UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PAULA MASSI REIS PIRES
PROBLEMATIZAÇÃO DE UM CURSO DE FORMAÇÃO:
rastros de práticas pedagógicas da matemática escolar
CAMPINAS
2015
Dedico este trabalho ao meu esposo
Marcelino, in memoriam e às minhas
filhas Larissa e Camila que me apoiaram
incondicionalmente em todos os
momentos dessa caminhada.
AGRADECIMENTOS
Este texto é constituído por lembranças, espectros de todos os lugares e pessoas que por mim
passaram ao longo dessa existência.
Agradeço ao meu esposo (in memoriam) e filhas pelo apoio incondicional não só nessa
empreitada acadêmica, mas no decorrer de nossa caminhada juntos.
Agradeço aos meus familiares por fazerem-me existir e constituir-me. Por compartilharem
comigo suas histórias que se fundem com as minhas.
Agradeço a todos os amigos e amigas de trabalho que me apoiaram e que não mediram
esforços em auxiliar-me a realizar este texto. Serei eternamente grata a esse apoio afetivo e
efetivo de todos e todas.
Agradeço a todos os envolvidos nessa pesquisa, desde o seu início com o trabalho de campo
até a sua finalização textual/estrutural.
Meus sinceros agradecimentos ao grupo Phala pelos diálogos, narrativas, discussões,
seminários, defesas que me auxiliaram a contemplar outra forma de realizar a pesquisa
acadêmica e a formação continuada de professores.
Agradeço especialmente à minha orientadora Anna Regina Lanner de Moura que acreditou
em minha capacidade de realizar essa pesquisa acadêmica. É uma honra ser orientada pela
autora de vários textos, livros e artigos que compõem minha prática profissional.
Agradeço aos sabores e dissabores que me constituem como pessoa e permitem-me escrever a
própria narrativa através dos espectros de todos e todas aos quais reverencio acima. Sou muito
grata em poder contar com vocês.
RESUMO
A pesquisa teve início a partir de uma inquietação da pesquisadora relacionada com a
formação continuada de matemática nomeada, por decreto de lei municipal, como Programa
de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática que acontece numa cidade do interior do
estado de São Paulo, desde 2006, aos professores do Ensino Fundamental I. O Programa se
justifica pela intenção de dar ao educador oportunidade de refletir sobre sua prática, ampliar o
conhecimento sobre as abordagens pedagógicas no ensino de matemática e adquirir, nesse
sentido, possibilidades de intervenções no processo educativo. A pretensão deste trabalho foi
investigar os usos/significados que o Programa faz das práticas escolares de mobilização de
matemática e os usos que fazem, em suas práticas, professores que participaram do curso de
formação no contexto do Programa. O corpus da pesquisa se constituiu de entrevistas com
professores que participaram da formação do Programa em diferentes épocas, de entrevistas
com as coordenadoras pedagógicas desses professores, de registros de observação das suas
aulas de matemática, do material pedagógico usado por eles nas aulas, do material documental
do Programa e da literatura que se refere às práticas escolares de mobilização de matemática.
O modo de conduzir as análises se constituiu na terapia gramatical desconstrutiva, que faz
aproximações entre a perspectiva desconstrutiva derridiana e a terapia filosófica
wittgensteiniana da linguagem. Neste estudo, esta atitude de pesquisa consistiu em percorrer
as práticas escolares de mobilização de matemática do campo educativo, sendo um deles o
contexto de formação no âmbito do Programa, para desconstruir/colocar em
terapia/horizontalizar os significados que lhe são atribuídos nessa prática de formação.
Tratou-se de uma investigação de caráter descritivo/desconstrutivo de práticas escolares de
mobilização de matemática privilegiadas no contexto de formação do Programa acima citado.
Palavras-chave: Wittgenstein, Ludwig 1889-1951. Formação de Professores. Práticas
Pedagógicas. Matemática Escolar. Ensino Fundamental I.
ABSTRACT
The research started when the researcher became uneasy with the continuing education
of mathematics, appointed by decree of municipal law, named Programa de Aperfeiçoamento
na Linguagem Matemática (Improvement Program in Mathematics Language), which has
been happening in a city in the interior of the State of São Paulo since 2006 for Elementary I
level teachers. The Program's pretense is to give teachers an opportunity to reflect on their
practice, expand knowledge about pedagogical approaches in mathematics teaching and
acquire, in this sense, intervention opportunities in the educational process. The intention of
this project was to investigate the uses/meanings the Program defines in academic practices of
mathematics mobilization and the uses, in practice, teachers who participated in the training
course in the program context employ. The corpus of the research consisted of interviews with
teachers who participated in the development of the program at different times, interviews
with pedagogical coordinators of these teachers, their mathematics classes observation
records, the pedagogic materials used by them in class, the Program´s documents and
literature that refers to uses of pedagogical approaches to teaching mathematics. The analysis
was conducted by using the deconstructive grammatical therapy that links Derrida´s
deconstructive perspective and Wittgenstein’s philosophical therapy of language. In this
research, the research approach consisted of running pedagogical approaches of mathematics
mobilization in the educational field, one being the training context in the Program's scope, to
deconstruct/place in therapy/level the meanings assigned in this formation practice. It turned
out to be a descriptive/deconstructive research of privileged academic mathematics
mobilization practices in the context of the Program´s formation mentioned above.
Keywords: Wittgenstein, Ludwig 1889-1951. Teacher Education. Pedagogical Practices.
School Mathematics. Elementary School.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Les Demoiselles d'Avignon (1906-1907), óleo sobre tela de Pablo
Picasso. Dimensões: 2,43m X 2,33m. Museu de Arte Moderna, Nova
York. ........................................................................................................... 21
Figura 2 As Grandes banhistas (1898-1905) de Cézzane. Fonte: Becks-Malorny,
2001.............................................................................................................. 31
Figura 3 Bacanal (entre 1631 e 1633) de Poussin...................................................... 32
Figura 4 Bacanal com tocadora de alaúde (1626-1628) de Poussin. Museu do
Louvre, Paris................................................................................................ 33
Figura 5 Bacanal (1957) de Picasso.......................................................................... 34
Figura 6 Violino e Uvas (1912), Pablo Picasso. Nova York, Museum of Modern
Art................................................................................................................ 35
Figura 7 Estrutura didático-pedagógica do PALMA ................................................. 49
Figura 8 Atividade da professora Iara........................................................................ 127
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
AM – Atividades Matemáticas.
CD – Compact Disc (disco compacto).
CENP – Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas.
COLE – Congresso de Leitura no Brasil.
DEPRAC – Departamento de Ensino e Práticas Culturais.
DVD – Digital Versatile Disc (Disco Digital Versátil).
EJA – Educação para Jovens e Adultos.
FE – Faculdade de Educação.
GEPCPós – Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo e Pós-modernidade.
HIFEM – História, Filosofia e Educação Matemática.
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/94.
LEM/IMECC – Laboratório de Ensino de Matemática/Instituto de Matemática Estatística e
Computação Científica - Unicamp.
PALMA – Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática.
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.
PECIM – Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e
Matemática/Unicamp.
PHALA - Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagem e Práticas Culturais – Faculdade de
Educação – Unicamp.
UNESCO – United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização
para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas).
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas.
NCTM – National Council of Teachers of Mathematics (Conselho Nacional de Professores de
Matemática).
IREM – Instituts de recherche sur l’enseignement dês mathématiques (Instituto de
Investigação acerca do Ensino das Matemáticas)
SND – Sistema de Numeração Decimal.
SUMÁRIO
1. UM MODO TRANSGRESSIVO/DESCONSTRUTIVO DE ENCARAR A
PESQUISA .............................................................................................................................. 21
2. PERSPECTIVAS WITTGENSTEINIANA E DERRIDIANA DE PESQUISAR .... 37
3. JOGOS DE LINGUAGEM NO PROGRAMA DE FORMAÇÃO ............................. 47
3.1 Linguagem matemática ........................................................................................... 51
3.2 Metodologia do Programa de Formação ............................................................... 54
3.3 Abordagens pedagógicas do Programa de Formação .......................................... 56
4. DIÁLOGO FICCIONAL/JOGOS DE CENAS SOBRE PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS DA MATEMÁTICA ESCOLAR ............................................................ 62
4.1 Ensino significativo no PALMA ............................................................................. 67
4.2 Abordagens pedagógicas em questão ..................................................................... 71
4.3 Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática? .............................. 78
4.4 Problematizando os usos da história do número nas práticas escolares ............ 83
4.5 Problematizando práticas escolares de ensino do número natural ................... 100
4.6 O número em cena na sala de aula ....................................................................... 121
5. SEGUINDO NOS RASTROS DOS RASTROS, A TERAPIA CONTINUA ........... 140
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 142
ANEXOS ............................................................................................................................... 150
21
1. MODO TRANSGRESSIVO/DESCONSTRUTIVO DE ENCARAR A PESQUISA
Figura 1 - Les Demoiselles d'Avignon (1906-1907), óleo sobre tela de Pablo Picasso. Dimensões: 2,43m X
2,33m. Museu de Arte Moderna, Nova York1.
O quadro Les Demoiselles d’Avignon é um clássico da pintura da primeira metade
do século XX que me inspira transgressão, desconstrução de um outro padrão clássico de
beleza.
Mas que clássico é este que transgride outro clássico?
Refiro-me àquele padrão estético da cultura greco-romana, revivido pelo
movimento renascentista na península itálica, com auge no século XIV. A exemplo do
Homem Vitruviano, modelo ideal de corpo humano com proporções perfeitas, criado de
1 Disponível em: <http://www.moma.org/explore/conservation/demoiselles/>. Acesso em: 10 fev. 2014.
22
acordo com um determinado raciocínio matemático a partir da proporção áurea2 e que passou
a ser o ideal de beleza clássica. Mas, fazendo remissão a Wittgenstein, privilegiar uma única
forma estética como ideal na arte impossibilita outras representações do real. Picasso, embora
com formação clássica, é o artista que, ao desconstruir na pintura o padrão clássico de beleza
renascentista, inicia outra forma de expressá-la, o cubismo.
Espere, e qual a relação dessas considerações sobre a arte e
sua pesquisa?
Trago Les Demoiselles d’Avignon como uma obra que representa, como já disse, a
transgressão de uma concepção de beleza existente na arte3. Minha pesquisa tinha como
intenção primeira, investigar os usos que os professores4 do Ensino Fundamental I têm feito
das práticas escolares de mobilização de matemática, após o curso de formação continuada
denominado Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática, que acontece em
determinado município do interior do estado de São Paulo. Inquietava-me perceber que após o
término do curso, os professores/cursistas não se reportavam em suas práticas habituais às
abordagens didático-metodológicas da formação recebida no referido curso. Ao ingressar no
programa de Pós-graduação5 tive oportunidade de conhecer outra forma de olhar para a
pesquisa, que não a visão positivista verificacionista que fez parte de minha formação
2 A proporção áurea, número de ouro, número áureo ou proporção de ouro é uma constante real algébrica
denotada pela letra grega φ (PHI), em homenagem ao escultor Phideas (Fídias), que a teria utilizado para
conceber o Parthenon, e com o valor arredondado a três casas decimais de 1,618. Também é chamada de seção
áurea (do latim sectio aurea), razão áurea, razão de ouro, média e extrema razão (Euclides), divina proporção,
divina seção (do latim sectio divina), proporção em extrema razão, divina de extrema razão ou áurea excelência.
O número de ouro é ainda frequentemente chamado razão de Phidias. Desde a Antiguidade, a proporção áurea é
usada na arte. É frequente a sua utilização em pinturas renascentistas. Este número está envolvido com a
natureza do crescimento. Phi (não confundir com o número Pi π), como é chamado o número de ouro, pode ser
encontrado na proporção dos seres humanos (o tamanho das falanges, ossos, dos dedos, por exemplo) e nas
colmeias, entre inúmeros outros exemplos que envolvem a ordem do crescimento. Justamente por estar
envolvido no crescimento, este número se torna tão frequente. E justamente por haver essa frequência, o número
de ouro ganhou um status de "quase mágico", sendo alvo de pesquisadores, artistas e escritores. Apesar
desse status, o número de ouro é apenas o que é devido aos contextos em que está inserido: está envolvido em
crescimentos biológicos, por exemplo. O fato de ser encontrado através de desenvolvimento matemático é que o
torna fascinante. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Propor%C3%A7%C3%A3o_%C3%A1urea>.
Acesso em: 04 fev. 2014. 3 Refiro-me aqui a uma das concepções de beleza na arte, a Greco-romana, pois cada época histórica e cada
civilização, povoado teve e tem outras concepções de beleza que não esta citada nesta pesquisa de acordo com
fatos históricos publicados sobre o artista Pablo Picasso. 4 A virada linguística não se preocupa com a etimologia da palavra professor, ou mesmo em diferenciá-la da
palavra educador, pois entende que seus significados oscilam de acordo com o jogo ao qual se relacionam. Esta
pesquisa não tem por objetivo traçar a origem, ou o sentido original, destas duas palavras. Professor/educador
serão utilizadas no decorrer da pesquisa no sentido amplo do profissional da educação que desenvolve sua
atividade humana e profissional no contexto escolar. 5 PECIM – Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática/Unicamp.
23
acadêmica e que guardava como única e verdadeira. Desconstruir esta visão passa a ser um
jogo de cena que deve suportar todos os outros que compõem o cenário desta pesquisa.
Qual foi, então, a sua primeira “virada” neste processo?
Imbuída da ideia de que a pesquisa pudesse ajudar-me a encontrar os porquês do
fato de os professores abandonarem as propostas do curso em suas práticas, apresentei um
projeto para a seleção de mestrado. Estava crente de que, ao observar as aulas e entrevistar os
professores, iria encontrar indícios que me levariam a estabelecer uma relação de causa que
pudesse esclarecer-me os motivos que levavam os professores a não alinharem suas práticas
ao curso. Porém, os estudos no grupo de Pesquisa PHALA6, no grupo de Orientação
Coletiva7, levaram-me a ver que essa relação causal poderia não conduzir à compreensão que
buscava e para construir um esclarecimento do curso e das práticas dos professores seria
apropriado perguntar não o “por quê?”, “o que é?”, “de onde vem?”, “quais as relações?”, mas
como acontecem as práticas pedagógicas de formação no curso? Como acontecem as práticas
pedagógicas dos professores que o frequentaram? Entendi que esse modo de problematizar
poderia conduzir-me a esclarecer as ações, os significados, os usos que são mobilizados no
contexto de formação do Curso PALMA ao qual se direciona o olhar desta investigação.
Passei, então, a apontar minha pesquisa aos usos das práticas escolares de mobilização de
matemática do programa de aperfeiçoamento e nas práticas pedagógicas dos professores que o
frequentaram, com o objetivo de problematizar, de esclarecer, os diversos usos no contexto do
programa e na prática dos professores em sala de aula, dialogando com usos que
possivelmente encontraria na literatura. No intuito de gerar esta compreensão, fiz a escolha de
assumir uma atitude terapêutica desconstrucionista de pesquisa.
Essa mudança em sua questão de pesquisa, que outros desafios
lhe trouxe, que não estavam postos com a questão anterior?
Ao buscar esclarecer as práticas escolares de mobilização de matemática no contexto de
formação e nas práticas pedagógicas de matemática dos professores, encontro-me diante do
desafio de desconstruir a minha própria visão privilegiada desses usos e mais propriamente
dos usos do termo matemática8 feito nesses contextos. Falo de uma visão eurocêntrica9, que
6 PHALA - Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagem e Práticas Culturais – Faculdade de Educação –
Unicamp. 7 O grupo de orientação coletiva é um subgrupo do PHALA constituído de mestrandos, doutorandos e seus
orientadores: Antonio Miguel e Anna Regina Lanner de Moura. 8 Vilela (2013) utiliza a expressão matemáticas ao se referir aos diversos usos (adjetivações) do termo
matemática na literatura da Educação matemática.
24
me remete a toda minha formação escolar. Se considerar, por exemplo, a geometria, toda essa
formação foi baseada numa abordagem euclidiana. Abordagem esta que continua dominante
na formação atual.
No entanto, se considerarmos como diz Miguel, Vilela e Moura (2010), que
Euclides, nos Elementos “disse quase tudo que suas definições, seus postulados, axiomas e
regras de inferência da lógica aristotélica lhe permitiram dizer. O que disse – dessa forma e
com essa forma – não era tudo o que poderia ser dito das práticas e/ou sobre as práticas
humanas mobilizadoras de quantidades, formas e medições”10
, podemos concluir que
privilegiar na formação hoje, única e exclusivamente a abordagem euclidiana do espaço é
excluir outras abordagens tanto quanto importantes para se compreender o espaço. Posso dizer
que essa visão privilegiada tem rastros na minha condução do curso de formação de
professores.
Retomando o movimento transgressivo na pintura de Picasso,
que outros aspectos de uma atitude transgressiva pode estar presente
no quadro Les Demoiselles d’Avignon, além da transgressão estética11,
que teria semelhança de família com a atitude terapêutica de sua
pesquisa?
Outro exemplo desse padrão estético12
do Renascimento é o uso da perspectiva,
que conduziu ao recurso do claro/escuro para enfatizar o volume das figuras e que contribuiu
para o maior realismo das pinturas. Segundo Gombrich (1979b)
9 Matemática com raízes na tradição científica europeia. Desde Euclides e do estabelecimento de uma ligação
estreita, estrita e restrita entre a matemática e a lógica “O discurso euclidiano desloca as práticas às quais toma
implicitamente como referência dos contextos de atividade humana em que vinham sendo realizadas - tais como
os da agrimensura, da astronomia e da navegação - e as conforma, de um modo estático e permanente, em um
modelo dedutivo que, a partir do advento da ciência moderna na Europa, passou a ser visto e eleito como
superior em relação a outros modos de exposição do conhecimento.” Miguel, Vilela e Moura (2010, p. 135). 10
Miguel, Vilela e Moura (2010, p. 134). 11
Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado (4ª ed. v. II, Lisboa, Livros
Horizonte, 1987), nome/substantivo estética deriva do francês esthétique, que por sua vez, vem do grego
aisthêtiké, forma do adjetivo aisthêtikós, que significa “que tem a faculdade de sentir ou de compreender; que
pode ser compreendido pelos sentidos”. Por sua vez, o Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua
Portuguesa, de Silveira Bueno (3º vol., São Paulo, Edição Saraiva, 1965), remete a origem deste substantivo
feminino que designa “filosofia da arte” e “filosofia do belo” para o grego aisthétikos, em forma feminina.
Acrescenta ainda que esse termo foi introduzido por Baumgarten (Aesthetica, 1750). A atestação mais antiga da
palavra é de 1833, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (ob. cit.), que a atribui a Alexandre
Herculano, na obra Monge de Cister, cap. 21: “para cujo consolo vieram à terra as bruxas, a therapeutica, os
fundos públicos... a esthetica, a peta e o palavreado.” Disponível em <
htttp://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=27326 >, acesso em 14 fev. 2015. 12
Quero esclarecer que me reporto reiteradamente a analogias com o movimento artístico da pintura, pois minha
primeira graduação possibilita-me mais familiaridade com essa área.
25
As mesmas características das construções renascentistas são transferidas às
pinturas e outras manifestações culturais como a de criar espaços
compreensíveis a partir de todos os ângulos visuais, resultado de uma justa
proporção entre todas as partes; a busca de uma ordem e de uma disciplina13
na ocupação do espaço com base em relações matemáticas, estabelecidas de
modo que seja visível, por todos, a lei que as organiza, de qualquer ponto
que o observe.
Por que somente as obras que seguem o padrão estético e
métrico foram mais merecedoras de apreciação? Do status de mais
notáveis obras clássicas, como Monalisa14 e A última Ceia15? Por que
se levou à ilusão de nelas poder apreciar cenas que estariam
representando de modo preciso16 fatos reais17 da época? Seria isso que
as consagra imortais?
Para os pintores renascentistas, “a perspectiva científica fora inventada para ajudar
os pintores a criarem a ilusão de espaço”18
.
Mas já podemos ver em Cézzane19
, anterior a Picasso, a transgressão da regra da ilusão. Em
suas obras não usava técnicas ilusionistas. O que ele queria era transmitir a sensação de
solidez e profundidade e concluiu que podia fazê-lo sem recorrer ao desenho convencional20
.
13
Disciplina aqui entendida como o respeito às regras de estética da beleza ideal na composição de uma obra de
arte. “Em oposição ao movimento que foge ao controle, a exemplo dos movimentos mercurianos - alusão a
Mercúrio, romano ou Hermes em referência grega, a quem era atribuída a criação de todas as artes, nomeado
mensageiro de seu pai, a saber, Júpiter. Como mensageiro, os atributos de Mercúrio são referenciados àquilo que
é errático, instável, volátil, inconstante.” (JESUS, 2012, p. 40). 14
Monalisa (iniciada em 1503), de Leonardo da Vinci, representa o padrão de beleza da mulher na época. Sua
composição é edificada sobre a proporção áurea: o retângulo áureo e o número de ouro. 15
Mural no refeitório do mosteiro de Santa Maria delle Grazie, Milão (1495-1498), de Leonardo da Vinci, com
sua forma sensível e luminosidade vibrante que evidencia o volume e dá solidez às figuras. Os detalhes são
retratados com um realismo e fidelidade à vida real que impressionam. Nesta obra Leonardo se esforça também
em visualizar como teria sido a cena em que Cristo disse: ‘Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá.’ E
encena todo o drama e excitação existente neste trecho das Escrituras Sagradas (GOMBRICH,1979b, p. 224). 16
O modo matemático preciso de compor as obras se relaciona à geometria projetiva ou perspectiva -“regras
pela quais os objetos parecem diminuir de tamanho quando se afastam de nós” Gombrich (1979a, p. 171), que
representa cenas tridimensionalmente concebidas em substrato bidimensional e no jogo de claro/escuro para
auxiliar em tal ilusão de profundidade. “Foi Brunelleschi quem proporcionou aos artistas os meios matemáticos
para solução do problema da profundidade; e a sensação que isso causou entre os pintores deve ter sido imensa.”
Gombrich (1979a, p. 171). 17
Fato tem aqui o sentido de acontecimento e reais (do latim realitas isto é, "coisa"), significa “tudo o que
existe”. O real é tido como aquilo que existe fora da mente ou dentro dela também. A ilusão, a imaginação,
embora não esteja expressa na realidade tangível extra-mentis, existe intra-mentis. E é portanto real, embora
possa ser ou não ser ilusória. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade>. Acesso em: 17 fev. 2014.
Fatos reais é mobilizado aqui como representação realista do ideal renascentista de beleza. É um real ilusório
(intra-mentis) no sentido de que nem todas as pessoas e ambientes levam em si a divina proporção do retângulo
áureo e do número áureo. 18
Gombrich (1979a, p. 433).
26
Analogamente, se pensarmos em outras áreas do conhecimento,
teríamos que nos perguntar também sobre os usos privilegiados que
são feitos a respeito de seus status, como no caso da matemática.
Por que somente a matemática eurocêntrica merece o status de ciência
matemática? E, ainda, no campo da pesquisa, por que somente a
pesquisa positivista teria o status de validade científica no âmbito
acadêmico?
Suas questões são muito pertinentes e levam-me a retomar a sua questão anterior
sobre a semelhança de família entre a transgressão estética de Picasso em sua obra e a minha
atitude terapêutica de pesquisa. Nessa forma de encaminhar a pesquisa visualizo a
possibilidade de problematizar o uso privilegiado da matemática eurocêntrica na escola e, ao
mesmo tempo, o uso privilegiado que a academia confere ao modo positivista e
verificacionista de ser da pesquisa no campo da educação. Pretendo afastar-me desses
padrões e oferecer outras possíveis ações diante da pesquisa acadêmica e diante da
matemática escolar.
Nessa busca em transgredir a pesquisa acadêmica verificacionista em educação
são referenciados, ao longo dessa pesquisa, Wittgenstein21
e Derrida22
, filósofos pós-
estruturalistas. Compreender os diferentes usos e diferentes significados das práticas
escolares mobilizadas pelos participantes dessa pesquisa e no programa de formação contínua
em educação matemática tem referência no estudo feito por Vilela (2013, p. 21-22) no qual a
autora explica que
Inspirada, desde o início, pela filosofia de Wittgenstein, passamos a observar
os usos que têm sido feitos da expressão matemática nas publicações e
pesquisas recentes em Educação Matemática. Diante de perguntas filosóficas
tais como “quais as concepções de matemática que permeiam as pesquisas
na área de Educação Matemática? Ou o que é a matemática nesse âmbito?”,
19
Paul Cézzane (1839 – 1906), “iniciou sua carreira ligada ao movimento impressionista. Mas não tardou para
que sua pintura tomasse outros rumos. Ele não se preocupava em registrar o aspecto passageiro de um
movimento provocado pela constante mudança da luz solar, como defendiam os impressionistas. Ao contrário, o
que Cézzane buscava era o permanente, a estrutura íntima da natureza.” Proença (2007, p. 243). 20
Desenho convencional aqui relacionado ao ideal renascentista de beleza, à proporção áurea que trazem a
perspectiva e o claro/escuro como artifícios para a representação perfeita da realidade. 21
Wittgenstein (1979; 1992). O austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é considerado um dos mais
importantes filósofos do século XX. 22
Derrida (1986; 1993; 1994; 2004; 2005). Filósofo francês (1930-2004), que iniciou na década de 60 a
desconstrução no campo filosófico, no sentido de “desmontagem” de certas engrenagens existentes no mundo.
Disponível em: <http://oglobo.oglobo.com/cultura/livros/o-legado-jacques-derrida-para-filosofia-no-brasil-onde-
fez-sua-ultima-conferencia-em-2004-14128990> . Acesso em: 08 abr. 2015.
27
optamos, em consonância com a perspectiva filosófica aqui adotada, por
perguntar: “Como o termo matemática vem sendo usado na literatura
acadêmica da Educação Matemática?”.
A pesquisa de Vilela (2013) mostra/esclarece diferentes usos que se fazem do
termo matemática, desconstruindo uma visão privilegiada da matemática como uma ciência
una, única e essencialista.
Nesta pesquisa, ao tentar esclarecer os usos de práticas escolares de mobilização
de matemática no programa de formação que ajudei a elaborar, busco desconstruir uma visão
privilegiada da matemática nele presente que acaba por estagná-lo. Não no sentido de
privilegiar outros usos das práticas escolares no ensino de matemática, mas de tentar trazer os
usos e as abordagens para além deles mesmos. De colocar à vista, sob um único substrato, as
suas várias faces. Como fizeram os cubistas que, ao recorrerem a outra forma de
representação das coisas do mundo23
, que não a perspectiva linear24
, trouxeram à tona faces
ocultas de seus personagens.
Picasso25
, por exemplo, pintor acadêmico desde a infância, no ímpeto de romper
com a ilusão da perspectiva ou da representação na arte clássica das três dimensões dos seres,
passa a representar os objetos com todas as suas partes no mesmo plano. Transgressivamente,
o pintor cria outro modo de ver/representar a realidade na pintura, um modo não alinhado à
precisão da projetiva, à linguagem matemática privilegiada na arte de sua época. Um modo de
dar ênfase e destaque às expressões, diferente daquele usado na obra Monalisa, mas não
menos belo e expressivo. Rompeu com a estética dos contornos precisos dos corpos, tirando-
os da imobilidade da Última Ceia, conferindo movimentos expressivos a cada novo olhar para
o quadro, como é o caso da obra Les Demoiselles d'Avignon.
Neste movimento de Picasso vejo semelhanças com a perspectiva
desconstrucionista de Derrida que, num primeiro momento, inverte a polarização para
posteriormente praticar - mediante o deslocamento por múltiplos espectros - a
23
Cada povo, cada cultura visual, em cada época, apoiado em ideias determinadas, criou sua maneira particular
de transpor para uma superfície plana o mundo visível. Segundo Debray (1994, p. 230, apud FLORES, 2002, p.
82), os egípcios utilizavam a perspectiva horizontal, os hindus a perspectiva irradiante, os chineses e os
japoneses a perspectiva do voo do pássaro, os próprios bizantinos a perspectiva invertida. 24
Para Olmep (1943, p. 2, apud FLORES, 2002, p. 82), a perspectiva linear é chamada assim porque ela faz uso
exclusivamente do traço (linhas retas ou curvas) para representar retas, curvas, planos, volumes e seus contornos.
Flores acrescenta que uma imagem representada mediante esta perspectiva mostra um universo relacional onde
todos os objetos estão representados no espaço a partir de razões e proporções que podem ser traduzidas em
medidas. 25
Pablo Picasso (1882-1963).
28
horizontalização dos opostos. Também nessa perspectiva inspiro-me com referência em
Miguel (no prelo) apud Marim (2014), que aproxima a prática desconstrucionista derridiana
da perspectiva terapêutica de Wittgenstein ao se referir a uma prática desconstrucionista
terapêutica gramatical espectral. O caminho da desconstrução nos rastros dos rastros
espectrais coloca em minha frente uma abordagem pós-virada linguística que envolve a
performatividade da linguagem ao lidar com o corpus da pesquisa. O que para mim é um
desafio diante da herança de espectros metafísicos que me assombram neste percurso
terapêutico, embora reconheça que eles sempre me assombrarão.
Para Miguel26
, a descrição do funcionamento da máquina de guerra pós-metafísica
como um modus operandi de uma atitude terapêutico-gramatical desconstrucionista,
tencionando os [e além dos] limites gramaticais de Wittgenstein e Derrida e remetendo aos
campos de domínios da investigação e fora deles, não consistiria em “um método genérico
que operaria de modo idêntico em todas as situações e a todos os tipos de problemas, mas de
uma atitude ético-política - sempre situada e diferenciada - de resistência e luta, e não de
acomodação ou resignação”. Ainda, para o mesmo autor27
, embora a máquina
wittgensteiniana-derridiana reconheça que essa luta contra a metafísica seja improdutiva e
inglória, tal funcionamento, em modos diferentes e idiossincráticos, resulta em combates de
“todos os tipos de atitudes metódicas cientificistas, de caráter empírico e/ou verificacionista
no âmbito da pesquisa [em particular da educação matemática] e da ação educativa”.
Pelo que estou entendendo você quer realizar com a sua
pesquisa um processo transgressivo/desconstrucionista análogo ao que
foi feito pelos pintores que você vem discutindo? Isso não seria
muito ousado de sua parte?
Sem dúvida é ousadia. Esses pintores quebraram paradigmas na Arte, enquanto
essa pesquisa apenas lança um novo olhar para um curso de formação que para mim tornou-se
verdade.
Neste trabalho, pretendo lançar um olhar diferente também para o modo de
conduzir uma pesquisa qualitativa. Por exemplo, a pesquisa qualitativa tenta destituir-se de
aspectos da pesquisa positivista como a afirmação de que existe uma realidade “lá fora” para
ser estudada, captada e compreendida, mantendo porém, de alguma forma, a visão metafísica-
essencialista, defendendo a ideia de que a realidade nunca pode ser plenamente apreendida.
26
Apud Marim (2014, p. 17). 27
Ibidem.
29
Além disso, continua enfatizando os critérios da fidedignidade dos resultados, de enunciação
rigorosa de categorias de análise, de não tendenciosidade individual, não subjetividade,
aspectos esses preservados tanto numa abordagem quanto noutra em nome de preservar a
qualidade científica da pesquisa. Esses critérios privilegiam apenas um tipo de ciência que em
suas pesquisas silencia muitas outras vozes.
Os pintores que aqui discuto inspiram-me uma atitude de pesquisa apoiada, não na
concepção de uma realidade objetiva, existente em si, externa ao ser que pesquisa como se
este pudesse distanciar-se dela e olhá-la tal qual é, mas na atitude da
terapia/gramatical/espectral fundada na concepção de que a linguagem é constitutiva da
realidade28
, isto é, dos fatos como estes ocorrem e que esta é condição de “objetividade da
pesquisa”. Sob essa condição o “objeto” de pesquisa constitui e é constituído pelas ações de
pesquisar. Sua compreensão constitui-se nos usos, significados nos jogos de linguagem/jogos
de cena jogados no tempo/espaço da pesquisa. Por isto, na presente pesquisa, não se trata de
estabelecer categorias, validar resultados, mas esclarecer/compreender terapeuticamente os
diferentes usos das práticas escolares de mobilização de matemática na formação e feitas por
professores e coordenadores de escola.
Picasso, especificamente na obra, Les Demoiselles d’Avignon, leva-me a pensar
que não existe uma estética/métrica, uma perspectiva privilegiada para representar objetos
tridimensionalmente concebidos em espaços bidimensionalmente representados. Para Flores
(2002)29
, os termos “perspectiva” e “espaço” resultam de uma escolha arbitrária de
convenções, por exemplo: para ela, a perspectiva linear renascentista se baseia na matemática
de Euclides, nas contribuições sobre ótica, na Antiguidade, na cartografia de Ptolomeu; a
perspectiva intuitiva bizantina era chapada, sem movimento, pois se preocupava com o papel
narrativo das imagens – com influências supostamente egípcias30
, entre outras. Quanto ao
espaço, essa mesma autora complementa que cada época, cada povo, teve sua maneira
peculiar de concebê-lo e representá-lo, o que a leva a pensar junto com Francastel (1990, p. 24
apud FLORES, 2002, p. 87) que, na verdade, “o espaço não é uma realidade em si [...], é a
própria experiência do homem”.
28
Vilela e Mendes (2011, p. 8). 29
Flores (2002, p. 86-87). 30
Ibid. (p. 87-92). A autora descreve neste artigo outras perspectivas que não discutiremos nesta dissertação, mas
ficam aqui registradas para futuras pesquisas: perspectiva com um sistema bifocal, perspectiva “De prospectiva
pingendi”.
30
Isso me leva a confirmar que privilegiar uma única maneira de abordar a
matemática na formação do professor e nas práticas escolares pode cegar a visão para outras
possibilidades. Ver de outras formas pode levar a outras matemáticas, a outros belos, a
inventar novos espaços.
Romper com um modo único de ver, olhar de outras formas, foi o que ocorreu na
arte com os cubistas31
, registrado no excerto abaixo de Elgar (1987, p. 236), em cuja
tendência Picasso também se inicia32
.
[...] em que os corpos femininos, as árvores, as nuvens, se encontram
inextricavelmente unidas num espaço inventado. Todos os elementos desta
obra prima se conjugam para imprimir à composição piramidal um ímpeto
que se vai quebrar nitidamente na parte superior da tela, a fim de que os
lados do triângulo formado pelos troncos das árvores possam unir-se apenas
na imaginação do espectador. Admirem o jogo sutil das paralelas que o
quadro oferece: paralelas oblíquas das banhistas e das árvores,
contraparalelas dos braços, e, para estabelecer o equilíbrio, paralelas
horizontais do rio e das suas margens. Reduzidas umas e outras ao mesmo
esquema, árvores, banhistas parecem aspiradas por misteriosa força
ascendente para alturas incomensuráveis. Embora os contornos sejam
claramente marcados, os ramos, as folhas, o chão, o céu, não passam de
‘manchados’, esbatidos, camadas leves de tinta transparente, donde se
derrama uma apaziguante luz azulada.
31
Cubismo, movimento artístico do início do século XX, aconteceu em meio à Primeira Guerra Mundial, à
Revolução Russa, ao fascismo na Itália, ao nazismo na Alemanha e à Segunda Guerra Mundial. Neste contexto
turbulento é que surgem os movimentos “ismo”: cubismo, futurismo, surrealismo, abstracionismo,
expressionismo, dadaísmo, realismo socialista, modernismo. São movimentos que expressam a perplexidade do
homem nesse período das mais diversas formas. O Cubismo se dividiu em duas importantes tendências:
Cubismo Sintético e Cubismo Analítico, ao qual me detenho neste texto e que foi desenvolvido e representado
por Pablo Picasso (1881-1973) e por Georges Braque (1882-1963), principalmente na primeira década do século
XX. 32
Os cubistas como são denominados os pintores que tratam as formas da natureza como se fossem cones,
esferas e cilindros inspiraram-se em Cézzane, pintor que passou a vida a buscar uma ligação harmoniosa do ser
humano com a paisagem, assim como Nicolas Poussin (1594 – 1665), um dos maiores representantes do
classicismo do século XVII. Poussin se preocupava com a forma humana e sua harmonia com a natureza, mesmo
fato que inspirou Cézzane em sua série de banhistas. Esta busca de Paul Cézzane se materializou na obra As
grandes Banhistas com suas figuras e formas geometrizadas na qual trabalhou por sete anos, de 1898 a 1905. As
banhistas foi um tema também explorado por Pierre Auguste Renoir (1841 – 1919) pintor impressionista que
ganhou fama, popularidade e reconhecimento da crítica ainda em vida. Segundo Proença (2007, p. 214), Renoir
tinha por objetivo uma arte agradável aos olhos, porém, apesar de sua técnica essencialmente impressionista,
nunca deixou de se importar com a forma. Em seu período Ingres na arte, se volta para uma pintura mais
figurativa expressa ao longo da série Banhistas, na qual os contornos das suas formas ficam mais precisos,
evidentes, firmes e com cores mais frias. É uma fase em que deixa de pintar ao ar livre. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2008/10/03/pintura-as-grandes-banhistas-de-pierre-auguste-renoir-
130284.asp>. Acesso em: 14 mar. 2014.
31
Figura 2 – As Grandes banhistas (1898-1905) de Cézzane, Fonte: Becks-Malorny, 200133
.
Cézanne34
, desde a juventude, sempre admirou dois mestres opostos ao seu modo
de representar a natureza: Delacroix35
e Poussin36
.
Eugène Delacroix pertenceu ao movimento denominado romantismo. Não tinha
paciência para conversar sobre gregos e romanos, com a insistência no desenho correto e a
constante imitação de estátuas clássicas de ambos os lados. Acreditava que, em pintura, a cor
era muito mais importante do que o desenho, a imaginação mais do que o saber.
Já Nicolau Poussin, da escola clássica, estudioso das estátuas clássicas,
preocupava-se com a forma humana e sua harmonia com a natureza, apresentando impecável
beleza em suas obras, o oposto de Delacroix.
Cézzane se inspirou na obra Bacanal37
, de Poussin, para compor As Grandes
Banhistas. Admirava o equilíbrio e a perfeição nos quadros deste pintor clássico. O padrão
impecável, segundo Gombrich38
, de beleza e harmonia, na qual uma forma parece responder à
33
Disponível em: <http://pt.wahooart.com/@@/5ZKDN7-Paul-Cezanne-Banhistas-grandes-
(Filad%C3%A9lfia)> acesso em: 10 de fev. de 2014. 34
Elgar (1987, p. 236). 35
Eugène Delacroix(1798 – 1863). 36
Nicolas Poussin (1594-1665). 37
Bacanal é a denominação das festas oferecidas ao deus romano Baco. Várias obras de Poussin são
representações de tais festas. 38
Gombrich (1979a, p. 428).
32
outra. Em suas obras, cada elemento está em seu devido lugar, nada é casual. É possível
visualizar cada corpo sólido e firme. Cézzane perseguia uma arte que possuísse tal grandeza e
serenidade, mesmo que esses atributos não se encontrassem na natureza. “Queria pintar as
formas e as cores que via, não aquelas que eram fruto de seus conhecimentos ou sobre as
quais tinha aprendido.”39
A composição das ninfas de Poussin inspirou Cézzane, talvez, nos
ritmos corporais e na composição piramidal das Grandes Banhistas. Mas a maneira de
intensificar as cores foi inspirada em Delacroix (GOMBRICH, 1979a, p. 428).
Figura 3 - Bacanal (entre 1631 e 1633) de Poussin40
.
39
Ibidem. 40
Disponível em: < http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Nicolas_Poussin_004.jpg>. Acesso em: 10 fev.
2014.
33
Figura 4 - Bacanal com tocadora de alaúde (1626-1628) de Poussin. Museu do Louvre, Paris41
.
Poussin também foi relido por Picasso. E Picasso também releu Cézzane que
conseguiu o equilíbrio e a harmonia perseguida de uma forma nada parecida com o equilíbrio
mecânico aprendido por Poussin em seu ofício42
. No sentido derridiano, a pintura de Cézzane
se constitui de rastros, de remetimentos aos artistas que inspiraram suas obras.
Portanto, a obra Les Demoiselles d'Avignon se constitui de rastros dos rastros de
Cézzane. Para Derrida não há significado em si. Também não há significante. Cada palavra,
cada termo, traz o rastro43
de todos os outros rastros. Do mesmo modo, cada obra aqui citada
se concebeu a partir de rastros dos rastros do classicismo, do romantismo, da beleza grega, do
impressionismo, e outros.
Mas afinal, o que tem a ver com sua pesquisa a trajetória de
inspiração desses pintores dos quais você acaba de falar?
Novamente, você com essa pergunta? Mas acho que tem razão em fazê-la reiteradamente,
pois me possibilita o exercício iterativo de autoconvencimento de minha formação para uma
atitude de pesquisa terapêutica. Assim como na pintura a inspiração no rastro dos rastros de
outros pintores não é cópia, repetição do modo artístico do artista/inspiração, mas um outro
41
Disponível em: <http://peneira-cultural.blogspot.com.br/2013/08/renato-brolezzi-desvenda-poussin-o.html>.
Acesso em: 10 fev. 2014. 42
Gombrich (1979b). 43
Utilizo a palavra “rastro” de acordo com o pensamento de Derrida acerca do processo de produção da
identidade e da diferença. Conforme Derrida, o rastro [trace] é o movimento, o processo. Derrida (2004, p. 346).
34
significado, ver de outra forma a pintura, a espectralização das abordagens relacionadas à
matemática abre caminhos para outras direções, desestabiliza significados únicos com usos
privilegiados.
Figura 5 – Bacanal (1957) de Picasso44
.
Veja, ao buscar os rastros do cubismo expressos nas obras de Picasso, percebe-se
a semelhança de família com objetos de fácil reconhecimento, mas representados de outra
forma que não como são percebidos pelos olhos. O objetivo do cubismo é construir algo e não
copiar algo. Gombrich45
ressalta em seu livro História da Arte que
Se pensarmos num objeto, digamos, o violino, ele não se apresenta ao olho
da nossa mente tal como o vemos com os olhos do nosso corpo. Podemos
pensar e, de fato, pensamos em seus vários aspectos ao mesmo tempo.
Alguns deles destacam-se tão claramente que sentimos poder tocá-los e
manipulá-los. E, no entanto, essa estranha mistura de imagens representa
mais do violino ‘real’, do que qualquer instantâneo ou pintura meticulosa
poderia jamais conter.
44
Figura disponível em: <http://www.flickr.com/photos/arquepoetica/8746886849/lightbox/>. Acesso em: 10
fev. 2014. 45
Gombrich (1979a, p. 456), grifo do autor.
