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Barcelona, fevereiro de 2010versão 1.0

Sem copyright

Encontrarás no site do projeto umaversão digital destes textos, os linksaos documentos aos quais fazemosreferência e uma versão PDF.Imprima-o, difunda-o, debata-o.

quematumovil.pimienta.org

A capa deste livro foi impressamanualmente com blocos demadeira e um autêntico celular. Oúnico que usamos para escreveristo.

Sua pesquisa, redação,diagramação, ilustração e site foramtodas realizadas com software livre.

[email protected]

Versão brasileira:Edições Baratas, 2014.edicoesbaratas.wordpress.com

Barcelona, fevereiro de 2010versão 1.0

Sem copyrightEncontrarás no site do projeto uma versão digital destes textos, os links aos documentos aos quais fazemos refe-rência e uma versão PDF. Imprima-o, difunda-o, debata-o.

quematumovil.pimienta.org

Sua pesquisa, redação, diagramação, ilustração e site foram todas realizadas com software livre.

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Versão brasileira: Edições Baratas, 2014.

“Com todo o investimento feito para nos vigiar não é surpreendente quedepois de apenas quatro anos esse texto já tenha algumas defasagenstécnicas. Porém, apesar disso, ele é de grande importância por ser umaboa introdução ao tema. Além disso, acreditamos que a denúncia davigilância e o esforço pela nossa segurança nunca estarãoultrapassados.”

Edições Baratas

“Com todo o investimento feito para nos vigiar não é surpreendente que depois de apenas quatro anos esse texto já tenha algumas defasagens técnicas. Porém, apesar disso, acreditamos no seu valor por ser é uma boa introdução ao tema. Além disso, a denúncia da vigilância e o esforço pela nossa segurança nunca estarão ultrapassados.” Edições Baratas

Este trabalho começou com a vontade de esclarecer os mitos everdades a respeito da segurança com os celulares: possibilidades deescuta, de rastreamento, etc.

Além do controle policial queríamos falar de controle social equestionar o impacto desta tecnologia sobre nossa maneira de noscomunicar e nos relacionar. F inalmente nos interessamos por suasconsequências sociais, biológicas e ecológicas.

Parece que esquecemos que há dez anos não tínhamos celulares e quese nos agrada podemos viver sem eles. S im, exatamente isso.

A verdade é que adoraríamos que queimes teu celular e vamos te darboas razões para fazê-lo ou pelo menos pensá-lo...

“Adotaram o método da clandestinidade. Nuncausam celulares [… ].”

Michèle Alliot-Marie,ministra do interior francesa sobre as detenções desubversivos no caso de Tarnac, novembro de 2008

Este trabalho começou com a vonta-de de esclarecer os mitos e verdades a respeito da seguran-ça com os celulares: possibilidades de escuta, de rastreamento, etc. Além do controle policial queríamos falar de contro-le social e questionar o impacto desta tecnologia sobre nos-sa maneira de nos comunicar e nos relacionar. Finalmente nos in-teressamos por suas consequências socias, biológicas e ecológicas. Parece que esquecemos que há dez anos não tínhamos celula-res e que se nos agrada podemos viver sem eles. Sim, exatamente isso. A verdade é que adoraríamos que queimes teu celular e vamos te dar boas razões para fazê-lo ou pelo menos pensá-lo...

“Adotaram o método da clandestinidade. Nunca usam celulares [...].”Michele Alliot Marie,

ministra do interior francesa sobre as detençòes de subversivos no caso de Tarnac, novembro de 2008

Introdução 6

O controle policialAs escutas 10

A localização 13A retenção de dados 16

Os IMS I-catchers 18O S ITEL 20

Bons costumes 22

O controle socialMais isolado 26

Mais estúpido 28Mais espectador 30

Carta de uma viciada 32

Responsáveis ?F inancia o capital 36

Comprar vento 39Queima o cérebro 42O celular no Sul 45

Enfin… 47

Introdução 06

O controle policial As escutas 10

A localização 13A retenção de dados 16

Os IMSI-catchers 18O SITEL 20

Bons costumes 22

O controle socialMais isolado 26

Mais bobo 28Mais espectador 30

Carta de uma viciada 32

Responsáveis?Financia o capital 36

Compra vento 39Queima o cérebro 42

O celular no Sul 45Enfim... 47

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Esta publicação é para ti. Não te conheço, mas tenho quase certeza quevocê tem um celular no bolso.

Em 15 anos, o celular foi difundido pelo planeta como nenhumatecnologia o tinha feito antes. Até chegar a uma situação absurda: noestado espanhol, como em quase toda Europa, os contratos de telefoniacelular superam agora o número de habitantes.

O controle social está tornando-se cada vez mais difuso, complexo eintegrado. Qual é a tecnologia de controle mais eficaz, a TV ou ascâmeras de vigilância? Com o celular chegamos à combinação idealentre o Big Brother de Orwell e a sociedade de comunicação capitalista.Essa submissão voluntária tão massiva e a dependência que implica auma ferramenta, desenvolvida e promovida pelo sistema, nos leva aquestionar algumas coisas.

Diante desta situação, as pessoas e grupos preocupados com aprivacidade, com suas liberdades individuais ou ameaçados pelavigilância policial, se assustam com as possibilidades técnicas docontrole via celular. A história nos mostra que, se em outras situações ospoderosos tivessem as ferramentas tecnológicas atuais para vigiar apopulação, poucos dos alvos da repressão (pela convicção, pela origem,pela sensibilidade ou por suas práticas) teriam podido escapar. Nósmesmxs, através de lutas ambientais ou similares, de apoios aimigrantes ou simplesmente por nos relacionarmos com pessoasenvolvidas nesses movimentos, em Barcelona ou em outras esquinas daEuropa, vimos como a polícia pode, sob o pretexto da segurança, violara intimidade de cidadãxs inquietxs, fichar os dissidentes políticos,

Esta publicação é para ti. Não te conheço, mas tenho quase certeza que você tem um celular no bolso. Em 15 anos, o celular foi difundido pelo planeta como nenhuma tecnologia o tinha feito antes. Até chegar a uma situação absurda: no estado espanhol, como em quase toda Europa, os contratos de telefonia celular su-peram agora o número de habitantes. O controle social está tornando-se cada vez mais difuso, complexo e integrado. Qual é a tecnologia de controle mais eficaz, a TV ou as câmeras de vigilância? Com o celular chegamos à combinação ideal entre o Big Brother de Orwell e a sociedade de comunicação capitalista. Essa submissão voluntá-ria tão massiva e a dependência que implica a uma ferramenta, desenvolvida e promovida pelo sistema, nos leva a questionar algumas coisas. Diante desta situação, as pessoas e grupos preocupados com a pri-vacidade, com suas liberdades individuais ou ameaçados pela vigilância po-licial, se assustam com as possibilidades técnicas do controle via celular. A história nos mostra que, se em outras situações os poderosos tivessem as ferramentas tecnológicas atuais para vigiar a população, poucos dos alvos da repressão (pela convicção, pela origem, pela sensibilidade ou por suas práti-cas) teriam podido escapar. Nós mesmxs, através de lutas ambientais ou si-milares, de apoios a imigrantes ou simplesmente por nos relacionarmos com pessoas envolvidas nesses movimentos, em Barcelona ou em outras esquinas da Europa, vimos como a polícia pode, sob o pretexto da segurança, violar a intimidade de cidadãxs inquietxs, fichar os dissidentes políticos, submeter ,

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submeter ao seu controle coletivos inteiros... A parte mais violenta dessalógica pode ser a extensão, desde o dia 11 de setembro, do marcoantiterrorista chegando por exemplo a detenções de militantes porpanfletar na França1, por publicar um jornal crítico em basco2, por abriruma página de informação do Twitter nos Estados Unidos3, e mais umalonga lista de abusos. Nesse contexto, desenvolver ideias divergentes eexpressá-las pode nos transformar em suspeitxs.

Esse controle funciona através do medo e gera paranoias. Assim sedifundiram algumas lendas urbanas relacionadas aos celulares: “vamoscomeçar a assembleia, todos apagaram os celulares?”, “Caralho, meucelular tá louco, tenho certeza que está grampeado!”... Como todas alendas costumam gerar confusões, são difíceis de elucidar e dequestionar coletivamente. Gostaríamos aqui de documentar estastécnicas de vigilância e propor práticas coletivas para escapar do olhodo Big Brother.

Atenção! As informações relativas a essas técnicas podem ser difíceisde ser encontradas entre os segredos da policia e a opacidade da justiçasobre os seus métodos de investigação. Além disso, a evoluçãoconstante dessas tecnologias faz com que este conteúdo tenha data devalidade...

Se no início o celular foi associado ao homem de negócios, pouco a

1 Em maio de 2009, em Forcalquier, no sul da França, a polícia antiterrorista registrou osdomicílios e deteve 4 pessoas por terem distribuído panfletos criticando a políticarepressiva do governo.http://www.laprovence.com/[… ]pour-un-tract-contre-lanti-terrorisme (Em francês)

2 Euskaldunon Egunkaria, primeiro e único jornal em basco, língua oficial do País Basco, dahistória, foi fechado numa operação judicial em 2003. Várias pessoas passaram meses naprisão. Até hoje não foi encontrada nenhuma prova formal da relação do jornal com o ETA.http://www.javierortiz.net/voz/egunkaria (Em espanhol)

3 No dia 1 de outubro de 2009, a policia antiterrorista estadunidense registra e detém todosos moradores de uma casa coletiva em Nova York. Dois dos companheiros de casa foramdetidos no ato contra o G20 depois de terem mandado mensagens através do site deinformações Twitter.http://friendsoftortuga.wordpress.com/about/ (Em inglês)

submeter ao seu controle coletivos inteiros... A parte mais violenta dessa ló-gica pode ser a extensão, desde o dia 11 de setembro, do marco antiterrorista chegando por exemplo a detenções de militantes por panfletar na França1, por publicar um jornal crítico em basco2, por abrir uma página de informa-ção do Twitter nos Estados Unidos3, e mais uma longa lista de abusos. Nesse contexto, desenvolver ideias divergentes e expressá-las pode nos transformar em suspeitxs. Esse controle funciona através do medo e gera paranoias. Assim se difundiram algumas lendas urbanas relacionadas aos celulares: “vamos co-meçar a assembleia, todos apagaram os celulares?”, “Caralho, meu celular tá louco, tenho certeza que está grampeado!”... Como todas a lendas costumam gerar confusões, são difíceis de elucidar e de questionar coletivamente. Gos-taríamos aqui de documentar estas técnicas de vigilância e propor práticas coletivas para escapar do olho do Big Brother. Atenção! As informações relativas a essas técnicas podem ser difí-ceis de ser encontradas entre os segredos da policia e a opacidade da justiça sobre os seus métodos de investigação. Além disso, a evolução constante dessas tecnologias faz com que este conteúdo tenha data de validade... Se no início o celular foi associado ao homem de negócios, pouco a pouco se tornou uma ferramenta imprescindível do Homem liberal. Corres-ponde assim a muitas das suas “qualidades” emblemáticas: individual, con-

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pouco se tornou uma ferramenta imprescindível do Homem liberal.Corresponde assim a muitas das suas “qualidades” emblemáticas:individual, consumidor, moderno, flexível, eficiente, móvel, emcomunicação permanente, etc. A difusão massiva e inquestionável docelular participou da propagação desses valores, modificandoprofundamente as relações sociais. E por outro lado, não ter celularsignifica marginalizar-se.

Não descobrimos a roda, o celular não é o principal perigo do sistema,não é a nova luta prioritária. Também não somos primitivistas, nãorejeitamos completamente todas as tecnologias ou as ferramentascontemporâneas. Não negamos que o celular pode ser muito útil emcertos casos. Em situações de emergência (detenções, acidentes,agressões, etc.) não há nenhum outro meio de comunicação quepermita avisar e reagir com tanta rapidez e eficiência.

Mas em geral, parece que se esqueceu que há 10 anos nãotínhamos celulares e que se não gostamos deles podemos viver semeles. Se quiseres ficar assustado pelo medo, se quiseres continuar temobilizado contra a injustiça, se quiseres desenvolver um pensamentocrítico, te convidamos em ler o que vem em seguida. Bem, a verdade éque adoraríamos se tu queimasses teu celular e daremos aqui boasrazões para fazê-lo, ou pelo menos para cogitá-lo...

sumidor, moderno, flexível, eficiente, móvel, em comunicação permanente, etc. A difusão massiva e inquestionável do celular participou da propagação desses valores, modificando profundamente as relações sociais. E por outro lado, não ter celular significa marginalizar-se. Não descobrimos a roda, o celular não é o principal perigo do sis-tema, não é a nova luta prioritária. Também não somos primitivistas, não rejeitamos completamente todas as tecnologias ou as ferramentas contem-porâneas. Não negamos que o celular pode ser muito útil em certos casos. Em situações de emergência (detenções, acidentes, agressões, etc.) não há nenhum outro meio de comunicação que permita avisar e reagir com tanta rapidez e eficiência. Mas em geral, parece que se esqueceu que há 10 anos não tínhamos celulares e que se não gostamos deles podemos viver sem eles. Se quiseres ficar assustado pelo medo, se quiseres continuar te mobilizando contra a in-justiça, se quiseres desenvolver um pensamento crítico, te convidamos em ler o que vem em seguida. Bem, a verdade é que adoraríamos se tu queimasses teu celular e daremos aqui boas razões para fazê-lo, ou pelo menos para cogi-tá-lo...

