Susana Alexandra
Feiteira Fernandes
Integração de alunos de
minorias linguístico-culturais – um
estudo de caso.
Relatório da componente de
Investigação do relatório de estágio orientado
pelo Prof.º Doutor Paulo Feytor Pinto
Relatório da componente de
Investigação do relatório de estágio
Novembro 2016
Versão Definitiva
ii
Resumo
Ao longo das últimas décadas a afluência de imigrantes a Portugal tornou-se
notória, refletindo-se na heterogeneidade de línguas e culturas existentes nas escolas do
nosso país. Na mesma sala de aula, podemos encontrar várias línguas maternas (LM),
mas não nos podemos esquecer de que o ensino é feito em português, uma língua
segunda (L2) para muitos alunos.
Este projeto de investigação analisa a integração de alunos de minorias
linguístico-culturais, estudando o caso de um aluno búlgaro do 6º ano de escolaridade.
O objetivo deste estudo é a identificação dos problemas e desafios que um aluno com
outra língua e cultura levanta aos diversos agentes educativos e quais as estratégias de
integração delineadas. Para tal foram definidas três questões de partida: (i) Que
diagnóstico foi feito do aluno e de que forma influenciou as estratégias de sala de aula
posteriores? (ii) Que fatores influenciaram positiva ou negativamente a integração deste
aluno? (iii) Que estratégias foram usadas nas diferentes disciplinas para promoverem a
inclusão deste aluno?
No quadro teórico apresentam-se os conceitos de migração, a diversidade
linguística de Portugal, os conceitos de língua materna, de língua de herança (LH), da
língua materna do aluno em estudo, o búlgaro, de língua segunda, o conceito de
integração, os documentos orientadores usados em Portugal e a diferenciação
pedagógica.
Do ponto de vista metodológico este estudo insere-se numa abordagem
qualitativa que assume a modalidade de estudo de caso. A intervenção pedagógica
realizada numa turma do 6º ano de escolaridade centrou-se no estudo de caso do único
aluno que não tinha o português como língua materna.
As técnicas de recolha de dados usadas durante a investigação foram a
observação, as notas de campo, a entrevista, o inquérito por questionário e a análise
documental oficial.
Os resultados desta investigação mostram a dificuldade dos agentes educativos
no diagnóstico das dificuldades do aluno. A questão da língua materna do aluno nunca
constituiu uma possível causa para as dificuldades sentidas, tendo sido delineadas
estratégias de integração do aluno com base no diagnóstico informal de Necessidades
Educativas Especiais.
Palavras-chave: integração; estratégias; minorias linguístico-culturais.
iii
Abstract
Over the past decades the influx of immigrants to Portugal became evident, as
reflected in the heterogeneity of existing different languages and cultures in schools of
our country. In the same classroom we can find several mother tongues (LM), but we
cannot forget that teaching is done in Portuguese, the second language (L2) for some
students.
This research project focuses on the integration of students from linguistic and
cultural minorities, studying the case of a Bulgarian student of the 6th grade. The
purpose of this study is the identification of problems and challenges that a student with
another language and culture raises to the various educational agents and which the
integration strategies outlined. In order to achieve this purpose three initial questions
were defined: (i) What diagnosis was made on the student and how they influence
subsequent classroom strategies? (ii) What factors influenced positively or negatively
the integration of this student? (iii) What were the strategies used in different disciplines
to promote the integration of this student?
In the theoretical framework presents the concepts of migration, the linguistic
diversity in Portugal, the concepts of mother tongue, heritage language (LH), the tongue
of the student in study, the Bulgarian, second language, the concept of integration, the
guiding documents used in Portugal and the pedagogical differentiation.
From a methodological point of view this study is a qualitative approach in a
case study perspective. The educational intervention was carried out in a class of 6th
grade and the case study is the one of a student who didn’t have Portuguese as his
mother tongue.
The data collection techniques used during the research were observation, field
notes, interview, questionnaire survey and document analysis of official documents.
The results of this research show the difficult of educational agents in the
diagnosis of a student profile. The problem of student´s mother tongue has never been
as a possible cause for his difficulties, having been outlined strategies for integration
based on informal diagnosis of special educational needs.
Keywords: integration; strategies; linguistic minorities.
iv
Agradecimentos
Este trabalho finda um ciclo de 5 anos muito importante, que contou com
imensas aprendizagens, muitas dúvidas, certezas, amizades para a vida, e que deixa
muita saudade.
Esta concretização representa essencialmente vontade; a vontade de continuar a
colocar em prática tudo o que aprendi, a vontade de querer mudar, a vontade de querer
alterar o que pode ser alterado, a vontade de levar este estudo a outras pessoas para
mostrar que a realidade escolar conta mais aprendizagem, mais saber e mais riqueza.
Posto isto, quero agradecer a todos aqueles que me ajudaram a tornar possível
este trabalho.
Em primeiro lugar à minha mãe que sempre me deu força, muitas vezes “à
força”, mas sempre na altura certa. Foi graças a ela que consegui! Ultrapassei medos e
inseguranças.
Ao Vasco, pela força e motivação que me deu, pelo carinho nos momentos de
frustração e pela ajuda, companheirismo e dedicação.
À Telma, a minha companheira de estágio, de trabalho, de aventura, de riso e
de choro e que sempre esteve do meu lado. Que os nossos momentos de prática sejam
uma inspiração para o nosso futuro.
À Inês, por partilhar a sua alegria durante todos os momentos.
Ao professor e orientador Paulo Feytor Pinto por acreditar neste trabalho que
tantas dúvidas levantou. Agradeço por me ter feito acreditar quando também eu duvidei,
por me mostrar que é possível mudar e por me ensinar que, olhar em redor é das
maiores aprendizagens que temos.
Aos alunos do 6º anos pelo carinho e pelo empenho que sempre demonstraram,
assim como pelos ensinamentos que me deram.
Aos professores/as da ESE que considero os responsáveis pelo olhar que hoje
tenho enquanto professora, pela dedicação que tenho nos meus trabalhos e pelas
aprendizagens que me ajudaram a crescer.
v
Índice
Resumo ............................................................................................................... ii
Abstract ............................................................................................................. iii
Agradecimentos ................................................................................................. iv
Introdução ........................................................................................................... 1
Capítulo 1 – Quadro teórico ............................................................................... 4
1.1. Migração.............................................................................................. 4
1.2. Diversidade linguística ........................................................................ 5
1.3. Língua materna .................................................................................... 8
1.4. Língua de herança ............................................................................... 9
1.5. Língua búlgara................................................................................... 10
1.6. Língua segunda ................................................................................. 12
1.7. Integração .......................................................................................... 13
1.8. Diferencianção pedagógica ............................................................... 15
1.9. Documentos orientadores .................................................................. 16
Capítulo 2 – Metodologia ................................................................................. 20
2.1. Abordagem qualitativa ...................................................................... 20
2.2. Estudo de caso ................................................................................... 22
2.3. Descrição do contexto ....................................................................... 23
2.4. Procedimentos de recolha e de análise de dados. .............................. 24
Capítulo 3 –Apresentação, análise e interpretação de dados............................ 31
3.1. A história escolar ............................................................................... 31
3.2. Fatores de inquietação ....................................................................... 35
3.3. A leitura em voz alta ......................................................................... 36
3.4. Trabalhar a confiança ........................................................................ 38
3.5. As opiniões dos colegas e professores .............................................. 40
Capítulo 4 – Considerações finais .................................................................... 48
vi
Bibliografia ....................................................................................................... 54
Anexos .............................................................................................................. 57
vii
Índice de tabelas
Tabela 1 - Diversidade linguística em Portugal: residentes (2001).. ............................... 6
Tabela 2 – Diversidade Linguística na escola portuguesa: as línguas faladas em
família.. ............................................................................................................................. 7
Tabela 3 - Percurso escolar do aluno. Processo do aluno (2015) .................................. 31
Tabela 4 - Avaliação teste intermédio de Língua Portuguesa (2010) ............................ 33
Tabela 5 - Entrevista – Alunos ...................................................................................... 41
Tabela 6 - Questionários – Professores ......................................................................... 43
1
Introdução
O presente projeto de investigação surge no contexto de estágio, numa turma
do 6º ano do 2º Ciclo do Ensino Básico na disciplina de Português. Este trabalho tem os
objetivos definidos pelo Mestrado de Ensino do 1º e do 2º Ciclo do Ensino Básico,
nomeadamente na Unidade Curricular Seminário de Investigação e de Projeto.
A minha investigação tem como título a Integração de alunos de minorias
linguístico-culturais – um estudo de caso. Este estudo tem como objetivo identificar o
tipo de problemas que um aluno de língua e cultura diferentes das portuguesas levanta
para diversos agentes educativos e quais as estratégias de integração que são delineadas.
Para a minha investigação ir ao encontro do objetivo a que se propõe defini três
questões a que tento dar resposta. As questões são:
a) Que diagnóstico foi feito sobre o aluno e de que forma influenciou as
estratégias de sala de aula posteriores?
b) Que fatores influenciaram positiva ou negativamente a integração deste
aluno?
c) Que estratégias foram usadas nas diferentes disciplinas para promoverem
a inclusão deste aluno?
A escolha deste estudo surgiu da minha experiência enquanto jovem. Ao longo
da minha juventude até hoje, o meu núcleo de amigos sempre foi composto por jovens
de famílias oriundas de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), como
cabo-verdianos, angolanos, moçambicanos, são-tomenses e guineenses. Este núcleo
alertou-me para uma realidade que ainda hoje está bem presente: os constrangimentos
da língua e o preconceito. Os seus países têm como língua oficial o português, no
entanto, todos eles têm a sua língua materna que falam entre si em diversos contextos.
Quando falam português aparecem alguns constrangimentos, através do sotaque ou
mesmo por alguns erros relativamente à norma do português europeu, resultantes do
contacto entre as duas línguas. Este aspeto sempre me levantou inúmeras questões;
umas relacionadas com esses conflitos que originavam muitas vezes erros na oralidade,
outras relacionadas com os preconceitos existentes sobre uma língua crioula que muitos
falavam num país com uma língua diferente. Esta questão remete-me para a ideia de um
2
país, uma língua, mas não será isso tirar a identidade de cada um, tirar o que é a cultura
de cada pessoa?
“Cada pessoa encara a sua língua materna como tendo um papel
estruturador da sua personalidade e cada língua é vista pela
comunidade que a fala como um produto cultural que está na base da
sua identidade, do seu sentido de pertença – respeitar uma língua é
respeitar o grupo cultural que a fala.” (Pinto, 1998, p. 9).
É neste sentido que desejo que a minha investigação tenha algum propósito,
nomeadamente na inclusão cultural e não na propagação do preconceito sobre a
diferença. Como afirma Pinto (1998) a abordagem da inclusão promove a “compreensão
e aceitação da diferença” (p.9). Esta perspetiva multicultural é a desejada nas escolas de
hoje, por isso é importante que os professores tenham uma formação para a diversidade
linguística em “meios educativos multilingues, enquanto enquadramento da didática da
língua que é veículo de ensino-aprendizagem.” (Pinto, 1998, p. 9).
Estas experiências e conhecimentos que vivenciei e adquiri sobre outras
línguas e culturas transformaram-se numa vontade de juntar o que quero fazer
profissionalmente no futuro com estes aspetos, nomeadamente no desejo de dar aulas
nos PALOP e aprofundar questões da língua e das tensões que podem elevar-se através
da conexão e adequação de duas línguas diferentes. Esta vontade de aprofundar o meu
conhecimento surgiu principalmente através de conteúdos abordados durante o
Mestrado, nomeadamente na Unidade Curricular de Língua e Linguística Portuguesa II.
Nesta U.C. apercebi-me de aspetos revelantes para a minha futura prática profissional
que se relacionam com os aspetos acima descritos, nomeadamente o ensino do
português a alunos que não o têm como língua materna. Assim “ o fluxo crescente de
imigração que se tem feito sentir em Portugal nas últimas décadas introduziu no
panorama da sociedade portuguesa uma dimensão multilinguística e multicultural.”
(Mateus, 2011, p. 14), que levanta desafios constantes, tanto aos professores como às
escolas e às estratégias de coesão e integração que se devem desenvolver com alunos
estrangeiros.
Dada esta diversidade linguística nas escolas, é importante que os professores
considerem este aspeto modificando e adequando as suas práticas, sabendo que “a
heterogeneidade sociocultural e a diversidade linguística dos alunos representam uma
riqueza que necessita de condições pedagógicas e didácticas inovadoras e adequadas
para a aprendizagem da língua portuguesa em todas as áreas do saber e da convivência.”
3
(DGIDC, 2005, p. 3). Porém, para que existam as condições necessárias para se realizar
um bom trabalho é importante que tanto as escolas como os professores estejam
conscientes do problema, conhecendo os seus alunos, visto que “ o perfil de cada aluno
e a realidade de cada região ou escola/ agrupamento de escolas são muito diferentes,
pelo que o processo de acolhimento e acompanhamento dos alunos deverá ter em conta
essas características, adaptando as medidas, de forma a torná-las flexíveis e mais
eficazes.” (DGIDC, 2005, p. 10).
Atendendo a estas motivações, o meu projeto de investigação teria de estar
relacionado com o tema da diversidade linguística na escola e com os desafios que
levanta. Desta forma, e juntando esta vontade à realidade vivenciada no contexto de
estágio, foi possível integrar uma turma de 6º ano (que tinha um aluno de nacionalidade
búlgara), criando condições necessárias para realizar o meu estudo sobre a temática da
integração escolar de alunos estrangeiros. Centrei a minha atenção na análise das
estratégias de integração usadas por professores e as que delineei durante a minha
intervenção, relacionando a atitude do aluno face a diversas disciplinas e as suas
práticas. Como o aluno manifestava também algumas dificuldades cognitivas, eram
apresentados pelos professores diagnósticos de dificuldades de aprendizagem. Não
verifiquei a existência de nenhum diagnóstico sobre dificuldades relacionadas com
questões sociolinguísticas. Tal pode significar que para os agentes educativos não
tiveram em conta que as dificuldades do aluno poderiam estar relacionadas com o facto
de integrar uma família cuja língua materna é o búlgaro, e de ter uma cultura diferente.
“Tal como o carácter linguístico das crianças das minorias linguísticas
e culturais foi visto como uma limitação, também os atributos sociais
destas crianças foram vistos neste país [Portugal] como prejudiciais ao
seu sucesso escolar e económico. Esta visão negativa das minorias
parece ter sido mais uma vez precipitada pelas confrontações
existentes entre os imigrantes de segunda e terceira gerações e os
imigrantes mais recentes, durante a primeira parte deste século.”
(García, 2002, p. 848).
Depois de apresentadas as motivações é chegado o momento de apresentar a
reflexão conceptual que fiz sobre o tema deste trabalho, apresentando os conceitos
nucleares associados.
4
Capítulo 1 – Quadro teórico
1.1. Migração
Para este estudo é importante começar por definir todos os conceitos de que
parti começando pelo conceito de migração. O Instituto Nacional de Estatística descreve
este conceito da seguinte forma:
Deslocação de um indivíduo através de um determinado limite
espacial com o objetivo de mudança de residência (migração
permanente) ou deslocação de trabalho por um período inferior a um
ano (migração temporária). A migração subdivide-se em migração
internacional (migração entre países) e migração interna (migração no
interior de um país). (GTED-CSE, 2003).
A emigração é a saída de indivíduos de um país de forma temporária ou
permanente, enquanto que a imigração é o movimento de entrada de estrangeiros num
país.
A imigração em Portugal registou um grande aumento, principalmente após a
revolução de 1974 e a descolonização, verificando-se o predomínio dos imigrantes
provindos dos PALOP. A partir década de 1990, outros grupos minoritários imigraram
para o nosso país. De acordo com Censos 2011, em 1990 residiam em Portugal 394 496
estrangeiros, número que aumentou substancialmente desde 1991, cerca de 70% desde
2001.
Segundo a mesma fonte (2011), os PALOP deixaram de ser o grupo
minoritário em maioria na sociedade portuguesa, aparecendo o Brasil, a Ucrânia e a
Roménia com uma maior representatividade. Um fator que contribuiu muito para o
aumento da emigração do Leste Europeu foi a situação económico-social prejudicada
pelo colapso do bloco da U.R.S.S.
