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FUNIL-LAR
*eva arandas Artista Plástica e Mestranda em Processos Criativos Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
Escola de Belas Artes Universidade Federal da Bahia
Resumo
Projeto de instalação resultante da pesquisa realizada na disciplina “Teoria e Técnica
de Processos Artísticos”, ministrada pela Profa. Drª. VigaGordilho, Programa de Pós
Graduação da Escola de Belas Artes, UFBA, em 2005. Instaura um funil gigante com
possibilidades múltiplas de interações, de abrigo. Acolhe em um grande receptáculo,
para, em seguida, expelir de forma reduzida e ou estrangulada. Provoca no fruidor o
brincar, o subir, o adentrar, o descer, o pisar, o gritar, propagando ecos com a própria
vida. Foi concebida pela sedução quando, em garimpo fotográfico, na Feira de São
Joaquim, a autora encantou-se pelas miniaturas da funileira do Alto do Lobato – Dona
Dina. Em visita ao seu lar-oficina, o Lar, o Fazer, o Brincar e, essencialmente, o
Reciclar, como força propiciatória, transforma a energia lúdica em cinética.
Palavras chave: instalação, brinquedo, cinética, popular, lúdico.
Abstract
Installation project resulting from a research developed during the course “Theory and
Technique of Artistic Processes” ministered by Professor VigaGordilho, Ph.D., Master
Programs in Visual Arts, School of Fine Arts, UFBA, in 2005. It establishes a giant
funnel with multiple possibilities of interaction, of sheltering. It shelters as a big
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mother’s vessel to, afterwards, expels in a reduced or strangled way. It wants to
provoke in the enjoyer the playing, the climbing, the inward, the stepping down, the
trampling, the yelling, echoing with one’s own life. It was conceived by seduction when
the author became charmed by the miniatures of the funnel maker - Dona Dina. During
a visit at Dona Dina’s home-workshop, the Home, the Making, the Playing and,
essentially, the Recycling, as propitiatory force, turns this amusing energy into a
kinetics one.
Keywords: installation, toy, kinetics, popular, amusement.
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Detalhe Funil miniatura - Foto eva arandas
Funil-Lar
O que é o LAR para o FUNILEIRO?
O que é o FUNIL para nós?
A partir destes questionamentos foi concebida a instalação “FUNIL-LAR”.
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Pesquisa de Campo
Na Feira de São Joaquim, seduzida pela fatura, conheci o funil–miniatura, minha
“apropriação”. Com esta sedução, busquei a funileira Dona Dina, uma senhora de 80
anos, moradora do Alto do Lobato, bairro do subúrbio de Salvador.
Não é preciso dizer mais nada. Tudo foi mágico: o Lar, o Fazer, o Brincar e,
essencialmente, o Reciclar – em questão de segundos a lâmina de uma lata recicla-se na
essência do zinco. Essa energia lúdica, transposta para as miniaturas de Dona Dina, para
mim torna-se cinética.
A Proposta
A instalação aqui proposta instaura um funil gigante apresentando possibilidades
múltiplas de interações, de abrigo, acolhendo como um grande receptáculo materno
para, em seguida, expelir de forma reduzida e ou estrangulada. O desejo é provocar no
fruidor o brincar, o subir, o adentrar, o descer, o pisar, o gritar, propagando ecos com a
própria vida.
O ponto de partida foi uma pesquisa sobre a Arte Popular do Nordeste, aquela
encontrada nos mercados e feiras-livres de Salvador, que remetesse ao movimento
invisível do processo do fazer das obras populares, das suas transformações.
Vislumbrando esse objetivo, pesquisei em livros, em feiras-livres, em visitas à oficina
de confecção de objetos populares “Dona Dina” em Salvador, e em visita à “Casa de
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Vidro” da Fundação Lina Bo Bardi, em São Paulo. Ao longo desse processo, dialoguei
com conceitos das Artes Contemporânea, Cinética e Popular.
