1 Economistas - n 16 - Abril 2015
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EXPEDiENTE SumrioPRESIDENTEPaulo Dantas da CostaVIcE-PRESIDENTEJlio MiragayacoNSElhEIRoS EfETIVoSPaulo Dantas da CostaJlio MiragayaAntonio Melki JniorCelina Martins RamalhoEduardo Jos Monteiro da CostaErivaldo Lopes do ValeFbio Jos Ferreira da SilvaFrancisco Assuno e SilvaJin Whan OhJoo Manoel Gonalves BarbosaJos Luiz Amaral MachadoLuiz Alberto de Souza Aranha MachadoNelson Pamplona da RosaOdisnei Antnio BgaPaulo Hermance PaivaPaulo Salvatore PonziniRridan Penido DuarteSebastio DemunercoNSElhEIRoS SuPlENTESAirton Soares CostaCarlos Alberto SafatleDilma Ribeiro de Sousa PinheiroEdson Nogueira Fernandes JniorFernando da Silva Ramos FilhoJos Antonio Lutterbach SoaresJos Emlio Zambom da SilvaLourival Batista de Oliveira JniorMarcelo Martinovich dos SantosMaria de Ftima MirandaMnica Beraldo Fabrcio da SilvaPaulo Brasil Corra de MelloRegina Lcia Gadioli dos SantosValery Maineri KnigVicente Ferrer Augusto GonalvesVirglio Pacheco de Arajo NetocomIT EDIToRIalPaulo Dantas da CostaJlio MiragayaJin Whan OhcomISSo DE comuNIcaoJin Whan Oh (Coordenador)Celina Martins RamalhoLuiz Alberto de Souza Aranha MachadoJlio MiragayaMaria de Ftima Miranda
JoRNalISTaManoel Castanho (MTb 7014 DF)aSSESSoRa DE ImPRENSaNatlia Kenupp (MTb 8861 DF)ESTagIRIoJlio PoloniPRoJETo gRfIco E EDIToRaorea ComunicaoImPRESSoGrfica So Jorge
TIRagEm10.000 exemplares
Editorial
Paulo dantaS da CoStaPrESidEntE
Esta edio da revista ECONOMISTAS aborda a atual questo do ajuste fiscal para o equilbrio das contas pblicas, tema que integra o mundo das atividades de atuao especfica do profis-sional economista, considerando que a anlise tcnica desse instrumento
de poltica econmica toca inevitavelmente na questo do oramento pblico, notadamente no que diz respeito sua elaborao e anlise de
seus impactos sobre a atividade econmica.A viso liberal, muito em voga no sculo XIX e comeo do sculo XX,
segundo a qual as finanas pblicas so neutras e que a despesa pblica
desnecessria, algo que pertence mesmo ao passado. O Estado passou a ter
um papel diferenciado, no apenas por conta de bases acadmicas de razes
keynesianas, mas tambm porque as sociedades adotaram Estados com novas
funes. O Estado de bem-estar-social passou a prevalecer em boa parte dos pases, com mais marcantes e exitosas experincias entre os escandinavos.
No Brasil, a opo pelo chamado welfare state est configurada j no prembulo do texto constitucional e no seu artigo 6, que assegura como
direitos sociais a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e
infncia, a assistncia aos desamparados.
O fato que as sociedades enfrentam uma realidade comum a todas, em
razo do inescapvel crescimento contnuo das despesas pblicas, ao lado
de limitaes na parte das receitas, diante da necessria responsabilidade
fiscal. O Brasil no est fora dessa realidade. Ajuste fiscal demanda um
conjunto de indispensveis iniciativas; no Brasil, uma delas passa pela
qualificao da despesa pblica.
Para estimular o debate em torno desse quadro, reunimos artigos
com vises complementares e ao mesmo tempo conflitantes, de crticas
s medidas propostas e, ao mesmo tempo, de reconhecimento da
inevitabilidade de um ajuste. evidente que est configurada uma conjuntura de marcantes
dificuldades. Porm, pelos ensinamentos da sabedoria milenar, no
podemos esquecer que, alm do aprendizado com a experincia
do sacrifcio com a necessria correo de rota, a crise sempre um
ambiente de oportunidades para o governo, empresas e indivduos.
Boa leitura!
nota ofiCial SobrE o ajuStE fiSCal Crescimento econmico do Brasil deve ser imediatamente retomado..........5
rEPortagEmAjuste fiscal em pauta....................................................................................7
EntrEvistas com Economistas sobrE o ajustE fiscal. o ajuStE fiSCal E o mErCado dE trabalhoEconomistas do Dieese.................................................................................12
a inEvitabilidadE do novo ajuStE fiSCalRaul Velloso................................................................................................17
artigo: riCardo amorim#RuimPraQuem?.........................................................................................24
artigo: Srgio gobEttiRadiografia das finanas pblicas: menos ideologia e mais ateno aos dados...........................................................................................................28
XXi CongrESSo braSilEiro dE EConomiaCuritiba recebe XXI CBE de 9 a 11 de setembro........................................32
novoS livroSGlria Incerta: A ndia e suas contradies.................................................38The Institutionalist Movement in American Economics, 1918 1947........40
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CrESCimEnto EConmiCo do braSil Deve ser imediatamente retomado
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cres-ceu em 2014, segundo o IBGE, to somente 0,1%, com for-te desacelerao em relao a 2013
(2,7%). O Conselho Federal de Econo-mia entende que este ritmo de cresci-mento de nossa economia, expresso na
queda do PIB per capita de 0,7%, est
muito aqum das necessidades do pas e da gerao de empregos.
A anlise do desempenho setorial do PIB, pela tica da oferta, revela que o
pior desempenho foi do setor industrial,
com queda de 1,2%, e que, no obs-tante o forte crescimento da indstria
extrativa mineral (8,7%), decorreu do
pssimo resultado da indstria de trans-formao (queda de 3,8%) e do grupo
composto pela construo civil, ener-gia, gs, gua e esgoto (queda de 2,6%).
O setor de servios teve crescimento de 0,7%, com destaque positivo nos seg-mentos de servios de informao (4,6%)
O Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatstica (IBGE) divulgou, no dia
27 de maro, o resultado do Produ-to Interno Bruto (PIB) referente ao ltimo trimestre de 2014. De acor-do com o instituto, o Brasil cresceu
0,1% no ltimo ano, com forte desa-
celerao em relao a 2013, quando
o ndice chegou a 2,7%.
Diante desse cenrio, o Conselho
Federal de Economia (Cofecon) divulgou uma nota oficial sobre o
assunto durante a 663 Sesso Ple-nria Ordinria, incluindo tambm
uma avaliao sobre o ajuste fis-cal proposto pelo governo federal. O texto foi aprovado por todos os conselheiros presentes na reunio e divulgado para os veculos de co-municao de todo o pas. Confira,
a seguir, a Nota Oficial.
Nota sobre ajuste fiscal
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No primeiro trimestre do seu segundo mandato como presidente da Repblica, Dilma Rousseff anunciou um paco-te de medidas fiscais. Considerado
duro, o corte de gastos provocou
reaes no Congresso e insatisfao popular, agravadas pela crise polti-ca que governo federal enfrenta aps denncias de esquemas de corrupo.
De acordo com o Ministrio da Fa-zenda, o corte de gastos pblicos e o
aumento de tributos anunciados de-vem gerar economia de at R$ 51,4
bilhes neste ano, o que corresponde
a 77,5% da meta do supervit prim-rio para o setor pblico consolidado,
incluindo estados e municpios, esti-pulada em R$ 66,3 bilhes, ou seja,
1,2% do PIB. As redues incluem
restries ao seguro-desemprego,
penso por morte e ao seguro-defeso,
que mantm os pescadores nos pero-dos em que a atividade no pode ser exercida. A meta para 2016 e 2017 de 2% do PIB.
O valor da conta de energia dos brasileiros tambm sofrer reajuste a partir da suspenso dos repasses
Conta de Desenvolvimento Energti-co (CDE), responsvel por subsidiar
as tarifas de energia. Somado a isso,
os gastos do Governo Federal sero reduzidos em 1/18 e haver aumento de tributos nos combustveis, no Im-posto sobre Operaes Financeiras (IOF) para o crdito de pessoas fsi-cas e na Contribuio para o Finan-ciamento da Seguridade Social (Co-fins) sobre produtos importados. Para
completar, os cosmticos recebero
novo modelo de cobrana do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Outra medida anunciada que gerou controvrsias foi o reajuste na tabela do Imposto de Renda. Aps intensa negociao com o Congresso, a cor-reo acertada foi de 6,5%, 5,5%, 5%
e 4,5%, de acordo com a faixa salarial
dos contribuintes. De acordo com o Planalto, o impacto fiscal deste reajus-te ser maior que R$ 6 bilhes, visto
que cerca de 16 milhes de brasilei-ros esto na faixa de 6,5% de corre-o. A presidente defendia o reajuste de 4,5%, percentual muito abaixo da
inflao de 2014, ndice que fechou
o ano com o percentual de 6,41%, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
ajuStE fiSCal Em Pauta
A Revista ECONOMISTAS aborda neste nmero um tema da maior relevncia e que tem ocupado lugar de destaque no debate econmico, o ajuste fiscal proposto pelo governo neste incio de mandato.
Economistas debatem as principais medidas anunciadas pelo governo federal no primeiro trimestre de 2015
medidas de ajuste Economia para os cofres pblicosRestries ao seguro-desemprego, penso por morte e ao seguro-defeso R$ 18 bilhes
Suspenso de repasses CDE R$ 9 bilhes
Limitao de gastos a 1/18 da verba gasta em 2014 R$ 3,8 bilhesAumento de tributos sobre combustveis R$ 12,2 bilhesIOF para o crdito a pessoas fsicas R$ 7,4 bilhesElevao do PIS e Confins R$ 700 milhesNovo modelo de cobrana IPI cosmticos R$ 381 milhes
fonte: Agncia Brasil
e atividades imobilirias (3,3%) e ne-gativo do comrcio (-1,8%). J o setor
agropecurio teve crescimento modesto,
de 0,4%.
Pela tica da demanda, embora te-nha havido expanso do consumo das famlias (0,9%), ocorreu uma forte de-sacelerao em relao a 2013 (2,9%).
O mesmo se deu no consumo do go-verno (crescimento de 1,3% contra
2,2% em 2013). J a Formao Bruta
de Capital Fixo (FBCF) teve queda de 4,4%, levando sua participao no PIB
a recuar de 20,5% em 2013 para 19,7%
em 2014.Neste momento em que o governo
federal promove um ajuste fiscal, o
Cofecon revela sua preocupao com a possibilidade de as medidas propos-tas virem a comprometer a necessria retomada do crescimento econmico.
O Brasil est carente de uma pol-tica econmica de longo prazo, re-sistente no tempo, cujo objetivo seja
promover o crescimento da economia e proporcionar a reduo da pobreza e da desigualdade social e elevar o bem estar da populao brasileira.
