UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Centro de Humanidades
Departamento de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Sociologia
Linha de Pesquisa: Diversidades culturais, estudos de gênero e processos identitários
Entre Estigmas e Resistências
Narrativas afetivas e trajetórias de vida de prostitutas idosas
Érika Bezerra de Meneses Pinho
FORTALEZA – CEARÁ
2010
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CONTEXTUALIZAÇÃO
Este projeto propõe a continuidade da pesquisa realizada em 2005, quando iniciamos a
elaboração da monografia para conclusão do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do
Ceará (UFC). O trabalho “No Amor e na Batalha: Memórias Afetivas de Prostitutas de Baixo
Meretrício” se concentrou na compreensão de trajetórias de vida de prostitutas com faixa etária entre os
vinte e vinte e nove anos. Mais especificamente, o trabalho observou as relações afetivas entre estas
mulheres e seus clientes de múltiplas nacionalidades.
O interesse pelo tema da prostituição foi alimentado pelo contato com prostitutas engajadas no
movimento associativo da categoria, em 2004. Nesse ano, discordâncias políticas e ideológicas levaram
ao fim do nosso trabalho voluntário em assessoria de comunicação desenvolvido na associação que
reúne prostitutas do Estado. Entretanto, uma vez desligada do trabalho voluntário na Associação, o
interesse pelo tema da prostituição como objeto de pesquisa social se delineava. O que pensa, o que
quer a prostituta alheia ao movimento social da categoria? Quais são as motivações para a entrada e a
permanência no meretrício? Quais questões colorem o imaginário da prostituta que vive o cotidiano da
zona? A necessidade de responder a essas indagações motivou visitas posteriores à zona de baixo
meretrício do Farol do Mucuripe, em Fortaleza, bem como as pesquisas que se seguiram, com o
registro de trajetórias de vida no foco dos trabalhos realizados.
DEFINIÇÃO DO OBJETO
O objeto desta proposta de projeto de pesquisa será restrito por algumas características:
mulheres que já exerceram ou ainda exercem o meretrício e que consideram, elas mesmas, terem
atingido a velhice. Assim, a discussão realizada terá como tema a afetividade presente nas trajetórias de
vida destas mulheres.
O parâmetro mais comum em nosso país, convencionado pela Lei nº 10.741 de 1º de outubro de
2003, considera idosa a pessoa que atingiu os sessenta anos. Essa convenção não será necessariamente
adotada, pois este trabalho deverá priorizar critérios baseados nas relações sociais. Como observado
por Beauvoir, “o homem não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade,
seu estatuto lhe é imposto pela sociedade à qual pertence” (1990, p.15).
Em pesquisa de campo também a respeito de memórias de prostitutas, realizada em 2005, como
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afirmado anteriormente, verificamos que mulheres em torno dos cinqüenta anos assumiam para si o
título de “velhas”, com significativo valor auto-estigmatizante. Este é um dado que não pode ser
subestimado e que nos chamou a atenção.
Se nossa sociedade atribui menor importância à pessoa idosa após o fim de seu papel nos
mecanismos produtivos, o que acontece às mulheres que têm sua principal ferramenta de trabalho, o
corpo, depreciada pelo envelhecimento? Quais os sofrimentos sociais vividos especificamente por esta
parcela da população? Quais os interditos com relação à mulher já idosa que ainda trabalha na
prostituição? Para Motta,
“Na modernidade ocidental, ser velha é, sobretudo, ter perdido uma importante e não-
falada condição social de reprodutora [...] mas é, também, ir conseguindo (ou ter
conseguido) a libertação de certos controles societários que se referiam justamente à
reprodução e a tolheram durante toda a juventude”. (1999, p. 211)
No caso da prostituta idosa de baixo meretrício, que deixou sua atividade profissional, como se
articulam os valores de perdas e ganhos, relacionados aos interditos morais, à oferta de trabalho, à
relação com a família e ao fim da capacidade reprodutiva?
Esses são alguns dos questionamentos propostos neste projeto, e que podem ser esclarecidos a
partir das trajetórias de vida expostas nas narrativas orais.
