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SER Social, Brasília, v. 14, n. 31, p. 419-452, jul./dez. 2012
* EstetextoépartedatesedoautorintituladaDevocaçãoparaprofissão:organizaçãosindicaldocente e identidade social do professor.Brasília:DepartamentodeSociologiadaUniversidadede Brasília. Tese de Doutorado, 2008 (orientadapeloprofessorSadiDalRosso).
** Sociólogo,mestreedoutoremSociologiapelaUnB.ProfessorAdjuntodaFaculdadedeEducação(FE)daUnBnaáreadeEducaçãoeTrabalho.
SingularidadedaprofissãodeprofessoreproletarizaçãodotrabalhodocentenaEducaçãoBásica/ Uniqueness of the teaching profession and proletarianization of teacher work in Education*
Erlando Silva rêSES**
Resumo: OpresenteartigofazumarevisãonaliteraturasobreaprofissãodedocentedaEducaçãoBásicanoBrasil.Asingularidadedaprofissãodocenteexpressaumaespecificidade,particularidadesepeculiaridadesquedemandamanálise.Qualasingularidadeexistentenaprofissãodeprofessor?Oqueconstituiaidentidadesocialdoprofessor?Analisa-se a identidade profissional do professor, aposição social deste profissional, o estereótipo do trabalho porvocação atribuído ao exercício domagistério, amassificação doensino,afeminizaçãodaprofissãoeascondiçõesdetrabalhodosprofessores daEducaçãoBásica.Estes elementos ou categoriasremetem à discussão da proletarização dos profissionais domagistério.Essatese,jábastantediscutidanaspesquisaseducacionaiseatéparecendoesgotada,éretomadaapartirdaanálisedanaturezaedascondiçõesdetrabalhododocentedaEducaçãoBásica.
Palavras-chaves:identidadesocial;trabalhodocente;proletarização;magistério;EducaçãoBásica.
Abstract: This article reviews the literature on the professionof teacherof BasicEducation inBrazil.Theuniquenessof theteaching profession expressed a specific, special characteristicsandpeculiaritiesthatrequireanalysis.Whatistheuniquenessthatexistsintheteachingprofession?Whatisthesocialidentityof the
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teacher?Analyze the teacher’s professional identity, social statusof thiswork, the stereotypeof theworkassignedbycalling thepracticeof teaching,themassificationof education,thefeminizationof the profession andworking conditions of teachers of BasicEducation.Theseelementsorcategoriesrefertothediscussionof proletarianizationof meachingprofessionals.This thesis, alreadymuchdiscussedineducationalresearchandevenlookingexhausted,itisresumedfromtheanalysisof thenatureandconditionsof workof teachersof BasicEducation.
Keywords: identity social; teacher work, proletarianization,teaching,BasicEducation.
Trabalho por vocação: estereótipo do magistério
Existemcertamenteváriosníveisdeformaçãodaidentidadecoletiva:profissão,comunidadedehabitação,mododevidaefamília.Porémnomundosalarial,principalmenteindustrial,otrabalhotemrepresentadoumpapelindutorprincipalqueatravessatodosessescampos.Ele tornou-seumprincípio, um paradigma, algo enfim, que se encontra nas diversas integrações sem fazer desaparecer as diferenças ou os conflitos (CASTEL,1998,p.532).
NapercepçãodeHypólito (1997),encontram-senapráticadocente,nocasobrasileiro,duastendênciasconstituídaspormeiodematizesdiscursivasessencialmentedistintas.Noprimeiromomento,quandoaigrejaaindarepresentavaumimportanteespaçodedisputaideológicanosconflitospolítico-religiosos,informandoemodelandoas práticas nomundo contemporâneo.Neste sentido, vocação esacerdócioeramasprincipaisfontesqueexpressavamosignificadodapráticadocente.NaspalavrasdeHypólito:
(...)aconcepçãodemagistériocomovocação/sacerdóciofoiconstruídapor razões político-religiosas conservadoras e autoritárias (...). AorigemdessaconcepçãopodeserbuscadanoséculoXVI,quandose
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abriramescolaselementaresparaascamadaspopulares.Estaaberturavisavafundamentalmenteàleituradostextosreligiosose,comisso,àmanutençãodainfluênciaqueaIgrejaexerciasobreosintelectuaisegrandemassadapopulação(HYPÓLITO,1997,p.18).
Na época colonial, a representação da atividade docente era de umexercíciobeatífico,oquelheconferiaumasituaçãodedestaquesocialporque:
(...)seuprestígioseassociavaàimportânciaeconômicaepolíticaqueaIgrejaassumiaenquantoagênciacolonizadorae,paralelamente,comoagênciacontroladoraedistribuidoradosbensculturais.Osacerdoteacumulou várias funções: foimédico, botânico, estadista,militar,engenheiro,navegante,confessoreprofessor.Porestemotivo, seriamaisacertadofalarnafunçãodocentedosacerdóciodoquenadocênciaenquantoprofissão(NUNES,1985,p.60).
Osegundomomentofoiquandoessesdiscursospassaramaserressignificadoscomainserçãododiscursoliberalmoderno.
Surgem, entre 1830 e 1848,movimentos de professores que secaracterizavam pela adoção de princípios liberais; pela luta pororganização profissional e especialização de funções não escolares,pelabuscadeautonomiadacategoria;epelaemancipaçãodatuteladoEstadoedaIgreja(HYPÓLITO,1997,p.20).
Discurso liberal ediscurso religioso representaramespaçosantagônicosnocampodasrepresentaçõesdomagistério.Enquantoa religião define a prática docente como expressão de umaessencialidadevocacional,osprincípiosliberaisbuscamainserçãodessamesmapráticanadinâmicadasrelaçõesprodutivasdosistemacapitalista.
Historicamente,aprofissãodocentefoientendidacomouma“vocação”,umamissãoquedeveriasermaisimportantedoqueaprópriacompensaçãofinanceiraeinfluenciaodocenteapensarqueéum“dom”pessoal,queelenasceuparaisso.BruschinieAmadoanalisamaquestão:
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Emboraoencargodamulhercomasocializaçãoinfantilsejafrutodadivisão sexual do trabalho, diferenças biológicas são invocadas parajustificaressefatocomo“natural”(…).Historicamente,oconceitodevocaçãofoiaceitoeexpressopelospróprioseducadoreseeducadoras,queargumentavamque,comoaescolhadacarreiradeviaseradequadaànaturezafeminina,atividadesrequerendosentimento,dedicação,minúciaepaciênciadeveriamserpreferidas.Ligadoàideiadequeaspessoastêmaptidõesetendênciasinatasparacertasocupações,oconceitodevocaçãofoiumdosmecanismosmaiseficientesparainduzirasmulheresaescolherasprofissõesmenosvalorizadassocialmente.Influenciadasporessaideologia,asmulheresdesejameescolhemessasocupações,acreditandoqueofazemporvocação;nãoéumaescolhaemqueseavaliamaspossibilidadesconcretasdesucessopessoaleprofissionalnacarreira(BRUSCHINI;AMADO,1988,p.7).