O Governo Federal tem constan-temente tomado decises de polti-ca econmica de curto prazo, com
base em convenincias conjuntu-rais. Assim, nesses ltimos anos,
num contexto internacional de os-cilao econmica, a gesto ante-rior foi marcada por medidas que,
a rigor, no surtiram os efeitos es-perados: desoneraes fiscais; ma-nuteno artificial de importantes
preos da economia, como com-bustveis e energia; e elevao dos gastos de capital e correntes, mas
sem compensao de receita, o que
resultou em deteriorao das contas pblicas e elevao das expectati-vas de inflao.
Esse contexto levou proposio
de aes de ajuste fiscal e monetrio,
muito embora parte delas ainda em tramitao no Congresso Nacional. Os sinais que chegam do mercado so de pessimismo, com empresrios adiando
projetos de investimentos em razo dos elevados juros e baixa competitividade enquanto, de outro lado, trabalhadores
sofrem com a perspectiva de reduo dos salrios reais e desemprego, deter-minada pelo crescimento da inflao
e queda nos resultados das empresas,
que se reflete no desempenho insatis-fatrio do PIB.
Nesse cenrio, soa preocupante e
inaceitvel a perspectiva que se avi-zinha de elevao da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que j so-freu majorao em dezembro, cons-trangendo ainda mais um elemento fundamental de poltica creditcia e dificultando a retomada do investi-mento produtivo no pas.
O objetivo da equipe econmica alcanar, em 2015, supervit pri-mrio correspondente a 1,2% do
PIB, ou R$ 66,3 bilhes, sendo R$
55,3 bilhes advindos da Unio e o
restante dos estados e municpios. Esse montante corresponde a to somente cerca de 20% dos gastos
com juros da dvida pblica. Dito de outra forma, o ajuste fiscal ser
feito com sacrifcio do setor pro-dutivo, com consequncias mais
profundas para a classe trabalha-dora, em prol do setor financeiro,
promovendo a transferncia de re-cursos do primeiro para o segundo. Vale ainda destacar que a prtica de gerar supervits primrios eterniza uma situao favorvel aos rentis-tas, credores dos ttulos da dvida
pblica, uma vez que a manuteno
de altas taxas de juros eleva o valor total da dvida pblica.
Uma das consequncias provveis
ser a reduo do volume de recur-sos a serem transferidos pela Unio
e, portanto, os estados e municpios
tendero a realizar esforo fiscal
maior, a partir da utilizao de ou-tros mecanismos para elevao da arrecadao, assim como a raciona-lizao de despesas.
de se esperar tambm que cor-tes de subsdios e em programas de grande impacto social, como o Mi-nha Casa Minha Vida, gerem conse-quncias negativas no nvel de em-prego e na aquisio de insumos da indstria, impactando negativamen-te o dinamismo econmico.
Diligentes com a nossa misso ins-titucional, alertamos quanto aos pos-sveis desalinhamentos que essa po-ltica econmica poder causar aos setores produtivos com efeito direto nas condies de trabalho e de vida da sociedade brasileira.
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O conselheiro federal Francisco Assuno observa que, entre todos os
ajustes propostos pelo governo, a cor-reo na tabela de imposto de renda o mais simples de ser implementado. Em contrapartida, o impacto dessa
medida reflete pouco ao analisar as
diversas fontes potenciais de arrecada-o. Ao tempo que classifico tambm
que o impacto do ajuste na tabela de IR pouco repercute no consumo das fam-lias, e assim no cria aumento no poder
aquisitivo, embora numa certa medida
at restabelece melhoria na renda dis-ponvel, mas nada relevante. Assun-o destaca ainda que, ampliando a
faixa de iseno na fonte, a correo
da tabela no atende as expectativas do trabalhador, pois o brasileiro possui
demanda reprimida, e satisfazer suas
condies mnimas de sobrevivncia requer uma jornada de trabalho muito maior. Ainda h muito o que avanar na questo tributria, que poderia pre-ver a aplicao de tabela mais justa, de-finindo classes de renda mais elevadas
a serem tributadas. Paralelo, minimizar
a aplicao dos chamados impostos regressivos existentes nas diferentes esferas de Governo e criar um verda-deiro imposto sobre fortunas so aes importantes na construo de uma so-ciedade mais justa. Assim, necessrio
buscar outros mecanismos de arreca-
dao e no esquecer de considerar o desempenho da economia informal,
monitorando e buscando alavancar as receitas pela fiscalizao, defende.
Assuno acredita que particular-mente os anos de 2013 e 2014 trouxe-ram uma herana ruim para o Brasil,
quando o pas apresentou o maior d-ficit pblico da histria, com 6,7% do
PIB. Combinado ao volume excessivo de gastos e desoneraes (IPI de auto-mveis e de bens durveis, etc), a eco-nomia nacional perdeu receita e, agora,
requer a aplicao de um receiturio de ajuste fiscal, visando ter o controle dos
gastos de capital e correntes, inclusive
avanando com reduo de benefcios sociais para a populao. Nesse con-texto, at o financiamento de progra-mas de grande impacto social, como
o Minha Casa Minha Vida esto com-prometidos em razo desse ambiente agora definido, aponta.
Rridan Penido Duarte, tambm
conselheiro federal, comenta que, no
primeiro ano de mandato, independen-temente de ter havido reeleio, os mo-mentos de esforo fiscal so recorren-tes. Isso acontece porque, nos ltimos
anos da gesto, a poltica fiscal mais
frouxa. Vale lembrar que em 2011 hou-ve esforo fiscal parecido com o que
se pretende hoje, com cerca de R$ 50
bilhes, explica o conselheiro. Para
o economista, o sucesso das medidas
propostas pelo ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, depender de a coor-denao poltico-econmica afinar as
polticas fiscais e monetrias. Este
ajuste fiscal busca uma sintonia muito
prxima com a poltica monetria, o
que no aconteceu nos anos anteriores. De nada adiantar se o supervit pri-mrio for utilizado totalmente para sa-nar a dvida pblica e o pagamento de juros, visto que deve ser voltado para
investimentos pblicos, principalmen-te em infraestrutura, prope Rridan
Duarte, ao ressaltar a tendncia de que
o esforo no ajuste seja tomado pela poltica monetria mais restritiva, com
o pagamento de juros. Rridan aponta que o governo reali-
zou estudos relacionados poltica fis-cal para monitor-la durante os ltimos anos, marcados pela crise econmica
global. O governo assumiu tarefas que a economia do setor privado no teria condies, dada a dimenso da
crise. Na minha opinio, o modelo se-gurou o crescimento do pas, j que a
diminuio do crescimento seria ainda maior sem a atuao da poltica fiscal
do governo, pontua.
J Paulo Brasil, tambm conselheiro
federal, defende que a situao atual
resultado da falta de controle dos re-cursos pblicos e de compras governa-mentais, muito mais do que problemas
na arrecadao. Para o economista,
o resultado apresentado hoje no diz respeito apenas aos reflexos da eco-nomia mundial. O que percebemos nesses ltimos anos, no no incio do
governo Dilma, mas no desta legenda,
que nunca houve preocupao fiscal.
Agora, vemos o desespero para manter
o equilbrio das contas porque passa-mos tambm por uma fase de descrdi-to. No governo de Fernando Henrique Cardoso, antes que consegussemos o
equilbrio de contas pblicas, foi feita
a busca e controle da inflao. Naque-la poca, as pessoas da gesto atual se
manifestaram contrrias, entendendo
que o gasto pblico deveria atender aos anseios da sociedade. No incio do go-verno petista, houve a preocupao de
mostrar que o mercado interno estava equilibrado, mas quase nada foi feito
para manter essa condio, argumenta
Paulo Brasil. ajuStE na dirEo Errada
Na opinio do economista e profes-sor da Universidade de Braslia (UnB)
Drcio Garcia Munhoz, o ajuste fiscal
proposto pelo governo est focado em medidas que aumentam a recesso e o desemprego, alm de contribuir para o
crescimento da inflao. No percebo
nenhum objetivo de retomada de cres-cimento. As medidas visam aumento de receitas e diminuio de despesas,
com o objetivo de sobrar recursos de impostos para o pagamento de juros da dvida pblica. contraditrio, decla-ra Drcio Munhoz. De acordo com o
economista, o ajuste no busca analisar
por que o governo apresentou dficit
no Tesouro no ano passado, verifican-do onde houve excesso de gastos.
Drcio Munhoz avalia que o ajuste est sendo feito na direo errada por-que apenas visa aumentar receitas. As medidas referentes previdncia social
punem os trabalhadores e as empresas,
com a retirada de benefcios daqueles que j foram castigados nos ltimos anos pelo aumento da contribuio previdenciria acompanhando a ele-vao real do salrio mnimo desde princpios da dcada passada, acredi-ta o economista. O problema no a previdncia urbana, porque nos lti-mos anos as contribuies tiveram um reajuste de 100% acima da inflao, ou
seja, dobraram. Tal fato foi respons-vel pelo aumento do supervit na pre-vidncia urbana, entre 2010 e 2014, de
R$ 5 bilhes para R$ 25 bilhes so-bra dos dois ltimos anos. A previdn-cia rural, que tem o carter de assistn-cia social porque o nvel das receitas irrisrio, registrou em 2014 um dficit
da ordem de R$ 82,0 bilhes, explica.
Portanto, na opinio de Munhoz, o su-pervit da previdncia urbana deveria ser destinado para reduzir o peso das contribuies para trabalhadores e em-presas, alm de repor benefcios diante
das perdas provocadas pelo fator previ-dencirio, e nunca desviado para o pa-gamento de juros, despesa que cresce
turbinada pela taxa Selic manipulada pelo BC.
O governo deve reorganizar as fi-nanas pblicas, e no cortar despe-sas indiscriminadamente e aumentar impostos, defende. A reorganizao,
segundo o professor da UnB, passa por
uma srie de rearranjos, como reduzir
a taxa Selic para 10%, o que economi-zaria em torno de R$ 80 bilhes dos cofres pblicos reduo anual nos encargos de juros e conseqentemente no aumento da dvida do Tesouro. H uma srie de rearranjos possveis, alm
de corrigir distores no auxlio de-semprego, cujos dispndios cresceram
76,0% desde 2010. H tambm o caso
do Fies, em que o abuso por parte das
universidades particulares foi tamanho que o dispndio dobrou no ano passa-do. O ajuste fiscal, todavia, em verdade
prope medidas para atender s recla-maes do mercado de que o Tesouro deve ter supervit nas receitas de im-postos para pagamento de juros. Mas isso como enxugar gelo, pois s o au-mento da taxa Selic pelo Banco Cen-tral nos dois ltimos anos - superior a 5,0 pontos de percentagem -provocou
um aumento em torno de R$ 150,00
bilhes nas despesas anuais de juros do Governo Federal algo como a soma das verbas oramentrias com Educa-o e Sade, conclui Drcio Munhoz.