35
Figura 6 - Violino e Uvas (1912), Pablo Picasso. Nova York, Museum of Modern Art.46
Ao observar a obra da figura 6, encontramos semelhanças com os princípios
egípcios47
, no qual o objeto era desenhado no ângulo em que sua forma característica se
destacava com mais evidência. O quadro Violino e Uvas evidencia cada detalhe que
caracteriza o violino, colocando certa ordenação no que parecem, a princípio, formas
desencontradas e confusas. Segundo Gombrich (1979a, p. 458), o artista compartilha esse
[...] jogo sofisticado de construção da ideia de um objeto sólido e tangível a
partir de um punhado de fragmentos planos em sua tela. Sabemos que
artistas de todos os períodos tentaram apresentar suas soluções pessoais para
o paradoxo essencial da pintura: a representação da profundidade numa
superfície plana. O cubismo foi uma tentativa, não de encobrir esse
paradoxo, e sim, de explorá-lo para novos efeitos. Picasso nunca pretendeu
que os métodos do cubismo pudessem substituir todos os outros modos de
representar o mundo visível. Pelo contrário. Estava sempre disposto a
modificar seus métodos e retornar, uma vez por outra, dos mais arrojados
experimentos em criação de imagens, às várias formas tradicionais de arte.
[...].
46
Figura disponível em <http://vanguardasufms.blogspot.com.br/2011/12/cubismo.html >. Acesso em: 10 fev.
2014. 47
Para Gombrich (1979a, p. 456), em alguns aspecto, Picasso “representa um retorno ao que chamamos
princípios egípcios, em que um objeto era desenhado do ângulo do qual a sua forma característica se destacava
mais claramente”, como é possível observar em sua obra, Violino e Uvas.
36
Em vários momentos, Picasso buscou remeter-se a outras culturas, como por
exemplo, a arte da pré-história, a arte africana, a arte egípcia.
Ao trazer a característica errante de Picasso, quanto a se
dispor a mudar seus métodos, você estaria se referindo à atitude
terapêutica de pesquisa, a qual citou anteriormente, que pretende
assumir? E que mudança seria essa?
Na verdade, mais que me referir a método ou a metodologia de pesquisa, quero
adotar uma atitude metodológica de pesquisa de caráter terapêutico desconstrucionista que se
descomprometa com o caráter verificacionista, em estabelecer relações de causa e efeito, em
apresentar resultados. Nem mesmo de estabelecer categorizações para enquadramento de tipos
de usos de abordagens pedagógicas no ensino de matemática. Submeter os jogos de cena dos
professores e coordenadores à espectralização, buscar semelhanças/aproximações,
discordâncias e até oposições pode esclarecer modos essencialistas, privilegiados, nos usos da
matemática escolar nas práticas pedagógicas em questão.
De acordo com Gombrich (1979a)48
, muitos críticos consideraram um insulto à sua
inteligência esperar que acreditassem que um violino “tem esse aspecto”. Mas, como salienta
Oliveira (2005, p. 17), Picasso não queria insultar ninguém e muito menos imitar com sua
pintura uma fotografia de um violino. Ele tinha outros propósitos, e propósitos justificados e
interessantes. Assim como na arte parece não fazer sentido comparar modos tão diferentes de
representar as coisas do mundo – o modo cubista, o modo fotográfico, o modo grego, o modo
renascentista, o modo egípcio, etc. 49
– e questionar qual seria a melhor forma de fazê-lo, no
ensino de matemática também não tem sentido buscar a melhor maneira de abordá-la na
atividade humana escolar.
Cada uma das perspectivas artísticas teve seus propósitos distintos para suas
representações de mundo visível, do mesmo modo, cada uma das perspectivas pedagógicas de
abordagem da matemática no âmbito escolar tem suas particularidades e propósitos
socioculturais para as aplicações pedagógicas que faz. Portanto, não haveria uma única forma
ou um único critério que permitisse a avaliação, a comparação entre as diversas perspectivas
que integram o campo da prática pedagógica no ensino de matemática para o Ensino
Fundamental I, que é o foco desta pesquisa.
48
Ibid. (p. 458). Grifo do autor. 49
Gombrich (1979); Flores (2002); Oliveira (2005).
37
2. PERSPECTIVAS WITTGENSTEINIANA E DERRIDIANA DE PESQUISAR
Inspirada numa perspectiva derridiana de desconstrução, metaforicamente ao
movimento cubista - que deixa ver as facetas ocultas dos personagens representadas num
mesmo plano - busco rastros dos usos das práticas escolares de mobilização de matemática
pelo Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática - PALMA, pelos professores e
coordenadores do Ensino Fundamental de uma cidade do interior do estado de São Paulo.
A abreviação PALMA percorrerá todo o texto, dada a remissão reiterada, ao longo
dele, ao Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática, pelo fato de que todos os
envolvidos na pesquisa, em algum momento, estiveram ou estão inseridos neste programa de
formação contínua em educação matemática para professores do Ensino Fundamental I.
Nos rastros de meus próprios rastros, (re)significo um caminho já trilhado com a Arte, devido
à minha primeira graduação ser licenciatura e bacharelado em Educação Artística pelo
Instituto de Arte - Unicamp.
Envolta neste movimento de leituras, discussões e análises, ou seja, nos vários
espectros que me acompanham desde que ingressei no programa de mestrado, proponho-me a
realizar uma aproximação com a atitude metodológica de caráter terapêutico-
desconstrucionista50
, inspirada em Derrida51
e Wittgenstein52
. Dessa forma, os jogos de cenas
que acontecem neste texto espectralizam os conceitos fundantes desta pesquisa53
.
A visão de uso da linguagem que trago aqui busca uma aproximação com
fundamentos no segundo Wittgenstein54
que, como podemos ler em Peruzzo Júnior (2011, p.
50
Marim (2014, p. 15). 51
Derrida (1986; 1993;2004;2005). 52
Wittgenstein (1979; 1992). 53
O jogo de cenas traz os espectros de textos no quais busquei me referenciar, discussões sobre as atitudes
metodológicas de pesquisa do Grupo PHALA, entrevistas com professores e coordenadores do Ensino
Fundamental I de Mogi Guaçu, documentos do PALMA - Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem
Matemática e rastros dos rastros de minha formação como pessoa e como profissional. Não é unicamente o
corpus da pesquisa que constitui este texto, mas também rastros dos rastros da pesquisadora, registrados numa
aproximação com a perspectiva derridiana e wittgensteiniana de se fazer pesquisa. 54
O austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é considerado um dos mais importantes filósofos do século
XX. Herdeiro da lógica moderna de Frege e Russell deu continuidade de forma original às indagações que
buscavam elucidar a capacidade e os limites da linguagem natural em exprimir o pensamento (MORENO, 2005).
É um filósofo da virada linguística, denominado também como sendo do movimento pós-virada linguística, que
compreende a linguagem como constitutiva das e pelas práticas socioculturais e o sujeito como um lugar
discursivo, ou seja, como um sujeito que se constitui e é constituído a partir de jogos compartilhados e
normatizados. Nesse sentido, para Monteiro et al ( 2010), “os sujeitos envolvidos em diferentes práticas sociais,
dentre elas a prática escolar (professores e alunos), constituem-se a partir dos lugares que ocupam e também da
forma como ocupam esses lugares. Importa compreender as forças que permitem ou impedem os sujeitos a
38
88), “concebe a linguagem como uma forma de ação, [...] faz ver que o significado se dá no
contexto de atividades humanas podendo, portanto, variar”.
A linguagem não tem essência e nem uma função referencial: a significação não é
agregada à palavra e esta não substitui um objeto. Seu sentido se faz no jogo, quando jogado.
“[...] é uma vasta coleção de diferentes práticas cada qual com sua própria lógica.”
(GRAYLING, 2002, p. 90).
A partir dessa visão, não faz sentido verificar se significados mobilizados no
curso são didaticamente transpostos para as práticas de sala de aula. Cada jogo de linguagem
mobiliza significados diferentes de uma palavra, de uma enunciação. Contudo, Wittgenstein
(1992, p. 14) não considera os jogos de linguagem como partes incompletas de uma
linguagem, mas como linguagens completas em si mesmas, como sistemas completos da
comunicação humana. Por outro lado, ao se referir aos processos denominamos “jogos”, de
todos os tipos, é possível verificar que há semelhanças e parentescos comuns entre todos, não
havendo assim, uma essência única entre eles, pois muitas coisas se perdem entre um e outro
jogo. A estas características comuns entre os jogos de linguagem, como cita Pires e Moura
(2013, p. 6), Wittgenstein atribui a expressão semelhanças de família.
Considere, por exemplo, os processos que chamamos de “jogos”. Refiro-me
a jogos de tabuleiro, de cartas, de bola, torneios esportivos, etc. o que é
comum a todos eles? Não diga: “algo deve ser comum a eles, senão não se
chamariam ‘jogos’”, - mas veja se algo é comum a eles todos. - Pois, se
você os contempla, não verá na verdade algo que fosse comum a todos, mas
verá semelhanças, parentescos, e até toda uma série deles. Como disse: não
pense, mas veja! - Considere, por exemplo, os jogos de tabuleiro, com seus
múltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de cartas: aqui você
encontra muitas correspondências [...] traços comuns desaparecem e outros
surgem. Se passarmos agora aos jogos de bola [...] São todos ‘recreativos’?
Compare o xadrez com o jogo da amarelinha. Ou há em todos um ganhar e
um perder, ou uma concorrência entre os jogadores? [...] Nos jogos de bola
há um ganhar e um perder; mas se uma criança atira a bola na parede e a
apanha outra vez, esse traço desapareceu [...] E assim podemos percorrer
muitos, muitos outros grupos de jogos e ver semelhanças surgirem e
desaparecerem. E tal é o resultado desta consideração: vemos uma rede
complicada de semelhanças, que se envolvem e se cruzam mutuamente.
Semelhanças de conjunto e de pormenor. Não posso caracterizar melhor
essas semelhanças do que com a expressão “semelhanças de família”; pois
assim se envolvem e se cruzam as diferentes semelhanças que existem entre
os membros de uma família: estatura, traços fisionômicos, cor dos olhos, o
ocuparem certos lugares assim como os efeitos que esses lugares imprimem naqueles que os ocupam”. Portanto,
busco inspiração na segunda fase de Wittgenstein, mais especificamente em sua obra intitulada Investigações
Filosóficas.
39
andar, o temperamento, etc., etc. - E digo: os “jogos” formam uma família.
(WITTGENSTEIN, 1979, § 66-67).
Penso que essas semelhanças de família55
entre os jogos de linguagem situados no
curso de formação, nas práticas de sala de aula e nas narrativas das entrevistas dos professores
são possíveis de serem observadas nesse processo investigativo, dada a linguagem ser sempre
uma vivência, uma experiência. No caso desta pesquisa, as práticas escolares de mobilização
de matemática são problematizadas no contexto dos jogos de linguagem compostos a partir do
corpus da pesquisa. Segundo Grayling (2002, p. 96), Wittgenstein considera que para
entender os funcionamentos da linguagem devemos primeiro reconhecer sua variedade e
multiplicidade.
A expressão linguagem matemática, contida no título do programa de formação
de professores, foco desta pesquisa, é entendida nos usos didático-pedagógicos que mobilizam
conceitos matemáticos escolares. Não se restringe, portanto, ao uso que dela faz a
comunidade dos matemáticos, ou seja, daqueles que produzem e resolvem problemas da
ciência matemática. Há diferentes usos dessa expressão, dependendo dos diferentes jogos de
linguagem que a mobilizam. Ao pesquisar a expressão matemática, em publicações e
pesquisas recentes no âmbito da Educação Matemática, Vilela (2013, p. 22) observou diversas
adjetivações deste termo:
[...] matemática acadêmica, matemática escolar, matemática pura,
matemática formal, matemática informal, matemática aplicada, matemática
pura superior, matemática pedagógica, matemática não pedagógica,
matemática universitária, matemática do cotidiano, matemática da vida
cotidiana, matemática burguesa, matemática proletária, matemática da rua,
matemática clássica, matemática intuicionista, matemática profissional,
matemática dos profissionais do comércio, matemática dos ceramistas,
matemática dos agricultores, matemática chinesa, matemática dos incas,
matemática do cotidiano indígena, matemática indígena, matemática da
criança de rua, matemática oral, matemática escrita, matemática
institucional, matemática de classe dominante, matemática profissional,
matemática dos oprimidos, matemática da criança antes da escolarização,
matemática platonista, matemática anti-platonista, matemática subcientífica,
matemática dogmática, matemática em uso, etc.
Cada uma das adjetivações acima descritas por Vilela (2013) remete a jogos
distintos da linguagem matemática.
55
A expressão semelhanças de família (Familienänhlichkeiten) foi usada pela primeira vez por Niezstche em sua
obra, Para além de bem e do mal, mas foi adotada por Wittgenstein em seus ataques ao dogmatismo e ao
essencialismo. (VEIGA-NETO e LOPES, 2007, P. 11).
40
A seguir, inspirada em Vilela (2013), relaciono alguns significados da expressão
linguagem matemática (aqui destacada em itálico, o que não ocorre nos textos originais), em
diferentes publicações voltadas aos usos didático-pedagógicos:
1. [...] forte relação entre a linguagem materna e a linguagem matemática.
[...] atividades importantes para que a linguagem matemática não funcione
como um código indecifrável para os alunos (BRASIL, 2001, p. 64).
2. Interpretar e produzir escritas numéricas, levantando hipóteses sobre elas,
com base na observação de regularidades, utilizando-se da linguagem oral,
de registros informais e da linguagem matemática (Ibid., p. 65).
3. [...] valorizar essa linguagem como forma de comunicação (Ibid., p. 81).
4. [...] Ao assumirmos que é responsabilidade do ensino de matemática que
os alunos se comuniquem usando a linguagem específica da matemática em
conjunto com todas as demais formas de linguagem, [...] (SMOLE, DINIZ e
MILANI, 2007, p. 12).
5. [...] diferenças e semelhanças entre a linguagem natural e a linguagem
matemática bem como a utilização de metáforas no ensino e na
aprendizagem da Matemática (MATOS e SERRAZINA, 1996, p. 32).
6. [...] a pouco e pouco [os alunos] verão a necessidade da linguagem
matemática, habituar-se-ão a usá-la para comunicar entre si, e aprenderão a
ler e escrever Matemática. [...] Quanto a linguagem matemática, devemos
entender que ela não é um fim do ensino da Matemática em si mesma, mas
sim um meio de expressão das ideias e dos raciocínios matemáticos que os
alunos vão adquirindo progressivamente.[...] (Ibid., p. 49).
7. Uma das principais funções da linguagem é o de transmitir significado.
Parte da aprendizagem da Matemática consiste em adquirir domínio sobre os
termos matemáticos de modo a ser capaz de os utilizar no discurso e tirar
deles significado, mais propriamente fazer Matemática. Vamos analisar
algumas diferenças entre a linguagem matemática, por exemplo, algumas
palavras têm um significado ou função gramatical diferente. Na linguagem
do dia-a-dia funcionam de modo semelhante a adjetivos (CUNHA e
CINTRA, 1985): um livro, dois elefantes, vinte blocos. No discurso
matemático são substantivos, constituindo um dos primeiros conjuntos de
objetos matemáticos, os quais por sua vez têm propriedades como ser par ou
ímpar, ou primo (Ibid., p. 49).
8. [...] Os humanistas muito raramente leem alguma coisa sobre as ciências,
além daquilo que encontram nos jornais. Parte das razões para isso é que o
assunto das humanidades diz respeito a sons, visão e à linguagem comum. A
linguagem da ciência, com sua substancial sublinguagem matemática, é uma
barreira formidável ao humanista (DAVIS e HERSH, 1985, p. 78).
9. Uma resposta muito popular tem sido a de que Deus é um matemático.
Se, como Laplace, não pensarmos que a deidade é uma hipótese necessária,
podemos formular isso da seguinte maneira: o universo se expressa
naturalmente na linguagem da matemática (Ibid., p. 97).
10. Alguns aspectos da matemática não são muito mencionados nas histórias
contemporâneas da mesma. Estamos falando do comércio e negócios,
guerra, misticismo numérico, astrologia e religião. Em alguns casos, a
informação básica ainda não foi reunida; em outros, os escritores, na
esperança de atribuir à matemática uma linguagem nobre e uma existência
científica pura, desviaram o olhar (Ibid., p. 118).
41
11. Em verdade, acredita-se que qualquer texto matemático pode ser
formalizado no contexto de uma única linguagem formal. Esta linguagem é a
linguagem da teoria formal dos conjuntos. [...] Qualquer texto da lógica
matemática explica as regras sintáticas desta linguagem (Ibid., p. 167).
12. [...] A matemática pode ser expressa em linguagem que emprega um
número finito de símbolos encadeados em sentenças de comprimento finito
(Ibid., p. 185).
13. O trabalho aconteceu com crianças que apresentavam uma característica
interessante em relação à linguagem matemática: sabiam decompor os
numerais em unidades, dezenas e centenas, porém não tinham a noção do
“todo”, ou seja, de quantas unidades havia nas dezenas ou ao todo em um
numeral. Isso me preocupava bastante, mas as crianças ainda tinham sete
anos (crianças mais novas) e seria necessário explorar a linguagem
matemática no concreto, retomando alguns conceitos e construindo outros
(LOPES, 2003, p. 43).
14. Ao dar linguagem ao conceito (matemático) dá conteúdo e linguagem a
sua experiência de enumerar, medir e calcular, desenvolvendo, desta forma,
pensamento e linguagem de seu modo singular de ver o mundo o qual, sob a
mediação do educador tende a se aproximar, por movimentos próprios de
aprender daquele da ciência. (LOPES e MOURA, 2003, p. 8).
15. [...] Ainda não haviam elaborado uma linguagem matemática em que
pudessem traduzir livremente este problema. (ao se referir ao paradoxo de
Aquiles e da tartaruga) [...] Em sua linguagem matemática, nada havia para
indicar que, quando a máquina diminui a velocidade, abaixo de um certo
limite, enguiça (HOGBEN, 1950, p. 23).
16. Segundo o ponto de vista adotado neste livro a matemática será a
linguagem das grandezas, cuja compreensão é parte precípua do preparo
intelectual de todo cidadão inteligente. Se as regras da matemática são da
natureza das gramaticais, não constitui vergonha o não perceber a evidência
das verdades matemáticas. Precisamos aprendê-las (Ibid., p. 32).
17. A linguagem matemática difere da linguagem da vida cotidiana por ser,
em essência, uma linguagem racionalmente planejada. Na linguagem das
grandezas, não há lugar para os sentimentos particulares, quer individuais,
quer nacionais (Ibid., p. 36).
18. Falar em matemática como linguagem das grandezas e em regras
matemáticas, como regras gramaticais, é mais do que simples figura de
retórica. Muito contribui, para a compreensão da matemática, [...] (Ibid., p.
76).
Dentre esses significados é possível observar que a linguagem matemática foi
mobilizada em vários contextos didático-pedagógicos com semelhanças e diferenças entre si.
Para a filosofia de Derrida (1986; 1993), desconstruir não é uma operação
reflexiva ou auto-referencial, mas uma operação que aciona forças heterogêneas presentes em
um texto e que deslocam esse próprio texto, num processo de produção da identidade e da
diferença. Um signo possui em si um rastro daquilo que ele substitui.
42
Afirmo que a desconstrução não é essencialmente filosófica, e que não se
limita a um trabalho do filósofo profissional sobre um corpus filosófico. A
desconstrução está em toda parte. Hoje se leva em consideração o fato de
que a temática - inclusive a temática explícita da desconstrução sob este
nome – está implantada em áreas que não têm nenhuma relação direta com a
filosofia, não só em áreas artísticas, como a arquitetura ou pintura, como
também em outros fora as belas artes ou a literatura56
(DERRIDA, 1986, p.
3).
Ao consultar uma palavra no dicionário, este fornece uma definição ou um
sinônimo da palavra pretendida. A definição do dicionário remete a outras palavras, outros
signos, como rastros de um significado que não se concretiza em si mesmo. “[...] sua
existência é marcada unicamente pela diferença que sobrevive em cada signo como traço,
como fantasma e assombração [...]” (SILVA, 2000, p. 78).
O significado das palavras faz sentido para os participantes do jogo de linguagem
que as mobiliza. Para nos destituirmos de significados únicos e verdadeiros é preciso
percorrer os diferentes usos em diferentes jogos. O deslocamento de significados se assemelha
à desconstrução dos signos por seus rastros.
A identidade e a diferença não podem ser compreendidas fora do sistema de
significação nos quais adquirem sentido. Isso não significa que são determinadas pelos
sistemas discursivos e simbólicos que lhes definem. Para Silva (2000, p. 77) “ocorre que a
linguagem, entendida aqui de forma mais geral como sistema de significação, é, ela própria,
uma estrutura instável”.
O processo de construção de uma visão panorâmica dos múltiplos e diferentes
usos de uma palavra ou de uma proposição é semelhante a um processo terapêutico onde,
segundo Wittgenstein (1979), citado por Moreno (2005, p. 259), “as afirmações feitas pelo
terapeuta, no decorrer do processo descritivo, revelam apenas os pontos de apoio no diálogo e
as estratégias empregadas para a cura.” Para Wittgenstein (1979, § 122), a representação
panorâmica permite a compreensão, que consiste justamente em “ver as conexões”. Daí a
importância de encontrar e descrever articulações intermediárias nas práticas escolares de
mobilização de matemática no âmbito escolar.
A “dieta unilateral”, segundo Wittgenstein (1979, § 593), consiste num uso
exclusivista e privilegiado de determinados significados, o que pode gerar uma visão
dogmática, por exemplo, da matemática escolar. A terapia, ao percorrer outros usos, pretende
56
Derrida (1986, p.3), tradução de minha responsabilidade.
43
exercitar o olhar para ver de outras formas em outras direções ainda não imaginadas as
práticas escolares nos cursos de formação contínua.
A problematização das práticas escolares de mobilização de matemática, mediante
diferentes autores, se faz necessária por entender que é fundamental para se compreender, se
ter clareza dos seus usos feitos pelos envolvidos na pesquisa e das semelhanças de família
nesses usos. Diferentemente da busca do que está oculto ou algo que estaria “por trás das
aparências”, é “compreender algo que esteja diante de nossos olhos” (WITTGENSTEIN,
1979, § 89).
A noção de percorrer os usos pode ser associada analogamente à noção derridiana
de percorrer os rastros de significados das palavras. Segundo Miguel, Vilela e Moura (2010),
para Derrida, não há significados originários, mas significantes de significantes, ou seja, “algo
só é algo a partir do rastro de outro, que também é rastro de outros rastros; só há rastros” 57
.
A busca de rastros das abordagens pedagógicas no ensino de matemática em
diferentes jogos de linguagem situados nos contextos de atividades humanas, particularmente
no âmbito escolar e no âmbito de curso de formação contínua de professores, foco desta
pesquisa, pode contribuir para desfazer confusões conceituais, dirimir mal entendidos,
desconstruir significados fixos e determinantes preconcebidos no início desta pesquisa.
As práticas escolares comumente privilegiam o saber escolar matemático em
detrimento de saberes análogos, com semelhanças de família, em práticas não escolares. Os
usos do número no contexto escolar, por exemplo, são considerados verdadeiramente
científicos e com status maior de veracidade do que os usos do número nas práticas
socioculturais que não as escolares. Desconstruir e horizontalizar polarizações e relações de
poder como, por exemplo, as relacionadas ao conceito de número, são processos constitutivos
da desconstrução derridiana. Assim, a terapia filosófica e a desconstrução apresentam
semelhanças de família no que diz respeito “a transgredir fronteiras estabelecidas, a fim de
reconhecer como igualmente legítimas, do ponto de vista da ação educativa, atividades e
práticas que, por quaisquer razões, não tenham alcançado o estatuto disciplinar” (MIGUEL,
VILELA e MOURA, 2010, p. 190).
Sob esse ponto de vista, esta investigação trata as práticas escolares de
mobilização de matemática, como um diálogo que não descarta as interpretações diversas ou
alternativas de seu uso.
57
Heuser (2008) apud Miguel, Vilela e Moura (2010, p. 162).
44
Para cumprir com o objetivo desta pesquisa, o modo de analisar o corpus que a
integra busca inspiração no pensamento do último Wittgenstein, com o objetivo de realizar o
que Antonio Miguel (2011, p. 272-273) intitula de terapia desconstrutiva58
:
É importante ressaltar que, da maneira como a estamos aqui concebendo,
realizar uma terapia desconstrutiva de diferentes jogos narrativos de
linguagem consiste em destacar nesses jogos um enunciado comum neles
manifesto, bem como outros com os quais ele possa estar significativamente
enredado, e fazê-los percorrer diferentes jogos de linguagem, dando-se,
assim, por ampliação e variação, visibilidade a suas diferentes mobilizações
e, portanto, a suas diferentes significações, até que se tornem manifestas e
discutidas as relações performáticas desses enunciados sobre os corpos e
sobre as práticas efetivas dos narradores.
O uso que faço da palavra cena para organizar o corpus da pesquisa remete a
McDonald (2001). Este considera que o segundo Wittgenstein sugere um novo estilo de
pensar sobre a narrativa ficcional, que abre a teoria narrativa para a noção de linguagem como
ação, quando não apenas se transmite informações, mas realizam-se atos linguísticos. Ainda
segundo McDonald (2001, p. 21), a narrativa ficcional é um fenômeno temporal, cuja função
não é apenas recontar fatos, mas envolver ações performativamente repetitivas ou iterativas.
Tal ponto de vista vê o ato narrativo como desvinculado do contexto social e histórico em que
ocorre. Sob essa perspectiva se dilui a fronteira entre jogos reais/corpus e jogos fictícios de
linguagem.
McDonald (2001, p. 35) discute que a ficção não conta reproduzindo os eventos
históricos, mas encena/performa atos de contar histórias referenciadas em práticas discursivas
de leitores e escritores. Sendo assim, ao trazer para a performance os discursos da formadora,
dos professores e dos coordenadores que fazem parte do corpus da pesquisa, esses são
recriados/reelaborados no ato de narrar.
Como ressalta McDonald (1994, p. 8), o que constitui o ato narrativo é o processo de
construção ou de fazer a história. Na medida em que a interpretação produz aquilo que é radicalmente
incomensurável como um processo ou uma ação.
O ato narrativo, para McDonald, é incomensurável no sentido de a parcela de
história, clara e definida, se fundir com a indefinição do ato de narrar. A narrativa é produzida
a partir de nossas interpretações, é imposta uma intenção invariante sobre o que é, na maioria
58
Terapia desconstrutiva, terapia gramatical desconstrutiva, terapia gramatical espectral, referem-se a uma
aproximação entre a ideia derridiana de desconstrução, não no sentido de destruir, mas no sentido de
horizontalizar as diferenças, e a ideia de terapia filosófica wittgesnteniana de buscar semelhanças de família.
45
dos casos, um processo variável. Assim, as narrativas a partir de um mesmo corpus de
pesquisa, supostamente, terão outra interpretação dependendo de quem a estiver narrando.
McDonald (1994, p. 9) aplica nas narrativas ficcionais o princípio da incerteza
narrativa como incomensurável, à semelhança do Princípio da Incerteza de Heinsenberg na
física moderna59
e também semelhante ao paradoxo do desenho pato/coelho de Jastrow
tratado por Wittgenstein60
, “como a posição e o momento, em física, esses conceitos, história
e ato narrativo, têm a mesma base empírica no texto, ainda são incomensuráveis
logicamente.” Não é possível distinguir quando são fatos e quando são ficção, contudo partem
de jogos de linguagem.
O que foi dito até agora me remete a pensar em ficção, realidade e linguagem.
McDonald (1994), inspirado na perspectiva wittgensteiniana de linguagem como atividade,
considera que o mundo natural pode ser visto como preexistente nos jogos de linguagem.
Opera, assim, uma subversão performática no momento de narrar. Lidar com a narrativa nessa
perspectiva é um desafio ao qual proponho aproximar essa pesquisa, uma vez que o ficcional
não é o mentiroso, o falso. É uma outra forma performática de narrar e que transforma o
próprio conceito que temos de realidade61
.
Com base no corpus da pesquisa constituído de entrevistas, gravações de aulas em
vídeo, registros documentais dos professores e coordenadores, apoiada basicamente nos
rastros de Derrida, Mc Donald e Wittgenstein, passo a narrar, a partir do capítulo 4, os jogos
de cenas ficcionais das práticas escolares de mobilização de matemática pelos professores e
pelo programa de formação contínua, PALMA.
Nesse sentido, esta narrativa se constitui do reconto das entrevistas e gravações já
transcritas que passaram por minha organização, dos registros documentais situados no tempo
e no espaço de minha pesquisa. Todo o corpus é inevitavelmente transformado e reorganizado
sob a minha visão ou interpretação, o que não significa que não poderá ser revisto,
(re)significado ou recontado posteriormente, por mim ou por outros que fizerem remissões a
esses meus rastros. Semelhante ao emprego da palavra “ver” na seção IX do segundo
59
Principio da Incerteza de Heinsenberg – se refere à limitação, não só das ferramentas quanto de nós mesmos –
da nossa “natureza” em comensurar com precisão (McDONALD,1994, p. 7). 60
Wittgenstein (1979, p.189), citado por McDonald (1994, p. 8), rejeitando explicações psicologistas do
fenômeno, pergunta: Como é possível para o mesmo desenho “significar” de forma tão diferente? 61
Parágrafo baseado no registro pessoal da fala do prof. Antonio Miguel, por ocasião de uma banca de
qualificação, aberta ao grupo PHALA que ocorreu na FE/Unicamp em 26/08/2013.
46
Wittgenstein que lança mão da figura pato-lebre de Jastrow62
, ao qual já me referi acima, para
indicar que “[...] a imagem que prevalece é aquela onde cada um descreve suas experiências
internas, buscando explicitar as causas que a produziram.” (PERUZZO JÚNIOR, 2011, p.
91).
A narrativa não tem qualquer base senão no próprio ato de narrar, “e esse ato não
pode carregar dentro de si seus próprios significados e efeitos pré-determinados. Como uma
declaração performativa, requer um contexto, o contexto cultural do leitor, para ganhar
sentido.” (McDONALD, 1994) 63
.
Além de narradora dos jogos de cenas que compõem esta pesquisa, assumo o
papel de personagem nesses jogos. Pois ao assumir a linguagem como situações, inspirada
numa perspectiva wittgensteiniana, entendo que, no âmbito da pesquisa, os espectros que
advêm de outros jogos de linguagem como a preparação do curso, as entrevistas e as aulas de
matemática dos professores assistidas por mim, passam a fazer parte dessa outra situação
orientada por regras diferenciadas que constituem ou vêm constituindo esta pesquisa.
Referenciada em Miguel (2011), permito-me recriar, transcriar, deformar e repetir os registros
que fiz das aulas, das narrativas das entrevistas, dos registros do curso na busca de uma visão
ampliada e abrangente das diferentes práticas pedagógicas da matemática escolar, de maneira
a gerar uma maior compreensão de tais práticas realizadas pelas coordenadoras do curso e
pelos professores que participam da pesquisa.
Na sessão de terapia, tais personagens - efetivos ou remotos – são e não são
eles próprios. São, porque, de fato, são as suas falas efetivas textualizadas
que fornecem a substância e o substrato para a produção de meu próprio jogo
de cena. Não são, porque, de certo modo, quando falam, falam através de
minha fala, dos modos como eu recrio e transcrio as suas falas, mesmo
quando - mobilizando-as fragmentariamente no texto produzido - eu as cite
literalmente (MIGUEL, 2011, p. 275).
Não busco afirmar fatos, mas mostrá-los de acordo com o corpus da pesquisa
através do ato narrativo que, para McDonald (1994), tem um estado independente não só do
conteúdo da narração, mas de qualquer significado final da história.
62
Wittgenstein (1979, p. 189). 63
Tradução de minha responsabilidade.
47
3. JOGOS DE LINGUAGEM NO PROGRAMA DE FORMAÇÃO
Esses jogos de linguagem/jogos de cenas constituem-se de uma introdução que
pretende situar a intenção e a política do programa de formação em um município do estado
de São Paulo, intitulado como Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática -
PALMA64
. Num segundo momento problematiza-se o nome do curso de formação desta
pesquisa para, em seguida, descrever a metodologia e as abordagens pedagógicas do
programa.
As cenas que seguem após esse capítulo não são apenas lembranças no sentido de
trazer tal e qual para o presente os acontecidos do passado, mas lembranças de um trajeto
percorrido que agora incomoda, causa estranhamento e dúvidas que são reforçadas pelos
espectros essencialistas relativos às abordagens pedagógicas que constituem a formação para
o ensino de matemática, no curso PALMA, que me acompanham desde o início do mestrado.
As inquietações surgidas com a pesquisa não são idênticas às que conservava
antes de meu ingresso no mestrado. No projeto inicial a intenção era verificar as influências
da abordagem da linguagem matemática do curso nas práticas dos professores que o
frequentaram. Intenção já abandonada por dois motivos: primeiramente porque o curso não
aborda os usos da linguagem matemática, ele aborda os usos didático-pedagógicos no ensino
de matemática e, em segundo lugar, porque de acordo com o que já foi discutido
anteriormente, não pretendo desenvolver uma pesquisa verificacionista.
Ao desenvolver a pesquisa, além de fazer a terapia dos discursos das práticas dos
professores, faço a terapia de minha própria concepção de usos didático-pedagógicos na
formação de professores para o ensino de matemática.
O Programa65
, contexto mais geral desta pesquisa, ainda vigente na cidade do
interior paulista, visa o desenvolvimento profissional docente e vem ao encontro das
64
A LEI N° 4.247, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2005 cria o PROGRAMA DE APERFEIÇOAMENTO DA
LINGUAGEM MATEMATICA (PALMA) no âmbito do município de [...]: Art. 1° Fica criado o PROGRAMA
DE APERFEIÇOAMENTO DA LINGUAGEM MATEMÁTICA - PALMA, no âmbito do Município [...]. com
o objetivo de proporcionar aos professores da rede municipal e municipalizada de ensino estudos de
aprofundamento nos conteúdos matemáticos nas séries e ciclos da Educação Básica e conhecimento didático que
auxiliem os docentes na prática pedagógica em sala de aula, com estudo de diversas linhas metodológicas.
Disponível em: <http://www.digitechsistemas.com.br/mogiguacu/Default.aspx>. Acesso em: 08 set. 2014.
Anexo A. 65
Pelo fato do programa ainda acontecer no município do interior paulista, no decorrer desta dissertação
estaremos nos referindo a ele no passado e no presente. No passado quando tratarmos de questões relacionadas à
48
necessidades de reflexão sobre a prática de ensinar a matemática no âmbito escolar na Rede
Municipal de Ensino do município.
Esta pesquisa teve início a partir de uma inquietação de que, apesar dos
professores participarem do programa de formação para o ensino de matemática, não
aconteciam mudanças nas suas práticas em sala de aula e nem melhoras significativas, sob o
ponto de vista da equipe pedagógico-administrativa do município, no aprendizado das
crianças66
.
Para situar melhor o leitor de onde surgiram minhas inquietações, vale contar um
pouco dessa trajetória. O Programa, do ponto de vista da política da Secretaria de Educação,
se justifica pela intenção de ampliar as perspectivas construídas coletivamente, com o objetivo
de formular ações e propostas que permitam ao educador ter oportunidade de refletir sobre
sua prática, ampliar os conhecimentos didático-metodológicos sobre educação matemática e
adquirir, neste sentido, possibilidades de intervenções no processo educativo. Com a lei
municipal de sua criação aprovada, o município constituiu uma equipe que iniciou os estudos
para estruturar, pedagogicamente, o Programa no qual são abordados os conteúdos de
matemática enunciados nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2001), tanto
do ponto de vista do domínio desses conteúdos, por parte do professor, quanto do modo como
ensiná-los. Para uma melhor compreensão dessa estrutura, apresento o quadro abaixo:
sua estruturação inicial ou práticas passadas. No presente quando descrevermos fatos ainda vigentes na
formação. 66
Esta inquietação não surgiu por acaso. Sou formadora do PALMA e coordenadora pedagógica na Secretaria
Municipal de Educação, o que me permite estar sempre nas escolas, junto aos professores e aos coordenadores
pedagógicos. Tenho acesso às práticas dos professores e ao desempenho dos alunos na disciplina de matemática,
por meio de avaliações institucionais do próprio município.
49
Etapa Conteúdos Síntese
Referências básicas Carga
horária
I
Números
Naturais;
Sistema de
Numeração
Decimal e
operações.
Abordagem dos Números
Naturais e do Sistema de
Numeração Decimal sob a
perspectiva da linha sócio-
histórica ou histórico-crítico-
cultural, baseada na
necessidade da humanidade,
onde só o homem é capaz de
criar e inventar. Essa linha de
pensamento oferece ao aluno a
vivência histórica da conquista
humana. Abordagem da
perspectiva etnomatemática de
Educação Matemática.
Brasil (2001); Boyer
(1974); Byers (1982);
Caraça (2002);
Centurion (2002);
D’Ambrosio (1996;
2001; 2005); Dantizig
(1970); Domite (2005);
Eves (2005); Hogben
(1950; 1976); Ifrah
(1989); Moura
(1992;1996); Miguel
(2011); Vygotsky
(1991).
45
horas
II
Números
Naturais;
Sistema de
Numeração
Decimal e
operações.
Abordagem dos Números
Naturais e Sistema de
Numeração Decimal a partir
da perspectiva construtivista,
social e biológica, voltada à
psicologia genética que traz a
necessidade de se trabalhar as
estruturas do pensamento,
evoluindo desde o sensório-
motor até o pensamento
formal.
Brasil (2001); Kamii
(1990); Lerner e
Sadovsky (2001); Nunes
e Bryant (1997); Moreno
(2006); Piaget (1971;
2002); Nacarato et al.
(2008); Polya (1994);
Smole e Diniz (2001);
Smole, Diniz e Milani
(2007).
45
horas
III
Números
Racionais:
decimais;
Espaço e
Forma.
Ênfase nos Números
Racionais, mais
especificamente os números
decimais. Abordagem também
em Espaço e Forma através de
atividades e estudos sobre o
desenvolvimento do
pensamento geométrico e
espacial da criança.
Brasil (2001); Caraça
(2002); Cerquetti-
Aberkane (1997); Correa
e Spinillo (2004);
Crowley (1994); Matos e
Serrazina (1996); Moura
(2001); Nacarato e
Passos (2003); Nacarato
et al. (2008); Nunes e
Bryant (1997); Penha
(2008); Queiroz,
Fernandes, Santinho e
45
horas
50
Fonseca (2006-07).
IV
Números
Racionais:
fracionários;
Grandezas e
Medidas;
Tratamento da
Informação.
Abordagem nos Números
Racionais, mais
especificamente os
fracionários, Grandezas e
Medidas e Tratamento da
Informação com ênfase na
importância de aprofundar os
conhecimentos e intervenções
para proporcionar um ensino
com significado e qualidade.
Brasil (2001); Caraça
(2002); Centurion
(2002);
Lopes (2003); Lopes e
Moura (2003);
Lorenzatto (2006);
Nunes e Bryant (1997);
Santinho (2006-07).
45
horas
Total 180 h.
Figura 7 - Estrutura didático-pedagógica do PALMA.
Como é possível observar no quadro acima, apesar de fazer um chamado a
aperfeiçoar a linguagem matemática, o que o curso parece entender como linguagem
matemática no seu desenvolvimento é o modo de tratar a matemática pedagogicamente. Isso
fica subentendido, visto que, em nenhum momento é dito o que o curso considerava/considera
sobre a linguagem matemática ou sobre uma abordagem das linguagens matemáticas
consideradas tradicionalmente como linguagem aritmética, linguagem algébrica, linguagem
geométrica, entre outras. Abordagens essas que consideram a matemática como linguagem na
qual suas diferentes linguagens expressam níveis de abstração diferenciados, como por
exemplo, a linguagem algébrica exige um grau de abstração maior que a linguagem numérica,
numa perspectiva evolucionista - inspirada na teoria da evolução que explica o
desenvolvimento comportamental e mental humano como parte da adaptação ao meio em que
vive. Mais especificamente no campo da educação matemática, Miguel e Miorim (2011)
realizaram um estudo de seis perspectivas teóricas, dentre elas destaco a denominada
evolucionista linear, que apresenta semelhança de família com a abordada no PALMA, na
qual a matemática constitui-se de um acumulado de conhecimentos sequenciados que
deveriam ser ensinados, ou administrados em etapas sequenciadas e hierarquizadas durante o
processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, o foco desta terapia desconstrucionista passa a ser o modo do
programa de formação PALMA tratar as práticas escolares para o ensino da matemática e não
51
mais a linguagem matemática. Porém, nesse contexto, o que se poderia entender sobre a
expressão linguagem matemática?
3.1 Linguagem matemática
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais67
da disciplina de matemática, esta
se constitui a partir de uma coleção de regras isoladas provenientes das necessidades e
experiências da vida cotidiana. Portanto, não se trata de um sistema logicamente unificado.
Embora as regras da linguagem matemática se situem no campo da chamada matemática pura,
dos conhecimentos matemáticos teóricos, não se pode negar seu valor prático no campo da
matemática aplicada: contar, medir, calcular, organizar68
.
Davis e Hersh (1996, p. 98-99), por sua vez, afirmam que as aplicações
matemáticas ocorrem por decreto:
Criamos uma variedade de configurações ou estruturas matemáticas.
Ficamos, então, tão maravilhados com o que concebemos, que
deliberadamente forçamos vários aspectos físicos e sociais do universo a
adaptar-se a estes modelos, da melhor maneira possível. Caso o sapato se
ajuste, como no caso da Cinderela, temos então uma bela teoria; se não – e o
mundo dos fatos concretos é mais semelhante à irmã feia; o sapato sempre
aperta – estaremos de volta à prancheta da teoria.
Os autores citados acima são da opinião de que teorias de matemática aplicada são
simplesmente “modelos matemáticos”69
. Para Matos e Serrazina (1996) a matemática pura e a
aplicada se influenciam mutuamente, não se contrapõem, mas se desenvolvem; o que tem
consonância com os argumentos do PCN de matemática quando considera “[...] mediante um
processo conflitivo entre muitos elementos contrastantes: o concreto e o abstrato, o particular
e o geral, o formal e o informal, o finito e o infinito, o discreto e o contínuo. [...]”70
. Tal
conflito não acontece apenas no campo da matemática, mas também, no campo da educação
matemática.