A faixa etária da população estrangeira residente em Portugal concentrava-se
entre os 15 e os 44 anos, o que refletia a imigração, principalmente, de casais jovens
com filhos em idade escolar. Este fator contribui para o aumento do número de alunos
de Português Língua Não Materna (PLNM) nas escolas portuguesas.
Tendo em conta estes movimentos migratórios, Portugal foi conseguindo ao
longo dos tempos um panorama linguístico e cultural diversificado. Esta alteração
traduz-se numa realidade escolar para a qual é necessário criar respostas e mecanismos
de integração para estes alunos que, na sua maioria, não dominam a língua portuguesa
5
nem estão integrados na cultura portuguesa. É necessário criar nas escolas projetos de
ensino do português como segunda língua, assim como formar professores de PLNM
capazes de dar resposta às necessidades destes alunos.
Como se refere no Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (SEF, 2014)
verificou-se uma redução da população estrangeira oriunda de países de língua oficial
portuguesa, a nacionalidade brasileira continua a ser a principal comunidade estrangeira
residente em Portugal. Para além do número de imigrantes em Portugal estar em
decréscimo, possivelmente pela alteração dos fluxos migratórios e da situação
económica no mercado laboral, as nacionalidades chinesa, espanhola, britânica e
guineense, registaram um aumento do número de residentes em Portugal.
1.2. Diversidade linguística
Portugal tornou-se um país de acolhimento com uma diversidade linguística
substancial a partir do 25 de abril. Neste período, os movimentos migratórios dos países
africanos resultaram na introdução das línguas africanas como o crioulo cabo-verdiano,
umbundo, quimbundo, crioulo de S. Tomé e Príncipe e o crioulo da Guiné. Como
defende Pinto (2010), o cabo-verdiano era a língua materna mais falada em Portugal,
desde 1991 “falado por 1% da população total e por cerca de um quarto dos falantes de
línguas minoritárias.” (p. 24.)
No fim da década de 1990 surgem novos fluxos migratórios do Leste Europeu,
trazendo as línguas eslavas “atingindo, perto do ano 2000, uma importância
significativa na dinâmica da população”, (Grosso, 2010, p. 66). O aparecimento
substancial do russo e do ucraniano “surpreenderam pelo facto de assumirem tão
rapidamente um lugar cimeiro entre as línguas minoritárias.” (Pinto, 2010, p. 24). Este
autor refere que em 2001 surgiram seis novas línguas de origem europeia no nosso país,
apesar de a língua minoritária principal ser de origem africana. As línguas africanas
centravam-se nos crioulos de base lexical portuguesa, como o cabo-verdiano, o
guineense e o santomense.
A seguinte tabela mostra a diversidade linguística em Portugal:
6
Tabela 1 - Diversidade linguística em Portugal: residentes (2001). (Pinto, 2010, p. 24).
Língua Percentagem da população (100 = 10 356)
Português 93,9
1. Português europeu 91,6
2. Português brasileiro 0,8
3. Português caló 0,5
Outras línguas 4,1
1. Cabo-verdiano 1,0
2. Ucraniano 0,6
3. Russo 0,4
4. Francês 0,4
5. Romeno 0,3
6. Espanhol 0,3
7. Inglês 0,2
8. Guineense 0,2
9. Alemão 0,1
10. Santomense 0,1
11. Mirandês 0,1
12. Quimbundo 0,1
13. Wu 0,1
14. Língua gestual portuguesa 0,1
15. Outras 0,1
Segundo Mateus (2011), o 1º ciclo do ensino básico era o nível de ensino onde
se concentravam mais alunos de outras nacionalidades, cerca de 36 730 alunos, “As
escolas portuguesas [eram] frequentadas por estudantes de 120 nacionalidades, sendo 80
as línguas faladas pelos alunos em casa, número que decresce se nos reportarmos às
línguas faladas na escola.” (p. 14). A diversidade linguística nas escolas portuguesas é
demonstrada no quadro abaixo:
7
Tabela 2 – Diversidade Linguística na escola portuguesa: as línguas faladas
em família. (Mateus, 2011, p. 15).
É assim percetível a diversidade linguística existente, constituindo, em
Portugal também,
Um puzzle de diversas línguas maternas pertencentes a diferentes
famílias linguísticas, como línguas eslavas, línguas indo-arianas,
línguas semíticas, línguas crioulas (crioulos afro-portugueses), línguas
sino-tibetanas (é de realçar, neste último grupo, a língua chinesa,
designação que abrange não só o chinês/ mandarim, mas também
outras línguas como o cantonês e o xangainês ou wu). (Grosso, 2010,
p. 67).
Exposta a diversidade linguística em Portugal é importante iniciar agora
a apresentação sobre os conceitos linguísticos, como a língua materna, língua de
herança e língua segunda, começando pela língua materna.
8
1.3. Língua materna
A língua materna, também designada língua primeira (L1), está associada a
primeira língua que adquirimos espontaneamente em casa com os nossos pais e os que
nos são próximos, sendo a família o seu principal transmissor. Xavier e Mateus (1990)
in Grosso (2010) definem a LM como a língua nativa do sujeito, adquirida de forma
natural ao longo da infância, possuindo intuições linguísticas quanto à sua forma e uso.
Segundo Spinassé (2006), a aquisição da LM constitui uma parte fundamental
na formação do conhecimento do mundo do indivíduo, através dos valores sociais e
pessoais associados. Vygotsky (1979) associa “aquisição” à língua materna, com a qual,
segundo Osório & Fradique (2010), a criança adquire inconscientemente os aspetos
mais simples da língua, através dos processos de socialização, sem se aperceber dos
processos mais complexos e formais do seu discurso.
Ançã (1999) expõe três critérios propostos por W. Mackey para a definição da
LM: “primazia”, a primeira língua apreendida e compreendida; “domínio”, a língua que
se domina melhor; e “associação”, pertença a um determinado grupo étnico. Bastaria
verificar-se um destes critérios para se assegurar a definição de LM.
Também Dabéne (1994, p.9-27) in Sérgio (2010) aponta para uma “constelação
de noções” referentes ao termo LM: falar – conjunto das potencialidades individuais
dum sujeito e as práticas daí decorrentes; língua reivindicada – o conjunto de
representações e de atitudes dum sujeito ou grupo, face à língua como elemento de
identidade, e língua descrita – conjunto de instrumentos de que o aprendente dispõe.
A LM é a língua falada em casa e na comunidade, porém, segundo outros
autores a sua caracterização só é feita através da junção de vários fatores: a língua dos
pais e dos familiares mais próximos, a língua da comunidade, a primeira língua
adquirida, a língua com a qual se estabelece uma relação afetiva, a língua do dia-a-dia, a
língua predominante na sociedade, a de melhor status para o indivíduo, a que ele melhor
domina, a língua com a qual se sente mais à vontade (Spinassé, 2006).
A LM está associada à L1, em que “a criança estabelece a sua primeira
gramática, que depois vai reestruturando e desenvolvendo em direção à gramática dos
adultos da comunidade em que está inserida.” (Leiria, Queiroga, & Soares, 2005, p.5).
Desta forma, a criança que inicia a escolaridade básica no seu país de origem possui um
domínio significativo da língua, pois “resulta de um processo de aquisição natural e
espontâneo da língua materna” (Sim-Sim, Duarte, & Ferraz, 1997, p.35)
9
Assim, a LM contribui para o conhecimento próprio e para ser conhecido pelo
outro, sendo por isso “um factor de identificação cultural, mas no uso, e pelo uso, que
dela faz o indivíduo no contexto em que está inserido e não apenas por pertencer a uma
das várias comunidades que utilizam a mesma língua” (Mateus, 2001, p.20).
1.4. Língua de herança
A língua de herança (LH) está intimamente relacionada com a língua materna,
por isso diversos autores se concentram nas diferenças entre estes dois termos. Segundo
Flores & Melo-Pfeifer (2014), a LH reflete as desigualdades entre a língua maioritária
(língua do país de acolhimento) e a língua minoritária (língua de herança), em que
existe “a maior propensão para usar de forma imediata e espontânea a língua
maioritária, que geralmente é a língua dominante da criança devido às situações de
socialização mais frequentes, mas a posse de competências parciais bastante
desenvolvidas na LH.”. (p. 17). Dado isto, os emigrantes de segunda ou terceira
geração, aqueles que adquirem duas línguas na infância, são considerados falantes de
herança, pois “são expostos à língua de herança no contexto familiar e à língua
maioritária nas interações diárias fora de casa” (Flores, 2013, p. 38). Os autores Flores
& Melo-Pfeifer (2014) definem ainda que “A LH é a língua falada no seio da família,
isto é, a língua de origem do emigrante” (p.19)
A língua das interações sociais e da comunidade torna-se a dominante para estes
emigrantes de segunda ou terceira geração, por essa razão a língua de herança falada,
normalmente, com os pais, em casa, é assim definida e distinguida da língua materna
por muitos autores que defendem “a sua competência linguística a nível da sua língua de
herança como deficitária e incompleta.” (Flores, 2013, p. 38).
A LH está aqui assumida como a primeira língua de crianças emigrantes de
segunda ou terceira geração, tendo por isso já nascido no país de acolhimento. Desta
forma a língua falada em casa, pode até ser a língua materna dos pais ou dos avós,
porém, ao longo do crescimento das crianças, e tendo em conta a língua de
escolarização e de socialização do país de acolhimento, a língua dominante passa a ser a
língua falada no país de acolhimento. Os falantes de língua de herança têm por isso uma
relação desequilibrada e simultânea entre estas duas línguas, língua maioritária e a
língua de herança. Sendo que a língua de herança tem uma expressão bastante diminuta
10
“devido ao baixo nível de escolarização na língua de herança e ao contacto reduzido
com meios de comunicação, como os jornais e a televisão do país de origem” (Flores,
2013, p. 39).
Contextualizando todos estes conceitos no âmbito deste trabalho de
investigação é importante relembrar que o aluno em estudo, de nacionalidade búlgara,
tem como língua de herança, o búlgaro, visto que iniciou a escolaridade no seu país de
acolhimento, Portugal, tendo nascido na Bulgária, e que em casa fala búlgaro com
familiares mais velhos.
1.5. Língua búlgara
A língua búlgara tem origem nos antigos dialetos eslavos de uma era falados na
Península Balcânica na primeira metade do primeiro milénio. O “búlgaro” provém dos
habitantes dos Balcãs orientais no século VII. O búlgaro é a língua escrita e da literatura
mais antiga entre as línguas eslavas.
As línguas eslavas são um ramo da família indo-europeia e dividem-se em três
grupos principais: as línguas orientais (russo, ucraniano e bielorrusso); as línguas
ocidentais (polaco, checo, eslovaco, alto sorábio e baixo sorábio); e por fim, as línguas
meridionais (búlgaro, macedónio, servo-croata e esloveno)1. Segundo Timenova (2007),
um dos factos mais interessantes desta língua eslava meridional foi a criação do alfabeto
cirílico, que se crê ter sido criado por dois irmãos de origem eslava, Constantino-Ciril e
Metódio, em 855. O primeiro sistema alfabético que estes irmãos criaram foi designado
por glagolítico, “de glagolitsa, ‘verbo’, ‘palavra’, termo proveniente do antigo
eslavónico, língua litúrgica dos eslavos ortodoxos, na Idade Média” (Sampaio, 2009, p.
144). Este alfabeto glagolítico foi criado a partir de minúsculas gregas, mas a sua grafia
difere totalmente da variante grega, apenas são semelhantes na geometria e simétrica
utilizada nos caracteres. Este alfabeto foi utilizado na Bulgária do século IX ao século
XII, e a partir deste surgiu também o alfabeto glagolítico croata. Este alfabeto contém
cerca de 40 letras, sendo que 24 têm origem nas letras gregas antigas e 3 provêm da
língua hebraica. Existe a teoria, ainda em estudo, de que o alfabeto glagolítico tem
origem em runas, signos de inscrições e descobertas nas antigas capitais búlgaras. A
1 Com base na “A Língua Russa na Família das Línguas Eslavas” da Universidade de Coimbra (CER, 2014),
retirado de: http://www.uc.pt/fluc/depllc/CER/cerartigos/cerartigo01/cerartigo01
11
principal utilização deste alfabeto foi para traduzir os livros sagrados do grego para o
eslavónico, pois o reino búlgaro adotou o cristianismo em 864, e desta forma poderia
transmitir os livros sagrados traduzidos.
A história da língua búlgara pode ser dividida esquematicamente em quatro
períodos: “antes da escrita (antes do século IX), Antigo búlgaro (IX - XII século),
Médio Búlgaro (XII - século XIV) e o búlgaro Moderno (a partir do século XV)”
(Zanotelli, 2015, p. 5). Com o acesso da Bulgária à União Europeia em 2007, o alfabeto
cirílico tornou-se o terceiro alfabeto oficial da UE. O presente alfabeto búlgaro contém
30 letras.
As partes do discurso, em búlgaro, são divididas em dez diferentes tipos:
variáveis (substantivos, adjetivos, numerais, pronomes e verbos) e invariáveis
(advérbios, preposições, conjunções e interjeições). As partes variáveis alteram
gramaticalmente, enquanto as invariáveis não mudam. Morfologicamente os
substantivos, adjetivos, numerais e os pronomes formam o grupo nominal (morfologia
nominal), enquanto os verbos e advérbios formam o grupo verbal (morfologia verbal).
O verbo é provavelmente a parte mais complexa da gramática búlgara,
especialmente em comparação com outras línguas eslavas. Existem nove tempos e
inúmeras formas impessoais. Segundo Zanotelli (2015), a característica peculiar do
sistema verbal da Bulgária é a ausência do modo infinito, isto implica que a forma de
base do verbo é a primeira pessoa do singular do presente. O sujeito pode ser omisso
porque as terminações do verbo já sugerem a pessoa.
Os verbos são conjugados com a pessoa, o número e, em alguns casos, o
género. Tal como as outras línguas eslavas, são caracterizados pela existência de duas
formas aspectuais para cada ação que se quer descrever (perfeito e imperfeito), cuja
escolha acrescenta a frase conotações semânticas específicas. A função do verbo em
todas as línguas é descrever uma ação. Na maioria das línguas românicas, para cada
ação há um verbo, no búlgaro a escolha do modo e do tempo faz com que a ação receba
conotações adicionais.
Como refere Zanotelli (2015), o modo indicativo búlgaro é constituído por
nove tempos, três simples (presente, passado e imperfeito) e seis compostos (perfeito,
mais que perfeito, futuro, futuro perfeito, o futuro para o passado e futuro perfeito no
passado). Cada um atribui um período de tempo específico à ação que descreve.
Contrariamente às restantes línguas eslavas, o búlgaro tem o artigo definido em pós-
posição, e desenvolveu também um sistema complicado de preposições.
12
Como podemos constatar existem várias diferenças entre o búlgaro e o
português, nomeadamente o alfabeto. É importante ponderar que o aluno que usa um
alfabeto diferente na sua língua materna deve revelar diversas dificuldades ao falar e
escrever usando outro alfabeto.
1.6. Língua segunda
De acordo com Leiria, Queiroga, & Soares (2005), a língua segunda é um
conceito associado à aprendizagem e ao uso de uma língua não materna, muitas vezes a
língua oficial do país de acolhimento. É assim definida a L2 como “indispensável para a
participação na vida política e económica do Estado, ela é também a língua, ou uma das
línguas, da escola.” (Leiria, Queiroga, & Soares, 2005, p. 5). Um exemplo desta
situação verifica-se com os imigrantes em Portugal que têm a língua portuguesa como
língua de acolhimento, de escolarização, isto é, a língua portuguesa é a L2.
Grosso (2010) defende que a L2 é definida como língua de escolarização que
contribui para o “desenvolvimento psicocognitivo da criança num contexto em que a
língua-alvo é língua oficial.” (p. 64). É a língua que se domina melhor a seguir à
aquisição da língua materna.
Spinassé (2006) afirma que a Língua Segunda não é necessariamante uma
segunda língua no sentido de existir uma terceira ou quarta, representa “outra que não a
materna”. A L2 é adquirida, segundo este autor, pela necessidade de comunicação
através dos processos de socialização num novo meio onde a língua falada é outra, num
novo país. A aprendizagem da segunda língua ocorre quando o indivíduo domina
grande parte ou totalmente a sua língua materna, pois desta forma o indivíduo possui
habilidades línguísticas da fala apreendidas durante o processo de aquisição da língua
materna.
