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Rádio e educação: de ouvintes a falantes, processos midiáticos com crianças. Autor:

Josemir Almeida Barros

Orientadora:

Drª. Rita Marisa Ribes Pereira

Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2008

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades Faculdade de Educação

Josemir Almeida Barros

RÁDIO E EDUCAÇÃO: DE OUVINTES A FALANTES, PROCESSOS

MIDIÁTICOS COM CRIANÇAS

Rio de Janeiro

2008

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Josemir Almeida Barros

RÁDIO E EDUCAÇÃO: DE OUVINTES A FALANTES, PROCESSOS

MIDIÁTICOS COM CRIANÇAS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profª. Drª. Rita Marisa Ribes Pereira

Rio de Janeiro

2008

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. ___________________________________________ _______________ Assinatura Data

B277 Barros, Josemir Almeida Rádio e educação: de ouvintes a falantes, processos

midiáticos com crianças / Josemir Almeida Barros - 2008.

152 f. Orientadora: Rita Marisa Ribes Pereira. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do

Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. 1. Radio na educação – Teses. 2 .Rádio e crianças –

Teses. I. Pereira, Rita Marisa Ribes. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.

CDU 371.684

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Josemir Almeida Barros

Rádio e educação: de ouvintes a falantes,

processos midiáticos com crianças

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em: 18 de dezembro de 2008.

Banca examinadora:

____________________________________________ Profª. Drª. Rita Marisa Ribes Pereira (Orientadora) Faculdade de Educação da UERJ

_____________________________________________ Profª. Drª. Guaracira Gouvêa de Sousa Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

_____________________________________________ Profª. Drª. Mailsa Carla Pinto Passos Faculdade de Educação da UERJ

Rio de Janeiro

2008

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Agradecimentos “Escute essa canção

Que é prá tocar no rádio No rádio do seu coração [...]”

À Professora Rita Ribes, por partilhar comigo seus saberes, pela orientação, pelo apoio, pela

paciência, pelos passeios e por ter possibilitado percorrer novos caminhos... É prá tocar no

rádio... “Você me sintoniza E a gente então se liga Nessa estação [...]” Aos componentes da banca examinadora Mailsa Carla Passos, Guaracira Gouvêa, Paulo

Sgarbi e Marisol Barenco de Mello pelos cuidados e sugestões... E a gente então se liga...

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro ProPEd/UERJ pelos ensinamentos... Vocês me sintonizam... “Aumenta o seu volume

Que o ciúme Não tem remédio Não tem remédio

Não tem remédio não [...]” Aos professores da FaE/UEMG, colegas viajantes do Mestrado do ProPEd/UERJ que

transitaram de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro em uma travessia corajosa e que em muitos

momentos aumentaram o volume do “rádio” para não dormir... Aumenta o seu volume... “Deixa eu penetrar Na tua onda Deixa eu me deitar Na tua praia Que é nesse vai e vem Nesse vai e vem Que a gente se dá bem Que a gente se atrapalha [...]” Aos amigos e amigas do Grupo de Pesquisa Infância, Mídia e Educação (GPIME) do

ProPEd/UERJ pelas discussões, pelos ensinamentos e pelas parcerias... Nesse vai e vem...

“E a gente então se liga Nessa estação [...]”

Aos amigos Marco Aurélio Martins, Edison Gomes e Alecir Carvalho por sempre estarem

ligados... Nessa estação... “Se ligar o rádio por acaso E de repente ouvir a minha voz Não mude a estação [...]” Aos companheiros e companheiras do NEPEJA/PRONERA da FaE/UEMG pelas muitas conversas que não foram por acaso, reforma agrária na educação e também no ar... Não mude a estação...

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Às crianças, jovens e adultos assentados e acampados em projetos de reforma agrária nas

muitas Minas Gerais, as muitas vozes do campo... E de repente ouvir a minha voz... “Não desligue o rádio [...]”

À professora Eneida Maria Chaves e toda equipe da direção e coordenação da FaE/UEMG

pelos esforços conjuntos... E agente então se liga...

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo auxílio

financeiro concedido para a realização do Mestrado... Se ligar o rádio por acaso... “Não desligue o rádio, escute essa canção É a única maneira que achei para chegar Até seu coração [...]” Aos grandes parceiros e amigos de estação do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte: Zé Zuca,

Mariano, Badalo, Débora, Camila, Mariana, Fernanda, Ana Cristina, Elias, Ceres, Esperança,

e em especial, à criançada do Colégio onde se desenvolveu a pesquisa exploratória: A

Radionovela vai à escola, além das crianças que escutaram e participaram dos programas

Rádio Maluca, da Rádio Nacional AM RJ / Rádio MEC AM, e Universidade das Crianças da

Rádio UFMG Educativa... Não desligue o rádio, escute essa canção...

“Escute o coração de quem te ama Eu tenho tanta coisa pra dizer

E gostaria que chegasse até você Por isso eu lhe peço por favor

Não desligue o rádio [...]” À Mirtes das Graças Almeida Barros, que não mais está presente fisicamente, mas que não

desligou o rádio... Eu tenho tanta coisa pra dizer... “E agora assim aqui prá nós Pelo meu nome não me chama Você é quem conhece mais A voz do homem Que te ama [...]” Aos familiares que me ajudaram e sempre torceram pelo encontro desta sintonia... Você é

quem conhece mais...

Aos meus amores, minha esposa Elaine, meu filho Ítalo e minha afilhada Karine que, apesar

das ausências, sempre escutaram, mesmo que de longe, a voz do homem que tanto os ama... A

voz do homem...

Música Sintonia

De Moraes Moreira

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RESUMO

BARROS, Josemir Almeida. Rádio e educação: de ouvintes a falantes, processos midiáticos com crianças. 2008. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

O presente estudo trata dos processos de produção de mensagens radiofônicas para o

público infantil. O objetivo geral da pesquisa é analisar o processo comunicativo da

radiodifusão e sua especificidade de interlocução com o público infantil. No que se refere à

pesquisa de campo, este estudo desdobrou-se em dois momentos. Um primeiro exploratório,

mais voltado à recepção, dedicou-se observar a audiência infantil à mídia radiofônica. O

segundo momento, mais voltado à produção, dedicou-se observar dois programas

radiofônicos, um, que tem por público alvo as crianças; outro, que além de dirigir-se às

crianças, é também produzido com elas. Analisou-se dois programas radiofônicos: o Rádio

Maluca, da Rádio Nacional AM RJ em parceria com a Rádio MEC AM e o Universidade das

Crianças, da Rádio UFMG Educativa. Dentre os autores que fundamentam este estudo

destacam-se Bakhtin (2003), Benjamin (1994), Buckingham (2000), Freire (2002), Brecht

(2005), Thompson (2002), Amorim (2004) e Ferraretto (2007).

Palavras chave: Infância. Rádio. Cultura.

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ABSTRACT

The present study deals with the radio messages production processes for children.

The main intention of the research is to analyze the commuicative process of the broadcast

and its especificity of interlocution with the infantile audience. As for the field research, this

study was unfolded in two moments. The first one exploratory, turned to the reception,

undertook the task of observing the infantile audience to the radio broadcast. The second one

with the attention to the production, observed two radio programs, one, having the childdren

as the audience, and another one, which besides of being addressed to the children, is also

made with their participation. Two radio programs were analyzed: the Crazy Radio, the

National Radio AM RJ in partnership with Radio MEC AM and Children´s University the

Educational Radio UFMG. Among The authors who give support to this study we can

highlight Bakhtin (2003), Benjamin (1994), Buckingham (2000), Freire (2002), Brecht

(2005), Thompson (2002), Amorim (2004) e Ferraretto (2007).

Key words: Childhood. Radio. Culture.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – REFLEXÕES SOBRE COMUNICAÇÃO. ............................................. 16

1.1 – Comunicação e radiodifusão .................................................................................... 16

1.2 – A radiodifusão no Brasil: aspectos históricos e políticos ....................................... 24

CAPÍTULO 2 – RADIODIFUSÃO E AUDIÊNCIA INFANTIL ...................................... 35

2.1 – Radiodifusão e cultura de massas: “uma produção para todos.” ......................... 35

2.2 – As crianças com audiência endereçada: o pioneirismo de Bertold Brecht e de

Walter Benjamin ................................................................................................................ 43

CAPÍTULO 3 - REFLEXÕES SOBRE A INFÂNCIA E PESQUISA COM CRIANÇAS

.................................................................................................................................................. 52

3.1 – Aspectos conceituais .................................................................................................. 52

3.2 – Infância e mídias ........................................................................................................ 58

3.3 – Pesquisa com as crianças: dialogismo e alteridade ................................................ 62

3.3.1 – Dialogando com as crianças sobre a radiodifusão: os conceitos desta pesquisa .. 66

3.3.2. – Algumas perspectivas metodológicas no/do contexto infantil ............................ 73

3.3.3 – As crianças e as mídias: uma perspectiva exploratória ........................................ 75

CAPÍTULO 4 – PROGRAMA RADIOFÔNICOS PARA CRIANÇAS ........................... 82

4.1 – Radiodifusão e infância: duas histórias ................................................................... 82

4.2 – Infância e linguagens negociadas ............................................................................. 87

4.3 – O programa Rádio Maluca da Rádio Nacional AM RJ / Rádio MEC AM ......... 93

4.3.1 – “Bia Bedran no coração e na cuca” ...................................................................... 97

4.3.2 – “O dia internacional da criança no rádio e na TV – O mundo que queremos” .. 100

4.3.3 – “Festa da cultura popular” .................................................................................. 105

4.3.4 – “Brincadeira é vitamina: remédio para meninos e meninas” ............................. 109

4.3.5 – “A poesia e a prosa do mestre Rosa” .................................................................. 112

4.4 – O programa Universidade das Crianças da Rádio UFMG Educativa ............... 116

4.4.1 – “Por que não nascemos sabendo?” ..................................................................... 129

4.4.2 – “Por que suamos muito?” ................................................................................... 131

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4.4.3 – “Por que precisa fazer sexo para ter filhos?” ...................................................... 136

4.4.4 – “Quantas minhocas temos no cérebro?” ............................................................. 137

4.4.5 – “Por onde os vírus entram em nosso corpo?” ..................................................... 139

4.5 – Alguns diálogos sobre os programas Rádio Maluca e Universidade das Crianças

............................................................................................................................................ 142

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 149

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“Um homem que tem algo a dizer e não encontra ouvintes está em má situação. Mas pior

ainda estão os ouvintes que não encontram quem tenha algo a dizer-lhes.”

( Bertold Brecht)

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INTRODUÇÃO

Considerando que o rádio é um dos veículos de comunicação mais popular e com maior

penetração nos lares brasileiros, tornaram-se interesse de nossa investigação as possíveis

contribuições de processos de radiodifusão como espaço midiático educativo.

As mensagens da radiodifusão vêm ganhando maior credibilidade como mediadoras do

processo educacional, até mesmo fora do ambiente escolar convencional. Acreditamos que

isso pode demonstrar a importância dessa mídia para diversas comunidades, tanto as urbanas

quanto as rurais.

A crescente busca dos referenciais de uma educação que estabeleça a inter-relação entre as

mídias de forma significativa, tanto para os alunos quanto para os próprios professores que

atuam em escolas nas séries iniciais de alfabetização e escolarização pode ser verificada

atualmente em vários espaços educativos como, por exemplo, a própria escola.

As informações circulantes pelos meios de comunicação de massa e, em específico, pelo rádio

podem apresentar algum tipo de sentido para as crianças, no processo de ensino e

aprendizagem. Algumas práticas pedagógicas, entretanto, podem demonstrar que, estando

basicamente vinculadas à cultura da escrita, impedem a constituição ou a ampliação de redes

de sentidos e significados que se estabelecem no convívio diário dos sujeitos com as diversas

mídias da contemporaneidade, dificultando, assim, diálogos com os sons resultantes dos

processos da radiodifusão.

Dois acontecimentos no final do século XX conduziram a uma nova era de globalização – ou seja, uma era de contatos e interações intensas entre as sociedades de todo mundo. O acontecimento mais óbvio, com impacto direto nas crianças e na juventude, foi tecnológico: a TV por satélite facilitou a comunicação global, incluindo redes como MTV, cruciais na divulgação de pelo menos uma versão da cultura jovem internacional; em 1990, a introdução da internet, um meio sem precedentes de contato entre jovens de sociedades tão distantes como Estados Unidos e Irã. O segundo acontecimento foi político: a decisão primeiro da China, depois da Rússia, de abrir novos tipos de contatos internacionais. (STEARNS, 2006, p. 183)

As mudanças e impactos advindos da era da globalização são questionáveis, mas

mencionamos apenas os avanços das tecnologias midiáticas. As práticas pedagógicas que não

perpassam diferentes linguagens, como a TV, a internet e o rádio, podem caminhar em

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processo inverso ao que poderia proporcionar desenvolvimento sociocultural com maiores

significados para as crianças. Acreditamos que os saberes propagados pelos meios de

comunicação (TV, internet e rádio) possam se inter-relacionar, de forma transdisciplinar, com

os discursos dos mais variados campos.

Práticas escolares enfocadas na radiodifusão podem trazer novas perspectivas para a

construção de sentidos que também perpassam pelas questões educacionais, midiáticas,

culturais e cotidianas que viabilizem o melhor entendimento e amplitude da cidadania, do

direito de ter direitos. “Diante dessa multiplicidade de áreas do conhecimento em face da

diversidade de linhas teóricas no interior de cada área, percebemos, então, que a infância é um

campo temático de natureza interdisciplinar.” (KRAMER, 2007, p. 25). Reforçamos, assim, a

importância de estudos e pesquisas sobre as interfaces da educação com as mídias.

Pensando sobre a influência das mídias e, em específico, da radiodifusão em relação às

crianças, percebemos que o objeto de pesquisa aqui mencionado: Rádio e educação: de

ouvintes a falantes, processos midiáticos com crianças, está imerso em um contexto histórico-

social caracterizado por uma visão adultocêntrica do mundo, pela qual o adulto pouco escuta

ou participa das construções de sentidos das crianças. Vincula-se esse possível desprezo das

produções culturais das crianças pequenas à hegemonia de uma cultura ainda baseada na

escrita. Nesse contexto as falas ou vozes podem expressar parte dos conhecimentos e saberes,

mas com pouco prestígio no mundo dos adultos. Desta forma, buscar uma interlocução com

as crianças é um dos desafios desta pesquisa.

O próprio fato de que todo objeto de pesquisa é um objeto construído e não imediatamente dado, já implica um trabalho de negociação com os graus de alteridade que podem suportar a pesquisa e o pesquisador. O desejo de alteridade enquanto motor da pesquisa em Ciências Humanas não é primário, inanalisável. Ao contrário, pode-se perfeitamente suspeitar dele, seja através de análises ideológicas, sociológicas ou históricas, seja através da psicanálise. (AMORIM, 2004, p. 29-30)

É na construção e reconstrução dos sentidos que as falas e/ou vozes das crianças vão se

constituindo enquanto parte integrante de um contexto formado por adultos e crianças, isso

quando há o reconhecimento de que não apenas os adultos são produtores de conhecimentos,

mas de que as crianças além de receptoras de mensagens, também apresentam, através de suas

falas e/ou vozes, o que pensam, os sentidos e entendimentos que carregam, e a sua concepção

de mundo. Porém suas falas/vozes só podem apresentar sentidos na medida em que os outros,

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ou seja, os adultos se tornaram interlocutores. Como nos fala Bakhtin, o sentido depende do

outro.

O sentido é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se somente em contato com outro sentido (do outro), ainda que seja com uma pergunta do discurso interior do sujeito da compreensão. Ele deve sempre contatar com outro sentido para revelar os novos elementos da sua perenidade (com a palavra revela os seus significados somente no contexto). Um sentido atual não pertence a um (só) sentido mas tão-somente a dois sentidos que se encontraram e se contactaram. Não pode haver ‘sentido em si’ – ele só existe para outro sentido, isto é, só existe com ele. (BAKHTIN, 2003, p. 382)

Entender os sentidos e significados que o outro estabelece nas inter-relações dos processos

midiáticos torna-se relevante na contemporaneidade.

Enquanto integrante do Grupo de Pesquisa: Infância, Mídia e Educação (GPIME),

coordenado pela Professora Rita Marisa Ribes Pereira, que tem como foco a infância, mídia e

educação: as crianças e as telenovelas, percebemos a imensa penetração da televisão e do

rádio no cotidiano das crianças e os desdobramento disso no processo de ensino e

aprendizagem, uma vez que a possível espetacularização das notícias e dos programas em

geral (destinadas não apenas ao público infantil) segue uma lógica pautada no mercado

capitalista, ou seja, no consumismo.

Programas radiofônicos destinados às crianças podem ser mais do que sons, permitindo uma

interação social dos sujeitos envolvidos tanto no processo de produção, quanto no de

envio/transmissão e recepção, explicitando diálogos e constituindo redes de sentidos que

impulsionam o gosto pelo ouvir e pelo imaginar através dos “buraquinhos” do rádio.

Este desejo de pesquisar processos de radiodifusão está vinculado à nossa própria infância,

quando o rádio de casa era ligado no período da manhã e desligado no período da noite

quando a telenovela começava. A estação sempre era a mesma, uma emissora de Belo

Horizonte que ainda existe e que traz pelas ondas do ar os “primeiros” acontecimentos do dia

e segue com uma grade de programação diversificada.

De lá para cá, enquanto professor da educação básica e superior, pude acompanhar alguns

estágios de alunos(as) do curso de pedagogia da FaE/UEMG e seus desdobramentos sobre as

músicas/programas que a meninada mais gostava de escutar/acompanhar pelos “buraquinhos”

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do rádio. Além disso, também acompanhei algumas indagações de alunos das séries iniciais

da educação básica sobre os sons que eram propagados pela Rádio Corneta1 no bairro onde

atuava como professor de História. Tudo isso me despertou mais interesse por este tema, pois,

no primeiro caso, quando acompanhava os estagiários do curso de pedagogia da FaE/UEMG

em uma escola, percebi que ao chegar a hora do recreio, as crianças corriam de um canto a

outro à procura do melhor lugar para a sintonia do rádio, ou seja, para escutar as

músicas/programas de uma rádio comunitária da localidade; já no segundo caso, na escola que

atuava enquanto professor de História da Educação Básica, verifiquei que os moradores

fechavam as portas e janelas das casas para evitar a entrada dos sons que eram propagados do

alto da torre da igreja – Rádio Corneta.

Algumas questões balizam esta pesquisa. Assim mencionamos as seguintes: o rádio faz parte

do cotidiano das crianças? Existem programas de rádio para crianças? Como são os

programas de rádio voltados para crianças? O que nos dizem os programas radiofônicos

destinados ao público infantil? Que relações haveria entre os processos de produção e

recepção de mensagens radiofônicas com as práticas escolares?

O objetivo geral da pesquisa é analisar o processo comunicativo da radiodifusão, suas

implicações e interfaces com as possíveis práticas escolares de crianças da Educação Básica.

No que se refere à pesquisa de campo, este estudo desdobrou-se em dois momentos. Um

primeiro mais voltado a recepção, dedicou-se observar a audiência infantil à mídia

radiofônica. Esse estudo foi realizado com um grupo de crianças pré-escolares de uma escola

particular de Belo Horizonte, onde foram realizadas oficinas de mídia entre elas a oficina “A

radionovela vai à escola”.

Parte da pesquisa foi exploratória e possibilitou a reconstrução de possíveis dados como

subsídios para o melhor entendimento tanto do objeto de pesquisa quanto das questões já

mencionadas. As análises foram feitas a partir dos materiais produzidos pelas próprias

crianças, como desenhos e textos, utilizamos também fotos e as falas/vozes das mesmas no

processo de desenvolvimento da pesquisa.

1 Rádio montada com a utilização de equipamentos básicos, como alto-falantes que são instalados em locais altos e funcionam como transmissores. Neste caso os alto-falantes foram instalados no alto de uma igreja católica.

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O segundo momento, mais voltado a produção, dedicou-se observar dois programas

radiofônicos, um, que tem por público alvo as crianças; outro, que além de dirigir-se às

crianças, é também produzido com elas. Um, conhecido, como Rádio Maluca, um programa

de auditório que é veiculado tanto pela Rádio Nacional AM RJ quanto pela Rádio MEC AM,

aos sábados pela manhã, e outro que é a Universidade das Crianças, programa de perguntas e

respostas que é transmitido pela Rádio UFMG Educativa todas as manhãs, de segunda a sexta

em Belo Horizonte.

Algumas crianças que participaram da oficina “A radionovela vai à escola”, como, também,

de atividades vinculas ao processo de radiodifusão da Rádio Maluca e Universidade das

Crianças, foram entrevistadas, bem como os integrantes responsáveis pelas produções

culturais dessas mídias. A pesquisa de campo teve início em Fevereiro de 2007 e se estendeu

até Julho de 2008.

Nesta pesquisa, procuramos tecer comentários que pudessem perpassar por questões próprias

das mídias e em específico sobre o rádio, como também alguns aspectos sobre a educação. No

primeiro capítulo, apresentamos a comunicação e suas interfaces com a educação, além de um

breve panorama histórico sobre a radiodifusão no Brasil. No segundo capítulo, discutimos

sobre a cultura de massas abordando a radiodifusão, tratamos também de questões teóricas

sobre a mídia radiofônica. No terceiro capítulo, estabelecemos conceitos sobre a perspectiva

da infância e alguns princípios da escolha metodológica da pesquisa que realizamos. No

capítulo quatro, trazemos a linguagem radiofônica enquanto uma negociação entre ouvintes e

falantes. Em seguida abordamos as duas experiências do trabalho de campo; programas

radiofônicos destinados às crianças, um no Rio de Janeiro e o outro em Belo Horizonte. Na

seqüência exemplificamos e analisamos os processos de produção dos dois programas

radiofônicos em relação ao público infantil. Entre as “conclusões” apresentamos algumas

reflexões sobre os programas radiofônicos destinados as crianças.

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CAPÍTULO 1 – REFLEXÕES SOBRE COMUNICAÇÃO.

1.1 – Comunicação e radiodifusão A comunicação pode ser caracterizada como um tipo de atividade social que permite tanto a

criação dos bens simbólicos como a sua transmissão e recepção (THOMPSON, 2002, p. 25).

Processos vinculados à comunicação na contemporaneidade produzem bens materiais e

simbólicos. Acreditamos que processos comunicativos interferem nas relações sociais na

medida em que produzem bens simbólicos em determinados contextos. Isso faz com que haja

um permanente repensar sobre tais processos e seja reconfigurado constantemente o campo da

comunicação.

Entendemos que os meios de comunicação passam por mudanças constantes, principalmente

em seu aspecto técnico, pois, em um mundo imerso em novas tecnologias, em novas

descobertas, há contínuos avanços que perpassam o campo da comunicação e que se estendem

a outros campos como, por exemplo, a educação, pois muito do que sabemos sobre as

sociedades, o sabemos também pelos meios de comunicação, seja através das formas

impressas, sonoras e/ou virtuais entre outras.

Nesse contexto, a transmissão sem fio, auge da história das comunicações no século XIX, foi pensada simplesmente como um substituto para a telegrafia por fios, assim como os automóveis, destaque máximo da história dos transportes no mesmo século, foram imaginados como carruagem sem cavalos: somente pessoas que possuíssem carruagem poderiam desejá-los. O que aconteceu foi que o rádio se tornou de uso prático nos oceanos ou em grandes continentes com baixa densidade demográfica. O fato de enviar mensagens, todas em Morse, que podiam ser captadas por pessoas a quem não eram dirigidas, foi julgado não uma vantagem, mas uma séria desvantagem. (BRIGGS e BURKE, 2004, p.159)

As mudanças tecnológicas da radiotelegrafia passando pela telefonia e chegando ao rádio,

inicialmente atenderiam aos anseios militares, conforme aponta Briggs e Burke (2004). Os

autores afirmam que o modelo clássico de comunicação linear deveria ser destinado a

algumas pessoas e não ao contingente que habitava determinados espaços. A preocupação se

fazia necessária por se tratar de interesses de guerra, fins militares. De lá para cá, a

popularização deste veículo de comunicação que é o rádio ganhou novos significados.

Parece-nos impossível a produção e a ampliação de conhecimentos sem a presença dos meios

de comunicação, sob suas variadas formas. “Sob o conceito de meios de comunicação devem

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ser compreendidas, de agora em diante, todas as instituições da sociedade que se servem de

meios técnicos de reprodução para a difusão da comunicação.” (LUHMANN, 2005, p. 16). A

divulgação de informações e conhecimentos, aqui, se vincula ao conceito de meios de

comunicação, permitindo que haja uma troca de saberes entre sociedades em tempos e

espaços distintos. O autor ainda completa dizendo:

Consideram-se aqui, principalmente, livros, revistas, jornais produzidos de forma impressa, mas também processos de reprodução fotográfica ou eletrônica de qualquer tipo, na medida em que fabriquem produtos em grande quantidade a um público indeterminado. Também a difusão de comunicação pelo rádio faz parte desse conceito, na medida em que for acessível a todos e não sirva apenas para manter a conexão telefônica entre participantes individuais. (LUHMANN, 2005, p. 16)

A partir das considerações de Luhmann (2005), podemos verificar que o conceito de

comunicação aqui formulado não está “fechado”, mas apresenta formas diversas de

atravessamentos em diversos suportes, seja o papel ou, até mesmo as ondas do rádio. De

alguma forma percebemos que os produtos simbólicos passam a circular através deste

conceito de comunicação, não que em contextos diferentes não houvesse a circulação destes

bens. Mas não há como negar que, na contemporaneidade, o tempo de circulação é diferente,

ou seja, há uma rapidez de circulação de tais produtos. Lembramos que aqui não se

distinguem bens simbólicos culturais dos que atendem apenas à lógica do capitalismo.

A radiodifusão também entra nesta perspectiva conceitual de comunicação e é ressaltada, no

excerto acima, de forma ampliada, ou seja, não basta haver um processo individualizado de

comunicação. A esse respeito Luhmann (2005) nos faz recordar a própria história do rádio,

que começou a partir da telegrafia, comunicação restrita, dirigida a um destinatário específico.

Ao mencionar a necessidade de fabricar produtos em grande quantidade, o autor não está, de

imediato, preocupado em considerar a qualidade de tais produtos, mas em nos demonstrar

explicitamente o seu conceito de comunicação, que pode se distanciar da linearidade do

modelo clássico de comunicação humana.

Em parte, as mensagens veiculadas pela radiodifusão tendem a estabelecer entrelaçamentos

com contextos culturais diversos, o que pode possibilitar a constituição de redes de

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conhecimentos que também perpassam os fazeres cotidianos dos sujeitos e, desta forma, a

linguagem falada está carregada de peculiaridades2.

Como toda mensagem é objeto de uma recepção diferencial, segundo as características sociais e culturais do receptor, não se pode afirmar que a homogeneização das mensagens emitidas leve a uma homogeneização das mensagens recebidas, e, menos ainda, a uma homogeneização dos receptores. (BOURDIEU, 1998, p. 61)

Os processos de produção e recepção de mensagens faladas estão carregados de

subjetividades, e isso em muitos casos impede a homogeneização, a linearidade; as

características culturais e sociais vinculadas em contextos espaciais e também temporais

tendem a romper com uma possível fixidez ou homogeneidade de tais bens culturais. Não é de

nosso interesse, no momento, discorrer sobre os processos de recepção, porém sem mencioná-

lo, esta pesquisa poderia incorrer no silenciamento de questões importantes e,

conseqüentemente, na negação do processo “final” da mídia radiofônica. Independentemente

da modalidade de ensino a que os sujeitos estão vinculados, sejam crianças, jovens, adultos ou

velhos, acreditamos que cada um, ao seu jeito, se apropria das mensagens radiofônicas

estabelecendo para elas até mesmo significados múltiplos. O que não se pode negar são as

possibilidades de produção de bens simbólicos, a partir dos lugares que esses sujeitos,

enquanto receptores, freqüentam, espaço que inter-relacionam com saberes culturais. Mas tais

sujeitos além de receber, também produzem bens simbólicos. “É preciso denunciar a ficção

segundo a qual ‘os meios de comunicação de massa’ seriam capazes de homogeneizar os

grupos sociais, transmitindo uma ‘cultura de massa’ idêntica para todos e identicamente

percebida por todos.” (BOURDIEU, 1998, p. 61)

A acessibilidade do rádio é importante para o melhor entendimento dos processos midiáticos

e, em específico, quando tratamos de capital cultural sem fronteiras, ou seja, tanto a camada

social alta quanto a baixa tem acesso a esse veículo de comunicação, pois essa tecnologia

conta com a vantagem de ser barata e até mesmo permitir a portabilidade. Assim, pressupõe-

se que no processo de circulação das mensagens radiofônicas haja a “troca” de bens culturais

ou até mesmo uma negociação indireta, entre os falantes e os ouvintes. Porém não

desconsideramos que, no processo de envio de mensagens através da radiodifusão, as

2 Entendemos que as peculiaridades podem ser representadas através das falas, onde haja a explicitação de parte dos cotidianos dos sujeitos, não havendo portanto a homogeneização.

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interferências dos ouvintes não são tão significativas em relação a outros meios de

comunicação.

Com uma gama variada de produtos comunicacionais que circulam nas sociedades, é possível

que haja alterações nas relações sociais proporcionadas pelo campo da comunicação; esta é,

por sinal, a “Era da Informação”, segundo Castells (1999), e, por que não dizer, a era da

reconfiguração dos espaços e tempos. É provável que o encurtamento das distâncias espaciais

com o processo de globalização interferiu diretamente no tempo de recepção de grande parte

das mensagens. Ainda sobre o tempo e o espaço, Silverestone (2002, p. 25) nos diz que

“Estudar a mídia é estudar esses movimentos no espaço e no tempo e suas inter-relações e

talvez também, como conseqüência, descobrir-se pouco convencido pelos profetas de uma

nova era e por sua uniformidade e seus benefícios.”

Além dos breves comentários sobre a conceituação de comunicação, perece-nos pertinente

uma abordagem sobre o objeto de estudo da comunicação social, pois, com o advento da pós-

modernidade, muitas alterações ocorreram no que diz respeito às questões metodológicas de

produção do conhecimento.

O objeto de estudo da Comunicação Social tem uma natureza complexa, demandando, em seu estudo, uma abordagem marcada pela pluralidade, quer seja no que diz respeito às diversas disciplinas que podem lhe dar sustentação, quer seja nas diferentes perspectivas de leitura, ou pontos de vista, em relação aos fenômenos estudados. A Comunicação ainda agrega o fato de ser tremendamente dinâmica. Trata-se de um objeto de estudo que não permanece estático, à disposição do olhar do pesquisador, obrigando uma postura também dinâmica por parte de quem se dispõe a examiná-lo. (MENDES, 2003, p. 229)

O objeto de estudo da comunicação, como acima foi mencionado por Mendes (2003), pode

interagir com diversas disciplinas. Mendes (2003) nos diz sobre as rupturas de uma linha

divisória entre o campo da comunicação e outros campos, o que também abre a possibilidade

de estudos interdisciplinares. Reforçamos, então a pertinência desta pesquisa, que perpassa os

campos da educação e da comunicação. Mas, ao contrário do que Mendes (2003) nos

apresenta não se pretende sustentar o objeto da comunicação simplesmente a partir da

educação. Pensamos na educação com vistas ao melhor entendimento de processos midiáticos

com crianças.

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As interfaces do campo da educação com o campo da comunicação possibilitam a

configuração do hibridismo, da quebra de fronteiras, das intercomunicações, linguagens

múltiplas para processos e práticas escolares. “Entender a mídia como processo também

implica um reconhecimento de que ele é fundamentalmente político [...] Os significados

oferecidos e produzidos pelas várias comunicações que inundam nossa vida cotidiana saíram

de instituições cada vez mais globais [...]” (SILVERESTONE, 2002, p. 17). Ao

mencionarmos a globalização, gostaríamos de ressaltar não os seus aspectos econômicos, mas

as possibilidades de amplitude da produção e circulação de bens simbólicos como também

seus entrelaçamentos com as diversas áreas do saber, um hibridismo.

As mudanças e/ou avanços tecnológicos produzem conseqüências diretas no campo da

comunicação midiática, por esta razão os hábitos e comportamentos daqueles que são usuários

dessas mídias também são alterados.

A escrita e a imprensa, a telegrafia, o rádio, a telefonia e a televisão, a internet ofereceram, cada um, novas maneiras de administrar a informações e novas maneiras de comunicá-las; novas maneiras de articular desejos e de influenciar e agradar. Efetivamente, novas maneiras de fazer, transmitir e fixar significado. (SILVERESTONE, 2002, p. 47)

Como Silverestone (2002) aborda no texto acima citado, as diferentes mídias também

apresentam pluralidades, uma vez que podem influenciar e agradar ao

“espectador/leitor/ouvinte/internauta”. Mas, por outro lado, percebemos que as mídias

também são ressignificadas pelo “espectador/leitor/ouvinte/internauta”, há uma troca que

também norteia o que se produz nos meios de comunicações. Em alguns casos, tal troca pode

também ser entendida como uma negociação dos sujeitos envolvidos no processo

comunicativo, troca e negociação de aspectos culturais, de bens culturais a partir dos

interesses dos ouvintes, desta forma Bourdieu (1998, p. 62) diz: “[...] se sabe que o interesse

que um ouvinte pode ter por uma mensagem, qualquer que seja ela, e, mais ainda, a

compreensão que dela venha ter, são direta e estritamente, função de sua ‘cultura’, ou seja, de

sua educação e de seu meio cultural [...].” Culturas híbridas e ressignificação, nos parecem ser

parte das pistas que demonstra o quanto de negociação existente é perceptível ao tratarmos

dos processos midiáticos como a radiodifusão. Os significados que compõem a tessitura das

falas carregadas de experiências que os sujeitos têm e que são visualizados através de suportes

variados nos remetem constantemente a interação dos

“espectadores/leitores/ouvintes/internautas”. Sujeitos que participam de práticas educativas

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também diversas, e que em tais práticas estabelecem sentidos de onde falam ou experimentam

processos os comunicativos híbridos.

O ouvinte que também é um enunciador faz uso constate de formas discursivas que nos

revelam uma negociação, a materialização do discurso pode, também, contemplar ideologias

que imperam na atualidade, ou seja, o da classe dominante; mas, mesmo assim, acreditamos

haver uma negociação, pois os sujeitos estão imersos em contextos sociais múltiplos, que os

subsidiam constantemente de capital simbólico. Fiorin (2007, p. 73) diz que as representações

ideológicas se materializam na linguagem. Sem contrariar tal afirmativa, percebemos que a

linguagem estabelece relações complexas entre os sujeitos, e se, de um lado, há a proposição

de ser a linguagem um “suporte” da ideologia dominante. Por outro lado as brechas3

encontradas tanto por falantes quanto por ouvintes nos permitem ressignificações não menos

propositiva; processos midiáticos dependentes da linguagem falada podem se distanciar do

ordenamento, da fixidez a partir do momento em que revelam contextos de vivencias

diferentes.

Reforçamos a questão acima mencionada sobre culturas hibridas e que nos possibilitam as

brechas, as negociações, os cruzamentos e não as negociatas. “Perceber que as transformações

culturais geradas pelas últimas tecnologias e por mudanças na produção e circulação

simbólica não eram responsabilidade exclusiva dos meios comunicacionais induziu a procurar

noções mais abrangentes.” (CANCLINI, 2003, p. 284). Ao pensarmos na expansão urbana

enquanto um dos fatores que contribuem para o que tratamos de hibridação cultural,

ressaltamos que Canclini (2003) ao mencionar que não há uma exclusividade dos meios de

comunicação, estabelece de alguma forma os cruzamentos que possibilitam as produções

culturais. Pensamos que as mensagens veiculadas nas ondas do rádio e recebidas em

contextos diversos podem, também, carregar marcas da ressignificação, marcas da

negociação, marcas de culturas híbridas, marcas de diversos espaços.

Ao pensarmos sobre comunicação e cultura, torna-se relevante a proposta de Jesus Martín-

Barbero (2006, p. 28): “[...] a comunicação se tornou para nós questão de mediações mais que

de meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos, mas de reconhecimento .” 3 Entendemos que as brechas ou fendas, são os “espaços temporais” entre uma mensagem e outra e que podem ser os recursos utilizados pelos participantes de uma determinada mensagem quando repensam ou reinterpretam tais processos; enviam, portanto suas discursividades que nem sempre concordam com as falas dos que detém determinados “poderes”.

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Entendemos que as mediações podem vincular-se a essa tríade:

“comunicação/cultura/educação”, assim os processos ou sistemas de trocas simbólicas

estabelecidas em diferentes mídias, tanto as tradicionais quanto as inovadoras se fazem

presentes na contemporaneidade. Nesta perspectiva, a radiodifusão e suas diferentes formas

de veicular os produtos simbólicos enquanto mensagens podem expressar uma possível

alternativa em relação aos processos de ensino e aprendizagem, ou melhor, de práticas

escolares. Em muitos casos os elementos discursivos também podem ajudar a manter uma

determinada ordenação, estabelecendo um reencontro com a tradição, ou seja, em formas

discursivas monológicas ou fixas. Se não há reconhecimentos sobre os aspectos simbólicos ou

culturais, podemos dizer que os processos comunicativos, em alguns momentos, se restringem

aos anseios de alguns grupos e isso de forma reacionária.

Diferentemente do conceito ou modelo clássico de comunicação humana que tem por

característica um processo linear a partir dos três elementos básicos: emissor, mensagem e

receptor, pensamos na importância de um modelo comunicacional híbrido, não simplesmente

enquanto transmissão de informação de fontes ativas para receptores passivos. Mas que

possibilite a interatividade entre sujeitos falantes e também dos ouvintes, isso através da

utilização dessa própria mídia ou de outras mídias. Ao pensarmos na interação a partir da

ressignificação das mensagens recebidas, os “leitores/ouvintes” podem estabelecer marcas

subjetivadas que lhes garantam a interação entre dois universos, o da comunicação e o da

cultura. Freire (2002, p. 65) diz sobre a intersubjetividade e/ou a intercomunicabilidade como

sendo a característica principal deste mundo cultural e histórico; acrescenta que a

comunicação entre sujeitos passa necessariamente pela intersubjetividade. Neste ponto a

nosso ver estabelece uma crítica ao modelo linear de comunicação, o modelo clássico e nos

aponta um possível modelo híbrido.

O conceito clássico de comunicação humana, como já abordamos, vincula-se a um processo

linear composto de alguns elementos básicos como: emissor, mensagem e receptor. Esta

concepção, baseada em uma seqüência, ainda perpassa várias práticas comunicativas no

Brasil, modelo este muitas vezes mecânico em sua forma e sua concepção não leva em

consideração os agentes e/ou sujeitos do “outro lado da linha”, tão pouco o contexto histórico

que estes estão imersos. Tal modelo prioriza o receptor passivo, aquele que não interage em

nenhum momento no processo de produção, de envio e de recepção das mensagens.

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As relações intersubjetivas, estão carregadas de comunicação/diálogo, não garantindo,

portanto, a linearidade do modelo clássico; constituindo-se em processos múltiplos de

produção e interpretação de produtos midiáticos. O fenômeno comunicativo híbrido pode ser

vinculado a processos culturais e também a partir das diversas práticas escolares.

Rompendo com a proposta de comunicação linear, na qual o emissor estabelece uma relação

de poder, podemos verificar que, Brecht (2005) destaca o processo de comunicação que

prioriza não somente a intersubjetividade, a discursividade, enquanto atos necessários ao

melhor entendimento da mensagem como, também, a interpretação “circular” e não

especificamente o modelo linear de comunicação. O rádio é um veículo de comunicação de

massa, porém em alguns casos pode garantir a “reciprocidade”, por abrir o microfone às

várias vozes, um meio alternativo em função de seu baixo custo e, também, pela agilidade na

veiculação de mensagens. O baixo custo faz com que o rádio seja o primeiro dos grandes

meios eletrônicos de comunicação a chegar ao continente latino-americano, há mais de 60

anos. E é na América Latina também o lugar em que mais vão proliferar, nas últimas três

décadas, as emissoras radiofônicas. (COGO, 1998, p. 56).

Hoje há, espalhadas pelo Brasil, muitas rádios educativas4, que podem ser integradas às

comunidades locais com grande utilidade pública, pois informam, orientam, educam e

permitem a integração entre mídia e sociedade de forma ágil e sem burocracia, o que pode

reforçar a cidadania dos sujeitos, de acordo com Coelho (2002). Desta forma, pensamos ser

necessária uma melhor compreensão acerca de algumas questões sobre o Rádio e a educação.

Da proposta de comunicação radiofônica linear para a intersubjetiva, na qual a discursividade

“circular” se destaca. Assim, não se pode afirmar a existência de um modelo único de

comunicação através das ondas hertzianas5, porém novos tempos exigem uma nova maneira

de pensar e fazer rádio no Brasil a qual muitas vezes, envolve questões de utilidade pública,

no tratamento dado às mensagens, mas que também envolve aspectos culturais, educacionais,

sociais, econômicos e até mesmo os políticos. Para o melhor entendimento de algumas 4 Segundo Silveira (2001, p.135). A Rádio Educativa é uma modalidade da radiodifusão comum, qualificada pelo fato de, tendo em vista sua finalidade precípua (educacional), envolver o Ministério da Educação no ato de sua autorização. 5 Por ondas hertzianas podemos entender o que FERRARETO (2007, p. 64) menciona: “O desenvolvimento da tecnologia responsável pelas transmissões radiofônicas remonta ao final do século 18, com início das pesquisas sobre o fenômeno físico da eletricidade. A base da radiodifusão é a transmissão de sons a longa distância, de um para vários pontos, sem a utilização de fios, pela aplicação dos princípios do eletromagnetismo (produção, transmissão e recepção das chamadas ondas hertzianas.”

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questões que se vinculam à radiodifusão, abordaremos, a seguir, alguns de seus aspectos

históricos e políticos no Brasil.

1.2 – A radiodifusão no Brasil: aspectos históricos e políticos A história da radiodifusão no Brasil está entrelaçada com o processo de transformação do

próprio rádio, em outras palavras, os avanços científicos vinculados aos meios de

comunicação chegaram ao Brasil por volta do século XX. De lá prá cá os anúncios sobre

injunções políticas, econômicas e culturais ganharam ênfase através das ondas do rádio.

