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LUXEMBURGROSAA história de uma das maiores socialistas de todos os tempos 90 anos depois de seu assassinato

Revista de Formação

Político-Pedagógica

do SINTESE

nº 02 - Sergipe - janeiro - 2009

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dade socialista. Neste mês, mais

precisamente em 15 de janeiro de

2009 faz 90 anos que ela e o seu

companheiro Karl Libknecht fo-

ram barbaramente assinados por

nazistas alemães. Mesmo 90 anos

depois, suas idéias de uma outra

sociedade, com o protagonismo

dos trabalhadores permanecem

extremamente vivas, assim como

as do educador Paulo Freire.

Não por acaso esta edição é

patrocinada pelo Sintese, sindica-

to dos professores da rede pública

em Sergipe. Rosa foi uma extraor-

dinária educadora na vida cotidia-

na e na escola. Em um tempo que

mulher não entrada na universida-

de, ela conseguiu o título de dou-

tora em economia. Ela foi também

professora de Economia Política e

História Econômica na escola de

formação do Partido Social-De-

mocrata Alemão. A partir de suas

aulas ela escreve duas das suas

obras mais importantes: “Introdu-

ção à economia política” (publica-

do em 1925) e “A acumulação do

capital” (1913). Rosa Luxemburg

era uma excelente professora,

daquelas que levava os alunos à

reflexão, evitando impor-lhes dog-

maticamente suas próprias idéias.

Essa sua ação em levar os alunos

à reflexão não encontrava guarida

nos altos dirigentes do partido e

ela é obrigada a deixar a escola.

Esta modestíssima lembrança

de uma mulher que marcou a his-

tória de luta dos trabalhadores em

busca de uma sociedade socialista

pode, quem sabe, ajudar a manter

acessa a chama revolucionária que

existe em cada um de nós. Agra-

decimentos especiais ao pessoal

da Fundação Rosa Luxemburg, ao

companheiro socialista Hildebran-

do Maia, a professora Alexandrina

Luz e aos dirigentes do Sintese.

Boa leitura e discussões!

José Cristian Góes

Editor da Revista Paulo Freire

A primeira edição da

Revista Paulo Freire

não poderia ter sido

diferente. Lá se contou, resumi-

damente, a história de um dos

maiores educadores de todos os

tempos, o próprio Paulo Freire.

Foi um presente extraordinário

para educadores, alunos e mili-

tantes sociais concedido pela de-

putada estadual Ana Lúcia e pelo

deputado federal Iran Barbosa,

ambos professores e grandes refe-

rências do magistério sergipano. A

procura pela revista foi tão grande

que os mil exemplares iniciais logo

se transformaram em 3 mil e até

hoje ela é procurada para servir

de pesquisa e debate em escolas e

universidades.

Esta segunda edição da Revista

Paulo Freire também não poderia

ter destino diferente. Aqui se faz

uma homenagem mais que justa

a uma das maiores socialistas de

todos os tempos: Rosa Luxem-

burg, uma mulher guerreira, re-

volucionária, judia polonesa que

enfrentou com coragem e ousadia

enormes preconceitos para defen-

der a construção de uma socie-

Rosa Luxemburg: presente!primeiras palavras

Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE

Rua Sílvio Teófilo Guimarães, 70, B. Pereira Lobo

Aracaju/SE Cep. 49052-410. Tel: (79) 2104-9800

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Representantes na América do Sul.

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Danilo C. César - Conteúdo Web

Suia Dubiela - Assistente Administrativa

Fundação Rosa Luxemburg

A Fundação Rosa Luxemburg (Rosa Luxem-

burg Stiftung – RLS) foi fundada em 1990, e

é desde 1996 uma fundação política próxima

ao antigo Partido do Socialismo Democrático

(PDS), hoje o Partido de Esquerda (Die Linke).

site: http://www.rosalux.de

Outras referências:

-Luxemburgo, Rosa. “Reforma social ou revolu-

ção?”, São Paulo: Global Editora, 1986.

-Vares, Luiz Pilla. “Rosa, a vermelha; Vida e

Obra de Rosa Luxemburgo”, São Paulo: Busca

Vida, 1988.

-Professora Isabel Loureiro, do Departamento

de Filosofia da Faculdades de Filosofia e Ciên-

cias da Unesp/SP.

onde achar

A luta maior e o mais simples da vida! 04A luta revolucionária 05

O papel das massas 06

A sociedade socialista na prática cotidiana 07

Conselhos de operários 08

Militante dos direitos humanos 12Rosa, vermelha Rosa 14Rosa Luxemburg no Brasil 15Alguns legados de Rosa Luxemburg 16O que quer a Liga de Spartakus?, por Rosa Luxemburg(1) 17

Cronologia da Revolução: vida e morte de Rosa Luxemburg 10

Rosa foi uma extra-

ordinária educadora

na vida cotidiana e na

escola.

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Rosa Luxemburg, revolu-

cionária judia polonesa

assassinada em Berlim

em janeiro de 1919, no decorrer

da revolução alemã, permanece

até hoje uma figura fascinante, tan-

to por suas idéias políticas, quanto

por sua coerência e integridade.

As militantes em particular po-

dem mirar-se no seu exemplo: a co-

ragem e ousadia com que enfrentou

preconceitos fortemente arraigados

na social-democracia alemã, onde

às mulheres eram reservados os as-

suntos “femininos”, sinônimo pou-

co sério, é até hoje surpreendente.

Intelectual e oradora brilhante,

Rosa jamais se conformou com esses

limites. Seu objetivo era fazer política

partidária em pé de igualdade com

os maiores teóricos do partido. Ja-

mais ficou numa posição subalterna.

Um episódio do início de 1907,

contado por Paul Frölich, um dos bi-

ógrafos de Rosa, mostra bem essa fa-

ceta do seu temperamento. Kautsky

havia convidado alguns companhei-

ros de partido para almoçar num

domingo. Rosa e sua amiga Clara

Zetkin tinham saído para passear e

chegaram atrasadas. Quando o Be-

bel (presidente do partido) caçoou

delas, dizendo temer que se tives-

sem perdido, Rosa voltou-se para

ele sorrindo e disse: “Sim, vocês

poderiam ter escrito nosso epitáfio:

aqui repousam os dois últimos ho-

mens da social-democracia alemã”.

lectualmente no interior da social-

democracia — o partido da classe

operária alemã —, empurrá-la para

a esquerda, combater a rotina,

“permanecer idealista”, trabalho

a que se dedicou incansa-

velmente até a guerra.

Dotada de gran-

de coragem inte-

lectual e moral, ela

sempre combateu

com intransigência

em favor do que con-

siderava a causa jus-

ta — o fim de todas as

formas de opressão, tanto

social quanto individual. Sua luta

política, que podemos acompa-

nhar pela obra teórica exposta em

artigos e livros, segue em paralelo

com uma obstinada luta pessoal

visando construir uma vida feliz

junto com o homem amado, em-

bates que encontramos expostos

na sua vastíssima correspondência.

CHOQUE DE REALIDADE

Impregnada de ardentes ideais

revolucionários construídos na mi-

litância política clandestina na sua

Polônia natal e no exílio na Suíça,

Rosa sofre um choque ao mudar-

se para Berlim em 1898, vinda de

Zurique, onde concluíra a univer-

sidade com um brilhante douto-

rado sobre “O desenvolvimento

industrial da Polônia”. Ela dá-se

conta rapidamente de que a social-

democracia alemã, a organização

que escolhera para fazer carreira

política (o maior partido operário

do ocidente e modelo da esquerda

na época), na realidade não passa-

va de uma grande organização bu-

rocrática, adepta de um marxismo

de fachada, e que os respeitados

líderes social-democratas, pusilâni-

mes e medíocres, eram totalmente

carentes de talento e imaginação.

Rosa, cuja experiência polí-

tica num país pobre e atrasado

lhe fazia ver com olhos críticos

a atmosfera da esquerda alemã,

pôs-se como tarefa vencer inte-

A luta maior e o mais simples da vida!

Rosa Luxemburg

Rosa Luxemburg perma-

nece até hoje uma figura

fascinante, tanto por suas

idéias políticas, quanto

por sua coerência e inte-

gridade.

CLARA E ROSA

Amigas revolucionárias

em 1910.

Rosa: política e felicidade pessoal

Seu maior desejo sempre foi unir

política e felicidade individual — desejo

que cala fundo no coração das mulhe-

res. Por isso mesmo brigava com Leo

Jogiches, seu grande amor durante 15

anos e mentor político da juventude, que

só tinha olhos para a “causa” e desprezo

por tudo que fosse “burguês”: conforto,

paz de espírito, tranqüilidade, prazer, fe-

licidade, desejo de ter filhos. A seguinte

passagem de uma carta a Leo, de 6 de

março de 1899 — Rosa tem 29 anos

— é reveladora: “Mantenho minhas pre-

tensões à felicidade pessoal. É um fato,

tenho um enorme desejo de ser feliz e

estou disposta a negociar, dia após dia,

em favor da minha pequena ração de feli-

cidade com a teimosia de uma mula (...)”.

Leo Jogiches era o revolucionário

típico, “durão”. Rosa, à medida que vai

se tornando independente e passa a

ser respeitada teórica e politicamen-

te no interior da social-democracia,

começa a afastar-se dele em termos

afetivos. Até que rompe definitivamente

no início de 1907, quando teria se tor-

nado amante de

Costia Zetkin, 13

anos mais novo,

filho de sua ami-

ga Clara Zetkin.

A Rosa revolu-

cionária que luta com

todas as forças para

não sacrificar a felici-

dade individual, que

recusa teimosamente a

compartimentação e a

fragmentação impostas

pelo capitalismo, tem um

alto objetivo a atingir

— tornar-se um ser

humano completo.

Interessa-se por litera-

tura, pintura, música,

botânica, tem uma ligação visceral com

a natureza, de que fala longamente nas

cartas escritas da prisão, recordando os

passeios pelo campo, pelas montanhas,

na companhia de amigos, sozinha. No

contato com a natureza, Rosa restaura

as energias perdidas no combate político.

LEO JOGICHES

Grande amor na vida de

Rosa

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“A revolução do proletariado, que acaba

de começar, não pode ter nenhum outro fim

nem nenhum outro resultado a não ser a rea-

lização do socialismo. Antes de tudo, a classe

operária precisa tentar obter todo o poder

político estatal. Mas para nós, socialistas, o po-

der político é apenas meio. O fim para o qual

precisamos utilizar o poder é a transformação

radical da situação econômica como um todo.

Hoje, todas as riquezas _ as maiores e

melhores terras, as minas e empresas, assim

como as fábricas _ pertencem a alguns poucos

latifundiários e capitalistas privados. A grande

massa dos trabalhadores, por um árduo traba-

lho, recebe apenas desses latifundiários e capi-

talistas um parco salário para viver. O enrique-

cimento de um pequeno número de ociosos

é o objetivo da economia atual.

Esta situação deve ser eli-

minada. Todas as riquezas

sociais, o solo com to-

dos os tesouros que

abriga no interior e

na superfície, todas

as fábricas e em-

presas, enquanto

propriedades comuns

do povo, precisam

ser tiradas

das mãos dos

exploradores.

