6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição
DAVID A. BALDWIN E O BALANÇO DO PODER NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Área temática: Teoria das Relações Internacionais
Juliano dos Santos Bravo/ PUCRS
25 – 28 de julho de 2017,
Belo Horizonte/ MG.
Resumo: O poder é multidimensional, relativo e em constante transformação, e por esse motivo é estudado nas mais diversas esferas do conhecimento humano. Nas Relações Internacionais (RI), enquanto campo reconhecidamente jovem, o estudo do poder (Cratologia) detém centralidade medular nas interações entre os atores do sistema internacional, especialmente entre os Estados, uma vez que esse sistema se formou a partir dessa relação. No entanto, apesar dessa significativa importância, - e superando os fatores multidimensional e relativo, com foco nas RI e nas interações entre os Estados, respectivamente - a constante transformação do poder, advinda de variadas causas, requer uma progressiva averiguação de seus mecanismos, fontes e dinâmicas, embasadas na epistemologia da área. Desse modo, David Allen Baldwin, que lançou um recente estudo acerca do poder (2016), além de deter obra farta nessa temática (1971a; 1971b; 1979; 1980; 1989; 2013), está disposto na centralidade deste exame analítico. Por assim dizer, o objetivo central da pesquisa é construir uma síntese explanatória da consistência lógica e sistemática do poder na obra de Baldwin, com destaque para o trabalho mais recente. Para tanto, o artigo se estrutura sob uma introdução do conceito de poder a partir do mainstream das RI, na sequência projeta a visão de Baldwin para, por fim, articular as críticas fundamentais via o próprio mainstream, ou seja, a crítica teórica das variantes do realismo, do liberalismo e do construtivismo. Como o próprio autor sustenta, o incisivo estudo sobre o poder inspira de modo propositivo a forma com que se deve levar em conta esse seminal conceito nas futuras pesquisas de RI.
Palavras-chave: Teoria. Poder. David Baldwin.
1. INTRODUÇÃO
Em larga medida, é praxe na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas partir da
importância do objeto em análise, o procedimento de Baldwin (1979; 2013; 2016) e este
artigo não é diferente nesse ponto. Logo, a análise do nosso objeto está estruturada a partir
de sua importância para as relações internacionais (RI). Exemplo de sua relevância é a
própria temática focal do presente encontro anual da Associação Brasileira de Relações
Internacionais/ABRI (2017) e o futuro congresso anual da International Studies
Association/ISA de 2018, em São Francisco nos Estados Unidos. Em ambos, o poder se
revela central nos estudos sobre relações internacionais, enquanto base epistêmica ou
propriamente acerca da atual configuração do cenário internacional e suas variadas
interações.
Um dos pontos de partida essenciais sobre poder nas Relações Internacionais1
está na conhecida obra de Edward Carr de 1939. A partir de então, Carr (2001) estabelece
que “a política internacional é sempre política de poder, pois é impossível eliminar o poder
da política” (CARR, 2001, p. 188). Na esteira de consolidação das RI, Morgenthau (1948) se
torna pedra angular nesta perspectiva. Esse arcabouço fundante sobre poder é parte
central, uma espinha dorsal, na compreensão e estudo da política internacional.
Nesse mesmo prisma, muitos estudiosos atribuíram importância ao poder, como
Lasswell; Kaplan (1950, p. 75), observando que “o conceito de poder é possivelmente o
1 Conforme é habitual, Relações Internacionais com iniciais maiúsculas representam o objeto de
estudo, diferente das efetivas e multidimensionais relações internacionais entre os povos.
mais importante em toda a ciência política”2. Ou, ainda, a atuação ao longo do tempo de
conceituados especialistas no tema, de Robert Dahl (1957; 1968) – The concept of power –
à Joseph Nye (2011) – The future of power –, e mesmo o próprio Baldwin(2016) ainda que
não seja com efeito um teórico. Há, também, respeitados periódicos científicos centrados
nessa temática, como o Journal of Political Power. Portanto, a gama de autores é vasta, a
sua importância é sólida e seu entendimento é controverso, como se observará no decorrer
do texto.
Visualizando o resumo e esse breve trecho inicial, algumas diretrizes e premissas
puderam ser auferidas, outras estarão estruturadas de forma mais clara a partir de agora.
David Baldwin (1979; 2013; 2016) estabeleceu um ponto de virada, um verdadeiro
divisor de águas, da pesquisa recente sobre o conceito de poder, este marco é a publicação
do livro Power and Society (1950) de Harold Lasswell e Abraham Kaplan. Dado esse ponto
de partida, consolidou-se um grupo basilar formado por Hebert Simon (1953; 1954), James
G. March (1955; 1956; 1957) e Robert Dahl (1957; 1968), nos quais se encontram tanto a
visão de poder em que Baldwin se assenta quanto o conteúdo fundamental sobre poder em
que o artigo dialoga, além de expressar importante divergência conceitual entre esses
autores e a escola realista e construtivista. Aspectos estes que serão mais detidamente
analisados no decorrer do texto, ressaltando aqui os traços orientadores introdutórios.
Ajustadas algumas questões pertinentes iniciais, a pesquisa em desenvolvimento
se sustenta da seguinte maneira: (I) trazer à tona a concepção de poder na teoria das
relações internacionais, restringindo-se ao mainstream, em particular estadunidense; (II)
orientando em que ponto está colocado Baldwin nessa discussão, ainda que não seja
efetivamente um teórico do poder; (III) articular um debate crítico a respeito do poder entre
as vertentes do realismo, neoliberalismo e construtivismo. Estes pontos orientam-se sobre
um objetivo comum de construir uma síntese explanatória consistente e sistemática, uma
análise conceitual, sem estudos de caso ou teste de hipóteses empíricas. Além de
indicar/induzir futuras pesquisas, no campo teórico, para além dos paradigmas em tela.