A tecnologia que hoje conhecemos por nome de radiofônica, e que tem como objetivo a

transmissão de sons pelas ondas do ar, surgiu através do processo de inovações técnicas e/ou

tecnológicas processadas ainda no século XIX, isso a partir de experiências do telegrafo.

Podemos até dizer que esse veículo de comunicação de massa, que é o rádio, é um herdeiro da

radiotelegrafia e também da radiofonia.

Desta fase inicial até o nascimento da radiodifusão sonora, foi necessária uma mudança de enfoque no uso da tecnologia disponível, ocorrendo uma transição da comunicação interpessoal – o telefone, em especial – para a de massa – o rádio. Configurou-se, então, um sistema particular de transmissão e recepção. (FERRARETTO, 2007, p. 26-27)

Outro destaque que aqui pode ser mencionado é o advento da própria eletricidade, além dos

estudos da física. Assim o envio de sons e sinais a partir das ondas hertzianas ou ondas

eletromagnéticas envolveu várias áreas do conhecimento. “Vibrações” magnéticas que se

propagam no ar e são provocadas pela movimentação de elétrons em um meio condutor, as

ondas eletromagnéticas (ou hertzianas), são definidas, em termos físicos, por duas grandezas

básicas: freqüência e amplitude. (FERRARETTO, 2007, p. 65). Consideramos que o processo

de produção, envio e recepção das chamadas ondas hertzianas está associado à codificação

dos sons. A propagação de tais sons chega aos ouvintes através de diversas etapas, que, hoje

são dependentes das condições técnicas e financeiras das emissoras.

A comunicação radiofônica implica processos físicos de lidar com os sons, mas que também

são sociais. Codificação e decodificação de sons que são transmitidos via ondas hertzianas

fazem parte de processos comunicativos; assim a codificação das intencionalidades dos

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sujeitos falantes que objetivam estender a outros suas mensagens faladas permeia sistemas

que envolvem a linguagem (entonação de voz, tempo de fala, entre outros). Uma combinação

entre os sons da voz humana, os sons das músicas e os efeitos sonoros faz com que existam

processos de codificação. Isso de um lado. Já do outro lado, os ouvintes decodificadores e/ou

receptores muitas vezes apropriam-se das falas, ressignificando seu contexto sócio-cultural

como agentes que também detêm saberes. As apropriações e/ou decodificações realizam-se

pelas subjetividades dos ouvintes, não sendo possível, então, um único entendimento para

uma mensagem radiofônica veiculada através das ondas hertzianas ou das “vibrações”

magnéticas.

Pensar as origens e o desenvolvimento da radiodifusão sonora implica percorrer duas linhas de raciocínio diferentes, mas complementares: a do desenvolvimento de uma tecnologia que permitisse a transmissão, sem fios, de sons a distância e a da utilização destes avanços técnicos em um meio de comunicação massivo. (FERRARETTO, 2007, p. 79)

Apesar de a comunicação radiofônica pressupor um fluxo unidirecional em que uma única

mensagem é enviada para várias pessoas ao mesmo tempo, não há a garantia prévia sobre as

possíveis interpretações/narrativas dos ouvintes. Nesse processo, a subjetividade relacionada à

decodificação se entrelaça aos bens simbólicos de contextos sociais também distintos.

Desde as primeiras experiências radiofônicas, do início do século XIX aos nossos dias,

podemos observar as constantes mudanças técnicas e/ou tecnológicas que permitiram a

transmissão deste veículo de comunicação de massa.

No Brasil a primeira transmissão radiofônica é veiculada ainda no primeiro quartel do Século

XX, no Rio de Janeiro; está associada a propósitos políticos da nascente República e à

comemoração do centenário da independência.

Em 1922 houve no Rio de Janeiro uma grande exposição internacional para celebrar o Centenário da Independência. Duas companhias norte-americanas obtiveram licença para fazer demonstrações de seus aparelhos irradiando, do Corcovado e da Praia Vermelha, para os alto-falantes instalados no recinto da exposição. Foram essas as primeiras transmissões radiofônicas realizadas no Brasil. (ROQUETTE-PINTO, 2002-2003, p.12).

A radiodifusão como uma novidade despertou a curiosidade de muitos, os alto-falantes

transmitiram os sons vindos da estação montada no alto do Corcovado no RJ, assim o

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discurso do Presidente Epitácio Pessoa pôde ser ouvido por muitas pessoas. A estação

provisória montada no alto do Corcovado chamou a atenção de Edgard Roquette-Pinto.

Para compor o cenário das comemorações do centenário da independência, uma grande

exposição internacional montada no Rio de Janeiro demonstrava então a radiodifusão. Edgard

Roquette-Pinto pode ser considerado o “pai do rádio” no Brasil. Era médico, antropólogo e

também educador, foi o precursor da radiodifusão brasileira e teve como um de seus objetivos

difundir a cultura através das ondas do rádio, ou através das ondas hertzianas.

Assim, mesmo quando o rádio era apenas uma curiosidade exibida em exposição internacional, já existia na mente do educador que foi Roquette-Pinto a idéia de utilizá-lo ‘pela cultura dos que vivem em nossa terra, pelo progresso do Brasil’, conforme o lema com que ele, mais tarde, dotaria a estação PRAA, a primeira radiodifusora do país, hoje Rádio Ministério da Educação e Cultura (Rádio MEC). (ROQUETTE-PINTO, 2002-2003, p. 12)

Edgard Roquette-Pinto, percussor da radiodifusão no Brasil, criou, no ano seguinte à

exposição internacional do Rio de Janeiro, que comemorava o centenário da independência, a

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Os propósitos de Edgard Roquette-Pinto visavam às

questões culturais, ou seja, rádio a serviço da cultura.

Nesta data, os pioneiros da radiodifusão sonora brasileira reuniram-se na sede da Academia Brasileira de Ciências, em 20 de abril de 1923, fundando a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. O grupo liderado por Roquette-Pinto e Morize consegue, então, junto ao governo, o empréstimo dos transmissores da Praia Vermelha durante uma hora por dia. Usando o tempo ocioso de um equipamento utilizado prioritariamente pela radiotelefonia, o Brasil entra em definitivo, na era do rádio no dia 1º de maio daquele ano, quanto eles começam suas transmissões. (FERRARETTO, 2007, p. 96)

Edgard Roquette-Pinto e os demais associados da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro

promoveram, mesmo que de forma precária, sem uma programação definitiva, programas

culturais. “O idealismo dos pioneiros do rádio cunha para a primeira emissora do país o

slogan ‘Trabalhar pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil’. Com

base nestes parâmetros, Roquette-Pinto definia o novo veículo de comunicação.”

(FERRARETTO, 2007, p. 97).

Imersos em um clima político e cultural que trazia algumas novidades, o Brasil entra em uma

nova época, a partir da modernização, de uma efervescência de reivindicações, greves,

surgimento de novos partidos políticos, a Semana de Arte Moderna de São Paulo, o

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Movimento Tenentista e etc. Talvez uma nova tecnologia “radiodifusão” pudesse corroborar

com as idéias de um Brasil moderno, “distanciado” da monarquia, mas ainda com problemas

diversos, quando pensamos sobre o acesso aos bens culturais. Esses são alguns fatos que

marcaram o Brasil da época do primeiro quartel do Século XX, não são os únicos, nem os

mais relevantes, porém não há como deixá-los de lado ao pensarmos sobre a radiodifusão

brasileira, assim a inserção do Brasil na era da modernidade pode aqui ser mencionada por

tais fatos.

Inserido neste contexto de época, o professor Roquette-Pinto teria visto no rádio um instrumento de transformação educativa. Conferências científicas, música erudita e análise dos fatos políticos e econômicos marcam, deste modo, as primeiras transmissões da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Intelectuais e cientistas estrangeiros em visita ao Brasil falam ao microfone da primeira emissora do país. É o que ocorre quando o físico alemão Albert Einstein ou o poeta e ensaísta italiano Filippo Tommaso Marinetti (criador do movimento futurista) vêm ao Brasil. (FERRARETTO, 2007, p. 98-99)

No texto de Ferraretto (2007) podemos perceber que os fatos anteriormente listados vêm ao

encontro de um Brasil moderno, onde a fase de implementação e consolidação dessa mídia

que é o rádio, está marcada por intencionalidades políticas e culturais de seu idealizador;

Roquette-Pinto preocupava-se com a educação, e sua iniciativa pode ser considerada um

marco para a história do rádio e, talvez, para a rádio educativa.

O Brasil do início da era do rádio apresentava segundo os índices estatísticos do IBGE6, em

torno de 65% da população total sem acesso a alfabetização. Neste aspecto, a proposta de

Roquette-Pinto no que diz respeito a transformação educativa pode também ser explicada pela

alta taxa de analfabetismo. Por um lado a modernização, mas por outro o atraso no acesso aos

direitos sociais. Apesar de seus ideais, o idealizador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro –

Roquette-Pinto vislumbrava uma nova época, possibilidades de atingir maior número de

pessoas através da radiodifusão. “Em março de 1932, o presidente Getúlio Vargas autoriza a

veiculação de publicidade pelo rádio, o que lhe dá um novo rumo, mudando seu aspecto

cultural e erudito para popular, visando o comércio e a diversão.” (ANTUNES, 2002-2003, p.

18). Com o presidente Getúlio Vargas, o rádio passa por uma reestruturação, agora não mais

como novidade, e vincula-se ao lucro da publicidade. “O rádio começa a se estruturar, não

mais como novidade, mas sim se constituindo em um veículo de comunicação que, ao buscar

o lucro, volta-se para a obtenção constante de anunciantes e de público.” (FERRARETTO,

6 Fonte: IBGE, censos demográficos, apud Anuário Estatístico 1995.

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2007, p. 102). Mesmo com a nova etapa da radiodifusão, Roquette-Pinto não abdicou de seus

ideais, ou seja, da radiodifusão educativa.

O rádio como um veículo de comunicação de massa ganhou importância e popularidade, mas,

diante dos propósitos de buscar lucros através dos anúncios publicitários, Roquette-Pinto

decidiu doar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, isso em 1936, para o presidente Getúlio

Vargas, governante da época. Sob a condição de manter o caráter educativo da emissora, a

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro passa a ser então denominada de Rádio Nacional.

Ao mencionarmos o caráter publicitário do rádio, não poderíamos deixar de dizer também

sobre as influências das propagandas políticas, ou seja, sobre as intencionalidades políticas do

uso desse meio de comunicação. A radiodifusão pode, assim, ampliar a capacidade de

intervenção na esfera cultural, pois as múltiplas mensagens transmitidas atuam como

persuasão, em muitos casos, emocional e convencem, “preparando as massas” para as

transformações julgadas necessárias pelos dominantes.

A intensificação das emoções ocorre através dos meios de comunicação, responsáveis pelo aquecimento das sensibilidades. Mas os sinais emotivos são captados e intensificados também através de outros instrumentos: literatura, teatro, pintura, arquitetura, ritos, festas, comemorações, manifestações cívicas e esportivas. Todos esses elementos podem entrar em múltiplas combinações e provocar resultados diversos. (CAPELATO, 1998, p. 65)

O processo de convencimento das massas através das propagandas políticas ganhou destaque

no governo de Getúlio Vargas, pois, naquela época a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro

passou a ser a Rádio Nacional, controlada pelo governo. Apesar das recomendações de

Roquette-Pinto, as propagandas políticas fizeram com que houvesse o possível

convencimento das massas, dos ouvintes do rádio. Nesse tipo de discurso, o significado das palavras importa pouco, pois, como declarou Goebbels ‘não falamos para dizer alguma coisa, mas para obter um determinado efeito’. O efeito visado no Estado Novo era a conquista do apoio necessário à legitimação do novo poder, oriundo de um golpe. (CAPELATO, p. 1998, p. 67)

De acordo com Capelato (1998) o rádio era também usado para legitimar o poder político das

elites dominantes. No período do varguismo, os esforços para veicular apenas as vozes

oficiais, ou seja, as vozes do governo, teve destaque e colaboram para o controle de imprensa

a criação do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. Assim a censura intermediava o

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que poderia ser veiculado, mas as pressões políticas e financeiras também ditavam as “regras

do jogo”. Mesmo com o controle do Estado, a radiodifusão passou pela chamada época de

ouro, com programação voltada ao entretenimento, programas de auditório, radionovelas e,

também, os programas humorísticos. A liderança da Rádio Nacional em todo o território

brasileiro, também foi atribuída aos seus transmissores de ondas curtas, que rendiam ao

governo efeitos diversos, a começar pela audiência privilegiada e, em seguida, pela

possibilidade de veicular mensagem de cunho político de forma direta e com baixos

investimentos. Com o surgimento da televisão em meados do Século XX, a era do rádio

entrou em decadência. De meados do século XX para o início do Século XXI, há algumas

permanências e algumas mudanças no que diz respeito à comunicação radiofônica.

Devido a tradição monárquica que, infelizmente, o Brasil incorporou à sua cultura, instalou-se no país, a despeito e ao arrepio das Constituições republicanas, um executivo extremamente forte, dominador (cópia fiel do poder do imperador, ao tempo da monarquia), que não respeita as limitações constitucionais, que concede favores aos amigos e dificulta, pela lei, a vida dos opositores políticos. Por conseqüência, trouxe consigo uma cultura política de subserviência ao poder, com base no fisiologismo, nepotismo e apadrinhamento político, a qual repercutiu no povo em forma de desânimo, ignorância e alienação total em relação às coisas públicas. (SILVEIRA, 2001, p. 257)

A questão da tradição política mencionada por Silveira (2001) pode ser facilmente constatada

no cenário de processos midiáticos em que grupos políticos determinavam os padrões de

comunicação em um determinado contexto, isso em benefício próprio. Detinham algumas

mídias e faziam delas o mecanismo constante de busca pela afirmação de suas identidades,

seja enquanto parlamentares seja enquanto seguidores de uma determinada religião. Tais

grupos até hoje produzem e/ou veiculam mensagens com conteúdos comunicacionais

destinados a promover suas identidades. Porém, em muitos casos, as particularidades ou

subjetividades dos receptores tendem a ressignificar tais produtos midiáticos; assim as

mensagens não produzem os mesmos efeitos. Ao contrário, as peculiaridades de cada receptor

permitem a reinterpretação a partir de seus referenciais, desenvolvidos em contextos culturais

diversos.

Se, por um lado, as tentativas de manter antiga dominação política ainda se fazem presentes

em contextos diversos, por outro lado não podemos concordar que haja uma passividade no

que diz respeito à recepção dos produtos midiáticos, tão pouco que o entendimento de que o

desencantamento político se faz presente na sociedade brasileira como algo natural. Ao

referendarmos a cultura política como uma, deixamos de lado todo um universo de

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entrelaçamentos de saberes e experiências, que foram sendo adquiridos pelas comunidades,

assim seria prudente a utilização de culturas, ao invés de cultura no singular. Culturas

políticas que nem sempre tenderam a seguir pelos caminhos da subserviência ao poder.

Parece-nos que há a constituição de uma rede de bens culturais que auxiliem os receptores,

aqui enquanto ouvintes que marcam o seu lugar na mensagem, vão reestruturando, assim, as

falas e se apropriando daquilo que mais lhe interessam. Relações conflituosas como ressalta

Rodrigues (1993), interpretações múltiplas que se distanciam da “ignorância política” e que

também não podem ser consideradas produtos da alienação. Valores e percepções que se

alteram constantemente, a fluidez das diversas interpretações não pode seguir pelas vias de

um único modelo de comunicação.

Salientamos que algumas permanências de práticas comuns ao tempo da monarquia ainda se

façam presentes no Brasil Republicano, porém questionamos o caráter da passividade em

relação a esse passado, na atualidade.

Uma parcela da mídia também se submete a essa triste sujeição, pois, em troca da verba de publicidade, alguns veículos de comunicação apóiam, irrestritamente, o patrocinador, perpetuando seu grupo político no poder, sem dar espaço a novas lideranças, que, de um modo geral, não têm como competir com os nomes diuturnamente louvados e endeusados por eles. De quando em vez, quando um desses veículos de comunicação de massa é marginalizado na verba publicitária, faz algum alarde por algum tempo, até ser novamente contemplado com a benesse pública. Aí, torna-se, novamente, ardoroso adepto do poder dominante. (SILVERIRA, 2001, p. 258)

Alguns aspectos políticos das mídias ganham destaques. Na linha do exemplo acima citado

por Silveira (2001), podemos observar ainda as permanência, quando o governo de Getúlio

Vargas autorizou a veiculação de propagandas com fins lucrativos. Apesar das novas

estruturas dos meios de comunicação e, em específico, da radiodifusão, as elites que utilizam

as velhas práticas para se manterem no poder estão longe de possibilitar novas

discursividades, pensam apenas em seus interesses imediatos, sendo o rádio em meio técnico,

uma mídia de comunicação linear tradicional. São elites especializadas na manutenção do

poder, ou seja, dos postos de dominação, isso a partir da comunicação. Apesar das

inconveniências de alguns grupos que utilizam as mídias em benefício próprio, o Brasil da

“Era Republicana” apresenta avanços tanto sobre questões técnicas da comunicação quanto

das interpretações das mensagens transmitidas, pois, agora, não há apenas uma fonte de

captação de informações, e, sim, uma pluralidade de veículos midiáticos. É bem verdade que

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os veículos de comunicação se pluralizaram numa proporção muito maior que a gama dos

grupos hegemônicos que os detêm.

As reflexões sobre a política e os seus entrelaçamentos com a comunicação no Brasil não são

uma novidade do século XXI. Segundo Ferraretto (2007, p. 179), “O Estado como poder

concedente determina quem pode ou não prestar os serviços de radiodifusão.” O autor

explicita que o descompasso entre política e comunicação pode gerar prejuízos aos

parlamentares, mas ainda assim o campo midiático pode ser transformado em arena de

disputas, espaços de conflitos políticos, de denúncias, de solidariedades, ou até mesmo de

disseminação de ideologias de diversos atores sociais. Ressaltamos a importância da

discursividade ainda que seja forçada, o que pode criar novos espaços que garantam a melhor

fluidez das múltiplas falas, das múltiplas mensagens, revelando aspectos culturais importantes

que até então estavam escamoteados pela força e pela persuasão das falas elitizadas, desde as

velhas e ultrapassadas características do Império.

Ao movimentar o mundo das palavras, os veículos de comunicação fazem mais do que lançar mão de um mediador técnico capaz de apresentar pensamentos ou embelezar idéias. Trata-se, antes de tudo, de criar alternativas e escolhas facultadas por este ou aquele termo, esta ou aquela maneira de elaborar o enunciado, e, por decorrência, a informação, o conhecimento, em casos-limite, o saber. Parte destes procedimentos pouco afeitos à ingenuidade de identificar na palavra apenas um nomeador de coisas são as estratégias de persuasão e convencimento que darão suporte à elaboração/manutenção/reformulação de entendimentos [...] (CITELLI, 2006, p. 41- 42)

Citelli (2006) nos expõe parte das estratégias utilizadas em veículos de comunicação para

convencer através do uso das palavras, através da persuasão, nas quais as intencionalidades

dos emissores ganham destaque ou embelezamento. Mesmo com todo o processo de

“embelezamento” da linguagem verbal o receptor faz suas próprias interpretações. Ao

contrário estaríamos afirmando a continuidade do modelo clássico de comunicação humana,

no qual a linearidade prevaleceria sem que o processo pudesse ser alterado. A linguagem

verbal pode, também, ser um campo de conflitos onde a negociação entre produtores e

receptores de mensagens radiofônicas se faça presente, ao exemplo do que Rodrigues (1993)

menciona em sua obra.

Destacamos, ainda que a linguagem verbal, enquanto constituinte da forma primária de

comunicação, é resultado de contradições e expressão de padrões comuns a determinados

grupos sociais. “[...] a linguagem verbal é ao mesmo tempo constituinte dos sujeitos,

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mediadora das relações entre seres humanos e deles com a sociedade, registro da presença

de tensões ideológicas, arena onde são travadas as lutas [...]” (CITELLI, 2006, p. 42).

Através das ondas hertzianas, sentidos e significados surgem para ressignificar processos

midiáticos e também escolares, assim as arenas de confronto funcionam como novos campos

que possibilitam novos entendimentos, e conseqüentemente, uma nova forma de comunicação

radiofônica que pode ser de grande utilidade pública.

Das transmissões radiofônicas analógicas às digitais, dos velhos rádios do “rabo quente” que

funcionavam a base de válvulas às Web Rádios7. Multiplicam-se as emissoras, os sinais

atravessam fronteiras e chegam a novos locais, a qualidade do sinal depende do tipo de

sistema de comunicação adotado. No Brasil alguns problemas: a indefinição sobre o melhor

sistema de comunicação a ser adotado, ora a partir de modelos em desenvolvimento nos

Estados Unidos, ora baseando-se nos utilizados na União Européia, ou até em modelos

adotados no Japão.

O futuro da radiodifusão sonora passa necessariamente pela digitalização. As perspectivas para a primeira década do século 21 apontam qualidade semelhante à dos CDs com a possibilidade de transmitir, além de som, informações captadas em um pequeno display no receptor. (FERRARETTO, 2007, p. 190)

Sons e imagens captadas através das ondas do rádio, podemos assim dizer que, no Século

XXI, a melhoria no processo de transmissão de mensagens se faz presente, ou seja, novas

tecnologias para a transmissão digital de informações. De um lado, as fronteiras desaparecem

e os sinais da comunicação radiofônica podem ser captados em diversas localidades, mas, por

outro lado, há uma possível homogeneização das estruturas que atendem ao mercado. Assim

os produtos comunicacionais também podem virar mercadorias e acabam substituindo as

culturas locais, que viviam ou vivem com suas particularidades. Jesús Martín-Barbero (2005)

nos alerta para essas questões.

Entender essas transformações exige, em primeiro lugar, uma mudança nas categorias com que pensamos o espaço, pois, ao transformar o sentido do lugar no mundo, as tecnologias da informação e da comunicação – satélites, informática, televisão – estão fazendo com que um mundo tão intercomunicado se torne indubitavelmente cada dia mais opaco. Opacidade que remete, de um lado, ao fato de que a única dimensão realmente mundial até agora é o mercado, que, mais do que unir, busca unificar (Milton Santos). E atualmente o que está unificado em nível mundial não é uma vontade de liberdade, mas sim de domínio, não é o desejo de cooperação, mas o de competitividade. Por outro lado, a opacidade remete à

7 Emissoras de rádio com transmissão via internet.

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densidade e compreensão informativa que introduzem a virtualidade e a velocidade em um espaço-mundo feito de redes e fluxos e não de elementos materiais. Um mundo assim configurado debilita radicalmente as fronteiras do nacional e do local, ao mesmo tempo que converte esses territórios em pontos de acesso e transmissão, de ativação e transformação do sentido do comunicar. (MARTÍN-BARBERO, 2005, p. 58)

Fronteiras nacionais e também locais se entrelaçam, dificultando suas identificações enquanto

pontos de ancoragem, os processos comunicativos estabelecem novos entendimentos para os

espaços territoriais. Uma nova etapa nos processos de comunicação a partir dos avanços

técnicos. Na virada do Século XX para o XXI, Cyro (2005, p. 209) diz: “Vira o século e

novamente o rádio incrementa ainda mais sua atuação como mídia de massa. Os famosos

programas de auditório de outrora se transformam em megaeventos [...].” O rádio ainda é uma

mídia popular de amplo alcance público, o Brasil ocupa o segundo lugar8 no quadro mundial

quanto ao número de emissoras instaladas, superado apenas pelos Estados Unidos.

Nesta primeira década do novo século, o que se registra entre as inovações tecnológicas e artísticas do período é uma espécie de redescobrimento do rádio, um meio de comunicação de massa que continua atraindo e mantendo audiências diversificadas em praticamente todas as partes do mundo. (CYRO, 2005, p. 210)

Cyro (2005) no texto acima nos diz sobre a importância do rádio na primeira década do novo

Século, ou seja, do Século XXI, demonstra-nos como o rádio é uma mídia que não sai de

“moda”, ainda consegue manter audiências diversificadas no Brasil. O rádio se mostrou

multidimensional, das transmissões via satélite às transmissões radiofônicas em escala global

por meio da internet. “Dentre todas as mídias, o rádio foi o único meio que se mostrou

multidimensional, pois possui uma sinergia muito grande, as pessoas podem navegar e

trabalhar no computador ouvindo sua emissora preferida.” (CYRO, 2005, p. 211). As

transmissões via web foram iniciadas no Brasil a partir do ano de 2000.

Lançada na Ferasoft em 2000, a maior feira de informática do país, a Radioficina OnLine foi a primeira rádio web com locução ao vivo, voltada para a internet, do Brasil. O lançamento do projeto marcava um novo capítulo na história da radiodifusão brasileira, uma vez que a linguagem dos locutores, a plástica e o formato da emissora eram totalmente adaptados à web. (CYRO, 2005, p. 212)

A rádio web ainda é uma novidade no Brasil, apesar das primeiras experiências de 2000 como

ressalta Cyro (2005), as projeções do Ministério das Comunicações apontavam o ano de 2008

8 Ver: ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 4 ed. São Paulo: Summus, 1985.

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como um marco dos “novos tempos” do rádio. No ano de 2007 o rádio completou 85 anos,

superando as tendências que apontavam o seu desaparecimento com a chegada da televisão,

assim o rádio começa a “reviver” seu enorme potencial. O rádio garante a nosso ver o status

de um meio renovado, superando aquela imagem de “inferioridade” dos anos de 1960.

No dia 25 de setembro, o rádio brasileiro completou 85 anos com energia renovada, contrariando todas as expectativas de que desapareceria com a chegada da televisão, lá atrás, nos anos 60. A responsável por essa injeção de ânimo é a nova tecnologia digital, em teste no Brasil há dois anos, que deverá começar a fazer parte da vida dos brasileiros no início de 2008. Essa tecnologia permitirá o renascimento das emissoras AM (Amplitude Modulada), que passarão a ter a qualidade das FM (Freqüência Modulada) sem os chiados inconvenientes. Isso porque as ondas analógicas sofrem influências de fatores externos, enquanto o sinal digital não é afetado. Já as FM serão ouvidas com som de CD. As emissoras OM (Ondas Curtas) também vão passar por transformações profundas. Os canais de áudio poderão ser multiplicados e a digitalização permitirá a transmissão de imagens e textos. (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2007, p. 22)9

No texto acima podemos perceber alguns posicionamentos do Ministério das Comunicações

do governo do presidente Lula. As novidades para a radiodifusão no Brasil a partir de 2008

reforçam que o rádio não desapareceu com o advento da televisão. Quando falamos em rádio

digital, diferente ao analógico, será possível a transmissão de melhor qualidade de áudio, sem

ruídos, acrescentando também a possibilidade de envio de imagens e textos. Sem dúvidas a

tecnologia digital é um avanço significativo para a mídia radiofônica. “Os novos aparelhos

deverão ter telas de cristal líquido, capaz de receber informações por escrito e imagens. Nada

como a televisão, mas dados sobre o trânsito, gráficos, previsões do tempo e clipes por

exemplo.” (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2007, p. 23).10

Diante das novidades e tendências do Século XXI em relação a esse meio de comunicação,

que é o rádio, os processos comunicativos sofreram alterações na contemporaneidade, assim

pensamos ser o rádio mais do que um simples meio de comunicação, um hibridismo que

Menezes (2007) chama de mestiçagem.

9 Ver: Rádio digital: tecnologia no dia. IN. REVISTA DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Brasília: Ministério das Comunicações, v. 4, nov./dez. 2007. p.22. 10 Ver: Inovações e novidades para atrair mais ouvintes. IN. REVISTA DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Brasília: Ministério das Comunicações, v. 4, nov./dez. 2007. p.23.

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CAPÍTULO 2 – RADIODIFUSÃO E AUDIÊNCIA INFANTIL

2.1 – Radiodifusão e cultura de massas: “uma produção para todos”

Em um processo de contínuos avanços técnicos e tecnológicos, em uma época de constantes

“trocas”, e coexistência de diferentes mídias vem se destacando a utilização de diferentes

linguagens para o público infantil. Aqui ressaltamos a linguagem sonora empregada na

comunicação radiofônica como parte da cultura de massa. A constituição de redes

disseminadoras de mensagens faladas através das ondas hertzianas reforça, de certo modo, a

chamada cultura de massa, “advinda” dos meios eletrônicos e constituída por redes de

transmissão onde há um “fácil acesso” às mensagens que são produzidas para um público sem

endereço fixo, ou seja, mensagens produzidas para o público em geral e, conseqüentemente,

podem atingir, em menor ou maior audiência, as crianças.

Embora cada tipo de formação cultural tenha traços específicos que diferenciam uma formação cultural da outra, quando surge uma forma cultural nova ela não leva a anterior ao desaparecimento. Pelo contrário, elas se mesclam, interpenetram-se. A cultura escrita não levou a oral ao desaparecimento, a cultura das mídias não levou a cultura de massas ao desaparecimento, as novas tecnologias da inteligência não diminuíram a importância das precedentes, a escrita e a imprensa. Pelo contrário, a internet depende da escrita, ao passo que o inverso não é verdadeiro. Assim, todas as formas de cultura, desde a cultura oral até a cibercultura hoje coexistem, convivem e sincronizam-se na constituição de uma trama cultural hipercomplexa e híbrida. (SANTAELLA, 2007, p. 128)

De certa forma Santaella (2007) nos diz sobre as “trocas” e as coexistências de diferentes

mídias, mas isso não se restringe aos meios técnicos de comunicação. Diz-nos sobre culturas

diversas e a importância da trama entre oralidade e a escrita, um hibridismo. Entendemos, a

partir de Santaella (2007), que a cultura massiva é uma característica de parte da primeira

metade do Século XX e que atingiu seu ápice nos anos 1960, quando havia uma idéia de bens

simbólicos produzidos para um grande público. Porém a autora diz que a cultura massiva

sofre alterações e que um dos fatores dessas alterações pode aqui ser apontado, o que vem a

ser a multiplicidade de dispositivos e aparelhos destinados à comunicação; assim o controle

remoto, a TV e o rádio, entre outros elementos possibilitaram consumo individualizado,

escolhas individuais. Embora tais avanços técnicos tenham contribuído para uma “liberdade”

de escolhas, a produção das mensagens a serem transmitidas ainda permanece atrelada a um

público sem endereço, um público que, através da portabilidade pode levar seu rádio para

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diversos locais, mesmo assim a programação radiofônica pode levar em consideração a

segmentação do público como forma de organizar sua grade de programação. “Dizer ‘cultura

de massa’ equivale, em geral, a nomear aquilo que é entendido como um conjunto de meios

massivos de comunicação.” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 196). Tanto o rádio quanto a TV

podem ser considerados na perspectiva de Jesús Martín-Barbero como parte dos meios

massivos de comunicação. De um lado temos então a chamada cultura massiva, na qual o

rádio é entendido enquanto produto cultural, já por outro lado temos o rádio como

componente dos meios massivos, assim ele reproduz a cultura massiva.

Pensamos que não basta o aparecimento de dispositivos técnicos como forma de minar a

cultura de massas. Mesmo havendo um farto aparato técnico, os receptores podem ser

coagidos a agir de forma acrítica em relação aos produtos culturais veiculados na interface das

mídias. Assim, não há como garantir neste ponto, a destituição da cultura de massas apenas

pelo aparecimento de novas técnicas. Acreditamos que tais avanços tecnológicos podem até

contribuir para o “desencadeamento” de processos reflexivos sobre tais bens culturais

circulantes, mas não são únicos. Diante dessas considerações, o rádio pode ser visto como

uma “ferramenta” disseminadora de culturas massivas. Os programas radiofônicos carregam

suas especificidades, de alguma forma podem manter através de sua programação

determinados perfis, mas nunca podem considerar tais perfis como exclusivos.

Ainda em seus primórdios, o rádio, como o principal veículo de comunicação de massa na

sociedade, induzia as pessoas a se reunirem em torno dele para escutar coletivamente as

mensagens transmitidas, principalmente aquelas que traziam consigo alguma forma de

dramaticidade ou expectativa social e política. Mas essa forma de recepção foi

significativamente alterada, principalmente com o advento da televisão, levando-o a buscar

novas formas de transmissão e alteração no ambiente da recepção. Aqui o rádio pode ser

entendido como veículo que estabelece uma “comunicação para todos”, tanto para crianças

quanto adultos. Uma programação sem distinção de fronteiras geográficas, sociais, culturais e

econômicas, assim a produção radiofônica chega a várias localidades, de forma ágil e com um

baixo custo para os ouvintes. Neste ponto concordamos em que há um processo ampliado de

recepção pelo qual as classes populares também podem ter acesso a tal mídia.

Ao enfatizarmos a radidodifusão e a cultura de massas: “uma produção para todos”, não

deixamos de lado uma importante discusão que é abordada por diversos teóricos e que diz

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respeito à Indústria Cultural. “O avanço do capitalismo e a ascensão de regimes totalitários,

ambos secundados pelo crescimento da comunicação social e da difusão dos meios refletiu de

maneira profundamente negativa em um grupo de pensadores alemães [...]” (BARROS e

MARTINO, 2003, p. 191). Esse grupo pode ser entendido como Escola de Frankfurt.

A Indústria Cultural aqui é trazida como uma corrente de pensamento que objetivava levar a

todos um “modelo” de comunicação, uma cultura impregnada de valores pré-estabelecidos, de

visões de mundo e ideologias.

Essa corrente de pensamento tem também suas limitações. Parte delas são apontadas pela

perspectiva trazida por Martím-Barbero (2006) e demais autores latino-americanos que se

vinculam aos Estudos Culturais. Para estes, embora a comunicação massiva se dirija a um

“todo” em que são desconsideradas as especificidades, os sujeitos ressignificam a

comunicação que lhe é apresentada a partir das mediações que suas histórias particulares

permite.

A manutenção do domínio capitalista e também a difusão dos valores simbólicos de uma

determinada classe (burguesia) sobre as outras camadas sociais (proletariado), foi reforçada

pela Indústria Cultural11. “Assim como existe uma indústria de produção material, regida

pelas demandas e ofertas do mercado, também a cultura, reproduzida em grande escala,

tornou-se um objeto de consumo, um produto com características comerciais [...]” (BARROS

e MARTINO, 2003, p. 194). Parte do bens culturais como “ingredientes” que alimentam o

mercado é o termo em que os autores acima nos remetem. O rádio, por sua vez, não se isenta

de tal viés. Enquanto uma mídia de fácil acesso pode também servir aos interesses de

11 Sobre o conceito de Indústria Cultural, entendemos que as considerações de Armand Mattelart e Michele Mattelart (2008) são importantes, à medida que estabelecem o seguinte: “Em meados dos anos 40, Adorno e Horkheimer criam o conceito de indústria cultural. Analisam a produção industrial dos bens culturais como movimento global de produção da cultura como mercadoria. Os produtos culturais, os filmes, os programas radiofônicos, as revistas ilustram a mesma racionalidade técnica, o mesmo esquema de organização e de planejamento administrativo que a fabricação de automóveis em série ou os projetos de urbanismo.” (MATTELART e MATTELART, 2008, p. 77). Apesar das concepções estabelecidas por Adorno e Horkheimer sobre a análise dos fenômenos culturais, parece-nos que outro integrante da Escola de Frankfurt, que é Walter Benjamin, já apontava no início da década de 30 do Século XX um entendimento diferente. Assim, defendia em seu texto, conhecido como A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, a importância da reprodução, um dos exemplos que traz é o cinema. No texto estabelece que a arte entendida como “aura” é quebrada, pois tende a ser uma concepção obsoleta, não adequada. Embora o texto de Benjamin seja anterior ao de Adorno e Horkheimer, consideramos a importância do mesmo e a sua atualidade quando tratamos até mesmo da reprodução como parte dos programas radiofônicos que são reproduzidos por diversas emissoras e que permitem, de alguma forma, ampliar o número de receptores, isso através de uma mídia mais acessível.

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determinados grupos. A esse respeito, nos reportamos aos processos de convencimento das

massas através das propagandas políticas.

A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis. Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel do sujeito. Democrático, o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entregá-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. Não se desenvolveu nenhum dispositivo de réplica e as emissões privadas são submetidads ao controle. Elas limitam-se ao domínio apócrifo dos ‘amadores’, que ainda por cima são organizados de cima para baixo. No quadro da rádio oficial, porém todo traço de espontaneidade no público é dirigido e absorvido, numa seleção profissional, por caçadores de talentos, competições diante do microfone e toda espécie de programas patrocinados. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 114-115)

Adorno e Horkheimer (1985), no excerto acima, nos dizem sobre alguns problemas advindos

com a passagem da “era” do telefone para a “era” do rádio. Parece-nos que a crítica é

estabelecida a partir da perspectiva da Indústria Cultural. Aqui as particuladridades dos

sujeitos são deixadas de lado, no seu lugar há uma idéia única, ou seja, produtos culturais

produzidos com finalidades ideológicas estabelecidas.

O contexto da produção e recepção do rádio trazido aqui neste estudo é bastante distante

daquele que inspirou os teóricos da “Indústria Cultural”. Assim, embora ainda seja pertinente

a avaliação de que grande parte das empresas de comunicação dominam economica e

ideologicamente tal produção, percebemos que, principalmente com os avanços tecnológicos,

essa produção se tornou mais plural. Um exemplo disso é que hoje disputam com as

emissoras comerciais outros tipos de incentivos de radiodifusão: ligadas à instituições

educacionais, organizações não-governamentais, as chamadas rádio-piratas, rádios de

associações de moradores ou movimentos sociais, rádio-poste, rádio-web, etc. Percebemos

que nos programas radiofônicos pesquisados o pensamento dos frankfurtianos não pode ser

considerado em sua totalidade, enquanto algo absoluto, temos, assim, algumas

particularidades dos apresentadores de tais programas uma vez que agregam, de certo modo

linguagens múltiplas, produzidas não apenas a partir de um segmento social e nem com

finalidades de atender o mercado ou aos anseios capitalistas.

Pensamos ser pertinentes as contribuições dos estudiosos frankfurtianos ao estabelecerem o

conceito de Indústria Cultural, bem como a denúncia da postura alienada das massas diante

dos meios de comunicação. “Não é à toa que o sistema da indústria cultural provém dos países

industriais liberais, e é neles que triunfam todos os seus meios característicos, sobretudo o

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cinema, o rádio, o jazz e as revistas.” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 124). Os

autores constroem críticas, mas enfatizam que na sociedade de massas a cultura é apenas mais

um produto.

Os Estudos Culturais latino-americanos ajudam a relativizar a abordagem frankfurtiana

salientando a importância das multiplas mediações que os sujeitos fazem com os bens

culturais, em diferentes grupos e contextos, pluralizando, em suas formas de apropriação,

conteúdos supostamente massificados.

Sendo as produções culturais muitas vezes um dos reflexos do mercado, do capital na

perspectiva frankfurtiana, entendemos que a esse respeito os receptores, a partir de seus

contextos, podem diferenciar tais produtos, assim a tendência de que nesse processo de

comunicação a passividade dos receptores tornou-se uma recorrrência vem perdendo força. A

idéia, que aqui defendemos, de que há uma interatividade, de que há processos identitários em

que os receptores, tanto adultos quanto crianças, também são ativos vincula-se a perspectiva

dos Estudos Culturais, pois interferem constantemente nas mensagens. Estabelecemos

algumas críticas às considerações trazidas por Adorno e Horkheimer (1985), sobre a cultura

massiva atrelada ao capital, fazemos algumas distinções: os programas radiofônicos

analisados se distanciam da possível “reprodução” em que tais produções radiofônicas tendem

a repetir a hegemonia do sistema capitalista, não são o porta voz do “capital”; ao contrário

pensamos existir aí uma linguagem negociada. Em um mundo midiático, estabelecemos a

idéia de plurimídia, ou seja, a interface ou confluências das mídias e o movimentar-se das

crianças por tais redes contituíndo portanto novas interpretações e apropriação dos produtos

culturais.

A expressão contemporânea ‘redes de comunicação’, unindo tecnologias em nível transnacional, tanto quanto pluralidade de mídias interagindo entre si, dá a exata idéia do que vem a significar a ruptura de fronteiras que a tecnologia atingiu, donde nova configuração política dada à própria tecnologia enquano componente do processo social. (SOUSA, 2002, p. 32)

Mauro Wilron Sousa (2002) reforça o que chamamos de confluência ou interface das mídias.

Diz ainda que as fronteiras perdem a existência, dão lugar a um “novo modelo” de

comunicação que pode ser entendido como “redes de comunicação”. Criam-se, assim, modos

de percepção e de experiências, pautados nas novas relações das redes de comunicação. O

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termo ou expressão “comunicação de massa” também foi questionado por outros teóricos a

exemplo da citação seguinte:

Já se disse muitas vezes que ‘comunicação de massa’ é uma expressão infeliz. O termo ‘massa’ é especificamente enganoso. Ele evoca a imagem de uma vasta audiência de muitos milhares e até milhões de indivíduos. Isto pode perfeitamente vir a calhar para alguns produtos da mídia, tais como os mais modernos e populares jornais, filmes e programas de televisão; mas dificilmente representa as circunstâncias de muitos produtos da mídia, no passado ou no presente. Durante as fases iniciais do desenvolvimento da imprensa escrita periódica, em alguns setores das indústrias da mídia hoje (por exemplo, algumas editoras de livros e revistas), a audiência foi e permanece relativamente pequena e especializada. Assim, se o termo ‘massa’ deve ser utilizado, não se pode, porém, reduzi-lo a uma questão de quantidade. O que importa na comunicação de massa não está na quantidade de indivíduos que recebe os produtos, mas no fato de que estes produtos estão disponíveis em princípio para uma grande pluralidade de destinatários. (THOMPSON, 2002, p. 30)

Apresentamos mais um teórico que discute algumas questões da comunicação de massa: John

Thompson (2002) nos diz sobre algumas incoerências do termo “massa”, fala-nos sobre a

possibilidade de uma vasta audiência, exemplifica que em algumas mídias a audiência

permanece pequena e também especializada e assim revisita a discussão da Indústria Cultural.