Algumasquestõessurgemdareflexãosobrea“vocaçãoinata”damulherparaaprofissãodocente:seráqueamulhernasceparaensinar?Ouesta“vocação” lheé incutidadesdecedoedeváriasformaspelasociedade?AprofessoraepesquisadoraSilviaCristinaYannoulasseposicionaarespeito.
É necessário destacar a legitimidade da escolha dasmulheres que,conscientemente,preferemserdonasdecasaouprofissionaisemáreasfemininasportradição,nocasoemqueaescolhaéverdadeira.Ditodeoutraforma,quandosebaseianoconhecimentodetodaagamadeoportunidadesepossibilidadesdedesenvolvimentopessoalinerentesa uma profissão ou ocupação.O que se discute é a restrição daspossibilidadesoferecidas/percebidaspelasmulheresenãoasescolhasbaseadasnaliberdadepessoal(YANNOULAS,2001,p.75).
Asoluçãoparahavercondiçõesdeigualdadenomercadodetrabalhonãoéestimularasmulheresparaingressarememocupaçõestradicionalmentemasculinasevice-versa.Poisénecessárioconsideraras necessidades, saberes e habilidades de cada pessoa, ou os obstáculos culturais que deverão enfrentar, individualmente(YANNOULAS,2001,p.82).
A expansãodasEscolasNormais, em finsdo séculoXIX,se situava dentro da visão forjada do papel feminino: amulhercontinuavaconfinadaàstarefasdomésticaseeducativas,aomesmo
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tempoemqueaaceitaçãodotrabalhofemininosetornavamaiordevido ao assalariamentodas classesmédias. Seu enquadramentocontinuavasedandodeacordocomadivisãosexualdastarefas.Hámaisdeumséculoexisteoestereótipodequecuidardecriançaé“coisademulher”.
Naqueleperíodo,asmulheresjáocupamdiversasprofissões,massemprelimitadaspelacondiçãodosexo.Elasconcentram-se,nasuamaioria,nosetordeprestaçãodeserviços.Quersejaescritório,magistério,enfermagem,elacuida,serve,atendeeeduca.
As ofertas disponíveis, em geral, estavampróximas daquilo que seconsiderava uma extensãodas atribuições dasmulheres: professora,enfermeira, datilógrafa, taquígrafa, secretária, telefonista, operária daindústria têxtil, de confecção e alimentícia.Asmulheres casadas, deacordocomoCódigoCivil,precisavamdaautorizaçãodomaridoparaexercerqualquerprofissãoforadolar–atividadequesóeraconsideradalegítimaquandonecessáriaparaosustentodafamília,raramentepararealizaçãopessoal(MALUF;MOTT,1998,p.402).
Amulher,principalmãodeobradomagistérionasescolasprimárias,deveriapreservarotradicional ideal de pureza e de submissão. Paratal,eemespecialparaascasadas,elaboravam-sedecálogos,comoopublicadoem1924pela Revista Feminina:
I-AmateuesposoacimadetudonaTerraeamateupróximodamelhorformaquepuderes;maslembra-tedequeatuacasaédeteuesposoenãodoteupróximo(...);III-Esperateuesposocomteularsempreemordemeosemblanterisonho;masnãoteaflijasexcessivamentesealgumavezelenãorepararnisso(...);VI-Lembra-tesemprequetecasasteparapartilharcomteuesposoasalegriaseastristezasdaexistência.Quandotodosoabandonaremficatuateu ladoediz-lhe:aquimetens!Sousempreamesma(...);X-Seteuespososeafastardeti,espera-o;setardaemvoltar,espera-o;aindamesmoqueteabandone,espere-o!Porquetunãoéssomenteatuaesposa;ésaindaahonradoseunome.Equandoumdiaelevoltar,hádeabençoar-te(MALUF;MOTT,1998,p.396).
A partir da década de 1940, o desenvolvimento industrialbrasileiroprovocouoaparecimentodenovasforçassociais,comoaburguesiaindustrialeooperariadourbano.Acategoriadomagistério
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tendeuasercompostadepessoasdeorigemesituaçãodeclassediferenciada,comumaconcentraçãonanovaclassemédiaquecrescia.EstegrupoencaminhavasuasfilhasàsEscolasNormais,poisviamnelasumapreparaçãoparaolareparaafamília.
Omagistérioéconsideradoumadasatividadesextradomésticasqueaideologiapatriarcalaceitousempreentreasadequadasparaasmulheres,vendo-aemgrandepartecomoumaocupaçãotransitória.Umapreparaçãoparaocasamento(ENGUITA,1991,p.52).
Não há concordância que a feminização domagistériopossibilitouumprocessogradualdeproletarizaçãoerebaixamentosalarialdosprofessores.TaléaafirmaçãodeHypólito:A expansão das redes de ensino absorveu a mão de obra feminina, fato que coincidiu com os primeiros rebaixamentos salariais que afugentavam profissionais homens, levando-os a procurar empregos em outras áreas(HYPÓLITO,1991,p.15).
Nãohá,nahistóriadomagistérionoocidente,umasituaçãomarcadaporsaláriosvalorizados,queentramemquedapelairrupçãodasmulheresnomercadodetrabalhodocente.Éprecisoteremmentequeomagistério,nosséculosconstituintesdamodernidadeocidental,foiumtrabalhodehomensehomenspobres,queoadotavamcomoopçãoparaescapardotrabalhomanual(LOURO,1998).
ATabela1abaixodemonstraosdadosrelativosaogêneronaEducaçãoBásicanomarcodaorganizaçãodosistemadeensinonachamadaRepúblicaVelha.
Tabela 1. Número de professores no Brasil, divididos por sexo, em 1907
Variável Número %
SexoMasculino 6.078 39
Feminino 9.508 61
TOTAL 15.586 100
Fonte: Brasil, Diretoria Geral de Instrução. Estatística Escolar. Rio de Janeiro, TipografiadaEstatística,1916.Volume1.
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Osdadosdemonstramqueacategoriaeratipicamentefeminina(61%),noiníciodoséculoXX.Olevantamentoestatísticodaépocatambém revelou que essa realidade eramais acentuada ainda noDistritoFederal:1éo professorado elementar, no Brazil, um officio sobretudo feminino. Dos mestres de primeiras lettras, com effeito, segundo os dados constantes deste livro, as senhoras representavam 61% e os homens 39%. Regionalmente, porém, estas relações variavam muito. A máxima proporção de professoras, e, portanto, a mínima de professores – 85% e 15% –, respectivamente, encontrava-se no Districto Federal2(BRASIL,1916,p.5).