Salienta-se, também, que a justificativa da escolha restritiva a três escolas teóricas
e a produção nos EUA se orienta não só pelo caráter limítrofe e gerencial do texto, pela
própria seleção destas por Baldwin (2013; 2016), mas conjuntamente lastreado no survey
Trip Around the World: teaching, research, and policy views of International Relations
Faculty in 20 countries (2012), o qual sustenta a importância desses paradigmas, da
produção/universidades dos Estados Unidos e dos próprios autores. O que não implica,
2 Toda tradução do original em inglês é do autor.
obviamente, na irrelevância das demais teorias, produções fora dos EUA e outros autores.
Além do mais, o que é provável é que acarrete em um espaço para pesquisas futuras.
2. O Poder no mainstream das Relações Internacionais
O que é o mainstream das Relações Internacionais? Podemos responder essa
pergunta por inúmeras vias de observação, contudo, aqui será respondida por somente
duas, pensando ser o suficiente para nos balizar, uma vez que este não é o foco principal,
mas somente um conceito analítico, ou melhor, uma linguagem que designa um parâmetro
procedimental. Em síntese, a via histórica e a via quantitativa. A conhecida origem histórica
do campo de estudos, ou seja, contexto e local, e a consubstanciação atual via survey
(2012, p. 47), imagem abaixo. A título de controle textual e conceitual, consideram-se aqui
as escolas Realista, Liberal e Construtivista, em seus variantes, e centrado na América do
Norte e Europa como o mainstream das Relações Internacionais.
Portanto, quais são as características que identificam e diferenciam o conceito de
poder entre estas diferentes matrizes? Como os principais autores desses paradigmas
estruturam a importância, a amplitude, a medição, o meio ou o fim, do poder nas relações
internacionais? O texto a seguir procura responder satisfatoriamente estas perguntas. Cabe,
ainda, esclarecer que o exercício de analisar um conceito específico na totalidade dos três
paradigmas seria superior a este autor e a este limite de páginas, portanto, pautar-se-á
através de autores e obras exclusivas.
Nos variantes do realismo, concentra-se em Hans Morgenthau, Kenneth Waltz e
John Mearsheimer; no liberalismo em Robert Keohane e Joseph Nye; no construtivismo em
Alexander Wendt, Steven Lukes e Stefano Guzzini. Além disso, baseia-se em Baldwin
(1993; 2013; 2016) e procura em diferentes autores solidificar a análise.
2.1 O Realismo
O “poder é um conceito chave na teoria realista” (WALTZ, 1986, p. 333) e, por esse
motivo fundamental, toda pesquisa alicerçada nessa corrente de pensamento de RI deve
levar em conta seus princípios norteadores do conceito de poder.
O primeiro momento de reivindicação do poder como conceito central e
indispensável para análise das relações internacionais se originou na contra ofensiva dos
estudos internacionalistas na década de 1930. Isso porque durante a década de 1920, estes
estudos estavam concentrados em “cursos de direito internacional, história diplomática,
economia internacional e organização internacional” (BALDWIN, 2016, p. 92). Nessa esteira,
a obra mais conhecida que aborda essa perspectiva inicial é de Edward Carr, Vinte anos de
crise: 1919-1939. Carr “apresentou uma crítica aos escritos anteriores e uma teoria da
política internacional baseada diretamente em um conceito de poder que combinava
elementos psicológicos, econômicos e militares” (SPROUT, 1949, p. 405). Ainda conforme
Sprout (1949), outros autores incorreram nessa linha, como Frederick Schuman, Frank
Simonds, Brooks Emeny, Nicholas Spykman, culminando com a robusta obra de
Morgenthau, Politics among Nations em 1948 (Sprout, 1949).
“A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder.
Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objetivo
imediato” (MORGENTHAU, 2003, p. 49). Portanto, a partir de Morgenthau o poder tomou a
centralidade do debate e dos estudos de relações internacionais, consolidou e pautou a
escola realista em volta da análise sobre poder até os dias atuais. Algumas questões
especiais permeiam esse debate, quais sejam: (I) definição; (II) objetivo ou meio?; (III)
instrumento; (IV) e capacidade. Como os três principais autores da linha realista
condicionam essas questões na análise do poder?
A definição do poder é uma das questões mais controversas da ciência política e
das relações internacionais, porém, como a teoria realista imputa ao poder lugar especial no
seu arcabouço, a questão da definição é relevante. Mearsheimer (2001), por exemplo, de
forma clara e direta assegura: “O poder, como o defino, não representa nada além de
recursos específicos ou recursos materiais que estão disponíveis para o Estado”
(MEARSHEIMER, 2001, p. 57). Nesse mesmo sentido, “o poder deve ser definido em
termos de distribuição de capacidades; a extensão do poder não pode ser deduzida dos
resultados que um pode ou não conseguir” (WALTZ, 1979, p. 192). Fica claro, portanto, o
posicionamento realista sobre a definição do conceito enquanto posse.
Quanto ao segundo ponto, um dos autores em exame diferencia-se na forma de
implicar o poder como objetivo dos Estados na política internacional ou como meio para
inúmeros objetivos. Ou seja, o poder, na política internacional, é um meio pelo qual os
Estados atingem seus objetivos ou, de outro ponto de vista, o poder é o próprio objetivo,
pois subordina os resultados. Morgenthau (2003) e Mearsheimer (2001) alinham-se na ideia
do poder como objetivo dos Estados, a política como uma luta pelo poder. Nesse sentido,
ironiza Morgenthau (2003): “tendo em vista esta ubiquidade da luta pelo poder, em todas as
relações sociais e em todos os níveis de organização social, pode alguém estranhar o fato
de que a política internacional consista necessariamente na política do poder?”