Este conceito de L2 é definido por Galisson e Coste (1983) in Grosso (2007,
p.1) “como uma expressão pedagogicamente não justificada, mas que introduz um
cambiante útil em relação à língua estrangeira nos países em que uma língua não
materna beneficia de um estatuto privilegiado.”. Os alunos que não têm o português
como língua materna, e que têm de frequentar as escolas portuguesas, são confrontados
com uma língua de escolarização diferente da sua língua materna. Neste caso o
português seria a segunda língua.
13
Este será um contexto complexo em que se interrelacionam factores
linguísticos e factores políticos, impondo-se, para o ensino-
aprendizagem da língua-alvo, questões que interligam o aprender a
comunicar com o desenvolvimento psico-cognitivo do indivíduo,
dando-lhe acesso a todos os outros saberes disciplinares. (Grosso,
2007, p. 2).
Segundo esta autora, a língua segunda pode ser também sinónimo de língua
estrangeira (LE), “língua aprendida em imersão no contexto de acolhimento”. Porém
segundo Grosso (2010) a LE não é a língua da primeira socialização, mas sim uma outra
língua com a “mundividência de uma outra sociedade” (p. 63).
Stern (1983) in Leiria (1999) distingue L2 de LE, associando o termo L2 à
aprendizagem e ao uso “de uma língua não-nativa dentro de fronteiras territoriais em
que ela tem uma função reconhecida” (p. 1). No entanto, a aprendizagem e o uso de
uma língua não-nativa em espaços sem “qualquer estatuto sociopolítico” (p. 1) é
associado ao termo LE. Esta autora aponta que a LE pode ser aprendida em espaços
distantes daqueles em que é falada.
Flores (2013) defende que existem muitos investigadores que não distinguem
estes dois conceitos, a L2 da LE, pois “o processo de aprendizagem é equivalente, isto
é, assume-se que o ser humano possui apenas uma forma de assimilar conhecimento
linguístico não nativo.” (p. 43). Também Flores (2013) defende que o contexto em que a
L2 é adquirida consiste num fator de distinciação entre estes dois conceitos, pois a LE
“aplica-se apenas aos casos dos alunos que aprendem o português em contexto de
instrução formal e não têm qualquer contacto com esta língua fora da sala de aula.”
(Flores, 2013, p. 43).
O estatuto político da língua não materna também é um fator de distinção entre
L2 e LE. Isto é, se representar “um estatudo sociopolítico no país em que vive o falante,
sendo, por exemplo, uma das suas línguas oficiais” é considerada L2, porém se um
aluno francês, aprender português na sua escola na Aústria, o português será
considerado LE.
1.7. Integração
As mudanças migratórias ocorridas em Portugal até aos dias de hoje resultaram
numa diversidade de línguas e culturas enorme. Podemos afirmar que vivemos num
14
contexto plurilinguístico, e, assim sendo, são precisos mecanismos integradores para
que sejam respeitadas todas estas diferenças linguístico-culturais. Como defende
Machado “Para haver integração não tem de haver homogeneidade cultural” (2002,
p.68). Este autor defende que a diversidade existente é, por si só, uma das condições de
integração nas sociedades, marcada pelo seu sistema de valores e pelos estilos de vida.
A integração social passa ainda por “diversidade cultural e igualdade de oportunidades;
eliminar hierarquias étnicas” (Machado, 2002, p. 67), mas ainda assim, mantendo e
reforçando as diferenças de cada grupo étnico.
A escola tem um papel fundamental na integração destes alunos ao “apoiar e
desenvolver as línguas e as culturas dos grupos minoritários” (Matos, 2004, p. 27). É
neste aspeto que a escola pode integrar melhor os alunos que se encontram numa
situação de marginalização por parte de outros alunos ou de professores, pois muitos
destes alunos mantêm a língua materna no seio familiar, o que resulta muitas vezes em
conflitos entre a língua materna e a língua segunda, que se traduz no preconceito dos
colegas e na falta de apoio especializado dos professores. A introdução de línguas
eslavas no ensino, importante para este estudo de caso, poderia contribuir para uma
melhor integração do aluno e impedir-se-ia que estas línguas passassem a ser encaradas
como “ línguas de imigração” (Matos, 2004). Segundo este autor, a estratégia de
integração destes alunos passa por vários aspetos: (i) diversificar a oferta de línguas
estrangeiras no ensino básico e secundário, permitindo aos alunos contactar com a sua
língua materna; (ii) reforçar a formação de professores, nomeadamente, no ensino e
aprendizagem da Língua Portuguesa como Língua Segunda; (iii) divulgar e integrar
programas de língua e cultura de origem das populações imigradas, promovendo o
ensino bilingue. É assim evidente que estas estratégias passam pela inclusão das línguas
maternas dos alunos estrangeiros no ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa,
provendo o ensino bilingue.
O português é sem dúvida uma ponte importante para os processos de
integração social e escolar, não apenas porque a Língua Portuguesa é uma das
disciplinas do currículo, mas também é a língua de ensino através da qual os
conhecimentos são transmitidos e a língua que a maioria dos colegas fala na escola. É,
por isso, fundamental que o português seja um fator de integração, não esquecendo
porém, que devemos valorizar e respeitar os valores sociolinguísticos de cada grupo
étnico.
15
1.8. Diferencianção pedagógica
De acordo com Santos (2009) a diferenciação pedagógica define-se pelo
príncipio do direito de todos à aprendizagem, ponto essencial para dar resposta à
heterogeneidade de alunos presentes nas escolas de hoje. A diferenciação pedagógica
“acentua o papel do professor como organizador de respostas para que a aprendizagem
de cada aluno possa processar-se.” (Henrique, 2011, p. 170). É assim o papel do
professor fundamental para a diferenciação pedagógica, pois cabe a este agente
educativo proporcionar as condições necessárias e as estratégias diversificadas para os
alunos chegarem ao sucesso educativo. É possível pensar que a diferenciação
pedagógica é uma metodologia recente, porém desde os anos 1960 iniciaram-se
modelos de diferenciação pedagógica onde, diferenças de desempenho dos alunos
correspondiam a diversidades de tempo para a aprendizagem. Seguiram-se programas
de recuperação de alunos baseados numa lógica de progressão linear “de acordo com as
respostas que cada aluno individualmente vai sendo capaz de dar.” (Santos, 2009, p.
52). Posteriormente a aprendizagem deixa de ser vista como um processo linear e
progressivo, para um processo complexo através de experiências pessoais do aluno,
envolvendo-o nas atividade e nos conhecimentos.
A diferenciação pedagógica passa pelo pressuposto de que os alunos são
encarados como “indivíduos com as suas características intrínsecas e extrínsecas
psicossomáticas, sociais e culturais e tem como objetivo o sucesso educativo de cada
um, na sua diferença.” (Henrique, 2011, p. 171). Esta metodologia de ensino veio
contrariar a pedagogia centrada no professor, como centro e figura do poder e do saber,
para uma pedagogia centrada no aluno, integrando-o e valorizando as suas diferenças.
Henrique (2011) defende que a escola não se pode limitar a oferecer a igualdade de
oportunidades, mas uma diversidade de respostas educativas para a diversidade de
alunos.
Segundo Santos (2009), a diferenciação pedagógica apresenta três níveis:
Diferenciação institucional – Ocorre ao nível do sistema educativo e das
instituições escolares (como acontece agora nas diferentes vias de ensino
a partir do ensino secundário, como o ensino profissional, o ensino
técnico, o CEF e a disciplina de PLNM).
Diferenciação externa – Esta diferenciação está presente nas turmas de
currículos alternativos e nos seus apoios pedagógicos.
16
Deferenciação interna – Está presente no quotidiano da sala de aula, isto
é, no processo de ensino-aprendizagem que ocorre entre cada aluno, o
professor e o saber. Este nível é o representado neste trabalho.
Santos (2009) defende que a diferenciação pedagógica não deve ser imposta de
forma obrigatória nas salas de aulas portuguesas, mas deve ser algo que está presente
nas mais simples ações desencadeadas, devendo ser a escola atual orientada por
princípios de igualdade na educação. Henrique (2011) também defende que os
professores devem aceitar a diversidade existente na sala de aula e encontrar estratégias
adequadas para promover essa diversidade, maximizando as competências dos alunos
partindo das características individuais de cada aluno nomeadamente as competências
noutras línguas, maternas ou de herança.
1.9. Documentos orientadores
O ensino, neste caso específico, do Português Língua Não Materna, é feito com
muitas crianças imigrantes que têm Portugal como o seu país de acolhimento. Crianças
que em casa comunicam na sua língua materna ou de herança.
Tendo em conta que os fluxos migratórios tendem a aumentar, é compreensível
que o número de crianças e jovens estrangeiros nas escolas portuguesas aumente. Dado
este fator, é cada vez mais importante que os professores e as escolas estejam
conscientes e preparados para receber estes alunos. Como defende Grosso (2007) “O
papel e a importância do ensino-aprendizagem das línguas têm mudado ao longo da
história, mudando-se também os objectivos de aprendizagem, conteúdos e formas de
ensinar (dificilmente síncronos com o momento exigido).” (p. 5). É importante definir
objetivos e conteúdos adequados a estas crianças. Grosso (2007) defende que através de
tarefas significativas em situações ricas e complexas as competências poderão ser
desenvolvidas.
O Quadro Europeu Comum de Referência (CE, 2001), que foi bastante
importante devido à descrição e organização das competências por níveis e capacidades,
“concretizando-as através de exemplos e fazendo sobressair o papel das tarefas.”
(Grosso, 2007, p. 5). O QECR tem como objetivo “promover métodos de ensino das
línguas vivas que reforcem a independência de pensamento, de juízos críticos e de
17
acção, associada a capacidades sociais e a responsabilidade.” (CE, 2001, p. 22). Para
além dos objetivos definidos no documento, o QECR também é necessário para:
Promover e facilitar a cooperação entre instituições de ensino de
diferentes países; Fornecer uma base sólida para o reconhecimento mútuo
das qualificações em línguas; Ajudar aprendentes, professores,
organizadores de cusos, júris de exame e responsáveis pelo ensino a
enquadrar e coordenar os seus esforços. (CE, 2001, p. 25).
No QECR defende-se uma abordagem orientada para a ação “na medida em
que considera antes de tudo o utilizador e o aprendente de uma língua como actores
sociais” (p.29). Desta forma, o documento defende que o aprendente de uma língua
deve ser visto como um ator ativo na sociedade que o acolhe. Porém, Grosso (2007)
defende que o Quadro Europeu Comum de Referência é principalmente um
“documento reflexivo” que permite mostrar os saberes e construir novas práticas, e que,
por isso, apresenta poucas respostas.
O ensino-aprendizagem das línguas foi, ao longo dos tempos, alterado e
renovado tendo em conta as novas realidades escolares. Como afirma Grosso (2010), a
diversidade linguística e cultural no espaço escolar promoveu o ensino como um
processo reflexivo e interacional, envolvendo todos os intervenientes educativos.
Porém, o multilinguismo foi durante muito tempo esquecido, ou posto em segundo
plano. Pereira (2008) afirma que o projeto do Ministério da Educação O ensino da
língua portuguesa como segunda língua, coordenado por Glória Fisher, em 1995, foi
uma exemplo assente nos efeitos do multilinguismo na língua portuguesa, dando
especial atenção a novas metodologias e novos materiais. O reconhecimento da
diversidade linguística nem sempre esteve presente, existindo inicialmente uma “visão
meramente assimilacionista, passando pela assunção mais ou menos folclórica da
multiculturalidade e pela procura da interculturalidade como filosofia educativa.”
(Pereira, 2008, p. 4).
O Documento Orientador das Políticas para o Ensino Básico (1998),
publicado pelo Ministério da Educação, promovia a reorganização curricular no ensino
básico, assumindo a escola como um espaço de educação para a cidadania, de
integração e articulação e experimentação de aprendizagens diversificadas. No
Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro, é possível ler-se “o reforço do núcleo central
do currículo nos domínios da língua materna” (p. 258). Este reforço tinha como
preparação “medidas de combate à exclusão.”(p. 258). No Artigo 3.º, Princípios
18
Orientadores, a alínea i) “Diversidade de ofertas educativas, tomando em consideração
as necessidades dos alunos, por forma a assegurar que todos possam desenvolver as
competências essenciais e estruturantes definidas para cada um dos ciclos e concluir a
escolaridade obrigatória.” (p. 260). A língua portuguesa como segunda língua Artigo 8.º
dita que “As escolas devem proporcionar actividades curriculares específicas para a
aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua aos alunos cuja língua
materna não seja o português.” (p. 260).
De acordo com o Despacho Normativo n.º 7/2006 cabe às escolas “encontrar
respostas adequadas para que estes alunos usufruam de actividades que lhes garantam
um domínio suficiente da língua portuguesa” (p. 903) promovendo a integração no
sistema educativo. Este despacho estabelece três níveis de proficiência linguística com
base no QECR:
a) Iniciação (A1, A2);
b) Intermédio (B1);
c) Avançado (B2, C1).
Os alunos são dispostos nos níveis de proficiência linguística tendo em conta
os resultados obtidos na avaliação diagnóstica em língua portuguesa. A planificação do
trabalho em PLNM “é efectuada tendo em conta as características individuais dos
alunos e do grupo que integram.” (p. 904).
. Em julho de 2005 surge o Documento Orientador – Português Língua Não
Materna no Currículo Nacional “no qual se estabelecem princípios e linhas orientadoras
para a integração dos alunos dos ensinos básico, secundário e recorrente que têm o
Português como língua não materna.” (Leiria (Coord.), et al., 2008, p. 3). De acordo
com este documento orientador, os alunos apresentam necessidades a nível linguístico,
curricular e de integração, e pretende-se colmatar estas necessidades, tendo em conta o
desenvolvimento de diversas estratégias. Surge assim, em 2006, a disciplina de
Português Língua Não Materna (PLNM) no currículo dos ensino básico e secundário
Em 2007, o documento orientador “define normas e princípios de orientação e
cria o Português Língua Não Materna (PLNM) como equivalente à disciplina de
Português no currículo do Ensino Secundário, a partir do ano lectivo de 2007-2008.”
(Leiria et al., 2008, p. 4). Com estas alterações são estabelecidos níveis de proficiência
linguística, os alunos devem ser enquadrados a partir de resultados obtidos no teste de
diagnóstico. Tendo em conta os níveis de proficiência linguística, os alunos devem ser
colocados em aulas de PLNM com cargas horárias específicas para determinado nível.
19
“Os alunos posicionados nos nívels de iniciação e intermédio têm PLNM com uma
carga horária semanal de três unidades lectivas de 90 minutos” (Leiria et al., 2008, p. 4).
Estas aulas de PLNM para os alunos destes níveis devem destinar um período de tempo
ao trabalho da língua portuguesa enquanto língua veicular das outras disciplinas do
currículo. Quanto aos alunos num nível avançado, estes consideram-se aptos no
domínio da língua portuguesa, permitindo-lhe acompanhar o currículo nacional.
Desta forma, o ensino de PLNM subentende uma abordagem de ensino
diferenciada dos alunos que têm o português como língua materna, tendo os seus
objetivos centrados na “compreensão e produção de unidades comunicativas.” (Leiria et
al., 2008, p. 4). Assim sendo, o documento das orientações programáticas do PLNM
(2008) defende que antes de se delinear o trabalho dos alunos, deve ter-se em conta,
para além do nível linguístico, o nível etário e o cultural, pois “a combinação de todos
estes factores conduz a ritmos de progressão distintos.” (p. 5). O ensino do PLNM deve
considerar o português como a língua de construção de conhecimento e veículo de
saber, por isso o seu ensino deve ter em conta que o português é:
língua de comunicação, para a recepção e produção de mensagens
orais e escritas de âmbito pessoal, escolar e social;
língua de escolarização, veículo do conhecimento disponibilizado pela
escola;
instrumento de integração no seio de uma sociedade plurilingue e
pluricultural. (Leiria et al., 2008, p. 6).
As orientação programáticas de PLNM definem que os professores devem ter
em conta os estádios de aquisição dos alunos e o erro não pode ser tomado como um
erro exclusivamente, mas também como indicador de conflitos de linguagem, e é
fundamental para os professores adequarem as suas estratégias. É por isso importante e
de realçar o papel do professor na dinâmica com os seus alunos. Os fatores importantes
a ter em conta nas salas de aula de PLNM são as características individuais de cada
aluno, isto é, a sua língua materna, a sua cultura, a importância social que o português
como L2 tem para o aluno.
