Populismo,classeenação:FranciscoWefforteateoriada
dependência(1967-1972)1
AndréKaysel2eDanielaMussi3
Introdução
Entreofinaldosanos1960einíciosdos1970,umambienteculturalepolítico
específico se constituía na América Latina, possibilitado pela intensa circulação de
intelectuais afetados diretamente pelas crises e ditaduras instaladas no continente.
Participante deste ambiente no período em que trabalhou no Instituto Latino-
Americano de Planejamento Econômico e Social (ILPES)4no Chile, FranciscoWeffort
tomoucontatocomascontribuiçõesdeintelectuaiscomoFernandoHenriqueCardosoe
EnzoFaletto,AníbalQuijano,RuyMauroMarini,entreoutros.Neste“ambiente”eram
de particular importância as análises e formulações a respeito do problema do
subdesenvolvimentoedadependênciadospaíses-latinoamericanos.
OsecosdestasformulaçõesnostextosdeWeffortapareceramapartirde1967,
comonoartigo“Opopulismonapolíticabrasileira”,escritoparaonúmeroespecialda
revistaLesTempsModernessobreoBrasilorganizadoporCelsoFurtado.5Aqui,Weffort
reapresentouaideiadopopulismoquevinhadesenvolvendoemsuaspesquisasdesde
1963 como “manifestação das debilidades políticas dos grupos dominantes”, de um
1Comunicaçãoescritaparaparticipaçãono9oCongressoLatino-AmericanodeCiênciaPolítica(ALACIP),aserrealizadoentreosdias26e28dejulhoemMontevidéu(Uruguai).2ProfessordoDepartamentodeCiênciaPolíticadaUniversidadeEstadualdeCampinas.3Pós-doutorandanoDepartamentodeCiênciaPolíticadaUniversidadedeSãoPaulo.BolsistaCAPES.4InstituiçãoligadaàComissãoEconômicaparaAméricaLatinaeCaribe(CEPAL),comsedenoChile para onde FranciscoWeffort, FernandoHenrique Cardoso e outros semudaram após ogolpe de 1964 que deu instaurou a ditadura militar no Brasil. TantoWeffort como Cardosopermaneceriam no Chile até fins de 1967 quando retornariam ao Brasil, o primeiro paradefender sua tese de doutoramento em abril de 1968, o segundo para disputar a cadeira dePolíticanaFaculdadedeFilosofia,CiênciaseLetrasdaUniversidadedeSãoPaulo.5ParaoqualFernandoHenriqueCardosotambémcontribuiucomumartigo,alémdeFlorestanFernandes,HélioJaguaribe,OttoMariaCarpeaux,Jean-ClaudeBernadet,AntonioCallado,J.LeiteLopeseopróprioFurtado.Arevistaganhouumaediçãoemportuguêsnomesmoano,publicadacomolivropelaeditoraCivilizaçãoBrasileira.
desenvolvimento burguês que passara “a depender cada vez mais de capitais
estrangeiros”edeumaburguesiacondenada“tambémpelafragilidadedopopulismo”.
No mesmo ano, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto publicaram, pelo ILPES,
DependenciaydesarrolloenAméricaLatina:ensayodeinterpretacíonsociológica,ensaio
que se tornaria referenciapara Weffort pensar adependência.6 Tambémna tesede
doutorado,defendidaemabrilde1968naUniversidadedeSãoPaulo,Weffortretomou
otrabalhodeCardosoeFalettocomofonteparauma“noçãodedependência”(Weffort,
1968b,p.21n).
Emsua tese,Weffort semoviano interiordoqueconsideravaumaabordagem
“não abstrata” do processo histórico que lançava as bases para pensar as condições
peculiaresda“emergênciapolíticadasclassespopulares”nosdiferentespaíses latino-
americanos.A formaçãopolíticaesocialdependentedaAméricaLatinaassumiamum
papel decisivo para explicar as massas na política (Ibidem, p. 22-23). Esta
compatibilidadecomaabordagemdadependência,entretanto,mudariadrasticamente
noperíodoseguinte.
Anovaatitude frenteao conceitoénotávelna trocadetextosproduzidapara
umeventoacadêmiconoChileemfinsde1970,noqualWefforteFernandoHenrique
Cardoso debateram publicamente este tema. Aqui, Weffort mostrou intenção de
distanciar-sedos termosdobinômiodependência-populismo.Apesardereconhecero
papel“crítico”e“renovador”danoçãode“paísesdependentes”diantede“umatradição
de idealização teórica das sociedades avançadas como padrão universal do
desenvolvimentocapitalista”(Idem,1971[1970],p.4),passouaindagararespeitodos
limites de seu uso. Neste texto, Weffort afirmou que a noção de dependência teria
substituídoaideiadesubdesenvolvimentoeofereciaumaformaderetomaraideologia
nacional-desenvolvimentista em outros termos. A crítica se voltava, ainda, contra o
6Na redação do artigo para a LesTempsModernesWeffort não cita o trabalho de Cardoso eFaletto (1970 [1967]), possivelmente ainda em fase de publicação. Cita, entretanto, a tese delivre-docência de Cardoso (1964),Empresário industrial edesenvolvimento econômico, onde otemada“debilidade”dasclassesdominantesbrasileirasédesenvolvidopelaprimeiravez,bemcomo o livro de Furtado (1964), Dialética do desenvolvimento onde é discutido o papel dosefeitosexternosnaindustrializaçãodaeconomiabrasileira.
“nacionalismoideológico”quepermeariaanoçãodesubdesenvolvimentoe,também,a
dedependência(Ibidem,p.9e9n).
Nopresente texto serão exploradas as vicissitudesdesteprocessode adesão e
crítica da “teoria da dependência” por Weffort. Na próxima seção será discutido o
processode formaçãodeum léxicopolítico latino-americanonoqual os conceitos de
“dependência”e“populismo”ocuparamumlugarcentral,apontandocomoostextosde
Weffortseinseriramnessecontexto.Naseçãoseguinteapresentaostermosdodebate
entreWeffort e Cardoso, procurando demonstrar como ambos definiram emudaram
suas posições na controvérsia. Por fim, a conclusão discute como confluíram no
pensamentodeWeffortapreocupaçãocomaautonomiadaclasse trabalhadorae sua
crítica da dependência, em particular em sua tese de livre-docência sobre o
“sindicalismopopulista”(Weffort,1972b).
Populismoedependêncianoléxicopolítico-culturallatino-americano
Os anos 1960-1970 foram um período de grande efervescência intelectual no
subcontinente, alimentado pela espiral de radicalização política que se seguiu à
RevoluçãoCubanade1959,àcrisedodesenvolvimentismoquecaracterizaraadécada
precedente e a onda de golpes cívico-militares que se abateu, em especial sobre os
paísesdoConeSul.Contextoemque,aindaquejátivesseumatrajetóriarelativamente
antiganaregião,otermo“dependência”ganhouumnovostatusteóricocomoconceito-
chavepara reinterpretara formaçãohistórico-socialdospaíses latino-americanos.7.O
termo dependência já aparecia no clássico de Vladmir Ilich Lênin Imperialismo: fase
superior do capitalismo (1916). Sua estreia no vocabulário político latino-americano
provavelmente se deu por ocasião do VI Congresso da Internacional Comunista (IC),
quando o delegado equatoriano Ricardo Paresdes se opôs a que os países latino-
americanos ficassem subsumidos na categoria de “países coloniais e semicoloniais”.
7 Como lembra o historiador inglês Quentin Skinner (1974), as inovações ideológicas -entendendoaquiaideologiacomocertovocabuláriooulinguagempolíticadeumdadoperíodo–nãoprocedemtantopelacriaçãodenovostermos,maspelaressignificaçãodosjáexistentes.
Apósumlongodebate,seaprovouatesecomaainclusãodotermo“dependentes”(cf.
Caballero,1988).Entreasegundametadedosanos1960eaprimeirados1970,uma
miríade de intelectuais retomou o conceito/noção de “dependência” na interpretação
dasformasespecíficasdeinserçãosubordinadadospaísesdaperiferialatino-americana
nocapitalismomundial.