Ainda de acordo com Matos e Serrazina (1996, p. 32), a forma como se comunica
e se faz a matemática interfere em seu aprendizado. Do ponto de vista do PALMA, com base,
67
Brasil (2001, p. 27). 68
Davis e Hersh (1996, p. 28). 69
Ibid, grifo dos autores. 70
Brasil (2001, p. 28).
52
ainda em Matos e Serrazina (1996, p. 50), o aperfeiçoamento dos professores na forma de se
comunicar e de se fazer matemática, é fundamental para proporcionar aos alunos meios de
utilização dos termos matemáticos para seus próprios propósitos.
Para Smole e Diniz (2001, p. 12) é responsabilidade do ensino de matemática
ensinar os alunos a se comunicarem usando a linguagem específica da matemática em
conjunto com as demais formas de linguagem.
Já Lopes (2003, p. 43) relaciona a linguagem matemática às regras dos conteúdos
matemáticos escolares quando descreve, por exemplo, o relato de experiência em sala de aula
no qual crianças sabiam decompor os numerais em unidades, dezenas e centenas, porém não
tinham a noção do “todo”, ou seja, de quantas unidades havia nas dezenas ou ao todo em um
numeral, dessa forma então, seria necessário explorar a linguagem matemática no concreto71
,
retomando alguns conceitos e construindo outros.
Os livros didáticos e materiais apostilados utilizados no município no período
desta investigação relacionam linguagem matemática aos símbolos matemáticos, pois trazem
em seus pressupostos teóricos a preocupação em inserir o aluno no universo da linguagem
matemática72
; aos princípios e conceitos, ao tentar garantir que os alunos reconheçam as
aplicações matemáticas no mundo73
, e partem do pressuposto de que se os alunos se
apropriarem dos conceitos e procedimentos matemáticos básicos, contribuirão para a
formação do futuro cidadão, que se engajará no mundo do trabalho, das relações sociais,
culturais e políticas74
.
De acordo com Hogben (1950, p. 23), com a linguagem matemática é possível
exprimir, traduzir problemas. Ao relatar o “paradoxo de Aquiles e da tartaruga” 75
salienta, em
seguida, que naquela época ainda não haviam elaborado uma linguagem matemática em que
71
Concreto no sentido de utilizar materiais manipuláveis, jogos e brincadeiras. 72
Sistema de Ensino Opet - Fundamentação teórica, p. 113. 73
Livro didático Matemática teoria e contexto de Marília Centurión e José Jakubovic, manual do professor,
2012, p. 7. 74
Livro didático Matemática de Luiz Roberto Dante, Coleção Aprendendo sempre, manual do professor, 2012,
p. 12. 75
“O filósofo eleata Zenão intrigou os seus contemporâneos propondo-lhes uma série de quebra-cabeças, dos
quais o mais comumente citado é o “paradoxo de Aquiles e da tartaruga”. Acerca deste problema, os inventores
da geometria didática discutiram a mais não poder. Aquiles aposta uma corrida com a tartaruga. Corre dez vezes
mais depressa que ela. Mas a tartaruga parte com uma vantagem de cem metros. Bom – diz Zenão – Aquiles
percorre cem metros e chega ao ponto donde parte a tartaruga. Enquanto isso a tartaruga percorre um décimo do
que percorreu Aquiles e fica, pois, dez metros a sua frente. Aquiles cobre estes dez metros. Entrementes a
tartaruga percorre um décimo do que percorreu Aquiles, fica, portanto um metro na dianteira. Aquiles corre este
metro. Enquanto isto a tartaruga percorre um décimo deste metro, isto é, um decímetro adiante de Aquiles.
Quando Aquiles cobrir este decímetro a tartaruga estará um centímetro à sua frente. De maneira que – conclui
Zenão – Aquiles está sempre a aproximar-se da tartaruga sem jamais alcançá-la.” Hogben (1950, p. 22-23).
53
pudessem traduzir livremente esse problema, porém seus contemporâneos exprimiram em
números a distância que a tartaruga percorre nos diversos estádios da corrida a partir da saída
de Aquiles. Assim, é possível transformar a questão em linguagem matemática, ou seja, em
linguagem numérica que exprime perfeitamente o problema de Zenão. Segundo o ponto de
vista de Hogben (1950, p. 33-37), as regras da matemática são da natureza das gramaticais76
, é
preciso aprendê-las. À primeira vista podemos achá-las horríveis porque são estranhas e
desconhecidas, assim como são “os gerúndios e os nominativos” da gramática de nossa língua
materna. Só é possível ler e interpretar a linguagem escrita após conhecer e decorar “muitas
regras e palavras”. O mesmo acontece com a linguagem matemática. “Não são verdades
eternas. São conveniências, sem cujo recurso não poderia comunicar a nosso próximo as
verdades77
sobre as espécies de coisas deste mundo”.
O entendimento da expressão linguagem matemática no contexto do PALMA
baseia-se na interpretação dos autores citados acima. Amplio tal entendimento de acordo com
a perspectiva do segundo Wittgenstein.
Para Wittgenstein (1979), a linguagem matemática se constitui de regras
gramaticais, assemelhando-se ao que confirma Hogben (1950), porém a semelhança se
encerra aí, pois numa perspectiva wittgensteiniana, a matemática se constitui em jogos de
linguagem com suas próprias regras.
Ainda segundo Wittgenstein (1979), é possível entender matemática enunciada de
outra forma, não mais centrada em linguagem simbólica de matemática que são declaradas
como objetos matemáticos, essências matemáticas como, por exemplo, uma linguagem
numérica que representa quantidades essencialistas como se existisse o ‘4’, se existisse o ‘5’.
O 4 representa algo 4 que existe, em lugar nenhum. É na contagem, no uso, que a linguagem
numérica existe.
76
Gramaticais no sentido de que assim como na língua materna, na matemática há regras que precisam ser
entendidas para serem aplicadas ou mesmo para entender a sua aplicabilidade. ”A verdadeira inteligência social
está em utilizar a língua, em saber aplicar palavras exatas em contextos exatos.” (HOGBEN, 1950, p. 33). As
regras gramaticais evoluem/modificam-se/simplificam-se com o uso e a necessidade social, como por exemplo, o
percurso gramatical de vossa mercê/vosmecê/você/ocê/cê Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_3/2535-2550.pdf >, acesso em: 11 abr. 2015. Na matemática
encontramos a simplificação das operações aritméticas, por exemplo: a potenciação entendida como
simplificação da multiplicação que é entendida como a simplificação da adição (CARAÇA, 2002). Na gramática
é possível encontrar palavras homônimas, iguais no som/escrita, mas possuem classes gramaticais, ou seja,
significados diferentes, por exemplo, caminho (substantivo, caminho (verbo caminhar); cedo (advérbio), cedo
(verbo ceder). Na matemática, “em análise vetorial, por exemplo, as regras que regulam o uso do “+” já não são
as que aprendemos no colégio.” (HOGBEN, 1950, p. 36), numa adição “2 + 2 = 4”. 77
Verdade no sentido metafísico do termo e não no sentido lógico do termo que se preocupa em dizer se algo é
verdadeiro ou não. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade. Acesso em: 16 set. 2014.
54
Segundo Caraça (2002), “o homem não criou o número pra depois contar, ele
criou o número contando e até hoje, quem aprende número, aprende seu significado na prática
de contar, do contrário, a linguagem numérica se limita a uma palavra, a um símbolo como
qualquer outro”. O significado da palavra “quatro”, por exemplo, é o exercício de contar, o
exercício de operar. Não há um significado puro, essencial para a palavra “quatro”.
Tal abordagem tem semelhança de família com a perspectiva wittgensteiniana no
que se refere a Caraça dizer que o número foi criado pela ação de contar, pela necessidade do
homem de controlar as quantidades. Porém, se diferem no aspecto de que Wittgenstein (1979)
considera a matemática como um jogo de linguagem, ou seja, como uma atividade e não
como linguagem que expressa um nível de abstração, ou seja, como um modo essencialista de
pensar matemática.
Esta análise discursiva sobre linguagem matemática ocorre de modo a suscitar
estranhamento, posterior aos estudos sobre a filosofia wittgensteiniana, diante a expressão no
nome de um curso de formação que não está dando conta do que se propõe a fazer, ou seja,
tratar da linguagem matemática.
Desconstruir no sentido de buscar os rastros, deslocar os significados únicos da
expressão linguagem matemática trouxe duas constatações: primeiro, ficou evidente que o
curso trata de práticas pedagógicas da matemática escolar e segundo que, sendo a linguagem
matemática um conjunto de símbolos, não há como aperfeiçoar, melhorar ou aprimorá-la visto
que são símbolos já postos.
3.2 Metodologia do Programa de Formação
Como enfocar as abordagens pedagógicas pretendidas no programa, foi/tem sido
um desafio. Baseamos o curso nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001) e em
fundamentos e metodologias que vivenciamos em cursos de formação que frequentamos, sem
ter, necessariamente, feito uma pesquisa prévia sobre formação ou desenvolvimento
profissional de professores.
É um curso focado no ensino, mais especificamente, sua proposta consiste em
estudar o ensino de matemática nas séries iniciais, levando-se em conta a existência de ideias
prévias e de toda uma estrutura cognitiva, fruto da atividade anterior do aluno e da interação
55
professor-aluno e aluno-aluno78
. Além disso, entendemos que os professores que procuram o
curso têm interesse em rever suas práticas escolares, seus conhecimentos sobre os conteúdos
conceituais de matemática e suas teorias sobre educação matemática. Levando em conta esses
aspectos, ao longo dos dez meses de duração do programa de formação, priorizamos a
reflexão sobre o ensino da matemática em três aspectos principais: primeiro, as características
da matemática, seus métodos, suas ramificações e aplicações; segundo, a história de vida,
vivências, conhecimentos informais, condições sociológicas, psicológicas e culturais dos
alunos; e terceiro, as próprias concepções dos professores/cursistas sobre a matemática, visto
que a prática, as escolhas pedagógicas, a definição de objetivos e conteúdos de ensino e as
avaliações estão vinculadas a tais concepções79
.
Ao estruturar o curso, decidimos priorizar as estratégias de leituras, atividades
práticas, análises/reflexões, seminários e apresentações. Esta forma de atuar na formação
persiste até hoje e os principais recursos selecionados para permear nossas ações são: a
história da matemática, resolução de problemas, materiais manipuláveis, jogos e tecnologias
da informação80
. Como especificado, anteriormente, na figura 7 – estrutura didático-
pedagógica do curso – esses recursos transitam por todos os blocos de conteúdos81
abordados
no programa: Números e Operações82
, Espaço e Forma83
, Grandezas e Medidas84
; Tratamento
da Informação85
.
As leituras de textos teóricos foram escolhidas para embasar as atividades práticas
em sala de aula. Por exemplo, uma das leituras que embasou algumas das atividades práticas
escolares com materiais manipuláveis, resolução de problemas e jogos para o ensino do
78
Brasil (2001, p. 39-42); Moura (1996). 79
Brasil (2001, p. 37). 80
Ibid. (p. 42-49). 81
Ibid. (p. 51-57; 70-75; 85-91; 97-133). 82
Brasil (2001); Moura (1992;1996); Ifrah (1989); Hogben (1950; 1976); Barbosa (2001; 2004); Byers (1982);
Centurion (2002); Caraça (2002); Boyer (1974); Dantizig (1970); D’Ambrosio (1996; 2001; 2005); Domite
(2005); Eves (2005); Ferreira (2005); Knijnik (2005); Miguel e Miorim (2011); Moreno (2006); Nobre (1996);
Valécio (2005); Lerner e Sadovsky (2001); Polya (1994); Smole e Diniz (2001); Smole, Diniz e Milani (2007);
Nunes e Bryant (1997). 83
Crowley (1994); Matos e Serrazina (1996); Moura (2001); Nacarato e Passos (2003); Nacarato, Gomes e
Grando (2008); Penha (2008); Correa e Spinillo (2004); Cerquetti-Aberkane (1997); Caraça (2002); Queiroz,
Fernandes, Santinho e Fonseca (2006-07) anotações pessoais do curso de Especialização – Modalidade Extensão
Universitária em Matemática para Professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental – Unicamp. 84
Nunes e Bryant (1997); Correa e Spinillo (2004); Lorenzato (2006); Caraça (2002); Centurion (2002);
anotações pessoais do curso de Especialização – Modalidade Extensão Universitária em Matemática para
Professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental - Unicamp; 85
Lopes (2003); Lopes e Moura (2003); anotações pessoais do curso de Especialização – Modalidade Extensão
Universitária em Matemática para Professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental – Unicamp.
56
número e do sistema de numeração decimal, na segunda Etapa do programa, foi O ensino do
número e do sistema de numeração na educação infantil e na 1ª série86
. Com enfoque na
didática da matemática87
, esta leitura, dentre outras, respaldou os procedimentos e recursos
das atividades propostas para ensinar matemática.
Já as apresentações/seminários acontecem no decorrer das aulas, nas socializações
das atividades, além da apresentação de uma aula dada no final da segunda e da quarta etapas.
Essas apresentações têm por objetivo que os professores cursistas apliquem uma atividade em
sala de aula, relacionada com os conteúdos conceituais abordados durante as etapas.
Esses procedimentos vêm ao encontro das expectativas do programa, que visa o
desenvolvimento profissional do professor88
e a reflexão sobre a prática de ensinar a
matemática no âmbito escolar na Rede Municipal de Ensino de uma cidade do interior do
estado de São Paulo.
3.3 Abordagens pedagógicas do Programa de Formação
Ao longo da história, muitas foram as tentativas de compreensão do processo de
ensino e aprendizagem com o objetivo de tornar a Matemática mais significativa. Esse
programa de formação assume o mesmo objetivo. Uma matemática que tenha sentido ao
aluno, que seja próxima da realidade dos alunos. Que seja oposta a uma aprendizagem
mecânica, descartável ou mesmo descontextualizada. Nesse curso de formação de professores,
sempre enfatizamos a ideia de que as atividades devem ser contextualizadas em propostas
possíveis de serem realizadas pelos alunos, como indicado no PCN, para que a matemática
possa desempenhar de forma
equilibrada e indissociavelmente, seu papel na formação de capacidades
intelectuais, na estrutura do pensamento, na agilização do raciocínio
dedutivo do aluno, na aplicação a problemas, situações da vida cotidiana e
86
Moreno (2006). 87
Segundo Moreno (2006, p. 48), o interesse principal da didática é estudar e descrever as condições necessárias
para facilitar e otimizar a aprendizagem, por parte dos alunos, dos conteúdos de ensino da matemática. Ocupa-se,
então, de estudar os sistemas didáticos: aluno, professor, saber e as inter-relações entre esses componentes dentro
de um contexto caracterizado pela intencionalidade de incidir sobre os conhecimentos anteriores dos alunos para
fazê-los progredir nos saberes que a escola tenta transmitir. 88
É possível conhecer mais sobre formação de professores em Fiorentini e Lorenzato (2006); Fiorentini e
Nacarato (2005); Marcelo (2009); Ponte (1999), Brasil (2002).
57
atividades do mundo do trabalho e no apoio à construção de conhecimentos
em outras áreas curriculares. (BRASIL, 2001, p. 29).
Por volta de 2005 e 2006, em reuniões com os professores da rede municipal
de ensino, foram apontadas dificuldades em trabalhar com materiais manipuláveis,
problematizar jogos e atividades, além de intervir nos momentos propícios para que, de fato,
se promova a aprendizagem. Ou seja, o programa é uma tentativa de “auxiliar o professor na
preparação e execução de suas aulas” (MOURA, 1996).
Nessa tentativa de socorrer os professores, um grupo composto por seis
coordenadoras pedagógicas89
, do qual fiz e continuo fazendo parte, com o apoio da supervisão
de ensino e da Secretaria de Educação do município, buscaram cursos de extensão e
especialização para estruturar um curso/programa significativo para a rede de ensino –
professores e alunos.
Sem ter uma pesquisa prévia do que seria um ensino significativo, o grupo
preocupou-se em ampliar o conhecimento dos professores com relação à abordagem didático-
pedagógica da matemática. Para todos nós, envolvidos no processo de ensino, naquele
momento, significativo seria um programa de formação que trouxesse atividades com
materiais manipuláveis e jogos; que abordasse na sala de aula a resolução de problemas,
principalmente para o ensino das operações aritméticas; que resgatasse, no âmbito escolar, a
função social da matemática; que enfatizasse o uso da calculadora; que resgatasse os
conteúdos conceituais no sentido de ampliar o conhecimento dos professores/cursistas sobre
os mesmos. Ou seja, ações que resultassem no bom desempenho dos alunos nas avaliações
institucionais internas e externas.
Duas preocupações principais estavam presentes na estruturação do curso. A
primeira, em não fixar uma única abordagem pedagógica para ensinar matemática, pois a
intenção sempre foi a de ampliar os conhecimentos didático-pedagógicos do professor. A
segunda, enfatizar como a criança aprende a matemática.
Essas preocupações surgiram porque de modo geral, em nosso município, os
educadores foram levados, a partir do que aprenderam na graduação e de como aprenderam a
matemática em sua vida escolar, a crer que esta é uma disciplina exata, uma ciência complexa
e abstrata e que se ensina de acordo com os livros didáticos e suas respostas. A essa visão
89
As seis coordenadoras pedagógicas – Marta, Irene, Tereza, Helena, Sara e Paula, a pesquisadora – que aqui
apresento com nomes fictícios a fim de preservar suas identidades, foram escolhidas pela afinidade que tinham
com a disciplina e pelo trabalho já desempenhado no município com relação ao ensino de matemática.
58
única tentamos contrapor uma outra visão, também citada por Caraça (2002, p. xiii), que
convida-nos a refletir que há duas maneiras de encarar a ciência:
Em um primeiro aspecto a ciência pode bastar-se a si própria, a formação
dos conceitos e das teorias parece obedecer só a necessidades interiores; no
segundo, pelo contrário, vê-se toda a influência que o ambiente da vida
social exerce sobre a criação da ciência.
Em geral, na rede de Ensino Fundamental I do município em investigação, a
matemática era/é transmitida mediante regras e fórmulas memorizadas sem permitir que os
alunos mobilizassem/mobilizem significados práticos no uso de tais regras. Nesse sentido, os
educadores pareciam/parecem entender que a ciência é autossuficiente, que conceitos e teorias
devem ser aprendidos pelos alunos por necessidades internas. Uma cultura escolar que é
transmitida de geração em geração com o objetivo de passar em exames, concursos,
vestibulares e afins.
Diante dessa realidade, buscamos suporte nos Parâmetros Curriculares Nacionais
de Matemática, primeiro e segundo ciclos (BRASIL, 2001), para organizar o programa, uma
vez que é o documento curricular atual à Educação Nacional. Este documento oficial ressalta,
entre outras colocações, que a Matemática formou-se, ao longo da história da humanidade,
pela necessidade do homem no seu contexto social. O que moveu-nos a organizar ações,
através da formação contínua de professores, que levassem a uma matemática mais
relacionada à vida cotidiana (BRASIL, 2001, p. 27).
Além de uma matemática recheada de regras isoladas, observamos, mediante
análise das avaliações institucionais90
realizadas na rede de ensino do município, pela
Secretaria de Educação, que a aprendizagem estava aquém das expectativas anunciadas no
plano de ensino de cada série91
. Tal situação preocupava a equipe pedagógica da Secretaria de
Educação e algo precisava ser feito.
A princípio, a Secretaria investiu em formação voltada à alfabetização, uma
iniciativa do Ministério da Educação, em 2001, para socializar o conhecimento didático
90
No período de 2003-2006 foram realizadas avaliações diagnósticas nas disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática bimestralmente para a análise do rendimento dos alunos. A avaliação era feita pelo professor, de
acordo com o seu planejamento anual, que preenchia uma ficha com os dados e as conquistas de seus alunos.
Nesta ficha eram contemplados todos os blocos de conteúdos previstos no PCN Matemática: Números e
Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação. No anexo B é possível
visualizar o modelo da ficha diagnóstica utilizada atualmente pela rede de ensino que tem semelhanças com a
utilizada no período citado acima. 91
Na ocasião em que o programa de formação foi organizado as escolas no município eram seriadas, portanto o
Ensino Fundamental I era da 1ª a 4ª série.
59
disponível sobre a alfabetização e para implementar políticas públicas que se orientassem pelo
objetivo de desenvolver competências profissionais, conhecimentos teóricos e metodológicos
aos professores alfabetizadores92
. Tal formação ocorreu no município no período de 2003-
2008.
A partir do modelo e da estrutura desse programa de formação em alfabetização, a
Secretaria de Educação, em 2004, convidou um grupo de seis coordenadoras pedagógicas
municipais, o qual citei anteriormente, para iniciar um estudo mais aprofundado sobre a
educação matemática. Compartilhávamos a ideia de que, para melhorar o ensino da educação
matemática no município, era necessário investir no aperfeiçoamento dos professores com
relação aos conteúdos específicos da disciplina e aos processos didático-pedagógicos.
O material didático até então utilizado em sala de aula pelos alunos do Ensino
Fundamental I da rede municipal guaçuana, Atividades Matemáticas93
, trazia orientações
básicas aos professores no que se refere aos objetivos e desenvolvimentos das suas atividades.
Porém, segundo os professores, estas orientações eram insuficientes para sanar suas dúvidas
com relação aos procedimentos e aos conceitos envolvidos nas atividades. Sendo assim, as
atividades eram aplicadas para cumprir um currículo que, apesar de ser elaborado em
conjunto com o corpo docente, nem sempre era realizado de acordo com as orientações da
coordenação. Devido a essas dificuldades, muitos professores aplicavam apenas as atividades
que dominavam, causando a ausência de conteúdo aos alunos.
Diante de todo esse quadro, sem a intenção de racionalizar a prática do professor,
mas com o objetivo de ampliar seus conhecimentos, a equipe pedagógica da Secretaria de
Educação chegou à conclusão de que era mesmo necessário um programa que abordasse os
conteúdos curriculares, segundo a classificação de Coll94
: conceituais, procedimentais e
atitudinais da matemática, como estão definidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Matemática95
. Essa classificação responde aos pilares da educação divulgados no documento
92
Objetivo destacado do documento de apresentação do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
publicado pelo Ministério de Educação em janeiro de 2001, p. 5. 93
Atividades Matemáticas - AM, material elaborado por um grupo de professores e técnicos da instituição estatal
paulista denominada CENP – Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas que “alterou de forma expressiva
conteúdos disciplinares, procedimentos e práticas sociais relativas à Educação Matemática escolar no Estado de
São Paulo e no Brasil.” Souza (2005, p. 01). Destaca ainda que no período entre 1976 e 1983, este grupo foi
responsável por uma vasta produção cultural relacionada à Educação Matemática. Trouxe uma nova dimensão
quanto a conteúdos disciplinares, condutas profissionais e práticas sociais. Souza (2005, p. 11). 94
Coll (1986) apud Brasil (2001). 95
Brasil (2001).
60
conhecido como Relatório Jacques Delors96
, de 1996: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver junto e aprender a ser.
Reunimo-nos então, as seis coordenadoras pedagógicas e uma supervisora de
ensino, para a estruturação de um curso que atendesse a tais propósitos. Equipe essa que,
neste texto, denominarei como equipe elaboradora do Programa. A equipe, em seus estudos
para a definição do Programa, buscou referências também em Zabala (1998)97
, em específico,
para o conceito de microssistema definido por determinados espaços, organização social e
relações interativas integrados por processos educativos. Esses processos educativos, segundo
o mesmo autor, constituem-se de sequências de atividades que determinam as diferentes
características da prática educativa, que vão desde os modelos tradicionais: aulas expositivas,
estudos dos manuais, provas e qualificação, até o trabalho com projetos que envolvem:
escolha do tema, planejamento, pesquisa, processamento das informações, produto final.
Porém, ganham sentido, personalidade e diferencial de acordo com sua organização e
articulação (ZABALA, 1998).
Além de estudos referenciados nos autores destacados acima, a equipe
elaboradora do Programa participou de palestras específicas sobre Educação Matemática na
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas98
e de cursos de extensão no
Laboratório de Ensino de Matemática/Instituto de Matemática Estatística e Computação
Científica – Unicamp LEM/IMECC/Unicamp99
. Ambos abordaram conteúdos específicos,
96
“A UNESCO – United Nation Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização para a
Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas) – instaurou em 1993, a Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI para identificar as tendências de educação nas próximas décadas e, em 1996,
divulgou seu relatório conclusivo. O documento – conhecido como “Relatório Jacques Delors” – foi elaborado
por especialistas de vários países e indica, entre outras questões, as aprendizagens que serão pilares da educação
nas próximas décadas, por serem vias de acesso ao conhecimento e ao convívio social democrático: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser.” Brasil (2002, p. 25), grifo do autor. 97
Zabala (1998, p. 14-16), em seu livro A Prática Educativa: como ensinar, destaca que “a melhora de qualquer
das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas, o fato de que os
processos de ensino/aprendizagem sejam extremamente complexos [...] não impede, mas sim torna mais
necessário, que nós, professores, disponhamos e utilizemos referenciais que nos ajudem interpretar o que
acontece em aula.” 98
II Seminário de Educação Matemática do 15º COLE (Congresso de Leitura no Brasil), realizado entre 05 a 08
de julho de 2005, na UNICAMP / PUCCampinas. 99
LEM/IMECC – Laboratório de Ensino de Matemática/Instituto de Matemática Estatística e Computação
Científica - Unicamp. A Secretaria de Educação de Mogi Guaçu realizou uma parceria com este Instituto (2005-
2006) no qual tivemos assessoria e cursos especificamente voltados aos professores de EJA (Educação para
Jovens e Adultos), às coordenadoras pedagógicas do município e a nós, equipe elaboradora do Programa. Ao
longo de aproximadamente dez meses de parceria, vários conteúdos foram abordados: Geometria e Medidas de
3ª e 4ª séries para coordenadoras das escolas municipais; Geometria – Conteúdos e Recursos Didáticos, com
aplicações I; Aprendizagem da Geometria nas séries Iniciais do Ensino Fundamental; Nossa Realidade –
Matemática e Cidadania; Grandezas e Medidas; Números e Operações.
61
práticas diferenciadas, estudos e pesquisas que auxiliaram na estruturação didática do
programa de formação.
Foram doze meses para estruturar o Programa que, a partir das referências nas
quais se fundamentou, dos cursos realizados e das assessorias obtidas, seguiu a tendência de
incluir e enfatizar recursos didáticos variados para ensinar matemática. O curso, atualmente,
segue abordando atividades didático-pedagógicas específicas nas perspectivas lógico-
histórica, construtivista e sociointeracionista; enfatizando recursos didáticos como: história da
matemática, resolução de problemas, jogos e tecnologia. Essa diversidade do Programa
teve/tem como objetivo elucidar os professores sobre vários modos de se ensinar matemática
no âmbito escolar. Segundo documentos elaborados ao estruturar o curso PALMA, a ideia
foi/é ampliar os conhecimentos metodológicos e conceituais dos professores, no sentido de
diversificar seus recursos de trabalho na prática escolar. Assim, na medida do possível,
deveria gerar mudanças nas práticas pedagógicas dos professores e, consequentemente,
melhorar o desempenho das crianças na disciplina, de acordo com os critérios avaliativos do
município, expressos no modelo100
da avaliação diagnóstica.
Desde a estruturação do programa de formação, já se formaram doze turmas de
professores com duração de dez meses cada curso. Tempo suficiente para muitos
questionamentos, dúvidas, inquietações de minha parte. Atualmente, a equipe de formadoras
do Programa se reduz a duas integrantes, Marta e eu.
100
Anexo B.
62
4. DIÁLOGO FICCIONAL/JOGOS DE CENAS SOBRE PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS DA MATEMÁTICA ESCOLAR
Para falar sobre as práticas pedagógicas da matemática escolar na concepção do
curso, assumo uma atitude de pesquisa inspirada na terapia filosófica wittgensteiniana101
a
partir do diálogo ficcional/jogo de cena ficcional.
Nesse diálogo as duas formadoras do Programa, Marta102
e Paula, atuam de modo
a desconstruir, problematizar, causar estranhamento a respeito das práticas escolares
utilizadas pelo programa de formação para o ensino de matemática e das práticas pedagógicas
dos professores envolvidos nesta investigação.
O jogo de cena se constitui nos rastros das falas de outros espectros, ou seja, nos
rastros das falas de todos que orientaram esta pesquisa. Tecem uma discussão sobre s usos
pedagógicos essencialistas no ensino de matemática – a ideia de evolução do conceito que
concebe a passagem de uma linguagem natural para uma linguagem lógica – como, por
exemplo, a ideia de número, que pode ter várias abordagens: as que entendem número como
objeto em si mesmo, de natureza essencialista, e outras que entendem o número como um
jogo de linguagem.
Inspirada na estrutura textual de Miguel (2011), com o propósito de não interferir
na fluência da encenação ficcional/diálogo ficcional/jogo de cena, as citações, ou seja, as falas
literais ou apenas sugeridas, dos personagens que tiverem uma autoria da qual tenha
conhecimento, apresentam-se em letras tipo Constantia – referenciadas em nota de rodapé.
As duas formadoras trabalham juntas num sistema de revezamento do
desenvolvimento das aulas do curso de formação. A personagem Marta assume e defende a
linha pedagógico-metodológica do curso de formação do Programa: perspectivas lógico-
histórica, construtivista e sociointeracionista. A personagem Paula assume o papel
terapêutico da proposta do curso.
101
Após passar por todo um processo de terapia desconstrutiva conceitual de minha parte e, tendo a certeza de
que isso não seria possível sem a contribuição das reuniões de grupos de estudo com os professores Antonio
Miguel e Anna Regina Lanner de Moura, as referências literárias sugeridas por eles, as disciplinas cursadas na
Pós-Graduação e o corpus da pesquisa, ouso concluir que não sou mais “eu” quem fala neste texto, mas “nós”.
Como pesquisadora e produtora deste texto carrego, neste jogo de linguagem/encenação, os espectros de todos
que de alguma forma intervieram na constituição desta pesquisa. 102
Marta é o nome fictício da formadora do programa de formação no sentido de preservar sua identidade e
Paula refere-se à pesquisadora. Este diálogo é ficcional, não aconteceu como discorre aqui, mas faz remissões
aos usos didático-metodológicos da matemática feitos no planejamento e no andamento do curso de formação.
63
Imagine a cena na qual eu, formadora Paula, encontro-me na sala de trabalho,
envolvida por todos os materiais manipuláveis e livros que servem de apoio para a elaboração
de atividades desenvolvidas no programa PALMA. Estou sentada numa cadeira giratória
junto à mesa central, enquanto aguardo minha companheira de trabalho, Marta, para
prepararmos as atividades da próxima turma de curso. Observo todos os objetos que
compõem a sala e relembro minha trajetória até este momento. Ocupamos uma sala de aula
adaptada para estudarmos e prepararmos os encontros do curso: no centro, há uma grande
mesa de reuniões com seis cadeiras; ao lado esquerdo, há uma mesa própria para computador
com um computador, uma impressora e um telefone; à direita estão dois arquivos, dois
armários e três estantes de aço. A sala está inserida numa escola municipal do centro da
cidade; durante o dia a escola atende alunos do ensino fundamental e no período da noite,
atende aos alunos da EJA – Educação para Jovens e Adultos e aos do PALMA.
Nos arquivos encontra-se toda a documentação dos alunos e do curso: pautas103
,
desenvolvimentos, materiais impressos. Nos armários ficam livros, DVDs, revistas, além de
cadernos, tintas, tesouras, lápis, entre outros materiais necessários às aulas. Nas estantes estão
os materiais manipuláveis104
, que são utilizados no decorrer do curso: sólidos geométricos,
material dourado105
, geoplano106
, ábaco107
, blocos lógicos108
, dados, baralhos, jogos diversos.
103
Modelo de pauta no anexo C. 104
A denominação de material, para Cerquetti-Aberkane (1997, p. 53, grifo das autoras), “designa qualquer
objeto ou conjunto de objetos estruturado(s) capaz(es) de permitir a uma criança (ou mais raramente a um grupo
de crianças) experimentar um (ou diversos) conceito(s) – matemáticos – por meio de manipulações”. Passos,
citada por Lorenzato (2010), argumenta que materiais manipuláveis, também denominados materiais concretos,
têm forte influência do movimento Escola Nova, que “defendia os chamados ‘métodos ativos’ para o ensino e
que, na maioria das vezes, envolvia o uso de materiais concretos para que os alunos pudessem aprender fazendo
(itálico da autora). Para Reys (1971) apud Matos e Serrazina (1996, p. 193) materiais manipuláveis são “objetos
ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar. Podem ser objetos reais que têm
aplicação no dia-a-dia ou podem ser objetos que são usados para representar uma ideia”. Matos e Serrazina
(1996) consideram que a característica do material manipulável é justamente o envolvimento físico dos alunos
diante de uma situação de aprendizagem ativa. Ao nos referirmos a materiais manipuláveis no PALMA, estamos
considerando os diversos objetos que são manipulados pelos cursistas em situações de aprendizagem. 105
O Material Dourado Montessori destina-se a atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema de
numeração decimal – agrupamentos – e dos métodos para efetuar as operações fundamentais. Disponível em: <
http://educar.sc.usp.br/matematica/m2l2.htm>. Acesso em: 22 mar. 2014. 106
O geoplano é um material criado pelo matemático inglês Calleb Gattegno. Constitui-se de uma placa de
madeira, marcada com uma malha quadriculada ou pontilhada. Em cada vértice dos quadrados formados fixa-se
um prego, onde se prenderão os elásticos, usados para "desenhar" formas geométricas sobre o geoplano.
Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/~labmat/edm321/1999/material/_private/geoplano.htm>. Acesso em: 22
mar. 2014. 107
O ábaco é um instrumento bem sucedido para facilitar os cálculos, pois com o passar do tempo foi surgindo a
necessidade de fazer “contas” cada vez mais complexas, assim inventaram o ábaco. Disponível em <
http://www.brasilescola.com/matematica/o-abaco.htm>. Acesso em: 22 mar. 2014. 108
Os Blocos Lógicos são compostos de 48 peças com quatro formas geométricas (quadrado, retângulo, círculo e
triângulo) em três cores (amarelo, azul e vermelho), duas espessuras e dois tamanhos. Este material foi criado na
64
A sala acomoda os equipamentos necessários para o desenvolvimento do curso.
As aulas acontecem uma vez por semana numa sala de aula ao lado desta na qual encontro-me
à espera de Marta.
É início de tarde e Marta chega para começarmos a programação do último curso
do Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática109
. Encontrou-me, num
momento de reflexão, pensando em todas as inquietações que esses anos como formadora
acumularam em minha prática profissional.
Paula – Oi, Marta! Como está?
Marta – Tudo bem e você? Como foi de férias?
Paula – Tudo bem. Consegui fazer algumas transcrições das entrevistas e das
videogravações das aulas que assisti das professoras e das coordenadoras. E você, o que fez?
Marta – Passeei um pouco, mas também pensei bastante no PALMA.
Paula – Em que sentido?
Marta – No sentido de mudarmos algumas atividades que fazemos com os
cursistas para abordarmos os blocos de conteúdos conceituais110
: Números e Operações,
Espaço e Forma, Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação.
Paula – Bem, sou obrigada a concordar com você. Trabalhamos com a mesma
estrutura de planejamento desde 2006. São as mesmas concepções teórico-metodológicas, os
mesmos recursos didático-pedagógicos. Será que não é o momento de, além de pensarmos em
novas atividades, problematizarmos os usos pedagógicos que estabelecemos nas práticas de
formação do Programa?
Veja nossa sala, as estantes com os materiais manipuláveis: materiais dourados,
geoplanos, sólidos geométricos, pranchas fracionadas111
, jogos, calculadoras, balança,
planetário, linha do tempo, dados, ábacos, barras cuisinaire112
, blocos lógicos, e outros que
estão naquelas caixas lá em cima do armário; o armário repleto de livros paradidáticos, livros
didáticos, DVDs e CDs; no arquivo temos uma pasta suspensa para cada encontro, de cada
década de 50 pelo matemático húngaro Zoltan Paul Dienes. Sua função está relacionada à correspondência e
classificação das peças de acordo com seus atributos. Disponível em:
<http://www.cp.utfpr.edu.br/armando/adm/arquivos/pos/material_dourado.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014. 109
Encenação ficcional montada para dar início a mais uma turma do PALMA - Programa de Aperfeiçoamento
na Linguagem Matemática, que aconteceu imediatamente ao período que antecipa a pesquisa. 110
Brasil (2001). 111
Consiste numa tabela na qual cada linha é subdividida em partes iguais – começam com uma parte na
primeira linha, duas partes na segunda linha e assim sucessivamente. É um material destinado ao ensino de
fração. 112
O Material Cuisenaire foi idealizado pelo professor belga Georges Cuisenaire. Ele é formado por peças de
madeira (barras) em 10 cores e em comprimentos que variam de 1 a 10 centímetros.
65
uma das quatro etapas do curso já com todas as pautas, desenvolvimentos e materiais que
utilizamos nas aulas, todos prontos.
Marta – Demoramos bastante para chegar a essa organização. Quantas vezes não
espalhamos vários destes materiais sobre esta mesa para organizarmos cada um dos encontros.
Analisamos, discutimos, jogamos, calculamos... Problematizar não coloca em risco tudo que
construímos até agora?
Paula – Problematizar como usamos a matemática no curso é um desafio, mas um
caminho para desconstruirmos usos privilegiados, essencialistas e metafísicos que fazemos
dela no curso.
Quando você chegou, eu estava imersa numa retrospectiva desses anos de
formação. Relembrei todo o percurso de quarenta encontros em dez meses de formação com
uma mesma turma. Percebi que é um pot-pourri113
de atividades e textos que seguem
diferentes concepções de ensino-aprendizagem, nos quais não há espaço para qualquer tipo de
problematização.
Marta – Mas o nosso objetivo ao planejar o curso é o de não nos prendermos a
uma única teoria ou metodologia, por isso a diversidade de concepções. Não acho que
fazemos usos privilegiados, essencialistas ou mesmo metafísicos da matemática. Mas, talvez,
seja isso mesmo, um pot-pourri.
Paula – Tanto é que nós mesmas percebemos que ao elaborar o desenvolvimento
das aulas foi preciso controlar o tempo para dar conta de todos os procedimentos planejados.
Notamos também que dez meses é um período curto para trabalharmos todos os conteúdos
dos blocos indicados nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para o Ensino
Fundamental, o que levou-nos a condensar o tempo de desenvolvimento de cada conteúdo.
Mas, em meio a este frenesi de conteúdo a ser dado, pergunto-me: como vemos “a
matemática”? Estaríamos pensando e agindo como se houvesse uma forma única e universal
de abordá-la?
Marta – A nós, no PALMA, a matemática é uma disciplina que precisa ser
ensinada pelos professores e aprendida pelos alunos para que possam agir com mais
segurança e conhecimento na sociedade, além de obter notas boas e aumentar o índice das
avaliações institucionais no município. Diante disso, se não apresentarmos o que chama de
113
Palavra francesa que vem do latim pot pottus. Esta palavra é usada geralmente para descrever qualquer
mistura confusa de coisas diferentes. Disponível em: < http://etimologias.dechile.net/?popurri.->. Acesso em 30
abr. 2014.
66
pot-pourri, certamente faltarão conteúdos a serem abordados. Por outro lado, é fundamental
apresentar outras maneiras de trabalhar os blocos de conteúdos. Temos que garantir a
ampliação dos conhecimentos didáticos e metodológicos dos professores para que possam
diversificar as suas aulas com o objetivo de tornar o ensino mais significativo.
Paula - O que você quer dizer com “garantir a ampliação dos conhecimentos” e
por “tornar o ensino mais significativo”?
Marta – Garantir no sentido de assegurar, certificar.
Paula – Acha mesmo que somos capazes disso? O máximo que talvez seja
possível assegurar é o nosso próprio estudo para preparar as aulas. No PALMA temos
operado na lógica “causa-efeito”, ou seja: “faça assim que acontece isso”, aos moldes de uma
única razão, a de que uma prática está sempre associada a uma teoria; uma característica
positivista de abordar a formação dos professores. Na pós-modernidade114
o processo de
formação leva o professor a compreender que num determinado tempo histórico, num fazer
histórico, há a construção de uma possibilidade em detrimento de outras. Essa ideia de que a
matemática precisa ser ensinada por nós no curso, para ser aprendida no sentido de que
possam agir com mais segurança e conhecimento na sociedade, é um ideal de progresso da
modernidade, no qual se justifica o ideal de universalização – dos saberes e dos sujeitos –
como garantia de avanço no conhecimento, mas também no desenvolvimento, tanto
material como espiritual, da humanidade115. A garantia é uma ideia falida na atualidade
pós-moderna.
O conhecimento não é cumulativo e não se adquire linearmente, conforme
recebem-se as informações do curso. Não há causalidade, não há essa regularidade que
pretendemos colocar no curso, no sentido de que os professores assistem às aulas, sentem-se
fortalecidos, aplicam em suas salas, os alunos aprendem e os índices avaliativos sobem.
Marta – É provável que esteja certa, pois nesse sentido, não há como garantir o
conhecimento, mas a escola é um meio de se adquirir o conhecimento matemático e podemos
oferecer atividades que tornem o ensino mais significativo.
Paula – A escola é um meio dentre muitos outros. Mas, volto à questão que ficou:
o que quer dizer por “ensino significativo”?
114
Filosofia Moderna (século XVII aos meados do século XVIII0); Filosofia Iluminista (século XVIII ao século
XIX); Filosofia Contemporânea ou Pós-Moderna (a partir do século XIX). Dados cedidos pela Profª. Drª. Denise
Vilela. 115
Bittencout ( 2004, p. 77).
67
4.1 Ensino significativo no PALMA
Marta – Um ensino que faça sentido ao aluno, oposto a um ensino mecânico e
descontextualizado do universo da criança e que, por isso, possa favorecer uma aprendizagem
significativa.
Paula – Você quer dizer, então, que o ensino de matemática que parte da realidade
do aluno torna-se significativo para ele?
Marta – É isso mesmo.
Paula – E você acha que o ensino no PALMA é significativo?
Marta – Estive lendo sobre o assunto e, sem uma compreensão única do que seja
um ensino significativo, Villela e Archangelo (2013) discutem três abordagens clássicas sobre
o ensino significativo: uma voltada às necessidades cognitivas e afetivas do aluno e que, para
tanto, o ensino deve partir da realidade do aluno. A abordagem piagetiana indica que o ensino
significativo é aquele que possibilita uma compatibilidade com o desenvolvimento das
estruturas de pensamento do aluno, ou seja, a realidade do aluno é entendida em termos
cognitivos e o ensino deve ser progressivo; a segunda, apoiada em Ausubel116
, considera que
o ensino significativo depende de um vínculo entre o conteúdo escolar e o conjunto de
referências conceituais que a criança já possui, ou seja, o ensino deve partir do que a criança
já sabe. Uma terceira vertente baseia-se na perspectiva de que a escola e o ensino devem
respeitar as experiências sociais e culturais da criança, portanto os conteúdos devem estar
embasados nelas.
