Mestrado em Enfermagem Área de Especialização de Saúde Mental e
Psiquiatria
Relatório de Estágio
Narrativa de Vida: Intervenções de Âmbito Psicoterapêutico no Sofrimento Emocional
Clara Sofia de Jesus Rodrigues Galvão Almeida
Lisboa 2019
Mestrado em Enfermagem Área de Especialização de Saúde Mental e
Psiquiatria
Relatório de Estágio
Narrativa de Vida: Intervenções de Âmbito Psicoterapêutico no Sofrimento Emocional
Clara Sofia de Jesus Rodrigues Galvão Almeida
Orientador: Professor Doutor Joaquim Manuel de Oliveira Lopes
Lisboa 2019
Não comtempla as correções resultantes da discussão pública
AGRADECIMENTOS
À minha família e amigos pelo apoio e por serem o meu porto de abrigo durante
esta caminhada….
Ao Professor Joaquim Lopes pela sua disponibilidade, partilha de
conhecimentos e douta orientação
À Enfermeira Martina pela disponibilidade, partilha de conhecimentos e me
introduzir ao termo externalização…
Ao Enfermeiro Ricardo pela disponibilidade, partilha de reflexões e ter-me
possibilitado a ampliação do meu autoconhecimento e consciência de mim enquanto
pessoa e profissional…
À Enfermeira-Chefe do meu serviço pelo apoio e disponibilidade de horário
fornecidos durante este ano e meio…
Aos meus colegas, pelo apoio e compreensão demonstrados…
Aos utentes que me receberam e partilharam as suas vivências e experiências
de doença e sofrimento comigo, ajudando-me a crescer como pessoa e profissional
neste percurso para me tornar Enfermeira Especialista em Saúde Mental e
Psiquiátrica…
O todos o meu Muito Obrigada…
Lista de Abreviaturas
AVD – Atividades de Vida Diária
EESMP – Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica
ESMP – Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
ESEL – Escola Superior de Enfermagem de Lisboa
SMP – Saúde Mental e Psiquiátrica
RESUMO
A experiência de doença contempla em si um determinado nível de sofrimento,
seja ele físico, psicológico, espiritual ou social. Contudo, quando se trata da
experiência de doença mental ou do confronto com a inevitabilidade da morte, o
sofrimento emocional que comporta pode adquirir contornos incomensuráveis (Wright,
2005).
O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
detém competências específicas que lhe permitem desenvolver intervenções
psicoterapêuticas dirigidas à mitigação desse sofrimento à obtenção de ganhos em
saúde dos seus clientes.
Estas intervenções psicoterapêuticas, apesar de regulamentadas pela Ordem
dos Enfermeiros, carecem de teorização e desenvolvimento clínico. Neste contexto,
uma vez que a Narrativa de Vida se apresenta na literatura como uma intervenção
que pode ser utilizada com uma finalidade psicoterapêutica, na primeira parte deste
relatório pretendeu-se compreender como a Narrativa de Vida pode ser utilizada
enquanto intervenção psicoterapêutica de Enfermagem de Saúde Mental e
Psiquiátrica com o objetivo de diminuir o sofrimento emocional.
No sentido de compreender esta intervenção à medida que esta se foi
desenvolvendo optou-se pela utilização do método clínico, que considera a
singularidade da pessoa cuidada e que articula, em simultaneidade, uma dimensão
cuidativa e uma investigativa.
A intervenção decorreu em contexto de reabilitação psicossocial com um cliente
doença mental grave e em contexto de cuidados paliativos, com um cliente em fim de
vida. Ambos com indicadores de sofrimento emocional. A Narrativa de Vida como
intervenção psicoterapêutica de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
demonstrou, nestes clientes, contribuir para a diminuição do seu sofrimento
emocional.
Na segunda parte do documento é feita, a partir das aprendizagens
proporcionadas pelo presente Curso de Mestrado, a análise reflexiva do
desenvolvimento que fizemos das competências comuns e específicas do Enfermeiro
Especialista em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica.
Palavras-chave: Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica, Intervenção Psicoterapêutica, Narrativa de Vida, Sofrimento Emocional, Desenvolvimento de
Competências
ABSTRACT
The experience of sickness contemplates in itself a certain level of suffering, be
it physical, psychological, spiritual or social. However, when it comes to the experience
of mental illness or confrontation with the inevitability of death, the emotional suffering
it entails may acquire immeasurable contours (Wright, 2005).
The Nursing Specialist in Mental Health and Psychiatric has specific
competencies that allow hem to develop psychotherapeutic interventions aimed at
mitigating this suffering to obtain health gains from her clients.
These psychotherapeutic interventions, although regulated by the Order of
Nurses, lack theorization and clinical development. In this context, since the Life
Narrative is presented in the literature as an intervention that can be used for a
psychotherapeutic purpose, the first part of this report was intended to understand how
the Life Narrative can be used as a psychotherapeutic intervention in Nursing of Mental
Health and Psychiatric in order to reduce emotional distress.
As a mean to understand this intervention as it developed, we chose to use the
clinical method, which considers the uniqueness of the person cared for and that,
simultaneously, articulates a caring and investigative dimension.
The intervention took place in the context of psychosocial rehabilitation with a
client with severe mental illness and in the context of palliative care with an end-of-life
client. Both with indicators of emotional distress. The Life Narrative as a
psychotherapeutic intervention of Mental Health and Psychiatric Nursing has shown,
in these clients, to contribute to the reduction of their emotional suffering.
In the second part of the document, the reflective analysis of the development
of the common and specific competences of the Nursing Specialist in Mental Health
and Psychiatric Nursing is made, based on the learning provided by this Master
Course.
Keywords: Mental Health and Psychiatric Nursing, Psychotherapeutic Intervention, Life Narrative, Emotional Suffering, Competence Development
ÍNDICE Página
Introdução ………………………………………………………………………………… 9 PARTE 1 – A Narrativa de Vida como Intervenção psicoterapêutica em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 1. Fundamentação Teórica ………………………………………………………………. 13 1.1 O sofrimento Emocional como foco da atenção do Enfermeiro Especialista em
Saúde Mental e Psiquiátrica ………………………………….……………………… 13
1.1.1 O Sofrimento Emocional na Doença Mental …………………………………… 14
1.1.2 O Sofrimento Emocional em Fim de Vida ……………………………………… 15
1.2 O Sofrimento Emocional como foco da intervenção do Enfermeiro Especialista em
Saúde Mental e Psiquiátrica ……………………………………….………………… 16
2. Estudo Empírico………………………………………………………………………… 19 2.1 Delimitação da Problemática ……………………………………………………….. 19
2.2 Estágio em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica …………………….… 24
2.3 Questão de Investigação …………………………………………………………….. 25
2.4 Objetivos do estudo ………………………………………………………………….. 25
2.5 Opções Metodológicas ………………………………………………………………. 26
2.5.1 Tipo de Estudo ……………………………………………………………………… 26
2.5.2 Participantes ………………………………………………………………………… 28
2.5.3 Considerações éticas ……………………………………………………………… 29
3.O encontro com o Outro e a compreensão da sua experiência …………………… 30
4. A Narrativa de Vida como intervenção Psicoterapêutica em Enfermagem de Saúde
Mental e Psiquiátrica ……………………………………………………….…………….. 31
4.1 Síntese teórico- reflexiva sobre a utilização das Narrativas de Vida no sofrimento
emocional do cliente do caso 1 (Contexto Comunitário) …………………………….. 31
4.2 Síntese teórico- reflexiva sobre a utilização das Narrativas de Vida no sofrimento
emocional do cliente do caso 2 (Contexto Internamento) …………………………… 42
4.3 Reflexão final ………………………………………………………………………… 50
5. Implicações disciplinares e profissionais …………………………………………... 52
PARTE 2 – O Desenvolvimento das Competências Especializadas em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica 1. Competências Comuns do Enfermeiro Especialista ………………………………. 57
2. Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e
Psiquiátrica ………………………………...……………………………………………... 61
3. Considerações Finais ……………………………………………………………….... 65
Referências Bibliográficas ……………………………………………………………. 67 Apêndices Apêndice I – Pedidos de Autorização aos Diretores Clínicos
Apêndice II – O Encontro com o Outro: Diários de Campo
Apêndice III – Competências e Atividades Anexos Anexo I – Formulário de Pedido de Autorização à Comissão de Ética
Índice de Quadros Página
Quadro 1 – Stressores e Padrões de Resposta do Caso 1 ……………………….. 35 Quadro 2 – Stressores e Padrões de Resposta do Caso 2 ……………………….. 45
Relatório de Estágio
9
INTRODUÇÃO A experiência de doença contempla em si um determinado nível de sofrimento, seja ele físico, psicológico, espiritual ou social. Contudo, quando se trata da
experiência de doença mental ou do confronto com a inevitabilidade da morte, o
sofrimento emocional que comporta pode adquirir contornos incomensuráveis (Wright,
2005).
Segundo o explanado no regulamento das competências específicas do
EESMP emitido pela Ordem dos Enfermeiros (2010), a pessoa em processo de
sofrimento e/ou de doença mental apresenta ganhos em saúde ao ser cuidado por um
EESMP, pelo entendimento único que detém do sofrimento e capacidade de se
mobilizar como instrumento terapêutico.
Do exposto ressalva-se a importância do exercício dos EESMP não apenas nos
serviços de psiquiatria e saúde mental, mas em áreas de atendimento em que os
contornos do sofrimento, e em especial o emocional, ultrapassam o limiar do
suportável, impedindo a pessoa de experienciar e se apropriar do mesmo,
ultrapassando-o.