Havia a preocupação, neste novo contexto, de oferecer respostas à crise da
abordagem estruturalista até então predominante na Comissão Econômica Para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), o qual parecia ter fracassado em sua equação
otimista da Industrialização Substitutiva de Importações (ISI) superação do
subdesenvolvimento.Foinesteambienteque intelectuais comoRodolfoStavenhagen,
FernandoHenriqueCardosoeEnzoFaletto,TeotôniodosSantos,VâniaBanbirra,André
Gunder Frank, RuyMauroMarini, Florestan Fernandes, Anibal Quijano, entre outros,
passaram a falar de relações de “dependência” como chave alternativa à do
subdesenvolvimentoedaISI.8
A produção ao redor deste tema não era uniforme em suas bases teóricas,
diagnósticoseconclusões,demodoque,maisdoqueemuma“teoriadadependência”,
comosecostumafalar,talvezomaisadequadosejafalaremnoçõesanalíticaseteóricas
arespeitodadependência.Estesforamalgunsdostermosgeraisnosquaissemoveram
os intelectuais identificados com o campo democrático – em muitos casos com o
socialismoecomcorrentesmarxistas–dediferentespaíseslatino-americanos,muitos
exiladosnasegundametadedosanos1960ediantedodesafiodepensara realidade
histórica, social e política em termos internacionais e regionais. Uma condição
intelectual,portanto,queultrapassavaobjetivospuramentecientíficos.9
Neste ambiente, ao lado da emergência da problemática da “dependência”
8 Excertos de algumas das principais obras produzidas em torno da controvérsia dadependência estão compilados em Marini e Milán (1995). Para um amplo levantamentobibliográfico,inclusivecomtrabalhosproduzidosemoutroscontinentesverDosSantos(1998).9Paraummapeamentodosdebatesentrecepalinosedependentistas,verLove(1996).Jáparadiferentescritériosdeorganizaçãodacontrovérsiadadependência,verDosSantos(2000).Porfim, para uma apreciação crítica do lugar das “teorias da dependência” no marxismo latino-americano,verPortantiero(1990).
esteve a do “populismo”, conceito por meio do qual diversos autores procuraram
caracterizar as forças políticas que, tendo dominado a cena em diversos países no
período de auge do nacional-desenvolvimentismo, vinham sendo desalojadas
violentamenteporgolpescivil-militares.
Jáoconceitode“populismo”fezsuaestreianasociologialatino-americanaentre
osanos1950e1960,soboimpactodaperspectivadamodernização,paradarcontada
singularidadedas formasde incorporaçãodas camadaspopularesàesferapública, as
quaisescapavamaospadrõesdademocraciarepresentativaedasclivagenspartidárias
usuais na Europa ocidental.10Caracterizando amodernização como a transição entre
doistiposradicalmentedistintos,a“sociedadetradicional”ea“sociedademoderna”,a
sociologiafuncionalistaidentificavaoproblemadaAméricaLatinanaincapacidadedos
mecanismos institucionais promoverem a integração e canalização da mobilização
vertiginosadascamadaspopularesnavidapolíticaemviasdemodernização.
Porumlado,estascamadasviveriamuma“revoluçãodeexpectativas”emseus
padrõesdeconsumo,culturaisepolíticospromovidapelodesenvolvimentoeconômico
naregião(Germani,1973[1965],p.175;DiTella,1969,p.82).Poroutro,dafrustração
dasperspectivasde integraçãopolíticaautônomaedesprovidasde tradiçõesdeauto-
organização, estas passariam a ficar disponíveis à manipulação por lideranças
populistas(DiTella,1969,p.87).Osmovimentospopulistas,porsuavez,resultariamdo
encontro dessas massas populares com elites civis e militares interessadas em
transformar a ordem vigente, as quais canalizariam a mobilização popular “de cima
parabaixo”(Germani,1973[1965],p.172-173).Essesmovimentoscaracterizar-se-iam
pelo forte apoio popular, a heterogeneidade de sua base social e uma vaga ideologia
anti-establishment(DiTella,1969,p.85-86).
No Brasil dos anos 1950, a perspectiva da sociologia da modernização, que
10Alémdisso,assimcomonocasodadependência,antesdeseconsagrarcomocategoriadeusoacadêmico,opopulismotambémparecetersidointroduzidonaregiãoinfluênciadoléxicodaIIIInternacionalComunista,poiseraempregadonosdebatesentrecomunistasenacionalistasemfinsdadécadade1920e teve suaorigemna culturapolítica russado finaldo séculoXIX (cf.Kaysel,2017).
associava o populismo a uma etapa do desenvolvimento político da sociedade,
encontrou alguma afinidade na perspectiva de intelectuais brasileiros de inclinações
nacionalistas.Umexemploéoartigo,nãoassinado,emgeralatribuídoaHélioJaguaribe
(1954),narevistaCadernosdoNossoTempo,sobreo“adhemarismo”–emreferenciaao
políticopaulistaAdhemardeBarros–comoformaderelaçãopersonalistaentrelídere
massas.OutrocasoéodeAlbertoGuerreiroRamos (1961),oqualno iníciodosanos
1960 abordou o populismo como uma forma personalista de relação entre um líder
políticoeumamassatrabalhadoraaindanãoorganizada,asersuperadapela“política
ideológica”.11Épossíveldizerque, emmeadosde1963,quandoWeffort escreveu seu
artigosobreo temada“políticademassas”12ecriticouaperspectivada“políticapré-
ideológica”paraotratamentodopopulismo,estecompunhaaantessaladonascimento
domovimentointelectuallatino-americanorivalaestaperspectiva“modernizante”,que
podemoschamarpor“dependentista”.13
Assim, quando a crítica à teoria damodernização começou a ganhar fôlego na
segundametadedos1960eoconceitodedependênciaganhoucentralidade,entreos
intelectuais brasileiros este foi amparado pelos argumentos críticos a respeito do
populismo. Já em sua tese de livre-docência, publicada em 1964, FernandoHenrique
Cardoso(1964,p.86-91)desenvolveulongaeexplicitamenteosargumentosdeWeffort
a respeito do fenômeno do populismo no Brasil. Aqui, a reflexão sobre o populismo
apareceudiretamentevinculadaaumatentativadeanálisedogolpemilitarrecenteno
Brasil. Cardoso se orientava pela análise de Weffort para explicar por que os
11Para os primeiros usos do conceito de “populismo” nas ciências sociais e no pensamentopolíticobrasileirosverGomes(2001)eFerreira(2001).12Trata-se do capítulo “A política demassas”, elaboradopara a coletâneaPolíticaerevoluçãosocial no Brasil organizada em conjunto com Gabriel Cohn, Paul Singer e Otávio Ianni (cf.Weffort, 1965a [1963]; 1965b). Este artigo, modificado, foi incluído posteriormente nacoletâneaOpopulismonapolíticabrasileirapublicadanofimdosanos1970(Idem,1978).Parauma discussão sobre as mudanças realizadas na segunda versão, ver Kaysel e Mussi (2017,aindainédito).13Antes,em1963,FlorestanFernandespublicouAsociologianumaeraderevoluçãosocial,emqueo temadopopulismoapareceudiscutidodemaneira crítica e realista, como “eclosãodasmassas populares na arena da política”, processo precário que Fernandes via realizado demaneira “independente e acima dos partidos”, como exercício de tradução permanente porpolíticos demagogos de suas posições conservadoras em uma linguagem popular eficaz (cf.Fernandes,1963,p.262-263;apudCardoso,1964,p.91).
movimentos populares e partidos de esquerdas haviam sido marginalizados neste
processo,ouseja,nãohaviamsidocapazesdereagiraogolpe.Emsuaopinião, issose
deveraaofatodequeasliderançasnacionalistasedeesquerdanãohaviamsidocapazes
de compreender a “classe” no interior da “massa”, haviam simplesmente rejeitado a
políticapopulistacomo“retrógrada”parainsistirnaabstratapolítica“ideológica”.
