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Page 1: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA - UNIVERSO

CURSO DE JORNALISMO

SUJEITO VERSUS OBJETO:

UM NOVO CONCEITO DE INTERAÇÃO

Aluno: Rodrigo Pires

Recife, dezembro de 2003.

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SUJEITO VERSUS OBJETO:

UM NOVO CONCEITO DE INTERAÇÃO

Rodrigo Pires

BANCA EXAMINADORA

Professor (Orientador):___________________________________

Professor(a):____________________________________________

Professor(a):____________________________________________

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Einstein uma vez disse que as teorias científicas são criações livres da mente

humana. O que eu digo sobre o critério de validação das explicações científicas

mostra que isso de fato tem que ser assim. Tanto o fenômeno a ser explicado

como o mecanismo gerativo proposto, são propostos pelo observador no fluir de

sua práxis de viver, e enquanto tais acontecem a ele ou a ela como experiências

que surgem como vindas do nada. Em seu viver efetivo, o observador as traz à

mão a priori, mesmo que posteriormente possa construir justificativas racionais

para elas. Einstein também disse que o que fez admirar-se foi que, apesar das

teorias científicas serem criações livres da mente humana, elas podem ser

usadas para explicar o mundo. Que isso deva ser assim é também claro a partir

do critério de validação das explicações científicas. Com efeito, as explicações

cientificas não explicam um mundo independente, mas sim a experiência do

observador, e esse é o mundo no qual ele ou ela vive.

Humberto Maturana Romesin

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RESUMO

Esta monografia tem como objetivo estudar o comportamento humano

diante de um objeto novo, o mundo virtual, ou mais especificamente, a

hipermídia. A partir de observações feitas, pudemos perceber que a relação

humana, com objetos complexos, se processa de maneira bem diversa da

que estamos acostumados a ter com outros objetos presentes em nosso

cotidiano. E essa diversidade cresce ainda mais quando estamos diante de

uma estrutura mutante e sedutora, como é o caso da hipermídia. Levando

em conta a questão apresentada, os principais aspectos que serão

abordados nesta pesquisa são: a estrutura da rede hipermidiática, algumas

características do ser humano como sujeito e conceitos filosóficos que

investigam a relação do homem com o objeto. Com isso, temos a intenção

de mostrar a quebra de parâmetros que existe nessa relação quando o

objeto é a hipermídia.

PALAVRAS-CHAVE: hipermídia; cognição; complexidade.

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SUMÁRIO

1. O Objeto

1.1 Precursores 06

1.2 História da Internet 07

1.3 Início da interface gráfica da Internet 08

1.4 Hipermídia 10

1.4.1 Complexidade da hipermídia 12

1.5 Labirinto – a sedução 14

1.5.1 Labirinto como representação da hipermídia 15

2. O Sujeito

2.1 Sujeito como observador 17

2.2 A importância da linguagem 18

2.3 As explicações e os critérios de validação 21

2.4 As objetividades 22

2.5 A cognição 25

2.6 A educação 27

3. Sujeito versus Objeto

3.1 A relação sujeito-objeto na filosofia clássica 30

3.2 E se o sujeito não é mais sujeito e o objeto

não é mais objeto? 31

4. Conclusão 35

5. Bibliografia 36

6. Bibliografia eletrônica 38

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INTRODUÇÃO

O conceito de interatividade surgiu muito antes da invenção da Internet.

Pensa-se hoje que o termo foi inventado para designar o modo como nos

relacionamos com a linguagem da Grande Rede, a hipermídia. Em um trabalho

apresentado durante o 26º Intercom (Congresso Anual em Ciência da

Comunicação), Alex Primo (2003) diz que hoje existe uma certa banalização do

termo.

Ele diz que os termos “interatividade”, “interativo” e “interação” estão

sendo usados de forma desordenada “... nas campanhas de marketing, nos

programas de tv e rádio, nas embalagens de programas informáticos e jogos

eletrônicos...”.

Pegando como base a definição de interatividade de Raymond Williams,

citado por Arlindo Machado (1997:144), que diz que a “Interatividade, implicava

para ele (Williams) a possibilidade de resposta autônoma, criativa e não prevista

da audiência, ou mesmo, no limite, a substituição total dos pólos emissor e

receptor...”, iremos “interativizar” o sujeito e o objeto.

O foco da pesquisa é voltado para a interação entre o sujeito-observador e

o objeto-hipermídia1. Como pode parecer, o objeto desta pesquisa não se trata da

hipermídia, abordada no primeiro capítulo, e sim do resultado dessa relação entre

o sujeito, como ser humano, e o objeto como a linguagem da Internet, a

hipermídia. Chamamos a hipermídia de objeto por uma questão metodológica e

não pelo fato de ser o nosso recorte dentro da pesquisa.

A monografia é dividida em três capítulos: o objeto (a hipermídia), o sujeito

(ser humano) e o sujeito versus objeto (a interação entre os dois).

O propósito desta pesquisa é trazer um novo conceito para a interação

entre sujeito e objeto, tendo em vista que esse objeto possui uma particularidade

muito específica: a de se metamorfosear. O que se pretende apontar nesta

abordagem são as conseqüências desta mutação do objeto hipermidiático, para o

1 Dentro do texto, o objeto poderá ser chamado de objeto-hipermídia por uma simples razão distintiva e o sujeito de sujeito-observador.

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ser humano, tendo em vista que a relação entre estes dois sistemas sempre foi

mostrada como ativo (sujeito) e passivo (objeto).

Até pouco tempo atrás, cerca de dez anos, a Internet surgia com a

interface gráfica como a conhecemos hoje, ou seja, com cores, sons, imagens

etc. Em decorrência desta mudança, surgiram novos conceitos de interatividade

entre as duas estruturas.

Em um texto da década de 20, o filósofo alemão Johannes Hessen (1999),

mostra-nos de que modo era entendida a relação entre o sujeito e o objeto.

Ambos (sujeito e objeto) são o que são apenas na medida em

que o são um para o outro: essa correlação, porém, não é

reversível. Ser sujeito é algo completamente diverso de ser

objeto. A função do sujeito é apreender o objeto; a função do

objeto é ser apreensível e ser apreendido pelo sujeito. (HESSEN,

1999:20).

Esta pesquisa pretende, justamente questionar, sem excluir, mas somando

novos paradigmas ao antigo conceito de interação entre os dois sistemas.

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1 OBJETO (QUEM É O OBJETO?)

1.1 Precursores

Para falar da história da Grande Rede2, é preciso citar alguns nomes que

visualizaram, através de técnicas e/ou conceitos, o que conhecemos hoje por

hipertexto, hipermídia, navegação, ou seja, a linguagem da Internet.

Walter Benjamim, em seu texto “One Way Street”, nos mostra a técnica do

hipertexto baseada em livros:

O fichário marca a conquista da escrita tridimensional e, deste

modo, apresenta um extraordinário contraponto para a

tridimensionalidade da escrita na sua forma original como runa e

escrita nodula. E o livro hoje, tal como o presente modo de

produção acadêmica demonstra, é uma ultrapassada forma de

mediação entre dois sistemas de arquivos. Pois tudo que importa

se encontra no fichário do pesquisador que o escreveu, e o

aluno, ao estudar os textos, assimila o que importa em seu

próprio fichário. (BENJAMIM, 1978:78)3 .