Não obstante os contributos que a componente teórica deste mestrado
forneceu no meu percurso para me tornar Enfermeira Especialista em SMP, o
desenvolvimento das competências inerentes à prática de enfermagem avançada
apenas podem ser consolidadas através da prática experienciada, supervisada e
refletida (Benner, 2001). O desenvolvimento de um projeto na área da saúde mental, concretamente
aplicado ao sofrimento emocional na doença mental e em fim de vida, decorre de
inquietações formadas na minha prática clínica em Psiquiatria, Medicina e Cirurgia, e
da necessidade de consolidar competências que me permitissem ajudar a pessoa no
confronto com o mesmo.
Este relatório consiste numa análise crítica e reflexiva do percurso efetuado na
aquisição das competências de EESMP durante a realização dos estágios em
contexto comunitário e de internamento, ancorada na evidência científica, realçando
as atividades desenvolvidas, com enfoque na intervenção psicoterapêutica
desenvolvida, nos ganhos obtidos e as competências adquiridas.
Deste modo são objetivos do mesmo:
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- Desenvolver o papel do EESMP nos cuidados à pessoa com experiência de doença
mental e em fim de vida e sua família, bem como contributos na abordagem e alívio
do sofrimento emocional;
- Analisar crítica e reflexivamente o percurso efetuado assente na evidência científica,
na minha prática e na prática observada nos locais de estágio.
De modo a dar resposta aos objetivos acima, encontra-se estruturalmente
constituído por duas partes: A primeira parte respeitante à aplicação da Narrativa de
Vida como Intervenção Psicoterapêutica no Sofrimento Emocional, que comporta a
Fundamentação Teórica e o Estudo Empírico, e a segunda parte respeitante à análise
reflexiva do desenvolvimento das competências comuns do Enfermeiro Especialista e
das Competências Específicas do EESMP. Seguem-se as Referências Bibliográficas
e os Apêndices e Anexos, pela ordem de relevância adquirida na ilustração do
percurso efetuado.
Para a construção da Fundamentação Teórica foi realizada uma pesquisa
bibliográfica na biblioteca da ESEL e em diversas bases de Dados (B-On, Medline,
Cinhal e no Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal). As referências
bibliográficas foram elaboradas segundo as normas da American Psychological
Association.
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Parte 1 – A Narrativa de Vida Como Intervenção Psicoterapêutica em Enfermagem de Saúde Mental e
Psiquiátrica
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1. Fundamentação Teórica
1.1 O sofrimento Emocional como foco da atenção do Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica
O sofrimento constitui-se como um foco de atenção da Enfermagem, e surge como
diagnóstico nas classificações de Enfermagem (NANDA, 2018; CIPE 2017), sendo
definido como uma necessidade de tolerar condições devastadoras, associada a
emoções negativas como tristeza, ansiedade, perda de identidade e perda do sentido
da vida.
O sofrimento emocional surge quando a experiência de emoções negativas é
percecionada como ameaçadora e os mecanismos de coping e regulação emocional
incapazes de estabelecer o equilíbrio (Gouveia, 2014).
Esta perceção é influenciada pelas experiências de vida, as crenças e valores,
as estratégias de coping, a cultura, o meio social e o significado pessoal do momento.
Podemos deste modo definir o sofrimento emocional como uma experiência
desagradável multifatorial, que envolve aspetos emocionais, cognitivos,
comportamentais e espirituais (Santre, Rathod e Maidapwad, 2014).
Este pode fazer-nos sentir indefesos, incapacitados, angustiados, com medo,
revoltados, agressivos e frustrados, mas também nos desperta para algo que não está
bem na nossa vida. Obriga-nos a permanecer vigilantes e em busca de soluções. No
entanto, não é apenas a presença da emoção que provoca o sofrimento, mas a
intensidade com que se apresenta e a percecionamos, bem como o modo como
lidamos e reagimos a essa emoção (Santre, Rathod e Maidapwad, 2014).
Isto não significa que devemos desejar o sofrimento, mas sim aceitá-lo quando
ocorre, integrá-lo na nossa experiência e crescer com o processo. Quando não
aceitamos o sofrimento, quando não nos permitimos vivenciá-lo, este torna-se como
uma ferida aberta na nossa psique, que jamais sarará, capaz de nos fazer adoecer e
de nos incapacitar para gerir adequadamente outros aspetos da nossa vida, surgindo
a experiência da doença mental (Rodrigues, 2001).
Aceitar e permitir-nos vivenciar o sofrimento dá-nos o acesso à característica
humana mais importante para qualquer um de nós: a compaixão. É esta característica
que possibilita que o sofrimento do outro tenha uma profunda ressonância em nós,
sem que, no entanto, nos afundemos neste e o tornemos nosso. Para tal é necessário
Relatório de Estágio
14
que deixemos de fugir do nosso sofrimento e do sofrimento do outro, e o aceitemos e
abracemos. Apenas desta forma conseguiremos reagir-lhe de forma adequada a
ajudar o outro a realizar o mesmo processo.
Contudo, para que possa atuar como um motor para o desenvolvimento
pessoal, o sofrimento emocional necessita ser ultrapassado, de seguirmos adiante
quando nos fixamos num momento ou situação desagradável, tornando-se numa fonte
de aprendizagem acerca de nós próprios, das nossas emoções e como as gerimos,
de como enfrentamos os problemas (Rodrigues, 2001).
1.1.1 Sofrimento Emocional na Doença Mental
A doença mental, especialmente a doença mental grave, causa uma disrupção
na história de vida da pessoa, bem como na sua identidade. O sofrimento emocional
surge como resultado desta disrupção e das perdas sucessivas causadas pela doença
e pelo estigma e rejeição associados a esta.
A pessoa com doença mental é muitas vezes marginalizada pela família e
amigos, devido a comportamentos social e moralmente inaceitáveis ocorridos durante
um episódio da doença (sendo a pessoa considerada perigosa), o que pode conduzir
a um isolamento e a uma necessidade de omitir a doença (Sitvast, Abma e
Widdershoven, 2010, Magadla e Magadla, 2014).
Deste modo, torna-se difícil estabelecer e/ou manter relacionamentos afetivos
ou sociais com outros, diminuindo o sentimento de pertença, fundamental na nossa
vida, pois transmite um sentimento de segurança e aumento da auto-estima. O
estigma e a marginalização, para além dos sintomas associados à doença, dificultam
a possibilidade de conseguir um novo trabalho ou o regresso ao posto anterior de
trabalho, comprometendo sentimentos positivos de pertença, felicidade e utilidade
(Magadla e Magadla, 2014; Björkmark e Koskinen, 2016).
Com a doença mental, surgem diversas perdas: a perda de identidade
secundária à perda de papéis pela incapacidade de gerir diversos aspetos da nossa
vida, diminuição do autoconceito devido a alterações da auto-imagem (secundárias à
terapêutica e sintomatologia, que alteram a forma como a pessoa se vê) pela
dependência de outrem (devido à perda de emprego e de rendimentos) e pela
hospitalização (com retirada da capacidade de decisão e da liberdade) (Rodrigues,
2001; Björkmark e Koskinen, 2016).
Relatório de Estágio
15
Estas perdas causam na pessoa diversos e intensos sentimentos negativos
com um importante impacto no bem-estar emocional: revolta (pela doença, pela
hospitalização, pela perda da identidade anterior), vergonha (pelo estigma da doença
mental e por comportamentos socialmente não aceitáveis), Desesperança (por não
ser capaz de recuperar a anterior identidade), solidão (pelo estigma e marginalização)
e inutilidade (pela incapacidade em manter os papéis anteriores) (Sitvast, Abma e
Widdershoven, 2010).
Estes mergulham a pessoa num profundo sofrimento emocional, que esta deve
ser capaz de expressar, aceitar e permitir-se vivenciar, de modo a ultrapassá-lo e
construir uma nova história de vida positiva e adequada à atual realidade, atingindo o
bem-estar emocional.
1.1.2 Sofrimento Emocional em Fim de Vida
Quando confrontado com a morte, o Ser Humano questiona-se sobre o sentido da
vida e da morte, e não sabe como reagir face à ideia da morte iminente, à incerteza
do futuro e ao desgosto e desespero de ter de se despedir da vida e dos que ama, ou
como enfrentar uma certeza (a morte) que só conhecemos através dos outros e que
nunca experienciámos (Hennezel e Leloup, 2001, Santos, 2009).
Nesta fase emergem questões ligadas com acontecimentos passados, as relações
com as pessoas que ama e assuntos pendentes, surgindo uma necessidade de
aproximação, de resolução de conflitos e de união. A pessoa fica emocionalmente
mais vulnerável, surgindo uma necessidade de afeto, de expressar as suas emoções
e preocupações, de ser ouvida e compreendida.
Uma das grandes fontes de sofrimento da pessoa em fim de vida são as perdas
sucessivas daquilo que constrói a sua identidade, o que somos: os papeis que
desempenhamos. A progressão da doença, com aumento da dependência de outrem
e a necessidade de se afastar dos papéis familiares, profissionais e sociais que
ocupava causa uma crise de identidade na pessoa, um sentimento de inutilidade e
impotência (Martins, 2011; Ferreira, 2013).
Alterações na imagem corporal provocam uma diminuição do autoconceito e
do respeito por si. Estas tornam a morte evidente, e nem todas as pessoas conseguem
permanecer junto da pessoa e confrontar-se com a inevitabilidade da morte. A maior
parte das pessoas tendem a afastar-se desta realidade, e a esta fase é muitas vezes
associado um forte sentimento de isolamento e solidão, podendo surgir o desejo de
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abreviar a vida. Neste contexto surge a necessidade de afeto, de pertença, de ser
amado e acarinhado, apesar do seu aspeto (Martins, 2011; Rezende, 2011; Sapeta,
2011).
