UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL.
CURSO DE DOUTORADO
ANA CAROLINA BELTRÃO PEIXOTO
Pescador de Ilusões: O trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'água do Casado no Baixo São Francisco alagoano.
Recife, 2011.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL.
CURSO DE DOUTORADO
ANA CAROLINA BELTRÃO PEIXOTO
Pescador de Ilusões: O trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'água do Casado no Baixo São Francisco alagoano.
Recife, 2011.
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da Profa. Dra. Vitória Gehlen.
Peixoto, Ana Carolina Beltrão
Pescador de ilusões: o trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'Agua do Casado no Baixo São Francisco alagoano / Ana Carolina Beltrão Peixoto. - Recife : O Autor, 2011.
194 folhas : fig., tab., abrev. e siglas.
Orientadora: Dra. Vitória Gehlen.
Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Serviço Social, 2011.
Inclui bibliografia e apêndices.
1. Trabalho artesanal. 2. Pesca. 3. Sustentabilidade. I. Gehlen, Vitória (Orientadora). II. Título.
361 CDD (22.ed.) UFPE/CSA 2011 - 033
FOLHA DE APROVAÇÃO
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os pescadores do meu Estado, em especial, aos do litoral do Baixo São Francisco de Alagoas, guerreiros e sonhadores; e a Deus, por ter me feito neta de pescador.
AGRADECIMENTOS Toda jornada tem seu ponto de partida... e ao menos planejado o ponto de
chegada... Nem sempre conseguimos permanecer no caminho traçado.
Presunção do ser humano acreditar que pode controlar todos os seus passos...
Agradecer a todos os que me ajudaram, socorreram e auxiliaram em mais esta
caminhada, é muito pouco. Seria preciso muitas laudas para não ser injusta.
Primeiro, agradeço a Deus, por me permitir escolher meus caminhos, por me
mostrar esses caminhos e as opções; por nunca me faltar; por sempre me
iluminar e proteger; por me colocar na vocação que escolhi; por me permitir
sobreviver dessa vocação; por não me deixar fraquejar; por não me deixar só;
por entender minhas revoltas e minha ingratidão e acima de tudo por ter me
dado mais uma razão para viver: meu filho.
Aos meus alunos. Todos, sem exceção. Razão pela qual eu acredito que vale a
pena lutar para construirmos uma sociedade melhor. Em especial agradeço
aos alunos do Curso de Gestão Pública e aos de Administração Geral da
UNEAL, durante os anos de 2009 e 2010, sofreram com as ausências, e as
presenças ausentes. Desculpem-me e obrigada.
Agradeço à UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas, pela liberação parcial,
porém fundamental para o início do curso de Doutorado. A CAPES e ao CNPQ,
pelo apoio financeiro, desde a bolsa de iniciação científica na graduação, às
bolsas de Mestrado e Doutorado;
Ao meu Marido, David ,que nunca me abandonou, sempre presente, agüentou
os percalços, segurou as barras, chorou e sorriu junto e que divide comigo,
todos os méritos deste trabalho. Teve uma conversa com Deus e juntamente
com Ele, me presenteou com nosso Filho, Davi Arthur.
Ao Curso de Doutorado em Serviço Social, a todos os professores,
principalmente os que fizeram o esforço para compreender, o que, nem sempre
tão claro, deixei transparecer em meu projeto inicial, no dia da entrevista para
entrar no programa; por permitirem a uma Administradora de Empresas , tentar
dialogar com temas tão complexos (para o ambiente comum do administrador),
mas paralelos com os do Serviço Social; obrigada por simplesmente darem
uma chance e acreditarem.
A todos os pesquisadores contatados para auxiliar-me na condução desta
pesquisa. Aos geógrafos de Sergipe, Santa Catarina e Alagoas, e aos
estudantes dos cursos de geografia da UFAL e UNEAL, pelo auxílio nas
pesquisas sobre os materiais produzidos na academia, pertinentes ao tema da
pesca artesanal, piscicultura e comunidade dos pescadores. Muito Obrigada.
Aos meus colegas de turma, Ari, Ilk, Fátima, Jesus, Valdenice e Thereza, pela
paciência, tolerância e socorro nas leituras;
Aos professores Anita Aline, Alexandra Mustafá, Ana Arcoverde, Denis
Bernardes e Marcos Mondaine pela oportunidade, indicações e orientações;
As professoras Ana Vieira e Vanice Selva, pelas valiosas contribuições na
qualificação;
Aos Professores Marx Prestes Barbosa e Rosa Ester Rossini pela
compreensão e preciosas contribuições na pré-banca;
Aos alunos do GRAAP, em especial a Magaly Colares e Valdenice. Vocês são
demais.
Quero por fim, deixar registrada minha gratidão à professora Vitória Gehlen, ser
humano iluminado, caridoso e generoso, que buscou conduzir com firmeza e
serenidade a dura tarefa de me orientar. Obrigada professora. Sem sua
maestria, esse trabalho nem sairia dos confusos duelos no meu pensamento.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa apresentando a região do baixo São Francisco 26Figura 2 – Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura.
87
Figura 3 – Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura.
88
Figura 4 – Principais fornecedores de produtos pesqueiros 89Figura 5 – Principais fornecedores de pescado 90Figura 6 – Principais estados brasileiros exportadores de pescado 90Figura 7 – Tabela estados brasileiros exportadores de pescado 91Figura 8 – Principais estados brasileiros importadores de pescados 92Figura 9 – Principais estados brasileiros importadores de pescados 92Figura 10 – Produção pesqueira em toneladas estimada e participação relativa da pesca extrativista e da aqüicultura
93
Figura 11 – Produção brasileira comparativa da pesca extrativa e das atividades da aqüicultura ao longo do tempo
94
Figura 12 – Produção pesqueira nacional 99Figura 13 – Produção Nacional de pescados (1950-2009) 100Figura 14 – Produção nacional de pescados por região em 2008 101Figura 15 – Reunião em Pão de Açúcar para coleta de informações 105Figura 16 - Pescador cuidando do rebanho bovino em Pão de Açúcar ilustrando pluriatividade
107
Figura 17 –.Oficina realizada em Olho D’ água do Casado para coleta de dados
152
Figura 18 – Criatório de tanques-rede em Olho D’ água do Casado 162Figura 19 – Futura geração em Olho D’ água do Casado 163
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição das famílias de pescadores artesanais segundo a situação e o número de residentes em cada uma delas.
140
Tabela 2 – Tipos de renda e média mensal segundo o tipo de famílias de pescadores artesanais
144
Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos pluriativos segundo o tipo de atividade e o número de dias dedicados a estas atividades
145
Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados segundo a opção escolhida caso a situação da pesca piore na região
146
Tabela 5 – Distribuição dos entrevistados em relação às perspectivas da família continuar na atividade pesqueira
148
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
APL – Arranjo Produtivo Local
CEEINVASF - Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco
CEPAL - Comissão Econômica para América Latina
CODENO - Conselho de Desenvolvimento do Nordeste
CODEVASF – Companhia para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco
DLIS – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FMI – Fundo Monetário Internacional
GESPE - Grupo Executivo do Setor Pesqueiro
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento o Nordeste
IBAMA – instituto brasileiro do meio ambiente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores
ONGS – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
PIB – Produto Interno Bruto
PIN - Programa de Integração Nacional
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
PRONAF – Programa para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar
PROPESCA – Programa para o Desenvolvimento da Pesca
RGP – Registro Geral da Pesca
SAG – Sistema Agroindustrial do Pescado
SEAP - Secretaria Nacional Especial de Aqüicultura e Pesca
SMA - Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio Ambiente
SNRH - Secretaria Nacional de Recursos Hídricos
SUDENE – Superintendencia para o Desenvolvimento do Nordeste
UICN - União Internacional para a Conservação da Natureza
WWF - Fundo Internacional para a Natureza
RESUMO
Em prol do desenvolvimento econômico local e regional nos últimos anos, todos os municípios que margeiam o rio São Francisco tem sido alvo de políticas e ações governamentais voltadas para o uso de seus recursos naturais. Todavia as intervenções políticas são baseadas em interesses expressos como necessários para o progresso econômico e técnico da região, mas desconsideram a necessidade de serem realizados estudos de impacto sócio-ambiental sobre o impacto das ações nas comunidades. Atualmente, constata-se que as ações despendidas apresentam-se como ineficazes e as que estão em curso também o são, não resultando na melhoria da qualidade de vida das comunidades que dependem do São Francisco, particularmente os pescadores artesanais. As políticas de desenvolvimento aplicadas à região não procuram relacionar a preservação do modo de vida das pessoas atingidas pelas políticas com as questões sociais e ambientais, como forma de possibilitar o desenvolvimento sustentável no local. O interesse dos grandes grupos empresariais, com interesses exclusivos na proliferação da aqüicultura em cativeiro, em atrair os pescadores artesanais para o que eles denominam de uma melhor qualidade de vida no trabalho, através dos tanques-redes,está destruindo a cultura do pescador, seu modo de vida e sua dignidade, por tirar-lhes o direito de organização e domínio da pesca. No Baixo São Francisco Alagoano, particularmente nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado, os pescadores artesanais e suas famílias são os mais prejudicados no seu cotidiano, por não serem chamados a participar de nenhum planejamento realmente eficaz e concreto sobre intervenções sustentáveis na região.O estudo da realidade da pesca artesanal nos municípios de Olho D’ água do Casado e Pão de Açúcar evidencia que a crise da pesca artesanal é produto da forma como as políticas de promoção ao desenvolvimento econômico são impostas no Baixo São Francisco Alagoano comprometendo a sustentabilidade das comunidades de pescadores, sua cultura e sua continuidade. Palavras-chave: Trabalho artesanal; Pesca; Sustentabilidade
ABSTRACT
In the interest of local and regional economic development in recent years, all counties bordering the river São Francisco has been the target of political and governmental actions. However the policy interventions are based on concerns expressed as to the necessary technical and economic progress in the region, but ignore the need for studies of socio-environmental impact on the result of actions in the communities. Currently, stocks have spent as ineffective and there are ongoing so are not resulting in improved quality of life in communities that depend on São Francisco, particularly the fisherfolk. Development policies apply to the area do not seek to relate the preservation of livelihoods of people affected by policies with social and environmental issues as a way of enabling sustainable development in local. The interests of large business groups with unique interests in the proliferation aquaculture in captivity in the artisanal fishermen to attract what they call a better quality of work life through the net cages, is destroying the culture of fishermen, their livelihood and their dignity and deprive them of the right to organise and fisheries. In the lower São Francisco Alagoas, particularly in the cities of Pão de Açúcar and Olho D’ água do Casado, artisanal fishermen and their families are the most affected in their daily lives, not being called to participate in any planning really effective and targeted interventions on sustainable in the region. Fishing communities are not prepared to live with the impacts, positive or negative policies and government actions are not presented to sustainable alternatives to continue their lives with dignity, are not informed about the consequences of their choices. The changes generated by public and private actions on behalf of the region's economic development cause a noticeable degradation and significant reduction in fishing activity, prompting fishermen to promiscuity of actions to ensure their survival and their families. The study of the reality of artisanal fisheries in the towns of Pão de Açúcar and Olho D’ água do Casado, shows that the crisis in the artisanal fishing is a product of how policies to promote economic development are imposed in the baixo San Francisco Alagoano compromising the sustainability of fishing communities, its culture and its continuity.
Key-words: Handcrafted; Fishing; Sustainability
SUMÁRIO
REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................... 15 1 DO QUE SE TRATA: LUGAR, ESPAÇO, TERRITÓRIO e DESENVOLVIMENTO 28 1.1 APROXIMANDO CONCEITOS...................................................................... 28
1.2 DESENVOLVENDO O DESENVOLVIMENTO ............................................. 38
2 GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA......................................................... 55 2.1 A FORMAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA DO BRASIL ........................................ 55
2.2 DESENVOLVER O SUBDESENVOLVIDO: O BRASIL E O NORDESTE NA
VISÃO DE CELSO FURTADO...........................................................................
59
3 TRABALHO E COTIDIANO: CIENCIA, TÉCNICA E ARTE................................ 67 3.1 TRABALHO............................................................................................... 67
3.2 REDES SOCIAIS, TRABALHO E PODER.................................................... 72
4 A PESCA.................................................................................................... 79 4.1 PESCA ARTESANAL, PESCA INDUSTRIAL NACIONAL............................... 79
4.1.1 Dados atuais da Produção Pesqueira no Brasil......................................... 82
4.1.2 Da Produção do Espaço a Formação do Território: Aproximando os Diálogos
nos Municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água Do Casado............................
103
4.2 HISTÓRICO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL..................................... 115
4.2.1 Estimulo à Pesca Brasileira............................................................................... 115
4.3. A CRISE ATUAL DA PESCA EM ALAGOAS ................................................ 124
4.3.1 Indicadores da Crise Pesqueira................................................................. 125
4.4 O ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DA PISCICULTURA EM ALAGOAS.......... 127
5 – PERFIL DA PESCA ARTESANAL NOS MUNICÍPIOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO ALAGOANO...............................................................................
132
5.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO........................ 133
5.1.1 Pluriatividade e Desenvolvimento Sustentável: Novas Práticas nos Territórios
dos Pescadores..............................................................................................
135
5.2 PLURIATIVIDADE E A PESCA ARTESANAL NOS MUNICÍPIOS
PESQUISADOS................................................................................................
140
5.3 O PESCADOR ALAGOANO E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO
ARTESANAL....................................................................................................
149
5.3.1 A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES SOBRE AS POLÍTICAS DE
DESENVOLVIMENTO....................................................................................... 151
5.4 - PESCAR O PEIXE OU CULTIVAR O PEIXE: É O FIM DA PESCA
ARTESANAL...................................................................................................
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 169 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 175 APÊNDICES .................................................................................................... 188
15
INTRODUÇÃO
O atual modelo de desenvolvimento econômico no Brasil tem bases na
concentração de renda e na desigualdade social. Em oposição a esse modelo
surgem teses que propõem a emergência do território, do local como espaço
privilegiado de execução de políticas ativas de promoção do desenvolvimento.
A manutenção da estabilidade macroeconômica é condição necessária, mas
não suficiente pra mudar essa realidade, visando a uma melhor distribuição de
riquezas e conseqüentemente o combate à pobreza. Neste sentido, torna-se
necessária a mudança na forma de planejar e agir no país, tendo como ciência
a diferença entre crescimento e desenvolvimento.
As sociedades dos países em desenvolvimento como o Brasil, têm, ao menos
em seus discursos, apresentado interesse na busca por modelos de construção
de políticas públicas que sejam capazes de captar e refletir as dinâmicas e
arranjos estabelecidos nos mais diversos territórios produtivos, visando a
sustentabilidade das comunidades inseridas nos mesmos.
Este desafio também está presente na realidade local das comunidades que
sobrevivem de atividades consideradas seculares e artesanais, como a pesca.
Para Celina Souza (2006) não existe uma única, nem melhor, definição sobre o
que seja política pública. Mead (1995 apud SOUZA, 2006) a define como um
campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes
questões públicas e Lynn (1980 apud SOUZA, 2006), como um conjunto de
ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o
mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem
diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.
No tocante à reflexão proposta por esta tese para analisar a condição do
pescador diante da inovação imposta pelo capital, através da atividade de
tanques-rede e o impacto das intervenções e políticas públicas sobre a pesca
artesanal e o reflexo das mesmas no cotidiano do pescador, nos apropriaremos
16
da definição de Dye (1984, apud SOUZA, 2006) que sintetiza a definição de
política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer1, por
entender que na realidade dos municípios pesquisados a ação do governo e
suas escolhas sujeitam os pescadores a um papel de espectadores, a mercê
das escolhas e vontades dos que “entendem” o que pode ser melhor para eles.
Para Souza (2006) algumas definições enfatizam o papel da política pública na
solução de problemas. Críticos dessas definições, que superestimam aspectos
racionais e procedimentais das políticas públicas, argumentam que elas
ignoram a essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e
interesses. Pode-se também acrescentar que, por concentrarem o foco no
papel dos governos, essas definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso
e os limites que cercam as decisões dos governos. Deixam também de fora
possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras
instituições e grupos sociais. É possível então resumir política pública como
O campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p.26)
Dentro deste contexto, apresenta-se como proposta de pesquisa: verificar o
impacto da introdução de uma atividade inovadora ao trabalho do pescador
artesanal, a aqüicultura em tanques-rede, no quotidiano do pescador artesanal
do Baixo São Francisco alagoano, e as conseqüências dessa inovação na
manutenção e sobrevivência do pescador e de sua família.
Entendemos ser também objetivo meio desta pesquisa extrair da analise a ser
realizada, aprendizado e estratégias para a compreensão do modo de vida do
1 Há mais de 40 anos atrás, Bachrach e Baratz (1962) mostraram que não fazer nada em relação a um problema também é uma forma de política pública.
17
pescador artesanal num ambiente em transformação pelo Capital, visando
contribuir com os processos que pretendem implantar ações de promoção do
desenvolvimento em territórios de baixo dinamismo socioeconômico.
Ao longo do século XX, as interações entre o progresso técnico-científico e o
explosivo crescimento demográfico das cidades fizeram com que a relação
entre o homem e a natureza chamasse a atenção para o uso sustentável dos
recursos naturais e para o estabelecimento de formas não destrutivas ao meio
ambiente.
Coloca-se na ordem do dia o problema da sustentabilidade do desenvolvimento
que deve promover através de ações eficientes, uma melhor condição de vida
à população atual, sem comprometer a capacidade de sobrevivência das
gerações futuras.
É no momento da configuração de um território que as condições e a qualidade
de vida dos moradores de uma cidade desvendam-se através de formas e
práticas diferenciadas, nas quais os fatores contribuintes, tais como, a
presença ou ausência dos serviços públicos, funcionam como parâmetros
reveladores das desigualdades sócio-espaciais.
O debate acerca do conceito de desenvolvimento é rico no meio acadêmico,
principalmente quanto à distinção entre desenvolvimento e crescimento
econômico, pois muitos autores atribuem apenas os incrementos constantes no
nível de renda como condição para se chegar ao desenvolvimento, sem, no
entanto, se preocupar como tais incrementos são distribuídos. (SCATOLIN,
1989, p.24).
O desenvolvimento é o resultado do crescimento econômico acompanhado de
melhoria na qualidade de vida, incluindo as alterações da composição do
produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da economia, de
forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social (pobreza,
desemprego, desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e
moradia) (VASCONCELLOS e GARCIA, 1988, p. 205).
18
Os debates sobre o desenvolvimento econômico foram acirrados no período
posterior à segunda grande guerra2. Segundo Sunkell e Paz (1988), terminado
o conflito bélico, que foi resultado de fatores econômicos, políticos e históricos
muito profundos, que não cabe analisar aqui, o tema foi encarado por todos os
países, principalmente os aliados, que visavam livrar o mundo, e, obviamente,
seus próprios territórios, dos problemas que os perseguiam (e ainda
perseguem) nos períodos anteriores: guerra, desemprego, miséria,
discriminação racial, desigualdades políticas, econômicas e sociais.
Essa preocupação revelou os anseios de progresso e de melhoria das
condições de vida das nações e regiões, que podem ser vislumbrados tanto na
primeira Declaração Inter-aliada de 1941, como na Carta do Atlântico, do
mesmo ano, que expressavam o desejo de criar condições para que todos os
homens pudessem desfrutar de seguridade econômica e social. Tais intenções
foram reafirmadas em diversas declarações e conferências que sucederam o
período de guerra3 (SUNKELL E PAZ,1988).
O documento de maior importância dessa época, no que tange a questões de
desenvolvimento, é a Carta das Nações Unidas, divulgada, em abril de 1945,
na Conferência de São Francisco. Cabe lembrar que foi em São Francisco,
nesse mesmo ano, a criação oficial da Organização das Nações Unidas (ONU),
composta inicialmente por 51 países, cuja finalidade primava pela manutenção
e melhoramento dos níveis de qualidade de vida, ou seja, tinha como propósito
contribuir para a elevação dos níveis de desenvolvimento em todos os sentidos
do termo.
Desde sua criação, a ONU está empenhada em: promover o crescimento e
melhorar a qualidade de vida dentro de uma liberdade maior; utilizar as
instituições internacionais para promoção do avanço econômico e social
conseguir cooperação internacional necessária para resolver os problemas
internacionais de ordem econômica, social, cultural ou de caráter humanitário; 2 A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945 3 O desejo de disseminar o progresso e o desenvolvimento econômico também estava expresso na Declaração das Nações Unidas, firmada por representantes de 26 nações, em 1942
19
e promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais de toda a população do globo, sem distinção de raça, credo,
sexo, idioma ou cor.
No entanto, a controvérsia entre os conceitos de crescimento econômico e
desenvolvimento ainda não foi bem esclarecida. Como bem observa Scatolin:
Poucos são os outros conceitos nas Ciências Sociais que se tem prestado a tanta controvérsia. Conceitos como progresso, crescimento, industrialização, transformação, modernização, têm sido usados freqüentemente como sinônimos de desenvolvimento. Em verdade, eles carregam dentro de si toda uma compreensão específica dos fenômenos e constituem verdadeiros diagnósticos da realidade, pois o conceito prejulga, indicando em que se deverá atuar para alcançar o desenvolvimento (1989, p.06).
O debate sobre o tema é acirrado pela conceituação econômica do termo
desenvolvimento. Os economistas vêem surgir a necessidade de elaborar um
modelo de desenvolvimento que englobe todas as variáveis econômicas e
sociais4. Sob o prisma econômico, “desenvolvimento é, basicamente, aumento
do fluxo de renda real, isto é, incremento na quantidade de bens e serviços por
unidade de tempo à disposição de determinada coletividade” (FURTADO,
1961, p.115-116).
Para Oliveira e Adrião (2002), o desenvolvimento deve ser encarado como um
processo complexo de mudanças e transformações de ordem econômica,
política e, principalmente, humana e social; ou seja, desenvolvimento nada
mais é que o crescimento – incrementos positivos no produto e na renda –
transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser
humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte, alimentação,
lazer, dentre outras.
Scatolin (1989, p.15) diz que essa visão começou a ser difundida, no final da
década de 1940, pelos economistas estruturalistas (ligados à CEPAL), que
passaram a encarar o desenvolvimento de maneira bem distinta do 4 Para Souza (1993, p. 15), a discussão a respeito do “desenvolvimento econômico no Brasil tomou forma com os estudos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/ 53) e do Grupo Misto BNDES-CEPAL (1953/55), que forneceram elementos para os planos nacionais [de desenvolvimento] subseqüentes”.
20
crescimento. “Enquanto este era entendido como um processo de mudança
‘quantitativa’ de uma determinada estrutura, desenvolvimento era interpretado
como um processo de mudança ‘qualitativa’ de uma estrutura econômica e
social.”
O movimento em torno do desenvolvimento sustentável, contra a degradação
ambiental, na atualidade é grande. Centenas de organizações não
governamentais (ONGs) e praticamente todos os governos e órgãos oficiais do
mundo lutam pelo controle da poluição e pela preservação da natureza como
forma de garantir a qualidade de vida no nosso planeta5. A idéia de
desenvolvimento sustentável está focada na necessidade de promover o
desenvolvimento econômico satisfazendo os interesses da geração presente,
sem, contudo, comprometer a geração futura. Isto é, tem que atender “às
necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das novas
gerações atenderem às suas próprias necessidades” (COMISSÃO..., 1991,
p.46).
Tânia Braga (1999) acrescenta que em um mundo globalizado, a
permeabilidade local às mudanças mundiais para garantir integração e
competitividade passa a ser o foco central da agenda local e essa é a nova
conotação que adquire a palavra desenvolvimento. O local, por sua vez, tende
a ser definido, cada vez mais, a partir das conveniências do mercado. É nesse
contexto específico que nascem as propostas de “desenvolvimento local/
endógeno”.
Também para Milton Santos:
“Os lugares se distinguiriam pelas diferentes capacidades de oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição laboral).Essa eficácia mercantil não é um dado absoluto do lugar, mas se refere a um determinado produto e não a um produto qualquer(2003, p.27).
5 As ONGs são instituições privadas, sem fins lucrativos, que implementam ações socioambientais. Nos últimos anos, as ONGs têm tido participações significativas na luta pela preservação do meio ambiente e por uma melhor qualidade de vida em diversas regiões. Dentre outras ações, as ONGs vêm realizando programas de educação ambiental, de proteção de mananciais, de coleta seletiva e reciclagem de lixo e de conservação da fauna e da flora.
21
O desenvolvimento local implica, antes de tudo, flexibilidade, opondo-se à
rigidez das formas de organização clássica, uma estratégia de diversificação e
de enriquecimento das atividades sobre um dado território com base na
mobilização de seus recursos (naturais, humanos e econômicos) e de suas
energias, opondo-se às estratégias centralizadas de manejo do território.
Representa a idéia de uma economia flexível, capaz de adaptar-se aos dados
mutáveis, e constitui alternativa para as economias das grandes unidades
(SANTOS, 2003).
A política do desenvolvimento local implica igualmente estratégias de
financiamento e de formação, e passa pela descentralização dos níveis de
decisão política, econômica e financeira (BENKO, 1996).
Esta visão valoriza o desenvolvimento local sustentável como um possível
caminho para a melhoria da qualidade de vida das populações e para a
conquista de modos de vida mais sustentável. O desenvolvimento local é visto
como uma estratégia de constituição de um ambiente produtivo inovador, no
qual formas de cooperação e integração de cadeias produtivas e das redes
econômicas e sociais se desenvolvem e se institucionalizam de tal modo, que,
ampliam as oportunidades locais, gerando trabalho e renda, atraindo novos
negócios e criando condições para o desenvolvimento humano sustentável
(COELHO, 2001).
A piscicultura (criatório de peixes em tanques-rede) no baixo São Francisco foi
implantada no início dos anos de 1980, recomendada como uma alternativa de
substituição, ou complemento, das atividades tradicionais de subsistência da
população local, a pesca e a agricultura de vazante, que foram prejudicadas
pelos planos de desenvolvimento implementados no vale do rio, executados
pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e pela Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF)
(ALAGOAS, 2004, p. 108).
22
Com o crescimento da atividade e a elevação das produtividades, auxiliados
pela introdução dos tanques-rede na década de 1990 e favorecidos pela
potencialidade da região, como clima, solo e topografia favoráveis, além de
água de boa qualidade, e por incentivos governamentais, a região ganhou o
título de pólo regional do setor (Idem, p. 110).
Dependendo da forma como é conduzida, a piscicultura pode gerar impactos
positivos, tais como emprego e renda para a população, ou causar diversos
impactos negativos na localidade onde está inserida, como destacado por
Valenti (2000, p. 27): “dependendo da concepção dos projetos, a aqüicultura irá
concentrar renda nas mãos de poucos ou irá promover o desenvolvimento
social”. O rumo tomado pela atividade, segundo o autor, dependerá da política
governamental adotada para o setor.
Ao mesmo tempo, ao informar haver indícios de que nem sempre a aqüicultura
foi capaz de ajudar os mais pobres e necessitados, a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) explicou que o desenvolvimento
de projetos de aqüicultura dos “mais pobres” (denominação dada pela própria
FAO) é muito dependente do apoio do Estado (FAO, 1994). Esse tipo de
aqüicultura, formada principalmente por produtores que a utilizam para
subsistência ou por aqueles que comercializam apenas pequena parte de sua
produção, é realizada de forma muito simples e, segundo a FAO, a atividade é
paralisada pela maioria quando cessa a ajuda do Estado.
Nos municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar, a realidade não é
diferente da descrita pela FAO em seu documento sobre aqüicultura
(FAO,1994). Convencidos pelo discurso dos órgãos do governo de Alagoas de
que a piscicultura em tanques-rede apresentava-se como a única alternativa
para fugir da situação imposta aos pescadores pela falta do peixe, estes
abandonavam paulatinamente a atividade que lhes garantiram a sobrevivência
durante gerações (a pesca artesanal), por uma aventura empreendedora
dependente da ajuda do Capital.
23
O crescimento da atividade no baixo São Francisco não foi acompanhado por
pesquisas que a caracterizassem ou que avaliassem e monitorassem o seu
desenvolvimento. Mesmo não dispondo de documentos que validassem a
atividade, o governo do Estado de Alagoas continuou convocando produtores
para investir no setor, destacando-o entre os agronegócios recomendados e
prevendo como benefícios: ampliação e consolidação da cadeia aqüícola, o
desenvolvimento sustentável de uma região carente, fixação e aproveitamento
da mão-de-obra local (ALAGOAS, 2004, p. 62).
Atualmente, a pesca artesanal em Alagoas vem apresentando sinais de
declínio, devido aos impactos sofridos ao longo de todo o rio São Francisco. A
relação homem-natureza foi e continua sendo ignoradas nos planejamentos,
pois o cotidiano do pescador e sua relação com o rio não são considerados nas
políticas propostas para a região. Isso gera problemas socioeconômicos e
ambientais e queda na condição de vida do pescador, resultando em
modificações na sua rotina.
Para Lefebvre, a transformação do mundo não é apenas econômica, não
consiste somente no domínio da natureza, mas na apropriação ( LEFEBVRE,
1970, p.84). E no relacionado a tal projeto de futuro, Lefebvre anuncia: O futuro reside [...] na integração da “urbe”, na cidade, na apropriação, cada vez maior, do trabalho e do ócio, dos locais de trabalho e dos locais de ócio, das possibilidades de trabalho e das possibilidades de ócio. Este e um elemento do urbanismo que nada tem a ver com o urbanismo atual [...] Trata-se, em ultima analise, da problemática da cidade [...] que e a problemática que nos põem a questão da separação dos lugares, dos lugares de trabalho, dos lugares de prazer e da vida privada. Trata-se de aproximá-los, de superar, na pratica, essas separações. Nisto consiste a problemática urbana. (LEFEBVRE, 1970, p.85).
Esta problemática imposta pelo Capital aos pescadores artesanais de Alagoas,
sem preocupar-se com as conseqüências da substituição de uma atividade
secular, que é a pesca artesanal, por uma ferramenta das empresas
capitalistas do mercado de pescado, cujo objetivo é a submissão do pescador
justifica a realização de estudos que busquem o aprofundamento da
compreensão do impacto dessa modalidade de atividade econômica imposta
24
aos sujeitos envolvidos, das suas reações às medidas oficiais e das estratégias
que utilizam para superá-las.
A preocupação com a temática surgiu de uma vivencia profissional que
propiciou contato direto com pescadores artesanais do baixo São Francisco
Alagoano, fazendo surgir algumas inquietações diante do quadro social
constatado.
Na construção do referencial para a construção da pesquisa, foram
considerados como elementos fundamentais: o trabalho artesanal, as políticas
públicas que compõem o desenvolvimento territorial e a visão do pescador e o
seu cotidiano sobre o processo de apropriação de novas culturas que estão se
sobrepondo a atividade da pesca artesanal do semi-árido alagoano.
As reflexões e os resgates teóricos pertinentes à investigação possibilitaram a
identificação de momentos distintos.
• Iniciou-se com uma caracterização da pesquisa e das questões
propostas sobre o tema;
• Analisou-se a questão sobre o território urbano e o rural, e o impacto das
mudanças ocorridas nesses ambientes que refletiram direta e
indiretamente no desenvolvimento e/ou descaracterização do trabalho
artesanal;
• Resgataram-se sinteticamente as principais transformações e questões
políticas e econômicas ocorridas no semi-árido alagoano, e por último;
• Analisou-se a formação do pescador e o conhecimento produzido na
relação com a atividade da pesca artesanal e a visão dos mesmos sobre
as conseqüências impostas pelo capital para a continuidade da pesca
artesanal.
Traçado este percurso, este trabalho tem como finalidade dar visibilidade aos
impactos vivenciados pelas comunidades de pescadores do semiárido
alagoano.
25
A questão direcionadora da pesquisa é: Qual a condição do pescador artesanal
do baixo São Francisco Alagoano diante da inovação imposta pelo tanques-
rede no seu cotidiano para garantir sua sustentabilidade?
Por acreditar na importância desse debate, buscou-se responder a questão
inicial da pesquisa com a hipótese de que: As comunidades de pescadores
artesanais do semi-árido alagoano não estão obtendo, com a prática dos
tanques-rede em substituição à pesca artesanal, as condições básicas e
objetivas para garantir a sustentabilidade de suas famílias.
Dessa forma, o objetivo geral do estudo foi avaliar a condição do pescador
artesanal frente às políticas a ele condicionadas e a relação existente entre
trabalho artesanal na pesca e a prática do tanque-rede no semi-árido alagoano,
submetida a uma modernização imposta pelo capital.
A partir dessa análise, pretende-se fornecer subsídios que possam contribuir
para a formulação de novas práticas para interpretar a realidade das
comunidades pesqueiras, respeitando suas individualidades e culturas,
considerando seu passado e suas necessidades futuras.
Com a evolução da pesquisa, pretendeu-se em paralelo, investigar a condição
da comunidade pesqueira, objeto deste estudo, considerando as intervenções
a ela direcionadas; caracterizar o que o estado desenvolve com relação as
políticas publicas para os pescadores, investigar a questão da pesca associada
á evolução das atividades que deram condições à manutenção da
sobrevivência do pescador artesanal, e verificar a condição da manutenção da
sustentabilidade da atividade da pesca artesanal.
A metodologia da pesquisa, dentro de um enfoque dialético, se estruturou na
Triangulação de Métodos estabelecendo abordagens qualitativas com enfoque
interdisciplinar na análise e discussão dos resultados, que em sua estrutura
estabeleceu como objetivos a caracterização da pesca e pescador artesanal
nos aspectos histórico, social e econômico e a sustentabilidade da pesca
artesanal frente à modernização imposta pelo capital.
26
A triangulação é um termo utilizado nas abordagens qualitativas indicando o
uso simultâneo de várias técnicas de abordagens, várias modalidades de
análise, vários informantes e pontos de vista de observação, visando
verificação e validação da pesquisa (MINAYO, 1994).
Jick (1979) apud Minayo et al. (2005), encontra um valor universal na
Triangulação de Métodos ao constatar que cada método por si só não possui
elementos mínimos para dar respostas às questões levantadas por uma
investigação especifica. Nesse sentido, a triangulação metodológica serve
como instrumento de iluminação da realidade sob vários ângulos mostrando
assim, que essa prática propicia maior claridade teórica permitindo aprofundar
uma discussão interdisciplinar de forma interativa e intersubjetiva (DENZIN,
1979 apud MINAYO ET al. 2005). A triangulação “permite criar um processo de
dissolução de dicotomias: entre quantitativo e qualitativo; entre macro e micro;
entre interior e exterior; entre sujeito e objeto” (MINAYO et al. 2005, p. 31).
Figura 1: Região do baixo São Francisco Alagoano, destacando os municípios onde foi
realizada a pesquisa. Fonte: Michel Ângelo, 2011.
27
A escolha das localidades visitadas foi feita tendo como base nas informações
obtidas através da vivência estabelecida junto às comunidades de pescadores
e através de consultas bibliográficas, o que permitiu selecionar os municípios
de Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado como lócus da pesquisa,
ilustrados na Figura 1. Os dois municípios possuem em comparação com os
demais municípios do baixo São Francisco Alagoano, os maiores contingentes
de pescadores artesanais cadastrados nas colônias, e também concentram a
maior quantidade de tanques-rede para produção em cativeiro.
A preocupação que permeou este trabalho foi o cuidado ao observar se
existem características e diferenças, mesmo localizadas no espaço geográfico
do Estado de Alagoas, nas comunidades artesanais de pescadores.
Foi utilizada a entrevista aberta como instrumento de coleta de dados, mas
com um roteiro previamente definido. Estas foram gravadas ou registradas por
escrito. Também foram utilizadas oficinas como forma de refinar e
complementar a coleta dos dados, permitindo-se debater e colher informações
sobre a percepção grupal dos pescadores.
Foram entrevistados 79 pescadores do sexo masculino e 4 pescadoras do sexo
feminino, de um universo de 138 que trabalham na pesca artesanal, totalizando
60% de entrevistados. Como referência foi utilizado o cadastro existente na
colônia dos pescadores dos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do
Casado.
Aliada à pesquisa bibliográfica articulando com a observação direta, a
realização das entrevistas, participações em fóruns locais de desenvolvimento
do semiárido, foram reunidos os elementos necessários para desenvolver a
problemática do trabalho.
28
1 DO QUE SE TRATA: LUGAR, ESPAÇO, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO.
1.1 – APROXIMANDO OS CONCEITOS
Ao serem analisados os aspectos que ao longo da história, fizeram (fazem)
parte da história do modo de produção capitalista, o espaço passou a fazer
parte dos circuitos de valorização do capital, seja pela mercantilização da terra,
seja por seu parcelamento (por loteamento ou por verticalização) ou, como vem
ocorrendo mais recentemente, por sua crescente inclusão nos circuitos de
circulação do capital financeiro. A produção do espaço passa a ser um
elemento estratégico para a acumulação do capital.