Vannevar Bush, em 1945, apresentou em um artigo intitulado As we may

think, onde apresentava os principais conceitos do que viria a ser o hipertexto e

descrevia uma máquina onde poderiam ser aplicados esses princípios. O projeto,

intitulado de Memex ( Memory Extension), era um precursor do computador, um

aparelho para aumentar a memória do ser humano, uma mistura de microfilme e

célula fotoelétrica para armazenar dados. O Memex, apesar de nunca ter sido

2 Freqüentemente será usado o conceito de rede para designar a Internet e a WWW.

3 Tradução retirada do livro “O labirinto da hipermídia” (Leão: 2001).

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construído, inspira até hoje uma grande parte de pesquisadores, teóricos e

artistas da tecnologia da informação.

Após a leitura do artigo de Vannevar Bush, As we may think, o técnico de

radar, Douglas Engelbart, pensou e desenvolveu uma série de ferramentas

tecnológicas para auxiliar no aumento da capacidade cognitiva do ser humano.

Nos anos 50 e 60, dedicou-se ao desenvolvimento do correio eletrônico,

interface de janelas (windows), o processador de textos, a utilização de redes e o

mouse. Ao mouse, devemos dar uma atenção diferente, pois é a ferramenta que

nos permite interagir com a máquina, uma explicação sintética para o mouse

seria de que ele é o nosso próprio braço dentro do computador.

Representou uma verdadeira revolução na interação homem-

máquina. Talvez, por já estarmos muito familiarizados com ele,

não paramos para pensar que o mouse é um dispositivo que

associa gestos do corpo humano a tarefas a serem realizadas

pelo computador. (LEÃO, 2001:20)

Em 1960, Ted Nelson propôs o desenvolvimento de uma biblioteca

eletrônica onde estivesse disponível um espaço de troca de informações. O

conceito de biblioteca eletrônica universal, ele denominou de Docuverse, e o

projeto chamava-se Xanadu. O princípio era muito parecido com a Biblioteca de

Babel, do escritor argentino Jorge Luis Borges (1998): ele descreve uma

biblioteca como um espaço impossível de se percorrer por inteiro e onde é

encontrada toda a informação disponível do passado, presente e futuro da

humanidade.

1.2 O nascimento

A Internet tem o seu embrião gerado, em 1969, nos Estados Unidos. Ela

nasceu com o nome de Arpanet e servia, exclusivamente, para a troca de

informações entre centros de pesquisa e tecnologia, do Departamento de Defesa

dos Estados Unidos (DOD), na época da Guerra Fria. O projeto, financiado pelos

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Estados Unidos, foi concebido pelos pesquisadores da Advanced Research

Projects Agency (ARPA), J.C.R. Licklider e Robert Taylor.

A principal idéia era criar um modelo diferente do comum, que consistia em

terminais interligados a um computador central. Temendo um ataque nuclear, os

pesquisadores criaram uma rede sem núcleo, onde todos os pontos tivessem a

mesma importância e informações compartilhadas. Esta estrutura permitia que os

dados navegassem em qualquer direção, entre as máquinas que estivessem

interconectadas, e também que a rota percorrida não fosse única, mas houvesse

um cruzamento entre elas.

Somente em 1981, a Internet foi batizada com o nome hoje conhecido

internacionalmente. Até então, seu uso tinha ficado restrito a universidades e

centros de pesquisa, que formavam uma grande rede local. No entanto, com o

barateamento dos computadores pessoais nesta mesma década, o acesso à rede

tornou-se mais popular.

O verdadeiro sucesso aconteceu no começo da década de 90, quando o

uso comercial entrou em cena. Neste período, a marca de um milhão de usuários

foi ultrapassada e, nos Estados Unidos, viu-se a necessidade de criar um órgão

para administrar a criação de novos padrões para a Rede. Foi criada a ISOC –

Internet Society, responsável até hoje por estudos, como os que definem o

padrão da WWW2.

1.3 Início da interface gráfica

As idéias para uma interface gráfica da Internet começaram em 1989 por

conta da dificuldade que Tim Berners-Lee, um físico do CERN (European

Organization for Nuclear Research, laboratório de física na Suíça), encontrava

para pesquisar informações na Internet da forma como ela se apresentava.

No início desse ano, ele apresentou uma proposta de interface gráfica

para a Internet, que eliminaria a necessidade de conhecimentos muito técnicos

em computação para se ter acesso ao conteúdo que estava disponível. Berners-

Lee trabalhou em cima do desenvolvimento de seu projeto, juntamente com o

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colega Robert Cailliau, até o final de 1990, quando começou a construir o

protótipo da chamada WWW – World Wide Web.

Em maio de 1991, foi apresentada, aos cientistas do CERN, a primeira

versão da Web e, em agosto de 1991 a nova interface da Internet foi divulgada

pelo mundo através de listas de discussão. Houve vários debates mesmo depois

do lançamento da www, mas ela acabou sendo adotada como padrão.

A interface, lançada em 1991, não apresentava tantos recursos quanto aos

que temos hoje disponíveis. Nesta época, os documentos apresentados eram

apenas hipertextuais, pois possuíam links entre eles, mas eram formados

unicamente por texto, não apresentando imagens. Também não era possível

utilizar o mouse para a navegação.

Em julho de 1992, foi liberada a biblioteca de desenvolvimento para

WWW. Esta biblioteca possuía todos os conhecimentos técnicos que foram

usados por Berners-Lee para criar documentos amigáveis para os usuários.

De posse dessa biblioteca, algumas empresas começaram a desenvolver

softwares que fossem usados para navegar entre os documentos, conhecidos

mais tarde como browsers4. Esses programas tinham como objetivo fazer uma

interface amigável entre a linguagem do homem com a complexidade da

linguagem da máquina.

Em 1993 foi lançado o primeiro browser que explorava todas as

capacidades de hipermídia da Web, o Mosaic. Só então os usuários da Internet

puderam ver, numa mesma, “página” texto, gráficos, vídeo e outros recursos de

mídia, usando o mouse para ir de um hiperlink a outro.

Como foi criada para aproximar o homem da Internet, podemos citar as

principais diferenças de antes e depois da Web. São elas:

Antes da Web Depois da Web

Navegação através da digitação de

códigos criptografados;

Navegação através de mouse em

hipertextos;

Documentos formados apenas por texto; Páginas com imagens, gráficos,

animações, sons e textos;

Acesso somente por pessoas que

conheciam os códigos;

Acesso por qualquer pessoa, sem

qualquer conhecimento de programação;

Acesso apenas a redes restritas, às quais

o usuário estivesse vinculado.

Acesso global a qualquer computador

conectado à rede.

4 Software que possibilita o acesso à Internet. Exemplos: Internet Explorer, Netscape Navigator.

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Tanto o controle remoto da TV quanto a Web poupam-nos dos

detalhes sobre o que há nos bastidores (Walsh, 2001:13)

Fazendo uma comparação entre a Internet e a televisão, vemos que não é

necessário saber como o programa que interessa foi produzido, como os sinais

são enviados através de ondas eletromagnéticas e recebidos pelo receptor do

aparelho de televisão, nem como esse aparelho converte esses sinais em

imagens e sons. Basta-nos apenas ligar a TV e escolher nosso programa

preferido. A Web nos dá a mesma possibilidade, utilizando o mouse no lugar do

controle remoto.

1.4 - Hipermídia

Uma definição, rápida e sintética, para hipermídia seria de que ela é a

linguagem da Internet. Porém, a quantidade de informação intrínseca que a

hipermídia possui não nos permite ficar na definição de poucas palavras.

