Revista da Educação Superior do Senac-RS
V.10 – N. 1 – Julho de 2017 – ISSN 1984 - 2880 (versão impressa)2177-4986 (versão eletrônica)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Competência: Revista da Educação Superior do Senac-RS/
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Rio
Grande do Sul. - Vol. 1, n. 1 (dez. 2008) - Porto
Alegre: SENAC-RS, 2008-.
v.: il. ; 21 x 28 cm.
Semestral (julho e dezembro)
ISSN 1984-2880
Nota: A edição de julho de 2009 é v.2, n.1
1.Tecnologia da Informação 2. Gestão 3. Negócio
4. Moda 5. Turismo 6. Meio Ambiente 7. Ensino Superior
8. Educação I. Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial do Rio Grande do Sul II. Título
CDU 001
Revista da Educação Superior do Senac-RS
V.10 – N. 1 – Julho de 2017 – ISSN 1984 - 2880 (versão impressa)2177-4986 (versão eletrônica)
Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Rio Grande do Sul
Presidente do Sistema Fecomércio e Presidente do Conselho Regional do Senac:Luiz Carlos Bohn
Diretor Regional:José Paulo da Rosa
Gerente do Núcleo de Educação Profissional:Roberto Sarquis Berte
Diretores das Faculdades Senac-RS:- Elivelto Nagel da Rosa Finkler- Mariangela Iturriet da Silva
Conselho Editorial:- Acacia Zeneida Kuenzer – UFPR- Anna Beatriz Waehneldt – Senac Departa-
mento Nacional - Avelino Francisco Zorzo – PUCRS- Claisy Maria Marinho-Araújo – UNB- Daniel Gomes Mesquita – UFU- Dieter Rugard Siedenberg – UNIJUÍ- Edegar Tomazzoni – UCS- Fábio Gandour – IBM- Fernando Vargas – Cinterfor (Colômbia)- Francisco Aparecido Cordão – CNE, Con-
selho Nacional de Educação- Jacques Alkalai Wainberg – PUCRS- Jorge Antonio Menna Duarte – UniCEUB- Jose Clovis de Azevedo – Centro Universi-
tário Metodista, do IPA- Leda Lísia Franciosi Portal – PUCRS- Margarida Maria Krohling Kunsch – USP - Marilia Costa Morosini - PUCRS- Milton Lafourcade Asmus – FURG- Patrícia Alejandra Behar – UFRGS - Regina Leitão Ungaretti – Fundação Escola
Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha- Susana Gastal - UCS
Comissão Editorial:- Roberto Sarquis Berte - Presidente- Miriam Mariani Henz- Alexandre Ramires de Castro - Ariel Fernando Berti- Carina Vasconcellos Abreu- Cláudia Maria Beretta- Cláudia Zank- Clecio Falcão Araujo- Paulo Roberto Gomes Luzzardi- Marta Brackmann
Editora Científica:- Maria Araujo Reginatto
Revisão em inglês:- Julio Carlos Morandi
Revisão e normalização:- Ivelize Cardoso Gonçalves- Giuliano Karpinski Moreira
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Tiragem:500 exemplares
Periodicidade:Semestral (julho e dezembro)
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Indexada em ICAP (Indexação Comparti-lhada de Artigos de Periódicos) e Latindex (Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal).
S u m á r i o
Editorial .......................................................................................................................9
Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor
bancário .................................................................................................................................. 11
David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes ..........31
Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo
técnico .........................................................................................................................51
Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade ...... 67
Nathália Rigui Trindade et al.
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de
Química ......................................................................................................................85
Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade
Federal de Santa Maria ................................................................................................105
Marlei Maria Veduim Marcuzzo et al.
A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade
Federal da Santa Catarina – UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC .............125
Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância ............ 145
Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável? .................................................165
Conrado Gomide Castro, Douglas de Oliveira Botelho e Diego César Terra de Andrade
Normas para Publicação ............................................................................................. 183
Editorial
A produção científica resulta do comprometimento de pesquisadores com a evolução do
conhecimento. O incentivo à produção científica adota a visão de investimento de longo
prazo para alavancar o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade, estado
ou país. E este está diretamente associado ao capital intelectual disponível.
Promover a socialização do capital intelectual tem sido o compromisso da Competência:
Revista da Educação Superior do Senac-RS ao longo de sua trajetória. Este compromisso tem se
pautado por padrões de publicação que assegurem o rigor e o reconhecimento de um trabalho
científico. A integridade deste compromisso é atestada pela avaliação Qualis/Capes - Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que classifica a Competência com estrato B3 na
área da Administração e B4 nas áreas de Educação e Interdisciplinar, dentre outros.
Esse reconhecimento afirma o empenho da Competência na disseminação de produções
científicas voltadas às áreas de atuação do Senac-RS. Assim, esta primeira edição de 2017 apre-
senta artigos distribuídos em temas variados, como a compreensão do imaginário organizacional
na mobilização da subjetividade de jovens aprendizes. Outra contribuição está na reflexão que
apresenta as competências necessárias para atuar na área de comércio exterior.
A descrição da aplicação do modelo de Gestão de Carreira em Y é o tema seguinte, que vem
acompanhado da discussão sobre o papel da educação no alcance do desenvolvimento sustentável.
Ainda no contexto educacional, são apresentados mais três trabalhos. O primeiro con-
sidera a perspectiva da aprendizagem e busca compreender um instrumento técnico-pedagógico
para avaliação de softwares. O segundo quantifica os fatores que conduzem à satisfação de alunos
de cursos de educação a distância e o terceiro analisa o trabalho docente no curso de especialização
em Gestão Pública de duas instituições.
Por fim são apresentadas questões sociais de consumo a partir da reflexão sobre a influ-
ência da cultura no consumo de alimentos saudáveis.
Boa Leitura!
Me. Miriam Mariani Henz
Coordenadora de Design Educacional do Núcleo de Educação Profissional do Senac- RS.
Doutoranda em Administração pela Universidade Vale do Rio dos Sinos -Unisinos
11
AÇÕES DO IMAGINÁRIO
ORGANIZACIONAL MODERNO
NA SUBJETIVIDADE DE JOVENS
APRENDIZES DO SETOR BANCÁRIO
ACTIONS OF THE MODERN ORGANIZATIONAL
IMAGINARY IN THE SUBJECTIVITY OF YOUNG
APPRENTICES OF THE BANKING SECTOR
David Silva Franco *
Alex Fernandes Magalhães **
Kely Cesar Martins de Paiva ***
R e s u m o
No contexto do capitalismo neoliberal, o qual expande gradativamente seu poder
de influência a partir da globalização, o imaginário organizacional moderno
atinge esferas que suplantam os limites do ambiente de trabalho, alcançando
âmbitos sociais que impactam os sujeitos em múltiplos aspectos. O setor bancário,
que passou por grandes transformações nas últimas décadas, engloba diversos
aspectos de tal imaginário. Partindo desse cenário, o objetivo do presente estudo
é compreender como o imaginário organizacional moderno mobiliza a subjetivi-
dade de jovens aprendizes do setor bancário. Estando os jovens mais susceptíveis
às influências externas sobre as suas percepções, dadas as características de seu
estágio de desenvolvimento biopsicossocial, esta pesquisa busca oferecer subsí-
dios que possam ampliar as zonas de sentido a respeito desses atores sociais no
campo dos estudos organizacionais. Por meio do método dialético de análise de
conteúdo das entrevistas realizadas, notou-se que o imaginário organizacional
moderno atua com grande influência sobre as percepções desse público, ratifi-
cando sua supremacia pela legitimação dos jovens. Todavia, formas de resistência
a essa ideologia também foram identificadas. Foram lançadas, assim, algumas
* Doutorando em Administração na
Universidade Federal de Minas Gerais.
Professor substituto na Universidade
Federal de Ouro Preto.
** Doutorando em Administração
na Universidade Federal de Minas
Gerais. Professor Substituto no Cen-
tro Federal de Educação Tecnológica
de Minas Gerais.
*** Doutora em Administração
pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Professora Adjunta na Univer-
sidade Federal de Minas Gerais.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 11-30, Jan/jul. 2017
Recebido em: 23/03/2017Aprovado em: 25/04/2017
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reflexões que almejam contribuir com a crítica ao gerencialismo, destacando
a complexidade que envolve a subjetividade dos sujeitos imersos na dinâmica
organizacional.
P a l a v r a s-ch a v e: Imaginário organizacional. Ideologia gerencialista.
Subjetividade. Jovens aprendizes. Setor bancário.
A b s t r a c t
In the context of the neoliberal capitalism, which gradually expands its influence
power following globalization, the modern organizational imaginary reaches
spheres that surpass the limits of the work environment, reaching social scopes
that affect the subjects in multiple aspects. The banking sector, which underwent
major transformations in the last few decades, encompasses several aspects of this
imaginary. In this scenario, the objective of the present study is to understand
how the modern organizational imaginary mobilizes the subjectivity of young
apprentices of the banking sector. Considering that young people are more
susceptible to external influences on their perceptions, given the characteristics of
their stage of biopsychosocial development, this research seeks to offer subsidies
that can broaden the areas of meaning regarding these social actors in the field of
organizational studies. Through the dialectical method of content analysis of the
interviews, it was noticed that the modern organizational imaginary acts with
great influence on the perceptions of this public, ratifying its supremacy by the
legitimacy of the young people. However, forms of resistance to this ideology were
also identified. Thus, some reflections have been launched that aim to contribute
with a critique of managerialism, highlighting a complexity that involves the
subjectivity of the subjects immersed in the organizational dynamics.
K e y w o r d s: Organizational imaginary. Managerial ideology.
Subjectivity. Young apprentices. Banking sector.
1 Palavras (nem tão) breves
A sociedade capitalista ocidental tem se mostrado como dominada pelo
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 11-30, Jan/jul. 2017
Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
13
racional e pelos lobbies, num modelo mais preocupado com a prosperidade
econômica do que com valores de integridade e bem-estar social. Uma das carac-
terísticas predominantes na sociedade atual – e que pode ser mais notória que o
individualismo em muitos casos – é o conformismo generalizado, o que permite
maior poder de influência de aparatos ideológicos da gestão sobre a subjetivi-
dade dos sujeitos (FREITAS, 2000). Assim, práticas empresariais e discursos
em diversas instâncias constroem um imaginário organizacional que se integra
à pretensa racionalidade inquestionável, oferecendo um sentido prévio a cada
ação dos indivíduos, de forma a prendê-los nas malhas que eles próprios sentem
que teceram. Quando o indivíduo se identifica com a organização e só enxerga o
mundo a partir da lente dela, sua devoção pode chegar ao ponto do sacrifício de
sua própria identidade e, assim, ele entra em um sistema totalitário que assume o
aspecto de divindade legitimadora de sua existência.
As empresas estabelecem sua visão, missão, valores e prática de gestão de
forma a difundir na cultura organizacional dominante a postura e os padrões
comportamentais que se espera dos empregados, conduzindo-os à eficiência e à
submissão. As atividades deliberadas de socialização tornam-se voltadas a essa
cultura, de forma a moldar o trabalhador segundo as atitudes almejadas pela
organização e fazer com que ele desempenhe suas funções nos padrões estabele-
cidos. Entendidos como instrumentos ideológicos, tais elementos visam ainda a
dotar o trabalho humano de um sentido transcendental, para além da execução
de tarefas e do significado pessoal. Logo, camuflam-se os interesses latentes pelo
lucro, de modo que o trabalho receba a alcunha de dignificante, facilitador do
exercício de cidadania, promotor da felicidade, mesmo que, contraditoriamente,
possa ser fonte de opressão e mal-estar.
Considera-se que o trabalho deva efetivamente proporcionar um papel social
produtivo e, ao mesmo tempo, ser um meio de convívio social, desenvolvimento
humano e contribuinte da formação da autoestima do sujeito. Dada sua função
ontológica, ou seja, considerando que pelo trabalho os sujeitos têm a possibilidade
de transformar o contexto à sua volta e se desenvolver em espaços relacionais, o
trabalho vincula-se à sua identidade social e à sua dimensão subjetiva. Todavia,
ao se levarem em conta os ideais hegemonicamente propagados no ambiente
organizacional – metas progressivas, meritocracia, paixão por desafios, autoen-
trega ilimitada, necessidade de ser “o melhor”–, a dimensão inclusiva e relacional
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 11-30, Jan/jul. 2017
David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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do trabalho tende a ser fragilizada, dados os benefícios e oportunidades estabele-
cidos de forma desigual a seletos “jogadores” na dinâmica empresarial.
É nesse contexto que emerge o conceito do imaginário organizacional
moderno, entendido como a ideologia que abrange elementos voltados à idolatria
incontestável das empresas, à aceitação da lógica gerencialista e à valorização dos
aspectos econômicos como os mais importantes da vida humana (SIQUEIRA,
2004). Quando se leva em conta a influência de tal imaginário sobre as percep-
ções e ações do público jovem, essa força ideológica pode atuar de forma ainda
mais incisiva. Conforme destaca Freitas (2000), tendo em vista o enfraqueci-
mento de instituições tradicionais (como família e religião), aliado à exaltação
do individualismo e da autoimagem (voltados ao consumo e à aparência), as
organizações modernas encontram um terreno fértil para preconizar os ideais de
sucesso por meio de grandes realizações dos sujeitos aliadas aos interesses orga-
nizacionais. Estando os jovens em busca de referenciais para se posicionarem e se
reafirmarem socialmente, além de, em relação aos mais velhos, serem mais sus-
ceptíveis às influências externas sobre a sua definição identitária (ERICKSON,
1994), a fragilidade das supracitadas instituições pode permitir que o discurso
organizacional ofereça respostas mais compatíveis com os anseios narcisistas
desses sujeitos.
Em se tratando do ramo bancário, reconhecido pelas agressivas políticas e
práticas de gestão de pessoas em relação às metas e resultados, pode-se dizer
que ele é um representante emblemático do gerencialismo no qual o imaginário
organizacional moderno se baseia. De acordo com Linhares e Siqueira (2014),
o trabalho bancário tem sido marcado por uma revolução tecnológica (infor-
matização e integração com sistemas digitais) e demandas do ideário neoliberal
(supremacia dos interesses financeiros e flexibilização das relações de trabalho),
o que acarreta na cultura da urgência, competitividade e precarização laboral.
Assim, identifica-se na literatura brasileira uma lacuna quanto a estudos que
versem sobre como os jovens que atuam no ramo bancário lidam com essa com-
plexa dinâmica sócio-organizacional. Desse modo, para começar a preencher tal
lacuna, o objetivo deste estudo é compreender como o imaginário organizacional
moderno atua sobre a subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário.
O anseio pela compreensão das subjetividades que se moldam no contexto da
ideologia gerencialista expressa, portanto, um interesse político, voltado à prática
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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emancipatória, visto que intenta favorecer os sujeitos na formação de uma visão
mais crítica a respeito dos discursos e práticas empresariais que tendem a fragi-
lizar as relações sociais e camuflar a opressão presente nessas ações.
2 Sobre o imaginário organizacional moderno e sua ação nos sujeitos sociais
Neste trabalho, considera-se a subjetividade como a “integração de múltiplas
determinações dialeticamente construídas, que não separe o sujeito do objeto
na práxis social e que interprete o inconsciente como parte do real, simultanea-
mente enquanto objetividade e subjetividade” (PAULA; PALASSI, 2007, p.201).
Nesse sentido, a subjetividade é entendida como uma síntese que emerge das
diversas apropriações que o sujeito faz do mundo que o cerca, significando-o
concomitantemente por meio dos elementos simbólicos, sócio-históricos e de sua
interioridade e potencialidade enquanto ser no mundo (VYGOTSKY, 1999), o
que possibilita a expressão de intencionalidades e posicionamento crítico quanto
ao seu contexto social (SALIMON, SIQUEIRA, 2013).
Como pioneiros no estudo da influência das estruturas gerenciais sobre a
subjetividade dos indivíduos, Pagès et al. (1987) buscaram compreender como
as práticas modernas de recursos humanos, aliadas à lógica do capitalismo neoli-
beral, são internalizadas psiquicamente pelos indivíduos. A partir de sua pesquisa,
abriu-se espaço para que novos estudos se aprofundassem na investigação da
estrutura psicológica que se transforma no contexto gerencialista dos ambientes
organizacionais. Conforme Gaulejac (2007), os instrumentos de poder gerencia-
lista, em vez de concentrados no controle dos corpos, têm-se pautado em como
transformar a energia libidinal em força de trabalho. Nesse sentido, enquanto na
sociedade industrial o poder era visivelmente personificado e autoritário, na era
da informação ele tem se caracterizado como sutil, sedutor e onipresente. Com
isso, os empregados atribuem ideias, princípios e valores não a homens, mas a
uma estrutura organizacional que é maior e mais poderosa que eles próprios, o
que possibilita a adoção da maioria das políticas organizacionais sem objeção ou
reinvindicação em nível coletivo.
Segundo Faria (2004), as organizações são construções sociais e históricas
que assumem relativa autonomia em relação aos sujeitos coletivos que a for-
maram, havendo a constante mediação dos interesses pessoais desses sujeitos e
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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os objetivos organizacionais norteadores. Em sua concepção, as organizações são
entendidas como um sistema social objetivo e subjetivo, concomitantemente cul-
tural, simbólico e imaginário, de modo que suas nuances são captadas apenas
em sua atividade prática, vigente nos fluxos do modo de produção e das trans-
formações sociais (FARIA, 2012). Tal definição encontra respaldo na teoria de
Enriquez (1997), segundo o qual os elementos organizacionais se estabelecem por
meio dessas mesmas instâncias.
Ao tratar do sistema cultural, Enriquez (1997) destaca que, nas organizações,
a estrutura de valores, normas e hábitos atuam sobre as representações sociais
historicamente construídas e interiorizadas pelos sujeitos a elas ligados. A partir
de modelos de socialização, o autor indica que a cultura influi na forma como os
sujeitos são selecionados, adaptados ou excluídos pelas organizações. De acordo
com Freitas (1991), a cultura organizacional atua como
um poderoso mecanismo de controle, que visa a conformar
condutas, homogeneizar maneiras de pensar e viver a orga-
nização, introjetando uma imagem positiva dela, onde todos
são iguais, escamoteando as diferenças e conflitos inerentes
a um sistema que guarda um antagonismo e anulando a
reflexão (FREITAS, 1991, p.74).
Nesse sentido, com a preocupação central voltada à formação de uma
identidade coletiva, os processos de socialização induzem à identificação e à inte-
riorização de uma cultura unívoca pelos sujeitos; todavia, por vezes, o que se
forma é uma identidade dissimulada e festiva, principalmente quando exaltam a
participação em processos decisórios transitórios ou pontuais (FREITAS, 2001).
Quanto ao sistema simbólico, Enriquez (1997) indica que, para a perpetuidade
da organização, são instituídos mitos unificadores, ritos de passagem, figuras heroicas
e construção de uma narrativa organizacional que se sedimente na memória coletiva.
O sistema simbólico atua, então, como um controle afetivo (incitando o apego e
conformidade dos empregados com os relatos narrados) e intelectual (prescrevendo
o modo como se deve pensar na organização). Na visão de Castoriadis (2000), o
simbólico é também a fonte utilizada para fomentar o imaginário, pois ele precede ao
imaginário, o que significa que na elaboração e ressignificação de símbolos, forjam-se
ideais socialmente construídos, impostos e, concomitantemente, inventados.
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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Sobre o sistema imaginário, Enriquez (1997) o desdobra em “imaginário
enganador” e “imaginário motor”. O primeiro é entendido como aquele que visa
a prender os indivíduos nas armadilhas de seus próprios desejos de caráter narci-
sista, alçando a organização a uma referência divina, que ao mesmo tempo se faz
superpoderosa e frágil, ocupando a totalidade do espaço psíquico dos indivíduos
que devem servir-lhe. Já o imaginário motor é o que permite às pessoas exercerem
o seu potencial criativo, além de fugirem às regras, envolverem-se em inovações,
manifestando sua espontaneidade e o rompimento com a repetição. Embora
ambos os imaginários coexistam, o autor destaca que o enganador se sobrepõe ao
motor, a fim de se evitarem questionamentos e de se assegurar a conformidade.
Pagès et al. (1987) conceituam essa contradição como autonomia controlada, o
que significa que a autenticidade dos sujeitos só é permitida até o ponto em que
não se altere as lógicas centrais do status quo. Nesse sentido, criatividade, questio-
namentos e pensamento inovador são bem-vindos apenas quando revertidos em
prol do desenvolvimento dos negócios da organização.
Para Freitas (2000), as principais características do imaginário organiza-
cional moderno são definidas como: i) criação da imagem da empresa cidadã, a
partir de ações de apoio à cultura, ecologia e desenvolvimento comunitário (ainda
que o mero cumprimento de leis se apresente como engajamento voluntário da
organização); ii) concepção da excelência como algo obrigatório, constante e irre-
vogável, possibilitando que o status profissional se torne elemento organizador
da vida pessoal; iii) lugar da juventude eterna, onde todos devem assumir a pos-
tura de jovens dinâmicos, flexíveis, vigorosos e competitivos, independentemente
da idade; iv) a empresa como restauradora da ética e da moralidade, ética essa
pautada na megalomania, na extinção do passado que prejudique sua imagem
e na transformação da necessidade em virtude; e v) empresa comunidade, cons-
truindo-se a imagem da empresa como uma grande família, onde entram apenas
indivíduos adeptos à sua “filosofia”, dificultando a análise racional dos limites de
identificação e idealização dos sujeitos com a empresa.
Acredita-se que por mais implícito e totalitário que possa ser o poder das orga-
nizações, ele não prescinde de estratégias de enfrentamento por parte dos sujeitos
afetados. Lima (1996) também questiona o papel determinista que muitas vezes
é atribuído às organizações, visto que há outras instituições na história dos indi-
víduos que contribuem significativamente em suas percepções e ações. A autora
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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defende que, para compreender o verdadeiro papel da organização sobre a influ-
ência da economia psíquica dos indivíduos, é necessário buscar conhecer a sua
história e as possíveis articulações desta com a situação de trabalho.
Segundo Gaulejac (2007), para que o sujeito não enlouqueça diante das injun-
ções paradoxais com que se depara, a resistência mais comum é a clivagem entre um
“Eu organizacional”, aquele que se mostra adequado a todas as exigências impostas,
e o “Eu verdadeiro”, o que revela, na sua expressão mais íntima, as suas reticências
e críticas. Embora seja enfatizado que o poder do imaginário organizacional vá
além da influência das organizações de trabalho particulares, pois atinge outras
esferas da vida social dos indivíduos, cabe destacar que esses sujeitos devem ser con-
siderados como capazes de transcender às influências que visam a determinar sua
constituição psíquica. Para tanto, faz-se necessário o aprofundamento em concep-
ções mais complexas no tocante aos sujeitos organizacionais, buscando conhecer
mais sobre o seu “Eu verdadeiro” e as dissonâncias com o seu “Eu organizacional”,
bem como as possibilidades palpáveis nesse cenário de dilemas e complexidades.
3 Percurso metodológico
Para o alcance dos objetivos da pesquisa, foi conduzida uma investigação
qualitativa, método de abordagem que se mostrou como o mais coerente para a
análise da subjetividade dos sujeitos de pesquisa. Trata-se de um estudo descri-
tivo, já que se voltou para a análise dos fenômenos focalizados junto ao público
abordado, buscando identificar causalidades e contradições que lhes são ine-
rentes, a partir das perspectivas dos próprios sujeitos (GIL, 2009).
Os sujeitos de pesquisa foram os jovens aprendizes que atuam em empresas
privadas do setor bancário. Esses jovens, assistidos por uma organização não
governamental credenciada para fazer intermediação entre os aprendizes e as
empresas parceiras, encontram-se geralmente em situação de vulnerabilidade
social (carência financeira e outras dificuldades nos acessos sociais), visto que
esse é um dos critérios de participação no programa Jovem Aprendiz. Eles devem
ter a idade compreendida entre 14 e 24 anos, além de estar cursando ou ter con-
cluído o ensino médio. Trabalham quatro dias por semana nas empresas – do
ramo bancário, no caso específico dessa pesquisa – e um dia por semana realizam
cursos de capacitação profissional na organização intermediadora.
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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Em relação à unidade de análise do estudo, ela foi composta pelas percep-
ções dos jovens aprendizes acerca do contexto organizacional. Para a coleta
dos dados, foram realizadas entrevistas individuais, com roteiro semiestru-
turado e duração entre 40 e 90 minutos. Essas entrevistas foram realizadas
no espaço físico da organização intermediadora, nos dias em que os jovens
a frequentam para a realização dos cursos profissionalizantes. Os jovens
entrevistados foram selecionados pelo critério de acessibilidade e intencio-
nalidades, visto que se optou apenas por aqueles que trabalham no ramo
bancário e atingiram a maioridade legal. Em relação à faixa etária dos jovens
abordados, embora o programa Jovem Aprendiz atenda aqueles com idade
entre 14 e 24 anos, optou-se por um recorte que contemplasse apenas os
de idade igual ou superior a 18 anos, pois a visão de um adolescente de 15
anos seria provavelmente destoante da de um jovem de 23, dada as novas
demandas sociais que um jovem maior de idade enfrenta. Assim, o recorte
adotado intentou reduzir tal discrepância, permitindo uma análise mais con-
centrada dos fenômenos em um público específico.
As principais características dos abordados encontram-se sintetizadas no
Quadro 1, apresentado a seguir.
Quadro 1: Perfil dos jovens aprendizes pesquisados
Sujeito Sexo Idade Escolaridade Cor de
pele
Tempo na
Empresa
Ramo da
empresa
E1 Masculino 20 Ens. Superior Completo Branco 9 meses Bancário
E2 Feminino 19 Ens. Superior Incompleto Pardo 9 meses Bancário
E3 Masculino 19 Ens. Superior Incompleto Pardo 13 meses Bancário
E4 Feminino 19 Ens. Superior Incompleto Pardo 13 meses Bancário
E5 Feminino 18 Ens. Superior Incompleto Pardo 7 meses Bancário
E6 Feminino 23 Ens. Superior Incompleto Pardo 11 meses Bancário
E7 Feminino 20 Ens. Superior Incompleto Branco 12 meses Bancário
E8 Masculino 19 Ens. Médio Incompleto Pardo 8 meses Bancário
Fonte: Dados da pesquisa
Nota: A identificação dos entrevistados (E1, E2, E3...) seguiu a ordem das entre-
vistas realizadas com os sujeitos
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 11-30, Jan/jul. 2017
David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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As entrevistas, após as transcrições integrais, foram analisadas a partir do
método dialético de análise do conteúdo, tal qual utilizado por Pagès et al.
(1987). A partir desse método, segundo os autores, pode-se reconhecer as con-
tradições inerentes aos discursos dos sujeitos, cabendo ao pesquisador analisar
elementos como o caráter dialético entre o discurso objetivo e subjetivo (evi-
tando os extremos entre o positivismo e o idealismo) e as ressonâncias entre o
discurso individual e o discurso coletivo (considerando que o discurso coletivo
não é fruto apenas das semelhanças, mas também da complementariedade dos
discursos individuais). Ademais, é possível para o pesquisador situar as relações
entre temas e subtemas recorrentes e, ainda, elaborar gráficos de interpretação
que possibilitem confrontar hipóteses teóricas com dados empíricos, conduzin-
do-se às novas teorias construídas. Acredita-se que esse método seja coerente
para a análise de conteúdo das entrevistas obtidas nesta pesquisa, visto que as
temáticas abordadas demandaram uma metodologia que conseguisse abarcar a
complexidade do contexto envolvido no imaginário organizacional moderno e
no processo de constituição subjetiva dos jovens aprendizes.
4 Apresentação dos resultados
A partir das entrevistas, identificaram-se, entre as falas e as narrativas dos
jovens aprendizes (categorização a posteriori), unidades de significação especí-
ficas, que se voltam ao estabelecimento do imaginário organizacional nas práticas
de trabalho. Tais unidades de significação indicam como os jovens interpretam
a realidade em meio às trocas sociais cotidianas, o que influencia diretamente na
maneira como se constituem no e para o trabalho. A compilação das entrevistas
possibilitou a formação de quatro categorias de análise, as quais encontraram con-
sonância com as instâncias organizacionais indissociáveis propostas por Enriquez
(2001): sentido do trabalho; motivação para ser jovem aprendiz; imagem que têm
da organização; reconhecimento da justiça e da injustiça organizacionais.
No que se refere à categoria “sentido do trabalho”, a maioria dos jovens asso-
ciou ao trabalho a possibilidade de desenvolvimento de libertação em relação às
restrições sociais, como família e necessidade de acesso ao consumo. A condição
de vulnerabilidade social dos pesquisados parece influir na atribuição do sentido
ao trabalho voltado para a dimensão mais instrumental (fonte de renda) do que
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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afetiva (criação de vínculos sociais). Essa instrumentalidade poderia representar,
em princípio, menor propensão à adoção dos discursos ideológicos de hiperva-
lorização da entidade empresarial, dada a percepção de sua realidade material
concreta e a maneira como podem negociar seus interesses. Todavia, percebeu-se
que esses dois âmbitos coexistem na percepção de alguns sujeitos, como ilustra
fala a seguir:
Financeiramente, tudo, né. Porque é com ele que eu me man-
tenho [...]. Assim eu não tenho que depender dos meus pais
pra nada. E é gratificante também, porque eu gosto muito. Ir
lá lidar com pessoas, eu acho muito interessante. (E6)
Parte dos aprendizes associou o trabalho à noção de emprego, ou seja, de
troca de sua força produtiva a uma instância organizacional que lhes correspon-
derá com benefícios e possibilidades de crescimento e êxito social e profissional.
Percebeu-se que, para todos os pesquisados, embora alguns já tivessem expe-
riência profissional anterior, a atual ocupação era a primeira oportunidade de
inserção numa organização de grande prestígio social, o que influi sobre sua
maior aceitação das ideias e práticas vigentes nesse ambiente.
Eu vejo meu trabalho como uma oportunidade de cresci-
mento, por se tratar de uma multinacional, uma grande
empresa. Tento mostrar o meu papel e dar o meu melhor, o
que eles esperam e o que eles não esperam de mim. Eu vejo
assim, para estar conseguindo fazer parte da equipe. (E3)
Curioso notar que os sujeitos E4 e E6 foram os únicos a apontar a dimensão
pessoal afetiva como elemento de significação para o trabalho na empresa, tomada
como “família”, dado que possa se justificar, talvez, pela questão do gênero, uma
vez que os jovens do sexo masculino explicitaram prontamente o discurso hege-
mônico da independência econômica e crescimento profissional, orientados por
preceitos de racionalidade. O imaginário organizacional perpassa, assim, ins-
tância sociais mais amplas, atuando conjuntamente com outras representações
sociais, como no caso dos parâmetros que definem padrões de comportamento
sexual e de gênero em nossa sociedade.
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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Muito embora o sentido do trabalho para os jovens pesquisados apresente,
de modo geral, uma valoração positiva, há contradições em suas relações de tra-
balho que em muito se distanciam do ideal apregoado em suas narrativas: o
cumprimento de atividades maçantes e pouco criativas; o controle direto dos
pares e chefia; os conflitos inerentes às trocas socio-organizacionais; a submissão
e a falta de reconhecimento social devido à pouca instrução formal e experiência
do aprendiz. Tem-se aqui a evidência de que o imaginário atua como lente da per-
cepção de significação social do trabalho, mobilizando a consciência dos jovens
quanto à concretude das práticas, especialmente em sua condição de aprendizes,
com pequenas possibilidades de acesso a recursos materiais, salvo pela entrega de
sua força produtiva.
Tal como percebido por Faria e Meneguette (2007) com trabalhadores de
uma indústria toyotista, os jovens aprendizes desta pesquisa mostram-se coop-
tados pelos discursos organizacionais que estabelecem formas de ser no mundo,
o que legitima a hegemonia gerencialista em meio às relações humanas, para
além das especificidades de seu contexto cultural e comunitário. Os discursos
gerencialistas hegemônicos se naturalizam, se uniformizam e se massificam, de
maneira que percepções e concepções contrárias possam custar maior dificuldade
de ascensão e adaptação ao ambiente organizacional. Pela insegurança própria de
sua fase de desenvolvimento biopsicossocial, os jovens aprendizes significam suas
práticas de trabalhos a partir dos discursos instituídos, de forma a legitimá-los.
Já em relação à categoria “motivação para ser jovem aprendiz”, metade dos
entrevistados enfatizou a questão da importância do vínculo com uma organi-
zação conceituada e reconhecida socialmente, como forma de validar também
seu reconhecimento e valorização pessoal no âmbito social. É importante reforçar
a condição de carência financeira em que os jovens aprendizes se encontram e
como ela se articula com suas percepções, anseios e propensão à incorporação do
imaginário organizacional. A Lei do Aprendiz obriga as empresas a integrarem
em sua força de trabalho um perfil de jovens que geralmente não é aquele que faz
parte de seu efetivo. Essa situação promove naqueles que vivenciam essa experi-
ência um certo deslumbre com o ambiente corporativo, visto que a precariedade
vivenciada em empregos anteriores – e até mesmo em seu contexto social – favo-
rece a idealização do trabalho atual.
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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Então, quando eu estava na venda de impressoras, na loja,
eu já estava cursando marketing e ali eu vi que a empresa
não estava me dando a oportunidade de crescer, então eu
procurei outros lugares [...]. A (associação intermediadora)
me encaminhou para o banco e eu já comecei a desenvolver
mais, a ter uma experiência, porque um nome de um banco
no currículo já pesa mais em uma carteira né, agrega mais
[...]. Antes, nos outros trabalhos que eu já tive, era bem
puxado, entendeu? Porque não concilia a faculdade e é bas-
tante desgastante. (E1)
Eu trabalhava das oito às dezoito e era no setor de recursos
humanos, uma área que exigia muito de mim, eu saia des-
gastada de lá. Como saía de lá tão sugada, eu não conseguia
estudar. Aí eu pensei: “Eu preciso arrumar alguma coisa que
dá para conciliar meu estudo e meu trabalho, porque eu não
vou só trabalhar a vida toda, tem que estudar”. Aí eu decidi
procurar um de meio horário. (E2)
Embora parte significativa dos sujeitos tenha explicitado a questão da imagem
e da relevância da organização “salvadora” como elemento de motivação para o
trabalho, parte dos entrevistados aponta também outros fatores significativos,
que marcam inclusive sua percepção de que a organização é um recurso a ser
utilizado em seu favor para o estabelecimento de mudanças sociais. Ao marcar a
dificuldade de se conseguir outras propostas e a carga horária reduzida em com-
paração com outros trabalhos, os jovens aprendizes colocam seus interesses em
prevalência, marcando uma percepção do real do trabalho em oposição à ação e
à influência do imaginário organizacional.
Não se trata aqui de enfatizar que tal percepção seja uma estratégia
defensiva frente à ação de manipulação do imaginário organizacional, pois
isso exigiria um aprofundamento na história de cada entrevistado, em busca
de elementos que evidenciassem a tomada de consciência e o despertar para
a autoemancipação, elementos que não se fizeram notórios nas entrevistas.
Mas entende-se que a percepção das condições concretas de existência, assim
como dos interesses pessoais e de classe social, são peças eliciadoras para
um processo maior, que possibilitaria o enfrentamento, a partir de engaja-
mento social, dos trabalhadores em relação à ação modeladora das ideologias
gerencialistas nas organizações.
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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No tocante à categoria “imagem que têm da organização”, foi evidenciado
mais claramente o poder do imaginário na subjetividade dos jovens aprendizes.
A maioria atribui uma concepção gerencialista do banco onde trabalha, enxer-
gando-o como uma instituição marcada por racionalidade, profissionalismo,
idoneidade, moralidade, segurança e competitividade. Deixando pouco espaço
para a visão das contradições empresariais, é possível que tais percepções se vin-
culem a um imaginário que cria as estereotipias em relação ao funcionário ideal
e padrão. Sendo os sujeitos desta pesquisa, caracterizados como representantes de
diversas minorias sociais, a baixa criticidade em relação à meritocracia desfavo-
rece o afastamento de tal idealização, hierarquizando as diferenças e ratificando
a exclusão social.
Apenas os entrevistados E2 e E4 expressaram outros elementos associados à
organização, como a preocupação com vínculos de afetividade e a questão do lucro
como objetivo maior – e, mais uma vez, por serem do sexo feminino, não corres-
pondem ao ideal de funcionário-padrão, o que reforça que a questão do gênero
pode ser relacionada à forma como atua o imaginário organizacional nas relações
de trabalho. O sujeito E2 relatou uma visão mais cética em relação à imagem que
tem da organização, indicando ser menos afetada pela ideologia gerencialista que
deifica a empresa e a põe num patamar à prova de quaisquer críticas.
O banco quer ganhar a qualquer custo. Ele é uma financeira
e está preocupado com o dele [...]. Nas regras parece que é
outro lugar, se eu ler as regras eu falo: “Que lugar bacana!”.
Na prática, não funciona não [...]. Eles estão com uma missão
agora de melhor atendimento para o cliente, fazer o que é
melhor para o cliente, mas eles não fazem o que é melhor
para os clientes, eles fazem o que é melhor para o banco. Se
você vai lá agora e fala: “Eu quero abrir uma conta com a
tarifa mínima de dezesseis reais”. Eles não vão abrir uma
conta de dezesseis, que é a normal. Eles vão abrir a de trinta e
dois. Não é do que você precisa, é do que eles precisam. [E2].
Cabe esclarecer que o poder da imagem – e do imaginário – organizacional
depende da legitimação, por parte dos trabalhadores, dos aspectos estruturantes
que dão forma à concepção ou representação que se quer estabelecer nas práticas de
trabalho. Trata-se de um poder simbólico (BOURDIEU, 2006), entendido como
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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um poder de construção da realidade que estabelece um sentido, uma significação
consensual de mundo a partir de um conformismo lógico (tal como nos processos
de naturalização, universalização e demais mecanismos de ação ideológica), o que
torna possível um consenso ou concordância social dos menos favorecidos em favor
dos dominadores para a manutenção da ordem social vigente.
A categoria que se mostrou mais contraditória nas falas dos entrevistados foi a
que trata do “reconhecimento da justiça e da injustiça organizacionais”. Essa cate-
goria permitiu identificar como os jovens aprendizes julgam as práticas adotadas no
setor bancário, demonstrando ora a legitimação, ora a condenação de tais práticas.
Notou-se ainda que aspectos morais advindos de instituições sociais no processo de
socialização dos jovens (como no caso das religiões) influenciam a maneira como
valorizam positiva ou negativamente a empresa e suas práticas. O sujeito E3, por
exemplo, relatou como injusto o procedimento de cobrança de metas na empresa, o
que acaba por acarretar comportamentos, em princípio, moralmente questionáveis.
Dentro do banco? Talvez possa ser a cobrança exacerbada
dentro do banco, talvez seja a única coisa que, assim... não
é que eu não concordo. A cobrança tem que existir, mas
quando um funcionário talvez não cumpre sua meta, com
o passar do tempo ele pode ser demitido. Mas não é tanto
pelo não esforço do trabalhador. Às vezes eu vejo gente que
trabalha lá que deixa de passar informações para o próprio
cliente, talvez para conseguir bater a própria meta [...]. Eu
não considero adequado, não é uma situação confortável,
porque se trata de família, quando uma pessoa trabalha ali,
ela é um ser humano, né, eu acho muito desconfortável [E3].
É perceptível que os sujeitos se ampararam em suas vivências para o esta-
belecimento de um juízo moral que lhes servirá de base nos diversos espaços
de socialização, mesmo em meio à dinâmica e à fluidez com que tais valores
possam se transformar. A diferença no que se refere à manutenção ou não de
certos valores, numa conduta conservadora, dependerá de como o poder simbó-
lico – aqui estabelecido pelos discursos e pelo imaginário organizacional – atuará
na constituição subjetiva dos trabalhadores. Ainda no exemplo do sujeito E3,
refletindo sobre o caso de ser contratado, ele esclarece como lidaria se vivenciasse
situações semelhantes à relatada, ao que ele respondeu:
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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Vou ter que fazer, eu tenho consciência disso. Quando uma
pessoa é contratada pelo banco, às vezes tem algum funcio-
nário que não tem a preparação para aquilo e como já tem
mais de um ano que eu estou lá, eu vivencio o cotidiano
do banco. Procuro sempre pegar tudo que for de conheci-
mento dentro do banco para mim. Técnicas de vendas, por
exemplo, para que se uma possível contratação acontecer, eu
não passe dentro de algumas situações difíceis que, às vezes,
alguns passam. [E3]
Percebe-se, nesse caso, que a percepção de injustiça relatada se concentra na
cobrança exacerbada das metas, o que pode ocasionar no tratamento inadequado
do cliente. Todavia, essa segunda injustiça é apresentada de modo naturalizado,
passível de ocorrer, em decorrência da primeira. Com isso, embora o sujeito E3
relate que se esforçará para não precisar passar pela situação de ser pressionado
pelas metas, está implícito em sua fala que a omissão de informações ao cliente é
suscetível de ser adotada por ele, pois é uma estratégia de manutenção do emprego.
