ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental
PHA2537 – Águas em Sistemas Urbanos
A introdução da Trama Verde-Azul na Região Metropolitana
de São Paulo
Prof. Dr. José Rodolfo Scarati Martins
Cindy Yuchi Tsai 6851971
Luiz Guilherme Costa carvalho 7289691
Thaís Mösken Pera 5906722
São Paulo, 02 de novembro de 2015.
2
Sumário
Introdução ............................................................................................................................................... 3
1. A Trama Verde-Azul ......................................................................................................................... 4
1.1. Metodologia para implementação da Trama Verde-Azul na Região Metropolitana de Belo
Horizonte ............................................................................................................................................. 5
1.2. Comparação com o modelo francês ........................................................................................ 9
2. Proposta preliminar para implantação da Trama Verde-Azul na Sub-bacia do Pirajuçara ........... 10
2.1. A Bacia do Córrego Pirajuçara ............................................................................................... 10
2.2. A Trama Verde-Azul na Bacia do Córrego Pirajuçara ............................................................ 12
2.3. Resultados ............................................................................................................................. 13
3. Soluções em macroescala: a Bacia do Alto Tietê .......................................................................... 14
3.1. Caracterização da área .......................................................................................................... 14
3.2. O Parque Várzeas do Tietê .................................................................................................... 14
3.3. Revegetação das margens ..................................................................................................... 16
3.4. Resultados esperados ............................................................................................................ 17
Conclusão: próximos passos .................................................................................................................. 19
Referências bibliográficas ...................................................................................................................... 20
ANEXO I.................................................................................................................................................. 21
3
Introdução
A Bacia do Alto Tietê, com quase 20 milhões de habitantes, sendo 99% pertencentes à área urbana, é
uma região extremamente complexa, com interferência direta na Região Metropolitana de São
Paulo, a maior do país. Ao longo de anos, a qualidade das águas de grande parte desta bacia foi
deteriorada, limitando seus usos em uma região de grande demanda; parte da calha do Rio Tietê foi
retificada, eliminando o traçado original meandrado; e grande parte das áreas de várzea foi ocupada
sem planejamento. Por todos estes motivos, hoje a Bacia do Alto Tietê apresenta inúmeras
dificuldades de gestão e requer grandes investimentos para sua readequação aos múltiplos usos do
solo e dos recursos hídricos.
A Trama Verde-Azul é um conceito baseado em planejar o ambiente urbano de modo a integrar áreas
verdes e cursos d’água ao meio antrópico, reduzindo as interferências no ciclo natural da água e
propiciando o desenvolvimento da fauna e flora nativas. No contexto da Bacia do Alto Tietê, a
implementação da Trama Verde-Azul tende a minimizar os impactos negativos provenientes da
urbanização desordenada ocorrida na região.
Neste relatório, serão apresentadas as características da Trama Verde-Azul, assim como a
metodologia para sua implementação. Em seguida, será feito um estudo da sub-bacia de Pirajuçara,
pertencente à Bacia do Alto Tietê e cuja foz se encontra próxima à Ponte Cidade Universitária. Por
fim, será analisada a possibilidade de uma solução na escala da Bacia, tomando como exemplo o
Parque Várzeas do Tietê, um projeto já em fase de execução para a criação de um parque linear ao
longo do Rio Tietê, previsto para ser o maior parque linear do mundo, com 75 km de extensão e área
de 107 km².
4
1. A Trama Verde-Azul Embora a ideia de integrar áreas de preservação e os corpos hídricos ao meio urbano já fosse
discutida nos anos 70, ela só se tornou amplamente conhecida no final da década de 90, contando
com algumas aplicações na Europa, Estados Unidos e Cingapura. No Brasil, o Plano de
Macrozoneamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (MZ-RMBH) foi pioneiro na
implementação deste conceito de forma clara e institucionalizada, baseado em quadro dimensões:
físico-ambiental, sociocultural, seguridade socioambiental e mobilidade. Estas dimensões
representam o potencial da Trama Verde-Azul de estabelecer diretrizes para o uso múltiplo do
território por meio da integração entre o quotidiano da população, o patrimônio cultural e a
preservação do meio ambiente físico por meio das ações listadas a seguir:
• Recuperação de áreas de proteção
Recuperação e fiscalização efetiva de APAs, APPs e outras áreas de proteção estabelecidas pelo
Código Florestal, bem como criação de novas áreas de proteção e sua integração às atividades da
população.
