OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O
PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
FONSECA, Raul Alencar Soares1; VELOSO Cynara Silde Mesquita2
Resumo:
A manutenção da prerrogativa da Fazenda Pública pelo novo código de processo civil foi o
tema do presente artigo. Propõe-se analisar a compatibilidade das prerrogativas relativas à
diferenciação de prazos com a nova sistemática processual brasileira. Para consecução do
objetivo, o estudo feito neste artigo teve por base a leitura e a análise de vários textos,
contrapondo a manutenção da prerrogativa processual com os princípios constitucionais do
processo. Foi possível concluir que a distinção de tratamento conservada pela nova lei
processual à Fazenda Pública, com fundamento na supremacia dos interesses coletivos, é
inconcebível no atual contexto do Estado Democrático de Direito e com as garantias
constitucionais do processo. O princípio da isonomia no processo traz ínsita a ideia da
igualdade de chances entre as partes no exercício do procedimento em contraditório. Conferir
qualquer tipo de prerrogativas nas relações processuais em que a Fazenda Pública figura como
uma das partes fere diretamente a igualdade argumentativa, representa um retrocesso ao
Estado com feições de Leviatã, onde o interesse do Estado estaria acima dos cidadãos, e
constituí um ônus na construção do sincretismo processual, aspecto intensamente cobrado do
Poder Judiciário nos últimos tempos.
Palavras-chave: Isonomia Processual. Fazenda Pública. Novo Código de Processo Civil.
Introdução
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) trouxe em seu bojo algumas modificações
que tiveram objetivos precípuos a busca pela ampliação do acesso à Justiça e de uma maior
efetividade do processo. Ademais, a eficiência pretendida pelo legislador deve ser interpretada
como busca pela presteza na entrega da prestação jurisdicional às partes integrantes da lide.
Nas relações processuais desenvolvidas nos litígios em que a Fazenda Pública é uma
das partes, a lei confere, entre outras prerrogativas, prazos maiores para o ente estatal
contestar e recorrer, de acordo com o artigo 188, do CPC/1973. São concedidos prazos em
quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. No NCPC, entretanto, o Poder público
dispõe de prazo em dobro para todas as manifestações.
Muito se discute se essa prerrogativa viola o princípio da isonomia criando
desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública. É incontestável, porém, que as
1 Graduando em Direito pela UNIMONTES. 2 Doutora em Direito Processual pela PUC Minas. Mestre em Ciências Político-Jurídicas pela Universidade
Federal de Santa Catarina. Professora do Curso de Direito da UNIMONTES e das FIPMoc. Orientadora deste
artigo.
prerrogativas da Fazenda Pública constituem um ônus na construção do sincretismo
processual, aspecto intensamente cobrado do Poder Judiciário.
Pretendeu-se, então, elucidar até que ponto as prerrogativas concedidas à Fazenda vão
de encontro aos princípios constitucionais elencados na CRFB/88, mais especificamente a
igualdade processual inter partes e o devido processo legal.
Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, porque se partirá do estudo dos princípios
constitucionais do processo e do modo como foram concebidos os benefícios, relativos aos
prazos, concedidos às pessoas jurídicas de direito público para só então fazer uma breve
exposição acerca da compatibilidade ou não entre eles.
O presente artigo foi divido de modo que pudessem ser observadas de maneira
pragmática o tema abordado. Fez-se necessária a análise do Estado democrático de direito e
do processo constitucionalizado, para depois se explanar sobre a isonomia processual e o
devido processo legal. As prerrogativas da Fazenda Pública foram contextualizadas nos seus
aspectos histórico-jurídicos, pois decorrem de um longo processo evolutivo. Ao fim, discorre-
se sobre o posicionamento jurisprudencial e doutrinário sobre os prazos diferenciados e sua
manutenção no Novo Código de Processo Civil.
O Estado democrático de direito positivado pela Constituição da República Federativa
de 1988
Antes de analisar se as prerrogativas concedidas às pessoas jurídicas de direito público
estão de acordo com as garantias constitucionais do processo, faz-se necessário estudar a
configuração atual de estado, o chamado Estado Democrático de Direito, bem como os
princípios enunciativos do processo que dele derivam.
Para Karl Schmidt, o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os
tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a ideia e a prática da
soberania. (DALLARI, 2013)
Em tempos passados, o Estado era concebido como a figura hobbesiana do Leviatã, em
que a soberania se encontrava na pessoa do monarca. Para Hobbes o Estado é:
uma pessoa de cujos atos se constitui em autora uma grande multidão, mediante
pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa possa empregar a
força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a paz e a defesa
comuns. (DALLARI, 2013)
Diferente do que prega Hobbes, o Brasil encontra-se hoje em um contexto social
completamente diferente. O Estado brasileiro atual é Estado Democrático de Direito. O
Estado Democrático de Direito, positivado pela Constituição da República Federativa do
Brasil, introduz a soberania popular dentro do conceito de Estado, devendo o poder ser
exercido e organizado em termos democráticos, de acordo com a vontade do povo.
