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JOSÉ MARTINS JÚNIOR
RESENHA CRITÍCA DO LIVRO TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO DE
GEORGE ELDON LADD
São Paulo
2016
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JOSÉ MARTINS JÚNIOR
RESENHA CRITÍCA DO LIVRO TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO DE
GEORGE ELDON LADD
Resenha crítica apresentada em cumprimento às
exigências da disciplina de Teologia Bíblica do curso em
Doutorado em Ministério do Seminário Servo de Cristo,
ministrado pelos Professores Estevan Kirschner e
Johannes Bergman em março de 2016.
São Paulo
2016
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DEDICATÓRIA
Ao Deus manifestado em Cristo, pelo amor demonstrado a mim quando me salvou do pecado
e por sua misericórdia em minha vida, me permitindo estudar e avançar no conhecimento das
Sagradas Escrituras. A minha esposa Vera que tem me animado na continuidade dos meus
estudos e comigo tem procurado encontrar em Deus e em sua Palavra a sabedoria, o
verdadeiro sentido de tudo que estamos fazendo agora.
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AGRADECIMENTOS
A Igreja Batista em Vila das Belezas que tem me dado o sustento e o tempo necessário para
me dedicar a esta formação e as ovelhas e professores que são sempre fonte de inspiração e
alegria. Sem companheiros e colaboradores não há alegria nesta tarefa.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................6
EVANGELHOS SINÓTICOS ...................................................................................................9
O QUARTO EVANGELHO ...................................................................................................13
IGREJA PRIMITIVA ..............................................................................................................16
PAULO ................................................................................................................................... 17
HEBREUS E EPÍSTOLAS GERAIS ......................................................................................23
APOCALIPSE .........................................................................................................................26
UNIDADE E DIVERSIDADE ................................................................................................28
COMENTANDO LADD .........................................................................................................31
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................36
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma resenha crítica de LADD, George Eldon. Teologia do Novo
Testamento – Edição Revisada. São Paulo: Hagnos, 2014. 904 pg. Do original de 1974
publicado por Wm. B. Eerdmans Publishing Co., título original A Theology of the New
Testament – Revised edition.
George Eldon Ladd nasceu 31 de julho de 1911 e faleceu em 05 de outubro de 1982,
após um derrame em 1980, que deve tê-lo debilitado muito. Converteu-se em 1929 em uma
igreja metodista. Foi, no entanto, pastor batista e professor de Exegese e Teologia do Novo
Testamento do Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, Califórnia conhecido no campo
da escatologia cristã e por sua contribuição para o conceito da escatologia inaugurada e
futurista, conhecida como pós-tribulacionismo. Ladd nasceu em Alberta - Canadá e foi criado
na Nova Inglaterra. Estudou teologia na faculdade de Gordon, em Massachusetts e foi
ordenado ao ministério pastoral em 1933, pela Convenção Batista do Norte. Pastoreou igrejas
em New Hampshiree Vermont, enquanto continuava seus os estudos superiores no Gordon
Divinity School. Ladd serviu como professor no curso de Teologia e Missões no Gordon
College, (hoje conhecido como Gordon-Conwell Theological Seminary) Wenham,
Massachusetts de 1942 a 1945. Atuou, também, como professor de Novo Testamento e Grego
Bíblico de 1946 a 1950, e foi chefe do departamento de Novo Testamento de 1946 a 1949. Ele
estudou, também, na Universidade de Harvard, sendo que durante este período completou sua
tese de doutoramento sobre A Escatologia da Didaqué (livro apócrifo do segundo século
importante para a reconstrução da vida e Teologia da Igreja Cristã primitiva). Ladd se mudou
para a Califórnia em 1950, e ensinou teologia bíblica no Seminário Teológico
Fuller, Pasadena. Fuller, na ocasião, estava no quarto ano da sua fundação, ou seja, no início
de sua jornada, quando Ladd se juntou ao corpo docente e Hagner observa que ele "se tornou
uma das figuras-chave no desenvolvimento direção do seminário."
A obra mais conhecida de Ladd, Teologia do Novo Testamento, tem sido usada por
milhares de seminários e estudantes desde sua publicação em 1974. Em uma pesquisa
conduzida por Mark Noll, em 1986, o livro foi classificado como o segundo livro mais
influente entre os estudiosos evangélicos, perdendo apenas para as Institutas de Calvino. O
livro Teologia do Novo Testamento foi melhorado e atualizado por Donald A. Hagner em
1993. A crença de Ladd em ambos os aspectos presentes e futuros do Reino de Deus, fez com
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que seus opositores comparassem e avaliassem sua escatologia como Amilenismo, que na
época era muito popular dentro de círculos teológicos reformados. Apesar destas
comparações, Ladd não era um reformado propriamente, e de fato rejeitava a visão calvinista
da doutrina da salvação. John Piper diz que o desejo de Ladd estava na direção da busca por
credibilidade acadêmica, e relata como Ladd "estava quase desfeito emocionalmente e
profissionalmente" por ocasião da revisão critica negativa feita por Norman Perrin sobre o
livro Jesus e do Reino, mas conta, também, como Ladd reagiu após com o reconhecimento do
livro Teologia do Novo Testamento: ¨Ladd andou pelos corredores do Fuller gritando e
acenando um cheque de royalties quando Teologia do Novo Testamento foi um sucesso
impressionante dez anos depois.¨
Ladd era um proponente notável e moderno do Pré-milenismo histórico, muitas vezes
criticado pela visão dos dispensacionalistas, uma versão dentro do próprio pré-milenismo. O
dispensacionalismo foi de longe a visão mais amplamente difundida entre os evangélicos
durante meados do século XX, a qual Ladd se opunha. Seus escritos a respeito do Reino de
Deus (especialmente sua visão da escatologia inaugurada) tornaram-se uma pedra angular da
teologia. Sua perspectiva é expressa em O Significado do Milênio: Quatro Visões, RG Clouse,
editado por Downers Grove da InterVarsity Press em 1977. O menor e mais acessível dos
seus livros é O Evangelho do Reino (Paternoster, 1959). Em 1978, uma antologia foi
publicada em sua honra. Unidade e Diversidade na Teologia do Novo Testamento: Ensaios
em honra de George E. Ladd que incluía contribuições de Leon Morris, William Barclay, FF
Bruce, I. Howard Marshall, Richard Longenecker e Daniel Fuller. Antes de sua morte temos
informações de que pretendia fazer reedições e modificações no livro Teologia do Novo
Testamento. Este trabalho foi melhorado a atualizado por Donald A. Hagner em 1993. A
terceira edição que é a que dispomos, tem no capítulo 45 um apêndice escrito por David
Wenham falando exatamente sobre a Unidade e Diversidade no Novo Testamento, os mesmos
ensaios em sua honra e memória.
O livro está dividido em oito partes, incluindo a introdução e o apêndice, sendo elas:
os Evangelhos sinóticos, o Quarto Evangelho (Evangelho de João), A Igreja Primitiva (Atos
dos Apóstolos), Paulo (que inclui as cartas às igrejas e as epístolas pastorais), Hebreus e as
Epistolas Gerais (em seção única) e Apocalipse. Em cada seção ele discute questões de
autoria, mas sem muita ênfase porque o livro não pretende funcionar como uma introdução ao
Novo Testamento e, talvez, porque isto pareça fundamental em qualquer debate sobre textos
antigos. Segue com a temática dos livros, mas nunca deixa de tratar de aspectos de Vida
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Cristã e Escatologia que, como já afirmamos anteriormente, sua veia pastoral e sua teologia
da escatologia inaugura são essenciais. Por abarcar a Teologia Paulina em seção à parte, as
cartas pastorais acabam não recebendo nenhum tratamento especial.
O início do livro é bastante esclarecedor quanto à linha principal de abordagem do
livro Teologia do Novo Testamento e seu objetivo. Ele afirma que
Se os evangélicos protestantes não sobrepujarem sua preocupação com a crítica
negativa em relação aos desvios teológicos contemporâneos a expensas de construir
melhores alternativas para eles, na próxima década já não serão uma força
doutrinária. É para confrontar este desafio que o presente livro foi escrito.1
Ele descreve, assim que sua Teologia segue o papel da Teologia Bíblica, onde se
acompanha o fluxo argumentativo de cada autor bíblico sem a preocupação de sistematizar ou
dogmatizar cada tema. À luz da leitura, a principal força a ser combatida, tendo esta teologia à
mão como ferramenta e arma, é o liberalismo teológico. Podemos ver também, conforme a
citação anterior queria preservar para às gerações futuras os alicerces de uma teologia
conservadora que já parecia estava muito ameaçada. ,
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Pág. 31.