JUSTIFICATIVA
Conforme verificado na monografia realizada em 2005 na área do Farol do Mucuripe, os relatos
orais de vida individuais produzem efeito sobre a tradição oral e a cultura de uma comunidade. É assim
que, apesar de sabermos que narrativas de trajetórias individuais não constituem pressuposto para “leis”
generalizantes, assumimos que comportamentos socialmente partilhados podem ser melhor
compreendidos a partir da análise de dados relevantes obtidos em estudos de caso. Os estudos de
gênero devem alguns dos seus avanços a pesquisas qualitativas. Um exemplo disso são as análises
aprofundadas das permanências e mudanças da compreensão dos papéis de gênero, possibilitadas por
pesquisas deste tipo.
Na prostituição feminina, sobretudo no baixo meretrício1, podemos observar figuras de
1 Maria Dulce Gaspar (1985) classifica as diferentes escalas da prática da prostituição, e define como baixa
prostituição aquela que é praticada nas ruas, por mulheres de todas as idades, a baixos preços. A vulnerabilidade das
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dominação de gênero e relações de poder e resistência. Observamos que a forma como as prostitutas
são representadas socialmente resulta em invisibilidade social: a prostituta idealizada, aquela presente
no imaginário do senso comum, é um objeto, é “o outro”, e jamais “o eu”, alguém com quem eu vá me
identificar.
Na velhice, a invisibilidade social adere outra vez à figura da prostituta. Como observa
Beauvoir,
“Diante da imagem que os velhos nos propõem de nosso futuro, permanecemos
incrédulos; uma voz dentro de nós murmura absurdamente que aquilo não vai
acontecer conosco; não será mais a nossa pessoa quando aquilo acontecer. Antes que
se abata sobre nós, a velhice é uma coisa que só concerne aos outros. (1990, p. 12).
Dessa forma, a conspiração do silêncio e o descaso com a condição dos idosos, descritos por
Beauvoir, atingem a prostituta idosa de uma forma duplicada. Também já se disse que “a noção que
temos da velhice decorre muito mais da luta de classes que do conflito de gerações” (BOSI, 2007, p.
81).
A partir desta percepção, apostamos na pesquisa e no registro das trajetórias dessas mulheres
como forma de contribuir com o campo de estudos sobre a vivência do envelhecimento em situações de
invisibilidade social. Constatamos também que aspectos da sociabilidade e da afetividade não podem
ser desconsiderados na produção acadêmica sobre a prática da prostituição, sob pena de transformar as
prostitutas em personagens planos, negando a subjetividade dessas mulheres e a importância de suas
trajetórias pessoais.
Ademais, o universo de prostitutas que tem sido priorizado em pesquisas acadêmicas é
composto pelas mais jovens, aquelas que têm em sua jovialidade um fator de vantagem para a sedução
da clientela. Posteriormente, na velhice, muitos acreditam que estas permaneçam na prostituição na
condição de garçonetes, auxiliando no bar, na limpeza do estabelecimento, desta feita, por detrás do
brilho das luzes da noite, atrás do palco e do balcão, desprezadas pelos homens e pelas mais jovens.
Deverá nos nortear, para a realização da pesquisa, o questionamento de partida: como se
constituem, ao longo da vida das mulheres pesquisadas, as negociações identitárias em torno da
vivência como prostitutas e dos vários outros papéis sociais desenvolvidos pelas mesmas? E, nesse
contexto, como as vivências afetivas dialogam com a prática prostituinte?
prostitutas a situações de risco é um dos aspectos do baixo meretrício constatados pela autora.
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REFERENCIAL TEÓRICO
Consideramos fundamentais para o desenvolvimento desse projeto alguns conceitos como
prostituição, identidade, trajetórias, memória e estigma, articulados às categorias de afetividade,
sexualidade, gênero e geração. Mutuamente relacionadas, as duas últimas são imprescindíveis para a
análise das relações sociais. Definidas por Motta (1999) como categorias “relacionais ou da
experiência”, gênero e geração são aspectos em torno dos quais são tecidas as trajetórias individuais.