O Estado Democrático de Direito buscou sintetizar as conquistas das experiências
anteriores, os modelos de Estado Liberal, ou Estado de Direito, e o Estado Social, superando
suas deficiências.
A principal característica do Estado Liberal de Direito era o arquétipo do Estado
abstencionismo, respeitando as liberdades individuais, e só intervindo em questões essenciais.
No Estado de Direito, a ideia em torno da qual gravita o modelo de estado é o império e a
supremacia da lei. Diferentemente do Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito tem
a Constituição como a sua força normativa, vinculando o legislador através de um devido
processo legislativo que corresponda aos anseios da sociedade democrática (CATTONI DE
OLIVEIRA, 2000).
Habermas (2004), em sua obra, esclarece que no modelo liberal a política e a atuação do
Estado segue o caminho determinado pelos interesses do mercado, em que a sociedade quer a
atuação do aparato administrativo apenas para que seus direitos subjetivos sejam protegidos
O Estado Social, modelo essencialmente intervencionista, decorre das diversas
inconsistências que se apresentam no modelo liberal, principalmente em relação a
marginalização da classe proletariada, em virtude da Revolução Industria. O Estado Social
tem como característica a organização de políticas compensatórias e de proteção jurídica,
sobretudo nos domínios econômico, social e laboral. A crítica a esse modele é justamente em
virtude do frequente intervencionismo estatal, que consequentemente restringe a liberdade e a
participação democrática do povo. (PELLEGRINI, 2004)
Em consequência do acentuado crescimento do constitucionalismo desenvolvido a
partir dos processos constituintes americano (1787) e francês (1789), que consagraram o
princípio de constitucionalidade da ordem jurídica, o Estado constitucionalmente estruturado,
passa a ter suas atividades regidas por leis votadas e aprovadas pelos representantes do povo,
deixando de ser uma fonte exclusiva do Estado (BRÊTAS,2003).
Nesse sentido, ensina Pellegrini (2004) ao mencionar a superação do Estado liberal,
mediante a formação de autonomia popular em Habermas:
É justamente a partir da preocupação com a crise do Estado de Direito que
Habermas propõem como forma de superação o paradigma procedimentalista do
Estado Democrático de Direito, segundo o qual os sujeitos de direitos adquirirem
importantes papéis como agentes formadores e conformadores da sociedade, a partir
do exercício de sua autonomia privada e cidadã.
Conforme observa Leal (2009) a Constituição Brasileira de 1988 é a condutora da
sociedade sob a denominação de Estado Democrático de Direito, o que não permite mais que
os fundamentos processuais advenham de um Legislativo ou Judiciário comprometido com a
administração pública, mas a própria comunidade política não permitiria retrocessos em seus
alicerces constitucionais, o que garantiria o direito posto pelo devido processo constitucional.
No Estado democrático de Direito os cidadãos são portadores de direito de participação
democrática. A Constituição, nesse modelo, é reconhecida pela sua força normativa,
assegurando direitos fundamentais e abandonando o caráter meramente político, como
anteriormente era concebida. (HESSE, 1991).
O processo como instituição jurídica constitucionalizada.
Em virtude do exposto, é inadmissível uma análise do processo sem reconhecê-lo como
uma instituição constitucionalizada, pois é por intermédio do direito processual que há a
observância dos demais direitos fundamentais. Conforme bem esclarece o jurista Cattoni de
Oliveira:
Assim, não se pode opor o exercício do Poder Jurisdicional à garantia de direitos,
pois é através do processo jurisdicional realizado em contraditório entra as partes,
juntamente com o juiz ou tribunal autor do provimento, que o provimento
jurisdicional é emitido e a função jurisdicional é exercida. (CATTONI DE
OLIVEIRA, 2001).
Com o advento do Estado Democrático de Direito o processo não pode mais ser
considerado como mero instrumento da jurisdição, ou como um simples sistema
procedimental, contido em códigos e leis extravagantes, como almejam os adeptos da escola
instrumentalista e da relação jurídica, mas sim como uma instituição jurídica
constitucionalizada. Significa dizer que, o processo tem na atualidade, como lugar devido de
sua criação a lei constitucional, representando um direito-garantia das partes.
Segundo Cynara Silde Mesquita Veloso (2008), qualquer provimento, para ser legítimo,
no Estado Democrático de Direito, deve observar o Devido Processo Constitucional e suas
duas vertentes: O Devido Processo Legislativo e o Devido Processo Legal.