(MORGENTHAU, 2003, p. 66).
Morgenthau (2003) objetiva o poder enquanto propósito através da fundamentação
da natureza humana, herança hobbesiana. Para Mearsheimer (2001), mesmo entendendo o
poder como objetivo, o realismo ofensivo está convencido de que “o sistema internacional
força os estados a maximizarem o seu poder relativo, porque essa é a melhor forma para
maximizar sua segurança” (MEARSHEIMER, 2001, p. 21), uma vez que a sobrevivência é “o
fim primordial das grandes potências” (MEARSHEIMER, 2001, p. 46). Assim, devido à
particularidade do sistema internacional, o poder é um objetivo e não um meio, o que torna
mais clara a afirmação de que “o poder é a moeda da política das grandes potências e os
estados competem por ele entre si” (MEARSHEIMER, 2001, p. 12).
Kenneth Waltz (1979), contudo, tem um ponto de divergência entre os realismos de
Morgenthau e Mearsheimer. Essa discordância é tênue, porém leva a caminhos muito
distintos. O poder não é um objetivo senão um meio. Os estados “não podem deixar o
poder, um meio possivelmente útil, tornar-se o fim que perseguem. O objetivo que o sistema
encoraja a perseguir é a segurança. O aumento do poder pode ou não servir a esse fim”
(WALTZ, 1979, p. 126). O debate da ideia do poder enquanto objetivo ou meio está em
disputa dentro da teoria, revelando mais um traço de importância e falta de consenso desse
conceito.
O poder enquanto instrumento se remete essencialmente ao equilíbrio de poder.
Bastante utilizado por analistas, o equilíbrio de poder esteve presente de Tucídides à
Morgenthau ([1948] 2003), Waltz (1979) e muitos outros grandes estudiosos
contemporâneos. O ponto mais importante e comum aos três autores em estudo se refere a
“ideia de poder como propriedade ao invés de uma relação” (BALDWIN, 2016, p. 117).
Morgenthau (2003) introduziu o equilíbrio de poder, a partir da experiência política europeia,
na academia americana e o estabeleceu na forma de um conceito universal.
O poder na qualidade de capacidade, quarto aspecto da análise, se lança a um
autor em especial, Kenneth Waltz (1979). O realismo estrutural de Waltz (1979) estabelece
uma teia analítica, que assim segue: “Um sistema é composto por uma estrutura e por
unidades em interação” (WALTZ, 1979, p. 79). Essa interação das unidades se encontra em
um ambiente anárquico, caracterizado pela distribuição desigual das capacidades. Pelos
motivos dos traços do sistema, os estados devem buscar sempre a sobrevivência como
prioridade máxima. O poder reside nas capacidades dos estados, segue Waltz (1979):
Uma teoria sistêmica requer que em parte definamos as estruturas pela distribuição das capacidades entre as unidades [...] As capacidades econômicas, militares e outras das nações não podem ser organizadas por setores e pesadas separadamente. [...] A sua posição depende de como pontuam em todos os seguintes itens: tamanho da população e do território, dotação de recursos, capacidade econômica, força militar, estabilidade política e competência (WALTZ, 1979, p. 131).
A distribuição dessas capacidades, ou poder, gera uma série de implicações lógicas
para a teoria de Waltz, como gradação, medição, hierarquia etc., pormenorizados no
decorrer do estudo, já que nesse subitem tratou-se de marcas de identificação próprias do
realismo nas questões que envolvem o poder, de forma sistemática e explanatória. O quarto
tópico do estudo volta a estes temas de forma mais analítica. Segue, agora, o conceito de
poder na escola liberal, sob as diretrizes previamente traçadas.
2.2 Liberalismo3
Por que Robert Keohane e Joseph Nye? Pelo grau controlável do texto e,
especialmente, pela importância dos autores. Relevância auferida por pares e pelo survey
anteriormente mencionado. Segundo o realista Robert Jervis (1998), o livro Power and
Interdependence (1977 [2011]), de Keohane e Nye, é uma análise “revolucionária” e
“pioneira” (JERVIS, 1998, p. 991). Juntamente a este livro, o conceito de poder em
observação nessa escola está apoiado nos livros Soft Power (2004) e The Future of Power
(2011), de Joseph Nye.
Na imagem abaixo, survey (2012, p. 49), pesquisadores de vinte países
responderam uma pergunta sobre quais estudiosos do campo de Relações Internacionais
tem desenvolvido o melhor trabalho nos últimos vinte anos. Robert Keohane ocupou o
segundo lugar e Joseph Nye o quarto no ranking envolvendo todos as resposta
indistintamente de país.
3 Algumas explicações iniciais devem ser abordadas para deixar mais claro a linguagem em uso.
Portanto, compartilho a nota de Baldwin (2016): “A aplicação de rótulos como neorrealistas e neoliberais a vários estudiosos pode ser enganosa, a menos que esses estudiosos apliquem esses rótulos para si mesmos. Carr, Morgenthau e Mearsheimer aplicam o rótulo realista, mas Keohane prefere o termo institucionalismo para caracterizar seu trabalho; e Nye prefere o realista liberal. Assim, as desculpas são devidas tanto a Keohane quanto a Nye [...]” (BALDWIN, 2016, p. 170). Neste caso, a nota fica a título de esclarecimento e compreensão no uso dos termos.