Segundo Henri Lefebvre ocorreria uma crescente dependência do capitalismo
em relação à produção e ao consumo do espaço nas últimas décadas, pois: [...] o capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na conquista do espaço, em termos triviais na especulação imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades), na compra e venda do espaço. E isso à escala mundial. (...) A estratégia vai mais longe que a simples venda, pedaço por pedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar na produção da mais-valia, ela visa uma reorganização completa da produção subordinada aos centros de informação e decisão (1999, p.142).
De acordo com Lefebvre (1976), a burguesia, enquanto classe dominante
dispõe de um duplo poder sobre o espaço: através da propriedade privada do
solo, que se estende à totalidade do espaço (exceção feita aos direitos das
coletividades e do Estado) e através da globalidade, a saber, o conhecimento,
a estratégia, a ação do Estado propriamente dito. Existiriam conflitos inevitáveis
entre esses dois elementos (burguesia e Estado) e, no plano institucional,
essas contradições se fariam patentes entre os planos gerais de ordenação
espacial levados a cabo pelo Estado e os projetos parciais dos negociantes “de
espaço”.
Lefebvre interpreta a abordagem marxista de espaço, pelo qual "desempenha
um papel ou uma função decisiva na estruturação de uma totalidade, de uma
29
lógica, de um sistema" (LEFÉBVRE, 1976, p. 25). Para o autor, "o espaço é o
locus da reprodução das relações sociais de produção." (LEFÉBVRE, 1976, p.
25).
Para Milton Santos (1985), uma sociedade só se torna concreta através de seu
espaço. A totalidade é formada por instâncias ou estruturas (econômica,
jurídica-política e ideológica), e o espaço seria a quarta instância, colocando-se
como uma estrutura subordinada e subordinante, um fator social e não apenas
reflexo social. Ou seja, se o espaço é resultado da ação humana, e ele é
reflexo e condição da sociedade, então, se temos uma sociedade desigual, o
espaço será desigualmente ocupado, distribuído e significado.
Yi Fu Tuan (1983) é um autor que recorre a uma abordagem com viés da
psicologia, tratando da afetividade produzida pela humanidade e sua relação
com o conceito de lugar. O conceito de espaço aparece como espécie de meta-
conceito, pois os outros conceitos chave da Geografia se referem ao anterior
enquanto uma obra humana. Destaca ainda que o Materialismo histórico
entende o lugar como uma expressão geográfica da singularidade; e a corrente
Humanística percebe o lugar como uma porção do espaço em relação ao qual
se desenvolvem afetos a partir da experiência individual ou grupos sociais.
O autor trata a relação entre espaço e tempo na construção do lugar. Para Yi
Fu Tuan (1983, p. 198) o lugar é uma área que foi apropriada afetivamente,
transformando um espaço indiferente em lugar, o que por sua vez implica na
relação com o tempo de significação deste espaço em lugar. "O lugar é um
mundo de significado organizado".
Na vivência, o significado de espaço freqüentemente se funde com o de lugar.
"A sensação de tempo afeta a sensação de lugar. Na medida em que o tempo
de uma criança pequena não é igual ao de um adulto, tampouco é igual sua
experiência de lugar" (TUAN, 1983, p. 206).
Espaço é um conceito mais abstrato que o de lugar. O que começa como
espaço indiferenciado, transforma-se em lugar à medida que o conhecemos
30
melhor e o dotamos de valor. "Lugar é uma mistura singular de vistas, sons e
cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais (...) Sentir um lugar
é registrar pelos nossos músculos e ossos" (TUAN, 1983, p. 203). Só nos
familiarizamos com um lugar após algum tempo. Lugar é por sua vez definido
por e a partir de apropriações afetivas que decorrem com os anos de vivência e
as experiências atribuídas às relações humanas.
Tratando-se de território, Souza (2001) o entende como sendo "(...) definido e
delimitado por e a partir de relações de poder" (p. 78 e 96); "um campo de
força, uma teia ou rede de relações sociais a par de sua complexidade interna,
define, ao mesmo tempo um limite, uma alteridade: a diferença entre nós e os
outros." (p. 86). Este autor está falando da trilogia: espaço, fronteira e poder.
Se esse termo pode variar, ou seja, há conceitos distintos para tais elementos,
então o conceito de espaço também pode variar.
Os conflitos e contradições inerentes às sociedades têm íntima relação com a
constituição de territórios, pois segundo o autor "o território está, igualmente,
presente em toda a espacialidade social – ao menos enquanto o homem
também estiver presente" (SOUZA, 2001, p. 96), portanto está repleto desses
conflitos e contradições das sociedades. Há certa volatilidade na composição
dos limites territoriais, se tornam um tanto instáveis e estão em constante
mudança: "criação da identidade territorial é apenas relativa, digamos, mais
propriamente funcional do que afetiva" (2001, p. 88).
Souza (2001) faz algumas menções também sobre o conceito de espaço,
lembrando que a Geografia Política define o espaço como sendo "concreto em
si (com seus atributos naturais e socialmente construídos) que é apropriado,
ocupado por um grupo social" (p. 84); isso no que se refere a território nacional
e idéia de Estado Nação.
O conceito de território tem sido utilizado tanto pelas ciências naturais como
pelas ciências sociais. Nas ciências naturais, o seu conceito foi formulado pela
31
primeira vez, ainda no século XVII, a partir de estudos da Botânica e da
Zoologia6.
O território tinha como significado uma área de dominação de um determinado
grupo de espécie animal ou vegetal. Já nas ciências sociais, a primeira
preocupação com o território de forma sistematizada partiu do geógrafo
Friedrich Ratzel, no século XIX. Ratzel comparou o Estado a um organismo
vivo que nasce, cresce e tende a declinar. Esta visão colocou no centro de
suas análises a necessidade do domínio territorial por parte do Estado. “O
território era, então, um dos elementos principais na formação do Estado de
modo que, na concepção de Ratzel, o Estado não existiria sem o território”
(GOMES, 1984, p. 20).
Além disso, o território significava não só as condições de trabalho, mas a
própria condição de existência de uma sociedade, definindo-se pela
propriedade, isto é, uma área dominada por alguém ou pelo Estado. (Ibid., p.
20).
Claude Raffestin, considerado um dos pioneiros a discutir sobre o tema coloca,
na questão inicial sobre território: ... é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143).
Dentro da concepção enfatizada pelo autor, o território é tratado,
principalmente, com uma ênfase político-administrativa, isto é, como o território
nacional, espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se
delimita uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado pela
projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras.
6 Para este item, utilizou-se como base de consulta e citação o artigo O TERRITÓRIO COMO UM DOS CONCEITOS-CHAVE PARA O ENTENDIMENTO DA RELAÇÃO SOCIEDADE/NATUREZA, apresentado no III Encontro da ANPPAS , de 2006, dos autores Luís Gustavo de Lima Sales (UEPB/UFRN) ; Ricélia Maria Marinho da Silva (UEPB/UFRN) e Zoraide de Souza Pessoa (UERN/UFRN)
32
Segundo o mesmo autor, ao se apropriar de um espaço, concreta ou
abstratamente, o ator territorializa o espaço. Neste sentido, entende o território
como sendo: [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 144).
Na análise de Raffestin (1993), a construção do território revela relações
marcadas pelo poder. Assim, faz-se necessário enfatizar uma categoria
essencial para a compreensão do território, que é o poder exercido por
pessoas ou grupos sem o qual não se define o território. Poder e território,
apesar da autonomia de cada um, vão ser enfocados conjuntamente para a
consolidação do conceito de território. Assim, o poder é relacional, pois está
intrínseco em todas as relações sociais.
Haesbaert analisa o território com diferentes enfoques, elaborando uma
classificação em que se verificam três vertentes básicas: 1) jurídico-política,
segundo a qual “o território é visto como um espaço delimitado e controlado
sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter
estatal”; 2) cultural (ista), que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas,
o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através
do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”: 3) econômica, “que
destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto
espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho”
(HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18).
No panorama mundial atual com todas as suas complexidades e processos,
Haesbart (1997) identifica uma multiterritorialidade reunida em três elementos:
os territórios-zona, os territórios-rede e os aglomerados de exclusão.
33
Para o mesmo autor, nos territórios-zona prevalece a lógica política; nos
territórios-rede prevalece a lógica econômica e nos aglomerados de exclusão
ocorre uma lógica social de exclusão sócio-econômica das pessoas. Haesbaert
(1997) também analisa a questão do conceito de território com um enfoque
cultural, quando estuda a desterritorialização e a identidade na rede gaúcha no
nordeste. Contudo, convém destacar que:
[...] esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas integrados num mesmo conjunto de relações sócio-espaciais, ou seja, compõem efetivamente uma territorialidade ou uma espacialidade complexa, somente apreendida através da justaposição dessas três noções ou da construção de conceitos “híbridos” como o território-rede (HAESBAERT, 2002, p. 38).
Souza (2001) utiliza sua abordagem sobre o território analisando-a sob o ponto
de vista político e também cultural, visto que este autor identifica, nas grandes
metrópoles, grupos sociais que estabelecem relações de poder formando
territórios no conflito pelas diferenças culturais.
Cabe uma reflexão sobre a afirmação acima, pois se pode afirmar que não
somente nas grandes metrópoles, mas as relações de poder também
influenciam as pequenas comunidades do ponto de vista político, social,
ambiental e também cultural.
Souza (2001) salienta que o território é um espaço definido e delimitado por e a
partir de relações de poder, e que o poder não se restringe ao Estado e não se
confunde com violência e dominação. Assim, o conceito de território deve
abarcar mais que o território do Estado-Nação.
Nas palavras do autor, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue
de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN” (SOUZA,
2001, p.11).
Após retrabalhar o conceito de território, propõe o conceito de território
autônomo como uma alternativa de desenvolvimento. A autonomia constitui, no
34
entender do autor, a base do desenvolvimento, este encarado como processo
de auto-instituição da sociedade rumo a uma maior liberdade e menor
desigualdade.
Para o autor: Uma sociedade autônoma é aquela que logra defender e gerir livremente seu território [...] Uma sociedade autônoma não é uma sociedade sem poder [...] No entanto, indubitavelmente, a plena autonomia é incompatível com a existência de um “Estado” enquanto instância d e poder centralizadora e separada do restante da sociedade (SOUZA, 2001, p. 106).
Ainda para o autor, “em qualquer circunstância, o território encerra a
materialidade que constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico
e de identificação cultural de um grupo” (SOUZA, 2001, p. 108). Mas não um
território ideologizado com um poder centralizador como o Estado-Nação, mas
um território autônomo, onde as pessoas têm a liberdade de manifestar suas
escolhas e potencialidades, gerando um espaço socialmente eqüitativo.
Dessa forma, na visão Souza (2001), o território deve ser apreendido em
múltiplas vertentes com diversas funções. Mesmo privilegiando as
transformações provenientes do poder no território, o autor aponta a existência
de múltiplos territórios, principalmente nas grandes cidades, como o território
da prostituição, do narcotráfico, dos homossexuais, das gangues e outros que
podem ser temporários ou permanentes, salientando que territórios que vão
sendo conquistados tem suas próprias leis que os regulam.
Da mesma forma que em Claude Raffestin, a idéia de poder também é uma
constante na discussão sobre território feita por Marcos Aurélio Saquet:
O território é produzido espaço-temporalmente pelas relações de poder engendradas por um determinado grupo social. Dessa forma, pode ser temporário ou permanente e se efetiva em diferentes escalas, portanto, não apenas naquela convencionalmente conhecida como o “território nacional” sob gestão do Estado -Nação (SAQUET apud CANDIOTTO, 2004, p. 81).
35
Saquet (2004) faz um resgate das diferentes interpretações do conceito de
território levando em consideração as três vertentes mencionadas por
Haesbaert (jurídicopolítica, econômica e cultural), como sendo essenciais para
se fazer as interligações necessárias.
Mesmo salientando a importância da interligação entre as diversas vertentes, o
autor trabalha enfatizando os aspectos econômicos e políticos, além de fazer
uma relação com a vertente cultural.
[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas, efetivam um território, um processo social, no espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades/temporalidades/territorialidades. A apropriação é econômica, política e cultural, formando territórios heterogêneos e sobrepostos fundados nas contradições sociais (SAQUET, 2004, p.28).
No entanto, além das vertentes econômicas, políticas e culturais, Saquet
também considera a vertente da natureza, que sempre estará presente dentro
do território. A natureza está no território, é dele indissociável.
Por sua vez, Manuel Correia de Andrade (1995), faz uma análise da questão
do território no Brasil, retratando o conceito de território com uma abordagem
profundamente política e econômica de ocupação do espaço. A exemplo de
Raffestin, a idéia de poder é uma constante na análise do território feita por
Andrade: O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada área. Deste modo, o território está associado à idéia de poder, de controle, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas (ANDRADE, 1995, p. 19).
Nota-se que o território pode ser entendido como o controle administrativo,
fiscal, jurídico, político, econômico, efetivo, do espaço ou de uma região. Em
sua obra, Andrade (1995) faz uma diferenciação entre território e espaço. O
território associa-se mais à idéia de integração nacional, de uma área
36
efetivamente ocupada pela população, pela economia, a produção, o comércio,
os transportes, a fiscalização etc.
Andrade (1995) coloca ainda que é no território que as relações capitalistas
efetivamente se fazem presentes. Já o espaço é mais amplo que o território,
englobando também as áreas vazias que ainda não se territorializaram, isto é,
que ainda não sofreram uma ocupação humana efetiva. Assim, o espaço é
mais amplo que o território, englobando-o. É uma área delimitada
geograficamente e administrativamente pelas suas fronteiras.
Para o autor, associada ao território, tem-se a expressão territorialidade que:
Pode vir a ser encarada tanto como o que se encontra no território, estando sujeito à sua gestão, como, ao mesmo tempo, o processo subjetivo de conscientização da população de fazer parte de um território, de integrar-se em um Estado [...] A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas. (ANDRADE, 1995, p. 20).
Já territorialização é a forma de como se materializa o território, bem como a
manifestação das pessoas, a especialização de qualquer segmento da
sociedade como, por exemplo, a produção econômica de um determinado
produto.
Caio Prado Júnior (1987), na sua obra História Econômica do Brasil utiliza-se
da vertente econômica para explicar as transformações ocorridas no espaço
brasileiro. O território é sempre visto como porção territorial, palco dos
acontecimentos econômicos e das transformações vivenciadas pela sociedade.
Na obra mencionada, os ciclos econômicos e as transformações do território
em razão da economia, são as vertentes predominantes na abordagem do
autor.
37
Milton Santos, em sua obra A Natureza do Espaço (2002) faz importantes
contribuições para a construção do conceito de território em várias de suas
obras, de grande importância para a Geografia brasileira.
Santos (2002) questiona a validade de se estudar o território, pois antes de
tudo, ele provoca o leitor, movendo-o para seu raciocínio amplo e significativo
da importância maior em compreender a categoria território, uma vez que, para
o autor, é na base territorial que tudo acontece, mesmo as configurações e
reconfigurações mundiais influenciando o espaço territorial.
A formação do território é algo externo ao território. Segundo Santos (1985) a
periodização da história é que define como será organizado o território, ou seja,
o que será o território e como serão as suas configurações econômicas,
políticas e sociais. O autor evidencia o espaço como variável a partir de seus
elementos quantitativos e qualitativos, partindo de uma análise histórica:
O que nos interessa é o fato de que cada momento histórico, cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos e com o todo (SANTOS, 1985, p. 09).
Santos (1997) alerta os leitores para não confundirem o espaço com o
território. Na sua obra Metamorfoses do espaço habitado, o autor nomeia
território como configuração territorial e define-o como o todo. Quanto ao
espaço, é conceituado como a totalidade verdadeira, semelhante a um
matrimônio entre a configuração territorial, a paisagem e a sociedade.
Estes espaços diferentes, as espacialidades singulares, são resultados das
articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza. Assim, o território
poderá adotar espacialidades particulares, conforme há o movimento da
sociedade (nos seus múltiplos aspectos: sociais, econômicos, políticos,
culturais e outros).
38
Para Santos (2002a), a formação do território perpassa pelo espaço e a forma
do espaço é encaminhada segundo as técnicas vigentes e utilizadas no
mesmo. O território pode ser distinguido pela intensidade das técnicas
trabalhadas, bem como pela diferenciação tecnológica das técnicas, uma vez
que os espaços são heterogêneos, e o território para Santos configura-se
pelas técnicas, pelos meios de produção, pelos objetos e coisas, pelo conjunto
territorial e pela dialética do próprio espaço.
Santos (2003, p. 19) expõe a categoria território como: “[...] um nome político
para o espaço de um país”. Tenta realizar uma leitura múltipla do território, uma
vez que o mesmo necessita desta leitura. Assim, inclui mais um item para suas
análises: conclui que o trabalho é um dos pontos fortes para a compreensão do
território.
Milton Santos trabalha sobre as muitas faces do capital e sugere aos
pesquisadores adentrarem no mundo do trabalho para efetuar uma ampla
compreensão do mesmo. Urge um embate teórico entre as rugosidades, as
periodizações, as técnicas, o território, a emoção e o trabalho, objetivando o
entendimento da sociedade, do espaço e das razões que formam e mantêm
um território (SANTOS 2002b).
Para efeito, esta tese trabalha com o ideal de Lefebvre,de que o espaço se
configura como um dos elementos instigantes das interações da sociedade,
observando que as misturas culturais e sociais se fazem
obrigatórias,possibilitando diferentes formas de subjetivação.
O espaço aqui compreendido para efeito de pesquisa, ou seja, o espaço que
compreende as relações sociais dos pescadores, não pode ser resumido ao
espaço físico ocupado pelos pescadores enquanto grupo produtivo.
1.2 DESENVOLVENDO O DESENVOLVIMENTO
Os conceitos propostos neste sub-tópico buscam uma aproximação para
compreender o que seja desenvolvimento.
39
A busca de um novo paradigma de concepção do desenvolvimento, com base
em processos de produção que mantenham a sustentabilidade apoiada nos
recursos materiais e humanos, tem sido banalizada pelos discursos vazios das
autoridades mundiais.
Os últimos dois séculos consolidam o período de crescimento moderno.
Combinando os aumentos da população mundial e da produção mundial per
capita, a atividade econômica total do mundo (o produto mundial bruto) cresceu
49 vezes nos últimos 180 anos (SACHS, 2005).
O biólogo Edward Wilson, indaga a esse respeito: “qual a melhor forma de
implementarmos uma cultura de permanência, tanto para nós, quanto para a
biosfera que nos sustenta?”(WILSON, 2002).
Keith Thomas (2001) ressalta que essa indagação mostra implicitamente o
dilema da civilização moderna, e que consiste em como reconciliar as
exigências físicas da civilização com os novos sentimentos e valores que essa
mesma civilização engendrou. Esse dilema representa uma das contradições
sobre as quais se assenta a modernidade e promete acompanhar a
humanidade durante ainda muito tempo.
Para Celso Furtado (1974, p.75), a idéia de desenvolvimento é de grande
utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes
sacrifícios para legitimar a destruição das formas de cultura arcaicas, para
explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para
justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema
produtivo. No entanto, o desenvolvimento deve ser entendido como processo
de transformação da sociedade “não só em relação aos meios, mas também
aos fins (...)”.
Essas questões apareceram no estudo publicado em 1972, coordenado por
Dennis Meadows, intitulado “The Limits to Growth” ( NOBRE, AMAZONAS,
2002). Esse estudo foi importante porque colocou um ponto final na discussão
econômica, apontando os problemas ambientais e o caráter finito dos recursos
40
naturais, e popularizou a questão ambiental. Foram vendidos 4 milhões de
cópias deste estudo na Europa, no final dos anos 70 , chegando aos 8 milhões
até 1989.
Segundo Celso Furtado o estudo presente nesse livro serviu para a formulação
da seguinte questão: [...] que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegarem a universalizar-se?(FURTADO: 1999, p.11).
E mais a frente o mesmo autor apresenta a resposta:
[...] se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis a poluição do meio ambiente seria de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema entraria necessariamente em colapso (Idem, p.11).
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Ostrom (2003, p.93) afirma que
nem o Estado nem o mercado são eficazes em fazer com que os indivíduos
mantenham no longo prazo o uso produtivo de recursos naturais. Sua visão é
condizente com a de Brundtland (1991) que afirma que o desenvolvimento
sustentável é a “utilização de recursos para atender às necessidades do
presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em atender
suas próprias necessidades”.
O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), nos
relatórios de Desenvolvimento Humano afirma que o desenvolvimento se
relaciona primeiro, à possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que
escolheram e com a provisão dos instrumentos e oportunidades para fazerem
as suas escolhas.
Desenvolvimento para Furtado (1974) caracterizava-se através de um projeto
social paralelo ao crescimento, pois quando os frutos do crescimento são
utilizados para reforçar a matriz institucional herdada de uma sociedade
41
oligárquica e escravocrata, ao invés de servir para transformá-la, seus
benefícios não chegam sequer a melhorar o acesso da população aos direitos
mais básicos. Instituições patrimonialistas fazem com que o progresso material
das elites seja obtido à custa da qualidade de vida das pessoas mais pobres.
Para Nobre (1999), a noção de sustentabilidade vem se tornando quase
universalmente aceita porque reuniu para si posições teóricas e políticas
contraditórias e até mesmo opostas. E isto foi possível porque ela não nasceu
pronta: seu sentido segundo o autor é decidido no debate teórico e na batalha
política. A sustentabilidade é o carro chefe desse processo de
institucionalização que insere o meio ambiente na agenda política internacional,
além de fazer com que essa dimensão passe a permear a formulação e
implementação de políticas publicas.
A institucionalização do conceito de desenvolvimento sustentável de forma
vinculada às grandes instituições controladas pelos países desenvolvidos, e a
crença dominante entre eles nas idéias dos economistas neoclássicos,
permitiram a esses últimos a conquista e manutenção da primazia quanto à
definição do que deveria ser desenvolvimento sustentável. Marcos Nobre e
Mauricio de Carvalho Amazonas (2002, p.73), sintetizam os fatores que
consideram importantes para a ocorrência desse fato, além do processo de
institucionalização do conceito:
[...] a teoria econômica neoclássica já é previamente hegemônica no campo mais amplo da teoria econômica; o rigor formal das formulações neoclássicas em geral e para o desenvolvimento sustentável em particular reveste tais formulações da chancela do “cientifico” e, portanto, garante sua aceitação como “verdade” em amplos círculos; a abordagem neoclássica demonstra grande capacidade de prover, nos seus termos, respostas “precisas” e diretrizes operacionais claras; as principais instituições econômicas, principalmente a dos países centrais e as agencias multilaterais, apropriam-se política e ideologicamente das formulações ambientais neoclássicas, fechando e realimentando o ciclo de formação de hegemonia. (AMAZONAS 2002, p.73).
As correntes de pensamento que se opõem à neoclássica e se apresentam
como alternativas são agrupadas sob a denominação de economia ecológica.
Nicholas Georgescu-Roegen é considerado seu precursor devido a estudos e
42
pronunciamentos que colocaram em xeque a economia tradicional nos anos
1970.
Segundo ele, a economia deve ser absorvida pela ecologia e não o contrário,
como pregam os neoclássicos. Ele parte do conceito de entropia em
termodinâmica para questionar a mecânica que sustenta a formulação de ciclos
e regularidades econômicas, como balizadora das ações e previsões sobre o
ambiente. Um aumento da entropia7 corresponde à transformação de formas
úteis de energia em formas que a humanidade não consegue utilizar, como por
exemplo, a extração de energia do petróleo e o calor gerado por sua queima,
que não pode ser integralmente aproveitado.
Cabe registrar os dois momentos de crise que abalaram a concepção vigente
de desenvolvimento até meados da década de noventa.
O primeiro momento crítico estabeleceu-se a partir da constatação de grandes
áreas geográficas do planeta submetidas a um rigoroso subdesenvolvimento
paralelamente, ao esforço de reconstrução da Europa (30 anos gloriosos) logo
após a Segunda Guerra Mundial. Neste ponto crítico duas correntes se
contrapuseram. De um lado, defendeu-se a idéia de que o progresso tratava-se
de um processo linear e que, segundo Rostov, o desenvolvimento resulta de
uma sucessão de etapas que expressam a dinâmica de um processo universal,
único, linear e ascendente, o que implica dizer que o subdesenvolvimento é
tido como mero atraso.
Segundo Rostov (1964, p.147 apud NOBRE E AMAZONAS,2002 ): “o fato
central acerca do futuro poder mundial é a aceleração das precondições do
arranco na metade meridional do mundo”. Por outro lado, o desenvolvimento é
visto como um processo histórico, específico e capaz de seguir várias
trajetórias não-lineares.
7Originária de estudos de termodinâmica, onde foi introduzida para caracterizar o grau de desordem um sistema, a noção de entropia já foi objeto de muitas controvérsias e distintas formulações. O conceito de entropia adotado por Shannon (1948) foi responsável por aplicações de relevo em diversos campos de investigação científica, embora seu trabalho tenha se destacado mais pela medida de quantificação de entropia que propôs, cujas propriedades despertaram o interesse em outras áreas. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-74382002000100003, acessado em 05 de maio de 2009.
43
Nesta visão, subdesenvolvimento é tido como resultado do avanço do
capitalismo sobre os países pré-industriais. Nesse modelo, as relações de
dependência no plano externo de cada país subdesenvolvido correspondem à
formação de estruturas híbridas.
Furtado explica: O subdesenvolvimento é [...] um processo histórico autônomo e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. Para captar a essência do problema das atuais economias subdesenvolvidas, necessário se torna levar em conta essa peculiaridade (FURTADO, 1961, p.180-81).
Ao questionar os malefícios que a racionalidade econômica produz, quando
longe da moral e da ética, esses movimentos denunciavam que a
administração do planeta, ao buscar a eficiência a qualquer preço, colocava a
própria morada em perigo. Neste rastro consolidaram-se os movimentos
ambientalistas com propostas efetivamente inovadoras.
McCormick (1992, p.61) afirma:
a natureza e os recursos naturais deixaram de ser a única preocupação. O novo ambientalismo abrangia tudo, desde a superpopulação e a poluição aos custos da tecnologia e do crescimento econômico... ia além do mundo natural questionando a essência do capitalismo.
Para Castoriadis e Cohn-Bendit (1983, p.24):
não há dúvida quanto à implicação radical do ecologismo, ao declarar que esse movimento pôs em questão todo o esquema e a estrutura das necessidades... o que está em jogo no movimento ecológico é toda a concepção, toda a posição das relações entre a humanidade e o mundo e finalmente a questão eterna e central: o que é a vida humana? Vivemos para quê?
Nesse enfoque, a racionalidade econômica é colocada em questionamento a
partir dos problemas que gera quando se desprende da moral e da ética. Essas
críticas revelaram que os pensamentos econômicos, que administravam a
44
aldeia global em sua busca pela eficiência, punha em perigo a morada de toda
a vida. Assim, iniciaram-se os movimentos ambientalistas.
A racionalidade econômica é questionada em termos de seus próprios critérios.
Contrariamente a eles, mostra-se que a busca incessante do aumento da
produção pode resultar em ameaça à sobrevivência do próprio sistema
econômico no longo prazo. A superação dos problemas decorrentes do
desenvolvimento industrial pode exigir não uma nova arrancada, mas medidas
restritivas ao aumento da produção. Surge daí a idealização de uma
racionalidade ecológica que reivindica sua condição de princípio balizador e
limitante do próprio desenvolvimento econômico.
Como não poderia deixar de ser, essa teoria passou a ser combatida pelo
radicalismo que apresentava. Além disso, seus defensores pregavam, muito
mais, a possibilidade de catástrofes do que soluções para o desequilíbrio entre
o Norte e o Sul do planeta.
É dentro desse debate temático que surgem propostas as quais combinam
desenvolvimento econômico e defesa do meio ambiente. Muito se deve ao
engajamento da ONU, via PNUMA e de várias outras organizações, o
fortalecimento dessa visão de integração da riqueza material com os recursos
oferecidos pela natureza8.
Foi nos debates da Conferência de Estocolmo em 19729 que surgiram dois
novos conceitos, com o propósito de dar conta da nova problemática.
O primeiro conceito a surgir foi o de ecodesenvolvimento, defendido por Ignácy
Sachs que faz uma dura crítica dos modelos comerciais e, também, da idéia de
crescimento zero defendida pelo Clube de Roma. A partir da denúncia dos
desvios e equívocos desses pontos de vista, o desenvolvimento é mantido
8 ONU: Organização das Nações Unidas. PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Entre as organizações que mais se destacam-se a União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN e o Fundo Internacional para a Natureza – WWF. 9 O ponto culminante do movimento ambientalista foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972.
45
como objetivo, aspiração e mesmo como um direito de todas as sociedades do
planeta.
Assim, advoga-se uma concepção de desenvolvimento em que este deve
atender ao objetivo de eficácia econômica, representada pelo aumento de
riqueza, simultaneamente com os requisitos de ordem ecológica, social, cultural
e espacial.
Para Sachs: O ecodesenvolvimento é um caminho promissor tanto para países ricos como para países pobres. Para estes mais do que nunca, a alternativa se coloca em termos de projetos de civilização originais ou de não-desenvolvimento, não mais parecendo possível nem, sobretudo, desejável a repetição do caminho percorrido pelos países industrializados...(SACHS:1993,p.10)
Um segundo conceito contraposto ao primeiro começa a tomar corpo no
encerramento da reunião de Cocoyoc no México em 1974. Contestando a
teoria do ecodesenvolvimento, a assembléia de Cocoyoc, em seu
encerramento, declara que “os enormes contrastes no consumo per capita
entre minoria rica e a minoria pobre têm um efeito muito maior do que seus
números relativos sobre o uso e esgotamento dos recursos” (apud
McCORMICK, 1992, p.153).
Após a reunião de Cocoyoc passa a tomar forma o conceito de
“desenvolvimento sustentável”, que nos anos 80 suplantou o conceito de
ecodesenvolvimento. Desde então, “desenvolvimento sustentável” passou a ser
adotado como expressão oficial nos documentos emanados de organizações
como a ONU, a UICN e o WWF. Duas outras razões fortaleceram esse
conceito. A primeira é que, por ser uma expressão mais neutra
axiologicamente, pode ser incorporada tanto em propostas liberais como de
esquerda. A segunda é que, por exprimir uma economia maior com o
funcionamento dos ecossistemas naturais, tornou-se atrativa para os
ambientalistas (CASTRO, 1996).
46
Foi em 1987, com o relatório Nosso Futuro Comum que a expressão
desenvolvimento sustentáve foi consagrada com sua definição clássica.
“Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem
suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1991, p.46) 10.
Nesse conceito, firma-se a consciência de que é a solidariedade integracional o
principio ético que deve nortear o processo de desenvolvimento. Portanto, com
esse balizamento conceitual, a insustentabilidade do desenvolvimento é
determinada tanto pelo uso de tecnologias poluidoras e intensivas em energia,
nos países ricos, como pela expansão demográfica e pela expansão da
pobreza, nos países pobres.
Para reverter este quadro, propõe-se a execução de estratégias que estimulem
a criação de tecnologias não poluidoras e pouco exigentes em energia; a
organização de um quadro institucional com capacidade de regular e fiscalizar
a emissão de poluentes; a aplicação de políticas compensatórias aos efeitos
negativos dos ajustes macroeconômicos, e o aumento da transferência de
capital para os países pobres.
Quase unânime esta proposta recebeu críticas discordantes. Concordando com
Redcliff (relatório Brundtland), Diegues afirma que a proposta: ... não leva em conta todo um conjunto de problemas, especialmente os conflitos de interesses entre Norte e Sul, o controle das empresas multinacionais sobre novas tecnologias e seu poder de se opor às iniciativas que colidem com suas estratégias globais, às relações desiguais no comércio mundial. Em segundo lugar, a crítica pressupõe “uma confiança velada nas soluções de mercado para os problemas ambientais, minimizando-se a lógica empresarial de externalizar esses custos. A terceira crítica11 envolve a própria noção do desenvolvimento sustentável, que teria como objetivo tácito atingir o desenvolvimento dos países industrializados(DIEGUES:1992, 22-23)”.
10 Em sua versão dessa mesma definição, a UICN define a expressão citada como “processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se dirigem à satisfação das necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas” (apud DIEGUES, 1989, p.34). 11 Para Castro isto é uma idéia inadmissível porque desconsidera que esse desenvolvimento, em virtude de seus estilos de produção e consumo desperdiçados e poluidores, é insustentável no médio e longo prazos. Essa crítica é injustificada: a mudança nos padrões de produção e consumo é principio que, desde o início, é considerado uma exigência da idéia de sustentabilidade. Uma questão diferente é saber se essa exigência é compatível com requisitos do capitalismo (CASTRO, 1996, p.29).
47
Outras críticas surgiram ao conceito de desenvolvimento sustentável. Entre
várias se pode citar a posição da pesquisadora Herculano (1992), a qual
argumenta que essa expressão, em sua elasticidade semântica, pode abrigar
desde um sentido radical, voltado para um novo tipo de sociedade, até um
significado conservador, em que renomeia o desenvolvimento capitalista,
conferindo-lhe uma preocupação social e ambiental.
No primeiro caso, o desenvolvimento sustentável refere-se à boa sociedade
humana que, se não consegue realizar a utopia socialista ou uma versão
alternativa desta, pelo menos tentará forçar a penetração de valores em sua
racionalidade econômica. No segundo, o desenvolvimento perde sua aura
radical e passa a designar apenas “um conjunto de mecanismos de
ajustamento que resgata a funcionalidade da sociedade capitalista, ora
naturalizada como paradigma da sociedade moderna” (1992, p.30, 42).
Para Herculano (1992), esse dilema decide-se, cada vez mais, em favor desta
segunda vertente à medida que a agenda ecológica é incorporada nas políticas
governamentais, nas agências e organismos internacionais e nas próprias
decisões do empresariado privado.
Para buscar compreender os motivos que levaram à substituição do
ecodesenvolvimento pelo desenvolvimento sustentável, deve-se levar em
contra três aspectos segundo a autora: a) mesmo sem desconhecer a
influência que as injunções extra-científicas tiveram na adesão generalizada ao
conceito de desenvolvimento sustentável, não é por isso que se pode minimizar
a importância dessa adesão para o estabelecimento da dimensão ecológico-
ambiental como uma aquisição definitiva desse conceito; b) sem menosprezar
a importância dos termos e das expressões nas nomeações de fenômenos,
considera-se mais importante do que isso o tipo de conteúdo que a eles se
atribui e, c) implica indagar se, entre os usos e abusos das expressões em
pauta, elas contêm um conteúdo semântico teoricamente fecundo suscetível de
ser recuperado numa análise crítica.
48
Esse rápido surgimento é que permite dotar o desenvolvimento sustentável de
sua dimensão inovadora: sustentabilidade social, que diz respeito apenas ao
estabelecimento de limites ou restrições para que o desenvolvimento persista
ao longo do tempo. Ela implica também a ultrapassagem do econômico: não
para a rejeição da eficiência econômica e nem pela abdicação do crescimento,
mas pela sua colocação a serviço de uma nova organização societária na qual
a finalidade social esteja “justificada pelo ético de solidariedade integracional e
de equidade, materializada num contrato social” (SACHS, 1995, p.26).
Sachs continua a discussão afirmando que são as cláusulas desse novo
contrato que dão sentido e finalidade à produção econômica. São também elas
que oferecem garantias para um contrato natural e carregam de sentido as
relações com o mundo natural, que vão além do seu reconhecimento como um
espaço de usufruto de utilidades (SACHS,1995, p.28). Na sua formulação
inicial, o conceito de desenvolvimento sustentável incorpora a dimensão social
(comparação entre a pobreza do Sul e a riqueza do Norte).
Esse lado negativo é ampliado: nova visão inclusive nos países
industrializados. Com efeito, não se pode ter a pretensão de falar em
sustentabilidade social sem levar a cabo um diagnostico que penetre as raízes
da crise. Mas há um aspecto novo, que envolve uma olhada para o futuro, para
o tipo de organização social que se deseja construir. Trata-se de construir a
ultrapassagem das atuais sociedades industriais, que continuam a gravitar em
torno do binômio produtivismo – consumismo (Idem, p.32).
Herculano (1992) coloca que romper essa subserviência é um processo que
vem sendo progressivamente incorporado nos discursos dos organismos
internacionais e de um número cada vez maior de autores como condição para
a viabilidade do desenvolvimento sustentável.
É o debate sobre essa eventualidade que coloca a sustentabilidade social
como a dimensão que dota o desenvolvimento sustentável de seu conteúdo
mais inovador e capaz de revigorar o debate sobre a crença na boa sociedade.
49
A partir de meados do século XVIII, foram observadas profundas alterações na
distribuição espacial da população no Brasil. O modelo econômico vigente
evoluía para um estágio mais eficiente de acumulação de capitais e, com isso,
toda a sociedade se reestruturava aos moldes industriais. Desencadeou-se um
processo de crescimento das aglomerações urbanas, concomitantemente ao
esvaziamento demográfico das áreas rurais. O advento da indústria imprimiu
novas configurações espaciais em várias regiões do globo, com a aparente
consumação da separação entre as áreas urbanas e rurais12.