Diz não se preocupar com a quantidade de sujeitos que terão acesso às mídias, mas reforça

que há uma importância quando tais produtos culturais estão disponíveis para uma grande

pluralidade de destinatários, que chamamos de receptores. “Há um outro aspecto em que o

termo ‘massa’ pode enganar. Ele sugere que os destinatários dos produtos da mídia se

compõem de um vasto mar de passivos e indiferenciados indivíduos.” (THOMPSON, 2002, p.

30).

Thompson (2002) esclarece que os receptores não são tão passíveis assim, ressignificam as

mensagens que recebem e não podem ser considerados acríticos. “Devemos abandonar a idéia

de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos

formam permanentemente, embotados pela contínua recepção de mensagens similares.”

(THOMPSON, 2002, p. 31). Todo esse diálogo estabelece novas formas de comunicação,

assim tanto os produtores de bens midiáticos quanto os receptores explicitam suas

particularidades, podendo ou não serem estas aceitas pelos outros, tanto os que podem ser

ouvintes quanto os que podem ser produtores das mensagens midiáticas. Peruzzo (2004)

também aborda algumas características sobre a comunicação massiva.

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Os veículos de comunicação massiva não são, portanto, necessariamente, ‘perversos’ com relação aos interesses populares. Eles, enquanto meios técnicos, permitem diversas formas de emprego, como já disse Brecht há muitos anos. Muitas experiências, principalmente no setor da radiofonia, têm demonstrado sua potencialidade quanto a um trabalho educativo na perspectiva emancipadora. (PERUZZO, 2004, p. 131)

O rádio é um veículo de comunicação de massa, as produções midiáticas radiofônicas são

destinadas a um público a priori não identificado, porém as produções dos programas

analisados são destinados às crianças, assim a potencialidade educativa da radiodifusão,

mencionada por Peruzzo (2004), nos demonstra o quanto são possíveis os desvios, quando

tratamos sobre a Industrial Cultural. A partir das considerações de Peruzzo (2004), são

indiscutíveis os relevantes serviços que o rádio presta às comunidades ou à sociedade, em

processos que tangenciam a educação formal e, mesmo, a não-formal. Apesar da importância

desse veículo de comunicação, no próprio universo midiático de bens e produtos de diversas

mídias se sobrepõem à relevância atribuída a radiodifusão, ou seja, o rádio é colocado de lado,

em função do surgimento e da concorrência com outros veículos de comunicação.

A temática da relação entre comunicação popular e massiva remete-nos a algumas questões. Por um lado, esgotou-se todo um período de análise dos mass media, que privilegiou a abordagem de suas estruturas, a par de seus processos de manipulação e dos possíveis efeitos maléficos nos receptores. (PERUZZO, 2004, p. 132)

A Radiodifusão, a partir do excerto acima, é uma comunicação massiva, para “todos”. O

público receptor, por sua vez, não é prejudicado por ter acesso a uma produção ampliada, ou

seja, para todos, ao contrário, não se deixa ser manipulado pelo fato de ter acesso a uma

produção midiática massificada. São receptores que não são necessariamente consumidores de

mensagens a partir da lógica do mercado. São sujeitos que podem prezar a qualidade dos

programas veiculados através das “ondas do ar”. Assim, entendemos que a comunicação de

massa carrega, por um lado, algo que pode reforçar a dominação, ou seja, o estabelecimento

de uma determinada cultura, mas, por outro lado, nos revela as possíveis liberdades de

escolhas. Entre uma estação de rádio e outra, a sintonia do receptor se entrelaça com os

anseios e desejos do produtor.

A constituição da massa, segundo Blumer (1987), é marcada por características próprias;

indicando um grupo coletivo elementar e também espontâneo, “[...] seus participantes são

originários [...] de quaisquer categoria social, podendo incluir pessoas com diferentes

situações de classe, vocações diversas, múltiplas vinculações culturais e diferentes níveis de

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riqueza material.” (BLUMER, 1987, p. 177). Acrescentamos, no entanto, variações de faixa

etária, pois desta forma percebemos que as crianças também podem ser participantes dessa

coletividade estabelecida por Blumer (1987). O autor fala ainda sobre outros dois aspectos

importantes: sobre a massa, em um desses aspectos, diz que a massa é um grupo anônimo, ou

seja, em sua composição os indivíduos são anônimos. Já no outro aspecto estabelece que

existe pouca interação ou troca de experiências entre os membros da massa. Se por um lado a

radiodifusão pressupõe um distanciamento físico dos sujeitos, por outro os diálogos

estabelecidos ao longo dos dois programas analisados revelam-nos em parte as vozes

destoantes em relação à unicidade “enfatizada” por Blumer (1987).

Já foi salientado que a massa não tem oportunidade de se misturar ou interagir à maneira da multidão. Ao contrário, os indivíduos estão separados uns dos outros e não se conhecem entre si. Este fato significa que o indivíduo situado na massa, ao invés de estar despojado de sua autopercepção, mostra-se pelo contrário, bastante apto para desenvolver ainda mais sua autoconsciência. Em lugar de agir em resposta às sugestões e ao estímulo exaltado daqueles com os quais interage, atua em resposta ao objeto que atraiu sua atenção e com base nos impulsos despertados pelo mesmo objeto. (BLUMER, 1987, p. 179)

No excerto acima o autor aponta alguns desafios encontrados por aqueles que estão imersos

na sociedade enquanto massa, porém diz também que, mesmo não havendo a possibilidade de

compartilhamento de idéias e pensamentos no mesmo espaço e tempo, estes carregam uma

especificidade, pois constroem uma autopercepção e se mostram aptos ao desenvolvimento da

autoconsciência e por assim dizer interagem de alguma forma com os “objetos/sons” que mais

lhes despertam atenção.

Apresentadas as críticas à característica de ser o rádio uma mídia de massa por privilegiar um

tipo de comunicação onde o produtor se dirige a um grupo infinito de recepção em torno a

uma idéia única, algumas considerações precisam ser feitas para relacionar e diferenciar a

radiodifusão e algumas iniciativas que se apresentam assumindo outras perspectivas técnicas

e políticas. Nesse sentido, entendemos ser necessário esclarecer que os programas analisados

nesta pesquisa – Rádio Maluca e Universidade das Crianças – se distanciam da perspectiva da

produção massificada, primeiramente, por não serem produzidas e veiculadas a partir de

critérios comerciais e, em segundo lugar, pelo caráter cultural e político que balizam a

produção de ambos os programas. São exemplos de que, como ponderavam Bertold Brecht e

Walter Benjamin, a tecnologia da radiodifusão pode colocar-se a serviço de diferentes

projetos políticos, culturais ou educacionais.

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2.2 – As crianças com audiência endereçada: o pioneirismo de Bertold Brecht e de Walter Benjamin

Bertold Brecht, dramaturgo alemão, ao pensar sobre o rádio, recém advento da nova

tecnologia da comunicação do início do Século XX, preocupou-se com o uso dessa mídia.

Brecht foi um dos precursores a articular reflexões sobre a importância desse novo meio. Seus

vários textos sobre a radiodifusão, escritos de 1927 e 1932, são conhecidos como “Teoria do

Rádio”.

Walter Benjamin, teórico contemporâneo de Brecht, também atuou no universo radiofônico,

realizou seu primeiro programa no rádio em março de 1927 expressando-se através das

chamadas radiopeças, inspiradas às peças didáticas de Brecht. Benjamin produziu mais de 80

programas radiofônicos, “programas pedagógicos” entre 1927 e 1933. Segundo Pereira (2007,

p. 4): “Benjamin tinha clareza do papel que o rádio podia ocupar na popularização do saber,

tema que ganhou seu interesse a partir de seu contato com Bertold Brecht e das ‘peças

didáticas’ que este produzia [...].” Benjamin também tratou do tema da infância. “O tema da

infância ocupa lugar relevante na obra de Walter Benjamin, seja para destacar a peculiaridade

da ação e do pensamento das crianças; seja como alegoria para tratar daquilo que no homem

permanece inacabado, inconcluso.” (PEREIRA, 2007, p. 2)

Quando tratamos de radiodifusão as reflexões trazidas por Brecht e Benjamin são importantes.

O filosofo Walter Benjamin, pode ser considerado um dos pioneiros na produção de

programas radiofônicos para esse determinado público que são as crianças. Poucos são os

escritos que tratam desse pioneirismo que o mesmo nos tenha deixado. Talvez uma das

explicações da falta de textos deixada por Benjamin possa ser o próprio sentido da

modernidade na qual estava imerso, um mundo repleto de transformações, mudanças de toda

ordem, tanto nos aspectos políticos quanto sociais, econômicos e também culturais. Assim a

emergente forma de envio/transmissões de mensagens pelas ondas no ar ainda era

desconhecida por muitos, e necessitava de investimentos financeiros.

Processos comunicativos diversos, a radiodifusão ganha destaque diante das propostas de

Benjamin, que, por um lado, aproximava-se em parte dos anseios das crianças, mas por outro

lado apresentava também gêneros diversos em suas mensagens radiofônicas, abordando

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questões culturais a partir de livros escritos. Foi no período que se estendeu entre o final da

década de 20 do Século XX ao início da década de 30 do mesmo Século que tais produções

radiofônicas de Benjamin ganharam destaque, tanto em emissoras de Berlim quanto de

Frankfurt.

As narrativas deste escritor estão repletas de considerações que se apegam a questões que

tangenciam a infância. Benjamin se preocupava com as pessoas que também eram atingidas

pela comunicação, longe de uma perspectiva de que tais pessoas se comportavam como

massa. Talvez sem estabelecer possíveis críticas diante da recepção de mensagens dos meios

de comunicação, suas idéias estavam imersas nas possibilidades de críticas dos produtos

culturais a partir dos receptores.

Nos estudos de comunicação as contribuições de Benjamin são importantes, pois tratam do

possível fascínio pelas “novas” técnicas de comunicação e até mesmo dos efeitos negativos

advindos destas mesmas técnicas. “A perspectiva de Walter Benjamim em relação aos estudos

de comunicação desenvolve-se em torno de um duplo eixo [...] entre o fascínio [...] pelas

novas técnicas de comunicação e a crítica melancólica diante dos efeitos negativos

decorrentes dessas inovações [...]” (BARROS e MARTINO, 2003, p. 201). A lucidez com

que Benjamin tratava dos temas sobre a cultura e que ora se aproximam de aspectos propícios

da comunicação radiofônica para as crianças nos demonstra a importância da audiência

endereçada, ou seja, as peculiaridades do público infantil e seus entrelaçamentos com

processos de radiodifusão.

As potencialidades do rádio que nas décadas de 20 e 30 do Século XX, chamaram a atenção

de diversos autores como, por exemplo, Walter Benjamin e Bertold Brecht, entre inúmeros

outros, intelectuais e produtores da área cultural, buscavam entender e explorar as

possibilidades estéticas e narrativas desse “nascente” veículo de comunicação que é o rádio.

Enquanto isso na década de 60, Marshall McLuhan procurava explicar o dispositivo

radiofônico como implosão eletrônica. Nessa década também o rádio vai ser pensado em suas

potencialidades políticas, embora na década de 30 o dramaturgo, poeta e teórico alemão

Brecht já houvesse pensado com sutileza a este respeito.

Lembro como ouvi falar do rádio pela primeira vez. Foram notícias irônicas de jornal sobre um furacão radiofônico completo, cuja missão era arrasar a América.

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No entanto, tinha-se a impressão de que se tratava de assunto não apenas da moda, mas realmente moderno. Esta impressão se desvaneceu muito rápido, quando também tivemos ocasião de ouvir rádio. Naturalmente, a princípio ficava-se maravilhado e se perguntava de onde procediam aquelas audições musicais, mas logo tal admiração foi substituída por outra: perguntava-se que tipo de audições procediam do éter. Era um triunfo colossal da técnica, poder colocar por fim, ao alcance do mundo inteiro, uma valsa vienense e uma receita de cozinha. Como quem diz com toda a segurança. (BRECHT, 2005, p. 35)

No texto acima, Bertold Brecht diz sobre os sons vindos do rádio, nos remete aos processos

técnicos, aos avanços da ciência e também ao alcance que rompe barreiras antes estabelecidas.

Percebemos nas escritas do autor a potencialidade do rádio, porém ele tece críticas à falta de

reflexões sobre as finalidades do rádio. Brecht apresenta-nos sugestões, a partir de algumas

análises para a utilização do rádio tanto em termos de sua forma, e seu conteúdo quanto à sua

possível função social. Em alguns momentos, crítica também a forma como a utilização do

rádio é apropriada exclusivamente pela burguesia. Assim, opina que o rádio deveria atender

aos princípios democráticos, remetendo-nos às funções e/ou questões sociais da radiodifusão.

A preocupação de Bertold Brecht com tais aspectos do rádio pode ser verificada nos ensaios

que escreveu sobre as “potencialidades” deste “recém/criado” veículo de comunicação de

massa para a sociedade, os quais foram elaborados entre os anos 1927 e 1932.

Na minha opinião, vocês deveriam tentar fazer do Rádio uma coisa realmente democrática. Neste sentido, obteriam logo uma série de resultados se, por exemplo, dispondo, como dispõem, de maravilhosos aparelhos de difusão, deixassem de estar simplesmente produzindo, sem cessar, em vez de tornar produtivos os acontecimentos atuais mediante sua simples exposição e, em casos especiais, inclusive mediante uma direção hábil e que economiza tempo. (BRECHT, 2005, p.36)

Podemos perceber que, no excerto anterior, Bertold Brecht estava preocupado com a falta de

participação e com a unidirecionalidade do rádio, pelo o fato de este ser usado como

instrumento para determinados fins, como, por exemplo, no caso em que subsidiou as

propagandas do Estado e, por conseqüência, se distanciou da “democratização da

comunicação”. Ele, também, estava consciente do impacto do rádio na estrutura da vida

familiar, afirmando que a radiodifusão não e um método “[...] tampouco basta a radiodifusão

como método para voltar a fazer íntimo o lar, e possível a vida familiar – pelo que continua

sendo discutível se o que o rádio não pode conseguir é de todo o modo desejável.” (BRECHT,

2005, p. 41-42)

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A preocupação de Bertold Brecht se faz presente na contemporaneidade, pois, ao estabelecer

análises e críticas a partir do processo de radiodifusão, diz que, para além da simples

transmissão, este veículo de comunicação deve ser entendido como uma mídia de expressão

democrática. Aqui enfatizamos que as formas de linguagens empregadas em tais expressões

são importantes, principalmente quanto tratamos de processos de radiodifusão para crianças.

A idéia de Bertold Brecht nos remete às rupturas de uma das formas de comunicação, a

linear, estabelece que a participação tanto dos ouvintes quanto dos produtores/emissores se

faz necessária. Entrelaçamentos e interatividades talvez sejam conceitos úteis para uma

reapropriação com vistas à produção de programas radiofônicos para crianças.

E para ser agora positivo, quer dizer, para descobrir o positivo da radiodifusão, uma proposta para mudar o funcionamento do rádio: é preciso transformar o rádio, convertê-lo de aparelho de distribuição em aparelho de comunicação. O rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação [...] (BRECHT, 2005, p. 42)

Bertold Brecht (2005) no texto acima ao mencionar os aspectos positivos do rádio, reforça

que a comunicação se diferencia da distribuição, diz não bastar que o rádio seja capaz de

emitir; além de se fazer escutar, o rádio deveria por-se em comunicação com os ouvintes. Ele

chama de “radiouvintes” os que conseguem esse entrelaçamento. Enquanto dispositivo

comunicacional, não temos dúvidas que o rádio pode estabelecer uma relação íntima e pessoal

entre o ouvinte e o locutor, isso para não dizer que tal relação pode ocorrer até mesmo no

processo de produção de programas radifofônicos.

Desse modo Bertold Brecht, no segundo quartel do Século XX, em parte de seus escritos nos

diz sobre a possível transformação do rádio, de simples aparelho técnico de transmissão, a

aparato de comunicação capaz de agregar as diversas vozes, a constituição dos “radiovintes”.

Ao tratarmos de programas radiofônicos para crianças enfatizamos a importância de Walter

Benjamin, como já ressaltamos anteriormente, pois, segundo Hagen (2006), em 1927 a

proposta de Benjamin sobre a utilização do rádio como disseminador de conhecimentos ganha

um novo formato que é chamado de “rádio-conferência”.

O primeiro programa que Benjamin fez para o rádio foi agendado algumas semanas após ele voltar de uma viagem de dois meses à Moscou, de 26 de dezembro a 27 de janeiro. O programa foi agendado na quinta-feira, 23 de março de 1927 de 19:45h às 20:15h. 'Jovens Autores (escritores) Russos' foi o título. O anúncio no jornal

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Sudwest Rundfunk [...] o rádio apresentou as relações sociais e artísticas na nova Rússia em uma exclusiva reportagem de Moscou. (HAGEN, 2006, p. 05)12

Uma conferência que teve como título “Escritores russos jovens” foi o primeiro “programa”

que Benjamin apresentou no rádio. A proposta dessa apresentação foi anunciada até mesmo

no diário “Sudweste Rudndfunk Zeitschrift” que, segundo o próprio Hangen (2006), abordaria

aspectos vinculados às relações sociais e artísticas na Rússia. Desta forma entendemos que o

rádio estabeleceria naquele momento, uma possível forma de comunicação na qual havia uma

preocupação inicial com questões que se vinculassem à cultura, à literatura, à juventude e que

posteriormente, em seus programas a infância ganharia destaque.

Benjamin disse ser a radiodifusão o resultado de uma troca com a reação dos ouvintes, disse

como aquele que, a partir das experiências que teve com tal mídia, conseguiu construir pontos

que são significantes em tal processo. Benjamin não se atém às características técnicas do

veículo de comunicação que é o rádio, em seus escritos quase não aparece a palavra mídia,

talvez pelos costumes da época, mas isto não corresponde a uma ausência sobre o pensar

desse “novo” meio de comunicação. “Benjamin não diz médium porque o rádio em Weimar

tipicamente era visto como uma instituição cultural e não como um médium [...]” (HAGEN,

2006, p. 21)13. Ao contrário, ele enfatiza que o rádio está por toda parte e, por assim dizer,

demonstra-nos que a sua utilização corresponde, em parte, ao entendimento das “outras”

vozes, das discursividades que circulam.

Assim, diz Benjamin, o rádio é tudo a respeito da voz, dicção e fala. Isto é, em uma palavra, ele (é) o aspecto técnico e formal, que em muitos casos pode tornar insuportáveis as questões que são para o público as que mais valem a pena conhecer a respeito, enquanto que, em raros casos, ele pode também tornar as mais obscuras encantadoras ( Há anunciantes aos quais se ouve mesmo quando eles lêem boletins metereológicos.) (HAGEN, 2006, p. 16)14.

12 Citação traduzida por mim do original em inglês: The first program Benjamin did for radio was scheduled some weeks after he came back from his two month journey to Moscow, December 26 to January 27. The program was scheduled on Thursday March 23rd 1927, from a quarter to eight until quarter past eight in the evening. ‘Young Russian writers’ was its title. The announcement in the journal ‘Südwest Rundfunk Zeitschrift’ […] the radio presented the social and artistic relations in new Russia in an exclusive report from Moscow. (HAGE, 2006, p. 05) 13 Citação traduzida por mim do original em inglês: “Benjamin doesn’t say médium because radio in Weimar typically was seen as a cultural institution and not as a medium [...]” (HAGEN, 2006, p. 21). 14 Citação traduzida por mim do original em inglês: Therefore, says, Benjamin, radio is all about ‘voice, diction and speech’. That ‘in one word, it [is] the technical and formal aspect, which in so many cases can make unbearable the issues which are to the audience most worth knowing about, whereas, in rare cases, it also can make the most obscure ones enchanting (There are announcers to whom one listens even when they read the weather forecast)’. (HAGEN, 2006, p. 16)

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No texto acima podemos verificar que Benjamin reforça que o rádio está por toda parte,

sendo a voz, a dicção e a fala por sua vez importantes “componentes” para viabilizar o

processo comunicativo entre humanos. Mas essa tríade pode fazer com que a utilização do

aparato técnico em que o rádio se inclui possa ser insuportável, isso pela falta de qualidade

dos programas radiofônicos. Por outro lado as audiências podem gostar tanto dos programas

que a simples previsão do tempo também desperte o interesse por aqueles que são ouvintes de

determinados programas radiofônicos. Talvez pudéssemos dizer que Benjamin se preocupava

com as pessoas que “receberiam” os produtos midiáticos, ou seja, as mensagens da

radiodifusão. Outro ponto é que Benjamin considerava as crianças como sujeitos sociais; essa

dimensão revela-nos parte da discursividade que estabeleceu em seus estudos.

[...] Benjamin revela um profundo e sensível conhecimento sobre a criança como indivíduo social e fala de como ela vê o mundo com seus próprios olhos; não toma a criança de maneira romântica ou ingênua, mas a entende na história, inserida numa classe social, parte da cultura e produzindo cultura. (KRAMER, 2007, p. 31)

Se, por um lado, havia a preocupação de Benjamin sobre parte da produção cultural e,

especificamente, sobre os programas transmitidos através da radiodifusão, ou seja, através de

suas produções, preocupava-lhe também o contexto em que tais mensagens radiofônicas

chegavam. “Percebe-se, desta forma, que a dimensão filosófica, bem como a política, estão

calcadas na história e se voltam à cultura.” (KRAMER, 2007, p. 31).

Entendemos que o processo de discursividade pautado na linearidade é rompido por

Benjamin, constituem-se, assim, novas perspectivas de cruzamentos, de intercâmbios de

vozes que possibilitarão a renúncia do eu, da individualidade; tal viés no campo da

comunicação apresenta-se como pluralidades narrativas. “Paradoxalmente, a renúncia à

autoridade do autor permite a eclosão de um texto luminoso no qual ele reaparece como um

voz narrativa única, surgindo do ‘entrelaçamento’ da sua história com a ‘história dos outros’ e

poderíamos talvez acrescentar, do Outro15.” (GAGNEBIN, 2004, p. 83). Assim podemos

perceber que a palavra outro é mencionada com a primeira letra maiúscula, “Outro”, o que

corresponde, em certo ponto, à importância que Gagnebin (2004) atribui ao pensamento de

Benjamin, quando tratamos dos possíveis entrelaçamentos de culturas, de histórias, de

memórias e, por assim dizer de narrativas. “O narrador retira da experiência o que ele conta:

sua própria experiência ou a relatada pelos outros.” (BENJAMIN, 1994, p. 201). Essa troca do

15 O grifo é nosso.

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eu como o outro a que Benjamin se refere é importante para pensarmos a comunicação

radiofônica. O locutor que, diante do microfone, estabelece uma forma de diálogo com

aqueles que estão do outro lado da “linha” pode considerar as especificidades do contexto

sócio-cultural a partir de narrativas, de suas vivências, de suas experiências. Entre emissor e

destinatário a mensagem pode carregar as narrativas de contextos espaciais diferenciados, mas

que em determinados momentos se entrecruzam.

A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão – no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em-si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (BENJAMIN, 1994, p. 205)

De certa forma algumas discursividades advindas da radiodifusão podem ser entendidas como

narrativas, uma vez que o locutor como narrador deixe transparecer suas intencionalidades.

“Comum a todos os grandes narradores é a facilidade com que se movem para cima e para

baixo nos degraus de sua experiência, como numa escada. Uma escada que chega até o centro

da terra e que se perde nas nuvens – é a imagem de uma experiência coletiva [...]”

(BENJAMIN, 1994, p. 215). Narrativas que permeiam alteridades, discursividades que

repletas de experiências enfatizam o nós, a coletividade. Os estudos de recepção e as práticas

culturais coletivas do cotidiano também ganharam destaque através das escritas de Walter

Benjamin.

Do ponto de vista da comunicação, a diversidade de gêneros experimentados e os questionamentos feitos sobre o meio dão pistas de que havia uma intencionalidade filosófica no uso do rádio, uma mídia ainda em construção, popularizada para dar uso comercial aos aparelhos criados com fins militares na primeira guerra. Essa experiência, embora não tenha sido objeto de uma análise filosófica por parte de seu autor durante o seu processo de desenvolvimento, foi parcialmente organizada ao seu final e, certamente, em muito contribuiu para a contundente reflexão sobre a dimensão política da técnica que apareceria no clássico ensaio sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, em 1935-1936. (PEREIRA, 2007, p. 3)

No texto acima, Pereira (2007) demonstra a existência de intencionalidade filosófica na

utilização do rádio por parte de Benjamin. Percebemos que a radiodifusão também implica,

quando analisada em seus aspectos de reprodução técnica de uma obra de arte, portanto uma

questão relacional entre arte e política. Benjamin (1994) também enfatizou que, com o

advento das chamadas técnicas de reprodução, é chegado o momento em que a arte escapa do

culto aristocrático, ganhando, assim, um “novo estatuto”. A esse respeito entendemos que o

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rádio também pode ser incluído neste “novo estatuto”, pois também reproduz. Com salientou

Hager (2006), que dividiu os trabalhos desenvolvidos por Benjamin em categorias entre as

quais a radiodifusão, pensamos que a utilização do rádio enquanto veículo de simples

transmissão é alterado para veículo de comunicação. As mensagens radiofônicas, nesta lógica

do avento das técnicas de reprodução, começam a perder o caráter de raridade, o caráter de

exclusividade. É o que Benjamin (1994) chamou de perda da “aura”, sons que se multiplicam

pelas ondas do ar, uma nova percepção atrelada à dimensão da sociedade com a arte.

A reprodução técnica do som iniciou-se no fim do século passado. Com ela, a reprodução técnica atingiu tal padrão de qualidade que ela não somente podia transformar em seus objetos a totalidade das obras de arte tradicionais, submetendo-as a transformações profundas, como conquistar para si um lugar próprio entre os procedimentos artísticos. (BENJAMIN, 1994, p. 167).

A partir das considerações mencionadas no texto acima, parece-nos que Benjamin (1994)

estabelece uma proposta otimista em relação à reprodução técnica; além do cinema e da TV, o

rádio é aqui percebido como meio de comunicação capaz de promover “hetorogeneidade”

cultural. Lembramos, que em contraposição a essa idéia de Benjamin (1984), Adorno e

Horkheimer (1985) dizem que a apropriação e produção das obras culturais em uma sociedade

de massas vincula-se especificamente ao caráter comercial, criticam a perspectiva otimista

estabelecida por Benjamin (1984) no que diz respeito à relação entre a técnica e a arte.

Pelo exposto é compreensível que dos 86 programas radiofônicos produzidos por Benjamin

de 1927 a 1933, em sua maioria os diálogos com as crianças estiveram presentes. Se

Benjamin não fala diretamente com o público infantil em seus relatos radiofônicos, fala de

suas experiências enquanto criança. Recorre à oralidade para demonstrar parte do passado que

viveu, em suas lembranças ou memórias. Em um dos relatos radiofônicos intitulado de “Un

Pilluelo Berlines”, Benjamin nos diz sobre parte de suas memórias.

Acho que se vocês pensarem um momento, poderão lembrar ter visto algumas vezes armários que mostravam nas suas portas uma mistura abarrotada de desenhos, paisagens ou retratos, flores, frutos ou coisas semelhantes, gravados na madeira. Chama-se isso de trabalho de marchetaria. Pois, hoje eu quero mostrar imagens e cenas parecidas, porém não gravadas em um armário, mas através da palavra. Vou lhes falar da infância de um berlinense que foi criança há uns cento e vinte anos, e vou-lhes explicar como esse menino via Berlim, e que tipo de brincadeiras infantis e

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travessuras eram freqüentes naquela época. (BENJAMIN, 1987, P. 23).16

Ao falar de suas experiências, Benjamin recorre à oralidade, diz que, apesar das variadas

formas de lembrarmos de diversas coisas, “a palavra” seria especificamente utilizada nesse

“jogo” da memória, assim recorda de parte de sua infância. Ao dizer da infância, de suas

particularidades, consideramos que Benjamin prezava as possibilidades comunicacionais do

rádio. Em suas mensagens radiofônicas o público infantil deveria ser atingido.

As palestras radiofônicas para crianças são um dos destaques que aqui abordamos enquanto

uma das propostas de Benjamin, os cuidados que empregou em suas falas para as crianças lhe

rendeu possíveis interfaces com os processos de ensino e aprendizagem. Como o texto nos

demonstra como “un pedagogo tan elegante”, ou seja, um pedagogo elegante. Outro detalhe é

que as narrativas de Benjamin eram importantes dentro de uma perspectiva que pressupõem

uma comunicação alternativa.

Em um mundo imerso em tecnologias diversas, o rádio ainda evidencia que não pode ser

considerado apenas como mero veículo de transmissão. Enquanto “aparelho” de

comunicação, faz surgir na contemporaneidade novas reflexões pautadas nas vozes de

Benjamin e Brecht.

O rádio carrega diversas possibilidades enquanto veículo de expressão, com linguagens e

conteúdos diversificados e muitas vezes endereçados ao público infantil, mas com

perspectivas políticas e também filosóficas.

16 Citação traduzida por mim do original em espanhol: Creo que si pensáis un momento recordaréis haber visto alguna vez armarios que mostraban en sus puertas abigarrados dibujos, paisajes o retratos, flores, frutos o cosas semejantes grabados en la madera. Eso se llama trabajo de marquetería. Pues bien, hoy os quiero mostrar imágenes y escenas parecidas, pero no grabadas en un armario, sino a través de la palabra. Os voy a hablar de la infancia de un berlinés que fue niño hace unos ciento veinte años, y os explicaré cómo este niño veía Berlin, y qué tipo de juegos infantiles y travesuras eran corrienles por aquel entonces.(BENJAMIN, 1987, p. 23)

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CAPÍTULO 3 - REFLEXÕES SOBRE A INFÂNCIA E PESQUISA COM CRIANÇAS

3.1 – Aspectos conceituais

A idéia de que o mundo dos adultos não se distingue do mundo das crianças ganhou

notoriedade na época medieval, quando não havia um conceito de criança, mas sim o

entendimento de que o mundo adulto agregava sujeitos de faixa-etárias diferentes. Ser criança

era compartilhar dos mesmos interesses dos adultos, assim não havia a prioridade de repensar

questões culturais a partir das realidades das crianças. Ao tratarmos de aspectos conceituais,

trazemos alguns dados sobre a indiferenciação das crianças em relação aos adultos na época

medieval. Se por um lado havia a impossibilidade de acesso das crianças à alfabetização, por

outro explicita-nos a inexistência de conceito de infância. Assim tanto os adultos quanto as

crianças eram parte de uma sociedade sem distinções nos aspectos sobre a faixa-etária, e por

assim dizer as peculiaridades do universo infantil eram submetidas constantemente às culturas

adultas.

Em uma sociedade predominantemente oral, a comunicação face a face se fazia presente,

determinando os processos comunicativos de interação. Thompson (2002, p. 28) menciona, a

esse respeito, dizendo que: “Uma conversa acontece num contexto de co-presença; os

participantes estão imediatamente presentes e partilham um mesmo sistema referencial de

espaço e de tempo.” Sendo a época medieval aquela na qual a oralidade tinha destaque, não

havia garantias sobre a interação dialógica dos discursos e/ou falas entre crianças e adultos,

mesmo quando verificamos que a comunicação face a face se destacava. Postman (1999) por

vez também fala sobre alguns aspectos da comunicação face a face.

Isto significava que todas as interações sociais importantes se realizavam oralmente, face a face. Na Idade Média, conta-nos Barbara Tuchman, ‘o leigo comum adquiria conhecimento principalmente de ouvido, por meio de sermões públicos, dramas sacros e recitais de poemas narrativos, baladas e contos’. Desta forma a Europa voltou a uma condição ‘natural’ de comunicação humana, denominada pela fala e reforçada pelo canto. No curso de quase toda a nossa história foi desta maneira que os seres humanos conduziram seus negócios e criaram cultura. (POSTMAN, 1999, p. 27)

Os seres humanos, diante dos dizeres de Postman (1999), constituíram mundos culturais a

partir de suas necessidades, porém muitas questões pertinentes à infância não se destacaram

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na época. O mundo revelado através das possíveis culturas era aquele dos adultos, uma visão,

adultocentrica. “Num mundo oral não há um conceito muito preciso de adulto e, portanto,

menos ainda de criança.” (POSTMAN, 1999, p. 28). Mesmo sem a definição precisa de tais

conceitos, a discursividade dos adultos ganhava destaque em relação à das crianças; no

mundo medieval, em muitos casos não se distinguiam adultos e crianças, mas também não se

valoravam as culturas infantis ou aspectos vinculados aos cotidianos infantis. Ainda segundo

Postman (1999), as crianças, quando tinham acesso aos códigos da linguagem, isso por volta

dos sete anos de idade, quando já interpretavam os discursos dos adultos, eram consideradas

já adultas, capazes de entender as palavras.

Outro destaque é que após o invento da prensa tipográfica de Gutenberg, em meados do

Século XV, a estrutura da comunicação, antes predominantemente oral, passou a ter destaques

enquanto escrita, o que não corresponde à extinção de práticas ainda vinculadas à tradição

oral da época.

Uma máquina pode nos fornecer um novo conceito de tempo, como fez o relógio mecânico. Ou de espaço e escala, como fez o telescópio. Ou de conhecimento, como fez o alfabeto. Ou das possibilidades de aprimorar a biologia humana, como fizeram os óculos. Como ousou dizer James Carey, podemos descobrir que a estrutura de nossa consciência vem sendo remodelada para corresponder à estrutura da comunicação; e que nos tornamos aquilo que fizemos. (POSTMAN, 1999, p. 37)

Algumas mudanças sociais se fizeram presentes na época medieval, a chamada nova idade

adulta previa o domínio dos signos e símbolos escritos e, em específico, do alfabeto. Ter

acesso ao mundo das escrituras enquanto leitores garantia aos sujeitos a inserção a uma nova

fase, a do ser adulto. Ainda de acordo com Postman (1999, p. 41), “A oralidade emudeceu e o

leitor e sua reação ficaram separados de um contexto social.” Silenciar-se; assim a nova

tecnologia entendida enquanto tipografia fez dos sujeitos novos leitores, agora das palavras

escritas. A idade adulta deveria ser uma conquista, longe dos aspectos biológicos, interesses

alterados, essa tal prensa tipográfica modificou cotidianos e, de alguma forma, forçou a

“nascente” discussão sobre a própria infância. Se, por um lado, na Idade Média não havia a

distinção entre adultos e crianças, por outro o domínio de códigos escritos possibilitava o

aparecimento dos novos adultos. Um novo mundo a ser trazido pela modernidade, textual por

invenção, a emergente cultura impressa convida-nos a refletir sobre a materialidade do livro,

das páginas escritas de forma ágil, por máquinas, ao invés de copistas.

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Mas, quando a prensa tipográfica fez a sua jogada, tornou-se evidente que uma nova espécie de idade adulta tinha sido inventada. A partir daí a idade adulta tinha de ser conquistada. Tornou-se uma realização simbólica e não biológica. Depois da prensa tipográfica, os jovens teriam de se tornar adultos e, para isso, teriam de aprender a ler, entrar no mundo da tipografia. E para realizar isso precisariam de educação. Portanto a civilização européia reinventou as escolas. E, ao fazê-lo transformou a infância numa necessidade. (POSTMAN, 1999, p. 50)

A partir do explicitado no excerto acima, pode-se compreender que a concepção de infância,

na Idade Moderna, tornava-se uma necessidade. Ainda, segundo Postman (1999, p. 51), é a

partir dos Séculos XVI e XVII que a infância passa a existir como uma categoria diferenciada

dos adultos. Nesse sentido a construção de uma visão de infância nasce da consciência dos

adultos de que as crianças tinham formas diferentes de lidar com o saber. A criança passa a

ser “objeto” de interesse para os adultos, assim a separação entre crianças e adultos era

conduzida não de forma a garantir as peculiaridades da infância, mas por acreditar que tal

separação seria uma das necessidades para uma reintegração no mundo dos adultos, agora

letrados. “E foram separadas porque passou a ser essencial na sua cultura que elas

aprendessem a ler e escrever, e a ser o tipo de pessoa que uma cultura letrada exigia.”

(POSTMAN, 1999, p. 51). Verificamos que as crianças e adultos participavam de uma única

cultura, a dos adultos, aqueles que, já letrados, “definiam” as particularidades, os fazeres e

pensares também das crianças.

Postamn (1999) cita, tomando como exemplo o caso específico da Inglaterra, que a infância

findava aos 7 anos de idade. “O primeiro estágio da infância terminava no ponto em que o

domínio da fala era alcançado. O segundo começava com a tarefa de aprender a ler.”

(POSTMAN, 1999, p. 56). O autor nos remete às limitações do que se entendia como

conceituação de ser criança, e diz, ainda que a palavra child17 era utilizada na época para

denominar os adultos que não sabiam ler, adultos que na maior parte das vezes eram

entendidos como intelectualmente infantis. Podemos aqui destacar diante das considerações

de Postman (1999) que os adultos que não sabiam ler e escrever ganhavam uma conceituação

de intelectualmente infantis, ou seja, ser criança era sinônimo de “atraso”, de incompletude.

Surge então, no final do Século XVI, uma nova categoria, a infância se tornou uma categoria

social e intelectual. (POSTMAN, 1999, p. 57). Por um lado, a constituição da infância era

considerada a partir do invento da imprensa, mas, por outro, era uma junção de vários

aspectos aos quais também se agregou a imprensa.

17 A tradução é: criança.

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[...] a moderna concepção da infância surgiu como resultado de uma complexa rede de inter-relações entre ideologia, governo, pedagogia e tecnologia, cada uma delas tendendo a reforçar as outras. Como resultado, ela desenvolveu-se de formas diferentes e em diferentes níveis, dependendo de cada contexto nacional. (BUCKINGHAM, 2000, p. 59)

Complementando a categoria de infância, enquanto resultado de uma complexa rede,

Buckingham (2000) apresenta outros entendimentos do significado da mesma época. Dito

isto, é possível entender parte dos elementos que permitem repensar questões pertinentes à

infância. As crianças, que até então eram vistas como adultos em miniatura, passaram a

constituir uma nova categoria, agora a partir de suas particularidades. A esse respeito

podemos até mesmo mencionar as diferenciações no vestuário, crianças que não mais eram

vestidas como adultos. Também não negamos que a esse respeito o pertencimento a classe

abastada era um facilitador do novo visual, assim as crianças em determinados contextos não

eram mais vistas como adultos em miniaturas.

Pode-se dizer que a visão de infância como categoria diferenciada surge restrita e em classes

mais abastardas – a burguesia. Postman (1999) nos fala sobre a invenção de uma concepção

moderna de infância pela qual diz ser a imprensa a responsável; ao mesmo tempo enfatiza que

a TV hoje faz com que essa concepção seja revista. Ao fazer isso, o autor dá ênfase ao papel

das tecnologias em cada época, na medida em que as tecnologias tanto respondem à demanda

destas diferentes épocas quanto mudam a maneira dos sujeitos se verem, colocando em crise

as crenças dessas mesmas épocas.

Buckingham (2000, p. 8) diz que: “A idéia de infância é uma construção social, que assume

diferentes formas em diferentes contextos históricos, sociais e culturais.” Por isso, o autor em

seus estudos menciona infâncias, utiliza o plural como forma de demonstrar as pluralidades

existentes sob a questão da infância.

Ao tratarmos de infâncias e não de infância, podemos perceber que nas considerações de

Buckingham (2000) há uma preocupação com os aspectos que também circulam ou que estão

presentes muitas vezes no entorno das crianças. A não generalização de uma concepção de

infância – constatação contemporânea – permite-nos um melhor entendimento de que, dos

tempos modernos prá cá, o debate em torno de questões sobre a infância, ou infâncias, se

tornou uma necessidade, isso diante das constantes mudanças tecnológicas, tanto as

tradicionais quanto as mais recentes.

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Quando pensamos no possível entrelaçamento de infâncias com as mídias no sentido em que

as crianças possam ser protagonistas, os significados próprios de seus fazeres e pensares

atravessam aos diversos contextos, assim constituem-se importantes processos discursivos ou

redes de conhecimentos.

A idéia de que a infância é uma construção social é hoje um lugar-comum na história e na sociologia da infância e está sendo cada vez mais aceita até mesmo por alguns psicólogos. A premissa central aqui é a de que ‘a criança’ não é uma categoria natural ou universal, determinada simplesmente pela biologia. Nem é algo que tenha um sentido fixo, em cujo nome se possa tranquilamente fazer reivindicações. Ao contrário, a infância é variável – histórica, cultural e socialmente variável. As crianças são vistas – e vêem a sim mesmas – de formas muito diversas em diferentes períodos históricos, em diferentes culturas e em diferentes grupos sociais. Mais que isso: mesmo essas definições não são fixas. O significado de ‘infância’ está sujeito a um constante processo de luta e negociação, tanto no discurso público (por exemplo, na mídia, na academia ou nas políticas públicas) como nas relações pessoais, entre colegas e familiares. (BUCKINGHAM, 2000, p. 19)

A infância enquanto categoria social não se limita aos aspectos biológicos, e não se vincula às

definições advindas especificamente das instituições escola e família; é, por assim dizer, um

entrelaçamento destas com as diversas redes de bens culturais e/ou simbólicos que também

circulam pelas mídias.

Ao mencionarmos a família e a escola, trazemos ao debate questões sobre os cuidados de uns

(adultos) com os outros (crianças) e que de alguma forma carregam as responsabilidades de

“moldar” as crianças, quando estas permitem. Justifica-se tal necessidade para que haja

adultos educados, obedientes e responsáveis, que assimilem alguns comportamentos

estabelecidos a partir das especificidades dos próprios adultos.

Ao avaliarmos algumas questões sobre tais culturas, as dos adultos e as das crianças, fica-nos

evidente que a adultização da criança ainda é uma constante em muitos lugares. Os adultos

estabelecem aquilo que julgam importante para as crianças, mas, em muitos casos, desprezam

o entrelaçamento de saberes constituídos ao longo das experiências das crianças diante de um

mundo informacional, “plugado” em diversas mídias. Assim diante, de uma concepção ainda

adultocêntrica, pretendem estabelecer uma cultura homogênea, que nem sempre leva em

consideração as capacidades e especificidades infantis.

