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Patativa

GILMAR DE CARVALHO

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Copyright 2000 © Gilmar de CarvalhoDiretor Editorial: Luís-Sergio SantosSupervisão: Isabela MartinPreparação de originais: Editora Inside Brasil Ltda.Fotos: Ismael Pordeus Jr.Diagramação: Jon RomanoTranscrição das fitas: Ane Katerine Medina NeriDTP: Walter WinnerImpressão e acabamento: Gráfica Banco do Nordeste

2000Proibida a reprodução total ou parcial.

Os infratores serão processados na forma da LeiEDITORA INSIDE BRASIL LTDA.

Rua Beni Carvalho, 566Fortaleza, Ceará, Brasil

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F I C H A C A T A L O G R Á F I C A

Carvalho, Gilmar de. Patativa poeta pássaro do Assaré.entrevistador Gilmar de Carvalho. — Fortaleza;Editora Inside Brasil Ltda., 2000 176pp 1. Patativa do Assaré — Entrevista. I. Título

ISBN 85-889-02-3

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Sumário

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Viva voz

Entrevista — Lado A

Entrevista — Lado B

Cronologia

Discografia

Bibliografia

Referências bibliográficas

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Viva voz

Aparentemente, é fácil a aproximação com Patati-va. A porta sempre aberta. Sua cadeira fica no fundo do corredor e o recorte da janela ilumina sua silhueta, como um teatro de sombras. Para os incautos ou para os apressados, ele tem um discurso pronto e acabado. Como se precisasse dar conta das entrevistas e o interlocutor fosse um fardo.

A estratégia de dizer o máximo possível de poemas — que procurei transcrever com as marcas da fala e sem cotejá-los com os volumes impressos — me parecia uma forma de escapar às perguntas embaraçosas e ganhar tempo

Cheguei, grosseiramente, a desligar o gravador, por alguns instantes. Depois compreendi que Patativa se concretiza na performance e que o que ele tem a dizer, e que lhe parece relevante, está nos poemas.

A partir daí deixei que ele falasse mais e me preocupei menos em tentar cumprir a pauta.

Complicada essa relação invasiva. Os limites éticos entre o que se quer saber e o que pode ser dito são tênues. A privacidade pode ser delimitada por um silêncio. No emaranhado das respostas prontas é preciso saber o que a conversa tem de original.

Todas essas questões se resolvem na dinâmica do processo. Essa conversa, iniciada às nove da manhã, interrompida para o almoço e retomada à tarde, procura ser uma espécie de tradução de um fluxo de consciência, com o mínimo de edição (aqui entendida como inter-ferência). Trata-se de um dia na vida de Patativa, 15 de fevereiro de 1996, uma quinta-feira. Querer reduzir a

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vida de Patativa a um dia de entrevista é uma tarefa vã. Aí estão seus grandes temas: ligação com a terra, poesia social, seus afetos, sua idéia de cidadania, sua fé.

Na medida do possível essa entrevista dá voz ao po-eta, o que não escamoteia a visão de mundo e as arma-dilhas do pesquisador. Ainda há muito o que se discutir numa teoria desse diálogo possível.

A meio termo entre a história de vida (e da obra) e a curiosidade do estudioso, esse livro se inscreve como um longo e perfeccionista trabalho de produção e de uma pós-produção em que detalhes foram checados, informações foram acrescidas, como um olhar reflexivo e compassivo sobre um grande poeta e sua obra.

Como complicadores, a posição assumida de respeito e admiração pela personagem, um distanciamento que nunca seria atingido e a falta de uma tensão, de um acir-ramento de ânimos para obter a resposta que se queria para determinada pergunta.

O resultado final é uma conversa com Patativa que se pretende redonda, como a metáfora da serpente (uró-boro) que morde a própria cauda.

Patativa está aí, íntegro. A maior parte se perdeu, se esfumaçou porque a performance não pode ser registra-da, mesmo com os aparatos que asseguram a reproduti-bilidade técnica da voz e a fixação das imagens.

O instante único da entrevista foi fruido por nós dois. Procurei preservar para os leitores o máximo possível do clima de cumplicidade que se formou, passado o mal--estar inicial de um pesquisador apressado, com outra noção de tempo e ávido por revelações bombásticas que não serão encontradas aqui.

Perdi a conta das vezes que voltei a Assaré, ao longo

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do tempo e fui recebido na casa escura e comprida da rua Coronel Pedro Onofre, número 27. Tantas vezes voltei que passei a ser um amigo. Tenho mais de 400 páginas de entrevista transcritas, mais de vinte fitas cassete, mas o que fiz depois foi complementar essa entrevista — cha-ve, essencial e fundante da amizade que se estabeleceu entre nós.

Daí a decisão de publicá-la. Porque ela é a síntese de tudo o que eu soube e registrei depois. Como se voltar outras vezes a Assaré, para entrevistá-lo ou para complementar esse material, fosse apenas um álibi para estar perto dele.

Posso dizer que tentei e consegui ultrapassar as bar-reiras do mito e enxergar o homem, em meio a tantas máscaras, empostações de voz e verdades não tão abso-lutas que vão revelando, de corpo inteiro, um Patativa que se deixa mostrar para poucos e que eu coloco agora à disposição de muitos: dos que quiserem enfrentar essa aventura que tem bases na oralidade e é ritual, na medida em que o poeta foi erigido como um emblema.

Patativa, parafraseando uma biógrafa de Clarice Lispector, é um ser que se poetiza: Sua voz é ancestral, sua dicção é clássica, de popular ele tem a extração, o pertencimento de classe social.

Tudo nele é sincero. Até a modéstia, que chega a parecer falsa, resiste à provocação. Ele é modesto do jeito dele.

Impressionante como Patativa consegue atualizar a tradição. Quando ele fala é o poeta e, por trás, o violeiro. Ele estabelece com o entrevistador uma peleja cujas re-gras são as da cortesia sertaneja. E não se deixa intimidar pela impertinência da pergunta. Trata-a como se fosse

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um repente que precisasse de uma resposta à altura. Está estabelecido o jogo.

A conversa flui, respeitável. Ele responde como quem acumula os versos dos poemas na memória privilegiada. Ganha tempo, se esconde para depois se mostrar, como a luz de muitos sóis nordestinos.

Patativa é voz. O corpo franzino é traído pela contun-dência com que rebate o interlocutor. Depois vem a paz de quem se sabe maior. É quando a tradição se atualiza, à nossa frente, e Patativa incorpora novas falas. Sabe dos meninos de rua, do MST, mas vai fundo na dor da nossa condição, no sentimento de finitude e no amor.

Um Cristo humano e imperfeito em suas pretensas deficiências. Anda com muletas, ouve com ajuda de apa-relhos, está cego, mas decifra e devora-nos. É um oráculo com uma sabedoria que vem dos tempos imemoriais. Entrevistá-lo é correr riscos e se tornar vulnerável à sua grandeza e à sua sedução.

Patativa joga limpo. É cristalino como um olho d’água e sonoro como a patativa de onde foram buscar o epí-teto que lhe serviu de marca. Patativa do Assaré, poeta pássaro, metáfora de um viver sem fronteiras. Um canto singular, na sua unicidade, e plural, porque de todos os homens, de todos os tempos.

Um Patativa que nos desafia, que supera os referen-ciais teóricos que julgamos operacionalizar e que se desnuda, com a segurança do ancião e a intrepidez do jovem.

Ave, Patativa. As palavras são imperfeitas para tentar esboçar um perfil, por mais apressado que seja, esgar-çado e tênue, impreciso e rígido. Patativa do Assaré é a própria voz que enuncia, conciliando natureza e cultura,

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engenho e arte, razão e emoção.Poucas vezes a poesia foi elevada a esta condição.

O poeta disse tudo. Podemos desligar o gravador. O texto está pronto. Pode ser salvo. Eu estarei a salvo. O desafio nunca será cumprido. As palavras se revelarão impróprias, é preciso dilatar os limiares da expressão e experimentar a sensação do pássaro em pleno vôo. Patativa, o poeta que se fez verbo para se fazer homem.

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EntrevistaLado A

Gilmar de Carvalho — O que significa para o senhor a Serra de Santana.

Patativa do Assaré — A Serra de Santana eu posso dizer que é o meu paraíso, viu? Ali eu nasci em mil e novecentos e nove, no dia 5 de março. Sou filho de um agricultor também muito pobre. E então eu fiquei como que enraizado naquela Serra de Santana — que eu já hoje me tornei conhecido... posso dizer, em todo o Brasil – e todos me querem e têm a maior atenção e tal, mas aquela Serra de Santana num sai aqui do meu coração. Eu vivo aqui no Assaré, mas o coração ficou lá na Serra de Santana, onde eu trabalhei muito até a idade de sessenta e tantos anos, trabalhando de roça... porque a minha poesia é... Muita gente num sabe como é que eu componho os meus poemas. Não é escrevendo! É... faço a primeira estrofe, deixo retida na memória. A segunda, do mesmo jeito; a terceira e assim por diante. Pode ser um poema de trinta estrofes! Quando eu termino, eu estou com todas elas retidas na memória, aí é que passo para o papel. Sempre fiz verso assim! Meu trabalho ma-nual diariamente nunca interrompeu a minha missão de poeta, de simples poeta do povo, cantando a nossa terra, a nossa vida, a nossa gente, viu? E assim por diante. E

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o principal da minha vida é a Serra de Santana. Estou nessa idade, mas de quando em vez eu vou à Serra de Santana, onde eu nasci e me criei trabalhando ali ao lado de meus irmãos, minha mãe, viu? Tanto qu’eu tenho aquele meu poema, que eu falo “Meu Campina”, não é? É. Ali foi quando eu saí da Serra de Santana já com sessenta anos, viu?

GC — Mas nunca deixou de ir lá...PA — É.“Foi em mil e novecentos e noveque eu vim ao mundo.Meu pai naqueles momentotiveram prazer profundo.Foi na Serra de Santanaem uma pobre choupana,humilde e mudesto lar.Foi ali onde eu nascie a 5 de março vio raio da luz solar.Eu nasci ouvindo o cantodas aves da minha terrae vendo os belos encantosque a mata bunita encerra.Foi ali que eu fui crescendo,fui lendo e... (engasga)fui lendo e fui aprendendono livro da natureza,onde Deus é mais visível,o coração mais sensívele a vida tem mais pureza.Sem puder fazer escolhade livro artificial,

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aprendi nas lindas folhasdo meu livro natural.E assim, longe da cidade,lendo nessa faculdadeque tem todos os sinais,com esses estudos meus,aprendi a amar a Deusna vida dos animais.Quando canta o sabiá,sem nunca ter tido estudo,eu vejo que Deus estápor dentro daquilo tudo.Aquele pássaro amado,no seu gorjeio sagradonunca uma nota falhou!Na sua canção amena,só diz o que Deus ordena,só canta o que Deus mandou.[breve pausa para respirar]Na ciência, os... [engasga]os campos belosna minha adorada terra,compondo da minha adorada serracompondo versos singelosbrotados da própria terra,inspirado nos primoresdos prado com suas floresde variado formatos,que pra mim são obras-primas,sem nunca invejar as rimasdo pueta literato.”E assim por diante! É um poema que eu tenho: “Eu

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e meu campina”. Que quando eu... eu voltei de lá, eu trouxe um... aquele passarinho que é muito conhecido e que canta... canta muito bem, viu? Ele é mais conheci-do, pelo sertão, de “Cabeça Vermelha”, mas o seu nome clássico é “Galo de Campina”.

GC — E fez um poema para ele?PA — Aí eu disse: “Olhe...” Que lá no meio do poema

eu falo assim, viu? É...“Com setenta anos de idadeo destino me fez guerrafui residir na cidade,deixando a querida terra!Minha serra pequenina,mas um Galo de Campinade trazer num me esqueci,porque nesse passarinhoestou vendo um pedacinholá do sítio onde eu nasci!Canta, Campina!O teu canto faz de mimcura meu tédio (?)para aplacar o meu prantoa tua voz é o remédio.Nesse nosso esconderijoés o único reguzijopara os triste dias meus.Tu és meu anjo divinoe este teu canto é um hinolouvando o poder de Deus!Morando na merma ruae seguindo a merma linhaa minha sorte é a sua!

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E a sua sorte é a minha.Se vivendo na cidade,tu cantas numa saudade,saudade o teu dono tem!Meu querido companheiro,se tu és prisioneiro,eu vivo preso também.Se tu tens a tua históriaque um mau destino te deu,perdi também uma glória,o mesmo padeço eu.Meu querido passarinho,vamos num mermo caminho,seguimos a merma meta.Padecem a mesma sinao poeta do Campina e o Campina do poeta.Era boa a tua vida,purque vivias libertoe para a tua dormida,tu tinhas o ponto certo.Mas não lamentes o fardo,vivendo hoje preso ao ladodeste teu pobre senhor.Quem sabe se no porvirtu não irias cairnas garras... [engasga]nas armas do caçador!?Eu te conduzi do matocom desvelo e com carinho,porque nesse mundo ingratoninguém quer viver sozinho.

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Se a merma sorte tivemos,juntinho nóis viveremospor ordem do Criador,nesse sombrio recanto,tu consolando o meu prantoe eu cantando a tua dor!”GC — Como é que o senhor se sente sendo o filho

mais ilustre de Assaré ? A gente pode dizer que o senhor colocou Assaré no mapa?

PA — Sim, eu me sinto feliz, embora sem vaidade. Eu apesar de ter feito o que eu já fiz e ser o que eu sou, assim, modéstia à parte... Mas me sinto muito feliz, porque eu prezo a minha terra, principalmente a Serra de Santana, mas é um sítio do Assaré... e o Assaré está no meu cora-ção! Para nunca se desligar. É tanto que, se eu quisesse fazer profissão da minha capacidade de poeta, você sabe que eu não estaria aqui, não é!? Estaria aí por longe... Eu tive até oportunidade de ir até a Europa inda uma vez ou duas, onde uma delas já era com a Violeta, que é até minha amiga, aliás até parenta, a Violeta Arraes, viu?

GC — Sim.PA — Irmã do Miguel. Mas nunca quis. Não! Quis

não, num quero. Se eu num falo bem nem a minha lín-gua, o meu português, vou agora me socar aí dentro do meio desses estranhos!?

GC — [Risos]PA — Me dá um elogio e eu penso que é assim, um

elogio e eu penso que tão é me tachando de alguma coisa negativamente... Não, não, não! Às vezes me dão... me lascam aí, me diminuindo, eu digo: “Muito bem! Ah, o senhor é que tá certo, viu?”

GC — [Gargalhadas, de ambos]

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PA — E por isso eu num quis nunca sair do Assaré. Eu quero aquele meu Ceará mesmo, viu? É. ... Cê dá licença eu dar uma tragadinha?

GC — Pode fumar...PA- Nem interrompe você... perguntar o que você

quer, não? Assim, meu cigarrim já se desmancha (?)...GC — Patativa, na sua autobiografia, o senhor diz

que estudou no livro do Felisberto de Carvalho. Me fale um pouco deste livro.

PA — É... o livro de Felisberto de Carvalho... Eu li naquele livro... um livro muito bom para o analfabeto aprender, porque era uma coisa muito bem explicada, viu ? E eu até no... na introdução do meu livro “Cante Lá Que Eu Canto Cá” eu falo em verso sobre o livro Felisberto de Carvalho, que tinha a “pá, o dedo do papa, pia, pua, dedo, dado, pote de melado”, e assim por diante, viu? “Dá meu dado... a fera é má.” Finalmente, esse grande professor, quando o aluno fizesse, assim, o quarto ano... aquele livro tinha até o quinto ano, viu? o livro...

GC — Sim.PA- Ele já sabia muita coisa, porque ele ensinava com

tanta perfeição, com uma facilidade do aluno desenvol-ver... É tanto que eu aprendi a ler no livro Felisberto de Carvalho, viu ? E por isso... Eu...eu sou um semi-anal-fabeto, posso dizer. Eu fui apenas alfabetizado. Agora, fui um leitor assíduo, cuidadoso, curioso pra saber das cosa. Aprendi a ler, queria ler tudo. Sabe o que era que eu menos lia ? E até era... eu acho que de obrigação, seria até o principal...

GC — Sim?PA- Os livros escolares.GC — Hum, hum. [Risos]

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PA- Acho que não lia os livros escolares, eu num lia. Eu curioso pra saber ... lia revista, jornal, os poetas da língua e muitas outras cosa, viu? Até Camões, aquele... “Os Lusíadas”, de Camões, que é uma coisa intrincada.

GC — Bastante...PA- O camarada que é só alfabetizado, como eu, é

preciso estar com um dicionário ao lado pra saber muita coisa, porque ali encerra a mitologia, num é?

GC — É um clássico...PA- É. ali é uma história muito bonita, mas pra quem

não estudou muito, não é tão compreensível. Mas eu li todo e aprendi aquela forma de versificação dos “Lusí-adas”. É tanto que naquele meu poema “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso”, a versificação é aquela mesma:

“das armas e barões assinalados, que da ocidental praia lusitana,por mares dantes nunca navegados,ainda passaram além da Itapobrana,entre guerra e perigos e corsários,mais do que permitia a força humana.E entre gente remota edificaramnovo reino que tanto sublimaram”.Veja bem, aqui a entrada do meu poema é obedecen-

do essa mesma tônica, essa mesma medida, viu? Agora, o sentido, diferente. É.

“Pela estrada da vida nóis seguimoscada qual procurando melhorar.Tudo aquilo que vemos e que ouvimosdesejamos na mente interpretar,pois na Terra nóis todo possuímoso sagrado direito de pensar.Nesse mundo de Deus, olho e diviso:

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o purgatório, o inferno e o paraíso.”Esse meu poema, viu? Eu, na divisão das classes:

inferno, classe pobre; purgatório, classe média; paraíso, classe rica.

GC — Pode fumar, Patativa.PA — Mas você num quer que eu recite o poema, não?GC — Eu estou preocupado, porque o senhor acen-

deu o cigarro e não está fumando.PA- Não, minha fumarada é essa mesma.GC — É essa mesma?PA- É assim mesmo, dei um traguim, jogo pra acolá.

Num tô preocupado com isso não.GC — Quantos anos o senhor fez de escola? Eu sei

que o senhor foi um leitor atento e que a gente está sem-pre aprendendo. Mas quantos anos o senhor passou em banco de escola?

PA- De escola, eu passei apenas seis meses, somente. Com seis meses eu aprendi a ler, então, dali por diante meus professores foram os livros, viu? Foram os livros. Com essa constante leitura, esse vocabulário, embora pobre que eu tenho...

GC — Pobre?PA-É é com ele.. foi, não foi eu que pegasse nesse

livro que chamam de gramática, de num sei quê, outras coisa... Foi a prática de ler! viu? É por isso que nos meus sonetos eu num tenho erro de concordâncias. Mas por quê? O povo se engana comigo. Foi a prática de ler! Eu aprendi que ninguém diz “vóis é” e nem “tu sois”, não é?

GC — Pode até dizer...PA- Hum... [som de tragada] Mas eu sou muito tí-

mido. Eu sou muito acanhado. Eu tenho uma timidez que... isso aqui eu não... acho ruim e ao mesmo tempo

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agradeço, porque isso aqui é uma coisa natural, a gente já nasce com aquela timidez, não é?

GC — Sim.PA- É, justamente. Às vezes eu quero botar a culpa

na falta do estudo, de colégio, essas cosa, mas ao mesmo tempo eu vejo que não. Eu seria tímido de qualquer... formatura que eu recebesse. Seria a mesma timidez, viu? Agora, quando eu encontro um. amigo assim como você...

GC — [Risos]PA- Desculpe eu lhe tratar você pelo... eu num gosto

de tratar senhor, Sua Excelência...GC — [Risos, risos]PA- Pra essas pessoas que procuram se familiarizar

comigo, que vêm com essa maneira boa. Bem, aí foge aquela minha timidez, viu? Eu fico à vontade, vejo que ele sabe me julgar, sabe interpretar a ...o que eu digo, sabe estar comigo naquilo que eu sinto, naquilo que eu vejo e... e reproduzo com os meus versos, viu ? Porque nóis temos muito versejador, Gilmar, mas o poeta mesmo, o que tem a criatividade, nós não temos uma infinidade não. Agora, versejador nós temos muito, viu?

GC — [Risos]PA- Eu sou o poeta que crio tudo na minha imagi-

nação.GC — Sim.PA- E bato sempre em cheio na vida real. Esses... esses

verso que eu vou recitar aqui...GC — Sim.PA- Com o título “A Cobra Falou”. Está na minha voz

lá em São Paulo no Museu da Voz, no Museu do Som.GC — Museu da Imagem e do Som...

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PA- Umas professoras ouviram eu recitar na Bandei-rantes e falaram com Amorim Filho... e pra me levar até lá o Museu da Voz, onde eu recitei o dito poema, porque menciona o Butantã, viu?

GC — Sim.PA- E nóis sabemos que cada pessoa deve mesmo

se orgulhar com a santa vaidade daquilo que tem na sua própria terra, coisa de utilidade. Nós sabemos que o Instituto Butantã, em São Paulo, não é? E o poema é esse aqui “A Cobra Falou”:

“Zé Maria era um rude camponêsassinar o seu nome não sabiamas contudo encerrava polideza moral natural do Zé Maria.O trabalho foi sempre seu estudo.Para ele essa lida era um brinquedo.Era o nome de Deus o seu escudoe por isso de nada tinha medo.Mas um dia encontrou grande perigomedonha cascavel, um monstro imundo.O camponês até pensou consigoque era aquela a mais velha deste mundo.O caboclo sentiu grande surpresa,porém dando uma prova de valenteerguendo um pau já tinha por certezamachucar a cabeça da serpente.Quando a cobra falou bem comovida:‘Zé Maria, eu lhe peço por piedade.Eu lhe rogo que poupe a minha vidapela santa e divina majestade!Meu veneno é fatal, é bem verdade!Sei que muitos me chamam de assassina,

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mas eu tenho uma grande utilidade:eu concorro em favor da medicina. Que eu sou útil no mundo não esqueça.Eu sou filha de Deus, sou sua irmã!Se há de esmagar sem dó minha cabeçaé melhor me levar ao Butantã.’Aquele homem sensato e muito crente,fé nas coisas de tinha tinha com sobra.Fez com gosto o pedido da serpente.Voltou da roça sem matar a cobra.”GC — Ainda bem...[Risos]PA- Aí sai... Pois bem.GC — Maravilhoso!PA- Pois bem. É... é... eu estava lhe dizendo há pou-

co que tudo eu crio na minha imaginação, como este simples poema, não é? Mas veja o fundo de verdade: se o caboclo matasse aquela cobra ali, bem, se acabaria ali a sua utilidade...

GC — Verdade...PA- Se fosse preciso, num era? Ao passo que se a le-

vasse para o Butantã, para o Instituto Butantã, ela ficaria fornecendo seu próprio veneno para curar as picadas de cobra, não é?

GC — Sendo útil.PA- E assim por diante.GC — Eu queria que o senhor falasse um pouco de

como começou o seu problema de perda de visão.PA- Olha, eu... Com quatro anos eu, em conseqüência

do sarampo, que num era... naquele tempo não havia médico aqui no Assaré e muitas cegueiras vieram do problema do sarampo, onde eu perdi o olho direito. Foi em conseqüência de um sarampo. Não houve meio. O

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olho vazou. E há... há pouco tempo eu falei de Camões, não é?

GC — Foi.PA — Camões tinha também um olho perdido.GC — Coincidência...PA- E, segundo eu li, foi na Guerra de Ceuta, uma

seta que, quando veio, atingiu o olho dele e vazou. E sabemos também que Jesus Cristo nasceu em extrema pobreza e por isso eu tenho essa estrofe.

GC — Qual?.PA- “Nasci dentro da pobrezae sinto prazer com isto,por ver que fui com certezacolega de Jesus Cristo.Perdi meu olho direitoficando mesmo imperfeitosem ver os belos clarões.Mas logo me conformeipor saber que assim fiqueiparecido com Camões.”GC — [Gargalhada] O senhor acha que a perda de

um olho pode ter contribuído para o senhor se tornar uma criança mais voltada para dentro e, ao mesmo tempo, aumentar a sua sensibilidade para o senhor ser o grande poeta que é?

PA- Não. Eu acho que não. Eu acho que não concor-reu nesse sentido não. Nós num sabemos. Esse é um segredo natural, num é?

GC — Deve ser...PA- Poderá ser também, mas eu, no meu pensamento,

não. Eu acho que não. Agora que o poeta sofre muito! Parece que é um destino, num sei o que é!? Num sei se é

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porque ele é conformado com as coisa. Eu tenho sofrido muito, viu? desde pequeno.

GC — Patativa, você falou em Camões. Homero era cego. Aderaldo era cego. O senhor é muito modesto, mas concordaria com a minha afirmativa de que cegueira, no caso desses grandes poetas e do senhor, significaria genialidade?

PA- Hum... É que... Olha, aquele que perde a sua vi-são, como eu estou... perdi a minha — posso dizer — que eu num tô mais enxergando. Vejo apenas o claro do dia. Se eu vou aqui em alguma casa ou mesmo numa bodega, é porque eu saio pelo pé da parede, como gato, viu?

GC — [Risos]PA- Num deixo aquele itinerário sem chegar lá. Já

conheço o Assaré de cor e salteado, como diz o povo. Mas há uma grande vantagem: é que o pensamento... aquele que vê, como eu já vi, li e escrevi tudo, depois que cega, muda o pensamento. Ele fica enxergando é somente com o tino, com o siso ou a visão... vem duma base do que ele enxergava quando tinha a visão. Ele via, ele ia lê, ele lia de todo, não é ?

GC —Sim.PA- E é por isso que eu me conformo. Eu me con-

formo com tudo aquilo que vem pela parte natural. Eu num me conformo é com aquilo que vem pela parte do artificial, como perseguição, opressão, essas coisas que num pertencem aí à natureza, pertencem à maldade dos homem mesmo, viu ? A isso aí eu num me conformo, não! Mas essa outra parte, não, purque eu olho para a vida como realmente a vida é e, por isso, eu sou confor-mado... Fazendo meus versos e atendendo aquele que me procura, como você veio com... com o interesse de

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conversar comigo. Você pode perguntar o que quiser.GC — O senhor conheceu o cego Aderaldo [Aderaldo

Ferreira de Araújo, 1882 / 1967]?PA- Não conheci, não. Foi meu contemporâneo, mas

eu não o conheci pessoalmente. Logo eu fui sempre um poeta... Fui até violeiro, eu cantei ao som da viola, mas aqui. Eu cantava assim por esporte, só porque tinha pai-xão. Toda vida fui um apaixonado da poesia, da cultura, mas gostava de fazer profissão, viajar cantando e tudo, tudo, não! Nunca quis. Mas eu cantei ao som da viola, improvisei como os grandes cantadores, como Lourival Batista – foi um deles, viu? Lá mesmo no Recife, quando o Miguel foi prefeito do Recife, Miguel Arraes...

GC — No início dos anos 60...PA- Lá, o Recife ofereceu um São João sertanejo com

tudo aquilo que pertencia ao folclore, à cultura popular. Houve até corrida de cambiteiro nesse tempo do São João até São Pedro. O Miguel, que era o prefeito, mandou me apanhar aqui no Assaré. Eu fui o cantador da prefeitu-ra, viu? Porque cada firma apresentava uma dupla, um poeta, um cantador e tal. Bem, nesse tempo eu cantei... Foi só o tempo que eu cantei, assim, fora aqui do As-saré. Eu só atendia a convite de aniversário de criança, casamento que num queria... num queriam dança, aí me convidavam pra eu ir passar a noite improvisando. Eu recitando poesia, viu?

GC — Ao som da viola?PA- Sim, com a viola, cantando ao som da viola.GC — A viola, o senhor ganhou aos 16 anos?PA- Foi. A minha viola eu ganhei aos 16 anos. Depois

fiquei trocando ela por outra melhor e tal. Até quando eu fui ao Recife, lá, o Miguel Arraes me fez presente de

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uma viola boa. Viola boa mesmo!GC — Pro bom cantador...PA- Essa ainda está lá na Serra de Santana guardada

lá num quarto. Nem eu vendo nem dou pra seu ninguém e nem também uso ela.

GC — Agora, antes do senhor ir pro Recife, o senhor esteve em Belém. Dá pro senhor tentar se lembrar um pouco dessa viagem a Belém?

PA- Ah, eu relembro muito essa viagem a Belém, porque lá no Pará tinha três primos legítimos da minha mãe, que saíram daqui no tempo da propaganda da borracha. E eles saíram bem novos, ainda bem moço, viu? Foram à procura da vida e por lá se ficaram, viu?