Para começar o conceito, vamos primeiro refletir o que se entende por

objeto, já que a hipermídia é o objeto diante do sujeito e objeto de estudo dessa

pesquisa. Edgar Morin fala que devemos deixar de lado a idéia de algo fechado,

quando fala do objeto de estudo da Ciência da Ecologia em seu texto

“Epistemologia da Complexidade”.

São ciências cujo objeto é um sistema. Isso nos sugere que seria

necessário generalizar essa idéia e substituir a idéia de objeto,

que é fechada, monótona, uniforme, pela noção de sistema.

Todos os objetos que conhecemos são sistemas, ou seja, estão

dotados de algum tipo de organização. (MORIN, 1996:278)

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Se a hipermídia é um sistema, vamos desconstruí-la ou, como já diria o

compositor Chico Science5, “organizando para desorganizar, desorganizando

para organizar”. A principal característica da hipermídia é a ausência de um

núcleo; ela não possui uma central de onde distribui informações.

Esta característica de não possuir um núcleo faz da Internet uma estrutura

rizomática. O conceito de rizoma foi criado, por Gilles Deleuze e Félix Guattari6,

para designar sistemas que possuem uma estrutura onde não existe um tronco

de onde saem ramificações. Na condição de rizoma, estas ramificações teriam

ligações entre elas, na rede chamamos estas ligações de links ou nexos.

Para um melhor entendimento, vejamos alguns exemplos de estruturas

rizomáticas que nos podem trazer uma visão mais concreta do que vem a ser o

rizoma; o gengibre e a cana de açúcar não possuem caule de onde saem os

galhos, como grande parte das plantas, elas são constituídas por troncos e nós.

A definição do dicionário Aurélio da língua portuguesa para rizoma: caule em

forma de raiz, em geral subterrâneo.

Deleuze e Guattari tomam como exemplo de organização rizomática “viva”

o sistema das formigas:

É impossível exterminar as formigas, porque elas formam um

rizoma animal do qual a maior parte pode ser destruída sem que

ele deixe de se reconstruir...Faz-se uma ruptura, traça-se uma

linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de reencontrar nela

organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão

novamente o poder a um significante. (Deleuze e Guattari,

1995:18 apud LEÃO, 2001:28).

A estrutura da hipermídia é formada por nós e nexos. Os nós são os

blocos de informações que alguns autores também chamam de lexia. Um nó é,

basicamente, uma página ou um site7 e pode ser constituído por textos, fotos,

vídeo, sons, botões, narrações etc. E já que os nós se comunicam entre si, como

eles constituem uma imensa rede? Através dos vínculos eletrônicos, mais

conhecidos como links. Os links são os elos de ligação entre um nó e outro e,

dessa forma, é constituída a estrutura hipermidiática.

5 Compositor pernambucano e um dos criadores do movimento pop mangue-beat.

6 O conceito de rizoma foi desenvolvido por Deleuze e Guattari

(1995) no livro Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia - volume 1 ( Mil platôs é

constituído por cinco volumes)

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Por já existir uma familiaridade com a estrutura, não paramos para pensar

no quão sedutor é o uso da hipermídia. Às vezes, deparamo-nos com a

navegação na Internet sem um propósito verdadeiro, e a sensação que nos

causa é a mesma que estar diante da televisão, onde o mouse transformou-se em

um controle remoto e o ato de zapear8 ficou mais interessante.

A este fenômeno, alguns autores chamam de browsing9 e alegam que este

faça parte de um processo causado pelo excesso de informação, já que o ser

humano não consegue mais absorver a quantidade de informação gerada pela

complexidade da hipermídia.

1.4.1 - Complexidade da hipermídia

Já sabemos que a hipermídia congrega vários elementos de informação, e

que sua riqueza visual - e a liberdade de escolha da própria rota de navegação -

possui um apelo sedutor muito forte. Também vimos que é uma tecnologia que

permite a escrita e a leitura rizomática (não-linear) e que isso favorece ao usuário

desenvolver um pensamento complexo. E do que se trata essa complexidade? E

o que vem a ser o pensamento complexo?

Edgar Morin diz que o pensamento complexo é cada vez mais necessário,

pois as antigas fórmulas já não são suficientes para explicar o que nos ocorre.

Quando dizemos: “É complexo, é muito complexo!”, com a

palavra “complexo” não estamos dando uma explicação, mas sim

assinalando uma dificuldade para explicar. Designamos algo que,

não podendo realmente explicar, vamos chamar de “complexo”.

Por isso é que, se existe um pensamento complexo, este não

será um pensamento capaz de abrir todas as portas, mas um

pensamento onde sempre estará presente a dificuldade. No

fundo gostaríamos de evitar a complexidade, gostaríamos de ter

idéias simples, fórmulas simples... Para compreender e explicar o

que ocorre ao nosso redor e em nós. Mas, como essas fórmulas

7

Página que possui algum tipo de informação que possui um endereço na Internet

8 Troca de canais na televisão através do controle remoto, em busca de informação interessante.

9 Ato de navegação na rede em busca de informação interessante. Tem como paralelo o zapping do controle remoto.

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simples são cada vez mais insuficientes, estamos confrontados

com o desafio da complexidade. Um desafio ao qual é necessário

responder, em primeiro lugar, tratando de assinalar o que quer

dizer “complexidade”. E isto já nos expõe um problema: “existe

uma complexidade?”. (MORIN, 1996:274)

E, na seqüência dessa explicação, Morin nos responde o que vem a ser

um sistema complexo, e que para nós é perfeitamente adaptável ao sistema que

estamos tentando nos adaptar: “pode-se dizer que há complexidade onde quer

que eu produza um emaranhamento de ações, de interações, de retroações”.

Então faremos um exemplo prático desse emaranhamento.

Quando o designer cria aplicativos em hipermídia, ele pensa nas escolhas

que o usuário irá fazer? É bem provável, pois quando o profissional é solicitado a

produzir algum jogo ou software, por trás desta criação existe o consumidor deste

produto, mas prever é impossível, já que estamos tratando de um sistema

complexo, onde os caminhos dependem de fatores internos e externos. Um

exemplo bem simples é o da bexiga quando cheia de ar e solta no espaço sem

amarrar. É possível prever sua trajetória? O físico William Poundstone diz que

não, pois nesse caso, “estamos lidando com sistemas complexos caóticos, nos

quais o número de variáveis é imponderável e as condições iniciais

imensuráveis”. (Leão: 2001:57)

Então vejamos o que a autora Lucia Leão nos diz sobre a complexidade

dentro do mundo hipermidiático: “São tantos os fatores que interferem no

caminho a ser percorrido na Net, que pode-se afirmar que estamos também

diante de uma hipercomplexidade”. A autora nos mostra um caso hipotético de

um usuário que acaba de iniciar uma pesquisa nesse universo complexo e

caótico:

O usuário inicia sua pesquisa interessado em arte eletrônica.