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Entendemos que as mudanças advindas das sociedades industriais ao longo do Século XX

possibilitaram um repensar sobre as infâncias atuais. A idéia de promover os processos de

alfabetização e escolarização, juntamente com o combate ao trabalho infantil, também

permitiu ampliar a concepção moderna de infância, que, até então, desconsiderava as

necessidades das crianças pobres. Com isso, buscou-se a não fixidez de uma estrutura de

pensamento que pudesse afirmar, de forma única, a representação da infância. Assim temos

modos de viver a infância que passaram a ser reconhecidos.

O mundo contemporâneo, com seus avanços tecnológicos que se oferecem de forma diferente

a adultos e crianças, exigiu que se repensasse sobre o significado da infância. Lugares até

então cristalizados da infância, como o despreparo, o não saber, a necessidade de tutela, foram

postos em xeque através da ampliação do olhar lançado às crianças na busca de reconhecer

suas características.

Entretanto, paradoxalmente, a ampliação desse olhar mostrou também aos adultos que cada

vez mais as crianças se envolvem em atividades consideradas de adultos, a exemplo do

trabalho, do consumo, de crimes, de erotização precoce etc. Assim, percebemos a

insuficiência de um conceito único de infância e a necessidade de construção de uma

concepção tecida a partir de significados fornecidos pela compreensão dos adultos sobre o que

pareçam ser as diversas infâncias.

Tomaremos, então, como base, aqui, uma concepção “movente” de infância, que não seja fixa

e que seja vista como um jogo de negociações. Movimentar-se, esse é um princípio norteador

para uma “nova” concepção de infâncias, que tratamos como infância movente e que se

contrapõe ao modelo tradicional de início da época moderna. Longe de estabelecer

comparações com outros possíveis modelos, chamamos a atenção para as condições atuais de

ambientes freqüentados pelas crianças em que predominam o desejo destas pelas diversas

mídias ou produtos midiáticos. Estabelecemos aqui as redes de símbolos e/ou signos que

chamam a atenção das crianças e que, ao mesmo tempo, são alteradas a partir das

especificidades dos contextos em que circulam.

A experiência da infância tem sido constantemente alterada, influenciada pelo movimentar-se

nas redes de bens culturais. Desta forma, os adultos se vêem obrigados a rever seus

entendimentos sobre tal concepção. São forçados a interagir com as especificidades das

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crianças pequenas, que, por sua vez, utilizam linguagens diversas, desde as representações

gráficas aos símbolos e signos sonoros, nos ambientes que freqüentam.

Compreender a criança na esfera da cultura e da vida social contemporânea exige-nos reportar às concepções de infância tecidas nas relações construídas por crianças e adultos em diferentes épocas e culturas. Práticas culturais compartilhadas por crianças e adultos são desenhadas por modos de representar tanto a infância quanto a vida adulta. Compreender a criança na história e na cultura, portanto, significa recompor e compor essas práticas, os significados e as imagens construídas em torno do mundo e da experiência infantil. Longe de ser um conceito abstrato, destituído de valores e perspectivas sociais, e uma categoria exclusivamente biológica ou psicológica, a infância é um discurso que, ao se transformar ao longo dos tempos, demarca lugares e papéis sociais a serem assumidos por crianças e adultos. Assim, não há como refletir sobre a infância fora do movimento da história, da cultura e das relações sociais entre crianças e adultos, que definem e redefinem seus significados. (SALGADO, 2005, p. 40)

As crianças são sabidas ao se movimentarem e, como Salgado (2005) nos diz, a infância

também é construída. Assim as recomposições de práticas culturais interferem constantemente

no tempo de ser criança, nos fazeres das crianças e também nos pensares das crianças.

Infâncias e redes comunicacionais, é diante das novas e não tão novas redes de comunicação

que as vozes das crianças são veiculadas, mídias que, em muitos casos, viabilizam

discursividade a partir dos saberes infantis entrelaçados, saberes constituídos pelo

movimentar-se, um hibridismo de culturas.

3.2 – Infância e mídias

Partes das múltiplas linguagens midiáticas, a exemplo do rádio, que também compõem os

contextos sociais das crianças aqui ganham destaque, por se tratar de um conjunto de signos

utilizados em processos comunicativos diversos. Ao falarmos de mídias recordamos que esta

pesquisa foi pensada e desenvolvida com vistas a investigar processos de comunicação

radiofônica com crianças.

As mídias produzem bens culturais que muitas vezes atraem as crianças, podem até mesmo

instigar o repensar de fatores culturais, políticos, sociais e econômicos. Não temos a pretensão

de discorrer sobre se as mídias antigas ou atuais incentivam o consumo ou enganam os

“telespectadores”. Interessam-nos neste momento alguns conceitos que irão nos auxiliar no

melhor entendimento dos possíveis entrelaçamentos destas entre culturas infantis.

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Acreditamos que programas radiofônicos também “alimentam” a vida social da infância.

Neste aspecto a radiodifusão em questão estabelece sons que podem revelar e consolidar

elementos com os quais os sujeitos também criam laços de identificação, redes culturais, bens

simbólicos; e, ao mesmo tempo, reinventam novos traçados, no que diz respeito a ser criança.

A intenção de construir alguns conceitos que sustentem nossos diálogos se fará presente ao

longo deste texto.

Não concordamos com conceitos que apresentam as mídias como algo que corrompe os

sujeitos, adultos e crianças, impondo pensamentos e idéias. Ao contrário, pensamos sobre a

idéia de uma infância dotada de capacidade crítica de julgamento, sem desconsiderar as

ideologias envolvidas. Assim, o processo de constituição de produtos midiáticos, bem como a

sua recepção, não está atrelado ao viés de uma mídia que muitos entendem como dominadora,

que se impõe aos expectadores e/ou ouvintes determinados conceitos e que, por sua vez,

dizem ser as crianças sujeitos passivos.

O pressuposto é que, em algum sentido, o espectador de televisão ou o ouvinte de rádio (e não apenas o leitor de jornal) são ativos; de que ver, ouvir e ler requerem algum grau de comprometimento, algum tipo de escolha, de conseqüência. O pressuposto é que nos aproximamos de nossa mídia como seres conscientes [...]. E o pressuposto é que os significados por nós produzidos que envolvem nossa mídia, que podem exigi-la ou depender dela, são significados como outros quaisquer e produto de nossa capacidade, como seres sociais, de ser no mundo. (SILVERSTONE, 2002, p. 111-112)

As mídias, tanto as tradicionais quanto as recentes, desde a impressa, passando pela telegrafia,

pelo rádio, pela telefonia, pela televisão e também pela internet, nos demonstram formas ou

novas maneiras de transmitir mensagens e também de produzi-las. Dos rádios analógicos as

Web Rádios, os avanços tecnológicos se fazem presentes em nossa vida, em meu caso

particular o rádio esteve presente desde criança. A plurimídia, ou seja, em um sentido plural, a

mídia está por toda parte, na vida das crianças no mundo atual. As crianças também se

aproximam da plurimídia a partir de seus entendimentos, criando significados próprios. São

sujeitos que, diante de tantos aparatos técnicos e tecnológicos, “demarcam” seus territórios de

forma lúcida e lúdica e por assim dizer, movimentam-se entre fronteiras.

Muitas crianças vivem em ambientes repletos de mídias, sejam as eletrônicas ou não,

constituem experiências plurais a partir de seus usos, em casa, na escola, na vizinhança ou em

outros espaços, estão imersas em ambientes midiáticos.

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Por diversas razões, as mídias eletrônicas têm um papel cada vez mais significativo nas definições das experiências culturais da infância contemporânea. Não há mais como excluir as crianças dessas mídias e das coisas que elas representam, nem como confiná-las a materiais que os adultos julguem bons para elas. A tentativa de proteger as crianças restringindo o acesso às mídias está destinada ao fracasso. Ao contrário, precisamos agora prestar muito mais atenção em como preparar as crianças para lidar com essas experiências, e, ao fazê-lo, temos de parar de defini-las simplesmente em termos do que lhes falta. (BUCKINGHAM, 2000, p. 32)

Além das mídias eletrônicas, a presença do rádio e da TV vem se tornando algo corriqueiro

em várias sociedades, principalmente quando consideramos o acesso das crianças pequenas a

tais mídias. Parece que elas são atrativas o bastante para despertarem curiosidades. Tudo isso

nos força a tomar a concepção de infância, como ressalta Buckingham (2000), não por aquilo

que lhes falta, mas por suas especificidades, por suas particularidades. São experiências que

diferem de outros tempos.

Somos adultos e crianças que na tessitura de novos saberes, mesmo a partir de velhas mídias,

atribuímos sentidos e significados aos produtos culturais que circulam em nossos contextos.

Das representações gráficas aos sons, estabelecemos trocas simbólicas importantes para o

repensar de elementos sociais.

Existe um ‘fora do texto’ que, em nossos estudos, requer um olhar talvez mais específico e, de fato, para além do texto. O sujeito da comunicação é o sujeito da linguagem – mas é mais; é um sujeito social, um sujeito em relação. E tal relação é mediada pelo texto, mas não se resume a ele. Enfim, nossas indagações não são respondidas sem o aporte das ciências sociais e da linguagem – mas também não são bem ou totalmente por elas (ou outras que foram nossa base de origem, digamos assim). Em suma: o olhar comunicativo se apóia e é herdeiro das diferentes tradições que recortam os vários elementos que compõem o processo comunicativo. Mas se distingue delas exatamente porque busca a sua soma e convergência: estudar a comunicação é estudar a relação entre sujeitos interlocutores; a construção conjunta de sentidos no âmbito de trocas simbólicas mediadas por diferentes dispositivos – uma prática viva que reconfigura seus elementos e reconfigura o social. (MAIA e FRANÇA, 2003, p.199)

Essa é uma abordagem comunicacional híbrida, mas que também nos revela particularidades,

peculiaridades. O movimentar-se pelas redes de bens culturais estabelece trocas simbólicas,

uma construção que, de acordo com Maia e França (2003), se constituí de forma conjunta nas

trocas simbólicas. Mídia, neste ponto, é comunicação, é produção discursiva capaz de instigar

a produção cultural.

Parece-nos que um dos papéis da comunicação, ou seja, do campo midiático na era da

informação, passa a ser o de, estrategicamente, construtor de novas formas de sociabilidade e

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de discursividade permitidas pelas novas tecnologias ou até mesmo pelas formas inovadoras

de construção da infância.

Às relações de face a face que definiam a vizinhança, de que se alimentava tradicionalmente a sociabilidade imediata, fundamentada na pertença a uma comunidade de enraizamento, uma nova forma de sociabilidade pode estar a substituir-se, uma forma aparentemente dependente, não da pertença a uma mesma comunidade de vida, mas de escolhas individuais aleatórias, ao sabor dos interesses e disposições do momento, em função das capacidades tecnológicas de mediação disponíveis. (RODRIGUES, 1993, p. 196)

Rodrigues (1993) nos diz sobre a capacidade de mediação, fala-nos sobre as novas e possíveis

formas de sociabilidade. Lembramos que a comunicação face a face, aquela em que o emissor

e o receptor estão em um mesmo espaço e tempo, em que se dá a comunicação direta, não se

distancia do que chamamos de plurimídia. Tal comunicação direta se estabelece

independentemente dos níveis de alfabetização e/ou escolarização das crianças e dos adultos.

Reforçamos que as crianças cotidianamente encontram e/ou produzem processos

comunicativos que perpassam pelas mídias: rádio, TV, informática, telefone entre outros

elementos. São capazes de interpretar e ressignificar as convergências das mídias.

Talvez tal convergência desperte mais ainda a curiosidade das crianças pelas mídias, algo que

muitas vezes pode ser reforçado pelos próprios locais em que as crianças transitam, aqueles

onde há a presença das mídias, assim as crianças tendem a expressar parte do que

experimentam em seus cotidianos, seja em espaços educativos formais ou não tão formais

assim, mas que as possíveis práticas escolares se fazem presentes. Pensamos ser a plurimídia

uma forma contemporânea de utilização das mídias, em alguns casos mais democrática no

sentido em que agrega a pluralidade de recursos técnicos e tecnologias como também de

vozes, uma possível dialética.

Acreditamos que é através da visibilidade conferida pela convergência de processos e mídias

comunicativas em relação às ações intersubjetivas que as crianças transitam e negociam bens

simbólicos. É também por tal convergência que os fatos e acontecimentos adquirem

significados e determinações. “As novas mídias são vistas como mais democráticas que

autoritárias, mais diversificadas do que homogêneas, mais participativas do que passivas.”

(BUCKINGHAM, 2000, p. 67). Estendemos os dizeres de Buckingham (2000) às possíveis

convergências das mídias, não apenas as novas mídias; mais as novas formas de utilização de

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tais mídias sugerem uma maior liberdade que as antigas concepções, que demonstravam

fixidez e homogeneidade.

3.3 – Pesquisa com as crianças: dialogismo e alteridade

A pesquisa qualitativa pode abrigar correntes de pensamento diferentes e através de suas

diferenças, é possível produzir conhecimentos científicos, mas, isso, através da pesquisa

entendida como processo. A proposta de ciência universal, sonho cartesiano, não mais tem a

mesma credibilidade de outros tempos, ou seja, na contemporaneidade as orientações

filosóficas sobre a pesquisa qualitativa abrem novas perspectivas, novos princípios e desafios.

Reflexões acerca do recurso à pesquisa qualitativa permitem novas descobertas científicas,

tanto na área educacional quanto na comunicação.

O objeto cultural circula entre os sujeitos que nele deixam suas marcas e é a circulação que produz efeitos de presença. Desse modo, o texto poderia ser pensado como um objeto que, pelos elementos que o compõem e pela maneira como é confeccionado, é em si mesmo portador de alteridade. Não uma alteridade ausente que é evocada ou representada, mas uma alteridade que já está ou que está aí, nas palavras é, sobretudo, no gênero empregado. (AMORIM, 2004, p.164)

Um dos exemplos das diversas correntes de pensamento que se contrapõem ao modelo

cartesiano pode ser a pesquisa dialógica e alteritária, que, por sua vez, permite o melhor

entendimento sobre algumas questões vinculadas ao campo da educação e ao campo da

comunicação, suas possíveis inter-relações diante dos contextos pesquisados. Assim fez-se

necessário um estudo de campo para a melhor adequação dos instrumentos de coleta e para

atender ao objetivo da pesquisa. “Os cientistas que partilham da abordagem qualitativa em

pesquisa se opõem, em geral, ao processo experimental que defende um padrão único de

pesquisa para todas as ciências, calcado no modelo de estudo das ciências da natureza.”

(CHIZZOTTI, 2005, p. 78).

Aqui trazemos alguns desafios relacionados à nossa experiência de pesquisa com crianças,

uma escrita que pretende também ser marcada pelo diálogo, ao contrário do sonho cartesiano

acima mencionado. Optamos por trabalhar com criança e, portanto, estabelecemos

metodologias que pudessem contemplar as diversas falas ao longo do desenvolvimento da

pesquisa. “O objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide

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consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado. [...] O ser que se auto-

revela não pode ser forçado e tolhido. Ele é livre e por essa razão não apresenta nenhuma

garantia [...].” (BAKHTIN, 2003, p. 395). Ao contrário do objeto das ciências naturais, o

objeto das ciências humanas tem voz e é expressivo. Por isso mesmo, não pode ser

investigado monologicamente pelo pesquisador, mas na dialogia dos sujeitos envolvidos.

O monologismo seria justamente o apagamento das diferentes enunciações que produzem um objeto de pesquisa. Ouve-se apenas uma voz a falar e, entre a descrição e o descrito, nenhum espaço é entrevisto. Ao contrário, o dialogismo remete à pluralidade de vozes que constituem toda pesquisa, seja em campo [...] (AMORIM, p. 2004, p 94)

O dialogismo nos remete às várias vozes encontradas ao longo da pesquisa com as crianças,

identidades e/ou subjetividades que se revelaram ao longo do processo de nossa inserção e

permanência em campo. Mais do que levantar dados propusemos uma imersão no campo, de

forma a criar laços identitários capazes de assegurar maior aproximação com as culturas

infantis. Longe de uma proposta baseada no monologismo, como nos lembra Amorim (2004),

as várias vozes encontradas na pesquisa exigem de nós a capacidade de apagar a unicidade.

“Falar é falar a outros que falam e que, portanto, respondem.” (AMORIM, 2004, p. 95).

Apostamos em metodologias de pesquisa que dialogassem com os outros, com os

pesquisados, que pudessem aproximar-se do que aqui tratamos como alteridade, dando voz e

vez aos outros.

As crianças ocuparam dois lugares diferentes nesta pesquisa. Um primeiro, onde foi realizado

um mapeamento das mídias a que tinham acesso. Esse mapeamento foi feito junto a um grupo

de crianças pré-escolares, no contexto escolar e em forma de oficinas.

O segundo já pressupõe o recorte específico do objeto estudado: os programas de rádio para

crianças. Nesse contexto, o diálogo com as crianças centrou-se na sua condição de produtoras

e/ou ouvintes desses programas, em específico.

Cabe-nos ressaltar que, embora o foco dos programas e do estudo aqui apresentado sejam as

crianças, também os adultos – professores das escolas envolvidas e produtores dos programas

de rádio – de alguma forma foram sujeitos desta pesquisa.

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Assim, o desafio da alteridade não envolve apenas a relação adulto/criança entre o

pesquisador e os sujeitos da pesquisa, mas, também, os próprios sujeitos –crianças/adultos. A

linguagem só pode ser entendida como sendo resultante de uma relação social, a infância

movente pode representar tal relação, assim os possíveis significados produzidos no curso da

ação fizeram parte do processo de transformação, conforme nos mostra Bakhtin (2006), ao

interpretar a linguagem como um fato social e que, por isso, os enunciados dela derivados

não podem ser entendidos fora de uma situação sócio-histórica na qual se realiza a

intersubjetividade.

O próprio recorte da pesquisa deflagra uma postura teórico-metodológica: optei por trabalhar com crianças e, portanto, falo de crianças como sujeito, como ser social situado no tempo e no espaço, como cidadã hoje, que tem suas especificidades em relação aos adultos e por essas especificidades deve ser respeitada. Para mim, elas não foram objeto de pesquisa, mas sujeito com vida, em processo dinâmico e contínuo de transformação. (LEITE, 2007, p.74)

As crianças desta pesquisa foram consideradas protagonistas, sujeitos participantes ao longo

de todo processo, cidadãs, com especificidades em relação ao ser adulto, ou melhor, a nós,

adultos pesquisadores. As crianças nesse processo de comunicação radiofônica podem ser

entendidas como interlocutores, aqueles que não se mantêm passivos diante dos enunciados

postos em circulação, mas o interpretam e o reinterpretam ativamente dentro do quadro que

Bakthin (2006) chama de dialogismo. Esta expressão indica e reitera que a produção

discursiva dos atores sociais não ocorre em um vazio social e de poder, tampouco é

monológica, mas, sim, polifônica, porque nela estão presentes diversas vozes da infância

(convergentes ou divergentes), proferidas de diferentes lugares e tempos sociais que

constituem a tessitura social das expressões e situações interindividuais. Assim, para Bakhtin

(2006), a linguagem não pode ser entendida fora das relações de poder e tampouco

ignorando as suas condições sociais de produção, enunciados estes que também se fazem

presentes na concepção freiriana de comunicação.

[...] ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em ‘seres para outro’ por homens que são falsos ‘seres para si’. É que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. (FREIRE, 2002, p. 43)

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Freire (2002), no texto acima, nos remete a um modelo de comunicação, aquele em que o

diálogo predomina, demonstra-nos que a dialógica se faz presente no vivenciar-se o diálogo,

sem invadir as particularidades dos outros, mas em um processo constante de trocas de

saberes. “O homem, como um ser histórico, inserido num permanente movimento de procura,

faz e refaz constantemente o seu saber.” (FREIRE, 2002, p. 47). Entendemos que as crianças

também estão inseridas nesta dinâmica, em seus processos sociais fazem e refazem seus

conceitos e sabedorias. “Desta forma, na comunicação, não há sujeitos passivos. Os sujeitos

co-intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu conteúdo.” (FREIRE, 2002, p.

67). É através de um sistema de signos lingüísticos, em nosso caso é a linguagem radiofônica,

que esta forma de comunicação horizontal, modelo “freiriano”, estabeleceu as peculiaridades

nesta pesquisa com as crianças.

Pensamos que havendo processos comunicativos diante do que Freire (2002) chama de

horizontal e que Bakhtin (2003) estabelece enquanto enunciado de natureza responsiva, as

chances de constituição de sentidos e significados em tais processos se ampliam.

Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza na subseqüente resposta em voz real alta. (BAKHTIN, 2003, p.271)

Bakhtin (2003) diz que o diálogo é uma forma elementar da comunicação e que toda

compreensão traz um ato responsivo, mesmo que este não seja verbalizado de imediato. Os

meios de comunicação de massa usam várias linguagens, criam e recriam gêneros discursivos

diversos, e assim também é o rádio. Sobre o ponto de vista do dialogismo, os gêneros

discursivos de um determinado contexto enunciativo agregam amplitudes de manifestações.

Enfatizamos que o conceito de dialogismo, em Bakhtin é mais do que diálogo. É a

possibilidade de abertura à comunicação no texto pronunciado.

Entendemos por dialogismo a condição do sentido do discurso, no enunciado acima, Bakhtin

(2003) diz sobre a natureza ativamente responsiva do enunciado vivo, ou seja, da fala. O

dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, sem ele o discurso não tem sentido, pode

assumir diversas formas, pode ser tanto verbal quanto não-verbal, vai das falas aos textos

escritos, símbolos e signos, que são transformados em sentidos, de um lado o enunciador, do

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outro o enunciatário. “A alteridade sob a forma do diálogo e da citação é pois o traço

fundamental da linguagem. Não há linguagem sem que haja um outro a quem eu falo e que é

ele próprio falante/respondente; também não há linguagem sem a possibilidade de falar do

que um outro disse.” (AMORIM, 2004, p. 97).

No processo de análise da conversação da radiodifusão, quando diversas falas aparecem e se

inter-relacionam, percebemos a presença do dialogismo, o diálogo é condição necessária, seja

a partir da confluência das mídias, a plurimídia, ou das discursividades de apenas uma mídia,

desde que haja processos comunicativos que valorizem o outro enquanto falante. Aqui as

subjetividades tornam-se necessárias e se desconstrói a idéia de uma comunicação

verticalizada, aquela sem participação dos sujeitos que, em alguns casos, são o foco das

produções culturais midiáticas.

Neste caso, o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante. (BAKHTIN, 2003, p. 271)

Bakhtin (2003) nos diz sobre as trocas discursivas a partir das interpretações e/ou

compreensões dos atores sociais envolvidos diretamente no dialogo. A posição responsiva

está carregada de saberes daqueles que agem de forma ativa em diversos processos

comunicativos.

3.3.1 – Dialogando com as crianças sobre a radiodifusão: os conceitos desta pesquisa

A pesquisa que fizemos com as crianças se configura como parte de um processo, caminhos

diversos, acertos e também erros, que nos possibilitaram algumas reflexões sobre a

importância deste objeto de pesquisa que denominamos de Rádio e educação: de ouvintes a

falantes, processos midiáticos com crianças. Pontos de chegada, mas também pontos de

partida, a nossa inserção em campo possibilitou um constante repensar sobre nossas ações

diante das crianças, como também o repensar sobre conceitos que aqui julgamos importantes.

É a partir dos “riscos” e “rabiscos” que a pesquisa foi se constituindo. Os registros das

atividades, desenvolvidas a partir dos diálogos do Grupo de Pesquisa “Infância, Mídia e

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Educação” GPIME18, ganharam linhas e páginas de nossos textos, de nossos cadernos de

campo, isso desde outubro de 2006. Naquela ocasião a proposta era de nos aproximarmos dos

possíveis campos de investigação.

Nesse sentido foi apresentada a proposta de um sub-projeto que consistiu em uma pesquisa

exploratória intitulada “A rádio novela vai à escola”. Esse subprojeto foi desenvolvido por

mim e pela Profa. Maria Esperança de Paula, membro do grupo de pesquisa. Esse sub-projeto

foi importante para fazer um mapeamento dos usos que as crianças faziam das mídias e a

presença do rádio nesses usos.

Após uma pesquisa exploratória, investigamos dois programas radiofônicos destinados a

crianças, um em Belo Horizonte, intitulado Universidade das Crianças, da Rádio UFMG

Educativa e o outro no Rio de Janeiro, intitulado Rádio Maluca, da Rádio Nacional AM RJ

em parceria com a Rádio MEC AM. São programas destinados a crianças, com a participação

das crianças mas, também, de adultos. A proposta foi de aprofundar a pesquisa inicial, com

foco na radiodifusão voltada às crianças.

Na primeira fase da pesquisa, organizamos um mapeamento sobre a presença das mídias na

vida das crianças que participaram da oficina. Para tanto, pedimos a elas que desenhassem o

lugar de sua casa que mais gostavam e depois conversamos sobre esses desenhos.

Particularmente, meu interesse foi de ver se os lugares desenhados incluíam algumas mídias

ligadas aos elementos sonoros.

Dos diversos desenhos feitos pelas crianças alguns apresentavam lugares onde se

encontravam os aparatos tecnológicos ( TV, DVD, Vídeo, vídeo-game, computador e o rádio).

Nos desenhos que as mídias sonoras e/ou áudio-visuais eram representadas, destacamos a

presença do rádio, seja em MP3 ou o aquele tradicional rádio à válvula.

Os registros da pesquisa (gravação de áudio e vídeo, caderno de campo, desenhos, fotos),

agrupados para a possível triangulação, já demonstraram o quanto as mídias fazem parte do

universo infantil. Investigar, portanto, quais os sons mais significativos para as crianças foi 18 Ressaltamos que o GPIME é um grupo de pesquisa da ProPEd/UERJ, tendo como integrantes alunos da Graduação e Pós-Graduação. Assim as questões, ou problematizações da pesquisa aqui apresentadas, surgiram também a partir dos diálogos desse grupo, como também de seus desdobramento.

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uma das propostas da pesquisa. Tais registros não são aqui apresentados como únicos,

tivemos como pretensão a utilização de outras formas de registros e a partir das diferentes

linguagens.

O objeto das ciências humanas é, portanto, a relação e o diálogo entre sujeitos, cujos valores, pontos de vista e sentidos se encontram e transformam-se mutuamente. Como já afirmamos, nessa perspectiva metodológica pautada na dialogia entre pesquisador e realidade investigada, não há lugar para a produção de um conhecimento em torno de uma coisa muda, inerte ou abstrata, de um conhecimento que se cristaliza e estabiliza como dogma. (SALGADO, 2005, p. 36)

Com vistas à melhor interpretação da multiplicidade de dados coletados e acreditando que o

processo de pesquisa qualitativa com as crianças-protagonistas está inserido em uma proposta

dialógica, ressaltamos que as pistas ou indícios da presença das mídias revelaram parte dos

traços culturais da infância. “O termo ‘indício’ refere-se a manuscritos, livros impressos,

prédios, mobília [...] bem como a muitos tipos diferentes de imagens: pinturas, estátuas,

gravuras, fotografias [...] Pinturas, estátuas, publicações e assim por diante [...] as

experiências não-verbais [...]” (BURKE, 2004, p. 16-17). Coletar e analisar os vários indícios

verbais e também não-verbais a partir da pesquisa de campo fez com que os mesmos

pudessem revelar as características de parte dos processos midiáticos no cotidiano das

crianças e, em específico, aqueles sobre a “radiodifusão”.

Numa metodologia de base qualitativa o número de sujeitos que virão a compor o quadro das entrevistas dificilmente pode ser determinado a priori – tudo depende da qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrência e divergência destas informações. Enquanto estiverem aparecendo ‘dados’ originais ou pistas que possam indicar novas perspectivas à investigação em curso as entrevistas precisam continuar sendo feitas. (DUARTE, 2002, p. 143-144)

Chamou-nos a atenção, ao longo do processo, a facilidade de estabelecer com as crianças um

grau de relacionamento e de respeito capaz de viabilizar os trabalhos da pesquisa,

inicialmente realizando-os uma vez por semana, numa escola da rede particular de ensino em

Belo Horizonte. Por não fazer parte diretamente do universo do contexto das crianças

enquanto um adulto, que se veste, fala e se comporta como gente grande, a nossa inserção no

campo de pesquisa não causou transtornos naquele universo infantil. Muitas vezes a pesquisa

nos fez recordar as particularidades de um universo que já vivemos, em “tempos remotos”.

Talvez a escuta atenta das vozes das crianças tenha permitido uma aproximação sem maiores

problemas.

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No processo de construção de propostas teórico-metodológicas, dando voz e vez às crianças,

fomos nos aproximando do universo infantil; escutar e observar suas peculiaridades foi e tem

sido um exercício constante nesse processo. Investigar seus sons e suas vozes através de uma

leitura atenta das pistas e indícios no campo pesquisado nos faz lembrar que: “[...] leitura é

sempre apropriação, invenção, produção de significados.” (CHARTIER, 1999, p. 77). A cada

instante, o pesquisador vai-se apropriando do novo e, através desse novo, reconstrói pistas

para analisar o campo de pesquisa, Bogdan e Biklen (1994) nos dizem sobre alguns desafios

das pesquisas com crianças.

Os adultos têm tendência para conduzir as conversas que têm com as crianças, hábito este que o investigador qualitativo tem de quebrar. Alguns adultos utilizam piadas convencionadas para estabelecer uma relação. As crianças poderão olhar para os adultos de diversos modos; podem procurar a sua aprovação ou inibir-se. Terá de ter em conta estes fatos ao participar no contexto e ao tentar compreender os dados que recolheu. Uma alternativa consiste em participar com as crianças, não enquanto figura de autoridade (um adulto), mas como um quase - amigo [...] É difícil conseguir que uma criança aceite um adulto como igual, embora seja possível que o tolere como membro de um grupo de crianças. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 126).

Houve diversos olhares, leituras e apropriações dos sentidos da presença de um adulto no

meio da criançada; de imediato, a vontade de brincar falou mais alto. Em nenhum momento

das pesquisas realizadas as crianças foram tratadas como sujeitos passivos, sem direito a fala,

ao contrário, sempre se posicionavam. Assim, os diversos olhares queriam, diante de nossa

presença, apenas brincar; telefone sem fio, essa foi à brincadeira inicial. “Hoje talvez se possa

esperar uma superação efetiva daquele equívoco básico que acreditava ser a brincadeira da

criança determinada pelo conteúdo imaginário do brinquedo, quando, na verdade, dá-se o

contrário.” (BENJAMIN, 2002, p. 93). O interesse de brincar e seus significados podem ser

vinculados aos aspectos culturais da infância, às possíveis linguagens e narrativas. Através

das brincadeiras o campo de pesquisa foi-se tornando ponto de confluência, viabilizando a

aproximação entre pesquisadores e pesquisados. Mesmo não causando tanto estranhamento, a

nossa presença despertou muita curiosidade, isso sem falar no interesse demonstrado pelos

equipamentos que levamos para o campo (Mp3, Mp4, câmera digital e a filmadora). O próprio

caderno de campo percorreu as mãos das crianças, isso para que pudessem verificar os

registros que ali estavam.

“Quando as pessoas descobrem que a investigação envolve registros escritos, por vezes

exigem lê-los.” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 120). A esse respeito percebemos que as

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escritas de campo não amedrontaram os pesquisados, ao contrário, as crianças fizerem

correções das escritas a que tiveram acesso; se sentiram no direito de nos chamar a atenção,

pois, nas páginas do caderno de campo, escrevemos alguns nomes errados, faltando letras.

Assim as descobertas dos vários olhares se entrecruzaram com os nossos objetivos, pistas e

mais pistas. Cada criança conferiu o seu nome no caderno de campo. Algumas pediram que

escrevêssemos sobre suas características. Se elas não estranharam a nossa presença na sala de

aula, ficamos “surpreendidos” com a “interatividade”, a participação e a “intervenção” delas

em nossos registros de campo. Na pesquisa os nossos registros foram importantes para

compreendermos o lugar social que a infância ocupa. “O ver, ouvir, registrar e interpretar as

representações sociais das crianças, buscando compreender como se constituiu o seu mundo

cultural e qual o lugar social que a infância ocupa na escola [...] aos cuidados metodológicos

da pesquisa.” (QUINTEIRO, 2002, p. 40).

A pesquisa buscou a alteridade, a dialogia, pois, no permanente processo de coleta de dados

empíricos, o repensar as propostas teórico-metodológicas se fez presente, crianças enquanto

protagonistas apontaram os vários caminhos, as “novas” metodologias. O leitor, enquanto

caçador, segundo Certeau (2002), vai ajustando o seu olhar, assim como o caçador observa a

sua caça. “A criatividade do leitor vai crescendo à medida que vai decrescendo a instituição

que a controlava.” (CERTEAU, 2002, p. 267-268). Leitores e ouvintes que circulam pelas

redes de comunicação, ou formas diversas de comunicação a procura de possíveis

significados; lêem imagens, textos e interpretam os diversos sons.

Textos ganham novos sentidos e significados: “O texto só tem vida contatando com outro

texto (contexto). Só no ponto desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e

prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo. Salientamos que esse contato é um

contato dialógico entre textos [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 401). Talvez a afirmação da tessitura

das mídias, pontos convergentes que apresentaram híbridas possibilidades de escrita e

reescrita de saberes que tenha contribuído para o melhor entendimento da infância.

Ao mencionarmos a dialógica trazemos novamente Freire (2002), através de suas idéias de

uma comunicação horizontal estabelece as interações sociais, assim as linguagens são formas

constitutivas de sentidos e estão profundamente marcadas pela cultura, pelos contextos sócio-

históricos e pela presença ativa dos interlocutores na produção dos significados. Para ele, não

existe um sujeito pensante sem a co-participação de outros. “Não há um ‘eu penso’, mas sim

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um ‘nós pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário. Esta co-

participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação”. (FREIRE, 2002, p. 66). Os

dizeres desse educador nos remetem à tessitura de conhecimentos a várias mãos, às

confluências que se estabelecem na interação dos sujeitos que participam do enunciado.

“Cada palavra (cada signo) do texto leva para além dos seus limites. Toda interpretação é o

correlacionamento de dado texto com outros textos. O comentário. A índole dialógica desse

correlacionamento.” (BAKHTIN, 2003, p. 400). Este profícuo diálogo que estabelecemos

entre Freire (2002) e Bakhtin (2003) tornou-se o referencial na pesquisa que desenvolvemos

com as crianças, assim suas vozes tiveram escuta, diálogos criativos, discursividades pautadas

no dialogismo e na alteridade.

A interação social se dá com o encontro dos sujeitos que por vez também são interlocutores,

que buscam significação através de alguma forma de compartilhamento das mensagens. É

através da presença ativa dos interlocutores que os significados são produzidos e apreendidos

pelos atores. A forma horizontal de comunicação, segundo Freire, só podem ser plenamente

entendidas quando contextualizadas, “[...] o homem que não pode ser compreendido fora de

suas relações com o mundo, de vez que é um ´ser-em-situação`, e também um ser do trabalho

e da transformação do mundo. O homem é um ser da ‘práxis’; da ação e da reflexão.”

(FREIRE, 2002, p. 28).

A pesquisa realizada teve um caráter dialógico, foi uma pesquisa sobre crianças, mas também

feita a partir das manifestações das crianças e com crianças, estas foram consideradas

enquanto agentes integrantes, protagonistas que interferiram nos processos metodológicos

aqui apresentados. Metodologias baseadas nos processos da comunicação horizontal

permitiram a interferência constante, e a priori descarta-se a hipótese, faz-se um “redesenho”

dos processos de captura de dados, assim evita-se incorrer em erros talvez tão comuns a

outros tipos e formas de pesquisas.

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tornaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem-formados. A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (BAKHTIN, 2006, p. 42)

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No texto acima, Bakhtin (2006) nos fala sobre a multidão de fios ideológicos que

“alimentam” as tramas ideológicas da vida cotidiana. Nesta pesquisa, a tessitura a partir dos

muitos fios dos contextos sociais dos participantes permite-nos estabelecer uma proposta de

interatividade, ora diretamente com as culturas infantis, ora estudando parte da literatura que

diz sobre a pesquisa com crianças. A oralidade foi a base de nossas atividades pelo universo

da pesquisa. Em processos e programas radiofônicos para crianças esta forma de

expressividade ganhou destaque.

O objeto específico das Ciências Humanas é o discurso ou, num sentido mais amplo, a matéria significante. O objeto é um sujeito produtor de discurso e é com seu discurso que lida o pesquisador. Discurso sobre discursos, as Ciências Humanas têm portanto essa especificidade de ter um objeto não apenas falado, como em todas as outras disciplinas, mas também é um objeto falante. (AMORIM, 2002, p. 10)

Marília Amorim (2002) nos diz no texto acima sobre o objeto das Ciências Humanas. Em

nossa pesquisa dialogamos com as crianças, que demarcaram seus posicionamentos, a

ausência do discurso monológico fez com que a pesquisa/oficina pudesse agregar as diversas

vozes. “De qualquer modo, porém, neste campo também, os objetos, os fatos, os

acontecimentos não são presenças isoladas. Um fato está sempre em relação com outro, claro

ou oculto. Na percepção da presença de um fato está incluída a percepção de suas relações

com outros.” (FREIRE, 2002, p. 29). Foi no entrelaçamento de um fato com outros fatos que

nossas escolhas metodológicas como a oficina foi ganhando forma, inter-relações pautadas

nos cotidianos das crianças, mas sem perder de vista as especificidades da vida adulta. Assim

as diversas vozes vão constituindo os enunciados, discursividades polifônicas.

A polifonia é da ordem do discurso e, portanto, do acontecimento: outras vozes se fazem ouvir, num dado momento, num dado lugar, dando origem a um uma multiplicidade de sentidos. A polissemia é da ordem da língua como sistema abstrato e remete, portanto, a um universo de possibilidades de significação. (AMORIM, 2002, p.12-13)

Através de processos e procedimentos metodológicos a pesquisa constituiu-se como

polifônica, uma proposta também exploratória, mas pautada na comunicação horizontal.

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3.3.2. – Algumas perspectivas metodológicas no/do contexto infantil

Ao iniciarmos o processo de captura de dados, isso através das idas a campo, verificamos a

importância de adotarmos metodologias mais adequadas ao contexto das crianças. Uma das

etapas da pesquisa constituiu-se em fazer um estudo exploratório, objetivando investigar os

sons mais significativos para as crianças de uma sala de aula da educação infantil. Para tanto,

utilizamos o desenho no processo de captação desses dados. A partir das primeiras

intervenções, verificamos que os desenhos são documentos que podem trazer indícios de

sentidos e significados das mídias mais presentes na vida dessas crianças. Assim, ao

repensarmos sobre a melhor adequação metodológica para a captação e análise desses dados

no universo infantil, estimulamos as crianças a que desenhassem o lugar da casa que mais

gostavam, observamos se nesses desenhos as mídias eram apresentadas e, em seguida,

focamos a possível presença de mídias sonoras.

Os sinais dos desenhos permitem tanto uma releitura quanto uma reescrita, pois a todo o

momento novos traçados e novas cores eram agregados à proposta inicial, assim as crianças, a

partir de suas imaginações, criaram e recriaram obras ficcionais, “textos-desenhos-sons” que

estabeleceram sentidos e significados para o seu contexto.

Esta compreensão requer melhor entendimento sobre os possíveis modos de expressão e as

apropriações de parte das culturas infantis, os desenhos enquanto testemunhas são para isso

importantes documentos. Os dados coletados nesse processo de pesquisa exploratória estão

carregados de sons, ou seja, em vários desenhos a representação de mídias sonoras se fez

presente; sons advindos de diversas mídias e até mesmo de diversos diálogos entre as próprias

crianças e das crianças com os adultos são explicitados pelos traçados coloridos. O que mais

nos interessa nesse momento são as representações onde o rádio apareceu. Parece-nos que a

transmissão oral de conhecimentos se reproduz de alguma forma nos desenhos das crianças.

Partindo então do pressuposto de que crianças são capazes de atuar ativamente na construção

do próprio conhecimento, verificaremos os processos midiáticos que podem possibilitar a

construção e/ou ampliação dos saberes. Aqui, também, não se isentaram as possibilidades de

descobertas sobre os objetivos, as problematizações e, também, as possíveis hipóteses focadas

nos objetos de nossas pesquisas enquanto mestrandos.

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Através dessa pluralidade metodológica que resolvemos desenvolver a oficina “A rádio

novela vai à escola”. Nossa preocupação, no que tange aos aspectos metodológicos, permeava

a valoração da multiplicidade de linguagens. As quais, por sua vez, não se vinculam apenas ao

processo de captura de dado, preocupou-nos também a análise dos fragmentos encontrados

em campo, que, de alguma forma se inter-relacionavam com nossos propósitos, isso é, das

pesquisas em andamento. Desta forma, quando mencionamos metodologias plurais, como

afirma Amorim (2004), cuidamos para que as diversas vozes pudessem ter escuta, um

processo dialógico.

A questão das metodologias de pesquisa e de construção teórica em ciências não é exatamente o objeto de nossa reflexão. Mas há uma outra tensão que se poderia chamar de dialógica posto que ela concerne ao problema específico da relação com o outro. A única exatidão possível a esse respeito, conforme já vimos, encontra-se fora de toda busca de identidade e consiste em superar a alteridade sem assimilá-la. Sustentar a diferença, a exotopia e a bivocalidade. (AMORIM, 2004, p. 196)

A partir do excerto acima podemos pensar também nos diferentes níveis de alteridade, as

vozes dos outros, daqueles que também compõem a nossa pesquisa, deverem ser levadas em

consideração, assim como o universo em que habitam. O processo de comunicação discursiva,

em alguns momentos carrega como diz Amorim (2004), determinadas formas de falar, que

chamamos bivocalismo, aqui, baseado na entonação dos falantes. Nas oficinas que

realizamos, as mensagens faladas a partir das entrevistas individuais e, também, das coletivas,

nos indicavam as diferentes formas nas quais as crianças mencionavam suas idéias. Desta

forma pensamos que tal posicionamento vem ao encontro de um novo lugar social ocupado

pelas próprias crianças. Pois em seus posicionamentos era constante a tomada de posição,

externavam o que sentiam, aquilo do que gostavam nas mídias, não se comportaram de forma

passiva. Historicamente, o lugar social ocupado pela criança mudou. De sujeito passivo e sem voz à condição de consumidor dotado de opiniões singulares, percebe-se um reconhecimento da criança como ator social. Isto significa reconhecer sua capacidade de fazer relações, construir discursos, ser partícipe nas ações. Significa também reconhecer sua capacidade de re-elaborar e re-significar os conteúdos [...] (PEREIRA e SANTOS, 2008, p. 134)

Nas oficinas desenvolvidas, ao exemplo mencionado acima por Pereira e Santos (2008), as

crianças construíam discursividades enquanto partícipes. Apresentaram suas opiniões diante

das temáticas discutidas, discursos plurais.