Um pouco mais tarde, no trabalho conjunto com Enzo Faletto com quem
desenvolveudemaneirasistemáticaoargumentoda“dependência”naAméricaLatina,
Cardosopassouapensaropopulismopeloângulodastransformaçõesnospadrõesde
acumulação capitalista no continente e dos consequentes rearranjos na estrutura de
classes.Noensaiode interpretaçãosociológica,escritoentre1966e1967,apareceua
ideiadequeascondiçõesparaaemergênciado“populismodesenvolvimentista”seriam
dadas pela crise do “padrão de desenvolvimento para fora” – caracterizado pelas
economiasprimário-exportadoras–eapassagemao“padrãodedesenvolvimentopara
dentro”, centrado na industrialização substitutiva de importações (ISI) (cf. Cardoso e
Faletto,1970[1967],p.94).
Este novo padrão de acumulação teria conduzido a uma “aliança
desenvolvimentista”, setores industriais e operários-populares, ou seja, estruturada
pela combinação entre política alfandegária e esmagamento do conjunto do setor
agrário e médio, capaz de sustentar os investimentos industriais e os salários dos
setorespopularesqueseincorporamaosistemaindustrial(Ibidem,p.95).Opopulismo,
discutidoaquicomo“modelo”especificamentebrasileirodedesenvolvimentoseria
“o elo através do qual se vinculam asmassas urbanasmobilizadas pelaindustrialização–ouexpulsasdosetoragráriocomoconsequênciadesuatransformaçãooudeterioração–aonovoesquemadepoder;econverter-se-ánapolíticademassas,que trataráde impulsionaramanutençãodeum esquema de participação política relativamente limitado e baseadoprincipalmenteemumadébilestruturasindicalquenãoafetouasmassasruraisnemoconjuntodosetorpopularurbano”(Ibidem,p.103).
A crise deste “elo”, por sua vez, se daria com o advento da “dependência
associada”,processonoqualaassociaçãodocapitalmultinacionalcomoscapitaislocais
se aprofunda, gerando uma ruptura destes com o arranjo desenvolvimentista, ao
mesmo tempo em que as pressões populares aumentam nos marcos da política
populista. Em sua conclusão, Cardoso e Faletto argumentaram que a crise das
experiências populistas não seria a crise da oposição entre dependência e
desenvolvimento, polos entreosquais sedividiriamburguesia eproletariado,mas se
realizara como processo de redefinição destes dois termos. Esta consistiria na forte
presençados“interessesexternos”nosetordeproduçãoparaomercadointerno,enas
novasaliançaspolíticasdaíresultantes,concentradasnoapoiodaspopulaçõesurbanas
egrupossociaisligadosàproduçãoindustrial(Ibidem,p.141-142).
PoucodepoisdapublicaçãodoensaiosociológicodeCardosoeFalettonoChile,a
revistafrancesaLesTempsModernespublicouonúmeroespecialdedicadoaoBrasil,no
qual Cardoso e Weffort participaram com textos individuais. Cardoso (1968 [1967])
contribuiucom“Hegemoniaburguesaeindependênciaeconômica:raízesestruturaisda
crise política brasileira”, artigo em que aplicou ao caso brasileiro os argumentos
centraisdesuapesquisacomFalettoeexpôsacríticaàideiadeumaburguesianacional
interessadanaindependênciaeconômicadopaís.
O artigo de Weffort para Les Temps Modernes, “O populismo na política
brasileira”, foi escrito no contexto emque este também se encontrava no Chile e era
membro do quadro técnico do ILPES e estava, portanto, em contato direto com as
discussões ao redor da problemática da dependência (Weffort, 1968a [1967]).14Não
poracaso,otermodependênciaapareceunasfrasesiniciaisdesteartigo,comopartede
umaprimeiradefiniçãodofenômenopopulista:
“[O populismo] foi também uma das manifestações das debilidadespolíticasdosgruposdominantesurbanosquandotentaramsubstituir-seàoligarquianas funçõesdedomíniopolíticodeumpaís tradicionalmenteagrário e dependente, numa etapa em que pareciam existir aspossibilidades de um desenvolvimento capitalista nacional” (Ibidem, p.50.Grifoadicionado).15
14Como funcionário do ILPES,Weffort escreveu em coautoria neste período sobre o tema daplanificação do setor público em perspectiva das economias latino-americanas onde aperspectiva da dependência aparece. Estas economias eram identificadas como “mistas”, nasquais“elproceso[deformaçãoestatal]esdiferente.Setratamásbiendeunprocesogradual(aveces cruento) de adaptación del aparato institucional a un complejo de actividadeseconómicas,cuyafinalidadestabamuchomásvinculadaalmercadoexternoquealinterno”(cf.WefforteCibotti,1967,p.8).15Na versão deste artigo da coletânea Populismonapolítica brasileira, publicada em 1978, otermo“dependente”desaparece,oquefortaleceashipótesesdequeWeffort,porumlado,teriafeito um uso consciente do termo para vinculação com a abordagem discutida na primeira
Aqui,Weffortcaracterizouopopulismocomoformadependentedeincorporação
dasmassas populares ao Estado no contexto de crise da ordem liberal-oligárquica.O
processo de ampliação – ou democratização – “pelo alto” da ordem estatal seria
possibilitado pela relativa fragilidade dos grupos dominantes urbanos de uma
sociedade, historicamente “agrária” e ”dependente", mas que vislumbrava a
possibilidadedeconstruçãodeum“capitalismonacional”.Tem-se,pois,umaarticulação
análogaadeCardosoeFaletto,istoé:ainterpretaçãodopopulismocomoumfenômeno
político alicerçado na crise da economia primário-exportadora, estruturado e
estruturantedapolíticaedoEstadonacional-desenvolvimentista.
Aodiscutirasrazõesdafragilidadedaburguesia industrialbrasileiraenquanto
classeàépocadaRevoluçãode1930,WeffortcitaexplicitamenteCelsoFurtadoeafirma
queacrisedaeconomiaprimário-exportadora:
Aparece como simples reflexodadiminuiçãodos estímulosdomercadoexternoeapolíticagovernamental consistiu,noessencial, em transferirpara o conjunto do país as perdas que a crise externa provocara naagricultura do café, nosso principal produto de exportação (Ibidem, p.53).
A apropriação do argumento de Furtado (1962 [1959]) acerca do papel do
Estado na proteção dos preços do café durante a década de 1930 era parte do
argumento sobre o qual se estruturava o diagnóstico “dependentista” e cepalino da
passagemdeum“desarollohaciafuera”paraoutro,“haciadentro”,assimcomoopapel
determinanteatribuídoaomercadoexternonodesencadeamentodacriseagrária.
Para Weffort, o aspecto-chave da elaboração sobre o populismo a partir da
noção de dependência residia na ideia de que a burguesia industrial – e, de resto, o
conjuntodosgrupossociaisdominantes,classesmédiasurbanas,oligarquiasregionaise
primário-exportadoras – seriam incapazes de exercer um papel dirigente à frente do
Estado em contextos de crise e transição. Justamente nestes contextos se abririam
situaçõesfavoráveisparaemergênciadasituaçãoouEstado“decompromisso”,istoé,
paraaformaçãodenovo–aindaqueprecário–equilíbrioentreinteressesdivergentes versão;e,poroutro,umesforçoconscienteemsedesvinculardamesmaemmomentoposterior(cf.Weffort,1978a,p.61).
que possibilitaria a autonomização relativa do Estado frente às classes sociais e sua
personalizaçãonafiguradochefedoexecutivo,oqualpassariaadesempenharopapel
deárbitro(Weffort,1968a[1967],p.63).
Este compromisso, contudo, não poderia ser considerado como equivalência
diretadoconceitomarxianodebonapartismoparaocasobrasileiropordoismotivos.