SuPErvit PrimrioA meta para 2015, de 1,2 % do PIB,
considerada ambiciosa pelo econo-mista Andr Nassif, professor de Eco-nomia da Universidade Federal Flumi-nense (UFF) e de MBAs da Fundao
Getlio Vargas. Alm de ser um ano politicamente conturbado para o pas,
o Brasil encerrou 2014 com dficit fis-cal primrio e a economia deve mos-trar, at o fim do ano, uma contrao no
PIB. De acordo com o chefe-adjunto do Departamento Econmico do Ban-co Central, Fernando Rocha, adotando
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a premissa do supervit primrio em 1,2% do PIB e a viso do Boletim Fo-cus para crescimento, a dvida bruta
sobe de 63,4% do PIB em 2014 para
finalizar o ano de 2015 em 65,2%. A
dvida lquida sobe de 36,7% no ltimo
ano para 38,2% at o fim deste ano.
Em uma economia com taxa de PIB negativa, o governo terminar
2015 com perspectiva de arrecadao menor do que em 2014. Fica compli-cado politicamente aumentar impos-tos e cortar isenes fiscais sobre as
empresas em ano recessivo. Por outro lado, complicado eliminar gastos,
ainda que eu defenda que impor-tante fazer ajuste fiscal para ganhar a
confiana do mercado no sentido do
governo se comprometer a reverter a dvida, comenta o professor.
Nassif lembra que, no primeiro man-dato do presidente Lula, a meta do
supervit primrio estava em 4,25%,
mas, poca, a economia no estava
em recesso. Em um cenrio diferen-te do que se apresenta hoje, a crise era
contornada com aes como exporta-o para o mercado internacional. A meta de supervit primrio de 1,2%
em uma economia com contrao de algo de 1% do PIB neste ano, em ter-mos relativos, ter mais consequncias
adversas do que no primeiro mandato de Lula. Se o ajuste fosse voltado para o corte de despesas, especialmente de
correntes e no investimentos, e ficasse
mantido nos prximos trs anos para o governo recanalizar a arrecadao para preservar investimentos pblicos,
conseguiria resgatar a confiana do
mercado. Temos todos os ingredientes para que 2015 seja recessivo e 2016, na
melhor das hipteses, seja um ano me-docre, mantido o ajuste como est,
defende Andr Nassif.
Professor de Economia da Universi-dade de Braslia (UnB), Roberto Bo-caccio Piscitelli tambm tem dvidas quanto necessidade do arrocho neste
momento da economia, por considerar
que o efeito de todas as medidas jun-tas seja prolongado e forte, mais que o
desejvel, tendo em vista a necessida-de de recuperao. Corremos o risco de entrar em um processo recessivo crnico. O que preocupa, particular-mente, a questo dos juros, aumento
sucessivo e antecipao dos anncios de taxas de juros nos prximos meses. O mercado demonstra fome insacivel pelo aumento da taxa de juros como se a medida tivesse efeito no controle da inflao. Acredito que essa tese no se
sustenta, mas no momento poucas pes-soas tm coragem de denunciar o equ-voco de poltica monetria que vem sendo adotado no Brasil h mais de uma dcada, reflete Roberto Piscitelli.
De acordo com o professor da UnB,
as taxas de juros brasileiras se mantm por um perodo longo em elevadssi-mos patamares. H mais inflao dos
custos do que de demanda, e, na sua
opinio, o mercado de trabalho comea
a sentir os efeitos da reduo do nvel de atividade econmica. Aumentar os
juros sufoca a economia e torna impro-vvel a retomada do crescimento. No h nada que justifique as taxas eleva-das porque freiam os investimentos,
que so primordiais para a retomada do crescimento.
Para Piscitelli, reverter a situao
no passa pelo consumo, mas depen-de da retomada de investimentos. O estmulo ao investimento no existe quando praticamos altas taxas de juros,
que esto entre as mais altas do mun-do, e mantemos isso por anos a fio. Tal
iniciativa desestimula investimentos e causa sangria nas contas pblicas,
porque o governo tem dvida relativa-mente elevada. Com a economia em recesso, a queda da receita e arreca-dao, e o aumento dos juros, reduzo
ainda mais a capacidade do Estado ser promotor de reverso. Privo um novo ciclo de crescimento e sinalizo negati-vamente ao mercado, analisa.
SEtor ProdutivoA indstria brasileira reconhece que
as medidas de ajuste fiscal so neces-srias para garantir condies de cres-cimento a longo prazo, mas critica os
efeitos sobre a competitividade das em-presas. Em reunio do Frum Nacional da Indstria (FNI), realizado no dia 6
de maro, a Confederao Nacional da
Indstria (CNI) e 43 lideranas do seg-mento defenderam que o ajuste fiscal
no pode ser feito a partir do aumento de tributos. O Brasil j tem uma das mais altas cargas tributrias do mundo. Adicione-se a isso o aumento dos juros e do custo com energia. imperativo avanar na reduo do Custo Brasil. A agenda deve colocar como objetivo a superao das restries competiti-
vidade das empresas, que vm se acu-mulando ao longo dos anos. Caso isso no acontea, ainda que as condies
fiscais estejam reequilibradas, a reto-mada do crescimento ser prejudica-da, informa o comunicado.
Segundo as lideranas da inds-tria, a recuperao da credibilidade
e o dinamismo da economia brasilei-ra podem ser comprometidos caso o ajuste fiscal no esteja focado na re-tomada do crescimento da indstria e da economia. Neste sentido, reco-mendam a aplicao de medidas de competitividade compatveis com o ajuste, como reduo da burocracia,
eliminao da cumulatividade e sim-plificao de tributos, ampliao do
programa de concesses e uma po-ltica ativa de apoio s exportaes.
Antnio Corra de Lacerda, econo-mista e professor da Pontifcia Univer-sidade Catlica de So Paulo (PUC--SP), confirma que a conta do ajuste
fiscal recai sobre o setor produtivo e
os trabalhadores. O setor financeiro
ficou fora do ajuste e, pelo contrrio,
alm de no ser onerado, beneficiado
pelo aumento das taxas de juros, co-menta Lacerda ao apontar que o Brasil aplica a maior taxa de juros do mundo em termos reais. Ele afirma no ques-tionar a necessidade da realizao de ajuste fiscal, mas a forma como est
sendo conduzido.
Segundo o economista, a eleva-o dos juros tem dois efeitos que se contrapem ao objeto do ajuste. O primeiro que, elevando as taxas, h
o encarecimento dos investimentos e do crdito de financiamento de pes-soas fsicas, desestimulando o nvel
das atividades e reduzindo a arreca-dao do governo. O aumento de juros tem significado um aprofunda-mento da recesso, que por si s vai
comprometer o ajuste desejado. O segundo efeito a ampliao do cus-to de financiamento da dvida pbli-ca. No ano passado, os gastos com
os juros que incidem sobre a dvida chegaram a R$ 311,4 bilhes, 6% do
PIB transferido para o setor financei-ro e rentismo, examina Lacerda.
Para o economista e professor uni-versitrio, necessrio promover a ta-xao dos mais ricos, cobrando impos-tos de fortunas e patrimnios, alm de
conduzir uma ampla reforma tributria. O que falta ao Brasil um programa de desenvolvimento que privilegie a gerao e distribuio de renda, soma-dos aos investimentos, o que viabiliza-ria o desenvolvimento sustentvel do pas. O ajuste no tem que ser um fim,
ele o meio, conclui.
invEStimEntoS EStrangEiroS
Em economia, indiscutvel o poder
da reputao e confiana do investidor
para fechar negcios. O Brasil, que j
possui um passado nebuloso em rela-o crise fiscal, enfrenta dificuldades
para atrair investidores na atual conjun-tura econmica. Na dcada de 90, du-rante o Plano Collor, a dvida brasileira
era tal que o governo no contava com recursos para pagar os credores. Na
iminncia de uma crise fiscal, os brasi-leiros viveram uma situao traumtica de congelamento de poupanas, aplica-es e at saldo em conta corrente.
Andr Nassif lembra que entre os pases emergentes do BRICS h boas opes de investimento, como a ndia,
que no tm passado de crise fiscal to
significativo como o Brasil. O passa-do do Brasil recheado de crises fis-cais. Isso significa que tem memria
de situao fiscal precria, o que acaba
fazendo com que o mercado reduza a confiana. Basta a dvida bruta avanar
e j mais que suficiente para reduzir
a confiana quanto capacidade de
solvncia do setor pblico. Por isso o governo Dilma no tem como escapar do ajuste, declara.
O conselheiro Paulo Brasil compar-tilha o pensamento de Andr Nassif e comenta que, em um mundo globaliza-do, impossvel tratar o pas como uma
ilha isolada, com o discurso de que no
pode perder a soberania. Como exem-plo, citou a recente deciso dos Esta-dos Unidos de deixar os embargos a
Cuba e a expectativa dos cubanos em recuperar a economia. O mercado muito dinmico e amplo, h vrios pa-ses emergentes para investir alm do BRICS, que oferecem rentabilidade e
risco menor. Para o investidor, im-portante ter confiana. A credibilidade
fundamental, defende. mulher
de Csar no basta ser honesta, deve
parecer honesta, finaliza o conselhei-ro federal. Portanto, a imagem do pas
deve estar positiva internacionalmente para que os investidores percebam a viabilidade dos negcios e tragam os investimentos que o pas precisa para superar a crise e voltar a crescer.
Poucas pessoas tm coragem de denunciar
o equvoco de poltica monetria
adotado no Brasil h mais de uma dcada
Roberto Piscitelli
O aumento de juros tem significado um aprofundamento da
recessoAntnio Corra de Lacerda
12 13Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
EntrevistaDieese
o ajuStE fiSCal E o mErCado dE trabalho
O governo federal est re-alizando um programa de ajuste fiscal bastante amplo e profundo, que inclui medi-das que alteram as regras de acesso a benefcios previdencirios e ao seguro-desemprego. As medidas fo-ram adotadas com o argumento de que, uma vez recuperada a capacida-de fiscal do setor pblico, ser poss-vel retomar com mais vigor a traje-tria de crescimento econmico.
No entanto, o contexto em que se
insere o programa extremamente
desfavorvel. A demanda agregada mostra sinais de enfraquecimen-to; o comrcio internacional cresce lentamente; a demanda externa e os termos de troca se deterioraram nos ltimos anos; o pas atravessa uma crise hdrica com potencial de crise energtica; a desvalorizao cam-bial afeta os preos internos, entre
outros. Alm disso, a operao Lava
Jato e outras investigaes criam um clima poltico acirrado e comprome-tem os investimentos pblicos, es-pecialmente no setor de construo,
petrleo e gs, e geram outros pro-blemas e entraves.