A produção agrícola tornou-se um setor da produção industrial, o que fez com
que as áreas rurais ficassem submissas às exigências do capital urbano-
industrial. “O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos da vida
agrária” (Lefebvre, 1999, p.17). A expansão do fenômeno urbano foi acionada
pela expansão do capital industrial. A explosão13 do urbano determina o
predomínio das manifestações da cidade sobre a não cidade.
As definições existentes do que seja rural e urbano, de uma forma geral, são
associadas a duas grandes abordagens: a dicotômica e a de continuum. Na
primeira, a ênfase recai sobre as diferenças que se estabelecem entre estes
dois espaços, sendo o campo pensado como algo que se opõe à cidade. Na
segunda, ocorre uma aproximação entre o espaço rural e a realidade urbana.
(BERTRAND, 1973).
Percebemos que na tentativa de impor ao pescador artesanal do semiárido
alagoano a substituição da pesca artesanal pela prática do tanque-rede, o
discurso do capital vem mascarado, pois tenta convencer o pescador de que ao
se apropriar do novo, este estaria possibilitando o desenvolvimento da
comunidade, e por conseguinte, do município, podendo ajudar este a se
aproximar das cidades em desenvolvimento do Estado..
12Vale destacar que este processo teve início na Europa e, posteriormente, disseminou-se para outras regiões do globo. 13 O termo explosão é utilizado por Henri Lefebvre (1999), referindo-se ao espraiamento do fenômeno urbano e ao avanço da cidade sobre a não–cidade, gerados pela disseminação do capitalismo industrial.
50
As definições clássicas, formuladas a partir do final do século XIX, partem da
observação de vários aspectos da realidade para ressaltar as principais
características do espaço rural, constituindo-se em um alicerce para
formulações de conceituações dicotômicas entre o rural e o urbano. De acordo
com Blume,
os primeiros debates e reflexões surgem sistematizadas por uma leitura que assume o rural como uma realidade específica e oposta ao urbano, embasada pelos estudos das diferenças entre comunidade e sociedade, de Ferdinand Tönnies. Este antagonismo dualístico para o rural era o tema da corrente denominada de dicotômica (2004, p.18).
Marx e Weber ressaltam que, pouco antes da disseminação do capitalismo
urbanoindustrial pelo mundo, originou-se um conflito entre duas realidades
distintas: o urbano, símbolo de incorporação do capitalismo e do progresso da
técnica, e o rural, refúgio da aristocracia decadente e de antigas relações e
formas de vida. A dicotomia entre rural e urbano procurava representar,
portanto, as classes sociais que contribuíram para o aparecimento do
capitalismo industrial ou que a ele se opunham na Europa do século XVII e não
um corte geográfico propriamente dito. A partir disso, o urbano passa a ser
associado ao novo, ao progresso capitalista das fábricas, e o rural, ao velho, ou
seja, à velha ordem social vigente (SILVA, 1996).
Sorokin & Zimmermann (1929) foram os primeiros a introduzir a perspectiva do
continuum rural e urbano. Essa idéia também está relacionada a uma
concepção dual, uma vez que consideram o rural e o urbano como pólos
extremos em uma escala de gradação. Para evidenciar as características que
marcavam a polarização, bem como suas relações, os autores identificaram
diferenças marcantes entre os espaços rural e urbano. Diante disso, as
reflexões teóricas desses autores acabaram por fomentar a existência de
abordagens dicotomizadas das realidades rurais e urbanas.
Podemos confirmar essa idéia em Solari (1973, p.6, Apud SZMRECSÁNY&
WANDERLEY, 2000),
51
Pois embora Sorokin e Zimmermann tenham postulado que essas oposições eram extremos de uma escala gradativa, estes critérios, que no fundo são uns derivados dos outros, tendo como ponto de partida a caracterização da atividade produtiva e da técnica de produção, serviram de base para a elaboração de conceituações dicotomizadas do rural e do urbano.
A idéia do espaço continuum, apresentada primeiramente por Sorokin &
Zimmermann (1929), é retomada por Redfield (1947), que observou a
intensificação das relações rurais e urbanas, com o intuito de evidenciar uma
maior relação entre os espaços opositores, diluindo ainda mais as diferenças
verificadas pelos clássicos nas primeiras décadas do século XX.
A obra clássica de Sorokin & Zimmermann14 (1929) sugere uma série de traços
essenciais na diferenciação dos espaços urbano e rural. De acordo com esses
autores, a base para o entendimento do rural está nas particularidades de sua
economia. O rural abrigaria, preferencialmente, a produção agropecuária,
sendo que todas as outras características observadas no campo estariam
vinculadas a essa atividade econômica. Outros tipos de atividades não-
agrícolas se apresentam como acessórias e não se destacam como principal
meio de auto-consumo dos indivíduos que habitam o meio rural.
É importante ressaltar que, neste contexto, apesar de já existirem indícios que
apontam para existência de um espaço continuum rural-urbano, diversos
autores realizaram reflexões sobre um mundo com visíveis contrastes entre as
realidades rural e urbana.
Pode-se observar que, de maneira resumida em Blume (2004), Sorokin &
Zimmermann, esses autores identificam uma série de diferenças empíricas
marcantes entre as áreas rurais e urbanas que se relacionam principalmente
com as seguintes características:
1. Ocupacionais: diferenças no envolvimento das atividades. No rural,
desde jovens, as pessoas se ocupam com um único tipo de atividade, a coleta e o cultivo;
14 Apesar de esses autores serem os primeiros a adotarem a idéia de continuum, a obra clássica de 1929 acaba se constituindo em um forte alicerce para as conceituações dicotômicas, uma vez que ressalta as diferenças existentes entre os espaços rural e urbano como pólos contidos em uma escala de gradação.
52
2. Ambientais: os rurais sofrem influência direta do contato com a
natureza e das condições climáticas;
3. Tamanho das comunidades: correlação negativa entre tamanho da comunidade e pessoas ocupadas na agricultura;
4. Diferenças na densidade populacional: as rurais são relativamente mas baixas do que as urbanas, devido ao cultivo;
5. Diferenças na homogeneidade e heterogeneidade da população: os rurais tendem a adquirir características semelhantes por se envolverem nas mesmas funções, são mais homogêneos, pois não sofrem os problemas de uma intensiva divisão do trabalho.
A indústria fez a cidade explodir e desencadear o processo de urbanização
extensiva15, com a incorporação das periferias mais ou menos distantes pelo
tecido urbano. O crescimento das cidades, a industrialização da agricultura e o
transbordamento do urbano nas áreas rurais, verificados em vastas regiões do
mundo no decorrer do século XX, sugerem que a transição entre os espaços
rural e urbano deve ser entendida de acordo com a formulação teórica do
espaço continuum. Nessa perspectiva, a polarização antagônica é substituída
por um gradiente de variações espaciais.
Metaforicamente é como se um plano fosse dividido ao meio e suas metades recebessem respectivamente as cores preto e branco. É a primeira etapa da diferenciação, em que a atenção se foca no contraste, e não no relacionamento profundo que existe, não pelas cores, mas pelo fato de serem metades partes de um mesmo plano. Gradualmente, a fronteira antes nítida entre as cores começa a se transformar. O preto entra no branco e o contrário, gradualmente, as tintas se misturam e por fim temos o plano preenchido não mais por duas metades, mas por um gradiente que vai do branco em um extremo do plano ao preto em outro, passando por ínfimas tonalidades de cinza. É a segunda etapa da diferenciação, quando as definições precisas são implodidas e ressurge gloriosa a relação profunda e a unidade existente entre o preto e o branco, componentes do mesmo plano, da mesma realidade (SIQUEIRA & OSÓRIO; 2001, p. 23).
Observa-se que a metáfora de Siqueira (2001), além de representar,
didaticamente, as duas formas mais comuns de se pensar os espaços urbano e
rural, demonstra que a relação dicotômica se constitui como a primeira etapa 15 O termo urbanização extensiva se refere ao avanço do tecido urbano que extrapola os limites das cidades com a geração de novas centralidades urbanas, sendo um processo econômico-espacial. (Monte-mór, 1994).
53
do processo de diferenciação de áreas, para que só posteriormente, com a
urbanização das áreas rurais, possa existir o continnum rural e urbano.
De acordo com Silva (1997, p.1),
[...] está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas isso que aparentemente poderia ser um tema relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um continuum do urbano do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária.
Faz-se necessário salientar a existência de várias regiões do mundo em que a
idéia de continuum não traduz, de forma satisfatória, a realidade. Em vastas
áreas dos países em desenvolvimento e nos países mais atrasados, a
industrialização da agricultura e as demais mudanças que levam ao
transbordamento do urbano para o rural ainda não se efetivaram. A
conceituação dicotômica ainda pode se valer eficiente para essas regiões, uma
vez que esse tipo de abordagem indica a existência de áreas rurais distantes
das cidades. Dessa forma, vale destacar que seria impossível chegar a uma
definição universal do que seja rural e urbano, já que as diferentes realidades
sócio-espaciais encontradas no globo clamam por adequações apropriadas e
específicas (SILVA, 1997)
A partir dessas formulações teóricas, as definições de rural e urbano foram
alvos de intensos debates. De acordo com Blume (2004, p.18), no entanto,
“diante dos embates teóricos, das crescentes indefinições e também pela
crescente urbanização, o rural deixou de ser atrativo como objeto de pesquisa,
pois começou a ser aceito que a urbanização do campo era uma questão de
tempo”.
Os debates que permeiam os diferentes níveis de relacionamento entre o rural
e o urbano ressurgiram, diante da rapidez e magnitude das mudanças técnicas,
econômicas, sociais e ambientais que atingiram estes espaços a partir da
segunda metade do século XX. No Brasil, as mudanças verificadas no meio
54
rural, a partir da década de 1980, com o aumento da urbanização do campo e o
surgimento de novas dinâmicas que apontam para uma nova ruralidade, muitas
vezes distante do contexto das atividades agropecuárias, proporcionaram a
retomada e a intensificação desses debates, diante de sua crescente
importância.
55
2 GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA
2.1 – A FORMAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA DO BRASIL
O objetivo deste tópico é apresentar, resumidamente, a visão de Caio Prado
Júnior sobre os aspectos que condicionaram o povoamento do que viria a
formar o Brasil, resgatando elementos fundamentalmente relacionados ao tipo
de sistema de exploração econômico que desde o período Colonial até a
República foi voltado à economia de exportação, para tentar compreender o
comportamento das comunidades que vivem no semiárido alagoano, por
entender que a forma pela qual se deu a ocupação territorial no Brasil fornece
subsídios para as justificativas utilizadas pelo poder público na proposição de
alternativas em substituição a pesca artesanal.
De acordo com Freitas (2008) sob um extenso território, associado ao
interesses refletidos nos tipos de cultivo, na mão-de-obra e em elementos
morfoclimáticos, o povoamento brasileiro foi sendo constituída em função das
atividades econômicas exportadoras, herança da colonização exploratória, que
em princípio concentraram-se na costa litorânea e mais tarde seguiram para o
interior.
Ao resgatar a formação socioeconômica do Brasil, Caio Prado fornece pistas
para entender o desenvolvimento econômico contemporâneo brasileiro. As
reflexões do autor apresentam apontamentos para o debate na atualidade,
além disso, recorrer aos fatos históricos é um recurso metodológico
imprescindível na compreensão do desenvolvimento brasileiro e do cotidiano
dos pescadores artesanais do semi-árido, conforme ilustrado nos diálogos com
os pescadores nos capítulos 4 e 5.
Em ambas as obras, o autor procurou demonstrar como os colonizadores
portugueses iniciaram a ocupação do imenso “território virgem”. Ao descortinar
sobre qual era o real sentido da colonização, Caio Prado (1956) Júnior,
enfaticamente, asseverou que a finalidade última do processo colonizador
encetado não era o de “povoar”, mas apenas de retirar o máximo proveito dos
56
novos produtos tropicais, tão escassos na Europa, porém assaz abundante nas
novas terras tropicais.
O caráter dessa primeira fase16 do processo colonizador, de acordo com Caio
Prado está, em sua essência, focado no extrativismo puro e simples.
Prado (1994) coloca que, por conta de todas essas dificuldades postas pelas
condições naturais e somada a estas, o espírito meramente mercantil, os
colonizadores portugueses lançaram mão de alguns artifícios para conseguir
tirar proveito daquilo que imediatamente lhes podia render algum lucro. A
exploração do pau-brasil, a primeira atividade extrativista, contou com o
envolvimento dos índios que, em troca de quinquilharias, extraia para os
portugueses.
Tal emprego não consolidou o povoamento porque a madeira estava
espalhada ao longo da zona costeira. Por isso, a referida atividade tinha um
caráter nômade, ou seja, não concorreu para a fixação do colonizador. Além
disso, cabe destacar que a exploração do pau-brasil era bastante rudimentar e
só muito posteriormente, alcançou algum desenvolvimento.
O desinteresse pelas novas terras, que inicialmente acometeu os
colonizadores, tinha uma razão de ser. Conforme diagnosticou Caio Prado
(1994), eles eram movidos pela incessante busca por encontrar um caminho
que os levassem ao Oriente e os livrassem, por conseguinte, dos
atravessadores que obtinham lucros extraordinários por monopolizarem as
antigas rotas.
Para Caio Prado (1994) estava evidente que as ocupações extrativas
realizadas nos primórdios da colonização brasileira despertaram a cobiça de
outros europeus, como os franceses e holandeses que também passaram a
desejar participar desse comércio tão lucrativo que foi a extração do pau-brasil. 16 Essa primeira fase tem seu início em 1500 e vai até 1530, conforme a periodização colocada pelo autor.
57
Acrescenta-se a esse fato, a necessidade de prover, mesmo que minimamente,
a produção de gêneros alimentares para a manutenção dos administradores e
das forças de segurança. A emergência desse novo contexto exigiu uma nova
postura da metrópole portuguesa em relação à colônia.
Assim, o autor reforça que tais contingências propiciaram o estabelecimento de
uma atividade mais fixadora: a agricultura. Tem-se o início da segunda fase da
colonização que vai de 1530 a 1640 de acordo com a periodização proposta
pelo autor. Nessa etapa, os colonizadores encontraram no plantio da cana-de-
açúcar a cultura ideal para impulsionar a ocupação, ao menos do litoral, e
assegurar altíssimos lucros com o comércio do açúcar. Produto este que era
bastante raro e, por isso, artigo considerado de luxo na Europa, a partir de seu
cultivo em larga escala e estruturado no regime de grande propriedade, tornou-
se abundante no mercado do velho mundo, a ponto de transformar-se num
gênero banal.
Há de se destacar que a ocupação favorecida pelo cultivo da cana-de-açúcar
esteve atrelada unicamente ao objetivo de angariar lucros com a
comercialização do açúcar. Assim sendo, esta atividade ficou restrita às terras
que compõem as áreas costeiras. E os locais que não ofereciam abrigo natural
para as embarcações ou se encontravam distantes dos centros de consumo17,
permaneceram isolados, ou seja, eles não comunicavam entre si.
Com o fim do período da restauração18 a situação colaborou para o
desequilíbrio econômico e social da colônia. A agricultura que até então havia
desempenhado importante papel no processo de povoamento começou a
entrar em decadência. No bojo dessas transformações, outras atividades
surgiram e ensaia-se o aproveitamento das terras interiores.
Em Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado preocupou-se
principalmente com fim do século XVIII e a primeira década do século XIX, para
17 Como as porções meridionais da colônia: São Paulo e as áreas mais ao sul.
18 A restauração portuguesa tem seu início em 1640, quando rei português reassumiu o trono.
58
caracterizar o que foi o Brasil Colônia. Fixando-se neste corte temporal
consegue abarcar os passos para a independência e a afirmação da
nacionalidade brasileira.
Embora as atividades extrativas ligadas à cana, mineração, pecuária, borracha
e outras subsidiárias contribuíram para surtos de povoamento, a vinda da
Coroa Portuguesa e a abertura dos portos às nações amigas deram outro
sentido ao desenvolvimento econômico brasileiro havendo maior integração
entre a tríade: povoamento, território e infra-estrutura.
Sobretudo a partir do século XIX com a exploração mais intensa da produção
cafeeira e de uma maior intervenção européia por meio de investimentos e
empréstimos. Se o café colaborou para um fluxo de pessoas, de mercadorias,
de capitais e de infra-estrutura, todavia para as terras já esgotadas restaram-
lhes as marcas de devastação e decadência.
Observa-se com base na obra de Caio Prado que, já no século XX, se por um
lado, a exploração do café foi o fator mais importante para os novos rumos de
desenvolvimento, por outro lado, crescia a dependência do país em relação
aos atores estrangeiros. Principalmente no que diz respeito à questão das
finanças. Ficará nas mãos desses atores esse poder antes dado aos
fazendeiros. Esse controle trouxe conseqüências como o alargamento da
dívida externa, as orientações econômicas e políticas dos rumos do país, assim
como na escolha dos produtos comercializados.
Em linhas gerais para Caio Prado, os fatos mais significativos que constituíram
o desenvolvimento econômico foram concentrados na abolição da escravidão,
na transformação do regime de trabalho, no rompimento com os quadros
conservadores monárquicos e no domínio das finanças na vida econômica
brasileira.
Dessa forma, tanto o desenvolvimento econômico do país como o povoamento
do território estiveram condicionados à expansão ou retração dos cultivos de
exportação no cenário mundial. Se houvesse a expansão das culturas de
59
exportação, outros cultivos eram acessórios para o abastecimento do
povoamento.
Do contrário, diante de uma retração do produto de exportação no cenário
mundial, os olhos dos empreendedores voltavam-se ao mercado interno e para
uma maior diversificação dos produtos, o que futuramente impulsionaria a
indústria manufatureira brasileira. Assim o povoamento do território brasileiro
seguiu os caminhos direcionados por conjunturas econômicas que
dinamizavam ou impediam o desenvolvimento econômico brasileiro (PRADO
JR, 1956).
A leitura de Caio Prado oferece, em muitos aspectos, importantes contribuições
para a compreensão dos processos contemporâneos pelos quais o Brasil tem
passado. Ao longo da historiografia construída por Caio Prado percebe-se o
empenho dele em salientar que a constituição do Brasil, primeiro, em sua fase
colonial e depois, na condição de país, esteve fortemente alicerçada em uma
estrutura econômica de caráter exógeno, ou seja, uma organização econômica
voltada para o exterior.
Ao serem constatadas as revoluções nas atividades econômicas nos dias de
hoje, não se pode negar a atualidade das análises realizadas por Caio Prado, e
esse sentido, é de fundamental importância resgatar o pensamento desse autor
para compreender em que medida a herança política e histórica tem
condicionado a evolução econômica, política e territorial do Brasil.
2.2 DESENVOLVER O SUBDESENVOLVIDO: BRASIL, NORDESTE E
SEMIÁRIDO NA VISÃO DE CELSO FURTADO
Ao referenciar Celso Furtado, buscou-se resgatar em sua obra, importantes
elementos para uma interpretação crítica da problemática do desenvolvimento
regional no Brasil, em especial para o tratamento da histórica problemática da
região Nordeste e do semiárido brasileiro.
60
Para analisar em perspectiva essa problemática, Celso Furtado revela o papel
das heterogeneidades estruturais (regional, social, produtiva) na manutenção
do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano.
A partir do início da década de 1980, Furtado procura enquadrar a problemática
nordestina no cenário mais amplo da reprodução do subdesenvolvimento, por
meio da análise da feição que assume o processo de industrialização na região
entre 1960 e 1980.
Nesse período, Furtado procurou demonstrar que a problemática do atraso
sócio-econômico do Nordeste estava relacionada à dependência econômica
desta região para com a região Sudeste do Brasil. Essa relação de
dependência constituiria a raiz da manutenção do subdesenvolvimento
presente no Nordeste e no próprio Brasil, o que satisfazia as oligarquias locais.
Furtado deu maior destaque à temática do subdesenvolvimento do Nordeste
nas seguintes obras do período: O Brasil pós-“milagre”, de 1981; A nova
dependência, de 1982; e Cultura e desenvolvimento em época de crise, de
1984.
No foco da problemática está, portanto, a rigidez da estrutura agrária do
Nordeste, constituída, em grande parte, por seculares latifúndios dedicados à
monocultura para exportação e a pecuária.
Para Furtado (1984b: 74), a indústria é o setor produtivo em que cresce mais
rapidamente a produtividade, “portanto é ela que lidera a elevação dos salários
e produz o excedente que alimenta a acumulação e gera novos empregos,
ainda que estes se situem em outros setores produtivos”. Logo, para Furtado, a
questão central consiste em definir um tipo de industrialização que consiga
gerar o efetivo desenvolvimento da região Nordeste.
Na visão de Furtado, para que o processo de industrialização não seja apenas
o motor do crescimento de uma localidade “mas também instrumento de
61
homogeneização social” é necessário que ele se vincule amplamente ao
mercado regional (FURTADO, 1984b: 76).
Furtado alertou para a necessidade de que as atividades industriais no
Nordeste reflitam as condições sócio-econômicas predominantes na região: a
possibilidade de desenvolvimento do Nordeste está, em sua interpretação, na
tentativa de criação de um sistema industrial que seja capaz de gerar seu
próprio crescimento, valendo-se de impulsos criados pela demanda interna da
região.
Por fim, destaque-se que, para Furtado (1981; 1984), a superação da pobreza
e do subdesenvolvimento do Nordeste passa necessariamente por maior
difusão, no âmbito local, do conhecimento das especificidades sócio-
econômicas e políticas da região, o que outorga importante papel às
universidades e institutos de pesquisa ali localizados, ou seja a definição de
políticas públicas e de infra-estrutura para a mitigação dos efeitos da seca.
Para concluir o capítulo sobre a evolução da economia e do território no semi-
árido, apresenta-se aqui um breve resumo sobre as analises feitas sobre o
território brasileiro denominado como SEMIÁRIDO19 e as políticas públicas
criadas e implementadas em prol do seu desenvolvimento econômico e social
nas ultimas décadas.
Para Furtado (1967, p. 69), o tipo da economia da região semi-árida era
particularmente vulnerável ao fenômeno das secas. Uma modificação na
distribuição das chuvas ou uma redução no volume destas que impossibilite a
agricultura de auto-consumo bastavam para desorganizar toda a atividade
econômica. A seca provocava, sobretudo, uma crise da agricultura de auto-
consumo. Daí, suas características de calamidade social.
19 Esta sessão sobre o semiárido baseia-se em grande parte no trabalho intitulado Nordeste do Brasil, de autoria de Francisco Carlos Baqueiro Vidal. O autor realizou de forma primorosa uma minuciosa reflexão e análise da obra de Celso Furtado. Não é o objetivo desta tese aprofundar a vasta discussão sobre as ações no semiárido brasileiro de uma forma radical, por isso, foi utilizada a reflexão sobre as principais políticas e ações do semiárido sob a ótica de Celso Furtado, tendo como base o trabalho citado, por contar o mesmo com alto rigor de precisão e objetividade na analise documental.
62
Furtado (1967) coloca que, impossibilitados de terem as suas necessidades
alimentares mínimas atendidas por produção própria, os trabalhadores rurais e
pequenos produtores ficam na dependência de renda monetária e alimentos
situação essa não muito diferente da encontrada em pleno século XXI, nos
municípios estudados para efeitos desta Tese, onde os programas de
transferência de renda do governo federal (bolsa família) atuam junto aos
pescadores artesanais como um “consolo” em tempos de rio sem peixe.
Segundo Furtado (1959) a análise encaminha-se assim, naturalmente, para a
necessidade de reorganização da economia do semi-árido, vale dizer, da sua
reestruturação produtiva, onde deve ser considerado o sistema econômico
dessa região extremamente vulnerável às secas, em virtude da sua própria
inadequação ao meio ambiente20.
Convém lembrar, reforça Vidal (2001), que a estratégia de intervenção
planejada para o Nordeste, de fins dos anos 1950, estava assentada no
chamado pacto populista nacional, o qual dava sustentação ao Estado
desenvolvimentista, mas que tinha escassas bases na região. E, a rigor, tal
pacto jamais ameaçou de fato os espaços originais de atuação das classes
dominantes rurais.
Tratava-se, afinal, da conhecida modernização conservadora21, aplicada
também aos espaços agrários do semi-árido.
O IV Plano Diretor da SUDENE (o último elaborado pela agência de
planejamento regional), em 1968, já havia identificado uma rigidez da estrutura
agrária nordestina, que impedia a melhoria do bem-estar econômico e social de
20 “O sistema econômico que existe na região semi-árida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o homem e o meio, entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região” (FURTADO, 1959, p. 30). 21 A modernização conservadora corresponde à introdução do progresso técnico sem qualquer relação para com os aspectos sociais do desenvolvimento. Trata-se, neste sentido, de processo de penetração do capital no campo desvinculado das questões subjacentes às exigências impostas pelas mudanças das condições de subemprego, sub-remuneração e marginalização, a que é submetida à população que vive da agricultura (no Nordeste semi-árido ou fora dele). A modernização conservadora apresenta a particularidade de constituir um processo violento de introdução do progresso técnico no campo, porque engendram relações de produção (novas ou ‘recriadas’, como a parceria), sempre desfavoráveis aos pequenos produtores rurais, proprietários ou não da terra” (CARVALHO, 1988, p. 336-337).
63
larga parcela da população da região. Mas, nos anos 1970, a intervenção
estatal na faixa semi-árida ganhou vulto, por meio de diversos mecanismos.
Sucederam-se então diversos programas e projetos22 (alguns considerados “de
impacto”), os quais, não podendo ignorar completamente o diagnóstico
furtadiano, procuravam associar idéias deste a outras motivações23.
Os primeiros foram o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de
Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste
(Proterra), criados, respectivamente, em 1970 e 1971, e, logo depois,
incorporados ao I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), projetado para
o período 1972-1974. O PIN, por meio da ambiciosa construção da rodovia
Transamazônica, pretendia instalar, nas suas áreas marginais, projetos de
colonização, para onde seriam deslocados, sobretudo excedentes
populacionais nordestinos24, mas também visava promover a irrigação, que, no
caso do Nordeste, dizia respeito aos vales úmidos e ao semi-árido. Já o
Proterra, em seus objetivos formais, pretendia ampliar a desapropriação de
terras, associando-a ainda ao financiamento de crédito a juros subsidiados e
à assistência técnica.
O Proterra foi sendo paulatinamente “atropelado” quanto às suas formais
aspirações sociais e redistributivas, constituindo-se, então, em mais um
instrumento financeiro para a viabilização da modernização conservadora no
espaço semi-árido. Os créditos desse programa acabaram sendo absorvidos,
na maioria dos casos, pelos empreendimentos capitalistas de maior porte,
quase sempre poupadores de mão-de-obra (CARVALHO, 1987, p. 187-194;
SOUZA, 1997, p. 504-505). Por seu turno, e já em 1974, o PIN sofreria uma
22 Para uma análise exaustiva das contradições entre os objetivos formais de tais programas e projetos e sua execução de fato, ditada pelos interesses dominantes, veja-se Carvalho (1987). Uma análise crítica do desempenho de tais instrumentos também é feita por Carvalho (1988). Para uma abordagem mais sintética, porém bastante concatenada sobre os mesmos, veja-se Souza (1997).
23 Carvalho (1987, p. 109-141) identifica, após a instauração do regime militar, um período de sobrevida do projeto original da SUDENE, precisamente até o ano de 1969, quando militares vinculados à ala nacionalista das forças armadas são pressionados a deixar as direções do Ministério do Interior e da própria SUDENE (os generais Afonso de Albuquerque Lima e Euler Bentes Monteiro, respectivamente). 24 A meta original referia-se a uma transferência de 100.000 famílias nordestinas, ou seja, cerca de 500.000 pessoas (CARVALHO, 1987, p. 167).
64
substancial mudança de orientação oficial, passando a privilegiar as grandes
empresas e a colonização privada. Afinal, o próprio I PND, que delimitava o
raio de ação desses dois programas, já enveredava claramente por essa linha.
Posteriormente, já na órbita do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),
previsto para o período 1975-1979, foram criados o Programa de
Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (Polonordeste) e o
Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-Árida do
Nordeste (denominado Projeto Sertanejo), em 1974 e 1976, respectivamente.
Na avaliação de Carvalho (1987, p. 209-213), ao Polonordeste e ao Projeto
Sertanejo couberam os melhores resultados relativamente aos programas
anteriores.
O Polonordeste, inicialmente mais uma estratégia de intervenção do Banco
Mundial (financiador do programa) para áreas deprimidas de países periféricos,
objetivava promover o desenvolvimento e a modernização de áreas
economicamente prioritárias; posteriormente, contudo, com o agravamento da
crise econômica e social, foi sendo dirigido à melhoria do padrão de vida da
população rural.
Desse modo, passou a ser denominado, em 1985, Programa de Apoio ao
Pequeno Produtor Rural (Papp). Embora tenha sido o mais bem-sucedido dos
programas, teve alcance social e espacial muito reduzido, pois avaliando os
relatórios das ações, Carvalho(1987) verificou que para o Banco Mundial,
tinham sido atendidas pelo programa 100.000 famílias até 1980. Outras
análises mais otimistas davam conta de 300.000 famílias atendidas até 1981,
de uma clientela de 3.000.000 de famílias pobres do meio rural nordestino.
Portanto, na melhor das hipóteses, de acordo com o autor, o público atingido
correspondeu a apenas 10% do total. Quanto à área atingida pelo programa,
algo em torno de 2,5 milhões de hectares, representou tão-somente 3,0% da
sua área-alvo.
65
Mas foi nos anos 1990, sobretudo a partir do primeiro governo de Fernando
Henrique Cardoso, que os novos programas criados nesse campo de atuação
passaram a apresentar resultados qualitativamente diferenciados, visto que já
configuravam uma espécie de novo assistencialismo governamental, com
roupagem vistosa de promoção da cidadania e ênfase obsessiva no plano local
(VIDAL, 2001).
O Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada do Nordeste,
por exemplo, lançado em 1996, reafirma o semi-árido como a área principal
para atividades privadas de irrigação e a própria fruticultura irrigada como a
atividade de maior potencial econômico, em face da sua inserção no comércio
internacional. Além disso, exclui o caráter público da irrigação25, passando o
Estado de agente executor para indutor.
A propósito, em relação à idéia de irrigação (privada), cumpre salientar que se
está diante da atual discussão frenética para a questão do semi-árido, e que se
manifesta tanto na retórica oficial como na da classe empresarial. Trata-se
mesmo de uma euforia e, no limite, alguns imaginam que todo o semi-árido
poderá ser irrigado. Gomes (2001, p. 223-224), escudando-se em dados da
Codevasf, chega a colocar que 15 milhões de hectares poderiam ser
irrigados26.
25 Diversas ações governamentais já delineavam claramente essa linha de ação adotada. Tome-se como exemplo o seguinte trecho do depoimento do presidente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), Airson Lócio (apud GOMES, 2001, p. 191), em 1995, no Senado Federal: “Acabamos com tudo isso. [...] Os colonos têm de comprar a terra [...] Com isso, eles se envolvem no negócio, porque estão pagando [...] É a concepção de que a irrigação não é só para produzir ou para manter o homem no campo, mas para criar o pólo de desenvolvimento que gere emprego e renda. Aquele que não estiver produzindo, na área pública, tem de ser posto para fora, porque ali foi colocado dinheiro do povo, que precisa ter retorno”. Ora, mais que um simples jogo de palavras, há aqui uma contradição óbvia: afinal, qual tipo de produção irrigada será estimulada e qual não o será? As palavras do presidente da Codevasf deixam claro que serão os grandes empreendimentos capitalistas os preferidos. Com efeito, a Lei nº°10.204, de 22/02/2001, que trata da reorganização do DNOCS, determina a transferência em definitivo, para entes privados, dos perímetros públicos de irrigação da responsabilidade desse órgão. 26 Nesse sentido, Molle (1994, p. 150) já alertava que muitos estudos visando determinar o potencial de terras irrigáveis da região tinham chegado a resultados que variavam entre 800 mil e 8 milhões de hectares; as conclusões mais otimistas, porém, baseavam-se em classificações estrangeiras, um tanto alheias à realidade nordestina.
66
Os estudos até aqui nos permite uma reflexão27·: que a açudagem no Nordeste
serviu basicamente para alimentar a indústria da construção civil. Este foi o
principal objetivo a ação. Os governos Federais e Estaduais sempre foram
pressionados por esta indústria. Uma das principais representantes desta
indústria é a OAS, da família de Antonio Carlos Magalhães. A Açudagem no
Nordeste não tem mais como ir adiante. No Nordeste não cabe mais açudes. A
saída foi a transposição do São Francisco que servirá somente para criar novos
deságües do São Francisco no Atlântico, com a premissa de que eliminará
para sempre a sede do Nordestino do semi-árido.
Ademais, enquanto houver um imenso reservatório de mão-de-obra disponível
– e nisso o semi-árido sempre se destacou –, será difícil propiciar incrementos
de renda consideráveis para as classes trabalhadoras, baldando-se assim as
expectativas de ganhos sociais.
Enfim, a atualidade dessa questão implica a própria continuidade da
necessidade de uma ampla intervenção estatal para resolvê-la. Porém, ao
contrário do que sonhava Furtado, as atuais políticas públicas nunca estiveram
tão longe disso.
27 O Professor Marx Prestes Barbosa, no dia 22/02/2011, na Pré‐banca desta Tese, sugeriu esta reflexão.
67
3 TRABALHO E COTIDIANO: CIENCIA, TÉCNICA E ARTE
3.1 TRABALHO
O trabalho é uma das formas do homem atuar sobre o mundo o que faz de
várias formas, mas com certeza o faz devido à bagagem que traz de sua
herança cultural e sua ideologia acerca das relações sociais.
“O trabalho – que é a ação transformadora do homem sobre a natureza – modifica também a maneira de pensar, agir e sentir, de modo que nunca permanecemos os mesmos ao fim de uma atividade, qualquer que ela seja. É nesse sentido que dizemos que, pelo trabalho, o homem se autoproduz, ao mesmo tempo em que produz sua própria cultura” (ARANHA, 1996).
Franco (1989) aborda a visão marxista acerca do trabalho e relata que a
consciência humana nesta concepção é estabelecida a partir do trabalho e das
relações sociais.
“O trabalho é, em primeiro lugar, um processo entre o homem e a natureza um processo integrado no qual o ser humano faculta, regula e controla a sua forma material com a natureza através de sua atividade... Ao atuar sobre a natureza externa a si, modificando-a, o ser humano modifica simultaneamente sua própria natureza...” (Marx, 1979, p. 118).
Partindo da antiguidade Grega e Romana o homem adaptava a natureza a si e
a isso denomina-se trabalho. Naquele período o homem que não possuía
terras, desprovido de recursos era educado na lida com a terra, principal meio
de produção, no que se poderia chamar de “comunismo primitivo”, e uma
geração ensinava a outra. É nesse contexto que surge a propriedade privada e
as classes sociais (FRANCO, 1989). Os donos de terras não dependem do
trabalho para viver, cabendo assim aos não proprietários o cultivo das terras
privadas para sua sobrevivência e a dos seus senhores.
A época posterior a antiguidade como base a indústria e o comércio. Com isso
tem-se a mecanização das formas de agricultura e a estratificação e
hereditariedade, nobreza e servidão passavam de pai para filho. As relações
deixam de ser naturais e passam a ser sociais. O trabalho surge da
68
necessidade do homem em satisfazer suas necessidades continuar
sobrevivendo. Para Oliveira (1995) trabalho é “a atividade desenvolvida pelo
homem, sob determinadas formas, para produzir a riqueza”.
Com isso o autor coloca que é a partir desta perspectiva que surge o
estabelecimento das relações sociais e na medida em que são satisfeitas suas
necessidades são refeitas relações e assim sucessivamente.
“O trabalho fica então subordinado a determinadas formas sociais historicamente limitadas e a correspondentes organizações técnicas, o que caracteriza o chamado modo de produção”. (Oliveira, 1995 p.6)
Os modos de produção dominam os modos naturais e estes é que vão
determinar a execução e a organização do trabalho. O mesmo autor ainda fala
que toda sociedade é um momento no processo histórico, e só pode ser
apreendida como parte daquele processo.
O processo histórico mostra mudanças na forma pela qual o homem produz
sua riqueza e que com os processos sociais, a exemplo do escravismo,
feudalismo e capitalismo estabelecem direcionamento para o futuro dos
processos de trabalho e organização humana.
Faz-se importante salientar que o trabalho hoje está fortemente orientado para
o resultado e o lucro que se obtém através dele e da força de trabalho, pois
para Antunes (2002),
“No que diz respeito ao mundo do trabalho, pode-se presenciar um conjunto de tendências que, em seus traços básicos, configuram um quadro crítico e que têm direções assemelhadas em diversas partes do mundo, onde vigora a lógica do capital. E a crítica às formas concretas da dessociabilização humana é condição para que se possa empreender também a crítica e a desfetichização das formas de representação hoje dominantes, do ideário que domina nossa sociedade contemporânea.” (Antunes,2002, p.37)
Analisando a problemática da produção do espaço, Lefebvre (1973, p. 78)
levanta importantes questões que compõem o interesse desta tese : “quem
69
produz e para quem? O que é produzir? Como e por que produzir?” As
respostas devem levar em consideração, segundo o autor, que o conceito de
produção não possui um único sentido, isto é, há uma dupla determinação e,
portanto, sentidos diferenciados quanto ao valor explicativo.
