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EditoraJanete Maria Lins de Azevedo - UFPE

Editora Associada Alice Happ Botler - UFPE

Conselho EditorialMárcia Angela da Silva Aguiar (UFPE) Presidente do Conselho Almerindo Janela Afonso (Universidade do Minho, Portugal)Bernardete A. Gatti (FCC) Cândido Alberto Gomes (UCB)Carlos Roberto Jamil Cury (PUC-MG)Célio da Cunha (UNB)Edivaldo Machado Boaventura (UFBA)Fernando Reimers (Harvard University, EUA)Inés Aguerrondo (Universidad San Andrés, Argentina)João Barroso (Universidade de Lisboa, Portugal)João Gualberto de Carvalho Meneses (UNICID)Juan Casassus (UMCE, Chile)Lauro Carlos Wittmann (Universidade de Blumenau)Licínio Carlos Lima (Universidade do Minho, Portugal)Lisete Regina Gomes Arelaro (USP)Luiz Fernandes Dourado (UFG)Maria Beatriz Luce (UFRGS)Nalú Farenzana (UFRGS) Regina Vinhaes Gracindo(UNB)Rinalva Cassiano Silva (UNIMEPE)Sofia Lerche Vieira (UECE)Steven J. Klees (University of Maryland, EUA) Walter Esteves Garcia (Instituto Paulo Freire)

Secretário Marcos Roberto Leão da Silva Junior

A Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE) é uma publicação quadrimestral da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) que visa difundir estudos e experiências educacionais e promover o debate e a reflexão sobre questões teóricas e práticas de política e administração da educação, particularmente sobre temas pertinentes às políticas públicas e institucionais de educação, planejamento e avaliação educacional, gestão de sistemas de ensino, escolas, universidades e outras instituições de educação e formação cidadã. A RBPAE é publicada desde 1983, sendo distribuída aos sócios da ANPAE, a assinantes individuais e institucionais, a bibliotecas e ao público por meio de vendas avulsas.Os artigos assinados refletem as opiniões de seus autores e não as da editoria ou do conselho editorial da RBPAE, nem da ANPAE.Os direitos de publicação e tradução do material desta edição são reservados à ANPAE. Uma vez publicado, o material pode ser reproduzido desde que citada a fonte.

IndexaçãoBBE – Bibliografia Brasileira de Educação (Brasília, MEC/INEP)CLASE – Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (México, UNAM)CAPES/QUALIS – Classificação de Periódicos, Anais, Revistas e Jornais (Brasília, DF, CAPES)

Colaboradores neste númeroFlávia Obino Corrêa Werle como Editora Associada

Consultores Editoriais/pareceristas ad hocAlfredo Macedo Gomes - UFPE; Angelo Ricardo Souza - UFPR; Edilene Guimarães - IFPE; Emília Prestes - UFPB; João Ferreira de Oliveira - UFG; Laura Pizzi - UFAL; Lizete Arelaro - USP; Luiz Fernandes Dourado - UFG; Maria Couto Cunha - UFBA; Ma. Edgleuma de Andrade - UFRN; Naura Ferreira Univ. Tuiuti-PR;

Serviços EditoriaisPlanejamento gráfico e capa: Carlos Alexandre LapaEditoração eletrônica: Kaliana PinheiroRevisão: Ignez Pinto Navarro

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO‑NA‑PUBLICACÃO (CIP)

R327 Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE) / Associação Nacional de Política e Administração da Educação; Editora: Janete Maria Lins de Azevedo. – Recife: ANPAE, 2015 ‑ V.31, n.1 (jan./abr. 2015).

Quadrimestral.ISSN 1678-166X.

A partir de 2000, v.16, n.1 foi alterado o local de publicação.Continuação de Revista Brasileira de Administração da Educação, v.1-12, 1983-1996, Brasília, BR-DF.Até 2006, periodicidade semestral.

1. Política educacional – Periódico. 2. Administração educacional. 3. Planejamento educacional. I. Associação Nacional de Política e Administração da Educação. II Azevedo, Janete M. Lins de. III. Botler, Alice H.

CDU – 37.014.5

Endereço para correspondênciaREVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA E

ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Centro de Educação da UFPE Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional,

Planejamento e Gestão da EducaçãoSala 38- Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária,

Recife ‑ PE ‑ CEP: 50670‑901 | Fone: (81) 2126.8903 Fone/fax: +81+21268327

(UFPE – Programa de Pós‑graduação em Educação)www.anapae.org.br/rbpae | E‑mail: [email protected]

Comercialização e assinaturas

Assinatura individual anual 2014: R$80,00. Assinatura institucional anual 2014: (3 exemplares de cada número): R$150,00. Assinante do Exterior anual 2014: US$ 50,00 (via aérea). Os pedidos de assinatura, compras avulsas e de livrarias devem ser encaminhados a [email protected]. As assinaturas serão efetivadas por meio de depósito para Associação Nacional de Política e Administração da Educação diretamente no Banco do Brasil, agência 3613-7, conta nº 49.098-9. É necessário assinalar a data do depósito na Ficha de Assinatura publicada em http://www.anpae.org.br/rbpae, antes de remete‑la para [email protected]

v.31 n.1 p. 001 - 240 jan./abr. 2015

ISSN 1678‑166X

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Associação Nacional de Política e Administração da Educação

A Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) é uma sociedade civil sem fins lucrativos e de utilidade pública, fundada em 1961, com foro e sede em Brasília, DF, que congrega pesquisadores e formuladores de políticas públicas, dirigentes de sistemas de ensino e professores e administradores de escolas, universidades e de outras instituições de educação e formação cidadã. Sua missão é contribuir para a construção do conhecimento em matéria de políticas públicas e gestão da educação; promover o desenvolvimento do ensino e da formação de educadores‑gestores; e participar da definição e execução de políticas e práticas de planejamento, gestão e avaliação da educação, comprometidas com a promoção da democracia e da pluralidade, da equidade e da justiça, da solidariedade e da qualidade de vida. O quadro social da ANPAE é integrado por sócios individuais (profissionais e estudantes universitários) e sócios institucionais. Os sócios no exercício de seus direitos sociais recebem a Revista Brasileira de Política e Administração da Educação e os boletins da Associação; gozam de descontos especiais nos congressos, simpósios, seminários, cursos e outras atividades científicas e culturais e participam das assembleias e demais reuniões promovidas pela Associação.Os profissionais e estudantes universitários interessados em associar‑se à ANPAE são convidados a reencher o Formulário de Filiação e Recadastramento, disponibilizado no portal http://www.anpae.org.br, e enviá‑lo à presidência da Associação no endereço ao pé da página.

PRESIDÊNCIA

PresidenteMárcia Angela da Silva Aguiar

Diretor ExecutivoErasto Fortes Mendonça

Diretor SecretárioCleiton de Oliveira

Diretor de Projetos EspeciaisRomualdo Luiz Portela de Oliveira

Diretora de PublicaçõesMaria Beatriz Luce

Diretora de PesquisaRegina Vinhaes GracindoDiretor de Intercâmbio InstitucionalAfrânio Mendes CataniDiretor de Cooperação InternacionalBenno SanderDiretor de Formação e DesenvolvimentoAntônio Lisboa Leitão de SouzaDiretor FinanceiroJosé Amaro Barbosa da Silva

VICE- PRESIDÊNCIAS REGIONAIS E SEÇÕES OU COORDENAÇÕES ESTADUAIS

Região Centro‑OesteMiriam Fábia Alves, Vice-Presidente

Catarina de Almeida Santos, Diretora, Distrito FederalOlgamir Amância Ferreira de Paiva, Vice-Diretora, Distrito Federal

Lúcia Maria de Assis, Diretora, GoiásVirgínia Maria Pereira de Melo, Vice-Diretora, Goiás

Regina Tereza Cestari de Oliveira, Diretora, Mato Grosso do SulElisângela Alves da Silva Scaff, Vice-Diretora, Mato Grosso do Sul

Região NordesteMaria da Salete Barbosa de Farias, Vice-Presidente

Edna Cristina do Prado, Diretora, AlagoasElione Maria Nogueira Diógenes, Vice‑Diretora, Alagoas

Maria Couto Cunha, Diretora, BahiaJean Mário Araújo Costa, Vice-Diretor

Ana Maria Nogueira Moreira, Diretora, CearáHila Maria Rodrigues Bernardes, Vice-Diretora, CearáMaria José Pires Barros Cardozo, Diretora, Maranhão

Francisca das Chagas Silva Lima, Vice-Diretora, MaranhãoAna Paula Furtado Soares Pontes, Diretora, Paraíba

Eder da Silva Dantas, Vice-Diretor, ParaíbaLuciana Rosa Marques, Diretora, Pernambuco

Cantaluce Mércia Ferreira Pal, Vice-Diretora, PernambucoRosana Evangelista da Cruz, Diretoar, Piauí

Samara de Oliveira Silva, Vice-Diretora, PiauíMaria Aparecida de Queiroz, Diretora, Rio Grande do Norte

Lúcia Maria de Melo, Vice-Diretora, Rio Grande do Norte

Região NorteMaria de Fátima Sousa Lima, Vice-Presidente

Mark Clark Assen de Carvalho, Coordenador, Acre

Arminda Rachel Botelho Mourão, Diretora, AmazonasFrancisco Chagas Parente de Araújo Junior, Vice-Diretor, AmazonasMaria Lília Imbiriba Sousa Colares, Diretora, ParáIzabel Alcina Soares Evangelista, Vice-Diretora, Pará

Região SudesteAngela Maria Martins, Vice-PresidenteEduardo Augusto Moscon Oliveira, Diretor, Espírito SantoFrancisco José Soares Costa, Vice-Diretor, Espírito SantoMarcelo Soares Pereira da Silva, Diretor, Minas GeraisLúcia de Fátima Valente, Vice-Diretora, Minas GeraisWaldeck Carneiro da Silva, Diretor, Rio de JaneiroJorge Nassin Vieira Najjar , Vice-Diretora, Rio de JaneiroPedro Ganzeli, Diretor, São PauloTeise de Oliveira Guaranha Garcia, Vice-Diretora, São Paulo

Região SulNalu Farenzena, Vice-PresidenteÂngelo Ricardo de Souza, Diretor, ParanáCintia Caldonazo Wendler, Vice-Diretora, ParanáMaria de Fátima Cóssio, Diretora, Rio Grande do SulLiliana Soares Ferreira, Vice-Diretora, Rio Grande do SulElton Luiz Nardi, Diretor, Santa CatarinaMarilda Paschoal Schneider, Vice-Diretora, Santa Catarina

Conselho FiscalMembros EfetivosBernadete A. GattiMagna FrançaKarine Nunes de Moraes

Endereço da Presidência da ANPAEUFPE ‑ Centro de Educação, Sala 24, Av. Acad. Hélio Ramos, s/n, Cidade Universitária ‑ Recife, PE – CEP 50610‑901

Portal: www.anpae.org.br – Email: [email protected]

Sumário / contents / contenido

EDITORIAL

Desafios da gestão escolar: concepções e práticas 07The school management challenges: concepts and practicesLos retos de gestión escolar: conceptos y prácticasFLÁVIA OBINO CORRÊA WERLE, ALICE HAPP BOTLER E JANETE MARIA LINS DE AZEVEDO

ARTIGOS

A liderança na gestão das escolas: contributos de análise organizacional 13Leadership in school management: contributions from organizational analysisEl liderazgo en la gestión de las escuelas: aportes de análisis organizacionalJORGE ADELINO COSTA E PATRÍCIA CASTANHEIRA

Formação continuada de diretores escolares: uma experiência fundamentada na pesquisa ação colaborativa 45The continuous training of school directors: an experience based on collaborative action researchFormación continua de directores de escuela: una experiencia con bases en la formación - acción colaborativaYOSHIE USSAMI FERRARI LEITE E VANDA MOREIRA MACHADO LIMA

A construção da profissionalidade do gestor escolar: concepções e práticas 65Construction of professionalism of school management: concepts and practicesLa construcción de la profesionalidad de la gestión de la escuela: conceptos y prácticasELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA, MARIA SOCORRO LUCENA LIMA E MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE

Gestão da aprendizagem em tempos de Ideb: percepções dos docentes 85Learning management in Ideb times: perceptions of teachersGestión del aprendizaje en tiempos de Ideb: percepciones de los maestrosSOFIA LERCHE VIEIRA, ELOISA MAIA VIDAL E JAANA FLAVIA FERNANDES NOGUEIRA

Repercussões das politicas educacionais na organização escolar: o fator tempo entre a autonomia e a regulação 107 Repercussions of educational policies on school organization: the time factor between autonomy and regulationRepercusiones de las políticas educativas en la organización escolar: el factor tiempo entre la autonomía y la regulaciónALICE MIRIAM HAPP BOTLER

Desafios na gestão escolar 125Challenges in school administration Desafios en la gestión escolarFLÁVIA OBINO CORRÊA WERLE E JANAINA FRANCISCATO AUDINO

Agendas da educação básica: gestão escolar e qualidade da educação 145Agendas of basic education: school management and quality in educationAgendas de la educación básica: gestión escolar y calidad de la educaciónROSIMAR SERENA SIQUEIRA ESQUINSANI E CARMEM LÚCIA ALBRECHT DA SILVEIRA

Possibilidades de avanço democrático a partir das políticas educacionais: olhares sobre a gestão municipal de Jacareí 159Possibilities of democratic progress on the basis of educational policies: looks on the municipal management JacareíPosibilidades de progreso democrático a partir de las políticas educativas: miradas sobre la gestión de la municipalidad de JacareíDAIANNY MADALENA COSTA E LUCIANE SZATKOSKI

Gestão e qualidade da educação de escolas estaduais paulistas no contexto dos indicadores de desempenho 177 Management and quality of education in São Paulo state schools performance indicators of contextGestión de la calidad de la educación en São Paulo indicadores de desempeño escuelas públicas de contextoGRAZIELA ZAMBÃO ABDIAN E MARIA ELIZA NOGUEIRA OLIVEIRA

Das teorias das organizações à organização das teorias: do mundo da gestão ao mundo da educação 197 From theories of organization to the organization of theories: from the “world of management” to the “world of educationDe las teorías de las organizaciones a la organización de las teorias: de el mundo de la gestión al mundo de la educaciónLUÍS LEANDRO DINIS

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EDITORIAL

Desafios da gestão escolar: concepções e práticas

The school management challenges: concepts and practicesLos retos de gestión escolar: conceptos y prácticas

É com satisfação que trazemos a público mais um número da Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. Como tradicionalmente vem ocorrendo a cada ano, trata-se do dossiê de 2015 cujo tema são os Desafios da Gestão Escolar abordados nas mais distintas perspectivas.

Os artigos que o constituem originaram-se da confluência de diversas redes de pesquisadores da área da Educação tecidas a partir de variadas origens. Redes que germinaram em eventos científicos em ricos momentos de discussão de comunicações sobre o tema da gestão educacional, redes fundadas na circulação da produção científica e redes de pesquisa. É um dossiê que traz um aporte teórico consistente e contribuições de pesquisa empírica em diferentes contextos referidos seja à educação brasileira, seja à portuguesa. A empiria é variada uma vez que os dados ora foram coletados em escolas públicas municipais, ora em escolas públicas estaduais. Os textos são construídos a partir de diferentes espaços profissionais, seja pelo trato de dados estatísticos iluminados pelo conhecimento teórico-prático da gestão, seja na interação universidade e escola pública, seja mediante a reflexão acerca de experiência de gestão em rede pública municipal de ensino.

O artigo Liderança na gestão escolar, de autoria de Jorge Adelino Costa (da Universidade de Aveiro - Portugal) e Patrícia Castanheira (da Universidade de Brighton - Inglaterra), situa-se no campo da análise organizacional. Discorre acerca da evolução histórica das concepções sobre liderança, debatendo as dimensões que caracterizam o exercício da liderança em instituições escolares. É uma contribuição que traz consistente quadro teórico e que acena para a importância do tema na formação de gestores escolares.

Segue o artigo Formação continuada de diretores escolares fundamentado em pesquisa colaborativa entre universidade e rede pública de ensino, organizado por Yoshie Leite e Vanda Lima (ambas da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente), que considera saberes e práticas do diretor escolar/equipe gestora. É um artigo que traz importante contribuição metodológica, além dos achados da pesquisa-ação-participante realizada em rede pública do estado de São Paulo. Em continuidade encontra-se A construção da profissionalidade do gestor escolar:

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concepções e práticas, artigo que discorre acerca da profissionalidade do gestor construída no exercício da profissão e no enfrentamento dos desafios da prática, tendo como empiria a realidade do Ceará. Analisa os diferentes conteúdos envolvidos na gestão escolar, dentre os quais a organização curricular, as avaliações externas, o gerenciamento de recursos financeiros, frente aos quais o gestor se situa no enfrentamento do grande desafio da construção identitária e dos processos de formação. Foi elaborado por Elisangela Costa da UNILAB, Maria Socorro Lucena Lima e Maria Cleide da Silva Ribeiro Leite (ambas da UECE).

O artigo Gestão da aprendizagem em tempos de IDEB debate o impacto das avaliações em larga escala no trabalho docente, focalizando a análise nos dados fornecidos pelo questionário do professor da Prova Brasil 2011. As suas autoras, Sofia Lerche Vieira (UNINOVE e UECE), Eloisa Vidal (UECE) e Jaana Flavia Nogueira (MEC), analisam o perfil profissional dos professores, o trato que dão aos conteúdos curriculares, as dificuldades associadas, problematizando temas polêmicos e relevantes para o gestor escolar, especialmente relacionados a responsabilidades quanto aprendizagem dos alunos. No artigo que segue, Repercussões das políticas educacionais na organização escolar, Alice Botler (da UFPE) traz consistente quadro teórico discutindo as contradições entre autonomia e regulação frente à disponibilidade de tempo e ao uso que o gestor faz dele, numa abordagem que valoriza a racionalidade comunicativa, o diálogo e o trabalho integrado da equipe pedagógica. Desafios da gestão escolar também debate as múltiplas formas de regulação, valorizando como os gestores de escolas públicas de Porto Alegre se apropriam dos resultados do IDEB. É de autoria de Flávia Werle (da UNISINOS) e Janaina Audino (do Instituto JAMA de Porto Alegre). O artigo Agendas da educação básica, elaborado por Rosimar Esquinsani (UPF/RS) e Carmem Lúcia da Silveira (Rede Municipal de Educação de Carazinho/RS), analisa os vínculos entre a gestão escolar e a qualidade da educação em rede pública municipal do Rio Grande do Sul, destacando aspectos de ordem endógena e aspectos relacionados a estruturas burocráticas, formação docente e avaliações em larga escala.

Possibilidades de avanço democrático a partir de políticas educacionais é um artigo elaborado por Dayani Madalena Costa e Luciane Szatkoski (Secretaria Municipal de Educação de Jacareí/SP) a partir da prática reflexiva de gestoras de rede municipal de São Paulo em sua tarefa de implantação do ensino fundamental, calcada na gestão democrática, na participação e na concepção de que a gestão seja capaz de constituir-se mediante processos de aprendizagem constante.

Graziela Abdian e Maria Eliza Oliveira (ambas da UNESP/Marília) evidenciam no artigo Gestão e qualidade da educação de escolas estaduais paulistas no

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contexto de indicadores de desempenho o quanto as escolas públicas de educação básica estão atualmente direcionadas para o alcance de resultados externos, priorizando sua face institucional e a hierarquização e reprodução de normas, embora tenham potencialidade de construção de seus modos específicos de funcionamento, e de gestão democrática.

Finalizando o presente número e, portanto, esse dossiê, encontra-se o artigo Das teorias das organizações à organização das teorias em que Luis Leandro Dinis (do Fórum Português de Administração Educacional) debate o mundo da gestão e o mundo da organização, problematizando e estabelecendo cruzamentos entre as teorias e as práticas que os movem. Questiona as teorias organizacionais e as possibilidades explicativas que os diferentes quadros teóricos possam aportar para a gestão escolar. É um trabalho que problematiza e desafia a gestão escolar frente aos conflitos e ambiguidades em que está imersa e que os próprios textos que compõem esta coletânea apresentam.

Desejamos a todos e todas um excelente proveito da leitura dos artigos aqui publicados e salientamos que estes refletem a importância que vem sendo dada à discussão a respeito da gestão escolar a partir da diversidade de desafios que tem suscitado.

Janete Maria Lins de AzevedoEditora

Alice Happ BotlerEditora Associada

Flávia WerleEditora Associada

Artigos

RBPAE - v. 31, n. 1, p. 13 - 44 jan./abr. 2015 13

A liderança na gestão das escolas: contributos de análise organizacional

Leadership in school management: contributions from organizational analysis El liderazgo en la gestión de las escuelas: aportes de análisis organizacional

JORGE ADELINO COSTA PATRÍCIA CASTANHEIRA

Resumo: A liderança constitui um tema cada vez mais presente nas abordagens que elegem a análise organizacional e a gestão das escolas como centros de interesse. Tratando-se de um fenómeno complexo, o seu estudo não pode ser isolado de outras vertentes básicas para a compreensão da escola, tais como os modelos de administração e gestão e os pressupostos teórico-concetuais das perspetivas organizacionais que enquadram o seu funcionamento. Neste artigo procuramos, num primeiro momento, situar a evolução histórica das conceções sobre liderança no contexto das teorias organizacionais e, numa segunda etapa, identificar algumas das principais dimensões que nos parecem prementes a uma certa peculiaridade do exercício da liderança nas escolas. Como principais objetivos deste trabalho pretendemos, por um lado, contribuir para o incremento da investigação num domínio inerente à gestão das escolas ao qual nem sempre foi dada a devida atenção e, por outro, alertar para a necessidade de se incrementar, em termos de políticas educativas, programas de formação especializada para os gestores escolares que elejam este domínio como conteúdo estratégico.

Palavras chave: Gestão das escolas; liderança escolar; análise organizacional da escola.

Abstract: School leadership is a recurrent theme in the approaches that focus on organizational analysis and school management. As a complex phenomenon, the study of school leadership cannot be isolated from other basic underpinnings of the understanding of school, such as models for administration and management and the theoretic-conceptual frameworks of the organizational perspectives that frame its’ functioning. In this paper, we aim at, in a first instance, mapping the historical evolution of the theories on school leadership in the context of organizational theories. In a second part of the paper we will identify some of the main dimensions that are particularly pressing in the exercise of school leadership in schools. As main objectives of our work we want to, on one hand, contribute to the broadening of the study of a particular domain of school management that has been somewhat neglected and, on the other hand, to raise awareness, in what concerns educational policies, for the need to implement programs of specialized training for school managers that choose school leadership as a strategic content.

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Keywords: School management; school leadership; school organizational analysis.

Resumen: El liderazgo escolar es un tema cada vez más presente en los enfoques que eligen la análisis organizacional y la gestión de las escuelas como centros de interés. Como se trata de un fenómeno complejo, su estudio no se puede aislar de otros aspectos básicos para la comprensión de la escuela, tales como los modelos de administración y gestión y supuestos teóricos y conceptuáis de las perspectivas organizativas que enmarcan su funcionamiento. En este artículo, en primer lugar, intentamos situar el desarrollo histórico de los conceptos de liderazgo en el contexto de las teorías de la organización y, en una segunda etapa, identificar algunas de las dimensiones clave que subyacen a una cierta peculiaridad del ejercicio del liderazgo en las escuelas. Como principales objetivos de este trabajo queremos, por un lado, contribuir al aumento de la investigación en la gestión escolar en este dominio inherente a lo cual ni siempre se presta la debida atención y, en segundo lugar, llamar la atención sobre la necesidad de aumentar, en lo que concierne la política educativa, programas de capacitación especializados para administradores escolares que elijan el liderazgo escolar como contenido estratégico.

Palabras clave: Gestión escolar; liderazgo escolar; análisis organizacional de la escuela.

INTRODUÇÃO

A liderança tem constituído um dos objetos de estudo privilegiados de várias ciências sociais e humanas, ocupando um lugar de destaque na investigação e na reflexão sobre as organizações, com destaque para as questões da sua gestão. Trata-se, por isso, de um daqueles conceitos relativamente aos quais se tem dedicado maior número de páginas, quer estejamos no quadro dos estudos sobre os fenómenos sociais, em geral, quer no que diz respeito à análise dos comportamentos humanos, em particular1.

Se, no contexto específico da análise educacional, designadamente no campo da pedagogia, a questão da liderança esteve sempre implícita, no que se refere à análise organizacional das escolas, em países como Portugal e Brasil, o assunto está longe da centralidade que outros colegas, noutros contextos geográficos, lhe atribuem. A propósito, já no início do milénio, Bush e Coleman referiam-se à liderança e à gestão estratégica como “o coração do debate educacional” (BUSH; COLEMAN, 2000). Constata-se, portanto, a atribuição progressiva da

1 A problemática da gestão e liderança das escolas é o tema de investigação a que os autores deste trabalho têm dedicado mais atenção nos últimos anos, constituindo o presente artigo, em particular no que diz respeito à sua primeira parte, a atualização de um outro trabalho divulgado no início do presente milénio (COSTA, 2000).

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importância da liderança para a melhoria da escola e para a aprendizagem dos alunos em vários estudos (veja-se, por exemplo, BUSH; COLEMAM, 2000; CASTANHEIRA, 2014; CASTANHEIRA; COSTA, 2011; DAY et al., 2008; HARRIS; CHAPMAN, 2002; LEITHWOOD et al. 2006; PASHIARDIS, 2014; SPILLANE et al., 1999). Porém, mesmo assim, “é seguro afirmar que a natureza da liderança escolar eficaz continua a ser muito mais uma caixa negra do que aquilo que gostaríamos de admitir” (LEITHWOOD; JANTZI, 2005, p. 202).

A perspetiva que nos norteia neste texto é a de nos situarmos no campo da análise organizacional para olharmos a liderança no contexto das teorias da administração e da análise organizacional. Assumimos, portanto, o pressuposto de que a liderança não constituiu um campo neutro, facilmente manipulável por qualquer receituário tecnocrático do tipo take away (com que vários textos sobre a temática diariamente nos brindam), mas que se trata de um fenómeno mais complexo cuja explicação carece de um enfoque organizacional.

Procuraremos, então, numa primeira parte, passar em revista as conceções que a literatura sobre a liderança nos tem proposto, visualizando-as através das lentes de várias teorias organizacionais, para continuarmos, numa segunda parte, com um olhar centrado na identificação de algumas das principais dimensões que nos parecem ser de valorizar no campo específico das organizações escolares.

LIDERANÇA E TEORIAS ORGANIZACIONAIS NUM OLHAR CRUZADO

Neste ponto centramos a nossa reflexão em torno de três grandes concepções de liderança que classificamos como a visão mecanicista, a visão cultural e a visão ambígua. Estas conceções, não obstante a sua contextualização e sequencialidade histórica, não são, nem completamente estanques ou mutuamente exclusivas, nem sequer, pelo facto de terem surgido em determinada época histórica, sucumbiram à evolução teórica posterior, mas mantêm, ainda hoje, seguidores mais ou menos fiéis. Na realidade, Rost (1991), ao analisar 221 definições de liderança numa revisão de literatura que se foca em trabalhos publicados entre 1920 e o início dos anos 90 do seculo XX, refere que as diferentes conceções de liderança que foram surgindo ao longo do século passado refletem a evolução do campo e a sua interligação com os acontecimentos mais marcantes da história.

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VISÃO MECANICISTA DA LIDERANÇA

De acordo com Bryman2 (1996, p. 276-277), a conceção de liderança que suporta a teoria e a investigação desenvolvida desde os anos 40 (época que marca o início das preocupações académicas sobre a temática) até ao início dos anos 80 pode alinhar-se à volta de três conceitos: influência, grupo, objetivos. O autor apresenta como ilustração para esta conceção de liderança a definição proposta por Stogdill, em 1950: “A liderança pode ser vista como processo (ato) de influenciar as atividades de um grupo organizado nos seus esforços para atingir determinados objetivos” (BRYMAN, 1996, p. 276).

Neste sentido, a liderança foi concebida, durante este período de quatro décadas, como o ato de influenciar um grupo para atingir determinados objetivos. Trata-se de uma visão hierárquica, unidirecional e sequencial da liderança que, de certa maneira, acompanha as várias concepções e teorias organizacionais presentes nesta época e que apelidamos de visão mecanicista da liderança, já que esta parece ser entendida como uma acção lógica, mecânica, automática, desencadeada por alguém que, detentor de certos predicados, leva outros a atingirem determinados resultados pré-definidos.

Não será difícil encontrar um suporte mais abrangente para este posicionamento se invocarmos aquilo a que alguns chamam paradigma positivista ou paradigma racional-tecnológico (SÁEZ, 1989) no âmbito do qual se procura compreender a realidade, neste caso, a realidade social, em termos de causalidade linear. De acordo com estes pressupostos, o objetivo central do conhecimento científico consistirá, não só em explicar a realidade, mas também em prescrevê-la, procurando identificar-se, de acordo com uma relação mecânica causa-efeito, os fenómenos e as características que os tornarão eficazes.

Em termos de modelos organizacionais, poderemos situar a visão mecanicista da liderança no quadro dos modelos formais de Bush, dos modelos racionais de Ellstrom, do modelo tradicional (ou da racionalidade técnica) de England, do modelo estrutural de Bolman e Deal, para citar alguns dos mais conhecidos

(COSTA, 2003; CASTANHEIRA, 2010). Numa leitura mais particularizada das teorias da administração, a visão mecanicista da liderança poderá ser equacionada no quadro de um vasto leque de propostas que vão desde as teorias clássicas (de Taylor, Fayol e seguidores), passando pela teoria das relações humanas e teorias comportamentais, até às perspetivas sistémicas e da contingência.

Porém, esta visão mecanicista da liderança foi alvo de variações significativas no decorrer das quatro décadas mencionadas antes e, daí, a sua

2 Consideramos o texto de Alan Bryman, Leadership in Organizations (1996), um excelente trabalho de síntese sobre esta temática e seguimo-lo de perto na estruturação global da primeira parte deste trabalho.

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subdivisão em três orientações distintas que ilustramos com os conceitos de líder nato, líder treinado e líder ajustável.

O LÍDER NATO

A ideia de que se nasce líder é aquela que protagoniza os primórdios das conceções e da investigação sobre a presente problemática: ou seja, estamos a reportar-nos à conhecida teoria dos traços e aos vários desenvolvimentos de que a mesma foi alvo no decorrer dos anos 40. Os seus defensores partem do pressuposto de que há determinadas características próprias dos líderes, características pessoais (com um grau significativo de inatismo), e que a tarefa prioritária, no caso dos investigadores, consistirá em identificar essas características, esses traços e, no caso dos responsáveis organizacionais/empresariais, será a de selecionar os indivíduos que as possuam para ocupar os lugares-chave (de topo) das organizações.

Vários estudos se dedicaram à conquista deste desiderato. Procuraram os traços físicos (peso, altura, aparência), os traços de personalidade, as competências particulares como a inteligência ou a fluência do discurso, na tentativa de identificar as características pessoais (REGO, 1997) dos grandes homens. Idalberto Chiavenato aponta como influência para esta perspetiva da liderança a chamada “teoria do grande homem”, defendida por Carlyle no início do século, precisamente em 1910, com a publicação do livro Lectures on Heroes, Hero-Workship, and the Heroic in History, obra na qual este autor defende a ideia de que “o progresso do mundo foi produto das realizações pessoais de alguns grandes homens que dominam a história da humanidade” (CHIAVENATO, 1983: 127).

Não obstante as questões da liderança surgirem na reflexão organizacional a partir dos anos 30 — com a teoria das relações humanas e a “descoberta do factor humano” nas organizações (COSTA, 2003, p. 57-61) — não constituindo por isso preocupação visível das teorias anteriores (as chamadas clássicas), poderíamos, todavia, estabelecer aqui um certo paralelismo entre a visão do líder nato e o modelo que Taylor apresenta, no início do século, para a “seleção científica” do trabalhador:

Em face da seleção científica do trabalhador, dos 75 carregadores de barras de ferro, só aproximadamente um em oito era capaz fisicamente de carregar 47,5 toneladas por dia. Com a melhor das intenções, os outros sete eram homens fisicamente inaptos para trabalho nesse ritmo. Ora, o único homem entre oito, capaz de fazer o trabalho, não tinha, em nenhum sentido, características de superioridade sobre os outros. Apenas era um homem tipo bovino — espécime difícil de encontrar e, assim, muito valorizado. Era tão estúpido quanto incapaz

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de realizar a maior parte dos trabalhos pesados. A selecção, então, não consistiu em achar homens extraordinários, mas simplesmente em escolher entre homens comuns os poucos especialmente apropriados para o tipo de trabalho em vista (TAYLOR, 1990, p. 54-55).

Esta perspetiva tayloriana da seleção dos trabalhadores com base nas suas características individuais, neste caso físicas, bem como toda uma conceção do indivíduo enquanto ser isolado, atomizado, mecanicamente encadeado, não parece andar muito longe da metáfora do líder nato, também este imbuído de determinados predicados pessoais (naturais), os quais “automaticamente” levarão a desempenhos previstos e eficazes.

A procura dos “traços mágicos da personalidade”, no dizer de Fiedler (1990, p. 417) — um intento que permitisse predizer a liderança eficaz — tem também algum paralelismo, no quadro de uma conceção inata dos atributos pessoais, nos contextos educacionais e pedagógicos. Ainda que não seja objeto particular da presente análise, invoque-se, a propósito, as perspetivas de sucesso educativo e profissional como as que estão presentes na teoria dos dons, na teoria da meritocracia, ou mesmo, no caso da formação de professores, nas conceções inatistas do bom professor que, segundo alguns apologistas, dispensam formação e preparação pedagógica e que se bastam com a formação da especialidade (como aqui e ali ainda se sussurra pelos campus académicos).

A decadência da visão do líder nato, certamente devido a todo um conjunto de desenvolvimentos das perspetivas comportamentais neste período, ocorreu a partir dos finais dos anos 40, cedendo-se assim lugar a uma outra visão da liderança, cujo objeto (e objetivo) de estudo passa a ser o comportamento do líder: são as teorias sobre os estilos de liderança.

O LÍDER TREINADO

Os anos 50 vão marcar um período em que as pesquisas sobre a liderança se dirigem para a identificação dos comportamentos daqueles líderes que asseguram a eficácia do grupo que lideram. Torna-se necessário saber o que o líder faz, a maneira como o faz, como se comporta, ou seja, o seu estilo de liderança. Já não estamos perante um líder nato, mas um líder que pode e deve ser feito: identificadas “as melhores maneiras” de atuação do líder, definidos os seus “comportamentos-padrão” (para voltar a uma terminologia de sabor tayloriano), estes deverão ser objeto de aprendizagem pelos candidatos à liderança. Dá-se início, a partir desta altura, à formação em liderança e à preparação e treino dos líderes.

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Como sabemos, a década de 50 do século XX, é marcada, em termos das teorias organizacionais e administrativas, pelas teorias das relações humanas e seus desenvolvimentos posteriores no âmbito do estudo dos comportamentos humanos nas organizações, constituindo a liderança um assunto central nos trabalhos de vários autores. No caso concreto das teorias dos estilos de liderança, é unânime o reconhecimento dos estudos levados a efeito por um grupo de investigação da Ohio State University — cujo nome de maior relevo é Stogdill — como dos mais importantes nesta área. O seu objetivo foi estudar os comportamentos do líder (os seus estilos de liderança) articulando-os com questões como o desempenho do grupo e a satisfação no trabalho por parte dos subordinados (BRYMAN, 1996, p. 278). Entre as várias propostas conhecidas desta área, não poderemos esquecer, pela divulgação de que têm sido alvo, designadamente no campo educacional e pedagógico, os conhecidos três estilos de liderança de Kurt Lewin: o autocrático, o democrático e o liberal.

Esta perspetiva de entender a liderança, que ilustramos com a imagem do líder treinado, não constituindo certamente uma visão da liderança tão ingénua e mecanicista como a anterior (líder nato), manifesta-se, todavia, ainda como a da procura de um receituário comportamental, de uma cartilha de procedimentos que pretendem transformar os aprendizes de futuros líderes em heróis organizacionais prontos-a-usar (recordemos a vastíssima literatura que muita da imprensa mais apelativa nos propõe: “O líder num minuto”; “Faça-se líder em 10 lições”; “Kit liderança: faça você mesmo, seguindo as instruções”;...).

Estamos, porém, perante uma perspetiva que marca uma importante viragem nas conceções da liderança nas organizações, quer pelo reconhecimento da aprendizagem a que estes desempenhos necessitam de estar sujeitos, quer pelos estudos entretanto desenvolvidos sobre os comportamentos dos líderes e sobre os processos de liderança. Todavia, estas orientações não resistirão às conceções sócio-organizacionais dos anos 60: o grau de racionalidade que tradicionalmente é atribuído às organizações começa a ser questionado, a causalidade linear começa a ser posta em causa, surgem os apelos à racionalidade limitada e à relatividade organizacional, a realidade é contingente e duvida-se das intenções do “the one best way”.

O LÍDER AJUSTÁVEL

Que a liderança (também) se aprende e que para isso é necessário conhecer os estilos de liderança parece ser uma das conclusões dos trabalhos sobre a liderança no decorrer dos anos 1950. Porém, a orientação principal que a década seguinte — anos 60 — nos trouxe nesta matéria foi a de que a liderança

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depende dos contextos, das situações, de modo que determinado comportamento do líder pode ser eficaz numa situação mas pode traduzir-se em ineficácia num contexto diferente. São as chamadas teorias situacionais da liderança as quais se encontram enformadas, em termos de análise organizacional, pela teoria da contingência.

A teoria da contingência veio apontar um caminho diferente para o entendimento das organizações (das suas estruturas, dos seus processos de gestão, dos modos de comportamento dos seus membros): em vez do clássico lema “the one best way” (onde se procurava identificar a solução adequada e única), aposta-se agora no “it all depends”. E, assim, tudo depende… dos contextos ambientais, das tecnologias e dos processos utilizados, dos comportamentos dos membros e dos utilizadores, da diversidade das organizações,... ou seja, da relatividade das situações. Como escreveram dois dos nomes mais sonantes desta teoria:

Temos vindo a enfatizar consistentemente a ideia de ajustar a organização ao seu ambiente relevante imediato e às características dos seus contribuintes individuais. Esta abordagem baseia-se na premissa fundamental de que não há um único melhor meio para organizar, mas, pelo contrário, as organizações necessitam de ser sistematicamente adaptadas aos objetivos coletivos e às finalidades humanas individuais (LAWRENCE; LORSCH, 1969, p. 84).

Este princípio básico da teoria da contingência que, segundo estes dois fundadores, consiste em ajustar a organização às características quer do seu ambiente externo quer interno, é também a ideia que percorre as teorias da liderança dos anos 60 — situação que nos leva a falar do líder ajustável. Estas novas orientações colocam agora a tónica na importância que assume cada situação e cada contexto particular para o comportamento do líder, nomeadamente o controlo que este exerce sobre os contextos. É neste quadro que um dos seus seguidores de maior nomeada irá propor um modelo de contingência da liderança e uma teoria dinâmica da liderança baseada no controlo que o líder tem sobre a situação. Estamos a falar de Fiedler e poderemos recordar o seguinte texto do autor:

O conceito chave, aqui apresentado como base para desenvolver uma teoria dinâmica da liderança, é o controlo situacional do líder. Esta é, essencialmente, a dimensão de ‘favorabilidade da situação’ do modelo da contingência. Espero demonstrar que este conceito nos dá um entendimento do processo de liderança considerável e que também nos permite controlar o processo, isto é, desenvolver um programa de formação em liderança eficaz”(1990, p. 149).

Para além dos estudos de Fiedler sobre os líderes e sobre a necessidade que estes têm de controlar as situações — a favorabilidade da situação — muitas outras propostas e desenvolvimentos teóricos se poderão encontrar nesta linha

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como os que se referem ao ajustamento do comportamento do líder (quer no que concerne à maturidade dos subordinados, quer relativamente às situações de mudança), as teorias dos substitutos do líder, a teoria do caminho-objetivos (REGO, 1997, p. 297-358; TEIXEIRA, 1998, p. 145-153).

As teorias da contingência e a conceção do líder ajustável vieram pôr em causa um modelo rígido de entendimento da liderança — relativizando-o para o tornarem “um pouco mais à medida” — porém e mantendo o nosso posicionamento inicial, continuamos perante uma visão mecanicista da liderança assente nos três vetores antes identificados: a influência, o grupo, os objetivos.

Assim, sem que esta seja uma perspetiva completamente abandonada pelos especialistas da área — quer porque, como refere Bryman, “por vezes a investigação sugere-nos que os fatores situacionais não são sempre tão importantes como seria de esperar” (1996, p. 280), quer porque novos desenvolvimentos teóricos propõem outras explicações para os fenómenos organizacionais e outros modos de gestão — os anos 80 vão mostrar novos caminhos e novos modos de entender a liderança nas organizações.

VISÃO CULTURAL DA LIDERANÇA: O LÍDER COMO GESTOR DE SENTIDO

A década de 1980 constituiu um período em que a visão mecanicista da liderança, nos moldes em que a temos vindo a encarar, sofreu um profundo abalo.

Globalmente, poderemos dizer que o líder deixa de ser encarado como aquele que conduz, de forma mecânica, hierárquica e prescritiva, o processo de influenciar os outros a atingir objetivos pré-definidos, para começar a ser visto como um gestor de sentido, ou seja, alguém que define a realidade organizacional através da articulação entre uma visão (que é reflexo da maneira como ele define a missão da organização) e os valores que lhe servem de suporte (BRYMAN, 1996, p. 280).

É patente desde o início dos anos 1980 — no quadro de um movimento que ficou conhecido por Nova Liderança — um conjunto de teorizações sobre a liderança assente em pressupostos comuns (embora nem sempre completamente sintonizados), no âmbito do qual encontramos conceções como as da liderança transformacional, em contraste com a liderança transacional (BURNS, 1978; BASS, 1985), da liderança carismática (HOUSE, 1977), da liderança visionária e de outros

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desenvolvimentos que, como refere Bryman (1996, p. 280), surgem simplesmente identificados com o conceito de liderança3.

Colocando as questões da criação e da gestão da cultura no centro da atuação dos líderes e fazendo da dimensão simbólica o mote da sua ação, esta visão da liderança encontra o seu referencial teórico, em termos de análise organizacional, na perspetiva da cultura organizacional. Reportamo-nos aos desenvolvimentos que as teorias organizacionais sofreram a partir dos anos 80 com vários trabalhos que, situados no campo da gestão empresarial, procuravam explicar o sucesso de empresas japonesas (e ocidentais) de sucesso. Entre outros autores, destaque-se os nomes de Deal e Kennedy (1988) e de Peters e Waterman (1987) que apontam como explicação central para o sucesso das empresas analisadas a existência de culturas fortes e de valores partilhados entre os seus membros. Em sintonia com estes pressupostos, um pouco mais tarde, Edgar Schein, articulando a questão da cultura com a da liderança, referia que “a única e essencial função da liderança é a manipulação da cultura” (1991, p. 317). Neste sentido, e tal como escrevíamos noutro local, pode dizer-se que:

A questão da liderança passa, assim, a fazer parte integrante dos estudos sobre a cultura organizacional tendo vindo, concomitantemente, a dar-se uma deslocação significativa das conceções tradicionais da liderança (ligada aos modelos racionais e burocráticos) para um novo entendimento do papel do líder mais ligado às questões culturais e simbólicas e aos processos de influência (COSTA, 2003, p. 133).

A este propósito se referem também Reto e Lopes que, identificando liderança com influência, apresentam três dimensões essenciais do papel e das funções dos líderes enquanto gestores da cultura e do simbólico organizacional: “A criação de uma visão que permita dotar a empresa de uma identidade; a ancoragem desta visão no sistema de normas e valores maioritariamente partilhados na organização; a personificação da identidade do grupo e da própria visão” (sd, p. 77).

É com base numa conceção deste tipo dos líderes organizacionais que Deal (1992, p. 4) não hesita em apelidar estes “atores cimeiros” da vida das organizações com metáforas como as de “profetas”, “poetas”, “negociadores” e “encenadores”. O líder cultural surge, assim, como aquele que centra a sua ação na criação e na gestão da cultura da organização (manipulando valores, rituais, cerimónias, histórias, heróis, mitos e toda uma série de artefactos simbólicos) de modo a criar nos membros da organização um sentido para a realidade, uma

3 Sobre estas conceções de liderança, veja-se o já citado estudo de Rego (1997, p. 359-418) onde o autor procede a uma análise pormenorizada da temática. Castanheira (2010) apresenta também uma discussão desta tematica suportada pelo modelo de enquadramentos organizacionais de Bolman e Deal (2003).

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identidade e uma mobilização coletiva para a ação sustentados por determinada visão organizacional. A visão organizacional surge como elemento-chave desta perspetiva: o líder não atua apenas diretamente sobre os processos de decisão, mesmo que seja para envolver os outros nesses processos, o líder vai para além desse envolvimento, procurando criar uma visão que mobilize os membros da organização, os inspire e os motive (OWENS, 1998, p. 217).

A ligação que temos estado a estabelecer entre a visão cultural da liderança (e as chamadas conceções da nova liderança) e a perspetiva da cultura organizacional, não é extensível aos posicionamentos dos vários autores que se situam no quadro desta última perspetiva de análise organizacional. As nossas interpretações reportam-se aqui basicamente a uma conceção mais unitária, consensual, homogénea e manipulável da cultura, presente nos trabalhos de pendor mais gestionário, e que Martin (1992) classifica como a perspetiva integradora da cultura. Para além desta, a autora propôs mais duas perspetivas enquadradoras da temática (enformadas por uma leitura mais sociológica e interpretativa da realidade organizacional): a perspetiva diferenciadora (que faz apelo à existência de diversas subculturas, à falta de consenso geral e à presença dos conflitos no interior das organizações) e a perspetiva fragmentadora (que alerta para os níveis de ambiguidade e de confusão existentes quer na chamada cultura da organização, quer nas suas subculturas).

Estas duas últimas dimensões de análise da cultura apontam-nos, porém, para uma outra visão da liderança que classificámos de visão ambígua da liderança.

VISÃO AMBÍGUA DA LIDERANÇA: O LÍDER POLIÉDRICO

A conceção das organizações como unidades homogéneas e estáveis, devidamente estruturadas e hierarquizadas, sujeitas a processos de planificação pormenorizados e sequenciais, com objetivos e tecnologias bem definidos, numa adequação mecânica entre meios e fins, dirigidas e controladas segundo uma lógica de coerência e racionalidade, parece estar cada vez mais posta em causa. Em contrapartida, as organizações são, hoje em dia (ou, mais precisamente, a partir do período que alguns apelidam de pós-modernidade), entendidas como organizações flexíveis, instáveis, dependentes dos estados de turbulência do mundo exterior, marcadas por níveis elevados de incerteza, de desarticulação interna e de desordem, sujeitas a processos de reestruturação e de redefinição frequentes das suas estratégias e a cujos atores se reconhece disporem de um papel estratégico no seu desenvolvimento que é marcado por conflitos, poderes e processos de influência dificilmente conciliáveis com a ordem que tradicionalmente lhes era atribuída.

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Esta concetualização das organizações – que corresponde a uma mudança de paradigma nos modos de entender, de estudar e de gerir as organizações – tem o seu enquadramento teórico ancorado em diversos desenvolvimentos de que a análise organizacional foi alvo nas últimas duas ou três décadas: estamos a reportar-nos a perspetivas como as da anarquia organizada, dos modelos micropolíticos, da teoria do caos, do neo-institucionalismo, da perspetiva da hipocrisia organizacional... as quais vieram romper, globalmente, com o paradigma da racionalidade técnica caraterizador da história anterior da construção teórica nesta área.

Este quadro de redefinição organizacional levou a que também as conceções sobre a liderança se reequacionassem. Assim, já em meados dos anos 70, Cohen e March (1974, p. 195-203), no âmbito de um estudo que reconhecia, no funcionamento e na gestão das organizações escolares, níveis elevados de ambiguidade, de imprevisibilidade e de incerteza (trabalho intitulado Leadership and Ambiguity), invocavam o grau significativo de ambiguidade presente nos cargos de liderança deste tipo de organizações, apontando quatro tipos de ambiguidade com que se confronta o líder formal: a ambiguidade das intenções, a ambiguidade do poder, a ambiguidade da experiência e a ambiguidade do êxito4.

Este conjunto de novos desenvolvimentos sobre o entendimento da liderança nas organizações aponta claramente para uma conceção alternativa às anteriormente apresentadas que Bryman (1996, p. 283-284) classificou como liderança dispersa. Nesta perspetiva, a liderança passa a ser equacionada como uma atividade dispersa que percorre a organização na sua totalidade e não propriamente como um atributo dos líderes formais, nomeadamente do líder heroico (figura tão acarinhada por muita da literatura da especialidade).

São vários os aspetos que abonam em favor da constatação (e até da valorização) da dispersão da liderança nas organizações, designadamente: i) a importância dada à liderança participativa, especialmente quando se invoca como uma das tarefas básicas da liderança levar os outros a serem também eles próprios líderes (autoliderança); ii) a ênfase colocada nas equipas, na valorização e mesmo num certo culto do grupo, com a constituição de equipas de projetos e de equipas autogeridas, centrando o fenómeno da liderança no espaço específico de cada uma das várias equipas; iii) o papel decisivo que cada vez mais se atribui (e se reconhece) às lideranças intermédias e às manifestações daí decorrentes, como sejam os seus territórios mais ou menos bem demarcados, as suas estratégias próprias, os seus espaços de poder e as suas esferas de influência, de modo a que, não raras vezes, deparamos com líderes intermédios que se constituem como

4 Não é a primeira vez que nos reportamos a este estudo de Cohen e March, designadamente a estes quatro tipos de ambiguidade de liderança presente nas organizações escolares (COSTA, 2003; CASTANHEIRA, 2010).

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efetivos centros de contrapoder relativamente ao líder formal; iv) a visibilidade que diversos estudos trouxeram aos chamados líderes informais, reconhecendo a proliferação de práticas efetivas de liderança dissipadas pelos vários sectores da organização, reconhecendo-se a existência da função de liderança à margem dos líderes formais; v) a constatação de que os líderes não são grandes heróis do sexo masculino, de que a liderança é diferente da gestão (há líderes que não são gestores e o gestores que não são líderes), de que a autoridade é diferente da liderança, de que a liderança não se situa exclusivamente no topo da estrutura organizacional.

Por conseguinte, e situando-nos nesta perspetiva de análise organizacional, parece, à partida, mais apropriado falar em lideranças do que em liderança, mais nos líderes do que no líder. Ou seja, a visão ambígua da liderança dá-nos conta de um fenómeno disperso, de contornos pouco definidos, presente nos mais diversos níveis e atores da vida organizacional e cuja identificação está marcada e dependente de graus elevados de incerteza, de instabilidade e de irracionalidade que caraterizam as organizações dos nossos dias, quer ao nível global das suas práticas, quer, especificamente, no que diz respeito aos seus processos de direção e gestão.

Nesta perspetiva de ambiguidade da liderança, o gestor surge como um líder poliédrico, ou seja, aquele que se adapta a uma realidade organizacional em permanente mudança e que responde aos constantes desafios e ambiguidades de forma adaptativa. O gestor passa a ser mais um elemento da organização, dotado do poder e da autoridade que lhe é investida pelo cargo, mas que tem a discricionariedade de distribuir (à frente falaremos da liderança distribuída) o grau de poder e de autoridade que entender ser melhor para a persecução dos objetivos organizacionais. Neste sentido, o líder passa a não ser a figura de proa da organização, mas a figura de base que se adapta e molda às circunstâncias, dispersando o seu poder para que a organização sobreviva dentro de um sistema complexo e em permanente mudança.

LIDERANÇA NAS ORGANIZAÇÕES ESCOLARES: ALGUMAS DIMENSÕES BÁSICAS

As escolas, enquanto organizações, não escapam às investidas do percurso teórico que equacionámos anteriormente. Se, por um lado, reconhecemos à escola alguma especificidade organizacional que a diferencia de outras organizações, também é verdade que a escola depende frequentemente de modelos de análise organizacional e de orientações normativas importados de outros contextos, designadamente do empresarial. Porém, não seria justo ignorar que também a

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análise organizacional em geral recebe cada vez mais influências de muitas das investigações produzidas no campo das organizações educativas. Recordemos, como exemplo, a influência que tem exercido o trabalho de Weick (1976) sobre as escolas como sistemas debilmente articulados na análise de outros contextos não escolares.

Contudo — independentemente de uma certa globalização dos modelos de análise organizacional que hoje percorrem organizações de missão e perfil diversos (empresas, escolas, hospitais, administração pública, sociedades culturais, recreativas, solidárias, assistenciais, organizações políticas, etc.) — parece-nos importante apontar para uma certa especificidade das organizações educativas, designadamente em termos da singularidade da sua missão, que é uma missão essencialmente pedagógica e educativa (dirigida a crianças e jovens em desenvolvimento).

Com este pressuposto — o do carácter essencialmente pedagógico das organizações escolares — não é nossa intenção criar uma visão homogénea, consensual e coesa dos estabelecimentos de ensino, até porque são várias as caraterizações da vida escolar que nos dão conta deste tipo de organizações como debilmente articuladas, sujeitas a processos de conflitualidade de interesses e de luta pelo poder, dispondo de práticas ritualizadas, de cerimoniais de fachada e de hipocrisia, ou mesmo de contextos marcados pela anarquia, pela desordem5.

Porém, e assumindo-se neste momento uma postura um pouco mais normativa, parece-nos que a escola, classificada como organização pedagógica, assume uma identidade que vai para além da dimensão de instrução e de ensino e mesmo do próprio conceito de educação. González (2003, p. 37-38) afirma que uma escola é uma organização complexa, composta por pessoas e pelas suas interações, na qual se leva a cabo uma tarefa plena de valores e ética que não pode ser realizada de modo mecânico dado que são as interações e os processos de negociação social das pessoas que fazem a escola. Nesta perspetiva, a escola não é só uma organização democrática, mas uma organização onde as práticas da democracia são objetivo da sua ação; não é só uma escola justa, mas uma organização onde há uma pedagogia da justiça; não é só uma organização aprendente (SENGE, 1990), mas um contexto onde se pratica uma pedagogia da aprendizagem; não é só uma escola autónoma, mas, como escrevia Lima (1999), na esteira de Paulo Freire, uma organização de pedagogia da autonomia. Ou seja, os próprios modos de organização e os processos de gestão não

5 Já por diversas vezes nos socorremos destes conceitos para o estudo das organizações escolares, quer em termos de sistematização e enquadramento teórico-conceptual (COSTA, 2003), quer ao nível da análise das práticas, designadamente, a investigação que realizámos sobre os projetos de escola (COSTA, 1997; 2007).

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deverão apresentar-se somente enquanto meios para o desenvolvimento da ação pedagógica mas constituírem-se eles próprios como objetos de ação pedagógica.

