês, vai ficar pagão como vocês. É melhor que morra conosco’. Foi o que sucedeu.

Perante tais comportamentos, os pagãos ficavam confusos. Eles diziam que os cristãos eram teimosos e que se drogavam para resistir.

Essa mesma testemunha traça retratos sóbrios mas interessantes. Maria Tchang era apenas neófita, o seu rosário era muito brilhante, de tanto que ela o usava.

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Ela vivia distante seis léguas da vila e,. ainda assim, todos os domingos vinha assistir à missa.

Liu Tchang-An não era fervoroso. No começo da perseguição, um pagão lhe disse: ‘Vá ao ponto onde os Boxers se reúnem, oferece o incenso; como penitência sua, deixa algum dinheiro’. Contestou ele: ‘Isto quer dizer que devo apostatar? Eu não sou grande devoto, mas prefiro morrer a renunciar à fé’.

Mártires da vila de Yen-Tze-Keu

Nesta vila o tribunal diocesano reteve o registro de 115 cristãos mortos por causa da sua fé. Quase sempre nos encontramos diante de famílias inteiras exterminadas, muitas vezes famílias patriarcais, numerosas. A primeira testemunha chamada para este grupo, o senhor Francisco Wang-Koei-Chuen, enumera noventa nomes de cristãos mortos, que compreendem quatro ou cinco famílias: Wang, Tchung, Peng, Yung, Chao.

Não sabemos se devemos ficar desconcertados pela crueldade das chacinas ou repletos de admiração pela docilidade de todos esses cristãos que marcham para o martírio. O que aparece constantemente de um testemunho a outro é a densidade da sua oração, a seriedade da vida cristã, o respeito do domingo, os jejuns e as abstinências da Igreja. Por vezes, de manhã, eles estavam na porta da igreja antes do bater do sino. Esses camponeses, quase todos analfabetos, sabiam de cor muitas orações e cantos; orações da manhã, da tarde e o rosário eram cotidianos.

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Todos não são perfeitos. Alguns gostam demasiado do vinho e então não sabem reter a língua. Outros se dão ao jogo de cartas, visto pelos cristãos como vício. Um que outro não está em regra com o seu casamento. Do lado das mulheres o céu não é sempre límpido entre sogras e noras. Certos homens e mulheres se deixam levar pela cólera. No entanto, diante da provação, eles preferem morrer a renegar a sua fé. Seguem alguns quadros pitorescos e edificantes.

1- André Peng foi preso por alguns pagãos na vila Tchao-Lyng. Eles o conduzem ao palácio do príncipe Tuan, em Pequim. No caminho, ele encontra um amigo pagão que lhe diz: Por que não tenta fugir e esconder-se? André lhe responde: ‘Não se penalize por isso. Falaremos disso no outro mundo’. Chegado ao tribunal, o príncipe Tuan lhe pergunta: ‘Quantos anos tem você’? André responde: ’35 anos’. Desde quando você é cristão, pergunta Tuan. André responde: ‘Há 36 anos’. Você tem 35 anos e é cristão há 36? Insiste André: ‘Sim, porque sou cristão desde o seio de minha mãe’. Ofendido com a resposta, o príncipe o condena à morte.

2- Francisco Tchu e o irmão dele foram mortos perto da porta ocidental de Tang-Ping-Tcheu. Francisco levava nas costas o irmão João Gabriel. O chefe dos Boxers, vendo a beleza do menino, queria salvá-lo para o guardar para si. Não passa de criança, disse, para que matá-lo? Tentaram tirá-lo das costas do irmão. Mas Francisco resistiu com todas as forças. ‘ Trouxe o meu irmão para morrer. Chegamos juntos e juntos vamos morrer’. Não houve forma de separá-los. Os dois foram mortos.

3- Final de cena. No seu testemunho, o senhor Francisco Wang-Koei-Chouen acrescenta o seguinte:

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‘Eis o que esqueci: enquanto Catarina e Antônio Yung eram conduzidos ao lugar do suplício, Antônio, ainda neófito, vendo amigos pagãos, suplicava-lhes que fizessem alguma coisa. A mulher dele Catarina, cuja família era cristã de há muito tempo, o repreendeu severamente: ‘Que ajuda procura entre os homens? Dentro de pouco estaremos no céu e você busca a salvação junto dos homens’? Isso deu mais coragem a Antônio, que continuou a sua marcha, dizendo: ‘É ao céu que eu vou’. Foram mortos juntos. Catarina solicitou aos Boxers que primeiro matassem a ele, para estar certa da sua perseverança e que ela fosse morta depois.

4- Quando os acontecimentos começaram, queríamos defender-nos, colocando um pequeno canhão. Mas os nossos velhos nos disseram: ‘Seja feita a vontade de Deus. Vai acontecer-nos o que Deus quiser. Se Deus previu que morreríamos, a nossa resistência será vã’. Os pagãos nunca nos odiaram; mas, se vamos matar pessoas, certamente nos vão odiar. Quando os Boxers chegarem, vamos fugir. Era a tática que havia sido adotada nas perseguições precedentes: fugir para a montanha e deixar que as casas fossem pilhadas.

5- Paulo-Chao-An é aldeão de 60 anos. Os pais dele eram pagãos. Ele, durante a perseguição, renegou a sua fé. Reintegrou-se à comunidade, fez penitência pública, imposta pela Igreja, e chegou a testemunhar a favor de todos os cristãos da sua vila, mortos pelos Boxers. Ele enumerou 49, sublinhando o alto teor da vida cristã deles.

6- Pedro Tchu, de 75 anos, era camponês. O seu testemunho no tribunal diocesano começou assim: ‘Conheço todos os cristãos do catálogo de Yen-Tze-

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Keu, seja porque eles eram cunhados, seja porque fossem da nossa parentela, seja ainda porque eram vizinhos’. Quando ele enumera os mártires, fala da mulher, dos quatro filhos, do irmão, dos sobrinhos. No total ele enumera 31 cristãos mortos. Ele próprio, com os seus, havia fugido para as montanhas, para escapar dos Boxers.

Os Boxers, quando cercavam uma vila, primeiro pilhavam as casas; depois lhes punham fogo; depois iam à montanha, para procurar e matar cristãos. Muitos, com efeito, encontraram a morte na montanha ou no vale. João Batista Lu Tien-Hui estima em 10.000 os Boxers que deram caça aos cristãos. Quando os cristãos se viam cercados, rezavam, recitavam o rosário. Os Boxers zombavam deles, dizendo: ‘ Cessem essas orações sórdidas, vocês estão mortos’.

7- Pedro Tang Chuen, camponês de 54 anos, deixa-nos este retrato da esposa Ana Tchu: “Ana Tchu, minha esposa, era boa cristã, muito melhor que eu. Ela fazia parte das Confrarias do Monte Carmelo, do Santo Rosário, do Escapulário da Paixão. Todos os dias recitava o rosário. Assegurava boa educação aos seus filhos. Todos os dias ela rezava as vésperas na comunidade dos cristãos. Nunca falava mal de alguém.

Ana Tchu constitui uma amostra dos cristãos dessa vila. Não somente eram piedosos, mas socialmente eram pessoas límpidas, simples, responsáveis, humanas, dignas de confiança, todas empenhadas nos trabalhos do campo.

8- Avó, mãe e esposa. Chamado a dar testemunho no tribunal diocesano, André Tchang diz que conhece

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todos os cristãos da vila, exceto alguns de baixa idade. Entre os mártires, ele cita a mãe, a esposa e a avó.

Teresa Tchang, minha mãe, era levada à cólera. Mas, depois que fez os exercícios espirituais em Pequim, voltou mudada. Ela levava toda a família à piedade, dizendo, todos os dias, em comum, as orações da manhã, da tarde e o terço. Durante o mês de maio, junho e novembro, ela nos fazia rezar pelas almas dos fiéis defuntos. Ela fazia parte da Confraria do Monte Carmelo e praticava a abstinência das quartas-feiras.

Maria Tchang, minha esposa, era excelente cristã. Ela tinha bom caráter. Quando havia problemas graves em casa, nunca a ouvi queixar-se. Ela respeitava todas as leis da Igreja. Ela era membro da Confraria do Monte Carmelo e, como a minha mãe, praticava a abstinência das quartas-feiras.

Ana Lu era a minha avó materna. Ela era neófita e não conhecia muito da doutrina católica. Contudo guardava com estrito rigor todas as leis da Igreja. Não somente ela rezava de manhã e de tarde, mas de noite ela se levantava e, de joelhos, rezava o terço.

9- João Batista Tien-Hui, de 27 anos, foi chamado ao tribunal em janeiro de 1915. Ele tinha, portanto, 12 anos, no tempo dos acontecimentos. Depois de ter dito que conhecia quase todos os cristãos mortos, ele recorda os dias da fuga. Com João Batista Tchao e João Batista Wang eles andaram vários dias na montanha, até que se viram cercados pelos Boxers. Na estrada de volta, João Batista Wang se pôs a implorar que os pagãos o salvassem. O seu companheiro de cativeiro se virou para ele e falou-lhe: ‘Você não tem o direito de implorar algo dos

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pagãos’. A força da fé do amigo o confortou. Os Boxers mataram primeiro J. B. Tchao, depois amarraram J. B. Wang e lhe propuseram que oferecesse incenso para salvar a vida. Ele lhes respondeu que não podia renegar a sua fé. Então os Boxers me pediram que me afastasse. Mataram-no lugar. Depois, tomados os corpos os queimaram.

10- Diz-se que João Tchao, ainda menino, foi tomado e conduzido a um pagode, onde tentaram ensinar-lhe uma oração budista e fazer com que a repetisse. Ele, em vez disso, pôs-se a repetir a Ave Maria. Os budistas concluíram que não servia para nada e o mataram.

Os mártires das vilas Tcheng-Fu-Sze,Heu-Tuen, Si-Siao-Keo e Eul-puo-Tze

Estes mártires são apresentados em linhas sóbrias mas simpáticas.

1- Vetula Sun é feita prisioneira na vila de Che-Fuo-Tze e conduzida à vila de Tcheng-Fu-Sze. Chegada à primeira porta da vila, os Boxers queriam matá-la. Ela protestou, dizendo: ‘Não, não é aqui que devo ser morta. Vamos mais longe’. Eles continuaram a marcha e chegaram à segunda porta. De novo os Boxers fizeram como se quisessem matá-la aí. Não, lhes disse ela; este também não é o lugar em que devo ser morta. Prossigamos. Continuaram e entraram num tipo de jardim. De fato era o cemitério dos padres, com grande cruz de pedra. Vetula ajoelhou-se ante a cruz e disse: Aqui, sim, disse ela, podem matar-me E de fato aí ela foi morta.

2- Adelena Wang, de 49 anos, apresenta-se ao tribunal diocesano em 4 de maio de 1914. Ela vai

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testemunhar por uma trintena de mártires destas vilas e, entre eles, dois dos seus filhos, uma irmã sua, dois cunhados, uma série de cobrinhos. Pode-se dizer que essas testemunhas sofreram o martírio na própria carne e nas suas famílias. Disse ela: ‘Tenho ouvido dos pagãos da vila afirmar que ouviram, muitas vezes, dos cristãos: ‘Eu sou cristão até a morte’. Esses cristãos, dizem eles, tem realmente coração forte; nada pode abalá-los.

3- Pedro Suen-Ta-Chao-eul era já idoso, quando foi preso pelos Boxers. Ele foi conduzido fora da porta ocidental desta cidade. Propôs-se a ele que apostatasse, assegurando-lhe a vida. Mas ele recusou com coragem. Alguns dias antes, eu mesmo o havia encorajado a não trair a sua fé. Ele havia contestado: ‘Eu, velho como sou, iria renegar a minha fé? Não, eu nunca renegaria. No momento da morte, eu lhe dizia, não esqueça de invocar a Virgem Maria. Não a esquecerei, disse ele. Nessas disposições ele foi morto.

4- Francisco Meng, tinha 46 anos, quando foi testemunhar no tribunal diocesano. Ele é um campônio. Entre os mártires ele tem o seu avô, uma das suas irmãs, e cinco filhos dela. Na apresentação do seu avô, Pedro Suen, assim falou: ‘O avô era o chefe da família. Quando fugimos, ele ficou guardando a casa. Feito prisioneiro, ele foi convidado a oferecer incenso. Ele respondeu: ‘Somos cristãos há muito tempo. Oferecer incenso? Não. Podem serrar-me. Nunca oferecerei incenso. Tenho 69 anos; não posso esperar outros 69 anos. Se lhes aprouver, matem-me’. É o que os Boxers fizeram.

5- Filippe Tchang centraliza o seu testemunho no caso Tchai-Koan e do seu filho. Tchai Koan foi detido

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por dois Boxers que o conheciam e que o entregaram a outros. Eles o convidaram a queimar o incenso para salvar a vida. Mas era cristão forte; respondeu-lhes com audácia: ‘Quanto antes me matam, tanto antes vou ao paraíso. Quanto mais demoram, tanto mais tarda o céu. No concernente ao incenso, não há nada que fazer; nunca oferecerei incenso.

Ouvindo isso, os Boxers o algemaram e o conduziram a um cemitério comum, onde o mataram. No caminho invocava continuamente a Jesus e Maria.

O seu filho, Tchai-Che-Teu estava escondido. Um dia ele foi a Eul-Pue- Tze. Um pagão, de nome Sii, convidou-o à sua casa, deu-lhe alimento e lhe ofereceu hospitalidade. Era feliz em ter esta oportunidade. Mas os Boxers, alertados pelo hospedeiro, vieram e algemaram-no. Um dos Boxers, com um golpe de lança, abriu-lhe o ventre, de sorte que lhe saíam as entranhas. Ele também foi conduzido a um pagode para oferecer incenso aos ídolos. Ele recusou. Então o conduziram ao cemitério, onde o pai havia sido morto. Aí, quase no mesmo lugar, o filho é trucidado. Enquanto era conduzido à morte, não cessava de dizer: “Jesus, tenha piedade de mim. Santa Maria, salve-me”. Para tornar mais solene a execução, os pagãos haviam pedido alguma música.

A irmã Filomena Tchang

Esta narrativa vem da testemunha Luís Che, de 48 anos, funileiro de profissão. Apresenta-nos, visto de perto, o caso de um martírio repleto de ressaltos, onde se tecem juntamente misericórdia, amor, fidelidade e entrega da vida. Este mergulho em caso concreto permite apanhar certos aspectos da perseguição que habitualmente nos escapam.

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No concernente à virgem Filomena Tchang, ou Irmão de São José, na proporção em que a minha memória acerta, recordo que ela foi detida pelos Boxers antes do amanhecer. Ela recebeu golpes de lança e de espada na cabeça e no pescoço. Os Boxers a abandonaram como morta diante da igreja incendiada de Tong-Tang.

Ao raiar o dia, as pessoas do lugar a levam para dentro da igreja, lhe tiram as roupas e se preparam a queimá-la, amontoando lenha sobre o corpo. Mas, de fato, eles a deixam neste estado. Ela sai do monte de lenha; com dificuldade se põe de pé, escondendo o seu corpo contra a parede da igreja como para proteger a sua dignidade. A cena atraiu pessoas ao seu redor. Não faltaram os que zombavam dela.

Um senhor de idade, pagão que morava ao lado da igreja, vendo-a naquele estado, protestou contra o grupo: “Quem de vocês, tendo uma irmã jovem em tal situação, aceitaria que fizessem o que estão fazendo contra ela”? Arrumou alguma roupa para cobri-la. Deu-lhe uma bengala com que se apoiasse, porque os graves ferimentos de pernas e pés lhe tolhiam o andar.

De tarde, impelida pela sede, ela tentou achegar-se a um poço para beber, mas os pagãos do lugar não deixaram. Só à meia-noite, quando não havia ninguém, conseguiu beber. Algum passante deu-lhe alguns pepinos preparados que ela comeu.

No terceiro dia, alguns indivíduos lhe ataram as pernas e a arrastaram pelas ruas da cidade, para deixá-la semimorta em via central de Tong-Tang.

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Nesse dia, passei perto da igreja; ouvi homens falando de uma mulher que jazia na rua. Entendi logo que se tratava de alguma católica ou protestante. Fui ver. Discretamente perguntei-lhe o nome. Ela não respondeu. Perguntei se era católica ou protestante. Ela nada respondeu. Vendo isso, tratei de encorajá-la; disse-lhe que não havia Boxers, acrescentando: “Sou homem honesto; só penso em salvá-la”. Aí, sim, ela me disse que era católica, que se chamava Filomena Tchang. Perguntando, encontrei um vizinho que era da família dela. Esperamos a noite. Pensei em alugar uma carruagem, mas em tal hora já não havia. Era preciso ajudá-la a andar. Pôs-se de pé, valeu-se da bengala e, segurando-a pelo braço, pusemo-nos a caminho. Deparamos com guardas noturnos. Queriam saber aonde iria com esta mulher. Tive umas inspiração diplomática: “Hoje encontrei esta mulher que me é desconhecida. Tive pena dela, não importa que seja solteira ou casada. Quis salvá-la. Caso pensem que não estou agindo bem, deixo-a aqui e se ela morrer, já não serei responsável. Sou soldado e tenho coisas urgentes que fazer”. Os guardas viram a minha farda e acreditaram que as minhas intenções eram corretas. Então lhe revelei o meu nome verdadeiro. Ela me havia pedido, quando estávamos com os outros na praça, mas eu não lhe dei o meu verdadeiro nome. Chamo-me King, eu lhe disse, é nome tártaro. Eu sou King Che. O padre Che, que foi cura da paróquia de Nan-Tang, é parente nosso. Se duvida, veja esta medalha que escondo na caixinha de tabaco. Filomena pegou da medalha. Era da Santíssima Virgem Maria. Ela pôs-se a chorar.

Somente então ela teve plena confiança em mim. Até aí guardava certa desconfiança; no começo havia preferido morrer a vir comigo. Ela falou: ‘Hoje,

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enquanto eu jazia na estrada, havia-se confiado a Nossa Senhora; eu lhe pedira que eu morresse, ou que ela enviasse alguém para me salvar. É o que a Virgem Maria fez’. Eu confirmei. Disse-lhe que ela estava certa em dizer que Nossa Senhora me enviara. Com efeito, eu não tinha nada que fazer deste lado; até nem sei por que tomei esta estrada nem por que me pus a ajudá-la.

Depois de bom tempo, chegamos a uma grande via. Ela me pediu de beber. Perto havia um poço com uma bilha de madeira e dei-lhe de beber. Prosseguimos por uma ruela, mas não demorou que ela me disse que não podia mais caminhar. Então falei-lhe: “Vou levá-la nas costas. Somos jovens ambos; você considere-me irmão e eu a considera irmã”. Ela aceitou. Levei-a até a minha casa. Encontrei a casa vazia, todos haviam fugido. Coloquei-a na porta. Saltei o muro e abri por dentro a porta. Dei-lhe um pouco de água e preparei alguma comida. Como não havia mulher, eu próprio lavei-lhe o rosto. Tinha as orelhas cheias de sangue.e terra, os cabelos estavam colados pelo sangue coagulado. Dei-lhe alguma roupa condizente.

No dia seguinte, muito cedo, fui à casa do avô, onde a minha mãe se refugiara. Pedi que viesse à minha casa e cuidasse da filha. A mãe me disse que não o faria, porque em dois ou três dias todos estariam mortos. Ela tinha ouvido dizer que todos os cristãos chineses que se refugiassem na Legação seriam aceitos. Perguntou-me se eu queria ir com eles. Nem vivo, nem morto, irei à Legação, respondi. A mãe me ordenou que eu aceitasse dinheiro, frutas, alimento, que passasse na farmácia para comprar remédios e que tentasse convencer a filha para salvar-se na Legação com os demais.

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Retornando a casa, pus Filomena a par de tudo. Ela recusou ir à Legação. Aqui, diz ela, temos paz, lá com tantos homens, há muito barulho. Como me poderia cuidar? Se os Boxers vierem, tu deves fugir e não pense mais em mim. Estou pronta para o martírio; se for da vontade de Deus, então viverei. Rezamos as orações da tarde juntos.

Retornei à casa do avô, que encontrei vazia. Todos foram recolher-se à Legação. Nesta mesma noite, começou a guerra. Ouviam-se os tiros de fuzil e de canhão.

No segundo dia em que eu me encontrava com Filomena, três homens entraram na casa e pediram dinheiro. Eu não queria dá-lo. Mas Filomena achava que era melhor dar-lho, para evitar alguma desordem na casa, o que atrairia os Boxers. Assim, dei-lhes algum dinheiro. Os pedintes saíram, costeando a parede do jardim.