Enfim, ao ajuste fiscal soma-se
um conjunto de fatores adversos que freiam ainda mais a lenta mar-cha da economia. Assim, quais so
os possveis efeitos dessas medidas para o mercado de trabalho, o de-semprego e os salrios reais? H a perspectiva de que os efeitos re-cessivos sobre a economia se pro-longuem alm do esperado? Como assegurar uma transio rpida para o crescimento econmico?
Economista do DIEESE. Socilogo, diretor tcnico do DIEESE, membro do CDES Conselho de Desenvol-vimento Econmico e Social.
Economista do DIEESE.
Airton dos sAntos Clemente Ganz lCio Clvis sCherer
A ntes mesmo de iniciado o segundo mandato, a nova equipe econmi-ca do governo da presidenta Dilma Rousseff anunciou um conjunto de medidas voltadas para reverter a alta do dficit pblico. Maior rigor fiscal
tem sido a nfase dos novos ministros da rea econmica, pois entendem
que o endividamento pblico e as di-ficuldades em financi-lo so fatores
que podem, no mdio prazo, desesta-bilizar a economia.
Os temores do governo decorrem da observao da trajetria de alguns indicadores relativos s finanas p-blicas. As contas consolidadas do setor pblico em 2014 resultaram em dficit nominal de 6,7% e dfi-cit primrio de 0,63% do PIB. Estes
resultados indicam que o saldo en-tre receitas e despesas pblicas no foi suficiente para pagar os juros da
dvida e houve deteriorao dos in-dicadores fiscais em relao ao ano
anterior. Afinal, em 2013, o dficit
nominal tinha sido de 3,25% e o se-tor pblico tinha gerado um super-vit primrio de 1,88% do PIB. O d-ficit primrio do ano passado chama
a ateno porque o primeiro deste tipo desde 2002.
O dficit primrio de 2014 foi ge-rado principalmente pelo governo central, embora os estados tambm
tenham passado de uma situao superavitria para deficitria entre
2013 e o ano passado. No caso do
governo central (governo federal e Banco Central), o resultado primrio
foi determinado por um aumento de
receitas de 3,6%, inferior ao aumento
de 12,8% nas despesas totais.
A Secretaria do Tesouro expli-ca que o desempenho das receitas foi afetado pelo baixo crescimen-to econmico e pelas desoneraes tributrias. Assim, a arrecadao da
CSLL praticamente estvel (0,6% de
variao) reflete o fraco crescimen-to econmico e da renda, enquanto
a queda nas receitas de PIS/Cofins
est ligada s desoneraes (-3,1%
e de -5,8%, respectivamente). Vale
notar que em funo do mercado de trabalho ainda favorvel, as receitas
da Previdncia Social tiveram quase 10% de aumento em 2014, apesar da
desonerao da folha compensada por R$ 9,0 bilhes que o Tesouro re-passou Previdncia.
No lado das despesas, a Secreta-ria da Receita Federal informa que as despesas de custeio e capital fo-ram as que mais contriburam para o dficit primrio. Entre estas, cabe
destacar o aumento relativo de 22%
nas despesas do FAT e de 21,5% em
outras despesas de capital. Entre es-tas ltimas destacam-se as despesas discricionrias para os ministrios da Sade, da Educao e do Desenvol-vimento Social, os investimentos do
PAC e a compensao pela desonera-o da folha. O aumento das despe-sas da Previdncia Social, de 10,4%,
ficou prximo do aumento das recei-tas previdencirias, o que mostra que
no da que tm surgido as presses sobre as contas do governo central. Na mesma linha, o item pessoal e en-cargos teve variao de 8,4%.
Apesar do resultado primrio ne-gativo, o principal fator determinan-te do dficit nominal do setor pbli-co ainda o pagamento de juros. O ciclo de alta da taxa Selic, visando
combater a inflao, elevou em quase
um ponto percentual a carga de juros como proporo do PIB, de 5,14%,
em 2013, para 6,07%, em 2014.
Este aumento nos gastos com juros concentrou-se principalmente so-bre o governo federal, que destinou
o equivalente a 5,33% do PIB aos
credores. importante observar que essa sangria nas contas do governo transfere renda dos contribuintes, de
forma geral, em benefcio dos rentis-tas, notadamente do setor financeiro.
A propsito, o setor bancrio, na
contramo dos demais, apresenta--se extremamente saudvel e com lucros crescentes. O lucro lquido dos trs maiores bancos privados do pas - Ita, Bradesco e Santander -
totalizou R$ 41,8 bilhes, em 2014.
O Ita, por exemplo, obteve um au-mento de 30,2% no lucro lquido,
entre 2013 e 2014. A receita com
ttulos e valores mobilirios desses bancos aumentou, em mdia, 41,1%,
muito alm da receita com opera-es de crdito. Assim, os constan-tes aumentos na taxa bsica de juros da economia (Selic) tm favorecido e feito aumentar enormemente o lu-cro do setor bancrio que, neste con-texto, no precisa preocupar-se em
fornecer crdito ao setor produtivo,
uma vez que j aufere grande resul-tado financiando a rolagem da dvida
pblica, cada vez mais onerosa, alm
aS mEdidaS dE ajuStE fiSCalA revista Economistas abre espao para o debate sobre o ajuste fiscal, tendo como referncia o proposto pelo governo federal. Para fazer a defesa do ajuste, foi convidado o economista Raul Veloso e, para fazer o contraponto, foram
convidados tcnicos do DIEESE, o Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos.
Revista Economistas: O Dieese faz severas restries ao ajuste fiscal proposto pelo governo. Quais medidas previstas no ajuste
fiscal penalizam os trabalhadores?
14 15Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
das tarifas bancrias financiarem boa
parte do custo fixo.
Assim, os grandes nmeros das
contas pblicas mostram que, em
2014, os fatores que determinaram
o dficit nominal recorde foram: a
alta das taxas de juros, maiores gas-tos com investimentos, desoneraes
tributrias e o funcionamento dos mi-nistrios e programas da rea social. Fica evidente a complicada equao envolvendo o combate inflao, o
estmulo ao crescimento econmico e o objetivo de justia social. O equi-lbrio do oramento pblico parece ser, neste primeiro instante, o com-promisso mais explcito assumido pelos novos formuladores da poltica econmica. A meta do governo, para
este ano, gerar um supervit prim-rio de 1,2% do PIB (cerca de R$ 56
bilhes). Para os dois anos seguintes,
a meta aumenta para 2,0% do PIB.
Com esses resultados, o governo
pretende estabilizar a relao dvida pblica/PIB e ganhar o crdito neces-srio para tratar de questes como o dficit externo e a inflao.
Cortes nos gastos e aumento de re-ceitas, via aumento da carga tributria,
so os instrumentos tradicionais para ajustar as contas pblicas. Do lado das receitas, algumas medidas j foram
concretizadas, como as alteraes nas
alquotas da Cide - Contribuio Inci-dente sobre o Domnio Econmico (o imposto dos combustveis), o au-mento das alquotas do PIS/Cofins, que
incidem sobre a comercializao de gasolina, diesel e produtos importados,
cobrana de IPI para distribuidores de produtos cosmticos e aumento do IOF para emprstimos pessoais.
A poltica de desoneraes da folha foi completamente alterada,
com elevao de alquotas e direi-to ao empresrio de optar pela base tributria que melhor lhe convier. Na verdade, a desonerao s conti-nua valendo para as receitas de ex-portaes, que continuam livres de
qualquer contribuio previdenci-ria. As vendas para o mercado in-terno tero aumento de custos, que
as empresas tentaro transferir para os consumidores ou compensar com reduo e cortes nos empregos ou nos salrios.
Alm disso, a presidenta vetou o
reajuste de 6,5% na tabela do impos-to de renda, o que aumentar tanto
o nmero de contribuintes quanto a alquota efetiva sobre cada um deles,
caso o rendimento tributvel tenha variao superior do reajuste da
tabela que o governo pretende fixar
em 4,5%. Alis, esta diferena po-sitiva entre o rendimento tributvel e o ndice de reajuste da tabela do IR que tem resultado em crescimento real da arrecadao com este impos-to nos ltimos anos. A contrapartida a isso uma carga de IR cada vez maior sobre a classe mdia assalaria-da, principalmente.
Do lado dos cortes de gastos, j
foram tomadas medidas que incidi-ram especificamente sobre a segu-ridade social. Seguro desemprego,
abono salarial, penses, entre outros,
so alguns dos benefcios que tero acesso mais restrito. Alm disso, o
governo cortou os aportes de recur-sos do Tesouro para o BNDES, que,
por sua vez, aumentou a TJLP e pro-moveu reajustes de preos e tarifas
pblicas visando carrear recursos para as empresas estatais.
As medidas trazem impactos so-bre a vida da populao mais vulne-rvel, que sofre com a rotatividade
elevada e os baixos salrios no mer-cado de trabalho. Em 2013, 43,4%
dos trabalhadores formais permane-ceram por menos de seis meses no mesmo emprego e mais da metade,
54,8%, ganhava, em 2013, at dois
salrios mnimos. A alta rotatividade no emprego,
que ultrapassa os 100% dos em-pregos em certos setores, impedi-r que uma proporo razovel de trabalhadores cumpra as exigncias para o primeiro acesso ao seguro--desemprego e acessos subsequen-tes. O nmero de trabalhadores impedidos de solicitar o seguro--desemprego aumentar, com forte
impacto principalmente sobre os jovens desempregados.
Sobre o abono, a medida limita o
direito ao benefcio aos trabalhado-res que mantiveram vnculos formais por pelo menos seis meses, e passar
a ser pago proporcionalmente ao pe-rodo de vnculo. Haver, portanto,
reduo da cobertura e do valor des-te programa social de complementa-o de renda.
O governo diz que as medidas vi-sam combater fraudes, devido ao
aumento no nmero de requisies. No entanto, no so as fraudes, mas
sim a persistncia deste grande vo-lume de desligamentos, seguido de
contrataes e recontrataes, que
determinam o crescimento quantita-tivo do uso do seguro-desemprego.
O mercado de trabalho, que j sofre os impac-tos da queda no nvel de atividade da economia, dever am-pliar os efeitos perversos resultantes das medidas de ajuste implementadas pelo governo. Tanto a poltica mone-tria, de elevao da taxa bsica de
juros, quanto a poltica fiscal, de re-duo dos gastos pblicos, tero refle-xos no emprego, tanto pblico quanto
privado. So medidas de cunho reces-sivo, que pretendem desaquecer uma
economia j estagnada, e podem sig-nificar aumento de desemprego.
Sinais preocupantes j aparecem nas estatsticas. Em que pesem os resultados anuais das pesquisas, que
apontam reduo das taxas de desem-prego em 2014, comparativamente
a 2013, o mercado de trabalho tem
passado por um processo de retrao desde o segundo semestre do ano pas-sado. No quarto trimestre, a elimina-o de postos de trabalho foi superior criao de novos empregos.