Pode-se dizer que existe um sentido estrito e um sentido geral, mais amplo.
Segundo Lefebvre (1973, p. 79-80):
“a dupla acepção do termo decorre de que ‘os homens’ em sociedade produzem ora coisas (produtos), ora obras (todo o resto). As coisas são enumeradas, contadas, apreciadas em dinheiro, trocadas. E as obras? Dificilmente. Produzir, em sentido amplo, é produzir ciência, arte, relações entre seres humanos, tempo e espaço, acontecimentos, história, instituições a própria sociedade, a cidade, o Estado, em uma palavra: tudo. A produção de produtos é impessoal; a produção de obras não se compreende se ela não depende de sujeitos”.
Mesmo encontrando-se o conceito de produção além da materialidade, a
categoria central que o fundamenta é a categoria Trabalho. Na concepção de
Marx, o conceito de Trabalho pode ser entendido como aquele ligado à
atividade teleológica de transformação da natureza e como síntese inseparável
da natureza objetiva, circundante, e a natureza subjetiva do homem.
O trabalho constitui o princípio gerador do homem e não apenas uma atividade
produtiva, mas de constituição de uma natureza objetiva e de um horizonte de
apreensão e transformação da realidade. O conceito apresenta dupla
dimensão: a de transformação da natureza e de constituição de objetos, estes
trazem o momento da objetividade de sua produção28.
Para Lefebvre (2001, p. 37- 39)” a produção envolve não somente o sentido
econômico do termo, mas o sentido da filosofia inteira: produção de coisas
(produtos) e de obras, de idéias e de ideologias, de consciência e de
conhecimento, de ilusões e de verdades”.
28 A análise esboçada até aqui procura apresentar, em parte, a interpretação e a compreensão do conceito do Trabalho. Deve-se buscar, sobretudo na obra original de Marx, os fundamentos de tal problemática. Para ampliar a compreensão da categoria Trabalho o autor de O Capital procura esclarecer, inicialmente, os conceitos de mercadoria, trabalho abstrato, trabalho concreto, valor de uso e valor de troca.
70
Porém, diz o autor, “quem diz produção diz também reprodução, ao mesmo
tempo, física e social: reprodução do modo de vida”. Neste sentido, a produção
misturada à atividade material e ao mercado de trabalho constitui a linguagem
da vida real (LEFEBVRE, 2001).
A categoria trabalho, na visão de Lefebvre, estabelece, em princípio, uma
forma de analisar e entender a sociedade, o Estado, o capital, o poder, a
produção e as relações espaço/sociedade. O trabalho enquanto categoria de
análise não se reduz a exploração apenas da natureza objetiva das condições
materiais e imateriais da produção em geral, mas a compreensão do que está
além da exteriorização da ideologia e da objetivação das formas concretas, o
que conduz à compreensão da própria gênese cultural do homem. O homem
histórico, neste caso, resulta do seu próprio trabalho. Marx explicita, no início de seus estudos que a mercadoria, configuração
específica do movimento do capital, aparece-lhe como duas coisas: como valor
de uso e valor de troca, e que, mais tarde, verificou-se que o trabalho comporta
duplo sentido, pois quando se expressa como valor de troca não agrega mais
as mesmas particularidades que lhe pertenciam como gerador de valor de uso.
Desse modo, referindo-se à mercadoria, Marx afirma que o que faz uma
determinada coisa possuir um valor de uso é a sua utilidade; o trabalho útil,
dessa forma, é aquele cuja utilidade se patenteia no valor de uso do seu
produto ou cujo produto é um valor de uso. Sob esse ângulo de interpretação, o
trabalho sempre estará associado ao seu efeito útil. Neste sentido, o trabalho
que produz valores de uso é de natureza qualitativa, portanto, com
características específicas. Este tipo de trabalho Marx denomina de trabalho
concreto.
Ao compreender a materialização do trabalho deve-se então, pensar o espaço
como contendo uma dupla dimensão: o espaço como valor de troca e como
valor de uso. Neste aspecto, Lefebvre argumenta (apud GOTTDIENER, 1993,
p. 127)
71
“que o espaço possui múltiplas propriedades num plano estrutural. É ao mesmo tempo um meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço. Como propriedade, as relações sociais podem ser consideradas parte das relações sociais de produção, isto é, a base econômica. Além disso, o espaço é um objeto de consumo, um instrumento político, e um elemento na luta de classes”.
Os conceitos de trabalho e de produção apresentam características distintas se
considerados a partir da práxis e do conflito social que os colocam em
movimento. O espaço social produzido por essas relações contém, em sua
formação, a dialética das relações sociais.
Para analisar mais de perto a intenção de Lefebvre neste aspecto, deve-se
buscar os argumentos na abordagem do próprio autor a respeito da produção
do espaço, indicados nas referencias desta tese.
O espaço da racionalidade, da produção e da reprodução, da ideologia, do
poder e, também das possibilidades de superação dos conflitos e contradições
internas das relações capital-trabalho é, na acepção do autor, o espaço urbano.
A cidade, segundo Lefebvre (2001, p. 85), retrata com clareza a dupla
dimensão do conceito de produção. Em primeiro lugar, diz o autor, a cidade “é
o lugar onde se produzem as obras diversas, inclusive aquilo que faz o sentido
da produção: necessidades e prazeres”.
Em segundo lugar, concentra funções ligadas à distribuição e ao consumo dos
bens produzidos e ainda agrega mediações de convergências entre o
movimento da totalidade e suas partes.
No conjunto da obra de Lefebvre, a cidade adquire um valor conceitual de
extrema relevância para fundamentação teórica da concepção da produção do
espaço e da reprodução das relações sociais. A cidade revela, em certo
sentido, a unidade das relações capital-trabalho e da história da aventura
humana no domínio sobre a natureza.
72
De acordo com o autor, a cidade “é um espaço, um intermediário, uma
mediação, um meio, mais vasto dos meios, o mais importante. A transformação
da natureza e da terra implica um outro lugar, um outro ambiente: a cidade”
(LEFEBVRE, 2001, p. 85-86). 3.2 - REDES SOCIAIS, TRABALHO E PODER. Refletir sobre o conceito de redes e todas as suas possibilidades de
interpretações e definições traz para a discussão ora apresentada a
necessidade de resgatar a concepção da sociedade em rede, ou sociedade
informacional, como foi formulada por Castells (2003), segundo a qual a
sociedade contemporânea é caracterizada pela predominância da forma
organizacional da rede em todos os campos da vida econômica e sociocultural.
Castells (2003) chama esse novo formato de estabelecimento de relações
sociais de sociabilidade, que segundo o autor, permite a formação de
comunidades, grupos humanos constituídos a partir de identidades construídas
na esteira de interesses comuns. Conforme a interpretação desse autor, os
grupos sociais mais poderosos adaptam-se de maneira cada vez melhor às
novas condições da sociedade informacional, permeada por fluxos e redes de
comunicação-informação, utilizando as novas potencialidades abertas à
globalização e pelo acesso às novas tecnologias de informação e
comunicação.
A realidade identificada nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do
Casado, no tocante a organização e configuração das redes sociais e de poder
no território, contrastam fortemente com a situação acima considerada, uma
vez que é possível observar os setores sociais mais fragilizados da sociedade,
contrapostos aos setores dominantes, particularmente no nível comunitário dos
países em desenvolvimento. Nesse contexto, as redes sociais surgem,
navegando contra a corrente hegemônica da globalização e reinventando
73
novas formas de democratização e de construção da cidadania nos níveis
local, nacional e global29
No atual contexto de discussão, as redes sociais despontam como um recurso
que permite o avanço dos projetos territorializados que contam com a
participação ativa das populações locais com o objetivo de promover a
cidadania, a democratização e a construção de uma nova realidade social.
Segundo Martins (2004), esse recurso valoriza a força da associação entre os
homens, ocasionando o aparecimento de movimentos coletivos e espontâneos.
No tocante a realidade dos pescadores artesanais, a aproximação das
necessidades do grupo frente às intervenções em seus modos de vida
impostos pelo Capital demonstra que a rede social existente poderia sair
fortalecida, se a identidade do grupo prevalecesse frente aos interesses de
uma minoria.
Em contraposição com a discussão de território, as redes qualificam o espaço,
interferindo na forma como este território está organizado. Segundo Castells
(2003:35), “o espaço não pode ser definido sem referência às práticas sociais”,
o espaço é o lugar da luta, da resistência, onde aparecem as dificuldades das
populações. O que qualifica o espaço são as interconexões existentes na
sociedade.
De acordo com Castells:
Os principais processos dominantes em nossa sociedade são articulados em redes que ligam lugares diferentes e atribuem a cada um deles um papel e um peso em uma hierarquia de distribuição de riqueza, processamento de informações e poder, fazendo que isso,condicione o destino de cada local. (2003:439)
29 Para subsidiar este tópico, além dos autores citados nas referências no final da tese, utilizou‐se o artigo: UM ESTUDO DAS REDES SOCIAIS QUE NASCEM A PARTIR DO TRABALHO COOPERATIVO NO NORTE DE MINAS, de Percio Vidal de Souza Mota, Mestrando em Educação Tecnológica – CEFET‐MG, 2004.
74
A análise das redes está focada na relação entre os sujeitos, considerando que
através dessas relações e das situações criadas, eles se posicionam com mais
flexibilidade na vida social, diferente da análise que leva em conta
individualidade de cada um, com suas características pessoais, atributos e
discursos.
Para Milton Santos (2003) as redes podem ter definições e conceituações
diversas, mas é possível agrupá-las em duas grandes matrizes. A primeira é
aquela que considera o seu aspecto, sua realidade material, toda a sua infra-
estrutura instalada. A segunda leva em conta, também, o dado social, as
pessoas, as mensagens e os valores presentes nas relações dos elementos
presentes na rede.
As redes são formadas por quantidades e qualidades instaladas em diversos
momentos. Portanto é possível considerar a existência de produção e vida nas
redes, já que através delas é possível favorecer a “fluidez para a circulação de
idéias, mensagens, produtos ou dinheiro, interessantes aos atores
hegemônicos.” (Santos, 2003:274).
Conforme Santos (1996), o mundo atual exige cada vez mais fluidez (para a
circulação de idéias, mensagens, produtos, dinheiro etc.), o que interessa
enormemente aos atores hegemônicos. A base para que isso possa ocorrer
estaria, para o autor, nas redes técnicas, “que são um dos suportes da
competitividade”. Com a fluidez sendo simultaneamente causa, condição e
resultado (SANTOS, 1996: 218). Ou seja, temos um espaço de fluxos
“constituído por redes – um sistema reticular –, exigente de fluidez e sequioso
de velocidade” (SANTOS 2000: 106).
O autor citado enfatiza que os objetos e os lugares são criados para dar mais
força a fluidez, os objetos “transmitem valor às atividades que deles se utilizam.
Nesse caso, podemos dizer que eles "circulam". É como se, também, fossem
fluxos” (p. 218). Santos (1996) trabalha com a idéia de virtualidade das redes.
As redes são virtuais e ao mesmo tempo são reais. Para ele, “a primeira
75
característica da rede é ser virtual. Ela somente é realmente real, realmente
efetiva, historicamente válida, quando utilizada no processo da ação” (p. 220).
Assim sendo, as redes sociais articuladas com o poder público têm um papel
fundamental e indispensável nos processos de desenvolvimento social. É a
forma de articulação dessas redes que vai dar sentido às ações comunitárias,
cujos sujeitos são agentes do seu próprio desenvolvimento.
Millton Santos aprofunda a discussão e afirma que a técnica apresenta-se ao
homem comum como um mistério e uma banalidade. De fato, continua o autor,
a técnica é mais aceita do que compreendida. Como tudo parece dela
depender, ela se apresenta como uma necessidade universal, uma presença
indiscutível, dotada de uma força quase divina à qual os homens acabam se
rendendo sem buscar entendê-la. É um fato comum no cotidiano de todos, por
conseguinte, uma banalidade, mas seus fundamentos e seu alcance escapam
à percepção imediata.
Daí o seu mistério. Tais características alimentam o imaginário dos homens alicerçado nas suas relações com a ciência, na sua exigência de racionalidade, no absolutismo com que, ao serviço do mercado, conforma os comportamentos; tudo isso fazendo crer na sua inevitabilidade. (SANTOS, 2001, p.45)
Para Milton Santos, se os atuais sistemas técnicos são inevitáveis e invasores,
sua capacidade de invasão tem limites. Esses limites são dados pela divisão do
trabalho e pelas condições de criação e densidade. Quanto mais forte numa
área, é a divisão do trabalho, tanto mais há tendência para que esses sistemas
técnicos hegemônicos se instalem. “Nesses lugares, é mais eficaz a ação dos
motores da economia mundializada, que incluem as instituições
supranacionais, as empresas e os bancos multinacionais”. (SANTOS, 2004,
p.179).
O domínio do capital impõe a técnica enquanto base do processo de
globalização e seu domínio sobre o ser humano. Daí pode-se compreender o
imenso fosso entre a lógica da acumulação versus a fragilizada distribuição de
76
renda, que comporta um dos problemas fundamentais do desenvolvimento
socioeconômico.
Na fase atual de globalização, o uso das técnicas conhece uma importante
mudança qualitativa e quantitativa. Migra-se de um uso ‘imperialista’ que era
também, um uso desigual e combinado, segundo os continentes e lugares, a
uma presença obrigatória em todos os países dos sistemas técnicos
hegemônicos, graças ao papel unificado das técnicas de informação (SANTOS,
2001, p.52).
Desse modo, a construção do território possui, enquanto conteúdo, a técnica e,
por conseqüência, a cidade também a possui. As diferenças nos processos de
urbanização historicamente construídos traduzem não mais a cidade como
produto cultural, mas como um produto técnico. Percebe-se, portanto, um
significado social, político e econômico na elaboração dos sistemas técnicos.
De acordo com Milton Santos (2004), são estes significados que possibilitam
diferentes incorporações técnicas no ambiente urbano, tornando-o mais ou
menos apto às exigências da globalização. As redes viárias, os sistemas de
comunicação, os fluxos financeiros e produtivos, os deslocamentos entre
diferentes pontos do espaço são respostas espaciais aos processos de
especialização e divisão social do trabalho.
Portanto, há uma transformação do território com as novas presenças técnicas.
Novas especializações geram novas espacializações produtivas. Para
SANTOS (2004, p. 30): “isto implicaria ir além da pura informática e obrigaria a
ver o conjunto de técnicas, presentes e passadas, na conformação do território,
através de um processo de desenvolvimento desigual e combinado”. A cidade
é a representação do fenômeno técnico e o fenômeno técnico se apresenta
tendencialmente de forma desigual nas diferentes sociedades (LENCIONI,
2003).
Vale observar que estas transformações locais não são automáticas e a
incorporação do espaço não se dá de forma homogênea. Para Bernardes
77
(2001, p.241): “se a mudança técnica incide diretamente sobre o espaço, este,
em sua condição física ou social, pode oferecer resistência e constituir um fator
condicionante.” Desse modo, verificam-se possíveis resistências internas, bem
como estratégias de recuperação diante das crises que surgem neste
processo. Há desse modo o que Milton Santos caracteriza como resposta local
ao processo de globalização.
A fim de se abordar a noção de competitividade ante às mudanças territoriais e
industriais atuais, torna-se necessário uma análise prévia do conceito de
território à luz de tais processos citados.
As mudanças econômicas e técnicas ocorridas ao longo do capitalismo foram
aprofundando as relações campo-cidade e reduzindo essa distância entre os
dois espaços e os fenômenos a eles relacionados. Na América Latina esse
processo se acentua de fato a partir da década de 1960, com os avanços da
Revolução Verde, acelerando-se exponencialmente nas décadas seguintes,
marcadamente com a constituição do que o geógrafo brasileiro Milton Santos
chamou de meio técnico-científico-informacional. Essas mudanças
promoveram o fortalecimento do poder das cidades de comandar a
organização de vastos territórios, neles incluídos os espaços rurais, cada vez
mais subjugados pelo vigor do fenômeno urbano.
Santos (2004, p. 75-76) ressalta a importância de se reconhecer o território
como uma unidade espacial de trabalho, dando o exemplo das regiões
produtivas. Desse modo, o território é uma unidade espacial constituída por
frações diversas, que funcionam a partir de demanda de vários níveis, do local
até o mundial e estão articuladas através de fluxos criados e mantidos pelas
atividades, população e herança espacial.
Na concepção de Santos (1996) para entender a dinâmica do território e o
processo de urbanização é preciso pensá-los como processo, forma, conteúdo
e função. Nessa linha, tratamos da urbanização compreendida como um
processo por entender que esta decorre de um contexto de desenrolar histórico
78
e está ligada a diferentes acontecimentos da história não só nacional como
global.
Segundo Santos (1996), a divisão do trabalho é, em geral, abordada como
divisão territorial do trabalho, justamente por que, como geógrafo, este sempre
esteve preocupado com uma abordagem que inserisse o espaço como
variável, entendendo que os processos ocorrem transformando o espaço e que
o próprio espaço pode influenciar nos processos.
Portanto, os usos do território constituirão a especialidade destes em um dado
tempo. Estes períodos de especialização vão impor diferenciações nas
relações da sociedade em construção no espaço. Com isso, as cidades vão se
estruturando com funções produtivas diferentes.
Para Santos (2008a), quanto mais intensa a divisão do trabalho, mais cidades
surgem e mais diferentes são umas das outras. Pois, a força da divisão do
trabalho, da sua especialidade chama novas áreas a participar e cooperar para
reforçá-la, assim as cidades vão sendo cooptadas para realizar determinadas
funções, em geral, diferentes umas das outras, o que vai moldando um cenário
regional de especialização em que cada cidade cumpre uma parte da
produção.
79
4 A PESCA
A pesca é uma das atividades mais antigas exercidas pelo homem em período
anterior ao Neolítico. O importante a se ressaltar nessa rápida história é o
conhecimento acumulado pelos pescadores durante esses vários séculos
sobre o comportamento das espécies capturadas, a época de sua reprodução
e a concentração de cardumes (DIEGUES, 2004).
De acordo com Fabris (1997), mais da metade da população brasileira vive a
menos de 60 quilômetros das águas costeiras. A ocupação da zona costeira
deve-se principalmente à facilidade de acesso aos portos, às suas belezas
naturais, à facilidade de transporte e, especialmente à grande produção
biológica nos seus diversos ecossistemas. Estes ecossistemas, quando
controlados naturalmente, têm se mostrado altamente produtivos e
ecologicamente importantes, como é o caso de ilhas costeiras, desembocadura
de rios, costões rochosos, enseadas e áreas protegidas.
Segundo Borghetti (2000), a pesca e aqüicultura brasileiras são atividades
importantes na produção de proteína para a população, bem como de
estratégia da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e de geração de
tecnologias limpas para a produção e incremento da aqüicultura de organismos
aquáticos. A sustentabilidade dos recursos pesqueiros nas bacias hidrográficas
depende da adoção de alternativas que considerem os aspectos sociais,
econômicos, tecnológicos e ambientais de forma integrada, bem como o
equilíbrio entre a necessidade e as limitações, estabelecendo o princípio da
economia ecológica.
4.1 PESCA ARTESANAL, PESCA INDUSTRIAL NACIONAL
O presente capítulo trata dos aspectos gerais da pesca nacional, mostrando
sua importância enquanto fonte produtora de alimento para a população.
80
O Trabalho procura enfocar a pesca industrial e artesanal brasileira e
particularizar a pesca praticada em Alagoas, com ênfase nas comunidades que
praticam a pesca artesanal e também o cultivo do peixe em tanques-redes,
como alternativa “dada” pela política de desenvolvimento local.
Os indígenas do Brasil, como é de todos sabido, viviam da caça e da pesca.
Em 1558, o Frei André Thevet, em sua obra "Singularidades da França
Antártica", cita a presença de alguns peixes que aqui viu e do modo de pescar
dos selvagens, que o faziam com arco e flecha do tipo sararaca, além de
outros meios. Curioso é o que diz Thevet da pesca da albacora pelos índios:
"mas os pescadores fazem, de certo pano, peixinhos brancos, que arrastam à
tona d'água, à maneira de iscas, conseguindo assim, quase sempre pescá-los"
(apud SANTOS, 1977, p. 18). É como é chamada hoje pesca de corço, com
isca artificial.
Segundo Silva (1988), o peixe representou saliente papel em nossa economia
colonial. Os poderes públicos cuidaram do assunto um tanto vagamente, sem
persistência nem continuidade. Em 1591, em São Paulo, foi proibido que se
fizessem pescarias ao longo do rio Tamanduateí usando o tinguí, uma das
plantas tóxicas de que então se abusava, impondo-se penas de quinhentos réis
por pessoa que se achasse utilizando tal produto. Em 1598, estendia-se a
mesma proibição a todos os ribeiros e rios existentes dentro da vila.
A pesca alimentou o índio e os brasileiros que se multiplicavam, mas isso ao
acaso, sem organização de espécie alguma, durante o longo período colonial.
Depois da Independência, isto é, durante o Império, vagamente se tratava do
assunto. A primeira lei em relação à pesca foi em 1846, através do decreto
447, o qual só permitia o exercício da pesca aos pescadores matriculados, com
as embarcações arroladas, numeradas e marcadas com letras no costado e
nas velas.
Pelo decreto 8.388, de 17 de dezembro de 1881, tentou-se uma verdadeira
regulamentação da pesca, dividindo-se o Brasil em três grandes zonas de
pesca. Proibiram as cercadas, os tapumes ou quaisquer aparelhos que
81
impedissem a passagem do peixe, o uso de substâncias tóxicas, bem como a
pesca com dinamite. O decreto, muito sábio, previa o repovoamento das águas
e proibia os instrumentos nocivos a ela, inclusive as redes de arrastão.
A Convenção de Haia, em 1882, dava aos brasileiros o direito exclusivo da
pesca em águas territoriais. Em 1934, foi criado o Código de Pesca, passando
essa atividade a ser observada de maneira mais objetiva, do ponto de vista
operacional e econômico. O Código caracterizou os diferentes meios aquáticos,
os pescadores passaram a ser considerados como profissionais e tudo isso
mereceu amparo legal; foram previstos também outros aspectos, como
repovoamento e defesa das águas interiores30, comércio do peixe vivo, entre os
demais. A partir daí, outros adendos foram introduzidos à lei básica, com o
objetivo de oferecer condições para o desenvolvimento dessa atividade mas,
só na década de 60 foram explicitadas as primeiras políticas para a pesca.
A extensão do litoral brasileiro é de aproximadamente 8.400 km, estendendo-
se desde o Cabo Orange (5°N) até o Chuí (34°S), sendo a maior parte situada
nas regiões tropicais e subtropicais. Tais condições contribuem para a
existência de uma vasta gama de recursos pesqueiros, porém, em sua maior
parte, com baixa biomassa por estoque, apesar de apresentarem significativo
valor econômico nos mercados internacionais e para o abastecimento interno.
A produção pesqueira do País praticamente dobrou entre 1970 e 1986,
crescendo de 526.292 toneladas para mais de 1 milhão de toneladas, o que
corresponde a uma taxa de crescimento médio anual de 4,1% (NEIVA,1990,
p.13). Porém, segundo afirma o relatório do governo brasileiro para a
Conferência Rio-92 (BRASIL, 1991, p. 121), a produção pesqueira brasileira no
30 Do ponto de vista da Lei do Mar, consideram-se águas interiores os mares completamente fechados, os lagos e os rios, bem como as águas no interior da linha de base do mar territorial. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982.
82
início dos anos 90 vinha apresentando decréscimos significativos; isto é
confirmado pelos dados que Dias Neto (1996) apresenta, estes demonstram
uma leve estabilização a partir de 1997 (estimativas do IBAMA e IBGE,1998) 31.
A costa marítima do Brasil apresenta um potencial pesqueiro significativo,
apesar de sua exploração acontecer de maneira indevida, ocasionando o
comprometimento de importantes estoques, através da sobrepesca de
espécies de maior valor comercial (DIEGUES, 2004).
Em contrapartida, a pesca continental foi e continua a ser menos explorada e
marginalizada nas políticas para o setor pesqueiro; julgaram-na fadada ao
desaparecimento no projeto de modernização da atividade pesqueira,
deflagrado a partir de 1960, com o incentivo à industrialização do País (IBAMA,
2008).
A atividade pesqueira do País vinha sendo desenvolvida, desde os tempos
antigos, na forma de pesca artesanal para o auto-consumo, realizada com
equipamentos relativamente simples; nos anos 60, surgiu, paulatinamente,
incentivada pelo Governo Brasileiro, a pesca industrial, e, ao mesmo tempo,
embora com menos dinâmica, a aqüicultura.
Enquanto a pesca artesanal assumiu gradativamente a função de abastecer o
mercado nacional, participando atualmente com 50 a 60% da produção total,
uma boa parte da pesca industrial se dirigiu, desde o início, à exportação de
espécies nobres, sobretudo crustáceos, alcançando entre 40 a 50% da
produção total, utilizando recursos tecnológicos mais modernos
(DIEGUES,2004).
A aqüicultura, por sua vez, destinou-se, no início, ao peixamento32 em açudes e
barragens, produzindo sobretudo para o interior do País, e, no passado mais
31 Fontes: IBAMA/IBGE e Instituto de Pesca/SP apud Dias Neto, 1996 (Período de 1975 a 1989).IBAMA/IBGE apud CEPENE/ IBAMA, 1998 (Período de 1991 a 1997). 32 Introdução de filhotes de peixes(alevinos) em açudes ou rios.
83
recente, a carcinocultura, objetivando a exportação; ultimamente ela destina-se
à diversificação da atividade do pequeno produtor rural.
Para Diegues (2004) existem duas possibilidades para a exploração da
aqüicultura como fonte de recurso: a produção em território continental ou a
produção marítima. Para a realidade brasileira atual, 69,7% da produção é
proveniente da primeira forma de produção, com projeções que apontam para
uma tendência ao crescimento. Sua preferência é decorrente da disponibilidade
de grandes extensões de terra passiveis de serem destinadas ao cultivo; a
abundância de água doce e limpa; a boa adaptabilidade das espécies
destinadas à criação.
4.1.1 Dados atuais da Produção Pesqueira no Brasil
No Boletim intitulado: Estatística da Pesca Brasil – 2007, divulgado pelo
Ministério do meio Ambiente em dezembro de 2007, o IBAMA apresenta
informações sobre a produção pesqueira nacional em toneladas e valores em
reais (Regiões e Unidades da Federação) referentes à pesca extrativa e
aqüicultura (marinha e continental) e balança comercial brasileira de produtos
pesqueiros, no ano de 2007.
Os dados estão agrupados em tabelas e contemplam informações sobre os
desembarques de pescado e produção da aqüicultura (peixes, moluscos,
crustáceos e anfíbios), além das exportações e importações de pescado por
espécie e tipo de produto, com os correspondentes pesos e valores, e um
glossário dos nomes científicos e populares.
A maioria dos dados referentes à pesca extrativa marinha foi gerado pelas
Superintendências Estaduais do IBAMA e contando com a participação efetiva
dos Centros Especializados de Gestão de Recursos Pesqueiros do ICMBIO:
CEPNOR, CEPENE, CEPSUL, CEPERG e SEAP/PR, por meio do convênio
SEAP/IBAMA/PROZEE e complementadas com dados e informações
fornecidas por diversas Instituições em todo o País.
84
Os dados da pesca extrativa continental, da maricultura e da aqüicultura
continental foram produzidos, principalmente, pelas Secretarias Estaduais de
Agricultura, Federação de Pescadores, Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas – DNOCS, Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba – CODEVASF, Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural – EMATER, Superintendências do IBAMA e por outras
Instituições Nacionais que atuam no setor pesqueiro.
A divulgação oficial dos dados estatísticos no Brasil é atribuição legal do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Até 1989, esse órgão
publicava a Estatística da Pesca com os dados da produção pesqueira
nacional, por espécie e modalidade de pesca, para todos os Estados da
Federação.
A partir de 1990, o processo de divulgação desses dados foi interrompido, em
decorrência de problemas financeiros e operacionais daquele Instituto. Tal fato
resultou em profunda lacuna de informações oficiais sobre a pesca,
comprometendo todo o processo de tomada de decisões relativas ao
ordenamento, conservação e desenvolvimento do processo de gestão da
pesca.
A estimativa da produção pesqueira nacional para o período de 1990 a 1994
foi elaborada pelo IBAMA, utilizando como metodologia apenas o cálculo das
médias aritméticas dos desembarques de pescado obtidos de dados pretéritos
da produção apresentados pelo IBGE no período de 1986 a 1989, aos quais foi
agregada à produção das principais espécies de pescado acompanhadas pelos
Grupos Permanentes de Estudo do IBAMA, Projeto ESTATPESCA na Região
Nordeste do Brasil e Instituto de Pesca, CEPSUL e CEPERG no litoral sudeste-
sul.
A partir de 1995, o IBAMA vem promovendo o aprimoramento do sistema de
consolidação da estatística pesqueira nacional. Essa iniciativa tem reunido
importantes Programas de geração de dados: ressaltando-se o Projeto
85
ESTATPESCA desenvolvido pelo CEPENE em todos os Estados do Nordeste
e no Estado do Pará, pelo CEPNOR e o Sistema de Estatística Pesqueira
(controle de desembarque) da frota industrial e artesanal, executados pelo
CEPSUL, CEPERG, Instituto de Pesca do Estado de São Paulo e Secretaria
Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República-
SEAP/Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, nas regiões Sudeste e Sul.
Em 2007, a estatística pesqueira marinha recebeu um suporte financeiro da
SEAP/PR, com o advento do Convênio SEAP/PR/IBAMA/PROZEE, até o mês
de junho. Sob a coordenação do CEPENE, CEPNOR, CEPSUL e do CEPERG,
a metodologia do ESTATPESCA foi implantada um Projeto Piloto em todos os
estados costeiros da região Sudeste/Sul, com exceção do estado de São
Paulo.
Entretanto, em alguns Estados ainda é incipiente o monitoramento da produção
pesqueira desembarcada da pesca continental e da aqüicultura, sendo
fundamental o desenvolvimento de um projeto nacional de estatística
pesqueira, contando com a participação das diversas Instituições que operam
junto ao setor, com vistas a proporcionar os subsídios adequados na gestão do
uso sustentável dos recursos pesqueiros.
Os dados básicos de produção utilizados no boletim, relativos à pesca extrativa
marinha, foram obtidos pelos sistemas de controle de desembarque, mapas de
bordo, relatórios de produção fornecidos por empresas de pesca e amostragem
estatística. Esses sistemas, no momento, apresentam deficiências que residem
basicamente no insuficiente número de coletores de dados, falta de
compromisso do setor produtivo no fornecimento das informações e ausência
de uma política institucional integrada voltada à geração da estatística
pesqueira nacional.
Para a pesca extrativa continental as informações foram obtidas de diversas
fontes, que utilizaram sistemas próprios de geração de dados. Em alguns
casos, a produção estadual foi obtida a partir do agrupamento dos dados de
mais de uma fonte. As informações do DNOCS, que controla os açudes
86
públicos federais do Nordeste, da CODEVASF sobre a produção do Vale do
Rio São Francisco e da CHESF nos reservatórios das hidroelétricas de sua
responsabilidade.
Em outros locais, onde não há coleta de informações sistematizadas,
utilizaram-se visitas técnicas de avaliação da produção pesqueira. Com
referência a maricultura, as informações da carcinicultura foram obtidas da
Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC e da Empresa de
Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI, que
controla a produção de moluscos em Santa Catarina e pelas Superintendências
do IBAMA.
As informações sobre a aqüicultura continental foram estimadas a partir dos
dados fornecidos, principalmente, pelas das Secretarias Estaduais de
Agricultura, EMATER, EPAGRI, DNOCS e Bahia Pesca, complementados por
informações obtidas das Superintendências do IBAMA.
As informações sobre a Balança Comercial Brasileira de Produtos Pesqueiros
foram obtidas do banco de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior e foram processadas e analisadas pela equipe da
CGFAP/IBAMA.
Para ilustração deste tópico, foram utilizados os gráficos mais relevantes para o
tema da tese, no tocante a pesca e aqüicultura de água doce, intitulada
aqüicultura continental, que são apresentados e analisados a seguir.
Os principais mercados importadores dos produtos pesqueiros brasileiros são
apresentados nas Figuras 2 e 3. O Brasil, em 2007, exportou para 83 países,
realizando um feito significativo, uma vez que conquistou 15 novos mercados.
Os Estados Unidos permaneceram na primeira posição e teve sua participação
relativa aumentada em 1,61%. Suas compras concentraram-se, principalmente,
em lagosta (US$ 74,3 milhões), outros peixes frescos/refrigerados (US$ 12,4
87
milhões) e pargos congelados (US$ 5,9 milhões), que representaram 80,9%
das nossas exportações dirigidas àquele mercado.
A França passou a ser o segundo maior importador dos produtos pesqueiros
brasileiros, sendo o camarão (US$ 37,3 milhões) responsável por 63,4% das
compras feitas ao Brasil. Teve sua participação estabilizada em torno de 19%
das vendas totais efetuadas pelo nosso país; a Espanha teve sua participação
reduzida em 7,07%, passando para o terceiro comprador dos nossos produtos,
destacando-se como um dos principais importador de camarão do Brasil (US$
15,8milhões).
Figura 2 - Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura. 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.
Portugal, o quinto principal comprador das exportações, despendeu US$ 3,3
milhões na importação de camarão e US$ 1,8 milhão em peixes
frescos/refrigerados e, por último, o Japão importou preferencialmente camarão
(US$ 5,5 milhões), diminuiu a sua participação de 4,28% em 2006 para 2,87%
em 2007. Verificou-se, pois, que os países referenciados acima somaram
88
80,88% das vendas do país ao exterior. Isso demonstra que, embora o Brasil
tenha exportado para 83 países (em 2006 foram 68 países), os principais
mercados hoje existentes concentraram-se em poucos produtos, como indicam
as Figuras 3 e 4.
Figura 3 - Principais mercados importadores de pescado 2006 – 2007
Fonte: IBAMA, 2007
Os dados da figura 3 evidenciam que: houve uma redução de 2,4% na
participação do principal fornecedor em relação a 2006, embora tenha
aumentado suas vendas ao Brasil em US$ 25,8 milhões.
Comprou-se da Noruega, basicamente, bacalhau (US$ 173,5 milhões),
representando esse produto 98,16 % da pauta dirigida ao Brasil; o Chile
aumentou suas exportações em US$ 19,7 milhões, porém, teve sua
participação reduzida em 1,05%, mantendo o segundo lugar como fornecedor
de pescado ao país, destacando-se o salmão (US$ 76,6 milhões) e outros filés
congelados (US$ 19,2 milhões); a Argentina passou para a terceira posição,
concentrou suas vendas ao país em filés de merluzas congelados (US$
66,8milhões), o que representou mais da metade das importações desse
mercado.
89
Figura 4 - Principais fornecedores de produtos pesqueiros para o Brasil – 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.
Portugal preservou sua posição no ranking, vendeu ao Brasil US$ 41,3 milhões
de bacalhau, montante esse 33,3% superior ao negociado em 2006; o Uruguai
incrementou suas vendas ao Brasil no montante de US$ 13,8 milhões, passou
a ocupar o quinto lugar no ranking, sendo o esqualos congelados seu principal
produto vendido ao nosso país (US$ 15 milhões) e, finalmente, o Marrocos que
caiu para a sexta posição no ranking, contribuindo com 3,15% nas compras
totais efetuadas pelo nosso país.
A sardinha congelada (US$ 17,5 milhões) representou 98,97% das importações
bilaterais.
Verifica-se que as compras brasileiras de pescado no exterior, em
fornecedores não tradicionais, aumentaram em US$ 21,5 milhões, apesar do
número de países com os quais foram efetuadas as importações não ter sofrido
alterações significativas.
Figura 5 – Principais fornecedores de pescados ao Brasil, 2006 - 2007.
90
Fonte: IBAMA,2007.
As figuras 6 e 7 apresentam os principais estados exportadores de pescado. O
Rio Grande do Norte, em 2007, passou a ser o principal estado exportador,
sendo responsável por 17,97% (US$ 55,8 milhões) das exportações globais do
setor pesqueiro. O volume exportado representou 27,42% da produção total do
estado (51.326t).
Figura 6 - Principais estados brasileiros exportadores de Pescado. Fonte: IBAMA, 2007.
91
As exportações do Ceará, em 2007, tiveram uma queda expressiva em termos
de valores (US$ 38,01 milhões); As vendas ao exterior representaram 7,99%
da produção estadual pesqueira (76.444,5t), enquanto que, em 2006, o estado
em referência destinou 21,78% da sua produção pesqueira ao mercado
externo. Denotou-se, ainda, que dos onze principais estados exportadores
listados, quatro são da região Nordeste, responsáveis por 53,99% das
exportações totais de pescado.