Apresentada a reflexão conceptual sobre os conceitos fundamentais ao tema do
trabalho passo à explicitação e fundamentação das opções metodológicas levadas a cabo
nesta investigação.
20
Capítulo 2 – Metodologia
2.1. Abordagem qualitativa
Neste capítulo apresentarei a metodologia usada, justificando
fundamentadamente todas as opções metodológicas assumidas durante este estudo. Este
trabalho de investigação centra-se numa abordagem qualitativa que se insere no
paradigma interpretativo.
Ao estudar o problema em causa posiciono-me no lugar de professor(a)-
investigador, “o professor seja não um mero executor de currículos previamente
definidos ao milímetro, mas um decisor, um gestor em situação real e um intérprete
crítico de orientações globais.” (Alarcão, 2001). Os professores têm de desenvolver um
espírito de pesquisa para investigar e promover o conhecimento sobre os aspetos da
educação (Alarcão, 2001).
É importante começar por definir o conceito de paradigma. Descreve-se um
paradigma como um “conjunto de crenças que orientam a acção” (Guba, 1990, p. 17),
em que cada um tem características próprias e faz exigências específicas ao investigador
“ incluindo as questões que formula e as interpretações que faz dos problemas.” (Aires,
2011, p. 18).
Segundo Coutinho (2014), o paradigma adotado por mim pode designar-se
como paradigma qualitativo ou interpretativo pois procura entrar no mundo pessoal dos
sujeitos do estudo, interpretando as diversas situações e compreendendo o mundo do
ponto de vista do sujeito. Ao utilizar este paradigma na minha investigação vou ao
encontro do que Coutinho (2014) aponta como uma característica do paradigma
interpretativo, em que “investigador e investigado interagem e cada um por si molda e
interpreta os comportamentos de acordo com os seus esquemas socioculturais, num
processo de dupla busca de sentido” (p. 17).
Seguindo o paradigma interpretativo, e tendo em conta as suas características, a
abordagem escolhida para este estudo foi a abordagem qualitativa.
“Quando os praticantes recorrem à abordagem qualitativa, tentam
sistematicamente compreender as diferentes pessoas integrantes das
suas escolas, em função da maneira como estas se vêem a si próprias.
Tal abordagem requer que os educadores sejam mais rigorosos e
observadores na recolha da informação, no sentido de reconhecerem
os seus próprios pontos de vista e de neutralizarem as imagens
21
estereotipadas que podem estar a determinar o seu comportamento
face aos outros. “ (Bogdan & Biklen, 1994, p. 284).
Segundo Bogdan & Biklen (1994), a investigação qualitativa apresenta cinco
características, nomeadamente:
1. O ambiente natural é a fonte direta de dados e os investigadores
constituem o instrumento principal do estudo.
2. Através das características dos dados recolhidos, ao serem
maioritariamente através de palavras e imagens, assume-se que a investigação
qualitativa é descritiva.
3. Este tipo de investigação foca-se na formação das definições, levando os
investigadores a debruçarem a sua atenção fundamentalmente para o processo e
não para os resultados ou produtos.
4. Os investigadores nas investigações qualitativas analisam os dados de
forma indutiva, não recolhendo dados com a finalidade de confirmar ou refutar
hipóteses previamente construídas.
5. O principal na investigação qualitativa é o significado.
A abordagem assumida durante a minha investigação enquadra-se nas cinco
características acima descritas, indo ao encontro dos objetivos de um investigador
qualitativo “de melhor compreender o comportamento e experiência humanos. Tentam
compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem significados e descrever
em que consistem estes mesmos significados” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 70). Os
investigadores qualitativos têm como objetivo o estudo sobre o sujeito. Como afirmam
Bogdan & Biklen (1994), este tipo de investigação centra-se num diálogo entre o
investigador e o respetivo sujeito do estudo, estabelecendo estratégias e procedimentos
para levar a cabo este diálogo. Esta abordagem é muitas vezes comparada com a
abordagem quantitativa, contudo Stake (1999) aponta para três aspetos que diferem a
abordagem qualitativa da abordagem quantitativa. O primeiro aspeto refere-se aos
métodos de investigação quantitativa usarem uma relação causa-efeito, enquanto na
abordagem qualitativa, o objetivo está na compreensão das inter-relações que
acontecem. Os juízos de valor estão relacionados com o segundo aspeto distintivo, pois
na investigação quantitativa a interpretação do investigador não deve influenciar o rumo
da investigação, enquanto “na investigação qualitativa, é essencial que a capacidade
22
interpretativa do investigador nunca perca o contacto com o desenvolvimento do
acontecimento.” (Meirinhos & Osório, 2010, p. 51). O terceiro aspeto refere-se às
diferenças entre o papel da descoberta e da interpretação da realidade nestas duas
abordagens, pois “a investigação quantitativa procura a lógica da descoberta e a
investigação qualitativa a lógica da construção do conhecimento.” (Meirinhos & Osório,
2010, p. 51).
2.2. Estudo de caso
A investigação qualitativa está associada à utilização de dados qualitativos
“incluindo a etnografia, a investigação naturalista, os estudos de caso, a
etnometodologia, a metodologia de histórias de vida, as aproximações biográficas e a
investigação narrativa.” (Rodríguez et al., 1999, in Meirinhos & Osório, 2010, p. 50).
Tendo em conta estes aspetos referentes às modalidades da investigação qualitativa, a
presente investigação assume a modalidade de estudo de caso, sabendo que “consiste na
observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos
ou de um acontecimento específico” (Merriam, 1988, in Bogdan & Biklen, 1994, p. 89).
Segundo Meirinhos & Osório (2010), as caracterísiticas do estudo de caso estão
intimamente ligadas e relacionadas com as características da investigação qualitativa,
“Neste sentido o estudo de caso rege-se dentro da lógica que guia as
sucessivas etapas de recolha, análise e interpretação da informação
dos métodos qualitativos, com a particularidade de que o propósito da
investigação é o estudo intensivo de um ou poucos casos.” (Latorre et
al., 2003, in Meirinhos & Osório, 2010, p. 52).
Ao centrar a minha investigação sobre o estudo do caso de um aluno e das suas
particularidades culturais e linguísticas, estou a ir ao encontro das características deste
estudo, pelo “facto de se tratar de um plano de investigação que envolve o estudo
intensivo e detalhado de uma entidade bem definida: ‘o caso’.” (Coutinho & Chaves,
2002, p. 223). Segundo os mesmos autores, a metodologia do estudo de caso assenta em
cinco características-chave:
1. O caso é um sistema limitado – tem limites de tempo ou processos que
nem sempre são precisos e claros, cabe então ao investigador definir as
fronteiras de forma clara e precisa do caso em estudo.
23
2. O caso deve ser identificado para dar foco e direção à investigação.
3. Deve preservar-se a característica holística desta metodologia, preservando
o seu carácter único, específico, diferente, complexo do caso
4. A investigação deve ocorrer em ambiente natural, não controlado.
5. O investigador recorre a fontes múltiplas de dados e a métodos de recolha
muito deversificados: observações directas e indirectas, entrevistas,
questionários narrativas, registos audio e vídeo, diários, cartas,
documentos, etc.
Segundo Ponte (2006), os estudos de caso têm como objetivo compreender o
como e os porquês do objeto de estudo, o ‘caso’, tendo em conta os aspetos que
interessam ao investigador aprofundar e estudar. Assim, este autor define o estudo de
caso desta forma:
“É uma investigação que se assume como particularística, isto é, que
se debruça deliberadamente sobre uma situação específica que se
supõe ser única ou especial, pelo menos em certos aspectos,
procurando descobrir a que há nela de mais essencial e característico
e, desse modo, contribuir para a compreensão global de um certo
fenómeno de interesse.” (p. 2).
2.3. Descrição do contexto
Este projeto, como referido anteriormente, foi desenvolvido durante o Estágio
numa turma de 6º ano do 2º ciclo do Ensino Básico da escola sede do agrupamento de
escolas do concelho de Sesimbra. A escola encontra-se fisicamente dividida em duas
partes, uma está destinada às oito turmas do 1º ciclo, enquanto a maior parte da escola
engloba as onze turmas de 2º ciclo, dezasseis do 3º ciclo e uma turma do Programa
Integrado de Educação e Formação (PIEF).
O Agrupamento foi criado em Julho de 2009 para responder às necessidades
educativas de uma população em forte expansão. Foi recentemente equipado com a
cooperação de alguns dos atuais professores que ajudaram nomeadamente na construção
das salas, com a organização das mesas e cadeiras. Muitos destes professores
mostraram-se pró ativos na dinamização da escola. A escola conta com refeitório,
biblioteca, dois espaços exteriores (um para o 1º ciclo, outro para os 2º e 3º ciclos) e um
campo de futebol. Em termos de equipamentos, esta escola também apresenta bons
24
recursos, nomeadamente os tecnológicos, existindo em todas as salas um projetor e
ligação à Internet. Existe também um gabinete de psicologia com alguns psicólogos
disponíveis assim como programa e professores de Português Língua Não Materna.
Durante o Estágio estive integrada numa turma do 6º ano que tinha 25 alunos, 9
do sexo feminino e 16 do sexo masculino. A faixa etária dos alunos centrava-se entre os
13 e os 15 anos, sendo que dois dos alunos não tinham transitado em anos anteriores.
No geral, a turma apresentava um bom comportamento, mantendo uma postura atenta e
interessada nas diferentes áreas curriculares. Esta turma era bastante heterogénea
existindo alunos muito interessados e motivados. Porém, alguns alunos, devido a
algumas dificuldades de aprendizagem, necessitaram de um maior apoio e motivação.
O aluno mais velho da turma, aluno em que este estudo de caso se centra, o
Aleksandar, nascido na Bulgária, em 2000, iniciou a sua escolaridade em Portugal. Este
aluno manifestava dificuldades de aprendizagem, tendo sido referenciado oral e
informalmente apenas entre os professores, como um aluno com necessidades
educativas especiais, tendo de realizar testes adaptados. Este aluno não era participativo
nas aulas, nem em contextos sociais, comunicando apenas com dois colegas de turma,
facto que me despertou ainda mais a atenção e será apresentado adiante na história
escolar do aluno.
2.4. Procedimentos de recolha e de análise de dados.
Atendendo à metodologia usada nesta investigação e descrita acima é
necessário referir os procedimentos e técnicas de recolha de análise de dados.
“O termo dados refere-se aos materiais em bruto que os investigadores
recolhem do mundo que se encontram a estudar; são os elementos que
formam a base da análise. Os dados incluem materiais que os
investigadores registam activamente, tais como transcrições de
entrevistas e notas de campo referentes a observações participantes.
Os dados também incluem aquilo que outros criaram e que o
investigador encontra, tal como diários, fotografias, documentos
oficiais e artigos de jornais.” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 149).
Segundo Aires (2011), “a seleção das técnicas a utilizar durante o processo de
pesquisa constitui uma etapa que o investigador não pode minimizar, pois destas
depende a concretização dos objectivos do trabalho de campo.” (p. 24). Desta forma a
25
escolha das técnicas a utilizar é bastante importante, cabe ao investigador escolher as
técnicas adequadas à sua investigação e à metodologia usada. De acordo com Silva e
Pinto (1986), o estudo de caso “não se pode socorrer duma única técnica, mas duma
pluralidade delas, accionadas alternada ou simultaneamente pelo investigador.” (p. 140).
Seguindo esta ideia, Aires (2011) afirma que as técnicas de recolha de dados na
abordagem qualitativa se dividem em dois grupos: as técnicas diretas ou interativas e as
técnicas indiretas ou não interativas. As técnicas diretas assentam na observação
participante, entrevistas e histórias de vida, enquanto as técnicas indiretas contemplam
os documentos oficiais, como registos, documentos internos, etc., e documentos
informais, como cartas, diários, autobiografias, etc.
Tendo em conta a abordagem e metodologia escolhida para este estudo irei
apresentar os procedimentos de recolha e de análise dos dados utilizados, justificando a
sua adequação à natureza do estudo.
Relativamente às técnicas diretas, as técnicas escolhidas para o meu estudo
foram a observação e a entrevista. A observação, segundo Aires (2011), baseia-se na
recolha de informação através do contexto direto com a situação em causa. Outra
característica desta técnica é o seu papel naturalista, pois “pratica-se no contexto da
ocorrência, entre os actores que participam naturalmente na interacção e segue o
processo normal da vida quotidiana.” (Adler & Adler, 1994, in Aires, 2011, p. 25).
Esta observação “oferece uma maior capacidade de identificar comportamentos
e razões pessoais, justamente porque o pesquisador está inserido no contexto.”
(Maffezzolli & Boehs, 2008, p. 103). Como este estudo foi realizado durante o contexto
de estágio, entre fevereiro de 2015 a março de 2015, a minha presença era evidente,
logo a minha observação não se baseava apenas numa observação passiva e não
participante. Segundo Maffezzolli & Boehs (2008), a vantagem desta técnica centra-se
na posição do investigador ao estar inserido no contexto e não fora dele.
Todos os momentos foram objeto de análise, logo a minha observação do aluno
e das situações que o envolveram eram dados a recolher. Esta observação foi
acompanhada de notas de campo que retirava para registar as observações feitas.
Em adição e como parte dessas notas, o investigador registará ideias,
estratégias, reflexões e palpites, bem como os padrões que emergem.
Isto são as notas de campo: o relato escrito daquilo que o investigador
ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo
26
sobre os dados de um estudo qualitativo.” (Bogdan & Biklen, 1994, p.
150).
As notas de campo que fazia não foram sempre realizadas durante a ação, até
porque teria de interromper a minha prática e poderia influenciar o estudo e a postura do
aluno. Estas notas foram realizadas muitas vezes ao fim do dia, descrevendo atitudes e
situações em que o aluno estava envolvido, tanto na interação comigo enquanto
professora como com os colegas. Todos os comentários e apreciações que os outros
professores faziam do aluno em estudo eram também alvo de anotação nas notas de
campo.
Todas as intervenções que realizei com o aluno foram, posteriormente,
registadas em notas de campo, e refletia sobre elas. A primeira intervenção que delineei
baseou-se no conhecimento do perfil do aluno na sala de aula. Durante a observação que
realizei do aluno, apercebi-me que este tinha uma postura muito calada e pouco
interventiva durante as aulas. Desta forma, ao realizar nas diferentes disciplinas,
discussões coletivas sobre os temas em causa, o aluno era incentivado, por mim, a
intervir nestes momentos. Este incentivo tinha como objetivo a inclusão do aluno nos
momentos de sala de aula, situação que raramente acontecia.
Outra estratégia que usei foi a promoção da autoestima do aluno e do seu
trabalho em sala de aula. Durante as fases iniciais do trabalho, os alunos tinham algum
tempo de trabalho autónomo, eu centrava alguma da minha atenção no apoio ao aluno e
no seu trabalho, ajudando-o muitas vezes na resolução das tarefas propostas. Na fase
seguinte, de apresentação das resoluções, o aluno foi algumas vezes chamado ao quadro
para apresentar, por escrito, a sua resolução. A certeza de que o seu trabalho estava
correto, permitia ao aluno ir ao quadro sem medo de errar. Contudo, esta ida ao quadro
era sempre feita como um momento “normal” de sala de aula, chamando outros alunos,
isto é, não pondo o foco apenas no aluno em estudo, pois isso iria aumentar a sua
fragilidade.
O trabalho a pares e em grupo foi bastante utilizado em todas as tarefas das
diferentes disciplinas que lecionei. Esta metodologia tinha como objetivo que todos os
alunos partilhassem e confrontassem estratégias para concluírem determinada tarefa.
Naturalmente que o trabalho a pares tinha também como finalidade a interação do aluno
com os colegas de turma, de forma a promover a comunicação entre eles.
Estas estratégias tiveram sempre em conta a integração do aluno em sala de
aula, através de momentos específicos da aula, definidos e delineados previamente,
27
tendo sempre em conta as suas características linguísticas e culturais, e com isso, o seu
perfil pessoal. Todas estas intervenções foram analisadas posteriormente através das
notas de campo retiradas da observação que fazia do aluno durante esses momentos
específicos.