Paula – É uma abordagem denominada de socialista ou populista, não é?
Marta – Isso mesmo, sem feições teóricas muito definidas117
, é uma perspectiva
também considerada ingênua, mas com a qual muitos professores se identificam.
Paula – E com relação à abordagem que fazemos no PALMA, você pensa o quê?
Marta – Penso que não há uma definição fechada do que seja um ensino
significativo. A segunda abordagem defendida por Ausubel118
, considera que a aprendizagem
significativa depende de um vínculo entre o conteúdo que a escola apresenta ou ensina
à criança e o conjunto de referências conceituais que a criança já possui. Talvez se
116
Ausubel (1978) apud Villela e Archangelo (2013, p. 67). 117
Villela e Archangelo (2013, p. 66). 118
Ausubel (1978) apud Villela e Archangelo (2013, p. 67).
68
inspire nesta abordagem a proposta do curso de se levar sempre em consideração o que os
professores/cursistas já sabem sobre os conteúdos conceituais e didáticos.
Sob meu ponto de vista, quando abordamos a história da matemática no sentido de
mostrar aos cursistas que a linguagem matemática surgiu com a necessidade do homem de
contar, calcular e medir, que os conceitos matemáticos se desenvolveram ao longo da
vivência, da ação humana, estamos tornando-a significativa. O que se opõe ao ensino
mecânico que tive na minha época de estudante, no qual era obrigada a memorizar regras.
Paula – Uma abordagem com rastros na filosofia Iluminista que crê nos poderes
da razão, na ideia de evolução. A estruturação do programa com suas etapas e conteúdos
organizados a partir de sequências didáticas que se baseiam na fragmentação, não só de
conteúdos, como da forma de aprender isoladamente, com a qual temos a intenção de
promover um aperfeiçoamento em educação matemática, também pode ser alvo de revisão.
Será que não há outra maneira de se ensinar/aprender matemática em programas
de formação na área de educação matemática além dessa visão privilegiada, na qual a
realidade é um sistema de causalidade em que é possível manter o controle?
Marta – Não havia pensado no curso por esse ponto de vista. Talvez tenhamos nos
acomodado nessa forma de organização.
Paula – Por exemplo, a disciplina119
de Estágio da Faculdade de Educação da
Unicamp, ministrada para os cursos de Licenciatura da Unicamp que acompanhei enquanto
mestranda, pautou-se no desenvolvimento de um Projeto de Estágio denominado
“Desconstruindo a educação escolar disciplinar”, que teve como propósito produzir
conhecimentos que pudessem sustentar e viabilizar novas formas de educação escolar
não mais centrada no princípio de organização disciplinar da cultura escolar120.
Orientou-se, como expresso na ementa, pela problematização (in)disciplinar121
de práticas
culturais122
e não mais por dicotomias tais como teoria/prática, ensino/aprendizagem,
forma/conteúdo, etc.
119
Departamento de Ensino e Práticas Culturais (DEPRAC/HIFEM/PHALA); Curso: Licenciaturas; Sigla das
Disciplinas: EL 774 ‐ Turma C e EL774 – Turma E; Nome da disciplina: Projeto de Estágio Supervisionado I:
“Desconstruindo a educação escolar disciplinar”; Período: 2º Semestre de 2012 ‐ Período Diurno – 5ª Feira das
14h às 18h.; Locais: FE/Bloco A ‐ térreo/Sala LL02; Professores Responsáveis: Antonio Miguel
(FE‐DEPRAC/PHALA/HIFEM); Anna Regina Lanner de Moura (FE--‐DEPRAC/PHALA). 120
Objetivo Geral da disciplina EL 774: Projeto de Estágio Supervisionado I. 121
(In)disciplinar no sentido do não envolvimento de disciplinas como são organizadas no contexto escolar. 122
Práticas culturais no sentido de atividades humanas realizadas em diferentes campos sociais/culturais.
69
Marta – Essa disciplina de formação de professores não prevê a utilização no
estágio dos conteúdos curriculares escolares?
Paula – Isso mesmo. Mas isso não quer dizer que os nega. O Projeto pressupõe
que os conhecimentos ditos disciplinares estão presentes nas práticas culturais humanas. Por
exemplo, ao se problematizar a prática de locomoção, espera-se o deslocamento analítico
dessas práticas por diferentes contextos de atividade humana nos quais elas são
efetivamente realizadas123. Esse deslocamento leva a conhecimentos que extrapolam a
organização disciplinar. A problematização das práticas culturais não tem a preocupação de
correlacionar os saberes nelas mobilizados aos conteúdos curriculares.
Marta – Não consigo imaginar a escola sem a organização disciplinar e o PALMA
sem a organização em etapas.
Paula – Esta é uma abordagem contemporânea na qual a hierarquia de temas,
conteúdos, objetos, é inexistente. Então, quando você fala em mudanças, o que quer dizer com
isso?
Marta – Não sei. Talvez mudanças no sentido de alterar alguns textos e algumas
atividades práticas.
Paula – De qualquer forma continuaremos privilegiando um tipo de conhecimento
matemático, do qual ainda determinamos os conteúdos a serem ensinados e os objetivos a
serem atingidos. Como ressalta Oliveira124
, é como se a ciência tivesse tido em toda a sua
história sempre um único objetivo, o objetivo inteiramente explícito de descobrir a
verdade, de conhecer e explicar o mundo.
Marta – Mas com outros textos, outras atividades práticas. Lembra-se quando
lhe perguntei se havia visto alguma das atividades vivenciadas no PALMA em suas
observações em sala de aula, enquanto coletava dados para sua pesquisa?
Paula – Lembro-me.
Marta – Você disse-me que não. Praticamos tantas atividades no curso e você
afirma que nada acontece! Isso me preocupa. O que me leva a pensar que o curso não foi
significativo a ponto de os professores/cursistas utilizarem em suas práticas escolares o que
aprenderam. Se elaborarmos o curso de outros modos, talvez apliquem o que aprenderam em
sala de aula.
123
Eleição das práticas a serem problematizadas nos campos de estágios da disciplina EL 774: Projeto de Estágio
Supervisionado I. 124
Oliveira (2005, p. 17).
70
Paula – Será que o fato de não ter reconhecido nenhuma atividade do PALMA nas
salas de aula observadas por mim significa necessariamente que nada aconteceu, isto é, que o
curso não teve nenhuma repercussão na formação dos professores/cursistas?
Marta – Penso que sim. Aí me pergunto: o programa de formação que ajudamos a
elaborar, que todos os professores gostam tanto, que temos lista de espera para formar turmas,
cumpre o seu objetivo que visa o desenvolvimento profissional docente?
Paula – Você quer dizer que o fato dos cursistas não repetirem as atividades do
curso na sala de aula é por que não houve uma aprendizagem significativa? Ou, ainda, que o
curso não atingiu seus objetivos de ampliação do conhecimento desses professores?
Marta – Claro! Recuperamos no curso diferentes práticas do ensino de conceitos
matemáticos e temos a expectativa de que estes sejam levados para a sala de aula no intuito de
ampliar o conhecimento dos alunos. Se isso não ocorre, tudo continua como está!
Paula – Já pensou que talvez a razão dos professores/cursistas não repetirem as
atividades esteja no fato de experimentarem, em suas práticas, métodos diferentes de ensino
dos conceitos matemáticos e não obterem sucesso no aprendizado das crianças? E chegarem,
de modo empírico, à conclusão de que, tanto faz o método, pois o resultado é o mesmo? E é
por isso que, mesmo após o curso, eles recorrem ao modo/método que lhes é mais familiar? E,
ainda, pode acontecer que os professores tenham utilizado atividades que desenvolvemos no
curso e, uma vez feito isto, as abandonaram por deixarem de ser novidade. Talvez, o fato do
curso ser tão procurado pode residir no desejo dos professores por atividades diferentes das
que eles já têm em seu repertório e/ou das que encontram nos livros didáticos. Essas
suposições podem nos levar a entender que não seriam nem métodos diferentes e nem
abordagens psicológicas da aprendizagem que estariam sustentando o sucesso ou o fracasso
do ensino de matemática, mas talvez modos de problematizar diferentes usos das matemáticas
nas diferentes práticas culturais, ou seja, deslocar as abordagens de ensino centradas na
psicologia da aprendizagem para perspectivas socioculturais inspiradas em Vygotsky125
, pois,
como discutem Miguel e Vilela126
, as perspectivas psicológicas, mesmo as atuais, não
permitem compreender por que uma pessoa bem sucedida em lidar com certo tipo de
conhecimento em uma prática social teria dificuldades em lidar com esse mesmo
conhecimento em outras práticas127. Como, por exemplo, crianças que conseguem fazer
125
Vygotsky (1991). 126
Miguel e Vilela (2008), 127
Ibid (2008, p. 108).
71
cálculos na feira ou em outras situações de comércio e não conseguem realizar as operações
fundamentais da aritmética usando os algoritmos de cálculo. Dizem ainda Miguel e Vilela128
que essas abordagens também não explicariam a dificuldade que encontramos em estabelecer
“pontes” entre a matemática escolar e outras matemáticas usadas nas muitas e diferentes
práticas não-escolares.
4.2 Abordagens pedagógicas em questão
Marta – O que diz é interessante, mas não sei se os professores mudariam sua
postura diante do ensino a partir da perspectiva sociocultural como, por exemplo, a
etnomatemática. Entendo que trabalhamos quase que exclusivamente abordagens
psicológicas, mas é a linha que a rede de municipal de educação de nosso município segue. Se
nosso propósito é melhorar o desempenho das crianças com relação à matemática, como
vamos trabalhar numa perspectiva que não a da rede de ensino? Suponho que falta ao
professor insistir nas atividades propostas pela formação, eles desistem rapidamente. No
decorrer dos nossos encontros, os professores/cursistas são levados a ampliarem seus
conhecimentos a partir de diferentes concepções de ensino e aprendizagem, relacionadas às
abordagens psicológicas e socioculturais, mais especificamente, a etnometemática.
Paula – Tem razão. Das abordagens que empregamos, a mais próxima de uma
visão sociocultural do ensino de matemática é a etnomatemática. Mas o modo de vê-la como
um método facilitador para motivar o aluno a aprender a reduz apenas ao aspecto psicológico
da motivação. E, ainda, ao abordá-la unicamente como um modo de ver matemática nos
objetos culturais como na fabricação de cestarias, tapetes, cerâmicas, restringe-se a uma visão
unicista da matemática. Talvez, estes sejam outros aspectos que devemos considerar no curso
de formação.
Marta – E como faríamos isto?
Paula – Problematizar as práticas culturais poderia ser um modo de esclarecer os
saberes, inclusive os denominados de matemáticos, mobilizados nessas práticas, não só, mas
também, suas genealogias, as relações de poder, os aspectos axiológicos, afetivos e todos os
128
Ibid.
72
outros aspectos que constituem essas práticas, poderia ser um modo terapêutico de curar-se de
dietas psicopedagógicas, do curso, afinal, como diz Vilela129: “A terapia filosófica é o ponto de
partida: uma atividade de percorrer usos ou empreender descrições de usos de palavras, com a
finalidade de se desfazer confusões conceituais [...]”. Não quero fazer aqui a apologia de uma
solução verdadeira, mas de uma projeção possível de outra forma de ver. Por exemplo,
quando abordamos o calendário “katyba” dos índios waimiri-atroari, ou mesmo o seu sistema
de contagem e o conhecimento sobre refração, importantíssimo para a realização da
pescaria130
, poderíamos abordar estes outros aspectos citados. Sem nos deter apenas aos
aspectos matemáticos da tribo, oportunizaríamos um conhecimento social e cultural mais
amplo sobre essa tribo.
Marta – Isso significa que além de tudo já lido e pesquisado para compor o curso
até este momento, teríamos que investir no estudo de abordagens pedagógicas sob uma
perspectiva sociocultural para problematizar práticas culturais?
Paula – Sem dúvida, exigiria que primeiramente realizássemos a problematização
de práticas socioculturais para posteriormente mobilizá-las junto aos professores/cursistas.
As avaliações das professoras apontam para alguns resultados sobre nosso
trabalho de formação, especialmente no que se refere à etnomatemática. Veja estes excertos
de relatos nas avaliações do final da primeira etapa das professoras/cursistas131
: “acredito
que entrei de uma maneira e sairei de outra deste curso”; “neste instante ainda estou
descobrindo a sua função (ábaco) quanto ao trabalho com o SND (sistema de
numeração decimal) e tão logo tenha conquistado a segurança de utilizá-lo (ábaco), o
farei”; “meu embasamento teórico, com certeza, foi ampliado e na prática posso
administrar os conteúdos com mais propriedade”; “tudo isso que aprendi contribuiu
para enriquecer minha prática em sala de aula”; “essa etapa teve como ponto positivo
principal a prática e, com certeza, conscientizou a todos sobre a importância de sua
129
Vilela (2010, p. 438). 130
Ferreira (2005, p. 92). 131
Coletânea de excertos das avaliações escritas dos cursistas ao final da I etapa do Programa de
Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática. Houve poucas interferências na escrita com o objetivo de torná-las
mais coerentes gramaticalmente. Os excertos variam de autores (apresentados aqui com nomes fictícios) e datas,
respectivamente na ordem descrita acima, separados por ponto e vírgula: Solange – 02.07..2008; Augusta –
set/2006; Leila – 10.09.2009; Júlia – dez/2008; Fernanda – 06.05 2011; Rita – 09.05.2008.
73
utilização no dia-a-dia”; “os momentos mais marcantes foram a linha do tempo132 (eu
nunca havia pensado matemática assim) e os agrupamentos e desagrupamentos no
ábaco133”; “mudar a nossa prática não é uma coisa fácil, principalmente dentro do
sistema educacional que temos”; “acredito que será um grande desafio trabalhar a
etnomatemática, pois pode oferecer situações que levem os alunos a se tornarem
verdadeiramente participativos”; e assim por diante.
Marta – É possível que essas professoras tenham modificado sua prática com base
nas práticas escolares de mobilização da matemática do PALMA?
Paula – Considero precipitado nos apoiarmos apenas nos rastros de falas dessas
professoras para concluirmos dessa maneira. Sem contar que é possível problematizar cada
um desses relatos avaliativos do curso.
Esses relatos escritos das professoras referem-se de forma vaga a respeito de suas
aprendizagens no curso e também não tive a oportunidade de presenciar, na sala de aula
destas professoras, alguma atividade que pudesse ser relacionada com uma abordagem da
etnomatemática, por exemplo, ou mesmo da linha do tempo ou de
agrupamentos/desagrupamentos.
Quando a professora Rita afirma ser um desafio “trabalhar a etnomatemática, pois
pode oferecer situações que levem os alunos a se tornarem verdadeiramente participativos”, é
como se esse fosse um privilégio apenas da etnomatemática.
132
Dinâmica: Linha do tempo (anexo D) – Distribuir (plaquetas escritas) aos professores com fatos que
aconteceram na história da Matemática. Fixar o cartaz da linha do tempo – Diante deste cartaz, os professores
irão localizar as datas e colar as plaquetas com as informações que possibilitem a localização dos fatos.
Enfatizar que visualizamos a história das necessidades e preocupações essencialmente humanas, uma história:
concreta e informal; que teve seus altos e baixos – processo; anônima (apesar dos inúmeros documentos, pedras,
papirus – que se perderam com o tempo); movimento – aprimoramento (por tentativas e erros); não é linear; não
teve uma sucessão de conceitos encadeados uns aos outros; não é estática; não é simultânea. A partir do
conhecimento das dificuldades enfrentadas nessa caminhada, tem-se uma melhor compreensão das dificuldades
enfrentadas pelos alunos, ao percorrer um caminho com os mesmos obstáculos. Deve-se reconhecer que o aluno
está imerso neste processo de evolução do conhecimento, ou seja, faz parte da cultura em construção. Abordar
com os participantes que atualmente vivemos numa sociedade da informação e que, se analisarmos a linha do
tempo, os fatos matemáticos são recentes se comparados com o surgimento do homem na Terra. E que as
informações chegam rapidamente a todos os lugares, gerando assim o desenvolvimento tecnológico
(matemático) contínuo e acelerado. Objetivo da atividade: Através da linha do tempo refletir sobre a História da
Matemática. 133
Sequência de atividades realizadas após a apresentação da história do ábaco e suas diferentes representações
nas diversas civilizações (anexo F), nas quais os agrupamentos e desagrupamentos estão relacionados às regras
do sistema de numeração da base dez, ou mesmo em outras bases. A sequência de atividades se inicia com
agrupamentos e desagrupamentos em diferentes bases com o objetivo de compreensão da regra de se utilizar
uma quantia limitada de algarismos para representar quantidades infinitas a partir do recurso do valor posicional
de tais algarismos. A sequência tem continuidade nas operações aritméticas de adição, subtração, multiplicação e
divisão no ábaco.
74
Marta – Tem razão, abordagens psicológicas como o construtivismo, por exemplo,
colocam no centro da aprendizagem a participação ativa do aluno.
Paula – A questão é: como abordamos a etnomatemática no curso para que
incorresse essa fala da professora?
Marta – Primeiramente pedimos uma pesquisa sobre etnomatemática134
com o
objetivo de rastrearem o seu significado. No encontro seguinte, munidas de três textos de
autores diferentes, distribuímos um para cada integrante do grupo/classe 135
como leitura para
casa. No encontro seguinte houve um seminário sobre o tema, baseado nos textos
disponibilizados e na pesquisa individual.
Paula – Baseamo-nos em D’Ambrósio136
para a condução da discussão. Cada um
dos textos abordou a etnomatemática por aspectos diferentes: Ferreira, com sua experiência
como formador de professor/índio na aldeia Tapirapé, no qual relata a racionalidade própria
dos índios para as situações cotidianas da aldeia; já Domite137
, em seu artigo, descreveu três
situações para levar o leitor a refletir sobre a matemática no contexto escolar.
Marta – Enquanto que o artigo, Etnomatemática: uma crítica, relata o significado
etimológico da palavra etnomatemática, seu significado na prática e, em seguida, descreve
trechos de críticas acerca da etnomatemática.
Paula – E qual foi o objetivo do programa em apresentar essas vertentes sobre
etnomatemática?
Marta – Bem, não sei quais vertentes mais existem, porém lembro-me que
procuramos trazer a etnomatemática em diferentes contextos.
Paula – Apesar de termos como objetivo ampliar o significado de etnomatemática
através dos textos, parece-me que a ênfase ficou no texto de Domite138
.
Marta – Faz sentido, pois seus relatos são de práticas escolares.
134
Tarefa pedida no 8º encontro da I Etapa:
PARA O LAR: Pesquise – O que é Etnomatemática? Faça uma reflexão pessoal sobre a mesma e coloque a fonte
de pesquisa. Entregar por escrito no próximo encontro. 135
Tarefa pedida no 9º encontro da I Etapa:
PARA O LAR: Após a leitura do texto sobre a Etnomatemática, cite e comente as ideias que julgou mais
interessantes do texto e entregue no 11º encontro. Atividade do 11º encontro: Grupos organizados por tipos de
textos: Fazer uma reflexão entre a matemática acadêmica e a etnomatemática: Grupos 1 – “Racionalidade dos
índios brasileiros” de FERREIRA, E. S.; Grupos 2 – “Etnomatemática em ação” de DOMITE, M. do C. S.;
Grupos 3 – “Etnomatemática - uma crítica” disponível em:
<http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/polemi27.html>. Acesso em: 18 out. 2014. 136
D’Ambrosio (2001). 137
Domite (2005). 138
Ibidem.
75
Paula – Bem, talvez o comentário que a professora Rita trouxe na sua avaliação ao
se referir à etnomatemática esteja restrito à cultura matemática que o aluno leva para a escola,
por ter sido essa a visão que o curso desenvolveu com maior ênfase, o que indica a
necessidade de uma revisão do curso nesse sentido.
Marta – Talvez isso tenha acontecido por uma falta de preparo/conhecimento mais
profundo, de nossa parte, sobre a etnomatemática, o que poderia evitar essa dieta unilateral.
Você diz revisão no sentido de abordar outras “etnomatemáticas”?
Paula – Exato. Há, por exemplo, a etnomatemática camponesa, denominada assim
por abranger as práticas culturais e políticas do conhecimento matemático dos camponeses
sem terra/assentados. Segundo Knijnik139, esta matemática camponesa é produzida por
uma linguagem que em muito se afasta daquela utilizada pela matemática acadêmica e
pela escolar. Como todas as narrativas, as que constituem a matemática camponesa,
produzidas por uma linguagem carregada de significados culturalmente situados, são
contingentes. Por exemplo, “cubação da terra” significa medição da terra, descrita por
Knijnik no artigo que temos nesta revista (mostra a revista - Scientific American Brasil - sobre
a mesa).
Marta – Interessante, aqui nesta revista, a autora destaca sua preocupação sobre
linguagem situada com relação tanto ao significado que é dado às palavras quanto à maneira
como explicam e como fazem, por exemplo, a cubação da terra. Como afirma Bello 140
, a
linguagem envolve modos de pensar e de agir.
Paula – Semelhante, ainda em consonância com Bello141
, à perspectiva da virada
linguística ao afirmar que não existe nada além da linguagem. Nesse predomínio da
linguagem, nos modos de dizer e ver (nesta ordem), nada estaria do lado de fora da
linguagem, nem os significados para os objetos, nem os elementos da vida social e
nem, em último caso, os nossos pensamentos.
A interpretação privilegiada da professora com relação à etnomatemática deve-se
ao conjunto de significados que apresentamos no jogo de linguagem encenado nas aulas do
PALMA. Os processos de produção em que nós, formadoras, e professores/cursistas estamos
envolvidos são sempre de natureza interpretativa.
139
Knijnik (2005, p. 86). 140
Bello (2010, p. 551). 141
Ibid. (p. 550).
76
Marta – Pensar etnomatemática na prática escolar é pensar também no sentido de
entender que a linguagem trazida para a escola está imbuída de uma cultura que não a escolar.
Paula – Não há sentido em pensar em etnomatemática como uma cultura da
criança que pode ser aproveitada pelo professor para ensinar a matemática escolar, ou mesmo
para tornar a matemática escolar mais significativa.
Não é só isso, imaginar uma linguagem é imaginar uma forma de vida, é imaginar
uma cultura, portanto um jogo de linguagem com sua gramática própria, ou seja, regrado.
Com relação à etnomatemática, a matemática dos índios faz sentido naquela cultura, a
matemática camponesa faz sentido naquele espaço específico, a matemática escolar faz
sentido na escola. A matemática não deixa de ser matemática só porque está em outro
contexto que não o dos matemáticos, ou, ainda, não precisa ser compartimentada em
categorias: medir, contar, calcular, para ser considerada matemática.
Na sua origem a etnomatemática, segundo Ubiratan D’Ambrósio, propôs um
rompimento com essa forma única de se pensar matemática e enxergar as várias matemáticas
existentes.
A tradição disciplinar escolar e científico-acadêmica da cultura fez com que o
programa da etnomatemática se enveredasse para este caminho, uma visão da etnomatemática
que consiste em fazer uma correlação entre os conceitos matemáticos e as ações das culturas
se orientarem normativamente no modo de fazer seus objetos de uso.
Marta – Dê-me um exemplo desta correlação entre os conceitos e as ações
culturais.
Paula – Paulus Gerdes142
, de Moçambique, pesquisador da etnomatemática,
escreveu um artigo – posso disponibilizar-lhe o arquivo, se quiser – no qual analisa o
aparecimento da etnomatemática como domínio de investigação, traz uma revisão literária da
etnomatemática em cada continente e fornece exemplos educacionais numa perspectiva
etnomatemática: jogos de concha, na Costa do Marfim – como ponto de partida para as
atividades matemáticas em sala de aula com o objetivo de aumentar a motivação dos
alunos e dos professores; vendedoras do mercado, em Moçambique – com a intenção
de respeitar as ideias matemáticas semelhantes ou diferentes das dos livros textos de
pessoas com baixa ou nenhuma educação formal; utilização de ideias incorporadas nas
atividades de camponeses no Brasil – para desenvolver um currículo matemático para e
142
Gerdes (1996).
77
com/de este grupo; descoberta do conceito de hexágono regular e de algumas das suas
propriedades na reflexão sobre a invenção do padrão de entrelaçamento aberto
hexagonal – no contexto da procura de produção de armadilhas de pesca.
Marta – São exemplos de vários usos educacionais da etnomatemática. A
etnomatemática poderia ter seguido outro caminho?
Paula - Poderia ter se embrenhado num campo que não esse de ver as matemáticas
exclusivamente como um conjunto fixo de conteúdos típicos, compartimentados, que
impedem de vê-las envolvidas em práticas socioculturais de atividades humanas diversas,
denominada como matemáticas (in)disciplinares por Miguel, Vilela e Moura 143
.
Marta – Seria outra concepção de matemática?
Paula – Seriam, segundo Miguel, Vilela e Moura144
, os primeiros passos da
constituição de um modo possível e não arbitrário, ainda que normativo, de praticar
matemática em diferentes contextos de atividade humana.
Marta – Posso dizer então que é uma concepção wittgensteiniana da matemática?
Paula – Ainda segundo Miguel, Vilela e Moura 145, essa atitude indisciplinar de
considerar a matemática inspira-se na filosofia do segundo Wittgenstein no sentido de
atrever-se a explorar alguns de seus possíveis desdobramentos, através dos interstícios
(fendas, brechas) abertos por pistas sugeridas pelo modo não dogmático e sugestivo da
fluência do discurso wittgensteiniano. Isso não significa, entretanto, uma proposta de
rompimento com a unicidade da matemática, por mais que possa parecer.
Marta – O que significa então?
Paula – Significa horizontalizar as matemáticas, colocá-las todas sobre o mesmo
plano, sem necessariamente hierarquizá-las. Analogamente à atitude de Picasso em sua obra
Les Demoiselles d’Avignon, significa trazer à mostra as facetas ocultas das personagens
representadas.
Se, por exemplo, a etnomatemática é considerada uma matemática de grupos
culturais, a matemática eurocêntrica também o é, pois essa matemática praticada pelos
matemáticos vem de um grupo cultural situado.
143
Miguel, Vilela e Moura (2010, p. 150). 144
Ibid. (p. 149). 145
Ibid.
78
Marta – É outra opção de abordagem pedagógica que envolve procedimentos bem
diferentes daqueles utilizados hoje.
Paula – Com certeza. Já que estamos no início de dois processos: processo de
elaboração do planejamento do curso que se iniciará em breve e o processo de
problematização da nossa própria prática de formadoras, podemos colocar tudo em questão,
não para negar ou destruir as abordagens pedagógicas que utilizamos até a última turma do
curso, mas com o intuito de desconstruir, problematizar esse pot-pourri de abordagens e
práticas pedagógicas na formação, que nos aprisionam como verdades de sucesso. O fato de
não encontrarmos repetições/imitações de abordagens do curso nas salas de aula dos
professores que o fizeram desestabilizou a zona de conforto do sucesso alcançado ao qual nos
apegamos.
Por exemplo, podemos começar pela problematização do nome do curso de
formação.
Marta – Como assim? Pelo nome PALMA?
4.3 Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática?
Paula – Sim. Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática. Esse
nome causou-me estranhamento depois de uma pesquisa feita sobre a expressão linguagem
matemática.
Marta – Espere, deixe-me pensar. Linguagem matemática se relaciona aos
signos/símbolos, na sua maioria numéricos, entre outros que, pelo uso regrado, se tornaram
universais para representar coisas do mundo.
Paula – Observe que esta visão da matemática condiz bem com o que é
frequentemente chamado de uma visão platônica da matemática. Segundo Davis e Hersh146
, o
platonismo matemático é a concepção segundo a qual a matemática existe
independentemente dos seres humanos. É possível perceber no programa PALMA o
quanto essa visão matemática está inserida nas atividades que trabalhamos. Por exemplo, as
formas geométricas planas são abordadas no curso a partir de demonstrações euclidianas: as
várias atividades para demonstrar as propriedades dos quadriláteros e as dos triângulos,
146
Ibid. (1985, p. 98).
79
inclusive a experimentação para provar que a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo
é á igual a cento e oitenta graus.
Marta – O que isso tem a ver com o nome do programa? Ou com a expressão
aperfeiçoamento na linguagem matemática?
Paula – Disse isso porque quando falamos das concepções que nos movem no
curso, parece que são um tanto inovadoras e atuais como é o caso do próprio nome, ou seja,
da própria expressão aperfeiçoamento na linguagem matemática. Quer rastros mais evidentes
da filosofia positivista que este? A ideia de aperfeiçoar, como se fosse um ser pronto,
acabado, que precisa ser conhecido para ser aplicado em diversas situações; uma visão
essencialista de matemática.
Então, qual seria a novidade do curso?
Marta – Ora, sob o ponto de vista de nossa cidade, dos professores com os quais
trabalhamos as abordagens cognitivistas no que se refere à aprendizagem, são atuais,
buscamos as pesquisas mais recentes. Enfatizamos os recursos didáticos: história da
matemática, jogos, resolução de problemas previstos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais147
, o mais recente documento norteador do ensino nacional que se orienta pela
LDB148
, a qual prevê o ensino de matemática na sua base nacional comum.
Paula – A inovação que os Parâmetros Curriculares trazem à educação é
questionada por Bittencourt149
, no sentido de que embora haja bastante ênfase na
integração curricular, nota-se uma organização sempre disciplinar dos conteúdos. A
inovação diz respeito mais às indicações metodológicas e à valorização de situações
cotidianas no ensino, do que propriamente uma reorganização curricular.
Os Parâmetros trazem em si o ideal de universalização da modernidade ao
legitimar o “bom” saber inserido nos conteúdos e na sua organização hierárquica, persistindo,
assim, a fragmentação dos saberes que nada mais é do que a fragmentação do modo
moderno de ver o mundo e de nos ver no mundo.150
Marta – Mas todos os livros didáticos e programas de formação que conheço se
baseiam nesse documento!
147
Brasil (2001, p. 42-48). 148
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/94, artigo 26 §1º. Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11691973/artigo-26-da-lei-n-9394-de-20-de-dezembro-de-1996#>. Acesso
em: 06 out. 2014. 149
Bittencourt (2004, p. 85). 150
Bittencourt (2004, p. 78).
80
Paula – O que caracteriza um uso privilegiado em detrimento de outros como, por
exemplo, o trabalho com práticas socioculturais. Sem contar que da forma como estão postos,
segundo Bittencourt151
, os Parâmetros não identificam os docentes como os principais
agentes curriculares, responsáveis e capazes de propor e, evidentemente, gerir as
mudanças necessárias.
Marta – Mas se o governo busca uma unidade no campo educacional, julgo
necessário tê-los como diretrizes. Para complementar as atividades do curso também trazemos
os conteúdos e recursos didáticos previstos no Conselho Nacional de Professores de
Matemática (NCTM) dos Estados Unidos que, em abril de 2000, publicou os princípios e
padrões para a matemática escolar e vem influenciando todo o mundo152
. Trazemos, na
primeira etapa do programa PALMA, a educação matemática pelo olhar da
etnomatemática153
. Tratamos da didática da matemática, na segunda etapa do programa, como
uma proposta com origem no Instituto de Investigação acerca do Ensino das Matemáticas
(IREM) na França, após a Reforma Educativa no final da década de 60154
. Buscamos trazer o
que há de mais atual nas pesquisas sobre educação matemática.
Paula – Veja, Marta, embora considere essas abordagens inovadoras e atuais,
essas concepções costumam ter seus fundamentos numa visão de conhecimento referenciada
na ciência moderna, na imagem positivista de Bacon155
, nos racionalistas clássicos como
Descartes para quem, segundo Chalmers156
, a natureza do conhecimento, suas origens e
seus limites deveriam ser entendidos em termos de nossa “luz natural da razão”, nos
empiristas como Locke defensor de que, segundo o mesmo autor157
, a natureza do
conhecimento deve ser compreendida por meio da investigação da natureza dos seres
humanos que o adquirem.
151
Ibid (2004, p.85). 152
Walle (2009, p. 19-30). 153
D’Ambrosio (2001). 154
A didática da matemática vem sendo liderada pelo professor e pesquisador do Instituto de Investigação acerca
do Ensino das Matemáticas – IREM, Guy Brousseau “que propõe o estudo das condições nas quais são
constituídos os conhecimentos; o controle destas condições permitiria reproduzir e otimizar os processos de
aquisição escolar de conhecimentos.” Gálvez (2001, p. 27). Os conhecimentos são constituídos na situação
didática, definida por Brousseau (1982b apud GÁLVEZ, 2001, p. 27) como “um conjunto de relações
estabelecidas explícitas e/ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, um determinado meio (que
abrange eventualmente instrumentos ou objetos) e um sistema educativo (representado pelo professor) com a
finalidade de conseguir que estes alunos apropriem-se de um saber constituído ou em vias de constituição”. 155
Rossi (2001, p. 82). 156
Chalmers (1994, p. 24) grifo do autor. 157
Ibid. (p. 25).
81
Dentre as várias concepções, encontra-se a que considera a matemática como jogo
de linguagem, segundo a perspectiva wittgensteiniana na qual a linguagem não tem uma
essência única que possa ser declarada como uma teoria unitária158
. Nessa concepção a
matemática tem suas regras, mas estas só fazem sentido nos usos possíveis que se possa fazer
de seus símbolos e conceitos. Sob este aspecto, Wittgenstein159
traz a analogia da caixa de
ferramentas: pense nas ferramentas em sua caixa apropriada: lá estão um martelo, uma
tenaz, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um tubo de cola, pregos e parafusos.
– Assim como são diferentes as funções desses objetos, assim são diferentes as funções
das palavras (e há semelhanças aqui e ali). Com efeito, o que nos confunde é a
uniformidade da aparência das palavras, quando estas nos são ditas, ou quando com
elas nos defrontamos na escrita e na imprensa. Pois seu emprego não nos é tão claro.
[...].
Suponho que a ideia de concepções inovadoras presentes no curso de formação é
inovadora dentro da visão estruturalista de ciência que considera a linguagem representacional
e a linguagem científica como simbologia que representa o fenômeno. Por outro lado,
numa visão pós-estruturalista160
, pós-metafísica, não seriam inovadoras no sentido de
considerar a linguagem constitutiva da realidade, como é o caso da visão wittgensteiniana
que, de acordo com Grayling161
, considera a linguagem como atividade – uma vasta coleção
de diferentes atividades, cada qual com sua lógica – e a matemática como jogos de linguagem.
E, para completar, Peruzzo Júnior162
afirma que concebendo a linguagem como uma forma
de ação, Wittgenstein faz ver que o significado se dá no contexto das atividades
humanas podendo, portanto, variar.
Portanto, para falar em abordagens pedagógicas inovadoras, é preciso situá-las no
contexto do conjunto de pensamentos que as formalizaram. Mas o que queremos discutir aqui
não é se as abordagens do curso são inovadoras, mas esclarecer seus modos diferentes de ver
o ensino de matemática. Podemos dizer que tanto as abordagens estruturalistas quanto as pós-
estruturalistas, situadas em seu tempo genealógico, podem ser ditas inovadoras e que os
teóricos que as conceberam o fizeram com o propósito de esclarecer os modos de se conhecer.
158
Grayling (1996, p. 96); Peruzzo Júnior (2011, p. 105). 159
Wittgenstein (1979, §11). 160
Wittgenstein (1889-1951); Derrida (1930-2004); Foucault (1926-1984). 161
Grayling (1996, p. 70). 162
Peruzzo Júnior (2011, p. 88).
82
Somente no sentido do esclarecimento, ou seja, da cura da dieta unilateral e não no modo de
ser a que melhor explica as causas e efeitos do ensino sobre a aprendizagem de matemática.
Marta – Então, de acordo com o seu formato, o PALMA envolve abordagens
didático-pedagógicas no ensino de matemática e não especificamente um aperfeiçoamento na
linguagem matemática, ou seja, conjuntos de símbolos que representam conceitos
matemáticos. É isso mesmo?
Paula – Bem, embora pela indicação do nome do curso, alimente-se a expectativa
de um estudo sobre a linguagem em questão, na realidade, a ênfase que damos às atividades
de formação está nas abordagens didático-pedagógicas do ensino da matemática. Se fôssemos
seguir à risca, um tipo de visão estruturalista da matemática, a que a subdivide em linguagens
diferenciadas que representam objetos diferentes da matemática, tais como: linguagem
aritmética, linguagem geométrica, linguagem algébrica, e assim por diante, o curso deveria
estar organizado segundo essa visão, ou então, estar alinhado à visão wittgensteiniana de
linguagem não representacional. Como até o momento ele não está organizado segundo este
esclarecimento de linguagem matemática e de matemática como jogo de linguagem, acredito
que o título cria uma expectativa ainda não contemplada em seus modos de mobilizar a
formação para o ensino de matemática.
Marta – Você quer dizer, então, que o Programa aborda o aperfeiçoamento das
práticas escolares de mobilização da matemática?
Paula – Vamos pensar na palavra aperfeiçoamento.
Marta – Vou pegar o dicionário.
Paula – Eu olho na internet.
Marta – Encontrei. Aperfeiçoamento é o ato de aperfeiçoar (-se); melhoramento;
finalização de uma obra; acabamento. E aperfeiçoar é tornar (mais) perfeito; concluir com
esmero; adquirir maior grau de instrução ou aptidão163
.
Paula – Aproximar-se da perfeição164
. Quando nos aproximamos da perfeição de
algo?
Marta – Bem, diante do que já discutimos até agora, não há uma perfeição a ser
atingida.
163
Mini Aurélio (2001, p.58); Dicionário Houais conciso (2011, p. 68). 164
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/aperfeicoar/>. Acesso em: 07 out. 2014.
83
Paula – Aperfeiçoar as práticas escolares de mobilização da matemática
consistiria em aproximar os professores de um ensino ideal da matemática, como se existisse
apenas uma maneira de ensinar, o que é possível numa visão positivista.
Sendo assim, numa perspectiva pós-estruturalista, contemporânea, não se trata de
aperfeiçoar, mas de problematizar as práticas pedagógicas da matemática escolar. Pensar que
uma prática é mais perfeita é um modo de privilegiá-la. Problematizar uma prática é colocar
em questão sua estabilidade, sua verdade e perfeição.
Marta – Mas por que os professores ainda recorrem a um curso no qual a
linguagem matemática não está definida como conteúdo?
Paula – Será que não estamos percebendo que, no cotexto do município em
investigação, fazer o curso oferecido pela Secretaria de Educação é um status às práticas
pedagógicas e importante para o plano de carreira?
Marta – Ou será por que o nome Linguagem Matemática é um slogan chamativo?
Por que problematizamos se há ainda no decurso, desde 2006, professores que
querem fazer o curso?
Nós estamos aqui questionando, mas os professores vêm!!!
Paula – Uma interpretação possível é que essa racionalidade da linguagem
matemática não seja o mais importante, o que fica do curso não está no papel, mas nos gestos,
nas interações com o grupo, nas discussões. É totalmente causal essa ideia de aprender.
4.4 Problematizando os usos da história do número nas práticas escolares
Paula – Voltemos então ao nosso ponto de partida, nosso entusiasmo em
problematizar as abordagens pedagógicas do programa, ou seja, as práticas escolares de
mobilização da matemática.
Hoje, soa-me estranho repetir o curso de forma idêntica como sempre o
ministramos. Ao fazer isso, continuaríamos privilegiando algumas práticas escolares de
mobilização da matemática, como se fossem únicas e privaríamos os professores de
vislumbrar outras formas de ensinar. Imagine se Picasso tivesse privilegiado apenas uma
perspectiva como forma de representar objetos?
Marta – Não teria criado o cubismo, forma peculiar de representar os objetos.
84
Paula – As leituras e discussões das quais tenho participado nos estudos do
mestrado, remetem-me a compreender que usos privilegiados e únicos de
significados/palavras/conceitos podem produzir um entendimento restrito/unilateral da
realidade165
que se procura conhecer. Pode produzir uma visão essencialista/metafísica e diria
paralisante frente à possibilidade de gerar uma compreensão múltipla e dinâmica do fato166
que se estuda. Picasso, por exemplo, transgrediu a forma tradicional europeia de perspectiva
linear, na qual iniciou sua formação artística e buscou em outras épocas, outras civilizações,
uma nova maneira de representar a tridimensionalidade.
A concepção de essência numérica está presente até na abordagem de história do
número no ensino. Visão esta aliada a um conceito de evolução que considera um conteúdo
numérico constante/invariável que vai se complexificando segundo as diferentes necessidades
humanas, através do tempo, em sua forma/linguagem. Segundo Ifrah167
, é possível traçar uma
evolução conceitual do número com a história universal a partir das necessidades e
preocupações sociais, sejam elas utilitárias ou não.
Aliamo-nos a essa abordagem quando informamos aos professores que houve uma
evolução na linguagem numérica desde o uso, para contar, com as pedras, posteriormente,
com entalhes em madeira e argila168
, mais tarde, o uso de numerais pelas civilizações
antigas169
, como os usos do sistema numérico dos babilônios170
, dos egípcios171
, dos
chineses172
, dos romanos173
, dos maias174
, até chegar numa formulação numérica mais
complexa e abstrata, que é a que usamos até hoje: o sistema de numeração hindu-arábica175
.
165
Entendendo realidade como linguagem no sentido do movimento filosófico da Virada Linguística que nasceu
no final do século XIX, especialmente com Moore, Russell, Wittgenstein, com a preocupação principal de fazer
uma “análise do significado de conceitos com forma privilegiada de tratamento das questões centrais da
experiência humana, sendo o conceito tratado como entidade linguística. [...] nessa direção, a concepção
pragmática de significado e de linguagem como ação e não como descrição do real é um dos principais
desenvolvimentos recentes da filosofia da linguagem [...]” Marcondes (2010). Decorre daí que passamos a
compreender a linguagem não como uma ferramenta simbólica para representar a realidade mas como
constitutiva da realidade. Nada há fora da linguagem. 166
Fato entendido como acontecimento da linguagem. 167
Ifrah (1998, p. 100). 168
Por exemplo, os entalhes do Período Paleolítico Superior (35000 a 20000 a. C.). Ibid.(p. 104). 169
Atividade descrita no anexo E. 170
Por volta do ano de 3500 a. C. Ibid. (p. 133). 171
Por volta do ano 3000 a. C. Ibid. (p. 157). 172
É a mais antiga das formas contemporâneas, empregada exatamente do mesmo modo desde o século IV da
nossa era. Ibid. (p. 229). 173
Foram séculos de evolução e simplificação dos símbolos até se chegar aos grafismos que utilizamos hoje. Há
inscrição que remontam o século VI a, C., séculos II a. C. Ibid.(p. 184-206). 174
Teve seu auge no primeiro milênio de nossa era. Ibid. (p. 249). 175
Por volta do século V da era cristã. Ibid. (p. 264).