Em vista disso, quais são as características essenciais da concepção do poder na
escola liberal? Ou, mais precisamente, como está consubstanciada a ideia de poder nesses
específicos autores e livros? O que os diferenciam do paradigma realista? Este conciso
subtítulo tenta atender devidamente estas questões e, para tanto, sustenta-se nas seguintes
temáticas: (I) definição; (II) interdependência; (III) soft power, hard power e smart power.
Esses autores se diferenciam da escola realista, evidentemente, em muitos
aspectos e, na definição do poder, não é diferente. Sua elaboração assenta bases no poder
relacional. Desse modo, o poder aqui não são os recursos pertencentes e a disposição dos
atores estatais, o poder não é uma posse capaz de medição e gradação universal. O poder,
nesta perspectiva, é “a capacidade para fazer coisas em situações sociais para afetar outros
a conseguirem os resultados que queremos” (NYE, 2011, p. 6), ou o “poder pode ser
pensado como a capacidade de um ator para fazer com que outros façam algo que de outra
forma não fariam” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 10). De forma semelhante está presente em
Nye (2004, p. 2; 2007, p. 60). Poder é, portanto, causalidade, é “um resultado a ser buscado
por uma grande variedade de meios” (BALDWIN, 2016, p 168). Ainda sobre essa definição,
segue a diferenciação feita por Keohane; Nye (2011):
Uma distinção básica pode ser feita entre o poder comportamental - a capacidade de obter os resultados desejados - e o poder dos recursos - a posse dos recursos geralmente associados à capacidade de obter os resultados desejados. O poder comportamental, por sua vez, pode ser dividido em poder duro e suave [hard power e soft power]. (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216).
Basicamente, estas são linhas de definição do poder na escola liberal, em particular
nesses autores, o que os diferencia do realismo.
A interdependência, como se pode auferir logicamente, implica em um
relacionamento de mútua dependência. “A interdependência na política mundial refere-se a
situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores de diferentes
países” (KEOHANE, NYE, 2011, p. 7). É importante não inferir a esse relacionamento um
resultado sempre benéfico ou horizontal, em medidas alinhadas. Ou seja, não é
necessariamente benéfico ou simétrico, alias, é mais provável ser assimétrico. Os custos e
os ganhos em uma relação interdependente podem ser analisados, segundo os autores,
através de duas formas: “O primeiro se foca nos ganhos conjuntos e perdas conjuntas para
as partes envolvidas. O outro enfatiza os ganhos relativos e as questões distributivas”
(KEOHANE, NYE, 2011, p. 8). Portanto, de acordo com Keohane; Nye (2011):
É a assimetria em dependência que é mais provável que forneça fontes de influência para os atores em suas relações entre si. Os atores menos dependentes geralmente podem usar o relacionamento interdependente como fonte de poder na negociação sobre uma questão e talvez para afetar outras questões (KEOHANE; NYE, 2011, p. 9).
Assim, quando analisado a relação entre interdependência e poder nesta obra, os
escritores estão se referindo a capacidade de controlar resultados via interdependência, ou
como ela é capaz de produzir esse mecanismo, ou, ainda, a potencialidade de afetar os
resultados desejados, a depender da sensibilidade e vulnerabilidade dos atores em seus
variados escopos.
A contribuição mais significativa na escola liberal, do ponto de vista
especificadamente conceitual de análise de poder e difusão, pode ser identificada na ampla
produção de Joseph Nye, algumas aqui em destaque (1990; 2004; 2006; 2007; 2009; 2011).
O autor cunhou o termo Soft Power que logo se transformou em vocábulo global, muitas
vezes atribuído de forma errônea quando não completamente equivocada com o sentido
(por vezes intrincado) adotado por Nye. Em vista disso, o que é Soft Power?
Soft Power “é a capacidade de obter os resultados desejados porque outros
querem o que você quer; é a capacidade de alcançar os resultados desejados através da
atração e não da coerção” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216). Soft Power “repousa sobre a
capacidade de moldar a preferência dos outros” (NYE, 2004, p. 5). Porém, Soft Power não é
“meramente o mesmo que influência” (NYE, 2004, p. 6). É a “capacidade de afetar outros
utilizando meios cooptativos de ajuste da agenda, persuasão e produção de atração positiva
para a obtenção dos resultados preferidos” (NYE, 2011, p. 21-21). Além da definição do
conceito, Nye articula as fontes do soft power, o comportamento de atração e seus modos
de produção, como os alvos são afetados pela atuação dos atores e a difusão do poder.4
4 Para uma análise mais detida sobre o Soft Power ver: BRAVO; FRÖHLICH, 2016.
Por outro lado, o Hard Power “é a capacidade de fazer com que os outros façam o
que de outra forma não fariam por meio de ameaças de punição ou promessa de
recompensa” (KEOHANE; NYE, 2011, p. 216). Nye usa muito a imagem da cenoura e da
vara para pensar o Hard Power, ou seja, a capacidade de coagir o outro através da
recompensa ou da força, respectivamente. “Hard Power é impulso; Soft Power é atração”
(NYE, 2011, p. 20). Nye (2011, p. 21) produz de forma mais clara um espectro do
comportamento de poder, conforme ilustração abaixo:
HARD SOFT
E o Smart Power, onde está? “Uma narrativa para o smart power no século XXI não
é sobre maximizar o poder ou preservar a hegemonia. É sobre encontrar maneiras de
combinar os recursos em estratégias bem sucedidas” (NYE, 2011, p. 207-208). A proposta
do autor não é a mera combinação do Hard com o Soft Power, não é sobre como alçar ao
hall das grandes potências ou preservar seu status quo hegemon. Smart Power é estratégia.