O CONTROLE POLICIAL

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Enquanto estás falando com alguém pelo celular (assim como pelo fixo)é muito simples para as autoridades escutar e gravar tua conversa emcolaboração com a companhia telefônica.

No estado espanhol não há nenhum dado oficial sobre o número deescutas telefônicas legais, mas esses dados existem em outros paíseseuropeus. Na França, em 2008, houve umas 30 000 escutas legaisordenadas por um juiz; proporcionalmente quinze vezes mais na Itália,doze vezes mais na Holanda e três vezes mais na Alemanha... A cifrafrancesa corresponde a um aumento de 440% desde 2001 e é obvio queesse crescimento apoia-se na onipresença dos celulares. Além disso, asescutas de celulares são muito mais baratas: na França uma escuta decelular custa 88 euros (sem impostos) enquanto uma de fixo custa 497euros. Além dessas escutas, com ordem judicial, os estados têmgeralmente mecanismos que permitem à policia atuar por iniciativaprópria em casos de antiterrorismo, segurança nacional, inteligênciaeconômica ou “grupos subversivos”.

Se o preço das escutas diminuiu tanto é porque a técnica é muitomais simples. J á não é mais necessário colocar um dispositivo físico nalinha ou entrar na tua casa, com o perigo e gastos que isso supõe. Coma digitalização das comunicações, basta um programa informático (comoo da S ITEL no estado espanhol) e alguns cliques para vigiar apopulação. Veja o texto S ITEL.

Se o teu celular não está desligado e separado da bateria, étecnicamente possível utilizá-lo como microfone de ambiante para

As escutasUtiliza-se para escutar a ti e aos outros.

Enquanto estás falando com alguém pelo celular (assim como pelo fixo) é muito simples para as autoridades escutar e gravar tua conversa em colaboração com a companhia telefônica. No estado espanhol não há nenhum dado oficial sobre o número de escutas telefônicas legais, mas esses dados existem em outros países eu-ropeus. Na França, em 2008, houve umas 30 000 escutas legais ordenadas por um juiz; proporcionalmente quinze vezes mais na Itália, doze vezes mais na Holanda e três vezes mais na Alemanha... A cifra francesa corresponde a um aumento de 440 % desde 2001 e é obvio que esse crescimento apoia-se na onipresença dos celulares. Além disso, as escutas de celulares são muito mais baratas: na França uma escuta de celular custa 88 euros (sem impostos) enquanto uma de fixo custa 497 euros. Além dessas escutas, com ordem judi-cial, os estados têm geralmente mecanismos que permitem à policia atuar por iniciativa própria em casos de antiterrorismo, segurança nacional, inteligência econômica ou “grupos subversivos”. Se o preço das escutas diminuiu tanto é porque a técnica é muito mais simples. Já não é mais necessário colocar um dispositivo físico na linha ou entrar na tua casa, com o perigo e gastos que isso supõe. Com a digitali-zação das comunicações, basta um programa informático (como o da SITEL no estado espanhol) e alguns cliques para vigiar a população. Veja o texto SITEL.

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escutar a ti e aos demais. O uso dessa técnica foi revelada pela primeiravez em 2003, numa investigação do FBI sobre membros da mafiaitaliana1. A ação judicial do FBI fala de um “ sistema de escuta colocadono celular”. Os detalhes técnicos da operação não foram revelados, massegundo os profissionais o mais provável é que conseguiram instalá-losem ter acesso físico ao telefone, e que funcionaria igualmente com ocelular ligado ou desligado, desde que estivesse com a bateriacolocada.

Mas, hoje em dia, essa escutas de ambiente parecem bastantecomplicadas de executar. De fato, não ouvimos falar de outros casos deuso dessa técnica na Europa. Então não é preciso cair na paranoia, masé importantíssimo desenvolver práticas seguras sobretudo porque nãosabemos o que farão nos próximos anos. Veja o texto Bons costumes.

Com as novas gerações de telefones celulares, ou smartphones, tipoiP hone, BlackBerry, etc. aparecem também novas vulnerabilidades.Esses aparelhos funcionam como pequenos computadores comsistemas operacionais muito mais complexos, desenvolvidos pela Apple,Microsoft, etc. Essas empresas de software proprietário são conhecidaspor dar prioridade aos seus interesses financeiros antes da segurançanos seus produtos, e por estar totalmente dispostas em trabalhar demãos dadas com os efetivos policiais. Assim, que nem um computadorque funciona com Windows fica cheio de vírus de instante em instante,um celular com qualquer sistema operacional proprietário pode sofrer oataque de um vírus ou de um programa espião implantado tanto porpoliciais quanto por particulares. Na Internet, existe, inclusive,“empresas” que oferecem seus serviços a maridos possessivos paraespiar suas esposas2...

Em 2007 o especialista em segurança R ik Farrow publicou umexemplo de falha de segurança no iP hone que permite a um hackertomar o controle total da máquina, e entre outras coisas usá-la comomicrofone de ambiente, esteja ligado ou não. Lembramos que até agora

1 CNET. FBI taps cell phone mic as eavesdropping tool.http://news.cnet.com/2100-1029_3-6140191.html (Em inglês)

2 F lexiSP Y. Catch cheating spouses.http://www.flexispy.com/ (Em inglês)Para detalhes técnicos sobre o vírus veja F-Secure.http://www.f-secure.com/v-descs/flexispy_a.shtml (Em inglês)

Se o teu celular não está desligado e separado da bateria, é tecnicamente pos-sível utilizá-lo como microfone de ambiante para escutar a ti e aos demais. O uso dessa técnica foi revelada pela primeira vez em 2003, numa investigação do FBI sobre membros da mafia italiana1. A ação judicial do FBI fala de um “ sistema de escuta colocado no celular”. Os detalhes técnicos da operação não foram revelados, mas segundo os profissionais o mais provável é que conseguiram instalá-lo sem ter acesso físico ao telefone, e que funcionaria igualmente com o celular ligado ou desligado, desde que estivesse com a bateria colocada. Mas, hoje em dia, essas escutas de ambiente parecem bastante com-plicadas de executar. De fato, não ouvimos falar de outros casos de uso dessa técnica na Europa. Então não é preciso cair na paranoia, mas é importantíssi-mo desenvolver práticas seguras sobretudo porque não sabemos o que farão nos próximos anos. Veja o texto Bons costumes. Com as novas gerações de telefones celulares, ou smartphones, tipo iPhone, BlackBerry, etc. aparecem também novas vulnerabilidades. Esses aparelhos funcionam como pequenos computadores com sistemas operacio-nais muito mais complexos, desenvolvidos pela Apple, Microsoft, etc. Es-sas empresas de software proprietário são conhecidas por dar prioridade aos seus interesses financeiros antes da segurança nos seus produtos, e por estar totalmente dispostas em trabalhar de mãos dadas com os efetivos policiais. Assim, que nem um computador que funciona com Windows fica cheio de vírus de instante em instante, um celular com qualquer sistema operacional proprietário pode sofrer o ataque de um vírus ou de um programa espião implantado tanto por policiais quanto por particulares. Na Internet, existe, inclusive, “empresas” que oferecem seus serviços a maridos possessivos para espiar suas esposas2...

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dos iP hones não se pode tirar a bateria. Outra porta de entrada parahackear teu celular é a tecnologia BlueTooth desenvolvida em quasetodos os aparelhos mais recentes. Existem muitas documentações paraque qualquer um possa, por exemplo, usar um portátil para ter acesso ateus dados.

A policia pode te escutar e isso não é nada novo. Essas novas técnicassó o deixa mais fácil e mais barato. Mas as escutas telefônicas não selimitam aos telefones, a polícia continua colocando microfones espiõespara vigiar ativistas políticos, como na Itália durante a OperaçãoCervantes em 2004. Também podem escutar com microfones ultrapotentes unidirecionais ou outros dispositivos.

“Graça ao celular, eu não preciso mais madrugartanto ou ficar sem dormir para espiar alguém”.

Um bosta de um policial, setembro 2007

Em 2007 o especialista em segurança Rik Farrow publicou um exemplo de falha de segurança no iPhone que permite a um hacker tomar o controle total da máquina, e entre outras coisas usá-la como microfone de ambiente, esteja ligado ou não. Lembramos que até agora dos iPhones não se pode tirar a bateria. Outra porta de entrada para hackear teu celular é a tec-nologia BlueTooth desenvolvida em quase todos os aparelhos mais recentes. Existem muitas documentações para que qualquer um possa, por exemplo, usar um portátil para ter acesso a teus dados. A policia pode te escutar e isso não é nada novo. Essas novas téc-nicas só o deixa mais fácil e mais barato. Mas as escutas telefônicas não se limitam aos telefones, a polícia continua colocando microfones espiões para vigiar ativistas políticos, como na Itália durante a Operação Cervantes em 2004. Também podem escutar com microfones ultra potentes unidirecionais ou outros dispositivos.

“Graça ao celular, eu não preciso mais madrugar tanto ou ficar sem dormir para espiar alguém ”. Um merda de um policial, setembro 2007

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Um aspecto realmente novo da tecnologia do celular é a possibilidade delocalização permanente e ao vivo do teu aparelho. Para poder te enviaruma chamada ou uma mensagem, tua operadora de telefonia precisasaber onde se encontra teu celular, ou mais precisamente, qual de suasantenas usar para te passar a comunicação. Assim, se pode aproximarsua localização sabendo de qual antena tu estás mais perto. A precisãodessa técnica, chamada Cell-ID, depende da densidade de antenas narede telefônica. Nas cidades terão antenas a cada 100 ou 200 metros.Mas no campo poderá ter antenas separadas por até 35 quilômetros.

Outras informações, como os movimentos do teu celular na redetelefônica ou sua proximidade a outras antenas, podem ser usadas paramelhorar tua localização com precisão de poucos quilômetros no campo,por exemplo.

As operadoras de telefonia começaram esses últimos anos a usar essainformação para oferecer e vender serviços (chamados de serviços deLSB): para te indicar os restaurantes que ficam perto, para ligarautomaticamente ao táxi mais perto, para te enviar propagandapersonalizada, etc. Além de te propor serviços adaptados ao lugar ondeestás, as operadoras começaram a vender essas informações paraoutros. Várias operadoras e empresas de todo o mundo já propõemserviços para os pais localizarem seus filhos ou seus empregados. Todaargumentação deles está baseada na utilização do medo dos pais e,como costuma acontecer, a suposta segurança dos filhos justifica novasameaças para nossa privacidade e fomenta o controle social.

Esse novo controle social é tão legal que com Google Latitude seus

A localizaçãoSabe-se a todo instante onde estás.

Um aspecto realmente novo da tecnologia do celular é a possibilida-de de localização permanente e ao vivo do teu aparelho. Para poder te enviar uma chamada ou uma mensagem, tua operadora de telefonia precisa saber onde se encontra teu celular, ou mais precisamente, qual de suas antenas usar para te passar a comunicação. Assim, se pode aproximar sua localização sa-bendo de qual antena tu estás mais perto. A precisão dessa técnica, chamada Cell-ID, depende da densidade de antenas na rede telefônica. Nas cidades terão antenas a cada 100 ou 200 metros. Mas no campo poderá ter antenas separadas por até 35 quilômetros. Outras informações, como os movimentos do teu celular na rede telefônica ou sua proximidade a outras antenas, podem ser usadas para me-lhorar tua localização com precisão de poucos quilômetros no campo, por exemplo. As operadoras de telefonia começaram esses últimos anos a usar essa informação para oferecer e vender serviços (chamados de serviços de LSB): para te indicar os restaurantes que ficam perto, para ligar automaticamente ao táxi mais perto, para te enviar propaganda personalizada, etc. Além de te propor serviços adaptados ao lugar onde estás, as operadoras começaram a vender essas informações para outros. Várias operadoras e empresas de todo o mundo já propõem serviços para os pais localizarem seus filhos ou seus empregados. Toda argumentação deles está baseada na utilização do medo dos pais e, como costuma acontecer, a suposta segurança dos filhos justifica novas ameaças para nossa privacidade e fomenta o controle social.

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colegas podem ver em tempo reais onde você está1.

A difusão dessas tecnologias e serviços de localização está aceleradapelas leis que impõem a criação de números centralizados deemergências, o 112 na Europa2, ou o E911 nos EUA. Esses doisnúmeros de emergência especificam que para melhorar a qualidade dosserviços, a localização da pessoa que liga deve ser automaticamentetransmitida à equipe de socorro3.

Assim, os governos, as operadoras de telefonia e os fabricantes decelular devem por lei trabalhar juntos para melhorar a precisão dalocalização de todos os celulares do mercado. As recomendações dosespecialistas para esses serviços falam de uma precisão de 10-150metros em zonas urbanas, de 10-500 metros em zonas suburbanas, ede 10-500 metros em zonas rurais ou estradas4.

Colocar em prática essas leis, como também o desenvolvimento dessesnovos serviços de LSB, vão impor, nos próximos anos, a generalizaçãodo GPS nas novas gerações de celulares. Esses celulares podem serlocalizados de maneira muito mais precisa que aqueles atuais já queusam a tecnologia A-GPS 5, uma combinação de tecnologias baseadasna rede telefônica e no posicionamento GPS . Ultimamente, asoperadoras começaram a oferecer celulares desse tipo em seuscontratos nos típicos celulares a “0euros”.