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OS EVANGELHOS SINÓTICOS
O primeiro assunto é João Batista. João Batista é o que anuncia Jesus Cristo como o Eleito de
Deus e como o Filho de Deus. Ladd aproveita a linha histórica conforme apresentada pelo
Novo Testamento e usa, além disto, citações de literatura apócrifa para esta abordagem. João
é o que aponta para a chegada e a necessidade do Reino de Deus para toda a humanidade. A
afirmação de João, e do próprio Cristo a respeito, é de um reino sempre em caráter dualista,
que faz contraste e oposição ao presente século, os termos são, entre outros, agora e depois,
terra e céu, de modo que apontam para um tempo de plenitude onde, talvez, nem haja mais o
próprio tempo. A vitória de Jesus sobre Satanás e os anjos maus aponta para esta vitória cabal
do Reino de Deus, ainda que este mundo não seja considerado completamente mal ou
desprezível por nenhum dos dois, ou seja, João Batista e Jesus. Por causa do pecado o homem
tornou-se mau e o bem supremo da humanidade não pode ser encontrado na criação. Seria
inútil o homem ganhar o mundo e perder a sua alma¨2 (Mc 8: 36). Jesus tem como missão
restaurar a humanidade. O Reino de Deus é a mensagem central de Jesus e é caracterizado por
irmandade, escatologia e proximidade de Deus. Deus irrompe como um ser real e presente,
realizando e finalizando a totalidade do Antigo Testamento, que já se mostrava como em
realização terrena desde o Reino de Davi chegando ao Cativeiro, manifestando seu caráter
transcendente e imanente desde então, um Reino que em Cristo veio do alto, mas entrou na
história, no tempo e no espaço. Este Reino inaugura a Era da Salvação presente que tem como
características e manifestações e representadas pela tomada a força (denotando a luta contra as
trevas), ilustrada nas parábolas de Jesus (que contrastam o fato de que o Reino se manifesta
nesta realidade presente e alguns a percebem e outros não), seu contato com as pessoas que
inclui cura física e a cura da alma. Este Reino mostra que a Justiça só é possível com Deus. O
Deus deste Reino é um Deus que busca seu povo, o julga e o salva. Outra caraterística
importante deste Reino é a sua presença visível, mas mesmo assim oculta e escura, conforme
podemos ver claramente a aplicação de Isaías 6: 9, 10 em Mateus 13: 14, 15. Ao mesmo
tempo ele se manifesta de modo claro, visível e audível o conteúdo desta mensagem que
apresenta a chegada do Reino de Deus, ele está oculto ou escondido para aqueles que não
creem, porque sem sua fé tais verdades lhes ficam ocultas. O Reino é assim uma revelação e
um mistério. O Reino é também Israel e a Igreja. O Reino cria a Igreja, e esta é composta por
2 Pág. 78.
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aqueles que estão sob a vontade de Deus. Pedro, segundo Ladd, é de fato o portador das
chaves dos céus, ou das chaves de entrada a este Reino Ele afirma isto lembrando a
repreensão que Jesus fez aos fariseus os acusando de impedir o ingresso de alguns ao Reino
de Deus. O Reino se manifesta no presenta na vida dos crentes em sua ética, que é absoluta,
ou seja, é interna e externa (o que se pensa, o que se sente e o que se faz), é completa (não há
área da vida que o Reino não toque), visa à justiça e por meio dele, e somente por meio dele,
se obtém graça e recompensa reais.
Jesus é o Messias e o Filho do Homem. Uma pergunta então surge: por que Jesus foi
designado Cristo pelos seus contemporâneos evangelistas se ele não atendia às expectativas
judaicas que já vinham desde Davi? As atitudes e palavras que usou neste sentido não seriam
uma grande encenação para forçar uma intepretação favorável neste sentido, ou seja, ele teria
encenado? O judaísmo realmente aguardava um Sacerdote e um Rei bem diferentes, em perfis
muito mais davídicos, de guerra e conquista. Os Evangelhos apresentam afirmações bem
diferentes disto, sobretudo no aspecto militar, já que Jesus é um Rei pacífico e ensina a amar
os inimigos, mostrando que a compreensão dos Evangelhos apontam claro reajuste da visão
de quem é e quem seria o Cristo, ou seja, em oposição aos conceitos judaicos vigentes quando
de sua primeira vinda. Em Pedro vemos que ele é o Cristo (Mt 15: 16) e que Jesus não poderia
simplesmente representar ser o que não era porque alguns fatos, como a cruz, dependeriam de
muitos outros fatores para acontecer, inclusive combinar com seus opositores tal encenação.
Segundo Ladd,
A explicação mais natural para estes fatos é que Jesus agiu como o Messias; contudo,
um Messias muito diferente das expectativas judaicas daquela época. É difícil crer
que Jesus tenha desempenhado um papel de forma involuntária, o qual não estivesse
consciente. Ele, certamente, sabia que era o Messias.3
Filho do Homem parece ser a apresentação, atribuição ou característica preferida do
próprio Jesus porque das 75 ocorrências no Novo Testamento apenas uma não está em sua
boca, está na boca do Estevão em Atos dos Apóstolos 7: 56. O título Filho do Homem não
aparece nos registros da Igreja Primitiva porque ela simplesmente não usava este título. Filho
do Homem é um ser divino que desce a terra na forma humana conforme o livro de Daniel e o
livro das Similitudes de Enoque 37: 71 que é um livro apócrifo que esclarece a escatologia da
época e nos ajuda a sincronizar a terminologia. Nos Evangelhos Sinóticos esta terminologia se
reafirma na vida de Jesus na Terra, nos detalhes do seu sofrimento, n as agruras da sua morte
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e em toda a seu discurso escatológico. Ladd apresenta, para justificar estas muitas faces do
Filho do Homem, uma tabela de textos nas páginas 198 e 199 apontando os temas o Filho do
Homem terreno, o Filho do Homem sofredor e o Filho do Homem apocalíptico e as
respectivas referencias bíblicas.
Jesus é também o Filho de Deus. Este título carrega em si uma serie de implicações de
natureza nativista (ter nascido de uma mulher, no tempo e no espaço), moral e religiosa (de
ser cuidado por Deus), teológica (de participar da natureza de Deus), e de ser o homem
divino, homem-Deus (pessoa teantrópica). Ladd defende que a importância deste título deve
recair, sobretudo, em sua natureza. E que títulos com Kyrios (Senhor) é que devem carregar
seu Senhorio, Sua Assunção. O debate sobre o Jesus Histórico e o Jesus da História também
surge em Ladd e ele afirma que, a despeito da insistência de muitos ao interpretar Jesus sem
suas características transcendentes, ou de afirmar que a história é o resultado de interpretações
pessoais, ou da critica da forma que debate o relato de pontos de vistas diferentes como
imprecisos e meros excertos interpretativos, ele insiste que o Jesus histórico é exatamente o
mesmo dos Evangelhos. Deve prevalecer o conceito de que os Evangelhos são o resultado
pontual de testemunhas oculares: os discípulos. O segredo messiânico que implicaria em uma
farsa histórica, que explicaria que o próprio Jesus ao negar tal título indicava não se
considerar o Filho de Deus com todas as suas implicações, mas que a igreja teria então
insistido nesta tese construindo um entendimento falso que seria negado pelo próprio Jesus,
implicaria na construção de uma falsa tradição a este respeito, criada como uma ideia pós
ressureição, segundo Ladd não se justifica por uma serie de outras evidências de seu
ministério terreno que apontam que o próprio se afirmava Filho de Deus e que o
reconhecimento deste título já existia muito antes da sua ressurreição. Além do mais, ainda
em relação ao segredo messiânico podemos invocar textos que ele afirma que ainda não era o
momento de ser revelado, o que mostraria que não é uma negação do fato, mas da necessidade
de que o momento certo para a Revelação fosse aguardado: ¨ainda não é chegada a minha
hora¨ (Jo 2: 4).
Jesus como Rei de Israel, como Rei glorioso, como Rei de um reino manifesto em
Grande Poder (Mt 2: 2, Lc 1: 32, Mt 25: 34, Lc, 22: 29-30) também já eram títulos
perfeitamente defensáveis durante sua vida terra antes da ressureição. Ironicamente, na
conversa do próprio Jesus com Pilatos temos a confirmação de que este conceito já era claro
no Evangelho de João 18: 33, 38.
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A Igreja Primitiva entendia sua missão como simplesmente: Ele morreu por nós. Ele
foi humilhado injustamente conforme predito, e sua morte tem caráter messiânico, expiatório,
substitutivo, sacrificial e escatológico. Na cruz ele sofre a vergonha e o desamparo do Pai,
mas ao final triunfa. A Escatologia é assunto presente e bem definido em Ladd, já iniciando
nos sinóticos. O Estado Intermediário, seja como for, é na presença de Deus. Quanto a
Ressurreição, devemos destacar seu caráter corpóreo. O inferno, por sua vez, recebe diversos
nomes indicando, com isto, para Ladd, muitos sinônimos de um mesmo lugar, o Reino vem
como consequência do Juízo, o tempo de sua chegada é iminente, mas demorado e incerto (¨já
e não ainda¨). Ladd chega a afirmar que a interpretação da chegada breve do Reino pode ser
uma má interpretação de suas palavras.
