Reunião de preparação para o jogo
Introdução
A reunião de preparação para o jogo (também denominada de prelecção)
constitui-se como uma etapa fundamental de importância vital para a eficácia da
planificação estratégica da equipa, e encerra o seu ciclo de preparação antes da
realização do confronto com a equipa adversária. A referida reunião tem um carácter
fundamentalmente teórico versando aspectos técnicos, tácticos, psicológicos e
organizativos, respeitantes às duas equipas (própria e adversária) em confronto. Neste
sentido, iremos analisar a reunião de preparação para o jogo em cinco vertentes
essenciais: a importância, os objectivos, os princípios e a metodologia de condução da
reunião.
1. Importância da reunião
Esta reunião constitui-se como um elemento chave no processo de preparação da
equipa para o jogo, na qual o treinador intervém, pela última vez, de forma
sistemática antes da competição, sendo neste sentido fundamental, encontrar as
ideias e as palavras justas ao momento.
1.1. Estabelece-se como uma reflexão teórica
"Tendo em conta que a percepção e a solução mental dependem da rapidez de
actualização dos conhecimentos e da forma como é accionada a táctica em função
do adversário (estratégia), a reflexão teórica consequente dos jogadores em função
da equipa adversária, implica:
1. Que sejam recapitulados os conhecimentos indispensáveis de base da equipa.
2. Das particularidades tácticas do adversário para que a sua atenção se possa
fixar nas possíveis variantes" face à organização adversa” (Mahlo, 1966).
1.2. Participação consciente
A reunião de preparação para o jogo contribui substancialmente para a
participação consciente, sobre o entendimento, clarificação e sistematização da
direcção geral do jogo da equipa e das missões tácticas individuais atribuídas aos
diferentes jogadores em particular.
1.3. Reagrupar num só pensamento
A reunião de preparação para o jogo constitui-se como um momento no qual se
procura reagrupar num só pensamento, num mesmo objectivo onze vontades
autónomas face à organização adversa.
2. Objectivos da reunião
A reunião de preparação para o jogo caracterizada pela seriedade e solenidade,
consubstancia-se essencialmente no afinar e finalizar a compreensão por parte dos
jogadores da forma como irá ser aplicado o plano estratégico. Com efeito, e
segundo Teodorescu (1984), a reunião de preparação poderá evidenciar os
seguintes objectivos:
1. Precisar de forma conclusiva as diferentes missões tácticas individuais e a
forma segundo a qual os jogadores irão colaborar com os seus companheiros que
têm missões tácticas especiais a cumprir (durante os esquemas tácticos
defensivos, por exemplo: a formação da barreira e a sua coordenação com as
informações do guarda-redes, marcar os postes da baliza e as zonas do 1º e do 2º
postes durante a execução dos pontapés de canto, etc.).
2. Contribuir para ultrapassar o estado emotivo e para o estabelecimento no seio
da equipa de um sentimento positivo, eliminando, neste sentido, influências
perturbadoras.
3. Apreciação final das características e das potencialidades dos adversários, sem
as sobrestimar nem as subestimar.
4. Contribuir para estimular as componentes volitivas e morais.
5. Estabelecer algumas medidas que prevejam situações para o caso de se
conseguir uma vantagem, ou pelo contrário, uma desvantagem durante o jogo.
6. Contribuir para desenvolver o nível de preparação teórica dos jogadores para
esse jogo em especial e para os jogos seguintes em geral.
3. Meios da reunião
Podemos subdividir os meios, isto é, as condições mais favoráveis para o decorrer
da reunião de preparação para o jogo em: gerais e específicos.
3.1. Gerais
A reunião de preparação para o jogo deverá ser levada a efeito num local
apropriado devendo ser calmo e agradável (habitual no caso de jogos em casa e
poder-se-à utilizar por exemplo a sala do hotel a quando dos jogos fora), durante
o qual os jogadores estejam isolados, sem se preocuparem com outras
actividades.
3.2. Específicos
Durante a realização da reunião dever-se-à utilizar quadros ou maquetas
do campo de jogo com peças móveis (que representam jogadores) para que seja
possível uma fácil, clara e orientada representação mental dos elementos da
equipa, sobre a exposição do treinador.
4. Princípios de orientação da reunião
Tal como para os meios, podemos subdividir os princípios de orientação da
reunião de preparação para o jogo em: gerais e específicos.