O primeiro

dever de um

verdadeiro go-

verno operário

Rosa Luxemburg tinha plena consciência de que o ser humano total só po-

deria realizar-se numa sociedade onde houvesse justiça, paz, igualdade — numa comunidade humana autêntica que, para ela, significava socialismo. E este só poderia ser construído pela “luta de classes revolucionária do proletariado”. Daí o dever de dedicar-se à revolução.

Através de suas correspondências, vemos uma mulher dedicada à política revolucionária que, no fundo, para ela sig-nificada buscar a felicidade integral para todos, especialmente para os operários. Rosa é profundamente apaixonada pela luta revolucionária, ativa. Rosa é a práxis!

Esse forte traço de personalidade — a recusa de uma vida compartimentada, com cada coisa no seu lugar e na sua hora — traduz-se em termos políticos na rejeição apaixonada do trabalho buro-crático, de rotina dentro da organização. Seu espírito arrebatado fora talhado para os grandes atos heróicos. Tanto que vive intensamente nas trincheiras das guerras revolucionárias e quando estava presa.

Rosa é o oposto inequívoco do bu-rocrata de partido, meticuloso, unica-mente preocupado com a manutenção da máquina da qual depende, que nunca quer arriscar nada, medíocre, sem imaginação, para quem a política é sinônimo de conchavos e de acordos feitos em surdina. A sua compreensão da vida — “viver em perigo e perigo-samente” —, o seu universo feito de grandes ideais generosos, e a luta constante para ver realizada uma “política moral”, fundada em princípios revolucioná-rios inflexíveis, eram um grito de repúdio contra “os velhos

Kautsky, considerado o grande teórico da social-democracia alemã na época. A teoria marxista não é para ela um es-quema vazio que pode ser aplicado em qualquer circunstância, mas uma pode-rosa ferramenta de análise da realidade, que se enriquece e se transforma com

a experiência histórica. Sempre atenta à riqueza do real, Rosa demonstra nas suas análises um talento invulgar para fazer “análise concreta da situação concreta”. Daí o frescor de seus tex-tos, de que poderemos ter uma peque-na idéia na coletânea aqui publicada.

e bem comportados companheiros da defunta social-democracia, para quem os carnês de filiação são tudo, os homens e o espírito, nada”, como escreve num artigo de 18 de novem-bro de 1918, logo que sai da prisão.

Uma das razões pelas quais Rosa nos atrai até hoje é o seu estilo vivo, cla-ro, espontâneo, rico de metáforas, que consegue dar carne à teoria. O opos-to do estilo seco e mecânico de um

A luta revolucionáriaCartas abertas

SPD

Rosa e alguns

dirigentes do

partido

KARL MARX

Bases das

idéias de Rosa

a coletividade, quer trabalho manual, quer

intelectual, pode exigir da sociedade meios

para a satisfação de suas necessidades. Uma

vida ociosa, como hoje levam na maioria das

vezes os ricos exploradores, acaba. A obriga-

ção de trabalhar para todos os que são capa-

zes, exceto naturalmente as crianças pequenas,

os velhos e os doentes é, na economia socialista,

uma coisa evidente. Quando aos incapazes de

trabalhar, a coletividade precisa simplesmente

tomar conta dele – não como hoje, com esmolas

miseráveis, mas por meio de alimentação abun-

dante, educação pública para as crianças, boas

assistência médica pública para os doentes etc.

Terceiro: a partir do mesmo ponto de vista,

isto é, do bem-estar da coletividade, é preciso

que os meios de produção, assim como as

forças de trabalho sejam inteligentemente

administradas e economizadas. O desperdício,

que ocorre hoje a cada passo, precisa acabar.

Na economia socialista é suprimido o

empresário com seu chicote. Aqui os trabalha-

dores são homens livres e iguais, que traba-

lham para seu próprio bem-estar e benefício.

Isso significa trabalhar zelosamente por conta

própria, por si mesmo, não desperdiçar a ri-

queza social, fornecer o trabalho mais honesto

e pontual. Cada empresa socialista precisa,

naturalmente, de um dirigente técnico que

entenda exatamente do assunto, que estabe-

leça o que é mais necessário para que tudo

funcione, para que seja atingida a divisão do

trabalho mais correta e o mais alto rendimen-

to. Ora, isso significa seguir essas ordens de

boa vontade, na íntegra, manter a disciplina e

a ordem, sem provocar atritos nem confusões.

A juventude trabalhadora, sobretu-

do, é chamada para esta grande tarefa.

Como geração futura, ela formará com

toda certeza o verdadeiro fundamento da

economia socialista. Ela tem que mostrar

já, como portadora do futuro da humanida-

de, que está à altura dessa grande tarefa.

consiste em proclamar, através de uma série

de decisões soberanas, os meios de produção

mais importantes como propriedade nacio-

nal e em pô-los sob o controle da sociedade.

Só então começa propriamente a

mais difícil tarefa: a construção da eco-

nomia em bases totalmente novas.

Hoje, em cada empresa, a produção é di-

rigida pelo próprio capitalista isolado. O que e

como deve ser produzido, quando e como as

mercadorias fabricadas devem ser vendidas é o

empresário quem determina. Os trabalhadores

jamais cuidam disso, eles são apenas máqui-

nas vivas que têm de executar seu trabalho.

Na economia socialista tudo isso precisa

ser diferente! O empresário privado desapa-

rece. A produção não tem mais como objetivo

enriquecer o indivíduo, mas fornecer à coletivi-

dade, meios de satisfazer todas as necessida-

des. Conseqüentemente, as fábricas, empresas,

explorações agrícolas precisam adaptar-se

segundo pontos de vista totalmente novos:

Primeiro: se a produção deve ter por objetivo

assegurar a todos uma vida digna, fornecer à todos

alimentação abundante, vestuário e outros meios

culturais de existência, então a produtividade do

trabalho precisa ser muito maior que hoje. Os cam-

pos precisam fornecer colheitas maiores, nas fábri-

cas precisa ser utilizada a mais alta técnica; quando

às minas de carvão e minério, apenas as mais

rentáveis precisam ser exploradas etc. Segue-se

daí que a socialização se estenderá, antes de mais

nada, às grandes empresas industriais e agrícolas.

Não precisamos nem queremos tirar a pequena

propriedade ao pequeno agricultor e ao pequeno

trabalhador que, com seu próprio trabalho, vive

penosamente do seu pedacinho de terra ou da

sua oficina. Com o tempo, todos eles virão até

nós voluntariamente e compreenderão as vanta-

gens do socialismo sobre a propriedade privada.

Segundo: para que na sociedade todos pos-

sam usufruir do bem-estar, todos precisam tra-

balhar. Apenas quem executa trabalho útil para

A socialização da sociedade, por Rosa LuxemburgFragmentos do texto

de Rosa sobre a sociali-

zação da sociedade, de

dezembro de 1918

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tender dominava a social-democracia

alemã e corria o risco de impor-se

também na Rússia), Rosa enfatiza

a força criadora da ação das massas

que, ao agir, rompem na prática com

o estado de alienação em que se en-

contram. “No princípio era a ação”

significa que a iniciativa pertence às

massas, não ao partido, o que não

significa dizer que os partidos não

têm papel fundamental a desempe-

nhar, Rosa não é uma anarquista que

rejeita por princípio a organização. O

partido tem por função esclarecer,

explicar, ajudar a formar, pois ele pos-

sui a visão de conjunto do processo

de desenvolvimento capitalista e, por

conseguinte, do lugar que nele ocupa

a classe revolucionária. Mas o partido

não pode agir no lugar das massas,

não pode substituí-las, como se fosse

um pequeno exército bem treinado

que na hora combinada derruba o

poder constituído e ocupa o seu lugar.

Uma revolução socialista só pode

ser vitoriosa, no entender de Rosa

Luxemburg, se a grande maioria da

massa popular aprovar conscien-

temente os projetos da vanguarda,

ou, em outras palavras, se a van-

guarda for intérprete da vontade das

massas, porta-voz dos seus anseios.

Luxemburg discorda da concepção

leninista do partido como uma van-

guarda centralizada e disciplinada

de revolucionários profissionais, se-

parada da grande massa dos trabalha-

dores, que teria por função dirigi-los.

Rosa defende a idéia de que a

consciência nasce na própria luta, na

ação, na educação. Para ela não são

as organizações que desencadeiam

sozinhas o processo revolucioná-

rio, mas é a situação revolucionária,

a qual depende da conjugação de

Rosa Luxemburg fi-

cou conhecida como

a teórica pioneira do

socialismo democrático, em virtu-

de da sua defesa intransigente da

autonomia criadora das massas

contra o burocratismo paralisante

das organizações, idéia que pode

ser resumida no seguinte verso do

Fausto de Goethe, que ela toma

por lema — No princípio era a ação.

Vejamos agora rapidamente

como essa idéia aparece em alguns

dos seus escritos mais importantes,

o que nos permitirá traçar, ainda

que esquematicamente, as linhas

gerais do seu pensamento político.

Num artigo famoso de 1904 in-

titulado “Questões de organização

da social-democracia russa” Rosa

O papel das massasSocialismo democrático

uma complexa série de fatores eco-

nômicos, políticos e sociais, gerais e

locais, materiais e psíquicos, que leva

à formação do elemento consciente.

Isso, segundo Rosa, foi demons-

trado pela experiência histórica. Por

exemplo, na Rússia, as greves econô-

micas (contra o capitalismo) e políticas

(contra a autocracia czarista) de fins do

século XIX e início do século XX ex-

plodiram porque elemento da ação já

estava ali presente, o que faz Rosa con-

cluir: “Em todos estes casos, no princí-

pio era ‘a ação’. A iniciativa e a direção

consciente das organizações social-de-

mocratas representaram aí um papel

extremamente insignificante”. (Ob-

serve-se o contexto daquela época).

Contra uma visão burocrática e

autoritária da política (que no seu en-

“A formação de um sujeito revolucioná-rio consciente é um processo muito longo e doloroso”

Rosa: ação e a organizaçãoA idéia que podemos extrair de “Ques-

tões de organização” (e de muitos outros

textos), fundamental no seu pensamento

político, é que as organizações são mui-

to mais resultado da ação das massas

que condição prévia para a existência de

qualquer política revolucionária. Significa

— e assim ela encerra seu artigo — que

“os erros cometidos por um movimento

operário verdadeiramente revolucionário

são, do ponto de vista histórico, infinita-

mente mais fecundos e valiosos que a

infalibilidade do melhor ‘comitê central’”.

O que Rosa está enfatizando aqui,

como podemos perceber, é a importân-

cia da experiência das massas na cons- O PODER DAS MASSAS

Engajamento na Revolução Russa.

REVOLUÇÃO RUSSA

Lenin em momento histórico.

cientização delas, tema que vai adquirindo

cada vez mais importância na sua obra, so-

bretudo a partir de 1914. O chauvinismo do

proletariado no início da guerra represen-

tou para ela um duro golpe nas esperanças

revolucionárias. Uma coisa era o conserva-

dorismo das lideranças social-democratas

— que vinha combatendo praticamente

desde que chegara a Berlim — outra era

o conservadorismo do proletariado aderin-

do à guerra imperialista e abandonando o

programa internacionalista da social-demo-

cracia, em vez de fazer guerra à guerra. A

partir dessa época, Rosa dá-se conta de que

a formação de um sujeito revolucionário

consciente — o fim da alienação — é um

processo

muito mais

longo e do-

loroso do que

imaginara an-

teriormente,

que passa ne-

cessariamente

pela crítica dos

erros e das ilu-

sões, por “terrí-

veis sacrifícios”, e

que não há “guia

infalível” que mos-

tre ao proletariado

o caminho a seguir.