Por conseguinte, e não obstante termos de reconhecer que outras organizações não escolares não ignoram alguma intenção pedagógica nos seus objetivos, no caso da escola, a vertente pedagógica é o centro de toda a sua ação.Este posicionamento leva-nos, também, em termos de conceção da liderança nas organizações escolares, a equacionar a liderança não só como um meio para o desenvolvimento de uma ação pedagógica nas escolas, mas a conceber a própria liderança como objeto de ação pedagógica. Ou seja, estamos a falar numa liderança educativa e pedagógica.

Vários argumentos têm vindo a ser invocados para esta conceptualização. Assim, Fátima Sanches lembra quer a relação de causalidade que diversos estudos estabeleceram entre liderança pedagógica e escolas excelentes, quer ovalor do conhecimento de conteúdo pedagógico que os docentes adquirem (seja na sua formação inicial, seja nas práticas de ensino) poderem ser invocados como “base potencial essencial para o exercício da governação escolar” (1995, p. 526). O apelo a uma liderança de tipo educativo e pedagógico, e a consequente crítica implacável a outros modos de liderança, surge também como assunto dominante de diversos autores, designadamente daqueles que se situam nas chamadas perspetivas críticas, como é o caso de John Smyth (1994), quando exigem nos contextos escolares aquilo que, na terminologia deste autor, se identifica exatamente com a expressão liderança educativa e pedagógica. A principal mensagem destes estudos vai no sentido da defesa de uma liderança participativa, colaborativa, emancipatória, de interpretação crítica da realidade e da correspondente recusa das visões mecanicistas, hierárquicas, tecnocráticas e instrumentais da liderança, pois, de acordo com as palavras de Smyth, “a ideia de um grupo (os líderes) que exerce hegemonia e dominação sobre outro (os seguidores) é, de certo modo, antieducativa” (1994, p. 221).

A adoção do carácter educativo e pedagógico da liderança escolar – Sergiovanni fala-nos mesmo na liderança como pedagogia (1998) – surge assim como uma dimensão importante para a construção de um quadro teórico-conceptual que suporte e enforme o desenvolvimento destes processos cuja presença nas mais diversas práticas das organizações educacionais não pode ser menorizada.

Não sendo essa a tarefa (bem mais grandiosa que o presente trabalho) que assumimos neste momento, gostaríamos, todavia, de sinalizar seis dimensões que, em jeito de pressupostos teórico-conceptuais, nos parece importante ter em conta no estudo sobre o fenómeno da liderança nas organizações escolares: i) distinção entre liderança e gestão; ii) liderança dispersa e distribuída; iii)

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colegialidade docente e liderança; iv) liderança transformacional e inovação; v) liderança pedagógica e resultados escolares; vi) liderança escolar, valores e ética.

DISTINÇÃO ENTRE LIDERANÇA E GESTÃO

Se do ponto de vista das expectativas (vertente prescritiva) somos tentados a identificar o gestor com o líder, ou melhor, atribuir ao bom gestor a capacidade da liderança, não estamos, todavia, perante uma situação de causalidade linear, nem perante conceitos sinónimos: vários são os líderes (efetivos) em contexto escolar que não exercem funções de gestão organizacional, bem como inúmeros serão os gestores escolares (absorvidos e dependentes das tarefas administrativas e técnicas) que se encontram afastados do exercício efetivo da liderança. Porém, a distinção entre liderança e gestão é uma questão polémica neste campo de estudo.

Autores como Yukl (1989) referem que a diferença essencial entre liderança e gestão se prende com o facto de os líderes influenciarem o compromisso para com a organização, enquanto os gestores agem de acordo com as responsabilidades decorrentes da sua posição e exercem autoridade sobre os subordinados. No entanto, o mesmo autor reconhece que existem opiniões diferentes neste campo, o que, uma vez mais, remete para a dificuldade em definir liderança de modo universalmente aceite. Este autor considera que não há necessidade de distinguir os dois termos e usa-os praticamente como sinónimos ao longo do seu trabalho (YUKL, 1989, p. 4-5). Também Day considera que liderança e gestão são conceitos distintos, mas que são postos em prática pelos gestores escolares requerendo um equilíbrio especial no seu exercício. Para Day, a liderança é, acima de tudo, um processo de construção e manutenção de uma visão, cultura e relações interpessoais, enquanto a gestão prende-se com a coordenação, apoio e monitorização das atividades organizacionais (2003, p. 167). Earley e Weindling defendem que entre liderança e gestão existem algumas diferenças: a liderança tende a ser mais formativa, proactiva e relacionada com a resolução de problemas, estando mais ligada a conceitos como visão, missão e valores, enquanto a gestão tende a estar mais orientada para o planeamento, organização e execução, para o uso dos recursos (2004, p. 5). No entanto, entendem que ambas são essenciais para o sucesso de uma organização e que, na prática, líderes e gestores são quase indistinguíveis. Neste ponto, os autores aproximam-se do ponto de vista de Bush e Middlewood que defendem que a liderança e a gestão devem ter igual ênfase para que uma organização tenha sucesso, operando de modo eficaz e atingindo os seus objetivos, dado que, se é importante que se tenha uma visão clara para que se estabeleça a direção que se pretende que a organização atinja, é igualmente importante assegurar que as

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inovações sejam implementadas de modo eficaz e que as funções quotidianas da escola estejam a ser bem desempenhadas enquanto se procede a mudanças noutros sectores (2005, p. 4).

Zaleznick é outro dos autores mais citados no que toca a esta questão da diferença entre gestão e liderança. Este autor discute os conceitos de liderança e gestão e afirma que as diferenças entre líder e gestor são profundas e têm raízes na própria forma de vida do indivíduo: “os gestores e os líderes são tipos diferentes de pessoas. Diferem na motivação, na sua história pessoal e no modo como pensam e agem” (2004, p. 75). Deste modo, os gestores são vistos por Zaleznick como pessoas cuja atenção se dirige ao modo como as coisas são feitas, enquanto os líderes são pessoas cuja atenção se foca no que os acontecimentos e as decisões significam para os participantes (ibidem, p. 78). No entanto, a distinção entre liderança e gestão mais frequentemente citada é de Bennis e Nanus (1985, p. 21): “os gestores fazem as coisas bem, os líderes fazem as coisas certas”. Na mesma esteira segue Earley que afirma que “a liderança tende a ser mais formativa, mais proactiva e mais ligada à resolução de problemas, lidando com coisas como valores, visão e missão, enquanto os gestores tendem a preocupar-se com a execução, planeamento, organização e alocação de recursos, ou ‘fazer as coisas acontecer’” (2002, p. 34). No entanto, Earley reconhece que tanto a liderança, como a gestão se poderão sobrepor, sendo essenciais para o sucesso da organização.

Ou seja, se, do ponto de vista concetual, a distinção entre liderança e gestão parece pertinente, concordamos também com os autores que, situando-se numa perspetiva normativa, entendem que conciliar liderança e gestão é fundamental para a melhoria e o desenvolvimento bem-sucedido das organizações.

LIDERANÇA DISPERSA E LIDERANÇA DISTRIBUÍDA

A liderança constitui-se como um fenómeno disperso que percorre os diversos níveis, sectores e agrupamentos da organização escolar e não propriamente um atributo do líder formal (ou dos líderes formais). O diagnóstico da conexão débil (WEICK, 1976) presente entre as várias estruturas, processos e indivíduos das organizações escolares legitima ainda mais este fenómeno da multiplicação das lideranças de modo que, mais do que de liderança podemos falar de lideranças, mais do que o líder, temos os líderes, dispersos, mas presentes e ativos na difusão das ideias, na definição dos processos e no protagonismo das práticas.

Um dos conceitos de liderança que tem ganho proeminência nos últimos anos é o da liderança distribuída em oposição ao domínio quase absoluto das

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teorias de liderança focadas num só líder (GRONN, 2002, p. 423; MUIJS; HARRIS, 2003, p. 437; WOODS, 2005, p. vi-vii), embora, de acordo com alguns autores (veja-se HARRIS, 2004, p. 13) existam diversas interpretações do conceito. Gronn critica o estado da arte no que se reporta ao estudo da liderança defendendo que é preciso ir além dos dois dualismos “sacrossantos” deste campo – o dualismo líder-seguidores e o liderança-obediência – existindo abordagens que enfatizam o papel dos seguidores e que desvalorizam a importância da obediência no que respeita ao processo de liderança (2002, p. 425).

Da mesma forma, Harris defende que a liderança distribuída poderá preencher um “ponto cego” – áreas em falta na pesquisa sobre a liderança – dado que a maioria dos estudos se foca na liderança centrada num indivíduo só (2004, p. 12). Harris define liderança distribuída como “uma forma de liderança coletiva na qual os professores desenvolvem a sua sabedoria ao trabalhar em conjunto” (ibidem, p. 14). Desta forma, todos os membros da organização poderão, potencialmente, ser líderes (GRONN, 2002, p. 429), abrindo a possibilidade de uma liderança mais coletiva e democrática (MUIJS; HARRIS, 2003, p. 439) e, assim, uma das propriedades da liderança distribuída será a interdependência.

Os líderes, nesta abordagem, dependem de outros membros da organização para desempenhar as suas funções, ou porque as suas funções se sobrepõem ou porque as suas responsabilidades se complementam; por outro lado, a liderança distribuída implica coordenação, quer implícita, quer explícita para o planeamento e organização do tempo e dos recursos, para a padronização dos meios e para a gestão da informação e comunicação (GRONN, 2002, p. 432-433). Para a liderança distribuída o gestor é apenas um membro da organização a quem foi atribuído o estatuto de líder através de um contrato legal, embora a liderança em si não possa ser atribuída desta forma e dependa da vontade dos seguidores (ibidem, p. 442).

Pelo antes exposto, o conceito de liderança distribuída tem significativas implicações no que diz respeito ao estudo da liderança, dado que desafia a noção de que o gestor é o líder, bem como ao modo mais autocrático de dirigir as organizações, pelo reconhecimento da relatividade deste tipo de atuação e da sua desadequação em organizações, como as educativas, onde o envolvimento coletivo nas decisões é fundamental.

COLEGIALIDADE DOCENTE E LIDERANÇA

O reconhecimento de que o funcionamento da vida escolar deverá estar pautado por procedimentos democráticos parece inquestionável; uma escola alinhada pelos princípios da igualdade de oportunidades, da autonomia, da

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justiça e da equidade pressupõe que a construção e organização dos processos de ensino e aprendizagem ocorram de forma participada e numa lógica de cidadania organizacional; isto significa que a liderança escolar não só não poderá esquecer este pressuposto, mas deverá desenrolar-se no sentido da revitalização da democracia e da participação de todos os implicados nos processos educativos, assumindo assim uma feição emancipadora e facilitadora na capacidade de decisão coletiva.

A questão das culturas docentes, especialmente o fenómeno da colegialidade docente, implica o reconhecimento da liderança enquanto processo que se desenrola inter pares; os discursos cada vez mais acentuados sobre a profissionalidade e a autonomia docentes, os apelos às culturas de colaboração, ao trabalho de coconstrução do currículo, à colegialidade das decisões, à reflexão partilhada sobre a ação, não só potenciam o desenvolvimento de lideranças dispersas, como colocam os líderes perante novos desafios de atuação no sentido de uma liderança colaborativa, colegial e solidária, respeitadora das autonomias individuais e grupais e exercendo-se em conjunto com estas.

Para Woods e Woods, a colegialidade tem como principal vantagem o facto de se aceitar que todos os membros da organização têm a sua área de especialidade que trazem para o conjunto mais alargado, num espaço onde todos sentem que têm uma palavra a dizer, que têm voz no rumo da organização (2006, p. 12). Para além da vertente positiva da colegialidade – tomada de decisão coletiva, designadamente sobre assuntos estratégicos, maior facilidade na sua aceitação e implementação dada a descentralização, ambiente mais propício à construção de relações e à manutenção de uma identidade colegial, já que são todos co-líderes, evitando, até certo ponto, o conflito – Woods e Woods apresentam algumas fraquezas deste tipo de liderança relacionadas com o seu carácter (micro)político, nomeadamente: o facto de a liderança colegial poder consumir muito tempo na tomada de decisão (devido à negociação), de haver um potencial défice de responsabilidade (dada a dispersão da iniciativa e a facilitação) e as diferenças de poder e de estatuto implícitas que subjazem aos processos de negociação na decisão coletiva (2006. p. 18-25).

Assim, seguindo de perto o pensamento de Muijs e Harris (2003, p. 443), a liderança dos professores surge em contextos marcados pelas culturas de colegialidade, constituindo uma das tarefas básicas do professor-líder, precisamente, a de fomentar a colaboração entre os docentes de modo a desenvolver aprendizagens coletivas, o que requer elevadas capacidades de relacionamento interpessoal e tempo para que estes possam refletir, discutir e planear em conjunto a ação educativa.

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LIDERANÇA TRANSFORMACIONAL E INOVAÇÃO

Com forte ênfase no empowerment, temos a liderança transformacional, um conceito utilizado pela primeira vez por Burns em 1978. De acordo com Leithwood e Jantzi, “todas as abordagens transformacionais enfatizam emoções e valores e partilham o objetivo fundamental de criar a capacidade para o desenvolvimento e níveis de maior compromisso pessoal para com os objetivos organizacionais por parte dos colegas dos líderes” (2005, p. 31). A influência é distribuída ao longo de toda a organização, não estando o poder alojado nos detentores de cargos hierarquicamente superiores, mas sim nos membros que consigam inspirar os colegas para desenvolverem as suas capacidades em prol da organização (ibidem, p. 32).

A liderança transformacional comporta quatro componentes essenciais: a componente carismática, de desenvolvimento de uma visão e de indução do orgulho, do respeito e da confiança; a componente inspiracional, de motivação, de estabelecimento de objetivos e metas elevadas, de modelagem de comportamentos no sentido de atingir as metas estabelecidas; a componente de respeito pelos subordinados no sentido de lhes prestar toda a atenção; e a componente de estimulação intelectual, de desafio, de “espicaçar” os subordinados com novas metas e com novos métodos para as atingir (ANTONAKIS; AVOLIO; SIVASUBRAMANIAN, 2003; AVOLIO et al., 2004; BASS et al., 2003).

O líder transformacional é respeitado pelos seguidores, inspira confiança e é visto como um exemplo a seguir. Este tipo de líder é proactivo e comporta-se de forma a motivar os seguidores, desafiando-os a superar os seus limites e a procurar soluções criativas e estimulantes para a resolução de problemas. Para além disto, o líder transformacional presta atenção às necessidades de desenvolvimento profissional e de prossecução de objectivos de cada seguidor, agindo por vezes como mentor. O líder transformacional aumenta também o grau de compromisso dos seguidores para com a visão, a missão e os valores organizacionais comuns ao enfatizar a relação entre os esforços dos seguidores e o alcançar das metas organizacionais. O líder transformacional, em suma, é visto como um gestor de sentido, alguém que define a realidade organizacional através de uma visão que reflete a forma como o líder interpreta a missão e os valores nos quais a ação organizacional se deverá basear.

A liderança transformacional tem sido apresentada como uma alternativa à liderança transacional, na medida em que esta última se foca na existência de um sistema de recompensas e de castigos aplicados pelo líder em resultado do cumprimento, ou não, de objetivos contratuais. A liderança transacional difere assim da liderança transformacional, já que, naquela, o líder apenas indica

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quais os comportamentos a adotar e os objetivos a atingir, não influenciando, nem motivando os seguidores para a prossecução das metas desejadas. A liderança transacional baseia-se, então, numa dicotomia clara entre o líder enquanto superior e o seguidor enquanto dependente, numa perspetiva mais de conformidade do que de criatividade face aos desafios e às metas impostas pela realidade organizacional (BARNETT; MCCORMICK, 2004: 407-409; BRYMAN, 1996: 280-281; CASTANHEIRA; COSTA, 2011; DAY, 2003: 164-166; HARRIS, 2003: 16-18; HOPKINS, 2003: 56-57).

Assim, a liderança transformacional surge conotada com os processos de inovação e mudança organizacional, caracterizando-se por ter uma forte componente pessoal na medida em que o líder transformacional motiva os seguidores, introduzindo mudanças nas suas atitudes de modo a inspirá-los para a realização de objetivos suportados por valores e ideais.

LIDERANÇA PEDAGÓGICA E RESULTADOS ESCOLARES

A importância que a liderança desempenha nos resultados escolares dos alunos tem sido objeto de um acesso debate, com as reformas educacionais contemporâneas a atribuírem um grande relevo à liderança e à gestão eficaz das escolas (DAY; SAMMONS, 2013).

Diversos estudos defendem que uma escola que tenha um ambiente ordeiro e seja bem gerida providencia condições que promovem a aprendizagem, logo, que a liderança seja fator de qualidade das escolas (JACOBSON, 2011; MULFORD; SILLINS, 2011; PONT; NUSCHE; MOORMAN, 2008; ROBINSON; LLOYD; ROWE, 2008; ROBINSON; HOHEPA; LLOYD, 2009; SAMMONS et al., 2011; SCHEERENS, 2012; PASHIARDIS, 2014).

No entanto, existem divergências quanto ao tipo e qualidade da influência que a liderança poderá ter na qualidade das escolas. Diversas metanálises de estudos sobre liderança educacional referem que o impacto da liderança na qualidade das escolas é indireto, enquanto outros estudos referem que a liderança tem impacto direto nos resultados dos alunos e outros, ainda, que a influência é recíproca (DAY; SAMMONS, 2013; GRISSOM; LOEB, 2011; HALLINGER, 2008; HALLINGER; HECK, 1998; JACOBSON, 2011; LEITHWOOD; JANTZI, 2008; MUIJS, 2011; MULFORD; SILINS, 2011; PASHIARDIS, 2014; SAMMONS et al., 2011; ROBINSON; LLOYD; ROWE, 2008).

Estes resultados tão divergentes devem-se, de acordo com Brauckmann e Pashiardis (2011) e Pashiardis (2014), a diferenças na própria conceção do que é a liderança – diferentes estudos ao analisar diferentes tipos de liderança poderão estar a estudar fenómenos completamente diferentes – e à inexistência de um

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paradigma universal para a análise do comportamento organizacional, para além de diferenças metodológicas que poderão afetar os resultados dos estudos e a sua comparabilidade.

No entanto, tal não invalida que a liderança seja considerada um fator determinante no sucesso das escolas (DAY; SAMMONS, 2013), em particular, o realce que tem vindo a ser colocado na chamada liderança pedagógica (“instrucional”, na terminologia inglesa) (BUSH, 2011; COSTA; FIGUEIREDO, 2012). Neste sentido, é pela via da centralidade da liderança pedagógica na gestão escolar – um tipo de liderança caraterizada por práticas de gestão que têm como objetivo a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, enfatizando a aquisição de conhecimentos pelos alunos e respetiva monitorização, dando particular atenção à supervisão do currículo e à eficácia das práticas dos professores – que cada vez mais se reconhece o seu contributo para a melhoria da escola e dos resultados dos alunos.

LIDERANÇA ESCOLAR, VALORES E ÉTICA

Diversos autores apontam para uma ligação intrínseca e fundamental entre liderança escolar, valores e ética dado o caráter educativo e pedagógico da liderança escolar. Na realidade, se tivermos em conta que a liderança será sempre exercida em função de um grupo, poderemos dizer que a liderança é na sua génese um empreendimento ético, visto que terá que ter em conta os valores assumidos pelo grupo como sendo os valores a seguir (BRANSON; GROSS, 2014, p.1-3; BRANSON, 2014, p. 440). De facto, num mundo progressivamente mais complexo e diverso, os gestores escolares devem desenvolver, apoiar e liderar escolas cada vez mais diversas, tolerantes e democráticas (SHAPIRO; STEFKOVICH, 2005, p. 4).

A adoção de lógicas de mercado e de negócio (com foco em conceitos como eficiência, consumo, vantagens competitivas, criação de valor acrescentado) na educação, sem ter em conta o caráter específico da mesma, levanta questões éticas (BOTTERY, 2014, p. 85). As decisões dos gestores escolares tendo em conta princípios éticos levam muitas vezes ao desencadear de conflitos dado que, em torno da defesa dos melhores interesses dos alunos, giram conceitos como códigos de conduta profissional, padrões de desempenho, ética profissional, ética da comunidade e ética pessoal (SHAPIRO; STEFKOVICH, 2005).

Assim sendo, muitas vezes, a tomada de decisão de um líder escolar encontra-se alicerçada num frágil equilíbrio entre aquilo que é considerado como ético e válido por certos grupos da comunidade e aquilo que é exigido por padrões de desempenho profissional (BATES, 2009, p. 162; SHAPIRO, STEFKOVICH;

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GUTIERREZ, 2014, p. 210). Por exemplo, a pressão pela prestação de contas leva a que também possam existir conflitos entre a ética focada na justiça social e o foco nos resultados escolares dos alunos (MCNAE, 2014, p.106), situação que pressionou o nascimento de novos padrões para a administração escolar que tenham em conta princípios éticos e de justiça social (GROSS; SHAPIRO, 2014, p. 352-369). Perante um sistema em que os resultados escolares são usados como um dos fatores determinante no “julgamento” público de uma escola, como é o caso dos rankings escolares (CASTANHEIRA, 2013), os diretores têm que decidir se dão as mesmas condições a todos os alunos, se focam mais recursos nos alunos que terão hipoteticamente melhores hipóteses de sucesso nos exames ou se, pelo contrário, se focam nos que terão mais dificuldades. Estas decisões, de natureza essencialmente ética, levantam dificuldades e conflitos num contexto de pós-estado social em que se assiste a uma, cada vez maior, competição por recursos escassos e na qual os “bons alunos” (aqueles com os quais se obterá melhores resultados com menores recursos) são cada vez mais vistos como um bem essencial (ANDERSON et al., 2013; HEILIG; NICHOLS, 2013).

Por conseguinte, as decisões escolares e os consequentes processos de gestão e liderança supõem a complexa opção por valores, cuja dimensão ética se encontra sempre e necessariamente presente. Neste contexto, o líder necessita de estar institucionalmente ancorado num quadro de valores e padrões de desempenho devidamente refletidos e coletivamente sustentados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento da importância dos processos de liderança no funcionamento e na gestão das organizações escolares continua, como referíamos no início deste trabalho, na ordem do dia. O quadro político da progressiva autonomia e responsabilização dos estabelecimentos de ensino dá novo alento a esta questão colocando os líderes escolares no centro estratégico de um desenvolvimento organizacional que se pretende coeso, eficaz e de qualidade (NÓVOA, 1992, p. 26). Isto significa continuar a manter em lugar estratégico das agendas das políticas educativas (globais e locais) programas de valorização e reconhecimento, de seleção e recrutamento adequados, de avaliação e, naturalmente, de formação qualificada dos líderes escolares – dando maior atenção a questões como as da definição das dimensões do seu desempenho (COSTA; FIGUEIREDO, 2013).

Se num quadro de formação dos gestores escolares não nos parece ser de desprezar dimensões técnicas e instrumentais dos processos de gestão, afigura-se-nos, contudo, claro que, no desenvolvimento destes programas de capacitação,

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a vertente educativa e pedagógica da liderança — já que o líder é um educador (STARRAT, 1993, p. 148) — deve sobrepor-se às orientações administrativas, eficientistas e hierárquicas, as quais, como realçámos ao longo do texto, estão longe das características das organizações contemporâneas, em geral, e da especificidade da escola como organização educativa, em particular.

Para além destas considerações de pendor mais normativo, entendemos que a abordagem aqui apresentada poderá contribuir para o desenvolvimento de investigações multivariadas e multiparadigmáticas sobre as práticas de liderança e gestão nas escolas já que procurámos acentuar a importância de se ter em conta um quadro de referência da análise organizacional multifacetado que responda à complexidade quer da problemática quer das organizações educativas em questão.

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JORGE ADELINO COSTA é doutor em Ciências da Educação e professor catedrático da Universidade de Aveiro, Portugal. E-mail: Email: [email protected]

PATRÍCIA CASTANHEIRA é doutora em Ciências da Educação e investigadora do Centro de Investigação em Educação do Departamento de Educação da Universidade de Brighton, Inglaterra. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Formação continuada de diretores escolares: uma experiência fundamentada na pesquisa ação colaborativa1

The continuous training of school directors: an experience based on collaborative action research

Formación continua de directores de escuela: una experiencia con bases en la formación - acción colaborativa

YOSHIE USSAMI FERRARI LEITE VANDA MOREIRA MACHADO LIMA

Resumo: O artigo resulta de pesquisa coletiva e visa refletir uma ação de formação continuada com diretores fundamentada na pesquisa ação colaborativa. Partiu da análise das representações sociais desses sujeitos sobre seu papel e suas dificuldades, coletadas por questionário. A ação de formação ocorreu em encontros mensais, por dois anos, privilegiando a voz dos diretores, suas dificuldades, seus saberes e suas práticas. Constatamos avaliação positiva da ação empreendida por priorizar reflexões do cotidiano escolar, da gestão educacional e do papel desses profissionais por uma escola de qualidade.

Palavras chave: Formação continuada de diretores; escola pública estadual; pesquisa ação colaborativa.

Abstract: The current paper results from a collective research and aims to reflect on the continuous training of school directors based on collaborative action research. It started from the analysis of the social representations of these subjects regarding their role and their difficulties. Such data were collected by means of a questionnaire. The training action was held in monthly meetings, during two years, and it focused on the directors’ “voice”, difficulties, knowledge and practices. The action was positively evaluated because it prioritized reflections on the school’s everyday life, education management and on the role played by these professionals in the struggle for a quality school.

Keywords: Continuing training of directors; state public school; collaborative research action.

Resumen: Este artículo es el resultado de una investigación colectiva y pretende reflexionar sobre una acción de educación continua de los directores con base en la investigación-acción colaborativa. Tomó como punto de partida el análisis de las representaciones sociales de estos sujetos sobre su papel y sus dificultades,

1 Participaram desta pesquisa coletiva os autores deste artigo e outros pesquisadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT/UNESP), docentes: Cinthia M.F. Ariosi, Cristiano A.G. Di Diorgi; Maria Suzana S. Menin; Silvio N. Militão; alunos da pós-graduação: Andréia Militão; Célia Aparecida Bettiol; Fabio Perboni; João Ferreiro Filho, Juliana A. M. Zechi, , Pamela T. B. Fernandes e Patrícia C.Azevedo.

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recogidas mediante un cuestionario. La acción formativa ocurrió en reuniones mensuales por dos años, centrándose en la voz de los directores, sus dificultades, sus conocimientos y sus prácticas. Encontramos valoración positiva de las medidas adoptadas, dando prioridad a las reflexiones de la vida escolar cotidiana, la gestión educacional y el papel de estos profesionales para una escuela de calidad.

Palabras clave: Educación continua de directores; escuela pública del estado; investigación acción colaborativa.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o ensino público no Brasil tem se modificado significativamente. Houve a transformação de uma escola excludente e elitizada em uma instituição democrática que se abriu a todos os setores da população, em especial, às classes populares cujo acesso à escola não era então comum. Segundo Beisiegel (2006), a democratização da escola pública foi uma consequencia de reivindicações das “massas populares urbanas”. Em decorrencia desses acontecimentos, o perfil do alunado também mudou, no entanto, essa mudança não foi acompanhada das adequações administrativas e pedagógicas necessárias para a organização dessa nova escola, condições essenciais para a conquista de um ensino de qualidade.

Se os alunos, cada um no seu ritmo, conseguem aprender continuamente, sem retrocessos, a escola é sábia e respeitosa. Se suas crianças e jovens são frequentadores assíduos das aulas, seguros de sua capacidade de aprender e interessados em resolver os problemas que os professores lhes impõem, ela está cumprindo o papel de torná-los pessoas autônomas, capazes de aprender pela vida toda. Se os alunos estão sabendo ouvir, discordar, discutir, defender seus valores, respeitar a opinião alheia e chegar a consensos, ela pode se orgulhar de estar formando cidadãos. E mais que tudo, se ela conseguir oferecer uma educação de boa qualidade a todos os seus alunos, independentemente de sua origem social, raça, credo ou aparência, certamente é uma escola de sucesso. (DAVIS, GROSBAUM, 2002, p. 77).

Considerando o contexto educacional complexo da atualidade, que devido ao acúmulo de atribuições transferidas hoje a escola, podemos dizer que as mudanças necessárias só acontecerão se tivermos como ponto de partida uma boa formação dos profissionais que nela atuam, incluindo entre eles os gestores (diretores, vice diretores e professores coordenadores).

Sabemos que a identidade e a atuação dos gestores das instituições também são essenciais no âmbito dessa escola democratizada, complexa e necessária. Entendemos ser papel desses profissionais decidir sobre problemas e dilemas da organização escolar, integrando os membros da equipe escolar num

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processo de análise e reflexão, em busca de soluções para os desafios com que se deparam em seu trabalho cotidiano. Para Davis e Grosbaum (2002, p. 88) a “organização da escola, é indispensável para promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, implica um compromisso dos membros da equipe escolar com a clientela que frequenta a escola”.

Há diferentes posições que se consolidaram historicamente sobre como deve ser a administração escolar. É possível sistematiza-la em dois grandes blocos: de um lado, a concepção de que a administração é um ato político e envolve a luta pelo direito à educação e à cidadania; de outro, a visão de que se trata de uma atividade técnica que, por isso, teria como aspecto central os conhecimentos específicos de sua prática. Essa discussão remonta à própria criação de uma área de estudo voltada à administração escolar, conforme destacado por Ribeiro (1968) ao aproxima-la da administração das organizações produtivas.

Silva Júnior (1990) destaca a pertinência desse debate que, embora se atualize constantemente, mantém a tensão original entre os pólos opostos.

Como se pode perceber, a discussão sobre o trabalho do diretor de escola não privilegia seu aspecto essencial: a finalidade pedagógica de sua ação. O vínculo necessário ensino/administração é deixado de lado em ambos os pólos do debate. No pólo “teórico-técnico”, a busca da identidade própria da administração escolar tende a aproximá-la muito mais da “administração” do que do “escolar”, ou seja, o fato administrativo apresenta-se como substantivo e o fato pedagógico apenas como contingente. [...] No pólo “prático-político” o que se contempla é o postulado do “poder” do diretor e o que se busca é influenciar ou dominar o processo de investidura nesse poder [...] Em um e outro caso a qualidade do processo de ensino apenas se coloca como uma convenção subjacente. De um lado espera-se que ela aconteça como decorrência da tranquilidade assegurada por uma “administração competente”. De outro, imagina-se que ela acontecerá como fruto da “autonomia” de uma escola protegida das injunções político-partidárias. (SILVA JUNIOR, 1990, p. 65)

Dessa forma, nosso foco de pesquisa foi o diretor escolar. Tendo em vista a recorrência de modelos/processos formativos

destinados aos diretores que não consideram seus saberes e práticas, iniciamos a investigação, intitulada “Desenvolvimento Profissional do Gestor Escolar na Perspectiva da Pesquisa Ação: das representações à reorganização escolar”, associada ao Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - Educação, sediado na Fundação Carlos Chagas/SP, com a finalidade de aprimorar a formação continuada dos diretores das escolas públicas do Estado de São Paulo pertencentes à Diretoria de Ensino de Presidente Prudente (DE/PP), localizado no interior do estado.

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A pesquisa se insere na abordagem qualitativa e teve como ponto de partida a análise das representações sociais dos diretores sobre seu papel e as dificuldades encontradas no desempenho de suas funções. A primeira fase do estudo, iniciada em 2012, consistiu na aplicação de questionários a 35 diretores que atuam na DE/PP, o que representa 65% do total da população pesquisada. A segunda fase iniciou em 2013, quando realizamos, junto aos sujeitos pesquisados, a socialização e discussão dos dados empíricos coletados e começamos com as primeiras atividades de formação continuada voltada aos diretores da DE/PP que desejaram participar do projeto.

Escolhemos a pesquisa ação como metodologia neste processo de formação continuada por seu reconhecido impacto na formação do educador e na formulação de políticas públicas para a educação. Como aponta Pimenta (2005, p. 523), a pesquisa ação

[...] tem por pressuposto que os sujeitos que nela se envolvem compõem um grupo com objetivos e metas comuns, interessados em um problema que emerge num dado contexto no qual atuam desempenhando papéis diversos: pesquisadores universitários e pesquisadores (professores no caso escolar). Constatado o problema, o papel do pesquisador universitário consiste em ajudar o grupo a problematizá-lo; ou seja, a situá-lo em um contexto teórico mais amplo e assim possibilitar a ampliação da consciência dos envolvidos, com vistas a planejar as formas de transformações das ações dos sujeitos e das práticas institucionais.

Para a categorização e apreciação das questões abertas, recorremos à técnica da análise de conteúdo baseado em Franco (2008). Segundo essa autora elaboram-se as categorias a partir da análise da resposta escrita no questionário. Na elaboração das categorias, Franco (2008) apresenta dois caminhos: categorias criadas a priori: categorias e seus respectivos indicadores são predeterminados em função da busca a uma resposta específica do investigador. E categorias não definidas a priori que “emergem da fala, do discurso, do conteúdo das respostas e implicam constante ida e volta do material de análise à teoria” (FRANCO, 2008, p.53). Essa opção possibilita encontrar dados novos e diversificados. Nesta pesquisa optamos por trilhar esse último caminho.

Neste texto, priorizamos apresentar o perfil dos diretores da DE/PP, sujeitos da pesquisa, e descrever e analisar, a partir da “voz” desses profissionais, o que pensam sobre seu papel, suas dificuldades, suas concepções sobre a gestão democrática na escola pública estadual e suas vivências na ação de formação continuada desenvolvida no período de 2013 a 2014, fundamentada, portanto, na pesquisa ação colaborativa.

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PERFIL DOS DIRETORES

Constatamos que os sujeitos pesquisados atuam em oito municípios da região oeste do Estado de São Paulo, sendo vinte diretores de Presidente Prudente (57%), três de cada um dos municípios de Martinópolis, Pirapozinho e Regente Feijó e mais quatro, de escolas das cidades de Álvares Machado, Anhumas, Indiana e Taciba. Dois diretores não informaram os municípios onde atuam.

A maioria dos diretores (72%) atua em instituições escolares onde são oferecidos o Ciclo II do Ensino Fundamental e o Ensino Médio; 14% trabalham em escolas que, além desses níveis, oferecem também a Educação de Jovens e Adultos; 5,7% atuam em instituições apenas com o Ciclo II do Ensino Fundamental; e 5,7%, somente com o Ensino Médio.

Quanto à situação funcional, 69% exercem o cargo de diretor e 31%, a função de vice-diretor. Do total, 54% são efetivos e os demais, substitutos ou designados.

As mulheres predominam, com um índice de 86%, que corresponde a trinta sujeitos. Esse dado confirma o processo de feminilização do magistério, já apontado por vários estudos, como os realizados por Assunção (1996), Carvalho (1999), Tanuri (2000) e Pimenta (2002). Queremos crer que este dado possa representar, de fato, uma conquista profissional das mulheres, mais do que, propriamente, um símbolo de desvalorização social, decorrente da representação do trabalho feminino no imaginário social.

No que concerne à idade, os diretores estão na faixa entre 31 e 66 anos, sendo que 63% dos pesquisados têm mais de 51 anos, caracterizando, portanto, uma população profissionalmente mais experiente. Com relação ao estado civil, 80% são casados, 11%, separados e/ou divorciados e 9%, solteiros.

Quanto ao grau de escolaridade dos pais dos diretores participantes da pesquisa, 6% não possuem nenhuma escolaridade, 54% cursaram da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental e 14% frequentaram da 5ª à 8ª série. Portanto, 74% dos pais não chegaram a cursar o que, atualmente, se denomina Ensino Médio e somente 14% possuem formação em nível superior. A escolaridade da maioria das mães, por sua vez, também não chegou a atingir o Ensino Médio (63%), sendo que: 9% não estudaram, 48% cursaram o primeiro ciclo do Ensino Fundamental e 6% frequentaram da 5ª à 8ª série. Entre as mães com curso superior completo (14%), três possuem ainda curso de especialização. O baixo grau de escolaridade dos pais dos diretores é, certamente, resultado do tardio processo de democratização do acesso à educação no Brasil, privilégio de uma favorecida e elitizada minoria, como nos aponta a história da educação brasileira.

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O grau de escolaridade do cônjuge dos diretores pesquisados é o que se mostra mais elevado. Pelos números, é possível constatar que estes apresentam maior formação escolar: 61% possuem escolarização igual ou acima do Ensino Médio completo. Merece friso o fato de, do total de cônjuges, 20% possuírem Ensino Superior completo, 6% especialização e 6% mestrado.

Um dado interessante em relação à formação profissional é que, para a maioria dos profissionais investigados, o primeiro curso concluído não foi o de Pedagogia, uma vez que a soma das diversas licenciaturas atinge 88,6% e este último, apenas 11,4%. Na segunda graduação apontada pelos diretores, essa situação se inverte. Um índice de 71,4% cursou Pedagogia e somente 14,3% frequentaram outros cursos de licenciatura (8,6%, Geografia; 2,9%, Filosofia; 2,9%, Matemática).

Chama a atenção, também, o fato de que 65,7% dos diretores cursaram a primeira licenciatura em instituições privadas, enquanto 28,6% estudaram em universidades estaduais e 2,9%, em instituição municipal. Com relação à modalidade da licenciatura, 77,1% frequentaram cursos presenciais e apenas 2,9%, cursos de caráter semipresencial. Já em relação à segunda licenciatura, o índice da modalidade presencial cai para 54,3%, seguido de 5,7%, da semipresencial e 2,9%, de cursos à distância.

A formação dos gestores em nível de pós-graduação apresenta um total de 65,7%, sendo que 62,9% deles concluíram seus estudos após o ano de 2000, dados passíveis de comprovar o movimento recente de incentivo institucional à formação continuada dos gestores. Em síntese, podemos afirmar que 82% dos diretores pesquisados na DE/PP apresentam formação em curso de Pedagogia, sendo que, para 11,4% deles, esse curso foi a primeira licenciatura. Como segunda licenciatura, o percentual atingido foi de 71,4%.

O QUE PENSAM OS DIRETORES SOBRE SEU PAPEL

A estrutura organizativa das escolas da rede estadual de São Paulo comporta um diretor, um vice diretor e um coordenador pedagógico que juntos compõem o denominado “trio gestor” ou “equipe gestora”. Este quadro pode ser ampliado e ajustado em função do tamanho e do perfil da escola.

Indagados sobre o papel que desempenham, nas unidades escolares os diretores envolvidos na pesquisa apresentaram 54 respostas, que resultaram nas seguintes categorias: mediador de conflitos (18,5%); orientador da equipe e das ações da escola (16,6%); papel de muita responsabilidade e importância na escola (16,6%); administrador da escola (14,8%); líder (7,5%); sobrecarregado (3,8%); outros – psicólogo, médico, porto seguro, organizador, coordenador,

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prestador de contas, papel amplo, autoritário, formador, conscientizador, agente transformador, papel de fazer a diferença - (20,3%); e “em branco” (1,9%).

A compreensão do papel do diretor como “mediador de conflitos” no contexto escolar, pode ser exemplificada pela escrita do Sujeito 25, que afirma “Hoje vejo meu papel como mediador, devido às diversidades. Todos os dias temos conflitos entre alunos, professores e funcionários”.

Logo em seguida, com 16,6%, aparece a categoria “orientador da equipe escolar e das ações na escola”. Conforme apontado pelo sujeito 10: “O diretor hoje é alguém que procura com bom senso e paciência orientar todos os segmentos da escola ficando por último o pedagógico, que se ele não estiver junto do professor coordenador também pouco é produzido”. Também com 16,6%, as respostas que compõem a categoria “de muita responsabilidade e importância na escola” revelam que os diretores compreendem o encargo de sua função, como demonstra a reflexão feita pelo sujeito 7: “Papel de grande responsabilidade para quem dirige a instituição.”.

A Resolução SE nº 70, de 26 de outubro de 2010 (SÃO PAULO, 2010), que normatiza o perfil desejado para os profissionais da educação, descreve as competências e habilidades requeridas para o provimento dos diferentes cargos que compõem o quadro do magistério. O diretor escolar é “o profissional que se ocupa da direção, administração, supervisão e coordenação da educação na escola. Sua principal função é gerenciar todo o processo educativo da escola” (SÃO PAULO, 2010, online). Dentre as atribuições gerais compete ao diretor escolar,

[...] garantir, a concretização da função social da escola, liderando o processo de construção de identidade de sua instituição, por meio de uma eficiente gestão, nas seguintes dimensões: de resultados educacionais do ensino e da aprendizagem; participativa; pedagógica; dos recursos humanos; dos recursos físicos e financeiros. (SÃO PAULO, 2010, online).

A Resolução SE nº 52, de 14 de agosto de 2013 (SÃO PAULO, 2013), que dispõe sobre os perfis, competências e habilidades requeridos dos profissionais da Educação da rede estadual de ensino, que estabelece de modo mais detalhado sobre o perfil do diretor de escola, caracterizando- o

Como dirigente e coordenador do processo educativo no âmbito da escola, compete ao Diretor promover ações direcionadas à coerência e consistência de um projeto pedagógico centrado na formação integral dos alunos [...]cabe-lhe uma atuação orientada pela concepção de gestão democrática e participativa, o que requer compreensão do contexto em que a educação é construída e a promoção de ações no sentido de assegurar o direito à educação para todos os alunos e expressar uma visão articuladora e integradora dos

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vários setores: pedagógico, curricular, administrativo, de serviços, das relações com a comunidade. Compete [...] ao Diretor de Escola uma atuação com vistas à superação de condições adversas ao desenvolvimento de uma educação de qualidade, ou seja, centrada na organização e desenvolvimento de ensino que promova a aprendizagem significativa à formação do aluno: pessoal, social e para o mundo do trabalho.

Nesta Resolução a atuação do diretor escolar deve se desenvolver em quatro dimensões da gestão, sendo elas: Pedagógica; de Pessoas; de Recursos Didáticos, Materiais, Físicos e Financeiros e, de Resultados Educacionais do Ensino e Aprendizagem.

Apesar de ambas as Resoluções citadas acima contemplarem, em seus textos, preocupações com o processo educativo da escola e com “resultados educacionais do ensino e da aprendizagem”, os diretores pesquisados ainda apresentaram visões bastante heterogêneas sobre sua função. Sem uma percepção clara e definida com relação à função que exercem, suas concepções parecem demonstrar falta de clareza acerca de seu papel. Percebe-se, também, a falta de objetividade e de compreensão da própria Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP) quanto à expectativa acerca do trabalho do diretor, diante da complexidade e dos problemas que hoje caracterizam o cotidiano escolar.

DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS DIRETORES NO DESEMPENHO DA SUA AÇÃO

Com o intuito de melhor compreender a realidade dos diretores, identificamos, a partir de sua visão, as maiores dificuldades que encontram no desempenho de sua ação.

Apresentados como a maior dificuldade, o “despreparo e a má formação dos professores e profissionais da escola” compareceram em 25% das respostas. Em seguida, com 18,7%, outra grande dificuldade mencionada foi a “sobrecarga de trabalho”, como relata o Sujeito 11: “A complexidade das funções e as cobranças acumuladas pelos diversos setores e órgãos que não trabalham com um planejamento estratégico e o trabalho coletivo, sobrecarregando o papel do diretor.” Praticamente com o mesmo índice, a categoria “pais/famílias ausentes no âmbito escolar”, com 17,1%, apresenta-se como outra dificuldade, indicando a ausência de participação e envolvimento da família na vida escolar dos filhos, conforme explicita o sujeito 3: “Os principais obstáculos que encontramos são: [...] pouca participação dos pais.”

As demais categorias que abordam as dificuldades dos diretores foram: políticas públicas e legislação (9,3%), ausência de professores e funcionários (8,2%), indisciplina e desinteresse por parte dos alunos (7,8%), necessidade de

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estimular a todos na escola (4,6%), aprendizagem dos alunos (3,1%), rotatividade dos professores (3,1%), pouco espaço físico (1,5%) e ausência do aluno ideal (1,5%).

Portanto, podemos afirmar que, dentre as adversidades enfrentadas no exercício da direção escolar, sobressaem-se o despreparo e a má formação dos docentes, a predominância da sobrecarga de trabalho e a ausência dos pais e da família. Todos esses fatores, presentes na fala dos diretores investigados, já foram observados por outras pesquisas que abordam a participação dos pais no processo de tomada de decisões no interior da escola, no sentido de sua democratização (GARCIA; CORRÊA, 2009; PARO, 2003; 2007). Outros estudos (GATTI; BARRETO, 2009; GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011) também identificaram problemas em torno da formação inicial de professores e apontam que uma formação adequada pode contribuir para melhorar a qualidade da escola pública.

CONCEPÇÃO DOS DIRETORES SOBE A GESTÃO DEMOCRÁTICA

Em relação à tomada de decisões no interior da escola, 77,1% dos diretores afirmaram que esse processo ocorre de modo coletivo. A predominância dessa afirmação, inicialmente, sugere a presença de uma gestão democrático-participativa que

[...] baseia-se na relação orgânica entre a direção e a participação dos membros da equipe. Acentua a importância da busca de objetivos comuns assumidos por todos. Defende uma forma coletiva de tomada de decisões. Entretanto, uma vez tomadas às decisões coletivamente, advoga que cada membro da equipe assuma sua parte no trabalho, admitindo a coordenação e a avaliação sistemática da operacionalização das deliberações (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 447).

Entretanto, numa análise mais acurada das respostas, percebe-se que ao utilizarem-se do termo “coletivo”, os 77,1% diretores que enfatizaram a coletividade no processo de tomada de decisão na escola em que atuam não o fazem com a mesma compreensão.

Desses, 25,9% usam o termo “coletivo” para se referir à equipe gestora e aos professores da escola. Para exemplificar esta visão, recorremos à fala de um dos diretores: “O processo de decisões sempre é a de diálogo do grupo gestor e troca de informações com professores em HTPC” (Sujeito 29).

Outros 25,9% dos diretores empregam “coletivo” para se referir aos órgãos colegiados que existem na escola, tais como Conselho de Escola,

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Associação de Pais e Mestres (APM), Grêmio Estudantil, a equipe gestora e até mesmo a parceria desses colegiados com o Conselho Tutelar, Supervisor de Ensino da escola e Dirigente de Ensino. O sujeito 34 expressa o posicionamento desse grupo: “Através dos órgãos colegiados (Conselho de Escola, APM) sempre obedecendo à legislação vigente, respeitando a vontade da maioria dos membros dos respectivos órgãos ou segmentos de escola”.

Tivemos 25,9% diretores que embora citem o “coletivo”, não mencionam quais sujeitos estão envolvidos nesse processo. Destaca-se como exemplo dessa concepção a fala do Sujeito 26 que ressalta: “As decisões são tomadas no coletivo”.

O termo “coletivo” num sentido mais amplo e sintonizado com o princípio da gestão democrática, envolvendo a equipe gestora da escola, professores, funcionários, alunos e pais foi registrado por apenas 18,5% dos diretores. Ao se referir como são tomadas as decisões na escola, um diretor respondeu “Nos vários grupos que existem na escola, professores, funcionários de apoio, gestores, pais e alunos” (Sujeito 32).

Vale destacar que 17,1% do total dos diretores ressaltam que as decisões são tomadas preferencialmente no coletivo, mas que às vezes o diretor precisa decidir sozinho ou em conjunto com a equipe gestora da escola. Isso ocorre em virtude da ausência de tempo para consultar o coletivo ou dependendo da necessidade como, por exemplo, em questões administrativas. A fala do Sujeito 20 expressa esse posicionamento: “Deveria ser um processo, mas as coisas e situações são tão adversas que nem sempre passa por um processo, elas ocorrem de forma imediatista, para ontem”.

Paro (2011, p. 59), identifica a mesma prática em seu estudo e cita o depoimento de uma coordenadora pedagógica, que afirma que “talvez até em função da própria correria, a gente [...] A nossa mania, o nosso jeito é resolver tudo rapidinho, ‘correndinho’, e as coisas vão ficando, não se resolve, não se chama para conversar”.

Acreditamos que os diretores das escolas públicas estaduais pesquisadas demonstram uma preocupação com a gestão democrática, mesmo que a compreensão ou a concretização do trabalho coletivo seja um grande desafio. Pois, a

[...] coordenação do esforço de funcionários, professores, pessoal técnico-pedagógico, alunos e pais fundamentada na participação coletiva, é de extrema relevância na instalação de uma administração democrática no interior da escola. É através dela que são fornecidas as melhores condições para que os diversos setores participem efetivamente da tomada de decisões, já que estas não concentram mais nas mãos de uma única pessoa, mas de grupos ou de equipes representativos de todos [...]. (PARO, 1988, apud LIBÂNEO, 2001, p. 224).

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Segundo Sousa e Corrêa (2002, (p. 57), apesar da gestão democrática estar consagrada como princípio constitucional desde a Carta Magna de 1988 e comparecer também na LDB/96, “[...] essa determinação legal, por si só, não garante uma escola de qualidade e democrática. Esse fato mostra a necessidade de serem empreendidos esforços para a construção de uma escola realmente democrática”.

Embora a maioria dos diretores (77,1%) reafirme a importância da gestão democrática, uma vez que destacam as decisões da escola em nível coletivo, é possível inferir que não existe consenso quanto ao processo de participação nestas decisões que se reflete nos diferentes posicionamentos sobre o significado das decisões tomadas “coletivamente”.

Para compreender as dificuldades em implementar a participação democrática nas escolas públicas, indagamos os diretores sobre quais ações poderiam realizar na sua função de diretor para garantir a gestão democrática na sua instituição de ensino e obtivemos 56 respostas. As categorias com maior percentual foram “garantir participação e parcerias” (21,4%); “incentivar a relação comunidade e escola” (17,9%); “ouvir todos os segmentos da escola para a tomada de decisões” (17,9%); “proporcionar mais autonomia a direção nas questões administrativas” (8,9%); “ter formação continuada” (7,1%); “qualificar e tornar os colegiados mais atuantes” (5,3%); “trabalhar com professor para que tenham mais compromisso, além de conquistá-lo para um trabalho qualificado” (5,3%); “unificar, na diferença, o trabalho da equipe gestora, avaliando ações e propondo mudanças” (3,6%).

Vários diretores afirmaram que as categorias descritas acima, exemplificam ações que já vêem sendo executadas nas escolas em que atuam.

Partilhar, ouvir, convidar a comunidade p/ participar mais. O que já acontece, mas não na quantidade de vezes que gostaria porque a gestão de tempo é um grande problema. Apesar dos convites/convocação, muitas vezes através de órgãos parceiros. Alguns pais não participam da vida escolar de seus filhos. Tem parceria c/ a Promotoria Pública que muito nos tem auxiliado. Preciso de mais tempo livre c/ todos os profissionais da U.E. p/ que o trab. democrático seja feito verdadeiramente (Sujeito 4).

Proporcionar momentos de discussões, estudo de caso e meio, levantamento de ações para os vários segmentos da escola - comunidade, professores, alunos e funcionários. Organizar os dados levantados e delegar funções e ajudar a definir prioridades (Sujeito 12).

A categoria “garantir participação e parcerias” obteve o maior percentual. Mas como garantir participação? O que entendemos como parceria? Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), a participação das famílias pode ocorrer de modo informal, no contato dos pais com os professores do filho para

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acompanhamento do desempenho escolar, e também, de modo formal por meio da Associação de Pais e Mestres e no Conselho de Escola. Reforçando essa ideia de participação, Orsolon (2009, p. 178) afirma que

A participação dos pais na escola pode ocorrer, no âmbito individual, no sentido de buscar e receber orientações sobre a caminhada escolar do filho; e, no âmbito coletivo, quando eles podem contribuir com a gestão da escola, como membros do conselho escolar, da associação de pais e mestres ou de outro canal de participação previsto no projeto político pedagógico.

Mas, para que a participação dos pais possa acontecer, é preciso primeiro que haja a abertura de espaços dentro da escola.

Uma participação que ultrapasse o âmbito individual e atinja o âmbito coletivo constitui-se um desafio, visto que a escola tem aberto espaço de participação, mediante a gestão democrática assegurada pela LDB/96 nos órgãos colegiados, mas para uma “comunidade que ainda não está habituada à prática participativa” (ORSOLON, 2009, p. 178).

A segunda categoria mencionada refere-se a “incentivar a relação comunidade e escola”, uma ação complexa, mas presente na LDB/96, principalmente no artigo 12, inciso VI onde consta “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola” como uma das incumbências das instituições de ensino.

Sabe-se que a articulação escola-família, quando realizada de forma efetiva, tem representado um fator determinante no sucesso do processo educativo. Deste modo, é positivo que a LDB/96 acene para o fortalecimento da participação dos usuários na gestão escolar. É preciso, entretanto, estar atento para não se confundir participação nas decisões com participação somente na execução/colaboração financeira (PARO, 1997).

A valorização da gestão democrática pela maioria dos diretores da DE/PP, mesmo reconhecendo o enorme desafio que sua materialização representa em sua atuação profissional e no cotidiano da escola pública, é algo extremamente alentador, uma vez que o modelo de gestão escolar que ainda predomina em boa parte das escolas públicas brasileiras é o técnico-científico ou burocrático.

AÇÃO DE FORMAÇÃO CONTINUADA

A partir da discussão dos dados empíricos, que se constituíram das representações dos diretores da DE/PP sobre seu papel e as dificuldades enfrentadas no exercício de sua função, iniciamos as ações de formação continuada que tiveram como ponto de partida as próprias necessidades/

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dificuldades indicadas, através de uma reflexão coletiva acerca da realidade vivenciada pelos sujeitos. É importante ressaltar que foram priorizadas as questões relacionadas à sua função e às complexidades no desempenho de seu ofício.

Gradativamente, a equipe se constituiu pelos sujeitos que aceitaram participar da ação de formação continuada fundamentada na pesquisa ação colaborativa, sendo composta, ao final da pesquisas em dezembro de 2014, por vinte e cinco diretores da DE/PP, três membros da DE/PP, cinco professores universitários e quatro alunos de pós-graduação.

Consideramos a formação continuada como o conjunto de atividades desenvolvidas pelos professores ou outros profissionais da educação, “[...] em exercício, com objetivo formativo, realizadas individualmente ou em grupo, visando tanto ao desenvolvimento pessoal como ao profissional”, preparando-os para a realização de seus afazeres atuais ou de outros novos que se coloquem (ALMEIDA, 2005, p. 12). Para Libâneo (2001, p. 198), consiste no prolongamento da formação inicial e visa ao “[...] aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho, e ao desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla”. Compreendemos, portanto, a formação continuada como possibilidade de proporcionar aos profissionais da educação, no caso desta pesquisa os diretores, um processo constante do aprender a profissão, não como resultado do acúmulo de informações, mas como um momento de repensar as suas práticas e construir novos conhecimentos que se constituem por meio do estudo, da reflexão, da discussão e da confrontação de diferentes experiências profissionais. Ao longo do percurso dos gestores na profissão, pudemos refletir, aprender, desaprender, reestruturar o aprendido, fazer descobertas, testar hipóteses, elaborar novas práticas e reconstruir seus saberes. (LIMA, 2013).