Algumas Reflexões Conceituais
Considero que a Arte Contemporânea, ainda sem um nome específico, mas que abarca
as mais variadas tendências, estilos e linhas de expressões artísticas, apresentando fusão
de linguagens, materiais e tecnologias, demonstra uma das grandes características da
Arte: a sintonia com seu tempo e com o reflexo das condições sociais, econômicas e
culturais. Com todas essas possibilidades e misturas, a Arte Contemporânea apresenta-
se como conseqüência da inter e transdisciplinaridades, resultando em trabalhos
artísticos com elementos híbridos, invisíveis, povoados pelas ressonâncias e
repercussões das vivências e memória do criador, que procura instigar por sinestesia a
memória do fruidor. Em conseqüência, deixa de ter um “código universal” passando
para “códigos particulares e especializados”, o que muitas vezes dificulta a sua
compreensão.
O surgimento quase diário de novas tecnologias eletrônicas e da informática que têm
sido incorporadas como novas ferramentas pela Arte, como a arte postal (comunicação
eletrônica transnacional), a arte telemática, a arte em rede WEB, cria uma grande
realidade artística virtual e acirra “as noções de interação, interatividade, e
multissensorialidade intersectam-se e retroalimentam as relações entre arte e
tecnologia.” (Prado. 2003. p.15), fazendo a Arte Contemporânea ser questionada. Essas
novas artes, como arautos, proclamam uma nova mudança do paradigma artístico.
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Princípios da Arte Cinética
A Arte Cinética vem do grego kinesis (movimento), tradução da palavra “cinética”. No
entanto, como trabalhos de Arte Cinética consideram-se aqueles que envolvem
movimento real da obra ou do espectador, causando um determinado efeito, inclusive
introduzindo o tempo como quarto elemento – quarta dimensão da obra. É o elemento
tempo que permite a obra cinética apresentar-se diferenciada a cada instante. Estão,
portanto, excluídas obras que representem movimento, sejam em pintura ou em
tridimensional, tais como as pinturas que representam movimento de cavalos, de
pessoas andando e outros. Mesmo as pinturas e esculturas futuristas estão fora da
classificação da Arte Cinética, embora o Manifesto Futurista contivesse o germe da
idéia de Arte Cinética1.
Excluo da Arte Cinética, também, a OP - Optical Art -, apesar de polêmicas existentes
quanto à sua classificação. Eu me aproximo dos que separam a OP da Arte Cinética,
considerando que na OP não há movimento real implícito. O que há é uma ilusão de
ótica, devido à falibilidade do olho humano, em que os processos normais de visão são
postos em dúvida, principalmente através dos fenômenos óticos das obras. Neste caso,
nem a obra nem o fruidor se movimentam, ambos permanecem estáticos, apenas as
características formais da obra criam esse movimento psicodélico.
Conforme Stango2 a concretização da Arte Cinética se deu imediatamente após a
Primeira Guerra Mundial, em 1920, na Rússia, com o Manifesto Realista de Gabo e
1 Stango, 1991, p.150 2 Ibdem, 1991, p.153
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Pevsner, muito embora hoje seja considerada como tendo sido iniciada por Calder, nos
anos 30 do século XX. Calder incorporou princípios mecânicos – desequilíbrio físico ou
força motriz do ar – nos seus “móbiles”, tornando as obras cinéticas mais simples e
elegantes, sem necessidade de incorporar ou esconder um provável motor. Gabo e
Pevsner contemplavam a formação do volume independentemente da massa na
escultura, volume este desenvolvido pela delimitação do espaço renunciado a
necessidade da existência de massa.
Ainda nos anos 30 do século XX, Lászlo Moholy-Nagy evidenciou a importância da luz
nos trabalhos desenvolvidos por Gabo3 – a produção do efeito escultural. O reflexo
proveniente da superfície metálica cria a impressão de solidez, bem como as peças
móveis delimitam e definem áreas de espaço, e a luz engloba o meio circundante. O
objeto artístico pode ser imaterial, volume criado pela luz que é energia, diferente do
estágio de energia da matéria. Moholy-Nagy e Alfred Kemeny, em 1922, analisaram
também o efeito da Arte Cinética sobre o espectador4. Eles observaram que o espectador
de passivo/receptivo torna-se ativo/fruidor, interferindo na obra e modificando-a a cada
instante, recompondo e reconstruindo-a, prenunciando este elemento tão importante nas
obras “atuais” contemporâneas.