GC — Sim.PA- E o Cazuzinha, que era José [José Montoril], mas

era conhecido por Cazuzinha, veio visitar os parentes que ele deixou todos novos aqui e nunca mais tinha vindo. E quando chegou... foi à casa da minha mãe, que era prima legítima deles. E me encontrou com a viola improvisando. Ele ficou encantado. Naquele tempo, as mães num deixavam os filhos sair pra parte alguma. Eles que estivesse tudo até na barra da saia dela. Mas ele tanto pelejou, até que minha mãe, confiando muito nele, cedeu que eu fosse com o Cazuzinha — ele custeando todas as despesas, tudo, que eu num tinha nada! — Aí nós fomos. Foi uma viagem muito boa. [A bordo do vapor Itapajé] Quando chegamos em Belém do Pará, naquele tempo José Carvalho de Brito, que é o filho do Crato, foi que me deu esse pseudônimo de “Patativa”. Era tabelião do primeiro cartório de Belém do Pará. Aí, José Montoril, o Cazuzinha, era o homem duma relação muito agradável.

GC — Como assim?

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28 GILMAR DE CARVALHO

PA- Gostava de procurar esses homem que escrevia, viu ? Me levou logo à presença de José Carvalho, viu ? É tanto que ele me recebeu com a maior atenção, que ele também era poeta. Não era improvisador, mas escrevia verso, viu ? Tanto que ele escreveu uma quadrinha, quando eu entrei lá no escritório dele. Ele disse bem assim, pra saber o que eu respondia: “Você, que agora chegou / Do sertão do Ceará / Me diga que tal achou / A cidade do Pará?” E eu respondi: “Quando eu entrei no Pará / Achei a terra maior / Vivo debaixo de chuva / mas pingando de suó!” Que lá chove, chove muito lá, viu!?

GC — [Risos] Todo dia...PA- E é uma quentura danada! E assim por diante.

Ele me recebeu com muita atenção. Parece que era o governador do Estado era um Barata, viu?

GC — Magalhães Barata.PA- Sabe que eu gostei muito da viagem!? Quando

eu voltei, José Carvalho me deu uma carta para que eu entregasse a carta à doutora Henriqueta. Filha do grande poeta, Juvenal Galeno. Aí, eu vim. Quando eu cheguei, perguntei onde era e fui. Era até noitinha. Cheguei, ela estava assim, eu digo:

— “A doutora Henriqueta...?”Disse:— “Sou eu. De que se trata ?”Eu disse:— “Essa carta aqui que José Carvalho de Brito, lá de

Belém, mandou que eu entregasse pra senhora.”Ela disse:— “Bem, pois está despachado.” Recebeu a carta e...

Também [estala os dedos], dei meia volta, todo aborre-cido... Tenho o meu jeito, mas eu fiquei... Napoleão de

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Menezes, que era um poeta, viu? e muito amigo dela...Quando ela abriu a carta, que viu do que se tratava, que ele me recomendando a ela, contando a minha poesia e num sei quê e tal, aí ela disse:

— “Napoleão, você vá procurar aquele rapaz. Olhe, e nem que seja em Fortaleza toda você só me volte aqui com ele, viu?!”

GC — E foi fácil?PA- Aí eu tava lá num hotel até dum Cabo Silvino,

quando chegou aquele cidadão e disse:— “Mas me diga uma coisa: o senhor é que entregou

uma carta à doutora Henriqueta?”Eu disse: — Sim.”— “Mas pra que o senhor fez isso? Por que o senhor

não demorou lá ?”— “Eu num demorei, porque ela disse que eu tava

despachado!”GC- Bem despachado... [Risos]PA- Não é? Quem tá despachado, a gente sai [estala

os dedos]. Aí, ele riu e disse:— “Pois vamos, que ela mandou que eu lhe levasse

lá à presença dela.”Ah, quando eu cheguei lá, foi uma festa, viu ? Me

levou logo à presença do poeta, viu? Pra eu vê-lo assim, viu?

GC — Do poeta Juvenal?PA- Ele, sim, o Juvenal Galeno, já bem velhinho...

Com a barba grande, bem alvinha a barba dele, também com as vestes branca e a rede branca, tudo era bem alvo, parecia assim uma visão... Pois eu passei foi tempo

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30 GILMAR DE CARVALHO

olhando assim pra ele, viu? Foi, aí que eu tive o prazer, tive a glória de ver o poeta, um grande poeta cearense. E aí, quando eu cheguei aqui...

GC — O senhor fez alguma apresentação na casa ?PA- Fiz, tem até no meu livro “Inspiração Nordes-

tina”, tem os versos que eu recitei por lá. Agora, eu não os tenho mais gravado na memória, viu? [“Eu voltei pra Fortaleza / Cheguei no mês de dezembro / Estou dizendo e me lembro / Falo com toda certeza / Truxe a viola em defesa / Bem preparada e direita / Cum ela tudo se ajeita / Gente branca, gente preta / Munta saudade sentia / Mas hoje, tarde do dia / Eu senti muita alegria / Quando vi dona Henriqueta”, de “O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará, segunda edição, página 141].

GC — O senhor se lembra se saiu alguma coisa no jornal sobre o senhor nessa época?

PA- Saiu, sim! Saiu. E também saiu a seguinte carta que eu fiz à doutora Henriqueta Galeno. Xô ver... Eu pedindo o livro de Juvenal Galeno que eu não conheci, tinha uma curiosidade danada e não havia pra vender naquele tempo... Aí, eu fiz a carta pra ela pedindo o livro.

GC — O senhor se lembra com quem cantou lá na casa de Juvenal Galeno?

PA- Não. Foi só.GC — Sem parceiro?PA- Só eu [engasga-se]... eu mesmo improvisando lá,

falando sobre as coisas de Belém, dizendo que vinha da colônia do Pará e tal, viu ? E também o Napoleão dando o mote para que eu fizesse verso ali. Certo que eu fiquei...

GC- Mas era com viola?PA- Era, com a viola, viu? Mas eu tinha deixado a

viola na pensão quando eu fui entregar a carta, viu?

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 31

GC- Mas lá em Belém o senhor também se apresen-tou?

PA- Me apresentei e muito mais... Me apresentei nas colônia do Pará, porque eu passei só seis meses lá em Belém, em Belém não! Esse meu tio morava onde hoje é Macapá e era onde ele morava, era lá embaixo nas ilhas, viu?

GC — Muita água...PA- Mas eu deixei ele lá e fui pras colônias do Pará.

Aí, fiz aliança com um cantador chamado Rufino Gal-vão e ficamos fazendo cantoria no alto das colônias do Pará, habitadas quase somente por nordestino, viu? Era uma maravilha! O dito cantador, meu colega, era do Rio Grande do Norte, o Rufino Galvão, que a gente fazia cantoria, viu? Fui a Castanhal, São Luís, Igarapé-Açu, Capanema até no fim onde era a derradeira cidade, Bra-gança, que já era no litoral. Pois bem, ali nós viajávamos cantando, fazendo cantoria na casa daqueles camponeses e na casa de quem quisesse, viu ? Era uma coisa bem alegre. Depois aperreou a saudade danada, viu?

GC- Tinha que voltar... [risos]PA- Voltei. Escrevi pra o Cazuzinha: queria voltar,

queria voltar e queria mesmo!! Aí voltei. Foi quando o José Carvalho de Brito mandou essa carta e ainda hoje eu tenho... Fui, assim, bem recebido na casa de Juvenal Galeno. Hoje, vive lá o Alberto Galeno. Já tá bem velho, não é ? E agora eu fui também muito amigo de Nenzinha.

GC- Nenzinha Galeno...PA- Nenzinha faleceu... era neta. Henriqueta era filha.

Cândida Galeno, mais conhecida como Nenzinha, ela até escreveu muitas quadras minhas num livrozinho que foi publicado com o título “Jangada”. Tem muitas quadras

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minhas dentro desse livro.GC- O José Carvalho, no livro “O Matuto Cearense

e o Caboclo do Pará” [publicado em 1930, com segunda edição pela Imprensa Universitária do Ceará, em 1973], fala no senhor, não é?

PA- Fala. Ele fala de mim com o título “Um cantador de viola em Belém” [na verdade, o título do capítulo é “O Patativa”]. Aí... quem pegar o livro pode olhar que tem. Aí, ele fala muita coisa, viu ? Fala dos versinhos que nós fizemos, eu e ele...

GC- O nome de Patativa foi ele ou foi o Montoril que colocou?

PA- Foi ele! Foi ele, foi até em verso, mais eu perdi o verso que ele fez. Eu sei que terminava dizendo:

“É ave que canta solta / inda mais canta cativa / Seu nome agora é Antônio, / crismado por Patativa”.

E foi publicado no Correi do Ceará, mesmo ele es-tando em Belém...

GC- Sim.PA- Ele colaborava no Correi do Ceará e os ditos

versos que ele fez, botando o meu apelido Patativa, ele publicou no Correi do Ceará e o jornal circulou e o ape-lido pegou. Ficaram me chamando de Patativa, Patativa, Patativa... Depois surgiram outros Patativas mesmo da Paraíba, Rio Grande, não sei o quê, também violeiros, mas quando saía alguma coisa publicada, eu fazia parte às vezes em jornais por aí, diziam: “Aqui tem uma poesia do Patativa!” O ouvinte dizia logo: “Se é do Patativa do Assaré, eu quero!”

GC- E aí.... PA- Aí ficou Patativa do Assaré, por causa desses, pra

poder distinguir um dos outros, viu ? Patativa do Assaré,

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 33

Patativa do Assaré... e hoje muita gente num sabe nem a minha assinatura, o meu nome de Antônio...

GC- Gonçalves da Silva [diz, sussurando]. Patativa, nessa época que o senhor foi a Belém a Editora Guajarina estava a pleno vapor [funcionou em Belém, de 1914 a 1949]. O senhor andou por lá, conheceu o pessoal que fazia folheto?

PA- Não! Não cheguei a conhecer. Eu num cheguei... porque a minha demora mesmo na capital foi pouca, meu tio morava era nas ilhas, viu?

GC- E o senhor ....PA- Aí eu fui pras ilhas com ele. De lá quando eu vol-

tei... ele era comerciante, mandava muita cosa de lá do... das ilhas aí para o ... que ele tinha um cacaueiro danado que ele possuía, viu ? Ele mandava o barco aí... no barco muita coisa pra Belém. E numa dessas viagens, eu digo: “Olha, Cazuzinha, eu num quero mais estar aqui como peixe, fosse um pato, por cima d’água não!” Porque lá tudo é ilha, meu amigo! Olhe, a casa é assoalhada alta assim. Quando a maré enche, debaixo da casa é aquela água e ali tem o tronco da canoa amarrada na corrente. A gente só sai de dentro daquela casa na canoa. Todas as casas eram assim, viu? E eu achava aquilo ruim. Logo eu não sabia remar. A garotinha dele – também era até uma menina, num era mais do que isso aqui! — pra ir lá pro outro lado do rio — porque são muitos rios, viu? quer dizer, são muitos braços de rio — pra outra casa de conhecido, eu entrava na canoa, a criança ia remando comigo – um medo danado! — aquele mar d’água e só aquela criancinha com o remo. Quero não, viu?

GC- [Risos]PA- Eu digo: “Ave Maria, aquilo é vida, homem!?”

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34 GILMAR DE CARVALHO

GC- Essa primeira viola foi seu pai que lhe deu? Como foi que o senhor ganhou?

PA- Não! Meu pai morreu eu num tive a felicidade de poder possuir o meu pai muitos anos. Ele morreu eu estava com oito anos. É, quase que não conheço meu pai! Não conheci meu pai. É tanto que eu relembro uma coisa que eu disse e ele riu muito, viu ? Que ele sabia fazer verso, ele tinha uma timidez. Eu acho que essa timidez eu herdei de meu pai. E a poesia também! Ele era lá um agricultor, mas tinha relação aqui na cidade, porque tinha José Pereira da Silva, que era primo dele. E ele até uma vez fez o seguinte verso... José Pereira da Silva, conhecido por Pereirinha, ele tinha uma bodega, viu? Uma bodeguinha pobre e a casa dele desabou uma parte. E ele era muito econômico, viu?

GC- E o que aconteceu depois?PA- Aí, aqueles prego ele arrancava e batia com um

martelo pra endireitar, pra pregar novamente quando fosse reconstruir a casa, ali na parte que tinha caído. E meu pai brincava muito com ele. Eles eram amigos íntimos, além de primos. Aí aprendeu esse verso com ele porque ele tinha uma bodega:

“José Pereira da Silva / vive aqui quase morto, / ven-dendo cachaça ruim / e diz que é vinho do porto! / E quando a casa desaba / vai catar preguinho torto.”

GC - [Gargalhada]PA- Num é bem feito?GC- Muito!PA- Pois eu herdei esse dom do meu pai. Meu pai foi

poeta, além de isso aqui. Olha, eu vi um livro, depois que eu fui alfabetizado, né ? Eu encontrei um livro de um doutor Calazans, que viveu aqui em Assaré, viu?

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 35

Doutor Calazans gostava muito do meu pai, viu? E tinha um livro oferecido ao meu pai.

GC- Sim...PA- Ofereço ao senhor, ao amigo Pedro Gonçalves

da Silva. E, mais embaixo, com a caligrafia do meu pai, essa quadra:

“Se este livro for perdido / e depois for encontrado / para ser bem conhecido / leva o seu dono assinado: / Pedro Gonçalves da Silva.”

Bem, eu nunca encontrei essa quadrinha em ponto nenhum. Essa quadra é, com certeza, é de autoria dele, num é?

GC- É muito provável.PA- É como se fosse trova, viu? E é uma quadra muito

bem feita, até cruzada... com as rimas cruzadas, viu? Pois é, mas eu não tive, eu, na realidade, eu pouco me lem-bro... É, assim, uma passagem de criança mesmo, ainda boba como eu fui. Ele estava assim num livro escrevendo e o Zezé, mais velho do que eu, cinco anos, e eu comecei a teimar com o Zezé, viu? E o Zezé disse assim:

— “Mas você hoje tá brabo. Você tá muito valente. Você tá parecendo um... um pai de família!”

E eu respondi:— “Se eu for pai de família, você é pai de chiqueiro!” GC- [Risos, risos]PA- Aí, meu pai deu uma risada e eu, tão ingênuo, que

num soube porque o meu pai riu. Só depois de decorri-dos muitos anos, foi que me veio à lembrança que ele riu porque ser pai de família é uma coisa honrosa, num é ?

GC- Sem dúvida...PA- E eu fiquei com tanta raiva porque ele me chamou

de pai de família. E disse: “Se eu fosse pai de família ele

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36 GILMAR DE CARVALHO

era pai de chiqueiro!” [Risos, de ambos]GC- E a história dessa viola? Você viu o pessoal tocar

e começou a improvisar, como é que foi?PA- É porque aqui em Assaré, isso no tempo da festa,

aparecia cantadores, mas eu muito tímido, menino, viu? nem conversava com eles... mas fiquei com uma vontade também danada de possuir uma viola. Então, essa viola, eu tinha uma cabra, viu? Eu troquei um dia essa cabra, pedi à minha mãe pra vender a minha cabra e comprar essa viola. E ela, muito amorosa, muito carinhosa, fez o meu pedido. Aí, então eu fiquei cantando, mas só em casa mesmo, treinando na vizinhança. Depois, atenden-do convite de pessoas amigas, mas, mesmo quando eu cantava ao som da viola, eu nunca deixei de criar esses poemas que eu crio, assim, na minha imaginação. Olha aqui, o primeiro poema, em linguagem cabocla, em linguagem matuta que eu...

GC- Pode dizer...PA- Sim, como eu ia lhe dizendo, mesmo quando eu

cantava ao som da viola, eu num fazia profissão. Era, num era mais do que um agricultor. Mais que eu cantava era de improviso, aquilo não interrompia nada. Não vivia sempre a fazer versos. Onde o primeiro poema que eu fiz em linguagem matuta é esse aqui, “Maria Gulora”:

“Vem cá, Maria Gulora!Escuta, que eu quero agorauma coisa te contar.É uma recordaçãodos dias das inlusãoque faz a gente chorar.Eu antonte andei na varze.Não morri, mas porém quase

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enlouqueço, de repente.Quando meus óio avistouas casa que tu morou,quando nóis era inucente.Senti aguda lembrançado tempo da nossa infançade tanta vadiação.Que brinquedinho colossoa nossa vaquinha de ossoamarrada num cordão!Eu fiquei em desatinoque parecia um mininopisando em riba de brasa.Até parece que eu viavocê, querida Maria,lá na janela da casa.Era ali que eu mais vocêbrincava de se esconderpor debaixo do jirau.Era ali que o dia inteiroeu corria nos terreiroem meu cavalo de pau.Quando a noite começavaque a lua se ilarguiavaque brinquedinho de amor!E quando chegava o dianóis dois juntinho corriapros canteiro de fulô.Arrudiei a carçadajá velha, dismantelada.Entonce eu pensei aliaté na rede de fita

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da tua boneca Ritana sombra do tambori.Quase com as perna mortaentrei pela véia portade sodade pra morrer.E senti tanta afliçãoque me abracei com o pilãopensando que era você!”GC- [Risos, risos]PA- Isso aqui... foi o primeiro poema em linguagem

mais pra matuta, foi essa aí.GC- Patativa, como é que o senhor consegue fazer

poemas com o modelo de Camões, com a métrica per-feita, a rima perfeita, a ortografia perfeita e consegue fazer esses poemas caboclos? Como é que fica na cabeça do senhor essa divisão?

PA- Ah, sim, é porque Deus me deu o Dom, um dom admirável que, quem me ver recitar uma “Maria Gulo-ra”, não sabe se eu também componho verso em forma literária com todas as sílabas predominante, como seja “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso” e outros... e outros poemas, outros sonetos, viu?

GC- Sim.PA- Como esse aqui, “O Castigo do Vaidoso”. Tem

gente que fica bem preocupada quando vê um cabelo branco sair, aparecer um cabelo branco na sua cabeça e eu sou contra essas besteiras!

“Quando ele viu o cabelinho brancona sua farta e negra cabeleira,disse com raiva e cheio de canseira:Demora, diabo, que eu te pego e arranco!Porém o tempo, sério, rijo e franco,

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que não gosta daquela brincadeirada planície o levou para a ladeirae o pôs bem no cimo do barranco.E hoje o vaidoso tristemente chorabem diferente do que foi outroramagro e pálido qual um esqueleto.Com o espelho quando se deparadesconfiado e sem saber reparase ainda vê algum cabelo preto.”GC — [Risos, risos]PA — Dum vaidoso, viu?GC — Agora, como é que o senhor faz, uns na lingua-

gem literária e outros na linguagem matuta. Na hora, lhe dá, assim, um estalo pra fazer de um jeito ou de outro?

PA — É porque... olha, é preciso um grande cui-dado porque a poesia, a beleza da poesia não consiste na linguagem, viu? É um segredo natural. Consiste no poeta saber dizer com precisão aquilo que ele pensou, aquilo que ele quer, quer na linguagem matuta ou quer na linguagem certa, é a mesma cosa, viu? Então, do jeito que eu faço essa poesia, esse soneto, como esse que eu recitei agora e muitos outros que eu tenho, num mesmo instante eu faço a poesia matuta também, apresentando como você já conhece “A Aposentadoria de Mané do Riachão” ou não?

GC — Conheço..PA — Pois bem, aquilo ali é uma sátira onde eu faço

até... debochando da burocracia reinante nessas repar-tições de aposentadoria que dão a maior dificuldade para o pobre se aposentar. Então, isso pra mim não há dificuldade nenhuma.

GC- Sim, mas eu queria saber...

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40 GILMAR DE CARVALHO

PA- Muda apenas a linguagem.GC- Quando o senhor tem uma idéia, como é que

o senhor decide se vai ser na linguagem culta ou na linguagem matuta?

PA- Ai, é porque... quando é... essas sátiras eu sempre escrevo mais na linguagem matuta, esses poemas, tudo, a questão é o pensamento, é a criatividade, viu ? Não é a facilidade. Pra mim, tanto faz. Se houver decassílabo, em linguagem certa, como essa poesia matuta, não há dificuldade pra mim. Tanto faz um como outro, viu?

GC — E o senhor tem alguma preferência? Gosta mais de uma linguagem que da outra?

PA- Não. Eu... eu gosto mais é porque quando eu apresento... ninguém sabe o que é o pensamento. Quase todo o meu poema matuto é apresentado por um analfa-beto, num é? Aquilo ali eu quero mostrar ao povo, quero mostrar ao leitor que não é a filosofia não é uma coisa que ele vá aprender lá no colégio, na escola ou coisa não! É uma coisa natural que o camarada recebe como uma herança da natureza. Saber filosofar, saber dar certeza e isso e aquilo e aquilo outro, viu? E é por isso que eu apresento sempre o caboclo.

GC — Por que?PA- Veja bem. O analfabeto, se ele nasceu com o dom

da inteligência, ele só num fala certo, mas tudo ele sabe. Ele... ele tem o raciocínio de saber o que é bom, o que é ruim, ou de saber como é a vida. E assim por diante, viu? É isso o que eu apresento no... nos meus poemas, viu ? Em tudo por tudo.

GC- Quer dizer que nos poemas caboclos, é sempre o matuto é que está falando na primeira pessoa ?

PA- É sim! Olha aqui, esse poema aqui, qu’eu num

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vou recitar ele todo porque você conhece... “A Maior Decepção”. Conhece ou não?

GC- Conheço. Já li todos os seus livros!PA- Pois é! Justamente. Aquilo ali... olha, ele é mos-

trando que de tudo tem. E em todo o universo tem sempre uma ironia contra os opressores, não é?

GC — Verdade...PA- Sempre tem! Meus poemas são assim, porque

eu sou muito revoltado contra a injustiça. Sempre fui. Agora, sei respeitar os donos do poder. Eu num vou afrontar ninguém coisa nenhuma. Tanto é assim que minha poesia é assim dentro desse tema do povo. É assim como um grito de alerta, apresentando o estado de vida aqui... ali na... na classe pobre, né?

GC- A sua poesia é social.PA- E assim por diante. Como nós... como eu apre-

sento naquele meu poema “Brasil de Cima e Brasil de Baixo”, que é a divisão das classes...

GC — O senhor fala muito disso em seus poemas...PA — Que eu apresento ali. E finalmente, eu me

sinto bem com a minha poesia, porque os intelectuais, os julgadores — assim como você é um deles – sempre estão comigo naquilo que eu digo, naquilo que eu vejo, naquilo que eu sinto...

GC- O que você faz é muito bom, Patativa.PA- Aí, então, eu me sinto satisfeito com isso, porque

eu nunca fiz verso pra querer agradar a Seu Ninguém. Eu faço por conta própria, pra mim porque gosto, nasci apaixonado pela cultura, pela poesia, mas sou tão feliz que todos que ouvem minha... minhas produções estão comigo. Gostam, seja em qualquer tema, em qualquer sentido.

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GC- Por que o senhor deixou a cantoria? Foi por causa da timidez?

PA- Foi não! É porque quando eu ia cantar, às vezes, eu... Eu fui até ao São José do Egito uma vez, viu ? Fui ao Recife e essa viagem maior que eu fiz! Porque eu nunca deixei de compor poemas. Assim como eu sei e você sabe, conhece meus livros...

GC- Todos.PA- É repleto de poema. Tudo criado na minha

imaginação! Mas que bate dentro da vida real, num é?GC — E como...PA- Pois bem. Onde eu cantava ao som da viola, eu

também naquele espaço eu ia recitar poema. Aí eu pude observar que na cidade o povo gostava muito mais de me ouvir recitando do que qualquer cantador cantando, eu próprio mesmo, viu?

GC — Por que?PA- Aí eu... eu sempre num fazia profissão, eu digo:

“Sabe duma coisa, o que eu sou é um agricultor. Vivo é de minha roça. Eu num vou mais cantar ao som da vio-la não!” Aí deixei. Nunca mais cantei. Mas o Lourival, Lourival Batista – cê sabe quem foi ele?

GC —Sei.PA- Lourival Batista, que ele tinha uma voz disso-

nante, viu? mas era um improvisador grande.GC- Dos grandes...PA- Eu sempre cantei com ele onde encontrava assim

por oportunidade, porque eu mesmo tendo deixado de cantar, quando me convidavam pra um festival de violeiro – que sempre me convidam! Pra eu ir declamar poesia...

GC —Certo.

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 43

PA — Foi quando eu... há o convite – muitos dizem – “Só vou se chamarem o Patativa! Pra ele recitar.”. Aí, eu sempre vou. E ele quando me encontrava num des-ses festivais, pegava a viola dum camarada e dizia: “Ó, Patativa, cê vai cantar um baião de viola comigo.” Eu digo: “Mas, Lourival, eu num já disse que cantava.” “Não, mais... tem nada! Só... só aqui um baião de viola.” – que é rojão assim sem...

GC — De improviso...PA- Aí, às vezes, eu peguei a viola e fui cantar, viu

? contra a vontade como todo. Eu vou lhe mostrar o quanto ele era... improvisador pra fazer o verso... desde a verdade, quando ele replicando a gente.

GC — Sim!?PA- Eu disse bem assim... Eu, sabendo que ele era pai

de oito filhos, a Dona Helena... ela era... é mãe de oito filhos, viu ? E o Lourival até já morreu. Aí, eu peguei a viola e disse bem assim:

“Vou fazer o teu pedido / porque sou amigo teu. / E satisfazendo ao povo / que aqui apareceu / e em honra dos oito filhos / que a D. Helena te deu.”

E ele replicou bem ligeiro... e assim:“Sei que isso aconteceu / mas você não falou bem. /

Se ela me deu oito filhos / eu dei a ela também. / Se ela me deu, dei a ela, / não devo nada a ninguém!”

GC- [Risos, risos]PA- Bem feito, num era? É. Improviso rápido!GC- Patativa, o fato de ter sido cantador influiu na

sua poesia ou o improviso já era um dom?PA- Não, num influiu nada não! Eu cantei porque

eu sou apaixonado pela poesia. É cantada, é recitada, é gravada de todo jeito, mas num influiu não! Quando eu

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cantei ao som da viola eu já tinha... quando eu cantei ao som da viola, eu já tinha era poema, viu ? Já recita-va poema, viu ? Num influiu coisa nenhuma! Apenas aumentou, assim, o meu prazer, porque eu tinha as duas partes, viu ? Parte que eu recitava e a parte que eu cantava, viu ? Gostava dos cantadores e é uma diversão muito boa os cantadores cantando...

GC- Mas essa agilidade que o senhor tem pra fazer poesia, tem tudo a ver também com a agilidade do im-proviso do violeiro...

PA- É sim, sendo cantada é mais fácil, viu? Porque vem mais lento a ... por causa da toada, num é? do que recitar, assim, dar o mote e o camarada recitar, falando mesmo, viu? A cantoria é muito mais fácil do que o improviso falando, viu? É, muito mais!

GC — Verdade?PA — Agora, versejar, Gilmar, é até fácil. Olhe, um

carro vira ali e tal e mata dez, doze, quinze pessoas, viu? O poeta versejador, ele conta tudo aquilo bem direito, não falta um nada, viu?

GC — Tem tempo para criar...PA — Mas é porque ele viu, num é? É o que eu digo: a

diferença do poeta para o versejador é porque o Patativa faz é criar na mente, como isso aqui, olha: “Filho de Gato é Gatinho”. Cê num já viu aquilo meu?

GC — Vi.PA — Que é um casal de ladrões, o esposo e a esposa.

Pois bem, nada... eu nunca vi aquilo. Eu crio na minha mente qualquer um trabalho desses.

GC — Patativa, quando o senhor tinha uma melhor capacidade de visão, você já criava na mente ou alguma vez cê chegou a criar em papel, retocando ?

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PA — Não... não... Toda vida eu criei assim na ima-ginação. É. Eu tenho um pensamento muito fácil em todos os sentidos, sempre tive, viu ? Aí, então, eu depois que pensava assim, aí eu ia apresentar o poema. Fazia na minha mente, pensava a história, aquele quadro aí, ia contar ele todo em verso, bem, com toda espontaneida-de, com toda graça, coisa assim, mas coisa que valesse, com bem aquelas...

GC- Só depois é que passava pro papel?PA- Era sim. Pensava a história na mente, depois era

que eu ia passar pro papel. E às vezes eu pensava na men-te primeiro o quadro, aquilo... o esboço, vamos dizer...