Nota-se, assim, a importância do contexto do trabalho em relação às percepções
de justiça dos sujeitos. No caso do sujeito E2, que demonstra maior criticismo em
relação à empresa, também não escapa a ambiguidade que as vivências de prazer
e sofrimento no trabalho provocam, de forma concomitante e paradoxal.
Eu não posso ter meta? Meta, eu não posso. Jovem aprendiz
não pode ter meta, mas se você quiser ficar no banco, vai
ter que mostrar algum tipo de produção. Eles jogam no ar,
assim. Não é só um bom atendimento. Aí eu não acho justo
você vender, fazer uma coisa que não é boa para a pessoa. Isso
aqui é ruim, mas você tem que dizer que é bom. Vai contra
meus princípios, mas eu estou aprendendo muito [...]. Já fiz
várias (vendas). Dá uma satisfação quando você consegue
fazer uma coisa, fazer um número. Só que, sei lá, me dá uma
agonia depois. Poxa, gente idosa, gente que muitas vezes não
tem aquela condição. (Por)que quem é rico mesmo não faz,
eles são espertos, são estudados. [E2]
A partir desse depoimento, pode-se interpretar que, mesmo não achando
justo vender os produtos financeiros e sendo impelida a fazer tal atividade, a
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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jovem reforça a questão da aprendizagem que adquire e da satisfação de cor-
responder às expectativas em relação ao seu desempenho no trabalho. A fim de
amenizar a dissonância cognitiva, o sujeito E2 busca ressaltar a gratificação que
tem de “fazer um número”, todavia, continua a conviver com a contradição de
que esse número possa provocar o endividamento do cliente. Ao não acreditar
no benefício do serviço que ela oferece, o sentimento de agonia acompanha o de
satisfação, sendo essa ambivalência semelhante à observada na pesquisa de Pagès
et al. (1987). Crítica semelhante foi apresentada por outro jovem:
Assim, sinceramente, eu não consigo lidar com o fato de que
você tem que mentir, ou vender alguma coisa que as pessoas
não podem comprar, tentando convencer elas disso. Não é
bem a minha cara. Eu gosto de resolver problemas. Banco
não. Ele te dá uma solução, sabendo que lá na frente ele vai
ter que apresentar uma melhor pra você, porque você vai
tá quebrado pela oportunidade que ele te deu. E isso não é
muito honesto pra mim. (E5)
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o sujeito E5, apesar de atrelar uma
visão positiva à organização (profissionalismo e seriedade), no tocante à percepção
de justiça no trabalho, ele manifesta críticas em relação às práticas adotadas pelo
banco. Percebe-se, assim, que as ações do imaginário organizacional moderno
já se encontram tão enraizadas no ambiente social que, mesmo sendo alvo de
críticas, por vezes essas críticas não chegam a afetar a imagem geral da empresa,
dada a naturalização do ideário gerencialista. Esse quadro permite inferir que a
consciência crítica a respeito das práticas organizacionais influi na forma como os
sujeitos se vinculam a essas empresas e se mostram propensos ou não a reproduzir
tal imaginário no contexto social.
5 Considerações finais
O objetivo deste estudo foi compreender como o imaginário organizacional
moderno mobiliza a subjetividade de jovens aprendizes no setor bancário. A
partir da análise das percepções dos sujeitos de pesquisa, foi possível compre-
ender que os sujeitos pesquisados incorporam a lógica do gerencialismo, o que
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David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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caracteriza suas relações sociais segundo perspectivas individualistas e voltadas
à posse, ao acúmulo e à busca por seus interesses, de modo que sejam também
legitimados pelo que está instituído (enquanto ideologia) nas práticas soócio-or-
ganizacionais, corroborando, assim, com o ideário organizacional propagado.
Destacou-se na pesquisa, entretanto, que estratégias de resistência ao discurso
dominante foram identificadas, embora tal resistência permita pouca margem de
atuação dos sujeitos envolvidos.
Não sendo este estudo especificamente voltado para o aumento da produ-
tividade nas empresas – tal como se baseia a maioria dos estudos no campo
da Administração, de cunho funcionalista –, o engajamento maior desta pes-
quisa pautou-se no ideal de que o ambiente de trabalho, como central na vida
humana, deve se constituir como efetivamente inclusivo e pautado em valores
mais altruístas do que a busca desenfreada pelo lucro. Portanto, pretendeu-se
que esta pesquisa contribua academicamente com a ampliação das teorias
organizacionais nas temáticas centrais do estudo (imaginário organizacional,
subjetividade no trabalho e o jovem nas organizações) e sociopoliticamente
com o envolvimento da ciência na busca do desenvolvimento social de forma
saudável e humanisticamente sustentável.
Para estudos futuros, sugere-se a condução de pesquisas com outros públicos,
em ambientes organizacionais diversos, tais como em organizações públicas,
organizações do terceiro setor (ONGs) e empresas do ramo esportivo ou da moda.
Assim, os apontamentos aqui descritos são o ponto de partida para um posterior
aprofundamento de pesquisa e reflexão no que se refere às estratégias de resis-
tências e enfrentamento dos trabalhadores em relação à opressão colocada pela
ação do imaginário organizacional, pois que não respondem conclusivamente
às inquietudes dos pesquisadores; ao contrário, suscitam novas provocações e
discussões, especialmente no que se refere ao processo de constituição subjetiva
nas relações de trabalho.
Aos pesquisadores dos Estudos Organizacionais e aos demais com uma con-
cepção abrangente do que é um estudo em Administração, fica, pois, o desafio:
o avanço por perspectivas complexas que possam proporcionar, enquanto obje-
tivo ético e político, a amenização da opressão no trabalho, assim como dos
impactos que impossibilitam o real desenvolvimento e a consequente emanci-
pação do trabalhador.
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade de jovens aprendizes do setor bancário
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COMPETÊNCIAS REQUERIDAS NO
COMÉRCIO EXTERIOR: UM ESTUDO
SOB A ÓTICA DE ESTUDANTES
COMPETENCIES REQUIRED IN FOREIGN TRADE: A
STUDY IN THE STUDENTS’ PERSPECTIVE
Marcelo Almeida de Camargo Pereira *
Vera Lucia Felicetti **
R e s u m o
Este artigo traz uma análise sobre o contexto do comércio exterior brasileiro,
as competências do profissional dessa área apontadas na literatura e os resul-
tados parciais de uma pesquisa realizada com alunos de nível superior do curso
de Comércio Exterior. Os dados foram coletados através da técnica de grupos
focais, sendo analisados via análise textual discursiva. Apresentam-se aspectos
sobre a aprendizagem das competências necessárias para atuar na área, sob
a ótica de alunos pesquisados. Em relação ao perfil profissional, constata-se,
por meio dos autores, que o profissional da área deve agregar competências
gerais, como negociação, criatividade, domínio de idiomas, visão estratégica e
cultura universal. As opiniões dos alunos participantes convergem com a lite-
ratura, pois, para eles, o profissional necessita ter uma formação que contemple
conhecimentos aduaneiros e de legislação, negociação, comunicação e aspectos
culturais, de modo a melhor enfrentar os desafios do mercado globalizado.
P a l a v r a s-ch a v e: Estudantes. Aprendizagem. Competências. Comér-
cio exterior. Perfil profissional.
* Doutorando em Educação no pro-
grama de Pós-graduação em Educação
do Centro Universitário La Salle na
cidade de Canoas - RS
** Doutora em Educação pela PUCRS.
Pós-doutorado na Universidade de
Maryland – College Park - EU. no pro-
grama de Pós-graduação em Educação
do Centro Universitário La Salle na
cidade de Canoas – RS Brasil.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Recebido em: 01/11/2016Aprovado em: 04/01/2017
32
A b s t r a c t
This paper brings an analysis about the Brazilian foreign trade context, the
competencies to this professional pointed out in literature, and also the partial results
of a research with undergraduate students of Foreign Trade. The data were collected
through the focus groups technique and analyzed through discursive textual
analysis. Aspects concerning the learning of the competencies necessary to act in
the area, from the perspective of the students researched, are presented. Regarding
the professional profile, according to the authors, the professional has to aggregate
general competencies, such as negotiation, creativity, foreign languages mastering,
strategic vision and global culture. The opinions of the participating students
converge with literature because, for them, the professional needs to have a training
that includes customs and legislation knowledge, negotiation, communication and
cultural aspects, in order to better face the challenges of the globalized market.
K e y w o r d s: Learning. Competencies. Foreign trade. Professional profile.
1 Introdução
O comércio exterior é um fator de desenvolvimento para o país e um desafio
aos governantes e às empresas que nele atuam. A diversidade de leis, entraves
logísticos, posicionamento geográfico, complexa carga tributária e concorrência
em nível internacional são alguns dos obstáculos para as organizações.
As práticas de comércio internacional precisam servir como um instrumento
aos gestores públicos para o desenvolvimento econômico de um país. Sendo assim,
o objetivo dos gestores públicos deve se concentrar no alcance do pleno emprego,
aliado à distribuição de renda e a baixos índices inflacionários. Indicadores como
o Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Nacional Bruto (PNB) podem auxiliar
a definir como está o desenvolvimento do país frente à comunidade internacional.
O exercício das práticas de comércio surge justamente como
um mecanismo capaz de apontar as soluções e os caminhos
viáveis para o estabelecimento de um eixo sólido e concreto,
que suporte a implementação de medidas válidas para pro-
mover o crescimento de um país. (FARO; FARO, 2012, p.3)
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
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Outro fator de importância é a escassa mão de obra qualificada para atuar no
mercado internacional, que, além de competitivo, requer um leque de competên-
cias e habilidades, justificando a existência de um curso específico para formação
nessa área: o curso de Comércio Exterior.
Compreendendo o curso de Comércio Exterior como uma forma de pre-
paro e formação para atuação na esfera internacional, pode-se afirmar que tal
preparo do pessoal de comércio exterior é fator de importância para o processo
de internacionalização das empresas. No momento em que a empresa decide por
ingressar em mercados no exterior, esta necessita criar equipes – ou assistentes,
inicialmente – que tenham as competências para a realização do investimento
(MINERVINI, 2012).
A organização de um departamento de Comércio Exterior é um primeiro
passo para atuação nos negócios internacionais. Esta deve ser realizada em con-
sonância com o planejamento estratégico da empresa, a qual deve implantar uma
cultura exportadora. Em um segundo momento, deve-se estruturar as funções
do departamento de Comércio Exterior e definir por um canal de distribuição
adequado para a promoção de seus produtos (MINERVINI, 2012). Todas essas
funções podem ser executadas por profissionais da área de Comércio Exterior.
Ramos, Domingues e Marietto (2011) afirmam que o profissional da área de
Comércio Exterior é quem atua diretamente nas relações de comércio interna-
cional, analisando as situações e tendências de mercado e planejando o comércio
de produtos e serviços com outros países.
É possível afirmar que o profissional de comércio exterior tem formação
acadêmica e continuada, visão sistêmica da organização na qual atua e visão
empresarial para prospecção de novos negócios e transita em diferentes
ambientes e culturas com desenvoltura. Este profissional, por fim, deve ter um
forte senso comercial, atuando como negociador, frente às inúmeras variáveis
econômicas, logísticas, técnicas, jurídicas e burocráticas que a área apresenta
(MINERVINI, 2012).
Com base nos apontamentos de Minervini (2012), Ramos, Domingues e
Marietto (2011), pode-se verificar o profissional de comércio exterior em nível de
gestão como um profissional integrador e incentivador de diversas áreas da orga-
nização com o mercado externo. Sua flexibilidade como negociador, sua visão de
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
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mundo ampla e globalizada, sua atuação em contextos multiculturais, além dos
conhecimentos burocrático administrativos, lhe conferem teoricamente as con-
dições para a condução dos negócios internacionais das companhias.
Verifica-se, dessa forma, a necessidade de formação especializada para pre-
parar os sujeitos para atuação no mercado externo. Esta pode ocorrer via ensino
de competências e habilidades multi e interdisciplinares, entre as quais ensino de
idiomas, técnicas de negociação, legislação internacional, economia e mercado,
estratégias de vendas internacionais, procedimentos operacionais de importação
e exportação etc. se cruzam e complementam.
Nessa direção, este artigo parte dos estudos da dissertação de mestrado intitu-
lada A aprendizagem de competências evidenciadas pelos alunos do curso de tecnologia
em Comércio Exterior, tem como objetivo contextualizar brevemente o comércio
exterior brasileiro e evidenciar o que autores e estudantes do curso de Tecnologia
em Comércio Exterior apontam sobre o perfil do profissional desse campo.
O presente trabalho está dividido em: introdução, em que se apresentam as
bases iniciais do trabalho, como a importância da área de Comércio Exterior e
o profissional da área; o contexto do comércio exterior brasileiro, que além de
abordar o momento atual, busca o histórico das relações comerciais do Brasil
com o exterior; o percurso metodológico, com a técnica de coleta e análise de
dados; os resultados da pesquisa realizada com alunos de tecnologia em comércio
exterior, que discutem sobre o aprendizado para a atuação profissional na área
internacional; e, ao final, encontram-se as considerações finais e as referências
que embasaram este artigo.
2 O contexto do comércio exterior brasileiro
O comércio exterior brasileiro foi fortemente influenciado pela depressão dos
Anos 30 e pela II Guerra Mundial. Nesse período, as vendas externas do país estavam
ancoradas em commodities (produtos básicos) como algodão, borracha, açúcar, café
e ouro. Esses produtos, de baixo valor agregado no caso dos agrícolas, dependem do
consumo e das oscilações de preço internacionais (FARO; FARO, 2012).
Com a depressão dos anos 1930, ocorreu a necessidade de ruptura do modelo
exportador baseado em produtos agrícolas para o modelo de substituição das
importações, o qual demandou um grande processo de industrialização e redução
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
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drástica das compras externas, visando ao crescimento econômico. Durante
algumas décadas, os sucessivos governos buscaram equalizar os fatores de dese-
quilíbrio dessas políticas, até que, ao final da década de 1960, ocorreu o chamado
milagre econômico brasileiro. Esse período se caracterizou por altas taxas de
crescimento econômico, investimento público em infraestrutura, demanda por
bens duráveis e crescimento da construção civil. Durante o período, as vendas ao
exterior apresentaram resultados favoráveis em razão da grande demanda mun-
dial (FARO; FARO, 2012).
O período de crescimento foi interrompido pela crise econômica interna-
cional, pelo choque do petróleo e pela elevação das taxas de juros internacionais,
que trouxeram à tona os problemas estruturais do país e da política externa equi-
vocada desenvolvida ao longo daquelas últimas décadas. Os anos 1980 no Brasil
foram marcados pelo que Faro e Faro chamam de “situação caótica de ciclos
recessivos e de crescimento reprimido. ” (2012, p.7). Apesar da situação, segundo
esses autores, o país obteve superávit nas vendas externas, o que, contudo, não foi
suficiente para a estabilização das contas internas do país.
Na década de 1980, segundo Dupas e Suzigan (apud SILVA, 2008) o país
enfrentou um processo de desaceleração na atividade industrial, em razão de
indefinições estratégicas governamentais e de uma rígida política de ajustes
macroeconômicos. A inserção internacional da indústria brasileira estava cen-
trada na utilização dos recursos naturais, de forma semelhante à da década de
1930, como sublinham Faro e Faro (2012).
Vale o apontamento de Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010) de que
o programa de substituição de importações protegeu a indústria brasileira da
concorrência externa e proporcionou um forte parque industrial, porém sem o
mérito da concorrência e atualização tecnológica.
A década de 1990 foi marcada por sucessivos planos para estabilização
econômica e controle inflacionário, de forma a retomar o crescimento eco-
nômico. A estabilização foi iniciada através do Plano Real e mantida através
dos governos subsequentes ao do presidente Itamar Franco (FARO; FARO,
2012). Ainda neste contexto, Silva (2008) afirma que o ano de 1988 foi deci-
sivo para o comércio exterior brasileiro, pois houve a eliminação dos controles
quantitativos sobre as importações, em razão do esgotamento da política de
substituição às importações.
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
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Faro e Faro (2012) apontam que, apesar dos problemas do governo Collor,
em 1992, esse governo possibilitou a abertura econômica brasileira e lançou
mão das bases para integração regional e formação do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL). Pode-se considerar que o processo de ruptura do fechamento
da economia brasileira com a indústria automobilística, resumido na célebre
afirmação do presidente Collor de que os carros eram “verdadeiras carroças”
(CAVUSGIL; KNIGHT; RIESENBERGER, 2010, p.468), foi resultado dos
anos de fechamento econômico.
Dado esse breve histórico apresentado, pode-se afirmar que o processo de
abertura econômica brasileiro ocorreu há menos de trinta anos. Cavusgil, Knight
e Riesenberger (2010) confirmam que o relativo isolamento geográfico, as condi-
ções políticas e econômicas não favoreceram o Brasil no processo de globalização.
A inserção tardia, por sua vez, fez com que as empresas brasileiras tivessem uma
visão global menos aguçada a respeito dos negócios internacionais.
A participação do Brasil no comércio mundial em 2012 (entre importações e
exportações) está na média de 1,3% do total mundial, ocupando o 22º lugar nos
principais exportadores mundiais segundo o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior – MDIC (MDIC, 2014). Essa baixa inserção
global corrobora Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010), uma vez que, para
esses autores, a pauta de exportações brasileira ainda é baseada em produtos
não especializados, ou seja, os bens primários, vegetais ou minerais e itens
industriais não acabados. Pode-se visualizar como um desafio ao comércio
exterior brasileiro a sua maior inserção e exportação de produtos especializados
(de maior valor agregado).
Segundo os dados consolidados da balança comercial brasileira (MDIC,
2014), as exportações de produtos básicos e semimanufaturados representam
60,4% da pauta de exportações, enquanto os manufaturados apresentam 37,4%
de participação, e as operações especiais 2,2%, confirmando os apontamentos de
Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010).
Outro desafio ao comércio exterior brasileiro está na baixa inserção das
pequenas e médias empresas no mercado exportador. No ano de 2012, 95,6% das
exportações foram feitas por grandes empresas, enquanto as médias e pequenas
representaram 3,4% e 0,8% respectivamente1 (MDIC, 2014).
1 As exportações de pessoas físicas
representaram 0,2% do total.
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Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
37
Dentre os principais estados exportadores, o Rio Grande do Sul encontra-se
em quinto lugar, atrás de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.
O estado detém 7,17% da participação nas exportações brasileiras, sendo que
seus principais produtos exportados foram: soja, fumo, bagaços e outros resíduos
sólidos, carnes e miudezas, óleo de soja, trigos e misturas, tratores, polietileno,
calçados, arroz, dentre outros produtos (MDIC, 2014a).
Com base no exposto, pode-se vislumbrar como desafios ao comércio exte-
rior brasileiro a maior inserção no mercado internacional, com inclusão das
pequenas e médias empresas, além da diminuição da dependência na expor-
tação de produtos primários. Em relação a isso, é de fundamental importância
uma mudança na estratégia empregada principalmente pelas pequenas e médias
empresas, que, pelas suas características, preferem terceirizar as tarefas de cunho
internacional no intuito de manter o foco somente na produção. Essas empresas,
por sua própria natureza, carecem de uma visão sistêmica internacional. Tais
desafios justificam cada vez mais a necessidade de profissionais com competên-
cias e habilidades para atuação no mercado global.
3 Percurso metodológico
Este estudo, de cunho qualitativo, teve como sujeitos de pesquisa alunos do
curso de tecnologia em Comércio Exterior que participaram de grupos focais.
Desse modo, a coleta de dados foi realizada através da técnica de grupos focais, e
o seu exame, via análise textual discursiva, amparados respectivamente em Gatti
(2005) e Moraes (2003).
A técnica de grupos focais diferencia-se das entrevistas em grupo pelo fato
de buscar as interações entre os participantes na discussão e, assim, captar as
opiniões expressas por estes em suas falas (GATTI, 2005).
A análise textual discursiva, por sua vez, pressupõe um processo de categori-
zações que possibilite uma nova compreensão emergente. A “tempestade de luz”,
segundo Moraes (2003), é uma forma de analisar um corpus de pesquisa a fim de
se propiciar a nova compreensão.
Foram realizados três grupos focais, com questões relacionadas ao universo
das competências, comércio exterior, graduação tecnológica, aspectos envol-
vendo o fazer e ser do professor e do aluno do curso de Comércio Exterior, sendo
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
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as falas transcritas para o trabalho de categorização. Essa transcrição originou
documentos de análise, ou seja, o corpus em questão. Os encontros foram gra-
vados com auxílio de um gravador, um telefone celular e uma câmera digital e
tiveram o pesquisador como moderador. Os alunos participantes assinaram um
termo de consentimento e sigilo para a utilização de suas falas, que aparecerão ao
longo do texto através de citações indiretas e diretas. Estas estarão em itálico ao
longo do texto e identificadas por SA, SB, SC, SD, SE e SF, representação dada
aos participantes de modo a respeitar o anonimato.
Para a seleção dos participantes, foi feito um convite aos estudantes do ter-
ceiro e quarto módulos (os semestres finais do curso) em uma instituição de
ensino superior na cidade de Porto Alegre (RS), no limite de seis a oito alunos
para a participação no grupo focal de pesquisa. Procurou-se dividir o grupo
igualitariamente entre homens e mulheres, para que, além de características
homogêneas no grupo, houvesse variação suficiente para diferentes opiniões e
percepções. Após o convite, foram recebidos o total de oito confirmações de
alunos interessados em participar.
De um total de quase três horas de discussão, o corpus foi gerado por 43
laudas de transcrição. Foram colocadas ao grupo doze questões para discussão,
sendo trabalhada aqui somente a questão próxima ao escopo deste artigo, a qual
versa sobre as competências necessárias ao profissional de comércio exterior.
A partir das laudas transcritas, foram realizadas leituras flutuantes e grifadas
as palavras mais importantes apontadas pelos alunos em cada questão discutida.
Para melhor representar a discussão dos alunos e seus principais termos utili-
zados, foi elaborada a Figura 1. As setas contínuas, na Figura 1, representam
as opiniões simples, enquanto as pontilhadas representam os pontos de inte-
ração durante a discussão da questão. Dentro de cada balão, que representa um
sujeito no grupo focal, foram listados os principais termos utilizados pelos alunos
durante suas falas.
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Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
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Figura 1 – Competências aprendidas na faculdade
SE- Reflexão
- Argumentação
- Pró-atividade
SC- Conhecimento
- Prática
SA- Liberdade
- Conhecimento
SFSB
- Comunicação
- Trabalho em grupo
– Apreender e ensinar
SD- Empreendedorismo
- “Saber não ocupa espaço”
– Resiliência
- Libertação
Moderador
5
3
7
8
1
9
10
114
6
2
Fonte: Pereira (2014, p. 84)
4 Aprendizagem para atuação: competências e habilidades
Trazer a voz do estudante em uma pesquisa é trazer a voz do sujeito que é
o destinatário dos esforços dos professores e das políticas públicas de ensino.
Quando se mescla na discussão o conhecimento tácito, adquirido no mercado de
trabalho, com o acadêmico, enriquece-se e engrandece-se a discussão e traz-se à
tona a importância das competências para atuação em diversas esferas.
Ao colocar-se a questão sobre quais competências os alunos aprenderam na facul-
dade, ocorreu um grande número de participações e algumas interações. Dentro da
discussão, a participante SD questiona SC se ela aprendera algo na faculdade que
antes não sabia fazer. Outra interação ocorreu entre SB, SE e SA, em relação à neces-
sidade de proatividade, comunicação e na importância das atitudes na aprendizagem.
Entre as diversas competências aprendidas na faculdade, na visão dos alunos,
aparecem o conhecimento, termo em que os saberes estão imbricados, a comu-
nicação, proatividade e o empreendedorismo. Esses saberes, competências e
habilidades aparecem nos entremeios de suas falas de forma inter-relacionada,
isto é, saberes que se transformam em competências e habilidades que não são
distinguidas de competências, formando um conjunto de aprendizado. Esse
conjunto representa a formação do aluno, contemplando a esfera profissional,
assim como a pessoal, em que as competências e habilidades passam a integrar a
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
40
bagagem pessoal do indivíduo. Essa bagagem torna o processo de compreensão
do indivíduo sobre o ambiente ao seu redor mais ágil e possibilita que ele alcance
novos patamares profissionais e pessoais.
Para melhor compreender a influência da grade curricular do curso sobre os
sujeitos pesquisados, foi elaborado o Quadro 1, apresentando as competências a
serem desenvolvidas no curso de Comércio Exterior.
Quadro 1 – Competências desenvolvidas nas disciplinas específicas do
curso de Comércio Exterior
Competências desenvolvidas
Utilizar os métodos de custeio auxiliando nas tomadas de decisão.
Utilizar as bases jurídicas na solução de problemas relacionados aos atos comerciais
internacionais.
Interagir, em língua espanhola, nas situações de comunicação do cotidiano no ambiente
organizacional.
Utilizar de visão crítica a respeito das informações veiculadas nos meios de comunicação e
analisar oportunidades e ameaças às suas estratégias de negócios.
Desenvolver projeto de internacionalização de um determinado ramo negócio.
Adotar decisões de fechamento de operações cambiais para maximizar benefícios à
organização.
Interpretar os movimentos financeiros, seus ciclos e impactos de forma a garantir a rentabi-
lidade nas operações financeiras internacionais.
Interagir, em língua inglesa, nas situações de comunicação do cotidiano do ambiente
organizacional
Utilizar a língua inglesa como instrumento de acesso à informação, voltado à área de
Comércio Exterior.
Utilizar a linguagem como instrumento de acesso a informação a outras culturas e aos negó-
cios internacionais.
Comparar diferentes propostas recebidas e negociar soluções adequadas.
Adquirir uma visão geral do comércio exterior brasileiro
Atuar no comércio internacional em consonância com os preceitos aduaneiros.
Identificar os benefícios e custos tributários dentro da legislação, a fim de obter o melhor
resultado para a organização.
Desenvolver um plano de marketing para um mercado específico.
Analisar e avaliar o micro e macro ambiente do marketing a fim de adequá-lo às necessi-
dades mercadológicas.
Desenvolver uma postura crítica frente ao mercado globalizado e seus desafios.
Identificar oportunidades de inovação para o incremento dos negócios.
Fonte: Adaptado de Pereira (2014, p. 70) (grifo meu).
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Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
41
Com base nas competências apresentadas no Quadro 1, propostas pela grade
curricular da instituição onde ocorreu a pesquisa, nota-se a apropriação das capa-
cidades empreendedoras, de comunicação – em diversas esferas, como o trabalho
em equipe e comunicação por parte dos alunos pesquisados, já que eles reforçam
tais itens. Pode-se também verificar que as competências que abrangem desde
o desenvolvimento de postura crítica perante os mercados, a comunicação em
outros idiomas, compreensão dos mercados financeiros, conhecimento das bases
jurídicas, procedimentos aduaneiros e tributários contribuem para a formação
desse aluno que, ao se apropriar de conhecimentos, torna-se livre para conquistar
seu espaço no mercado de trabalho e na sociedade.
O aluno SB entende a proatividade como competência desse profissional,
além de atenção, flexibilidade e preparo emocional para o trato com dife-
rentes pessoas. Para ele, o profissional dessa área também deve gerenciar a
pressão, proveniente dos clientes e órgãos públicos. Para SB, desenvoltura no
relacionamento com as pessoas e conhecimento são os aspectos primordiais.
Ele também afirma que o profissional de comércio exterior precisa dar respostas
ágeis ao afirmar que “tem que se fazer [...] meio de campo entre o importador, o
exportador, o trader, ele tem que saber, tem que ter agilidade para isso tudo, ele tem
que ser competente nisso tudo, ele tem que ter desenvoltura, conhecimento” (SB).
Na fala desse participante, pode-se notar que o profissional de comércio exte-
rior tem uma função intermediadora, uma vez que se relaciona com diversas
partes na cadeia de comércio. SB ressalta a importância do conhecimento de
idiomas para quem atua nessa área.
A questão do conhecimento de idiomas, que consta do Quadro 1, é par-
tilhada por SA, que os entende como um diferencial para melhores posições
no mercado de trabalho. Para ele, o fator cultural é importante, uma vez que
o profissional de comércio exterior interage com pessoas de diferentes países e
culturas. Dentro dessa afirmação, ele acredita que uma experiência internacional,
como um intercâmbio, pode agregar mais ao currículo do profissional. Por fim,
SA vê a comunicação como competência necessária. Segundo ele, a faculdade
lhe auxiliou a vencer a timidez para falar em público, apresentar suas ideias e
argumentar com outras pessoas com clareza.
Convém apontar que o conhecimento de idiomas estrangeiros, segundo
Minervini (2012), é elencado como uma das características do gerente de
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
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comércio exterior. Essa competência pode também ser inserida no âmbito da
comunicação, justificando-se pelo fato da interação com diferentes contextos
geográficos e culturais do profissional. O conhecimento de idiomas também
apareceu nos resultados da pesquisa de Ramos, Domingues e Marietto (2011),
realizada junto a empresas do interior de São Paulo, os quais identificaram, junto
aos empresários de determinada região de São Paulo, que esse conhecimento é
uma das características desejáveis do profissional da área de Comércio Exterior.
A participante SC, por sua vez, divide as competências entre o nível técnico
e o comercial. Para ela, quem atua no nível operacional, além de conhecimentos
técnicos, precisa ter aptidão e gosto pelas atividades, em razão da alta carga de
estresse e cobranças. Ela entende proatividade como uma competência, mas crê
que somente quando se gosta da atividade é possível ser proativo com mais inten-
sidade. SC não respondeu sob o olhar do setor comercial de comércio exterior,
o que pode ser explicado por sua atuação técnica na área operacional de uma
empresa de serviços de importação e exportação. Minervini (2012) nos aponta as
competências do gerente de exportação, para quem o aspecto técnico operacional
é um dos componentes para atuação na área. Dentre os outros componentes, que
são as capacidades de negociação, de ter uma cultural global e conhecimento
de idiomas etc., estes podem ser os recursos para atuação na área comercial de
comércio exterior, uma vez que o profissional precisará dessas ferramentas men-
tais e saberes para se relacionar com outros clientes internacionais.
O domínio dos saberes, na opinião de SE, é fundamental para quem atua no
comércio exterior. Ao contrário de SC, SE que acredita que não basta ter noção de
algum assunto, é necessário saber e colocar em prática o tema. É possível afirmar
que SC entende como um profissional competente aquele que resolve situações
ou problemas de forma eficiente, através da aplicação dos saberes aprendidos.
Nesse sentido, a compreensão de SE vai ao encontro do que Perrenoud (2000)
demonstra, pois, para o autor, a competência individual não advém de trans-
missão, mas de prática, originária da experiência e reflexão associada à teoria.
Em concordância com o que afirmou SC, a participante SD primeiramente
acredita que, para ser um profissional competente, este precisa gostar de sua pro-
fissão, independentemente da área de atuação. Essa afeição pela área compreende
um processo de construção e aprendizagem de longo prazo, no qual dedicação,
conhecimento (ou saberes) e atitudes interagem dialeticamente. SD ressalta que
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Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
43
o aspecto operacional é muito importante, uma vez que um simples erro em um
documento pode gerar uma multa mínima de R$ 500,00 (quinhentos reais) e
que pode chegar a R$ 5.000,00 (cinco mil reais). A questão da comunicação
também foi abordada por essa participante, uma vez que o profissional dessa área
lida com empresários, vendedores internacionais, com transportadores e órgãos
públicos, o que requer boa comunicação, assim como fluência em idiomas. Esse
ambiente de interação é destacado por Minervini (2012) nas funções do depar-
tamento de Comércio Exterior. O autor destaca que esse departamento interage
com diversas áreas da empresa, constituindo-se na interface da organização com
as empresas no exterior.
A aluna SC aponta a importância dos conteúdos dentro do que aprendeu
no ensino superior. Para ela, os saberes foram as principais aprendizagens. SC
destaca que somente pôde comprovar esse aprendizado quando teve a oportu-
nidade de ingressar em um estágio na área de Comércio Exterior. Ao iniciar a
atividade, viu que diversos conteúdos procedimentais e conceituais haviam sido
aprendidos. O excerto abaixo demonstra seu primeiro dia de trabalho, quando
um colega começa a lhe mostrar documentos e algumas rotinas:
Num primeiro momento quando eu entrei no estágio, extre-
mamente crua, já no terceiro semestre, tinha um rapaz lá
que foi me ensinar, que [...] sentou do meu ladinho, aquela
coisa toda de quem vai lá, no primeiro dia de serviço e olha,
e liga o computador e olha pra tudo muito estranho, e ele
começou a me falar, ah, pegou um B/L2, pegou algumas
coisas, uma documentação, e ele não sabia nem por onde
começar. Era um rapaz muito novo, e dali um pouquinho
ele começou a falar algumas coisas, e aí eu disse assim:
“Não, eu sei o que é”. “Ah, e a NCM3?”. Eu digo: “Não, eu
sei o que que é!”. “Ah, e isso aqui?”. “Não, isso eu também
sei o que que é!”. Aí ele disse assim: “Mas como? Tu já tra-
balhaste na área?”. Eu digo: “Não, mas eu faço Comércio
Exterior”. E exatamente, eu tô lembrando disso porque foi
o único momento, que até então eu achava que não tinha
entendido bulhufas, eu disse assim: “Isso aqui, literalmente,
isso aqui não me serve pra nada, eu não aprendi nada. Olha,
esse negócio de Taylor e Fayol não é pra mim, modelos
de gestão, não” Mas, pelo contrário, deu para ver que eu
aprendi, alguma coisa eu aprendi. (SC)
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
2 Trata-se de um documento de
Comércio Exterior para o transporte
internacional marítimo de mercadorias.
3 Nomenclatura Comum do Merco-
sul – As mercadorias comercializadas
internacionalmente pelo País são clas-
sificadas, desde 1996, de acordo com
a Nomenclatura Comum do Mercosul
(NCM), que é também adotada por
Argentina, Paraguai e Uruguai. Dis-
ponível. em: <http://www4.receita.
fazenda.gov.br/simulador/glossario.
html>, acesso em 03 fev. 2014.
44
Podemos verificar na fala de SC o processo de reflexão e seu consequente
reconhecimento da própria aprendizagem. No relato da aluna, no seu pri-
meiro dia de trabalho ela foi apresentada à documentação básica de comércio
exterior, a qual já conhecia da faculdade. A iniciação profissional na área de
Comércio Exterior lhe mostrou que os conteúdos desenvolvidos na faculdade
foram aprendidos.
A questão da prática apesar de mencionada por SC, pode ser exemplificada
através da fala da participante SE:
E é claro, aqui [na faculdade] eu posso errar, agora, na minha
empresa não é? Vou fazer uma entrevista, eles vão me dar um
teste, eu não posso errar lá, eu posso errar aqui na aula, chega
na hora eu não posso errar, eu tenho que estar pronta e apta
para fazer da melhor forma, para fazer correto. (SC, 2014)
Ressalta-se, por meio da fala de SC, a importância da preparação na facul-
dade para o ingresso no mercado de trabalho. A participante, ao reconhecer que
na hora da entrevista (no mercado de trabalho) não pode errar, demonstra a
compreensão de que na faculdade é o lugar para os erros e acertos, e a prática
mostra-se um aspecto fundamental nessa preparação.
A cultura geral do profissional de comércio exterior foi indicada por SD, pelo
fato de que, quanto maior conhecimento sobre o mundo, mais oportunidades
de negócios ele poderá angariar para sua empresa. A cultura universal, nesse
aspecto, é abordada por Minervini (2012, p.272) no perfil do profissional de
comércio exterior ao destacar que este “precisa ter uma ótima formação e muita
sensibilidade para negociar com culturas diferentes”.
A questão da aprendizagem de idiomas foi novamente mencionada por SC.
Em seu relato, ela afirma que o mercado de trabalho exige inglês em nível avan-
çado, apesar de a função a ser exercida não requerer esse conhecimento. Para
ela, as empresas demandam um “superfuncionário”, com domínio de diversos
idiomas. Este seria um motivo de frustração profissional, pois ela pensa que uma
pessoa com essas características, que não usasse seu potencial conquistado no
idioma estrangeiro, se sentiria desmotivada.
SD, nesse contexto, afirma que as empresas demandam muito, em razão da
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Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
45
concorrência, e que a contrapartida, como salários, benefícios e oportunidades
reais de crescimento, não seguem o mesmo ritmo.
A participante SD também destaca a questão da resiliência. Segundo ela,
os obstáculos como o distanciamento da família e o cansaço após um dia de
trabalho (para os alunos que estudam à noite), requerem vontade, ou atitudes,
comprometimento para estudar. SD também nos traz outros aspectos impor-
tantes para a aprendizagem de competências, como a proximidade entre o aluno
e o professor, o conteúdo e a didática em aula.
Vale trazer a fala de SD nos grupos focais realizados para melhor compre-
ensão de seu contexto:
“Saber não ocupa espaço”, aprender, conhecimento, não
ocupa espaço, então, no momento que tu chegas, se tu vais
aproveitar cem por cento ou cinquenta por cento, às vezes
não é possível, pois a gente realmente não está em condi-
ções físicas, nem mentais de, de absorver cem por cento,
mas tudo que for possível absorver eu acho que a gente
tem que absorver, e, aí sim, talvez no final do curso a gente
consiga, juntando um pouquinho de cada, se desenvolver
e sair um bom profissional, sair um profissional compe-
tente. (SD, 2014)
SD, ao afirmar que conhecimento “não ocupa espaço”, entende que os
saberes nunca são demais ao indivíduo. Esses saberes fragmentados e apren-
didos pelo indivíduo ao longo de sua formação acadêmica podem auxiliar
no desenvolvimento de competências profissionais. A utilização do termo
“absorver” por parte da aluna denota o sentindo de aprender e entender, utili-
zado em sentido metafórico.
Na fala dos participantes, aparece direta e indiretamente a libertação como
uma competência aprendida na faculdade. Nas falas de cada um no grupo
focal, foi possível perceber que suas histórias de vida se misturam com a vida
acadêmica, como a participante que passou o curso buscando um estágio para
se colocar na área (e conseguiu), ou outro que já tinha curso superior e estava
cursando o segundo, ou a aluna que reconheceu as excessivas demandas do
mercado de trabalho, todos de alguma forma destacaram que o conhecimento
lhes proveu as ferramentas para buscarem seus objetivos e novos patamares,
libertando-os da situação em que se encontravam.
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A fala de SA reforça a importância dada ao conhecimento:
O conhecimento é muito importante, como a colega falou,
o aluno tem que vir aberto para aprender, se ele vier aberto
conseguirá aproveitar junto ao professor. Muitas vezes tu
tens um ótimo professor, mas tu não consegues absorver
nada dele porque tu não te aproximas, o professor não sabe
nem o teu nome, tu não procuras te apresentar, fazer um “a
mais”, e isso vai ser o diferencial pra ti, não que tu ganhes
mais ou menos que o outro, mas tu te sentirás melhor, [...]
seguro, não é? E isso eu aprendi com os outros, observando
os outros e aqui na faculdade. Então, a única coisa que te
liberta, assim, que tu deves buscar, é o status do conheci-
mento, isso é o mais importante. (SA, 2014)
Os conhecimentos – ou saberes – fornecem status a quem os possui, segundo
SA. Seguindo-se a mesma lógica, seria possível afirmar que a competência também
deveria fornecê-lo, uma vez que seu conceito ultrapassa a simples posse de conhe-
cimentos, por tratar-se da mobilização dos saberes, habilidades, atitudes, novas
tecnologias, ação de forma integrada, flexível e empreendedora, dentro de um
espaço de tempo apropriado, de forma a agregar valor às organizações e a si próprio.