A reduo da criao de novas vagas e a eliminao de postos de trabalho existentes devem trazer im-pactos negativos sobre os salrios,
pois as empresas devero promover
maior rotatividade para se benefi-ciar do aumento da oferta de mo de obra. Por esse expediente, elas subs-tituem os funcionrios ativos, con-tratados quando o mercado estava aquecido, por novos, com salrios
menores. Assim, pode-se esperar
reduo de salrios nominais num breve espao de tempo.
Por outro lado, as novas regras do
seguro-desemprego tendem a colocar o trabalhador numa posio desfavo-rvel diante dos empregadores. No caso do trabalhador, a permanncia
no emprego por um prazo mais lon-go ser a condio para uma relativa proteo contra o desemprego. Para o empregador, por sua vez, a prerroga-tiva da demisso sem justa causa se fortalece como instrumento discipli-nador da fora de trabalho. plau-svel esperar piora nas condies de trabalho e deteriorao dos salrios pela conjuno dessas duas foras.
Queda no emprego e nos salrios promovem um movimento inver-so daquele observado nos ltimos anos, quando especialmente os jo-vens deixaram de pressionar o mer-cado de trabalho. de se esperar um aumento das taxas de desemprego
decorrente de maior procura em um ambiente que restringe a oferta de posto de trabalho.
Os sindicatos, dentro desse cen-rio, provavelmente enfrentaro difi-culdades na barganha por aumentos reais de salrios, uma vez que a pre-ocupao do movimento estar mais voltada para a manuteno do em-prego. Nesse estado de coisas, no
difcil imaginar que os sindicatos, ao
longo do ano, com o desaquecimen-to do mercado de trabalho, passem a
uma posio mais defensiva.A deteriorao dos salrios reais
pode ser agravada pelo recrudesci-mento da inflao. Janeiro registrou
elevao de 1,24% nos preos (IP-CA-IBGE), fevereiro 1,22% e mar-o 1,32%. Assim, o ano de 2015 no
ser apenas de recesso, mas tam-bm de inflao elevada. A experin-cia revela que taxas de inflao mais
altas so acompanhadas de maiores dificuldades para a conquista de ga-nhos reais de salrios nas negocia-es coletivas.
Soma-se a isso a reduo do abono salarial que, se aprovada pelo Congres-so, diminuir a renda efetiva de parcela
expressiva da base dos assalariados.
mErCado dE trabalho
altErnativaS E o PaPEl do dilogo SoCial
C ortes de gastos e aumentos de impostos em uma eco-nomia com baixo cresci-mento so temerrios, com srios riscos
de provocar recesso. Por outro lado, e
esse o argumento dos ortodoxos, as
medidas amargas devem ser tomadas para que, num breve futuro, sobre bases
mais slidas e confiveis (para o pbli-co interno e externo), o pas possa cres-cer de forma sustentvel e por um per-odo mais longo. No entanto, a questo
que se impe qual seria o ajuste fiscal
que permitiria a retomada do cresci-mento? Que medidas poderiam compa-tibilizar tal ajuste com a manuteno da trajetria de reduo das desigualdades e melhorias nas condies sociais?
16 17Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
A formulao de medidas de au-mento de receita, at o momento, no
se orientaram para tornar a estrutura tributria mais progressiva e menos perversa. Pontos que poderiam fa-zer parte de um ajuste fiscal mais
equnime incluiriam a instituio de imposto sobre grandes fortunas, o
aumento das alquotas nos impostos que recaem sobre heranas, doaes
e transmisso de bens e proprieda-des, a reviso da tabela de imposto
de renda para aumentar a tributao das rendas mais elevadas, maior ta-xao dos ganhos especulativos no mercado financeiro, entre outros.
Ou seja, seria possvel promover um
ajuste com medidas de curto e m-dio prazos na rea tributria e que seguisse um princpio de aumentar a justia fiscal no pas. Mas, ao contr-rio, o Brasil, um dos recordistas em
concentrao de renda, insiste em
aprofundar essa situao via sistema tributrio regressivo em relao
renda e propriedade.
Do lado das despesas, um ajus-te que viabilize o crescimento com distribuio de renda e superao da pobreza requer algumas diretrizes:
a) a manuteno e ampliao dos investimentos pblicos, consubstan-ciados no PAC e em outros progra-mas de investimento em infraestru-tura social e econmica;
b) programas que fortaleam a ca-pacidade produtiva interna e o de-senvolvimento tecnolgico, a fim de
propiciar ganhos de produtividade no mdio e longo prazos; a capaci-dade de financiamento do BNDES
estratgica nesse sentido, bem como
a ateno para as micro e pequenas empresas em termos de crdito, as-sistncia tcnica e gesto;
C) a preservao da Petrobras e das empresas do setor de infraestrutura,
com sua capacidade tecnolgica e seus empregos, punindo-se os cul-pados objeto na operao Lava Jato;
d) criar mecanismos especiais, rpi-dos e suficientemente robustos para
preservar a capacidade operacional da engenharia nacional e competncia tcnica e gerencial, preservando-se as
empresas nacionais;
E) investimentos orientados para o desenvolvimento da infraestrutura urbana para animar as atividades de micro e pequenos negcios, em
centros revitalizados; descentraliza-o das atividades econmicas nas grandes metrpoles, combinada com
a distribuio no espao do atendi-mento s necessidades sociais e eco-nmicas;
f) uma soluo poltica e econmi-ca para o financiamento da dvida
pblica que leve reduo do custo
de rolagem;
g) o investimento na gesto das po-lticas pblicas que levem ao aper-feioamento permanente da cober-tura, do acesso e da capacidade de
coibir fraudes e distores.
As MPs, de imediato, geraram
uma reao negativa do movimen-to sindical, pois, apesar de tratar de
matria de interesse social, que diz
respeito a considervel parcela da populao trabalhadora, no houve
prvia negociao com as centrais
sindicais, que representam o princi-pal segmento atingido pelas mudan-as. A reao fez o governo buscar um entendimento com as centrais,
o que resultou na definio de uma
pauta de negociaes que visa tratar dos temas sem o vis fiscalista. Ou
seja, as centrais pretendem discutir
os temas subjacentes, como o da alta
rotatividade no emprego e a estrutu-rao do sistema pblico de empre-go, alm das regras da previdncia
social e da informalidade.
Este caso ilustra como o dilogo social poderia ser o mtodo para o desenho de polticas de ajuste fiscal
que contemplem os demais objeti-vos sociais e econmicos e que gere compromissos dos demais atores so-ciais com as mudanas que eventual-mente sejam necessrias.
O ousado projeto de construo de um Estado de bem-estar social inaugurado com a Constituio de 1988, nico no hemisfrio sul, corre
o risco de, por razes conjunturais,
ser interrompido, apesar dos pro-blemas sociais, a excluso social e
a desigualdade de renda imperante no pas. Pelo mesmo motivo, h ne-cessidade de se tomar providncias urgentes para voltar a crescer. O cui-dado com as finanas pblicas im-portante, mas o pas precisa retomar
o crescimento, porque, sem ele,
muito mais difcil distribuir riqueza e aprofundar as polticas pblicas de reduo das desigualdades e inclu-so social. No entanto, iniciamos o
ano caminhando no sentido contr-rio a esses objetivos.
Entrevista Raul Velloso
Revista Economistas: O senhor fala da inevitabilidade do ajuste fiscal. Quais razes tornam o ajuste fiscal necessrio no Brasil?
Raul Velloso
a inEvitabilidadE do novo ajuStE fiSCal
P ara melhor entender o contexto em que se in-sere o atual esforo de ajuste fiscal, preciso voltar atrs
e recordar os principais elementos do modelo de impulso econmica que vinha sendo adotado como guia desde 2003.
Beneficiado pelos ajustes da fase
anterior, o governo que tomou posse
naquele ano passou a apertar o gati-lho dos fatores de impulso do con-sumo que se colocavam sua frente,
ou seja, aumento das transferncias
pblicas, salrio mnimo -- que afeta
fortemente as prprias transfern-cias e o crdito. Na sequncia, su-biriam os salrios de mercado, uma
mera consequncia. Alm disso, ha-
via a perspectiva de uma crescente demanda externa por nossas com-modities de exportao.
At 2008, ano em que eclodiu a
crise do subprime americano, au-mentaram os preos, o emprego e
a produo no setor de servios e commodities relativamente inds-tria, e a taxa de cmbio se apreciou
fortemente. O aumento bem menos expressivo dos preos industriais e das commodities, quando medidos
em reais, compensava o maior cres-cimento dos preos de servios. Gra-as a isso, a inflao era mantida sob
razovel controle.
At ali, a razo entre o investi-mento e o PIB tinha aumentado de 14 para 18% do PIB, e o PIB pas-
sou a crescer mdia de 4,5% ao
ano, ante mdia de 2,7% ao ano em
1994-2002. Nesse mesmo perodo,
a indstria conseguia resistir s mu-danas que lhe eram desfavorveis,
graas ao aumento da produtividade da mo-de-obra registrado na mesma fase, em vista da capacidade ociosa
herdada do perodo precedente. En-quanto em servios e commodities o aumento de salrios era facilmente absorvido pela situao de preos crescentes, o mesmo no ocorria
na indstria, que enfrentava a forte
competio dos fornecedores inter-nacionais, notadamente da China.
Nesse contexto, sua produo cres-cia abaixo dos demais setores, mas
esse crescimento ficava prximo da
mdia (ou seja, do prprio PIB).
Economista bacharel pela UERJ, mestre pela FGV-Rio e Yale University, e Ph.D em Economia pela Yale University.
18 19Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
Em conjunto com outros resulta-dos favorveis, especialmente na
rea fiscal, onde o forte crescimento
das receitas mais do que compensa-va o tambm elevado aumento dos gastos correntes, parecia que o fun-cionamento da economia brasileira entrava num crculo virtuoso. S que as autoridades deixaram de visuali-zar que as tendncias de aumentos de preos acima referidas uma hora se voltariam contra a competitivida-de da indstria, e prejudicariam sua
evoluo. Uma era a tendncia ao
aumento dos custos trabalhistas, e
a outra, a tendncia ao aumento dos
preos dos servios (setor esse que responde por cerca de 70% do PIB
total), relativamente aos demais.
Como em servios no possvel trazer substitutos prximos de fora do pas e, portanto, os preos so
determinados pelo cruzamento das curvas internas de oferta e demanda,
os choques de demanda tendem a se traduzir, no curto prazo, em aumen-tos de salrios e de preos. E como nos demais basicamente a inds-tria, deixando de lado as commodi-ties as importaes so possveis e a preos declinantes determinados internacionalmente, graas prin-cipalmente invaso de produtos
chineses, os repasses de aumentos
de salrios para os preos no so viveis. Salrios mais elevados s seriam absorvidos sem maiores problemas, se estivesse ocorrendo,
passada a fase de capacidade ociosa,
um igual aumento na produtivida-de da mo-de-obra industrial, algo
pouco provvel num pas que inves-te pouco, tem alta carga tributria,
infraestrutura precria e onde h baixo desenvolvimento tecnolgico.