O problema sinótico também merece atenção em sua teologia, mas diferenças e
igualdades não são mais do que pontos de vistas dos próprios autores. Mateus foca em seus
cinco grandes discursos (Sermão do Monte, Chamado dos Setenta, Parábolas do Reino,
Missão da Igreja e Tempos Finais). Os principais temas em Mateus são: sua Cristologia muito
mais exaltada que nos outros Evangelhos sinóticos, a relação de Jesus com a Lei, Jesus e
Israel e sua Igreja, ainda que ele não aponte e não pareça indicar um fracasso de Israel, mas
que uma nova comunidade unida pelo arrependimento e pela fé surja antagonicamente aos
laços sanguíneos tão exaltados pelos judeus. Marcos é o relato mais apaixonado e dinâmico
dos três. Sua Cristologia privilegia o Messias Filho de Deus, seu paradoxo humano e seus
milagres (segredo messiânico, conforme já falamos interiormente o qual não é um segredo
propriamente dito), o intenso trabalho de ensinar e assistir os discípulos já que a missão
depende de sua compreensão. Ladd chega a sugerir que falar de Teologia em Marcos é um
absurdo, mas deixa em suspensão tal ideia ao afirmar que em Marcos o que temos são
cinquenta por cento de ação e cinquenta por cento de ensino. O Evangelho de Lucas, por fim,
é o maior e deve ser lido com Atos dos Apóstolos, seu complemento, ideia bem solidificada.
O Evangelho de Lucas e Atos enfatizam a conquistas e a salvação dos gentios nos mesmos
moldes e intensidade que aos judeus, a oração enfatizando a vida de oração do próprio Jesus,
a História da Salvação, Judeus versus Gentios (ou Israel e a Igreja), Boas Novas aos pobres, a
presença do Espírito Santo, e o poder do Evangelho no mundo todo.
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O QUARTO EVANGELHO
A primeira questão levantada por Ladd é a que, de fato, o Evangelho de João deve ser
estudado separadamente dos Evangelhos Sinóticos e que a sua teologia se difere em muito dos
sinóticos. Ele não menciona muitas coisas como nos sinóticos como, por exemplo, o
nascimento de Jesus e seus exorcismos. Ao contrário dos sinóticos, que apresentam as
parábolas e grandes discursos, o Evangelho de João apresenta grandes diálogos. A ênfase
inicial é a de que sem arrependimento não há a presença do Reino. A Vida Eterna, termo
teológico muito importante no quarto Evangelho, já começou, está vigente e disponível agora.
É um Evangelho de dualismos e da Identidade messiânica como EU SOU, titulação que lhe
valerá muito debate e perseguição. Ladd defende a autoria menos tardia (90 d.C. é a data
apontada por muito estudiosos e comentaristas) para o Evangelho de João, algo em torno de
60-70 d.C. já que acredita que ele não está necessariamente debatendo com o gnosticismo,
que é mais tardio4, mas com outras tradições paralelas e muito semelhantes, como as da
Comunidade de Qumram. O dualismo Joanino é visto por Ladd verticalmente e
horizontalmente. Verticalmente o mundo de cima e o mundo de baixo, luz e trevas, carne e
Espírito. Horizontalmente, a humanidade criada no cosmos está em inimizade geral, há
pecado e incredulidade, mas o Logos entrou no mundo, e constrói este dualismo horizontal – a
vida já se manifestou em um mundo de morte, que jaz no Maligno5. Neste mundo temos os
filhos de Deus e os filhos do Diabo, conforme o diálogo de Jesus com os judeus religiosos no
capitulo oito do mesmo Evangelho. O dualismo joanino, no entanto, não pode ser confundido
ou meramente posto lado a lado com o dualismo da Comunidade de Qumram6, já que poderia
ser contra este dualismo que João estaria dialogando. O Logos, expressão grega de grande
importância, é o tema independente e central da cristologia joanina. Filo compreendia o Logos
como a intermediação do Deus transcendente com sua criação. Poderia ser a Sabedoria
personificada. O uso teológico de João aponta em outras direções. É o ser pré-existente, o
agente próprio da Criação, o agente que se fez carne, aquele que revela a Vida, a Luz, a Glória
4 Segundo muitos comentaristas e estudiosos, não podemos realmente falar de Gnosticiscmo no cristianismo
antes do final do século II como uma doutrina estruturada. Assim, João estaria lidando com a influência inicial
do helenismo no cristianismo. 5 Estas ideias e afirmações estão mais presentes nas Epistolas Gerais de João mais à frente, mas defendemos a
ideia de que sejam da mesma autoria e vindicamos tal compreensão. 6 Para uma melhor discussão sobre as diferenças e semelhanças entre os dualismo cristão e da Comunidade de
Qumram, podemos indicar o pequeno, mas importante livro de Gervásio Francisco Orrú da Editora Vida Nova.
Inclui a desconstrução da filiação de João Batista e de Jesus à comunidade de Qumram e quaisquer outros
débitos da igreja Primitiva relativamente a mesma comunidade.
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de Deus. Sua Cristologia também abarca os conceitos de Messias, Filho do Homem, Filho de
Deus (figura bem presente nos ditos de Jesus descritos neste Evangelho, o qual não apresenta
nenhuma reticencia ao usar o título). Jesus é o mediador da Vida em todos os sentidos
possíveis. O Grande EU SOU Jesus é igual a Deus, mas em João se exalta, também, assim
como nos sinóticos, toda a sua humanidade.
Outro tema importante no Evangelho de João é a Vida Eterna, e ele dedica muito
espaço a este assunto. No contexto judaico é a vida duradoura e de qualidade infinita. O
gnosticismo o entende como a vida essencial percorrida em estágios. Nos sinóticos é a bênção
escatológica, ou seja, que ainda há de vir. Em João, é completa e presente. Por meio do
conhecimento da obra do Filho de Deus, através de um relacionamento pessoal com Ele, pelo
conhecimento da Verdade (que aqui é também descrita por Ladd como relacional e
existencial) esta Vida Eterna se concretiza. Tal verdade no AT é sinônimo de realidade dos
fatos, de fidelidade e de palavra que seja confiável, em João é a Revelação e incorporação em
Cristo do proposito de Deus.
A vida cristã em João, segundo Ladd, é a vida de fé. Nos sinóticos a vida cristã é
presença e poder do Reino de Deus, em João é demonstração da presença e poder de Deus em
Cristo. O conhecimento relacional é a demonstração desta fé verdadeira e, ¨dessa forma, é um
elemento constituinte da fé genuína¨.7 Como elemento da vida Cristã, segundo o autor, temos
a predestinação (João 15: 16), a permanência do crente em Cristo, a ética se resume ao
exercício do amor, a igreja é composta de judeus e gentios, ovelhas de outro aprisco, e se
fundamenta nos sacramentos dos quais o batismo é o fundamental, mesmo que João não seja
um sacramentalista.
Ainda na tentativa de dialogar com o seu tempo, o Espirito Santo em João é
apresentado por Ladd em comparação com o Helenismo (pneuma com substancia pura), como
o ruach (no Antigo Testamento o Espirito criativo de Deus), nos sinóticos (aquele que
capacitou Jesus e seus discípulos). Em João, Jesus viveu sua missão no Espirito e o deu a seus
discípulos e podemos, segundo Ladd, falar até em Pentecoste Joanino (João 20: 22), mas que
é diferente do de Atos 2 porque poderia fazer deste segundo algo desnecessário. Nascer do
Espirito é um tempo joanino específico. O Espírito Santo também é apresentado como
Paracleto (gr.) traduzido como confortador, aquele que torna forte, fortalecedor, advogado,
interprete, mediador, instrutor. Ele é o outro Jesus, porque Jesus disse: ¨Não vos deixarei
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15
órfãos!¨. A missão do Espírito Santo em João é interior, expressa na metáfora dos rios de água
viva, capacitando, habitando permanentemente, ajudando a pregar. Para com o mundo é um
acusador.
A escatologia joanina é declarada como já em realização, existencial, mas não pronta
ainda, assim ainda faltam elementos para sua conclusão. Há uma ênfase no dualismo
escatológico (o contraste terreno da chegada do Logos e a realidade do pecado e do mal) e não
no escatologismo vertical (a chegada final do Reino aqui). A vinda de Cristo é uma tensão
entre a primeira e a segunda parousias, a ressureição é a nova vida e a vida futura, o juízo é
presente e futuro.
Ladd, assim, ao comparar os sinóticos com a teologia joanina, assevera que a teologia
joanina difere, sobretudo, em seu aspecto terreno já em realização, ou seja, muito da teologia
joanina é visto como em realização, mas com pontos culminantes no futuro, quando a teologia
sinótica coloca muitos destes mesmos fatos apenas no futuro, em uma intervenção futura e
brusca.
O próximo assunto é Atos dos Apóstolos, mas Ladd prefere chamar de Igreja
Primitiva.
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IGREJA PRIMITIVA
A questão crítica da autoria sempre surge nos comentários de Ladd e as suspeitas sobre a não
autoria lucana recaem sobre conceitos que o livro traz e que teriam se solidificado muito mais
tarde. Outra questão que, longe de desmerecer o livro em si, mas traz ao mesmo um tom de
frustração, é a facilidade com que personagens surgem e desaparecem no livro sem a mínima
cerimônia. A teologia da Igreja Primitiva, para Ladd, tem três alicerces: a Ressurreição de
Jesus, O Kerigma Escatológico e a construção da Igreja.