Através de um programa de search, ele recebe uma lista com

sites relacionados. No primeiro site que lhe parece interessante,

ele „clica‟, mas a página demora muito para “carregar”, e ele

cansado de esperar, desiste e vai a outro site. No segundo, fica

sabendo de um festival em Munique e resolve ir “dar uma

espiada”. Lá, encontra um trabalho interessante de um certo

engenheiro e, então, vai para a home page do engenheiro, onde

uma série de outros engenheiros discutem dificuldades técnicas

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de hardware em robótica. Mais uma vez, o sistema fica lento e

ele volta para o programa de search. Passado um tempo, já meio

decepcionado com a quantidade de sites em construção, acaba

num site de notícias. Ao desligar o computador, ele não sabia

mais o que estava procurando no início. Enfim, foram tantos os

fatores que influenciaram o percurso desse nosso personagem,

que a questão da previsibilidade dos caminhos a serem tomados

se rende à complexidade dos sistemas não lineares. (LEÃO,

2001:58)

1.5 - Labirinto – A sedução

Para uma melhor percepção da complexidade e por conseqüência, de

nosso objeto em questão, a hipermídia, iremos tirá-la do ambiente virtual e

colocá-la no mundo real, no mundo de carne, osso, tijolo e cimento. E de que

modo faremos isso? Da maneira que muitos autores vem tratando da hipermídia,

na forma metafórica de um labirinto.

Explicando melhor, iremos entender sobre essa metáfora através do

labirinto na, história da Grécia, e refletir sobre a capacidade sedutora que possui

a hipermídia. “O labirinto é uma imagem bastante rica. Presente em várias

culturas, com sentidos diversos e muitas vezes complementares; a busca do

labirinto também nos leva a caminhos tortuosos e complexos” (LEÃO: 2001:77)

A palavra labirinto vem do grego labyrinthos, que se refere a uma

edificação extremamente complexa, cheia de divisões e corredores, chamada de

Palácio de Cnossos, na cidade de Creta. Na mitologia grega, essa construção é

atribuída ao arquiteto Dédalo, e foi encomendada pelo tirano Minos, para

aprisionar aquilo que se tornou sua maior vergonha, o Minotauro. Fruto da

infidelidade de Pasífae, o monstro, metade homem, metade touro, é aprisionado

no labirinto de Creta por Minos.

A melhor metáfora para hipermídia é a do labirinto, pois a

hipermídia reproduz com perfeição a estrutura intrincada e

descentrada deste último. Na verdade, a forma labiríntica da

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hipermídia repete a forma labiríntica do chip, ícone por excelência

da complexidade de nosso tempo. (MACHADO, 1997:149)

Um paralelo bem interessante e plausível, entre hipermídia/labirinto, é a

forma como desistir do percurso. Os cretensenses podiam, simplesmente, pular o

muro do palácio de Cnossos. Da mesma forma que Dédalo, quando aprisionado

em sua criação, fugiu com asas de cera, o navegante da hipermídia pode apertar

o botão BACK para voltar em sua criação ou, simplesmente, “clicar” o EXIT para

sair.

1.5.1 Labirinto como representação da hipermídia

Pierre Rosenstiehl (1988) diz que existem três traços que definem o

labirinto, enquanto que Arlindo Machado (1997) enumera, alusivamente, os três

traços básicos da hipermídia: Primeiro, o labirinto convida à exploração e esse

apelo é irrecusável. A fascinação do percurso está em tentar esgotar toda sua

extensão de seus locais e voltar a pontos percorridos para se ter alguma

segurança (ROSENTHIEL, 1998:252 apud MACHADO, 1997:149).Do mesmo

modo, quando se percorre um sistema em hipermídia ou um jogo, é impossível

resistir à tentação de se explorar todo o aplicativo ou chegar a seu fim

conhecendo todos os detalhes, esgotando todas as alternativas e

desdobramentos.

O segundo traço do labirinto é a exploração sem mapa e à vista

desarmada. Nada no labirinto, permite prever a geometria dos lugares. O seu

algoritmo, segundo Rosenstiehl é míope. Não tendo a visão global do labirinto, o

navegante precisa fazer cálculos locais, de curto alcance, para decidir o que fazer

em seguida... Uma rede dotada de um sistema de cálculos autônomos em cada

encruzilhada é um sistema descentrado e, nesse sentido, o labirinto simula a vida

e o funcionamento das sociedades (ibidem). Exemplos de descentralismo podem

ser mostrados dentro da literatura, em textos que favorecem a leitura não-linear,

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como em O jogo da amarelinha, do argentino Júlio Cortázar, e O castelo dos

destinos cruzados, do italiano Ítalo Calvino.

O terceiro traço do labirinto é a inteligência astuciosa que o navegante

exercita para conseguir progredir sem cair nas armadilhas das infinitas

circunvoluções. Quem observa de fora pode ter a impressão de que o navegante

erra e evolui aleatoriamente no interior do labirinto virtual. Mas não é esse o caso.

O navegante usa a astúcia, faz anotações, calcula os passos (ibidem). Dessa

forma, a cada passo, a cada encruzilhada onde o navegante é levado a tomar

decisões, ele aprende com seus erros e apreende o conhecimento necessário

para enfrentar cognitivamente o universo labiríntico da hipermídia.

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2 SUJEITO (QUEM É O SUJEITO?)

2.1 Sujeito como observador

No primeiro capítulo falamos do objeto-hipermídia, suas propriedades,

conceitos e metáforas. Neste, abordaremos o sujeito, suas capacidades

cognitivas e suas limitações, abordagens estas sempre de teor biológico,

pensando o ser humano como uma estrutura viva e constante.

Tomaremos, como referência, o sujeito que opera como observador10

e,

como tal, o ser humano faz distinções na linguagem. Como ser humano, já nos é

inerente a condição de observadores, pois no momento em que estamos fazendo

distinções estamos na condição de observadores observando o observar.

Para explicar sua teoria de observador e observar, o professor Humberto

Maturana, usa, como exemplo de observador, sua condição de cientista-

observador que procura explicações para suas observações.

Nós, seres humanos, já nos encontramos na situação de

observadores observando quando começamos a observar nosso

observar em nossa tentativa de descrever e explicar o que

fazemos. (MATURANA, 2001:126)

O sujeito observador surge da experiência do observar. O próprio observar

é a experiência do ser observador ou, como diz o professor, “o que quer que nos

aconteça, acontece-nos como uma experiência que vivemos como tendo surgido

do nada”. Em outras palavras, se pararmos para pensar sobre a nossa

10 Não faremos distinções de sentido entre sujeito e observador. A idéia deste autor

é fazer com que o significado destas duas palavras seja o mesmo

para qualquer um dos casos.

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experiência como observadores, descobrimos que o que fizermos enquanto

observador, será a própria experiência que acontece conosco.

No momento em que nós, seres linguajantes11

, fazemos distinções para

explicar o que fazemos, enquanto sujeito-observador, estamos envolvidos na

experiência do observar.

Observar é o que nós, observadores, fazemos ao distinguir na

linguagem os diferentes tipos de entidades que trazemos à mão

como objetos de nossas descrições, explicações e reflexões no

curso de nossa participação nas diferentes conversações em que

estamos envolvidos no decorrer de nossas vidas cotidianas,

independentemente do domínio operacional em que acontecem.

(MATURANA, 2001:126)

Uma última definição do cientista para o observador é a de que ele, “se

encontra observando de fato”, inserido como observador no que ele chama de

práxis do viver12

, linguajando numa experiência que ocorre em conseqüência da

própria “vida vivida” ou como se surgisse do nada.

2.2 A importância da linguagem

Para entender o ser que somos - sujeitos observadores - tentaremos explicitar a

importância da linguagem nas interações do ser humano. Já para compreender o que

vem a ser a linguagem, vamos arremeter à história de nossos antepassados, mais

precisamente no desenvolvimento do cérebro do ser humano. Sabemos que o homem

primata possuía um cérebro bem menor do que possuímos hoje: aproximadamente um

terço do cérebro atual.