GC — Sim.PA — Daquilo... do que ele queria fazer.GC — E Não esquecia?PA — Deixava assim na mente. Aí era reproduzir em

verso. E guardando na mente ficando retido na memória. Depois de tudo era que se eu tivesse chance de publicar, eu mandava bater à máquina ou no tempo que eu mesmo escrevia, com a minha letra, viu? Olhe, aquele meu poe-ma “A Escrava do Dinheiro” aquilo é um poema onde eu apresento... Ali é um sonho desfeito e ao mesmo tempo é eu mostrando a verdade sobre o dinheiro, de quem não sabe possuí-lo. O dinheiro é tanto que o derradeiro poema, a derradeira estrofe eu digo:

“Dinheiro é um fogo ardenteque faz muito coraçãose derreter como cerana quentura do tição.Dinheiro transforma tudofaz dum alegre um sisudoda nó e desmancha nó.

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46 GILMAR DE CARVALHO

E finalmente o dinheiroé o maior feiticeiroé o rei do catimbó.”GC — [Risos, risos]PA — Porque o dinheiro é isso mesmo, viu?GC — Complicado...PA — Quem não sabe possuir, emprega em qualquer

coisa... o dinheiro é pra tudo. Agora, não é o próprio dinheiro, é o elemento que o possui. Mas o dinheiro é pra ser o nosso escravo, é o nosso moleque, é o nosso criado... pra poder fazer uma coisa de precisão. Aí tá certo! viu? Mas pra adorar o dinheiro não! E nesse po-ema, olha, eu digo bem assim no começo:

“Bom noite, todo minino e muié desse lugar!Peço que se... me dê licença pra uma história contar.Como matuto atrasado, eu deixo a língua de ladopra quem a língua aprendeu.E quero a licença agorapra eu contar minha estóracom a língua que Deus me deu.Mas antes de começareu premeramente vôdizer que o dinheiro éo maior transformador... [tosse]Ah, pois sabe o mundo inteiroque este bichinho, o dinheiro,com sua força e poder,a sua manha e seu jeitotem feito muito sujeitose dê... sisudo se derreter.Dinheiro transforma tudo.Dinheiro é quem leva e traz

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Eu não quero nem dizertudo o que o dinheiro faz.Apenas aqui eu contoque ele pra tudo tá pronto.Ele é cabreiro e traidor,é carrasco, é vingativosó presta pra ser cativo,não presta pra ser senhor.A pessoa neste mundo bota o pé na perdiçãoquando ela deixa o dinheiro gonvernar seu coraçãoPra todos que tão me ouvindonão dizer que eu tô mintindoeu vou agora contaruma estóra piquininaa estóra de Reginapra ninguém me duvidar.”E aqui continua, num é?GC- E vai longe...PA- Aqui é aquele poema que eu criei “A Cabocla”,

viu? Já tinha o noivo dela, mas na noite de Natal apare-ceu um sujeito todo pronto, com... cheio de anel, diabo a sete... Quando ela viu ele, se apaixonou.

GC- Quando você mesmo escrevia os seus poemas, eles saíam da cabeça prontos ou na hora que estava es-crevendo você mudava alguma coisa?

PA- Não, num mudava nada, nada! Saía do meu jeito. Eu... aqui na cabeça era como... assim, um gravador que eu gravava com o maior cuidado, com o maior carinho pra não faltar nada. É tanto que aí pelas gráficas, quando eu mando lê meus versos, é raro o livro num sair com

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um erro, viu ? E eu fico assim tão desgostoso!....GC- Com razão...PA- Quando eu faço, às vezes, num é nem a frase

toda, uma palavra só!GC- Uma palavra só já...já faz diferença!PA- É. É.GC- Quer dizer que o senhor nunca gostou de reto-

car? Fazia na cabeça e pronto?PA- Ah, fazia na cabeça e tava pronto! Num... num

retocava nada. Era qualquer... qualquer sentido, viu?GC- E como é que o senhor consegue gravar tudo

o que faz ? Esse grande gravador que o senhor falou... Como é que o senhor acha que é a sua memória?

PA- É sim, porque... eu tenho até aquele que fala no gravador, não é?

“Gravador, que estás gravandoaqui no nosso ambiente?Tu gravas a minha voz,o meu verso e o meu repente,mas gravador, tu não gravasa dor que o meu peito sente!Tu gravas em tua fitacom a maior perfeiçãoo timbre de minha voze a minha fraca expressão.Mas não gravas a dor gravegravada em meu coração.Gravador, tu és felize ai de mim, o que será?Bem só ser desgravadoo que em tua fita estáe a dor do meu coração

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jamais se desgravará!”GC- E o senhor fazia exercícios de memória para

gravar ou é porque tem a memória privilegiada mesmo?PA- Não. É porque eu tenho uma memória, modés-

tia à parte, é uma cosa quase como que rara, porque eu nunca encontrei quem tivesse a memória o quanto eu tenho... Tive! Hoje em dia já não sou mais como eu... sabe por quê ? O homem já com 87 anos – posso dizer, porque vou completar 87 agora no dia 5 de março...

GC- Com mais uma festa...PA- Mas eu sempre... sempre tive, assim, uma me-

mória grande, porque... se eu for recitar os poemas que eu tenho retido na memória...

GC- Ah, vai uma semana!PA- Ah...o resto do dia num dá não! viu? Que é muita

coisa. É muita coisa! viu?GC- O senhor nunca se interessou muito pelo cordel,

por que?PA- Não! Eu nunca me interessei, porque o cordel,

aquele ali... é um comércio. Se aquele camarada publica o cordel e aí vai vender pr’aqui, pr’acolá, num sei o quê e tal e tal, mas eu sempre escrevi cordel bem... Num foi muitos não! Mas escrevi bem uns treze ou quinze ou até mais por aí, viu ? Mas, no meu cordel, é quase que era eu que criava as coisas também, viu? [Os folhetos do Patativa estão enfeixados na coletânea “Cordéis”, publicada pelas Edições UFC, em 1999].

GC- Sim.PA- Era. Como aquele negócio que tá no meu folheto

“ Brosogó, Militão e o Diabo”. Isso foi que eu inventei, viu? Mas no fim, porque eu desejo minha poesia assim, o desfecho dá sempre dentro da nossa vida real. É con-

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tando como o que um poema aquilo equivale quase o mesmo conto, apenas é versejada em verso, viu? Não é em prosa. Você já leu mesmo os meus livros todos com certeza, já!?

GC- Todos eles.PA- Pois é.GC- E gosto muito dos seus poemas.PA- Muito obrigado, viu? Muito agradecido.GC- O senhor tem lembranças do José Bernardo (

alagoano, 1901/1970, estabelecido em Juazeiro do Norte) da Tipografia São Francisco?

PA- Tenho lembranças de Zé Bernardo. Fiz presente a ele de cordel, viu? “Abílio e o Cachorro Jupi” é um cordel de minha autoria que eu fiz presente a ele.

GC- “Aladim e a Lâmpada Maravilhosa” também?PA- Ao Zé Bernardo da Silva, viu?GC- O “Aladim...” também?PA- Sim, a “Lâmpada de Aladim” também, fiz pre-

sente. Ele... foi meu amigo. Eu gostava muito dele, viu? Quando eu ia a Juazeiro, eu sempre ia lá à tipografia... bater um papo com ele e a Dona Ana, que era a esposa dele, viu?

GC- Foi o senhor que deu o nome Lira Nordestina à gráfica antes de ser vendida

PA- Não! Eles disseram que fui?GC- Disseram.PA- Pois então, tá muito bem! É porque eu posso ter

esquecido, num é?GC- Porque era Tipografia São Francisco e quando

foi vendida ao Governo do Estado, o nome era Lira Nordestina. O seu Expedito disse que quem deu o nome foi o senhor.

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PA- Ah, então, muito bem. Eles com certeza com-binaram comigo e eu dei... e tá bem aplicado, num é?

GC- Tá! Bem aplicado.PA- É. Muito bem. E você conhece o Expedito [Se-

bastião da Silva]?GC — Muito! Muito meu amigo. Gosto muito dele.PA- Pois é. E ele é um poeta, viu?GC- Dos bons...PA- Ele escreve cordel bem feito, viu?GC- Não é versejador não?PA- É não. É poeta mesmo, viu? É.GC- O senhor teve alguma influência do Padre Cí-

cero, Patativa?PA- Não! Eu num tive o prazer de conversar com o

padre Cícero, viu? Não, nunca conversei com o Padre Cícero, viu? Agora, eu fiz aquele poema, que você viu, “O Juazeiro”, não é?

GC- “Saudação a Juazeiro”.PA- Uma “Saudação a Juazeiro do Norte”, que ali é

uma verdade. Juazeiro cresce apoiado na glória do Padre Cícero. E. há de continuar! Que ninguém tira aquela crença. E nem deve procurar tirar.

GC- É muito forte.PA- E nem desviar aquele povo. Cada um precisa

de ter prazer na vida. E o prazer daquele povo, o maior prazer, a glória deles é aquela crença, é aquela via sacra penosa que eles fazem constantemente ali, não é?

GC- Verdade.PA- É. Eu dou razão a eles. Deus me livre de fazer

um poema contrariando a ...GC- Contrariando os romeiros?PA- Sim! Contrariando o romeiro.

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GC- O senhor é devoto de Padre Cícero?PA- Eu ? Não, não sou devoto do Padre Cícero não!

Sou não! Apenas... (zoada de palito sendo riscado duas vezes; depois, silêncio...) Mas gostei muito do que ele fez, viu ? Toda vida julguei ele como um grande político, in-teligente, inteligente... Ele sabia tudo. É tem muita coisa que o Padre Cícero profetizava... O povo dizia que ele profetizava. Aquilo não era profetizar! Ele era estudioso, sabia o que tava havendo lá... em certo países, no fim do mundo e sabia que aquilo chegaria aqui...

GC- Como se fosse profecia...PA- Eu ouvi que uma vez em São José de Araticum,

o povo, muita gente até zombando, porque ele disse que um bezerro chegaria a dar... até dez contos de réis. Naquele tempo era conto, num era?

GC- Sei.PA- Ora, naquele tempo um bezerro num era nem

duzentos mil réis. Como diabo era que ia dar nisso?GC- Dez contos.PA- Ora, quando decorreu o tempo, decorreu, de-

correu, decorreu e quando chegou, aí foi um milagre! Disse...: “Bem que Padre Cícero disse!” Porque ele disse, que ele sabia que aquilo estava em tal país e vinha de lá pra cá até chegar aqui também, não é ? E assim muitas coisas, viu? Eu.. eu gostei... eu nunca fui contra o Padre Cícero não! Deus me livre! Agora num tinha ele como milagroso. Não. [som de fósforo sendo riscado]

GC- O que Juazeiro do Norte representa para o se-nhor?

PA- Ah! Juazeiro do Norte... representa assim a figura do Padre Cícero e continuará crescendo constantemente sempre apoiado nas glórias do Padre, viu ? Por causa

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dessas romaria. O Juazeiro é feito pelos romeiros, viu ? Essas propagandas, tudo isso e esse dinheiro... Há tanta gente que propaga ali o Padre Cícero, mas que... não acredita! Mas que acredita no dinheiro, no progresso, nos dois... e assim, Juazeiro vai crescendo, crescendo... E há de crescer, viu?

GC- E é um grande centro de artistas, não é, Patativa ? Tem muitos artistas lá.

PA- Muitos artistas. Olha, porque o povo fala que o Crato, assim, que é o centro de cultura num sei o quê e tal e tal, assim. Mas na indústria é Juazeiro, viu ? Juazeiro tem de tudo, meu amigo. Juazeiro tem de tudo! E tem atraído muita gente, muitos artistas, viu?

GC- É uma cidade que o senhor quer bem?PA- Quero bem, viu? Quero bem o Juazeiro! Eu gosto

do Juazeiro, porque... sim, eu gosto de todas as cidades que eu chego... eu tenho o mesmo acolhimento, em Juazeiro. Eles gostam muito de mim, como em Crato também. Mas eu chego em Juazeiro, me sinto mais... mais à vontade, porque... Juazeiro a gente vive como bem quiser, viu? Ali ninguém ignora nada. Cada um tem sua vida do jeito que pode e num é ignorado e tal! viu ? Num é cidade de luxo, de desatino, não!

GC- O senhor conheceu Mestre Noza?PA- [silêncio de uns poucos segundos] Conheci não!

Num conheci não! [toca o sino da igreja, repetidas vezes] Mas... eu sempre ouvi dizer, assim, os improvisos dele... ele era espirituoso, fazia as coisas, num era?

GC- E fazia muita estátua do Padre Cícero, muito santo...

PA- Era... e ele...GC- Mas o senhor não conheceu não Mestre Noza?

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PA- É! Não conheci ele... assim, pessoalmente não! Apenas... me disse... um cidadão me disse... um senhor me disse, o camarada chegou lá e disse isso:

— “Mestre, que preço tem isso aqui?”Ele disse:— “É tanto.”Aí, ele... disse:— “Num deixa por tanto não!?”Baixou um pouco. Ele disse:— “Não! O preço é esse.”Aí, ele... saiu. Quando .voltou, acho que num encon-

trou outro material por lá do jeito que ele queria, mais barato e tal, voltou pra comprar e ele disse:

— “Não! Eu acho que eu vou querer assim mesmo dez, viu?”

Ele disse:— “Não! O senhor num quer que o senhor botou foi

oito. Pode procurar uma de oito por aí! viu ?” [garga-lhadas de ambos] E assim por diante.

GC- Deixa que eu acendo.PA- É porque eu... [som de fósforo sendo riscado,

duas vezes] Cada um, Gilmar, tem sua forma de pensar, não é?

GC- E o direito de pensar...PA- Olhe, quando alguém me perguntou o que eu

dizia sobre o Beato Zé Lourenço, eu fiz o seguinte verso no dia:

“Sempre digo, julgo, e pensoque o Beato Zé Lourençofoi um líder brasileiroque fez os mesmos estudosdo grande herói de Canudos

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nosso Antônio Conselheiro.Tiveram o mesmo sonhode um horizonte risonhodentro da mesma intençãocriando um sistema novopara defender o povoda maldita escravidão!Em Caldeirão trabalhavae boa assistência davaa todos os operários... [tosse]com a sua humilde gentelutava pacificamentecontra os latifundiário.Naquele tempo passadoCanudos foi derrotado.Sem dó e sem compaixãocom a mesma atrocidadee maior facilidadedestruíram o Caldeirão!Por ordem dos militaresavião cruzou os arescom ódio, raiva e com guerrana grande carnificinacontra a justiça divinao sangue molhou a terra.Porém, por vários caminhospisando sobre os espinhoscom o sacrifício imenso,seguindo o mesmo roteirosempre haverá Conselheiroe Beato Zé Lourenço.”GC- Ah, que bonito!

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PA- É... é.GC- E qual é a sua opinião sobre Lampião?PA- Eu nunca escrevi nada sobre Lampião. Mas...

se o Lampião não tivesse sido injustiçado... Lampião teria sido outro homem, viu? [Engasga-se] Segundo... a história que eu já pesquisei... quem me contou tudo foi o Sargento Feitosa.

GC- Sim...PA- E até as perseguições, ele disse que não chamava

perseguir, ele ia porque era mandado... por seus... su-periores. Mas não que ele tivesse coragem de atirar em Lampião. Aí ele me contava que Lampião era, assim... era até um tropeiro quando bem rapazinho novo, viu? E ele disse que essa história de dizer que Lampião chegou... chegou em certo lugar, mandou que o povo dançasse despido, ele disse que Lampião num tinha... num tinha essa qualidade coisa nenhuma! Esse sargento que conta...

GC- Sim.PA- Já até morreu. Morava lá em Araripina. Mas eu

nunca quis escrever nada sobre Lampião não.GC- Por que?PA- Porque mesmo eu não quis! Mas não que eu

considerasse ele um bandido. Eu não! Eu... eu considero ele... que ele foi, assim, um guerrilheiro, viu? É, sim. É revoltado contra injustiça.

GC- Quer parar um pouco, Patativa?PA- Hum?GC- Tá cansado? Quer parar um pouco?PA- Não! Eu quero conversar...GC- Como foi a publicação do seu primeiro livro ?PA- Meu primeiro livro foi uma coisa, foi um sonho

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realizado, que eu num sequer pensava... Eu nunca pensei em publicar um livro. Eu vivia aqui na... na minha roça, mas no Crato tinha a Rádio Araripe e Teresinha Siebra era naquele tempo bem jovem, viu ? E apresentava um programa lá na Rádio Araripe. E sempre quando eu ia ao Crato, assim, voluntariamente... e me chamavam lá e eu ia... E eu ia recitava poemas lá. Naquele tempo, eu tinha uma infinidade de poemas, todos retidos na memória...

GC- Ainda hoje...PA- E Teresinha era a apresentadora desse programa

que eu nem sequer relembro o nome do programa, Tere-sinha Siebra. E dessa vez eu estava lá, o doutor José Ar-raes de Alencar vinha sempre visitar a mãe dele, a finada Silvina, aí no Crato. E, certa vez, eu estava recitando na Rádio Araripe, quando ele perguntou. Ele disse assim:

— “Mãe, quem é que recita na Rádio Araripe, uma maravilha de poema! Uma coisa tão digna de atenção e de divulgação?”

Ela disse:— “É um rapaz lá do Assaré, lá da Serra de Santana.

Ele é um agricultor, mas ele é um poeta. O povo fala que ele é um grande poeta. Eu num sei julgar, mas acho muito bonito ouvir quando ele recita ali.”

E aí ele.. ele disse:— “Eu vou mandar chamar esse rapaz aqui.”Aí mandou uma pessoa lá na Rádio Araripe, pra

quando eu terminasse ir à casa da finada Silvina, mãe dele.

GC- Sim.PA- Aí, quando eu cheguei lá... Eu não o conhecia!

Coisa nenhuma! Nem sequer quase o nome. Ele era até conhecido por “Du”. Todo o povo do Crato tratava ele

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“Du”. Aí, eu fui. Quando eu cheguei lá, ele disse:— “Mas, assim, me diga uma coisa: você tem uma

riqueza de cultura, por que você num publica ?”Aí, eu disse:— “Doutor, eu sou um agricultor muito pobre. Eu

nunca sonhei em publicar nada meu, porque... num há condições!”

Ele disse:— “Pois, olha, vamos publicar um livro? Você tem

muitas cosas fora essas... você ?”Eu disse:— “Tenho! Eu tenho muita cosa retida na memória,

viu?”— “Vamos publicar um livro?”Eu disse:— “Doutor, eu num posso.”Ele disse:— “Não! Mas você está tratando com gente amiga.

Olha, você... Antônio Gonçalves – você quer que eu lhe diga uma coisa? Se você num quiser, num aceitar o que eu tou pedindo, você num vai ficar como um poeta não! E prova é que fica... de que... de você, um grande poeta, como eu estou vendo que é, sem você publicar um livro? Você tá tratando com gente amiga.”

Aí, disse: — “Menino, vai lá no cinema. Diga a Moacir Mota

que venha cá, que aqui tem coisa muito melhor do que cinema!”

GC- [Risos]Ai, ele era muito amigo dele. Ele era bancário tam-

bém. E já até aposentado. Aí, quando doutor Moacir Mota chegou, filho do grande Leota [o folclorista Leo-

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nardo Mota], ele disse:— “Olha aqui esse rapaz. Tem tanta poesia bonita,

viu? E eu disse a ele que poderia publicar um livro. Tou chamando ele pra gente publicar um livro. E você, o que diz? Olha, ele aqui tem uns versos. Fala até do seu pai.”

Aí, ele...— “Recita aí, Patativa, alguma cosa!”Eu recitei. Agradeci. Eu disse:— “Mas, doutor e se esse livro?”Ele disse:— “Olha, é assim: a cópia vai para o Rio. Eu publico

lá no Rio. E pago o impresso – não só eu, porque eu com meus amigos! Que eu num tenho fundo de reserva. Eu num tenho... dinheiro. O livro vem pra aqui, vai guar-dado no Banco do Brasil, você vai vendendo e pagando parceladamente com a venda do próprio livro. Aí, você paga assim dessa forma.”

Eu disse:— “Mas, doutor, e se o livro num tiver sorte, como

é que fica?”Aí, ele riu e disse:— “Você, ou é um vencido ou então é muito honesto,

viu ?”GC- [Risos]PA- — “Já tou conhecendo! Não! Isso não acontecerá

não, Patativa.”Aí, o Moacir Mota disse:— “E eu me ofereço pra datilografar a cópia sem

cobrar um vintém.”Ele disse:— “Olha aí, como está dando certo!? Você vem aqui

para o Crato, você faz refeição aqui na casa da minha

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mãe, quando o Moacir deixar o trabalho do banco, vai lá para o Pimenta, onde ele mora. Você vai recitando e ele vai batendo, até completar essa cópia.”

E assim aconteceu. Foi. E ele mesmo deu o título: “Inspiração Nordestina”. Foi o primeiro livro que publi-quei. Aí, quando esse livro saiu, foi guardado no Banco do Brasil. Era o José Albuquerque era o intermediário que ia me entregar o livro. Quando eu cheguei lá... Na-quele tempo era uma atração grande quase que num tinha nem transporte para o Crato. Eu ia era... era num animal, com duas malas, uma dum lado e outra do outro, pra trazer livro. Chegando lá, ele... contava os livros... passava lá um tal recibo e me entregava. E eu marcava o dia de ir entregar o dinheiro e trazer mais livro. Aí, eu já tinha muita preferência por aqui, pelo campo, toda parte, viu?

GC- Sim?PA- Num instante eu vendia e ia lá. Quando eu fui

a terceira vez deixar os livros... deixar o dinheiro e tra-zer mais livro, aí o Zé Albuquerque que trabalhava no banco disse:

— “Patativa, cê quer que eu lhe diga uma coisa ? Ta-qui a chave. Você sabe onde é o quarto, você destranca, você leva os livro que quiser, vem no dia que bem quiser e nós aqui já estamos sabendo que estamos tratando é com um cabra danado mesmo, viu ?”

Aí, eu fiquei muito satisfeito com essa confiança, viu ? Aí, e assim eu fiz. Se eu tratava de chegar na quinta, eu chegava terça ou quarta, levando o dinheiro e trazendo mais livro. E foi assim que foi publicado o livro. E eu fiquei satisfeito. Aquilo foi um sonho realizado que eu nem sequer esperava na minha vida! Eu devo tudo ao

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doutor José Arraes de Alencar! Hoje, ele já até morreu. É de saudosa memória.

GC- Você vendeu esse livro então mais no campo do que na cidade?

PA- É. Vendi muito mais no campo do que na cidade. É, mais vendia depressa, viu? Porque todos já conheciam os poemas que tinham nele. Não sabiam eles gravados, decorados na mente, mas... ouviam eu recitar, não?

GC- Quer dizer que saiu direto da sua cabeça para a máquina de escrever?

PA- É que... olha...GC- Você chegou a escrever à mão?PA- Não!GC- Você ditava pro Moacir Mota?PA- Era. Eu ia recitando...E ele batendo, viu ? Era raro

eu levar um poema. Mais poema novo que eu publicava e... escrevia, mas alguns mesmo. O resto eu tinha tudo gravado na mente, viu ? E a apresentação do livro tem:

“Leitor, caro amigoeu te juro e não negomeu livro te entregobastante acanhado.Por isso, eu te avisome escuta o que digo:Leitor, caro amigo,não leia inganado!(tosse, falta ar)Não vá percurarnesse livro singeloo canto mais beloda lira vaidosa,nem brilho de estrela,

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nem moça encantada,nem ninho de fadanem cheiro de rosa.Em vez de perfumedo luxo ou da pratatem cheiro sem graçade amargo suor,suor de um cabocoque vem do roçadocom fome e cansado.”GC- Nunca teve medo da pessoa que datilografava

mudar alguma coisa do seu poema?PA- Não! Graças a Deus que nunca aconteceu, por-

que eu tenho o maior cuidado e até ciúme e eu sempre estou ao lado, quando eu tou recitando para alguém datilografar. Eu... eu sou muito ciumento com a minha poesia. Eu num quero que mude nada, quero que diga o que eu disse.

GC- O senhor tem algum original que tenha sido escrito pelo senhor?

PA- Eu não tenho guardado não. Mas que aí nessa sala da frente, naquele retrato meu e de Luiz Gonzaga tem ainda a minha letra escrito. É só o que eu tenho.

GC- Mas poema escrito com a sua letra?PA- Não, não tenho! ( apareceram uns cadernos,

com manuscritos, quando da organização do Memorial Patativa do Assaré, inaugurado em 1999)

GC- Tem um poema do senhor, dos mais famosos, “Cante Lá Que Eu Canto Cá”. Mas o senhor cantou aqui e cantou lá, também! Como é que é isso ?

PA- Foi. Cantei aqui e cantei lá, cantei em toda parte, viu?

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GC- [Risos, risos]PA- É, mas ali é um poema muito... É preciso saber

interpretar... porque “Cante Lá Que Eu Canto Cá” é só em um sentido que eu digo: é que o poeta da cidade ele não sabe cantar o sertão como o Patativa canta, porque ele poderá já ter até vivido no sertão um dia, um mês e tal, mas ele não sabe a vida do sertão! Ele não sabe por experiência, que é o que eu digo no poema. É que muita gente acha que aquilo é como uma sátira. Não é! Não é uma sátira! Eu conto lá a vida dele, onde é que ele vive e tal:

“Pueta cantor da ruaque na cidade nasceucante a cidade que é suaque eu canto o sertãoque é meu.Se aí você teve estudoaqui Deus me ensinou tudosem de livro precisar.Por favor, não mexa aquique eu também não mexo aí.Cante lá que eu canto cá.”GC- Cantou, aliás, em quase todo o mundo...PA- “Você teve inducaçãoaprendeu muita ciênçamas das cosa do sertãonão tem boa experiença.Nunca fez uma paioça.Nunca trabalhou na roça.Não pode conhecer bem,pois nessa penosa vidasó quem provou da cumida

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sabe o gosto que ela tem.Pra gente cantar sertãoprecisa nele morar,ter armoço de feijãoe a janta de mucunzá.Viver pobre sem dinherotrabalhando o dia interosocadodentro do matode apragata currulepepisando em riba do estrepebrocando a unha de gato.Você é muito de todo.Sabe ler e sabe escrever.Pois vai cantando o seu gozo,que eu canto o meu padecer.Enquanto a filicidadevocê canta na cidadecá no sertão eu enfrentoa fome, a dor e a miséra.Pra ser pueta de verapricisa ter sufrimento!Sua rima ainda que sejabordada de prata e oropara a gente sertanejaé perdido esse tesoro.Com os seus esse bem feitonão canta o sertão dereito,pruque você não cunhecenossa vida aperriada.E a dor só é bem cantadacantada por quem padece!Só canta o sertão dereito

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com tudo quanto ele temquem sempre correu estreitosem proteção de ninguémcuberto de pricisãosuportando a privaçãocom paciência de Jó,puxando o cabo da enxadana quebrada e na chapada,moiadinho de suor.Amigo, não tenha quexa.Veja que eu tenho razãoem lhe dizer que não mexanas cosa do meu sertão!Pois se não sabe o colegade qual manera se peganum ferro pra trabalhápor favor não me chateieque eu não mexo aícante lá que eu canto cá.Repare que a minha vidaé deferente da sua.A sua rima pulidanasceu no salão da rua.[tosse e se engasga]Já eu sou bem deferentemeu verso é como a sementeque nasce em riba do chãoNão tenho estudo nem artea minha rima faz partedas obra da criação.Mas porém, eu não invejoo grande tesouro seu.

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O livro do seu colégioonde você aprendeu.Pra gente aqui ser puetae fazer rima completanão precisa professorbasta ver no mês de maioum puema em cada gaioe um verso em cada fulô.Seu verso é uma misturaé um passará papé,que quem tem poca leituralê, mas num sabe o que é!Tem tanta coisa encantadatanta deusa, tanta fadatanto mistério e condãoe outro negócio impussíve.E eu canto as coisa visívedo meu quirido sertão!Canto as fulô e os abróio[engasga-se]com todas coisa daqui.Pra todo lado que eu óiovejo um verso se bulir.Se às vez andando nos valeatrás de curar meus malequero reparar pra serra,assim que eu óio pra cimavejo um dilúvio de rimacaindo em riba da terra.Mas tudo é rima rasterade fruita de jatobá,de folha de gamelera

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e fulô de trapiá,de canto de passarime da pueira do caminhoquando a ventania vem.Pois você já tá cientenossa vida é deferentee o nosso verso também.Repare que diferençaexiste na vida nossa.Enquanto eu tô na sentençatrabaiando em minha roça,você lá no seu discansofuma o seu cigarro mansobem prefumado e sadio.Já eu aqui tive a sortede fumar cigarro pobefeito de paia de mio.Sua vida é divirtidae a minha é grande penarsó numa parte da vidanóis dois somo bem iguar.É no dereito sagrado,por Jesus abençoado,pra consolar nosso prantoconheço e não me confundo.Das coisa mió do mundonóis goza do mermo tanto.Eu não posso lhe invejarnem você invejar eu.O que Deus lhe deu por láDeus aqui também me deu.Pois minha boa muié

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me estima com muita fé,me abraça, beija e qué bem.E ninguém pode negarque das coisa naturátem ela o que a sua tem.”GC- Patativa, donde veio essa sua preocupação so-

cial: foi da Igreja, de algum partido político que você fez parte? Donde foi que veio essa sua preocupação com as injustiças sociais?