Para que a pessoa consiga ultrapassar esse sofrimento é necessário realizar o luto
das perdas que vão ocorrendo durante o processo de doença e morte. Deve
progressivamente despedir-se dos compromissos sociais, comunitários e
profissionais, realizando a transferência de papéis e responsabilidades sociais, legais
e fiscais, sendo capaz de exprimir pena, gratidão, apreciação e perdão ao fazê-lo
(Sapeta, 2011).
Todo este processo desencadeia um turbilhão de emoções de grande intensidade
como o medo (da dor, do desconhecido, da incerteza, do sofrimento, do futuro), a
culpa (por atos cometidos que a pessoa perceciona como recrimináveis), de
impotência (pela dependência física, económica), tristeza (pela separação física,
psicológica e emocional dos que ama), repugnância e nojo (secundários à alteração
da auto-imagem) (Ferreira, 2013; Hennezel e Leloup, 2001; Manso, 2008; Martins,
2011; Rezende, 2011, Santo, 2015).
A comunicação aberta e sincera, permite à pessoa a expressão de sentimentos e
a criação de uma relação terapêutica. Quando esta relação se estabelece, os clientes
sentem segurança perante o profissional para verbalizarem anseios, medos e dúvidas
e participarem com este no estabelecimento de um plano de cuidados personalizado
e que responda às necessidades da pessoa em fim de vida (Frias, 2008; Chaves et
al, 2016).
1.2 O Sofrimento Emocional como foco da intervenção do Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica
As pessoas que se encontram a vivenciar um processo de sofrimento obtêm
ganhos em saúde quando cuidadas por um Enfermeiro Especialista em Saúde Mental
e Psiquiátrica. Estes detêm uma compreensão particular dos processos de sofrimento
e sua implicação no projeto de vida da pessoa.
A especificidade da especialidade de enfermagem de saúde mental e psiquiátrica
consiste no uso, por parte destes enfermeiros, de competências psicoterapêuticas
para desenvolver um juízo clínico singular, distinto das restantes especialidades
(Ordem dos Enfermeiros, 2010).
Relatório de Estágio
17
Ademais de se mobilizar a si próprio enquanto instrumento terapêutico,
desenvolve vivências, conhecimentos e capacidades que durante a sua prática lhe
conferem competências de intervenção psicoterapêuticas, socioterapêuticas,
psicossociais e psicoeducacionais. Estas permitem-lhe estabelecer uma relação de
confiança e parceria com o cliente, aumentar o seu insight sobre os problemas,
capacidade de mobilizar novas formas de os percecionar e resolver, bem como o
desenvolvimento de relações intra e interpessoais gratificantes (Ordem dos
Enfermeiros, 2010).
O sofrimento emocional em fim de vida reveste-se de um caráter subjetivo e
avassalador pela ameaça real, e não apenas imaginária, que coloca à integridade da
pessoa. Isto coloca ao Enfermeiro um enorme desafio: confrontar-se com as suas
próprias emoções e mortalidade, bem como com a dos que lhe são próximos.
Contudo, pode ser difícil e fonte de grande desconforto lidar com sentimentos tão
fortes e pessoais (Grunfeld et al, 2004; Tsigaroppoulos et al, 2009; Santos, 2009;
Chaves et al, 2016).
A ajuda no processo de perda e luto é uma das intervenções especializadas do
Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica, definida na Classificação das
Intervenções de Enfermagem (Bulechek, 2010).
Uma das primeiras “tarefas” do Enfermeiro que ajuda a pessoa em sofrimento
emocional é conhecer o significado do sofrimento para a pessoa, ajudá-la a perceber
que o sofrimento está presente e a mobilizar os recursos internos e externos para o
enfrentar, fazendo com que participe ativamente na tomada de decisões relativamente
aos cuidados, com responsabilidade.
Promover a construção de um sentido para a doença e o sofrimento, para a sua
vida e existência, pode transformar a experiência numa possibilidade de crescimento
e a encarar mais facilmente o sofrimento (Sapeta, 2011).
Para que o Enfermeiro seja capaz providenciar este auxílio deve criar-se um
padrão de comunicação entre a pessoa, a família e a equipa de saúde, não evitando
a interação emocional; escutar ativamente a pessoa; respeitar sempre os seus direitos
e individualidade; transmitir uma esperança realista, ajudando a pessoa a ajustar os
seus objetivos a curto prazo; permitir a expressão de sentimentos e do seu impacto;
criar uma relação empática, demonstrando capacidade de se colocar no lugar do outro
e compreender o que este sente; criar credibilidade, não se comprometendo com algo
que não possa cumprir e dizer sempre a verdade; ter atenção ao que se diz, como se
diz e onde se diz; utilizando linguagem que a pessoa compreenda (Sapeta, 2011).
Relatório de Estágio
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Ao adquirir um maior conhecimento sobre si próprio e os seus sentimentos, sobre
como enfrenta o sofrimento, o enfermeiro tem mais possibilidades de prestar um bom
apoio psicoemocional à pessoa, percecionando os sinais de sofrimento emocional, ou
seja, compreender a perspetiva da outra pessoa, nas suas formas de ver e de pensar,
implicando assim um cuidado empático.
Esta competência emocional, tal como as outras também se aprende, levando a
que nos preocupemos com a pessoa e mobilizando-nos para a ajudar. A compreensão
empática implica conhecimentos, mas também a perceção, a sensibilidade, e a
sintonização, a disposição para sentir e apreender os sentimentos, as necessidades
e as emoções da pessoa, e ter a capacidade de expressar essa preocupação
empática. Implica também estarmos atentos aos nossos próprios sentimentos nestes
cuidados. Prestar um apoio psicoemocional adequado exige tempo, disponibilidade e
um espaço próprio (Goleman, 2012).
Esta capacidade remete-nos para a 1ª competência do Enfermeiro Especialista
em Saúde Mental e Psiquiátrica, que consiste num “elevado conhecimento e
consciência de si enquanto pessoa e enfermeiro, mercê de vivências e processos de
autoconhecimento, desenvolvimento pessoal e profissional” (Ordem dos Enfermeiros,
2010, Anexo1, p.3).
Perante a existência deste sofrimento, é compreensível e expectável que a pessoa
possa experienciar elevados níveis de ansiedade e depressão, por vezes até com
ideação suicida (Barbosa, 2016).
Uma das competências do Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e
Psiquiátrica consiste em utilizar “técnicas psicoterapêuticas e socioterapêuticas que
permitam ao cliente libertar tensões emocionais e vivenciar experiências gratificantes”
(Ordem dos Enfermeiros, 2010, Anexo I, p.4).
Deste modo, como Enfermeiros Especialistas em Saúde Mental e Psiquiátrica é
nossa função desenvolver intervenções que promovam o reconhecimento,
verbalização e gestão destas emoções negativas e a prevenção do sofrimento
emocional, melhorando a qualidade de vida da pessoa, que se traduz em ganhos em
saúde e para o cliente.
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2. Estudo Empírico
2.1. Delimitação da Problemática
A intervenção psicoterapêutica define-se como a utilização informada e
intencional de métodos clínicos e posturas interpessoais derivadas de princípios
psicológicos estabelecidos com o propósito de assistir a pessoa na mudança de
comportamentos, cognições, emoções e/ou outras características pessoais que os
intervenientes considerem desejável (Sampaio, Sequeira e Lluch-Canut, 2014).
As intervenções psicoterapêuticas visam a expressão de pensamentos e
sentimentos causadores de sofrimento, bem como a regulação emocional face às
experiências de vida (Schmidt, Gabarra, e Gonçalves, 2011).
Estas permitem uma compreensão dos processos de doença; reestruturar
pensamentos e cognições alterados; reforçar o sentido de responsabilidade e
estratégias de coping; ampliar ou adquirir competências de regulação emocional e
resolução de problemas; fomentar a adesão terapêutica e reestruturação de padrões
de comportamento (Mullen, 2009).
É através destas que a relação com o outro adquire um cariz terapêutico,
constituindo-se como um veículo de desenvolvimento pessoal e maturação para
ambos os intervenientes. Para o enfermeiro, esta permite-lhe uma ampliação do
conhecimento de si, dos seus referenciais pessoais e profissionais e de que forma os
mobiliza no decorrer da mesma (Challifour, 2008), enquanto se espera que para o
cliente se constitua como um veículo de maturação, consciencializando-o das suas
capacidades e auxiliando-o a mobilizá-las para produzir mudanças positivas e que
diminuam o sofrimento (Peplau, 1990).
Tendo como finalidade a diminuição do sofrimento emocional, após uma
pesquisa bibliográfica, reflexão pessoal e discussão com os orientadores, pretendi
desenvolver a Intervenção Psicoterapêutica Narrativa de Vida como modo de o cliente
se repensar, resignificar, desenvolver um sentido para a vida e de valorização, bem
como criar estratégias e perspetivas para o futuro.
Esta constitui-se como facilitadora do processo de tomada de consciência de
si, surgindo o enfermeiro como facilitador do acesso aos processos internos, tornando
a pessoa mais apta na gestão das dificuldades experienciadas.
As intervenções psicoterapêuticas promovem a comunicação intra e
interpessoal utilizando mediadores que dão primazia aos sentimentos, emoções,
Relatório de Estágio
20
memórias e sentidos, com o objetivo de ampliar competências e evidenciar
capacidades que a pessoa possui (Ferraz, 2009).
Contar histórias é intrínseco ao ser humano e um meio de dar sentido ao mundo
e às experiências, através de um processo de construção de significados. As
perceções e os construtos mediante os quais nos experienciamos e ao mundo são
moldados através de expectativas e crenças fundamentais desenvolvidas por meio da
experiência única e cultura partilhadas.