Categorias fundadas no cultural e também no biológico – e por vezes naturalizadas, para justificar
dominações – ambas são fundamentais para a compreensão da proliferação de discursos e produção de
ideologias sobre a velhice na atualidade.
Relacionada a um processo de construção social, a identidade de gênero é confrontada e
elaborada pelo indivíduo por toda a vida, desde o início de sua socialização. A velhice, por sua vez,
“não é uma identidade permanente e constante” (DEBERT, 1988, p. 538). Circunscrita a um recorte
temporal da existência, a identidade de idoso é frequentemente negada pelo sujeito do envelhecimento,
por meio de uma série de mecanismos de resistência (BEAUVOIR, 1990; BOSI, 1990; DEBERT,
1988). Em pesquisa realizada com indivíduos de classe média, de idade avançada, Debert (op. cit.)
aponta diferentes modos de vivenciar o processo de envelhecimento. Dados obtidos pela autora
revelam que a autonomia e a liberdade de ação se opõem à dependência, considerada característica da
velhice.
A categoria afetividade será utilizada nesta pesquisa como conjunto que reúne emoções,
sentimentos e paixões, classificáveis em uma valência hedonista, pois cada um destes pode ser
acompanhado de prazer ou de dor (BORGES, 2004). A afetividade está presente nas narrativas orais de
vida, no discurso de quem reelabora e ressignifica sua história pessoal para contá-la a outrem. As
narrativas de histórias de vida “devem ser consideradas como instrumentos de reconstrução da
identidade, e não apenas como relatos factuais. Por definição reconstrução a posteriori, a história de
vida ordena acontecimentos que balizaram uma existência” (POLLAK, 1989, p. 13).
Cabe também destacar que a compreensão de memória como trabalho (BOSI, 2007), de
lapidação das lembranças pelo espírito, se coaduna a uma noção de histórias de vida como forma de
organização do discurso. O conceito de trajetórias de vida aqui proposto não é compreendido como
algo linear. Subjetividade, esquecimento, e o próprio diálogo da memória com o presente e o passado
impedem o caráter linear das trajetórias expostas.
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Pierre Bourdieu (1996) propõe o conceito de trajetória como forma de compreender a história
de um agente social em termos relacionais. Para o autor, a trajetória deve ser observada como um
percurso, em que o indivíduo se movimenta dentro de um espaço sujeito a incessantes transformações.
Bourdieu denuncia a falácia da “ilusão biográfica”, ou seja, a compreensão da vida como um conjunto
coerente de etapas lineares, orientado desde o princípio para o sentido da existência narrada.
Para Pollak, a memória é um fenômeno construído. É um trabalho de organização das
preocupações pessoais e políticas do momento. A afetividade opera na construção da memória,
atribuindo às vivências pessoais significados afetivos. Pela mesma característica de atribuição de
significados, a afetividade assume igual importância na elaboração da identidade pessoal, definida por
Pollak como “imagem de si, para si e para os outros” (POLLAK, 1992, p. 204).
Analisando a construção de identidades pessoais a partir da afetividade, neste estudo
pretendemos oferecer um contraponto a noções estereotipadas sobre a mulher prostituta. A
estereotipação elege características consideradas comuns a um grupo de indivíduos e exclui
idiossincrasias. Alan Johnson define o estereótipo como “uma crença rígida, excessivamente
simplificada, aplicada tanto aos indivíduos como categoria, quanto aos indivíduos isoladamente"
(JOHNSON, 1997, p. 180). A característica reducionista da estereotipação exclui aspectos relacionais
do comportamento individual. No caso específico das prostitutas, aspectos da sociabilidade como a
amizade, o romance, a solidariedade e o prazer são deslocados para fora da esfera de significação que
essas mulheres representam.