Figura 7 – Estados brasileiros exportadores de pescado 2006-2007.
Fonte: IBAMA,2007.
A Figura 8 apresenta os principais estados importadores de produtos
pesqueiros. O estado de São Paulo, de longe, permanece com a primeira
posição, respondendo com mais da metade (58,98%) das compras efetuadas
pelo Brasil no exterior. Com relação a 2006, Verificou-se que as importações
em 2007, efetuadas pelo estado de São Paulo, sofreram aumento de US$ 61,2
milhões, como indica a figura 8. Constatou-se, também, que o volume
importado (85.291t) foi superior à produção pesqueira desse estado (67.095t),
fato esse parcialmente explicado pela concentração dos grandes distribuidores
das redes de supermercados.
92
Figura 8 – Principais estados brasileiros importadores de pescado 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.
Merece registrar, ainda, que, a exemplo de 2006, as compras no exterior
efetuadas por Santa Catarina continuaram aumentando significativamente. Em
2007 tiveram um incremento de US$ 14,3milhões, conforme demonstram os
dados na Figura 9. Com relação aos estados do Paraná e Espírito Santo mais
que dobraram suas compras efetuadas no exterior. Os demais não
apresentaram mudanças significativas.
Figura 9 – Principais estados exportadores de pescado 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007
93
A Figura 10 mostra a tabela que compara os valores de produção das duas
modalidades nas diferentes regiões do país enquanto a Figura 11 apresenta
uma análise temporal da produção. Ambas foram referenciados em trabalho de
estatística do IBAMA (2008).
Figura 10. Produção pesqueira em toneladas estimada e participação relativa da pesca extrativista e da aqüicultura.(IBAMA,2008).
Observa-se a ausência de dados referentes a pesca Industrial nos municípios
de Alagoas, Sergipe e Bahia, no ano de 2008. De acordo com o IBAMA, uma
94
falha do sistema de cadastro e envio de dados não permitiu o repasse dessas
informações para a compilação total dos dados.
Figura 11. Produção Brasileira comparativa da pesca extrativa e da atividade da aqüicultura (criação em cativeiro) ao longo do tempo de 1997 a 2006 (IBAMA,2008).
A empresa de pesca ou o pescador são impossibilitados de controlar as
variáveis envolvidas com a atividade extrativista. Este aumento nos índices de
incertezas pode se reverter para fatores econômicos importantes, como
limitação ao acesso a crédito (maior o risco, menores serão as oportunidades
de financiamento). A produção manejada defendida pelos órgãos públicos e
empresas privadas a favor da aqüicultura pode induzir a produção de números
mais concretos sobre expectativa de retorno, embora não garanta a
sustentabilidade da atividade remunerada para o pescador tampouco disponha
de capacidade de absorção do contingente de pescadores artesanais existente,
não dando garantia também da sustentabilidade da comunidade frente à nova
atividade.
Ressalte-se que toda a pesca de água doce é feita em moldes artesanais. A
pesca de água doce é uma atividade tradicional em nosso país. Inicialmente
praticada pelos índios, desde a época da Colônia transformou-se em atividade
econômica importante e assim se mantém. Em muitas regiões é a única fonte
de proteína disponível às camadas mais pobres da população. A fauna de
95
peixes de água doce na América do Sul é a mais rica do mundo, principalmente
a da bacia Amazônica. Nela, até 1967 haviam sido descritas 1.300 espécies,
para um total estimado de cinco mil, perfazendo ¼ do total de espécies de
peixes existentes (PETRERE JR, 1995, p. 28).
A qualidade e o volume dos recursos pesqueiros de águas interiores não são
completamente conhecidos, devido à diversidade dos tipos de corpos aquáticos
existentes e também à falta de pesquisas sistemáticas a esse respeito.
Segundo estatística IBGE em 2005 foram produzidas 305.520 toneladas de
pescado de águas interiores, equivalentes a 24% da produção brasileira
comercializada. Esses números, entretanto, não refletem a real dimensão da
importância da pesca no contexto econômico-social das populações
interioranas. Primeiramente, devido à dispersão das pescarias e dos pontos de
desembarque, dificultando sobremaneira a aquisição de informações. Em
segundo lugar, grande parte da pesca é basicamente para auto-consumo e não
registrada no cômputo geral da produção pesqueira.
Diante disso, a pesca de águas interiores, historicamente relegada a um
segundo plano, além de sofrer problemas vultosos comuns a todas as
pescarias, sofre também de questões específicas, tais como: conflitos
territoriais (por área de pesca); conflitos entre pesca profissional e a pesca
turística, esportiva e amadora, além de grande vulnerabilidade à degradação
ambiental e insuficiência de pesquisas. Salienta-se ainda que os impactos
decorrentes da poluição, construção de barragens e dos desmatamentos
deverão intensificar-se na próxima década e, num efeito sinérgico desastroso,
poderão causar danos irreversíveis aos estoques pesqueiros (FISCHER, 2002).
A sazonalidade das capturas é, provavelmente, um dos fatores que contribuem
para a manutenção da atividade em padrões artesanais. Assim, diferenças
específicas e geográficas na migração dos peixes em resposta ao regime
hidrológico dão a base para o desenvolvimento das pescarias. Tem-se, desse
modo, um período de safra durante a vazante/seca e de entressafra durante a
enchente/cheia.
96
Outra característica relacionada à captura em águas interiores é a gama de
apetrechos e os métodos de pesca utilizados pelos pescadores, de acordo com
a época e/ou natureza do ambiente. Incluem-se, entre outros, no primeiro caso,
redes de vários tipos e tarrafas, fisga, garatéia, arpão, zagaia, espinhel e pari;
no segundo caso, batida de lanço, batuque, cortina, e paredão. Esses
elementos apresentam, em sua maioria, baixo rendimento, sendo utilizados
exclusivamente na pesca para auto-consumo.
Entre a literatura disponível, as definições e classificações sobre
pesca/pescador são as mais variadas, necessitando, portanto, de cuidados ao
inferir-se qualquer classificação, pois vai depender do critério adotado por cada
autor. A classificação mais comum refere-se à pesca/pescador industrial e
pesca/pescador artesanal.
De acordo com Rios (1976, p. 397), a pesca industrial caracteriza-se, entre
outras coisas, justamente por apresentar grandes deslocamentos em relação à
base de origem, pois os seus barcos, que contam inclusive com frigoríficos,
dispõem, portanto de grande autonomia. Esses deslocamentos chegam a
alguns casos a atingir as águas territoriais de outros países, legal ou
clandestinamente. A longa permanência fora da base de origem dificulta o
rodízio constante das tripulações, requerendo geralmente especializações
técnicas pelo manuseio do equipamento sofisticado. Predomina o regime
assalariado, permanente ou temporário.
Antropólogo e sociólogo Diegues (1995, p. 108) critica a definição de pesca
artesanal adotado pela SUDEPE (hoje IBAMA), que a define como a pesca
praticada com embarcações com menos de 20 toneladas. Tal critério gera
distorções nas estatísticas uma vez que são incluídas também embarcações da
pesca industrial. O referido autor considera pesca artesanal como aquela que
os pescadores autônomos sozinhos ou em parcerias participam diretamente da
captura, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração é feita
pelo sistema tradicional de divisão de produção em "partes", sendo o produto
destinado preponderantemente ao mercado.
97
Outra classificação é apresentada por Dias Neto (1996), que toma como critério
as seguintes características:
a) Pesca de Subsistência: exercida tão somente com o objetivo de obtenção do alimento, sem finalidade comercial e praticada com técnicas rudimentares. b) Pesca Artesanal ou de Pequena Escala: abrange tanto o segmento das atividades pesqueiras caracterizadas pelo objetivo comercial combinado com o de obtenção de alimento para a família, como o segmento representado pelas operações de pesca realizadas com finalidade exclusivamente comercial, em geral como alternativa sazonal à cultura (pescador/agricultor). c) Pesca Industrial Costeira: realizada pelo segmento de embarcações de maior autonomia, capaz de operar em áreas distantes da costa, efetuando a exploração de recursos pesqueiros que se apresentam relativamente concentrados em nível geográfico (lagostas (Panulirus spp.), piramutaba (Brachyplatystoma), sardinha (Sardinela spp.), atuns (Thunnus spp.) e afins, camarões (Penaeus spp.) e espécies demersais ou de fundo). d) Pesca Industrial Oceânica: A modalidade oceânica da pesca industrial é incipiente no Brasil e envolve embarcações aptas a operarem em toda a ZEE, incluindo áreas oceânicas mais distantes, mesmo em outros países. Constituída de embarcações de grande autonomia. e) Pesca Amadora: praticada ao longo de todo o litoral brasileiro, com a finalidade de turismo, lazer ou desporto. O produto da atividade não pode ser comercializado ou industrializado.
Para a realidade pesqueira objeto de estudo deste trabalho, adotaremos a
classificação de Dias Neto (1996), no que se refere à pesca artesanal ou de
pequena escala. Neste tipo de pesca, a produção é destinada
preponderantemente ao consumo familiar, porque só ocorre a venda quando
há excedentes ou desejo de compra de outro produto necessário à alimentação
do grupo familiar. Uma pequena parte desse contingente também utiliza a
atividade agrícola como alternativa sazonal.
Alguns autores relacionam a pesca com a atividade agrícola, como é o caso de
Maldonado (1986), a qual se refere a tal fato como "pluralismo econômico".
Esse fenômeno, além de ocorrer na pesca brasileira, aparece também em
grupos pesqueiros de vários lugares do mundo. A autora classifica o pescador
nos seguintes segmentos:
98
a) Pescador Agricultor: pesca e planta para consumir e comercializar, de forma simples, o que não lhe permite acesso a longas distâncias. Os pescadores são freqüentemente considerados camponeses, talvez pelo fato de explorarem também a terra. b) Pescador Artesanal: caracteriza-se pela simplicidade da tecnologia utilizada e pelo baixo custo da produção; realizada com grupos de trabalhos formados por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as tripulações e os mestres dos barcos. c) Pescador Industrial: exerce as três atividades (captura, industrialização e comercialização do pescado), que são desenvolvidas separadamente; as tarefas pertinentes a elas são desempenhadas por grupos de trabalho diferenciados.O pescador é assalariado e participa apenas da captura do pescado, sem tomar qualquer decisão. O pescado passa a ser apenas mercadoria (MALDONADO, 1986, pg.34).
As diversas classificações obedecem a vários critérios, ou seja, tomam por
base o processo produtivo, a forma de propriedade dos equipamentos de
trabalho, as distâncias percorridas, os locais de pesca, as relações entre
tripulações, entre outros.
Porém, ficam bem definidas duas grandes linhas de análise: a primeira refere-
se à pesca vinculada ao sistema capitalista, em que o pescador não tem
autonomia sobre a produção, pois é considerado apenas uma ferramenta do
processo de pesca. A segunda linha aborda a pesca autônoma, destinada ao
auto-consumo familiar e ao pequeno comércio, muitas vezes consorciada com
a exploração da terra.
São muitos os problemas e pontos de estrangulamento que hoje afetam o
desenvolvimento e o desempenho do setor pesqueiro. Com relação à pesca
extrativa, as mais importantes relacionam-se ao conhecimento dos recursos
naturais disponíveis, à tecnologia de pesca, à tecnologia de pescado, ao
abastecimento com gelo e outros insumos, à infra-estrutura de estocagem e de
comercialização, à normatização e fiscalização, ao abastecimento com serviços
públicos de saúde e educação, à qualidade de habitação, de infra-estrutura e
de saneamento básico, e à infra-estrutura rodoviária.
No mundo existem aproximadamente 10 milhões de pescadores artesanais,
responsáveis por quase metade da produção pesqueira, seja em águas
99
costeiras, litorâneas ou águas interiores. Em alguns continentes, como a Ásia,
sua importância é crucial como fonte de proteína barata, pois alimenta cerca de
1 bilhão de indivíduos (FAO, 2006).
É difícil estimar o número de pescadores artesanais existentes no Brasil, pois
não há sistema de estatística pesqueira confiável. Dados da Confederação
Nacional de Pescadores (2004) indicam que existiam 553.872 pescadores
artesanais, dos quais 299.000 eram associados e 288.497 não apresentavam
inscrição nas 299 Colônias de Pescadores espalhadas pelo litoral. A região
Nordeste tinha o maior número de pescadores associados às Colônias (39% do
total nacional). Eles utilizavam cerca de 49.000 embarcações, sendo mais de
90% delas não motorizadas (Idem).
Figura 12: Produção pesqueira nacional (1950-2009). Fonte: Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca
Os dados acima indicam um forte aumento da produção industrial, que teria
passado de 36.000 toneladas em 1960 para 373.789 toneladas em 1988 (um
incremento da ordem de 10 vezes). Os dados de 1995 demonstram um
declínio, seguindo-se uma recuperação da produção industrial no ano de 1997.
100
Verifica-se também que no tocante a aqüicultura, a partir da década de 90
iniciam-se os primeiros registros da produção em cativeiro, mas é a partir de
2004, com a criação da SEAP que a produção é monitorada e por conseguinte
os registros aparecem desde então, com registros constantes de crescimento
da atividade até 2009, e com estimativas positivas para 2011.
Figura 13: Produção nacional de pescados em toneladas período de 2003 a 2009. Fonte:Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca.
A figura 13 acima apresenta detalhadamente as variáveis de crescimento entre
2003 e 2009 da Pesca (continental e marinha) e a Aqüicultura (piscicultura,
carcinocultura e outros). A pesca marinha se mantém com sua produção
constante, enquanto a continental indica variações e declínios mais evidentes;
ao ponto em que a aqüicultura aumenta sua participação no setor, com a
variação em seis anos de um aumento de 100% na produção, o que reflete os
incentivos dados aos grandes produtores e a disseminação da atividade
através dos órgãos como a CHESF e a CODEVASF, principalmente no
Nordeste.
A produção, por região, também mostra diferenças significativas, ilustradas na
figura abaixo. Em 2007, mais de 40% da produção pesqueira do Nordeste era
de origem artesanal, ao passo que na região Sudeste-Sul essa proporção era
aproximadamente 25%. Tal tendência se acentua a partir de 2005, alcançando
101
a região Nordeste 62,0% em 1997, enquanto na região Sudeste/Sul houve um
declínio para 14,4% no mesmo período em relação à pesca artesanal.
Figura 14: Produção artesanal nacional de pescados por região em 2008. Fonte: Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca
Distribuídos pelos inúmeros rios, lagos, lagoas, açudes e pelo litoral brasileiro,
os pescadores artesanais são diretamente afetados pela crescente degradação
ambiental dos ecossistemas dos quais recursos retiram elementos para auto-
consumo.
A poluição desses ambientes aquáticos apresenta uma intensidade cada vez
maior, particularmente a partir da década de 60, com a urbanização e
industrialização do litoral. Efetivamente, até aquela década, a produção dos
pequenos produtores litorâneos e fluviais representava cerca de 50% do total
de pescado capturado no Brasil. Aquele setor era, portanto, responsável por
uma parte considerável da proteína consumida nos meios urbanos e rurais
costeiros e era uma fonte importante de emprego e renda para as populações
locais.
No entanto, apesar do desastre que continua sendo provocado pelos grandes
barcos de pesca empresarial, que freqüentemente resulta na destruição das
pequenas redes e dos equipamentos dos pequenos pescadores artesanais, a
102
rápida degradação dos habitats dos peixes parece ser hoje o principal fator do
empobrecimento das comunidades litorâneas e ribeirinhas.
A rápida e intensa degradação litorânea foi uma das causas das mobilizações
dos pescadores e das comunidades litorâneas, a partir do final da década de
70. O Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE)33 considera que os
movimentos ambientalistas são seus principais aliados na defesa do meio
ambiente; isso fica demonstrado pela tradição de lutas conjuntas e pelo que foi
definido em agosto de l990, no encontro de Juazeiro (BA), do qual resultou a
Carta de Juazeiro, que serviu como base de documentos enviados ao Fórum
das Organizações Não-Governamentais presentes na Rio-92.
No entanto, o MONAPE não aceita a idéia de que se possa proteger o meio
ambiente sem a efetiva participação dos pescadores artesanais organizados.
Estes, na verdade, sempre estiveram na frente das denúncias contra a
degradação do nosso litoral, como atestam as diversas manifestações públicas
anteriormente citadas.
Em suma, o MONAPE acredita que o modo de vida das comunidades de
pescadores pode ser a garantia da preservação dos ambientes naturais e,
portanto, não pode haver defesa de diversidade biológica sem a defesa da
diversidade de culturas humanas espalhadas pela costa e pelos rios brasileiros.
Existem muitos equívocos em relação aos pescadores artesanais, tais como:
pescador é indolente, preguiçoso, imprevidente etc. Para Diegues (1995),
esses equívocos têm como fundo a ignorância de tecnocratas, com visão
urbana ou uma mistificação por parte das empresas capitalistas de pesca e
seus associados em órgãos de administração pesqueira deste país. Assim,
tentam justificar as razões do abandono em que deixaram a pequena produção
artesanal como também justificar a permanência da empresa capitalista.
33 Maiores informações sobre o movimento ver: http://www.portaldomar.org.br
103
Na verdade, para o pescador, a atividade da pesca é representada
diferentemente do trabalho do operário, não só do ponto de vista da submissão
a horários e disciplinas, desvinculados de um contrato social que lhes dá
significado, como também de sua própria remuneração. O pescador se
representa como sujeito submetido a algo que ele compreende e que faz parte
de seu cotidiano. É nesse contexto que o ambiente físico e social o predispõe a
uma visão ao menos diferente das atividades normais de uma economia
capitalista.
Portanto, conclui-se que a pesca artesanal em termos de produção pesqueira,
geração de empregos, fornecimento de alimentos e divisas, como se trata de
uma atividade menos impactante para o meio ambiente, é mais sustentável que
a pesca industrial, o que não quer dizer que ambas não possam conviver.
Porém, o modelo de desenvolvimento brasileiro, concentrador de renda,
voltado para a exportação nas grandes empresas, veio acentuar o abandono
da pequena produção, particularmente da pesqueira. Os reflexos desse
abandono são sentidos nas esferas regionais e estaduais.
No caso de Alagoas, as modalidades de pesca apresentam particularidades
próprias e torna-se necessário o conhecimento dessa realidade para a
compreensão e contextualização da pesca praticada pelas comunidades, tema
importante do presente trabalho.
4.1.2 - Da Produção do Espaço à Formação do Território: aproximando os diálogos nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do Casado-AL.
Os municípios onde foi realizada a pesquisa estão inseridos na região do baixo
São Francisco alagoano. Este é constituído por 37 municípios em Alagoas,
segundo a Cartilha intitulada A Nova Delimitação do Semiárido, elaborada pela
Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da
Integração Nacional, em 2005.
104
Corroborando com a sinalização de Milton Santos, o espaço enfocado nesta
pesquisa é o espaço social. Nesse sentido o autor afirma que o espaço se
apresenta como sendo uma instância da sociedade, ou seja, como algo que se
impõe a tudo e a todos, que contém e é contido por todas as outras instâncias,
como a econômica e a ideológica-cultural. Sobre a definição de espaço, ele
propõe:
Isto quer dizer que a essência do espaço é social. Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. (SANTOS, 2008b, p. 12).
Isso significa que uma análise territorial precisará considerar o espaço em suas
mais diversas perspectivas, mas precisará, principalmente, entendê-lo como o
resultado da relação entre sociedade e natureza, relação esta mediada pelo
trabalho e pelas técnicas. “O espaço é morada do homem, é o seu lugar de
vida e de trabalho” (SANTOS, 2008b, p. 151). Tal compreensão leva ao
entendimento de que a produção e a produção do espaço são atos
indissociáveis (SANTOS, 2008b).
Nesse sentido, os pescadores artesanais constituem-se como um grupo social
que no ato de produzir agem, concomitantemente, na produção do espaço.
Uma vez que esta se dá sob o foco do Modo de Produção Capitalista, que tem
em sua essência a necessidade de produção de valor, a valorização do espaço
aparece como elemento relevante na análise do espaço geográfico em geral e,
em particular, do espaço geográfico produzido pelos pescadores artesanais.
Assim, o espaço está em constante processo de valorização. Entretanto, os
valores do espaço diferenciam-se. De modo geral, a própria existência social
valoriza o espaço. Assim enquanto instância social, ou seja, se impondo a tudo
e a todos, o espaço terá sempre o seu valor de uso. Ao valor de uso contrapõe-
se o valor de troca. E o que rege, o que dá o tom dessa diferenciação é a
lógica dos grupos sociais.
105
Os pescadores artesanais são entendidos nesta pesquisa como formadores de
um modo de vida particular, ou seja, como um grupo diferenciado no Modo de
Produção Capitalista, que embora esteja inserido nesse sistema, possui outra
lógica de relação/produção/apropriação do espaço.
Para esse grupo social, o espaço possui valor de uso. A lógica que se
contrapõe a esta é a lógica dos grandes agentes do capital, que vêem o
espaço como valor de troca. E esse é o pano de fundo no qual é promovido o
embate entre as distintas lógicas de relação/produção/apropriação.
Figura 15 - Reunião em Pão de Açúcar para coleta de informações junto aos piscicultores.
Na figura 15, em oficina conduzida com o objetivo de coletar informações sobre
o modo de vida particular dos pescadores artesanais de Pão de Açúcar, tornou-
se claro através dos depoimentos dos presentes que a pesca artesanal
enquanto atividade agregadora e articuladora vem perdendo força nas
comunidades que sempre dependeram e sobreviveram da pesca.
106
Nesta pesquisa, partiu-se do pressuposto que a pesca artesanal desenvolve-se
articulando atividades em terra e água. Essa articulação em terra não se limita
apenas à prática da agricultura, mas, historicamente, o acesso à água é
mediado pelo acesso à terra. É difícil pescar quando o pescador vive a
quilômetros de distância do mar ou do rio. Assim, compreende-se que é a
garantia do acesso à terra que garante o acesso à água.
Esta compreensão foi construída a partir de contatos com pescadores de
diferentes localidades e realidades distintas, como também na realização de
pesquisas junto à literatura específica. Em entrevista com um representante de
um grupo de pescadores, este afirmou:
Nóis, pescadores, sempre precisamus passar pelas fazenda e terra cum donos pra chegar no rio. Hoje nóis não tamos tendo porque por causa dos tanque-rede, os fazendeiro diz que nois não precisa mais pescar, e num precisa mais andar para ir pro rio..Mas como é que nois vive sem água e sem terra. Pescador não vive só dentro d’água... (Depoimento, Pescador artesanal de Pão de Açúcar -AL – Pesquisa de campo, setembro de 2009).
Tal depoimento reflete a importância do direito à terra e à água não só para a
reprodução das condições de existência dos pescadores, como também para a
reprodução do seu modo de vida.
Percebe-se que o relato do pescador chama atenção para uma situação de
perda de articulação entre as atividades da terra e da água, ou seja, algo que
não acontecia no passado e agora acontece.
Muitos outros relatos e estudos podem ser somados aos apresentados nesta
pesquisa, entretanto, o que se pode concluir é que a atividade de pesca
artesanal em Alagoas está diretamente ligada às atividades em terra, seja para
garantir acesso à água, seja para complementar renda ou mesmo para manter
uma tradição que se exprime em um modo de vida particular.
No cotidiano dos pescadores entrevistados, estão presentes atividades de
agricultura e pecuária para o auto-cosumo. Observou-se que, o leite produzido
pelo rebanho dos pescadores é recolhido por uma cooperativa de produtores
107
de leite de Olho D’água das Flores, município próximo, também no semi-árido
alagoano, cuja produção é envasada e vendida para a prefeitura, que inclui na
merenda das escolas municipais.
Cabe registrar que durante o trabalho de coleta de dados, constatou-se que os
municípios desenvolvem mecanismos que procuram absorver a pequena
produção de gêneros como o leite bovino e caprino e seus derivados e o mel
produzido pelas cooperativas e associações locais, incluindo-os na alimentação
das crianças, na merenda da escola, uma iniciativa que vem melhorando a
qualidade da merenda escolar, segundo alunos e professores entrevistados
informalmente.
Figura 16: Pescador cuidando do rebanho bovino em Pão de Açúcar, ilustrando a pluriatividade
desenvolvida nas comunidades pesquisadas.
Na figura acima se representa exemplificado o trabalho de um dos pescadores
no momento em que reúne o rebanho coletivo para levá-los para tomar água.
Nesse contexto, ao desafio de acesso à terra é acrescentado outro desafio
para os pescadores artesanais: o acesso à água. O acesso à água vem sendo
limitado pelo desenvolvimento de grandes projetos de aqüicultura. A criação de
peixes e camarões é uma das atividades que tem apresentado um crescimento
108
expressivo no Brasil nos últimos anos. Tal atividade desenvolve-se nas áreas
tradicionalmente usadas por pescadores artesanais e marisqueiras.
A lógica empresarial da aqüicultura entra em conflito com a lógica artesanal da
pesca e chama para a cena, novamente, a discussão do valor de uso e do
valor de troca do espaço, neste caso o espaço aquático.
Neste sentido, o debate atualmente posto, especialmente por grupos que
advogam a expansão da aqüicultura, diz respeito ao caráter supostamente
atrasado da pesca artesanal. Esse conjunto de idéias define a pesca como um
estágio anterior à aqüicultura, na qual esta é a evolução natural daquela.
Esse debate encontra coro nas políticas públicas engendradas pelo Estado
brasileiro e também pela ciência de modo geral, inserindo-se em uma
discussão evolucionista e unilateral.
A visão externada pelos representantes dos órgãos que advogam em favor da
aqüicultura nos moldes modernos (aqui consideradas as ações de criação de
peixe e outros mariscos em açudes e tanques-redes) revela o preconceito
existente em torno da pesca artesanal. Desconsidera-se o seu papel cultural,
de baixo impacto ao ambiente natural e sua importância econômica no que diz
respeito à soberania e segurança alimentar, já que grande parte da produção
artesanal é comercializada/consumida na escala local/regional.
Desconsiderando tais questões, o Estado e a iniciativa privada alavancam a
formulação de políticas e investimentos na atividade aquícola, levantando um
falacioso discurso ideológico que consiste na integração do pescador artesanal
com a aqüicultura. Entretanto, esta tese posiciona-se contra a afirmativa de que
a aqüicultura é a melhor alternativa para os pescadores do baixo São Francisco
alagoano, e ainda que a mesma definitivamente, não é política para pesca
artesanal.
Historicamente para os pescadores artesanais, o mar, o rio são espaços de uso
comum, apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das
109
gerações. Portanto, na lógica da pesca artesanal, não podem existir cercas no
mar ou nos rios, embora existam territórios construídos a partir do
conhecimento do espaço marítimo.
As concepções anteriormente apresentadas levam ao entendimento da pesca
artesanal de acordo com o que propôs Diegues:
Um conjunto de práticas cognitivas e culturais, habilidades práticas e saber fazer transmitidas oralmente nas comunidades de pescadores artesanais com a função de assegurar a reprodução do seu modo de vida (DIEGUES, 2004, p. 32).
Os conhecimentos que compõem o arcabouço da pesca artesanal diferenciam-
se em função do sexo dos pescadores, da idade, do ambiente em que a pesca
é pratica e das técnicas utilizadas na captura.
Entretanto, definições de pesca artesanal que se limitam apenas ao tipo de
técnica usada, mão-de-obra empregada ou quantidade de pescado capturado
são insuficientes. Pode-se pescar artesanal ou industrialmente usando redes
(DIEGUES, 1992).
O que muda é a abrangência da captura ou mesmo a tecnologia empregada no
lançar da rede, como os sonares. Tanto na pesca industrial quanto na artesanal
pode haver emprego de mão-de-obra familiar, embora nesta a família seja a
base da produção. Por fim, a quantidade de peixe capturada não define se a
pesca é artesanal ou não.
Da mesma forma, alguns estudos fazem uma diferenciação entre pescador-
lavrador e pescador artesanal (DIEGUES, 1992, 2004). Porém, para efeitos
deste trabalho, considera-se pescador artesanal mesmo aquele que articula
pesca e agricultura. Isso se dá em virtude dos pescadores assim se
identificarem, ou seja, como pescadores artesanais, e pelo fato deles utilizarem
formas artesanais de captura de pescado.
Embora alguns setores classifiquem o pescador artesanal como um
profissional, a exemplo do Estado através do Registro Geral da Pesca (RGP),
110
neste trabalho, o pescador é compreendido para além de um grupo
ocupacional ou de mera atividade econômica, mas como agente social de
construção de um grupo politicamente organizado. Assim, de acordo com
Almeida:
Mesmo que o termo permaneça o mesmo, ou seja, “pescador”, o seu novo significado, passa a incorporar uma expressão autônoma no processo produtivo e elementos identitários capazes de objetivá-los de maneira politicamente contrastante e organizada em movimento social (ALMEIDA, 2004, p. 22).
Por conseqüência desse entendimento, a pesca é compreendida não só como
uma atividade de busca de peixe, mas como uma construção de relações
sociais na terra e no mar, marcadas por identidade, mas também por conflitos e
contradições, que envolvem não somente os grupos pesqueiros, mas outros
tantos agentes sociais, com interesses divergentes. De modo que, como uma
atividade de produção ela é, também, uma atividade de produção do espaço, já
que produzir e produzir espaço são atos indissociáveis, segundo Milton Santos
(2008b).
O caráter geográfico da compreensão de pesca e pescador artesanal permite
ampliar o foco da análise e incorporar novas dimensões da construção dos
espaços e territórios da atividade. O fato de compreender os pescadores,
conforme Almeida (2004), como organizados em movimento social, aglutinados
por uma identidade de luta e como agentes de produção do espaço, faz com
que outras possibilidades se abram para os pescadores e para as Ciências,
especialmente as Sociais e Naturais.
Ser pescador artesanal é ser possuidor de um arcabouço de conhecimento que
é histórica e culturalmente construído, geralmente transmitido de pai para filho,
através dos tempos. Tais conhecimentos dizem respeito ao ciclo de vida dos
peixes, seus ritmos e territórios; ao ritmo da água; às técnicas de pesca; aos
ritmos do tempo; da lua. Mas, mais que isso, ser pescador artesanal é possuir
uma lógica diferenciada na relação com a natureza.
111
Os pescadores artesanais dos municípios alagoanos de Olho D’água do
Casado e Pão de Açúcar são caracterizados pela prática de várias atividades
ligadas à sua sobrevivência econômica e cultural. Praticam, além da pesca, e a
agricultura (na qual se insere também a criação de animais como bois, vacas,
galinhas e caprinos).
Essa pluriatividade pode ser percebida através da observação da sua rotina
bem como pelos diálogos estabelecidos pela pesquisadora, enquanto
supervisora do programa de Desenvolvimento Local - DLIS e pescadores. Tais
diálogos se deram nas entrevistas, oficinas e conversas que foram
estabelecidas desde 2002, quando, tomou-se contato com a ineficiência das
estratégias de desenvolvimento que eram determinadas para serem
implantadas nas comunidades trabalhadas pelo programa.
Convém ressaltar que a discussão sobre o que significa ser pescador artesanal
entre os entrevistados não se limita à exclusividade na atividade pesqueira. Ela
adquire outras dimensões, como a pluriatividade e as múltiplas identidades que
são necessárias para o sustento do grupo e a manutenção do território.
Em relação às múltiplas identidades, cabe destacar que os pescadores
artesanais também se identificam como agricultores.
Nesse sentido, os entrevistados assumem a identidade de pescadores
artesanais e cumprem com as prerrogativas institucionais de tal condição,
como por exemplo, filiarem-se à Colônia de Pescadores. Os pescadores
entrevistados também recebem auxílios relacionados à pesca, como o seguro
defeso.
Muitos pescadores ainda preservam características de autonomia e valorização
da lida com o mar. Seu Potó, pescador, revela: “Nunca tive carteira
assinada.nunca fui fichado. Vivi e vivo do rio e da terra (Pesquisa de Campo,
novembro de 2009).
Para Diegues:
112
Até hoje a pesca continua sendo uma atividade aleatória, incerta, frequentemente perigosa e são essas características que estão na origem da função que as práticas simbólicas e ritualísticas desempenham em muitas sociedades de pescadores com a finalidade de propiciar capturas abundantes (DIEGUES, 2004, p. 7).
Estes comportamentos que misturam conhecimento e fé, tradição e inovação,
medo e coragem, é o que sustenta a argumentação de que esse grupo social
possui uma relação diferenciada com a natureza. Os pescadores pesquisados
inserem-se neste simples e complexo modo de conceber o espaço geográfico.
De modo que, se o espaço geográfico é o fruto da relação entre sociedade e
natureza para as comunidades tradicionais que também desejam se inserir no
mundo capitalista do consumo, a natureza não é o recurso. O recurso para
essa inserção é o trabalho. É o trabalho, o orgulho do saber-fazer, que torna-se
o meio de inserção no sistema capitalista. O trabalho livre e autônomo, não a
apropriação da natureza e a sua transformação em recurso natural.
A partir do estudo da organização da atividade pesqueira e da articulação dos
pescadores artesanais, torna-se importante trazer estas problemáticas para o
campo geográfico, tendo como eixo norteador a discussão do território.
Entende-se o território enquanto uma categoria de análise da Geografia capaz
de incorporar os interesses antagônicos dos agentes atuantes em dadas
frações do espaço,bem como as relações de poder que aí se estabelecem,
como elementos centrais na análise do processo de territorialização dos grupos
sociais.
Entende-se que os conceitos são instrumentos através dos quais se analisa e
se interpreta a realidade e que é exatamente a realidade que constitui a base
para a formulação e construção dos conceitos. Essa relação dialética é quem
evidenciou a necessidade de estudar algumas contribuições teóricas dirigidas à
questão do território, relacionando as teorias com a práxis dos territórios dos
municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar.
113
Souza, refletindo sobre a questão do território, o define como “um espaço
definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 2006, p. 78).
Essa perspectiva e essa questão são norteadoras na definição e no entendimento
do território onde estão inseridos os pescadores alagoanos. Desta forma, Souza
afirma: Territórios, que são no fundo antes relações sociais projetadas no espaço que espaços concretos (os quais são apenas os substratos materiais das territorialidades) – (...) podem (...) formar-se e dissolver-se, constituir-se e dissipar-se de modo relativamente rápido (ao invés de uma escala temporal de séculos ou décadas, podem ser simplesmente anos ou mesmo meses, semanas ou dias), ser antes instáveis que estáveis ou, mesmo, ter existência regular mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos – e isto apesar de que o substrato espacial permanece ou pode permanecer o mesmo. (SOUZA, 2006, p. 87)
Dito isto, pode-se concluir que a noção de poder é um elemento central nas
discussões sobre território. Nesse sentido, considerando a relevância do
conceito para o entendimento do território, neste trabalho, o poder é entendido
conforme Foucault:
O poder não se dá não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também na afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força. (FOUCAULT, 1999, p. 175)
A partir desta abordagem de poder como um fenômeno, pode-se entender a
construção e constituição do território a partir das relações sociais e históricas
estabelecidas entre os grupos que integram e vivem em um determinado
espaço. Porém, outros elementos também são incorporados à discussão do
território, como, por exemplo, a questão cultural e identitária.
Rogério Haesbaert, ao se debruçar sobre a questão do território, o define
como:
Produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle políticoeconômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e
114
contraditoriamente articulados. Essa relação varia muito, por exemplo, conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geográficas que estivermos analisando. Como no mundo contemporâneo vive-se concomitantemente uma multiplicidade de escalas, numa simultaneidade de eventos, vivenciam-se também, ao mesmo tempo,múltiplos territórios. Ora somos requisitados a nos posicionar perante uma determinada territorialidade, ora perante outra, como se nossos marcos de referência e controle espaciais fossem perpassados por múltiplas escalas de poder e de identidade. (HAESBAERT, 2002a, p. 121).
A reflexão de Haesbaert orienta para uma discussão que amplia as
possibilidades de análise do território, já que ele fala de política, economia,
identidade e poder. Complementando essa abordagem ampliada do território,
as análises de Saquet detiveram-se no estudo das principais abordagens e
concepções sobre território.
Dialogando com os autores Raffestin e Dematteis, Saquet faz a seguinte
reflexão:
É nesse contexto que faço uma reflexão sobre as diferentes abordagens do conceito de território, considerando a territorialidade e evidenciando as dimensões sociais e fundamentais de sua compreensão e constituição no real, ou seja, a economia (E), a política (P), a cultura (C) e as relações do homem vivendo em sociedade com sua natureza exterior (N). (SAQUET, 2007, p. 19)
Através das oficinas realizadas para coleta de dados e debates coletivos sobre
os temas relacionados à pesquisa, entende-se, diante das reflexões, para
efeitos de compreensão da lógica nesta tese, que o território também é
compreendido como uma totalidade. Deste modo, a abordagem teórica do
grupo de pescadores artesanais de Alagoas tem como pressuposto principal
que o território (formado a partir do espaço) é social e historicamente
construído.
Assim sendo, os territórios de Pão de Açúcar e Olho D’água do Casado são
entendidos à luz dos conceitos anteriormente apresentados, como um espaço
apropriado por um grupo social, que revela relações de poder e que incorpora
outras dimensões de análise, como a dimensão econômica, política, cultural
115
bem como uma relação diferenciada com a natureza. Nesse sentido a
legitimidade dos pescadores, nesta pesquisa, foi evidente.