• Aumento das áreas verdes urbanas
Arborização de vias públicas, criação e preservação de novos parques e bosques urbanos.
• Redução dos riscos e impactos provenientes da ação antrópica
Controle dos impactos causados pela urbanização, bem como por atividades agrícolas e industriais.
Neste contexto deve-se levar em conta a ocupação de áreas de risco e de proteção em especial, mas
não somente, por populações de baixa renda. Estas podem ser, ou tornarem-se, áreas sujeitas a
inundações e deslizamentos, aumentando os riscos de perdas humanas.
• Incentivo a atividades alternativas
Promoção de atividades menos impactantes, como agricultura urbana, agroecologia, ecoturismo,
turismo rural e turismo de aventura.
• Multimodalidade de transportes
Implantação de uma rede diversificada de modais de transporte e integrada, dentro de suas
limitações, à Trama Verde-Azul, incentivando a locomoção por diferentes meios adequados às
distâncias e outras condições físicas ou especiais.
• Proteção do patrimônio ambiental, cultural e histórico
Conservação do patrimônio em todas suas vertentes por meio do incentivo ao contato entre este e a
população, oferecendo uma gama de alternativas de lazer e promovendo o turismo e a convivência
social.
Ou seja, a Trama Verde-Azul é implementada por meio da construção de uma relação virtuosa entre
o espaço antrópico e o espaço natural, estimulando a população a preservar o meio ambiente
através do contato e não da segregação entre ambos.
5
1.1. Metodologia para implementação da Trama Verde-Azul na Região Metropolitana de Belo Horizonte A metodologia utilizada para a implementação da Trama Verde Azul no MZ-RMBH é relativamente
simples, dependendo fortemente de uma base sólida do sistema de informações geográficas da área
em questão. Deve-se ter em mente que cada um dos passos apresentados nas Figuras 1 e 2 constitui
um ou mais layers em um software de SIG, que, sobrepostos, permitem a análise da situação regional
de forma a subsidiar as alternativas de solução. Serão feitas também algumas recomendações que
refinem o tratamento dos dados, tendo em vista a complexidade da Bacia do Alto Tietê.
• Passo 1: Delimitação geográfica
No caso de uma região metropolitana, a área abrangida deve envolver, no mínimo, todos os
municípios desta região, além de ser recomendado incluir no estudo também aqueles com relações
de maior intensidade com os municípios estudados, por exemplo, entre os quais há maior fluxo de
pessoas.
• Passo 2: Rede hidrográfica
Traçado da rede hidrográfica principal, incluindo lagos e represas. Recomenda-se acrescentar um
layer com o enquadramento dos corpos hídricos ou algum outro tipo de classificação.
• Passo 3: Áreas de Proteção Permanente (APP)
Delimitação de todas as APPs presentes na área estudada. Recomenda-se, para os passos 3 a 5,
explicitar quais áreas não estão preservadas na prática.
• Passo 4: Áreas protegidas
Identificação de Unidades de Conservação (UCs) com proteção efetiva, corredores ecológicos e
propostas oficiais de novas UCs.
• Passo 5: Áreas de Proteção de Mananciais
• Passo 6: Áreas com atividade agrícola
• Passo 7: Zoneamentos municipais
Identificação das zonas de proteção ambiental, controle ambiental e interesse cultural, histórico ou
turístico.
• Passo 8: Outras áreas de interesse ambiental e cultural
Identificação de Complexos Ambientais Culturais (CACs), áreas de proteção cultural, APAs, APEs,
dentre outras.
• Passo 9: Patrimônio histórico
Identificação de sítios arqueológicos e cavidades de interesse.
• Passo 10: Patrimônio ambiental e cultural
Museus, parques, planetários, dentre outros locais com atividades ambientais e culturais.