Conforme ensinamentos de Marcelo Cunha de Araújo o devido processo constitucional:
O devido processo constitucional democrático seria aquele conjunto mínimo de
características, previstas constitucionalmente, que, estando presentes, conferem ao
processo o título de direito-garantia fundamental do cidadão, vez que permitem a
participação política do mesmo na aplicação do direito (judicação compartilhada).
(ARAÚJO, 2003,)
Portanto, o devido processo constitucional representa uma instituição regente da
estruturação dos procedimentos pelo contraditório, ampla defesa e pela isonomia.
Decorrência lógica do devido processo constitucional é o devido processo legislativo.
No Estado Democrático de Direito, como bem ressaltado, as leis são legitimadas em seu
conteúdo material por um processo de participação popular legítimo, evidenciando o caráter
democrático-constitucional. Qualquer norma, seja de natureza material, seja de natureza
processual, deve obedecer a esse paradigma. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2000).
Cattoni ensina com propriedade a importância e essencialidade da participação do povo
na discussão e elaboração das normas, é o processo legislativo discursivo. O devido processo
legal, por sua vez representa uma coextensão procedimental do devido processo
constitucional. (LEAL, 2010)
O princípio do devido processo legal e os princípios institutivos do processo.
A expressão devido processo legal deriva da tradução da expressão inglesa “Due
Processo of Law”. Esse instituto remonta ao artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1215
por João Sem-Terra a seus barões que dizia que “nenhum homem livre será preso ou privado
de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de
qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo
julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país”. O direito americano adotou esse
instituto por meio da V emenda à Constituição.
No ordenamento jurídico brasileiro, o devido processo legal foi introduzido de forma
expressa pela Constituição de 1988, em seu art. 5º, LIV, segundo o qual “ninguém será
privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”.
Muitos doutrinadores consideram o devido processo legal como o princípio mais
importante do ordenamento processual. Segundo Nery Jr:
a amplitude da cláusula devido processo legal tornaria desnecessária qualquer outra
dogmatização principiólogica relativamente ao processo civil. Nada obstante, é
importante fixarem-se os critérios de incidência do princípio em suas variadas
manifestações, notadamente no que respeita aos limites dessa incidência, de sorte a
não tornar os direitos e garantias fundamentais como direitos absolutos, oponíveis a
tudo e a todos, pois tal irrestringibilidade não se coaduna com o estado de direito
nem atende ao interesse público (NERY JR, 2004)
A doutrina costuma classificar o devido processo legal sob dois enfoques diferentes: O
devido processo legal formal (procedural due process of law), sendo entendido como garantia
do pleno acesso à Justiça, e o devido processo legal material (substantive due process of law),
representando a garantia de vida, liberdade e propriedade, do qual decorrem os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
Para Rosemiro Pereira Leal o devido processo legal se constitui em um direito-garantia
no Estado democrático de direito e se configura pela observância dos princípios institutivos
do processo contraditório, isonomia e ampla defesa. (LEAL, 2010)
Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no art. 5º, LV, da CF ao
enunciar que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”. O
contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado, pois se trata de
garantia decorrente do Estado Democrático de Direito. É o direito de ser ouvido e de
participar do processo. (LEAL, 2010). O doutrinador, Elio Fazzalari, considera o princípio
do contraditório tão importante no direito processual a ponto de afirmar não haver processo
sem contraditório.
O princípio constitucional da ampla defesa significa dizer, segundo Rui Portanova que
“o cidadão tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor
provas.”. (PORTANOVA, 2001, p.125) A ampla defesa nada mais é do que a dimensão
substancial do contraditório, sendo o direito das partes de influenciar na decisão. A defesa
deve ser ampla, não podendo ser suprimida a pretexto de celeridade processual.
O princípio da isonomia, por estar diretamente relacionado com o tema dessa pesquisa,
merece um estudo particularizado.
O princípio da isonomia processual.
A ideia de igualdade encontra-se intimamente ligada ao Estado Democrático de Direito,
sendo que a sociedade sempre a relacionou com o ideal de justiça. Cármen Lúcia Antunes
Rocha, ratificando essa relação, expõe que "A igualdade no direito é arte do homem. Por isto
o princípio jurídico da igualdade é tanto mais legítimo quanto mais próximo estiver o seu
conteúdo da ideia de justiça em que a sociedade acredita na pauta da história e do tempo".
(ROCHA, 1990)
O Princípio da isonomia está consagrado no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição
Federal, que assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Tanto o Estado-Juiz quanto o legislador e os operadores do direito devem ter como premissa o
princípio da isonomia legal para a edição e aplicação justa da norma de acordo com a ideal de
justiça que a sociedade utiliza.