Arte Popular e Lina Bo Bardi
Considero impossível falar de Arte Popular no Nordeste sem citar Lina Bo Bardi,
arquiteta italiana que muito incentivou e divulgou a Arte Popular Brasileira. Como
verifiquei através de suas palavras, ARTE e ARTESANATO não eram termos
3 Ibdem, p.153 4 Ibdem, p.153
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diferenciados no passado. “Artesanato vem da palavra ARTE equivalente de
Corporação.” (BARDI, 1994, p.16)
A palavra ARTE, que hoje define a atividade artística, indicou no passado a
atividade artesanal de qualquer tipo; pintores e escultores foram, no passado,
incluídos também no artesanato, nas chamadas Artes Menores. (ibidem,
p.16)
Hoje essa separação existe. Na Arte Popular, enquadram-se objetos utilitários e
decorativos feitos por artesãos sem treinamento formal, segundo modelos básicos
tradicionais, para uso cotidiano, ornamental ou cerimonial. Dentre seus produtos estão
os entalhes decorativos em madeira, bordados, rendas, cestas, cerâmicas e a funilaria.
Esta Arte nasce menos pelo deleite do que pela necessidade sócio-econômica e
financeira. Artistas, que em situação precária, inclusive com baixa ou nenhuma
escolaridade, por questão de sobrevivência conseguem essa façanha através da
criatividade. Criam com diversos materiais encontrados na natureza, como fibras
vegetais – a palha, o algodão e outras –, argila, ou reciclando matérias do lixo urbano
como latas de flandres, folhas de zinco, vidros, garrafas, lâmpadas e outros. Sinto-me
confirmada pelo seguinte texto:
Arte popular é o que mais longe está daquilo que se costuma chamar Arte
pela Arte. Arte popular, neste sentido é o que mais perto está da necessidade
de cada dia, NÃO-ALIENAÇÃO, possibilidade em todos os sentidos.
(ibidem, 1994, p.25)
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Mesmo diferenciando-se “Arte” e “Arte Popular”, sendo a primeira considerada
“erudita”, de artista “letrado”, muitas vezes como se estivesse em patamar superior à
segunda, a Arte Popular é muito importante. Através dela se pode conhecer a história e
as possibilidades de um Povo. Conhecer suas raízes.
Cavocar profundamente numa civilização, a mais simples, a mais pobre,
chegar até suas raízes populares é compreender a história de um País de
enormes possibilidades. (Bardi, 1994, p.20)
Procurar com atenção as bases culturais de um País, (sejam quais forem:
pobres, míseros, populares) quando reais, não significa conservar as formas e
os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. (ibidem,
p.21)
O Brasil tem reconhecido a importância da Arte Popular, haja vista a comemoração dos
500 anos de seu descobrimento, em 2000, quando foi realizada a “Mostra do
Redescobrimento”, no Prédio da Bienal de São Paulo - Parque Ibirapuera. Nela se
projetou um panorama abrangente desde as culturas pré-coloniais até a
contemporaneidade, onde foram reunidos objetos artísticos brasileiros pertencentes a
museus e coleções particulares nacionais e internacionais. Essa “Mostra” foi mais do
que uma celebração. Foi um exercício crítico, onde foram contemplados pesquisas de
historiografia artística, achados arqueológicos e acervos desconhecidos para comporem
os 12 módulos da exposição.
Esta exposição, à luz dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil, busca
essencialmente traçar um roteiro, na tentativa de abrir caminho para uma
nova reflexão sobre esse tão pouco estudado universo da cultura popular, no
entanto com freqüência considerado como ‘a mais genuína manifestação do
povo brasileiro’. Emanoel Araújo, curador. (Aguilar, 2000, p. 35).
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Conforme palavras do próprio Emanoel, esta exposição se referiu a algumas outras que
ficaram na sua memória, tais como: A Civilização do Nordeste no MAM da Bahia, e a
Mão do Povo Brasileiro, no MASP, ambas organizadas por Lina Bo Bardi; Arte Popular
Hoje, de Célia Coelho Frota, cujo acervo está no Convento Santo Antônio da Ordem
Terceira do São Francisco, na Paraíba; Arte Popular Brasileira na 46ª Feira do Livro de
Frankfurt, Alemanha, e em Zurique, Suíça, ambas com a coleção de Jacques Van de
Beuque; Exposições do Espaço cultural CVRD, curadas por César Aché; Viva o Povo
Brasileiro, no MAM do Rio de Janeiro, curadoria de Janete Costa.