A ação de formação continuada apresentada neste texto resulta da parceria entre a universidade e a rede pública de ensino e se fundamenta numa perspectiva crítica reflexiva que tem como objeto de análise e discussão a identificação, pelos próprios participantes, das dificuldades e problemas de sua prática, iluminada pela qualificação teórica, enfatizando um processo de ação-reflexão-ação que visa propiciar o parecer crítico dos desafios, a reflexão sobre o campo de possibilidades em que se insere a prática do diretor, com destaque para a gestão democrática e a elaboração de um plano de ação para o enfrentamento e a superação dos desafios diagnosticados.

Em relação à dinâmica da formação continuada, realizamos catorze encontros que ocorreram mensalmente, com quatro horas de duração cada. Esses encontros apresentavam uma pauta constituída por uma epígrafe, tema a ser discutido, objetivo do encontro, informes gerais, realização da atividade

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do dia, café socializador e trabalho em grupo. Demandava também o registro escrito individual do encontro, sua avaliação e a identificação de diretrizes para a preparação do próximo. Em alguns deles, organizamos atividades para os diretores desenvolverem na escola em que atuam, as quais, no encontro seguinte, eram apresentadas, por escrito e oralmente. De acordo com Libâneo (2001, p. 190),

[...] não basta saber sobre as dificuldades da profissão, é preciso refletir sobre elas e buscar soluções, de preferência, mediante ações coletivas. Segundo Philippe Perrenoud, a reflexão possibilita transformar o mal-estar, a revolta, o desânimo, em problemas, os quais podem ser diagnosticados, explicados e até resolvidos com mais consciência, com mais método. Ou seja, uma prática reflexiva [...] leva a uma relação ativa e não queixosa com os problemas e dificuldades.

Importante salientar que os rumos/temas/conteúdos da ação de formação continuada foram construídos gradativamente, conforme o avanço dos encontros, por meio dos estudos teórico-reflexivos, da manifestação acalorada dos presentes e da rica e necessária troca de experiências entre os sujeitos. O interesse do grupo de diretores pela proposta de formação continuada em curso é atestado pela assiduidade e intensa participação de tais profissionais nos encontros desenvolvidos.

Após cada reunião, realizávamos uma avaliação no grupo de coordenação do projeto, composto pela equipe de professores e alunos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pelo Grupo de Referência da DE/PP (membros da DE/PP e dois representantes dos diretores). Também organizávamos o próximo compromisso a partir das necessidades dos diretores expressas pela avaliação do dia e pelas sugestões dadas.

Ancorados na proposta da pesquisa ação colaborativa e considerando as necessidades formativas dos diretores, desenvolvemos a ação de formação continuada. A partir dos registros escritos, é possível constatar que estes a avaliam positivamente, bem como valorizam tal espaço de formação profissional, conforme trechos descritos abaixo:

O encontro foi muito proveitoso, pois veio refletir a nossa gestão, contribuindo para pensarmos nas reais possibilidades de mudanças a fim de tornar realidade a gestão democrática. (Sujeito 21- 10/5/13).

Toda reunião tem um objetivo; encontramos caminhos e soluções para nossos problemas. A luta é pelo nosso aluno, os problemas são comuns a todos. (Sujeito 1- 20/9/13).

A reunião foi muito produtiva e conduzida com bastante tranqüilidade. O grupo trabalhou temas que trouxe da escola e que angustia toda a equipe e iniciou-se o trabalho de se discutir a soluções. Ficou claro que apenas iniciamos o trabalho e muito há que se pensar. (Sujeito 9- 20/9/13).

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Estes relatos demonstram diferentes dimensões do trabalho realizado, com destaque para o envolvimento dos diretores no sentido de uma reflexão e construção coletiva que partiu da análise dos problemas enfrentados no cotidiano de suas escolas e que, por essa razão, foram capazes de gerar forte identificação com os pontos levantados nas discussões. Demonstram, ainda, que estes profissionais se compreendem como sujeitos que têm experiências, saberes e práticas, bem como se percebem como agentes de sua própria formação e sujeitos que podem contribuir para a transformação da realidade escolar na qual estão inseridos.

No final de 2013, realizamos uma avaliação sobre a ação de formação continuada, cujos resultados apresentamos na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1 - Avaliação dos participantes sobre a formação continuada vivenciada

CATEGORIAS Freq. %Sinto me fortalecido e mais seguro como grupo e indivíduo com as discussões e trocas de experiências para desenvolver uma gestão democrática, além de constatar que nossas dificuldades do cotidiano da escola são semelhantes.

9 36

Desenvolvi a prática da reflexão que proporciona um novo olhar sobre o meu trabalho e minha percepção como gestor que foi alterada, ampliada e melhorada.

5 20

Busco trabalhar de forma mais democrática. 3 12

Busco desenvolver na escola as ideias discutidas na reunião. 2 8

Aprendi a ter visão crítica, solução de problemas e necessidades de mudanças nas estratégias de ensino.

2 4

Tenho desenvolvido intervenções adequadas e sábias a partir da observação dos professores e da liderança desse grupo.

1 4

Vislumbro algumas alternativas para superar as dificuldades, como: possibilidade de dividir as tarefas com os diferentes segmentos da escola.

1 4

Melhorei algumas ações do dia a dia como: fazer um diário de bordo; organizar uma agenda; estudar a LDB e Regimento; relacionamentos.

1 4

Tenho procurado “encontrar tempo” para leituras complementares, participação em outros cursos relacionados à gestão pública.

1 4

TOTAL 25 100

Fonte: Pesquisa realizada, 2013.

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Nota-se que a experiência vivenciada pelos diretores foi significativa e relevante como um espaço de formação continuada desses profissionais. Dentre os catorze diretores que participaram da avaliação dos trabalhos, nove afirmaram que se sentiam fortalecidos e mais seguros com as discussões para desenvolverem uma gestão democrática nas escolas em que atuam. Outros valorizaram a prática da reflexão e a possibilidade de buscar novas formas para se trabalhar coletivamente. Os depoimentos abaixo comprovam essa análise:

Apesar de tantos anos de experiência na direção de repente me deparei com a realidade que até então pouco havia refletido sobre o cotidiano da escola. Acostumada com o excesso de trabalho burocrático, não priorizava a reflexão sobre os acontecimentos que interferem no dia-a–dia. Para mim a grande mudança na postura foi começar a desenvolver a prática da reflexão, pensar no porquê? O Que devo ou posso fazer? Até que ponto a minha postura, posição contribui para ocorrência deste ou não? Hoje fico pensando o quanto estive e estou aberta as mudanças. O quanto tenho facilitado ou contribuindo? Enfim, considero valiosos esses momentos, pois, proporcionam um novo olhar sobre mim e minha prática e que esse novo posicionamento, possa tornar efetiva as mudanças que fazem necessárias para uma educação melhor. (Sujeito 13- 29/11/13).

No decorrer do ano sai de alguns encontros “sem chão”, mas refletindo, como encontrar alternativas para superar as dificuldades. [...] Entendi que devo ouvir a todos, individualmente ou coletivamente, para que juntos possamos vivenciar os fracassos e sucessos da escola em todos os aspectos e mostrar a equipe escola essa necessidade de trabalho coletivo. Com os colegas diretores dividimos as angustias do cargo, mas também tentamos amenizar com outras experiências e sugestões, as quais foram muito importantes. (Sujeito 5 - 29/11/13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este pesquisa relata uma experiência de formação continuada de diretores, fundamentada na pesquisa ação colaborativa que teve início em 2012 junto à DE/PP.

A opção metodológica pela pesquisa ação colaborativa fundamentou-se na possibilidade de se criar um espaço permanente de investigação, reflexão e análise das práticas profissionais no interior das escolas, efetuadas pelos diretores em parceria com a universidade. Pensamos que os diretores devem ser autores de sua ação, planejando-a, refletindo acerca de seus problemas e recriando uma nova conduta, pois nenhuma experiência pode se definir como uma mera execução. O aspecto formativo dessa metodologia de pesquisa evidencia que este procedimento exige uma relação com os sujeitos da prática, o que implica coparticipação, coautoria e coprodução de conhecimentos e saberes.

Os profissionais da educação - nesta pesquisa, os diretores - não mudam a partir de simples resolução da Secretaria de Educação do Estado. A mudança ocorre em virtude de alterações nas concepções e valores que podem refletir em

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suas atitudes e comportamentos, por meio da tomada de consciência sobre a necessidade e a possibilidade de novas proposições. Essa mudança individual pode conduzir a um sentimento de fortalecimento e de segurança quando socializada, discutida, refletida e decidida com o grupo, através da reflexão crítica acerca das dificuldades no exercício de seu papel na escola.

Enfim, percebemos que os diretores constroem novos significados para a sua atuação por meio da reflexão de sua prática, articulada com a teoria, compartilhada com o coletivo e tendo o desejo de melhorar a própria atuação profissional. Reafirma-se, ainda, que desenvolver projetos de pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia importante para desencadear mudanças nas práticas dos diretores e nas ações de formação continuada, caracterizando-se como um verdadeiro processo de desenvolvimento profissional (LEITE, 2014).

As atividades realizadas, fundamentadas na reflexão-ação-reflexão, proporcionaram aos diretores maior clareza da importância de seu papel dentro da unidade escolar, além da necessidade de entender e refletir sobre as dificuldades encontradas para melhor conduzir a escola que dirigem, propiciando a toda equipe que a integra possibilidades de mudanças necessárias para assegurar a gestão democrática.

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YOSHIE USSAMI FERRARI LEITE é doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, com estágio de pós-doutoramento em Educação na Universidade de São Paulo. É professora Livre-docente da FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente, onde atua no Departamento de Educação e no Programa de Pós-graduação em Educação. E-mail: [email protected]

VANDA MOREIRA MACHADO LIMA é doutora pela USP/São Paulo e professora assistente doutor do Departamento de Educação da FCT/UNESP Campus de Presidente Prudente. E-mail:[email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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A construção da profissionalidade do gestor escolar: concepções e práticas

Construction of professionalism of school management: concepts and practices

La construcción de la profesionalidad de la gestión de la escuela: conceptos y prácticas

ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA MARIA SOCORRO LUCENA LIMA

MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE

Resumo: Compreendendo o exercício da gestão escolar como uma atividade complexa, marcada por contradições que desafiam o gestor a rever permanentemente sua profissionalidade, o presente estudo objetiva investigar como o gestor escolar constrói os conhecimentos necessários ao exercício de sua função. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, a partir da qual se analisa uma entrevista realizada junto à gestora de uma escola pública cearense. Os resultados apontam que a profissionalidade do gestor se constrói continuamente a partir do exercício da reflexão sobre as práticas institucionais.

Palavras chave: Gestão escolar; profissionalidade; concepções e práticas.

Abstract: Understanding that exercise of school management is a complex activity, marked by contradictions that challenge the manager continuously review their professionalism, this study aims to investigate how the school manager builds the knowledge necessary to perform its function. Therefore, a qualitative research was conducted, from which analyzes the interview with the management of a public school Ceará. The results show that the professionalism of the manager continually built upon the exercise of reflection on institutional practices.

Keywords: School management; professionalism; concepts and practices.

Resumen: La comprensión de que el ejercicio de la gestión escolar es una actividad compleja , marcada por contradicciones que desafían el administrador revise continuamente su profesionalidad, este estudio tiene como objetivo investigar cómo el director de la escuela construye los conocimientos necesarios para realizar su función. Por lo tanto, se realizó una investigación cualitativa, desde el cual se analiza la entrevista con la gestión de una escuela pública de Ceará. Los resultados muestran que la profesionalidad del gerente construye continuamente sobre el ejercicio de la reflexión sobre las prácticas institucionales.

Palabras clave: Gestión escolar; profesionalidad; conceptos y prácticas.

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INTRODUÇÃO

As políticas educacionais orquestradas no Brasil contemporâneo vêm apresentando à sociedade duas grandes referências que têm ganhado destaque e se apresentado de forma contraditória no chão da escola: o discurso da inclusão, que busca materializar o direito à educação para todos, tendo respeitadas as identidades dos indivíduos; e a perspectiva do mérito, colocando a produtividade como grande referencial de qualidade.

A partir das transformações ocorridas na década de 1990, resultantes do acordo estabelecido pelo Brasil como um dos países signatários da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, uma série de ações voltadas para a democratização do acesso da população à educação foi iniciada. Em um primeiro momento, a preocupação teve como foco o acesso, traduzido no crescimento de matrículas na Educação Básica. Em um segundo momento, as preocupações tiveram como foco a qualidade e se traduziram em iniciativas relativas ao desenvolvimento curricular, à formação de professores e às avaliações em larga escala (PERONI, 2003).

A evolução dos sistemas de avaliação em larga escala promoveu no país ações de valorização do mérito e da produtividade, como o ranqueamento de instituições conforme o desempenho, a concessão de premiações e certificações, além dos bônus pagos aos profissionais pelo bom desempenho dos alunos neste processo.

Lado a lado com a política do mérito, se faz presente a política da inclusão, traduzida nas Diretrizes Curriculares publicadas pelo Ministério da Educação ao longo dos últimos anos e que trazem como grande marco de qualidade a capacidade que as instituições escolares precisam desenvolver no sentido de respeitar e considerar as identidades dos indivíduos como referências importantes para a construção e a vivência do currículo.

Ser gestor escolar dentro deste contexto de tensões e contradições demanda deste profissional a construção de uma profissionalidade que articule diferentes dimensões da competência, como a técnica, a política, a ética e a estética (RIOS, 2008). Nesse sentido, é necessário reconhecer a formação do gestor escolar como um processo histórico que se dá de forma contínua e em estreita relação com os desafios que emergem no dia a dia, pela relação com as diferentes instâncias de gerenciamento da educação e pelo contato próximo com os sujeitos das práticas educativas.

A partir destas reflexões, o presente estudo objetiva investigar como o gestor escolar constrói, dentro do atual contexto, os conhecimentos necessários ao exercício de sua função. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa de

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abordagem qualitativa (MINAYO, 2004), buscando apreender o universo de significados dos sujeitos em relação ao fenômeno estudado. Como estratégia de aproximação com a realidade foi utilizada uma entrevista junto à gestora da Escola Municipal de Ensino Fundamental LV, que apresenta um histórico crescente de bons resultados observados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB no período de 2009 a 2013 (INEP, 2013).

Os resultados revelam que a dimensão técnica, que traduz a máxima da busca por melhores resultados com o mínimo de recursos, tem se sobressaído no contexto das políticas educacionais contemporâneas em relação às demais dimensões da competência. Tal destaque, importa ressaltar, ocorre em função das demandas atuais, marcadas pela produtividade. Nesse sentido, o referencial de qualidade, visualizado através de números, tem ocupado maior espaço que a qualidade socialmente referendada nas preocupações de gestores e educadores. No entanto, as concepções e práticas investigadas neste estudo apontam para a possibilidade de a meritocracia ser superada mediante o estabelecimento claro do compromisso do coletivo de trabalho com os processos de inclusão e de humanização das relações.

A GESTÃO ESCOLAR E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS

O desenvolvimento da gestão escolar democrática, inserida no cenário das políticas educacionais contemporâneas, vem se constituindo como uma importante ação de efetivação dos compromissos do governo federal brasileiro com a universalização da educação básica e com a qualidade dos processos de escolarização da população, conforme estabelecido nas Conferências de Educação para Todos (BRASIL, 2014).

A efetivação dos referidos compromissos tem se dado em um contexto de contradições que emergem do movimento antagônico que coloca em tensão diferentes projetos de homem e sociedade. De um lado, temos um país que não consegue planejar e desenvolver políticas que atendam às necessidades da classe trabalhadora; do outro lado, os interesses dos grupos empresariais que controlam as diretrizes da educação em função das prioridades para o acúmulo do capital.

Para compreender a lógica de estruturação das políticas educacionais contemporâneas, é importante situar que junto com o avanço da perspectiva neoliberal ocorrida no campo político e econômico a partir da década de 1990, o cenário das políticas sociais, dentre as quais se encontra a educação, tem expressado a redução da atuação do Estado, configurando uma condição de Estado mínimo, intrinsecamente relacionada aos interesses mercadológicos dos

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controladores da economia (PERONI, 2003). Configura-se, assim, um Estado meramente gerenciador e avalista das políticas em vigor. Em outras palavras, o Estado não produz as políticas e as políticas têm produzido um Estado que ignora as necessidades da nação para fazer às vezes do mercado (SIBILIA, 2012).

As estratégias de centralização e descentralização se constituem como base das políticas educacionais iniciadas na década de 1990. De acordo com Peroni (2003), a centralização ocorre no estabelecimento de questões relacionadas ao desenvolvimento de parâmetros de organização curricular e avaliação externa, ao passo que a descentralização se materializa, sobretudo, no financiamento, através de fundos e de recursos enviados diretamente às escolas sob a forma de programas.

a) Organização curricular

No que diz respeito aos parâmetros de organização curricular, podemos destacar os marcos documentais que nortearam a elaboração e a revisão dos projetos político-pedagógicos das instituições de ensino que ofertam diferentes etapas da educação básica ao longo das últimas décadas:

• Entre o final da década de 1990 e o ano 2000 foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais para os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, objetivando, mesmo sem o caráter de obrigatoriedade, garantir o direito de todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos matriculados nas diferentes etapas da educação básica usufruir de um conjunto de conhecimentos considerados necessários para o exercício da cidadania.

• A partir do ano de 2002, as perspectivas curriculares das identidades, da diversidade e da inclusão ganham espaço, sendo traduzidas em diretrizes que se constituem obrigatórias para a (re) formulação de projetos político-pedagógicos pelas instituições de ensino. As diretrizes englobam: a Educação Infantil; o Ensino Fundamental de 9 anos; o Ensino Médio; a Educação Técnica de Nível Médio; as Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-

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Brasileira e Africana; a Educação Básica nas Escolas do Campo; o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica; a Educação de Jovens e Adultos; a Educação para Jovens e Adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais; a Educação Escolar Indígena; a Educação Escolar para as populações em situação de itinerância; a Educação Escolar Quilombola; a Educação em Direitos Humanos e a Educação Ambiental.

O primeiro conjunto de documentos citados se constitui como importante referência para a reflexão e construção dos currículos escolares, tendo em vista a apresentação de objetivos para cada uma das etapas da educação básica, a caracterização das áreas de conhecimento numa perspectiva interdisciplinar, a organização dos conteúdos em blocos e os critérios de avaliação. No contexto da criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o governo federal tinha como expectativa subsidiar os processos de elaboração ou revisão curriculares nos sistemas de ensino, (re) orientando os processos de formação de professores e produção de material didático, entre outras questões (PERONI, 2003).

O segundo conjunto de documentos, além de retomar a discussão sobre uma base nacional comum, traz como grande contribuição o reconhecimento das diversidades como aspecto imprescindível à compreensão da educação como um direito, posta na Constituição Brasileira de 1988 como “[...] direito de todos e dever do Estado e da família” (BRASIL, 1988, Art. 205). De acordo com o Ministério da Educação:

A necessidade da atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais surgiu da constatação de que as várias modificações – como o Ensino Fundamental de nove anos e a obrigatoriedade do ensino gratuito dos quatro aos 17 anos de idade – deixaram as anteriores defasadas. Estas mudanças ampliaram consideravelmente os direitos à educação das nossas crianças e adolescentes e também de todos aqueles que não tiveram oportunidade de estudar quando estavam nessa fase da vida (BRASIL, 2013, p. 4).

A efetivação das propostas e diretrizes curriculares junto à escola teve, cada uma a seu tempo, estratégias diferenciadas de materialização. O primeiro conjunto de documentos, apesar de ser caracterizado como “não obrigatório”, foi vinculado às avaliações externas realizadas pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa Anísio Teixeira ( INEP), induzindo as instituições de ensino a tomá-lo, obrigatoriamente, como referência, caso quisessem obter bons resultados nos processos avaliativos; e o segundo conjunto de documentos torna-se referência

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para avaliação da qualidade dos projetos político-pedagógicos das instituições por ocasião de seus processos de regularização junto aos Conselhos ou Ministério de Educação. Nesse sentido, as instituições de ensino, independente da capacidade de apreensão crítica da vinculação dos referenciais apresentados com interesses políticos fortemente comprometidos com a economia, têm sido implementadoras das propostas e metas apresentadas pelo governo.

Segundo Pacheco (2011, p. 381-382):

Como lógica de Estado, o currículo não só se torna num texto profundamente político, bem como se fundamenta em standards, na procura de uma eficiência padronizada e mensurável. Com efeito, observa-se que as políticas educativas mudam paradigmaticamente dos objetivos para os resultados, do ensino para a aprendizagem, tudo numa lógica de estabelecimento referencial de competências e metas educacionais. Trata-se da instauração de uma racionalidade performativa, com tendência para a valorização do produto em detrimento do processo, num back to basics do conhecimento e na defesa de um caixa preta pedagógica.

Assim, no contexto das políticas educacionais contemporâneas, é possível identificar a articulação entre documentos norteadores das propostas curriculares em nível nacional e a mensuração da eficiência dos resultados de aprendizagem, de forma padronizada, através de estratégias de regulação, como a política de resultados que toma como referência os indicadores de proficiência obtidos por cada unidade escolar através do sistema oficial de avaliação em larga escala.

b) Avaliações externas

A avaliação em larga escala é um dos principais pilares das políticas educacionais contemporâneas. Dentro da perspectiva de controle da produtividade e da qualidade dos processos educativos desenvolvidos na escola, foi criado, na década de 1990, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que, através do INEP, realiza levantamentos de dados junto a instituições de ensino públicas e privadas, a partir de investigação junto aos professores, aos diretores e aos alunos da Educação Básica nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática.

O SAEB foi reestruturado no ano de 2005, através da portaria ministerial nº 931, passando a ser constituído por duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como Prova Brasil (INEP, 2013). O planejamento e a operacionalização da ANEB e da ANRESC, segundo a referida portaria, são de competência do INEP, através da Diretoria da Avaliação da Educação Básica, que deverá definir: objetivos, instrumentos a serem utilizados, séries e disciplinas,

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competências e habilidades a serem avaliadas; abrangência, mecanismos e procedimentos de execução da pesquisa; implementação da pesquisa em campo; e, por fim, as estratégias para divulgação dos resultados.

O confronto entre o escrito e o vivido das propostas de avaliação externa revela contradições presentes no processo de planejamento, aplicação, divulgação de resultados e utilização destes pelos sistemas de educação. De acordo com Costa e Lima (2013, p. 121):

Apesar de o campo das intencionalidades das avaliações ser marcado por elementos como a perspectiva formativa, a inclusão, a democratização do acesso ao saber; é possível verificar, no campo das práticas, ações que colidem frontalmente com tais perspectivas, sustentando-se no mérito, na classificação, na exclusão e no rankeamento de instituições [...].

Na conjuntura apresentada pelas autoras, é possível perceber de forma cada vez mais evidente, a valorização dos produtos e não dos processos, deixando de lado a história dos sujeitos e das instituições nas quais se evidenciam os esforços empreendidos para resolver os problemas cotidianos que impedem o desenvolvimento de aprendizagens e, por consequência, o sucesso escolar.

Dentro deste contexto, todos os esforços realizados para materializar a perspectiva da inclusão e o respeito às diversidades são colocados em segundo plano. A preocupação com o alcance de bons indicadores deixa de lado as discussões mais abrangentes sobre currículo e função social da escola, privilegiando estratégias de treinamento de competências e habilidades relacionadas à resolução dos itens constituintes das avaliações em larga escala. A referência deixa de ser o projeto político-pedagógico, norteado pelas diretrizes curriculares nacionais e construído coletivamente a partir da realidade local, e desloca-se para as matrizes de referência utilizadas para a elaboração dos instrumentos de avaliação.

As matrizes de referência, de acordo com Peroni (2009, p. 90):

[...] avaliam competências cognitivas e habilidades a serem desenvolvidas pelo aluno no processo de ensino-aprendizagem, subdivididas em tópicos e, estes, em descritores. O descritor é uma associação entre conteúdos curriculares e operações mentais desenvolvidas pelos alunos que traduzem certas competências e habilidades. Cada nível da escala apresenta as habilidades que os alunos desenvolveram, com base na média de desempenho e distribuição dos alunos de cada rede ou escola.

Ao restringir os referenciais de qualidade da escola ao desempenho dos alunos nas referidas avaliações, o Ministério da Educação e as Secretarias Estaduais e Municipais acabam por estimular a concorrência entre as instituições escolares,

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constituindo um cenário de mercado competitivo, em que as instituições “[...] são susceptíveis de competir não apenas para poder aceitar algumas categorias de alunos, mas também para rejeitar outras” (DALE, 1994, p. 128).

Se por um lado a política de resultados, que se constitui como forte marca das políticas educacionais contemporâneas, vem colaborando para a construção de uma “cultura avaliativa” no contexto das escolas, compreendida como “a combinação adicional de ações avaliativas formais que se difundem com a aplicação dos resultados de tais avaliações, para as tomadas de decisão e para o reconhecimento social da relevância da informação avaliativa” (KÖNIG, 2007, p. 83). Por outro lado, vem interferindo de forma negativa na vivência da educação como um direito, uma vez que pode ser verificado nos diferentes níveis de gestão educacional um estado de tensão e alerta constante em relação aos fatores que podem interferir nos resultados obtidos nas avaliações de larga, dentre os quais pode ser apontada a matrícula de alunos considerados como “potenciais problemas”, como aqueles que apresentam necessidades especiais, dificuldades de aprendizagem, problemas de indisciplina ou mesmo jovens e adultos pouco ou não escolarizados.

A perspectiva da produtividade, da concorrência e do ranqueamento, próprias do ideário neoliberal, se expressam no contexto das instituições de ensino de forma contraditória, colocando em xeque os compromissos assumidos pela educação com vistas à emancipação dos sujeitos. O desafio posto no presente momento, conforme Peroni (2009, p. 299) “[...] é pensar a avaliação em larga escala como instrumental no processo de democratização da educação”.

c) Gerenciamento de recursos financeiros

Ocupando papel estratégico na implementação das políticas educacionais contemporâneas está o gestor escolar, cada vez mais induzido ao desenvolvimento de uma gestão pautada em princípios da administração geral (PARO, 2009), buscando de maneira eficiente e eficaz dar efetividade às ações de planejamento, organização, liderança, orientação, mediação, coordenação, monitoramento e avaliação dos processos que culminem na promoção da aprendizagem e na formação dos alunos (LUCK, 2009).

Além de ocupar-se das questões relacionadas ao desenvolvimento curricular e ao desempenho da escola nas avaliações institucionais, o gestor escolar tem, também, o desafio de atuar no processo de gerenciamento dos recursos financeiros que chegam à escola através de diferentes programas.

Dentro deste contexto, destaca-se o Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, que se constitui como uma das estratégias de descentralização

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das políticas educacionais, colocando para a escola a responsabilidade de, junto com a comunidade escolar, se autoavaliar, identificar suas necessidades, planejar e realizar os investimentos necessários, através do gerenciamento dos recursos transferidos anualmente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola – FNDE, independentemente da celebração de convênio ou instrumento similar.

O PDDE foi criado no ano de 1995 e, de acordo com o Ministério da Educação, deve promover assistência financeira às escolas de ensino fundamental, visando a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, além de reforçar a gestão e elevar, assim, o desempenho dos alunos. No ano de 2009, o PDDE foi ampliado e passou a contemplar todas as etapas da Educação Básica (BRASIL, 2009).

Para efetivar a utilização dos recursos oriundos do PDDE a instituição de ensino precisa ter constituído o seu conselho escolar, que atuará como unidade executora responsável pelo planejamento, aquisição de materiais e serviços, fiscalização e prestação de contas.

Para além das deliberações apontadas, o Conselho Escolar, como colegiado representativo dos diferentes segmentos da comunidade escolar, cumpre as funções: consultiva, que corresponde ao processo de análise-apreciação-retorno das demandas encaminhadas pela comunidade escolar frente às suas necessidades; normativa, que diz respeito à colaboração na construção de regras internas da escola; fiscalizadora, que abrange o acompanhamento das ações realizadas pela escola voltadas ao alcance de sua função social; e mobilizadora, que se relaciona à promoção da participação dos diferentes segmentos da comunidade na vida da escola, contribuindo para a materialização de uma gestão democrática (MATOS, 2006).

Muitas são as experiências já desenvolvidas pelos Conselhos Escolares de instituições públicas brasileiras de ensino desde a instituição da gestão democrática como um princípio institucional (BRASIL, 1988), mas a efetiva vivência da participação popular é, ainda, um desafio comum à maioria dessas instituições.

De acordo com Chauí (2012, p. 154) um dos fatores que se constituem como obstáculo para a vivência do direito à participação é “[...] a ideologia da competência técnico-científica, isto é, a afirmação de que quem possui conhecimentos científicos e técnicos está naturalmente dotado de poder de mando e direção”. Assim, não são raras as experiências em que os conselheiros têm sua ação reduzida à validação das decisões tomadas pelas gestões escolares, sem a efetiva consulta aos segmentos, numa perspectiva autocrática de gestão. Tal redução se deve a fatores de naturezas diversas, como os resquícios dos processos colonizadores vividos pelo Brasil, onde predominou o autoritarismo

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social, que se sustenta numa cultura autoritária e justifica práticas de exclusão e de reprodução da desigualdade social e a insuficiente formação dos conselheiros que acaba por limitar a visão acerca das possibilidades de atuação do Conselho Escolar.

O gestor, como importante animador e facilitador do processo de participação a ser desenvolvido pelo conselho escolar, precisa constantemente atualizar seus conhecimentos acerca das diferentes dimensões da gestão, como a pedagógica, a administrativa e a financeira.

Além dos aspectos de natureza técnica, faz-se necessário o desenvolvimento de aspectos relacionados à capacidade de dialogar, de colocar-se no lugar do outro, de realizar uma escuta sensível das diferentes demandas dos sujeitos, de analisar contextos e de posicionar-se frente às questões de natureza política que se manifestam cotidianamente no chão da escola. Nesse sentido, a formação contínua do gestor e a (re) construção de sua profissionalidade, mais do que uma necessidade, constitui-se como um direito, sem o qual as possibilidades de colaboração deste profissional para o desenvolvimento da escola se tornam limitadas.

Como foi possível observar ao longo desta discussão, o trabalho do gestor escolar é bastante complexo e demanda conhecimentos de naturezas distintas. Assim, a construção dos conhecimentos necessários ao exercício da gestão é um processo contínuo, que se materializa de forma contínua e em relação direta com os desafios que emergem do cotidiano institucional e da relação do gestor com as diferentes instâncias de gerenciamento da educação e com os sujeitos das práticas educativas.

A CONSTRUÇÃO DA PROFISSIONALIDADE DO GESTOR ESCOLAR

Nesta seção do texto, analisaremos aspectos da entrevista realizada junto à gestora de uma escola pública cearense, de um dos municípios que compõem a região metropolitana de Fortaleza, que vem apresentando um histórico de bons resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Para além do histórico de bons resultados, a definição da referida escola como lócus de investigação deu-se, também, por esta ofertar Educação de Jovens e Adultos e desenvolver um projeto de inclusão para pessoas portadoras de necessidades educativas especiais, articulando duas referências desafiadoras presentes no contexto educacional brasileiro do século XXI: a política de resultados e a inclusão social.

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A partir da análise da referida entrevista foram destacados os elementos que se constituíram como referências/desafios para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes por parte da entrevistada, e que podem ser considerados como importantes aspectos no processo de construção da profissionalidade do gestor escolar.

a) A construção identitária e os processos de formação

Ao questionar sobre a forma como a entrevistada vem se construindo como gestora, identificamos em sua resposta as dimensões histórica, processual e relacional da construção identitária, nas quais ocorre a experimentação e a vivência de outros papéis, como o de professora e coordenadora escolar, que agregam valor e sentido a essa construção. De acordo com suas palavras:

Primeiro passei pela sala de aula como professora, mas o desejo de ser gestora iniciou quando eu assumi uma coordenação pedagógica numa escola aqui do município. Como o papel do coordenador se funde também com o papel do gestor, surgiu esse interesse. Dois anos depois assumi a gestão na educação infantil e só depois passei a atuar como gestora no ensino fundamental (Gestora).

O processo descrito pela entrevistada acerca da construção de si como gestor traduz o pensamento de Marcelo (2009, p. 2) sobre a construção da identidade e sua relação com elementos como o contexto e com a intersubjetividade:

A identidade não é algo que se possua, mas sim algo que se desenvolve durante a vida. A identidade não é um atributo fixo para uma pessoa, e sim um fenômeno relacional. O desenvolvimento da identidade acontece no terreno do intersubjetivo e se caracteriza como um processo evolutivo, um processo de interpretação de si mesmo como pessoa dentro de um determinado contexto. Sendo assim, a identidade pode ser entendida como uma resposta à pergunta “quem sou eu neste momento?” A identidade profissional não é uma identidade estável, inerente, ou fixa. É resultado de um complexo e dinâmico equilíbrio onde a própria imagem como profissional tem que se harmonizar com uma variedade de papéis que os professores sentem que devem desempenhar.

Assim, compreendendo a identidade como uma permanente construção que se desenvolve durante toda a vida, podemos afirmar que a ideia de prontidão para o exercício da gestão escolar, pautada exclusivamente no domínio de um determinado conjunto de conhecimentos de natureza técnica sobre administração, legislação e planejamento é incorreta. Tais conhecimentos são pontos extremamente importantes, mas o que trará sentido e significado para todo

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esse referencial de natureza teórica será a sua contextualização concreta no chão da escola, a partir da dinâmica que envolve diferentes sujeitos e subjetividades, demandando do gestor a capacidade de analisar situações, fundamentar suas decisões e resolver os problemas que se apresentam, de forma legal e ética. Nesse sentido, ganham destaque as diferentes dimensões da competência apontadas por Rios (2008), que envolvem além da técnica, as dimensões ética, política e estética.

As possibilidades de construção das diferentes dimensões da competência, apontadas por Rios (2008), podem se dar em diferentes contextos de formação, desde aqueles mais pontuais como os cursos de especialização em gestão escolar, quanto aqueles que acontecem de forma mais sistemática, como os cursos de formação contínua. Indagada sobre sua formação para atuar como gestora, a entrevistada apontou o seguinte:

Para ser gestora escolar precisei fazer uma especialização em gestão, que contribuiu bastante no meu trabalho, na minha função. Além deste curso participei de formações dadas pela Secretaria de Educação. Nesses cursos, como na especialização, eram abordadas questões relacionadas ao currículo, ao PPP, de prestação de contas (que também é uma parte bem complicada). E aí teve um curso mais voltado para este lado do se reconhecer, que também contribuiu bastante no meu trabalho, na minha função, onde eu acho que o principal é você se reconhecer e reconhecer o outro (Gestora).

Os processos de formação apontados pela gestora se constituem, por um lado, como respostas a uma exigência legal para atuação como gestor escolar no estado do Ceará, conforme disposto na Resolução CEE Nº 448/2013; e, por outro lado, como formas de qualificação permanente do trabalho desenvolvido junto à escola.

Dentro das experiências de formação vivenciadas pela entrevistada, merece destaque, em nossa compreensão, aquela que se propôs a promover processos reflexivos, permitindo ao gestor olhar para si, reconhecendo-se como sujeito. O olhar para si, para seus limites e possibilidades, para suas fortalezas e fragilidades, permite ao gestor o desenvolvimento de uma postura avaliativa sobre si mesmo e sobre suas necessidades de aprendizagem. Permite, ainda, olhar para o outro e para o contexto, identificando nestes referenciais possibilidades de construção de novos conhecimentos. Esta perspectiva formativa associa-se à ideia de formação contínua apresentada por Lima (2001, p. 115) como “o processo de articulação entre trabalho docente, conhecimento e desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de uma postura reflexiva dinamizada pela práxis”.

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b) Temores e desafios encontrados no exercício da gestão

Quando solicitada a apontar os temores presentes no início de sua carreira como gestora escolar, em relação ao saber fazer dessa função, a entrevistada apontou para a política dos resultados, que se constitui como forte elemento de avaliação do trabalho desenvolvido na escola.

O medo maior que eu tive quando vim pra escola era por conta dos resultados. O município tem a escola como uma daquelas que se destaca em relação aos resultados e que a comunidade vem sempre procurando. O meu medo maior era em relação a isso. E aí eu me perguntava: qual o segredo da escola? O que é que acontece lá? Como é que eles alcançam esses resultados? (Gestora).

A resposta da gestora aponta para o estado de tensão presente no contexto brasileiro atual, em que os resultados quantitativos expressos nas avaliações de larga escala constituem-se como os maiores referenciais de qualidade do trabalho. Ao analisar os elementos presentes na instituição desta “cultura avaliativa” nos sistemas de ensino, Setúbal (2007) apresenta alguns elementos que justificam como possibilidades de adesão ou de resistência a este processo pelos gestores. Dentre eles destacamos: as políticas educacionais, que definem tanto a forma como a avaliação será aplicada, como o que será feito a partir dos resultados; e as estratégias e formas de divulgação dos resultados, que envolvem a preocupação com o uso da informação produzida.

Independentemente do que se propunha originalmente como matriz filosófica, política e pedagógica dos processos de avaliação externa, o que se sobressai no campo das práticas são demandas crescentes por bons resultados sem que se invista, necessariamente, nas condições materiais para que tais resultados se construam. É neste fator que residem as principais dificuldades dos gestores e que justificam o temor da entrevistada em alcançar ou não os resultados esperados pela Secretaria Municipal de Educação.

Dando continuidade às reflexões, indagamos sobre os principais desafios presentes na escola, considerando as políticas educacionais vigentes. A gestora apontou para a articulação entre a inclusão educacional e a perspectiva de resultados decorrentes das avaliações externas. Sobre a inclusão educacional a entrevistada pontuou:

Quando eu cheguei aqui eu encontrei e ainda encontro muita dificuldade em fazer com que a inclusão aconteça, né? Porque incluir não é só garantir a matrícula. Garantir a matrícula pra mim é o mais fácil, porque eu estou na gestão e tenho como garantir. Mas incluir essas crianças numa sala regular e fazer com que eles tenham acesso ao currículo, ao conhecimento e que eles não frequentem a escola só por frequentar é a parte mais complicada [...] (Gestora).

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A fala da gestora nos remete a uma compreensão alargada do direito à educação, que supera a dimensão cartorial da matrícula e avança para o direito a aprender. De acordo com Bobbio (2004, p. 16) “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. Nesse sentido, a visão da gestora, aliada a uma postura diante de problemática da inclusão e dos direitos, nos permite compreender que sua profissionalidade extrapola a visão meramente técnica e avança para outros campos, como o da estética, da ética e da política. Sobre a política de resultados, a gestora destacou que:

[...] Eu acho que tudo é a forma como a gente recebe essa questão dos bons resultados e do IDEB. Algumas pessoas vão só pelas avaliações, mas educação não é só avaliação! Quando eu busco cumprir com a garantia da inclusão e da aprendizagem e fazer com que tudo isso aconteça, o resultado vai ser bom, vai ser positivo. Não precisa eu ficar pensando só na avaliação, só no simulado, porque não vai precisar só disso! Não é só isso que ele vai fazer na escola, ele não está aqui só pra fazer uma prova do SPAECE e pronto! É muito mais do que isso! E a parte mais difícil é fazer com que tudo isso aconteça (Gestora).

A leitura da gestora acerca da política de resultados nos remete ao pensamento de Pacheco (2011, p. 382), ao afirmar que:

Presente a partir dos pressupostos econômicos e dos mecanismos de funcionamento, as políticas de educação e formação são legitimadas, hoje em dia, pela lógica de mercado, principalmente quando se assume a eficiência organizacional, baseando-se na recontextualização do currículo, com vista à melhoria de níveis de performance num quadro de qualificação definido em standards.

A melhoria dos quadros de desempenho dos alunos geralmente tem se organizado a partir de estratégias de natureza técnica, como elaboração de bancos de itens a partir das matrizes de referência das avaliações de larga escala, seguida da aplicação sistemática de simulados para a realização de diagnósticos contínuos. A visão da gestora supera esta perspectiva e defende a visão de currículo comprometida com uma formação cidadã e emancipatória, conforme expressam as diferentes diretrizes curriculares publicadas pelo Ministério da Educação ao longo da última década. Assim, concordamos com Pacheco (2011, p. 378), quando afirma que “[...] currículo implica complexidade e conflito, construído no dissenso, já que sobre o conhecimento há várias perspectivas que traduzem as funções da escola”.

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c) Aprendizagens da prática de gestão escolar

Considerando os temores e desafios presentes na caminhada da gestora, indagamos sobre as estratégias utilizadas pela mesma para superá-los. Em sua resposta visualizamos que a escuta sensível e o processo de formação centrado na escola têm se tornado importantes referências para o desenvolvimento do trabalho da gestão. Sobre a escuta sensível, a gestora diz:

Eu escuto bastante. E assim, quando eu vinha pra escola e disse lá na secretaria de educação que eu vinha com muito medo, uma professora chegou pra mim e falou: você chegue lá e escute. Não diga nada, escute! E eu acho que isso vem dando muito certo. Você ouvir o professor, o vigia, a merendeira. Ouvir os pais, ouvir os alunos. E aí a partir do que eu escuto, eu vou vendo onde estão as falhas, onde estão os acertos e procurando melhorar, pra que essas coisas caminhem bem (Gestora).

Sobre a formação centrada na escola, a gestora aponta:

[...] nos dias de planejamento coletivo, nós escolhemos um eixo para estudar, que não é o diagnóstico, não é a avaliação e não é o resultado. A inclusão, os projetos da biblioteca, os projetos de leitura, como desenvolver uma boa leitura na escola. Nós fazemos muito isso, trabalhar o grupo, a humanização, as relações, o afeto, o aluno como um ser completo, todo e não fatiado. Aí nós pegamos esses momentos do planejamento e de acordo com as dificuldades que vamos encontrando no dia a dia, a gente pega um momento e faz um estudo. Eu sempre pego alguma pessoa pra fazer o estudo comigo, eu nunca vou só. Eu pego um professor da biblioteca, se for pra falar de projeto de leitura; da inclusão eu pego a professora do AEE; se for pra falar de dificuldade de comportamento, eu convido um professor que está encontrando esta dificuldade e, juntos, nós estudamos, preparamos o material e fazemos um dia inteiro de estudo (Gestora).

A formação centrada na escola rompe com os paradigmas da racionalidade técnica, seguindo em direção a uma racionalidade prático-reflexiva que reconhece nos problemas ocorridos no contexto escolar como temas constituintes dos processos formativos nos quais estão presentes aspectos a serem problematizados, estudados e resolvidos através dos processos de colaboração entre os diferentes profissionais.

Para Imbernón (2006), a formação centrada na escola favorece aos sujeitos participantes uma compreensão de suas próprias tarefas profissionais, como também oportuniza a partilha de possibilidades para melhorá-las, ultrapassando meras regras estabelecidas pelos órgãos de controle da educação. Nesse processo a identificação das situações limite da escola ocorre através da escuta sensível, compreendida como “um movimento de ‘escutar-ver’, que se apoia na empatia. Supõe uma inversão da atenção, antes de situar uma pessoa em seu lugar, comecemos por reconhecê-la em seu ser, em sua qualidade de pessoa complexa” (BARBIER, 2002, p. 2).

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Assim, o desenvolvimento da escuta sensível requer do gestor a ampliação de sua sensibilidade para apreender os ditos e os não-ditos, e de humanizar as relações estabelecidas com os diferentes sujeitos da comunidade escolar. A capacidade de desenvolver a escuta sensível não se refere ao desenvolvimento de um conjunto de técnicas de coleta de dados sobre a realidade a partir dos sujeitos, mas diz respeito à visão de mundo e a capacidade de acolhimento às diferentes demandas que surgem no contexto e nas dinâmicas de trabalho.

Romper com a dinâmica de trabalho instituída historicamente no contexto da escola, que reduz as possibilidades de encontro do coletivo a uma sequência de avisos de cunho administrativo e ao anúncio de calendários de atividades previamente agendadas pela gestão, para abrir lugar para o estudo, para a problematização das práticas e para a implicação dos diferentes sujeitos, não é um processo fácil de mudanças. Assim, quando questionamos sobre a reação dos professores a essa nova perspectiva do trabalho coletivo presente na formação centrada na escola, a gestora destacou respectivamente os processos de resistência, seguidos dos de adesão:

No início houve muita resistência, sim! Bastante! Ainda é difícil, mas deu certo! A inclusão aconteceu, ainda não está do jeito que é pra ser, mas está acontecendo e aí todos os outros projetos da escola, da biblioteca, o Proerd, enfim, todos os programas da escola, todos funcionando, nós ainda temos bons resultados. E aí eu consegui provar pra eles que não é só fazer um simulado e preencher um gabarito, e ver quantos alunos estão no vermelho, no amarelo, no verde, tá no laranja [...] nós não fizemos tudo isso no ano passado e não deu certo?! Quando tudo flui, quando tudo acontece, o resultado é positivo. Não precisa a gente adoecer pensando só na avaliação externa (Gestora).

Além da reação dos professores, nos interessava saber da reação das coordenadoras pedagógicas em relação a essa nova perspectiva de trabalho que rompia, de certa forma, com as orientações da Secretaria Municipal de Educação. Segundo a gestora,

Eu acho que a situação delas é mais complicada do que a minha, porque quando elas vêm propor o estudo da avaliação, da prova tal, do resultado, das metas eu digo: não, nós não vamos estudar isso! Eu acho que muitas vezes elas ficam até chateadas e dizem “nós precisamos estar assim, ou assim...” e eu digo nós vamos ficar. Não tem problema! Aí essas dificuldades que nós encontramos, fazemos no planejamento, com cada professor, de acordo com cada turma. Ele tem o seu meio planejamento aqui na escola, e aí sentamos (eu, a coordenadora e ele), e trabalhamos em cima do que ele está tendo de dificuldades, dos materiais que ele vai precisar e aí vai dando certo (Gestora).

As estratégias de trabalho apresentadas pela gestora para superar os desafios que se apresentam à escola, como a política do mérito, por exemplo, indicam a necessidade de desenvolvimento de uma postura autoavaliativa,

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que permita ao coletivo de trabalho visualizar seus limites e possibilidades; aliada à leitura crítica dos contextos e ao posicionamento ético político diante dos mesmos. Assim, podemos dizer que a gestão é, para além do domínio de um repertório de conhecimentos técnicos sobre a educação, uma forma de intervir no mundo. A autonomia escolar, neste contexto, implica a construção de conhecimentos e a fundamentação teórica e legal de cada escolha, o que demanda do gestor (re) construção permanente de sua profissionalidade e o estímulo à formação contínua dos demais profissionais de modo que todos tenham condição de analisar, propor, intervir e empreender mudanças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atual contexto das políticas educacionais contemporâneas é marcado pela perspectiva neoliberal que articula a educação a interesses mercadológicos. Tal perspectiva vem demandando do gestor escolar a priorização de construção de uma profissionalidade sustentada em critérios de uma racionalidade técnica, orientados pela teoria da administração geral, que o permitam atuar de forma eficiente e eficaz no processo de gestão, de modo a alcançar o máximo de resultados com o mínimo de recursos.

A priorização da dimensão técnica e da busca por resultados tem distanciado a escola de discussões mais abrangentes sobre o currículo e a função social desta instituição junto aos sujeitos e à sociedade e reduzido a ação de coordenadores escolares e professores ao desenvolvimento de estratégias de treinamento de competências e habilidades junto aos alunos, de modo a prepará-los para a resolução dos itens constituintes das avaliações em larga escala.

A leitura crítica da realidade e o diálogo com a gestora que se constituiu como sujeito desta investigação nos aponta que os principais desafios enfrentados pela escola, nos dias de hoje, se relacionam ao resgate da humanização das relações e à formação orientada para a emancipação. Para fazer frente a estes desafios, o gestor escolar precisa desenvolver outras dimensões de sua competência, para além da técnica, como a política, a ética e a estética.

A profissionalidade do gestor escolar, diante do exposto, é construída no exercício de sua profissão, tomando como ponto de partida e como ponto de chegada os desafios que se colocam como situação limite ao desenvolvimento do projeto político-pedagógico. Tal profissionalidade não se constrói individualmente e de maneira neutra. Constrói-se a partir do diálogo com os diferentes sujeitos da prática educativa e com um claro posicionamento ético e político que dá sentido e direção às ações coletivas.

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Que a formação centrada na escola e o desenvolvimento da escuta sensível se constituam como importantes referências para os processos formativos dos gestores escolares e para a construção de sua profissionalidade, reafirmando que o compromisso primeiro da educação seja com as pessoas.

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ELISANGELA ANDRÉ DA SILVA COSTA é doutora em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e atua como pesquisadora e professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). E-mail: [email protected]

MARIA SOCORRO LUCENA LIMA é doutora pela Universidade de São Paulo, instituição onde também realizou estágio de pós doutoramento. Atua como professora de pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

MARIA CLEIDE DA SILVA RIBEIRO LEITE é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), professora da educação básica e de instituições de ensino superior e tutora de cursos de graduação semipresencial. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Gestão da aprendizagem em tempos de Ideb: percepções dos docentes

Learning management in Ideb times: perceptions of teachersGestión del aprendizaje en tiempos de Ideb: percepciones de los maestros

SOFIA LERCHE VIEIRA ELOISA MAIA VIDAL

JAANA FLAVIA FERNANDES NOGUEIRA

Resumo: Problematizando as repercussões em torno da divulgação dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2013, este artigo analisa as políticas de avaliação de larga escala, a gestão e o trabalho docente neste contexto. Visando compreender se e como os professores se posicionam face às dificuldades de aprendizagem dos alunos são analisadas algumas respostas do Questionário do Professor dos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, integrante da Prova Brasil 2011. Considerações finais buscam estabelecer nexos entre os tópicos tratados.

Palavras chave: Tempos de Ideb; avaliação de larga escala; séries finais do ensino fundamental; percepções docentes; dificuldades de aprendizagem.

Abstract: This paper analyzes large scale evaluation policies, the management and the teaching work discussing the repercussions around the dissemination of the results of the 2013 Indice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - Basic Education Development Index (Ideb). The aim is to understand whether and how teachers face their students’ learning difficulties analyzing some Teacher Questionnaire responses of the 2011 Brazilian national exam named Prova Brasil which is applied in the 5th and 9th years of elementary school. Final considerations seek to establish links between the topics.

Keywords: Basic education development Index (Ideb) times; Brazilian large scale evaluation; final grades of elementary and lower secondary education; teachers’ perceptions; learning difficulties.

Resumen: Problematizando las repercusiones en torno a la divulgación de los resultados del Índice del Desarrollo de la Educación Básica (Ideb) 2013, este artículo analisa las políticas de evaluación de amplia escala, la gestión y el trabajo docente en este contexto. Buscando comprender si y como los profesores se posicionan ante las dificultades de aprendizado de los alumnos son analisadas algunas respuestas del Questionario del Profesor de los 5º y 9º años de la Enseñanza Fundamental, integrante de la Prueva Brasil 2011. Consideraciones finales buscan establecer nexos entre los tópicos tratados.

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Palabras clave: Tiempos do Ideb; evaluación de amplia escala; series finales de la enseñanza fundamental; percepciones docentes; dificultades de aprendizaje.

INTRODUÇÃO

As políticas de avaliação de larga escala que vem se instalando no cotidiano da gestão escolar desde a segunda metade da década de noventa do século XX no Brasil, têm suscitado novas formas de organização do trabalho docente. O presente artigo discute impactos de tais políticas na escola, aprofundando características desse novo modo de produção e de gestão da aprendizagem naquilo que alguns estudos têm denominado de tempos de Ideb (MACEDO, 2011, CARDOSO, 2011 e VIDAL & VIEIRA, 2014), contexto sobre o qual a presente reflexão se detém. O ensaio procura desenvolver o argumento de que o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) tem se transformado em um grande indutor do trabalho de gestores e professores, daí porque, como síntese toma-se o momento vivido pela política educacional e pela escola como tempos de Ideb. Além de trazerem uma nova lógica para a organização e a gestão da escola, esses tempos têm contribuído para novas configurações e ritmos no trabalho docente.

RESULTADOS DO IDEB – UMA SURPRESA ANUNCIADA?

Quando foi divulgado o Ideb 2013, os resultados do 9º ano do ensino fundamental surpreenderam a imprensa em geral, políticos e estudiosos. O chamado efeito onda, que seria resultante da melhoria continua dos resultados de aprendizagem do 5º ano desde 2005 não chegou à última etapa do ensino fundamental. O que teria acontecido? As crianças estariam obtendo melhores níveis de desempenho nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, mas não evoluíam na aprendizagem de modo a dar continuidade a esse processo nos quatro anos seguintes? Onde estaria a fonte de dificuldades?

Buscando elementos para responder tais indagações este artigo discute questões relacionadas à política e a gestão no contexto da avaliação de larga escala, procurando, ao mesmo tempo, explorar informações coletadas no Questionário do Professor, um dos questionários contextuais integrantes da Prova Brasil 2011, particularmente algumas que permitem elucidar como os professores percebem as dificuldades de aprendizagem de seus alunos. A escolha desse corpus de análise articula-se a incursões anteriores sobre a matéria (VIDAL e VIEIRA, 2011). Em 2013, Rabelo afirmaria, baseado na série histórica do Saeb 1997 – 2005, que

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os resultados de desempenho dos alunos do 8ª/9º ano estavam estagnados desde 1999 (p. 38).

Além de avaliar, de forma bastante ampla, o desempenho dos alunos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática nos 5º e 9º anos do ensino fundamental em escolas públicas, a Prova Brasil aplica junto a diretores, professores das disciplinas, alunos e escolas, questionários contextuais. Estes procuram captar informações sobre o “contexto socioeconômico e as características de alunos, professores, diretores e escolas, bem como sobre as condições em que ocorrem os processos de ensino e aprendizagem” (INEP, 2013).

Segundo o Inep (2002), “os questionários contextuais desempenham o papel de oferecer fatores explicativos para a modelagem do desempenho dos alunos, medida pelos instrumentos cognitivos” (p. 45). A cada edição, os questionários sofrem alterações1 e desempenham importante papel na “produção de indicadores de qualidade das condições de escolarização e a modelagem de como esses indicadores se distribuem entre alunos de origem sociodemográfica distinta” (RAUDENBUSH, RANDALL e CHEONG, 1999 apud INEP, 2002, p. 46).

Conforme já referido, este artigo toma algumas questões do Questionário do Professor em consideração na expectativa de verificar como os docentes percebem os problemas relativos à aprendizagem de seus alunos. Antes, porém, é oportuno, situar a avaliação de larga escala e suas interfaces com a política e a gestão escolar.

AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA, POLÍTICA E GESTÃO

A avaliação de larga escala começa a chegar ao Brasil pelo final dos anos 1980, quando o governo federal e alguns governos estaduais (BROOKE & CUNHA, 2010) deflagram iniciativas diversas visando aferir resultados de estudantes em provas aplicadas em escolas da rede pública. Foi neste contexto que surgiu o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), desenvolvido pelo Ministério da Educação, que por seu alcance e abrangência nacional será aqui focalizado por atingir todas as unidades da federação.

Tal como concebido originalmente o Saeb constituía-se em “um sistema de avaliação amostral, operacionalizado a cada dois anos com a finalidade

1 Com o objetivo de aprimorar a qualidade das informações de contexto produzidas pelos questionários do Saeb e, ainda, possibilitar a exploração de novos aspectos da realidade educacional, cuja análise ora se mostra importante, a Diretoria de Avaliação da Educação Básica do Inep desenvolveu, no decorrer do ano de 2003 a revisão dos questionários utilizados nas aplicações do Saeb em 1995, 1997, 1999 e 2001 (INEP, 2006, p. 172).

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principal de avaliar a qualidade, equidade e eficiência do ensino e da aprendizagem no âmbito do Ensino Fundamental e do Médio” (VIEIRA, 2008b, p. 115).

Tendo sido gradativamente ampliado, em 2005 passou a configurar-se como um sistema composto por duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento no Ensino Escolar (Anresc), também conhecida como Prova Brasil, cuja primeira edição foi realizada naquele mesmo ano. Em 2013, o Saeb passa a incorporar uma terceira avaliação, a Avaliação Nacional de Alfabetização (Ana), realizada anualmente de forma censitária, com alunos do 3º ano do ensino fundamental das escolas públicas, avaliando os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e alfabetização Matemática.

A Prova Brasil permitiu que estados, municípios e escolas públicas de ensino fundamental pudessem acompanhar seus resultados. Na prática, tal medida contribuiu para uma mudança no percurso das políticas de avaliação de larga escala no país. A divulgação dos indicadores de desempenho gradativamente instituiu um ambiente propício ao surgimento de uma cultura de responsabilização, conforme se destaca adiante.

A esta mudança veio a somar-se a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007, com o objetivo de “medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para a melhoria do ensino” (http://portal.mec.gov.br/ index.php?Itemid=336> Acesso em: 10 ago. 2014)

Conforme observado,

A aplicação da fórmula do Ideb a estados, municípios e escolas incorpora dados de rendimento escolar (taxa de aprovação) e resultados da Prova Brasil. Desde então, sua divulgação tem sido acompanhada com interesse por parte de formuladores e executores de políticas educacionais, o que constitui evidência de sua relevância para a aferição do desempenho escolar de estudantes da Educação Básica e seu caráter estratégico na definição de políticas de melhoria da qualidade da educação. A mobilização e destaque que os meios de comunicação têm oferecido à divulgação dos resultados do Ideb tem desempenhado papel relevante junto à opinião pública e contribuído, de forma expressiva, para a popularização da agenda educacional junto a sociedade em geral (VIEIRA e VIDAL, 2013, p. 22).

O Ideb tem facilitado a implantação daquilo que vem sendo chamado de política de responsabilização ou accountability em educação. Segundo Cerdeira e Almeida (2013)

Na lógica da responsabilização educacional, os profissionais da educação são considerados corresponsáveis pelo desempenho dos alunos (BROOKE, 2006). Neste modelo, os resultados escolares passaram a ser divulgados publicamente, o

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que gerou o rankeamento das escolas e maior exposição de professores, gestores escolares e gestores de redes de ensino (p. 1)

Com efeito, este é um tema polêmico tanto no âmbito governamental, quanto sindical e acadêmico. Há posições divergentes a respeito da matéria. Enquanto uns se manifestam a favor “do aprimoramento das políticas e da criação de uma cultura avaliativa” (BROOKE, 2006 e 2008; SOUZA, 2007); outros, como Souza & Oliveira (2003), Freitas (2007), Coelho (2008), Barriga (2009) e Casassus (2009) são críticos desta posição.

Os argumentos favoráveis defendem “que os sistemas de avaliação possibilitam o desenvolvimento de políticas públicas e ações pedagógicas que contribuem para o monitoramento da aprendizagem e a elevação da qualidade do ensino” (VIANNA, 2003; ALAVARSE, MACHADO e BRAVO, 2012) ou por “permitirem a identificação e análise das consequências das políticas já implementadas e seus efeitos no desempenho discente” (FRANCO, ALVES e BONAMINO, 2007).

Os argumentos contrários às políticas de responsabilização, por sua vez, destacam

os efeitos negativos como a imposição dessas políticas pelo governo, sem maiores esclarecimentos; o estabelecimento de rankings escolares; o fato das avaliações não medirem o real trabalho feito na sala de aula; o engessamento do currículo e das práticas docentes, sobretudo nas disciplinas de português e matemática; e a responsabilização do professor, pois não se sentem amparados pelas secretarias e coordenadorias de educação, além de enfrentarem sérios problemas sociais e de violência nas escolas. As críticas também evidenciam a padronização das provas e os usos inadequados dos resultados pelos gestores educacionais (Cerdeira & Almeida, 2013, p. 2)

Segundo as autoras, há de se destacar ainda, os “efeitos perversos” das políticas de responsabilização (RAVITCH, 2010), em particular

as que estabelecem prêmios e punições e que podem provocar o aumento da desigualdade intraescolar, a saber: foco no treinamento para responder as questões da prova em detrimento da aprendizagem; exagero de provas e simulados que causam a perda de aulas; professores e diretores podem deliberadamente investir nos alunos que tem chance de alcançar as metas (notas) estipuladas, “abandonando” os grupos extremos (os melhores e os piores); estímulo aos piores alunos para faltarem à prova; etc” (IDEM)

Qual o interesse desse debate para o tema de nossa reflexão? A gestão das políticas de avaliação de larga escala é feita pelo que poderia ser denominado

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de “cadeia produtiva” da educação, envolvendo em cada etapa atribuições e especificidades, desde o Ministério da Educação (MEC), passando pelas secretarias estaduais e municipais, até chegar às escolas. Cada uma dessas etapas envolve um imenso contingente de instituições e sujeitos que se dedicam a esse processo e os professores vêm ocupando papel de destaque.

Como nas demais instâncias pelas quais circula, a avaliação de larga escala aporta na escola sob a forma de produto e de processo. Enquanto produto a avaliação assume o formato de provas – que a escola não pediu ou sequer foi consultada para aplicar – e de resultados obtidos por seus alunos, os quais por sua vez impactam de diversas maneiras o cotidiano escolar. Enquanto processo, em maior ou menor grau, a avaliação de larga escala passa a ser incorporada à vida da escola de inúmeras maneiras e em diferentes dimensões do currículo. Os professores, por sua vez, são considerados os principais responsáveis pela implementação dos processos e pelos produtos obtidos, nesse caso, em forma de resultados de aprendizagem dos alunos.

Algumas escolas elegem as avaliações de larga escala como fonte permanente de inspiração para o seu trabalho; outras preferem prosseguir fazendo o que sempre fizeram ou até mesmo ignorá-las. Fato é que ano a ano e passo a passo tem se tornado mais difícil fazer de conta que as avaliações externas não existem. Isto porque a escola e seus docentes não apenas são cobrados, como também premiados (e cada vez mais!) e mesmo punidos por seu desempenho.

IMPACTOS SOBRE O TRABALHO DOCENTE

Tendo examinado a política de avaliação de larga escala e as etapas de sua gestão, chegamos, por fim, ao tema central da análise – o trabalho docente. Algumas perguntas aqui se colocam: como todos esses componentes da política e de sua gestão se combinam e atingem os professores? Seus impactos sobre eles são semelhantes para todos ou diferenciados por segmentos? O trabalho docente permanece o mesmo, ou é alterado pelas novas circunstâncias que passam a se fazer presentes na dinâmica da escola? Que novos desafios se colocam para o fazer pedagógico dos professores diante desse contexto?

Em um ambiente cada vez mais propício à transparência pública, sob o advento de legislação específica (BRASIL. Lei nº 12.527/11) e de portais que se disseminam por todo país2, “prestar contas” passa a ser um valor cada vez mais presente na dinâmica político-social e, consequentemente, nos sistemas de ensino e suas respectivas redes escolares.

2 Ver, a propósito: <portaldatransparencia.gov.br>

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A prestação de contas em si não é um valor negativo; ao contrário. A escola enquanto um bem público precisa dizer a que veio à sociedade que a criou e a mantém, que, via de regra, deve se expressar pelo sucesso na aprendizagem dos alunos. O problema reside nos usos correlatos que vem se fazendo das avaliações. Refere-se ao modo como as políticas de prestações de contas são veiculadas pelos sistemas de ensino. Cria-se toda uma parafernália gerencial e política em torno das provas, aí incluindo o ranqueamento (ranking) entre sistemas e instituições.

Neste contexto, aquilo que deveria representar um diagnóstico de um momento da vida escolar (a avaliação externa), passa a ser vivido como se fosse sua essência. Sistemas e escolas passam a viver sob o signo da avaliação de larga escala atendendo a uma lógica imposta de fora para dentro. De instituição comprometida com a formação para a cidadania, veiculação e transmissão do saber, a escola passa a se configurar como uma pequena linha de montagem onde gestores, professores e estudantes passam a valer pelos bens que produzem sob a forma de resultados.

Algumas perguntas emergem neste contexto. Em primeiro lugar, como todos esses componentes da política e de sua gestão se combinam e atingem os professores? As políticas de avaliação de larga escala têm efeitos diretos sobre a escola e o trabalho docente. Se antes era possível manter uma lógica de funcionamento gerida internamente, em que gestores e professores podiam decidir sobre o que fazer e como fazer, respeitando a realidade local; hoje, não mais. O trabalho escolar, ainda que mantenha muitos elementos de seu modo de produção anterior, foi profundamente alterado pelas orientações advindas de tais políticas.

A segunda indagação diz respeito aos efeitos das políticas de avaliação sobre os docentes. Seus efeitos são semelhantes para todos ou diferenciados por segmentos? A resposta a esta questão poderia ser resumida nos seguintes termos: se a escola é impactada como um todo, os docentes são atingidos de forma diferenciada, a depender das disciplinas e das séries onde atuam. Aqui muitas questões se colocam, a começar pelo gerenciamento do currículo.

Em tempos de Ideb o maior destaque é para as disciplinas que se constituem em objetos, por excelência das provas, Língua Portuguesa e de Matemática, sendo que as demais disciplinas passam a ocupar um lugar hierarquicamente inferior em termos de carga horária e importância epistemológica no currículo. Tal tendência, detectada por alguns estudos no campo há alguns anos (VIDAL & VIEIRA, 2011 e 2014), tem se acentuado com o passar do tempo e com o processo de enraizamento da avaliação de larga escala no chão da escola. Assim como algumas disciplinas são privilegiadas em termos

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de currículo, do mesmo modo, as séries selecionadas para aplicação das provas tendem a receber maior atenção que as demais. Embora não seja uma regra e não ocorra em todas as escolas, vem se criando uma hierarquia entre docentes, que se instaura a depender de suas áreas de formação e atuação e das séries onde trabalham.

As considerações acerca das políticas, da gestão e do trabalho docente oferecem elementos para situar o contexto onde os docentes se movimentam. Feito isto, é oportuno examinar como estes se colocam face às dificuldades de aprendizagem de seus alunos. É hora, pois, de examinar o conteúdo do Questionário do Professor da Prova Brasil que indagam sobe a matéria.

ANALISANDO RESPOSTAS DOS DOCENTES À PROVA BRASIL 2011

A expectativa frustrada de que a melhoria nos resultados de desempenho dos alunos do 5º ano se alastraria por meio do efeito onda aos alunos do 9º ano, provocando melhoria de resultados de aprendizagem ao fim do ensino fundamental, foi o que motivou uma investigação mais detalhada acerca dos conteúdos presentes no Questionário do Professor da Prova Brasil.

Em tempos de Ideb, os professores têm sido os personagens no processo educacional a quem mais tem se dirigido críticas e responsabilidade sobre o desempenho dos alunos em avaliações de larga escala. Tal fato é decorrente de estudos internacionais que reforçam o argumento de que os docentes são os principais responsáveis pelos resultados de aprendizagem dos alunos (LEITHWOOD et al, 2006, VOLANTE, 2012; MCKINSEY & COMPANY, 2007 e 2010; Pearson, 2012).

No Brasil, estudos realizados pelo Ministério da Educação e por instituições não governamentais mostram que a associação entre resultados de aprendizagem dos alunos e responsabilização dos professores se faz presente, embora ainda não se disponha de dados mais objetivos. É o que se observa, por exemplo, no estudo de Parandekar et al (2008) quando afirma que “professores atuantes, capacitados e compromissados com uma educação de qualidade” são aspectos que contribuem para a melhoria das políticas educacionais municipais. Outra pesquisa realizada pelo Inep (2010) aponta o elevado senso de responsabilidade profissional dos docentes em relação ao sucesso dos alunos e preservação e otimização do tempo escolar como determinantes para a melhoria do desempenho.

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Este artigo focaliza a base de dados referente ao Questionário do Professor, utilizando os microdados3 da Prova Brasil 2011, aplicado a 304.412 docentes dos quais 150.972 atuam no 5º ano e 153.440 no 9º ano. O instrumento contém 152 perguntas, agrupadas, a partir de critérios dos autores, em seis grandes blocos: perfil profissional, livro didático, práticas pedagógicas, dificuldades de aprendizagem, violência na escola, participação na gestão escolar. Tais questões podem ser reagrupadas em outras subcategorias ou mesmo analisadas individualmente, e representam um acervo valioso sobre o que pensam ou expressam os docentes acerca de vários assuntos. Excluindo o Censo Escolar da Educação Básica, aplicado anualmente pelo Inep, e que nos últimos anos vem coletando informações mais detalhadas sobre docentes, essa pode ser considerada a maior base de dados4 acerca de professores de Língua Portuguesa e Matemática, disponível para pesquisadores, em anos recentes.

O Questionário do Professor 2011 não permite identificar o número de docentes por disciplina, embora exista um bloco de questões dirigidas especificamente para os professores de Língua Portuguesa (questões 133 a 141) e outro para os de Matemática (questões 142 a 152), o que permite estimar a partir do quantitativo de respondentes, com boa aproximação, o número de docentes de cada disciplina. Para confirmar a estimativa, buscaram-se os dados do Questionário do Professor da Prova Brasil 2007, que identifica a disciplina do docente e descobriu-se que as quantidades são praticamente as mesmas, ou seja, tanto no 5º ano como no 9º ano, a quantidade de docentes de Língua Portuguesa e de Matemática são equivalentes.

ELEMENTOS DE UM PERFIL PROFISSIONAL

Antes de investigar aspectos relacionados às dificuldades de aprendizagem dos alunos, indicadas pelos professores de 5º e 9º anos, procurou-se observar alguns dados sobre o perfil5 desses profissionais. Dos 150.972 professores do 5º ano, 48.321 (32%) não preencheram o questionário e 102.663 o fizeram de forma parcial ou total, sendo que tal fato dá uma média de respostas em branco da ordem de 40,1%. No caso dos docentes de 9º ano, dos 153.440 respondentes, foram identificados 22.120 (14,4%) questionários em branco e

3 Os microdados encontram-se disponíveis em http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar. 4 Importante informar que a Prova Brasil 2011 foi a que atingiu o maior número de escolas, diretores e professores. Enquanto a Prova Brasil 2007 aplicou questionários a 292.828 docentes, a de 2009 aplicou a 216.495, a de 2011 abrangeu 304.412 professores. 5 Os autores selecionaram parte das informações contidas nas questões 1 a 36 para analisar o perfil profissional dos professores. Essa análise se restringiu a simples cálculos de percentagens, sem maiores inferências estatísticas e sem esgotar, também, a quantidade de dados disponíveis.

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131.308 preenchidos parcial ou total, com uma média de respostas em branco da ordem de 22,3%.

A análise a seguir toma como referência apenas a quantidade dos docentes que respondeu o questionário e cada uma das perguntas, excluindo aqueles que responderam em branco, pelo fato desse tipo de resposta não fornecer objetivamente nenhuma informação acerca das alternativas propostas no questionário. No intuito de investigar elementos do perfil dos docentes que pudessem dar pistas sobre os resultados de desempenho dos estudantes nas provas aplicadas no 5º e 9º anos, a análise procura destacar elementos comparativos entre os professores.

O quadro 1 mostra dados relativos a sexo dos docentes que atuam no 5º e 9º ano do ensino fundamental.

Quadro 1 – sexo dos professores participantes da prova Brasil 2011

Sexo 5° ano % 9° ano %

Masculino 9.776 9,9% 36.024 28,2%

Feminino 89.180 90,1% 91.826 71,8%

Total 98.956 100,0% 127.850 100,0%

Os dados mostram que no 5º ano prevalecem docentes do sexo feminino, com apenas 9,9% destes do sexo masculino, enquanto no 9º ano, 28,2% dos professores são do sexo masculino, a maioria de Matemática. Esse dado está associado à cultura brasileira, que durante muitas décadas depositou na professora primária, a responsabilidade pelo ensino das primeiras letras (DERMATINI, 1993; LOURO, 1997; NARVAES & OLIVEIRA, 1999, WERLE, 2005 e, DRABACH e FREITAS, 2012).

Os dados do quadro 2 mostram as faixas de idade em que se situam os professores envolvidos na pesquisa.

Quadro 2 – idade dos professores participantes da prova Brasil 2011

Idade 5° ano % 9° ano %

Até 24 anos 2.360 2,4% 4.630 3,6%

De 25 a 29 anos 8.727 8,9% 14.696 11,6%

De 30 a 39 anos 34.379 35,0% 44.543 35,0%

De 40 a 49 anos 37.044 37,7% 42.951 33,8%

De 50 a 59 anos 9.574 9,8% 12.228 9,6%

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Idade 5° ano % 9° ano %

55 anos ou mais 6.076 6,2% 8.110 6,4%

Total 98.160 100,0% 127.158 100,0%

Nesse caso, registram-se diferenças entre os docentes nas faixas de 25 a 29 anos, com 8,9% atuando no 5º ano e 11,6%, no 9º ano e na faixa de 40 a 49 anos com 37,7% dos docentes no 5º ano e 33,8% no9º ano, evidenciando que no 9º ano é mais frequente professores em início de carreira, com menos experiência na docência.

No que se refere a dados sobre formação profissional, os docentes do 9º ano com graduação em cursos presenciais chegam a 89,8% enquanto os do 5º ano são 74,9%; sendo que 11,4% e 9,4% dos docentes do 5º ano realizaram seus cursos nas modalidades semipresenciais e a distância, fato que só ocorreu para 6,2% e 3,4% dos docentes do 9º ano. Outro aspecto que chama a atenção no que tange a formação diz respeito à pós-graduação. O quadro 3 apresenta os dados dos docentes que responderam a pergunta do Questionário - cerca de 1/3 dos professores de 5º ano e ½ dos de 9º ano.

Quadro 3 – área temática da pós-graduação dos professores participantes da prova Brasil 2011

Indique qual a área temática do curso de pós-graduação

5° ano % 9° ano %

Educação, enfatizando alfabetização 9.762 18,9% 1.877 2,3%

Educação, enfatizando linguística e/ou letramento

6.124 11,9% 22.537 27,9%

Educação, enfatizando educação matemática

1.946 3,8% 22.795 28,2%

Educação - outras ênfases 32.126 62,3% 29.675 36,8%

Outras áreas que não a educação 1.586 3,1% 3.858 4,8%

Total 51.544 100,0% 80.742 100,0%

Observa-se que prevalece entre os docentes a formação de pós-graduação em outras áreas educacionais (62,3% - 5º ano e 36,8% - 9º ano) em detrimento de formações mais dirigidas para suas áreas de atuação, no caso alfabetização para professores do 5º ano e letramento e educação matemática para os docentes de

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9º ano. Esse fenômeno de procura por pós-graduação sem relação direta com a área de atuação pode estar associada a dois fenômenos: o primeiro e imediato diz respeito aos planos de cargos, carreiras e salários dos entes federados (estados e municípios) que preveem promoção salarial para os que cursam especialização; o segundo, pode estar relacionado a baixa oferta por cursos específicos nas áreas citadas por parte das instituições de ensino superior, dificultando o acesso por parte da demanda.

No que diz respeito às ações de formação continuada disponibilizadas aos docentes nos últimos dois anos da aplicação do Questionário, 87,1% do 5º ano e 80,6% do 9º ano afirmaram ter participado, enquanto 89,2% dos docentes do 5º ano e 81,7% do 9º ano afirmam que quase sempre utilizam os conhecimentos adquiridos na formação continuada para melhoria da sua prática em sala de aula. Nos dois casos, se observa que os professores do 9º ano estão em desvantagem em relação aos do 5º ano. Dados relativos às condições e situação trabalhista são apresentados no Quadro 4.

Quadro 4 – condições e situação trabalhista dos professores participantes da prova brasil 2011

Em quantas escolas você trabalha? 5° ano % 9° ano %

Apenas nesta escola 62.863 63,8% 68.901 54,0%

Em 2 escolas 32.882 33,4% 49.077 38,4%

Em 3 escolas 2.010 2,0% 7.940 6,2%

Em 4 ou mais escolas 820 0,8% 1.774 1,4%

Total 98.575 100,0% 127.692 100,0%

Qual é a sua situação trabalhista nesta escola?

5° ano % 9° ano %

Estatutário 63.447 65,6% 84.986 67,7%

CLT 8.371 8,7% 6.839 5,4%

Prestador de serviço por contrato temporário

17.993 18,6% 27.307 21,7%

Prestador de serviço sem contrato 1.048 1,1% 1.027 0,8%

Outras 5.849 6,0% 5.460 4,3%

Total 96.708 100,0% 125.619 100,0%

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Enquanto 63,8% dos professores de 5º ano trabalham apenas numa escola, nos docentes de 9º ano esse valor é reduzido para 54,0%, o que revela que 46,0% dos professores deste ano atuam em mais de um estabelecimento de ensino. No que se refere à situação trabalhista, chama a atenção o número de docentes com contrato temporário, sendo que no 9º ano esse valor corresponde a mais de 1/5 dos professores nessa situação e no 5º ano a 18,6%.

CUMPRIMENTO DE CONTEÚDOS CURRICULARES

No que diz respeito ao cumprimento dos conteúdos curriculares previstos para o 5º e 9º ano, os dados apresentados no Quadro 5 mostram informações referentes aos que responderam a questão.

Quadro 5 – conteúdos curriculares previstos/desenvolvidos pelos professores participantes da prova Brasil 2011

Quanto dos conteúdos previstos você conseguiu desenvolver com

os alunos desta turma?5° ano % 9° ano %

Menos de 40% 2.566 2,6% 2.867 2,3%

Entre 40% e 60% 11.300 11,7% 17.765 14,4%

Entre 60% e 80% 42.462 43,8% 60.512 49,0%

Mais de 80% 40.658 41,9% 42.416 34,3%

Total 96.986 100,0% 123.560 100,0%

A análise dos dados permite constatar que 11,7% dos docentes do 5º ano informam que conseguiram desenvolver entre 40% e 60% dos conteúdos previstos, enquanto no 9º ano, 14,4% alancaram essa faixa. Na faixa de 60% a 80% dos conteúdos, são 43,8% do 5º ano e 49,0% do 9º ano que afirmam cumprir, enquanto na faixa acima de 80% são 41,9% do 5º ano e 34,3% do 9º ano. Esses dados, se considerarmos o processo cumulativo do não cumprimento de conteúdos curriculares propostos para cada série do ensino fundamental, geram uma significativa parcela de conteúdos suprimida, provocando lacunas cognitivas que podem vir a representar sérias dificuldades de aprendizagem dos conteúdos subsequentes, fazendo o aluno chegar ao 9º ano com sérios déficits curriculares.

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DIFICULDADES ASSOCIADAS ÀS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE

No que diz respeito às dificuldades de aprendizagem relacionadas às condições de trabalho e salário dos professores, duas questões mostram dados significativamente diferentes para os professores do 5º e 9º anos (Quadro 6). No que tange aos problemas de aprendizagem dos alunos e sua relação com a sobrecarga de trabalho dos professores, 40,7% dos docentes do 9º ano concordam que essas duas variáveis estão associadas, enquanto 29,5% dos professores de 5º ano concordam com a relação.

Quadro 6 – dificuldades de aprendizagem e sobrecarga de trabalho dos professores participantes da prova brasil 2011

Relacionam-se a sobrecarga de trabalho dos professo-res, dificultando o planejamento e o preparo das aulas

5° ano % 9° ano %

Concordo 28.926 29,5% 51.778 40,7%

Discordo 69.267 70,5% 75.521 59,3%

Total 98.193 100,0% 127.299 100,0%

A questão salarial é também tema indagado no questionário e o Quadro 7 mostra que enquanto 27,8% dos professores de 5º ano associam os problemas de aprendizagem dos alunos ao baixo salário que recebem, 37,5% do 9º ano pensam da mesma forma, o que representa 34,9% a mais de professores deste ano.

Quadro 7 – dificuldades de aprendizagem e salário dos professores participantes da prova brasil 2011

Ocorrem devido ao baixo salario dos professores, que gera insatisfação e desestimulo para a atividade docente

5° ano % 9° ano %

Concordo 27.208 27,8% 47.513 37,5%

Discordo 70.581 72,2% 79.207 62,5%

Total 97.789 100,0% 126.720 100,0%

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DIFICULDADES ASSOCIADAS A FATORES EXTERNOS À ESCOLA

Os docentes consideram que grande parte das dificuldades relacionadas à aprendizagem dos alunos está associada a fatores extraescolares, como o ambiente em que vivem, para 83,0% do 5º ano e 80,9% do 9º ano, e o nível cultural dos pais, para 75,1% do 5º ano e 73,0% do 9º ano. Essa percepção é mais intensa nos professores do 5º ano do que do 9º ano e embora grande parte dos docentes veja esses como fatores que comprometem a aprendizagem dos alunos, essa associação deve ser vista com cautela e não podemos “estabelecer uma relação direta, e de certo modo mecânica, entre diferentes variáveis para a determinação desses fatores” (INEP, 2006, p. 172). No entanto, é perceptível a desresponsabilização que estes assumem diante do baixo rendimento escolar dos estudantes.

Ainda sobre as dificuldades de aprendizagem dos alunos, os dados apresentados no Quadro 8 mostram que cerca de 46% dos docentes de ambos os anos afirmam que estão relacionadas à falta de aptidão e habilidade do próprio aluno, 65,9% e 69,7% dos professores do 5º e 9º anos respectivamente associam a baixa autoestima do estudante; 87,0% e 94,3% dos docentes do 5º e 9º ano relacionam os problemas de aprendizagem dos alunos ao desinteresse e falta de esforço dos mesmos e 64,8% e 73,1% desses docentes relacionam os problemas de aprendizagem a indisciplina dos alunos em sala de aula.

Quadro 8 – dificuldades de aprendizagem e problemas dos alunos para professores participantes da prova brasil 2011

Ocorrem devido à falta de aptidão e habilidades do aluno 5° ano % 9° ano %

Concordo 45.224 46,1% 59.203 46,6%

Discordo 52.778 53,9% 67.928 53,4%

Total 98.002 100,0% 127.131 100,0%

Estão vinculados a baixa autoestima dos alunos 5° ano % 9° ano %

Concordo 64.687 65,9% 88.752 69,7%

Discordo 33.489 34,1% 38.543 30,3%

Total 98.176 100,0% 127.295 100,0%

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Ocorrem devido ao desinteresse e falta de esforço do aluno 5° ano % 9° ano %

Concordo 85.407 87,0% 119.898 94,3%

Discordo 12.809 13,0% 7.291 5,7%

Total 98.216 100,0% 127.189 100,0%

São decorrentes da indisciplina dos alunos em sala de aula 5° ano % 9° ano %

Concordo 62.657 63,8% 93.077 73,1%

Discordo 35.534 36,2% 34.301 26,9%

Total 98.191 100,0% 127.378 100,0%

Estudo realizado por Davis et al (2012) mostra que há diferenças entre os anos iniciais e finais do ensino fundamental que não podem ser ignoradas, entre elas a faixa etária da população que frequenta. Nas séries finais os alunos encontram-se na faixa etária de 11 e 14 anos período em que são vivenciadas muitas mudanças dentro e fora da escola, e por isso, é importante o professor aprender a lidar tanto com as alterações corporais da puberdade, com o início do amadurecimento da mente, com a sensibilidade à flor da pele e respeitar a valorização das relações e interações entre jovens.

PARA FINALIZAR

Os dados apresentados e analisados neste artigo mostram diferenças entre as percepções dos docentes de 5º e 9º anos do ensino fundamental acerca de fatores que podem ser associados aos resultados de aprendizagem dos alunos em avaliações de larga escala. A partir das diferenças nas respostas observadas entre os professores de 5º e 9º anos, constata-se que docentes do 9º ano parecem identificar com menor intensidade relação entre o seu próprio trabalho docente e elementos que se articulem aos problemas de aprendizagem de seus alunos.

Os docentes deste ano escolar, embora em pequenas percentagens, são mais jovens do que os do 5º ano, 46,0% trabalham em mais de uma escola e 21,7% possuem contrato temporário de trabalho. Para 40,7% deles, suas condições de trabalho interferem sobre as dificuldades de aprendizagem dos alunos, no entanto, são os próprios alunos, o grandes responsáveis pelos problemas de aprendizagem com destaque para falta de aptidão (46,6%), baixa autoestima (69,7%), desinteresse e falta de esforço (94,3%) e indisciplina (73,1%).

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O que se poderia concluir de tais afirmações? Que os docentes não se reconhecem como agentes da gestão de aprendizagem de seus alunos? É possível. O fato é que em não reconhecendo seu próprio protagonismo, os docentes renunciam a um papel que deles é esperado, pelo menos como mediadores do processo de ensino-aprendizagem. Esta é uma questão a ser melhor aprofundada pela política e pela gestão educacional. Do mesmo modo, merece ser incorporada à reflexão sobre a formação inicial e continuada de professores como um desafio para a formulação de novas políticas.

Os dados obtidos por Davis et al (2012) constatam que as políticas públicas concebidas para o ensino fundamental focalizam prioritariamente os anos séries iniciais, não havendo maiores preocupações com as necessidades de alunos e professores das séries finais. É perceptível também uma ruptura na rotina escolar dos anos iniciais para os anos finais, que por ser uma fase de grandes mudanças no desenvolvimento cognitivo, emocional, social e moral dos alunos, exige distintos modelos de organização no atendimento a essas necessidades. Poder-se-ia afirmar que os dados evidenciados pelas autoras, associadas às constatações apontadas por Davis et al (2012) são os responsáveis pela frustação do efeito onda esperado para o Ideb do 9º ano?

Essa discussão está apenas começando, uma vez que as séries finais do ensino fundamental não tem sido objeto das políticas educacionais recentes, a exemplo das séries iniciais e ensino médio; situa-se na confluência de dois momentos complexos da vida escolar – passagem da infância para a puberdade e desta para a adolescência – perpassa pela falta de identidade e muita vezes, infraestrutura da escola para atender esses alunos e enfrenta um perfil de formação profissional docente que foi forjado nas instituições de ensino superior para atuar no ensino médio.

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VOLANTE, Paulo. Liderazgo instrucional y logro académico em la educación secundaria em Chile. In WEINSTEIN, José y MUÑOZ, Gonzalo. Qué sabemos sobre los diretores de escuela en Chile? Centro de Innovación en Educación de Fundación Chile y Centro de Estudios de Políticas y Prácticas em Educación (CEPPE). 2012. p. 349-367.

WERLE, Flavia Correa Obino. Práticas de gestão e feminização do magistério. Cadernos de Pesquisa. v. 35, n. 126, p. 609-634, set./dez. 2005. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n126/a05n126.pdf> Acesso em 21 abr. 2014.

SOFIA LERCHE VIEIRA é doutora em Filosofia e História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com estágio de pós-doutorado na Universidad Nacional de Educacion a Distancia (UNED). É docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected]

ELOISA MAIA VIDAL é doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará e professora adjunta da Universidade Estadual do Ceará onde atua também como coordenadora adjunta da Universidade Aberta do Brasil. E-mail: [email protected]

JAANA FLAVIA FERNANDES NOGUEIRA é doutora em Educação pela Universidade da Califórnia, (UCLA) e at Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação desempenhando a função de Diretora de Programa da Secretaria Executiva. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Repercussões das politicas educacionais na organização escolar: o fator tempo entre a autonomia e a regulação

Repercussions of educational policies on school organization: the time factor between autonomy and regulation

Repercusiones de las políticas educativas en la organización escolar: el factor tiempo entre la autonomía y la regulación

ALICE MIRIAM HAPP BOTLER

Resumo: O artigo aborda o conflito existente entre as políticas educacionais e sua implementação nas escolas, haja vista a contradição entre a autonomia outorgada e a regulação. Considera que a escola é uma organização formal, instituída e instituinte, e desenvolve comportamento organizacional e valorativo que revela seu projeto político-pedagógico com racionalidade própria. O estudo de caso de tipo etnográfico numa escola pública auxilia a entender como esta contradição emerge na prática. Observa-se que a falta de tempo para o diálogo opõe-se aos objetivos das metas educacionais, o que limita mas não elimina o potencial crítico-argumentativo necessário à sua auto-proposição e auto-regulação.

Palavras chave: Organização escolar; gestão da educação; tempo, racionalidade instrumental; racionalidade comunicativa.

Abstract: The article discusses the conflict between educational policy and its implementation in schools, given the contradiction between the granted autonomy and regulation. It considers that the school is a formal organization, established and instituting, and develops organizational and evaluative behavior that reveals a political-pedagogical project with its own rationality. The ethnographic case study in a public school helps to understand how this contradiction emerges in practice. It is observed that the lack of time for dialogue is opposed to the objectives of educational goals, which limits but does not eliminate the critical and argumentative potential necessary for its self-proposition and self-regulation.

Keywords: School organization; management education; time; instrumental rationality; communicative rationality.

Resumen: El artículo aborda el conflicto entre la política educativa y su aplicación en las escuelas, dada la contradicción entre la autonomía concedida y la regulación. Considera que la escuela es una organización formal, establecida y instituyente y desarrolla el comportamiento organizacional y de evaluación que revela su proyecto político-pedagógico con su propia racionalidad. El estudio de caso etnográfico en una escuela pública ayuda a entender cómo esta contradicción surge en la práctica. Se observa que la falta de tiempo para el diálogo se opone a los objetivos de las metas educativas, lo que limita, pero no elimina el potencial crítico y argumentativo necesario para su auto-propuesta y autorregulación.

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Palabras clave: Organización escolar; gestión de la educación; tiempo; de racionalidad instrumental,;racionalidad comunicativa.

INTRODUÇÃO

Criada e estruturada com base em determinações do sistema educacional nacional, a escola é vista como uma organização formal, desde que seu funcionamento segue regras definidas, como a legislação educacional, as regulamentações e dispositivos que dão organicidade às leis. O que discutimos neste artigo é o conflito existente entre a regulamentação educacional e a real possibilidade de sua implementação por parte das unidades do sistema - as escolas -, visto que há contradições entre a regulamentação e a sua implementação na prática. Em outras palavras, a escola é instituída do ponto de vista do sistema educacional macro-político e, do ponto de vista micro-político, é instituinte. Como mediação entre estes dois níveis resulta um comportamento organizacional e valorativo que revela o próprio projeto político-pedagógico da Escola (CORTINA,1988; NÓVOA, 1992). Este conflito nos interessa aprofundar num contexto em que o Brasil faz fortes investimentos em educação, mas apresenta ainda fracos resultados, o que, inclusive, pode ser constatado em recente anúncio da presidente Dilma Roussef ao tratar do lema da gestão 2015: “Brasil: Pátria Educadora”.

Assim, por exemplo, conforme o modelo democrático, a escola tem autonomia financeira ao mesmo tempo em que o sistema precisa de mecanismos de regulação e fiscalização sobre a aplicação dos recursos públicos. A regulação e a fiscalização geram burocracia, o que termina limitando a autonomia financeira na realidade escolar, visto que há dissociação entre o prazo de entrega do planejamento escolar, a análise dos planos, a distribuição de recursos entre as prioridades do sistema, o envio e a aplicação de verbas. O que ocorre é que, na prática, as demandas da Escola por recursos financeiros referem-se às necessidades do trabalho pedagógico desenvolvido durante o ano letivo e as verbas chegam, freqüentemente, depois do período previsto para sua aplicação.

Neste artigo abordamos um recorte de pesquisa que apresenta o conflito gerado considerando a relação existente entre a burocracia necessária ao sistema e o fator tempo, argumento frequentemente considerado como elemento limitante à realização efetiva das determinações sistêmicas, ou seja, o sistema prega autonomia financeira e, ao mesmo tempo, limita burocraticamente a possibilidade de autonomização.

Para tratar deste tema, problematizamos as racionalidades que perpassam a gestão da educação e da escola e, em seguida, apresentamos alguns

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resultados de pesquisa que focalizou as repercussões das políticas educacionais na gestão da escola, em que procura-se destacar a racionalidade cognitivo-instrumental da racionalidade comunicativa, via estudo etnográfico em que coletamos informações por meio de processo intensivo de observações, entrevistas e conversas informais, cujos sujeitos aparecem aqui identificados por iniciais de seus respectivos segmentos da escola: D para diretora, P para professor, E para estagiário, CTP para coordenação técnico-pedagógica, M para mãe de aluno. Da mesma forma, designamos a escola campo de pesquisa simplesmente de Escola. Ao final, tecemos considerações a respeito dos limites e possibilidades de desenvolvimento do potencial crítico-argumentativo próprio à auto-regulação da escola, como reflexo das determinações sistemicas.

A GESTÃO DA EDUCAÇÃO E AS DIVERSAS RACIONALIDADES

O argumento central aqui apresentado pauta-se na ideia de que o sistema educacional é perpassado por distintas lógicas e estratégias que são guiadas por diferentes interesses e poderes. Autores como Friedberg (1993), Estêvão (1998), Derouet (1998) apontam para as relações entre o ator e o sistema, tratando de mundos diversos que guiam lógicas de ação diferentes: o mundo mercantil, o mundo industrial, o mundo doméstico, o mundo cívico, o mundo da inspiração, o mundo da opinião. Enfocam principalmente a ação, e não apenas a organização, considerando a lógica estratégica dos atores, em contraposição à lógica do sistema, da organização. São mundos diferentes que induzem lógicas argumentativas diferentes.

Numa organização, por exemplo, quando não se chega a um acordo, há necessidade de avançar numa negociação, na busca de uma “civilidade mínima”. A existência da negociação exige o reconhecimento e a mobilização de uma lógica em que os atores buscam entrar em acordo para resolver os conflitos. Com isto entende-se que a organização é também perpassada por distintas racionalidades de diferentes mundos, bem como os indivíduos circulam em diversos desses mundos.

A ação organizacional inclui estas diversas dimensões ou dinâmicas internas, do acordo, do conflito, da negociação, do compromisso, da disputa, noções que indicam racionalidades diferentes e que geram princípios argumentativos diferentes. Os atores são como vários mundos, com lógicas próprias, com conceitos diferentes. Essas racionalidades atravessam qualquer mundo, inclusive a escola, trazendo, por exemplo, a exigência da negociação. Quando a negociação não existe, pode significar que uma das lógicas pode estar sendo predominante, bem como que outras estejam sendo tolerantes.

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Por isso, os problemas da organização escolar podem estar sendo derivados justamente das diferentes lógicas ou racionalidades. Assim, por exemplo, uma lógica individualista pode estar guiando, de modo geral, o mundo da escola e até predominando sobre outras lógicas, como as do compromisso e da responsabilidade, o que não implica na exclusão de outras predominantes no sistema educacional, como a formal-burocrática.

Habermas discute o conceito de racionalidade a partir da idéia da “razão situada na historia e na sociedade, configurada no entendimento lingüístico” (PIZZI:1994), extrapolando os limites do sujeito monológico, privilegiando o sujeito da comunicação situado no Mundo da Vida, ou seja, entende que uma racionalidade deve resguardar “a pretensão intersubjetiva de validade que tenha o mesmo significado tanto para o observador ou destinatário como para o sujeito agente.”(Habermas:1987).

Habermas reformulou o conceito de racionalização de Weber, que afirmava que a ação racional seria dirigida a fins e exercício de controle e, por isso mesmo, a racionalização das relações vitais equivaleria à institucionalização de uma dominação e indicaria uma combinação entre a ação instrumental, que se orienta por regras técnicas que se apóiam no saber empírico, e um comportamento da escolha racional, que se orienta por estratégias que se baseiam num saber analítico, implicando deduções de regras de preferência (sistemas de valores). Para o autor, enquanto a ação instrumental organiza meios que são adequados ou inadequados segundo critérios de um controle eficiente de realidade, a ação estratégica depende apenas de uma valoração correta de possíveis alternativas de comportamento, que só pode obter-se de uma dedução feita com o auxílio de valores e máximas. Neste sentido, Habermas (1968) distingue a racionalidade cognitivo-instrumental da racionalidade comunicativa (substantiva).

Ação comunicativa é uma interação simbolicamente mediada, que se orienta segundo normas que definem as expectativas recíprocas de comportamento. A racionalidade da ação comunicativa confronta-se com a racionalidade da ação instrumental e estratégica e aí entram em crise os modelos da sociedade tradicional e as formas de legitimação da dominação.

Habermas afirma que a racionalização progressiva da sociedade depende da institucionalização do progresso científico e técnico. Na medida em que a técnica e a ciência perpassam as esferas institucionais da sociedade, transformam as próprias instituições, criando novas legitimações ou novas lógicas. A racionalização tende ao deslocamento da orientação da ação voltada para valores racionais para a ação puramente instrumental. Em outras palavras, “racionalização significa, em primeiro lugar, a ampliação das esferas sociais, que ficam submetidas aos critérios de decisão racional” (HABERMAS, 1968:p.45).

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Conforme Pizzi, o conceito de razão de Habermas passa a incluir “além do argumento cognitivo e instrumental, o procedimento lingüístico e a argumentação discursiva” (1994: p.45).

As normas sociais são reforçadas por sanções, mas a validade das normas sociais só se funda na intersubjetividade do acordo acerca de intenções e só é assegurada pelo reconhecimento geral das obrigações. As regras apreendidas da ação racional equipam-nos com a disciplina de habilidades. As normas internalizadas dotam-nos com estruturas da personalidade. As habilidades capacitam-nos para resolver problemas e as motivações permitem-nos praticar a conformidade com as normas. (Habermas, 1968:p.58).

Assim, as organizações podem ser vistas como subsistemas que são perpassados por lógicas externas (como a do Estado, da economia,...), principalmente fundamentadas numa razão que é instrumental, bem como por lógicas que lhe são internas (como seu contexto de interação, de comunicação, de interpretação,...), que podem ser mais embasadas numa razão comunicativa, mas também são perpassadas pela racionalidade instrumental. As soluções ou respostas encontradas para os problemas postos são soluções aceitáveis para todas as partes, com sentido de equilíbrio dinâmico. (BOTLER, 2004, pag).

Habermas vê duas tendências na racionalização, onde uma corresponde à resistência à outra, onde legitimações enfraquecidas são substituídas por outras novas que, por seu turno, nascem da crítica à dogmática das interpretações tradicionais do mundo e pretendem possuir um caráter científico e que, por outro lado, mantêm funções legitimadoras e subtraem as relações de poder existentes tanto à análise como à consciência pública. Assim surgem as ideologias, que substituem as legitimações tradicionais da dominação, ao apresentarem-se com a pretensão à ciência moderna (novas verdades com caráter instituinte) e ao justificarem-se a partir da crítica às ideologias.(1968)

Esta discussão conceitual nos auxilia a esclarecer as diferentes lógicas que regem as organizações sociais na prática, num misto entre uma racionalidade burocratizante (na perspectiva weberiana) e uma racionalidade crítico-argumentativa (na perspectiva habermasiana). O argumento se justifica por considerarmos que a escola é instituída por um sistema caracterizado por uma lógica macropolítica, ao mesmo tempo em que não pode se despojar de sua própria interpretação normativa e processamento interno das regras às quais se submete, desenvolvendo internamente sua própria lógica, o que implica em conflitos.

Queremos dizer com isto que as sociedades modernas encontram-se em um estado de desenvolvimento das forças produtivas que torna permanente a expansão dos subsistemas de ação racional teleológica.

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As culturas tecnologicamente mais avançadas legitimam a dominação mediante interpretações do mundo proporcionando respostas aos problemas relativos à convivência social e à história da vida individual.

Isto auxilia a explicar a recente tendência das políticas educacionais à substituição do modelo da centralização administrativa em nome da racionalidade de meios (vigente até meados dos anos 80), por um modelo da descentralização apresentado pelas políticas contemporâneas, orientando o sistema educacional para uma nova forma de legitimação da dominação, em nome da democratização da sociedade. Substituição de legitimação não implica em mudança na perspectiva que sustenta a racionalidade e as normas sociais veiculadas num novo contexto histórico. A este novo formato podemos chamar de direção democrática, atribuído pelo sistema educacional como caminho a ser perseguido, mais do que desenvolvido internamente pela organização escolar.

Estêvão explica que em países como Portugal, a direção democrática é dada pelo órgão responsável pela definição das orientações, políticas e valores da escola e, por isso mesmo, respeita o critério da democraticidade. Diferentemente, a noção de gestão refere-se ao órgão de execução das orientações emanadas do ‘órgão de direção’ e, neste sentido, respeita os critérios de eficiência e de eficácia. O que acontece, é que o órgão de direção esteve muito tempo fora da escola (no Ministério da Educação) e a gestão democrática esteve quase confinada aos ditames do Ministério. Neste sentido, a direção era heterocéfala e as normas geradas a partir de fora da organização.

A direção democrática tende a propor caminhos que motivem a organização escolar, mas que não necessariamente chegam à mobilização característica da gestão democrática endogenamente constituída. Por isso mesmo, seu perfil se assemelha mais com o de uma organização burocrática, seguindo a lógica da racionalização e não de uma razão, propriamente dita.

Nestes termos, poderíamos estabelecer associação com a análise da organização escolar a partir do modelo díptico proposto por Lima (2002), quando explica a interface entre o modo de funcionamento da organização escolar, que flui entre uma burocracia racional e uma anarquia organizada, ou ainda, um aprofundamento do modelo políptico proposto por Estêvão (1998) que aponta para uma análise multifocalizada em termos de proposição organizacional.

As normas sociais e sistemicas dirigem o modo como os resultados (castigos e recompensas) devem ser distribuídos, os processos utilizados para tomar decisões acerca dessa distribuição e o modo como as pessoas são tratadas interpessoalmente. Neste sentido, podem funcionar como controle social relativamente ao uso (e abuso) de poder e como parte da retórica social, para

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justificar um uso questionável do poder em muitas decisões ligadas à gestão, mais do que como novos e substantivos valores.

Esta multiplicidade de elementos que intervêm na constituição, formação e dinâmica das organizações torna seu estudo muito complexo e gera confusão entre os sentidos atribuídos a normas e valores, seja como racionalidade instrumental, seja como racionalidade substantiva. Um dos elementos mais importantes neste debate é a capacidade que as pessoas têm para tomar decisões, considerada em função de papéis atribuídos e assumidos, e que condiciona a dinâmica de participação nas organizações. Participação leva a um engajamento e responsabilização (decisão racional) no contexto da organização social. A decisão é parte do processo, mas não é a decisão que dá o sentido às ações.

As decisões são, portanto, tomadas em função da racionalidade organizacional e da interação social, conduzindo à normatização institucional, no sentido da racionalização ou da razão.

Estes aspectos nos conduzem a compreender como ocorre a constituição de normas no interior das escolas, a partir da dupla determinação – regulamentar do sistema e interpretativa da própria escola. O resultado em termos de ações pode reverberar sob formato de cumprimento burocrático às normas do sistema, mas também como construção endógena da escola sob forma de alternativas de cumprimento regulamentar e desenvolvimento da autonomia. A seguir apresentams um recorte dos dados da pesquisa que denota esta dupla determinação, a partir da análise do fator tempo como aspecto da organização escolar numa perspectiva transformadora.

O FATOR TEMPO ENTRE OS LIMITES NORMATIVOS E A RACIONALIDADE COMUNICATIVA

Realizamos uma pesquisa do tipo estudo de caso de cunho etnográfico, numa escola pública municipal de Recife, Pernambuco, tendo como abordagem complementar a observação participante (VIANNA, 2003). Procuramos conhecer os hábitos de vida e os diversos pontos de vista da organização escolar a partir da análise do modelo adotado pelas políticas educacionais, centrado na democratização e descentralização, que ainda guarda resquícios do modelo burocrático, configurando um formato de gestão organizacional numa perspectiva domesticadora. Apontamos como possibilidade emancipadora outro formato em processo de construção, estimulado a partir das lacunas apresentadas no modelo democrático, que configuramos sob inspiração habermasiana.

Neste sentido, a analise contribui com o debate sociológico e educacional, especialmente sob dois aspectos. Um deles, que aprofunda a discussão a

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respeito da democracia na modernidade sob aparência de modelo novo, sob enfoque conservador (BOAVENTURA SANTOS,2001). Outro, apresentando indicadores de uma atividade organizacional escolar que permite vislumbrar uma prática social sob enfoque emancipador (HABERMAS, 1987). Um destes indicadores foi o fator tempo, como veremos a seguir.

O fator tempo nos chamou a atenção, desde que nossa preocupação centrava-se na possibilidade do estabelecimento de bases dialógicas argumentativas na dinâmica escolar como pressuposto para o estabelecimento de uma gestão democrática coletivamente construída. Consideramos inicialmente que a disponibilidade de tempo para diálogo reflexivo estaria relacionada às possibilidades de ampliar os fundamentos para a construção do consenso organizacional

Assim, a falta de tempo para o diálogo ou a lentidão dos processos (que desagrada aos anseios da clientela escolar por objetivos imediatos) supostamente limitariam seu potencial crítico-argumentativo. De fato, observamos em diversas ocasiões formais ou informais na escola analisada, as possibilidades e os limites impostos pela falta de tempo ou morosidade nos processos organizacionais.

A relação tempo e potencial crítico-argumentativo foi também relacionada ao reconhecimento ou identificação da liderança, desde que alguns sujeitos entrevistados reconheceram que, apesar da diretora, a Escola oferece bom ensino.

Ressaltamos o fator tempo também (como sendo limitador ou norteador) quando observamos a dinâmica das conversas que tivemos com o corpo técnico-pedagógico. Em nossa primeira visita à Escola conversamos com a diretora, em pé, no corredor, à porta da sala da direção, assim como ocorreu em quase todas as outras conversas que tivemos com ela ao longo dos tres meses de observação intensiva, tendo sido interrompidas por diversas vezes, ora por professores, ora por funcionários ou ainda alunos, por motivos diversos como solicitação de material, consulta sobre procedimentos, informações. Apenas em uma ocasião, dia em que não havia alunos na Escola, pudemos nos deter numa conversa mais prolongada e detalhada, sentadas numa sala de aula quase sem interrupções.

Nossa experiência com a vice-diretora foi semelhante, visto que não conseguimos uma entrevista, apenas diálogos breves e súbitos em meio à dinâmica das atividades. De fato, no período em que estivemos na Escola, ela foi convidada para desempenhar alguma atividade na Secretaria Municipal de Educação e, portanto, passava por um momento de transição funcional. Mesmo assim, tivemos sua presença na Escola durante, pelo menos, um mês, sempre com pouco tempo.

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A coordenadora pedagógica nos concedeu uma longa entrevista num dia em que os alunos haviam retornado para suas casas em função da falta de água na Escola. Ela não esteve ao nosso alcance nem para conversas rápidas informais em momento algum, a não ser neste dia, embora estivesse bastante presente na Escola, onde pudemos observar suas considerações em interrelação com professores, educadores itinerantes e de apoio da equipe da Secretaria de Educação, em reuniões. Nas palavras da coordenadora pedagógica, o papel da liderança é reconhecido e valorizado como fator identificador, assim expresso: “A felicidade foi encontrar pessoas como Diretora e Vice-Diretora, que pensam como eu e a gente pensa no coletivo e se divide.”(CTP).

A questão do tempo aparece aí como elemento que não inibe o trabalho integrado da equipe pedagógica, desde que as pessoas que a compõem apresentem pleno entrosamento e sintonia, dividindo tarefas e mesclando papéis nos momentos em que isto se torna necessário. O tempo, então, interfere mas não é considerado como elemento limitador ao bom desempenho do trabalho escolar numa perspectiva coletivista.

Outro fator considerado como problemático em termos da organização escolar instituída e que poderia justificar a falta de tempo para uma melhor articulação com o projeto pedagógico da Escola, diz respeito à alternância sistêmica de pessoas na escola. A crescente política de reduzir a contratação de pessoal para os serviços públicos aumenta o número de professores não permanentes em regime de “mini-contrato” e um exército de estagiários de nivel médio, que parece dificultar o aprendizado coletivo. No período em que estivemos observando, a secretaria da Escola forneceu os seguintes dados: havia 24 estagiários distribuídos entre os serviços de secretaria, sala de aula e informática, além de 06 professores com contrato provisório. Este quantitativo equivale a mais da metade dos profissionais em regime de contrato permanente. O quantitativo de pessoal de sala de aula, especificamente, demonstra que para 28 professores efetivos distribuídos nos diversos níveis de ensino, a Escola conta com mais 06 professores em mini-contrato e sete estagiários de sala de aula.

Este fator foi observado em nossas visitas à Escola, especialmente quando uma professora cuja sala de educação infantil situada próxima à sala de professores e ao corredor de trabalho administrativo-pedagógico, nos deu atenção ao iniciarmos nossas visitas de observação enquanto os demais profissionais não nos deram importância. Observamos que nossa presença não era vista como elemento diferente na rotina escolar. A nosso ver, não despertamos curiosidade porque a presença de estranhos é freqüente no dia-a-dia na Escola. Em outras palavras, a rotatividade de pessoas na Escola é comum, fazendo parte integrante da estruturação organizacional sistêmica e escolar. Esta rotatividade permanente de

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pessoal não afeta negativamente o aprendizado coletivo do grupo, desde que estagiários e professores em mini-contrato fazem parte da dinâmica institucional e grupal. O exemplo tomado a partir das falas dos estagiários pode esclarecer esta dinâmica de grupo e ainda reforça o sentido atribuído ao papel da liderança na organização escolar direcionado a esta particularidade:

A relação com a direção é ótima, participo de reuniões do Conselho. Fiquei antes de vir pra cá numa creche, mas não gostei muito porque lá tem diferença de tratamento com os estagiários; aqui não, todo mundo é tratado igual, pedem opinião, você é escutado.(E2)

O estagiário sente que faz parte da Escola, que é valorizado nas relações com todos que a compõem e também em sua organização, o que permite inferir que as relações interpessoais são flexíveis, não lineares. Em outras palavras, não é o tempo de vinculo, se permanente ou temporário, que necessariamente envolve ou distancia alguem do projeto pedagógico da Escola, mas a clareza da organização escolar de que a alternância de pessoas faz parte de seu projeto pedagógico.