4.2 – HISTÓRICO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL
“A situação atual do pescador em Alagoas, seja de lagoa, rio e mar, é de miséria. O governo está fazendo o que bem quer com a comunidade de pescador.Muda as colônia pra lá e pra cá. O povo reclama que não tem peixe, que o pescado tá caro, mas ninguém procura saber o que é; qual é o problema.” (Seu Antônio Gomes dos Santos, pescador e vice-presidente da Federação de Pescadores de Alagoas).
Este item procura apresentar como a atividade pesqueira esteve atrelada à
segurança nacional, através do Ministério da Marinha e, apresenta uma
intervenção mais direta do Estado, através do incentivo à pesca industrial,
trazendo conseqüências danosas para a pesca artesanal.
4.2.1 - Estímulos à pesca brasileira
Historicamente, a atividade pesqueira no Brasil desenvolveu-se de maneira
lenta e nos moldes artesanais, destinando-se a garantir o auto-consumo dos
pequenos centros pesqueiros e restringindo sua importância comercial àqueles
centros populosos mais próximos.
De acordo com GUEDES (1984), a primeira intervenção do Estado na
regulamentação da atividade pesqueira data de 1889, quando o capitão de
Fragata Júlio Cezar de Noronha, Capitão dos Portos do Rio de Janeiro,
apresentou ao governo o primeiro Regulamento da Pesca no Brasil. Em 1897,
foi estabelecida a inscrição dos pescadores e das embarcações na Marinha,
dividindo o território marítimo em prefeituras.
A autora citada ainda esclarece que a regulamentação da pesca era um direito
privativo da União, o que levou o então Governador do Estado do Rio, Quintino
116
Bocayuva, a mandar lavrar o Decreto 757, de 20 de julho de 1902,
suspendendo a execução das resoluções municipais relativas à pesca e aos
pescadores, por serem contrárias às leis federais. Desse modo, a legislação
sobre tal assunto tornava-se de exclusiva competência da União.
Depois de muito tempo vinculada ao Ministério da Marinha, a regulamentação
da atividade pesqueira foi transferida para o Ministério da Agricultura, em 1912,
voltando ao Ministério da Marinha em 1919 (VILLAR, 1945, p. 24).
O retorno da pesca novamente para o Ministério da Agricultura dá-se em 1923
uma vez que os serviços de Pesca e Saneamento do Litoral (da Diretoria de
Portos e Costas do Ministério da Marinha) foram extintos. No Departamento de
Indústria Animal do Ministério da Marinha foi criada a Divisão de Caça e Pesca
e, em 1938, o Código de Pesca. Em 1934, realiza-se no Rio de Janeiro o 1º
Congresso Nacional de Pesca.
A volta das Colônias de Pescadores à jurisdição do Ministério da Marinha, nos
termos do decreto de 15 de outubro de 1942, foi o único caminho patriótico
para manter os pescadores organizados e empregados como auxiliares das
forças navais na guerra (GUEDES, 1984, p. 6). Em 1955, através da lei n°
2.419, instituiu-se a Patrulha Costeira.
A regulamentação dos pescadores como auxiliares das forças navais foi algo
imposto a eles por razões inteiramente alheias aos problemas e à natureza do
trabalho dos pescadores. Como alvo central, pretendia subordinar os
pescadores à Marinha de Guerra, no sentido de constituírem uma reserva
militar, sem abdicarem da atividade pesqueira.
Desse modo, não trouxe nenhum benefício aos pescadores, no sentido de se
constituir entre eles uma consciência da especificidade da profissão pesqueira.
Vimos que esse segmento sofreu as mesmas opressões que as classes
oprimidas, em geral, sobretudo aquelas advindas ou submetidas à escravidão
moderna.
117
A partir de 1962 a pesca teve seu ponto de maior intervenção do Estado,
durante a chamada fase de industrialização do setor pesqueiro. Umas séries de
providências de caráter institucionais, econômicas e financeiras foram tomadas
(BRASIL, 1991), destacando-se a criação da Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), em 1962.
A SUDEPE era o órgão governamental encarregado da política pesqueira
nacional, efetuando, em 1967, a revisão do Código de Pesca, através do
decreto-lei n.º 22134, o qual estabelece normas gerais que passaram a
embasar toda a legislação/regulamentação específica, normalizando a
competência da SUDEPE na elaboração de instrumentos legais, (portarias
normativas) assim como a fiscalização da atividade pesqueira, não só
marítima, mas também continental e estuarina.
A criação da SUDEPE, unificando a ação governamental dirigida à pesca, abriu
nova perspectiva para o desenvolvimento do setor. Em 1967, foram instituídos
os incentivos fiscais, com o objetivo de consolidar a implantação do parque
industrial pesqueiro do país, cuja sistemática foi posteriormente reformulada
através da criação do FISET/PESCA. Apesar dos esforços para regulamentar e
desenvolver a pesca, a atividade foi pouco estimulada.
Indiscutivelmente, o setor pesqueiro em geral e em particular o artesanal,
sofreu e sofre, através dos anos, uma evidente discriminação no que se refere
a crédito. A pesca tida como atividade agrícola, deveria gozar dos benefícios a
este setor conferidos (NEIVA, 1990, p. 33).
Em 1973, através da portaria 471 do Ministério da Agricultura, as Colônias de
Pescadores foram definidas como "organização de classe". No entanto,
mantinha-se a estrutura autoritária e corporativista das Colônias, uma vez que
os presidentes das Federações, que reuniam as Colônias de um determinado
Estado, podiam intervir nas Colônias. Na maioria dos casos, os presidentes de
34 O referido decreto-lei foi posteriormente substituído, no tocante aos incentivos fiscais, pelo decreto-lei n.º 1.376/74.
118
Colônias nem sequer eram pescadores e sim políticos locais, comerciantes, ex-
militares ou quaisquer outros profissionais.
Os pescadores começaram a questionar essa estrutura autoritária e a
mobilizar-se. O motivo mais importante dessa mobilização foi a luta contra a
poluição ambiental no Nordeste.
Em 1966, foi organizada a primeira passeata no município do Cabo, litoral de
Pernambuco, contra a poluição dos rios causada pela indústria de borracha, a
COPERBO. Outros movimentos se organizaram, entre 1979 e 1980, no
município de Goiana (Pernambuco). Durante esse período da ditadura militar,
os órgãos de segurança do Estado perseguiram líderes de pescadores que
organizavam as manifestações (DIEGUES, 1995).
Um fato novo nesse período foi o surgimento da Pastoral dos Pescadores em
1979, órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Com a
atuação dessa Pastoral, o objetivo das lutas foi ampliado, abrangendo temas
como a representação democrática, a comercialização, a aposentadoria e
previdência social, etc.
Em 1980, o Programa de Desenvolvimento da Pesca (PROPESCA), propiciava
crédito subsidiado à pesca artesanal. Não raramente o acesso ao crédito não
era suficiente para impedir a proletarização futura, demonstrando que a
modernização do processo produtivo, para os pequenos produtores da pesca,
em parte era incompatível com as condições de comercialização do produto.
Ao analisar tal Programa, Maneschy (1995, p.155) cita que o preço de mercado
do pescado não tinha correspondência com os custos da produção (fio de
náilon para redes, isopor, cordas plásticas e os anzóis sofreram à época
aumento na ordem de 1.000%), por serem derivados de petróleo e não terem
nenhum controle do governo.
Em 1985, foi iniciado um movimento para inserir na nova Constituição artigos
que garantissem a liberdade de associação entre os direitos dos pescadores.
119
Por pressão dos pescadores, as Colônias foram equiparadas aos Sindicatos
Rurais. No entanto, por pressões dos líderes tradicionais de Federações,
mantiveram as estruturas das Federações e Confederações.
Em abril de 1988, com o final da Constituinte da Pesca, os pescadores
organizados criaram o MONAPE (Movimento Nacional dos Pescadores), que
leva à frente o trabalho de organização da categoria. Este movimento está
ainda em fase de estruturação e conta com inúmeras dificuldades, sobretudo
financeira e logística.
Com o início da Nova República, os compromissos políticos, concretizados na
nomeação de pessoas sem compromissos com a pesca, levaram a ex-
SUDEPE a desencadear problemas de gestão. Conseguiu-se destruir todo um
sistema de controle estatístico/biológico em nível nacional. Estagnaram-se
todos os projetos e programas de pesquisa levados a efeito ou coordenados
pelo ex-PDP/SUDEPE; sustou-se a construção de duas modernas
embarcações de pesquisa, parcialmente financiadas com recursos do projeto
BID/SUDEPE, os quais se perderam por falta de aplicação; tais embarcações
encontram-se em processo de deterioração em estaleiros de Santa Catarina
(NEIVA, 1990).
A partir de 1989, com a extinção da SUDEPE e a desativação dos Escritórios
de Extensão, a gestão da atividade pesqueira foi transferida ao recém criado
IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, através da lei n° 7.735/89,
tendo como finalidade formular, coordenar, executar e fazer executar a política
nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e utilização e uso
racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis
(BRASIL/MINTER, 1989, p.5).
O IBAMA, através de sua Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação
(DIRPED), iniciou uma série de reuniões de Grupos Permanentes de Estudos
(GPE) de diversas espécies de peixes, que permanecem atuando até a
presente data. O objetivo dos GPE's é atualizar as informações sobre a
situação atual dos recursos pesqueiros, através da análise do comportamento
120
da produção, de seus aspectos biológicos e da necessidade urgente de
implantação de medidas de ordenamento pesqueiro.
Após a criação do IBAMA, em 1989, surge certa reação no setor pesqueiro
(empresários), até então acostumado a ter seu órgão próprio com que tratava
diretamente de seus problemas e obtinha decisões mais rápidas e
paternalistas.
A nova estrutura do IBAMA gerou um retardamento na tramitação dos
expedientes, uma vez que a burocracia obrigava o trajeto dos pleitos pelas
mais diversas Diretorias, até a decisão final da Presidência do órgão. Pelo fato
de lidar com vários segmentos de atividade, a pesca dentro do IBAMA passou
a não ser mais prioridade do Órgão. Aparentemente, é uma missão muito difícil
para um órgão tratar sozinho da fiscalização, pesquisa, do controle, da
normatização do meio ambiente, de modo a atender satisfatoriamente o país e
todos os segmentos.
Apesar do IBAMA ter ganho o respeito da sociedade brasileira e internacional,
ele lida com diversas limitações (financeiras, humanas, institucionais, entre
outras), resultando em poucas melhorias na organização do setor, pois não há
vontade política que incentive o desenvolvimento do setor pesqueiro. A falta de
investimentos na pesca obriga o Brasil a permanecer com baixos índices de
produtividade, perdendo espaço para outros países na exploração dos seus
próprios recursos pesqueiros.
A partir de 1996, o Governo Federal, através da Secretaria de Coordenação
dos Assuntos do Meio Ambiente (SMA), criou o Grupo Executivo do Setor
Pesqueiro (GESPE), objetivando a formular as Diretrizes Ambientais para os
setores da pesca (DIRETRIZES, 1997). O trabalho ficou sob a coordenação do
Ministério do Meio Ambiente, no âmbito do projeto de políticas compatíveis com
o desenvolvimento sustentável, em cooperação com o Programa das Nações
Unidas. As diretrizes foram divididas em três segmentos: Pesca Marinha,
Aqüicultura e Pesca Continental.
121
Esse grupo não conseguiu dar as respostas necessárias para resolver o
problema da pesca, levando o Ministério da Marinha a desativar a Secretaria
Executiva do GESPE, em agosto de 1998. O insucesso desse trabalho
alimentou parte do empresariado e dos políticos a investir politicamente na
transferência da pesca para o Ministério da Agricultura.
Através do decreto n° 2.681, de 21 de julho de 1998, tal pleito em parte foi
atendido, passando ao Ministério da Agricultura algumas atividades referentes
ao fomento e à produção pesqueira. Atualmente, os GPE's continuam sob a
coordenação do IBAMA, através da DIRPED, por se tratarem de grupos de
apoio à pesquisa. Outra atividade que permanece ainda sob a missão desse
Instituto refere-se à fiscalização.
Esta realidade ainda não está claramente definida e os próprios técnicos do
IBAMA e do Ministério da Agricultura que atuam na área não dispõem das
informações sobre as atribuições de cada Órgão. Mais uma vez, o Capital
mostrou sua força. E, possivelmente, com o incentivo à produção pesqueira
industrial, virão também impactos ambientais, uma vez que o IBAMA não será
mais um obstáculo para o incremento dessa atividade.
Embora a atual Constituição Federal, em seu parágrafo 1°, do art.187,
determine que o planejamento da atividade pesqueira deva ser parte do
planejamento agrícola, combinado com a lei agrícola n° 8.171 de 17/01/91,
através da qual a pesca passa a fazer parte da atividade agrícola, nada garante
que tal setor tenha o devido estímulo. Isto é evidente pelo que cita Neiva (1990,
p. 41):
Deve-se recordar que a SUDEPE sempre foi um apêndice no Ministério da Agricultura e que, após cerca de 28 anos como Autarquia, não se mostrou um órgão tão eficiente como o desejado. Nada garante que nas condições atuais, saindo do IBAMA, as atividades afetas ao desenvolvimento pesqueiro, irão ter melhores atenções, por parte de outro Ministério.
Este fato demonstra, mais uma vez, a falta de prioridade para a pesca,
continuando sem uma política pesqueira definida, principalmente para a pesca
artesanal de pequena escala.
122
Atente-se então, para o fato de que era ( e ainda é, apesar da evolução de
algumas políticas) fundamental a necessidade de elaboração de um Plano
Nacional de Ordenamento Pesqueiro, com visão de longo prazo, mas
contemplando medidas de curto e médio prazo, diferenciando as ações para os
recursos plenamente explotados ou em situação de sobrepesca, daqueles
subexplotados, e com compromissos e metas perfeitamente definidos, de
forma a possibilitar a adequada gestão da pesca nacional (DIAS NETO, 1996,
p. 155).
As medidas de ordenamento, embora representem apenas um aspecto de uma
política para a atividade pesqueira, têm demonstrado eficácia em muitos casos.
Os defesos da sardinha (Sardinela brasiliensis), lagosta (Panulirus ssp) e de
camarão (Penaeus spp.) têm apresentado dados concretos de recuperação de
tais estoques. No caso específico do Defeso da Piracema no Baixo São
Francisco, não existe uma avaliação científica de seu resultado, mas, para os
técnicos do IBAMA e parte dos pescadores locais, a pescaria estaria pior sem o
Defeso.
As demais medidas (tamanho de captura e tamanho de malhas) vêm sendo
cumpridas pela maioria, existindo um pequeno número de infratores que agem,
muitas vezes, estimulados pela fome, pela falta de outras alternativas de
trabalho, como também pela pouca fiscalização do IBAMA.
O novo conceito de ordenamento pesqueiro difundido por especialistas do
IBAMA (2008) e que poderá fundamentar as ações do poder público é:
O conjunto harmônico de medidas que visa expandir ou restringir uma pescaria de modo a se obter sustentabilidade no uso do recurso, equilíbrio do ecossistema onde ocorre a pescaria, garantias de preservação do banco genético da espécie ou das espécies explotadas, rentabilidade econômica dos empreendimentos, geração de emprego e renda justa para o trabalho. A concepção acima reflete a preocupação com a crise da atividade pesqueira.
123
Apesar do contexto adverso, há reais possibilidades de incremento da
produção nacional de pescado marinho, como a recuperação de estoques em
situação crítica (sardinha, piramutaba, pargo e camarões-rosa e sete-barbas do
Sudeste/Sul) e o aumento da captura de atuns e afins. Outras alternativas
poderão surgir do Programa de Avaliação dos Potenciais Sustentáveis de
Captura de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE),
decorrentes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
(CONVEMAR), já em execução (A PESCA, 2004).
Porém, para a pesca artesanal de pequena escala, a exemplo da praticada no
Baixo São Francisco Alagoano, não se percebe interesse do Estado em discutí-
la e desenvolvê-la, haja vista que as poucas propostas para a pesca local têm-
se voltado para a pesca marítima ou para a piscicultura. Tais segmentos
representam interesses empresariais e, portanto, de grande influência política.
Diante desse quadro que vem se perpetuando ao longo das décadas, o
Presidente do CEEIVASF encaminhou ao Conselho Deliberativo dessa
Instituição o Termo de Referência para o Estudo da Cheia Artificial no Baixo
São Francisco. Esse termo foi aprovado e encaminhado à Presidência da
CHESF, tendo como objetivo a realização de estudos visando à definição da
viabilidade técnico-econômica e socioambiental da proposta.
Esta também aborda os reflexos da execução da cheia artificial no rio São
Francisco para promover a piracema e o enchimento das lagoas marginais
situadas abaixo da Hidrelétrica de Xingó, para a reabilitação do ciclo
reprodutivo da ictiofauna. O Termo de Referência envolve também uma
definição dos limites da área geográfica que será afetada pelo evento, além da
identificação e avaliação dos impactos ambientais gerados, do levantamento de
custos e seu monitoramento, assim como a identificação dos responsáveis por
cada ação (CEEIVASF, 1998).
Apesar da possibilidade de cheias artificiais ter sido prometida pela CHESF,
desde 1994, o prazo para realização dos estudos (18 meses) contribui para a
descrença dos pescadores de que ela seja realizada, uma vez que a CHESF
124
prioriza a geração de energia. O compromisso de alocação de recursos para
esse estudo foi assumido por representantes da Secretaria Nacional de
Recursos Hídricos (SNRH), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF).
Porém, o desmembramento desse Ministério e a transferência de parte da
atividade pesqueira para o Ministério da Agricultura fez aumentar a descrença
na solução da questão. Para os pescadores, a questão é muito urgente e não
pode esperar pelos estudos, mesmo porque eles não acreditam em sua
execução.
Com relação às medidas de ordenamento pesqueiro, o Defeso da Piracema
vem sendo discutido anualmente com o setor técnico do IBAMA de Alagoas e
Sergipe, Colônias e Federações de Pescadores de Alagoas e Sergipe. As
últimas reuniões, realizadas respectivamente em 28/08 e 15/11/2010,
confirmaram o Defeso da Piracema para o mesmo período dos anteriores, ou
seja, 15 de novembro a 15 de janeiro.
Um exemplo disso é a falta de um programa de repovoamento do rio com
espécies nativas. Sobre alguns peixamentos (introdução de alevinos)
realizados no Baixo São Francisco, não existe ainda uma avaliação do IBAMA
nem da CODEVASF sobre seus resultados devido às dificuldades operacionais
para tal controle.
4.3 A CRISE ATUAL DA PESCA EM ALAGOAS
A atividade pesqueira em Alagoas é exercida em um ambiente complexo e
sujeito a uma série de efeitos internos e externos. Assim, o ambiente aquático
e, conseqüentemente, os seres vivos que o habitam, sofrem influências de
todos esses efeitos. Além das oscilações climáticas e aquáticas naturais que
tornam difíceis as previsões em termos de pesca, a atuação do homem,
resultando, na maioria das vezes, num manejo inadequado da natureza, tem
causado inúmeros problemas, a exemplo dos apresentados anteriormente.
125
Atualmente, a pesca, um componente importante do sistema, passa por um
momento crucial cujo declínio vem sendo constatado dia a dia, tanto pelos
pescadores quanto por algumas pesquisas locais, como apresentado a seguir.
4.3.1 Indicadores da Crise Pesqueira
A crise pesqueira, atualmente observada no Baixo São Francisco, advém
principalmente da sucessão de barramentos em todo o curso do rio. A partir da
construção das barragens de Sobradinho e de Itaparica foi sentido um
decréscimo na produção pesqueira local. Porém, depois da construção de
Xingó, houve uma redução drástica nos volumes de capturas, configurando-se,
portanto, a atual crise.
SANTOS (1997) que trata da relação sociedade-natureza em Ponta dos
Mangues, demonstrando como o mau gerenciamento da bacia do São
Francisco repercute na qualidade de vida dos pescadores locais.
Os sinais do declínio da pesca no Baixo São Francisco são apresentados
também por SOUZA (1998). A autora constatou em seus estudos a redução da
biodiversidade aquática decorrente da mudança do regime do rio São
Francisco, refletindo de maneira direta na socioeconomia dos pescadores
artesanais de Pão de Acúcar e Olho D’água do Casado.
O estudo sobre o sertão do Baixo São Francisco, tomando essa bacia
hidrográfica como unidade de estudo (FONSECA & BASTOS, 1998), ao
analisar o setor primário da região, também se refere ao declínio da pesca
local: A pesca é praticada não apenas como atividade produtiva, mas também
como fonte de alimento e lazer da família.
Com a construção de barramentos para a formação de lagos de hidrelétricas e
a utilização da irrigação em toda a bacia do São Francisco, o nível do rio foi
alterado, com cotas cada vez mais baixas na porção à jusante de Paulo
Afonso. Com essas alterações, o peixe 'sumiu' do rio e mesmo os peixamentos
feitos pela CODEVASF não alteraram as condições existentes. Os pescadores
reclamam da falta de condições para continuarem a sobreviver com a pesca e
126
a população local reclama da falta desse alimento, que sempre se constituiu
numa fonte alternativa de proteínas (p. 12).
Outra fonte importante de conhecimento da situação atual é o Relatório
Preliminar do Levantamento Sócio-ambiental da Região de Xingó. Este foi
realizado por técnicos do IBAMA de Brasília, Sergipe e Alagoas objetivando
discutir a participação desse órgão no Programa Xingó. Durante os estudos de
campo, os técnicos levantaram os problemas junto a lideranças, prefeitos e
pescadores das cidades de Canindé do São Francisco e Poço Redondo, em
Sergipe, bem como nas cidades de Delmiro Gouveia e Piranhas, em Alagoas.
Em relação à pesca, a conclusão do relatório aponta para a acelerada
destruição da base material de sobrevivência dos pescadores após a
construção de Xingó, com a diminuição da oferta de pescado e a
impossibilidade da realização da piracema, deixando para esse segmento um
alto custo social.
Na opinião dos pescadores entrevistados para subsidiar esta tese, o declínio
da pesca está deixando a categoria sem perspectiva, obrigando-os a procurar
outras atividades:
“nóis que sempre fomos pescador,tudo chefe e pai de família tamo tudo
vivendo a deriva, passando necessidade. Como é que nóis vamu sobreviver
mais pra frente? Uma parte tá vivendo das ajuda do governo e os outro tem
que se virá . Um vai pra roça, otros vira pedreiro purque a pesca num tá
dando mais. A moda agora é o povo criar peixe, dá de cume pros peixe.. onde
já se viu isso. É o fim do mundo”. (Seu Manoel Elias, 55 anos).
Os sinais da crise são aceitos pelo governo que intervém com as frentes de
serviço. Embora se tratando de uma saída emergencial do governo, essas
frentes não se apresentam como uma saída para todos, devido à falta de
continuidade e à baixa remuneração.
127
Outro agravante é a falta de espaço, de terra para ser cultivada, conforme
posição abaixo:
A maioria dos pescador tá procurando a roça prá num morrê de fome, mas
sempre na terra de alguém purque tudo aqui é dos grandes. É poco patrão prá
muita terra (Seu Luis Pedro, 57 anos).
A fala do pescador acima demonstra claramente sua percepção sentida da
realidade do Estado de Alagoas, sobre a concentração das terras, ressaltando
a compreensão das variáveis que dificultam a vida e trabalho dos pescadores
ao longo das décadas.
Nesse contexto de tantas dificuldades na atividade pesqueira, a análise que os
pescadores fazem de sua situação é unânime. As adversidades são tantas que
terminam por inviabilizar a possibilidade de garantir o sustento pessoal e
familiar apenas com a pesca. Esta, de atividade principal passa a secundária,
exigindo a busca de outras alternativas de auto-consumo.
Assim, para o pescador representa um fracasso pessoal não conseguir manter
o papel de provedor familiar, apesar de dominar os segredos dessa profissão.
O passado do pescador aparece como um momento de saudosismo, uma
época em que havia esperança e segurança no seu papel enquanto patriarca.
4.4 - O APL DA PISCICULTURA EM ALAGOAS O Governo do Estado de Alagoas através da Secretaria Executiva de
Planejamento e Orçamento e o SEBRAE/AL se associaram para conceber e
implementar o Programa de Mobilização para o Desenvolvimento dos Arranjos
e Territórios Produtivos Locais do Estado de Alagoas.
Contando com a parceria de instituições públicas e privadas, o Programa
define uma estratégia de atuação visando a mobilizar ações coletivas e
128
integradoras para gerar renda e emprego, direcionadas para a promoção do
desenvolvimento dos micros e pequenos negócios.
O SEBRAE/A buscou na experiência da chamada Terceira Itália, a idéia de que
através dos APL – Arranjos Produtivos Locais seria possível organizar o
desenvolvimento econômico de Alagoas em suas vocacionalidades. Para o
SEBRAE, Arranjos produtivos são aglomerações de empresas e de
empreendedores localizados em um mesmo território, que apresentam
especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação,
cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como
governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.
Para Lastres (1999), um Arranjo Produtivo Local é caracterizado pela
existência da aglomeração de um número significativo de empresas e de
empreendedores que atuam em torno de uma atividade produtiva principal.
Para isso, é preciso a ocorrência de postos de trabalho, faturamento, mercado,
potencial de crescimento, diversificação, entre outros aspectos. A noção de
territórios é fundamental para a atuação em Arranjos Produtivos Locais.
O Programa inicial fez parte do PPA 2004/2007 de Governo do Estado de
Alagoas e contou com apoio técnico e financeiro do SEBRAE-NA. Os principais
benefícios elencados na época e esperados do Programa eram: o aumento da
interação e da cooperação entre produtores e empreendedores; maior atração
de capitais; aumento do dinamismo empresarial; redução dos custos e riscos
empresariais; promoção de inovações tecnológicas; maior agilidade e
flexibilidade da mão-de-obra; melhoria da qualidade de vida no Estado.
A proposta era que o Programa deveria tornar-se um dos mecanismos que o
Governo de Estado pretendia acionar para promover a inclusão social de
milhares de trabalhadores, famílias e empreendedores que operam no mundo
dos micros e pequenos negócios de Alagoas.
O objetivo do Governo do Estado através da Secretaria Executiva de
Planejamento e do SEBRAE, ao atuarem em parceria em Arranjos Produtivos
129
Locais, é promover a competitividade e a sustentabilidade dos micros e
pequenos negócios, estimulando processos locais de desenvolvimento, para o
que é preciso ter em mente que, em qualquer ação nesse sentido, deve-se
permitir a conexão do arranjo com os mercados, a sustentabilidade por meio de
um padrão de organização que se mantenha ao longo do tempo, a promoção
de um ambiente de inclusão de micro e pequenos negócios em um mercado
com distribuição de riquezas, e a elevação do capital social por meio da
promoção e a cooperação entre os atores dos territórios.
Além disso, é preciso observar a democratização do acesso aos bens públicos
como educação e saúde, a preservação do ambiente, a valorização do
patrimônio histórico e cultural, o protagonismo local, a integração com outros
atores, a mobilização de recursos públicos ou privados complementares aos
aportados pelos atores locais.
A Piscicultura, através da promoção das ações do APL da Piscicultura em
Alagoas, foi amplamente divulgada e trabalhada nos municípios identificados
como potenciais. Muitas ações de capacitação e gestão foram despendidas
para estruturar o APL da piscicultura em Alagoas. Em 2008, foi refeito o
planejamento, adequando as novas ações para a continuidade do programa,
que continua com a gestão participativa do SEBRAE/AL e da SEPLAN.
Em entrevista para esta pesquisa, o Gestor do APL, Miguel Alencar,afirmou
que a perspectiva é a de que o Estado continue a subsidiar ações pontuais
junto aos piscicultores, principalmente apoio tecnológico. Todavia, mostrou-se
preocupado ao afirmar que o próprio Estado, através da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico não costuma contatar os parceiros quando tem a
intenção de lançar um novo programa os ações voltadas para a piscicultura, o
que dificulta sustentabilidade dos programas já iniciados.
É intenção do Governo do Estado de Alagoas, do SEBRAE/AL e dos demais
parceiros a continuidade do programa. Para isso, com a reeleição em 2010 do
atual Governador Teotônio Vilela Filho, os envolvidos no Programa têm a
garantia de que haverá a continuidade das ações divulgadas como
130
estruturantes e em pleno desenvolvimento pelos meios de comunicação
existentes no Estado.
Com o andamento da pesquisa, verificou-se que a inclusão social bem como a
melhoria da qualidade de vida dos pescadores onde os tanques-redes foram
implantados não teve o resultado esperado. Com a especialização das
técnicas, as atividades que envolvem a piscicultura em tanques-redes não
necessitam de muitas pessoas para operá-los, ao contrário da pesca artesanal,
onde grupos de pescadores saem em conjunto para efetuar a pesca.
Essa especialização, imposta pelo Capital, fez com que os pescadores
artesanais fossem impedidos de desenvolverem seus saberes que ao longo
dos séculos lhes foram úteis e altamente necessários para sua sobrevivência e
a sustentabilidade de suas famílias.
Aliado ao fato de que, com a sobra de pescadores, pois não são necessários
tantos homens para alimentar os peixes e vigiá-los, a ociosidade espalhou-se
pelas comunidades visitadas ao ponto de encontrarmos pescadores
simplesmente esperando “dar a hora” para ir fazer o “ serviço” ( dar a ração ao
peixe, ou verificar as gaiolas).
Esta tese não concorda com a abordagem pela qual os tanques-rede estão se
expandindo nas comunidades do Baixo São Francisco alagoano.
Percebe-se que o discurso do Capital na defesa pela atividade da Piscicultura
em Tanques-redes e sua tentativa de tornar o pescador artesanal um
empreendedor ou empresário de pequeno porte em Alagoas torna-se
totalmente inviável, pois ao ignorar o quotidiano do pescador, seus saberes e
sua identidade, lhes é negado o direito de ser o que sempre foram:
responsáveis por sua sustentabilidade.
Constatou-se que na prática, é dado ao pescador o instrumental físico, as
gaiolas os quilos de rações e os alevinos. Mas e depois? E o processo de
produção? Quem cuida da logística, e da distribuição? E o acesso ao
131
mercado? E a contabilidade? Ora, em sua maioria, os pescadores são
analfabetos ou analfabetos funcionais. Como de uma ora para outra, sem
preparo ou capacitação (e talvez mesmo capacitando fosse difícil a apreensão
dessas habilidades) esses pescadores tornar-se-ão empresários formais ou
micro empreendedores?
A resposta para esta pergunta está caracterizada na realidade encontrada nas
comunidades estudadas, e compõem o referencial conclusivo destapesquisa.
Cabe aqui uma reflexão: esta tese defende a idéia de que não é através da
forma pela qual foi/ é conduzido o APL da piscicultura em Alagoas que será
alcançada a sustentabilidade dos pescadores e conseqüentemente a
preservação do modo de vida dos ainda restantes pescadores artesanais (
diga-se, não contemplados pelos programas como o APL).
É preciso muita sensibilidade dos envolvidos na formulação pelas políticas
públicas estaduais e também que sejam realizados trabalhos de campo, com a
participação dos pescadores artesanais na busca pelas soluções mais
adequadas à realidade dos municípios que ainda resiste a pesca artesanal.
5 PERFIL DA PESCA NOS MUNICÍPIOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO ALAGOANO
Para efeito de compreensão e uniformização da linguagem, faz-se necessário
ressaltar que os municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar,
132
representadas na Figura 1, no início deste trabalho, estão localizados na região
chamada de Baixo São Francisco Alagoano.
O município de Pão de Açúcar está localizado na região centro-oeste do
Estado de Alagoas, limitando-se a norte com os municípios de São José da
Tapera e Monteirópolis, a leste com Palestina e Belo Monte, a sul com o rio
São Francisco/SE e a oeste com Piranhas. A área municipal ocupa 659,12 km2
(2,37% de AL. O acesso a partir de Maceió é feito através das rodovias
pavimentadas BR-316, BR-101, AL- 220 e AL-130, com percurso em torno de
239 km.
O município foi criado em 1854. Segundo o censo 2010 do IBGE, a população
total residente é de 27.351 habitantes, dos quais 13.965 do sexo masculino
(50,90%) e 13.386 do sexo feminino (49,10%) São 10.806 os habitantes da
zona urbana (44,40%) e 16.545 os da zona rural (55,60%). A densidade
demográfica é de 36,94 habitantes/km.
A rede de saúde dispõe de 01 hospital, 54 leitos hospitalares e 11 Unidades
Ambulatoriais e 08 Postos de Saúde. Na área educacional, o município dispõe
de 18 escolas de ensino pré-escolar, com 820 alunos matriculados, 33 escolas
de ensino fundamental, com 6.225 alunos matriculados e 04 escolas de ensino
médio, com 765 alunos matriculados. O PIB do município foi de U$
17.615.303,00 e o PIB per capita foi de U$ 753,00 em 2008. O FPM = R$
2.550642,90, o ITR = R$ 2.245,28 e o Fundef = R$ 532.652,94 (IBGE, 2010).
As principais atividades econômicas do município são: Comércio, serviços,
agro-pecuária e atividades de extrativismo vegetal e silvicultura. No ranking de
desenvolvimento, Pão de Açúcar está em 21º lugar no estado (21/102
municípios).
O município de Olho D’ Água do Casado está localizado na região oeste do
estado de Alagoas, limitando-se a norte com os municípios de Inhapi e Água
Branca, a sul com Canindé d o São Francisco (SE) (Rio São Francisco), a leste
com Piranhas e a oeste com Delmiro Gouveia e Água Branca.
133
A área municipal ocupa 322,8 km (1,16% de AL). O acesso a partir de Macei ó
é feito através das rodovias pavimentadas BR-316, BR-101 e AL- 220, com
percurso em torno de 271,60 km. O município foi criado em 1962,
desmembrado de Piranhas. Segundo o censo 2010 do IBGE, a população total
residente é de 9.059 habitantes, dos quais 5.550 do sexo masculino (50,30%) e
4.509 do sexo feminino (49,70%). São 3.887 os habitantes da zona urbana
(55,00%) e 5.172 os da zona rural (45,00%). A densidade demográfica é de
21,90 habitantes/km. São 5.320 os eleitores cadastrados no município (61,2%
da população). A rede pública de saúde não dispõe de hospital, existindo
apenas 05 Unidades Ambulatoriais, 02 Postos de Saúde e 01 Centro de Saúde.
Na área educacional, o município dispõe de 01 escola de ensino pré-escolar
com 145 alunos matriculados, 20 escolas de ensino fundamental com 2.355
alunos matriculados e 01 escola de ensino médio, com 108 alunos
matriculados (IBGE, 2010).
O PIB do município foi de U$ 4.611.045,00 e o PIB per capita foi de U$ 773,00
em 2008. O FPM = R$ 1.275.321,71, o ITR = R$ 2.828,79 e o Fundef = R$
625.523,92. No ranking de desenvolvimento, Olho d’ Água do Casado está em
86º lugar no estado (86/102 municípios).
5.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO
O rio São Francisco historicamente é uma das principais fontes brasileiras de
pescado fornecendo peixes para sua população ribeirinha e atendendo aos
mercados do Nordeste e do Sudeste do Brasil.
Suas águas representam para muitas famílias uma importante fonte de renda,
como exemplo a pesca artesanal de pequeno porte. Quase 13 milhões de
pessoas, o equivalente a 8% da população do País, habita a região, sendo que
as maiores concentrações estão situadas no Alto (50%) e no Médio São
Francisco (20%). A população urbana representa 74% da população total e a
densidade demográfica é de 20 hab./km².
134
A Região Hidrográfica abrange 521 municípios e sete Unidades da Federação:
Bahia (48,2% da área da bacia), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%),
Alagoas (2,3%), Sergipe (1,1%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%).
Devido à sua extensão e aos diferentes ambientes percorridos, a Região
Hidrográfica está dividida em quatro unidades: Alto São Francisco, Médio São
Francisco, Sub-Médio São Francisco, e o Baixo São Francisco. A Região
Hidrográfica do São Francisco contempla fragmentos dos Biomas Floresta
Atlântica, Cerrado, Caatinga e Costeiros e Insulares. A Floresta Atlântica,
devastada pelo uso agrícola e pastagens, ocorre no Alto São Francisco,
principalmente nas cabeceiras.Os principais afluentes estão no estado de
Minas Gerais que fornece cerca de 70% da água do rio, num percurso
aproximado de 700 km, com área de drenagem de 243.000 km2 o que
corresponde a 41% da área do estado
Segundo informações de técnicos do IBAMA/AL, atualmente a pesca no Baixo
São Francisco Alagoano, onde estão localizadas as comunidades estudadas
nesta tese, apresenta índices críticos de produtividade, principalmente quando
se verifica uma sensível queda no esforço de pesca, tanto pela
descapitalização do pescador como pelo desestímulo à atividade.