Ressalta-se que igualdade entre os cidadãos não é absoluta, já que as desigualdades que
eventualmente possam existir entre as pessoas não podem ser eliminadas. A essa quebra do
princípio da isonomia é dado o nome de igualdade real ou material. A lei pode, portanto, em
determinados casos, estabelecer distinções. A percepção sobre a constitucionalidade da
discriminação proporcionada pela lei baseia‐se no fato de o elemento discriminador estar a
serviço de um fim constitucionalmente protegido. Deve haver uma justificativa para o critério
adotado, devendo ser objetivo, razoável e proporcional.
O princípio da isonomia, quando analisado sob o aspecto processual, estabelece que aos
procuradores e às partes deve ser garantido tratamento igualitário, com finalidade de que
tenham em juízo as mesmas oportunidades de suas razões serem postas em juízo. Portanto
percebe-se que a isonomia processual afasta qualquer tipo de privilégio e proíbe distinções
não autorizadas pelo texto constitucional, representando um pressuposto lógico ao
procedimento em contraditório.
A propósito, é mister destacar o posicionamento de Rosemiro Pereira Leal (2010) acerca
do princípio da isonomia:
O princípio da isonomia é direito-garantia hoje contitucionalizado em vários países
de feições democráticas. É referente lógico-jurídico indispensável do procedimento
em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no processo
equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre as
partes, da estrutura procedimental. A asserção de que há de se dar tratamento igual a
iguais é tautológica, porque, na estruturação do procedimento, o dizer e contradizer,
em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela distinção
jurisdicional do economicamente igual ou desigual. O direito ao Processo não tem
conteúdos de criação de direitos diferenciados pela disparidade econômica das
partes, mas é direito assegurador de igualdade de realização construtiva do
procedimento. (grifos do autor)
Assim, o princípio da isonomia processual traz ínsita a ideia da igualdade de chances
entre as partes no processo, o que leva a reflexões de discriminações construídas pela lei,
como as prerrogativas processuais da Fazenda Pública.
Muito se discute se essa prerrogativa viola o princípio da isonomia criando
desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública. É incontestável, porém, que as
prerrogativas da Fazenda Pública comprometem a prestação judicial célere.
Leal (2005) elucida o caráter inconstitucional de dispositivos que conferem tratamentos
processuais diferenciados, em flagrante desacordo com o princípio analisado:
A ISONOMIA como princípio jurídico-processual de primeira geração não pode ser
descuidada na construção e exercício da constitucionalidade democrática, porque é
ela que torna possível a igualdade (simétrica paridade) entre os economicamente
desiguais, entre os física e psiquicamente diferentes e entre maioria e minoria
política, ideológica ou social. Processualmente, na democracia, é inconcebível uma
desigualdade jurídica fundamental, porque, se tal ocorresse, romper-se-ia com as
garantias constitucionais do processo em seus princípios enunciativos do
contraditório, isonomia e ampla defesa na produção, correição e aplicação do direito,
inclusive do próprio direito processual. Daí, também, a inconstitucionalidade de
diversos trechos do ordenamento jurídico brasileiro que estabelecem prazos
diferentes, foros diferentes, tratamentos pessoais e funcionais diferentes, para os
sujeitos do processo. (grifos do autor)
Pelo exposto, percebe-se que a isonomia processual afasta regalias e proíbe distinções
não autorizadas pela constituição. Há, no entanto, autores que sustentam que a diferenciação
está de acordo com a igualdade substancial, na medida em que trata partes desiguais
desigualmente.
Dessa forma, com o objetivo de analisar os aspectos relevantes da manutenção das
prerrogativas fazendárias no Novo Código de Processo Civil, faz-se necessário destacar,
primeiramente, o alcance da expressão Fazenda Pública e as posições doutrinárias e
jurisprudenciais a respeito do tema.
Fazenda Pública
O conceito de Fazenda Pública está relacionado diretamente ao ramo da Administração
Pública que versa sobre o direito financeiro, mais intrinsecamente ligado às finanças, receitas
e despesas estatais. Ademais, como assenta Cunha (2007), frequentemente denomina-se
Fazenda os órgãos federados destinados a arrecadar e fixar despesas e políticas econômicas
desenvolvidas. Nestes termos, aduz o referido autor:
A expressão Fazenda Pública identifica-se tradicionalmente como a área da
Administração Pública que trata da gestão das finanças, bem como da fixação e
implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda Pública é
expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo
Erário, representando o aspecto financeiro do ente público. (CUNHA, 2007, p. 15)
Entende-se, portanto, que quando a Administração Pública ingressa juízo através de
qualquer de suas entidades, autarquias e fundações públicas ou órgãos com capacidade
postulatória, tem-se a denominação clássica de Fazenda Pública. Entretanto ficam excluídas
desse conceito as empresas públicas e a sociedades de economia mista, embora integrantes da
Administração Pública indireta, estas possuem personalidade jurídica de direito privado.