Essa estratégia, uma busca consciente de resultados preferidos, requer a análise de quatro
etapas, ou melhor, está estruturada na resposta de cinco perguntas, quais sejam:
Primeira: que objetivos ou resultados são preferidos? [...] que recursos estão disponíveis e em que contextos? [...] quais são as posições e as preferências dos alvos de tentativas de influência? [...] que formas de comportamento de poder têm maior probabilidade de sucesso? [...] e qual é a probabilidade de sucesso? (NYE, 2011, p. 208-209).
Ainda que toda teoria possua referência geográfica e contextual, Nye (2011)
procura argumentar que a estratégia de Smart Power não é, de modo algum, de finalidade
exclusiva para a política externa dos Estados Unidos. Segundo o autor, pequenos e médios
Estados podem praticar e se beneficiar através do Smart Power5. Esta é uma janela para o
debate.
Por fim, como o poder se encontra na escola construtivista será o próximo
assunto/tópico.
5 Estudos nessa perspectiva, em especial sobre o Brasil, podem ser estudados em AYRES PINTO
(2011; 2012; 2013).
Comanda –> Coage Ameaça Paga Sanciona Ajusta Persuade Atrai <– Coopta
2.3 Construtivismo
A linha de pensamento6 construtivista é relativamente nova, comparada com as
tradicionais escolas do realismo e do liberalismo, pois sua estrutura cognoscente se forma a
partir da década de 1970, basicamente. O debate em torno do construtivismo é bastante
amplo, a começar pelo seu status dentro das RI, quer dizer, é um paradigma? Debate em
aberto e longo, conforme Pecequilo (2016). Ainda, segundo a autora, o construtivismo está
baseado na definição de “um foco no papel das ideias e das interações sociais [...] No
trabalho de Nicholas Onuf (2002) a preocupação é dar conta da inter-relação entre os
agentes sociais e o Estado, tendo como fundamento esta preocupação com as ideias”
(PECEQUILO, 2016, p. 208). Juntamente com Onuf, grandes autores do construtivismo são
Richard Ashley, Emanuel Adler, Alexander Wendt, Stefano Guzzini, Michael Barnett e
Raymond Duvall.
Wendt (1999) adverte que, “no estudo do pós-guerra, o ponto de partida para a
maior parte da teorização sobre política internacional foi o poder e o interesse nacional”
(WENDT, 1999, p. 92), critica, ainda, o reducionismo do papel do poder “basicamente como
capacidade militar, e o interesse, como um desejo egoísta de poder” (WENDT, 1999, p. 92).
Atribui às escolas realistas e liberais uma abordagem materialista e calcada limitadamente
ao tripé poder, segurança e riqueza. Porém, de acordo com sua teorização, existe um quarto
fator, as ideias.
Por conseguinte, Wendt (1999) distingue em duas vias as teorias das RI de acordo
com a constituição do poder entre elas, uma vez que é harmônica a importância desse
conceito. A primeira diz respeito à “hipótese materialista de que os efeitos do poder são
constituídos principalmente por forças materiais brutas” (WENDT, 1999, p. 97); por outro
lado, “é a de que o poder seria constituído principalmente por ideia e contextos culturais”
(WENDT, 1999, p. 97). Esta abordagem de duas vias dita o ritmo da análise de poder em
Wendt, gerando alguns pontos de debate contido no último tópico do texto.
Já no entendimento de Stefano Guzzini (2007) houve significativa contribuição, pois
“o construtivismo colocou alguma ordem em seus conceitos de poder, que geralmente vêm
como variações sobre o tema de ‘Lukes-plus-Foucault’” (GUZZINI, 2007, p. 23). O trecho de
Guzzini (2007) evidencia a base conceitual do poder de sua obra e, em larga medida, a
base conceitual do poder no construtivismo.
Barnett e Duvall (2005b) buscam trazer uma nova conceptualização capaz de
captar “as diferentes formas de poder [...] e oferecer uma compreensão mais rica e matizada
6 “Linha de pensamento”, “escola”, “paradigma”, “teoria”, são termos usados indistintamente no texto
ainda que o debate em torno do construtivismo como sendo ou não uma teoria das RI não tenha se concluído.
do poder nas relações internacionais” (BARNETT; DUVALL, 2005b, p. 2). Para tanto, sua
conceituação de poder é “a produção, dentro e através das relações sociais, de efeitos que
moldam sua capacidade de controlar seu destino” (BARNETT; DUVAL, 2005ª, p. 45). Além
disso, estabelecem duas dimensões: (1) “os tipos de relações sociais através das quais as
capacidades dos atores são afetadas (e efetuadas); e (2) a especificidade dessas relações
sociais” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 45). Portanto, quais são as características e
implicações do conceito de poder contido nesses dois autores?
Os autores constroem uma taxonomia própria composta por quatro subtipos de
poder: obrigatório, institucional, estrutural e produtivo. Tais subtipos confeririam vantagens
para os estudiosos de RI. Conforme segue:
[I] Porque se baseia em uma decomposição explicita e logicamente sistemática do conceito geral de poder, é capaz de separar as discussões de poder das limitações do realismo e incentivar os estudiosos a ver as múltiplas formas de poder [...] [II] Nossa abordagem fornece um quadro para a integração [...] os diferentes tipos não devem ser vistos como concorrentes, mas como formas diferentes em que o poder atua na política internacional [...] [III] incorpora tanto as relações sociais de interação como de constituição, ou seja, ‘poder sobre’ e ‘poder para’ [...] [IV] nossa teoria não mapeia precisamente sobre diferentes teorias das relações internacionais. Certamente, cada tradição teórica favorece uma compreensão de poder que corresponde a um ou outro dos conceitos distinguidos por nossa taxonomia (BARNETT e DUVALL, 2005a, p. 43-44-45).