Os três que receberam o dinheiro voltaram com outros seis ou sete da mesma laia. Vieram pelo jardim e dialogaram asperamente conosco.─ Que vais fazer com esta pessoa doente?─ Aonde querem que eu a leve?─ Não é da nossa conta. Vocês têm de abandonar imediatamente esta casa.. . . :─ Permitam que espere a noite para levá-la a outro lugar.─ De forma alguma, não há tanto tempo. ─ Pelo menos deixem que vá contratar um serviço de carruagem para levar a enferma.─ Não. Queremos que deixem a casa de imediato.

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Vendo que nada podia obter deles, fui ter com Filomena, que tudo havia escutado. Temos de sair e não tenho para onde levar a enferma. Mas eu conhecia certo lugar próximo onde os europeus faziam alguma parada. Vou deixá-la aí até que encontre algum lugar. Ela concordou em tudo. Preparei um lugar debaixo de uma árvore. Retornando a casa, para buscar Filomena, encontrei-a fechada a chave. Os homens que nos enxotaram se consideravam donos da casa.

Então, um cocheiro de família tártara, chamado Fong-Tchang-Eul, que me havia ajudado a levantar a jovem, perguntou-me:─ Quem é esta mulher?─ É parenta minha distante.─ Não é a mulher que ficou dias na rua?─ É ela.─ Pois bem, escute. Somos amigos há muito tempo. Permita lhe dê um conselho para que se salve. Se a pessoa fosse homem, seria mais fácil encontrar casa; mas é mulher cheia de ferimentos. Onde você vai escondê-la? Você, que é moço forte, vai despertar suspeitos nos Boxers. Fuja.─ Trouxe esta mulher da rua até aqui; há oito dias que me ocupo dela; agora você quer que eu a abandone? Isso não posso fazer.─ Claro que compreendo. Mas pense que outra solução não existe. Pelo fato de uma pessoa ter de morrer não quer dizer que outra também deve morrer. Fuja enquanto há tempo. De noite pode vir vê-la, trazer comida e esperar na vontade de Deus.

Filomena estava muito perto e tudo ouviu e ia ponderando: “Agora compreendo que apenas me resta o caminho do martírio. Você não deve mais ocupar-se de mim. O que já fez ultrapassa o que você

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deveria ter feito, eu lhe fico plenamente reconhecida. Parta. Deixe-me. Vamos encontrar-nos no céu. Saia agora e cuide de não renunciar à sua fé.

Eu saí. Por horas andei pelas ruas. De noite, por outro caminho, fui ver Filomena. O luar me fez ver uma sombra. “Filomena ainda está aí”, pensei. ─Sou eu, eu voltei, disse-lhe. Mas ela com a cabeça no tosco travesseiro, perguntou:. ─ .Quem é você?─ Que aconteceu? Há pouco nos despedimos, e você não reconhece a minha voz?─ Depois da sua saída, muitos homens vieram. Queriam jogar-me nalgum poço. Atiraram-me tijolos ou pedras. Tenho outra ferida grave na testa. Perdi muito sangue. Não estou muito consciente. Pouco posso compreender.─ Quer que lhe traga alguma coisa? Queres comer?─ Nada desejo. Não tenho fome. Tenho sede. A bilha em que você me preparava o chá está cheia de terra.Fui ter com o guarda noturno da via pública; pedi-lhe um pouco de água, depositei-a perto de Filomena. Tentei consolá-la, prometendo retornar e levá-la alhures, se me fosse possível.

Fui ao refúgio do meu irmão e lhe pedi que recebesse Filomena. Ele recusou, porque o dono da casa, pagão, nunca receberia uma mulher ferida. No dia seguinte, vi o dono da casa. Ele foi categórico. ‘Você eu posso receber, mas nunca a mulher ferida’.

Tornei a partir. Dirigia os passos para o lugar onde estaria Filomena, Na via, um vizinho, pagão, me parou. ‘ Aonde vai? A sua irmã está morta. Não vá, que eles o estão esperando. Os Boxers vieram de noite. Pegaram-na e atiraram-na numa casa de europeu, já queimada. Atiraram sobre o corpo trapos

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e velho colchão e puseram fogo. Sobre os restos jogaram tijolos e pedras’.Essa mesma versão dos fatos me foi contada, em termos quase idênticos, pelo guarda noturno que me havia dado água. Ele me disse que o corpo fora coberto de terra e tijolos para que não fosse profanado.

A família Yun

Matias Yun, de 49 anos, farmacêutico, foi convocado ao tribunal diocesano em 5 de fevereiro de 1914. Por ocasião dos acontecimentos, ele tinha 35 anos.

Devo, eu também, contar o que aconteceu à minha esposa e às duas filhas. Em 14 de junho de 1900, a minha esposa se confessou com o padre Garrigues; em 15 de junho, pela manhã, ela assistiu à missa e comungou. De tarde, a igreja de Tong-Tang foi entregue às chamas.

Em 16 de junho, abandonamos a casa e procuramos algum refúgio em Pequim. Mas os Boxers montavam guarda nas portas. Uma multidão de pagãos se pôs a seguir-nos, gritando que iriam alertar os Boxers. Mas nada fizeram. Chegamos perto de um lago que, naquele ano, por causa da longa seca, estava sem água. Numa margem escarpada, certa mulher estava assentada com um pobre menino nos braços. Compreendi que era mãe cristã. Estávamos escondidos nos juncos. Eu lhe disse: ‘ O ponto não é conveniente para nos escondermos todos aqui. Ou nós ou você, alguém terá de deslocar-se’. Ela levantou-se e, sem dizer uma palavra, foi sentar-se trinta metros afastada.

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Vendo que a multidão de pagãos aumentava, deixamos o nosso refúgio e, de novo, tentamos ir a Pequim. Vagamos todo um dia e deparamos com os Boxers na guarda das portas onde pretendíamos refugiar-nos. Vagamos sem nunca parar, para não despertar suspeitas. Por fim, retornamos aos nossos caniços na escarpa do lago seco, onde passamos a noite. As nossas duas filhas nunca choraram.

No dia 17 de junho, pelas seis horas, os Boxers chegaram. Arrastavam com eles muitos cristãos, amarrados em conjunto de dois ou de três.. Mataram dezoito, em momentos diferentes. Todos aqueles que eram interrogados também eram executados. Os cristãos não diziam palavra. Vi uma criança de sete ou oito anos chorando à vista dos mortos.

Os Boxers faziam-se passar por soldados de sentimentos religiosos. Obrigavam os pagãos, que vinham contemplar o espetáculo, a que se ajoelhassem, aplaudissem e gritassem: Bem feito!

Depois da execução dos cristãos, na maioria mulheres e crianças, cinco Boxers se puseram a examinar os caniços. Encontraram outros cristãos. Um deles gritou ao comando: “Chefe, há cristãos por aqui”. Pelo acento idiomático, calculei que provinha da região de Ting-Sin-Hsien. Claro, chegaram ao ponto em que estávamos. Primeiro, abordaram o esconderijo da minha esposa, que tinha a filha mais velha nos braços. Um Boxer feriu-a na cabeça e lhe cortou a mão. Quando me acharam, eu tinha a filha mais nova nos braços. Pedi à menina que invocasse Maria. Ela não me entendeu bem e disse Cheng Mu, isto é, Mãe de Deus. Aí o Boxer nos feriu, a ela e a mim, mas o golpe não era profundo. Deram-nos por mortos e nos deixaram.

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Então sobreveio uma grande multidão de pagãos que, tomando-nos por mortos, diziam o seguinte: “Olhem as crianças; estão mortas, e ainda sorriem. Reparem como se parecem aos europeus. E passaram a maldiçoar-nos. De fato vocês merecem a morte. Se não houvessem sido eliminados, na oitava lua estariam prontos para a insurreição e para a revolta. Há tempo que deveriam ter sido mortos. Se tivessem sido pessoas honestas, alguns se ocupariam de vocês; mas foram maus, pelo que ninguém se interessou por vocês. Jesus, salve-nos, vocês diziam; mas ele não os salvou. Parecem chineses, mas vocês cometeram as torpezas dos europeus e as crianças se parecem a europeus”.

Ao cair da tarde, quando todo o mundo tinha ido embora, perguntei à minha esposa:─ Como está?─ Muito mal. ─ Como sofre muito, invoque a Virgem Maria.Ela pôs-se a rezar, mas a voz era muito fraca. ─ Eu vou à porta Teng-Cheng-Men em busca de alguma carruagem. Não tenho certeza de retornar. Nada encontrei, mas consegui voltar. Falei à esposa do meu insucesso. Expliquei-lhe que não era prudente que ficássemos juntos. Tornei a encorajá-la a invocar a Virgem Maria. Ela o fez. Era mulher fervorosa. Nunca a ouvi falar mal de alguém. Aí me afastei alguns metros nos caniços. Exausto, caí e dormi toda a noite até as seis horas do dia seguinte.

Pelas seis horas os Boxers retornaram. Vendo que havia apenas três corpos, exclamaram: ‘Vejam, falta um. Ou fugiu ou Jesus o salvou.

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Havia uma multidão imensa e soldados. Um deles desembainhou o sabre e feriu a esposa no rosto diversas vezes. Ela, porém, não morreu. Um outro sugeriu que a esmagassem com grande pedra. Alguns foram procurar a pedra, que deixaram cair sobre as pernas dela. E a tomaram por morta. E partiram. Ela, porém, ainda estava viva. Os piores deles insistiram em que ainda faltava um corpo. Puseram-se a procurar; mas não me encontraram e foram embora.

De tarde, tornei a ver a esposa pela última vez. Ela ainda vivia; mas as feridas estavam cobertas de vermes. Perguntei, mas ela não falava. Reze à Santíssima Virgem. Fez sinal afirmativa com a cabeça. Aí eu parti e nunca mais tornei a ver a esposa.

A hecatombe dos pequenos

Todos esses mártires fazem parte das vítimas das vilas próximas de Pequim: Tsiao-Kia-Puo, Wang-Tsuen, Tang-Ko-Puo, Tsao-Ko-Tchuang, Pai-Tsao-Wa e Tung-Liu-Coei. Esses mártires são campônios desarmados e que sofreram a violência dos Boxers.

Quando os pagãos nos viam fugir na região das montanhas, nos diziam: “Voltem. Por que fugir, se não fizeram mal a ninguém”?. Respondíamos que nos era impossível viver nesse lugar.

Cinco ou seis dias antes de 19 de junho, dia em que chegaram os Boxers, grande número de pagãos vieram para pilhar os nossos bens. No dia 19, os Boxers encontraram alguma resistência e se retiraram. Mas os cristãos dessas vilas compreenderam que não poderiam defender-se por muito tempo. Pensaram em colocar em segurança as

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mulheres e as crianças. Primeiro, pensaram em levar mulheres e crianças às montanhas. Aí, porém, não havia nem abrigo nem água. Então procuraram uma gruta muito espaçosa e aí levaram mulheres e crianças. Era a gruta Che-Pang-Tang.

Em 20 de junho, antes do nascer do sol, em todos os caminhos e sendas da montanha vimos chegar os Boxers. A região da montanha contava com bastante cobertura vegetal. Os cristãos se puseram a fugir em todas as direções, em busca de esconderijos. Eu e um cristão, de nome Suen, nos perguntávamos onde encontrar refúgio. Decidimos ir a uma gruta que conhecíamos. Na estrada, outro cristão se juntou a nós; mas achou a gruta pouco segura. Prefiro, diz ele, morrer na montanha a morrer nesta prisão. Ele prosseguiu na rota da montanha. Os Boxers o viram, o perseguiram e lhe golpearam o pescoço e ele caiu morto.

Perto daí os Boxers encontraram uma mulher cega de 60 anos. Ela não era nem catecúmena. Não sendo ainda cristã, pensava que os Boxers não a matariam. Ela também segue os europeus, disseram. E a mataram. Ela não cessava de repetir: Cheng Mu, isto é, Mãe de Deus.

Depois vimos os Boxers descendo da montanha: eles tinham apanhado rebanho bovino de um cristão. Quanto a nós, entramos na gruta. Eu sabia que nela havia água. Levava comigo fuzil e revólver. Caímos em sono profundo. Quando acordamos, era impossível saber a hora, por causa da escuridão da gruta. Fomos até a entrada, que havia sido fechada com pedras. Por uma fissura pudemos ver a luz do sol. Não ousamos sair, pensando que houvesse ainda pagãos.

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Pouco depois, escutamos conversas. Há na gruta dois homens, dizia alguém, um com fuzil e outro com lança. É perigoso entrar aí. Ontem, dizia outro, roubei um saco de favas na casa de um cristão de nome Tsiao. Eu, falou outro, roubei um pouco de trigo; ocorre que eu não me havia prevenido de saca. Uma voz, aparentemente de velho, falou assim:

─ “Eu não roubei nada. Esses cristãos devem tomar medicamentos dos europeus. Exceto a velha Wang, que gritou ‘mamãe’, todos os outros parecem felizes de morrer”. As casas dos cristãos haviam sido pilhadas e entregues às chamas. Na pilhagem todos os rebanhos dos cristãos e os porcos que eles possuíam foram tomados. Ouvi dizer ainda:─ Fechemos a entrada da gruta com pedras sólidas, de modo que eles não possam sair e morram de fome. Um outro, porém, discordou.─ Vamos embora. No vale não há mais ninguém. Se dois ou três cristãos vêm, podem fazer-nos algum mal. Vamos, quando chegarmos a casa, já não haverá sol. E foram.

Então dirigimo-nos à entrada da gruta, retiramos algumas pedras e saímos pela abertura. Fomos andando para o lugar em que na véspera havíamos deixado mulheres e crianças. Encontramos um corpo, era Tsiao-Yu, de 80 anos. Suen, porém, não quis continuar. Eu me aproximei da gruta e daí podia ver o vale. Era juncado de corpos brancos. Tinha chovido; a chuva embranquece os corpos. Havia sangue por toda a parte. Aproximei-me dos mortos; eu tinha os pés cobertos de sangue.

Entre os corpos ouvi uma voz que gemia. Aproximei-me; tirei o corpo de cima dela. Não reconheci o rosto

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de quem gemia, tamanho era o seu complexo ferimento. Falei:─ Quem é você?─ Sou Wang-Eul, a mãe.─ Há dois Wang-Eul. De que família é você?─ Sou da família Tsiao. E quem é você?─ Sou um parente seu. Como fizeram para abrir a gruta?─ Não sei como puderam abri-la. Recordo que nos sufocávamos na fumaça insuportável. Depois, desceram na gruta com lanternas e com lanças recurvadas. Fizeram-nos sair e nos pediram que ajoelhássemos. Uma vez todos fora, eles nos questionaram.─ Será que falta alguém? A isso respondemos:─ Ninguém está faltando. Estamos todos aqui. Aí disseram:─ Vocês todos, da família Tsiao, não são pobres. Tragam para cá as suas joias. Entregamos-lhes também os pendentes das orelhas. Depois eles acrescentaram:─ As suas roupas também. Claro, hesitamos. Mas reiteram a ordem dada. Entregamos-lhes as roupas externas. Eles queriam também as roupas íntimas. Aí os protestos se ampliaram.─ Preferimos ser mortos a nos desnudar. Não adiantou. Eles nos arrancaram à força as nossas roupas de baixo. Eu perguntei à voz que gemia e que me falava se eles não levaram nenhuma mulher. Ela me disse que foi apenas Maria Tchang, sua prima. Perguntei onde estaria ela. A voz me disse que não sabia. Ela me pediu que eu a salvasse.

Como poderia eu salvar a pessoa que me falava, se ela estava à morte? Toque o ventre, eu lhe disse, você tem as entranhas de fora. Implore a Virgem Santíssima. Vamos encontrar-nos no céu. Eu não

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estou certo de poder escapar. Como a voz me dissesse que estava com frio, retirei alguns trapos de outros corpos e a cobri. Eu a convenci de que era melhor não me chamar e se confiasse a Nossa Senhora e se mantivesse em silêncio. Ela fez sinal afirmativo. Eu parti e nunca mais a vi.

Esperamos a noite. Depois, com o outro cristão Suen, fugimos para Sang-Yii, onde ficamos até que passasse a tormenta Boxer. Nenhum cristão apostatou. As mães instavam as crianças a se manterem firmes. “Está pronto a morrer’? A criança contestava: ‘Sim, estou. De igual modo, os adultos encorajavam-se: ‘Ninguém de nós renegue a sua fé. Vamos encontrar-nos no céu’. A maioria dos cristãos foi morta no dia 20 de junho de 1900.

O Rev. Pe. Jules GarriguesMissionário Lazarista

1-Biografia

Em 23 de junho de 1840, o Pe. Jules Garrigues nasceu em Saint-Sernin de Gourgoy, na diocese de Albi, Tarn, França. A sua família contava sete filhos, três dos quais mortos em tenra idade. As duas filhas e os dois rapazes, todos, se fizeram religiosos. Jules era o último.

Em 6 de outubro de 1866, Jules emitiu os votos na Congregação dos Padres Lazaristas. Em 15 de junho de 1867, foi ordenado sacerdote em Paris. Em 27 de 1868, ele partiu como missionário para Pequim e chegou em 28 de março de 1868. Durante muito tempo, ele foi pároco da igreja de Tong-Tang em Pequim. Em 14 de junho de 1900, perto da igreja em

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chamas, ele foi chacinado pelos Boxers. Fora missionário por 32 anos e morreu com 60.

Os testemunhos que provêm das pessoas chamadas ao tribunal diocesano de Pequim são largamente suficientes para mostrar a personalidade extraordinária deste missionário. Ele foi asceta extremamente humano.

2-Testemunhos

1-A testemunha Tomás Yen-Sung-Chao, de 62 anos, da paróquia de Tong—Tang, paróquia oriental de Pequim, exerce a profissão de comerciante. Ele próprio perdeu quase todos os membros da sua família nesta perseguição. Ele fala assim do Pe. Garrigues: “Eu também conheci o reverendo padre Jules Garrigues, cuja caridade era extraordinária. A sua virtude era evidente para o olhar de todos”.

2-Testemunho de José Ning Cheu-Tchen, da mesma paróquia: “Jules Garrigues era sacerdote excelente. Ele tinha bom caráter. Era simples, amava o silêncio, falava pouco. A sua alimentação era simples. Praticava a mortificação e se privava de carne. Ouvi dizer que o reverendo padre Jules Garrigues foi reconhecido por dois jovens Boxers, que gritaram: ‘Eis um velho diabo”. Os europeus eram chamados diabos; os sacerdotes eram ‘grandes diabos’. Eles, dizendo isto, o mataram. Este sacerdote era muito bom. Ele é certamente digno de ser canonizado”.

3-Testemunho de Filomena Shu: “O rev. sacerdote Garrigues era homem excelente, brando, humilde. Na confissão ele sabia encorajar os cristãos de maneira extraordinária. Quando alguém negligenciava a missa de domingo, ele o impedia de receber a comunhão.

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Queria, desse modo, que os cristãos não negligenciassem o domingo. No púlpito exortava os cristãos a se aproximar mais vezes da comunhão ou a assistir à missa. Encorajava sempre a comunhão frequente. No começo, nas homilias, ele tinha o hábito de render graças a Deus ou de pedir a paz. Não há cristão que não fale das suas virtudes. Ouvi o rev. padre Barthélémy louvar a mansidão e a paciência de Garrigues. Muitos cristãos diziam que ele estava cheio de caridade para com todos, sobretudo para com os mais pobres. Ele praticava a mortificação no vestir e sobremodo na alimentação”.

4-“Quanto ao padre Garrigues, tive sempre para com ele muito alta estima. Sempre o considerei como santo. Entre nós, Irmãos, o chamávamos ‘Cura d’Ars’. Eu, pessoalmente, quando sentia alguma depressão, ia a Tong-Tang e retornava restaurado”. (Testemunho do Irmão Marista Marie Nizier)

5-Matias Yun, de 49 anos, foi convocado ao tribunal diocesano em 5 de fevereiro de 1914. Ele tinha 35 anos no deflagrar da perseguição. Em primeiro lugar ele fala do padre Garrigues: “Conheci o padre Garrigues e muitas vezes me confessei com ele. Falávamos de catecúmenos. Ele gostava de trabalhar na conversão dos pagãos. Muitas vezes, pediu ao meu pai e a mim que procurássemos candidatos catecúmenos. É o que eu fazia. Garrigues era sacerdote verdadeiramente fervoroso. Nas suas relações com os cristãos, fazia prova de grande caridade; nunca se mostrava importunado, quando os cristãos vinham vê-lo ou consultá-lo. Todos os dias, depois da missa, íamos ter com ele. Ele nos acolhia com alegria e nos encorajava. Antes do incêndio da igreja, quando os cristãos experimentavam o seu temor, vinham a ele em busca de encorajamento.