Maturana discorda do que a maioria dos autores diz; que o desenvolvimento do

cérebro de nossos antepassados está relacionado com a utilização e fabricação de

11 Maturana usa o termo “linguajar”, e não “linguagem”, como a maioria dos autores. Ele reconceitualiza essa noção, enfatizando seu caráter de

atividade, de comportamento, e evitando assim a associação com uma faculdade própria da espécie, como tradicionalmente se faz.

(Maturana:1998:21– nota da edição)

12 A práxis do viver vem a ser algo como o observador na experiência do viver ou no acontecimento do viver.

Page 21: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

21

instrumentos. Em contrapartida, ele defende que o desenvolvimento do cérebro humano

está relacionado com a linguagem.

Quando um gato brinca com uma bola, ele está usando as

mesmas coordenações musculares que nós. Se algo que vocês

seguram e cai no chão, vocês se envolvem em um jogo que não

é diferente da brincadeira do gato. O macaco faz isso com uma

elegância igual ou ainda maior que a de vocês, apesar de sua

mão não se estender como a nossa. O peculiar do humano não

está na manipulação, mas na linguagem e no seu

entrelaçamento com o emocionar. (MATURANA, 1998:19)

E o que vem a ser a linguagem? “Nós, seres humanos, acontecemos na

linguagem” (Maturana). O ato da linguagem, ou como ele propõe, o linguajar

ocorre como um fenômeno biológico, ele é o resultado da operação de sujeitos

observadores, ou seja, de sistemas vivos.

O surgimento da linguagem acontece da interação entre sujeitos

observadores ou sistemas determinados estruturalmente. E o que vem a ser

esses sistemas determinados estruturalmente?

Sistemas vivos são sistemas determinados estruturalmente,

qualquer coisa que diga respeito a esse sistema deve ser

explicada como um fenômeno determinado pela sua estrutura.

Isto é, devemos explicar a conduta de um sistema vivo, enquanto

um fenômeno biológico, fazendo referência à estrutura do ser

vivo e não a algo que lhe seja exterior (Graciano, 1997:39)

Trazendo esse conceito para a linguagem, podemos afirmar que o

linguajar não ocorre somente no corpo, na forma de símbolos ou o que quer que

seja, mas o ato da linguagem é dependente da relação do sujeito com um outro

sistema determinado. Sendo assim, podemos admitir que a interação de

linguagem entre sujeitos/sistemas se dá como um todo. Corpo e alma não se

separam diante desta conversação ou, como prefere Maturana, no “linguajeio”, e

esta conversação se dá em um fluir de ações.

Page 22: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

22

Ele nos dá um exemplo de que maneira podemos identificar o

sujeito/observador na linguagem:

Quando vemos duas pessoas através de uma janela sem ouvir o

que dizem, o que seria necessário observar para afirmar que elas

estão conversando? Eu digo que o que teríamos que observar é

o curso que seguem suas interações, e que se as vemos num

fluir de interações recorrentes... Podemos descrever como um

“pôr-se de acordo”, então diríamos que essas pessoas estão na

linguagem. (MATURANA, 1998:59)

A linguagem para ele se define como uma coordenação consensual de

coordenações consensuais de ações. Ou seja, o sujeito quando está na

linguagem ou no linguajeio, está coordenando ações que estão em consenso

com o que está ao seu redor. Por exemplo:

Quando se vai ao cinema, ou a uma peça de teatro, é de consenso que

não se use aparelho celular, pois este causa um certo incômodo ao tocar e,

quando geralmente o sujeito o atende, há outro constrangimento para as pessoas

que estão ao seu redor, pelo motivo de que aquelas ações estão causando um

ruído que não é consensual naquele momento. No teatro, isso é mais grave, pois

são seres humanos que estão encenando o espetáculo. Este constrangimento já

virou até peça de teatro. Em um momento do espetáculo “Sete Minutos”, o ator

Antônio Fagundes começa a fazer gags13

com os ruídos que a platéia causa no

instante encenação da peça.

Em outras palavras: linguagem é a interação - que intrinsecamente é

consensual - entre sistemas determinados estruturalmente (seres vivos e,

conseqüentemente, observadores).Os resultados são as mudanças estruturais

nestes organismos interativos no linguajar, mudanças essas que ocorrem em

função da linguagem entre os sistemas.

13

A gag, dentro da linguagem audiovisual, é definida como uma brincadeira, um truque.

Page 23: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

23

2.3 As explicações e os critérios de validação

Explicação através da linguagem é a reformulação da experiência, ou seja,

quando alguma coisa com o sujeito-observador, isso é experiência. No dicionário

Aurélio, a experiência é definida como prática da vida. Por exemplo, no momento

em que escrevo este artigo, meu computador, momento antes “deu pau”14

, ou

seja, aconteceu um problema que não sei explicar porque aconteceu,

imediatamente liguei para uma pessoa que entende de manutenção de

computadores e este me disse que a cada parágrafo eu devo “salvar” (gravar na

memória física do computador) este artigo e toda vez que desligá-lo, “salvar” o

trabalho em um disquete15

.

Isto é a reformulação da experiência, esta experiência é o ato de usar o

computador com defeito e não saber agir diante desse problema. A explicação de

como eu deva me comportar a partir do instante que o meu computador está com

problema é a reformulação da experiência. Portanto, quando essa reformulação

da experiência com o computador se encaixa no meu modo de vida, ela constitui

em uma explicação.

No momento em que uma reformulação da experiência é aceita

como reformulação da experiência, ela se constitui numa

explicação para aquele que a aceita (aceitação do observador).

Aquele que escuta é quem constitui uma reformulação da

experiência como explicação, ao aceitá-la como tal.

(MATURANA, 1998:40)

A aceitação, ou rejeição dessa reformulação da experiência é o que chamamos

de critérios de validação.

Quando propomos uma explicação de um fenômeno e o outro

nos diz “Você está equivocado”, o que no fundo o outro nos diz é

“eu não aceito esta reformulação da experiência como a

reformulação da experiência que eu quero ouvir”. Acontece, no

entanto, que o modo como se escuta uma proposição explicativa

14

Linguagem usada popularmente no mundo da informática para designar um problema, simples ou complexo, causado no computador.

15 Disquete é um disco flexível onde se armazenam informações do computador quando se deseja levar as informações para outro computador

Page 24: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

24

é o que determina se ela é ou não aceita como uma explicação.

(MATURANA, 1998:41)

2.4 As objetividades

Neste capítulo, abordaremos as formas como as explicações são

originadas e de que maneira se encaixam em nossa práxis do viver. Humberto

Maturana define que existem dois caminhos de relações humanas, para se

chegar a uma explicação. Esses dois caminhos são as objetividades-entre-

parênteses e as objetividades-sem-parênteses.

Quando o observador está na condição, ou seja, no caminho explicativo

da objetividade-sem-parênteses, ele aceita suas habilidades – também

chamadas, pelo professor, de habilidades cognitivas - como propriedades

constitutivas. Podemos citar como exemplo, dessas habilidades, o ato de

aprender a dirigir um carro.

Neste caminho, o observador aceita, implícita ou explicitamente, que a

origem das capacidades não dependem de suas origens biológicas e, para que

isso aconteça, o sujeito que se encontra nesse caminho, o da objetividade-sem-

parênteses, nega ou rejeita qualquer investigação sobre essa questão no campo

biológico.

Nesse caminho explicativo, o observador faz referência a

entidades tais como matéria, energia, mente, consciência,

idéias... ou Deus, como seu argumento último para validar – e,

conseqüentemente, para aceitar – uma reformulação de sua

práxis de viver com outros elementos de sua práxis de viver como

uma explicação de algum outro aspecto de sua práxis de viver.