A Ressurreição é o fato fundamental. Jesus pregou sobre sua morte claramente e os
discípulos ficaram atônitos e muito abatidos quando testemunharam este fato, e em função da
sua ressurreição, sofreram grande mudança e muito encorajamento depois. Após ressuscitar
Ele foi visto por muitas testemunhas. A natureza da ressurreição é corpórea, fato fortemente
reafirmado que nos leva ao contrate com o helenismo e o paganismo de então. Após sua
ressureição, destaque-se, Jesus assume novos poderes, mas também come com seus discípulos
(João 20: 14-26). Mesmo podendo atravessar paredes (ou a pedra que fechava o sepulcro) ela
foi removida para que os discípulos pudessem acessar o túmulo vazio. A igreja começou por
causa da ressureição. É certo que o destemor dos discípulos está baseado neste conceito e de
que para a igreja primitiva, é o maior sinal da presença do Reino.
O Kerigma Escatológico nasce na ênfase no sofrimento, morte e ressurreição. A
ressurreição é escatológica, prenuncia o futuro. Atos descreve, também, a ascensão que
prenuncia a glorificação final. Jesus é o Rei messiânico que aguarda a consumação do seu
Reino. Jesus é assim o Senhor Exaltado. A motivação querigmática da comunidade cristã
primitiva está no aguardo de sua volta, assim como o virão subir, nas palavras do Anjo em
Atos 1.
A igreja começa com o Pentecostes com o evento das línguas, onde há unidade (o que
pregam) e a diversidade (como pregam, usando os idiomas dos presentes miraculosamente por
se tratarem de judeus semianalfabetos, senão analfabetos). Os primeiros cristãos não
abandonaram a sinagoga, mas realizavam batismos, a comunhão, o partir do pão. Logo Pedro,
João e Tiago começam a estruturar a igreja e assim romperão em breve com o judaísmo,
principalmente depois da ultima visita de Paulo a Jerusalém. Boa parte desta organização se
baseia na reação às dificuldades que foram surgindo à medida que a igreja se desenvolvia.
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PAULO
Paulo é um fariseu convertido em um homem de três mundos diferentes: o mundo judaico, o
mundo helenista (greco-romano) e o mundo cristão. Estes três mundos exerceram influência
em sua teologia. Pelo lado judeu o monoteísmo estrito e a defesa da Lei de Moisés. Pelo lado
cristão o discurso sobre a Lei e a Graça, a realidade de quem em Cristo tudo se faz novo. Pelo
lado helenista o discurso, o idioma e o dualismo, lembrando também que por ser um cidadão
romano, as características do seu ministério e do final de sua vida são fortemente
influenciadas e facilitadas por isto. A Teologia central de Paulo pode ser resumida, entre
tantos outros temais importantes, pela justificação pela fé, ¨estar em Cristo¨, o novo que
invadiu e mudou o velho, ou a Nova Vida em Cristo. Apontaremos mais temas apontaremos a
partir da análise de Ladd adiante.
Para Ladd, as fontes para o conhecimento, a teologia e os textos de Paulo são sua
prática missionária, pastoral e de reflexão dos fundamentos judaicos que já possuía desde a
mais tenra idade. Além disto, teve como fundamento de sua teologia as fontes orais da época
com as quais teve contato, incluindo da sua relação com os apóstolos. No entanto, chama a
atenção o silêncio de Paulo em relação a fatos e sobre detalhes das palavras do próprio Jesus.
Conforme veremos mais adiante, para Ladd, este distanciamento ou silêncio, podem ser
falsos. Em suas palavras, no entanto, a autoridade de suas palavras e apostolicidade estão,
sobretudo, em seu chamado direto feito pelo próprio por Cristo no Caminho de Damasco, o
que o colocava em pé de igualdade com os apóstolos, colocando o conteúdo querigmático e
pneumático de suas expressões, ditos e escritos como Palavra de Deus. Paulo se valia do
Antigo Testamento, principalmente da versão da Septuaginta. Ladd aponta como temas
centrais da teologia, além das que indicamos há pouco: a humanidade sem Cristo, a pessoa de
Cristo, a expiação de Cristo, a justificação e a reconciliação, a psicologia paulina, a nova vida
em Cristo, a Lei, a Vida Cristã, a Igreja e a Escatologia Paulina.
Paulo não ensina o dualismo cosmológico, mas escatológico, ou seja, realidades
espirituais coexistem, mas haverá um dia final que inaugurará a entrada em uma nova
realidade. O mundo, ou Kosmos (gr.), diz respeito à humanidade caída, portanto, distante de
Deus. Estamos envoltos em uma realidade material e espiritual que abarca a presença de anjos
bons e maus em luta e conflito constante, as potestades do ar no circundam conforme Efésios
2: 1,2. Adão, enquanto representante da humanidade caída, estabelece o padrão da revelação
18
natural na qual Deus se revela por meio da consciência, ou seja, manifesta o que é o pecado, a
lei, a carne, a morte, a ira de Deus, ou seja, termos que descrevem a humanidade sem Cristo e
da qual a humanidade pode, com reflexão, concluir sua própria condição conforme Romanos
1-2.
Cristo, provedor da salvação é o Messias, o Senhor, o Filho de Deus e o último Adão.
A cristologia de Paulo é elevada. Jesus é subordinado funcionalmente a Deus, mas ser divino
de mesma natureza e autoridade. Ele reconcilia a humanidade com Deus por meio do amor,
sacrifício vicário, substitutivo, propiciatório (capaz de aplacar a Ira de Deus), redentor e
triunfante. A Teologia Paulina, tratando-se de um judeu, é fundamental neste aspecto. A longa
tradição monoteísta estrita radicalizada após o Exílio Babilônica, teve seus alicerces abalados
com a presença de Jesus se auto afirmando Filho de Deus, portanto, Deus também. Paulo, em
sua teologia, se esmera por mostrar que Cristo é Deus entre nós, assim o Messias e Senhor.
Ao mesmo tempo afirma e argumenta sua humanidade, mas agora, por meio da afirmação de
Cristo com o último Adão.
A justificação é tema central em Paulo (podemos ver isto em Romanos 58), como ato
declaratório da nova condição humana ¨em Cristo¨ pela fé. Seu caráter é escatológico, ou seja,
o novo está em Cristo invadindo o velho e fazendo tudo novo. As afirmações paulinas têm
caráter, aspectos e terminologias legais e forenses, falando da suspensão da pena do pecado
por meio da quitação da dívida, nos quais pecados são perdoador e as culpas são eliminadas.
Do mesmo modo que o pecado foi imputado a toda humanidade em Adão, a justificação é
imputada pela fé em Cristo. Assim, Deus reconcilia a humanidade consigo. Tal reconciliação
tem sempre como sujeito o próprio Deus, e tem o homem como seu favorecido ou
beneficiário, mas nunca seu agente. O resultado é que o homem tem paz com Deus e pode se
reconciliar, também, assim com também se reconciliar com seus semelhantes.
Quem é o homem para Paulo? Ladd foge do debate infrutífero da dicotomia e
tricotomia e afirma a unidade do homem no conceito paulino, assim como no conceito
judaico. Deste modo, Paulo usa diversos termos para descrever o ser humano sem, contudo,
demonstrar qualquer natureza dicotômica, tricotômica ou mesmo multipartítede. Os homens
são nephesh (seres viventes) para as relações entre si, e ruach na sua relação com Deus, na
8 Durante as aulas vimos com os capítulo 6 de Romanos no qual Paulo afirma que é impossível ao homem
justificar-se e viver por meio dos seus próprios esforços em obedecer a lei, em Romanos 7 da impossibilidade do
homem conduzir-se pela caminho da vida, e apenas finalmente no capítulo 8 de que está possiblidade está na
Vida no Espírito, tendo o capítulo 5 como prelúdio desta obra de Cristo sobre a vida dos que creem.
19
terminologia judaica. Em Paulo todo homem é pneuma, mas o homem sem Cristo é pneuma
estagnado e sem vida. Soma, o conceito visível da humanidade, o corpo, também deve
glorificar a Deus por meio da sua mortificação, não por meio de práticas ascéticas, mas por
meio do Espirito Santo e para a glória de Deus. Vale notar que para Paulo, o corpo é o templo
do Espírito. Sarx é o corpo em sua aparência, usado no sentido ético como pecado em
contraste com vida no espirito. Ainda assim, uma unidade em contraste com o dualismo
grego. Ele também usa a palavra coração (kardia), é algo interior que sente e vive, assim
como mente ou entendimento para expressão atributos de conhecimento, pensamento,
julgamento, especulação e reflexão. O homem interior é usado para o ¨eu superior¨, em sua
luta do bem contra o mal travada internamente. A consciência (synedesys no grego e leb no
hebraico) como um guia interior de valor relativo já que o veredicto final é sempre de Deus.
Não há em Paulo qualquer elemento da constituição humana que escape às vistas de Deus e
que não possa glorificá-lo, ou que escape ao processo de redenção. Em 1 Coríntios 15 ele
afirma a transformação dos corpos, por exemplo, mas ainda assim corpos que herdarão o
Reino de Deus.
A nova vida em Cristo é a vida total, uma nova realidade escatológica já como
realidade presente. Em Cristo, pela fé somos absorvidos por esta nova vida, no Espirito e não
na carne para qual nele a humanidade está morta, morta para viver para Ele. O Senhor é o
Espírito, espirito vivificante e esta nova vida requer uma decisão. A terminologia que talvez
melhor expresse isto seja andar em Espírito, de modo a não satisfazer as vontades da carne
conforme podemos ler em Gálatas 5: 16.