1 Em 2013, a Google parou de oferecer esse serviço.http://www.google.com/latitude/ (Em inglês)

2 http://112.eu/ (Em inglês)3 A diretriz europeia 2002/22/CE obriga às operadoras a por a disposição das autoridades

encarregadas da gestão de emergências, na medida do possível, a informação relativa àlocalização de todas as pessoas que efetuam ligações ao número europeu de chamada deemergência.

4 Veja o informe do grupo CGALIES sobre a aplicação dessa localização no caso do númeroeuropeu, página 21.http://quematumovil.pimienta.org/informe_cgalies.pdf (Em inglês)

5 Wikipedia. GPS Asistido.https://pt.wikipedia.org/wiki/GPS_assistido

Esse novo controle social é tão legal que com Google Latitude seus colegas podem ver em tempo real onde você está1. A difusão dessas tecnologias e serviços de localização está acelerada pelas leis que impõem a criação de números centralizados de emergências, o 112 na Europa2, ou o E911 nos EUA. Esses dois números de emergência es-pecificam que para melhorar a qualidade dos serviços, a localização da pessoa que liga deve ser automaticamente transmitida à equipe de socorro3. Assim, os governos, as operadoras de telefonia e os fabricantes de celular devem por lei trabalhar juntos para melhorar a precisão da localização de todos os celulares do mercado. As recomendações dos especialistas para esses serviços falam de uma precisão de 10-150 metros em zonas urbanas, de 10-500 metros em zonas suburbanas, e de 10-500 metros em zonas rurais ou estradas4. Colocar em prática essas leis, como também o desenvolvimento des-ses novos serviços de LSB, vão impor, nos próximos anos, a generalização do GPS nas novas gerações de celulares. Esses celulares podem ser localizados de maneira muito mais precisa que aqueles atuais já que usam a tecnologia A-GPS(5), uma combinação de tecnologias baseadas na rede telefônica e no posicionamento GPS. Ultimamente, as operadoras começaram a oferecer ce-lulares desse tipo em seus contratos nos típicos celulares a “0euros”.

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BOB, a 20 metros de Alice(ligando para ela antes de começar uma ação)-Estão prontos?

ALICE

-S im.BOB

-Então vamos.Barcelona, outubro de 2009

Bob, a 20 metros de Alice (ligando para ela antes de começar uma ação)-Estão prontos?Alice:-Sim.Bob:-Então vamos. Barcelona, outubro de 2009.

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A diretriz europeia 2006/24/EC 1, transposta para a Espanha pela lei25/2007 de 18 de outubro de 2007 sobre a retenção dos dados, impõeàs operadoras de telefonia, assim como aos provedores de Internet, quearmazenem durante doze meses as informações que permitemidentificar a origem e o destino de cada comunicação eletrônica.

- Devem conservar os números dos telefones de origem e destino.Assim como os números IMS I (que identificam o chip) e os númerosIME I (que identificam os telefones).

- Devem poder identificar as pessoas atrás desses números.Desde novembro de 2009 os chips pré-pagos já não podem ser maisanônimos e as operadoras têm que identificá-los ou desativá-los.

- Devem conservar a localização do celular, no mínimo com oidentificador da antena.

- Devem conservar a hora de início e fim da ligação, assim como otipo de comunicação (ligação, caixa de mensagem, torpedo, etc.)

- Devem conservar todas essas informações, inclusive em casosde ligação perdida, mas não no caso de ligação não completada.

- Essa lei não permite conservar nenhum dado que revele oconteúdo da comunicação.

- Têm que ceder esses dados aos agentes autorizados: membrosda Força e Corpo de Segurança quando desempenham funções de

1 Veja a diretriz original:http://quematumovil.pimienta.org/directiva-retencion-de-datos.pdf (Em espanhol)

A retenção de dadosSabe-se onde foste e com quem falaste no último ano.

A diretriz europeia 2006/24/EC1, transposta para a Espanha pela lei 25/2007 de 18 de outubro de 2007 sobre a retenção dos dados, impõe às operadoras de telefonia, assim como aos provedores de Internet, que arma-zenem durante doze meses as informações que permitem identificar a origem e o destino de cada comunicação eletrônica.

– Devem conservar os números dos telefones de origem e destino. Assim como os números IMSI (que identificam o chip) e os números IMEI (que identificam os telefones).– Devem poder identificar as pessoas atrás desses números. Desde no-vembro de 2009 os chips pré-pagos já não podem ser mais anônimos e as operadoras têm que identificá-los ou desativá-los.– Devem conservar a localização do celular, no mínimo com o identi-ficador da antena.– Devem conservar a hora de início e fim da ligação, assim como o tipo de comunicação (ligação, caixa de mensagem, torpedo, etc.)– Devem conservar todas essas informações, inclusive em casos de ligação perdida, mas não no caso de ligação não completada.– Essa lei não permite conservar nenhum dado que revele o conteúdo da comunicação.

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2 A Associação de Internautas denuncia, para a Comissão Europeia, a normativa que regulaa interceptação das comunicações na Espanha.http://www.internautas.org/html/5661.html

policia judicial, os funcionários da Direção Adjunta de Vigilância daAlfândega e o pessoal do Centro Nacional de Inteligência.

- O prazo de conservação pode ser ampliado até dois anos.

Na Espanha, esse agentes autorizados não precisam pedir nenhummandato a um juiz para consultar esses dados. Nisso as normasespanholas ignoram as garantias constitucionais e europeias queprotegem o direito fundamental ao segredo das comunicações2. Comtodas essas informações pode-se saber sem problema aonde tens idonos últimos dois meses, com quem estavas, com quem estás emcontato, quem são teus colegas, onde moras e com quem, etc. Muitomais que a possibilidade de te escutar ou te localizar melhor, essaretenção de dados é a novidade real e perigosa do seu celular.

“Se quiser saber se fulano viu sicrano, não é umproblema: boto os nomes e o computador me dá aresposta, especificanto quando, onde, quantas vezese quanto tempo.”

O mesmo bosta, setembro de 2007

– Têm que ceder esses dados aos agentes autorizados: membros da Força e Corpo de Segurança quando desempenham funções de policia ju-dicial, os funcionários da Direção Adjunta de Vigilância da Alfândega e o pessoal do Centro Nacional de Inteligência.– O prazo de conservação pode ser ampliado até dois anos.

Na Espanha, esse agentes autorizados não precisam pedir nenhum mandato a um juiz para consultar esses dados. Nisso as normas espanholas ignoram as garantias constitucionais e europeias que protegem o direito fun-damental ao segredo das comunicações2. Com todas essas informações po-de-se saber sem problema aonde tens ido nos últimos dois meses, com quem estavas, com quem estás em contato, quem são teus colegas, onde moras e com quem, etc. Muito mais que a possibilidade de te escutar ou te localizar melhor, essa retenção de dados é a novidade real e perigosa do seu celular.

“Se quiser saber se fulano viu sicrano, não é um problema: boto os nomes e o computador me dá a resposta, especificanto quando, onde, quan-tas vezes e quanto tempo.” O mesmo merda, setembro de 2007

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Os IMS I-catchers1 são outra técnica utilizada pelos efetivos policiais parainvestigar e vigiar ativistas políticos ou “grupos de interesse”.

Um IMS I-catcher é um dispositivo que se pode instalar, por exemplo emuma van, e que se faz passar pela antena de uma operadora detelefonia móvel.

Uma vez instalado, os celulares desta operadora na área seconectarão automaticamente com esta antena falsa. Desta maneira,serve de dispositivo de localização e de identificação em tempo real detodos os celulares ligados na área, que mesmo que não participem emnenhuma comunicação, se registram nela e lhe mandam suasinformações de identificação (número de telefone e número doaparelho).

O IMS I-catcher pode também retransmitir as comunicações até umcelular real externo à área de maneira que não se possa perceber suapresença. Terá acesso direto ao conteúdo destas comunicações queretransmite e pode assim servir de dispositivo de escuta ao vivo. Veja aimagem.

Mas alguns indícios permitem detectar os IMS I-catchers. Por exemplo,os celulares conectados com um IMS I-catcher não podem recebernenhuma comunicação da internet2.

1 Wikipedia. IMS I-catcher.http://en.wikipedia.org/wiki/IMS I-catcher (Em inglês)

2 Wikipedia. IMS I-catcher, Disclosing facts and difficulties.http://en.wikipedia.org/wiki/IMS I-catcher#Disclosing_ facts_and_difficulties (Em inglês)

Os IMSI-catchers

Os IMSI-catchers1 são outra técnica utilizada pelos efetivos policiais para investigar e vigiar ativistas políticos ou “grupos de interesse”. Um IMSI-catcher é um dispositivo que se pode instalar, por exemplo em uma van, e que se faz passar pela antena de uma operadora de telefonia móvel. Uma vez instalado, os celulares desta operadora na área se conecta-rão automaticamente com esta antena falsa. Desta maneira, serve de dispo-sitivo de localização e de identificação em tempo real de todos os celulares ligados na área, que mesmo que não participem em nenhuma comunicação, se registram nela e lhe mandam suas informações de identificação (número de telefone e número do aparelho). O IMSI-catcher pode também retransmitir as comunicações até um celular real externo à área de maneira que não se possa perceber sua presença. Terá acesso direto ao conteúdo destas comunicações que retransmite e pode assim servir de dispositivo de escuta ao vivo. Veja a imagem. Mas alguns indícios permitem detectar os IMSI-catchers. Por exem-plo, os celulares conectados com um IMSI-catcher não podem receber ne-nhuma comunicação da internet.

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Essa técnica foi utilizada, por exemplo, para vigiar as preparações e asações das anti-cúpulas do G8 e da OTAN destes últimos anos. A políciaa usa para conseguir listas de ativistas. Assim, por exemplo, podemidentificar todas as pessoas que estão com o celular durante umaassembleia. Depois com essas listas podem pedir às operadoras osarquivos de suas comunicações no último ano.

Na Espanha, esse agentes autorizados não precisam pedir nenhum mandato a um juiz para consultar esses dados. Nisso as normas espanholas ignoram as garantias constitucionais e europeias que protegem o direito fun-damental ao segredo das comunicações2. Com todas essas informações po-de-se saber sem problema aonde tens ido nos últimos dois meses, com quem estavas, com quem estás em contato, quem são teus colegas, onde moras e com quem, etc. Muito mais que a possibilidade de te escutar ou te localizar melhor, essa retenção de dados é a novidade real e perigosa do seu celular.

“Se quiser saber se fulano viu sicrano, não é um problema: boto os nomes e o computador me dá a resposta, especificanto quando, onde, quan-tas vezes e quanto tempo.” O mesmo merda, setembro de 2007

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É o S istema Integrado de Interceptação das Comunicações do estadoespanhol1. Rajoy, então ministro do interior, anunciou a criação doprojeto em 2001 e o sistema vem sendo utilizado pelo governo deZapatero desde 2004. Sua existência veio à tona com o caso decorrupção ultramidiático do caso Gürtel. Custou 36 milhões de euros,pagos a empresas como Ericson e Fujitsu.

O S ITEL permite aos efetivos policiais ter acesso direto:- ao histórico das comunicações guardado pelas operadoras

descrito no texto A retenção de dados,- em tempo real ao conteúdo das comunicações de até 1500

celulares de uma vez,- à localização de qualquer celular ligado.

Parece também que não é necessária nenhuma intervenção por partedas operadoras. Sem dúvida, desde a vigilância das comunicaçõestelefônicas, as capacidades do S ITEL se ampliam pouco a pouco atodas as comunicações eletrônicas na Internet.

Em torno do programa há atualmente uma grande polêmica jurídica naqual associações de defesa das liberdades individuais, juristas,instituições nacionais e europeias denunciam a ilegalidade do S ITEL, de

SITEL

1 Associação de Internautas. Segredos das escutas telefônicas, as respostas às perguntasmais frequentes sobre S ITEL.http://www.internautas.org/html/5788.html (Em espanhol)

É o Sistema Integrado de Interceptação das Comunicações do esta-do espanhol1. Rajoy, então ministro do interior, anunciou a criação do projeto em 2001 e o sistema vem sendo utilizado pelo governo de Zapatero desde 2004. Sua existência veio à tona com o caso de corrupção ultramidiático do caso Gürtel. Custou 36 milhões de euros, pagos a empresas como Ericson e Fujitsu.

O SITEL permite aos efetivos policiais ter acesso direto:– ao histórico das comunicações guardado pelas operadoras descrito no texto A retenção de dados,– em tempo real ao conteúdo das comunicações de até 1500 celulares de uma vez,– à localização de qualquer celular ligado.Parece também que não é necessária nenhuma intervenção por parte das operadoras. Sem dúvida, desde a vigilância das comunicações telefônicas, as capacidades do SITEL se ampliam pouco a pouco a todas as comunicações eletrônicas na Internet.

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seu marco legal e de sua utilização2.Denunciam:

- que os dados de comunicação, por exemplo a localização e aidentidade dxs participantes, podem ser consultados sem ordem judicialsegundo a lei espanhola de retenção de dados,

- que os dados de comunicação e seus conteúdos são entregues àjustiça sem assinatura digital, ou seja sem nenhuma prova que nãoforam manipulados,

- que o programa nunca foi anunciado publicamente, que funcionafora de todo controle e que atua de maneira totalmente opaca e viola osdireitos fundamentais de toda a população.