Conforme se depreende da leitura do artigo 41 do Código Civil, nenhuma das empresas
públicas ou sociedades de economia mista possui prerrogativas destinadas à Fazenda. Em que
pese à referida exclusão, existe uma exceção à regra, que é a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos. O art. 12 do Decreto-Lei nº 509 de 1969 dispõe que ela detém os “privilégios
concedidos à Fazenda Pública”.
Prerrogativas processuais da Fazenda Pública na doutrina e jurisprudência
No que se refere às regras outorgadas em benefício da Fazenda Pública, a doutrina não é
uníssona em firmar um entendimento pacífico sobre a sua legalidade. A divergência encontra
guarida quando se coloca em discussão o sopesamento entre primazia do interesse público
sobre o privado e o respeito aos princípios processuais constitucionais.
Corrente doutrinária contra os prazos diferenciados
Na história do ordenamento jurídico processual brasileiro, nota-se que as normas
estatuídas traziam em seu bojo favorecimento ao Estado em litígio. Dinamarco (2001) lembra
que desde o governo varguista os diplomas processuais demonstravam preocupação em
favorecer o Estado. Outrossim, a título exemplificativo cita-se os prazos diferenciados
(maiores) concedidos à Fazenda e ao Ministério Público e a vedação quase irrestrita à
penhorabilidade dos bens das pessoas jurídicas de direito público.
O argumento de que seria o Estado a parte hipossuficiente na relação jurídico-
processual é prontamente refutado por José Carlos de Araújo Almeida Filho (2006), a saber:
Feridos os princípios filosóficos, feridos os jurídicos, porque, em verdade, as
malsinadas Medidas Provisórias nada mais são do que ressuscitar, em pleno Estado
Democrático de Direito, os "famosos" decretos. Assim, ainda que o princípio
contratualista de Rousseau seja o pilar desta figura controvertida, inexiste igualdade
quando deixamos de votar no Judiciário. Inexiste independência e harmonia entre os
poderes. Enfim, impera o caos jurídico, sempre sob o pálio de uma ficção jurídica de
que estamos em um Estado Democrático, que flutua ao prazer dos criadores de
sonhos, daqueles que prometem e, ao serem prometidos, esquecem-se de sua própria
moral.
Destarte, para os autores contrários aos favorecimentos, ocorre que o Estado além de
não ser a parte mais fraca na relação processual, mas guarda certa superioridade em relação ao
indivíduo, vez que possui mais recursos econômicos, sendo que estes podem propiciar uma
maior aparelhagem do mesmo.
A igualdade das partes perante a lei está esculpido no art. 5° da CRFB/88, não mais se
admitindo qualquer diferenciação na vigência do Estado Democratico de Direito. Essa
posição é inclusive sustentada por Machado (2005) que afirma que todos os privilégios da
Fazenda foram eliminados diante da redação do art. 5º da Carta, que não recepcionou o
referido dispositivo da lei processual.
No mesmo sentido, ensina Soares (2010) que, sob a análise dos princípios
constitucionais devido processo legal e isonomia, a concessão de prazos diferenciados à
Fazenda Pública não são mais cabíveis no Estado Democrático de Direito vez que fere
diretamente os referidos princípios bem como os demais elencados no bojo da CRFB/88.
A discussão parece girar em torno sobre o que realmente justifica a dilação dos prazos
concedidos a certos entes de direito público. O próprio texto da CRFB /88 em seu art. 5º, bem
como o art. 125 do CPC trazem em seu bojo a igualdade das partes perante a lei. Tal fato
parece não mais espaço na atual situação jurídica do país. Há, entretanto, posicionamento
salientando a importância da manutenção de certas garantias, nesses termos:
No Brasil, a única prerrogativa que parece ser verdadeiramente necessária para
preservar o interesse público é a proibição de execução forçada em face de bens
indispensáveis à existência do Estado e, indiretamente, a proibição de medidas de
urgência, como liminares ou cautelares, que possam permitir a execução forçada e a
tingir bens necessários à existência do Estado. Isto porque todas as demais
prerrogativas existentes no Brasil, que são muitas, não têm fundamento no interesse
público ou na supremacia do interesse público, e sim fundamento meramente
processual, no interesse econômico do Estado. (SILVA, 2006, p. 8)
Dessa forma, percebe-se que a concessão das prerrogativas à Fazenda Pública esbarra
nos pensamentos da corrente doutrinária fundamentados na estrita obediência aos princípios
constitucionais da isonomia e do devido processo legal. Com efeito, para essa corrente, a
existência da diferenciação dos prazos trata-se de violação das garantias elencadas no bojo do
texto constitucional.