À guisa de conclusão deste item, verifica-se a convergência dos argumentos dos
alunos com a base apresentada na introdução deste trabalho, em que o profissional
de comércio exterior é aquele profissional que apresenta características de proati-
vidade, flexibilidade, que atua integrando os diversos departamentos da empresa
entre si e com o mercado externo. Reconhece-se que o profissional não pode se
deter exclusivamente ao aspecto teórico-procedimental da área, mas que deve
investir no constante aprendizado de forma a obter uma cultura global atuando
com desenvoltura entre diferentes culturas e países. Apesar dessas convergências,
outros aspectos podem ser destacados, como a metacognição em relação ao tra-
balho, a confusa relação entre conhecimentos e competências e as demandas do
mercado de trabalho que superam as possibilidades atuais dos alunos.
Ao findar a discussão da questão proposta nesta seção, ocorre um consenso
geral. No imaginário dos participantes da pesquisa, o profissional de comércio
exterior desenvolve competências somente através da vivência prática, ou seja,
entrelaçando a teoria com a prática e na prática. Vale relembrar que, para SC, os
conteúdos foram as principais aprendizagens, o que, de certa forma, traz um teor
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
47
contraditório em sua fala dentro desse consenso. Pode-se conjecturar que a partici-
pante tenha unificado a “teoria” aprendida na faculdade com o “fazer” do mercado
de trabalho. Se essa vivência prática da opinião dos participantes for adicionada
de qualificação em paralelo, como a aprendizagem de idiomas, leituras e conheci-
mento de outras culturas, ela pode levar a outros patamares profissionais.
5 Considerações finais
Com base na literatura pesquisada, é possível verificar pontos em comum
entre Minervini (2012), Ramos, Domingues e Marietto (2011) e os alunos par-
ticipantes pesquisados neste trabalho. Se buscarmos uma junção conceitual com
base nos autores, podemos afirmar que o profissional de comércio exterior é um
negociador com múltiplas competências e habilidades, dentre elas: domínio de
idiomas, bom relacionamento intercultural, habilidades de comunicação, conhe-
cimento de rotinas burocráticas, ampla visão sistêmica da organização na qual
atua e dos processos em que está inserido. Esse profissional lidará com infor-
mações diversas, da empresa, de mercado, de produto, portanto, deverá saber
geri-las habilmente. O profissional também precisa manter-se constantemente
atualizado, em razão das variáveis ambientais que o cercam e influem na comer-
cialização de produtos e serviços.
As competências e habilidades apresentadas pela literatura podem ir ao
encontro dos desafios apresentados no contexto do comércio exterior brasileiro,
uma vez que a inserção das empresas brasileiras no comércio internacional requer
profissionais competentes para rápidos resultados e para competir globalmente.
Nas falas dos alunos apresentadas neste trabalho, também se verifica a conso-
nância com a literatura, uma vez que eles reconhecem a importância da cultura
como fator de inserção e atuação em outros mercados, dos aspectos procedimen-
tais e de legislação, no conhecimento de idiomas etc.
Além dos saberes aprendidos, verifica-se na fala dos alunos a incorporação
de valores do mercado de trabalho, que podem ser empregados tanto na área de
Comércio Exterior quanto em outras, em que a comunicação, a proatividade, o
conhecimento e o trabalho em equipe ganham destaque. Esses valores, somados
às competências e habilidades apropriadas na faculdade, conferem valor e empre-
gabilidade ao sujeito, para sua colocação e seu posicionamento profissionais.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
48
Ressalta-se, no entanto, que a incorporação dos valores do mundo do tra-
balho não ocorre sem a devida reflexão crítica, uma vez que entendem que, com
as exigências de mercado, devem vir contrapartidas de reconhecimento moral,
profissional e salarial.
A aprendizagem, ou melhor, o caminho que os indivíduos percorrem para
aprender competências é composto de diversas conexões e relações, que decorrem
das necessidades do ambiente e do mercado, assim como das relações do sujeito
no ambiente escolar. O contato com outros estudantes, com a instituição, com
o meio acadêmico e com o professor influem positivamente naqueles indivíduos
comprometidos com sua aprendizagem. Essa rede de contatos atua de forma a
despertar as potencialidades dos estudantes, no aspecto cognitivo, emocional e
psíquico. Esses aspectos, por sua vez, podem ser trabalhados através das intera-
ções de alunos com alunos, alunos com professores, alunos com a instituição,
assim como na proposição de situações-problema de complexidade crescente, que
forçam a mobilização dos recursos de que o indivíduo dispõe e as coloca em
prática. Destaca-se que esse caminho é compreendido pelos alunos, que colocam
seus esforços, tempo e investimentos para aprender.
Conforme se afirmou no artigo em cena, enriquece o estudo trazer a voz do
aluno à discussão, nesse caso o de comércio exterior. Esse sujeito, em formação é
aquele que representará as organizações e o país perante os obstáculos e desafios
provenientes da abertura econômica brasileira.
O presente estudo se propôs a apresentar resultados parciais de uma pesquisa
realizada com alunos de comércio exterior de nível superior, cujo objetivo cen-
tral foi atingido. As falas apresentadas, entremeadas com a literatura e técnica
utilizadas proporcionaram um olhar sobre o que pensa esse importante ator na
educação: o aluno. Para enriquecimento do debate sobre o ensino de competências
e para a melhoria do ensino profissional, sugere-se, em termos de estudos futuros,
que sejam realizadas pesquisas sobre o ensino de competências profissionais sob a
ótica e experiência dos docentes de comércio exterior, o que proporcionaria novas
visões e possibilidades de convergências para a prática educativa.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 31-49, Jan/jul. 2017
Competências requeridas no comércio exterior: um estudo sob a ótica de estudantes
49
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Marcelo Almeida de Camargo Pereira e Vera Lucia Felicetti
51, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
CARREIRA EM Y: APLICAÇÃO DA
METODOLOGIA EM UM CENTRO
TECNOLÓGICO – DESTAQUE AO EIXO
TÉCNICO
Y-CAREER: APPLICATION OF THE METHODOLOGY IN A
TECHNOLOGICAL CENTER HIGHLIGHTING THE TECHNICAL
LINE
Barbara Regina Lopes Costa*
Lucília Grando**
R e s u m o
Empresas que prezam pela inovação investem sistematicamente em infraestrutura
física, prezando pelo alto desempenho tecnológico, e também em infraestrutura
intelectual, por meio de profissionais com elevado know-how. Para lidar com
tal grupo de profissionais, há a necessidade de recriar os modelos de gestão de
pessoas e os planos de carreiras. Nesse contexto, este estudo buscou saber como
lidar com profissionais de competências e habilidades altamente técnicas, sem
perfil para gerir e gestar pessoas, que fazem jus à ascensão de carreira. Em termos
metodológicos, esta pesquisa tem caráter descritivo ao relatar o plano de Carreira
em Y e a gestão desse instrumento, por meio de entrevistas com profissionais de
recursos humanos de um centro tecnológico, aferindo, assim, variáveis qualitativas
de caráter nominal. A descrição do plano de Carreira em Y da empresa ampliou
os conhecimentos e permitiu maior compreensão da aplicação dessa metodologia,
podendo concluir que a Carreira em Y se apresenta como uma forma de lidar com
a evolução de cargos, salários e benefícios para ambos os eixos/perfis profissionais,
atendendo aos interesses de profissionais com habilidades e competências para gerir
e gestar pessoas ou com foco técnico, estimulando o crescimento e desenvolvi-
mento profissionais dos funcionários, independentemente de sua vocação.
* Administração pela Universidade
Municipal de São Caetano do Sul –
USCS. Publicitária e professora de
Comunicação e Marketing na gradu-
ação e na pós-graduação da FAESB
– Faculdade de Ensino Superior Santa
Bárbara e no Centro Universitário da
FEI.
* Mestre em Semiótica e Linguística
Geral pela FFLCH-USP/SP. H.E.
Mulher e Gerenciamento pela BirkBeck
University of London. Graduação em
Psicologia UNESP-Assis/SP. Professora
de Psicologia, RH e Comportamento
Organizacional na Graduação e Pós-
-graduação da FAESB – Faculdade de
Ensino Superior Santa Bárbara.
Recebido em: 06/04/2017Aprovado em: 31/05/2017
52
P a l a v r a s-ch a v e: Carreira em Y. Plano de carreira. Habilidades e
competências técnicas.
A b s t r a c t
Companies that appreciate innovation systematically invest in physical
infrastructure, enhancing high technological performance, and also in intellectual
infrastructure, through high know-how professionals. To deal with such a group
of professionals, there is a need to recreate people management models and career
plans. In this context, this study aims to know how to deal with professionals with
highly technical skills and abilities, with no profile to manage and develop people,
who are entitled to career advancement. In methodological terms, this study has
a descriptive character when reporting the Y-Career Plan and the management
of this instrument, through interviews with the Human Resources professionals
of a Technological Center, thus assessing nominal qualitative variables. The
description of the Y-Career Plan of the company extended the knowledge and
led to a greater understanding of the application of this methodology, allowing
to conclude that the Y-Career is presented as a way of dealing with the evolution
of positions, salaries and benefits for both lines/professional profiles, meeting
the interests of professionals either with skills and competencies to manage and
develop people or with a technical focus, stimulating their professional growth
and development regardless of their vocation.
K e y w o r d s: Y-Career. Career plan. Skills and technical competency.
1 Introdução
Organizações que prezam pela inovação investem sistematicamente em
pesquisa e desenvolvimento (P&D) de seus produtos, serviços e processos, para
manterem-se competitivas no mercado e ofertarem soluções aos stakeholders. São
investimentos em infraestrutura física, primando pelo alto desempenho tecno-
lógico, e também em infraestrutura intelectual, por meio de profissionais com
elevado know-how.1
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
1 A Know-how em inglês significa
“saber como”. No mercado empresarial,
representa um conjunto de conhe-
cimentos teóricos e principalmente
práticos que um profissional possui
como diferenciais competitivas.
53
Nesse cenário, nota-se que algumas dessas organizações estão desmem-
brando a área fabril/de produção, das áreas de estudos, pesquisa, prototipagem e
testes, formando assim unidades específicas para tal, os centros de pesquisa. Há
uma percepção de que áreas geográficas destinadas especificamente para agluti-
nação de conhecimentos resultam em inovação, pois “a aproximação geográfica
entre agentes é capaz de facilitar o processo de circulação das informações e dos
conhecimentos [...] tem ainda, o papel de contribuir para o desenvolvimento
de novas capacidades organizacionais e tecnológicas” (SCUR; GARCIA, 2008,
p.585). Esse é o caso de um centro tecnológico instalado na cidade de Jundiaí/SP
que será objeto deste estudo, cujo objetivo é o desenvolvimento de inovações tec-
nológicas, para oferecer não somente componentes e sistemas, mas especialmente
respostas para desafios tecnológicos.
A constante necessidade de inovar para manter a competitividade da organi-
zação no mercado contemporâneo demanda um corpo profissional diferenciado,
que preze pela atualização, pela ampliação dos conhecimentos e que vise a
superações permanentemente. Para lidar com tal grupo de profissionais, há a
necessidade de recriar os modelos de gestão de pessoas e os planos de carreiras.
Essa dinâmica de atuação exige novas formas de gestão de pessoas, e a metodo-
logia da Carreira em Y se apresenta como uma estratégia organizacional para lidar
com profissionais especializados com competências e habilidades técnicas, sem perfil
gerencial, mas que almejam desenvolvimento profissional. Diante dessa realidade esse
estudo busca responder à seguinte questão: como lidar com profissionais de compe-
tências e habilidades diferenciadas, altamente especializados tecnicamente, sem perfil
para gerir e gestar pessoas, que fazem jus à ascensão de carreira?
O presente trabalho se propõe a descrever a aplicação do programa de
Carreira em Y em um centro tecnológico, uma vez que essa unidade do grupo
possui uma equipe de profissionais com distinção técnica, o que demanda adap-
tações do modelo do Programa de Desenvolvimento de Carreira, a fim de manter
tais competências intelectuais e práticas no escopo da organização. Dessa forma,
o estudo apresenta dados práticos do modelo de Gestão de Carreira em Y, pro-
porcionando ampliação das fontes de informação para análise e discussão sobre
o tema, “que ainda tem amplo espaço de estudo a explorar e carece de casos prá-
ticos do modelo aplicados no Brasil” (BASTOS, 2011, p.15).
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Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
54
2 Y: um plano de carreira com rotas díspares
Desde a última década do século XX, a humanidade vivencia mudanças,
sempre com maior brevidade, que refletem em todas as práticas sociais. No con-
texto empresarial, os profissionais devem ter competências e habilidades técnicas,
interpessoais e emocionais para lidar com as transformações previstas ou extra-
ordinárias do mercado. Conforme Rosnay (2000, p.217) a sociedade moderna
organiza-se em células independentes, unindo-se em redes e formando um “ecos-
sistema informacional” e não mais em fileiras industriais lineares ou engrenagens
hierárquicas e/ou pirâmides de poder.
Para gerir profissionais com características contemporâneas, novas metodo-
logias são estudadas pela academia e implementadas pelas empresas. A pesquisa
feita por Batista, Oswaldo e Castilho (2013, p.349) concluiu que, nas empresas
competitivas, “o modelo tradicional de gestão de pessoas já não se mostra ade-
quado para o cenário atual”. Assim os planos de cargos e salários cedem lugar
aos Planos de Carreira, pois “as empresas precisam, cada vez mais, comprometer
as pessoas com os resultados do seu trabalho”. Para isso é necessário compre-
ender os valores, talentos, habilidades e aspirações profissionais e pessoais dos
seus funcionários, a fim de gerar desafios e envolvimento responsável, pois as
pessoas vislumbram e planejam suas carreiras e, por sua vez, as empresas devem
proporcionar oportunidades (BESCHIZZA, 2005, p.2).
Para Ávila et al. (2013, p.5), o conceito de carreira “gira em torno da estru-
turação de cargos”. Já Dutra (1996, p.16) expõe carreira como “um caminho
estruturado e organizado no tempo”. Bastos (2011, p.13), por sua vez, explica que
a gestão de carreira
[...] possui o intuito de organizar em métodos as necessidades
de desenvolvimento de um colaborador, de modo a deixar claro
os passos a serem seguidos para alcançar a excelência em uma
determinada atividade, proporcionando motivação, através de
remuneração, benefícios, posições políticas, especialização, etc.
Os conceitos de carreira e de sua gestão estão em evolução, pois atualmente
as empresas vêm compartilhando a responsabilidade da gestão de carreira com
cada funcionário, uma vez que “carreira passa a ser concebida como uma nego-
ciação entre interesses pessoais e organizacionais” (SOUZA, 2005, p.53).
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
55
Alguns profissionais apresentam amplos conhecimentos técnicos, mas,
em contrapartida, não têm interesse e/ou perfil para gerir e gestar pessoas.
Em algumas empresas o “conhecimento assume uma importância imensu-
rável [...], apresentando-se para as empresas como uma vantagem competitiva”
(BRACKMANN, 2010, p.63), e promovendo assimetrias concorrenciais.
Nesse âmbito, a contratação, a retenção e a motivação de tais profissionais
apresenta à gestão de pessoas um novo desafio, uma vez que a gestão de pes-
soas deve conciliar os interesses individuais dos funcionários às necessidades e
estratégias empresariais (ÁVILA et al., 2013, p.5).
Diante das circunstâncias, as empresas passam a testar novas propostas de
gestão e plano de carreira, e a Carreira em Y se apresenta possibilitando ascensão
profissional, tanto para os profissionais com interesse, habilidades e compe-
tências para a gestão de pessoas como para aqueles que se concentram única e
exclusivamente na atuação técnica. O plano de Carreira em Y surge na tentativa
de solucionar as insatisfações, frustações de profissionais com perfil técnico, alo-
cados em atividades de gestão de pessoas.
Dutra (2010) expõe que o plano de Carreira em Y apresenta uma base comum,
garantido maior flexibilidade na alocação dos recursos humanos, e que o profissional
em “estágio mais maduro” opta pela carreira técnica ou gerencial. Essa proposta
de plano de carreira permite conciliar os interesses dos indivíduos e da empresa.
Primeiramente, o funcionário no começo de sua jornada profissional, embora tenha
aspirações, não dispõe ainda de plenos conhecimentos empresariais e de suas habili-
dades e competências. Por outro lado, daqueles que já estão cientes de suas habilidades
e competências técnicas e não se identificam gerindo e gestando pessoas, mas galgam
serem promovidos. Por fim, os interesses da empresa que, ao apresentar soluções de
carreiras aos funcionários, almeja comprometimento e resultados.
“Dessa forma, incentiva a permanência do profissional técnico na carreira
técnica, evitando que estes possam ocupar posições gerenciais, quando não têm
aptidão para a função” (ÁVILA et al., 2013, p.11). Em alguns planos de carreiras,
ainda utilizados no mercado, a única forma de ascensão de cargos e salários seria
o eixo gerencial, e, nesse caso, corre-se o risco da frase “perdemos um grande téc-
nico e ganhamos um péssimo gerente” (FAGUNDES, 2009, p.1) ser proferida.
Vale registrar que, quando a organização trabalha com o plano de Carreira
em Y, ela flexibiliza e possibilita a escolha do trajeto individual de carreira a seus
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Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
56
funcionários. Por sua vez, o funcionário deve empenhar-se para, além de evoluir
em sua carreira, formar bases seguras para a tomada de decisão no que se refere
ao seu caminhar profissional, pois “não caberá à empresa a escolha do caminho a
ser seguido” (ÁVILA et al., 2013, p.11). Embora a responsabilidade da trajetória
de carreira passe a ser do funcionário, a empresa precisa subsidiá-lo com infor-
mações e ajuda profissional. Os critérios de ascensão devem ser bem definidos e
transparentes para todas as trajetórias (BESCHIZZA, 2005; BASTOS, 2011).
A Carreira em Y necessita que as políticas salariais, de benefícios e de
autonomia sejam adequadas e equânimes para ambos os eixos, estimulando o
crescimento e o desenvolvimento profissionais dos funcionários, indiferente de
sua vocação.
Por fim, Beschizza (2005), Dutra (2010) e Bastos (2011) corroboram que a
escolha de carreira não precisa ser definitiva, considerando as diversas mudanças
sociais e comportamentais vivenciadas pelos profissionais. Os autores sugerem
ainda que a empresa considere critérios de migração da carreira gerencial para a
técnica e da técnica para a gerencial.
3 Materiais e métodos
Em termos metodológicos, este estudo tem caráter descritivo ao relatar o
plano de carreira – modelo Y – e a gestão desse instrumento por meio de entre-
vistas realizadas com especialistas, profissionais indicadas pela organização,
conhecedoras do tema, do processo e dos instrumentos de gestão de pessoas
em um centro tecnológico, aferindo, assim, variáveis qualitativas de caráter
nominal. Segundo Meuser e Nagel (1991, p.443) especialistas são pessoas que
atuam no campo delimitado pelo estudo, não precisando pertencer a cargos
de direção, mas profissionais que são ou foram responsáveis pela concepção,
implementação e/ou controle de um programa ou ainda que tenham ou tinham
acessos privilegiados a informações relevantes ao estudo; ou seja, o especialista
precisa ter “status relacional”.
Gil (2006) observa que as entrevistas vão além da coleta de dados, mas
também objetivam orientação e diagnóstico. Selltiz et al (1987) diz que as entre-
vistas são adequadas para a obtenção de informações acerca do que as pessoas
sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram,
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Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
57
bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito. Para tal, foi conce-
bido um roteiro de entrevista a partir do qual foram coletados dados relevantes
à indagação deste estudo. As entrevistas focalizadas/semiestruturadas, embora
possuam um roteiro de perguntas preestabelecidas, permitem que o pesquisador
realize perguntas complementares, para maior exploração do assunto em questão
(MARCONI; LAKATOS, 2006); devido a essa possibilidade de ampliar a dis-
cussão, optou-se por tal método de coleta de dados.
No agendamento da entrevista as especialistas receberam o tema, o pro-
blema e o objetivo do estudo, para que tivessem a oportunidade de pensar com
antecedência sobre as suas experiências, além de poder consultar referências.
Foram realizadas pessoalmente, seguindo o roteiro semiestruturado, e gra-
vadas nos softwares SuperVoiceRecorder (tablet), Gravador de Som do Windows
7 Professional (notebook) e Gravador de Voz Samsung (smartphone Android),
para posteriormente serem transcritas, utilizando as ferramentas disponíveis no
http://transcribe.wreally.com/, e, por fim, redigidas com propósitos acadêmicos.
Finalizada a descrição das entrevistas, as especialistas receberam o texto e puderam
sugerir ajustes, antes da aprovação final.
Com o embasamento conceitual, buscou-se analisar a abordagem teórica da
Carreira Y e a pesquisa de campo visou primeiramente a compreender essa abor-
dagem para depois retratar a aplicação dessa metodologia de gestão de pessoas. A
descrição do plano de carreira, assim como seu fluxograma/hierarquização, não
foi estabelecida a priori, tendo sido elaborada após a observação e a interpretação
dos resultados verificados na organização. Esse método de pesquisa possibilita
uma visão qualitativa dos dados de modo que seus resultados ajudam no plane-
jamento de ações posteriores a sua análise.
4 Análise e discussão dos resultados
Os dados foram obtidos por meio de entrevista realizada no dia 01 de junho
de 2016, no Centro Tecnológico, em Jundiaí (SP), com a Consultora de projetos
de recursos humanos do grupo no Brasil2 e a Chefe de recursos humanos do CT
– planta Jundiaí3. A entrevista teve como norteador um roteiro semiestruturado
com a finalidade de conhecer o Programa de Desenvolvimento de Carreira em Y,
implantado em um centro tecnológico.
2 Graduada em Tecnologia da Infor-
mação e pós-graduada em Gestão de
Negócios.
3 Graduada em Administração de
Empresas e pós-graduada em Gestão de
Pessoas e em Gestão Empresarial.
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Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
58
A empresa sempre atuou com tecnologia e inovação, e, por isso, sempre
teve em seu quadro de funcionários um grande número de profissionais com
competências e habilidades técnicas. Então a ideia de evolução profissional e
desenvolvimento de carreira desses funcionários já era contemplada pela empresa,
mesmo antes da implantação da Carreira Y. Relembra a consultora:
A Carreira Y na empresa já existe desde o ano 2000, de uma
maneira informal. Naquela época, nós tínhamos Engenheiros
Pesquisadores que quando atingiam certo nível de conheci-
mento e expertise em suas áreas, não tínhamos mais como
mantê-los como Engenheiros Sêniores, pois eles almejavam
e mereciam evolução de suas carreiras. Então, foram criados
dois níveis, como uma forma paliativa, com a finalidade de
retenção e de reconhecimento. Assim eles tinham uma situ-
ação diferenciada em relação aos demais empregados, no que
diz respeito à salário e benefícios dentro da estrutura.
Ainda recordando o histórico da política de gestão de carreiras da empresa,
as gestoras de RH, apontam lacunas que existiam na metodologia utilizada no
passado: “foi percebido que para alguns casos o salto de salários, benefícios e, às
vezes, até status era muito grande. O Engenheiro Sênior estava saindo de uma
carreira normal e pulava para uma carreira de Engenheiro ‘Executivo’; era um
salto muito alto” (CONSULTORA DE RH).
Diante das experiências e acompanhando as tendências de mercado, ini-
ciou-se um estudo para desenvolvimento de proposta e formalização da Carreira
Y. “O nosso diretor de tecnologia percebeu que isso não estava mais sendo o
suficiente e nos pediu um trabalho de formalização de Carreira Y, com a possibi-
lidade de alguns degraus a mais. Após estudo da literatura e benchmark foi criado
o PEP – Programa de Evolução Profissional” (CONSULTORA DE RH).
As especialistas explicam que o PEP não inclui a carreira gerencial, somente
se concentra nos profissionais com características técnicas. Para aqueles com
perfil de gestão de pessoas, há outro plano de carreira, que utiliza a estrutura de
classificação de cargos e salários da metodologia Hay.4 As metodologias Hay e
PEP são carreiras paralelas, que formam os eixos do Y. Elas explicam que o plano
de carreira de gestão, que utiliza a metodologia Hay, é um plano global do grupo,
já o PEP é somente aplicado no Brasil.
4 Muitas empresas do mundo utilizam
as metodologias do Hay Group para a
avaliação e desenho de cargos, o desen-
volvimento de talentos e a gestão de
desempenho (KORN FERRY, 2016).
Hay é um modelo de mercado que é
aplicado para cargos de gestão.
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Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
59
O PEP foi implantado inicialmente no Centro Tecnológico em Jundiaí, no
ano de 2010, e depois foi expandido para outras plantas da empresa:
Iniciou no CT por ser a unidade no Brasil com maior quan-
tidade de profissionais técnicos, altamente capacitados, e
muitos desses não possuem o perfil de gestão de pessoas.
Atualmente temos o PEP implantado na área de Tecnologia
da Informação (TI) e também nas engenharias das plantas
fabris. (CONSULTORA DE RH).
Quando perguntado como foi o processo, quais desafios e dificuldades
encontradas na transição do antigo modelo para o atual modelo, a consultora de
RH explica que o processo começou pelos profissionais que já estavam na classifi-
cação de especialistas e inseridos na proposta informal da Carreira Y. Eles foram
avaliados dentro da metodologia PEP e foram adequados à proposta:
[...] primamos para que eles não perdessem nada do que já
tinham adquirido em termos de salários e benefícios; sim-
plesmente os classificamos nas posições corretas. Quando a
classificação do profissional o atribuía a uma posição mais
baixa em relação ao seu salário e/ou benefício, nestes casos,
mantivemos o histórico, não houve nenhuma perda para o
funcionário. E a partir das novas promoções a classificação
seguiu o programa vigente. (CONSULTORA DE RH).
Para a oficialização e divulgação do programa PEP, em 2010, todos os fun-
cionários do CT foram reunidos em um auditório da unidade e conheceram o
programa de desenvolvimento de carreira:
Na época, nós apresentamos para 100% das pessoas.
Inicialmente houve uma boa aceitação, e, com o tempo,
isso se comprovou, pois hoje as pessoas esperam todos os
anos pelo momento da avaliação do PEP. Elas acreditam na
proposta do PEP! O programa não contempla as funções
administrativas, somente as técnicas; mas mesmo assim, na
época da implantação do novo plano de carreira foi apresen-
tado para todos. (CONSULTORA DE RH).
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Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
60
As especialistas destacam que, no CT, por haver apenas um turno de trabalho
e o time de profissionais ser menor, sempre que há uma novidade ou alguma
mudança, todos os funcionários são reunidos e as informações são esclarecidas
de forma ampla.
A consultora de projetos de RH lembra que, no processo de transição de
modelos de carreira, houve alguns profissionais que acharam que perderiam o
status de chefia. “Isso foi no primeiro momento, mas como foi explicado que
havia a mesma quantidade de degraus/cargos nos planos de Gestão e no PEP,
o receio pelo fato de ser uma coisa nova, com o tempo, foi acabando”. Hoje, o
programa é bem-aceito, avaliam as entrevistadas. “Já ouvimos nos corredores, a
frase ‘o PEP é Legal’, fazendo uma alusão ao desenho animado do ‘Pepe Legal’5”
(CONSULTORA DE RH).
A evolução de carreira no grupo empresarial tem como base um instru-
mento de avaliação de competência e desempenho que é aplicado anualmente,
no início do ano. “É com base nesse material que nós verificamos quem são as
pessoas que possuem entregas superiores ao esperado do cargo, verificamos quem
está entregando mais competências e/ou possui desempenho superior ao cargo
vigente” explicam as especialistas.
A consultora comenta que há outros quesitos necessários para que um
profissional da empresa seja introduzido nas Carreiras Y ou de Gestão. O
profissional precisa estar ocupando no mínimo um cargo de nível Sênior, e o
idioma inglês precisa ser avançado, conforme a avaliação formal feita por uma
consultoria contratada pelo grupo empresarial. Por último, são avaliadas as
entregas conforme os critérios estabelecidos pelo PEP: “É realmente um refi-
namento da avaliação de competências; são avaliados os processos de pesquisas
tecnológicas, observados se há patentes depositadas, como é a atuação e/ou o
gerenciamento dos projetos em que está envolvido, se publicou papers e demais
detalhamentos de produção técnica deste profissional.”
Esses quesitos geram uma nota que é avaliada em uma progressão geométrica.
Após essa avaliação técnica, definem-se os profissionais elegíveis à promoção.
Eles são apresentados ao comitê do PEP, formado pelos diretores, pelos gerentes
que os avaliaram e pelos gestores do RH.
5 Pepe Legal, nome utilizado no Brasil,
é um desenho animado criado e produ-
zido pela Hanna-Barbera, contando as
aventuras de um cavalo.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
61
Geralmente temos um grupo com cerca de trinta funcioná-
rios que as avaliações filtram, e, ao final, aproximadamente
dez nomes são levados para o comitê. Em uma data específica,
após o RH apresentar os resultados das avaliações, os dire-
tores questionam os gerentes que avaliaram seus funcionários,
e, havendo concordância da indicação, esses profissionais são
aprovados para promoções. Quando saímos da reunião do
Comitê do PEP com as aprovações, fazemos o planejamento
dessas promoções. (CONSULTORA DE RH).
Para divulgação e amplo conhecimento dos funcionários quanto ao PEP, o
regulamento do programa está descrito na intranet e “o CT tem o hábito de divulgar
o cronograma de planejamento anual de tudo o que vai acontecer” (CHEFE DE
RH).. Os gestores também são fontes de informação permanente e, após a reunião
do Comitê do PEP, devem dar feedback para sua equipe, “explicar quem foi apro-
vado e quem não foi, e principalmente esclarecer os motivos de cada decisão, para
preparar seus funcionários para o próximo ano”, explicam as especialistas.
Uma comparação entre os eixos de carreira, de gestão (metodologia Hay) e técnica
(metodologia PEP), trabalhados pela empresa, revela a mesma quantidade de possíveis
cargos que podem ser progredidos pelo funcionário que suplanta o nível Sênior.
• Gestão: Supervisor I; Supervisor II; Chefe; Gerente de Departamento e Gerente.
• PEP: Especialista; Especialista Sênior; Pesquisador; Gestor de Pesquisa;
Gestor de Pesquisa Sênior.
Figura 1 – Planos de carreira da empresa
Gerente
Ger. Depto
Chefe
Supervisor II
Supervisor I
SENIOR
GESTÃO PEP
G. Pesq. Sr.
Gestor Pesq.
Pesquisador
Espec. Sr.
Especialista
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base nos materiais apresentados pela empresa (2016).
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
62
Os benefícios são paralelos, independentemente do eixo de carreira;
ou seja, o Especialista I tem os mesmos benefícios que o Supervisor I, um
Pesquisador recebe benefícios similares a um Chefe. Os salários também são
aproximados, embora
haja uma flutuação de mercado quanto aos salários. Às vezes,
a área técnica é mais bem remunerada no mercado, quando
comparada aos profissionais de gestão. Fazemos pesquisa
de mercado de salários e benefícios anualmente para todos
os níveis da empresa e estabelecemos nossas remunerações
com base no que o mercado está pagando. Mas sempre pri-
mamos por uma equivalência entre os dois planos de carreira.
(CONSULTORA DE RH).
Os autores que apoiam o referencial teórico deste estudo indicam que a
empresa considere critérios de migração da carreira gerencial para a técnica e da
técnica para a gerencial. O programa de desenvolvimento de Carreira Y dessa
empresa prevê essa possibilidade de migração do PEP para a carreira de gestão e
vice-versa:
Se em algum momento o funcionário vislumbrar inte-
resse, tiver competências e habilidades e houver vaga na
carreira de gestão, ele pode optar por migrar para a outra
carreira. Pode ser que aconteça de um funcionário liderar
uma equipe, mas mesmo assim ter as competências e conhe-
cimentos para ser adequado ao PEP. No passado quando
ainda não se conhecia a Carreira Y, um erro muito grande
que as empresas cometiam, era querer reter pessoas muito
boas dando um cargo de gestão, isso a gente não precisa
mais fazer! (CONSULTORA DE RH).
As entrevistadas destacam que, quando expandiram o PEP para as demais
plantas, identificaram profissionais em cargos gerenciais, que foram incluídos
e readequados com base no Programa de Desenvolvimento de Carreira Y, no
eixo do PEP, “esses migraram para os cargos do PEP, porque não gerenciavam
ninguém” (CONSULTORA DE RH). Ainda nesse sentido de migração de um
plano de carreira para a outro, a consultora de RH explica que alguns cargos do
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
63
PEP, ainda que técnicos, têm a possibilidade de gestão de equipe, embora não
seja uma competência primordial para o cargo: “alguns níveis, os mais altos do
PEP, podem ter equipe, pois em alguns casos é preciso que haja uma gestão téc-
nica para lidar com outros técnicos”.
Para maior amplitude de conhecimento, recentemente foi aplicado um
teste para mapear o perfil comportamental dos funcionários do CT, e os resul-
tados revelam predominância de pessoas voltadas à normatização, regramento
e gestão de baixo risco, o que ratifica a opção da carreira técnica e a proposta
em Y para o CT:
São mais comedidos, embora tenham competência técnica
relevante para dar soluções técnicas, são profissionais mais
autônomos, com grande domínio de conhecimentos, que
geram papers e patentes. Possuem geralmente um domínio
muito forte técnico, são mais efetivos sozinhos do que em
times” (CONSULTORA DE RH).
Ao longo dos sete anos do PEP, a consultora responsável pelo projeto e atu-
almente pelo programa, diz que não houve mudanças no programa idealizado
no passado, mas que às vezes há ajustes nas escalas de entregas conforme as
demandas; “são manutenções normais do programa”, diz. No entanto, as ges-
toras já apontam a necessidade de ampliar o plano de carreira do CT:
Estamos trabalhando, neste momento, para desenhar no
PEP a possibilidade da Carreira W, que seria uma terceira
perninha da letra. Essa proposta fala do especialista na área
de gestão de projetos, outro perfil profissional com caracte-
rísticas um pouco diferentes desse especialista técnico e do
gestor de pessoas.
Como observa Batista, Oswaldo e Castilho (2013, p.348) o segmento auto-
motivo passa por constantes atualizações tecnológicas e regulamentações. Assim
as áreas de pesquisa e desenvolvimento bem como a área operacional necessitam
de capacitação permanente, uma vez que essas empresas atuam de forma global.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Barbara Regina Lopes Costa e Lucília Grando
64
5 Considerações finais
Empresas que apresentam em seu quadro funcionários com competências
e habilidades voltadas às áreas técnicas, devem utilizar metodologias para lidar
especificamente com esses profissionais, pois esses têm características específicas
e, assim como os demais, precisam ser valorizados e motivados a galgar novos
desafios. Profissionais com elevado know-how e especializados tecnicamente
podem não ter perfil congruente para se tornarem gestores de pessoas, mas pre-
cisam ser contemplados pelo plano de carreira.
Nessa perspectiva, a Carreira em Y se apresenta como uma forma de lidar
com a evolução de cargos, salários e benefícios para ambos os eixos/perfis profis-
sionais, atendendo aos interesses de profissionais com habilidades e competências
para gerir e gestar pessoas ou com foco técnico, estimulando o crescimento e
o desenvolvimento profissionais dos funcionários, independentemente de sua
vocação.
A descrição do programa de desenvolvimento de Carreira em Y do grupo, e
mais especificamente a aplicação do eixo técnico, denominado PEP, no Centro
Tecnológico, unidade da empresa que tem uma equipe de profissionais com dis-
tinção técnica, ampliou os conhecimentos e permitiu maior compreensão da
aplicação dessa metodologia.
Assim como sugere o referencial teórico, o exemplo demonstra que o plano
de carreira em Y, ao contar com políticas de ascensão, salários e benefícios equâ-
nimes, flexibiliza e possibilita a escolha do trajeto individual de carreira conforme
o empenho, as habilidades e as competências de cada profissional, comparti-
lhando seus interesses e responsabilidades com os da organização.
Ao final, fica evidente que o plano de Carreira Y é uma proposta inovadora,
mas, em alguns segmentos empresariais e na atual conjuntura tecnológica, é pre-
ciso sempre se adequar. Que esse exemplo signifique bons ventos soprando na
gestão de recursos humanos das empresas brasileiras.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 51-66, Jan/jul. 2017
Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
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Carreira em Y: aplicação da metodologia em um centro tecnológico – destaque ao eixo técnico
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EDUCAR PARA UM FUTURO
SUSTENTÁVEL: O PAPEL DA EDUCAÇÃO
NA BUSCA PELA SUSTENTABILIDADE
EDUCATION FOR A SUSTAINABLE FUTURE: THE ROLE
OF EDUCATION IN SEARCH OF SUSTAINABILITY
Nathália Rigui Trindade*
Andréa Bach Rizzatti**
Marcelo Trevisan***
Flavia Luciane Scherer****
R e s u m o
É evidente, nos últimos anos, o caráter conflituoso da relação entre sociedade
e meio ambiente, sendo exponencial seu crescimento e agressões ambientais.
É nesse sentido que surge a noção do desenvolvimento sob a perspectiva sus-
tentável, ou seja, o desenvolvimento que, além do crescimento econômico, leve
em consideração a inclusão social e a proteção ambiental. Tal desenvolvimento
depende de mudanças paradigmáticas que reflitam valores éticos abrangentes.
Por conseguinte, é necessário avançar-se na construção de uma visão holística
e integradora de mundo, que não se restrinja a uma visão simplista da natureza
como centro das preocupações, mas que busque pensar na integração homem-na-
tureza como um todo. Sendo a educação, muitas vezes, considerada importante
instrumento de humanização, socialização e de transformação da sociedade, este
estudo objetiva discutir o papel da educação no alcance do desenvolvimento
sustentável. Para isso, discute-se sobre o papel da educação na sociedade con-
temporânea, os conceitos relacionados ao desenvolvimento sustentável e as
abordagens acerca da educação para a sustentabilidade. Ao utilizarem-se essas
* Mestranda em Administração na
Universidade Federal de Santa Maria
(PPGA/UFSM).
** Mestranda em Administração na
Universidade Federal de Santa Maria
(PPGA/UFSM).
*** Doutor em Administração pela
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
**** Doutora em Administração pela
Universidade Federal de Minas Gerais.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
Recebido em: 12/03/2017Aprovado em: 05/04/2017
68
abordagens conjuntamente, é possível articular a educação e a sustentabilidade
em direção a um futuro sustentável.
P a l a v r a s-ch a v e: Educação. Sustentabilidade. Educação para sustenta-
bilidade.
A b s t r a c t In recent years the conflicting character of the relationship between society and
the environment has become more noticeable, with exponential growth and
environmental aggression. It is in this sense that the notion of development from a
sustainable perspective emerges, that is, development that, in addition to economic
growth, takes into account social inclusion and environmental protection. Such
development depends on paradigmatic changes that reflect comprehensive ethical
values. Therefore, it is necessary to move forward in the construction of a holistic
and world-integrating world view, one which is not restricted to a simplistic view of
nature as a central concern, but which seeks to think of man-nature integration as
a whole. Since education is often considered an important tool for humanization,
socialization and transformation of society, this study aims to discuss the role of
education in achieving sustainable development. For this, we discuss the role of
education in contemporary society, concepts related to sustainable development,
and approaches to education for sustainability. By using these approaches together,
it is possible to link education and sustainability towards a sustainable future.
K e y w o r d s: Education. Sustainability. Education for sustainability.
1 Introdução
Diversas são as evidências da desarmonia existente entre o planeta e o ser
humano, sendo exponencial o crescimento das agressões ambientais. Muito se
tem discutido a respeito do modelo de desenvolvimento atual, o qual é comu-
mente caracterizado por consumismo desenfreado, desperdício, desigualdades
sociais e insustentabilidade. Apesar da pertinência e da urgência do tema, as
discussões ainda se encontram em um patamar teórico e marcado pela procrasti-
nação de soluções que sejam práticas e viáveis.
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
69
Nesse sentido, emerge a noção do desenvolvimento sob a perspectiva sus-
tentável, ou seja, o desenvolvimento que vai além do crescimento econômico,
mas que engloba tantas outras dimensões sociais e do meio ambiente. Em
documentos da UNESCO, tem-se o desenvolvimento sustentável (DS) como o
objetivo mais decisivo da relação homem-natureza. No entanto, quando se dis-
cute o DS, evidencia-se a complexidade e a multidimensionalidade que o tema
apresenta. Devido a essas características, muitas vezes é considerado utópico.