Fazer uma auto-avaliação como monitor é difícil, porque falta preparo com relação à prática; era para a gente ter treinamento para lidar com as crianças na execução dos programas. Eles ensinam como ajudar as crianças a aprender, a não fazer o trabalho pelo aluno, a não tomar a frente do aluno.(E1)

Os estagiários não apenas são respeitados como membros componentes

da organização escolar, mas suas opiniões são levadas em consideração internamente. Além disso, a equipe e a própria Secretaria de Educação tem a preocupação de oferecer capacitação apresentando as diretrizes curriculares da rede de ensino aos estagiários. Assim, os princípios pedagógicos do sistema educacional são divulgados, permitindo sua integração no meio escolar, o que legitima a direção institucional tomada, que inclui o pessoal contratado em regime transitório. A própria diretriz, conforme o estagiário, atribui certo sentido emancipatório como conteúdo pedagógico.

Cabe aqui uma ressalva quanto ao modelo de organização democrático. A organização democrática pressupõe, em contraposição à antiga ordem explicitamente burocrática, uma estrutura mais flexível e complexa, transformando o tempo e a organização de trabalho num mosaico que liberta da padronização, ao mesmo tempo em que destitui o trabalhador do controle de seu próprio tempo e organização do trabalho.(SENNETT, 2000).

É assim que, mesmo qualificando estagiários, a estrutura administrativa de funcionamento e contratação de pessoal limita a formação de um grupo de trabalho na Escola que possa dar continuidade e permanência ao projeto

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pedagógico propriamente escolar, demonstrando uma face da racionalidade burocrática-instrumental, mais do que uma estimulação à organização escolar com sentido emancipador, apesar do conteúdo pedagógico divulgado na capacitação da rede escolar. O modelo democrático traz a lógica organizacional do antigo modelo que conserva, através de estratégias institucionais (controle através de procedimentos padronizados), um sentido de subordinação.

Nestes termos, a organização formal/ institucional apresenta-se concretamente como fenômeno complexo que ora se apresenta como fator limitante à construção do projeto organizacional, ora abre possibilidades para a sua instituição endógena. Por isso, o tempo é aqui utilizado como um dos indicadores da racionalidade burocrática que ainda permanece na organização escolar democrática. Sua interferência no comportamento valorativo na organização escolar, no entanto, é relativa, visto que esta reflete regras de cooperação e respeito mútuo, indicativos da democratização.

A organização escolar, assim, baseia-se em regras de reciprocidade de ação entre cada sujeito e seus colegas de trabalho e espelha um comportamento cooperativo.

REGRAS VIVIDAS REFLETINDO VALORES CONSTRUIDOS, APESAR DA FALTA DE TEMPO

As estratégias de produção do modelo organizacional são, como podemos depreender, singulares e sustentam-se entre o instituído e o instituinte, sendo associadas não apenas a um projeto específico, mas também à espontaneidade e, neste sentido, à diversidade. Ressaltamos que o respeito à diversidade é um dos princípios democráticos.

A explicitação da noção de espontaneidade é apresentada num depoimento do corpo técnico-pedagógico:

Professor tem uma coisa espontânea, de participar com idéias, planos, projetos. Alguns desdenham. É um universo sem homogeneidade. Muitos professores gostariam de ter tudo igual na sala de aula, mas não dá, tem diferenças! [E continua explicando o que entende por competência pedagógica:] Tem uma professora que tem uma prática rasteira, mas tem bons resultados, alfabetiza, tira o máximo do aluno. Ninguém é o dono do conhecimento, a gente aprende. Competência pedagógica é ter o retorno do aluno, não é conhecimento, não é graduação. (CTP)

A presença da crítica incide sobre modelos pedagógicos institucionalizados que nem sempre dão o resultado esperado, apesar do conhecimento de uma base teórica que estabelece para a rede de ensino uma

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determinada linha metodológica. A abordagem de critérios próprios para a construção de um entendimento do trabalho pedagógico na organização escolar é indicativa de um modelo dialógico-crítico. O princípio da diversidade se faz presente e há valorização das idéias, sinônimo de um mínimo necessário de reflexão.

Constatamos que existem regras informais sendo vividas na organização escolar, sem homogeneidade, o que nem sempre representa infração de princípios instituídos, como o direito do aluno aprender (como princípio filosófico-pedagógico proposto pela rede de ensino). A proposição endógena de um trabalho que é eficaz, neste caso, por parte de uma professora, reforça o argumento que desvincula infração normativa e cidadania ativa. A idéia de prática rasteira é associada à imagem da tendência pedagógica tradicional que, quando associada ao bom resultado, configura-se como noção positiva do trabalho desenvolvido. Não necessariamente implica em crítica ao modelo pedagógico instituído (sócio-construtivismo), nem incorporação do modelo tradicional como regra, mas vinculo ao principio da diversidade de modos do fazer pedagógico, ou melhor, à construção individual do saber fazer, princípio fundamental do próprio sócio-construtivismo. A interpretação da entrevistada nos traz, portanto, indícios de uma proposição organizacional singular a partir da diversidade de práticas pedagógicas ali veiculadas.

A diretora também faz referências às regras informais:

A construção coletiva movimenta a Escola com uma indisciplina que é normal. Algumas pessoas não conseguem se enquadrar no ‘movimento indisciplinado normal’ e precisam de tudo certinho, de regras prontas, estabelecidas. Por exemplo, as oficinas foram estabelecidas pelo coletivo; os que não entendem, não só não conseguem trabalhar, mas terminam desarticulando o resto. Não é luta por um espaço, é enquadramento numa realidade móvel, dinâmica. (D)

O entendimento de normalidade da indisciplina vincula-se ao de uma dinâmica difusa, sem forma definida, informal, característica da cultura organizacional da Escola. A indefinição de uma forma específica de disciplina também se articula com a singularidade organizacional. Além disso, a compreensão demonstrada dos que entendem e dos que não entendem a dinâmica própria da Escola reforça o argumento anterior, do respeito ao princípio democrático da diversidade ou pluralidade, respeito às individualidades. Não há um único modelo de disciplina porque a Escola não segue modelos: constrói os seus próprios.

A proposição de modelos singulares aparece também com relação ao papel atribuído ao Conselho Tutelar. A Escola e, mais especificamente, seu “núcleo motor” demonstra certa clareza quanto ao papel auxiliar do Conselho Tutelar como instituição que apóia, mas não determina o que esta deve fazer,

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o que caracteriza a noção de potencial organizacional para a autonomia. A geração de regras internas, apesar das normas do sistema educacional, isenta a organização do caráter de burla e a identifica com a busca de justificativas para situações problemáticas com as quais se defronta.

Exemplo disto foi observado numa situação de final de ano letivo (mês de outubro), quando da chegada de um aluno transferido de outra escola. A diretora explica para a mãe que a Secretaria de Educação não permite por lei, mas afirma que a Escola não pode deixar um aluno sem estudar, como quem diz “o que é que eu posso fazer?”. Encaminha a mãe para ir à secretaria da Escola, autorizando a transferência. Esta atitude parece ser conscienciosa, demonstrando haver algum sentido no trabalho escolar, bem como uma filosofia que norteia a pratica pedagógico-administrativa, que leva a Escola a aceitar crianças, seja como e quando for, desde que é regida por um conjunto de princípios valorativos, dentre os quais, o do direito à cidadania, que inclui acesso à Escola, apesar da regra sistêmica. Assim, o valor que fundamenta a ação - aceitação de transferência em período ilegal - supera e justifica a fraude.

Ha ainda mais um exemplo que demonstra o sistema normativo informal da Escola na fala do corpo técnico - pedagógico, quando apresenta a atitude de uma professora em relação ao comportamento indisciplinado da turma de alunos:

Uma professora chegou na sala e colocou os pés em cima da mesa. O aluno perguntou: o que é isso, professora? Aí ela disse: Vocês não colocam assim? Por que eu não posso? (CTP)

A entrevistada esclarece que a Escola procura falar na linguagem das crianças, brincando, mas enfatizando uma relação de respeito, ao mesmo tempo em que afirma que as crianças não devem voltar para casa por mau comportamento, mas devem ser atendidas nas suas necessidades, sendo encaminhadas eventualmente para atividades alternativas e chamando os pais quando necessário, visando sua educação. Ela continua, explicando:

Eu não posso querer moldar os alunos a terem o comportamento que eu cobro dos meus filhos em casa. Até porque, às vezes, ele [o aluno] é até ridicularizado em casa com esse comportamento. A gente pode melhorar, mas mudar tudo não dá. Muitos meninos presenciam inclusive relacionamento sexual. Não posso querer moldar, mas ele tem que saber que a Escola é uma instituição, que tem regras que eles devem seguir. (CTP)

O exemplo traz a articulação de um conjunto de argumentos para

justificar o sistema normativo informal da Escola, baseado em princípios

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valorativos como o respeito e a educação numa perspectiva abrangente. O comportamento descrito da professora que coloca os pés em cima da mesa serve para a entrevistada mostrar que são aceitos procedimentos não protocolares como mecanismo de ajuste em meio às condutas consideradas regulares para o comportamento docente.

Esta construção viva e ativa é percebida por parte dos que fazem a Escola, ainda que nem todos compartilhem os mesmos modelos de ação, nem tampouco todos os princípios valorativos com a mesma clareza. De fato, os diversos segmentos apresentam diferentes interpretações para a dinâmica escolar, em seus variados aspectos. Assim, uma mãe refere-se à inteligência das crianças apontando o sentido do trabalho escolar: “Não sei dizer sobre o ensino. Algumas (crianças) aprendem. As mais rebeldes são bem inteligentes, muito mal criadas, mas inteligentes.” (M)

A potencialidade intelectual dos alunos é valorizada da mesma forma que a potencialidade docente de ajuste às situações. Colocar os pés em cima da mesa foi interpretado como uma resposta docente ao comportamento dos alunos e não necessariamente desrespeito, bem como a rebeldia discente foi interpretada em associação com inteligência ou atividade, não desrespeito. O entendimento sobre os comportamentos não convencionais denota valor afirmativo.

Além disso, a distinção que a mãe faz quanto ao conflito inteligência versus comportamento indisciplinado demonstra seu potencial para opinar nas questões educacionais e escolares. Paradoxalmente, entretanto, extravasa o sentimento de baixo auto-referencial da comunidade para opinar nestas questões. O ciclo vicioso negativo que se explicita na baixa auto-estima da comunidade que “sabe de seus limites” é contrabalançado com a possibilidade de vislumbrar críticas argumentadas por parte da comunidade, que espera alternativas estimuladoras para o incentivo à inteligência de seus filhos.

O exemplo da fala desta mãe retrata uma outra face do perfil instituinte da organização, não como proposição de regras, mas configurada como crítica argumentada que se torna exigência atitudinal alternativa da Escola, essência do movimento instituinte.

Ha também alusão explícita ao conjunto de valores da organização escolar e da necessidade de discuti-los e sistematizá-los, conforme a expressão de um professor num momento de reunião do Conselho Escolar, para facilitar a dinâmica da ação organizacional em sintonia cooperativa:

Eu queria falar dos valores, queria criar uma comissão para ir construindo o regimento interno: que valores que a Escola pode adotar como valores para o regimento da Escola? Parece que a própria prefeitura ainda não sabe qual é a tarefa, como vai ser o controle social da educação. Eu tenho ouvido falar de

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indisciplina e acho que a gente poderia começar um processo de discussão para já valer como referência nossa, mais consistente, mesmo antes do regimento. (P)

Os exemplos retratam o processo de construção de um sistema normativo interno, no caminho da autonomia, bem como a independência de determinações da rede municipal de ensino, em função de necessidades surgidas no interior da organização escolar. Observa-se uma forma de participação espontânea construindo a autonomia e buscando instituir uma identidade de grupo. Naturalmente que o processo não ocorre de forma homogênea por parte de todos que fazem a Escola e, portanto, encontramos situações de burla de regras consensuais, que entendemos ser o reflexo de ausência ou insuficiência de significado para as regras existentes.

Esta construção é difusa, processual e constitui-se como um amadurecimento do coletivo escolar, ora via conflito, ora via indiferença aparente. Reforçamos a afirmação anterior de que não se segue à risca um padrão normativo instituído porque a Escola constrói os seus próprios modelos de ação. Seu movimento organizacional reflete, portanto uma interação entre as regras do sistema educacional e a proposição de regras endógenas, sejam formais, não-formais ou informais. A produção de modelos de comportamentos alternativos é característica e concretização do princípio da autonomia na Escola.

Isso é possível porque os padrões de organização instituídos pelo sistema educacional consentem, via frestas inerentes ao próprio modelo democrático adotado, a intervenção autônoma dos sujeitos. Neste sentido, Lima (2002) explica que o exercício da autonomia possibilita a construção de modelos de gestão, num sentido plural, diversificado, em formatos variáveis em cada escola.

A natureza e o âmbito dos modelos decretados serão profundamente alterados (e estreitados), insistindo mais nos grandes princípios e perspectivas gerais, bem como nas formas de responsabilização dos órgãos e atores escolares, assim abrindo possibilidades de uma estruturação mais livre a nível escolar, alargando e aprofundando a tipologia e o alcance das regras e das decisões.(op.cit:p.52)

Até mesmo os discursos críticos, ainda que acompanhados de práticas que denotam passividade, não significam simples ausência, mas resistência ao modelo democrático regulador. Aliás, a própria negação constitui-se como um movimento de afirmação, típico da reflexão filosófica.

Há, sim, uma ética em construção, permeada por diversas éticas. Estas, denotam indicadores diferentes para a organização escolar, para o estabelecimento de regras em seu interior, bem como para a sua concretização, inclusive para a participação e proposição de novas regras.

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O modelo organizacional adotado pelo sistema educacional inclui a autonomia que se materializa na medida em que o exercício da autonomia define os próprios modelos de gestão nas escolas.

Nestes termos, compreendemos que o modelo de organização da Escola aproveita os espaços disponibilizados pelo sistema escolar, ultrapassando os limites dos modelos burocrático e democrático a partir da própria visão que os sujeitos têm da organização, o que garante sua mobilização instituinte.

O TEMPO E A ORGANIZAÇÃO ESCOLAR: ENTRE A AUTONOMIA E A REGULAÇÃO

Ao abordarmos o conflito existente entre a regulamentação educacional e as possibilidades de sua implementação por parte das escolas, observamos um comportamento organizacional e valorativo que revela o próprio projeto político-pedagógico da Escola que emerge como mediação entre as determinações formais do sistema e a autonomia da Escola. Os limites e possibilidades existentes a partir do conflito aparecem sob formato difuso como problemas da organização escolar, o que atribuimos às diferentes lógicas ou racionalidades presentes no sistema educacional.

Do ponto de vista do sistema, a ação instrumental organiza meios que julga adequados segundo critérios de um controle eficiente da realidade, enquanto que do ponto de vista da escola, a ação estratégica varia conforme uma valoração correta de possíveis alternativas de comportamento, o que ocorre com o auxílio de princípios e valores. Na escola, as normas são fundadas e validadas a partir da intersubjetividade do acordo. As decisões são tomadas em conformidade com certa racionalidade organizacional conduzindo à normatização institucional.

O exemplo apresentado referente à falta de tempo indica certo limite, mas não inibe o exercício do potencial crítico-argumentativo, de forma que é possível, apesar do pouco tempo, a realização de um trabalho integrado da equipe pedagógica.

A rotatividade permanente de pessoal é outro exemplo de como os limites burocrático-formais incidem sobre a organização da escola, mas não necessariamente afetam negativamente o aprendizado coletivo do grupo, podendo ser incorporados como parte da dinâmica institucional e grupal.

A escola é observada, portanto, como sendo regida por um conjunto de princípios valorativos construidos em seu cotidiano, apesar das regras sistêmicas que fundamentam ações que eventualmente permitem superar limites e justificar alternativas encontradas via burla das regras determinadas pela rede de ensino

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sem, necessariamente, infringir princípios basilares da gestão democrática da educação.

Não queremos, com estas considerações, apresentar uma visão ingênua de que a escola é a responsável única por seu sucesso a partir de dentro, como se estivéssemos esquecendo que o complexo contexto sócio-politico-cultural discriminatório e excludente vem gerando historicamente implicações nefastas no que tange ao sistema educacional. Queremos, no entanto, afirmar a responsabilidade da escola em gerar a partir de dentro algumas condições de gestão de seus processos que sejam afirmativas para o desenvolvimento de uma formação cidadã, ao invés de culpabilizar o Estado – como o Outro – por todos os males que afligem a escola hoje.

Compreendemos, por fim, que o processo de construção de um sistema normativo interno, no caminho da autonomia, com relativa independência das determinações da rede municipal de ensino é possível quando os padrões de organização instituídos pelo sistema educacional consentem, via frestas inerentes ao próprio modelo democrático adotado, a intervenção autônoma dos sujeitos. Assim, os conflitos presentes na relação existente entre a regulação e a autonomia outorgada são parte inerente a qualquer sistema educacional, sendo que o modelo organizacional adotado pelo sistema educacional brasileiro inclui a autonomia que pode vir a se materializar na medida em que o exercício da autonomia vier a definir modelos de gestão singulares nas escolas, o que pode ser efetivado a partir do desenvolvimento de uma racionalidade crítico-argumentativa.

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ALICE MIRIAM HAPP BOTLER é doutora em Sociologia pela UFPE e realizou estágio de Pós-doutorado na Ontario Institute for Studies in Education na University of Toronto (2010). É docente da Universidade Federal de Pernambuco onde atua no curso de Pedagogia, no Programa de Pós-graduação em Educação e coordena o PIBID Institucional. E-mail: [email protected]

Recebido em janeiro de 2015Aprovado em fevereiro de 2015

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Desafios na gestão escolar1

Challenges in school administrationDesafios en la gestión escolar

FLÁVIA OBINO CORRÊA WERLE JANAINA FRANCISCATO AUDINO

Resumo: Este estudo discute a avaliação em larga escala da educação básica, os processos de regulação e debate processos de gestão realizados no interior da escola pública. Seu objetivo é compreender como a equipe diretiva de duas escolas da rede pública estadual de Porto Alegre, Brasil, se apropria dos resultados do Indíce de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e como lida com eles na gestão escolar. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo com coleta de dados através de um questionário estruturado. Apresenta os resultados do IDEB das duas escolas no período de 2009 e 2011. Na prática escolar a apropriação ocorre em três dimensões (pedagógica, administrativa e participativa) e promove diálogos em diferentes níveis: com a hierarquia do sistema educacional, com a comunidade externa à escola e, internamente, com os professores e demais membros da comunidade escolar.

Palavras chave: Administração escolar; escola pública; avaliação em larga escala; Indice de Desenvolvimento da Educação; direção escolar.

Abstract: This study discusses the large scale evaluation of basic education, the regulation processes and debates administrative processes performed within public school. Their objective is to understand how the team that runs two schools of the state public network of Porto Alegre, Brasil, appropriates the results of the Index of Development of Basic Education (IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) and deal with them in school administration. The methodology used is qualitative, collecting data through a structured questionnaire. It presents the results of the IDEB of the two schools during the period of 2009 and 2011. In school practice the appropriation occurs in three dimensions (pedagogical, administrative and participatory) and promotes dialogues at different levels: with the hierarchy of the educational system, with the community outside the school and inside it with the teachers and other members of the school community.

Keywords: School administration; public school; large scale evaluation; Index of Development of Education; school directors.

1 Este texto é um dos produtos do projeto Indicadores de qualidade e gestão democrática, vinculado ao Observatório de Educação INEP/CAPES. Os dados empíricos, trabalhados especialmente para este artigo, têm como fonte a dissertação do Mestrado Profissional em Gestão Educacional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, de Janaina Audino.

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Resumen: Esta investigación analiza la evaluación en gran escala de la educación básica, los procesos de regulación y los procesos de gestión en debate realizados en la escuela publica. Su objetivo es entender como el equipo de gestión de dos escuelas públicas de Porto Alegre, Brasil, se apropria de los resultados del Índice de Desarrollo de la Educación Basica (IDEB) y como tratar con ellos en la gestión escolar. La metodologia utilizada es un enfoque qualitativo para la recopilación de datos atraves de un cuestionario estructurado. IDEB presentan los resultados de dos escuelas a partir de 2009 y 2011. En la práctiva escolar la apropriación tendrá lugar en tres dimensiones(Pedagógico, administrativo y participativa) y promueve el dialogo en diferentes níveles: con la jerarquia del sistema educativo, con la comunidad externa a escuela y a nivel interno con los maestros y otros miembros de la comunidad escolar.

Palabras clave: Administración de la escuela; escuela pública; evaluación a gran escala; Indice de Desarrollo de la Educación, administración escolar.

INTRODUÇÃO

Objetiva-se com este texto discutir o contexto de prática, os micro movimentos de regulação local que se configuram a partir e por meio das formas como a equipe diretiva se posiciona e age frente ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A pesquisa foi realizada em duas escolas de educação básica, estabelecimentos mantidos pelo poder público estadual, situados em Porto Alegre, focalizando ações da equipe diretiva para se apropriar dos dados do IDEB e para lidar com eles na gestão escolar. Discute-se inicialmente políticas públicas, avaliação em larga escala e processos de regulação para então apresentar os dados empíricos mediante a caracterização das escolas estudadas e a sistematização das formas de apropriação em níveis e dimensões.

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA COMO FORMA DE AÇÃO DO ESTADO

Falar de avaliação em larga escala como política educacional é discutir uma face relevante dos processos de ação do Estado e suas formas de regulação. Os debates acerca do tema da regulação e da avaliação em larga escala da educação básica demonstram a amplitude e diversidade de sentidos com que o termo é empregado por pesquisadores bem como pelos que se situam no campo das práticas de escolas e sistemas.

A agenda das políticas públicas educacionais tem colocado cada vez mais ênfase na eficiência, eficácia, utilidade, administração de sistemas, e na gestão de organizações escolares. No cenário de globalização constituído por políticas de avaliação em larga escala, por processos de regulação e pelo destaque à gestão,

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encontram-se, na área da educação, posições divergentes. São posições que ora defendem a racionalização voltada para a eficácia, modernização e eficiência ou, ora priorizam a condição de liberdade dos atores, a autonomia das escolas e as possibilidades de uma gestão democrática da educação. O difícil, embora viável, é não abandonar o espaço de ação e profissionalismo dos atores que estão em diferentes espaços sociais, sistemas e instituições educativas e atender à urgência em oferecer uma educação pública de qualidade que inclua valores humanos de justiça, igualdade, tolerância (OLIVEIRA, ARAUJO, 2005; ESTEVÃO, 2004, 2008, 2009, 2011).

a globalização não supera as desigualdades nem as contradições, antes as recria, as desenvolve a outros níveis e com novos ingredientes e com novas linguagens (por exemplo, através de programas de ajustamento estrutural). Contudo, a solução não está tanto em saber se a globalização deve ou não ser rejeitada, “mas como pode ser regulada em termos de princípios que promovam a justiça social” (ESTEVÃO, 2009, p. 47).

O Estado manifesta-se através de sua ação (Muller, Surel, 2004; Viana, 1996), pela instituição de políticas públicas as quais são um alvo em movimento (PALUMBO, 1994), apresentando-se como tal, tanto para as instâncias político-administrativas e estruturas do Estado, como para os demais segmentos da sociedade. Assim, analisar o Estado é analisar a sua ação pública e suas lógicas de intervenção, identificando suas dinâmicas articulações com a sociedade.

Avaliações em larga escala da educação básica, como alvo em movimento e forma de manifestação do Estado, estão em operação no Brasil desde meados da década de 1990, adquirindo formas diferenciadas no tempo e, por constituírem um procedimento com tradição de quase vinte anos, veem-se cada vez mais reforçadas e legitimadas no cenário atual. Constituem-se em políticas de continuidade das quais resultam e produzem-se grandes bases de dados. Entretanto, manejar com tais bases de dados implica em conhecimento técnico altamente especializado de forma que elas “não são exploradas em seu potencial, devido a dificuldades inerentes ao grande volume de dados envolvido, que inviabiliza a capacidade humana de sua interpretação” (NAMEN, BORGES, SADALA, 2013, p. 678).

Nos últimos anos como decorrência da robustez destas bases de dados e da permanência e reforçamento das políticas governamentais de avaliação em larga escala a educação brasileira tem sido representada por um índice que se torna cada vez mais reconhecido frente à sociedade – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. A legitimidade deste índice decorre da inserção do Brasil no movimento que institui “Estados avaliadores” (AFONSO, 2013; FREITAS, 2009; ALMEIDA, 2013) e que é observado em diferentes países, na medida em que

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influências internacionais, favorecidas por processos de globalização, promovem a migração de políticas e a cultura de gestão por resultados, mediante a implantação de “sistemas de indicadores nacionais que lhes permitem `dirigir´ o sistema, `controlar´ melhor o processo e o funcionamento das escolas ou dos órgãos de gestão escolar de nível intermediário” (MAROY, VOISIN, 2013, p. 882). Tais indicadores, associados a mecanismos de prestação de contas (accountability), são utilizados como ferramenta de gestão, controle e planejamento dos sistemas educativos. Assim, se instalam políticas de regulação por resultados em que “a avaliação dos outputs dos sistemas organizacionais, referentes a objetivos e normas predeterminados, ocupa um lugar central” (MAROY, VOISIN, 2013, p. 883).

As políticas de avaliação em larga escala se inserem, portanto num cenário de regulação do Estado, regulação esta que pode, entretanto, ser entendida em diferentes níveis. A noção de regulação não é nova (MAROY, 2011); inicialmente conformada por um sentido funcionalista, passa por uma reconceituação frente às relações do Estado com a sociedade, os novos atores públicos, os processos de desconcentração, descentralização, parcerias e avaliações. A regulação institucional é exercida como propriedade ou função do sistema, do Estado, mediante leis e princípios hierárquicos (MAROY, 2011, p. 689); refere-se a “arranjos institucionais definidos, promovidos ou autorizados pelo Estado que contribuem para coordenar e orientar a ação do sistema educativo através da distribuição dos recursos e obrigações” (MAROY, VOISIN, 2014, p. 897). A regulação institucional reforça as dimensões de controle e influência de parte da autoridade formal ao induzir regulamentações e constrangimentos na ação social (BARROSO, 2004, p. 13).

Tal regulação que enfatiza regras decididas pela hierarquia, como propriedade do sistema, fomentada e associada a uma linha de gestão empresarial, instaura uma concepção de escola cujos objetivos são expressos em formato quantitativo, como padrões para redes escolares e níveis de ensino, tal como um “sistema de produção” no qual a escola precisa voltar-se prioritariamente para a melhoria de resultados. Assim as políticas de regulação governam por “números”, indicadores, medidas quantificadas. Destaca-se, entretanto, que indicadores são um recurso metodológico necessário e importante para abordar realidades sociais podendo substituir, quantificar, operacionalizar aspectos complexos desta realidade (HADJI, 1994; FIGARI, 1996; JANNUZZI, 2009).

Outro enfoque para a noção de regulação volta-se para as possibilidades de exercício da liberdade e da reflexão humana, destacando que os sistemas de ação não se pautam exclusivamente pela sujeição e por constrangimentos, na linha que Barroso (2004 (a), p. 13; 2004 (b), p. 20), citando Bauby, explicita

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Modos de ajustamento permanentes de uma pluralidade de acções e seus efeitos que permitem assegurar o equilíbrio dinâmico de sistemas instáveis (...) A regulação resulta do facto de que as regras não podem prever tudo e por isso devem ser interpretadas, postas em causa (numa adaptação perpétua em função das situações e dos objectivos). A regulação de um grupo social corresponde, assim, às interacções entre os interesses particulares de cada componente do grupo e o interesse comum ou geral do mesmo.

Neste caso a regulação decorre de um processo ativo de produção de novas regras, de reajustamento de regras produzidas externamente, de consideração das condições específicas do contexto, dos múltiplos atores e das estratégias que eles adotam.

Maroy (2011, p. 689) destaca que a regulação, nesta perspectiva, é um “processo dinâmico, incompleto, portadora tanto de ordem quanto de novas tensões. (...) processo plural e conflituoso de produção de regras do jogo, com entrelaçamento de ações e dispositivos de coordenação, por natureza, situados e em contínua interação”. E continua este autor, afirmando que há multiregulações locais, que a regulação é quase sempre múltipla, em decorrência da possibilidade de inter-relação entre controle e autonomia e das diversas fontes e forças que a originam. Conclusivamente afirma

Estamos numa situação de transição. Os novos modelos de regulação em desenvolvimento nos numerosos sistemas de ensino se conjugam e se articulam com modos de regulação anteriores, relativamente diversificados. Cada vez mais, os modelos pós-burocráticos mobilizam a regulação por resultados ou acionam dispositivos de quase-mercado, tendentes a se mesclar e retrabalhar fortemente as regulações anteriores, fundamentadas essencialmente na conformidade burocrática dos procedimentos e na autonomia profissional dos docentes (MAROY, 2011, p. 693)

Vários autores destacam o espaço de ação dos atores na dinâmica social. Certeau (2011, p. 37 ss) acentua que as pessoas comuns não são entregues à passividade e à disciplina, suas práticas (de apropriação, de reapropriação, de subversão, de consumo, de recepção, as micro resistências, as inércias) são uma equivalente às regras e imposições externas, de forma que, ao mesmo tempo, uma ordem é exercida e burlada. Licinio Lima (2001, p.62 ss) reconhece a complexidade dos processos que ocorrem entre a concepção normativa das políticas e sua execução em espaços escolares. Ele fala em infidelidade normativa, em uma certa invulnerabilidade dos professores a regras, a procedimentos burocráticos e imposições. Tanto Certeau como Lima nos textos que refiro não tratam, explicitamente, de regulação, mas apresentam uma concepção próxima de “processo ativo de produção de regras do jogo”, citado por Barroso ( 2004, p.

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14). Ou seja, as formas de praticar, a capacidade dos atores escolares para ignorar ou redefinir regras e a possibilidade de, em grupo ou individualmente, fazer uso estratégico dos processos de interação e do espaço de interpretação de normas que não produziram, colabora para o alargamento da ideia de regulação.

Assim como Estado, políticas públicas e regulação, a avaliação é também um tema muito debatido. Vale referir aqui as diversas gerações de avaliação (GUBA, LINCOLN, 2011) e lembrar que elas não são necessariamente sucessivas mas podem estar em operação, concomitantemente. A primeira geração caracteriza-se pela ênfase na mensuração, nos testes. Nela o avaliador desempenha função eminentemente técnica pois precisa “conhecer o arsenal de instrumentos disponíveis para que, deste modo, qualquer variável que se desejasse investigar pudesse ser mensurada. Se não houvesse nenhum instrumento apropriado, supunha-se que o avaliador tivesse o conhecimento necessário para criá-lo” (GUBA, LINCOLN, 2011, p. 33). Já a segunda geração caracteriza-se “pela descrição de padrões de pontos fortes e fracos com respeito a determinados objetivos estabelecidos. O avaliador cumpria a função de descritor, embora também se mantivessem os aspectos técnicos anteriores dessa função. A mensuração então deixou de ser tratada como equivalente à avaliação ...” (GUBA, LINCOLN, 2011, p. 35). Quando “a avaliação se caracterizou por iniciativas que visavam alcançar juízos de valor e na qual o avaliador assumiu o papel de julgador, mantendo igualmente as funções técnicas e descritivas anteriores” (GUBA, LINCOLN, 2011, p. 37), chegou-se então á terceira geração de avaliação.

A quarta, geração de avaliação, entretanto, diferencia-se das anteriores gerações por enfatizar a negociação, por ser uma proposta participativa desde as fases iniciais do processo em que avaliador e avaliados não estão em campos opostos, mas em paridade e compartilhando a avaliação em suas diferentes fases como uma construção conjunta. Pode-se afirmar que as avaliações em larga escala no Brasil (como a Prova Brasil e indicadores dela consequentes) não adotam a proposta da quarta geração. Pode-se entretanto dizer que as avaliações de quarta geração são mais coerentes com o quadro teórico que compreende as políticas como um alvo em movimento, a regulação como interação, que percebe a existência de multiregulações locais, que sabem que as normas burocráticas, as regras e padrões não prevêem tudo e, portanto, estão em adaptação e interpretação perpétuas.

Como destacado anteriormente, estas quatro “gerações de avaliação” coexistem, convivem atualmente nas relações sociais. Assim, na área de educação e considerando a educação básica há muitas queixas em relação à utilização dos dados das avaliações em larga escala, o que ocorre também em outros países.

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Guba e Lincoln (2011, p. 16) afirmam com relação aos profissionais da área de avaliação que eles estão “chocados com a não utilização da avaliação, ora culpam os clientes pelo capricho obstinado em não agir, não obstante a lógica convincente das recomendações, ora se culpam por não `promover´ satisfatoriamente o produto da avaliação”.

O objetivo deste texto é discutir justamente os processos de apropriação destes resultados mediante a ação do gestor escolar. O foco da pesquisa é o contexto de prática, onde os atores reconfiguram as regras do jogo, na linha de micro-regulação local mediante a qual poderá ocorrer a produção de regras e de quadros de referência por processos de apropriação que sempre são únicos, localizados e contingentes. Embora o cenário mais amplo aponte para o nascimento de uma lógica voltada para a eficiência e a eficácia, em que os objetivos são definidos mediante indicadores quantificados, a pesquisa investiga como as equipes diretivas se movimentam buscando dar sentido a um indicador de abrangência nacional criado externamente, que se apresenta como capaz de expressar o desenvolvimento da educação em sua escola. A pesquisa, portanto, focaliza processos de gestão desencadeados pelas equipes diretivas de escolas públicas de educação básica.

Como já foi dito, o Estado Avaliador, sendo uma alternativa ao Estado Burocrático e centralizado, ao agir diferentemente daquele, passa a definir os comportamentos esperados, os resultados, enfatizando métricas. O Estado Avaliador ao priorizar resultados quantitativos, delega a gestão dos meios e processos às instâncias periféricas e descentralizadas (departamentos, municipalidades, instituições), não dando conta, portanto, dos fenômenos que contribuem para uma regulação das ações no âmbito das escolas.

Maroy e Dupriez (2000, p. 74), assumem que a regulação é um processo de produção de regras e orientações de conduta. Regras que são apreendidas em sentido amplo, seja como injunção ou como interdição de comportamentos. Regras que podem atuar, também, como um guia de ação, uma referência que permita formular julgamentos ou um modelo que oriente a ação. Ou seja, a regulação pode ser entendida como a capacidade de regular interações. Voltando à proposta desta pesquisa pretende-se descrever de que forma ocorre a apropriação ou a capacidade de regular interações por parte da equipe diretiva de duas escolas públicas de Porto Alegre.

O ESPAÇO EMPÍRICO: CARACTERIZANDO AS ESCOLAS

A pesquisa envolve duas escolas públicas da zona urbana de Porto Alegre, localizadas em bairros distintos. A abordagem qualitativa caracteriza-se pelo

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interesse em termos do processo da gestão escolar mais do que simplesmente pelo resultado do IDEB. Tem como estratégia de coleta de dados, um questionário estruturado, com dez perguntas abertas e a análise de documentos que informam acerca do funcionamento das escolas, como o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Regimento escolar (AUDINO, 2014).

Faz-se necessário esclarecer que não há a intenção de fazer uma análise comparativa entre as duas escolas, pois com o apoio da fundamentação teórica, entende-se que cada escola, expressa através de seus profissionais, valores, vontades, contextos específicos (embora não opostos) e respostas diferentes. Ao contrário, nesta pesquisa, embora a caracterização de cada instituição destaque suas condições específicas, a análise da gestão é realizada num todo, objetivando destacar as estratégias de gestão adotadas que ora podem ser específicas, mas que, na maioria das vezes, são convergentes entre as duas escolas.

O público alvo é a equipe diretiva, representada pelo diretor(a), vice-diretores, coordenação ou supervisão pedagógica e a orientação educacional. Nas duas escolas, o questionário foi respondido de forma presencial por todos integrantes da equipe diretiva em datas específicas agendadas pelas diretoras, no início de 2014. Com autorização das escolas manteve-se sua designação original.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Monsenhor Roberto Landell de Moura, situa-se na Zona Sul de Porto Alegre/RS. É bem localizada no bairro, com acesso a transporte público, de rotas e horários diversificados. No mesmo zoneamento funcionam outras três escolas públicas estaduais de ensino fundamental.

A escola foi criada pelo Decreto nº 8.609, de 11 de fevereiro de 1958, com a denominação de Grupo Escolar, à Rua José Gomes. Nos anos seguintes, com a implantação da 5ª série e, gradativamente, das séries subsequentes, a escola foi reconhecida pela Portaria de nº 20.120, de 07 de agosto de 1987, como Escola Estadual de 1º Grau Monsenhor Roberto Landell de Moura. Atualmente, conta com 28 professores e 7 funcionários para atender 456 alunos matriculados nos turnos manhã e tarde.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Major Miguel José Pereira, está localizada na Vila Elizabeth, Zona Norte de Porto Alegre/RS, considerada uma área urbana em região periférica. No mesmo bairro, estão localizadas outras cinco instituições de ensino. O acesso utilizando-se de transporte público é limitado, sendo que a parada de ônibus mais próxima fica a uma quadra da escola, com apenas uma linha de lotação.

Foi criada em 30 de agosto de 1958, pelo Decreto Estadual nº 9.327 que a denominou como Grupo Escolar Major Miguel José Pereira. Em 2003, a escola iniciou o atendimento da 6ª série do ensino fundamental e, em 2010, das 7ª e

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8ª séries. Conta com 26 professores e 6 funcionários para atender 452 alunos matriculados nos turnos manhã e tarde.

O QUE DIZ O IDEB DAS ESCOLAS DA PESQUISA

A análise das taxas de aprovação da Escola Estadual de Ensino Fundamental Monsenhor Roberto Landell de Moura, indica que ela atingiu seu melhor percentual de aprovação em 2010. Entretanto, registrou-se, em 2010, um decréscimo significativo nesta taxa de aprovação do ensino fundamental II, a qual foi em parte recuperada em 2011.

Quadro 1 - Histórico da Taxa de aprovação, por nível de ensino: EEEF Monsenhor Roberto Landell de Moura

ETAPA DE ENSINO 2010 2011 2012

EFI 91% 88% 89%

EFII 69% 54% 58%

Fonte: MEC/INEP

Verifica-se que esta escola tem conseguido aprovar seus alunos no ensino fundamental I, mas apresenta um grande desafio a ser enfrentado: 42% de reprovação no ensino fundamental II, em 2012.

Em relação à Prova Brasil de Língua Portuguesa no ensino fundamental I, observa-se uma oscilação nas médias, alcançando o melhor resultado na avaliação de 2009. No ensino fundamental II, na disciplina de Língua Portuguesa, constata-se um crescimento na avaliação de 2007 se comparada a 2005, seguida de um decréscimo no comparativo de 2009 com 2007, crescendo significativamente em 2011, edição que a escola alcançou a sua melhor média. Na disciplina de Matemática, as médias tanto no ensino fundamental I e II, oscilam bastante de um ano para outro, apresentando a melhor média no ensino fundamental I na avaliação de 2009 e, a melhor média no ensino fundamental II, no ano de 2011.

Quadro 2 - Histórico da Prova Brasil por nível de ensino e área de conhecimento EEEF Monsenhor Roberto Landell de Moura

ANO 2005 2007 2009 2011

DISC. PORT MAT PORT MAT PORT MAT PORT MAT

EFI 197,37 242,76 194,27 209,19 215,79 266,75 207,00 218,20

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EFII 204,34 241,20 259,57 259,02 234,32 266,25 276,30 287,62

Fonte: MEC/INEP

A escala da Prova Brasil está organizada por área de conhecimento: Língua Portuguesa com 10 níveis e Matemática com 13 níveis, por etapa avaliada. Em Língua Portuguesa, a média da escola de 207,00 no 5º ano, na edição que ocorreu em 2011, refere-se ao nível 4 (200 a 225) e no 9º ano, a média de 276,30, ao nível 7 (275 a 300). As médias em Matemática no 5º ano (218,20) e 9º ano (287,62), correspondem aos níveis 4 e 7, respectivamente.

Assim, no IDEB do ensino fundamental I, a escola teve um crescimento de 10 pontos na edição de 2011 em relação a 2005 e, no ensino fundamental II, de 6 pontos, sendo que seu melhor resultado foi em 2007.

Quadro 3 – Histórico do IDEB por nível de ensino - EEEF Monsenhor Roberto Landell de Moura

ETAPA 2005 2007 2009 2011EFI 4,2 4,7 5,3 5,2EFII 2,5 3,4 2,9 3,1

Fonte: MEC/INEP

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Major Miguel José Pereira não tem resultado no IDEB do ensino fundamental I na edição de 2011, devido à exigência do número de alunos e, seu primeiro resultado no ensino fundamental II foi registrado em 2011, devido a recente autorização de funcionamento da 8º série, em 2010.

Quadro 4 – Histórico do IDEB por nível de ensino: EEEF Major Miguel José Pereira

ETAPA 2005 2007 2009 2011

EFI 4,6 4,8 5,1 ***

EFII * * * 4,4

Fonte: MEC/INEP

Ao se analisar as taxas de aprovação observa-se que a escola vem aprovando o mesmo percentual de alunos no ensino fundamental I, desde 2010. No ensino fundamental II, observa-se um crescimento modesto em 2012, em relação ao ano letivo de 2011.

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Quadro 5 – Histórico da Taxa de aprovação, por nível de ensino: EEEF Major Miguel José Pereira

ETAPA DE ENSINO 2010 2011 2012

EFI 92,6% 93% 93,8%

EFII * 71,7% 73,5%

Fonte: MEC/INEP

Na última edição da Prova Brasil, em 2011, a escola procedeu com a avaliação apenas para os alunos do 9º ano (8ª série). Em Língua Portuguesa, a média da escola de 276,60 refere-se ao no nível 7 (275 a 300) e a média de matemática 273,80 ao nível 6 (250 a 275).

Quadro 6 – Histórico da Prova Brasil por nível e área de conhecimento - EEEF Major Miguel José Pereira

ANO 2005 2007 2009 2011

DISC. PORT MAT PORT MAT PORT MAT PORT MAT

EFI 193,23 203,01 184,79 * 202,40 216,62 * *

EFII * * 202,28 * * * 276,60 273,80

Fonte: MEC/INEP

Nesta escola, no ensino fundamental II, o resultado do IDEB de 4,4 em 2011, tem um peso positivo pela taxa de aprovação em 73,5%, combinada com as médias da Prova Brasil em Português e Matemática, 276,60 e 273,80, respectivamente.

O ESPAÇO EMPÍRICO: MOVIMENTOS DE APROPRIAÇÃO DO IDEB PELAS EQUIPES DIRETIVAS

Na sequência, apresenta-se a análise dos dados, tratando as informações em conjunto, sem diferenciar escola nem informantes. O que interessa aqui é apreender os movimentos do conjunto dos componentes da equipe diretiva e as formas de apropriação deste conjunto em relação aos resultados do IDEB a partir de três níveis de diálogo. Analisando-se os dados coletados e com inspiração na literatura consultada (WERLE, 2010) organizou-se a sistematização em três níveis de diálogo.

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O primeiro nível refere-se à percepção das equipes diretivas em relação à postura da Secretaria de Estado da Educação, quanto à devolutiva dos resultados do IDEB às escolas. No segundo, aos processos internos da gestão escolar. O terceiro situa-se no nível do diálogo extraescolar, articulando formas de comunicação com os diferentes segmentos: família, alunos e conselhos.

Para cada nível de diálogo, as diferentes formas de compreensão e manejo dos resultados do IDEB, descritas pelas equipes diretivas das escolas, identificou-se dimensões consideradas como fundamentais para o desenvolvimento dos processos de gestão.

A dimensão Pedagógica abrange as práticas do trabalho educativo voltadas para assegurar a aprendizagem dos alunos. Relaciona-se à forma como a equipe diretiva interage, percebe e articula a sua ação, especialmente, junto ao corpo docente. A dimensão administrativa inclui formas de organização e estratégias reflexivas voltadas para o domínio dos dados do IDEB e o relacionamento dos dados (pistas) que ele fornece com o percurso histórico da instituição e demais informações produzidas pelos atores escolares. Na dimensão participativa destacam-se os esforços de articulação de indivíduos e grupos, assim como as iniciativas de interação voltadas para disseminar o tema do IDEB e da importância da aprendizagem do estudante junto a todos da comunidade escolar.

Tais dimensões perpassam de forma diferenciada os níveis em que ocorrem os diálogos das equipes diretivas, níveis estes que se referem à hierarquia do sistema de ensino, ao interior da escola e à comunidade próxima.

No primeiro nível, dialogando com a hierarquia da Secretaria do Estado de Educação do Rio Grande do Sul, identificou-se que as equipes diretivas não descrevem uma interação pedagógica e participativa em relação aos resultados do IDEB, com o que, as colunas da direita e da esquerda no quadro 7, estão em branco. Nas duas escolas os resultados são recebidos pelo correio, sendo que uma escola diz receber informações sobre a divulgação do IDEB da Coordenadoria Regional de Educação (CRE) que é o órgão de ligação e representação da Secretaria Estadual de Educação junto às escolas que são organizadas regionalmente. A relação com a hierarquia do sistema demonstra que a escola precisa encontrar sentido no IDEB por seus próprios meios e estratégias. É uma relação que demonstra certa inércia, mediante a utilização de mecanismos que indicam distanciamento para com as escolas e uma forma burocrática de relacionamento.

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Quadro 7- Nível 1: Dialogando com a hierarquia do Sistema Educacional, movimentos de apropriação do IDEB pelas equipes diretivas nas

dimensões: pedagógica, administrativa e participativa

Nível 1- Dialogando com a hierarquia do Sistema Educacional

Pedagógica Administrativa Participativa

Buscam os dados no site do MEC

Recebem informações via CRE/SE e pelo correio

Fonte: Dados coletados mediante questionário aplicado na pesquisa.

Em nível de diálogo interno (quadro 8) identifica-se uma ênfase entre os movimentos de apropriação nas dimensões administrativa e pedagógica. Isso evidencia a proposta de um trabalho preventivo que visa identificar as defasagens dos alunos, conforme citado nos documentos legais que regem o funcionamento das escolas.

Na dimensão pedagógica, ressalta-se a discussão dos resultados do IDEB entre os gestores e professores, o que, pelo levantamento da produção acadêmica da área é recomendável, mas a literatura informa que nem sempre é praticado nas redes de ensino. Assim, considera-se que nestas escolas há um avanço na maturidade gerencial em relação à análise dos resultados, pela diversidade de alternativas adotadas.

Ainda na dimensão pedagógica, observa-se que as equipes diretivas proporcionam aos professores, formações específicas de atualização, estando abertas para novas metodologias de ensino. Além da troca de experiências, do reforço escolar e do planejamento em conjunto, estas equipes apresentam um olhar favorável à Prova Brasil. Tal aceitação da avaliação externa pode contribuir não só para o trabalho compartilhado frente a objetivos comuns, mas para a elevação da aprendizagem e permanência dos alunos na escola além de trazer interferências positivas para os resultados futuros do IDEB. O trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas indica uma postura ativa que possibilita mapear as habilidades e competências a serem trabalhas com os alunos em cada etapa de ensino.

Na dimensão administrativa percebe-se que grande parte dos esforços endereçam-se para uma gestão voltada para resultados, pautada no trabalho coletivo dos profissionais. Quanto à dimensão participativa, é possível identificar uma gestão atenta aos comportamentos e necessidades dos alunos e às solicitações dos professores. A gestão é dinâmica, buscando formas diferenciadas de comunicação e de agilização dos encaminhamentos propostos. Destaca-se,

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também, movimentos de socialização dos resultados do IDEB com todos os segmentos, abrindo espaços para um planejamento em conjunto, abrindo espaços para diálogos e questionamentos.

As diferentes formas de apropriação em nível de diálogo interno, indicam que os resultados do IDEB são considerados para o alinhamento da proposta pedagógica das escolas, estando este processo aberto para reformulações, para atender as expectativas de aprendizagens apontadas pelo corpo docente, as famílias e os alunos. Verifica-se também que tal apropriação se manifesta mediante estratégias de envolvimento de todos os segmentos da comunidade escolar (professores, pais, alunos, equipe diretiva, funcionários) e uma ênfase em buscar alternativas que reúnam os esforços coletivos. Neste sentido as reuniões se constituem em momentos de articulação e revisitação de dados históricos relativos à aprendizagem dos alunos, de discussão de diferentes metodologias de trabalho, de compartilhamento de conhecimento tácito acumulado no fazer pedagógico diário dos professores e equipe diretiva. Destaca-se também a importância da equipe diretiva considerar, igualmente, dados das avaliações em larga escala, bem como dados e indicadores oriundos de outros recursos disponíveis para a escola e os produzidos pelos professores, demonstrando assim, interesse e valorização de dados produzidos em diferentes origens.

Quadro 8 - Nível 2: Dialogando internamente: movimentos de apropriação do IDEB pelas equipes diretivas nas dimensões:

pedagógica, administrativa e participativa

Nível 2- Dialogando internamente: equipe diretiva

Pedagógica Administrativa Participativa

Discutem os resultados nas reuniões com os professores

Analisam os resultados e discutem em reuniões específicas de equipe

Socializam os resultados com os pais e alunos

Utilizam o indicador para repensar as práticas pedagógicas

Priorizam reuniões semanais de equipe diretiva

Discutem os resultados com os pais e alunos

Identificam o que precisa ser melhorado no processo de ensinoe aprendizagem

Comparam o IDEB com os resultados produzidos na própria escola

Discutem os resultados no Conselho de Classe participativo

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Nível 2- Dialogando internamente: equipe diretiva

Pedagógica Administrativa Participativa

Adotam formas diferentes de trabalhar na sala de aula

Analisam e comparam os resultados com os anos anteriores – outras escolas -regiões

Envolvem a comunidade escolar nas discussões de alternativas: Como? Com quem? Para quem?

Identificam as dificuldades de aprendizagens dos alunos

Utilizam o IDEB como norteador do trabalho, serve como parâmetropara novos projetos

Socializam as boas práticas nas reuniões com a comunidade escolar

Analisam os resultados internos da escola por ano/turmas

Utilizam gráficos para apresentar os resultados à comunidade escolar

Incentivam a participação dos alunos no processo de aprendizagem

Planejam atividades paramelhorar o desempenho dos alunos

Identificam as causas e não culpados

Chamam os pais para conversas individuais

Realizam aulas de reforço escolar em horários diferentes

Discutem a reformulação dos documentos norteadores

Estabelecem projetos a partir da necessidade dos alunos

Analisam os resultados produzidos na escola em cada trimestre

Realizam momentos de troca de experiências de aulas que tiveram efetiva participação dos alunos

Acompanham os resultados trimestrais através do sistema gerencial (GIDE1)

1 Sistema de gestão integrada da escola idealizado pela professora Maria Helena de Pádua Coelho de Godoy, coordenadora dos Projetos de Gestão na Área da Educação na Fundação de Desenvolvimento Gerencial e Consultora Master do Instituto Aquila.

O diálogo com a comunidade escolar (quadro 9) envolve interações com as famílias e os alunos no processo de acompanhamento das atividades escolares. O esforço volta-se não apenas para o conhecimento e a análise dos resultados do IDEB, mas para os avanços no desempenho geral dos alunos, expressando uma

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atitude efetiva (ouvir e valorizar), uma vez que as famílias, destas escolas cobram um ensino de qualidade. A prática de convidar e motivar os responsáveis e os alunos a discutir sobre a frequência dos estudantes às aulas, seu aproveitamento e o IDEB estimula as equipes a acompanhar em profundidade a dinâmica pedagógica e as metodologias em desenvolvimento bem como os resultados e as formas para melhorá-los. Observa-se que as equipes diretivas destas escolas envolvem, pois, valorizam o Conselho Escolar e todos os segmentos da comunidade escolar na discussão de alternativas, assim como na divulgação e acompanhamento de ações administrativas, culturais, pedagógicas promovidas, diversificando as modalidades de comunicação da escola com os pais.

Quadro 9 - Nível 3: Dialogando com a comunidade escolar, movimentos de apropriação do IDEB pelas equipes diretivas nas dimensões:

pedagógica, administrativa e participativa

Nível 3 - Dialogando com a comunidade escolar

Pedagógica Administrativa Participativa

Realizam reuniões individuais com as turmas (alunos e pais) para sanar dificuldades de aprendizagem

Agendam horários diferenciados para atender os pais

Socializam os resultados com o Conselho Escolar

Promovem discussões para sanar ou minimizar os problemas de aprendizagem

Divulgam os resultados do IDEB em áreas visíveis da escola

Socializam os resultados com as famílias e com os alunos

Envolvem o Conselho Escolar no planejamento das atividades pedagógicas

Buscam socializar com todo o segmento escolar os resultados do IDEB

Discutem os resultados comtodos os segmentos

Envolvem os alunos no processo de aprendizagem

Criam estratégias de divulgação dos resultados, como gráfico e tabelas

Promovem eventostradicionais na escola

Buscam os serviços de apoio(rede de atendimento)para os alunos

Monitoram as ações realizadasna escola

Discutem no coletivo as alternativas para minimizaros problemas

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Nível 3 - Dialogando com a comunidade escolar

Pedagógica Administrativa Participativa

Conversam, cobram e envolvema comunidade escolarnas decisões

Relatam para os pais o desenvolvimento dos alunos

Acolhem as diferentes ideias dos pais, funcionário e alunos

Trabalham com os alunos o seu desempenho

Proporcionam momentos de escuta para os diferentes públicos

Fonte: Dados coletados mediante questionário aplicado pela autora.

CONCLUSÕES

Neste estudo, o IDEB foi considerado como um índice positivo pelas duas equipes diretivas que afirmam que a proposta pedagógica está sendo reformulada a fim de melhorar a qualidade da educação, refletida na aprendizagem dos alunos. Há uma compreensão de parte das equipes diretivas a respeito da importância da aprendizagem significativa de todos os estudantes, das condições de aprovação e promoção ao longo do ensino fundamental, do papel do professor e de toda a comunidade escolar para o sucesso do trabalho educativo.

O que se pode concluir é que as avaliações externas estabelecem parâmetros que não podem ser considerados em si mesmos e nem como sinal da qualidade da escola, mas cabe aos sistemas de ensino e suas respectivas escolas se debruçarem nos resultados do IDEB a fim de diagnosticar a situação de aprendizagem de seus alunos. Ou seja, a qualidade da educação não pode ficar restrita ao índice, mas ele pode ser um bom tinstrumento para apontar alguns caminhos interessantes na gestão escolar. Frente ao IDEB as equipes diretivas das escolas pesquisadas demonstram grande esforço reflexivo, de entendimento de forma a articular outros dados e elementos chave da escola: formação continuada dos professores, metodologia de ensino e, até mesmo, mudanças na base curricular das escolas.