A Narrativa de Vida, enquanto intervenção psicoterapêutica, consiste no conto de
uma sequência temporal conectada de ações particulares desempenhados por, e
eventos particulares que acontecem, à pessoa que os narra. Este exercício promove
a reflexão e a atribuição e construção de novos significados para a experiência vivida
(Clark, 2018).
A compreensão da história individual de cada um, do modo que este escolhe
descrevê-la, dá-nos acesso ao mundo psíquico do outro, e é reconhecido como tendo
valor terapêutico profundo, através da qual a pessoa ressignifica eventos de vida,
incorpora novos significados para a doença e o sofrimento, clarifica a vivência do
processo, amplia sentidos alternativos e cria algo que permanecerá após a sua morte.
Oferece um meio não farmacológico de abordar questões existenciais (Romanoff e
Thompson, 2006; Campos-Brustelo, Bravo e Santos, 2010; Clark, 2018).
Nesta abordagem, a Terapia Narrativa é uma forma de psicoterapia fundada
por Michael White e David Epson em 1980, e tem como finalidade fazer o cliente tomar
consciência da forma como constrói a sua história de vida dominante (Burgin e
Gibbons, 2016).
Compreender a vida humana segundo uma perspetiva narrativa consiste em
encarar a identidade da pessoa como resultado dos significados que atribui aos
eventos experienciados ao longo da vida, o que significa que a identidade da pessoa
se constrói durante o seu percurso de vida, fruto das suas vivências.
A elaboração da Narrativa serve de base à construção de um inventário de
capacidades e competências, compondo um portfólio que se constitui um recurso que
pode ser mobilizado nos mais diversos contextos, e exige uma narração de si, com
recurso a recordações-referências que balizam a linha de vida, exigindo uma atividade
psicossomática a diversos níveis (Josso, 2002).
Num plano interior implica a utilização da livre-associação para evocar as
recordações-referências e organizá-las numa coerência narrativa. Estas recordações-
referências implicam uma dimensão concreta ou visível, que apela às nossas
Relatório de Estágio
21
perceções ou imagens sociais, e uma dimensão invisível, que apela a emoções,
sentimentos, sentido ou valores, servindo de referência a numerosas situações.
Recordações-referência são as experiências que se podem mobilizar para
descrever uma situação, acontecimento, uma transformação, um complexo afetivo,
contados numa história que nos apresenta ao outro de modo sociocultural, em
representações, conhecimentos e valorizações, que são formas de falar de mim, das
minhas identidades, da minha subjetividade. Isto conduz a uma reflexão
antropológica, ontológica e axiológica (Josso, 2002).
As narrativas são representações do Self (da significação, construção e
organização que a pessoa faz das experiências), do mundo e dos outros significados
com quem os indivíduos interagem, e da forma como essas relações se estabelecem.
São normas de ação e de visão do mundo, que exercem uma função crucial de
organização do self, conferindo-lhe um sentido/significado (Antunes, 2012).
Estas agrupam e entrelaçam experiências diversas, permitindo um
questionamento sobre as escolhas, inércias e dinâmicas. A organização conducente
da construção da narrativa emerge do confronto entre o passado e o futuro em
favorecimento do questionamento do presente (Josso, 2002).
A doença e perdas iminentes retiram por completo a coerência da narrativa de
vida da pessoa, causando uma disrupção nas suas atividades diárias, identidade e
futuro imaginado.
O desafio torna-se a construção e a reconstrução de uma história de vida, de
escrever um novo capítulo da sua história de vida que acomode a realidade atual e a
experiência vivida. Isto permite a organização do caos instalado pela doença e o
desenvolvimento de novos valores que permitem vivenciar o sofrimento com aceitação
e serenidade (Benedetto, Garcia e Blasco, 2010).
A terapia narrativa assenta nas qualidades e pontos fortes do cliente, e não nos
seus deficits, e encara o problema como uma entidade distinta da pessoa. Através do
seu discurso a pessoa toma consciência de novas perspetivas e cria novos
significados para situações negativas na sua vida. Esta intervenção foca-se assim na
construção de significados positivos (Ngazimbi, Lambie e Shillingford, 2008).
A narrativa de vida como intervenção psicoterapêutica no sofrimento emocional
constrói-se quando, através desta, a pessoa consegue reconstruir um sentido para a
vida e para a experiência de doença e sofrimento focado em interpretações e emoções
positivas, centrado na pessoa e nos seus recursos em vez do problema. A terapia
narrativa com abordagem emocional pode ser efetuada por enfermeiros com o
Relatório de Estágio
22
objetivo de aumentar a esperança e emoções positivas, promovendo a qualidade de
vida e o bem-estar emocional. Ajuda a pessoa e viver no presente, a criar um futuro
melhor e a expandir a cognição (Romanoff e Thompson, 2006; Campos-Brustelo,
Bravo e Santos, 2010, Seo et al, 2015).
Embora no seu artigo se refiram a pessoas com transtorno Bipolar, as
implicações desta patologia na qualidade de vida da pessoa descritos por Ngazimbi,
Lambie e Shillingford (2008) podem aplicar-se à totalidade do domínio das doenças
mentais: Incapacidade de desempenhar as suas funções laborais, as AVD, atividades
sociais em grupo, perda de interesse em atividades de que anteriormente disfrutava,
incapacidade em estabelecer e/ou manter relações afetivas. Esta dificuldade de
funcionamento afeta a capacidade de pessoa de apreciar a vida e, por conseguinte,
reduz a sua qualidade de vida.
O primeiro passo desta intervenção consiste em desconstruir a narrativa
dominante problemática num esforço de identificar os efeitos, perigos e limitações das
suas ideias e práticas.
Quando uma narrativa dominante é centralizada numa determinada
interpretação rígida, levando a que a pessoa desvalorize interpretações alternativas e
a sistematicamente a excluir experiências significativas, esta pode tornar-se
problemática. Uma narrativa saturada por um problema ofusca emoções, sentimentos,
ações, pensamentos e relações alternativas do cliente, evitando a construção de
outros temas, restringe a diversidade cognitiva e afetiva, limitando as possibilidades
de ação da pessoa (Antunes, 2012; Burgin e Gibbons, 2016).
As nossas experiências passadas prejudicam a nossa capacidade de estarmos
no presente e sermos autenticamente nós. Porque nos identificamos com as nossas
experiências, fixamo-nos nelas (Josso, 2002).
O segundo passo consiste em objetivar o problema que experienciam como
opressivo. No terceiro passo identificam-se momentos que ocorrem fora da sua
história dominante (Momentos de Inovação), diferentes dos que organizam a
autonarrativa disfuncional e que permitem a consolidação de autonarrativas
alternativas mais flexíveis.
As mudanças significativas na autonarrativa problemática surgem com a
emergência destes momentos, exceções à regra, que a pessoa experiencia e que
desafiam as normas que têm moldado a sua vida (Antunes, 2012; Burgin e Gibbons,
2016).
Relatório de Estágio
23
O uso destes momentos permite aos clientes criar novos significados para o
presente, conduzindo-nos ao último passo.
No quarto e último passo, através da descoberta destes momentos ocorre
naturalmente uma reconceptualização da sua narrativa de vida, do seu self, e
relações, que coloca a pessoa como autor do processo de mudança, passando a
olhar-se como uma “nova pessoa” com qualidades e pontos fortes desconhecidos,
criando padrões comportamentais mais funcionais e que permitam diminuir as
dificuldades acima descritas e aumentar a qualidade de vida (Antunes, 2012; Burgin
e Gibbons, 2016; Ngazimbi, Lambie e Shillingford, 2008).
É função do terapeuta ou do enfermeiro especialista em saúde mental e
psiquiátrica que utiliza esta técnica enfatizar estes momentos únicos, bem como os
pontos fortes e aptidões da pessoa, sempre que emergem, contribuindo para a
capacidade do cliente de reconhecer que apresenta qualidades e potencialidades.
Diversos estudos demonstram que esta terapia pode ser utlizada com sucesso
numa variedade de patologias, tais como Transtorno Depressivo, Transtorno Bipolar,
Distúrbios Alimentares, Deficits de Atenção e/ou Hiperatividade e Stress Pós-
Traumático (Antunes, 2012; Burgin e Gibbons, 2016; Ngazimbi, Lambie e Shillingford,
2008).
No que concerne à aplicação da Narrativa de Vida no contexto de sofrimento
emocional em fim de vida, esta reveste-se de especificidades e objetivos diferentes.
Quando falamos de Fim de Vida, esta intervenção visa a adaptação ao processo de
doença e morte, facilitando o luto preparatório.
O Ser Humano é o único com consciência do fim de vida, que associa a solidão
e/ou isolamento, ao encerramento de relações afetivas e significativas que construiu
ao longo da vida e ao sofrimento existencial associado à irreversibilidade da morte
(Oliveira, Santos e Mastropietro, 2010).
Surge a necessidade de partilhar sentimentos, crenças e factos associados ao
sofrimento, de ser lembrado, de deixar a sua marca através da narrativa de vida,
procurando um sentido para o sofrimento e construindo um sentimento de que a vida
vale a pena viver nas condições atuais, desenvolvendo um sentido de respeito apesar
do caos aparente que representa o seu estado atual (Benedetto, Garcia e Blasco,
2010; Sapeta, 2011; Martins, 2011).