7

em que grandes massas populares,

anteriormente vítimas de um desti-

no incontrolado, passam a se auto-

determinar no plano político, eco-

nômico e cultural — quando surge

um “espaço público proletário” — ,

conquistando direitos antes nega-

dos, que uma alternativa à socieda-

de capitalista começa a esboçar-se.

AÇÃO DOS TRABALHADORES

Esse espaço público proletário

é criado na ação pelas mais dife-

rentes formas de experiência dos

trabalhadores, experiência que

tanto pode encarnar-se no partido,

quanto nos sindicatos ou nos con-

selhos, enfim, nos mais variados

movimentos sociais, políticos e cul-

turais ligados ao campo popular.

Para Rosa não há uma única for-

ma de organização, determinada

de uma vez por todas. A luta de

classes, no seu desenvolvimento

incessante, inventa a cada passo

novas formas de os de baixo se

organizarem. Com a revolução

alemã, uma dessas formas de

organização, que vem ampliar

o arsenal à disposição dos tra-

balhadores, são os conselhos.

existência prévia à classe, precisa-

mente porque não há separação

entre ser social e consciência. Rosa

segue de perto os ensinamentos

de Marx, segundo o qual era por

meio da praxis revolucionária que

os homens transformavam ao mes-

mo tempo o mundo e a si mesmos.

Exatamente porque uma so-

ciedade socialista democrática só

pode ser resultado da ação das

massas, entregues livremente às

mais variadas experiências é que

Rosa vive com tanto entusiasmo

nos períodos de ruptura revolu-

cionária. Pois é nessas ocasiões

com uma necessidade social real,

os meios de satisfazê-la, ao mesmo

tempo que a tarefa a realizar, a sua

solução. E assim sendo, é claro

que o socialismo, por sua própria

natureza, não pode ser outorgado

nem introduzido por decreto. Ele

pressupõe uma série de medidas

coercitivas contra a propriedade

etc. Pode-se decretar o negativo, a

destruição, mas não o positivo, a

construção. Terra nova. Mil pro-

blemas. Só a experiência é capaz de

corrigir e de abrir novos caminhos”.

EXPERIENCIAS VIVIDAS

Para Rosa, a busca pela cons-

ciência é fruto das experiências

vividas, insatisfações, decepções,

derrotas, mais que das vitórias da

própria classe. Na luta recupera-se

o atraso, o proletariado aprende

com sua própria experiência, com

seus equívocos, o que é mais im-

portante que evitar erros mediante

a tutela de um comitê central. Em

Rosa Luxemburg não há fetichis-

mo da organização, esta não tem

A idéia de que as mas-

sas trabalhadoras só

podem sair do estado

de alienação em que se encontram

a partir das suas próprias experiên-

cias — e não porque uma vanguar-

da esclarecida lhes leva de fora uma

verdade codificada num programa

ou num estatuto — é recorrente no

seu pensamento. Em outro texto

também muito conhecido, A Re-

volução Russa, escrito na prisão

em 1918, Rosa critica a dissolução

da Assembléia Constituinte pelos

bolcheviques, argumentando que

liberdades democráticas irrestritas

são como o ar para a educação e

conscientização das amplas massas

populares, porque só assim, pre-

cisamente, elas podem entregar-

se às mais variadas experiências,

avançar ou voltar sobre seus pró-

prios passos quando equivocadas.

Escreve Rosa: “O sistema so-

cial socialista não deve nem pode

ser senão um produto histórico,

nascido da própria escola da expe-

riência, nascido na hora da sua re-

alização, resultando do fazer-se da

história viva que, exatamente como

a natureza orgânica, da qual faz

parte em última análise, tem o belo

hábito de produzir sempre, junto

A sociedade socialista na prática cotidiana

Espaço público proletário

REVOLUÇÃO RUSSA

Rosa participa de todo o processo

revolucionário na Europa.

1917

Trotsky, Lenin e Kamenev.

“Rosa segue de per-

to os ensinamentos

de Marx, segundo o

qual era por meio da

praxis revolucionária

que os homens trans-

formavam ao mesmo

tempo o mundo e a si

mesmos”.

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FALANDO PARA AS MASSAS

Comício em Stuttgart, em 1907.

Mas os spartakistas eram efe-

tivamente uma pequena minoria,

com poucos representantes nesses

organismos de base dos trabalha-

dores. Aliás, os próprios conse-

lhos não eram tão revolucionários

quanto Rosa Luxemburg e Karl

Liebknecht gostariam. A prova

disso é que o Primeiro Congresso

Nacional dos Conselhos de Ope-

rários e Soldados (realizado em

Berlim, em meados de dezem-

bro) recusou a proposta de uma

República conselhista, votando a

favor das eleições para a Assem-

bléia Nacional. Este é o pano

de fundo do discurso de Rosa

apoiando a democracia conselhis-

ta no mencionado congresso de

fundação do Partido Comunista.

DEFESA DOS CONSELHOS

No fim do discurso, Rosa de-

fende energicamente os conselhos

de poder precisava ser legitimada

por uma Assembléia Nacional,

a ser eleita em janeiro de 1919.

Em relação às eleições para

a Assembléia Nacional, a social-

democracia estava dividida: de

um lado, a maioria (no poder)

era a favor de uma República par-

lamentar, ou seja, acabar com os

conselhos; do lado oposto, a mi-

noria (a Liga Spartakus de Rosa

Luxemburg e Karl Liebknecht,

depois Partido Comunista Ale-

mão) defendia uma República

conselhista. Sua palavra de ordem,

inspirada na Revolução Russa,

era “todo poder aos conselhos”.

No início de novem-

bro de 1918 sur-

giram por toda a

Alemanha conselhos de operários

e soldados — um movimento das

massas, cansadas da guerra e exi-

gindo o fim imediato do conflito.

No dia 9 de novembro, a onda

revolucionária atinge Berlim.

O imperador renuncia e Frie-

drich Ebert, líder da ala majoritá-

ria da social-democracia, torna-se

primeiro ministro. A República

é proclamada. Portanto, com a

revolução de novembro a social-

democracia torna-se governo na

Alemanha. Mas essa mudança

Conselhos de operáriosDemocracia

como fundamento da democracia:

“Precisamos tomar o poder, preci-

samos pôr assim a questão da to-

mada do poder: o que faz, o que

pode fazer, o que deve fazer cada

conselho de operários e soldados

em toda a Alemanha? (‘Bravo!’)

É aí que reside o poder; devemos

solapar o Estado burguês a partir

da base, não separando mais por

todo lado os poderes públicos, não

separando legislação e administra-

ção, mas unindo-as, pondo-as nas

mãos dos conselhos de operários

e soldados. [...] A massa precisa

aprender a exercer o poder, exer-

cendo o poder. Não há nenhum

outro meio de lhe ensinar isso [...].

As massas são educadas quando

passam à ação (‘Muito bem!’).

No princípio era a ação, é aqui a

divisa; e a ação consiste em que

os conselhos de operários e sol-

dados se sentem chamados a tor-

9

nar-se o único poder público em

todo o país e aprendem a sê-lo.”

Em outras palavras, neste con-

texto, a verdadeira democracia

significa democracia conselhista,

uma vez que aqui o poder não

é nenhuma instância exterior e

acima das massas. Os conselhos

são organismos democráticos

por exercerem simultaneamente

funções legislativas e executivas,

aqueles que fazem as leis são os

mesmos que as aplicam e que ad-

ministram a coisa pública. Com

isso, é eliminada a separação en-

tre dirigentes e dirigidos, base do

autoritarismo, da burocracia, da

dominação e da exploração no

capitalismo contemporâneo. Uma

democracia conselhista significa,

em resumo, o governo de “todos

os que trabalham e não exploram

trabalho alheio” (Mário Pedrosa).

Mas essa democracia que vem

de baixo, para se efetivar, precisa

de massas educadas, conscientes.

Como escreve Rosa em outro arti-

go: “é preciso auto-disciplina inte-

rior, maturidade intelectual, serieda-

de moral, senso de dignidade e de

responsabilidade, todo um renasci-

mento interior do proletário. Com

homens preguiçosos, levianos, ego-

ístas, irrefletidos e indiferentes não

se pode realizar o socialismo.” En-

tretanto, para que as massas se tor-

nem conscientes é preciso tempo.

Justamente o que falta aos re-

volucionários. A contra-revolução,

com profundas raízes na Alema-

nha, prepara-se e derrota brutal-

mente a minoria revolucionária

que, contra a própria vontade, se

encontrava isolada — isolamento

fatal porque as massas alemãs,

exauridas durante quatro anos

por uma guerra brutal, não vieram

em socorro dos revolucionários.

ASSASSINADOS EM 1919

Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht.

Rosa e a ação audazDefesa da “ação audaz” contra

o imobilismo das direções — essa

foi a divisa de Rosa Luxemburg ao

longo de sua curta vida. Porém, a

“ação audaz” sempre entrou em

choque com o espírito conserva-

dor da Alemanha que, no dizer

irônico do escritor Kurt Tucholsky,

“possui uma curiosidade anatômi-

ca: escreve com a mão esquerda e

age com a mão direita.” A derro-

ta da revolução de 1918 foi mais

um elo na cadeia das derrotas

proletárias começada em 1848,

só que agora com uma conseqü-

ência trágica para a história do

século: “Em janeiro de 1919 co-

meçou na Alemanha uma guerra

civil que abriria um abismo tão

grande e tão profundo que nunca

mais seria fechado. Era uma guer-

ra civil perdida, perversa, para a

qual o governo social-democrata

chamou oficiais reacionários e

anti-democráticos para reprimir

operários radicais, com o objeti-

vo de garantir a democracia na

Alemanha! Foi naqueles dias que

a Alemanha se preparou para vi-

tória final de Adolf Hitler.” (Evelyn

Anderson, Martelo ou bigorna.Con-

tribuição à história do movimento

operário alemão, Frankfurt, 1981).

Rosa sabia que a minoria revolu-

cionária não teria qualquer chance

de vitória numa Berlim vermelha

isolada do resto da Alemanha. Ela

poderia ter fugido, poupando-se

para futuros combates logo que a

fúria sanguinária da contra-revolu-

ção começa a desencadear-se pela

cidade. Mas por uma questão de

coerência intelectual — o vínculo

entre vanguarda e massas nunca

deve ser rompido — seu destino

é ficar “onde se ouve o bramir do

vento, no meio da turbulência”.

O assassinato de Rosa Lu-

xemburg e Karl Liebknecht teve

o apoio (pelo menos passivo) da

social-democracia. Talvez até

mesmo ela tenha dado ordem

direta para o assassinato, o que

até hoje não foi esclarecido. Além

disso, os assassinos não foram

condenados. A perda dos líderes

spartakistas representou um duro

golpe para a esquerda alemã.

“Precisamos tomar o

poder, precisamos pôr

assim a questão da to-

mada do poder: o que

faz, o que pode fazer,

o que deve fazer cada

conselho de operários

e soldados em toda a

Alemanha?” .

Rosa Luxemburg

“A massa precisa

aprender

a exercer o poder,

exercendo o poder”.

Rosa Luxemburg

10

Vida e morte de Rosa LuxemburgCronologia da revolução

EDUCADORA

Rosa como professora da

Escola de Formação de

Quadros.