Esse movimento de preos retrata uma importante tendncia aprecia-o real da taxa de cmbio, criada
por aes internas, e, portanto: (1)
menor competitividade local; (2)
a maiores importaes e (3) a d-ficits externos mais elevados, com
bvio impacto desfavorvel sobre a indstria. Em adio presso pela
apreciao cambial formada interna-mente, o forte aumento da demanda
mundial e dos preos externos de nossas commodities de exportao, a
outra face do efeito China - alm da inundao de dlares nos mercados financeiros mundiais -, exerceu um
papel tambm relevante no mesmo processo, que s no foi maior, pelas
macias intervenes do Banco Cen-tral no mercado de cmbio.
Visto de outra forma, esse o ca-minho pelo qual a economia de mer-cado, numa situao de poupana
escassa (j que o modelo era volta-do para o consumo), estabelece os
incentivos para os recursos internos (mo-de-obra e capital) flurem na
direo do setor onde o aumento de
demanda no pode ser atendido por importaes, ou seja, o de servios.
Como os produtos do setor industrial so comercializveis com o exterior,
e seus preos tm estado constantes ou em queda l fora, sua posio a
oposta, ou seja, a de ceder recursos
tanto para o de servios, como para o
de commodities agrcolas e minerais,
cujos preos tambm subiram nos anos recentes relativamente inds-tria. Simultaneamente, aumentaria a
parcela da demanda que atendida por importaes. Os maiores dfi-cits externos resultantes teriam como contrapartida direta uma maior absor-o de poupana oriunda do exterior e a possibilidade de se viabilizarem maiores taxas de investimento.
Alm dos problemas de perda de competitividade da indstria que eram inerentes ao modelo pr-con-sumo, o cenrio anterior, passado
o auge da crise do subprime (2008-2009), comeou a mudar para pior.
Primeiro, os preos das commodities
de exportao pararam de subir, ain-da que a oferta de recursos externos continuasse abundante, algo que per-dura at hoje pelo menos enquanto a postura expansionista dos principais bancos centrais do mundo se manti-ver intacta. Depois, a produtividade
da mo-de-obra parou de crescer, dei-xando de acompanhar o aumento dos salrios. Terceiro, caiu o crescimento
da demanda de investimento no pas,
especialmente no setor industrial,
diante da perda crescente de competi-tividade desse setor, sem que houves-se uma compensao na evoluo dos demais setores. Em contraste, o racio-
cnio do governo, at bem pouco, era
de que bastaria os fatores de impulso do consumo serem acionados, que os
investimentos em geral responderiam a contento, impactando depois o pr-prio consumo via aumento da renda,
e assim por diante, mantendo-se o cr-culo virtuoso.
fato que o governo adotou um sem-nmero de desoneraes tribu-trias para proteger adicionalmente a indstria e tambm impulsionar o consumo. Em adio, passou a con-ceder emprstimos subsidiados e macios especialmente via BNDES,
com desembolsos concentrados no setor industrial. Em que pese isso,
depois de ter dobrado em 2003-2008,
passando de 25 para 50% do PIB, a
relao entre o total das operaes de crdito e o PIB passou a crescer me-nos, do lado privado, principalmente
pelo aumento dos ndices de inadim-plncia, que dificilmente deixaria de
ocorrer aps tantos anos de aumento descontrolado dessas operaes.
A taxa de investimento foi afetada negativamente em reas importantes dos setores de servios e commo-dities pelas polticas de controle de
preos bsicos como energia eltrica e petrleo, alm do achatamento das
tarifas de nibus e pedgios, no setor
de servios de transportes. Essas po-lticas foram adotadas em parte para tentar proteger a indstria, priorida-de setorial mxima, em parte para
contrabalanar o efeito da subida da taxa de cmbio na inflao, subida
essa determinada em certos momen-tos pelo governo ao Banco Central,
numa outra tentativa de compensar a indstria por suas perdas.
Finalmente, deve-se salientar que,
a despeito de todas as medidas de proteo, a produo industrial est
estagnada desde 2009 e a taxa de
investimento global, idem. Ou seja,
os fatores de impulso do modelo pr-consumo vm perdendo grada-tivamente sua fora e as tentativas de recuperar, com polticas espe-cficas, a competitividade do setor
industrial no tm sido capazes de impedir sua perda de dinamismo. S que tais polticas tm desestimu-lado os investimentos privados em setores em tese ganhadores e onde a ingerncia do governo maior,
como na rea de servios de trans-portes. Ali, o governo hesita entre:
(1) desejar que esses investimentos se materializem, e (2) querer que se
materializem as menores tarifas (e taxas de retorno) imaginveis, para
agradar a indstria e os consumido-res em geral no curto prazo, alm de
saciar seu apetite estatizante, o que
obviamente contraditrio, ao final
terminando por desestimul-los. Na sequncia, isso contribuiu, adicio-nalmente, para a reduo do cresci-mento do PIB.
Outro efeito colateral que as de-soneraes tributrias tm pressio-nado para baixo a arrecadao de tributos, contribuindo para a que-da dos resultados fiscais primrios
(excedentes de caixa antes de pagar juros). Na verdade, o grande fator
de deteriorao recente da situao fiscal do pas a prpria queda no
crescimento do PIB, pois dela deri-va a maior parcela da queda da ar-recadao e dos resultados fiscais.
Como a despesa muito rgida no curto prazo, dificilmente sairemos
da atual enrascada fiscal se no tri-lharmos o caminho da recuperao do crescimento dos investimentos e do PIB. O candidato natural para liderar o processo de retomada dos investimentos o setor de infraestru-tura, onde se tem o ganho adicional
de aumento da produtividade geral da economia, e onde as carncias
so muito bvias. Trata-se, antes de
mais nada, de tornar a atividade atra-tiva ao setor privado, j que h uma
ampla oferta de recursos no mundo todo para viabilizar sua expanso,
algo para o que o governo ainda no abriu suficientemente os olhos.
Assim, o encolhimento industrial
brasileiro um problema mais com-plicado do que possa parecer pri-meira vista, e no deve ser tratado
apenas com medidas paliativas de alto custo como as que foram toma-das at agora, que criam mais pro-blemas que solues. Sem medidas sustentveis de melhoria da produti-vidade setorial, a tendncia ao enco-lhimento da indstria inevitvel em modelos voltados para a expanso do consumo, como o que vem sendo
Em conjunto com outros resultados
favorveis, especialmente na rea
fiscal, parecia que o funcionamento da economia brasileira entrava num crculo
virtuoso
A taxa de investimento foi afetada
negativamente em reas importantes dos
setores de servios e commodities pelas
polticas de controle de preos bsicos como
energia eltrica e petrleo
20 21Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
adotado no Brasil. A adoo de pol-ticas destinadas a compensar perdas incorridas pelos segmentos afetados negativamente nesse processo e o incompreensvel vis anti-investi-mento-privado presente na gesto das concesses de servios pblicos trouxeram novas distores e pro-blemas que, em algum momento,
tero de ser atacados, e envolvero a
distribuio de elevados nus junto sociedade. No primeiro caso, des-taca-se a indstria de transformao,
onde, a despeito do custoso apoio
recebido, o peso no PIB encolhe a
olhos vistos. J no segundo, h tanto
a gigantesca conta que foi criada pe-los equvocos da poltica energtica,
ainda sem responsabilidade bem de-finida, como a ampliao dos proble-mas da infraestrutura de transportes devido inoperncia governamen-tal, com bvios custos adicionais aos
usurios e efeitos negativos sobre a produtividade geral da economia. de se estranhar que o governo no sinalize qualquer encaminhamento novo em relao a esses problemas,
registrando-se que eles foram prati-camente ignorados nos debates da campanha presidencial, limitando-se
a responsabilizar exclusivamente o atual comportamento da economia mundial por nossas mazelas.
A derrocada fiscal, que decorre do
agravamento dos problemas crni-cos da rea e das novas presses que surgiram, a face mais visvel da
crise econmica que vivemos, pelo
desarranjo geral que dela poder de-correr. Os resultados fiscais de todas
as esferas vm h algum tempo se
deteriorando de forma sistemtica, levando a projees ascendentes da relao dvida pblica/PIB para os prximos anos, a exemplo de ou-tros momentos igualmente difceis do passado recente. A se manterem as presses sobre os gastos, e como
difcil de enxergar um caminho de retomada do crescimento econmico e da arrecadao, a questo fiscal se
torna mais uma vez a preocupao central do pas. O risco de perda do grau de investimento concedido pe-las agncias de risco internacionais muito alto, e isso levaria ao iso-lamento do Brasil e a uma taxa de crescimento econmico menor.
Foi em reao a tudo isso que o governo, em parte reconhecendo
fracassos, mas numa clara e contun-dente manifestao de instinto de sobrevivncia poltica, nomeou Joa-quim Levy, um ministro da Fazenda
de postura e histria diametralmente opostas s da administrao anterior,
cujo discurso inaugural previu: 1)
maior transparncia na rea fiscal; 2)
adoo do conceito - mais adequado - de dvida bruta para avaliar a evo-luo da dvida pblica; e 3) metas
de supervit fiscal primrio, que per-seguir tenazmente, de 1,2% do PIB
em 2015 e de no mnimo 2% do PIB
nos dois anos subsequentes, ante a
perspectiva de um resultado pfio
este ano.
O nome de Levy suficientemente
forte para ter provocado uma reao inicial favorvel, mas perduram d-vidas atrozes diante de muita incer-teza sobre a evoluo de variveis
ou decises crticas. Ocorrer algu-ma mudana relevante no modelo do crescimento do gasto? O PIB pode crescer mais e turbinar a arrecada-o? O governo consegue aprovar aumento da carga de impostos se isso se tornar imperioso para cum-prir as metas? A presidente manter o apoio ao ministro? Nesses termos,
os analistas da rea correm para ro-dar suas planilhas, a fim de verifi-car se essas metas so factveis sob as condies subjacentes nas quais acreditam, e surgem mil dvidas.
Penso que a Levy no resta ou-tra escolha e ele sabe disso: ter de
cumprir a meta de 2015 e o governo ter de apoi-lo nisso. Sua demisso um evento de difcil viabilidade,
podendo sinalizar degringolada.