85
Paula – Não há dúvida de que temos uma história do número, produto de práticas
coletivas176
, portanto, essa história não poderia ser atribuída a ninguém, nem a um tempo
determinado e nem mesmo ser entendida num sentido evolucionista como sempre abordamos
no curso. Os homens criaram os números conforme as necessidades de seus usos nas
diferentes atividades que desenvolviam, situadas no tempo e no espaço. Por isso, para cada
povo o número tinha a complexidade que lhe bastasse para seus jogos de contagem.
O que se pode encontrar são semelhanças de família entre os diferentes jogos de
linguagem que envolvem o número de cada civilização e entre as diferentes perspectivas das
várias abordagens pedagógicas.
A rudimentariedade de um sistema numérico de um povo lhe é atribuída por quem
olha retrospectivamente para esse sistema como se estivesse no topo da evolução numérica.
Para Godfard177
, ver a evolução como acumulação de conhecimento é uma
interpretação equivocada porque se nega o que veio antes e o reduz. É uma concepção
forjada do século XIX na Europa que se autoproclamava centro científico do mundo.
A forma como abordamos a história do número178
é uma das possibilidades entre
tantas de concretização da história, como recurso didático-pedagógico para o ensino do
número.
Marta – Sim, entendo que a história é um recurso didático-pedagógico. Para a
formulação dessas atividades sobre a história do número nos baseamos numa abordagem que
possibilita, segundo Moura179
, a apropriação desse conhecimento pelos alunos de forma
efetiva e significativa, sem perder de vista a estrutura cognitiva e os conhecimentos
prévios dos alunos, fruto de suas atividades dentro e fora da escola. Não é uma maneira
artificial de se trabalhar a história do número!
Paula – Eu diria que as atividades propostas por nós se assemelham a esta
abordagem, mas será que falar em contar ovelhas é assim tão próximo da realidade de nossos
alunos? Ou está mais próximo do que propõem os livros didáticos, pois não deixa de ser uma
história bem conhecida de todos.
176
Ibid. (p. 11). 177
Godfard apud Valécio (2005, p. 9). 178
Essa atividade da contagem das ovelhas, se encontra no anexo D e tem como objetivo mostrar aos
professores que o número, como fundamento da matemática, é um conhecimento construído socialmente e sua
aprendizagem passa pela mediação do outro. Moura (1996, p. 11) . 179
Moura (1996).
86
Marta – Bem, diante de seus argumentos, estamos privilegiando uma maneira
única de abordar a história do número, o que desarma minha concepção de que essa não é
uma maneira artificial de se tratar o número. Quais seriam outras formas de se abordar a
história na mobilização matemática no âmbito escolar?
Paula – Veja, neste livro que temos aqui, Brito e Carvalho180
afirmam ter utilizado
a história da geometria no ensino de geometria e se denominam “construtivistas” numa
perspectiva “histórico-cultural” pelo fato de visarem a “produção de significados” em
sala de aula; numa interação dialógica professor/aluno, aluno/aluno; de modo que o
aluno possa adquirir os instrumentos matemáticos que lhe permita ser um “cidadão
crítico” e transformador da sociedade.
Neste mesmo livro, ao tratar de atividades para o ensino dos números irracionais,
Miguel181
as integra como um estudo histórico-pedagógico, por serem ao mesmo tempo
histórica e psicopedagógica.
O autor comenta que é histórica, pois as atividades se compõem de
personagens centrais da história da matemática e esses elementos iconográficos
operam não apenas como critério estético, mas como guia para alcançar a verdade
filosófica das teorias científicas, uma vez que se pode supor que na história do
pensamento científico, houve muitas fases em que uma obscura, mas poderosa
tradição escrita correspondeu, em verdade, a esse modo figurativo; a obscuridade se
insinua através do difícil processo de buscar traduzir o figurativo para o escrito182.
Comenta ainda, que é psicopedagógica, pois se assenta no fato de parecer
desejável que um processo de ensino-aprendizagem de caráter construtivo-significativo
devesse ter como ponto de partida um elemento motivador que funcionasse como guia
na construção do conhecimento, como um ponto de referência emblemático que
conferisse um sentido, ainda que inicialmente difuso e misterioso, à trajetória obscura
a ser percorrida pelo estudante em seu processo de busca183.
180
Brito e Carvalho (2009, p. 16), grifos das autoras. 181
Miguel (2009, p. 274). 182
Price (1976, p. 77) apud Miguel (2009, p. 274). 183
Miguel (2009, p. 274-275).
87
Marta – Estas são maneiras diferentes de abordar a história. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais184
indicam o recurso didático-pedagógico da história da matemática
como um dos caminhos para ensinar matemática em sala de aula juntamente com outros
recursos didáticos e metodológicos. Aponta ainda a possibilidade do professor desenvolver
atitudes e valores mais favoráveis ao aluno diante do conhecimento matemático ao
revelar a matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e
preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos. Considera
também a história da matemática como um veículo de informação cultural, sociológica e
antropológica de enorme valor formativo, ou seja, um instrumento de resgate da
própria identidade cultural. Diz aqui também que contribui para a constituição de um
olhar mais crítico sobre os objetos de conhecimento por responder a alguns “porquês”
aos alunos.
Paula (mostrando o livro) – Veja, neste livro, Melo
185 diz organizar atividades
históricas para o ensino de trigonometria numa ”concepção teórico-prático, sob uma
perspectiva investigativa considerando-as como fonte de geração do conhecimento
matemático escolar e, portanto, de melhoria do seu ensino e de sua aprendizagem.
Para que isso seja possível, é importante valorizar e adaptar as informações históricas
às próprias necessidades, visando o seu melhor uso possível na sala de aula.
O autor utiliza a história como agente fomentador do ato cognitivo em sala de
aula, desde que seja configurado na forma de atividade para o aluno o que caracteriza,
segundo Melo, uma abordagem construtiva da matemática.
O fato de que histórias da matemática se iniciam por volta do século IV a. C. e
assinalam a história da aritmética, da geometria e da astronomia se dá na tentativa de se
transformar escritos individuais e particulares em obras cronologicamente coletivas, segundo
Miguel e Miorim186
, num empreendimento mais geral de constituição de histórias da
184
Brasil (2001, p. 45-46). 185
Melo (2009, p. 107-108). 186
“A necessidade de integração das histórias das ciências particulares numa história geral veio a ser um dos
pontos essenciais do projeto positivista: era o que Comte pretendia ao distinguir entre a ordem histórica e a
ordem dogmática, devendo a primeira expor os conhecimentos regularmente pela sua ordem própria e
respeitando a cronologia e as vias da sua aquisição, e a segunda perspectiva a história das ciências do ponto de
vista de um único espírito, que articulando os vários domínios deles desse uma visão de conjunto. A filosofia
positivista, ao exigir assim uma visão globalizante, tinha também que recorrer a um certo uniformismo dos
progressos das ciências, com total evacuação da consideração dos seus progressos específicos e regionais”.
Carrilho (1979:14-5, grifos do autor), apud Miguel e Miorim (2011,p. 38-39).
88
ciência. Destacam187
ainda que somente na década de trinta do século passado, sob a
influência do II Congresso Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, ocorrido em
Londres em 1931 é que começaram a surgir histórias da matemática em que os autores
buscavam conscientemente romper com a tradição historiográfica cuja concepção de
objetividade histórica baseava-se em valores tais como a neutralidade, a unicidade da verdade
histórica e a erudição188
.
Marta – É interessante como a filosofia positivista exerce forte influência na
educação e particularmente no PALMA.
Paula – Percebe como há várias outras práticas escolares que também privilegiam
a história na mobilização da matemática?
Marta – Sim, percebo. E noto também que as atividades que propomos no curso
têm semelhanças com algumas delas.
Paula – Mas também se distanciam em outros aspectos. Porém todas pensam na
origem conceitual do número como um ente matemático.
Marta – Como pensar em número de outra forma que não como um ente
matemático?
Paula – Outras práticas pensam nos significados numéricos conforme os usos nas
contagens, cálculos e medições feitos nas diferentes atividades humanas. Jean Lave189
, neste
texto que armazeno em meu notebook, intitulado Do lado de fora do supermercado, destaca
187
“Há cinquenta anos reuniu-se em Londres o II Congresso Internacional de História da Ciência e da
Tecnologia, no qual a delegação soviética, encabeçada por N. I. Bukharin, apresentou vários trabalhos que foram
reunidos no volume ‘Science at the Crossroads’. Esse volume exerceu uma influência considerável na história
das ciências das últimas décadas. Em particular, a contribuição de Boris Hessen, “Social and Economic Roots of
Newton’s Principia” oferecia um enfoque promissor que um grupo de jovens cientistas desenvolveria na
Inglaterra, até chegar a constituir a assim chamada escola externalista na história das ciências. Entre seus
membros estavam J. B. S. Haldane, L. Hogben, J. D. Bernal e J. Needham. São conhecidos, sobretudo os
trabalhos de Bernal, que desenvolveu uma interpretação do progresso das ciências e das técnicas desde a
comunidade primitiva até a época contemporânea, a partir da tese central do marxismo de que tem sido o grau de
desenvolvimento das forças produtivas que comanda o progresso científico”. (Saldaña, 1993:17), apud Miguel e
Miorim (2011, p. 40). 188
De acordo com Miguel e Miorim (2011, p. 40) “Este período parece ter sido, então, aquele da tomada de
consciência de que histórias da matemática diferenciadas poderiam ser escritas com base em pontos de vista
político-filosóficos distintos, e autores comprometidos com o ideal de popularização da história da matemática e
com uma visão da objetividade histórica baseada em valores tais como o da não neutralidade do historiador e o
da não unicidade da verdade histórica começaram a surgir. Vale ressaltar ainda que, não vinculadas diretamente
a essa influência, e surgidas antes ou na década posterior à realização desse congresso, outras obras com essas
características inovadoras apareceram no terreno da história da matemática. Dentre elas, destacam-se: 1)
‘Number: the language of Science’, do historiador norte-americano Tobias Dantzig, cuja primeira edição
apareceu em 1930; 2) ‘Conceitos Fundamentais da Matemática’, do matemático português Bento de Jesus
Caraça, cuja primeira parte foi editada em junho de 1941; 3) ‘A Concise History of Mathematics’, do matemático
e historiador holandês Dirk Jan Struik”. 189
Lave (2002).
89
que o modo de contar a quantidade de maçãs de uma pessoa que está fazendo as compras para
sua casa é diferente daquele que a escola ensina. Na atividade humana as coisas não
acontecem isoladamente como na escola, o meio estrutura a forma de resolução de cada
situação. Na pesquisa que a autora descreve aqui em seu texto (visualizado na tela do
notebook), é possível observar que os recursos para resolver as situações diversas de
contagens, cálculos, medições podem provir não só da memória da atuação pessoal, mas
da própria atividade, em relação com a situação, tomando forma na intersecção de
múltiplas realidades, produzidas no conflito e criando valores 190. Por mais que a escola
pretenda preparar o aluno para viver e atuar na sociedade, – como se, para isso, tivesse que
passar por seus bancos escolares, – Lave191
observou que a estruturação “correta” da
matemática que permeia a teoria cognitivista, a educação escolar, são mais adequadas
para descrever umas às outras do que para dar conta da prática aritmética.
Marta – Sob este aspecto concordo com você, pois numa situação de compras, por
exemplo, compro maçãs por quantidade e pago por quilogramas; compro de acordo com a
quantidade que será consumida; ou pelo valor que tenho para pagá-las; calculo, na maioria das
vezes, por estimativa o valor da compra; quando preciso de um valor exato busco o recurso da
calculadora através do celular, – recurso pouquíssimo utilizado nas aulas de matemática. E,
em cada prática, a quantificação e os cálculos que efetuo acontecem de formas variadas, sem
um padrão exclusivo. Até mesmo se precisar comprar maçãs novamente, nada indica que
articularei os meus saberes da mesma forma.
Paula – Claro, como diz Lave192
, neste parágrafo, “[...] a teoria da prática
considera o aprendizado, o pensamento e o conhecimento como processos histórica e
culturalmente específicos, socialmente constituídos e politicamente ajustados, e
argumenta que eles estruturam claramente o mundo social, assim como são
estruturados por ele”.
Marta – Porém, não concordo que temos mostrado aos cursistas uma forma
privilegiada e única de ensinar matemática. Este não é nosso propósito. Se assim fosse, não
nos desdobraríamos para buscar formas diferentes de ensinar. Como, por exemplo, quando
abordamos a etnomatemática no contexto escolar com o propósito de mostrar aos cursistas a
190
Ibid. (p. 67). 191
Ibid. (p. 98) grifo da autora. 192
Ibid. (p. 97).
90
importância, como releva Domite 193
, de refletir e legitimar saberes de alunos e alunas
nascidos de experiências construídas em seus próprios meios. A importância da
abordagem da etnomatemática, ainda segundo a mesma autora, como meio pedagógico de
legitimação do conhecimento do “outro”, relativização e respeito à diferença de
valores, conhecimentos, modos e códigos194.
Paula – Concordo que procuramos diversificar as práticas escolares. Mas todas as
que mobilizamos no curso, inclusive essa que acabou de citar, fundamentam-se na crença de
que existe uma única matemática e que seus conceitos são universais. No caso da perspectiva
etnomatemática no contexto escolar, Domite195
, neste artigo (pega a revista Scientific
American Brasil, sobre a mesa e a folheia), considera que o ensino deve ser visto como um
aspecto do desenvolvimento da história do aluno que tanto interfere no seu
crescimento mental, como tem o papel de transformar a sua articulação no e com o
mundo e com os outros.
No sentido de desmistificar, de desconstruir o significado da matemática como
ciência única e superior...
Marta (interrompe Paula) – Mas como isto é possível? Como desconstruir
significados únicos de matemática? Ao abordarmos as práticas escolares de mobilização da
matemática envolvendo a história, o construtivismo, a etnomatemática, não estamos
desmistificando seu significado único?
Paula – Como já disse, podemos colocar tudo em questão. Buscar os rastros
dessas práticas escolares, os rastros de seus significados. Vilela196
, neste seu livro Usos e
jogos de linguagem na matemática (mostra o livro à Marta), percorre outros jogos de
linguagem que envolvem a matemática, numa perspectiva de terapia wittgensteiniana. Nesse
percurso de análise de textos das diversas matemáticas, constatou especificidades entre suas
adjetivações. Deparou-se com semelhanças de famílias entre elas e com práticas distintas
193
Domite (2005, p. 81). 194
Ibid. (p. 84). 195
Ibid. (p. 84). A autora, inspirada e fundamentada em pesquisadores como Ubiratan D’Ambrosio e Paulo
Freire, considera como “pressuposto básico para a realização de um processo pedagógico – que busca
corresponder a uma perspectiva etnomatemática – a disponibilidade do professor em conhecer mais intimamente
o aluno [...]”. E o conhecimento matemático, como os números, as formas, as propriedades, enfim as relações
quantitativas e espaciais também “devem ser trabalhados pelos professores como relações que combinam com
outras inúmeras influências – de modo aleatório, mas sempre no sentido de proporcionar novas transformações e
organizações psicointelectuais”. Dentro desta visão, toda formação dessa natureza é, na verdade, um fenômeno
de proporções cósmicas – uma vez que estaria interagindo com o emocional, o afetivo, o social, o histórico, o
psicológico, o místico, o cultural, entre outros. 196
Vilela (2013, p.47-48), adjetivações já citadas no capítulo 2 desta pesquisa.
91
também. Por exemplo, em grupos profissionais e em crianças os processos de resolução de
operações aritméticas são mentais, em oposição aos algoritmos escritos ensinados na
escola197
.
As adjetivações trazem em si especificações das práticas das quais se originam o
que vem, segundo Vilela198
, ao encontro de seu propósito de desfazer a visão essencialista
da matemática, o que indica para Wittgenstein, citado por Vilela199
, uma família de
atividades com uma família de propósitos. Por exemplo, a matemática escolar geralmente
é entendida como a praticada no âmbito escolar, é a que praticamos no PALMA; para
Moreira, citada por Vilela200
, a matemática científica ou acadêmica é a empregada nos
centros de pesquisas e faculdades/universidades.
Marta – Você quer dizer que a matemática está em muitos outros campos além do
contexto escolar e que em cada um deles há abordagens diversas?
Paula – Posso garantir-lhe que sim. Não quero aqui menosprezar e nem vangloriar
uma ou outra abordagem das diferentes matemáticas, muito menos criticar qualquer uma
delas, todas têm sua importância em seus contextos e são produtoras de conhecimentos.
Intenciono colocá-las sob o mesmo plano assim como o fez Picasso em suas obras, ao colocar
sob um mesmo plano as várias faces/vistas de um mesmo objeto retratado/representado.
Marta – Obras estas que, se não soubermos analisar, não passam de formas
desordenadas.
Paula – Mas são obras com formas estruturadas de acordo com o modo de Picasso
de representar a realidade.
Marta – Bem, voltemos um pouco. Sendo assim, as práticas pedagógicas do
Programa mantêm a matemática em seu âmbito escolar no qual os números, por exemplo, se
referem a objetos concretos ou códigos e as crianças os aprendem de forma gradativa, de
acordo com a idade e seu grau de abstração. Este é o papel da escola!
Paula – As práticas escolares de mobilização da matemática no Palma são
diversificadas, mas não saímos do âmbito escolar com uma dieta matemática unilateral.
197
Damazio (2004, p.86) e Carraher et al. (1988) apud Vilela ( 2013, p. 48). 198
Vilela (2013, p. 50). 199
Wittgenstein ( 1980, p. 228) apud Vilela (2013,p. 50). 200
“[...] matemática acadêmica como sinônimo que se refere à matemática como corpo científico de
conhecimentos, segundo a produzem e a percebem os matemáticos profissionais. E matemática escolar
referindo-se ao conjunto de saberes ‘validados’, associados especificamente ao desenvolvimento do processo de
educação escolar básica em matemática. [...]”. Moreira (2004, p. 18) apud Vilela (2013, p. 54-55), grifo da
autora.
92
Marta – Quero voltar às práticas escolares que envolvem a história na mobilização
da matemática.
Paula – Pode dizer.
Marta – Considero que a dinâmica da linha do tempo201
é uma forma diferenciada
para sensibilizar os professores/cursistas quanto à história da matemática ao longo da história
da humanidade.
Paula – Deixe-me fazer uma pergunta: por que achamos importante iniciar a
formação dos professores/cursistas com práticas escolares que se apoiam na história da
matemática?
Marta – Que pergunta estranha! Porque uma visão histórica da origem dos
conceitos pode destituir o professor de uma visão mecânica ou até mágica do conceito.
Paula – Com o passar do tempo algumas ações no programa perderam o sentido.
Como foi que chegamos à conclusão que esta foi/é a melhor estratégia para iniciarmos a
formação dos professores?
Marta – A partir dos cursos de extensão em matemática que fizemos no
LEM/IMECC202
, direcionados à EJA203
. Tivemos a oportunidade de conhecer autores que
defendem que o conhecimento, a ciência, a matemática, avançam a partir das necessidades
humanas (levanta-se da cadeira e dirige-se até um dos armários repletos de livros e textos).
Onde estão... Achei! Aqui estão alguns livros e textos relacionados com a primeira etapa204
(e
os deposita sobre a mesa). Veja o que está no prefácio de Dantzig205
, o autor “acredita que
nossos currículos escolares, despindo a Matemática de seu conteúdo cultural e
deixando um esqueleto nu de tecnicismos, repeliram muitas mentes argutas”.
Paula – É mesmo! A origem da primeira etapa do programa foi inspirada também
neste livro de Moura206
(ao pegar o livro Controle da variação de quantidades: atividades de
ensino), no qual destaca que os conhecimentos matemáticos que hoje fazem parte do
nosso cotidiano, originaram-se nas atividades comuns dos homens ao longo de sua
201
A Dinâmica: Linha do tempo está descrita no anexo 4. 202
LEM/IMECC – Laboratório de Ensino de Matemática/Instituto de Matemática Estatística e Computação
Científica em 2004/05. 203
EJA – Educação para Jovens e Adultos – no 1º segmento (1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental). 204
Caraça (2002); Moura (1992); Fasher (1998); Byers (1982); Centurión (2002); Moura (1996); Dantzig (1970);
Hogben (1950); Ifrah (1989). 205
Dantzig (1970, p. 11). 206
Moura (1996, p. 11).
93
história e vê isso como uma forma de trabalho que possibilita a aquisição desses
conhecimentos pelos alunos no âmbito escolar.
Moura207
entende que o conhecimento matemático não é construído nas
relações espontâneas da criança com o seu meio, nem na transmissão pela aula
expositiva e nem através de trabalhos individuais ou pela repetição mecânica de
exercícios. Na verdade o conhecimento matemático é construído pela criança no “ato
de fazer” por si mesmo e na interpretação com os outros.
Exemplificando, podemos dizer que as crianças aprendem o conceito de número
nas brincadeiras que envolvem contagens de pontos ou de objetos de seu uso.
Marta – Isso mesmo. Baseamos-nos em suas atividades para criar as nossas, com
o cuidado de, como ressalta Moura208
(folheando o livro) nesta página: “colocar o sujeito
num movimento de busca de solução do problema em que as ações partilhadas por ele
e por outros sujeitos são meios de resolver o problema.” Para tanto nos valemos de
histórias virtuais209
, neste primeiro momento.
Paula – Quero retomar a atividade à qual você se referiu anteriormente, aquela do
pastor contando suas ovelhas210
; o modo de abordar a linguagem e o conceito numérico
privilegia uma visão de história do número211
, que intenciona buscar as origens do conceito
numérico, ou seja, como o homem começou a contar. Entende-se a relação de
correspondência como um nexo conceitual212
componente da complexidade do que hoje,
matematicamente, é entendido por número. Prevalece nesse modo de pensar uma ideia
histórico-evolucionista do número213
.
Marta – Então, você quer dizer que o que ensinamos com essa atividade não se
refere à história do número? Acho que você fica sozinha nesta história... Porque muitos livros
207
Ibid. (p. 11), grifo do autor. 208
Ibid. (p. 18). 209
Histórias virtuais: são situações-problema colocadas por personagens de histórias infantis, lendas ou da
própria história da matemática como desencadeadoras do pensamento da criança de forma a envolvê-la na
construção da solução do problema que faz parte do contexto da história. Dessa forma, contar, realizar cálculos,
registrá-los poderá tornar-se para ela uma necessidade real. Ibid. (p. 20). 210
A descrição da atividade está no anexo D. 211
Atividade elaborada com base nos autores: Moura (1996); Ifrah (1989); Hogben (1950). 212
Nexo conceitual aqui entendido como a estrutura que fundamenta o conceito de número, numa perspectiva
dialética lógico-histórica. Nesta perspectiva o programa tem a intenção de entender o movimento do pensamento
e das práticas da humanidade que deram origem à sua definição teórica, ou seja, compreender as particularidades
históricas que fundamentaram o conceito de número. Moura (1996). 213
Segundo a teoria evolucionista que parte do princípio de que o homem é o resultado de um lento processo de
alterações (mudanças).
94
didáticos de matemática para o Ensino Fundamental trazem textos da história do número e
exemplos como o nosso que se referem ao modo de contar do “homem primitivo” com pedras
como, por exemplo: Matemática no Planeta Azul214
, Matemática hoje é feita assim215
,
Aprendendo sempre - Matemática216
, que abordam a história do número. Veja os volumes do
2º, 3º e 4º anos da coleção de livros didáticos Aprendendo sempre – Matemática217
(diz ao
levantar-se e pegá-los na estante repleta de livros didáticos), iniciam o capítulo um com o
título: Um pouco da história dos números, no qual conta, resumidamente, que a ideia de
número surgiu quando o homem sentiu necessidade de contar e comparar
quantidades. Aos poucos ele passou a fazer desenhos e símbolos para registrar essas
quantidades. O autor afirma que hoje, os números são parte significativa do nosso dia a
dia, em seguida traz ilustrações da representação de quantidades em pedrinhas, nós
em cordas, marcas em ossos e símbolos das civilizações egípcia, romana e maia.
Paula – Não afirmo que nós ou os livros didáticos estejam certos ou errados ao
abordar a história do número como recurso didático pedagógico. O que quero dizer é que,
quando se recorre à história no ensino e, no nosso caso, no ensino de matemática, devemos
considerar que existem pontos de vista diferentes de se pensar a história. Torres218
cita alguns
deles: aquele que considera a história enquanto processo do acontecer humano no espaço e no
tempo e seus efeitos, impossível de ser narrado historiograficamente no seu acontecer; o que
considera a história como conhecimento, resultado de procedimentos intelectuais que
constroem verdades relativas a partir de análises de fontes (materiais históricos) dos
acontecimentos; e, outro ainda, que considera que a história-conhecimento será sempre
articulada no espaço-tempo do historiador e por isso mesmo não esgota o processo do
acontecer humano das civilizações.
Significa dizer que estamos falando no curso de formação de uma origem do
número que pode não ter sido esta ilustrada com a contagem do pastor, porque não se tem
registros de grupos de pedras que tenham sido usados para a contagem. Agrega-se a este fato
o de que, para Boyer219
, grupos de pedras são demasiado efêmeros como registros da memória
de quantidades.
214
PIRES, Célia C.; NUNES, Maria. Editora FTD (2012). 215
BIGODE, Antonio J. L. Editora FTD (2012). 216
DANTE Luiz R. Editora Ática (2012). 217
Ibidem. 218
Torres (1996). 219
Boyer (1974).
95
Marta – Espere. Então você quer dizer que ensinar número usando a história do
pastor não é um bom método? Que o pastor contando suas ovelhas é apenas uma ilustração de
como poderia ter sido o modo primeiro de contar?
Paula – Quero dizer que o relato de avanços tecnológicos do ser humano na pré-
história baseia-se em achados arqueológicos, mas principalmente em conjecturas. Para
Dantizig, Eves e para Ifrah220
, registros histórico-antropológicos da contagem por
correspondência são apenas os entalhes feitos em madeira e em pedaços de ossos.
Suponho que perdemos de vista a história virtual sugerida por Moura221
como um
modo didático de tratar com crianças pré-escolares as questões relacionadas à contagem e ao
número e em cuja sugestão nos baseamos para elaborar esta atividade.
Volto a enfatizar que não se trata de caracterizar o bom ou mau método, mas
compreender diferentes usos metodológicos para se ensinar matemática. Ao observar a Arte,
por exemplo, não faz sentido comparar as obras de Cezzane e de Picasso. Kuhn diria, nesse
caso, que as relações entre os estilos seriam incomensuráveis222
.
Lembro-me de que um dos objetivos da atividade da contagem do pastor é o de
promover a compreensão do número usando o numeral objeto (as pedras) supostamente mais
concreto e experiencial para a criança e, portanto, uma linguagem de passagem para o
símbolo numérico mais abstrato.
Esse argumento, porém, pode ser questionado por Dantzig223
, pois considera que o
processo de correspondência dá apenas um meio de comparar duas coleções, mas é incapaz de
promover a criação dos números no termo absoluto da palavra e eu acrescento, nas formas
numéricas ordinal e cardinal. Diz Dantzig, ainda, que é mais provável que os números tenham
sido criados tipificando coleções modelos como as duas asas de um pássaro, as quatro patas
de um animal, os cinco dedos da mão e assim por diante.
Marta – Apesar de termos Dantzig como uma das referências para a elaboração da
primeira etapa do programa, esses fatos que descreve fogem-me à memória.
Paula – Tal percepção o aproxima de Wittgenstein, que acredita que os
significados são produzidos no uso feito da linguagem. Porém Dantzig tem uma concepção
essencialista/metafísica de matemática, por exemplo, quando descreve que o progresso da
220
Dantzig (1970); Eves (2005); Ifrah (1989). 221
Moura (1996). 222
Oliveira (2005, p. 26). 223
Dantzig (1970, p. 20).
96
matemática deve-se ao fato de termos aprendido a identificar os dois aspectos do conceito de
número: cardinal e ordinal224
. Enquanto a concepção matemática wittgensteiniana concebe o
jogo de linguagem no qual o número 5, por exemplo, tem um valor quantitativo dependendo
de sua posição e tem um valor qualitativo dependendo da grandeza medida que representa, ou
seja, tem sua gramática/regra/significado de acordo com o jogo de linguagem no qual se
insere.
Marta – Essa aproximação que faz entre Dantzig e Wittgenstein fez-me lembrar
de Caraça225
, para quem o número nasce da experiência (procura algo sobre a mesa). Aqui
está seu livro Conceitos fundamentais da matemática, deixe-me achar a página... Ouça: no
capítulo 1, ao tratar dos números naturais, destaca que “a ideia de número natural não é um
produto puro do pensamento, independentemente da experiência; os homens não
adquiriram primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os
números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A
imagem do homem, criando duma maneira completa a ideia de número, para depois a
aplicar à prática de contagem, é cômoda, mas falsa”. Uma concepção positivista de
encarar a matemática.
Paula – Eu diria que é possível porque esta é uma versão, porém há outras.
Wittgenstein refere-se à matemática como atividade humana imbuída de práticas
socioculturais, se contrapondo, segundo Miguel226
, à concepção euclidiana de matemática
como um domínio discursivo – abstrato, universal e homogêneo de conhecimentos
prévios internamente estruturados e validados por uma lógica definida.
Marta – Mas por outro lado, como podemos negar as definições, as regras, os
axiomas, os elementos euclidianos, os princípios platônicos logicamente definidos na
formação dos professores, se a atividade educativa escolar tem sua fundamentação nela?
Paula – Não se trata de negar ou validar essas concepções, definições, axiomas ou
regras matemáticas, mas de colocar sobre o mesmo plano outras perspectivas, outros modos
possíveis. Assim como Picasso, por exemplo, que rompeu com a arte clássica e representou na
obra O Violino e a Uva as faces ocultas destes objetos num mesmo plano. Sob meu ponto de
224
Ibid. (p. 21). 225
Caraça (2002, p. 4). 226
Miguel, Vilela e Moura, (2010, p. 134).
97
vista, outro modo possível de abordar a matemática seria a partir da concepção do segundo
Wittgenstein.
Numa perspectiva wittgensteiniana, Miguel227
destaca que a matemática tem
uma função normativa em oposição a uma função de caráter descritivo da realidade. A
linguagem normativa da matemática nos direciona para o que pode ou não ser
empregado ou entendido. Por exemplo, numa atividade humana de organização da sala de
jantar na qual é preciso preparar a mesa para receber os convidados, utilizam-se as
gramáticas/regras matemáticas nesse jogo de linguagem ao quantificar os pratos, talheres,
cadeiras, para distribuir todos os utensílios ao redor da mesa, de forma a chegar a um
resultado possível e adequado à situação.
Num outro momento, este mesmo problema de organização da sala de jantar,
provavelmente, terá outras particularidades, será outro jogo de linguagem que levará a outra
utilização/organização da gramática matemática na atividade humana.
Marta – Interessantes essas colocações: a aproximação que faz da atitude
transgressiva de Picasso com a atitude problematizadora das práticas pedagógicas do PALMA
e a matemática como linguagem normativa de práticas.
Nossa, essa problematização vai longe. Parece infinita!
Paula – Ao problematizar, buscamos os rastros das práticas escolares de
mobilização da matemática, das quais fazemos uso no programa, e nesses rastros encontramos
outros rastros. Do mesmo modo que, ao buscar os rastros das obras de Picasso é possível
depara-se com artistas clássicos, com a arte africana e a arte egípcia, entre outros rastros que
as constituem.
Nesse sentido, a forma como abordamos a história no ensino da matemática
aproxima-se da perspectiva evolucionista que remonta ao século XIX e tem sua base nos
trabalhos do morfologista Ernest Haeckel228 que defendeu, através de uma extensão de sua lei
biogenética fundamental ao domínio psicológico, que o desenvolvimento psíquico da criança
é uma repetição abreviada da evolução filogenética229
. É como se toda produção cultural do
227
Ibid. (p. 140). 228
Ernst Haeckel (1834-1919), morfologista, defensor do darwinismo, “interessou-se profundamente pela
anatomia comparada de homens e animais. Isso o levou a construir uma árvore ou linhagem para o homem e a
sugerir que, durante seu desenvolvimento, o embrião atravessa os mais importantes estágios adultos de seus
ancestrais dessa linhagem evolutiva - o que se tornou conhecido como ‘lei biogenética’ de Haeckel” (Ronan, v.
IV, 1987, p. 79) apud Miguel (2003, p. 26) 229
O termo filogenética deriva dos termos grego file e filon – tribo e raça; o termo genético – em relação ao
nascimento, origem ou nascimento. É o estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos que é descoberto
98
passado se projetasse biologicamente sobre o presente e determinasse de algum modo, o seu
curso. Para Miguel230
, esta concepção condiciona o modo de se conceber, no plano
epistemológico, os próprios objetos de conhecimento e, particularmente, o modo de se
conceber os objetos da Matemática, e também, no plano pedagógico, o modo de se
conceber o ensino-aprendizagem da matemática. Visão esta que constitui a
matemática como um corpo cumulativo prévio e sequenciado de conhecimentos produzidos
de forma cronológica, sequenciada, hierarquizada que influenciou o ensino de matemática no
Brasil e no mundo.
Marta – No sentido de estruturar os programas de ensino?
Paula – Sim. Ainda segundo Miguel231
, nos programas de ensino a sequência
pedagógica ideal de desenvolvimento dos tópicos de ensino de matemática escolar
deveria coincidir com a sequência cronológica do surgimento de tais tópicos na
história.
Marta – Esta visão tem semelhança com nossa ação pedagógica na primeira etapa
do PALMA. Inclusive comentamos com os professores/cursistas que a criança passa pelas
mesmas etapas para adquirir o conceito do número pelos quais a humanidade passou, ou seja,
o domínio do senso numérico, depois a contagem termo a termo, seguidos dos agrupamentos,
do valor posicional no sistema de numeração e finalmente a compreensão e a necessidade do
zero operacional para ocupar a casa vazia no valor de posição.
Paula – De acordo com Miguel232
, a perspectiva evolucionista também contribuiu
para a organização curricular dos tópicos matemáticos, não de acordo com uma sequência
cronológica rígida, mas de acordo com a vinculação dos mesmos a etapas cronológicas
qualitativamente distintas pelas quais, supostamente, a matemática teria passado na história.
Por exemplo, começamos a abordagem da disciplina de matemática pelos números, depois o
sistema de numeração, seguido das operações aritméticas de primeiro grau, depois de segundo
grau, terceiro e assim sucessivamente; exatamente como sugere Caraça233
em seu livro.
A visão evolucionista se contrapõe com a perspectiva wittgensteiniana, que
considera a matemática como uma gramática/conjunto de regras normativas que fazem
por meio de sequenciamento de dados moleculares e matrizes de dados morfológicos (dados das formas e
estruturas). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Filogenia> acesso em: 14 out. 2014. 230
Miguel (2003, p. 27). 231
Ibid. 232
Ibid. 233
Caraça (2002).
99
sentido em seu uso nas diversas atividades humanas e não exclusivamente nas práticas
escolares de forma hierarquizada na disciplina.
Marta – Bem, a partir dessa discussão, eu diria que a visão essencialista de
conceito na perspectiva evolucionista, além de compartimentar o ensino, ainda o sequencia de
forma que o conceito é informado ao aluno por etapas/níveis do concreto ao abstrato, de
acordo com o grau de dificuldade.
Devo admitir a nossa preocupação, no curso de formação, em mostrar aos
professores/cursistas que o melhor caminho para se ensinar o número é o recurso à sua
história.
Suponho, diante dessa problematização, que não devemos descartar essa
possibilidade, mas indicá-la como apenas um dos modos de ensinar número. Mesmo porque
se formos nos ater rigorosamente à gênese do número, teremos que considerar outras questões
tais como a que Dantzig nos traz234
: o conceito nasceu da experiência ou a experiência
apenas, simplesmente, serviu para tornar explícito o que já estava latente na mente
primitiva? E outra, ainda: O número já está na natureza? São questões fascinantes para
especulações metafísicas e que vão além dos limites que propomos para este estudo do curso
de formação.
Paula – Essas questões que você coloca me fazem retomar Abreu e Moura235
, que
relatam um episódio de sala de aula com uma atividade sobre o conceito de número natural
enquanto linguagem e a proposta é que os alunos, jovens e adultos, expliquem a um ser
extraterrestre “o que é número” É uma atividade interativa de controle das ovelhas,
semelhante à atividade que realizamos no PALMA236
, sem o uso do numeral hindu-arábico.
Nesse relato, os grupos chegam a conclusões diferentes quanto ao controle das ovelhas, assim
como aconteceu na história pré-científica dos números em toda sua dinâmica de formação do
conceito até chegar à abstração do ato externo de contar.
Marta – É o que acontece em nossas aulas também. É interessante que a
preocupação em encontrar uma forma diferente da habitual de contar se sobrepõe ao nosso
objetivo de fazer o grupo de professores/cursistas perceberem o caminho, as relações
humanas, as fases pelas quais a humanidade passou para se chegar à abstração do conceito de
número. É nesta intervenção, numa visão que se aproxima da perspectiva evolucionista, que o
234
Dantzig (1970, p. 18). 235
Abreu e Moura (2012, p. 1), grifo das autoras. 236
Atividade descrita no anexo D.
100
programa destaca semelhanças entre o percurso da humanidade e o percurso da criança para a
construção do conceito de número.
4.5 Problematizando práticas escolares de ensino do número natural
Sabendo um pouco da história do número, acredito que se tornaram mais
significativos os símbolos que utilizamos para representar quantidades; a compreensão do
movimento lógico-histórico do conceito de número se faz inerente à compreensão da
matemática, já que a capacidade de utilizá-los (os números), não é inata; cada povo foi
inventando sua maneira de contar, só que com o avanço social houve a necessidade de se criar
uma forma ágil e econômica em símbolos.
Paula – Ao problematizar, buscamos os rastros das práticas escolares de
mobilização da matemática das quais fazemos uso no programa e nesses rastros encontramos
outros rastros.
A forma como abordamos a história no ensino da matemática aproxima-se da
perspectiva evolucionista que remonta ao século XIX e tem sua base nos trabalhos do
morfologista Ernest Haeckel237 que defendeu, através de uma extensão de sua lei biogenética
fundamental ao domínio psicológico, que o desenvolvimento psíquico da criança é uma
repetição abreviada da evolução filogenética238
. É como se toda produção cultural do passado
se projetasse biologicamente sobre o presente e determinasse de algum modo, o seu curso.
Para Miguel239
, esta concepção condiciona o modo de se conceber, no plano
epistemológico, os próprios objetos de conhecimento e, particularmente, o modo de se
conceber os objetos da Matemática, e também, no plano pedagógico, o modo de se
conceber o ensino-aprendizagem da matemática. Visão esta que constitui a
matemática como um corpo cumulativo prévio e sequenciado de conhecimentos produzidos
237
Ernst Haeckel (1834-1919), morfologista, defensor do darwinismo, “interessou-se profundamente pela
anatomia comparada de homens e animais. Isso o levou a construir uma árvore ou linhagem para o homem e a
sugerir que, durante seu desenvolvimento, o embrião atravessa os mais importantes estágios adultos de seus
ancestrais dessa linhagem evolutiva - o que se tornou conhecido como ‘lei biogenética’ de Haeckel” (Ronan, v.
IV, 1987, p. 79) apud Miguel (2003, p. 26). 238
O termo filogenética deriva dos termos grego file e filon – tribo e raça; o termo genético – em relação ao
nascimento, origem ou nascimento. É o estudo da relação evolutiva entre grupos de organismos que é descoberto
por meio de sequenciamento de dados moleculares e matrizes de dados morfológicos (dados das formas e
estruturas). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Filogenia> acesso em: 14 out. 2014. 239
Miguel (2003, p. 27).
101
de forma cronológica, sequenciada, hierarquizada, que influenciou o ensino de matemática no
Brasil e no mundo.
Marta – E qual é a verdadeira natureza desse processo na perspectiva
vygotskyana?
Paula – Vygotsky240
afirma que o aprendizado desperta vários processos
internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança
interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus
companheiros.
Marta – Você refere-se à zona de desenvolvimento proximal que, segundo
Vygotsky241
, é a distância entre o nível real (da criança) de desenvolvimento
determinado pela resolução de problemas independentemente e o nível de
desenvolvimento potencial determinado pela resolução de problemas sob orientação
de adultos ou em colaboração com companheiros mais capacitados. Momento em que a
mediação acontece.
Paula – Vygotsky entende que o mecanismo de mudança individual ao longo do
desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura, portanto, na interação homem-
ambiente pelo uso de sistemas de instrumentos (objetos culturais) e pelo uso de sistemas de
signos (a linguagem, a escrita, o sistema numérico). Estes sistemas criados pelo homem ao
longo da história humana modificam a forma social e o nível de seu desenvolvimento cultural.
Diante disso, Vygotsky242 acreditava que a internalização dos sistemas de signos
produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e estabelece um
elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual.
Marta – O desenvolvimento da criança está relacionado com o aprendizado da sua
cultura através da interação social. Ainda segundo Vygotsky243
, o momento de maior
significado no curso do desenvolvimento intelectual acontece quando a fala e a
atividade prática, então duas linhas completamente independentes de
desenvolvimento, convergem.
240
Ibid. (p. 101). 241
Ibid. (p. 148). 242
Ibid. (p. 8). 243
Ibid. (p. 27).
102
Por conseguinte, é possível perceber rastros dessa abordagem histórico-cultural na
atividade do pastor no programa244
, na qual o número, como fundamento matemático, é um
conhecimento construído socialmente e sua aprendizagem passa pela mediação do outro245
.
Paula – Ou seja, a criança passa a conhecer um objeto cultural qualquer quando
ela aprende os significados culturais que foram sendo deixados no objeto ao longo dos
processos de sua elaboração.