(MATURANA, 1999:248).

Quando um sujeito-observador faz alguma referência a Deus, fica mais

claro o uso da objetividade-sem-parênteses. Pode-se dar um exemplo, com os

evangélicos, principalmente para quem anda de transporte coletivo, local onde

eles costumam pregar a palavra de Deus. Faço referência ao transporte coletivo,

pois essa é uma das formas que a religião evangélica lança mão para atrair mais

pessoas para sua comunidade.

Page 25: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

25

Voltando ao exemplo da religião, quando você pergunta a um evangélico:

como foi que você nasceu? Ele responde prontamente: Deus quis que fosse a

minha hora. Se por outro lado a pergunta for: como é que aprendemos a ler e

escrever? A resposta, sem variação da anterior, seria: Deus deu essa capacidade

para o ser humano, e quando é a hora certa, a criança começa a ler e escrever.

Ler e escrever torna-se uma dádiva divina e não uma capacidade biológica

do ser humano de se desenvolver cognitivamente, evoluindo na práxis do viver,

fazendo distinções entre símbolos e adaptando-se no fluir de coordenações

consensuais.

No caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses agimos

como se o que dizemos fosse válido em função de sua referência

a algo que é independente de nós. Assim, dizemos: “O que estou

dizendo é válido porque é objetivo, não porque seja eu quem o

diz; é a realidade, são os dados, são as medições, não eu, os

responsáveis pela validade do que eu digo, e se digo que você

está equivocado, não sou eu que determina que você está

equivocado, mas a realidade.” Em suma, operamos neste

caminho explicativo aceitando que, em última análise, existe uma

realidade transcendente que valida nosso conhecer e nosso

explicar, e que a universalidade do conhecimento se funda em tal

objetividade. (MATURANA, 1998:46).

Quando o nosso sujeito-observador adota o caminho explicativo da

objetividade-entre-parênteses, ele aceita, de uma forma explicita, que o ser

humano é um sistema, uma estrutura viva. Também aceita que suas habilidades

cognitivas são fenômenos provenientes de sua origem biológica, - ao contrário do

caminho sem parênteses onde essas habilidades são explicadas como

propriedades constitutivas. E finalmente, quando deseja explicar essas

habilidades enquanto observador, ele deve apresentá-las apresentar como um

fenômeno biológico dentro da estrutura de um ser vivo.

Neste caminho, a existência é constituída com o que o sujeito-observador

faz no domínio de sua práxis do viver e, o que ele faz, traz consigo objetos que

distingue em operações de distinção (Maturana) na linguagem. “No caminho da

objetividade entre parênteses, o observador constitui a existência com suas

operações de distinções”.

Page 26: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

26

Ele diz que, no caminho da objetividade entre parênteses, não há verdade

absoluta, nem verdade relativa, “mas muitas verdades diferentes em muitos

domínios distintos de realidade”. E define “... como tais, são todos legítimos em

sua origem, ainda que não sejam iguais em seu conteúdo, e que não sejam

igualmente desejáveis para serem vividos”.

Aplicando a objetividade entre parênteses para o cotidiano, podemos criar

algumas situações que nos ocorrem com freqüência. Se uma pessoa diz, para

outra, que gosta de cinema e não gosta de teatro e esta outra diz o inverso (que

gosta mais de teatro) essa situação não cria uma dinâmica de negação na

convivência.

Para ilustrar este conceito, criamos uma situação de conversação com os

elementos citados no parágrafo anterior:

- Eu gosto de teatro e você?

- Eu curto mais cinema. Assisti a um filme bem interessante,

chamado “O espelho”. É um filme iraniano, que trabalha com os

limites entre o documentário e a ficção.

- Interessante, fiquei curiosa para assistir.

O fato de uma pessoa gostar de cinema não exclui quem gosta de teatro e

vice-versa. Para acentuar mais os exemplos das objetividades, vamos

exemplificar com um assunto mais delicado e polêmico, o gênero sexual. Qual a

diferença entre uma pessoa homossexual e uma heterossexual?

Dentro da objetividade entre parênteses não há nenhuma diferença:

porque uma pessoa não exclui a outra. Se um homossexual não gosta do gênero

heterossexual, ela a rejeita porque, simplesmente, não gosta e não porque esta

esteja errada em sua práxis de viver.

Se colocarmos mais um elemento - a religião - neste já delicado exemplo,

podemos trazer mais ilustrações a esta questão. Dentro da questão homossexual,

Page 27: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

27

o catolicismo diz que pessoas do mesmo gênero sexual são proibidas de se

relacionar, pois elas não podem procriar e a união existe para este fim.

Outra religião que já trouxemos para discussão - a evangélica -

simplesmente condena a escolha pela preferência sexual de pessoas do mesmo

sexo. Os evangélicos dizem que Deus criou o ser humano de uma forma e para

um fim, e que se não for dessa maneira, qualquer outra está equivocada. Sendo

assim, os argumentos das duas religiões estão no caminho da objetividade sem

parênteses, pois “as relações não ocorrem na aceitação mútua”.

Se um observador opera num domínio de explicações ou em

outro, depende de sua preferência (emoção de aceitação) pelas

premissas básicas que constituem o domínio no qual ele ou ela

opera. Da mesma maneira, jogos, ciência, religiões, doutrinas

políticas, sistemas filosóficos, ideologias em geral são diferentes

domínios de coerências operacionais na práxis do viver do

observador, que ele vive de ações (e, portanto, de cognição), de

acordo com suas preferências operacionais diferentes.

(MATURANA, 1999:256)

2.5 A cognição

O fenômeno da aquisição de conhecimento é denominado como um

aspecto cognitivo. O dicionário Aurélio nos traz um significado bem sucinto para

cognição:

[Do lat. cognitione.]

S. f.

1. Aquisição de um conhecimento.

2. P. ext. Conhecimento, percepção.

3. Jur. Fase processual duma demanda, em que o juiz toma conhecimento do

pedido, da defesa, das provas, e a decide, em contraposição à fase executória.

4. Psicol. O conjunto dos processos mentais us. no pensamento, na percepção, na

classificação, reconhecimento, etc.

Segundo Maturana, o ato cognitivo básico é o ato da distinção.

Ele afirma que sempre que indicamos um ente, objeto, coisa ou

unidade, estamos realizando um ato de distinção que separa isso

que indicamos como algo distinto de um fundo, como algo

Page 28: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

28

distinto daquilo que apontamos como sendo o seu meio. Ao

mesmo tempo, é este ato o que especifica as propriedades de tal

ente e estabelece os critérios para o seu reconhecimento. Isto é,

Maturana nos faz notar que, se sabemos realizar a operação de

distinção de determinadas unidades, então poderemos percebê-

las, contá-las, descrevê-las, decompô-las. (Graciano, 1997:23)

A partir desse ponto, podemos perceber a dificuldade de se construir uma

explicação para o processo de aquisição do conhecimento. Ao mesmo tempo em

que a definição pode ser bem sucinta, por exemplo, dizer que a cognição é o ato

de aquisição de conhecimento. Esta definição também pode ser bem complexa,

levando em consideração que, para se adquirir um conhecimento a constituição

do ser humano percorre muitos caminhos diferentes.

Maturana dá um exemplo de como se dá o fenômeno do conhecimento e

de como conseguimos distinguí-lo em nossa práxis de viver.