A entrevista foi uma técnica direta de recolha de dados também utilizada
durante esta investigação. “A entrevista é um óptimo instrumento para captar a
diversidade de descrições e interpretações que as pessoas têm sobre a realidade.”
(Meirinhos & Osório, 2010, p. 62). Esta técnica baseia-se numa interação verbal entre o
entrevistador, que é o investigador, e o entrevistado. Como Aires (2011) afirma “A
entrevista implica sempre um processo de comunicação em que ambos actores
(entrevistador e entrevistado) podem influenciar-se mutuamente, seja consciente ou
inconscientemente.” (p. 29). Desta forma, Silva & Pinto (1986) afirmam que “a
conversação informal e a entrevista, em particular, são situações sociais em que a
presença do investigador se impõe de maneira muito forte, em que o peso relativo do
impacto do processo social de pesquisa é muito elevado.” (p. 137).
Existem dois tipos de entrevistas: as entrevistas estruturadas e as entrevistas
não-estruturadas (Aires, 2011). As primeiras “consistem na interação entre entrevistador
e entrevistado com base num conjunto de perguntas pré-estabelecidas (…)” (p. 28),
enquanto que nas entrevistas não-estruturadas “as perguntas não são definidas a priori e,
por isso, surgem com o decorrer da interação entre os dois agentes (entrevistador e
entrevistado).” (p. 28). No decorrer desta comparação, Meirinhos & Osório (2010)
afirmam que “ a entrevista semi-estruturada não segue uma ordem pré-estabelecida na
formulação das perguntas, deixando maior flexibilidade para colocar essas perguntas no
momento mais apropriado, conforme as respostas do entrevistado.” (p. 63). Foi este o
tipo de entrevista escolhido para realizar aos colegas de turma do aluno, visto este não
estar em Portugal. Escolhi três alunos, (i) o companheiro de carteira desde o início do
ano letivo, (ii) um aluno do sexo masculino que mantinha uma boa relação com o aluno
em estudo, mas com um perfil social completamente diferente, e, por fim, (iii) uma
aluna do sexo feminino.
O objetivo das entrevistas “consiste na recolha e aprofundamento de
informação sobre acontecimentos, dinâmicas, concepções detectadas, ou não, durante a
observação.” (Aires, 2011, p. 29). “A entrevista pode captar ainda histórias e
experiências únicas dos indivíduos, que podem facilitar ou propiciar o conhecimento da
realidade pesquisada pelo investigador.” (Maffezzolli & Boehs, 2008, p. 102). Foi neste
28
sentido que a entrevista foi uma técnica escolhida para a recolha de dados, pois neste
momento de interação, o investigador tem a oportunidade de aprofundar informações e
conhecer experiências pessoais do entrevistado. Isto porque, “A entrevista nasce da
necessidade que o investigador tem de conhecer o sentido que os sujeitos dão aos seus
actos e o acesso a esse conhecimento profundo e complexo é proporcionado pelos
discursos enunciados pelos sujeitos ao longo da mesma.” (Aires, 2011, p. 29).
O diálogo que se estabelece numa entrevista não deve ser apenas numa única
direção, sendo por isso importante criar uma relação dinâmica (Aires, 2011). Esta
técnica foi escolhida tendo por base estes princípios, que, como defende Aires (2011)
não é apenas uma situação de interrogatório, mas uma situação de “confissão” em que
ao entrevistado é pedida a “confidência”.
“Podem constituir a estratégia dominante para a recolha de dados ou
podem ser utilizadas em conjunto com a observação participante,
análise de documentos e outras técnicas. Em todas estas situações, a
entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do
próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente
uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do
mundo.” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 134).
Visto o aluno em estudo já não estar no nosso país e os professores estarem no
fim do ano letivo, estando por isso com muito trabalho, a técnica de recolha de dados
destes agentes educativos foi diferente da usada com os colegas de turma do
Aleksandar. A técnica usada foi o inquérito por questionário e recaiu em professores de
diferentes áreas, “Enquanto as entrevistas se baseiam na interacção verbal, os
questionários consistem em conjuntos de questões escritas a que se responde também
por escrito.” (Afonso, 2005, p. 101). Posto isto, escolhi a professora de Português, a
professora de Matemática, o professor de Educação Física, por ser a disciplina em que o
aluno tem melhores notas. Para além destes, o Diretor de Turma e a Psicóloga da escola
foram também escolhidos por terem acesso à história familiar do aluno e o
acompanhamento deste ter sido feito de uma forma mais próxima.
O objetivo primordial desta técnica de recolha de dados consiste em, segundo
Afonso (2005), converter a informação obtida através dos inquéritos por questionários,
“facilitando o acesso a um número elevado de sujeitos e a contextos diferenciados.” (p.
101). Neste estudo, o inquérito por questionário permitiu-me perceber as ideias e as
conceções que os diferentes agentes educativos manifestavam sobre a inclusão de um
29
aluno PLNM. Esta técnica foi também bastante útil, visto os professores estarem com
imenso trabalho no fim do ano letivo, o que impossibilitava as entrevistas presenciais,
“quando o investigador não tem acesso direto aos seus respondentes, terá de optar pela
aplicação por via postal ou por correio electrónico.” (Afonso, 2005, p. 106). Neste caso
o correio eletrónico. Posto isto, nesta técnica é importante que “assumam uma atitude
cooperativa, isto é, que aceitem responder voluntariamente.” (Afonso, 2005, p. 103).
Como este autor afirma, as respostas dadas representam o que as pessoas dizem que
pensam e no que dizem que preferem, “a configuração do questionário constrói-se em
função de escolhas para o formato das perguntas e para o tipo de respostas que se
pretende.” (p.103). As perguntas usadas podem ser diretas e indiretas, tendo em conta o
objetivo.
Tuckman (1978) in Afonso (2005) apresenta sete modos para identificar o
formato das respostas, (i) resposta não estruturada ou aberta define as respostas em frase
ou em pequeno texto que depois serão objeto de análise de conteúdo; (ii) resposta curta
(fill-in) requere uma palavra ou algo muito sintético; (iii) resposta categórica implica
duas alternativas (Ex: Já alguma vez foste expulso da aula por mau comportamento?);
(iv) em quadro ou tabela é usado para recolher informação idêntica à do modelo de
resposta curta, mas mais estruturado; (v) em escala pretende que o respondente situe a
sua resposta em níveis de uma escala proposta (Ex: suficiente, insuficiente); (vi) por
ordenação existe um confronto entre o respondente e uma lista de proposições, para que
este as ordene sob um critério específico (Ex: funções de uma presidente, por ordem de
importância); e (vii) por listagem apresenta uma lista de afirmação para que o
respondente faça uma escolha (p.104). Posto isto, as respostas esperadas neste estudo de
caso encontram-se no tipo de respostas não estruturadas ou abertas.
Referindo agora as técnicas indiretas usadas, estas subentendem-se
principalmente na análise documental de documentos oficiais, como o Plano Curricular
de Turma, o relatório de psicologia do aluno, o processo de aluno desde o início da sua
escolaridade, que ocorreu em Portugal, e as atas dos conselhos de turma. Estes
documentos servem essencialmente para fornecer “informação sobre as organizações, a
aplicação da autoridade, o poder das instituições educativas, estilos de liderança, formas
de comunicação com os diferentes actores da comunidade educativa, etc.” (Aires, 2011,
p. 42).
Estas fontes de informação são muito úteis para o investigador, como afirmam
Meirinhos & Osório (2010), “a informação recolhida pode servir para contextualizar o
30
caso, acrescentar informação ou para validar evidências de outras fontes.” (p. 62). Desta
forma, esta recolha e análise documental foi extremamente importante para
contextualizar determinados aspetos do caso em estudo e para obter informações
importantes para a preparação das entrevistas.
31
Capítulo 3 –Apresentação, análise e interpretação de dados
Neste capítulo irei expor a análise dos dados recolhidos durante a intervenção
pedagógica, com o objetivo de dar resposta aos objetivos definidos no início do estudo.
Ao longo deste capítulo irei fazer uma breve apresentação de cada etapa mais
significativa de recolha de dados em conjunto com a sua análise.
Cada vez existem mais alunos estrangeiros nas escolas portuguesas e a sua
inclusão deve ser promovida. A escola deve ser o motor deste processo, promovendo as
respostas necessárias às dificuldades que possivelmente podem surgir. O cuidado com a
história cultural e linguística dos alunos deve estar presente nos processos de inclusão
dos diferentes alunos, ou seja, os dados recolhidos e apresentados a seguir, mostram
como a inclusão de um aluno estrangeiro é desenvolvida, tendo em conta os seus
aspetos linguístico-culturais.
3.1. A história escolar
Uma das técnicas indiretas que usei para a recolha de dados foi a análise de
documentos escolares do aluno, que me permitiu avaliar o seu desenvolvimento desde o
1º ano de escolaridade visto que o aluno sempre frequentou aquele agrupamento. O
percurso escolar do aluno em estudo pode ser retrato através desta tabela:
Tabela 3 - Percurso escolar do aluno. Processo do aluno, 2015
Ano letivo Aluno
Ano curricular
2008/2009 1º
2009/2010 2º
2010/2011 2º
2011/2012 3º
2012/2013 4º
2013/2014 5º
2014/2015 6º
32
Segundo o Relatório Sócio Pedagógico de 2010, o aluno natural da Bulgária,
foi referenciado pela primeira vez para intervenção em serviço social em 2008. Nesta
altura a família encontrava-se em Portugal há pouco tempo, notavam-se dificuldades na
língua, constrangimentos económicos, problemas de saúde e um elevado absentismo
escolar por parte do aluno.
É de destacar que este aluno apresenta 3 anos escolares de atraso, o início no 1º
ano de escolaridade deu-se tardiamente, apenas aos 8 anos, levando assim 2 anos de
atraso relativamente ao início da escolaridade. Outro momento acontece no ano
seguinte, no 2º ano de escolaridade em que o aluno reprova.
No início do 1º ano, o Aleksandar mostrou algumas dificuldades em se adaptar
à escola, aos horários e a toda a dinâmica, acusando falta de frequência do pré-escolar.
No início, revelou um elevado absentismo escolar que o prejudicou ao nível das
aprendizagens escolares. No entanto, revelou-se um aluno muito motivado pelas
aprendizagens escolares. Ao longo do período, acusou algumas dificuldades ao nível da
Língua Portuguesa, nomeadamente na troca e pouca memorização das vogais/ditongos e
das consoantes e suas famílias silábicas. Nas restantes áreas, revelou um aproveitamento
satisfatório. Era notório que o Aleksandar devia acreditar mais em si próprio e nas suas
reais capacidades, pois a sua baixa autoestima e o medo de errar funcionam como um
“travão” que compromete a sua aprendizagem. No fim do 1º ano já existia uma
evidência de interesse e motivação pelas aprendizagens, estando mais confiante e
autónomo. Porém, a Língua Portuguesa era o domínio com mais dificuldades sentidas,
existindo ainda a necessidade de consolidar as consoantes.
Durante o 1º ano conseguiu-se o apoio da Câmara Municipal de Sesimbra para as
refeições, consultas no Centro de Saúde e alguma melhoria, muito relativa, na
assiduidade. Nos seguintes anos letivos, matriculado nesta escola, voltaram a surgir
problemas de elevada falta de assiduidade. Por diversas vezes, foram mantidos
contactos formais e informais com o Encarregado de Educação quer por parte da
professora titular de turma quer pela Técnica de Investigação Social, ou mesmo
atendimentos conjuntos. Apesar de todos estes contactos a assiduidade não melhorou
pelo que se solicitou a ajuda dos elementos da Escola Segura.
No entanto, no 2º ano existiu um retrocesso na autoestima do aluno,
demonstrando a falta de relações pessoais com os colegas, não participando nas suas
brincadeiras, dificuldades de atenção e concentração durante o período de sala de aula e
um enorme absentismo escolar. Em consequência do elevado número de faltas no 2º ano
33
foi enviada uma carta para a Encarregada de Educação (mãe) a anunciar que o excesso
de faltas culmina na realização de uma Prova de Recuperação.
Segundo a Avaliação do Plano de Recuperação do 2º ano, o Aleksandar
mantinha a mesma atitude de indolência e alguma apatia face à escola e às atividades. O
nível de atenção e concentração era reduzido, demonstrando cansaço com regularidade e
um ritmo de trabalho lento.
Lia de forma pouco expressiva e sem entoação, a interpretação oral e escrita de
textos estava ao nível do 1º ano, não dando respostas completas. O aluno escrevia com
incorreção ortográfica, tinha dificuldades em produzir frases e ordenar palavras. Não
dominava noções gramaticais, como aplicar e identificar o género e o número de nomes,
distinguir e identificar sinónimos e antónimos, construir famílias de palavras, enquadrar
palavras em determinadas áreas vocabulares, maiúsculas/minúsculas, identificar frases e
o seu sentido, tipos e formas de frases, sinais de pontuação. O teste intermédio realizado
pelo aluno a Língua Portuguesa nesse ano teve a seguinte avaliação:
Tabela 4 - Avaliação teste intermédio de Língua Portuguesa, 2010
Domínios
Compreensão
do oral
Apreende o sentido global de textos
escutados
Não satisfaz
Reconhece padrões de entoação
adequados à situação comunicacional
Não satisfaz
Identifica variações expressivas da
língua oral
Não satisfaz
Compreende instruções a partir de
enunciados orais numa estrutura com
oração relativa.
Satisfaz bem
Compreende instruções a partir de
enunciados orais numa estrutura com
determinante
Satisfaz bem
Compreende instruções a partir de
enunciados orais numa estrutura com
adjetivo
Satisfaz bem
Planificação:
Planifica uma narrativa de acordo com
Satisfaz bem
34
Escrita
Escrita
um esquema dado
Textualização
Tipologia: Redige um texto com
elementos narrativos
Não satisfaz
Coerência: desenvolve um texto
coerente com o título dado
Não satisfaz
Estruturação: estrutura um texto
delimitando as diferentes partes
Satisfaz bem
Vocabulário: utiliza vocabulário
adequado
Satisfaz bem
Revisão:
revê o texto redigido assinalando a
correção de aspetos de conteúdo e de
forma
Não satisfaz
Ortografia:
Identifica, num texto produzido,
palavras com ortografia correta.
Não satisfaz
Leitura
Apreende o sentido global do texto lido Não satisfaz
Localiza informação explícita no texto Não satisfaz
Relaciona imagens com o texto,
produzindo frases a partir de palavras
dadas
Satisfaz
Identifica uma ideia implícita no texto Não satisfaz
Justifica uma tomada de posição a partir
do texto
Satisfaz Bem
Identifica um segmento textual com
base em critérios de coerência
Não satisfaz
CEL
Reconhece género e número Não satisfaz
Estabelece relações de sinonímia Satisfaz
Ordena palavras alfabeticamente Satisfaz Bem
Segmenta palavras Não satisfaz
35
Conseguiu depois transitar para o 3º ano com nível satisfaz em todos os
domínios. No 3º ano continuava a demonstrar dificuldades da aquisição e aplicação de
conhecimentos, mantendo o Plano de Recuperação ao longo dos diferentes anos.
No 4º ano o aluno teve o Plano de Acompanhamento Pedagógico Individual
em que revelada dificuldades de aprendizagem ao nível da compreensão oral e escrita,
assim como na expressão escrita. Neste plano foram delineadas estratégias ao nível do
desenvolvimento de métodos de estudo e trabalho, e também ao nível da participação do
aluno. No entanto, o registo final de avaliação do 4ºano continuava a indicar pouca
fluência na leitura, escrita com alguns erros e dificuldade na aplicação de
conhecimentos de gramática.
Não existia qualquer referência ao 5º ano no processo escolar, porém foi
possível apurar junto de alguns professores que o aluno transitou para o 6º ano com
negativa a Português e a História e Geografia de Portugal.