Em novembro de 2009, o fiscal do Supremo Tribunal de J ustiça deMadrid adverte que, por falta de cobertura legal, os dados do S ITEL nãoservem como prova em um procedimento judicial porque poderiaminvalidar o processo3.

2 Para mais leitura sobre o tema, veja a Associação de Internautas.http://www.internautas.org/pagweb/15.html (Em espanhol)

3 Europa P ress. Os dados do S ITEL não servem como prova em um procedimento judicial.http://www.europapress.es/madrid/noticia-fiscal-tsjm-avisa[...].html (Em espanhol)

Em torno do programa há atualmente uma grande polêmica jurídica na qual associações de defesa das liberdades individuais, juristas, instituições nacionais e europeias denunciam a ilegalidade do SITEL, de seu marco legal e de sua utilização2.Denunciam:– que os dados de comunicação, por exemplo a localização e a identi-dade dxs participantes, podem ser consultados sem ordem judicial segundo a lei espanhola de retenção de dados,– que os dados de comunicação e seus conteúdos são entregues à jus-tiça sem assinatura digital, ou seja sem nenhuma prova que não foram mani-pulados,– que o programa nunca foi anunciado publicamente, que funciona fora de todo controle e que atua de maneira totalmente opaca e viola os direi-tos fundamentais de toda a população. Em novembro de 2009, o fiscal do Supremo Tribunal de Justiça de Madrid adverte que, por falta de cobertura legal, os dados do SITEL não servem como prova em um procedimento judicial porque poderiam invalidar o processo3.

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Temos visto as possibilidades de vigilância que são permitidas, hoje emdia, pelo celular. Mais que o próprio controle que implicam, o que nospreocupa é o sentimento de controle estendido às partes mais íntimasdas nossas vidas. O fato de não saber se nos vigiam realmente ou não:este sentimento mais ou menos difuso de que não há formas de escapardeles. O medo incorporado e a confusão em relação as suascapacidades nos paralisa, favorece a inércia e nos tira autonomia nahora de atuar, exercendo uma repressão sutil e preventiva.

Esta ferramenta tem assim todas as características do “pan-óptico”,uma prisão que permite a um vigia observar [-opticon] a todos [pan-] osprisioneiros sem que estes possam saber se estão sendo observados ounão. Foucault, em Vigiar e punir, denuncia toda a evolução da sociedadeaté este modelo que “defende a questão da visibilidade (em nosso casoescutas, rastreabilidade e localização) totalmente organizada em tornode um olhar dominador e vigiante. P õe em marcha o projeto de umavisibilidade universal, que atuará em proveito de um poder rigoroso emeticuloso”.

O que podemos fazer?

Uma vez superada a crise de paranoia, tens duas opções: ir viver nu(a)em um bosque ou desenvolver um uso responsável de teu celular; queseja o menos perigoso possível. Podes, da mesma forma que com oconsumo de drogas, informar-te, organizar-te com teu pessoal parareduzir os riscos e adotar práticas que limitem a capacidade do controle:

Bons costumes

Temos visto as possibilidades de vigilância que são permitidas, hoje em dia, pelo celular. Mais que o próprio controle que implicam, o que nos preocupa é o sentimento de controle estendido às partes mais íntimas das nossas vidas. O fato de não saber se nos vigiam realmente ou não: este senti-mento mais ou menos difuso de que não há formas de escapar deles. O medo incorporado e a confusão em relação as suas capacidades nos paralisa, favo-rece a inércia e nos tira autonomia na hora de atuar, exercendo uma repressão sutil e preventiva. Esta ferramenta tem assim todas as características do “pan-óptico”, uma prisão que permite a um vigia observar [-opticon] a todos [pan-] os prisioneiros sem que estes possam saber se estão sendo observados ou não. Foucault, em Vigiar e punir, denuncia toda a evolução da sociedade até este modelo que “defende a questão da visibilidade (em nosso caso escutas, ras-treabilidade e localização) totalmente organizada em torno de um olhar do-minador e vigiante. Põe em marcha o projeto de uma visibilidade universal, que atuará em proveito de um poder rigoroso e meticuloso”.

O que podemos fazer?

Uma vez superada a crise de paranoia, tens duas opções: ir viver nu(a) em um bosque ou desenvolver um uso responsável de teu celular; que seja o menos perigoso possível.

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- Queima-o!Tá, tá, somos muito pesados.

- Deixa-o em casa!Pode-se trocar o chip, em vez de tê-lo sempre contigo e de deixá-

lo quando pressupões um risco, deixá-lo em casa e levá-lo somente serealmente o vais necessitar.

- Quando estás ligando.Não fales de atividades políticas ou infrações: ações,

assembleias, campanhas, etc. Mesmo que não te pareça arriscado.Pense duas vezes antes de ligar: “há outras maneiras de comunicaristo?” Hoje em dia os arquivos policiais estão interessados tanto nosfatos e nas provas que podem coletar quanto pelas redes sociais: quemse relaciona com quem? Pense também que podes dar informaçõessobre outrxs, é importante não falar da vida de ninguém (sobretudo seessa pessoa não usa celular), etc.

- Antes de uma assembleia, de uma manifestação, de umaação ou de um encontro romântico.

Se o que queres é que teu celular não emita nada tens que tiraruma bateria ou melhor ainda colocá-lo em uma caixa de metal que sirvade “gaiola de Faraday1”. Mas essa técnica é bastante suspeita. Se várioscelulares vigiados, situados em uma mesma área, são desligados oudeixam de se conectarem à rede ao mesmo tempo tem toda a cara deserem pessoas que têm algo a esconder ou “que preparam algo”... Eexiste a possibilidade da polícia mandar um dispositivo de escutas adistância com microfones unidirecionais. Então, outra vez, a prática maissegura é deixar teu celular em casa.

- Teus dados.Como dissemos no texto As escutas, o celular pode ser hackeado

e isso põe em perigo todos os dados guardados: lista de contatos,mensagens guardadas, fotos, vídeos, agenda, etc. E além disso, comoqualquer memória digital, quando se apagam dados, não são apagadoscompletamente e existem especialistas que poderiam achá-los2 como odemonstrou o caso dos incendiários de Horta Sant J oan no qual os

1 Wikipedia. Gaiola de Faraday.https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaiola_de_ faraday

2 Wikipedia. Data remanence.http://en.wikipedia.org/wiki/Data_ remanence (Em inglês)

Podes, da mesma forma que com o consumo de drogas, informar-te, organi-zar-te com teu pessoal para reduzir os riscos e adotar práticas que limitem a capacidade do controle:– Queima-o! Tá, tá, somos muito duros.– Deixa-o em casa! Pode-se trocar o chip, em vez de tê-lo sempre contigo e de deixá-lo quando pressupões um risco, deixá-lo em casa e levá-lo somente se realmente o vais necessitar.

– Quando estás ligando. Não fales de atividades políticas ou infrações: ações, assembleias, campanhas, etc. Mesmo que não te pareça arriscado. Pense duas vezes antes de ligar: “há outras maneiras de comunicar isto?” Hoje em dia os arquivos policiais estão interessados tanto nos fatos e nas provas que podem coletar quanto pelas redes sociais: quem se relaciona com quem? Pense também que podes dar informações sobre outrxs, é importante não falar da vida de nin-guém (sobretudo se essa pessoa não usa celular), etc.

– Antes de uma assembleia, de uma manifestação, de uma ação ou de um encontro romântico. Se o que queres é que teu celular não emita nada tens que tirar uma bateria ou melhor ainda colocá-lo em uma caixa de metal que sirva de “gaiola de Faraday1”. Mas essa técnica é bastante suspeita. Se vários celulares vigia-dos, situados em uma mesma área, são desligados ou deixam de se conec-tarem à rede ao mesmo tempo tem toda a cara de serem pessoas que têm algo a esconder ou “que preparam algo”... E existe a possibilidade da polícia mandar um dispositivo de escutas a distância com microfones unidirecionais. Então, outra vez, a prática mais segura é deixar teu celular em casa.

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técnicos dos mossos d'esquadra, a polícia catalã, recuperaram quinzefotos apagadas de um cartão de memória em janeiro de 2010.

Outra possibilidade é disfarçar os dados pessoais que transmites atravésdo teu sistema, dar pistas falsas, enfim confundir o Big Brother. O centroda guerra é o dinheiro e com algumas técnicas podes complicar otrabalho deles e obrigá-los a investigar muito mais intensamente paraconseguirem dados... inúteis! Lembra-te que a quantidade decomunicações, e por tanto de informação, é enorme e que apesar dainformatização e dos numerosos programas, é complicado tratar essesdados. Por exemplo, o sistema de vigilância global estadunidenseECHELON busca palavras chaves como “campanha”, “ecologistasradicais” ou “revolução”. As máquinas obedecem a regras muito rígidas eaqui está seu ponto fraco. Se usas outras formas de te expressar (obasco não vale), se estás alerta, consciente e imaginativo podesdespistá-los...

A partir de 9 de novembro de 2009 todos os números de celulares têmque ser identificados com os dados de alguém. Pode ser interessantetrocar teu chip, identificado a teu nome, com outra pessoa. Podestambém fazer teu chip viajar com algum amigo, fazer com que sua vidanão seja a tua...

– Teus dados. Como dissemos no texto As escutas, o celular pode ser hackeado e isso põe em perigo todos os dados guardados: lista de contatos, mensagens guardadas, fotos, vídeos, agenda, etc. E além disso, como qualquer memória digital, quando se apagam dados, não são apagados completamente e exis-tem especialistas que poderiam achá-los2 como o demonstrou o caso dos incendiários de Horta Sant Joan no qual os técnicos dos mossos d’esquadra, a polícia catalã, recuperaram quinze fotos apagadas de um cartão de memória em janeiro de 2010. Outra possibilidade é disfarçar os dados pessoais que transmites atra-vés do teu sistema, dar pistas falsas, enfim confundir o Big Brother. O centro da guerra é o dinheiro e com algumas técnicas podes complicar o trabalho deles e obrigá-los a investigar muito mais intensamente para conseguirem dados... inúteis! Lembra-te que a quantidade de comunicações, e por tanto de informação, é enorme e que apesar da informatização e dos numerosos pro-gramas, é complicado tratar esses dados. Por exemplo, o sistema de vigilância global estadunidense ECHELON busca palavras chaves como “campanha”, “ecologistas radicais” ou “revolução”. As máquinas obedecem a regras muito rígidas e aqui está seu ponto fraco. Se usas outras formas de te expressar (o basco não vale), se estás alerta, consciente e imaginativo podes despistá-los... A partir de 9 de novembro de 2009 todos os números de celulares têm que ser identificados com os dados de alguém. Pode ser interessante tro-car teu chip, identificado a teu nome, com outra pessoa. Podes também fazer teu chip viajar com algum amigo, fazer com que sua vida não seja a tua...

O CONTROLE SOCIAL

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A principal razão do triunfo comercial do celular é que a máquinapropagandista do marketing soube recolher e vender o que este mundosacrificado à competição econômica está destruindo: as relaçõessociais.

É típico dos sistemas dominantes vender remédios para problemasfomentados por suas próprias inovações. Não falas com x vizinhx porconta da televisão? Liga para elx! As empresas de telefonia têmcompreendido o benefício que podem retirar de pessoas desvalorizadas,ansiosas, incapazes de se comunicar ou de lidar com o estranho. Suapublicidade desenha ao contrário exatamente a sociedade que criaesses indivíduos. Por que necessitaríamos uma mediação eletrônica senão é para adaptarmo-nos a um mundo que atomiza cada vez mais oindivíduo, que o separa de sua própria vida?

Em teoria, da mesma forma que nos mentem, o celular serve paraconsolidar as relações com seus familiares, mas na prática permitesobretudo evitar o contato com desconhecidxs. Temos visto tanta genteperdida agarrada ao seu celular para que xs guiem a distância; ao invésde perguntar seu caminho às pessoas que estão ali, se arriscar a falarcom alguém estranho, romper o gelo. Repara no metrô, estxs zombiesem trânsito cativadxs por suas telas, escrevendo uma mensagem aalguém que veem todos os dias, assegurando-se de não cruzar com oolhar dxs vizinhxs.

1 Béatrice Fracchiolla. Le téléphone portable pour une nouvelle écologie de la vie urbaine?http://194.214.232.113/0306/article2.html (Em francês)

Mais isolado

A principal razão do triunfo comercial do celular é que a máquina propagandista do marketing soube recolher e vender o que este mundo sacri-ficado à competição econômica está destruindo: as relações sociais. É típico dos sistemas dominantes vender remédios para problemas fomentados por suas próprias inovações. Não falas com x vizinhx por conta da televisão? Liga para elx! As empresas de telefonia têm compreendido o benefício que podem retirar de pessoas desvalorizadas, ansiosas, incapazes de se comunicar ou de lidar com o estranho. Sua publicidade desenha ao contrá-rio exatamente a sociedade que cria esses indivíduos. Por que necessitaríamos uma mediação eletrônica se não é para adaptarmo-nos a um mundo que ato-miza cada vez mais o indivíduo, que o separa de sua própria vida? Em teoria, da mesma forma que nos mentem, o celular serve para consolidar as relações com seus familiares, mas na prática permite sobre-tudo evitar o contato com desconhecidxs. Temos visto tanta gente perdi-da agarrada ao seu celular para que xs guiem a distância; ao invés de per-guntar seu caminho às pessoas que estão ali, se arriscar a falar com alguém estranho, romper o gelo. Repara no metrô, estxs zombies em trânsito ca-tivadxs por suas telas, escrevendo uma mensagem a alguém que veem to-dos os dias, assegurando-se de não cruzar com o olhar dxs vizinhxs. Uma socióloga francesa1 vêem o celular como uma tentativa dos huma nos de “reconquistar” os espaços urbanos caóticos e de desenvolver sua mobilidade, como um remédio frente a perda do sentimento de comuni-

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Uma socióloga francesa1 vê o celular como uma tentativa doshumanos de “reconquistar” os espaços urbanos caóticos e dedesenvolver sua mobilidade, como um remédio frente a perda dosentimento de comunidade gerada pela destruição dos bairros, via aextensão de cidades megalópolis.