Encaminhando-se para o fim do artigo, Barnett; Duvall (2005a) realizam um estudo
de caso sob a perspectiva conceitual desenvolvida com foco na ideia de governança e
império, com destaque para o império Americano. Nesse sentido, para os autores o poder é
“central para a governança global, e nossa taxonomia destaca as formas múltiplas e
interconectadas nas quais ela opera” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 57). Além de outras
conclusões, como o papel das agendas. As quais “permitem que alguns atores promovam
seus interesses e ideais, exerçam controle sobre outros e limitam a capacidade dos atores
para se envolverem em ações coletivas efetivas” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 58). Ou as
implicações da governança, como além de “cooperação, coordenação, consenso e
progresso normativo. A governança também é uma questão de compulsão, parcialidade
institucional, privilégio e restrições desiguais na ação” (BARNETT; DUVALL, 2005a, p. 62).
E qualquer atenção dada a ideia de um império passa pela atenção observância ao papel do
poder institucional (BARNETT; DUVAL, 2005a, p. 64).
Enfim, se a escola construtivista é, de certa perspectiva, bastante jovem, o poder na
mesma é ainda mais recente. Wendt, Guzzini, Barnett e Duvall trazem as principais
contribuições na área, percepção compartilhada por Emanuel Adler (2013), onde conclui seu
artigo da seguinte maneira: “Recentes trabalhos teóricos e empíricos sobre poder (Barnett e
Duval, 2005), identidade (Checkel e Katzenstein, 2009), securitização (Buzan e Waever,
2003) [...] são passos na direção certa” (ADLER, 2013, p. 135). Ademais, algumas questões
envolventes do poder no construtivismo parecem um tanto mais nebulosas que nas
concepções realistas e liberais.
Em linhas gerais, estas são as características básicas do papel, do lugar ocupado e
da conceituação do poder nas três escolas teóricas das Relações Internacionais
estabelecidas acima. Com o objetivo explanatório e introdutório em cada uma das escolas, o
texto cumpriu seu propósito. Cabe, ainda, conectar com os fundamentos essenciais contidos
no pensamento de Baldwin e um breve debate por fim.
3. Fundamentos e premissas do poder em Baldwin
A partir do momento em que o entendimento básico sobre o poder está posto no
mainstream, os fundamentos e premissas estruturadas na obra de Baldwin, sobretudo em
Power and International Relations (2016), se tornam mais transparentes, mais inteligíveis,
para uma análise da compreensão tanto do poder, de um modo geral, quanto em seus
próprios trabalhos.
David Allen Baldwin é professor emérito da Universidade de Columbia e cientista
político sênior na Woodrow Wilson School na Universidade de Princeton. Ao menos desde a
década de 1970 produz trabalhos que giram em torno do conceito de poder na ciência
política ou nas relações internacionais. Exemplo disso é o seu livro mais recente,
mencionado anteriormente, em que o autor projeta três objetivos centrais: “o primeiro é
esclarecer e explicar o conceito de poder de Dahl [...] o segundo propósito é examinar doze
problemas controversos na análise de poder” (BALDWIN, 2016, p. 4-5). O primeiro desnuda
sua base essencial, sua principal influência e sobre a qual Baldwin dedica obras específicas.
“O terceiro é descrever e analisar o papel do conceito do poder na literatura de relações
internacionais” (BALDWIN, 2016, p. 5).
Já a base conceitual do poder de Baldwin repousa especialmente na tradição de
cinco autores, em Lasswell e Kaplan (1950), Herbert Simon (1953; 1954), James G. March
(1955; 1956; 1957) e em Robert Dahl (1957; 1968). Tradição entendida por Baldwin (2016)
como uma “verdadeira revolução na análise de poder” (BALDWIN, 2016, p. 3). Logo após
salientar o quanto os precursores de Dahl são parcamente reconhecidos, Baldwin (2016) se
detém em trazer à tona o conceito de poder de Dahl, sua relevância, seus críticos e sua
marcada posição no debate teórico, que já se estende desde a década de 1950.
Essa revolução está apoiada em uma nova abordagem sobre o poder, uma
abordagem relacional, o poder como uma causalidade. Assim, de acordo com Baldwin
(2013):
Essa noção causal concebe o poder como uma relação (real ou potencial) em que o comportamento do ator A provoca pelo menos parcialmente uma mudança no comportamento do ator B. ‘Comportamento’ nesse contexto não precisa ser definido de forma restrita, mas pode ser entendido amplamente para incluir crenças, atitudes, preferências, opiniões, expectativas, emoções e/ou predisposições para agir. Nessa visão, o poder é uma relação real ou potencial entre dois ou mais atores (pessoa, estados, grupos, etc.), ao invés de uma propriedade de qualquer um deles (BALDWIN, 2013, p. 274-275).
Após essa concisa noção de entendimento do poder, é francamente observável o
quanto se contrapõe a escola realista nas RI. Por outro lado, a identificação, ao menos de
base conceitual, com os autores liberais estudados é bastante saliente. E, diferentemente do
que se poderia imaginar, não é muito próximo dos construtivistas. Essa falta de proximidade
está substancialmente contida nas distintas bases conceituais, ainda que ambas se refiram
ao poder relacional, enquanto os construtivistas estão alicerçados em Lukes; Foucault,
Baldwin está em Lasswell, Kaplan; Simon; March; Dahl.
Em vista disso, afinal, o que é poder para Robert Dahl?