6
• Passo 11: Possíveis conexões
Estudo de localizações possíveis para as conexões entre as áreas estudadas, por exemplo, por
corredores verdes, bem como o levantamento de possíveis conflitos advindos da implantação de tais
conexões. No caso de Belo Horizonte, sugeriu-se a criação de um cinturão em forma de corredor
verde ao redor de toda a região metropolitana, de modo a controlar a expansão urbana. Ressalta-se
que a multimodalidade dos transportes e os múltiplos usos do solo são dois dos princípios da Trama
Verde-Azul, indicando que estas conexões devem, preferencialmente, apresentar variedade, como
áreas de interesse ambiental, cultural e histórico, ciclovias, trilhas, pistas de caminhada e para prática
de esportes de aventura, podendo integrar-se às redes ferroviária e rodoviária, como previsto na
Política Nacional de Mobilidade Urbana e na Política Integrada de Mobilidade Metropolitana do
Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH.
• Passo 12: Estudos multidisciplinares e multicriteriais
Aprofundamento dos estudos técnicos e socioambientais sobre a trama, suas alternativas e
potenciais de uso.
• Passo 13: Proposição de programas contínuos
Programas de capacitação e promoção relativos a agroecologia, ecoturismo, recuperação de áreas
degradadas e riscos ambientais e tecnológicos.
• Passo 14: Base institucional para a Trama Verde-Azul
Legislação e outras intervenções de caráter institucional necessárias para dar suporte à conservação
e preservação das áreas que formam a Trama.
7
Passo 1 Passo 2
Passo 3 Passo 4
Passo 5 Passo 6
Figura 1: Metodologia para implementação da Trama Verde-Azul na RMBH (Passos 1 a 6) [Fonte: Seminário
Metropolitano (2015)]
8
Passo 7 Passo 8
Passo 9 Passo 10
Passo 11
Figura 2: Metodologia para implementação da Trama Verde-Azul na RMBH (Passos 7 a 11) [Fonte: Seminário
Metropolitano (2015)]
Dessa forma, o MZ-RMBH instituiu as chamadas Zonas de Interesse Metropolitano (ZIMs), áreas com
funções comunitárias, delimitadas de forma participativa e que devem seguir diretrizes específicas de
uso e ocupação do solo. O plano estabelece, dentre as diretrizes, incentivar o uso misto e a
descentralização das atividades, incluindo oportunidades de emprego, comércio, serviços públicos e
privados, dentre outras. Propõe também o estímulo à criação, uso e manutenção de espaços de uso
coletivo articulados à construção gradativa de uma rede interconectada de áreas verdes e cursos
d’água, a Trama Verde-Azul, partindo da recuperação e ampliação das áreas existentes de proteção.
As bases metodológicas aplicadas ao MZ-RMBH para a implementação da Trama podem ser
utilizadas de forma similar em qualquer região, devendo-se, porém, levar em conta a diferente
complexidade de cada caso. Deve-se também ter em mente a necessidade da integração das
ferramentas institucionais tanto de âmbito das UGRHIs quanto dos municípios envolvidos para
garantir a eficácia das medidas tomadas.
Apesar das grandes diferenças entre as regiões metropolitanas de São Paulo e de Belo Horizonte, é
possível identificar semelhanças quanto aos impactos causados ao meio urbano pelos baixos índices
de preservação ambiental nestas localidades. O estudo de alternativas para melhorar a qualidade de
vida na Bacia do Alto Tietê deve levar em consideração toda sua complexidade e a intensidade dos
conflitos pelo uso do espaço e dos benefícios gerados pelas soluções propostas.
1.2. Comparação com o modelo francês
O modelo utilizado no MZ-RMBH foi inspirado na metodologia da França para a implantação da
Trama Verde-Azul, ou, em francês, Trame Verte et Bleue, inicialmente aplicado para requalificar uma
região degradada pela atividade mineradora em Nord-Pas-de-Calais, a partir dos anos 1990. Desde
então o conceito vem se desenvolvendo, formando atualmente uma sólida base legal e institucional,
contando com comitês nacionais e regionais específicos para a Trama Verde-Azul, bem como
legislação específica que garante a integração da trama aos planos diretores.
Porém, deve-se levar em conta que a complexidade causada pela pela urbanização acelerada e
desorganizada, incluindo a ocupação irregular das áreas de várzea e de mananciais, ocorre em escala
muito superior nas regiões urbanas do Brasil, intensificada por sua carência relativa à
intermodalidade de transportes.
Será apresentado um estudo preliminar com as bases da implantação da Trama Verde-Azul na Bacia
do Pirajuçara, uma sub-bacia da BAT, de proporções compatíveis com o escopo do presente trabalho.