Esta intervenção permite à pessoa expressar sentimentos, medos e emoções,
assim como melhorar a sua capacidade de comunicação com os técnicos e família
sobre o tema. Fornece um momento de catarse e de procura de paz interior para o
Relatório de Estágio
24
próprio, sendo uma fonte de inspiração para todos os que a compartilham, pois em
conjunto partilham e moldam valores, crenças e modos de ver o mundo (Romanoff e
Thompson, 2006; Oliveira, Santos e Mastropietro, 2010; Sapeta, 2011; Schmidt,
Gabarra e Gonçalves, 2011; Martins, 2011).
Ao expressar sentimentos e emoções, e ao ser escutado nessa expressão, a
pessoa constrói um sentido para o sofrimento e para a vida nas condições atuais, bem
como um sentimento de pertença e de ser amado e escutado, que não extingue o
sofrimento, mas o torna mais tolerável (Benedetto et al, 2009).
Neste contexto, pode ser extensível, como todas as intervenções
psicoterapêuticas, à família, de modo a favorecer a partilha de sentimentos,
pensamentos e emoções; a resolução de assuntos pendentes e facilitar o luto
antecipatório, promovendo a saúde mental (Oliveira, Santos e Mastropietro, 2010). Foi este o enquadramento que suscitou o interesse no objeto do meu projeto de
estágio e a base para as minhas intervenções.
2.2. Estágio em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
De forma a operacionalizar o projeto de estágio a que me propus, dividi o meu
estágio em dois (2) contextos: um contexto comunitário de intervenção com pessoas
com doença mental, onde permaneci onze (11) semanas, e um contexto de
internamento numa unidade de cuidados paliativos, onde permaneci sete (7)
semanas.
O contexto comunitário, um projeto de psiquiatria comunitária pertencente a um
hospital do concelho de Sintra, presta cuidados psiquiátricos às populações residentes
na área de intervenção deste, tendo iniciado atividade em 1996. É composto por
quatro equipas comunitárias de psiquiatria, inserido num modelo de prestação de
cuidados psiquiátricos na comunidade e desenvolvido em parceria com o serviço de
psiquiatria da instituição desde a sua fundação, sendo realizada uma reunião semanal
entre as equipas comunitárias e a equipa de internamento para discussão de casos
clínicos.
O local onde desenvolvi o meu estágio constitui uma dessas equipas comunitárias,
que presta cuidados e acompanha clientes com doença mental grave e prolongada, o
qual é efetuado por uma equipa multidisciplinar. Durante este acompanhamento é
realizada psicoeducação ao cliente e família sobre a doença e terapêutica, gestão da
terapêutica per os, administração de terapêutica injetável intramuscular,
Relatório de Estágio
25
acompanhamento na crise, acompanhamento e monitorização de clientes em
tratamento compulsivo em regime terapêutico e gestão de conflitos.
O contexto de internamento consistiu numa unidade de cuidados paliativos
integrante de uma instituição de cariz religioso da região de Lisboa e Vale do Tejo,
vocacionada para os cuidados à pessoa com experiência de doença mental. São
prestados nesta unidade cuidados holísticos por uma equipa interdisciplinar dirigidos
à pessoa com doença avançada, progressiva, incurável e ameaçadora de vida e sua
família, promovendo o conforto e a qualidade de vida através do controlo sintomático
eficaz e uma resposta ativa e global às suas necessidades físicas, psicoemocionais,
sociais e espirituais. Constitui-se como um serviço de internamento de cuidados
paliativos com onze quartos particulares, dez dos quais integrados na rede nacional
de cuidados paliativos e um privado.
São realizadas reuniões de equipa semanais para discussão de processos
clínicos, especialmente os de maior complexidade, e das necessidades e
preocupações mais emergentes das famílias, bem como das preocupações e
vivências da equipa.
É realizado um atendimento global às necessidades do cliente e família, efetuado
um plano de cuidados multidisciplinar único e validado com o cliente e família,
colocando-os no centro das decisões sobre o processo de saúde/doença, gestão da
terapêutica para controlo sintomático, psicoeducação ao cliente e família sobre o
processo de doença e luto preparatório e antecipatório, gestão de conflitos e
expectativas, intervenção na crise e acompanhamento da família no luto.
2.3. Questão de Investigação
Tomando em consideração o descrito na fundamentação teórica e as
características das necessidades em cuidados dos clientes dos locais onde realizei
estágio, colocou-se a seguinte questão de investigação: A Narrativa de Vida pode ser utilizada enquanto intervenção psicoterapêutica de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica com o objetivo de diminuir o sofrimento emocional? 2.4. Objetivo do Estudo
De forma a dar resposta a esta questão, traçou-se como objetivo norteador do percurso de trabalho, transversal a ambos os contextos de estágio: Compreender
Relatório de Estágio
26
como a Narrativa de Vida pode ser utilizada como intervenção psicoterapêutica de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica com o objetivo de diminuir o sofrimento emocional.
2.5. Opções Metodológicas
2.5.1. Tipo de Estudo
Este estudo insere-se num paradigma qualitativo, de caráter Descritivo, dado que se pretendia conhecer a experiência de sofrimento emocional e de que
forma o uso da Narrativa de Vida como intervenção terapêutica ajuda a diminuí-lo,
através do contacto com quem o vivencia.
Os estudos descritivos visam o conhecimento da realidade através de quem a
vivencia, compreender o fenómeno tal como é vivenciado e descrito pelos sujeitos.
Têm como objetivo explorar e descrever o sentido da experiência dos fenómenos
humanos para compreender a sua essência (Boutin, Lessard-Hebert e Gouvet, 2008;
Fortin, 2009).
Na investigação qualitativa, os dados são colhidos através da observação do
fenómeno no local em que ocorre e da conversação em profundidade com quem o
vivencia. Faz-se em relação com o objeto/sujeito, respeitando o saber e o
conhecimento que detém e nos pode fornecer (Polit e Hungler, 2004, Fortin, 2009).
Uma vez que tencionávamos compreender como a Narrativa de Vida pode ser utilizada como intervenção psicoterapêutica de Enfermagem em Saúde Mental e Psiquiátrica com o objetivo de diminuir o sofrimento emocional optou-se pela utilização do método clínico, que nos permite estudar a natureza do sofrimento do outro ajudando-o a colocar em palavras os processos psíquicos
internos. Descobrindo o encoberto pela palavra, revela os processos psíquicos e
construindo a sua representação produz um conhecimento do humano, transformando
o que é singular e inconsciente em externo e consciente, transformando vivências em
experiências, em representações capazes de ser socialmente compartilhadas
(Berlinck, 2009; Ceccarelli, 2016).
Este torna-se, assim, adequado quando pretendemos abordar e conhecer
dimensões psíquicas, emocionais e existenciais do sofrimento do outro.
Relatório de Estágio
27
Ao longo deste processo o investigador coloca hipóteses e valida-as através da
avaliação do raciocínio decorrente do diálogo psicoterapêutico, com recurso a
perguntas abertas (Reis, 1994). Contudo, existem alguns cuidados necessários na
aplicação deste método: evitar perguntas indutoras das hipóteses colocadas e que o
profissional tenha consciência de si, das técnicas de comunicação verbal e não verbal
que utilizada, da sugestionabilidade do cliente e do seu desejo de corresponder às
expectativas do profissional de saúde.
Este método permite ao cliente significar os processos de saúde-doença, os
sintomas emocionais e a possibilidade de utilizar essas significações para desenvolver
comportamentos promotores da saúde mental e preventivos da instalação da doença
mental e de emoções excessivas. Permite que a pessoa identifique os seus processos
de conhecimento, promove o pensamento alternativo, a dialética e a mudança,
contrariando processos de estagnação.
Deste modo permite colher dados qualitativos incidindo nos processos e não
nos resultados finais, essenciais quando se analisa processos psicológicos e
emocionais, pois, permitem investigar padrões de mudança e de evolução individuais
e o seu papel nos processos de adaptação e de perturbação (Reis, 1994).
O método clínico é composto por duas dimensões paradigmáticas e próprias
da psicanálise: a singularidade do sujeito e uma contemporaneidade entre pesquisa e
tratamento, caracterizando-se pelo estudo em profundidade de um pequeno número
de casos, tentando compreender a dinâmica a partir da qual se constrói a teorização.
Os dados são obtidos através de entrevistas e da observação (Aguiar, 2001; Diniz,
2006).
Contudo, transformar vivências em experiências não pode ser redigido
mediante normas e regras institucionalizadas, dado que se revela pela narrativa
construída no decurso da relação entre cliente e profissional de saúde, em que
emergem os processos internos através do tempo e do fluxo de informação, emoções
e sentimentos entre os intervenientes (Berlinck, 2009; Ceccarelli, 2016).
A finalidade do método clínico consiste em colocar em palavras as
representações dos processos internos, dando-lhes visibilidade e expressão, sendo
tão singular quanto a singularidade dos processos internos de cada pessoa (Berlinck,
2009). Assim, este método permite-nos dar visibilidade ao sofrimento interno do outro
e consciencializá-lo do mesmo, oferecendo-lhe a possibilidade de se apropriar do
mesmo, vivenciá-lo e dar-lhe um significado, sendo individual.
Relatório de Estágio
28
2.5.2. Participantes
Dado que se pretendia conhecer de que forma a Narrativa de Vida, enquanto
intervenção psicoterapêutica, permite diminuir o sofrimento emocional na pessoa em
fim de vida, bem como na pessoa com experiência de doença mental, e a exploração
em profundidade do fenómeno (o que implica um pequeno número de participantes)
definiu-se como Participantes: Pessoa Adulta/Idosa com Doença Mental e Pessoa Adulta/Idosa em Fim de Vida, em sofrimento emocional.