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Tinha o hábito de dizer: ‘Como vocês são medrosos’. Em termos e martírio, repetia ele, num minuto tudo está terminado. São palavras que foram ditas, por exemplo, à minha esposa, quando ela se confessava. Muitos cristãos tornavam a dizer isso.

A igreja de Tong-Tang foi incendiada em 15 de junho. O padre Garrigues se salvou pela porta meridional e se escondeu em lugar não distante da igreja. Na noite de 17 de junho, foi visto caminhar perto do pagode de Luong-Fu-Sze. Pagãos do lugar o viram e disseram: ‘Eis um grande diabo europeu’. Mas outros disseram: ‘Não; é um missionário que ensina a religião’. Os pagãos que tinham lojas no lugar saíram de toda a parte. Um homem, originário de Chantung, veio empunhando um utensílio de madeira e matou o padre, dando-lhe grande golpe na cabeça. Outro chegou com instrumento de ferro, um daqueles que servem para reavivar o fogo e o feriu também. O corpo do padre presume-se que foi queimado”.

6-Pedro Kao é relojoeiro de 48 anos. Eis o que disse ao tribunal em favor do padre Jules Garrigues: “Conheci muito bem o padre Jules Garrigues. Ele não tinha defeito. Entre os missionários, ninguém fazia mais penitência do que ele.. Nas sextas-feiras, contentava-se com um pouco de queijo. Com ele havia sacerdotes chineses; eles ficavam longe das suas mortificações. A sua caridade era sem igual. Ele não comia quase nada. Ele dava o seu dinheiro aos pobres. Ele lhes dava até parte da própria roupa. Era de tal modo pobre, que o interior da sua casa era nu, sem ornamento. Ele escutava as confissões de maneira muito atenta; depois fazia observações sobre cada mandamento, sobre o respeito das leis da Igreja. Aqueles que vinham confessar-se sem verdadeira contrição, depois das fervorosas solicitações,

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sentiam-se levados ao arrependimento. Os seus exemplos eram tão evidentes, que ficavam na memória de todos”.

7-Teresa Heu era uma das empregadas das Irmãs de São José. Ela foi testemunha do martírio de algumas delas. No seu testemunho ela afirma que uma das Irmãs foi crucificada contra a parede, pés e mãos pregados. Um Boxer, vendo-a nesta condição, transpassou-lhe o lado com a lança e assim ela morreu. Quando Teresa Heu foi chamada ao tribunal, em 20 de abril de 1914, ela tinha 52 anos. Do padre Garrigues ela disse: “Ele tinha muito bom caráter, paciente, manso. Para mim, ele não tinha nenhum defeito. Possuía verdadeira piedade”.

8-Irmã Paula Tchang foi uma Irmã de São José. Ela tinha 58 anos, quando se apresentou ao tribunal. No começo do seu testemunho, ela traça o quadro do padre Jules Garrigues: “Ele era o nosso pároco em Takeu. Dei-me conta de que era um pastor muito piedoso. Ele rezava em todo o tempo. Era respeitoso das regras e dava constantemente esmolas. Ouvi dizer muitas vezes que também dava das suas roupas. Tinha um vigário para auxiliá-lo; mas este queria ocupar-se apenas das Irmãs de São José; Garrigues, em nome da paz, deixava que assim fizesse”.

9-Testemunho da Irmã Luísa Ducurty, de 71 anos, Filha de Maria. “O padre Garrigues era um santo missionário. Eu me lembro de que o bispo Delaplace, em conferência, nos deu o padre Garrigues como modelo de humildade, não compreendia que se tivesse alguma consideração por ele. No concernente à sua caridade, bastava que um cristão viesse pedir-lhe esmola, para que ele atendesse. Sempre que lhe apresentavam algum presente, ele o punha de lado, e

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começava a falar dos catecúmenos por converter”. .

10-Eis como o vê o relojoeiro José Ly, de 49 anos. Esta testemunha teve grande número de membros da sua família chacinados. Ele era da família dos Shu, cujo pai e um dos seus irmãos eram catequistas na paróquia de Tong-Tang, aquela do padre Jules Garrigues. “Conheci muito bem o padre Jules Garrigues. Era homem de ótimo caráter, que demonstrava para com os pobres grande atenção. Nunca se incomodava, pelo contrário tratava todo o mundo com brandura. Muito o conheci, porque fiz os meus estudos na escola da paróquia. Apesar do muito barulho que fazíamos, ele ficava muito calmo”.

Os mártires maristas

Quando consideramos os nossos Irmãos mártires da revolução dos Boxers, cumpre não esquecer que eles se encontram no vultoso conjunto de quase novecentos outros, todos leigos: camponeses, operários, modestos comerciantes, homens, mulheres e muitas crianças. Longe de querer separá-los por uma intenção especial, deixamo-los no grande número dos mártires da tormenta chinesa de 1900, testemunhas todas dignas da nossa admiração.

Cronologicamente relatemos os eventos dos nossos mártires. O Irmão José Maria Adon, chinês, e o postulante Paulo Jen foram mortos em Cha-La-Eul, em 17 de junho de 1900, nos primeiros dias da revolta. O Irmão José Felicidade, que fazia parte do grupo dos seis primeiros Irmãos enviados à China em 1891, foi morto em 18 de julho de 1900, em Jen-Tse-Tang, por ocasião da explosão de uma mina. O último foi o Irmão Júlio André, visitador, morto em 12 de

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agosto de 1900, enquanto tentava retirar uma mulher dos escombros que a cobriam depois da explosão de uma mina.

O Irmão Júlio André

O Irmão Júlio André, no civil Marie-Auguste Brun, nasceu em 17 de julho de 1863, em Saint-Vincent- de Reins, Departamento do Rhône, de família verdadeiramente cristã. Um Irmão diretor, que o conheceu como aluno, disse ter notado nele juízo reto, caráter sério e firme, inteligência acima da média, amor do estudo; enfim, procedimento que o tornava digno de ser proposto como modelo dos seus colegas.

Com treze anos, pensou em ingressar no Instituto dos Irmãos Maristas, com a vontade de ser Irmão missionário. A mãe concordou logo, mas o pai hesitava, porque tinha apenas um rapaz e uma jovem. Augusto entrou no noviciado de Saint-Genis-Laval em 3 de abril de 1877; ainda não tinha catorze anos. Depois do noviciado foi enviado a diversos lugares: Sainte-Foy-l’Argentière, Saint-Symphorien-sur Coise e Saint-Chef.

Em abril de 1883, ele foi chamado à Casa Mãe de Saint-Genis-Laval, onde passou mais de dez anos, seja nos estudos, seja no ensino do noviciado e do escolasticado. Em toda a parte, mostrou-se religioso exemplar.

Depois de dezesseis anos de trabalho apostólico na França, o Irmão Júlio André, com um grupo de Irmãos, foi designado para ser enviado à China, onde, dezoito meses antes, haviam chegado os primeiros Irmãos. Eis como ele respondeu à convocação do

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Irmão Superior Geral: “Desconfiando das minhas forças, não lhe havia pedido de partir para as missões; mas serei feliz, muito feliz, se o bom Deus me escolher para soldado dele na vanguarda, para apóstolo seu, como, aliás, eu lhe venho pedindo há muito tempo. Antes de tudo, desejo fazer a vontade de Deus. Se, pois, o senhor decide que me quer na China, irei à China, persuadido de que a graça de Deus e a proteção da Santíssima Virgem me ajudarão”.

Depois da recepção da obediência, que continha a sua nomeação definitiva, ele escreveu: “Agradeço-lhe e rendo graças ao Sagrado Coração. Eu não ousava esperar o favor que me é concedido de ser missionário de Jesus. Muito almejaria ser bom missionário, missionário dedicado, zeloso, fervoroso, santo”. Depois de ter passado em Londres alguns meses para aperfeiçoar-se no estudo do inglês, o Irmão Júlio André partiu para a China em julho de 1893. Desde a sua chegada, ele foi professor no colégio de Shanghai. Em 27 de setembro seguinte, ele podia escrever: “Estou muito contente aqui na China e agradeço isso ao bom Deus todos os dias”. Todas as cartas que ele escreveu na França estão repletas de gratidão para com Deus e para com a Virgem Maria.

Humilde e modesto, o Irmão Júlio André teria querido passar ignorado, desconhecido nalguma sala de aula, dedicando-se e sacrificando-se sob o olhar de Deus. Mas a Providência quis diferentemente. O Irmão Elias Francisco, Visitador do Distrito, faleceu em 7 de maio de 1896. Então o Irmão Júlio André foi nomeado Visitador. Escreveu ele: “Temo a responsabilidade de que me incumbem; não me cabe dizer: eu aceito ou não aceito, porque seria de timbre pouco religioso.

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Mandam-me ir e eu irei e farei o meu possível. Espero que a Boa Mãe me estenderá o seguro da sua mão”. Ele se pôs resolutamente à obra e se mostrou em tudo e por tudo à altura. Nas suas relações com as autoridades, com os Irmãos, com toda a sorte de pessoas, deu provas cabais de prudência, de tato, de previsão. Homem de ação e de iniciativa, não se limitou a empregar os seus talentos de administrador e de organizador nas obras atualmente existentes, mas ainda pensou no futuro; ele formava projetos para a multiplicação das escolas cristãs na China, para a extensão do Reino de Jesus Cristo neste vasto império.

Infelizmente, ele não deveria ver a realização das suas esperanças, Preso na tormenta da revolução dos Boxers, foi morto em 12 de agosto de 1900, enquanto tentava retirar uma senhora soterrada nos escombros causados pela explosão de mina.

Eis como o Irmão que sucedeu ao Irmão Visitador na redação do jornal do sítio, narra o evento em que o Irmão Júlio André perdeu a vida. “A noite de 11 para 12 de agosto tinha sido de relativa calma. Na missa das 5h30 comungamos com o nosso caro Visitador. Depois assistimos à segunda missa em ação de graças . De repente, no momento da elevação, formidável explosão abala o solo e tudo desmorona ao nosso redor. Todos os assistentes se precipitam para as portas, em socorro das vítimas, cujos gritos lancinantes se misturavam à fuzilaria dos revoltosos. A mina que acabava de explodir abriu cratera de sete metros de profundidade e quatro metros de diâmetro. Ela destruiu várias casas e enterrou nas ruínas oitenta pessoas: crianças, catecúmenos e soldados italianos. O Irmão Júlio André, comovido de compaixão e consultando apenas a sua caridade e

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coragem, avançava, rastejando para evitar as balas. Quis socorrer uma senhora soterrada nos escombros; mas, no momento em que se ergueu, uma bala o atingiu na peito e saiu pela axila esquerda, depois de ter perfurado os pulmões e talvez também o coração. Ouve-se que ele começa o ato de contrição em voz alta; mas, depois de cinco ou seis palavras, a sua voz se extingue. De pressa foi transportado à capela donde acabava de sair. Chega um sacerdote, mas infelizmente foi para verificar que ele estava morto, mártir da caridade e da dedicação”.

Assim caiu aos 37 anos este valente operário da vinha do Senhor. Os seus Irmãos o amaram, o louvaram e o choraram. Ele mereceu o belo elogio do excelentíssimo Favier, bispo de Pequim: ‘Foi homem de grande valor, que mostrou, em todo o tempo do cerco, inteligência, dedicação e coragem sem par’.

Muitas cartas dos Irmãos da China dizem como ele era amado. Destaque-se a passagem de um deles. ‘Asseguro-lhe que perdi, no nosso caro Irmão Visitador, um pai, o melhor dos pais. Foi sempre tão bom comigo que não saberia esquecer-me dele. A sua bondade e solicitude por mim, como pelos demais Irmãos, em caso de doença, eram admiráveis e o levavam a nada poupar para nos dar alívio. Há dezoito meses, quando eu estava em Nan-Tang, caí doente, depois de um passeio. O caro Irmão Visitador o soube às seis horas da tarde. Não conseguiu visitar-me naquele dia, porque estava em Cha-La-Eul; mas, no dia seguinte, às sete horas, visitou-me, deslocando-se a pé. Ele queria trazer-me um remédio contra o tifo. Depois ele me levou a Cha-La-Eul. Ele queria poder cuidar de mim, no caso de a doença piorar’.

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2-O Irmão José Felicidade

O Irmão José Felicidade foi morto em 18 de julho de 1900. O seu nome civil era Joseph Planche. Nasceu em Etable, na Sabóia, em 4 de fevereiro de 1872. Era de família numerosa: sete filhos e três filhas. O pai era carpinteiro, homem muito estimado; durante muito tempo foi conselheiro municipal. A mãe dele, Francisca Graffion, nos cuidados e na educação dos filhos, demonstrou ser mulher forte e profundamente cristã. Na idade de treze anos, José ingressou no juvenato de Saint-Genis-Laval, então dirigido pelo Irmão Cândido Maria que, mais tarde, em 1891, foi o primeiro Visitador do Distrito da China. O Irmão José Felicidade e o Irmão Cândido Maria fizeram parte da primeira leva de Irmãos Maristas enviados à China.

Aos dezesseis anos, ele terminou o noviciado e foi enviado a Grandris, seu primeiro posto, onde se desempenhou de trabalho manual. A segunda nomeação foi para Nantua, em que iniciou o seu ofício de professor. O Irmão Diretor desta escola escreveu dele: “O Irmão José Felicidade mostra admiravelmente este espírito de zelo e devotamento que devia caracterizá-lo depois. Dedicado por inteiro ao seu emprego, não recua diante de nenhuma dificuldade, quando se trata do progresso e da piedade dos seus alunos. Persuadido de que nada é mais eficaz que o bom exemplo, esforça-se em ser modelo para eles em tudo”.

Em 8 de maio de 1891, os primeiros seis Irmãos Maristas, entre eles o Irmão Cândido Maria e o Irmão José Felicidade, embarcaram em Marseille com destino à China. Na sua chegada a Pequim, os Irmãos foram encarregados da escola de Nan-Tang. Em 1893, com a chegada de outros Irmãos, os Irmãos

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Cândido Maria e José Felicidade foram destacados para Nan-Tang, para tomar, com outros Irmãos, a direção de um orfanato estabelecido em Cha-La-Eul, na periferia. No orfanato havia 125 órfãos, entre sete e vinte e cinco anos, demandando os cuidados de uma infância abandonada. A casa era receptáculo de misérias físicas e morais.

Destaque-se o testemunho do Irmão Cândido Maria, Visitador e primeiro diretor do orfanato. “Em 31 de maio de 1893. Em três semanas, estaremos em Cha-La-Eul. Temo que na hora do vencimento das obrigações, eu continue como devedor sem recursos. Caio no lamento de ter tido a presunção de assumir o posto. Não estaria ele acima das minhas forças? Temo que sim. Meu Deus, que fazer deste montão de abandonados, cristãos e pagãos? As moléstias os atingem todos: micose, sarna, escrófula, raquitismo. É a quintessência das misérias da pobre humanidade. Como conseguir limpá-los, escová-los, asseá-los no físico e no moral? É tarefa muito bela e capaz de satisfazer o zelo mais ardoroso. Vamos ter muita necessidade da proteção de Jesus, de Maria e da assistência dos santos anjos.

Em 14 de fevereiro de 1894. “Há três dias, uma caridosa cristã me apresentou uma criança de onze anos, que perambulava pelas ruas, em temperatura muita fria. Nesta manhã, ausentes os Irmãos, que saíram a passeio com aqueles de Nan-Tang, eu quis assegurar-me do estado geral de um órfão do Providência. Nada direi do seu moral; pode você ter uma idéia: pagão, abandonado, entregue seja a comediantes, seja a um mestre qualquer, e isto desde os seis anos. Encontrei-o coberto de chagas, devorado pela verminose. O meu coração, em face do triste

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espetáculo, comoveu-se; apresentei-o a Nosso Senhor; apelei à minha fé. De repente, vi nesta miserável criatura o meu doce Salvador Jesus. Então, com que felicidade, com que consolação, o livrei dos seus trapos, lavei-o dos pés à cabeça. Precisei de algum tempo para livrá-lo de muitas sevandijas. Agora ele está limpo, vestido de roupa suficiente. No bem-estar que ele experimenta parece que leio no fundo do seu olhar, não vou dizer o reconhecimento, mas o despertar da inteligência” (Os Primeiros Irmãos, companheiros maravilhosos de Marcelino, p. 281-282).

Há testemunhos semelhantes e numerosos nas cartas do Irmão José Felicidade, que sucedeu como diretor de Cha-La-Eul ao Irmão Cândido Maria, quando este morreu de tifo em 1895. Ele havia cuidado dos seus quatro Irmãos doentes de tifo. Todos se curaram, mas ele ficou doente da enfermidade e a ela sucumbiu. Todos os jovens Irmãos da comunidade leram este gesto como o sacrifício do pai para que os filhos tivessem vida. Quando o Irmão José Felicidade se achava ainda em Nan-Tang, sonhava em imitar o Irmão Lourenço, em acompanhar os padres que vinham às vilas próximas de Pequim e, assim, ensinar o catecismo às crianças. Formulou, neste sentido, pedido expresso ao Irmão Assistente.

Ainda jovem, com 28 anos, o Irmão José Felicidade podia esperar, por dilatados anos, a graça de fazer o bem na China, quando a revolta irrompeu em 1900, terrível perseguição que fez tantas vítimas. Enquanto lhe foi possível, ele prodigalizou os seus cuidados aos meninos de que estava encarregado. Quando viu o orfanato ameaçado e o perigo iminente, ele tomou as disposições que lhe foram indicadas por Favier, bispo de Pequim, a fim de pô-los em segurança tanto

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quanto possível. Devolveu uns quarenta aos pais ou a cristãos que cuidariam deles; mas onde encontrar refúgio seguro para os 120 restantes? A missão não podia recebê-los. Teve-se de entregá-los à Providência, sob a guarda de dois Irmãos chineses: José Maria Adon e Paulo Jen, postulante. Foi com grande aperto de coração que se separou deles, em 12 de junho para se refugiar em Pe-Tang, segundo a ordem recebida.

Em 20 de junho, a novidade chegou a Pe-Tang: o estabelecimento de Cha-La havia sido queimado em 17 de junho. O Irmão José Felicidade escreveu: “Pobres crianças, depois de ter escapado dos Boxers em Nan-Tang (estabelecimento onde os órfãos se haviam refugiado antes), de novo estão expostos à crueldade desses bandidos. Para onde fugir? Impossível ir a Pequim, já que os Boxers guardam todas as portas. Na região rural já não há cristãos e, em todos os caminhos, os Boxers são numerosos. Então é o gládio ou a fome que nos espera. Meu Deus, como sofro, ao saber que as crianças estão em tal angústia”.

A partir de 21 de junho, o Irmão José felicidade interrompeu a sua relação, impedido, sem dúvida, pelos trabalhos de que estava encarregado em Pe-Tang. O Irmão Júlio André a terminou no seu lugar. “O bravo Irmão José Felicidade, tão ávido de verter o seu sangue com os seus meninos por amor a Deus, viu os seus votos atendidos em 18 de julho de 1900, às cinco horas da tarde. Ele supervisionava os cuidados de uma contramina, quando o inimigo, que percebeu os nossos trabalhos, se apressou a fazer os seus. Às cinco horas, uma explosão espantosa se produziu. O Irmão José Felicidade foi projetado a uma distância de quinze metros. De cabeça para baixo, ele

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caiu num fosso, onde foi coberto de destroços e terra. O corpo só foi encontrado meia hora depois. Não tinha apenas escoriações no exterior, mas estava morto. Depois de limpo, notou-se no rosto o ar de bondade, o doce sorriso que lhe havia conquistado os corações”.

Outro Irmão escreveu: “Era um santo religioso. Como o Irmão Visitador, ele visava à perfeição. Sem escutar a natureza, ele se doava por inteiro à glória de Deus e ao bem de todos, fazendo tudo com alegria, levando à prática do bem os seus Irmãos pelos bons exemplos. A muitas misérias ele levou assistência neste orfanato, repleto do desgracioso da natureza: cegos, surdos-mudos, por exemplo. Esses pobres abandonados recebiam do bom Irmão não apenas cuidados corporais os mais devotados, mas ainda o testemunho de terna afeição e o mais paternal encorajamento para o bem”.

