Universidade Federal do Rio de Janeiro
Relações Internacionais
Seminários: Tópicos Especiais das Relações Internacionais Contemporâneas
Professor: Leonardo Valente
Aluna: Bruna Martins Machado DRE: 111186527
O PENSAMENTO DA POLÍTICA EXTERNA CHINESA
A necessidade de se compreender o pensamento da política externa chinesa reside na
crescente importância que esta vem ganhando no mundo durante o século XXI. A China se tornou
uma superpotência e um agente fundamental na formação da ordem política global, e qualquer
tentativa de previsão do futuro das relações internacionais deve levar a sua política externa em
consideração.
A China é herdeira do Império do Meio. Segundo a sua tradição e visão de mundo, os
demais Estados seriam tributários em níveis variados, ou seja, os chineses se consideravam o centro
do mundo e as demais sociedades eram aferidas segundo gradações a partir daí. Por inúmeros
milênios a China não teve que lidar com nenhum outro país ou civilização que fosse comparável a
ela em escala, poder e cultura. Deste modo, enquanto se iniciavam as grandes navegações
europeias, a China era tecnicamente muito superior, mas retirou-se voluntariamente da exploração
naval pois não tinha pretensões de conquista ou dominação de outros povos. Para eles a “terra
prometida” era a própria China e não haveria nenhuma glória em atravessar oceanos para converter
bárbaros.
Segundo o cientista político norte-americano Lucian Pye, na idade moderna, a China
permaneceu sendo uma “civilização que finge ser um Estado-nação”1. Em outras palavras, tratava-
se de uma comunidade territorial e étnica que tinha dificuldades em se enxergar como um Estado-
nação moderno. Os valores predominantes na sociedade chinesa derivaram das prescrições do
antigo filósofo Confúcio, ou Kong Fuzi, que, ao contrário de Maquiavel – o seu possível
correspondente ocidental em importância –, se preocupava mais com o cultivo da harmonia social
do que com as maquinações do poder. Sua filosofia buscava a redenção do Estado mediante o
comportamento individual correto, e seus ensinamentos eram considerados como algo próximo de
uma Bíblia e de uma Constituição combinadas, e o seu conhecimento era sinônimo de qualificação
entre os burocratas chineses.
Segundo a doutrina da excepcionalidade, todo povo precisa de elementos que o diferenciem
dos demais e estes, normalmente, são motivos para se vangloriarem. Na versão chinesa desta
doutrina, as suas características excepcionais eram o centralismo e a superioridade. Diferentemente
1 Lucian Pye, “Social Science Theories in Search of Chinese Realities”, China Quarterly 132 (1992): 1162.
dos norte-americanos que sempre defenderam um ideal de universalismo e de disseminação de seus
valores pelo mundo, a China restringia-se apenas a conter os povos bárbaros imediatamente às suas
portas e a fazer com que Estados tributários reconhecessem o seu status especial. Não tinham
interesse em convertê-los aos costumes chineses e não exportavam as suas ideias, eles apenas
permitiam que os demais viessem “buscá-las”, ou seja, que tivessem o privilégio de poder delas
usufruir.
Enquanto a Europa competia o tempo inteiro, a China se acomodou com a sua noção de
centralidade e pela falta de competição ao redor, o que tornou mais fácil a entrada da europeia na
China. As nações ocidentais, mais do que ameaças à defesa territorial, traziam concepções
irreconciliáveis de ordem mundial. A China passou por subsequentes catástrofes que, olhadas em
conjunto, foram consideradas o “século da humilhação” que teve fim apenas com a reunificação do
país sob uma forma de comunismo nacionalista. A partir de uma humilhação e subjugo muito
grandes a China começou a sair da inércia milenar em que se encontrava.