3.2. Fatores de inquietação
Considero este momento a situação crucial para a escolha deste estudo. De
acordo com as minhas notas de campo relativas à primeira semana de observação em
contexto de Estágio percebi que os “alunos eram chamados a ler em voz alta diversos
enunciados, nas diferentes disciplinas, porém ao aluno em estudo nunca tinha sido
pedido para efetuar uma leitura em voz alta” (Notas de campo, 25-2-2015). No
seguimento, “durante a elaboração de um teste de avaliação, o professor da disciplina, à
medida que faz a entrega dos testes, explica em voz alta que ao aluno em questão é
entregue um teste adaptado para alunos com necessidades educativas especiais” (Notas
de campo, 4-3-2015). No entanto, e confrontado com a minha dúvida sobre qual seria a
Necessidade Educativa Especial (NEE) do aluno, “o professor explica que não existe
uma referência do apoio especial, porém como o aluno manifesta muitas dificuldades
Domínios de competências Notação
Compreensão do oral Não satisfaz
Escrita Não satisfaz
Leitura Não satisfaz
CEL Não satisfaz
36
foi atribuída essa referência de NEE em conselho de turma, tornando os elementos de
avaliação adaptados” (Notas de campo,4-3-2015). De acordo com estas primeiras notas
de campo, percebi que existia um problema com o diagnóstico do aluno - será que tem
NEE? Se existe, por que razão não está o aluno referenciado pelo departamento de
educação especial? Tendo em conta que todos os professores tinham o conhecimento do
facto do aluno ter nascido na Bulgária e usar a língua búlgara para comunicar com a
família, porque não existe um diagnóstico das dificuldades do aluno que vá ao encontro
destas características linguístico-culturais?
Os intervalos do aluno eram também uma fonte de observação, até porque
permitiam analisar as relações sociais que o aluno desenvolvia. No entanto, e após três
intervalos observados em dias diferentes, foi notória a falta de relações de amizade que
o Aleksandar demonstrava. O aluno circulava pela escola poucas vezes, porém quando o
fazia era sempre com o mesmo colega de turma, aluno também referenciado com
dificuldades de aprendizagem e com pouca capacidade de se relacionar com os outros.
Foi também possível observar o Aleksandar junto do portão da escola, durante o
intervalo inteiro, com a sua mãe, estando o aluno no recinto escolar e a mãe no espaço
exterior falando através das grades. Nesse momento, o aluno não estava acompanhado
por mais nenhum colega de turma, dirigindo-se para a sala de aula apenas quando ouviu
o toque de entrada.
O único momento em que foi possível observar o Aleksandar numa interação
social com outros jovens ocorreu no final do período escolar quando estavam muitos
alunos a jogar futebol no campo da escola, maioritariamente ocupado pelos seus colegas
de turma. Neste momento, o Aleksandar aproximou-se de um deles pedindo-lhe para
jogar, o qual respondeu afirmativamente. Porém, durante todo o jogo, o Aleksandar
limitava-se a jogar, não falando com os restantes, apenas esboçando alguns sorrisos
quando uma jogada lhe corria de feição.
3.3. A leitura em voz alta
Os lugares dos alunos para todas as disciplinas, sendo definidos pelo diretor de
turma no início do ano letivo e, se possível, alterado entre períodos consoante as
necessidades acordadas em conselho de turma. O Aleksandar tem um lugar fixo na
planta de sala de aula, estando na primeira fila, ao lado de um aluno referenciado com
37
dificuldades de aprendizagem. Este companheiro de carteira apenas mudava nas aulas
de Ciências Naturais, sendo que o Aleksandar era acompanhado por outro aluno com
NEE. É certo que o Aleksandar estava sempre colocado na primeira carteira,
permitindo-lhe estar junto do/a professor/a, ouvir melhor o que este/a diz e ler melhor o
que se escreve no quadro. Porém o aluno tem sempre ao lado colegas com algumas
dificuldades de aprendizagem, sendo referenciados com NEE. Estará assim desta forma
o aluno a ser motivado? Independentemente da fraca competência social, não será que
um aluno com um nível escolar médio/alto poderia ajudar o Aleksandar? Resposta que
não pode ser dada pois não foi possível observar o Aleksandar com outro colega de
outro nível cognitivo.
À medida que o tempo ia passando, e ainda durante a observação, as minhas
notas de campo indicavam sempre o mesmo, “o Aleksandar é um aluno pontual, entra
na sala de aula senta-se no seu lugar, não comunica com o parceiro do lado nem com os
restantes colegas, porém não levanta a cabeça na maioria do tempo, apenas o faz quando
tem de passar algo do quadro para o caderno” (Notas de campo, 8-4-2015). O aluno
quase não parecia um interveniente na sala de aula, para além de não participar nas
relações interpessoais criadas, também não parecia sequer interessado e empenhado nas
disciplinas nas quais tive intervenção direta, Matemática, Ciências Naturais, Português e
História e Geografia de Portugal. Os restantes professores também referiam a mesma
atitude nas suas aulas, exceto o professor de Educação Física.
A primeira intervenção direta surge quando, na disciplina de Português, peço
ao aluno para fazer uma leitura em voz alta. Pela reação do aluno era evidente o
desconforto que sentia em fazê-lo, porém não negou realizar a leitura. A dificuldade na
articulação das palavras era notória na oralidade, a leitura revelava muitas fragilidades,
nomeadamente na dicção. O tom de voz era muito baixo, os alunos no fundo da sala não
conseguiam ouvir a leitura do Aleksandar, revelando a falta de confiança na leitura em
voz alta. Esta pouca preparação e à-vontade que o aluno demonstrava na leitura em voz
alta era também evidente para os professores, pois o aluno levava algum tempo a ler e
os restantes alunos não ouviam as palavras em condições. Este facto fazia com que o
Aleksandar não fosse muitas vezes chamado a efetuar a leitura em voz alta. Como muito
do trabalho que desenvolvi com a turma se baseava no trabalho dos alunos e na
posterior exposição do trabalho pelos autores, a comunicação oral estava sempre muito
presente. No entanto, o Aleksandar tentava sempre passar despercebido, passando a
38
palavra a outro colega de trabalho. Quando os trabalhos eram individuais, com a
respetiva apresentação, o aluno recusava fazê-la.
No entanto, e sempre que existiam momentos de leitura e análise de textos ou
obras, era pedido aos alunos para fazerem uma leitura prévia silenciosa, permitindo um
primeiro contacto com as palavras do texto e com a mensagem. Após implementar esta
estratégia voltei a pedir ao Aleksandar para ler em voz alta mais duas vezes, em dias e
com obras diferentes. Na primeira situação, a vontade do aluno manteve-se igual, se
pudesse passava a vez a outro, lendo devagar e silabicamente. Porém, como tinha
existido um momento prévio de leitura, permitiu aos restantes alunos acompanharem a
leitura em voz alta do Aleksandar, mesmo não decifrando facilmente muitas das
palavras que este dizia, muitas vezes por falar tão baixo, e também permitia ao
Aleksandar ler as palavras novamente, isto é, já existia um contacto anterior com as
palavras do texto. Durante esta leitura em voz alta não existiram momentos em que os
restantes alunos manifestavam as seguintes expressões: “Han? Não percebi! Ele vai
onde? Fala mais alto!”, pois os alunos já conheciam o texto, através da leitura prévia.
Este facto deve ter promovido algum conforto no aluno, pois este leu apenas um
parágrafo, com 8 a 10 linhas, não ouvindo nenhuma crítica dos restantes colegas. Este
aspeto pode ter contribuído para o facto de a terceira e última leitura em voz alta ter
relevado melhorias. É certo que apenas foi notório o ligeiro aumento do tom da sua voz,
lendo um pouco mais alto, mas o que revela alguma confiança em si e no espaço de sala
de aula. O Aleksandar é um aluno que revela muitas fragilidades na sua autoestima, o
medo de errar e de ser criticado está muito presente, e o facto de o expor a uma leitura
em voz alta em que habitualmente existiam comentários dos colegas aumentava o
desconforto que o aluno sentia. É assim notório que aumentando a segurança e
minimizando os comentários depreciativos, o aluno sente um maior à vontade para se
expor.
3.4. Trabalhar a confiança
Era notória a falta de autoestima do aluno no trabalho que produzia, não se
voluntariando para ir ao quadro. Da mesma forma que o aluno não demonstrava
confiança na sua leitura, também não existia confiança nos seus trabalhos.
39
Durante uma aula de Português decidi realizar um jogo com verbos irregulares,
aproveitando este momento para pôr em prática uma estratégia de integração do aluno
em grupos de trabalho. A atividade de sala de aula consistia em conjugar o verbo IR
num determinado tempo e modo. Cada uma das quatro filas ficou responsável por
conjugar de acordo em determinados tempos e modos:
Fila nº 1 ficou responsável por conjugar o verbo no modo Indicativo, cada par
dessa fila (existem 4 pares por fila) ficou responsável por conjugar nos tempos
Presente, Pretérito Imperfeito e Pretérito Perfeito (simples).
Fila nº 2 ficou também com o modo Indicativo e com os tempos Pretérito mais-
que-perfeito (simples), Pretérito mais-que-perfeito (composto) e Futuro
(simples).
Fila nº 3 ficou com o verbo no modo Conjuntivo nos tempos Presente, Pretérito
Imperfeito e Futuro (simples)
Fila nº4 tinha de conjugar no modo Condicional (simples), no modo Infinitivo
(pessoal) e no Gerúndio.
O aluno estava na segunda fila, ficando responsável por conjugar, juntamente com o seu
colega do lado, o verbo IR no Futuro do Indicativo. Os alunos tinham a indicação de
que a atividade tinha a duração de 7 minutos, devendo trocar o trabalho entre os pares
das respetivas filas para que este fosse corrigido pelos colegas da mesma equipa (fila).
Ao fim dos 7 minutos, cada par de trabalho deveria escolher um dos membros para ir
escrever a respetiva conjugação no quadro, para que os restantes elementos da turma
pudessem analisar o trabalho feito pelas outras filas.
Desta forma, dirigi-me à mesa do Aleksandar e pedi-lhe que fosse ele a ir ao
quadro apresentar o trabalho feito a pares. A resposta foi imediatamente negativa,
pedindo para que fosse o seu parceiro de trabalho. Ao ser confrontada com esta
negação, tentei perceber a razão e deduzi imediatamente que o medo de errar era maior
que a vontade de tentar. Posto isto questionei o aluno “Se eu corrigir agora o trabalho
que fizeram em conjunto sentes-te mais à vontade para ir ao quadro escrever o que
fizeste?”. Após um curto espaço de tempo, o aluno ponderou e acenou afirmativamente
com a cabeça. Após corrigir apenas alguns erros ortográficos, nomeadamente na
conjugação na 2ª pessoa do plural, o aluno foi ao quadro, copiou o que tinha escrito no
seu caderno e antes de se sentar na cadeira sorriu para mim como se me agradecesse
aquele momento.
40
Ao sentir uma maior proximidade com o aluno tentei integrar, na relação com
ele, a questão da sua língua materna. Comecei por lhe perguntar onde nasceu, se ainda
se lembrava de alguma coisa da sua terra natal, ao que ele respondeu apenas com a
cabeça que não. No entanto, manteve sempre um sorriso nos lábios. Seguidamente,
questionei-o sobre a língua que falava em casa com os pais, o irmão e os avós,
percebendo que tanto os avós como os pais falavam búlgaro em casa, logo o Aleksandar
e o irmão também utilizavam a língua búlgara para comunicar com eles. No entanto, e
tendo em conta que tanto o Aleksandar como o irmão iniciaram a escolaridade em
Portugal, os irmãos quando se encontravam na escola falavam apenas português. Tendo
percebido que o aluno se sentia minimamente à vontade para partilhar pequenas
palavras na sua língua materna comigo, e de me permitir fazer-lhe questões sobre a sua
infância e a sua vida familiar, respondendo-me sem palavras mas com um sorriso,
aproveitei um momento calmo na sala de aula, onde ainda não estavam muitos alunos
presentes para lhe perguntar como se dizia “bom dia” em búlgaro. O aluno para além de
me dizer ainda me ajudou a dizer corretamente.
No seguimento deste trabalho de inclusão do aluno na participação ativa da
discussão e apresentação de trabalhos dos alunos em sala de aula, os trabalhos a pares e
em grupo continuavam nas diferentes disciplinas lecionadas, sendo que em Português e
Matemática esta modalidade de trabalho era mais utilizada. O aluno era incentivado a
debater com os restantes elementos do grupo assim como a apresentar os trabalhos
oralmente com o seu grupo de trabalho.
No entanto, com o aproximar da época das avaliações foi proposto aos alunos a
elaboração de uma apresentação oral sobre um objeto à escolha. Esta apresentação
seguia determinados critérios, conhecidos dos alunos, e consistia num instrumento de
avaliação das capacidades orais, Usando algo que lhes fosse próximo e que poderia ser
escolhido por eles. O Aleksandar recusou-se a fazer a apresentação oral, não dando
qualquer justificação para isso. Também não entregava muitos dos trabalhos de casa que
eram pedidos.
3.5. As opiniões dos colegas e professores
No final da minha intervenção realizei entrevistas a três alunos e a cinco
professores escolhidos segundo um critério, apresentado no capítulo da metodologia.
41
Desta forma, como nesta altura do ano nos encontrávamos na última semana de aulas do
2º período, os alunos estavam em atividades lúdicas, enquanto os professores da turma
estavam, na sua maioria, ocupados com as atividades e as reuniões que acontecem nesta
altura do ano. As primeiras entrevistas aos alunos foram feitas no dia 3 de junho aos e
gravadas com um telemóvel. A estrutura da entrevista foi igual para todos os alunos,
porém algumas respostas permitiam-me saber mais, e, por isso, acrescentava novas
perguntas.
Tabela 5 - Entrevistas – Alunos
1. O Aleksandar não esteve presente nesta última semana de aulas. Sabes porquê?
2. Há quanto tempo conheces o Aleksandar?
3. Qual era o teu relacionamento com o Aleksandar? Brincavam no intervalo, falavam
ou apenas falavam quando era necessário?
4. O Aleksandar sempre teve esta atitude ao longo do ano ou era diferente no princípio
do ano letivo?
5. Sabes que o Aleksandar nasceu noutro país. Sabes em qual?
6. Alguma vez o Aleksandar disse alguma palavra em búlgaro?
7. Alguma vez reparaste em participações orais do Aleksandar em sala de aula?
8. Na tua opinião, qual era a disciplina onde o Aleksandar tinha mais dificuldades? E a
que gostava mais?
Tendo em conta que as relações sociais que o aluno em estudo mantinha com
os colegas de turma eram muito poucas, escolhi para estas entrevistas três colegas de
turma do Aleksandar, cujos critérios de escolha são descritos na metodologia.
Todos os alunos entrevistados sabiam da ida do aluno para a Alemanha para
junto dos pais, mas apenas um dos alunos, o Fábio, tinha sabido desta notícia pelo
próprio. Este aluno, o mais comunicativo, espontâneo e social da turma, revelou nesta
entrevista ser bastante próximo do Aleksandar,
“ Professora - P – E como era o vosso relacionamento? Davam-se bem?
Fábio – Sim.
P – Falavam muito?
F – Sim.
P – Só na escola ou fora da escola?
42
F – Só na escola.
P – E quando estava contigo também era assim tão tímido como era nas aulas?
F – Não, era diferente.
P – Porquê?
F – Era mais mexido, falava mais…
P – E só falavam de futebol?
F – Não, falávamos de mais coisas mas não sei dizer quais.”
Tanto o Fábio como o André conheciam o Aleksandar há 3 anos, porém a relação com o
André, colega de carteira, já se manifestava de forma diferente:
Professora – E ele falava contigo?
André – Mais ou menos. Às vezes era eu que tentava “sacar” alguma coisa dele
mas…
P- Tu tentavas falar com ele mas ele não te respondia muito?
A – Sim
P – E fora das aulas falavam?
A – Não, ele nem sequer vinha ter connosco.
A única aluna do sexo feminino entrevistada conhecia o aluno em estudo há 5 anos,
tendo frequentado a mesma turma quando o Aleksandar repetiu o 2º ano de
escolaridade. Sendo a aluna, dos três, quem conhecia o Aleksandar há mais tempo, a sua
relação com este não passava de “dávamo-nos bem mas não ficávamos juntos (…) ele
andava mais com os rapazes, era tímido connosco [raparigas].”. Mencionando apenas
que o Aleksandar só andava com um ou dois rapazes e jogava futebol com eles no
intervalo. Tendo em conta as diferenças de relacionamentos, todos afirmaram que o
Aleksandar sempre foi assim, tímido e pouco sociável, não falando muito com os
restantes colegas.