Corrente doutrinária favorável aos prazos diferenciados
Parte da doutrina entende os prazos diferenciados como sendo prerrogativas e, por isso,
devem ser observadas e mantidas no ordenamento jurídico atual. A Fazenda Pública está
submetida aos princípios e regras do direito público, onde há a supremacia do interesse
coletivo sobre o individual, e estando em juízo faz-se mister a adequação de tais princípios, a
fim de que o interesse público seja preservado.
O litígio para a Fazenda Pública não está voltado à defesa de seus interesses, mas do
erário público. As prerrogativas estão, portanto, protegendo o bem comum e não os interesses
administrativos do Estado. Outrossim, Morais (apud CUNHA, 2007) esclarece quais são os
bens protegidos pelos prazos diferenciados, a saber:
Quando a Fazenda Pública está em Juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade,
aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de
responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade
que contribui para isso. [...] Ora, no momento em que a Fazenda Pública é
condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se
estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso
que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na
realidade, a autoridade pública é mera administradora.
Nota-se que o argumento utilizado pela corrente favorável é o interesse público sub
judice onde uma decisão injustificada por parte do poder judiciário poderia trazer prejuízos
incalculáveis ao erário. Assim, toda sociedade pode sofrer os danos oriundos dessas perdas e,
dessa forma, o melhor meio seria viabilizar o exercício da defesa da coletividade de maneira
mais ampla possível.
Dessa forma, estar-se-ia diante de prerrogativas e não de privilégios consagrados pelo
legislador. A aplicação do princípio da razoabilidade é fundamental nesse caso, pois é
aceitável que os prazos sejam diferenciados quando o erário está em jogo. Conforme os
ensinamentos de Cunha (2007):
Para que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira
possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a tanto.
Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas,
por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes –
os privilégios – consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma
discriminação, com situações de desvantagens. As ‘vantagens’ processuais
conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm
fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido
aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.
Além dos argumentos supracitados, Neri Jr (2004) aduz que os procuradores da Fazenda
Pública não possuem condições similares aos particulares na defesa de seus interesses em
juízo, uma vez que, além da defesa do interesse público, a burocracia, inerente ao serviço
público, dificulta o acesso aos fatos e o volume excessivo de trabalho traz ainda mais
dificuldades ao desempenho dos advogados públicos.
Logo, não há que se falar em igualdade plena e absoluta entre as partes litigantes no
caso em questão. Ora, o Estado possui uma aparelhagem melhor e mais recursos destinados a
consecução de seus objetivos justamente pelo volume de trabalho que isso exige. Para Rocha
(1995) as regras diferenciadas mais do que justas, são necessárias, in verbis:
Assim, os poderes processuais diferenciados dispensados ao Estado em juízo, longe
de determinar um privilegio, realizam, ao contrário, uma situação de substancial
paridade, já que, em tese, são instrumentos indispensáveis ao seu adequado
aparelhamento para a defesa do interesse público, qualificado pela Constituição
como prioritário, justamente, por exprimir interesses abrangentes da sociedade, ao
contrário do privado que, de regra, só leva em conta conveniências particulares,
segmentadas e dependentes.
Posicionamento jurisprudencial
Os Tribunais têm firmando entendimento e manifestado reiteradamente que os prazos
são prerrogativas e, à vista disso, são necessárias e aceitáveis, pois, em sua visão, não ferem
em nenhum sentido o princípio da isonomia processual.
O Supremo Tribunal Federal, da mesma forma, tem mostrado posicionamento firmando
no sentido favorável aos prazos. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 181138-2-SP, o
Ministro Celso de Mello decidiu que “(...) O benefício do prazo recursal em dobro outorgado
às pessoas estatais, por traduzir prerrogativa processual ditada pela necessidade objetiva de
preservar o próprio interesse público, não ofende o postulado constitucional da igualdade
entre as partes (...)”.
O livro “A Constituição e o Supremo” traz um julgado onde o eminente Ministro Celso
de Melo entendeu ser constitucional a existência dos prazos concedidos a algumas entidades
de direito público quando ao julgar o Agravo de Instrumento nº 349.477-1/PR, a saber:
Não se pode desconhecer, a propósito da questão pertinente à dilatação dos prazos
processuais, notadamente aqueles de índole recursal que essa matéria está sujeita a
uma estrita disciplina de caráter jurídico-legal, pois, como se sabe, as hipóteses que
dispõem sobre o benefício da ampliação do prazo recursal (contagem em dobro),
necessariamente prevista em lei de âmbito nacional, são aquelas que se referem,
unicamente, ao Ministério Público e às entidades de direito público (CPC, art. 188),
aos defensores Públicos (LC nº 80/94, art. 44, I; art. 89, I e art. 128, I) e apenas
àqueles que exercem cargo equivalente (Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação
dada pela Lei nº 7.871/89) e aos litisconsortes com procuradores diversos (CPC, art.