S que preciso tambm exami-nar em que medida o resto do mo-delo econmico poder se modificar
no Dilma II, em parte para reduzir a
presso sobre a rea fiscal, mas tam-bm para construir um novo caminho com vistas a um maior crescimento da economia, pea-chave de qualquer
estratgia macroeconmica que for traada a partir de agora. aqui que entra a correo dos erros existentes na rea de infraestrutura, que ter de
ser o carro-chefe da estratgia de ex-panso dos investimentos e do PIB. Ser imperioso nomear outros Le-vys, que dominem o funcionamento
dos segmentos respectivos, mesmo
que no sejam polticos, e que atuem
de forma bem articulada com a rea econmica do governo e com o setor privado, pea-chave do processo.
Ajuste FiscalSeo Adicional PErguntaS adiCionaiS SobrE a quESto fiSCal
rEviSta EConomiStaS: ao buscar estimular a atividade
econmica, o governo ampliou
a concesso de isenes e desoneraes fiscais e crditos
subsidiados, atravs do BNDES,
desfalcando o caixa do Tesouro. houve excessos por parte do governo nessas concesses? Essas
medidas devem ser revistas?
ClEmEntE ganz: Primeiramente, as polticas de es-
timulo econmico foram positivas e se traduziram na rpida recuperao do crescimento econmico ainda em 2009 e em 2010, diante de uma
profunda crise internacional. Essas medidas tiveram um objetivo impor-tante de estimular a atividade econ-mica e o investimento no setor priva-do. Este, entretanto, no respondeu
a contento e parte dos benefcios fiscais pode ter vazado para o exte-rior em um contexto de cmbio va-lorizado. H evidncias de que estes estmulos contriburam para o em-prego, a formalizao e a renda dos
trabalhadores. Talvez a nfase nos estmulos ao setor privado pudesse ser melhor balanceada com a neces-sidade de aumentar os investimentos pblicos. Devido situao fiscal,
que se deteriorou significativamente
em 2014, natural que se revise es-tas medidas para adequ-las ao novo cenrio. No entanto, preciso ter
cautela pois os impactos de mudan-as radicais podem ser at mesmo
contraproducentes para os objetivos de gerao de receitas fiscais e reto-mada do crescimento no mais curto espao de tempo possvel.
raul vElloSo Sim, houve excessos. Como se v,
por exemplo, pela queda forte e r-pida da taxa de crescimento da arre-cadao de tributos e contribuies,
fechando num valor negativo em 2014, e o crescimento da produo
industrial cada vez menor. Pelos fra-cassos todos, especialmente o desa-juste fiscal, elas devem ser revistas.
rEviSta EConomiStaSOs gastos com juros da dvida
pblica so o principal compo-nente do dficit nominal brasi-leiro e vm crescendo, devendo
aproximar-se de R$ 300 bilhes
em 2015. como explicar que Por-tugal, com dvida pblica lquida
de 118,5% do PIB tenha um custo
de financiamento de 3,8% do PIB
e que no Brasil, com dvida pbli-ca lquida de 35%, este custe che-gue a 6% do PIB? Como conter e
reduzir tais gastos?
ClEmEntE ganzH vrios fatores que so apon-
tados para explicar este fenmeno. Vale destacar um deles: a alta con-centrao da riqueza na forma de capital financeiro em nosso pas.
Temos um setor bancrio extrema-mente concentrado, que financia a
maior parte da dvida pblica e que,
com isso, exerce um poder econ-mico e poltico enorme. Tanto as-sim que o governo tentou reduzir a taxa bsica de juros, mas a presso
contrria falou mais forte e essa tentativa acabou fracassando. Um
ponto importante para reverter esta situao, portanto, seria dotar o mer-cado financeiro brasileiro de maior
concorrncia, estimulando a criao
de novos bancos e regulando mais fortemente o controle do mercado bancrio. A preservao do papel e da fora dos bancos pblicos ne-cessria para fazer contraposio ao capital financeiro privado. Alm
disso, h que se citar questes como
o regime de metas em bases anuais,
que torna necessrio altas fortes nos juros em prazos curtos; a indexa-o dos ttulos pblicos inflao;
o balizamento da poltica monetria pelas opinies de representantes de instituies financeiras; entre outros.
raul vElloSoIsso acontece porque o risco deles
menor que o nosso e, portanto, pa-gam juros menores. O Brasil precisa de uma vez por todas mudar a sua postura na rea fiscal, abandonan-do a prtica de oscilar anos de bom comportamento com anos de dficits
pblicos elevados, para ganharmos
confiana dos mercados e podermos
reduzir as taxas que pagamos por nossa dvida pblica.
22 23Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
rEviSta EConomiStaSNosso modelo tributrio sa-
bidamente regressivo. A maior
carga dos tributos incide sobre a
produo e o consumo, reduzindo
a produtividade de nossa econo-mia e inibindo nossa competitivi-dade, ficando a renda e a riqueza
isentas de maior tributao. a to decantada reforma tributria no
deveria comear pela mudana do modelo tributrio? Isso poli-ticamente factvel?
ClEmEntE ganzSim, uma reforma tributria de-
veria rever a composio da carga tributria segundo a base de incidn-cia, para reduzir o peso dos impostos
indiretos e aumentar o dos impostos diretos. Alm do Imposto de Ren-da, que pode ser revisto, preciso
ampliar a tributao da riqueza, das
grandes fortunas e da herana. Claro que a ideia de simplificar o sistema
tributrio tambm importante, mas
a estrutura regressiva dos impostos afeta a demanda agregada e a capa-cidade de poupana das famlias de menor renda. Uma reforma ampla
seria a oportunidade tambm de se repensar a tributao do trabalho para financiamento de polticas e
programas sociais, a previdncia e a
formao profissional, compatibili-zando-as com objetivos de elevao da produtividade, da competitivida-de e da gerao de empregos. No
entanto, o problema parece ser justa-mente o da viabilidade poltica. Uma
reforma com este escopo afeta um conjunto muito amplo de interesses,
o que dificulta a construo de con-sensos. A alternativa de uma reforma fatiada parece mais fcil, mas gera o
risco de perda de foco, de prioridade
e dos objetivos a que se pretende al-canar no final do processo.
raul vElloSoIsso verdadeiro, mas enquanto
tivermos de gastar todo o tempo dis-ponvel das autoridades da rea bus-cando novas formas de tributar, no
d para avanar nada em reforma tributria. Antes ser preciso cortar gastos para no precisar tanto da ar-recadao tributria.
ArtigoRicardo Amorim
#ruimPraquEm?
E m meu trabalho como consultor estratgico e financeiro, e tambm como palestrante, tenho a oportuni-dade de interagir com pessoas e em-presas de todos os setores da econo-mia brasileira. Desde o Plano Collor,
h 25 anos, no observo tanta pre-ocupao, pessimismo e at medo
com a situao do pas. Razes no faltam. s denncias cada vez mais
aterradoras da Operao Lava-Jato,
somam-se provveis racionamen-tos de gua e energia eltrica. No fossem as mudanas metodolgicas recm implementadas, o PIB cairia
pelo segundo ano seguido em 2015. Nunca antes na histria deste pas...
Muito mais grave do que a prpria crise econmica, vivemos uma crise
moral. Segundo o jornal norte-ame-ricano New York Times, os desvios
na Petrobras so o maior caso de cor-rupo da histria do planeta. Deze-nas de congressistas e ex-ministros de Estado esto sob investigao judicial com suspeitas de corrupo. O Judicirio, supostamente o ltimo
bastio da legalidade no pas, exibiu
o passeio de Porsche do juiz que in-vestigava o caso Eike Batista.
Enquanto o Governo pede sacrif-cios populao e aumenta impos-tos, o Congresso expande os bene-fcios dos congressistas e aumenta os prprios salrios e os dos poderes Executivo e Judicirio.
No ideal democrtico, o Estado
serve sociedade. No Brasil real,
esses episdios e seus protagonistas parecem servir a interesses prprios e roubam a razo de ser do Esta-do; mais grave ainda, estes grupos
roubam o nosso orgulho de sermos brasileiros e nossa capacidade de acreditar no prprio pas. Na opi-nio de muitos, em poucos anos, o
Brasil passou do pas em que o fu-turo parecia estar chegando ao pas sem soluo, eternamente condena-do ao fracasso.
Corrupo, impunidade e impo-tncia alimentaram uma desespe-rana de propores inimaginveis. Variaes da frase O Brasil no tem mais jeito so cada vez mais comuns; notcias de brasileiros dei-xando o pas em nmeros que no se viam h dcadas, tambm.
RicaRdo amoRim
bvio que um cenrio assim traz enormes desafios. Menos bvio, ele
tambm traz muitas oportunidades nos mais diferentes setores da socie-dade.
Nos perodos de vento favorvel, o
barco se move rapidamente sem que tenhamos de cuidar de suas velas. Tornamo-nos displicentes, preguio-sos e acomodados. Com a economia crescendo em mdia 5% a.a. entre
2004 e 2008, dezenas de milhes de
brasileiros sendo incorporados aos mercados de trabalho e de consumo,
e a demanda por produtos brasilei-ros no exterior batendo recordes, os
salrios subiam acima da inflao,
os lucros das empresas cresciam em ritmo acelerado e os desequilbrios crescentes das contas pblicas pare-ciam pouco importantes.
O cessar dos ventos e do cresci-
So aS CriSES quE trazEm oPortunidadES
24 25Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
oPortunidadES Para mElhorarmoS a atuao do EStadoPara o Estado brasileiro, a crise atual deixa ao menos trs frentes de ajustes e correes.
Primeiro, planejamento e gesto
so imprescindveis se no qui-sermos viver novas crises hdrica,
hidreltrica e outras. Chega de s reagirmos aos problemas econmi-cos e tratarmos suas consequncias. Temos de antecip-los e cuidar de suas causas, criando um ambiente de
negcios favorvel a investimentos e planejamento de longo prazo, atra-vs de regulamentaes econmicas claras, estveis e que reduzam a bu-rocracia no pas.
Um exemplo de que isto poss-vel foi a recente implementao do programa para facilitar e acelerar o fechamento de empresas no pas e o anncio de que, em meses, o proces-so de abertura de empresas tambm ser simplificado, reduzindo o tempo
mdio de quase 120 dias para 5 dias. Facilitar a abertura e o fechamento de empresas estimular o empreen-dedorismo, contribuindo para a ge-rao de empregos, a inovao e o
crescimento.
Segundo, um Brasil mais compe-titivo, rico e justo requer um Estado
menor, menos oneroso sociedade
e mais eficiente. S assim sobraro
recursos para reduzir nossa colossal carga tributria, aumentar os investi-mentos em infraestrutura, educao e
sade e diminuir as necessidades de financiamento do governo, criando
condies para termos taxas de ju-ros mais baixas e, por consequncia,
atrairmos menos capital especulativo e termos uma taxa de cmbio mais
mento exps a insustentabilidade destas situaes. Salrios s conti-nuam subindo acima da inflao se
a produtividade cresce. Para ganhar mais, o trabalhador tem de produzir
mais. Caso contrrio, seu produto
ou servio ficar cada vez mais caro
e acabar no sendo mais compra-do, sua empresa perder dinheiro e
o trabalhador, o seu emprego. Sem
nenhum programa nacional amplo e profundo de automao e qualifi-cao de mo de obra para aceler--la, a produtividade no pas estag-nou desde 2011. Pior, a indstria, o
setor mais mecanizado e produtivo da economia, foi o mais penalizado
pela poltica econmica dos ltimos governos que estimulava consumo,
mas desestimulava produo.