Afetos revelados no discurso destas mulheres, especialmente aqueles ligados à identidade,
“imagem de si para si”, podem ser elucidativos para compreender a ocorrência de auto-estigma e
estigmatização social, tanto da pessoa idosa como da mulher prostituta de baixo meretrício. Em
entrevistas anteriores, ao longo da elaboração da monografia realizada em 2005, pudemos constatar que
diferentes significações são atribuídas por mulheres acima dos cinqüenta anos, diante do fato de terem
exercido a prostituição. Ana (cujo nome é fictício, como no caso das demais personagens citadas a
seguir), que exerceu o meretrício em Sobral e hoje trabalha como madame, concedeu entrevista durante
um seminário voltado para as prostitutas, realizado em 2007, em Fortaleza. Ela fala com orgulho de
sua história e suas conquistas, e se auto-afirma como prostituta sem demonstrações de
constrangimentos. Marta, entrevistada em 2005, trabalhava no Passeio Público, praça histórica
localizada no Centro de Fortaleza. Aos quarenta anos, classificava-se como “velha” e demonstrava
vergonha de sua história pessoal. Relatou uma vida de humilhações e sucessivas perdas materiais e
afetivas. Trata-se de um ponto comum em algumas narrativas sobre o destino trágico de prostitutas que
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passaram dos quarenta anos na zona de prostituição. Nessas histórias, após o momento de auge em que
a prostituta jovem dispõe de meios para deixar o meretrício, a ocasião de sair da zona é perdida – ao
que se segue um ponto de não-retorno: “velha demais” para conseguir dinheiro suficiente para parar de
se prostituir, sem poder aquisitivo para investir na aparência física, a prostituta vê o valor oferecido por
seu corpo se depreciar. No relato de Marta,
A partir que a pessoa entra na prostituição, não vem coisa boa. É um problema atrás do
outro. Quando a gente pensa que tá tudo bem, já vem um problema do tamanho da
gente, pra gente ficar pensando como resolver. Parece que tá assim, querendo se
afundar, sabe? No começo, é bom. Mas depois a gente quer sair e não pode sair. Atrás
de emprego e não acha. Os homens só querem se aproveitar. Às vezes, a gente procura
fazer um programa de 15 [reais], eles querem… oferecem 8, 7, humilha, quer fazer
programa de todo jeito. “Tô pagando!”. Pra humilhar a gente na cama. Quer fazer todo
tipo de coisa. É horrível! Eu dou conselho a uma… Que eu já sou uma coroa, né? Eu
dou conselho pra uma jovem, adolescente, que quer entrar nessa vida: nunca entre,
porque não é bom, não. (Marta, entrevista realizada em 25/5/2005).
No depoimento de Marta, a narrativa adquire o significado de conselho, como proposto por
Benjamin (1994). Trata-se, como lembram Bosi (2007) e Barros (2006), de uma sugestão de
continuidade da história contada, em um esforço de reelaboração de sentido para o conjunto das
experiências vividas.
A naturalização da humilhação da prostituta mais velha, percebida nesse relato, evidencia a
existência de auto-estigma vivenciado pela entrevistada. Como descreveu Goffman, o estigmatizado
“baseia suas reivindicações não no que acredita seja devido a todas as pessoas, mas
apenas a todas as pessoas de uma categoria social escolhida dentro da qual ele
inquestionavelmente está incluído, como, por exemplo, qualquer indivíduo de sua
idade, sexo, profissão etc). Além disso ainda pode perceber geralmente de maneira
bastante correta que, não importa o que os outros admitam, eles na verdade não o
aceitam e não estão dispostos a manter com ele um contato „em bases iguais‟”
(GOFFMAN, 1988, p. 17).
Para Sawaia (2008, p. 97), as formas subjetivas do sofrimento humano devem ser consideradas
para a análise da injustiça nas sociedades desiguais. A autora trabalha com o conceito de “sofrimento
ético-político”, experimentado pelas classes subalternas em decorrência das injustiças sociais. Para
Carreteiro, as pessoas excluídas “se sentem desvalorizadas e diminuídas e, raramente, compartilham
tais sentimentos”, seja por uma autocensura ou porque a sociedade não oferece suportes para a
expressão do sofrimento pessoal (2003, p. 60). Os sofrimentos relacionados à posição social, como
vergonha e humilhação, calados profundamente nas subjetividades, não são compartilhados
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socialmente. O silenciamento dessas dores segue uma lógica que deprecia os códigos culturais de
classes dominadas, desqualifica as experiências vividas e desvaloriza as histórias de vida
(CARRETEIRO, 2003).