[...] adultos e crianças estabelecem entre si uma relação por natureza de alteridade: impossível compreender isoladamente as transformações dos modos de ser adulto ou

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de ser criança, uma vez que pensar os desígnios da infância implica necessariamente pensar as condições e os projetos específicos da vida adulta e vice-versa. Essa relação de alteridade envolve um processo histórico e social, cuja origem se situa na consciência da diferenciação entre a infância e a vida adulta, e cujos desdobramentos se expressam nas transformações dos modos como adultos e crianças posicionam-se perante essa diferenciação. (PEREIRA, 2002, p. 82)

Processos de pesquisa que perpassaram pela alteridade; assim a oficina que desenvolvemos

possibilitou um melhor entendimento de que mídias as crianças mais gostavam e também

sobre a utilização que faziam delas. O rádio foi uma das mídias destacadas pelas crianças, seja

o do carro, o do MP3, o convencional rádio à válvula ou rádio à pilha. Em alguns desenhos

verificamos também a representação do rádio no antigo aparelho 3 em 1 no qual a presença da

antena contribuía para melhorar a sintonia dos programas radiofônicos.

3.3.3 – As crianças e as mídias: uma perspectiva exploratória

A pesquisa que também foi exploratória possibilitou a reconstrução de possíveis dados e

subsídios para o melhor entendimento tanto sobre o foco pesquisado quanto de suas

problematizações. A proposta inicial era de analisarmos o material produzido pelas crianças

como desenhos, imagens, textos, programas radiofônicos além de fotos e as falas/vozes das

mesmas no processo de desenvolvimento da oficina.

Utilizamos naquela época parte das produções culturais midiáticas que circulam no interior de

uma sala de aula a partir da oficina que realizamos. O caderno de campo foi intensamente

utilizado no decorrer de nossas atividades. Assim a coleta de dados foi nos revelando parte

dos sentidos e significados das crianças com as falas/vozes e sons da radiodifusão.

Lembramos que os sujeitos da pesquisa em sua fase exploratória eram crianças de 5 e 6 anos.

Estavam em fase de alfabetização, ou seja, freqüentavam uma sala de 1ª série da Educação

Básica/Ensino Fundamental, antigo 3º período da Educação Infantil. A escola era freqüentada

por educandos da classe média, o período era o diurno.

A pesquisa exploratória nos ajudou a melhor entender os processos pelos quais as descobertas

vão se delineando. “Não existe método de trabalho em pesquisa junto a pessoas humanas que

substitua a sabedoria da escuta. Se você a tem ou desenvolve, qualquer bom método serve. Se

não, qualquer um atrapalha.” (BRANDÃO, 2003, p. 135). Ao longo dos encontros da oficina:

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“A radionovela vai à escola”, percebemos que as crianças diante de nossa presença mais

falaram do que escutaram, experimentaram um estranhamento, pois tiveram ao seu entorno

pessoas desconhecidas. A todo o momento as crianças pediram para brincar, entendemos

assim que através das brincadeiras nossas pesquisas poderiam ter continuidade. Ressaltamos,

que no processo de captura dos dados as brincadeiras podem ser um dos procedimentos

metodológicos importante.

O aparato técnico utilizado por nós para a captação de dados, também causou curiosidades,

assim o gravador de voz e a câmera fotográfica fizeram com que as crianças deslocassem de

seus lugares para melhor visualizar e tocar tais equipamentos, queriam se ver nos registros

fotográficos digitais e também escutar a gravação com suas vozes, ouvintes e falantes se

misturam e o campo da pesquisa foi se reconfigurando. “Sabemos que, enquanto pais e

educadores, já deixamos de ter, há muito tempo, a exclusividade no papel de educar as

crianças, uma vez que essa função hoje também é cumprida por outros atores e instâncias

sociais, com é o caso da mídia.” (SALGADO, 2005, p. 18)

A oficina: “A radionovela vai à escola”, caracterizou-se por ser uma atividade exploratória

através de processos midiáticos como a radiodifusão, o que não desvinculou possíveis

analises sobre as outras mídias, como por exemplo, a televisão. Nesta etapa da pesquisa o

nosso foco consistiu em fazer um mapeamento das experiências infantis com a mídia

radiofônica.

Uma das atividades realizadas constituiu em solicitar às crianças que desenhassem o lugar da

sua casa que mais gostavam. Tínhamos a intenção de observar se aparecia, dentre os lugares

selecionados por elas, algum tipo de equipamento de mídia. Nos desenhos, as representações

de aparelhos sonoros se destacaram nesse universo de múltiplas linguagens, alguns rádios

foram desenhados.

Da ficção à ciência, os desenhos do cotidiano têm revelado algumas particularidades do

universo infantil. As crianças elegeram parte de suas representações sonoras mais importantes

através dos desenhos e das entrevistas, assim diversos tipos e modelos de rádios apareceram

por várias vezes, tanto os mais recentes em MP4, MP3, rádio no celular, rádio no PC entre os

tradicionais, aqueles à válvula ou à pilha, além do rádio do carro.

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Figura 1 – Representação dos sons que a criança mais gosta de ouvir. Apareceram no desenho o rádio, a televisão, o pássaro e, também, o carro (à esquerda); no destaque (à direita) a mão de Isabela aponta o rádio.

Ao utilizarmos o desenho na oficina “A rádio novela vai à escola”, pensamos que as

possibilidades de representação daquilo que as crianças gostavam de escutar e também de

assistir aumentavam, à medida que pudessem demonstrar parte de sua realidade, parte de seu

cotidiano, aquilo que normalmente fazem em casa. Aqui, além da televisão destacamos o

aparecimento do rádio, o que nos demonstra que, mesmo com todo o atual aparato técnico e

tecnológico, o “velho” rádio não saiu de moda. Segundo Aumont (2007, p. 81), “Em todos os

seus modos de relação com o real e suas funções, a imagem procede, no conjunto, da esfera

do simbólico (domínio das produções socializadas, utilizáveis em virtude das convenções que

regem as relações interindividuais).” A imagem, entendida aqui como os desenhos feitos pelas

crianças, pode nos revelar os símbolos e também signos que são importantes para seus

autores, que em nosso caso são as crianças. Na figura acima Isabela aponta como o dedo (à

direita) o rádio que desenhou na oficina.

Nas atividades que realizamos sobre a oficina, a captação dos discursos a partir das conversas

com as crianças nos possibilitou o repensar de nossas ações como pesquisadores, e o quanto

se tornaram importantes as outras vozes e a compreensão que o outro estabelece daquilo que

temos interesse em saber. “Em uma perspectiva polifônica, o ponto crucial de encontro entre

forma e conteúdo é aquele no qual é possível ouvir a voz do autor.” (AMORIM, 2002, p. 18).

Entendemos o método como uma das condições necessárias para se fazer a pesquisa; em

nossa perspectiva a pesquisa, por sua vez, é vista como processo, que possibilita a construção

do conhecimento científico.

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Uma concepção dialética de método como de tudo o mais, por ser dialética, há de libertar-se do ‘ser parménico’. Singularizar, individualizar, absolutizar as coisas, os fatos, os acontecimentos como se fossem ‘a realidade’ é transformá-los em ‘a idéia’ como forma universal e absoluta (‘o ser’). (SALOMON, 2000, p. 13)

Neste ponto ressaltamos que além das conversas ou entrevistas, tanto individuais quanto

coletivas, propusemos às crianças a elaboração de desenhos que tratassem em parte de

aspectos vinculados às mídias. Utilizamos também o próprio laboratório de informática da

escola, ora para acessarmos produtos midiáticos como jogos e/ou softwares educativos, ora

para pesquisarmos os produtos midiáticos de maior acesso às crianças. Elaboramos vários

slides em (Power Point) para serem marcados ou selecionados pelas crianças. O laboratório de

informática se transformou em um local atrativo para estas crianças.

Ao longo de nossas atividades de campo as crianças foram consideradas partícipes, como já

mencionamos anteriormente. Além de reflexões sobre parte dos bens culturais produzidos e

recebidos pelas crianças, nos importou também suas participações como protagonistas.

Parte das questões formuladas para viabilizar as entrevistas foram revistas por nós tanto em

campo quanto ao pensarmos sobre nossas inserções em tais ambientes, portanto a

inflexibilidade de processos e procedimentos metodológicos não se fez presente ao longo de

nossos encontros com a criançada. Nesse contexto as crianças não eram consideradas

passivas, mas leitoras de signos e símbolos a partir de nossas interlocuções. “Em pesquisas

sobre crianças, a questão-chave é: como os adultos podem ir além dos limites de poder e

expor as complexidades do poder nas relações entre adultos e crianças?” (ALDERSON, 2005,

p. 437). Não temos a pretensão de responder à indagação mencionada, porém nossas idéias,

ao longo das atividades de campo, permearam a ruptura de processos metodológicos

convencionais ou tradicionais, nos quais apenas a fala do pesquisador configurada como

monológico, se destacava. Assim, utilizamos metodologias alteritárias, plurais, que não

apenas revelassem as pistas que as crianças traziam, mas que pudessem agregá-las enquanto

agentes protagonistas nesse processo.

Nas atividades desenvolvidas na escola constatamos a presença do rádio em vários desenhos e

também nas entrevistas que realizamos. Em um dos momentos levamos um rádio para a

escola, isso despertou mais ainda a curiosidade das crianças que ficaram atentas para os sons

advindos dessa mídia e deram depoimentos sobre os locais onde às vezes escutavam

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programas radiofônicos. As crianças quando foram questionadas sobre o que sai do rádio,

responderam que “saíam notícias”. Um das crianças, o Luca disse que é através da antena

que o sinal do rádio funciona, a Júlia disse que primeiro eles gravam e depois o som sai do

rádio. Nestas falas percebemos que há um entendimento sobre os princípios do

funcionamento da radiodifusão, embora em alguns momentos haja dúvidas se os sons

emitidos são previamente gravados ou não.

Figura 2 – As crianças em circulo, um diálogo sobre os sons que saem do rádio. Luiz ergue a mão e fala sobre o rádio (à esquerda). Luiz aponta para os buraquinhos do rádio, de onde saem os sons (à direita).

Na figura 2, percebemos as crianças observando o rádio à pilha levado por nós. Também

falaram sobre de onde os sons saiam, apontaram com os dedos o auto-falante do rádio no

detalhe da figura à direita, já do lado esquerdo Luiz aponta para cima dizendo que os sons

passam primeiro por um satélite e depois vêm para o rádio.

Figura 3 – As crianças em volta do rádio sintonizando uma estação.

Na figura 3 as crianças em volta do rádio observando atentamente os “botões” que

possibilitam a mudanças de estação; a curiosidade pelo “velho” e “tradicional” rádio era uma

constante ao longo de nossa pesquisa. Como se estivem deitadas no chão, as crianças

aproximaram do rádio para melhor escutarem os sons que saiam.

Nossas gravações em vídeo e nossas fotografias foram utilizadas como um “método de

pesquisa visual”, aquele que permitiu a observação e a análise sem necessariamente os sons,

os ruídos, mas que demonstram-nos parte dos fatos sociais, como também parte das

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curiosidades das crianças por essa mídia que é o rádio, tal método pode ser importante para o

desenvolvimento de pesquisas diversas. Pensamos que a fotografia pode conter informações

necessárias, assim as fotos que apresentamos acima nos “dizem” sobre parte dos interesses

das crianças pela mídia radiofônica, algo que os desenhos já apontavam no início das oficinas

que realizamos. Além das fotografias em nossas gravações as crianças falaram sobre o rádio,

segue assim um dos diálogos que estabelecemos com elas:

Josemir: Criançada, como que o som sai do rádio?

Samuel: Por aqui, [aponta com o dedo para o rádio] pelos buraquinhos.

Josemir: Como assim Samuel?

Muitas crianças falam ao mesmo tempo: daqui, dali, é assim [...]

Josemir: E você Pedro, fale do rádio, como é que sai o som?

Pedro: É que eles ficam falando, aí a antena pega o som e sai no rádio.

Josemir: Eles ficam falando de um lugar e a antena capta o som e sai aqui por esses buraquinhos que o Samuel

falou?

Pedro: É.

Josemir: E você Arthur, fale com é?

Arthur: É a mesma coisa que o Pedro já falou.

Josemir: Então fala de novo prá gente escutar?

Arthur: É a antena pega o sinal, os caras ficam falando, a antena pega o sinal e sai pelo rádio Josemir.

Luca: Não é assim não.

Josemir: Criançada, o Luca quer falar.

Luca: É assim, eles primeiro gravam depois põem uma camerinha aqui, não acaba a fita não, não acaba, põe uma

câmera, um negócio dentro dela, uma maquininha, mas não é de gravar não, pega a transmissão é da antena de

fora.

Josemir: Tem uma antena lá fora?

Luca: É, tem uma antena, porque todo lugar tem uma antena.

Muitas crianças falam ao mesmo tempo: Na casa da gente tem antena, fica lá no alto [...]

Luca: Então na antena pega a transmissão disso aí e passa alguma música que sai aqui no buraquinho do rádio.

Josemir: Júlia, como que o som sai do rádio?

Júlia: Eles gravam primeiro e depois sai por esses buraquinhos.

Josemir: Como que o som sai do rádio?

Luiz Fernando: Eu sei que a antena capta aonde que os caras tá, no programa, vai falando, o satélite vai

captando e transmitindo o sinal para o rádio, aí sai o som por esses buraquinhos.

As crianças muitas vezes responderam parte das indagações, às vezes repetiram as falas

mencionadas por seus colegas, mas estabeleceram uma rede de diálogos onde não havia a

preocupação em responder apenas o que os entrevistadores queriam saber, foram além e

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reelaboram outras questões. As crianças falaram que do rádio saiam notícias e também

músicas, em nenhum momento mencionaram algum tipo de programa destinado ao público

infantil. Percebemos que as crianças escutam rádio, mas que não havia uma seleção sobre os

programas, mas sim o interesse pelas músicas e talvez por algumas notícias. Em nossa

pesquisa não foi possível verificar quais as músicas ou estilos musicais que as crianças mais

gostavam e nem quais as notícias que “saiam” do rádio. Pensamos que há uma indagação

percebida em campo, mas ainda não respondida, é sobre a escuta do rádio pelas crianças:

vivemos em uma múltipla teia de códigos, assim as discursividades das crianças como um ato

de comunicação é influenciada pelos diversos sons que saem do rádio?

A todo o momento as crianças viam as atividades de nossa pesquisa enquanto uma extensão

de suas brincadeiras, ou seja, nos momentos de captura de dados o espaço escolar se

transformava diante de nossos olhos em um verdadeiro espaço do brincar.

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CAPÍTULO 4 – PROGRAMA RADIOFÔNICOS PARA CRIANÇAS

4.1 – Radiodifusão e infância: duas histórias

A radiodifusão sempre nos chamou atenção, assim ao percorremos alguns desvios

metodológicos chegamos a dois programas radiofônicos destinados ao público infantil, uma é

a Rádio Maluca da Rádio Nacional AM RJ em parceria com a Rádio MEC AM e o outro é a

Universidade das Crianças da Rádio UFMG Educativa em Belo Horizonte.

O programa Rádio Maluca, idealizado e apresentado pelo diretor de espetáculos teatrais e

musicais, psicodramatista, cantor, compositor, pedagogo e radialista José Carlos de Souza,

conhecido por “Zé Zuca”, atualmente tem sua programação veiculada ao vivo, diretamente do

Auditório Radamés Gnattali, na Rádio Nacional AM RJ, na cidade do Rio de Janeiro. O

programa surgiu em 1994, na Rádio MEC AM, em um formato de rádio-teatro e com duração

de vinte minutos. A participação do público infantil naquela época podia ser verificada no

próprio formato do programa. Tratava-se de um casal de meninos repórteres que tinham como

objetivo montar uma estação de rádio e, para tanto, era necessário convidar um educador

louco e um técnico de som biruta19. Assim o formato da Rádio Maluca foi se estruturando e

garantindo a participação de crianças em sua programação. De lá prá cá, a programação foi

alterada e hoje muitas atrações culturais e/ou atividades fazem da Rádio Maluca um dos

atrativos para as crianças nas manhãs de sábado. A partir do início de 2005, o tempo de

duração da programação passou de vinte minutos para uma hora.

O programa radiofônico Rádio Maluca é transmitido ao vivo e em sua programação ou roteiro

a interatividade com as crianças é uma “constante”. Em vários momentos o apresentador

desce do palco com o microfone nas mãos e vem para a platéia dialogar com crianças e

adultos. Nesse momento, cria-se um alvoroço entre os participantes, a criançada em muitos

casos se dispõe a falar, levantam as mãos, fazem gestos, mudam de lugar, os olhares se

direcionam para o apresentador que aleatoriamente, elege os participantes, que têm suas vozes

veiculadas pelas ondas do ar; ora são as crianças que estão mais à frente do palco, ora as que

19 O educador louco era o Zé Zuca e o técnico de som biruta o Mariano, hoje integrantes da Rádio Maluca.

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estão mais afastadas. Assim a festa acontece como um verdadeiro encontro de culturas, que

também é veiculado ao vivo pela Rádio MEC AM.

O programa radiofônico Universidade das Crianças surgiu em 2005, a partir do próprio

nascimento da Rádio UFMG Educativa, sediada no Campus da Universidade Federal de

Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte. Essa rádio é um marco importante na história da

UFMG, fruto de um projeto de 30 anos, levado à frente pela Professora Maria Ceres Pimenta

Spínola Castro, atual diretora do Centro de Comunicação da UFMG (CEDECOM). Uma das

atividades iniciais da Rádio UFMG Educativa foi o desenvolvimento de oficinas de rádio para

o público interessado em aprender algumas particularidades da radiodifusão. Tais oficinas

despertaram a paixão pelo rádio em uma fração da comunidade universitária, dando origem a

vários programas de divulgação científica, sendo um deles o Universidade das Crianças.

A partir de uma parceria entre a Rádio UFMG Educativa, o Instituto de Ciências Biológicas

(ICB) e o Centro Pedagógico20 (CP) da UFMG, começa a “moldar-se” o Universidade das

Crianças. Transmitir às crianças a paixão pela ciência é a proposta do projeto em questão, que

tem como idealizadora e coordenadora uma pesquisadora21 do Instituto de Ciências

Biológicas. Ela vai à busca antes de mais nada de, através da fala das crianças, resgatar o que

tem de mais essencial na atividade científica – a curiosidade humana. A perspectiva é deixar

cada criança, influenciada pela sua história e pelo seu contexto, mostrar seus questionamentos

mais genuínos. De uma certa forma, tal proposta representa uma contestação à forma como a

ciência contemporânea tem sido praticada, no seu ritmo “alucinante” de produtividade medida

por publicações, o que faz com que as perguntas mais essenciais “morram” antes de “nascer”.

No Universidade das Crianças, a dúvida da criança é externada a partir de atividades da

disciplina intitulada Grupo de Trabalho Diferenciado (GTD), oferecida inicialmente a

crianças de 9 a 11 anos do Centro Pedagógico da UFMG. Pesquisadores da UFMG, alunos de

graduação e pós-graduação e, ainda, as próprias crianças do GTD, são todos convidados a

responder às perguntas. Na maioria das vezes as perguntas demandam maiores investigações e

discussões, o que muitas vezes culmina na interação efetiva de estudantes e pesquisadores das

mais diversas áreas da Universidade.

20 O Centro Pedagógico (CP) é uma Escola Federal de Educação Básica que está sediada no campus Pampulha da UFMG. 21 A professora Débora D’Ávila Reis é a coordenadora do projeto Universidade das Crianças. É professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG).

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Temas diversificados são abordados, sendo que no ano de 2007 e 2008 o tema escolhido foi o

corpo humano. Normalmente as perguntas e também as respostas são elaboradas com a

participação de professores de Ciências do CP, pesquisadores da própria UFMG, além de

alunos do curso de graduação em Medicina da UFMG e a coordenadora do projeto. Sempre

que possíveis as indagações e as respostas voltam ao CP para discussões que indiquem a sua

viabilidade e/ou reelaboração, de forma a permitir melhor entendimento, principalmente para

o público participante, que são crianças. Tudo isso em oficinas.

Um dos produtos finais do projeto em questão são as pílulas radiofônicas22. Para a elaboração

do texto a ser gravado, procura-se utilizar uma linguagem acessível e agradável, mas sem

perder a cientificidade e a lógica do pensamento. Com freqüência utilizam-se metáforas e

analogias, mas sempre com a preocupação de não promover a banalização ou o esvaziamento

do tema abordado. Lembramos também que em alguns casos as respostas voltam ao grupo de

crianças do GTD para se avaliar a linguagem empregada. As crianças ficam empolgadas, pois

suas vozes podem ser ouvidas por muitos, uma vez que são veiculadas no programa

Universidade das Crianças da Rádio UFMG Educativa.

Tanto o programa radiofônico Rádio Maluca quanto a Universidade das Crianças aqui são

trazidos a partir de suas especificidades. Longe de procurar estabelecer comparações, a idéia é

de permitir o melhor entendimento de suas realidades e, principalmente, os aspectos que

tratam da participação das crianças com suas falas, seus pensamentos, suas linguagens e suas

sonoridades. Através das falas das crianças verifica-se o fenômeno de apropriação de bens

culturais diversos, o qual é comumente estabelecido em processos comunicativos, com a

utilização de linguagens sonoras.

Quando falamos em processos de produção, lembramos que tanto a Rádio Maluca quanto o

Universidade das Crianças são “elaborados” a partir de “diversas” vozes, entre as quais

podemos destacar as das crianças. Mesmo havendo diferenciações em seus formatos, algumas

de suas características se aproximam, um dos pontos de convergência é que são programas

radiofônicos para crianças, mas, de alguma forma, com a participação das crianças, mesmo

22 A este respeito Elias Santos (Coordenador da Rádio UFMG Educativa), em entrevista, disse o seguinte: Pílulas são programetes de curta duração, com média de 1 a 3 minutos, com conteúdo variado, para serem usados nos intervalos da blocagem da programação de uma emissora. Podem conter vinhetas de abertura e de encerramento, com locução com ou sem BG (background - música ao fundo da fala). As pílulas dão um dinamismo fundamental à programação da emissora.

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quando nos deparamos com a distinção do tempo de duração de cada um dos programas. A

Rádio Maluca tem a duração de 50 a 55 minutos, já a Universidade das Crianças tem a

duração de 1 a 3 minutos. Neste contexto, o último pode até mesmo ser entendido como um

programete, tal diferenciação no formato do tempo, juntamente com outro fator que é a

veiculação das produções, não exime da responsabilidade de se fazer programas-programetes

de qualidade para o público infantil.

A Rádio Maluca tem sua transmissão ao vivo, diretamente do auditório Radamés, no RJ, já a

Universidade das Crianças não é transmitida ao vivo, são gravações que circulam entre

“intervalos” de outros programas. Parece-nos que a própria estrutura da Rádio UFMG

Educativa, onde ocorre à veiculação além de não dispor de espaço físico suficiente, tem uma

equipe de trabalho reduzida e não tem equipamentos e/ou “estúdio de som” especificamente

para este fim. Em nossa visita a Rádio UFMG Educativa, visualizamos apenas um estúdio,

onde toda a programação da emissora acontece. Embora não haja condições materiais para a

veiculação ao vivo, não falta coragem para tal, assim em uma das entrevistas que realizamos

com Elias Santos (coordenador da rádio) fica evidente parte de suas proposições enquanto um

integrante da emissora.

Essa é uma experiência muito boa, dentro daquilo que eu falei do cientista ser provocado pela sociedade. Porque ao invés de produzirmos um conteúdo que pensamos que atingirá as crianças, porque pensamos assim, vamos fazer um programa [...] que atingirá as crianças e os adolescentes. Não, resolvemos ouvir aquelas crianças, abrir o gravador para elas e falei: olha você tem alguma coisa que queira perguntar sobre ciência, sobre o universo, sobre pesquisa, sobre o mundo? Na verdade são sobre o mundo as perguntas, aí os meninos perguntam, eles são atrevidos. Eles perguntam mesmo, porque que a gente tem meleca? Porque que existe cruzeirense? Nós temos que nos virar para achar as respostas. Achar primeiro quem responda em que área mostrar para essa pessoa, para ver se ela topa responder. Porque tem gente que não topa não, então é muito legal, é o extremo da interatividade. Se isso pudesse ser feito ao vivo seria melhor ainda, mas nós por enquanto não temos estrutura para isso, mas nós vamos chegar lá. Se eu não chegar, acho que outras pessoas virão e chegarão porque seria muito legal você ter uma bancada de professores, e o ligue agora e faça a sua pergunta ao vivo. Aí ninguém pode preparar nada e, outra coisa, a utilização da voz da criança então é claro que tem essa coisa da pesquisa dar voz a quem não tem voz, mas para a gente estrategicamente, a criança atrai hoje em dia na sociedade, a criança é permitida, se ela errou é bonitinho, é criança, se um adolescente erra, não. Olha lá [...] a voz da criança atrai outras crianças e a gente tem essa coisa assim atrai as pessoas, então literalmente é dar voz a quem não tem voz, ao invés de ficar fazendo programas infantis para criança você faz com que a criança participe. (SANTOS, Elias. Belo Horizonte, 26 junho. 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros).

A fala de Santos ajuda a perceber o quanto estão ligados a produção cultural voltadas às

crianças e aquilo que pensamos sobre as crianças. Nesse sentido, o reconhecimento do

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coordenador sobre a capacidade de interatividade das crianças no campo da produção é

atravessada por uma visão de infância como apelo de consumo, ainda ligada à idéia de que a

criança pode ser compreendida como objeto de graça aos adultos.

Lembramos que, quando tratamos de perguntas e respostas ao vivo, há riscos constantes em

tal processo, talvez o medo dos adultos em relação a sua incapacidade de responder à questão

feita pela criança, de imediato. Nas entrevistas realizadas ficou-nos evidente que tanto os

estudantes do curso de graduação em medicina que são participantes das oficinas quanto até

mesmo os colaboradores que são professores-pesquisadores, às vezes não conseguem

responder de imediato às indagações das crianças. Esta experiência é bastante rica para

problematizar a relação criança/adulto, tal qual ela se apresenta sob padrões tradicionais onde

o adulto é tratado como aquele que sabe e a criança como aquele que não sabe.

Nesse sentido, a estrutura de produção do programa ajuda a relativizar esses lugares

arraigados, dando visibilidade aos saberes e não-saberes compartilhados. Apesar de Santos

mencionar na entrevista acima o desejo de realizar um programa de perguntas e respostas ao

vivo, também recorre ao mercado, diz ser a crianças “algo” estratégico e demonstra que as

crianças por ocuparem um lugar determinado na cultura do adulto, não tem voz, assim diz ser

preciso dar voz a elas. Santos recorre a uma visão adultocêntrica ao explicitar o conceito de

infância a partir da falta, da incompletude e da ingenuidade.

Na ausência de respostas imediatas é que o medo pode povoar a mente do adulto, aqui

destacamos as peculiaridades do universo infantil, ou seja, a “criticidade” em que se apóiam

as crianças para fazer valer suas falas/vozes. As curiosidades das crianças são externadas

quase que espontaneamente nas oficinas conhecidas com GTD de Corpo Humano23.

Entendemos que as crianças revelam em suas falas parte das identidades culturais que

carregam, encontraram um lugar, um ponto de referência para externar aquilo que pensam,

sentem, mas sem as características tradicionais das escolas, da família ou mesmo, das relações

lineares entre criança e adulto.

23 As atividades desenvolvidas no Grupo de Trabalho Diversificado (GTD) fazem parte da proposta pedagógica pensada pela equipe de professores(as) das várias áreas do conhecimento, mas, neste caso, vincula-se à temática Corpo Humano. Os encontros eram semanais e com duração máxima de 1:40h. Participamos de várias oficinas, coletando dados para subsidiar esta pesquisa.

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4.2 – Infância e linguagens negociadas

As crianças, aqui, são entendidas como agentes que negociam constantemente seus

posicionamentos. Protagonistas de processos comunicativos, elas utilizam a linguagem sonora

para também expressarem parte de seus desejos, de seus anseios e de suas angústias. Nesse

processo dialogam tanto com os adultos quanto com seus pares e formulam redes próprias de

conhecimentos, as quais muitas vezes não são aceitas pelos adultos. O entendimento que

muitos adultos ainda defendem, de uma infância em que os sujeitos são incapazes de pensar,

de construir conceitos e saberes, tende a prejudicar a viabilidade de diálogos e/ou

discursividades através da radiodifusão. Ao se considerar a infância enquanto parte de um

processo, ou melhor, de processos que não primam pela fixidez, mas que carregam a fluidez

constante das mudanças históricas e, portanto culturais, destaca-se a importância dos

programas radiofônicos já mencionados anteriormente, enquanto partidários de novas formas

de pensar a infância.

Certamente as definições de infância são variadas e muitas vezes contraditórias. Em qualquer momento histórico, em qualquer grupo social ou cultural, podemos encontrar muitas definições conflitantes – algumas das quais poderão se resíduos de concepções anteriores, enquanto outras talvez tenham surgido há pouco. Entretanto, na história recente dos países industrializados, a infância tem sido essencialmente definida como uma questão de exclusão. Mesmo com toda a ênfase pós-romântica na sabedoria e na compreensão inatas das crianças, elas são definidas principalmente em termos do que não são e do que não consegue fazer. (BUCKINGHAM, 2000, p. 29)

No texto acima, Buckingham (2000) fala sobre as definições variadas de infância. Os

programas radiofônicos, Rádio Maluca e Universidade das Crianças podem ser considerados

uma construção, onde o processo de negociação entre os ouvintes e os falantes é uma

“constante” e que necessariamente não parte daquilo que as crianças não são ou não consegue.

As crianças são, portanto, produtoras culturais, agentes participativos e autores de diálogos

criativos; não são meros ouvintes que passivamente absorvem os diálogos, sem antes

interpretá-los e reinterpretá-los. Diferentemente de alguns sistemas escolares positivados, os

saberes midiatizados carregam suas peculiaridades e, em muitos casos, podem ser mais

atrativos que a escola tradicional. “Em nossa perspectiva, o ‘receptor ativo’, observado nos

estudos de recepção, se caracteriza justamente por essa capacidade de, na interação com os

produtos midiáticos, aprender.” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 92). Nessa interação de

culturas diversas os sentidos são produzidos e socializados tanto no universo infantil quanto

entre o universo infantil e o adulto. Por um lado percebe-se a interação cultural dos diversos

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agentes que participam de forma direta ou indireta dos programas, ou seja, aqueles que

puderam emitir diversos sons e entre eles suas falas, que, por sua vez, foram veiculadas nos

microfones. Por outro lado, temos aqueles que apenas escutam os sons e/ou falas de outras

crianças, mas que, em determinados momentos, se identificam com os processos

comunicativos em questão, havendo, portanto, uma interatividade a partir dos programas

radiofônicos veiculados. “A cultura midiática infantil cada vez mais atravessa as fronteiras

entre textos e entre formas midiáticas tradicionais [...]” (BUCKINGHAM, 2000, p. 131).

Aqui ressaltamos a radiodifusão enquanto um processo comunicacional tradicional, ainda que

muitos possam acessá-lo através da rede mundial de computadores, conhecida também por

Rádio Web, que, neste caso, nos faz recordar da chamada convergência tecnológica,

permitindo a amplitude da recepção. As especificidades destes programas radiofônicos para

crianças se destacam em meio às transformações culturais e econômicas da

contemporaneidade. Mesmo sendo o rádio uma mídia tradicional, nos dois programas

radiofônicos aqui analisados destacam-se as inovações na produção, transmissão e até mesmo

na recepção de produtos culturais.

Fronteiras difusas, entrelaçamento de mídias e hibridismos são diversos os nomes que

encontramos para tais processos, pensamos que os ambientes midiáticos passam por

transformações técnicas e tecnológicas para atender a interesses diversos, desde o cultural ao

econômico. As mídias contemporâneas, de acordo com Buckingham (2000, p. 133-134),

gradativamente se dirigem às crianças, “[...] como se elas fossem consumidores altamente

‘alfabetizados midiaticamente’. Se elas o são de fato, e o que entendemos por isso, são, porém

questões bem mais complexas.”

É possível que as crianças estabeleçam códigos próprios, que permitem a apropriação de

significados advindos dos diversos signos sonoros veiculados nos programas radiofônicos, ou

seja, é possível que elas sejam leitores imersos em possíveis novas leituras dos produtos

culturais. Com as convergências das mídias, desde as tradicionais às modernas, devemos

repensar as crianças não como leitores contemplativos24, que não deixam suas marcas naquilo

que lêem, leitores da era pré-industrial. Se, hoje, pouco se vê nas crianças tal comportamento,

apenas contemplativo, pode-se enveredar por uma nova proposta que também é conhecida por

24 Ver: SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. 2ed. São Paulo: Paulus, 2007. 192 p.20.

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leitor movente25. Este tipo de leitor, que surgiu a partir da Revolução Industrial, habita um

mundo híbrido, de um ir e vir constante. Na contemporaneidade, apesar das práticas diversas

de leituras das crianças, ainda é possível a existência de leitores contemplativos, dada a

existência de práticas contemplativas que se perpetuam em alguns ambientes e que estão

imersas na tradição de que a criança é um ser humano incapaz de movimentar-se e de

produzir culturas a partir de seus cotidianos.

O primeiro, como já foi mencionado acima, é o leitor contemplativo, meditativo da idade pré-industrial, o leitor da era do livro impresso e da imagem expositiva, fixa. Esse tipo de leitor nasce no Renascimento e perdura hegemonicamente até meados do século XIX. O segundo é o leitor do mundo em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de misturas sígnicas, um leitor que é filho da Revolução Industrial e do aparecimento dos grandes centros urbanos: o homem na multidão. Esse leitor, que nasce com a explosão do jornal e com o universo reprodutivo da fotografia e do cinema, atravessa não só a era industrial, mas mantém suas características básicas quando se dá o advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão. O terceiro tipo de leitor é aquele que começa a emergir nos novos espaços incorpóreos da virtualidade. (SANTAELLA, 2007, p. 19)

As considerações de Santaella (2007) sobre os três tipos de leitores são importantes, mas do

mesmo modo que mencionamos anteriormente sobre a infância enquanto uma construção

histórica, percebemos que a participação das crianças nos programas radiofônicos não está

especificamente vinculada a tais mudanças, mas, também, aos espaços possíveis que

permitem a negociação. Assim, a superação do leitor contemplativo pressupõe a constituição

de um leitor imersivo.

Os dois programas radiofônicos aqui analisados, Rádio Maluca e Universidade das Crianças,

explicitam o leitor ativo, que negocia suas falas e deixa suas marcas e não se contenta em

apenas acompanhar “passivamente” as produções culturais. “Há boas e más interpretações –

mas o saldo, positivo ou negativo, é uma aprendizagem. Ou seja: o receptor é ativo não

porque ‘resista’, mas na medida mesmo de sua interação com os produtos mediáticos. É ativo

porque interativo.” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 93). A interatividade dos leitores, aqui

entendidos como ouvintes de mensagens radiofônicas, não se limita apenas aos receptores,

que de alguma forma, mostram-se também produtores que “alteram” o percurso das

mensagens veiculadas no rádio. Buckingham (2000, p. 139) nos diz que as crianças são

consideradas consumidoras midiáticas exigentes, sábias e sofisticadas. Os dois programas

radiofônicos, portanto, negociam com um público nada “passivo”, um público que de

25 Ibidem, p. 24.

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contemplativo não tem nada, mas que, no jogo de negociação, explicita seus interesses, em

muitos casos resiste e não abre mão de suas culturas; talvez uma infância negociada, a partir

de uma rede de saberes que vão sendo apropriados com o passar dos tempos, através de vários

produtos midiáticos.

Cabe ressaltar que os dois programas aqui analisados propiciam uma inusitada relação entre

produção e recepção, na medida em que muitas crianças “ouvintes” participaram efetivamente

da produção desses programas.

Entretanto não podemos esquecer que a analise aqui trazida se pautou no acompanhamento

apenas dos processos de produção destes programas, não tendo havido nenhuma ação de

pesquisa que focasse a sua recepção, na forma clássica: a audição, via rádio, em contexto

distante do local de emissão.

Feita essa ressalva, entendemos ser importante frisar que compreendemos que a participação

das crianças na produção desses programas dá a elas um outro tipo de consciência do que seja

a radiodifusão, como lhes torna, certamente, ouvintes mais qualificados e exigentes.

Crianças e adultos negociam constantemente as linguagens sonoras veiculas nas ondas do ar,

nos programas radiofônicos. São mundos diferentes, mas com cruzamentos de produtos

simbólicos que apresentam sentidos às singularidades.

A gama de possibilidades de atividades cotidianas desdobra-se num fluxo incessante, impondo aos sujeitos uma frenética re-elaboração das suas experiências da vida, do tempo, da espacialidade, dos modos de relacionar-se. É certo que as inumeráveis atividades e situações cotidianas se apresentam indistintamente para adultos e crianças, posto que derivam de uma base social comum. Entretanto, o modo como cada grupo dá sentidos a essas experiências é singular. (PEREIRA, 2003, p.16-17).

As particularidades dos cotidianos, tanto dos adultos quanto das crianças, exigem-nos um

constante repensar e negociar. No excerto acima, Pereira (2003) pondera sobre as múltiplas

possibilidades de atividades cotidianas e seus desdobramentos, em que cada grupo, ao seu

jeito, estabelece sentidos e significados aos processos midiáticos. Podemos até mesmo

mencionar a negociação no que diz respeito à cultura, ou às culturas dos diversos grupos. Não há dúvida de que a infância está mudando, muitas vezes como resultado de seu contato com a cultura infantil e outras manifestações mais adultas da cultura média.

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Apesar de todo o público da cultura popular desempenhar um papel importante dando seu próprio significado aos seus textos, a cultura infantil e a cultura popular adulta exercem influências afetivas específica, importando mapas que emergem nos contextos sociais nos quais as crianças se encontram. (STEINBERG e KINCHELOE, 2004, p.32)

Percebemos que as mudanças no campo da infância, e em específico, sobre parte da cultura

infantil emergem de processos múltiplos de ressignificação de espaços e também de tempos,

ou seja, o contexto sócio-cultural e espacial em que as crianças hoje vivem se diferenciando

de outros tempos; assim como os próprios espaços que também freqüentam e onde circulam

têm sido alterados, assim tais modificações acabam interferindo nos aspectos culturais das

crianças.

Nos programas radiofônicos aqui analisados a negociação se fez presente, ou seja, a cultura

infantil disputou lugares com a cultura dos adultos, ressignificando peculiaridades de cada

cultura. Os vários discursos veiculados nos programas radiofônicos foram em sua maioria

abrangentes, abordando tanto temas acerca do universo infantil como também particularidades

do universo adulto, apresentaram narrativas múltiplas, perpassando culturas, demonstrando-

nos a interatividade. “Assim, a narrativa de que fala Benjamin só existe nessa dimensão oral,

já que ocorre no diálogo constante entre narrador e ouvinte, o que faz com que a mesma

história possa ser, a cada vez, contada de forma diferente de acordo com o público que a

ouve.” (HOFFMANN, 2008, p. 182). Nos diálogos estabelecidos entre crianças e

“produtores” de programas radiofônicos, percebemos uma recorrência de falas a partir de

algumas indagações estabelecidas pelos adultos. Eram constantes as repetições, mesmo assim

não entendemos que há ausência de narrativa, talvez o imediatismo das respostas possa ter

contribuído para o direcionamento das mesmas. A repetição aqui não tem o caráter de

anulação das narrativas ou de passividade dos participantes, ao contrário, pensamos que a

repetição se vincula especificamente ao ato de brincar, brincar com as palavras, brincar com

aquilo que já foi dito e redito. A esse respeito lembramos que Salgado (2008) reforça a

brincadeira. Trabalhar com brincadeiras e jogos não se limita a definição, enquadre ou administração pedagógica dessas atividades em sala de aula. Significa, também, penetrar no universo lúdico da criança como interlocutor, não apenas para compreender o que ela faz ou diz, mas para aproximar-se de seus valores, sua cultura e dos modos como ela traduz os signos de seu tempo e os transforma em fantasias, medos, desafios, heróis, ogros e brinquedos. Brincando, jogando e criando narrativas, as crianças estão falando de si próprias, de seus medos, coragem, angústias, sonhos e ideais. Estão falando de seu tempo, da cultura em que vivem, aprendem e se desenvolvem, [...] Estão falando também de nós adultos, de nossas

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expectativas e projetos, de nossa presença e silêncio, de nossas certezas e dúvidas. (SALGADO, 2008, p. 104)

Ousaríamos dizer que há narrativas a partir do brincar, do aprender e do reconhecer aquilo

que outras pessoas falaram, mas que traz de alguma forma sentidos. “Um ato de fala, portanto,

é um ato intencional destinado a expressar certo conteúdo proporcional com certa força

ilocucionária.” (OLSON, 1997, p. 136). Mesmo havendo repetições de falas/respostas, o ato

de expressar já diz algo importante, é ilocucionário e carrega narrativas, mesmo que

provisórias. As vozes das crianças diante dos microfones demonstraram que a negociação é

colocada enquanto uma constante, tanto no programa Rádio Maluca quanto no Universidade

das Crianças. A preocupação primordial não era a distinção entre cultura infantil e adulta,

mas o entrelaçamento de tais culturas, sem deixar de lado aquilo que é mais relevante para o

público infantil, diante de suas análises.