3- Irmão José Maria Adon (Joseph Fan)

José Fan nasceu em Pequim em 1874, de família originária de Chan-Si, estabelecida em Pequim desde quatro gerações, distinguida pela sua fé e piedade. Nos distúrbios de 1860, membros desta família esconderam em casa o único sacerdote que havia sobrado em Pequim e cuja cabeça fora posta a prêmio. O pai dele, relojoeiro, era muito estimado na paróquia de Nan-Tang. A mãe era fervorosa cristã, pôs todo o seu cuidado em bem educar os filhos. Os dois mais velhos se estabeleceram em Pequim: um nos Correios e o outro na Legação da Grã-Bretanha. O terceiro estava no seminário maior de Pequim. José, o quarto, foi batizado alguns dias depois de nascido e teve por padrinho Augusto Ly, catequista da paróquia de Nan-Tang e irmão de Ly-Kin-Tang,

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embaixador da China em Paris. O piedoso e zeloso catequista precedeu no céu, por dois ou três dias, o seu afilhado. Foi chacinado no jardim do presbitério de Nan-Tang, ao pé da estátua de Nossa Senhora de Lourdes, em 14 de junho de 1900, dia do incêndio da igreja e dos estabelecimentos de Nan-Tang.

O pequeno José se fez notar pela sua retidão, doçura e simplicidade. Desde os oito anos, foi enviado à escola de Nan-Tang. O seu professor Xavier Chao, da família imperial, se apegou aos Irmãos Maristas desde a chegada a Pequim, em maio de 1891; não se separou deles senão por causa dos eventos de 1900. Nesse tempo, ele também logrou a palma do martírio na paróquia de Si-Tang. José Fan tinha dezessete anos, quando, em 1891, seis Irmãos Maristas chegaram a Pequim e tomaram a direção do colégio de Nan-Tang, onde ele era aluno. Não demorou em atrair a atenção deles pela sua piedade e pelo bom procedimento, o que fez com que o Irmão Cândido Maria falasse dele assim: “É jovem excelente, natureza delicada e sensível, ele é piedoso e inteligente. Interno no nosso colégio de Nan-Tang, ele fala bem o francês. A sua família é das mais cristãs; a mãe, viúva há quinze anos, educou bem os filhos”.

Foi em 15 de agosto de 1893, na época em que os Irmãos tomaram a direção do orfanato de Cha-La-Eul, que José foi recebido aí como postulante. A casa de Cha-La-Eul estava longe de oferecer o conforto e o bem-estar que a natureza brinda de ordinário. O piedoso jovem partilhou com três ou quatro outros postulantes, generosa e alegremente, a vida pobre e operosa dos Irmãos e dos seus órfãos. Estava ele no segundo ano de noviciado, quando, na primavera de 1895, o tifo levou a desolação à casa, fazendo nela

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diversas vítimas, entre elas o Irmão Cândido Maria, diretor e mestre dos noviços. José Fan também foi atingido pelo flagelo e sofreu por quinze dias.

Em 14 de agosto de 1895, José Fan, com três outros postulantes, teve a felicidade de receber o santo hábito religioso das mãos de Sua Excelência Sarthou, com o nome de José Maria Adon. Depois de algum tempo passado nos estudos, ele foi encarregado de uma aula do orfanato e da sacristia. Ele era feliz de poder ensinar o catecismo, que preparava com grande cuidado e sabia torná-lo interessante e verdadeiramente proveitoso. Os seus relacionamentos com os confrades eram sempre impregnados de caridade, afabilidade e obsequiosas antecipações; em toda a ocasião, punha a sua felicidade em prestar serviços e dar descontração.

Na primavera de 1900, foi encarregado do ensino de francês no orfanato de Cha-La-Eul. Durante cinco anos de vida religiosa, o Irmão José Maria Adon correspondeu às esperanças que havia dado como aluno em Nan-Tang, como postulante e como noviço. Mostrou-se sempre cheio de estima pela sua vocação, apego ao Instituto como à sua família e distinguiu-se pelo espírito filial para com os superiores.

Estava-se em maio de 1900. Havia já vários meses que a tormenta bramia e que ia fazer correr ondas de sangue cristão. Cha-La-Eul, pela sua situação fora dos muros de Pequim, tinha tudo para temer a invasão noturna dos bandos que espalhavam o terror nos arredores. Pelo fim de maio, os rumores que circulavam iam ficando cada vez mais inquietantes. Os Irmãos julgaram prudente velar todas as noites, para prevenir o perigo do fogo. Perguntado o Irmão José Maria Adon sobre o que faria à vista dos Boxers

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armados de grandes facões, respondeu como se estivesse determinado ao sacrifício da sua vida: “Não fugirei; ficarei com os meus alunos, muitos dos quais são muito novos e vou impedi-los de apostatarem”.

Quando o perigo ficou real para o orfanato de Cha-La-Eul, os Irmãos do estabelecimento e os meninos que nele se encontravam, por ordem do bispo Favier se transferiram a Nan-Tang, bairro de Pequim, onde havia outro orfanato, um hospital, escolas, residências e uma igreja pertencente à missão. O Irmão José Maria Adon teve o cuidado levar para lá os vasos sagrados, de juntá-los àqueles da igreja de Nan-Tang e de esconder outros na terra, para subtraí-los à profanação.

Esperava-se que Nan-Tang poderia ser defendida pelos soldados europeus. Uma esquadra foi enviada aí, mas de todo insuficiente para resistir a um ataque; assim, ela também teve de abandonar o posto. Desse modo, vários Irmãos e 120 órfãos ficavam expostos à crueldade dos Boxers. Ademais, havia aí seis Padres Lazaristas, dez Irmãs de São Vicente de Paulo, vinte Irmãs Josefinas chinesas e muitos doentes e outras pessoas. Em 13 de junho, de noite, doze homens ousados foram a Nan-Tang em busca dos padres e das religiosas para recolhê-los às Legações. Esses doze corajosos disseram ao Irmão Crescente Maria que tinham a ordem de também levá-lo. Ele pediu que o deixassem ficar com os Irmãos chineses (Irmãos José-Maria Adon e Cândido Maria) e com os órfãos, para partilhar a sua sorte. O Irmão José Maria, porém, lhe suplicava que partisse, “porque, ponderava, se você fica, não poderá escapar da morte, ao passo que nós, chineses, temos alguma chance de ser poupados ou escapulir. Parta, meu Irmão, eu lhe peço. Se ficar vai causar-me muita

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tristeza. Salve-se agora, de noite. Vindo o dia, será demasiado tarde. Adeus, reze por nós”.Então os Irmãos se deram o beijo do adeus. Foi com este ato de generosidade e desprendimento de si que o nosso caro confrade José Maria Adon começava o seu dia.

Pelas cinco horas da manhã, o exército dos Boxers, acompanhado de multidão fanática, ávida de pilhagem e de sangue, invadiu o bairro de Nan-Tang, com gritos selvagens de Chao, Chao: matem, queimem. Tudo foi entregue ao saque e às chamas: hospital, convento das Irmãs, escola dos Irmãos, presbitério e igreja. Numerosos cristãos foram chacinados nestes diversos estabelecimentos. Com o perigo iminente, o Irmão José Maria Adon e os seus órfãos refugiaram-se no terraço da sacristia. Daí Adon considerava o triste e pungente espetáculo que tinha sob o olhar: estátuas e imagens religiosas sujadas e profanadas, candelabro, cruz, altar, ornamentos sacerdotais, tudo arrastado pela rua; para cúmulo, o incêndio dos estabelecimentos e da igreja.

O Irmão José Maria Adon e os seus pequenos protegidos, que estavam no terraço, desde as nove horas, esperavam a morte. Pelas três da tarde, já não podendo suportar o ardor do fogo que os circundava, desceram desse lugar de refúgio. Diversos meninos que haviam fugido foram chacinados não longe da igreja em chamas. O Irmão José Maria Adon atravessou a multidão fanática sem que alguém lhe pusesse a mão. Então foi a Pe-Tang, mas encontrou a porta guardada por soldados. Decidiu voltar a Cha-La-Eul. Ao sair da cidade, diversos meninos que o acompanhavam são detidos e mortos. Chegado a Cha-La-Eul, ele escreveu ao Irmão Júlio André duas cartas, que foram conservadas. Refugiado em Pe-

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Tang, quis informá-lo do extremo perigo em que se encontrava.

Caríssimo Irmão Visitador“Ontem fomos muito maltratados. Ficamos no terraço da sacristia, em Nan-Tang, durante cinco ou seis horas. Eu me salvei do meio do fogo. Não narro detalhes, mas peço que venha socorrer-nos. Você pode falar ao Bispo Favier, para achar um meio de nos levar a Pe-Tang hoje. Há comigo uns quinze meninos. A mão me treme no escrever”...(15 de junho).

A segunda carta é como confirmação do que afirmou na primeira. Por certo não faltava boa vontade para socorrer o Irmão e os meninos. Infelizmente, não se encontrou nenhum meio. Também o orfanato de Cha-La-Eul sofreu a mesma sorte dos estabelecimentos de Nan-Tang: pilhagem, incêndio e chacina. Aí o Irmão José Maria Adon encontrou a morte, na companhia do postulante Paulo Jen, em 17 de junho de 1900.

4- Paulo Jen

Paulo Jen era postulante por ocasião dos eventos. Como se disse pouco antes, foi morto em 17 de junho de 1900. Não sabemos em que parte da China nasceu, nem em que ano, nem o nome dos pais. Sabemos dele apenas o que nos narrou o Irmão José Felicidade, diretor de Cha-La-Eul e encarregado de seguir-lhe os passos, isto é, o que consta nas três cartas que se conservaram..

1- Carta de 14 de novembro de 1898. “O postulante Paulo Jen dá boa impressão. Poderia prestar alguns serviços em Cha-La, como cozinheiro ou como vigilante”.

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2- Carta de 4 de maio de 1899. “O postulante Paulo Jen é o relojoeiro de que lhe falei. Ele é muito dócil e parece disposto a tornar-se bom Irmão. A sua inteligência não é muito desenvolvida; mas parece-me dotado de juízo reto. Tem boa vontade, mostra disposições para o trabalho manual e desempenha-se bem dos diferentes ofícios de que o encarregam. Atualmente está aprendendo a ser cozinheiro com o Irmão Crescente e com ele se entende muito bem. Eu lhe dou cinco instruções por semana”.

3- Carta de 3 de setembro de 1899. “O postulante Paulo Jen impressiona sempre bem. Acaba de sofrer uma provação, toda em favor dele. Há algum tempo, o irmão dele veio pedi-lo e quis absolutamente levá-lo, sob pretexto de negócios da família, em que seria necessária a presença de todos os seus membros. Nas circunstâncias, o caro Irmão Visitador lhe permitiu que se ausentasse por algumas semanas. Na família, percebeu que o irmão mais velho lhe havia estendido uma armadilha: queria levá-lo a casar-se e, assim, impedi-lo de abraçar a vida religiosa. Graças a Deus, o nosso postulante triunfou dessa perigosa prova. Retornou com vontade mais forte de se fazer religioso. Quanto à instrução, dou-lhe uma hora de aula por dia, que consiste em explicar-lhe os nossos princípios de perfeição. No atinente ao emprego do seu dia, ele é cozinheiro, com a ajuda de um menino. Nos seus momentos livres, ele estuda no livro a aplicação da doutrina cristã, prepara o assunto da sua meditação, isto é, aprende a ler chinês no seu livro de meditação; faz alguma leitura no livro a perfeição religiosa de Rodríguez, em chinês e, quando pode, assiste à aula de francês com os meninos”.

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Paulo Jen era piedoso, trabalhador, obediente, caridoso, dedicado e, pelas suas boas qualidades e bom procedimento, dava esperança de que poderia prestar bons serviços à Missão. Tinha cerca de vinte e seis anos e se preparava para vestir o habito religioso em breve. Em face do perigo iminente dos Boxers, ele teria podido fugir. Mas a possibilidade não lhe veio sequer ao espírito. Como o Irmão José Maria Adon, ele quis ficar fiel ao posto, para encorajar os mais jovens e lhes dar o exemplo da fidelidade a Jesus Cristo.

Qual foi o lugar do seu martírio? Nan-Tang? Cha-La-Eul? Ninguém conseguiu saber. Em que data? Deve ter sido entre 15 e 18 de junho.

Os Irmãos Júlio André, José Felicidade, José Maria Adon e Paulo Jen são quatro gloriosos mártires que serão para o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, e para os seus benfeitores, poderosos intercessores junto de Deus. A proteção deles muito será útil também aos nossos Irmãos da China, sob a destruição das suas obras e que a perseguição de 1900 reduziu a um grande desprendimento.

Vida do Irmão Joche Albert Ly(1910-1951)

Ele nasceu em 8 de fevereiro de 1910, de família cristã. No batismo, recebeu o nome de André. Em 1921 entrou no juvenato de Pequim e fez os seus primeiros votos em 1931 e a profissão perpétua em 1935. De 1940 a 1944, estudou na Universidade Católica de Fu Jen. Foi brilhante na literatura chinesa, mas gostava também de ensinar ciências exatas. Nos tempos livres aprendeu francês e inglês, duas línguas que dominava bem.

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Lecionava em Che Foo, quando o exército vermelho tomou a cidade. Por vários meses, foi obrigado a seguir cursos de marxismo na Universidade improvisada de Lay Yang.

Em janeiro de 1946, começou longa odisséia para o nosso Irmão. Em março de 1946, foi expulso do nosso Colégio de Che Foo; ele fugiu para Tsingtao. Depois desceu a Shangai, onde lecionou até meados de1947. Daí foi para Shangtung, no Tibete chinês, onde abriu a Escola Superior de Ming Teh, em Tsingtao. Mas em fevereiro de 1949, estava de novo em Shangai; em seguida foi a Chungking; daí retornou a Shangai, como superior.

O exército vermelho entrou em Xangai em 1950. O Irmão Joche tentou manter a sua escola, porém foi aprisionado. Nos últimos dias, conseguiu confessar-se e comungar; os comunistas presentes, não vendo o sentido da pequena hóstia branca, permitiram a um sacerdote levar-lhe a comunhão. O Irmão Joche Albert também combinou um como acordo espiritual com a comunidade cristã: ele estaria particularmente unido a ela cada manhã na hora do Angelus. A 21 de abril, exatamente na hora do soar do Angelus, foi fuzilado com 24 outros cristãos. Grande multidão assistiu à execução, e um fotógrafo oficial tirava a foto de cada mártir.

A personalidade do nosso Irmão Joche AlbertJoche Albert caracterizava-se pelo brilho e dialética do seu discurso. Expressava-se com mestria em chinês literário, cativando o público e mais ainda os alunos. Trabalhador incansável, ele era capaz de ficar no seu escritório ou estante por horas inteiras, sem levantar a cabeça e, como era meio gordo, os

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coirmãos o chamavam “pequeno Buda”. Escrevia as aulas que professava e, sobretudo, os cursos de religião. Em toda a visita à família, procurava recrutar jovens para o juvenato; percorria o seu torrão natal e os arredores com quilos de medalhas da Santíssima Virgem. Interessava-se pelos catecúmenos; todos os anos, ele apresentava bom grupo de jovens para o batismo. Era, sobretudo, dotado para a dialética e para desmontar os sofismas. Como tinha temperamento fogoso, as respostas eram, por vezes, duras e apodícticas. Os coirmãos lhe diziam, rindo, que ele teria longo purgatório para expiar as suas críticas duras. Aceitava-o de boa mente e com facilidade pedia desculpas. No campo de reeducação ousava desmontar os arrazoados dos marxistas e até dizer claramente aos que lhe faziam a lavagem do cérebro que não passavam de ignaros. Conhecem-se os métodos desses campos de reeducação: a pessoa era obrigada a escrever a autobiografia e até a reescrevê-la; em suma, a confessar de público que traiu o país, que colaborou com os nacionalistas. Os responsáveis pelo campo tudo fizeram para integrá-lo na “Igreja Nacional”, separada de Roma, sem nada conseguir.

Alguns testemunhos 1– “Como religioso, demonstrava mediana regularidade e piedade, não mais que os outros. Era bom religioso, mas não excelente nem o melhor. Nos últimos anos de vida, em contacto com os marxistas, pôde-se notar nele grande maturidade. Havia surgido outro Joche”.

2– Todos lhe reconheciam a retidão de caráter; em certos momentos, ele se revelava fogoso, até mesmo exagerado, por estar apaixonado pela verdade. “Quando se apaixonava, falava com convicção e força

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interior. A sua expressão era clara, imprimindo vigor e brilho na dialética”. (Ir. Filippe Wu, seu companheiro mais íntimo.)

3– Fisicamente, para o padrão chinês da época, era forte, alto e bem talhado. De porte grave, mas sem exibir austeridade, sabia atrair o ouvinte. Até o fim da vida, um como halo de nobreza, de serenidade e graça realçava a sua pessoa. Cativava o auditório com o saber e condizente habilidade. Tinha uma como influência magnética sobre os jovens, que lhe demonstravam respeito e afeto. Muitos encontraram, graças a ele, o caminho da verdade e do batismo. (testemunhos do sacerdote Hu.)

4– Quando o Padre Tarcis Kackeiser recebeu a notícia do martírio de Joche, testemunhou o pensamento e a admiração nos seguintes termos: “Vossa Reverência me comunica que o Irmão Albert Ly é mártir. Isso não me surpreende! Era uma alma de escol. A notícia muito me alegra. Guardo dele as melhores recordações. O Irmão Joche Albert tinha alma apostólica. O zelo brotava-lhe do fundo do coração; nele sempre se percebia zelo carismático pela salvação do próximo. Tinha prazer em explicar o catecismo, tarefa que nele era brilhante. O seu labor apostólico no colégio era uma luz para os estranhos e mesmo para os que bem lhe conhecíamos o discurso”.

IRMÃO HENRI VERGÈS

ITINERÁRIO DE UMA VIDA

IrrupçãoHenri nasceu em 15 de julho de 1930, em Matemale, Pireneus Orientais, aldeia do Capcir, na encosta de

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Aude, a 1500 metros de altitude. Era o primogênito dos seis filhos da família de José Vergès e de Matilde Bournet, modestos camponeses. O pai foi eleito prefeito do povoado. A mãe, totalmente votada ao lar, sabia dar atenção aos vizinhos pobres. Dessas raízes humanas ele colheu o sentido do trabalho, da simplicidade, da retidão, da resistência moral e da partilha.

Período ocultoAos 12 anos deixou os pais para iniciar o aprendizado da vida marista, primeiro em Espira de l’Agly, perto de Perpignan, depois em Saint-Paul-Trois-Châteaux, na região provençal Drôme. Primeira profissão religiosa em 1946, seguida de um ano preparatório ao exame do diploma elementar, em N.S.ª de l’Hermitage, perto de Saint-Chamond, Loire, na casa construída por são Marcelino Champagnat, fundador dos Irmãos. Henrique começou o apostolado de Irmão professor em outubro de 1947, em Saint-Geniez-d’Olt, no Aveyron. A saúde não resistiu a um trabalho intenso e a uma alimentação demasiado frugal. Ele festejou os 20 anos em Osseja, sanatório perto da sua terra natal. Foi tempo de aprofundamento de sua vida religiosa.

AmadurecimentoEm 26 de agosto, Henri emitiu os votos perpétuos como Pequeno Irmão de Maria. Começou nova etapa de educador e professor em diversas escolas do Ardèche, em Cheylard e Aubenas. De 1958 a 1966, foi Vice-Mestre dos Noviços, em Notre-Dame de Lacabane, em Corrèze. Com tenacidade de campônio, continuou a formação até licenciar-se em Filosofia. Após o Capítulo Geral de 1967-68, do qual participou como delegado de sua Província de origem, o Superior lhe pediu que fosse à Argélia. Henri aceitou

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de bom grado: há muito tempo que desejava ir às missões. Empenhou-se resolutamente em estudar o árabe durante as férias de verão em família e desembarcou em Argel, em 6 de agosto de 1969, festa da Transfiguração.

DesabrochamentoA sua presença na Argélia, durante 25 anos, conheceu três etapas principais:1969-1976: Escola São Boaventura, em Argel. Henri assume a direção durante 6 anos, até a nacionalização.1976-1988: Em Sour-El-Ghoziane, sobretudo como professor de Matemática.1988-1994: Argel, Rua Ben Cheneb, no quarteirão da Casbah, como responsável pela Biblioteca freqüentada por mais de mil estudantes do Liceu. No seu gabinete de trabalho foi assassinado, em 8 de maio de 1994, pouco depois do meio-dia, com a Irmãzinha Paula Helena.