Se refletirmos sobre o que fazemos quando queremos saber se

uma outra pessoa ou animal tem conhecimento em um dado

domínio, descobrimos que estamos buscando um comportamento

ou uma ação adequada daquela pessoa ou animal naquele

domínio, mediante a formulação de uma pergunta explícita ou

implícita naquele mesmo domínio. Se considerarmos que o

comportamento ou a ação dada como resposta à nossa

pergunta, afirmamos que a pessoa ou animal sabe. (MATURANA,

1999:295)

Para o autor, cada critério que o sujeito-observador lança mão para validar

a adequação de um comportamento de um outro organismo, com o qual ele

interage, é um domínio de cognição, no domínio de suas interações.

Nós, seres humanos, vivemos em comunidades cognitivas, cada

uma das quais sendo definida pelo critério de aceitabilidade

daquilo que constitui as ações ou comportamentos adequados de

seus membros. Dessa forma, os domínios cognitivos são

consensuais na práxis de viver dos observadores. (MATURANA,

1999:295).

Então, para que se constitua o fenômeno, é preciso que exista a

observação, e para que isso aconteça, é inerente que exista o sujeito-observador

Page 29: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

29

(para retomar ao começo deste capítulo). Existem três fatores preponderantes

para fazer com que se efetive a cognição no ser humano:

Distinção: características de um ser ou coisa que a diferenciam de outra.

Informação: dados sobre alguém ou algo.

Interação: ações que se exercem mutuamente entre duas ou mais coisas

ou pessoas e/ou entre pessoas e coisas.

Estes três conceitos necessitam um do outro para que se efetive a

cognição; eles são interdependentes dentro da teoria do conhecimento. Para

ilustrar o fenômeno vamos a um exemplo de como funciona:

Um sujeito vai a uma livraria e um vendedor da loja lhe recomenda um

título que ele não conhecia. Então ele pega o livro, e começa a olhar o sumário,

contracapa etc. Neste momento, faz-se de conta que é possível congelar este

instante para entender na prática como funciona a junção da tríade distinção-

informação-interação.

O sujeito-vendedor emite uma informação para o sujeito-observador sobre

um livro, este distingue entre outros títulos o livro recomendado e interage

abrindo-o, folheando-o, lendo-o...

2.6 A educação

Se a cognição é o ato do conhecimento, que segundo Humberto Maturana

tem como base a distinção, a educação se encaixa na práxis de viver do sujeito

como um domínio cognitivo. O educar ocorre no viver, nas relações do sujeito

com seu mundo. Para o cientista, “o educar se constitui no processo em que a

criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma

espontaneamente”.

Page 30: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

30

Dessa maneira, o educar acontece durante a vivência do sujeito-

observador, e de maneira recíproca durante sua convivência, com seres da

mesma espécie ou não, dentro de sua construção de mundo.

A educação como “sistema educacional” configura um mundo, e

os educandos confirmam em seu viver o mundo que viveram em

sua educação. Os educadores, por sua vez, confirmam o mundo

em que viveram ao ser educados no educar. (MATURANA,

1998:29)

“O futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem. É com

base nessa compreensão que devemos considerar a educação e o educar”. Com

esta frase, o professor quer dizer que a estrutura inicial do ser humano, ou de um

sistema vivo, como ele prefere citar, não especifica o futuro deste. Ou seja, tudo o

que acontece com um organismo, ocorre com a permissividade de sua

constituição biológica em uma seqüência particular de interações com o

ambiente.

Dentro deste parâmetro, podemos dizer que tudo o que acontece com um

organismo acontece sob a forma de uma epigênese, em um processo de

transformações da sua constituição que seguem um caminho contingente com a

história de suas interações num meio independente.

Usando um conceito já mencionado e explicado nesse texto, iremos fazer

uma distinção entre educação e aprendizado. A educação é a interação entre os

sujeitos e o aprendizado é o que se resulta desta ação, a cada um. O aprender é

um fenômeno inerente ao ser vivo, é um processo contínuo que só acaba com a

morte do ser.

Quando um pai ensina ao seu filho que é preciso usar talheres para comer

e a não falar com a boca cheia de comida, ele está educando seu filho e,

conseqüentemente, essa criança irá aprender a usar talheres e a não falar com a

boca cheia. Da mesma forma, entende-se como educação o momento em que o

guerrilheiro muçulmano Osama Bin Laden ensina aos seus filhos como fabricar

bombas ou quando algum norte-americano ensina ao seu filho como usar uma

arma de fogo.

Page 31: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

31

Chamamos de aprendizagem àquela parte da ontogenia de um

organismo que nós, enquanto observadores, vemos ocorrendo

como se o organismo estivesse se adaptando a alguma

circunstância nova e incomum do ambiente...Como se o

organismo estivesse se acomodando a características do

ambiente... (MATURANA, 1998:291).

Em suma: a educação é o processo de interação entre dois ou mais

sistemas vivos e a aprendizagem faz parte da ontogenia deste sistema. Podemos

dizer que esta adaptação é uma sintonia entre comportamento e ambiente. Esse

processo adaptativo do ser é o que o professor Ernst von Glasersfeld chama de

to fit, ou seja, a modalidade de comportamento que encaixa no ambiente que lhe

toca o viver (GLASERFELD, 1996:78).

Page 32: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

32

3 SUJEITO VERSUS OBJETO

3.1 A relação sujeito-objeto na filosofia clássica

Existem várias formas de se fazer a relação entre sujeito e objeto,

principalmente hoje, em razão das tecnologias da informação e da comunicação.

A semiótica, a antropologia, a física, entre outras disciplinas, possuem a sua

visão particular sobre o fenômeno dessa relação.

O que existia consensualmente na ciência, era que essa relação sempre

possuía uma entrada (input) e uma saída (output), ou melhor, o sujeito sempre

era o detentor da informação e da capacidade de interação; ao objeto sempre foi

relegada uma certa passividade, a dependência do sujeito.

Em um texto da década de 20, o filósofo Johannes Hessen fez um tratado

sobre a teoria do conhecimento. E pela razão de estarmos pesquisando

cognição, educação etc., nada mais plausível do que trazer conceitos da teoria

que explica a origem, os tipos, os critérios e a essência do conhecimento. A

teoria do conhecimento, como o nome já diz, é uma teoria, isto é, uma

interpretação e uma explicação filosófica do conhecimento humano (HESSEN,

1999:19).

Hessen diz que ”Ser sujeito é algo completamente diverso de ser objeto”

(1999:20). Sabemos que na década de 20, época em que esta pesquisa foi feita

por este filósofo, não existia nenhuma “coisa” parecida com a Internet e, sem

sombra de dúvida, nenhum visionário imaginou algo semelhante à rede de

informação.

Page 33: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

33

Por essa razão, esta pesquisa sustenta-se na convicção que as áreas

clássicas do conhecimento disciplinar são incapazes de darem conta da

complexidade dos fenômenos culturais que surgem. Esses fenômenos são

caracterizados pela expansão das tecnologias da comunicação, do

multiculturalismo e dos processos de globalização que, em sua maioria, são

realizados por estas tecnologias.

Esta região de excessivos contágios entre, por um lado, a

comunicação e a cultura e, por outro, a comunicação e a

produção, emerge como locus do debate contemporâneo sobre a

produção cultural, como paradigma da produção pós-industrial.

Isto é, num mundo onde o real se mesclou intimamente com o

virtual, a esfera da comunicação reorganiza todas as outras e, ao

mesmo tempo, as transforma (LUGAR COMUM, 1996:09).

3.2 E se o sujeito não é mais sujeito e o objeto não é

mais objeto?