PA- É que eu fui um leitor assíduo. Eu gostei muito de ler. E o que eu li com mais prazer sempre era as pre-gações de Jesus Cristo, viu? Era os direitos humanos, o direito de cada um e, finalmente, foi... Eu, que também de nascimento mesmo, eu comecei logo a ver a verdade, a justiça e a verdade, viu?

GC- Com muita lucidez...PA- E por isso, então, eu apoio esse tema: ser um

poeta social, um poeta do povo, um poeta que você já tem visto muito minha... onde tem aquele meu poema, “O Agregado e o Operário”, num é? É.

GC- A gente pode dizer que tudo foi a partir da doutrina de Cristo?

PA- Foi! A partir da doutrina de Cristo foi que me veio com muito amor, continuar fazendo verso dentro da verdade e da justiça, defendendo o povo como tem muito poema aí, até soneto... que tenho um soneto aqui “O Peixe”...

GC- Mas o senhor foi ligado a alguma religião?PA- Não! Nunca. Sempre fui um católico, por causa

do meu jeito, acreditando nas pregações de Cristo e também nas obra da criação. O supremo dominador de todas as coisa, que tudo fez, viu? É tanto que certa

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vez, eu li um livro de um autor, mas não gostei, porque ele vacilava ou então com uma certa descrença sobre o criador do mundo.

GC- Sim...PA- O criador de todas as coisas. E então eu fiz esse

soneto com o título “O Burro”:“Vagueia o trote pelo chão da terracom a vista espantada e penetrantee ninguém nota em seu marchar volantea estupidez que esse animal encerra.Muitas vezes manhoso ele se enterrasem dar uma patada para adiante.Outras vezes pinota revoltantee sacode o seu dono sobre a terra.Mas contudo esse monstro[tosse... silêncio]sem noção... Não!! [erra]Mas contudo, esse bruto sem noçãoque é capaz de fazer uma traiçãoa quem que que ele venha na defesaé mais manso e tem mais inteligênciado que o sábio que trata de ciência e não crê no autor da natureza.”GC- O senhor fez parte de algum partido político?PA- Não! Eu nunca fui político, viu ? Fui um simples

eleitor. Agora, eu sempre tive foi muita responsabilida-de... É tanto que tantos os governantes gostam de mim. E sabem que eu não sou político! Eu fiz uma política somente uma vez. Foi do Tasso quando ele... foi candi-dato a primeira vez a governador do Estado. Mas veja bem por qual motivo.

GC- Qual?

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Pa- Eu estava aqui com a minha esposa... a Belinha, que hoje está... no céu.. e, naquele tempo, o candidato a governador era o Tasso Jereissati e o outro era Adauto Bezera. E o Pedro Bandeira, que era do outro lado, ele lá na Rádio Iracema – você veja bem, sobre campanha política, viu?

GC- Sempre apaixona muito...PA- As mentiras que surgem na política. Ele disse

assim:— “Esse Tasso Jereissati que anda acima e abaixo com

a sua caravana a fazer comício, enganando a boa fé do camponês e do operário, é um comunista disfarçado, viu ? O homem é comunista do pé à ponta! Porque quem disse foi um homem que nunca ninguém viu ele andar com mentira. Quem disse que ele é comunista foi o Patativa do Assaré!”

GC- [Risos, risos]PA- Foi! E eu aqui ao pé do rádio, viu?GC- Pensando no que deveria fazer...PA- Houve tudo isso. Eu fiquei revoltado e desgosto-

so, mas falei assim pra minha esposa. Eu digo:— “Belinha, só há um cano de escapação para mim,

viu? Porque se eu silenciar, todo o povo que está ouvindo o que o Pedro está dizendo aí, mentindo, fica acredi-tando que eu disse mesmo. E por isso eu vou procurar esse homem onde ele tiver, vou entrar na política dele, na campanha dele e... e vou desmentir o Pedro e quem pensar que eu disse isso!”

Ela disse:— “Você é quem sabe!”No mesmo dia Mauro Sampaio chegou aqui e eu

contei tudo a ele. Eu disse:

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— “Mas, doutor Mauro, isso é revoltante! Eu nunca andei fazendo campanha, mas sou obrigado a procurar esse homem.”

Ele disse: — “Olhe, amanhã ele está em Ipaumirim e eu vou

pra lá. Quer ir comigo?”Eu disse:— “Vou!” Levei até roupa. Cheguei lá me apresentei a ele. Dele

eu só conhecia o nome: Tasso Jereissati e tal. Aí, contei a ele. Aí continuei. Fui até o fim. Até quando ele foi no interior. Ói, calcule, que querem brincar com a gente!! Quando eu encontrei o Pedro, não! Quando eu encontrei o Pedro, eu disse assim...

— “Pedro, você!... Pedro, tenha vergonha! Mas, rapaz, como é que você faz aquilo comigo!? Você trepa aí num tamborete da Rádio Iracema e disse que eu havia dito que o doutor Tasso Jereissati é um comunista danado, heim!?”

Ele disse:— “Ai, Patativa, você nunca fez política não ? Rapaz,

isso é a política! A gente... a gente mete o couro no outro e mente que é pra poder derrubar, rapaz!”

Eu digo:— “Mas, rapaz, isso é... isso é..”.— “Pois é, eu disse e vou ficar dizendo.”Eu digo:— “Pois você vai errar!”De fato. Pois bem, foi só a vez que eu entrei na polí-

tica. E política... eu falo é sobre a política.GC- E o senhor não teve medo assim de subir em

palanque e desgostar o seu leitor?

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PA- Não! Como?GC- Não, eu digo: o senhor subir num palanque com

o Tasso podia ser que uma parte dos leitores dos seus poemas não gostasse...

PA- Nada que eu não estava pensando nisso não! Eu, quando entrei na campanha do Tasso Jereissati, todos os camponeses gostam muito de mim e acreditam sempre naquilo que eu digo, viu ? Modéstia à parte, eu sou muito acreditado pelos camponeses, pelos populares, viu?

GC- Sei disso...PA- Pois foi um entusiasmo danado pra todos que me

ouviam falar que o Tasso ia ser o porque era vitorioso num sei o quê e papapá e eu falava era em verso. Ainda me lembro de estrofe que eu dizia:

“Camponeses, meus irmãose operários da cidade,é preciso dar as mãose gritar por liberdade.Em favor de cada umformar um corpo comumoperário e camponêse todos num mesmo abraçovotar em Doutor Tasso,candidato de vocês!”GC- [Risos] Quer dizer que o senhor fez isso espon-

taneamente? O senhor teve vontade de apoiar o Tasso?PA- Foi, sim!GC- Não foi contratado pelo Tasso pra fazer verso

não?PA- Não! Eu sempre fazia o comício era em verso.GC- Sim, mas eu digo: o senhor não era pago pra

fazer isso não! Fazia por que acreditava?

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PA- Era. Porque acreditava. Eu sabia que ele era um homem de bem. Você veja que ele foi o primeiro gover-nador que entrou no Ceará pra satisfazer à população pobre, os camponeses pobres. Os outros governadores, quando chegava o tempo de... duma seca, olha... os camponeses iam lá pro terreno desse outro coronel fazer cacimbão ou fazer estrada, isso e aquilo. E... sem prote-ção, sem nada! Quando o doutor Tasso ganhou pegou logo uma seca na frente...

GC- E aí?PA- Aí ele criou o trabalho de emergência de mutirão.

Lá mesmo na Serra de Santana onde eu vivo era oito... cinco, seis, oito, dez... hoje fazendo minha broca. Ama-nhã aqueles mesmos iam pra outro. E tinha mais uma mensalidade cada um inda recebia uma mensalidade... oferecida pelo governador. Foi o homem que entrou e satisfez a toda população rural pobre, viu? Foi o Tasso. Depois o Ciro também entrou cobrindo o rascunho do Tasso. Foi também bom [a amizade com Tasso Jereissati não impediu Patativa de apoiar, publicamente, o candi-dato do Partido dos Trabalhadores, Luís Inácio Lula da Silva, em suas três tentativas de chegar à presidência da República]. Sim, como eu disse [tosse]... de política eu faço é ironia, é critica, é isso aqui ói:

“Tendo por berço o lago cristalino,folga o peixe a nadar todo inocente.Medo ou receio do porvir não sente,pois vive em causa do passar destino.Se na ponta de um fio longo e fino,a isca avista, pega inconsciente,ficando o pobre peixe de repentepreso ao anzol do pescador ladino.

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O camponês tambêm do nosso estadoante a campanha eleitotal, coitado!daquele peixe tem a mesma sorte.Antes do pleito, festa, riso e gosto.Depois do pleito, importo e mais importo!Pobre matuto do sertão do nosso.”GC — [Risos, risos] Patativa escreveu umas “Glosas

contra o Comunismo”. Como é que foi isso?PA- Ah, ali foi a pedido do Padre David Moreira.

Ele foi vigário de Altaneira [cidade próxima a Assaré], ali, viu?

GC- Sim.PA- E então ele veio a mim. Ele gostava muito dos

meus versos. Ele veio a mim pediu pra eu fazer aquelas... aquelas glosas, viu?

GC- Em 1946, com o Partido Comunista na legali-dade...

PA — Aí, eu publiquei. Você viu o folheto por aí, foi?GC — Ele foi republicado na campanha de 1986,

pelos adversários do Tasso....PA — Pois é. Eu fiz aquilo [estala os dedos duas ve-

zes]... Eu era rapazinho naquele tempo, viu!? Mil e foi em... Ele me encontrou, me pediu pra fazer. Aí eu fiz aquelas glosas, viu?

GC- A esquerda gosta muito do senhor, porque é um poeta social; a direita gosta muito do senhor, porque o senhor fala das tradições. Como é que Patativa se sente, assim, entre a esquerda e a direita ? Se bem que essa história de esquerda e direita hoje está meio desgastada!

PA- Eu... eu me sinto bem, porque de ambas as partes eu tenho, eu recebo a maior atenção e muito elogio. Por logo eles sabem que eu sou um caboclo bem honesto,

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amigo da verdade, amigo da justiça... [engasga-se] e nunca fui um poeta lisonjeiro, não! Todos eles sempre apoiam, porque eu sempre estive ao lado do povo [Pata-tiva solicitou ao governador Tasso a solução para o pro-blema de abastecimento d’água de Assaré, resolvido com a construção do açude Canoas, inaugurado em 1999].

GC- Porque é povo...PA- É tanto que... esse doutor Tasso Jereissati ele já

andou aqui, ele já andou aqui três vezes aqui nesse barra-co meu. O Ciro já esteve também aqui e todos eles sabem qual é o meu tema. Quando eles fazem um discurso aqui que faz uma referência sobre o Patativa, ele diz:

— “Muita gente se queixa que o Patativa é um poeta triste, que só canta tristeza. Mas como é que ele num há de cantar tristeza se é só o que ele vê é tristeza e sofri-mento e tudo o mais?” Eles próprios dizem, viu?

GC- “A lição do pinto” foi feita para a campanha pela anistia aos presos políticos?

PA- E eu fiz também um poema para as eleições di-retas para Presidente, em 1984...

GC- Patativa, o que é liberdade para você?PA- Hum...olha, liberdade para mim é o mesmo di-

reito humano, é aquele camarada que... Liberdade que eu quero dizer num é possuir isso e aquilo não. É ser dono do seu direito. Bem, se ele é um trapeiro, ele merece o respeito dele, na sua missão de trapeiro e tudo, viu? É... é isso é que eu chamo liberdade, viu ? É liberdade! É ninguém contrariar o direito do outro, o direito do próximo, viu? É justamente a liberdade que eu vejo é essa, viu? Mas é preciso a pessoa saber, porque... como eu digo bem assim, olha, naquele meu poema, que eu digo... “Nordestino sim, nordestinado não!”. Lá para o

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finzinho assim:“Uma vez que o conformismofaz aumentar... faz crescer o egoísmoe a injustiça aumentarem favor do bem comumé dever de cada umpelo direito lutar.Por isso vamos lutar!Nós vamos reivindicaro direito e a liberdadeprocurando em cada irmão justiça, paz, união,amor e fraternidade.”Justamente aqui. É aqui é onde está a liberdade, ói:

[tosse]“Somente o amor é capaze dentro de um país fazum só povo bem unidoum povo que gozará porque assim já não háopressor nem oprimido.”É, justamente. É a liberdade de cada um. E nós não

temos... é assim é... na verdade, há um quê no meu poema muito... muito debochado, viu? [ri, com gosto]

GC- Patativa, o senhor?PA- A mentira e a verdade, né?GC- É verdade. Você tem consciência, da sua impor-

tância para a literatura?PA- Não! Eu num tenho! Minha consciência vem já

do julgamento dos meus apreciadores, viu? É. Aí, então, eu fico acreditando neles, viu? [ri, novamente]

GC- Mas Patativa, como é que você consegue ser um

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monumento e uma pessoa tão modesta?PA- Ah, isso é... é com certeza! É um segredo natural,

viu? A natureza me deu essa qualidade e eu num posso retirá-la, viu? Mas sempre, tudo aquilo que eu faço, o povo apoia, porque eu sempre gosto de falar a verdade, uma coisa filosófica... Você sabe que eu fui à Brasília em outubro, não sabe?

GC- Receber um prêmio.PA- Não foi nem o prêmio. O prêmio o tempo leva,

se acaba tudo. Foi o certificado do maior poeta popular brasileiro. Eu tenho esse certificado guardado aí, viu?

GC- Merecido.PA- Agora, aquele dinheiro, bem, eu agradeço de

coração, porque sem dinheiro a gente num vive e vive aperreado, porque de toda forma a gente vive. Mas do que eu gostei foi o certificado, viu ? Do maior poeta popular brasileiro. Maior poeta dentro da cultura po-pular, viu?

GC- Pra mim, o senhor é mais que um poeta popu-lar...

PA- Que é justamente... que eu tinha, modéstia à par-te, eu tinha esse pensamento, porque eu pesquiso como são os outros poetas no Brasil inteiro, tudo... e não viu um que já tivesse feito o que eu já fiz. E vivo fazendo, viu ? Mas eu não sabia se os intelectuais também estavam vendo isso. Vim saber agora nessa viagem que eu fui, nessa pesquisa que eles fizeram sobre os poetas popula-res, sobre os poetas da cultura popular. E eu acho que a causa é deu ser o poeta que tem criatividade e tem abor-dado todos os temas, não é? na minha poesia, quer na forma literária, quer na poesia matuta, é a mesma coisa, que a beleza da poesia não consiste na linguagem. É um

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segredo que nem o próprio poeta sabe descrever! É falar com desenvoltura, com espontaneidade, com graça, com beleza, aplicando, mostrando aquelas imagens, aquelas comparações do tipo daquele, não é? É justamente o que eu tenho feito! É como o escritor. Olhe, dentro do mesmo tema, contando a mesma coisa, você lê um escritor, vê que ele disse a verdade ali, mas vê...

GC - Sim.PA- Mas você não gostou tanto. Tem outro escritor

contando a mesma história. Você fica tão satisfeito! Fica até querendo bem ao escritor, não é ? É tal qual o poeta é assim! É um segredo natural, que o próprio não sabe nem explicar, porque... [tosse]

GC- Patativa, algum dia o senhor quis ser príncipe dos poetas?

PA- Deus me livre! [gargalhada, de ambos] Coisa nenhuma!! [gargalhada] Não quero ser nem o Papa, rapaz! [risos] Eu... quero ser o que eu sou mesmo, o que Deus quis que eu fosse e estou sendo. É.

GC- Você acha que poeta nasce ou poeta pode se fazer?

PA- Não! Poeta num pode se fazer. E ele poderá se fazer, fazendo uma poesia muito sem graça, uma com-posição toda mecânica! viu? Que o verdadeiro poeta julgador, quando lê, ele não gosta, viu? Pode ter medida, pode ter ponto, tudo, mas não tem beleza. Não tem graça, viu? Não tem graça!

GC - E como é essa ciência?PA- Olha, a gente não sabe dizer não! viu? É tal qual

o escritor também como eu falei há pouco, viu?GC- Dá para explicar um pouco mais?PA- Dois escritores escrevem a mesma coisa. Você

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gosta muito dum, mas não gosta do que o outro disse. É a mesma coisa. Esse não... você não acha erro não acha nada, mas também não acha graça, não é? É... não acha beleza naquilo que ele... escreveu. É... é tal qual o poeta. Olha, porque de tudo eu tenho... Você veja aqui, eu começando aqui a estrada de minha vida. Eu vou recitar umas estrofes, viu?

Que é “Do Berço ao Túmulo”.“Trilhei na infância queridacomposta de mil primoresa estrada de minha vidaornamentada de flores.E que linda estrada aquelasempre havia ao lado delaencanto, paz e beleza.Desde a terra, o grande espaço,em tudo eu notava um traçodo pincel da natureza.Viajei do passo lentopisando rodas e relvasouvindo a cada momentogemer o vento na selva.Colibris e borboletasdos ramos das violetasviam render-me homenagem.E do cajueiro frondosoo sabiá sonorososaudava a minha passagem.O sol quando despontavaconvertendo a terra em ouroem seu raios eu notavao mais sublime tesouro.

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E de noite a lua belaera qual linda donzelade uma beleza sem fim.A sua luz prateadatinha a cor imaculadada vestes de um querubim.”[silêncio... sino bate novamente]Se a noite chegavaenvolvida em seus negroresuma santa me embalavacantando trovas de amores. E quando raiava o diaque do bercinho eu desciachegava aos ouvidos meuspelas brisas matutinaso som das harpas divinasdos santos anjos de Deus.E eu seguia o meu caminhosempre alegre e sorridentebalbuciando baixinhominha canção de inocente.E enquanto sem embaraçoeu transpunha passo a passoos tapetes da campinado templo da espessa mataas águas de uma cascatacantava ao pé da colina.Nessa viagem de amornada me causava tédiotudo vinha em meu favorpelo divino intermédio.Mas a sorte e sedução

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qual fera na escuridãomanhosa, sagaz e astutaatirou sem piedadesua seta de maldadecontra minha alma em pontaDesde este dia malditotudo tornou-se o contráriofoi-se tornando esquisitomeu luzente itineráriosegui pela minha estradacomo a folha arrebatadana correnteza do rio.Entre a grande naturezatudo quanto era belezaapresentou-se sombrio.O sabiá não cantavaentre bosques e colinasnem pelas brisas chegavao som das harpas divinas.Só me ficou na memóriaaquela estrada de glóriaonde andei calmo e feliz.Lá onde deixei guardadodentro da roseira e dos pradosmeus brinquedos infantisqual peregrino sem féatrás dos santos socorrosum dia cheguei ao pédo mais altaneiro morro.E subi entre os esporroslevando sobre os meus ombrosum fardo de impaciência

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sem encontrar,depois de grande obstáculogalguei o alto pináculodo monte da decadênciana mais horrível peleja.Vivo hoje em cima do cume,onde a brisa não bafejae as flores não têm perfume.A vagar triste, sozinho,sem conforto e sem carinho,na solidão deste montenão ouço o canto das avesnem o sussurro suavedas lindas águas da fonte.No deserto desta criptaninguém consola os meus ais.Fugiram da minha vidaas belezas naturais.A luz do sol é tão baixae a lua pelo sol passadesmaiada e já sem cor.E a lanterna das estrelasprocuro e não posso vê-lasé triste, o meu dissabor.E aqui o que mais me pasmame faz tremer e choraré ver o negro fantasmacom as mãos a me acenar.Sempre sempre me rodeiae com voz horrenda e feiade quando em quando murmurabaixinho nos meus ouvidos

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para descermos unidosos degraus da sepultura!”GC- Patativa, você disse que foi um leitor muito

atento. O que foi que você leu?PA- Sempre quase. os poetas brasileiros, viu? Mas os

poetas brasileiros. Já assim, de estrangeiro, eu li apenas o Camões, viu? E mais alguns poetas também de Portugal. Mas o que eu mais gostei de ler, como eu já lhe disse, as pregações de Jesus, a vida daquele tempo, aqueles exemplos, com aquelas parábolas, mostrando a verdade. E sobre os poetas, eu li Casimiro de Abreu, li. Catulo da Paixão Cearense. Li esse grande escritor aqui, que foi... aquele historiador?

GC- Quem?PA- Capistrano de Abreu. Eu li também, viu? Li muita

coisa dele, viu ? E Arthur de Azevedo, Aluísio de Aze-vedo, Raimundo Correia, Olavo Bilac e muitos outros poetas...viu? Casimiro de Abreu!

GC- Castro Alves?PA- Castro Alves, o maior poeta brasileiro! Cada

um tem seu direito de julgar. Para mim, o maior poeta brasileiro foi Castro Alves. Tanto era grande na espon-taneidade, como no tema, porque o tema dele foi um tema muito honroso, que será lembrado em todos os tempos. Foi o defensor dos escravos, naquele tempo, é aquele “O Livre América” “O Navio Negreiro”, “Espumas Flutuantes”, “Os Escravos”, tudo... eu li tudo aquilo, viu?

GC- E vocês têm essa afinidade. Patativa e Castro Alves têm uma preocupação social.

PA- Sim, sim. É, o mesmo tema. Ele como um poeta culto, que tinha preparo, com certeza... e eu mesmo nessa linguagem rude, mas cantando a mesma coisa, né?

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GC- É.PA- O mesmo tema. E finalmente eu fui um leitor

muito curioso. [som de fósforo sendo riscado, duas vezes] E eu não tive professor, só enquanto fui alfabe-tizado, viu?

GC- Sim.PA- Mas por quê? Porque eu sempre aquilo que eu

lia eu gravava assim como eu gravo os meus versos, eu sabia o que era, o que aquele escritor disse ali, viu? E por isso, eu não precisava de professor. O professor era o próprio livro, não é? Até que me fizeram presente de um livro, que esse me serviu bastante, viu? Que pertence aos livros escolares. Com o título de “Português Prático”. Você talvez até já tenha visto esse livro por aí.

GC- Não.PA- Pois era. Foi um livro muito bom, “Português

Prático”, viu ? Esse me ajudou bastante. E a versificação que eu já tinha assim de ouvido, mesmo de natureza... [tosse] me fizeram presente de um livro “Tratado de Versificação”, de Olavo Bilac e Guimaraens Passos [Li-vraria Francisco Alves,1930, sexta edição]. Aí com esse livro eu terminei de aprender alguns pormenores que faltavam na medida da poesia, porque a medida da poe-sia, a sílaba da poesia é diferente da sílaba da gramática, viu? Por exemplo: /quan-do-en-tro/, na gramática, são quatro sílabas, ao passo que na poesia são três, porque as vogais se unem, viu ? /quan-doen-tro/ não é?

GC- /quan-doen-tro/PA- Formam só três sílabas na poesia, porque há

união das vogais, viu?GC- O Olavo Bilac também foi um poeta que o se-

nhor leu?

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PA- Foi. Olavo Bilac é aquele mundo de poesia, viu? É. “Ouvir estrelas”, viu?

GC- E aqui no Ceará, quem o senhor leu e que pode ter contribuído para a sua formação? Juvenal?

PA- Não! GC- Juvenal Galeno, não? Juvenal Galeno não con-

tribuiu para a sua formação?PA- Li, mas quando eu vim apanhar o livro dele, eu

já tinha era muitos poemas, viu?GC- Porque cada um tem a sua forma de escrever,

de compor, não é?PA- É. Cada um tem... e eu sempre tinha cá o meu

jeito de fazer os meus poemas, como olha “A Escrava do Dinheiro” e “A Mãe Preta”, que você conhece, não é?

GC- Conheço.PA- Aquilo ali é uma homenagem que eu ofereço às

crioulas, que tanto serviram às famílias brasileiras!GC- Está em um dos seus discos...PA- Naquele tempo, né? Então, eu... pensando nisso,

escrevi “Minha Mãe Preta” foi um poema que eu recitei lá no Rio de Janeiro e umas pessoas até da África cho-raram foi muito, umas mulheres, viu? Quando eu recitei aquele poema, eu recitei aquilo muito choroso... Num tem aquele canto de ninar, não é?

GC — Comovente.PA — Ela embalando um menino, eu digo:“Dorme, dor,e meu menino / já chegou a escuridão

/ a sombra da noite escura / está cheia de papão”GC — Em que evento Patativa recitou no Rio?PA- Porque fui convidado. Pra me apresentar no Rio,

em 92, não é ? Naquele muvimento... GC — Que movimento Patativa?

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PA- Homem, o Brasil inteiro... os estrangeiros tudo foram pra lá! Como era o título?

GC- Eco 92! Foi aquela reunião de ecologia, não foi?PA- Sim, eu fui convidado pra lá. Eu fui quem fiz a

abertura. Foi, com os poemas novos que eu preparei. Recitei outras coisas... Tinha gente da África, tinha de todos os países.

GC- Mas o senhor foi antes ao Rio de Janeiro. Acho que para fazer uma cirurgia.

PA- Fui, sim. Foi essa perna aqui. Eu fui acidentado lá em Fortaleza, ali bem pertinho da Igreja do Coração de Jesus [em 1973].

GC- Sim.PA- Bem ali perto mesmo, tanto que não havia nem

sinal ali... quando um táxi me apanhou aqui. Daí eu ainda passei nove meses eu Fortaleza, aí eu fiz como um desertor, pedi licença ao doutor pra ir lá pra casa, por-que eles me prometeram que com noventa dias, estava emendado, quando tirou o gesso estava do mesmo jeito! Aí botaram novo gesso. Quando enxugou o gesso, pedi licença lá a eles pra eu ir pra casa do Filgueira Sampaio [folclorista cearense amigo de Patativa]

GC- E eles deixaram?PA- Sim. Aí era muito meu amigo. Aí, eles me deram

licença e a dona Hilda foi... Telefonei Dona Hilda, a es-posa do Filgueira Sampaio foi me apanhar lá. Quando assim que eu cheguei, no outro dia, apanhei um ônibus e vim foi me embora pra aqui pra Assaré.

GC- Mas o senhor não teve no Rio hospitalizado um tempo?

PA- Não, demora, deixa o trem aí! Isso aí é o começo da história!

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GC- [Risos, risos]PA- Cheguei aqui no Assaré, estava aqui um parente

meu que é médico lá no Rio de Janeiro, na Clínica Gua-nabara. Mas ele num é ortopedista. Aí, ele disse:

— “Você quer ir comigo para o Rio? Você vai comigo para o Rio. Lá eu lhe boto no hospital e lá tem ortopedista e você vai fazer seu tratamento lá!”

Eu disse:— “Quero!”Aí, fui. Fiz a maior sujeira. Saí de lá sem a licença de

médico nem coisa nenhuma... [risos] E vim me embora.GC- E ainda fez um poema falando mal da comida

do hospital, não foi?PA- Foi sim!GC- [Risos]PA- E lá eu passei um ano, viu? Passei um ano e num

emendou não. Isso aqui é grampeado de platina, viu? Mas num chegou a colar... com o grampo não. Falou ele que a parte superior e a inferior tinham secado e num prestavam mais... Aí eu passei, assim, um ano lá. Quando cheguei aqui...

GC — Mas todo no hospital, não!?PA — Sim! Não! Mas eu tava no hospital e tinha li-

cença de ir pra casa de parentes que eu tenho lá no Rio, viu? Passaram muitas semanas e dias na casa de amigos lá que eu tenho. Aí, certa vez, deu azar! Era até na época do carnaval. De manhã, rapaz, não teve manteiga na hora da merenda não! O pão foi mesmo sem manteiga. Na hora do almoço foi um pouco de farofa para todos os pacientes. Então, na sala que eu estava nós éramos doze acidentados, viu?

GC — Sim.

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PA — E eu toda vida fui assim com esse meu jeito assim... eu nunca... num gosto de me entristecer com nada, num gosto! Eu sou inimigo da tristeza! Agora, só tem uma coisa que me faz sair da linha: é uma dor. Uma dor grande num há quem esteja conformado, não é?

GC — Não.PA — Aí, na hora do almoço um pouco de farofa para

cada paciente e lá nas outras salas também. Chegou a janta, veio uma comida desconhecida que eu até hoje não sei que o era aquilo...