4.1. Gerais
4.1.1. Condução e direcção da reunião
Cabe ao treinador principal a condução e a direcção da reunião de
preparação para o jogo. Todavia, este poderá ser coadjuvado na sua acção pelos
seus colaboradores que poderão dirigir-se aos jogadores para explicarem e
demonstrarem certos aspectos específicos, principalmente no que diz respeito à
equipa adversária. Com efeito, é preciso que fique claro, que toda a organização
dos temas, quer no plano técnico, táctico, físico, psicológico, etc., a sua
sistematização e metodologia de exposição à equipa, é da total responsabilidade
do treinador.
4.1.2. Elementos que participam nestas reuniões
Participam nestas reuniões de preparação para o jogo fundamentalmente
os jogadores convocados pelo treinador para esse efeito e a equipa técnica
(treinador principal e adjuntos). A participação de outras pessoas para além
destas (director do clube por exemplo) só é recomendável quando este
acompanha diariamente as diferentes actividades (treinos, reuniões, etc.) da
equipa, independentemente do valor da equipa adversária e da importância do
jogo. Se este elemento, por razões imperativas, tiver que usar da palavra deverá
fazê-lo (em função do tema) logo no princípio da reunião ou no final desta.
4.1.3. O momento em que se situa a reunião
A reunião de preparação para o jogo situa-se no tempo entre as 24 e as 2
horas antes do começo do jogo. Basicamente, a hora da reunião deverá ser a
mesma durante todo o período competitivo. Todavia, a amplitude temporal
evidenciada é função de três aspectos essenciais:
1. Da capacidade dos diferentes elementos que constituem a própria equipa
em se concentrarem e compreenderem as diferentes missões tácticas que irão
desempenhar no jogo, como reflectirem o seu comportamento individual em
função de um projecto colectivo (finalidade).
2. Da dificuldade e complexidade do cumprimento dos objectivos
estabelecidos para esse jogo. Com efeito, quanto maior e fulcral for essa
concretização (por exemplo: a equipa adversária ser do mesmo nível, ou de
um nível de eficácia superior), mais distante no tempo, em nossa opinião, a
reunião deverá situar-se. Isto é devido fundamentalmente a evitar situações de
hiperexcitação até muito próximo do começo do jogo.
3. Dos tratamentos médicos que alguns jogadores, considerados chave,
deverão realizar muitas horas antes do jogo, para que produzam efeito. Neste
contexto, haverá a necessidade do treinador indicar ao gabinete médico qual
será a constituição da equipa ou parte desta. Portanto, para que não haja
"fugas de informação" nem indicadores pertinentes através dos quais os
outros jogadores poderão fazer juízos errados, é preferível, nestas
circunstâncias, realizar a reunião de preparação para o jogo nas vésperas da
competição.
4.1.4. A duração da reunião
Para que os jogadores se mantenham realmente atentos às indicações
transmitidas durante a reunião de preparação para o jogo, é fundamental que esta
não se prolongue exageradamente no tempo. Neste sentido, quanto maior for a
sua duração, maiores serão a probabilidades de os jogadores dispersarem a sua
atenção, que consequentemente tem efeitos negativos na concretização dos
objectivos pretendidos para esta reunião. Em nossa opinião, a reunião não
deverá durar mais de 45 minutos, sendo o tempo ideal de 30. Basicamente,
quanto mais perto da competição menor será o tempo da reunião de preparação
para o jogo. Por último, a correcta preparação de uma equipa de futebol para o
confronto, determina a necessidade de uma reunião preparatória frequente e
habitual, independentemente do valor da equipa adversária e da importância do
jogo.
4.2. Específicos
4.2.1. Elementos que estruturam a reunião
O princípio específico da reunião de preparação para o jogo deverá basear-
se nas soluções estudadas, preparadas e treinadas durante o período de tempo
que mediou até à competição. Todavia, não se exclui a utilização de outras
soluções já conhecidas, assimiladas e postas em prática pelos jogadores em
outros jogos.
4.2.2. A utilização de soluções nunca treinadas
Em última análise, a essência do princípio específico enunciado procura
evitar o risco irracional presente nalguns treinadores e jogadores através do qual
se "inventa" uma série de soluções (utópicas) mais ou menos ardilosas, mas que
estão desenquadradas do contexto do treino desenvolvido durante a preparação
da equipa e para o qual a reunião foi programada.
4.2.3. A reunião não substitui os aspectos que não foram treinados
É preciso ter presente que esta reunião não substitui as falhas de
preparação da equipa quer no plano quantitativo, quer no plano qualitativo.
Neste sentido, este princípio específico estabelece que a reunião de preparação
para o jogo, deva decorrer na realidade como uma etapa subsequente do ciclo de
etapas de preparação da equipa para uma determinada e específica competição.