Flâneur Fotográfico
Comecei o processo artístico como um flâneur fotográfico, garimpando nos prováveis
locais pré-estabelecidos, inspirada na visão de Walter Benjamim sobre o flâneur de
Baudelaire – papel vivido por um homem ocioso, livre para vagar e debruçar seu olhar
sobre a cidade. As cidades modernas utilizavam-se da flânerie para vender produtos nas
lojas de departamento5.
De início, visitei o Mercado Modelo de Salvador. Andei pelos corredores percorrendo
os boxes, olhando os objetos expostos despretensiosamente. Quando percebia um objeto
que se destacava, fixando meu olhar, parava e conversava com o dono da loja.
Informava que estava fazendo uma pesquisa envolvendo a Arte Popular e pedia sua
permissão para fotografar alguns dos objetos expostos. Perguntava o nome específico e
5 Fer, 1998, p.187
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a procedência do objeto a ser fotografado. Assim, percorri praticamente todo o
Mercado: térreo, primeiro andar e galeria subterrânea.
Box Mercado Modelo. Foto: eva arandas
Dondoca, Mercado Modelo. Foto: eva arandas
Dondoquinha, Mercado Modelo. Foto: eva arandas
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Renda de Bilrros, Mercado Modelo. Foto: eva arandas
Renda Filo Mercado Modelo. Foto: eva arandas
Cerâmica e couro pirografad, Mercado Modelo. Foto: eva arandas
Cerâmica, Mercado Modelo. Foto: eva arandas
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Ciente da importância e influência de Lina Bo Bardi para a Arte Popular da Grande
Salvador, viajei para São Paulo. Fui conhecer in loco o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi –
a “Casa de Vidro” – ter contato direto com o acervo de objetos populares nordestinos,
em especial os da Bahia, existentes nesta instituição; verificar, também, a possível
existência de livros esgotados produzidos pela instituição; conhecer pessoalmente,
através dos índices deixados, um pouco da história de vida dessa grande personalidade.
A “Casa de Vidro” situa-se no centro e no alto de um terreno grande, de topografia em
aclive, com abundante área verde, cuja vegetação impede de pronto a visualização do
prédio. Na casa encontram-se preservadas todas as suas características construtivas. Por
toda ela há objetos de Arte Popular procedentes do nordeste brasileiro, principalmente
da Bahia. É proibido tirar fotos internamente, por isto a visita pessoal é tão importante.
“Casa de Vidro”, São Paulo. Foto: eva arandas
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Estimulada pela vivência na “Casa de Vidro”, visitei a Feira de São Joaquim, já imbuída
de um novo olhar. Passei pelas barracas de cestarias de Lauro de Freitas-BA, cerâmicas
miniaturas de Maragojipinho-BA, esculturas metálicas de entidades do Candomblé,
esculturas em cerâmica de diversas origens. Porém, quando entrei na Casa Irmãos
Teixeira, fiquei encantada pelas miniaturas de funilaria realizadas por Dona Dina -
funilzinho, aguadorzinho, ralinho, corredorzinho, candeirozinho (fifozinho) e outros
“inhos” encantadores.
Miniaturas Funilaria – aguador, fifo, corredor e funil, Feira S.Joaquim. Fotos: eva arandas
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Dona Dina – a Funileira
Fui visitar Dona Dina em seu lar-oficina; uma casa humilde situada no subúrbio de
Salvador. A situação parece ser de indigência. Dona Dina – Esmeraldina Militão das
Neves – nasceu em Jacobina-BA, em 1928. Começou a trabalhar aos oito anos,
aprendendo o ofício com sua mãe Filismina Militão, colocando asas em canecas feitas
com latinhas de leite condensado. A criação de miniaturas foi concebida em Jacobina,
aproximadamente em 1964, quando fez um brinquedo para o filho Edinho. Criou então
várias miniaturas para vender, pois havia grande concorrência com peças no tamanho
normal. Os materiais básicos que entram na construção das miniaturas são folhas de
flandres (em geral recicladas de latas usadas), breu em pedra, ácido muriático e solda de
estanho e chumbo.
Lar/oficina, Dona Dina. Fotos: eva arandas
Dona Dina, até hoje, trabalha com muito orgulho e alegria em seu lar todos os dias,
mesmo em idade avançada e em condições precárias. Vale ressaltar a importância do
seu marido – Seu Antônio –, companheiro pari passu desta longa jornada. Atualmente,
ele executa e ela o auxilia. Dona Dina e Seu Antônio nos oferecem uma grande lição de
vida.