OBJETIVO GERAL
Descrever e propor interpretações para as trajetórias de vida de prostitutas com mais de 60 anos, a
partir dos relatos orais das entrevistadas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Compreender as narrativas das entrevistadas em seus aspectos afetivos. Nesse contexto, compreender
como as experiências de relacionamentos afetivos, solidariedade, prazer e amizade se inserem no
universo da prostituição.
Compreender como se configuram as expectativas e projetos para o futuro das colaboradoras da
pesquisa.
Analisar processos de negociações de identidades ao longo da trajetória de mulheres que exerceram o
meretrício. Assim, observar momentos da vida das entrevistadas, como a infância, a adolescência, a
juventude, a maternidade, os namoros e as relações conjugais, incursões no mercado formal de trabalho
e como essas experiências dialogam com a vivência da prostituição.
METODOLOGIA
Propomos, como metodologia de pesquisa, uma etnografia da experiência, a partir dos relatos
orais das entrevistadas e da convivência com as mesmas em seus ambientes familiares e de trabalho,
por ocasião das entrevistas e visitas aos referidos espaços, quando se fizer possível. Os sujeitos de
nossa pesquisa são mulheres com mais de 60 anos de idade, que exerceram ou ainda exercem a
prostituição na zona de meretrício do Farol do Mucuripe e em boates como o Motel 90, no Centro da
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cidade, em Fortaleza, Ceará.
Discutindo sobre a incorporação de métodos biográficos, Bourdieu defende que a abordagem
metodológica ligada às histórias de vida teria entrado de contrabando nas Ciências Sociais. Partindo do
pressuposto de que histórias de vida podem ser compreendidas como narrativas ordenadas, coerentes,
com começo meio e fim, o autor aponta as armadilhas metodológicas do conceito, que pode induzir a
naturalização de representações e sentidos atribuídos pelos sujeitos sociais. A noção de trajetórias seria
mais útil ao propósito de uma etnografia da experiência, pois permite observar a “série de posições
sucessivamente ocupadas por um mesmo agente - ou um mesmo grupo - em um espaço ele próprio em
devir e submetido a transformações incessantes” (BOURDIEU, 1996, p.189). Assim, pode-se observar
o indivíduo em relação com o grupo social, estabelecendo relação entre a formação do habitus e os
campos, como forma de interpretar a experiência, socialmente fundada mas também irredutivelmente
singular.
Em sua pesquisa sobre trajetórias de vida de idosos, Ecléa Bosi (2007) defende o trabalho com
testemunhos na perspectiva da observação participante, em que o vínculo entre pesquisador e sujeito
pesquisado qualifica a pesquisa como compromisso afetivo.
Para Cardoso (1997), as pesquisas de observação participante guardam a tendência de o
pesquisador assumir o discurso dos entrevistados como “a verdade”, tornando-se porta-voz do discurso
dos colaboradores. Para a autora, o método de observação participante está ficando fotográfico,
meramente descritivo, denuncista, se tornando “participação observante”. O que a autora define como
“armadilha do método” pode ser evitado a partir da compreensão da produção de narrativas como uma
tarefa de reconstituição do passado, em que, mais que a veracidade e precisão das informações
prestadas, está em questão o processo de elaboração de sentido da trajetória vivida.
Quem fala sobre sua trajetória de vida realiza um trabalho de (re)construção da memória: revive
fatos bons e ruins, em um processo que recria os significados das experiências. As trajetórias de vida
expostas nas narrativas orais, onde buscaremos as respostas para os questionamentos que motivam a
pesquisa, são compreendidas neste projeto como o produto de um trabalho da memória, em que o
presente molda as lembranças. A partir dessa compreensão, a perspectiva metodológica a ser adotada
privilegia o interesse no que foi lembrado, e na reelaboração de significados resultante do processo.
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