Em seguida será exposto um constituinte para as possíveis soluções de implantação da Trama Verde-
Azul na Região Metropolitana de São Paulo: os parques lineares, exemplificado pelo Parque Várzeas
do Tietê.
10
2. Proposta preliminar para implantação da Trama Verde-Azul na Sub-bacia do Pirajuçara
2.1. A Bacia do Córrego Pirajuçara
O Córrego Pirajuçara pertence à Bacia do Alto Tietê e localiza-se na Região Metropolitana de São
Paulo, sendo suas nascentes nos municípios de Embu e Taboão da Serra, e sua foz no Rio Pinheiros,
próximo à Ponte Cidade Universitária. A Bacia Hidrográfica do Córrego Pirajuçara, que pode ser vista
na Figura 3, ocupa uma área de cerca de 73 km², representando aproximadamente 1,3% da área total
da Bacia do Alto Tietê.
Figura 3: A Bacia do Córrego Pirajuçara com seus principais afluentes. [Fonte: Elaborado pelos
autores, imagem obtida no Google Earth.]
Os corpos hídricos da Bacia do Pirajuçara possuem suas margens densamente ocupadas de forma
irregular e desordenada (Figura 4), com muitos trechos canalizados por via subterrânea. A ocupação
das áreas de várzea combinada à grande redução na capacidade de escoamento destes corpos leva a
sérios problemas de inundações frequentes, e por este motivo foram construídas diversas bacias de
detenção ao longo do Córrego Pirajuçara e de seus afluentes (Figura 5). Soma-se a este fato a intensa
poluição das águas desta bacia (Tabela 1), sendo em grande parte devido à poluição difusa. Deve-se
notar que a população ribeirinha despeja resíduos em grande quantidade nos corpos hídricos
próximos às suas habitações, aumentando o risco de veiculação de doenças.
11
Figura 4: Ocupação irregular nas margens do Córrego Pirajuçara. [Fonte: DAEE (2010)]
Tabela 1: Índice de Qualidade das Águas (IQA) para a Bacia do Pirajuçara. [Fonte: Relatório de
Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São Paulo, CETESB (2014)]
12
Figura 5: Reservatórios de detenção na Bacia do Pirajuçara. [Fonte: Plano Diretor de Macrodrenagem
da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (1999)]
2.2. A Trama Verde-Azul na Bacia do Córrego Pirajuçara
• Traçado
A alternativa preliminar proposta para a implementação da Trama Verde-Azul na Bacia do Pirajuçara
segue a metodologia exposta, utilizada no MZ-RMBH. A delimitação da área da bacia em planta foi
feita com base no Plano de Manejo de Águas Pluviais de São Paulo, bem como o traçado dos
principais corpos hídricos, minimizando as dificuldades em encontrar os trechos subterrâneos.
O traçado dos afluentes menores foi feito visualmente a partir de imagens de satélite provenientes
do Google Earth, e por isso muitos trechos não foram localizados, possivelmente por terem sido
soterrados durante as construções hoje presentes no local, tanto aquelas irregulares como as de
pistas de tráfego. Estes trechos dificilmente serão recuperados antes da realização de grandes
intervenções, e por isso, a princípio, não serão considerados de alta prioridade para o traçado da
trama. (Vide Desenho 1 do Anexo I)
• Áreas verdes
Foram consideradas áreas verdes de 10 mil metros quadrados ou maiores, incluindo praças, o
Instituto Butantã, a Chácara Jockey, uma APP e os Parques do Morumbi, das Hortênsias, Raposo
13
Tavares, Jardim Previdência, Luis Carlos Prestes e o Pirajuçara. Não foram incluídas áreas verdes
particulares muradas. (Vide Desenho 2 do Anexo I)
• Patrimônio histórico, ambiental e cultural
Foram considerados os bens tombados CONDEPHAAT e CONPRESP, que incluem, entre outros, a
Chácara da Fonte (Morro do Querosene), o Instituto Butantã, a Casa do Sertanista e a Casa do
Bandeirante. Também foram marcados em planta os bens tombados em áreas próximas, a até 300
m, pois a Trama Verde-Azul não deverá ficar restrita a uma única bacia. (Vide Desenho 3 do Anexo I)
• Rede multimodal de transportes
Foram identificadas em planta as linhas e estações de trem e metrô, bem como ciclovias e ciclofaixas
de lazer. (Vide Desenho 4 do Anexo I)
• Outros pontos de interesse
Foram considerados espaços de lazer diversos, a saber: a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, o
Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o shopping Taboão e o clube Pequeninos do Jockey. (Vide
Desenho 5 do Anexo I)
• Cemitérios
Os cemitérios são áreas potenciais de lazer na forma de cemitério parque. Ainda que haja certa
resistência cultural para tal uso, estas são áreas propícias para a criação de novas áreas verdes.