4.2.4. Reforçar a estabilidade psíquica dos jogadores e da equipa
O princípio específico fundamental da reunião de preparação para o jogo
deve basear-se nas informações que reforcem a estabilidade psíquica dos
jogadores e da equipa, suprimindo simultâneamente, todas as informações e
experiências que tornem os jogadores inseguros.
5. Metodologia da reunião
A metodologia da reunião de preparação para o jogo estabelece, à partida, duas
vertentes essenciais:
1. A que se refere aos aspectos organizativos da equipa.
2. A que se refere aos aspectos táctico-estratégicos.
5.1. Organizativos
O treinador dedicará os primeiros minutos (entre a 2 a 4 minutos) da
reunião para abordar aspectos ligados:
• à hora e local de partida do jogo;
• meio de transporte;
• outras informações referentes ao jogo;
• convida igualmente os jogadores a pronunciar-se ou a pedirem
esclarecimentos suplementares, se for caso disso.
5.2. Táctico-estratégicos
Em relação a esta vertente da reunião, o treinador tem de solicitar a concentração
dos jogadores e da equipa para a competição, encontando sempre as palavras e o
tom mais adequado para transmitir as suas convicções de forma clara. Neste
contexto, o treinador deverá de forma metódica e sistematizada dirigir o
pensamento dos seus jogadores influindo positivamente no seu comportamento,
convencendo-os com argumentos válidos e centrando-os basicamente em oito
problemas essenciais:
5.2.1. Introdução
Curta introdução (entre 2 a 3 minutos) na qual fará comentários acerca da
importância do jogo dentro do contexto competitivo em que a equipa está
inserida e os reflexos que este terá em função dos diferentes resultados possíveis
do jogo (vitória, empate, derrota).
5.2.2. Caracterizar o árbitro do jogo
Caracterizará (entre 2 a 3 minutos) seguidamente o árbitro do encontro, no
que diz respeito à sua forma pessoal de interpretar as Leis do jogo, como reage
às situações de indisciplina dos jogadores, quais os seus hábitos nos julgamentos
das situações mais vantajosas do jogo (por exemplo: grande penalidade), e por
fim, outros aspectos caracteriais que o treinador ache conveniente informar.
5.2.3. Caracterizar a equipa adversária
O treinador caracterizará de forma sucinta (entre 3 e 4 minutos) a equipa
adversária, focando as suas particularidades positivas e negativas no plano
individual e colectivo, apresentando o modo como pressupõe que este actuará,
evidenciando:
• o sistema de jogo que a equipa adversária optará, os diferentes jogadores
(prováveis) e as suas respectivas posições dentro desse dispositivo táctico;
• o método de jogo mais utilizado quer no plano ofensivo, quer no plano
defensivo;
• a resolução das situações de bola parada (livres, pontapés de canto, etc,); e
por último,
• o comportamento disciplinar da equipa, consequentemente as relações que
estabelecem com os adversários, com o árbitro, etc.
Para terminar a sua exposição sobre a equipa adversária o treinador deverá
resumir em três ou quatro frases os seus aspectos característicos principais.
5.2.4. Plano estratégico concebido para a equipa
Encerrada a caracterização da equipa adversária o treinador debruça-se no
plano estratégico concebido para a própria equipa (entre 4 e 5 minutos)
precisando:
• o sistema de jogo a utilizar;
• a constituição da equipa (indicação dos jogadores);
• distribuição das missões tácticas gerais e específicas;
• a organização do processo ofensivo e defensivo; e,
• a resolução das situações de bola parada (esquemas tácticos-indicação dos
jogadores com a responsabilidade de os executar).
5.2.5. Comparar as duas equipas
Uma vez exposta a equipa adversária e a equipa própria, o treinador
deverá de imediato (entre 3 a 4 minutos) compará-las (no plano teórico) e se o
resultado, segundo Teodorescu (1984), for favorável deverá mobilizar os
jogadores por forma que estes confirmem no terreno de jogo através de atitudes
e comportamentos técnico-tácticos eficazes essa relação favorável.