A Lei é outro tema fundamental. É, no entanto, o ponto de vista cristão sobre a luta
entre a Lei e o Legalismo, e não sobre a invalidade total da Lei per si. A Lei implica filiação,
uma intermediária entre Deus e os homens, que regula a relação entre os homens e Deus9. Na
era messiânica a Lei é espiritual e produz vida e justiça por meio de seu poder vivificante que,
por sua vez, também produz tal justiça. Quando Paulo circuncida Timóteo, por exemplo,
parece contradizer a Lei, no entanto, mostra com isto que a Lei ainda está vigente enquanto
estamos aqui e que, além de vínculos étnicos, já que era um judeu, e pelo mesmo motivo, por
questões de natureza cultural, prevalece pelo exercício da Lei, a obediência a Deus, enquanto
judeu. Por lei entendemos os ensinamentos da Torah, e a expressão e Nomos (lei, gr.) Paulo
9 O texto de Romanos 2: 14, mostra que mesmo os gentios estão sujeitos a lei e podem ou não cumpri-la de
acordo com suas obras e vida, mesmo não tendo o conhecimento teórico da letra da lei, conforme é possível a
um judeu ou mesmo a um cristão ou a qualquer um que tenha contato com as Escrituras.
20
usa em relação aos costumes da época. Paulo inaugura a ideia de que o coração deve
acompanhar a obediência externa, conforme vemos em Romanos 2: 28, 29. A lei falhou por
ser uma escrita externa ou para fora, não mudando o homem por dentro. Ele reinterpreta a lei,
dizendo que ela existe para mostra o pecado, condenar. No entanto, não elimina sua existência
porque ela é boa para mostrar quem o homem é.
A teologia da vida cristã paulina para Ladd é representada pela ética social, tendo
como fonte o rabinismo de então, o Antigo Testamento, a cultura grega e o próprio Jesus. A
principal motivação para a ética cristã é a de que o cristão é habitação do Espirito Santo, por
isto deve imitar a Cristo, está unido a Cristo, é habitado por Cristo, segue, como
consequência, um processo de santificação como símbolo de seu pertencimento. Quanto à
escatologia paulina (porque o cristão comparecerá diante de um tribunal divino, e Ladd chega
a sugerir aqui a possibilidade da perda da salvação) e amor conforme podemos ver em 1
Coríntios 13: 13, como diz na página 702:
A motivação mais importante para a vida cristã é o amor. O amor é a Lei de Cristo (Gl 6: 2).
Isto quer dizer que toda conduta ética pode estar contida no principio do amor, como Jesus
ensinou (Mc 10: 30, 31). O amor cumpre as exigências da lei. O Espirito é o espírito de amor
(Rm 15: 30; Cl 1: 8), que derramou o amor de Deus em nossos corações (Rm 5: 5). O fruto do
Espírito nada mais é que um comentário sobre o primeiro fruto, mostrando como o amor
atua (Gl 5: 22, 23). O mais excelente charisma, que todos deveriam ambicionar, é o amor (1
Co 13). É o amor que ativa a conduta humana (Cl 3: 14). O nobre hino de 1 Coríntios 13 está
no centro de todo o ensinamento de Paulino, tanto para a ética individual quanto para a
social.
Outro elemento da teologia da vida cristã de Paulo é a nova vida que deve se impor
pela presença da velha vida porque ¨os cristãos vivem neste mundo, mas seu padrão de vida,
seu padrão de conduta, seus objetivos e suas metas não são deste mundo, pois os deste mundo
são essencialmente egocêntricos e orgulhosos¨.10
Paulo, como já afirmamos, não era asceta,
portanto não dicotomizava o corpo como mau e o espírito como bom, mas ensinava a
severidade com o corpo, o corpo sujeito ao espírito para não se sujeitar ao pecado e a
concupiscência. Uma das tônicas paulinas neste sentido é o celibato, que afirmava como
necessário para que não houvesse distrações em seu serviço cristão e no relacionamento com
Cristo, mas ensinava, também, que alguns, que não pudessem se conter, que se casassem, mas
que teriam sua atenção dividida entre o Senhor e o cônjuge. Ensina a radical separação dos
cristãos de toda e qualquer natureza de vícios, vícios e problemas que Ladd classifica em seis
10
Pág. 704.
21
categorias: sexuais, de egoísmo, de murmuração ou malícia, de inimizades, de embriaguez e
orgias e, por fim, de idolatria. Apesar disto, a ética social de Paulo não parece muito clara
quanto a necessidade de promover mudanças sociais. Outros assuntos como o papel da mulher
(em Cristo elas são iguais aos homens e são a glória dos homens), o casamento (como
instituição importante11
), a escravidão (que Paulo não combate, mas leva em consideração o
devido respeito aos escravos convertidos, para isto vide carta de Paulo a Filemon, onde afirma
que mesmo escravos de homens, os mesmos são livres em Cristo), e a separação do Estado ou
de atitudes de transformação social. Ele afirma que Paulo cria que a Vida Cristã faria grandes
mudança sociais.
Fica claro que Paulo não estava preocupado com as estruturas sociais, mas apenas
como modo como cada crente devia viver sua vida cristã dentro da situação social
daquela época. Ele apresentou princípios que, caso fosse fielmente praticados,
causariam, inevitavelmente, um profundo impacto sobre as estruturas sociais, uma
vez que os cristãos se tornassem um povo influente na sociedade. Porém, em sua
visão, as estruturas sociais pertencem à era anterior, que estava que estavam se
desvanecendo. Não há nenhuma evidência de que Paulo considerava a igreja como
uma estrutura que tomaria seu lugar junto a outras estruturas sociais e as mudaria
para o bem.12
A igreja, que é assunto importante, relevante e presente na teologia paulina, merece
também destaque em Ladd. Em Atos, como Ladd apresenta, não há estrutura organizacional
na igreja, mas Paulo a apresenta, com a ênfase de que os ministros da igreja são orgânicos e
não pessoas com cargos atribuídos. A liderança é composta em função de seus dons, mas
respeita a hierarquia que é muito bem definida que começa com os apóstolos. Antes do Novo
Testamento e as orientações aqui descritas, a igreja se guiava pelas profecias internas e reagia
às dificuldades e desafios que se impunham. Quanto aos dons, Ladd os categoriza em duas
classes: os carismáticos (como as profecias, por exemplo) e os comuns (como socorrer e
misericórdia), o que no dá a entender também que há dons específicos distribuídos para
alguns e outros mais generalizados, os quais se espera que todos tenham em alguma medida.
A igreja é definida como a assembleia, como corpo de Cristo reunido e como um
organismo (não como uma organização). Seus membros são chamados, conhecidos e
compreendidos por Paulo como o povo de Deus, o Israel espiritual, o povo escatológico,
criados pelo Espirito Santo para viver em comunhão como um grupo de eleitos, santos,
11
Paulo em Efésios 5 usa o casamento como metáfora do relacionamento de Cristo com sua igreja mostrando
assim sua grande consideração pela instituição do casamento. 12
Pág. 710.
22
crentes. Chega a sugerir que na ordenança do batismo, o pão representa os próprios crentes
como corpo de Cristo à partir da palavra artos (gr.) em 1 Coríntios 10: 17, no entanto,
baseando-se na interpretação da Didaquê que sugeria que Paulo via os membros da igreja
representados nos pedaços de pão servido durante a Ceia. O batismo é temática importante
também, mas muito mais pelo seu aspecto inclusivo do crente na comunidade cristão do que
do ponto de vista sacramentalista.
Como nas sessões anteriores, Ladd também designa um bloco especial para a
escatologia paulina. Com a presença do Espirito Santo e com a Nova Vida a escatologia já
está presente. Como ainda não recebemos o novo corpo, temos a esperança de ressuscitar
como Cristo ressuscitou. O retorno de Cristo está presente e a teologia paulina aponta todas as
suas implicações (transformações, juízos, vitória sobre a morte, o pecado e o Diabo, etc.).
Paulo dá destaque à apostasia dos últimos tempos e a presença do Homem da Iniquidade. Fala
do endurecimento de Israel e sua futura conversão, mas neste ponto Ladd não destaca
qualquer aspecto de continuidade ou descontinuidade entre Israel e a Igreja. O tema do
Arrebatamento também está nas cartas paulinas. Galardões, salvos pregando no juízo, e
restauração de toda a ordem, são pontos culminantes de sua a escatologia também.