191). (BRASIL, STF).
Percebe-se que a jurisprudência pátria, filia-se à corrente da manutenção das garantias
processuais concedida à Fazenda Pública quando em litígio vez que o interesse coletivo deve
prevalecer sobre o privado e isso, para eles, em nada fere os princípios do processo e o Estado
democrático de direito.
Em que pese tal posicionamento, ao julgar a ADin 1910, o STF entendeu que a
existência dos prazos é constitucional, mas deve ser superada a medida que o Estado melhore
sua estrutura organizacional.
Prerrogativas processuais da Fazenda Pública no Novo Código de Processo Civil.
Na elaboração do NCPC, dar celeridade à prestação jurisdicional foi objetivo basilar do
legislador infraconstitucional. Calcado no artigo 5º, inciso XXXV da CRFB/88, o referido
projeto prima pela ampliação do acesso à Justiça.
A exposição de motivos do NCPC elenca os objetivos norteadores de sua criação, quais
sejam maior celeridade e justiça do processo, criação de uma jurisdição mais rente às
necessidades sociais, sendo combatida de pleno a exacerbação de sua complexidade. Os
expositores lembram que o Código de Processo Civil de 1973 já apresenta defasagem e não
mais consegue acompanhar a dinâmica social da atual realidade político-jurídico brasileira.
Os prazos diferenciados de que gozam alguns entes de direito público, entre eles a
Fazenda Pública, foram alvos de modificação, mas ainda permanecem no texto do NCPC. A
celeridade processual levou à redução das prerrogativas, haja vista que, conforme dispõe o
artigo 188 do CPC/1973, os referidos entes gozam de prazos em quádruplo para contestar e
em dobro para recorrer e no artigo 183 do NCPC tem-se o dobro para qualquer manifestação
processual.
Observa-se que o legislador quis trazer à prestação jurisdicional uma duração razoável
sem a necessidade de prolongá-lo de maneira desnecessária. Entretanto, a manutenção das
prerrogativas parece ir de encontro aos demais princípios processuais constitucionais, como a
isonomia e o devido processo legal.
O novo diploma processual deve ter como objetivo não só a celeridade, mas a
observância dos ditames elencados na Lei Maior. A CRFB/88 é, como acreditam os juristas,
fundamento de validade de todas as normas hierarquicamente inferiores.
Com todo o respeito ao entendimento adverso, as normas diferenciadas concedidas a
Fazenda Pública não se sustentam mais na concepção atual de Estado Democrático de Direito.
Torna-se claro que as prerrogativas relativas aos prazos processuais mantidos pelo Novo
Código de Processo Civil, ferem o princípio da isonomia processual uma vez que, conforme
demonstrado, na atual ordem constitucional do Estado Brasileiro, o interesse público é
monopólio do povo sendo exercido e organizado em termos democráticos, através do devido
processo legislativo. Dessa forma, contestável é a hipótese que os privilégios processuais
justificam-se em virtude da supremacia do interesse público sobre o privado.
A concessão desses “privilégios processuais” é característica de modelos em que onde
os interesses do Estado estaria acima dos cidadãos. Nas sapiências palavras de Nery Junior é
tradição do direito brasileiro a concessão de benefícios de prazos no processo:
Especificamente quanto ao benefício de prazo para a Fazenda Estadual, a primazia
foi adotada pelo CPC de Minas Gerais (CPC-Mg 147Par.ún.), repetindo preceito do
federal, que concedia o benefício apenas para a Fazenda Federal.
Nestas duas disposições – do processo federal e do código mineiro -, inspirou-se o
CPC de 1939, ao dispor sobre o benefício de prazo para a Fazenda Pública, no art.
32. Os Códigos estaduais, em sua maioria, dispunham sobre prazos judiciais,
atribuindo ao juiz o poder de dilatar prazos de acordo com a necessidade de cada
caso concreto. Tomem-se como exemplos: CPC-RS 313; CPC-SP 162 §1.°; CPC-
SC 668 §1.°; CPC-PE 119 §1.°; e CPC-RJ 1211 caput. (NERY JR, 2004)
É possível observar que o modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro, fora
concebido primeiramente sob o governo autoritário de Getúlio Vargas no Código de 1939 e
após em 1973, período em que o Brasil encontrava-se sob o controle de uma ditadura militar.