Irradiação“O caríssimo Irmão Henri foi testemunha autêntica do amor de Cristo, do seu despojamento em favor da Igreja e da fidelidade ao povo argelino.” (Palavras do Cardeal Duval, nas exéquias, em Nossa Senhora da África, em 12 de maio de 1994, festa da Ascensão do Senhor.)

Alguns textos de Henri Vergès

A pedido do Ir. Basílio Rueda, Superior Geral, Henri escreveu uma autobiografia, datada do 1.° domingo do Advento de 1978. A seguir consta a conclusão dela.“HISTÓRIA DE AMOR

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Deus e a Virgem Maria sejam louvados por me terem chamado, por me terem dado a graça da fidelidade muito simples, à qual procuro responder do melhor modo possível. Obrigado aos meus Irmãos que me permitiram, pela sua própria fidelidade, às vezes pela sua fraqueza, que eu respondesse melhor ao apelo de Deus, incluindo alguns que deixaram o Instituto e continuam, para mim, muito queridos. Mistério... Obrigado aos meus pais, à minha família, a tantos amigos, sobretudo sacerdotes e religiosos, que me treinaram neste caminho do Amor. História de Amor que continua: que o Deus fiel nos conserve fiéis. FIAT, MAGNIFICAT.”

Uns dez anos depois, Henri aceitou escrever o seu caminho espiritual “na casa do Islão”. Termina assim:“Em resumo, foi meu compromisso marista que me permitiu, apesar de minhas limitações, inserir-me harmoniosamente em meio muçulmano; a minha vida neste meio, na sua vez, me realizou mais profundamente, como cristão marista. Deus seja louvado!”. (Argel, Natal de 1989)

Por ocasião do Centenário da chegada dos primeiros Irmãos Maristas à Argélia, março de 1891, Henri havia desfiado a Maria sua dezena argelina. Seguem algumas passagens.“Este ano cumpre-se nova etapa: Bab-el-Oued, Casbah. Discretamente perdidos no meio da multidão, eis-nos aqui, contigo, Maria, junto aos pobres, junto aos jovens, como presença humilde, sempre querendo estar disponível em prol da irradiação do teu Filho. E já temos encontros de visitação. Cante-se o Magnificat”.

Não falemos da biblioteca. Já acolhemos mil e tantos jovens. Cercam-nos dezenas de milhares. Veja-se essa

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multidão ainda impregnada de fé, mas que ainda duvida de seu futuro. É uma juventude muitas vezes desamparada do que se apelida “terceiro mundo”. Mãe nossa, dai que logremos acender nesses jovens corações a esperança.

O Ribat é um elo de paz. Esse grupo nos acolhe; todos desejam uma aproximação mais espiritual do Islão e dos Muçulmanos, na vivência cotidiana. Maria, vós caminhais conosco, às vezes na exaltação dessas maravilhas que se realizam na base, sinal profético, no espírito da fraternidade de Assis, ao qual se abre a Igreja do vosso Filho.

Alguns apontamentos de Henri que traduzem a sua caminhada espiritual na última etapa.“Velar sobre esse dom que Deus me faz na singeleza de um olhar de adesão total, no mais fundo do meu ser, ao que ele quer a todo o momento, em toda a circunstância: devo ser simples e verdadeiro no amor, na sua presença. Com a Virgem Maria, eu me restauro e irradio a eucaristia”. (Tibhirine, 17-12-1983.)

“Três critérios de apostolado para o Instituto: direcionamento aos mais pobres, educação marial, apelos da Igreja.” (3-4-1984.)

“Devo fixar o meu coração em Deus com Maria.”“Senhor Jesus, entrego-me a ti para ser oferecido em ti e contigo totalmente ao Pai, no amor do Espírito Santo. Que a minha vontade seja a do Pai sobre mim e que ela possa cumprir-se cada dia até o fim.” (Varennes-sur-Allier, julho de 1985.)

A Virgem Maria constitui a mais bela expressão do amor divino. A Virgem Maria é a mais bela resposta

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humana ao amor divino. Depois da encarnação tudo nos vem por meio de Maria, já que ela nos deu Jesus. Agora ela o dá e o faz crescer em cada uma das nossas almas, no seu papel insubstituível de Mãe.

Senhor Jesus, entrego-me a ti para ser entregue por inteiro, em ti e por ti, ao Pai, no amor do Espírito Santo. A minha vontade seja aquela do Pai sobre mim e que ela possa cumprir-se no suceder dos dias até o escopo final. (Escrito em julho de 1985, em Varennes-sur-Allier).

A medida do nosso sofrimento constitui a medida da nossa ação nas almas. Aos amigos Jesus oferece a sua cruz. A cruz nos identifica com ele. Assim, vive-se de tal modo nele e com ele, que as almas, entrando em contacto conosco, vão encontrar-se com Cristo.

Jesus-Hóstia, centro da minha vida, prolonga a minha ação de graças em toda a manhã e, na tarde, ele prepara a minha comunhão do dia seguinte. Cumpre que faça de Jesus o meu amigo, o meu irmão para a minha santidade de toda a minha vida. Ele deve ser a minha respiração, a minha força. Assim, as almas de que me encarreguei vão encontrá-lo mais segura e facilmente.

O ano de 1986 foi de intensa arabização.Clarissas-Argel, 22-3-1986:“Deixar a paz de Cristo invadir-me sempre mais, no mais íntimo do meu ser: devo ter paciência, bondade comigo, bondade com todos, em particular com os jovens que o Senhor me confia. Virgem Maria, fazei-me instrumento de paz para o mundo.” “Esforço particular, neste ano, para uma atenção mais especial aos mais “desfavorecidos” dos meus alunos. Desde o começo, procurar conhecer cada um pelo seu nome.

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’Adaptar melhor as minhas aulas, sobretudo aos mais “carentes”, como me pede Marcelino Champagnat.” (N-D de l’Hermitage, julho de 1987.)

Quaresma de 1988“Com a graça do Senhor, acompanhado pela Virgem Maria: calma, paz na presença do Senhor, sobretudo na hora da oração; bondade com os alunos; jejum, em particular nada de sobremesa à tarde; “aligeirar” um pouco cada dia nosso “equipamento”.

“A minha presença em tal lugar, em tal momento só é necessária na medida em que Deus a quiser para mim e para os meus irmãos. Como Jesus, estar totalmente disponível à vontade do Pai. Ser a florzinha que desabrocha onde Deus a plantou ou transplantou sobre a terra dos homens, mas sempre irrigada pela água viva do Espírito. Em tudo e sempre devo ser sim pelo sim e no sim de Jesus, como a Virgem Maria.” ( Sour-El-Ghozlane, entre 1986 e 1988.)

“Ser transparência do Evangelho, pela transparência do Evangelho. Ser um grão escondido na terra dos homens, por onde possa manifestar-se o fermento do Evangelho. Deixar-me transformar cada dia um pouco mais pela Palavra viva do Evangelho: não deixar que o seu gume embote na rotina, na distração, na instalação do conforto. A divina palavra possa, sem cessar, fazer surgir em mim o homem novo, como reflexo sempre mais palpável do Evangelho.” (Idem.) “Mais verdadeira a palavra que vivo do que a palavra que digo. Aspirar sempre a uma irradiação de ser.” (Idem.)

“Paciência, perseverança, calma e tranqüilidade, como o semeador que confia o grão à terra e deixa que o tempo de Deus faça a sua tarefa. atitude

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essencial para o educador, visto que não conheço o ritmo de desenvolvimento de cada um desses jovens. Deus simplesmente me enviou a semear o grão em tal campo escolhido por ele: semear, pois, em paz e deixar-lhe o cuidado do crescimento. Sem estranhar a presença da cruz, como na vida do próprio Jesus.” (Idem.)

“A semana de oração com João Maria foi para mim ocasião de conversão pessoal. Guardei algumas convicções: se o coração deseja a Deus, a oração foi boa. Ter esse desejo no seu íntimo e levá-lo sempre mais longe. Cristo deve irradiar através de nós. O quinto evangelho que todo o mundo pode ler é o de nossa vida.”(Encontro n. 12 do Ribat, de 31 de outubro a 2 de novembro de 1984.)

Em Sour-El-Ghozlane, Henri pondera:Estou aqui, porque Deus me enviou para cá; porque há um desígnio misterioso de Deus sobre o povo do Islão; porque há um templo de sua presença, onde me convida a entrar; porque há uma abertura recíproca que favorece um diálogo entre crentes, para promover e desenvolver o avanço espiritual; em suma, porque os nossos caminhos em Deus só podem convergir. A minha vocação marista é particularmente adaptada a essa presença escondida, a este humilde serviço de embasamento das fundações em que vai descansar o futuro, neste país jovem; nós somos feitos para os jovens com Maria, também ela presente no coração do Islão.

Alguns testemunhos sobre HenriEm 5 de julho de 1994, o padre Christian-Maria, de Chergé, prior de Tibhirine, escrevia ao Abade-Geral.

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“Eu era pessoalmente muito ligado a Henri. A sua morte me parece tão natural, tão conforme a uma longa vida, totalmente doada em cada detalhe. Parece-me que ele pertence à categoria dos que chamo “os mártires da esperança”, esses de quem quase nunca se fala, porque é na paciência do cotidiano que eles derramam todo seu sangue.”. (Citação feita por Dom Bernard Oliveira, Abade-Geral dos Trapistas, em carta enviada a todas as comunidades cistercienses, em 27 de maio de 1999, após a morte dos 7 religiosos de Nossa Senhora de Atlas, entre os quais Christian-Maria, de Chergé.)

Do Irmão Michel Voute, companheiro de Henri, Rua Ben Cheneb, Argel:“Tudo nele era clareza, a começar pela letra tão límpida na forma e no estilo. Tudo servia de pretexto para ele magnificar o Criador. Um verdadeiro Francisco de Assis: louvor e ação de graças eram as suas duas formas privilegiadas de oração. E, contudo, quando no começo da refeição, ele pensava que a sua oração, mesmo o simples sinal-da-cruz, poderia chocar um visitante, amigo argelino muçulmano, ele se abstinha, mas usava uma fórmula corânica de ação de graças. Que delicadeza, atenções deliciosas, sem afetação religiosa, mas atos sempre verdadeiros, autênticos, respeitosos, brotados do seu coração à escuta do Outro e dos outros. Sim, Henri era um Justo”.

Do Irmão André Thizi, Superior Provincial de Henri (carta aos Irmãos, de 17 de maio de 1994):“Henrique estava totalmente preparado para encontrar-se com o Senhor. No domingo anterior à sua morte, ele fora, com o Irmão Michel, à Trapa de Tibhrine, para uma derradeira “limpeza”(testemunho do Irmão Christian, prior da Trapa.). O seu último

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testamento é datado de 22 de abril de 1994! Morreu no mesmo dia do encerramento do Sínodo Africano, em que havia posto tanta esperança.

Estando sozinho na Argélia durante alguns anos, Henri achava-se, apesar de tudo, em profunda comunhão com todos os seus Irmãos, mais unido, talvez, que outros ligados à Província. Quem, dentre os que o encontravam, não ficou impressionado com a extrema simplicidade do Irmão Henri? Verdadeiro asceta, ele sabia contentar-se com o mínimo, quer na mesa, quer nas coisas pessoais. Entrando no seu quarto, quinta-feira de tarde, fomos surpreendidos com a pobreza que aí reinava; apenas a presença de um transistor e do Corão o distinguia do quarto de Champagnat! ‘Aligeirar cada dia um pouco nosso equipamento’ (de suas resoluções de retiro).

Muitos de vocês, sem dúvida, poderiam acreditar que Henri estava na Argélia porque ele mesmo queria. Os Superiores que o conheceram antes de mim sabem que não era assim. Henri estava em total disponibilidade. Por ocasião de minha última passagem, em março, quando, apesar dos acontecimentos, ele pensava que a sua presença era mais importante que nunca, pôs-se totalmente à minha disposição ‘para fazer a vontade de Deus’. ‘Lema do meu novo acompanhante espiritual: não peça nada, não recuse nada, aceite tudo’ (das suas resoluções de retiro).

D.B., de Sour-el-Ghozlane, amigo de Henri, escreveu em 9 de maio de 1994:“O Irmão Henrique deixou grande vazio. Esse religioso que eu conheci em 1978 e que era animado de fé sincera, encarnava nas suas ações os valores e a moral de um cristão convicto. Qualquer pessoa que,

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de perto ou de longe, conheceu esse homem, não pode deixar de apreciar a sua vida austera, a sua dedicação e alinhamento ao lado dos fracos, necessitados e excluídos. Era o homem que não poupava esforço para acudir a essa gente, para reconfortá-los nos seus sofrimentos e nas suas desgraças”.

Do Padre Jean-François Berjonneau (Serviço Nacional de Pastoral dos Migrantes), que se encontrou com Henri em 25 de março de 1994:“No relato que me fez do seu trabalho na Biblioteca, percebi uma verdadeira paixão: paixão pelo encontro, paixão pelo serviço desses jovens, paixão que o ligava tão fortemente àquele povo. Essa paixão o acompanhou até o fim”.

Quando apareceu o livro “De Capcir a Casbah, vida doada, sangue vertido”, relatando a caminhada de Henri, alguns leitores reagiram.

Irmãzinha Marie-Nicole, das Irmãzinhas de Jesus, de Bab el Oued. Carta de 15 de julho de 1996, aniversário do Irmão Henri:“Henri permanece para todos nós um homem de fé e de bondade. É isso que impressionava a todos os que puderam viver ao seu lado. Vejo que esse livro será um tesouro em que se pode encontrar vida e força para o caminho”.

Claude Rault, Padre Branco. Carta de 22 de abril de 1996:Abri o livro esta manhã com muita emoção; considero-me feliz em poder reler o percurso desse homem do Evangelho, que foi Henri Vergès. Conhecemo-nos e, muitas vezes, nos encontramos.

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Ele permanece a testemunha do amor universal para muitos argelinos.

Irmão Alessandro di Pietro, antigo Postulador Geral. Roma, 14 de abril de 1996:“O jeito de viver do Irmão Henri foi a melhor maneira de se fazer muçulmano com os muçulmanos, até limites que só a delicadeza evangélica lhe permitia ultrapassar, graças ao amor do Cristo e do irmão”.

Padre Bonaventure, Trapista. Aiguebelle, 23 de fevereiro de 1996:“O mártir fala mais forte que o vivo. E ele falará por muito tempo”. (O Padre Bonaventure conhecia Henri desde a sua juventude marista.)Padre Bruno, Trapista. Roma, 8 de agosto de 1996:O que me impressiona no Irmão Henri e o que admiro particularmente é a sua aplicação ou a sua abertura para uma formação permanente. Assim, ele ‘cresceu’ continuamente em nível profissional, mas muito mais em nível humano, cristão e como Irmão Marista.

Senhorita Andrée Ghillet testemunha: Depois do trabalho e após a saída dos alunos, refugiavamo-nos na capela, para recitar as vésperas e o terço. Em certa tarde, ele me confiou que esse momento, onde ele se deixava cair nos braços de Maria, era o mais caro ao seu coração e falou da nossa Mãe com grande ternura, lenta e docemente. Os seus olhos brilhavam de alegria. A riqueza espiritual da sua alma me comoveu e tornou-se contagiosa. Foi contra o tabique desse oratório, ante o tabernáculo, que o seu corpo caiu vítima de bala mortífera.136 Um amigo de Henri escreveu ao Irmão Jean Roche, de Sour-el-Ghozlane, em 3 de dezembro de 1996:

136 Muitas citações novas acerca do Ir. Henri Vergès se tomam do livro “Un Chrétien dans la maison de l’Islam” de Robert Masson, editora “Parole et silence”, novembro de 2004. O testemunho de Andrée está na p. 172.

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Devo dizer-lhe que as recordações de Henrique Vergès são e serão sempre lembradas pela família, nos nossos encontros de amigos e nas nossas orações.

Um amigo argelino, Jean-Benoît Fanjaud, que foi companheiro de Henri em Ben-Cheneb. Em 22 de setembro de 2000:Estou muito emocionado com a leitura de certas páginas. Uma vida santa na luz, na oração e no serviço. Todos os depoimentos que li nesse livro se juntam ao que sempre pensei do Irmão Henri: era discreto, oculto, serviçal, de gentileza e trato tamanhos de fazerem encabular reis e pontífices. Por certo ele já perdoou aos seus assassinos, pedindo ao Pai celeste de lhes perdoar, como o Cristo na cruz. Irmão François Chavanes, dominicano, de Oran-el-Maggari (Argélia), escreveu ao Irmão Provincial, em 4 de novembro de 2002, pedindo-lhe um exemplar do livro “Du Capcir à la Casbah”:

“Conheci o Irmão Henrique, quando ele era diretor da Escola Saint Bonaventure, na Argélia; depois, quando se instalou na rua Ben Cheneb. Em 1987 ou 1988, o reencontrei no Focolare de Tlemcen, aonde viera com um grupo de jovens. Fiquei impressionado com a alegria tranqüila e toda simples que ele manifestava. Depois que ele partiu, eu me sentia felicíssimo e repetia para mim mesmo: ‘Passei um dia com um santo’”.

Oração

Ó Pai, o Irmão Henri Vergès deu a sua vida,

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no seguimento de Jesus, na paciência do cotidiano, sempre disponível à vossa vontade. No meio dos jovens,ele foi homem de fé e de bondade,servo dos mais pobres e excluídos, testemunha autêntica do amor de Cristo. Pelo seu exemplo, fazei de nós homens e mulheres de diálogo com os nossos irmãos do Islão, na discrição e no respeito. Que a alegria pacificada e toda simples que ele manifestava, fruto da sua simplicidade de vida e da sua proximidade com Maria, habite em nós e atraia para a vossa Igreja aqueles que pondes no nosso caminho. Nós vo-lo pedimos por Jesus, vosso Filho, Nosso Senhor e nosso irmão. Amém.

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OS NOSSOS IRMÃOS MÁRTIRES DA ÁFRICA

Mortos em missão. Região dos Grandes Lagos africanos.Muitas vezes perguntam-nos em que ponto está a causa dos nossos quatro Irmãos mortos em Bugobe, no Congo, ou ainda se a Postulação acompanha o caso do Irmão Chris Mannion e do Irmão Joseph Rushigajiki, que o acompanhou, ou do Irmão Etienne Ruesa. Isso mostra a estima para com esses Irmãos. Embora neste momento nenhuma causa esteja encaminhada, eles são com certeza, entre nós, Irmãos dignos de serem conhecidos e invocados. É a razão deste livro. Ficar um momento em companhia desses Irmãos só nos pode fazer bem.

Os Mortos de 1994Os Irmãos Chris Mannion e Joseph Rushigajiki encontraram a morte, no contexto da guerra civil de Ruanda, em 1994. Foram mortos em Save, Ruanda, no começo da tarde do dia 1 ° de julho de1994.

O Irmão Chris Mannion encontrava-se aí, enviado em missão pelo Irmão Benito Arbués, Superior Geral: o seu objetivo era colocar em segurança os Irmãos Maristas da tribo tutsi que se achavam em Save. O Irmão Joseph era o seu guia. Natural de Ruanda, era da tribo dos hutus, ele se apresentou para conduzir o Irmão Chris Mannion, acompanhando-o num terreno que ele bem conhecia, mas que se tinha tornado extremamente perigoso, em conseqüência da guerra civil. Para salvar os seus Irmãos, puseram em jogo as suas vidas e perderam-nas.

Três Irmãos foram mortos no decorrer do que passou a chamar-se o genocídio de Ruanda. São os Irmãos

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Fabien, Gaspard e Canisius, cujo sumário biográfico vem a seguir. Fabien Bisengimana, 45 anos, de quem se diz que era acolhedor e que tinha o coração na mão. Este Irmão já estava fora de perigo, mas voltou atrás para tentar salvar o Ir. Gaspard e o Ir. Canisius. Este gesto de amor e de coragem custou-lhe a vida. Gaspard Gatali, 42 anos, era animador de vocações, oferecia a todos um grande sorriso, o seu bom humor e a sua disponibilidade. Canisius Nyilinkindi, de 36 anos, era educador eficaz e generoso, sabia conquistar a estima das pessoas, mesmo das mais exigentes. O Irmão Etienne Ruesa encontrou a morte também nesses dias convulsionados pela guerra. Falaremos dele, mais adiante.

Irmão Chris Mannion«Estou cada vez mais convencido de que o que importa não é o número de anos da nossa vida, mas a paixão e o empenho com que a vivemos. Esta vida é um dom que temos de saborear, que temos de viver em plenitude, justamente porque terminará com a morte, com a minha morte, no dia em que menos penso. É no momento presente que devo viver esse dom da vida, sem preocupar-me com o que virá depois. Se não agir desse modo, que sentido tem a Encarnação?» (Chris Mannion, 12 de Maio de 1994).