1905: chega a Varsóvia

(que faz parte da Rússia cza-

rista) no dia 30 de dezembro,

para participar, com Leo

Jogiches, da revolução russa

que começara no início do

ano. É presa em em março de

1906 e ameaçada de execução.

Libertada sob caução, no final de

junho, sai de Varsóvia em 31 de

julho. Permanece em Kuokkala,

na Finlândia, onde encontra os

principais revolucionários russos

(mencheviques e bolcheviques,

entre eles, Lenin). Publica Greve

de massas, partido e sindicatos,

um balanço da revolução russa de

1905, texto que marca o início de

sua ruptura com a direção da so-

cial-democracia alemã. Participa

do Congresso social-democrata

de Mannheim (23 a 29 de se-

tembro), onde suas idéias sobre

a greve de massas são rejeitadas.

1907: torna-se amante de

Konstantin (Costia) Zetkin, rela-

cionamento que dura até 1912.

No começo de maio, participa,

com Jogiches, do V Congresso

do Partido dos Trabalhadores

Social-Democratas Russos, em

Londres, como delegada da

Social-Democracia do Reino da

Polônia e Lituânia (SDKPiL)

e do SPD. Retornando a Ber-

lim, permanece dois meses na

prisão, acusada de “instigar ao

uso da violência”, num discurso

feito no Congresso do SPD em

Jena, em 1905. Desde outubro,

professora de Economia Política

e História Econômica na escola

do Partido Social-Democrata

Alemão, cargo que exerce, com

algumas interrupções até 1914.

A partir dessa aulas Rosa escreve

duas das suas obras mais impor-

tantes: Introdução à economia

política (publicado em 1925) e

A acumulação do capital (1913).

1910: O SPD lança cam-

panha pelo voto universal na

Prússia, que era censitário,

favorecendo as classes abasta-

das. Rosa defendia a greve ge-

ral, com o objetivo de levar o

governo a ceder, proposta que

não foi seguida. E foi nova-

mente derrotada quando suge-

riu uma campanha a favor da

substituição da monarquia pela

República. Esse foi o motivo

de sua ruptura com Kautsky.

1913: publica A acumu-

lação do capital, sua grande

obra teórica, em que defen-

de a idéia da impossibilidade

de uma acumulação ilimita-

da do capital. Este precisa

expandir-se para a periferia

até que o mundo, totalmente

colonizado, será atingido por

crises que o farão perecer.

1914: em fevereiro, Rosa é

julgada e condenada a um ano

de prisão pelo Segundo Tribu-

nal Criminal de Frankfurt por

incitamento à desobediência

civil, num discurso feito em

setembro de 1913. A defesa

feita na ocasião, uma brilhan-

te condenação da guerra e do

imperialismo, foi publicada

com o título “Militarismo,

guerra e classe trabalhadora”.

Paul Levi, companheiro po-

lítico, é seu advogado e Rosa

tem com ele um breve relacio-

namento amoroso (mas a ami-

zade dura até o fim da vida). A

4 de agosto, a bancada social-

democrata no Parlamento

aprova os créditos de guerra,

o que a deixa profundamen-

te abalada. Em dezembro,

Karl Liebknecht, deputado

no Reichstag, vota sozinho

contra nova concessão de

créditos de guerra. Formação

do pequeno grupo de esquer-

da, dirigido por Liebknecht e

Luxemburg, conhecido mais

tarde como Liga Spartakus.

1905 1907 1910 1913 1914

1871: No dia 5 de março,

Rosa Luxemburg nasce em

Zamosc, pequena cidade

da Polônia ocupada pela

Rússia, a mais nova dos

cinco filhos de Elias Luk-

senburg e Lina Löwenstein.

1873 : Em virtude de pro-

blemas financeiros a famí-

lia muda-se para Varsóvia.

1875 : Para tratar de uma

aparente doença dos ossos

do quadril, os médicos deci-

diram engessar-lhe a perna

e mantê-la na cama por um

ano. Resultado: uma perna

ficou mais curta que a outra

e Rosa coxeou a vida inteira.

1880-1887: Freqüenta um

ginásio para moças. Depois

de formada, liga-se a um

grupo socialista clandestino.

1888: Refugia-se na

Suiça,em Zurique, para es-

capar à polícia czarista. Ma-

tricula-se na universidade.

1871 1873 1875 1880 1888

11

Vida e morte de Rosa Luxemburg

INFÂNCIA

Rosa com 12 anos.

ROSA LUXEMBURG

Fazendo doutorado sobre o

desenvolvimento polonês.

LUTO

Gravura da época que

representa o sepultamento

de Rosa Luxemburg.

1915: Rosa passa um ano

na prisão (fevereiro de 1915

a fevereiro de 1916) por agi-

tação anti-militarista. Em de-

zembro, 19 deputados votam

contra os créditos de guerra.

1916: publica em janeiro A

crise da social-democracia ,

um impiedoso ajuste de con-

tas com o socialismo alemão

e internacional, acusado de

ter aderido ao nacionalismo

e de ter rompido com uma

política classista. Rosa é nova-

mente presa em 10 de julho,

permanecendo na prisão du-

rante toda a guerra, até ser li-

bertada pela revolução alemã.

1917: em janeiro, os depu-

tados social-democratas que

se opõem à guerra fazem uma

conferência e são excluídos

do SPD. Em abril formam

o Partido Social-Democrata

Independente (USPD). Os

spartakistas, conservando

sua autonomia, aderiram ao

USPD. Rosa acompanha

com grande impaciência e

interesse a Revolução Russa.

1918: escreve o pequeno

opúsculo conhecido com o

título de A revolução russa,

em que mostra sua enorme

admiração pela ousadia revo-

lucionária dos bolcheviques,

e ao mesmo tempo os critica

por fazerem da necessidade

virtude, elegendo sua via para

o socialismo como modelo

para todos os partidos de es-

querda. Rosa é libertada em

8 de novembro e vai para

Berlim, para participar da re-

volução que acabava

de começar. Dirige

o jornal Die Rote

Fahne [A bandeira

vermelha]. Fundação

do Partido Comunista

Alemão, no dia 31 de

dezembro, para o qual

Rosa escreve o progra-

ma, que tem por título O

que quer a Liga Spartakus?

1919: prisão e assassinato

de Rosa Luxemburg e Karl

Libknecht no dia 15 de ja-

neiro. O corpo de Rosa é

jogado no canal Landwehr,

só sendo encontrado em fins

de junho. Em março Leo

Jogiches também é brutal-

mente assassinado. Os assas-

sinos não foram condenados.

1915 1916 1917 1918 1919

1890: Conhece Leo Jogiches,

com 23 anos na época, jovem

revolucionário da Lituânia, seu

grande amor e mestre político

na juventude. O relaciona-

mento amoroso dura 15 anos,

ao passo que o político vai até

o fim da vida. Entre 1894-95

passa uma estada em Paris.

1898: Defende sua tese de dou-

torado intitulada O desenvolvimen-

to industrial da Polônia , recebendo

felicitações da banca pela qualida-

de do trabalho. Casamento com

Gustav Lübeck, a fim de obter a

cidadania alemã. Vai para Berlim,

para trabalhar na social-democracia

alemã. Primeiro contacto com Cla-

ra Zetkin e com os principais diri-

gentes da social-democracia alemã.

1899: Torna-se amiga da

família Kautsky, particular-

mente de Luise. Publica Re-

forma social ou revolução?

, polemizando com o revi-

sionismo de Bernstein. Com

essa polêmica, Rosa torna-se

conhecida e respeitada no

interior do Partido Social-

Democrata Alemão (SPD).

1890 1898 18991900: Participa do Congresso

da 2 a Internacional em Paris.

1904: Presa em Zwickau

(Saxônia), de 26 de agosto a

24 de outubro, acusada de in-

sultar o imperador Guilher-

me II num discurso público.

Participa do Congresso da

Internacional Socialista em

Amsterdã. Publica Questões

de organização da social-de-

mocracia russa , polemizando

com o centralismo de Lenin.

1900 1904

12

prisão, retornou a Berlim e colabo-

rou na direção do grupo Espártaco

durante os últimos meses de vida.

Um dos seus primeiros escri-

tos ao sair do cárcere foi “Con-

tra a pena capital”, publicado

no jornal Rote Fahne (Bandeira

Vermelha), periódico do grupo

Espártaco. Nele denuncia a de-

sumanidade da “justiça” capita-

lista e expõe os objetivos huma-

nitários da revolução socialista,

e o tratamento dos prisioneiros.

A seguir leiam a versão

desse escrito de Rosa que

foi retirado de Obras escogi-

das de Rosa Luxemburg, vol.

2, Bogotá, Editora Pluma,

1976, sob a situação reinante

em 1919, de Maurice Berger.

Alemanha, organizando-se segun-

do o modelo russo, exigindo que se

reconhecesse sua autoridade. Em 9

de novembro, começou uma greve

geral que obrigou o governo a re-

nunciar. O primeiro ministro, prín-

cipe Max Von Baden, entregou o

poder ao dirigente social- democra-

ta Friedrich Ebert. Os social-demo-

cratas, pressionados pela conclama-

ção de Liebknecht pela criação de

uma república socialista, aboliram a

monarquia e proclamaram uma re-

pública democrática na Alemanha.

Rosa Luxemburg, que ainda se

encontrava na prisão, foi libertada

em 9 de novembro, quando as mas-

sas de Wroclaw forçaram as portas

do cárcere. Grisalha e consideravel-

mente envelhecida pelos anos de

Em setembro de 1918,

caiu a frente ociden-

tal alemã e iniciou-se

uma nova onde de greves. O fim

da guerra já podia ser vislumbrado.

O governo, desejoso de ampliar

sua base social para manter-se,

decretou a anistia para os presos

políticos. Karl Liebknecht foi li-

bertado em 23 de outubro e car-

regado em triunfo pelas ruas de

Berlim até a embaixada soviética,

mas a anistia aparentemente não

incluía Rosa Luxemburg, que se

encontrada detida por ordem

administrativa, em julgamento.

No final de outubro, os mari-

nheiros tomaram a base naval de

Kiel. Conselhos de operários e sol-

dados começaram a surgir em toda

Militante dos direitos humanosEm favor da vida

“A justiça de classe bur-

guesa funcionou mais

uma vez como uma rede

que deixa tranquilamen-

te escapar de suas ma-

lhas os tubarões rapaces

enquanto as pequenas

sardinhas nelas se deba-

tem desamparadas. ”

Rosa Luxemburg

13

mo na festa oficial dos escravos

alemães, o aniversário do Kaiser.

A revolução proletária deveria

lampejar um raio de bondade para

iluminar a triste vida das prisões,

diminuir as sentenças draconianas,

abolir os castigos bárbaros – as cor-

rentes e os açoites -, melhorar no

que for possível os cuidados médi-

cos, a alimentação e as condições de

trabalho. É uma questão de honra.

O regime disciplinar existente,

impregnado de um brutal espírito

de classe e de barbárie capitalista,

deveria ser radicalmente modificado.

Mas uma reforma total, de acordo

com o espírito do socialismo, só pode

basear-se em uma nova ordem social

e econômica; tanto o crime quanto o

castigo inserem suas raízes profun-

damente na organização social. Há,

no entanto, uma medida radical que

pode ser tomada sem complicados

processos legais. A pena de morte,

a vergonha maior do código ultra-

reacionário alemão, deveria ser eli-

minada de imediato. Por que este go-

verno de operários e soldados vacila?