GC — Tá! [responde a alguém da casa]PA- Que lhe falaram?GC — O carro veio lhe pegar. [Um táxi veio buscar

Patativa para o almoço na casa de dona Lúcia]PA — Já veio pegar?GC — Já. A gente continua a conversa à tarde.PA — Demora aí um pouquinho, rapaz, porque eu

aqui recitar um verso que eu fiz! Aí num outro dia à tarde, o hospital era Hospital São Francisco de Assis. Eu falei pra São Francisco de Assis:

“Meu São Francisco de Assis,meu santo, meu bom amigo,qual foi o mal que eu lhe fizpra me dar tanto castigo?Seu amor nunca se apagaé venerado o seu nomese tiver comida tragaistô danado de fome!O senhor foi penitentepadeceu tanta amargurae hoje trata seu doentecom farofa conhecida.

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 89

Meu canto isso não adiantatenha dó de minha vida.”GC- Ele vai já! [fala alto para alguém que entra na

casa]PA- “Se achamos que ainda não chegaa nossa grande afliçãotirou-se também a manteigaque tinha o nosso pão.Eu preciso ser felize o senhor de mim se esquece.Meu São Francisco de Assistenha dó de quem padece!”Aí, veio uma irmã. E disse:— “Seu Antônio Gonçalves tá é atacando o hospital ?”Eu disse:— “Irmã Natália, eu não sou homem para tanto! A

senhora é que não sabe interpretar a minha poesia. Olha, eu aqui... a minha poesia é uma coisa sagrada que eu considero. Eu falo para os anjos, eu falo para Deus, falo para os santos. E eu aqui tou falando pra São Francisco de Assis. Eu num mencionei nome de pecador!”

GC- [Risos]PA- E a senhora vem agora...? Aí, ela... (estala os de-

dos uma só vez) Foi embora! [gravação interrompida]

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90 GILMAR DE CARVALHO

EntrevistaLado B

GC — Patativa, eu queria saber da sua amizade com Luiz Gonzaga.

PA — Pois não. O Luiz Gonzaga não foi compositor, mas como cantor, foi o maior no nosso ritmo, como nós sabemos, viu? Na “Triste Partida”, naquele poema eu retratei uma família indo para São Paulo em mil e novecentos e cinqüenta e sete. Bem, aquilo ali, eu can-tava ela ao som da viola, não só eu, os outros cantadores também cantavam a “Triste Partida”. Todos os lugares que a gente ia a uma cantoria o auditório, a assistência pedia logo: ói, canta a “Triste Partida”! Aí o violeiro cantava. Luiz Gonzaga me disse que indo a Campina Grande, lá na Paraíba, ele ligou o rádio no carro dele e ouviu alguém cantando aquela “Triste Partida”. Alguém não! O Zé Gonçalves que é um grande violeiro, que tem um programa na Rádio Borborema.

GC — Sim.PA- Aí, ele disse assim que chegou, procurou logo ir

à rádio e chegou lá, perguntou quem cantava uma... um trabalho... um poema, a retirada de nordestino pra São Paulo em um caminhão num sei o quê. Aí, disseram: é o Zé Gonçalves. Ele disse:

— “E onde está Zé Gonçalves?”

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 91

Ele está aqui. Está em outra sala, que ele tem o progra-ma dele e depois vai arranjar as coisas. Aí ele perguntou:

— “Me diga uma coisa: de quem é aquele trabalho que você cantou? Eu fiquei maravilhado quando ouvi, vindo no meu carro.”

Ele disse:— “É... todos nós cantamos, todos os violeiros...

aquilo ali é de Patativa do Assaré. É o autor de a “Triste Partida”.”

Aí, ele veio à minha procura. Quando chegou no Crato, eu estava e ele quis comprar até o direito autoral. Eu disse:

— “Não, Luiz! O meu mundo eu posso dizer que é a minha família e a minha poesia. Aí, eu num vendo direi-to autoral por preço nenhum! [Existe cópia do bilhete do Luiz propondo a compra da composição no livro “Vida de Viajante, a saga de Luiz Gonzaga”, de Dominique Dreyfus, Editora 34, 1996]. Aquilo que eu compus com muito carinho e com muito cuidado.”

Ele disse:— “Então, Patativa, vamos fazer outro negócio.

Vamos fazer parceria. Você assim não está vendendo. Você me dá as ordens e eu levo pra RCA disco e vamos gravar a ‘Triste Partida’. No livro constará, você como autor e eu como cantor.” [o violeiro João Alexandre, que se apresentava com Patativa, reivindica co – autoria de “Triste Partida”, o que Patativa recusa com veemência]

GC — Proposta correta...PA — Aí, eu aceitei. E ele gravou a “Triste Partida” no

ano de sessenta e quatro, viu? Aí foi um estouro quando ele gravou com aquela voz maravilhosa e tudo, viu? Deu um compasso mais... lento também, que a gente cantava

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num compasso mais apressado um pouco e não tinha também aquele coro: “Ai ai ai ai!” Não tinha, viu? Ali foi ele com a sua gente que pôs na “Triste Partida”.

GC- Foi sua estréia em disco.PA — Aí, deu um sucesso muito grande. Decerto

que a gente tinha sempre um encontro, uma intimidade. Quando ele estava em um lugar que o Luiz Gonzaga ia se apresentar que eu estava também era eu quem apre-sentava ele no palanque, viu?

GC — Sim.PA — Para os populares, para o povo, dizendo que

era aquele “O Rei do Baião”. E até as crianças conheciam a sua voz e chamavam de cabra macho quando ele saía com o seu programa. Ele veio aqui à minha casa, mais de uma vez e quando eu tive um convite pra São Paulo, pra me apresentar no Memorial da América Latina, onde eu já me apresentei já umas três vezes e ele faleceu quando eu estava lá. Ele faleceu. Por isso eu não acompanhei o cortejo fúnebre do Luiz Gonzaga. Mas quando voltei, eu fiz a seguinte referência como uma homenagem póstuma ao “Rei do Baião”:

“Eu sou o poeta sensível.Falar do rei do baiãoé custoso, é impossíveleu não sentir emoção.Foi um artista colossoo Nordeste em carne e ossotriste coisa aconteceu.Meu coração abalouquando o rádio anunciouLuiz Gonzaga morreu.Nasceu esse sanfoneiro

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lá na terra de Nabucoglória do país inteiroinda mais do Pernambuco.Foi artista preferidoem toda parte queridodo patrão e do operárioa jóia pernambucanaprazer de Dona Santanae orgulho de Januário.Sua sanfona saudosacom quem vivia abraçadoera santa milagrosaressuscitando o passado.Até mesmo a criaturasisuda, de cara durae de cruel coraçãoficava alegre e ditosaouvindo a voz milagrosado grande Rei do Baião.Artista do gênro popicom proteção soberanaera do sul e do nortedo palácio e da choupanavivia provando a raçadesde o campo até a praçana vida de sanfoneiro.Era forte, firme e humanoartista pernambucanoque soube ser brasileiro.Mas o dia dois de agostoo dia de sua mortetransformou gosto em disgosto

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com seu eterno transporte.Querido Rei do Baiãoé triste a separação!E enquanto na eternidadetu vives entre os primoresaqui dos compositoressofrem a dor da saudadeque deu sucesso e deu vidae com amor divulgastea letra ‘A Triste Partida’que eu compus e tu gravaste.E hoje só resta a saudadedo campo até a cidadeagora ninguém está tristecantando ‘A Triste Partida’porque para outra vidafizeste a partida triste.Porém, com saudade milqual farol que não se apagaenquanto existe Brasilexiste um Luiz Gonzagano coração do Nordestee aí na corte celestede Jesus de Nazarégozando de paz completaroga a Deus por teu poetaPatativa do Assaré.”GC- Então Patativa não considera o Luiz Gonzaga

compositor, apenas cantor?PA- Somente cantor. Ele ajuda, ele ajudava um pou-

quinho na composição. É tanto que mencionam sempre

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o nome dele em muitas... mas ele mesmo me dizia, ele mesmo disse a mim. Uma vez ele disse:

— “Patativa, eu só sei compor o comercial, porque eu aproveito aquela música que já saiu até da moda e faço um versinho, mencionando o comércio, fazendo a propaganda, mas mesmo compor como... eu tenho muita coisa, mas eu não sou compositor. Eu sou cantor. E você pode cantar os discos dele e num tem nenhum somente ele, viu? Tem o nome para compor, porque ele é muito famoso, não é ? Dava também uma certa opinião ao compositor como queria e tal, não é? Mas ele não foi compositor. Era.... foi um grande cantor que eu acho que... ninguém vai substituí-lo tão cedo o Luiz Gonzaga com aquela sua voz metálica, harmoniosa. Era uma coisa maravilhosa, viu? Eu admirei muito o Luiz Gonzaga e aquele Lindô. Você conheceu o Lindô?

GC- Não!PA- Era do “Trio Nordestino”, Cobrinha, Coronel e

Lindô. Era o dono da voz, maravilhosa, viu? Ele mor-reu até dos rins, foi operado. Ele andou aqui em Assaré algumas vezes e era muito amigo do médico, doutor Laércio, aqui em Assaré. Doutor Laércio, que é um mé-dico, pelejou com ele. Disse:

— “Lindô, você tenha cuidado! Você tenha cuidado com esse seu problema....nos rins, que isso aí é muito prejudicial. E ele pouco ligou, sempre cantando. Até que quando cuidou não houve mais jeito. Faleceu.

GC- Patativa, e além da “Triste Partida”, que outro poema seu também foi cantado?

PA- Por Luiz Gonzaga não teve outro.GC- E por outros compositores?PA- Sim, ah! Com muito sucesso, teve a “Vaca Estrela

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e Boi Fubá”, cantada por Raimundo Fagner, viu ? É, ele deu um sucesso muito grande, que é eu mencionando um caboclo lá no sul, contando a causa de se achar no sul. Perdeu a sua fazenda, seu gado, principalmente duas rezes famosas: a Vaca Estrela e o Boi Fubá. A Vaca Estrela é aquela vaca que tem uma mancha branca na testa, sempre é conhecida por vaca estrela. E Fubá é uma qualidade, um amarelo queimado, que os fazendeiros dão o nome de fubá.

GC- Em 1980...PA- Aí, é por isso, eu me apoiei nessas duas quali-

dades e fiz o poema. Criei na minha imaginação aquele caboclo, contando a um doutor, lá no sul, a causa de ter ele saído do nordeste. E deu um sucesso muito grande. Já foi gravada por uma dupla de caipiras lá em São Paulo, Pena Branca e Xavantinho, que eles se apresentam no programa duma mulher que é muito minha amiga, a Inesita Barroso. Ela tem um programa, “Viola, Minha Viola”, viu ? E então esses caipiras gravaram “Vaca Es-trela e Boi Fubá”. O Luiz também gravou com o Fagner “Vaca Estrela e Boi Fubá”. [A música teve várias outras gravações, como a de Sérgio Reis, Cláudio Nucci, Ro-lando Boldrin].

GC- Aquela música “Seca D’água”, no tempo das inundações, é do senhor?

PA- É minha! Mas só a letra...GC- Só a letra?PA- Aquilo aconteceu assim: eles criaram um plano,

os cantores famosos lá do sul, Chico Buarque, Mílton Nascimento, inclusive o Fagner também, ele também é famoso, viu?

GC- Que plano?

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PA- Criaram um plano pra fazer uma campanha em benefício dos flagelados das enchentes de oitenta e cinco. Aí, ficaram pensando quem poderia fazer a letra. Aí, o Fagner que me conhece muito, sabe da minha capaci-dade de versejar, ele disse:

— “É, o Patativa do Assaré.”Aí telefonou pra mim. Estava aqui quando o mensa-

geiro chegou e disse:— “Tão telefonando pra você lá na Teleceará... tão

lhe chamando.”Aí, eu fui. Cheguei lá era o Fagner. Ele aí me disse:— “Olhe, é um plano que nós tivemos pra fazer uma

gravação pra ser vendida em benefício dos flagelados das enchentes, viu? E eu disse aqui ao Chico Buarque e aos outros, ao Mílton Nascimento, que você tinha capaci-dade de fazer essa letra pra todos gostarem!”

Eu disse:— “Mas você, pra que que você disse isso ? Você sabe

que eu num gosto de fazer nada atendendo a pedido de ninguém!? Eu já lhe disse isso mais de uma vez.”

Ele disse:— “Não, mas você num vai fazer isso comigo! Co-

migo e nem com os outro, viu ?”Aí eu pensei... e disse:— “E quando é que eu mando essa letra pra aí ?”— “Não, Patativa, você diz o dia que está pronta

e eu telefono novamente. Você vai dizendo aí, eu vou anotando aqui! Aí, eu vou copiando.”

GC- Sim.PA- Eu disse:— “Bem, Fagner, pois sendo assim, hoje mesmo, às

quatro da tarde – era mais ou menos oito da manhã –

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hoje mesmo, às quatro da tarde, você pode telefonar que eu estarei aqui na Teleceará. Aí, eu já tenho feito. Ou que preste ou que não preste, mas eu já tenho feito os versos.”

Aí, voltei e procurei assim na mente um título. Aí, me veio à lembrança... [tosse] que a seca sem chuva, o caboclo pode trancar a sua casinha e entrar pelo mundo à procura da vida. Quando o tempo melhorasse, ele volta, vai morar na mesma casa. Ao passo que com as inunda-ções, as enchentes, como houve aqui no Ceará e em mais Estados, as enchentes levam com chuvas torrenciais e enchente de toda forma, carregam até a casa, como nós sabemos, não é? Às vezes, mata até gente.

GC- E como...PA- Aí, eu disse:— “Bom, eu vou botar o título de ‘Seca D’água’.”Aí, foi. Dei o título de “Seca D’água”, que diz:“É triste para o nordesteo que a natureza fezmandou cinco ano de secauma chuva em cada mês.E agora em oitenta e cincomandou tudo de uma vez!A sorte do nordestinoé mesmo de fazer dó.Seca sem chuva é ruimmas seca d’água é pior.Quando chove brandamentedepressa nasce o capim.Dá milho, arroz e feijão,mandioca e amendoim.Mas como em oitenta e cincoaté o sapo achou ruim.

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A sorte do nordestino é mesmo de fazer dó.Seca sem chuva é ruim,mas seca d’água é pior.Maranhão e Piauíestão sofrendo por lámas o maior sofrimentoé nessas bandas de cá:Pernambuco, Rio Grande,Paraíba e Ciará.O Jaguaribe inundoua cidade de Iguatue Sobral foi alagado pelo rio Acaraú.O mesmo estrago fizeramSalgado e Banabuiú.A sorte do nordestinoé mesmo de fazer dó.Seca sem chuva é ruimmas seca d’água é pior.Ciará martirizadoeu tenho pena de ti.Limueiro, Itaiçaba,Quixeré e Aracatifaz pena ouvir o lamentodos flagelado dali.Meus senhores, governantesda nossa grande nação,o flagelo das enchentesé de cortar coração.Muitas famílias vivendosem lar, sem roupa e sem pão.

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A sorte do nordestinoé mesmo de fazer dó.Seca sem chuva é ruimmas seca d’água é pior.”Foi isso aqui, viu? E deu sucesso isso aqui. Eles per-

guntaram, eu disse:— “Não, eu num cobro nada!”Seria eu imprudente ou até um desonesto se eu fosse

cobrar uma letra que eu faço para arranjar dinheiro em benefício dos meus irmãos flagelados aqui das enchen-tes... e meus conterrâneos. Mas, deu um sucesso gran-de! E o presidente do sindicato dos músicos no Rio de Janeiro, escreveu para mim e disse:

— “Olha, a sua canção — e ele até chamou de canção! — ... a sua canção deu um sucesso no Brasil inteiro, onde ela é rodada é com muita admiração no povo. E você não quis nada. Mas o sindicato dos músicos do Rio de Janeiro vai lhe gratificar com trinta e dois milhões. Eu vou enviar aí para o seu Assaré, para o Banco do Brasil.”. De fato, eu recebi, viu ? Mas não que eu cobrasse. Eu não queria.

GC- A melodia do “Vaca Estrela e Boi Fubá” é do Fagner?

PA- Não! Ele ali só tem a voz.GC- A música é do senhor?PA- É também. Ele só tem a voz e o compasso,

porque eu e os outros cantadores cantavam era assim mais apressado, viu? E ele, como cantor, estilizou assim a harmonia, a música, viu? Botou um compasso bem mais lento, viu? Mas naquele meu livro “Cante Lá Que Eu Canto Cá” já no final do livro está: olha, poema mu-sicado pelo próprio autor.

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GC- Pelo próprio autor?PA- É, pelo próprio autor. Está no livro “Cante Lá

Que Eu Canto Cá”, já quase no fim do livro.GC- Patativa, aconteceu de gravarem músicas suas e

botarem o nome de outros autores?PA- Sim, já aconteceu, mas foi uma coisa que passou

e ninguém fala mais disso, viu? E foi daí de onde surgiu a nossa relação, a nossa amizade. Nem eu conhecia ele, nem ele me conhecia. Quando eu estava internado lá no Rio de Janeiro, aconteceu que um camarada foi me visitar. Um conhecido meu levou uma radiola, um disco, botou o disco pra rodar. Quando o disco rodou, estava... uma letra minha, foi mudado o título. A letra era do ... “O Vaqueiro”. Ali estava “Sina”.

GC- Sem lhe dar os créditos...PA- E finalmente que ele rodou, eu disse:— “Olhe, esse trabalho aí está deturpado. Mas é meu!

Isso aí é meu. Está até no meu livro...”Aí, ele disse:— “Pois é, mas está aqui, com o nome do Fagner e

Ricardo Bezerra.”Aí, eu disse:— “Tem nada não!”Eu cheguei e comecei a dar reportagem na “Tribu-

na”, no “Povo” [jornais de Fortaleza] e lá pra São Paulo naquele jornal o “Movimento” — você não se lembra daquele jornal?

GC- Do tempo da ditadura?PA- Eu fiz parte daquele jornal. Aí mandei publicar

também no “Movimento”. E sempre onde ele cantava, o povo trazia um recorte do jornal e mostrava, dizia:

— “Olhe, Patativa é muito famoso, é muito querido.

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E olha aqui o que ele escreveu!?”Mas eu não escrevia afrontando. Coisa nenhuma!

Apenas defendendo a minha propriedade, não é?... Somente!

GC- É claro.PA- Aí, o doutor Francis, que era o advogado dele,

falou para ele. Disse:— “Fagner, é muito melhor você ir à procura do

Patativa. Você não conhece ele pessoalmente, nem ele também lhe conhece, mas ele vive sempre lá no Assaré dele. Ele não viaja.”

Aí, ele veio. Quando chegou no Crato, eu estava. Disseram qual a pensão. Quando entrou aquele... aquele homem muito simpático, com a cabeleira bonita e tal. Já tinham informado a ele, que quando ele entrou na sala da pensão, ele disse logo:

— “Me diga uma coisa, o senhor é o Patativa do Assaré ?”

Eu disse:— “Sou. E com quem tenho o prazer de estar me

entendendo agora mesmo?”Ele disse:— “Eu sou o cantor Raimundo Fagner.”Aí, eu ri. E disse:— “Ah, é você, Fagner!? Mas olhe, você num venha

pensando... você num vem pensando que eu tenho rai-va de você, tenho rancor, essas coisas. Não, olha, aqui nesse coração nunca germinou tal semente! Eu apenas fiz reportagem dizendo a verdade.”

Ele até disse:— “Não, tudo eu li e vi que você o primeiro assunto

era dizendo que não tava visando a parte comercial,

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tava defendendo aquilo que era seu e tal! Patativa, você tem toda a razão e a culpa não foi minha não! Rapaz, o Ricardo Bezerra disse que não tinha nada. A gente podia gravar.” [Ricardo Bezerra refuta a versão de que teria sido o responsável pela não atribuição da autoria de Patativa, situação que persistiu quando o disco “Manera Fru-Fru” foi lançado como cd, em 1996]

Eu disse:— “Sim, podiam ter gravado mesmo... com o meu

nome! Eu num ia sequer ia procurar coisa nenhuma! Vocês e tal... Eu num ia atrás de dinheiro!? E vocês es-tavam divulgando o Patativa com um trabalho daquele.”

GC- O senhor achava justo?.PA- Aí, ele... Sim, ele disse:— “Mas eu venho trazendo um papel, quero que você

assine aqui, viu ?”O certo é que eu escrevi lá meu nome onde ele man-

dou e tal, mas eu fiquei assim... passado.— “Porque eu hei de fazer uma amizade sincera com

você!”Eu disse:— “Olha, eu sou muito exigente com amizade!”GC- [Risos, risos]PA- Amizade pra mim, eu só quero uma amizade

sincera e decidida, sem sentido de exploração, viu?Ele disse:— “Não! E eu garanto. E quero até gravar uma coisa

sua.”Eu disse:— “Pois vamos lá para o meu quarto.”Nós fomos lá para o quarto da pensão onde eu estava

e ele com um gravador. Aí, eu comecei a cantar umas

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toadas que eu tenho. Cantei “Casinha de Palha”. Cantei “A Tristeza Mais Triste” e... e “Lamento do Nordestino”. Mas quando eu cantei “Vaca Estrela e Boi Fubá”, quando eu comecei a segunda estrofe, ele num teve paciência e disse:

— “É essa aí que eu vou gravar! Essa eu vou gravar, que ela vai dar sucesso!”

GC- [Risos]PA- Como cantor é inteligente, né ? Bem, e aí ele

voltou e disse:— “Olhe, ‘Vaca Estrela e Boi Fubá’ nós vamos fazer

propaganda dela pra você vê como vai dar sucesso. De-pois a gente grava.”

Eu disse:— “Não! Eu não vou gravar com você porque eu não

sei cantar no ritmo da orquestra. Num... num entendo desse negócio, viu? Minhas coisas são todas naturais. Mostrei essa música porque eu gosto mesmo e acho que tá bem.”

E ele disse:— “E tá muito bem. Mas nós vamos fazer uma viagem

só mostrando ‘Vaca Estrela e Boi Fubá’.”Aí, nós cantamos lá em Fortaleza, fomos ao Rio

de Janeiro, cantamos no Teatro Carlos Gomes, foi um estrondo mesmo! Depois cantamos no Som Brasil, do Rolando Boldrin, cantamos também naquele programa da Hebe Camargo, que me fez um convite muito honro-so para o programa dela. Naquele tempo ela estava na Bandeirantes. Aí, eu fui nós fomos lá, cantamos. Depois fomos ao Festival de Verão [tosse]... lá em Guarujá. E o certo é que onde a gente cantava “Vaca Estrela e Boi Fubá” era um estrondo, viu!? Aí, ele gravou e deu sucesso

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mesmo... “Vaca Estrela e Boi Fubá”. Porque eu sempre gostei, de fazer esse trabalho do nordestino, falando do norte e do sul, falando do nosso nordeste, nossa terra e o sul, o sofrimento deles quando vão pra lá, isso e aquilo tudo. Pois eu tenho “Lamento de um Nordestino”, gra-vado por um garoto, José Fábio, lá em São Paulo, viu?

“Eu sou sertanejodas terras do norte.Mas a negra sorteme fez arribar.Hoje vivo ausentesem ver minha gente,o meu sol ardentee o meu branco luar.Ai, quem me dera voltar!Ai, quem me dera voltar ao meu lar!Oh, terra queridada minha amizadea dor da saudade me faz soluçar.Há tempo não vejoum São João sertanejocom o seu festejode fogo duar.Ai quem me dera voltar!Ai quem me dera voltar ao meu lar!Voltar ao nordestee à terra a ...adoradaouvir na chapadao bizerro berrar,a vaca mugindo,o cachorro latindo,

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chucalho tinindo,e vaqueiro aboiá.Ai quem me dera voltar!Ai quem me dera voltar ao meu lar!Pra ver meu casebrede palha de coco,tapada à reboco,que eu deixei lá.E ouvir no terreirosobre um juazeirocantar prazenteiroo meu sabiá.Santa Aparecida,rainha celeste,me leva ao nordesteque eu quero escutara vaca mugindo,o cachorro se... latindo,chucalho tinindoe vaqueiro aboiá.Ai quem me dera voltar!Ai quem me dera voltar ao meu lar!”Isso aqui, desperta uma saudade tão roxa ao nor-

destino que está lá ouvindo cantar isso aqui, viu? Com uma toada assim penosa, viu? Tocante. Esse é musicado também por mim, esse aqui. E esse rapazinho, esse meni-no, é um menino! É uma coisa admirável, só a natureza mesmo fazer uma coisa daquela. Ele tem onze anos e gravou o disco lá em São Paulo. No dito disco eu tenho quatro letras. É o Zé Fábio. Era um menino de rua. Ele vivia solto, abandonado, lá em Nova Olinda, que é a cidade que você passou por ela, não foi?

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GC- A cidade da Casa Grande... [projeto comunitá-rio de Alemberg Quindins, no campo da comunicação comunitária, com crianças e adolescentes].

PA- Passou nela. Pois bem, ele é filho dali. Vivia pobremente, batendo um triângulo e cantando. Já tava assim um legítimo menino de rua. Ninguém dava aten-ção, mas eu trazia ele pra aqui, quando ele vinha aqui pro Assaré, pra cantar pra Belinha ouvir, que ele cantava muito, que ele tinha aprendido ao pé do rádio e na te-levisão. Até que um assareense, que há trinta anos que está lá em São Paulo, veio a passeio aqui e, quando viu o menino cantando, ficou maravilhado! Foi ao juizado de menores. Foi também aos pais dele, pediu licença, ajeitou documento. Quando chegou lá apresentou ele ao doutor José de Abreu, que é da Rádio Atual... [rádio paulistana que só toca música nordestina]

GC- E ele gravou logo?PA- O José de Abreu já esteve até aqui em Assaré.

Ele e a Dona Cristina, a esposa dele. Aí ele patrocinou um disco. E ele gravou um disco, com a voz bem bonita, bem fininha! mas entoada como eu nunca tinha visto...

GC- Você sabe o que o seu público gosta? Você se preocupa em agradar o seu público?

PA- É, eu me preocupo em agradar o meu público com muito carinho, com muita atenção. Outra, que eu sou o artista mais humilde de todos os artistas que já existiram! Poderá haver um igual a mim, mas mais do que eu, na humildade, na simplicidade, não tem! Porque eu posso estar em qualquer um ponto, numa roda assim de chapeado, de.. ajudante de carro. Todo esse povo vem se dar comigo:

— “O senhor é que é o Seu Patativa?

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Eu digo:— “Sou, sim!”— “Recita aí uns poemas pra nós, umas poesias!”Ali, no lugar que ele pediu, eu recito, viu? Eu sou o

poeta do engraxate, do chapeado, do ajudante de car-ro, do dono do carro e do doutor, quando ele me quer. Comigo não há distinção! Sempre fui assim e hei de ser. Sabe por quê ? Porque meu julgamento é diferente de muitos. Eu num tenho vaidade com essas coisas. Foi Deus que me deu, num é meu, num fui eu que criei! Foi a natureza que me legou. Então, se os filhos do chapeado têm o mesmo direito de me escutar e gostar do que eu digo, com os mesmos direito que têm os filhos do doutor, num é? Num é? Num é a mesma coisa?

GC- É a mesma coisa.PA- É a mesma coisa!! Mas a maioria dos artistas

num olha pra esse lado. Eles querem é dinheiro e fama! E coisa nenhuma, rapaz!? Olha, eu tenho esse poema aqui. Porque lá em São Paulo, quando eles vêem gente daqui, eles até ficam com raiva, mas depois já consolei a eles. Eles dizem:

“Olhe, Patativa, a gente fica com raiva... lá em São Paulo. Às vezes, eles perguntam o que é... Eu digo que é do Ceará. Digo: ‘No Ceará tem um grande poeta: Pata-tiva do Assaré!’” Ele disse: “Eu sou do Assaré! O Patati-va... Ó, rapaz, me diga aí como é o Patativa!?” Ele disse: “O Patativa é assim... Você se entende com ele no lugar que encontrá-lo. E ele recita também, numa calçada, numa praça onde o camarada quiser ouvi-lo.” Ele disse: “Olha, você desculpe que eu num tô acreditando não! viu? Porque esse Patativa que eu estou falando é muito famoso. Aqui, ele sai aqui nas reportagem, aqui mesmo

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de São Paulo, se apresenta até na televisão. A gente vê gravações... e você dizer que ele é assim!” E aí ele fica com raiva. Eu digo: “Olha, menino, não fica contristado não! É porque os outros artistas fazem... todos são assim como ele tá pensando. Enquanto está lá no palanque, tudo bem! Mas quando eles descerem dali, se um po-pular qualquer procurar dar a mão a ele, conversar um pouco, ele não gosta. Ele dá meia volta e sai. Pois isso eu conheço por experiência. Já tenho visto, viu? E por isso vocês não fiquem muito contristado não. E quase que eles têm razão de dizer isso. É o mau exemplo dos outros artistas. Mas é porque eles não sabem ver as coisas. Olhe, toda a capacidade, menino, principalmente dessa... na cultura, vem da mesma fonte de sabedoria. É o mesmo método, é o mesmo professor. E por isso nós não temos esse direito. Mas eu vou compor um poema e... e oferecer a vocês e recitar pra vocês. Aí, criei aquele poema, “O Sabiá Vaidoso”, não é? Não é? Você já viu no meu livro?