«A sua morte imprevista foi para todos nós ocasião de nos perguntarmos quem era Chris para nós e o que significava nas nossas vidas. No breve espaço de tempo em que trabalhamos juntos na Administração geral, o meu afeto por ele foi crescendo e pude apreciar o seu amor e carinho para com os Irmãos, a sua sagacidade e capacidade de trabalho. Chris era apaixonado e entusiasta, valente e profundamente espiritual». (Ir. Benito Arbués, Superior general, fmS)

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Chris Mannion era Conselheiro geral, quando foi morto em Ruanda, em 1 ° de julho de 1994, com 43 anos. A vida dele fora marcada pelo seu interesse pelos esportes e pela história; ufanava-se da sua família, devotava grande afeição aos Irmãos, à sua missão nos Camarões, aos Auas, à família que tinha adotado em Bamenda. Os seus inumeráveis amigos estimavam-no como homem que sabia amar com simplicidade e perseverança.

Chris Mannion nasceu em 15 de maio de 1951 em Thornaby, Yorkshire. Encaminhou-se à vida marista em 1962. Fez o postulado em Habay, na Bélgica, boa ocasião para se tornar excelente em francês. Continuou a sua formação em Dublin, onde fez o noviciado em 1971. Terminou os estudos acadêmicos com brilhante exame de história, na universidade de Londres, onde obteve o almejado diploma de BA, Bachelor of Arts.

Abre-se então o decênio missionário nos Camarões, em Bamenda. Guardou sempre muito entusiasmo e amor pela sua missão; por toda a vida permaneceu missionário o seu coração. Foi convocado de Bamenda, em 1985, para ser mestre de noviços; em 1991, pediram-lhe que servisse os seus Irmãos como Provincial. Com este título participou do Capítulo Geral de 1993, em que foi eleito Conselheiro geral.

Quando explodiu a guerra em Ruanda, em abril de 1994, os Irmãos tutsis foram ameaçados de extermínio. Aí Chris recebeu do Irmão Benito a missão de salvar esses Irmãos. Viajou para Ruanda em junho de 1994. Nesta missão de salvar a vida dos outros Chris perdeu a sua. Foi morto por facções em

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luta pela conquista da cidade de Save, a uns poucos metros da casa em que os Irmãos esperavam por ele.

Irmão Chris Mannion137. Alguns dos seus Pensamentos.

É preciso desintoxicar-se da droga da certeza. (maio de 1994)“Ontem, durante a meditação, num breve momento, e pela primeira vez há longo tempo, tive a sensação da presença de Cristo, do Senhor, falando comigo, insistindo em que «eu permaneça no seu amor e guarde os seus mandamentos». Eu sentia o firme desejo de responder ao apelo de conversão. Senti necessidade de estar mais perto de Cristo. Sem isso, esta vida não tem sentido e ela não é senão uma proteção estéril do mundo. Para viver a vida plenamente, Jesus deve estar no centro. Caso contrário, por que ser Irmão Marista?” (6 de maio de 1994) “Arranja tempo para rezar, para descansar, para seres tu mesmo. Não te tornes sério demais, Chris.” (6 de maio de 1994)

“Vislumbro intuições, momentos de felicidade, de alegria, no desenrolar da vida presente. Estes oito anos vão ser muito ricos, haja o que houver. Dúvidas e pesares em mim ficarão sempre misturados com alegrias e esperanças. Muitas coisas em mim ficarão sem resposta. Pois bem, seja o que for que o futuro me reserve, respiro muito bem e tenho tido uma vida cumulada de experiências e de riquezas.” (12 de maio de 1994)

137 As notas tomam-se do livrinho Once Only”, publicado pelos Irmãos Maristas. A obra apresenta a sua vida, alguns poemas e reflexões que escreveu, e alguns testemunhos. Editado em setembro de 1994, teve nova edição em outubro de 2004.

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“Depois da partida de futebol desta tarde, senti-me forte e vigoroso. Voltei muito cansado e desidratado; senti-me, no entanto, sólido e rijo. A pura alegria do movimento físico, e de ser capaz de correr, de saltar, de puxar. Que presente!” (4 de junho de 1994)

Dennis Potter morreu ontem de câncer. A sua convicção final era a seguinte: «o agora de tudo é extraordinário». É mesmo verdade. Deus está no presente. Quando eu tiver morrido, o Senhor me perguntará: « E tu gozaste da minha criação, Chris? » Desejo ser capaz de lhe responder honestamente sim e de ter vivido plenamente. (8 de junho de 1994)

Alguns testemunhos sobre Chris Mannion« Chris era excepcional e brilhante, inteligente e afetuoso; pródigo do seu tempo e dos seus pensamentos. Tratava toda a pessoa que encontrasse como se fosse a única para ele e para Deus. Certa vez, ele confiou-me uma coisa: ele aprendera, na sua vida de Irmão, que é preciso, para amar o mundo, amar uma por uma qualquer pessoa. Outra coisa que aprendera é que o mal existe verdadeiramente. Parece-me que a sua morte lhe deu razão sobre as duas vertentes: O seu amor incitou-o a ir a Ruanda, apesar do horror que lá dominava. » (Carta da sua prima Louise, de 25 de agosto de 1994)

“Um enlace peculiar e profundo unia o Irmão Chris e a Igreja de Bamenda. Era muito conhecido e muito estimado por todos: os pais dos jovens que freqüentavam o Colégio do Sagrado Coração, os antigos alunos e a grande comunidade dos cristãos”. (O Arcebispo de Bamenda, 23 de agosto de 1994)

« Como foi vigorosa, séria e generosa a vida dele. Perdemos um amigo; vós, um irmão e um amigo; a

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Igreja e o mundo foram privados de uma alma verdadeiramente humana. Ele estava comprometido com a sua Família Marista e com a vinda do Reino. » (Maurice McGill, Superior Geral dos Mill Hill Missionaries, 23 de agosto de 1994) « Chris estava presente na reunião que tínhamos organizado em abril, para discutir a situação de Ruanda. Estava entre os que insistiram em que algo fosse feito, em prol do povo de Ruanda, nessa dramática conjuntura. Chris aceitou arriscar a vida para ajudar alguns dos seus Irmãos em Ruanda. Corajosamente para lá foi, consciente dos riscos. Chris faz parte das centenas de religiosos que foram mortos, nestes últimos meses em Ruanda. Quando muitos dentre eles foram apanhados nessa situação e outros escolheram permanecer com os seus, Chris foi mais longe; escolheu ir para esse país e tentar fazer o que fosse possível. Para todos nós, é exemplo de amor desinteressado pelos seus Irmãos.” (Rev. Claude Grou CSC, Comissão de Justiça e Paz – União dos Superiores Maiores, Roma)

“Como bem o descrevestes, era homem de fogo!” (Ir. Richard Dunleavy, 30 de agosto de 1994)

Irmão Joseph RushigajikiO Ir. José Rushigajiki, nasceu em 2 de maio de 1953. Foi morto em Save, em 1 ° de julho de 1994, com apenas 41 anos, na companhia do confrade mártir Chris Mannion. Depois do noviciado, completou os estudos secundários na Escola de Nyangezi, onde estava o nosso escolasticado. Lecionou vários anos, indo depois cursar o Instituto Superior de Desenvolvimento Rural, de Bukavu.

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Ele, mais do que Chris, estava consciente do perigo; era daquele país e sabia que o serviço de guia, que prestava ao Irmão Chris, estava cheio de riscos. Pôs a sua vida em jogo, para ajudar o seu superior em missão e cuidar de salvar os seus Irmãos tutsis, ele que era hutu. Aqui, a vida é verdadeiramente doada pelos seus Irmãos.

José e Chris formam um todo no dom, na audácia e na morte. Cumpre acrescentar que, de manhã, o Irmão José se havia também arriscado ao salvar uma religiosa, nas garras da morte, conduzindo-a a lugar seguro. Apenas tinha terminado isso, voltou pelas quinze horas, com o Irmão Chris, para a sua aventura ditada pelo amor.

FMS -Message, de outubro de 1994, p. 11, apresenta o testemunho que segue.“Muito prático e de notável capacidade de trabalho, o Ir. José sempre foi um coirmão serviçal. Solícito para com os fracos e pequenos, homem para missões difíceis. Desde setembro de 1993, estava em Ruabuye, onde pôs os seus numerosos talentos a serviço do Centro de Formação Profissional dos jovens. Vítima das violências que fizeram do nosso país um imenso cemitério, Joseph morreu tragicamente na entrada de Save, depois de percorrer mais de 160 km de caminho semeado de obstáculos, em companhia do Ir. Chris Mannion, que viera de Roma para socorrer os coirmãos, mantidos como reféns em Save”. Irmão Etienne Ruesa138

O Irmão Étienne Ruesa simboliza o carisma marista solidamente enraizado na África. Humilde, incansável, sempre vigilante, ocupado em perscrutar 138 Notas tomadas do opúsculo un homme de vision et d’action, do Ir. Jean Pierra Nteziyaremye, fms, Ruanda, 2003.

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os sinais dos tempos, assim era o Irmão Etienne Ruesa. Tinha um coração sensível à miséria dos jovens e dos pobres.139 O Irmão Etienne edificava as pessoas pela autenticidade da sua vida. Não usava máscaras. A sua personalidade testemunhava sólidos valores humanos e convicções religiosas.140

1– Carreira brilhanteO Irmão Etienne Ruesa nasceu em 11 de março de 1942, em Giseke, na região de Nyaruguru, Ruanda. O pai era poeta de renome e dele herdou Etienne a inteligência e a palavra fácil. Como Irmão Marista, fez estudos brilhantes na universidade nacional do Zaire (RDC), donde saiu com o grau de engenheiro agrônomo, em 1973. Sem demora, vão ser-lhe confiadas responsabilidades: Diretor do Escolasticado, em Nyangezi, 1973-1976; Mestre dos noviços, 1978-1980; Provincial de Zaire-Ruanda, de 1980 a 1985; Responsável dos Pré-Postulantes em Save, 1988-1990; Vice-Mestre do segundo Noviciado em Roma, 1990-1992; Membro da comissão preparatória do XIX Capítulo Geral, 1992-1993; Diretor do grupo escolar de Save, 1993-1994.

Foi vítima do genocídio de 1994; morto em Burundi, logo depois da fronteira com Ruanda, em 21 ou 22 de abril, quando tentava salvar um grupo de religiosas e seminaristas, que foram massacrados com ele.141

2– Personalidade extraordinária 1– Amigo dos pobres142. O Irmão Etienne era de grande estatura, magro, figura de asceta, severo para consigo mesmo e exigente também com os outros, quanto ao trabalho. Escondia, no entanto, um coração 139 Ibidem p. 5140 Ibidem 4ª p. da capa.141 Ibidem p. 17142 Ibidem, p. 29-31.

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sensível à miséria dos jovens e dos pobres. Tomava tempo, mormente após o almoço do meio-dia, para escutar os pobres. Gostava de dizer que escutar os pobres era, de certa forma, ser evangelizado por eles. Para Etienne isso constituía verdadeiro encontro com Cristo. Por vezes, ele mesmo levava alimento aos pobres, que esperavam à porta do noviciado, mostrando-se sempre de coração compassivo.

Um dia encontrou um pobre chamado Michel, que andava atacado por bichos-de-pé, todo sujo e sem poder caminhar. O Irmão Etienne foi tocado por este estado de miséria extrema. Lavou-o, penteou-o, tirou-lhe os bichos-de-pé, limpou-o de muitos piolhos que tinha no cabelo, pôs-lhe roupa limpa e levou-o ao dispensário. Durante algumas semanas, todos os dias, Miguel tinha de ser levado em carrinho de mão ao noviciado, para ser lavado, cuidado e alimentado. Quando Miguel ficou bom, cheio de saúde, independente, o Irmão Etienne exultava de alegria, perante essa ressurreição do homem.

O Irmão Etienne também arranjava tempo para construir modestas casas para famílias pobres. Para tanto pedia ajuda aos postulantes. Dois outros pobres tornaram-se profundamente amigos do Etienne: a velha Cecília, que não tinha como companheiro senão o seu rosário; e um rapaz com dificuldades de dicção e de lógica na fala. O Irmão Etienne escutava-o com paciência e comprava roupa e sapatos para ele.

2– Homem de vasta cultura143. O Irmão Etienne muito se empenhou nos estudos. Havia aprendido a aprender, como homem estudioso. Engenheiro agrônomo de formação, tornara-se, pelas suas leituras, muitas vezes noturnas, teólogo e biblista. Lia 143 Ibidem, p. 31-32.

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Karl Rahner, Schillebeckx, Bonhoeffer, Yves Congar; recebia como revistas Communio e Nouvelle Revue Théologique. Simpatizava com os movimentos de Taizé, dos Focolari, do movimento Comunhão e Libertação. Achava conteúdo profético na teologia da Libertação ou na teologia africana. Na sua responsabilidade de superior, teve sempre o cuidado de transmitir aos Irmãos esse amor à cultura.

Quantas vezes, neste domínio, ele mostrava os seus pontos fracos perante a lentidão de alguns; sobretudo levantava o tom, quase de maneira intolerante, diante daqueles que proclamavam valores que não viviam. Por causa da sua cultura e da sua experiência de superior, tinha o nome na lista dos Irmãos de que poderia sair o Conselheiro Geral para a África. Ele, porém, recusou isso, dizendo que a África era muito pobre para perder homens.

3- Homem de oração144

O Irmão Jean Baptiste Munyeragüe conheceu de perto o Irmão Etienne; dele dá testemunho nestes termos: « O Irmão Etienne era homem de oração intensa e prolongada. Dizia-nos sempre que a oração deve durar e prolongar-se na leitura. Era homem de grande fé e em busca de Deus ».

Responsável pela formação, ou pela comunidade, ou pela escola, ou como Provincial, o Irmão Etienne fazia da capela o coração da casa. Dizia também aos Irmãos: «O Irmão que falta voluntariamente à meditação, que mensagem vai transmitir aos seus alunos? »

As pessoas acreditavam naquilo que o Irmão Etienne dizia, porque viam nele o homem de oração, o homem 144 Ibidem, p. 35-36.

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de Deus. Impressionava pelas suas atitudes; não havia distância entre o que dizia e o que fazia.Este dom da oração compreendia também um amor muito sincero para com a Boa Mãe. Nesta devoção, ele imitava Marcelino, servindo-se das mesmas palavras para falar dela e dos mesmos gestos. Dava cursos de mariologia centrados no capítulo VIII da Lumen Gentium e sobre Marialis Cultus, de Paulo VI.

Na sua função de Provincial, lembrava aos Irmãos que dessem à Virgem Maria um lugar central no seu apostolado. E ele lhe pedia humildemente que o auxiliasse na tarefa de animar os outros e sustentá-los nas dificuldades, a fim de que a Família Marista se tornasse mais sólida.

Ninguém pensou em abrir a causa do Irmão Etienne Ruesa. Mas, no mundo da santidade marista, ele é certamente um Irmão notável, um daqueles que nos dão esta mensagem animadora: a santidade passa além das fronteiras das beatificações e das canonizações. Estas, no entanto, propõem-nos modelos do nosso ambiente, autênticos e enriquecedores. Tudo isso nos diz que a vocação marista tem muito futuro no rico solo africano.

Nossos Quatro Irmãos de BugobeEm 31 de outubro de 1996, quatro dos nossos Irmãos foram mortos no campo de refugiados de Bugobe. Eram os Irmãos Servando Mayor, 44 anos; Miguel Ángel Isla, 53 anos; Fernando de la Fuente, 53 anos; e Júlio Rodriguez, 40 anos.

“Extraordinário foi o impacto produzido pela generosa doação das suas vidas. Os testemunhos recolhidos constituem um dos aspectos luminosos do acontecimento. A imprensa, a rádio e a televisão

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contribuíram na divulgação desses testemunhos e realçaram o significado profundo das vidas e do trabalho dos missionários, presentes entre os povos que sofrem injustiças e abandono.” (FMS-Message, n°21, dezembro 1996 p.7) O Quadro Histórico

A presença marista no campo de Nyamirangüe (Bugobe) data do mês de agosto de 1994, após o terrível genocídio dos meses precedentes, que fez pelo menos 500.000 mortos. Muitas pessoas da tribo hutu fugiram, sobretudo para o Congo (Zaire) e formaram campos de refugiados. Seis dos nossos Irmãos dessa etnia decidiram ajudar a essa gente. Optaram pelo campo de Nyamirangüe, perto de Bukavu, no Congo. “À medida que fui conhecendo esse projeto, cresceu a minha admiração e o meu amor pelos Irmãos que o iniciaram e continuaram. Houve a intuição de criar um projeto de educação, muito em sintonia com o nosso XIX Capítulo Geral.” (Ir. Benito Arbués, Sup. Geral, FMS-Mensage, dezembro de 1996, n°21, pág. 5)

O acampamento acolhia especialmente as pessoas da campanha, uns 30.000, sob a administração da Cruz Vermelha. Os Irmãos trabalhavam no ensino, atendendo 4000 alunos, na pastoral e nos movimentos de jovens. Esses Irmãos de Ruanda viviam em precárias condições de saúde, sob ameaça constante de politização; as suas vidas estavam em perigo.

A partir de setembro de 1995, eles foram progressivamente substituídos pelos Irmãos Servando Mayor e Miguel Ángel Isla. O Ir. Fernando de la Fuente veio do Chile, em fevereiro de 1996. O Irmão

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Júlio, que já trabalhava em Goma, veio completar essa comunidade, depois da Páscoa de 1996.

Neste campo, onde domina a miséria e a violência, eles continuam as iniciativas dos Irmãos de Ruanda, mas também se ocupam dos anciãos, dos doentes, da alimentação de 300 crianças, da remoção de doentes. Chegaram a pôr em funcionamento um moinho para ajudar as famílias a terem farinha.

Os nossos quatro Irmãos tinham dito sim a uma missão que eles sabiam ser difícil. No local, eles se tornaram ainda mais conscientes de que as suas vidas estavam em perigo. “Agora estou mais consciente da situação em que me encontro. Por momentos, um medo surdo aflora-me na consciência, como clarões vivos e fugazes. Mas sei bem em quem pus a minha confiança e vou com alegria ao acampamento dos refugiados. Este mundo ocidental não é para mim; há nele muita abundância e aqui muita necessidade; mas aqui o homem é mais humano.” (Ir. Miguel Ángel, em Hermanos – Revista da Província do Chile, 1997 – p. 21.)

Os nossos mártires jogaram a partida até o fim, dando tudo o que tinham: coração, cultura, meios, o tempo e a própria vida.

O Coração que tanto amou os homensIr.Albert Nzabonaliba

Nomeado responsável pela comunidade de Bugobe, em agosto de 1994, era necessário que eu achasse lugar condizente para implantar a Comunidade que ia abrir uma missão para o povo de Ruanda no exílio, após o genocídio de 1994. Seguindo certos critérios

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de discernimento, acabamos por optar em favor dos refugiados que acabavam de iniciar um projeto de ensino ao ar livre, no campo de Nyamirangüe, mais ou menos a 25 km da cidade de Bukavu, RDC atual. A presença de grande número de crianças e de pobres foi o critério fundamental. Outra coisa que levou a comunidade a preferir fixar-se acerca de 3 km do campo de refugiados era o fato de necessitarmos algum afastamento da multidão de 30.000 pessoas, para podermos rezar, para constituir comunidade etc. Fomos surpreendidos com o encontro de uma capela-escola, espécie de sucursal de paróquia, onde se guardava o Santíssimo Sacramento. Cristo nos tinha aí precedido. Era a nossa Galiléia, terra de missão.

A comunidade de Bugobe começou em 16 de outubro de 1994, festa de santa Margarida Maria Alacoque, religiosa que recebeu revelações do Sagrado Coração de Jesus. Devo dizer que, naquele tempo, eu não tinha devoção especial ao Sagrado Coração de Jesus; mas um amigo tinha-me dado uma imagem do Sagrado Coração, recomendando-me de colocá-la na casa da nova fundação, o que foi feito. O simples fato da nossa presença atenta reconfortava todo o mundo. Estar ali significava muito para esse povo em debandada. Muitos sobreviveram, em termos humanos, morais e espirituais, porque lhes era dada a ocasião de se aproximarem de nós.