Primeiro, pelo fato do populismo emergir de um compromisso com grupos sociais
fundamentalmenteurbanosdascamadaspopulares,nãorurais(Ibidem,p.62)Segundo
dado o caráter dependente que esta situação particular de compromisso assume em
relação ao “externo”, ou seja, em virtude da especificidade da formação dos países
latino-americanos.16O caráter periférico e dependente do “compromisso” nos países
latino-americanos contribuiria, ainda, para a emergência de formas de participação
política diversificadas. Para Weffort, o “compromisso” nos países periféricos e
dependentesadquiriaformasespecíficasque, investigadaspropriamente,contestavam
ateseda“passividade”ou“faltadeideologia”dasclassespopularesbrasileiras(Ibidem,
p.65)
Nestesentido,comointuitodeexplicaracriseagudadoEstadodecompromisso
noBrasildoiníciodosanos1960,Weffortapontouparadoisprocessosconcomitantes.
Oprimeiro se ligava à crisedopadrãopopulistadedominaçãopolítica.Opopulismo,
afirmou,secaracterizariapordoismomentos,umdeascensãoondeatônicaédadapela
“manipulaçãodasmassas”,seguidoporumperíodode“mobilizaçãopopular”ecrisedo
“compromisso”, “quando a economia urbano-industrial” esgota “sua capacidade de
absorçãodenovosimigrantesequandoserestringemasmargensdoredistributivismo
econômico”(Ibidem,p.70).
Estarestriçãoseexpressarianoprocessodeesgotamentodacapacidadedelidar
comaspressõesdaparticipação,períodoemqueaindustrializaçãoalcançariaseulimite
máximodevido a presença parasitária do setor exportador de produtos primários na
16Em uma nota,Weffort esclarece sua hesitação em usar o conceito de regime bonapartista,usadonaépocaporRuyMauroMariniparasereferiràAméricaLatina:“Dentrodaexperiênciahistórica europeia o ‘bonapartismo’ seria talvez a situação política mais próxima dessa queprocuramos descrever para o Brasil. De todos modos pareceu-nos conveniente evitar o usodestaexpressãoquenosteriaobrigadoacomparações,quefogemdoâmbitodesteartigo,entrepaísesdediferenteformaçãocapitalista.”(Weffort,1968a[1967],p.63).
situaçãodecompromisso.Aestagnaçãododesenvolvimentointraburguês,porsuavez,
teria sido fundamental para que a indústria brasileira se tornasse progressivamente
dependentedecapitaisexternose,portanto,incapazde“formularumapolítica”própria
eabrangenteemsuacapacidadede“manipulação”dasmassas(Ibidem,p.70).
Algunsmesesdepoisdeescreveroartigoparaarevistafrancesa, jádevoltaao
Brasil,Weffort,retomoua“noçãodedependência”emsuatesededoutorado,“Classes
populares e política: contribuição ao estudo do ‘populismo’”, defendida em abril de
1968(Idem,1968b,p.21).Aqui,adependênciaapareceucomoumanoçãoquecombina
“autonomia política e dependência econômica”, ou seja, um conceito que define a
constituição dos países da América Latina como essencialmente ambígua, sendo esta
sua“especificidadebásica”(Ibidem,p.21).AatençãodeWeffortnatesesedirecionou
para a fase “mobilizadora” do populismo, ou seja, para “as condições da emergência
política das classes populares”, e discutiu as “peculiaridades da formação política e
socialdependentedaAméricaLatina”e seupapeldecisivonesteprocesso (Ibidem,p.
22-23).
Nestemesmomês, em 14 de abril de 1968, uma greve estilo “gato selvagem”
estourounacidadedeContagem,por“foradosmarcosdosindicato”escreveriaWeffort
algumtempodepois,comumfortemovimentodeocupaçõeseenfrentamentos(Idem,
1972a[1971],p.37).Agreveseexpandiu,comseuaugeem22deabrileamobilização
de15miloperáriosemtodooestadodeMinasGerais.Emseguida,emmaio,grandes
revoltas estudantis estouraramnoplano internacional, especialmentena França, com
grande impacto no “clima ideológico e político” e nos “movimentos estudantis da
Guanabara” (Ibidem, p. 75). “Não eram poucos os que pensavam na possibilidade
históricadeumainversãodasrelaçõestradicionaisentreestudanteseclasseoperária”,
deuma“novaépocadosmovimentossociais”,diriaWeffortmaistarde(Ibidem,p.75).
Nesteclima,emjulho,umnovomovimentogrevistaenvolvendo6miloperárioseclodiu,
agora na região de Osasco, em São Paulo, também com fortes ocupações e
enfrentamento.
Estes acontecimentos, imediatamente posteriores à defesa de sua tese de
doutorado, teriam grande impacto sobre as ideias de Weffort, especialmente sobre
algunsdoselementosjápresentesemsuaargumentaçãosobreopopulismoelaborada
entre1966e1967,nocontextodeproximidadecoma“noçãodedependência”.Weffort
escreveria longamente sobre este ciclo de lutas no Brasil entre 1971 e 1972, e
introduziriaa ideiadestecomorepresentantedeum“processoderuptura internado
sindicalismo populista”, de independência operária contrastante com o movimento
sindicalvigenteequeseformaranosanos1950(Ibidem,p.87).
Estasreflexõesparecemtercontribuídoparaodesenvolvimentodeumaatitude
críticaemrelaçãoaousodoconceitodedependênciapelosintelectuaisligadosàCEPAL
parasereferiràAméricaLatinae,emparticular,aquestionarousodesteconceitopor
CardosoeFalettoemseuensaio sociológicoenoartigodeCardosoparaaLesTemps
Modernes.Ainvestigaçãodofenômenopopulistaeraagoraampliada,–vistonãomais
apenas como aliança eleitoral, mas também como conjunto de práticas sindicais – e
encontravaumlugardifícildentrodamatrizanalíticadapolíticaeeconomiadoBrasil
centradanaideiadedependência.
Asgrevesoperáriaseestudantisde1968,bemcomoanovaondadeprotestos
políticos em âmbito internacional, somadas a um novo ambiente cultural e político
emergente entre os intelectuais democráticos, revolucionários e socialistas
brasileiros,17apontavamparaanecessidadedeexpansãodoestudodo “populismo”e,
no mesmo sentido, a novas indagações sobre as relações de dependência interno-
externo. Um ambiente em contraste, portanto, com o léxico que ajudara a formar e
difundir.
Classe,naçãoeoslimitesdadependência
A distância intelectual e política entre Weffort e Cardoso aumentaria neste
período, movimento registrado nas comunicações escritas para apresentação e
discussãoemumseminário acadêmico internacional.Emnovembrode1970,Weffort
apresentou“Notassobreateoriadadependência:teoriadeclasseouideologia?”no2º
17Ambientequeseexpressou,paramuitos,emposiçõessimpáticasàlutaarmada,emoutrosnacrítica aguda do compromisso brasileiro do início dos anos 1960. Ambiente de “explosãocriativa” no qual se gestava, ainda,movimentos artísticos importantes no teatro e namúsicacomoatropicália(Ridenti,2000,p.161;Veloso,1997).
Seminario Latinoamericano para el Desarrollo,18 realizado no Chile, e teve seu texto
comentado por Cardoso, que para tal escreveu “Teoria da dependência ou análise
concreta de situações de dependência?” Os textos do debate foram publicados em
versõesmodificadasnoanoseguintenoboletimEstudosCebrap,19doCentroBrasileiro
deAnáliseePlanejamento(CEBRAP),doqualambosfaziamparte.
Na comunicação, Weffort dividiu sua crítica em dois temas principais, o do
conceitodedependênciaeodaEuropacomomodeloparaahistóriadaformaçãosocial
e política na periferia. Na primeira parte, discutiu a ambiguidade do conceito de
dependência no que diz respeito às esferas de classe e nação. Em sua opinião,
conceitualmente estes termos não poderiam ser conciliados sem que dependência se
convertesse em uma defesa ideológica da perspectiva do subdesenvolvimento (1971
[1970],p.9-10).
