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CYCLE DE SEMINARIES FONDEMENTS ET ORIENTATIONS DE LA PENSEE ECOLOGIQUE CONTEMPORAINE II – ECOLOGIE & CRISE

UNIVERSITE PARIS DESCARTES SORBONNE

VENDREDI 2012-05-11

WILLIAM A. CERANTOLA

PENSAMENTO COMPLEXO, COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES E O DIÁLOGO SENSÍVEL

A presente reflexão emergiu a partir de diferentes raizes e motivações.

Por um lado, inspira-se nos debates filosóficos, sociológicos e antropológicos sobre a complexidade, o pensamento sistêmico e a analogia aos modelos biológicos, onde sobressai o uno com o diverso, o elemento com o conjunto, a autonomia com a dependência, num movimento cíclico, contínuo e vivo.

Por outro lado, preocupa-se também com os desafios concretos das organizações empresariais, como parte das estruturas sociais, econômicas e politicas que estão em crise, e em particular, com o fazer da comunicação e as redes de relacionamento humano nesse espaço definido de propósitos e regras.

Meu esforço, assim, busca orientação para o exercício de alternativas que introduzam, mobilizem e ampliem o pensar e o agir no contexto da complexidade nas organizações empresariais como resposta possível para uma nova realidade humana.

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Essa resposta poderia residir na prática do diálogo, da oralidade e do resgate da história dos indivíduos, fortalecendo o processo de integração social, para desse modo, caminhar para o que dá sentido ao humano, trazendo à tona a incerteza, o ato da criação e o sensível.

Para tanto percorrerei 3 movimentos:1) Pensamento complexo e modelos biológicos2) Organizações, comunicação e redes 3) Diálogo Sensível

Pensamento Complexo e Modelos Biológicos

O pensamento complexo, como já nos disse o Prof Morin nesta semana, complexus é o que é tecido junto, trata de religar as coisas, colocá-las em conjunto, sistemizar, integrando o uno e suas partes.

O pensamento complexo nos auxilia a superar o estigma da disjunção, redução e simplificação, tão comum na maneira atual de pensar, e amplamente praticada nas organizações empresariais, a despeito da flagrante multiplicidade de suas estruturas, funções, processos, políticas, abrangência de atuação e pluralidade cultural.

Mas então o por quê da simplificação? Se a realidade, por assim dizer, nos cerca e nos surpreende sempre com uma nova faceta e circunstância?

A necessidade de modelos simplificadores da realidade, pode ser entendida a partir de estudos em neurobiologia, como apontado por Antonio Damasio, onde há uma predisposição do cerébro humano pela busca e formulação de padrões que teriam garantido a adaptação e sobreviência da espécie.

Não se trata de reduzir ao biológico um fenômeno humano histórico, social, cultural, político, econômico, mas de adicionar uma pitada ao tempero em preparação...

Ou talvez, como diz o Prof Morin, seja mais uma patologia contemporânea do pensamento, que se aprisiona na hipersimplificação através da racionalização do real em um sistema de idéias coerente, mas parcial e unilateral.

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Assim, sublimamos (categoria de Freud para um mecanismo de defesa que faz cessar o impulso original). Sublimamos o irracionalizável nos porões de nosso inconsciente e o afastamos dessa realidade, supostamente objetiva.

De qualquer modo, colocamos em exílio o pensar complexo, reduzindo, simplificando e subvertendo nosso entendimento da realidade.

Mas então, por onde começar?

Falar do pensamento complexo é falar da teoria sistêmica que tem seus primórdios na biologia e ampliou-se na cibernética.

Como nos ensina o Prof Morin, teoria sistêmica aponta...O todo e suas partes, O todo sendo mais que a soma das partese as partes que tem o todo em si

Teoria sistêmica transdiciplinar/interdisciplinar, ambígua, de equilíbrio/desequilíbrio, estável/dinâmica, como um sistema aberto em permanente relação com o ambiente.

Fica aberta a porta para o que o Prof Morin chama de uma teoria de sistemas auto-eco-organizadores. Referência possível para sistemas físicos, biológicos e sociais, dentre os quais as organizações empresariais.

A teoria sistêmica também se debruça sobre as ambiguidades da ordem/ desordem onde os níveis de organização da física e biologia explicam como se dá a produção de fenômenos organizados.