Contudo, saltos de qualidade na discussão sobre a sustentabilidade poderão
acontecer no momento em que se iniciar um processo de mudanças e transfor-
mações que irão mexer com estilos de vida e valores da sociedade, juntamente
com ações do governo e acordos entre as nações. Isso é corroborado pelo docu-
mento Plano Internacional de Implementação, da UNESCO (2005), que trata o
elemento humano como fundamental no desenvolvimento sustentável, no qual
os direitos e responsabilidades de instituições, países, regiões e blocos sociopolí-
ticos são essenciais para o rumo da sustentabilidade.
Em vista disso, em documento, caderno de texto Pradime: Programa de
Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação, o Ministério da Educação (2006)
esclarece que, para que se conquiste a sociedade que queremos e que é neces-
sária, o homem precisa tornar-se protagonista, exercer um conjunto de direitos
humanos historicamente definidos e pactuados pela Organização das Nações
Unidas (ONU). Em outras palavras, o desenvolvimento humano está relacio-
nado com muitas outras dimensões que não apenas a renda per capita: educação,
nutrição, mortalidade infantil, reciclagem do lixo e o respeito ao meio ambiente.
Por conseguinte, é necessário que se sensibilize a população para uma visão
holística e integradora de mundo, a qual não se restrinja a uma visão simplista da
natureza como centro das preocupações, mas que se busque pensar na integração
homem-natureza como um todo. Se, conforme Morin (2000), a educação
do futuro deverá integrar os conhecimentos de maneira que estes sejam mais
multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e
planetários, não seria a educação o melhor caminho para que se alcance o desen-
volvimento sustentável?
Assim, o papel da educação na sociedade contemporânea deve ter como base
o conhecimento da realidade do mundo no qual vivemos, a tomada de cons-
ciência de que estamos em crise/conflito e o debate sobre como que é possível
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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transformar a realidade e o papel assumido por cada cidadão nessa transformação.
Dessa forma, muitas vezes a educação é vista como saída para as dificuldades
enfrentadas pela humanidade.
A fim de responder a esses questionamentos, no presente artigo será discutido o
papel da educação para a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável e como
esses conhecimentos se relacionam. Para isso, inicia-se pelos estudos sobre o papel
da educação na sociedade contemporânea, que tem como um dos seus expoentes o
educador Paulo Freire, e, também os trabalhos de Edgar Morin e Moacir Gadotti.
O outro elemento que contribui na elaboração do presente trabalho está relacio-
nado com os estudos sobre o desenvolvimento sustentável. A análise do DS, como
já mencionado, prevê a integração entre economia, sociedade e meio ambiente.
Dessa maneira, após ter-se referenciado de forma preliminar os elementos
relacionados aos estudos da Educação e os ligados ao Desenvolvimento
Sustentável, busca-se então relacioná-los ao discutir conceitos como Educação
para Sustentabilidade (EpS), Educação Ambiental (EA), Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (EDS), Educação para um Futuro Sustentável
(EpFS). Em outras palavras, o objetivo é discutir o papel da educação na trans-
formação da sociedade para um futuro sustentável.
2 O papel da educação
Em nossa complexa sociedade contemporânea, a educação além de ser consi-
derada um direito de todos os cidadãos, ainda é um importante fator de criação
de oportunidades e a chave para o progresso individual e social. Conforme a
etimologia da palavra, educação significa “conduzir para fora” ou “direcionar
para fora”, designando um processo e um efeito; não sendo nada imposto, é um
processo livre, que busca trazer o ser humano para fora de si mesmo em direção
à sociedade, ao mundo.
Assim, ao considerar nossa atual conjuntura social, política e econômica,
frequentemente a educação assume um importante papel na construção de
uma visão de mundo mais crítica, possibilitando a análise e a transformação
da realidade. Nesse sentido, Freire (1997, p.9), no texto Papel da educação na
humanização, apresenta o princípio segundo o qual “o que é o homem, qual a sua
posição no mundo, são perguntas que temos de fazer no momento mesmo em
que nos preocupamos com a educação”.
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
71
Desse modo, o trabalho da educação será a expressão da consciência crí-
tica, no qual o homem pode torna-se capaz de refletir sobre a realidade em que
está inserido, obtendo condições de agir sobre ela, buscando comprometer-se e
mudá-la ao sentir-se inserido, participativo e produtivo (FREIRE, 1980). Além
disso, na era planetária, a educação tem a missão de fortalecer as condições que
possibilitem o surgimento de uma sociedade mundial, global, na qual os cidadãos
sejam protagonistas, conscientes e criticamente comprometidos com a construção
de uma civilização que seja planetária (MORIN; CIURANA; MOTTA, 2003).
Em vista disso, o conceito de “qualidade da educação” não pode ser
reduzido ao rendimento escolar, ou construído considerando somente os
saberes vinculados ao saber científico-matemático e linguístico (campos do
saber por onde determinados grupos sociais podem ter melhores condições
de acesso e oportunidades), tão pouco estar associada apenas à contribuição
que traz para a economia, na missão de oferecer mão de obra qualificada para
o mercado de trabalho. Nessa visão, qualidade da educação implica no que
Gadotti (2010, p.7) pontua:
Qualidade significa melhorar a vida de todas as pessoas. Na
educação a qualidade está ligada diretamente ao bem viver
de todas as nossas comunidades, a partir da comunidade
escolar. A qualidade na educação não pode ser boa se a qua-
lidade do professor, do aluno, da comunidade é ruim. Não
podemos separar a qualidade da educação da qualidade
como um todo, como se fosse possível ser de qualidade ao
entrar na escola e piorar a qualidade ao sair dela.
Gadotti (2000) faz referência a dois diferentes paradigmas na educação.
Primeiramente, têm-se os paradigmas holonômicos, baseados na complexidade
e holismo, em que diversos autores refletem sobre um princípio unificador do
saber, do conhecimento, em torno do ser humano. Nesse sentido, ao considerar
que os problemas atuais são cada vez mais multidisciplinares, transversais, glo-
bais e planetários, para que a referida educação de qualidade seja alcançada é
necessário que se trabalhe no que tange à inadequação existente e cada vez mais
ampla, profunda e grave dos conhecimentos desunidos, fragmentados e compar-
timentados que permeia o atual sistema educacional (MORIN, 2000).
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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Já o segundo paradigma tratado por Gadotti (2000) é o paradigma da
educação popular, o qual tem suas origens nos estudos de Paulo Freire e funda-
menta-se na conscientização. Para Freire (1980) a conscientização é o processo
de construção de uma consciência crítica e “está relacionada à análise rigorosa
das condições objetivas sociais que mantém os indivíduos como sujeitos-su-
jeitados, e que tem um vínculo substantivo com a prática” (HIDAKA, 2012,
p.133). Ainda, conforme Hidaka (2012) somente a partir do desvelamento das
condições sociais opressoras pela crítica reflexiva, é que se torna possível a prá-
tica transformadora. Assim, o modelo teórico da educação popular se constitui
de mecanismos de democratização e envolve valores de reciprocidade e de soli-
dariedade, evidenciando o ato de conhecimento e de transformação social da
educação (GADOTTI, 2000).
Nesse sentido, Arroyo (2007) afirma que a educação popular resgata a pre-
ocupação com o papel da educação na conscientização, politização e formação
cultural, o que faz com que se tornem evidentes as dimensões éticas envolvidas
nesse processo. Assim, o autor afirma que tanto a reflexão teórica quanto a pre-
ocupação prática com a ética e com a formação moral só podem existir onde a
função educativa é reconhecida.
A partir do exposto, independentemente do paradigma, é evidente o caráter
transformador da educação, que se desenvolvida e praticada pelos educadores
com o objetivo da emancipação do homem, poderá contribuir para a construção
de um novo mundo, que seja baseado nos direitos sociais e culturais dos cidadãos.
Dessa forma, é necessário que se encare a educação como um movimento ético,
que busca uma reflexão profunda acerca das situações complexas que cercam o
ser humano.
Para que a educação tenha o poder de transformar a realidade, alterações no
atual sistema educacional são necessárias. Nessa perspectiva, Morin (2000, p.69-
70) lança um grande desafio para a educação do futuro ao afirmar que:
Concebido unicamente de modo técnico-econômico, o
desenvolvimento chega a um ponto insustentável, inclu-
sive o chamado desenvolvimento sustentável. É necessária
uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, que
seja não somente material, mas também intelectual, afe-
tiva, moral [...]
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
73
Destarte, Morin (2000, p.76) deixa clara a necessidade de se aprender a “ser, viver,
dividir e comunicar como humanos do planeta Terra, não mais somente pertencer a
uma cultura, mas também ser terrenos”. Assim, a educação deve propiciar condições
para o desenvolvimento de uma consciência que seja: a) antropológica, ao reconhecer
na diversidade a unidade; b) ecológica, ao ter ciência de habitar em conjunto com todos
os seres a mesma biosfera; c) cívica terrena, ao ter responsabilidade e solidariedade para
com todos os seres; d) espiritual da condição humana, ao exercitar o pensamento com-
plexo, com poder de crítica, autocrítica e compreensão (MORIN, 2000).
Torna-se evidente, então, a necessidade de uma ação educacional que seja reflexiva
e consciente, que busque transformar a mentalidade humana de modo a influenciar
diretamente a percepção e o comportamento da sociedade, construindo uma relação
harmoniosa entre os seres humanos, a sociedade e a natureza (MORIN, 2000).
Assim, é possível destacar a necessidade de uma renovação nos métodos pedagógicos que
tratem a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a resolução de problemas.
3 Desenvolvimento sustentável
O debate acerca da preservação do meio ambiente encontra-se em voga devido
à conscientização acerca do uso desenfreado dos recursos naturais pelo ser humano
ao longo dos anos. Nesse sentido, o termo “desenvolvimento sustentável” (DS)
surgiu como uma resposta da humanidade perante a crise social e ambiental que
imperava a partir da segunda metade do século XX (BARBOSA, 2008).
Desse modo, o conceito mais difundido para desenvolvimento sustentável é o da
Comissão Brundtland – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMMD), que afirma que o “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que
resolve as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
também satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMD, 1991).
Em consonância com o exposto, a UNESCO (2012) define desenvolvimento
sustentável como sendo uma visão de desenvolvimento que engloba populações, espé-
cies animais e vegetais, ecossistemas, recursos naturais e que integra preocupações
tais como luta contra a pobreza, igualdade de gênero, direitos humanos, educação
para todos, saúde, segurança humana e diálogo intercultural. Ainda, Canepa (2007)
caracteriza desenvolvimento sustentável como um processo de mudanças, no qual a
exploração de recursos, o gerenciamento de investimento tecnológico e as mudanças
institucionais estão relacionados com o presente e o futuro.
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
74
O desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade devem estar atrelados ao
desenvolvimento social, econômico e à preservação ambiental. Assim, na con-
cepção de Kates et al. (2005) é através do conceito de desenvolvimento sustentável
que se intensifica a relação existente entre o desenvolvimento e o meio ambiente,
que até então estava sendo associado exclusivamente ao viés econômico.
No entanto, apesar dos três pilares – social, econômico e ambiental – serem
amplamente aceitos como base para desenvolvimento sustentável, devido a essa
multidimensionalidade do conceito, ainda não existe um consenso conceitual,
inclusive Robinson (2004) ressalta a dificuldade de encontrar uma definição no
que tange ao termo desenvolvimento sustentável e sustenta a ideia de que a falta
de definição pode representar uma oportunidade política importante.
Dessa forma, as abordagens sobre DS dependem de diversos fatores e estão
sujeitas a vieses institucionais, ideológicos, religiosos, acadêmicos, políticos, para-
digmáticos entre outros (MARCONATTO; PEDROZO, 2016), sendo que muitas
vezes o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade aparecem como sinônimos
(FIGUEIRÓ, 2015). Nesse contexto, no presente estudo adotam-se, da mesma forma
que Figueiró (2015), os termos DS e sustentabilidade como equivalentes, ao consi-
derar a sustentabilidade como consequência do desenvolvimento sustentável.
É importante destacar que, para se alcançar um futuro sustentável, é
necessário além do engajamento de toda a população, uma maior autonomia
dos governos locais, como demonstra o trecho a seguir do documento Plano
Internacional de Implementação da UNESCO (2005, p.38):
O que fica claro em todas essas interpretações é que con-
ceitos de desenvolvimento sustentável estão estreitamente
vinculados a diferentes modelos de desenvolvimento sociais
e econômicos. Temas cruciais giram em torno de quem tem
acesso legítimo, controle e uso dos recursos naturais. Portanto,
o elemento humano é fundamental – os direitos e responsa-
bilidades, os papéis e relações pessoais, instituições, países,
regiões e blocos sociopolíticos são essenciais para marcar o
rumo do desenvolvimento sustentável. Em outras palavras,
tanto as relações sociais e econômicas entre as pessoas e insti-
tuições quanto as relações entre sociedade e recursos naturais
é que facilitarão ou dificultarão o progresso em direção ao
desenvolvimento sustentável.
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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Muito embora a ideia de um mundo sustentável ainda seja utópica, faz-se
necessário a implantação do desenvolvimento sustentável, tendo em vista a dete-
rioração ambiental e a miséria humana ao redor do mundo. A posição majoritária
na academia acerca do tema é a de que a sustentabilidade é a resposta para um
futuro melhor, à medida que a solução é colocar um limite para o progresso
material e para o consumo, outrora visto como ilimitado. Em outras palavras,
desenvolver sem destruir o meio ambiente (CAVALCANTI, 2003).
É nesse sentido que Robinson (2004) menciona que a sustentabilidade só
poderá ser alcançada por meio de um processo social em sua essência, no qual
o conhecimento científico é combinado com crenças, valores e preferências da
sociedade, possibilitando a compreensão da realidade e a descoberta de novas
possibilidades que permitam alcançar os resultados desejados.
Por fim, ressalta-se que a sustentabilidade, além do mencionado, engloba
indagações sobre os modelos de existência, formas de vida e relações sociais.
Nesse sentido, a educação é vista como uma peça fundamental ao buscar refle-
xões e respostas sobre a realidade em que vivemos (FIGUEIRÓ, 2015).
4 Educação e sustentabilidade
É evidente a urgência de soluções para o desequilíbrio existente entre os
interesses sociais e econômicos e as necessidades ambientais. Dessa forma, são
necessárias mudanças e transformações no comportamento social para a efeti-
vidade do conceito de desenvolvimento sustentável. Na concepção de Figueiró
(2015), para que se alcance um futuro sustentável, é preciso novas maneiras de
pensar, buscando eclodir o ciclo de criação e transferência de conhecimentos
e de princípios econômicos insustentáveis vinculados aos padrões de consumo.
É nesse sentido que a educação se configura em um elemento-chave.
Para Rowe (2007), a sustentabilidade precisa ser o foco principal de nossos
esforços na educação, sendo que o elemento central da educação para sustentabili-
dade caracteriza-se na busca por resultados de uma aprendizagem efetiva de valores,
atitudes e comportamentos (SHEPHARD, 2008). Lange (2011), no que tange
a como a educação pode contribuir para o desenvolvimento sustentável, sugere
implantar uma relação de cooperação entre ciência e humanidade. Ademais, Leal
Filho, Manolas e Pace (2015) defendem que, para obter um mundo mais ecológico,
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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faz-se necessário que as pessoas entendam que o desenvolvimento sustentável
melhora a qualidade de vida, servindo como um fator motivacional para elas.
Inicialmente, o debate sobre a relação entre educação e meio ambiente dá
origem à Educação Ambiental (EA), que está ligada à própria criação da UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Pode-se,
ainda, considerar a Conferência sobre a Biosfera, realizada em Paris no ano de
1968, como o marco inicial do movimento pelo desenvolvimento sustentável
(BARBIERI; SILVA, 2011).
Na legislação brasileira, a inserção da educação ambiental no âmbito educa-
cional faz-se presente em diversas normas. A Constituição Federal Brasileira de
1988, em seu artigo 225, §1º, inciso VI, reconhece o direito constitucional de todos
os cidadãos brasileiros à educação ambiental e atribui ao Estado o dever de “pro-
mover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente”. (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988).
Ademais, a Lei n.6.938, de 31 de agosto de 1981 – Institui a Política Nacional
de Meio Ambiente, em seu artigo 2°, inciso X, afirma a necessidade de promover
a “Educação Ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da
comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio
ambiente” (BRASIL, 1981).
Destarte, a educação ambiental nasceu como um princípio e um instru-
mento da política ambiental, e durante a Conferência das Nações Unidas para
o Meio Ambiente Humano (CNUMAH) foram criados alguns instrumentos
para tratar de problemas sociais e ambientais planetários, como a Declaração
sobre o Ambiente Humano, que engloba 26 princípios que têm o intuito de
orientar a construção do meio ambiente, aliando os aspectos humanos e naturais
considerados essenciais para o bem-estar das pessoas. Em consonância com esses
princípios o trabalho de educação, no que tange à educação ambiental, é indis-
pensável quando se trata de jovens e adultos (BARBIERI; SILVA, 2011).
A partir da evolução do conceito de sustentabilidade e de desenvolvimento sus-
tentável, surgem conceitos mais abrangentes, como Educação para a Sustentabilidade
(EpS), Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) e Educação para um
Futuro Sustentável (EpFS), que buscam integrar não somente a aspectos ambien-
tais, mas também fatores sociais e econômicos. Hessenlink, Kempen e Wals (2000)
encontraram quatro relações existentes entre EA e EDS, conforme mostra a Figura 1.
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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Figura 1 – Quatro perspectivas sobre a relação entre EA e EDS
EA e EDS sobrepostas
parcialmente
EA é um estágio na
evolução da EA
EA é parte da EDS
3 4
1 2
EDS é parte da EA
Fonte: Hesselink Kempen e Wals (2000).
Conforme a Figura 1, o estudo de Hessenlink, Kempen e Wals (2000)
demonstrou que majoritariamente a EDS é percebida como o próximo estágio
na evolução da EA, incluindo questões de ética, equidade e novas formas de
pensar e aprender. Já Sterling (2004) sugere que os termos EA, EDS, EpS e ES
evoluíram conforme consta da Figura 2.
Figura 2 - Evolução conceitos-chave
EA EDS EpS EA
Fonte: Adaptado de Sterling (2004, p.50).
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
78
A partir da Figura 2, Sterling (2004) afirma que esse ponto de vista evolutivo
demonstra que os surgimentos de novos termos indicam um reconhecimento dos
limites dos termos anteriores, ao mesmo tempo que respeita a validade de cada
um. Dessa forma, a Educação Ambiental (EA) difere-se dos demais conceitos
EpS, EDS e EpS, que são considerados sinônimos nos documentos da ONU e da
Unesco, tendo em vista que a EA torna-se mais comumente relacionada a aspectos
relacionados com o meio ambiente enquanto que a EDS e a EpS apresentam uma
abordagem mais ampla ao englobar demais dimensões da sustentabilidade (social,
econômica, ambiental, política). Por fim, a ES engloba todas as outras e sugere uma
mudança no paradigma educacional (STERLING, 2004).
Apesar das diferenciações entre as nomenclaturas, discutidas por alguns autores
(HESSELINK; KEMPEN; WALS, 2000; STERLING, 2004; BARBIERI;
SILVA, 2011; CARS; WEST, 2014), observa-se na literatura em geral que ainda
não há uma distinção clara entre os termos utilizados (EA, EDS, EpS e ES). Sendo
assim, neste trabalho consideram-se os termos como similares, tendo em vista que
todas as nomenclaturas expostas, implícita ou explicitamente, possuem em sua
essência uma visão tanto do ambiente/sustentabilidade quanto da educação.
Pidlisnyuk (2010) considera ainda que há uma óbvia inter-relação entre
educação em geral, educação ambiental e educação para o desenvolvimento sus-
tentável, tendo em vista que qualquer verdadeira educação deveria funcionar em
prol do desenvolvimento sustentável. No entanto, o autor ressalta que a abor-
dagem da EDS se constitui como uma oportunidade única de rever e reforçar a
educação como um todo, buscando incentivar e incorporar valores, competên-
cias e comportamentos para um futuro sustentável.
Desta forma, ao considerar que a realização do desenvolvimento sustentável é
um objetivo natural, social e econômico integrado, a EDS também deve integrar
os conhecimentos natural, social e econômico (PIDLISNYUK, 2010). Assim, a
educação para o desenvolvimento sustentável é voltada para a reorientação da edu-
cação em escala global que, conforme delineado no Capítulo 36 da Agenda 21,
busca reorientar a educação no sentido do desenvolvimento sustentável, aumentar
a consciência pública e promover treinamento para desenvolver recursos humanos
para facilitar a transição para um mundo sustentável (CNUMAD, 1992).
Esse movimento ganha forças a partir do momento que as Nações Unidas
proclamam a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável
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, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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(2005-2014), cujo objetivo global consiste em “integrar os valores inerentes
ao desenvolvimento sustentável em todos os aspectos da aprendizagem com
o intuito de fomentar mudanças de comportamento que permitam criar uma
sociedade sustentável e mais justa para todos” (UNESCO, 2005, p.16). Além
disso, a Década fundamenta-se na visão de que educação pode beneficiar a
todos ao possibilitar a aprendizagem de valores, comportamentos e modos de
vida exigidos para um futuro sustentável e para uma transformação positiva da
sociedade (UNESCO, 2005).
Assim, a UNESCO (2005) caracteriza a EDS como educação de quali-
dade, devendo esta ser holística e multidisciplinar, visar à aquisição de valores,
estimular o processo participativo de tomada de decisão, estar estreitamente rela-
cionada com a vida local, desenvolver o pensamento crítico e a capacidade de
resolução de problemas, recorrer a múltiplos métodos e ser aplicável.
Ademais, diversos relatórios como o relatório Brundtland, Rio-92, Agenda
21, Seminário de Belgrado, Declaração de Talloires, entre outras iniciativas
voluntárias, demonstram a responsabilidade e a importância de se integrar o
desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade nas atividades educacionais.
Para Figueiró (2015), essas inúmeras iniciativas globais são encaradas como ten-
tativas de resposta para os desafios do desenvolvimento sustentável, sendo o ser
humano a figura capaz de mudar e lutar por mudanças.
Dessa forma, Cars e West (2014) percebem que a natureza da EpS é inter-
disciplinar, que trata do respeito em múltiplas dimensões, podendo ser vista
como uma aplicação da pedagogia crítica. Para os autores, a EpS permite que
todo indivíduo adquira conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que são
necessários para moldar o futuro sustentável, exigindo métodos participativos
de ensino e aprendizagem que motivem e capacitem os alunos a mudarem seus
comportamentos e a tomarem atitudes em prol do DS. Assim, a EpS promove
competências como o pensamento crítico, de forma a prever cenários futuros e
tomar decisões de maneira colaborativa (CARS; WEST, 2014).
Do mesmo modo, Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) afirmam que as ações
de educação para sustentabilidade devem se basear em abordagens pedagógicas
que objetivem a criticidade, a mudança de atitudes e comportamentos, a parti-
cipação de toda a sociedade e o desenvolvimento de organizações sociais. Para
Cars e West (2014), o poder transformador da educação ajusta criticamente a
Nathália Rigui Trindade et al.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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abordagem e o conteúdo educacional a um conceito de educação de qualidade,
multifacetada, voltada para a cidadania, direitos humanos e paz.
Gadotti (2008) afirma que o planeta Terra é o primeiro grande educador
e que é preciso educar para se conquistar direitos humanos, para uma justiça
social com diversidade cultural, educando assim para a consciência planetária.
Destarte, a EpS deve apresentar uma abordagem sistêmica e holística, que seja
acessível a todas as sociedades e setores (TILBURY; MULÀ, 2009). Para Tilbury
e Wortman (2004) a EpS oferece oportunidades para que pessoas e comunidades
se envolvam na reflexão sobre o futuro que desejam, definindo sua visão para o
desenvolvimento sustentável.
5 Considerações finais
A partir da discussão acerca do papel da Educação na sociedade atual e da,
cada vez mais urgente, necessidade de se pensar e agir pela Sustentabilidade e
pelo Desenvolvimento Sustentável, o objetivo deste estudo foi estabelecer uma
discussão a respeito da Educação para o Desenvolvimento Sustentável como uma
forma de legitimação perante a sociedade de ações efetivas para a transformação
positiva da realidade e o alcance de um futuro sustentável. Mesmo considerando
a análise apresentada como inicial e carecendo de investigações mais profundas,
percebe-se que a educação desempenha um papel imprescindível na busca do
desenvolvimento sustentável.
Ao considerar que a educação pode ser um elemento transformador da socie-
dade, é preciso que se trabalhe em prol de uma educação de qualidade, baseada em
um pensamento complexo capaz de desenvolver a capacidade crítica e de resolução
de problemas, integrando conhecimentos e não os fragmentando. Conforme deixa
claro Morin (2000), existe uma incongruência entre a condição de unidade com-
plexa do ser humano – ao mesmo tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social,
histórico – e a educação desintegrada, fragmentada por meio de disciplinas, o que
torna impossível aprender o real significado de ser humano.
Diversos são os relatórios e documentos de organizações internacionais
e nacionais que evidenciam o papel de mudança que a educação pode desem-
penhar, no entanto, conforme Figueiró (2015) é necessário que se possibilite
aos estudantes uma trajetória de aprendizagem mais rica, que vise a despertar
Educar para um futuro sustentável: o papel da educação na busca da sustentabilidade
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 67-84, Jan/jul. 2017
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a curiosidade, o pensamento crítico e a prática. Assim, para que seja possível
transformar a realidade, a educação é a força motriz; no entanto, ela precisa
ser também o centro das atenções de governos, sociedades e nações a fim de
propor mudanças nos tradicionais modelos de ensino e aprendizagem, por meio
de métodos inovadores e integradores do conhecimento, por exemplo.
Dessa forma, ao reconhecer o importante papel que a educação desempenha
na busca pela sustentabilidade, também é preciso deixar claro que não se entende
a educação como o único “remédio” capaz de solucionar todos os problemas
sociais, ambientais e econômicos, mas que se considera inverossímil pensar e
exercitar a mudança social sem que se integre a dimensão educacional.
Discutir sobre o Desenvolvimento Sustentável a partir do papel da Educação,
abre novas e diversas frentes de entendimento a respeito de um tema que, devido
à sua natureza complexa, pode ser analisado de diversas maneiras, com a intenção
de contribuir na elaboração de estratégias para o fortalecimento das abordagens
e ações de Educação para a Sustentabilidade. O uso dessas abordagens, con-
juntamente, permite inferir o papel fundamental da educação na articulação
sustentável entre sociedade, economia e meio ambiente, pois evidencia a impor-
tância da educação como instrumento privilegiado de humanização, socialização
e direcionamento social.
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INSTRUMENTO TÉCNICO-
PEDAGÓGICO PARA AVALIAÇÃO DE
SOFTWARES UTILIZADOS NO ENSINO
DE QUÍMICA
A TECHNICAL-PEDAGOGICAL INSTRUMENT FOR THE
EVALUATION OF SOFTWARES USED IN THE TEACHING OF
CHEMISTRY
Ríveres Reis Almeida *
Adilene Gonçalves Quaresma**
R e s u m o
Este texto toma por referência a dissertação Uso de softwares no ensino de quí-
mica: potencialidades pedagógicas em busca de um ensino inovador, defendida no
Programa de Pós-Graduação em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento
Local do Centro Universitário UNA. Objetiva-se neste artigo apresentar o
produto técnico da pesquisa realizada, que compreende um instrumento técni-
co-pedagógico que permite aos professores de Química avaliarem um software
a partir de critérios construídos com base em discussões sobre concepção de
aprendizagem. O texto está estruturado em dois eixos centrais. O primeiro com-
preende a discussão teórica, na qual se avalia a importância da informática no
ensino de Química, as concepções de aprendizagem de Piaget e Vygotsky, e faz-se
uma breve descrição dos softwares analisados. O segundo, no qual se apresenta o
instrumento técnico-pedagógico de avaliação de software. Considera-se que esse
instrumento contribuirá para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem
em Química, pois possibilitará ao professor avaliar softwares de Química, tendo
a oportunidade de refletir sobre o uso da informática nessa disciplina.
P a l a v r a s - c h a v e : Avaliação de software. Ensino de Química. De-
senvolvimento local.
* Mestre em Gestão Social, Educação
e Desenvolvimento Local pelo Centro
Universitário Una e professor de Quí-
mica no Colégio Logosófico González
Pecotche e no Instituo Educacional
Gabriela Leopoldina.
** Doutora em Educação pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais e
professora no Programa de Pós-gra-
duação em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento Local e no curso de
Pedagogia do Centro Universitário Una.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Recebido em: 14/09/2016Aprovado em: 12/01/2017
86
A b s t r a c t
This article takes as a reference the master thesis Use of software in chemistry
teaching: pedagogical potentials in search of an innovative teaching, defended in the
Graduate Program in Social Management, Education and Local Development of
the UNA University Center. The objective of this article is to present the technical
product of the research carried out, which includes a technical-pedagogical
instrument that allows Chemistry teachers to evaluate a software based on criteria
built through discussions about learning conceptions. The text is structured in
two central lines. The first one comprises the theoretical discussion, in which the
importance of computing in the teaching of Chemistry, the learning conceptions
of Piaget and Vygotsky, and a brief description of the analyzed software are
discussed. The second one presents the technical-pedagogical instrument for
software evaluation. It is believed that this instrument will contribute to the
improvement of the teaching-learning process of Chemistry, for it will enable the
teacher to evaluate Chemistry software, having the opportunity to reflect on the
use of computing in this course.
K e y w o r d s: Evaluation of software. Teaching Chemistry. Local development.
1 Introdução
Nos dias de hoje, não cabe mais à escola o papel de transmitir conteúdos
descontextualizados, somente na forma de aulas expositivas, exigindo dos alunos
o excesso de memorizações e classificações que, posteriormente, serão cobrados
em provas formais, testes e depois, provavelmente, serão esquecidos.
Ao contrário disso, espera-se que a educação contribua na formação de indi-
víduos cada vez mais críticos e com capacidade de compreenderem o mundo e a
sociedade, podendo, dessa forma, intervir na realidade e colaborar na resolução de
problemas de forma ética, valorizando e respeitando o meio ambiente. Ademais,
é necessário que tais indivíduos estejam aptos a trabalhar em grupo, abertos às
mudanças e com a capacidade e a visão de sempre melhorar a si próprios e a
sociedade. A formação desse indivíduo não será possível nos moldes da educação
tradicional que se tem hoje, já que esse conhecimento não é transmitido, mas cons-
truído pelo próprio sujeito. Assim, é preciso pensar outros rumos para a educação.
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
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Essa mudança de paradigma não é fácil, mas é necessária, caso se deseje pensar
em uma educação com o papel de capacitar o indivíduo para a vida. Cox (2003,
p.20) aponta que “a escola deve preparar o ser humano para a sobrevivência, para
viver e trabalhar dignamente, tomar decisões fundamentadas e estar apto a aprender
continuamente”. Nessa mesma linha, Dowbor (2006, p.1) aponta que “[...] uma
nova visão está entrando rapidamente no universo da educação, de que os alunos,
além do currículo tradicional, devem conhecer e compreender a realidade onde
vivem e onde serão chamados a participar como cidadãos e como profissionais”.
Nesse contexto, é importante destacar o uso de diferentes metodologias no
processo de ensino-aprendizagem, sobretudo aquelas que valorizam o uso da
informática. Segundo Tajra (2000), é fundamental que se utilize a tecnologia
computacional na educação, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento de
novas habilidades além daquelas que valorizam, sobretudo, a memorização.
Não diferente, o ensino de Química, na maioria das escolas, valoriza, prin-
cipalmente, habilidades de memorização e classificação. Os conteúdos, de modo
geral, não possuem relação com a vida do aluno, e os professores, formados em
cursos de licenciatura nos moldes tradicionais, que valorizam especialmente o
domínio de conteúdos, acabam reproduzindo em sua prática as aulas tradicionais
que tiveram na faculdade. Com isso, a compreensão da Química é tida como
difícil pelos alunos, que são obrigados a aprender algo que provavelmente não
utilizarão depois da prova.
O uso de tecnologias da informática nas aulas pode contribuir para a
mudança do cenário apontado acima. Partindo desse pressuposto, é importante
analisar como os recursos computacionais utilizados no ensino de Química têm
sido desenvolvidos. Assim, a pesquisa, da qual esse artigo resulta teve como obje-
tivo geral identificar e analisar as concepções de aprendizagem que orientam
alguns softwares educacionais desenvolvidos e comercializados para uso no
ensino de Química e construir um instrumento técnico-pedagógico de avaliação
de software de Química pelos próprios professores.
Neste artigo, apresenta-se esse instrumento técnico-pedagógico, que com-
preende um instrumento eletrônico para avaliação de softwares usados no
ensino de química.
Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
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2 Discussão teórica
Muitas foram as inquietações do ser humano que provocaram mudanças
na sociedade. O desenvolvimento de técnicas, artefatos e uma série de objetos e
ferramentas possibilitou ao homem realizar uma série de trabalhos de forma mais
simples e rápida do que utilizando o seu próprio corpo. A criação do computador,
por exemplo, permitiu o processamento de milhares de informações em frações
de segundo, além de ter possibilitado o armazenamento de uma enorme quanti-
dade dessas informações de forma simples em dispositivos cada vez menores. É
inegável que isso tudo trouxe mudanças significativas em toda a sociedade, que
agora, conectada por esses aparelhos, é capaz de produzir, processar e comparti-
lhar informações em tempo nunca visto antes, facilitando, dessa forma, diversos
processos e tarefas que antes eram realizados sem o uso dessas máquinas.
No ensino, o uso dos computadores aconteceu, em meados da década de
1950, primeiramente nas universidades, nas quais esses equipamentos de enorme
tamanho eram programados para, dentre outros fins, auxiliar no ensino. Nos
dias de hoje, a miniaturização dessas máquinas, bem como sua produção em
grande escala, possibilitou que inúmeras instituições de ensino adquirissem tais
equipamentos. De acordo com dados da pesquisa TIC Educação1 2013, realizada
pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), 99% das escolas públicas em
áreas urbanas possuem computador. Desse total, 73% possuem, ao menos, um
computador portátil e 11% possuem tablet. Em escolas privadas, a presença de
computadores é de 98%, e as que possuem tablet são 13%. Para se ter uma ideia,
somente em Belo Horizonte, no quinquênio 2010-2014, a prefeitura investiu2
cerca de 12 milhões de reais em informática para as escolas.
Mas será que a chegada desses equipamentos tem contribuído para uma
aprendizagem significativa e um ensino diferente daquele tradicional comumente
praticado na maioria das escolas?
Na visão de Ausubel (2003), a aprendizagem significativa acontece quando
novos conteúdos são incorporados à estrutura de conhecimento que o aluno já
possui, isto é, ao seu conhecimento prévio. Se isso não ocorre, para esse autor, a
aprendizagem acontece de forma mecânica, sem que faça sentido para o aluno.
Assim como na vida cotidiana, o computador no contexto escolar, o que
inclui o trabalho diário do professor, trouxe inúmeros benefícios e tornou mais
fácil e rápida a realização de inúmeras tarefas. O professor pode utilizar diversos
1 Disponível em: < http://www.cgi.
br/media/docs/publicacoes/2/tic-
educacao-2013.pdf>. Acesso em: 1
maio 2016.
2 Dados fornecidos pela GPLI (Gerên-
cia de Planejamento e Informação) da
SMED (Secretaria Municipal de Educa-
ção) em 24 abr. 2015.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
89
softwares como os editores de texto, apresentação, desenho, imagens, planilhas
eletrônicas para produzir materiais didáticos, aulas, e gerenciar o trabalho acadê-
mico diário de forma simples e rápida. Todo seu trabalho pode ser armazenado
em pequenos dispositivos e compartilhá-los nunca foi tão fácil.
Além disso, o computador, acoplado a lousas eletrônicas e projetores
modernos, permite que desenhos, imagens, esquemas, vídeos, simulações e
fórmulas, produzidos a partir dos mais modernos softwares, sejam exibidos de
maneira que não se conseguiria, utilizando-se somente o quadro tradicional.
Não se pode negar que todo esse avanço trouxe uma facilidade enorme para as
tarefas diárias do professor, além de ter possibilitado apresentar o conteúdo de
forma muito mais clara e organizada.
Entretanto, se essas forem as únicas formas de utilização do computador
no ambiente escolar, sem que ele seja pensado como uma real ferramenta de
aprendizagem, toda sua capacidade estará sendo subutilizada. É claro que para
a utilização desses recursos, é preciso que o professor tenha conhecimentos
básicos de informática, adquiridos de maneira autônoma ou por meio de cursos
de capacitação.
Posto isso, é possível notar que o computador no ambiente escolar pode
assumir diferentes enfoques, desde serviços administrativos diversos a instru-
mento de ensino. Nesse último caso, ele pode ser programado para transmitir o
conteúdo ao aluno, funcionando de maneira semelhante às máquinas de ensinar,
idealizadas por Skinner3, no início da década de 1950. Assim, o computador
é utilizado para informatizar os processos de ensino já existentes, assumindo
o lugar do professor no papel de repassar o conteúdo aos alunos, que se com-
portam como meros receptores passivos, sem capacidade crítica e com uma visão
de mundo restrita e limitada ao que lhes foi transmitido (VALENTE, 1999).
Nessa visão, o equipamento assume a função instrucionista e continua
repetindo metodologias tradicionais de ensino. Os softwares, nessa abordagem,
são construídos por especialistas em determinado assunto que propõem a
apresentação do conteúdo em pequenas doses em programas do tipo tutorial,
de perguntas e respostas, jogos, entre outros. De acordo com Valente (1993), é
muito comum encontrar essa abordagem sendo usada erroneamente no sentido
piagetiano como construtivista. Porém, na abordagem tradicional, o computador
é utilizado para depositar o conhecimento na cabeça do aluno.
3 Burrhus Frederic Skinner dedicou-se
a estudar e a ensinar o behaviorismo.
Ele desenvolveu inúmeros estudos
científicos sobre o comportamento
e criou máquinas de ensinar. Estas
eram aparatos que, para ele, deveriam
ser utilizados em sala de aula para
auxiliar o professor no ensino dos
conteúdos. As máquinas eram
programadas com perguntas de
múltipla escolha, e o aluno teria de
colocar o botão correspondente na casa
que correspondesse à resposta correta;
caso errasse, o aluno não conseguiria
passar para a pergunta seguinte. Para
saber mais: http://www.youtube.com/
watch?v=vmRmBgKQq20. Acesso em:
1 nov. 2014.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
90
Como se os conhecimentos fossem tijolos que devem ser
justapostos e sobrepostos na construção de uma parede.
Nesse caso, o computador tem a finalidade de facilitar a
construção dessa “parede”, fornecendo “tijolos” do tamanho
mais adequado, em pequenas doses e de acordo com a capa-
cidade individual de cada aluno. (VALENTE, 1993, p. 11)
Piaget (2013) diz que o indivíduo adquire conhecimento quando interage
com os objetos do seu meio em construções sucessivas e elaborações constantes
de novas estruturas mentais a partir dessas interações. Isso nada tem a ver com a
transmissão de conteúdos, seja ela de forma direta ou em pequenas doses, seja no
livro ou através do computador. Valente (1993, p.12) aponta que “esse desenvol-
vimento é fruto do trabalho mental da criança e não de um processo de ensino
ou transmissão de informação, como se essa informação fosse um ‘tijolo’ que se
agrega a outros, contribuindo para a construção de uma noção maior”.
Nessa concepção, ainda tradicional, o computador é fácil de ser implan-
tado nas escolas, pois não altera a dinâmica tradicional existente e não exige
grande investimento na formação do professor. Nesse sentido, Valente (1999,
p.2) salienta ainda que
Para ser capaz de usar o computador nessa abordagem,
basta ser capaz de inserir o disquete ou, quando muito, ser
treinado nas técnicas de uso de cada software. No entanto,
os resultados em termos da adequação dessa abordagem no
preparo de cidadãos capazes de enfrentar as mudanças que
a sociedade está passando, são questionáveis. Tanto o ensino
tradicional, quanto sua informatização preparam um pro-
fissional obsoleto.