O celular resulta ser o contrário do que pretende: uma ferramentade comunicação. Quanto tempo faz que não tiveste uma conversa semque sejas interrompido por uma chamada? Condicionadxs, nos parecenormal, mas nos olhemos de fora: a boca entreaberta, paradxs peloreflexo de nosso interlocutor, mais preocupadxs em responder a umachamada que por deixarmos acabar nossa frase. Assim estão as coisas.

O celular se converteu em uma norma social e como qualquernorma, exclui xs que não a respeitam e estrutura a vida de todxs.

Como a prótese que substitui um membro, na teoria o telefone devereparar artificialmente os danos deste mundo que nos converte emengrenagens da máquina de produzir e consumir em massa, fazer fila nosupermercado, no cinema, no metrô, etc. Seguramente as empresas detelefonia têm razão quando atribuem o êxito do celular ao medo de ummundo potencialmente hostil. E sem dúvida têm interesse em reforçarum pouco mais esse sentimento de hostilidade produzido pela erosãodas comunidades, do tecido social.

BOB

Fazia muito tempo que queria te dizer que...O TELEFONE DE ALICE

Bip bip bip bip bip bipALICE

P ffff merda, não estou com nenhuma vontade defalar com ele agora...(atendendo)Olá, querido, como vai?

dade gerada pela destruição dos bairros, via a extensão de cidades megaló-polis. O celular resulta ser o contrário do que pretende: uma ferramenta de comunicação. Quanto tempo faz que não tiveste uma conversa sem que sejas interrompido por uma chamada? Condicionadxs, nos parece normal, mas nos olhemos de fora: a boca entreaberta, paradxs pelo reflexo de nosso inter-locutor, mais preocupadxs em responder a uma chamada que por deixarmos acabar nossa frase. Assim estão as coisas. O celular se converteu em uma norma social e como qualquer nor-ma, exclui xs que não a respeitam e estrutura a vida de todxs. Como a prótese que substitui um membro, na teoria o telefone deve reparar artificialmente os danos deste mundo que nos converte em engrena-gens da máquina de produzir e consumir em massa, fazer fila no supermer-cado, no cinema, no metrô, etc. Seguramente as empresas de telefonia têm razão quando atribuem o êxito do celular ao medo de um mundo potencial-mente hostil. E sem dúvida têm interesse em reforçar um pouco mais esse sentimento de hostilidade produzido pela erosão das comunidades, do tecido social.

BOBFazia muito tempo que queria te dizer que...O TELEFONE DE ALICEBip bip bip bip bip bipALICEPffff merda, não estou com nenhuma vontade de falar com ele agora...(atendendo)Olá, querido, como vai?

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Um dos efeitos mais destacáveis do celular sobre xs usuárixs, é adependência que provoca, a falta de autonomia para viver e organizar-sesem ele.

Como se a prótese, que deveria ajudar a coordenar-se com xsdemais, criasse a incapacidade.

Com os carros, xs citadinxs já não sabem caminhar ou ir de bicicleta,mas se queixam da “epidemia” da obesidade, dos engarrafamentos, dacontaminação, dos acidentes, das guerras pelo petróleo, etc. E nempassa por suas cabeças tocar a terra com os pés. Esqueceu-se como sevivia sem carro e esse esquecimento é uma amputação. A prótesesubstituiu o membro e pouco a pouco se transformou em incapacidade...

A mesma lógica sustenta o marketing do celular que se vende comouma ferramenta inteligente. Observemos xs usuárixs de celulares,incapazes de moverem-se no espaço, incapazes de chegarpontualmente a um encontro ou de esperar dez minutos sem entrar empânico para ligar, incapazes de imaginar como estar com alguém semcelular, incapazes de buscar e encontrar alguém em um lugar sem suaporcaria...

Aqui vemos a autonomia do indivíduos um pouco mais deformada poressa prótese. Graças ao celular não te preocupas em anteciparminimamente os problemas que podem ocorrer nem buscar em tumesmo os recursos para enfrentar as mudanças do cotidiano.

Mais estúpido

Um dos efeitos mais destacáveis do celular sobre xs usuárixs, é a dependência que provoca, a falta de autonomia para viver e organizar-se sem ele. Como se a prótese, que deveria ajudar a coordenar-se com xs demais, criasse a incapacidade. Com os carros, xs citadinxs já não sabem caminhar ou ir de bicicleta, mas se queixam da “epidemia” da obesidade, dos engarrafamentos, da conta-minação, dos acidentes, das guerras pelo petróleo, etc. E nem passa por suas cabeças tocar a terra com os pés. Esqueceu-se como se vivia sem carro e esse esquecimento é uma amputação. A prótese substituiu o membro e pouco a pouco se transformou em incapacidade... A mesma lógica sustenta o marketing do celular que se vende como uma ferramenta inteligente. Observemos xs usuárixs de celulares, incapazes de moverem-se no espaço, incapazes de chegar pontualmente a um encontro ou de esperar dez minutos sem entrar em pânico para ligar, incapazes de ima-ginar como estar com alguém sem celular, incapazes de buscar e encontrar alguém em um lugar sem sua porcaria... Aqui vemos a autonomia do indivíduos um pouco mais deformada por essa prótese. Graças ao celular não te preocupas em antecipar minima-mente os problemas que podem ocorrer nem buscar em tu mesmo os recur-sos para enfrentar as mudanças do cotidiano.

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E chegamos a perguntar-nos: como se fazia antes? Como pudemosperder em pouco mais de dez anos essas formas de nos comunicar enos organizar, para dar tanta importância ao celular?

BOb“OLÁ, SOU EU, ESTOU NA PORTA DA TUA CASA. QUAL TEU

ANDAR?”

E chegamos a perguntar-nos: como se fazia antes? Como pudemos perder em pouco mais de dez anos essas formas de nos comunicar e nos organizar, para dar tanta importância ao celular? BOB“Olá, sou eu, estou na porta da tua casa. Qual teu andar?”

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Faz alguns anos que as detenções policiais causam mais usos decelulares e de câmeras fotográficas do que de outras coisas. Quando,em uma manifestação, tanta gente está se ligando para contar o queestá acontecendo ao invés de vivê-lo, de expressar seudescontentamento, sua criatividade ou sua raiva... “tudo o que estavasendo vivido diretamente se distanciou em uma representação”1.

Um aspecto inovador desta tecnologia é que está sempre no bolso dosseus usuários. J á não é uma simples ferramenta, algo que vais buscarquando a necessitas se não que é ela te vai buscar, e quando quer queseja. Em todos os momentos, e por qualquer razão pode tocar emodificar teus planos, interferir em tua cotidianidade. O celular é umfreio para viver o presente, e isso é uma das consequências sociais maismiseráveis. Quando estais em um lugar que não conheces, por quearriscar-se a beber algo em um bar estranho quando podes ligar paraum colega para saber onde tem um lugar maneiro? Xs usuárixs decelular, como amputadxs de sua presença no mundo, se mandammensagens enquanto o trem atravessa paisagens desconhecidas... Porque olhar para além?

Diante de um mundo cada vez mais complexo, o celular participa da vidaem seu próprio comentário. Uma extração da realidade que culmina nasfunções de câmeras fotográficas e de vídeo agora integradas em todosos celulares.

1 Guy-E rnest Debord. A sociedade do espetáculo.

Mais espectador

Faz alguns anos que as detenções policiais causam mais usos de ce-lulares e de câmeras fotográficas do que de outras coisas. Quando, em uma manifestação, tanta gente está se ligando para contar o que está acontecendo ao invés de vivê-lo, de expressar seu descontentamento, sua criatividade ou sua raiva... “tudo o que estava sendo vivido diretamente se distanciou em uma representação”1. Um aspecto inovador desta tecnologia é que está sempre no bolso dos seus usuários. Já não é uma simples ferramenta, algo que vais buscar quando a necessitas, se não que é ela que vai te buscar, e quando quer que seja. Em todos os momentos, e por qualquer razão pode tocar e modificar teus planos, interferir em tua cotidianidade. O celular é um freio para viver o presente, e isso é uma das consequências sociais mais miseráveis. Quando estais em um lugar que não conheces, por que arriscar-se a beber algo em um bar estranho quando podes ligar para um colega para saber onde tem um lugar maneiro? Xs usuárixs de celular, como amputadxs de sua presença no mundo, se mandam mensagens enquanto o trem atravessa paisagens desco-nhecidas... Por que olhar para além? Diante de um mundo cada vez mais complexo, o celular participa da vida em seu próprio comentário. Uma extração da realidade que culmina nas funções de câmeras fotográficas e de vídeo agora integradas em todos os celulares.

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Bob“Vi a palestra de J ohn Zerzan2 no CCCB. Como meagrada, cara. É bem interessante. Te envio o vídeo.”

Barcelona, MAIO DE 2009

2 J ohn Zerzan, filósofo e autor anarquista e primitivista estadunidense. Seus trabalhoscriticam a civilização como inerentemente opressiva e defendem a volta as formas de vidado caçador-coletor pré-histórico como inspiração para a forma que deveria ter umasociedade livre.http://pt.wikipedia.org/wiki/J ohn_Zerzan

BOB “Vi a palestra de John Zerzan2 no CCCB. Como me agrada, cara. É bem interessante. Te envio o vídeo.” Barcelona, maio de 2009

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Olá, me chamo María Luisa e eu confesso: sou viciada em meu celular.Para além da piada, sim gostaria de refletir um pouco em primeirapessoa sobre as mudanças que me fizeram carregar todos os dias estepequeno e simpático aparelhozinho e como sinto que isso teminfluenciado pouco a pouco na minha forma de comunicar-me; contouma situação a modo de exemplo.

Um dia qualquer vou encontrar com minha amiga Macarena. Chega-meuma mensagem:

“ei, chego 10 m +tarde”Penso, bem, então posso aproveitar e passar no caminho pelo

supermercado e pegar algo. Quando no super tem muita fila, me douconta conta que vou também me atrasar, assim mando outra mensagem.

“chgarei 10 min + tarde”Quando chego tenho duvidas de em que parte da rua marcamos e a

ligo. Por fim, conseguimos nos ver. Subo no carro e começamos aconversar. Enquanto me conta que está muito mal porque discutiu com opessoal da sua casa por conta de uma história... Me ligam! Soa, porconta da canção que me passaram pelo BlueTooth, bem brega. Númerodesconhecido, e como trampo com abolicionismo penal, penso “tenhoque atendê-lo”.

“Perdão, tenho que atender.- Te ligo da Biblioteca Vapor Vell, para te recordar que há um livro

em empréstimo faz mais de um mês. Desligo.- S into muito, querida, era uma besteira.”

Carta de uma viciada

Olá, me chamo María Luisa e eu confesso: sou viciada em meu celu-lar. Para além da piada, sim gostaria de refletir um pouco em primeira pessoa sobre as mudanças que me fizeram carregar todos os dias este pequeno e sim-pático aparelhozinho e como sinto que isso tem influenciado pouco a pouco na minha forma de comunicar-me; conto uma situação a modo de exemplo. Um dia qualquer vou encontrar com minha amiga Macarena. Chega-me uma mensagem: “ei, chego 10 m + tarde” Penso, bem, então posso aproveitar e passar no caminho pelo super-mercado e pegar algo. Quando no super tem muita fila, me dou conta conta que vou também me atrasar, assim mando outra mensagem. “chgarei 10 min + tarde” Quando chego tenho duvidas de em que parte da rua marcamos e a ligo. Por fim, conseguimos nos ver. Subo no carro e começamos a conversar. Enquanto me conta que está muito mal porque discutiu com o pessoal da sua casa por conta de uma história... Me ligam! Soa, por conta da canção que me passaram pelo BlueTooth, bem brega. Número desconhecido, e como tram-po com abolicionismo penal, penso “tenho que atendê-lo”. “Perdão, tenho que atender. - Te ligo da Biblioteca Vapor Vell, para te recordar que há um livro em empréstimo faz mais de um mês. Desligo. - Sinto muito, querida, era uma besteira.”

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Retomamos a conversa, agora mudamos de assunto e Macarena meconta que além disso tudo se sente há tempos sozinha porque...

- Bipbipbip! Volta a tocar o telefone.- Merda!Bem, atendo, é um colega para que nos encontremos outro dia, o

apanho para dizê-lo:- Querido, agora não posso falar, me liga daqui a duas horas.E me sinto orgulhosa de ter conseguido esquivar da ligação e voltar

à conversa. Agora falamos de outra coisa, a assembleia de outro dia emque não concordávamos sobre o tema...