Marta – Assim, no caso do conceito de número, organizamos as atividades de
forma que o aprendizado ou a assimilação do significado de número forneça a base para o
desenvolvimento de vários processos internos altamente complexos do pensamento das
crianças, ou seja, resulte num processo de desenvolvimento mental - zona de desenvolvimento
proximal - culturalmente organizado. Nas quais incluímos atividades práticas e linguagem nos
momentos em que, por exemplo, pedimos aos professores/cursistas exteriorizarem seu
pensamento quanto à resolução do problema do pastor em controlar a quantidade de ovelhas
através de registros e da oralidade. O que pressupõe, assim como na história da humanidade,
não ser um processo linear, estático e nem mesmo simultâneo, mas com necessidades e
preocupações essencialmente humanas. Enfim, não vejo essa atividade como uma apologia ao
mecanicismo do conhecimento.
Paula – Bem, essas suas observações instigam-me a pensar em algumas
abordagens do número no campo da filosofia que embasam práticas escolares de mobilização
da matemática presentes no ensino e, em particular, no ensino de matemática. Refiro-me, mais
especificamente, a Pitágoras246 e Platão
247.
Para a escola pitagórica, o arké248
, o princípio absoluto, a essência de tudo o que
existe é o número, não o número 1, 2, 3... mas o valor que representa. O número era a própria
coisa, o ser real em sua unidade básica constitutiva, sendo, pois, um princípio originário. Para
Law249
, a importância dessa convicção é de que os números são a chave para
244
Atividade descrita no anexo D. 245
Moura (1996, p. 11). 246
Pitágoras, filósofo e matemático grego, nasceu por volta de 570 a. C. e faleceu em torno de 497 a. C. 247
Platão, filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, nasceu por volta de 428 a. C. e faleceu
por volta de 348 a. C. 248
O termo arké ou arché é um termo fundamental na linguagem dos filósofos pré-socráticos, dado que é
caracterizado pela procura da substância inicial de onde tudo deriva e é também a ideia mais antiga na filosofia,
já que se tornou no ponto de passagem do pensamento mítico para o pensamento racional. Disponível em:
<http://www.infopedia.pt/$arche;jsessionid=0WSPG8M+9wKGyEdpPSmBQA>. Acesso em: 15 mar. 2014. 249
Law (2008).
103
compreender a natureza da realidade. E, segundo Ifrah250
, o uso dos números, no senso
comum, é considerado como uma abstração da mente, tão evidente que se chega quase a
ser considerado como uma aptidão inata do ser humano, assim como falar, andar.
Platão defendia uma visão de aritmética e do número que tem forte influência do
pitagorismo e, segundo Pinheiro251
, é o próprio Platão que se refere aos pitagóricos quando
fala de se chegar à harmonia da mente pelo conhecimento dos números. Talvez, o que decorre
dessas escolas filosóficas para o ensino e, no caso, para o ensino que estamos discutindo, o
ensino de número, é a formação de uma visão pedagógica de que há uma essência numérica,
universal e única, que deve ser ensinada ao aprendiz.
Podemos dizer que essa concepção embasa um ensino informativo e repetitivo do
conceito matemático, numa perspectiva mnemônico-mecanicista.
Marta – Mnemônico-mecanicista?
Paula – Segundo Miguel e Vilela252
, no Brasil essas perspectivas predominaram
nos processos escolares durante todo o período imperial, nos quais a memória foi/é
superdimensionada. Também são responsáveis por essa supervalorização da memória nos
processos de aprendizagem os autores europeus de aritméticas comerciais algoristas253
,
através de seus escritos desde meados do século XIII até por volta do século XX. Daí surgiu,
segundo Souza254
, uma orientação pedagógica que rompe com os aspectos manipulativos e
concretos no ensino de número (fichas, pedras, ábaco) e adquire, aos poucos, características
verbais e mecanicistas (memorização visual da sequência numérica, escrita e leitura dos
símbolos numéricos dissociados de suas representações quantitativas, realização mecânica dos
algoritmos das operações aritméticas).
Tal método escolar de mobilização da cultura matemática, de acordo com Miguel
e Vilela255
, se justificava por argumentos pragmáticos como: rapidez, comodidade, precisão
nos resultados, pois se baseavam em práticas culturais comerciais e financeiras.
Marta – Podemos reconhecer semelhanças de família entre a perspectiva
mnemônico-mecanicista e as práticas escolares dos professores cursistas como, por exemplo:
250
Ifrah (1998, p. 9). 251
Pinheiro (2008). 252
Miguel e Vilela (2008, p. 99). 253
Ibid. (p. 100); Ifrah (1989, p. 313-315); Souza (1996, p.70-102). 254
Souza (1996). 255
Miguel e Vilela (2008, p. 100), por meio da expressão “mobilização de cultura matemática”, querem dizer
“aprendizagem” por sua complexidade. “[...] reflete talvez, mais do que um desejo, a necessidade de orientarmos
nossa discussão com base em perspectivas procedentes da teoria da comunicação, combinando-as com outras
provenientes da antropologia cultural e da filosofia da linguagem”.
104
escrever linhas e linhas de numerais; cantar músicas com o objetivo de memorizar a sequência
numérica; treinar a ‘continha’ armada; insistir que as crianças façam ‘continha de cabeça’ sem
utilizar os dedos; memorizar a tabuada por repetição, entre outras.
Paula – Há também as práticas escolares de mobilização de cultura matemática
que se baseiam nas perspectivas empírico-intuitivas desenvolvidas a partir de ideias
pedagógicas burguesas sugeridas em obras de Comênio256
e Locke257
- para quem o número
era encarado como um modo simples obtido através da repetição da unidade – que se
manifestaram principalmente na obra do filósofo Stuart Mill258
- para quem todos os
números devem ser números de algo: não existem números em abstrato – e de
pedagogos como Pestalozzi259
e Fröbel260
, no século XIX e de Maria Montessori261
, no século
256
Comênio (1592-1670), filósofo tcheco, é considerado o pai da didática moderna. Foi o primeiro teórico a
considerar e respeitar a inteligência e os sentimentos da criança. Preconizou o direito de todas as pessoas à
educação. Sua obra, Didática Magna, marca o início da sistematização da pedagogia e da didática no Ocidente.
Foi um dos precursores do método simultâneo – um professor para vários alunos, do calendário escolar e do livro
didático. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/pensadores-da-educacao/comenio.shtml>;
<http://revistaescola.abril.com.br/formacao/pai-didatica-moderna-423273.shtml>. Acesso em: 17 out. 2014. 257
John Locke (1632-1704), filósofo inglês. É considerado um dos líderes da doutrina filosófica conhecida como
empirismo e um dos ideólogos do liberalismo e do iluminismo. Para John Locke a busca do conhecimento
deveria ocorrer através de experiências e não por deduções ou especulações. Desta forma, as experiências
científicas devem ser baseadas na observação do mundo. Locke também afirmava que a mente de uma pessoa ao
nascer era uma tábula rasa, ou seja, uma espécie de folha em branco. As experiências que esta pessoa passa pela
vida é que vão formando seus conhecimentos e personalidade. Defendia também que todos os seres humanos
nascem bons, iguais e independentes. Desta forma é a sociedade a responsável pela formação do indivíduo.
Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/biografias/john_locke.htm>. Acesso em: 17 out. 2014; Souza
(1996, p. 108). 258
John Stuart Mill (1806-1873), filósofo inglês. O filósofo parte da experiência como base de todo
conhecimento, quer nas ciências físicas, nas sociais ou mesmo na matemática. Disponível em:
<http://criticanarede.com/jsmill.html>; <http://educacao.uol.com.br/biografias/john-stuart-mill.jhtm>. Acesso
em: 17 out. 2014; Souza (1996, p. 109). 259
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), educador suíço, afirmava que a função principal do ensino é levar as
crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas. "Segundo ele, o amor deflagra o processo de auto-
educação". Em 1801 Pestalozzi concentrou suas ideias sobre educação num livro intitulado "Como Gertrudes
ensina suas crianças" (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe a sua didática pedagógica, o método
Pestalozzi de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando,
escrevendo e contando, e assim por diante. O objetivo final do aprendizado deveria ser uma formação também
tripla: intelectual, física e moral. E o método de estudo deveria reduzir-se a seus três elementos mais simples:
som, forma e número. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pestalozzi-
307416.shtml>; <http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Heinrich_Pestalozzi>. Acesso em: 17 out. 2014. 260
Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782-1852), pedagogo com raízes em Pestalozzi, fundador do primeiro
jardim da infância, defendia um ensino sem obrigações porque o aprendizado depende dos interesses de cada um
e se faz por meio da prática. Foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase
de importância decisiva na formação das pessoas – ideia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi
precursor. O nome, jardim da infância, reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para
que cresça de maneira saudável. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/friedrich-
froebel-307910.shtml>; <http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Fr%C3%B6bel>. Acesso em 17 out. 2014. 261
Maria Montessori (1870-1952), educadora italiana e primeira mulher a se formar médica em seu país – Países
Baixos. Pioneira no campo pedagógico ao dar mais ênfase à autoeducação do aluno do que ao papel do
105
XX. Segundo Miguel e Vilela262
, essas perspectivas empírico-intuitivas foram, em grande
parte, produzidas sob o condicionamento direto de uma educação escolar que, cada
vez mais, era vista e reconhecida como necessária na formação do cidadão por parte de
quase todos os sistemas escolares de ensino. Tinha como característica partir da intuição
ao conceito, do particular ao geral e do concreto ao abstrato.
Para Miguel e Vilela263
, contrariamente às perspectivas mnemônico-
mecanicistas, as empírico-intuitivas procuram fundamentar-se em argumentos
pedagógicos baseados em uma psicologia empírico-indutivista de cunho
associacionista da aprendizagem matemática, e diretamente produzidos sob o
condicionamento de práticas culturais propriamente escolares.
Marta – Ou seja, nesse sentido, a percepção sensorial e experimentação passam a
constituir elementos básicos que caracterizam o processo de mobilização de cultura
matemática na prática escolar. Presumo que atividades encontradas entre os
professores/cursistas como, por exemplo, as várias maneiras de se agrupar sete elementos: um
mais seis, dois mais cinco, três mais quatro; apresentar o número um e só depois de ter sido
explorado, manipulado para ser reconhecido e aprendido, é que se apresenta o número dois e
assim sucessivamente, sempre somando-se mais um; se assemelham às abordagens
pedagógicas empírico-intuitivas.
Paula – Há ainda uma outra concepção que nos é familiar nas salas de aula.
Marta – Outra? Qual?
Paula – Desenvolvida a partir do século XIX, pelo filósofo e matemático alemão
Frege264
, para quem o número não é uma entidade real e nem subjetiva, o número é algo
professor como fonte de conhecimento. Individualidade, atividade e liberdade do aluno são as bases da sua
teoria, com ênfase para o conceito de indivíduo como, simultaneamente, sujeito e objeto do ensino. Montessori
defendia uma concepção de educação que se estende além dos limites do acúmulo de informações. O objetivo da
escola é a formação integral do jovem, uma "educação para a vida". A filosofia e os métodos elaborados pela
médica italiana procuram desenvolver o potencial criativo desde a primeira infância, associando-o à vontade de
aprender - conceito que ela considerava inerente a todos os seres humanos. O método Montessori é
fundamentalmente biológico. Sua prática se inspira na natureza e seus fundamentos teóricos são um corpo de
informações científicas sobre o desenvolvimento infantil. Segundo seus seguidores, a evolução mental da criança
acompanha o crescimento biológico e pode ser identificada em fases definidas, cada uma mais adequada a
determinados tipos de conteúdo e aprendizado. Disponível em:
<http://revistaescola.abril.com.br/formacao/medica-valorizou-aluno-423141.shtml>;
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Montessori>. Acesso em: 17 out. 2014. 262
Miguel e Vilela (2008, p. 101). 263
Ibid. (p. 102). 264
Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848-1925), matemático e filósofo alemão, foi o principal criador da lógica
matemática moderna. O grande contributo de Frege para a lógica matemática foi a criação de um sistema de
106
objetivo. Ouça o que diz sobre o número em sua obra, Fundamentos da aritmética265
:
“distingo o objetivo do palpável, espacial e efetivamente real. Por exemplo, o eixo da
Terra e o centro de massa do sistema solar são objetivos, mas preferiria não chamá-los
de efetivamente reais como a própria Terra. Chama-se frequentemente o equador de
linha imaginária; mas seria falso chamá-lo de linha imaginada; ele não nasceu do
pensamento, não é produto de um processo mental, mas é apenas conhecido,
apreendido pelo pensamento.
Marta – Isso significa que o número, para Frege, é um ente imaginário objetivo,
porém não existe como um objeto material, ou seja, existe objetivamente.
Paula – Miguel e Vilela266
complementam que enquanto as perspectivas
mnemônico-mecanicistas têm como características a memorização e o verbalismo, as
abordagens empírico-intuitivas se caracterizam pela percepção sensorial. Com isso, sabe o
que surge na década de 1970?
Marta – Claro que sei. As perspectivas construtivistas.
Paula – Exatamente, e trazem consigo o papel fundamental da ação e da operação
em relação à percepção sensorial. Para as perspectivas construtivistas piagetianas, a história
da cultura matemática é vista como uma história universal, etapista, progressiva e cognitivista
dos objetos matemáticos.
Marta – O que quer dizer com história universal, etapista, progressiva e
cognitivista?
Paula – Baseada em Miguel e Vilela267
, afirmo que é uma história universal
porque a cultura matemática é vista como possuidora de uma unidade interna, que pode vir a
sofrer transformações históricas, mas não altera sua rota pré-estabelecida; etapista porque
passa por estágios sequenciados, por ser uma história frequentemente assimilada à cultura
matemática dos matemáticos profissionais; progressiva por ser hierarquizada segundo as
categorias epistemológicas de sistematização, estruturação formal, rigor e generalidade no
representação simbólica (Begriffsschrift, conceitografia ou ideografia) para representar formalmente a estrutura
dos enunciados lógicos e suas relações, e a contribuição para a implementação do cálculo dos predicados. Esse
parte da decomposição funcional da estrutura interna das frases (em parte substituindo a velha dicotomia sujeito-
predicado, herdada da tradição lógica Aristotélica, a oposição matemática função-argumento) e da articulação do
conceito de quantificação (implícito na lógica clássica da generalidade), tornado assim possível a sua
manipulação em regras de dedução formal. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gottlob_Frege>.
Acesso em: 17 out. 2014. 265
Frege (1983, PP.223-224) apud Souza (1996, p. 110). 266
Miguel e Vilela (2008, p. 103). 267
Ibid.
107
processo de construção da cultura matemática; cognitivista porque visa constituir as operações
cognitivas produzidas em cada uma das etapas desse processo evolutivo.
Marta – Ao abordar o construtivismo no PALMA, não notamos toda sua
complexidade. É uma abordagem muito superficial.
Paula – Sim, gostaria de comentar um pouco mais sobre a visão vygotskyana, pois
acabei de ler o livro A formação social da mente.
Marta – Pode falar.
Paula – Numa visão vygotskyana, o aprendizado da criança começa muito antes
de sua vida escolar. Segundo Vygotsky268
, o aprendizado tal como ocorre na idade pré-
escolar difere nitidamente do aprendizado escolar, o qual está voltado para a
assimilação de fundamentos do conhecimento científico.
Vygotsky269
considera que o desenvolvimento das crianças nunca acompanha
o aprendizado escolar da mesma maneira como uma sombra acompanha um objeto
que a projeta. Na realidade, existem relações dinâmicas altamente complexas entre os
processos de desenvolvimento e de aprendizado, as quais não podem ser englobadas
por uma formulação hipotética imutável.
Em continuidade, Vygotsky270 acrescenta que cada assunto tratado na escola
tem a sua própria relação específica com o curso do desenvolvimento da criança,
relação essa que varia à medida que a criança vai de um estágio para outro. Isso leva-
nos diretamente a reexaminar o problema da disciplina formal, isto é, a importância de
cada assunto em particular do ponto de vista do desenvolvimento mental global.
Marta – Espere, enquanto as perspectivas empírico-intuitivas e as construtivistas
se preocupam com as práticas escolares para a mobilização da cultura matemática, Vygotsky
afirma que o processo de desenvolvimento e de aprendizado das crianças não acontece no
mesmo ritmo com que acontecem as aulas de matemática?
Paula – É de fato, as próprias professoras/cursistas do PALMA declaram que por
vezes acontece de avançarem com o conteúdo e, de repente, percebem que as crianças não
aprenderam e têm que voltar às explicações anteriores. Por exemplo, é comum, segundo
relatos das professoras/cursistas, terem que voltar a rever as regras do sistema de numeração
268
Vygotsky (1991, p. 94-95). 269
Ibid. 270
Ibid. (p. 102-103).
108
decimal quando já estão nas operações aritméticas271
, pois é no uso que acabam percebendo
que as crianças não aprenderam tal conteúdo.
Marta – Sem contar que, por seus relatos, as professoras percebem que cada
criança tem seu próprio nível de desenvolvimento e aprendizado.
Paula – Com base nas ideias de Wittgenstein, os jogos de linguagem nas práticas
escolares se diferem entre si e estas se diferem das práticas das atividades humanas que não as
da escola. Miguel, Vilela e Moura272
, influenciados pelas perspectivas filosóficas
wittgensteiniana, foucaultiana e derridiana, no artigo intitulado Desconstruindo a matemática
escolar sob uma perspectiva pós-metafísica de educação, defendem um modo pluralista de
ver e ler matemáticas que denominam práticas (in)disciplinares de problematização cultural.
Marta – Você já comentou que eles colocam essa proposta em prática na
disciplina de Estágio da Faculdade de Educação da Unicamp.
Paula – Quero reforçar que o objetivo aqui não é sobrepor/opor uma perspectiva
ou uma abordagem pedagógica à outra, mas enfatizar os processos de produção de
significados a que remetem. O sentido que aqui imprimo é de desconstrução das práticas
escolares de mobilização da matemática do programa de formação no qual atuamos com o
objetivo nos destituirmos da dieta unilateral na qual nos encontramos.
Marta – Se entendi bem seu propósito, muito menos tem a intenção de dizer qual
perspectiva está certa ou qual está errada, uma vez que esta dicotomia é inexistente. A
exemplo de comparar o cubismo de Picasso com o classicismo de Poussin, não há sentido, são
estilos distintos.
Paula – Pois bem, segundo os autores desse artigo, Miguel, Vilela e Moura273
, as
problematizações indisciplinares que efetivamente acontecem em diferentes contextos de
atividade humana são sempre jogos pré-interpretados e, portanto, reinterpretáveis,
mesmo que tais jogos sempre comportem uma dimensão normativa, os processos de
produção de significado em que professores e estudantes estão envolvidos são sempre
de natureza interpretativa. Nessa perspectiva os alunos aprendem de forma global, de
acordo com os usos de/em cada prática.
271
Anotações próprias do curso de formação no ano 2013. 272
Miguel, Vilela e Moura (2010). 273
Ibid. (p. 198).
109
Marta – Sem dúvida essa é uma outra forma de aprender, eu diria até muito
ousada para nossa realidade, pois como falar da (in)disciplinaridade num curso de formação
inserido num sistema educacional que trabalha disciplinarmente?
Paula – Você está focada numa forma mecânica e controlada de pensar a educação
com rastros na modernidade. Por exemplo, tribos indígenas, como os índios mundurucus, os
waimiri-atroari274
, contam até cinco sem ter necessidade de introduzir mais algarismos ao seu
sistema275
.
O que demonstra que nem todos os sistemas numéricos sofreram a decantada
evolução e que o evolucionismo conceitual numérico é uma visão privilegiada do conceito de
número. Embora trabalhemos no programa com as diferentes formas culturais do número nas
diversas civilizações, tribos, povoados, sempre o abordamos sob uma perspectiva
evolucionista e de um único conteúdo para todas as formas.
Marta – Quais seriam os aspectos que limitam essa abordagem unilateral ou
mesmo essa visão privilegiada de conceito de número?
Paula – Bem, de acordo com meu ponto de vista, entregamos aos
professores/cursistas verdades que não condizem, por exemplo, com as diversas perspectivas
do conceito de número ao longo da história da matemática; com os diferentes jogos de
linguagem que mobilizam usos/significados numéricos diferenciados nas várias atividades
humanas e nas diferentes formas de vida gerando, assim, um significado matemático único e
verdadeiro. Reforçando, então, o modo privilegiado de como a escola trata o conceito
matemático.
Marta – Tem razão, veja a numeração maia276
, por exemplo, vem desmistificar o
sistema decimal europeu como fruto de uma evolução necessária, um bem universal. A
expansão do sistema de numeração que utilizamos hoje se deve mais à emigração desta
cultura hindu pelos árabes-muçulmanos com sua prática comercial do que somente pelas
necessidades aritméticas. Os maias também tinham um símbolo para ao zero, utilizavam os
números muito mais para fins religiosos e calendários do que para fins cotidianos. Uma
civilização riquíssima em conhecimentos que têm semelhanças de família com a cultura e
conhecimentos eurocêntricos, mas com muitas particularidades também.
274
Ferreira (2005, p. 92). 275
Sistema entendido como um conjunto de regras criado pelas próprias tribos para dar conta de suas
necessidades utilitárias. 276
Ifrah (1989, p. 249); Cauty e Hoppan (2005, p. 16).
110
Paula – É a nossa cultura científica eurocêntrica e essencialista que não nos deixa
perceber e valorizar conhecimentos de outros povos. É dessa cultura que herdamos a crença
de que existe uma matemática única e universal.
Marta – Talvez aí esteja a resposta da dificuldade de nós mesmas como
formadoras quanto das professoras cursistas em mudar nossas práticas escolares de
mobilização da matemática. Pois a concepção que temos de matemática direciona nossas
práticas escolares.
Paula – É provável. Depois de leituras e discussões com o grupo de pesquisa e
com minha orientadora, surge a questão: é possível haver/reconhecer mudanças de prática
escolar do professor?
Marta – Que tipo de mudança?
Paula - A mudança poderia ser até no sentido do professor confirmar-se em sua
própria prática habitual. Quem disse que somos as autoras da melhor prática escolar? Será que
a procura pelo programa de formação significa que a prática do professor em sala de aula é
inadequada, ineficaz?
Como já conversamos anteriormente, o professor intuitivamente, empiricamente,
pelas próprias ações, vai percebendo que: “eu faço essa abordagem, o aluno apresenta
dificuldade; eu faço a abordagem do curso, o aluno apresenta dificuldade; eu faço outra, o
aluno apresenta dificuldade”; então pensa assim: “vou ficar com a minha prática, mesmo
porque sei fazer melhor, uma vez que de todos os outros modos que faço ele continua a
apresentar dificuldade”.
Marta – Tem razão, quantas vezes os professores comentam que, independente de
como abordam determinados conteúdos, alguns alunos não aprendem277
.
Paula – Portanto, não significa que o professor não mudou, significa que ele teve
mais um parâmetro, analisou e se confirma no que sempre fez. O professor demonstra que, ou
ele se ratifica na prática na qual foi formado ou, por outro lado, acrescenta alguma coisa do
curso aqui e ali.
Marta – Ele fragmenta o curso e insere na sua prática habitual o que acha
interessante.
Paula – O professor não tem uma concepção extrema de ensino, de aprendizagem
ou vê o curso como tal, portanto, vai realizando sua aula empiricamente, intuitivamente vai
277
Excerto da transcrição da entrevista com a coordenadora Sara (nome fictício) ao se referir às várias
abordagens pedagógicas utilizadas pelos professores de sua escola.
111
observando se o aluno aprende ou não. Trabalha numa visão cognitivista de ensino e
aprendizagem.
Voltando às visitas na sala de aula e às entrevistas que fazem parte do corpus
desta pesquisa, com relação ao conceito de número, prevalece a quantificação e sua
importância operacional como foco de ensino, ou seja, conhecer os símbolos numéricos para
utilizá-los adequadamente nas regras do sistema de numeração.
Marta – Segundo Abreu e Moura278
, a escola valoriza o aspecto prático do
número, o seu movimento de criação é descartado porque não é necessário para sua
manipulação.
Paula – Quando os professores/cursistas vivenciam no programa a sequência de
atividades sobre o conceito do número279
e relatam que agora percebem a dificuldade dos
alunos para compreenderem esse conceito é porque enquanto alunos, no Ensino Fundamental,
aprenderam a lidar com os números e o sistema de numeração sem tal compreensão. Para
utilizar os símbolos numéricos é preciso conhecer suas regras e estas independem de sua
evolução histórica.
Marta – Mas conhecer a história do número não ajuda na compreensão do seu
conceito?
Paula - São jogos de linguagem diferentes, saber a história do número não garante
o conhecimento gramatical de suas regras e a preocupação da escola é com os usos adequados
dessas regras do sistema de numeração decimal (convencionalmente utilizado no âmbito
escolar do ensino fundamental).
De acordo com Abreu e Moura280
, a origem da ideia de número pode estar
também relacionada à necessidade de lembrar, de “guardar” na memória um conjunto
de coisas que dificilmente poderiam ser imobilizadas e guardadas junto de si.
Marta – O que quer dizer com “guardar” na memória?
Paula – A memória, mais do que o pensamento abstrato, é característica
definitiva dos primeiros estágios do desenvolvimento cognitivo. Para Vygotsky281, ela
278
Abreu e Moura (2012, p. 12). 279
A sequência de atividade, descrita detalhadamente no anexo D, é a seguinte: A pré-história do conceito de
número: senso número, numeral objeto, numeral abstrato; história virtual dos Papuas de Nova Guiné: ordem e
cardinalidade; sistemas de numeração das grandes civilizações do passado: diversidade de sistemas, inclusive o
sistema hindu-arábico; atividade de criação de um sistema próprio de contagem. 280
Ibid. (p. 6). 281
Vygotsky (1991, p. 57) grifo do autor.
112
está tão “carregada de lógica” que o processo de lembrança está reduzido a estabelecer
e encontrar relações lógicas. Como acontece com a pedra em relação ao que ela faz o pastor
lembrar. Talvez, no princípio, as pedras fossem relacionadas à memória para controlar seus
pertences para depois vir a necessidade de quantificá-los. Exemplifica Vygotsky282
que
quando atamos um nó num lenço, registramos um símbolo na mão, para nos ajudar a lembrar
de algo, estamos construindo um processo de memorização.
O movimento de controle de variações quantitativas a partir das pedras torna-se o
aspecto fundamental de transformação do desenvolvimento do homem, o que o diferencia dos
outros animais. O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual acontece a interação entre as pessoas. Isso demonstra que não há
uma única versão sobre a origem da linguagem numérica, do primeiro modo de contar.
E como afirma Derrida, se formos procurar uma origem só encontraremos rastros
de rastros de rastros. Portanto, para se compreender número ou seus diferentes significados
não é uma condição necessária saber de sua possível origem, mas sim compreender os
diferentes usos numéricos nas diferentes civilizações. Uma visão evolucionista do conceito de
número pode estar fundamentada em concepções essencialistas e metafísicas da matemática
que diferem da visão wittgensteiniana da matemática como um jogo de linguagem, como uma
atividade humana.
A propósito, na segunda etapa do curso, abordamos autores como Constance
Kamii283
, que considera que o recurso à história no ensino dos números não favorece as
condições de aprendizagem do aluno, pois ao ensinar através da transmissão social não fazem
a distinção fundamental entre o conhecimento social e o lógico-matemático.
Marta – Kamii se fundamenta na perspectiva cognitivista de Piaget para a qual a
criança aprende na interação com o meio segundo seu estágio de desenvolvimento cognitivo.
Paula – O ponto essencial da teoria cognitivista, segundo Becker284
, é o de que o
conhecimento resulta de interações entre sujeito e objeto, mais ricas do que aquilo que os
objetos podem fornecer por eles mesmos.
Piaget285
, no livro intitulado A Gênese do número na criança, explica que para a
aprendizagem do número é necessário que a criança esteja nas condições de amadurecimento
282
Ibid. (1991, p. 58). 283
Kamii (1990, p. 25). 284
Becker (2010, p. 87). 285
Piaget e Szminska (1971).
113
psicológico do estágio operatório concreto, que vai dos 7 aos 11 anos mais ou menos. Nesse
estágio a relação com o real se dá através de ações internalizadas, mas reversíveis, ou
operações lógico-matemáticas e são estas que permitem a construção do conceito de número.
Assim, as operações de conservação e reversibilidade são as que sustentam efetivamente a
aprendizagem numérica para a qual não se faz necessário uma abordagem histórica do
número, pois esta estaria num nível de conhecimento social e não lógico-matemático.
Marta – Entendo. A construção do conceito de número não se dá num começo
absoluto, é resultado de transformações mais ou menos contínuas. Para Piaget286
, um novo
conhecimento sempre decorre de diferenciações progressivas e/ou coordenações
graduais, envolve atos de antecipações e retroações, ou seja, reversibilidade operatória.
Ocorre-me ainda, com referência ao campo da psicologia, outra abordagem que
tem efeitos didático-pedagógicos no ensino de matemática: a teoria sociocultural, sobre a qual
já comentamos anteriormente. Vygotsky287
, que via o pensamento marxista como fonte
valiosa à psicologia, traz para esse campo a aplicação do materialismo histórico e dialético, no
qual não só todo fenômeno tem sua história, como essa história é caracterizada por
mudanças qualitativas e quantitativas.
Paula – Talvez o que mais distingue Vygotsky288
seja a ênfase que dá às
qualidades únicas do ser humano, suas transformações e realizações ativas nos diferentes
contextos sociais e históricos, o que caracteriza a abordagem histórico-cultural de sua obra289
.
Marta – Vygotsky introduziu o conceito de mediação entre o sujeito e o objeto na
relação ensino e aprendizagem. Sob sua visão290
, o conhecimento matemático não é
construído nas relações espontâneas da criança com o seu meio, nem pela transmissão e
repetição mecânica, mas é um processo dialético mediado, simbolicamente, pelo adulto
responsável pelo processo de ensino.
Esse pressuposto confere ao professor o papel de mediador na aprendizagem
escolar pois, na perspectiva vygotskyana291
, o aprendizado adequadamente organizado
286
Piaget (2002, p. 30-31). 287
Vygotsky (1991, p. 06). 288
Segundo Vygotsky (1991, p. 21-25), o que torna o homem tipicamente humano são suas funções psicológicas
superiores: capacidade de planejamento, memória voluntária, imaginação. Sua teoria se preocupa com o
desenvolvimento desses mecanismos intencionais e ações conscientemente controladas. 289
Vygotsky (1991, p. 148-149). 290
Ibid. (p. 52). 291
Ibid. (p. 101).
114
resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de
desenvolvimento que de outra forma seriam impossíveis de acontecer.
Paula – Continuando nossa problematização, no programa PALMA abordamos
que o conhecimento matemático é construído pela criança no ato de fazer por si
mesma e na interpretação com o outro292. Com base na interpretação da teoria
interacionista da mediação simbólica é que nos referimos também à construção dos
significados da linguagem conceitual matemática num contexto de interação professor-aluno e
aluno-aluno utilizando os jogos e as resoluções de problemas como recursos didáticos nas
práticas escolares de mobilização da matemática.
Marta - Em que aspecto a interação em Vygotsky difere da abordagem da
perspectiva piagetiana de ensinar matemática?
Paula – Piaget293
, ao referir-se à psicogênese do conhecimento, o fez de forma
geral sem ater-se ao ensino e aprendizagem no âmbito escolar. Um dos pressupostos de
Piaget do desenvolvimento cognitivo na criança é de que ela aprende através de interações
espontâneas na relação com o meio.
Marta - Nesse sentido, o professor apenas oferece um meio rico de solicitações e
problematizações para o aluno, porém não interfere nos modos como resolve as questões. Esta
é uma atitude que deve caracterizar o professor orientador.
Paula - Tanto Piaget quanto Vygotsky são argutos observadores do
comportamento infantil. Porém Vygotsky294
, pelo seu conhecimento do materialismo
dialético, concebe a criança como um ser inserido num contexto cultural e histórico em
transformação, no qual interage desde o seu nascimento.
Segundo Furth295
, Piaget não atribui importância à fala (linguagem) no
desenvolvimento cognitivo da criança, e apesar de admitir que faça parte de seu meio físico e
social, mostra que para a criança a linguagem é apenas uma das diferentes formas pelas
quais sua capacidade simbólica se manifesta. Já na perspectiva vygotskyana296
, o
desenvolvimento intelectual se dá quando a fala (linguagem) e a atividade prática convergem.
Se comparadas às de Vygotsky, as pesquisas de Piaget e seus colaboradores foram
mais amplas, no sentido de abordarem aspectos como: tempo, espaço, causalidade, número,
292
Becker (2010, p. 87). 293
Piaget (2002, p. 5). 294
Vygotsky (1991, p. 139). 295
Furth (1976, p. 95). 296
Vygotsky (1991, p. 27).
115
quantidades físicas, imagens mentais, desenvolvimento moral, animismo e artificialismo,
entre outros. Para Piaget, segundo Kamii297
, o desenvolvimento da criança acontece em todos
os sentidos, por isso a importância de estabelecer, criar, coordenar todos os tipos de relações
entre os objetos, as ações e as crianças.
Marta – A partir dessa perspectiva, na segunda etapa, trabalhamos a sequência de
jogos que, segundo Kamii298
, auxilia na construção do conceito de número, principalmente
através de seu livro A criança e o número, o qual é sempre citado em concursos, cursos de
graduação e formação continuada. É um livro com dezenas de edições. O que o faz ser tão
especial no ambiente escolar?
Paula – Essa pergunta merece uma investigação, porém não podemos nos
distanciar de nosso propósito de hoje.
Marta – Tem razão, deixemos para outra ocasião. Quando propomos aos cursistas
que se organizem em grupos para, por exemplo, classificarem a coleção de animais ou a
coleção de tampinhas segundo suas semelhanças e diferenças, realizam sem nenhuma
dificuldade. Vejo que a dificuldade está em reclassificarem o mesmo conjunto utilizando-se
de outros atributos.
Paula – Estou aqui pensando numa ação nossa como formadoras. Ouça: quando
vamos até os grupos para, segundo Kamii299
, encorajá-los a estabelecer todos os tipos de
relações entre a coleção de tampinhas ou entre a coleção de animais para promover outros
agrupamentos, não estamos direcionando as respostas até chegarem às mais diferentes
classificações?
Marta – De certa forma temos que fazer isso, pois o tempo do curso é escasso.
Tanto é que direcionamos até as chamadas “boas perguntas”, por exemplo: ao seriarem a
297
Ibid. (p. 43-44). 298
No 2º encontro da II Etapa, os cursistas são separados em grupos para jogarem, de acordo com o seguinte
desenvolvimento (sintetizado), pode ser visto, na íntegra, no anexo G:
1) Atividades com jogos e materiais concretos – 7 grupos.
1. Tampinhas (classificação) 5. Dominó
2. Tampinhas (seriação) 6. Batalha
3. Animais (classificação) 7. Bate mão
4. Jogo da Eliminatória / cara a cara
Orientações:
- Ler as orientações do jogo / material;
- Jogar – familiarizar-se com o jogo;
- Elencar as implicações pedagógicas, ou seja, os conceitos matemáticos envolvidos no jogo / material;
- Qual o papel do professor e do aluno no processo ensino-aprendizagem-avaliação;
- Como as crianças chegam ao conceito de número.
- Prever perguntas a serem feitas aos alunos, anotá-las para socialização. 299
Kamii (1990).
116
coleção de tampinhas, pegamos uma que está fora da seriação feita e a entregamos ao grupo
com a seguinte questão: “onde vocês colocariam esta tampinha?” Quando encontram uma
posição adequada, perguntamos: “por que a colocou nesta posição/local?” Ao que um
integrante do grupo prontamente nos diz que a tampinha que entregamos é menor que a
tampinha da direita e maior que a da esquerda. Feito isso explicamos que o importante é a
relação interna estabelecida para encontrar o local adequado à tampinha e justificar sua ação.
A partir desse procedimento, exemplificamos as intervenções que podem ser feitas para
estimular as crianças a estabelecerem relações variadas entre os objetos.
Paula – Veja a consigna da aula quanto aos jogos: dominó, batalha, jogo da
eliminatória, bate mão300
. Pedimos que joguem para se familiarizarem com o jogo e, em
seguida, devem: elencar as suas implicações pedagógicas; descrever os conhecimentos físicos,
sociais e lógico-matemáticos envolvidos no jogo; anotar o papel do professor e do aluno no
processo de ensino-aprendizagem-avaliação; analisar como as crianças chegam ao conceito de
número; antecipar perguntas a serem feitas aos alunos com relação à atividade.
Marta – Com o objetivo de perceberem a diversidade de relações que podem ser
estabelecidas enquanto jogam, além do simples ato de quantificar. Sem deixar de lado o
incentivo para que utilizem os jogos em sala de aula.
Paula – Ou não, pode ser uma forma de não estímulo aos jogos também.
Marta – Será?
Paula – (levanta-se e pega, no armário, uma pasta catálogo com uma etiqueta
escrita assim: avaliações da II Etapa) Quando, na aula, perguntamos aos professores/cursistas
sobre como as crianças chegam ao conceito de número com estes jogos que propomos, as
respostas são301
: “compreendem o conceito de número ao quantificarem os pontos ou ao
quantificarem a quantidade de cartas, por exemplo, no caso do bate mão302
”; “é difícil
300
Anexo G. 301
Excertos de anotações das avaliações orais realizadas com os professores/cursistas ao final do segundo
encontro da II Etapa do PALMA em: 18 de abril de 2012. 302
Bate-mão – Baralho com as cartas de 1 (às) a 10 (anexo G).
Distribuem-se todas as cartas igualmente entre as crianças do grupo e cada uma faz seu monte com as
cartas voltadas para baixo.
Começa o jogo, cada jogador coloca uma carta sua no meio da mesa com o número voltado para cima e
diz: UM, o 1ª jogador, Dois o 2º jogador, TRÊS o 3º jogador, etc.
Se ao dizer um dos números (até 10), coincidir o número com o da carta foi virada, todos colocam sua
mão sobre a carta.
Quem colocar a mão por último fica com todas as cartas da mesa. Terminando a rodada de 1 a 10, volta-
se para o 1. Ganha o jogo quem primeiro terminar com as cartas da mão.
117
relacionar o desenvolvimento do conceito de número com o jogo das eliminatórias303
, “só
ocorre no momento em que a criança quantifica as cartas dos personagens de que acertou as
características”. Ou seja, estas respostas demonstram que, para essas professoras/cursistas, o
conceito de número está relacionado, exclusivamente, à ideia de quantificação.
Paula – Será que esses professores não demonstram terem (re)significado suas
concepções relativas ao conceito de número numa abordagem cognitivista? Outra coisa, ao
encorajar os professores/cursistas a estabelecer diversas relações entre os objetos para
classificá-los e seriá-los, não estamos direcionando as respostas? Não estamos utilizando a
maiêutica socrática304
como método de ensino?
Marta – Nossa! Agora você foi longe demais!
Paula – Nessa linha filosófica, Sócrates procura a verdade dentro do homem. Uma
busca das virtudes morais: justiça, coragem, temperança, através de questões que, num
contexto específico, por exemplo, na matemática, traz à tona ideias e conceitos mais
complexos. Uma ideia platônica de matemática. Sócrates, num diálogo com um escravo que
nunca havia aprendido geometria antes, em Mênon, vai conduzindo a situação, sempre
partindo das respostas do escravo até deduzir o teorema de Pitágoras305
. Através de questões
simples, inseridas dentro de um contexto determinado, a maiêutica dá à luz ideias complexas.
303 Jogo de Eliminatória. In: ARANÃO, I. V. D. A matemática através de brincadeiras e jogos. Campinas:
Papirus, 1996. p. 63 (anexo G).
Identificação: comparação de rostos. Idade: a partir de 5 anos.
Composição: 3 conjuntos idênticos compostos de 15 rostos cada conjunto com seus respectivos nomes abaixo
década figura. Poderá ser feito em papelão ou em papéis de embalagens vazias (como caixas de sapatos, de
remédios, etc.)
Objetivos: desenvolver a percepção visual e o pensamento lógico; Classificar figuras através da eliminação;
Adquirir a noção de semelhança e diferença.
Modo de jogar:
Distribuir 2 conjuntos de figuras para a dupla participante, ficando o terceiro conjunto para a “compra” de
ambos. É importante lembrar que ambos possuem as mesmas figuras.
Os jogadores deverão descobrir a figura de seu adversário, retirada do conjunto de compras, por meio de
perguntas eliminatórias, tais como: sua figura tem óculos? É mulher? Tem laços no cabelo?...
Cada jogador deverá fazer uma única pergunta na sua vez de jogar.
Ex: O jogador A pergunta: Sua figura tem laços no cabelo?
Jogador B responde: Sim.
Então o jogador A deverá eliminar de seu conjunto todas as figuras que não possuem laços no cabelo, deixando
apenas aquelas que possuem laços.
Depois é a vez do jogador B fazer sua pergunta.
Vence aquele que descobrir primeiro a figura de seu adversário. 304
Este paradoxo do conhecimento pode ser encontrado no diálogo Mênon entre Sócrates e um escravo, escrito
por Platão no séculos IV a.C., no qual Sócrates diz: ”Não é possível o homem procurar o que já sabe, nem o que
não sabe, porque não necessita procurar aquilo que sabe, e, quanto ao que não sabe, não podia procurá-lo, visto
não saber sequer o que havia de procurar.” Platão (s.d., 80d) apud Gottschalk (2010, p. 66). 305
Sócrates inicia desenhando um quadrado no chão, perguntando em seguida ao escravo, qual seria o tamanho
do lado de um quadrado cuja área fosse o dobro do quadrado inicial. Sempre partindo das respostas convictas do
118
Marta – Você quer dizer que quando fazemos as intervenções nos grupos
objetivamos que os cursistas alcancem um conhecimento matemático absoluto sobre o
conceito de número?
Paula – Quando escolhemos os jogos, já temos respostas prévias do que queremos
que os grupos aprendam. Tanto é que em nosso desenvolvimento da aula, já antecipamos
algumas questões para fazer aos grupos enquanto jogam. Agimos de acordo com a perspectiva
essencialista de Platão, aplicando nos cursistas um método que conduz à rememoração de
saberes já contemplados por suas almas no mundo ideal (analogamente à contemplação do
teorema de Pitágoras pela alma do escravo ao ser interpelado por Sócrates). Portanto não creio
que os jogos sejam uma maneira natural e indireta de estimular a aprendizagem, pois a própria
escolha dos jogos já direciona as relações que irão se estabelecer, ou não. Como podemos ter
certeza de um evento interno?
Marta – Em uma de nossas aulas, infelizmente não me lembro em qual delas, uma
professora colocou-me a seguinte questão: se a ideia é que a criança construa o próprio
conhecimento, quando lhe fazemos perguntas não estamos induzindo o seu aprendizado? Sabe
que fiquei pensando nessa questão por vários dias.