Em períodos em que há um rígido dirigismo estatal é comum que os interesses do Estado
sejam colocados acima dos direitos do cidadão, o que justificaria a previsão legal de
prerrogativas à Fazenda Pública. É inconcebível, porém, admitir o tratamento diferenciado em
um período que o processo é reconhecido como uma instituição constitucionalizada
representando um direito-garantia das partes.
Quanto ao argumento de que a Fazenda Pública não reúne as mesmas condições do
particular para defender seus interesses em juízo, visto que mantém uma burocracia inerente à
sua atividade, tendo dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa, esse
também não encontra respaldo em leis ou na realidade atual. As pessoas jurídicas de direito
público, no Brasil, possuem uma estrutura organizacional potente e complexa e, além disso,
contam com procuradorias bem aparelhadas compostas por defensores habilitados.
Ademais, o Poder público dispõe de recursos infinitamente superiores ao particular, o
que possibilita um fácil acesso às informações e documentos aptos a sustentar seus
argumentos em juízo. Percebe-se que as prerrogativas não têm fundamento no interesse
público ou no excesso de demandas, e sim no interesse econômico do Estado.
Admitir a desigualdade em benefício de uma pessoa jurídica de direito público fere
diretamente a isonomia processual tendo em vista que trata desigualmente partes que
deveriam estar munidas da mesma igualdade temporal de dizer e contradizer no processo.
Aflige, consequentemente, o devido processo constitucional uma vez que há expressa
incompatibilidade com as garantias constitucionais do processo e impede a efetivação do due
process of law, pois esse pressupõe a superação dos privilégios processuais do Estado com os
princípios observância dos princípios institutivos do processo.
Sem a observância do devido processo constitucional é impossível que se fale em
legitimidade de um direito democrático o que representa um retrocesso ao Estado com feições
de Leviatã, onde o interesse do Estado estaria acima dos cidadãos.
O novo Código de Processo Civil, conforme salientado, foi concebido para que seja
alcançada uma maior celeridade e justiça no processo, em comparação com o Código de
1973, que se encontra distante da realidade brasileira. Entretanto, não é apenas a demora na
solução das demandas que retira do processo de sua capacidade de solucionar conflitos.
Conforme sustenta Veloso (2008):
Os procedimentos adotados que violam a isonomia, a ampla defesa e o contraditório
podem ser apontados como uma das principais causas da crise do Judiciário.
Somente através da observância e adoção do devido processo constitucional é que se
torna possível solucionar a crise de operacionalidade do Judiciário.
Dessa forma, conclui-se que os dispositivos do novo código que infringem os princípios
institutivos do processo, além de não serem recepcionados em face do devido processo
constitucional, contrariam diretamente o objetivo do novo sistema processual. Apenas com a
aplicação de um direito democrático pela observância do devido processo constitucional é que
seria capaz de atacar as causas da crise de operacionalidade do Judiciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Definida como “Constituição cidadã”, a CRFB/88 trouxe, além de direitos e garantias
fundamentais, a positivação do Estado Democrático de Direito. Com isso, buscou-se sintetizar
as conquistas das experiências anteriores, os modelos de Estado Liberal, ou Estado de Direito,
e o Estado Social, superando suas deficiências.
A positivação do Estado Democrático de Direito trouxe consigo não só a tentativa de
superar os modelos de Estado anteriores, mas uma nova concepção do processo, não mais
entendido como mero instrumento da jurisdição. A constitucionalização do Estado
Democrático de Direito, teve como consequência sobre o processo a sua visão como direito-
garantia das partes.
O art. 5º, LIV da Lei Maior dispôs de maneira expressa a materialização do princípio do
devido processo legal. Isso significa que o “due processo of law” tornou-se direito-garantia no
Estado democrático de direito. Ademais, o referido princípio traz em seu escopo outros
princípios a ele relacionados como o contraditório e a ampla defesa.
As prerrogativas processuais da Fazenda Pública apresentam-se como afronta ao
princípio constitucional da isonomia. É inegável que as diferenças dos prazos entre a Fazenda
Pública e o particular figura como patente diferenciação.
O Novo Código de Processo Civil manteve as prerrogativas processuais, ou seja, a
distinção inter partes continua. Nos moldes da mais justa aplicação do princípio
constitucional da isonomia, deve-se aplicar ao particular, quando em litígio frente a algum
órgão governamental que goze dos referidos prazos, as mesmas garantias processuais.
Portando, não restaria ferida a igualdade preconizada no texto constitucional se ambas
as partes tivessem as mesmas oportunidades e garantias na relação processual. In casu, como
a Fazenda Pública usufrui de prerrogativas processuais, à parte litigante contrária estariam (ou
deveriam estar) garantidos os mesmos direitos.
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