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As duas escolas estudadas caminham neste sentido e consideram os resultados do IDEB no planejamento das estratégias, através de diferentes movimentos de apropriação, o que leva a reforçar a ideia de que a qualidade da educação começa dentro da escola, com a introdução de boas práticas de gestão.

Os dados coletados sugerem que as equipes diretivas reconhecem o direito dos pais, dos professores, dos alunos e dos funcionários e corpo técnico administrativo ao diálogo, à contestação e à pergunta. Sugerem também que as equipes diretivas dão expressão a princípios democráticos nas ações administrativas, pedagógicas e de articulação com a comunidade.

As escolas que foram objeto de estudo afiguram-se como espaços de construção de formas peculiares de regulação ao demonstrarem estar atentas ao IDEB, mas deixando-se atravessar por compromisso, solidariedade e trabalho conjunto.

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FLÁVIA OBINO CORRÊA WERLE é doutora em educação pela PUCRS, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos _ UNISINOS e pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]

JANAINA FRANCISCATO AUDINO é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, universidade em que também obteve o título de Mestre em Educação. Atua como executiva do Instituto JAMA em Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Agendas da educação básica: gestão escolar e qualidade da educação

Agendas of basic education: school management and quality in educationAgendas de la educación básica: gestión escolar y calidad de la educación

ROSIMAR SERENA SIQUEIRA ESQUINSANI CARMEM LÚCIA ALBRECHT DA SILVEIRA

Resumo: O texto apresenta pesquisa que objetivou discutir as estruturas e dinâmicas da gestão escolar e seu vínculo com a qualidade da educação. Como metodologia, adotou a pesquisa em fontes documentais, desenvolvida em uma rede pública de educação básica de um município no interior do Rio Grande do Sul, ao longo de quatro anos (2010-2014). Os achados da pesquisa problematizam os vínculos entre a gestão escolar e a qualidade da educação, sendo que os mesmos são de ordem endógena: práticas de gestão, sujeitos e cotidiano escolar; e exógena: estruturas burocráticas, avaliações em larga escala e formação docente.

Palavras chave: Gestão escolar; qualidade da educação; educação básica.

Abstract: The text presents research which discusses the structures and dynamics of school management and its link with the quality of education. As methodology, it adopted research in documentary sources, it was developed in public primary education schools in a town of Rio Grande do Sul, over four years (2010-2014). The research findings problematize the links between the school management and the quality of education, and they are of endogenous order: management practices, subjects and school routine; and exogenous: bureaucratic structures, large-scale assessments and teacher training.

Keywords: School management; quality of education; basic education.

Resumen: El texto presenta pesquisa que objetivó discutir las estructuras y dinámicas de la gestión escolar y su vínculo con la calidad de la educación. Como metodología, adopto la pesquisa en fuentes documentales, desarrollada en una red pública de educación básica de un municipio en el interior del Rio Grande del Sur, a lo largo de cuatro años (2010-2014). Los hallados de la pesquisa problematizan los vínculos entre la gestión escolar y la cualidad de la educación, siendo que los mismos son de orden endógena: prácticas de gestión, sujetos y cotidiano escolar; y exógena: estructuras burocráticas, evaluaciones en amplia escala y formación docente.

Palabras clave: Gestión escolar; calidad de la educación; educación básica.

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INTRODUÇÃO

A escola de Educação básica, no Brasil, organiza-se a partir de diretrizes comuns estabelecidas pela legislação vigente, mormente a Lei 9.394/1996. Com algumas variações previstas em lei (incluindo possíveis alterações de calendário e nomenclatura), a escola de Educação Básica como instituição respeita parâmetros que transcendem espaços geográficos e funciona, em sua formalidade, de maneira semelhante em todo o território nacional. Nas palavras de Licínio Lima: “a escola jurídico-formal é singular, perfeitamente definida dentro dos limites da lei, geral e abstracta, indiferente às diferenças dos contextos, dos actores e das suas dinâmicas de interacção” (2008, p.85).

Mas, os processos cotidianos que ocorrem, no interior das escolas, obedecem a alterações robustas e singulares, uma vez que esses processos, sim, levam em conta atores e dinâmicas de interação, considerando aspectos como: currículo, demandas locais, constituição do corpo docente, dependência administrativa, financiamento e, principalmente, as estruturas e dinâmicas próprias da gestão escolar de cada unidade educativa pois, nesta perspectiva, “cada escola é um contexto específico de acção, certamente marcado por dimensões políticas, jurídicas, formais e estruturais de diversos tipos, mas também pelas capacidades de agenciamento e intervenção dos actores individuais e colectivos” (LIMA, 2008, p.86).

O texto em tela firma-se no objetivo de discutir as estruturas e dinâmicas da gestão escolar e seu vínculo com a qualidade da educação, pois as mesmas configuram-se como alterações palpáveis na ‘cultura escolar’. Assim, o texto apresenta resultados conclusivos de uma pesquisa, que teve como objeto justamente a relação entre a gestão escolar e a qualidade da educação básica.

O problema de pesquisa concentrou-se em descrever e discutir indicadores que explicitassem os possíveis vínculos entre as dinâmicas da gestão escolar com a qualidade da educação, entendendo que estes vínculos seriam oriundos de situações multifatoriais que, por seu turno, concorreriam para a produção de indicadores igualmente multifatoriais e orgânicos. Assim, discutir o vínculo entre gestão escolar e qualidade da educação, consiste em colocar-se diante de um fenômeno de natureza dialética, que não tem uma única origem, tampouco pode ser explicado por uma única matriz.

Há certa confluência na compreensão de que a qualidade da educação não pode ser atribuída a uma única condição ou dimensão, pois que...

A qualidade de um sistema educacional resulta de um complexo conjunto de fatores em que estão presentes desde elementos mais objetivos como aspectos materiais relativos ao provimento de serviços (a exemplo de prédios,

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equipamentos e livros) a outros menos tangíveis (como a liderança da equipe dirigente, a motivação da comunidade escolar, etc.) (VIEIRA, 2009, p.106, grifos nossos).

Assim, o trabalho em relevo insere-se na perspectiva de discutir a gestão escolar como um dos fatores que vincula a qualidade da educação, discutindo relacionalmente a produção de indicadores para a análise deste vínculo.

SOBRE A METODOLOGIA

Pela característica multifacetada do objeto, a metodologia foi estruturada a partir de uma pesquisa empírica desenvolvida em uma rede pública municipal de educação básica de um município de porte médio no interior do Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos quatro anos (2010-2014). O recorte de trabalho ainda privilegiou os dados advindos das 35 (trinta e cinco) escolas de ensino fundamental da rede em tela.

Do ponto de vista conceitual, entende-se que o estudo empenhado subordina-se às pesquisas de caráter qualitativo, uma vez que...

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002, pp. 21-22).

Este universo de significados foi desnudando as perguntas de pesquisa a partir da análise de conteúdo de documentos circunspectos à rede em exame. Assim, foram selecionados, em face ao escopo da pesquisa, os seguintes documentos empíricos: a) atas de reuniões realizadas entre a mantenedora e as escolas da rede de ensino, entre 2010 e 2013; b) questionários próprios, elaborados a partir dos objetivos da pesquisa e aplicados aos gestores escolares nos anos de 2011 e 2012; c) pesquisa de opinião aplicada a todos os professores da rede nos anos de 2013 e 2014; d) relatórios anuais, entregues pelas escolas ao final de cada ano letivo do recorte temporal estabelecido, contendo os principais acontecimentos e as percepções/avaliações dos gestores sobre o cotidiano da escola; e) calendários escolares organizados por cada escola, entre os anos de 2010 e 2014 e, por fim; f) resultados das avaliações em larga escala refletidos também nos índices de aprovação/reprovação/evasão e no IDEB de cada escola.

Acredita-se que estas fontes documentais acenariam com a possibilidade de descortinar a cultura escolar, entendida como:

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um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização (JULIA, 2001, p. 10-11).

Assim, a condição multifatorial do objeto de estudos, associa-se à condição igualmente multifatorial das elaborações da cultura escolar, ampliando o leque de possibilidades, análises e, consequentemente, a necessidade de dados advindos dos mais distintos documentos.

No que diz respeito às atas de reuniões entre a mantenedora e as escolas da rede, foi possível coletar dados em relação aos principais eventos que envolviam as referidas escolas e seus processos de gestão como, por exemplo: projetos e programas de governo; discussões sobre calendário escolar; participação em eventos de formação docente continuada; encaminhamento de situações administrativas e burocráticas (questões funcionais, remanejo ou lotação de professores, verbas para a escola, etc...); recursos humanos, entre outros assuntos.

Em relação aos questionários próprios, elaborados a partir dos objetivos da pesquisa e aplicados aos gestores escolares nos anos de 2011 e 2012, foram considerados dois blocos de questões: um bloco que dava conta do cotidiano escolar e sua relação com os resultados de aprendizagem dos discentes e outro bloco com os principais desafios que o gestor escolar enfrentava na rede de ensino em tela.

Já no que concerne à pesquisa de opinião aplicada a todos os professores da rede nos anos de 2013 e 2014, a mesma adotou como centralidade os processos de formação docente continuada, as percepções e expectativas dos docentes acerca dos mesmos, vinculados ao seu lugar social e profissional: o interior da escola e a imersão em seus processos próprios de gestão escolar.

Foi, igualmente, analisado o conteúdo dos relatórios anuais entregues pelas escolas ao final de cada ano letivo do recorte temporal estabelecido. Tais relatórios são elaborados por solicitação da mantenedora e contém o registro da avaliação da escola (mais especificamente da equipe de gestão escolar), contendo

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os principais acontecimentos e as percepções/avaliações dos gestores sobre o cotidiano da escola e os episódios ao longo do ano.

Nestes relatórios, há questões de foro estrutural, como proposições de ações para a mantenedora; avaliações circunstanciadas sobre os serviços de apoio prestados pela mantenedora; descrição do desempenho escolar dos alunos com o estabelecimento das possíveis causas para casos de evasão e repetência, mas também há questões de ordem do cotidiano, como relatos de fatos que tenham ocorrido na escola, tais como o fechamento de uma turma, a licença gestante de uma professora, as ações de adaptação dos alunos novos, palestras específicas ministradas na escola, etc...

O Calendário Escolar trata-se de um documento institucional elaborado por cada uma das escolas, respeitados alguns indicadores comuns, como início e término do ano letivo, bem como períodos de recesso. Tais calendários apresentam informações sobre: nominata da equipe gestora; nominata dos professores e suas respectivas funções na escola; número de turmas por ano escolar; número de alunos por turma; agendas de reuniões pedagógicas e/ou administrativas em cada escola; eventos festivos (festas juninas, celebrações de datas comemorativas, aniversário da escola, feira cultural/literária, etc...), horário de início e término das atividades em cada turno de trabalho escolar. Estes calendários precisam ser aprovados em duas instâncias: primeiro precisam da aprovação da comunidade escolar, em assembleia convocada para este fim. Sequencialmente, a escola precisa submeter o seu calendário ao crivo da mantenedora, que autoriza ou não a execução do referido calendário.

Por fim, foram examinados os resultados das avaliações em larga escala refletidos também nos índices de aprovação/reprovação e evasão e no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de cada escola.

Os elementos empíricos coletados foram cotejados por uma revisão bibliográfica, confrontada com uma pesquisa documental que trilhou estudos já realizados, visando o acúmulo de conhecimento em relação ao problema de pesquisa.

Cada documento selecionado forneceu dados que permitiram a organização de categorias operacionais de trabalho. A partir dessas categorias, foram mapeados os mecanismos de gestão presentes na escola, tais como: conselhos de classe, relação com a mantenedora, estruturas internas de gestão (eleições de diretores; conselhos escolares, conselhos de classe...) e mobilização do Projeto Pedagógico da escola, considerando que estes mecanismos teriam o condão de também interferir no cotidiano escolar, nos processos decisórios e de gestão e, por conseguinte, na qualidade da educação.

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PROBLEMATIZANDO OS ACHADOS DA PESQUISA

Com base nas categorias de análise estruturadas a partir dos documentos examinados, chegou-se ao seguinte resultado: é possível afirmar que há vínculos palpáveis entre a gestão escolar e a qualidade da educação, tais vínculos podem ser mapeados e, consequentemente, problematizados a partir de indicadores endógenos, como: práticas de gestão, sujeitos e cotidiano escolar, bem como de indicadores exógenos, constituídos pelas estruturas burocráticas da rede de escolas, os processos de formação docente e as avaliações em larga escala.

Buscando apresentar, em linhas gerais, as principais sistematizações da pesquisa, cumpre informar os achados empíricos em relação aos indicadores internos ou endógenos. Tais indicadores podem ser arrolados a partir de três dimensões: a) práticas de gestão escolar, que compreendem aspectos do ritual próprio da gestão, como reuniões administrativas e/ou pedagógicas, divisão de tarefas entre a equipe gestora e composição das estruturas e serviços de gestão escolar; b) sujeitos, representados por comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, alunos, pais e comunidade em geral) e a participação de cada um na gestão escolar e, por fim, c) cotidiano escolar, entendido como a descrição das situações específicas da escola e dos seus rituais, como organização do pátio, hora do intervalo, momentos de recreação e lazer, além de dinâmicas de serviços como alimentação escolar e biblioteca.

Cada uma das três dimensões acima descritas se caracteriza como indicador por produzir informações reiteradas, que permitem descortinar o universo interno da escola e o impacto da gestão nos processos pedagógicos ocorridos no interior da unidade educativa.

No que diz respeito às “práticas de gestão escolar”, é possível afirmar que os ritos institucionais estão presentes em todas as 35 escolas, com maior ou menor intensidade, produzindo situações organizacionais que se traduzem em (im)possibilidades para a qualidade da educação.

Concorrem – mas não exclusivamente –, para o tracejo deste indicador, condições como a habilidade de planejamento e liderança do gestor; a capacidade de mobilizar a comunidade escolar em torno de um projeto coletivo, agregando vontades individuais; organização e apresentação dos materiais e documentos institucionais, etc.

Neste indicador, a regularidade e a pauta prévia de reuniões administrativas e pedagógicas no âmbito da escola, oferecem pistas sobre as formas institucionais de preparo da equipe gestora. Quando as reuniões internas da escola não existem, não são regulares ou existem apenas com caráter de encaminhamento e repasse

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de avisos, podemos considerar que o indicador “práticas de gestão escolar” apresenta problemas que concorrem para desempenhos escolares insatisfatórios.

Quanto ao indicador “sujeitos”, é possível mapear as escolas onde a figura do (a) diretor (a) se sobrepõe sobre os demais membros da equipe gestora e da comunidade escolar. Esta centralização resulta na manutenção de uma imagem de hierarquia, de diferenciação das funções desempenhadas por cada um dos membros da comunidade escolar. Este aparente distanciamento entre membros da comunidade escolar alimenta um distanciamento ainda maior entre a mantenedora e a maioria dos professores da rede (PESQUISA DE OPINIÃO, 2013). Os professores, quando têm alguma dúvida sobre os processos pedagógicos que são desenvolvidos no interior da escola recorrem, com primazia e quase que exclusivamente, aos gestores escolares e estes, se considerarem conveniente, recorrem aos serviços e subsídios da mantenedora, geralmente na condição de porta-vozes entre os docentes e a mantenedora.

Alguns gestores, entretanto, colocam-se na condição de líderes da escola, papel que fica evidente tanto nos questionários aplicados à equipe gestora (2011-2012) quanto nos relatórios anuais. Esta função de liderança parece estar orientada

[...] para a dinamização das relações interpessoais, para o desenvolvimento da escola como comunidades democráticas, para a transformação das práticas profissionais, para a gestão das redes de conhecimentos, para o empreendimento da mudança (BARROSO, 2000, p. 174).

Já o indicador “cotidiano escolar” foi o que apresentou maior grau de dificuldade em sua delimitação. Pouco se sabe, de fato, sobre as minúcias do funcionamento interno das escolas da rede. Poucos dados e detalhamentos são publicizados de maneira oficial e ficam à disposição de uma análise externa. As escolas pouco expõem do seu cotidiano nos documentos oficiais. Estes documentos são elaborados com relativo rigor, deixando patente apenas o que é necessário ou requerido. Também parecem não concordar com nenhum tipo de intromissão da mantenedora em seus assuntos de foro institucional (QUESTIONÁRIOS 2011). Alguns detalhes puderam ser pinçados dos questionários aplicados aos gestores (2011-2012), das atas das reuniões e, em alguma medida, dos relatórios finais (sobretudo na parte dedicada a avaliações gerais).]

Podemos afirmar que há, além dos aportes legais, processos cotidianos que ocorrem no interior das escolas e assinalam consideravelmente as fronteiras entre escolas constituintes da mesma rede de ensino, pois “cada escola, mesmo

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imersa num movimento histórico de amplo alcance, é sempre uma versão local e particular desse movimento” (ROCKWELL; EZPELETA, 2007, p.133).

Dentre os poucos dados se sabe, por exemplo, que há uma insistência na comparação da escola como um grande núcleo familiar. Nos relatórios de final de ano, as equipes gestoras insistem, com força, na imagem da escola como uma família para professores e alunos. O uso de termos como “nossa escola”; “somos uma grande família”, “nós aqui no bairro” entre outros chavões que denotam posse, são relativamente comuns nos relatórios mencionados. De igual maneira, eventuais problemas também são tratados nesta condição doméstica: “o aluno fulano não se adaptou a nossa forma...”; “uma professora pediu remanejo por não se ajustar ao projeto pedagógico da nossa escola”.

Outra questão premente e de fácil mensuração diz respeito ao ‘tarefismo’ no qual gestores escolares denunciam abarrotar seu cotidiano escolar. Nos questionários aplicados (2011 e 2012), tal questão é recorrente e unânime, transparecendo um dia-a-dia cheio de tarefas e com pouco espaço para planejamentos e atividades educativas.

Entretanto, este queixume não aparece em todos os relatórios. Como explicar que algumas gestões escolares sentem-se de tal forma pressionadas pelas demandas contextuais e pelas tarefas ordinárias, a ponto de materializar este desconforto em um relatório oficial entregue pela mantenedora, enquanto outras escolas não comentam este ‘tarefismo’ ordinário? A resposta a esta aparente contradição reside na seguinte lógica:

O ordenamento jurídico-burocrático e as políticas produzem as diretrizes para o modo de existência da escola na condição dos sistemas e redes escolares, das variadas naturezas escolares atualmente existentes. No entanto, as diretrizes não se reproduzem concretamente tal qual são enunciadas e propostas ou mesmo importas no plano superestrutural. A organização da esfera educacional e de cada instituição escolar é única, mesmo que ela mantenha relações de identidade com outras instituições da mesma natureza (SILVA JR; FERRETTI, 2004, p. 58).

Justo por esta razão, toda a tentativa de compreensão sobre os fenômenos mais velados e atípicos no processo de gestão escolar pode levar a explicações sobre descompassos entre os discursos institucionais construídos e os indicadores de foro quantitativo produzidos por esta mesma instituição.

No que tange aos indicadores externos ou exógenos, estes são constituídos por igualmente três dimensões: a) estruturas burocráticas; b) processos de formação docente e, c) avaliações em larga escala.

No que se refere às “estruturas burocráticas”, entendidas como os órgãos do sistema de ensino aos quais as escolas se subordinam, bem como as demandas específicas produzidas por estes órgãos, fica claro o distanciamento entre as

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escolas e, especialmente, o órgão administrativo do sistema, no caso, a Secretaria Municipal de Educação. Muitos relatórios narram, de forma fria e convencional, a relação estabelecida com a secretaria. Repleta de formalidades ou ausências, as atas das reuniões também demonstram esta distância entre mantenedora e mantidas (CADERNO DE ATAS, 2010-2014).

Entretanto, as diferentes possibilidades de relação com a mantenedora não conseguem indicar, isoladamente, como se processam as dinâmicas de gestão interna da escola, uma vez que...

Não basta alterar as regras formais para mudar as realidades escolares, e estas mudam, com frequência, mesmo quando as primeiras se mantêm inalteradas. Ou seja, não são apenas os modelos decretados que influenciam as práticas de gestão; estas práticas são influenciadas por múltiplos factores, objectivos, interesses, circunstâncias etc., que, por sua vez, não deixam de influenciar o entendimento e até a produção dos modelos decretados. E, assim, as diversas realidades escolares não se transformam automaticamente por simples mudança dos modelos decretados, como também a mera manutenção destes não assegurará necessariamente a cristalização de tais realidades (LIMA, 2001, p. 112).

Os “processos de formação docente continuada” figuram como indicadores que compõem o quadro multifatorial que vincula a gestão escolar com a qualidade da educação a partir de dois pontos: um primeiro ponto trata-se do considerável número de professores com formação qualificada na rede em tela. Dos 1.223 docentes atuando na referida rede em 2013, apenas 1,8% não possuía curso de nível superior (LEVANTAMENTOS ESTATÍSTICOS, 2013). Em contraposição, 59% dos professores apresentam formação em nível de pós graduação lato e stricto sensu (LEVANTAMENTOS ESTATÍSTICOS, 2013).

Outro dado que auxilia na caracterização do indicador diz respeito às equipes gestoras e sua formação. Das 35 escolas de ensino fundamental, 07 apresentam em seus quadros de gestores, pessoal com formação em nível de pós-graduação stricto sensu. As demais contam com profissionais qualificados em especializações atreladas à formação específica, como Especialização em Supervisão Escolar, Especialização em Orientação Educacional ou Especialização em Gestão Escolar.

No que concerne à formação continuada proporcionada pela mantenedora - de acordo com a LDB 9.394/96, em seus artigos 13, 67 e 87 -, os últimos quatro anos foram marcados pela metodologia das sessões ou grupos de estudos temáticos. Entretanto, os dados advindos tanto dos relatórios anuais, quanto da pesquisa de opinião realizada em 2013, mostram que há um visível esgotamento dos processos de formação docente continuada na rede examinada.

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Vários fatores são apontados como responsáveis por este esgotamento, a considerar: a excessiva presença de assessores (palestrantes, painelistas, oficineiros) vinculados prioritariamente a uma das Instituições de Ensino Superior da região; a exaustão de temas teóricos, supostamente sem respaldo no cotidiano escolar; o fato dos encontros serem compulsórios e, em relevo, o pouco envolvimento dos professores nas decisões acerca da formação continuada.

Todos estes indicadores são potencializados a partir dos resultados obtidos pelas unidades educativas quando da realização de “avaliações em larga escala”. Há nítidas relações entre todos ou parte dos demais indicadores e o resultado obtido pelas escolas (RELATÓRIO DE PESQUISA, 2014).

Mais do que isso, há uma aparente consciência de que os resultados das avaliações externas não são fruto apenas do desempenho dos alunos, mas de um conjunto de fatores fortemente delineados pela gestão escolar. Tal consciência se expressa em um arrazoado de desculpas ou culpabilizações, materializado em alguns dos relatórios anuais de escolas cujo IDEB ou o resultado na Prova Brasil tenha sido deficitário. Em contrapartida, escolas com IDEB em ascensão e com bons resultados na Prova Brasil tecem costumam tecer comentários elogiosos ao trabalho dos professores e a condução do trabalho pedagógico por parte dos gestores escolares.

Ainda que exista o entendimento de que um (a) gestor (a) e sua equipe não podem conduzir a escola sozinhos, a busca por culpados pelos resultados da escola pode enveredar por um caminho paradoxal, colocando unicamente em fatores externos a eventual culpa por resultados insuficientes: “a comunidade é muito carente”; “faltou professor de matemática”; “a professora adoeceu”; “a secretaria não mandou professor de reforço escolar”; “os alunos não estudaram”, entre outras estratégias de culpabilização externas.

Não se quer dizer com isso que o sucesso da escola reside unicamente na pessoa do gestor ou em uma estrutura administrativa autocrática na qual ele centraliza todas as decisões. Ao contrário, trata-se de entender o papel do gestor como líder cooperativo, o de alguém que consegue aglutinar as aspirações, os desejos, as expectativas da comunidade escolar e articular a adesão e a participação de todos os segmentos da escola na gestão em um projeto comum. O diretor não pode ater-se apenas às questões administrativas. Como dirigente, cabe-lhe ter uma visão de conjunto e uma atuação que apreenda a escola em seus aspectos pedagógicos, administrativos, financeiros e culturais (LIBÂNEO, 2005, p.332)

Assim, em alguns casos, a gestão escolar pode tecer argumentos no sentido de eximir-se de quaisquer responsabilidades sobre os resultados de aprendizagem advindos dos processos pedagógicos ocorridos no interior da escola, ora desconsiderando o próprio protagonismo, colocando-se como

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expectador dos processos internos da escola; ora buscando insistentemente culpados.

CONCLUSÃO

Diante do objetivo operacional deste texto expresso pela apresentação, em linhas gerais, das principais sistematizações da pesquisa em debate, é possível afirmar que há vínculos materiais e mensuráveis entre gestão escolar e qualidade da educação básica.

Pela pesquisa empírica empreendida, condições multifatoriais afetam a qualidade da educação e estas condições estão, em larga medida, atreladas a natureza, aos princípios e as dinâmicas de gestão escolar.

Assim, as escolas que mostram um desempenho satisfatório nas avaliações em larga escala, repercutindo também nos números do IDEB, são as escolas que apresentam uma série de indicadores de vínculo entre a gestão e a qualidade da educação, como: a) práticas de gestão escolar otimizadas pela organização e racionalidade administrativa; b) equipe gestora qualificada; c) relação de diálogo franco entre a mantenedora e as escolas componentes da rede pública; d) cotidiano escolar organizado com base no diálogo e na participação comprometida e profissional e, e) professores qualificados e partícipes dos processos de formação docente continuada, para além da frequência compulsória ou da praxe funcional.

A compatibilização de interesses e a construção de um projeto comum (BARROSO, 2000) para a escola passam por decisões de gestão que implicam conceber a mesma como uma ação de natureza profissional e pedagógica, que expressa mais do que a condução administrativa de uma unidade educativa, mas a real possibilidade de vincular esta atividade à qualidade da educação em escolas pública.

Assume-se, por fim, que a identificação, descrição e problematização dos indicadores se constituem em subsídio com potencial de colaborar para a qualidade dos processos pedagógicos acionados no interior da escola, bem como inolvidável etapa dos estudos apresentados, visando a continuidade da pesquisa em tela: a proposição de uma matriz de referência (quadro de desempenho) para a análise do funcionamento interno de equipes gestoras em situações materiais e contextuais, vinculadas a redes e sistemas públicos de ensino.

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REFERÊNCIAS

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ROSIMAR SERENA SIQUEIRA ESQUINSANI é doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, professora do Programa de Pós-graduação da Universidade de Passo Fundo / UPF e pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]

CARMEM LÚCIA ALBRECHT DA SILVEIRA é mestra em Educação pela UPF-RS, pedagoga e professora de Educação Básica da rede pública municipal de Carazinho/RS. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Possibilidades de avanço democrático a partir das políticas educacionais: olhares sobre a gestão municipal de Jacareí

Possibilities of democratic progress on the basis of educational policies: looks on the municipal management Jacareí

Posibilidades de progreso democrático a partir de las políticas educativas: miradas sobre la gestión de la municipalidad de Jacareí

DAIANNY MADALENA COSTA LUCIANE SZATKOSKI

Resumo: Este artigo tem por finalidade refletir sobre a política educacional promovida pela secretaria municipal de educação do município de Jacareí/SP, no que se refere à implantação do ensino fundamental e sobre a gestão municipal enquanto incentivadora de uma escola democrática. A metodologia usada partiu da problematização e reflexividade crítica da prática e da investigação documental. A principal conclusão deste trabalho propõe que a educação escolar seja capaz de se constituir aprendente e se faça por meio de uma gestão municipal calcada na participação de todos os envolvidos.

Palavras chave: Gestão municipal; política educacional; democracia.

Abstract: this article aims to reflect on the educational policy promoted by the city department of education of the city of jacarei / sp, and refers to the implementation of basic education and the municipal administration as motivator of a democratic school. The methodology used came from the questioning and critical reflexivity of practice and document research. The main conclusion of this work proposes that education is able to constitute learner and is made through a municipal management based in the participation of all involved.

Keywords: Municipal management; educational policy; democracy.

Resumen: este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la política educativa promovida por la secretaria municipal de educación del municipio de jacareí/sp, con respecto a la implementación de la enseñaza de la educación básica y sobre la gestión municipal como apoyo para una escuela democrática. La metodologia utilizada provino del cuestionamiento y de la reflexión crítica de la práctica y de la investigación documental. La principal conclusión de esta investigación propone que la educación escolar es capaz de ser aprendiz y se hace por medio de una gestión municipal basada en la participación de todos los involucrados.

Palabras clave: Gestión municipal; política educativa; democracia.

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INTRODUÇÃO

Jacareí é um município da região metropolitana do Vale do Paraíba, interior de São Paulo que possui uma população de 206 mil habitantes. Fundada em três de abril de 1849. Durante o “ciclo do ouro brasileiro” fez parte do caminho que levava a Minas Gerais1. Atualmente, encontra-se entre as principais economias da região.

A rede municipal de educação é composta pela educação infantil e pela primeira etapa do ensino fundamental (primeiro ao quinto ano), esta última implantada recentemente: as duas primeiras escolas do fundamental foram criadas em 1997. Isso pode significar que uma das finalidades da macro política educacional, ainda centrada no Estado (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000; AZEVEDO, 1997), seja a de impulsionar fazeres, os quais, em princípio, não tinham qualquer possibilidade de acontecer numa esfera mais local. Afinal, em fins de 1996 houve a promulgação de duas importantes leis: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9394/20 de dezembro de 1996 (LDB) e a Lei que dispôs sobre o financiamento da educação obrigatória: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, 9424/24 de dezembro de 1996 (FUNDEF).

Considerando esse contexto, buscamos, por meio de uma metodologia que partisse da investigação documental, da problematização e da reflexividade crítica da prática (BALL, 2011), compreender as possibilidades de alargamento e avanço da democracia (BOBBIO, 1996; PARO, 2011) e dos direitos (SCHAPER, 2011), tendo em vista a participação e o envolvimento de atores sociais que compõem a realidade educacional municipal na construção dos rumos da educação.

É possível, portanto, que a educação escolar, enquanto espaço de convergência da comunidade educativa, seja capaz de se constituir aprendente (THURLER, 2001) e se faça por meio de uma gestão municipal calcada na participação de todos os envolvidos.

Sendo assim, é possível conceber que a instituição do ensino fundamental na rede municipal de educação da cidade de Jacareí fez-se sobre os preceitos da legislação federal que vincula esta etapa da educação obrigatória às regras do orçamento público brasileiro.

Em 2014, a rede municipal de educação esteva composta por aproximadamente vinte mil alunos - matriculados na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental, inclusive as turmas de educação de jovens e adultos, distribuídos em cinquenta e nove escolas municipais, mantidas

1 http://www.jacarei.sp.gov.br/cidade/conheca-jacarei/historia - acesso em 21 de janeiro de 2015.

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diretamente pela prefeitura. Além dessas, faziam parte da constituição da rede quinze creches comunitárias. Vale considerar que, nesse mesmo ano, o município foi elevado à condição de cidade livre do analfabetismo2.

O quadro a seguir apresenta a composição da rede de educação, com o número das unidades existentes em cada etapa do ensino mantida diretamente pela administração municipal.

Quadro 1 - Composição da rede municipal de educação – Jacareí/2014

Escola de Educação

Fundamental

Escola de Educação Infantil e

Fundamental

Escola de Educação

Infantil

Creche Total

25 07 21 06 59

Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Jacareí (dados levantados em 2014)

Atualmente pertencem à Secretaria Municipal de Educação (SME) cerca de mil e duzentos professores incluindo os que exercem a regência de classe, os que se encontram desenvolvendo outras funções (diretores, os que atuam no apoio pedagógico, em programa de desenvolvimento pedagógico, em laboratório de informática, em salas de leitura), além de um efetivo de licenciados em arte (trinta e cinco) e de educação física (quarenta e cinco) que trabalham em todas as turmas das escolas da primeira etapa do ensino fundamental. Ainda compõem o quadro de profissionais da educação cento e vinte estagiários estudantes do ensino superior (os quais auxiliam professores que trabalham com crianças deficientes) e cento e cinquenta auxiliares de desenvolvimento infantil.

A IMPLANTAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Quando em 1996 o governo federal implantou a lei que dispunha sobre o FUNDEF, numa perspectiva de reorganizar o financiamento da educação brasileira, muitas cidades passaram a rever seu atendimento educacional. Esse foi o caso da cidade de Jacareí, a qual destinava seus recursos única e exclusivamente para a educação infantil. Porém, com o modelo instituído pela nova lei do financiamento da educação, numa perspectiva de contar com os recursos dos entes federados para após redistribuí-los, a cidade em questão passou a receber recursos menores do que aqueles transferidos para a feitura do “bolo federal”.

2 Reconhecimento feito pelo Ministério da Educação, com base no Censo (2010), quando o município apresentou mais de 96% de sua população alfabetizada.

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Isso, em virtude de as verbas destinadas aos municípios e estados serem computadas a partir do número de alunos matriculados somente no ensino fundamental (cabe lembrar que a educação de jovens e adultos fora vetada para tal computação). Sendo assim, é possível afirmar que o ensino fundamental passou a ser a principal meta a ser conquistada e consequentemente, a modalidade a ser expandida em todo território nacional. Ficava, então, evidente ser essa a principal prioridade da política educacional brasileira, o que se expressava com clareza nas mudanças operadas no financiamento da educação.

A partir de então, os entes federados, para alargarem seus recursos, precisariam empreender um aumento significativo na oferta do ensino fundamental. Parece possível supor que para isso acontecer “valia tudo” - utilização de prédios onde antes havia somente educação infantil, municipalização e construção efetiva de escolas para o atendimento do ensino fundamental; qualquer medida era viável para elevar o número de alunos.

Diante disso, podemos afirmar que a política instituída pelo governo federal impulsionou as municipalidades à tarefa de constituir, ampliar e remodelar suas redes de ensino.

O gráfico abaixo traz a comparação da criação das escolas de educação infantil e de ensino fundamental, demonstrando exatamente que até 1996 o município de Jacareí tinha somente em sua rede a oferta de educação infantil. Após esse ano, as escolas que abrigam a primeira etapa da educação básica passaram a dominar o cenário educacional do município.

Gráfico 1 – Escolas Municipais de Ensino Fundamental de Jacareí por ano de criação

Fonte: Documentos da Secretaria Municipal de Educação de Jacareí

0

2

4

6

8

10

12

14 Ano de criação das Emesf e Emeis

Unidades EMEI

Unidades EMEF

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O decreto municipal que instituiu escolas de ensino fundamental no ano de 1998, (Decreto nº 541) de 25/01/2000, retroagiu seus efeitos para 01/01/1998, dispunha sobre a criação de doze unidades escolares. Cabe ainda ressaltar que todas as unidades escolares de ensino fundamental criadas nesse ano foram fruto da municipalização, ou seja, escolas mantidas pelo governo estadual que foram entregues à administração municipal.

Neste gráfico podemos ver claramente o momento em que o município passou a constituir efetivamente as escolas de ensino fundamental. Outra questão que nos chama a atenção no gráfico é o longo período - 6 anos - que a cidade ficou sem constituir uma única escola de educação infantil (de 1997 a 2003). Para um município que investia todos os recursos nesta etapa do ensino deve ter sido um choque. Isso sem contar que ficava claro: agora era hora do ensino fundamental. E isso marcava o distanciamento daquilo que era importante para o que deixava de ser.

Para Kramer (2006) o distanciamento entre a educação infantil e o ensino fundamental é realizado pelos adultos e pelas instituições, pois são estes que muitas vezes os opõem. Nós acrescentaríamos que também as políticas contribuem para esta prática. E neste caso, em especial, a política de financiamento implementada pelo FUNDEF.

Obviamente, a política instituída pela União não ocorreu à mercê da deliberação da sociedade. Pelo contrário, ela foi fruto da luta e dos acordos resultantes das forças políticas em presença em cada conjuntura. Porém, não é incomum o fato de que, historicamente, as municipalidades terem tido pouco poder de barganha em face das deliberações que são tomadas em nível do poder central, ou mesmo nas concertações nacionais. Pode exemplificar essa situação a própria legislação brasileira, tal como a Constituição Federal, promulgada em 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei 8069 de 13 de julho de 1990, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. Todos esses marcos legais afirmam e reafirmam a obrigatoriedade do compartilhamento entre os entes federados da responsabilidade para com a educação e afirmam da sua obrigatoriedade como um direito de todos.

A Constituição Federal (CF), em seu art. 211, determina que a educação deve ser uma tarefa compartilhada entre União, Distrito Federal, Estados e Municípios (regime de colaboração) e o art. 205 dispõe sobre a finalidade da educação, da qual destacamos o exercício da cidadania. O artigo 4o do ECA, seguindo a Constituição, reafirma a educação como um direito e como um dever da família e do Estado. Igualmente retomando a Constituição, a LDB, no seu art. 6º trata dos princípios da educação nos incisos de I ao XI: igualdade de acesso e permanência, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, respeito,

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tolerância, gestão democrática, pesquisa e divulgação da cultura, da arte e do saber, entre outros.

O que nos parece crucial é que temos tamanho reconhecimento legal da educação enquanto direito, mas, ao mesmo tempo, temos um baixo envolvimento dos atores sociais da cidade, no sentido de fazer valer o texto legal. Freire (1979), já nos chamava a atenção a respeito da imprescindibilidade de participação nas decisões políticas, para acontecer uma educação libertadora.

Voltando à nossa discussão sobre a realidade de Jacareí, os dados do quadro 02 mostram a criação das creches para a população de 0 a 3 anos que se somaram às escolas de educação infantil e às do ensino fundamental. O quadro nos permite acompanhar comparativamente a evolução das escolas de educação infantil em relação as do ensino fundamental no período compreendido entre 1986 a 2014.

Quadro 2 – Quantidade de creches, escolas de educação infantil e de ensino fundamental da rede municipal de educação

de Jacareí por período de criação

Período de criação Creches e Escolas de Educação Infantil

Escolas de Ensino Fundamental

1986-1990 13 0

1991-1995 02 0

1996-2000 02 16

2001-2005 0 1

2006-2010 6 5

2011-2014 4 7

Total 27 29

Fonte: Documentos da Secretaria Municipal de Educação de Jacareí. (Não foi possível encontrar a data de

criação de três Escolas de Educação Infantil).

Em 1997, foram criadas duas escolas de ensino fundamental – a EMEF Professora Beatriz Junqueira da Silveira Santos e a EMEF Professor Joaquim Passos e Silva, ambas em 17 de fevereiro. Em dois anos (1997 e 1998) o município passava a ter catorze escolas desta etapa de ensino. Os dados demonstram que, com o transcorrer da implantação do FUNDEF, ficava evidente que a municipalização do fundamental chegara para ficar, tal como demonstram os dados que explicitam a política desenvolvida em Jacareí a partir de 1998.

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Mais recentemente, é também de destaque o papel da medida de política representada pela promulgação da lei federal 11.274/2006 que fez alargar o ensino fundamental, ao ampliar a sua obrigatoriedade para 9 anos. Nesse momento, alguns prédios, que anteriormente recebiam alunos somente da educação infantil, passaram a contar com classes do ensino fundamental. Isso modificou a denominação de algumas escolas que passaram a receber a designação de – Escola de Educação Infantil e Fundamental (EMEIF).

Neste quadro podemos constatar que o período de 2006 a 2010 foi importante para a retomada do crescimento de unidades da Educação Infantil do município. Vale lembrar que em 2006 já circulava o projeto de lei voltado para a implantação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica, tornado Lei Federal n.º 11.494 em 2007 (FUNDEB).

REFLEXÕES ACERCA DA GESTÃO MUNICIPAL

Em face do cenário acima tratado, fez-se necessário uma reestruturação no modo de a Secretaria Municipal de Educação de Jacareí organizar a educação municipal. Em 1998, ocorreu o primeiro concurso para o magistério do ensino fundamental. E agora emergia a tarefa de investir na formação, na constituição do currículo, enfim, em toda a organização imperativa a esta modalidade. Nesse novo período, as mudanças ocorridas na estrutura da sede da Secretaria Municipal de Educação deflagraram a necessidade de acrescentar mais um setor responsável pelas escolas que foram criadas. E assim, somou-se ao grupo pedagógico existente aquele responsável pelo ensino fundamental.

A última reformulação mais significativa foi realizada em 2010, instituída pela Lei Municipal 5498, a qual, em síntese, criou uma Diretoria Técnico Pedagógica (DTP) e a dividiu em duas gerências: a Técnico Pedagógica (GTP) – que, prioritariamente, teria a tarefa de estudar e propor formações para todos os professores e suporte pedagógico, e a de Supervisão de Ensino (GSE) - com a ocupação principal de fiscalizar e supervisionar as escolas, orientando-as para o cumprimento dos dispositivos legais.

A GTP foi dividida em seis setores: Supervisão de Educação Infantil, Supervisão de Ensino Fundamental, Supervisão de Educação Especial, Supervisão de Educação de Jovens e Adultos, Supervisão de Esportes e Recreação e Supervisão de Cultura e Arte.

Parece-nos que a educação municipal de Jacareí entrava na época do gerencialismo, iniciada no Brasil nos 1990, quando se acreditava que tal modelo daria conta da modernização necessária para colocar a educação nos “trilhos” do desenvolvimento, tal qual perseguia o país. Afinal, compreendia-se que a tênue

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linha que separava “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos” decorria de etapas do crescimento que poderiam ser alcançadas por todos. Uma boa dose de aceleração faria com que todos chegassem juntos aos resultados finais necessários para o fim em questão (ARRUDA; NÓBREGA, 2013).

No Brasil, a tentativa de imprimir à ação estatal os princípios da Administração Pública Gerencial ou Nova Gestão Pública – new public management, frequentemente chamado de gerencialismo – teve início nos anos 1990. Tal movimento esteve estritamente relacionado com o quadro global de reformas da administração pública, nas últimas décadas. Nesse sentido, o gerencialismo pode ser compreendido como a introdução de técnicas e práticas das organizações privadas no âmbito da administração pública, a fim de atingir objetivos preestabelecidos com mais eficiência, economia e eficácia (ARRUDA; NÓBREGA, 2013, p. 32) [grifos das autoras].

É importante ressaltar que não estamos advogando contra uma administração eficiente e eficaz. Porém, a questão é exatamente compreender para quem, para o que ser eficiente e eficaz. Parece-nos que parar seria mais importante que acelerar, pelo menos, parar um pouco. Perceber onde se quer chegar. Para quê? De que forma? A qual custo? Por quê? Talvez fosse necessário primeiro compreender o que se quer. Quais são os objetivos sociais e políticos da educação para a cidade?

Nesse sentido, em 2013 teve início um planejamento da DTP e a construção de uma Carta de Princípios com toda a rede municipal, a qual promoveria, como veremos mais adiante, os subsídios de uma qualidade negociada para a construção dos Projetos Políticos Pedagógicos de cada unidade escolar (inexistentes até este momento).

Durante o planejamento realizado pela DTP foi possível observar uma insatisfação, pois os profissionais que trabalhavam na sede da Secretaria Municipal de Educação, responsáveis pela formação e funcionamento das escolas, compreendiam que a desarticulação existente entre todos os setores era um ponto importante a ser superado.

Visivelmente, essa percepção de descompasso existente dentro da DTP - responsável pela articulação entre a dimensão pedagógica e a administrativa - trazia uma sensação de muita tensão também para as escolas. Isso porque era plausível o entendimento de que, se havia falta de diálogo entre os setores, isso poderia significar uma política educacional desencontrada. Sendo assim, foi bastante aceitável a hipótese de que os educadores do município pudessem perceber tamanho desacerto e desacreditassem nos processos estabelecidos para a qualificação da rede. Isso tudo sem contar com o modelo de especialistas que a DTP encarnava, evidenciando o que afirma Nóvoa (1999): “as práticas

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de racionalização do ensino contêm os elementos de uma deslegitimação dos professores como produtores de saber” (p. 10).

Esse modelo gerencialista, de resultados, não condizia com o discurso da DTP que, pelo contrário, enfatizava a importância da participação, em que todos os esforços pudessem produzir uma escola aprendente. Thurler (2001) discorre sobre o estabelecimento escolar aprendente, no qual os professores assumem o compromisso com a mudança. Para isso é necessário um sentimento de desacomodação frente à cultura escolar da classificação, da competição, do individualismo, do resultado pelo resultado. De acordo com este autor, a partir daí, é que seria possível “transformar a cultura” na direção de um construto coletivo apoiado nas experiências e numa reflexão daquilo que não estava bom e, por isso, necessitaria ser modificado. Disso resultaria uma escola mais democrática e autônoma. Do contrário, seria continuar sustentando a existência de especialistas que abonavam a prática pedagógica dos professores, de maneira distante uns dos outros. Novamente recorremos a Nóvoa (1999) que, ancorado em Mintzberg, considera o que ao nosso ver é um problema: dentre todas as profissões, é o magistério aquela que menos se ocupa do trabalho de pensar sobre si, de compreender o que funda suas concepções, sua análise, seu controle e adaptação.

Podemos perceber que um dos principais problemas enfrentados pelo professor é não se sentir participante do processo de construção da docência. Neste sentido, Nóvoa (1999) compreende que o professor necessita muito mais que a autonomia (já conquistada) na sala de aula. Tem, por isto, continua o autor, que alargar sua autonomia na gestão de sua própria profissão e ao mesmo tempo realizar uma ligação mais forte com a comunidade.

Por isso, para que se refizesse o modelo de gestão, no sentido de servir para a viabilização de uma escola autônoma, capaz de servir à cidadania, à democracia e à constituição de sujeitos de direitos, foi preciso que tanto a DTP, quanto as unidades escolares discutissem sobre seus problemas e potencializassem seu caráter de viabilizadoras das soluções.

AVANÇO DEMOCRÁTICO E EDUCAÇÃO COMO DIREITO

Partindo do ponto de vista de Bobbio (1986) de que só haverá aumento da democracia quando todos exercerem seu poder de cidadãos e cidadãs, por meio da participação e do controle popular, pode-se concluir que o Estado só poderá ser efetivamente democrático quanto mais a sociedade democrática o empurrar para este devir.

Outro ponto trazido pelo autor e colocado como fio que tece o referencial teórico desse artigo é: a democracia está em construção. Por isso, para Bobbio

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(1986) “para o regime democrático, o estar em transformação é seu Estado natural. A democracia é dinâmica, o despotismo é estático e sempre igual a si mesmo” (p. 9). Buscar um Estado democrático é compreendê-lo em constantes transformações, portanto inacabado, e também em permanente negação a um Estado despótico e/ou autoritário. A isto acrescentamos a afirmação de Paro (2011), lapidando o termo democratização para além da garantia do direito à educação (o qual veremos logo à frente), ou seja, enquanto garantidor de participação.

(...) o que se trata aqui é da democratização das relações que envolvem a organização e o funcionamento efetivo da instituição escolar. Trata-se, portanto, das medidas que vêm sendo tomadas como finalidade de promover a partilha do poder entre dirigentes, professores, pais, funcionários, e de facilitar a participação de todos os envolvidos nas tomadas de decisões relativas ao exercício das funções da escola com vistas à realização de suas finalidades (PARO, 2011, p. 15) [grifo nosso].

Neste sentido, se estamos a dizer que democratização tem a ver com a efetiva participação é porque a compreendemos como um direito. Tanto esta, quanto a educação. E a isso acrescemos a compreensão trazida por Schaper (2011) quando propõe a questão sobre o humano nos direitos. Para o autor, há um humano a ser resgatado do ponto de vista da participação, da responsabilização, da capacidade de se sentir afetado e chamado para dizer – sua voz, sua palavra.

Diante dessa constatação, a Secretaria Municipal de Educação, no ano de 2013, investiu na primeira ação - a de construir uma maior integração e harmonia entre os atores da sede e das escolas municipais, compreendendo que todos compõem a SME.

Com esse “diagnóstico” partiu-se para um processo de identidade de toda a DTP iniciado com um planejamento que propunha construir os propósitos do trabalho a ser realizado - missão, objetivo e diretrizes. Após esse momento, cada setor realizou seu plano de ação buscando o reconhecimento do outro.

Aos poucos, a reflexão sobre as fragilidades davam lugar a novos fazeres. Foi o que aconteceu quando o grupo dedicou-se a estudar. Nessa etapa do trabalho o tema Currículo e Avaliação3 passou a ser uma forte intenção de estudo (verificado em alguns registros da DTP, desde setembro de 2011). Então, foi criado o primeiro grupo de trabalho - currículo e avaliação – que resultou no estudo de alguns artigos, em dois seminários com a participação de doutores externos à DTP e a participação de todas as equipes diretivas e na construção da Carta de Princípios.

3 Esse grupo responsabilizou-se pela coordenação da Carta de Princípios.

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Além desse grupo, foram organizados outros cinco: formação e assessoria; brincar e leitura; projeto político pedagógico e regimento escolar; escola de educação integral; e gestão democrática. Todos esses temas foram definidos como necessários para uma prática mais integradora. É claro que não havia como todos os membros da DTP estudarem sobre todos esses assuntos, por isso, as pessoas que faziam parte dos setores tinham o compromisso de problematizar a prática do trabalho. Além disso, os pequenos grupos apresentavam suas reflexões ao grande grupo sobre cada um dos estudos realizados.

Aos poucos, todos foram produzindo formações com a presença de professores externos à SME e envolvendo os profissionais de toda a rede municipal.

Em síntese, todos os grupos de estudo se dedicaram a refletir sobre o que de fato se queria para a educação da cidade. Assim, por exemplo, o estudo sobre formação e assessoria se destinou a investigar sobre qual formação se pretendia realizar. O que seria efetivamente um formador? E o que seria uma assessoria?

Sobre esta questão, em 2014 foi aprovado um projeto sobre assessoria, intitulado “Formação para Humanização e Diversidade”, numa perspectiva de trabalho orientado pelo CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária – que passou a remodelar as assessorias realizadas junto às escolas.

Assim, a tarefa primordial da DTP, que ao fim e ao cabo seria a de ajudar a refletir com as escolas sobre seu papel, seus problemas e condições para que efetivamente pudesse se efetivar enquanto espaço aprendente e que se fizesse democraticamente, esteve em pauta durante todo o percurso.

Disso resultou um conjunto de encaminhamentos, pontuações e novos acompanhamentos. O que demandou, muitas vezes, reuniões mais permanentes com as equipes gestoras e um conjunto de intervenções realizadas com diversos agentes da DTP, ora de um setor, ora de outro, mas sempre em articulação. Raramente, ocorreram questões que não foram socializadas e isto ajudou imensamente na construção da unidade, pertencimento e identidade.

A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA A FAVOR DA DEMOCRACIA E DA CIDADE

Pensar do ponto de vista da atual estrutura política brasileira é saber que os entes federados deverão buscar, em colaboração, promover os princípios da educação dispostos na LDB, como já vimos.

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Em momento algum, a tarefa de consolidar o ensino fundamental (obrigatório) e de responsabilidade dos municípios e dos estados (LDB, art. 9º, X) teve um caráter de mando por parte do governo federal, nem poderia.

Investir no ensino fundamental, muito ao contrário de ser uma resolução do governo federal, estabeleceu-se enquanto dever constitucional à administração municipal (e aos estados). Porém, é possível afirmar que em meio a uma história de centralismos e prescrições, produzidos pelo poder central em nosso país – desde as oligarquias, muitas administrações municipais preocuparam-se somente com o ato de ajustar-se para realizar o “tema de casa”, ao invés de refletir a respeito da política educacional. Política essa que só se efetiva, enquanto realização democrática, se discutida e alcançada por meio da participação e da decisão de cada um e de cada uma, dos que efetivamente vivem seu cotidiano.

“Ninguém democratiza a escola sozinho, a partir do gabinete do secretário. Nem do ministro” (FREIRE, 1999, p. 43) [em itálico acréscimo nosso]. Para que a administração municipal e as escolas não sejam capturadas “em um perfeito diagrama de poder” (BALL, 2011, p. 88) é preciso que o direito de dizer, o que equivale ao dever da escuta atenta, seja tão necessário quanto imperioso para a construção da política educacional.

Diante desse cenário e na perspectiva de promover um conjunto de fazeres democráticos a respeito da educação municipal, a SME instituiu em maio de 2013 uma conjunto de intenções para que a rede municipal pudesse discutir qual educação de qualidade gostaria de promover.

A ideia iniciou com um convite às escolas municipais para que inscrevessem um professor e um membro da equipe gestora, estendendo-o aos membros dos conselhos de escola existentes em todas as unidades desde 2008. A ideia era a de que construíssem os princípios da rede municipal acerca da qualidade pretendida para a educação da cidade.

Diante do convite, quase a totalidade das escolas enviaram as inscrições. A metodologia utilizada para a construção da Carta de Princípios foi assim construída. Os participantes da Carta discutiam um tema sugerido pelos profissionais da sede da SME que era debatido inicialmente num pequeno grupo e posteriormente com o grande grupo. Depois de finalizadas as intervenções e discussões, a SME enviava a síntese das considerações para as escolas, as quais eram analisadas e novamente debatidas.

As pontuações realizadas pela escola eram trazidas e colocadas em votação quando não havia acordo; e um novo tema era lançado. Em sessões ocorridas no auditório da SME, dez grupos debateram sobre os princípios trazidos, realizando uma síntese e produzindo textos. Depois, abria-se para o debate em grande grupo, onde um por um dos itens eram discutidos e assim,

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sucessivamente. Em outubro, foi concluída a Carta de Princípios, como foi denominada, composta por dezenove artigos e distribuídos em cinco grandes temas: currículo, avaliação, gestão, formação e qualidade.

Com o ideal de “compreender a realidade existente na escola, seu contexto e oferecer formações, condições, autonomia para construção e execução do projeto político pedagógico construído de forma participativa em cada Unidade Escolar” (meta do planejamento da DTP, 2013) e a tarefa de assessorar os estabelecimentos de ensino, a DTP passou a sofrer a tensão existente entre as aprendizagens realizadas a partir da prática participativa, advinda da construção da Carta de Princípios e dos estudos feitos pelos grupos. Isso tudo evidenciou a contradição existente com a maneira fragmentada que era encarada o trabalho de mediar os fazeres internos à escola.

Em 2014, com o objetivo de concluir os projetos políticos pedagógicos das unidades escolares, mediados pela Carta, foram garantidos nos calendários escolares oito encontros, chamados de “Planos Pedagógicos” e uma pessoa referência da DTP que acompanharia a escola. A intenção desse acompanhamento era estar próximo às discussões para que isso significasse o compromisso de estar atento à escola, percebendo-a de forma mais integrada, ouvindo suas questões, seus desacordos, seus conflitos.