O argumento de Weffort era “político” e buscava refletir sobre a concreta
“relaçãoentreclassesenaçãonodesenvolvimentodocapitalismonaAméricaLatina”,
demaneiraalternativaàideiade“dependênciaexterna”propagadapelaCEPALepelos
teóricos da modernização (Ibidem, p. 6). “Se as burguesias nacionais falharam ou
inexistiram”,afirmou,caberiapensar“qualopapeldatemáticanacionalnoâmbitodas
relações politicas e ideológicas entre as classes” (Ibidem, p. 6. Grifo adicionado). Em
outraspalavras,colocavaoproblemasobreaexistência–nãomeramenteideológica–
danação nos contextos em que as burguesias nacionais falharam ou inexistem como
classe independente. Além disso, as diferentes abordagens sobre a “dependência”,
inclusiveemsuamelhorformulaçãopropostaporCardosoeFaletto,teriampassadoa
cumprirumafunçãoideológicaaodefenderumasupostaindependêncianacionalsema
18 Evento organizado pela Faculdad Latino-Americana de Ciencias Sociales (Flacso) compatrocíniodaUnesco.19A intervenção de Weffort foi publicada, também, na Revista Latinoamericana de CienciaPolítica, n. 1, em1971. O autor incluiria alguns anos depois uma versãomodificada deste nacoletânea O Populismo Na Política Brasileira (Weffort, 1978). Devido os contrastes entre asdiferentes partes do livro, Weffort incluiu uma nota editorial introdutória para explicar aexistência de posições contraditórias com relação ao problema da dependência no livro,minimizando a influencia geral da perspectiva da dependência em seu trabalho. Comodemonstradonopresenteestudo,porém,essanotapodetersubestimadotalinfluência.
“rupturaconcomitantedasrelaçõesdedominação(internas)declasse”(Ibidem,p.9n).
Em sua réplica ao texto de Weffort, Cardoso admitiu que o debate sobre a
dependênciahavia assumidouma carga ideológica tal quedificultavaumaapreciação
equilibradaematizadadasdiferentescontribuições.Aseuver,seria“inútilentrarnuma
discussãoquandoelajáassumiuumaconotaçãoideológicatãofortequesetornadifícil
analisar os textos e as ideias emque se apoia” (Cardoso, 1971 [1970], p. 27).Apesar
disso, reiterou que o uso da categoria de dependência em seu trabalho tinha por
intenção criticar justamente o economicismo e o evolucionismo das teorias
convencionaisdodesenvolvimento.Estaintençãosejustificariaexatamentenoesforço
deexamedadependênciaemsituaçõesconcretas:
“Nos trabalhos que escrevi sobre a dependência existe uma duplaintenção crítica. Por um lado (...) critica-se as análises dodesenvolvimentoqueabstraemdoscondicionamentossociaisepolíticosdo processo econômico e critica-se as concepções evolucionistas (dasetapas) e funcionalistas (especialmente a teoria da modernização) dodesenvolvimento.(...)Poroutrolado,acríticaseorientaparamostrar(...)que a análise ‘estrutural’ dos processos de formação do sistemacapitalista só tem sentido quando referida historicamente” (Cardoso,1971[1970],p.27).
Oensaiodeinterpretaçãosociológicapublicadoem1967percorriaumconjunto
amplo de casos históricos, os quais Cardoso e Faletto buscavam aproximar mais ou
menosentresieinterpretarnachavedarelaçãocentro-periferiaeparaosquaisseria
fundamentalavaliaracapacidadepolíticados“produtores locais”. Estaargumentação
era apresentada nos dois “elementos” em função dos quais Cardoso e Faletto
procuravam“abstrairocursoconcreto”dahistóriadospaíseslatino-americanos:
“a) Do ponto de vista do conjunto do sistema capitalista mundial (...)relacionando-secomaperiferiaatravésdanecessidadedoabastecimentode matérias primas. (...) O centro hegemônico controlavafundamentalmente a comercialização da periferia, mas não substituía aclasseeconômicalocalqueherdaradacolôniasuabaseprodutiva.(...)b)Doquedissemosinfere-sequearupturadopactocolonialpermitiaofortalecimento dos grupos produtores nacionais, posto que o novopolo
hegemônico não interferia e, pelo contrário, em certos casos, até podiaestimularaexpansãodosistemaprodutivonacional.Estefortalecimentodependiadacapacidadedosprodutoreslocaisparaorganizarumsistemade alianças com as ‘oligarquias locais’ que tornasse factível o Estadonacional.(...)”(CardosoeFaletto,1970[1967],p.42-43)
Era justamente a argumentação fundamentada numa relação econômica de
controledaperiferiapelo“centrohegemónico”,aliadaaoestudodo interno focalizado
nasburguesiaslocaisesuacapacidadedealiançaspolíticasqueWeffortcolocavacomo
alvodesuacrítica.Emsuaresposta,Cardosorealizouumduplomovimento.Distanciou-
sedalinguagemeconômicaesociológicacomaqualdiscutiraadependênciaem1967,
procurandoformularsuashipótesesemtermoshistóricoseprocessuais,edeslocousua
análise dos ambientes nacionais para uma dimensão relacional, menos evidente no
ensaiode1967.Apresentou,então,comopressupostos:
“a) as análises do processo de constituição da periferia da ordemcapitalistainternacionaldevemexplicaradinâmicadasrelaçõesentreasclasses sociais no nível interno das nações (no caso das situações dedependênciamantidasapartirdaexistênciadeEstadosnacionais).b) os condicionantes externos, isto é, o modo de produção capitalistainternacional, ‘o Imperialismo’,omercadoexternoetc. (ouseja, tantoosaspectos econômicos como os políticos do capitalismo), reapareceminscritosestruturalmentetantonaarticulaçãodaeconomia,dasclassesedo Estado com as economias centrais e com as potências dominantes,como na articulação dessas mesmas classes e no tipo de organizaçãoeconômica e política que prevalece no interior de cada situação dedependência.”(Ibidem,p.29).
Oparalelismoentreasduassériesdeproposiçõeséevidente,inclusivenomodo
de apresentação. É possível sugerir que Cardoso tenha procurado matizar sua
interpretaçãodadependência,reduzindoopesodoesquemasociológicoeenfatizando
suadimensãohistoricista.Adefiniçãoinicialdaperiferiacomofontedematériasprimas
controladapelocentroésubstituídapela ideiadeumaanálisecentradana“dinâmica”
dasrelaçõesentreasclassessociaisnointeriordasnações.Aideiade“rupturadopacto
colonial”, por sua vez, centrada no “fortalecimento da capacidade dos produtores
nacionais” e na aliança destes com oligarquias locais para formar o Estado, é agora
apresentada como “condicionantes externos” que, de alguma forma, se inscrevem
“estruturalmente”nasrelaçõespoliticaseeconômicasentreasclasses,tantoparafora
comonointeriordecadanação.
EmsuacríticaaotrabalhodeCardoso,Weffortdiscutiraadifusãodacategoriade
uma “dependência estrutural” dos países latino-americanos em relação aos países
centraisnopós-guerra.ParaWeffort,inicialmenteousodaexpressãopretenderaforjar
um novo conceito – não apenas um “novo rótulo” para a “velha ideia de país
semicolonial”–masasambiguidadesiniciaisdestainiciativanãoteriamsidosuperadas.
Por estemotivo dependência passara a cumprir uma função “ideológica”, ao lado de
termos como “nação” e “nacionalismo”. Estas últimas seriam, a seu ver, noções
ultrapassadashistóricaepoliticamente,porisso“ideológicas”,contrapostasaodesafio
deelaboraçãodeuma“teoria”declasse.