Durante o século XVIII a China estava no auge de sua grandeza imperial, e há tempos vivia
em relativa calmaria uma vez que as atenções das nações europeias estavam voltadas para as
guerras napoleônicas. Com a derrota do líder francês, contudo, as atenções se voltaram para o
extremo oriente e se iniciaram duras pressões sobre os chineses que impunham muitas restrições ao
comércio. Neste momento, a Grã-Bretanha era a maior potência naval do mundo e vivia em plena
prosperidade econômica decorrente da Revolução Industrial. Em relação ao comércio com a China,
no entanto, os britânicos sofriam grande deficit comercial, e, para compensar, traficavam ópio de
suas colônias indianas para o Império de Meio. Frente a tal situação, Pequim proibiu o tráfico de
ópio, o que iniciou a Guerra do Ópio.
Séculos de primazia distorceram o senso de realidade chinês. A China superestimava a sua
posição e avaliava a ofensiva dos “bárbaros ingleses” como uma ameaça sem fundamento. Contudo,
como já era possível prever, as forças navais britânicas esmagaram os chineses em suas empreitadas
e os tratados impostos (“tratados desiguais”) inauguraram um processo de perda do controle chinês
de suas políticas externa e comercial. No entanto, as cláusulas que mais os amargavam eram as que
estabeleciam igualdade de status pois ameaçavam toda a ordem global chinesa – os chineses
insistiam na posição superior enraizada em sua identidade nacional, e tinham dificuldades em
aceitar a derrota, vendo a guerra como mais uma irrupção de uma tribo de bárbaros. Os termos do
Tratado de Nanquim, no entanto, obrigaram o império a compreender a sua inferioridade militar e
os chineses, no intervalo de uma década, passaram de uma posição de proeminência a objeto de
interesses colonizadores, e um cenário de intensas sublevações do povo chinês se iniciou.
Após a dura repreensão por uma força de oito grandes potências na Revolta dos Boxers
contra estrangeiros e suas influências, e após a imposição indenizações e de mais “tratados
desiguais”, a elite política chinesa teve que iniciar um processo de “autofortalecimento” e de
reconstrução da autoestima buscando referências no ocidente. Sua nação não poderia mais ignorar e
desprezar as inovações estrangeiras e teria que se abrir para o mundo exterior, aprendendo com
nações até então consideradas vassalas e bárbaras para, depois, recuperar a sua posição de
proeminência. Neste contexto de profunda instabilidade e ameaça externa, nascia uma república
chinesa, profundamente dividida deste o seu início. Primeiramente o Estado chinês foi considerado
nacionalista e depois comunista – os grupos lutavam pelo poder em um contexto de Guerra Fria.
A China era considerada como uma das”Cinco Grandes” nações que organizariam o mundo
pós-guerra e tinha poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quando as forças
nacionalistas foram derrotadas e se retiraram para a ilha de Taiwan, em 1949, decretaram a
mudança da capital da República da China para Taipei e mantiveram seu lugar no CSNU. Na parte
continental foi proclamada a República Popular da China.
1950 – NEUTRALISMO
Durante os anos de 1950, a China teve que lidar com a dicotomia entre crescer e aparecer,
ou seja, viveu um dilema entre crescimento e cautela em relação às potências globais. Ao mesmo
tempo em que os seus líderes tinham o desafio de promover uma recuperação eficaz para seu país,
deveriam realizá-la sem alardes para que as grandes potências não se sentissem ameaçadas e
tentassem intervir no processo. A conduta chinesa baseava-se na premissa de que sua presença só
poderia começar ser percebida quando a sua inserção internacional fosse irreversível, o que
aconteceu no século XX e início do XXI.
Durante esta fase, a China via como essenciais a fuga da lógica bipolar da Guerra Fria,
buscando manter-se neutra, e a defesa de sua soberania nacional, impedindo ingerências em
assuntos que eram considerados essencialmente chineses e não internacionais, como era o caso de
Taiwan. Além disso tudo, a busca pela paz regional também era um de seus objetivos e uma
maneira de manter afastadas as potências ocidentais. Esta concepção de neutralismo foi arrefecida
somente com a adoção do modelo maoísta, momento em que sua burocracia governante começou a
perceber várias oportunidades de levar a revolução para o mundo.