Ainda na introdução, Robert Dahl (1957) estabelece dois pontos especiais na
análise de poder e na sua conceituação. O primeiro diz respeito a um significado central,
uma “noção primitiva que parece estar por trás de todos os conceitos [de poder]” (DAHL,
1957, p. 202). Chega-se, assim, ao conhecido conceito em que “A tem poder sobre B na
medida em que ele pode fazer com que B faça algo que B de outra forma não faria” (DAHL,
1957, p. 202-203). A partir desse entendimento o segundo ponto é gerado: a dificuldade
desse conceito de se tornar operacional em pesquisas empíricas. Essa bipartição acarreta,
por sua vez, a importante delimitação entre o conceito abstrato e o conceito operacional.
Essa delimitação conceitual deve ser muito clara, uma vez que o próprio Dahl (1968) chegou
a escrever que a “lacuna entre o conceito e a definição operacional é geralmente muito
grande, tão grande, realmente, que nem sempre é possível ver a relação entre a definição
operacional e a abstrata” (DAHL, 1968, p. 414).
Dada às características essenciais, vale sublinhar o caráter multidimensional do
poder nessa base conceitual. Esse aspecto gera consequências lógicas, sendo que para
lidar com elas as principais dimensões entendidas pelos atores são: em primeiro lugar, o
escopo e o domínio (em relação a que, em que aspecto; e em relação a quem) e, em
seguida, peso (probabilidade de poder), custos e meios. Nesse mesmo sentido, entende-se
que o poder é uma questão de gradação. Esse é um dos pontos em que essa base teórica
se afasta de uma escola teórica não abordada neste estudo, a marxista (BALDWIN, 2013;
2016).
Soma-se ao delineamento das características do poder na base conceitual que
fundamenta o trabalho de Baldwin, as preferências e consequências da relação entre A e B.
Baldwin (2016) destaca que “o conceito de poder de Dahl é muitas vezes mal interpretado
para implicar que A e B têm desejos ou preferências conflitantes e que uma relação de
poder deve ser aquela em que A ‘ganha’ e B ‘perde’” (BALDWIN, 2016, p. 38). Sentido,
inclusive, utilizado por Barnett e Duvall (2005a; 2005b).
4. O poder do Poder – um debate carente de consensos
Onde estão os pontos sensíveis de debate em torno de poder na teoria das
relações internacionais, segundo David Baldwin?
Conforme compreendido anteriormente, existem basicamente duas grandes linhas
conceituais, uma que entende o poder como relacional e outra como propriedade/recursos.
O realismo, como se pode auferir, está vinculado ao entendimento do poder como posse,
propriedade ou recursos que um estado ou ator pode deter. Em divergência com a ideia de
que poder é uma relação, causal no sentido de produzir resultado real ou potencial.
Conforme Dahl (1957), “A tem poder sobre B na medida em que ele pode fazer com que B
faça algo que de outra forma B não faria” (DAHL, 1957, p. 203-204).
Cabe salientar as fronteiras porosas da teoria, pois “os realistas geralmente
reconhecem a existência de objetivos além do poder, mesmo quando eles assumem o
objetivo da maximização do poder” (BALDWIN, 2016, p. 112). O que Baldwin (2016) quer
dizer com isso é que o caráter lógico de implicação de valoração sobre algo requer
gradação, ou seja, quando se afirma que a política internacional é uma luta por poder recai
sobre o poder, consequentemente, um juízo. De forma mais crítica, Baldwin (2016) afirma
que Mearsheimer “trata o poder como um meio e um fim em diferentes lugares do livro”
(BALDWIN, 2016, p. 126).
Na obra de Waltz (1979), o poder está colocado claramente como meio, e em
concordância Baldwin (2016) mantém certa proximidade com Waltz nesse ponto e se
distancia de Mearsheimer e Morgenthau. Dado seu entendimento de que o poder pode ser
“um objetivo para os estados, mas a afirmação de que a maximização do poder é/ou deve
ser o principal objetivo de todos os estados em todas as situações é intelectualmente difícil
de defender” (BALDWIN, 2016, p. 112). O autor sustenta tal postura na lógica da análise
marginal determinada pela situação (contexto) como diretriz da alocação de recursos
escassos (finitos) de um país.
Outra problemática cara a teoria realista, nesse caso recaindo sobre Morgenthau
(2003) e Mearsheimer (2001), é a consequência implícita da política internacional como uma
luta ou competição pelo poder. O poder de soma zero. “Aqueles que adotam essa
abordagem enfatizam que é o poder relativo que importa – ou seja, o tamanho da lacuna
entre os recursos de poder de um país os recursos de outro país” (BALDWIN, 2016, p. 120).
Já o debate em torno das variantes do liberalismo consiste em certo domínio do
Soft Power. O que tem contribuído para isso é seu amplo uso na academia e fora dela,
contribuindo também para um uso controverso e muitas vezes problemático. Baldwin (2016)
adianta uma sentença que introduziria o conceito de forma mais assertiva, menos dúbia e
mais clara, “o soft power não é um instrumento a ser usado por formuladores de política
externa, mas sim um resultado a ser buscado por uma grande variedade de meios”
(BALDWIN, 2016, p. 168).
Consoante Baldwin (2016), ainda, a contribuição do poder e da interdependência de
Keohane e Nye consiste na combinação total da obra, não especificadamente nas questões
isoladamente. Decorre da combinação como uma “‘lente’, um ‘modelo’, uma ‘abordagem
teórico/conceitual’, uma ‘estrutura analítica’” (BALDWIN, 2016, p. 164). Evidência dessa
afirmação está na relevância atual da obra, mesmo completando 40 anos de sua primeira
edição.