Há duzentos anos o nobre Beccaria

denunciou a ignomínia da pena de

morte. Para vocês, Lebedour, Barth,

Däumig, não existe esta ignomínia?

Não tem tempo, têm mil proble-

mas, mil dificuldades, mil tarefas os

aguardam? Certo. Mas controlem,

com o relógio das mãos, o tempo que

se necessita para dizer: “Fica abolida a

pena de morte!” Direis que para resol-

ver este problema são necessárias de-

liberações e votações? Perder-se-iam

assim no emaranhado das complica-

ções formais, nos problemas de juris-

dição, nas burocracias das repartições?

Ah! Como é alemã esta Re-

volução Alemã! Como é tagarela

Contra a pena capitalA palavra da Rosa

Rosa Luxemburg

(Tradução de Vilmar Schneider)

“Não devemos nos es-quecer que não se faz a história se grandeza de espírito, sem uma elevada moral, sem gestos nobres.”

Rosa Luxemburg

Não desejávamos a anistia nem

o perdão para os presos políticos da

velha ordem. Exigíamos o direito à

liberdade, à agitação e à revolução

para as centenas de homens valoro-

sos e leais que gemiam nos cárceres e

fortalezas porque, sob a ditadura dos

criminosos imperialistas, haviam lu-

tado pelo povo, a paz e o socialismo.

Agora estão todos em liberdade.

Encontramo-nos novamente nas

fileiras, prontos para o combate. Não

foi a camarilha de Sheidermann e seus

aliados burgueses, como o príncipe

Max Von Baden à frente, que nos li-

bertou. Foi a revolução proletária que

fez saltar as portas de nossas celas.

Entretanto, o outro tipo de in-

felizes habitantes dessas mansões

sombrias foi completamente es-

quecido. Ninguém pensa agora nas

pálidas e tristes figuras que suspi-

ram atrás das grades da prisão por

haverem violado as leis ordinárias.

No entanto, também são viti-

mas desgraçadas da infame ordem

social contra a qual se dirige a

revolução; vítimas da guerra im-

perialista que levou a desgraça e

a miséria aos extremos mais into-

leráveis da tortura; vítimas deste

horroroso massacre de homens

que liberou os instintos mais vis.

A justiça das classes burgue-

sas funcionou mais uma vez como

uma rede que deixou escapar os

tubarões vorazes, aprisionando

apenas as pequenas sardinhas.

Os especuladores que ganharam

milhões durante a guerra foram

absolvidos ou receberam penas

ridículas. Os pequenos ladrões,

homens e mulheres, foram sancio-

nados com severidade draconiana.

Esgotados pela fome e frio, em

celas sem aquecimento, estes se-

res abandonados pela sociedade

esperam piedade e compaixão.

E esperam em vão, pois em seu

afã de obrigar as nações a dego-

larem-se mutuamente e distribuir

coroas, o último dos Hohenzol-

lern se esqueceu destes infelizes.

Desde a conquista de Liege não

houve uma só anistia, nem mes-

e pedante! Como é rígida, in-

flexível, carente de grandeza!

A esquecida pena de mor-

te é apenas um detalhe isolado.

Mas com que precisão o espírito

motor que guia a revolução se re-

vela nestes pequenos detalhes!

Tomemos qualquer história da

Grande Revolução Francesa, por exem-

plo, a maçante crônica de Mignet.

É possível lê-la sem que o cora-

ção pulse com força e que a fronte

queime? Quem a abriu em uma pá-

gina ao acaso pode fechá-la antes de

ter ouvido, contendo as emoções, a

última nota dessa grandiosa tragé-

dia? É como a sinfonia de Beethoven

elevada ao grandioso e ao grotes-

co, uma tempestade trovejando no

órgão do tempo, grande e soberba

em seus erros, da mesma forma

que em suas façanhas, tanto na vi-

tória como na derrota, em seu pri-

meiro grito de júbilo ingênuo e em

seu último suspiro. E o que ocorre

neste momento na Alemanha?

Em tudo, seja grande ou pe-

queno, sente-se que são sempre

os velhos e sóbrios cidadãos da

social-democracia defunta, para

quem os carnês de filiação são tudo,

e os homens e o espírito, nada.

Não devemos nos esquecer,

contudo, que não se faz a história

se grandeza de espírito, sem uma

elevada moral, sem gestos nobres.

Liebknecht e eu, ao abando-

narmos as hospitaleiras salas onde

vivemos nos últimos tempos – ele,

entre seus pálidos companheiros

de penitenciária, eu com minhas

pobres e queridas ladras e mulheres

da rua com quem passei três anos

e meio de minha vida -, pronuncia-

mos este juramento, enquanto nos

acompanhavam com seus olhos

tristes: “Não os esqueceremos!”

Exigimos que o comitê execu-

tivo dos conselhos de operários e

soldados tomem medidas imedia-

tas para melhorar a situação dos

prisioneiros nos cárceres alemães!

Exigirmos que se elimine a pena

de morte do código penal alemão!

Durante os quatro anos de

massacre dos povos, o sangue

correu em torrentes. Hoje, cada

gota de sangue deste precioso

fluido deveria ser preservado de-

votadamente em urnas de cristal.

A atividade revolucionária e o pro-

fundo humanitarismo: este é o único e

verdadeiro alento vital no socialismo.

É preciso caminhar um mun-

do. Mas cada lágrima que corre,

onde poderia ter sido evitada, é

uma acusação; e é um crimino-

so aquele que, com inconsciência

brutal, esmaga um pobre verme.

14

“Nos erros e nos acertos

de avaliação política,

Rosa Luxemburg não

perdeu a confiança na

ação das massas e no

papel dirigente do partido

proletário”.

formação de quadros do parti-

do em que lecionara por anos e

anos; quando “sua presença era

apenas tolerada nos recintos do

Partido”. Em lugar de endossar

ou assumir propostas militantes

que queriam abandonar a social-

democracia, escreve – como por

exemplo a Konstantin Zetkin:

“Meninão, você não desejaria

por acaso também ‘abandonar’

a humanidade? Diante de fenô-

menos históricos desta amplitu-

de, toda a raiva desaparece: não

há lugar senão para uma refle-

xão fria e uma ação obstinada”.

É assim até o fim.

Nos erros e nos acertos de

avaliação política, Rosa Luxem-

burg não perdeu a confiança

na ação das massas e no papel

dirigente do partido proletário.

Governo, a 4 de agosto de 1914.

A partir desse momento forma-se

um pequeno grupo de oposição

de esquerda dentro do partido.

Sem se curvar a essa trágica

realidade, ela não perde o ânimo

de combatente, mesmo quando

“as colunas dos jornais em que

colaborara lhe são interditadas”;

quando é fechada a escola de

ção socialista e a convicção de que

esta não virá por transformações

graduais nem pela entrega pacífica

do poder pelas classes dominantes.

AÇÃO INTERNACIONALISTA

Assim é que ela ingressa no

seio da Segunda Internacional,

polemizando contra o Partido

Socialista Polonês, ao sustentar a

impossibilidade histórica e o re-

trocesso revolucionário da tenta-

tiva re reunificação de seu país, e,

nesse sentido, enfatizar o caráter

internacionalista da luta do prole-

tariado polonês, russo e alemão.

É o mesmo objetivo de move

a lançar-se a fundo contra Berns-

tein & Cia. na discussão sobre a

possibilidade de construção do

socialismo por meio de reformas

patrocinadas pelo Estado capitalis-

ta. É esse também o fundamento

de sua ida à Rússia na Revolução

de 1905 e do combate sem tréguas

contra o economicismo e a prática

corporativista dos sindicalistas so-

cialistas, eternamente dedicados ao

“trabalho de Sísifo” de voltar sem-

pre a realizar as mesmas lutas, sem

nunca alcançarem o objetivo final.

Tanto empenho e tamanha

certeza justificam a depressão e

o mesmo desespero que tomam

conta de Rosa quando a repre-

sentação parlamentar da social-

democracia alemã vota a favor dos

créditos de guerra, pedidos pelo

A marca registrada da

trajetória de vida

de Rosa Luxem-

burg foi o engajamento total de

sua personalidade na militân-

cia do movimento socialista in-

ternacional entre 1893 e 1919.

Mulher, judia, po-

lonesa e socialista.

Quatro condições de opres-

são e discriminação que não con-

seguiram barrar o ímpeto com

que ela ingressou e se manteve

na linha de frente dos dirigentes

marxistas europeus nas duas pri-

meiras décadas do século XX.

Emil Vandervelde, dirigente bel-

ga, descreve sua primeira aparição

no Terceiro Congresso Internacio-

nalista Socialista, em 1893, na Suíça:

“Rosa, que tinha então 23 anos,

era desconhecida para além de

dois ou três grupos socialistas na

Alemanha e na Polônia (...) mas

seus adversários se viram em difi-

culdades para atacá-la (...). Ela se

levantou dentre os delegados no

fundo da sala e subiu em uma ca-

deira para se fazer escutar melhor.

Pequena e de aparência frágil, com

um vestido leve que dissimulava

bem seus defeitos físicos, advo-

gou em seu próprio favor com tal

magnetismo e com palavras tão

convincentes que ganhou de ime-

diato a maioria dos delegados, os

quais ergueram as mãos em favor

da aceitação de seu mandato”.

Todos os seus escrito políticos

e a prática militante de Rosa pos-

suem um único fio condutor, qual

seja, a luta sem tréguas pela revolu-

Rosa, vermelha RosaMilitância

por Sandra Starling *

CLARA E ROSA

Amigas revolucionárias

*Advogada e professora universi-

tária em Minas Gerais.

15

“Foi no cenário dos anos

60, assentado no triunfo

da revolução cubana, da

revolução argelina, da

resistência vietnamita à

invasão norte-americana,

na revolução cultural

chinesa, que propiciou a

reaparição do nome de

Rosa Luxemburg, ao lado

de Che Guevara, de Mao

e Ho Chi-Minh, marcan-

do o ressurgimento de

correntes revolucionárias

no movimento anticapi-

talista”.

Emir Sader

Os trotskistas e RosaUm dos equívocos que se comete no

Brasil (ou que se cometeu, pois felizmen-

te o preconceito e as falsificações grossei-

ras desapareceram nos últimos anos) é

considerar o trotskismo como uma ano-

malia do movimento operário. As várias

correntes trotskistas no Brasil certamente

erraram muito em épocas diversas. Mas

os pequenos grupos que reivindicaram

o trotskismo no Brasil, na medida que

estava livres das amarras impostas pelo

estalinismo, mantiveram vivo o método

de análise marxista, ou pelo menos,

tentaram aplicar à sociedade brasileira

as categorias e os princípios marxistas.

Foram os trotskistas Mário Pedrosa,

Lívio Xavier, Fúlvio Abramo e outros que,

logo após a Segunda Guerra Mundial,

integrando a Esquerda Democrática, lan-

çaram o jornal Vanguarda Socialista, que

a par do grande debate que desde

o fim do século XIX empolgava

o operariado europeu – obras de

Trotsky, Max Adler, Plekhanov,

Sorel, Bukharin, Labriola, Kautsky.