Em 1949, Mao Zedong assumiu o poder na China e lançou o país em uma jornada que a
tornou uma das maiores potências mundiais, mas que quase arruinou a sua sociedade civil. Mao foi
o primeiro governante desde a unificação da China que buscou acabar com as tradições chinesas
como um ato deliberado de política de Estado. Ele queria destruir a antiga ordem e romper com o
passado. Compelido por um século de humilhações, Mao produziu uma militarização da vida
chinesa. A República Popular da China tornou-se uma força influente e uma líder no Movimento
dos Não Alinhados – grupo de países recém-independentes procurando se posicionar entre as
potências.
1960 – INTERVENCIONISMO
A década de 1960, por sua vez, foi marcada pelo intervencionismo chinês, tanto na Ásia, em
casos como o da Coréia e do Vietnã, e também na África. Em algumas localidades as suas
empreitadas foram bem-sucedidas, mas em outras o resultado foi catastrófico, como na Indonésia.
Fato é que a China não possuía a envergadura da União Soviética, e, por isso, inúmeros foram os
questionamentos a respeito do limite de suas intervenções, ou seja, até que ponto os chineses
podiam financiar essas revoluções em outros países e se depauperar internamente. A tradição
chinesa não era interventora, e esta conduta era mal vista por vários setores de sua sociedade
tradicionalista.
1970 – TEORIA DOS TRÊS MUNDOS (TERCEIROMUNDISTA)
Durante a década de 1970 as nações do globo foram divididas conforme seu status no
sistema internacional: Estados Unidos e União Soviética constituíam o primeiro mundo; a Europa, o
Canadá, e a Austrália eram considerados o segundo mundo; e, finalmente, a África, a Ásia (exceto o
Japão) e a América Latina compunham o terceiro mundo. A China se assumiu como integrante do
terceiro mundo e buscou a aproximação com os seus “similares”.
Neste momento, buscando exercer influência no contexto da Guerra Fria, os EUA tentavam
se aproximar da China e, para isso, substituíram no Conselho de Segurança a China de Taiwan pela
China continental comunista. Sua motivação foi a consciência de que os chineses eram os principais
rivais regionais da União Soviética. Como o objetivo dos EUA era fomentar a divisão na Ásia e sua
principal preocupação era com a possibilidade de a União Soviética dominar o continente asiático,
ou seja, o heartland, era fundamental, nesse sentido, estabelecerem tal aproximação. A preocupação,
portanto, não era ideológica (comunismo), como é falaciosamente defendido, mas geoestratégica.
A China possuía nesta época uma política externa retraída. Era um país apático no Conselho
de Segurança e não “se intrometia” nos assuntos e interesses das grandes potências. Com a chegada
de Deng Xiaoping ao poder chinês, no entanto, iniciou-se um processo de abertura econômica e
mudanças foram implementadas na forma como a China lidava com o capitalismo. Iniciou-se um
período de amplo crescimento econômico – 9 a 10% ao ano durante 30 anos consecutivos – e de
produção voltada para a exportação. Em concordância com esse novo caráter econômico, foi
promovida uma reaproximação pragmática com as potências, mas sem, contudo, fazerem alarde
quanto à mudança de foco em relação ao terceiro mundo.
1980/90 – PRAGMATISMO
A década de 1980 foi marcada pelo fim da Guerra Fria e pela consolidação da hegemonia
norte-americana. China começa a emergir como potência, mas não queria ser vista assim. Enquanto
a tradição ocidental prezava o choque decisivo entre forças, a China preferia as forças indiretas e o
acúmulo de vantagem relativa. Enquanto os grandes teóricos europeus, como Clausewitz e Jomini,
defendiam a estratégia como algo separado da política, pensadores chineses, como Sun Tsu em “A
Arte da Guerra”, desenvolveram uma filosofia estratégica que prezava vantagens psicológicas e
visavam evitar o conflito direto. Estrategistas ocidentais buscam comprovar suas teorias através das
vitórias em batalhas; Sun Tsu pelas batalhas que se tornaram desnecessárias.