Não podemos esquecer, entretanto, que as negociações entre as culturas infantis e a

perspectiva adultocêntrica do mundo têm dimensões bem mais complexas do que as que se

tornam visíveis nos dos programas aqui em discussão. Envolvem amplas decisões políticas e

econômicas, bem como minúsculas decisões cotidianas: quem escolhe a grade de programas?

Quem escolhe as temáticas? Quem decide a duração dos programas? Quem escolhe a estação

de rádio que será ouvida?

Para poder estudar a criança, é preciso tornar-se criança. Quero com isso dizer que não basta observar a criança, de fora, como também não basta prestar-se a seus brinquedos; é preciso penetrar, além do círculo mágico que dela nos separa, em suas preocupações, suas paixões, é preciso viver o brinquedo. (FERNANDES, 2004, p.195)

Ao optarmos por uma metodologia que pudesse permitir-nos uma inserção em campo, ou

melhor, uma penetração para além do círculo mágico que Florestan Fernandes (2004)

menciona na excerto acima, foi preciso mais do que observações; se tornar uma “criança”,

relembrar os velhos tempos.

Os dois programas radiofônicos sempre contemplam uma temática e isso permitiu também

um repensar sobre as atividades de brincar, pois, nas atividades que acompanhamos (oficinas),

as crianças quase sempre se apoiavam nas brincadeiras. A seguir apresentamos alguns

programas veiculados tanto na Universidade das Crianças da Rádio UFMG Educativa quanto

na Rádio Maluca da Rádio Nacional AM RJ / Rádio MEC AM.

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4.3 – O programa Rádio Maluca da Rádio Nacional AM RJ / Rádio MEC AM O programa Rádio Maluca da Rádio Nacional RJ AM em parceria com a Rádio MEC AM26,

tendo como apresentador Zé Zuca, o assistente Mariano, o sonoplasta Badalo e a colaboração

de Joelma Vieira, tem como formato ser um programa de auditório, no qual os participantes

podem ocupar as 150 cadeira do auditório do 21ª andar do prédio onde a Rádio Nacional é

sediada no RJ. O programa é transmitido ao vivo, tendo aproximadamente uma hora de

duração.

Para as nossas análises trazemos um total de cinco programas, embora haja a exemplificação,

no quadro abaixo, de dez temáticas veiculadas em dias diferentes. Lembramos que cada um

dos programas teve a duração de aproximadamente uma hora. Dos cinco programas

selecionados em destaque na tabela 1, assistimos a três ao vivo, enquanto participante,

diretamente do auditório da Rádio Nacional no Rio de Janeiro; os outros dois programas não

assistimos e nem os escutamos no mesmo dia em que foram veiculados. Conseguimos acessá-

los através do próprio apresentador Zé Zuca, que nos concedeu os arquivos de som. Abaixo

segue a tabela 1, com os dias e temáticas veiculadas. Lembramos que realizamos algumas

entrevistas com crianças e, também, com parte da equipe do programa Rádio Maluca.

Dia Temática

20 de outubro 2007 Bia Bedran no coração e na cuca

08 de dezembro 2007 O dia internacional da criança no rádio e na TV – O mundo que queremos – ONU

15 de março 2008 Festa da cultura popular

29 de março 2008 Brincadeira é vitamina: remédio para meninos e meninas

12 de abril 2008 Nomes e apelidos

26 de abril 2008 Quem inventou o Brasil

03 de maio 2008 A poesia e a prosa do mestre Rosa

17 de maio 2008 Os meus, os teus, os nossos sonhos musicais

07 de junho 2008 Ecologia e meio ambiente

28 de junho 2008 Festa Junina Tabela 1 – Algumas temáticas veiculadas na Rádio Maluca.

26 Transmissão: Rádio Nacional - AM 1130 khz e Rádio MEC – AM 800; On line: www.radiobras.gov.br ou www.radiomec.com.br

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Antes do início de cada programa, que é veiculado ao vivo, o ambiente (auditório) é

preparado para receber os participantes, que são as crianças e também os adultos. O técnico de

som conhecido pelo apelido de Badalo27 inicia as atividades bem cedo, prepara a parte de

cabos, fios, microfones, pedestais, mesa de som etc.; o Mariano28, por sua vez, também chega

cedo, é o assistente do Zé Zuca e prepara o ambiente, enfeitando-o com três grandes pedaços

de panos (remendados e coloridos como se fossem bandeiras), coloca sobre uma das caixa de

som, localizada no lado direito do auditório algumas frutas de plástico; no palco do lado

esquerdo, Mariano coloca uma mesa e a cobre-a com forro de pano predominantemente azul,

mas com detalhes de outras cores. Sobre o forro azul da mesa, Mariano coloca muitos

brinquedos coloridos, brinquedos que são também “instrumentos” de sopro ou que emitem

sons variados como, por exemplo, (cornetas, chique-chique etc.). Entre os instrumentos

podíamos notar uma pequenina sanfona vermelha. Próxima à mesa uma espécie de “cabide”

onde eram pendurados ou dispostos tantos outros instrumentos (triângulo, pratos) e utensílios

domésticos (sanduicheira, canecas, ralador de cenoura etc.) que também serviam para emitir

sons. O ambiente ganhava uma nova forma, ficava mais colorido, tudo isso ao som de

algumas músicas tanto visando os adultos como o público infantil.

Em uma das entrevistas que realizamos com as crianças a mesa cheia de brinquedos foi o

destaque, pois despertou o interesse e atraiu a atenção da criança entrevistada. Parece haver

uma associação direta do brincar ou das brincadeiras a partir dos objetos dispostos na mesa,

localizada em cima do palco.

Josemir – João, quantos anos você tem?

João – Sete.

Josemir – Você costuma vir aqui na Rádio Maluca?

João – Às vezes eu venho.

Josemir – E o que te chama atenção, o que você mais gosta aqui na Rádio Maluca?

João – Das histórias, das charadas, das músicas.

Josemir – É em casa ou no carro que você escuta rádio?

João – O meu pai vendeu o carro.

Josemir – Além das histórias o que você mais gosta aqui na Rádio Maluca?

João – Instrumento dali. [Aponta com o dedo para a mesa localizada em cima do palco].

Josemir – Ah, do instrumento que fica em cima da mesa que o Mariano toca, todo colorido?

João – Eu gosto, eu até pedi uma sanfoninha como aquela pro meu pai.

27 O nome do Badalo é João Roberto. 28 O nome do Mariano é Rodney Mariano Nascimento Correia de Faria.

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Josemir – E você toca sanfona também?

João – Não.

Josemir – E como você descobriu a Radio Maluca? Foi o papai e a mamãe?

João – [Silêncio, João balançou a cabeça indicando que sim].

Josemir – E tem muito tempo que você vem na Rádio Maluca?

João – Tem.

Outro detalhe que também apareceu na entrevista acima sobre o programa Rádio Maluca e

que também despertou a atenção de João foi à atração do dia, normalmente é uma história

contada por adulto para crianças; João também mencionou sobre as charadas apresentadas ao

longo do programa pelo apresentador. As músicas também parecem ser uma das atrações para

a criança. Além da mesa colorida, a criança demonstrou o que é atrativo, aquilo que diz

respeito ao seu universo.

Figura 4 – Mariano prepara no palco a mesa com diversos instrumentos coloridos (à esquerda no alto) e Badalo faz ajustes na mesa de som para iniciar as atividades do programa (à direita no alto). No detalhe a mesa com uma

espécie de tripé vista de outro ângulo (à esquerda embaixo); ao fundo o local de onde Badalo opera a mesa de som (à direita embaixo)

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Na figura acima podemos observar um dos exemplos que a criança menciona, pois na

conversa que estabelecemos, ela falou sobre os brinquedos. João apontou com os dedos para a

mesa e, em específico, para uma pequena sanfona colorida normalmente utilizada por

Mariano ao longo da apresentação do programa. Ressaltamos que os brinquedos são

importantes nesta fase da vida e que na Rádio Maluca eles são utilizados também para compor

o cenário. “Rodeadas por um mundo de gigantes, as crianças criam para si, brincando, o

pequeno mundo próprio; mas o adulto, que se vê acossado por uma realidade ameaçadora,

sem perspectivas de solução, liberta-se dos horrores do real mediante a sua reprodução

miniaturizada.” (BENJAMIN, 2002, p. 85). Em nossa participação nos programas foi possível

perceber essa “magia” despertada pelos brinquedos, tanto nas crianças quanto nos adultos, os

olhares dos participantes se direcionavam para as miniaturas dos instrumentos musicais em

cima da mesa ou os utilizados ao longo do programa. Após o término do programa o palco

ficava cheio de crianças e adultos que, por sua vez eram “atraídas” pelos brinquedos; sempre

aproximavam-se da mesa e observavam atentamente o que lá estava.

Antes da veiculação ao vivo do programa Rádio Maluca, o apresentador Zé Zuca juntamente

com sua equipe e também os convidados do dia fazem um ensaio, passam o programa como

forma de fazer alguns ajustes. Faltando de três a cinco minutos para o início da transmissão do

programa, uma vinheta na voz de uma criança chama a atenção dos participantes do auditório

para a dinâmica da Rádio Maluca, com os seguintes dizeres: esse é um programa que você vê

pelo rádio; alerta que o programa será transmitido via rádio e que este é legal, é um amigão

da gente, podendo ser levado para qualquer lugar e que muitas crianças acompanharão o

programa pelo radinho. Em seguida anuncia/chama um grande garoto para apresentar o

programa; assim Zé Zuca entra no palco e explica que, após o término do jornal, que no

momento estava no ar, terá início a Rádio Maluca. Mas, antes, chama então o seu amigo,

cantor, compositor e parceiro para entrar no palco e, assim o Mariano também entra em

“cena” sob aplausos.

Cena 1 - Já são 11:00, Zé Zuca faz um primeiro “chamado” e explica para o público a dinâmica da Rádio Maluca: diz que de 11:00 às 11:03 haverá um jornal na Rádio Nacional e, na seqüência, entra no ar a Rádio Maluca, explica para o público que cada cadeira vazia poderia ser ocupada pelos participantes que lá estão, ou seja, o público presente poderia participar intensamente das atividades, lembro que era uma manhã de sábado chuvoso no RJ. Zé Zuca convida então o Mariano para entrar em cena, muitas palmas [...] Zé Zuca vai para o camarim e em poucos segundos volta fazendo um grande alvoroço. A alegria era grande, o público encantado com o ambiente, luzes coloridas e também com a roupa do apresentador (bermuda e camisa colorida, chapéu também bem enfeitado com diversas cores e etc.). Zé Zuca faz então algumas perguntas para o público: vocês sabem o que é cultura popular?

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Pergunta qual a festa popular que a criançada mais gosta, nesse momento ele já estava no auditório, pertinho das crianças, “dividindo” o microfone com as “outras” vozes. O encantamento parecia ser geral, entre crianças e adultos, naquele espaço. O show começou e ninguém “dormiu” nem perdeu um movimento sequer, Zé Zuca caminha de um lado para o outro fazendo as perguntas para o público infantil (crianças de 4, 5, 6 [...] 10 e 11 anos), idades variadas, mas com predomínio de um público infantil de 4 a 6 anos. A platéia ganha mais vida, cores, movimentos, parece uma mistura de arte com educação, com radiodifusão, com cultura etc. (Diário de campo – março 2008)

Apesar da existência de um roteiro prévio, algumas alterações podem ser feitas no momento

em que há o ensaio; verificamos que até mesmo quando o programa está sendo transmitido ao

vivo algumas pequenas modificações são realizadas, como, por exemplo a alteração das

músicas que os convidados irão tocar e/ou cantar. Na maioria das vezes o programa é

apresentado a partir de uma estruturação que é a seguinte: a temática do dia, que pode

estabelecer vínculos com um cantor e/ou compositor e/ou artista e/ou escritor. Sempre há uma

provocação, que é uma pergunta feita pelo próprio apresentador para à platéia e também aos

ouvintes do rádio. Outro quadro é a grande figura, que são os convidados (cantores, artistas,

compositores, contadores de histórias). Há também uma pequena entrevista, ou seja, um

“entrevistinha”, que, às vezes, é previamente organizada ou um improviso, mas sempre com a

participação de crianças. Também há a história do dia, narrada por um(a) contador(a) de

histórias. Outro quadro é o de adivinhações (o que é, o que é). No final do programa o

apresentador lê alguns resultados ou falas de ouvintes que ligaram para a emissora e

participaram da provocação do dia. Ao longo do programa o apresentador sai do palco e vai

para a platéia conversar com os participantes (crianças).

4.3.1 – “Bia Bedran no coração e na cuca”

No programa veiculado no dia 20 de outubro de 2007, a temática do dia foi Bia Bedran no

coração e na cuca29. A partir das músicas que são tocadas no início, o apresentador Zé Zuca

faz alguns comentários. Neste dia falou de Bia Bedran e de Carlos Alberto Ferreira Braga, o

Braguinha. Também perguntava aos participantes se conheciam Bia Bedran. Após a

veiculação de algumas vinhetas e dos diálogos ou comentários sobre Bia Bedran e Braguinha,

o apresentador foi para a platéia e abriu o microfone para os participantes, ou seja, as

29 Bia Bedran é cantora e compositora, formada em musicoterapia e educação musical, faz músicas para crianças entre outras atividades. “Bia traz atualmente em sua bagagem um repertório vastíssimo de histórias, canções e atividades pedagógicas com dinâmicas e vivências que resgatam o lúdico e o processo de sensibilização tanto de crianças quanto de adultos” <http://www.biabedran.com.br/> Acesso em: 28 de setembro 2008.

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crianças; perguntou sobre qual a música que cada um mais gostava. Em seguida Zé Zuca fez

um diálogo com Mariano sobre a música que ele mais gostava. Mariano leu uma poesia e fez

alguns comentários sobre a mesma. Zé Zuca pediu ao Badalo para tocar uma música da Bia

Bedran.

Zé Zuca também fez a provocação do dia, chamou o pessoal do auditório para perto do

microfone e o pessoal de casa para perto do telefone, na seqüência diz a provocação seguinte:

ela tem o pedalinho, o anel, aquela do canta a conto e etc. Qual e a música da Bia Bedran

que você mais gosta? Zé Zuca foi para o auditório, perguntou o nome de uma criança

participante, que disse chamar-se Beatriz e ter 7 anos, disse gostar da música que falava sobre

perdi o meu anel no mar. Gustavo, outra criança, de 9 anos, disse gostar da mesma música

citada anteriormente. Júlia, outra criança disse que gosta da música do Abcdário, Zé Zuca

disse que essa música é do Rubinho do Vale, assim outros participantes disseram o que mais

gostavam, diversas músicas são citadas.

O quadro seguinte é a grande figura, que, na ocasião, foi a própria Bia Bedran. Acontece um

diálogo entre Zé Zuca e Bia Bedran. Zé Zuca disse que pelos buraquinhos do rádio se vê o

que está acontecendo no auditório, neste ponto percebemos que há uma brincadeira

estabelecida por Zé Zuca, a idéia é que os sons advindos do programa possam criar imagens,

ficções ou realidades para as pessoas que estão em outros espaços e apenas escutam o

programa pelo rádio, que é transmitido ao vivo.

A grande figura do dia canta algumas músicas. Percebemos que, neste momento, a

participação do público do auditório era grande, pelos “ruídos”, ou sons, parece-nos que Bia

Bedran conseguiu “sacudir” o auditório. Os participantes, em determinados momentos,

aplaudiam e/ou gritavam, parecia haver uma interatividade no sentido de que o público do

auditório não se calou, ao contrário, misturavam-se naquele momento as diversas vozes. Após

as músicas, sempre havia comentários sobre a sua história e/ou composição das mesmas, isso

como forma de explicar aos participantes e/ou ouvintes parte do contexto pelo qual tais

músicas foram produzidas ou compostas.

Zé Zuca traz alguns recados deixados pelos ouvintes do programa; assim, diz que a Ticiana,

de 7 anos, de Vila Isabel, gosta mais da música Dona Árvore; Gabriel Campos, de 7 anos, de

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Pedra de Guaratiba, gosta mais da do Piolho, porque é curiosa e interessante; assim, outros

participantes também deixaram o seu recado.

Zé Zuca convidou Mariano para contar uma piada. Na seqüência, uma história; Zé Zuca

pergunta à platéia quem poderia contar a história, a resposta veio imediata: a história poderia

ser contada por Bia Bedran. A história foi a do Macaco e a Velha. Zé Zuca pede que os

ouvintes se aproximem dos buraquinhos do rádio. E diz que os participantes do auditório

poderiam aproximar-se mais do palco. Um mistura de história com música, assim a

“contadora de história” fez uma apresentação; parece-nos que despertou mais a atenção do

público que estava no auditório.

As vinhetas que falavam sobre alguns quadros do programa eram constantemente veiculadas,

em sua maioria são de autoria do próprio apresentador. Zé Zuca convidou Mariano para falar

sobre a adivinhação, Mariano pergunta ao auditório: o que é, o que é que só tem alegria

quando apanha? Neste momento, muitos gritos advindos das crianças que estavam na platéia,

que responderam ser o pandeiro. Zé Zuca falou de algumas músicas do Braguinha e

perguntou ao auditório se poderia trazer de volta a Bia Bedran. A resposta veio

imediatamente, muitos gritos favoráveis. Bia Bedran, então, canta mais músicas.

A grande figura do dia também falou sobre seus álbuns, seus trabalhos atuais, seus shows e

futuros trabalhos, estabeleceu um diálogo com Zé Zuca; na seqüência mais músicas, os

participantes que estavam no auditório gritaram e aplaudiram, no término de cada

apresentação musical.

Após a apresentação musical de Bia Bedran, Zé Zuca fez a leitura de alguns recados que os

ouvintes deixaram, sobre a provocação do dia. Zé Zuca fez o convite para o próximo

programa, falou sobre a temática e mencionou o nome dos participantes do programa

(produtores).

Parece-nos que este programa vem ao encontro dos diversos diálogos, das diversas vozes,

criando discursividades a partir dos enunciados tanto do apresentador enquanto locutor

principal quanto dos diversos participantes, que também emitiram suas vozes pelos

“buraquinhos” do rádio.

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Desde o início, porém, o enunciado se constrói levando em conta as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é criado. O papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande, como já sabemos. Já dissemos que esses outros, para os quais o meu pensamento pela primeira vez se torna um pensamento real (e deste modo também para mim mesmo), não são ouvintes passivos mas participantes ativos da comunicação discursiva. (BAKTHIN, 2003, p. 301).

A partir das considerações mencionadas por Bakthin (2003), percebemos que os sujeitos são

participantes e portanto, a nosso ver, constituidores de “redes” de sentidos diversos, mas isso

a partir de suas pretensões, do contexto político, social, econômico e também cultural nos

quais estão imersos. Muitas vezes são protagonistas participantes do programa Rádio Maluca

que, através de suas falas, constituem processos comunicativos e/ou discursivos que nos

remetem à interatividade, a participação das crianças nas atividades estabelecidas.

As crianças estabelecem redes de diálogos com o apresentador, em alguns casos, pode haver

uma idéia que o simples fato da participação da grande figura do dia ser alguém que produz

músicas para crianças garanta tal interatividade. O que pensamos é que a atração das crianças

pelas músicas de Bia Bedran garantiu ao apresentador a presença de um grande público

infantil no auditório, mas que necessariamente não há as mesmas garantias de que a

interatividade possa ser comum na estrutura do programa. A exemplo disso, o microfone só é

aberto para a participação da platéia nos momentos determinados pelo apresentador, e quando

isso ocorre é uma comunicação face a face com os participantes. Já aqueles ouvintes do rádio

que não estão no mesmo espaço do auditório e que utilizam o telefone para responder as

indagações do apresentador, ora são mencionados, ora não são mencionados pelo

apresentador. Pelo fato do programa Rádio Maluca ser realizado em um auditório com a

participação livre, nos parece que parte das características dos programas radiofônicos são

deixadas de lado, assim o ver parece ganhar destaque ao ouvir. Em alguns momentos as

discursividades do locutor não levaram em consideração os ouvintes que não presenciam as

mesmas cenas dos participantes do auditório.

4.3.2 – “O dia internacional da criança no rádio e na TV – O mundo que queremos”

No programa do dia 08 de dezembro de 2007, a temática do dia foi O dia internacional da

criança no rádio e na TV – O mundo que queremos – ONU. De imediato Zé Zuca disse que a

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palavra estava com as crianças, assim Gabriel Costa de 12 anos e Juliana do Vale de 10

anos30, naquele dia, também eram os locutores. Como as crianças eram os apresentadores, a

grande figura do dia foi, então o Zé Zuca e a Banda de Brinquedos. Uma inversão, é o que

percebemos nesse programa, agora as crianças foram os protagonistas “diretos”. Os

contadores de história também foram anunciados, eram crianças também. Zé Zuca anunciou a

provocação do dia, Gabriel disse: deixa comigo Zé, criança também sabe das coisas, por isso

é o nosso dia no palco, a gente quer que o mundo seja melhor e mais feliz. Juliana do Vale

completa: mas como é o mundo que queremos? Se você pudesse transformar o nosso mundo

o que colocaria nele? Como ele seria?

Zé Zuca foi para o auditório, Kiane, uma criança de 11 anos disse que terminaria com as

doenças e com a fome também, já Giulia, de 9 anos disse que tiraria a violência e acabaria

com a fome. Débora, outra criança de 7 anos, disse que o mundo deveria ter só brincadeira,

alegria e sem vovó com rugas, Zé Zuca, pediu para repetir a resposta e estabeleceu alguns

comentários com a Giulia, outras pessoas também foram entrevistadas. Mariano foi convidado

para também dizer o que mudaria, disse que gostaria que as pessoas conversassem mais umas

com as outras, eu queria um mundo mais honesto, mais amigo. Na seqüência, uma música

sobre crianças, do CD Canções Curiosas, do grupo Palavra Cantada, que dizia sobre os

fazeres das crianças, ou seja, crianças não trabalham, mas brincam.

Zé Zuca foi convidado pelas crianças apresentadoras para cantar e tocar, apresentou a banda

de brinquedos e disse sobre o CD que lançaria no dia seguinte, CD Roda de Cantigas. Gabriel

perguntou ao Zé Zuca qual era a música que ele mais gostava do CD. Zé Zuca respondeu ao

questionamento dizendo ser difícil escolher uma música. Juliana perguntou como surgiu a

idéia de lançar um CD sobre as Cantigas de Roda, Zé Zuca também respondeu tal questão.

Uma música foi cantada/tocada, Roda Pião, pelos “ruídos” que escutamos perece-nos que os

participantes do auditório ficaram eufóricos e gostaram da sonoridade. Gabriel fez outra

pergunta ao Zé Zuca, sobre o figurino. Assim vieram as respostas sobre os trajes, o figurino, o

cenário. Outra música foi cantada, o Cravo e a Rosa.

30 Normalmente o programa tem um quadro que é o repórter mirim, para participar de tal quadro os responsáveis pelas crianças devem ligar para a Rádio Maluca e agendar um conversa com os “produtores”, a partir daí parece haver uma escolha dos que participarão em determinados dias.

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As crianças anunciaram o próximo quadro, o repórter mirim; Zé Zuca explicou que uma

garotada foi reunida e as crianças escreveram sobre o que elas gostariam de transformar no

mundo. Cada uma escreveu. A Juliana do Vale fez um poema e o trouxe para ler na Rádio

Maluca; na seqüência, o texto/poema intitulado de “O mundo que eu quero” é lido:

O mundo que eu quero é um mundo legal, com confete e serpentina prá brincar de carnaval.

No mundo que eu quero as estradas têm mais flores, os carros sem sujeira e no coração mais

amores. No mundo que eu quero e bem mais bonito, os adultos dando prá gente pipoca e

pirulito. No mundo que eu quero todo mundo sabe cantar e todos cantam aquela música nada

de poluir o ar. No mundo que eu quero é como uma maluca dança, pois foi feito apenas com

a imaginação de uma criança.

As crianças enquanto apresentadoras falaram sobre várias questões, mas aqui destacamos suas

considerações sobre o mundo pretendido, um mundo de brincadeiras, sem poluição e

especificamente “feito” pela imaginação das próprias crianças. Assim, da realidade à ficção,

os pensares das crianças nos demonstraram parte do que entendem e pensam sobre o mundo.

Outro quadro do programa foi a história do dia. Assim Zé Zuca explicou: Zé Zuca: Para contar a história de hoje, uma história que foi feita por este grupo, onde estava a Juliana do Vale,

que cada um contribuiu com um texto e depois eu tive que fazer uma salada, juntar estes textos todos, e compor

um texto só e dentre elas estavam as contadoras de histórias de hoje Kiane Sasaki de 11 anos e Júlia Pimentel de

9 anos [aplausos], elas apresentarão este texto para nós. Hoje, na verdade não é uma história, é um texto, mas

tem a ver com as novas histórias que essas crianças querem para o nosso mundo. Tudo bem meninas?

Kiane: Tudo.

Zé Zuca: Então vamos lá, podem mandar, ah, deixa só eu dizer quem foi que fez este texto, o texto é o mundo

que eu quero de Amanda Farias, Gabriel Costa, Raissa Moura, Juliana do Vale, Nicola e Kiane Sasaki, são todos

na faixa de 7, 8 e 11 anos, então vamos lá, o mundo que eu quero.

Kiane: O mundo que eu quero é um mundo alegre onde possamos viver com paz e harmonia, um mundo lindo

sem violência nem distinção, cheio de crianças sorrindo.

Júlia: Um mundo sem guerra, violência, indiferença e racismo onde possamos brincar, e brincar e brincar.

Kiane: Um mundo que tenha leis justas, sem consumismos, sem poluição, sem gás carbônico, com mais

oxigênio. Um mundo que não tivesse muitos carros e que as fábricas não poluíssem o ar.

Júlia: Um mundo onde as crianças brinquem com os bichos, que tenha um fim de semana mais longo, sem hora

prá voltar prá casa, que dê prá jogar futebol sem se cansar, que a semana fosse de quinze dias, cinco de escola e

dez de folga, que a escola tivesse uma hora e meia de recreio, com piscina e parque de diversões.

Kiane: Que todas as crianças brinquem juntas, que não tenha ruas perigosas, mas que tenha lojas de roupa,

brinquedo e doces e que tenha segurança com PM em todas as ruas.

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Júlia: O nosso planetinha tem que ser muito saudável, sem doenças, guerra, fome e ignorância e que possamos

andar na chuva sem ficar doente, que haja remédio para tudo, que não sentíssemos fome, não precisássemos usar

óculos, aparelhos e etc.

Kiane: Um mundo divertido, cheio de fantasia, que a gente desejasse uma coisa e ela aparecesse, que haja uma

montanha de chocolate no meio de um mar de caramelo.

Júlia: Que as crianças pudessem ser políticas e criar leis onde todos pudessem levar a sério, porque a palavra

que é palavra tem que ser ouvida.

Kiane: Que os adultos levem as crianças mais a sério, que os pais tenham pelo menos três horas e meia de

trabalho e no resto brinquem com a gente.

Kiane e Júlia: Esse é o nosso sonho.

Júlia: Ponho minhas idéias mais nos adultos.

Kiane e Júlia: Pois um dia, serei um deles.

Após a leitura do texto, muitas palmas e uma vinheta, Zé Zuca reafirmou o convite para que

os ouvintes da Rádio Maluca participassem telefonando. Veio então uma nova atividade, o

quadro da adivinhações. Mariano fez a questão: Qual é o passarinho que mais vigia a gente?

A platéia responde que é o Bem-te-vi. Gabriel o apresentador chamou novamente a Banda de

Brinquedos para tocar mais uma música. Zé Zuca apresenta os recados deixados pelos

ouvintes que ligaram para a Rádio Maluca.

Zé Zuca reforçou que os apresentadores eram as crianças e se elas gostariam de perguntar

alguma coisa. A pergunta então veio: fale sobre o show. Zé Zuca deu explicações sobre a

programação do dia seguinte, falou que também haveria parlendas e outras atividades. Zé

Zuca chamou os participantes para fazerem uma roda no auditório e também pediu aos

ouvintes para arredarem os móveis para dançarem as cantigas de roda em casa. Pareceu-nos

que o auditório se transformou em uma verdadeira festa, com as cantigas de roda.

Após as cantorias, Zé Zuca falou sobre o dia internacional da criança no rádio e na TV,

lembrou que as crianças podem e devem ter voz e vez, na seqüência Gabriel disse que é por

isso que nós escolhemos a Rádio Maluca, porque é um programa maneiro que a gente pode

participar todo sábado, Juliana fez o convite para o próximo sábado, anunciaram as atrações

e Zé Zuca completou algumas informações. Mais uma música foi tocada. No encerramento,

Zé Zuca falou o seguinte: tchau meninos e meninas, que vocês sejam realmente ouvidos e

compreendidos nesse mundo que nem sempre é bem conduzido pelos adultos.

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Neste programa, houve uma inversão proposital dos papéis desempenhados pelo

locutor/apresentador, pois, no momento em que convidou as duas crianças para participarem

enquanto protagonistas/apresentadores, o microfone ganhou novas sonoridades. Porém as

diversas vozes e/ou falas das crianças foram acompanhadas de perto pelo adulto apresentador.

A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que foi ratificada por 191 países no final de 1997 (todos os países, com exceção dos EUA e da Somália), define certos princípios para orientar tomadas de decisões políticas que afetam a criança. Ela estipula que tais decisões devem ser tomadas tendo em vista os ‘maiores interesses da criança’ como consideração fundamental. As opiniões das próprias crianças devem ser ouvidas. (HAMMARBERG, 2000, p. 24)31

Quando as crianças falaram sobre o mundo que queriam, um mundo sem violência, podemos

nos remeter também ao que Hammarberg (2000) diz que corresponde aos interesses das

próprias crianças, seus direitos, e, sem dúvida, suas opiniões. Assim podemos dizer que parte

das opiniões sobre o que as crianças consideravam como importante ganhou lugar nas ondas

do rádio através da Rádio Maluca.

No quadro “a história do dia” também podemos perceber em vários momentos do programa a

preocupação dos participantes sobre algumas temáticas, assim trazemos novamente parte do

diálogo de Kiane ao dizer sobre o mundo que queria: Um mundo que tenha leis justas, sem

consumismos, sem poluição, sem gás carbônico, com mais oxigênio. Zé Zuca, por sua vez

reforçou a necessidade da participação das crianças no programa, falou também que as

crianças deveriam ser realmente ouvidos e compreendidos nesse mundo que nem sempre é

bem conduzido pelos adultos. O apresentador adulto de uma forma ou de outra garantiu a

veiculação de discursos estabelecidos pelas crianças. Assim as opiniões das próprias crianças

ganharam voz e vez em um mundo predominantemente adultocentrico.

No programa Rádio Maluca, em que a temática abordada teve vinculações com questões que

versaram sobre os direitos das crianças, podemos avaliar que as crianças experimentaram

como locutoras ou, até mesmo, ouvintes, alguns termos característicos de seu próprio

universo, assim a “infância” ganhou destaque pelas ondas do ar. Crianças falando para

crianças e adultos, talvez o oposto do que normalmente observamos, quando os adultos falam

tanto para adultos quanto para crianças.

31 O grifo é nosso.

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A comunicação interativa pressupõe que haja necessariamente intercâmbio e mútua influência do emissor e receptor na produção das mensagens transmitidas. Isso quer dizer que as mensagens se produzem numa região intersticial em que emissor e receptor trocam continuamente de papeis. (SANTAELLA, 2007, p. 160)

Por um lado esse programa que, foi sobre O dia internacional da criança no rádio e na TV –

O mundo que queremos – ONU, nada mais é do que uma verdadeira troca de papeis. Nele o

apresentador possibilitou a veiculação das vozes das crianças. Neste caso podemos dizer que

a comunicação interativa se fez presente, pois emissor e também receptor estabeleceram,

através dos diversos quadros apresentados, formas de interatividade, garantindo, portanto, o

protagonismo das crianças. Reforçamos que a participação das crianças foi previamente

agendada, assim podemos dizer também sobre um possível protagonismo “agendado”, mas

que de alguma forma garantiu a veiculação das vozes das crianças.

Por outro lado quando verificamos que o próprio locutor adulto que é o Zé Zuca, passou a ser

a figura do dia, ou seja, o convidado das crianças locutoras. Mas que também utilizou o

próprio programa Rádio Maluca para anunciar o lançamento de seu novo CD, do seu novo

show musical. Percebemos aqui a idéia de divulgação dos trabalhos de um adulto que compõe

e canta para crianças.

4.3.3 – “Festa da cultura popular”

No programa que foi veiculado no dia 15 de março de 2008, a temática do dia foi festa da

cultura popular; como sempre, a vinheta da própria Rádio Maluca é tocada. Zé Zuca diz:

“Alô, alô, crianças que gostam de festa, hoje vamos dançar e cantar, vai ter festa da boa,

festa bacana, nada nada mixuruca, aqui na minha, na sua, na nossa Rádio Maluca. E quem

não gosta de festa? Estamos aqui para exaltar às festas da cultura popular[...]” Zé Zuca

continuou explicando algumas características que correspondiam as festas da cultura popular.

Falou sobre a atração cultural do dia, Cia Folclórica da UFRJ. Anunciou quem contaria a

história do dia: José Mauro Brant. A repórter mirim também anunciada foi a Juliana do Vale.

Zé Zuca fez a provocação, você gosta de festas? Qual é a festa que você mais aprecia? Foi

para a platéia e abriu o microfone, Dominique, uma criança de 6 anos, disse não saber da festa

que mais gosta; Laura, outra criança de 8 anos, disse que gosta de natal; já Gabriel, de 9 anos,

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disse que gosta também do natal. Zé Zuca pergunta: por quê? Veio a resposta, porque todo

mundo fica feliz, pois é o encontro da família, é uma festa familiar. Júlia, de 6 anos, disse que

gosta de aniversário e também da páscoa. Zé Zuca fez a mesma pergunta ao Mariano, que, por

sua vez respondeu que festa de casamento é boa porque tem docinhos. falou também que festa

de São João tem muita comida.

Badalo colocou uma música de Luiz Gonzaga – Boi Bumbá. Na seqüência, Zé Zuca convidou

a grande figura, a Cia Folclórica da UFRJ, para cantar/tocar algumas músicas. Zé Zuca

conversou com um bonecão que fazia parte da Cia Folclórica – é o Bidito, sujeito grandão

com um “vozeirão”.

Ficou-nos nítido o interesse e o gosto das crianças pelas atrações culturais do dia. Assim a

Cia. Folclórica da UFRJ foi um dos quadros importantes, a julgar pelo comportamento dos

participantes, o que nos remeteu aos contextos sócio-culturais em que vivem e/ou participam.

As crianças, a partir de suas representações sociais, foram para frente do palco e

acompanharam de perto os sons emitidos pelos instrumentos do grupo folclórico,

experimentaram de forma compartilhada, com os outros, as danças de roda apresentadas.

Figura 5 – No centro o bonecão com jeito de malandro é conhecido como Bidito, algumas crianças próximas ao palco observam a cantoria (à esquerda) e a movimentação dos participantes no auditório (à direita)

Mais uma música foi cantada/tocada, o bonecão Bidito todo o momento fazia comentários e o

auditório virou novamente uma festa, adultos e crianças dançando de um lado a outro. Mesmo

aqueles que apenas ouviam o programa no rádio poderiam facilmente perceber que uma

grande roda foi formada no teatro onde o programa era apresentado.

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Na seqüência veio a repórter mirim, uma criança a Juliana do Vale, que falou sobre as festas

da cultura popular; disse sobre a festa da passagem do ano, depois a festa da lavagem do

Bonfim, depois falou sobre o carnaval, as famosas festas juninas, no Sul a festa da uva, e a

folia de reis que tem início no final de cada ano e se estende até o início de janeiro. Zé Zuca

falou que se alguém tivesse interesse de participar como repórter mirim deveria ligar para a

Rádio Maluca.

Em outro quadro, que é a entrevistinha, Zé Zuca foi para a platéia, perguntou o Aiko, uma

criança de 7 anos, qual era a festa que acontecia geralmente em fevereiro na qual as pessoas

usam máscaras e fantasias pelas ruas, Aiko diz: samba Zé Zuca faz novamente a pergunta,

Aiko pensa, no fundo uma voz gritando: eu sei, eu sei, eu sei, Zé Zuca então pergunta ao

Dominique, outra criança, que insistentemente pedia a vez. Nesse intervalo, Aiko lembrou-se

da resposta e disse ao Zé Zuca que é a festa junina; risos e mais risos. Assim Dominique

respondeu que era o carnaval, a platéia aplaudiu e Zé Zuca fez alguns comentários.

Aproximou-se do Zé Zuca uma criança de 5 anos, vestida de Peter Pan; Zé Zuca então

pergunta qual era a festa em que as pessoas usam roupa de caipira, comem “cuscuz”, milho e

dançam quadrilha. “Peter Pan” respondeu que era o carnaval, muitos risos na platéia e o Zé

Zuca diz que o pessoal estava trocando tudo.

Zé Zuca perguntou que festa era simbolizada por um velho que vai embora e um neném que

vem chegando, Aiko responde que era o ano novo, e é aplaudido. Zé Zuca diz: agora queria

saber por que as festas são importantes na nossa vida. Uma criança disse que era importante

prá gente crescer, outra criança disse que é para comemorar uma coisa muito importante que

acontece uma vez por ano, Zé Zuca repetiu a mesma resposta e passa o microfone para outra

criança que respondeu o seguinte: é, é, é não sei, muitos risos na platéia, Zé Zuca também riu

e fez alguns comentários. Outras perguntas foram feitas e respondidas pelas crianças.

Zé Zuca falou da folia de reis, seus significados e a Cia de Folclore da UFRJ cantou uma

música sobre a folia de reis – Calix Bento – com Pena Branca e Xavantinho. Em outro quadro,

o da adivinhação, Mariano anunciou: o que é o que é, abre o portão sem ter braço e sem ter

mão? As crianças do auditório falam, muitas vozes ao mesmo tempo, umas falando mais alto

do que as outras, até que uma das crianças disse ser o vento. De volta à grande figura, a Cia de

Folclore da UFRJ, Bidito convidou os participantes do auditório para dançarem na frente do

palco. Na figura 5, podemos observar a grande festança na Rádio Maluca.

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Bidito falou sobre o Arara (um pedaço de pau) na festa popular, ou seja, os pares dançam,

mas quanto o Arara é entregue a um dos dançantes ele deve ceder o seu par, pegar o Arara e

procurar outro par, quando a música chega ao final aquele ou aquela que estiver com o Arara

deve pagar uma prenda. O Bidito falou sobre alguns instrumentos que são utilizados nas

festas da cultura popular. Zé Zuca leu os recados deixados pelos ouvintes da Rádio Maluca

que ligaram para o programa. Anunciou o próximo programa e despediu dos ouvintes e

participantes.

A temática trazida neste programa demonstrou-nos o quanto a diversidade cultural se fez

presente ao longo das atividades e como sustentaram as discursividades independentemente

da faixa-etária de cada participante do auditório, como também dos próprios ouvintes. O

programa versou sobre aspectos importantes da cultura brasileira, estabeleceu nexos com o

folclore e despertou a curiosidade de muitos, com os bonecos “dançantes e falantes” a

exemplo de Bidito.

Parte dos diálogos estabelecidos entre o apresentador e as crianças nos revela o quanto da

naturalidade das respostas das crianças se fez presente. Assim suas respostas perpassaram por

questões de ordem social, mas predominantemente, pessoais. Mas isso não foi prejudicial às

atividades da Rádio Maluca. Trazemos aqui uma das entrevistas que realizamos sobre

imprevisibilidade das falas quando se “abre” o microfone no programa de auditório.

Josemir – Zé Zuca, quando você abre o microfone para a participação das crianças pode acontecer o inesperado,

nesse sentido você já passou por alguma situação constrangedora?

Zé Zuca – Olha rapaz, eu acho que constrangedora propriamente não. Oh, tem situações em que a gente fica

meio assim, [...] às vezes a criança não responde nada, não está rendendo muito, a pessoa não está falando.

Então, são situações que eu vejo que tem que driblar a situação, mas, eu acho que nunca chegou a ser

constrangedor não. No início tinha, pensava que podia ser muito difícil, mas a gente vai ganhando jeitinho, um

jogo de cintura que vai driblando bem as situações. Sempre pinta uma brincadeira uma coisa na hora que a gente

fala, [...] mas eu acho que não me lembro de nenhum fato constrangedor, uma coisa mais forte. A gente sempre

tenta resolver, até nos dias que não rendeu, foi muito pouco. Outro dia estava em um programa e eu vi que o

tema era legal, mas para as crianças acho que não funcionou muito porque elas não respondiam. Aí falavam

pouco, aquela coisa monossilábica. Eu falava com um e outro e no fim eu vi que ficou pouco, faltando alguma

coisa. E eu tive que me virar para ir brincando, o público ria com as coisas que eu falava e aquelas coisas das

crianças meio caladas, não respondendo. Só que isso acontece um dia, mas depois vem outro dia que compensa.

Nesse dia que as crianças não falaram muito, o programa foi bom, o grupo foi bom, o tema legal, mas tem isso. É

um programa ao vivo, a gente já é bem preparado para isso.

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Na entrevista acima, Zé Zuca diz sobre os improvisos necessários ao longo dos programas,

cita o momento em que as crianças falaram pouco. Percebemos que a ausência de sons em

programas radiofônicos é um agravante para os ouvintes, assim quando Zé Zuca responde a

pergunta, recorda que o inesperado não é tanto o que as crianças falam, mas sim o que elas

não falam. Não falar é um problema, ou seja, a “falta da fala” em programas ao vivo pode

causar a perda de audiência. Zé Zuca também se apóia nas experiências e brincadeiras para

garantir as possíveis discursividades no rádio, ou a continuidade das falas. Quando menciona

que a preocupação maior é com a ausência de falas, entendemos que as discursividades das

crianças neste ponto não são consideradas como relevantes pelo apresentador.

Outro fator é que de acordo com a fala de Zé Zuca, podem ocorrer momentos em que as

crianças participantes não respondem ao que se espera. Assim, parece-nos que não basta a

elaboração de um roteiro prévio para garantir as discursividades das crianças no programa

Rádio Maluca. As escolhas tanto das temáticas quanto dos grupos (artistas e contadores de

histórias) é importante, mas não o suficiente para também garantir a participação das crianças.