Foram encontrados seis cemitérios na região. (Vide Desenho 6 do Anexo I)
• Hospitais
Ainda que não sejam comumente considerados, hospitais inseridos na Trama Verde-Azul seriam
beneficiados com um ambiente agradável, interligado a locais de passeio e lazer, melhorando o bem
estar dos enfermos e suas famílias, bem como de seus funcionários. Certamente nestes casos deverá
haver cuidados e restrições para evitar a exposição do hospital a zonas de grande proliferação de
insetos e outros inconvenientes que podem decorrer da localização, mas atualmente existe um maior
controle nas condições higiênicas dentro de tal estrutura do que na capacidade de melhorar o
ambiente local. Deve-se também ter em mente que os hospitais não devem ser colocados dentro dos
parques urbanos, mas conectados a estes por meio de corredores verdes, tanto devido aos cuidados
higiênicos quanto à possibilidade de uma área movimentada impactar negativamente no próprio
parque. Foram encontrados cinco hospitais dentro da Bacia do Pirajuçara e outros quatro nas
proximidades. (Vide Desenho 7 do Anexo I)
2.3. Resultados
Vide Desenho 8 do Anexo I.
14
3. Soluções em macroescala: a Bacia do Alto Tietê Com este estudo foi possível perceber a dificuldade existe em estabelecer as bases, ainda que
preliminares, para a implantação da Trama Verde-Azul em uma sub-bacia que representa apenas
uma pequena parte de um conjunto muito maior: a Bacia do Córrego Pirajussara abrange pouco
menos de 1,3% da área total da Bacia do Alto Tietê. Pode-se prever, portanto, que estas dificuldades
seriam intensificadas em grande escala quando estendidas para toda a região metropolitana, ou
mesmo para todo o município de São Paulo, podendo inviabilizar a introdução da Trama nesta área.
Por este motivo, será brevemente exposto o Parque Várzeas do Tietê, um parque linear, que pode
ser tomado como exemplo de grande corredor verde e que está em fase de implantação na Bacia do
Alto Tietê mesmo com todas as dificuldades encontradas na região.
3.1. Caracterização da área
A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê abrange uma área de drenagem de 5.720 km², localizando-se
inteiramente no estado de São Paulo, e é definida pelo Rio Tietê e seus afluentes, desde sua nascente
em Salesópolis até a Barragem de Pirapora. A extensão da BAT coincide praticamente com a da
Região Metropolitana de São Paulo, atingindo uma população de quase 20 milhões de habitantes e
atravessando 36 municípios. Seu território apresenta 1.773 km² de vegetação natural remanescente.
A bacia é também caracterizada pela grande quantidade de obras de aproveitamento dos recursos
hídricos, de regularização de vazões, de controle de cheias e de transferências, alterando o regime
natural dos cursos d’água.
A BAT está dividida em seis sub-bacias: Billings-Tamanduateí (área de drenagem de 1.025 km²), Cotia-
Guarapiranga (965 km²), Tietê-Cabeceiras (1.694 km²), Juqueri-Cantareira (713 km³), Penha-Pinheiros
(1.019 km²) e Pinheiros-Pirapora (569 km²).
3.2. O Parque Várzeas do Tietê
Os parques lineares caracterizam-se por uma intervenção urbanística que interliga fragmentos da
vegetação e a rede hídrica, agregando igualmente áreas de lazer e recreação para a população. Eles
funcionam como forma de proteção ou recuperação dos ecossistemas ao longo dos corpos d’água, e
ampliam a área de várzea dos rios disponível para a passagem das ondas de cheia, contribuindo para
o controle de inundações. Além da finalidade paisagística e de recuperação ambiental, os parques
lineares valorizam os cursos d’água como elemento estrutural.