Questionados sobre o país onde o Aleksandar nasceu, todos sabiam a resposta, o
que mostra que desde cedo existia, pelo menos, a consciência de um aluno de uma
nacionalidade diferente, nascido na Bulgária. Relativamente à situação do aluno
mencionar alguma palavra em búlgaro, a Maria referiu uma situação com a professora
do 1º Ciclo “a nossa antiga professora do 1º Ciclo perguntou-lhe uma vez só que ele
falava muito baixinho e nós não ouvimos.”; o André referiu o facto de lhe ter pedido
uma vez para falar o que o aluno em estudo recusou fazer. Aparentemente o Fábio foi o
único que teve o privilégio de ouvir algumas palavras, pedindo-lhe para dizer “Como é
que te chamas?”, mencionando que o Aleksandar falava búlgaro em casa com os pais e
os avós.
43
Tendo em conta o aspeto das intervenções orais, todos os alunos mencionaram
nunca ouvir o aluno a participar em sala de aula, fazendo-a apenas quando era solicitado
pelo/a professor/a. Em relação às disciplinas com maiores dificuldades todos apontaram
para o Português. O Fábio tentou ainda justificar estas dificuldades com a nacionalidade
do aluno e o facto de este falar búlgaro. Educação Física foi a disciplina mencionada por
todos como aquela de que o Aleksandar gostava mais, pois o único momento de
contacto com a maioria da turma, especialmente com os rapazes, era em momento de
jogos de futebol, algo que o Aleksandar adorava.
Num momento posterior, e através de um inquérito realizado aos professores,
consegui retirar alguns dados interessantes da visão dos professores acerca do aluno em
estudo. Os professores escolhidos para a realização do inquérito por questionário foram
o diretor de turma, os professores das disciplinas em que o aluno sentia mais
dificuldades, Português e Matemática, o professor da disciplina onde o aluno se sentia
mais à vontade e tinha a melhor nota, Educação Física, e, por fim, a psicóloga que
acompanhou o percurso escolar do Aleksandar. As questões procuravam compreender
quais os diagnósticos feitos tendo em conta as dificuldades que o aluno manifestava,
assim como a perceção que estes intervenientes educativos tinham acerca da língua
materna do aluno. Desta forma, a construção das questões feitas aos professores tinha
como objetivo dar resposta aos pontos referidos anteriormente, e por isso o inquérito
continha as seguintes questões:
Tabela 6 - Questionário – Professores
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeira na turma do 6º E?
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico”
das dificuldades do aluno?
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de
aprendizagem da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno
estrangeiro?
44
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta característica
poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou dificuldade sentidos pelo
aluno?
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta para
responder as necessidades do aluno?
Analisando as respostas começo por refletir as respostas dadas pelo diretor de
turma, também professor de História. Este professor tem a função de diretor desta turma
desde o ano letivo 2013/2014, acompanhando o aluno há dois anos, tendo conhecimento
da língua materna do aluno no início do primeiro ano letivo da turma, na reunião de
Conselho de Turma. O professor reagiu normalmente à presença deste aluno
estrangeiro, assumindo ter contacto com alunos estrangeiros noutros anos: “como
conhecia o aluno tinha de adaptar as fichas de trabalho e de avaliação e ainda solicitar
mais vezes a sua participação.”. Relativamente às estratégias de aprendizagem da língua
portuguesa mais adequadas para este aluno nas aulas de história, o professor afirma:
“adaptei sempre as fichas de trabalho e de avaliação de modo a que o aluno
entendesse.”. No entanto, o professor defendia que o aluno necessitava de apoio das
aulas de PLNM e de apoio individualizado para orientar o manual e para a explicação
de conteúdos, e no caso da construção de fichas de trabalho estas deveriam conter
questões de resposta curta e uma associação entre palavra e imagem. Ao longo da minha
observação, todos os professores construíam documentos de avaliação para este aluno
de acordo com o decreto-lei 3/2008, assim como a avaliação do aluno era feita segundo
os mesmos parâmetros. Em Conselho de Turma, o professor afirma que “foi proposto
para Apoio Pedagógico Acrescido nas disciplinas com mais dificuldades”, porém o
aluno não frequentou este apoio. Relativamente à questão sobre se existia algum
preconceito, o professor diz que existia “porque o aluno estava inserido numa turma
muito competitiva a níveis de avaliação.”. No que respeita às características sociais do
aluno, este professor também refere a postura reservada, justificando-a com o receio de
errar que o aluno demonstrava e da consequente ação dos colegas.
A professora de Português, por apenas ter lecionado a disciplina no ano da
minha intervenção pedagógica, ano letivo 2014/2015, só teve conhecimento da
nacionalidade do aluno quando começou a sua prática com a turma. Apesar da reação da
professora ter sido normal, calcula-se com isto que o facto de o aluno não ter o
português como língua materna não representava um fator distintivo ou de ter em
45
atenção. Devido a experiências anteriores, esta afirma que “é necessário uma maior
preocupação com estes alunos.”. As expetativas da professora também não foram
grandes, pois “o aluno teve muitos obstáculos na sua oralidade.”. No que toca às
estratégias que a professora de Português considera mais adequadas, esta refere que o
aluno precisava, “para além das aulas de apoio, de mais ajuda, uma vez por semana, 45
minutos não são suficientes.”, apontando ainda que a falta de motivação do aluno se
refletia num obstáculo para a sua aprendizagem. Questionada sobre a estratégia conjunta
desenvolvida em Conselho de Turma, esta professora decidiu atribuir um trabalho extra
ao aluno, uma Webquest, assim como frequentar aulas de apoio, aulas às quais o aluno
maioritariamente não compareceu. A professora refere que o aluno demonstrava pouco
à vontade nas suas aulas, porém não sentia preconceito por parte dos restantes colegas
de turma.
De acordo com o que pude observar durante a minha intervenção pedagógica
neste contexto, as aulas de Matemática eram as mais dinâmicas e tinham por base a
intervenção dos alunos. A professora responsável por esta disciplina construía as suas
aulas com base no trabalho em grupo dos alunos, na apresentação e discussão desse
trabalho pelos alunos, cabia a estes apresentar à restante turma o que tinham feito e
confrontar resultados. Como os restantes professores, a professora de Matemática teve
conhecimento da nacionalidade e da língua materna do Aleksandar no início do ano
letivo anterior, na primeira reunião de Conselho de Turma. Questionada sobre a sua
reação e expetativas acerca do aluno em estudo, a professora afirma que reagiu
normalmente, “uma vez que já sabia que o Aleksandar conseguia compreender e falar
português.”. Porém, desde o 4ºano, primeiro momento de contacto com este aluno, a
professora percebeu que este aluno “revelava inúmeras dificuldades na disciplina de
matemática”, no entanto estas dificuldades eram referidas pela professora “de outra
ordem, possivelmente de compreensão dos conceitos”, agravadas pelas dificuldades de
interpretação de enunciados. Questionada sobre as estratégias de aprendizagem da
língua portuguesa nas aulas de Matemática, a professora menciona a necessidade de um
apoio mais individualizado “mais ao nível da interpretação de texto/enunciados”, apoio
este que a professora defende não conseguir dar devido ao elevado número de aluno na
turma. No entanto, a professora apresentou as estratégias usadas em sala de aula
“Colocando-o na primeira carteira, próximo de mim e do quadro, para dar indicações
mais específicas; elaborei fichas e testes dirigidos e simplificados; ajudei-o a ler e
interpretar as questões.”. Analisando esta resposta, apercebemo-nos que não existe
46
qualquer referência às possíveis dificuldades de confronto/choque de línguas entre o
português e o búlgaro, concentrando as atenções na apropriação de conceitos específicos
de conteúdos programáticos.
A professora de Matemática afirma ainda que, em Conselho de Turma, os
problemas e dificuldades do Aleksandar foram várias vezes alvo de análise, “tendo sido
sinalizado para avaliação por parte da equipa de apoios educativos.”, assim como foram
atribuídos apoios a Português e Matemática. A avaliação desta equipa nunca surgiu e,
como já referido por outros professores, a falta da presença do aluno nos apoios era
notória. A entrevistada refere ainda que “a situação familiar do Aleksandar era um
pouco instável”, devido à ida dos pais para a Alemanha, ficando o aluno a cargo dos
avós. Porém, e apesar da professora defender que “este facto contribui para alguma
destabilização, registando, por vezes falta de assiduidade, quer nas aulas, quer nos
apoios”, os pais do Aleksandar apenas partiram para a Alemanha no 3º período, não
sendo um factor presente nos momentos letivos anteriores.
Relativamente à questão do preconceito, a professora admite que o aluno “teve
problemas de integração na escola, tendo sido alvo de bullying, por parte de colegas,
não da sua turma, durante o 5º ano.”. A professora de Matemática afirma ainda que,
juntamente com o diretor de turma e a direção da escola, “procurámos apoiar o aluno e
penso que no 6º ano tudo melhorou”, porém a atitude reservada, tímida e pouco à
vontade do aluno mantém-se, tendo os colegas de turma referindo que desde sempre foi
assim.
Reflito agora sobre as respostas do professor de Educação Física. Este teve
conhecimento da nacionalidade do Aleksandar na primeira aula com a turma, durante a
apresentação dos alunos. A reação do professor não foi preocupante devido à “larga
experiência com este tipo de alunos.”. Quanto às expetativas o professor afirma que
foram “iguais às dos outros alunos. Até porque E.F. é uma disciplina essencialmente
prática.”. Relativamente às aulas de E.F. o diagnóstico do professor revela que “o aluno
demonstrou muitas capacidades.”. Quanto à possibilidade de existir algum preconceito
por parte dos colegas de turma o professor afirma não ter existido. O entrevistado
afirmou que o aluno não lhe pareceu necessitar de aulas de PLNM, adequando apenas as
fichas de avaliação, “eram mais simples e ele podia fazer com consulta.”. Em
conclusão, o professor confirmou não ter sido delineada nenhuma estratégia conjunta
em Conselho de Turma.
47
Por último, analiso a entrevista da psicóloga, que teve conhecimento da
nacionalidade do aluno em estudo em setembro de 2014, através do processo do aluno.
Esta psicóloga afirma que “são alunos que requerem mais atenção na interpretação.”, no
entanto, a reação foi normal, como todos os professores afirmam, querendo dizer com
isto que possivelmente não causa qualquer tipo de atitude diferente. As dificuldades
mencionadas centram-se na “compreensão, interpretação e raciocínio.”. A mediadora
refere que o aluno “para além de precisar de PLNM, se calhar deveria ter sido avaliado
e enquadrado no decreto-lei 3/2008.”, decreto que defende que se deve “Solicitar ao
departamento de educação especial a determinação dos apoios especializados, das
adequações do processo de ensino e de aprendizagem de que o aluno deva beneficiar e
das tecnologias de apoio.”.
Questionada sobre as estratégias delineadas em Conselho de Turma, a mediadora
do projeto defende que “foi elaborado um pedido de referenciação para o Ensino
Especial”, mencionando que não avançou porque os pais do aluno partiram para a
Alemanha. Tendo em conta a postura do aluno, a entrevistada caracteriza-o como
“muito reservado pois tinha receio que os outros se rissem dele”, tendo consciência das
suas limitações ao nível das aprendizagens.
48
Capítulo 4 – Considerações finais
Tendo em conta o objetivo deste estudo de caso, que se centra na identificação
do tipo de desafios que um aluno que não tem o português como língua materna levanta
para diversos agentes educativos e quais as estratégias de integração delineadas, é
possível concluir que estes objetivos iniciais foram alcançados. Foi possível identificar
os constrangimentos que os agentes educativos sentiram ao lecionar uma turma com um
aluno estrangeiro, nomeadamente a falta de capacidade de diagnóstico formal das
dificuldades do aluno. Ao longo da intervenção também foi possível observar as
estratégias de inclusão levadas a cabo, sabendo que “a integração escolar de alunos que
não têm o Português como língua materna é um processo complexo que envolve agentes
diversos.” (Mateus, 2007, p. 1). O aluno, para além das dificuldades demonstradas, era
considerado, pelos diversos agentes educativos, como um aluno português por ter
iniciado a sua escolarização no nosso país.
Relativamente ao objetivo do estudo, é possível identificar um enorme
problema no diagnóstico das capacidades do aluno, pois todos os professores estavam
de acordo com a categorização de NEE, mesmo sem existir uma avaliação formal por
parte do departamento de educação especial. Este diagnóstico terá servido para mitigar
possíveis dificuldades de linguagem que o aluno manifestava? Por outro lado,
considerando que o aluno apresentava dificuldades ao nível da educação especial,
porque não existiu uma avaliação formal dessas dificuldades? Posto isto, é possível
afirmar que o diagnóstico do aluno foi um problema “disfarçado” para os agentes
educativos.
O diagnóstico de NEE influenciou as práticas de sala de aula, principalmente
na escolha do lugar do aluno. O Aleksandar manteve o mesmo lugar durante todo o ano
letivo, assim como nos anos letivos anteriores: estava sentado na primeira fila, em frente
ao quadro e perto do professor, tendo como companheiro de carteira um aluno
referenciado formalmente com NEE. A escolha do lugar denota a típica opção de
colocar os alunos com dificuldades nas primeiras carteiras, junto ao/a professor/a,
permitindo assim um melhor apoio ao trabalho do aluno. Porém, durante as semanas de
observação não reparei na presença de um apoio mais individualizado devido ao aluno
estar mais próximo dos professores. É certo que, durante a minha intervenção também
senti que não consegui dar um apoio individualizado ao aluno no decorrer das aulas,
pois estava absorvida pela turma, pelos objetivos que tinha de cumprir em cada aula, a
49
transmissão dos conteúdos a todos os alunos, sendo possível apoiar o aluno apenas
durante os tempos de pequenos trabalhos de grupos ou individuais, durante a realização
dos quais o foco não fosse o professor (eu). Outra estratégia adotada pelos professores
foram os testes adaptados para alunos NEE com o intuito de o aluno ultrapassar as
dificuldades sentidas. Como o diagnóstico se baseava em dificuldades de ensino
especial nunca foram elaborados testes com enunciados mas fáceis do ponto de vista
linguístico, o que promove a ideia de as dificuldades de linguagem serem
completamente esquecidas, pois como alguns professores defendiam, o aluno já estava
em Portugal há imenso tempo e falava português, esquecendo o contexto familiar, onde
falava búlgaro.
É também importante referir que durante toda a minha intervenção não existiu
nenhum momento em que os agentes educativos fizessem referência às aulas de PLNM.
Porém durante a análise das respostas dos professores foi possível identificar que todos
os questionados, exceto o professor de Educação Física, afirmaram que o aluno
precisava de aulas de PLNM, quando confrontados com possíveis dificuldades na
linguagem do aluno. Este dado leva-me a pensar que, quando questionados
individualmente sobre este assunto, os professores conseguem perceber a possibilidade
das dificuldades do aluno estarem relacionadas com conflitos linguísticos. Posto isto,
levanta-se a questão, então por que razão não terá sido o aluno referenciado para
frequentar estas aulas, tendo em conta que esta escola tinha este recurso, assim como
professores preparados para lecionar estas aulas? É importante referir que as aulas de
PLNM têm como objetivo “Oferecer condições equitativas para assegurar a integração
efectiva dos alunos, cultural, social e académica, independentemente da sua língua,
cultural, condição social, origem e idade.” (Leiria, et al., 2008, p. 9). Neste sentido, e
como defendem Mateus (2007) e o projeto Diversidade Linguística na Escola
Portuguesa, deveria existir nas escolas um documento que permitisse aos agentes
educativos realizar uma caracterização sociolinguística dos alunos de PLNM,
permitindo “a compreensão das suas necessidades e para a formulação das medidas de
apoio adequadas.” (p. 4).
Como foi apurado nas entrevistas, o aluno apresentava uma postura reservada e
introvertida desde o início tardio da sua escolarização, não participando nas aulas por
iniciativa própria, apenas quando era chamado a intervir. Não podemos esquecer todos
os fatores adjacentes ao Aleksandar, como o facto de ser proveniente de outro país, falar
outra língua em casa com os pais e os avós, ter iniciado a escolaridade tardiamente e
50
obrigado, todas estas situações devem ser tidas em conta quando nos referimos à
inclusão deste aluno, “Além da língua, a partilha e compreensão de comportamentos,
atitudes, costumes e valores exigem um trabalho conjunto de ambas as partes.” (Grosso,
2010, p. 69). Mas será que a escola tinha estes fatores em consideração? Será que
tentavam delinear estratégias de inclusão do aluno? São questões que levanto sabendo
que os agentes educativos defendiam que para além do aluno ser considerado português,
por estar no nosso país há muito tempo, ele também falava a nossa língua, logo não
existiam problemas nem conflitos linguístico-culturais. É assim pertinente levantar a
questão, saberão os agentes educativos o que são alunos estrangeiros e as dificuldades
linguísticas que estes enfrentam?