- Bipbipbip! E volta a tocar o celular.Que solicitada estou hoje, penso, é minha avó que acaba de ser

operada e depois será muito tarde para ligá-la, tanto que atendo:- Como vai, vó, como tem sido o pós-operatório?Enquanto minha amiga sobrecarregada me faz sinais para que a

ajude a estacionar porque acaba de tirar o carnê e eu vou indicandocomo posso.

- Mulher, assim vou bater na esquerda.Enquanto tento falar com minha avó que está a milhares de

quilômetros de distância e animá-la. Bem, por fim, desligo e agorafalamos de outro assunto. Volta a tocar um celular, desta vez é o dela,começa uma conversa longa e privada enquanto eu aproveito para ligarpara confirmar a hora da assembleia de depois e ao desligar me douconta que já é a hora de ir-me e assim me despeço de minha amiga semestar muito claro se chegamos a falar algo ou não, se entendi realmentecomo estava e misturando tudo: informações da assembleia, dasconvivências, das solidões, com minha avó, com religar para quem meligou nas últimas duas horas e com lembrar de levar um livro àbiblioteca.

Essa história é o somatório de situações que me ocorreram e que vivicom minha galera. Estar contando algo que é importante para ti e aoutra pessoa te interromper porque toca o celular. Tentar mandar umSMS escondido enquanto perguntas a alguém como está. Estar emsituações esquizofrênicas de fazer mil coisas enquanto alguém te fala nooutro lado da linha... E com estas e outras coisas vou sentindo umadependência que fui criando quase inadvertidamente. Algo quase físico.Atender o telefone sem que tenha tocado porque tens a musiquinha

Retomamos a conversa, agora mudamos de assunto e Macarena me conta que além disso tudo se sente há tempos sozinha porque... - Bipbipbip! Volta a tocar o telefone. - Merda! Bem, atendo, é um colega para que nos encontremos outro dia, o apanho para dizê-lo: - Querido, agora não posso falar, me liga daqui a duas horas. E me sinto orgulhosa de ter conseguido esquivar da ligação e voltar à conversa. Agora falamos de outra coisa, a assembleia de outro dia em que não concordávamos sobre o tema... - Bipbipbip! E volta a tocar o celular. Que solicitada estou hoje, penso, é minha avó que acaba de ser ope-rada e depois será muito tarde para ligá-la, tanto que atendo: - Como vai, vó, como tem sido o pós-operatório? Enquanto minha amiga sobrecarregada me faz sinais para que a aju-de a estacionar porque acaba de tirar o carnê e eu vou indicando como posso. - Mulher, assim vou bater na esquerda. Enquanto tento falar com minha avó que está a milhares de quilôme-tros de distância e animá-la. Bem, por fim, desligo e agora falamos de outro assunto. Volta a tocar um celular, desta vez é o dela, começa uma conversa longa e privada enquanto eu aproveito para ligar para confirmar a hora da as-sembleia de depois e ao desligar me dou conta que já é a hora de ir-me e assim me despeço de minha amiga sem estar muito claro se chegamos a falar algo ou não, se entendi realmente como estava e misturando tudo: informações da assembleia, das convivências, das solidões, com minha avó, com religar para quem me ligou nas últimas duas horas e com lembrar de levar um livro à biblioteca. Essa história é o somatório de situações que me ocorreram e que vivi com minha galera. Estar contando algo que é importante para ti e a outra pes-soa te interromper porque toca o celular. Tentar mandar um SMS escondido enquanto perguntas a alguém como está. Estar em situações esquizofrênicas de fazer mil coisas enquanto alguém te fala no outro lado da linha... E com estas e outras coisas vou sentindo uma dependência que fui criando quase inadvertidamente.

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grudada na cabeça e te sobressaltas quando o da mesa do lado tem omesmo toque. A agonia quando sais do banho correndo para atender ocelular e não chegas a tempo. Perder o telefone e sentir-tedesconectado do planeta e pensando “porra e agora que eu tinha queligar para não sei quem, e se acontece isto não vou poder saber”. Econtar quantas vezes tocou hoje para medir tua vida social.

O sentimento de que, além disso, essa maçã envenenada está muitorelacionada com sua afetividade e com a partilha de suas alegrias epesares, porque saco com o celular quando estou deprimida, se chego enão há ninguém em casa e necessito conversar, os dias de ressaca, seacaba de me acontecer algo ruim, mas também quando passo no examede direção, os resultados médicos, a prova de acesso aprovada, osjulgamentos ganhados e a saída de alguém da prisão.

E como funcionávamos antes? Como se transformou nossa forma denos relacionarmos, de estar, de nos encontrar e nos desencontrar? Eque espaço deixamos ao imprevisto, a viver o que estás vivendo e nãoum milhão de coisas de uma vez? E como afeta nossa capacidade deescuta? E na luta contra os tempos, o que nos impõe a máquina, quepapel joga o aproveitar o tempo, o produtivismo, o ser sempre localizávele que nossos afetos passem pela Movistar, a Orange ou a Yoigo1?

1 Companhias telefônicas que operam na Espanha.

Algo quase físico. Atender o telefone sem que tenha tocado porque tens a musiquinha grudada na cabeça e te sobressaltas quando o da mesa do lado tem o mesmo toque. A agonia quando sais do banho correndo para atender o celular e não chegas a tempo. Perder o telefone e sentir-te desco-nectado do planeta e pensando “porra e agora que eu tinha que ligar para não sei quem, e se acontece isto não vou poder saber”. E contar quantas vezes tocou hoje para medir tua vida social. O sentimento de que, além disso, essa maçã envenenada está muito relacionada com sua afetividade e com a partilha de suas alegrias e pesa-res, porque saco com o celular quando estou deprimida, se chego e não há ninguém em casa e necessito conversar, os dias de ressaca, se acaba de me acontecer algo ruim, mas também quando passo no exame de direção, os resultados médicos, a prova de acesso aprovada, os julgamentos ganhados e a saída de alguém da prisão. E como funcionávamos antes? Como se transformou nossa forma de nos relacionarmos, de estar, de nos encontrar e nos desencontrar? E que espaço deixamos ao imprevisto, a viver o que estás vivendo e não um milhão de coisas de uma vez? E como afeta nossa capacidade de escuta? E na luta contra os tempos, o que nos impõe a máquina, que papel joga o aproveitar o tempo, o produtivismo, o ser sempre localizável e que nossos afetos passem pela Movistar, a Orange ou a Yoigo1?

RESPONSÁVEIS ?

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Em abril de 2009 três operadoras de telefonia móvel somavam mais de95% do mercado espanhol: Movistar, filial móvel da Telefônica, antigoserviço público espanhol; Vodafone, empresa inglesa; e Orange, filialmóvel e de internet da France Telecom, antigo serviço público francês.

Essas empresas são emblemáticas da evolução neoliberal das últimasdécadas. Enriqueceram primeiro na onda de privatização dos serviçospúblicos dos anos noventa na Europa e foram se transformando emsuper predadores do grande capital através de aberturas de mercados,fusões, holding, joint venture, ofertas públicas de aquisição (OPAs) eoutros palavrões. Uma vez liberalizado o mercado, aproveitam de suaposição de monopólio compartido para acordar preços altos e assimaumentar seus benefícios. Uma hipocrisia a mais do liberalismo quefinge que a competição joga a favor do cliente. Assim, em 2007, aComissão Nacional de Competição abriu uma instância controladoracontra essas três operadoras diante de acusações de uniformizaçãopresumida dos preços.

Também têm transformado suas as práticas de gestão de pessoas maismodernas, produzindo um aumento fatal do controle e do estresse deseus trabalhadores. Assim a direção da France Telecom teve quereconhecer 32 suicídios de empregadxs entre 2008 e 20091. Enquantoisso as companhias de telefone celular espanholas faturaram mais de 6

1 E l Público. Hay trabajos que matan.http://www.publico.es/xalok/251312/trabajos/matan (Em espanhol)

Financia o capitalAo inimigo nem água?

Em abril de 2009 três operadoras de telefonia móvel somavam mais de 95% do mercado espanhol: Movistar, filial móvel da Telefônica, antigo serviço público espanhol; Vodafone, empresa inglesa; e Orange, filial móvel e de internet da France Telecom, antigo serviço público francês. Essas empresas são emblemáticas da evolução neoliberal das últi-mas décadas. Enriqueceram primeiro na onda de privatização dos serviços públicos dos anos noventa na Europa e foram se transformando em super predadores do grande capital através de aberturas de mercados, fusões, hol-ding, joint venture, ofertas públicas de aquisição (OPAs) e outros palavrões. Uma vez liberalizado o mercado, aproveitam de sua posição de monopólio compartido para acordar preços altos e assim aumentar seus benefícios. Uma hipocrisia a mais do liberalismo que finge que a competição joga a favor do cliente. Assim, em 2007, a Comissão Nacional de Competição abriu uma instância controladora contra essas três operadoras diante de acusações de uniformização presumida dos preços. Também têm transformado suas as práticas de gestão de pessoas mais modernas, produzindo um aumento fatal do controle e do estresse de seus trabalhadores. Assim a direção da France Telecom teve que reconhecer 32 suicídios de empregadxs entre 2008 e 20091.

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milhões de euros somente com os SMS que foram enviados este ano navéspera de natal e de ano novo2.

Assim como MacDonald's, Coca-Cola ou Monsanto, são tambémempresas exemplares do capitalismo globalizado e depois de conquistara Europa invadem agora os mercados dos países do Sul. E como sefosse casualidade se reproduzem os mesmos antigos impérioscolonialistas na divisão dos mercados. Assim a Telefônica (Movistar),empresa espanhola, é líder na América Latina, enquanto Orange,empresa herdeira da France Telecom, domina em muitos países daÁfrica Subsahariana e Vodafone, empresa inglesa, nos países daCommonwealth (Índia, Austrália, África do Sul, etc.).

Os êxitos da Telefônica, da Vodafone e da Orange no mundo.Produtos do neocolonialismo? Esse mapa indica quando a operadora ou uma de suasfiliais é uma das três maiores operadoras de um país3.

2 E l Público. Los operadores de telefonía móvil adoran la Navidad.http://www.publico.es/[...]/operadores/telefonia/movil/adoran/navidad (Em espanhol)

3 Dados da Wikipedia. Liste des opérateurs de téléphonie mobile dans le monde.http://fr.wikipedia.org/[...]opérateurs_de_ téléphonie_mobile_dans_ le_monde (Em francês)

Enquanto isso as companhias de telefone celular espanholas fatura-ram mais de 6 milhões de euros somente com os SMS que foram enviados este ano na véspera de natal e de ano novo2. Assim como MacDonald’s, Coca-Cola ou Monsanto, são também empresas exemplares do capitalismo globalizado e depois de conquistar a Europa invadem agora os mercados dos países do Sul. E como se fosse ca-sualidade se reproduzem os mesmos antigos impérios colonialistas na divisão dos mercados. Assim a Telefônica (Movistar), empresa espanhola, é líder na América Latina, enquanto Orange, empresa herdeira da France Telecom, do-mina em muitos países da África Subsahariana e Vodafone, empresa inglesa, nos países da Commonwealth (Índia, Austrália, África do Sul, etc.).

Os êxitos da Telefônica, da Vodafone e da Orange no mundo.Produtos do neocolonialismo? Esse mapa indica quando a operadora ou uma de suas filiais é uma das três maiores operadoras de um país3.

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A Telefônica representa 43% do mercado no Estado espanhol e é asegunda empresa transnacional mais forte da América Latina, somentesuperada pela General Motors. Se repararmos somente o volume devendas na região, a Telefônica duplica os números da maiormultinacional espanhola a nível mundial, Repsol Y P F 4. E olha que osdados dessa companhia são realmente espetaculares: em 2009 tinhapresença em 36 países e possuía 261 milhões de usuários...

Segundo dados da comissão europeia, se compararmos os preços datelefonia móvel na Europa em 2008, para o mesmo serviço, a Espanhaera o país mais caro do continente e um dos únicos onde o preço haviasubido desde 2007. Pelo mesmo serviço, no Estado espanhol se pagava36 euros quando na Itália se pagava 19 euros e na Holanda 10 euros5.

Se 1000 anti-sistemas6 gastarem 36 euros com seus celulares por mês,dão de presente uns 432000 euros por ano. É mais ou menos aquantidade de dinheiro que sacou Enric Duran7. Poderia-se seguramenteencontrar melhor uso para esse dinheiro. Quantas banquinhas a menosseriam organizadas para “arrumar grana”? Quantas campanhas deapoio a presas e presos a mais? Quanto alívio para a autogestão dosnossos projetos? Quantas horas mais sem ter que trabalhar?

4 Empresa espanhola de petróleo e gás.5 Le Monde. Les Français payent cher leur consommation téléphonique.

http://quematumovil.pimienta.org/precios.swf (Em francês)6 O termo “anti-sistema” é uma invenção dos meios de comunicação que abarca todas

aquelas posições dissidentes e subversivas diante do sistema atual vigente, juntando emum mesmo nome uma grande variedade de grupos.