GC — Já.PA — É... um passarinzinho que nem sequer tinha

nome, é:“O sabiá vaidoso do seu cantose julgava um maestro quase santoe de todas as aves a primeira.Na linda copa de uma larajeira seu gorjeio, repleto de doçura,dispertava saudade, amor, ternura.De orgulhoso e vaidoso, ele pensavaque o mundo inteiro a ele se curvava.Com a força vibrante de harmonianovas notas criou naquele dia.Um simples passarinho, uma avezinha,

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que nem sequer no mundo um nome tinha.por direito que assiste aos passarinhosnaquela copa fez também seu ninhoe modesto, com muita singeleza,obedecendo à sábia natureza,cheio de vida o seu biquinho abriu:Piu-piu, piu-piu-piu!Piu-piu, piu-piu-piu!Piu-piu, piu-piu-piu!O sabiá, se achando enfurecido,para ele falou: ‘Seu atrevido!Com este canto que soltaste agora,tu desvirtuas a minha voz sonora.Com a tua cantiga dissonante,tu não passa de um bicho ignorante!Eu não quero te ouvir perto de mim.Quem te ensinou cantar tão feio assim ?’E o passarinho pobre de harmonia,mas muito rico de filosofia,logo a resposta o sabiá ouviu:‘Esse meu canto, piu-piu, piu-piu-piu!que o destinho fiel me permitiupara ninar os filhotinhos meus,seu sabiá, quem me ensinou foi Deus!’”Foi. O mesmo método do sabiá, não é? Pois bem, mas

os artistas não olham para essa parte, viu? Por isso eu publiquei isso aqui. Tá publicado no “Aqui Tem Coisa”, mas eu botei assim: “O Sabiá Vaidoso” e abaixo eu botei: “Aos artistas vaidosos.”

GC — Patativa, teve músicas gravadas, livros publi-cados. O senhor recebe bem seus direitos autorais ?

PA — Não, não ganho bem! O direito autoral é bem

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fraco, viu? E além disso, falha também no tempo de receber. Às vezes, além de ser só dez por cento, não é? Mas eu num fico impressionado com isso nem coisa nenhuma, porque eu sou um poeta nato.

GC — Mas o senhor não se chateia de outras pessoas ganharem dinheiro às suas custas?

PA — É, eu pouco ligo com isso. Eu só num quero é que roube a minha criação, é a minha [tosse]...

GC — Autoria.PA- Sim, a minha autoria, viu? Publicar uma coisa

com o nome de outro. Ah, isso aí eu fico muito contris-tado e fico até com raiva, viu? E vou à procura, vou à justiça procurar. Mas pode ganhar rios de dinheiro com coisas que eu faço, importa não!

GC- Como foi que a Editora Vozes chegou até o se-nhor pra publicar o “Cante Lá Que Eu Canto Cá”?

PA- Eu devo a publicação daquele livro ao professor Plácido Cidade Nuvens. Aquele camarada, ele é aqui filho de Santana do Cariri, mas quando moço, ele teve a felicidade de estudar na Itália. Ele é formado pela Uni-versidade Gregoriana de Roma. Ele ia ser padre e já perto de receber as ordens – segundo ele me contou tudo – ele se arrependeu, desistiu, viu? Quando ele voltou – e eu não conhecia dele nem o nome, aí quando ele voltou, que chegou aqui no Cariri e viu o meu livro “Inspiração Nordestina”, ele ficou impressionado e gostando do livro e tal. E veio a mim pra publicar outro livro. E eu sempre vejo picareta como diabo por esse mundo. Nem confiei. Ele, eu num sabia quem era! Ai ele disse:

— “Olha, vamos publicar outro livro?”— “Publicar um livro meu?”“Pela Editora Vozes. Eu

lá tenho colegas que ... de estudos que já são... padres lá

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e foram meus colegas e é uma editora de muita impor-tância. Ela é conhecida não só no Brasil, como também no exterior.”

- “Aí, eu disse: “Não, não quero não!” Ele então: “Pois vamos, porque eu serei o intermediário esse negócio.” E eu num acreditei bem E ele muito amigo do Vicelmo,[jornalista, correspondente do Diário do Nordeste no Cariri], contou ao Vicelmo. Eu ainda num sabia bem quem era ele. Aí, o Vicelmo veio a mim e disse: “Rapaz, o Plácido falou com você, você... ficou...” Eu digo: “Sim, porque eu não conheço a ele.” Ele disse: “Olha, o Plácido é isso e isso e isso e isso e isso... Um homem muito honesto, muito estudioso e que gosta de ajudar a quem merece e ajuda, como você merece. Você... ele vai outra vez conversar.” Aí quando ele veio, eu pedi desculpa a ele. Ele disse: “Você tem toda ra-zão. Se você não fosse inteligente você não teria feito o que você fez. Mas se o mundo é repleto de picaretas aqui, aqui e acolá, cê achou que era eu querendo tirar partida...” Eu digo: “Não, senhor! Pois agora...” Aí, foi o livro publicado. Foi datilografado na Fundação Padre Ibiapina... [tosse] e foi ele o portador da cópia lá para o Rio e eu fiquei recebendo direitos autorais. Depois saiu também o “Ispinho e Fulô”. E quando a Editora Vozes viu o “Ispinho e Fulô” ficou danada. E veio a mim. Aí, eu também cedi o “Ispinho e Fulô”. Ele publica, mas o direito autoral como você deve saber que é bem pouco, é só dez por cento, não é ? Falham muito no pagamento.

GC- E eles não se interessaram pelo “Aqui Tem Coi-sa” não?

PA- Não. Eu disse logo que num queria. Eu num que-ro mais publicar não. Eu num queria... Queria publicar

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era por aqui mesmo, mas num quero mais fazer negócio com editora não. Eu num gostei muito não.

GC- Mas tem a vantagem do livro ser distribuído no país todo.

PA- É sim. Tem essa vantagem muito grande porque, olhe, todas as capitais a Editora Vozes tem livraria.

GC- Nas principais, pelo menos...PA- E cada livraria pode procurar que o meu livro

“Cante Lá Que Eu Canto Cá” ele está. E o “Ispinho e Fulô” também. Agora principalmente o “Cante Lá Que Eu Canto Cá”. Ele já foi publicado oitenta milheiros de livros... daquele volume, viu ? É muito querido, viu?

GC- O senhor conheceu um professor francês, Ray-mond Cantel, que vinha fazer pesquisa de cordel aqui no Ceará?

PA- Eu conheci, eu vi. Raimundo Cantel, não é ? Foi ele o portador do meu livro “Inspiração Nordestina” lá para a França. E esse livro, houve um estudo sobre esse livro... É o doutor Raimundo Cantel...

GC- Sim.PA- Foi no tempo em que me convidaram para eu ir

à Europa e eu num quis ir. Nem quis e nem quero. Agora eu conversei com ele lá em Crato. Aquele folclorista e escritor também J. de Figueiredo Filho [organizador do livro “Patativa do Assaré - Novos Poemas Comentados”, publicado pela Imprensa Universitária do Ceará, em 1970]

GC- Sim.PA- Que era uma capacidade e ao mesmo tempo uma

humildade! Eu gostava muito dele, de conversar com ele, com aquela... [tosse] simplicidade tão grande, tão humilde! E quando o doutor Raimundo Cantel passou

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para a casa do Luís da Câmara Cascudo...GC- Sim.PA- Eu estava no Crato e o J. de Figueiredo Filho me

procurou, levou pra apresentar a ele. Eu recitei umas coi-sas pra ele e tudo. E ele próprio portador do livro levou pra França. Eu autografei um livro pra ele, viu ? Pois, olhe, eu conheci esse doutor Raimundo Cantel. Depois veio um senhor de muito estima, de muita capacidade, doutor Colin [Colin Hanfrey, do Centre for Latin Ame-rican Studies, da Universidade de Liverpool, Inglaterra]. Ele me disse que lá em Londres, olhando lá no arquivo quando viu o jornal com uma reportagem sobre a minha pessoa. Ele disse que teve a curiosidade maior da vida e veio aqui ao Ceará. Foi à minha casa, passou três dias lá na Serra de Santana, pedir licença para traduzir o livro “Cante Lá Que Eu Canto Cá” em inglês. E mandou... e ficou mandando cartão pra mim, pra Belinha, minha esposa, que ele era tão humilde e sabia... Ele sabia se adaptar assim à vida dos camponeses...

GC- Sim.PA- Para poder colher o que ele queria, não é?GC- Sei.PA- Que eu sei bem como é, como são os pesquisa-

dores, a sua maneira, a sua qualidade pra poder arranjar aquilo que ele está interessado. Ele ia lá pra cozinha conversar com a Belinha. E naquela alegria. Aí, eu digo: “Doutor Colin, eu da minha parte eu dô licença. Agora, é preciso o senhor se entender também com a Fundação Padre Ibiapina, no Crato e com o Plácido Cidade Nuvens e depois com a Editora Vozes, lá em Petrópolis, no Rio de Janeiro. E assim ele fez. Mas ele mandava cartão pra mim, cartão pra Belinha. Mas quando chegou... Sim, e

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de lá ele mandou aquele meu poema, até traduzido em inglês...

GC- Que consta do livro do Dr. Plácido [“Patativa e o universo fascinante do sertão”, editado pela Universidade de Fortaleza, em 1995].

PA- Sim, você não viu?GC- Vi.PA- Pois é, justamente! É que é “Caboclo Roceiro”.

E depois que entrou aquela Guerra da Malvinas, ele me disse que era um oficial, viu ? Era uma pessoa que estava incluída também nesse meio dessa guerra. Eu penso que ele se acabou por essa guerra, porque ele nunca mais deu notícias.

GC- Nunca mais deu notícias?PA- Nada, nada! Não mandou cartão pra Belinha

nem pra mim nem pra ninguém. Não deu notícia de forma nenhuma. E era um tradutor... Ele disse: “Olhe, eu vou traduzir. Eu... num é de interesse de ganhar nada! Se houve lucro nesse sentido será pra você e também a Editora Vozes, que com certeza ela quer também, mas a minha parte não! A minha parte é lhe apresentar.”

GC- O senhor sabe se a Fundação Padre Ibiapina pagou alguma coisa à Vozes pra publicar o seu livro?

PA- Não.GC- Patativa, como é que você se sente sendo objeto

de livros, teses, estudos? Você pede que alguém leia o que foi escrito sobre você? Você tem curiosidade sobre o que a gente escreve sobre você?

PA- Bem, eu tenho... curiosidade como, que você fala?GC- Se fica curioso, assim, pra saber o que o Gilmar

vai escrever depois? O que foi que Fulano escreveu a seu respeito?

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PA- Ah, eu sinto. Eu sou muito curioso. Nesse senti-do, eu sou muito curioso, porque eu mando ler. Sempre tive esse cuidado. Quando eu lia, ainda estava lendo, eu mesmo lia e dava pra admirar o que o camarada dizia sobre a minha poesia, as imagens que eu aplico nos meus poemas, comparações que eu faço e tudo. Eu sempre gostei de procurar. E. sempre sou feliz. Nunca ninguém escreveu sobre mim para eu num achar que era uma crítica construtiva. Era contando sempre a verdade da minha índole, o que eu sou e tal. É tanto que eu não gostei... Agora, você viu o novo livro — o novo livro não! a nova edição do “Aqui Tem Coisa” !? Você viu?

GC- Vi.PA- Mas o seu prefácio eles tiraram. Eu não gostei.

Num falei nada, porque se tivessem falado antes... é eu num sabia lá que iam tirar! Mas o seu prefácio...Você num prefaciou aquela primeira edição?

GC- Sim.PA- Pois bem. Um prefácio muito honroso aquele,

viu? GC- Obrigado, Patativa.PA- Agora, tem um prefácio também que é bem

agradável e eu nem sequer conheço aquele senhor. É Raimundo Cavalcante. Você sabe quem é?

GC- Não.PA- Também não conheço, viu ? Agora, que o prefácio

também é agradável, mas o seu é além.GC- Patativa, guarda livros, teses, artigos escritos

sobre sua vida e sua obra?PA- Tenho nada. Sempre fui displicente nesse sen-

tido, viu? Um desleixado grande, viu? Não tenho nada guardado sobre o que escreveram sobre mim, viu? Onde

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tinha um que eu fiquei muito triste em ter desaparecido, não ter guardado, não ter tido um grande cuidado, que é de um jornalista que eu não sei o nome dele, mas tem as iniciais e adiante Tinhorão.

GC- Ah, José Ramos Tinhorão!PA- Como?GC- José Ramos Tinhorão, um pesquisador de mú-

sica brasileira...PA- É que ele fez uma reportagem muito honrosa,

que ele... e o título é este: “Quem quiser conhecer poe-sia em estado puro leia o Patativa do Assaré.” É o título da reportagem dele.( Publicada pelo Jornal do Brasil, edição de 2 de setembro de1981). Então, ele sai dizendo alguma coisa e faz uma referência sobre “A Morte de Nanã”. Ele diz bem assim: “Vejam que imagem é essa aqui! ‘Daqueles óio tão lindo,/ eu vi a luz se apagando/ e tudo diminuindo./ Quando eu tava reparando/ os oinho da criança,/ vinha na minha lembrança/ um candieiro vazio,/ com uma tochinha acesa,/ representando a tris-teza/ bem na ponta do pavio.” E aí apresentava outras estrofes, viu ? Eu gostei muito da reportagem dele, viu ? Porque essa passagem assim, de quando eu estou crian-do, eu faço quase chorando. Eu sou muito sensível, sou muito sensível. Aquela “A Morte de Nanã”, aquilo ali é uma criatividade que me comove muito...

GC- Por que?PA- Não foi só uma Nanã! As Nanãs, viu? GC- As Nanãs.PA- Aquilo ali eu tô me referindo é a todas as crianças

que morreram naquele tempo, né? GC- Tempos difíceis, que ainda continuam...PA- Não é só a uma criancinha acolá! E assim por

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diante. Mas eu sempre tive sorte, Gilmar, de ser bem recebido e também a referência ser bem agradável. Uma pessoa que eu não conhecia... tinha até assim uma timidez danada se um dia acontecesse de me encontrar com ela, mas o que... ela mandou me convidar. Eu ia a Fortaleza, demorei em Quixadá, estava a escritora Rachel de Queiroz. Quando ela soube, mandou um parente dela me levar à fazenda dela e eu gostei. Ela me teve a maior atenção. Olha...e, finalmente, beijou até a minha mão! [ri]

GC- Ela era amiga do Aderaldo. Escreveu um artigo sobre ele.

PA- Ela? Pois ela... pediu que eu recitasse alguma coisa sobre o sertão. Ora, eu tenho aquele meu poema “O Retrato do Sertão”...Aí, quando eu recitei, ela... ficou toda comovida...

GC- Interessante!PA- “Patativa você é o poeta sonoro!” Mandou buscar

fotógrafo... aí nós nos fotografamos lá na fazenda dela, viu ? Certo que eu fui muito bem recebido por Rachel de Queiroz. Mas se eu soubesse que ela estava em qualquer lugar, que eu chegasse numa cidade pra eu mesmo ir... atrás...

GC- Não ia não... [ri]PA- Não, nunca! Nunca. Morreria de velho sem

conhecê-la, se fosse preciso fazer assim. Mas ela mandou me chamar...

GC- Patativa, o que é que vem primeiro: é a idéia do poema, o título do poema.? Você começa por onde?

PA- Eu... eu começo assim... o título do poema? Não! Primeiro, eu penso o quadro, aquela história que eu imaginei na mente, viu?

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GC- Sim.PA- Aí, por ali, pelo sentido, aí eu procuro o título.

O título é preciso ser bem aplicado...GC- Sedutor...PA- Pra poder dar certo com a história, não é? GC- Sim.PA- Com aquilo que o poeta vai escrever, aquele

poema e assim por diante. É...é tudo ao mesmo tempo. É tanto que esse meu livro “Cante Lá que Eu Canto Cá”, o Plácido, fui eu que dei aquele título, porque no outro livro, eu tenho um poema com o título “Cante Lá que Eu Canto Cá”... Ele veio me pedir que eu desse o título do livro. Eu disse: “Bem, o título do livro poderá ser o título do poema, o mesmo ‘Cante Lá Que Eu Canto Cá’ e pronto! Mas não acertou muito bem. Só se eu tivesse ‘Canto Lá e Canto Cá e Canto Lá’” Seria até melhor, viu? [Risos] Porque eu me espalhei no mundo inteiro, não é?

GC- Patativa, tem gente que gosta mais de trabalhar à noite; tem gente que gosta mais de trabalhar de dia. O senhor tem alguma preferência?

PA- É à noite.GC- À noite?PA- À noite. Olha, aquele... aquele meu poema “O

Purgatório, o Inferno e o Paraíso” antes de ser publicado no meu livro, ele foi publicado na revista “Ocidente: Re-vista Portuguesa de Cultura”, lá em Lisboa. Esse doutor José Arraes ele era um homem inteligente e escrevia muito bem e fazia parte, lá em Lisboa, dessa revista. Aí ele publicou “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso” nessa revista, antes de ser publicado o meu livro, antes d’eu escrever o livro. Que aquilo... aquela criatividade, aquele meu poema, onde eu... faço a divisão das clas-

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ses, eu custei a encontrar o tema. Foi assim: ele disse... mandou uma carta para mim dizendo: “Patativa, eu sempre admirei esse seu pensamento penetrante, com essas suas poesias, quer em linguagem certa, quer em linguagem... poesia matuta, quer em forma literária, a sua facilidade é a mesma. E por isto aí vai este título pra você... eu quero saber o que é que você vai mandar para mim em verso, viu ?” Aí estava “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso”. Eu fiquei encabulado até achando ruim ele ter mandado aquilo, mas fiquei pensando, pensando... mas à noite é sempre quando eu mais... acho aquilo que eu quero, viu ?

GC- Por causa do silêncio?.PA- Eu sozinho lá, recatado num ponto. Quem vê

assim acha graça... com jeito de maluco, viu?GC- [Ri]PA- Pois é, assim... aí eu já tava... já tarde da noite

pensando, viu? “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso”... Aí quando me veio a lembrança das três classes: pobre, média e rica. Eu digo: “Pronto, achei!” Agora... [Risos, risos] pra fazer os versos vai ser fazer mais fácil.

GC- Tinha o ponto de partida.PA- Aí, então, o título ele mandou, mas não dizendo

o que eu ia fazer. Ficou curioso. Quando eu mandei e ele publicou na revista “Ocidente: Revista Portuguesa de Cultura”. Aquele meu poema “Mãe Preta” também antes de publicar no meu livro foi publicado na mesma revista “Ocidente”, lá em Lisboa, por intermédio dele, viu?

GC- Fez à noite também?PA- Foi. Também à noite, viu? A maioria dos meus

poemas eu sempre faço à noite, depois que todos vão se agasalhar... E outra também, não... É por onde eu vou é

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fazendo verso. Eu tou na roça... Olha, “A Triste Partida”, que eu criei a “Triste Partida” naquele movimento dele pra São Paulo a procura da vida naquelas viagens tão penosas, viu? Nem o próprio motorista não sabia quando chegaria em São Paulo, porque nem sequer havia estrada asfaltada naquele tempo! Na década de 50. Pois bem, eu estava... eu ainda me relembro. Eu estava limpando uma mandiocazinha aqui assim, quando me veio a lembrança de fazer um trabalho sobre a retirada dos nordestinos para São Paulo.

GC- As grandes levas...PA- Aí, criei logo com o título a “Triste Partida”. Aí

fiz aquele trabalho com o camponês fazendo aquelas experiências e dando negativa, negativa, negativa. Até chegar no dia 19 de março, que é dia de São José, que é a derradeira esperança do sertanejo. Aí botei tudo negativo pra puder ele ir pra viagem dele.

GC- Nordestinado não...PA- É. Pois bem, fiz aquilo... [tosse] limpando aquela

mandiocazinha numa tarde. Eu comecei. Aí, de noite, fiz mais outros estrofes... ali não precisava escrever. Eu fazia as estrofe e ficava aqui em minha mente. No outro dia, tava do mesmo jeito. Aí, no outro dia, eu terminei a “Triste Partida” que é dos meus poemas mais conhecidos...É aquele. Por causa de ter sido gravado...

GC- Por Luiz Gonzaga.PA- Sim, o “Rei do Baião”, viu? É, a “Triste Partida”.GC- O senhor gosta de produzir poesia na Serra de

Santana ? O senhor acha que lá tem mais inspiração do que aqui em Assaré?

PA- Tem, tem mais inspiração lá na Serra de Santana e também quando eu faço essas viagens que ninguém

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conversa comigo eu vou compondo poemas em qualquer sentido, viu? E também retratando... Olha aqui, o “Crime Imperdoável”, viu? Eu pensando que muitas vezes um... (tosse) um rico vai desarmonizar a casa de um pobre e fica por isso mesmo. Então aqui eu criei esse poema “Crime Imperdoável”:

“Com sua filha de bondade infinda,Maria Rita, encantadora e bela,morava a viúva, Dona Carolinda,junto do engenho do Senhor Farela.Paciente e boa e cheia de carinho,passava os dias sem pensar na dor.Reinava ali, naquele pobre ninho,um grande exemplo do mais puro amor.A linda jovem, flor de simpatia,de olhos brilhantes e cabelo louro,além de arrimo e doce companhia,era da mãe o virginal tesouro.Tinha uma voz harmoniosa e grata,Maria Rita, a filha da viúva,igual à voz do sabiá da mata,quando ele canta na primeira chuva.Maurício, um filho do senhor de engenho,um estudante, bacharel futuro,apaixonou-se com maior empenhode saciar o coração impuro.E com promessa de um porvir brilhante,fazendo juras de casar com ela,tanto insistiu o traidor pedante,que conquistou a infeliz donzela.Tornou-se... em pranto da menina o risoanuviou-se o doce amor materno.

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Aquele rancho que era um paraísofoi transformado em verdadeiro inferno.Depois expulsa pelo mundo afora,sorvendo a taça do amargoso fel,soluça a mãe e a triste filha chora,horrorizada do chacal cruel.Vive hoje o monstro prosseguindo o estudo,enquanto o manto da miséria cobre,porque só o rico tem direito a tudo.Não há justiça para quem é pobre.”GC- Patativa, você falou dos poetas que você tinha

lido: Olavo Bilac, Casimiro de Abreu e vários outros. Agora, de poesia matuta, poesia cabocla, quem foram os autores que você leu e que mais lhe impressionaram?

PA- Foram... Catulo da Paixão Cearense e Zé da Luz, um paraibano, viu? Que é o autor de um livro com o tí-tulo “Brasil Caboclo”. Você ainda não leu esse livro, não?

GC- Ainda não...PA- Pois é, é muito bonito, viu? Ele tem os poemas

bem criados, viu? E o estilo dele é aquele de Catulo: rimas baralhadas, não tem estrofe de dez, de oito ou de seis, não! É do jeito que quiser. Sai versejando e faz ponto final onde precisar fazer o mesmo, viu? Ele tem, olhe... “A Fulô de Muçambê” é um grande poema dele, viu? E também “Confissão de Caboco” é outro grande poema dele. É grande mesmo, porque lá, segundo a estória dele, esse casal, que vivia muito bem e tal, viu ? E o camarada já tinha sido apaixonado por aquela pessoa...

GC- Não correspondido...PA- Mas não deu certo, não casou. Mas ele ficou

sempre com ela na lembrança. Certa vez ele foi a um baile, o homem...

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GC- Sim.PA-E a mulher disse que não ia, viu? E ele foi. Quando

chegou lá, o dito apaixonado da mulher estava. Disse: “Fulana não veio?” Ele disse: “Veio não. Ela está doente e não veio não.” Aí ele... quando deu fé, ele seguiu. E ele viu que ele ia em direção da casa dele, na mesma estra-da... e ele saíu devagarinho, devagarinho, devagarinho... chegou lá viu quando ele bateu na porta. Aí ele... [tosse, tosse] parece que ele foi... atirou. Aí ele... ele correu. Quando ele correu caíu um objeto assim. Era uma carta. Ele pegou a carta. E o danado era analfabeto, coitado! E a vantagem desse poema é essa. Aí ele entrou de casa adentro e matou a dita, viu?

GC- Sim...PA- Apunhalou e matou mesmo, viu? E.... mas foi

logo se entregar ao delegado. Mas chegou lá pediu ao delegado que primeiro...

GC- Lesse a carta?PA- Queria que ele lesse aquela carta pra saber o que

era que tinha aquela carta. Quando ele leu a carta era a pobre mulher dizendo ao cara que nunca mais andasse na casa dela, que ela tinha casado com aquele senhor por amizade pura e decidida! Que ela não voltasse mais lá não, senão ela contava ao marido. Tudo isso, e ele escutando, coitado! Viu? Aí, ele vai dizer: “Fui... fui criminoso duas vezes! Que crime não saber ler!” Ele diz.

GC- Patativa gosta de poesias sociais, mas também gosta de uma poesia apaixonada?

PA- É, mas, não tenho muita poesia apaixonada, não. É.. quase que não tenho. Eu tenho é... só poesia... quase só poesia social. Eu tenho também poesia...

“Bem no cimo do monte florescente,

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em lembrança do nosso amor passado,ainda encontra-se exposto a sol ardenteum casebre sem dono, abandonado.Quando às vezes por lá passo chorando,recordando da vida uma passagem,no terreiro da choça me acenando,me parece surgir a tua imagem.Outras vezes eu penso estar ouvindo,na pequena varanda da casinha,teu cantar sonoroso, belo e lindo,na bela entoação de uma modinha.Penetro na palhoça com cautela,procurando te ver, mulher amada,mas tudo quanto encontro dentro delasão corujas, morcegos e mais nada!”Então, o Padre Pereira... olha, porque muita gente não

sabe como é a vida da gente do sertão, isso e aquilo, viu?GC- Tem que viver o sertão...PA- Padre Pereira disse: “Mas, Patativa, eu admiro

muito aquele seu poema com o título ‘O Casebre’, viu? Mas, veja bem, termina... assim, uma coisa... Por que é que você disse que, quando entrou na palhoça, à pro-cura da mulher, só encontrou foi morcego, corujas e mais nada?” Aí, eu ri e disse: “Padre, o senhor quer que eu lhe diga uma coisa? Essas casas velha abandonadas pelo sertão, as aves noturnas no decorrer do dia estão escondidas ali... dali saem quando chegar a noite, que vão andar que sempre voam à noite, não é ? E é por isso que eu digo: são corujas, morcegos e mais nada. Porque, no decorrer do dia, nessas casas velhas que ninguém mais habita estão ali corujas, morcegos, finalmente, as aves noturnas. É o esconderijo delas!” Aí foi que ele ficou

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ciente, viu?GC- Quem é Padre Pereira ?PA- Era vigário de Nova Olinda. Padre Manoel Pe-

reira, viu? Gostava muito de me ouvir... eu recitava pra ele “Ave Noturna”:

“É muito feio o corujão da matae bem poucos lhe votam simpatia.Para a pessoa ingênua e insensatao seu canto é horrível profecia.Porém, se o mesmo é feio e não encanta,a sua voz também não causa mal.E com certeza o pobrezinho cantacumprindo, assim, a ordem natural.Quando o seu canto à noite escuto ao longe,no coração eu sinto uma surpresae tenho a sensação de ouvir um mongeobedecendo a sábia natureza.E se ele anda... [tosse]E se ele anda a vagar como assassino,pela treva da noite tenebrosa,Deus traçou dessa forma o seu destino.Ninguém lhe chame de ave criminosa!O mocho para mim é um beato,desapegado do prazer do mundo.E quando penso sobre o seu recato,vejo um sentido muito mais profundo.É porque, revoltado, não concordada humanidade a sua falta enorme.Por isso dorme quando a gente acordae sempre acorda quando a gente dorme.”GC- [Risos] E em relação aos discos, como foi a sua

experiência em termos de gravação?

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PA- É, eu gostei. Eu gostei de ter gravado disco... principalmente o meu disco “A Terra é Naturá”.

GC- De 1981...PA- É aquele disco onde eu falo sobre Antônio Con-

selheiro, tem “A Morte de Nanã”, também, não é?GC- E o senhor ficou à vontade no estúdio ou ficou

encabulado ?PA- Não, eu estava sozinho, eu estando sozinho, eu

não tenho essa coisa de encabular não! Foi lá na CBS.GC- Com produção do Fagner...PA- Todo o povo se admirou, porque eles deram o

aviso: “Vai começar!” Não dá certo. “Vai começar de novo!” Mas eu, quando entrei, fui até o fim. Num errei nem foi preciso recomeçar coisa nenhuma. De cada poema que eu ia apresentar eu ia até o fim, sem precisar recomeçar ou ter uma fala pra depois consertar. Não, não foi não! E o primeiro disco que eu gravei foi ao vivo, lá em Fortaleza [“Poemas e Canções, de 1979].

