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Súmula 614-STJ – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Súmula 614-STJ Márcio André Lopes Cavalcante

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPTU

Súmula 614-STJ: O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir indébito desses tributos.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 09/05/2018, DJe 14/05/2018.

IPTU O IPTU (Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana) é um tributo de competência dos Municípios, estando previsto no art. 156, I da CF/88:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – propriedade predial e territorial urbana;

O fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado na zona urbana do Município. O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado (1ª parte da súmula) Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário) alugou seu imóvel para Pedro (inquilino). No contrato, havia uma cláusula prevendo que a obrigação pelo pagamento do IPTU do imóvel competia a Pedro (locatário). Houve um aumento do valor do IPTU por meio de decreto do Prefeito. Diante disso, Pedro ajuizou ação contra o Município alegando que este aumento violou o princípio da legalidade tributária e pedindo a volta do antigo valor. Esta ação terá êxito? NÃO. Pedro não tem legitimidade ativa para a causa, uma vez que ele não é o proprietário do imóvel. O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado (1ª parte da súmula). O locatário não possui legitimidade ativa para pedir a repetição de indébito do IPTU e das taxas referentes ao imóvel alugado (2ª parte da súmula) Exemplo: a empresa JM Ltda. é locatária de um imóvel. Pelo contrato, a obrigação de pagar o IPTU é dela. Durante três anos, a JM Ltda. pagou ao Município o IPTU. Ocorre que a lei municipal que fundamentava a cobrança do imposto foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. Com base nisso, a JM Ltda. ajuizou ação ordinária contra o Município pedindo a restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de IPTU nos anos de 2012, 2013 e 2014 em virtude da inconstitucionalidade da lei. Esta ação não será conhecida, considerando que a JM Ltda. é mera locatária.

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O locatário não possui legitimidade ativa para pedir a repetição de indébito do IPTU e das taxas referentes ao imóvel alugado (2ª parte da súmula) Mas, nos dois casos, o contrato de locação diz que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU e das taxas é do locatário... O locatário é quem está pagando os tributos... Isso não importa. O Fisco não tem nada a ver com isso, ele não participou desse ajuste. Um contrato entre particulares não tem a força de interferir na relação jurídico-tributária com o Fisco. É o que prevê o art. 123 do CTN:

Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

Em outras palavras, não se pode invocar contra o ente público o contrato firmado entre locador e locatário, sendo o proprietário do imóvel o sujeito passivo da obrigação tributária. Correta interpretação do art. 34 do CTN O art. 34 do CTN prevê quem são os contribuintes do IPTU:

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Diante disso, alguns leitores podem estar pensando: o locatário detém a posse do imóvel. Logo, ele também poderia ser considerado contribuinte do IPTU. Sendo contribuinte do imposto, teria legitimidade para ajuizar ações questionando esse tributo. Essa interpretação, contudo, não é acolhida pela jurisprudência. O STJ, ao interpretar o art. 34 do CTN, afirma que a posse tributária é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo locatário ou pelo comodatário. Assim, o possuidor até pode ser considerado contribuinte do IPTU, mas, para isso, é necessário que ele seja um possuidor que tenha animus domini. Desse modo, contribuinte do IPTU, na visão do STJ, é: • o proprietário do imóvel; • o titular do domínio útil do imóvel; ou • o possuidor do imóvel, a qualquer título, desde que tenha animus domini. Posse animus domini (com ânimo de dono) é aquela posse demonstrada por quem se considera o dono do imóvel. É a posse que gera direito à usucapião. Mesmo que o contrato de locação dure 20 anos e que o locatário permaneça todo esse tempo no imóvel, ele não terá direito de adquiri-lo por usucapião. Isso porque a sua posse não tem animus domini, ou seja, ele sabe que não é o proprietário do imóvel e que só está na posse em virtude do contrato. Logo, a súmula 614 do STJ não é incompatível com o art. 34 do CTN. Seria possível que o locatário pedisse a repetição de indébito do IPTU com base no art. 166 do CTN, alegando que foi ele quem sofreu o encargo econômico do tributo? NÃO. O art. 166 do CTN prevê o seguinte:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Ocorre que este art. 166 do CTN é aplicado apenas para tributos indiretos, não sendo regra válida para os tributos diretos, como é o caso do IPTU e das taxas que incidem sobre o imóvel. Nesse sentido:

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O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o art. 166 do CTN não tem aplicabilidade aos tributos diretos, como via de regra, são o IPTU e as taxas incidentes sobre o imóvel, vez que referidas exações não podem ser enquadradas no rol de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do referido encargo. STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1294961/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 12/04/2016.

Taxas referentes ao imóvel Ex: taxa de lixo (SV 19).


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