7 Podem. He "robado" 492 000 euros a quienes más nos roban para denunciarlos y construiralternativas de sociedad.http://www.podem.cat/es/node/32 (Em espanhol)

A Telefônica representa 43% do mercado no Estado espanhol e é a segunda empresa transnacional mais forte da América Latina, somente su-perada pela General Motors. Se repararmos somente o volume de vendas na região, a Telefônica duplica os números da maior multinacional espanhola a nível mundial, Repsol YPF4. E olha que os dados dessa companhia são realmente espetaculares: em 2009 tinha presença em 36 países e possuía 261 milhões de usuários... Segundo dados da comissão europeia, se compararmos os preços da telefonia móvel na Europa em 2008, para o mesmo serviço, a Espanha era o país mais caro do continente e um dos únicos onde o preço havia subido desde 2007. Pelo mesmo serviço, no Estado espanhol se pagava 36 euros quando na Itália se pagava 19 euros e na Holanda 10 euros5. Se 1000 anti-sistemas6 gastarem 36 euros com seus celulares por mês, dão de presente uns 432000 euros por ano. É mais ou menos a quantidade de dinheiro que sacou Enric Duran7. Poderia-se seguramente encontrar melhor uso para esse dinheiro. Quantas banquinhas a menos seriam organizadas para “arrumar grana”? Quantas campanhas de apoio a presas e presos a mais? Quanto alívio para a autogestão dos nossos projetos? Quantas horas mais sem ter que trabalhar?

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As técnicas de publicidade mais agressivas nos levaram a aceitar que ocelular é uma ferramenta imprescindível. Mas assim como para oscarros ou para a roupa, o sentido da mercadoria vai muito além da suafunção inicial, e agora é muito mais um fetiche. O marketing vende esteaparelho não tanto para ligar-se entre conhecidos, mas para comunicaro nível social de seu proprietário. E o número de pessoas em tua lista decontatos é considerado como uma riqueza a mais. Quando pegas teucelular super-maneiro todo mundo ao teu redor entende que tens granae uma vida social sensacional.

“És diferente, és de uma nova geração, ageração 6”

P ropaganda da Orangebaseada em um contratocom custos de 6 centavos

Te vendem uma identidade. Se te conformas com a norma de carregarum celular (como mais de 90% dos jovens), podes ser diferente, sentirque és um indivíduo único com uma personalidade própria quando o quemais nos define é o que possuímos. Nesse caso são os jovens, mas asgrandes famílias, os homens de negócio, a imigrante são todos alvosprivilegiados do mercado...

Vendidos como o novo canivete suíço, os celulares podem ser utilizados

Comprar vento

As técnicas de publicidade mais agressivas nos levaram a aceitar que o celular é uma ferramenta imprescindível. Mas assim como para os carros ou para a roupa, o sentido da mercadoria vai muito além da sua função ini-cial, e agora é muito mais um fetiche. O marketing vende este aparelho não tanto para ligar-se entre conhecidos, mas para comunicar o nível social de seu proprietário. E o número de pessoas em tua lista de contatos é considera-do como uma riqueza a mais. Quando pegas teu celular super-maneiro todo mundo ao teu redor entende que tens grana e uma vida social sensacional.

“És diferente, és de uma nova geração, a geração 6” Propaganda da Orange, baseada em um contrato com custos de 6 centavos Te vendem uma identidade. Se te conformas com a norma de car-regar um celular (como mais de 90% dos jovens), podes ser diferente, sentir que és um indivíduo único com uma personalidade própria quando o que mais nos define é o que possuímos. Nesse caso são os jovens, mas as grandes famílias, os homens de negócio, a imigrante são todos alvos privilegiados do mercado... Vendidos como o novo canivete suíço, os celulares podem ser utilizados como relógio, despertador, agenda, mp3-player, câmera de fotos ou vídeo, receptor televisivo, computador portátil, videogame e também te-lefone. Com esta evolução permanente se consegue sobretudo multiplicar a oferta, e se queres estar em dia terás que comprar um novo em menos de um ano.

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como relógio, despertador, agenda, mp3-player, câmera de fotos ouvídeo, receptor televisivo, computador portátil, videogame e tambémtelefone. Com esta evolução permanente se consegue sobretudomultiplicar a oferta, e se queres estar em dia terás que comprar um novoem menos de um ano. Assim o número total de celulares quadruplica apopulação no Estado espanhol, com as consequências ecológicas queisso pressupõe. Mas claro: a quem isso importa? A irresponsabilidadecoletiva é uma das características mais óbvias da sociedade doconsumo de massa.

Porém com o desenvolvimento do capitalismo verde, as operadorasse promovem com suas faturas virtuais (sem papel) como umcompromisso ecologista. Na realidade, isso permite sobretudo conseguirmais benefícios e fazer do “serviço” algo mais desumanizado. Se tensum problema ou se queres suspender teu contrato tens que ligar paraum número e, além de pagar por isso, será o princípio do que teria queser uma simples formalidade administrativa... Tudo isso se complicoutanto que mais que 50% das queixas dos consumidores são contraempresas de telecomunicação.

Como as hipotecas de moradia, as empresas de telefonia móvel“oferecem” contratos que te obrigam a pagar cada mês. Em 2009, noEstado espanhol mais da metade dos contratos de celulares são comfaturas mensais. C laro, já que estais pagando vais consumir! Umexemplo a mais de como a oferta produz a demanda, de como a lei domercado e a publicidade produzem uma necessidade.

Te imaginas pagando 1 euro por um carro com a obrigação decomprar todos os dias tua gasolina da Repsol? Esta técnica se parece ado traficante que presenteia as primeiras doses até que estejas viciado,para que voltes frequentemente pagando caro por seus serviços.

É no mínimo curioso que empresas que acumulam milhões de euros debenefícios e tiveram vários julgamentos por formação de cartel (fazeracordos entre empresas concorrentes para manter os preços altos)tenham como principal argumento de venda o preço. Como o mercadoocidental está ultra-saturado e o serviço é o mesmo em todas ascompanhias, resta para elas pouca coisa para vender. Aí chega obuzinaço publicitário. E durante os últimos anos têm ido mais longe como uso massivo do conceito de “grátis”. Com estas novas maneiras de

Assim o número total de celulares quadruplica a população no Esta-do espanhol, com as consequências ecológicas que isso pressupõe. Mas claro: a quem isso importa? A irresponsabilidade coletiva é uma das características mais óbvias da sociedade do consumo de massa. Porém com o desenvolvimento do capitalismo verde, as operadoras se promovem com suas faturas virtuais (sem papel) como um compromisso ecologista1. Na realidade, isso permite sobretudo conseguir mais benefícios e fazer do “serviço” algo mais desumanizado. Se tens um problema ou se queres suspender teu contrato tens que ligar para um número e, além de pagar por isso, será o princípio do que teria que ser uma simples formalidade administrativa... Tudo isso se complicou tanto que mais de 50% das queixas dos consumidores são contra empresas de telecomunicação. Como as hipotecas de moradia, as empresas de telefonia móvel “ofe-recem” contratos que te obrigam a pagar cada mês. Em 2009, no Estado espanhol mais da metade dos contratos de celulares são com faturas mensais. Claro, já que estais pagando vais consumir! Um exemplo a mais de como a oferta produz a demanda, de como a lei do mercado e a publicidade produ-zem uma necessidade. Te imaginas pagando 1 euro por um carro com a obrigação de com-prar todos os dias tua gasolina da Repsol? Esta técnica se parece a do trafi-cante que presenteia as primeiras doses até que estejas viciado, para que voltes frequentemente pagando caro por seus serviços. É no mínimo curioso que empresas que acumulam milhões de eu-ros de benefícios e tiveram vários julgamentos por formação de cartel (fazer acordos entre empresas concorrentes para manter os preços altos) tenham como principal argumento de venda o preço. Como o mercado ocidental está ultra-saturado e o serviço é o mesmo em todas as companhias, resta para elas pouca coisa para vender. Aí chega o buzinaço publicitário. E durante os últimos anos têm ido mais longe com o uso massivo do conceito de “grátis”. Com estas novas maneiras de consumir, outro exemplo são as companhias aéreas de baixo custo, o preço está totalmente desconectado com a realidade do que custa e se usa como arma estratégica para seduzir às/aos clientes e dar-lhes a sensação de que lhes tratam bem...

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consumir, outro exemplo são as companhias aéreas de baixo custo, opreço está totalmente desconectado com a realidade do que custa e seusa como arma estratégica para seduzir às/aos clientes e dar-lhes asensação de que lhes tratam bem...

A ideologia liberal define nossa época como uma na qual tudo se moveconstantemente, não há estabilidade, e tens que ser flexível; ideias tãoveiculadas pelas operadoras em suas publicidades. Mas o que nãoquerem é que movas para a concorrência. Defendem sua cota demercado e por isso desenvolveram o sistema de pontos que“recompensa” a fidelidade do consumidor.

“Podemos ligar mesmo que não tenhamos nadapara dizer... porque é grátis.”

P ropaganda da Orange

A ideologia liberal define nossa época como uma na qual tudo se move constantemente, não há estabilidade, e tens que ser flexível; ideias tão veiculadas pelas operadoras em suas publicidades. Mas o que não querem é que movas para a concorrência. Defendem sua cota de mercado e por isso desenvolveram o sistema de pontos que “recompensa” a fidelidade do con-sumidor.

“Podemos ligar mesmo que não tenhamos nada para dizer... porque é grátis.” Propaganda da Orange

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Como com os transgênicos, o amianto e o nuclear, os interesseseconômicos prevalecem sobre a saúde das pessoas.

O grupo BioInitiative publicou em 2007 um informe sobre os efeitosdas ondas eletromagnéticas sobre nossa biologia, compilando centenasde trabalhos científicos publicados sobre esse assunto1. O trabalhodesses cientistas e expertos independentes em saúde pública apresentaas provas dos impactos sobre a saúde das ondas eletromagnéticas dastecnologias sem fio: GSM e UMTS para a telefonia, Wi-F i, WiMax,BlueTooth para a informática, etc.

- Podem causar leucemia infantil.- Podem causar tumores cerebrais e neurinomas do acústico (um

tumor que se origina no canal auditivo interno).- São um fator de risco para o câncer de mama.- São um fator de risco para o mal de Alzheimer.- Afetam a atividade elétrica do cérebro.- Podem danificar o DNA.- Podem perturbar o sistema o sistema imunológico e causar

reações inflamatórias, reações alérgicas ou mudanças em funçõesimunológicas normais.

Existem provas de que os limites atuais de intensidade dasregulamentações nacionais e internacionais são perigosas einadequadas. P rimeiro porque foram determinados de acordo com

1 BioInitiative. BioInitiative Report.http://www.bioinitiative.org/report/ (Em inglês)

Queima o cérebro

Como com os transgênicos, o amianto e o nuclear, os interesses eco-nômicos prevalecem sobre a saúde das pessoas. O grupo BioInitiative publicou em 2007 um informe sobre os efei-tos das ondas eletromagnéticas sobre nossa biologia, compilando centenas de trabalhos científicos publicados sobre esse assunto1. O trabalho desses cientistas e expertos independentes em saúde pública apresenta as provas dos impactos sobre a saúde das ondas eletromagnéticas das tecnologias sem fio: GSM e UMTS para a telefonia, Wi-Fi, WiMax, BlueTooth para a informática, etc.

– Podem causar leucemia infantil.– Podem causar tumores cerebrais e neurinomas do acústico (um tu-mor que se origina no canal auditivo interno).– São um fator de risco para o câncer de mama.– São um fator de risco para o mal de Alzheimer.– Afetam a atividade elétrica do cérebro.– Podem danificar o DNA.– Podem perturbar o sistema imunológico e causar reações inflamató-rias, reações alérgicas ou mudanças em funções imunológicas normais. Existem provas de que os limites atuais de intensidade das regula-mentações nacionais e internacionais são perigosas e inadequadas.

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conselhos de expertos e engenheiros das empresas de telefonia equando se sabia muito menos dos seus impactos sobre a saúde.Segundo porque levam em conta somente os efeitos térmicos dasondas, ou seja o aquecimento que produzem sobre nossos corpos(funcionando da mesma forma que um micro-ondas). Mas agora se sabeque além dos efeitos térmicos, que se relacionam diretamente com aintensidade da energia das ondas, existem também efeitos não térmicos,que têm a ver com suas frequências, sua informação e outrascaracterísticas, inclusive em intensidades muito baixas. E finalmente,porque não levam em conta as possibilidades de impacto à longo prazode uma exposição a essas ondas durante anos ou décadas.

Muitas pessoas vivendo ao lado de antenas de telefonia móvel sequeixam faz anos de distúrbios e problemas de saúde: insônia, fadiga,dor de cabeça, vertigem, falta de concentração, problemas de memória,problemas de equilíbrio e orientação, zumbidos e dificuldades de fazervárias coisas de uma vez. Várias associações denunciam esses fatos,pressionam os governos para modificar os limites legais de emissão dasantenas, tentam educar as pessoas sobre melhores condições de usodos aparelhos e apoiam legalmente as vítimas em seus julgamentoscontra as operadoras.

Na França, em fevereiro de 2009, pela primeira vez um juiz condenou àoperadora Bouygues Telecom a desmontar umas antenas queprejudicavam a uns vizinhos de Tassin-la-Demi-Lune, perto de Lyon2. Ojuiz invocou o “princípio de precaução” porque não foi demonstrada ainocuidade das ondas, especificamente dos efeitos não térmicos, eapoiou sua sentença nas varias declarações de cientistas e médicospublicadas desde há mais de dez anos3.