Naquela época, a docência era considerada, emprincípio,umaatividadequepodiaserdesempenhadaporsereshumanos,semdistinçãodesexo.Mas,porcontadaidentidadefeminina,seacreditavaqueasmulherespoderiamrealizarmuitomelhoressatarefa.Nestesentido,asbrasileirasforamincorporadasàdocênciasobreabasedaarticulaçãodeconcepçõesdefeminilidadeeatividadedocente,pondoemevidênciaasdiferençasdegêneroexistentesnasociedade(YANNOULAS,1994).
Nosanosseguintes,aproporçãonuméricaentrehomensemulheresnãosealterou.DeacordocomdadosextraídosdaRevistaBrasileiradeEstudosPedagógicos,em1942omagistériopúblicoprimário era compostopor 72%demulheres e, para se ter umaideiadosaltoquantitativo,em1964,essacifraelevou-separa93,4%(RBEPapudLOPES,1991).PesquisasobrecondiçõesdetrabalhodosprofessoresnoBrasilrealizadaem1999,produtodeumaparceriaentre aConfederaçãoNacional dosTrabalhadores emEducação(CNTE)eoLaboratóriodePsicologiadoTrabalho(LPT)daUnB,revelaapermanênciadessafortepresençafemininanomagistério,sobretudonassériesiniciais,conformetabelaabaixo.
1 ReferênciaàantigacapitaldopaísnoRiodeJaneiro.2 Foimantidaagrafiaoriginaldaépoca.
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Tabela 2. Distribuição de professores por gênero e nível/modalidade de ensino no Brasil, 1999
Nível/Modalidade Masculino (%) Feminino (%)Sériesiniciaisdoensinofundamental 2,6 97,4
Sériesfinaisdoensinofundamental (5ªa8ªséries)
19,4 80,6
Ensinomédio 39,2 60,8
Ensino especial 6,1 93,9
Maisdeumasérie 23,6 76,4
Fonte:Batista;CodoapudCodo,2002.
Dadosmaisrecentes,distribuídosporestado,demonstramqueessarealidadenãomudou.Emtodasasregiões,bemcomoemtodososestadosbrasileiros,amulhercontinuasendoaprincipalforçadetrabalhodomagistério.
Tabela 3. Quantidade de professores da Educação Básica por região, divididos por sexo, Brasil (2007)
Número de professoresTotal Masculino % Feminino %
Brasil 1.991.799 340.579 17 1.651.220 83Norte 159.501 42.093 26 117.408 74
Rondônia 15.638 3.497 22 12.141 78
Acre 9.470 2.614 28 6.856 72
Amazonas 34.592 11.036 32 23.556 68
Roraima 6.532 1.953 30 4.579 70
Pará 65.819 16.666 25 49.153 75
Amapá 9.327 2.911 31 6.416 69
Tocantins 18.123 3.416 19 14.707 81
Nordeste 585.604 107.754 18 477.850 82
Maranhão 85.646 17.196 20 68.450 80
Piauí 43.215 9.219 21 33.996 79(continua)
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Número de professoresTotal Masculino % Feminino %
Ceará 88.915 16.448 18,5 72.467 81,5RioGrandedoNorte 36.016 7.579 21 28.437 79
Paraíba 44.373 7.887 18 36.486 82
Pernambuco 84.247 13.140 16 71.107 84
Alagoas 30.628 5.265 17 25.363 83
Sergipe 22.586 4.292 19 18.294 81
Bahia 149.978 26.728 18 123.250 82
Sudeste 799.487 125.180 16 674.307 84
MinasGerais 218.660 31.697 14,5 186.963 85,5
EspíritoSanto 37.710 6.183 16 31.527 84
RiodeJaneiro 143.944 24.733 17 119.211 83
SãoPaulo 399.173 62.567 16 336.606 84
Sul 306.245 40.991 13 265.254 87
Paraná 111.493 14.358 13 97.135 87
SantaCatarina 72.145 11.610 16 60.535 84
RioGrandedoSul 122.607 15.023 12 107.584 88
Centro-Oeste 140.962 24.561 17 116.401 83
MatoGrossodoSul 27.223 5.043 18,5 22.180 81,5
MatoGrosso 33.142 6.388 19 26.754 81
Goiás 56.188 8.136 14 48.052 86
DistritoFederal 24.409 4.994 20,5 19.415 79,5
Fonte:MEC/INEP/DTDIE,2007.
Afortepresençafemininanaprofissãoremontaaoperíodohistórico entre 1870 e 1930, quando se inicia a organização doEstadonacional,dosistemadeensinoedoestabelecimentodeumaidentidadenacional.Portanto,équestionávelaafirmaçãodequeapresençamajoritáriadasmulheresnomagistérioestejaassociadaaodeclíniodaorigemsocioeconômicaeculturaldosseusintegrantes.Afeminização,porsimesma,nãopodeserconsideradaumagarantiadesubmissãoeexploraçãooumesmomiserabilizaçãodocorpodocente.Então,comoarticulardeformanãocontraditóriaacontinuidadedasubmissãoeorompimentocomumpassadohistóricoqueasretinha
(conclua)
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naesferadolar,anãoserpostulandoaaçãomanipuladoradeumpatriarcalismoonipresenteeonisciente?(MASSON,1997).
Emboraaincorporaçãodessasmulheresaomagistériotivesselugar numcontexto caracterizadopor discursos que traduziam econstruíam uma identidade feminina baseada na ideia de “mãeeducadora”,essaidentidadenãofoiasimplesrepetiçãodevaloresouconcepçõestradicionaissobreasmulheres.Dopontodevistadegênero,essainterpelaçãopolíticalevouàemancipaçãodasmulheres,namedidaemquedemãeseducadoraselassemetamorfosearamemeducadorasprofissionais,participandodatransmissãodosaberconsideradolegítimonasociedade(YANNOULAS,1994).
Noutravertentedereflexãosobreaprofissãodeprofessor,masobservandodeformaintegradaaformaçãodeumaidentidadesocialeo trabalhoporvocação,questiona-se:aindaépossívelsustentaratesedaproletarizaçãodotrabalhonãomaterialdocente?Podeoprofessorserconsideradoumtrabalhador?
Proletarização do trabalho docente
Essadiscussãojáébastanteexaustivanaliteratura,sobretudo,depois da fundação daCNTE, nos idos de 1980. Porém, cabedestacar,paraospropósitosdestetrabalho,algunselementosdessadiscussão.
Énestesentidodadiscussãodaproletarizaçãoquesedestacaadesignaçãodesemiprofissãoparaosprofessores.ComodestacaPerrenoud (1993), omagistérionão viria a ser umaprofissãonosentido atribuído a atividades como a demédicos, engenheiros,advogados.Emoutrostermos,seriaimpossívelcompararomagistérioaoschamados“profissionaisliberais”,poisomododeagirdodocentesedistanciasubstancialmentedetodaformadepadronização.