O sistema de suporte a pesca artesanal nos municípios de Pão de Açúcar e
Olho D’ água do Casado baseia-se exclusivamente na utilização de
embarcações tipo canoas, com propulsão a remo e/ou a vela, com um reduzido
número a motor. São construídas em madeira, na própria região e têm
comprimentos que variam entre 5,0 e 8,0 m., obedecendo a uma padronização
e apresentando grande durabilidade.
Normalmente a pesca artesanal nas comunidades pesquisadas, é realizada
com dois pescadores por embarcação, onde a produção é repartida dividindo-
se a produção em três partes, ficando uma para o pescador e duas partes para
o dono da embarcação e dos apetrechos.
135
Todas as despesas inerentes à manutenção da embarcação e dos apetrechos
correm por conta do proprietário, que pode não ser o pescador, uma vez que
foi identificado que na cidade de Pão de Açúcar, alguns comerciantes locais
compram as canoas quando os pescadores estão muito endividados e
desesperados por dinheiro; ou as tomam quando os mesmos estão em débito
com os armazéns. A tecnologia utilizada na captura e na conservação do
pescado é bastante artesanal.
Seus utensílios de pesca são de constituição simples, com um bom grau de
seletividade; por isso não são os maiores responsáveis pela atual situação de
despovoamento do rio. A comercialização do pescado na região é bastante
desordenada, devido em parte, a pouca infra-estrutura das feiras-livres dos
municípios, que não possuem uma balança para uso dos pescadores.
Alguns atravessadores abordam o pescador logo que eles chegam da
pescaria, e levam a produção toda para Maceió, para os hotéis e restaurantes
especializadas em frutos do mar. Devido à desorganização dos pescadores e
pela falta de um local apropriado para armazenar e comercializar a produção, a
disseminação da atividade de intermediação fica facilitada, tornando mais difícil
ainda a luta do pescador artesanal pela sobrevivência.
5.1.1 Pluriatividade e Desenvolvimento Sustentável: Novas Práticas nos Territórios dos Pescadores
Os quotidianos dos pescadores artesanais dos Municípios de Pão de Açúcar e
Olho D’água do Casado, que integram o Baixo São Francisco Alagoano,
encontram-se invariavelmente marcados pela precariedade.
Os últimos dez anos testemunharam uma redução significativa dos cardumes
de peixes e da disponibilidade do camarão. Muitas são as causas citadas para
justificar este cenário, que vão da pesca predatória praticada por grandes
embarcações, o povoamento do rio com espécies predadoras trazias de outras
regiões, os efeitos da degradação dos rios que deságuam no São Francisco, e
136
a sempre citada, mesmo após 17 anos de inaugurada, a Hidroelétrica de
Xingó35.
Pode-se inferir que, o ano de 2000 estabeleceu um verdadeiro divisor de águas
do ponto de vista das políticas públicas que incidem sobre a agricultura e o
mundo rural do Brasil. Surge o PRONAF como ferramenta da mobilização de
agricultores em prol da defesa dos interesses de um setor convencionalmente
excluído do acesso aos instrumentos de crédito. Ainda que na atual conjuntura
a incidência deste programa seja ainda tímida, tanto do ponto de vista do
número de explorações atingidas quanto do volume de créditos efetivamente
disponibilizados a este setor da agricultura nacional, não resta dúvida de que
sua aparição supõe avanços (DIEGUES,2004).
Para Delgado (2001, p.63), agricultura e pesca representam atividades
humanas que se desenrolam em ambientes diversos, onde a relação com a
natureza é absolutamente determinante e, em grande medida, incontrolável.
Além disso, alude este autor:
[..] existem muitas semelhanças – não obstante suas diferenças – entre
os agricultores familiares e os pescadores artesanais, entre as quais se
incluem a sua marginalidade diante da estrutura de poder econômico e
político dominante no país e sua histórica resistência frente a
condições econômicas e sociais bastante adversas. Além disso,
representam atividades produtivas de considerável risco econômico,
para as quais os mercados muitas vezes não existem ou existem
apenas de forma incompleta, fazendo com que, tanto a agricultura
quanto a pesca, sejam atividades que combinam formas institucionais
modernas e arcaicas. (DELGADO, 2001, p.62).
Para a compreensão dessa tese, as políticas setoriais aplicadas ao ramo da
pesca, como em ALAGOAS, é o caso do APL, desencadearam um processo
semelhante ao que estiveram submetidos os agricultores familiares com a
modernização conservadora. Impelidos a incorporar novos procedimentos
35 Situações colocadas pelos pescadores entrevistados no período de julho a novembro de 2009.
137
tecnológicos e ampliar sua capacidade produtiva, muitas famílias
especializaram-se à medida que as condições assim o permitiam.
Os últimos anos, como ressaltado anteriormente, representaram uma mudança
de comportamento nesta trajetória, no qual imperam novas condições em que
operava a atividade da pesca. Muitas famílias – as mais fragilizadas do ponto
de vista das condições materiais – vêem-se ameaçadas de sobreviver na e
pela atividade.
Mas há um elemento novo que aportam os últimos anos. Ele consiste na
instituição do “defeso” ou “parada biológica” obrigatória. Significa não apenas a
possibilidade de perceber uma remuneração durante um período de quatro
meses, mas a expectativa de obter a aposentadoria decorrente do exercício da
atividade. Esse fato altera substancialmente os quadros de referência dos
indivíduos e dos grupos domésticos a que se acham vinculados.
Ainda que não se houvessem se servido do termo pluriatividade como forma de
referência a este fenômeno, outros autores já evidenciaram ser esta uma
prática corrente entre pescadores do Brasil.
Em alguns casos, o turismo desponta como uma atividade emergente
articulada à pesca artesanal, a qual introduz modificações substanciais na
dinâmica dos grupos domésticos implicados. Foi verificado que já existem
grupos de empreendedores que exploram os canyons do São Francisco,
próximos a comunidade de Olho D’ água do Casado, para fins comerciais de
exploração ao Turismo. A comunidade não está inserida na atividade e vê, do
alto, uma possibilidade em estágio bruto para buscar uma alternativa
sustentável para o sustento das famílias.
A natureza das atividades pluriativas é apontada em outras pesquisas
realizadas no país, como o que alude Martin, et al (1999), ao analisar as
condições gerais da pesca no reservatório de Itaipu, no qual aparecem
evidenciadas as circunstâncias em que elas aparecem.
138
Nesse sentido,
[..]. um número bem significativo (45% em ambas as colônias) dos
pescadores participantes da pesquisa possui outra atividade
profissional, além da pesca, apesar de a terem como a principal
atividade. Isso se deve aos períodos críticos (inverno, escassez de
peixes e épocas de proibição da pesca pelo IBAMA e pela própria
Itaipu), conforme relato dos próprios pescadores. Dedicam-se também
aos serviços na agricultura, pedreiro, mecânico, técnico eletricista,
autônomo, guarda-noturno, eletricista e operador de máquinas. Tais
atividades garantem-lhes um acréscimo de renda mensal de até 2
salários mínimos. (MARTIN, et al, 1999, p. 33)
O sentido comum e recorrente repousa no caráter diversificado destas
iniciativas, regidas pelas próprias circunstâncias em que se acham submetidos
os indivíduos e o universo de possibilidades que o próprio ambiente lhes venha
a oferecer.
Na pesquisa realizada junto aos pescadores artesanais de Pão de Açúcar e
Olho D’água do Casado admitiu-se que as famílias exclusivamente pesqueiras
são aquelas que se dedicam exclusivamente à captura de pescado como forma
de assegurar a reprodução material de seus membros. Esta pode ou não
envolver o conjunto da força de trabalho familiar em atividades realizadas
individualmente, em sistema de parceria, sociedade com empresas (via
contratos) e/ou com outros pescadores artesanais.
Estes – os pescadores – identificam-se como sendo detentores dos
instrumentos de trabalho (embarcação, redes, motor, etc.), ao passo que os
“caronas” não dispõem desses meios e atuam sob distintos arranjos produtivos,
podendo ser pagos por quota ou outro sistema de remuneração.
Para caracterizar as famílias encontradas nas comunidades pesquisada, foi
utilizada a classificação de famílias exclusivamente de pescadores e famílias
pluriativas. Famílias exclusivamente de pescadores são as que os membros da
família dedicam-se exclusivamente ao trabalho da pesca artesanal, e famílias
pluriativas as que realizam a combinação de trabalho da pesca artesanal com
139
atividades desvinculadas da pesca, no âmbito da indústria, comércio e/ou serviços,
podendo envolver o exercício de outras atividades remuneradas, indiretamente
relacionadas à pesca (salga, fileteamento, processamento para venda, feira livre, etc.)
ou atuando como empregado assalariado em embarcações privadas36.
No elenco de ocupações que não possuem relação com a pesca figuram
atividades esporádicas na construção civil (pedreiro, pintor, vigia, etc.),
artesanato, comércio e outras iniciativas bastante diversificadas. Não menos
importantes são os trabalhos gerados no âmbito da própria comunidade, como
a elaboração de subprodutos de peixe comercializados por empresas
contratantes ou por terceiros.
Concomitantemente à formação e análise dos dados de fontes primárias,
constituiu-se um referencial de fontes secundárias (IBAMA, IBGE, SEAP, FAO,
etc.) que foi fundamental para avançar sobre outras questões que são
colocadas a seguir.
É necessário registrar que há outros pontos do Estado onde vivem famílias de
pescadores. Contudo, optou-se por estudar os pescadores de Pão de Açúcar e
Olho D’água do Casado por serem os núcleos mais representativos de
pescadores artesanais identificados no semi-árido alagoano. Foi nestes
municípios onde foi encontrado o maior número de famílias de pescadores
artesanais.
Compuseram a amostra somente famílias em que pelo menos um membro
tivesse trabalhado como pescador artesanal no período de janeiro de 2008 a
novembro de 2009. Foram entrevistados 79 pescadores37.
36Para auxiliar na compreensão e cruzamento de informações sobre pluriatividade, tomou‐se como referencia o relatório da pesquisa de autoria de Paulo André Niederle eFlávio Sacco dos Anjos, 2005, UFPel/CNPq (2004). 37 Tomou‐se como parâmetro a pesquisa realizada por Paulo Nirdelle e Augusto Sacco dos Anjos, adaptando‐se o questionário por eles utilizado, dada a especificidade de algumas perguntas atenderem às necessidades levantadas por esta Tese.
140
5.2 ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS NOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS
Seguindo a análise das informações coletadas, extraiu-se que 34,2% das 79
famílias entrevistadas foram enquadradas como “exclusivamente pesqueiras” e
65,8% como pluriativas. Os dados da Tabela 1 mostram que a maior parte das
famílias pluriativas e exclusivamente pesqueiras compõem o intervalo de 3 a 4
moradores.
Tabela 1 – Distribuição das famílias de pescadores artesanais segundo a situação (pluriativas e exclusivamente pesqueiras) e o número de residentes em cada uma delas.
TIPO DE FAMILIA
Nº de famílias
Nº DE PESSOAS RESIDENTES NAS
FAMILIAS
Até 2 3 a 4 5 a 8 9 a 14
EXCLUSIVAMENTE
PESQUEIRA
27 3 12 4 8
PLURIATIVA 52 4 27 14 7
Fonte: Pesquisa de campo, 2009 com pescadores dos municípios de Olho D’água do
Casado e Pão de Açúcar.
A composição das famílias dos pescadores entrevistados em geral, é composta
pelo Pai, pescador, que é a figura sempre apontada como responsável por
prover toda a família. Das 79 famílias entrevistadas, em 15 delas a figura do
avô (paterno ou materno) também compunha o núcleo familiar. Esse avô, que
se apresentou como ex-pescador, hoje se encontra aposentado, e contribui
significativamente com sua aposentadoria para a complementação da renda
familiar.
Nas famílias onde as avós (maternas ou paternas) estão presentes, as
mesmas colocaram que quando ativas no trabalho, eram responsáveis por
“tratar o peixe”, salgar, e também faziam as redes de malha, ajudando seus
maridos na lida da pesca.
Nas 15 famílias onde o avô contribui com a renda familiar, através da sua
aposentadoria, o pescador chefe da família salientou que se não fosse esse
complemento, a famílias estariam em situação de maior precariedade.
141
No tocante a escolaridade dos pescadores, 40% deles são analfabetos.
Todavia, dado interessante reflete que todos os entrevistados fazem questão
de afirmar que seus filhos e netos estão na escola, onde para os pescadores, é
um motivo para afirmar que os filhos terão melhores chances na vida do que
eles.
As crianças estudam nas escolas municipais até o ensino fundamental. O
ensino médio e continuado nas escolas mantidas pelo governo estadual. Existe
uma boa compreensão dentro da comunidade sobre a importância da escola
para o desenvolvimento e construção do futuro das crianças, por isso, todas as
crianças estão matriculadas nas escolas públicas da região.
Não foi identificada em nenhuma das famílias a existência de jovens nas
universidades mais próximas (UFAL e UNEAL38, distantes 180 km, na cidade
de Arapiraca). Todavia, 9 filhos de pescadores, com idades entre 16 e 19 anos
afirmaram ter o desejo de cursar uma faculdade.
Foram entrevistadas 4 mulheres cadastradas como pescadoras no município
de Olho D’ água do Casado. Não existem mulheres pescadoras em Pão de
Açúcar, ao menos cadastradas.
As pescadoras relataram que iniciaram seus trabalhos na pesca, através de
covos ou gereré, artefatos utilizados para pesca em pequenas lagoas ou áreas
alagadas do rio. Segundo as pescadoras, nos últimos 10 anos, com a
diminuição de peixes, atribuídas por elas à construção da barragem de Xingó,
elas vem perdendo espaço, e não conseguem mais acesso ao peixe como
anteriormente. Em contrapartida, segundo as entrevistadas, com a alternativa
trazida pela introdução da atividade de tanques-rede, através do artesanato
com o couro da tilápia, algumas mulheres da comunidade, incluindo as
pescadoras, tem tido a possibilidade de auferir renda através de trabalhos
manuais.
38 Universidade Estadual de Alagoas.
142
A fabricação de produtos artesanais derivados do couro da tilápia foi observada
nos dois municípios. Ao todo, 13 mulheres fabricam cintos, sandálias tipo “xô-
boi”, porta moedas e bolsas. O trabalho foi orientado por designers trazidos
pelo SEBRAE/AL e realizado em oficinas. Das 60 mulheres capacitadas nas
oficinas, segundo o Gestor do APL Miguel Alencar, apenas 13 continuam os
trabalhos.
As causas pelo abandono das 47 mulheres da atividade artesanal com o couro
da tilápia foram atribuídas aos empecilhos colocados pelos esposos
pescadores, que, percebendo que suas esposas estavam ganhando mais
através do artesanato, do que eles com a pesca, não permitiram que as
mesmas continuassem com a fabricação dos artefatos.
As mulheres, esposas dos pescadores, em 9 famílias pluriativas também
atuam como artesãs, beneficiando o couro das tilápias que são cultivadas nos
tanques-redes implantados pelo APL da piscicultura, no povoado Nova
Esperança, em Olho D’ água do Casado. Ressalte-se que os cursos trazidos
pelo Projeto Xingó em parceria com o APL da piscicultura, em geral, estavam
voltados exclusivamente para as mulheres dos pescadores que se
envolvessem no projeto de piscicultura em tanques redes.
De início esses cursos foram vistos com desconfiança, mas devido a
ociosidade das mulheres, que não precisavam mais esperar o marido vir com o
peixe para tratar, os cursos de artesanato eram a única opção oferecida pelo
Capital como garantia para a complementação da renda da família.
Os adolescentes completam a composição familiar, em sua maioria são
estudantes. Apenas 7 dos 26 adolescentes identificados nas famílias
pesquisadas, entre 13 e 17 anos ajudam os pais na lida com a pesca artesanal.
Não foram identificados adolescentes trabalhando com a atividade da
piscicultura em tanques-rede durante a aplicação dos questionários.
143
Outro aspecto que mereceu uma atenção especial reside na questão das
rendas das famílias dos pescadores artesanais. Os dados da Tabela 2
apresentam a situação das famílias entrevistadas do ponto de vista da
composição da renda.
Para efeito metodológico as rendas de aposentadorias e pensões foram
desconsideradas para efeito do cálculo da renda mensal das famílias, por
serem estas rendas ocasionais, não permanentes, por isso não deveriam ser
computadas como uma renda fixa, embora quando presentes contribuam
decisivamente para a complementação do sustento familiar, principalmente nos
casos das famílias com muitos dependentes. A renda do seguro-defeso
também pela mesma lógica, não foi adicionada.
Dentre as famílias pluriativas, 18 delas complementaram seus ganhos com
atividades relacionadas à pesca, ao passo que 34 obtiveram receitas lançando
mão de atividades externas.
A pluriatividade está presente no dia-a-dia do pescador. Durante as oficinas
conduzidas para coleta de dados, em novembro de 2009, os pescadores
apontaram, que com o passar dos anos após a instalação da hidroelétrica de
Xingó, é cada vez mais constante encontramos pescadores trabalhando como
serventes, ajudantes nas feiras ou desenvolvendo funções que não requerem
muita especialidade, para complementar a renda familiar. Pescador artesanal
hoje nos municípios pesquisados, que vive exclusivamente da pesca, é figura
rara.
Tabela 2 – Tipos de renda e média da renda mensal, segundo o tipo de família de pescadores artesanais.
Tipo de Renda Tipo de família
Exclusivamente
Pesqueira
Pluriativa
Nº R$ Nº R$
Renda da Pesca 27 264,00 52 272,00
Renda de atividades - - 18 39,00
144
relacionadas a pesca
Renda de atividades
externas
- - 34 184,00
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
A busca por atividades remuneradas que complementem a renda familiar vem
sendo objeto de desejo de muitos pescadores e familiares destes, desde que a
pesca em seus moldes tradicionais vem se tornando mais difícil, e também
desde que não são necessários muitos pescadores para cuidar das gaiolas
com os peixes.
Ao ser enfocado o conjunto das rendas totais, aparece uma pequena, mas
significativa diferenças entre as famílias analisadas. As pluriativas apresentam
um valor médio mensal de (R$ 272,00) superior ao das exclusivamente
pesqueiras (R$ 264,00).
Entre as famílias dos pescadores entrevistados há realmente aquelas muito
pobres, que vivem com o mínimo aceitável para manterem suas condições de
vida. Não passam fome, mas se privam de muita coisa. As atividades que
complementam a da renda dos pescadores entrevistados, também
popularmente conhecidas como “biscates” ou “bicos” já estão incorporados no
quotidiano dos pescadores artesanais, citadas nos depoimentos como
exercício esporádico de funções como pintor, vendedor ambulante, auxiliar de
pedreiro, etc.
Ter que buscar uma atividade para complementar sua renda levou os
pescadores entrevistados a refletirem que, antes da construção de Xingó, todos
os pescadores conseguiam renda suficiente para manterem suas famílias, sem
a necessidade de praticarem bicos ou tarefas alheias a sua condição.
A pesquisa identificou um reduzido número de famílias, apenas 11, que
desenvolvem práticas de auto-consumo, a exemplo de pequenas hortas que
poderiam ser construídas em suas residências, reduzindo a dependência
145
externa com a compra de alimentos frescos e a vulnerabilidade econômica dos
indivíduos. Conforme relatado em capítulo anterior, os pescadores reclamam
que não tem acesso a terra para plantar o que contribui para a dificuldade em
agregar valor e produtos ao consumo alimentar da família.
Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos pluriativos segundo o tipo de atividade desenvolvida e o número de dias dedicados ao exercício destas atividades.
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Faz-se necessário destacar que para compor a tabela 3, foi dada ao pescador
entrevistado a opção de citar mais de uma função ocupada ou desempenhada
por ele para complementar sua renda, por isso o numero total de indicações foi
superior ao numero de pescadores totalizados em 52 na amostra.
A restrição de alternativas de trabalho e ocupação, no âmbito dos municípios
pesquisados não é apenas produto da fragilidade do tecido social e produtivo,
mas da própria distância (aproximadamente 300km) que separa as
comunidades dos municípios pesquisados do centro de Maceió.
Tipo de Atividade Nº de
Pescadores
Nº de Dias
- média mensal
Assalariado na pesca tanque-rede 15 20
Serviços pessoais 18 15
Comércio 9 15
Feira livre e comércio em geral 11 20
Indústria 3 10
Fabricação de Redes 1 10
Construção Civil 5 15
Comércio próprio 2 04
Serviços auxiliares 2 20
Artesanato - Confecção 22 12
Artesanato - Comércio 2 3
Transporte 1 4
146
O custo da passagem é alto ( R$ 30,00) , dez vezes mais do que pagam os
usuários da cidade, algo que inviabiliza o deslocamento para o trabalho na
capital, Maceió. Se for considerado o baixo nível de escolaridade apresentado
entre os pescadores, a possibilidade de alocação em um emprego formal
também se distancia.
Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados segundo a opção escolhida caso a situação da pesca piore na região
Opção escolhida Tipo de família
Exclusivamente
pesqueira
Pluriativa
Esperaria a crise passar 15 16
Deixaria a pesca 7 10
Iria para a capital na busca de
alternativas
3 13
Empregar-se-ia em qualquer
atividade
2 6
Iria para outro Estado - 7
Não opinou - -
Total 27 52
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Na Tabela 4 observa-se que ao serem pontuadas as possibilidades sobre o
rumo de suas vidas, tanto os pescadores que sobrevivem exclusivamente da
pesca como os que são pluriativos comungam de posições semelhantes, pois
suas percepções sobre suas condições sociais de existência a partir do exame
sobre as perspectivas futuras da atividade que hoje desempenham estão
ameaçadas pelo avanço do Capital.
Dada as respostas, a percepção dos pescadores em geral refletem uma
posição duvidosa e negativa sobre a continuidade da atividade da pesca em
Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado. Desde a construção de Xingó, até a
chegada e estabelecimento da piscicultura em tanques-rede em 2001,
percebe-se o reflexo da crise na pesca artesanal.
147
Na análise dos dados coletados, todos os pescadores afirmaram serem donos
de suas próprias canoas e utensílios para a pesca, embora, nos últimos anos,
muitos tenham tido que vender suas canoas em momentos de dificuldades
financeiras, e posteriormente, através do financiamento via Banco do Nordeste
– Pronaf/Pesca, tenham comprado novamente a canoa.
Dos entrevistados, 60% afirmaram, que, embora necessitem, tem muito medo
de solicitar financiamento, pois segundo eles, muitos outros pescadores já se
endividaram bastante, e até hoje não conseguem pagar o débito. Para os
pescadores, muitos agentes e oportunistas que dizem representar as agências
de crédito vêm procurar os pescadores oferecendo dinheiro fácil. Muitos
atraídos pela facilidade caem na armadilha e quando se dão conta, estão como
nome sujo e endividados.
Cabe ressaltar que os pescadores afirmaram ser comum, embora essa prática
venha diminuindo, o empréstimo da canoa para outros pescadores poderem
pegar ao menos o peixe para a diária (para o alimento da família), sem ser
cobrada taxa para a ação. Segundo os pescadores, todos se solidarizam,
embora não possam fazer muita coisa, com a situação de precariedade de
alguns colegas, e para eles, emprestar a canoa é um ato de partilha e
solidariedade.
Tabela 5 – Distribuição dos entrevistados em relação às perspectivas da família continuar na atividade pesqueira.
Opinião
Tipo de família
Exclusivamente
pesqueira
Pluriativa
Positiva 3 14
Negativa 24 38
Não sabe/não respondeu - -
Total 27 52
148
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Ao serem questionados sobre a perspectiva de que os filhos ou netos
continuem na atividade da pesca artesanal, ou na atividade dos tanques-rede,
mostrou-se como maioria a intenção da não continuidade do trabalho da família
na atividade da pesca.
A principal causa para o descrédito da atividade da pesca está relacionado a
dificuldade de acesso ao crédito, a concentração do conhecimento ( no caso
dos tanques-rede) nas mãos de poucos, a falta de apoio político, o fato dos
jovens não quererem mais trabalhar “ no pesado”, dentre outros.
Há relatos de pescadores entrevistados onde os mesmos não querem que os
filhos cheguem perto de uma canoa. Querem os filhos estudando. Todavia, por
melhor que seja a intenção, ao terminarem o segundo grau, os filhos desses
pescadores não encontram muitas opções para continuarem seus estudos. As
instituições de ensino superior que estão se instalando nos municípios do
agreste e sertão de alagoas, oferecem cursos em estilo AED, onde os
encontros são quinzenais, o que não é um atrativo para quem sempre sonhou
em ter um filho numa universidade, nos moldes tradicionais.
Delgado (2001, p.66) é cuidadoso ao referir-se sobre o tema do
desenvolvimento local das “comunidades pesqueiras”. Para este autor há que
se admitir três questões centrais a serem enfrentadas simultaneamente.
A primeira delas diz respeito à preservação ambiental. A segunda refere-se ao
tema dos direitos sociais dos membros das comunidades pesqueiras,
pressupondo o necessário reconhecimento, por parte do Estado, não apenas
de sua condição de cidadãos, mas como objeto de políticas governamentais e
de fornecimento de bens e serviços públicos.
Destaque-se aqui ao papel que se poderia atribuir ao pescador artesanal
enquanto ator social privilegiado na conservação dos ecossistemas aquáticos,
como é precisamente o caso das lagoas e restingas, reconhecidamente frágeis
149
ante à degradação ambiental, incluindo também a relevância na preservação
de valores culturais fundamentais que conformam a própria identidade regional.
A terceira questão que destaca Delgado, na caminhada de construção do
desenvolvimento local, reside na geração sustentável de renda e na melhoria
das condições de vida das comunidades pesqueiras.
Projetos inovadores que apostam em articular turismo, artesanato e resgate de
valores culturais, esbarram em inúmeras dificuldades próprias da estreiteza de
horizontes das instituições e da incapacidade dos pescadores e de suas
estruturas de representação em formular ações nesse sentido.
A pesquisa identificou que através da pluriatividade, encarando esta como
uma estratégia de reprodução extremamente relevante no sentido de assegurar
condições através dos quais as famílias obtêm um nível de consumo
socialmente aceitável, a condição do pescador no baixo São Francisco
alagoano ainda não é de miséria.
5.3 O PESCADOR ALAGOANO E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO ARTESANAL
Percebe-se que o fator predominante na questão de tradições populares diante
de uma determinada atividade, pode também considerar maior articulação que
advém dos membros das populações ribeirinhas, esta articulação provém de
um fator comum, a atividade pesqueira.
A cooperação entre os pescadores se torna muito importante durante as
pescarias. Essas cooperações são variáveis, muitas delas são exercidas entre
os parentes e em outros casos com os amigos mais íntimos. Para a captura do
peixe o pescador desenvolve suas próprias técnicas, faz uma adequação ao
determinado horário que ele julga ser mais proveitoso.
150
O momento propício á pratica da pescaria, está relacionado, aos horários em
que o peixe se alimenta. Os pescadores costumam pescar sozinhos ou em
duplas, a pescaria solitária é sempre de anzol, quando feita em duplas utiliza-
se o barco, a tarrafa e a rede, a partilha do lucro é combinada de diversas
maneiras dependendo muito de cada ocasião e as regras combinadas por eles
mesmos.
A maioria das famílias tem suas origens nos próprios municípios, a base
familiar é do pai, pescador. Muitos pescadores ainda não conhecem Maceió, e
as crianças e adolescentes, filhos desses, também não.
Os filhos de alguns pescadores admitem que trabalhar na pesca não foi fruto
apenas das adversidades sofridas ou é simplesmente a falta de oportunidades,
mas tornou-se, no início, uma opção gratificante de trabalho. Apesar de
gostarem do que fazem muitos pais pescadores dizem que não gostariam que
seus filhos seguissem esse caminho por ser muito sofrido e pouco
compensador. Preferem que estes estudem e se formem para ter uma vida
melhor.
Existe um sentimento de identidade dos pescadores com o rio, percebido
durante as entrevistas, pois os mesmos se consideram parte dele, tendo como
um local de trabalho e de onde se tira o alimento que sustenta a sua família.
Essa identidade faz com os pescadores tenham um enorme respeito com o rio.
A representação sindical de base dos pescadores em Alagoas são as colônias.
A partir da filiação do pescador à Colônia, o mesmo passa a ter acesso aos
direitos previdenciários como auxílio-doença, seguro desemprego e
aposentadoria39.
A comercialização do pescado nos municípios estudados é feita, em parte
entre os próprios comunitários. Quando a pesca é feita em conjunto o lucro é
combinado segundo a participação de cada um. Apesar de existir a colônia que
39 Agradecimento especial a pesquisadora Vera Lúcia Oliveira Coutinho Ramos, pela disponibilização de seu trabalho para consulta e subsídio teste tópico da pesquisa.
151
compra e vende o peixe dos pescadores, os mesmos são livres para também
vender o seu pescado a quem quiser e ao preço que ele achar ser melhor.
Durante muitos anos os pescadores tiveram uma abundância de peixe no rio
São Francisco. Os peixes do São Francisco mais conhecidos em toda sua
extensão se destacam: o surubim (surubi), o dourado, a Curimatá (curimatã). O
mandim , o pacu, a piranha, o cari, o pirá, a piaba, a curvina, o piau, traíra, o
bagre, o pacamão, dentre varias espécies.
Com o passar dos anos houve uma diminuição. Durante décadas de
desenvolvimento industrial, hidrelétrico e agrícola, o capitalismo avançando
visando exploração excessiva dos recursos naturais sem controle objetivando o
consumismo e o lucro influenciou-se sobre o rio São Francisco tornando-o uma
vítima dessa constante exploração.
O rio São Francisco vem sofrendo ao longo dos anos com a degradação
ambiental. Esta degradação inicia-se da retirada da mata ciliar que
compreende as margens fazendo com que a erosão do solo se torne um grave
problema. Outros fatores que agravam a situação do rio no que se diz respeito
a sua conservação, são os despejos do esgoto das cidades ribeirinhas que
deságuam no rio São Francisco.
5.3.1 - Percepção do Pescador sobre Políticas de Desenvolvimento
Esta análise sobre a percepção do pescador a respeito das políticas de
desenvolvimento, embora enfatize mais diretamente as políticas pesqueiras,
não ignora que as alterações na pesca do Baixo São Francisco estão
relacionadas também às políticas de geração de energia e irrigação
implantadas no Velho Chico, como veremos a seguir.
Durante a condução de uma das oficinas com os pescadores artesanais de
Olho D’água do Casado, é nítida, como apresentada na Figura 17 abaixo, a
preocupação estampada no rosto dos pescadores, que atestam de maneira
152
unânime que a principal responsável pelo declínio da pesca é a barragem de
Xingó.
Figura 17: Oficina realizada com os piscicultores de Olho D’água do Casado. Fonte: David
Muniz, 2009.
Para eles foi esta que mudou bastante o rio, fazendo sumir o peixe,
proliferando o "cabelo" e o "mato" no leito do rio e alterando seu espaço de
trabalho, o que pode ser confirmado através dos seguintes relatos:
Despois de Xingó, da usina, tudo piorô. Antigamente era só nóis assubiá que
os peixe vinha... era muita fartura de tudo quanto é peixe.. Ninguém se
desesperava nem perdia o sono pensando se no outro dia ia ter peixe. Mas nos
tempo de hoje, dê graças a Deus se acha um lugá pra pescá, que tenha
peixe.... Tem lixo, "mato" que num deixa ninguém pescá mais, esgoto, tudo
acabando com os peixe. (Seu Lula, 43 anos).
Ao analisar os impactos das hidrelétricas, Diegues (1995) já descrevia as
conseqüências no ecossistema aquático. Algumas alterações que ele
menciona ocorrem nos lagos que são formados, porém outras acontecem a
margem e após as barragens.
153
As grandes represas provocam também mudanças no ecossistema aquático,
criando uma série de impactos negativos. Os movimentos migratórios de
peixes, tartarugas e mamíferos aquáticos, podem ser interrompidos,
influenciando a composição dos estoques pesqueiros. O desenvolvimento de
capins aquáticos é estimulado provocando problemas epidemiológicos. A
decomposição da matéria orgânica consome rapidamente o oxigênio
provocando anoxia e formação de gás sulfídrico tóxico (DIEGUES,1995).
O represamento de rios de água branca, com alta carga de sedimentos diminui
rapidamente a profundidade do lago e a vida útil da usina. Ao mesmo tempo,
os sedimentos represados não mais fertilizarão as várzeas e lagos nas áreas
inundáveis a jusante das barragens, reduzindo a produção primária das
várzeas e conseqüentemente a pesca. O número de piranhas tem aumentado
em muitas represas e a pesca é dificultada pela presença de grandes
quantidades de plantas aquáticas e troncos que inibem o uso de instrumentos
de pesca.
Percebe-se que várias conseqüências citadas por Diegues tornaram-se
realidade no Baixo São Francisco, com exceção da proliferação de piranhas,
que foi substituída pelo predador tucunaré.
Os pescadores vêem com tristeza que a fome que eles vêm passando está
associada à falta de peixe, ao ponto de afirmarem nunca ter estado numa
situação de desespero tão grande como as dos dias de hoje. O pescador
entrevistado procura explicar o fato seu estado de miséria e a pouca atenção
do governo para ajudar a categoria:
É uma disgraça, minha fia. Nois tamo tudo largado jogado a própria sorte.
Tamo tudo se acabando de fome. São nossa família toda, não se sarva
ninguém. Veiz por outra a prefeitura aparece com serviço pra nóis, coisa de
força bruta, abrir estrada de mato, mas pagar que é bom...demora por demais.
Nóis só vê os povo falando do governo, que vem dinheiro, mas pra nóis, num
vem nada. (Seu Piaba, 42 anos).
154
Com a realidade da falta do peixe à beira do rio, o pescador não faz esforço em
relatar o desgosto sobre a continuidade da sua atividade, a exemplo da
declaração do Seu Miquéias (46 anos):
Já já vai ta nois tudinho que sempre pescamo pedir esmola. Pois num tem
condições, pois a gente passa a noite toda pendendo as rede e quando chega
aqui vai vendê por R$ 23,00 ou R$ 24,00 a pescaria de uma noite toda. E o
dinheiro tem que render pra tudo, pra cumer, vestir e outras nicissidade, tá
vendo?.
Fica evidente nos depoimentos que com a construção de Xingó as águas não
ficam mais turvas, barrentas, como são chamadas e tornam-se praticamente
paradas, sem velocidade. Isso prejudica a piracema e a água muito limpa, sem
turbidez, facilita a predação dos alevinos nativos, o que favorece a proliferação
de predadores.
O problema da introdução de espécies exóticas no rio São Francisco é tratado
nos dois depoimentos seguintes. A presença maciça do tucunaré, um peixe
altamente predador, é apontada como o grande consumidor dos alevinos
lançados no Baixo São Francisco:
... enquanto técnicos, compreendemos que a ação de introduzir espécies das
bacia amazônica, por exemplo, no rio São Francisco é errado. Por ser
altamente predador, o tucunaré, é uma realidade preocupante. Os defensores
dessa prática disseram que não introduziram no rio e sim nas lagoas marginais.
Mas acidentes acontecem e aconteceu, e está aí o tucunaré como altamente
predador. (representante do IBAMA/AL).
Sobre o tucunaré, existe o alerta de técnicos de que tal espécie possa vir a
extinguir o predador natural, que é a piranha, que já, dizem alguns, não existe
mais no rio:
155
O tucunaré é um predador por excelência e dizem que ele poderá acabar com
a piranha, porque ele cuida da prole desde o ovo até uns 5 ou 6 cm, tendo os
filhotes a proteção dos pais. Isso dificulta ser predado por outras espécies,
enquanto que a piranha, apesar de ser um peixe voraz, ele não protege sua
cria. Quer dizer, desovou, a água leva e torna-se alimento de outras espécies.
O tucunaré desova em água parada e tem o ovo aderente, o que facilita sua
proteção. Os filhotes nascem e o cardume é protegido por um bom tempo.
(Técnico do CERAQUA).
Em suma, os impactos sofridos pelo Velho Chico ocasionaram a diminuição da
velocidade da água, favorecendo a fixação e proliferação de macrófitas no leito
do rio. Isso está prejudicando o acesso das redes ao fundo do rio, além de ter
criado um habitat favorável às espécies herbívoras que ficam abrigadas e
impedidas de serem capturadas por redes de pesca.
Nesse habitat, como já colocado, há também a predação por parte do tucunaré,
dificultando ainda mais a pescaria, além dos prejuízos causados aos
apetrechos de pesca por parte do "cabelo e do mato":
As coisas aqui vai de mal a pior. Ainda mais esse cabelo é quem impata o
pescador de pegá o poco do pexe que ainda tem. Quando tem enchente aí leva
esse cabelo todo e despeja no meio do mar e aí limpa o rio. Se tiver uma
profundidade de tres a quatro metro, o cabelo tá na flor da água, tá em cima,
então a rede enche de cabelo, o pexe intala e não maia. Se corré qualqué
agüinha o cabelo vai e intala na rede aí o pexe bate e volta. O tilapo (tilápia)
pega mas é poco, é tudo dibaxo do cabelo (Seu Zeca, 47 anos).