4.3.4 – “Brincadeira é vitamina: remédio para meninos e meninas”

O programa Rádio Maluca, que foi veiculado no dia 29 de março de 2008, teve como tema

Brincadeira é vitamina: remédio prá meninos e meninas. O roteiro previa uma provocação do

dia, ou seja, uma pergunta feita pelo apresentador e respondida pelas crianças; a participação

de um artista que neste caso foi uma criança cantora, o Gabrielzinho do Irajá; e ainda a

participação de um repórter mirim escolhido entre os integrantes da platéia. Nesse dia

aconteceu também, no final do programa, a contação de história pelo grupo Palhaços:

doutores da alegria.

Sob as luzes coloridas dos holofotes, ao som de vinhetas e outras músicas e com muitas

palmas, o programa teve início. Os olhares atentos das crianças e também dos adultos foram

atraídos pelas sonoridades32 daquele ambiente. O apresentador fez comentários sobre as

músicas selecionadas, sobre a temática do dia, anunciou os sorteios a serem realizados, tanto

32 Nos momentos em que as músicas ou vinhetas eram tocadas verificamos que havia uma atenção maior por parte das crianças que estavam no auditório. Assim, as sonoridades atraiam os participantes que observavam as movimentações no palco.

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para a platéia quanto para os outros ouvintes que acompanhavam as atividades pelo rádio, e,

na seqüência fez a provocação. A pergunta do dia foi: de qual brincadeira você mais gosta? O

apresentador foi para a platéia e abriu o microfone para a participação das crianças, de um

lado ao outro várias crianças responderam. O João, uma criança de 7 anos, levantou o braço e

falou ao microfone que naquele dia era o seu aniversário, em seguida respondeu ao Zé Zuca

que gostava de piques e, na seqüência trouxe detalhes dos piques, pique parede, pique alto e

pique pedra. A platéia riu, Zé Zuca perguntou ao assistente Mariano se conhecia o pique

pedra, Mariano disse que não. Outras cinco crianças também participaram diretamente do

diálogo com Zé Zuca e na seqüência, Mariano também é convidado a falar sobre a brincadeira

de que mais gosta. Este, por sua vez, sempre responde trazendo explicações sobre alguma

comida de que também gosta, finalizando a primeira etapa. Zé Zuca pediu ao sonoplasta

Badalo que colocasse uma música sobre as brincadeiras e novamente o auditório se

transformou em um espaço de interação, uma festa, as crianças dançavam, cantavam,

brincavam, gesticulavam e falavam umas com as outras.

Em seguida foi para o palco o artista do dia, que também era uma criança, o Gabrielzinho do

Irajá. Ele falou sobre as brincadeiras de que mais gostava, cantou algumas músicas e retornou

à platéia. Zé Zuca também voltou a platéia para entrevistar as crianças. Pediu a todos que

cantassem parabéns para o João, que era o aniversariante; logo após perguntou a ele o nome

de quatro brincadeiras. Vieram as respostas: Amarelinha, futebol (silêncio); Zé Zuca diz que

o tempo estava acabando, João então completou, dizendo: vídeo game e bolinha da gude.

Podemos perceber que, de início, há um silêncio da criança, mas Zé Zuca brinca com as

palavras e o silêncio logo foi rompido.

Uma segunda criança foi questionada pelo apresentador: por que as crianças gostam tanto de

brincar? Veio a resposta: porque elas são feitas para brincar. A platéia aplaudiu e riu. Outra

criança disse: porque a gente gosta muito de brincar e a gente cresce quando a gente tá

brincando. Outras crianças também foram indagadas a respeito e responderam ao seu jeito. Zé

Zuca perguntou: meninos gostam de brincar com meninas e meninas gostam de brincar com

meninos? Algumas crianças responderam que não, outras responderam que sim. Zé Zuca

perguntou se é bom ficar brincando muito tempo em frente ao computador. Uma criança disse

que não é bom porque pode cegar os nossos olhos. Zé Zuca perguntou se as crianças

gostavam mais de brincar dentro de casa ou ao ar livre. A maioria das crianças que

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responderam disseram ser melhor brincar ao ar livre. Tantas outras perguntas foram feitas e

respondidas ao longo do programa.

Entrou no palco o grupo Palhaços: doutores da alegria, composto por três atores palhaços,

vestidos de médicos. Eles cantaram, brincaram, dançaram, conversaram com as crianças,

contaram histórias e piadas. Em seus dizeres mencionam algumas palavras trocadas, como

blectéria. As crianças gritaram e o corrigiram dizendo: bactéria.

Outra etapa do programa foi a adivinhação anunciada por Mariano: Um vai outro vem, um

passa pelo outro e quando um pára, o outro pára também. Uma criança disse que é o sapato,

outra disse que é a perna, outra disse que é o pé. Zé Zuca disse que são os pés. Foi lido um

poema sobre as brincadeiras do livro Prá boi dormir. O programa terminou com mais uma

música do cantor convidado e assim recomeçou a festa com, crianças e adultos dançando e

brincando. Entre uma etapa e outra as vinhetas foram veiculadas, algumas trazendo dizeres

sobre o rádio e a infância.

Figura 6 – Zé Zuca foi para o auditório dialogar com a criançada; pergunta qual a brincadeira de que mais gostam (à esquerda); ainda no auditório estabelece uma interlocução com Gabrielzinho do Irajá (à direita).

Em uma das entrevistas que realizamos com o apresentador Zé Zuca, ele disse que, de alguma

forma, se considera um ouvinte das diversas vozes vindas das crianças, assim o programa que

apresenta tende a ser uma pluralidade de vozes, às vezes representadas nos dizeres do próprio

Zé Zuca, mas em tantas outras vezes representadas nas próprias falas das crianças

participantes das atividades.

O que eu penso é em como esse público pode receber o que a gente está apresentando, então eu acho que eu me coloco um pouquinho no lugar desse público para perceber se eu estaria gostando ou não daquilo que estou pensando em

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apresentar. Em meus ensaios na hora que estou fazendo o roteiro eu falo o texto em voz alta já pensando em como é que aquele público que está ali, no auditório vai receber, nesse caso não somente as crianças, são as crianças suas famílias, pais, para todo mundo que estará ouvindo. Como é que eles podem receber. Como é que eles podem reagir. Às vezes fico pensando como é que você sente uma reação desse público. Então sempre o que o público sente e reage para mim é importante. Agora eu também gosto de surpreender eu gosto de trazer coisas que sejam surpreendentes porque também gosto que o público me surpreenda de certa forma. Observe aqui hoje, parece um dia cheio dessas surpresas que as crianças são craques de trazer para nós. (ZUCA, Zé. Rio de Janeiro, RJ, 29 março. 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros).

A programação da Rádio Maluca, como menciona o entrevistado acima, perpassa também

por questões inesperadas, sejam as falas da próprias crianças a partir do momento em que se

sentem a vontade para expressarem parte de seus desejos, ou até mesmo as adaptações

necessárias ao longo da programação. Zé Zuca disse sobre as questões surpreendentes, que

gosta de surpreender o público e que o público o surpreenda.

Outro detalhe mencionado por Zé Zuca, é que disse se colocar no lugar do outro (ouvinte)

para pensar no roteiro do programa, neste ponto problematizamos se basta colocar-se no

lugar do outro para elaborar o roteiro e em que medida as vozes dos outros surgem ao longo

das atividades pensadas para o programa? Em nenhum momento o apresentador nos disse que

tenha elaborado um determinado roteiro com a participação direta das crianças. Pensamos que

a elaborar do roteiro através da comunicação face a face, aquela em que há a presença de dois

ou mais sujeitos (crianças) no processo comunicativo também pode ser uma surpresa.

4.3.5 – “A poesia e a prosa do mestre Rosa”

No programa que foi veiculado no dia 03 de maio de 2008, a temática do dia foi A poesia e a

prosa do mestre Rosa. No cenário, além da mesa com instrumentos coloridos e variados,

panos coloridos, brinquedos e enfeites havia alguns quadros pintados. O apresentador disse:

Alô, alô crianças do Oiapoque ao Chuí, dos pés da cidade ao coração do sertão, está

começando a minha, a sua, a nossa Rádio Maluca. Zé Zuca falou que o programa iria

homenagear um grande escritor que, se estivesse vivo, faria cem anos em 2008, um feiticeiro

das palavras chamado João Guimarães Rosa. Disse que era chamado Joãozito na infância e

que era um grande contador de histórias, histórias do povo brasileiro. Zé Zuca perguntou ao

auditório se alguém já tinha ouvido falar em Guimarães Rosa.

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Zé Zuca disse ser a Rádio Maluca um programa que você vê pelo Rádio. Anunciou na

seqüência a banda que tocará músicas inspirada nos contos de Guimarães Rosa, a atração do

dia: Fábio Campos e Compadre Quelemém; também falou sobre o trio que iria contar uma

história de Guimarães Rosa; Chico Miranda, Samara Martins e Luciana de Oliveira. Disse

também sobre a repórter mirim, Juliana do Vale, e sua matéria sobre o dia do trabalho.

Zé Zuca fez a provocação do dia, contou a história das profissões de Guimarães Rosa e em

seguida foi para o auditório e perguntou qual a profissão que cada um gostaria de seguir. Ana

karie, uma criança, disse: professora, Caroline, outra criança de 9 anos, também disse:

professora, João, de 7 anos, disse: guarda de tartarugas, (risos). Alice, uma criança de 4

anos, disse: bailarina; Caio, de 8 anos, disse: soldado; Ana Carolina, 10 anos, disse: juíza de

direito. Zé Zuca fez a mesma pergunta para o Mariano que, em forma de rima respondeu

mencionando várias profissões. Zé Zuca falou sobre parte da história de vida de Guimarães

Rosa, depois estabeleceu um diálogo sobre algumas obras escritas por Guimarães Rosa. Na

seqüência, chamou a atração do dia, a banda Fábio Campos e Compadre Quelemém; explicou

alguns detalhes sobre os quadros (pinturas) que estavam expostos no palco. Fábio Campos

disse sobre a influência de Guimarães Rosa na composição de suas músicas. Disse também

que para cada música cantada demonstraria um quadro (pintura) correspondente à sua letra.

A etapa seguinte foi a entrevistinha, Zé Zuca foi para o auditório e perguntou a uma criança

se quando crescesse iria trabalhar. A criança, então, disse que não, (risos). Zé Zuca pergunta:

por que é importante a pessoa trabalhar? Uma criança disse que era importante para ganhar

dinheiro, outra disse que era para poder sobreviver, comprar comida, roupa e etc. Outra

criança disse também ser importante e que seus pais são trabalhadores. Na seqüência outras

crianças também participaram. Zé Zuca, então, pede a uma criança para citar quatro

profissões. A criança então disse: bombeiro, dentista, médico e professor.

No quadro repórter mirim, Juliana do Vale, de 11 anos, trouxe uma reportagem sobre o

trabalho, Zé Zuca lembrou que no 1º de maio foi a data do dia do trabalhador. Juliana do Vale

fez um breve histórico sobre as comemorações do dia 1° maio. No final disse ser uma futura

veterinária, astrônoma e professora, muitos risos e aplausos da platéia.

No quadro seguinte, a história do dia, um trio de sertanejos, vestidos a caráter a partir de um

conto de Guimarães Rosa, chamou a atenção da criançada, todas ficaram sentadas próximas

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ao palco - observavam os contadores de histórias. Na seqüência veio o quadro de

adivinhação. Mariano pergunta: o que é, o que é que está na sua frente e você não vê?

Mariano desceu do palco e “abriu” o microfone para Carolina, uma criança de 9 anos, que

respondeu ser o nariz. Alguns diálogos improvisados tanto por Zé Zuca quanto por Mariano

despertam a atração dos participantes, pois eles perguntaram se alguém conseguia morder o

próprio nariz.

Percebemos que as crianças que estavam presentes no auditório da Rádio Maluca

gesticulavam como forma de acompanhar os sons das músicas e outras cantorias tocadas e

cantadas pela atração do dia, a banda Fábio Campos e Compadre Quelemém. Zé Zuca fez o

convite para a participação do próximo programa, mencionou os artistas que viriam e se

despediu do público.

Figura 7 – Zé Zuca no auditório “abre” o microfone para a participação da criançada (à esquerda) e no palco

Marino auxilia a repórter mirim que trouxe uma reportagem sobre o dia do trabalhador, observamos também as pinturas inspiradas em alguns escritos de Guimarães Rosa (à direita).

Podemos mencionar que o programa estabeleceu vínculos com diversos aspectos culturais e

que embora as crianças participassem das atividades, os adultos não ficam para traz, também

gostaram das atrações apresentadas, parece-nos que, além de se responsabilizarem por levar

as crianças para o auditório, apreciaram a musicalidade e demais atividades do programa.

Assim em uma das conversas que tivemos com o apresentador Zé Zuca, ele disse sobre o que

considerava ser prioritário no seu programa.

Prioritário é diversão e alegria, é ter o prazer de curtir o programa e que o programa seja uma grande brincadeira para eles. Isso é prioridade e a outra grande prioridade, eu diria, é que os conteúdos sejam conteúdos respeitosos com a criança, seja um material cuidadoso não colocado de graça, ainda que para a diversão, mas que passe por um conteúdo cultural que possa contribuir com o crescimento das crianças, que

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possa enriquecer o universo delas. (ZUCA, Zé. Rio de Janeiro, RJ, 03 maio. 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros).

Um programa “tecido’ por muitas vozes, parece ser esse um dos propósitos da Rádio Maluca,

uma variedade de temas são apresentados, mas que perpassam necessariamente pelos

conteúdos respeitosos e que nos remetam às questões culturais, culturas diversas em que as

crianças possam também ser contempladas, possam ter vez e voz como disse Zé Zuca no

diálogo acima.

Zé Zuca disse que as brincadeiras devem ser algo prioritário no programa, que o conteúdo

seja respeitoso a partir de questões culturais; que é necessário contribuir para o crescimento

das crianças e assim possa enriquecer o universo delas. Neste ponto percebemos que há uma

idéia de que a criança deve ter acesso a conteúdos culturais, porém o apresentador não remete

aos aspectos advindos das culturas infantis, ou seja, há uma visão de incompletude da infância

quando tratamos de termos culturais. Em nenhum momento disse sobre as culturas infantis,

mas sim uma visão adulta da cultura necessária para as crianças.

O apresentador do programa Rádio Maluca elaborou um blog e o colocou no “ar” para melhor

disponibilizar as informações sobre as atrações e temáticas de cada dia. Podemos encontrar

informações úteis não apenas como a programação do dia, mas há programação de todo o

mês. Assim, tal blog é uma ferramenta importante para convidar as pessoas a participarem das

atrações do mês.

Além do blog, percebemos que durante as apresentações do programa Rádio Maluca, os

participantes do auditório podem ter acesso um formulário sobre os “Amigos da Rádio

Maluca”, nesse formulário encontramos os seguintes dizeres: Se você quer receber toda a

programação da Rádio Maluca, seus temas e atrações, a cada semana, assim como outros

eventos relacionados com o programa, preencha estes dados33. Com isso, você vai se tornar

um membro do grupo ‘Amigos da Rádio Maluca’. Se já pertence ao grupo, não precisa

preencher. Só preencha se tiver e-mail. Através de e-mails a programação de cada semana

também é enviada pelo apresentador. A seguir demonstramos o blog utilizado pelo

apresentador para divulgar as atrações do programa Rádio Maluca e o site da Rádio MEC AM

falando sobre a Rádio Maluca:

33 Os dados mencionados no formulário são: nome e e-mail.

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Figura 8 – Blog do Zé Zuca, onde é possível acompanhar a programação das temáticas do mês <http://www.zezucaearadiomaluca.blogspot.com/> Acesso em: 19 de outubro 2008.

Figura 9 – Site da Rádio MEC AM sobre a Rádio Maluca. <http://www.radiomec.com.br/am/radiomaluca.asp> Acesso em: 20 de março 2008.

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4.4 – O programa Universidade das Crianças da Rádio UFMG Educativa

O formato do programa Universidade das Crianças, que se compõe de pílulas34 veiculadas

pela Rádio UFMG Educativa35, é diferente daquele apresentado pela Rádio Maluca. No

Universidade das Crianças uma vinheta de abertura com a fala do coordenador da Rádio

chama a atenção dos ouvintes para o início do programa. Após a vinheta vem a voz da criança

que diz seu nome, sua idade e apresenta uma pergunta. Em seguida a resposta, na voz de um

dos estagiários estudantes de graduação ou na voz do próprio pesquisador respondedor. O

programa termina com uma vinheta e a fala do coordenador da Rádio.

Uma questão para problematizar é o fato de que o programa é veiculado no horário em que as

crianças que participam de sua produção estão saindo da escola. Perguntado para a

coordenadora do projeto, foi-nos informado que esse horário havia sido pensado para atingir

as crianças, após saírem da escola.

Parece-nos importante ainda uma nova revisão desse horário, uma vez que pega as crianças

em trânsito. Ou ainda, repensar outras formas de a audição do programa e que possam ser

assumido pela escola como uma das atividades curriculares. Ressaltamos que a produção é

uma das atividades vinculadas à escola.

Para as nossas análises trazemos um total de cinco programas. Embora haja a exemplificação,

na tabela 2, de dez pílulas, lembramos que cada uma delas tem a duração de um a três

minutos. Selecionamos alguns programas “pílulas” que foram elaboradas através de oficinas.

Neste ponto, ressaltamos que as oficinas tiveram um caráter dialógico, uma vez que tinham

como proposição a elaboração de questões ou perguntas e respostas que pudessem ser

veiculadas na Rádio UFMG Educativa. As oficinas tiveram a participação de alunos do

Centro Pedagógico (CP) da UFMG, especificamente os que eram integrantes do Grupo de

Trabalho Diferenciado (GTD) sobre Corpo Humano. Eles desenvolveram, de forma coletiva,

algumas atividades que contribuíram para a formulação de perguntas sobre o corpo humano;

das centenas de questões nos interessaram neste momento, apenas dez, que foram elaboradas

ao longo das oficinas.

34 Ressaltamos que pílulas são programetes de curta duração com conteúdo variado. 35 Transmissão: Rádio Educativa UFMG – 104,5 FM; On line: www.ufmg.br/online/radio/

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A partir dos relatos das entrevistas apresentaremos alguns pontos importantes sobre o

desenvolvimento das atividades e oficinas, ressaltamos que, de 2006 prá cá, as oficinas

ganharam um novo formato, isso para que se readequassem às necessidades e/ou demandas da

proposta, que era estabelecer uma nova forma de transmitir/comunicar mensagens que

perpassassem também pelas questões da Ciência, ou seja, uma “Rádio Ciência”. A idéia

básica era de permitir uma discursividade capaz de trazer sentidos para os participantes do

GTD. Revelar parte de suas dúvidas era um dos objetivos das oficinas. De uma forma ou de

outra, as oficinas poderiam vincular-se às atividades escolares, mas, caso surgissem questões

que extrapolassem o universo escolar, não haveria problemas, o importante é que pudessem

aparecer curiosidades e/ou dúvidas sobre o corpo humano, já que parte dos

integrantes/coordenadores que participaram do GTD, em sua maioria, eram estudantes e/ou

professores desta área.

Uma das etapas das oficinas era a composição de agrupamentos de alunos para o “início” da

discursividade sobre o corpo humano. Essa dinâmica acontecia uma vez por semana, no

Centro Pedagógico da UFMG, em ambiente diferente da sala de aula convencional, no

laboratório de Ciências.

No laboratório havia mesas redondas com bancos fixos nas mesmas, várias prateleiras com

materiais utilizados pelos professores de ciências, um quadro de giz entre outros elementos.

Apesar de esse ambiente se diferenciar das salas de aula convencionais não apresentava

muitas novidades para os alunos participantes do GTD, porque, em algumas aulas de ciências,

era lá que as atividades se desenvolviam.

Cena 2 – A idéia central era de preparar cartazes e urnas que chamassem a atenção dos alunos da escola para que depositassem suas dúvidas sobre o corpo humano e também sobre o meio ambiente nas urnas confeccionadas. Posteriormente as perguntas seriam respondidas, Débora a coordenadora negocia com a turma sobre a necessidade ou não de identificação das crianças que farão as perguntas, chegam ao seguinte consenso: não será necessário revelar o nome, mas a idade sim. Os grupos de alunos preparam as caixas (urnas) e também elaboram os cartazes. Discutem sobre os possíveis locais para deixarem as urnas. Tanto as professoras quanto a coordenadora ajudam na confecção das urnas e cartazes no laboratório de ciêncais. Ao todo são 26 participantes, a maioria do gênero feminino. O tempo de confecção do material foi o equivalente a duas aulas de 50 minutos, ou seja, uma hora e quarenta minutos. Perguntei para um aluno se aquelas atividades eram obrigatórias, ele me disse que de uma forma ou de outra, todos participam dos GTDs, percebi também que alguns alunos não tinham ânimo para aquelas atividades, mas também não atrapalhavam aqueles que estavam empenhados na proposta. (Diário de campo – março 2008)

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Após a composição de agrupamentos de alunos, a discussão era iniciada, em alguns casos

com a participação de pessoas com conhecimentos específicos da comunicação, ou seja,

integrantes da Rádio UFMG Educativa. Mas, neste dia, os participantes foram os próprios

alunos, professores e também a coordenadora do programa Universidade das Crianças.

Como registramos no caderno de campo, os trabalhos foram desenvolvidos por todos os que

ali estavam. Um dos detalhes foi o diálogo estabelecido pelo grupo como forma de decidir se

seria importante ou necessário revelar os nomes daqueles que elaborariam as questões. Após

algumas discussões ficou estabelecido que não haveria tal necessidade, naquele momento,

mas que posteriormente tal decisão poderia ser alterada.

Figura 10 – Cartaz elaborado pelos participantes do GTD (à esquerda) e uma urna também confeccionada para coleta de questões sobre o corpo humano e o meio ambiente (à direita).

Na figura acima, podemos verificar em uma das oficinas o cartaz elaborado por um grupo de

crianças do GTD de Ciências com a temática corpo humano. Lembramos que tal temática

surge através de necessidades dos professores do Centro Pedagógico, e pode ser alterada de

um semestre para o outro. Neste caso específico, não constatamos que os

participantes/crianças do GTD de corpo humano tenham tido suas vozes ouvidas pelos

professores, no sentido de que tal temática pudesse partir também de suas especificidades

enquanto crianças, de seu universo cultural. Parece-nos que, desta forma, era estabelecida

uma atividade corriqueira até então, submetida às demandas de um processo educacional

formal para cumprimento de sua carga horária. Consideramos, no entanto, que a vinculação

entre processos educativos do GTD e a mídia radiofônica permitiu o repensar de um novo

formato para a divulgação científica. Em entrevista realizada com a diretora do CEDECOM –

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Centro de Comunicação da UFMG, pudemos melhor entender a proposta do programa

Universidade das Crianças.

[...] nós temos condições de oferecer para o ouvinte algo que seja alternativo ao que existe na mídia comercial. Não é que a gente vai fazer uma rádio alternativa, a gente faz uma rádio que tem seu perfil, sua identidade e que trata de temas, de sujeitos e de ações, que não necessariamente faz parte da mídia convencional, trata de formatos diferentes, com tempos diferentes e com linguagem diferente. Às vezes o tema é o mesmo que a mídia convencional está abordando, mas a gente busca abordar um formato, uma duração, uma linguagem, que seja diferenciada, ou temas, ações e sujeitos que a mídia necessariamente vai trabalhar. Nesse sentido tem sido muito bom a rádio de iniciação científica, porque a gente sabe que a ciência e nossos projetos construídos aqui, [...] é um direito do cidadão. O conhecimento científico é conhecimento muito codificado no jargão do especialista, mas que ele está presente na vida do cidadão sem que ele perceba até mesmo que conhecimento é esse. É importante que no trabalho de iniciação científica a gente faça a difusão desse conhecimento, garantindo esse direito ao cidadão e ao mesmo tempo, tornando esse conhecimento acessível aos diferentes públicos que têm direito a ele, e é por isso que a gente faz desde as pílulas radiofônicas [...] (CERES, Maria Pimenta Spínola Castro. Belo Horizonte, 02 julho 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros.)

Na conversa que tivemos com a entrevistada ficou-nos evidente que a idéia de uma

comunicação diferente, que pudesse utilizar uma linguagem diferenciada e que também

tivesse condições de informar saberes sobre a ciência e reafirmar os direitos dos cidadãos;

assim as pílulas radiofônicas foram consideradas pela entrevistada como uma produção

importante.

Ao indagarmos sobre o formato utilizado no programa Universidade das Crianças, a

entrevistada nos revelou que as crianças eram capazes de produzir excelentes programas de

rádio. Ao mencionar tal capacidade das crianças perece-nos que, em seu entendimento, as

crianças são participativas e/ou ativas nesse processo de construção das pílulas. Disse apoiar

um projeto diferente à mídia radiofônica convencional. Segundo Ceres: "[...] a gente busca

abordar um formato, uma duração, uma linguagem, que seja diferenciada [...].” Mas nos

programas radiofônicos que são as pílulas, o tempo de duração não é tão significativo.

Quando ela fala de uma linguagem diferenciada não ficou explicito se a proposta em questão

consegue destaque uma vez que a Rádio UFMG Educativa tem recursos financeiros limitados

como outras rádios educativas no Brasil. Fazer o diferente, uma linguagem diferenciada,

muitas vezes pressupõe uma equipe de trabalho com disponibilidade para pensar sobre tais

questões, além de recursos técnicos e tecnológicos que também permitam uma produção a

partir das especificidades dos participantes do programa e não da lógica do mercado

capitalista.

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Olha, primeiro tenho uma questão que é uma desmistificação do meio e isso é importante. É preciso dizer que o rádio é um veículo popular, mas as pessoas acham que ele é mais complicado do que ele é, então eu acho que a primeira coisa é mostrar o seguinte: até criança faz programa de rádio e mais, a criança faz um excelente programa de rádio, primeiro é isso, sobre o outro ponto de vista tem a questão, é o seguinte: a criança faz pergunta que nós todos às vezes gostaríamos de fazer, mas a gente tem pudor em perguntar. Aquele texto que a Débora fez, aquele CDzinho, ela fala inclusive o seguinte: a pergunta que gostaríamos de fazer mas que já somos adultos, e temos vergonha de perguntar, assim; Por que a gente sua? É certo que se fizer essa pergunta, entrar na internet, numa biblioteca, eu vou descobrir isso. As crianças aqui fazem a pergunta e o professor tem que dar essa resposta. Segundo lugar, ao fazer as perguntas da curiosidade da criança, que não necessariamente é uma curiosidade só infantil, mesmo uma curiosidade do adulto, ela também desmistifica a própria questão do conhecimento, que é possível produzir conhecimento a partir de perguntas, muito simples, que muitas vezes é muito mais difícil perguntar do que responder. (CERES, Maria Pimenta Spínola Castro. Belo Horizonte, 02 julho 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros.)

Ceres relaciona o trabalho de produção das “pílulas” com o trabalho de pesquisa, salientando

a importância das perguntas e ponderando que as respostas a essas perguntas implicam um

trabalho de interlocução:

O pesquisador em geral sabe disso, saber formular a pergunta, porque quando eu formulo a pergunta eu já indiquei o caminho que eu quero ir, então eu acho que isso é muito interessante e tecer da forma como programa Universidade das Crianças está construído, aquela pergunta respondida por um adulto pesquisador, é trabalhada pelas crianças até virar uma resposta que mata a curiosidade infantil. Isso é muito interessante porque assim a gente às vezes responde à pergunta da criança, não exatamente o que ela está perguntando, mas aquilo que a gente entendeu que ela queria saber, em nossa perspectiva, a do adulto. Eu lembro que meu filho devia ter uns sete para oito anos, ele chegou perto de mim e falou assim: o mãe o que é virgem? Eu naquele negócio sem saber como é que ia responder aquela pergunta dele, mas aí eu resolvi perguntar assim: por que é que você quer saber? Não é que meu colega ganhou uma fita virgem (risos) eu ia dar uma resposta para ele que ele iria falar: minha mãe enlouqueceu, pirou. Meu filho, fita virgem é aquela que você compra que vem no plástico ainda, que nunca foi gravado nada nela. Então é preciso também que o adulto tenha uma capacidade, assim de se elevar à situação da criança, não é se abaixar, é se elevar, para saber o seguinte: o que é que ela quer saber. Porque muitas vezes o que eu quero responder, eu acho muito interessante isso, abrir o microfone para as crianças, porque você abre o microfone para as crianças fazerem perguntas, abre o microfone para os adultos, mas a fala do adulto tem que ser trabalhada para ela poder virar de fato uma informação que seja compreensiva, útil e adequada ao universo das crianças. (CERES, Maria Pimenta Spínola Castro. Belo Horizonte, 02 julho 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros.)36

Melhor entender o universo infantil, talvez fosse essa uma das alternativas capazes de nos

ajudar a desmistificar aquela visão de que as crianças não entendem nada, não podem

produzir programas radiofônicos. No depoimento acima fica-nos explicito que as crianças são

capazes de produzir conhecimentos, são capazes de elaborar questões que partem de seus

36 O grifo é nosso.

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saberes, assim carregam também a coragem de dizer o que pensam, ao contrário de muitos

adultos.

Se de um lado parte do processo de ensino e aprendizagem ou práticas escolares do CP

estabelecia a temática a ser discutida, por outro lado, no processo de desenvolvimento das

atividades do GTD eram as crianças inicialmente apenas a porta voz das discursividades.

Temos, assim, na figura a seguir, um cartaz com os chamados para a participação de outras

crianças ou até mesmo adultos. Este cartaz, em específico, ficou afixado por uma semana em

um ponto da escola. Em seus dizeres percebemos certa “flexibilidade”, ou seja, não havia a

necessidade de revelar, integralmente, uma “identidade”.

Figura 11 – Outro cartaz elaborado pelos participantes do GTD (à esquerda) e um outro cartaz convidando os

alunos a elaborarem questões que pudessem ser veiculadas na Rádio UFMG Educativa (à direita).

Quer nos ajudar? Comece a perguntar! São as frases que podemos ver na figura acima (à

esquerda), já na foto (à direita) encontramos outro cartaz com os seguintes dizeres:

Convocamos, vocês para tirar suas dúvidas sobre meio ambiente e corpo humano. Coloque

suas perguntas – conteúdo série e idade.

Já em outro cartaz temos os seguintes dizeres: Dúvidas sobre o corpo humano? E sobre o

meio ambiente? Escreva suas perguntas e as deposite nas caixas. E elas serão respondidas

na Rádio UFMG. Obs. Os papéis das perguntas deverão conter sua idade e sua sala. No

cartaz uma seta aponta para a sintonia da Rádio 104,5 FM. Parece-nos que neste ponto as

crianças também aproveitaram para divulgar a Rádio UFMG Educativa, discussão que até

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então não foi estabelecida entre os participantes das oficinas. Assim temos um cartaz que

menciona a Rádio UFMG Educativa.

Entendemos que a preocupação em não revelar a identidade de quem formula as perguntas

está ligada a uma visão que relaciona o “não saber” a uma falta, perspectiva muito

evidenciada no contexto escolar. Também nos chamou atenção o quanto esse lugar de não

saber, em nossa sociedade, está associado à criança. Reflexão disso, as “pílulas” são

estruturadas de modo que a voz infantil apresente apenas a pergunta, já as respostas são

apresentadas na voz do adulto. Vale lembrar a ponderação de Ceres quando diz que as

crianças formulam perguntas que os adultos muitas vezes têm dificuldades de responder. Essa

dificuldade dá pistas de que esse adulto compartilha com as crianças um “não saber”, tanto

que vê nas perguntas infantis a oportunidade de obter respostas para as dúvidas que já não tem

coragem de expor.

Essa relação permite uma bela reflexão sobre os lugares definidos e hierarquizados de saberes

entre adultos e crianças.

Um outro detalhe é que com esse trabalho ampliou-se a possibilidade de questionamentos

para meio ambiente, porém não nos ateremos a tal temática. Tanto os cartazes como as urnas

foram confeccionadas por várias mãos.

Alguns participantes do GTD explicitaram em nosso entendimento a importância que

atribuem ao processo de radiodifusão, pelo qual suas vozes são veiculadas. Porém, quando

vinculamos tal atribuição a não identificação sugerida pelo cartaz, na figura 11 (à direita),

parece-nos que o GTD de corpo humano não garantiu nesse processo de produção das pílulas

as discursividades necessárias as vozes dos participantes perguntadores em suas próprias e

possíveis respostas.

Nas oficinas a maior parte a organização dos trabalhos desenvolvidos ficava sob a

responsabilidade dos adultos. No entanto pareceu-nos que tais atividades necessariamente não

são discutidas ao longo das aulas do CP.

Pelo depoimento de Mariana Queiroz, a seguir que era uma das professoras do CP e também

participante do GTD, percebemos que havia uma alegria, um alvoroço, quando as atividades

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vinculadas ao GTD de corpo humano chegavam ao final de cada semestre. As crianças

recebiam um CD com todas as gravações das pílulas do semestre. Lembramos que as

propostas das gravações tiveram início no ano de 2006, de lá prá cá algumas mudanças

ocorreram, destacamos apenas a aquisição de equipamentos que possibilitaram a melhor

compreensão dos processos técnicos que, antes, ficavam a cargo exclusivo dos integrantes da

Rádio UFMG Educativa.

Queiroz disse ainda que a participação da criançada era importante, mas distancia dos

chamados conteúdos escolares, “[...] não para o uso pedagógico [...]”. Parece-nos que por ser

uma produção a partir do espaço escolarizado os conteúdos escolares deveriam de alguma

forma serem contemplados. O importante para a meninada, segundo Queiroz era a voz ser

veiculada, assim ficavam “empolgadíssimos”. Mesmo sem haver a veiculação na Rádio

UFMG Educativa de todos os programas produzidos ao longo do semestre, os mesmos eram

gravados em CD em entregue as crianças.

[...] no segundo foi um CD mais com a cara institucional mais elaborado, no primeiro foi uma coisa caseira que foi entregue para eles. Eles sabiam que existia esse produto final. Na hora que eles recebiam este produto ficavam extremamente empolgados e a apresentação final do GTD, todo semestre propunha-se ao GTD apresentar o resultado para os outros GTDs. Então no último dia de GTD do semestre o GTD que se propunha a apresentar, fazia uma apresentação para os outros alunos de outros GTDs, e no final dos dois ficou lá o CD passando. Então vários deles vinham chamar os colegas para ouvir, “[...] aqui vem ouvir, vem ouvir o CD da meu GTD, vai passar no rádio e tal [...]”. Estavam empolgadíssimos com aquilo, a voz deles no GTD, no entanto não foi trabalhado em termo de conteúdo, mas foi trabalhado em outros termos. É um material que foi produzido com a participação deles, e passou no rádio. Então é uma valorização muito grande dessa produção. Mas não para uso pedagógico [...]. Eles tinham essa empolgação desse produto final. Agora realmente eu percebi menos empolgação no último GTD, o do ano passado. (QUEIROZ, Mariana de Bertelli. Belo Horizonte, 06 março. 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros.)

Podemos dizer que tais oficinas permitiram a constituição de diversas pílulas nas quais parte

dos “ouvintes” também poderiam ser participantes dos processos de produção dos programas.

Isso porque, além da elaboração de cartazes, os próprios alunos às vezes participavam da

reelaboração das respostas das questões, como também receberam informações sobre os

procedimentos necessários em relação a “edição” dos sons que seriam veiculados na Rádio

UFMG Educativa. Percebemos também que em alguns momentos os próprios alunos

assumiam as atividades (gravação e edição) das pílulas sem a necessidade das professoras do

GTD, ou da coordenadora das oficinas.

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Figura 12 – Os alunos foram para um dos laboratórios ( Biologia Celular) do Instituto de Ciências Biológicas da

UFMG, para visualizarem, no microscópio parte de tecidos humanos. Tanto (à esquerda) quanto (à direita) a Professora Débora D´Ávila Reis acompanha as atividades.

Após a formulação das questões, os alunos visitaram um dos laboratórios do Instituto de

Ciências Biológicas da UFMG. Tal visitação fez parte das oficinas desenvolvidas no GTD de

corpo humano. A partir das questões formuladas, a Profa. Débora D´Ávila Reis estabeleceu

uma conversa, juntamente com o grupo participante do GTD de corpo humano sobre parte

das questões que tratavam sobre células, entre outros assuntos.

A curiosidade de todos era visível, pois queriam ver através das lentes do microscópio parte

do tecido humano. A dinâmica no laboratório era a seguinte: a professora ensinava um

participante a manusear o equipamento (microscópio), após alguns minutos o participante

deveria ceder o lugar a outras crianças e explicar-lhes o que aprendera anteriormente. A

euforia tomou conta de parte dos integrantes do GTD.

Todos os participantes tiveram acesso ao microscópio e, também, puderam conhecer melhor o

funcionamento daquele espaço, tudo isso sob a orientação da Professora Débora D´Ávila Reis

que, além de ser coordenadora da proposta do programa Universidade das Crianças, é também

professora do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciência Biológicas da UFMG.

Além das atividades que aconteciam normalmente no laboratório de Ciências do CP,

registramos o desenvolvimento das oficinas em outros locais também, como o laboratório do

Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e a Estação Ecológica da UFMG.

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Figura 13 – Perguntas e respostas, o repensar do texto na Estação Ecológica da UFMG. Uma aula sobre corpo humano com um boneco sobre a mesa (à esquerda). Outra aula sobre corpo humano com utilização de fotos

(à direita).

Após a coleta de questões elaboradas tanto pelos participantes do GTD de corpo humano

quanto por outros participantes que “depositaram” suas dúvidas nas “urnas”, o grupo foi para

a Estação Ecológica da UFMG, que fica situada dentro do próprio Campus da Universidade.

Lá puderam discutir com mais tempo as questões elaboradas nas atividades anteriores. Além

disso, também puderam ler e reler as respostas de tais questões, previamente elaboradas por

especialistas e estagiários. Neste ponto destacamos a possibilidade de discursividades capazes

de estabelecer linguagens mais apropriadas a partir das questões formuladas.

Em grupos, a meninada recebeu textos correspondentes às questões elaboradas, assim leram,

interpretaram e alteraram parte das respostas, isso como forma de melhor adequá-las a

linguagem radiofônica destinada ao público em geral, mas para que, também, pudesse ser

entendida por elas mesmas. À medida que iam interferindo na composição do texto através de

suas falas, de seus diálogos, a coordenadora e os estagiários das atividades também anotavam

o que deveria ser alterado. Quando uma dúvida sobre a temática do corpo humano e, em

específico sobre alguma questão em discussão surgia, logo vinha a explicação a partir do(a)

olhar do coordenador(a) do grupo.

Esse processo de produção de respostas ou de adequação de respostas ao público alvo – que

são crianças – mais uma vez traz a tona as concepções de infância que circulam entre os

produtores deste programa, sejam eles adultos ou as próprias crianças.

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Como lembra Bakhtin (2003) todo enunciado carrega em si marcas valorativas daquilo que o

locutor pensa sobre seu ouvinte. Nesse sentido, todo o trabalho feito de construção de

respostas e adequação de texto é, para os produtores desse programa, um exercício de

alteridade onde expressam o que pensam sobre os interlocutores.

Havia sempre a presença dos professores, coordenadores e também estagiários nas atividades

relacionadas à produção das perguntas e respostas. Além da própria alegria dos participantes,

parece-nos que em ambientes diferentes daqueles do processo de ensino e aprendizagem

formal, a meninada interagia melhor, participando, assim, das atividades (oficinas).

Figura 14 – Alunos gravando as pílulas (à esquerda) e a edição das gravações que se tornarão pílulas a serem veiculadas na Rádio UFMG Educativa (à direita).

Após os diálogos estabelecidos entre os integrantes do GTD, iniciam-se os preparativos para

as gravações das pílulas, desta vez as respostas sobre as indagações acerca do corpo humano

tiveram nova estruturação, ou seja, atendem algumas especificidades do público participante.

Neste momento, avaliamos que há uma negociação mesmo que limitada estabelecida entre

alunos, coordenadores do GTD e do programa Universidade das Crianças, que por vez

aproximam-se do caráter dialógico estabelecido por Bakhtin (2006, p. 128) “A comunicação

verbal entrelaça-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles

sobre o terreno comum da situação de produção.” A comunicação verbal, aqui é também

entendida como parte de uma junção de outros tipos de comunicação. Acompanhamos e

registramos parte das etapas dos processos de produção do programa Universidade das

Crianças, tanto nas gravações quanto nas edições.

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Percebemos que nem sempre é possível gravar em uma única vez a pergunta e a resposta, pois

diante de todo o aparato técnico e tecnológico, as vozes dos participantes podem “falhar” em

alguns momentos, como também o próprio aparato técnico. Como as pílulas são gravações, a

chance de gravar novamente, ajustando aquilo que não ficou adequado, é sempre uma

possibilidade viável. O programa radiofônico Universidade das Crianças pode ser considerado

como um dos gêneros lingüístico, capazes de viabilizar a participação de muitas vozes; porém

apenas três vozes são veiculadas pelas ondas do ar. A primeira é a voz do locutor que fala ao

som de uma vinheta na abertura, a segunda é a voz de uma criança que se identifica e traz em

sua fala uma pergunta e por fim a terceira voz, que pode ser a linguagem de um especialista

respondedor.

Selecionamos algumas pílulas, que correspondem a perguntas e respostas elaboradas ao longo

das oficinas do GTD de corpo humano. Apesar da existência de mais de uma centena de

questões elaboradas pelos integrantes do GTD, trazemos como exemplos apenas dez, das

quais analisaremos as cinco em destaque na tabela 2.

Tabela 2 – Algumas pílulas veiculadas na Rádio UFMG Educativa.

As pílulas veiculadas no programa Universidade das Crianças, da Rádio UFMG Educativa,

carregam algumas especificidades. Inicialmente uma vinheta com musicalidade e falas chama

a atenção dos ouvintes para o início do programa, após a vinheta é feita uma pergunta que

trata de assuntos relacionados às Ciências e/ou ao corpo humano. Na seqüência apresenta-se a

resposta da questão, tudo isso no espaço de um a três minutos; tal tempo é flexível podendo

estender-se ou diminuir, mas apenas uma pergunta é veiculada por dia.