Provavelmente o primeiro tex-

to impresso de Rosa Luxemburg

no Brasil surgiu numa dessas an-

tologias publicadas pela Unitas,

de São Paulo. Tratava-se do clás-

sico “Pausas e avanços do marxis-

mo”, em 1933, trinta anos após

a sua publicação no Vorwärts, o

jornal da social-democracia ale-

mã, em 14 de maço de 1903.

A repressão violenta que se

segue à insurreição de 1935 da

Aliança Libertadora Nacional

(ALN) teria desdobramentos trá-

gicos, os quais culminaram no gol-

pe de Estado direitista de Getúlio

Vargas, em 1937, que instaura o

chamado Estado Novo, banindo

toda literatura de esquerda que co-

meçava a proliferar no Brasil. Por

vários anos, não se ouvirá mais fa-

lar em Rosa Luxemburg no Brasil.

capitalista em nosso país, para

desabrochar apenas no fim da

década de 50 e início dos anos

60, paralelamente ao desenvolvi-

mento da consciência de classe do

proletariado brasileiro e ao surgi-

mento de organizações políticas

que questionavam o dogmatismo

tradicional do Partido Comunista.

Assim, a riqueza do pensamen-

to luxemburguista não tinha resso-

nância em um país onde a classe

trabalhadora, após a decadência

da COB, crescia de mãos atadas

ao oficialismo do Ministério do

Trabalho. Rosa surgia apenas em

uma ou outra coletânea na déca-

da de 30, onde se destacava no

campo editorial a curiosa Edições

Unitas, que publicou – para um

público restrito, e mesmo esse,

sem grande cultura socialista nem

informações suficientes para estar

Ora, se o pensamento

revolucionário de

Rosa Luxemburg

caiu no ostracismo no mundo in-

dustrializado na década de 30, com

muito mais razão seria esquecido

no Brasil, onde, as primeiras dé-

cadas do século XX, havia apenas

pálidas tentativas de pensamento

marxista. Não havia sequer uma

classe operária com tradição de

luta, com organizações próprias

e com partidos políticos socia-

listas enraizados no movimento

dos trabalhadores. A sociedade

brasileira ainda era herdeira do

patriarcalismo e do escravagismo

e mesmo os seus maiores centros

industriais eram ainda estreitos e o

ambiente político e intelectual res-

pirava uma atmosfera provinciana.

Certamente, não podemos dei-

xar de considerar as primeiras lutas

operárias de vulto, onde se destaca

a influência do anarcos-sindicalismo

revoluncionário, do qual a COB (

Confederação Operária Brasileira

) era a mais autêntica expressão.

O Partido Comunista, fundado

em 1922, não surge, assim, de um

movimento operário poderoso,

mas sob a influência da revolução

socialista na Rússia, fundado por

ex-anarquistas. Nunca chegou a

se constituir no Brasil um partido

político social-democrata ligado aos

movimentos de massa. Nem era

possível, pois a classe operária bra-

sileira estava ainda em sua infância.

Não havia, pois, marxistas no

Brasil nas primeiras décadas do

século XX. O marxismo surgi-

rá gradualmente, na medida em

que se desenvolver a sociedade

Rosa Luxemburg no BrasilInfluência pelo mundo

por Luiz Pilla Vares *

ROSA LUXEMBURG

Figura respeitada

por todos.

publicou a famosa crítica

de Rosa ao bolcheviques

pelo rumo que seguia o

poder soviético. No mes-

mo ano, a Editora Flama, de

São Paulo, lança “Reforma

Social ou Revolução”, que até

hoje é o livro de Rosa mais

livro no Brasil. Depois se segui-

ram os demais livros de Rosa.

Entretanto, se ao longo de

todos esses anos a fecunda e cria-

tiva obra revolucionária de Luxem-

burg foi pouco lida no Brasil, muito

menor foi sua influência política.

* Luiz Pilla Vares é jornalista no

Rio Grande do Sul

16

uma minoria, mas ele, necessariamente,

deve ser fruto das ações das massas par-

ticipantes, de forma democrática e livre.

Acusada de ser antimilitarista, Rosa

é presa em 1916 e libertada em 8 de

novembro de 1918, indo para Berlim,

para participar da revolução que aca-

bava de começar. Dirige o jornal Die

Rote Fahne [A bandeira vermelha].

Ajuda a fundar o Partido Comunista

Alemão, no dia 31 de dezembro, para

o qual Rosa escreve o programa. Por

isso, ela volta a ser presa. No dia 15 de

janeiro de 1919, assim que é libertada

é assassinada junto com o também re-

volucionário Karl Libknecht. O corpo

de Rosa é jogado no canal Landwehr,

só sendo encontrado em fins de junho.

os conselhos de controle na educação,

os conselheiros de saúde, de direitos

humanos, etc, etc, etc... Mas esses con-

selhos, para ela, deveriam ter amplos

poderes decisórios e não deviam estar

atrelados aos aparelhos do Estado.

A professora Tatiana Rotolo, mes-

tre em filosofia pela USP, disse que

o fundamental, neste aspecto, é criar

espaços públicos em que homens e

mulheres tenham o poder de decidir

de modo mais incisivo e direto o que

querem para si, nem que para isso

seja necessário subverter a ordem ins-

titucional do Estado vigente (como

fazem os zapatistas, por exemplo), e

desta maneira fazer da política um ins-

trumento de transformação real, que

não se limita apenas às políticas sociais

do Estado. Para ela, que defendeu

uma tese sobre Rosa Luxemburg, “a

emancipação das camadas populares

só pode ser produto de sua própria

ação, criando-se uma ordem política

mais adaptada às suas necessidades”.

Em considerações profundamente

certeiras e que depois se configuraram

como um dos pontos vitais para enten-

der as dificuldades reais do socialismo

russo, Rosa Luxemburg advoga que o

socialismo não pode ser imposto por

decreto e muito menos conduzido por

pelos próprios trabalhadores e, nesse

sentido, os Governos eram frutos des-

sa ação popular. Em outras palavras,

para ela, o socialismo nasce das bases e

não dos Governos. Para isso, segundo

Rosa Luxemburg, são fundamentais a

plena liberdade e a democracia. Esses

princípios são extremamente caros

hoje e que podem ser identificados

como a necessária autonomia popular

e das massas frente à institucionalidade.

Segundo uma das pesquisadoras

sobre os pensamentos de Rosa Lu-

xemburg, a professora da Unicamp,

Isabel Loureiro, “para Luxemburg,

assim como para os movimentos

sociais de nossa época, é da par-

ticipação dos de baixo que vem a

esperança de mudar o mundo”.

Rosa Luxemburg vivia a força de

um partido social-democrata alemão

altamente machista, burocrático e auto-

ritário. Depois, com a revolução russa,

ações de comandos bolcheviques tam-

bém se constituíam em atos arbitrários

sobre as massas para dar formatos. É

diante desse quadro que surgem as

críticas de Rosa e a defesa da liberdade

das massas como agente transformador

para a construção de um espaço demo-

crático, público, socialista e popular.

NÚCLEOS POPULARES

Um dos grandes legados dela é a

defesa apaixonada e intransigente da

formação de núcleos de poder popular,

de conselhos de trabalhadores, de asso-

ciações de moradores. Não tenho dúvi-

das nenhuma que Rosa Luxemburg é à

base de toda experiência dos orçamen-

tos participativos de hoje, guardadas as

devidas proporções e manipulações;

Mais de 100 anos de-

pois, os pensamentos,

idéias e principalmen-

te as críticas de Rosa Luxemburgo, uma

mulher fantástica, revolucionária por es-

sência, ainda guardam bases para as pro-

duções intelectuais de hoje, mas espe-

cialmente para a prática revolucionária

cotidiana. Seu legado é extraordinário.

Com a crise do capital mundial,

os debates sobre as teorias marxistas

ganharam novo fôlego. O Capital, por

exemplo, é um campeão de vendas e

leituras na Europa. Mas as incursões

sobre novos modelos de superação

de neoliberalismo também superam

de longe algumas práticas ditatoriais

de bolcheviques da velha Rússia.

Nesse sentido, Rosa Luxemburg é

peça fundamental porque ela sempre

defendeu a liberdade e a democra-

cia como pressupostos fundamentais

para uma sociedade socialista. Des-

de já é rigorosamente obrigatório

despir-se de preconceitos e entender

a conjuntura que ela estava inserida e

é sobre essa condição que ela teve a

coragem extraordinária de produzir.

Rosa, por exemplo, tinha uma

confiança absoluta nas massas. Ela

era uma fundamentalista da ação pe-

dagógica dos proletariados, a partir de

seus acertos e erros. Essa ação era o

primeiro passo para a construção de

uma sociedade socialista. Os partidos

e as demais organizações tinham fun-

ções importantes, mas de orientação.

AÇÃO POPULAR

O motor da história é movido

Alguns legados de Rosa Luxemburg

90 anos após seu assassinato

por José Cristian Góes*

“Para Rosa, a ação peda-

gógica dos proletariados,

a partir de seus acertos e

erros, era o primeiro pas-

so para a construção de

uma sociedade socialista.

*José Cristian Góes é jornalista,

da direção do Sindijor/SE e da

CUT/SE.

17

e passo, trazer o socialismo à vida. A essência da sociedade socialis-

ta consiste em que as grandes massas trabalhadoras deixam de ser massas governadas, passando a vivenciarem elas mesmas, pelo contrário, toda a vida política e econômica, guiando-a, com auto-determinação consciente e livre.

Por isso, da cumeeira mais elevada do Estado até à mais ínfima comunida-de, devem as massas proletárias substi-tuir os órgãos legados pela dominação da classe burguesa – os senados, os parlamentos, os conselhos municipais – por órgãos da sua própria classe, os Conselhos de Trabalhadores e Solda-dos, ocupar todos os postos, supervisio-nar todas as funções, mensurar todas as competências do Estado com base no interesse de sua própria classe e nas ta-refas socialistas. E tão somente em inte-

lho, mas sim como punição do vadio ! Tão somente em uma sociedade

como essa serão erradicados o ódio e a vassalagem dos povos. Apenas quan-do uma tal sociedade for concretizada, a terra deixará de ser profanada pelas hecatombes. Unicamente então se po-derá dizer : Essa foi a última guerra !

Na presente hora, o socialismo é a única âncora de salvação da huma-nidade. Sobre a muralha em queda da sociedade capitalista, flamejam palavras do Manifesto Comunista tais qual uma fatídica advertência : Socialismo ou naufrágio na bárbarie!

PARTE IIA concretização da ordem socia-

lista da sociedade é a mais grandio-sa tarefa que já foi conferida a uma classe e a uma revolução, na história mundial. Essa tarefa exige uma com-pleta transformação do Estado e uma inteira revolução dos fundamentos econômicos e sociais da sociedade.

Essa transformação e essa re-volução não po-dem ser decreta-das por nenhuma autoridade, comis-são ou parlamento. Podem ser apenas assumidas e execu-tadas pelas próprias massas populares.

Em todas as revo-luções havidas até o pre-sente momento, foi uma pequena minoria do povo quem dirigiu a luta revo-lucionária, conferindo-lhe objetivo e direcionamento, utilizando as massas en-quanto ferramenta para con-duzir à vitória seus próprios interesses, i.e. os interesses da minoria. A revolução socialista é a primeira que, por si mesma, pode atingir a vitória, no interes-se da grande maioria e através da grande maioria dos trabalhadores.