Apresentado em julho de 2010 pelo DAEE, Departamento de Águas e Energia Elétrica, responsável
pelo gerenciamento de recursos hídricos no Estado de São Paulo, o Parque Várzeas do Tietê é
previsto para ser o maior parque linear do mundo, unindo o Parque Ecológico do Tietê, na Penha, ao
Parque Nascentes do Tietê, em Salesópolis. O projeto tem como objetivo recuperar e proteger a área
de várzea do Rio Tietê, abatendo os picos das ondas de cheia de forma a minimizar os riscos de
alagamento nas vias e residências localizadas nas proximidades.
15
A área de vegetação preservada propiciará a infiltração de parte da água escoada pela superfície,
função muito importante em uma região em que o grau de impermeabilização chega a 95%. O
Parque também prevenirá novas ocupações em uma área já institucionalizada como Área de
Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê (APA VRT), pois será utilizado como espaço de lazer e
locomoção, contando com uma ciclovia e uma via para tráfego local, constituindo uma medida mais
eficaz do que o processo de fiscalização e manutenção atual.
Devido ao montante de investimentos, o projeto será executado em três etapas, organizadas de
acordo com a Tabela 2.
Tabela 2: Etapas do projeto Parque Várzeas do Tietê
Etapa Abrangêcia Prazo
estimado
1ª 25 km entre a Barragem da Penha até a divisa com o município de
Itaquaquecetuba, englobando São Paulo e Guarulhos 2016
2ª 11,3 km, abrangendo os municípios de Itaquaquecetuba, Poá e Suzano 2018
3ª 38,7 km desde a divisa entre Suzano e Mogi das Cruzes até as
nascentes, no município de Salesópolis 2020
[Fonte: Programa de Recuperação das Várzeas da Bacia do Alto Tietê (2010)]
Deve-se notar que o prazo estipulado para conclusão da primeira etapa era, inicialmente, no ano de
2012. A Figura 6 ilustra a abrangência espacial de cada etapa do projeto.
Figura 6: Distribuição espacial das etapas de execução [Fonte: Programa de Recuperação das Várzeas
da Bacia do Alto Tietê (2010)]
O projeto estima que serão realocadas cerca de 40 mil pessoas que antes viviam em moradias
precárias em áreas ocupadas às margens do Rio Tietê. Por ser uma região de várzea, esta população
é frequentemente atingida por inundações naturais, intensificadas devido à remoção da vegetação
natural das margens e à retificação do curso do rio, originalmente bastante sinuoso, que resultam em
16
um menor tempo de concentração da bacia. Por sua vez, uma grande quantidade das águas pluviais é
encaminhada diretamente aos corpos hídricos, devido às altas taxas de impermeabilização na região,
que permitem a apenas uma pequena parcela da vazão pluvial infiltrar no solo, enquanto a maior
parte escoa pela superfície, sendo captada pelas redes de drenagem que encaminham estas águas
para os cursos d’água. Estes fatores somados resultam em hidrogramas de cheia com picos
adiantados e com valores elevados, sendo que na década de 80 o tempo de retenção era de cerca de
48 horas, enquanto atualmente é de 12 horas. O traçado meândrico original do Rio Tietê é outro
fator que auxilia na atenuação e retardamento dos picos de cheia, porém sua recomposição
envolveria uma quantidade de investimentos e impactos significativos em uma grande área já
densamente urbanizada.
3.3. Revegetação das margens
A recuperação da mata ciliar tem papel relevante tanto para a proteção física das margens, pois
reduz o processo de erosão e de assoreamento dos rios, quanto na redução dos picos de cheia.