Deste modo, foram selecionados dois (2) participantes, sendo ambos do sexo
masculino, com idades compreendidas entre os 50 e os 70 anos. Nenhum dos
entrevistados apresentava formação superior, e ambos encontravam-se entre a
população ativa aquando do diagnóstico. Um dos clientes apresentava diagnóstico
médico de doença mental, enquanto o outro cliente apresentava diagnóstico do foro
oncológico, encontrando-se em fim de vida.
A escolha dos participantes foi efetuada de forma probabilística e intencional,
pois como nos diz Polit e Hungler (2004), bem como Fortin (2009), nestes casos a
escolha dos participantes pode ser de conveniência, ou seja, os sujeitos serem
escolhidos consoante determinadas características.
Deste modo estabeleceram-se como critérios de Inclusão: - Pessoas adultas/idosas com Doença Mental
- Pessoas adultas/idosas em Fim de Vida
- A pessoa no uso das suas faculdades mentais, com capacidade para construir a
Narrativa de Vida
- Clientes que, após a informação sobre os objetivos e metodologia do estudo,
aceitassem participar no mesmo.
Como critérios de Exclusão foram estabelecidos: - Pessoas em fase aguda do processo de Doença Mental
- Pessoas em Fim de Vida com Sintomas físicos não controlados
- Pessoas que, embora com Doença Mental ou em Fim de Vida, cujas faculdades
mentais não lhes permitisse elaborar o processo de Narrativa de Vida
- Clientes que, após a informação sobre os objetivos e metodologia do estudo, não
aceitassem participar no mesmo.
Relatório de Estágio
29
2.5.3. Considerações Éticas
Numa investigação ou trabalho académico que envolva seres humanos é
necessário proteger os direitos e liberdades dos participantes do estudo. Estes
encontram-se protegidos pelos códigos de ética que incluem alguns direitos
fundamentais: a autodeterminação, a intimidade, a confidencialidade, o anonimato e
a proteção contra o desconforto e prejuízo, conferindo o tratamento justo e leal (Fortin,
2009). Neste estudo tivemos em consideração os aspetos atrás referidos.
Para a implementação desta intervenção e realização deste relatório submetemos
o pedido de autorização à comissão de ética e diretor clínico das instituições
envolvidas para utilização de material clínico (Vinhetas Anónimas) obtido durante o
período de realização dos estágios (Anexo I e Apêndice I).
Após identificados os participantes do estudo foi estabelecido um primeiro
contacto em que foi fornecida toda a informação sobre os objetivos da intervenção e
do estudo, necessários a um consentimento informado, esclarecidas dúvidas e
garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados.
Após fornecida a devida informação foi obtido o consentimento verbal pelos
clientes para a participação no estudo. Este consentimento verbal foi testemunhado
pelos enfermeiros orientadores de cada contexto de estágio.
De modo a garantir a confidencialidade dos participantes, os dados clínicos
passíveis de identificar os clientes foram codificados, de modo a que estes não
pudessem ser identificados, garantindo o sigilo profissional e a proteção da
informação.
Relatório de Estágio
30
3. O encontro com o Outro e a compreensão da sua experiência
Para permitir uma análise da intervenção Narrativa de Vida no sofrimento
emocional, dado tratar-se de uma dimensão subjetiva e pessoal, foram realizados
diários de campo das sessões, os quais foram divididos em duas dimensões: a
dimensão cuidativa, em que foram transcritos os principais eventos e expressões do
cliente, e uma dimensão investigativa, que pela sua extensão é remetida na íntegra
para o Apendice II, sendo no corpo do texto apresentados os seus principais
desenvolvimentos.
Na dimensão investigativa esses mesmos eventos e expressões são
analisados à luz da Teoria dos Sistemas de Betty Neuman (Identificação de stressores
e de padrões de resposta), do Modelo Transteórico da Mudança (capacidade e
motivação para a mudança de comportamento) e da Narrativa de Vida (identificação
e consciencialização de padrões de resposta e de momentos inovadores, alteração
de papéis de narrador para guionista e ator da sua história de vida, construção de um
novo capítulo dessa história que acomode a situação atual de doença), tomando em
consideração e refletindo sobre os processos de transferência e contratransferência
presentes no processo.
Estes modelos permitiram uma análise da evolução dos casos no decurso da
construção da Narrativa de Vida e dos resultados obtidos com a utilização da mesma.
Os diários de campo consistem em instrumentos de registo/anotação de dados
recolhidos e passiveis de interpretação. Permite sistematizar as experiências para
posterior análise.
Dado que os registos retratam a realidade pela ótica do investigador, das suas
experiências prévias e do seu sistema de crenças e valores, são passiveis de
subjetividade desde a sua recolha, e não apenas na sua análise (Fortin, 2009).
Contudo, tentou-se minorar esta subjetividade recorrendo à intersubjetividade
do professor e orientadores clínicos, para além da minha.
Esta metodologia permitiu aos clientes uma maior liberdade de expressão dos
seus sentimentos e vivências, bem como o estabelecimento de uma relação
terapêutica e de confiança, que a utilização de um gravador poderia inibir.
Relatório de Estágio
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4. A Narrativa de Vida como Intervenção Psicoterapêutica em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica
4.1. Síntese teórico-reflexiva sobre a utilização das Narrativas de Vida no sofrimento emocional do cliente do caso 1 (Contexto Comunitário)
Anamenese e Dados Biográficos: Sexo masculino, 52 anos, leucodérmico, natural do continente africano onde residiu até aos 9 anos, nacionalidade Portuguesa,
12º ano de Escolaridade, frequentou 1º Ano da Faculdade no Curso de Gestão, mas
iniciou atividade profissional em Jardinagem, tendo desistido da Faculdade. Solteiro, vive só, nunca foi casado. Sem filhos. Encontra-se de momento de
baixa, a aguardar Junta Médica para obtenção de reforma por invalidez. Realiza part-
time numa empresa de jardinagem. Sem hobbies ou pratica de exercício físico. Única
atividade de lazer consistia no convívio com grupo de amigos no café perto de casa
após o trabalho, que abandonou.
Mais novo de quatro irmãos, assumiu os cuidados aos pais, tendo morado com
a mãe até à morte desta, há oito anos. Tem visitas regulares de amigos e vizinhos e
almoça diariamente com a irmã, sendo estes o seu suporte emocional e financeiro
atual. Trabalha desde os 19 anos (altura em que o pai faleceu), após sair da tropa e
abandonar faculdade.
Apresenta uma identidade muito relacionada com o plano profissional,
revelando que mesmo nas folgas levava trabalho para desenvolver em casa e que
durante o ano que passou desde que ficou de baixa e a altura em que iniciou o part-
time na empresa de um amigo não tinha motivação nem para sair da cama e sem
objetivos de vida, tendo sido durante este período que ocorreu a ideação suicida, a
qual não apresenta de momento.
Segundo o próprio cliente, sempre foi introvertido, com um grupo restrito de
amigos, vida muito centrada no trabalho, apresentando ao longo da vida dificuldade
em estabelecer laços afetivos duradouros.
Os irmãos sempre tiveram uma atitude protetora face a este, bem como o pai.
Apresentava relação de grande proximidade com a mãe.
Sem história de sintomas negativos (tristeza, desesperança, desinteresse,
isolamento) até ao início da história de doença. Sem alterações da memória ou do
pensamento.
Relatório de Estágio
32
No início de 2016 inicia um quadro de cansaço, falta de motivação para o
trabalho ou AVD e conflitos com superior hierárquico por excesso de trabalho e coação
psicológica com ameaças de despedimento por parte da entidade empregadora.
Apresentava quadro de distúrbio do sono (4 a 5 horas de sono diário) segundo o
cliente desde que iniciou funções na empresa, mas que se foram agravando. Em Julho
de 2016 desencadeia quadro confusional não reconhecendo o local de trabalho ou os
colegas e ficando incapaz de executar a tarefa que tinha em mãos, desorientação
tempo-espacial e desorganização do comportamento, que durou uma semana.
Após remissão deste instalou-se sintomatologia de contornos depressivos
(tristeza, anedonia, isolamento social, insónia e anorexia com perda de peso). Em
Outubro de 2016 inicia acompanhamento psiquiátrico e psicológico com psicoterapia.
Apresentou melhoria do quadro psicopatológico com aparente instalação de
défices mnésicos e movimentos mioclónicos dos membros superiores. No início de
2017 tentativa de suicídio não concretizada, iniciando acompanhamento pela equipa
de psiquiatria comunitária.
Diagnóstico médico atual de Transtorno Depressivo. Suspeita de Demência
devido ao episódio ocorrido no trabalho e exames neuropsicológicos, mas sem
confirmação diagnóstica.
Mantém laços afetivos de amizade adequados com amigos, vizinhos e
familiares que lhe têm prestado apoio psicológico e económico no decurso da situação
de doença. A medicação é fornecida pelo hospital, mediante ajuda obtida pela
assistente social da equipa. No trabalho estabeleceu amizade com alguns colegas da
mesma faixa etária e com alguns anos de trabalho na empresa, com quem mantém
contacto telefónico frequente e convivência esporádica.
Mantém amizade de vários anos com um padre da igreja católica, fé que
professa e em cujos ideais acredita. Tem neste clérigo um confessor e apoio espiritual
e psicológico, bem como um recurso económico, fornecendo-lhe bens alimentares.
O Pedido: O cliente apresenta um discurso focado nos problemas laborais e económicos (como forma de não aceder às suas emoções, de não se subjetivar, de
não pensar sobre si e sobre o seu papel na sua história de vida?), grande fonte de
angústia e preocupação pela incerteza face ao futuro e graves dificuldades
económicas por que passa.