Esses encontros serviram como exercício de reflexividade não apenas dos profissionais de ensino, mas também de outros segmentos que compõem a comunidade escolar: funcionários, alunos, pais e todos interessados numa escola pública que efetivamente ensine e busque o acesso e a permanência com qualidade.

Nesse processo várias questões surgiram: será a aprendizagem uma expressão do esforço dos alunos? Ou é resultante de um trabalho pedagógico, de uma prática pedagógica, da organização da escola? Ela é a expressão do quê? E o que se expressa quando o aluno não aprende? Será que o professor é o único responsável pela qualidade do ensino ou é apenas um dos atores imbricados?

Assim os grupos nas escolas foram se constituindo com o compromisso de fazer melhor para aqueles que estão na escola, compreendendo sua realidade e ao mesmo tempo desafiando e construindo condições objetivas para funcionar. Nesse sentido as escolas foram construindo uma qualidade negociada.

A qualidade negociada não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é uma adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores objetivos, prioridades, idéias sobre como é a rede {...} e sobre como deveria ou poderia ser. (BONDIOLI, 2004 p.14)

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Portanto, é fundamental examinar, trazer, fazer emergir o que significa qualidade na escola pública, construindo e reconstruindo esse conceito e entendendo que a política é uma prática social produtora de novos sentidos onde vários olhares se manifestam e acabam construindo fazeres que permitam chegar mais perto dos propósitos a que se destina cada unidade.

Afinal, a política educacional faz parte do conjunto das políticas sociais (via de regra) e se caracteriza como propostas necessárias para a área da educação. Ainda na expressão política pública, de acordo com Azevedo “implica considerar os recursos de poder que operam na sua definição e que têm nas instituições do Estado, sobretudo na máquina governamental, seu principal referente” (1997, p. 5). A política “passa, então, a designar um campo dedicado ao estudo da esfera de atividades humanas articulada às coisas do Estado” (SHIROMA, 2000 p. 7).

O que poderia nos chamar atenção aqui seria o modelo, a orientação que baliza tal Estado e as tensões entre as demandas da sociedade e sua construção histórica. O texto está inserido num contexto. Se a sociedade participa, luta e opera, a política criada será uma, caso contrário, será de poucos e, provavelmente, a favor de poucos também. Por tudo isso, faz-se necessário criar as condições favoráveis para a promoção de uma política da participação, onde todos os atores possam exercer efetivamente a tarefa de coautor dos processos educativos, por meio da tomada de decisões.

CONCLUSÃO

O atrelamento do repasse de recursos financeiros à quantidade de matrículas realizadas pelas redes públicas de ensino não seria suficiente para que os processos de ensino e aprendizagem obtivessem sucesso, ou seja, para que ocorresse uma efetiva aprendizagem aliada ao desenvolvimento da cidadania e ao alargamento da democracia. As políticas de educação definidas na instância federal são portadoras de determinados padrões nem sempre adequados aos interesses e necessidades das instâncias locais e, quase sempre, chegam a desconsiderar a necessária contribuição daqueles que irão operá-las. Nesta linha de argumentação podemos considerar a existência de um Estado efetivamente democrático apenas quando este estiver balizado pela participação popular. Para isto será necessário que a sociedade também se queira democrática, ou seja, só haverá democracia se acontecer a participação; isso é fundamental para qualificar a própria vida.

Evidenciamos que o Estado pode adotar práticas que, por sua vez, podem contribuir para a democratização dos processos decisórios ao considerar os interesses da sociedade, chamando-a para a discussão e decisão. Porém, sem

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a devida participação da sociedade não será possível a construção de uma escola democrática.

A experiência aqui tratada demonstrou que foi possível superar o modo de implementação do ensino fundamental, iniciado tão somente por meio do cumprimento dos preceitos legais de forma a atender os novos requisitos exigidos pelas mudanças no padrão do seu financiamento, padrão este que relegou a educação infantil a um segundo plano. No entanto, a política educacional traçada para o município de Jacareí e nele implementada, aliada a mudanças na legislação nacional, mostrou que é possível o exercício da participação democrática em uma rede municipal de ensino. Isto na busca do exercício do direito à educação, por meio de uma escola que resulte da participação efetiva do conjunto das pessoas que a vivem cotidianamente.

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LUCIANE SZATKOSKI é mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora da rede pública de ensino da cidade de Jacareí, onde ocupa o cargo de supervisora de ensino. E-mail: [email protected]

Recebido em fevereiro de 2015Aprovado em março de 2015

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Gestão e qualidade da educação de escolas estaduais paulistas no contexto dos indicadores de desempenho

Management and quality of education in São Paulo state schools performance indicators of context

Gestión de la calidad de la educación en São Paulo indicadores de desempeño escuelas públicas de contexto

GRAZIELA ZAMBÃO ABDIAN MARIA ELIZA NOGUEIRA OLIVEIRA

Resumo: O objetivo é analisar a relação entre os indicadores de desempenho e a construção e materialização das políticas educacionais em instituições escolares do interior paulista. Metodologicamente, baseamo-nos nos estudos das representações sociais, com análise de conteúdo, documental e de entrevistas semiestruturadas. De modo geral, os dados indicam que as escolas têm direcionado suas ações para o alcance de resultados externos, o que contradiz o conhecimento produzido pelas pesquisas que enfatiza a especificidade da gestão escolar e a necessidade de busca de seus próprios objetivos.

Palavras chave: Gestão escolar; Indicadores de desempenho; qualidade de ensino.

Abstract: tThe goal of this paper is to analyze the relation between the performance indicators and the construction and materialization of educational policies in scholar institutions in the countryside of São Paulo. Methodologically, we rely on studies of the social representations, with content and documental analysis as well with semi-structured interviews. In general, the data show that the schools have been directing their actions towards the achievement of external results, what contradicts the knowledge produced by the researches that emphasize the specificity of school management and the need of searching for its own objectives.

Keywords: School management; performance indicators; quality of education.

Resumen: El objetivo es analizar la relación entre los indicadores de desempeño y la construcción y materialización de las políticas educativas en las escuelas de São Paulo. Metodológicamente, nos basamos en los estudios de las representaciones sociales, con el análisis de contenido, documentales y entrevistas semi-estructuradas. En general, los datos indican que las escuelas han presentado los esfuerzos para el logro de resultados externos, lo que contradice el conocimiento producido por la investigación que se hace hincapié en la especificidad de la gestión escolar y la necesidad de buscar para sus propios fines.

Palabras clave: Gestión escolar; indicadores de rendimiento; la enseñanza de calidad.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo integra-se ao projeto de pesquisa em rede, financiado pela CAPES/INEP (Edital n. 38/2010), intitulado “Indicadores de qualidade e gestão democrática” cuja problemática é discutir a qualidade da escola básica referente aos indicadores de desempenho, gestão democrática e avaliação em larga escala. O desenvolvimento do trabalho conta com a participação da Universidade Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade de Passo Fundo (UPF), Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Universidade Estadual Paulista (UNESP, Marília) e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI). Especificamente o subprojeto que culminou com a escrita deste artigo, teve por objetivo analisar as concepções de educação, gestão escolar e qualidade de ensino veiculadas nos âmbitos dos governos (federal, estadual de São Paulo e dos municípios integrantes da pesquisa), após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, da mídia (com prioridade à Revista Nova Escola entre os anos 2005-2010) e dos periódicos qualificados (2000-2010) e as concepções vivenciadas pelos integrantes das escolas públicas de educação básica (pais, alunos, funcionários, professores e equipe de gestão).

Os aspectos envolvidos com o desenvolvimento da investigação – a avaliação e a gestão – têm recebido atenção especial dos diferentes segmentos preocupados com a qualidade da educação básica brasileira e, apesar de referenciais diferentes, a escola aparece, nos discursos teóricos e políticos, como um local de produção de política, de construção de ações e de materialização de objetivos que garantam suas especificidades (LIMA, 1998; SILVA JR; FERRETTI, 2004; DEROUET, 1996; ABDIAN, 2010).

Na perspectiva de estudar as escolas, encontramos respaldo teórico para análise em diversos autores, entre eles, vale indicar Silva Jr e Ferretti (2004); Lima (1998); Derouet (1996).

Os primeiros contemplam três faces da escola: a institucional, a organizacional e a cultural e, apesar de atribuírem um elevado grau à densidade histórica da escola, que acaba por imprimir as marcas do Estado liberal (agora neoliberal), defendem que a prática escolar traz em si a potência para a formação do ser para-si, ou seja, pode contribuir para o desenvolvimento ulterior do ser humano. (SILVA JR; FERRETTI, 2004).

Em perspectiva semelhante, mas com outro respaldo teórico, Lima (1998) propõe um estudo que valorize as formas como os atores se organizam, reproduzindo e produzindo regras. Para ele, a escola é local de reprodução, mas, sobretudo, de produção de políticas, orientações e regras e, assim, [...] os actores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e integral das regras

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hierarquicamente estabelecidas por outrém, não jogam apenas um jogo com regras dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem selectivamente as regras disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas regras (LIMA, 1998, p.94, grifos do autor). Desse modo, Lima (1998) enfatiza a necessidade de privilegiar os aspectos referentes às ações dos sujeitos, o que ele chama de “ação organizada” – o cotidiano escolar – em detrimento do “plano de ação para as organizações” - as diretrizes dos órgãos superiores.

O que os autores indicam é que a escola apresenta uma face institucional que prioriza o cumprimento de uma determinada função social, legitimada historicamente. Esta face construiu conjuntamente uma forma de organização administrativa caracterizada por inúmeros aspectos, entre eles, a hierarquização, a centralização de poder e a reprodução de normas, ou como diz Lima (1998), o normativismo. Entretanto, a escola, constituída por seres humanos políticos, apresenta a potencialidade de transformação, de construção de identidade e modos próprios de funcionamento. Pensar a avaliação (da aprendizagem, em larga escola e institucional) nesta perspectiva ganha um tom diferente. Considerando o referencial traçado anteriormente, potencializamos as ações da escola como “cidades a construir” e não apenas o modelo dos estudos que valorizam os “efeitos de escola” (DEROUET, 1996), neste sentido, é fundamental conhecermos e analisarmos como as organizações escolares são construídas e interagem com as políticas governamentais nos diferentes âmbitos.

Analisarmos a gestão e qualidade nesta perspectiva de escola subsidianos a teoricamente defender a natureza específica do processo pedagógico e as implicações desta consideração para as concepções dos temas. A gestão escolar, ou administração escolar, não se diferencia da empresa capitalista apenas pelos produtos finais que “produzem”, a especificidade do processo pedagógico não permite que os valores e concepções presentes lá se generalizem, neste sentido, não podemos adotar, na escola, os mesmos procedimentos, objetivos e sentido político utilizado pela administração empresarial (PARO, 1986). Consideramos, portanto, a gestão escolar como mediação no sentido de construção coletiva de fins próprios para a escola pública, acordados com sua especificidade pedagógica e particularidades culturais1. O sentido da qualidade da educação escolar advindo de tal perspectiva de gestão não se coaduna com uma ou outra perspectiva, trabalhada de forma excludente por vários autores (SINGER, 1995; SANCHES, 1997), ao contrário, pressupõe um sentido de “qualidade negociada” em que se considere a complexidade das relações presentes na escola (nos âmbitos macro e

1 Apontamos especificidade pedagógica no singular porque está presente na escola pública de forma generalizada e apontamos particularidades culturais no plural porque entendemos que cada escola, no bojo de sua especificidade pedagógico, apresenta uma cultura própria.

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micro) e busque, a partir do diálogo e da participação, a busca de fins educacionais compartilhados (BONDIOLI, 2004; FREITAS, 2005).

Com tais referenciais, neste artigo, percorremos o objetivo de analisar as relações entre gestão e qualidade da escola pública paulista no contexto da produção dos indicadores de desempenho. Para isto, analisamos as concepções presentes sobre gestão e qualidade no contexto da produção dos indicadores de desempenho no âmbito nacional e estadual paulista e aquelas compartilhadas pelos diretores de quatro escolas públicas, especificamente, duas com altos índices e duas com baixos índices, todas localizadas no mesmo município, no interior paulista.

GESTÃO E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM DOCUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL BRASILEIRA

E ESTADUAL PAULISTA

Com o objetivo de analisar as legislações produzidas em âmbito federal acerca da temática elencada neste artigo, fizemos levantamento junto aos portais do

Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)2 e, a partir desse procedimento, foi possível reunir os principais dispositivos legais que tratam da educação brasileira em âmbito nacional. Utilizamos também a busca de artigos científicos publicados em periódicos qualificados3, os quais apresentam certo consenso em demarcar as décadas de 1980 e 1990 como períodos em que a qualidade da educação

escolar passa a ocupar o centro nas discussões realizadas no âmbito das políticas educacionais (OLIVEIRA, 2005; CUNHA; PINTO, 2009; FONSECA, 2009;

OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005).

Conforme analisam Oliveira e Araújo (2005, p. 6), até a década de 1980, a discussão em torno do tema da qualidade da educação esteve fortemente relacionada à ampliação do acesso à escola como direito público subjetivo a ser garantido pelo Estado, conforme assinala a Constituição Federal de 1988, ancorada no princípio de justiça redistributiva dos bens sociais e econômicos. Embora seja possível considerar esta prerrogativa uma conquista para toda a sociedade brasileira, a ampliação do acesso à escola, inevitavelmente, desencadeou

2 O endereço do portal do MEC é http://portal.mec.gov.br e o do INEP é http://portal.inep.gov.br 3 Nas diferentes pesquisas defendidas no âmbito do subprojeto estão descritos sistematicamente os procedimentos utilizados, os critérios e a técnica de análise. Neste artigo, devido ao espaço restrito, utilizamos nossos dados livremente, perseguindo nosso objetivo principal.

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a preocupação com a dimensão qualitativa, uma vez que não basta colocar todos os cidadãos nos bancos escolares, antes, faz-se necessário pensar em que condições (estruturais e pedagógicas) esses estudantes permanecerão e que resultados esta nova realidade produzirá do ponto de vista social e econômico. Considerando o caráter polissêmico do termo qualidade, os autores chamam a atenção para três significados distintos construídos historicamente na educação brasileira: “garantia de acesso”, “controle do fluxo escolar” e “controle do desempenho mediante testes em larga escala”.

Os estudos que descrevem e analisam as políticas educacionais da década de 1990 esclarecem a forte relação existente entre as políticas de avaliação em larga escala e os acordos realizados entre o Brasil e os organismos multilaterais4. Por termos realizado em outros momentos, acreditamos não ser necessário descrever, detalhadamente, todo o processo histórico que colocou a política de avaliação no patamar em que ela se encontra atualmente. No entanto, uma vez que os resultados da avaliação em larga escala vêm se constituindo como principal referência para a qualidade da educação no Brasil, é importante trazermos elementos que nos permitam compreender as bases que sustentam esta política e o impacto que ela vem gerando na gestão dos sistemas de ensino e no espaço escolar, principalmente, neste artigo, nas concepções dos diretores das escolas públicas estaduais paulistas.

De acordo com Fonseca (2009), concomitante ao processo de reestruturação do Estado nacional, como resultado de uma ampla mobilização envolvendo entidades representativas5 e membros dos governos, estimulou-se a elaboração do Plano Nacional de Educação (2001) que uniu diversas propostas discutidas em fóruns nacionais e influenciou a elaboração de planos estaduais e municipais para guiar ações de longo prazo por meio das chamadas metas educacionais.

Dando continuidade às exigências que já vinham sendo realizadas desde a década de 1930, o Plano não abandonou o foco na universalização da educação básica (com ênfase no ensino fundamental), mas, por meio da formulação de políticas de financiamento, como o FUNDEF e o FUNDESCOLA6, este

4 UNESCO - Organização das Nações Unidas para educação, ciência e cultura; OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico; BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento; FMI - Fundo Monetário Internacional.

5 Com destaque para a União Nacional de Dirigentes Municipais de Ensino (UNDIME) e o Conselho de Secretários de Estado de Educação (CONSED). 6 Fundo de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA) é um programa oriundo de um acordo de financiamento entre o Banco Mundial (BM) e o MEC, desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Educação dos estados envolvidos. A missão do programa é o desenvolvimento da gestão escolar, com vistas à melhoria da qualidade das escolas do ensino fundamental e à permanência das crianças nas escolas públicas, nas

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último, oriundo de acordos de financiamento entre o Banco Mundial e o MEC, estabeleceu estreita relação entre gestão escolar – entendida como adequação dos insumos escolares aos fins educacionais estabelecidos por metas externas – e a qualidade de ensino (OLIVEIRA, FONSECA, TOSHI, 2005).

A Lei nº 10.172/2001, que aprova o referido Plano, apresenta as metas para educação brasileira no decênio subsequente a sua publicação e dispõe em seu artigo 4º que a União instituirá o Sistema Nacional de Avaliação e estabelecerá os mecanismos necessários ao acompanhamento dessas metas. Na sequência, o PNE elenca como objetivos centrais para os dez anos seguintes a sua publicação7: elevar o nível de escolaridade da população, melhorar a qualidade do ensino em todos os níveis, reduzir as desigualdades sociais e regionais de acesso e permanência na escola pública; e democratizar a gestão do ensino público. Para tanto, estabelece algumas prioridades dentre as quais está a de “desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino”. Os dados coletados por meio desses sistemas, segundo o documento, constituem “instrumentos indispensáveis para a gestão do sistema educacional e melhoria do ensino.” Observa-se, assim, a tentativa de intensificar a regulação central pela via da avaliação e dos sistemas de informação.

Em relação à qualidade do ensino, é importante registrar que ela é definida tendo como referência as experiências internacionais de modo que o desafio expresso no PNE é “oferecer uma educação compatível na extensão e na qualidade à dos países desenvolvidos”.

Outro aspecto que chama a atenção é a associação da ideia de qualidade de ensino à melhoria do desempenho dos alunos nos processos avaliativos realizados pelas diferentes instâncias de governo. Assim, para o ensino fundamental, dentre os objetivos e metas relacionados está o de “assegurar a elevação progressiva do nível de desempenho dos alunos” que seria conquistado mediante o monitoramento utilizando os “indicadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e dos sistemas de avaliação dos Estados e Municípios”.

Visando a articular os recursos investidos ao alcance de metas firmadas em planos institucionais que, em tese, garantiriam um padrão mínimo de qualidade às escolas públicas, foi criado, em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Este índice se constitui a partir da combinação de

regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. 7 A proposta de um novo Plano Nacional da Educação (PNE) que deveria vigorar de 2011 a 2020 foi aprovada pela Câmara dos Deputados e pela Comissão da Constituição de Justiça somente em outubro de 2012 e está sendo analisada pelo Senado para, em seguida, ser encaminhada para a sanção presidencial.

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dois fatores referentes à qualidade da educação: indicadores de fluxo (taxas de aprovação, reprovação e evasão), medidos pelo Censo Escolar e indicadores de desempenho em exames padronizados, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB – e a Prova Brasil8, realizados a cada dois anos ao final de determinada etapa da educação básica. Calculado em valores de 0 a 10, a meta definida pelo MEC para o Brasil é a de atingir, em 2021, a média 6,0 para os anos inicias do ensino fundamental, que equivale à média dos países desenvolvidos. De acordo com os dados atuais, o IDEB nacional alcançou 5,0, ultrapassando a meta de 2011 (4,6) e também a proposta para 2013 (4,9). Diante deste quadro, a grande questão é compreender o que esses índices representam e em que medida eles indicam reais avanços na educação brasileira, considerando-se os anseios sociais presentes em diversos espaços de discussão (universidade, escola, secretarias, ministérios e movimentos sociais). Parte desta questão, procuraremos responder ao analisarmos os dados empíricos trazidos posteriormente.

Respaldando-nos em Cury (2006), é preciso destacar que, anteriormente, a Lei nº 9.394/1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN), no quadro normativo federal, pode ser considerada o marco inicial da implantação da política de avaliação em larga escala no país9.

Em seu artigo 9º (inciso VI), a LDBEN estabelece como uma das incumbências da União “assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino”, destacando que os processos avaliativos desenvolvidos nos diferentes níveis de ensino têm como objetivo “a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”. Mais adiante, no artigo 87 (§ 3º, inciso IV), dispõe que o Distrito Federal, os Estados e Municípios e, supletivamente, a União devem “integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar”.

Tais disposições expressam, assim, a tentativa de consolidação de um Sistema Nacional de Avaliação que possibilite o permanente acompanhamento da situação escolar do país. É interessante observar também que, tanto nessa Lei que de certa forma introduz as bases da política nacional de avaliação da educação, quanto nas demais legislações e textos oficiais de âmbito federal que

8 A Prova Brasil e o SAEB são avaliações em larga escala aplicadas aos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e à 3ª série do Ensino Médio, envolvendo testes de Língua Portuguesa, Matemática e questionários socioeconômicos. 9 Antes disso, porém, a avaliação nacional da educação básica já vinha se configurando na prática com uma institucionalização incipiente e um fundamento legal provisório. De acordo com Freitas (2004), entre 1987 e 1990, os processos avaliativos eram realizados na forma de programa do Ministério da Educação (MEC) denominado Sistema de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau (SAEP) e, a partir de 1992, com algumas alterações, o referido programa deu origem ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), cuja primeira regulamentação legal ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 661/1994.

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abordam a temática, os processos avaliativos sempre são apresentados como instrumentos de apoio para melhorar a qualidade do ensino.

A definição do que seria um ensino de qualidade, no entanto, não aparece de forma clara na LDBEN e apenas no artigo 4º é feita uma menção acerca do tema. Conforme o artigo, um dos deveres do Estado com a educação pública é garantir “padrões mínimos de qualidade”. Tais padrões, por sua vez, são definidos como “a variedade e a quantidade mínimas por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Parecendo-nos caminhar em sentido contrário aos elementos trazidos, a mesma Lei endossa a gestão democrática como princípio da educação pública, prescrevendo a participação dos pais e responsáveis em conselhos de escolas ou equivalente e a participação dos professores na elaboração do projeto político-pedagógico.

No mesmo ano de criação do IDEB, em âmbito nacional, o Decreto nº 6.094/2007 dispõe sobre a implantação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Tal Plano, conforme o artigo 1º, corresponde a “conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica”.

No artigo seguinte do referido documento, é estabelecida uma série de diretrizes a ser implementada pelos municípios, Distrito Federal, estados e respectivos sistemas de ensino. Dentre elas, destacam-se a de “estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir” e a de “divulgar na escola e na comunidade os dados relativos á área da educação, com ênfase no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB”.

O artigo 3º marca a institucionalização do IDEB e associa qualidade do ensino a esse índice, ao dispor que “a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB”. O cálculo do IDEB, por sua vez, será feito “a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB”. Nessa perspectiva, o conceito de qualidade da educação parece, claramente, reduzido ao rendimento escolar10.

10 Esta pesquisa foi encerrada antes da aprovação da Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação 2014. No entanto, é preciso dizer que a referida Lei traz, segundo já analisam alguns autores (PERONI; FLORES, 2014), avanços e tensões para a concretização de uma educação pública democrática e de qualidade. No que se refere às diretrizes dispostas no texto da Lei, destacamos como a “melhoria da qualidade da educação” e a “promoção do princípio da gestão democrática da educação pública”. No entanto, ao traçar as metas e estratégias em anexo, há contrariedade aos princípios democráticos e à concepção adotada em nosso artigo, principalmente, no que se refere à associação entre qualidade e aumento do IDEB (meta 7) e estratégias gerencialistas, como também demonstram as autoras, em ideias como “mérito do corpo docente, da direção” (estratégia 36 da meta 7; “gestão democrática associada a critérios técnicos e de mérito e desempenho e à consulta pública” (meta 19); aplicação “de prova específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos (estratégia 8 da meta 19). Além disso, salta aos olhos que referente ao aumento da

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Entretanto, é preciso evidenciar que também há preocupação, por parte do governo nacional, com variáveis qualitativas no que respeita à apreensão de “indicadores de qualidade da escola” e não apenas de “indicadores de desempenho de alunos e/ou de sistemas”. Em 2004, a Ação Educativa, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef) e do MEC, publicou os Indicadores da Qualidade na Educação (Indique), instrumento de avaliação que visa o envolvimento de toda a comunidade escolar em processos de avaliação de sete dimensões presentes na organização escolar a partir de discussões e respostas às questões que funcionam como indicadores de qualidade da própria escola. É possível dizer, com base em levantamento de pesquisas realizadas em Educação, que não houve desenvolvimento de número significativo de estudos que analisam este instrumento, também considerado como “indicador” da qualidade da educação escolar, para isto, demandaria pesquisas com coleta de dados empíricos, que trabalhassem com a realidade em movimento, com a apreensão e a materialização do instrumento no cotidiano.

A própria Ação Educativa, contando com os mesmos parceiros, desenvolveu ampla pesquisa que buscou a potencialidade do Indique como instrumento gerador de melhoria da qualidade de ensino e, entre suas conclusões, constatou que: precisa de maior socialização e publicização; as escolas apresentam potencialidade para trabalhar com o instrumento, considerando suas especificidades; o instrumento não dispensa a responsabilização das diferentes instâncias governamentais pela busca dos meios que viabilizam a qualidade de ensino, entre eles, a infra-estrutura da escola e a formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Além do Indique, uma visita no site do Ministério da Educação e nas escolas públicas brasileiras permite-nos encontrar preocupações, por parte do governo nacional, com o fortalecimento dos conselhos escolares e com a participação da comunidade nas escolas.

As considerações anteriores nos indicam a construção de Indicadores de qualidade que funcionam como instrumentos, para as escolas e para o governo, de apreensão de variáveis quantitativas e qualitativas (do ponto de vista de um diagnóstico) do funcionamento da educação escolar básica brasileira. Ambos apresentam subsídios teóricos expressos em suas formulações. Por um lado, temos as variáveis quantitativas (indicadores de desempenho) que apresentam diretrizes da política internacional que preza por aspectos técnicos, racionais e quantificáveis. Por outro, temos material construído com a colaboração de várias organizações, inclusive empresariais que, a parte de sua potencialidade de contribuir com uma metodologia sistemática de envolvimento da comunidade

qualidade (entendida como aumento do IDEB) são destinadas 36 estratégias e referente à efetivação da gestão democrática da educação são destinadas apenas 8 estratégias.

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nas discussões coletivas, acaba por instigar reflexões sobre as dimensões de forma unidirecional, ou seja, no limite, indicam o certo e o errado na gestão da escola para que ela alcance a tão pretendida qualidade.

Se tomarmos como referência conceito não recente (mas talvez também não discutido o suficiente) da administração como a “utilização racional de recursos para a realização de fins de determinados” (PARO, 1986), temos considerações interessantes a fazer que se constituem como desdobramentos do exposto no que tange às publicações de documentos oficiais de âmbito nacional. Preferimos, neste momento, trabalhá-los em forma de questionamento: se os fins já estão determinados pelos conteúdos que devem ser ensinados para que os alunos contribuam para a composição favorável do indicador de desempenho (IDEB) e a qualidade da educação escolar está condicionada ou é sinônimo de altos índices, como vivenciar a gestão democrática, ou melhor, as atividades inerentes à administração que são a racionalização e a coordenação, de forma democrática, com a participação da comunidade na tomada de decisão, se as possíveis decisões se circunscrevem ao como fazer para alcançar o que está posto?

Em seguida, realizamos análise em âmbito estadual no que tange à gestão e qualidade, também no bojo da produção de indicadores de desempenho, com a intenção de articular os diferentes âmbitos aos quais os diretores de nossas entrevistas estão integrados.

GESTÃO E QUALIDADE NAS DIRETRIZES DO GOVERNO ESTADUAL PAULISTA

A partir da segunda metade dos anos 1990, as diretrizes da política educacional, no âmbito do estado de São Paulo, delineiam e consolidam a presença de um diretor − líder, no sentido empresarial −, com o propósito de melhorar os resultados nos exames nacionais e estaduais.

No entanto, nos anos 1980, no contexto de redemocratização do país, o Estatuto do Magistério Paulista (Lei Complementar n. 444/1985) contemplou o Conselho de Escola (CE) como órgão deliberativo da organização escolar, com composição paritária entre membros da escola e membros da comunidade escolar (40% de docentes; 05% especialistas; 25% de pais; 25% alunos; 5% de funcionários). Apesar de alguns autores terem realizado pesquisas cujos dados contrapõem as conquistas legais com as práticas escolares na administração e denunciarem a incompatibilidade de existência da gestão democrática junto ao cargo do diretor historicamente construído como responsável último pela escola,

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temos de destacar esses avanços impressos no texto legal (PINTO, 1999; PARO, 1999).

As Normas Regimentais Básicas destinadas às escolas estaduais de São Paulo reiteram, no final dos anos 1990, a presença daquele órgão colegiado e atestam ainda a existência do Conselho de Classe e Série como órgão colegiado e de duas instituições auxiliares de ensino: a Associação de Pais e Mestres e o Grêmio Estudantil. Este documento, embora se identifique um Título integral à gestão democrática, referencia a composição detalhada da organização escolar por níveis hierárquicos, cujo primeiro se constitui o núcleo de direção (o diretor e seu vice), que se caracteriza por ser o “[...] centro executivo do planejamento, organização, coordenação, avaliação e integração de todas as atividades desenvolvidas no âmbito da unidade escolar” (SÃO PAULO, 1998, p. 1043).

As reformas do estado afinadas com aquelas estabelecidas em âmbito nacional que determinaram a reestruturação do Estado pela busca de novos paradigmas, pautados na administração gerencial (BRESSER PEREIRA, 1996), dataram, principalmente, do governo do engenheiro Mário Covas e da Secretaria do Estado da Educação da professora Rose Neubauer.

Conforme analisam Ciardella; Abdian e Hernandes (2012), respaldando-se em três eixos - a racionalização organizacional; a mudança nos padrões de gestão, com ênfase na descentralização e na desconcentração do poder de decisão para órgãos locais e unidades escolares e a melhoria da qualidade de ensino – várias medidas foram tomadas, entre elas, a definição de Matrizes Curriculares Básicas para o Ensino Fundamental (Resolução 11/2005) relacionadas diretamente à criação e manutenção do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do estado de São Paulo (SARESP), instrumento oficial de avaliação da escola básica do estado paulista e de medição da qualidade de ensino, com primeira edição em 1996. Tal instrumento de avaliação em larga escala apresentou, segundo as autoras, várias modificações ao longo de sua implantação, no entanto, manteve seu caráter gerencial, com foco no planejamento pedagógico em função de resultados. Estes sempre considerados como indicadores de qualidade da educação escolar.

As autoras também destacam que as principais mudanças ocorrem nos anos 2007 e 2008 quando, respectivamente, as avaliações passam: 1. A adotar “matrizes de competências e habilidades” (RESOLUÇÃO 11/2005); o modelo estatístico chamado Teoria da Resposta ao Item (TRI); passa a seguir os padrões do PISA em que as provas assumem contornos mais técnicos com empresa terceirizada administrando o processo; 2. A constituir o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP), sendo que, com ele, todas as escolas da rede estadual passaram a ter metas anuais com

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foco no aprendizado; além disso, neste ano, a Lei Complementar nº 1.078 institui a Bonificação por Resultados (BR), a ser paga proporcionalmente às metas alcançadas pela unidade de ensino, definidas pela administração pública e medidas no SARESP.

No contexto do desenvolvimento da política de avaliação em larga escala, é publicada a Resolução SE n. 70/2010 e o Decreto n. 57.141/2011, que tratam, respectivamente, dos perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede pública estadual e da reorganização da Secretaria de Educação do estado de São Paulo. Neles predominam termos empresariais e a ênfase em parcerias com setor privado, sendo focado o trabalho do gestor (não mais diretor!) a partir de sua atuação em cinco dimensões de competências: de resultados educacionais do processo ensino-aprendizagem; participativa; pedagógica; dos recursos humanos; dos recursos físicos e financeiros. Ou seja, não há menção à gestão democrática e, além de fragmentar a complexidade da atuação do diretor de escola, a primeira dimensão diz respeito ao foco nos resultados (claro, estes estabelecidos externamente).

Os dados explicitados nos permitem dizer que o estado de São Paulo não apenas seguiu os preceitos da política educacional de avaliação em larga escala que associa a qualidade da educação escolar à produção de indicadores de desempenho e à gestão escolar à gestão empresarial (em que se manifestam nitidamente o caráter político da administração via controle do trabalho do professor e o exercício da gerência), como também se diferenciou em alguns aspectos, mas no sentido de reforçar os pressupostos gerencialistas, sendo os dois mais importantes: passou a classificar as escolas por nível de desempenho (abaixo do básico, básico, adequado e avançado), realizando pagamento da bonificação via aplicação da meritocracia e delineou, legalmente, o perfil da gestão que venha mediar o alcance de tais resultados. Ou seja, se, ao menos teoricamente, vislumbramos a possibilidade iniciada nos anos 1980 de considerar a especificidade do processo pedagógico e a busca de uma racionalidade interna própria para a Administração escolar (PARO, 1986), tais elementos fatuais, que pressupomos impactar fortemente nas vivências das escolas, parecem impedir que haja, teórica e empiricamente, a vivência da escola democrática.

As concepções dos diretores de escola que serão analisadas a seguir têm a intenção de nos possibilitar refutar tal assertiva ou reforçá-la.

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INDICADORES DE DESEMPENHO, GESTÃO E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: AS CONCEPÇÕES

DOS DIRETORES DA ESCOLA PAULISTA

Quando não recebemos o bônus, querem achar o culpado. A Diretoria cobra a escola em todos os sentidos, digo que aqui temos telhado de vidro. Mas o que fazer? Eu já briguei, não vou ficar martelando a cabeça da criança por conta do bônus. Diretora da escola estadual paulista com baixo IDESP

O desenvolvimento do suprojeto de pesquisa do qual desdobrou este artigo contou com a participação de graduandos do curso de Pedagogia, mestrandos e doutorandos com ampla coleta de dados em escolas estaduais paulistas e escolas municipais, localizadas em diferentes regiões do estado. Os critérios de escolhas das escolas variaram de acordo com o objetivo de cada pesquisador (que desenvolveu pesquisa individual), todos nós perseguindo o objetivo geral do grupo explicitado na introdução deste texto. Para a análise a que nos propusemos, utilizaremos das seguintes fontes de dados: conteúdos de entrevistas transcritas com diretores de escolas estaduais com baixo e alto IDESP (foram entrevistados, para esta pesquisa com as escolas estaduais 36 integrantes de escolas: 4 diretores; 16 professores, sendo 4 de cada escola; 8 alunos, sendo dois de cada escola e 8 funcionários, sendo 2 de cada escola); depoimento de diretor de escola estadual realizado durante suas participações no projeto de extensão desenvolvido por parte de nossos pesquisadores do projeto em rede do Observatório de Educação e relato de aluno do curso de Pedagogia, ao qual ministram aulas os autores do artigo11.

Para iniciar nossa análise, retomamos autores clássicos, um deles já contemplado na introdução, que escreveram em tempos históricos e com referenciais diferentes, mas que apresentaram pontos semelhantes no que respeita à natureza e à função da Administração escolar. Ao responder “o que é Administração escolar”, Teixeira (1961), além de apontar a oposição entre ela e a Administração empresarial, identifica o administrador escolar como o “homem que dispõe dos meios e dos recursos necessários para obter alguns resultados. Resultados certos, e isto é um administrador”. Paro (1986), ao desconstruir o embasamento teórico que assemelhava, a sua época, a Administração escolar à Administração empresarial, não individualizou a administração à função do

11 As informações deste projeto bem como sua análise podem ser encontradas em: ABDIAN, G. Z.; HERNANDES, E. D. K. As concepções de gestão e a vivência da prática escolar democrática. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 28, p.144 - 162, 2012.

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administrador, mas enfatizou que suas atividades de coordenação e racionalização (utilização racional de recursos) devem estar voltadas, necessariamente, a fins determinados por uma ação pensada em uma perspectiva de racionalidade social. Subsidiando nossa análise, tomamos dos autores a concepção de Administração como “mediação” para a construção de “resultados certos”/ “fins determinados”, portanto, educacionais e, necessariamente, com a participação da comunidade escolar.

Ao entrar em contato com nossos dados, podemos indicar aspectos bastante semelhantes entre as escolas sobre a função da gestão. Primeiramente, a contradição das orientações oficiais do governo paulista se expressa no discurso proferido pelos diretores, em que eles destacam a presença de conselhos escolares e de participação da comunidade e, concomitantemente, identificam claramente a hierarquia presente na escola, sobretudo a divisão de tarefas entre o trio gestor (diretor, vice e coordenador pedagógico) e sua função como gerente no sentido de controle do trabalho do professor para alcançar resultados (sobre estes, falaremos a seguir) e responsável último pela escola. Considerando os destaques nos discursos, as transcrições abaixo ilustram nossas constatações:

Os problemas da aprendizagem são mais com a coordenadora, agora, falar com os pais, problema de compromisso, de disciplina, de cuidado de atenção com as crianças aí isso é mais comigo, então, a gente tem um modelinho de convocação e dá para criança. Além disso, proponho novas perspectivas para o trabalho do professor e controlo esta produção. (DIRETOR DE ESCOLA DE ALTO IDESP, ENTREVISTA).

Você tem que abrir as coisas para o grupo, mas, em determinadas decisões, por exemplo, a digitação de notas tem um tempo delimitado, tenho que marcar prazo para a entrega de notas. Na educação, como em qualquer lugar, tem de haver cobrança, senão, a coisa desanda. Fazemos reunião, questiono qual o melhor prazo, os professores opinam e aí delimitamos o dia. Eu abro para o grupo, mas a decisão, o controle é do líder. Nem tudo pode, a escola tem regras discutíveis, mas elas têm de ser cumpridas depois de estabelecidas. Muitas coisas já são pré-determinadas, não há como discutir, aí é necessário cumprir. (DIRETORA DE ESCOLA DE ALTO IDESP, ENTREVISTA).

Sou a diretora da escola. Embora a responsabilidade seja minha, se for o coletivo que decide, temos o apoio do coletivo, isto é muito bom. Não vou ficar com o peso sozinha, vou responder sozinha, mas vou repartir as culpas, embora a responsabilidade no final seja minha (DIRETORA DE ESCOLA DE BAIXO IDESP, ENTREVISTA).

E eu....como fico no meio de tudo isto? Conheço, agora, as possibilidades da gestão democrática, mas, no fim, sabemos que o que contam são os resultados, o que prevalece, então, é minha atividade de gerente? (DIRETORA DE ESCOLA, DEPOIMENTO EM PARTICIPAÇÃO NO PROJETO DE EXTENSÃO)

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Os elementos que caracterizam a contradição na função da administração escolar estão presentes nas diferentes escolas, embora entre elas, existam diferenças em relação à estrutura do prédio escolar e, sobretudo, aos aspectos que constroem a identidade da escola. Estas diferenças são constatadas nos discursos dos diretores das escolas com alto e baixo IDESP.

Nas escolas com baixo IDESP identificamos instabilidade na constituição da equipe de gestão (há 5 anos em uma delas não havia fixado esta equipe), ausência de funcionários e alta rotatividade de professores, problemas de “déficit cultural” e “desestruturação familiar” (DIRETORA DE ESCOLA DE BAIXO IDESP) que acarretam, segundo nossos entrevistados, em indisciplina, problemas de aprendizagem e violência escolar, elementos que dificultam, para elas, o alcance de resultados. Nos discursos dos diretores das escolas de alto IDESP, conquanto identifiquemos aspectos elencados por eles que dificultam o trabalho da escola, principalmente “professores desmotivados”, são elementos, para eles, que não obstaculizam o alcance dos resultados, ao contrário, dependem de um trabalho no sentido de “superá-los em busca de melhores resultados”.

É preciso destacar também que nas escolas estaduais com alto IDESP existe, historicamente, a constituição de uma cultura legitimada pela comunidade local (até municipal), com elementos de “disciplina”, “organização”, “autoridade” e, sobretudo, “boa escola”. Interessante se faz ilustrar tal assertiva com um relato. Ao ministrar aula de Administração educacional no curso de Pedagogia, um dos graduandos, ao discutir a função da administração escolar, no momento em que se travava um debate com seus colegas e professor, faz o seguinte depoimento: “mas, claro professora, a escola X12 desde quando estudei lá é conhecida como tendo organização, disciplina e resultado, inclusive, uma vez por semana, tínhamos que receber uma mulher, não sei, acho que era da diretoria, e ficarmos todos bonitinhos para mostrar o trabalho da escola. É isto que a população quer.”

Nas escolas de alto IDESP não identificamos, na análise dos diferentes discursos, questionamentos quanto à necessidade de produção de resultados de aprendizagem, à composição de índices e também à bonificação. Ao falar sobre a bonificação, por exemplo, um dos diretores diz que ela “é ilusória, sem grande impacto, porque passam-se os meses e tudo volta ao normal”. Já nas escolas de baixo IDESP, conforme ilustra nossa epígrafe, há incômodo geral quanto à política de avaliação em larga escala e, sobretudo, a desconsideração das especificidades das escolas que passam, segundo uma das diretoras, “pela desconsideração dos aspectos afetivos dos alunos. Onde se viu uma empresa vir

12 A escola X é uma das integrantes de nossa pesquisa empírica e, quando este aluno estudou lá, era outro diretor e não o nosso entrevistado, que estava no cargo.

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aplicar provas? Nossos alunos são carentes e acostumados com o contato da professora, e com toda sua afetividade que faz parte do processo pedagógico.”

Nossos dados revelam que há forte impacto dos documentos oficiais nas escolas pesquisas, com destaque para aqueles advindos do governo estadual, uma vez que durante nossos diferentes contatos não foram mencionados os indicadores qualitativos e quantitativos do Ministério da Educação. De forma geral, nas escolas, identificamos a prevalência da gestão como mediação para o alcance de fins determinados pelo governo estadual, em excertos como “nossa função é construir espaços para atender às orientações do governo” (DIRETORA DE ESCOLA COM BAIXO IDESP) ou “a meta do governo é aumentar o índice, a nossa também é” (DIRETORA DE ESCOLA COM ALTO IDESP). No entanto, existe, ao menos no âmbito discursivo, uma resistência presente em escolas com dificuldades para atingir os fins externamente colocados, considerando, sobretudo, que nessas escolas, os índices baixos revelam aspectos inerentes ao processo pedagógico (entre eles, problemas sociais e especificidades culturais) e à própria história da educação escolar (ausência de plano de carreira, alta rotatividade de professores, falta de funcionários) que merecem atenção por todos aqueles que perspectivam a qualidade para além de resultados mensuráveis e objetivos.

As vivências, os problemas, os relatos e a criticidade presentes nestas realidades escolares podem se configurar dados interessantes para perspectivamos a atividade de mediação da administração para o alcance de fins diretamente relacionados à democracia (TEXEIRA, 1961) e/ou à transformação social (PARO, 1986), em nossa concepção, contrários, sobremaneira, ao que vem direcionando o governo estadual paulista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada permite-nos dizer que a escola ainda prioriza fortemente a sua face institucional que focaliza o cumprimento de uma determinada função social, legitimada historicamente, cuja organização administrativa caracteriza-se por aspectos referentes à hierarquização, à centralização de poder e à reprodução de normas (LIMA, 2008; SILVA JR. & FERRETTI, 2004). Entretanto, como já mencionamos, a escola apresenta a potencialidade de transformação, de construção de identidade e modos próprios de funcionamento.

Resta-nos compreender, por meio de novas pesquisas, de que modo esta face institucional, sem dúvida alguma alicerçada nas representações sociais referentes à função escolar, pode ser transfigurada e reconstruída, tomando por

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base novos valores e objetivos, coerentes com as exigências de nossa incipiente sociedade democrática.

Os dados revelam, finalmente, que a atenção maior às realidades que fogem à regra imposta, ou seja, às escolas que não produzem resultados satisfatórios (para os governos) podem apresentar elementos interessantes que nos permitam analisar as relações entre gestão e qualidade no sentido contrário ao que vem sendo veiculado oficialmente e legitimado pela sociedade, dos quais discordamos.

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GRAZIELA ZAMBÃO ABDIAN é doutora em Educação pela UNESP com estágio de pós-doutorado na UNISINOS. Atua como professora assistente doutora no Departamento de Administração e Supervisão Escolar da UNESP (Marília/SP) no Programa de Pós-Graduação em Educação desta mesma instituição. E-mail: [email protected]

MARIA ELIZA NOGUEIRA OLIVEIRA éé doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP - Campus de Marília e atua como pesquisadora em grupo vinculado ao Observatório da Educação da CAPES. E-mail: [email protected]

Recebido em janeiro de 2015Aprovado em fevereiro de 2015

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Das teorias das organizações à organização das teorias: do mundo da gestão ao mundo da educação1

From theories of organization to the organization of theories: from the “world of management” to the “world of education

De las teorías de las organizaciones a la organización de las teorías:de el mundo de la gestión al mundo de la educación

LUÍS LEANDRO DINIS

Resumo: A evolu ção das concepções das organizações é transposta para uma grelha de leitura, fundada em três momentos na relação epistémica Indivíduo/Organização, utilizada na “organização” das teorias organizacionais. Este trabalho de “organização” servirá para colocar, em paralelo, o “mundo da ges-tão” e o “mundo da educação”, vistos sob o prisma das relações, cruzamentos e afastamentos entre as teorizações das respectivas realidades organizacionais. O resultado maior deste trabalho é a verificação de que as organizações educativas, mais do que quaisquer outras, têm todas as condições para, no futuro, virem a constituir-se como objecto de estudo privilegiado, no âmbito de novas teorias das organizações que despontam na transição de milénio.

Palavras chave: Teorias das organizações; individuo/organização; educação; gestão; organizações escolares.

Abstract: The evolution of the concept of or ganisations is transposed to an analytic framework based on three moments in the Individ ual/Organisation epistemological relationship, used to organize the theories. This work of “organization” will serve to place in parallel the “world of the management” and the “world of the education” and analyse their re lationships, intersections and differences, among theories and their respective organisa tional realities. The main result of this work is the verification that educational organiza tions, more than any others, possess the requisites to become the more adequate object of study for the new organisational theories developing in the transition of the millennium.

Keywords: Theories of organizations; - individuals/organization; education; manage ment; school organizations.

Resumen: La evolución en el pensamiento de las organizaciones es transpuesta a un marco de lectura, fundado en tres momentos de la relación

1 Originalmente publicado na Revista Administração Educacional (nº 4 – 2004), este texto é um dos capítulos – simultaneamente revisão da literatura e construção de quadro teórico - de uma dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, em 1998.

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epistémica individuo/organización, utilizado en la “organización” de las teorías organizacionales. Este trabajo de “organización” servirá para colocar en paralelo el “mundo de gestión” y el “mundo de la educación”, visto bajo el prisma de las relaciones, cruces y las distancias entre la teorización de las respectivas realidades organizacionales. El resultado más importante de este trabajo es la verificación de que las organizaciones educativas más que cualquier otras tienen todas las condiciones para, en el futuro, se convirtieren en objeto privilegiado de estudio dentro del marco de nuevas teorías de las organizaciones que emergen en la transición del Milenio.

Palabras clave: Teorías de organizaciones; individuo/organización; educación; gestión; organización escolar.

UMA PROPOSTA DE “LEITURA” DAS TEORIAS DAS ORGANIZAÇÕES

No curto período de tempo que não chega a um século, as organi zações, enquanto objecto de estudo cientí fico, passaram, no entendimento que delas fa zemos, de entidades exteriores às pessoas, como que possuindo existência própria, e como tal podendo ser estudadas olvidando a pessoa (GREENFIELD, 1985, p. 5240), a constru ções sociais, simbólicas, resultado da inter subjectivi dade e da interacção humana, cuja e xis tência apenas se rea liza na mente humana (idem, p. 5241).

Tão perto, no tempo cro nológico, e tão longe, no tempo epistémico, se encontra a Filoso fia Posi tiva de Auguste Comte (1798-1857) e a ideia durkheimiana de que os fenómenos sociais devem ser encarados como “coisas” (DURKHEIM, 1995: 302). Na esteira deste posi tivismo, não admira que as primeiras abor dagens das or ganiza ções as tomas sem como inteligíveis, apenas se con sideradas como rea lidades ex teriores ao homem.

A evolu ção das Teorias das Organizações e, como não poderia deixar de ser, da So ciolo gia, onde aquelas têm a sua origem, é para digmática do que tem sido a evolução do conhecimento científico: do conhecimento do que lhe é fisica mente exterior, o homem retorna ao co nhecimento de si próprio, para me lhor conhecer o que o rodeia (SANTOS, 1993a, p. 87). Tudo faz sen tido apenas na medida do próprio ser humano, objecto e sujeito de/para o co nhecer (SANTOS, 1993b: 44). Descobrindo assim que nada lhe é exterior, que nada lhe é indife rente ou neutro. São es tas questões epistemológicas que, em última análise, se encontram no cerne da evolu ção das teorias das orga niza ções.

Qualquer raciocínio argumentativo, pela própria limitação humana, tem de, na multidi mensionalidade que caracteriza o espaço dos possíveis epistemológicos, ser referenciado a um cen tro/eixo, qual ponto de partida

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(mesmo que o seu destino seja a auto-nega ção), a partir do qual seja possível o retorno necessário.

Aceitando como razoável tal postulado, parece-nos pertinente, pelo que antes fica dito, aceitar que tal cen tro/eixo deva ser ocupado pela próprio Ser Humano. Nestes ter mos, uma forma possível de “ler” a evolução das Teorias das Or ganizações é a de que elas se “movimentaram”, crono-epistemologicamente, de forma nem sempre linear, num continuum onde, para efeitos de maior inteligibilidade, podem ser identificados três momentos particulares.

• O primeiro momento caracteriza-se por as or ganizações serem, não apenas concebidas como realidades exteriores às pessoas, passíveis de estudo autónomo face aos indivíduos, mas, por vir tude da sua funcionali dade, assumirem uma transcendência social que leva a admitir, inclusive, a subordinação da pessoa aos desígnios da sua operaci onalidade. No seu seio, os indivíduos operam de acordo com uma racionali dade que é da ordem da necessi dade. Os instrumentos teórico-metodológi cos, na sua abordagem, são os da ciência positivista. As organizações pros seguem buscando fins/objectivos que são, por vezes, descoincidentes com as finalidades para que foram concebidas. As abordagens clássicas da organização são deste período.

• No segundo momento, as organizações sendo ainda entendidas como en tida des exteriores às pessoas, do ponto de vista epistémico, já o não são do ponto de vista social/cultural. As organizações estão “próximas” das pessoas. São habitadas (portanto, são “lugares”) pelas pessoas. A sua racionalidade é da ordem da liber dade. Como pro dutos sociais, a fusão das racionalidades or ganização-indivíduo é a sua condição de existên cia percepcionada. Não existe uma racionalidade (imposta pela organiza ção), antes existem várias racio nalidades em permanente confronto. As pessoas “vivem” na organização, as pessoas vivem em organizações, sem contudo alienarem(-se) e exercerem o livre arbítrio, a sua liberdade de agir no seu seio. As organizações não são já realidades trans cendentes, são apenas resultados da acção humana. Os instrumentos teórico-metodológicos tradicionais não se adequam ao estudo das

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organizações entendidas desta forma. Os métodos qualitativos reve lam-se mais ajustados a este tipo de abordagem.

• O terceiro momento, de que se vislumbram já alguns sinais, nas con tri bui ções pós-modernistas de algumas abordagens das organizações tem, como as pecto fundamental, o pressuposto da fusão sócio-epistémica indi víduo-or ganização (GREENFIELD, 1985, p. 5241). Retomando o sentido da condição social do homem e a percep ção de uma sociedade organizacio nal total, agora numa perspectiva intrinsecamente humana, tal fusão impli cará a aceitação de que as organi zações estão/são n/o próprio homem. Decorrente deste postulado, encon tra-se o imperativo teórico de que a possibilidade do estudo das organiza-ções implica a necessi dade/possibilidade de estudo da pessoa humana. O estudo das organizações passa pelo auto-estudo, pela auto-reflexão hu mana. A existir alguma ra cionalidade, ela irá para além da ordem da liberdade, será da ordem da afec tividade. As organizações são produtos, não apenas so ciais/culturais, mas igualmente simbólicos, cuja exis tência apenas faz sentido no auto-conhecimento e consequente auto-produção.

Os três momentos e as suas características encontram-se no quadro resumo seguinte:

Quadro 1 - Caracterização dos três momentos da evolução das Teorias das Organizações

FORA PRÓXIMO DENTRO

Relação EpistémicaIndivíduo-Organização

ExterioridadeAs organizações são exteriores às pessoas

ProximidadeAs organizações são cons tituídas por pessoas

InterioridadeAs organizaçõessão/estão as/nas pessoas

Ordem daRacionalidade

únicanecessidade funcional

múltiplasliberdade social

(a existir será daafectividade humana)

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ConsistênciaEpistemológica

Artefactos Materiais Artefactos Sociais Artefactos Simbólicos

Ensaiamos, de seguida, uma leitura das teorias das or ganizações, inventariadas em alguma literatura, à luz deste nosso quadro de partida, organizando-as, do ponto de vista evolutivo, segundo as suas princi pais características. Exercício idêntico será feito depois, a propósito das teorias das organiza ções educativas.

TEORIAS DAS ORGANIZAÇÕES

Para tanto, torna-se necessário uma referência às diversas formas que, mais usualmente, têm sido utilizadas na classificação das teorias das organiza ções, por vezes referidas, também, como teorias da administração (BARROSO, 1993, p. 406). Três formas diferentes têm sido utilizadas na aproximação à classificação das teorias das organizações. Enquanto alguns autores se referem, genericamente, a abordagens, perspectivas, escolas, teo rias e períodos (CHIAVE NATO, 1983; CAMPBELL; NEWELL, 1985; BERNOUX, 1985; HUGHES, 1987; SCOTT, 1987; CURY, 1990; LUNEM BERG; ORNSTEIN, 1991; BURNES, 1992), outros autores organizam-nas em termos de para digmas (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992) e um terceiro grupo referenciam-nas em termos de metáforas (MORGAN, 1989).

Com propósi tos interpretativos diferentes, em todos esses modos de aproxi mação, no entanto, é visível um denominador comum, em termos de designações que já entraram na terminologia das sociologia das organi zações e da teoria das organizações. Elas correspondem a uma zona da teorização sobre as organizações que, substantivamente, contém já um corpus teórico estabele cido e consolidado.

No quadro seguinte (Quadro 2) damos conta das relações entre as diversas formas inventariadas, nos autores referidos. Dada a diversidade de fontes consideradas e a variedade de perspec tivas, importa fazer algumas considerações sobre o referido quadro.