Conforme a equação de Chézy (Eq. 1), a velocidade da água em canais abertos é dada a partir do raio
hidráulico R, inclinação do canal i e do coeficiente de Chézy C:
𝑉 = 𝐶 ∙ √𝑅 ∙ 𝑖 = 1𝑛⁄ ∙ 𝑅2/3 ∙ 𝑖1/2 (Eq. 1)
O coeficiente de Chézy é um parâmetro inversamente proporcional à rugosidade 𝑛 da superfície de
escoamento e, consequentemente, depende a composição da mesma. A Tabela 3 indica alguns
valores dos coeficientes de rugosidade de Manning:
Tabela 3: Coeficientes de rugosidade de Manning
Natureza das paredes Condições de manutenção
Muito boa Má
Canais com revestimento de concreto 0,012 0,018
Canais c/ leito pedregoso e talude vegetado 0,025 0,040
Córregos e rios Limpos, retilíneos e uniformes 0,025 0,033
Igual anterior porém c/ pedras e vegetação 0,030 0,040
[Fonte: adaptado de Porto (1998) e Cirilo et al. (2001)]
A Figura 7 ilustra os hidrogramas esperados para antes e depois da urbanização de uma área
genérica, que podem ser usados para exemplificar o hidrograma de cheia do Rio Tietê,
respectivamente, depois e antes da recuperação das margens.
17
Figura 7: Efeito da urbanização sobre os hidrogramas de cheia [Fonte: Manual de Drenagem Urbana –
RM Curitiba (2002)]
3.4. Resultados esperados
A construção de um parque linear apresenta ganhos significativos para a gestão de recursos hídricos
da bacia em que se encontra. Embora esta intervenção pareça local, a preservação das margens de
um rio pode, por si só, reduzir muito os gastos em obras hidráulicas de regularização, e as existentes
podem ser melhor aproveitadas, pois o volume para amortecimento de cheias nos reservatórios
pode diminuir significativamente, sendo que parte dele pode ser utilizado, por exemplo, para
aumentar a garantia de abastecimento público.
Outro ganho significativo é a redução da carga de poluentes direcionada aos rios devido às descargas
irregulares advindas dos aglomerados de moradias precárias nas margens do rio. Estas habitações,
em sua grande maioria, não estão conectadas à rede de esgotamento sanitário, sendo que os
lançamentos são realizados ‘in natura’ no corpo hídrico, aumentando a DBO. Com a realocação desta
população, e a preservação da área, pressupõe-se que a carga orgânica no Rio Tietê será bastante
reduzida no trecho protegido, diminuindo a DBO e aumentando a quantidade de oxigênio dissolvido
disponível para a revitalização do Rio Tietê.
A garantia de que as áreas de montante estão protegidas e de que as águas afluentes são de boa
qualidade propicia futuros projetos de preservação nos trechos a jusante, e o êxito de um projeto em
uma bacia complexa pode vir a ser um incentivo para que as demais sub-bacias sejam também
revitalizadas. Como resultado, a melhoria na qualidade das águas impactaria diretamente sobre os
custos de tratamento, e permitiria que cursos d’água tivessem suas classes melhoradas, alguns
podendo ser aproveitados até mesmo para consumo com custos de tratamento viáveis.
Um exemplo de como a qualidade das águas afeta o aproveitamento hídrico é a Usina Hidroelétrica
Henry Borden, localizada na Serra do Mar, com queda de 720 m e uma capacidade instalada de quase
900 MW. A vazão de projeto para usina considerava a transposição da água do Rio Pinheiros,
afluente do Rio Tietê a montante da área do PVT, para o Reservatório Billings, utilizada também para
abastecimento público. Porém, com a degradação da qualidade das águas do Rio Pinheiros para
níveis intoleráveis à captação para abastecimento, foi aprovada uma resolução que só permite esta
18
transposição com a finalidade de controle de cheias, reduzindo em cerca de 75% a geração de
energia na Henry Borden. A recuperação do Rio Pinheiros, porém, é mais complexa do que a do
Parque Várzeas do Tietê, pois a área em questão é mais densamente ocupada.
Além dos ganhos ambientais, há benefícios expressivos à comunidade, pois o Parque Várzeas do
Tietê representa uma área de desenvolvimento de atividades culturais e de lazer, além de propiciar
uma forma segura de locomoção, em especial não motorizada, dentro de seus limites. Tal
equipamento urbano valoriza a região em suas proximidades, predominantemente ocupada por
residências de baixa renda.
19
Conclusão: próximos passos Embora constitua um importante avanço dentro da perspectiva de implantação de uma Trama Verde
Azul na Bacia do Alto Tietê, o Parque Várzeas do Tietê deve ser visto como apenas um pequeno
trecho de uma estrutura maior. Uma verdadeira trama requer a existência de diversas conexões, ou
seja, a interligação de diversos núcleos de proteção ambiental, cultural e histórica, um processo
longo de institucionalização e reestruturação urbana, e de estudos aprofundados e multidisciplinares.