23
HEBREUS E AS EPÍSTOLAS GERAIS
Hebreus
Ladd não entra em detalhes sobre a autoria e destino da carta, mas sugere que são cristãos em
eminente risco de apostasia diante do recrudescimento da perseguição mostrando que Jesus é
maior e pode ajudá-los (vide capítulo 11de Hebreus). Assim, a Teologia de Hebreus gira em
torno da Cristologia que serve de base para fortalecer os crentes diante da perseguição. O
dualismo está presente em Hebreus, há claros conceitos entre aquilo que é cima e o que é de
baixo, entre o que é transitório e perene, entre o que é simbólico e o que é real. De fato, a
carta aos Hebreus é o bem-sucedido esforço de demonstrar como Cristo cumpre
objetivamente todos os símbolos do Antigo Testamento. Jesus é o Senhor e Cristo em
Hebreus, mas Hebreus trata da ressurreição apenas uma vez, ou seja, não é temática central
em sua construção teológica. Jesus, como sumo-sacerdote, é enfatizado em seu aspecto
terreno, mas, sobretudo em seu aspecto espiritual, do alto, mais elevado e superior. O aspecto
de Cristo como autor da Nova Aliança é fundamental, já que para Hebreus ele encerra em si
tudo aquilo predito, prenunciado e esperado na Antiga Aliança. Ele é quem pode aproximar o
homem de Deus e vencer definitivamente as obras satânicas. A vida cristã é vivida pela fé que
pode levar o crente a suprema salvação recebendo também, com isto, todas as esperanças e
galardões prometidos.
Tiago
É uma epístola chamada por Ladd de católica, ou seja, geral ou universal, ao lado das outras
sete cartas. Ladd discute a questão da autoria e sugere, lidando mais uma vez com o
liberalismo teológico da critica textual, sugerindo a autoria entre 125-150 d.C. a teologia de
Tiago tem forte ênfase na prática de vida cristã (uso do dinheiro, como tratar os outros, como
atender as necessidades dos outros, como lidar com pessoas de alta posição social ou
financeira nas reuniões da igreja, etc.) e o fortalecimento diante da perseguição. A igreja em
Tiago é composta por anciãos, se reúne na sinagoga (o que coloca a data de autoria antes de
90 d.C.), composta por mestres.
Segundo Ladd, Tiago não tem muito de especial para acrescentar aos aspectos
teológicos da Vida Cristã. Diz que o pecado gera a morte, fala da luta contra o Diabo, e
24
trabalha aspectos o ¨já e não ainda¨. Reserva um espaço para se posicionar sobre o debate que
vem desde Lutero sobre a canonicidade desta carta, no que diz respeito à comparação entre
justificação pela fé em Romanos e Gálatas e a aparente justificação pelas obras em Tiago.
Segundo ele, Paulo está combatendo a piedade legalista judaica e Tiago a ortodoxia morta, ou
seja, assuntos diferentes. Ao final do comentário sobre a Teologia de Tiago, Ladd convida
seus leitores a procurarem outras literaturas para se familiarizar com a carta e aprofundar
aspectos da Vida Cristã em Tiago.
I Pedro
Pedro escreve, segundo o autor, para os gentios. Ele traz consigo uma série e verdade de
natureza doutrinária. Fala da ressurreição e deste mundo como sendo um mundo mal. A
escatologia petrina é a escatologia da esperança, ou seja, porque o Dia vem devemos nos
manter firmes. Deus é soberano e transcendente. O sofrimento é usado para glorificar a Deus,
o que podemos considerar uma contribuição importante de Pedro sobre o sofrimento e as
desventuras cristãs, mas acentue-se o fato de que se deve sofrer como cristão e não como um
pecador qualquer. A cristologia petrina aponta para sua encarnação e relacionamento com os
seres humanos. A igreja é nação santa, raça eleita, sacerdócio real, propriedade exclusiva e
cita apenas uma vez o batismo e não cita a Ceia. Quando Pedro afirma que pregou aos
mortos, segundo Ladd, significa apenas que anunciou, ou seja, não foi uma pregação para
resgate ou arrependimento, mas um simples anúncio. A Vida cristã é manter a firmeza no
sofrimento e manter um bom comportamento.
II Pedro e Judas
Ladd lê ambos juntos por considerar que tratam do mesmo assunto e tenham o mesmo
propósito: pregar contra os falsos mestres. Ambos são apocalípticos e tratam do conhecimento
verdadeiro como relacionamento com Cristo. Pedro trata da inspiração das Escrituras, sobre
anjos, a Parousia como certa e parece, segundo Ladd, retrucar às ofensas gnósticas diante de
um aparente demora. A carta de Judas carrega quase tudo que está em 2 Pedro. As questões
controversas de Judas ele cita, mas não discute, que são o uso de literatura apócrifa no livro,
originárias do Apocalipse de 1 Enoque e do Livro da Assunção de Moisés.
25
Epístolas Joaninas
A primeira Epistola de João tem conteúdo teológico de claro combate a falsos mestres (de um
gnosticismo embrionário conforme já vimos anteriormente) que negavam a encarnação. O
dualismo é mais uma vez enfatizado, sobretudo no aspecto da luz e das trevas e na experiência
com o Logos (Cristo). A Vida Eterna já se manifestou para dar vida (temática semelhante a do
Evangelho de João). A figura do Anticristo só aparece em João e esta é a sua contribuição
fundamental para o assunto escatológico. A temática do pecado na vida cristã é assunto
relevante no aspecto de que o crente não vive em pecado ou não vive pecando, o que pode
sugerir um debate, mais uma vez, com a cosmovisão gnóstica que asseverava a libertação do
mundo da carne, da realidade material e má pela obtenção de algum conhecimento especial.
Vida cristã é vista em seus aspectos de filiação a Cristo, estar em Cristo, permanecer em
Cristo (como no Evangelho) e, sobretudo, pelo amor que nos faz filhos e semelhantes a Deus.
1 João fala dos cuidados sobre a hospitalidade a falsos mestres e 2 João uma carta a
Gaio a Diótrefes tratando ou de problemas pessoais ou um debate sobre problemas gnósticos.
Ladd não afirma nem uma coisa nem outra.
26
APOCALIPSE
Segundo Ladd é uma Revelação sobre o futuro e a segunda vinda de Cristo. Ele diz que o
livro está dividido em quatro grandes visões. O livro pode ser interpretado de cinco formas
diferentes. A primeira é a passadista, na qual o livro foi escrito para fortalecimento em tempos
difíceis encorajando os crentes a se manterem firmes e indo em frente. A segunda é histórica
na qual os vários povos podem ser identificados pelos eventos descritos. Esta é a visão que,
segundo ele, dá margem para as variantes milenaristas, pós-milenaristas e amilenaristas. A
intepretação simbólico idealista que afirma que os símbolos representam uma serie de forças
atuantes no mundo. A quarta é a futurista extrema que dá margem ao dispensacionalismo
diferenciando Igreja e Israel e planos distintos para cada um deles. E finalmente o futurista
moderado tratando dos eventos que apontam para o fim ainda qu não trata do fim em si
mesmo. Esta ultima parece ser a visão que o mesmo apoia.
Na página 831 ele faz uma afirmação interessante afirmando que não pode lidar com
toda a teologia do livro, mas apenas tratar da mensagem central em três partes. São as que
seguem abaixo.
O problema do mal, ainda que não apresente uma explicação sobre sua origem,
apresenta a derrota da besta pela lealdade a Cristo é a chave da vitória.
A visitação da Ira de Deus, coisa que em nenhum outro lugar do Novo Testamento
traz de modo tão evidente como em Apocalipse13
mostrando, sobretudo que tal visitação é
uma antecipação de juízos condenatórios. Israel citado é não literal e ele chega a esta
conclusão sobre a discutível escolha dos nomes que compõe a lista. Para Ladd a imprecisão
de João da a quanto a lista das doze tribos é um indicativo de que o Israel espiritual
prevalecerá sobre o Israel étnico.
E ouvi o número dos selados, e eram cento e quarenta e quatro mil selados, de todas
as tribos dos filhos de Israel. Da tribo de Judá, havia doze mil selados; da tribo de
Rúbem, doze mil selados; da tribo de Gade, doze mil selados; Da tribo de Aser, doze
mil selados; da tribo de Naftali, doze mil selados; da tribo de Manassés, doze mil
selados; Da tribo de Simeão, doze mil selados; da tribo de Levi, doze mil selados; da
tribo de Issacar, doze mil selados; Da tribo de Zebulom, doze mil selados; da tribo de
José, doze mil selados; da tribo de Benjamim, doze mil selados. Depois destas coisas
olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e
tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro,
trajando vestes brancas e com palmas nas suas mãos – Apocalipse 7: 4-9.
13
Pág. 833.
27
Por fim, a terceira temática que Ladd quer destacar é a Vinda do Reino de Deus, que
virá após a destruição do mal e a das ressurreições e juízos, com homens vivendo em uma
Nova Terra e um Novo Céu. E Deus habitando com seu povo.
28
UNIDADE E DIVERSIDADE NO NOVO TESTAMENTO
Este último capítulo é um apêndice escrito por David Wenham. Neste último momento do
livro ele quer destacar as possíveis tensões existentes dentro do Novo Testamento entre os
diversos livros, cartas e autores. O principal apontamento recai sobre a tensão entre os ensinos
de Paulo e os ensinos de Jesus. Já se falou um pouco sobre isto anteriormente. Por que Paulo
não fala das parábolas e não narra os milagres de Jesus em seu ministério? Outra questão é a
seguinte: como lidar com as divergências existentes dentro da igreja primitiva, sobretudo
quando comparamos Paulo e Antioquia com Pedro, João e Tiago em Jerusalém? É muito
comum ouvir analistas e teólogos afirmarem que em Atos 15 temos uma decisão apenas pró-
forma no Concílio de Jerusalém e sem maiores consequências sobre os gentios e sobre a vida
e teologia de Paulo. Para o primeiro caso podemos ter apenas um silencio, mesmo porque a
tradição oral ainda não estava solidificada nos primeiros escritos e Paulo e nem mesmo
acessíveis a ele em momento mais tardio de se ministério. Quanto à segunda, há muito mais
semelhanças nos ministérios apostólicos como um todo do que divergências, sobretudo nos
aspectos mais importante. Voltando aos Concilio de Jerusalém, em Atos 15, o que temos
claramente é uma decisão de aceitação dos gentios nos termos paulino e petrinos, com ênfase
em que não se contaminem com ídolos e objetos de cultos e alimentação, próprias do
paganismo. Segundo Wenham as tentativas de uma harmonização sempre foram muito
infelizes, mas nos termos corretos são perfeitamente cabíveis.