Cristo, tendo-se feito solidário, pedia-nos que apascentássemos o seu rebanho. O encargo não devia ser fácil; assim o temos sentido na nossa carne e no fundo do nosso coração. Nós, Irmãos Maristas de Ruanda, trabalhando neste campo, recebemos um batismo de água e de Espírito, mas os Irmãos missionários tiveram de passar pelo batismo do fogo (Mt.3,11). Seguindo este Coração que tanto amou os

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homens, o coração de Servando, de Miguel Ángel, de Júlio e de Fernando não podiam abandonar o rebanho que lhes era confiado. No dia do juízo, dirão como seu Mestre: « Conseguimos que ninguém se perdesse. » E não há nenhuma dúvida de que eles lhes tenham perdoado, tal era a maneira como os seus corações, ardentes de amor pelos pobres sem defesa, vibravam no ritmo do Coração de Jesus. (Luc. 24, 34)

Permanecer em lugar de missão, enquanto Cristo nos convida (Const. 91) é prova suprema de amor. «Um profeta não deve morrer longe de Jerusalém. » (Jo 11, 7-10) Somente o amor terá a última palavra. Soube que os Irmãos enfrentavam um dilema. Os agentes da ONU, as ONGs, ao verem como aumentava a insegurança, tinham deixado os lugares, abandonando milhares de pessoas em desalento. O martírio não é dado a toda a gente, é um dom como os outros.

No concernente aos nossos Irmãos, será que lhes daríamos razão, se houvessem desertado da sua missão? Pensar que os nossos Irmãos não tinham medido o risco é subestimar a sua capacidade de reflexão; é injusto. Os Irmãos devem ter feito esta reflexão: partir como os outros, deixar todo esse rebanho que nos estava confiado? Devemos agir por medo ou testemunhar a coragem cristã? Esse dilema, ou melhor, esse discernimento que eles faziam, pode ter sido reforçado pelo fato de que os refugiados, eles mesmos, lhes tenham perguntado, se também eles, os Irmãos, queriam abandoná-los?» “Também vós quereis partir?” (Jo 6, 657) (Nairobi, 20 de setembro de 2002)

O apelo de 30 de outubro de 1996

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Esta mensagem reproduz uma parte da entrevista radiofônica de 30 de outubro de 1996, na véspera do assassínio dos Irmãos. O jornalista Antonio Herrero interroga o Ir. Servando. O apelo radiofônico se reporta a Sua Santidade João Paulo II e a Sua Excelência o Alto Comissário pelos Refugiados. (A Sua Santidade João Paulo II e a Sua Excelência o Alto Comissário de Refugiados)

« Santidade e Excelência, os sobreviventes dos refugiados de Ruanda da região do Sul-Kivu, no Zaire, enviam este SOS para solicitar o apoio da sua autoridade moral, para que se ponha fim à perseguição e ao desaparecimento lento, mas implacável desses infelizes. Com efeito, a guerra que continua no Sul-Kivu é apresentada, de maneira oficial, como oposição dos « banyamulengues » às forças governamentais do Zaire, o que não deveria referir-se de maneira tão direta aos refugiados, que são obrigados a abandonar o campo, em debandada, sob o fogo das armas. É claro, há os que querem atingi-los e até eliminá-los totalmente, por meio de balas, fome, frio, doenças, ou por todos esses elementos juntos. Os refugiados e, em primeiro lugar, os mais vulneráveis, como crianças, mulheres grávidas e pessoas idosas, estão a ponto de morrer, nas estradas e nas colinas, debaixo de chuva torrencial. Nessas circunstâncias, os refugiados do Sul-Kivu solicitam instantemente a Vossa Santidade e a Vossa Excelência, Alto Comissário dos refugiados, que se sirvam da sua grande autoridade moral para obter uma intervenção humanitária expedita e livre de condições, em favor desses refugiados que estão completamente desesperados. » (Hermanos – Província do Chile, 1997, p. 71-72)

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Reflexão do Superior Geral Ir. BenitoO Ir.Benito Arbués era Superior Geral, quando se deram esses acontecimentos. Em face dessas mortes violentas, eis alguns dos seus pensamentos. Citando o bispo Romero, diz: «Seria mau sinal, se não morresse nenhum sacerdote, nenhum religioso, nenhuma religiosa, em tempos em que tanta gente do povo é assassinada ».

“Uma vez mais o Senhor bateu à nossa porta e o fez por meio da morte violenta dos Irmãos Servando, Miguel Ángel, Fernando e Júlio. A partir dos acontecimentos de Ruanda e Argélia, em abril 1994, pergunto-me muitas vezes: «Por que essas mortes dos nossos Irmãos? Como ler tais acontecimentos?» (FMS-Message, n°21 – Dezembro 1996, p. 2)

“Diariamente, desde 23 de outubro, o Ir. Jeff e eu lhes telefonávamos. Hoje lamentamos não haver gravado as conversas com Servando: serenas, de fé, claras na decisão que tomavam e nos riscos que corriam. Em face do meu insistente pedido de que se retirassem do cenário, a sua resposta era invariavelmente a mesma: “Não podemos abandonar aqueles que já estão abandonados por todos. Se os senhores estivessem aqui, fariam o mesmo. A nossa decisão é de permanecer, se nos deixarem.” (FMS-Message, n°21, 1996, p. 6)

“Como Superior, aceitei a decisão de que ficassem. Com eles, assumi os riscos que poderiam correr; agora, ao receber a notícia das suas mortes, sinto pesar, por esse final doloroso; pesar pelas suas famílias e pelo dano moral que os assassinos causaram a si próprios. Estou convencido do perdão deles, porque os assassinos não sabiam o que estavam fazendo. Nós, maristas, lhes perdoamos e

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rezamos por eles. Não posso esconder que, junto com o sofrimento desses dias, sinto admiração por cada um deles e felicidade interna, porque foram testemunhas de Jesus de Nazaré, arriscando a vida, até própria morte violenta. Permaneceram em Bugobe por amor a Deus e aos refugiados. Fico reconhecido e ufano pela sua generosidade e pela sua fé.” (FMS-Message, n°21, dezembro 1996, p. 6)

Um olhar para dentro –1Fernando escreveu ao seu Irmão Provincial Mariano Varona, e mostrou a disponibilidade de ir a Ruanda nos seguintes termos: “No tempo em que te envio as minhas saudações, experimento muita alegria, ao informar-te que, a partir deste momento em que nos mostraste o pedido do Superior Geral, em que se solicita a colaboração para Ruanda, a idéia de me oferecer surgiu em mim, espontaneamente. Ofereço-me, portanto, disposto que estou a ir a Ruanda, pelo tempo que julgues necessário e oportuno”. (Carta de 25 de fevereiro de 1995 – Hermanos, Província do Chile, 1997, p. 64).

-« Sinto prazer em conhecer as realidades impressionantes e novas, entre as quais vivo, para admirar a Deus que as criou e unir-me a Ele ainda mais, livre e desapegado de tudo . É por isso que gosto da pobreza em que vivemos, porque ela me ajuda a não viver senão para Ele. » (Kinshasa, 15-2-1991, Ir. Júlio, em ‘El Silencio de Dios’, Santiago Martin, p. 223)

Servando, no seu esforço de discernimento para tomar a decisão de ir ao campo dos refugiados, escreveu: “Penso que, se é verdadeira a frase de que os pobres vos evangelizarão, viver um ano com os

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pobres poderá ser uma boa peregrinação de solidariedade e o meu melhor curso de espiritualidade. Com Isaías quero dizer: “Eis-me aqui, Senhor, envia-me!”

“Que a razão do amor, Senhor, seja mais forte e decisiva do que a da eficácia. Tu tinhas todo o poder de Deus e te deixaste matar. Faze que, ainda que de longe, nos pareçamos contigo, Jesus. Mãe, olha com olhar de mãe bondosa este povo faminto e enfermo. Permaneço nas tuas mãos. Exausto.” (Miguel Ángel, alguns dias antes do martírio)

“A segurança ou isegurança mudam em todo momento. De uma hora para outra, não sabemos o que pode acontecer. É assim. Afinal, estamos nas mãos de Deus”. (Hermanos – Província do Chile 1997, p. 70)

Experiência de Deus – 1

Ir. Miguel Ángel Isla“Eis-me aqui, Senhor. Há dois meses que, noite e dia, quer no trabalho quer no repouso, eu me esforço para afastar de mim a tua presença que me “persegue”. Não tens o direito. É verdadeiro assalto. O que é que tu queres de mim, Senhor? Não te iludas, Senhor. O material que usas é muito fraco e frágil. Não valho grande coisa, sou pobre; mas eu sei que és Tu que me dás, e eu apenas distribuo. Não estou vazio. Tu és tão grande que não consegues entrar em mim; transbordas por todos os lados. Tu me envolves e persegues, em tudo e por toda a parte: no trabalho, no repouso, nas relações, no meu sono, em tudo, em tudo. Estás presente, vivo, poderoso em tudo, em todos. Sinto, até física e psicologicamente, que me possuis e faço a experiência do despojamento, diante

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dos meus próprios olhos, pasmado e como que abobado, sem compreender, sem capacidade de reação. Adivinho que Tu me queres conduzir aonde eu não quero ir e, de maneira surpreendente, caminho com alegria, na calma e na paz; na tua alegria, na tua serenidade, na tua paz”.

“Sinto isso como terrivelmente estranho e como certamente teu. Sinto, toco, vejo com os meus olhos a tua força, a tua ação, o teu poder; sinto com nitidez a morte que queres realizar em mim. Experimento essa morte-despojamento como a maior sorte de toda a minha existência, a alegria mais profunda e mais palpável de toda a minha vida. É inefável. É a alegria da posse, que sempre esperei; é a posse de ti. Em ti sinto-me ressuscitado, e não posso deixar de dizê-lo. Sinto necessidade de partilhá-lo com todos os Irmãos e, sobretudo, com os meus Irmãos de Comunidade”.

Um olhar para dentro – 2« A minha vida aqui é sempre a mesma. Vivo com as pessoas, partilhando a sua sorte e trabalhando para elas. Evidentemente sou nutrido por certo ritmo de oração e de fidelidade à vontade daquele por quem eu estou aqui. Se não fosse por Ele, eu não estaria aqui. Mas, para Ele e com Ele, é possível viver aqui, na alegria, na paz e na plenitude. » (Ir. Júlio, O silêncio de Deus, p. 226- Kinshasa, 15-2-1991)

“Dou-me conta de que a minha vida é presente de Deus. Desde a minha infância, senti-me acolhido em casa. Aprendi a amar e a ser responsável. Em casa, com os irmãos, vivi a experiência da generosidade, sinceridade e entrega, que eram parte da minha vida e expressões de verdadeiro amor. Cresci em atmosfera de simplicidade e hospitalidade, e isso me ajudou a valorizar o espírito de família. A austeridade

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de vida e a partilha me ensinaram a cuidar das coisas e a usá-las com simplicidade. Quando partilhamos, sempre há algo para todos e até mesmo sobra: isso é um puro milagre de Deus. Obrigado, Senhor, pelo presente da minha vida. Reconheço que os dons, que procuro partilhar com os demais, não são fruto do meu esforço pessoal, mas uma herança que recebi. Obrigado, Senhor”. (Ir. Servando)« Sempre reconhecido, e com muita coragem, porque caminhamos na esperança, para o Senhor. ‘O que embeleza o deserto, diz o Pequeno Príncipe, é o fato de ele esconder um poço em algum lugar’» (Conclusão de uma carta de Fernando – Hermanos, Província do Chile, 1997 – p. 15)

“Mas, no epicentro da aridez, do abandono e do menosprezo daquele que abandonou a sombra da morte, reluz o brilho da vida que mantém a esperança, neste terrível deserto”. (Ir. Fernando)

“Estou muito bem, trabalhando com entusiasmo e satisfação, entre essa gente. A mim coube a sorte de viver com eles e a alegria de descobrir, cada dia, sobretudo nas crianças, a presença de Deus. Em todos os domingos de tarde, organizo jogos com as crianças. É uma alegria para elas e para mim, e mesmo para os adultos que se aproximam para nos verem jogar”. (Carta do Ir. Júlio, 15 de julho de 1996, em ‘Silencio de Dios’ - p. 232-233).

Servando Mayor GarcíaNasceu em 20 de julho de 1952, em Hormillos del Camino, Burgos, Espanha.

Ingressou no noviciado de Maimón, Córdoba, em 29 de junho de 1970. Fez a primeira profissão, em Villalba, em 21 de junho de 1971. Dedicou-se ao

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ensino e à formação da juventude, em vários colégios da Província, como professor e diretor. Foi superior da comunidade de Granada, de 1985 a 1988. De 1992 a 1995, foi o responsável pela equipe de Pastoral da Província e conselheiro provincial.

Em 1995, ofereceu-se para ser missionário em Ruanda, formando comunidade com os Irmãos ruandenses. Desde julho, foi superior da Comunidade formada pelos Irmãos Miguel Ángel, Júlio, Fernando e ele próprio. Foi assassinado em 31 de outubro. Tinha 44 anos de idade. Dois dos seus irmãos, Serafim e Fernando, são Irmãos Maristas.

Servando, visto pelo Ir. Jeff Crowe.Presença que impressiona: olhos claros, rosto nobre. Era líder natural e inteligente, penetrante e resoluto. Coração generoso, abrigando a dor do próximo de tanta pobreza material, afetiva e espiritual, sem solução. Criativo, quando era necessário colocar projetos em andamento. Audacioso, ao denunciar uma injustiça flagrante. Homem de oração e, para os outros, rosto de Champagnat. Vivia o seu espírito”.

“O campo de refugiados tem umas quatro mil crianças. Milhares vestidas, ou melhor dizendo, cobertas com trapos e todas descalças. Constitui espetáculo, para nós, inimaginável. E como compreender a dor que se esconde nesses dois milhões de refugiados que não têm nada mais do que a recordação da terra e da casa perdidas, e da perda de um milhão de pessoas? Como curar a ferida do ódio e da vingança, depois de terem vivido tanta violência e morte? Não sei; porém é certo que a presença de um Irmão Marista, no acampamento, é luz de esperança.” (Carta do Ir. Servando aos Irmãos de Bética, 2 de julho de 1995).

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Ir. Júlio Rodríguez JorgeO Ir. Julio Rodriguez Jorge nasceu em 20 de outubro de 1956, em Piñel de Arriba, Valladolid, Espanha. Fez os primeiros estudos nos casas de formação maristas de Villalba, Madrid; e Sigüenza, Guadalajara. Ingressou no noviciado de Maimón, Córdoba, em 9 de setembro de 1975. Emitiu aí a primeira profissão religiosa, em 8 de setembro de 1976; e a Profissão Perpétua, em Madrid, no Colégio San José del Parque, em 27 de setembro de 1981. Depois de breve estada nos colégios dessa Província marista, foi para a cidade de Kisangani, no Congo (Zaire), em agosto de 1982. Encontrava-se na missão de Goma, quando se ofereceu para ajudar os Irmãos nos campos de refugiados. O seu gesto foi aceito e incorporou-se, em 12 de junho de 1996, ao acampamento de Nyamirangüe. Encontrou a morte, com os seus três coirmãos de comunidade, em 31 de outubro de 1996.

Júlio, visto pelo Ir. Jeff Crowe.Energia juvenil em corpo de atleta. Aquele que desce os caminhos tortuosos com passo largo e decidido. Cheio de vida com todos e entusiasta pelos jogos. Dotado para as línguas: kiswahili, lingala, de conversa agradável nos entretenimentos. Negociador com as autoridades civis e militares, sabe surpreendê-las nas suas próprias línguas. Missionário há longos anos; aí ele atingiu o ápice do que tinha vivido. Nesse caminho novo renovara a dimensão da sua vocação. Solitário sobre as colinas de Bugobe: em tranqüilos momentos para si e para Deus. “Não sou herói, mas sinto que tenho de ser conseqüente com o que Deus me pede neste momento. O meu coração está na África; a vida, aqui na Espanha, não me

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satisfaz. Quando a gente é suficientemente humilde, as dificuldades da vida purificam, como o deserto purifica os profetas”. (Carta do 12-4- 1989 – Kinshasa)

Fernando de la FuenteNasceu em 16 de dezembro de 1943, em Burgos, Espanha. Em setembro de 1956, ingressou na casa de formação marista de Valladolid. Fez o noviciado em Liérganos, Espanha, em 1960. Professou como religioso, em 2 de julho de 1962. Continuou a sua formação no Chile onde, de 1982 a 1995, desenvolveu fecundo apostolado educacional e catequético, como professor e diretor em vários Colégios maristas desse país andino e como conselheiro provincial.

Dotado para a pintura e a poesia, tinha alma muito sensível. Depois de 23 anos de missão, no Chile, diante de um pedido do Ir. Benito Arbués, Superior Geral, o Ir. Fernando ofereceu-se para participar desse gesto de solidariedade missionária. Foi aceito e dirigiu-se ao Zaire para trabalhar no campo de refugiados de Nyamirangüe, Bugobe, em fevereiro de 1996, formando comunidade com Servando, Miguel Ángel e Júlio e sendo com eles assassinado, em 31 de outubro de 1996.

Fernando visto pelo Ir. Jeff Crowe.“Pessoa serena, de gestos calmos, organizado e amável, mesmo quando as crianças e as mulheres lhe preparavam surpresas na rouparia. A sua inteligência era tesouro de intuições. As experiências da vida eram retomadas nas suas mãos de artista. Amigo de passeios ao luar, terminado o dia. Tempo de novos poemas e novas orações, no seu coração de poeta”.

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« Crianças, jovens, analfabetos, eles terminaram o que chamam de ano escolar; fragmentado, desordenado, dado em lugares deslocados e incômodos, impróprios para oferecer o pão da cultura. Dele todos têm o direito de se nutrir, no templo do saber, que é a escola. Ela, aqui, foi fechada por disposições vindas do alto. » (Hermanos – Provícia do Chile, 1997- p. 78)

Ir. Miguel Ángel Isla LucioNasceu em 8 de março de 1943, em Villalaín, Burgos, Espanha. Ingressou no juvenato hispano-americano de Valladolid, em 3 de setembro de 1955. Fez o noviciado em Liérganos, em 1960; depois do noviciado foi para a Argentina, onde permaneceu até 1973.

Passou um tempo em Roma e, em agosto de 1974, pediu que o enviassem às missões maristas da África, na Costa do Marfim, onde permaneceu até 1995. Foi catequista, professor e diretor em Dimbokro e Korhogo e Superior do Distrito. Em 1995, respondendo a um apelo do Ir. Superior Geral, ofereceu-se para trabalhar nos campos de refugiados do Zaire. Formou comunidade com os Irmãos de Ruanda e, mais tarde, com Servando, Julio e Fernando. Foi assassinado com os três coirmãos, em 31 de outubro de 1996. Um de seus irmãos, Agustín, é Irmão Marista e trabalha na Argentina.

Miguel Ángel visto pelo Ir. Jeff Crowe.Homem entre os homens; barbudo, “aquele da barba”, de rosto meio encoberto. Força na expressão, reflexo de honestidade e de compaixão. Ocupava-se das flores, sensível às cores. Fotógrafo capaz de colher a beleza nesta terra de desolação. Firme nas suas convicções e íntegro. Gravou o seu espírito nas

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páginas do seu diário pessoal, abrindo amplamente a sua consciência e citando os místicos espanhóis. Preocupado com os pobres, afável com as crianças, profundo na partilha e na oração.

“Houve momentos em que me senti com vergonha de ser homem, de pertencer à raça humana. Deixei, sem querer, que se apoderasse de mim uma sensação de consternação por ser homem, ao ver o que os meus semelhantes faziam com os seus irmãos. Não posso contar fatos. Transmito-te as minhas impressões, ao ver e tocar os fatos. Existem como que montanhas de dor acumuladas nas costas de milhares, talvez milhões, de inocentes”. (Ir. Miguel Ángel Isla)

Experiência de Deus – 2 Ir. Miguel Ángel IslaNão posso fazer gesto maior de amor do que compartilhar convosco este trabalho que o Senhor está realizando em mim e nos outros. Quisera gritar a todos. Caros Irmãos, Cristo vive, está admiravelmente vivo em todos vós. Ele me grita que me entregue sem limites.

Irmãos, eu me sinto forçado, orientado, dirigido, conduzido por Ele. Irmãos, e por vós que o representais e que me chamais com grito poderoso, mas sem voz, para alguma coisa quase impossível: sempre amar e servir, ser dom de modo permanente.