O estabelecimento do Foco: padrão atual de externalização, pedindo conselhos sobre formas de resolução dos problemas junto da equipa e discutindo
possíveis cenários futuros, mas sem se responsabilizar pela escolha. Apresenta-se
Relatório de Estágio
33
como um homem pouco habituado a resolver os seus problemas, mas tendo a
perceção de se encontrar num ponto da sua vida onde precisa de tomar decisões e
construir o seu futuro, sentindo-se estagnado.
A Psicanalista Karen Horney utilizou o termo externalização para definir o
mecanismo pelo qual a pessoa sente os processos internos como ocorrendo fora de
si, desresponsabilizando-se pelo que ocorre na sua vida, e colocando essa
responsabilidade em fatores externos, do contexto, da situação.
Este processo tem como função permitir uma fuga ao real transferindo a culpa
e a responsabilidade pelos acontecimentos em outrem, de ver no outro qualidades
negativas suas (Cabral e Nick, 2006).
Para além deste processo de externalização verifica-se igualmente um padrão
de fuga em situações de conflito.
Segundo Challifour (2008), a fuga (ou retraimento) consiste num mecanismo
consciente de lidar com situações traumáticas e/ou stressantes. Quando confrontada
com uma situação ameaçadora, a pessoa opta por se afastar, por fugir da situação,
como forma de evitar ou diminuir o stress causado por esta, ou por admitir a derrota e
reduzir as suas aspirações.
Objetivo da Intervenção: Oferecer, utilizando a abordagem psicoterapêutica das Narrativas de Vida, a possibilidade de mudança de papéis de narrador a guionista
e ator da sua história de vida, alterando os padrões de resposta vigentes,
responsabilizando-se pelas suas escolhas e pela construção do seu futuro.
O Contrato de Cuidados: entrevistas semanais, programadas de semana para semana, no total de 6 sessões, com duração de 45 a 60 minutos, tendo como objetivo
explícito ajudá-lo a compreender melhor a si à sua experiência de doença, podendo
no final das 6 sessões o acompanhamento ser continuado pela enfermeira da equipa.
A Evolução da Transferência: Inicialmente, pela presença da enfermeira da equipa na sala durante a intervenção, e pela focalização do discurso nos problemas
laborais e económicos, coloquei a hipótese de poder estar a ocorrer uma transferência
do papel de proteção e desresponsabilização que colocava na equipa para mim
própria, o que me fez questionar o que poderia significar para este homem o processo
terapêutico que se iniciava: uma repetição?
O processo de transferência foi primeiramente referido por Freud no seu artigo
“Estudos sobre a Histeria” e pode ser definido como a repetição de reações objetais
do passado, não se resumindo à sua recapitulação e revivência como sujeito
Relatório de Estágio
34
desejante, mas igualmente como objeto do outro. Estas reações e emoções podem
ser deslocadas para o terapeuta ou para outros.
Este processo permite conhecer, no presente e na relação, o funcionamento
psíquico do cliente (Coimbra de Matos, 2006a; Cabaniss et al, 2011a).
Contudo, a progressiva abertura e disponibilidade do cliente em partilhar a sua
história de vida bem como os sentimentos e emoções inerentes, patente na postura
calma e confiante com que se apresentava, denotando o estabelecimento de uma
relação de confiança e empatia, transformaram a minha hipótese inicial, à medida que
o cliente foi sendo capaz de se subjetivar e descobrir recursos.
Atenta à hipótese de transferência que coloquei no início do acompanhamento,
aparentemente, comigo foi-lhe possível experimentar outro modo de se relacionar não
apenas com os outros mas com ele próprio, provavelmente sentindo-se visto e ouvido,
obtendo espaço para refletir e pensar sobre si e sobre as suas emoções, descobrindo-
se. Este modo de se relacionar foi posteriormente transposto para a sua vida pessoal
e profissional, sendo capaz de tomar decisões e responsabilizar-se por elas,
recorrendo menos à externalização e à fuga.
Ainda assim, uma questão fica, para verificação posterior no acompanhamento
que se continuou com a enfermeira do serviço: o cliente mudou realmente ou mudou
o que fantasiou que eu desejava que pudesse vir a ser a sua mudança?
A evolução da Contra-Transferência: A minha perceção inicial despertou uma preocupação e uma angústia que esta possível transferência inviabilizasse o
processo terapêutico e a ajuda que me propunha oferecer, pondo em causa a
confiança que o cliente estava a depositar em mim ao aceitar realizar comigo este
processo.
A contratransferência define-se como o conjunto das emoções e sentimentos
(conscientes e inconscientes) que o cliente desperta no profissional e permite-lhe um
maior conhecimento do cliente. Consiste na reação do profissional ao processo de
transferência do cliente (Coimbra de Matos, 2006b; Cabaniss et al, 2011b).
Durante a construção da Narrativa de Vida e progressão da relação terapêutica,
patente na abertura, confiança e disponibilidade do cliente em partilhar comigo a sua
história de vida, em se subjetivar e responsabilizar pelo seu futuro, senti-me mais
serena, confiante e satisfeita pelas conquistas do cliente.
Contudo, algumas inquietações me assolaram: até que ponto conseguiria
conjugar aquilo que o cliente esperava de mim com o que ele realmente necessitava?
Poderia eu deixar-me envolver no que este esperava de mim prejudicando a
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possibilidade de lhe fornecer o que ele realmente necessitava? As conquistas por ele
conseguidas seriam, de facto, dele ou algo que fez para me agradar? Ou seria que
estas minhas dúvidas sobre a sua verdadeira possibilidade de mudança ecoavam a
partir das suas próprias inquietações sobre o processo de mudança?
A Evolução do caso Iluminada pelo Modelo Teórico de Enfermagem de Betty Neuman: A doença mental, especialmente a doença mental grave, causa uma disrupção na história de vida da pessoa, bem como na sua identidade. O sofrimento
emocional surge como resultado desta disrupção e das perdas sucessivas causadas
pela doença.
Uma teoria de Enfermagem útil na abordagem desta disrupção e suas
consequências para a pessoa é a Teoria dos Sistemas de Betty Neuman, que consiste
numa abordagem sistémica e aberta do Cuidar fornecendo uma visão unificadora para
a definição dos problemas de Enfermagem e compreensão do cliente em interação
com o ambiente, o qual enquanto sistema pode dizer respeito a uma pessoa, família,
grupo ou comunidade (Tomey e Alligood, 2004).
Um conceito relevante para este modelo são os stressores (intrapessoais,
interpessoais e extrapessoais), que consistem em forças ambientais que interagem
com o cliente ou sistema e têm o potencial de alterar a sua estabilidade ou
homeostasia.
Neuman desenvolveu a sua teoria com base no modelo de sistemas e na teoria
da Gestalt, que vê a pessoa como um sistema dinâmico em equilíbrio homeostático e
em constante interação com outros sistemas e com o ambiente, em que a introdução
de um estímulo perturbador da homeostasia do sistema quebra as linhas de defesa
do mesmo, desencadeando uma resposta no sentido do equilíbrio.
A doença, seja física, psicológica, emocional ou espiritual surge quando a
resposta ao estímulo perturbador não consegue restabelecer o equilíbrio, repondo as
linhas de defesa (Tomey e Alligood, 2004).
No decurso desta intervenção foi possível identificar alguns stressores e
padrões habituais de resposta aos mesmos que se revelaram ineficazes e
destruturantes das suas linhas de defesa, levando ao surgimento da doença mental.
Foi igualmente possível identificar momentos inovadores com padrões de
resposta diferentes dos habituais, que nos permitiram estruturar pontos de mudança,
com vista ao alívio do sofrimento emocional e restabelecimento da saúde mental.
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Quadro 1 – Stressores e Padrões de Resposta do Caso 1 Stressores Respostas
Intrapessoais - Ansiedade - Dificuldade em se individualizar e responsabilizar pelas suas escolhas - Figura Hierárquica Feminina, mais nova e com menos experiência
Externalização dos Problemas “Fuga”, despedimento Crise Dissociativa
Interpessoais - Dificuldade em relacionar-se socialmente - Conflitos Laborais - Dificuldade no Estabelecimento de Relacionamento Afetivos - Morte do Pai - Morte da Mãe
Perda de contacto com o grupo restrito de Amigos Despedimento; Crise dissociativa Objetivos de Vida centrados no trabalho Saída de casa e ingresso no exército Aumento da carga horária laboral
Extrapessoais - Decisão da Junta Médica - Mudança de País na Infância - Mudança Frequente de Residência na Infância e Adolescência
Objetivos de Vida centrados no trabalho Externalização dos problemas Procura de “proteção” em figuras masculinas mais velhas (irmãos e seus amigos, almirante, pai)
Ao longo do processo terapêutico foram surgindo diversos momentos
inovadores, em que os padrões de resposta aos stressores gradualmente se
transformaram.
Perante os problemas surge uma responsabilização (pelo termino de uma
relação, coresponsabilizando-se pela situação de conflito e tensão com a supervisora
hierárquica) e uma progressiva capacidade de se subjetivar e pensar sobre estes, de
encontrar soluções, ponderar os prós e os contras de cada uma delas e encontrar a
melhor para si, colocando-a em prática. Foi estimulado este pensamento oferecendo-
lhe tempo e espaço, bem como pedindo-lhe que elencasse as várias hipóteses e
descrevesse prós e contras de cada uma.
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Verificou-se uma evolução do padrão de resposta aos stressores e de
comportamento, embora ainda com pequenas mudanças ao longo da intervenção,
demonstrando no final desta novos padrões de resposta, mais eficazes, com a
reconstrução de uma linha de defesa e o reequilíbrio do sistema, apresentando
sintomas positivos.
Quando confrontado com dificuldades económicas foi capaz de refletir sobre as
mesmas, encontrar soluções, colocá-las em prática e responsabilizar-se pelos
resultados destas.