GC- Gravou um agora por último também?PA- Sim, foi. Agora por último eu gravei aquele...GC- Que foi produzido pelo Dílson Pinheiro...[“85

anos de poesia”, depois transformado em cd]PA- É, sim, foi.GC- E televisão: o senhor gosta de participar de

programas de TV?PA- Não, quase que não gosto! E tenho ido poucas

vezes, viu?GC- Mas já foi no Jô, na Hebe...PA- É, eles me convidam, eu vou e dou show. Tenho

ido várias vezes, viu?GC- Mas fica à vontade também lá?PA- Fico, fico à vontade, porque já sou ambientado.

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Fortaleza é como se eu estivesse aqui em Assaré, viu?GC- E São Paulo?PA- E São Paulo também é quase que a mesma coisa,

viu?GC- Como é que o senhor se sente em cidade grande?

Se sente perdido, gosta ou é indiferente?PA- Bem, eu sinto com dois dias eu já tô é com uma

saudade danada do interior daqui do meu nordeste, desse povo simples e tal, viu? Agora, quando a gente se apresenta, que vê o entusiasmo do povo, pronto! Ali foge toda timidez, viu? Toda emoção. Eu sou assim: eu estou assim num ambiente, um grande auditório, eu sei que eu vou... Aquele povo falando lá no microfone e eu aguardando a minha vez, viu?

GC- Sim.PA- Pra declamar poema, viu? Um medo mais da-

nado do mundo! Mas quando eu me aproximo e pego o microfone, aí passa tudo, viu?

GC- Passa tudo?PA- Não se acaba... se acaba ou pelo menos melhora

muito, viu?GC- Menos mal.PA- Logo eu tenho um pensamento comigo que con-

serta mais ou menos, sabe o quê ? É que aquele auditório não tem nenhum... nenhuma daquelas pessoas que seja capaz de dizer o que eu vou dizer, fazer o que eu tenho feito e faço e tudo, viu? Aí, eu melhoro.

GC- (risos) E cinema ? O senhor fez um filme com o Rosemberg e o Jefferson, não foi?

PA- Foi. Eles vieram aqui e filmaram muita coisa, viu? Lá, na Serra da Santana. Filmaram eu colhendo o algodão e muitas outras coisas, viu?

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GC- As pessoas gostaram do filme? O que é que di-zem do filme para o senhor?

PA- É... sempre me falam que gostaram muito do filme. Ele já levou até para o exterior o Rosemberg, viu?

GC- Sim. O senhor gostou de fazer cinema e fazer esses documentários? O senhor também não se inco-moda, não? [Patativa foi personagem de documentários dos alunos de Comunicação Social da UFC, 1984; de Oswald Barroso e Ronaldo Nunes, da Cia de Imagens, em 1994, dentre outros]

PA- Não. Não, eu num gosto, não. Eu... basta, assim, os que eu já fiz e tal... e já está muito bem aquilo que eu tenho feito, aquilo que eu tenho apresentado. Olha, aquele.. esses versos que eu recitei há pouco tempo sobre o beato Zé Lourenço...Está filmado naquele cinema do Rosemberg, viu?

GC- No Caldeirão? [“O Caldeirão da Santa Cruz dos Milagres”]

PA- Me pediram a minha opinião sobre o beato Zé Lourenço, aí eu dei aquela opinião, porque é aquilo mes-mo. Ele estava sendo um defensor dos desprotegidos, dos oprimidos, viu? Vinha gente de longe. Aquela per-seguição foi por causa disso. Os latifundiários estavam ficando sem braço, sem trabalhadores, viu? Que ali em Caldeirão já estavam fabricando ferramenta agrícola ali dentro mesmo, viu? Naquele tempo, viu? Era quase o Conselheiro, viu? agora, que ali foi a facilidade de destruir, porque a ciência já estava bem aproximada, a tecnologia resolveu tudo daquele tempo do Conselheiro até agora, né?

GC- Bem mais.PA- Agora, lá no Conselheiro deu bronca, né, como

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diz o povo? Pra poder tirar aquele povo de lá...GC- Está fazendo 60 anos que eles bombardearam

o Caldeirão.PA- 60 anos, né? Pois bem. Foi a maior facilidade,

como eu digo nos meus versos. Tem uma coisa: essa luta do povo não se acabará nunca! Aqui, ali, acolá é tal qual o Movimento dos Sem - Terra.

GC- Movimento sério.PA- Morre um, morrem dois, morrem três e vão pre-

sos, mas não acaba. E é tal qual eu digo naqueles versos.“Porém por vários caminhos,pisando sobre os espinhos,com o sacrifício imenso,seguem no mesmo roteiro,sempre haverá Conselheiroe beato Zé Lourenço.”É, esses condutores dos sem-terra é um deles, viu?

É um deles, um desse movimento. Que eu sou muito revoltado contra isso, viu? É tanto, em meus livros, você vê que aqui e acolá eu falo sobre reforma agrária, eu mostro que a terra é de todos... Naquele meu poema “A Terra é Naturá”, que ali é um grande poema, é uma prova certa como... diria, “A Terra é Naturá”. Aquilo ali representa sabe o quê? É um agregado falando para o chefe do país. É!

GC- Patativa, o senhor gosta muito de declamar?PA- Sempre gostei. Eu gosto, porque todo programa

que eu vou fazer eu digo logo: “Vocês me chamaram para o espaço de tempo para eu me apresentar? Porque material [ri] eu tenho com pólvora e tudo! [risos] É, sim.

GC- E como é feita a seleção?PA- Aí escolho, conforme o ambiente, mas a minha

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poesia é quase toda social. Mas também tem outro sentido. Tem mais, né? Mas eu sempre gosto de publi-car como “Mãe de Verdade”. Aquele meu poema que eu tenho, “Mãe de Verdade”, né? sobre o aleitamento materno, falando contra as mulheres que desprezam o filho, não quer que ele mame e tal, viu? Aquilo ali é muito engraçado, quando eu estive na cidade, o povo ri tanto – e as mulheres também, viu?

GC- Agora, o poema... o senhor acha que ele se com-pleta na hora que o senhor tá recitando?

PA- Sim.GC- Porque enquanto não recita ele não existe, não é?PA- É, ele não existe. É Enquanto eu tou recitando,

ele... eu tou mostrando a verdade dentro daquele poema, tudo direito, viu? É tanto que, nesse... “Mãe de Verdade” num é dois caboclos? Um chega na casa do outro e diz:

“—Boa noite, amigo Jacó!Eu num lhe disse que vinha ?’— ‘Boa noite! Veio só ?Por que não trouxe Zefinha ?Jefinha não veio, não.Ficou mamentando o João.’Deus, que tanto cartucho!O menino tá dum jeitoque quando agarra no peitosó larga quando enche o bucho!’ [Gilmar ri]— ‘Migué, tudo isso é o amor.O que ela faz com o Joãonão tá fazendo favor.É a sua obrigação!Mãe que não quer...que não dá de mamar

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não quer bem nem sabe amarnem merece confiança.Faz o papel de ladrona,porque do peito ela é dona,mas o leite é da criança! [Gilmar ri]Depois do fio nascer,o leite dos peito tempertence todo ao bebê.É dele e de mais ninguém.Toda mãe que não mamentapra mim nada representa,pois comete um grande erroé desamorosa e fraca.Eu comparo com uma vacaquando ela enjeita o bezerro.’”Aí continua, não é? É um poema bem pensado e

também uma réplica danada, um conselho pras mu-lheres, viu?

GC- Mas declamar não é só dizer o poema, é dizer também com a voz, com as mãos, com o corpo...

PA- É, é sim. É sim. Pra poder...GC- Emocionar?PA- É. Ficar... apresentar a verdade com mais certeza,

não é?GC- Mas o senhor tem uma colocação de voz que

parece voz de cantador, quando você está declamando...PA- É, sim. Eu tou declamando, eu sempre... é na

minha forma natural. Não vou atrás de moda, de seu ninguém. Não, coisa nenhuma! É cá, do jeito que a natureza me deu, viu? As minhas poesia.... Em tudo, o sentido... Você conhece a Débora? [fala, com voz se afastando da fonte de gravação]

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GC- Débora Cronemberger?PA- Eu fui entrevistado lá em Brasília por ela, viu?

E ela me disse que trabalha n’ “O Povo”. Débora, uma mulher bem fortona.

GC- Eu vi a sua entrevista de Brasília. Eu vi e guardei. Patativa, atualmente, quem você considera os grandes nomes da cultura popular ?

PA- Olha, eu não sei nem dizer, porque são muitos por aí, não é?

GC- Aqueles que o senhor admira o trabalho, de cordel, de música... Algumas pessoas das quais o senhor admira o trabalho. O senhor falou antes do Expedito...

PA- Sim, é. Olha, o Expedito escreve muito bem, viu? Eu gosto do cordel escrito pelo Expedito. Pedro Bandeira tem também uma infinidade de cordéis, viu? Mas o Expedito eu acho, assim, uma coisa mais... Mas o dele parece que é mais, assim, digno de atenção. João Bandeira também tem muitos cordéis, viu ? Finalmente, o Nordeste é cheio de cordelistas e poetas, mas... mesmo poeta que escreve volume, como quem escreveu Pedro Bandeira, João Bandeira e muitos outros por aí. Mas o primeiro cantador de viola que lançou livro fui eu, viu? Foi eu.

GC — Em 1956.PA —Depois os meus colegas viram aquilo também

começaram a fazer livro, viu ? Livreto, livro, viu ? Pare-ce que eles achavam que o cantador de viola não podia fazer... publicar assim um livro e tal. Não! O grande cantador de viola que eu conheci e foi meu amigo de improvisar comigo lá naquele lugar lá em Fortaleza que chamavam de “Passeio Público”...

GC- Sim?

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PA- Foi o grande Rogaciano Leite, que foi meu amigo, viu? O grande... Ele admirava muito minha poesia, inda veio aqui ao Assaré com a amante dele, a Ana, mas eu não estava. Infelizmente, eu não estava quando ele veio. E ele foi um violeiro também, viu ?

GC- Dizem que dos bons.PA- Ele publicou aquele livro “Carne e Alma”. Ele

tinha um poema falando “Ceará Selvagem”. Aquele poe-ma é muito bonito! É muito bonito. Tem também outro poema que é “A Praça do Ferreira”. [tosse] É, eu sei que ele tem muita coisa boa... no livro dele. Pois bem, foi o primeiro cantador de viola que lançou livro aqui no Nordeste foi ele. Depois do Rogaciano, fui eu.

GC- Patativa conheceu um poeta chamado Moisés Matias de Moura, que morou um tempo em Juazeiro ?

PA- Conheci. Conheci lá em Fortaleza. Ele morou em Fortaleza, viu? Muito tempo, não era ? Era ele que fazia um cordel bem extenso, umas coisas compridas danada! viu? Eu me lembro.

GC- Ele era guarda do trânsito.PA- É. Agora, é que... os cordelistas, eles sempre... eles

não criam, não é ? Ele gostam de contar aquele passado, isso e aquilo e tal.

GC- Ou então alguma coisa que aconteceu.PA- É, sim. Uma coisa que aconteceu. Não é como o

Patativa de contar uma “Escrava do Dinheiro”, “A Morte de Nanã”...

GC- “A Terra é Naturá”...PA- ... “As Proezas de Sabina”, “Voltei e Deixei Isabé”,

“Maria Tetê”, aquela mulher que achava os objetos, né? [Patativa ri]

GC- Patativa, como é que você se mantém bem in-

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formado? Você assiste televisão, ouve rádio, pede pra ler jornal pra você? Como é que você sabe das coisas que acontecem no mundo?

PA- É porque eu sou muito cuidadoso e os jornais sempre noticiam — não todos! — ali tem muita coisa que eles procuram encobrir, viu? Mas há muitos jornais e também certos programas que contam a verdade. E mesmo a gente sabe, meu filho, como é... os tráficos, os assaltos, quanta miséria nós temos no Brasil. É tanto que eu fiz aquilo, quando me deram aquele número, aquele mote, “Viva o Povo Brasileiro!”...

GC - Sim.PA- Veja como foi que eu fiz:“Quando passaram as chacinas,que surge de dia a dia,e o tráfico de cocaínae a real democraciaseguir os caminhos certoe os Chicos Mendes libertosdas balas do pistoleirodiremos em nossa terra,por vales, sertão e serra:‘Viva o povo brasileiro!’ Quando o artista que tem famae ocupa o televisorsó apresentar programasde moral, de paz e amor,quando o cruel mercenário,este monstro sangüinário,deixar de ganhar dinheiropra matar seu semelhantee não houver assaltante,

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‘Viva o povo brasileiro!’Quando o infeliz agregado,se libertar do patrãopara viver sossegadono seu pedaço de chão;quando uma reforma agráriaque sempre foi necessáriapara o caboclo roceirofor criada e resistradaem nossa pátria adorada ‘Viva o povo brasileiro!’O sonho de nossa gentefoi sempre viver feliztrabalhando independenteem nosso grande paísQuando o momento chegardo nosso Brasil pagaro que deve ao estrangeiroo maior prazer teremos e libertos gritaremos:‘Viva o povo brasileiro!’”GC- [Ri]PA- É... Só poderemos dizer “Viva o povo brasileiro!”,

se acontecer isso que eu estou dizendo e muitas e muitas mais outras coisas, viu?

GC- Patativa, além dos vários autores que o senhor citou que.. que tinha lido, o senhor também gostava, como outros cantadores gostam, de dicionários, alma-naques, livros de geografia?

PA- Eu gostava do dicionário. Agora de geografia, eu quase que nunca lia, viu? Lia sempre alguma coisa, por-que eu lia tudo, viu? Mas o dicionário é porque auxilia,

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não é? O dicionário auxilia ao escritor. Às vezes ele tá vacilando sobre uma palavra, não é? Ele vai... pra saber se tá errado ou não, ele pega o dicionário e vai ver, não é? É justamente. Foi um livro que eu sempre procurei folhear foi o dicionário, principalmente nesses meus poemas em forma literária, numa linguagem mais ou menos polida, não é?

GC- E almanaque?PA- Almanaque eu também gostava de ler, porque

com o almanaque sempre saía... toda vida fui curioso pra gostar disso, daquilo, anedota, piada, essas coisas no almanaque gosta de sair. Tinha o “Mensageiro da Fé” publicado lá na Bahia. Era os frades, viu? Lá no conven-to. Saía muita coisa engraçada. Um dia, tinha um velho dormindo de óculos e dois garotinhos assim perto. Aí, um dos garotos disse: ‘Eu vou tirar os óculos de vovô. Vou tirar os óculos de vovô, que ele tá dormindo.” O outro disse: ‘Não é pra tirar, não! O óculos tá aí é pra ele ver as coisas quando ele sonhar.” (Gilmar ri, ri, ri) Não é engraçado?

GC- É. [Patativa ri] E o Almanaque do Manuel Ca-boclo, o senhor conhece? [Manoel Caboclo manteve o almanaque “O Juízo do Ano”em circulação de 1960 a 1996, sem interrupção. Era radicado em Juazeiro do Norte].

PA- Conheço, viu? É... ele sempre me oferece aquele almanaque, viu? Agora, Gilmar, eu nunca acreditei muito em profecia, não. Nessa profecia sobre chuva, porque até esses intelectuais que estudam os astros e não sei o quê erram tanto. Erram muito, viu?

GC- Patativa, e sobre a família?PA- A minha família?

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GC- O que é que ela representa pro senhor?PA- Ah, é o primeiro, o principal tesouro da minha

vida é a minha família, viu? É como eu tenho dito por aí: ‘Meu mundo é a minha poesia e a minha família.’ Como eu disse a Luiz Gonzaga quando ele quis comprar o direito autoral de “A Triste Partida”. Foi, sim. Eu sou muito feliz, porque eu vivo rodeado de protetores. Esse camarada que entra aqui, de quando em vez, viu?

GC- Sim.PA- É meu genro. É o marido da Lúcia, a minha ca-

çula. Quando ele não tá bebendo é educado e tal. Mas ele bebe e se joga por aí. Faz nada! Mas eu nunca deixei de ajudá-lo, viu?

GC-O senhor tem. três filhas [Inês, Mirian e Lúcia] e quantos filhos?

PA- Quatro filhos, viu? [Patativa não gosta de falar dos filhos que morreram adultos: Maria Maroni e Rai-mundo, que suicidou-se]. Tem um em São Paulo, o João Batista. Ele trabalha lá num grande frigorífico. Ele é ope-rador de máquina. Trabalha até a noite, viu ? É um sujeito de muita confiança. Ele lá é dono das chaves de tudo, viu? Há dez anos que ele está morando em São Paulo, viu? É João Batista. E decorrido o tempo, sempre quando eu canto, eu andava lá, uma das vezes que eu andei ele disse: ‘Olha, pai, eu vou telefonar para os três patrões que eu tenho, se eu posso levá-lo à presença deles.’ Eu disse: ‘por que essa besteira ?’ (Gilmar ri) Ele disse: ‘Não, não é besteira! Sabe o que é. É que eles elogiam muito o Patativa do Assaré, segundo eles falam, que é o primeiro poeta da atualidade, é o Patativa do Assaré. E eles não sabem se... se o Patativa é o meu pai. Eu nunca disse e nem... nem diria nunca. Agora, eu vou telefonar se eu

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posso lhe levar lá.’ Eu disse: ‘Pois é, pois telefona.’ ... ‘Não, o que é isso, Cidrão!?’ Ele só assina João Batista Cidrão. ‘Que é isso, Cidrão? Traga seu pai. Por que, então, você não poderá trazer o seu pai aqui pra gente conhecer?’Aí quando nós chegamos lá, tavam aquele Seu Arlindo, Seu Irineu e outro lá que eu nem me lembro o nome, todos lá na sala. Aí, ele me apresentou. Falaram comigo. Ele disse: ‘Olha, os senhores têm me dado grande prazer quando falam do Patativa do Assaré, que é um grande poeta, tem título em todos os temas, tem a bordado todos os temas. E eu nunca falei... nunca fiz referência nenhuma. Apenas escutava com o maior prazer e aqui no meu coração ainda mais. Pois olhe, esse aqui é que é o Patativa! [Gilmar ri] Esse aqui é o meu pai!’

GC- Bonito.PA- Aí, tornaram até a falar comigo. [ri] Aí, eu fui

recitar poesia pra eles, viu?GC- Os outros moram aqui PA- É, aqui, são três que tratam de agricultura lá

na Serra, viu? Na mesma vidinha que eu passei, viu? [Afonso, Geraldo e Pedro]

GC- Mas nenhum deu pra poesia?PA- Não. Eles sabem fazer uns versinhos quando que-

rem, viu ? mas... Não, nenhum dos meus filhos é poeta. Agora, eu tenho uma neta [Toinha Cidrão, filha de Inês] que faz versos, viu? E versos bem feito, viu? Mas nunca se preocupou com isso não. Quando mesmo entende de fazer uns versinhos, ela faz os versos. Mas os filhos meus, não. Eu tenho um sobrinho, Geraldo Gonçalves, que até publicou um livro ( dois, aliás: “Suspiros do Sertão”, 1982 e “Clarão da Lua Cheia”, 1985, com quem Patativa faz torneios poéticos na Serra de Santana)

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GC- Além de “O Balceiro”?PA- Sim. Não, “O Balceiro” é de todos os poetas e

versejadores do Assaré .GC- Foi o senhor que organizou?PA- Foi, sim. Eu e o Geraldo. Nós organizamos

escolhendo os versejadores e fazer aquele... publicar aquele livrozinho com o título “O Balceiro”. Porque bal-ceiro, na expressão do sertanejo, do agricultor, é aquele agrupamento de garrancho e tudo. Faz aquele monte de garrancho de todo jeito, aí a gente chama “balceiro’. E ali, como são muitos poetas, é um balceiro de poetas, viu? [Gilmar ri, ri; Patativa tosse] Onde tem um Vicente Gonçalves, meu primo legítimo, viu? E era poeta. Este não foi divulgado, mas ele era um camarada extraordi-nário! A gente brincava muito fazendo poesia. E ele... [tosse] era muito crítico. Ele fez essa estrofe:

“Depois da Segunda Guerrasabe um portuga o que fez?Querendo aprender inglêsviajou pra Inglaterra.Chegando naquela terrabastante civilizadateve uma escola adiantada,mas não aprendeu inglês.Se esqueceu do português,voltou sem saber de nada!”[Gilmar ri]Aqui nós temos uma cidade denominada Tarrafas. E

ele fez essa ironia. Ele...“Eu na Tarrafa chegueicom grande satisfação,depois a decepção,

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não almocei nem jantei.As horas que lá passeiparando aqui e acolásó de ‘Cariri com K’bebi mais de uma garrafa.Pra mim aquela tarrafanão passa de um landuá”.[Gilmar ri] Landuá cê sabe o que é, não sabe?GC- Instrumento de pescar?PA- Instrumentozinho, assim, de pegar peixe. Aque-

les que fizeram...e assim por diante. Ele... ele diz... ele gostava de beber e fez essa estrofe.

GC- O senhor foi casado durante quanto. tempo com Dona Belinha?

PA- Cinqüenta e oito anos, viu ? Foi uma vida exem-plar, viu? 58 anos. [Dona Belinha morreu em 1994]. Me deixou essa imorredoura saudade, viu? Mas que a vida é assim mesmo, viu? Vai um o outro fica. Tem que se conformar.

GC- O senhor tem poemas escritos sobre ela?PA- Ah, eu tenho um naquele meu livro “Balseiro”, ô,

esse “Aqui Tem Coisa”. Eu não tenho o poema decora-do, mas tem um poema sobre o comportamento dela, a filosofia dela, sobre a própria vida é... tem o título “Fe-licidade”. É, pode procurar no livro que tem. Os versos são meus, mas o pensamento é dela.

GC- Patativa gosta de festas? Festas de São João, esses folguedos populares, tudo isso você gosta e usou na sua poesia?

PA- Sempre. É porque o São João é a festa mais co-nhecida que nós temos no Nordeste. É quase no Brasil inteiro, principalmente aqui no Nordeste. Só nas grandes

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cidades é que o São João não é bem comemorado, mas... já foi diferente, viu? Mas depois... olha, depois que che-gou a televisão, o rádio e essa desenvoltura danada tudo enfraqueceu mais, viu ? Até os violeiros, as cantorias, naquele tempo havia muita cantoria na casa de fazendei-ro. Hoje, quase toda estação de rádio tem um programa de violeiro. Daí eles não vão convidar. Deixa praquele dia... escutar, né? Diminuiu muito, viu ? As cantorias no sítio por causo do rádio e da televisão. E tudo isso em minha poesia eu recito, como naquele “Presente Desa-gradável” que tem nesse meu poema... nesse meu livro “Aqui tem Coisa”. Na Fazenda Cangati – sei lá se existe o diabo dessa fazenda! [Gilmar ri] Na Fazenda Cangati chegou energia rural. Aí depois chegou a energia rural. Ali morava uma velha e as suas filhas, viu?

GC- Sim.PA- ... naquele [tosse, tosse]... naquele esconderijo

tem televisão, às vezes até tem rádio, mas que a dita mu-lher, a dita velha tinha um filho em São Paulo, o Julião, vivia lá. Quando ele soube que na Fazenda Cangati havia chegado energia rural, ele mandou uma televisão – uma beleza! — pra mãe e a filha assistir o programa e novela. Mas a moça danou-se quando ligou. Aí ela... Ficou é retratando e metendo o pau nos programas indecorosos e novela e tudo, viu? Ela disse:

“Ó, mamãe, o Juliãoque lá no São Paulo mora,que é seu filho e meu irmão,tendo certeza que agora também já chegou aquina Fazenda Cangati, a energia ruralmanda essa coisa pra gente.

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As coisas desse presentepra mim não vale um zuá.Era melhor meu irmãomandar dinheiro pra gentedo que a televisãoque só sai coisa indecente!Toda vez que eu ligo elano chafurdo da novelavejo logo papel feio.Vejo o maior fumarécom a briga das muiéquerendo os marido alheio.Do que adianta ter fama,ter curso de faculdade,pra apresentar programacom tanta imoralidade ?Sem escrupo e sem respeitoquem faz assim desse jeitotá prantando uma sementepra cuiê crime e tristezatá estragando a purezadas criancinha inucente.Eu vejo a maior anarquiaé uma coisa medonha,eu não sabia que haviatanta falta de vergonha.Vi uma moça elegante, bonitae no mesmo instantesua vergonha perdeuandando pra lá e pra cámodo se fotrogafarnuzinha como nasceu.

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Assistir televisãodessa maneira eu não posso.Não sei porque meu irmãomandou pra nós esse troço,que a gente não se acostuma.Eu vi uma tal de Jumatoda nua a se banhar,bem desconfiada e sonsa,que já tá virando onçanas terra do Pantaná.”[Gilmar ri] E aí continua, né? metendo o pau. GC- Patativa, a gente pode dizer que atravessou o

século. Nasceu em 1909, nós estamos em 1996. O que mudou nesse tempo e o que é que ficou ?

PA - [galo canta ao longe] Ah, mudou muita coisa, viu? Mudou muita coisa porque em tudo por tudo. Até o cinema e tudo. Naquele tempo nós não tínhamos o cinema falado. E mudou tanta coisa que, finalmente, a gente não pode nem dizer o que. mudou e o que não mudou e o que ainda está. O que ainda está é a ilusão do povo, cada um procurando uma melhora, apoiado na esperança e vivendo, viu? Porque isso sempre houve e há de haver. [tosse]

GC- O que é que significa tradição para o Patativa ? Tradição. Quais são os valores que o senhor acredita que a gente deva lutar por eles?

PA- É, sim. Eu já escrevi. Eu tenho escrevido sempre nesse sentido, não é? Vai mudar mais. Podia não haver tanta mudança. É conservar a tradição, acho que é o dever de cada um. Você vê que meu poema... “O que é Folclore”, né? Eu digo n’ “O Que É Folclore”... [pausa, na qual murmura]:

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“De conservar o folcloretodos têm obrigaçãopara que nunca descorea rosa da tradição.Os homens de grande escudocomo Maynard e Cascudoguardam sempre nos arquivospopulares tradições,cantigas, superstições e costumes primitivo.Você, caboco que crescesem instrução nem saber,escuta mas não conhecefolclore o que quer dizer.O folclore é um pilão,é um bodoque, um pião,garanto que também éuma grosseira cangalhaaparelhada de palhade palmeira e catolé.Posso lhe afirmar tambémFolclore é superstição,o medo que você temdo canto do corujão.Folclore é aquele instrumentopara o seu divertimentoque chamamos berimbaue aquela brincadeira,ritmada e prazenteirachamada maneiro-pau.Folclore, meu camarada,ouvimos à toda hora.É a história de alma penada,

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de lobisomem e caipora.Presta atenção e decore,pois com certeza folclore,ainda posso dizer,que é aquele buzu de ossoque você põe no pescoçodo filho pra não morrer.É o aboio magoadodo vaqueiro na amplidão.É o festejo animadoda debulha de feijão,carro-de-boi e gaiolae desafio à violado cantador popular.E é aquela toadinhada ciranda cirandinhavamos todos cirandar.Eu e você que vivemosno nosso pobre sertãomuitas coisas inda temosda popular tradição,além doutras o giraue a carrocinha de pau,em vez de bunito carro.E pra ver satisfação,a gente cumê pirãomexido em prato de barro.E agora, prezado irmão,esses versos lhe dedico.Já dei alguma noçãodo nosso folclore rico.Não posso continuar,

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pois nada pude estudar,de dentro do cena saio.O resto lhe dirá tudoRomão Filgueira Sampaio,Maynard e Câmara Cascudo.”É isso aqui, viu?GC- Patativa, o senhor não gosta muito de fazer

trabalho de encomenda, não é?PA- Não, eu não gosto. Eu não gosto porque eu temo

não... não agradar. Não gosto, viu? Não gosto mesmo de fazer trabalho de encomenda. Eu fiz esse trabalho de encomenda para o Dr. José Arraes de Alencar, mas veja como: ele apenas deu o tema, não é ? Não foi nem o tema, deu o título, “O Purgatório, o Inferno e o Paraíso”, e pediu que eu fizesse... que ele tava curioso pra saber o que eu ia dizer com aquilo. Aí então me apoiei nas três classes: pobre, média e rica, viu ? E no fim ele ficou tão satisfeito que publicou, como eu lhe disse, na revista “Ocidente: Revista Portuguesa de Cultura”. [Patativa fez também um cordel, por encomenda de Dom Hélder Câmara, sobre o assassinato, em Recife, do Padre Henrique, durante o período autoritário]

GC- Propaganda, também, o senhor não gosta muito de fazer não?