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A Obra
A obra Funil-Lar é uma instalação composta por um funil gigante, seis lâmpadas de três
cores diferentes e sensores para acionamento das lâmpadas.
O funil é construído em metal na espessura adequada para suportar o peso de pessoas
adultas andando sobre suas paredes, sem que causem deformação. Apresenta dois
troncos de cone interligados pela base comum, ponto de união entre eles. A base maior
tem 250 cm de diâmetro, a base comum 80 cm de diâmetro, e a base menor 70 cm.
Estas dimensões foram definidas para possibilitar a passagem tanto de crianças quanto
de adultos agachados ou engatinhando. Visando a proteção dos fruidores contra algum
tipo de corte ou ferimento é prevista a colocação de borracha nas bordas do funil e em
pontos de encontro das chapas - soldas ou encaixes. O funil é fixado no solo, para evitar
deslocamento, giro ou tombamento quando em uso.
Croqui do funil Estudo virtual
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As lâmpadas têm três cores diferentes, duas a duas. Um par na cor âmbar, remetendo ao
reflexo do sol da manhã – alvorada –, posicionado acima no teto na frente do funil, em
frente a sua base maior. Outro par na cor branca, que remete à luz do dia, posicionado
acima no teto sobre o meio do funil. Finalmente, o par azul remete ao crepúsculo, fim
da tarde e início da noite posicionado na parte de trás, base menor. As lâmpadas são
acionadas quando os fruidores transitam pisando abaixo das áreas correspondentes às
suas posições.
Lay out da instalaçào
As lâmpadas apresentam dupla função. A primeira é formal, pintar através da cor luz o
funil prateado que passará a refletir a cor da luz que for acionada. A segunda função é
de interatividade, pois o fruidor interage modificando a obra, tingindo o funil, além da
própria interação pela passagem por dentro do funil, que resulta em ecos dos seus
próprios passos ao longo da parede.
Com essas possibilidades a obra é “aberta” para evocar na memória dos fruidores
lembranças diversas e diferenciadas da memória do criador. É composto por elementos
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híbridos de Arte Popular e de Arte Cinética. Da Arte Popular apresenta suas
características formais e construtivas, funilaria de zinco ou alumínio soldado, do
movimento do fazer com a bigorna e do soldar com o ferro. Da Arte Cinética suas
características de uso, de interatividade, de transmutação energética – de potencial para
sonora, de bioquímica para movimento, de elétrica para luminosa.
O conceito principal é a transmutação da energia lúdica, contida virtualmente como
possibilidades nas miniaturas de Dona Dina, para a energia cinética dos fruidores
quando passarem movimentando-se pelas paredes do funil gigante. Parte dessa energia
lúdica será transformada em energia sonora, emitida pelos ecos dos movimentos, sons
que surgirão pela vibração do metal e serão propagados pelo ar. Outra parte, ainda, será
desmaterializada pela cor luz das lâmpadas acesas. O próprio reciclar dos materiais
transforma um objeto, uma chapa, ou uma substância em outra. Tudo é mutável,
transitório. Constata-se, ainda, a presença do elemento tempo, a quarta dimensão. Num
determinado instante, pode-se ter um tipo de interação com certo efeito sobre a obra.
Em outro, pode-se ter um resultado diverso, devido à outra interação. Também
emergem efeitos de iluminação, sons ecoando, movimentos de subida e descida, dentre
outros.
Percebe-se, também, a interdisciplinaridade de conhecimentos para realização da obra.
Engenharia e Arquitetura para o dimensionamento dos componentes; da Metalurgia para
a execução; a importância da artesã para elaboração e concepção estética; da Biologia,
Medicina e Psicologia, para o estudo prévio da participação do componente humano.
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Funil–Lar com seu brilho metálico e suas luzes âmbar, branca e azulada, remete ao
urbano presente vivo ecoante com muitos pretendentes acolhidos pela vida e poucos
escolhidos - de certa forma semelhante ao homem do interior.
Simulações/Maquetes Virtuais
Luz âmbar - Alvorada
Luz azul – Crepúsculo
Luz branca – Pleno dia
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Mestranda em Processos Criativos do Programa de Pós-Gradução em Artes
Visuais da EBA – UFBA. Desenvolve pesquisa em Arte Cinética, tendo o
brinquedo popular como recorte de investigação.