Nome Idade Pergunta Marcelo Júnio Andrade Magalhães

10 Por que não nascemos sabendo?

Fernanda Zanettei Marques 10 Por que suamos muito? Ana Luiza Oliveira Quirim 10 Por que precisa fazer sexo para ter filho? Nathália Cardoso Campos 10 Quantas minhocas temos no cérebro? Yasmin Luiza Nunes Soares 10 Por onde os vírus entram no nosso corpo? Jade de Aguiar Laporiais Amaral 10 O que tem no cérebro que faz a gente pensar? Pedro Lucas Silva Barbosa 11 Por que nós temos meleca no nariz? Viviane Cunha Silva 10 Como nosso corpo se modifica? Inácio Silveira Latorro 10 Como os vírus entram no nosso corpo? Luiza Gabriela Noronha Santiago 10 Por que o sangue é vermelho?

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Trazemos aqui algumas das perguntas que foram veiculadas, ressaltamos que a veiculação era

aleatória, ou seja, não havia uma prioridade sobre as questões que deveriam ser transmitidas

pelo programa, assim não mencionaremos a data de sua transmissão.

Apresenta-se a seguir o texto de algumas das pílulas do Universidade das Crianças, seguidas

de uma conversa com seus autores:

4.4.1 – “Por que não nascemos sabendo?”

Criança:

Eu sou Marcelo, tenho 10 anos e gostaria de saber: por que não nascemos sabendo?

Locutor:

Não nascemos sabendo matemática, tocar piano ou usar a Internet. Mas nascemos sabendo

outras coisas! Quer exemplo? Logo ao nascer, você já sabia que tinha que sugar o seio de

sua mãe, não é verdade? Ninguém te ensinou isto! E se você não soubesse, morreria de fome.

Alguns pássaros nascem sabendo que o primeiro ser vivo que eles enxergam na frente depois

de sair do ovo será a sua mãe. Isso às vezes pode ser muito engraçado. Se este ser vivo for

um gato, o passarinho irá pensar que o gato é a sua mãe [...] Já pensou?

As coisas que a gente nasce sabendo são aquelas essenciais para a nossa sobrevivência. Isso

permite que a nossa espécie sobreviva durante muuuuitos (sic) anos. Não nascemos sabendo

matemática, geografia e gramática, porque não precisamos disso tudo nos primeiros dias de

vida. Mas nascemos com cérebro e órgãos dos sentidos, ou seja, com a capacidade de

aprender muitas outras coisas.

Quem nos ajudou a responder essa pergunta foi o Professor Márcio Dutra de Morais, do

Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.

Eu sou Débora D´Ávila Reis e o nosso endereço é [email protected]

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Na pergunta formulada por Marcelo, percebemos que, apesar de a vinculação do GTD ficar a

cargo da disciplina de Ciências do Centro Pedagógico da UFMG, há possibilidades, para

formulação de questões que também tangenciam outras áreas. Ainda sobre a questão que

Marcelo elaborou, trazemos um diálogo que fizemos sobre tal pílula ou programa:

Josemir: Marcelo, você gosta de escutar rádio?

Marcelo: Ah, eu gosto.

Josemir: Você escuta rádio é em casa?

Marcelo: Eu escuto às vezes em casa e quando eu vou viajar na maioria das vezes é no carro.

Josemir: E quando você está viajando, é no rádio que você leva ou no rádio do carro?

Marcelo: No rádio do carro.

Josemir: E em casa, você escuta rádio?

Marcelo: Escuto sim, é no rádio lá de casa.

Josemir: Você gosta de escutar o que no rádio?

Marcelo: Músicas, lá em casa eu escuto no computador ou no rádio mesmo.

Josemir: Você já escutou a Rádio UFMG Educativa?

Marcelo: Não.

Josemir: Vou colocar aqui no rádio o CD com a pergunta que você fez e a resposta dessa mesma pergunta.

Gostaria de saber se você reconhece a sua voz.

Marcelo: É a minha mesmo.

Josemir: Marcelo, você já escutou esse programa outras vezes?

Marcelo: Já, eles deram um CDzinho para a gente, aí eu tava escutando.

Josemir: Mas na Rádio UFMG Educativa você não escutou quando passou?

Marcelo: Não.

Josemir: Você gostou de ter participado da elaboração desse programa na época?

Marcelo: Gostei.

Josemir: Por quê? O que você achou que era legal?

Marcelo: Ah, o cara mexia na voz lá, a gente falava e ele aumentava lá, ficava grosso, fino [...]

Josemir: São os efeitos que ele estava fazendo lá na voz? Na gravação?

Marcelo: É.

Josemir: E o que mais você gostou, além desses recursos?

Marcelo: Ah, eu gostei foi do microfone lá, era legal.

Josemir: E essa pergunta que você fez, como é que você chegou a ela? Como elaborou essa pergunta?

Marcelo: Ah, eu tenho é que lembrar né, como é que foi, para te responder. Mas já tem muito tempo, eu não

lembro não.

Podemos perceber que na fala de Marcelo o gosto pelo rádio já existia, além de ouvir o rádio

de sua casa, ele também disse escutar os sons no rádio no carro. As vezes escuta música no

computador de sua casa. Embora ele não tenha escutado na Rádio UFMG Educativa a pílula

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que elaborou, ele já ouviu a própria questão e outras também em um “CDzinho” que foi

entregue para cada participante do GTD, isso no final do semestre.

Marcelo ao falar de sua satisfação quando “o cara mexia na voz” enquanto um destaque na

entrevista expõe que as crianças adoravam participar de atividades nos ambientes externos, à

sala de aula, principalmente nas atividades nas quais havia efeitos sonoros em suas vozes.

Ressaltamos, sobre esses efeitos sonoros, que um técnico da Rádio UFMG Educativa

participou de uma das oficinas e ensinou à criançada como acrescentar outros sons e efeitos às

gravações que fizeram.

A resposta de Marcelo traz para o nosso trabalho uma interessante questão de ordem

metodológica: As crianças são ouvintes dos programas que produzem? Responder essa

pergunta implicaria fazer um estudo com propósitos diferentes do que aqui apresentamos.

Entretanto, a questão nos parece importante por evocar termo que diz respeito às mídias de

massa e o distanciamento que há entre seus produtores e receptores.

No caso específico deste programa, percebemos que há uma preocupação de seus

idealizadores em apresentar às crianças-produtoras uma formação técnica inicial. Entretanto,

o fato de Marcelo conhecer os programas já editados em CD e não tê-lo escutado em seu

veículo original de divulgação – o rádio – dá-nos a entender que talvez seja preciso uma

política de formação de público entre os próprios produtores do programa Universidade das

Crianças.

4.4.2 – “Por que suamos muito?”

Criança:

Meu nome é Fernanda, tenho 10 anos e gostaria de saber por que suamos muito.

Locutor:

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Bem, nós suamos porque precisamos perder calor. Quando a água que compõe o nosso suor

evapora, ela retira calor do nosso corpo, e isso faz com que a nossa temperatura diminua.

Hum [...] Então agora eu imagino você deve estar se perguntando para que nós precisamos

de perder calor[...]

A gente precisa perder calor porque o nosso organismo realiza muitas atividades que

produzem energia na forma de calor. Quando você joga bola durante a tarde toda com seus

amigos, ou se concentra muito pra fazer a prova de matemática as células dos seus músculos

e do seu cérebro estão gerando calor. Mas acontece que o nosso corpo precisa estar numa

temperatura de mais ou menos 37 graus pra tudo funcionar direitinho, daí nós temos que

eliminar parte do calor que nossas células produzem. Simples né?

Agora tem uma coisa mais curiosa ainda pra gente pensar [...] Como é que o corpo percebe

que precisa de suar? Já tinha pensado nisso? Acontece que lá no nosso cérebro tem uma

região chamada hipotálamo, isso mesmo, hi-po-tá-la-mo [...] que é sensível ao aumento da

temperatura. Quando o corpo esquenta muito as células do hipotálamo, que se chamam

neurônios, emitem sinais para as células que produzem suor na nossa pele, e aí nós

transpiramos. Viu só? O suor é um ótimo exemplo de como várias partes do nosso corpo

trabalham juntas para manter nosso organismo saudável!

Eu sou Débora D´Ávila Reis e até o nosso próximo encontro.

Entrevistamos Fernanda e Ana Luiza sobre a participação que tiveram no programa, assim

pudemos perceber ainda a presença do rádio no cotidiano de cada uma delas. Além do

tradicional aparelho de rádio, elas mencionaram também o MP4 em que escutam rádio.

Fernanda disse até mesmo que o rádio a faz dormir, cita outro programa de outra emissora e

nos demonstra ser uma ouvinte de rádio. As crianças entrevistadas não apresentaram rejeição

ao rádio, ao contrário, mencionaram o que gostavam. Ana Luiza, por sua vez, após a gravação

do programa no GTD, não mais o escutou, já Fernanda teve a oportunidade de escutá-lo.

Josemir: Fernanda você gosta de escutar rádio?

Fernanda: Gosto.

Josemir: E você escuta rádio aonde?

Fernanda: Às vezes pelo meu celular e pelo MP4.

Josemir: E o que você mais gosta de escutar no rádio?

Fernanda: As músicas do Hip Hop que passam na FM, a Itatiaia.

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Josemir: E a Itatiaia não passa música não?

Fernanda: Não, não passa.

Josemir: Passa o que?

Fernanda: Eu gosto de escutar de madrugada que passa um programa é a Dona da Noite e é de relacionamento.

Josemir: E você gosta? Tem coisa boa que passa nesse programa?

Fernanda: Hanram.

Josemir: E que hora que começa esse programa?

Fernanda: Meia noite e vai até quatro horas.

Josemir: Uai, e você escuta esse negócio de madrugada?

Fernanda: Hanram.

Josemir: Uai Fernanda, e você não dorme não?

Fernanda: Durmo.

Josemir: Só um pouquinho?

Fernanda: Não, o rádio que me faz dormir.

Josemir: Ah entendi, toda vez que você vai deitar você liga o rádio para ajudar dormir, aí você fica escutando

esse programa. E quem é que faz esse programa? Você lembra o nome dessa pessoa?

Fernanda: Hamilton de Castro.

Fernanda foi uma das crianças entrevistas que também disse escutar rádio, citou o exemplo

do rádio do próprio celular, além do MP4. No caso de Fernanda ressaltamos que o rádio é

também utilizado para fazer dormir, ou seja, ela escuta um dos programas de relacionamento

até que dê sono, disse: “[...] o rádio é que me faz dormir.” O curioso, é que é uma criança, e

que gosta de programa radiofônico de relacionamento que se estende pela madrugada. A

emissora que Fernanda menciona é comercial e não tem nenhum programa destinado ao

público infantil. Uma outra criança que também participou da conversa foi Ana Luiza:

Josemir: Ana Luiza, você gosta de escutar rádio?

Ana Luiza: Gosto.

Josemir: E você escuta rádio onde?

Ana Luiza: Lá em casa, no MP4 também.

Josemir: Na sua casa, no carro, no final de semana, dia de semana [...] como é essa escuta do rádio?

Ana Luiza: Eu escuto no fim de semana e no dia de semana também.

Josemir: Ah é, e o que você mais gosta de escutar no rádio?

Ana Luiza: Eu gosto de escutar músicas.

Josemir: Músicas, Hip Hop igual a Fernanda?

Ana Luiza: Ah, também.

Josemir: Também, mas você gosta de escutar qual outra música?

Ana Luiza: Não tem uma música que eu gosto, são muitas.

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Ana Luiza disse na entrevista acima, também gostar de músicas, não há apenas um estilo

musical, gosta de músicas variadas; escuta o rádio em casa especificamente no MP4, o que em

parte nos explica as possibilidades das escutas isoladas, individualizadas até mesmo de

programas que são veiculados em horários variáveis, como no caso de Fernanda que é durante

a madrugada.

Perguntamos para Fernanda e Ana Luiza se já escutaram a Rádio UFMG Educativa:

Josemir: Fernanda, você já escutou a Rádio UFMG Educativa?

Fernanda: Já.

Josemir: Uma vez só ou várias vezes?

Fernanda: Uma vez só.

Josemir: E o que você escutou na UFMG Educativa?

Fernanda: Eu escutei as minhas perguntas, as que eu fiz no GTD.

Josemir: E o que você achou na hora que você escutou?

Fernanda: Ah eu gostei né, porque eu falei na rádio, aí foi bom.

Josemir: E você, Ana Luiza, você já escutou a Rádio UFMG Educativa?

Ana Luiza: Não.

Josemir: Fernanda, você gostou de ter participado do GTD daquela época que foram elaboradas as perguntas?

Fernanda: Ah, no dia que eu fui apresentar lá na rádio eu gostei, mas depois no dia que eu fiz isso eu não gostei

muito não.

Josemir: De ir lá à rádio você gostou, de falar lá no microfone também, e depois por que você não gostou mais?

Fernanda: Ah, porque tinha que fazer atividade em grupo, e eu era a única menina no grupo, aí eu ficava

faltando todo dia no GTD por causa disso.

Josemir: Ah, você fala que no grupo tinha mais meninos, aí você ficava com vergonha e não ia?

Fernanda: Hanram.

Josemir: E fora isso, as outras coisas foram todas boas?

Fernanda: Hanram.

Outro detalhe que nos chamou atenção na fala de Fernanda foi sobre a sua participação no

GTD, pois ela alega que a parte boa foi à visita a Rádio e também a gravação no microfone. Já

a parte que disse não ser boa foi a sua participação no grupo ao longo das oficinas por ser a

única menina do grupo. Ressaltamos que Fernanda mencionou que escuta rádio durante a

madrugada, o programa de relacionamento, no entanto demonstrou dificuldades em interagir

com o grupo de meninos. Pela possibilidade de mobilidade do rádio, talvez Fernanda possa ter

feito algumas escolhas, como por exemplo horário de escuta, local de escuta e

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conseqüentemente a forma em que escuta, sendo aqui o isolamento algo que também pudesse

ser um dos reflexos em suas decisões em participar ou não do GTD com os meninos.

Ana Luiza também respondeu sobre sua participação no GTD:

Josemir: E você, Ana Luiza, você gostou de ter participado desse GTD?

Ana Luiza: Gostei.

Josemir: De que você mais gostou?

Ana Luiza: De falar no microfone pra rádio assim.

Josemir: De falar no microfone, de ir na rádio, e o que mais?

Ana Luiza: Ah, também quase a mesma coisa que a Fernanda, mas também não gostei porque tinha que ir pra

sala de aula fazer atividades.

Josemir: Sobre a resposta da pergunta que vocês elaboraram o que vocês acham, ficou legal?

Ana Luiza: Ah, eu gostei.

Josemir: E você Fernanda, o que você achou da resposta que saiu aí na rádio?

Fernanda: Ah, eu gostei porque eu não sabia, e eu acabei aprendendo por causa que responderam à minha

pergunta.

Quando perguntamos às crianças se já escutaram a Rádio UFMG Educativa e, em específico,

a Universidade das Crianças, obtivemos como respostas que a escuta do programa não é algo

regular. Fernanda disse já ter escutado o programa uma vez, já a Ana Luiza disse não ter

escutado nenhuma vez. Apesar desse “baixo” índice de acompanhamento do programa

Universidade das Crianças em relação aos entrevistados, isso não corresponde a um

desinteresse pelo mesmo. Em vários momentos, nas entrevistas, as duas crianças se

posicionaram dizendo que gostaram de ter participado do programa. Neste ponto, não é de

nosso interesse, no momento, a ampliação dos diálogos sobre a recepção, embora isso não

seja menos importante.

Em nenhum momento às crianças entrevistadas falaram que participaram da elaboração das

respostas em relação às pílulas que propuseram. De acordo com as falas delas, parte do

processo pelo qual a produção das mensagens ocorreu foi interessante, ou seja, as oficinas,

neste caso, ganharam destaque. O desejo de falar ao microfone, os efeitos dos sons entre

outros, foram fatores vistos como relevantes.

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4.4.3 – “Por que precisa fazer sexo para ter filhos?”

Criança:

Meu nome é Ana Luiza, eu tenho 10 anos e gostaria de saber por que precisa fazer sexo para

ter filho?

Locutor:

Você já reparou que você se parece com a sua mãe em algumas coisas e com seu pai em

outras ? Pois é, isso acontece porque você é uma mistura dos dois. E o sexo é o jeito natural

de misturar o que veio da sua mãe com o que veio do seu pai para formar você.

A nossa mãe tem uma célula que só as mulheres têm chamada ovócito. E o nosso pai tem

uma célula que só os homens têm chamada espermatozóide. Aí, durante o sexo, o homem

penetra seu pênis na vagina da mulher , e forma uma ponte para que o espermatozóide

encontre o ovócito que estava bem guardadinho na mulher.

Essas duas células se unem e passam a formar uma célula só que se chama zigoto. É, esse

nome é bem esquisito. Mas por causa desse tal de zigoto que você e eu existimos. Essa célula

chamada zigoto se divide em duas células. Aí cada uma dessas duas células se divide em mais

duas. E por aí vai, até que se forma um monte de células, que então se organizam muito bem

para formar nossa cabeça, nariz, mão, coração e tudo que forma tão bem o nosso corpo.

Mas agora veja só: os cientistas já inventaram uma outra forma de fazer filho sem sexo, você

sabia disso? Mas é um jeito artificial, feito em laboratórios, onde eles retiram o

espermatozóide do homem e o ovócito da mulher e misturam essas duas células em um tubo.

E o resultado disso é colocado de volta dentro da mulher, pra crescer, se desenvolver e

formar um bebê.

Então agora você já sabe. O sexo é a forma mais prazerosa pra se fazer um filho, mas não é a

única [...]

Eu sou Camila Rabello e o nosso e-mail é [email protected]

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Ana Luiza, disse em sua entrevista que gostou de gravar o programa, de falar ao microfone,

mas também mencionou que quando teve que retornar às atividades em sala de aula não

gostou muito. Parece-nos que os desdobramentos das atividades do GTD não repercutiram,

pelo menos para Ana Luiza, nos conteúdos disciplinares da escola, sendo assim, mais uma

tarefa executada de forma “isolada”.

A entrevista realizada com Fernanda e Ana Luiza demonstrou-nos parte da produção de

sentidos que estabeleceram em relação ao rádio, isto é, as questões que formularam enquanto

pílulas perpassaram pelo cotidiano extra-escolar. Empregaram discursos de diferentes lugares,

não especificamente da escola.

4.4.4 – “Quantas minhocas temos no cérebro?”

Criança:

Meu nome é Nathália, eu tenho 10 anos e gostaria de saber quantas minhocas temos no

cérebro?

Locutor:

Bem Natália, na verdade não temos minhocas no cérebro. Aquelas estruturas que a gente vê

em figuras de livros que se parecem mesmo com minhocas são o que os cientistas chamam de

giros do cérebro.

O número de giros pode variar um pouquinho de pessoa para pessoa e até de um lado para o

outro do cérebro de uma mesma pessoa. Mas a gente deve ter mais ou menos uns 20 giros de

cada lado do cérebro.

Na verdade essas minhocas ou giros não são estruturas separadas. Todas elas estão

conectadas umas às outras formando uma estrutura muito bem organizada, que a gente

chama de cérebro, e que nos permite ter uma capacidade imensa de pensar.

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Mas uma coisa importante pra você aprender é que esses giros foram todos formados a partir

de uma estrutura só, parecida com um tubo comprido. Aí enquanto você foi desenvolvendo na

barriga da sua mãe, esse tubo foi crescendo. Só que esse tubo cresceu dentro do crânio que é

como uma caixa de paredes duras e que por isso não deixou esse tubo ocupar um espaço

muito grande. Então, esse tubo foi se dobrando e dobrando e assim foram se formando as

minhocas da cabeça.

É por ter os giros do cérebro que a gente consegue pensar tanta coisa, ter idéias novas,

enxergar, ouvir sons,sentir cheiro e muitas outras coisas.

Eu sou Camila Rabello e o nosso e-mail é [email protected]

Em uma das entrevistas realizada com a coordenadora do programa Universidade das

Crianças, percebemos que havia uma preocupação sobre a linguagem que seria veiculada pela

rádio. No exemplo acima a comparação da estrutura do cérebro com um tubo comprido

facilitava, de acordo com a entrevistada, o entendimento, além de permitir que os ouvintes

pudessem imaginar através dos sons do rádio o que se pretendia esclarecer. Apresentamos a

fala da coordenadora, a profª. Débora D´Ávila Reis:

Primeiro eu considero que o cuidado com o conteúdo, de ouvir no rádio, de ficar escutando, de criar, a gente conversa muito com os alunos, com os monitores, de responder sempre tentando criar uma imagem naquela pessoa que está escutando. Na imaginação daquela pessoa, eu acho que, às vezes você não precisa nem virar e falar assim uma imagem concreta, quando você fala viagem, por exemplo, você cria, às vezes palavras que são mais sugestivas, a própria sonoridade. Então, eu acho que esse é um cuidado, o cuidado com a questão da linguagem, quando a gente faz analogia [...]. A gente às vezes tem discussões, a gente fica uma tarde inteira vendo o que pode ser comparado a essas questões, como uma teia de aranha ou não e chega à conclusão de que não pode e às vezes não acha nada próximo. Não achamos nenhuma analogia que seja aceita dentro do mundo científico, então esse também é outro cuidado enquanto cientifico, eu acho que é isso. Ás vezes quando aparece uma palavra difícil, a gente pensa, [...] mas será que vale a pena a gente falar de hipotálamo, se achamos que tem que falar, falamos às vezes a gente repete aquela palavra, hipotálamo, para os meninos ver hipotálamo, brincamos um pouco com essa palavra, porque aquilo passa a fazer parte da vida e tentar introduzir termos novos também, enriquecer um pouquinho sem medo. (D´ÁVILA, Débora Reis. Belo Horizonte, 23 abril 2008. Entrevista concedida a Josemir Almeida Barros.)

A analogia estabelecida por D´Ávila na entrevista acima ajudou-nos a entender que, ao

estabelecer um canal de comunicação, que neste caso é o rádio, as palavras utilizadas na

mensagem deveriam ser pensadas como facilitadoras, não simplesmente como algo a ser

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falado, falar, sim, mas a partir dos possíveis sentidos estabelecidos nessa mediação. Outro

ponto na entrevista acima é sobre o processo pelo qual a resposta das pílulas foi construída.

4.4.5 – “Por onde os vírus entram em nosso corpo?”

Criança:

Meu nome é Yasmin, eu tenho 10 anos e gostaria de saber por onde os vírus entram em nosso

corpo?

Locutor:

Você deve saber que os vírus são seres muito pequenos, menores ainda que uma bactéria que

a gente só vê ao microscópio.

Mas como um vírus entra na gente? Você iria imaginar que o nosso corpo tem barreiras para

a sua entrada? Pois tem sim. A pele é a primeira barreira natural e o vírus consegue

ultrapassar quando temos uma ferida por minúscula que seja, ou através dos olhos, da boca e

principalmente através do nariz. Uma vez dentro do nosso corpo, o vírus precisa entrar

dentro da célula, para que ele possa se multiplicar e sobreviver. Pra isso ele se encaixa na

superfície de uma célula como chave e fechadura fazem e então fica fácil entrar. E cada tipo

de vírus tem um tipo preferido de célula. Por isso os vírus são capazes de causar doenças

diferentes como o sarampo, a gripe, a caxumba, a dengue e a Aids. Mas nem precisa ficar

assustado, o fato de você ficar perto de uma pessoa gripada não significa que você também

vai ficar doente. O seu corpo tem células que são capazes de destruir o vírus e assim impedir

a doença.

Essas células fazem parte do seu sistema imune que são importantes para te defender desses

microorganismos, ou seja, elas fazem parte do seu sistema de defesa e para que elas

funcionem bem, você precisa cuidar do seu corpo e da sua mente.

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Então, enquanto você fizer a sua parte se alimentando bem, fazendo esportes e vivendo uma

vida saudável, suas defesas estarão prontinhas não só para acabar com o vírus mas com

qualquer penetra que quiser entrar na festa que é a sua vida.

Eu sou Adlane Vilas-Boas e o nosso endereço é [email protected]

Nathália perguntou quantas minhocas temos no cérebro, já Yasmin por onde os vírus entram

em nosso corpo, questões que, como já ressaltamos, perpassaram também pelos cotidianos.

Lembramos que tudo isso só foi possível porque as negociações estabelecidas através das

oficinas, entre os respondedores e os perguntadores, se fez presente enquanto uma das

dinâmicas; mas essa necessariamente, não é uma construção específica dos processos de

ensino e aprendizagem da escolarização formal de que as crianças participavam. A esse

respeito é possível recorrer às falas das entrevistadas, pois em nenhum momento

mencionaram as atividades, de que participaram, como um desdobramento dos processos de

escolarização.

Josemir: Nathália, você gosta de escutar rádio?

Nathália: Gosto.

Josemir: E você escuta rádio onde?

Nathália: Na minha casa e no carro.

Josemir: E o que você mais gosta de escutar no rádio Nathália?

Nathália: Músicas, ué.

Josemir: E você, Yasmin, você gosta de escutar rádio?

Yasmin: Gosto.

Josemir: Gosta muito ou pouco?

Yasmin: Muito.

Josemir: Você escuta rádio mais em que lugar?

Yasmin: No carro do meu pai.

Josemir: E em casa você escuta também?

Yasmin: Escuto, mais escuto mais no carro do meu pai.

Josemir: E o que você mais gosta de escutar no rádio?

Yasmin: Músicas.

Nathália e Yasmin, na conversa acima disseram gostar de rádio e que escutam músicas tanto

no rádio de casa quanto no do carro, assim o rádio parece fazer parte também do cotidiano

dessas crianças. O que mais escutam são músicas, nenhuma delas falou até então sobre o

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programa Universidade das Crianças. Na seqüência perguntamos se escutaram a Rádio

UFMG Educativa:

Josemir: Yasmin, você já escutou a Rádio UFMG Educativa?

Yasmin: Só uma vez.

Josemir: E nessa vez, o que você escutou?

Yasmin: Escutei as perguntas lá que eles estavam falando.

Josemir: E você lembra de ter escutado a sua própria pergunta?

Yasmin: Não escutei não.

Josemir: Mas escutou outras perguntas?

Yasmin: Hanram.

Josemir: Nathália, e você já escutou a Rádio UFMG Educativa?

Nathália: Não, só que a gente ganhou um CD, aí só escutei lá.

Yasmin, na entrevista acima disse que só escutou a Rádio UFMG uma vez, já Nathália disse

não ter escutado nenhuma vez, no entanto menciona que ganhou um CD e que o escutou. O

que percebemos diante das falas das duas crianças é que não há uma valorização de imediato

do programa Universidade das Crianças quanto nos limitamos a dizer sobre as perguntas e

respostas em aspectos de sua veiculação no rádio. Para as crianças não há uma relação direta

entre o gostar de escutar rádio e as pílulas produzidas.

Josemir: Vocês gostaram de participar do GTD de corpo humano?

Nathália: Gostei, mas fiquei com vergonha.

Josemir: Ficou com vergonha de que?

Nathália: Ah, a voz ficou meio estranha né?

Josemir: Ficou meio estranha a voz?

Josemir: E você Yasmin, gostou de ter participado da elaboração do GTD?

Yasmin: Gostei, mas fiquei com vergonha porque tive que repetir um tanto de vez.

Josemir: Mas por que você ficou com vergonha Yasmin?

Yasmin: Tinha muita gente lá e depois teve mais gente que escutou no rádio.

Josemir: E você, Nathália?

Nathália: É porque tinha quatro pessoas e eu falei umas cinco vezes e mais de uma pergunta.

Josemir: Mas quando vocês gravaram foi na rádio?

Nathália: Não, foi lá na escola, no laboratório.

Josemir: Vocês querem falar mais alguma coisa dessa participação na Universidade das Crianças?

Yasmin: Mexemos na nossa voz lá. A gente tava vendo lá, colocava uma muito fina, aguda e depois colocava

outra grave.

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A idéia de mexer na voz, ou seja, de colocar efeitos, foi um dos atrativos que Yasmin

mencionou, já Nathália disse que a voz ficou estranha. Como os programas eram gravados

previamente, a necessidade de gravar de forma “limpa” os sons, eliminando, assim, os ruídos

indesejados, pressupõe a repetição de uma mesma gravação. Neste ponto tanto Nathália

quanto Yasmin reclamam da quantidade de vezes que tiveram que gravar no microfone.

Quando tratamos do programa Universidade das Crianças, muitas das questões gravadas

também poderiam ser acessadas através de um site elaborado com propósito de divulgar e,

também, facilitar o acesso das crianças às produções radiofônicas (pílulas).

Figura 15 – O site da Universidade das Crianças, onde é possível ouvir alguns programas disponíveis em <http://www.icb.ufmg.br/unicriancas/oquee.html> Acesso em: 19 de outubro 2008.

4.5 – Alguns diálogos sobre os programas Rádio Maluca e Universidade das Crianças

Diálogos e mais diálogos, assim os dois programas radiofônicos aqui analisados estabelecem

de forma diferente a interceptação de um possível “circuito” que muitos entendem como

comunicação linear tradicional, aquela sem a interferência dos “receptores”. Na Rádio

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Maluca, nos momentos em que o microfone é aberto às crianças, se estabelece a ruptura da

linearidade. Já no Universidade das Crianças as respostas elaboradas pelos especialistas em

alguns casos são novamente discutidas pelo grupo, e, quando possível discutidas com as

próprias crianças. Dessa forma o repensar e a ressignificação dos códigos lingüísticos também

cortam ao meio a linearidade. Nos dois programas nota-se em parte que o processo de

comunicação não linear confere notoriedade às vozes das crianças.

Então, a primeira tomada de posição de ‘Codificação/Decodificação’ é, em parte, a de interromper esse tipo de noção transparente de comunicação para dizer: ‘Produzir a mensagem não é uma atividade tão transparente como parece’. A mensagem é uma estrutura complexa de significados que não é tão simples como se pensa. A recepção não é algo aberto e perfeitamente transparente, que acontece na outra ponta da cadeia de comunicação. E a cadeia comunicativa não opera de forma unilinear. (HALL, 2003, p. 354)

Este estudo não se caracterizou como um estudo de recepção clássico, ou seja, da audição dos

programas em seu contexto original. Desse modo o diálogo com seus ouvintes se deram nos

limites do campo de produção. Processos de codificação, mas também de decodificação das

mensagens.

Entretanto, cabe, ressaltar, que percebemos uma ruptura com o padrão já no planejamento de

sua produção e na discussão com seus possíveis ouvintes.

Tanto na Rádio Maluca como no Universidade das Crianças, as mensagens veiculadas fazem

parte de um complexo processo de produção e/ou “transmissão” de bens culturais, havendo

constantes negociações entre as partes envolvidas. Se surge o silêncio quando o microfone da

Rádio Maluca é aberto para as falas das crianças, o apresentador estabelece um diálogo capaz

de instigar as crianças a falarem, como demonstrado no exemplo de um dos programa citados:

Brincadeira é vitamina: remédio prá meninos e meninas. O roteiro do programa é

importante, mas não garante que as falas das crianças percorram caminhos já determinados;

os riscos existentes quando se abre o microfone nada mais são do que as formas de

negociação a partir da decodificação. Assim, as crianças decodificam os “ruídos” sonoros e os

devolvem para o apresentador/produtor. Marcam, portanto, seus posicionamentos, o que

pensam sobre determinados assuntos, mencionam seus saberes e acabam constituindo uma

nova forma de comunicar, baseada na interação de falas e músicas. Ressaltamos que nesse

processo também há limites.

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Quando se trata do programa Universidade das Crianças, os processos comunicativos que

permitem a participação não se restringem apenas à apresentação do “produto” final, mas

perpassam pela construção das possíveis perguntas e, também, respostas. As atividades

desenvolvidas a partir das curiosidades das crianças e também das linguagens sonoras

utilizadas podem ser entendidas enquanto uma negociação; de um lado as falas de um grupo

de especialistas, do outro um grupo de crianças que demarcam parte seus saberes diante das

oficinas desenvolvidas, em outras palavras, interferem em parte das respostas. A ruptura das

fronteiras entre um grupo e outro se constitui no que chamamos de negociação, na qual os

produtos finais, as pílulas, revelam possíveis linguagens da coletividade. Essa coletividade,

nos lembra Bakhtin (2003) é uma arena em que os “valores” dos diferentes sujeitos se

colocam em disputa. A própria linguagem utilizada revela-se uma arena em que adultos,

crianças, professores e pesquisadores negociam sentidos.

Há uma proposta dialógica que, por sua vez, permite-nos dizer que os múltiplos sentidos

estabelecidos nos vários discursos radiofônicos dos dois programas em questão não se

limitam a produzir bens culturais para crianças, mas produzem bens culturais com a

participação das crianças, enquanto protagonistas, enquanto sujeitos falantes que têm vez e

suas vozes ganham notoriedade nas ondas do ar.

Em tempos em que se amplia o consumo de bens culturais, os meios de comunicação de

massa, e aqui se ressalta o rádio e em específico os dois programas radiofônicos, tornam-se

parte das táticas, conforme Certeau (2002) nos alerta, construindo até mesmo novas formas de

sociabilidade e discursividade. A produção dos programas Rádio Maluca e Universidade das

Crianças, de alguma forma, colocam em discussão a ordenação estabelecida, na qual a

supremacia do discurso dos adultos muitas vezes impede as crianças de falarem o que pensam

e sentem sobre determinadas temáticas, seja sobre o corpo humano, seja sobre Brincadeira é

vitamina: remédio prá meninos e meninas. Os programas revelam-se interativos, agregam em

parte as falas das crianças, valorizam alguns aspectos dos dizeres e pensares do universo

infantil, são trilhas de uma nova perspectiva comunicacional, de linguagens sonoras para

crianças, mas, primordialmente, com crianças em seu processo de produção. Ao mesmo

tempo no contexto de produção dos programas a negociação de sentidos entre adultos e

crianças se faz presente.

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[...] essas ‘trilhas’ continuam heterogêneas aos sistemas onde se infiltram e onde esboçam as astúcias de interesses e de desejos diferentes. Elas circulam, vão e vêm, saem da linha e derivam num relevo imposto, ondulações espumantes de um mar que se insinua entre os rochedos e os dédalos de uma ordem estabelecida. (CERTEAU, 2002, p. 97)

Nos programas radiofônicos percebemos uma heterogeneidade de falas no processo de

produção. O que chamamos de negociações pode ser entendido a partir dos diversos diálogos

estabelecidos entre adultos e crianças, o que também podemos entender como táticas segundo

Certeau (2002). Tanto as crianças quanto os adultos marcam seus lugares nos programas, ou

seja, constroem possíveis formas de resistência que priorizem suas culturas e que estabeleçam

sentidos.

Não existe ‘sentido em si’, não existe sentido primeiro ou sentido último. O sentido é aquilo que responde a uma questão; aquilo que não responde a nenhuma questão é desprovido de sentido. O ato de compreensão é ao mesmo tempo descoberta e adjunção, tomada de relação entre um todo acabado e um contexto ulterior inacabado. (AMORIM, 2004, p. 193)

Os programas radiofônicos utilizam diversas linguagens sonoras, passando pela musicalidade,

pelas vinhetas, pelas falas e por outros sons, chamam a atenção dos ouvintes e participantes,

estabelecem em suas produções diálogos a partir de bens culturais diversos. Cada criança, por

sua vez, cria sentidos e significados próprios, uma demonstração de subjetividades dos

processos. Seus conhecimentos se ampliam à medida que demonstram maior interesse pelas

novas descobertas na produção dos programas, não simplesmente por terem suas vozes

veiculadas pelo rádio. Aqui não fazemos distinção entre os dois programas, uma vez que a

garantia das falas das crianças foi preservada em alguns casos da negociação dos vários

discursos em questão. De alguma forma, as crianças se “vêem” nas linguagens sonoras

utilizadas nos processos de codificação, assim estabelecem críticas a partir da decodificação

ou da interpretação dos sentidos que encontram nas várias mensagens radiofônicas. O tempo

de ser criança algumas vezes foi preservado ao longo das atividades dos programas, não sendo

exigido das crianças possíveis participações e/ou diálogos enquanto seres adultos; assim

produções culturais midiáticas com demandas da infância podem ganham destaque pelas

ondas do ar, tanto na Rádio Maluca quanto na Universidade das Crianças.

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CONCLUSÕES

Os sons, também quando percebidos nas diversas mídias sonoras, tocam o mundo e acariciam – ou incomodam – os nossos corpos. Assim, como percebemos as vibrações sonoras com todo o corpo, podemos dizer que as

emissoras de rádio são muito mais misturas comunicativas que simples meio de comunicação.

José Eugênio de Oliveira Menezes, 2007

Nossos estudos sobre a relação entre as crianças e radiodifusão destinada ao público infantil

permitiram o repensar acerca de questões midiáticas e, em específico, de processos vinculados

à radiodifusão no mundo contemporâneo. Percebemos que o rádio é uma das mídias presente

na vida das crianças, elas são ouvintes de rádio.

As crianças com que tivemos oportunidade de dialogar no contexto da pesquisa exploratória,

enquanto ouvintes de rádio não fazem distinção entre programas destinados a elas e os

destinados ao público adulto. O interesse que apresentaram pelo rádio está vinculado às

músicas que são veiculadas, independentemente de seus estilos e horários. Também escutam

rádio em locais diversos, como por exemplo, em casa e no carro. As crianças também não

fazem distinção entre os programas que permitem a sua interatividade ou não. Nesta

perspectiva não diferenciam programas radiofônicos que estabelecem uma comunicação

tradicional linear ou intersubjetiva (circular).

O rádio foi representado nos desenhos e/ou citado pelas crianças em suas diversas formas,

desde o tradicional, o rádio à pilha, o rádio do aparelho 3 em 1 aos modernos como MP3,

MP4, o rádio do celular, o rádio do carro e em alguns momentos até mesmo o rádio da

internet. Demonstraram interesse não pelo seu formato, mas por tocar músicas.

Programas radiofônicos destinados ao público infantil não são tão comuns hoje. Não foi feito

um levantamento estatístico sobre a existência de tais programas em rádio de caráter

comercial, mas verificamos que muitas iniciativas de radiodifusão envolvendo crianças e

jovens acontecem na escola.

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Os programas radiofônicos Rádio Maluca e Universidade das Crianças se revelaram enquanto

prováveis campos de conflito, ou seja, lugares de ressignificações das mensagens faladas.

Embora haja algumas especificidades tanto na concepção quanto na transmissão de cada um

dos programas, percebemos que na Rádio Maluca a negociação das mensagens se fez mais

presente à medida que o apresentador possibilitava a veiculação dos dizeres das crianças, isso

sem saber o que poderia vir a público, pois no formato de programa ao vivo não havia o

“controle” das discursividades. Já no programa Universidade das Crianças tal negociação

também se fez presente, mas desta vez apenas em parte do processo de produção das

mensagens ou das pílulas, pois o seu formato não era ao vivo e sim de gravações, limitando

assim a espontaneidade infantil, a medida que a gravação impunha critérios de qualidade

técnica.

Pensamos que ao participarem dos programas radiofônicos, as crianças estabeleceram redes

de significações a partir de enunciados postos em circulação, que por vez apresentavam-se

enquanto produtos simbólicos constituídos a partir das muitas vozes. Mas quando

estabelecemos um paralelo entre as produções discursivas e a recepção de tais produtos pelas

mesmas crianças, ficou-nos evidente que na Universidade das Crianças a participação era

quase que exclusiva em função das necessidades da escola e não do interesse especifico das

crianças. Poucas crianças tiveram acesso ao programa de rádio no momento da veiculação das

pílulas, embora todas tenham escutado as próprias pílulas que produziram a partir do CD

gravado e entregue para cada uma ao final de cada semestre.

Outro aspecto que também julgamos importante destacar é sobre a veiculação das pílulas na

Rádio UFMG Educativa. Há uma discrepância entre a quantidade de pílulas produzidas e a

possibilidade de veiculação no rádio. Sendo estas pílulas veiculadas aleatoriamente entre um

programa e outro, pareceu-nos que a falta de critérios para a elaboração de uma “grade” de

veiculação contribuiu para o não acompanhamento das mesmas pelas crianças participantes

das oficinas. As crianças, individualmente, por não terem um retorno mais imediato daquilo

que produziam ficaram desinteressadas em ouvir as pílulas, como também em continuar

produzindo-as. Mas isso não invalidou a importância das pílulas para a criançada. Sendo

veiculadas ou não, as pílulas de uma forma ou de outra revelaram uma possibilidade das

crianças apresentarem seus questionamentos sobre temas variados.

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Na Rádio Maluca os programas e suas temáticas eram anunciados previamente, tanto através

do rádio quanto por e-mails e um blog, embora em alguns momentos as crianças de

determinadas escolas participassem a convite da própria escola, as questões escolares não

eram o foco do programa. Enquanto no caso do programa Universidade das Crianças,

percebemos a inclusão de um processo de radiodifusão no interior da rotina escolar, no caso

da Rádio Maluca, percebemos o incentivo de algumas escolas a levar as crianças a espaços

culturais dedicados à radiodifusão alheios aos limites da escola. Percebemos que a idéia

central do programa era promover cultura para criança através de uma diversificação de

atividades. Pareceu-nos que o acompanhamento das atividades ao vivo era algo também

prioritário para as crianças. Em depoimentos, poucas crianças mencionaram sobre o

acompanhamento do programa pelo rádio. Assim a interatividade no palco/auditório foi um

dos atrativos importantes para os participantes. Dessa forma também não invalidamos a

importância desse programa radiofônico destinado ao público infantil e reafirmamos que a

recepção não foi o nosso foco de análises.

Por fim, cabe ressaltar que os processos de produção estabelecidos pelos programas

radiofônicos observados levaram em consideração a importância do diálogo com seus

participantes. Criam-se desta forma laços capazes de garantir uma comunicação mais plural,

constituídas por diversas vozes, resultado de uma negociação entre as crianças e os adultos.

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