No Estado espanhol, em dezembro de 2009, o município deLeganés aprovou uma medida pioneira que limita as emissões deantenas de telefonia móvel ao nível de 0,1 microwatts por centímetroquadrado, o valor recomendado pela comunidade científica. A prefeitura

2 Robin des Toits. Le jugement de la Cour d'Appel de Versailles.http://www.robindestoits.org/Antennes-relais-le-J UGEMENT[...].html (Em francês)

3 A Associação Independente para Defender a Saúde disponibiliza em seu site uma lista deinformes e declarações da comunidade científica.http://www.asides.es/cientifico.html (Em espanhol)

Primeiro porque foram determinados de acordo com conselhos de expertos e engenheiros das empresas de telefonia e quando se sabia muito menos dos seus impactos sobre a saúde. Segundo porque levam em conta somente os efeitos térmicos das ondas, ou seja o aquecimento que produzem sobre nossos corpos (funcionando da mesma forma que um micro-ondas). Mas agora se sabe que além dos efeitos térmicos, que se relacionam direta-mente com a intensidade da energia das ondas, existem também efeitos não térmicos, que têm a ver com suas frequências, sua informação e outras carac-terísticas, inclusive em intensidades muito baixas. E finalmente, porque não levam em conta as possibilidades de impacto à longo prazo de uma exposição a essas ondas durante anos ou décadas. Muitas pessoas vivendo ao lado de antenas de telefonia móvel se queixam faz anos de distúrbios e problemas de saúde: insônia, fadiga, dor de cabeça, vertigem, falta de concentração, problemas de memória, problemas de equilíbrio e orientação, zumbidos e dificuldades de fazer várias coisas de uma vez. Várias associações denunciam esses fatos, pressionam os governos para modificar os limites legais de emissão das antenas, tentam educar as pes-soas sobre melhores condições de uso dos aparelhos e apoiam legalmente as vítimas em seus julgamentos contra as operadoras. Na França, em fevereiro de 2009, pela primeira vez um juiz conde-nou à operadora Bouygues Telecom a desmontar umas antenas que prejudi-cavam a uns vizinhos de Tassin-la-Demi-Lune, perto de Lyon2. O juiz invo-cou o “princípio de precaução” porque não foi demonstrada a inocuidade das ondas, especificamente dos efeitos não térmicos, e apoiou sua sentença nas varias declarações de cientistas e médicos publicadas desde há mais de dez anos3.

pretende assim que as emissões sejam 4000 vezes menores que as doresto do Estado4.

4 AVAATE . Leganés aprueba una Ordenanza pionera en España que limita la potenciamáxima.http://www.avaate.org/article.php3?id_article=1907 (Em espanhol)

No Estado espanhol, em dezembro de 2009, o município de Leganés aprovou uma medida pioneira que limita as emissões de antenas de telefonia móvel ao nível de 0,1 microwatts por centímetro quadrado, o valor recomen-dado pela comunidade científica. A prefeitura pretende assim que as emissões sejam 4000 vezes menores que as do resto do Estado4.

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Os níveis de “penetração no mercado” nos países ricos estão ficandosaturados: 109% da população do Estado espanhol têm celular. O Sul,ainda que mais pobre, oferece novos mercados de milhares de milhõesde pessoas a quem se pode vender essas tecnologias baratas.

Porque ao contrário de um carro ou de um computador, um celularse pode comprar em espécie e fazer gastar muito dinheiro aos poucos.Dessa maneira já não é necessário hipotecar-se para comprar uma troçoda vida ocidentalizada. A cadeia da escravidão econômica toma a formada adição e do aparecimento das necessidades criadas.

Em 2003 na Índia quase todos os bares e restaurantes populares dopaís, dos povoados às estradas, foram pintados pela Coca-Cola ouPepsi; “pintamos teu bar de graça, além de dar um toque ocidental”. Noano passado em Moçambique, além dos muros, fachadas e lojasdisponíveis pintadas, desta vez com as cores da Vodacom ou M-Cell, sevia até as pessoas pintadas, vestidas pelas operadoras, vendendo-tecartões pré-pagos em cada esquina.

O coltan é um dos minerais fonte do tântalo que se utiliza na construçãode partes de todos os aparelhos eletrônicos1. Em uma de suas zonas deextração, no leste do Congo, a luta pelo controle do coltan é uma dascausas do conflito armado que sofre esse país, porque sua vendaconstitui uma fonte de financiamento para a compra de armasproduzidas pelo Ocidente. Os deixamos imaginar qual devem ser as

1 Wikipedia. Coltan.http://pt.wikipedia.org/wiki/Coltan

O celular no Sul

Os níveis de “penetração no mercado” nos países ricos estão ficando saturados: 109% da população do Estado espanhol têm celular. O Sul, ainda que mais pobre, oferece novos mercados de milhares de milhões de pessoas a quem se pode vender essas tecnologias baratas. Porque ao contrário de um carro ou de um computador, um celular se pode comprar em espécie e fazer gastar muito dinheiro aos poucos. Dessa maneira já não é necessário hipotecar-se para comprar uma troço da vida ocidentalizada. A cadeia da escravidão econômica toma a forma da adição e do aparecimento das necessidades criadas. Em 2003 na Índia quase todos os bares e restaurantes populares do país, dos povoados às estradas, foram pintados pela Coca-Cola ou Pepsi; “pintamos teu bar de graça, além de dar um toque ocidental”. No ano passa-do em Moçambique, além dos muros, fachadas e lojas disponíveis pintadas, desta vez com as cores da Vodacom ou M-Cell, se via até as pessoas pintadas, vestidas pelas operadoras, vendendo-te cartões pré-pagos em cada esquina. O coltan é um dos minerais fonte do tântalo que se utiliza na cons-trução de partes de todos os aparelhos eletrônicos1. Em uma de suas zonas de extração, no leste do Congo, a luta pelo controle do coltan é uma das causas do conflito armado que sofre esse país, porque sua venda constitui uma fonte de financiamento para a compra de armas produzidas pelo Ocidente.

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condições de trabalho dxs mineirxs africanxs no meio de uma guerra.Esta zona era também o último refúgio dos grandes gorilhas dasmontanhas de África.

Como sempre nos mecanismos da globalização neocolonialista, o poderaquisitivo e o estilo de vida dos ricos do Ocidente impõe suasconsequências mais bizarras aos povos do Sul, desde a produção até olixo. As enormes quantidades de lixo eletrônicos que o ocidente produz enão quer administrar costumam terminar suas vidas no Sul2. Mandadosàs vezes com desculpas humanitárias, seus metais de valor se reciclamem condições terríveis e seus produtos tóxicos e suas caixas de plásticose jogam onde quer que seja, se é possível nos pântanos.

“Leveraging mobility to help enrich the lives ofindividuals across the developing world.”

GSM World

2 Ver o trabalho de documentação do Basel Action Network sobre os efeitos do nosso lixotóxico.http://ban.org/photogallery/ (Em inglês)

Os deixamos imaginar qual devem ser as condições de trabalho dxs mineirxs africanxs no meio de uma guerra. Esta zona era também o último refúgio dos grandes gorilhas das montanhas de África. Como sempre nos mecanismos da globalização neocolonialista, o poder aquisitivo e o estilo de vida dos ricos do Ocidente impõe suas con-sequências mais bizarras aos povos do Sul, desde a produção até o lixo. As enormes quantidades de lixo eletrônicos que o ocidente produz e não quer administrar costumam terminar suas vidas no Sul2. Mandados às vezes com desculpas humanitárias, seus metais de valor se reciclam em condições terrí-veis e seus produtos tóxicos e suas caixas de plástico se jogam onde quer que seja, se é possível nos pântanos.

“Leveraging mobility to help enrich the lives of individuals across the deve-loping world.” GSM World

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Quando começamos a compartilhar a ideia deste projeto, mais do queinquietudes políticas ou sociais escutamos piadas mais ou menosengraçadas. Como se ao pensar no tema, desde o cinismo atual, nãofosse permitir levá-lo a sério e questionar nossas práticas.

Mas ao escutar os comentários parece que para muitos está claro: ocelular é o Mal. Nossxs companheirxs politizadxs o criticam edesconfiam dele como um olho a mais do Big Brother. E inclusive algunscompanheiros de trabalho quando sabem que não temos celular nosdizem “que sorte”, “eu adoraria”, “é como a TV, não serve”. Apesardisso, quase todo mundo tem um, o usa diariamente sem pensar duasvezes, o tem integrado a sua forma de viver, sua forma de ser...

E podes decidir?

Com o regime capitalista ou as fronteiras, parece que não há escolha: omundo é assim e teríamos que nos acostumar. Mas da mesma formaque com esses temas, podemos questionar a imposição do celular nasnossas vidas, o suposto consenso do “progresso” e resistir, criaralternativas.

E agora, que fazer?

- A primeira opção é seguir como antes sem se preocupar, quandomuito ter um pouco de peso na consciência...

- A segunda opção é questionar e racionalizar um pouco teu usodo celular. Necessito fazer esta ligação ou posso me organizar de outra

Enfim…

Enfim...

Quando começamos a compartilhar a ideia deste projeto, mais do que inquietudes políticas ou sociais escutamos piadas mais ou menos engra-çadas. Como se ao pensar no tema, desde o cinismo atual, não fosse permitir levá-lo a sério e questionar nossas práticas. Mas ao escutar os comentários parece que para muitos está claro: o celular é o Mal. Nossxs companheirxs politizadxs o criticam e desconfiam dele como um olho a mais do Big Brother. E inclusive alguns companheiros de trabalho quando sabem que não temos celular nos dizem “que sorte”, “eu adoraria”, “é como a TV, não serve”. Apesar disso, quase todo mundo tem um, o usa diariamente sem pensar duas vezes, o tem integrado a sua forma de viver, sua forma de ser...

E podes decidir?

Com o regime capitalista ou as fronteiras, parece que não há escolha: o mundo é assim e teríamos que nos acostumar. Mas da mesma forma que com esses temas, podemos questionar a imposição do celular nas nossas vi-das, o suposto consenso do “progresso” e resistir, criar alternativas.

E agora, que fazer?

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maneira? Incomoda à pessoa com quem estou se escrevo umamensagem enquanto estamos conversando? Por que saio com meucelular quando vou a um encontro ao invés de deixá-lo em casa?Podemos compartir um celular entre várias pessoas como se faz comum carro, um computador ou um pé de cabra?

- A terceira, a única autenticamente revolucionária®, pensar comodizia Ulrike Meinhoh que “ou és parte do problema ou és parte dasolução” e destruir teu celular em uma violenta e libertadora ação diretacontra o capital, a sociedade do espetáculo, o império e todo o resto.Aproveitar este valente salto qualitativo para desenvolver umasubjetividade coletiva radical, outras maneiras de se relacionar, secomunicar, se organizar...

Mas na realidade não é bem assim. Com o celular, como com tantasoutras coisas, a decisão não é somente individual, mas também temcausas e consequências coletivas. Assim esse contamina tanto ao meioambiente quanto os nossos espaços e nossa sociabilidade. Com relaçãoao nível de segurança nos afeta a todxs porque sempre estamoscercadxs.

O uso frenético do celular faz parte da construção do modelo desociedade atual e de suas normas de comunicação. Se o problema écoletivo a solução tem que ser também. Será muitíssimo mais fácil eeficiente construir formas de se organizar e de se comunicar fora dadependência do celular se teu pessoal também o leva em consideração.Fala dele em tua cozinha. Deixa esse fanzine no banheiro dos teuscolegas. Organiza debates em teu coletivo.

Se tens críticas, contribuições ou propostas podes nos enviar um e-mailpara [email protected].

– A primeira opção é seguir como antes sem se preocupar, quando muito ter um pouco de peso na consciência...– A segunda opção é questionar e racionalizar um pouco teu uso do celular. Necessito fazer esta ligação ou posso me organizar de outra maneira? Incomoda à pessoa com quem estou se escrevo uma mensagem enquanto es-tamos conversando? Por que saio com meu celular quando vou a um encon-tro ao invés de deixá-lo em casa? Podemos compartir um celular entre várias pessoas como se faz com um carro, um computador ou um pé de cabra?– A terceira, a única autenticamente revolucionária®, pensar como di-zia Ulrike Meinhof que “ou és parte do problema ou és parte da solução” e destruir teu celular em uma violenta e libertadora ação direta contra o capital, a sociedade do espetáculo, o império e todo o resto. Aproveitar este valente salto qualitativo para desenvolver uma subjetividade coletiva radical, outras maneiras de se relacionar, se comunicar, se organizar...

Mas na realidade não é bem assim. Com o celular, como com tantas outras coisas, a decisão não é somente individual, mas também tem causas e consequências coletivas. Assim esse contamina tanto ao meio ambiente quan-to os nossos espaços e nossa sociabilidade. Com relação ao nível de segurança nos afeta a todxs porque sempre estamos cercadxs. O uso frenético do celular faz parte da construção do modelo de sociedade atual e de suas normas de comunicação. Se o problema é coletivo a solução tem que ser também. Será muitíssimo mais fácil e eficiente construir formas de se organizar e de se comunicar fora da dependência do celular se teu pessoal também o leva em consideração. Fala dele em tua cozinha. Deixa esse fanzine no banheiro dos teus colegas. Organiza debates em teu coletivo.

Se tens críticas, contribuições ou propostas podes nos enviar um e-mail para [email protected].