Tu me fazes ver que ninguém pode resistir ao amor. O amor e só o amor; como dom total, é o meio para transformar o outro; mas o teu amor vai até o fim. E agora, tu não me poupas nem no sono. Exageras! Tenho a impressão, Senhor, de que neste ano abusas verdadeiramente de nós. Ademais, sinto-me profundamente levado a dar-te graças por essa

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alegria, por essa felicidade que, às vezes, chega a manifestar-se em lágrimas impossíveis de conter. E sinto-me tentado a dizer que nada, nem ninguém, poderá separar-me do teu amor. (cf.Rm 8,35-39)

Um olhar para dentro – 3“Tal estratégia perversa acrescenta peso e mais peso nas cabeças esmagadas e obriga-as a uma subsistência forçada. Ela impede que os olhos vejam com limpidez a linha do horizonte, as manifestações do céu cheio de estrelas”. (Fernando, em Hermanos – Prov. Chile, 1997, p. 78)

“Senhor, ofereço-te a minha vida: ela é tua. Tu sabes quanto sou fraco e frágil. Toma a minha argila e modela-me do teu gosto, sob a inspiração do teu Espírito. Faze de mim, como de Maria, um vaso cheio de amor, amor que transborde e dê vida àqueles que procuram um sentido para as suas existências. Torna sólida a minha argila, que facilmente se rompe e fica vazia. Sabes, ando cheio de mil coisas que não me dão felicidade e das quais não consigo desvencilhar-me. Senhor, tenho medo de cair no vazio. Sinto vertigens, quando não vejo mais nada. Sustenta-me, Senhor. Vejo que não é fácil seguir as tuas pegadas; mas, com a tua força serei fiel. Inunda o deserto do meu coração com a água viva que brota do teu. Então o meu deserto florirá”. (Ir. Servando)

« A tensão é muito grande por aqui, e não nos resta senão rezar pela paz, nesta região dos Grandes Lagos africanos, para que retorne a vida normal, neste país de milhares de refugiados. Que a paz e a justiça voltem para essas pessoas que sofrem tanto». (Ir. Júlio - Carta de 10 de outubro de 1996).

Experiência de Deus - 3

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Ir. Miguel Ángel Isla “Irmãos, Cristo ressuscitou, vive em nós e em mim. Ele, mais que generosamente, se comprometeu a construir o amor em nós e por nós. Sou testemunha de que Ele vai fazê-lo, pouco a pouco, com vagar, sim, porém sem parar. Gostaria de proclamar esta feliz realidade, aos gritos, para que todos me ouvissem. Quisera que vocês pudessem gritar comigo. Além disso, gostaria de partilhar com vocês a coisa mais bela que tenho: a presença de Cristo, viva e ativa, no meio de nós. Não tenho nem terei nada melhor para lhes oferecer”.

Pensar que posso esconder ou matar progressivamente essa presença, na minha vida. Esta “realidade” de que o Senhor hoje está em nós deixa-me doente. Continuo ainda com algumas reservas em mim, poucas e agonizantes. Tira-as, uma por uma, Senhor. Peço-te que nunca chegue a ser uma alma habituada. Perdoa-me o que digo com base no Apocalipse: Prefiro ser renegado a ser medíocre, Senhor. Entendes-me, de verdade? Renegado antes que medíocre. E obrigado, pela tua escolha caprichosa”. (Xotobí, 27 de abril de 1977 – Miguel Ángel tem outras páginas, igualmente impressionantes.)

“Livra-me deste corpo de morte. Abre-me ao teu amor, ao serviço, ao sacrifício real e efetivo dos meus irmãos”. (Miguel Ángel, em ‘Amaron hasta el final’, 2006 - p. 10) A Simpatia dos seus Irmãos1– Ir. Jeff CroweDesde meados do ano de 1995 até o final de outubro de 1996, coube-me a missão de ser a pessoa de contato entre os Irmãos de Bugobe e a Administração

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Geral. Com este encargo, visitei a comunidade e o campo de refugiados, cada três meses. Nunca vivi nada semelhante nem creio que volte a vivê-lo: não era somente a intensidade com que transcorria cada dia; nem sequer essa sensação constante de estar “no limite da tragédia”, mas a experiência de encontrar-me, face a face, com esses seres extraordinários, homens apaixonados, homens cheios de fé. Considero como privilégio haver podido percorrer uma parte do caminho junto com eles.

Porém, para permanecer com aquele povo, os Irmãos tinham motivações mais profundas: tinham vivido muito perto daquela gente, ‘nossa nova família’; haviam-se identificado mui estreitamente com ela, ocorresse o que ocorresse. Qualquer sugestão para afastar-se não somente era respondida com negativa, senão quase tomada como ofensa. Para eles era questão de fidelidade ao povo que tinham chegado a amar, de fidelidade à missão que consideravam privilégio que lhes fora outorgado, ‘o melhor dos presentes’, nas palavras de Fernando, questão de fidelidade à sua vocação de Irmãos, que seguem Jesus até à cruz. Na sua oração comunitária essas idéias surgiam constantemente. (Ir. Jeff Crowe – A tribute to commitment, maio 2002, p. 7)

2– Ir. SpiridionO Distrito Marista de Ruanda vive sob o impacto dos fatos acontecidos em Bugobe, em 31 de outubro de 1996. Como entender que, a uma caridade sem fronteira e sem medida, se responda com ódio igualmente sem fronteira e sem medida? Os nossos quatro corajosos Irmãos testemunharam a caridade sem fronteira e sem medida, devotando-se por inteiro à causa dos refugiados de Ruanda, que não são espanhóis, nem brancos, nem europeus.

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Transpuseram todas essas barreiras, levantadas entre os homens, escutaram o grito do pobre, decidiram ser solidários. (Carta do Ir. Spiridion Ndanga, Superior do Distrito de Ruanda – FMS-Message, n°21, pág. 9).

3–Ir. José Martín DescargaHavendo deixado voluntariamente a sua pátria e o seu trabalho no Chile, na Espanha, na Costa do Marfim e no Zaire, os Irmãos Fernando, Servando, Miguel Ángel e Júlio formaram a comunidade de Bugobe, sem se conhecerem e sem se escolherem. A sua missão era a educação e a ajuda social, no campo de Nyamirangüe. Organizaram as seguintes escolas: jardins-de-infância para 1000 crianças; primárias, para 3000 alunos; secundárias, para 800. A sua acção estendia-se a uma infinidade de grupos: foruns para debates, alfabetização, costura, esportes, cantinas para os órfãos, transporte dos doentes.

Trabalhavam como parceiros dos “malditos da terra” do nosso tempo, os refugiados, desprezados e explorados; em suma, para os que não têm direitos, nem trabalho, nem parcela de terra por cultivar; para os que não podem nem mesmo criar algumas galinhas; ou para os que têm de esperar a assistência das ONGs: alimento, água, lenha para aquecer-se, tendas, medicamentos, tudo.

Os nossos Irmãos foram a luz deste mundo de sofrimento e de desespero, o sorriso de Deus para os mais pobres. Mais ainda: fizeram deles os seus irmãos, a sua família, que nunca quiseram deixar, mesmo correndo risco de vida.

A sua vida era simples, frugal, despojada do desnecessário: casa de tábuas, paredes de plástico, sem electricidade nem água. Mas era comunidade de

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vida, de oração, de trabalho, na qual cada um traz a sua contribuição, como comunidade aberta, feliz e acolhedora, no estilo de Champagnat e dos primeiros Irmãos; em suma, belo exemplo de renovação. ( O Ir. José Martín Descarga residia em Nyangezi, próximo de Bugobe. Visitou muitas vezes os Irmãos no campo de Nyamirangüe. Foi ele quem encontrou os corpos e providenciou o enterro, em Nyangezi.)

3–Ir. Lluis Serra“Quando relembro o martírio desses quatro maristas, esbarro no essencial. As suas biografias eram corriqueiras, a tal ponto que nenhum escritor teria encontrado elementos para escrever um livro. Quando se arrisca, quando se põe em jogo a vida ou a morte, não existe subterfúgio possível. Eles fizeram assim. O sofrimento humano e a sua fé profunda explicam as decisões tomadas. Isto é uma lição para o nosso cristianismo de quatro paredes, não comprometido, visto que muitas discussões de Igreja são puros artifícios. Eles, e pessoas como eles, são o rosto genuíno da Igreja”. (Ir. Lluis Serra – Catalunya Cristiana, 2 de novembro 2006).

4–Ir. José Maria Ferre“Quatro Irmãos Maristas foram assassinados. Não se trata de quatro indivíduos isolados, surpreendidos pelo mesmo destino. Era uma comunidade religiosa, comunidade de consagrados, com tudo o que ela implica. Juntos, no campo de Bugobe, viviam a profecia da comunidade. As personalidades, os caracteres e o passado eram diferentes; mas eles ouviram o chamado para formar uma comunidade. Tiveram de dialogar muito, para discernir a evolução dos acontecimentos. Optaram por permanecer, atentos ao que o Espírito lhes dizia no coração. Nessa

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perspectiva de comunidade, o exemplo é mais rico”. (Fr. J. M. Ferre - Carta de 20/9/2006)

Extraordinários e mártiresNo dia 31 de outubro de 2006, celebramos o décimo aniversário da morte violenta dos nossos quatro irmãos de Bugobe: Servando, Miguel Ángel, Fernando e Julio. Em muitas Províncias, comunidades e colégios, este foi um momento de intensa oração, mesclada de emoção e admiração, sentimentos pautados por grandes modelos, de pessoas coerentes com a fé profunda em que viviam.

1– A fama de santidade A fama de santidade é justamente essa realidade que emerge espontaneamente e de múltiplas maneiras, que se expressa por meio de sentimentos de emoção, de admiração, de confiança; ou de orações, reflexões, agradecimentos a Deus e pedidos de intercessão. A fama de santidade atrai a atenção de grande número de fiéis e cria neles o desejo de louvar a Deus e de servi-lo com a audácia dos servidores que os inspiram. É o que encontramos, quando ficamos atentos ao espaço que esses quatro Irmãos de Bugobe têm nos corações, na oração e na generosidade, espaço inspirado no gesto deles. Ora, a fama de santidade é uma das primeiras coisas que a Igreja pede, quando se vai abrir uma causa: que impacto têm os servos de Deus no povo cristão? Que benefício advirá ao povo de Deus, se esses servos forem propostos como paradigmas? E que espontaneidade e intensidade tem essa fama? Mas a fama de santidade é também sinal de Deus, mediante o qual ele nos diz: “Vocês receberam um dom excepcionalmente rico; receberam modelos de vida cristã, pertencentes a todo o povo de Deus e por eles

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vocês são responsáveis, isto é, cumpre devolver ao povo de Deus aquilo que é dele”.

2– Missão e MartírioEstas duas realidades estiveram sempre muito inter-relacionadas, desde os tempos de Cristo, cuja missão atingiu o ponto mais alto na cruz. João Paulo II, em Redemptoris Missio, diz que a “missão tem o seu ponto de chegada na cruz”. Que o missionário, em situação difícil, morra mártir é quase coisa normal; o missionário sabe isso e o aceita. Os nossos quatro Irmãos não se estabeleceram no meio dos refugiados de Nyamirangüe por filantropia, mas levados pela lógica da fé. Foram em socorro de um povo mártir, em face do múltiplo sofrer cotidiano dessa gente humilde. Os nossos Irmãos viram morrer muitas pessoas e crianças, em torno deles; viram-nas fugir, levadas pelo desespero. Partilharam a sua morte. Num povo mártir, tivemos Irmãos mártires. O crucifixo do seu oratório também sofreu um golpe de violência: os braços e as pernas quebrados.

O cardeal José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, afirma que a Igreja nunca se despojou da túnica vermelha do martírio. Tendo em conta os tempos de hoje, escreve: “Nesses últimos anos, tivemos conhecimento de muitas situações difíceis, em que trabalham os missionários. Muitos Institutos masculinos e femininos tiveram alguns dos seus membros ameaçados, raptados, feridos ou mortos”. (Cf. Andate e Annunciate, p. 153… L. E. Vaticana, 2007)

3– O assassínio e o martírio deles nos surpreendeu. Foi coisa imprevista e súbita. Mas, refletindo bem, isso é verdade apenas em parte. Os nossos quatro Irmãos não procuraram o martírio; este se abateu

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sobre eles contra a sua vontade. Mas todos os quatro Irmãos viveram longa caminhada de generosidade que os conduziu ao campo de refugiados de Nyamirangüe. Quando relemos as suas notas, descobrimos Irmãos que estavam amplamente abertos à vontade de Deus; eram amigos cotidianos do Senhor; eles não improvisaram a sua santidade, quando se encontraram com os refugiados, ainda que se tenham sentido chamados mais fortemente para o amor total, vivendo com eles. Nós possuímos um texto do Ir. Miguel Ángel Isla, a Experiência de Deus, de uma mística maravilhosa e profunda, com data de 1977. Muitas notas do Ir. Júlio, que falam da sua relação com Deus e com as pessoas, encontram-se nos cadernos que ele escrevia, nos anos de 1983 e seguintes. Ninguém é mártir por acaso. O martírio é vocação que se prepara por longa generosidade; é muito menos surpresa do que lógica, a lógica da fé. O coração do mártir está pronto muito antes que o corpo seja imolado. O martírio é o coroamento de uma vida que tinha o hábito de se dar.

4– Eles são mártires? Em que sentido? Temos vontade de responder sim; mas estamos conscientes de que a Igreja não se contenta com emoções, mas pede um conjunto de provas que confirmem o martírio. Em todo o caso, arrolemos algumas razões que tendem a comprovar o sim. O dom da vida. Como o Senhor, eles deram a vida; as suas vidas foram mais oferta que perda. Assim como aconteceu com o Senhor, aqueles pelos quais eles deram a vida tomaram-na de maneira violenta. E a vida foi dada por inteiro, sem reservas, em gestos de amor e de serviço sem limites, com a consciência de que, em

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razão da violência e da miséria existentes no campo, a vida deles estava em perigo.

A Kenose. A vida foi sacrificada em contexto extremamente desumano, constituindo verdadeira kenose, ou aniquilamento, assim como foi para o Senhor, tornando-se o maior testemunho de amor. Eles deixaram muitos amigos queridos, missões tranqüilas, para vir para esse campo de Nyamirangüe, onde dominava a miséria: dor, violência, privações, injustiças, insegurança constante. Deram uma resposta à fome de humanidade, de presença, de amor, de respeito, de cultura, de fraternidade. Ouviram o grito dos sofredores e se fizeram solidários na partilha de tudo o que constituía o cotidiano dos refugiados.

Estamos diante de verdadeiro heroísmo, heroísmo das fronteiras difíceis onde se correm riscos extremos: heroísmo santo, porque vivido em nome de Cristo e em favor de uma humanidade oprimida, heroísmo revestido da simplicidade e da humildade maristas. Os nossos quatro Irmãos achavam natural fazer o que estavam a fazer e diziam que outros fariam o mesmo, se estivessem no seu lugar. Talvez tenhamos de aprender a considerar de novo a santidade em termos de heroísmo. As pessoas foram particularmente sensíveis a esse aspecto, que não devemos negligenciar.

3– O seu único caixão Quando os seus corpos foram encontrados, foram colocados em sacos de plástico azul do alto-comissariado da ONU para os Refugiados. Foi o seu único caixão: extrema pobreza e glória inesperada, pois foi a ONU que os acolheu e a humanidade inteira

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os abraçou. Mortos, eis que se tornam homens universais, como se estivessem envolvidos na bandeira dos refugiados, dos quais tinham plenamente assumido a identidade e o destino. Mortos, envolvidos de azul, como se a Santíssima Virgem os acolhesse no seu manto materno, para o repouso merecido. A morte proclamava o seu heroísmo, dizia que tinham cruzado pelo caminho de Jesus, Irmão Universal. É o martírio da caridade.

4– A mesma paixão. O crucifixo do oratório também foi despedaçado: as pernas e os braços foram quebrados. Contra o Senhor, contra Jesus inocente, praticou-se a mesma violência que se praticou contra os Irmãos. Partilharam a mesma paixão: Jesus, brutalmente ferido, atirado por terra; eles, depois de terem sido assassinados, foram lançados numa fossa séptica. Se considerarmos a globalidade do que aconteceu, Cristo foi novamente torturado e morto nos Irmãos: “Os seus corações vibravam no mesmo ritmo do coração de Cristo”, escreveu o Ir. Albert. Unidade no amor, unidade na morte. É o martírio de timbre clássico.

5– O Perdão O Irmão Superior Geral Benito, que conhecia o grande amor que eles tinham pelos refugiados, “nossa verdadeira família”, como escreviam com freqüência aos seus pais, sim, ele não duvida do perdão deles aos assassinos. Na sua vez, como superior de todos os Irmãos, perdoou e reza por eles. O Irmão Albert Nzabonaliba, de Ruanda, e que os tinha precedido no campo, como responsável da comunidade dos Irmãos, não duvida do perdão deles, pois afirma: “o coração deles vibrava em uníssono com o de Cristo”. O perdão é elemento do martírio; o

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mártir é homem de reconciliação. Mediante a sua morte, ele refaz a unidade da humanidade, proclama que, mesmo quem mata, continua o seu irmão. Em todo mártir se renova a epifania da cruz: o Cristo é novamente submetido à morte; ele perdoa sobre a cruz, torna-se o Salvador e derruba a parede do ódio.

Os Irmãos Servando Mayor, Júlio Rodriguez, Fernando de la Fuente e Miguel Ángel Isla são, por certo, modelos e podem ser considerados pioneiros do que vivemos hoje no Instituto, a “Missio ad Gentes”, o envio aos que desconhecem o cristianismo.

Poderíamos dizer que eles são intercessores em favor do novo esforço missionário em que vivemos, porquanto três questões permanecem certas e sólidas: (1) Os Irmãos haviam dito sim a uma missão muito difícil e de grande risco. (2) Eles amavam os refugiados sem limite, até o ponto de os refugiados se tornarem a sua família. (3) A vida dos nossos Irmãos, que havia sido oferecida, também foi sacrificada. O fato pode ser expresso de outra forma. No martírio deles distinguem-se três doações convergentes: a vontade disse sim; o coração amou; a vida passou de doada a imolada. Trata-se, pois, de paradigmas que o nosso mundo procura hoje.

Ladainha dos Mártires

1 – Pela vida doada aos pobres, pela vida arrancada com violência, pela vida dos nossos Irmãos Servando, Miguel Ángel, Fernando e Júlio. Senhor, nós te louvamos.

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2 – Pela vida dos Irmãos Mannion, José Rushigajiki, Estêvão Ruesa, mortos na missão, e dos Irmãos Gaspar, Fabiano e Canísio, vítimas inocentes. Senhor, nós te bendizemos.

3 – Pela vida límpida do Irmão Henri Vergès, morto enquanto oferecia a mão da amizade e da acolhida, arrancado com violência dos jovens a quem servia. Senhor, nós te glorificamos.

4 – Pelos nossos caros Irmãos da China, que sofreram toda a sorte de privações: prisão, campos de trabalho, tribunais populares e a morte. Senhor, nós te damos graças.

5 – Pelos nossos 170 Irmãos mártires na Espanha, homens humildes, artistas, músicos, poetas, líderes ou simples trabalhadores. Senhor, nós te louvamos e bendizemos.

6 – Pelos nossos primeiros missionários da Oceania, pelos nossos primeiros mártires, para que a fé se implante sólida. Senhor, nós te louvamos e bendizemos.

7 – Com todos os Irmãos de coração simples e generoso, apaixonados pelos jovens e apaixonados por Ti; com aqueles que nos precederam no caminho do amor e da humildade. Senhor, nós te louvamos, bendizemos e glorificamos; te damos graças e te adoramos.

8– Com Marcelino, com Francisco e com os primeiros Irmãos, na vivência do nosso carisma marista, com as crianças que freqüentaram as nossas primeiras escolinhas. Senhor, nós te louvamos, nós te

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bendizemos e glorificamos; nós te agradecemos e adoramos.

9– Com Maria, a Boa Mãe, a cujo amor nos confiaste, que guiou os nossos mártires, os nossos santos, todos os nossos Irmãos e que tudo fez entre nós. Senhor, nós te louvamos, te bendizemos e glorificamos; nós te agradecemos e adoramos.

10– Senhor, nós te damos graças por todos esses irmãos, nossos intercessores. Eles nos revelam o teu amor, o amor que nos acompanha, passo a passo, nas sendas da vida e na aventura da missão; o teu amor também nos faça santos. Senhor nós te louvamos, nós te bendizemos e glorificamos; nós te agradecemos e adoramos.

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ImpressionFratelli Maristi ROMAJanvier 2005

© G. Bigotto fms.

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