A suprema excelência está
Não em vencer
Toda batalha
Mas em derrotar o inimigo
Sem sequer combater2
Em 1998 foi desenvolvida a “Teoria da Ascensão Pacífica”. Inicialmente negada pelo
governo chinês, tratava-se do reconhecimento frente a comunidade internacional de que a China
estava, de fato, crescendo, mas que isto não significava qualquer pretensão hegemônica subjacente,
como era hábito das potências ocidentais emergentes. Em 2001 a China demonstrou sua
predisposição aos canais de diálogo multilaterais, aderindo à OMC além de ter começado a
aumentar sua participação e seus vetos na ONU. Entre 2001 e 2005, o crescimento chinês foi
notório e inegável, e, como resposta, os EUA e a Europa reconhecem a sua ascensão e fizeram uma
declaração afirmando que a China deveria ser uma potência responsável, que conhece e respeita os
limites determinados.
Tamanha provocação por parte das potências ocidentais gerou alterações na conduta chinesa
e na suposta “Ascensão Pacífica”. Em 2009, a China respondeu, através do China Daily, ao
“enquadramento” das potências ocidentais afirmando que potências criam regras e instituições, e
que quem entra no jogo dos outros não é potência. Com isto a China mudava todo o quadro de
cautela adotado até então, se afirmando como uma das potências mundiais. Neste sentido, os
chineses reconheceram que o FMI, o dólar, e as demais instituições ocidentais eram importantes
para a estabilidade mundial e aceitaram a proeminência norte-americana, mas criaram o banco dos
BRICS, faziam transições em moeda local e se relacionavam com a Rússia, Brasil, e demais países
emergentes como alternativas ao padrão estabelecido pelas potências ocidentais.
A China, ao criar as suas próprias instituições – paralelas às do Ocidente –, se utilizava de
2 Sun Tsu, The Art of War, trad. por John Minford (Nova York: Viking, 2002), 3.
seu soft power. A criação do Banco dos BRICS, por exemplo, constituiria uma alternativa aos
países mais pobres, que não mais necessitariam recorrer obrigatoriamente ao FMI. A China,
contudo, consciente de que é a primeira potência que emerge econômica e belicamente que não
possui ótimos indicadores sociais, deixou de ser uma nação absolutamente exportadora e começou a
olhar mais para a sua própria população. Como forma de manter os projetos focados no seu
desenvolvimento, os chineses se preocupavam em não serem boicotados pelas potências. Para isto,
não podiam demonstrar a ascensão. Assim, ao mesmo tempo em que estavam construindo todo um
aparato de soft power, os chineses planejaram retardar o processo de conscientização mundial sobre
o seu poder hard. O pragmatismo que caracteriza este período da política externa chinesa não está
contido em doutrinas, mas refletido em suas ações.
O SOFT POWER:
Por fim, é válido lembrar o soft power pode ser exercido através de três tipos de diplomacia:
O primeiro tipo é a diplomacia cultural, composta por manifestações oficiais do governo e pela
promoção de ações; o segundo tipo é a diplomacia pública, em que são usados os instrumentos de
que o país dispõe para promover os seus interesses, ou seja, atuam como “mecenas” ou
financiadores dos interesses nacionais; e, por fim, o terceiro tipo é a diplomacia midiática (ou
“oficiosa”), através da qual os governos divulgam informações nas quais têm interesse que a
população como um todo tome conhecimento, mas que, ao mesmo tempo, não querem que saiba
que foi ele quem as divulgou.
Referências:
KISSINGER, Henry. Sobre a China. Editora Objetiva, 2011.
PYE, Lucian. “Social Science Theories in Search of Chinese Realities”. China Quarterly, 1992.
TSU, Sun. The Art of War. Trad.:John Minford. Nova York: Viking, 2002.