Havia grupos competindo no Novo Testamento, na Igreja Primitiva? Sim, segundo
Wenham. O movimento helenístico, os movimentos judaicos e os gentios em geral. Isto pode
explicar o porquê do surgimento da aparente tensão entre Paulo e Tiago, quando na verdade
eles estavam expondo os dois lados, só que da mesma moeda. Paulo, quanto aos gentios, deve
ser visto no constante esforço de conciliar os gentios com Jerusalém e vice-versa.
Quando a diversidade, Wenham fala de uma ¨evolução de ideias¨. Temáticas como o
desenvolvimento da teologia do termo Filho de Deus, pouco presentes nos primeiros
movimentos da igreja primitiva, mas muito mais presentes em um segundo momento, a
ressurreição como o grande fato histórico do cristianismo primitivo, são exemplos do que
seria esta evolução de ideias que podem geral a impressão de diversidade na igreja primitiva e
no Novo Testamento.
29
A unidade do Novo Testamento pode ser vista pela continuidade das ideias. Algumas
delas: Cristo retornará logo, mas não antes que algumas coisas aconteçam; o celibato é
importante, mas o casamento é especial; o Espirito Santo guia a igreja, mas ela pode constituir
a sua liderança. A análise do contexto em cada situação esclarecerá melhor esta continuidade.
Paulo realmente parece não se importar com o Jesus Histórico, mas em sua morte e
ressurreição apenas. Mesmo assim, podemos perceber em Paulo comentários que podem ser
associados a seu conhecimento das parábolas de Jesus, como por exemplo, o recebimento de
tesouros ou depósitos no céu. Podemos ver isto se compararmos Mateus 6: 19, 20 com 2
Timóteo 1: 12, por exemplo. Paulo, como outro exemplo, fala do ministério remunerado, mas
Jesus em seu ministério terreno fala de não levar nada, mas falou de levar alforje, espada, etc,
logo após sua partida (Lc 22: 35-38). Paulo está sim comprometido com a unidade o Reino de
Deus, a justiça e a justificação pela fé comprovam isto também.
Wenham tenta mostrar que o ponto central da Teologia do Novo Testamento é a
missão divina de Cristo no Deus que é único. Jesus é o Messias e há uma comunidade dos que
querem segui-lo: a igreja, e haverá uma restauração completa em sua volta. Havia alguma
diversidade sim por causa das diferentes cosmovisões dos grupos cristãos de então, mas os
pontos cardeais de suas teologias eram os mesmos. Deste modo, mais uma vez, vê-se a
dificuldade de enxergar a teologia de modo sistemático. Como exemplo, é reproduzido o no
apêndice de Davi Wenham o pensamento de J. C. Beker que diz que,
No campo da interpretação podemos considerar como uma realização de Paulo sua
capacidade de combinar a particularidade e a universalidade, ou a diversidade e a unidade,
de tal modo que o evangelho não seja simplesmente imposto sobre ocasiões históricas como
um sistema ortodoxo pronto, nem seja simplesmente fragmentado com intuições fortuitas e
acidentais do pensamento... Se os assuntos centrais de Paulo não forem vistos de acordo com
sua importância contingencial, eles naufragarão na abstração de um mero sistema. Contudo, a
menos que o caráter contingencial do evangelho interaja com a coerência daquilo que é
central, a hermenêutica de Paulo se tornará oportunista e incidental, ou até caótica.14
Ele continua no parágrafo seguinte dizendo que uma abordagem semelhante é
aconselhável para todo o Novo Testamento. E ainda diz a respeito de Ladd e do seu livro
Teologia do Novo Testamento,
14
Pág. 881.
30
Este livro pode ser citado com uma evidência deste raciocínio, por tratar deliberadamente as
teologias dos diferentes autores do Novo Testamento separadamente, em vez de fazê-lo
sinteticamente; Ladd destaca de modo eficaz a rica diversidade do testemunho do Novo
Testamento a respeito do Senhor Jesus Cristo, mas, ao longo do processo, também testemunha
de modo eloquente a favor de sua unidade.15
A unidade e a diversidade do Novo Testamento funcionam muito mais para o
esclarecimento de diversas questões do que para o escurecimento de certos debates e
parece haver em Ladd e em seus comentaristas a clara ideia de que há muito mais demérito
do que mérito em tentar fechar os sistemas de modo sintético.
15
Pág. 882.
31
COMENTANDO A OBRA DE LADD
Após a leitura é fácil saber por que um livro de 1974 ainda faz diferença depois de passados
quase quarenta e dois anos. Mesmo tendo passado por revisões e reedições que modificaram e
ampliaram a obra original, sabemos que o conteúdo principal permanece o mesmo. A obra é
fundamental para a compreensão da Teologia do Novo Testamento e pode ser lido por
iniciantes em Teologia e mesmo por estudantes mais avançados com muito aproveitamento.
Nem por isto escapa a críticas negativas. Procuraremos apontar virtudes e defeitos.
O livro é de Teologia, mas tem um aspecto devocional muito interessante, ou seja,
serve ao dia a dia da igreja. Veja por exemplo estas palavras, por exemplo, falando sobre a
ressurreição,
A ressurreição de Jesus não é simplesmente um evento na histórica. Não deveria ser descrita
simplesmente como um evento sobrenatural – um milagre – como se Deus tivesse interferido
nas ¨leis da natureza¨. A ressurreição de Jesus não significa nada menos que o aparecimento
no cenário da história, de algo que pertence à esfera da eternidade! Sobrenatural? Sim, mas
não no sentido usual da palavra. Não é a ¨perturbação¨ do curso normal dos eventos; é a
manifestação de algo completamente novo. A vida eterna apareceu no meio da imortalidade.
Ele mostra assim, que uma óbvia vantagem da Teologia Bíblica sobre a Teologia
Sistemática é o afastamento de uma teologia fria de simples construção doutrinária e a
aproximação de uma teologia prática, experiencial e existencial a partir da aproximação dos
personagens bíblicos e de suas ideias em seus contextos, ou seja, sem fugir das tensões nas
quais viviam e fizeram suas afirmações. De fato, se levada a sério, a Teologia Sistemática tem
a gigantesca tarefa de articular texto por texto que apresenta em seu contexto tornando-se um
empreendimento inviável e de resultado muito duvidoso. O estudo da hermenêutica nos
mostra claramente que a linguagem dos autores bíblicos é nitidamente passional e a teologia
bíblica pode ser uma ferramenta muito mais eficiente para nos aproximar da verdade teológica
de cada texto que foi obscurecida pelo Iluminismo que tinha a razão como seu precedente16
.
Carson também adverte sobre os riscos da exegese e da hermenêutica sob a influencia da
Teologia sistemática, que não leva em conta o que o texto realmente diz porque
16
Alister MacGrath. Paixão pela verdade – a coerência intelectual do evangelicalismo. São Paulo: Shedd, 2007.
Página 87. Neste parágrafo ele está citando o teólogo Johann Philip Gabler, da Universidade de Altdorf, em
palestra realizada em 1787 já criticando e propondo alternativas para a então Teologia Dogmática.
32
Por um lado, existe o perigo de sucumbir a um biblicismo descuidado que interpreta e traduz
textos sem de fato buscar uma síntese que realmente preserve a fidelidade bíblica; por outro
lado, há o risco de confiar nas fórmulas confessionais sem que sejamos capazes de explicar
com alguma profundidade como elas são frutos das reflexões acerca do que a Bíblia de fato
diz.17
Ainda sob estes aspectos devemos lembrar que a veia pastoral de Ladd está presente e
podemos coloca-lo sem maiores observações no rol de teólogos orgânicos, ou seja, aqueles
que constroem Teologia para a Igreja, tornando conceitos complexos acessíveis e procurando
lidar com assuntos de modo mais exaustivo e completo, respeitando, mesmo assim os limites
da compreensão humana e das condições atuais de pesquisa. Existe a humildade de negar a
possiblidade de obter um conhecimento completo e inerrante a respeito de certos assuntos.