Paula – Ouça, algumas páginas antes da que acabou de ler, na qual Kamii conta o
jogo Lero-Lero! 306
, descreve a confusão das crianças com relação à regra impressa do jogo
sobre onde colocar as cerejas e diz o seguinte: a imposição de tais regras arbitrárias é
prejudicial ao desenvolvimento da autonomia da criança.
Marta – Faz sentido. Todo jogo tem suas regras, mas no decorrer do jogo estas
regras podem mudar.
Paula – Com o consentimento do grupo, certo?
Marta – Certo.
Paula – Então continuam sendo impostas e arbitrárias. Será que as regras são
mesmo prejudiciais ao desenvolvimento da autonomia? Bem, mas não é isso que estamos
discutindo agora.
Marta – Até esqueci-me onde este diálogo começou.
escravo, Sócrates vai reformulando-as, introduzindo novas figuras, até que, já no final do intenso interrogatório o
escravo, já exausto, vê desenhado por Sócrates um quadrado que satisfaz as condições do problema matemático.
O lado desta última figura tem como medida a hipotenusa do triângulo retângulo contido no quadrado inicial,
configurando-se, assim, uma das possíveis demonstrações geométricas do já conhecido teorema de Pitágoras.
Ibid. (p. 66). 306
Ibid. (p. 89).
119
Paula – Começamos a conversa problematizando as práticas escolares de
mobilização da matemática utilizadas por nós no programa PALMA e pelos
professores/cursistas em suas salas de aula.
Marta – Sim, claro. Parece-me que nessa segunda etapa, apesar de utilizarmos os
jogos numa abordagem construtivista, em nossas práticas escolares de mobilização da
matemática como formadoras, não proporcionamos a construção da autonomia segundo a
perspectiva piagetiana. No entanto, queremos que aconteça na sala de aula. Falamos da
importância da criança construir o conceito de número a partir da abstração reflexiva, mas não
proporcionamos esse momento aos professores/cursistas.
Paula – Será que existe mesmo um conceito a ser construído? Nós construímos
esse conceito? Será que se sairmos perguntando por aí, aos professores, por exemplo, qual é o
conceito de número? Eles saberão nos responder?
Marta – Eu saberia lhe dar vários exemplos de onde os números estão presentes,
seus usos, sua definição e, sim, até mesmo o conceito. Veja aqui, segundo Kamii307
, o
número, de acordo com Piaget, é uma síntese de dois tipos de relações que a criança
elabora entre os objetos (por abstração reflexiva). Uma é a ordem e a outra é a inclusão
hierárquica.
Paula – Pense no número de seu celular. Ele é a síntese da relação entre a inclusão
hierárquica e a ordem?
Marta – Não.
Paula – Portanto esse é um conceito essencialista de número. O próprio uso social
dos números nos prova que seu conceito é muito mais amplo que a forma como o abordamos
nessa etapa do curso de formação.
Marta – Tudo bem, mas não paramos por aqui! Depois dessas abordagens sobre o
conceito de número, na perspectiva lógico-histórica, sociocultural e na perspectiva
construtivista, falamos de número sobre a perspectiva epistemológica da didática da
matemática308
, que tem como referência teórica a perspectiva construtivista de Piaget e estuda
307
Ibid. (p. 19). 308
A didática da matemática tem Piaget e seus colaboradores como corpo teórico e ocupa-se em estudar o ensino
escolar da matemática. Sendo seu interesse principal facilitar o ensino dos conteúdos de matemática e a
aprendizagem destes, por parte dos alunos. Estuda “os sistemas didáticos: aluno, professor, saber e as inter-
relações entre esses componentes dentro de um contexto caracterizado pela intencionalidade de incidir sobre os
conhecimentos anteriores dos alunos para fazê-los progredir nos saberes que a escola tenta transmitir”.
(MORENO, 2006, p. 48).
120
o ensino dos conteúdos de matemática no contexto escolar levando em consideração as inter-
relações entre aluno, professor e saber.
Nesse sentido, a didática da matemática considera que todo conhecimento novo é
construído a partir de conhecimentos anteriores. Ouça o que Moreno309
escreveu aqui (já com
o livro na mão, que buscou sobre a mesa enquanto falava): na interação desenvolvida por
um aluno em uma situação de ensino, ele utiliza seus conhecimentos anteriores,
submete-os à revisão, modifica-os, rejeita-os ou os completa, redefine-os, descobre
novos contextos de utilização e dessa maneira, constrói novas concepções. Esse
processo dialético descarta toda ilusão de uma construção linear do conhecimento, no
sentido de supor que os favorece estabelecer uma sequência que vá do mais simples ao
mais complexo. Apoiadas nessa didática, propomos aos cursistas reverem os conhecimentos
das crianças com relação aos números.
Paula – Através de autores embasados em pesquisas a nível mundial310
, a didática
da matemática defende que as crianças, quando chegam à escola – na educação infantil e/ou
no primeiro ano do ensino fundamental – já têm uma ideia de número construída, além de
considerar que a apropriação do número está ligada ao cálculo e não à noção de
conservação. Segundo Lerner e Sadovsky311
, quando chegam à escola, boa parte das
crianças já sabe a recitação de séries numéricas, sabem contar e têm algumas hipóteses sobre
a numeração escrita. Diante dessa perspectiva, pedimos aos professores/cursistas que realizem
um ditado de números312
com seus alunos para analisarem o que sabem e como ampliar seus
conhecimentos para que cheguem à compreensão de número e de sistema de numeração
decimal.
309
Ibid (p. 49). 310
“Várias pesquisas em nível mundial (Fuson e Hall, 1983; Fuson, Richard e Briars, 1982) deixaram claro que
as crianças constroem ideias sobre números e sobre o sistema de numeração ainda antes de terem chegado à
escola. Fayol (1985) e Schaeffer, Eggleston e Scott (1974) concordam com outros pesquisadores sobre o cálculo
preceder a conservação. Do mesmo modo, por meio de diversas pesquisas, Gelman e colaboradores (Gelman,
1977, 1983; Gelman e Gallistel, 1978; Gelman e Meck, 1983) consideram que a apropriação do número está
ligada ao cálculo, e não à noção de conservação.” Ibid (p. 55). 311
Délia Lerner e Patricia Sadovsky (2001) realizaram na Argentina uma pesquisa sobre como crianças se
aproximam do conhecimento do sistema de numeração. A partir da comparação de números no “jogo de batalha”
e da ordem: “pensem em um número muito alto e escrevam-no”, chegaram à conclusão de que as crianças
constroem muito cedo hipóteses, ideias próprias para comparar, produzir e interpretar números e de que as
crianças não aprendem a escrita convencional dos números na mesma ordem de sucessão em que se apresenta. 312
Para o lar – DITADO DE NÚMEROS (tarefa do 4º encontro da II Etapa do PALMA)
1º e 2º anos – 7, 13, 40. 76, 100, 158, 333, 1002, 2012, 2017, 6384, 12104.
3º ano – 7, 40, 62, 109, 333, 500, 1256, 2012, 2017, 5008, 10104, 124383.
4º e 5º anos – 97, 175, 208, 494, 2012, 8002, 10547, 30100, 53809, 124483, 1300876.
121
Marta – Quando os professores/cursistas retornam na semana seguinte com os
números escritos pelas crianças, são agrupados por ano escolar para discutirem as produções
numéricas de suas crianças313
. Esse momento é muito interessante, pois constatam exatamente
o que as pesquisadoras já disseram: que as crianças, ao produzirem a numeração escrita,
baseiam-se no princípio aditivo314
da numeração falada e depois vão fazendo aproximações,
reduzindo os zeros até chegar à escrita convencional.
Paula – Tive a oportunidade de presenciar um ditado de números na sala da
professora Carla.
Marta – Você gravou?
Paula – Sim. Quer ver?
Marta – Quero.
4.6 O número em cena na sala de aula
Paula – Deixe-me achá-la aqui nos arquivos. Achei. Vamos lá:
Carla315 – Crianças, vejam o que escrevi na lousa:
Ditado de números.
Ontem ditei alguns números e as meninas foram à lousa,
hoje serão os meninos. Vou ditar dez números.
Paula – Lembra-se, Marta, no curso de formação, estimulamos os
professores/cursistas a colocarem as várias escritas dos alunos na lousa para discutirem com
toda a sala as diferentes representações e chegarem à forma convencional de se representar
313
Análise das escritas numéricas.
1. Observar e analisar como as crianças produziram suas escritas, a partir do ditado de números.
2. Reproduzir as escritas das crianças na lousa, colocando-as nas colunas.
3. Explicar como os alunos pensaram ou em que saberes se apoiaram ao escreverem os números ditados. 314
Na numeração falada, nosso sistema de numeração é aditivo, porém na escrita seu princípio é potencial:
dizemos duzentos e trinta e cinco e escrevemos simbolicamente: 235 (dois, três, cinco). As crianças, por sua vez,
quando ainda não compreendem o princípio potencial, ou seja, a posicionalidade dos dígitos, registram: 200305. 315
Excertos da videogravação e anotações pessoais da aula da professora Carla realizada no dia sete de
novembro de 2012. Aqui descritos em fonte Courier New.
122
uma determinada quantidade. Carla dita um número e chama uma criança para escrever na
lousa, dita outro e chama outra criança, veja:
Carla – 303 (aguarda alguns instantes para que todos
escrevam em seus cadernos). Vem, Otávio, escrever na lousa.
Otávio – É assim, prô (professora)?
Carla – Está certo, pessoal?
Alunos – Sim.
Carla – 711 (aguarda alguns instantes para que todos
escrevam em seus cadernos, enquanto caminha pela sala
observando como escrevem).
Agora vem o Luiz na lousa.
(Luiz se levanta e segue até a lousa).
Luiz – Pronto (escreve 7011).
Carla – (Observa a resposta na lousa e dirige a
pergunta à sala) Está certo, pessoal?
Alunos – Não. Tem que tirar o zero.
Carla (pergunta, se aproximando dele na lousa) – Luiz,
de que ordem é o 700?
Luiz – É da centena.
Carla – Então olha aqui (escreve na lousa: CDU e dá a
seguinte orientação). Coloca o 11 abaixo de cada ordem (letras
iniciais que indicam o valor posicional, ou relativo, dos
algarismos).
Luiz (diz ao pegar o giz e virar-se para a lousa) – Vou
usar a unidade e a dezena.
Carla – Agora coloca o 700. O 7 não é vezes 100? Então
onde deve colocá-lo?
Luiz – Aqui? - pergunta à professora, colocando o giz
abaixo da letra C.
Carla – Isso mesmo, na centena. Próximo número: 1315 -
aguarda alguns instantes para que todos escrevam em seus
cadernos, enquanto caminha pela sala observando como escrevem,
com o objetivo de escolher quem vai à lousa.
123
Vai, Raul, colocar na lousa para mim.
Raul (levanta-se hesitante) – Estou em dúvida (dirige-
se à lousa e, depois de alguns instantes, escreve: 100315).
Carla (postada ao lado da janela, observa a resposta e
pergunta à classe) – Classe, quantos números vou precisar para
escrever 1315?
Alunos – Quatro.
Carla – Vejam - escreve na lousa: MCDU - vamos, Raul,
coloque o 15 abaixo da ordem.
Raul (ainda inseguro, segue as orientações da
professora e escreve o 1 abaixo da letra D e o 5 abaixo da
letra U) – Assim?
Carla – Isso, e agora? Onde vai colocar o 300?
Raul – Na centena?
Carla – Isso e onde vai colocar o 1000?
Raul – Na milhar?
[...]
Carla – Escrevam agora no caderno: 2012 - em pé, na
frente da sala, ao lado da lousa, aguarda alguns instantes
para que todos escrevam em seus cadernos - Breno, vai colocar
na lousa para mim.
Breno (feliz, se levanta rapidamente e segue em direção
à lousa...) – Pronto (... e escreve 212).
Mariana (sentada na primeira carteira, em frente à
lousa, fala baixinho para Breno) – Não é assim, tem que tirar
o 1 e colocar o 0.
Breno (sussurra) – Assim (e escreve 202)?
Mariana (responde no mesmo tom que Breno, com um ar de
preocupação) – Não.
Carla (posicionada próxima à porta da sala, pergunta) –
E aí? Conseguiu acertar com as dicas da Mariana?
124
Breno (com um semblante preocupado e não tão feliz
quanto antes, olha para a professora e responde) – Acho que
não.
Carla (aproximando-se da lousa, pega um giz e escreve,
novamente, as iniciais das ordens do sistema de numeração
decimal: MCDU) – Então, coloque os números nas ordens
corretas.
Breno (com o giz a postos e mais seguro de si, escreve
de acordo com o pedido da professora: 2012, abaixo das
respectivas letras) – Agora está certo, prô?
Paula (faz uma pausa na videogravação) – Veja, Marta, que o número 2012 é
escrito, com frequência, no caderno ao colocar a data do dia, além de estar visível no
calendário pendurado na parede.
Marta – É mesmo, ele não relaciona o ano “2012” com o número 2012 que a
professora acabou de ditar.
Paula – Esta aula foi em novembro de 2012. De acordo com a videogravação a
qual estamos assistindo, repetir diariamente este número no caderno não garantiu, a Breno,
seu aprendizado. Aqui podemos dizer que são dois jogos de linguagem diferentes vivenciados
por Breno, um de escrever a data do dia no caderno e outro de escrever os números que a
professora dita. Temos o mesmo número em contextos/jogos de linguagem diferentes.
Portanto não é a repetição do número num jogo de linguagem que garante seu uso correto
noutro jogo de linguagem.
Mas vamos continuar assistindo a gravação da aula:
Carla – Muito bem, Breno!
Último número: 3713 (aguarda alguns instantes para que
todos escrevam em seus cadernos, enquanto caminha pela sala
observando como escrevem, com o objetivo de escolher quem vai
à lousa).
Jonas, vem fazer o número na lousa.
125
Jonas (hesita em se levantar, mas o faz e caminha para
a lousa, meio cabisbaixo. Pega o giz e fica virado para a
lousa sem agir. Depois de alguns instantes, escreve o 13 e diz
à Carla) – Está difícil, professora.
Carla – Pessoal, vamos ajudar o Jonas. Ele já colocou o
13, e agora?
Alguns alunos – Agora falta 7 grupos de cem e 3 grupos
de mil.
Carla – Para representar no material dourado, como
ficaria? Quantas unidades preciso pegar (pega as peças do
material dourado sobre a sua mesa enquanto fala com as
crianças)?
Alunos – 3.
Carla (coloca os 3 cubinhos, que representam as
unidades, sobre o suporte de giz da lousa. Na sequência,
pergunta sobre a dezena) – Quantas dezenas?
Alunos – 1.
Carla (pega uma barrinha, que representa a dezena e
coloca ao lado das outras pecinhas sobre o suporte de giz da
lousa. Pergunta, então, sobre a centena) – Quantas centenas?
Alunos – 7.
Carla (se apossa das 7 placas, que representam as
centenas posicionando-as no suporte de giz da lousa, ao lado
das outras peças. Virando-se à classe, pergunta sobre a
unidade de milhar) – E quantos milhares?
Alunos – 1.
(Carla repete a ação, pega o cubo grande, que
representa a unidade de milhar e junta às outras peças.)
Paula (enquanto dá pausa na videogravação) – O que achou?
126
Marta – Realmente, quando os números são muito altos, supõe-se que se apoiam
na numeração falada – segundo Lerner e Sadovsky316
– colocando mais zeros que o
necessário. E a professora busca o apoio nas nomenclaturas das ordens para que as crianças
cheguem à escrita convencional.
Paula – Parece-me, nessa aula, que Carla tem a preocupação de que as crianças,
do segundo ano do Ensino Fundamental, saibam grafar convencionalmente os números e
coloca em jogo os seus conhecimentos de regras do sistema de numeração.
Não tem a intenção de ensinar os números de acordo com a sua ordem sequencial,
ou mesmo dos mais simples para os mais complexos. O que se assemelha com as propostas
que apresentamos na segunda Etapa do programa, na perspectiva de Lerner e Sadovsky317
.
Marta – Em contrapartida, enquanto colocamos várias escritas de um mesmo
número na lousa para discutirmos com os alunos, qual estaria mais próxima de uma escrita
convencional, de acordo com a regra de posicionalidade do sistema de numeração decimal,
Carla coloca apenas uma escrita e questiona se está certa para, em seguida, levá-los à resposta
correta.
Paula – Podemos observar, neste momento, uma semelhança com a maiêutica
socrática quando Carla parte do conhecimento da criança a respeito da constituição do número
escrito e introduz (a partir de sua fala) as questões que a leva a reformular suas ideias. Para
isso, escreve as letras iniciais das ordens do sistema de numeração (MCDU)318
e espera que
“por si mesma”, a criança coloque os números na posição correta. Mais uma vez, podemos
presenciar, na prática desta professora, rastros das abordagens que fizemos no curso, como
neste caso, rastros da abordagem de Lerner por nós apresentada nas aulas de formação.
Marta – Concordo com seus argumentos, neste caso. Você presenciou outros tipos
de atividades, nas quais os números eram o conteúdo abordado?
Paula – Presenciei a aula da professora Iara, no 2º ano do ensino fundamental, na
qual abordou os números ordinais. Quer ver?
Marta – Quero.
Paula – Deixe-me encontrar nos arquivos... Você vai ver que a professora Iara319
distribui uma folha de atividade para cada aluno e ao mesmo tempo já tem traçado o desenho
316
Lerner e Sadovsky (2001). 317 Ibidem. 318
M – (unidade de) milhar; C – centena; D – dezena; U – unidade. 319
Excertos da videogravação da aula da professora Iara, no 2º ano do Ensino Fundamental, realizada no dia3 de
outubro de 2012. Aqui descritos em fonte Courier New.
127
de um trenzinho na lousa (desenhado enquanto as crianças estavam na aula de Educação
Física) para fazer a atividade junto aos alunos. Aqui está a videogravação:
Profª. Iara – Pronto, estão todos com a folhinha? Agora
é aula de matemática. Nós vamos fazer esta atividade juntos,
certo (como havia algumas crianças distraídas, repetiu)?
Juntos (esperou um instante e iniciou a atividade, lendo em
voz alta).
Número 1 - olhem aí em cima do trenzinho, vou ler:
“Numere os vagões do trenzinho com os números ordinais.”
Figura 8 - Atividade da Professora Iara.
Renato – Professora, é para contar a cabine do
motorista?
Profª. Iara – Não.
Ana – Eu não estou entendendo nada.
Profª. Iara (aproxima-se da carteira de Ana apontando
com o dedo indicador as partes do trem desenhado na folhinha e
vai falando em voz alta a todos os alunos) - Estão vendo os
128
vagõezinhos? Vocês vão numerar em cima, colocar os números
ordinais. Lembram-se da musiquinha? Como começam os números
ordinais?
Alguns alunos: Um, dois, três, quatro...
Outros alunos – Primeiro, segundo, terceiro, quarto...
Todos – Quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono e décimo.
Profª. Iara – Então, podem começar a escrever em cima
dos vagões (dirigindo-se à lousa, pergunta). Como que eu faço
o primeiro?
Marina – Põe o número 1, um risquinho e uma bolinha em
cima.
Profª. Iara – Isso (escreve sobre o primeiro vagão:
1º).
João – Prô, é dentro do vagão?
Profª. Iara – Em cima, eu falei em cima. E o próximo,
qual é?
Renata – Segundo.
Profª. Iara – E o outro?
Marina – Terceiro.
Profª. Iara – E depois do terceiro? Olha, não esqueçam
da bolinha. Que tamanho tem que ser a bolinha?
Alguns alunos – Pequena.
Profª. Iara – Isso, a bolinha deve ser pequena para que
não fique parecendo com dez, vinte, trinta.
(Enquanto as crianças realizam a atividade, a
professora alterna-se entre colocar a resposta na lousa e
caminhar entre os alunos para ver se estão todos juntos, ou
seja, todos na mesma atividade.)
[...]
Renata – Pode fazer o número 2?
129
Profª. Iara – Calma, ainda não. Vamos fazer todos
juntos.
Renata – Mas eu já terminei o 1.
Profª. Iara (após ter certeza de que todos terminaram a
atividade 1, passa para a atividade 2, fazendo a leitura em
voz alta) - No número 2 está escrito o quê? Agora pinte os
vagões de acordo com a legenda. Então, vamos pintar de acordo
com o que a professora vai falar: tem as letrinhas a, b, c, d,
e, f, g.
Daiana (diz interrompendo a professora Iara) -
Professora, pode começar a pintar?
Profª. Iara – Calma, a Edna vai ler a letrinha “a”. O
que está pedindo?
Edna – “O 1º vagão de vermelho”.
Profª. Iara – Então, o 1º vagão de vermelho. Podem
pintar.
Dênis – O grande, professora?
Profª. Iara – Não, o grande não vai contar. É o 1º.
Dênis – Mas não é o grande que é o 1º?
Profª. Iara – Mas o grande não conta, é o 1º dos
pequenos (Iara cola uma forma retangular vermelha no primeiro
vagão da lousa).
Edna – Pode pintar os outros?
Profª. Iara – Não, espera.
João – Eu já pintei tudo, professora.
Profª. Iara (diz caminhando até a carteira de João) -
Quero só ver se pintou algum errado.
Letrinha “b”: O 3º vagão de azul. Prestem atenção, o
TERCEIRO (diz com ênfase).
João – Olha, professora.
Profª. Iara – Não falei pra esperar senão ia fazer
errado (Iara cola uma forma retangular azul no terceiro vagão
130
e lê a próxima letra)? Agora é o 5º vagão, de verde. O QUINTO
(repete, com ênfase).
Daiana – Qual é, professora?
Profª. Iara (aproxima-se de Diana e diz, apontando para
sua folha) - Conta: 1º, 2º, 3º, 4º e 5º. O quinto de verde.
Tem que contar primeiro (e repete). Quinto de verde.
Érica – Posso continuar, professora?
Profª. Iara – Érica, dá pra esperar?
Érica – Mas por que não é pra pintar os dois?
Profª. Iara – Porque não é. Não está pedindo para
pintar, então não é.
Érica – Mas eu pintei!
Profª. Iara – Olha, é nessa sequência (e cola a forma
retangular verde no 5º vagão da lousa).
[...]
Profª. Iara (lê a próxima letra de atividade) - O 9º
vagão de roxo. Prestem atenção. Quem não tem roxo, pinte de
preto – depois de alguns instantes, vê Daniela com o braço
erguido, pedindo para fazer a próxima leitura e diz –Daniela,
leia a letra “f”.
Daniela – Os outros vagões de laranja.
Profª. Iara – Todos os vagões que sobraram, de laranja.
Quais sobraram?
Alunos – 2º, 4º e 8º.
Profª. Iara – Então escrevam aí embaixo os números dos
vagões que vocês pintaram de laranja.
Profª. Iara (após algum tempo) - Chega de colorir,
agora é a outra atividade. Olha a atividade 2: Suba a escada
escrevendo os numerais ordinais até o 9º degrau e depois faça
o que se pede:
Daniela – É só copiar lá de cima, professora?
131
Profª. Iara – É – aguarda que todos terminem e continua
a leitura da próxima atividade – Agora: Desenhe uma joaninha
embaixo do 7º degrau (explica e, em seguida, começa a
contagem). Então vai contar desde o 1º e vai desenhar a
joaninha embaixo do sétimo degrau. Vamos lá, contem comigo.
Alunos – 1º, 2º, 3º, [...] 7º, 8º, 9º.
Profª. Iara – Era para parar no 7º que é aonde vai ser
desenhada a joaninha, mas tudo bem (vira-se para a lousa e
desenha a joaninha embaixo do 7º degrau).
[...]
Profª. Iara (depois de alguns instantes faz novas
orientações) - Pronto, agora olhem na lousa: Escreva por
extenso os números ordinais. Então vamos lá, do 1º ao 9º. Como
eu vou escrever “primeiro”?
Paula (dá pausa na videogravação) – E assim, ao estabelecer a regra que todos
devem fazer, ao mesmo tempo, cada exercício na ordem em que se seguem na folha, a
professora Iara dá continuidade à atividade até o final.
Marta – Em nenhum momento trabalhamos, no curso, atividades com números
ordinários. Destacamos as atividades e situações-problema para trabalhar números como
memória de posição como, por exemplo, “O edifício de Mercedes tem 20 andares. Ela
mora no andar 14. Se divide a viagem no elevador com seus vizinhos dos andares 19, 3,
15 e 7, em que ordem deverá apertar os botões do elevador se partem do andar
térreo?”320
Paula – Então, a que a professora recorre para ensinar os números ordinários?
Percebe que, nesta aula, ela não utiliza nem o material apostilado com o qual deveria trabalhar
em sala de aula, nem atividades que sugerimos sobre este assunto no curso?
Marta – Recorre a uma folhinha avulsa com uma atividade direcionada à
sistematização por repetição. Pois se observarmos atentamente, tanto na atividade do
320
Moreno (2006, p. 69-70).
132
trenzinho quanto na atividade da escada são solicitadas as mesmas ações de ordenação
numérica com uma pequena variação na ordem numérica.
Paula – Ao escolher esta atividade para trabalhar com as crianças, a professora,
pelo menos nesta proposta, parece acreditar que os alunos aprendem pela repetição. A todo o
momento ela repete o que é para fazer e qual é o caminho para se chegar à resposta correta.
Ao querer que todos sigam juntos, tem a preocupação de que façam corretamente, como ela
está pedindo. Ao mesmo tempo, procura ter o controle da situação para garantir que todos
comecem e terminem cada exercício ao mesmo tempo.
Marta – Ou seja, a autonomia, a interação, o conhecimento que os alunos trazem,
a reflexão, não são contemplados nesta atividade. Será que esta atividade de repetição
garantiu o aprendizado dos números ordinais?
Paula – É uma boa pergunta. Mas como já discutimos anteriormente, será que
também as situações-problema que destacamos no curso garantem tal aprendizado?
Algo garante, afiança, assegura a aprendizagem? Não estamos sendo ingênuas em
supor que temos esse poder de assegurar o conhecimento?
Marta – Faz sentido, mais uma vez faço uso de palavras sem pensar em seu
significado. Não temos como garantir nada. Nossas escolhas, como você mesma diz, são
privilegiadas e deixam de fora muitas outras práticas pedagógicas.
Ao repassarmos todas essas práticas escolares de mobilização de matemática
parece-me que, na ação pedagógica de formação, fazemos um sincretismo de todas elas com
predominância intencional de alguma que cultivamos com a crença de ser a que melhor
responde às nossas expectativas sobre o ensino.
Creio que a abordagem pedagógica mais presente na escola se relaciona ao ensino
por transmissão, acompanhado por repetições frequentes como, por exemplo, as atividades
que tenho visto em cadernos dos alunos nas visitas pedagógicas às escolas, nas atividades das
avaliações mensais e bimestrais elaboradas pelos professores.
Paula – Nessa conversa, até aqui, citamos algumas abordagens pedagógicas na
educação escolar, mas muitas outras tiveram influência no ensino. Podemos dizer, no entanto,
que atualmente as abordagens mais enfocadas pelo discurso pedagógico são o construtivismo
inspirado em Piaget e o sociointeracionismo inspirado em Vygotsky. É bom ter presente que
essas duas abordagens surgiram ao fazerem a crítica à teoria behaviorista elaborada por
133
Skinner321
, para quem ensinar é simplesmente o arranjo de contingências de reforço sob os
quais estudantes aprendem. Skinner não é adepto do método da descoberta, ele considera que
este método - defendido pelo construtivismo - não é solução para o problema de educação e
que para uma cultura ser forte é preciso que seja transmitida. É possível perceber que essas
teorias, sob alguns aspectos, se aproximam, se assemelham.
No caso do construtivismo e do sociointeracionismo, ambas pressupõem no
aprendiz um “ente”, uma essência psicológica, não observável, chamado de cognitivo que se
desenvolve. Já para o behaviorismo, no processo educativo, o único observável é o
comportamento. Parece-me, porém, que essas três teorias, quando interpretadas
pedagogicamente, diferem na caracterização do papel do professor.
Paula – Embora o construtivismo e o interacionismo estejam hoje na ordem dos
discursos pedagógicos, no que se refere ao ensino da matemática, essas abordagens têm-se
mostrado insuficientes para estabelecer relações entre práticas escolares e não escolares322
.
Miguel e Vilela323
, por exemplo, afirmam que as abordagens cognitivistas não permitem
compreender a dificuldade de se estabelecer ‘pontes’ entre a matemática escolar e outras
matemáticas mobilizadas em atividades não escolares. Ou seja, como já disse anteriormente,
as perspectivas cognitivistas não explicam porque pessoas que possuem bom desempenho em
operações matemáticas em contextos não escolares (por exemplo, no comércio ou na
construção civil) não conseguem realizar operações semelhantes na escola.
A concepção psicológica não dá conta do aprendizado matemático. Todo o curso,
ainda baseado no ensino científico, numa visão positivista de história, desvaloriza os saberes
ligados a outros jogos de linguagem, outras situações que não a ciência, como por exemplo, o
mundo do trabalho.
Marta – É isso que quer dizer quando se refere a estabelecer “ponte” com “outras
matemáticas”? Na verdade, apesar de toda essa discussão, soa-me estranho a expressão
“outras matemáticas”. Sempre tratamos de ensino da matemática e não de ensino das
matemáticas.
321
O psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) desenvolveu a teoria behaviorista,
corrente que dominou o pensamento e a prática da psicologia, em escolas e consultórios, até os anos 1950. O
behaviorismo restringe seu estudo ao comportamento (behavior, em inglês), tomado como um conjunto de
reações dos organismos aos estímulos externos. Seu princípio é que só é possível teorizar e agir sobre o que é
cientificamente observável. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/per07.html>. Acesso em: 26
mar. 2014. 322
Miguel e Vilela (2008, p. 106). 323
Miguel e Vilela (2008).
134
Paula – No PALMA referimo-nos à matemática no singular porque partimos do
pressuposto platônico de que existe uma matemática universal, única e verdadeira. Para
Vilela324
, o termo “matemática” vem sendo usado na literatura acadêmica da Educação
Matemática para diversas práticas matemáticas que não convergem para uma essência, na
perspectiva de Platão, por exemplo, mas constituem sistemas de significados associados aos
contextos em que se desenvolvem. Ainda para Vilela325
, a quem já me referi anteriormente,
existem matemáticas no contexto sociocultural e não apenas essa que,
tradicionalmente, ensinamos na escola. Estas constituem esquemas teóricos
específicos, que indicam as condições de sentido, significado e inteligibilidade
específicos nas situações, épocas e lugares da vida ou na linguagem de diferentes jogos
de linguagem.
Marta – Poderia exemplificar?
Paula - Tive a oportunidade de conhecer o trabalho da professora Érica326
, que se
fundamenta no pressuposto da não essencialidade da matemática bem como de um cognitivo
que aprende. Em sua dissertação de mestrado, a professora Érica não propõe uma solução
para o ensino da matemática, mas propõe outra forma de vê-lo, a partir da problematização
indisciplinar de práticas socioculturais. Narra jogos de cena que envolvem a prática de
controle de estoque no qual é utilizado o código de barras.
Marta – Fale um pouco sobre este trabalho da professora Érica.
Paula – A professora Érica problematizou a prática sociocultural327
de controle de
estoques de mercadorias através do código de barras com alunos de 5 a 6 anos para percorrer
os usos dos números que as crianças mobilizam. Trabalhou de acordo com a perspectiva de
que, segundo Gottschalk328
, a compreensão do conceito de número racional não se dá
por aproximações sucessivas, como se fôssemos alcançando uma essência que se
324
Vilela (2010). 325
Vilela (2013, p. 172). 326
Érica Nakamura é professora do Ensino Fundamental na rede municipal de Vinhedo e desenvolveu no seu
mestrado a dissertação Problematização indisciplinar de práticas socioculturais na formação inicial de
professores, 2014, em Campinas: FE/Unicamp. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000922994&opt=4>. Acesso em: 20 out. 2014. 327
Prática sociocultural entendida como atividade humana, neste caso, a prática de controlar estoques de
mercadorias. Desenvolveu a problematização com alunos da Educação Infantil e descreveu-o em seu Trabalho
de conclusão de curso, Problematização da prática de controle de estoque : limites e possibilidades em uma
turma de educação infantil, da Faculdade de Educação. Disponível em:
<http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000785786&opt=4>. Acesso em: 20 out. 2014. 328
Gottschalk (2008).
135
revela, comum a todas as aplicações deste conceito. Não há algo em comum a todas
essas aplicações a ser apreendida pelo aluno, mas apenas semelhanças de família as
mais variadas possíveis.
Marta – Interessante, não havia parado para pensar que foi-se o tempo em que se
utilizavam os números naturais para controlar mercadorias. Faz todo sentido essa
problematização, pois hoje é o código de barras que controla as diversas quantidades que
estão à nossa volta.
Paula – Sim. Essa foi outra maneira de apresentar os números às crianças, no
contexto sociocultural de controle de quantidades. A proposta foi trabalhar com a
problematização indisciplinar329
que, segundo Nakamura330
, é uma crítica ao modo disciplinar
com que a escola organiza e valoriza os conhecimentos específicos escolares oriundos de uma
tradição europeia e positivista.
A disciplina Escola e Cultura Matemática do curso de Pedagogia da Unicamp, na
qual Érica baseou sua pesquisa, tem como propósito produzir conhecimentos que possam
sustentar e viabilizar novas formas de educação escolar não mais centradas no
princípio de organização disciplinar da cultura escolar331.
Marta – É difícil imaginar a escola sem as disciplinas escolares. Já pensou a
bagunça, se cada escola ou cada professor resolver ensinar ou discutir assuntos diversos! É
uma forma organizada de buscar os conhecimentos!
Paula – Para Wittgenstein, não existe o conhecimento, um conhecimento essencial
e universal que devemos aprender ou buscar compreender, mas sim nos esclarecermos sobre
significados/usos das palavras, conceitos, proposições, fatos etc. Ouça-me, quando vamos à
escola e nos deparamos com as disciplinas, somos nós que buscamos aqueles conhecimentos
ou é a escola que ensina o que quer, ou, o que supõe importante?
Marta – Tudo bem, entendo o que quer dizer, porém acredito que estamos muito
longe dessa autonomia na busca de nossos próprios interesses intelectuais. O que o professor
vai colocar no lugar das disciplinas? O que as crianças farão na escola? Como organizar o
tempo? Como avaliar estes alunos? Se é que ainda poderemos chamar os frequentadores da
escola de alunos.
329
Indisciplinar, não no sentido de negação das disciplinas, mas de apresentar os números num contexto de
atividade humana sociocultural que não a escolar. 330
Nakamura (2014). 331
Objetivo Geral descrito no plano de curso da disciplina, referente ao segundo semestre de 2012..
136
Paula – Mesmo que não saibamos as respostas de todas estas questões que você
coloca, não vale a pena pensar sobre essa visão racional de abordar a educação matemática?
Vamos continuar fingindo que tudo está certo como está? Que a escola prepara para a vida?
Que promove a autonomia? Que forma cidadãos? Chavões estes descritos nos vários Projetos
Políticos Pedagógicos que tive oportunidade de ler aqui em nosso município?
Marta – Você acha mesmo que vai mudar a escola com estes argumentos?
Paula – Minha intenção é discutir as convicções que estão postas na sociedade
com relação à matemática no contexto escolar. Problematizar as práticas socioculturais é uma
forma de aprender, de buscar saberes sem se prender às disciplinas escolares. Não há nesta
proposta a negação dos conteúdos escolares, muito pelo contrário, a ideia é não
compartimentar o conhecimento, classificando-o em disciplinas, é não privilegiar formas de
compreender, é não conceber de modo metafísico os conceitos matemáticos.
Marta – Explique melhor o que quer dizer.
Paula – No artigo: Desconstruindo a educação escolar disciplinar332
, no qual se
fundamenta a ementa da disciplina referida na pesquisa da Érica, a proposta é acionar
algumas ferramentas com as quais poderíamos dar início à desconstrução do desvio
cultural escolar ou, em outras palavras, investigar estratégias que poderiam viabilizar e
dar visibilidade a uma perspectiva transgressiva de ação educativa escolar que se paute
exclusivamente em uma ética política desconstrutiva, não etnocêntrica e não-neutra,
que se desenvolva através da realização de práticas (in)disciplinares de problematização
cultural.
Marta – Então, a professora Érica problematizou com os alunos a prática de
controle de estoque, que nada mais é do que controlar as quantidades nos dias atuais, o que
antigamente, supõe-se, controlava-se com pedrinhas?
Paula – Pode-se dizer que sim, pois hoje nossas necessidades de controle vão
muito além do que as pedrinhas ou mesmo o ábaco podem dar conta. Por exemplo, com as
compras feitas pela internet, controlamos a localização das mercadorias pelo seu código de
barras.
332 Artigo produzido com base na composição de extratos das referências (Miguel e Moura, 2010); (Miguel; Vilela e
Moura, 2010) e (Miguel e Mendes, 2010), exclusivamente para uso no Projeto de Estágio “Desconstruindo a
Educação Escolar Disciplinar”, que inclui as disciplinas: EL 774C e EL774E, de responsabilidade, respectivamente,
dos professores Antonio Miguel e Anna Regina Lanner de Moura, professores do DEPRAC/FE-UNICAMP.
137
Marta – O código de barras, como o próprio nome diz, é um código representado
por dígitos matemáticos que são muito mais que simples números que trazem em si a ordem e
a inclusão hierárquica.
Paula – É uma linguagem com regras gramaticais próprias que podem ser
decodificadas e entendidas no contexto sociocultural no qual são utilizadas. Você não acha
importante aprendermos, por exemplo, sobre as regras dos códigos de barras tão presentes em
nosso dia a dia?
Marta – Claro! É um conhecimento não previsto nos conteúdos de matemática do
ensino fundamental, mas de importância relevante diante da prática social de controle de
quantidades.
Paula – Este é apenas um exemplo do quanto deixamos de aprender das práticas
socioculturais por existir esta dicotomia entre o contexto escolar e o contexto social.
Marta – Voltando ao número, por exemplo, como garantir que as crianças
aprendam todos os contextos em que se encontra número na sociedade se não pela disciplina
de matemática na escola?
Paula – Lá vem você de novo com a ideia de “garantir”. Pelo que vimos até aqui,
a escola não tem garantido as significações dos conteúdos matemáticos, nas diferentes
práticas humanas, pelos alunos. Assim como nós, na qualidade de formadoras, não estamos
garantindo mudanças efetivas no ensino da matemática. O que me faz problematizar a
eficiência da metodologia desse programa de formação, não no sentido de assegurar
mudanças no ensino de matemática, mas de buscar outros caminhos que não os que estão
postos nas práticas escolares do nosso município.
Marta – Aonde quer chegar com essa conversa?
Paula – Minha sugestão foi problematizar a nossa prática de formadoras e a dos
professores, além de agregar outras formas de mobilizar a matemática.
Marta – Estamos problematizando. E agora?
Paula – Agora podemos discutir a inserção de práticas socioculturais no curso,
mas precisamos ir embora porque a escola vai fechar.
Marta – Paramos por aqui!? É isso mesmo? Vai deixar-me com todas essas
“pulgas atrás da orelha”?
138
Paula – Também tenho as minhas! E precisamos problematizar mais, porém hoje
não dá, não temos tempo. Veja quem está na porta nos esperando para poder trancar a sala e a
escola.
Marta – Olá, Seu Roberto, estamos terminando de guardar os materiais para irmos
embora.
(Paula e Marta continuam a conversa enquanto guardam os materiais espalhados
sobre a mesa central).
Marta – Depois de toda essa discussão, meu olhar para todos esses materiais que
utilizamos no curso e para o próprio curso está diferente.
Paula – Diferente como?
Marta – Primeiro que, realmente, estamos equivocadas com relação ao título do
curso, não aperfeiçoamos a linguagem matemática, visitamos as práticas pedagógicas da
matemática escolar no contexto das necessidades educacionais da rede de ensino do nosso
município. Segundo, que são muitos os caminhos possíveis, vão além dos revisitados por nós
nesta tarde e dos que acreditamos ser o melhor para o ensino no município. Terceiro que,
agora, tenho a impressão de que o curso “chove no molhado”, reafirma o “status quo” da
escola em seu formato disciplinar e conteudista através da própria metodologia que utilizamos
nas aulas.
Queremos que os professores façam diferente, mas fazemos igual. E olha que
apenas iniciamos uma análise sobre o conceito de número, imagine quando começarmos a
problematizar os outros conteúdos da matemática!
Paula – A formação continuada é necessária, mas será que esse formato que
oportunizamos aos professores é o melhor? É o único? Precisa ser sempre igual, ano após
ano? Será que não estamos querendo que os professores abandonem suas práticas e as
substituam pelas do curso?
Marta – No fundo, (in)conscientemente, é isso mesmo.
Paula – Quando os professores terminam o curso, continuam seus percursos. Cada
um vai viver o seu jogo de cena, em sua sala, com seus atores. Levam consigo rastros não só
dessa formação contínua, mas de outros tantos cursos e de suas experiências pessoais.
Marta – E eu que achei que hoje fecharíamos pelo menos a primeira etapa do
curso dessa nova turma que está por começar.
139
Paula – Aí é que está, queremos sempre fechar, controlar, estruturar, manter,
enquanto poderíamos fazer exatamente o contrário disso. Ao problematizar ampliamos os
significados, desconstruímos significados únicos, vislumbramos outros caminhos a serem
trilhados.
Marta – Como, por exemplo, inserir a problematização de práticas socioculturais.
Preciso ler mais sobre essa maneira indisciplinar de tratar o conhecimento.
Acho que já guardamos tudo.
Paula – Então vamos, fechamos a porta para amanhã abri-la novamente.
Marta – Fechamos no sentido de pausar e não de finalizar.
140
5. SEGUINDO NOS RASTROS DOS RASTROS, A TERAPIA CONTINUA
A caminho do carro, voltei a pensar no cubismo, nos percursos pelos quais
aqueles pintores caminharam, seus rastros, seus jogos de linguagem e no rumo que tomou
nosso diálogo problematizador sobre o PALMA. Considero que realizamos um diálogo
performático numa perspectiva problematizadora por ter uma matriz pós-moderna, pós-
estruturalista na medida em que olhamos, com certo distanciamento, para essas questões
positivistas, da modernidade, que estão postas no curso de formação e na prática dos
professores em investigação.