A constituição domagistério como uma “semiprofissão”merecealgumasobservaçõescríticas.Emprimeirolugar,énecessário,
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como assinalaBourdieu (1990;1991), escarparmos aos limites eambiguidadesqueaexpressão“profissão”carrega.Definirumagentesocial comopossuidordeumaprofissãoé reconhecerqueesteédetentordeumaidentidadesocialmentedadaporsuarelaçãohistóricacomasformasespecíficasdetrabalhoenãopelo“simples”exercíciodestaformadetrabalho.Estarelaçãoeaidentidadedaíprovenienteédefinidapelaposição,semprerelacionalmenteconstituída,emqueoagenteestásituadoemumcamposocial,cujaexistênciaéanterioraoseuingressoneste.Paraumagentesocialestarlegitimamenteemumcamposignificateropoderdecompartilhardehabitusepadrõesclassificatóriosdomundo,pertinentesàsuaposiçãonointeriordestecampo.
AutorescomoSaviani(1983),Hypólito(1997),Silva(1992)eParo(1991)consideramquestionáveisastesesdeproletarizaçãodotrabalhodocentepornãosecaracterizaremefetivamentevinculadasà lógicadaeconomiacapitalista,pornãoproduziremmais-valiaepossuíremumaespecificidadeprópria:oprodutodotrabalho–osaber–nãosersubmetidoàrelaçãocapitalistadeproduçãodemais-valia.
Saviani (1983), em suapreciosa contribuição, ao discutir otrabalho docente recorre aMarx, caracterizando o trabalho nãomaterial sobduas formas: aprimeira refere-seamercadoriasqueexistemisoladamenteemrelaçãoaoprodutor,comooslivros,obrasartísticasetc.,ouseja,mercadoriasquecirculamentreatodeproduçãoeconsumo;asegundadizrespeitoàatividadenaqualproduçãoeconsumosãoconcomitantes,comonocasodomédico,docantor,do professor etc.
SegundoMarx, no casodaproduçãonãomaterial,mesmoquandoéefetuadacomvistaexclusivamenteàtrocaemesmoquecriemercadorias,existemduaspossibilidades:1)oseuresultadosãomercadoriasqueexistemseparadamentedoprodutor,ouseja,podemcircularcomomercadoriasnointervaloentreproduçãoeconsumo,
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porexemplo,livros,quadros,todososprodutosartísticosqueexistemseparadamentedaatividadeartísticadoseucriadoreexecutante.Aproduçãocapitalistasósepodeaplicaraquidemaneiramuitolimitada;2)oprodutonãoéseparáveldoatodaprodução.Tambémaquiomodocapitalistadeproduçãosótemlugardemaneiramuitolimitada,esópodetê-lodevidoànaturezadacoisa,emalgumasesferas.Nasinstituiçõesdeensino,porexemplo,paraoempresáriodafábricadeconhecimentososdocentespodemsermerosassalariados.Casossimilaresnãodevemsertidosemcontaquandoseanalisaoconjuntodaproduçãocapitalista(MARX,1985,p.119-120).
Nestecontexto,otrabalhodocenteestárelacionadoàlógicacapitalistadeproduçãoapenaslimitadamente.SegundoSavianiemrazão da característica inerente ao ato pedagógico, o modo de produção capitalista não se dá aí, senão em algumas esferas (SAVIANI,1984,p.81).
Assim, retoma-se a discussão em torno da proletarizaçãodosprofissionaisdomagistério.Essatese,jábastantediscutidanaspesquisaseducacionaiseatéparecendoesgotada,foiretomadapeloagravamentodasensaçãodemal-estarentreosprofessoresepelaintensificaçãodeprotestos dos trabalhadores do serviçopúblico.Destemodo,atesedeexistênciadeumprocessodeproletarizaçãosustenta-seemdoisargumentos:1)perdadocontroledotrabalhodocentepelosprofessores; e2)massificaçãoedesqualificaçãodotrabalhodocente.
Aperda do controle doprocessode trabalhodocente é oargumentocentraldatesedaproletarizaçãoeencontraemBraverman(1987) a sua expressãomais autêntica.Ele, combase emMarx,apontaummovimentodeproletarizaçãodotrabalhoemserviços,com constante perda sobre o domínio doprocesso de trabalho,associadoàdesqualificação,considerando-ocomoparteintegrantedosmecanismosde valorizaçãodo capital.A tendênciapode serevidenciada,segundooautor,apartirdofatodequeuma ampla classe média não proletária voltou-se à criação de um vasto proletariado sob nova forma.
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Em suas condições de emprego, esta população trabalhadora perdeu todas as antigas superioridades sobre os trabalhadores fabris, e em suas escalas de salários desceu quase ao nível mais baixo(BRAVERMAN,1987,p.299-300).
Otaylorismoeofordismo,combasenasestratégiasdeaumentodaprodutividade,produziramadesqualificaçãodotrabalhadorepormeiodeumsistemáticocontroleadministrativosobreaexecuçãodastarefasoperacionais,osproprietáriosdocapitalconstituíramostrabalhadoresmanuaise indivíduossubalternizados,heterônomosquantoàsuacondiçãoprofissional, limitadosaodesempenhodasordensrecebidaseaocumprimentodasfunçõespredeterminadas.
Defensoresdatesedaproletarizaçãoressaltam,queporseremcomunsnocotidianoescolarosmodelostayloristasdeorganizaçãodotrabalho,comoéocasodenormasempresariaisparaagestãodaescola,cresceoprocessodeheteronomianoexercíciodadocência,fazendocomqueosprofessoresencontrem-seemsituaçãosemelhanteàqueladostrabalhadoresdaproduçãoindustrialedesetorestécnico-burocráticos.Emconsequênciaperdemocontroledeseuprópriotrabalho.No entanto, como ressaltamApple (1989) eEnguita(1989),estasimilaridadecomostrabalhadoresindustriaisetécnicosburocráticosnãoseriacompleta,oqueproduziriacertaambiguidadequantoàdefiniçãodepertencimentodeclassedomagistérioeàsuaprofissionalização.Osprofessoresaindapermaneceriamemmeioaumprocessodeproletarizaçãoinconcluso,quepermitiria,emalgumgrau,certaautonomiaemseutrabalho,aopassoqueosoperários,jáhámuitotempo,seencontrariamnacondiçãodesubsunçãoplenaaocapital(MASSON,1997).
Auniversalizaçãodaescolarizaçãoéoutroaspectosignificativoparaaperdadecontroledoprocessodotrabalhopeloprofessor.Comisso,formasdeintervençãogerencialnoatopedagógicoforamgradativamenteimplantadas.Essasformas,pautadaspelointuitodeencontrar uma cientifização e uma tecnologizaçãodos processosdeensino,ouseja,peloconstruirdeumaracionalizaçãodofazer
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magisterial,inspiraram-seemparâmetrostayloristas(FARIA,1985;PARO,1991;TRAGTENBERG,1977).