Por outro lado, com base em uma concepção de aprendizagem socioin-
teracionista, por exemplo, o computador pode auxiliar no processo de
ensino-aprendizagem de forma mais significativa. Isso porque, nesse caso, esses
equipamentos e seus softwares podem criar situações em que o aluno deva buscar
novos conteúdos e informações para adotar estratégias viáveis na resolução de
problemas reais, possibilitando, dessa forma, uma verdadeira inovação na edu-
cação. Nessa abordagem da informática no ensino, Valente (1999) aponta que
cabe ao professor conhecimentos que vão além de operar o computador, isto é,
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
91
“conhecimentos sobre os potenciais educacionais do computador e ser capaz de
alternar adequadamente atividades tradicionais de ensino-aprendizagem e ativi-
dades que usam o computador” (VALENTE, 1999, p.1). Com esse enfoque, o
computador e os programas nele contidos podem contribuir para a aprendizagem
de fato dos conteúdos e não meramente reproduzir conceitos desarticulados
de seus contextos específicos. Softwares com essa abordagem oferecem condi-
ções para o aluno resolver problemas ou realizar tarefas e desenvolver assim seu
conhecimento. Eichler e Del Pino (2000, p.835) ressaltam que “o sucesso de um
software em promover a aprendizagem depende de sua integração ao currículo e
às atividades da sala de aula”.
A implantação da informática com esse enfoque requer grandes desafios que
vão muito além de adquirir equipamentos e montar laboratórios de informática.
É preciso pensar no que significa ensinar e aprender, bem como no papel da
escola, do professor e da comunidade escolar na educação.
De acordo com Benite e Benite (2009), na Química, o computador foi uti-
lizado primeiramente em meados da década de 1940 para cálculos quânticos.
Esses equipamentos eram grandes máquinas que consumiam enorme quantidade
de energia e possuíam custo elevado. No ensino propriamente dito, no final da
década de 1960, foi desenvolvido um projeto na Universidade do Texas com o
intuito de avaliar simulações de experimentos químicos.
Posteriormente, com a miniaturização dessas máquinas, a facilidade de
acesso e a criação de sistemas operacionais com interfaces amigáveis com ícones
e janelas, foram possíveis a criação e a disseminação de uma variedade de pro-
gramas com características diversas. Em pesquisa realizada por Santos, Wartha
e Silva Filho (2010), foram encontrados, em sítios da internet, 52 softwares gra-
tuitos de diversos tipos para o ensino de Química.
Em outra pesquisa, realizada no Banco Internacional de Objetos Educacionais4
do sítio do MEC, verificou-se que, dentre os mais de 10 mil objetos de aprendi-
zagens, há, somente em Química, uma reunião de 3455 animações/simulações
produzidas em projetos desenvolvidos pelo próprio MEC ou disponibilizados
por outras instituições nesse portal para fins educacionais.
Com relação ao ensino de ciências, Santos (2005) destaca que o uso do
computador poderá provisionar informações que darão suporte ao processo
de investigação; possibilitará, por meio de ferramentas de comunicação, a
4 Disponível em: <http://
objetoseducacionais2.mec.gov.br/>.
Acesso em: 22 mai. 2015
5 Contagem realizada em 22 mai. 2015.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
92
aprendizagem colaborativa dos estudantes; e, a partir de softwares de simulação,
oportunizará a aprendizagem concreta de fenômenos.
De acordo com o exposto anteriormente, é possível concluir que o uso da
informática e dos recursos digitais, em especial softwares educativos, se apoiados
em uma concepção de ensino-aprendizagem sociointeracionista, por exemplo,
pode contribuir para a construção do conhecimento de forma significativa.
Sendo assim, apresentam-se a seguir algumas concepções de aprendizagem de
Piaget e Vygotsky que serviram de base para analisar os softwares e propor o ins-
trumento técnico-pedagógico.
2.1 Aprendizagem segundo Piaget e Vygotsky: contribuição para a análise dos
softwares
O conhecimento do processo de ensino-aprendizagem é fundamental no
desenvolvimento de qualquer disciplina escolar, pois subsidia a metodologia a ser
adotada pelos professores, bem como a construção de recursos de aprendizagem.
Nitzke, Carneiro e Franco (2002, p.14) destacam que,
para que a utilização destas novas tecnologias em um con-
texto educacional seja realmente efetiva, é fundamental que
exista uma profunda ligação entre as bases epistemológicas
da conduta educacional do professor e da abordagem peda-
gógica adotada no projeto do ambiente. Sem esta ligação,
estaremos simplesmente fazendo uma pseudomodernização
de uma prática educativa sem significado.
De acordo com a teoria de Piaget (2013), o desenvolvimento das estruturas
de inteligência está relacionado com o contexto sócio-histórico em que o sujeito
está inserido, bem como sua bagagem genética hereditária. Para esse autor, o
comportamento dos seres vivos não é inato, tão pouco resultado de condiciona-
mentos, mas sim construído em uma interação entre o indivíduo e o meio.
Na tentativa de compreender como ocorre o processo de aquisição de conhe-
cimento, Piaget, do ponto de vista biológico, propõe que o aprendizado ocorre
basicamente através dos processos de assimilação, acomodação e adaptação,
como destaca Macedo (1983, p.XI):
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Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
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Inteligência é adaptação e sua função é estruturar o uni-
verso, da mesma forma que o organismo estrutura o meio
ambiente, não havendo diferenças essenciais entre os seres
vivos, mas somente tipos específicos de problemas que
implicam em níveis diversos de organização. As estruturas
da inteligência mudam através da adaptação e situações
novas têm dois componentes: assimilação e a acomodação.
A assimilação consiste basicamente em utilizar as estruturas mentais que
o indivíduo já possui na tentativa de incorporar elementos do meio externo. A
assimilação mental é, portanto, segundo Piaget (2013, p.35), “a incorporação
dos objetos aos esquemas da conduta – esquemas que nada são além do esboço
das ações suscetíveis de serem repetidas ativamente”. Em outras palavras, assimi-
lação, para Piaget, é “a ação do organismo sobre os objetos que estão à sua volta,
no pressuposto de que essa ação dependa das condutas anteriores incidindo sobre
os mesmos objetos ou outros análogos” (PIAGET, 2013, p.35).
Já a ação inversa, isto é, aquela na qual o meio age sobre o organismo, modi-
ficando os esquemas de assimilação, é chamada por Piaget de acomodação. Nesse
caso, ele deixa claro que “o indivíduo não é totalmente passivo à reação dos
corpos que estão a sua volta, mas que ela modifica simplesmente o ciclo assimi-
lador ao acomodar o ser a esses corpos” (PIAGET, 2013, p.35).
A adaptação, nesse contexto, é o balanço entre assimilação e acomodação,
isto é, um equilíbrio entre as ações do organismo sobre o meio e as ações inversas.
Para Piaget, quando assimilação e acomodação ocorrem simultaneamente, o
sujeito está em equilíbrio, isto é, adaptado.
Quando as estruturas mentais que o sujeito possui são insuficientes para
explicar uma nova situação, o desequilíbrio acontece. Naturalmente, as estru-
turas mentais, na tentativa de se adaptarem a essa nova situação, movimentam-se
para um estado superior e mais complexo de equilíbrio. Esse processo é cha-
mado por Piaget de equilibração majorante e, de acordo com Palangana (2001,
p.16), “é através desses processos intermináveis de desequilíbrios e novas equili-
brações superiores que, no entender de Piaget, ocorre a construção e progressão
do conhecimento”.
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Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
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Com o intuito de descobrir as relações reais entre o processo de desenvol-
vimento e a capacidade de aprendizado, Vygotsky (2007) propõe que deve ser
determinado nos aprendizes dois níveis de desenvolvimento. O primeiro seria
o nível de desenvolvimento real, isto é, “o nível de desenvolvimento das fun-
ções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos
de desenvolvimento já completados” (VYGOTSKY, 2007, p.96). Esse é o nível
que contempla os conhecimentos que a criança já possui, e as tarefas que ela
consegue realizar são independentes da ajuda de um adulto, uma vez que as
funções necessárias para realizar tais tarefas já estão maturadas. Quando se
determina a idade mental de uma criança, está quase sempre se tratando do nível
de desenvolvimento real.
O segundo nível, chamado por Vygotsky de nível de desenvolvimento poten-
cial, inclui aquelas tarefas que a criança consegue realizar com ajuda de pessoas
mais experientes, como um colega, um adulto ou o professor. A distância entre
o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial é um
conceito-chave na teoria de Vygotsky (2007), denominado zona de desenvolvi-
mento proximal, e representa aquelas funções que ainda estão em processo de
maturação. De acordo com as palavras do próprio autor, zona de desenvolvi-
mento proximal “é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”
(VYGOTSKY, 2007, p. 97).
Quando uma criança atinge um estágio de maturação e consegue resolver
determinada tarefa por si só, sendo que antes não conseguia, tal tarefa passa a
atuar no nível de desenvolvimento real, isto é, “o desenvolvimento proximal hoje
será o desenvolvimento real de manhã. [...] aquilo que uma criança pode fazer
com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY,
2007, p.98).
Nesse sentido, Vygotsky (2007), diferentemente de muitos pensadores de sua
época, mostra que, para se averiguar o nível de desenvolvimento de uma criança,
é importante verificar o que ela consegue resolver com a ajuda de um adulto e não
aquela tarefa que ela consegue resolver sozinha. Ele demonstrou que a capacidade
de duas crianças com a mesma idade mental pode variar de maneira bastante
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Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
95
distinta, quando se considera o aspecto do desenvolvimento que ainda está por se
contemplar. Uma causa para isso apontada por ele é o fato de as crianças terem se
desenvolvido em diferentes contextos sociais, o que faz com que o ambiente pro-
mova aprendizagens diversas. Um motivo importante em se conhecer a zona de
desenvolvimento proximal é o fato de que ela “[...] permite-nos delinear o futuro
imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o
acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como
também àquilo que está em processo de maturação” (VYGOTSKY, 2007, p.98).
Sendo assim, Vygotsky acredita que o estado mental de uma criança só pode
ser determinado se for conhecido o nível de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento proximal. Ele ainda destaca que esse duplo conhecimento é
uma importante ferramenta na aplicação de métodos diagnósticos do desenvol-
vimento mental e na solução de problemas de aprendizagem.
Diante do exposto anteriormente, destaca-se que na construção de softwares
educacionais, ou mesmo na utilização desses recursos como ferramentas didá-
ticas em sala de aula, é possível considerar processos de assimilação/acomodação
de acordo com Piaget ou apresentar recursos dentro da zona de desenvolvimento
proximal, proposta por Vygotsky.
3 O instrumento eletrônico para avaliação de softwares usados no ensino
de Química
Apresenta-se nesta parte o instrumento eletrônico para avaliação de softwares
utilizados no ensino de Química, os softwares analisados na pesquisa e o resul-
tado dessa análise, tendo em vista exemplificar o uso do instrumento de avaliação
de softwares usados no ensino de Química.
O instrumento consiste em orientações que nortearão a construção de
software (instalável ou on-line6), aplicativo para smartphones e tablets ou, até
mesmo, uma planilha eletrônica.
A partir dos critérios descritos a seguir, o professor avaliador deverá indicar
uma nota em uma escala de 0 a 5, em que 0 (zero) significa “Não” e 5 (cinco)
“Totalmente” para o software a ser analisado. Será disponibilizada também a
opção “Não se aplica”, como exemplificado a seguir para o primeiro critério
estabelecido.
6 Disponível em: <http://avaliasoft.
educare.pro.br/>. Acesso em: 17 nov.
2016.
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Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
96
Figura 1 – Esquema de funcionamento do software
Nos critérios apontados a seguir, indique uma nota para o software
em uma escala de 0 (zero) a 5 (cinco).
Liberta o professor de algumas atividades, como a de ficar
respondendo certo ou errado.
Para Skinner (1972), as máquinas, se corretamente programadas,
poderiam substituir o professor em certos tipos de tarefas, sobrando
assim mais tempo para relações interpessoais, destacadas por ele como
insubstituíveis. Neste critério, deve ser avaliada a capacidade do
software em libertar o professor deste tipo de tarefa.
Avaliação de Software
0 1 2 3 4 5 Não se aplica
TotalmenteNão
Enviar
Fonte: Elaborado pelo autor.
Ao final, quando o professor sugerir uma nota para todos os critérios, o
programa apresentará uma média das notas dadas, sempre desconsiderando a
escolha “Não se aplica”.
Critérios de avaliação do software
(1) Libera o professor de algumas atividades, como a de ficar respondendo certo
ou errado?
Descrição (texto de ajuda): Para Skinner (1972), as máquinas, se correta-
mente programadas, poderiam substituir o professor em certos tipos de
tarefas, sobrando assim mais tempo para relações interpessoais, destacadas
por ele como insubstituíveis. Neste critério, deve ser avaliada a capacidade
do software em liberar o professor.
(2) Coloca o indivíduo frente a conflitos de modo que demande esforços na
tentativa de superá-los?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software
estimula o uso de assimilação e acomodação na resolução de problemas.
Piaget (2013) destaca que, quando o indivíduo utiliza as estruturais mentais
que já possui na tentativa de resolver alguns problemas, isso consiste em
assimilação. Se, por outro lado, na tentativa de resolver uma determinada
situação nova, o indivíduo modifica os sistemas que já possui e constrói
novas maneiras de agir sobre o problema, já que os conhecimentos antigos
não são suficientes para resolvê-los, isso consiste em acomodação.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
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(3) Estimula o pensamento hipotético-dedutivo?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software esti-
mula o pensamento hipotético-dedutivo, característico do estágio da lógica
formal proposto por Piaget (1993). Tal pensamento caracteriza-se por esta-
belecer hipóteses e deduzir as consequências que estas implicam, de maneira
semelhante ao que ocorre no método científico experimental.
(4) Oferecem atividades dentro da zona de desenvolvimento proximal?
Descrição (texto de ajuda): Um dos conceitos mais importantes da teoria
de Vygotsky (2007) é o da zona de desenvolvimento proximal, que consiste
basicamente na distância entre as atividades que o sujeito consegue realizar
sozinho (zona de desenvolvimento real) e as que ele consegue realizar com
ajuda de outro mais experiente (zona de desenvolvimento potencial). Neste
critério, deve-se analisar se o software oferece (ou tem condições de oferecer)
atividades dentro da zona de desenvolvimento proximal.
(5) Apresenta o conteúdo químico como uma ferramenta para interpretar o
mundo e intervir na realidade?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software,
de acordo com o PCN+, apresenta o conteúdo químico considerando a
Química como um instrumento para a formação humana com condi-
ções de ampliar os horizontes culturais e o exercício da cidadania, como
meio para interpretar o mundo e intervir na realidade, levando em conta
que é uma ciência que compreende conceitos, métodos e linguagens pró-
prios, como também uma construção histórica que está relacionada ao
desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade
(BRASIL, 2002).
(6) Apresenta o conteúdo de modo criativo e com recursos que seriam impossí-
veis de serem feitos utilizando-se o livro didático tradicional?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério deve-se analisar se o software possui
recursos próprios da informática, como movimento e interatividade, que são
impossíveis de serem feitos a partir de um livro didático tradicional.
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Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
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(7) Estimula a interação entre indivíduos na realização de tarefas comuns?
Descrição (texto de ajuda): Driver (1999) aponta que, quando os alunos estão
envolvidos na realização de tarefas comuns, os conhecimentos, inclusive os
científicos, são construídos. Nesse critério, deve-se analisar se o software esti-
mula o trabalho em grupo na realização de tarefas comuns.
(8) Apresenta um equilíbrio entre fenômeno, teoria e representação?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software possui
um equilíbrio entre teoria, fenômeno e representação, três aspectos impor-
tantes do conhecimento químico, como destacam Mortimer, Machado e
Romanelli (2000). De acordo com esses autores, o aspecto teórico refere-se
a explicações de natureza atômico-molecular; o representacional, a aspectos
simbólicos, como as equações e fórmulas; e o fenomenológico refere-se aos
fenômenos de interesse da Química.
(9) Apresenta o conteúdo químico em forma de situação-problema?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software apre-
senta o conteúdo químico em forma de situação-problema, o que, conforme
Mortimer, Machado e Romanelli (2000), resulta em uma demanda por
abordagens interdisciplinares, contribuindo assim na formação de cidadãos.
(10) Permite interatividade, de modo que o aluno possa participar da construção
do seu próprio conhecimento?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software apre-
senta aspectos, como o da interatividade, por exemplo, que contribuem para
que o aluno participe da construção de seu próprio conhecimento.
(11) Apresenta manual e/ou orientação didática que efetivamente contribui para
que o professor possa utilizá-lo?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software
possui manual técnico e/ou orientação didática que facilita o seu uso.
(12) Contribui para um trabalho interdisciplinar?
Descrição (texto de ajuda): Thiesen (2008) afirma que o mundo está cada
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Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
99
vez mais interdisciplinarizado e complexo e cabe à escola acompanhar o
ritmo dessas mudanças. Neste critério, deve-se analisar se o software apre-
senta aspectos que contribuem para um trabalho interdisciplinar.
(13) Apresenta o conteúdo químico de forma correta e atualizada?
Descrição (texto de ajuda): Neste critério, deve-se analisar se o software
apresenta os conceitos, a representação de fenômenos, os modelos, as classi-
ficações de forma correta e atualizada.
3.1 Utilizando o instrumento eletrônico para avaliar os softwares
Na pesquisa considerou-se a análise de dez softwares amplamente utilizados
por professores de Química no ensino médio a partir de critérios que consideram
a concepção de ensino e aprendizagem que nortearam a sua construção. Para
facilitar a análise e a categorização dos dados, os softwares foram divididos em
cinco categorias, mostradas a seguir.
(1) Softwares de Tabela Periódica: QuipTabela 4.01 e Tabela Periódica
Interativa 3.2a
(2) Simuladores de experimentos e modelos: Estados da Matéria e Reagentes,
Produtos e Excesso
(3) Softwares para construção de moléculas: Accelrys Draw 4.2 e ACD/
ChemSketch
(4) Softwares do tipo perguntas e respostas: Geekie Games e Lista de exercí-
cios on-line do Super Professor Web
(5) Jogos de Química: Carbópolis e Comprando Compostos Orgânicos no
Supermercado
O quadro a seguir apresenta os resultados da análise dos softwares utilizados
na pesquisa, utilizando-se o instrumento eletrônico para avaliação de softwares.
As notas atribuídas a cada software seguem os critérios de avaliação de software
descritos acima. Para a obtenção da nota final, foi feita uma média das notas,
desconsiderando-se a opção “não se aplica”. O resultado final foi multiplicado
por 2 para que o resultado final ficasse em 10 pontos.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Ríveres Reis Almeida e Adilene Gonçalves Quaresma
100
Quadro 1 - Nota recebida por cada software de acordo com as questões elaboradas na
pesquisa e a respectiva nota final obtida utilizando-se o instrumento eletrônico para
avaliação de softwares de Química.
Software Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 Q6 Q7 Q8 Q9 Q10 Q11 Q12 Q13Nota (em 10
pontos)7
Quip Tabel
a 4.011 0 0 NA 2 3 0 1 0 1 2 0 3 2,2
Tabela
Periódica
Interativa 3.2a
1 0 0 NA 2 3 0 1 0 1 0 0 3 1,8
Estados da
Matéria1 2 4 NA 3 5 0 5 0 3 2 0 5 5,0
Reagentes,
Produtos e
Excesso
1 5 4 NA 3 5 0 4 0 5 2 0 5 5,6
Accelrys Draw
4.21 1 4 NA 2 3 0 2 0 3 1 0 5 3,6
ACD/
ChemSketch1 1 4 NA 2 3 0 2 0 3 1 0 5 3,6
Geekie Games 5 4 3 5 3 4 0 2 3 0 1 0 NA 5,0
Lista de
exercícios on-
line do Super
Professor Web
5 4 3 3 3 4 0 2 3 0 1 0 NA 4,6
Carbópolis 5 4 5 NA 5 5 0 2 5 5 1 0 5 7,0
Comprando
Compostos
Orgânicos no
Supermercado
5 0 0 NA 1 3 0 1 0 1 1 0 2 2,4
Fonte: os autores
4 Considerações finais
Com a proposta de um instrumento eletrônico para avaliação de softwares,
busca-se possibilitar que professores de Química possam avaliar softwares dessa
disciplina ao utilizá-los e, a partir dessa avaliação, fazer uma reflexão sobre os
aspectos pedagógicos explícitos ou implícitos no software e, assim, escolher uma
metodologia que seja adequada para sua utilização. Com isso, contribui-se com o
ensino dessa disciplina que, historicamente, é vista como abstrata e difícil de ser
compreendida pelos estudantes.
Por meio dos critérios descritos, nesse instrumento, procura-se promover
uma reflexão sobre os principais objetivos de se usar o computador e os softwares
educacionais no ensino de Ciências. Isso porque, quando utilizado como uma
ferramenta para auxiliar no processo de construção do conhecimento, ele pode
assumir papel importante na aprendizagem, auxiliando, dessa forma, o sujeito na
7 A nota final foi obtida calculando-se
a média das notas obtidas, desconside-
rando-se as opções “NA”. O resultado
obtido foi multiplicado por 2 para se
obter a nota em 10 pontos.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 85-104, Jan/jul. 2017
Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
101
construção de seu conhecimento, diferentemente da visão tradicional, que usa o
computador, para reproduzir o conteúdo, tal e qual o livro didático tradicional.
A partir da utilização desse instrumento, construído a partir de critérios
estabelecidos com base em referencial teórico sobre teorias de aprendizagem,
professores de Química poderão não somente avaliar um software, mas ter a
oportunidade de refletir sobre metodologias inovadoras de ensino-aprendizagem
que promovam a aprendizagem da Química de forma mais contextualizada, sig-
nificativa e com possibilidade de interação do aluno com o conhecimento e com
o computador, bem como dos alunos entre si.
Além disso, esse instrumento eletrônico de avaliação de softwares8 permitiu
avaliar, a partir das unidades de análise construídas nesta pesquisa, os softwares
verificados neste trabalho, de modo que um professor de Química, conhecendo
as potencialidades e deficiências de cada um desses programas, terá a oportuni-
dade de integrar melhor um ou mais desses recursos aos seus objetivos de ensino.
8 Disponível em: < http://avaliasoft.
educare.pro.br/>. Acesso em: 17 nov.
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Instrumento técnico-pedagógico para avaliação de softwares utilizados no ensino de Química
105
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
CONSTRUÇÕES QUE CONTRIBUEM
PARA A SATISFAÇÃO DO ALUNO NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA MARIA
DISTANCE EDUCATION: CONSTRUCTIONS
CONTRIBUTING TO STUDENT SATISFACTION AT THE
FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA MARIA
Marlei Maria Veduim Marcuzzo *
Juçara Salete Gubiani **
Luis Felipe Dias Lopes ***
Damiana Machado de Almeida ****
Jonathan Saidelles Corrêa *****
R e s u m o
O crescente aumento de investimentos de instituições de ensino superior na
modalidade de ensino a distância evidencia a relevância das tecnologias digitais
na busca do ensino de qualidade. Nesse sentido, este estudo objetivou identi-
ficar e explicar estatisticamente os fatores que conduzem à satisfação dos alunos
de cursos educação a distância na Universidade Federal de Santa Maria. Esta
pesquisa se caracteriza como descritiva, do tipo survey, utilizando-se da abor-
dagem quantitativa. Para a coleta dos dados, adaptou-se um modelo teórico
que define dimensões, constructos e variáveis que viabilizaram a análise dos
dados. Participaram os discentes dos cursos de graduação e pós-graduação a dis-
tância do sistema da Universidade Aberta do Brasil da Universidade Federal de
Santa Maria. No intuito de explicar as relações entre as variáveis dependentes e
* Mestre em Administração (UFSM)
Graduada em Matemática (FAFIMC).
** Doutora em Engenharia e Gestão do
Conhecimento (UFSM). Professora no
Colégio Politécnico da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM).
*** Doutor em Engenharia de Produção
(UFSC). Professor Associado no Depar-
tamento de Ciências Administrativas
(UFSM).
**** Doutoranda em Administração
(UFSM). Professora Substituta no
Departamento de Ciências Administra-
tivas (UFSM)
***** Mestrando em Administração
(UFSM). Bacharel em Administração
(FAMES).
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Recebido em: 12/03/2017Aprovado em: 02/05/2017
106
independentes do modelo utilizado, empregou-se a técnica estatística da regressão
linear múltipla. Por fim, evidenciou-se que a satisfação do aluno é explicada pelos
constructos qualidade do curso, flexibilidade do curso, utilidade percebida e faci-
lidade de uso, sendo os dois primeiros relacionados à dimensão curso e os dois
últimos à dimensão do modelo de ensino.
P a l a v r a s-ch a v e: Educação a distância. Satisfação do aluno. Institui-
ção de ensino superior. Gestão pública.
A b s t r a c t
The increasing investment of higher education institutions in distance education
highlights the importance of digital technologies in the pursuit of quality
education. In this sense, this study aimed to identify and explain statistically
the factors that lead to the satisfaction of distance education students at the
Federal University of Santa Maria. This research is characterized as descriptive,
of the survey type, using the quantitative approach. In order to collect the
data, a theoretical model that defines dimensions, constructs and variables that
enabled data analysis was adapted. Participants in this research were students of
undergraduate and graduate distance education programs from the system of the
Open University of Brazil of the Federal University of Santa Maria. The statistical
technique of multiple linear regression was used to explain the relationships
between the dependent and independent variables of the model used. Finally, it
was evidenced that student satisfaction is explained by the following constructs:
course quality, course flexibility, perceived usefulness and ease of use, being the
first two related to the course dimension and the two others to the dimension of
the teaching model.
K e y w o r d s: Distance education. Student satisfaction. Institution of
higher education. Public management.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
107
1 Introdução
A educação a distância (EaD), em especial o modelo apoiado na web, tem
se tornado relevante para indivíduos cuja rotina diária de trabalho não deixa
tempo o suficiente para que realizem de maneira presencial determinadas quali-
ficações que almejam. Também para aqueles que buscam formações específicas
não disponibilizadas em suas regiões, a EaD se apresenta como uma opção per-
tinente. Diante da evolução das tecnologias digitais, as instituições de ensino
superior têm realizado investimentos significativos em programas na modalidade
a distância, de maneira que os benefícios do processo ensino-aprendizagem desta
justificam os esforços desses entes públicos.
Conforme Chaui (2003), a universidade é uma instituição social e, como tal,
exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da socie-
dade como um todo. Em 2005, o projeto Universidade Aberta do Brasil (UAB),
do Ministério da Educação, viabilizou a articulação e a integração de um sistema
nacional de educação superior a distância, visando a sistematizar ações, programas,
projetos e atividades pertencentes às políticas públicas voltadas para a expansão e inte-
riorização da oferta do ensino superior gratuito e de qualidade no Brasil. O Decreto
nº 5.800, de 08 de julho de 2006, instituiu o sistema da UAB, com seus objetivos
e finalidades socioeducacionais. No ano de 2013, nessa modalidade – no âmbito da
UAB –, oito cursos de graduação e oito de pós-graduação foram distribuídos em
31 polos de graduação e 21 polos de pós-graduação, conforme dados do Sistema de
Informações para o Ensino (SIE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Nesse contexto, este estudo visa a identificar e explicar estatisticamente os
fatores da satisfação dos alunos nos cursos de EaD na UFSM. Convém salientar
que a relevância desta pesquisa está relacionada ao avanço tecnológico e à melhoria
das tecnologias digitais, que estabeleceram um novo conceito de ensino. Nesse
sentido, a definição e-learning, ou seja, aprendizagem e gerenciamento do conhe-
cimento por intermédio da via digital está sendo utilizada no meio educacional
nos cursos a distância (CRIPPA, 2002). A EaD se apresenta não apenas como um
campo peculiar de um segmento com potencialidade global, mas também como
uma modalidade que transcende a utilização da metodologia, com perspectivas
de alcançar grandes contingentes populacionais e com proporções exponenciais.
A relevância do presente estudo se justifica na medida em que se propõe
a contribuir para uma melhor compreensão dos fatores que influenciam na
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Marlei Maria Veduim Marcuzzo et al.
108
satisfação dos alunos nos cursos de EaD de uma instituição de ensino supe-
rior (IES), cujos resultados podem ser considerados por gestores de instituições
públicas ou privadas para implementações de ações preventivas ou corretivas
sobre o tema. Além disso, busca-se propiciar subsídios importantes na área de
gestão da educação a distância, de modo que os seus resultados poderão servir
como base para a elaboração de novas pesquisas correlatas.
2 Educação a distância
Embora a educação a distância mediada por tecnologia se apresente como
uma novidade do final do século XX, ela apenas está retomando novos enfoques
em razão do surgimento de tecnologias aliadas aos meios de comunicação. O
desenvolvimento dessas tecnologias evidenciou a modalidade de ensino em dis-
cussão. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), existem
três modalidades de ensino no Brasil: presencial, semipresencial e ensino a dis-
tância. Segundo Marcheti, Belhot e Seno (2005), o objetivo de qualquer uma
dessas deve ser a efetivação da aprendizagem do educando e sua formação como
um todo, ou seja, o desenvolvimento pleno das suas competências cognitivas
sociais e efetivas.
Teoricamente, a modalidade de educação presencial é caracterizada por um
modelo organizado, sistemático e contínuo de ensino, com um currículo minu-
cioso em termos de objetivos, conteúdos e métodos, envolvendo o tripé: professor,
aluno e escola. Em contraponto, no modelo de EaD não há uma organização
e estruturação bem definida, existindo várias situações educativas que podem
suprimir qualquer um dos elementos característicos do modelo presencial, como
espaço, tempo, conteúdo e presença. Para Marcheti, Belhot e Seno (2005), a
flexibilidade da metodologia permite ao educador uma revisão da estrutura do
ensino a favor da aprendizagem, colocando os discentes como corresponsáveis
pela qualidade do processo educacional no qual se encontram inseridos.
Conforme Preti (1996), a educação a distância surgiu no século XX como
uma alternativa às exigências sociais e pedagógicas, contando com o apoio dos
avanços das novas tecnologias digitais. Ao definirem as características básicas da
EaD, Moore e Kearsley (2008) descrevem que “o conceito de Ensino a Distância
é simples: discentes e docentes estão separados pela distância e algumas vezes
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
109
também pelo tempo”. Para conceituar essa afirmação, apontam seis elementos
essenciais para caracterizar a EaD: separação entre estudante e professor; influ-
ência de uma organização educacional (planejamento e preparação dos materiais
de aprendizado); utilização de meios técnicos e de mídia; providências para
comunicação em duas vias; possibilidades de seminários (presenciais) ocasionais;
e participação na forma “mais industrial” de educação.
O professor tem papel fundamental na EaD, pois a ele cabe a função de
compreender as mudanças sociais e educacionais, a fim de organizar um pla-
nejamento de ensino para o aluno de acordo com as novas estruturas. Segundo
Belloni (2002), “o papel que o professor assume no EaD é de parceiro do estu-
dante no processo de construção do conhecimento”. Com tal característica,
ocorre a transformação do professor de uma entidade individual em uma enti-
dade coletiva, sendo que o foco deixa de ser o ensino e se torna a aprendizagem.
Buarque (1994) destaca que o professor do século XXI precisa se adaptar
ao uso de sistemas de computação e terá de trabalhar em grupo com pessoas de
diferentes áreas. Também deverá ser capaz de reaprender permanentemente não
apenas técnicas de programação visual e de informática, mas também o conteúdo
de suas disciplinas. Por último, o autor ainda destaca que cabe ao docente utilizar
a mídia aberta não apenas para contrabalançar os prejuízos que esta provoca ao
aprendizado, mas também para auferir benefícios dos programas educacionais
que ela apresenta.
Uma das diferenças entre o ensino a distância em relação ao presencial é
a presença do tutor que, em conjunto com o professor, participa do processo
de ensino e aprendizagem, auxiliando no acompanhamento e na construção
de conhecimento do aluno. Para Dalmau (2007), a tutoria é peça-chave na
ação de aprendizagem, sendo responsável pelo acompanhamento do aluno ao
longo do curso. Entre as funções desse indivíduo está a de orientar os discentes
a respeito do material e dos procedimentos pedagógicos, motivando-os con-
tinuamente. Nessa premissa, Aretio (2001), afirma que existem três funções
principais para o tutor: a orientadora, centrada na área afetiva; a acadêmica,
relacionada ao aspecto cognitivo; e a institucional, referente ao relacionamento
entre educando e instituição.
Nesse sentido, ciente de que a ampliação de vagas nas universidades fede-
rais enfrentava sérias limitações, o MEC interpretou a UAB como a viabilidade
de democratizar, expandir e interiorizar o ensino superior público e gratuito
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Marlei Maria Veduim Marcuzzo et al.
110
no País, com apoio da EaD e por meio da incorporação de novas metodologias
de ensino, especialmente o uso de tecnologias digitais (VIDAL; MAIA, 2010).
O Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, define em seu artigo 1o que “o
Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, é voltado para o desenvolvi-
mento da modalidade de educação a distância, tendo como finalidade expandir
e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no país”.
Para Dalmau (2007, p.43), o projeto UAB se apresenta como um dos “alicerces
para tornar a Educação a Distância uma política estratégica na área de Ensino
Superior no Brasil, podendo vir a configurar-se como um gerador de desenvol-
vimento”. Em vista disso, convém estudar os fatores que induzem a satisfação
do discente nessa modalidade.
3 Satisfação do aluno
No âmbito da modalidade da EaD, o aluno é o elemento central do processo
de ensino-aprendizagem e deve se ater a uma nova concepção, sendo ele o prin-
cipal responsável pela geração de seus resultados. Marks, Sibley e Arbaugh (2005)
se referem à satisfação dos usuários de cursos a distância como um sinônimo da
performance da experiência de aprendizagem. Segundo os autores, a utilização
desses termos como sinônimos pode ser alvo de debates; no entanto, argumentam
que um ponto básico para se visualizar o sucesso na aprendizagem de um aluno
recai em verificar sua satisfação com a experiência. Do mesmo modo, a interação
ao longo do curso também é um fator importante para compreender a efetivi-
dade do aprendizado. De acordo com Sims (1997), a interatividade diz respeito a
um fator fundamental na construção de conhecimento e no desenvolvimento de
habilidades cognitivas.
Outro quesito importante para os efetivos aprendizado e satisfação dos edu-
candos com os cursos corresponde à percepção de aprendizado, ou seja, o quanto
acreditam que aprendem o conteúdo e conseguem utilizá-lo em seu cotidiano
(CASPI; BLAU, 2008; MARKS; SIBLEY; ARBAUGH, 2000; ANNETTA;
MATUS, 2003). A satisfação do aluno também pode ser influenciada, segundo
Marks, Sibley e Arbaugh (2005), pelo comportamento dos instrutores que, em
cursos de modalidade a distância, exercem papel crucial para a dinâmica do
curso, integração e motivação dos distantes.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
111
No estudo de Lee et al. (2000), foram identificadas cinco causas para a
satisfação dos alunos: corpo docente, interesse pelas disciplinas, desconfirmação
(resultante de um processo comparativo entre as expectativas iniciais existentes,
antes do ingresso no ensino superior, com os resultados dele decorrentes), satis-
fação com o curso e atmosfera do ambiente. Já Grasel (2000) ressalta que a
qualidade e a melhoria do ensino superior brasileiro estão intrinsecamente ligadas
à identificação e à atenção sobre fatores que explicam o nível de qualidade das
instituições: instalações, estrutura, serviços acadêmicos, suporte financeiro, polí-
tica de avaliação institucional, planejamento institucional, jornada de trabalho
e qualificação docente, qualificação técnico-administrativa, relação professor/
aluno, processos metodológicos do ensino, oferta de vagas e expansão de cursos
e programas de pós-graduação.
Com base no resultado de várias pesquisas, Appleton-Knapp e Krentler
(2006), numa tentativa de organizar os fatores que condicionam a satisfação
discente, classificaram tais fatores em pessoais (relacionados ao estudante) e ins-
titucionais (relacionados à experiência educacional). Conforme Borges (2011) é
possível constatar que a avaliação da experiência percebida pelo aluno, das carac-
terísticas do curso e do desempenho do corpo docente são fatores frequentemente
presentes na formação da satisfação com o curso.
Assim, a satisfação não é somente um indicador da qualidade, mas é um
componente da aprendizagem, uma vez que, quando o discente está satisfeito,
estão presentes fatores, como o aumento de confiança, o qual também tem
impacto na qualidade do processo educativo. Conforme Borges (2011), tem-se
verificado uma ampliação da população universitária que pretende atingir o auge
da formação/qualificação a nível profissional. Dessa forma, cada vez mais as ins-
tituições de ensino devem direcionar seus esforços na qualificação como forma
de fornecer respostas às necessidades da atualidade.
Infere-se que a satisfação é um fator primordial para garantir a motivação
dos alunos ao longo da sua formação acadêmica, interferindo no aproveitamento
do seu aprendizado e, consequentemente, na competência dos profissionais que
serão inseridos no competitivo mercado de trabalho. Compreender quais as
variáveis que influenciam a satisfação dos acadêmicos é fundamental para as
instituições de ensino superior que desejam manter a qualidade dos seus serviços
(VIEIRA; MILACH; HUPPES, 2008).
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Marlei Maria Veduim Marcuzzo et al.
112
Assim, presume-se que a pesquisa de satisfação de alunos é uma ferramenta
eficaz para o estudo do comportamento discente. Além disso, apresenta relevante
contribuição na avaliação institucional, demonstrando ser um caminho alterna-
tivo aos interessados na melhoria da qualidade do ensino superior, pois viabiliza
soluções adequadas para problemas existentes.
4 Método
Esta pesquisa se caracteriza como descritiva, do tipo survey, utilizan-
do-se da abordagem quantitativa. A pesquisa survey, segundo Pinsonneault
e Kraemer (1993), pode ser definida como a obtenção de dados ou informa-
ções sobre características, ações ou população por meio de um questionário
estruturado. Quanto à abordagem, a pesquisa se estrutura partindo da
abordagem quantitativa, sendo o estudo de caso o modelo que melhor se
adapta ao contexto e às características dos objetivos propostos. Assim, “em
pesquisa quantitativa, as hipóteses e as questões de pesquisa são frequen-
temente baseadas em teorias que o pesquisador procura testar. Usamos
a teoria dedutivamente e a posicionamos no começo do plano de estudo
(CRESWEL, 2007, p.22).
O instrumento de pesquisa foi elaborado de acordo com o modelo de Sun
et al. (2008), o qual apresenta como diferencial o fato de reunir, em uma única
abordagem, distintas vertentes teóricas importantes para a compreensão do cons-
truto, conforme apresentado no Quadro 1.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 105-124, Jan/jul. 2017
Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
113
Quadro 1 – Síntese das dimensões, constructos, questões e base teórica do
questionário
Tipo Variável Dimensões Constructos Questões Base teórica
Independente
Aluno
Atitude do Aluno
em relação a
computadores
1 a 7
Adaptado de
Gattiker e Hlavka
(1992)
Ansiedade
provocada por
computadores
8 a 9
Adaptado de
Barbeite e Weiss
(2004)
Eficácia pessoal
aluno em relação à
internet
10 a 16Adaptado de Joo,
Bong e Choi (2000)
Professor/tutor
Adequação do
tempo de resposta17 a 19
Adaptado de
Thurmond e
Wambach (2002)
Atitude do pro-
fessor/tutor em
relação à tecnologia
20 a 22
Adaptado de
Webster e Hackley
(1997)
Curso
Flexibilidade do
curso com aprendi-
zado on-line
23 a 29Adaptado de
Arbaugh (2000)
Qualidade do curso
com aprendizado
on-line
30 a 31Adaptado de
Arbaugh (2000)
Tecnologia
Qualidade da
tecnologia32 a 34
Adaptado de
Amoroso e Cheney
(1991)
Qualidade acesso da
internet35 a 37 Sun et al. (2008)
Modelo de ensino
Utilidade percebida 38 a 41Adaptado de
Arbaugh (2000)
Facilidade percebida 42 a 44Adaptado de
Arbaugh (2000)
Ambiente do curso
Diversidade
das formas de
Avaliações
45 a 48
Adaptado de
Thurmond e
Wambach (2002)
Interação com os
outros49 a 55 Arbaugh (2000)
Dependente Satisfação do alunoPercepção da satis-
fação do aluno56 a 63
Adaptado de
Arbaugh (2000)
Fonte: Adaptado de Sun et al. (2008)
Esse modelo (Quadro 1) é composto de seis dimensões previamente identi-
ficadas e treze construtos envolvidos. As dimensões são: aluno, ambiente, curso,
modelo de ensino, tecnologia, professor/tutor e curso. Já os constructos são: ati-
tude, ansiedade e autoeficácia do aluno diante de computadores; adequação do
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tempo de resposta do professor/tutor e atitude do professor/tutor em relação à
tecnologia; flexibilidade do curso e qualidade do curso com aprendizado on-line;
qualidade da tecnologia e qualidade do acesso à internet; utilidade percebida
e facilidade de uso percebida; diversidade percepção da satisfação do aluno de
avaliações e percepção do aluno em relação à interação com os outros são os treze
constructos envolvidos.