Paratal,Weffortpropunhaprocederporumaconcepçãoqueconsiderassedois
níveisdeseparaçãocategórica:umprimeiro,entreclasseenação;e,ainda,entreteoria
eideologia.Estaduplacisãoepistemológicasesobrepunhaàanálisepolíticadequeas
classestrabalhadoras–particularmenteooperariadonoBrasil–sinalizavamaruptura
com o compromisso populista no mundo sindical. Em outras palavras, as greves de
1968expressavam,emsuavisão,aemergênciadeumaconsciência“verdadeira”–ou,
aomenos,maisoriginal–doprocessohistórico,emcontrastecomaconsciência“falsa”
– ou limitada – dos intelectuais dependentistas, associados ainda ao paradigma
modernizante.20
Nestesentido,Weffortproblematizouousodecategorias“globais”,quetendiam
ahomogeneizar–dadaasuaprópria imprecisão–asrealidadeshistóricasdospaíses
latino-americanos, entre elas as noções “subdesenvolvimento”, “desenvolvimento
nacional”e,possivelmente,tambémade“dependência”.21Anoçãodedependênciateria
tidooméritodeformularumconjuntodeproblemasespecíficosarespeitodasrelações 20Esta nova chave de leitura foi seguida da elaboração porWeffort de uma nova e polêmicaagendadepesquisasobreoperíodoanterioraogolpemilitar,1945-1964,noqualinvestigouadinâmicasindicaleaatuaçãodoPartidoComunistaBrasileironestecontextodo“sindicalismopopulista”(cf.Weffort,1973[1972]).21HáalgodeirôniconacríticadeWeffortaocaráterexcessivamenteenglobantedoconceitodedependêncianamedidaemque,anosmaistarde,objeçõessemelhantesserãoformuladaspeloscríticosdoconceitode“populismo”(cf.Roxborough,1984).
entreanaçãoeasclassessociais,esobreasrelaçõesdeproduçãonocapitalismolatino-
americano(Ibidem,p.12). Contudo,aambiguidade intrínsecae insolúvelaoconceito
de dependência o impediria de oferecer respostas renovadoras ao problema do
desenvolvimento latino-americano e, assim, de promover uma nova unidade teórico-
prática.
Talambiguidadenãoseresolveria,emseumododever,peladistinçãofeitapor
CardosoeFalettoentreabordagens [approachs]de “dependênciaexterna”–referente
às relações políticas entre sociedades latino-americanas e países centrais, comum ao
pensamento cepalino – e de “dependência estrutural”, que envolveria também a
estrutura de classes e as relações de produção em cada país. A seu ver, não seria
suficiente privilegiar a “dependência estrutural” diante da “externa” para tratar as
relaçõesentreclassessociaisemumcontextodependente,jáqueoefeitopráticodesta
escolhaseriaodenegaroproblemapolíticodadependência.
Apesar das críticas, passagens importantes da primeira versão do texto de
Weffort – transcritas por Cardoso em seu comentário22– permitem perceber que a
atitudedocientistapolíticoemrelaçãoanoçãodedependêncianãoeraadenegação,
quesóacontecerianaversãofinaldotexto.Acomparaçãodapassagemtranscritapor
CardosocomotextopublicadoporWeffortem1971evidenciamudançassubstantivas
nos argumentos de crítica às possibilidades teóricas da dependência; e, ainda mais
importante, mostra uma tentativa inicial de reforma ou ao menos localização do
conceitodedependênciaemumaabordagemteóricadasclassessociais.
22Naversãorevisadaprapublicação,CardosochamaaatençãoalgumasvezesparamudançasqueWeffortpromoveuparapublicaçãodotexto.Nãofoipossívelteracessoaversãooriginaldacomunicaçãoedaréplica,possivelmenteperdidas.
PrimeiraversãodotextodeWeffort,
apresentadaemnovembrode1970SegundaversãodotextodeWeffort,
revisadaparapublicaçãoem1971
“E ao nível geral,supranacional, ao nível das
relações de produção, que a questão das
possibilidades de desenvolvimento do
capitalismo na América Latina deve ser
colocada domesmomodo que é a este nível
que seria possível tentar encontrar algum
lugar teórico definido para uma ‘teoria de
dependência’. Ou seja, é a este nível que a
‘teoria da dependência’ pode aparecer
como teoria explicativa e onde também se
podeobteralgumasugestãoparaentender
sua incapacidadede ir alémdaspremissas
nacionais. Por mais que se fale em
dependência interna é inevitável voltar à
questão da dependência externa. Em outras
palavras,a‘teoriadadependência’parecegirar
em torno de algum tipo de teoria do
imperialismo:aquestãoésaberdequetipode
teoria” (apud Cardoso, 1971, p. 37. Grifos
adicionados).
“Éaoníveldasrelaçõesdeprodução,ondenão
há qualquer razão para assumir a forma
nacionalcomonecessária,queaquestãodas
possibilidades do desenvolvimento do
capitalismo (e alternativamente a questão das
possibilidades da revolução socialista) na
AméricaLatinadeve ser colocada.Domesmo
modo, é a este nível que seria possível
tentar encontrar algum lugar teórico
definido para o 'problema nacional'
apontado pela ‘teoria da dependência’.
Alémdisso,éaestenívelqueosproblemas
propostos pela ‘teoria da dependência’
podemencontrarsoluçãoemalgumateoria
realmente explicativa. É onde também se
pode obter alguma sugestão para entender as
concessões feitas aos ‘modelos clássicos’ e às
suas premissas nacionais. Neste ponto, o que
meparecenecessário(pormaisquesefaleem
dependência interna) é voltar à velha questão
da dependência externa. Em outras palavras,
defatoa‘teoriadadependência’giraemtorno
de algum tipo de teoria do imperialismo. A
questão é saber: que tipo de teoria?
Socialista ou pequeno-burguesa radical?”
(Weffort,1971,p.19-20.Grifosadicionados).
Na comparação entre a primeira e a segunda versão do texto, é possível
distinguirduasmudançasimportanteseumainclusãodetexto(sinalizadasemnegrito).
Na versão de 1970, Weffort estabelece que a questão das “possibilidades de
desenvolvimentodocapitalismonaAméricaLatina”deveriaserdiscutidaemumplano
“supranacional”, o único no qual seria possível apreender as relações de produção.
Defineesteplanocomoolugarnoqualateoriadadependênciapoderiaencontrarum
“lugarteórico”eseconfigurarcomo“teoriaexplicativa”.Aquestãoseria,então,discutir
quetipodeteoriamaisamplaabrigariaateoriadadependência.
Na segunda versão, a ideia do plano supranacional é suprimida as relações de
produção são definidas como aquelas para as quais “não há qualquer razão para
assumira formanacional”.Ao “nível”dasrelaçõesdeprodução, continua,poderiaser
definido um “lugar teórico” para o “’problema nacional’ apontado pela ‘teoria da
dependência’”.Nanovaformulação,osproblemaspropostospelateoriadadependência
encontrariam solução em outra teoria, “realmente explicativa”. Em oposição à teoria
nacionalista, pequeno-burguesa e radical da dependência, conclui, seria necessário
voltaraoproblemada“dependênciaexterna”eelaborarumateoriasocialista(Ibidem,
p.9-10n).
EmsuareaçãoàsduasversõesdotextodeWeffort,Cardosorebateua ideiade
que sua abordagem seria uma continuidade radicalizada do nacional-
desenvolvimentismo. Para reforçar sua defesa, recupera em uma nota a seguinte
passagemdoensaioescritocomFaletto:
“Nãoseriasuficientenemcorretoproporasubstituiçãodosconceitosdedesenvolvimento e subdesenvolvimento pelos de economia central eeconomiaperiféricaou–comosefossemumasíntesedeambos–pelosdeeconomias autônomas e economias dependentes. De fato, são distintastanto as dimensões a que estes conceitos se referem quanto suasignificação teórica. A noção de dependência alude diretamente àscondições de existência e funcionamento do sistema econômico e dosistema político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que serefereaoplano internodospaísescomoaoexterno” (CardosoeFaletto,1970[1967],p.27;apudCardoso,1971[1970],p.29n).
ParaCardoso,Weffortdesconsideravaporcompletooesforçodeseustrabalhos
de1966-1967emsedesprenderexplicitamentedoeconomicismoeevolucionismoque
predominavamentreosintelectuaiseanalistaslatino-americanos,comotambémentre
osbrasileiros, fossemcepalinosoumarxistas.Mais importante ainda,Weffortparecia
não considerar necessário ou eficaz o esforço de Cardoso e Faletto em dialogar na
linguagem destes intelectuais e enfrentar os dilemas do desenvolvimento em seu
próprio campo, o que não poderia ser feito sem a incorporação de uma boa dose de
ambiguidadenaselaboraçõessobreadependência.