Osdefensoresdaproletarizaçãoassinalamocorrênciaentredesqualificação dos professores e dos trabalhadoresmanuais,decorrente do fato de a escola ser também uma “instituiçãocapitalista”, em que se encontram também as características dotrabalhofabril.Assim,oprofessorsubmetidoaumaperdadecontroledoprocessodotrabalho,econsequentementeasuadesqualificação,submetidoàautoridadedaburocracia,portanto,comotantosoutrostrabalhadores, alienados do seu trabalho, constituiriamparte daclassetrabalhadoraesujeitaaseproletarizar(HYPÓLITO,1991).ParaApple:
(...) uma vez que o controle é técnico, isto é, as estratégias degerenciamento sãonele incorporadas comoum aspecto importantedaprópria“maquinaria”pedagógica/curricular/avaliativa,oprofessortorna-sealgosemelhanteaumgerente.Istoestáocorrendoaomesmotempoqueascondiçõesobjetivasdeseutrabalhoestãosetornando“proletarizadas”,devidoàlógicadecontroletécnicodaformacurricular(APPLE,1989,p.162).
O estatuto social dos professores ainda não veio a ser politicamente explicitado demodo pleno.Ora são vistos comofuncionáriosdoEstado,eassimcomomembrosapequenadosdasclassesmédias,oracomoagentesoriundosdasclassestrabalhadoras,masdelassedistanciandoporteremsidoescolarizados.
MichaelApplecontribuiparaessadiscussãoquandoafirmaqueosprofessorestêmuma posição social contraditória, com isto significando que é sensato pensar neles como estando simultaneamente em duas classes. Partilham assim tanto interesses da pequena burguesia como da classe trabalhadora (APPLE,1997,p. 66).Apesardessa“dupla filiação”, atualmente,ressalta o autor, a tendência é de intensificaçãodo trabalho edeproletarização(grifonosso).
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Umestudodasmudançasocorridasnacomposiçãodasclassesduranteasúltimasdécadasapontaparaalgobastantedramático.Oprocessodeproletarizaçãotemtidoumgrandeeconsistenteefeito.Istonãoédeadmirar(...)Numaépocadeestagnaçãogeraledecrisenaacumulaçãoe legitimação, deveríamos esperar a existência de tentativas pararacionalizarmais as estruturas administrativas e aumentar a pressãoparaproletarizaroprocessodetrabalho.Estapressãonãoéirrelevanteparaos educadores, tantonoquediz respeito ao tipode atividadesqueos alunos irão encontrardisponíveis (ounãodisponíveis), apósteremcompletado(ounãocompletado)oensino,etambémnoquedizrespeitoàsprópriascondiçõesdetrabalhonoâmbitodaprópriaeducação(APPLE,1997,p.65).
Segundoopesquisadordaáreadotrabalho,professorSadiDalRosso,aintensificaçãodotrabalhoéacondiçãopelaqualrequer-semaisesforçofísico,intelectualeemocionaldequemtrabalhacomo objetivo de produzirmais resultados, consideradas constantesa jornada,a forçade trabalhoempregadaeascondições técnicas(DALROSSO,2008,p.42).Paraoestudioso,hácincomeiospelosquaisotrabalhoétornadomaisintenso:alongamentodasjornadas;ritmoevelocidade;acúmulodeatividades;polivalência,versatilidadeeflexibilidade;e,gestãoporresultados(DALROSSO,2008).
Pesquisa realizada pelaCNTE, em 2002, em dez estadosbrasileiros,com4.656profissionaisdoensino,sobreasituaçãodoseducadores,concluiuoseguinte:1)empobrecimentodosprofessoresbrasileiros;2)degradaçãodesuascondiçõesdeexercícioprofissional;e,3)multiplicaçãode jornadasde trabalho.AsTabelas4,5e6aseguir,evidenciamestassituações.
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Pela apresentação dos dados, observa-se que 48,8% doseducadoresbrasileirostrabalham40horassemanais;19,9%trabalham30 horas e 15,2% trabalham 20 horas. Verificam-se diferençassignificativas de jornadas de trabalho por estado, podendo seragrupadasemtrêssituaçõesprevalentes:
1) contratocom40horassemanais–Tocantins,Alagoas,Piauí,Paraná,GoiáseRioGrandedoSul;
2) contratopreferencialmente de 30horas semanais –RioGrandedoNorteeMatoGrosso;
3) contratomajoritariamentede20horassemanais–EspíritoSantoeMinasGerais.
Seforcomputadootrabalhoforadoambientepropriamentedito de trabalho, ou seja, em casa, o que é umaprática comumnaatividadedocente,otempodetrabalhopodedobrar.Issotemconsequênciassobreascondiçõesdesaúde,arelaçãocomafamíliaeaqualidadedotrabalho.
Umaoutrapesquisarevelaaexistênciadeumasíndromeentreosdocentes.Éasíndromedadesistência,ousíndromedeburnout.ElaédefinidaporMaslacheJackson(1981)como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou com problemas. Cuidar exige tensão emocional constante, atenção perene; grandes responsabilidades espreitam o profissional a cada gesto no trabalho (MASLACH;JACKSONapudCODO,2002,p.238).Estasíndromeéentendidacomoumconceitomultidimensional,queenvolvetrêscomponentes:
1) exaustãoemocional– situaçãoemqueos trabalhadoressentemquenãopodemdarmaisdesimesmosafetivamente.Percebem esgotada a energia e os recursos emocionaispróprios,devidoaocontatodiáriocomosproblemas;
2) despersonalização – desenvolvimento de sentimentos eatitudesnegativasedecinismoàspessoasdestinatáriasdotrabalho–endurecimentoafetivo,“coisificação”darelação;
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3) faltadeenvolvimentopessoalnotrabalho–tendênciadeuma“evoluçãonegativa”notrabalho,afetandoahabilidadeparaarealizaçãodeleeoatendimento,oucontatocomaspessoasusuárias,bemcomoaorganização.
A pesquisa realizada pelo Laboratório de Psicologia doTrabalhodaUniversidadedeBrasília,em1999,sobacoordenaçãodoprofessorWanderleyCodo,com52milpessoasem1.440escolasde todosos estados,3 revelou a presença de “despersonalização”comestágioelevadoem10,7%doscasos,exaustãoemocionalem25,1%eenvolvimentopessoalem37%,conformeinformaçõesdaTabela5,aseguir.
Tabela 5. Presença dos componentes da Síndrome de Burnout entre os educadores brasileiros. Brasil, 1999
Presença dos componentes do burnout (%)
Intensidade Despersonalização Exaustão emocional
Envolvimento pessoal
Baixa 69,1 47,9 31,5
Moderada 20,2 27,0 31,5
Alta 10,7 25,1 37,0
Total 100 100 100
Fonte:Codo,2002.