As massas do proletariado estão incumbidas de não apenas inserir na revolução objetivos e orientação, com claro conhecimento de causa : elas mesmas devem também, atra-vés de sua própria atividade, a passo

sociedade diante do seguinte dile-ma : continuidade do capitalismo, novas guerras e a mais rápida sub-mersão no caos e na anarquia ou abolição da exploração capitalista.

Com o término da Guerra Mundial, a dominação da classe burguesa perdeu seu Direito de existência. Não é mais capaz de conduzir a sociedade para fora do terrível colapso econômico que a orgia imperialista deixou para trás.

Meios de produção encontram-se aniquilados, em monstruosa dimensão. Milhões de forças trabalhadoras - o tronco mais capaz e de melhor quali-dade da classe trabalhadora -, foram massacradas. Os que permaneceram vivos esperam, no meio do caminho de regresso aos seus lares, a miséria cínica do desemprego, da inanição, ao mesmo tempo em que enfermidades ameaçam exterminar a energia do povo em sua própria raiz. Em decorrência do horrendo ônus das dívidas de guer-ra, a bancarrota financeira é inevitável.

Para sair de todo desse babel san-grento, desse abismo de agonias, não existe nenhum auxílio, a não ser o so-cialismo. Apenas a Revolução Mundial do Proletariado pode introduzir ordem nesse caos, proporcionar pão e trabalho para todos, por termo à recíproca carni-ficina dos povos, trazer paz, liberdade e genuína cultura à humanidade oprimida. Abaixo o sistema de trabalho assalaria-do ! Eis a consigna colocada na ordem do dia. No lugar do trabalho assalariado e da dominação de classe, há de surgir o trabalho cooperativo. Os meios de trabalho devem deixar de ser monopó-lio de uma classe, tornando-se bem co-mum de todos. Basta de exploradores e explorados ! Regulação da produção e distribuição de produtos, realizadas no interesse do público em geral. Abolição do modo de produção tal qual hoje existente, da exploração e do roubo do comércio, tal como atualmente ope-rante que nada mais é senão engano.

No lugar dos patrões e de seus es-cravos assalariados : livres companhei-ros de trabalho ! Trabalho que não seja tormento para ninguém, porque é de-ver de todos ! Existência humanamen-te digna para todos que cumpram seu dever para com a sociedade. Fome não mais por causa da imprecação do traba-

Em 1918, logo depois de sair da prisão, Rosa funda e diri-ge o jornal Die Rote Fahne

[A bandeira vermelha]. Ela participa en-tão da Fundação do Partido Comunista Alemão, no dia 31 de dezembro. Para este partido ela o programa, que tem por título “O que quer a Liga Spartakus?”. Spartakus é o nome da corrente de es-querda que ela liderada dentro do Par-tido Social-Democrata Alemão. A se-guir, o inteiro teor do texto de Rosa “O que quer a Liga Spartakus?”. Atenção para o contexto – dezembro de 1918.

“Em 9 de novembro, trabalhadores e soldados destruíram, na Alemanha, o velho regime. Nos campos de ba-talhas da França, dissipou-se a ilusão sangüinolenta da dominação mundial, alimentada pelo sabre prussiano. O bando de criminosos que abrasou o in-cêndio mundial e afogou a Alemanha em um mar de sangue, chegou ao fim do seu latim. A serviço do dever de cul-to ao Deus Moloch, o povo enganado durante quatro anos que se esquecera do sentimento de honra e de humani-dade, permitindo-se usurpar por toda e qualquer infâmia, despertou do tor-por quadriênio – diante do abismo.

Em 9 de novembro, insurgiu-se o proletariado alemão para lançar por terra o jugo ignominioso. Os Hohen-zollern foram desbaratados, Conselhos de Trabalhadores e Soldados, eleitos.

Porém, os Hohenzollern nada mais eram senão os encarregados dos negó-cios da burguesia e da nobreza latifun-diária imperialistas. A dominação da classe burguesa é a verdadeira culpada pela Guerra Mundial tanto na Alema-nha quanto na França, tanto na Rússia quanto na Inglaterra, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da Améri-ca. Os capitalistas de todos os países são os verdadeiros instigadores do genocí-dio. O capital internacional é o insaciá-vel Deus Baal à mercê do qual milhões e milhões de vítimas humanas evoladas foram submetidas à vingança cruenta.

A Guerra Mundial colocou a

O que quer a Liga de Spartakus?Rosa Luxemburg

por Rosa Luxemburgo(Tradução e compilação: Asturing Emil von München)*

continua>>

1897

Rosa com Gustav Lubeck.

18

“A fraternidade uni-

versal dos trabalha-

dores é aquilo que há

de mais alto e de mais

sagrado sobre a terra,

e é essa a minha

estrela, o meu ideal, a

minha pátria”.

Rosa Luxemburg

ração permanente e viva, mantida entre as massas populares e seus órgãos, i.e. os Conselhos de Trabalhadores e Solda-dos, poderá sua atividade suprir plena-mente o Estado com espírito socialista.

Também a revolução econômica é apenas suscetível de ser executada en-quanto processo impulsionado pela ação das massas proletárias. Os meros De-cretos sobre a Socialização, editados pe-las autoridades supremas da revolução, nada mais constituem senão palavras va-zias. Somente os trabalhadores podem, através de sua própria ação, fazer as pa-lavras tornarem-se realidade encarnada. Em luta tenaz contra o capital, ombro a ombro em cada uma das fábricas, atra-vés da pressão direta das massas, por meio das greves, mediante a criação de seus próprios órgãos de representação regular, os trabalhadores são capazes de conquistar para si o controle da pro-dução e, finalmente, a direção efetiva.

De máquinas mortas que o capita-lista coloca no processo de produção, as massas proletárias devem aprender a se transformarem em guias autôno-mas, livres e pensantes desse processo. Devem conquistar o sentimento de res-ponsabilidade de membros atuantes do público em geral, esse último o único detentor de toda a riqueza social. De-vem desenvolver a assiduidade, sem o látego capitalista, o máximo desempe-nho, sem os instigadores capitalistas, a disciplina, sem o jugo, e a ordem, sem a dominação. O supremo idealismo no interesse do público em geral, a auto-disciplina mais severa, o verdadeiro sentido de civismo das massas consti-tuem o fundamento moral da socieda-de socialista, tal como a brutalidade, o egoísmo e a corrupção são o funda-mento moral da sociedade capitalista.

Todas essas virtudes socialistas civis - conjugadas aos conhecimentos e às habilidades de direção das em-presas socialistas -, podem apenas ser conquistadas pelas massas trabalhado-ras através de sua própria atividade, através de sua própria experiência.

Tão somente através da luta perti-naz e incansável das massas trabalhado-ras, é possível realizar a socialização da sociedade, em toda a sua amplitude, em todos os pontos, em que trabalho e capi-tal, povo e dominação de classe burgue-sa encaram-se reciprocamente, olhando uns no fundo dos olhos dos outros. A libertação da classe trabalhadora deve ser obra da própria classe trabalhadora.

PARTE IIINas revoluções burguesas,

derramamento de sangue, terror, assassinato político com embos-

cada foram armas indispensáveis, em-punhadas pelas classes ascendentes.

A Revolução Proletária não carece de nenhum terror para o atingimento de seus objetivos. Odeia e abomina assassinatos de tocaia. Prescinde desse meio de luta porque combate não in-divíduos, mas sim instituições, porque intervém na arena não com ingênuas ilusões cuja decepção haveria de ser vingada de modo sanguinário. Não é nenhum intento desesperado de uma minoria de modelar o mundo com violência, em conformidade com o seu ideal, mas sim a ação de grandes mas-sas de milhões do povo, conclamadas a cumprir uma missão histórica e aplicar na prática uma necessidade histórica.

Porém, a Revolução Proletária é, ao mesmo tempo, o sino da morte para toda a vassalagem e opressão. Por essa razão, erguem-se contra a Revolução Proletária todos os capitalistas, nobres latifundiários, pequeno-burgueses, oficiais, todos os aproveitadores e pa-rasitas da exploração e dominação de classe, tais qual um homem, em meio a uma luta de vida ou morte.

Trata-se de uma ilusão pavorosa acreditar que os capitalistas submeter-se-iam, de boa vontade, ao veredito

socialista de um parlamento, de uma assembléia nacional, renunciando, sere-namente, à posse, ao lucro, ao privilégio da exploração. Todas as classes domi-nantes lutaram por seus privilégios até o fim, com obstinada energia. Tanto os patrícios romanos quanto os barões feu-dais medievais, tanto os cavaleiros ingle-ses quanto os mercadores de escravos norte-americanos, tantos os boiardos valáquios quanto os fabricantes de seda lioneses, todos eles derramaram rios de sangue, marcharam sobre cadáveres, assassinatos e incêndios, incitaram guer-ras civis e traições à pátria, a fim de de-fenderem seus privilégios e seu poder.

Enquanto último rebento da classe de exploradores, a classe capitalista-imperialista ultrapassa a brutalidade, o cinismo descarado e a perfídia, possuí-dos pelas classes que a precederam. De-fenderá seu bem mais sagrado, seus lu-cros e seu privilégio de exploração, com unhas e dentes e com todos os métodos da mais fria perversidade, colocados à luz do dia em toda a história da política colonial e da última Guerra Mundial. Céus e infernos moverá contra o pro-letariado. Mobilizará o campesinato contra as cidades, instigará camadas atrasadas de trabalhadores contra a van-guarda socialista, incitará matanças, re-correndo a oficiais, procurará paralisar toda e qualquer medida socialista atra-vés de milhares de meios de resistência passiva, agitará vinte Vendéias contra a garganta da revolução, convocará para virem ao país, como salvadores, os inimigos externos, o ferro letal dos Cle-menceau, Lloyd George e Wilson. Pre-ferirá transformar o país em um monte de ruínas fumegantes a abandonar vo-luntariamente a escravidão assalariada.

Toda essa resistência há de ser que-brada, a passo e passo, com punho de ferro e rude energia. É necessário opor ao poder da contra-revolução burguesa o poder revolucionário do proletariado, aos assaltos, às intrigas, às maquinações da burguesia, a indobrável claridade de objetivo, a vigilância e, sempre, a ativi-dade decidida das massas proletárias, aos perigos ameaçadores da contra-re-volução, o armamento do povo e o de-sarmamento das classes dominantes, às manobras de obstrução parlamentar da burguesia, a organização repleta de ações da sociedade dos trabalhadores e solda-dos, à omnipresença e aos milhares de meios de poder da sociedade burguesa, o poder concentrado, acumulado e ele-vado ao máximo, da classe trabalhado-ra. Apenas o fronte compacto de todo o proletariado alemão - do sul e do norte, da cidade e do campo, dos trabalhado-res com os soldados -, o contato espi-ritual vivaz da Revolução Alemã com a Revolução Internacional, a expansão da Revolução Alemã rumo à Revolução Mundial do Proletariado, podem criar o fundamento de granito sobre o qual o edifício do futuro há de ser erigido.

A luta pelo socialismo é a Guer-ra Civil mais poderosa que a história do mundo jamais entreviu e a Revo-lução Proletária há de preparar para essa Guerra Civil o necessário apa-rato de armamentos, aprendendo a manuseá-lo para a luta e para a vitória.