Weffort via a “continuidade” evolucionista e economicista da noção de
dependênciaemrelaçãoao“desenvolvimentismo”e“nacionalismo”reformistas,oque
Cardosobuscouafastarargumentandoa favordeumadimensãorelacionalehistórica
doconceito.Restava,então,defenderaestratégiaadotada,dadisputadalinguagemeo
léxico“desenvolvimentista”.
EmsuadefesaàscríticasdeWeffort, Cardosoargumentouquenãopretendera
substituir “dependência externa” ou “imperialismo” por outro conceito abstrato.
Tampoucoteriapropostouma“teoriadadependência”comumcarátertotalizante.Seu
objetivo fora mais modesto, o de promover um ponto de inflexão no conjunto das
análises sobre o desenvolvimento nos países latino-americanos. Este ponto consistia
justamentenoprincípiorelacionaldadependência (“quemdepende,dependedealgo,
está condicionado, não é condicionante”), capaz de criar um conjunto de problemas
teóricos e analíticos no qual as determinações pudessem ser compreendidas como
essencialmenterecíprocas.Inflexãoestafundamentalmentepolítica:
“Pretender elevar a noção de dependência à categoria de conceitototalizanteéumnonsens.E,rigorosamente,nãoépossívelpensarnuma‘teoria da dependência’. Pode haver uma teoria do capitalismo e dasclasses,masadependência,talcomoacaracterizamos,nãoémaisdoquea expressão política, na periferia, do modo de produção capitalistaquandoesteélevadoàexpansãointernacional.”(Cardoso,1971[1970],p.32.Grifoadicionado).
Emsuaargumentação,Weffortoscilaraentreadefesadacontribuiçãooriginalde
Cardoso e Faletto ao problemado desenvolvimento capitalista naAmérica Latina e a
crítica da manutenção do binômio modernizante “externo/interno” como base da
reflexãosobreadependência.Aseuver,aindaquefossepossívelconcordarcomaideia
da “existência de países, nações economicamente dependentes e politicamente
independentes”, a dependência mantivera “a reprodução do problema no plano do
conceito”,sendoincapazdetraçarumaestratégiaparasoluciona-lo(Ibidem,p.13).
OdebateeentreCardosoeWeffortdesembocavaemumimpasse.Oconceitode
dependênciadesafiaradefinitivamenteas “teoriasconvencionaisdodesenvolvimento”
mas, ao fazer isso, se via incapaz de se desvincular de sua linguagem e pressupostos
políticos.Aexigênciapolíticaepráticadeumateoriasocialistaeclassistaparapensaro
desenvolvimentocapitalistanaperiferia,porsuavez,nãoencontravaumterrenofértil
parasurgireconquistarsuaindependência.
Consideraçõesfinais
Opresentetrabalhoprocuroureconstruirasdiferentesfasesdarelaçãoentreo
pensamento político de FranciscoWeffort e a problemática da dependência. Em um
primeiromomento,deconstituiçãodeumléxicopolíticolatino-americanocentradonas
categorias de “dependência” e “populismo”, o cientista político brasileiro incorporou
umaperspectivadependentistaemsuasanálisessobreopopulismo,emespecialsoba
influência de Fernando Henrique Cardoso, quem também empregou o conceito de
“populismo”, trabalhadoporWeffort, em sua interpretaçãoda “dependência”. Emum
segundomomento,contudo,sobaconjunturadasmobilizaçõesoperáriaseestudantis
de1968,Weffortdeslocousuaspreocupaçõesdopopulismocomorelaçãolíder/massas,
paraasrelaçõesentretrabalhadores,Estadoesindicatos.Essainflexão,porsuavez,foi
acompanhadadetentativassucessivasdecríticadasperspectivasdependentistasdeum
modogeral,atéopontodeoporadependênciaaoquepoderiaserumaanáliseclassista
dodesenvolvimentonaAméricaLatina.
Uma primeira tentativa explícita do distanciamento da “dependência”, como
visto, se tornou explícita em novembro de 1970 ocorre o debate com Fernando
HenriqueCardosonoChile.Emabrilde1971,naversãopublicadadestacomunicação,
Weffortcarregouaindamaisastintasnoargumentodaimpossibilidadedadependência
oferecer uma alternativa classista para compreensão do desenvolvimento.Nomesmo
período, em março de 1971, apresentou outra comunicação, agora sobre referidas
grevesdeOsascoeContagem,resultadodeuma“pesquisadehistóriasocialbrasileira”
quedesenvolviaàépocanoCEBRAP(Weffort,1972a[1971],p.3).23Estruturadasobre
novas fontes intelectuais – dentre as quais é interessante assinalar a presença de
referências a Antonio Gramsci –, distintas daquelas usadas anteriormente em seus
estudossobreopopulismo,aênfasedestacomunicaçãoestavaemmostraranovidade
destasgrevesemrelaçãoàspráticasedinâmicassindicaisconsolidadasnoBrasilantes
de1964.Paratal,Weffortassinalou:
“Omovimentooperárionãopodeservistoapenas comodependentedahistóriadasociedade,mastambémcomosujeitodesuaprópriahistóriae,comotal, capazde influirsobreasociedade.Ésobretudonestasegundoperspectiva histórica que um estudo sobre as greves de 1968 seapresentacomopertinente.”(Ibidem,p.10)
Também foi nesta comunicação que Weffort apresentou, possivelmente pela
primeira vez, a ideia de “sindicalismo populista” (Ibidem, p. 27) para se referir às
práticassindicaiscomasquaisacreditavaqueasgrevesde1968haviamrompido.Em
todocaso,éinteressanteassinalarquemesmonestetextosuaargumentaçãocaminhou
no sentido de reconhecer uma dupla-face da experiência política do movimento
operário,dependente“dahistóriadasociedade”mastambémautônomo,“sujeitodesua
própriahistória”,comdestaqueparaestasegundacaracterística.
No ano seguinte, Weffort defendeu sua tese de livre-docência que tinha por
objeto justamente o surgimento e a crise do “sindicalismo populista” no Brasil entre
1945-1964(Idem,1972b).AdifícilcontrovérsiacomCardoso,nestesentido,coincidia
com constituição de uma nova agenda de pesquisa, na qual o binômio “autonomia-
heteronomia” da classe operária brasileira adquiriu centralidade e conotação
específicos.AcríticadeWeffort sedetinhaagorasobreas insuficiênciasda “teoriada
modernização”,do“marxismoclássico”eda“teoriadadependência”emreconhecera
passagemdaheteronomia(oudependência)àautonomiapopular:
“O problema da autonomia-heteronomia do comportamento operário esindicalconstituionúcleoprincipaldesteestudo.(...)Apropostadeumacríticaaesteprocedimentocomparativo[dateoriadamodernizaçãoedateoriamarxistaclássica]talvezsejaavirtudemaiordachamada‘teoriada
23Intitulada “Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco 1968”, foi apresentada no“SemináriosobreParticipaçãoSocial”realizadoemLima(Peru)peloInternationalInstituteforLabourStudies,ligadoaOITeàONU.Publicadaem1972pelosCadernosCebrap.
dependência’.(...)Deixandodelado,porém,osresultadoscríticos,ofatoéque deste lado também não se avançou muito no sentido de umconhecimento positivo das classes sociais nos países subdesenvolvidos.(...)Talvezfossepossíveldizerqueestemovimentocríticonãoteveaindatempo suficiente par passar da crítica a afirmações originais.” (Idem,1972b,p.v,x).