Paraainterpretaçãodessesdados,MaslacheJackson(1981)recomendamque cada umdos componentes deve ser analisadoseparadamentecomumavariávelcontínuacomnívelalto,moderadoebaixoenãocomoumavariáveldicotômica,emqueexisteounãoexisteapresençadosintoma.Pelacombinaçãodoníveldecadaumdostrêscomponentes,obtém-seonívelde burnout do indivíduo ou categoria.Deve-seobservarqueumnívelmoderadode burnoutjáé
3 Estelevantamentoduroudoisanosetrata-sedamaiorpesquisadomundosobreoassunto.AajudafinanceiradaOIT(OrganizaçãoInternacionaldoTrabalho)edaUnesco(OrganizaçãodasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura),aoprojeto,contribuiuparaavisibilidadeinternacionaldainvestigação.
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preocupantedopontodevistaepidemiológico,sendopassíveldeintervenção,umavezqueoprocessojáseencontraemcurso(CODO,2002). Pela apresentaçãodos dados fica evidente a incidência dasíndromeentreosprofessoresenumnívelalarmante.
Outro fator que reforça a proletarização do docente e aconsequenteprecarizaçãodascondiçõesdetrabalhoéonívelsalarialdacategoria.OlevantamentodosdadosdaCNTEnosdezestadosrevelouaseguintesituação:
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A pesquisa revelou, que nos dez estados brasileiros, aremuneração entre R$ 500,00 a R$ 700,00 apresentou amaiorfrequência(19,6%),seguidadointervalodeR$750,00aR$1.000,00(17,3%)edeR$200,00aR$300,00com16,8%doscasos.Estasfaixassalariaissãoassociadas,emváriosestados,aumajornadadetrabalhode40horassemanais.ConformeoDieese(DepartamentoIntersindicaldeEstatísticaeEstudosSocioeconômicos),em2002,ovalormédiodacestabásicaeradeR$161,45nomunicípiodeSãoPaulo.Nestevalor,otrabalhadorprecisavadestinarde30%a42%deseusalárioparaocusteiodassuasnecessidadesbásicas,considerandoaquelafaixasalarialdosprofessores.Conformeosalário,asdespesascom alimentação, saúde, vestuário, transporte emoradia, quandoconseguematenderesses itens,nãodeixamnadapara instruçãoelazer.SeseconsiderarovalordosaláriomínimonecessárioestimadopeloDieese,naqueleano,quefoideR$1.366,76,percebe-sequegrandepartedoseducadoresestáaquémdospadrõesmínimosdeconsumo(VIEIRA,2003).
O cenário de degradação da profissão de professor temobrigadoaadoçãode inúmerasproposiçõespolíticasdeestímuloàdocêncianosúltimosanos,dentreelasopisomínimonacionalcomovencimentoinicial.ApósumalongabatalhajudicialnoSTF(SupremoTribunal Federal), por conta de umaAçãoDireta deInconstitucionalidade(Adin)ajuizadapelosestadosdeMatoGrossodoSul,doParaná,deSantaCatarina,doRioGrandedoSuleCeará,paraasuaregulamentaçãohouveaprovaçãonoplenodesteTribunal,em06/04/2011,fixadonovalordeR$1.187,14semgratificações(BRASIL,2011).
Noutra vertente, destacando o exercício de sua profissão, MichelAppleafirmaqueosprofessores têmseenvolvidonumaampla e cada vezmaior reestruturação das suas funções, dondeconsta,porexemplo,aintensificaçãodosprocedimentosdecontroletécnico no currículo das escolas, adotando-se uma integração
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conjunta de sistemas administrativos, currículos redutores deorientação comportamental, procedimentos e “competências”de ensino predeterminados e respostas dos alunos igualmentepredeterminadaseavaliaçãopréviaeposterior.Emsuma,salientaque os processos de trabalho do ensino tornam-se idênticos aos processos que conduziram à proletarização de muitos dos trabalhos fabris e administrativos (APPLE,1997,p.66).Sendoassim,pode-seapontar, comoJoãoBernardo,aconexãodaescolacomaesferadotrabalhoprodutivodaproduçãomaterial(BERNARDO,1998).
O segundo argumento da tese da “proletarização” dosprofessoreséodadesqualificaçãodotrabalhodocentepeloprocessode “massificação” dosmembros domagistério nas sociedadesmodernas.
Adiscussãodaproletarizaçãotambémseriafrutodoaumentosignificativodonúmeronoquadrodeprofessores.EsteprocessoteveinícionoséculoXIXefoiintensificadonoséculoXX.Aampliaçãoquantitativa do professorado foi provocada pela universalizaçãodaescolarização,apartirdaimplantaçãodossistemasnacionaisdeensino,erelaciona-secomaproblemáticadocrescimentodepessoaldosaparatosburocráticosdoEstadomoderno.
Oaumentodaofertaedademandadeprofessoresépartecaracterísticadocapitalismomonopolistademultiplicaronúmerode trabalhadores que executam funções intelectuais no setor deserviços,sejanaesferapública,sejanaesferaprivada.Esteprocessoalterouascondiçõesdevidadessessujeitos,osquais,segundoumaanálisegramsciana,seconstituiramem“funcionários”executoresdosmecanismosdehegemonianassociedadesocidentais(GRAMSCI,1995).Asituaçãodessessujeitosapresenta-osmuitoassemelhadosemmodus vivendi aoutros tantos segmentos sociais caracterizadoscomopolodominadodasociedade.Todosencontram-sesubmetidosa relações de trabalho capitalistas,mesmo quando inseridos eminstituiçõespúblicas,oqueosmantêmnacondiçãodeconstituinteda
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burocraciade“pequenoescalão”ou“baixoclero”dofuncionalismopúblico(MASSON,1997).
Nas últimas décadas, quando se concretiza uma quaseabsoluta universalização do acesso ao ensino fundamental nospaísescapitalistasavançados,osprofessorespercebem-sefrenteàpresençadegruposdotadosdefortepoderdepressãopolítica,oquepossibilitaqueasaçõesdosgestoresdossistemaseducacionaisestataissecundarizemassuasreivindicaçõeseminimizemsuasaspiraçõesquantoàmanutençãodepadrõessalariaisecondiçõesdetrabalhoviáveisaodesenvolvimentodoensino(NÓVOA,1991,1991b).
Esteaumentononúmerodeprofessorestambéméresponsávelpela queda do prestígio social e do poder de influência que omagistériodetinhaeprovocoutambémodesempregoprofissionaleadefasagemsalarial.Osprofessoresseconstituíramemagentesfacilmenteencontráveisnomercado,devidoàelevaçãodoelencodepossibilidadesparaaformaçãodosmesmos(SUBIRATS,1981).Apreocupaçãocomadignificaçãodaprofissãodemagistérioseriaporqueauniversalizaçãodoensino(fundamentalemédio)significouumcrescimentodonúmerodeprofessores,criandoumdeclínioemseureconhecimentosocial,anteriormentedadoaumsegmentominoritáriodeagentessociais,numprocessosimilaraoqueBourdieuassinalouparatodosostiposdetrabalho,ondeadiplomaçãoescolarque habilita a umdesempenhoprofissional teria se generalizado(BOURDIEU;BOLTANSKI;SAINT-MARTIN,1979).