Por exemplo, as células são sistemas organizados em si mesmo (membrana, organelas), mas em seu conjunto requerem uma nova ordem, uma nova organização para constituirem um tecido. Os tecidos por sua vez são um conjunto de células diferenciadas (detem uma dada função), tem uma organização própria, ao ponto de adquirirem elevada diferenciação de outras células de outros tecidos do corpo.

Novamente o germen da organização está no conjunto, mas também em cada célula que tem o potencial para sua diferenciação.

O modelo biológico traz uma tradução preciosa da complexidade ao preservar o elemento individual, sem dissolver no geral/coletivo, mas ao transformar o elemento individual para a construção do geral/coletivo.

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Essa solução da natureza foi desenvolvida a exaustão em exemplos como os sistemas fisiológicos (células e tecido), desenvolvimento embriológico (embriologia recapitula a filogenia), migrações de animais (comportamento de indivíduo e bando), entre outros...

Por fim, pensar a complexidade, como propõe o Prof Morin, fundamenta-se em 3 princípios: dialógico, recursivo ou recursão organizacional e hologramático.

Dialógico porque há complementariedade e antagonismo, para além da justaposição, sendo necessários entre si (complemento e oposição entre a reprodução e a existência/manutenção)

Recursão organizacional porque há um processo onde produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores (indivíduos produzem a sociedade que produz os indivíduos)

Hologramático porque o ponto da imagem contem a quase totalidade da informação do objeto representado (célula com toda a informação genética do indivíduo)

Organizações, Comunicação e Redes

Como seria essa organização empresarial sistêmica, complexa e adaptativa?

Entender o pensamento complexo no ambito das organizações empresariais significa considerar um equilibrio/desequilibrio dinâmico, superando as abordagens de causa e efeito, ao conviver com a incerteza como variável interna.

Como menciona Milton Witman seria instaurar uma dinamica não linear, reconstrutiva, dialética evolutiva, intensa e com características de ambiguidade/ambivalência.

Trata-se de um sistema complexo adaptativo, porque se ajusta, interage, responde e influencia o ambiente. A abordagem sistêmica nas organizações empresariais envolveria práticas de retroalimentação em estreita interação com o ambiente, fluxo de informações, comunicação multi direcional, suportando ambiguidades e contradições internas.

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O princípio dialógico estaria presente nas organizações empresariais através da colaboração entre os diferentes para o estabelecimento de uma nova visão, estratégia, processo ou solução. O discurso único, direcional e verticalizado daria cada vez mais lugar ao discurso de possibilidades, multidirecional e horizontalizado. As partes expressariam cada vez mais o todo...

A recursão organizacional veria traduzida em circuitos retroativos e recursivos de seus individuos e da sociedade de onde se originam. Indivíduos e sociedade como origem e produto na organização empresarial que influenciam seus indivíduos e essa sociedade. Poderia significar uma cultura organizacional cada vez mais espelho da multiplicidade de origens, histórias dos indivíduos e percepções sobre a realidade.

Por fim, o princípio hologramático nas organizações empresariais, como sugerido por Morgan, encerraria aspectos de redundância, variedade de requisitos, capacidade de aprender e especificações mínimas. As organizações empresariais dedicariam mais tempo as suas capacidades em responder adaptativamente, ampliando habilidades e ferramentas para além das ações funcionais ou produtivas.

De forma particular, a comunicação organizacional em seus variados sentidos é crítica para o conjunto de operações complexas e sistêmicas ao estimular colaboração, retroalimentação, variabilidade, instabilidade e criação.

A comunicação organizacional vista de forma complexa, sistêmica e adaptativa, está para além das definições, por assim dizer instrumentais, como mínimo, e mesmo integradoras, quando evoluidas, que partem da estrutura interna das organizações para mapear os formatos de comunicação operacional ou estratégica.

A comunicação organizacional no âmbito da complexidade passaria a ser definida como relação da organização com o ambiente, um constituindo o outro, reduzindo a dissociação entre interno e externo, organizacional e ambiente externo, empregado e cliente.

Nesse universo as redes de relações, a reticularidade, que inicialmente são consideradas dentro, na fronteira e fora da organização passam a ser concebidas como uma seção transversal a organização, constituindo a organização e escapando a organização.

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Aqui as midias sociais e as formas de relacionamento humano pelas redes sociais adquirem importância para o processo de constituição, existência e evolução das organizações empresariais. A ameaça na concepção antiga (organização hierarquizada) passa a ser oportunidade, e o que torna vivo, na concepção complexa e sistêmica.