Asteoriasdadependência,emparticular,apesardecompartilharemdacríticaàs
perspectivas funcionalistas emarxistas clássicas, acabavam por reproduzir os limites
destas tradições intelectuais. A noção de dependência – e , em alguma medida, a d
populismo – precisavam, em sua opinião, ser investigados em suas limitações, como
crítica do condicionamento da experiência política dos trabalhadores ao espaço
nacional,adotandoportantoanaçãocomopressupostoemrelaçãoaocomportamento
declasse.24Alémdisso,eraprecisaroslimitesdamaneiracomoasclassessociaiseram
descritaseanalisadasatéentão:
“Éinteressanteobservarcomoasduastendências,especialmentea‘teoriamarxista clássica e a ‘teoria da dependência’ passam quase semmediações de proposições de caráter estrutural sobre as posiçõesocupadas pelas classes na estrutura social a proposições de caráterpsicossocial que buscam caracterizar diretamente atributos da condutaindividual. Não é casual, portanto, a oscilação da sociologia brasileira elatino-americananestemovimentopendularentreosensaiosvagamentehistóricosmasemrealidadeglobalizantesedirigidosprimordialmenteàsdimensões estruturais, e o survey inevitavelmente dirigido à análise deatributosindividuais”(Ibidem,p.xi)
A reorientação da agenda de pesquisa deWeffort para a trajetória sindical no
Brasilesuaatividadecomopesquisadoraolongodosanos1970,portanto,sãomelhor
compreendidas se pensada no interior desta mudança-chave de perspectiva. As
formulaçõesarespeitodo“sindicalismopopulista”nascemdacríticadadependênciae
da necessidade de alargar a experiência populista para além da relação líder-massa,
essencialmente eleitoral. Era preciso encontrar um objeto no qual a atividade das
24Aqui, ainda que o autor não faça remissões bibliográficas, ambas as alternativas políticasparecem estar associadas as abordagens, de Cardoso e Faletto e de André Gunder Frank,respectivamente. Afinal, Dependência e Desenvolvimento na América Latina e Capitalism andUnderdeveloppment in Latin America são os mais extensamente discutidos na intervenção deWeffortsobrea“Teoriadadependência”(cf.Weffort,1971).
classespopularespudesseseexpressardemaneira independente,emrupturacomas
fórmulasanteriores.Asgrevesoperáriasde1968pareciamoferecersubstratoparaesta
novaargumentação,maseraprecisorecuperarseusentidohistórico.
JustamenteporestemotivoécuriosoqueemOpopulismonapolíticabrasileira,
coletâneapublicadacomoobjetivodeoferecerumaversãodefinitivadesuasreflexões
sobre o tema ao final dos anos1970,Weffort tenha – nanota introdutória ao livro –
minimizado a presença da “teoria da dependência” em seu pensamento como algo
“retórico” (Idem, 1978, p. 11-12). A reconstituição da trajetória dos artigos, agora
convertidos em capítulos, mostra por um lado que o lugar da dependência nas
formulaçõesdeWeffort sobreopopulismoao longodasdécadasde1960e1970não
erasuperficialcomoanotalevaacrer.Mostra,ainda,queasinterpretaçõesteóricase
analíticassobreopopulismoalicontidasnãosãounívocasetampoucocontínuas.
Referênciasbibliográficas
CABALLERO,M.LaInternacionalComunistayLaRevoluciónLatinoamericana.Caracas:
NuevaSociedad,1988.
CADERNOSDONOSSOTEMPO.“Queéoadhemarismo”.CadernosdoNossoTempo,n.2,
1954.
CARDOSO, F. H. Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico. São Paulo:
CompanhiaEditoraNacional,1964.
_____. “Hegemonia burguesa e independência econômica: raízes estruturais da crise
políticabrasileira”.In:FURTADO,C.(org.).Brasil:temposmodernos.RiodeJaneiro:Paz
eTerra,1968[1967].
_____. “Teoria da dependência ou análises concretas de situações de dependência”.
EstudosCebrap,n.1,SãoPaulo,1971[1970].
CARDOSO,F.H.;FALETTO,E.DependênciaeDesenvolvimentonaAméricaLatina.Riode
Janeiro:JorgeZahar,1970[1967].
DITELLA,T.Paraumapolíticalatino-americana.RiodeJaneiro:PazeTerra,1969.
DOS SANTOS, T.ATeoriadaDependência:umbalançohistórico eTeórico. Petrópolis:
Vozes,2000.
_____“PorUmaBibliografiadaTeoriadaDependência”.RevistaEstudosavançados,v.12,
n.33,1998.
FERNANDES, F. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Companhia
Nacional,1963.
FERREIRA, J. “O Nome e A Coisa: o populismo na política brasileira”. In. FERREIRA, J.
(org.)OPopulismoeSuaHistória:debateecrítica.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,
2001.
GERMANI,G.Políticaesociedadeemumaeradetransição.SãoPaulo:MestreJou,1973
[1965].
GOMES, A. C. “O populismonas Ciências Sociais brasileiras”. In. FERREIRA, J. (org.)O
Populismoesuahistória:debateecrítica.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2001.
IANNI,O.FormaçãodoEstadopopulistanaAméricaLatina.RiodeJaneiro:PazeTerra,
1991.
_____.OColapsodoPopulismo.RiodeJaneiro:PazeTerra,1968.
KAYSEL, A. “A primeira polêmica sobre o populismo na América Latina”. Crítica
Marxista,n.43,2017.
LOVE,J.“Economicideasandideologies inLatinAmericasince1930”. In.BETHELL,L.
(org.). Ideas and Ideologies in 20th Century Latin America.Oxford: Oxford University
Press,1996.
MARINI, R. M.; MILÁN, M. (orgs.). La teoría social latino-americana: textos escogidos.
MéxicoD.F.:UNAM,1994.t.II–“Lateoriadeladependencia”
MUSSI, D. “Notas para uma análise filológica do pensamento político do CEDEC:
FranciscoWeffort e a crítica do populismo”. Paper apresentado nas III. Jornadas de
CiênciaPolítica.SãoCarlos:UFSCar,2016.
PORTANTIERO, J. C. “O marxismo latino-americano”. In. HOBSBAWM, E. J. (org.).
HistóriadoMarxismo.RiodeJaneiro:PazeTerra,1990.v.XI
RAMOS,A.G.AcrisedopodernoBrasil.RiodeJaneiro:JorgeZahar,1961.
ROXBOROUGH, I. “Unity and diversity in Latin AmericanHistory”. In. JournalofLatin
AmericanStudies,v.16,n.1,1984.
SKINNER,Q.“SomeProblemsInTheAnalisisOfPoliticalThoughtandAction”.Political
Theory.,v.2,n.3,1974.
VELOSO,C.VerdadeTropical.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1997.
WEFFORT, F. “Política demassas”. In: IANNI, O.;WEFFORT, F.; COHN, G.; SINGER, P.
PolíticaeRevoluçãoSocialnoBrasil.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,1965a[1963].
_____.RaízessociaisdopopulismoemSãoPaulo.RevistaCivilizaçãoBrasileira,a.1,n.2,
p.39-60,maiode1965b.
_____. “O populismo na política brasileira” In: FURTADO, C. (org.). Brasil: tempos
modernos.RiodeJaneiro:PazeTerra,1968a[1967].
_____. “Classes populares e política: contribuição do estudo do populismo.” Tese
(doutorado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo,
1968b.
_____. “Notas sobre a ‘teoria da dependência’: teoria de classe ou ideologia nacional”.
EstudosCEBRAP,n.1,p.1-24,1971[1970].
_____.“Participaçãoeconflitoindustrial:ContagemeOsasco(1968)”.CadernosCEBRAP,
n.5,1972a[1971].
_____.Sindicatoepolítica.Tese(livre-docência).FaculdadedeFilosofia,LetraseCiências
Humanas,UniversidadedeSãoPaulo,1972b.
_____. “Origens do sindicalismo populista no Brasil (a conjuntura do após guerra)”.
EstudosCEBRAP,n.4,abr.1973[1972].
_____.Opopulismonapolíticabrasileira.RiodeJaneiro:PazeTerra,1978.
WEFFORT, F.; CIBOTTI, R. La Planificación del Sector Público: Una Perspectiva
Sociológica.DesarrolloEconómico,v.7,n.26,p.1-18,1967.