A. Se a relação for favorável
Com efeito, quando se desenvolvem condições aparentemente favoráveis para se
conseguir uma vitória sem necessitar pôr em campo todo o talento individual e
colectivo da equipa, pode-se estabelecer uma desmobilização e uma falta de
concentração no jogo o que é prejudicial. Nestas circunstâncias, o treinador
deverá pôr em evidência os seguintes aspectos (segundo Crevoisier, 1985):
• insistir para se respeitar todos os adversários;
• demonstrar que o erro é sempre possível e pode ter consequências graves;
• lutar contra o excesso de confiança;
• privilegiar a noção de que "um jogo se ganha ou se perde sobre um metro
quadrado, ou num segundo decisivo;
• relembrar que seja qual for o adversário, o número de pontos conseguidos
no caso de vitória não varia;
• atenuar os efeitos das opiniões favoráveis dos jornalistas, sócios, dirigentes,
etc., diminuindo esse excesso de confiança;
• evidenciar os pontos fortes e as lacunas dos adversários;
• fazer nascer uma certa inquietude nos jogadores para estes não estarem
completamente seguros;
• situar as perspectivas no caso de vitória;
• relembrar no final da exposição que as forças em presença são favoráveis à
própria equipa desde que a prestação seja correspondente ao seu valor, é esta
a única condição.
B. Se a relação for desfavorável
Se esta relação for desfavorável, ainda segundo o mesmo autor (1984), à própria
equipa, sublinhar-se-ão as possibilidades de ordem técnica, ou táctica, ou física,
ou psicológica que, tirando os jogadores o máximo proveito delas, poderão,
nestas circunstâncias, equilibrar essa relação (teórica) de forças e asseguram o
melhor resultado possível consubstanciado por um comportamento meritório.
Neste contexto, o treinador deverá, uma vez que a motivação é elevada, centrar a
sua exposição mais nos aspectos do plano táctico e as qualidades morais da
equipa. Assim segundo Crevoisier (1985):
• não deverá insistir sobre a capacidade do adversário, mas antes sobre as
qualidades da própria equipa;
• diminuir a motivação dos jogadores por forma que estes conservem a
lucidez durante a totalidade do jogo;
• diminuir a tensão dos jogadores, através da utilização de piadas;
• desdramatizar a situação, não colocando os jogadores sobre a
responsabilidade imperiosa de não perder;
• não aumentar a importância do resultado;
• o treinador deverá transmitir uma relativa serenidade não transmitindo
estados de ansiedade;
• manter uma força lúcida, mobilizadora da energia individual e colectiva.
5.2.6. Previsão de possíveis alterações da equipa adversária
Seguidamente o treinador fará uma breve previsão (entre 2 a 3 minutos)
das diferentes hipóteses respeitantes ao comportamento da equipa adversária
perante um quadro situacional vantajoso, ou desvantajoso e demonstrará como a
própria equipa deverá accionar para contrastar com essas modificações.
5.2.7. Efectuar precisões sobre as missões tácticas dos jogadores
Finda a exposição dos problemas inerentes à vertente táctico-estratégica, o
treinador define os jogadores suplentes e dá a palavra (entre 4 a 5 minutos) aos
jogadores para se efectuarem precisões sobre as missões tácticas gerais e
específicas (tendo, neste sentido, oportunidade de testar a eficácia da sua
comunicação) e as sugestões sobre aspectos particulares de certas situações de
jogo.
5.2.8. Insistir nas atitudes e comportamentos técnico-tácticos fundamentais
Por último, o treinador insistirá (entre 2 a 3 minutos) nas atitudes e
comportamentos técnico-tácticos fundamentais para fazer face à equipa
adversária, mobilizando fortemente a vontade dos jogadores, a sua
combatividade, disciplina e organização, e fará prevalecer o optimismo e a
crença de se conquistar um resultado consentâneo com os objectivos
estabelecidos. Este último aspecto deverá ser relembrado pelo treinador através
de frases sucintas, claras, audíveis e enérgicas, momentos antes da equipa entrar
para o terreno para efectuar o jogo.
Concluindo, importa igualmente referir que é necessário variar a forma e a
locução da reunião. A utilização de um modelo esteriotipado e imutável irá
contribuir para a concretização de um objectivo inverso ao pretendido. É preciso ter
presente que duas reuniões absolutamente idênticas com o mesmo grupo de
jogadores realizadas com um certo intervalo de tempo, têm efeitos diferentes.
Bibliografia
CASTELO, J. (1994) Futebol - modelo técnico-táctico do jogo, Edições FMH, U.T.L. CASTELO, J. (1996) Futebol - a organização do jogo, Edição do autor, Lisboa CASTELO, J. (1999) Futbol - estructura y dinamica del juego, INDE Publicaciones, Barcelona CREVOISIER, J. (1985) Football et psychologie, Chiron Sports Editions, Paris MAHLO, F. (1966) O acto táctico, Compendium, Lisboa
TEODORESCU, L. (1984) Problemas de teoria e metodologia nos desportos colectivos, Livros Horizonte, Lisboa