Por se tratar de um instrumento de análise não validado no Brasil, algumas etapas
foram seguidas visando à consolidação do método e do instrumento de pesquisa:
elaboração do instrumento de pesquisa, tradução do idioma inglês para o idioma
português e adaptação para a realidade da UFSM. Para essa adaptação, algumas
variáveis foram retiradas e outras incluídas. Finalizado esse processo, o questionário
foi avaliado por quatro especialistas na área de EaD (teste-piloto), a fim de produzir
sugestões e melhorias no modelo para adaptar a realidade institucional pesquisada.
Foram disponibilizados 3.383 questionários aos discentes dos cursos EaD da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), retornando respondidos 1103, per-
fazendo uma amostra de 32,60%. As respostas foram transpostas para o software
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), no qual se realizou a análise quan-
titativa. Após, calculou-se a confiabilidade dos constructos de cada dimensão, pois,
conforme Malhotra (2006), a importância de se conhecer a confiabilidade consiste
em saber se a escala utilizada reproduz resultados adequados. Dessa forma, a análise
de confiabilidade foi realizada por meio do cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach
com o propósito de conhecer a consistência interna do instrumento de pesquisa.
Visando a confirmar o Modelo de Satisfação, foi utilizada a técnica de
Regressão Linear Múltipla, a qual é recomendada quando o objeto de estudo
exige eficiência estatística. Isso porque possibilita ao pesquisador testar uma
relação de cada variável independente frente à variável dependente. Exposto o
caminho metodológico que o estudo percorreu, passa-se para exposição, análise
e discussão dos resultados.
5 Análises e discussão dos resultados
A amostra dessa pesquisa foi composta por 1.103 alunos vinculados a cursos
de EaD oferecidos pelo sistema UAB em educação, sendo que desse contingente,
702 alunos pertencem a cursos de graduação e 401 são vinculados a cursos de
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Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
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pós-graduação. A maioria dos participantes é do gênero feminino (79,15%),
correspondendo a 873 respondentes, enquanto 230 são do gênero masculino
(20,85%). Esse resultado vai ao encontro do censo da Associação Brasileira de
Educação a Distância (ABED), que concluiu que a maioria (54,7%) dos edu-
candos dos cursos EaD são do gênero feminino. Quanto à faixa etária, mais da
metade dos participantes está compreendida entre 21 e 35 anos. Em relação ao
estado civil, o percentual maior é de casados. Já no que se refere à escolaridade
dos participantes, observou-se que a maioria possui graduação e ensino médio.
Por fim, quanto ao acesso prioritário para seus estudos diários, grande parte dos
discentes indicou ser sua própria residência.
5.1 Alpha de CronbachConforme Malhotra (2006) a confiabilidade mostra até que ponto uma
escala produz resultados consistentes. Desse modo, a confiabilidade das escalas
foi medida por meio do Alpha de Cronbach. Na concepção de Hair Jr. et al.
(2009), um valor de pelo menos 0,70 aponta uma fidedignidade aceitável,
mesmo reconhecendo que esse valor não seja um padrão absoluto. Em pesquisas
exploratórias são aceitáveis valores partindo de 0,60 (HAIR JR. et al., 2009).
Neste estudo, o coeficiente obtido foi de 0,889, confirmando o bom nível de
consistência e confiabilidade dos dados. Esse resultado indicou que a consis-
tência interna é satisfatória para as dimensões da escala composta de 63 questões
(MALHOTRA, 2006; HAIR JR. et al., 2009).
5.2 Confirmação do modelo de satisfaçãoPara análise da influência dos constructos das dimensões aluno, professor/
tutor, curso, tecnologia, modelo de ensino, ambiente do curso e satisfação do
aluno, a técnica recomendada é a regressão múltipla entre médias dos constructos
compostos em cada dimensão. A assertividade do modelo de regressão é estudada
pelo levantamento do grau de associação entre as variáveis independentes e a
variável dependente, que indica o quanto as variáveis citadas explicam a satis-
fação do aluno de graduação e pós-graduação vinculado ao ensino a distância
da UFSM. Hair Jr. et al. (2009) explica que a análise de regressão múltipla é
uma técnica estatística multivariada que pode ser usada para analisar a relação
de causa e efeito entre uma única variável dependente (critério ou explicada) e
diversas variáveis independentes (preditoras ou explicativas). Assim, estrutura-se
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Marlei Maria Veduim Marcuzzo et al.
116
um modelo de regressão que permite a visualização dos pesos que representam a
participação de cada uma das variáveis ou constructo independente na previsão
da variável dependente em questão.
Conforme Malhotra (2006), a regressão se caracteriza como um processo fle-
xível para a análise de relações associativas entre uma variável dependente e uma
ou mais variáveis independentes. A dimensão que avalia a satisfação do aluno
fornece a variável dependente do modelo de regressão. As dimensões aluno, pro-
fessor/tutor, curso, tecnologia, modelo de ensino e ambiente do curso fornecem
as variáveis independentes: atitude do aluno, ansiedade do aluno, eficácia pessoal
do aluno, adequação do tempo de resposta, flexibilidade do curso, qualidade do
curso, qualidade da tecnologia, qualidade do acesso à internet, utilidade perce-
bida, facilidade de uso, diversidade das formas de avaliações e a interação com os
outros. O conjunto de variáveis independentes ponderadas forma a variável esta-
tística de regressão, isto é, uma combinação linear das variáveis independentes
que melhor explica a variável dependente – aponta Malhotra (2006). O modelo
que representa a regressão múltipla é dado por:
Yi = 0 + 1 X1 + 2 X2 + ... + n Xn + i
Em que:
Y: é o fenômeno em estudo (variável dependente, variável explicada,
variável prevista);
0: representa o intercepto (constante);
k: (k = 1, 2, 3,..., n) são os coeficientes de cada variável (coeficientes angulares);
X n: são as variáveis independentes (variáveis explicativas, variáveis de controle,
preditores);
: é o termo do erro (diferença entre o valor real – medido – e o valor
previsto da variável dependente por meio do modelo para cada o bservação)
O erro , também chamado de resíduo, representa para Malhotra (2006)
possíveis variáveis X que não foram inseridas no modelo, mas também contri-
buiriam para a explicação de Y. Logo, partindo do modelo acima, a satisfação
do aluno (SATISF_AL) é explicada considerando as variáveis independentes pela
expressão:
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Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
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SATISF_AL = 0 + 1AL1 + 2AL2 + 3AL3 + 4PT1 + 5CUR1 + 6CUR 2 + 7TEC1
+ 8TEC2 + 9ME1 + 10ME2 + 11AC1 + 12AC2 + 13AC3
Em que:
Aluno = > AL 1 – Atitude, AL 2 – Ansiedade, AL 3 – Eficácia Pessoal;
Professor/Tutor => PT 1 – Adequação tempo resposta;
Curso => CUR 1 – Flexibilidade Curso, CUR 2 – Qualidade Curso;
Tecnologia => TEC 1 – qualidade tecnologia, TEC 2 – qualidade acesso internet;
Modelo Ensino => ME 1 – Utilidade Percebida, ME 2 – Facilidade percebida;
Ambiente Curso => AC1 – diversidade das formas de avaliações, AC2 – Falta interação com
outros, AC 3 – Participação interação com outros.
A associação entre as variáveis independentes com a variável dependente
pode ser verificada pelo R2 ou R2 ajustado na regressão. O critério para verificar a
significância de associação entre cada covariável com a variável independente foi
de um p ≤ 0,05 (HAIR JR. et al., 2009). O método utilizado foi o stepwise, que
excluiu variáveis independentes com p > 0,05 ou variáveis com colinearidade. Na
regressão, evidencia-se a influência dos componentes do aluno, professor/tutor,
curso, tecnologia, modelo de ensino e ambiente do curso na satisfação do aluno.
As dimensões do aluno (atitude, ansiedade e eficácia); professor/tutor (adequação
tempo resposta); curso (flexibilidade e qualidade); tecnologia (qualidade da tec-
nologia e qualidade do acesso à internet); modelo de ensino (utilidade percebida,
facilidade de uso); ambiente do curso (diversidade das formas de avaliações, per-
cepção interação com outros alunos, falta interação com outros alunos) são as
variáveis independentes no modelo. A dimensão satisfação do aluno (SATISF_
AL) é a variável dependente do modelo.
Os resultados da regressão múltipla revelaram quatro variáveis como predi-
toras da satisfação dos alunos de EaD. São elas: qualidade do curso, flexibilidade
do curso, utilidade percebida e facilidade de uso percebida. Observa-se, na
Tabela 1, que todos os valores da estatística F são significativos a 5%, o que leva
à rejeição da nulidade dos coeficientes do parâmetro das variáveis independentes,
consideradas em cada modelo. (PESTANA; GAGEIRO, 2003).
O quarto modelo encontrado (Tabelas 1 e 2) explica melhor a satisfação
do aluno (SATISF_AL) com coeficiente de determinação R2 = 0,405. Os coefi-
cientes (Bs) e significância de associação dos constructos: qualidade do curso (B =
0,359 e p = 0,00); flexibilidade curso (B = 0,174 e p = 0,000); utilidade percebida
(B = 0,165 e p = 0,000); facilidade de uso (B = 0,084 e p = 0,002).
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Tabela 1 – Coeficiente da influência da Satisfação do Aluno nas dimensões Aluno,
Curso, Professor/tutor, Tecnologia, Modelo de Ensino e Ambiente do Curso
Coeficientes
Modelo
Variáveis
independentes
(previsores)
Coeficiente não
padronizado
Coeficiente
padronizadot Sig(p)
Constant BStd
errorBeta
1 Qualidade Curso 2,862 0,230 0,010 0,574 23,274 0,000
2
Qualidade Curso
2,565
0,181 0,011 0,451 16,626 0,000
Flexibilidade
Curso0,119 0,013 0,254 9,345 0,000
3
Qualidade Curso
2,457
0,144 0,012 0,359 11,698 0,000
Flexibilidade
Curso0,087 0,014 0,185 6,394 0,000
Utilidade
percebida0,096 0,016 0,199 6,110 0,000
FInal
Qualidade Curso
(CUR2)
2,376
0,144 0,012 0,359 11,756 0,000
Flexibilidade
Curso (CUR1)
0,082 0,014 0,174 5,975 0,000
Utilidade
Percebida (ME1)
0,079 0,016 0,165 4,816 0,000
Facilidade de
Uso (ME2)
0,013 0,084 3,122 0,002
Variável dependente – satisfação do aluno (SATISF AL).
Fonte: Elaborado pelos autores.
Em uma equação de regressão múltipla, o valor de B indica o quanto a vari-
ável dependente é modificada quando o valor de uma independente varia de uma
unidade, enquanto o valor das outras variáveis independentes não é modificado
(NORUSIS, 2002). O valor positivo de B indica que a variável dependente aumenta
quando a independente aumenta, e o valor negativo indica a relação contrária. Os
dados apresentados permitem identificar que a satisfação tem uma relação positiva
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Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
119
com os constructos flexibilidade do curso, qualidade do curso, utilidade percebida
e facilidade percebida, quando esses constructos aumentam, a satisfação também
tende a ser incrementada. Por meio desses dados, é possível montar a equação da
regressão estimada que mensura a satisfação dos alunos EaD da UFSM.
SATISF_AL = 2,376 + 0,082 CUR1 + 0,144 CUR 2 + 0,079 ME1+ 0,040 ME2
Em que:
Dimensão SATISF_AL => Satisfação Aluno
Dimensão Curso => CUR 1 – Flexibilidade Curso, CUR 2 – Qualidade Curso;
Dimensão Modelo Ensino => ME 1 – Utilidade Percebida, ME 2 – Facilidade percebida.
Conforme exposto na Tabela 1, evidencia-se um maior nível de satisfação
do discente na variável qualidade do curso, a qual está associada ao atendimento
das expectativas do discente quanto a realizar o curso na modalidade EaD e à
percepção de que não há prejuízos pela forma como ele foi realizado. A variável
flexibilidade do curso também se destaca no estudo, estando relacionada com a
maior efetividade na organização das atividades profissionais e pessoais com as
acadêmicas. Sun et al. (2008) argumentam que a flexibilidade do curso pode ser
compreendida como a percepção dos alunos, quanto às vantagens ocasionadas pela
flexibilidade espacial e temporal; e também na referência à eficiência e aos efeitos
resultantes da realização da modalidade a distância de um curso sobre o trabalho
e a aprendizagem. Os mesmos autores ainda acrescentam que, sob a ótica opera-
cional, a oportunidade de efetivamente equilibrar trabalho, família e estudos é a
primeira vantagem avaliada quando se considera a possibilidade de realização de
um curso na modalidade EaD, portanto, é fator crítico para a satisfação dos alunos.
As variáveis utilidade percebida e facilidade percebida têm relação com a
melhoria em eficiência, desempenho e produtividade do aluno no curso, bem
como com facilidade de uso de um sistema de educação baseado nas tecnologias de
ensino a distância, permitindo um melhor desempenho acadêmico. Nesse sentido,
uma percepção positiva dos alunos quanto à utilização do sistema EaD o induz a
compreender vantagens em seu uso e acaba formando opiniões favoráveis ao pros-
seguimento de sua utilização. Sun et al. (2008) afirmam que a percepção quanto à
real facilidade de uso e utilidade do sistema possibilita aos discentes se dedicarem
mais ao aprendizado do conteúdo e menos ao entendimento do sistema, elevando,
por consequência, o nível de satisfação com o curso e o aprendizado.
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Tabela 2 – Resumo do modelo da influência da satisfação do curso e modelo de ensino.
Resmo do modelo
Modelo R R2 R2 ajustado Erro-padrão estimado
1 ,574a ,330 ,329 ,30109
2 ,616b ,379 ,378 ,28993
3 ,632c ,399 ,398 ,28526
Final ,636d ,405 ,403 ,28413
Fonte: Elaborado pelos autores.
O coeficiente de determinação R2 explica 40,3% da variância da satisfação
dos alunos (variável dependente SATISF_AL). Isso significa que as variáveis
independentes qualidade curso, flexibilidade curso, utilidade percebida e facili-
dade de uso percebida (previsores do modelo) explicam 40,3% da variância. O
restante (59,7 %) da variação da satisfação do aluno não pode ser explicada por
esses constructos e, portanto, deve haver outras variáveis que também têm inter-
ferência. O valor encontrado para R – coeficiente de correlação – entre os valores
observados da variável dependente e o valor estimado pela análise de regressão
foi de 63,6%, indicado que o modelo de regressão linear apresenta um compor-
tamento satisfatório. Quanto mais próximo de 1, melhor a variável dependente
pode ser explicada pelas variáveis independentes (NORUSIS, 2002).
No estudo de Sun et al. (2008) foram sinalizados sete fatores críticos que
afetam a satisfação dos alunos: ansiedade do aluno em trabalhar com com-
putador da dimensão aluno; atitude do docente em relação à tecnologia da
dimensão professor/tutor; flexibilidade e qualidade do curso da dimensão
curso; utilidade percebida e facilidade de uso percebida da dimensão modelo de
ensino; e diversidade das formas de avaliação da dimensão ambiente curso. Esses
fatores contribuíram com 66,1% da variância explicada na satisfação do aluno.
Finalizada a apresentação dos resultados da pesquisa, passa-se agora para a apre-
sentação das conclusões, limitações e sugestões para futuras pesquisas.
6 Considerações finais
O ensino a distância tem se destacado por sua relevância para a sociedade, haja
vista que proporciona um acesso facilitado à educação. Nesse sentido, realça-se a
importância de pesquisas que auxiliem numa maior compreensão da satisfação
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Educação a distância: construções que contribuem para a satisfação do aluno na Universidade Federal de Santa Maria
121
dos educandos com suas instituições e cursos. Este estudo buscou identificar e
explicar estatisticamente os fatores da satisfação dos alunos nos cursos de EaD na
Universidade Federal de Santa Maria. Para isso, primeiramente foi caracterizado
o perfil dos alunos participantes da pesquisa, em que se evidenciou no que tange:
ao gênero, que a maioria é do feminino; à faixa etária, que mais da metade está
compreendido entre 21 e 35 anos; ao estado civil, que o percentual maior é de
casados; à escolaridade, que predominam participantes graduados e com ensino
médio; ao espaço para estudar, que a própria residência é o acesso prioritário.
Visando a confirmar o Modelo de Satisfação, foi utilizada a Análise de Regressão
Múltipla Linear, que permitiu verificar os constructos que contribuíram para a
satisfação dos discentes. O modelo que melhor explica a satisfação do aluno, com
coeficiente de determinação R2 com 40,3% da variância, é composto pelos seguintes
constructos: qualidade do curso, flexibilidade do curso, utilidade percebida e facili-
dade de uso. Os dois primeiros estão relacionados à dimensão curso e os dois últimos
à dimensão modelo de ensino. Desses mencionados, observou-se que o constructo
qualidade do curso foi a que mais contribuiu para o nível de satisfação dos discentes.
Portanto, a presente investigação permitiu uma visão concreta dos diferentes
elementos que configuram e influenciam a modalidade a distância. Todavia, a
pesquisa se limitou aos cursos do sistema UAB da UFSM. Cabe ressaltar que os
fatores apresentados e discutidos não esgotam a totalidade de contribuições feitas
até então na literatura. Sugere-se, para trabalhos futuros, a aplicação da amostra em
outros cursos vinculados a outras instituições. Isso porque o aprofundamento dos
resultados apresentados permitirá novas análises, visando a encontrar fatores que
expliquem com maior detalhamento o comportamento dos educandos em relação
ao fenômeno estudado. Por meio dessas propostas, acredita-se que será possível, por
exemplo, comparar os cursos entre as instituições, segmentar a amostra pelo tipo de
modalidade do curso (bacharelado, licenciatura e tecnológico) e por nível de curso
(graduação, pós-graduação), de modo a evidenciar semelhanças e diferenças no que
concerne à adoção de práticas de gestão para a melhoria da satisfação dos alunos.
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125, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 125 -143, Jan/jul. 2017
A ANÁLISE DO TRABALHO DOCENTE
NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA:
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA - UFSC - E INSTITUTO
FEDERAL DE SANTA CATARINA – IFSC
ANALYSIS OF THE TEACHING WORK IN DISTANCE
EDUCATION: A COMPARATIVE STUDY BETWEEN THE
FEDERAL UNIVERSITY OF SANTA CATARINA AND
THE FEDERAL INSTITUTE OF SANTA CATARINA
Robson Vander Canarin da Rocha *
Andressa Sasaki Vasques Pacheco **
Jéssica Rocha de Souza Pereira ***
R e s u m o
Este estudo objetiva analisar o trabalho docente no curso de especialização em
Gestão Pública do IFSC e da UFSC. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa que
considerou como categorias de análise as seguintes dimensões do trabalho docente
na Educação a distância - EAD: didática, pedagógica, tecnológica e administrativa.
A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, sendo enquadrada como descritiva,
tendo como estratégia o estudo de caso. Foram realizadas pesquisas documentais,
bibliográficas e entrevistas semiestruturadas. Foi utilizada uma análise qualitativa
na interpretação dos dados por meio da técnica de análise do discurso. Observou-se
que existem algumas características e práticas que impactam na efetividade do tra-
balho docente nos cursos pesquisados. Alguns contribuem para a diminuição dos
* Mestre em Administração.
Universidade Federal de Santa
Catarina.
** Doutora em Engenharia e Gestão
do Conhecimento. Universidade
Federal de Santa Catarina.
*** Mestranda em Administração.
Universidade Federal de Santa
Catarina.
Recebido em: 20/03/2017Aprovado em: 19/06/2017
126
resultados, como a falta de institucionalização da EAD, ausência de estruturas e
apoio às pesquisas científicas, baixo grau de autonomia em relação ao conteúdo do
curso, continuidade da lógica linear de reprodução do conhecimento, sobrecarga
de trabalho, falta de tempo e acúmulos de funções. Foram também encontradas
características que favorecem os resultados positivamente, como criação de fer-
ramentas didáticas digitais, adaptações ao conteúdo das unidades curriculares,
promoção de eventos sociais que promovam a interação entre discentes e docentes,
preocupação constante com o aluno e o aprendizado.
P a l a v r a s-ch a v e: Educação a distância. Trabalho docente. UFSC.
IFSC. UAB/PNAP.
A b s t r a c t
This study aims to analyze the teaching work in the Specialization Course in
Public Management of IFSC and UFSC. To this end, a research was designed
considering as categories of analysis the following dimensions of the teaching work
in Distance Education: didactic, pedagogical, technological and administrative.
The research had a qualitative descriptive approach and used the case study
method. Documentary and bibliographic researches were conducted, as well
as semi-structured interviews. Subsequently, a qualitative analysis of the data
collected through discourse analysis was carried out. It was observed that there are
some characteristics and practices that impact on the effectiveness of the teaching
work in the courses studied. Some contribute to a decrease in results, such as the
fact that there is no Distance Education institutionalization, there is a lack of
structures and support for scientific research, a low degree of autonomy in relation
to the course content, a continuity of the linear logic of knowledge reproduction,
work overload, lack of time and accumulation of functions. Characteristics were
also found favoring positive results, such as: development of digital didactic tools,
adaptations of the content of curricular units, promotion of social events that foster
teacher-learner interaction, constant concern with the student and the learning.
K e y w o r d s: Distance education. Teaching work. UFSC. IFSC. UAB/PNAP.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 125 -143, Jan/jul. 2017
A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
127
1 Introdução
O desenvolvimento tecnológico, sobretudo dos meios de comunicação e
informação, produziu profundas mudanças no comportamento humano e na
sociedade. A transmissão de dados em tempo real e a sua reprodução em escala
global permitiu a quebra do paradigma espaço-temporal da comunicação.
As escolas e universidades precisam ser fontes de tais conhecimentos e fazer
uso de tecnologias no ensino e na aprendizagem, que, de acordo com Salvucci,
Lisboa e Mendes (2012), fomentam um ensino mais democrático. Nesse con-
texto, o sistema UAB tem por finalidade a expansão e interiorização de cursos
e programas de educação superior no Brasil, ajudando no desenvolvimento
da modalidade de educação a distância (EAD) por meio de parcerias com as
Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) (BRASIL, 2015).
De acordo com Pacheco (2010), a Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) foi uma das instituições que ofereceram o curso piloto de graduação em
Administração na modalidade EAD por meio do Sistema Universidade Aberta
do Brasil (UAB), motivado pelo Ministério da Educação (MEC). O referido
projeto tinha a finalidade de qualificar os servidores públicos. Atualmente são
ofertados diversos cursos nessa modalidade, entre eles o curso de especialização
em Gestão Pública, objeto de estudo deste trabalho.
O Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) é outra instituição catarinense
que firmou parceria com o sistema UAB. De acordo com Ribas e Hermenegildo
(2009), no ano de 2006, o IFSC aderiu ao sistema UAB e lançou o edital número
1 em 16 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), realizado pelo MEC, ofertando
o curso superior de Tecnologia em Gestão Pública.
Ambas as instituições aderiram ao Programa Nacional de Formação em
Administração Pública (PNAP), lançado pelo MEC. O PNAP é uma continui-
dade do curso piloto de Administração, que, além do curso de graduação em
Administração Pública, oferta ainda cursos de especialização, entre eles o de
Gestão Pública, na modalidade EAD.
Um estudo qualitativo envolvendo esses cursos pode revelar informações
importantes sobre trabalho docente na EAD, escondidas pelas generalizações
dos números e gráficos, ofuscadas pela valorização dos resultados e metas. Sendo
assim, um estudo que contemple a subjetividade do professor pode vir a contri-
buir para a melhoria do trabalho desses profissionais. Diante desse contexto, surge
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 125 -143, Jan/jul. 2017
Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
128
a proposta deste estudo e o seu problema de pesquisa: como ocorre o trabalho
docente no curso de especialização em Gestão Pública do IFSC e da UFSC?
Para responder a tal problema, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar o
trabalho docente no curso de especialização em Gestão Pública do IFSC e da UFSC.
2 A educação a distância
Mugnol (2009) afirma que a forma inicial de oferta dos cursos a distância
era por correspondência e tinha como finalidade ampliar a oferta de oportu-
nidades educacionais, permitindo que as camadas sociais menos privilegiadas
economicamente pudessem participar do sistema formal de ensino, sobretudo da
educação básica, uma vez que as preocupações iniciais da EAD estavam focadas
nesse nível de ensino e em cursos preparatórios para o trabalho.
Na década de 1930, surge a televisão; inserida no processo de ensino, des-
ponta na década de 1950 como novo meio de comunicação. É reforçada pelo
desenvolvimento da tecnologia por satélite em meados de 1960. O veículo teve
seu ápice durante os anos 1980. Foram aproximadamente vinte anos de reinado
da televisão educativa (SIMONSON, 2006).
Outras datas parecem ser unânimes, como, na década de 1990, a da Lei
Federal 9.394/96, ou a da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(BRASIL, 1996). Esse é um importante marco na história da EAD nacional,
pois a LDB, além de torná-la livre em todos os níveis e modalidades de ensino e
educação, “ordenou” ao poder público que a incentivasse, e que não a limitasse
(CASTRO NETO; GUTIERREZ; ULBRICHT, 2009).
Os autores acreditam ainda que outro marco importante foi a criação da
Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2005, um relevante programa do Ministério
da Educação que articula as instituições estatais de educação existentes com intuito
de oferecer ensino superior público com bom nível de qualidade, com abrangência
nos municípios carentes desse serviço e preocupada com a capacitação de docentes.
2.1 A gestão na EADPacheco (2010) alerta para a importância de trabalhar na gestão com três
conceitos basilares: eficiência, eficácia e efetividade. A eficiência está relacionada
aos meios, preocupa-se com os processos e os recursos empregados, ou seja, a
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
129
(melhor) maneira de atingir os objetivos. A eficácia relaciona-se com os fins, pre-
ocupando-se com os resultados e o que precisa ser feito para atingi-los. Portanto,
é possível ser eficiente sem produzir os resultados esperados, ou ainda atingir os
objetivos sem, no entanto, utilizar da melhor maneira os meios disponíveis.
Aretio (2002), ao comparar a modalidade a distância com a presencial,
demonstra a existência de aspectos estruturais comuns em ambos os modelos
(exemplos disso são os setores de informações e matrículas). O autor, ao tratar de
estrutura, organização e gestão na EAD, deixa claro que são características dessa
modalidade educacional ter, em sua estrutura, as seguintes unidades e funções:
desenho e produção de materiais didáticos, distribuição de materiais, processos
de comunicação, coordenação do processo de aprendizagem, avaliação, centros
de apoio ou de estudo (polos).
Apesar das similitudes afirmadas pelos autores citados, o processo de gestão
da EAD deve focar principalmente nos aspectos existentes em sua estrutura que
os diferem da educação presencial. Essas especificidades da modalidade a dis-
tância demandam maior atenção dos gestores ao analisá-los (ARETIO, 2002).
A implementação de um curso a distância exige algumas premissas próprias
de processos de gestão, porém com especificidades que não podem ser descon-
sideradas. Todo o planejamento deve ser feito considerando a complexidade da
educação a distância, com práticas educacionais e de gestão que promovam a apren-
dizagem como output, abandonando o pensamento linear que considera a venda de
“produtos educativos” como um fim em si mesmo. As dimensões administrativas,
pedagógicas, financeiras, tecnológicas e econômicas devem ser os meios para se
atingir o objetivo principal, a geração de conhecimento (PACHECO, 2010).
Considerando que as funções dos gestores na área da educação, sobretudo
as de coordenadores de cursos, são desempenhadas por professores, o próximo
tópico traz um estudo sobre o trabalho docente na EaD.
2.2 O trabalho docente na EADAo pesquisar o uso das tecnologias de comunicação digital (TCD) no processo
de aprendizagem e mediação pedagógica, Catapan (2001) afirma que são perceptíveis
as mudanças comportamentais e culturais na sociedade moderna, impostas pelo uso
das tecnologias e alterando o panorama econômico, social e cultural, modificando os
processos produtivos e construindo novas formas de organização do trabalho.
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Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
130
Catapan (2001) afirma que o uso das tecnologias de comunicação digital sem
os pressupostos pedagógicos definidos por um novo modo de saber e um novo
modo de aprender é apenas uma reprodução do modelo tradicional, com uma
nova roupagem. “O plano pedagógico emergente pressupõe um tipo de currículo
topológico, ou pelo menos que admita a transdisciplinaridade, ou, melhor ainda,
a transversalidade” (CATAPAN, 2001, p.117).
Para a autora, o grande desafio desse novo paradigma é conseguir associar
a tecnologia disponível com propostas pedagógicas inovadoras. Do contrário,
o computador continuará reproduzindo o método da transmissão de conheci-
mento, sendo apenas uma máquina de ensinar, fragmentado e hierarquizado,
como ocorre no ensino tradicional, com o mesmo princípio epistemológico do
empirismo ou, em alguns casos, do apriorismo.
Moraes (1996) corrobora ao afirmar que a nova matriz educacional ultrapassa
o âmbito escolar, amplia os espaços de aprendizagem, superando as barreiras
existentes entre escola e comunidade, alunos e professores, e que as tecnologias
digitais de informação e comunicação - TDICs ampliam os espaços onde cir-
culam o conhecimento e o saber, criam novas formas de aprender, desenvolvem
a imaginação e a intuição.
De acordo com Kfoury (2009), a figura do professor e as suas práticas são
o grande desafio a ser assumido pela realidade das tecnologias de informação e
comunicação - TIC, tornando o profissional docente aquele que deverá estabe-
lecer uma relação pessoal, interativa e colaborativa com o aluno, provocando
práticas e facilitando o processo de ensino e aprendizagem num processo dialó-
gico, não linear e integrado a outras redes.
Devido à grande familiaridade dos alunos com os avanços tecnológicos, o
docente carece de novas habilidades para auxiliar esse estudante na utilização
das informações disponíveis e assim ajudá-lo na construção do conhecimento.
O papel do professor passa a ser o de mediador no processo de ensino e aprendi-
zagem. Seu principal desafio é estimular a autonomia do aluno na aquisição do
conhecimento, criando um ambiente mais favorável à aprendizagem do que ao
ensino (ABREU; MASETTO, 1997).
De acordo com Belloni (1999), no desempenho de quaisquer dessas funções
docentes, o professor necessita ter uma formação (seja ela inicial ou continuada)
em três dimensões: pedagógica, didática e tecnológica.
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
131
Para Belloni (1999), a dimensão pedagógica da EAD diz respeito às atividades
de orientação, aconselhamento e tutoria e está relacionada aos conhecimentos
específicos na área de pedagogia. A dimensão tecnológica está relacionada com as
tecnologias e a educação (produção, avaliação, seleção e definição de estratégias
de uso de materiais pedagógicos). A dimensão didática é inerente à formação
específica do professor em determinados campos científicos e à sua necessidade
constante de atualização.
Rezende (2004) afirma que o professor EAD precisa buscar em suas ações
ter uma preocupação com a melhoria constante de sua formação pedagógico-di-
dática com o intuito de auxiliar no processo de ensino e aprendizagem mediado
pelo uso das TDICs. Deve também primar pelo nível de qualidade dos conteúdos
e, finalmente, promover a transição de sua prática do real ao virtual, por meio
de ações concretas e reflexivas, buscando evitar os modelos prontos e acabados.
3 Procedimentos metodológicos
A abordagem utilizada para a realização desta pesquisa foi a qualitativa, com
características de uma pesquisa descritiva, bibliográfica e estudo de caso. O pre-
sente estudo apresenta uma abordagem qualitativa, pois pretende-se analisar o
trabalho docente buscando identificar os fatores que influenciam a efetividade
dos resultados. Para tanto, faz-se necessário estudar a realidade vivida pelos pro-
fissionais educadores em seus ambientes de trabalho, neste caso os Cursos na
modalidade a distancia na UFSC e no IFSC.
A pesquisa enquadra-se como descritiva quando expõe características de
determinada população ou de determinado fenômeno (VERGARA, 1997).
Neste caso específico, descreve os fatos e fenômenos vivenciados nos cursos de
especialização em gestão pública na UFSC e IFSC.
Foram consultados, para esta pesquisa, os projetos pedagógicos dos cursos
(PPCs), disponíveis nos sítios eletrônicos das instituições, bem como as grades
curriculares, os editais de seleção dos docentes, as portarias da CAPES, MEC e
PNAP, leis federais. Os relatórios dos cursos confeccionados pelos coordenadores
foram disponibilizados a pedido do autor pela coordenação do curso. Todos os
documentos utilizados estão citados e referenciados.
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Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
132
3.1 Categorias de análise
Como o intuito deste trabalho é analisar o trabalho docente na educação a
distância relacionando-a com os resultados, as variáveis de análise orbitam nas
dimensões basilares que compõem a profissão do docente em EAD, aliadas ao
uso de novas tecnologias, bem como ao desempenho de suas funções gerenciais.
As categorias de análise aqui utilizadas são, portanto, as dimensões peda-
gógica, didática, tecnológica e administrativa ou de gestão, necessárias para a
formação docente em EAD segundo os autores estudados. Essas dimensões,
quando interagem entre si de maneira harmônica, podem possibilitar a reali-
zação dos trabalhos de maneira satisfatória.
Belloni (1999) aponta as dimensões pedagógicas, didáticas e tecnológicas
como sendo fundamentais na formação do profissional docente, sobretudo
aqueles que atuam na EAD. Mill e Brito (2009) creditam a efetividade da
EAD a gestões que harmonizem as questões pedagógicas, administrativas, tec-
nológicas, entre outras. De acordo com o autor, a gestão administra estruturas,
instalações equipes de trabalho, comunicação, financiamento, infraestrutura
física e tecnológica.
A importância da dimensão administrativa no trabalho docente pode ser
percebida na figura dos coordenadores de cursos EAD dos programas da UAB/
CAPES. Via de regra, são funções tipicamente assumidas por um gestor de
dentro da divisão do trabalho, com a característica de ser um cargo exclusivo de
professores doutores, da própria instituição ofertante dos cursos.
Não obstante, Belloni (1999), ao categorizar as funções do docente na EAD
por grupos, acrescenta a administração acadêmica como sendo uma função
importante. Esta diz respeito a uma característica muito comum no processo
educativo onde o professor invariavelmente executa funções de gestor. Não
obstante, Aretio (2002) também considera a gestão um dos componentes da
educação a distância.
A Figura 1 ilustra a importância das interações entre as dimensões do tra-
balho docente. Cada dimensão atua de forma a complementar a outra, e elas se
entrelaçam por meio de relações complexas ou não lineares, não necessariamente
proporcionais e harmônicas, porém coexistindo entre conflitos e sinapses, impor-
tantes para a evolução do processo educativo.
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
133
Figura 1 – Dimensões do trabalho docente na EAD
DIMENSÃO
ADMINISTRATIVA
DIMENSÃO
TECNOLÓGICA
TRABALHO
DOCENTE
DIMENSÃO
PEDAGÓGICADIMENSÃO
DIDÁTICA
Fonte: Elaborada pelo autor
3.2 Coleta de dadosA coleta de dados foi realizada nos meses de outubro, novembro e dezembro
de 2014, sendo feito, nesse período, levantamento de documentos, entrevistas
semiestruturadas com gravações em áudio e categorização das informações
encontradas.
Com intuito de trazer para a pesquisa as percepções dos professores-ges-
tores sem desconsiderar os demais docentes do curso, fez-se necessário entrevistar
todos os gestores (atuais e anteriores) que ocuparam a função de coordenador do
curso de especialização em Gestão Pública da UFSC e do IFSC na modalidade a
distância e também docentes que não haviam ocupado ainda a função de gestor
nesses cursos. Portanto, foram selecionados para entrevista profissionais expe-
rientes e com mais de dez anos de carreira, mestres e doutores, que acumulam
funções em cursos presenciais nas respectivas instituições e que acompanharam
toda a trajetória do curso EAD em suas diversas edições, sendo três docentes do
quadro de servidores permanentes do IFSC e três docentes do quadro de servi-
dores permanentes da UFSC. Além das entrevistas, também foram utilizadas
pesquisas documental e bibliográfica com intuito de acrescentar e fortalecer as
informações contidas nas entrevistas.
Sequenciando o presente estudo, faz-se necessário apresentar o universo
da pesquisa, este limitado por duas instituições federais de ensino superior
em Santa Catarina, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o
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134
Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Para poder analisar o trabalho
docente, foi necessário definir um curso para representar cada instituição.
Dentro desse recorte, foi escolhido o curso de especialização lato sensu em
Gestão Pública na modalidade a distância. A escolha do curso foi motivada
pelas proximidades e afastamentos de suas características. Ambas as institui-
ções ofertam esse curso, que é regido pelas diretrizes do Programa Nacional
de Administração Pública (PNAP).
4 Resultados da pesquisa
A presente seção busca responder ao problema de pesquisa por meio das
respostas aos objetivos determinados.
4.1 O sistema UABA criação da Secretaria de Educação a Distância (SEED) no Ministério da
Educação, em 27 de maio de 1996, foi um marco para a modalidade de edu-
cação a distância, pois, por meio dela, foram criados o Programa Nacional de
Tecnologia Educacional (ProInfo), a TVESCOLA e a UAB (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2012).
A UAB foi criada por meio do Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006, fruto de
uma parceria entre a Associação Nacional das Instituições Federais (ANDIFES)
e empresas estatais. Em 2007, com a criação do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE), criou-se a nova CAPES, que passou também a cuidar da
formação inicial e continuada de professores da educação básica. Surgiram, por-
tanto, duas novas diretorias, a Diretoria de Educação Básica (DEB) e a Diretoria
de Educação a Distância (DEED). Desde então, a CAPES passou a gerenciar
o sistema UAB e a SEED (extinta em 2011) como órgão que regulamenta e
avalia os Cursos EAD, que posteriormente passaram a ser responsabilidade da
Secretaria de Regulação e Supervisão (SERES) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2012).
A UAB atualmente é composta por Instituições Públicas de Ensino Superior
(IPES) credenciadas que oferecem cursos de nível superior na modalidade a
distância. Sua intenção é atender à demanda reprimida da população com difi-
culdades de acesso à formação universitária. Seu público-alvo são professores
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
135
que atuam na educação básica, porém atende também o público em geral
(UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL, 2015).
4.2 O curso de especialização lato sensu em Gestão PúblicaO curso de especialização lato sensu em Gestão Pública na modalidade à
distância, proposto pelo Programa Nacional de Formação em Administração
Pública (PNAP), faz parte da iniciativa do Ministério da Educação para expandir
o Sistema - UAB (WEINZIERL; COSTA, 2014).
O curso foi criado para atender à demanda nacional por qualificação
profissional de nível superior, formando profissionais aptos para atuar nas
atividades gerenciais do setor público. Sua oferta contribui para o desen-
volvimento econômico e social dos municípios onde as vagas são ofertadas
(PROGRAMA NACIONAL DE FORMAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA, 2014).
4.3 Análise geral do trabalho docente na EADNesta pesquisa, buscou-se analisar o trabalho do docente nesse cenário
de constante mudança, em que os professores encontram muitos desafios para
desempenhar suas funções. Pode-se firmar que são inúmeras as funções desem-
penhadas por estes profissionais dentro do sistema nacional de EAD utilizado
pela UAB/CAPES.
As instituições aqui estudadas foram selecionadas por apresentarem carac-
terísticas distintas na forma de EAD, embora tenham pontos convergentes. Um
desses aspectos diz respeito à adesão por meio da UAB ao programa PNAP, que,
de certa maneira, equalizou os cursos, pelo menos no quesito conteúdo.
No Quadro 1, estão as variáveis, que foram observadas e agrupadas por
dimensões com o intuito de analisar os resultados do trabalho docente. Os
resultados são apresentados em forma de resumo, considerando o conjunto de
respostas dos professores entrevistados, analisados qualitativamente e separados
por categorias de análise, para o curso de especialização em Gestão Pública na
modalidade EAD no IFSC e na UFSC.