Por outro lado, Wendt (1999) e a divisão do poder entre materialistas e
contextuais/ideias gerou em Baldwin (2016) questionamentos, tais como: “Não é
inteiramente claro o que os construtivistas querem dizer quando dizem que outras teorias
das RI são ‘materialistas’” (BALDWIN, 2016, p. 145). Além do mais, procurou enfatizar que
mesmo as “teorias que postulam capacidades militares como a variável mais importante
provavelmente apontarão que coisas não significativas como moral, competência e
legitimidade podem afetar essas capacidades” (BALDWIN, 2016, p. 145). Soma-se a esta
crítica a observação de que Wendt (1999) não formula uma conceituação alternativa de
poder, conceituação esta que seria formada por ideias e contextos culturais, e, assim,
“permanece insatisfeita” (BERENSKOETTER apud BALDWIN, 2016, p. 146).
Porém, a “vantagem comparativa de uma perspectiva construtivista consiste em
chamar a atenção para o papel das normas, valores, instituições, ideias, identidades e
contextos culturais na análise social” (BALDWIN, 2016, p. 157). Em sentido oposto, a
desvantagem consiste em basear a concepção de poder em Lukes-plus-Foucault. O
problema sobre Lukes está em sua base de 1974, uma vez que a segunda edição (2005)
atribui aquele conceito como um erro (BALDWIN, 2016, p. 148).
Um ponto onde Baldwin (2016) pesa a crítica tanto para a concepção conceitual
liberal quanto construtivista é sobre o caráter dimensional do poder. Isso se dá porque
muitos autores dessas linhas apresentam o poder a partir de Lukes (1974) e este afirma que
o poder em Dahl é unidimensional, além de concluir que amplia o conceito de Dahl. Baldwin
(2016), no entanto, certifica que isso “é altamente enganador” (BALDWIN, 2016, p. 39),
propondo cinco justificativas para tanto.
Na primeira, o controle da agenda e o controle da consciência estão perfeitamente
de acordo com o conceito de Dahl; na segunda, Lukes (1974) está equivocado ao basear o
conceito de poder de Dahl no livro Who Governs? (Quem Governa?) 1961, pois as
definições metodológicas em uso são significativamente distintas de onde Dahl “discute o
conceito – por exemplo, 1957, 1963, 1968, 1970, 1976, 1984, 1991 e/ou Dahl e
Stinebrickner (2003)” (BALDWIN, 2016, p. 40); na terceira, mesmo em Quem Governa? é
possível auferir controle da agenda e modelagem de preferencia como meios de poder; na
quarta, Lukes limita e não amplia o poder de Dahl (BALDWIN, p. 40); na quinta, o poder em
Dahl nunca foi unidimensional, “em 1970, ele observou que ‘o poder realmente tem muitas
faces. Com perseverança, pode-se definir literalmente milhares de diferentes tipos de
influencia’ (1970: 25)” (BALDWIN, 2016, p. 40).
Por fim, cabe destacar o entendimento de Baldwin (2016) de que a “análise de
poder é um potencial ponto de convergência para pelo menos alguns membros de cada
campo” (BALDWIN, 2016, p. 149). Ainda que marque posição bastante clara, através de sua
base conceitual a partir da qual sistematiza sua análise, outro aspecto relevante de seu
trabalho é produzir insights sobre análise de poder em diferentes escolas do pensamento
das relações internacionais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder é de suma importância, senão conceito central, no estudo das relações
internacionais. Sentença essa sustentada pelos grandes estudiosos e teóricos da área e
pela empiria tradicional e contemporânea. Independentemente da matriz paradigmática, os
autores reforçam essa relevância, ao mesmo tempo em que não adentram em seu conceito
ou o evitam, em larga medida.
O poder é um conceito distante de consensos, apesar do grande avanço da
produção científica nos últimos 50 anos. Por esse motivo, os autores podem preferir evitar
uma maior atenção conceitual e, em muitos casos, isso é bastante claro, tendo em vista que
ao considerar um enfoque específico sobre poder pode-se gerar, consequentemente, um
delineamento lógico do estudo. Porém, a partir do ponto em que se atribui tal dimensão a
um conceito, preza a boa pesquisa dedicar atenção especial ao mesmo.
O poder, na teoria das relações internacionais, divide-se basicamente em dois
vieses, o poder relacional e o poder como recursos. O poder enquanto recursos recebe
maior atenção por parte dos atores e dos cientistas, sobretudo o poder militar, ainda que em
muitos casos, a depender do contexto e das dimensões do poder, este aspecto possa ser de
fato menos efetivo. Na teoria realista, a título de exemplo, há em aberto o debate interno
sobre o objetivo a ser maximizado, o poder ou a segurança.
Muitas dessas questões são observadas ao longo do texto e, em nossa análise,
não recebem a devida luz no campo de estudo. Questão que é bem elaborada e elucidada
na obra de Baldwin, especialmente em Power and Internacional Relations (2016). Ademais,
a base conceitual em Dahl continua a ser fundamental para o entendimento do poder na
ciência política e nas relações internacionais, todavia é relevante exatamente nesse sentido
fundamental, na base. As contribuições especificadamente da área, como em Waltz,
Mearsheimer, Nye, Guzzini são mais substanciais para o entendimento de um campo com
grandes transformações conjunturais em um período de tempo bastante curto, ainda que,
por óbvio, cada contribuição tenha seu limite.
Ainda há inúmeros espaços para pesquisas futuras sobre poder nas relações
internacionais, onde pode haver contribuições significativas no avanço do seu entendimento
conceitual, analítico e empírico. Tema esse importante para a estabilidade do sistema
internacional, para o papel que o poder deve desempenhar na estratégia das nações
centrais ou periféricas, como os Estados Unidos, China e o Brasil, etc. Responder as
interrogações da política internacional contemporânea passa pelo entendimento de muitas
variáveis e certamente o poder está entre as mais importantes.
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