No dia 2 de agosto de 2011, o
governo lanou o Programa Brasil Maior, voltado a aumentar a compe-
titividade da indstria por meio de maior interveno governamental. Desde ento, a indstria encolheu e
recentemente teve o menor nvel de produo em mais de 10 anos. Ago-ra, o PIB tambm est encolhendo.
Chegamos ao cmulo de, se o Brasil
parar, a situao melhora. No mo-mento, andamos para trs.
Quando o ex-ministro da Fazenda,
Guido Mantega, tomou posse h nove
anos o Brasil tinha um supervit na balana comercial de produtos manu-faturados de US$20 bilhes. Quando
deixou o governo, h meses, o pas
tinha um dficit de US$120 bilhes.
desindustrializao e ao desequi-lbrio das contas externas, somam-se
o pior resultado fiscal, a maior infla-o em mais de uma dcada e a que-da do PIB. Os problemas atuais no foram criados agora, foram semeados
nos anos de fartura, quando havia de-manda aquecida e preos elevados das commodities agrcolas e minerais que o Brasil tanto exporta.
Da mesma forma, os resultados po-sitivos dos ajustes que hoje so inadi-veis transcendero, e muito, o momento
atual. Na bonana, semeamos os pro-blemas futuros; nas crises, plantamos
as solues, os avanos, as melhoras.
Por exemplo, foi s em resposta
crise da desvalorizao do Real em 1999 que ameaava levar o Brasil
insolvncia, que foi feito nosso
nico ajuste fiscal significativo dos
ltimos 25 anos e que foram apro-vados o projeto de autonomia do Banco Central e a Lei de Respon-sabilidade Fiscal - que permitiram que o crescimento se acelerasse al-guns anos depois, quando as condi-es externas melhoraram.
competitiva. A reao da sociedade,
que forou o Congresso a voltar atrs na deciso de pagar as passagens de seus cnjuges com dinheiro pblico,
mostra que a sociedade no tolera mais desmandos e mostra que opor-se a eles d, sim, resultados.
Terceiro, combater implacavel-mente a corrupo funo de todo e qualquer nvel e esfera de gover-no e deve ocorrer em ao menos trs frentes. Para diminuir o volume de recursos acessvel aos mal inten-cionados, precisamos reduzir o ta-
manho do Estado, sua participao
direta na economia e os impostos. A transparncia das contas e negcios do setor pblico deve ser total para que a corrupo seja mais difcil. Por fim, quando ocorrer, as punies tm
de ser draconianas.
Nas empresas, no perodo de bo-nana, muitas esqueceram seus pro-psitos e focaram apenas em ganhos fceis de curto prazo. Vrias foram atrs de uma mesma oportunidade,
de um mesmo cliente. Em tempos de vacas gordas, engordaram todos, at
que a carne acabou.
Muitas empresas perderam o foco nos fatores que as trouxeram at ali e que garantiriam seu crescimento sau-dvel, como inovaes, melhoria de
processos, produtos e servios, aten-o s necessidades dos clientes e
qualificao e gerao de oportunida-des para os seus colaboradores. Algu-mas se alavancaram financeiramente
de forma irresponsvel, tornando-se
agora vulnerveis a elevaes de cus-to e menor disponibilidade de fontes de financiamento. Outras apostaram
em relaes privilegiadas com o go-verno como suposto diferencial com-petitivo e hoje se veem rfs.
As empresas que se perpetuam so aquelas capazes de sobrevive-rem e se fortalecerem em ambientes desafiadores. Nos perodos de seca,
os erros das pocas de abundncia e suas consequncias so expostos. Se
corrigidos energicamente, o sucesso
das empresas estar garantido. Caso contrrio, a prpria sobrevivncia da
empresa estar em risco.
Na prtica, algumas empresas sai-ro fortalecidas, outras faliro ou se-ro adquiridas por concorrentes mais eficientes e em situao financeira
mais favorvel. Alis, boa parte das
oportunidades de ganho de partici-pao de mercado de forma org-nica ou via aquisies e expanso de margens que as empresas mais eficientes de cada setor tero nos pr-ximos anos s existiro em funo da crise econmica, que fragilizar e at
eliminar alguns de seus concorren-tes. Em um ambiente de competio mais reduzida aps a crise que ine-vitavelmente, terminar em algum
momento as empresas mais fortes e eficientes acabaro se beneficiando.
Como estar entre as vencedoras? Fundamentalmente, evitando dvidas
e riscos excessivos que nos mo-mentos favorveis muitas vezes pare-cem oportunidades irresistveis para aumentar os lucros e criando uma cultura de inovao que permita que a empresa se adapte o mais rapidamen-
te possvel a mudanas do ambiente econmico, do comportamento dos
clientes ou da concorrncia em sua rea de atuao.
Com esta abordagem, at a crise h-drica e a crise hidreltrica se conver-tem em grandes oportunidades. Por exemplo, em 1987 a Brasilata, uma
empresa de embalagens metlicas,
implantou um programa pedindo su-gestes de melhorias a todos os seus funcionrios, estimulados a pensarem
como inventores. Em 2001, quan-do ocorreu o ltimo racionamento de energia eltrica no pas, as sugestes
para reduzir o consumo de eletrici-dade foram to eficientes que a em-presa altamente intensiva no uso de eletricidade, como todas no setor
foi capaz no apenas de manter o nvel de produo inalterado, apesar
de uma reduo de 20% da oferta de
energia, mas ainda sobrou energia
que foi vendida ao mercado a preos atrativos, impulsionando os resulta-dos da empresa. Outra medida do su-cesso do programa que, em 2008,
cada inventor props, em mdia,
145 melhorias de processos, servios
e produtos para a empresa.
oPortunidadES Para aS EmPrESaS
26 27Economistas - n 16 - Abril 2015 Economistas - n 16 - Abril 2015
Na crise atual, especificamente, h
uma soluo que todas as empresas deveriam explorar: aumentar seu
grau de automao. H mais de dez anos, os salrios vm subindo mais
do que a inflao no Brasil. At 2010,
a alta da produtividade compensava o aumento de custos salariais para a empresa e o trabalhador, com mais
dinheiro no bolso, podia consumir
mais, ajudando a economia a se mo-vimentar e o pas a crescer. Desde 2011, os salrios continuaram em
alta, mas a produtividade no, redu-zindo a competitividade das empre-sas, que foram perdendo mercados
para concorrentes em outros pases. A soluo para que as empresas no sejam elas mesmas foradas a levar a produo para fora do pas, como
tem sido cada vez mais comum,
ter menos e melhores funcionrios e mais e melhores equipamentos,
hardware e software, que atualmen-te podem ser financiados a taxas de
juros menos onerosas do que no pas-sado. A elevao da carga de encar-gos trabalhistas por conta das novas medidas econmicas do governo s refora este processo.
Mais cedo ou mais tarde, a alta
dos salrios acima do crescimento da produtividade levar as empresas a substituir funcionrios por mqui-nas. Somando isso a um crescimento econmico mais lento e reduo dos
benefcios de auxlio desemprego, a
taxa de desemprego aumentar neste ano e, talvez, ainda no prximo.
Maior automao revolucionar vrios setores, criando oportunida-des para alguns e riscos para outros. Muitos perdero seus empregos, mas
muitos outros, agora contando com
melhores processos, equipamentos
e aplicativos, produziro e ganharo
mais do que antes.
Essencialmente, para que as cri-ses sejam oportunidades, cada um
de ns tem de ter uma preocupao constante em ser hoje melhor do que era ontem.
Para comear, saiba qual seu pro-psito e desenvolva constantemente seus diferenciais para poder atingi--lo. Quais os seus? De que forma s voc consegue ajudar seus clientes a atingirem o que esto buscando? O que voc faz melhor do que os outros? O que o torna nico aos olhos do seu chefe e de seus clientes? Por exemplo,
minha empresa, a Ricam Consultoria,
e eu temos como propsito melhorar a vida das pessoas, transformando a
compreenso da Economia em um instrumento de tomadas de melhores decises tanto para as empresas quan-to para as pessoas. Segundo os feedba-cks que recebemos de nossos clientes,
fazemos isto, tornando Economia um
assunto simples, interessante e, princi-palmente, til. Estes so nossos dife-renciais. Ao perceberem que entender o que est acontecendo e acontecer na economia no apenas possvel,
mas pode ser fcil, divertido e cria
um grande diferencial competitivo para cada pessoa e empresa no desen-volvimento e implementao de suas estratgias, abordagens de mercados e
desenvolvimento de produtos e servi-os, tornando-os melhores do que seus
concorrentes, aconteceu o que parecia
impensvel para muitos deles. Passa-ram at a gostar de Economia.
J sabe o seu propsito e quais seus diferenciais para alcan-lo? Ain-da no? Ento, pesquise, prepare-se
e estude. Aproveite a crise, tenha um
propsito claro, v luta e desenvol-va seus diferenciais.
Se o governo, as empresas e cada
um de ns aproveitarmos as opor-tunidades trazidas pela crise, este
momento difcil no ter sido per-dido. Alguns vo at lembr-lo com muito carinho.
oPortunidadES Para voC
R icardo Amorim apresentador do Manhattan Connection da Globonews, colunista da revista Isto, presidente da Ricam Consultoria, nico brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais do Speakers Corner e economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes internacional e uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil segundo a Forbes Brasil.
Siga-o no Twitter: @ricamconsult.
ArtigoSrgio Gobetti
A situao fiscal brasi-leira se deteriorou nos ltimos anos, tanto por fatores estruturais quanto conjuntu-rais, tanto na esfera central, quanto
na estadual e municipal. O resulta-do primrio do setor pblico caiu de um supervit de 3,8% do PIB em
2008 para um dficit de 0,6% do PIB
em 2014, enquanto a conta de juros
nominais lquidos cresceu de 5,3%
para 5,6% do PIB, depois de ter ca-do para 4,5% em 2012.1
Trata-se de uma piora significativa,
no h dvida, mas o que a explica e
o que podemos e devemos fazer para revert-la? O primeiro passo para res-ponder essa questo procurar se des-pir de preconceitos ideolgicos e anali-sar com cuidado as estatsticas fiscais,
decompondo o resultado primrio das administraes pblicas entre receitas e despesas, o que faremos a partir de
um trabalho minucioso de garimpa-gem de dados realizado nos ltimos anos em parceria com o economista Rodrigo Orair, do IPEA.
O resultado desse trabalho de coleta
de dados e