Uma primeira ob servação prende-se com o facto de apenas Chanlat; Séguin e Morgan considerarem, de forma clara, uma visão prospectiva de corren-tes ou pers pectivas que, no âmbito das teorias da organização são, na actualidade, ainda apenas marginais, e que se identificam nalguns casos com o 3º momento, conside rado na nossa grelha de leitura.

Em segundo lugar, duas das tipo logias são do âmbito das teorias da admi nistração - Chiavenato e Cury -, não obstante, como se pode verificar, não

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apre sentam diferenças significativas quando confrontadas com as restantes, cuja ori gem se pode considerar da área da sociologia das organizações.

Quadro 2 - Classificação das Teorias das Organizações

Chiavenato, 1983 Bernoux, 1985

Abordagem Clássica- Administração Científica- Teoria Clássica da Administração

Taylorismo

Abordagem Humanística Escola das Relações Humanas

Abordagem Neo-Clássica

Abordagem Estruturalista- Modelo Burocrático- Teoria Estruturalista da Organização

Abordagem Comportamental- Teoria Comportamental- Teoria do Desenvolvimento Organizacional

Teoria das Necessidades e das Motivações

Abordagem Sistémica- Teoria Matemática da Administração- Teoria dos Sistemas

Escola Sócio-Técnica

Abordagem Contingencial- Teoria da Contingência

Sist. de Acção Concreta - A Estraté gica

Campbell, Newell, 1985 Hughes, 1987

Gestão Industrial Movimento da Gestão Científica

Teoria Clássica da Administração

Relações Humanas Perspectiva das Relações Humanas

Estruturalismo Organizações como Burocracias

Sistemas Abertos

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Cury, 1990 Lunemberg, Ornstein, 1991

Tradicionalistas Teoria Clássica da Organização- Gestão Administrativa

Revolução Ideológica Abordagem das Relações Humanas

Estruturalistas

Behavioristas - Teorias e Modelo Abordagem da Ciência Comportamental

Desenvolvimento Organizacional

Sistemas Abertos

Enfoque Contingencial

Burnes, 1992 Scott, 1987

Abordagem Clássica- Gestão Científica- Princípios da Organização- Burocracia Weberiana

Período 1900-30 - Modelos Racionais - Fechados- Gestão Científica- Teoria da Burocracia- Teoria da Administração

Abordagem Relações Humanas Período 1930-60 - Modelos Naturais - Fechados- Relações Humanas- Sistemas Cooperativos

Abordagem Teoria da Contingência Período 1960-70 - Modelos Racionais - Abertos- Racionalidade limitada- Teoria da Contingência

Novas Perspectivas de Gestão Período 1970 - ... - Modelos Naturais - Abertos - Ordem negociada- Ambiguidade e Escolha - Sistemas Sócio-Técnicos- Contingência Estratégica- Ecologia das Populações - Teoria Marxista

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Chanlat, Séguin, 1992 Morgan, 1989

Paradigma Funcionalista: Metáforas: A Organização vista como:

- Escola Clássica Máquina - Gestão Científica

Máquina - Escola Clássica da Gestão

- Escola das Relações Humanas Organismo - Necessidades das organizações

- Teoria Weberiana da Burocracia

- Teoria dos Círculos Viciosos

- Escola da Tomada de Decisão

- Escola Sistémica Organismo - Sistemas Abertos

Organismo - Teoria da Contingência

Cultura - Organização como Cultura

Paradigma Crítico:

Organismo - Ecologia das PopulaçõesOrganismo - Variedade de Espécies

Cérebro - Tratamento da InformaçãoCérebro - Holograma: Autoorganização

- Anarquismo

Sistema Político

Instrumento de Dominação

- Existencialismo Fluxo e Informação - Autopoiesis

Fluxo e Informação: Causalidade Mútua

- Marxismo Fluxo e Informação: Dialéctica

Prisão do Psiquismo

- Accionalismo

Paradigma da Complexidade

A leitura dos quadros permite-nos identificar, grosso modo, a linha evolutiva das teorias das organizações, “arrumando-as” em 6 grupos de referência: a) Teorias Clássicas; b) Relações Humanas; c) Teorias de Siste mas; d) Teoria da Contingência; e) Sistemas de Acção Concreta; f) Teo rias Emergentes.

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TEORIAS CLÁSSICAS

Neste grupo, incluímos a Abordagem Clássica (CHIAVENATO, 1983; BURNES, 1992); o Taylorismo (BERNOUX, 1985); a Gestão In dus trial e o Estruturalismo (CAMPBELL ; NEWELL, 1985); o Movimento da Gestão Cien tífica e as Organizações como Burocracias (HUGHES, 1987); os Tra dicionalis tas (CURY, 1990); a Teoria Clás sica da Organização (LUNEMBERG ; ORNSTEIN, 1991); a Gestão Científica, a Teoria da Burocracia e a Teoria da Administração (SCOTT, 1987); a Burocracia Weberiana e os Círculos Viciosos Buro cráticos (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992) e a metáfora Organização como Máquina (MORGAN, 1989).

Neste particular, concor damos com a classifi cação de Burnes (1992), Lunemberg ; Orns tein (1991) e Mor gan (1989), que incluem o modelo burocrático de Max Weber nas teorias clássicas, ao lado de Frederick Taylor e de Henri Fayol.

Como mais adiante se explica, incluímos, também, a teoria dos círculos viciosos burocrá ticos (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992) na sua componente não apolo gética, isto é, excluindo Michel Crozier (1964).

Sendo quatro abordagens (redutíveis a três, se agregarmos as duas últimas) diferentes; pelos centros de inte resse sobre que se debruçam, elas fundam-se nos mesmos princípios epistemológicos. Existe uma ordem universal que transcende o homem, nas suas relações entre si e com o mundo. O homem é, apenas, uma minúscula peça na grande engrenagem, que são as organiza ções. Nestes termos, torna-se imperativa a desco berta das leis e princípios que regulam e determinam o seu agir no seio das organizações.

A análise de tarefas realizada pelo casal Gilbreth (MARCH ; SIMON, 1979, p. 15-21; BURNES, 1992, p. 15-6), a separação da concepção da execução das tarefas (TAYLOR, 1992, p. 88-94), os princípios gerais de administração de Fayol (1992; p. 95-118) e a normalização e des personalização burocrática (WEBER, 1992, p. 127), re metem todos para a um único objectivo que é, admitida a preexistência de uma ordem, de uma harmonia (BURNES, 1992, p. 23), à procura da melhor forma de fun ciona mento da organização.

O “One best way” procu rado pelos clássicos era de natureza determinís tica e técnica. De tal forma que se dissi pavam quaisquer conflitos entre os mem bros da organização: eles apenas tinham de se subme ter aos ditames das regras, leis e princípios descobertos.

Assim,

com a organização científica, os verdadeiros interesses das suas partes são os mesmos; a prosperidade do empresário não pode realizar-se se não for acompanhada da do trabalhador, e vice-versa; é assim possível com patibilizar o

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que ambos desejam: ao operário, salários maiores, e ao patrão, uma mão-de-obra barata (TAYLOR, 1992, p. 80).

Segundo Fayol (1992, p. 95), “a saúde e o bom funcionamento do corpo social dependem de um certo número de condições designadas indi ferentemente de princípios, leis ou regras”.

Do mesmo modo, a universalidade do modelo burocrático de organização é de fendida por Weber:

Em princípio, esta organização é igualmente aplicável - e é também historicamente comprovável (aproxi mando-se mais ou menos do tipo puro - às empresas lucrativas, às empresas não lucrativas ou a qualquer outro tipo de empresa, prosseguindo objectivos privados, ideais ou materiais (WEBER, 1992, p. 123).

Por seu lado, a Teoria dos Círculos Viciosos Buro cráticos deteve-se na análise das disfunções do modelo burocrático we beriano. Ao detectar a inevitabilidade de compor tamentos desconformes à rigidez e à impes soalidade burocrática, ao surgimento de castas no seio da organização, aos mínimos burocráticos, a disfunções no pro cesso de delegação de poderes e à deterio ração das relações pessoais (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992; BALLÉ, 1992), a teoria dos círculos vicio sos procura encontrar explicações e solu ções para esses fenómenos sem, no entanto, colocar em causa os funda mentos do modelo:

Se as diferentes racionalidades que se defrontam podem estar na origem de disfunções, estas últimas nunca põem em causa a unidade funcional e o equilíbrio da organização. Elas obrigam, acima de tudo, à adopção de téc nicas visando uma melhor integração dos indivíduos na organização (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992, p. 23).

As três formas de abordagem, sendo complementares, permitem estabelecer um conjunto de ideias centrais acerca da abordagem clássica das organiza ções: a) Existe uma forma óptima para todas as organizações serem estruturadas e funcio narem; b) As normas e regras fundamentam a autori dade gestionária; c) As orga nizações são entidades racionais que, de forma congruente, perseguem objec tivos e metas; d) As pessoas são motivadas ape nas por interesses ma teriais; e) A falibilidade humana e as emoções podem ser eliminadas através da aplicação de leis e a eficiente organização do trabalho; f) A forma adequada e eficiente de organi zar as actividades é conseguida com a divi são técnica e administrativa do trabalho, a diminui ção da autono mia do trabalhador e o aumento do seu controlo.

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RELAÇÕES HUMANAS

Incluem-se, neste grupo, as Abordagens Com portamentais (CHIAVENATO, 1983; LUNEMBERG ; ORNSTEIN, 1991); a Revolu ção Ideológica, os Behavioristas, os Estruturalistas e o Des envol vimento Organizacional (CURY, 1990); os Sistemas Cooperativos (SCOTT, 1987); a Escola da Tomada de Decisão (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992); a Teoria das Necessidades e Motivações (BERNOUX, 1985); a metáfora Organismo - Necessi dades das Organiza ções (MORGAN, 1989), para além, é claro, da escola das Rela ções Huma nas (CHIAVENATO, 1983; BERNOUX, 1985; CAMPBELL ; NEWELL, 1985; HUGHES, 1987; SCOTT, 1987; LUNEMBERG ; ORNSTEIN, 1991; BURNES, 1992; CHANLAT ; SÉGUIN, 1992).

O que, a nosso ver, todas têm em comum é o facto de considerarem a di mensão humana da organização sem, no entanto, se libertarem do princípio da racionalidade organizacional como transcendente às “racionalidades humanas”.

Isto é, a organização deixa de ser vista como um problema meramente técnico, passando a ser um problema humano, mas um problema humano cuja equação é resolvida ainda em termos técnicos. Os meios e instru men tos utilizados para a sua resolução passam pela novel Psicologia Experi men tal, na sua componente Social. Não é por acaso que a perspectiva psico lógica pre domina claramente na análise das organizações. Os princi pais represen tantes são, efectivamente, de matriz psicológica: Mayo, Maslow, Her zberg, McGregor, Argyris, Likert e Lewin, para citar ape nas al guns. A perspectiva psicológica sobreleva, claramente, a sociológica, que ti nha dominado o modelo burocrático weberiano.

O indivíduo não é mais en tendido como uma peça inerte, sem alma. É, ainda e apenas, uma peça, mas uma peça na engrenagem que responde, não apenas, ou exclusivamente, aos estímulos materiais, mas a estímulos de ordem só cio-psicológica.

É a com provação desta dimensão do comportamento hu mano, pelos estudos de Hawthorne, que se encontra na origem das teorias que englobamos no termo genérico de Relações Humanas. Tributária da Psicologia Experimental, a teoria das Relações Humanas considera o es tudo do comportamento humano na organização (não como uma forma de exercício do livre arbí trio, mas como uma forma de descobrir os princípios e leis que regulam e comandam o funcionamento da dimensão informal das organizações, espe rando conseguir encontrar, nessas novas condições, a melhor forma de fa zer funcionar a organização).

Conseguindo determinar a melhor forma de compatibilizar as dimensões formal e informal da organização, desvendava-se uma “nova” ordem que, também neste caso, transcendia a natureza humana. É certo que as necessidades,

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motiva ções, desejo de afiliação, participação, cooperação e solidariedade eram consi derados. Mas eram considerados como fenómenos essencialmente psicossociais, que se acreditava serem redutí veis a relações de causalidade e, portanto, pas síveis de serem expressos em prin cípios gerais, de acordo com uma raci onalidade instrumental. A descoberta dessas relações iria permitir o melhor desenho e desenvolvimento das organizações.

Para a consecução dos objectivos organizacionais, importa considerar o factor humano, quer procurando entender as sua necessidades (MASLOW), motiva ções (HERZBERG), desejo de afiliação e integração (LEWIN), cooperação (BARNARD) e participação (ARGYRIS), quer per cebendo os processos solidarizantes (LIKERT), os pro cessos de tomada de decisão e de racionalidade (limitada) e o confronto de racionalidades (FIEDLER, SIMON).

A situação permanece, no entanto, inalterada, pois o postulado da raciona lidade da organização não é tocado nos seus funda mentos (CHANLAT; SÉGUIN, 1992, p. 25). A ideia de complementaridade entre a visão clássica das organizações e a das Relações Humanas dá bem a noção que, de facto, os fundamentos últimos de uma concepção da organização como maquinismo, regulável desde que se co nheçam as leis internas que regem o seu funcionamento, se mantêm.

A diferença fundamental é que, na concepção dos teóricos das Relações Humanas, a máquina, que é a orga nização, é composta por peças não totalmente intercambiáveis, de forma imediata, já que não são inanima das introduzindo, por via disso, alguma incerteza. Esta incerteza é, no en tanto, controlável pelo conhecimento científico (técnico-psicológico: dinâ mica de grupos; testes mentais e psico-técnicos; técnicas de motivação etc.) das leis que regem o comportamento humano.

O Desenvolvimento Organi zacional e a Gestão por Objectivos, numa óp tica do todo organizacional, são bem alguns exemplos da aplicação deste tipo de abordagem. É, aliás, em resultado da utilização, com objectivos alienatórios, desta visão da orga nização que, a breve trecho, fazem com que as Teorias das Relações Huma nas sejam acusadas de constituir um instrumento de manipulação dos membros das or ganizações por quem detinha o poder de direcção.

Numa síntese bem conseguida, Burnes indica os elementos princi pais da abordagem das Relações Humanas:

O modelo das Relações Humanas considera três elementos centrais: - Liderança e comunicação; - Motivação intrínseca (bem como recompensas de natureza extrínseca); - Práticas e estruturas organizacionais que facilitam a flexibilidade e o envolvimento. A estes elementos são subjacentes duas hipóteses centrais: - As organizações são sistemas sociais complexos e não mecânicos; - Por isso, não podem ser efectivamente controladas através de uma supervisão apertada, regras

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rígidas e incentivos puramente materiais; - Os seres humanos têm necessidades afectivas tanto como necessidades económicas. As organizações e as condições de trabalho têm de ser compatí veis com a satisfação desses dois tipos de necessidades. Apenas desse forma se conseguirá que os trabalhadores tenham um desempenho eficiente e eficaz de acordo com os interesses da organização (BURNES, 1992, p. 37-8).

TEORIAS DOS SISTEMAS ABERTOS

Este grupo inclui as Teorias dos Sistemas (CHIAVENATO, 1983); Escola Só cio-Técnica (BERNOUX, 1985); Sis temas Sócio-Técnicos (SCOTT, 1987); Sistemas Abertos (CAMPBELL ; NEWELL, 1985; LUNEMBERG ; ORNSTEIN, 1991; MORGAN, 1989); Escola Sistémica (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992) e Organização como Cultura (MORGAN, 1989).

Em boa verdade, poder-se-iam agrupar as Teorias dos Sistemas e as Teorias da Con tingência, porque estas últimas são uma consequência natural da concepção das organizações como sistemas abertos sofrendo, por tanto, influência permanente do seu meio ambiente, o que implica o carácter contingente do seu funciona mento em função de variáveis que não controla. Por outro lado, a concepção da organização como sistema aberto não teria qualquer sentido se não se retirassem desta “abertura” as devidas consequências, em ter mos das necessidades de adaptação ao meio ambiente, do qual ela recebe “inputs” e para o qual envia “outputs”.

Entendemos, no entanto, nesta fase, consi derá-las separadamente, pela importância que o desenvolvimento das teorias da contingência teve, em domí nios não especificamente ligados à relação organização-meio ambiente, como seja o caso dos processos decisionais e dos comportamentos organizacionais.

As Teorias dos Sistemas Abertos constituem uma nova mudança de perspectiva, no estudo das organizações. Enquanto, nas abordagens anteri ores, a análise se ficava pela organização em si mesma, como se fosse uma realidade isolada, a primeira como um problema técnico-mecânico, a se gunda como um problema técnico-humano, mas sempre intra-muros; com a teoria dos sistemas abertos, o centro de interesse desloca-se para a organi zação como uma totalidade, nas suas relações com uma totalidade ainda maior, que é a sua envolvente exterior. O meio em que existe passa a consti tuir a principal fonte de incerteza para o funcionamento da organização (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992, p. 27). As organizações, face a face às condi ções e exigências do meio, devem ser capazes de in tegrar as tensões que daí resultam, adaptando-se, sob pena de não sobreviverem (DE ROSNAY, 1975, p.132-9; HUGHES, 1987 p. 233; MORGAN, 1989, p. 42).

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Tanto como nas abordagens anteriores, talvez até mais, dada a maior visibilidade da or gani zação como um “organismo” que “vive” num ambiente e que só so brevive reagindo com ele, transformando-se, as organiza ções são considera das como entidades externas, autónomas relativamente às pessoas. Este carácter de exte rioridade ressalta da própria terminologia utilizada: “inputs”, “outputs” para significar o que entra e o que sai da organização. O estatuto epistemológico da organização, mais do que an terior mente, é o de uma entidade que existe objectivamente, em oposição a todo o resto, os homens existem dentro ou fora da organização podendo, in clusive, ser conside rados como inputs, tal como quaisquer outros (CHIAVENATO, 1983, p. 534; SILVER, 1983, p. 52).

Por esta nova perspec tiva de análise das organizações, ficam completamente obliterados os pro cessos inter nos. Isto é, as acções humanas permane cem no limbo da teorização, esperando por nova mudança de rumo, o que só virá a acontecer com a abordagem dos Sistemas de Acção Concreta (CROZIER ; FRIEDBERG, 1977; FRIEDBERG, 1993).

Não constitui, por isto, apesar de apresentar um avanço significativo na compreensão das organizações, a abordagem sistémica uma ruptura com a natu eza funcionalista e positivista das análises anteriores. Apenas se verifica uma mudança de perspectiva e nível de análise: a deslocação do foco de interesse para a organi zação (sistema), como totalidade frente a ou tra totalidade (suprasis tema - o meio), de que é um componente. Mesmo a introdução da Cultura Organizacional, nos modelos mais des envolvidos (RIBBINS, 1987,p. 232; CHANLAT ; SÉGUIN, 1992, p. 29; SANCHES, 1992), é feita numa perspectiva meramente funcional (RIBBINS, 1987, p. 233; OUCHI ; WI LKINS, 1988, p. 224). Marginalmente, a atenção reverte, centrando-se nos elementos que com põem a organização: os seus sub-sis temas.

É em boa parte da consciência de que os componentes (sub-sistemas) não sofrem as mesmas influências do meio ambiente, nem a elas respondem de forma idêntica, que irão desenvolver-se estudos no sentido da explicação dos pa drões de comportamentos da organização face ao ambiente. A procu ra das soluções de adaptação ao meio ambiente vai preocupar um vasto conjunto de teóricos, cujos estu dos se encontram na origem das Teorias da Con tingência.

TEORIAS DA CONTINGÊNCIA

Consideramos, neste grupo, as abordagens com o mesmo nome (CHIAVENATO, 1983; SCOTT, 1987; MORGAN, 1989; CURY, 1990; BURNES, 1992); a Ecologia das Populações (SCOTT, 1987) e a Organização como Orga nismo - Ecologia das Populações e Variedade das Espécies (MORGAN, 1989).

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Como referimos antes, as teo rias da contingência são, na sua vertente re lações organização-meio, o corolário da aceitação dos pressupos tos que subjazem à concepção das organizações como sistemas abertos.

Se se aten der a que

quando se define uma organização formal como um sistema aberto, isto não significa simplesmente que a organização se encontra empenhada num processo de troca com os diversos elementos do seu meio ambiente, mas que essas trocas são essenciais para a viabilidade do sistema, a sua capacidade de reproduzir-se e transfor mar-se (CHANLAT ; SÉGUIN, 1987, p. 27),

torna-se claro que as organizações irão procurar adap tar o seu funcionamento e as suas estruturas às condi ções e exigências do meio ambiente.

Dadas as inevitáveis diversidade e alterações dos ambientes pertinentes para as empresas, não é possível pensar-se em respostas pré-concebidas. Como afirma Burnes,

A Teoria da Contingência é uma rejeição da abordagem “one best way” [...], ela é substituída pela perspectiva segundo a qual a estrutura e funcionamento das organizações estão dependentes (“Contingentes”) de variáveis situacionais com que depara [...] resulta assim que não há duas organizações que defrontem exactamente as mes mas contingências; por isso, se as suas situações são diferentes, deverão ser diferentes as suas estruturas e fun cionamento [...]; consequentemente, “one best way” para todas as organizações é substituído pelo “one best way” para cada organização (BURNES, 1992, p. 39).

Este é, afinal, o princípio que vai orientar a investigação das in fluências que o meio am biente exerce sobre as organizações, quer tenham a ver com a estraté gia (CHANDLER), a dimensão (PUGH, BLAU ; SCHOENHER), a tec nologia (WOODWARD, PERROW), a natureza da incerteza ambiental (THOMPSON), as estruturas (BURN; STALKER), e a cone xão interna (LAWRENCE; LORSCH); (CHIA VENATO, 1983, p. 545-79; CHANLAT; SÉGUIN, 1987, p. 30-3; MOR GAN, 1989, p. 45-52; CURY, 1990, p. 56-72; BURNES, 1992, p. 42-51; BALLÉ, 1992; p. 84).

A ideia de que as organizações, para sobreviverem em ambientes mais ou menos hostis, mais ou menos turbu lentos, instáveis ou complexos, necessitam ter deter minadas aptidões e características, associadas a tipos específicos de estrutu ras e/ou configura ções traz, como consequência lógica, a procura da melhor rela ção de organização-tipo de ambiente. Generalizam-se as investiga ções que tomam, como princípio fundamental, a assunção de que a cada ambiente correspon deria a sua espécie de organização. A ecologia das po pulações, a selecção das espécies, qual darwinismo organiza cional, é uma decorrência das Teo rias da Contingência.

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Por outro lado, o Desen volvimen to Organizacional é, igualmente, tributário das investigações levadas a cabo segundo os pressu postos destas teorias (PETITT, 1991 p. 176-7).

As teorias da contingência não tiveram, apenas, influência a nível das organizações, nas suas relações com o meio ambiente. Particularmente interessantes foram as investigações das relações entre os subsistemas componentes da organi zações e, principalmente, as relativas aos processos de cisionais e de liderança (SILVER, 1983, p. 152-174; JESUÍNO, 1987; LUNEMBERG; ORNSTEIN, 1991, p. 138).

Mesmo rejeitando a ideia de “one best way” universal, aplicável a todas as organizações e a todas as situa ções, fazendo depender a sobrevi vência das organizações da sua capacidade de encontrarem a solução certa, no momento e lugar determinados, ou seja, a consecução dos equilíbrios inter nos e externos, as teorias da contingência fundam-se na convicção da existên cia de uma melhor solução para cada situação, que passa pelo equilíbrio, que é o mesmo que dizer uma “alguma” ordem e harmonia, ignorando, portanto, também ela, os fenómenos de poder e os interesses contraditórios, dinâmicos e irredutíveis a consensos, no seio da organi zação.

Para cada situação existe uma solução óptima. O problema consiste em identificar, cla ramente, a situa ção e, depois, procurar encontrar a solução adequada. Os ob jectivos e finali dades da organização são claros e possí veis de alcançar, conjugando solu ções técnicas, humanas e administrativas, numa base de con senso, desde que seja encontrada a configuração (desenho contingen cial) ideal da or ganização, face ao ambiente em que habita. A organização continua a transcender a natu reza humana, existe para lá dela, de forma autónoma. É ela que reage às solicitações do ambiente, não as pessoas em si mesmas consideradas, com as suas idiossin crasias, as suas histórias, as suas emo ções e afectos.

SISTEMAS DE ACÇÃO CONCRETA

Neste grupo, incluem-se a corrente como mesmo nome (BERNOUX, 1985); a Contingência Estratégica, a Ordem Negociada (SCOTT, 1987) e a organização como Sistema Político e como Instrumento de Dominação (MORGAN, 1989).

A concepção das organizações como Sistemas de Acção Concreta opera uma ruptura fundamental com as teorias anteriores. Não poderíamos estar mais de acordo com Friedberg quando diz que

sem recuar aos erros das abordagens estruturalistas que declaravam alto e em bom som a morte do sujeito, numerosas são, com efeito, as abordagens, nomeadamente no mundo anglo-saxónico, que, ainda hoje, analisam as

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organizações - e portanto, também a acção social - como se elas existissem num mundo sem actores tangíveis, e como se elas tivessem leis impessoais de selecção ou de imitação (FRIEDBERG, 1993, p. 193).

A ruptura realiza-se por via do estatuto atribu ído ao indivíduo nas organizações e, correlativamente, pela rejeição de toda e qualquer contin gência que não seja radical. Sobre este último aspecto, logo de início, em L’acteur et le Sys tème, Crozier ; Friedberg se demarcam, irreduti velmente, das Teorias da Contingência, ao afirmarem que

(...) não há nem fatalidade nem determinismo simples. As soluções não são, nem as melhores, nem mesmo as melhores relativamente a um “contexto” determinado. São sempre soluções contingentes no sentido radical do termo (CROZIER ; FRIEDBERG, 1977, p. 13).

Por outro lado, o estatuto do indivíduo na organi zação não é mais o de mero espectador, nem mesmo o de agente, mais ou menos passivo, input energético do sistema. Ele é o centro, é o actor, de onde partem e para onde convergem todos os processos organizacionais. O cenário/palco (a organi zação) perde visibilidade em favor do actor. No en tanto, trata-se de um actor muito especial, pois o papel/função é da sua pró pria autoria. É, ao mesmo, actor/encenador/realizador /autor/produ tor. O papel que des empenha é escrito e reescrito na acção pelo próprio, o que correspon de ao trajec to e projecto da pessoa na sua relação com os outros.

Os interesses e os jogos de interesses individuais e colectivos (MUCHIELLI, 1977, p. 21; DUBET, 1996, p. 86), as alianças e as estratégias fazem, deste actor, um actor estratégico (CROZIER ; FRIEDBERG, 1977; MORGAN, 1989, p. 198; PETITT, 1991, p. 137; FRIEDBERG, 1993, p. 193), que cria a orga nização (BERNOUX, 1985, p. 149), ao criar as redes de relações na interacção social, com os outros (actores), to dos eles porta dores de liberdade e autonomia, apenas auto-limitadas pelo “sistema de regulação das relações” (BERNOUX, 1985, p. 150) e pelas estratégias que desenvolvem no sentido da consecução dos seus próprios objectivos.

Toda a organização é composta de actores estruturando as suas acções num modelo tão interactivo quanto interdependente, se querem funcionar “bem”. A maneira como este conjunto humano estrutura as suas relações designaremos por sistema de acção concreta, ou então subsistema de acção concreta (BERNOUX, 1985, p. 149).

Como se percebe, a aborda gem das organizações, desta forma, remete para a aceitação do conflito, luta e controlo do que (MUCHIELLI, 1977,p.

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21-2; MORGAN, 1989, p. 166) Crozier e Friedberg designam por “zonas de incerteza” (CROZIER ; FRIEDBERG, 1977, p. 70-6; MORGAN, 1989, p. 194-5). A luta pela conquista do poder é uma de corrência dos pressupostos anteriores. As alianças estraté gicas entre actores, para alcançarem os meios e as posições no seio do sis tema de relações, são fe nómenos sociais característicos das organizações.

O outro elemento será o sistema de regulação de relações, isto é, as re gras a partir das quais os actores co nhecem as possibi lidades que têm de organizar a sua acção para resolver as questões que se colocam ao con junto social. Os actores não são entidades abstractas, antes pelo contrário, quando participam na elaboração das defi nições de si (FRIEDBERG, 1993, p. 198) e dos ou tros e quando inventam con dutas, na construção do sis tema de relações, fazem-no de acordo com um duplo refe rencial: a sua história pessoal e as oportunidades e constrangi mentos da situação (FRIEDBERG, 1993, p. 214). Cada actor é portador da sua própria historicidade, da sua própria racio nalidade, irredutíveis a categorias colec tivas sob a forma de racionalidade da or ganização. Neste sentido, Friedberg admite que a noção de sistema de acção concreta “(...) estrutura a acção colectiva dos homens, quer este último se encontre no seio de uma organização formal, ou num contexto de acção mais fluído” (FRIEDBERG, 1993, p. 165).

Assim, as organizações, no sentido usual do termo, não são mais do que um determinado tipo de sistema de acção con creta. O que sobressai, desta forma de ver a organização é, de imediato, a ideia de que as organizações não são exteriores ao homem, antes são um pro duto da sua acção. Não têm existência própria. Como tal não, faz mais sentido falar na acção do homem na organização. Deverá, antes, falar-se na acção organizada do homem. Não existem uma “ordem”, princípios ou leis a desco brir e a dominar. Existe, apenas, a acção humana, com tudo o que isto significa de racionalidade, intuição, afecto, emoção e subjectividade.

TEORIAS EMERGENTES

Mais do que teorias são correntes ou linhas prospectivas, que se desenham para um entendimento das orga nizações em per feita ruptura com o paradigma positivista. O carácter heterogéneo e difuso dessas pers pecti vas torna difícil a sua classificação. Digamos que a característica co mum é o facto de não serem enquadrá veis nas abordagens anteriores. A sua inclusão num mesmo grupo, com base num tal critério, convenha mos, é um procedimento cuja validade se apresenta muito duvidosa. Temos consciência disto, mas, dada a inexis tência de corpus teóricos claramente defini dos, no âmbito das propostas potencialmente

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percebidas e ante vistas nas suas formulações, ainda muito genéricas, não nos deixa alternativa.

Apenas três autores, e de forma muito diferente, abordam perspectivas inovadoras na aproximação das orga nizações. Assim são incluídas, nestas “teorias” emergentes, o Anarquismo, o Existencialismo, o Marxismo, o Ac ciona lismo, o Paradigma da Complexidade (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992); a Teoria Marxista e a Ambiguidade e Escolha (SCOTT, 1987) e as metáforas Cére bro, Fluxo e Informação e Prisão do Psiquismo (MORGAN, 1989). Sobre as primeiras importa, desde logo, referir que, tendo todas surgi do num contexto de forte implantação do positivismo, permaneceram sem pre na contra corrente e foram, de algum modo, marginalizadas ou apropria das e socializadas pelo mundo científico e académico, tornando-as, social e cien tificamente inócuas, nas suas propostas originais. A este “apagamento” não é estranha a hegemonia anglo-saxónica e, no meada mente, a americana, bem como o difícil diálogo entre europeus e americanos, no domínio da sociologia das organiza ções. Isto permite a Chanlat ; Séguin afirma rem que

profundamente refractárias à filosofia crítica europeia, em particular ao marxismo, marcadas por um evolucio nismo linear que define os Estados Unidos como o modelo a seguir, e por uma ideologia conservadora, as teorias da organização, sob a influência do funcionalismo americano, fecham a porta durante numerosos anos ao pen samento crítico (CHANLAT ; SÉ GUIN, 1992, p. 43).

Actualmente, com a anunciada falência do paradigma positivista e da ciên cia moderna, elas encontram ter reno favorável para começarem a im por-se. A reaparição e reapreciação de todas estas correntes resultam, de algum modo, de uma ciência social crítica (ENGLAND, 1989), enquadrada por um movimento mais global, de uma epistemologia pós-modernista que propugna a falência das dico tomias e oposições que têm caracteri zado o positivismo: social/natural; prática/teoria; qualidade/quantidade; su jei to/objecto; local/global etc. (SANTOS, 1993a).

É neste ambiente que a emergência do indivíduo-pessoa, centro de todo o inte resse daquelas correntes de pensamento, polarizado na Liberdade (GUÉRIN, sd, p. 31; BAKOUNINE, sd, p. 57, KROPOTKINE, sd, p. 91; PROUDHON, 1992, p. 326; MALATESTA, 1992, p. 332), na Praxis (LEFEBVRE, 1968, p. 27; PIETTRE, 1969, p. 47; MARX, 1982, p. 3), no Pro jecto (SARTRE, sd, p. 243; WAHL, 1962, p. 47,138; AUDRY, 1972, p. 87-95; BOU TINET, 1990, p. 38-54) e na Acção (TOU RAINE, 1974, p. 33; MU CHIELLI, 1977, p. 22; ANSART, 1990, p. 57; CHANLAT ; SÉGUIN, 1992, p. 63), dá corpo a uma mudança de perspectiva, devolvendo-lhe o esta tuto epistemológico focal, com os seus

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conflitos, as suas con tradições e as suas perplexidades, com que povoam a construção e representação da rea lidade social.

Entretanto, estas perspectivas poderão nem sequer vir a des envolver-se de forma completa, dada a rapidez com que se verificam as mutações sociais e as construções teóricas que lhes dão vida. Tanto assim é que, segundo Chanlat ; Séguin, um novo paradigma está emergindo: o Paradigma da Complexidade.

A ordem não existe mais, não se impõe de forma absoluta, é relativa e relacional [...]; esta nova corrente que procura unir numa relação dialéctica o que a sociedade, até agora, tinha separado: a ordem e a desordem, as ciências humanas e as ciências físicas (CHANLAT ; SÉGUIN, 1992, p. 71-2).

Nesta linha, apontam os con tributos pós-modernis tas, quando afirmam a totalidade do conheci mento que, sendo o conheci mento total é, também, local, que o “total” está inscrito no “local”, que as oposições tradicio nais e características da ci ência moderna se encon tram vazias de sentido. Que “[...] não existe natureza humana, porque toda a nature za é humana” e que “[...] podemos afirmar hoje que o objecto é a continua ção do sujeito por outros meios” (SANTOS, 1993a: 44, 52).

Quanto às metáforas apresentadas por Morgan em Images de l’Organization, é particularmente interessante, na linha do Paradigma da Com plexidade, a imagem da organização como Fluxo e Informação (nas três ver tentes consideradas; autopoiesis, causalidade mútua e dialéctica), que nos remetem para os conceitos de ordem implicada e ordem explicada e de holomovimento e holo fluxo de David Bohm:

A ordem implicada é considerada como um processo criador tal como um holograma, caracteriza-se por o con teúdo do todo no todo. Bohm serve-se dos termos holomovimento e holofluxo para exprimir a natureza indivisa e movente desta ordem, que é a fonte geradora das formas explicadas. Estas formas... têm a aparência da estabi lidade encontrando-se sustentadas pelo fluxo e pela mudança.” (MORGAN, 1989, p. 269-270).

Os conceitos de auto-referência, circularidade e autonomia, fundamentos da autopoiesis de Maturana ; Varela (MORGAN, 1989, p. 273), ca pacidade de auto-criação e auto-renovação são de extrema importância para a uma nova compreensão e concepção de organização. Assim, a inter acção da organiza ção com o seu “meio ambiente” é um re flexo e uma parte de si mesma. A distinção entre organização e meio perde sentido: “é por isso, no fim de contas, que não faz sentido dizer que um sistema interage com um meio ambiente externo. Com efeito, as trocas de um sistema com um meio ambiente são na realidade trocas consigo mesmo” (MORGAN, 1989, p. 276).

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É uma nova compreensão de que o “local” e o “global” são uma e mesma reali dade.

Analogamente, o indivíduo, na organização, não é mais um elemento, um componente da organização. É ele próprio a organização. A organização existe nele e para ele. De resto, as restantes metáforas, organização como Prisão do Psiquismo e como Cérebro, relevam de sentidos homólogos. As sim, “ao interpretar a significação inconsciente da relação entre imortalidade e a organização, damonos conta que tentando gerir e organizar o nosso universo, tentamos na realidade gerir e organizarmos a nós próprios” (MOR GAN, 1989, p. 229), mostrando bem as relações entre as pulsões inconscientes do homem e as organizações como formas de projecção e identificação auto-referencial.

Ao insistir sobre os conceitos de auto-organização e visão holo gráfica da organização, Morgan, na metáfora do Cérebro, traz à discussão uma ideia cara aos pós-modernis tas, isto é, a de que o todo está inscrito nas partes, o que, de novo, se pode verter para a concepção de que a distinção entre o indivíduo/organização não pa rece ser um instrumento teórico ade quado à aproximação e compreensão das organizações: “as organizações têm necessidade de um “ethos” e de uma visão holográfica graças às quais as atitudes e as competências que se espera do “todo” estarão inscritas em cada “parte” (MORGAN, 1989, p. 114).

Num exercício cuja finalidade é a de conseguir um resu mo interpretativo e arrumo visual de conjunto, e tendo consciência de que as zonas de intersecção teórica percorrem, nomeadamente, em termos de auto res mais repre sentativos, nalguns casos, todo o continuum poderíamos, de acordo com a grelha de leitura adoptada, “organizar” as teorias das organizações de acordo com o quadro seguinte:

Quadro 3 - “Localização” das Teorias das Organizações

FORA PRÓXIMO DENTRO

• Teorias Clássicas• Relações Humanas• Teorias Contingenciais• Teorias Sistémicas

• Sistemas de Acção Concreta

• Teorias Emergentes

DAS TEORIAS DAS ORGANIZAÇÕES EDUCATIVAS

A evolução do conhecimento e pensamento sobre as organizações educa tivas, bem como a teori zação sobre a administração das organizações escolares acompanha, de perto, a história das teorias das organizações enun ciada antes. Não obstante as repetidas afirmações de que as organizações educativas

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(as escolas especifica mente) e, portanto, a ad ministra ção educacional têm características próprias (HALPIN, 1967, p. 10; ECKER, 1985, p. 5256; BUSH, 1986, p. 4; SAENZ BARRIO, 1993, p. 20), verifica-se que os con tributos da investigação sobre a admi nistração educacional para as teo rias das orga nizações e da administração, em geral, têm sido bastante redu zidos. Excep tuando os casos dos conceitos de sistema debil mente acoplado (WEICK, 1976; ECKER, 1985, p. 5257) e de anarquia organizada (COHEN, MARCH ; OLSEN, 1972; ECKER, 1985, p. 5257; FRIEDBERG, 1993, p. 70), esses contributos são, praticamente, inexistentes. Por exemplo, em mais de oitocen tos autores referenciados por Morgan na sua obra Ima ges de l’Organizations encontrámos referências a Weick, Cohen, March e Olsen, exactamente a pro pósito daqueles contributos, sendo que, em con trapartida, não existem quaisquer referências a autores como Bal dridge, Ball, Ba tes, Bell, Best, Caldwell, Croft, Cul bertson, Getzels, Glatter, Green field, Gri ffiths, Guba, Hoyle, Halpin, Hodgkinson, Milikan, Watkins, Willower, Wo ods e muitos outros, da área da administração educaci onal.

A consulta de qual quer obra geral sobre Administração Educacional mostrar-nos-á, porven tura, uma situação inversa. Para além de mostrar que grande parte da teori zação sobre as organizações educativas se faz a partir de uma matriz que tem, nas organizações empresariais, o seu principal suporte mostra-nos, também, alguma dificuldade na aquisição do direito de cidadania no seio da sociologia das or ganizações. Entretanto, novas perspectivas estão emergindo na teorização das organi zações e administração educativas que, num futuro próximo, pode rão vir a desempenhar um papel inova dor e a alterar o pano rama da sociologia das organiza ções (ALLISON, 1983, p. 17). Julgamos que, particularmente, as or ganizações educativas propor cionam objecto de estudo muito rico, no âmbito das “teorias emergentes” referidas an tes. Isto é, aliás, visível nas perspectivas, mode los e paradigmas que, inven tariadas mais adiante, onde as dimensões cultural, política, simbólica, ética, emancipatória, de ambiguidade (BALDRIDGE ; DEAL, 1983; BUSH, 1989; EVERS ; LAKOMSKI, 1991; BOTTERY, 1992) aparecem referenciadas em termos já expressivos.

Num conjunto de 14 autores (BURREL ; MORGAN, 1979; PFEIFFER, 1982, citado por BORREL FELIP, 1989; SILVER, 1983; BOLMAN ; DEAL, 1984, citado por BORREL FELIP, 1989; OGWA, 1985; ECKER, 1985; BUSH, 1986; RIBBINS, 1987; HUGHES, 1987; ENGLAND, 1989; TYLER, 1988; BORREL FELIP, 1989; BARROSO, 1993; 1995b; SAENZ BAR RIO, 1993), ape sar da grande diversidade de critérios seguidos nas abordagens, grosso modo, foi possível identifi car dois grandes grupos de aproximações às teo rias das organizações educativas e da administração educa cional (Qua dro 4).

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Um primeiro grupo é constituído pelos 6 primeiros autores citados antes. Os quatro primeiros consideram 3 momentos na evolução das teorias: Ribbins e England, sob designação de Paradigmas; Hughes e Barroso, por seu lado, identificam-nos sob a forma de pe ríodos.

Quadro 4 - Teorias, Modelos e Períodos das Teorias das Organizações Educativas

England, 1989 Barroso, 1993, 1995b

1 Positivismo e Ciência Empírico-Analítica

1º Período -...- 1950(Teorias Clássicas - Relações Humanas)

2

3

4 2º Período - 1950-1970(Marcado pelo New Movement)

5 Racionalidade Prática e Ciência Hermenêutico-Inter pretativa

3º Período - 1970-... (Marcado pelas críticas de Green field)

6 Prática Crítica e Ciência Social Crítica

Ribbins, 1987 Hughes, 1987

1 Assunção do Consenso (Sistemas Fechados/Abertos; Sistemas debil mente acoplados)

Fundamentos Empíricos- Teorias Clássicas- Burocracia- Relações Humanas- Aplicação à Administração Edu cacional

2

3

4 Paradigma do New Movement

5 Ordem empiricamente Contingente(Interaccionismo Simbólico; Fenome no logia So cial; Etnometodologia)

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6 Assunção do Conflito(Teoria Marxista; Teoria Crítica)

Perspectivas Contemporâneas- Abordagem Multidisciplinar- Diversidade de Modelos Estruturais- Modelos Políticos - Economia da Educação- Micro-política/outras Micro-perspectivas

Burrel ; Morgan, 1979 Pfeffer, 1982 apud Borrel Felipe, 1989

1 Funcionalismo(Pluralismo - Teoria das disfunções buro cráticas - Teorias do Sistema Social - Objectivismo - Marco de Acção de refe rência)

Racional - Indivíduo(Teoria expectante - Estabelecimento de metas - Teo rias políticas - Design de Ta refas)

2 Ambiente - Indivíduo(Condicionamento operante - Teoria da aprendi zagem social - Socialização - Te oria dos papéis - Efeitos do contexto so cial - Racionalidade retros pectiva - Pro cesso informático)

3 Racional - Organização Total(Teorias estruturais e contingência - Pers-pectivas mar xistas - Falhas de mercado e custos de tran sacção)

4 Ambiente - Organização Total(Ecologia das populações - Dependência de re cursos)

5 Interpretativo(Etnometodologia - Fenomenologia da interpre tação simbólica - Humanismo Radical - Teoria da Anti-organização)

Construções Sociais - Indivíduo(Etnometodologia - Teorias cognitivas organiza cionais - A Linguagem nas organi zações - Proces sos baseados no afecto)

6 Estruturalismo Radical(Sociologia da mudança radical - Mar xismo - Teoria da organização radical)

Construções Sociais - Organização Total(Organizações como paradigmas - Pro-cesso de decisão e teorias administrativas - Teoria da Institucionaliza ção)

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Saenz Barrio, 1993 Silver, 1983

1 Modelo Burocrático Burocracia

2 Abordagem ComportamentalPerspectiva MotivacionalTeoria do “Expectancy”

3 Escola, Organização Institucionalizada

Teoria da “Compliance”Perspectiva Processamento da InformaçãoTeoria Axiomática

4 Escola como Eco-Sistema Teoria do Sistema SocialClima OrganizacionalAbordagem Contingencial

5 Escola como Anarquia Organizada

6 Escola como espaço Micro-Político

Ogawa, 1985 - Ecker, 1985

Bush, 1989

1 Modelo Racional Modelos Formais:- Estruturais - Sistémicos - Burocráticos- Racionais - Hierárquicos

2 Modelo Sistema Natural

3 Modelos Democráticos

4 Modelo Sistemas Abertos

5 Anarquia OrganizadaSistemas Debilmente Acoplados

Modelos de AmbiguidadeModelos Subjectivos

6 Modelos Políticos

Bolman; Deal, 1984 apud BorrelFelip, 1989

Tyler, 1988

1 Sistemas Racionais ou Estruturais

Escola - Organização Complexa - Modelo Burocrático

2 Recursos Humanos

3

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4 Escola - Organização Complexa - Modelo Contingen cial

5 Simbólico Escola - Organização Complexa - Sistema Debilmente Acoplado

6 Político

Borrel Felip, 1989

1 Modelos Racionais

2 Modelos NaturaisModelos dos Recursos Humanos

3 Modelos Estruturais

4 Modelos dos Sistemas

5 Modelos Simbólicos

6 Modelos Políticos

Os res tantes dois autores, não especificamente da área da administração educaci onal, conside ram quatro perspec tivas (BURREL; MORGAN), que reduzimos a três, como consta do quadro, numa aproximação às abordagens realizadas pelos autores anteriores e seis perspectivas, pelo cruza mento de duas dimen sões, nível de análise e perspectiva de acção, consideradas pela teoria (PFEFFER).

Esta classificação mostrou-se completamente atípica e impos sível de compa ração com as anterio res reve lando, no entanto, algumas afinidades, em alguns aspectos, com as classificações (modelos) do segundo grupo de abordagens.

Não obstante os critérios serem diferentes, verifica-se que a periodização de Hughes e Barroso e a paradig matização, to mando como referência critérios epistemológicos, de Ribbins, England e Burrel ; Morgan, apre sentam algumas analogias.

O segundo grupo é constituído pelos restantes oito autores, que têm, em co mum, o facto de apresenta rem indiferen temente, sob a designação de mo delos, abordagens ou teorias, o estudo das organi zações educativas segun do parâmetros e critérios que remetem directamente para as práticas da ad ministração (BARROSO, 1995ª, p. 461) e para teorização da organização e adminis tração educa cional, refe renciando-a à evolução das teorias da ad ministração em geral (SILVER, 1983).

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Excep tuando o caso dos Modelos Democráticos referidos por Bush (1989), cuja definição se re vela indomá vel em termos classificatórios, do conjunto de todas as tipo logias consideradas, pude mos identificar seis grandes grupos de mode los/teorias:

1 - Clássicos/Burocracia2 - Relações Humanas/Abordagem Comportamental3 - Estruturais/Institucionais4 - Sistemas Abertos/Abordagem Contingencial5 - Simbólicos/Ambiguidade6 - Políticos/Críticos

Tais grupos, de certa forma, “acompanham”, em termos evolutivos, as teorias das organizações referidas no ponto anterior.

No entanto, verifi cam-se al gumas diferenças que importa referir e tentar esclarecer. Como pode verificar-se pelos tópicos e autores de referência que identificam as grandes classifi cações dos autores do primeiro grupo, nomeadamente Ribbins (exceptuando a inclusão dos Sis temas Debilmente Acoplados), Hughes, England e Barroso, no primeiro momento considerado, as teorias e correntes articulam-se, em absoluto, com as teorias da administra ção em geral.

As organizações educativas são percebidas como organiza ções que em nada se diferenciam das restantes organizações. Não há, por tanto, lugar a uma teorização própria. Só com o “New Move ment” (BARROSO, 1995b, p. 36) se verifica uma preocupação de construção de uma teoria das organi zações educativas e da admi nistração educacional. A emergência de uma consciência de que as organizações educativas são organizações pecu liares em alguns aspectos é um dos principais contributos do es forço de autonomiza ção da teorização sobre as organizações educativas que, nesta altura, se veri fica. No entanto, porque os fundamentos de tal construção estão ainda anco ra dos numa forte concep ção instrumental da administra ção, cedo é confron tada com contradições teóricas inultrapassá veis, nome adamente a impossi bilidade de conciliar o princípio da separação entre factos e valores (EVERS ; LAKOMSKY, 1991) e as peculiaridades das organizações educativas, das quais a menos impor tante não é certa mente a de serem atravessadas, em todos os sentidos, pelas di men sões ética e ideológica.

É natural, portanto, que o “ataque” de Greenfield ao “New Movement” se fundamente, especialmente, nas críticas a Herbert Si mon (GREENFIELD; RIBBINS, 1993, p. 137; BARROSO, 1995b, p. 39). Na base dessas críticas está, em última análise, o surgimento de uma outra concepção das organizações educativas,

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genuinamente gerada, de forma autónoma, mas não descontextualizada do movimento mais geral da socio logia das organizações.

Neste caso, a diferença fundamental, no percur so paralelo das teorias da adminis tração educacio nal e das teorias da admi nistração em geral, reside no facto de haver, em termos da produção teó rica, uma mediação operada pela socio logia das organizações. A autonomi zação da adminis tração educacio nal re sulta do corte do cordão umbilical que a ligava às teorias da adminis tração de empresas. Ambas vão, do ponto de vista epis temológico e teórico, beber à reflexão teórica da sociologia das organizações, mas cada uma de las apropria-se desta re flexão de acordo com as suas necessidades e pecu liaridades. Isto explica porque as linhas de des envolvimento teórico, subse quente, em am bas as áreas, apresentam paralelismos, cruzamentos e contri butos mutuamente enriquecedores.

Esta correspondência e paralelismo são visíveis, por exemplo, entre as teo rias que referenciámos nos grupos Sistemas de Acção Concreta e “Teorias Emer gentes” e nos paradigmas, períodos e mode los/teorias que vimos referindo, e que podem ser visualizadas no seguinte quadro 5.

Quadro 5 - Teorias das Organizações e Teorias das Organizações Educativas: correspondências na teorização recente

Teorias das Organizações Teorias das Organizações Educativas

Sistemas de Acção Concreta- Sistema de Acção Concreta- Metáfora - Sistema Político- Metáfora - Instrumento de Dominação- Abordagem Estratégica- Contingência estratégica

3º Período - 1970-... (Barroso)Perspectivas Contemporâneas (Hughes)Interpretativo (Burrel ; Morgan)Construções Sociais - Indivíduo (Pfeffer)Modelos Políticos (Bush) Ordem Empiricamente Contingente (Ribbins)

Teorias Emergentes:- Anarquismo- Existencialismo- Marxismo- Accionalismo - Paradigma da Complexidade- Metáfora - Cérebro- Fluxo e Informação- Prisão do Psiquismo

3º Período - 1970-... (Barroso)Assunção do Conflito (Ribbins)Estruturalismo Radical (Burrel ; Morgan)

Humanismo Radical (Burrel ; Morgan)

Modelos de Ambiguidade e Subjectivos (Bush)

Modelos Simbólicos (Borrel Felip)

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Esta correspondência, como pode verificar-se, se não é, na maior parte dos casos, linear em termos das pró prias designações oferece, no en tanto, um quadro geral das linhas de evolução prováveis e possíveis, nos dois campos das teorias das organizações e da administração. Acima de tudo, ela oferece uma comprovação do que afirmámos antes. O desenvolvi mento das teorias das organi zações e administração educativas, cada vez mais, se liberta da tutela das teorias da administração empresarial.

Renovando as precauções enunciadas quando do exercício idêntico a propósito das teorias das organiza ções, a utilização da grelha de leitura, explicitada no início, conduz-nos ao quadro 6.

Quadro 6 - Evolução das Teorias das Organizações Educativas

FORA PRÓXIMO DENTRO

Paradigmas/Períodos

• Assunção Consenso (Ribbins) • Ordem Empiricamente Contingente (Ribbins)

• Fundamentos Teóricos (Hughes)

• Assunção do Conflito (Ribbins)

• Paradigma New Movement (Hughes)

3º Período - 1970-... (Barroso)

2º Período - 1950-1970 (Barroso)

• Racionalidade Prática (England)• Prática Crítica (England) • Positivismo e Ciência Empírico-Analítica (England)

•Interpretativo (Burrel ; Morgan) • Humanismo Radical (Burrel ; Morgan)

• Funcionalismo (Burrel ; Morgan)• Estruturalismo Radical (Burrel ; Morgan)

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Modelos/Teorias

• Clássicos/Burocracia • Políticos/Críticos

• Relações Humanas/Abordagem • Ambiguidade/ Simbólicos Comportamental

• Estruturais/Institucionais

• Sistemas Abertos/Abordagem Contingencial

As organizações educativas, enquanto organizações sociais, no contexto da evolução das teorias das organi zações antes apresentadas, não podem fugir à complexidade que perpassa pelas perspectivas mais recentes da teorização sobre as organizações. As noções de sistema debilmente acoplado e anarquia organizada são instrumentos conceptuais e analíticos adequados para a compreensão da natureza imprecisa da construção e funcionamento das organizações educativas em geral e das escolares, em particular (ver, a este propósito, OGAWA, 1984), enquanto sistemas concretos de acção (CROZIER ; FRIEDBERG, 1977; FRIEDBERG, 1995). E, neste sentido, se bem que possam ser consideradas como organizações “domesticadas” (MARTIN ; WILLOWER, 1981, p. 83), do ponto de vista económico e político-administrativo, as organizações educativas podem ser, numa perspectiva sociocultural e simbólica, vistas como organizações “selvagens”.

Num ponto algures, entre os momentos “Próximo” e “Dentro”, deverá situar-se, em termos conceptuais, como organização educativa.

Considerá-la como uma construção social onde os actores organizacionais, quotidianamente, constróem na ambiguidade e no conflito, mas também na procura da certeza e do consenso, através da permuta de bens materiais, culturais e simbólicos, uma ordem constantemente negociada, cujas finalidades sendo formal mente expressas como de transmissão e partilha social e cultural, dificilmente são impressas nos termos originalmente concebidos, devido à natureza imprecisa da sua própria construção; é a forma de mobilizar uma pluralidade contributos teóricos, numa perspectiva que oferece um instrumento analítico com grandes potencialidades para o seu estudo.

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LUÍS LEANDRO DINIS é professor aposentado do ensino secundário; mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação - Universidade de Lisboa – PT. Foi docente assistente convidado nesta Faculdade; é membro da direcção do FPAE, responsável pela coordenação redatorial da Revista “Administração Educacional”. E-mail: [email protected]

Recebido em janeiro de 2015Aprovado em fevereiro de 2015

Seção Documentos

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Exemplo: TEIXEIRA, Anísio. Natureza e Função da Administração Escolar. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 273-278, jul./dez. 1997. Disponível em: <http://www.anpae.org.br/anpae/publicacoes/revistarbpae.html>. Acesso em: 13 ago. 2006.

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