PA- Como?GC- Fazer propaganda, publicidade, reclame?PA- Não, nunca gostei.GC- Foi só um do Bromil, não é?PA- Não. Do Bromil eu já fiz uma vez, você ouviu?GC- Ouvi.PA- Aquilo foi uma adulação danada pra eu fazer

aquilo, mas... [tosse] Vou lá em Fortaleza, viu? [Gilmar

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ri] Aí eu pensei assim e fiz, viu ? Também foi só aquilo. Não gosto de fazer propaganda, não.

GC- Você tem algum poema inédito, Patativa, ou algum livro pra ser publicado?

PA- Tenho não. Eu num tenho quase poesia inédita, viu?

GC- Por quê ? Está se concentrando menos ou está com preguiça?

PA- É, com preguiça, viu? Já acho que já chega, viu? Já cheguei já. Já estacionei, viu? Eu faço verso de toda natureza eu faço verso, viu? Aqui, só para os campone-ses, viu? que sabem o que é a nossa linguagem, a nossa expressão e nossa gíria e tudo, é aqui no Nordeste, “Pai Luís”. “Pai Luís” é um velho imaginário que, ele chega na roça do preguiçoso, aquele que tem preguiça de tra-balhar, aí ele se põe lá numa moita e o preguiçoso não limpa aquela roça, porque ele, ele não deixa, viu?

GC- Sim.PA- É que o povo cria, viu? Aí “Pai Luís” disse... passa

aqui e diz: “ ‘Pai Luís’ tá na roça de Fulano. E sabe de uma coisa: e ele vai comer aquela roça, ele não limpa aquela roça, viu ?” Aí nesse meu poema que é muito extrava-gante, é uma coisa, uma criatividade muito, assim, meio debochada, mas termina o Jacó botando um adjunto na roça dele pra tirar “Pai Luís” pra fora, viu? [Gilmar ri] Mas veja bem de onde vem o negócio, viu?

GC- Mas esse é... poema é novo?PA- É bem novo, não foi publicado, não. Só pre’u

recitar pra turma aqui da Serra de Santana, por aqui.GC- Mas não mandou anotar ainda não?PA- Nada, coisa nenhuma! Eu vou deixar ele assim. Só

para os meninos, não vou publicar nunca ele. [“Pai Luís”

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faz parte do volume “Balceiro 2, no prelo, organizado por Patativa do Assaré e Geraldo Gonçalves] Você vai ver como é, viu? E tem outro cujo título é “A Capação foi Assim”:

“Em um lugar bem distante,em uma terra afastada,deu-se um caso extravaganteque serviu de palhaçada.Um terreiro de galinha,um frango tão grande tinhaque fazia admirar.A dona o mesmo pegoue o dito frango levoupra sua nora capar.“Cocorocó”, muito bravogritava o frango zangado!“Cocorocó o quê, diabo ?Você hoje vai capado!”, dizia a séria velhinha.“Correndo atrás de galinha,vejo você enxerido.Hoje você não escapa!E a minha nora é quem capa,que tem o dedo comprido.”Transpondo barroca e escombro,saíu com muita alegria,com o seu frango no ombro,pois nos braços não podia.Chegou lá e...vermelha igual uma brasa,chegou lá e disse:“Ó, de casa!”

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E alguém lhe disse:“Ó, de fora.”Quando um minuto passouna sala se apresentoua sua querida nora,dizendo: “A bença, madrinha!”Foi logo entrando no tema:“Isso é raça de galinhaou é um frando de ema.”Disse a velha: “Minha filha,veja bem que maravilha,veja o grande crescimento,só poderá ser capadocom seu dedo deformadoque herdou de nascimento.”“Não me afobo nem me zangocom meu dedo deformado,pois com ele muito frangoeu aqui tenho capado.Se este muito grande vemmeu dedo é grande,lhe digo e posso provar,a operação não falha.Se assente nessa cangalha,que a faca eu vou amolar.”Cumprindo a ordem da nora,na cangalha se assentoue a nora sem ter demoradepressa a faca amolou.E, para dar boa sorte,um meio palmo de cortedo desgraçado rasgou.

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Como quem põe um consoloo seu dedo fura-bolode frango adentro socou.Escrafunchando e bulindocom o seu dedo compridovive ela sorrindo.Isso é muito parecidocom coisa bem diferente!Num manda muito viventeque de nascença é capado.É minha desconfiançao meu dedo não alcançanos troços desse dadado!Com um... [ligeiro engasgo]Com um grande ar de tristezaficou a velha a dizer:“Maria, eu tenho certezaque o meu frango vai morrer.Enquanto está remexendo,ele está esmorecendoe esfria igualmente um sapo.Eu estou com muito medo.Parece que esse seu dedojá está mexendo no papo!”E a nora dentro, animada:“Ou no papo ou na garganta,se aqui tem coisa encantada,o meu dedo desencanta!Madrinha, eu tenho costume.Puxei agora um volume,repare, presta atenção.”E a velha disse: “Ó, Maria,

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não era assim que eu queria.Isso aqui é o coração!”(Gilmar ri)“Então, morreu o coitado,mas que a culpa não é minha!Eu nunca tinha capadodessa raça de galinha.Já que isso aconteceue esse seu frango morreua gente muda de assunto.Para não ficar perdido,seu filho, que é o meu marido,bota agora um adjunto.”“Veja, madrinha, o Jacó,só tá vivendo de troça,de brincadeira e forróe ‘Pai Luís’ lá na roça.E essa... pobre vizinhançacom o fim de encher a pançada carne desse sendeiro,de alegria se alvoroçae vai limpar nossa roça,sem precisar de dinheiro.”O Jacó, que é sem respeito,gosta de esculhambação,contando a cada sujeitocomo foi a capação,vai servir de caçoada,de mangofa e gargalhadae é grande o divertimento.E esta turma de gaiatosdas roças limpam os matos

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e a comida é o pagamento.Na manhã do outro diacomeçou logo o fofó,chegava um e dizia:“Cadê o frango, Jacó?”“Carne a gente não enjoa,sua sogra é gente boae Maria é de primeira,malva, relógio e capim,das duas vão levar sim,roça nova e capoeira.”Na mais quente animaçãocada qual com sua enxada,com dois dias de rojão,o mato não deu pra nada.Do grande frango comendoe o trabalho resolvendocada qual foi o mais brabo.E Jacó, muito feliz,despachou o ‘Pai Luís’pra casa da mãe do diabo. [Gilmar ri]A Maria, muito séria,tratando do seu labor,sempre escutava pilhéria,de cada trabalhador.Pois o povo sem respeito,logo assim que arranja um jeitopara fazer mangação,para o apelido apela,ficaram chamando ela‘Maria do Coração’.

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Tudo sorria animadosomente a velha chorou.Do seu frango idolatradonem mesmo um caldo tomou.Vivia a soltar gemido:‘Adeus, meu frango querido,da maior estimação.A minha nora malvada,que não sabe fazer nadaarrancou-lhe o coração.De uma maneira qualquer,meu filho é um vagabundo.E a minha nora a mulhermais safada desse mundocom o seu dedo compridomatou o meu frango queridoe foi de caso pensado.Com isso que aconteceueu vejo que ela nasceucom o dedo amaldiçoado.’Já sofrendo do juízo,delirando ela dizia:‘Ó, meu Deus, que prejuízo!Cadê meu frango, Maria?’Lhe deram xampu rião (?)de quem nasce que nem limão (?)porém nada resolveu.Deram tangolangomangoe com saudade do frangocom sete dias morreu. ‘Mas que tristeza, meu Deus!’”GC- [Risos, risos, risos] Ah, Patativa, me diga uma

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coisa: quem é mesmo o ‘Pai Luís’?PA- ‘Pai Luís’ ? Na mente dos camponeses, viu?GC- Sim.PA- É assim um velho abstrato, assim, imaginário,

viu? Um velho fantasma que criam e lá na roça do pre-guiçoso... porque em todo lugar tem preguiçoso que às vezes deixa o mato estragar os legumes, não é?

GC- Um mito, como a caipora?PA- Aí, eles têm essa superstição, viu? que o ‘Pai

Luís’vem se senta ali numas moitas, diz: ‘Ele não limpa isso aqui, que isso aqui tudo é meu. É mato, é legume, é tudo, é meu!’. É o ‘Pai Luís’.

GC- Patativa, um. poeta de bancada, quando não gosta de um verso, ele rasga. Você guarda na memória: quando você num gosta dum verso, como é que apaga?

PA- O meu próprio verso?GC- Sim. Quando o senhor está fazendo um que não

gosta, como é que faz?PA- Verso que eu tenho feito?GC- Não, quando está ainda na sua cabeça e o senhor

não gosta, como é que faz pra apagar ? Porque o que tá no papel, risca, rasga o papel e o seu é na memória. Como é que você apaga?

PA- Sim! Não, eu quando não simpatizo com o verso, viu? Aí eu mudo, assim na mente, viu?

GC- Muda como?PA- Mudo assim, na mente, qualquer coisa. Mas é

muito raro, viu ? Porque a beleza da poesia consiste na colocação das palavras. Toda palavra cabe no verso. Depende de saber colocar...

GC- Depende.PA- Pra poder ficar... simpático, bonito, ter graça,

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não é? É tal qual a quadrinha. A quadrinha não é tão fácil de fazer!? É muito fácil de fazer uma quadra. Mas pra quadra ficar bonita e encerrar uma verdade, ela é... assim meia difícil. Começo as minhas quadras que eu faço dizendo assim, ó:

“Somente o rico na Terratem o seu nome na históriaquando o pobre vence a guerraO rico alcança a vitória

Se o orgulho e a hipocrisianão fossem ao cemitériopouca gente dormirianaquele lugar funéreo.

Saudade dentro do peitoé qual fogo de monturopor fora, tudo perfeitopor dentro fazendo furo.

Saudade é uma sentençaque dentro da gente ficaquanto mais nela se pensamais ela se multiplica.(ligeiro engasgo e pausa)

Aqui tudo aquilo...(erra e recomeça)Aquilo que eu não esperogosta de me aparecer.Vejo sempre o que eu não quero,em vez do que eu quero ver.

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Ser poeta... (esquece e pára; sussura)Ser poeta é ter paixãoé sentir da dor o espinho.ter tudo no coraçãoe viver sempre sozinho.

O poeta é um vagabundo,que vive vagando alémprocurando nesse mundoo que esse mundo não tem.”

GC- Todas essas quadras são suas?PA- São quadras que eu tenho.GC- E o que. é poesia para Patativa de Assaré?PA- A poesia é assim uma expressão sagrada, viu? É

uma coisa santa. Eu comparo a poesia com uma coisa que merece o maior respeito, maior respeito. E ela ameniza a vida daquele que a compõe, viu? A poesia é um dom divino, um dom divino, viu? Eu... por que é que eu nunca quis fazer profissão da minha poesia como comércio, viu? Porque eu até respeito a minha poesia.

GC- Muitos respeitam...PA- Sou o poeta nato. O poeta, vamos dizer, o poeta

apaixonado. E gosto da poesia que traga, assim, essas filosofia, essas verdade contidas nela, como diz...

“Há dor que mata pessoasem dó e sem piedade.Porém, não há dor que doacomo a dor de uma saudade.

Saudade é canto magoado

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Entrevista concedida ao professor Gilmar de Carvalho,

do Curso de Comunicação Social da Universidade Fede-

ral do Ceará (UFC), na cidade de Assaré-Ceará, em 15 de

fevereiro de 1996.

no coração de quem sente.É como a voz do passado,ecoando no presente.”

E assim por diante, viu?GC- Quadras não são fáceis de fazer...PA- E a quadrinha é fácil de rimar. Mas pra encerrar

essas verdades que eu tô dizendo é mais difícil. Não é só improvisar, não!

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FOTOS: ISMAEL PORDEUS JUNIOR

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FOTOS: ISMAEL PORDEUS JUNIOR

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Cronologia

1909 — Nasce dia 5 de março, na Serra de Santana, a 18 km de Assaré, filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, pequenos proprietários rurais.

1913 — Perde um olho em decorrência de uma do-ença

1917 — Morte do pai, a 28 de março. A pequena pro-priedade da família, na Serra de Santana é dividida entre os filhos José, Antonio, Joaquim, Pedro, Maria e Mercês

1920 — Trabalha no campo, na serra de Santana1921 — Alfabetizado por meio do livro de Felisberto

de Carvalho. Fica menos de seis meses na escola1922 — Começa a fazer “versinhos que serviam de

graça para os serranos”1925 — Vende uma ovelha para comprar a primeira

viola. Passa a se apresentar nos sítios e festas da região1928 — Viagem a Belém do Pará, onde ganha de

José Carvalho de Brito, jornalista e advogado do Crato, aí radicado, o epíteto de Patativa. Apresenta - se nas “colônias”, núcleos de nordestinos que migraram para o Pará. Faz o percurso, pela da linha férrea, de Belém a Bragança

1929 — De volta ao Ceará, visita a Casa de Juvenal Galeno, onde se apresenta em noite festiva e tem o privilégio de conhecer o poeta das “Lendas e Canções Populares”

1931 — Citado no livro “O matuto cearense e o cabo-clo do Pará”, de José Carvalho, que relembra o episódio do encontro com o jovem poeta

1936 — Casa-se, dia 6 de janeiro, com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha

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1940 — Apresenta-se com violeiros, como João Ale-xandre, nos sítios e festas do Cariri

1955 — Conhece José Arraes de Alencar, que toma a iniciativa de transcrever seus poemas por meio de Moacir Mota, filho de Leonardo Mota

1956 — Publicação de “Inspiração Nordestina”, por Borsoi Editor, do Rio de Janeiro

1962 — Apresenta-se no São João Popular, no sítio Trindade, em Recife, promovido pela administração Miguel Arraes

1964 — Luiz Gonzaga grava “A Triste Partida”1970 — Publicação de “Patativa do Assaré - Novos

Poemas Comentados” de J. de Figueiredo Filho.1972 — Raimundo Fagner musica e grava “Sina”, no

disco “Manera Fru-Fru”, poema cuja autoria não lhe foi atribuída

1973 — Atropelado quando atravessava a avenida Duque de Caxias, em Fortaleza, dia 13 de agosto

1978 — Lançado “Cante lá que eu canto cá”, com o selo da Editora Vozes

1979 — Passa a residir em Assaré, à rua Coronel Pedro Onofre nº 27, Praça da Matriz

— Homenageado pela programação cultural do encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, SBPC, em Fortaleza

— Grava o disco “Poemas e Canções”— Participa da campanha pela Anistia aos presos

políticos brasileiros— Personagem de “Patativa do Assaré”, super-8 de

Rosemberg Cariry— Participa da Massafeira Livre, dias 15 a 18 de mar-

ço, no Theatro José de Alencar, show lançado em disco

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166 GILMAR DE CARVALHO

com o selo Epic (CBS),no ano seguinte1980 — Fagner grava “Vaca Estrela e Boi Fubá” (CBS)1981 — Lança o disco “A terra é naturá”— Apresenta-se no programa Som Brasil, da Rede

Globo, dia 31 de outubro1982 — Recebe o diploma de “Amigo da Cultura”,

outorgado pela Secretaria da Cultura do Estado, pela “decidida atuação a favor do aprimoramento cultural do Ceará”

— Cidadão de Fortaleza, título aprovado pela Câmara Municipal

1984 — Participa da campanha pelas “Diretas-Já” e sobe ao palanque, em Fortaleza, para dizer poemas, ao lado de lideranças políticas nacionais

— Publicação de “O metapoema em Patativa do As-saré: uma introdução ao pensamento literário do poeta”, de Francisco de Assis Brito, pela Faculdade de Filosofia do Crato

— Vídeo “Patativa do Assaré”, realizado pelo Projeto Experimental dos alunos do Curso de Comunicação Social da UFC, com apoio da Tv Educativa

— “Patativa do Assaré — Um Poeta do Povo”, filme de Jefferson Albuquerque Jr. e Rosemberg Cariry, em 16mm, ampliado para 35 mm, em cores

1985 — Faz a letra de “Seca d’ Água”, criação coletiva para angariar fundos para as vítimas das enchentes que assolaram o Nordeste naquele ano

— Lança o disco “Patativa do Assaré”, um projeto cultural do Banco do Estado do Ceará1986 — Apóia a candidatura de Tasso Jereissati ao governo do Estado do Ceará.

1987 — Recebe a “Medalha da Abolição”, pelos “re-

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levantes serviços prestados ao Estado”1988 — Publica o livro “Ispinho e Fulô”, pela Impren-

sa Oficial do Ceará— Submetido a cirurgia em clínica oftalmológica de

Campinas (SP)1989 - Enredo da “Escola de Samba Prova de Fogo”,

do Crato— Doutor Honoris Causa da Universidade Regional

do Cariri - URCA— Seminário”80 anos de Patativa do Assaré”, pro-

moção da URCA— Lança o disco “Canto Nordestino”— Inauguração da rodovia “Patativa do Assaré”,

com 17 km, ligando Assaré a Antonina do Norte, pelo governador Tasso Jereissati

— Apresentação de Patativa do Assaré e Théo Aze-vedo, no Teatro das Nações (Av. São João, 1737), em São Paulo

— Evento “Patativa do Assaré-80 anos de vida e po-esia”, dia 30 de novembro, no BNB Clube, em Fortaleza

— Apresentação de Patativa do Assaré com Fagner, no Memorial da América Latina, em São Paulo,de 7 a 9 de dezembro

1990 — Participação no evento “Fortaleza das Violas”, no BNB Clube, em Fortaleza, dias 26 e 27 de janeiro, como convidado especial, juntamente com Otacílio Batista e Geraldo Amâncio

— Lançamento do disco “Patativa do Assaré- 80 Anos de Luz”, com apoio da Prefeitura Municipal de Assaré, Urca, Secretaria da Cultura do Estado e Associação dos Artistas e Amigos da Arte, de Juazeiro do Norte

1991 — Enredo da Escola Acadêmicos do Samba,

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168 GILMAR DE CARVALHO

de Fortaleza— Lança o livro “Balceiro”, organizado por ele e por

Geraldo Gonçalves, que reúne parte da produção dos poetas de Assaré, publicado pela Secretaria da Cultura do Estado/ IOCE

1993 — Participa da novela “Renascer”, da Rede Globo de Televisão

— Entrevistado pelo programa Jô Onze e Meia, do SBT

— Lança a caixa “Cordéis do Patativa”, editada pela Secult com apoio da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte, na Casa de Juvenal Galeno, em Fortaleza, dia 20 de novembro

1994 — Lança o livro “Aqui tem coisa”, na I Feira Brasileira do Livro de Fortaleza

— Documentário “O Vôo da Patativa”, com roteiro de Oswald Barroso e direção de Ronaldo Nunes, produzido pela Tv Ceará

— Grava o disco “Patativa 85 Anos de Luz e Poesia”— Evento “Patativa do Assaré-85 anos de Fidelidade

e Amor à Poesia e a sua Gente”, dias 4 e 5 de março, em Assaré

— Inauguração do Centro de Cultura Popular Pata-tiva do Assaré,à rua Euclides Onofre, dependências da antiga usina, em Assaré (depois desativado)

— Morte de Dona Belinha, dia 15 de maio— Sócio honorário do Museu do Gonzagão, em

Exu(PE)1995 — Lançamento de “Patativa e o Universo Fas-

cinante do Sertão”, de Plácido Cidade Nuvens— Recebe o “Prêmio Ministério da Cultura”, categoria

Cultura Popular

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1997 — Seminário “88 anos de Patativa do Assaré”, promovido pela URCA e Secretaria de Cultura do Es-tado, no Crato

— Lançamento do cd “Patativa 88 anos de Poesia”— Inauguração da Rádio Comunitária Patativa do

Assaré, em sua cidade natal— Defesa da dissertação “A linguagem regional po-

pular na obra de Patativa do Assaré”, de Maria Silvana Militão de Alencar, no Mestrado em Lingüística e Ensino da Língua Portuguesa da UFC, dia 5 de dezembro de 1997, sob a orientação da Dra. Maria do Socorro Silva de Aragão

1998 — Álbum de xilogravuras “Patativa - Vida Po-esia”, com 16 matrizes em umburana, de autoria de José Lourenço Gonzaga

— Recebe, dia 22 de maio, a “Medalha Francisco Gonçalves de Aguiar”, do Governo do Estado do Ceará, outorgada pela Secretaria de Recursos Hídricos

— Sessão solene da Assembléia Legislativa do Es-tado de São Paulo, dia 10 de agosto, em homenagem aos noventa anos de Patativa do Assaré. Transcrita no volume 108, número 166, do dia 1 de setembro de 1998, do Diário Oficial do Estado de São Paulo.

— Inauguração, dia 1 de outubro, da exposição “De um pingo d’água um oceano de rimas”, em homenagem a seus 90 anos na III Feira Brasileira do Livro de Fortaleza

— Homenageado pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Ceará, com a impressão de um calendário referente a 1999, com projeto gráfico de Evandro Abreu e xilogravuras de José Lourenço. Peça escolhida em concurso público.

1999 — Festa de aniversário, com a inauguração do

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Memorial, em Assaré e lançamento da revista Inside Brasil.

— Recebe, na festa dos noventa anos, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Ceará- UECE

— Recebe, em outubro, em Assaré, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará –UFC, quando é feito o lançamento do livro Cordéis, publicado pelas Edições UFC

2000 — Na festa dos 91 anos, recebe o título de Ci-dadão do Rio Grande do Norte

— Lançamento, em maio, dos livros “Patativa do Assaré”, de Gilmar de Carvalho ( Fundação Demócrito Rocha) e “Patativa do Assaré”, de Sylvie Debs ( Editora Hedra), no Sindicato dos Jornalistas, em Fortaleza

— Recebe o título de Doutor Honoris Causa da Uni-versidade Tiradentes, de Sergipe

— Defesa da dissertação de mestrado “Patativa do Assaré. As razões da emoção. Capítulos de uma poéti-ca sertaneja”, de Cláudio Henrique Sales Andrade, na FFLCH, da Universidade de São Paulo , em setembro

— Patrono da Bienal do Livro do Ceará 2000 ( 17 a 22 de outubro)

DiscografiaLuiz Gonzaga - “Triste Partida”, 1964Raimundo Fagner - “Manera Fru-Fru”, 1972 (faixa

“Sina”)Patativa do Assaré - “Poemas e Canções”, 1979Raimundo Fagner - “Raimundo Fagner”, 1980 (faixa

“Vaca Estrela e Boi Fubá”)

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Quinteto Agreste - Compacto em vinil com a música vencedora do 1 Festival Credimus da Canção, parceria de Patativa do Assaré com Mário Mesquita(“Seu dotô me conhece”), 1980

Massafeira Livre. Patativa do Assaré, disco 1, lado B (faixa “Senhor Doutor”), gravada ao vivo no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, dias 15 a 18 de março de 1979 e lançada pelo selo Epic, CBS, 1980

Patativa do Assaré - “A terra é naturá”, 1981Som Brasil - Participação de Patativa do Assaré,

gravada ao vivo no Programa Som Brasil, dia 30 de novembro de 1981

Quinteto Agreste - “Quinteto Agreste” (faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá”)

Patativa do Assaré - “Patativa do Assaré”, 1985 (Pro-jeto Cultural do BEC)

Criação coletiva - “Seca D’ Água”, 1985, a partir de poema de Patativa

Alcymar Monteiro - “Rosa dos Ventos”, 1987 (faixa “Sofreu”)

Patativa do Assaré - “Canto Nordestino”, 1989Patativa do Assaré - “80 anos de Luz”, 1989Joãozinho do Exu - “Lembrando você”, 1993 (faixa

“A natureza chora”)Patativa do Assaré - “85 anos de poesia”, 1994José Fábio - “José Fábio”, 1994 (faixas” Vaca Estrela e

Boi Fubá”, “ Menino de Rua”, “Lamento de um nordes-tino” e “Estrada da minha vida”)

Mastruz com Leite - “O Boi Zebu e as Formigas”, 1995 (faixa título)

Sérgio Reis - “Marcando Estrada”, 1995 (faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá”)

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Cícero do Assaré - “Meu passarinho meu amor”, 1996 (faixas “Meu passarinho meu amor” e “Lamento de um nordestino”)

Mastruz com Leite - “Em todo canto tem cearense, inclusive neste cd” (faixa “Sem Terra”)

Fagner - “20 Super Sucessos II” (faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá”)

Pena Branca e Xavantinho - “Cio da Terra”, 1996 faixa (“Vaca Estrela e Boi Fubá”)

Gildário - “Sou Nordestino” (faixas “Saudade”, “Te-nha pena de quem tem pena”, “Assaré Querido” e “Sou Nordestino”)

Cláudio Nucci e Nós & Voz - “É boi” (faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá”)

Alcymar Monteiro - “3º Circuito de Vaquejadas”, 1997 (faixas “Ingém de Ferro” e “Nordestino sim, nor-destinado não”)

Renato Teixeira e Pena Branca e Xavantinho - “Ao vivo em Tatuí” (faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá”)

Gildário - “Agora” (faixas “A tristeza”, “ Saudação a Juazeiro”, “Morena e Mastruz com Leite”

Baby Som - “Quente e Arrochado - Volume 2” (faixa “ Ao rei do baião”)

Alcymar Monteiro - “Eterno moleque” (faixa “ Minha viola”)

Daúde - “Daúde” (faixa “Vida Sertaneja”)Abidoral Jamacaru - “O Peixe”, 1997 (faixa título)Simone Guimarães - “Cirandeiro”,1997 (faixa “Sina”)Cantorias e Cantadores 2 - Pena Branca e Xavantinho

(faixa “Vaca Estrela e Boi Fubá).Kuarup Discos, s/dJosé Fábio - “José Fábio canta Patativa do Assaré”,1998

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Bibliografia

Patativa do Assaré. Inspiração Nordestina. Rio de Janeiro, Borsoi Editor, 1956

Patativa do Assaré. Inspiração Nordestina — Cantos do Patativa. Rio de Janeiro, Borsoi Editor,1967

J. de Figueiredo Filho. Patativa do Assaré. Novos Poemas Comentados. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1970

Patativa do Assaré. Cante lá que eu canto cá. Petró-polis, Vozes, 1978

Francisco de Assis Brito. O Metapoema em Patativa do Assaré: Uma Introdução ao Pensamento Literário do Poeta. Crato, Faculdade de Filosofia, 1984

Patativa do Assaré. Ispinho e Fulô. Fortaleza, IOCE, 1988

Patativa do Assaré e Geraldo Gonçalves de Alencar. (org.) Balceiro. Patativa e outros poetas de Assaré. For-taleza, Secult/ IOCE, 1991

Jesus Rocha. Filosofando com Patativa. Fortaleza, Stylus Comunicações, 1991

Patativa do Assaré. Cordéis. Caixa com 13 folhetos. Juazeiro do Norte, Lira Nordestina (edição da Secult e Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte)

Patativa do Assaré. Aqui tem coisa. Fortaleza, Secult/ IOCE, 1994

Luiza de Teodoro Vieira. Um certo planeta azul. Fortaleza, Seduc, 1994

Pedro Américo de Farias (org.) NORdestinos. Cole-tânea poética do Nordeste brasileiro. Lisboa, Editorial Fragmentos, 1994

Plácido Cidade Nuvens. Patativa e o universo fasci-nante do sertão. Fortaleza, Unifor, 1995

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Oswald Barroso e Alexandre Barbalho (org.) Letras ao Sol. Antologia da Literatura Cearense. Fortaleza, Fundação Demócrito Rocha, 1998

Tiago Santana et alli. Brasil. Bom de Bola. São Paulo, ABN-AMRO Bank, 1998.

Patativa do Assaré. Cordéis. Fortaleza, Edições UFC, 1999

Assis Angelo. O Poeta do Povo. Vida e obra de Pata-tiva do Assaré. São Paulo, CPC-UMES, 1999

Sylvie Debs. Patativa do Assaré. São Paulo, Hedra, 2000

Gilmar de Carvalho. Patativa do Assaré. Fortaleza, Fundação Demócrito Rocha, 2000

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PATATIVA POETA PÁSSARO DO ASSARÉ 175

Referências bibliográficas

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176 GILMAR DE CARVALHO

vilização Brasileira,1985ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo, Cia das Letras, 1993

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178 GILMAR DE CARVALHO

Poucas vezes a poesia foi elevada a esta condição. O poeta disse tudo. Podemos desligar o gravador. O texto está pronto. Pode ser salvo. Eu estarei a salvo.

ISBN 85-889-02-3


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