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Quadro 1 – Resultados por categorias de análise
Dimensão Variáveis EAD UFSC EAD IFSC
Didática 01Formação do professor
Em sua maioria, são profes-sores doutores do curso de Administração presencial na graduação, no mestrado e no doutorado. Os coordenadores têm for-mação em Administração.
Os professores, em geral, são mestres, com pouca experiência em EAD. Têm formação de acordo com a disciplina a ser ministrada. Os coordenadores não têm formação em gestão.
Didática
02
Necessidade constante de atualização quanto à evolução da dis-ciplina, que deve estar relacionada com a dimensão tecnológica.
Existe uma atualização informal; depende do inte-resse de cada profissional em buscar informações.
Existe uma atualização informal; depende do interesse de cada profissional em buscar informações.
03Interação entre professor- e aluno e entre pares.
As interações entre pro-fessores e alunos ficam condicionadas às atividades inerentes ao curso.
As interações entre profes-sores e alunos não ficam condicionadas apenas às atividades inerentes ao curso.
04Avaliação, seleção de materiais e elaboração de estratégias de uso.
Os livros didáticos, con-teúdos e demais diretrizes são impostas pelo programa PNAP.
Os livros didáticos, con-teúdos e as diretrizes são impostas pelo programa PNAP.
Tecnológica
05
Produção de mate-riais pedagógicos utilizando meios tecnológicos e fer-ramentas digitais.
Presença da produção de ferramentas auxiliares e conteúdos complementares Criação do Ciclo de Palestras.
Pouca produção de ferramentas auxiliares e conteúdos comple-mentares. Basicamente atualizações do AVA.
06 Comunicação mediada por TIs.
Utilizam fórum, chat, videoconferência.
Utilizam fórum e videoconferência.
07Orientação, aconselhamento.
Professores participam de orientações dos artigos, aconselhamento e demais acompanhamentos com tutores.
Professores e até coorde-nadores participam de orientações, Professores também fazem aconselha-mentos junto com tutores.
Pedagógica
08Planejamento e organização das informações.
As unidades curriculares já vêm prontas, basicamente, o professor adapta o conteúdo.
As unidades curriculares já vêm prontas, basica-mente, o professor adapta o conteúdo.
09Motivar processos de aprendizagem e de conhecimentos.
Imposta por regras, prazos rígidos e encontros presen-ciais obrigatórios.
Imposta por regras, prazos rígidos e encontros pre-senciais obrigatórios.
10 Metodologia ade-quada à EAD.
Metodologia imposta pelo programa PNAP.
Metodologia imposta pelo programa PNAP.
11
Estrutura e organização (infraestrutura, equipamentos, processos adminis-trativos, recursos tecnológicos)
Utiliza a estrutura da própria instituição. Espaços pequenos e limitados. Estrutura hierar-quizada e administração burocrática.
Infraestrutura adequada, embora tipos e quali-dades das TDICs variem entre polos e CERFEAD. Estrutura hierarquizada e administração burocrática.
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
137
Administrativa
12 Gestão econômica e financeira.
Existente, principalmente na figura do coordenador de curso. De maneira geral, é positiva, mas existem alguns problemas pontuais.
Inexistente. A gestão financeira do curso é feita pelo setor financeiro do IFSC, não pelos profes-sores coordenadores do curso;
13 Gestão de pessoas.A gestão de pessoas é feita por profissionais formados na área de Administração.
A gestão de pessoas no curso não é feita por profissionais de Administração. Falta capacitação e há falhas no processo seletivo de professores.
14Gestão da informação e comunicação.
Em geral, os profissionais estão envolvidos neste processo, porém a respon-sabilidade recai sobre os profissionais de TI.
Em geral os profissionais estão envolvidos neste processo, porém a respon-sabilidade recai sobre os profissionais de TI.
Fonte: Elaborado pelo autor
Como pode ser observado no quadro acima, na prática, são muitas dife-
renças encontradas, embora se trate de duas instituições federais de ensino
superior. A principal diferença entre elas é a política de contratação dos pro-
fessores, sendo que uma Instituição - UFSC - incentiva a contratação de
profissionais já atuantes em seu quadro de professores, enquanto outra - IFSC
- adota o processo seletivo por meio de editais, trazendo renovação constante
em seu quadro de profissionais docentes.
Ambas as políticas de contratação oferecem vantagens e desvantagens.
Pode-se destacar que, na UFSC, esses profissionais são altamente capacitados na
área de Administração, haja vista lecionarem essas disciplinas também no ensino
presencial da própria instituição, atuando na graduação, mestrado e doutorado.
No IFSC, não é ofertado regularmente curso de graduação em Administração,
tampouco existe um programa institucional de pós-graduação em Administração.
Isso contribui para que sejam selecionados profissionais fora da instituição para
ministrarem as disciplinas do curso de Gestão Pública.
Entre as aproximações encontradas nos modelos pesquisados, pode-se citar,
além das diretrizes do programa PNAP, presente em ambas as instituições, o
sistema de polos presenciais como estrutura acadêmica de apoio pedagógico,
tecnológico e administrativo no padrão UAB/CAPES. Ademais, as ferramentas
digitais utilizadas são fóruns, videoaulas, livros didáticos, videoconferências e o
ambiente virtual de ensino e aprendizado, a plataforma Moodle.
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Em ambas as instituições, os professores têm formação compatível com a área de
atuação. Porém, percebeu-se que há características específicas em cada instituição. Os
coordenadores da UFSC têm formação em Administração ou Administração Pública
e áreas afins. Entretanto, no IFSC, são poucos os coordenadores que têm formação em
Administração. No curso estudado, nenhum deles tem esse tipo de formação específica.
A capacitação dos professores é outro ponto de carência em ambas as IFES.
Praticamente não existe, e, quando é feita, depende exclusivamente do interesse
de cada profissional, que, por vezes, utiliza recursos financeiros próprios para tal
finalidade. Os professores, em geral, têm bom conhecimento das ferramentas
digitais, sobretudo daquelas que eles já utilizam em sua rotina.
Não houve relatos que apontassem problemas de interações entre professores
e estudantes, ambas as instituições estimulam os professores a interagirem vir-
tualmente e presencialmente, por intermédio de visitas aos polos e de avaliações
presenciais. Porém, percebeu-se que, no IFSC, essa aproximação é maior, por
meio de eventos presenciais. Existe uma preocupação com a percepção do estu-
dante, para que este se sinta parte da instituição.
Grande reclamação dos professores e gestores dos cursos foi a defasagem no
valor das bolsas CAPES. Sem reajustes desde que foi implantado, o que era antes
um atrativo para profissionais bem qualificados hoje se tornou um fator limitante,
já apresentando dificuldades em conseguir candidatos às vagas. Isso afeta princi-
palmente o IFSC, onde muitos professores são remunerados apenas por meio de
bolsas. Na UFSC, esse fator é amenizado pelo fato dos professores também serem
remunerados pela instituição, com planos de cargos e salários bem definidos, e suas
principais motivações serem suas carreiras dentro e fora da instituição.
Outra grande reclamação dos professores, que afeta diretamente o ensino e,
sobretudo o trabalho docente, é a falta de incentivo às pesquisas. Simplesmente
não existe atualmente a possibilidade de estudantes da modalidade EAD rece-
berem bolsas de pesquisa ou extensão, como funciona no ensino presencial. Isso
causa prejuízos para além do desenvolvimento da própria EAD, pois poderiam
ser estimuladas pesquisas nesse sentido; os professores sentem a carência dessa
experiência nos trabalhos de conclusões dos cursos.
No Quadro 2, pode-se observar um resumo com as práticas que tiveram
maior impacto na efetividade do trabalho docente em cada instituição, de forma
positiva e negativa.
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
139
Quadro 2 – Práticas que impactaram na efetividade do trabalho docente
ASPECTOS POSITIVOS IFES
Professores e coordenadores com formação em Administração. UFSC
Gestão de pessoas com qualidade e realizada por profissionais qualificados.
UFSC
Gestão de materiais e logística para EAD. UFSC/IFSC
Preocupação com a qualidade das videoaulas e videoconferências. IFSC
Preocupação constante com a rapidez nas respostas aos alunos. IFSC
Proatividade dos professores coordenadores em superar a ausência de formação em Gestão.
IFSC
Criação de um Centro de Referência em EAD (CEFEARD). IFSC
Videoconferências nos polos de ensino. UFSC/IFSC
ASPECTOS A SEREM MELHORADOS IFES
Baixo grau de autonomia em relação ao conteúdo, que inclui senso crítico e investigativo.
UFSC/IFSC
Educação continua a seguir a mesma lógica linear de reprodução do conhecimento, apenas com uma nova roupagem.
UFSC/IFSC
Baixa flexibilidade nos prazos e entregas de atividades. UFSC/IFSC
Ausência de bolsas de pesquisas financiadas pelo Governo. UFSC/IFSC
Dificuldades com capacitações, atualizações. UFSC/IFSC
Não há investimentos em programas tecnológicos para atender as demandas dos professores e estudantes.
UFSC/IFSC
Fonte: Elaborado pelo autor
Podem-se observar no quadro 2 que foram identificadas algumas práticas
desempenhadas pelos docentes em ambas as instituições que tiveram impacto na
efetividade do trabalho docente nos cursos estudados.
Entre os aspectos positivos, pode-se citar a dedicação dos profissionais, que,
motivados, enfrentaram todos os desafios impostos pelo sistema EAD. Seus
resultados positivos em termos de avaliação institucional são resultantes da
intersecção desses aspectos (positivos e a serem melhorados), que não podem ser
analisados apenas quantitativamente ou apenas expressos em números.
5 Considerações finais
Este estudo teve como objetivo realizar uma análise do trabalho docente
no curso de especialização em Gestão Pública do IFSC e da UFSC. Foram
encontrados muitos pontos em desacordo com as recomendações de autores
e pesquisadores em EAD. Entre eles o baixo grau de autonomia, ausência de
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Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
140
atualizações constantes, dificuldade de entender a realidade local do estudante,
normas e prazos como ferramentas de coerção, recursos materiais, pessoais e
financeiros limitados. Contudo, também foram observados aspectos positivos
em ambas as instituições e cursos. Os professores foram obrigados a utilizar seus
conhecimentos e habilidades para superarem as limitações impostas – destaque
para a proatividade e o aspecto motivacional presente nos docentes-gestores.
De uma maneira geral, os resultados da pesquisa apontam traços de repro-
dução do paradigma tradicional de ensino nos trabalhos docentes da educação a
distância nas instituições estudadas. As limitações espaço-temporais ainda não
foram totalmente superadas, e os estudantes continuam tendo de frequentar ati-
vidades presenciais e com limites temporais em relação à entrega das atividades e
conclusão das disciplinas, dos blocos e mesmo do curso.
A inserção de ferramentas digitais no processo pedagógico não garante as mudanças
esperadas na qualidade da educação. No paradigma emergente, o professor ensina, mas
também aprende, numa relação recíproca com o estudante, de forma horizontal e dialé-
tica (MORAES, 1996; CATAPAN, 2001; OLIVEIRA, 2012).
Por fim, pode-se afirmar que a efetividade do trabalho docente na EAD está
diretamente ligada às gestões que harmonizam as questões pedagógicas, didá-
ticas, administrativas, tecnológicas, entre outras. Deve-se buscar uma educação
com dimensões mais amplas ou multidimensionais, dinâmica, flexível e autô-
noma. Nesse sentido, o professor continua sendo o protagonista desse processo,
sendo unânime entre os entrevistados a importância de tal profissional para a
efetividade dos resultados na EAD.
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A análise do trabalho docente na educação a distância: estudo comparativo entre a Universidade Federal da Santa Catarina –
UFSC – e Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC
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Robson Vander Canarin da Rocha, Andressa Sasaki Vasques Pacheco e Jéssica Rocha de Souza Pereira
145
SENSO COMUM, EXPERIÊNCIA E
AUTORIDADE: EDUCAÇÃO EM TEMPOS
DE INTOLERÂNCIAS1
COMMON SENSE, EXPERIENCE AND AUTHORITY:
EDUCATION IN TIMES OF INTOLERANCE
Jeferson Luís da Silva*
Cleber Gibbon Ratto**
R e s u m o
Este trabalho busca refletir sobre a possibilidade de uma diluição de intolerâncias
pelo aperfeiçoamento coletivo do senso crítico como meio de estimulação de
uma consciência social e tecnológica. Centra-se na busca por um contexto no
ambiente educacional capaz de conciliar formação, senso comum e experiências,
mediado por um modelo de autoridade construído em um possível consenso
social. Para essa tarefa, são abordadas perspectivas de autores como Maffesoli
(2010), Benjamin (1994), Sennett (2014), entre outros. No decorrer deste tra-
balho, buscou-se encontrar um possível modelo interpretativo, tendo como
estratégia a valorização do senso comum e da experiência enquanto motivadores
de percepções e comportamentos, em especial, na relação professor-aluno, indis-
pensável na tarefa do educar para a cidadania. Nesse sentido, o desenvolvimento
de um senso crítico capaz de reconhecer a importância da organização social é
aqui considerado potencial motivador para o reconhecimento da autoridade do
educador, tanto pelo aluno como pela sociedade em geral.
P a l a v r a s-ch a v e: Senso crítico. Educação. Autoridade. Senso comum.
Experiência.
* Bacharel e licenciado em Filosofia.
Mestre em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação –
PPGEDU, do Centro Universitário
La Salle – UNILASALLE.
** Pesquisador do CNPQ. Bolsista de
Produtividade. Programa de Pós-Gra-
duação em Educação/UNILASALLE.
Programa de Pós-Graduação em Rea-
bilitação e Inclusão/IPA.
1 Este artigo faz um recorte da
dissertação Educação, tecnologia e
complexidade: um ensaio sobre as (im)
possibilidades de saber/pensar na educa-
ção, defendida em 2015, na linha de
pesquisa “Culturas, Linguagens e Tec-
nologias na Educação” do Programa
de Pós-Graduação em Educação –
PPGEDU, do Centro Universitário
La Salle – UNILASALLE.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 145-163, Jan/jul. 2017
Recebido em: 22/11/2016Aprovado em: 25/04/2017
146
A b s t r a c t
This work seeks to reflect on the possibility of a dilution of intolerance by the collective
improvement of critical thinking as a means of stimulating a social and technological
awareness. It focuses on the search for a context in educational environment which is
able to reconcile training, common sense and experience, mediated by an authority
model built on a possible social consensus. For this task, the perspectives of authors
such as Maffesoli (2010), Benjamin (1994), Sennett (2014), among others, are
approached. In the course of this work, we sought to find a possible interpretative
model with the strategy of valuing common sense and experience as motivators of
perceptions and behaviors, especially in the teacher-student relationship, what is
imperative in the task of educating for citizenship. In this sense, the development
of a critical thinking capable of recognizing the importance of social organization is
considered here as a potential motivator for the recognition of the educator’s authority,
both by the student and by society in general.
K e y w o r d s: Critical thinking. Education. Authority. Common sense.
Experience.
1 Introdução
Nos últimos meses, um crescimento considerável no número de pessoas
envolvidas em conflitos de opiniões que iniciaram nas redes sociais e acabaram
influenciando na dissolução de amizades chamou atenção da imprensa, moti-
vando a publicação de algumas notícias, tais como “A era da grosseria on-line:
cresce a intolerância nas redes sociais” (FERRARI; VARELLA, 2016). Uma
rápida busca no Google pela expressão “intolerância nas redes sociais”, em 26 de
maio de 2016, apontou mais de 50 mil links sobre o assunto, abordando diversos
níveis de intolerância – da simples grosseria até os discursos de ódio.
As notícias sobre discursos de ódio retratam uma postura centrada na mobi-
lização social em grupos por afinidade, cujo propósito são ações discriminatórias.
Geralmente, esse discurso se caracteriza por incitar a discri-
minação contra pessoas que partilham de uma característica
identitária comum, como a cor da pele, o gênero, a opção
sexual, a nacionalidade, a religião, entre outros atributos.
(NICHEL; MARTINS; BORCHARDT, 2011, p.446)
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
147
Já as notícias sobre grosserias on-line se referem ao comportamento moti-
vador de animosidades e acaloradas discussões, promotor de brigas e ofensas
por discordância. Embora sejam comportamentos distintos, discursos de ódio
e grosserias, ambos carecem de uma maturidade civilizatória, que é entendida
como disposição para um melhor convívio social.
No entanto, um fator comum em ambos os comportamentos é motivado
por um pensamento unilateral, defendido aqui como efeito da manifestação de
intolerâncias. Nesse sentido, tanto os discursos de ódio quanto as grosserias, em
diversos contextos, incluindo a internet, cada um ao seu modo, são considerados
neste texto manifestações de intolerância.
O problema da intolerância enquanto pensamento unilateral não é algo
novo, sendo considerado uma crescente tendência proveniente da falta de um
senso crítico qualificado. Para Castells,
A identidade está se tornando a principal e, às vezes, única
fonte de significado em um período histórico caracterizado
pela ampla desestruturação das organizações, deslegiti-
mação das instituições, enfraquecimento de importantes
movimentos sociais e expressões culturais efêmeras. Cada
vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno
do que fazem, mas com base no que elas são ou acreditam
que são. [...]. Nessa condição de esquizofrenia estrutural
entre a função e o significado, os padrões de comunicação
social ficam sob tensão crescente. [...] E quando a comuni-
cação se rompe, surge uma alienação entre os grupos sociais
e indivíduos que passam a considerar o outro um estranho,
finalmente uma ameaça. (CASTELLS, 2005, p.41)
Diante da crescente manifestação de intolerâncias, pode ser interessante
buscar perspectivas sobre como qualificar um senso crítico. Principalmente
se concordarmos que a formação de cidadãos críticos é uma das atividades
da educação, orientação presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais,
nos quais a capacidade de argumentação é entendida como relevante para o
adequado exercício da cidadania, possibilitando ao aluno “posicionar-se de
maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais”
(BRASIL, 1998, p.7).
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
148
Nessa perspectiva, a noção de tolerância aqui defendida não implica um
apaziguamento das diferenças ou sua equalização sob o custo dos consensos for-
çados. Entendemos que
[...] a tolerância não tem em si um objetivo próprio, um con-
teúdo específico, mas, antes disso, oferece condições para que
os valores possam se desenvolver, ou seja, permite os direitos
humanos, a liberdade do homem, e passa a ser um princípio
fundamental na ordem social (HERMANN, 2006, p.129).
Sob esse olhar, o presente texto busca argumentar em favor de estratégias cen-
tradas no desenvolvimento de um senso crítico qualificado, em especial através
da relação professor-aluno enquanto base educacional pautada por mediação e
autoridade. Defendemos que o desenvolvimento do senso crítico é uma estratégia
educacional possível na diluição ou enfraquecimento de intolerâncias.
2 Senso crítico: modos de saber e de autoridade
É delicado o fato de que a sociedade contemporânea esteja apresentando
novas formas de conviver e pensar, elaboradas sob a influência das redes de com-
partilhamento e suas tecnologias em um mundo cada vez mais globalizado.
Para Postman (1994), Bauman (2007) e Baudrillard (1991), a tecnologia
produz uma influência problemática, capaz de diluir a consciência social, promo-
vendo um individualismo exagerado e alienante. Lévy (2005) e Castells (2005)
recolocam a questão, apontando que é a falta de senso crítico que promove um
relacionamento problemático com a tecnologia, levando à diluição da consci-
ência social e ao estímulo do individualismo exagerado.
Embora esses autores discordem quanto ao agente motivador dos problemas
sociais, todos entendem, cada um ao seu modo, que vivemos em uma época de
mudanças, em que a tendência está na manifestação do pensamento unilateral e
no culto ao individualismo. Eles sinalizam a importância de mediações através
da política, do estado e da escola, no intuito de resgatar ou construir um projeto
de sociedade e de indivíduo. Apontam, ainda, a necessidade do aperfeiçoamento
coletivo do senso crítico como meio de estimulação de uma consciência social e
tecnológica, algo também previsto nos PCNs.
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
149
É nessa direção que Fantin e Girardello (2009) conduzem seu artigo “Diante
do abismo digital: mídia-educação e mediações culturais”. Nesse trabalho, as
autoras defendem, entre outras coisas, a importância de ambientes educacio-
nais capazes de promover inclusão digital, de forma a “[...] favorecer a formação
crítica de cidadãos, não apenas de usuários [...]” (FANTIN; GIRARDELLO,
2009, p.78). Elas ressaltam a necessidade de uma perspectiva educacional que
contemple dimensões sociais, intelectuais, culturais e tecnológicas, e na qual
a construção de cidadania ocorra pautada na real participação de crianças,
jovens e adultos na cultura.
Na perspectiva de Carraher (2002), qualificar o pensamento crítico “[...]
implica em [sic] adotar perspectivas múltiplas para examinar as questões sob
várias óticas” (CARRAHER, 2002, p.XXI), sendo que o desenvolvimento de
um senso crítico qualificado demanda capacidade de contextualizar e de aplicar
de forma sistemática as regras que atuam como balizadoras do pensamento.
Para Wittgenstein (2005), a constituição das regras de orientação do
pensamento ocorre na linguagem e não deve ser individual, autorreferente.
Segundo o autor, para que ocorra um pensamento consistente é necessário
que os parâmetros de referência sejam sociais, públicos. A perspectiva de um
modelo autorreferente implica um individualismo sem mediação, no qual a
pessoa refere a si mesma, em culto ao “eu”, como parâmetro único de per-
cepção e entendimento do mundo. Sobre a impossibilidade do pensamento
constituído numa postura autorreferente, o autor pondera:
Suponhamos que cada um tivesse uma caixa e que dentro
dela houvesse algo que chamamos de ‘besouro’. Ninguém
pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que
sabe o que é um besouro apenas por olhar o seu besouro.
Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa.
(WITTGENSTEIN, 2005, p.137)
Sob esse aspecto, a percepção individual, enquanto postura de isolamento
social, bem como o pensamento totalitário oferecem dificuldades para o fun-
cionamento adequado do ambiente compartilhado e do desenvolvimento da
sociedade como um todo, podendo promover desentendimentos e barreiras ao
exercício do senso crítico, estimulando em alguns casos, intolerâncias.
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
150
Segundo Aranha (2006), favorecer a formação crítica de cidadãos demanda,
por parte dos envolvidos, uma clareza na concepção de sociedade e do indivíduo
que se deseja construir, sendo necessário direcionar esforços e responder “Que
tipo de pessoa se quer formar? Para qual sociedade? ” (ARANHA, 2006, p.33).
Responder a essas perguntas não é uma tarefa simples. Envolve percebermos
aspectos de nossa sociedade atual como a questão do senso comum, da experi-
ência como manifestação espontânea diante do que nos afeta, além da questão da
autoridade no ambiente escolar e na sociedade em geral.
O francês Michel Maffesoli é professor de sociologia com diversos livros
publicados, se ocupando, principalmente, de assuntos relacionados ao imagi-
nário popular e ao problema do senso comum, propõe uma prática de estudo
centrada na compreensão da vida cotidiana. Defende a importância do senso
comum, uma vez que é esse tipo de conhecimento o que nos torna aptos a lidar
com as questões da vida cotidiana. O autor salienta que
Não se faz aqui a apologia do irracionalismo, até porque
é o próprio dogmatismo que, invariavelmente, a ele
conduz; trata-se simplesmente de esboçar uma teoria do
conhecimento apta a admitir que a falta de acabamento
estrutural da socialidade fica a exigir uma falta de aca-
bamento intelectual. Deste modo, temos confiança na
pluralidade das abordagens, sejam de que ordem forem,
para elaborarmos a descrição, de um momento ou de
um dado espaço, que seja a menos enganosa possível
(MAFFESOLI, 2010, p.210).
Maffesoli (2010) define o conceito de socialidade como multiplicidade das
experiências banais e coletivas, descomprometidas com a institucionalização ou
racionalização dos fenômenos vividos cotidianamente.
O autor defende uma estratégia de raciocínio que valorize o imaginário do
senso comum e assuma uma postura que opere como “ponto de vista”, no intuito
de compreender o cotidiano ao invés de produzir conteúdo com a intenção de
determinar quem está certo e o que é racional ou irracional. Sob essa perspectiva,
cabe ao sociólogo chamar a atenção para a complexidade da vida e não atuar
como um regulador desta (MAFFESOLI, 2010).
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
151
De fato, o que constitui cultura é a opinião, “os pensa-
mentos das ruas e das praças”, que são ingredientes essenciais
do cimento emocional da socialidade. Somente a posteriori
elabora-se, então, o conhecimento erudito. [...] E chega
a ser surpreendente que a cultura erudita mostra-se tão
impermeável a tais manifestações. É, aliás, lícito supor que
nesta impermeabilidade esteja a principal causa da esterili-
dade tão característica de uma grande parte das ciências
humanas e sociais (MAFFESOLI, 2010, p.259).
Maffesoli (2010) parece apontar uma possível dificuldade quanto ao enten-
dimento sobre o fenômeno do senso comum, uma vez que esse se manifesta num
“estilo” próprio, muitas vezes:
[...] chocante, feito de diálogos, de notações que não encerram,
necessariamente, vínculos lógicos – e ele apresenta odores e
sons peculiares a toda animação não imposta do exterior.
Em síntese, trata-se desta teatralidade que constitui a própria
trama da vida cotidiana. [...] vemos que o “estilo” da bana-
lidade nos convida menos a julgar, a criticar ou a decretar
do que a conhecer, a compreender e a exprimir. Será menos
glorioso? Não necessariamente – mas, sem dúvida, mais
difícil. [...] A verificação que a nós é pedida, reside em parte
na capacidade de exprimir, o mais adequadamente possível,
os fenômenos sociais (MAFFESOLI, 2010, p.187).
O autor salienta, também, que ainda é forte a apologia da discriminação e
da separação por conta de uma herança de dois séculos de prudência raciona-
lista. Nesse sentido, sobre a importância do conhecimento comum, ele pondera:
“não duvidemos do elevado número dos que nisto somente enxergam repetições,
petições de princípio ou afirmações inverificáveis” (MAFFESOLI, 2010, p.199).
Esse parece ser o caso de Bachelard ao considerar o senso comum um obstá-
culo ao desenvolvimento da ciência. Na perspectiva de Bachelard (1996, p.36),
A finalidade da ciência é justamente contestar o mundo dos
objetos do senso comum, rompendo com as evidências do
mundo real, construindo um novo código de leitura através
de um corpo de novos objetos e das novas relações entre eles,
e de novos sistemas de conceitos e as novas relações entre
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
152
esses conceitos. Para tanto, a ciência supõe construção, não
comportando a imediatividade nem a espontaneidade pró-
pria do senso comum que não se enquadraria no conceito
de conhecimento científico justamente por ser um conhe-
cimento imediato, carente de construção, não passando de
um punhado de opiniões que caracterizariam uma forma de
conhecimento falso que pensa o que existe tal como existe,
sendo necessariamente conservador, fixista, ausente de crítica.
Para Maffesoli, nas relações sociais é relevante observar que,
Seja como for, é importante reconhecermos que a paixão e sua
gesta continuam sendo suportes essenciais da vida societal.
Depois é que vêm as justificações, as teorizações e as raciona-
lizações. O que está em primeiro lugar é a pulsão que impele
à ação, que incita a dizer, que preside a agregações diversas,
que favorece atrações e repulsas, que ordena alianças – ou, em
uma só palavra, o “não lógico” (MAFFESOLI, 2010, p.97).
Para o autor, a espontaneidade do afeto assume papel relevante na constituição
das relações sociais e na tomada de decisão, em que a representação teórica do
conhecimento é posterior, secundária ao processo da experiência coletiva, senso
comum (MAFFESOLI, 2010). A espontaneidade do afeto possui um aspecto indo-
mável na medida em que não obedece às regras do racionalismo, nesse sentido:
Com efeito, salvo em livros escolares, nada é unidimen-
sional no seio da vida social. Em muitos aspectos, é ela
monstruosa, fragmentada e sempre está em algum outro
lugar que não aquele em que se acredita poder imobili-
za-la. Em níveis profundos é o pluralismo que a move
(MAFFESOLI, 2010, p.257).
Enquanto Maffesoli defende a importância do fenômeno da espontaneidade,
própria do senso comum, como algo presente nas relações sociais que cons-
troem mundos através da experiência, possibilitando um espaço de negociação,
Bachelard parece defender que o verdadeiro conhecimento, a ciência, quando
cautelosa do senso comum, das relações sociais, garante sua objetividade e quali-
dade, sendo essa ciência a única e legítima construtora.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 145-163, Jan/jul. 2017
Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
153
Admitir o senso comum como algo inferior e a ciência como superior, única
capaz de construir e, ainda, que aquele que constrói está hierarquicamente acima
de sua construção pode não ser uma boa ideia quando aplicada às relações sociais,
em especial quando acolhida no ambiente educacional. No entanto, não é raro
surgirem interpretações onde o professor, formado na ciência do educar, tem
como função “construir” o aluno através das garantias do conhecimento cientí-
fico sob a responsabilidade da melhor construção.
Maffesoli (2010), ao reconhecer a importância do senso comum e das relações
sociais na construção de mundos, permite o entendimento de outro caminho para o
ambiente educacional, no qual o reconhecimento do outro em seu modo de existir pos-
sibilita a negociação e colaboração, permitindo ao professor potencializar a condição de
possibilidade para transformações através do compartilhamento de experiências, saberes.
Outro autor que também entende o conceito de experiência como um saber cons-
tituído pelo fenômeno espontâneo do afeto é Walter Benjamin, filósofo alemão que se
ocupou da questão da experiência produzindo diversos ensaios e reflexões sobre o tema.
Benjamin (1994, p.103) esclarece: “[...] experiência é matéria da tradição,
tanto na vida privada quanto na coletiva. Forma-se menos com dados isolados e
rigorosamente fixados na memória do que com dados acumulados, e com frequ-
ência inconscientes, que afluem à memória”. Nesse sentido, práticas tradicionais
assumem um papel importante no comportamento social, fomentando inte-
gração ou intolerância, dependendo do contexto vigente.
Para o autor, existe uma relação dinâmica entre dois fenômenos, a experiência
e a vivência. A experiência ocorre com ênfase nos estímulos que afetam o incons-
ciente através de uma impressão forte, trauma, enquanto a vivência é amparada
e protegida pela percepção consciente que atua como um tipo de “escudo pro-
tetor”, que, ao amenizar a potência do estímulo, gera, em menor escala, uma
onda de choque. Nesse sentido, trauma e choque se referem à intensidade de um
dado estímulo, impressão do fenômeno. Segundo Benjamin (1994, p.111),
Quanto maior é a participação do fator do choque em cada
uma das impressões, tanto mais constante deve ser a presença
do consciente no interesse em proteger contra os estímulos;
quanto maior for o êxito com que ele operar, tanto menos
essas impressões serão incorporadas à experiência, e tanto
mais corresponderão ao conceito de vivência.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 145-163, Jan/jul. 2017
Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
Sob essa perspectiva, o conceito de vivência remete ao uso de barreiras que buscam
impedir estímulos, evitando a espontaneidade própria da experiência, daquilo que afeta.
Tanto Maffesoli (2010) como Benjamin (1994) entendem o termo “expe-
riência” como fenômeno pautado na manifestação espontânea de algo que nos
afeta, estímulo. Ambos os autores destacam uma valorização baseada na pru-
dência racionalista (Maffesoli) ou na vivência (Benjamin), com significativa
desvalorização do conhecimento pautado no fenômeno da experiência, senso
comum. Os autores apontam para a importância de considerarmos a experiência,
aquilo que nos afeta, como principal influência na construção do conhecimento
enquanto percepção de mundo, sabedoria.
Para Benjamin (1994), existe menos espaço para o surgimento de uma per-
cepção de mundo baseada na experiência. Ele identifica alguns mecanismos que
enfraquecem a possibilidade de experiência como o excesso de informação, a
exigência de opinião para tudo e o acelerado modo de existir, que não favorece a
disponibilidade de tempo para se sentir alguma coisa.
Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no
entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão
é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações.
Em outras palavras: quase nada do que acontece está a
serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da infor-
mação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações.
(BENJAMIN, 1994, p.202)
Na perspectiva de Benjamin, a experiência demanda um estar junto, oportu-
nizando a troca de narrativas sobre o que nos acontece em diferentes modos de
existir e de nos relacionarmos, diferentes formas de atribuição de sentido.
Mas, se “dar conselhos” parece hoje algo de antiquado, é
porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis.
Em conseqüência, não podemos dar conselhos nem a nós
mesmos nem aos outros. Aconselhar é menos responder a
uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de
uma história que está sendo narrada. Para obter essa sugestão,
é necessário primeiro saber narrar a história (sem contar que
um homem só é receptivo a um conselho na medida em que
verbaliza a sua situação). O conselho tecido na substância
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
155
viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar
está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade
– está em extinção. (BENJAMIN, 1994, p.200)
Segundo Benjamin (1994), esse processo de extinção da experiência
ocorre pelo excesso de racionalidade, de explicações, com a vida sendo redu-
zida ao seu caráter mecânico, biológico, e a prática de um conhecimento
objetivo capaz de explicar tudo e todos é o desejável. Como efeito, qualidade
de vida se reduz a um tipo de isolamento tecnológico através do acúmulo de
objetos que possam entreter seus usuários e satisfazer a necessidades próprias
da lógica de consumo.
Sob esse aspecto, a educação pode possibilitar um espaço para o surgimento
da experiência ao aproximar pessoas e estimular narrativas, tornando-se rele-
vante na medida em que estimula e resgata a condição de possibilidade para a
manifestação de um olhar que valorize a espontaneidade do afeto como um,
entre outros, modo de conhecimento, diluindo a excessiva racionalidade.
Esta não é uma tarefa fácil, posto que se permitir sentir, experimentar,
envolve estar implicado e com isso lidar com frustrações, angústias, medos e
uma série de outras sensações entendidas como indesejáveis. Nesse sentido, a
garantia da certeza em uma racionalidade excessiva pode se mostrar sedutora,
ainda que frequentemente ocorra um tipo de isolamento, individualismo, com
possível perda de sentido existencial.
Desse modo, a orientação aos educandos frente as múltiplas possibilidades
de comportamento em resposta ao que afeta, no decorrer do processo da experi-
ência, também é uma tarefa relevante na relação professor-aluno. Em especial, se
concordarmos que um senso crítico qualificado demanda o desenvolvimento da
competência de gerenciamento e autonomia.
Benjamin (1994) nem sempre reconheceu a experiência como um deixar-se
afetar; essa é uma perspectiva que foi sendo refinada com o passar dos anos. Antes,
o autor havia explorado outras possibilidades: na década de 30 adotou a percepção
sobre a experiência como “conhecimento tradicional passado de geração em geração,
e que vinha se definhando com a modernidade” (BAPTISTA; LIMA, 2013, p.451).
Anterior a essa época, por volta de 1913, em seus primeiros escritos, Benjamin con-
siderou a experiência como um saber mascarado, autoritário e opressor. Assim, a
experiência retratava para ele um tipo de autoridade:
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
156
Trata-se de uma autoridade, mas uma autoridade cons-
trangedora, que oprime a liberdade do jovem na busca pelo
novo e pelo verdadeiro. O efeito dessa opressão nos jovens
é um desânimo manifesto em sua incapacidade de visua-
lizar outras qualidades de experiência. Em outros termos,
é a própria experiência autoritária do adulto o que cons-
trange o horizonte empírico daquele que procura a verdade.
(BAPTISTA; LIMA, 2013, p.451)
Na atualidade, Richard Sennett (2014, p.27), historiador e professor nor-
te-americano, propõe uma reflexão sobre a questão da autoridade e seus tipos e
consequências. O autor se pergunta, por exemplo, como os adultos se realizam ao
se tornarem autoridades? Sugere que “a necessidade de autoridade é fundamental”.
O autor argumenta que a demanda de reconhecimento da autoridade é uma
construção que perpassa pela influência histórica, tradição cultural e predispo-
sição psicológica dos indivíduos. Pondera que o medo, enquanto senso comum e
manifestação espontânea, ocupa um papel central na maneira como nos relacio-
namos com o fenômeno da autoridade, tanto para quem exerce uma autoridade
como para quem se subordina a ela. Segundo Sennett (2014),
Os adultos realizam uma parcela essencial de si ao serem
autoridades: é um modo de expressarem interesse por
outrem. Há um medo persistente de sermos privados dessa
experiência. [...]. Hoje em dia, há também um outro medo
relacionado à autoridade. [...] passamos a temer a influência
da autoridade como uma ameaça a nossa liberdade, na
família e na sociedade em geral. (SENNETT, 2014, p.27)
Sennett (2014) pondera que uma autoridade legítima é aquela percebida
como capaz de julgar e tranquilizar. Se o vínculo da autoridade permite o reco-
nhecimento dessas duas ações, isso sinaliza que esse vínculo é formado entre
pessoas que se reconhecem como desiguais, em outras palavras, quando é dado
um sentido às condições de controle e influência entre os envolvidos o vínculo
de autoridade é reconhecido como legítimo. Sob esse aspecto, o efetivo exercício
da autoridade depende de interpretações que favoreçam uma dada disposição
à subordinação. No entanto, essa perspectiva parece favorecer um declínio da
autoridade pública. Segundo o autor,
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
157
A autoridade, como processo constante de interpretação e
reinterpretação, faz sentido nos assuntos íntimos, mas não
na esfera pública. Existem razões estruturais para isso; o
ritmo de crescimento e declínio de uma vida não é o ritmo
de crescimento e declínio da sociedade. Existe um abismo
intransponível – ou, para dizê-lo em termos positivos, cada
um de nós pode reimaginar a autoridade em particular de
um modo que não podemos fazer em público. Temos um
princípio para criticar a sociedade, com base não na dedução
abstrata sobre a justiça e o direito, mas em nosso conheci-
mento íntimo do tempo. (SENNETT, 2014, p.259)
Ao equacionar o fenômeno da autoridade como necessidade psicológica que
surge na espontaneidade do afeto, Sennett (2014, p.260) conclui que a própria
autoridade é
[...] também uma demanda idealista. [...] intrinsicamente
um ato da imaginação. Não é uma coisa; é uma busca de
solidez e segurança na força de outrem, que parece ser algo
grandioso. Acreditar que tal busca possa ser consumada é,
de fato, uma ilusão, e uma ilusão perigosa. Só os tiranos dão
conta desse recado. Mas acreditar que a busca não deve ser
conduzida é igualmente perigoso. Nesse caso tudo o que
houver será absoluto.
Na medida em que Sennett (2014) vai apresentando perspectivas sobre o
fenômeno da autoridade, fica claro que existem diversas formas de exercício de
autoridade, limitadas apenas pela imaginação. No entanto, o autor aponta para
uma forma sustentável de autoridade, aquela que ocorre no livre reconhecimento,
uma valorização de um ou mais indivíduos para outro.
A vida parece completamente sem sentido quando nada se
considera dependente dela. Não ser pai nem mãe, autor ou
originador de coisa alguma é sentir-se deslocado do mundo,
inteiramente gratuito e supérfluo. É, na plena acepção da
palavra, ser sem importância. Daí o anseio da maioria dos
homens por alguma forma de autoridade, isto é, pelo reco-
nhecimento de sua importância, pela justificação de sua
existência. (SENNETT, 2014, p.233)
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
158
Colocando no centro da questão a necessidade da pessoa em ser reconhecida,
Sennett (2014) sugere que uma forma humanizada de autoridade é aquela que
trabalha na perspectiva da tomada mútua de decisão, na qual os subordinados
se tornam participantes, coorganizadores. Sennett (2014, p.233) apresenta como
exemplo a organização de algumas indústrias:
Uma reação mais humana ao problema da dominação
através da cadeia de comando são as idéias de cooperação
e tomada mútua de decisões que animam os movimentos
de co-gestão nos Estados Unidos. [...] A co-gestão reco-
nhece a necessidade elementar de uma cadeia de comando.
Reconhece a necessidade de coordenação e das diferenças
de aptidão e força humanas numa hierarquia. O que ela se
recusa a aceitar é que o poder dos que estão em patamares
superiores da escala seja reproduzido, em caráter absoluto,
sobre os que estão nos patamares inferiores.