Em face de tantos problemas, a cheia é indicada pelos pescadores como
solução para limpar o "mato e o cabelo" do leito do rio:
Hoje o rio tá ruim purque ta sujo e hoje num enche. Se o rio inchesse carregava
mais da metade desse mato. Quando a gente bota a rede, tem dia que tem até
raiva de lavá, o lôdo é demais e eu acho que o pexe se isconde dento desse
cabelo (Seu Teju, 49 anos).
156
Os técnicos concordam com a solução do pescador:
A única solução para o rio seria as cheias voltarem, mas como isso é
praticamente impossível, poderia se resolver o problema das macrófitas e da
piracema com as cheias artificiais. Mas ai não depende da opinião dos
técnicos, e sim é uma decisão política, que envolve perda de energia por parte
da CHESF (Técnico da Estação de Piscicultura de Boacica
/CODEVASF/Alagoas).
Outros fatores como desmatamentos, agrotóxicos e dejetos de esgotos são
citados como fatores que interferem na degradação do Rio São Francisco.
Porém, as explicações associam as reações dos elementos vinculados ao rio
como se elas fossem humanas, demonstrando a percepção de que ao se
naturalizar, o homem também humaniza a natureza:
Se num tivesse as barrage e se num tivesse tido o desmatamento de baixo e
de cimo do rio, eu acho que todo ano o rio inchia. Tiraro muita sombra do beiço
do rio, resseca muito e os pau num chora água, num tem sombra, aí dá uma
base toda descampinada (Seu Piáu, 42 anos).
O Seu Léo, (54anos), equipara as reações do peixe às do homem diante do
frio:
O rio tá prejudicado, mas quando dá o inverno, cum a frieza o pexe num
caminha. O pexe é igual a gente, num anda no frio. Cum frio quem é que vai
andá?
Além desses fatores que contribuem para o declínio da pesca no Baixo São
Francisco, alguns pescadores admitem alguma responsabilidade por parte
deles: pescam de maneira intensiva (sobrepesca) determinadas espécies e
praticam a pesca predatória. Na opinião de DIEGUES (1995), o pescador só
passa a depredar quando é compelido a tanto. Isso é, aliás, um sinal da
desestruturação das comunidades pesqueiras (p.100). Porém, tais atitudes,
157
mesmo consideradas condenáveis, são "suportadas" devido ao estado atual de
carência do pescador.
Para Souza & Mills (1995), a degradação humana leva à degradação
ambiental:
...em situação de extrema pobreza, o indivíduo não tem qualquer compromisso com a preservação ambiental, uma vez que os grandes interesses e valores da sociedade não lhes dizem respeito, porque esta mesma sociedade não impede a sua péssima qualidade de vida por não promover a justiça social (p. 165).
Durante a pesquisa de campo, ficou evidente o entendimento do papel da
fiscalização como necessária à proteção dos recursos pesqueiros. Mas, alguns
pescadores questionam as formas de abordagens dos fiscais, assim como a
ineficiência de algumas medidas de ordenamento pesqueiro, principalmente o
defeso da piracema, tendo em vista as mudanças no rio. As discordâncias se
manifestam, tanto na forma verbal, quanto no comportamento de
desobediência à legislação:
Eles sofrem durante o defeso porque quando o IBAMA impata a pesca diz
quais são os petrechos que pode pescá. Mas a maior parte não tem esses
equipamentos, então eles sofrem porque não tem com que pescá e a lancha da
fiscalização não sai de dentro dágua. Uma vez a lancha da fiscalização do
IBAMA baixou aqui e meteu o pau. ( Seu Luiz Elias) .
O IBAMA justifica-se argumentando:
A fiscalização é necessária porque nosso instrumento de trabalho é a
legislação ambiental. Poderemos ser cobrados pela nossa omissão ou
tolerância demasiada. Mas procuramos discutir tudo sobre o defeso com os
próprios pescadores. Nas últimas reuniões, houve cobranças dos próprios
pescadores para que o IBAMA atue de maneira mais eficiente para coibir a
pesca predatória (Técnico do IBAMA/AL).
158
O defeso da piracema, para muitos pescadores, não está cumprindo seu
objetivo,tendo em vista as mudanças do rio:
A parada da pesca é importante purque o pexe precisa desová, mas o rio num
enchendo o pexe desova e perde a ova. Eu acho que com a parada e sem ela
é a mesma coisa, não aumenta em nada o pexe. Prá mim num serve prá nada.
(Seu Joninha, 34 anos).
Apesar de concordarem que o defeso é importante, os pescadores afirmam
que, nas atuais condições do rio, ele só está servindo para penalizar o
pescador. Devido ao estado de carência da categoria, alguns pescadores
terminam não cumprindo a lei. Os depoimentos seguintes ilustram essa
afirmativa:
Se o rio num enchê o peixe num aparece, num adianta. A parada é importante
para o pexe porque ele pode se reproduzí, agora o mais importante para o
pescador e para o pexe é se o rio enchê. Quando a água tá suja, desova nas
pedra e o pexe se cria, mas quando desova na água limpa o pexe morre.( Seu
Sirigado, 44).
O período do defeso (nov/dez/jan) coincide também com o período de estiagem
na região, o que torna difícil até a alternativa da agricultura para os pescadores:
Esse tempo é mais difício purque é tempo de seca e é pió ainda purque nem
prá plantá dá. O pescador passa 2 mes sacrificado sem pescá com 5, 6 filhos
prá dá de comê dento de casa, aí passa apertado (Seu Tóia, 48 anos).
As dificuldades para atendimento às necessidades básicas da família são
acentuadas durante o defeso, e, muitas vezes, leva o pescador ao
endividamento no comércio local ou à busca da ajuda de parentes:
É grande a dificudade prá comprá comida, prá tudo que falta. Estica o dinhero
ou compra fiado ou mermo vai na casa de um parente e pede ajuda. As vez
nós dá uma fugida prá pescá no tempo proibido purque ninguém vai morrê de
fome e nem deixá os filho cum fome também (Seu Pedro, 42 anos).
159
Segundo Seu Zé Bobó (50 anos), o defeso só é positivo para amansar o peixe,
que passa um tempo descansando; isso facilita o trabalho do pescador quando
vai pescar após o referido período:
Só vale a pena o defeso porque com a parada o pexinho pequeno já tem
condição de crescer mais e, em tudo que pára, o pexe fica queto e aí quando a
pessoa entra encontra o pexe mais fácio. Se pescá direto, direto, o pexe fica
mais sabido e prá pegá fica mais difício.
Apesar dos questionamentos quanto à eficiência do defeso, percebe-se que a
maioria dos pescadores respeita tal período:
Ninguém acha bom o defeso, eu mermo não acho bom. Pará de pescá num
adianta, é melhô continuá pescando. A maioria dos pescadore respeita esse
tempo que num pode pescá, mas tem alguns que continua pescando de noite,
mas são pouco e depende da precisão (Seu Mané do Biu, 54 anos).
Não se identificou nas falas dos pescadores qualquer alusão ao direito de
exercício da cidadania, apenas percepções superficiais da conjuntura
brasileira. Tal fato pode ser entendido pela fraca representatividade de seus
órgãos de classe (Colônias de Pescadores), que não atuam numa visão crítica/
política junto à categoria, contribuindo para que os pescadores interpretem os
problemas através do fatalismo e da religiosidade, dificultando qualquer ação
política.Este cenário é comum em todo o semiárido.
A realidade pesqueira dos municípios de Olho D’água do Casado e Pão de
Açúcar se constitui em apenas um pequeno universo que está contido no
universo maior da pesca de todo o vale do São Francisco. Porém, a realidade
apresentada neste capítulo expõe a gravidade da crise atual da pesca
artesanal, como produto : da negligência com que a mesma vem sendo tratada
nas ultimas décadas, do descaso dos representantes públicos que deveriam
proteger e resguardar os pescadores e a tradição da atividade, propondo
medidas sustentáveis para a continuidade da pesca artesanal, e também e
160
mais recente, a introdução de práticas “importadas” de outras realidades,
como os tanques-rede, sendo difundidas exageradamente como sendo a única
salvação para os pescadores artesanais. .
5.5 - PESCAR O PEIXE OU CULTIVAR O PEIXE: É O FIM DA PESCA
ARTESANAL COMO MODO DE VIDA?
Neste item é apresentada uma análise da produção do espaço e da
territorialização dos pescadores artesanais com foco nos municípios de Pão de
Açúcar e Olho D’água do Casado, no sertão alagoano, objetos de estudo desta
tese. Para ser possível o estudo, buscou-se aporte teórico-metodológico
também da Geografia, pois se trata de uma especificidade territorial que
desencadeia um processo de formação de territórios articulados que é muito
complexo, envolvendo uma gama muito grande de agentes, interesses e
conflitos.
Em levantamentos realizados no Agreste e Sertão Alagoanos, onde é praticada
a piscicultura, foi evidenciado que os pescadores artesanais deste espaço
constroem sua sobrevivência econômica, social e cultural articulando
atividades de pesca, agricultura e extrativismo vegetal.
Em virtude dessa pluriatividade, os pescadores também vêm sofrendo as
conseqüências negativas da expansão das grandes propriedades, da
concentração fundiária e da valorização capitalista da terra, que os têm
expulsado das áreas litorâneas, já que o acesso à água está fortemente
relacionado com o acesso à terra. Diante desta problemática, são analisadas
as estratégias vivenciadas pelo grupo social para a consolidação da sua
territorialidade.
A primeira estação de piscicultura na região foi implantada em Porto Real do
Colégio, Alagoas, por iniciativa da Companhia de Desenvolvimento dos Vales
do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), através da instalação de unidades
de cultivo, distribuição e comercialização de alevinos, além da difusão de
tecnologia e do suporte técnico.
161
O compromisso de desenvolver a atividade na região foi o oficializado em
1999, por meio de um protocolo de intenções assinado entre a CODEVASF, o
Ministério da Agricultura, o governo estadual, o Banco do Nordeste do Brasil
(BNB), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(SEBRAE) e das associações locais, envolvendo, portanto, instituições
federais, estaduais e locais (LUSTOSA, et. al, 2008).
Esta iniciativa foi amplamente divulgada na região pelos atores institucionais
envolvidos, juntamente com a apicultura e a ovinocaprinocultura, e em 2001
transformou-se na atividade econômica que norteia os investimentos públicos
federais, estaduais e municipais até a presente data, em 2011, consolidada
através do Programa de Arranjos Produtivos Locais do Estado de Alagoas
Torna-se interessante destacar, que desde 1999, não se percebe nenhum
registro nos documentos analisados da fala dos pescadores, maiores
interessados no sucesso da estratégia da consolidação da piscicultura. Nas
entrevistas, os discursos dos pescadores tratam as ações na comunidade com
um sentimento de impotência e conformidade, uma vez que não foi identificado
relato positivo entre os pescadores que “trocaram a pesca artesanal” pela
piscicultura em tanques-rede, pois a atividade não necessita de muita mão-de-
obra para conduzir o criatório de peixes nas gaiolas, o que decepcionou e não
gerou a demanda por pescadores especulada pelos indutores do programa.
Os pescadores, mesmo percebendo que a introdução da piscicultura em
tanques-rede não lhes foi tão favorável, econômica e socialmente como
apresentado no discursos na época do lançamento do programa, em 2001, não
tecem comentários sobre de quem seria a responsabilidade pela desmotivação
com a realidade estabelecida após a implantação dos tanques-rede. Os
pescadores sentem resignados com o insucesso da intervenção, e tentam
continuar sobrevivendo diante da difícil realidade da falta de peixe no rio São
Francisco.
162
Em 10 anos de atividade no baixo São Francisco Alagoano, a piscicultura não
conseguiu atingir o status de atividade alavancadora da economia nas
comunidades onde foi introduzida em 2001, conforme o desejo na época das
instituições elencadas anteriormente. Ao contrário, ao invés de organizar as
comunidades e promover a melhoria da qualidade de via dos envolvidos na
atividade, a piscicultura trouxe, com sua potencialidade de mercado, a
ociosidade, a desmotivação, e a degradação da qualidade de vida dos
pescadores entrevistados.
Figura 18 : Criatório de Tanques rede em Olho D’água do Casado. A pesca artesanal substituída pela atividade de alimentar os peixes nas gaiolas. Fonte: pesquisa de campo. Fonte: David Muniz, 2009.
A paulatina dissolução do modo de vida da pesca artesanal pelos valores e
práticas da modernidade, ilustrada na Figura 18 acima, onde um pescador com
mais de 30 anos de pesca artesanal, hoje alimenta os peixes em tanque-rede,
pode ser caracterizada através da trajetória de inúmeras variáveis
socioambientais e econômico-culturais, dentre as quais é possível destacar: a)
a forma de produção e de propriedade dos meios de produção; b) as relações
sociais de trabalho; c) o objeto de trabalho; e d) o processo de trabalho.
163
Particularmente no assentamento Nova Esperança, em Olho D’ água do
Casado, ao conversar informalmente com crianças que brincavam perto da
associação onde estava sendo conduzida a aplicação dos questionários,
retratada na Figura 19 abaixo, nenhuma delas demonstrou curiosidade ou
interesse na pesca ou na continuidade do trabalho dos pais e avós por eles.
Figura 19: Futura geração em Olho D’água do Casado: Piscicultores ou pescadores? Fonte: David Muniz, 2009.
Para essa “nova” geração de filhos e netos de pescadores, o futuro é
simplesmente viver um dia após o outro, e ficar curioso quando “turistas” ou
qualquer outro visitante chegam à comunidade em busca de aventura,
pesquisa ou cadastramento para alguma pesquisa ou programa de governo.
A solidariedade familiar e extra-familiar está presente na comunidade de
pescadores artesanais, seja para compartilhar a feitura dos meios de produção,
seja para a execução da atividade de trabalho.
164
Na primeira, a feitura de uma embarcação, ainda que de propriedade de um
indivíduo, é um processo no qual, em diferentes intensidades, os demais
pescadores envolvem-se para ajudar ou observar valorizando o feitio. As praias
ou barracões de colônias ou associações são espaços públicos em que se
estabelece uma figuração onde os que dominam a arte do talhe fazem-se atrair
pelo testemunho dos companheiros que especulam e intervém para melhorar o
desempenho e a estética da modesta nave. Daí porque, quando a mesma é
finalizada, todo o grupo comemora e renova sua própria habilidade de fabrico
Muitas são as pescarias que exigem a presença de um parceiro ou ajudante de
pesca em vista tanto da necessidade técnica, que exige força coletiva para
realizar a extração, quanto da carência de meios próprios de pescadores mais
jovens, com os quais os mais velhos são solidários. Encontram-se, aí, diversas
estratégias de partição do fruto de trabalho, desde a divisão do pescado
capturado à divisão do resultado em renda monetária proveniente da venda
realizada do referido pescado.
No geral, o trabalho da pesca artesanal apresenta processos de lealdade
pessoal e mobilidade, dos aprendizes aos mestres. A autoridade dos últimos
deriva de um misto de tempo de inserção na comunidade, o primor da perícia
em pescar e em fazer os meios de produção, o tempo de atividade e carisma.
Tais critérios, ao invés de fomentar distanciamento social dos pescadores,
colaboram na sua coesão uma vez que os mestres ou as lideranças são
legitimados quando forjam a continuidade e renovação do grupo, procurando
resolver disputas e conflitos.
O processo de trabalho na pesca artesanal é, em parte, um fazer objetivo, isto
é, visa que as técnicas adotadas alcancem o máximo de eficiência dentro das
regras de manejo próprias do grupo, ao qual não é permitido extrair das águas
tudo o que se queira, mas fazê-lo segundo as condições de reposição natural
do estoque (Valencio et al, 2005).
165
A dissolução da tradição dá-se por vários processos, dentre os quais, o de
disputa do território das águas e dos peixes com outros usuários. Aquilo que
Ferreira (2003) denominou de “aqüatório”, as águas de rios e mares vistos
como território aberto e bem público, vai paulatinamente sendo privatizado e
manipulado com a intensificação da transformação e extração dos recursos
naturais: rios piscosos passam a ser seccionados pelas grandes barragens, a
servir aos empreendimentos hidroelétricos e de irrigação; a sísmica, que rege a
exploração petrolífera em mar, impacta corais e demais áreas reprodutivas;
ambos desencadeiam alterações do ecossistema aquático, para não dizer o
isolamento território aquático como área de segurança e inviabilizam que a
pesca artesanal permaneça no uso do lugar como forma de revitalizar a
identidade coletiva.
Quando as novas formas de controle territorial retiram o pescador artesanal do
tempo e do espaço do rio ou mar e dos peixes - com novos padrões normativos
que o proíbem de freqüentar os locais usuais de captura bem como manter as
rotinas diuturnas de lançar-se às águas para extrair diretamente e
indiretamente o sustento da família (para comer o peixe ou vendê-lo,
viabilizando renda para prover outras necessidades) - a carência resultante dá-
se no nível dos mínimos vitais.
O modo de vida da pesca também vai desaparecendo quando novas gerações
de pescadores desconsideram a importância de fazer suas embarcações e
passam a terceirizar para pescadores mais velhos o fabrico desse meio de
produção, um passo para a ambição posterior de adquirir a embarcação de
fibra de vidro ou alumínio, com motor. Para serem mantidos, exigem alteração
do esforço de pesca num ambiente já impactado por usos vários e rumando
para um colapso.
A lógica de financiamento da embarcação e motor modernos (remunerando o
capital a juros), bem como de manutenção da fonte de propulsão (gasolina, a
preços crescentes), é a mesma que leva à exaustão os recursos naturais no
geral. Quanto mais ajustados aos meios de produção da cadeia produtiva
166
industrial, mais insuficientes parecerão ao pescador as técnicas seletivas de
extração tradicional.
Conforme Mauss (1973), as técnicas corporais dizem respeito aos modos pelos
quais os homens, de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos como
razão prática, coletiva e individual. Os mais velhos, ao carregarem os mais
jovens como ajudantes de pesca, são os que colocam o prestígio de sua
experiência como modelo de destreza física - no equilíbrio do balanço da
embarcação, na dignidade em partir para o mundo das águas e dele retornar
como uma aventura sempre necessária, na resistência em perseverar horas, às
vezes, noites a fio, até alcançar ‘o momento certo‘, na agilidade, precisão e
força para jogar tarrafa etc - a ser imitado não apenas como um ‘balé’ sobre as
águas, mas como um ato quase mágico, na medida em que o êxito logrado na
captura é de fazer do corpo um instrumento em consonância com o movimento
dos cardumes, portanto, do que é concebido como natureza.
A ligação entre esses dois movimentos sincrônicos, do corpo, do peixe e das
águas, é o que é retido na memória e no testemunho do aspirante como a
tradição a preservar: o corpo sozinho, como meio técnico primário da pesca,
não alcança êxito se a natureza é modificada numa celeridade maior que o
corpo da cultura percebe e representa. A autoridade tradicional, do pescador
sobre os aprendizes, se preserva em trazê-los ao testemunho desse processo
de trabalho que é um fazer parte da natureza.
Em decorrência, a autoridade se transfere aos técnicos que capacitam os
pescadores a tornarem-se ‘cuidadores de gaiolas’( Valencio, 2006) que é o
mesmo que dizer , num desaprendizado das técnicas corporais as quais
perdem seu sentido como habilidade importante para manejo de espécimes
engaioladas: onde havia a necessidade do equilíbrio, na canoa ou jangada,
para jogar a pesada tarrafa, há o curvar paciente com o saco de ração para
alimentar os peixes cultivados; onde havia a percepção aguda do movimento
dos cardumes no complexo emaranhado de vida silvestre nas águas fluviais ou
marinhas, e o inusitado a que o corpo deveria estar alerta, há o
acompanhamento modorrento do crescimento dos mesmos espécimes no
167
mesmo lugar, sem surpresas, tal como a lógica fabril reproduzida em meio
aquático.
Nada mais há, para o pescador-operário, que precise saber sobre a natureza
que não seja o meio ambiente da gaiola e, no máximo, de um entorno ora
representado como ‘ameaçador’ à produção: predadores que danificam as
gaiolas de tilápias, como piranhas, por exemplo. Onde havia o habitus, isto é,
onde o pescador via-se envolvido na produção ou construção de estruturas
sociais (Bourdieu, 2004), falta um meio reflexivo da ação.
A participação científica, induzida pelo Capital, na elaboração de alternativas à
pesca, como a aqüicultura, cuja tecnologia derivada é difundida a um sem-
número de comunidades de pescadores artesanais, não se dá apenas como
interação indireta na dissolução da tradição. Com a ampliação do fomento a
pesquisas de cunho participativo, muitos são os cientistas que se lançam a
fomentar a que pescadores tenham a titularidade conjunta de projetos-piloto de
tanques-redes para peixes exóticos em braços de reservatórios além de
estimular à ostreicultura, a maricultura, a carcinocultura dentre outras
atividades (LUSTOSA et all, 2008).
O desconhecimento ou desinteresse dos planejadores dos programas e
políticas em conhecer o processo de consolidação da atividade da pesca pelo
pescador, a ligação deste com a essência da atividade, em fim da cultura
enraizada na comunidade é um fator que desestrutura se não levado em
consideração. Toda e qualquer intervenção comunitária, seja ela de cunho
econômico, político ou social. a cultura local deve ser considerada em
processos de indução do desenvolvimento, principalmente em comunidades
artesanais, como é o caso das comunidades de Olho D’ água do Casado e Pão
de Açúcar.
Nas entrevistas com os técnicos do IBAMA/AL, da Secretaria de
Desenvolvimento Econômico do Estado de Alagoas, em nenhum momento foi
citada ou ao menos considerada pelos órgãos a questão da história dos
168
pescadores e a secularidade com que a pesca é desenvolvida nos municípios
em Alagoas.
Essa é a lógica do Capital na produção de alimentos. Foi assim com a pecuária
e com a rizicultura. A busca e proliferação de mudanças genéticas nas
espécies é uma constante para adaptar seres vivos ao ambiente já degradado
pelo Capital.
Na medida em que os pescadores artesanais são chamados pelo Capital e
envolvidos pelo discurso de que dias melhores estão por vir (não se diz
quando...), começam a esmaecer diante de toda sua lógica do trabalho e da
cultura que os possibilitou existir durante séculos. Novas competências são
requeridas ao pescador artesanal para ser aceito pela modernidade da
atividade da piscicultura em tanques-rede, mas nenhuma delas é tão agressiva
quanto a mutilação silenciosa em suas memórias, em seu passado, em seu
viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da crise pesqueira e do rio São Francisco ter reduzido
significativamente seu papel de polarização e de organização do
desenvolvimento econômico regional, ele continua tendo um papel de destaque
para os pescadores, significando muito mais do que uma simples fronteira
natural.
169
Essa reflexão é a base que fundamenta a análise final desta tese, que enfoca a
incerteza por que passam os pescadores do Baixo São Francisco, como
resultante de intervenções impostas na região e seus reflexos no futuro do
pescador.
Além de representar a alma do pescador, o rio São Francisco serve como fonte
de suprimento de água para o consumo das populações dos municípios por
onde ele passa, atendendo às suas necessidades básicas, alem de ser muitas
vezes a única opção de lazer para as comunidades e ainda meio de transporte.
As empresas de beneficiamento de pescado defendem transformação do
pescador em piscicultor, por entender que o pescador é predador e que a
piscicultura se apresenta como uma atividade rentável e segura.
Economicamente falando, a piscicultura em tanques-rede é um ótimo negócio
para as empresas. Conclui-se que só para elas.
A questão colocada é: "Como os pescadores poderão participar desse
processo?"
A inserção do pescador artesanal na aqüicultura representa uma mudança
cultural profunda, na medida em que eles passam de extratores para cultivador
Infelizmente, a questão cultural, que envolve a pesca, vem sendo ignorada pelo
sistema de planejamento que provoca a intervenção na região. Os órgão de
apoio e monitoramento da pesca em Alagoas ( SEAP, IBAMA, CODEVASF)
não perguntou ao pescador artesanal dos municípios pesquisados quais
poderiam ser as soluções para a falta do peixe no rio São Francisco.
Desprezando todo o referencial tácito e cultural, e a falta de acesso à
informação dos pescadores, a aqüicultura, através da prática do tanque-rede
foi empurrada e disponibilizada como única alternativa viável para as
comunidades de pescadores, não restando a estes nada mais do que “aceitar”
o veredicto, e junto com ele, as “doações” dos tanques-rede, dos alevinos e do
170
primeiro ciclo de ração. E depois, os pescadores ficam por conta (e risco) deles
próprios.
O fracasso das estratégias aplicadas à pesca exige um novo equacionamento
dos problemas, de enfoques criativos e, sobretudo, de novas estratégias e
políticas para o desenvolvimento da pesca artesanal, não só no Nordeste, mas
em todo o Brasil.
Foi evidenciado na pesquisa que o que se apresenta como alternativa a pesca
artesanal, é somente a aqüicultura (criação em viveiros e tanques-rede de
peixes, camarão, mariscos), não só em Alagoas, mas na maioria dos Estados
com atividade pesqueira comercial. Nos meios disponibilizados pela ANA,
IBAMA, SEAP, CODEVASF, dentre outros, todas as linhas de apoio e os
projetos passiveis de fomento tem que estar enquadrados nos modelos
entendidos como rentáveis, sendo evidenciada claramente a defesa dos
criatórios e a renegação da pesca artesanal.
Não se deve desconsiderar toda a identidade e a cultura de uma comunidade,
que desempenha uma atividade secular como a pesca, propondo mudanças
que irão refletir no modo como as mesmas sempre viveram. Torna-se
imprescindível para o sucesso de qualquer intervenção com a pretensão de ser
sustentável, que esse conhecimento seja reconhecido e inserido nos
planejamentos para a região e a atividade em si.
A possibilidade de acesso ao crédito para compra de embarcações e redes de
pesca não é apontada como solução, pois o retorno financeiro da pesca não é
suficiente para honrar os compromissos bancários.
Quando questionados sobre as alternativas para melhorar a pesca local, a
saída encontrada é sempre relacionada à religiosidade e ao fanatismo. Deus é
quem sabe, pois é ele quem determina a sorte deles. A possibilidade de sair do
local para tentar outros centros maiores não foi apontada como solução em
nenhuma entrevista. A piscicultura só foi admitida por alguns por ter sido
171
induzida pela pesquisadora, logo, não faz parte de suas proposições
espontâneas.
Outro fato constatado na pesquisa refere-se ao enfraquecimento das Colônias
de Pescadores, enquanto categoria profissional e de sua representatividade.
Os representantes, que solicitaram não ser identificados, estão fracos e se
dizem cansados de “gritar e ninguém ouvir”. A Colônia de Pescadores, que
deveria atuar mais diretamente na ação cooperativa, visando a inserir a
pequena pesca no mercado, apenas reflete seu passado de atrelamento ao
Estado.
Faz-se necessário que os pescadores deixem de ser apenas receptores de
políticas públicas impostas e sejam ouvidos enquanto cidadãos e produtores.
Para tanto, faz-se necessário que se viabilize uma nova organização que
efetivamente mobilize e atenda os interesses da categoria.
Os problemas enfrentados atualmente pelos pescadores não encontram
respostas nas atuais políticas governamentais, diante das imposições da
economia de mercado.
Em contexto tão adverso, esses pescadores estão à beira do desaparecimento.
Essa categoria vem sendo marginalizada de forma sistemática e crescente.
Sobreviver é a palavra de ordem dos pescadores em Pão de Açúcar, Olho
D’água do Casado e certamente, igual ou pior nos demais municípios que
sobrevivem da pesca em Alagoas.
O contato direto com a natureza dava a esse pescador autonomia e identidade
cultural. Entretanto, os processos de exploração e de apropriação econômica
da região transformaram a esperança de manutenção de um modo de vida
numa frustração.
A pesquisa conclui que se a pesca artesanal corre o risco de desaparecer nos
próximos anos; que o peixe está desaparecendo do rio São Francisco, mais
grave ainda é constatar que o pescador artesanal, mais do que o peixe, está
desaparecendo.
172
É possível reverter esse quadro? Certamente que sim. Será fácil? Logicamente
que não. Este se constitui num desafio para a modernidade resgatar a
sustentabilidade da pesca artesanal no baixo São Francisco alagoano.
A participação dos pescadores na definição de políticas que os afetam, apesar
de exigir ainda um longo aprendizado, é algo dinâmico, desafiador, em que
essa população poderá contribuir e usufruir, de forma mais efetiva e direta, na
construção e transformação de sua realidade, através de ações organizadas.
Diante de uma realidade tão complexa e problemática, apresentam-se a seguir
algumas considerações para melhorar a situação econômica da pesca em
Alagoas:
1 – Observando-se a situação em que se encontra a pesca no Brasil, urge uma
tomada de posição, no sentido de definir políticas a curto, médio e longo
prazos, por parte do Ministério da Agricultura, sob pena de um
comprometimento irreversível do sistema produtivo das principais bacias
hidrográficas, como a do São Francisco.
2 - Adoção de ações de planejamento. O planejamento deve explicitar a sua
natureza transformadora, seu caráter político-participativo dirigido ao
fortalecimento da gestão participativa, sua visão sistêmica não concentrada
apenas nos aspectos econômicos, aliado a uma abordagem pluridimensional e
multidisciplinar.
3 – Fortalecer a capacidade local de organização social, ativando, ao mesmo
tempo, um crescente processo de autonomia decisória e inclusão social que
repercuta no contexto local. Para qualquer política direcionada à gestão da
pesca artesanal é imprescindível a incorporação do componente
socioeconômico e ambiental que envolva a atividade pesqueira. Tal política
deve ser embasada no devido conhecimento técnico-científico que oriente a
tomada de decisão na busca de uma gestão integrada dos recursos naturais do
rio São Francisco.
173
4 - No caso de propostas de intervenções na bacia hidrográfica do São
Francisco é imprescindível que o Ministério do Meio Ambiente envide esforços,
junto ao Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, para que este regulamente
a atuação dos Comitês Federais de Bacias Hidrográficas; isso é proposto no
intuito de inserir a participação dos usuários em todas as decisões referentes
aos usos múltiplos da água do Velho Chico, conforme preceitua a Lei Federal
no 9.433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos).
5 – Torna-se imprescindível o cadastramento do contingente real de
pescadores e que se realize um diagnóstico da situação da pesca local,
fazendo uso inclusive dos trabalhos já elaborados sobre a questão. Esses
dados servirão de base para a definição de políticas que favoreçam a atividade
pesqueira, inclusive com crédito, capacitação, assistência técnica e benefícios
sociais. O auxílio desemprego poderia atingir um número maior e real de
pescadores.
6 - Há necessidade de integração entre os agentes públicos que atuam no
Baixo São Francisco, para evitar a duplicidade de ações e o desperdício de
recursos financeiros e humanos.
7 – Se planejado e reorganizado, o incentivo que está sendo dado à
piscicultura no Baixo São Francisco poderá ser uma alternativa viável para o
pescador. Porém, a técnica de cultivo em tanques-redes exige estudos mais
detalhados, pelo impacto que a sobrecarga dessas estruturas poderão trazer
para o rio, que já está muito comprometido. Não existe legislação que
regulamente tal equipamento, além do fato de os tanques-redes só poderem
ser implantados em áreas que apresentem uma série de condições propícias
como profundidade e correnteza. Com certeza, não é uma saída para todo o
contingente de produtores do Baixo São Francisco, devido à capacidade de
suporte do rio.
8 – Fazer um estudo detalhado, de cunho científico e idôneo sobre o impacto
da Transposição.
174
Tendo em vista que as atuais condições do Baixo São Francisco impossibilitam
o incremento da atividade pesqueira artesanal, é aconselhável que nessas
propostas de incentivo à piscicultura seja aberto espaço para aqueles
pescadores que manifestarem interesse nessa nova alternativa. Nesse caso, a
capacitação técnica e gerencial deve ser a base para tal transformação, aliada
a meios financeiros para investimentos na atividade (crédito a fundo perdido) e
bolsas para manutenção da família durante a referida transição, além de um
acompanhamento de todo o processo por técnicos que dêem segurança ao
pescador.
Portanto, é necessário que as estratégias de implementação de políticas
públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável primem pela aceitação
das heterogeneidades sociais, políticas, culturais e territoriais de cada
localidade. Generalizações e a importação de estratégias de desenvolvimento
não devem ocorrer, sob pena de extinção de um modo de vida e inviabilizar o
desenvolvimento das gerações que dele ainda dependem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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188
APENDICES
APÊNDICE 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS JUNTO AOS PESCADORES DO BAIXO SÃO FRANCISCO. TODAS AS INFORMAÇÕES PESSOAIS SERÃO RPESERVADAS. OS NOMES VERDADEIROS NÃO SERÃO CITADOS NA REDAÇÃO FINAL DO TRABALHO 1 - Dados Pessoais:
189
Nome:
Apelido:
Endereço:
Tempo de residência:
Estado Civil: Idade:
Escolaridade:
Numero do Registro na Colônia
Pertence a colônia: sim ( ) não ( )
Contribui para o INSS
É Aposentado: sim ( ) não ( )
Quantos da família já saíram do município? Conhecem Maceió ou outra cidade
do Estado? Conhecem outro Estado?
Constituição Familiar:
Nome parentesco Sexo Escolaridade Idade Ocupação
2 - Parentes que trabalham fora. Onde?
____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3 - Composição da renda familiar .
Tipo de Renda Tipo de família
Exclusivamente
Pesqueira
Pluriativa
R$ R$
Renda da Pesca
190
Renda de atividades
relacionadas a pesca
Renda de atividades
externas
4 - Desenvolve atividade complementar a renda? Quantos dia no mês em média?
5 - Quantas pessoas na família:
------ Quantidade Parentesco A quanto tempo
mora com a
família
São aposentados
Recebem bolsa
família:
Outro Benefício:
¨6 - Esposa trabalha: Em que?
Tipo de Atividade Marcar X Nº de Dias - média
Assalariado na pesca tanque-rede
Serviços pessoais
Comércio
Feira livre e comércio em geral
Indústria
Fabricação de Redes
Construção Civil
Comércio próprio
Serviços auxiliares
Artesanato
Transporte
Outro:
191
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7 - Filhos trabalhando, maior de 14 anos, remunerado?
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8 - Crianças na escola :
No município:
Em outro município:
9 - Filhos em Faculdade: ( ) Sim ( ) Não ( ) Pretende .
Onde e Qual o curso.____________________
10 - Possui Canoa ou Barco Próprio. Quantos? ______________________
11- Possui ajudante no trabalho? Quantos_________________________
12 - Já precisou se desfazer da canoa? Por qual razão? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
13 - Aluga ou empresta a canoa? Em quais situações? Já precisou pedir emprestado alguma vez?
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14 – Já pegou financiamento ? Valor, Instituição./ se endividou?
192
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
15 – Participa ou já participou de algum projeto, programa ou ação do
Governo/Codevasf/APL voltados para a pesca?
• Quando
• Avaliação do pescador
• Resultados positivos e negativos
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__________________________________________________________
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16 – Como vê a pesca no São Francisco hoje?
• Como era
• Como está agora
• Quando começaram as dificuldades
• Quais as principais dificuldades
• Apoio institucional ?
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_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
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17 – Qual é a solução?
18 - Se a situação piorar, como se comportaria:
193
Esperaria a crise passar
Deixaria a pesca
Iria para a capital na busca de
alternativas
Empregar-se-ia em qualquer
atividade
Iria para outro Estado
Não sei
Outra
19 - A família pretende continuar com a pesca artesanal?
Sim
Não
Não sabe - -
APÊNDICE 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ROTEIRO DE ENTREVISTA JUNTO AS INSTITUIÇÕES LIGADAS A PESCA EM ALAGOAS. TODAS AS INFORMAÇÕES PESSOAIS SERÃO RPESERVADAS. OS NOMES VERDADEIROS NÃO SERÃO CITADOS NA REDAÇÃO FINAL DO TRABALHO. INSTITUIÇÃO: NOME: FUNÇÃO/CARGO: FORMAÇÃO: TEMPO DE INSTITUIÇÃO: NO CARGO OU FUNÇÃO:
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1 - PAPEL DA INSTITUIÇÃO FRENTE A AÇÕES DE APOIO/FISCALIZAÇÃO/FOMENTO JUNTO A ATIVIDADE DA PESCA EM ALAGOAS. 2 – COMPETÊNCIAS DA INSTITUIÇÃO JUNTO A ATIVIDADE PESQUEIRA. 3 – RELAÇÃO COM AS COLÔNIAS DE PESCADORES. 4 - PRINCIPAIS AÇÕES DESENVOLVIDAS. 5 – DADOS/RELATÓRIOS/PESQUISA 6 – MUNICÍPIOS OU REGIOES DO ESTADO ONDE ATUAM 7 – REALIZAM PESQUISAS OU VISITAS AS COMUNIDADES 8 – COMO PLANEJAM AS PROPOSIÇÕES OU INTERVENÇÕES NA COMUNIDADE? 9 – DISPONIBILIZAM RECURSOS? DE QUE TIPOS (ECONÔMICOS E/OU FINANCEIROS) 10 – COMO ANALISA O FUTURO DA ATIVIDADE PESQUEIRA EM ALAGOAS EM ESPECIAL, A PESCA ARTESANAL.