A incapacidade da Ciência Clássica de concatenar seus paradigmas com

as novas tecnologias de comunicação e pesquisa é justamente um dos motivos

principais da elaboração deste projeto.

“Cada fibra, cada nó, cada servidor da Net é parte de mim” (ASCOTT, 1997:336).

O ser contemporâneo hoje vive em meio a um tecnocosmos cada dia mais

complexo e sofisticado (DA COSTA, 1997). E esses dias passam sem que o

homem contemporâneo saiba o limite do novo.

A estranheza de habitar um ciberespaço, de ver crianças

tomadas numa relação apaixonada com a multimídia, de assistir

à informatização galopante da vida doméstica, de enfrentar

questões inéditas no campo da bioética e da biodiversidade, de

observar o avesso de seu próprio corpo na tela de um

computador – eis alguns poucos indícios das mutações cuja

dimensão e amplitude mal chegamos a avaliar (DA COSTA,

1997:63).

Page 34: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

34

É dentro dessa perspectiva contemporânea, abstrata e complexa que

esta pesquisa quer chegar. Colocar este sujeito, produto da contemporaneidade,

para interagir com a nova interface do objeto, a linguagem hipermidiática, e

colher o resultado dessa interação.

A transformação que estamos sofrendo é uma transformação de

consciência. Estamos entrando no mundo-mente (world-mind) e

nossos corpos estão desenvolvendo a faculdade da cibercepção

(cyberception) – isto é, a amplificação tecnológica e o

enriquecimento de nossos poderes de cognição e percepção.

Essa nova faculdade é intensificada pelo computador e estendida

telematicamente (ASCOTT, 1997:336).

Usando o conceito da cognição do professor Humberto Maturana, citado

no capitulo anterior, para esta relação do sujeito-observador com o objeto-

hipermídia, podemos mostrar a maneira de como o ser contemporâneo se

comporta diante da nova interface.

Recordando o capítulo anterior: a cognição é o ato de conhecer algo. O

ato básico da cognição é a distinção, que traz consigo a informação e a

interação. De que forma a cognição ocorre na hipermídia? O sujeito “entra” na

Internet e vai “linkando” assuntos que lhe interessam. Com isso, o sujeito usa a

distinção, buscando somente as informações que lhe convém e, ao mesmo

tempo, interagindo com o objeto. Dessa forma, a distinção, informação e

interação estão sendo trabalhadas quando usamos a Rede.

Buscando outro conceito citado por Maturana, e também no capítulo

anterior, o da educação, foi dito que a educação é uma adaptação do sujeito ao

ambiente. Com isso, o sujeito vai aprendendo, espontaneamente, a caminhar

dentro do labirinto de informações.

É exatamente este momento - que o cientista chama de aprendizagem - o

processo de adaptação de algum organismo a alguma “circunstância nova e

incomum do ambiente... Como se o organismo estivesse se acomodando a

características do ambiente”. É esta capacidade de adaptação, do ser humano, a

qualquer ambiente que faz com que ele consiga se adequar, a um objeto

incomum e complexo, como a hipermídia.

Page 35: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

35

E qual é a nova interação? O novo conceito de interação, a que se

pretende esta pesquisa, é a capacidade de interação mútua, quando esse novo

sujeito está andando pelos caminhos labirínticos da Internet.

Este estudo detecta que a navegação na Internet é, na verdade, uma troca

de experiências entre o usuário e a Grande Rede. Ou seja, quebra o antigo

paradigma de que o objeto é uma simples estrutura estática e inerte. Já foi citado

no decorrer do texto que a Internet é um objeto mutante e sedutor; seduz pelo

aspecto labiríntico, pela obscuridade e ao mesmo tempo, mudando suas cores e

formas, tornando-se uma constante novidade para o observador.

Sobre essa troca de experiências, vejamos de uma maneira mais prática,

levando em consideração os conceitos da sedução e da transformação como

influenciadores desta interação. Faremos uma suposição, a de que, este sujeito

está à procura de informações sobre uma notícia qualquer.

No momento em que o usuário abre o browser, à procura da informação, o

primeiro passo é onde procurar. Este já possui em seu bookmark16

, o endereço

de um portal17

, o Universo Online (UOL), que é onde este observador, sempre

procura informar-se. Nessa busca pela informação ele vê que, as manchetes e

fotos de capa18

estão diferentes, desde a última visita que fez. Ele precisa então,

buscar a notícia nos arquivos do site.

Com base nesta observação, façamos a pergunta: Onde está a sedução

do objeto e a curiosidade do sujeito? A curiosidade pela informação levou o

sujeito a fazer um caminho que não estava mapeado cognitivamente; e esta

capacidade de atrair o sujeito, fazendo com que ele continue na busca pela

informação, podemos chamar de sedução. Ou seja, ele entrou no site e não

encontrou o que queria, entrou no canal de arquivo e dentro deste canal,

precisou usar um programa de buscas para conseguir encontrar a notícia.

Vemos assim uma inversão dos papéis nesta relação. Não foi o sujeito que

determinou completamente suas ações. Mas elas sofreram alterações impostas

16

Lista de endereços que o usuário possui armazenada em seu browser.

17 Sites que possuem grande quantidade de informação que são dividas em canais.

Page 36: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

36

pelo objeto, que saiu do papel tradicional de passividade. Na hipermídia, cada

ação do sujeito corresponde uma reação do objeto, e vice-versa.

Esta pesquisa busca reforçar essa visão, de reversibilidade de papéis no

relacionamento sujeito-objeto, quando o sujeito é o homem e o objeto é a

hipermídia. Sem esquecer que, estas transformações, ocorrem com as duas

estruturas. A constante e frenética mutação da hipermídia e a espontânea

adaptação e evolução do ser humano, a esse futuro sem claros limites.

18

Informações de grande relevância para os veículos da imprensa.

Page 37: Sujeito versus objeto - um novo conceito de interação

37

CONCLUSÃO

É importante salientar que, esta pesquisa, não pretende criar novos

paradigmas, ou anular os conceitos já existentes no universo das pesquisas. A

idéia deste texto é encaixar-se ao que já foi produzido dentro desse tema.

A respeito da produção acadêmica, foi detectado que grande parte do

material pesquisado, faz parte da era pós-industrial. É neste período (em que

vivemos), em que se concentram a maioria das reflexões sobre os fenômenos, da

globalização, e da expansão das tecnologias da comunicação.

Uma das características detectadas, no decorrer da pesquisa é, a enorme

capacidade de adaptação do ser humano a qualquer ambiente. O ambiente

virtual da hipermídia vive em eterna mutação, mas o ser humano adapta-se a

esta velocidade de informação e, a medida que este muda sua constituição para

adaptar-se, pode-se dizer que também é capaz de acompanhar esta

transformação.

Dentro dessa concepção, a de que existe uma dupla transformação, do

sujeito e do objeto, pode-se considerar que esta interação mútua existe no

confronto do sujeito versus objeto.

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labirinto virtual: http://www.patio.com.br/labirinto/ Projeto Virtus de ensino à distância: http://www.virtus.ufpe.br/ Mitologia Grega: http://orbita.starmedia.com/agoniaextase/minotaur.htm Grupo de estudo pioneiro na área de Tecnologia da Informação: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/ Aplicação dos recursos tecnológicos na educação: http://www.willians.pro.br/didatico/Cap3_2.htm

O Projeto WWW: http://www.nib.unicamp.br/recursos/www_tutor/wwwhist.html


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