Na perspectiva de Sennett (2014), é o amparo uma necessidade humana fun-
damental e representa o que buscamos na figura da autoridade. Nesse sentido, uma
autoridade legítima seria aquela que busca genuinamente cuidar do outro, ao mesmo
tempo em que sustenta uma relação de respeito quanto à sua singularidade e aos
seus interesses. O autor defende que não é possível falsificar um amparo. “Nenhuma
pessoa, por mais bem-intencionada que seja como personalidade, é capaz de dar
amparo a outra, como se se tratasse de uma mercadoria. Tampouco se granjeia inte-
resse como quem extrai lucro de um investimento” (SENNETT, 2014, p.165).
Ao que parece, na perspectiva de uma autoridade legitimada pelo amparo,
proposta por Sennett (2014), na qual ocorre o reconhecimento do outro, uma
possível consequência é a colaboração e tomada de decisão mútua, favorecendo a
confiança, a narrativa e a condição de possibilidade para o surgimento da experi-
ência enquanto aquilo que afeta positivamente na construção de um senso crítico
qualificado. Isso lembra no âmbito da escola, a percepção freiriana de uma edu-
cação para autonomia, na qual o amparo do educando perpassa pela postura
diferenciada entre autoridade e autoritarismo enquanto saber necessário à prática
educativa, uma vez que no autoritarismo não ocorre o reconhecimento, promo-
vendo dependência e não autonomia.
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
159
Segundo Taylor (1994),
[...] o não reconhecimento ou o falso reconhecimento [...]
pode ser uma forma de opressão, aprisionando o sujeito em
um modo de ser falso, distorcido e reduzido. Além da simples
falta de respeito, isso pode infligir uma grave ferida, subme-
tendo as pessoas aos danos resultantes do ódio por si próprias.
O devido reconhecimento não é meramente uma cortesia,
mas uma necessidade humana vital. (TAYLOR, 1994, p.25)
Essa perspectiva pode se mostrar promissora no ambiente educacional, uma
vez que o amparo permite que o afeto seja condição para o reconhecimento e
legitimidade do exercício da autoridade do professor, possibilitando, assim, uma
melhor mediação, orientação e diluição de conflitos, potencializando as relações
sociais, a negociação, colaboração e a confiança mútua.
Diferentemente de Sennett (2014), Alain Renaut (2004) pondera que a crise
da autoridade na escola é uma questão própria da consolidação da democracia:
[...] faz parte da própria lógica da modernidade democrática
renovar todas as relações de autoridade evidenciando que
nenhum poder pode verdadeiramente exercer-se, doravante,
sem ter a preocupação de obter, de uma maneira ou de outra,
a adesão daqueles sobre quem se exerce. [...] A lógica desses
valores, tanto a da igualdade como a da liberdade, não impli-
cará ela própria a desvalorização, ao mesmo tempo que de
todos os modos antigos de dominação, desta figura da autori-
dade que, nomeadamente sob a forma de autoridade parental
ou sob a do mestre, permaneceu tanto tempo, independente-
mente das transformações que pôde conhecer, constituinte de
tantos poderes, incluindo o de educar? (RENAUT, 2004, p.15)
Para Renaut (2004), o exercício de autoridade presente na tradição da escola
deve ser substituído pelo espírito de contrato, no qual pais, alunos e professores
devem esclarecer, através de um diálogo democrático, os esforços e modos de
transmissão dos saberes, legitimando os processos de autoridade. Nesse sentido
Renaut (2004, p.191) esclarece:
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Jeferson Luís da Silva e Cleber Gibbon Ratto
160
O fim da autoridade não é portanto, repito, o seu desa-
parecimento, e por outro lado significa ainda menos o
desaparecimento do poder como tal. O que nosso percurso
quis apontar e tentar medir corresponde antes ao fim dos
dispositivos de poder organizados para funcionar priorita-
riamente através da autoridade, que dizer sob a forma de
um superpoder que já não vem limitar o reconhecimento
de nenhum direito. Que o desaparecimento de tais dis-
positivos fragiliza os poderes em causa, estou de acordo e
nunca deixei de sublinhar ao longo deste livro. Resta então
saber o que fazer perante os aborrecimentos suscitados por
esta fragilização.
Embora sigam caminhos diferentes, Sennett (2014) pelo viés psicológico e
Renaut (2004) pela cultura, cada um sugere o diálogo, a negociação como o
caminho desejável no intuito de melhor entender e suprir necessidades, amparar,
assim como uma melhor forma de legitimar a questão da autoridade na atualidade.
3 Considerações finais
Uma interpretação possível em relação à perspectiva dos autores abordados consiste
em considerar como uma possível questão em educação, para diluição de intolerâncias,
o entendimento e reconhecimento do afeto e suas consequências, condição espon-
tânea do humano. Nesse sentido, uma postura desejável em educação não é de uma
autoridade que impõe suas certezas como faz o engenheiro a um objeto, mas alguém
que está implicado nas relações sociais e suas múltiplas percepções, promovendo, na
medida do possível, o compartilhamento de experiências, crenças, expectativas, per-
cepções e narrativas, ou seja, um trabalho eminentemente hermenêutico.
Nesse sentido, é possível que a educação não opere adequadamente quando
seus representantes autoritariamente destituem de legitimidade o saber do sujeito
da ação, que é indivisível de suas narrativas e relações sociais. Em outras palavras,
diferente das engenharias, da física ou de áreas tecnológicas, a educação não
trata apenas de explicar como as coisas funcionam e de determinar sua ordem a
partir de um único olhar, seja ele científico ou não, mas de promover uma per-
cepção capaz de acolher múltiplas possibilidades, pensamento crítico, no qual
“não vemos as coisas como são, mas como somos” (DEMO, 2012, p.1).
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Senso comum, experiência e autoridade: educação em tempos de intolerância
161
Ao que parece, é no caminho da negociação coerente, do exercício her-
menêutico e do diálogo constante que a educação talvez encontre maneiras
alternativas para o desenvolvimento de um senso crítico conciliatório capaz de
diluir intolerâncias. Igualmente, o reconhecimento da autoridade do professor
enquanto potencial orientador no processo da experiência como estímulo, para o
aprendizado do gerenciamento coerente do comportamento sobre o que afeta, é
componente importante na competência da autonomia.
Educar para um senso crítico conciliatório, para a autonomia como proposta
pedagógica, parece demandar por uma autoridade capaz de ocupar esse lugar,
conquistando o reconhecimento através da construção de vínculos afetivos, res-
peito mútuo e confiança dos educandos.
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165
O QUE A CULTURA TEM A NOS FALAR
SOBRE A ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL?
WHAT CAN CULTURE TELL US ABOUT HEALTHY
EATING HABITS?
Conrado Gomide Castro *
Douglas de Oliveira Botelho**
Diego César Terra de Andrade***
R e s u m o
Frente à crescente preocupação sobre os hábitos alimentares da população em
geral, este trabalho teve como objetivo compreender as razões que levam as
pessoas a consumirem alimentos saudáveis e a influência da cultura na tomada
de decisão. Para tanto, foram realizadas entrevistas com habitués de um res-
taurante especializado em alimentação natural, na cidade de Lavras (MG). A
pesquisa, de cunho qualitativo e de natureza descritiva, apontou que os prin-
cipais fatores culturais que influenciam o consumo de alimentos saudáveis, em
ordem de importância, foram, em primeiro lugar, a família, seguida da religião.
Além disso, identificou-se que muitos dos entrevistados associam a prática de
exercícios físicos com a alimentação equilibrada, visando assim, a uma melhor
qualidade de vida.
P a l a v r a s-ch a v e: Consumo. Cultura. Alimentação saudável. Hábitos.
A b s t r a c t
Given the increasing concern about the eating habits of the general population,
this study aimed to understand the reasons that lead people to eat healthy food,
and the influence of culture in decision making. For that, interviews with regulars
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 165-182, Jan/jul. 2017
Recebido em: 24/01/2017Aprovado em: 28/06/2017
* Mestre em Administração - Univer-
sidade Federal de Lavras
Professor - Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Sudeste
de Minas Gerais - Campus Barbacena
** Mestre em Administração - Univer-
sidade Federal de Lavras
Professor - Centro Educacional Paulo
Freire
*** Mestre em Administração - Uni-
versidade Federal de Lavras
Professor - Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia do Sul de
Minas Gerais - Campus Pouso Alegre
166
of a restaurant specializing in natural food were conducted in Lavras – a city in
the State of Minas Gerais. The qualitative and descriptive research pointed out
that the main cultural factors that influence the consumption of healthy food, in
order of importance, were: firstly, the family, followed by religion. Furthermore,
we identified that many respondents associate the practice of physical exercise
with a balanced diet, thus aiming at a better quality of life.
K e y w o r d s: Culture. Habits. Healthy eating.
1 Introdução
É notável o aumento de notícias e pesquisas científicas que divulgam e
relatam a importância de uma alimentação equilibrada e saudável, uma vez
que o bem-estar e a longevidade estão diretamente associados à dieta da pessoa
(CASTRO et al., 2007); Uma boa alimentação pode contribuir de forma signi-
ficativa na melhora da qualidade de vida1, auxiliando na redução do colesterol
ruim (LDL), na manutenção do peso corporal, na redução do risco de doenças
crônico-degenerativas, proporcionando, assim, mais saúde ao organismo.
Contudo, a ideia de alimentação saudável que vem sendo discutida ao longo
do tempo a partir de uma série de fatores, segundo Sousa (2006), hoje vem
seguindo algumas tendências. Entre elas, aponta com destaque em suas pesquisas
dois tipos de comportamento dos consumidores com relação às suas práticas ali-
mentares. De um lado, têm-se as pessoas que estão preocupadas com a estética
e, por isso, buscam alimentos que sejam adequados ao estereótipo físico e con-
somem produtos de baixo teor calórico, principalmente os light/diet. Por outro
lado, há os consumidores que buscam uma dieta que possa prolongar a vida com
qualidade, por meio do baixo consumo de proteína animal, o aumento no con-
sumo de grãos integrais e de frutas, legumes e verduras (FLVs) (SOUSA, 2006).
Tem-se então, de acordo com Poulain e Proença (2003), que as normas ali-
mentares podem ser “sociais” e/ou “dietéticas”. As dietéticas são constituídas de
um conjunto de prescrições sustentadas em conhecimentos científicos nutricio-
nais e difundidas por profissionais da área da saúde. As sociais, por sua vez,
correspondem a um conjunto de convenções relativas à composição estrutural
das tomadas alimentares – durante e fora das refeições – bem como às condições
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
1 Segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), qualidade de vida
é definida como a percepção do indi-
víduo sobre a sua posição na vida, no
contexto da cultura e dos sistemas
de valores nos quais ele vive, e em
relação a seus objetivos, padrões e
preocupações.
167
e contextos do seu consumo. No entanto, norma social e norma dietética influen-
ciam-se mutuamente (LÈVI-STRAUSS, 1991).
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), uma alimentação saudável
deve ser baseada em práticas alimentares, visando a assumir a significação social
e cultural dos alimentos como fundamento básico conceitual. Atala e Dória
(2008) salientam sobre a importância de se resgatar as práticas e valores alimen-
tares culturalmente referenciados, bem como estimular a produção e o consumo
de alimentos saudáveis regionais, como FLVs, sempre se levando em consideração
os aspectos comportamentais e afetivos relacionados às práticas alimentares.
Com isso, tem-se que os fatores culturais possuem significância no que diz
respeito às escolhas que as pessoas fazem ao consumirem os chamados produtos
saudáveis.2 Assim, este trabalho visa a contribuir, por meio da análise das influ-
ências culturais no consumo desses produtos, na compreensão dos fatores que
levam as pessoas a consumirem alimentos saudáveis.
Além desta introdução, a estrutura deste trabalho consiste, primeiramente,
em um referencial teórico, que aborda características sobre cultura, principal-
mente cultura alimentar, e alimentação saudável com ênfase aos atributos básicos
desse tipo de alimentação. Na sequência, são apresentados os aspectos meto-
dológicos que tratam dos procedimentos utilizados na pesquisa. Por fim, são
discutidos os resultados da pesquisa de campo e as considerações finais.
2 Referencial teórico
Direcionando para a complementaridade das diversas áreas do conhecimento
no estudo da cultura, este trabalho considera a reflexão de Schiffman e Kanuk
(2000, p.286), que afirmam que esse é “um empreendimento desafiador, por que
seu primeiro enfoque é no componente mais extenso do comportamento social
– uma sociedade inteira”. Dessa forma, são abordados temas como cultura, com-
portamento e consumo, cultura alimentar e alimentação saudável, de maneira
ampla, buscando trazer as contribuições de outras áreas do conhecimento para a
gastronomia e a gestão do produto.
, Porto Alegre, RS, v.10, n.1, p. 165-182, Jan/jul. 2017
2 De acordo com a Organização das
Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO), alimentos sau-
dáveis são aqueles pobres em gorduras
totais e, em particular, em gorduras
saturadas, sal e açúcar, enquanto
também ricos em fibra alimentar,
vitaminas e minerais.
Conrado Gomide Castro, Douglas de Oliveira Botelho e Diego César Terra de Andrade
168
2.1 Cultura e consumoTem-se cultura como um construto, ou seja, ela não é um fim em si mesmo.
Ela se transforma e se modifica ao longo do tempo, além de ocorrerem varia-
ções e diferenças entre povos, países, regiões e épocas temporais. Segundo
Tylor (1958), ela seria o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte,
morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como
membro da sociedade. Com sua origem na Antropologia, pode ser vista como
um conjunto inter-relacionado e complexo desses elementos. É a forma como
os indivíduos de um grupo se comportam, comunicam por meio da linguagem
e outros meios para se relacionarem com os membros de uma determinada
sociedade ou outro grupo.
Assim, pode-se dizer que a cultura influencia na maneira como as pessoas
se percebem, nos produtos que compram e utilizam, nos processos de compra e
na escolha das empresas de que virão a consumir. Para McCracken (2003) são
as ideias e atividades através das quais fabricamos e construímos nosso mundo.
Nessa perspectiva, esse autor propõe um modelo de transmissão de significado
no qual o mundo culturalmente constituído transfere, por meio da publicidade
e do sistema de moda, o significado para o bem de consumo, que é considerado
o locus, ou seja, onde fica instalado o significado. E é através dos rituais, seja de
posse, troca, arrumação ou despojamento, que o significado é transmitido ao
consumidor individual.
Nesse sentido, os valores da sociedade nos são ensinados desde a mais
tenra idade. Há uma tendência a aceitar os valores e as normas da sociedade
em vez de correr o risco de desaprovação ou punição social. Isso é transmi-
tido de uma geração para a outra, sobretudo por fatores como a família, a
religião e a escola (SCHEWE; SMITH, 1982). Já Blackwell, Miniard e Engel
(2005) mencionam que a cultura não inclui instintos ou comportamentos
idiossincráticos que ocorrem como uma solução de momento para um pro-
blema singular. Porém, reflete certas influências advindas de fatores como
etnia, raça, religião e identidade nacional ou regional. Como alguns desses
elementos mudam em uma sociedade, muda também a cultura – conforme
mostra a Figura 1.
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
169
Figura 1 – Modelo de transmissão de valores.
Valores daSociedade
FamíliaInstituiçõesReligiosas
Pares Mídia
Instituiçõesde Ensino
Sociedadedo Futuro
PrimeirasExperiências
de Vida
ValoresInternalizadosdo Indivíduo
Trio de Transmissão Cultural
Fonte: adaptado de Blackwell, Miniard e Engel (2005).
De acordo com Singh (2004), na literatura sobre marketing, a cultura tem
sido predominantemente medida pelos valores culturais. Para entender e analisar
a cultura como um todo, é necessário levar em consideração não somente os
valores culturais, mas também suas formas, rotinas, costumes, símbolos, arte-
fatos e proposições. Assim esse autor propõe análises culturais que levam em
consideração percepções, comportamentos e dimensões simbólicas da cultura, na
tentativa de promover um entendimento holístico da cultura.
Singh (2004) argumenta que os esquemas do mundo nos levam a reagir
a certas situações de diferentes formas. Os esquemas conduzem por sua vez à
emergência das proposições culturais, que são filtros culturais básicos usados pelo
indivíduo para que o ambiente no qual ele esteja inserido faça sentido. Quando
complexos esquemas culturais e modelos têm sentimentos, emoções e reforços
positivos e negativos, eles se tornam bem estabelecidos e motivam as pessoas
a agirem ou se comportarem de certo modo, o que os conduz à emergência de
valores culturais e crenças. Crenças, valores e normas, que estão intersubjeti-
vamente compartilhados, são transmitidos de geração para geração e adquirem
sentido público e estabilidade ao longo do tempo, sendo tratados como símbolos,
códigos, textos e tradições (SINGH, 2004).
Portanto, uma das tradições e exemplos dessa transmissão ao longo de
gerações é o hábito alimentar das pessoas, que é primeiramente aprendido e
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Conrado Gomide Castro, Douglas de Oliveira Botelho e Diego César Terra de Andrade
170
desenvolvido dentro do ambiente familiar, onde costumeiramente ouve-se a
expressão, “esta é uma receita que está na minha família há anos”, ou ainda “nin-
guém faz este prato como a minha avó”, justificando-se a importância da cultura
alimentar nos hábitos das pessoas, demonstrando a força dos fatores culturais na
alimentação do indivíduo.
Para Poulain e Proença (2003), dentro das dimensões da alimentação, isso é
colocado como a lógica da escolha, ou seja, verificar se a pessoa decidiu sozinha
ou se ela delegou a alguém essa responsabilidade, como a um parente ou amigo.
Identifica-se também a religião como uma importante variável na forma como
as pessoas se alimentam, já que, para algumas religiões, certos tipos de alimentos
como carne, produtos industrializados ou de origem animal não devem ser con-
sumidos ou, pelo menos, devem ser evitados por seus seguidores, o que direciona
a necessidade de estudos no que se refere à cultura alimentar.
2.2 Cultura alimentarA cultura influencia diretamente a escolha dos alimentos diários (RECINE;
RADAELLI, 2001). Desse modo, a alimentação humana e escolhas que as pes-
soas fazem ao definirem o cardápio de suas refeições parecem estar muito mais
vinculadas a fatores culturais, espirituais, religiosos e exigências tradicionais do
que às próprias necessidades fisiológicas.
O homem pré-histórico comia de tudo. No entanto, pode-se observar que
com o homem contemporâneo, já é bem diferente. Nem todos os animais e vege-
tais presentes na região fazem parte da sua alimentação, principalmente pelo fato
dos preceitos religiosos e culturais determinarem os costumes de certo indivíduo
(RECINE; RADAELLI, 2001).
Roberto DaMatta (1984) em seu livro “O que faz o Brasil, Brasil?” apresenta
nossa expressão cultural na alimentação. Segundo o autor “[...] no Brasil, nem
tudo que alimenta é sempre bom ou socialmente aceitável”. Do mesmo modo que
nem tudo que é alimento é comida. Tem-se então o alimento como tudo aquilo
que pode ser ingerido para manter uma pessoa viva e comida como tudo que se
come com prazer. Em outras palavras, o alimento é como uma grande moldura;
mas a comida é o quadro, aquilo que é valorizado e escolhido entre os alimentos;
aquilo que deve ser visto e saboreado com os olhos e depois com a boca, o nariz,
a boa companhia e, finalmente, a barriga [...]. O alimento é algo universal e
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
171
geral. Algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente
de perto ou de longe, da rua ou da casa [...]. Por outro lado, comida se refere a
algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade,
definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa [...]. Temos então o ali-
mento e temos comida. Comida não é apenas uma substância alimentar, mas é
também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se [...]. A comida vale tanto
para indicar uma operação universal, o ato de alimentar-se, quanto para definir
e marcar identidades pessoais e grupais, estilos regionais e nacionais de ser, fazer,
estar e viver. (DAMATTA, 1984, p.22-23).
De modo complementar, Leonardo (2006) lembra que a cultura alimentar
no Brasil é algo bem peculiar, sendo que nosso hábito alimentar é formado a
partir de três povos distintos:
1) A herança alimentar dos índios: estes viviam exclusivamente da caça, pesca e
das raízes colhidas. Daí uma alimentação mais centrada em raízes, e não na
produção de hortaliças e outros vegetais da agricultura. A herança dos índios
em nosso hábito alimentar são os amidos e raízes, alimentos ricos em energia
e calorias;
2) A herança alimentar dos africanos: comidas misturadas na mesma panela,
fato este originado pela condição de escravo desse povo, sujeito a se alimentar
dos restos de comida provenientes da “casa grande”, saindo-se do hábito de
assar, para o cozinhar dos ingredientes. O arroz com alguma “coisa” junto, o
amendoim com outra “coisa”. O cozido junto nas panelas vem da culinária
escrava africana;
3) A herança alimentar dos portugueses: a base cultural da comida portuguesa
é a oliva. Ainda hoje a comida portuguesa é sobrecarregada de azeite de oliva,
ocorrendo, assim, a predominância de gorduras. Aqui no Brasil, o óleo de
oliva foi substituído inicialmente pela gordura animal e depois por outros
óleos. A herança portuguesa em nosso hábito alimentar: alto teor de gordura
e açúcar – principalmente nos doces.
Nesse sentido, torna-se impossível pensar a cultura brasileira de forma uni-
versal, pois a diversidade regional, proveniente de um país continental, nos
impede de ver o mundo da mesma forma. Evidentemente, existem olhares simi-
lares, valores nacionais, uma cultura nacional.
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Conrado Gomide Castro, Douglas de Oliveira Botelho e Diego César Terra de Andrade
172
2.3 Alimentação saudávelAs práticas alimentares saudáveis devem visar ao resgate de hábitos ali-
mentares regionais inerentes ao consumo de alimentos in natura, produzidos
em nível local, culturalmente referenciados, e de elevado valor nutritivo, como
frutas, legumes e verduras, grãos integrais, legumes, sementes e castanhas, os
quais devem ser consumidos a partir dos seis meses de vida até a fase adulta e a
velhice, considerando sempre sua segurança sanitária (BRASIL, 2004). De um
modo geral, uma alimentação saudável, deve favorecer o deslocamento do con-
sumo de alimentos pouco saudáveis para alimentos mais saudáveis, respeitando a
identidade cultural-alimentar das populações ou comunidades.
Uma alimentação saudável, segundo o Guia alimentar para a população bra-
sileira (Brasil, 2014), deve contemplar alguns atributos básicos. São eles:
1) Acessibilidade física e financeira: uma alimentação saudável não é cara, pois
se baseia em alimentos in natura e produzidos regionalmente. O apoio e a
promoção aos agricultores familiares e às cooperativas para a produção e a
comercialização de produtos saudáveis, como grãos, legumes, frutas, legumes,
verduras, são importantes alternativas, não somente para a melhoria da qua-
lidade da alimentação, mas também para estimular a geração de renda em
pequenas comunidades, além de sinalizar para a integração com as políticas
públicas de produção de alimentos;
2) Sabor: o argumento da ausência de sabor da alimentação saudável é outro
tabu a ser desmistificado, pois uma alimentação saudável é, e precisa ser,
pragmaticamente, saborosa. O resgate do sabor como um atributo funda-
mental é um investimento necessário à promoção da alimentação saudável;
3) Variedade: o consumo de vários tipos de alimentos que fornece os diferentes
nutrientes, evitando a monotonia alimentar, que limita a disponibilidade de
nutrientes necessários para atender às demandas fisiológicas e garantir uma
alimentação adequada;
4) Cor: alimentação saudável contempla uma ampla variedade de grupos de
alimentos com múltiplas colorações; sabe-se que quanto mais colorida é a
alimentação mais rica é em termos de vitaminas e minerais. Essa variedade
de coloração torna a refeição atrativa, que agrada aos sentidos e estimula o
consumo de alimentos saudáveis como frutas, legumes e verduras, grãos e
tubérculos em geral;
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
173
5) Harmonia: essa característica da alimentação se refere especificamente à garantia
do equilíbrio em quantidade e em qualidade dos alimentos consumidos para o
alcance de uma nutrição adequada, considerando que tais fatores variam de
acordo com a fase do curso da vida e outros fatores como estado nutricional,
estado de saúde, idade, sexo, grau de atividade física, estado fisiológico. Vale
ainda ressaltar que, entre os vários nutrientes, ocorrem interações que podem
ser benéficas, mas também, prejudiciais ao estado nutricional, o que implica a
necessidade de harmonia e equilíbrio entre os alimentos consumidos;
6) Segurança sanitária: os alimentos devem ser seguros para o consumo, ou seja,
não devem apresentar contaminantes de natureza biológica, física ou química
ou outros perigos que comprometam a saúde do indivíduo ou da população.
Nesse sentido, com o objetivo de redução dos riscos à saúde, medidas preven-
tivas e de controle, incluindo as boas práticas de higiene, devem ser adotadas em
toda a cadeia de alimentos, desde a sua origem até o preparo para o consumo em
domicílio, em restaurante e em outros locais que comercializam alimentos.
Através desse breve recorte teórico, percebe-se o que é considerado uma ali-
mentação saudável e equilibrada pelo Ministério da Saúde.
3 Metodologia
O presente estudo qualitativo caracteriza-se como de natureza descritiva. Godoy
(1995) cita que as investigações qualitativas apresentam alguns aspectos que as dis-
tinguem de outras pesquisas, como: há o contato direto do pesquisador com o meio
e a conjuntura que está sendo examinada; propõe-se, com a pesquisa, uma maior
compreensão do assunto através da descrição mais aprimorada dos dados coletados
e todas as informações obtidas são importantes e necessitam ser analisadas; há a ten-
tativa, por parte dos pesquisadores, de compreender os fenômenos que estão sendo
analisados, a partir da perspectiva dos participantes, visando com isso ao confronto
da sua percepção com a de outros pesquisadores; e, como cerne, questões ou focos de
interesses amplos, que passam a ser diretos e específicos no decorrer da investigação.
Neste trabalho a coleta de dados foi realizada através de um questionário
semiestruturado, com questões que incitavam o pesquisado a relatar seus hábitos
alimentares. Nesse caso, as questões são padronizadas, mas as respostas ficam a
critério do entrevistado (ALENCAR, 1999). Para Alencar (1999), a vantagem
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desse tipo de questionário é permitir que o entrevistado manifeste suas opiniões,
seus pontos de vista e seus argumentos. Assim, foram entrevistadas quinze pes-
soas, entre homens e mulheres, com idades entre 24 e 87 anos, frequentadores
de um restaurante de comida natural localizado na cidade de Lavras (MG). As
entrevistas ocorreram em três dias, portanto, com uma média de cinco entrevis-
tados diários. Cabe ressaltar que na cidade existem alguns estabelecimentos que
comercializam produtos naturais, sendo que um desses estabelecimentos é do
mesmo proprietário do restaurante em que se realizou a pesquisa.
Segundo Gaskell (2002), a pesquisa qualitativa visa a explorar o espectro
das opiniões dadas pelos entrevistados, bem como as diferentes representações
sobre o assunto que está sendo analisado. Sendo assim, quando as respostas
começaram a não oferecer novos elementos de análise, atingindo-se a satu-
ração da pesquisa, optou-se por finalizar as entrevistas. Com isso, os indivíduos
foram abordados e informados sobre o propósito da pesquisa e, logo após, con-
duzidos às entrevistas, com gravação e posterior transcrição.
Utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, que utiliza artifícios siste-
máticos para descrição do conteúdo das mensagens, como argumenta Bardin
(1977). Segundo a autora, esse método utiliza um conjunto de técnicas de análise
das comunicações visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos
de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não)
que permitam a inferência de conhecimento relativa às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas dessas mensagens).
4 Análise e discussão dos resultados
A pesquisa proporcionou resultados relevantes, os quais foram analisados em
dois tópicos, sendo os fatores de influência na alimentação saudável e atributos
da alimentação saudável.
4.1 Fatores de influência na alimentação saudávelEntre os entrevistados, identificou-se que alguns consumidores conhecem o
outro estabelecimento do proprietário – loja que vende produtos naturais, como pães
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
175
integrais, cereais, grãos, produtos à base de soja, ervas e condimentos, entre outros
produtos que são cultivados sem a adição de produtos químicos – e que após a divul-
gação pelo dono começaram a frequentar o restaurante: “(...) eu comprava o pão
integral, eles me falaram que iam abrir o restaurante... me convidaram a conhecer o
restaurante... eu vim e gostei” (Entrevista 1, sexo feminino, 52 anos, pós-graduação).
Há também indivíduos que frequentam o local por seguirem preceitos religiosos
(espíritas, espiritualistas e adventistas) segundo os quais o consumo de carnes ver-
melhas não é indicado, pois dificulta o processo digestivo. Hodson (1993) destaca
que é difícil tentar sequer compreender como alguém pode associar conduta espi-
ritual e corpo puro mantendo seu corpo físico com os elementos mais grosseiros,
cuja obtenção necessariamente provoca enorme sofrimento físico e emocional aos
animais – essa visão é defendida, mas não imposta, por muitas religiões.
[...] você pode ter sim uma vida mais tranquila sendo car-
nívoro, mas com muitas dificuldades... a carne em si é um
obstáculo ao trabalho espiritual... você comendo carne você
faz o trabalho com muito mais dificuldade... e não atinge
determinados níveis de consciência essenciais para executar
o trabalho porque a carne impede esse alcance... se você
quer que sua consciência se expanda, se eleve é necessário
certas mudanças... o álcool, o fumo, as drogas, a carne são
obstáculos ao crescimento espiritual. (Entrevista 2, sexo
masculino, 73 anos, curso superior)
Contatou-se, também, frequentadores que, por necessidade e problemas de
saúde, procuram o local em busca de um alimento menos gorduroso, com mais
variedades de verduras e legumes e com tempero mais suave:
[...] a comida é mais natural, e eu estou evitando mesmo
comida gordurosa... eu sofro de colesterol alto... a idade vai
chegando, aí você tem que controlar, né?!... você não pode
ficar comendo sempre comida gordurosa... vai indo, e o
coração não aguenta, né?! (Entrevista 6, sexo feminino, 55
anos, ensino fundamental incompleto)
[…] eu tenho orientação médica, por causa do probleminha
de colesterol alto, e eu preciso controlar... eu gosto daqui
porque aqui tem variedade de verdura e legume que a gente
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pode escolher... quando eu mudei meu hábito de comer, eu
tava antes com 64 quilos e hoje tô com 55 quilos. (Entrevista
10, sexo feminino, 61 anos, ensino fundamental incompleto).
A visão dos entrevistados quanto à qualidade dos alimentos (menos gordura,
menos tempero, mais legumes e verduras) é condizente com o que Leonardo (2006)
coloca sobre a herança alimentar brasileira, ou seja, são traços fortes da alimentação
indígena e africana como, os amidos e raízes, alimentos esses ricos em energia e
calorias, diferentemente da herança deixada pelos portugueses, que é de alto teor de
gordura e açúcar na alimentação, reforçando as recomendações dadas pelo Ministério
da Saúde (Brasil, 2014), quanto ao consumo de alimentos saudáveis.
Por fim, tem-se a influência familiar: entrevistados relataram que a prática de
se alimentar de forma mais saudável provém de hábitos familiares. Sendo assim,
a alimentação saudável tem forte influência dos costumes alimentares da família:
[...] aprendi a comer de uma forma mais saudável com a
minha mãe, desde pequenininha a gente aprendeu a comer
bem... (Entrevista 8, sexo feminino, 25 anos, curso superior
completo)
[...] comecei a comer mais verdura e legumes... colorir meu
prato de comida por causa dos meus filhos e meus netos...
ficavam dizendo que eu tinha que melhorar a minha
comida, diminuir o consumo de gordura... até ginástica
eu faço... e comecei depois de velha. (Entrevista 9, sexo
feminino, 79 anos)
Conforme afirmações de Singh (2004) sobre as crenças, valores e normas
serem transmitidos de geração para geração e adquirirem sentido público e esta-
bilidade ao longo do tempo, sendo tratados como símbolos, códigos, textos e
tradições, percebem-se, portanto, a importância e influência principalmente da
família na tomada de decisão das pessoas na hora da alimentação. Isso corrobora
a dimensão da lógica da escolha colocada por Poulain e Proença (2003), segundo
a qual a pessoa delega a alguém essa responsabilidade.
Tentou-se estabelecer uma divisão/comparação entre frequentadores assíduos
e esporádicos do restaurante, com o intuito de verificar fatores culturais dife-
rentes que pudessem vir a influenciar as pessoas que vão ao local com maior
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
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frequência das que almoçam no local um menor número de vezes durante a
semana. Contudo, não foi possível se estabelecer tal relação, não ocorrendo, por-
tanto, inferências sobre este assunto ao longo do trabalho.
4.2 Atributos identificados da alimentação saudávelOs principais atributos de uma alimentação saudável, conforme o Guia
alimentar para a população brasileira (BRASIL, 2014), foram citados pelos entre-
vistados e encontram-se na Quadro 1.
Quadro 1: Atributos de uma alimentação saudável identificados pelos entrevistados.
Atributos Citações Entrevista
Acessibilidade física e financeira
proximidade de casa 13 e 15
preço acessível 2 e 4
4
Sabor
comida boa e gostosa 8, 9, 10 e 11
não utiliza condimentos químicos para dar gosto
12
comida não é feita utilizando muita gordura, o alimento é
levado à mesa de forma mais natural possível
6
comida com pouco sal e gor-dura, sem consumo de carne
3, 5
Variedade
mais verduras 10
comida vegetariana 2, 5, 12 e 14
grande variedade de legumes e verduras
7 e 12
variedade de nutrientes 14 e 15
Cor
os pratos tem que ser coloridos
1
a comida tem que ter várias cores
4
Harmonia
comida leve e que satisfaz 13
alimentação equilibrada em carboidrato, proteína e
vitamina7
Segurança sanitária
comida bem feita e com qualidade
2 e 4
1
Fonte: Pesquisa de campo, 2008 e Guia alimentar da população brasileira (BRASIL, 2014)
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Por meio da análise das informações coletadas, percebe-se que os indivíduos entre-
vistados têm conhecimento sobre algum tipo de atributo referente a uma alimentação
saudável. Contudo, não apresentam conhecimento sobre muitos itens, identificando
apenas algumas ou apenas uma característica que acreditam ser principal:
Eu gosto, viu?... tem que ter grande variedade de legumes,
frutas e hortaliças... por isso que procuro comer aqui pelo
menos uma vez por semana. (Entrevista 7, sexo masculino,
30 anos)
Pra mim, uma alimentação saudável não pode ser em
grande quantidade, tem que ser uma comida mais leve e
que me satisfaz. (Entrevista 13, sexo feminino, 60 anos)
Para mim, é uma comida com menos gordura e com pouco
sal, evitando ao máximo a ingestão de carne. (Entrevista 3,
sexo masculino, 48 anos, frequentador assíduo)
Além de procurar se alimentar de forma mais saudável, há entrevistados que
praticam algum tipo de atividade física, como natação, futebol, musculação e cami-
nhada. Há assim, a vinculação da alimentação saudável com a prática de exercícios,
visando a um equilíbrio entre o corpo físico e o espiritual – conforme alguns relatos:
A alimentação saudável vinculada à prática de exercícios
físicos contribui para uma vida mais saudável e também para
um corpo e uma mente mais saudável. (Entrevista 3, sexo
masculino, 48 anos)
Me alimentando melhor e praticando exercícios eu consigo
melhorar meu raciocínio e prevenir doenças. (Entrevista 4,
sexo masculino, 24 anos)
Com isso, tem-se que alguns dos entrevistados acreditam que uma alimentação
saudável contribui de forma significativa na qualidade de vida. Seja como uma forma
de prevenção a problemas de saúde e consequente longevidade, seja pela estética.
Identificam-se, então, as normas dietéticas prescritas por Poulain e Proença (2003), as
quais são constituídas de um conjunto de prescrições sustentadas em conhecimentos
científico-nutricionais e difundidas por profissionais da área da saúde.
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
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A pessoa que se alimenta bem, que diminui o consumo de
gordura trans, acaba tendo um bom intestino, não morre de
infarto aos 40 anos e pode estar ativo sexualmente aos 100
anos... isso é um investimento para o futuro... eu vou ter os
resultados quando estiver com 50, 60, 70 anos. (Entrevista
12, sexo feminino, 30 anos)
Depois que comecei a me alimentar melhor, melhorou tudo!...
antes tinha que tomar laxante porque meu intestino não fun-
cionava, agora não preciso... até a minha pele melhorou, nem
aparento que tenho 52 anos, não é? (Entrevista 1, sexo femi-
nino, 52 anos, pós-graduação, frequentadora assídua)
No entanto, para alguns dos entrevistados, para uma melhora na quali-
dade de vida das pessoas, há, também, a necessidade da prática de exercícios
físicos concomitantemente a uma alimentação saudável, como também de uma
religiosidade, não extremista, lazer e paz interior. Tem-se então, que para os
entrevistados um equilíbrio nas ações e práticas cotidianas das pessoas contribui
também na melhora da qualidade de vida: “Somente uma alimentação saudável
não contribui na qualidade de vida das pessoas... ter religiosidade e paz interior
são fundamentais” (Entrevista 5, sexo masculino, 87 anos, frequentador assíduo).
Sendo assim, pode-se dizer que qualidade de vida e alimentação saudável estão
intimamente ligada para grande parte das pessoas que procuram se alimentar
de uma forma equilibrada. Ou seja, na busca por alimentos saudáveis, as pes-
soas estão procurando uma qualidade de vida melhor. Observa-se, com isso, que
a alimentação passa a ser motivo de interesse, possibilitando à Administração
Mercadológica sua exploração.
5 Considerações finais
O objetivo do trabalho foi compreender as razões que levam as pessoas a
consumirem alimentos saudáveis e a influência da cultura na tomada de decisão,
pois se considerou que essas são variáveis que impactam as escolhas das pes-
soas. Os principais fatores identificados como influências culturais no consumo
de alimentos saudáveis, em ordem de importância, foram a família e a religião.
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Os entrevistados colocam que a prática adotada em âmbito familiar influencia
diretamente na escolha de alimentos saudáveis, pois se torna um hábito que é
adquirido. A família possui um grande papel na formação do indivíduo, sendo
esta uma referência do que é certo e errado para a pessoa. Quanto à religião, essa
não se apresenta tão clara, pois apenas algumas pessoas relataram que procuram
se alimentar de forma saudável por causa de princípios religiosos e espirituais.
Aqui se destaca a importância da pesquisa de cunho qualitativo, de natureza
descritiva, por meio de questionário semiestruturado, pois de outra forma não
seria possível dar voz ao entrevistado quanto a esta variável (religião) tão pouco
estudada.
Quanto à saúde, ela se mostra como principal motivo da procura por ali-
mentos saudáveis, devido à grande preocupação com doenças e qualidade de
vida, colocando a estética em segundo plano. Além disso, identificou-se que
muitos dos entrevistados associam a prática de exercícios físicos com a alimen-
tação equilibrada.
Como limitação do trabalho, tem-se o fato das entrevistas terem ocorrido em
um restaurante especializado em alimentos naturais. É possível que o contexto,
a atmosfera do ambiente e os valores que ele representa tenham influenciado
as pessoas, de forma tal a produzir um viés nas respostas. O fato de os entre-
vistados estarem em um mesmo lugar físico pode, também, restringir uma
presumível riqueza de detalhes e situações se comparados a outros tipos de pes-
quisas. Contudo, cabe ressaltar que a utilidade e consistência de cada conjunto
teórico devem ser analisadas em função dos seus objetivos propostos e dentro da
abrangência do seu escopo de análise. Nenhuma teoria aqui descrita mostra-se
superior à outra, mas, talvez complementar. E, se analisada em outro local, certa-
mente apontará para outros resultados. Sua adequação deve ser relacionada com
o objetivo/objeto e o nexo de investigação do pesquisador, sendo este também
um limite do trabalho.
Quanto a trabalhos futuros, sugere-se que um maior número de pessoas sejam
entrevistadas e em locais diversos, com o intuito de se obterem outros aspectos cul-
turais, e ainda testar as proposições sobre motivações e valores aqui identificados.
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Competência - Revista da Educação Superior do Senac-RS é uma publicação de periodici-
dade semestral cujo objetivo é promover e divulgar artigos e resenhas que contribuam para
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Ações do imaginário organizacional moderno na subjetividade
de jovens aprendizes do setor bancário
David Silva Franco, Alex Fernandes Magalhães e Kely Cesar Martins de Paiva
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O que a cultura tem a nos falar sobre a alimentação saudável?
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