A Evolução do caso iluminada pela Narrativa de Vida: A construção da Narrativa de Vida constitui-se, na articulação com este modelo teórico de
enfermagem, como uma intervenção estruturante na forma e conteúdo, que tem como
objetivo a proteção da estrutura do sistema, através da ressignificação de eventos de
vida, da identificação e mobilização de recursos internos e externos e da criação de
novos padrões de resposta aos stressores.
Esta intervenção revela-se como uma ferramenta de grande utilidade na
utilização do método clínico para exploração da dimensão emocional do sofrimento,
pois permite à pessoa, através da construção da sua Narrativa de Vida, colocar em
palavras emoções, vivências e processos internos, permitindo ressignificar o processo
de saúde-doença e identificar comportamentos promotores da saúde mental ou de
restabelecimento da mesma, que são objetivos do método clínico de acordo com Reis
(1994).
Através desta a pessoa produz e pode transformar um conhecimento sobre si,
sobre os outros e sobre o quotidiano, dando-se a conhecer através da subjetividade,
da singularidade, das experiências e dos saberes.
O ator parte da experiência de si e questiona as suas vivências e
aprendizagens, criando espaço e oportunidade para descrever-escutar e ler-escrever
sobre as experiências e descortinar possibilidades através das vivências, permitindo-
lhe tomar consciência de si e das representações que constrói de si.
Este conhecimento que fornece de si e do outro legitima a Narrativa de Vida
como técnica permitindo a compreensão do outro através da interpretação do
significado e sentido atribuídos às experiências individuais, dando primazia ao sujeito
(Souza, 2007).
A Narrativa de Vida visa permitir, não apenas a tomada de consciência dos
padrões de resposta aos stressores prevalentes pelo próprio, mas procurar e
evidenciar os momentos inovadores, em que a pessoa tenha mobilizado diferentes
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padrões de resposta a um stressor e ser capaz de mobilizá-los perante novas
situações de stress.
Durante a construção da sua Narrativa de Vida, foram diversos os momentos
inovadores que o cliente apresentou, e que posteriormente foi capaz de mobilizar para
criar novos padrões de resposta aos stressores:
- Perante um evento stressante (as dificuldades económicas), o cliente faz o
movimento de pensar/elencar diversas opções para o seu futuro e soluções para
resolver o seu problema económico a curto prazo;
- Ao descrever o relacionamento amoroso com a colega, o seu padrão de
externalização dos problemas e responsabilização dos outros pelos mesmos
transformou-se, ao responsabilizar-se também pelo fim da relação;
- Ter começado a escrever sobre o que se passa na sua vida, o que sente, sem
que lhe tenha sido sugerido a elaboração de um diário, demonstrando estar a construir
um processo de pensar sobre si e sobre o seu futuro;
- O assumir uma parte da responsabilidade pela sua situação laboral, fugindo
ao padrão de externalização habitual;
- O planeamento do seu futuro, perspetivando soluções mediante o resultado
da junta médica, e colocando em prática soluções imediatas para resolução dos seus
problemas financeiros, responsabilizando-se pelo presente e futuro.
Ao mobilizar estes novos padrões, tornou-se capaz de estruturar atividades
bem delineadas e priorizadas, com diminuição do isolamento e maior abertura ao
outro e à relação, obtendo satisfação no convívio com amigos e família. Contudo, não
apresenta ainda iniciativa para retomar um relacionamento afetivo ou o perspetiva nos
seus planos futuros. Quando confrontado com problemas projeta soluções e coloca-
as em prática.
Apresenta-se mais reflexivo, mais aberto e disponível para aceder às suas
emoções. Demonstra desejo de continuar este processo e explorar os seus
sentimentos e emoções, ao referir querer retomar a psicoterapia.
Contudo, houve um ponto que ficou por explorar e que poderia ser útil na
compreensão da história de vida deste homem e dos seus padrões de resposta aos
stressores: O cliente apresentou um bloqueio para memórias anteriores ao dia em que
regressou a Portugal, bem como para os eventos que ocorreram no local de trabalho
no início da doença.
Este tipo de amnésia temporária para eventos específicos ou um determinado
período do passado é um dos sintomas do transtorno dissociativo (F44, classificação
Relatório de Estágio
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DSM V), um distúrbio mental em que a pessoa sofre um desequilíbrio psicológico,
ocorrendo alterações na consciência, memória, identidade, emoção, perceção do
ambiente, controle dos movimentos e comportamento. Normalmente, este distúrbio
ocorre após eventos traumáticos ou de grande stress, surgindo de forma súbita.
Estes eventos podem ser tão fortes e traumáticos que as memórias associadas
são relegadas para o inconsciente, difíceis de aceder ao consciente. Embora
primariamente possa ter um efeito protetor, impedindo o reviver do sofrimento
emocional associado, esta supressão pode a longo prazo conduzir ao adoecer mental,
desde a depressão, ansiedade, stress pós-traumático a um transtorno dissociativo
(American Psychiatric Association, 2017).
Uma vez que a Narrativa de Vida enquanto intervenção psicoterapêutica
permite colocar esse sofrimento em palavras e promover a mudança e a
ressignificação dos eventos stressantes e/ou traumáticos, fez-me refletir sobre de que
forma poderia desbloquear essas memórias e o benefício para o processo terapêutico.
Poderá o uso de mediadores expressivos como fotos e vídeos da sua família
na terra natal do cliente ou dessa época trazer essas memórias ao consciente? Que
consequências para o processo terapêutico e para o seu bem-estar psíquico? E se o
sofrimento emocional é desencadeado por emoções negativas, de que forma o
despoletar novas emoções negativas pode contribuir para o alívio do mesmo? Como
podem essas memórias, quando colocadas em palavras, no consciente, ser
“transformadas” em emoções positivas?
Estas são algumas das questões que remanesceram e que teriam
necessariamente que continuar a serem pensadas por mim caso a intervenção
psicoterapêutica tivesse sido mais longa, mais profunda.
A Evolução do caso iluminada pelo Modelo Transteórico da Mudança: para que a pessoa consiga fazer o movimento de passar de narrador para ator e
guionista da sua história de vida é necessário que esteja predisposto à mudança.
Um modelo que explica este movimento da pessoa no sentido da mudança e
da criação de novos padrões é o Modelo Transteórico da Mudança, que como o nome
indica mobiliza conhecimentos de diversas correntes (Gestalt, psicanálise,
comportamental) para compor um modelo de compreensão da mudança
comportamental relacionada com a saúde (Toral e Slater, 2007).
Segundo este modelo, as alterações no comportamento relacionado com a
saúde ocorrem em cinco estadios: Pré-contemplação, Contemplação, Decisão, Ação
e Manutenção. Analisando o comportamento do cliente, externalizando os problemas
Relatório de Estágio
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e tentando manter as decisões sobre a sua vida e a sua saúde nas mãos de outrem
pode-se considerar que se encontrava, no início da intervenção, na fase de pré-
contemplação, em que a mudança de comportamento não é ainda contemplada pela
pessoa e não foram realizadas alterações no mesmo, nem existe intenção de as
adotar num futuro próximo (Toral e Slater, 2007).
Como vista a promover uma evolução no sentido da mudança, na construção
desta intervenção propus ao cliente um “modelo de compreensão biográfica”,
convidando-o a titular a sua história, como forma de perceber como ele se
compreendia e narrava.
Ao explicar o título da sua história de vida “A minha vida incompleta” fez
referência a planos e objetivos futuros, embora ainda sem prazo estabelecido ou
movimentos no sentido da sua consecução (o projeto de regressar à sua terra natal
após a reforma), mas que podem refletir um desejo ainda não consciente ou
concretizado de mudança: aproximamo-nos do estadio seguinte, o de contemplação.
Quando começou a tomar consciência do seu padrão de externalização e a
enumerar as opções para o futuro, bem como a perspetivar soluções para os seus
problemas financeiros e laborais, começa a contemplar a mudança.
Na fase de contemplação do modelo transteórico da mudança, a mudança de
comportamento começa a ser considerada, demonstrando pretender alterar o
comportamento num futuro próximo, mas ainda sem prazo estabelecido. Existe um
reconhecimento que o problema existe e pretende superá-lo, mas sem apresentar
comportamento decisivo (Toral e Slater, 2007).
É neste movimento de contemplação da mudança que este modelo propõe o
conceito de balanço decisional como uma reflexão sobre os benefícios e
consequências de uma opção, perante a qual a pessoa toma uma decisão. É perante
a perceção das vantagens e das desvantagens de determinada decisão que é
contemplada (ou não) a mudança de comportamento (Mendes et al, 2014).
Este instrumento permitiu ao cliente refletir sobre as diversas opções que se
apresentavam para o seu futuro e quais os benefícios e consequências de cada uma.
Ao realizar este balanço, consciencializando-se das opções, fazendo uma
escolha e responsabilizando-se por esta, observou-se uma Decisão, definida pelo
modelo transteórico da mudança como a pretensão de alterar o comportamento num
futuro próximo, com prazo estabelecido (decisão da junta médica). Pequenas
mudanças são efetuadas (soluções para os problemas financeiros, retomar o convívio
com os amigos no café) e um plano de ação adotado (plano decisional para o futuro,
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reflexão e subjetivação através da escrita) mas sem assumir compromisso sério (Toral
e Slater, 2007). À medida que começou a responsabilizar-se pelo seu futuro, pelas suas
escolhas e a retomar atividades que anteriormente lhe davam prazer, verificou-se uma
mudança efetiva no comportamento, experiências e ambiente de modo a conseguir
resolver e superar os problemas, ocorrendo mudanças visíve