A coluna mestre para ele é a Heilgeschicht (A história da Salvação) qual ele afirma
que Pedro, por exemplo, reinterpretou todo o Antigo Testamento da perspectiva da morte,
ressurreição, ascensão e segunda vinda de Cristo na qual sua tarefa messiânica se completa
quando consumar a redenção da humanidade18
. Nas aulas ministradas no curso de Teologia
Bíblica no Seminário Servo de Cristo em fevereiro de 2016 foi possível analisar um
fluxograma muito apropriado sobre a história da salvação como elo entre o AT e o NT e como
a coluna mestre do próprio NT. Vale destacar do fluxograma: criação, humanidade, Israel,
Cristo, igreja, humanidade e Nova Criação. Ou seja, após a Criação temos a queda da
humanidade, Deus chama Israel por meio de quem veio o Cristo, Cristo salva por meio de sua
Igreja toda a humanidade caída e enfim temos uma Nova Criação. O esquema adotado por
Ladd parece de alguma forma seguir o mesmo esquema, pois em todos os capítulos ele
procura pensar nos fundamentos da vida cristã da perspectiva da Vida de Cristo e os eventos
culminantes escatologicamente em todas as situações. Há uma relevância fundamental neste
esquema para a teologia contemporânea por descrever uma metanarrativa que alicerce a
realidade espiritual em Cristo. A História da Salvação é esta grande metanarrativa. Há
fundamentos e propósitos para a criação da humanidade e as respostas sem encontram em
Cristo, e em sua Palavra. Poderíamos falar de uma Hermenêutica a partir da História da
17
D. A. Carson. Jesus o Filho de Deus – o título cristológico muitas vezes negligenciado, às vezes mal
compreendido e atualmente questionado. São Paulo: Vida Nova, 2015. Página 82.
18 Pág. 478.
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Salvação? É certo que sim. Ladd sem dúvida aprovaria esta ideia porque as últimas palavras
do próprio livro corroboram isto: ¨essa é a meta de longo prazo da história da Salvação.¨19
Ladd, fazendo juz ao questionamento da Dogmática e da Sistemática, não tem receios
em questionar alguns fundamentos de sua denominação (Batista) como no caso em que
falando da igreja primitiva afirma que alguns interpretam a Ceia de modo sacramental e
outros de modo simbólico, mas o que deve prevalecer é a identificação de cada crente com
Cristo em sua morte20
, já que esta é a reflexão sugerida por Cristo e por Paulo àquele
momento. Esta coragem é bastante sugestiva. Se por um lado alguns em nosso tempo se
tornaram grandes críticos da noiva de Cristo, por outro lado nenhuma forma de obediência
cega, por mais piedosa que seja, deve ser incentivada. É tarefa da Teologia o saber o porquê
das coisas, buscando respostas em sua origem, fundamentos e intepretações de cada um dos
evangelistas e escritos do NT.
Mesmo tentando preservar uma abordagem mais conservadora, fazendo
constantemente comparações com a obra de Rudolph Bultmann, com destaque para o capítulo
14, citando, constantemente, Karl Barth, da neo-ortodoxia, mas que tinha uma visão
diferenciada da inspiração, ainda sim Ladd cita a hipótese do documento Q diversas vezes
(páginas 264, 273, 366, 869, etc.) como uma verdade a ser defendida ou solidificada em seu
tempo. Não podemos perder de vista que tal documento jamais foi encontrado, que a hipótese
data do período do liberalismo religioso, que se trata de uma hipótese, e que muitos
estudiosos sérios do nosso tempo consideram esta hipótese como algo impossível. É o caso de
Eric Mauerhofer em seu livro Uma Introdução aos escritos do Novo Testamento da Editora
Vida, no qual ele trabalha a hipótese de que Mateus, por exemplo, tenha sido escrito por volta
de 40 a 45 d.C. tendo como fonte seu próprio testemunho, à partir de possíveis anotações21
ao
longo do ministério de Cristo, vindo a completar sua obra poucos anos depois da Assunção.
Lucas, por sua vez, teria se valido de Mateus e Marcos, entrevistas com outras testemunhas e
registrados os Agraphas (não escritos, ou tradição oral) e ainda de valido de outra série de
escritos que poderiam circular na época, mas, como diz o seu próprio Evangelho, após
pesquisa e avaliação. A hipótese do documento Q é desnecessária e improvável.
Ainda outra dificuldade, podemos perguntar: não poderia haver um prisma pelo qual
as críticas à Teologia Sistemática sirvam também como críticas à Teologia Bíblica? A frieza
19
Pág. 839. 20
Pág. 731. 21
Mateus, como cobrador de impostos, possui capacidade de fazer notas e era minimamente alfabetizado.
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da doutrina e os distanciamentos das tensões e problemáticas bíblicas, usadas como acusação
desfavorável à validade da Dogmática ou da Sistemática, podem ser substituídos por um
mosaico de cores, aparentemente desconexas e isoladas da Teologia Bíblica? O vazio não
seria outro vazio, mas ainda sim um vazio? O que podemos sugerir é que todas as temáticas,
assim como o próprio Ladd indica ao procurar seguir o fluxo natural do Novo Testamento, ou
seja, levantando cada tema à medida que eles vão surgindo no texto e, para isto, podemos
lembrar-nos que ele começa sua análise do Novo Testamento analisando a vida de João
Batista e não outra temática como o nascimento de Cristo, por exemplo, devam
necessariamente ser postos lado a lado, ou seja, comparar a abordagem de cada texto e autor
do Novo Testamento e reconhecendo seus complementos, tensões e até mesmo suas aparentes
contradições. Nos últimos tempos temos acompanhado o empenho da teologia em uma leitura
canônica do texto bíblico, na qual todo o texto é levado em consideração assim como seu uso
ao longo de toda histórica da igreja. Para isto, podemos destacar o trabalho que vendo sendo
realizado desde 1996 por Kevin J. Vanhoozer em livro como O Drama da Doutrina e em seu
outro livro seguido ao primeiro, mas na mesma linha de pensamento, em português chamado
Encenando o Drama da Doutrina, ambos lançados em português pela Editora Vida Nova, no
qual ele procura estabelecer a conexão entre o texto bíblico como uma grande narrativa da
história da salvação, toda a tradição da igreja na interpretação do texto bíblico e, como de
forma concreta a Bíblia impõe a sua relevância para qualquer geração que seja. Para isto, ele
recorre aos elementos do teatro no qual a grande metanarrativa (o enredo, a história, os
personagens, tensões, dramas, palco, etc.) da qual somos participantes, e qual o papel de cada
um nesta grande história. Neste sentido, talvez careçamos de uma revisão da Teologia
Sistemática, agora não mais como a mãe da doutrina, mas agora como uma ferramenta
coadjuvante na compreensão doutrinária. A Teologia Bíblica, por sua vez, como juíza e
fiscalizadora de possíveis incongruências da Sistemática. É sempre bom lembrar que o texto é
também ferramenta humana e que a Teologia carece de tempos em tempos de revisões à luz
de novas descobertas, à luz de novos desafios e à luz da própria mudança na linguagem e
entendimento humanos.
O livro não possui um padrão de escrita, ou parece ser abandonado depois da Teologia
Paulina. Alguns capítulos apresentam resumos finais e outros não. Alguns são divididos em
tópicos e outros não, assim como grifos e outras variantes. Isto pode prejudicar um pouco o
caráter didático aparentemente pretendido pelo autor e seus editores. Ele dá muita atenção ao
Evangelho de João e a Paulo e parece se importar menos com os Evangelhos Sinóticos e as
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demais cartas. Passando a Teologia Paulina, chegando às epistolas gerais, o livro segue um
fluxo muito rápido e menos profundo. Podemos supor algum cansaço do autor diante de uma
tarefa tão grande apressando-se ao final do livro e sugerindo aos leitores que há ainda uma
enormidade de temas teológicos nos livros, como Apocalipse, por exemplo, e deixando a
critério dos leitores a conclusão? Podemos afirmar que os temas talvez se repetissem? É
preferível pensar que a tarefa é de tal monta que deva ser levada adiantes pelos leitores e
novas descobertas possam ser estabelecidas. Ladd, no mínimo aponta um caminho seguro
para o desenvolvimento sadio de uma Teologia do Novo Testamento.
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BIBLIOGRAFIA
CARSON, D. A. Jesus o Filho de Deus – o título cristológico muitas vezes negligenciado, às
vezes mal compreendido e atualmente questionado. São Paulo: Vida Nova, 2015. 126 pág.
LADD. George Eldon. Teologia do Novo Testamento – Edição Revisada. São Paulo: Hagnos,
2003, Reimpressão 2014. 901 pág.
MACGRATH, Alister. Paixão pela verdade – a coerência intelectual do evangelicalismo.
São Paulo: Shedd, 2007. 239 pág.
MAUERHOFER, Eric. Uma Introdução aos Escritos do Novo Testamento. São Paulo: Vida,
2010. 622 pág.
ORRÚ, Gervásio Francisco. Os Manuscritos de Qumram e o Novo Testamento. São Paulo,
Vida Nova, 1993. 87 pág.
VANHOOZER, Kevin J. Encenando o Drama da Doutrina – Teologia a serviço da Igreja.
São Paulo: Vida Nova, 2016. 349 pág.
___________________. O Drama da Doutrina – uma abordagem canônico-linguística da
teologia Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2016. 509 pág.
MATERIAIS DE SALA DE AULA E DE APOIO
Slides do Prof. Dr. Estevan Kirschner sobre Teologia Bíblica do AT
Slides do Prof. Dr. Johannes Bergman sobre Teologia Bíblica do AT e do NT.
SITES DA INTERNET
pt.wikipedia.org