Nesse percurso problematizador no qual tentei uma aproximação com a terapia
filosófica, porém com menos sucesso do que pretendia, observei semelhanças de famílias
entre a arte clássica e o movimento cubista; entre a matemática escolar e as problematizações
indisciplinares de práticas socioculturais; entre a metodologia positivista de pesquisa e a
atitude terapêutica desconstrucionista de se fazer pesquisa. Essa visão transgressiva de
Picasso em suas obras, por exemplo, só foi possível a partir das leituras de Wittgenstein e não
enquanto graduanda em Arte. O mesmo ocorreu com as matemáticas e com a metodologia de
pesquisa. Portanto, a problematização, a “pseudo” terapia filosófica aqui descrita foi da
pesquisadora, como um ser em constante transformação, inacabado.
Ao percorrer as práticas pedagógicas da matemática escolar para o ensino do
número, mobilizadas nesse curso de formação, na sala de aula dos professores, pelas
coordenadoras pedagógicas envolvidas, nas entrevistas que integraram o corpus desta
pesquisa, foi possível problematizar a minha própria prática como formadora também em
constante processo de transformação.
As filosofias de Wittgenstein e Derrida inspiraram-me a realizar este texto que,
pretensiosamente, problematiza as práticas pedagógicas da matemática escolar através da
narrativa ficcional. Uma experiência que exigiu múltiplos desdobramentos de ideias. Por
várias vezes precisei voltar e reler a mim mesma, na voz das personagens, para retomar os
diálogos iniciados. Outro desafio, que permaneceu ao longo do texto, foi enredar as ideias de
forma a não me distanciar do objetivo da pesquisa de problematizar as práticas pedagógicas
da matemática escolar à semelhança da desconstrução terapêutica gramatical
wittgensteiniana-derridiana, que me permitiu visualizar a matemática como jogos de
linguagem tanto no contexto escolar como em outras práticas socioculturais. Construir este
141
diálogo ficcional foi um processo de elaboração entre tudo aquilo que foi estudado, discutido
e compartilhado com todos os envolvidos.
No que se refere ao ensaio desta desconstrução terapêutica, foram várias as
tentativas de produzir um texto na contramão de tudo que aprendi sobre pesquisa acadêmica e
sobre práticas de formação para o ensino de matemática escolar. Difícil caminhada para quem
foi gestado, nascido e criado dentro dessa visão positivista, modernista, de sustentação de
verdades.
Deletei muito, fiz muitas inserções, oscilei entre idas e vindas neste contexto
problematizador na tentativa de não fixar respostas, verdades ou significados. A iterabilidade
se faz muito presente no texto, mas previsível na visão derridiana de remissões e reenvios
espectrais. A problematização que pretendi realizar abriu-me horizontes, ampliou sentidos,
levou-me a percorrer rastros da literatura que me trouxeram esclarecimentos dos usos que
fazia e ainda faço das práticas pedagógicas para o ensino da matemática escolar bem como
dos usos privilegiados do termo matemática. Levou-me a entender também que aliar-se a
práticas de mobilização do objeto matemático na escola não é uma escolha de privilegiamento
e/ou de exclusão, mas de esclarecimento dos usos essencialistas, unicistas, metafísicos,
universais da aprendizagem e da matemática.
Enfim, a problematização é o movimento de compreender e nunca tem um ponto
final. Ela abre para outros dilemas, outras problematizações. Sempre haverá esclarecimentos a
serem feitos e usos de práticas pedagógicas no ensino da matemática escolar a serem
percorridos em diferentes práticas: da literatura de formação, socioculturais e do próprio
contexto escolar.
A problematização do curso de formação do qual faço parte como elaboradora e
executora juntamente com outra colega não termina no diálogo ficcional performático deste
texto, mas este é um ponto de partida para ver de outras formas as práticas formativas do
Programa PALMA em seus atos efetivos de formar os professores para o ensino de
matemática. A maneira de compreender o curso e dialogar com o nosso tempo dá pistas para
oferecer/conduzi-lo de outra forma.
Afinal, os professores vão ao curso! Há lista de espera para frequentá-lo! Por que
o sucesso? Há outras práticas, que não as aqui expostas, que mobilizam os professores a
querer fazer o curso?
142
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ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas.
1998.
150
ANEXOS
ANEXO A: Lei orgânica da Prefeitura Municipal de Mogi Guaçu que cria o PALMA –
Programa de aperfeiçoamento na linguagem matemática.
151
ANEXO B: Modelo da avaliação diagnóstica de matemática – 2014.
152
ANEXO C: Pauta do PALMA.
P A L M A
I ETAPA 1º ENCONTRO
PROGRAMAÇÃO DO DIA 00/00/0000
OBJETIVOS
Conhecer os integrantes da turma M;
Apresentar o programa PALMA;
Elaborar, com a turma, alguns acordos para otimizar as aulas;
Vivenciar a necessidade da contagem para o progresso da civilização.
CONTEÚDOS
Sinopse do programa PALMA;
História do número construída pela humanidade.
ESTRATÉGIAS
Trabalho individual;
Trabalho em grupos;
Socialização.
AVALIAÇÃO
Oral.
FIQUE DE OLHO
“Exímio contador de histórias, o escritor Malba Tahan nasceu em 1885 na aldeia de Muzalit,
Península Arábica. Estudou no Cairo e em Constantinopla, foi queimaçã (prefeito) da cidade de El-
Medina. Aos 27 anos, recebeu grande herança do pai e iniciou uma longa viagem pelo Japão, Rússia e
Índia. Morreu em 1921, lutando pela liberdade de uma tribo na Arábia Central.
Na verdade esse personagem das areias do deserto nunca existiu. Foi inventado por outro
Malba Tahan, que de certo modo também não existiu efetivamente: trata-se apenas do nome fantasia, o
pseudônimo, sob o qual assinava suas obras o genial professor, educador, pedagogo, escritor e
conferencista brasileiro Júlio Cesar de Melo e Souza. Na vida real, Júlio nunca viu uma caravana
atravessar um deserto. As areias mais quentes que pisou foram as das praias do Rio de Janeiro, onde
nasceu em 6 de maio de 1895. Faleceu em 18 de lunho de 1974 em Recife logo após uma conferência
para normalistas.”
PROBLEMOTECA
Colocar 10 soldados em cinco filas, tendo cada fila 4 soldados. (TAHAN, M. pág.166, 2009).
PARA O LAR
Pesquise as seguintes informações sobre a civilização ___________________________:
Localização, período (tempo) histórico mais importante, sua economia e sistema de contagem que
utilizavam.
PROGRAMA DE APERFEIÇOAMENTO NA LINGUAGEM MATEMÁTICA
153
ANEXO D: Desenvolvimento do 3º encontro da I Etapa.
1. Dinâmica: Linha do tempo – Distribuir (plaquetas escritas) aos professores com fatos que
aconteceram na história da Matemática.
Fixar o cartaz da linha do tempo – Diante deste cartaz, os professores irão localizaas datas e colar as
plaquetas com as informações que possibilitem a localização dos fatos.
Enfatizar que visualizamos a história das necessidades e preocupações essencialmente humanas, uma
história:
Concreta e informal;
Que teve seus altos e baixos – processo;
Anônima (apesar dos inúmeros documentos, pedras, papirus – que se perderam com o
tempo);
Movimento – aprimoramento (por tentativas e erros);
Não é linear;
Não teve uma sucessão de conceitos encadeados uns aos outros;
Não é estática;
Não é simultânea.
A partir do conhecimento das dificuldades enfrentadas nessa caminhada, tem-se uma melhor
compreensão das dificuldades enfrentadas pelos alunos, ao percorrer um caminho com os mesmos
obstáculos. Deve-se reconhecer que o aluno está imerso neste processo de evolução do conhecimento,
ou seja, faz parte da cultura em construção.
Abordar com os participantes que atualmente vivemos numa sociedade da informação e que, se
analisarmos a linha do tempo, os fatos matemáticos são recentes se comparados com o surgimento do
homem na Terra. E que as informações chegam rapidamente a todos os lugares, gerando assim o
desenvolvimento tecnológico (matemático) contínuo e acelerado.
Obj. Através da linha do tempo refletir sobre a História da Matemática.
Questionamento: Onde e quando essa fantástica aventura humana começou? (slide)
O acontecimento se perde na noite dos tempos pré-históricos e dele não resta traço algum.
2. Dinâmica do senso numérico (slides) – mostrar os slides contendo círculos para dizerem
rapidamente as quantidades, sem contar. Essa capacidade de visualizar quantidades sem contar
denomina-se senso numérico .Essa capacidade não é característica apenas do homem. Experiências
com corvos mostraram que estes pássaros podem distinguir conjuntos de até 4 elementos.
(slide) “Um castelão decidiu matar um corvo que fez seu ninho na torre do castelo. Já tentara várias
vezes surpreender o pássaro, mas ao se aproximar o corvo deixava o ninho, instalava-se numa árvore
próxima e só voltava quando o homem saía da torre. Um dia o castelão recorreu a uma artimanha: fez
entrar dois companheiros na torre. Instantes depois, um deles desaparecia, enquanto o outro ficava.
Mas, em vez de cair nesse golpe, o corvo esperava a partida do segundo para voltar ao seu lugar. Da
próxima vez ele fez entrar três homens, dos quais se afastaram e em seguida: o terceiro pode então
esperar a ocasião para pegar o corvo, mas a esperta ave se mostrou ainda mais paciente que ele. Nas
tentativas seguintes, recomeçou-se a experiência com 4 homens, sempre sem resultado. Finalmente, o
estratagema teve sucesso com cinco pessoas, pois o corvo não conseguia conhecer mais que 4 homens
ou 4 objetos...”
Obj. Compreender que ter o senso numérico não significa ter a capacidade de contar.
2.1 Conduzir a questão - ENTÃO, COMO SURGIRAM OS NÚMEROS? (slide)
154
Dinâmica dos pastores e das ovelhas – individual e em grupo.
- Os pastores tinham dificuldade de controlar os rebanhos. Precisavam saber se não faltavam ovelhas.
Como você acha que os pastores podiam saber se alguma ovelha se perdia ou se outra havia se juntado
ao rebanho? Como controlar a quantidade de ovelhas se não sabiam contar?
- Desenhar formas de contagem que o pastor poderia ter desenvolvido (individual);
- Trocar ideias sobre seus registros com o grupo;
- Socialização da atividade – O que se poderia afirmar se, no dia seguinte, ao fazer a correspondência
um – a – um:
a) Sobrassem “pedrinhas”?
b) Faltassem “pedrinhas”?
c) Existisse uma correspondência biunívoca?
d) Existe correspondência biunívoca entre a quantidade de professores e a de alunos em sua escola? E
entre os professores e as classes de sua escola?
3. Voltando à história do pastor – este controlava a quantidade de ovelhas fazendo a
correspondência um – a – um “uma pedra – uma ovelha”, porém a quantidade de ovelhas foi
aumentando, nasceram mais ovelhas dificultando assim, o seu controle. Como auxiliar o pastor a
melhorar o seu controle sobre as quantidades? Colocar o slide.
– Registre no caderno através de desenho como o pastor poderia ter resolvido este problema não se
esquecendo de que ele não sabia contar. (individual)
– Discutir a sua resolução com o outro e encontrar a melhor solução, registrando o desenho na
transparência. (grupo)
– Socializar as diferentes representações (grupo classe), em que se basearam para fazer os
agrupamentos.
– Qual destas representações facilitou mais a vida do pastor? Em que ela está baseada?
Obj. Vivenciar e compreender que a partir de necessidades, o homem desenvolveu formas de
contagem. Desenvolver o princípio da ideia da base de contagem.
• Na Ásia, na Europa ou em algum lugar naÁfrica?
• Na época do homem de Cro-Magnon, hátrinta mil anos?
• Ou no tempo do homem de Neandertal, háquase cinqüenta milênios?
• Ou ainda há cem mil anos, talvez quinhentosmil, ou até, por que não, um milhão deanos?
A PRÉ-HISTÓRIA DOS NÚMEROS
Onde e quando essa fantásticaaventura da inteligência humanacomeçou?
LINHA DO TEMPO
LOCALIZAR E COLOCAR AS INFORMAÇÕES NA LINHA
DO TEMPO
O que se poderia afirmar se, no dia seguinte, ao fazer a correspondência um-a-um:
a. Sobrassem “pedrinhas”?
b. Faltassem “pedrinhas”?
c. Existisse uma correspondência biunívoca?
Existe correspondência biunívoca entre aquantidade de professores e a de alunos emsua escola? E entre os professores e as classesde sua escola?
Os pastores tinham dificuldades de
controlar os rebanhos. Precisavam saber se
não faltavam ovelhas.
Como você acha que os pastores podiam
saber se alguma ovelha se perdia ou se
outra havia se juntado ao rebanho?
Como controlar a quantidade de ovelhas se
não sabiam contar?
Qual destas representações facilitou mais a vida do pastor?
Em que ela está baseada?
Voltando à história do pastor, este controlava aquantidade de ovelhas fazendo acorrespondência um-a-um “uma pedra – umaovelha”, porém a quantidade foi aumentando,nascendo mais ovelhas e assim dificultando oseu controle. Como auxiliar o pastor a melhoraro seu controle sobre as quantidades?
Registre no caderno através de desenho como opastor poderia ter resolvido este problema nãose esquecendo de que ele não sabia contar.
155
ANEXO E – Desenvolvimento do 4º encontro da I Etapa.
1. Dinâmica: SISTEMAS DE NUMERAÇÃO DAS GRANDES CIVILIZAÇÕES
Pudemos perceber que a necessidade de controlar quantidades e pensar
matematicamente já vem há algum tempo. Diante das civilizações pesquisadas os
cursistas deverão se reunir em grupo para:
Escrever um breve relato para apresentação, salientando: localização, período histórico, economia e sistema de contagem. Resolver as atividades da apostila referentes à civilização pesquisada. Anotar os seguintes itens no quadro da lousa: base, representação gráfica do sistema , se existe a representação para o zero, qual a lógica do sistema, seu princípio, característica do numeral e se é posicional, e os exemplos numéricos. Socialização: localizar no mapa e na linha do tempo com setas, explicar sobre a economia e o sistema de contagem da referida civilização pesquisada. Formadora: completará o quadro com o sistema Hindu-arábico questionando sobre as características do mesmo relacionando-as aos sistemas apresentados.
Folha de atividades distribuída para cada professor/cursista:
PALMA – Programa de Aperfeiçoamento na Linguagem Matemática SISTEMA DE CONTAGEM DAS GRANDES CIVILIZAÇÕES
ATIVIDADES OS EGIPCIOS
1. Desde os primeiros tempos da história egípcia, no 3º milênio antes da era cristã já existiam um sistema de numeração egípcio. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. 2. Como você escreveria no sistema egípcio? 9 – 20 – 60 – 61 – 100 – 3. Se os egípcios repetiam seus símbolos até o máximo de 9 vezes e somavam seus valores, qual o maior número que podiam escrever usando o máximo de vezes? 4. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê? 5. Os egípcios tinham um símbolo para o zero? Por quê?
OS CRETENSES 1. Desenvolveram o sistema hieroglífico por volta de 2500 ac. Evoluíram para o sistema linear por volta de 1500 ac. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. 2. Como você escreveria no sistema cretense? 9 –
156
20 – 60 – 61 – 100 – 3. Se os cretenses repetiam seus símbolos até o máximo de 9 vezes e somavam seus valores, qual o maior número que podiam escrever usando o máximo de vezes? 4. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê? 5. Os cretenses tinham um símbolo para o zero? Por quê?
OS MESOPOTÂMICOS
1. Por volta de 3.500 anos antes da era cristã apareceram na Mesopotâmia os primeiros documentos escritos através dos quais podemos saber um pouco da numeração criada pelos habitantes dessa região. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. O sistema de escrita dos mesopotâmicos recebeu o nome de cuneiforme: os escribas gravavam os sinais, com cunhas, em tabuinhas de argila que depois faziam secar ao sol. 2. Como você escreveria no sistema mesopotâmico? 9 – 20 – 60 – 61 – 100 – 3. Como é a organização do sistema para representar suas quantidades? 4. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê? 5. Os mesopotâmicos tinham um símbolo para o zero? Por quê?
OS CHINESES 1. A numeração chinesa aparece registrada em ossos, que datam do século XVIII antes de Cristo. Assim, por exemplo, 547 dias escreve-se cinco centos, mais quatro vezes dez, mais sete sóis. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. A língua chinesa possui ideogramas para designar os dez primeiros números e as primeiras potências de 10 (ou seja, 100, 1.000, 10.000) 2. Como você escreveria no sistema chinês? 9 – 20 – 60 – 61 – 100 – 3. Como é a organização do sistema para representar suas quantidades? 4. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê?
157
5. Os chineses tinham um símbolo para o zero? Por quê?
OS ROMANOS 1. O sistema usado na Europa antes da introdução do sistema indo-arábico era o romano. Provavelmente, você já o tenha estudado e com certeza, já o viu utilizado em capítulos de livros, em relógios de ponteiros, etc. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. 2. Como você escreveria no sistema romano? 9 – 20 – 60 – 61 – 100 – 3. Como é a organização do sistema para representar suas quantidades? 4. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê? 5. Os romanos tinham um símbolo para o zero? Por quê?
OS MAIAS 1. No continente americano, uma civilização se desenvolveu e deixou marcas surpreendentes. 2. - Localize geograficamente a região em que esta civilização se desenvolveu e seu período histórico na linha do tempo. 3. Como você escreveria no sistema maia? 9 – 20 – 60 – 61 – 100 – 4. Como era a organização do sistema para representar suas quantidades? 5. A posição dos símbolos pode variar, começando pelo de maior valor e, outras vezes, pelo de menor valor? Por quê? 6. Os maias tinham um símbolo para o zero? Referências bibliográficas - SÃO PAULO: SE/ CENP. Experiência Matemática – 5ª série. 1995. - IMENES, Luiz Márcio.Os números na história da civilização. 1992. Editora Scipione - Imagens da internet.
Quadro entregue no fechamento da atividade:
158
159
ANEXO F - Excertos dos desenvolvimentos dos 3º aos 10º encontros da I Etapa do PALMA
nos quais são realizadas as atividades referentes aos agrupamentos e desagrupamentos com o
ábaco.
Desenvolvimento do 3º encontro da I Etapa do PALMA
Desenvolvimento do 4º encontro da I Etapa do PALMA
ÁBACO - Representar a quantidade 25 na base 10.
O ábaco foi um instrumento muito
importante, principalmente para civilizações
com sistema de Numeração através de
símbolos, cujos, carregavam o valor
(Romanos). Utilizavam sementes, pedras...
Para os povos ocidentais, os ábacos mais
correntes foram tábuas ou pranchas com
divisões em diversas linhas e colunas
paralelas separando as diferentes ordens de
numeração.
A UTILIZAÇÃO DO ÁBACO PELA HUMANIDADE
A humanidade passou pelas mesmas
necessidades que nós, desde a
correspondência biunívoca, agrupamento e o
princípio posicional. Muitos povos ou
civilizações utilizavam artifícios mecânicos
que variavam em forma com o local e
época/período histórico. Tinham a
necessidade de CONTAR para REGISTRAR.
ÁBACO ROMANO antigo
As colunas simbolizavam uma das potências de dez.
Trabalhava da direita para a esquerda. Tinha também
a separação da base auxiliar 5. Facilitam a prática da
adição ou subtração, por motivos que na escrita havia
muitos símbolos. Já para as multiplicações e divisões
eram feitas precariamente.
Os romanos trabalhavam com o ábaco de bolso –
placa metálica e certo número de ranhuras paralelas.
(nome chinês do contador) Até hoje um uso quase
universal (continuam a fazer suas contas por ele).
O contar chinês – uma forma quadra de madeira ou
de metal. Composto de um certo número de haste –
10 vezes maior que a última.
ÁBACO DA CHINA
SUAN PANÁBACO RUSSO
STCHOTY
(nome do contador russo) ainda impera ao lado das
modernas caixas registradoras e costuma prescindir
ao cálculo dos preços…Lojas, estabelecimento do
Estado,
Os japoneses consideram o soroban (nome
japonês do contador) como o principal
instrumento de cálculo.
ÁBACO JAPONÊS
SOROBAN
Devido às necessidades de representar
graficamente a quantidade da coluna vazia no
ábaco, o indiano criou o sunya (zero).
Tornou-se o ponto crucial no desenvolvimento, sem
o qual o progresso da ciência moderna, da
indústria ou do comércio é inconcebível.
Desempenhou papel fundamental a todos os
ramos da matemática, na história da cultura.
A descoberta do zero será, para sempre, uma das
maiores conquistas da raça humana.
Considerando as potências de 10 segundo
esta nomenclatura regular e essa ordem de
sucessão invariável pela força do hábito, o
processo acabou trazendo uma grande mutação
no século V de nossa era.
A dupla descoberta da regra de posição e do
zero data no máximo do século V – Hindu. A partir
do século VI – expandiu até fora das fronteiras da
Índia.
ÁBACO INDIANO
É verdade que dentre todos os dispositivos de
cálculo figurado usados pelos povos ao longo dos
tempos o contador é praticamente o único que
reúne as vantagens de uma prática relativamente
simples e ao mesmo tempo rápida para todas as
operações aritméticas.
Uma tribo indígena de Madagascar tinha um
costume bem prático para avaliar suas tropas. “fila
indiana” – passagem estreita pedra no fosso
cavado no chão sem saber esses malgaxes tinham
o ábaco.
ÁBACO DE MADAGASCAR
REPRESENTAR NO ÁBACO
A quantidade 25 na base 5
REPRESENTAR NO ÁBACO
A quantidade 25 na base 8
Registrar todo o movimento realizado no ábaco
13
( 31 )8
122
( 221 )3
REPRESENTAR NO ÁBACO
A quantidade 25 na base 3
00
( 100 )5
1
160
h) Através deste registro no papel que recebeu, descubra no ábaco o número de alunos na base 10;
Marcar no mesmo papel o número
descoberto e colocar o seu nome.
g) Anote no papel o número de alunos na base 8 e coloque seu nome.
5
Desenvolvimento 5º encontro da I Etapa do PALMA
Atividades com o ábaco em diferentes bases. Distribuir os ábacos. Pensando neste movimento da Linguagem Matemática em diferentes bases, demonstre no ábaco e exteriorize seu pensamento através de registro no caderno. (slides) Para relembrar como funciona o ábaco, coloquem 9 quantidades na 1ª haste, se nossa base é 10 formou agrupamento? Então acrescentem mais 8 unidades, agora é possível agrupar? Quanto temos agora? 1 agrupamento de 10 e 7 unidades soltas. Acrescentem mais 6 unidades, formou agrupamento? Quanto temos agora? 2 agrupamentos de 10 e 3 unidades soltas. Aos agrupamentos de 10 podemos denominar dezenas e às unidades soltas podemos dizer apenas unidades.
O ábaco deve priorizar situações-problema e não a relação direta numeral/marcas, para não correr o risco da associação automática entre um e outro. Objetivo: compreender o valor posicional a partir de atividades que possibilitem ao aluno o desenvolvimento e refinamento da habilidade mental e do cálculo numérico por meio de desafios significativos. Após o trabalho com o ábaco para estas aprendizagens do conceito do nosso SND não é preciso mais o uso do mesmo, mas quando for abordar as operações é importante retomá-lo. Fechamento:
1+ 1 + 1 + 1 +1+ 1 +1 +1 + 1 +1 + 1 +1+ 1+ 1 +1+ 1+ 1 +1 + 1 +1 + 1 +1 + 1 + 1 + 1
1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 . 2 + 1 .2 + 1.2 +1
1 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 + 1
1 . 2 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 . 2 + 1
1 . 2 . 2 . 2 . 2 + 1 . 2 . 2 . 2 + 1
1 . 24 + 1 . 23 + 0 . 2 2 + 0 . 21 + 1 . 20
( 1 1 0 0 1 )2
10011
( 11001)2
REPRESENTAR NO ÁBACO
A quantidade 25 na base 2
2
a) Sua idade na base 4.
b) O número de dias do mês de julho na base 5.
c) Essa quantidade está representada na base 3:
(1100)3
Descubra qual é a representação dessa quantidade na base 10.
REPRESENTE NO ÁBACO Registro deve ser:
Nenhuma unidade solta.
36
Um grupo de três de três de três
Um grupo de três de três
Nenhum grupo de três
011 0
1.3³ 1.3² 0.3¹ 0.3°+ + +
3.3.3 + 3.3 + 0 0+ =
3
4
e) Faz de conta que nós temos 3 dedosem cada mão. Qual seria a base danossa numeração?
Agora faça o registro dos alunos de sua
classe no ábaco utilizando esta base.
d) Registre no ábaco o número de
alunos de sua classe.
f) Os registros de alunos que fizeram são de quantidades diferentes? Qual é a diferença?
Recolher e trocar os papéis entre os
professores Devolver os papéis aos respectivos professores para
averiguar as respostas
2.4²
EXPOENTE – indica a ordem de posição.
BASE – indica o agrupamento (de 4 em 4).
FREQUÊNCIA – indica a quantidade de vezes que aparecem
os agrupamentos.
8
161
Atividade: “A potência e o sistema decimal” Iniciar com a leitura do texto sobre Arquimedes (reforçar a ideia de que a potenciação permite comparar números e fazer cálculos) – e devido à redução de sua escrita é possível representar quantidades imensas.
Fazer os exercícios 1 e 2: Desenvolvimento 6º e 7º encontros da I Etapa do PALMA
Problemoteca:
Numa cidade, havia sete casas, em cada casa havia sete gatos, cada um deles
come sete ratos, cada um dos quais havia comido sete espigas, cada uma delas
teria produzido sete medidas de grãos. Achar a soma do número de casas, gatos,
ratos, espigas e medidas de grãos.
7¹ + 7² + 7³ + 74 + 75 = 16807 + 2401+ 343+ 49+7 = 19 607
Adição e subtração
Realizar algumas adições no ábaco e registrar no caderno com algarismos:
9 + 4 = 13 + 7 = 20 + 10 = 30 + 67 = 97 + 3 = 100 + 54 = 154 + 330 = 484 + 717 =
1201
De 1201 tirem 1 = 1200 agora tirem 5 = 1195 – 12 = 1183 – 203 = 980 – 80 = 900 –
7 = 893 – 309 = 584 – 296 = 288 – 109 = 179 – 89 = 90 – 45 = 45 – 28 = 17 – 8 = 9
Outras operações:
a. (3435)9 + (464)9 = b. (432) 5 + (404)5 = c. 101 – 59 = d. 60 – 36 = e. 8 030 – 2 092 = f. 6 000 – 498 =
Classe dos
bilhões
Classe dos
Milhões
Classe dos
Milhares
Classe
Simples12º
Cen.
deBilhão
11º
Dez.
de
Bilhão
10º
Un.
deBilhão
9º
Cen.
deMilhão
8º
Dez.
deMilhão
7º
Un.
deMilhão
6º
Cent.de
Milhar
5º
Dez.
deMilhar
4º
Unid.
deMilhar
3º
Cen
tena
2º
Deze
na
1º
Uni
da
de
108
107
106
105
104
1011
1010
103
102
101
109
100
Quadro das ordens e classes
10
9
Número de vezes que o 10 aparece como fator
numa multiplicação
ResultadoNotação Potencial
1 10 10
2 10 x 10 100
3 10 x 10 x 1o 1 000
4 10 x 10 x 10 x10 10 000
5 10 x 10 x 10 x 10 x 10 100 000
6... 10 x 10 x 10 x 10 x 10 x 10
1 000 000...
105
106
104
102
101
103
Escreva os números abaixo na forma de potência de 10
a) 80 f) 50000
b) 2000 g) 400 + 30
c) 900 h) 4000 + 200 + 10 + 9
d) 700000 i) 10000 + 400 + 6
e) 6 j) 2870
13
8.10¹
2.10³
9.10²
6.10°
4.10² + 3.10¹
4.10³ + 2.10² + 1.10¹ + 9.10°
2.10³ + 8.10² + 7.10¹
5
7 . 10
4
1 . 10 + 4.10² + 6.10°
4
5 . 10
Ábaco Numeral Produto Potência de 10
Como se lê
300 000
30
300
3 000
30 000
3 3 . 1
3 . 10
3 . 10.10
3 . 10.10.10
3.10.10.10.10
3.10.10.10.10.10
3 . 10
3 . 10¹
3 . 10²
3 . 10³
3 . 104
3 . 105
três
trinta
trezentos
três mil
trinta mil
trezentos mil
12
POTÊNCIA RESULTADO CLASSE ORDEM COMO LEMOS
10²
105
107
104
10¹
10³
106
109
108
11
100 simples 3ª Cem
100 000 milhar 6ª Cem mil
10 000 000 milhão 8ª Dez milhões
10 000 milhar 5ª Dez mil
10 simples 2ª Dez
1000 milhar 4ª Mil
1 000 000 milhão 7ª Um milhão
1 000 000 000
100 000 000
bilhão
milhão
10ª Um bilhão
9ª Cem milhões
162
g. Se tiver 32, quantos faltam para 60? - Por que é importante analisar o comportamento das parcelas? - Qual foi a necessidade do homem para analisar o comportamento das parcelas? O Homem evoluiu do ábaco ao papel e ao cálculo mental. Ao analisar o comportamento das parcelas, percebeu que poderia associar números, decompô-los, mudar sua disposição que o resultado seria o mesmo. Isso lhe permitiu um avanço no movimento de calcular. No cálculo aritmético e algébrico as propriedades são de uma aplicação constante e quem as conhece bem, principalmente as da soma e produto tem a chave do cálculo algébrico. Pode-se afirmar que as propriedades formais das operações constituem o conjunto de leis operatórias do cálculo. É o chamado PRINCÍPIO DA ECONOMIA ou PRINCÍPIO GERAL DE ECONOMIA DO PENSAMENTO (Bento de Jesus Caraça - pág. 26, 27 – Conceitos Fundamentais da Matemática) que nos leva, seja nos atos elementares do dia a dia, seja nas construções mentais mais elevadas, a preferir sempre de dois caminhos que levam ao mesmo fim, o mais simples e mais curto. É uma questão prática, o movimento da matemática é preciso. O Homem tem tendência a generalizar e estender todas as aquisições de seu pensamento, seja qual for o caminho pelo qual essas aquisições se obtêm, e a procurar o maior rendimento possível dessas generalizações pela exploração metódica de todas as suas consequências. (pág. 9) No caso da adição essas generalizações são um conjunto de leis operatórias formado pelas propriedades formais das operações – é a aplicação delas que nos permite a economia do pensamento. Esquema de construção das operações: (que se inicia no 6º encontro e fecha no 10º
encontro):
Desenvolvimento 8º encontros da I Etapa do PALMA Multiplicação no ábaco.
a) 2 x 3 = 6 b) 4 x 7 = 28 c) 17 x 5 = 85 d) 1265 x 4 = 5060 e) 682 x 3 = 2046 f) 14 x 34 = 476 g) 59 x 45 = 2655 h) 80 x 25 = 2000 i) 248 x 32 = 7936
ADIÇÃO simplificação CONTAGEM
Correspondência
biunívoca
163
Desenvolvimento 9º encontro da I Etapa do PALMA Trabalhando com o ábaco e revendo algumas multiplicações:
a. 256 x 3 = b. 309 x 12 = c. 435 x 20 = d. 220 x 408 =
Divisão: a cada operação deverão exteriorizar o pensamento envolvendo as ideias da divisão: medir e repartir. a. 8 : 2 = b. 32 : 4 = c. 51 : 3 = d. 133 : 7 =
e. 771 : 3 = f. 2745 : 9 =
g. 203 : 4 = h. 276 : 12 =
Desenvolvimento 10º encontro da I Etapa do PALMA
Resumindo ...
Do dia em que o homem milagrosamente descobriu
que um casal de perdizes e um par de dias eram
ambos instâncias do número dois, até hoje, quando o
homem tenta expressar em números o seu próprio
poder de abstração – temos uma estrada longa,
laboriosa, e muito foram as curvas e os desvios. (pág.
197, Dantzig)
Era nosso objetivo examinar o estado atual da
ciência do número à luz de seu passado. (pág. 199,
Dantzig)
CONTAGEM ADIÇÃO MULTIPLICAÇÃO POTENCIAÇÃO
SIM
PLI
FIC
AÇ
ÃO
SIM
PLI
FIC
AÇÃO
SIM
PLI
FIC
AÇ
ÃO
SUBTRAÇÃO DIVISÃO
inversa inversa
RADICIAÇÃO
OPERAÇÕES
1º GRAU 2º GRAU 3º GRAU
inversa
1+1+1+1+1
+1+1+1+1
3 + 3 + 3
9 – 6
3 X 3
9 ÷ 3
3²
LOGARITMAÇÃO
9
inversa
Log3 9
164
ANEXO G- Desenvolvimento do 2º encontro da II Etapa
Desenvolvimento do 2º Encontro da II Etapa - 28/09/2013 1) Leitura da pauta e da pasta matematizando o registro. 2) Problemoteca: Vovô Eduardo comemorou todos os seus aniversários a partir dos 40 anos colocando, no bolo, velinhas em forma de algarismos de 0 a 9 para indicar sua idade. Primeiro ele comprou as velinhas de números 0 e 4. Ele sempre guardou as velinhas para usar nos próximos aniversários, comprando uma nova somente quando não era possível indicar sua idade com as guardadas. Hoje vovô Eduardo tem 85 anos. Quantas velinhas 3) Completar o quadro – Reflexões sobre a Didática da Matemática
O QUE PENSO
CONCEPÇÃO DE ENSINO APRENDIZAGEM
IDEIA DE SUJEITO / INDIVÍDUO / ALUNO
“SABER” MATEMÁTICA
CLASSIFICAÇÃO, SERIAÇÃO
JOGOS
SITUAÇÕES PROBLEMA
O PAPEL DO NÚMERO
4) Texto: “A cultura matemática é um instrumento para a cidadania”. Elencar na lousa as necessidades atuais da educação matemática e o que deve ser ainda valorizado; Refletir sobre cada tópico levantado. 5) Trabalhando com jogos e materiais concretos – 7 grupos. Relação dos jogos / materiais 1. Tampinhas (classificação) 5. Dominó 2. Tampinhas (seriação) 6. Batalha 3. Animais (classificação) 7. Bate mão 4. Cara a Cara – Jogo da Eliminatória Orientações: - Ler as orientações do jogo / material; - Jogar – familiarizar-se com o jogo; - Elencar as implicações pedagógicas – que conceitos matemáticos estão envolvidos no jogo / material; - Qual o papel do professor e do aluno no processo ensino-aprendizagem-avaliação; - Como as crianças chegam ao conceito de número. - Prever perguntas a serem feitas aos alunos, anotá-las para socialização. Troca de jogos / materiais entre os grupos Socialização dos grupos: 1. e 3. CLASSIFICAÇÃO (tampinhas e animais) Procedimento: Dado um conjunto de tampinhas e animais deverão agrupá-los segundo suas semelhanças.
165
A classificação depende da capacidade do aluno de se concentrar em uma única característica dos objetos de um conjunto e agrupá-los segundo tal característica. É classificando os objetos, as pessoas e os animais, que a criança estrutura o real, formando conceitos. A classificação que tem sua origem na atividade sensório-motora vai se aperfeiçoando à medida em que a criança se desenvolve e se converte na capacidade para orientar o pensamento cientifico característico da adolescência e da idade adulta. O conhecimento lógico-matemático é estruturado a partir da “abstração reflexiva” que tem origem na coordenação das ações que a criança exerce sobre o objeto. É a partir da coordenação das ações que se chega à manipulação simbólica e ao raciocínio puramente dedutivo, como, por exemplo, incluir duas sub-classes, dos cães e dos cavalos (classe A e A) numa classe maior, a dos mamíferos (classe B). Formadora: 1 - Formem grupos de modo que em cada um os seus elementos tenham algo parecido entre si. 1° - Tem outra forma de agrupá-los no mesmo tanto de grupos? 2 - Forme com tampinhas, 3 grupos 2° - Tem outra forma de agrupá-los? 3 - Forme apenas um grupo 3° - Tem outra maneira de agrupá-los? CONHECIMENTO FÍSICO: Cor, forma, tamanho, textura, tipo de material, características dos animais. CONHECIMENTO SOCIAL: nome dos animais, nome das tampinhas, onde vivem, identificar tampa com seu conteúdo, para que servem... CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO: Classificação (a classificação está ligada à reversibilidade a capacidade de reverter um processo mentalmente agora permite ao aluno ver que existe mais de uma maneira de classificar um grupo de objetos/seres), Inclusão de classe, conservação de quantidades (todas são tampinhas e animais) - Parte/todo. 2. SERIAÇÃO (tampinhas) É o processo de fazer uma disposição ordenada segundo algum critério definido. Objetivo: Identificar os critérios e atributos que podem ser trabalhados. Organizar a seriação, justificando. Procedimento: Colocar as tampinhas no grupo onde terão que realizar a seriação segundo critérios definidos pelo grupo. CONHECIMENTO FÍSICO: Cores; texturas, tamanhos, tipo de material (metal e plástico) e forma. CONHECIMENTO SOCIAL: Nome: tampa; identificar a marca e o conteúdo, para que serve... CONHECIMENTO LÓGICO MATEMÁTICO: Seriação, Relação seqüencial A > B > C, sendo capaz de apreender a noção de que B pode ser menor que A e maior que C / transitividade
166
4. CARA A CARA – Jogo de eliminatória Objetivo: Diferenciar entre vários entes aqueles que são semelhantes. Classificação: O que tem algo parecido, que se encaixa em um critério definido previamente. Descrever o que observou nas ações dos participantes. Procedimento: Ver regras do jogo. Observação: No grupo haverá 4 participantes, mas somente 2 irão jogar. Os demais deverão anotar por escrito, as estratégias que os jogadores utilizaram. Este jogo propicia situações em que o aluno trabalhe não só com um atributo comum de objeto de uma coleção, mas também com a negação desse atributo. 3. DOMINÓ Objetivo: identificar as quantidades através da contagem, compará-las e pensar numericamente. Desenvolve a contagem, a correspondência biunívoca, a ideia de agrupamentos, comparação de quantidades, inclsão hirárquica. É possível destacar as características de cada pedra do jogo e suas regularidades que auxiliarão no desenvolvimento de estratégias de jogo. Desenvolve o pensamento antecipatório. Conhecimento físico – forma, cor e material das pedras. Conhecimento social – disposição das quantidades nas pedras; as próprias regras do jogo. Conhecimento lógico matemático: contagem, comparação de quantidades, relação entre significado e significante do número. 4. BATALHA Objetivo: Identificar a importância do jogo para a construção do número, tendo a possibilidade de comparar quantidades e pensar numericamente. O que desenvolve:
Contagem; Magnitude do número através de comparação de signos; Inclusão hierárquica; Ordem e relação entre símbolo e signo; Comparação de quantidades; O jogo tem conseqüências sociais imediatas – decidir se 8 é maior que 9 deve ser feito depressa. O julgamento é feito pela criança e pelos colegas. Já em um caderno de exercício isso só é avaliado pelo professor, muito mais tarde. 5. BATE MÃO Objetivo: Identificar a relação entre a numeração falada e a escrita. O que desenvolve:
Contagem;Sequência numérica; Reconhecimento do número; Relação entre numeração falada e escrita; Correspondência termo a termo/ biunívoca; Agilidade / atenção / concentração.
167
ANEXO H– Síntese, em slides, fundamentada em Kamii (1990) sobre a teoria de Piaget.
A construção do Número
• É uma síntese de dois tipos de relações que a criança elabora entre os objetos.
ORDEM
E
INCLUSÃO HIERÁRQUICA
CONSTRUÇÃO DO NÚMERO
ORDEM
A ordenação não é a única operação mental da criança sobre os objetos, pois se assim fosse, esses não poderiam ser quantificados, uma vez que a criança consideraria apenas um de cada vez, em vez de um grupo de muitos ao mesmo tempo
INCLUSÃO HIERÁRQUICA
Para quantificar os objetos como um grupo, a criança tem que colocá-los numa relação de inclusão hierárquica. Esta relação, significa que a criança inclui mentalmente um em dois, dois em três, três em quatro, etc. Quando lhe apresentam os oito objetos, ela só consegue quantificar o conjunto numericamente se puder colocá-los todos numa única relação que sintetize ordem e inclusão hierárquica.
DIFERENÇA ENTRE
CONSTRUÇÃO DO NÚMERO
• Existe na cabeça da criança não sendo portanto observável.
QUANTIFICAÇÃO DE OBJETOS
• É parcialmente observável.
CONHECIMENTO
FÍSICO
CONHECIMENTO
SOCIAL
CONHECIMENTO
LÓGICO
MATEMÁTICO
Abstração Quando as crianças
constroem este
conceito focalizam
uma prioridade e
ignoram as outras.
ABSTRAÇÃO
EMPÍRICA
A ABSTRAÇÃO é
REFLEXIVA ou
CONSTRUTIVA
(coordenação das ações,
estabelecendo relações)
Exemplo
Cor/forma
Odor/sabor
Temperatura
Consistência
Textura
Peso/som
Animais/plantas
Família
Profissões
Escola/comunidade
Etnia
Idéias econômicas
Meios de transporte
Direito das crianças
“Dia das Bruxas”
Árvore/tree
As palavras um, dois,
três
Conservação
Classificação
Seriação
Causalidade
Espaço
Tempo
Número
OS TRÊS TIPOS DE CONHECIMENTO SEGUNDO PIAGET
Conhecimento Físico Conhecimento Social Conhecimento
Lógico-matemático
Origem Sua origem reside nos
objetos
As fontes primárias
são as convenções
desenvolvidas pelas
pessoas
Tem origem nas
relações internas
feitas por cada
indivíduo.
FonteÉ externa – objetos do
mundo que o cerca
É externa – provém da
cultura e de um grupo
social
É interna – o sujeito
constitui a fonte do
conhecimento
Como se
adquire o
conhecimen
to
Através das ações sobre
o objeto (explorando,
manipulando,
observando)
“Sentidos”
Trocas sociais e as
representações
Transmissão social
Seu conhecimento é
arbitrário (maçã –
apple)
Estabelecendo
relações (Externo e o
interno)
Tem 3 características
principais:1) Não pode ser
ensinado
diretamente;
2) É unidirecional e
irreversível;
3) Um vez
construído, jamais
será esquecido
CONSTRUÇÃO DO NÚMERO
ORDEM INCLUSÃO HIERÁRQUICA
PIAGET provou que:
• Número não é uma coisa conhecida inatamente, por intuição ou empiricamente, pela observação.
• Leva anos para ser construído.
• Conceitos numéricos não são adquiridos através da linguagem.
PIAGET
Números perceptuais
Números pequenos até 4 ou 5 – distinguido pela percepção
Números elementares
Números maiores que 4 ou 5
PIAGET
• O Número é construído por cada criança a partir de todos os tipos de relações que ela cria entre os objetos (mentalmente).