Naanálisegramsciana,quetememcontaascategoriastrabalho intelectual e trabalho manual, pode-se conceber o professor comofuncionáriodeumorganismodasociedadecivilempenhadonatarefadasocializaçãodacultura,sendoportanto,umtrabalhadorintelectual.Assim, o trabalhodocente afirma-se comouma ação intelectual,contudonãoselimitariaaisso,poisnuma demonstração da sua dimensão teórico-prática, só se concretiza com a sua inserção efetiva na realidade em que o ato pedagógico se desenvolve (RIBEIRO,1984,p.52).Destaforma,a
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atividadedocentepressupõequeoprofessordesenvolvaum trabalho prático de transformação estrutural da organização escolar, que se integre na transformação mais ampla da sociedade da qual ele participa, tanto mediante sua ação como cidadão quanto pela educação da consciência que a ação pedagógica produz(RIBEIRO,1984,p.56).Sobpenadenãolevaradianteassuasperspectivas,precisa,portanto,seorganizarcomocategoria(Ibd.),ouseja,emsindicatos.
Háqueseampliaraabordagemquetrataoprofessorcomotrabalhador intelectual. Se se considera a análise deMannheim(1972, 1974) para os intelectuais, pode-se inserir os docentes nacategoria intellingentsia flutuante.De acordo com o autor, oschamados“intelectuaislivrementeflutuantes”refere-seaumgrupoindependenteequetematarefaderealizarasíntesedinâmicaedeconciliaçãoentreosváriospontosdevista.
A relação dos professores como saber constitui umdoscapítulos principais da história da profissão docente, comobemsalientaNóvoa(1999):osprofessoressãoportadores(eprodutores)deumsaberpróprioousãoapenastransmissores(ereprodutores)de um saber alheio?O saber de referência dos professores é,fundamentalmente,científicooutécnico?
Osprofessoresrealizamumtipodeserviçoemquenãohácondiçõesdeumrealcontrolesobreoqueéexecutadoequemoexecuta.Suasatividadesseriammaisequivalentesadeumbricoleur,que se define pelas ações artesanaismescladas pela experiênciaadquiridaaolongodosanosepelasinspiraçõesdomomento.OuaindanaspalavrasdoPerrenoud:
Obricolage não se define pelo seu produto,mas sim pelomodode produção: trabalhar comosmeios disponíveis, reutilizar textos,situações,materiais.Osprofessoresquenãoestãosatisfeitoscomosmeiosdeensinoconvencionaisecomotipodetrabalhoescolarqueimpõem,levamumapartedoseutempoaprocurar(nosjornais,norádio,nosdocumentários,nasbandasdesenhadas,navida)histórias,textos,imagens, informações, objetos que podemoupermitir a realização
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imediatadeumprojeto,ouseremguardadosporseacharqueumdiaserãoúteis(PERRENOUD,1993,p.49).
Para Perrenoud, se a prática reflexiva é adquirida desdea formação inicial, torna-se parte da identidade profissionaldo professor.Dessemodo, a reflexividade é entendida comocaracterísticadofazerprofissional.Porisso,areflexãodevelevaràcríticaeàautocrítica,umprocessopermanentequedeveacontecerdurante toda a carreira do professor. O que leva o educador a assumirumapostura reflexivasãoosproblemasqueencontraaorealizaratarefaeducativa.Seoeducadornãotiverdesenvolvidoumacapacidadeprofunda,rigorosaeglobalderefletir,suaspossibilidadesdeêxitoestarãobastantediminuídas(SAVIANI,1996,p.26).
Giroux (1997)desenvolveaconcepçãodoprofessorcomointelectualcrítico,cujareflexãoécoletivanosentidodeincorporaraanálisedoscontextosescolaresnocontextomaisamploecolocardireçãodesentidoàreflexão:umcompromissoemancipatóriodetransformaçãodasdesigualdadessociais.Confirma-seessaconcepçãonaspalavrasdeGhedin(2002,p.130)quandoressaltaque a reflexão crítica emana da participação num contexto social e político que ultrapasse o espelho restrito da sala de aula, pois se constitui num contexto de uma sociedade de classe.
Nessecontexto,observa-sequeareflexãoéumatovoluntárioeconsciente.PauloFreire(1997)explicaqueháumníveldeconsciênciacapazdeperceberasproblemáticasadvindasdarealidade,masquenãoestabelecerelaçãocomacriticidade.Istoé,nãodialogacomarealidade,problematizando-aemseusfundamentosúltimos.Oatoderefletirdeveestarinseridonocontextosocialdoeducador.Areflexãodespertaosenso-crítico,desvelandoarealidadeeintegrando-senopensarpessoaleprofissional.PauloFreireescreveoseguinte:
Nocontextoconcreto,somossujeitoseobjetosemrelaçãodialéticacomoobjeto; no contexto teórico, assumimoso papel de sujeitoscognoscentesdarelaçãosujeito-objetoquesedánocontextoconcreto
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para,voltandoaeste,melhoratuarcomosujeitosemrelaçãoaoobjeto.Estesmomentosconstituemaunidade(...)dapráticaedateoria,daaçãoedareflexão.(...)Areflexãosóélegítimaquandonosremetesempre(...)aoconcreto,cujosfatosbuscamesclarecer,tornandoassimpossívelnossaaçãomaiseficientesobreeles.Iluminandoumaaçãoexercidaouexercendo-se,areflexãoverdadeiraclarifica,aomesmotempo,afuturaaçãonaqualsetestaeque,porsuavez,sedevedaraumanovareflexão(FREIRE,1984,p.135).
Lukács(1979)contribuiparaestadiscussãoquandoestabelecea compreensão do homem como ser social, que se constitui narelação concreta (prática social) em que, objetivando o alcancede um fim determinado (posição teleológica), criamecanismos,estabelecemediações,escolheentreasopçõespostas(alternativa)aquemelhorcondizcomoresultadoesperado.Nessecontexto,notrabalhoestácontidoumprocessoqueoautordenominareflexodarealidadenaconsciência,ouseja,arealidade–existente,concreta,síntesedasaçõeshumanashistoricamenteconstituídas–écaptadapelosujeitoeporeleapreendidacomoreflexo,tendoemvistasuatrajetóriahistórica.A realidade, refletidanaconsciência é,pois, asíntesedialéticaentrearealidadeobjetivaeosujeito.Osersocial,aosedepararcomarealidadequeocerca,contémemsipartedestarealidade,aomesmotempoemquenelaestácontido.Aespecificidadedotrabalhodocente,nãomaterial,trazàtonareflexõessobreopapeldestetipodetrabalhonasociedadecapitalistaedecomoestepapeltomaformanaconstruçãodaidentidadedocente.