A complexidade da Região Metropolitana de São Paulo, e portanto da Bacia do Alto Tietê, é única no
Brasil, se mostrando um grande desafio de gestão. A mancha urbana é extensa, e o histórico da falta
de planejamento em sua expansão e adensamento é refletido claramente nas atuais desigualdades
socioespaciais: os empregos e serviços concentram-se em regiões muitas vezes distantes dos núcleos
residenciais, levando a população a grandes deslocamentos, propiciando a opção por meios de
locomoção motorizados e a sobrecarga da malha de transportes. Dessa forma, por exemplo, a
reestruturação urbana deve analisar cautelosamente os investimentos requeridos em
desapropriações e realocações de habitantes, ainda mais do que as obras de implantação das regiões
que vierem a se tornar parte de uma área de preservação.
O caso de Belo Horizonte, além da menor extensão e densidade populacional, também apresentava,
anteriormente ao projeto, áreas de preservação internas e externas à região metropolitana,
facilitando as conexões que cruzam a RMBH em diversas direções. A RMSP carece de tais áreas
dentro de seus limites, contando predominantemente com áreas de preservação em sua periferia, o
que possibilitaria o controle do crescimento da mancha urbana, mas pouco auxiliaria à criação das
conexões requeridas para a formação da Trama Verde-Azul. Estas conexões possivelmente seriam
criadas apenas com vultuosos investimentos e provavelmente com maiores conflitos pelo uso do
solo, porém o mesmo ocorre com outras alternativas, em especial devido à criticidade em que se
encontra a BAT, tanto quanto à degradação, como ao montante populacional. Por estes motivos,
além do traçado cuidadoso e de estudos amplos, também é necessária o esclarecimento da
população quanto aos benefícios e às dificuldades encontradas na implantação de quaisquer
soluções adotadas.
A Trama Verde-Azul pode tornar-se uma realidade benéfica para diversas regiões urbanas, mas é
necessário investir em um arcabouço legal, na capacitação de profissionais que mantenham as
funções comunitárias ativas e nas próprias atividades a serem desenvolvidas nos novos espaços
criados.
20
Referências bibliográficas • AZEVEDO NETTO, J. M., ALVAREZ, G. A. Manual de Hidráulica. São Paulo: Edgard Blucher,
1982. 723 p.
• COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO TIETÊ. Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê -
Relatório final. 2009.
• DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA. Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia
do Alto Tietê. 1999.
• GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, CEDEPLAR, UFMG. Plano Metropolitano -
Macrozoneamento RMBH. 2014 - 2015.
• GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Programa de Recuperação das Várzeas da Bacia do
Alto Tietê: BR-L1216 Informe de Gestão Ambiental e Social do Programa. 2010.
• GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Qualidade das Águas Superficiais no Estado de São
Paulo. 2014.
• GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Manual de Drenagem Urbana - Região Metropolitana de
Curitiba PR. Versão 1.0. 2002.
• PREFEITURA DE SÃO PAULO, CENTRO TECNOLÓGICO DE HIDRÁULICA E RECURSOS HÍDRICOS
CTH. Plano de Manejo de Águas Pluviais de São Paulo. 2012.
• SOLUÇÕES PARA CIDADES. Projeto Técnico: Parques Lineares como Medidas de Manejo de
Águas Pluviais. Disponível em: <http://solucoesparacidades.com.br/saneamento/parques-
lineares/ >. Acesso em: 25 out. 2015.
• TRAME VERTE ET BLEUE: Centre de ressources. Disponível em:
<http://www.trameverteetbleue.fr/>. Acesso em: 01 nov. 2015.
• VÁ DE BIKE: Mapa das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas de São Paulo. Disponível em:
http://vadebike.org/2014/07/mapa-ciclovias-sao-paulo-ciclofaixas-ciclorrotas/. Acesso em:
02 nov. 2015.
22
• Desenho 3: Patrimônio histórico, ambiental e cultural
• Desenho 4: Rede multimodal de transporte
Legenda: vermelho = ciclovias; azul = ciclorrotas; verde = ciclofaixas
amarelo = metrô; laranja = CPTM