Uma aparelhagem como essa das massas compactas do povo trabalhador com todo o poder político, colocado a

serviço das tarefas da revolução, é a Di-tadura do Proletariado e, por isso, a ver-dadeira democracia. Não é ali, onde o escravo assalariado se senta ao lado do capitalista, em fraudulenta igualdade, e os proletários rurais, ao lado dos nobres latifundiários, com vistas a debaterem parlamentarmente sobre suas questões vitais : mas sim ali, onde as massas pro-letárias, compostas por milhões de ca-beças, tomam todo o poder do Estado com seus punhos calosos, a fim de - tais qual o Deus Thor - destroçarem, com seu martelo, a cabeça das classes domi-nantes, que se situa a democracia que não significa nenhum engano popular.

MEDIDAS IMEDIATAS PARA A GARANTIA DA REVOLUÇÃO

Para possibilitar ao proleta-rido o cumprimento dessa tare-fa, a Liga Spartakus reivindica :

1. Desarmamento da polícia, de to-dos os oficiais e de todos os soldados não proletários. Desarmamento de todos os membros das classes dominantes ;

2. Confiscação pelos Conselhos de Trabalhadores e Soldados de to-das as reservas de armas e munições, bem como de todos os empreedi-mentos de produção de armamentos ;

3. Armamento de toda a popu-lação adulta proletária masculina, na forma de milícia operária. Formação de uma Guarda Vermelha, composta por proletários, enquanto parte ativa da milícia, visando à permanente pro-teção da revolução contra assaltos e maquinações contra-revolucionários ;

4. Supressão do poder de co-mando dos oficiais e dos sub-oficiais. Substituição da obediência militar-cadavérica pela voluntária disciplina dos soldados. Eleição de todos os superiores pelas tropas, com Direito de revogação de mandatos a todo mo-mento. Supressão da Justiça Militar ;

continua>>

“Apenas a Revolução

Mundial do Proletariado

pode introduzir ordem

nesse caos, proporcionar

pão e trabalho para to-

dos, por termo à recípro-

ca carnificina dos povos,

trazer paz, liberdade e

genuína cultura à huma-

nidade oprimida. ” .

Rosa Luxemburg

19

“A luta pelo socialismo é

a mais gigantesca guer-

ra civil que a história

universal conheceu” .

Rosa Luxemburg

5. Afastamento de oficiais e capitu-ladores dos Conselhos de Soldados ;

6. Substituição de todos os órgãos e autoridades políticos do regime anterior por representantes de confiança dos Con-selhos de Trabalhadores e Soldados ;

7. Instalação de um Tribunal Revo-lucionário junto ao qual serão julgados os principais culpados pela guerra e por seu prolongamento, tanto os Hohenzol-lern, quanto Ludendorff, Hindenburg, Tirpitz, tanto os demais membros de seu bando criminoso como todos os conspiradores da contra-revolução ;

8. Confiscação imediata de todos os meios alimentícios, visando ao as-seguramento da alimentação do povo.

DOMÍNIO POLÍTICO E SOCIAL1. Abolição dos Estados particulares.

República Socialista Alemã Unitária ; 2. Eliminação de todos os par-

lamentos e conselhos municipais. Absorção de suas funções pelos Con-selhos de Trabalhadores e Soldados, bem como por suas juntas e órgãos ;

3. Eleição por fábricas de Con-selhos de Trabalhadores em toda a Alemanha pelo conjunto dos trabalha-dores adultos de ambos os sexos, quer na cidade e quer no campo. Eleição por tropas de Conselhos de Soldados, excluindo-se os oficiais e os capitula-dores. Direito de os trabalhadores e soldados revogarem a todo momento o mandato de seus representantes ;

4. Eleição de delegados dos Conse-lhos de Trabalhadores e Soldados em todo o Império para o Conselho Cen-tral dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados, o qual deverá eleger o Con-selho Executivo, enquanto órgão supre-mo do Poder Executivo e Legislativo ;

5. Reunião do Conselho Central, provisoriamente, no mínimo, a cada 3 (três) meses – com nova e reiterada eleição de delegados -, visando ao con-trole regular da atividade do Conselho Executivo e à geração de um vivo con-tato entre as massas dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados do Império e seus órgãos supremos de governo. Di-reito de os Conselhos de Trabalhadores e Soldados Locais revogarem e substi-tuirem, a todo momento, seus represen-tantes junto ao Conselho Central, caso esses últimos não atuem no sentido esti-pulado por seus comitentes. Direito de o Conselho Executivo nomear e destituir os Comissários do Povo, os funcionários e as autoridades centrais do Império ;

6. Abolição de todas as dife-renças estamentais, ordens e tí-tulos. Completa igualdade jurídi-ca e social para ambos os sexos ;

7. Enérgica legislação social, redução

da jornada de trabalho, com vistas à ges-tão do desemprego, tendo-se em conta o esgotamento corporal dos trabalhadores por causa da Guerra Mundial. Jornada máxima de trabalho de 6 (seis) horas ;

8. Remodelação fundamental e imediata do sistema de alimenta-ção, moradia e educação, no sentido e espírito da Revolução Proletária.

PRÓXIMAS REIVINDICAÇÕES ECONÔMICAS

1. Confiscação de todos os pa-trimônios e rendas dinásticas, em benefício do público em geral ;

2. Anulação das dívidas do Esta-do e de outras dívidas públicas, bem como de todos os créditos de guerra, salvo as subscrições que atingirem um determinado montante, a ser fixado pelo Conselho Central dos Conse-lhos de Trabalhadores e Soldados ;

3. Expropriação do solo e da terra de todas as grandes e médias empresas ru-rais. Formação de cooperativas agrícolas socialistas, sob direção centralizada e uni-ficada em todo o Império. As pequenas empresas camponesas permanecerão na posse de seu titular, até à sua volun-tária adesão às cooperativas socialistas ;

4. Expropriação pela Repú-blica dos Conselhos de todos os bancos, minas e siderúrgicas, bem como de todas as grandes empresas, quer industriais quer comerciais ;

5. Confiscação de todos os patrimô-nios superiores à determinada soma, a ser fixada pelo Conselho Central ;

6. Absorção e controle pela República dos Conselhos de todo o sistema de transporte público ;

7. Eleição em todas as fábricas de Conselhos de Fábrica que, em conso-nância com os Conselhos de Traba-lhadores, deverão ordenar as questões internas, regular as relações trabalhis-tas, controlar a produção e, finalmen-te, assumir a direção das fábricas ;

8. Instituição de uma Comissão Central de Greves, operando em con-junto com os Conselhos de Fábricas, a qual deverá assegurar ao movimen-to grevístico que se inicia em todo o Império uma direção unitária, uma orientação socialista e o mais enérgico apoio do poder político dos Conse-lhos de Trabalhadores e Soldados.

TAREFAS INTERNACIONAIS Imediato estabelecimento de liga-

ções com os Partido Irmãos do exte-rior, a fim de posicionar a Revolução Socialista sobre uma base interna-cional, conformando e assegurando a paz através da confraternização in-ternacional e da sublevação revolu-

cionária do proletariado mundial.

EIS O QUE QUER A LIGA SPARTAKUS !

E porque ela o quer e porque é a admoestadora, a exortadora, a consciência socialista da revolução, é odiada, perseguida e caluniada por todos os inimigos declarados e vela-dos da revolução e do proletariado.

Crucifiquem-na !, vociferam os capitalistas que estremecem por causa de seus próprios cofres.

Preguem-na na cruz !, bradam os pequenos burgueses, os oficiais, os anti-semitas, os lacaios da im-prensa burguesa que tremem por causa de suas marmitas, concedidas pela dominação de classe burguesa.

Flagelem-na na cruz !, repetem ainda, tais qual um eco, as camadas de trabalha-dores e soldados enganadas, ludibriadas e usurpadas, ignorantes quanto ao fato de que, quando se enfurecem contra a Liga Spartakus, enfurecem-se contra sua própria carne e seu próprio sangue.

No ódio e na calúnia perpetra-da contra a Liga Spartakus, tudo de contra-revolucionário, anti-popular, anti-socialista, ambigüo, fotofóbico, obscuro, unifica-se. Através disso, confirma-se que nela bate o coração da revolução e que a ela pertence o futuro.

A Liga Spartakus não é ne-nhum Partido que quer alcançar a dominação por cima ou atra-vés das massas de trabalhadores.

A Liga Spartakus é apenas a par-te do proletariado consciente de seu objetivo que indica, a passo e passo, a todas amplas as massas trrabalhadoras suas tarefas históricas, defendendo, em cada um dos estágios específicos da re-volução, o objetivo final socialista e, em todas as questões nacionais, os interes-ses da Revolução Proletária Mundial.

A Liga Spartakus rejeita dividir o Poder de Governo com os beleguins da burguesia, com os Scheidemanns e Eberts, posto que entrevê em uma cooperação como essa uma traição aos fundamentos do socialismo, um fortalecimento da contra-revolução e um entorpecimento da revolução.

A Liga Spartakus também rejeitará atingir o poder tão somente porque os Scheidemanns e os Eberts arruinaram-se e os Independentes, em virtude de sua colaboração com aqueles, preci-pitaram-se em um beco sem saída.

A Liga Spartakus jamais assumirá o Poder de Governo de um modo que não seja aquele intermediado pela von-tade clara e inequívoca da grande maio-ria das massas proletárias da Alemanha, jamais, senão por força de sua aprova-

ção consciente das concepções, objeti-vos e métodos de luta da Liga Spartakus.

A Revolução Proletária pode apenas impor-se gradativamente, pas-so a passo, no caminho de Gólgota de suas próprias amargas experiên-cias, através de derrotas e vitórias, rumo à total claridade e madureza.

A vitória da Liga Spartakus não se si-tua no início, mas sim no fim da revolu-ção : é idêntica à vitória das grandes mas-sas de milhões do proletariado socialista.

De pé, proletários ! À luta ! Há um mundo a ser conquistado e um mun-do a ser combatido. Nessa última luta de classes da história mundial em prol dos supremos objetivos da humani-dade, vigora o brocardo a ser dirigido contra o inimigo: Joelho no meio do peito e polegar afundando no olho !(2)

*1 - Cf. LUXEMBURG, ROSA. Was Will der

Spartakusbund? (O Que Quer a Liga

Spartakus?)(14. 12. 1918), in : Die Rote

Fahne (A Bandeira Vermelha), Nr. 24,

14 de Dezembro de 1918. O presente

texto encontra-se também compilado

em LUXEMBURG, ROSA. Gesammelte

Werke (Obras Recolhidas), Vol. 4. Berlim

: Dietz, 1972, pp. 442 e s.

2 - No original alemão: Daumen aufs

Auge und Knie auf die Brust! Assinalo

que, nas lutas travadas na Antigüidade,

almejava-se comumente lançar-se o

adversário ao chão mediante golpes

violentos e, como forma de demonstrar

a vitória conquistada, fazer penetrar

o polegar lentamente no interior do

olho do derrotado. Daí deve proceder

possivelmente o costume de atestarmos

a morte de alguém, tocando com nossos

dedos os olhos do falecido, como forma

de examinarmos seu glóbulo ocular e

certificarmo-nos da efetividade de sua

morte. Ademais disso, o polegar sempre

representou o dedo da força. O brocar-

do em destaque surge ainda em língua

dos francos medievais da seguinte

forma : Ar setzt’n ‘n Dauma ufs Ag.

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