Marx,referindo-seaoindivíduoenquantosersocial,entendeque:
(...) a exteriorização da sua vida – ainda quenão apareça na formaimediatadeumaexteriorizaçãodevidacoletiva,cumpridaemuniãoeaomesmotempocomoutros–é,pois,umaexteriorizaçãoeconfirmaçãodavidasocial.Avidaindividualeavidagenéricadohomemnãosãodistintas,pormaisque,necessariamente,omododeexistênciadavidaindividualsejaummodomaisparticularoumaisgeraldavidagenérica,
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ouquantomaisavidagenéricasejaumavidaindividualmaisparticularougeral(MARX;ENGELS,1998,p.10).
Umadasdimensõespossíveisdeanálise,noqueserefereàformadeohomemproduzirasuaconsciência,éacompreensãodasforçasreaisqueatuamnaestruturaçãodoseumododeseredepensar.E,nestecaso,isolaraescolaepercebê-lacomoumailhaenãocomoumatotalidadeenvolventecontribuiparaoenfraquecimentodessaproduçãodaconsciência,comomuitobemressaltaMészáros(1993) em sua análise da diferença entre a consciência de classecontingenteeaconsciênciadeclassenecessária.Enquantoaprimeirapercebesimplesmentealgunsaspectosisoladosdascontradições,aúltimaascompreendeemsuas inter-relações, istoé,comotraçosnecessáriosdosistemaglobaldocapitalismo.Aprimeirapermaneceemaranhadaemconflitoslocais,mesmoquandoaescaladaoperaçãoérelativamentegrande,enquantoaúltima,aofocalizarasuaatençãosobreotemaestrategicamentecentraldocontrolesocial,preocupa-se comuma solução abrangente,mesmo quando seus objetivosimediatosparecemlimitados.Estedilemapodeserconsideradonaconstituição e consolidação da identidade profissional de professor.
Aescolaseráumlócusqueocupacadavezmaisgenteeemmaiortempoeque,emboranãoproduzamais-valia,éextremamentenecessáriaaosistemacapitalistaparaarealizaçãodemais-valia;enestesentido,elaseráumtrabalhoprodutivo(FRIGOTTO,1984,p.27).
Pelosargumentosexpostos,épossívelsustentarpeloprocessodeintensificaçãodotrabalhoatesedaproletarizaçãododocenteesuaidentificaçãocomaclassetrabalhadora.Aproletarizaçãonãooperaapenasnocampodasubjetividadedoindivíduo.Elaétambémumamanifestaçãoobjetiva,quesetraduznaorigemsocialdosdocentes,notipodetrabalhorealizado,naformadoassalariamento,nasujeiçãoaosadministradoresestataiseprivados.
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Considerações finais
Aambiguidadedaidentidadesocialdoprofessorépartedoprocesso de profissionalização docente. SegundoNóvoa (1999),amaior complexidade do conhecimento pedagógico permite aespecializaçãodosprofessores,oquenateoriadoscamposdePierreBourdieupodeserconsideradocomoumadelimitaçãodoslimitesdocampo,ouseja,oestabelecimentodecritériosquedefinequemestáounãoautorizadoafalarsobrequestõesdeeducaçãoedeensino.Se,porumlado,cresceacomplexidadedossaberesnecessáriosàaçãopedagógicaeoreconhecimentosocialdosprofessores;poroutrolado,essasituaçãoacabaporalijaramaiorpartedosdocentesdasinstânciasdedecisãosobreoseuprópriotrabalho,ficandoacargode“cientistasdaeducação”eadministradores.Comisso,amaiorprofissionalizaçãoéacompanhadadamaiorproletarizaçãoque,paraalémdosentidoeconômico,tambémdizrespeitoàautonomianosprocessosdetrabalho.
Numaperspectivasociológica,oconceitodeprofissãoconstituioquesepodedesignarporum“constructo”,dadaadificuldadeemdetalharosseusatributos.NalinhadepensamentodeEdgarMorin(apudPENA-VEGA;NASCIMENTO,1999)pode-seassegurarqueaprofissãodeprofessoréumaprofissãocomplexa,naqualimperaaincertezaeaambiguidadedasfunções.Oprofessorexercia,atéosanosde1960,umafunçãosocialtranscendente.Alémdeummodelomoralepolítico,eratambémvistocomoumsacerdoteaserviçodosaber.Asuavidaconfundia-secomamissão.Portanto,serprofessoreraamanifestaçãodeumavocaçãooumissãotranscendente,nãooexercíciodeumaprofissão.
Estudos sociológicos posteriores demonstraram que essaimagemdosatributosdoprofessorfoidestruídapelamassificaçãodoensino,demodoqueelesjáseencontramprofundamenteenvolvidoscom estratégias de poder. Estes, quando a serviço do poder
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dominante,funcionamcomoideólogosprofissionais(ALTHUSSER,1974),agentesdereproduçãocultural(BOURDIEU;PASSERON,1992)ouagentesdecontrolesimbólico(BERNSTEIN,1977).Noutravertenteeexplorandoascontradiçõessociaisqueassolamasescolas,HenryGiroux(1986)defendeavocaçãointelectualdosprofessoreseasseguraquenemtodossãoconservadores,muitopelocontrário,estãoempenhadosnatransformaçãodasociedade.
O professor viveu/vive a contradição, a ambiguidade, dadefiniçãosobreocaráterdesuaprofissão.Estefoiumdosfatoresquegeroudificuldadenaorganizaçãosindicaldestesprofissionais.Setendencialmenteautônomos,seorgânicosàsclassessubalternas,sepoliticamentecompromissadoscomatransformaçãodasestruturassociais e se “proletarizados”, por que os professores estariamsendoincapazesdereverteràposiçãoemquehojeseencontram,sobretudo, em sociedades do tipo da brasileira?O aumento damobilizaçãosindicaleaadesãoexpressivaemgreves,sobretudonasredespúblicas,nãoimplicamnaconstituiçãodeuma“consciência”declasseproletáriaenãoalienadadosprofessores,mesmoquandoestessevejaminseridosemumprocessodepauperizaçãoeconômica.
Pode-seafirmarquedocênciaeeducaçãocoexistemdeformaambígua na nossa sociedade.Ninguém nega a importância daeducação.Contudo,odesprestígiodacarreiradocenteéevidente.Odesenvolvimentodaprofissãodeprofessorouprofessoranãoproduzenriquecimentopróprio,nãogerastatus,podereprestígio,comoemoutrasprofissões.Comosenãobastasse,oprofissionaldaeducaçãotemqueconvivercomumcenáriodeviolêncianoambienteescolar.Todosestesproblemascorroemacarreiradocenteedesestimulamjovensuniversitáriosaingressaremnaprofissão(OLIVEIRA,2010).
Submetido em 24 de maio de 2012 e aceito para publicação em 30 de julho
de 2012.
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