Diálogo Sensível

Tomo de empréstimo conceitos elaborados por Jurgen Habermas que trata da existência de espaço público interno nas organizações.

Esse espaço, condição, circunstância, permitiria a criação de uma arena de maior significação e identidade coletiva ao mesmo tempo em que cumpre os designios da produção e da gestão.

Há clara convergência entre a proposta de uma organização complexa, sistêmica e adptativa com essas arenas de maior significado organizacional e humano.

Por exemplo, de certa forma, poderíamos reenquadrar e ampliar o espaço para fenômenos como a rádio peão, que da obscuridade, combatida pelo centro de poder e decisão, pode e deve ser acolhida, traduzida e entendida em suas diferentes perspectivas.

O espaço público interno nas organizações empresariais poderia ser interpretado como uma nova forma de apropriação de conhecimento e percepções da realidade interna (auto reflexiva)/ externa (ambiente que a rodeia) a organização, e poderia ofereder novo significado ao existir e sentir humano nessa nova organização empresarial.

Ainda mais como menciona Levy Lemos, essa arena pública interna forjaria instrumentos de orientação ética para a adaptação a esses novos espaços midiáticos e seria condizente com o processo de criação e relacionamento humano.

Assim, o espaço público interno nas organizações empresariais potencializaria a percepção de sentido e o entendimento da realidade por parte daqueles que dele convivem, ao mesmo tempo em que estimula a troca de impressões, informações e um sentido de liberdade que pode

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minimizar o impacto da abordagem pragmática, funcionalista e imediatista da estrutura organizacional atual.

Por outro lado, o convite a reticularidade traz um novo tema ao debate ao contrapor um processo progressivo de ocupação e valorização do espaço público interno, face a evolução das midias e redes sociais ao estabelecerem novos espaços conversacionais para além do definido nas organizações empresariais.

Talvez o desdobramento final dependa muito do momento de cada organização empresarial e como fará para superar seus dilemas modernos de hierarquia, centralização e comunicação unidirecional.

A liderança das organizações precisará ter a capacidade e a visão de propor, incorporar e exercitar formas alternativas para a condução dessas atividades.

Como as organizações poderiam caminhar nessa nova direção da comunicação e promover esses espaços públicos internos? Elas estão despertas para isso?

Uma possível resposta reside no diálogo sensível em seus diferentes significados. Na origem da palavra grega é significado através da palavra, que guarda forte relação com o sentido de comunicação, que no latim é fazer alguma coisa juntos (commum, comunicar).

De todo modo, o diálogo sempre pressupõe a capacidade de ouvir, falar e a liberdade de expor idéias e convicções. Para alguns autores essa prática tratava de uma construção coletiva, para outros o confronto de pontos de vista diferentes.

Abordagens renovadas, tais como a teoria apreciativa, ampliação do diálogo, compartilhamento de histórias individuais e coletivas poderiam cada vez mais trazer sentido e significado nas organizações empresariais.

O uso de práticas de diálogo e interação aberta e participativa nas organizações abrem novas possibilidades de formação de opinião e meios para o sentir e o expressar humano.

Ganharia a organização ao apresentar respostas de convívio organizacional em tempos de mudança que resultam em produtividade e melhorias no modo de produção, mas ganham também as pessoas que nela trabalham

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ao praticarem novas maneiras de se expressarem, restabelecendo conexão e significado entre sua história pessoal e a trajetória da organização.

Esse espaço público nas organizações empresariais promoveria a possibilidade de uma resgate da expressão da individualidade em processos conversacionais coletivos, apesar da presente fragmentação do processo comunicacional organizacional.

A abordagem apreciativa é um bom exemplo de uma prática e conceito que abre a porta ao diálogo. Desenvolvida por David Cooperrider é uma abordagem propositiva e afirmativa tendo por base a experiência vivenciada de indivíduos e grupos no âmbito das organizações e procura valorizar o conhecimento tácito, consolidado pelos anos de experiência vivida.

Parte de histórias individuais e coletivas bem sucedidas que somadas evidenciam padrões e abordagens que deveriam ser perseguidos e multiplicados.

Finalizando, o pensamento complexo pode representar uma forma pela qual as organizações possam se redefinir de dentro para fora e de fora para dentro. O processo comunicacional nas organizações a partir do pensamento complexo seria assim reinterpretado de forma sistêmica e adaptativa, encontrando no diálogo sensível uma das formas de tradução prática que reafirma as possibilidades do pensamento complexo para a sociedade, as organizações e para o indivíduo.

Obrigado...