Como foi referido no quadro teórico, a língua dominante deste aluno em estudo
é o português, pois é a língua de escolarização e de socialização, porém a sua língua
herança (LH) é o búlgaro, a língua falada em casa com os seus familiares mais velhos.
O confronto entre estas duas línguas pode desencadear uma relação desequilibrada para
os falantes, pois o uso maioritário é o da língua dominante, neste caso o português que
era falado na escola, enquanto o búlgaro era falado apenas em meio familiar. E neste
contexto de estudo, o meio familiar era muito mais valorizado para o aluno do que o
contexto escolar, pois o nível de socialização do aluno na escola não estava muito
desenvolvido, passando muitos dos intervalos junto da mãe. Sabendo que o domínio do
português depende de “fatores como o grau de exposição à língua portuguesa, as formas
de contacto, a frequência de ensino formal e a motivação para conservar a língua”
(Flores C. M., 2013, p. 3) conseguimos identificar que, apesar dos muitos anos passados
em Portugal, a motivação para o aluno usar a língua portuguesa era apenas como
obrigação escolar. Posto isto, é possível valorizar a possibilidade de muitas das
dificuldades sentidas pelo aluno estarem relacionadas com alguns confrontos entre a LH
e a língua dominante e das respetivas culturas.
De acordo com os relatórios do processo escolar do aluno, conseguimos
perceber através da avaliação do teste intermédio de Língua Portuguesa no 2º ano que o
aluno estava no nível “não satisfaz” nos cinco domínios de competência: a compreensão
do oral, a expressão oral, a escrita, a leitura e o conhecimento explícito da língua (CEL).
No domínio da compreensão do oral, o aluno apresentava nível satisfaz bem na
compreensão de instruções com orações relativas, determinantes e adjetivos. Na escrita
os níveis positivos baseavam-se na planificação e estruturação de narrativas de acordo
com um esquema dado, assim como, na utilização de vocabulário adequado. No
51
domínio da leitura, a produção de frases a partir de palavras dadas e a justificação a
partir do texto estavam no nível superior ao não satisfaz. No CEL, o aluno apenas teve
satisfaz nas relações de sinonímia e na ordenação alfabética de palavras. Isto pode
indicar que compreendia bem o português nas instruções orais, porém não apreendia o
sentido global de textos escutados nem padrões de entoação numa situação
comunicacional, o que revela a falta de domínio oral no uso do português. A escrita
também se revelou negativa, tanto na textualização como na ortografia, o que se
repercutiu na produção do aluno, em que este ainda revela muitas dificuldades.
É importante referir que este estudo foi elaborado durante um espaço de tempo
limitado de apenas nove semanas. Este tempo foi essencial para recolher todos os dados
importantes sobre a integração do Aleksandar e para colocar em prática algumas
intervenções junto do aluno. No entanto, sinto que faltou tempo para ter todos os dados,
elaborar uma intervenção focada na mudança de procedimentos a ter e recolher novos
dados. Durante a minha intervenção consegui aperceber-me das dificuldades deste e
adotar determinadas estratégias relacionadas com a sua inclusão, como incentivar a sua
participação na leitura e na apresentação de trabalhos, trabalhar a autoestima através do
apoio individualizado, e questioná-lo sobre a sua língua materna, o que permitiu dar
alguma importância à língua. “A promoção do respeito pela língua do outro é um
importante indicador de respeito pelo outro”. (Pinto, 1997, p. 61) . Estas estratégias
foram bem aceites pelo aluno, o que me permitiu recolher dados muito interessantes,
como o facto do Aleksandar se sentir mais preparado a apresentar as suas resoluções
quando sabia que estas estavam corretas, evitando o erro e o medo que isso trazia, a
volume de voz durante a leitura em voz alta ia aumentando à medida que se tornava
mais habitual a leitura, e a proximidade que consegui ao questioná-lo sobre a sua língua
materna, o que se traduziu num primeiro olhar olhos nos olhos, algo que para o aluno
era extremamente raro. Estes dados permitiram-me concluir que o aluno precisava de
alguma motivação, inicialmente individual, para ganhar alguma autoestima.
Foi também importante a questão da LH na minha dinâmica, pois nunca me
esqueci que estava perante um aluno búlgaro, logo não tinha o português como língua
materna. Este fator também poderia ter sido mais usado na minha prática, até porque iria
permitir à turma ter acesso a novas línguas e o aluno poderia ter um pouco de “sua casa”
na sala de aula. Refletindo agora sobre a intervenção poderia ter usado mais esta língua
e cultura búlgaras, levando obras de autores búlgaros, contos tradicionais desse país,
usar casos da língua búlgara como comparação para algum conteúdo da gramática
52
portuguesa. É esta partilha que o ensino do português com alunos de PLNM deve ter
como objetivo, uma educação intercultural que “procura desenvolver atitudes de
abertura, compreensão e respeito perante a diversidade através da interacção entre os
constituintes dessa mesma diversidade” (Pinto, 1997, p. 59).
Relacionando o que pretendo fazer no futuro com o que retiro deste estudo, é
notório que me apercebi da realidade existente nas escolas, o duro confronto entre a
“ideologia das coisas” com os procedimentos mais úteis e fáceis que se põem em
prática. É importante ter a noção de que cada vez chegam mais alunos estrangeiros às
escolas portuguesas, não esquecendo as crianças que nascem em Portugal mas que em
casa falam outra língua, muitas vezes a língua materna dos pais. Estes alunos relevam
alguma dificuldade de inclusão por diversos fatores, como a diferença de cultura, de
país, de clima e de língua, e todos os agentes educativos devem ter estes fatores bem
presentes nos processos de inclusão destes alunos. Posto isto, é tão importante o
diagnóstico de dificuldades para que, em conjunto, todos os intervenientes educativos
consigam elaborar o melhor procedimento para promover a inclusão e a minimização
das dificuldades dos alunos.
Refletindo sobre o estudo de caso, este apresenta-se como um exemplo de
insucesso de integração escolar de um aluno estrangeiro, principalmente porque existiu
uma grande falha no diagnóstico do seu perfil. É também notório a passividade e a
“normalidade” com que os agentes educativos encaram esta realidade dos alunos de
PLNM nas escolas portuguesas. É certo que cada vez mais estão em maior número, e
em quase todos as turmas existe um aluno nestas condições, sendo que quase todos os
professores já lecionaram alunos de PLNM. Porém, não deveria existir a ideia de ser
“normal”, pois assim estamos a esquecer a diferenciação pedagógica, a individualidade
de cada aluno, as características de cada criança, e estaremos a adotar os métodos
igualitários que tanto se tentaram combater nos últimos anos. E por isso, é também
igualmente importante a formação especializada de professores, nomeadamente na área
do ensino de PLNM.
Todos estes dados foram recolhidos durante a minha intervenção, que por ser
participante me permitiu observar de perto as estratégias levadas a cabo pelos
professores, ou falta delas, assim como intervir diretamente com o aluno. Esta interação
foi sem dúvida o aspeto fundamental para a recolha de dados, pois sendo o aluno o meu
objeto de estudo era muito mais fácil e mais rico para a investigação, a interação com
ele. É importante referir que esta interação sempre se baseou na base do respeito pela
53
sua língua e pela sua cultura, o que me parece ter sido responsável pela boa relação que
se foi formando entre nós dois, com base na confiança e na possibilidade da promoção
da autoestima do aluno.
Todos os procedimentos de recolha de dados utilizados durante esta
investigação permitiram dar resposta às questões postas no início deste trabalho. Foi
assim bastante importante delinear muito bem o cerne da investigação e desencadear
uma metodologia que me permitisse dar resposta às questões iniciais de estudo. Esta
investigação também foi bastante importante para perceber esta realidade a partir de
outra perspetiva, agora como agente educativa. Ao ser uma temática que tanto interesse
me despertava, antes como aluna e agora como professora, considero ter sido
fundamental a possibilidade de aprofundar esta temática. Os alunos de PLNM estão
cada vez mais presentes nas escolas portuguesas, o que se traduz numa necessidade real
de acompanhar estes alunos da forma mais preparada possível, para que se consiga usar
esta riqueza linguística em benefício da promoção das aprendizagens.
Desta forma, este trabalho serviu para que a minha postura enquanto professora
fosse muita mais sensível a estes aspetos, concentrando um leque de estratégias a
desenvolver com estes alunos, pois adquiri um aprofundamento teórico sobre os temas
implícitos bastante importante para que exista uma compreensão sobre o que são os
(pré) conceitos linguísticos. Esta compreensão é fundamental para delinear estratégias a
adotar no futuro com uma turma que integre alunos com línguas diferentes do
português.
54
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57
Anexos
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Anexo 1 – Transcrições das entrevistas – Alunos
Maria
Entrevistador – O Yordan não esteve presente nesta última semana de aulas.
Sabes porquê?
Maria – Ele foi para a Alemanha.
E – Há quanto tempo conheces o Yordan?
M – Ahhh…. Acho que há 5 anos. Ele chumbou no 2º ano e foi para a minha
turma.
E – Qual era o teu relacionamento com o Yordan? Brincavam no intervalo,
falavam ou apenas falavam quando era necessário?
M – Dávamo-nos bem mas não ficávamos juntos. Não falávamos ele andava
mais com os rapazes.
E – O Yordan sempre teve esta atitude ao longo do ano ou era diferente no
princípio do ano letivo?
M – Ahhh… Desde sempre. Mas era diferente, porque agora ele só andava
com o Ricardo.
E – Sabes que o Yordan nasceu noutro País? Sabes em qual?
M – Na Bulgária, acho que foi aí.
E – Alguma vez o Yordan disse alguma palavra em búlgaro?
M – Não
E – Alguma vez reparaste em participações orais do Yordan em sala de aula?
M – Acho que não.
E – Na tua opinião, qual era a disciplina onde o Yordan tinha mais
dificuldades? E a que gostava mais?
M – Acho que era em Inglês e Português. E gostava de Educação Física.
André
E– O Yordan não esteve presente nesta última semana de aulas. Sabes porquê?
André – Ele foi para a Alemanha.
E – Há quanto tempo conheces o Yordan?
A – Há cerca de 3 anos.
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E – Qual era o teu relacionamento com o Yordan? Brincavam no intervalo,
falavam ou apenas falavam quando era necessário?
A – Dávamo-nos bem.
E – O Yordan sempre teve esta atitude ao longo do ano ou era diferente no
princípio do ano letivo?
A - Sempre foi assim.
E – Sabes que o Yordan nasceu noutro País? Sabes em qual?
A - Na Bulgária
E – Alguma vez o Yordan disse alguma palavra em búlgaro?
A - Não
E – Alguma vez reparaste em participações orais do Yordan em sala de aula?
A – Não.
E – Na tua opinião, qual era a disciplina onde o Yordan tinha mais
dificuldades? E a que gostava mais?
A – Tinha dificuldades a Matemática e Português. A que gostava mais era
Educação Física.
Fábio
E. – O Yordan não esteve presente nesta última semana de aulas. Sabes
porquê?
F – Ele foi para a Alemanha para os pais arranjaram trabalho.
E – Há quanto tempo conheces o Yordan?
F – Desde o 4º ano.
E – Qual era o teu relacionamento com o Yordan? Brincavam no intervalo,
falavam ou apenas falavam quando era necessário?
F – Sim.
E – O Yordan sempre teve esta atitude ao longo do ano ou era diferente no
princípio do ano letivo?
F – Sempre foi assim
E – Sabes que o Yordan nasceu noutro País? Sabes em qual?
F - Bulgária
60
E – Alguma vez o Yordan disse alguma palavra em búlgaro?
F - Uma vez. Foi eu que lhe pedi.
E – Alguma vez reparaste em participações orais do Yordan em sala de aula?
F – Não.
E – Na tua opinião, qual era a disciplina onde o Yordan tinha mais
dificuldades? E a que gostava mais?
F - Português, História e Matemática. Gostava mais de Educação Física
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Anexo 2 – Respostas professores – Inquérito por questionário
Professora Matemática
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeiro na turma do 6º E?
R: Como já era professora da turma no 5.º ano já sabia que o Yordan era de
nacionalidade estrangeira desde o início do ano letivo 2013-2014.
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
R: Encarei com calma a situação uma vez que já sabia que o Yordan conseguia
compreender e falar português, pois quando ele andava no 4.º ano eu tinha ido à sua
turma num projeto do Agrupamento designado Ginásio da Matemática. Por outro lado
não era a primeira vez que tinha alunos estrangeiros e nunca tinha sentido dificuldade
em comunicar com eles.
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico” das
dificuldades do aluno?
R: Já sabia, desde o 4.º ano que era um aluno que revelava inúmeras dificuldades na
disciplina de matemática. No entanto, as dificuldades reveladas, apesar de poderem ser
agravadas pelas dificuldades de interpretação de enunciados eram de outra ordem,
possivelmente de compreensão dos conceitos.
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
R: A língua materna do Yordan é o búlgaro. Penso que essa informação foi-me
facultada na primeira reunião do Conselho de turma do 5.º ano.
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de aprendizagem
da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno estrangeiro?
R: Como já referi o Yordan revelava tantas dificuldades em matemática que
considero que teria necessitado de um apoio mais individualizado, não tanto ao nível do
português falado mas mais ao nível da interpretação de textos/enunciados. Atendendo
62
ao número de alunos da turma e ao facto de ter um aluno com necessidades educativas
especiais não me foi possível acompanhar mais individualmente o Yordan, apesar de o
ter proposto e ele frequentar as sessões de apoio com alguns colegas.
Ao longo do ano, em sala de aula, procurei apoiar o aluno:
Colocando-o na 1.ª carteira, próximo de mim e do quadro, para lhe dar indicações
mais específicas;
Elaborei fichas e testes mais dirigidos e simplificados;
Ajudei-o a ler e interpretar as questões.
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta característica
poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou dificuldade sentidos pelo
aluno?
R: Tive conhecimento de que o Yordan teve alguns problemas de integração na
escola, tendo sido algo de Bullying, por parte de colegas não da sua turma, durante o 5.º
ano. Por esse motivo faltou por inúmeras vezes. Eu o Diretor do Turma e a Direção da
escola procurámos apoiar o aluno e penso que no 6.º ano tudo melhorou. No entanto
manteve sempre uma postura bastante reservada, apesar de responder sempre que
solicitado.
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta para
responder as necessidades do aluno?
R: Os problemas e dificuldades do Yordan foram frequentemente alvo da análise dos
professores nas reuniões de Conselho de turma, tendo sido sinalizado para avaliação por
parte da equipa de apoios educativos. Foi sempre proposto para apoios em Português e
Matemática. Como não havia hipótese de lhe proporcionar apoio individualizado os
professores das duas disciplinas integraram-no no grupo de apoio da turma. De notar
que a situação familiar do Yordan era um pouco instável, tendo os pais partido para a
Alemanha e ficado o Yordan a cargo dos avós. Este facto contribuiu para alguma
desestabilização, registando, por vezes falta de assiduidade, quer nas aulas, quer nos
apoios.
63
Professora Português
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeiro na turma do 6º E?
R: Tive conhecimento quando comecei a lecionar com a turma em questão, e depois
em C.Turma.
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
R: A minha reação foi normal porque já trabalhei com estes alunos. É necessário uma
maior preocupação com estes alunos e fazer o que está ao nosso alcance. Não tive
muitas expetativas, uma vez que o aluno em questão teve muitos obstáculos na sua
oralidade, ao qual não sabia de início o que esperar.
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico” das
dificuldades do aluno?
R: Muitas dificuldades na oralidade, pois o aluno era extremamente introvertido, na
leitura, e na escrita.
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
R: O aluno é Búlgaro e em casa fala apenas esta língua, o que dificulta depois a sua
adaptação na escola. O aluno, a título de curiosidade foi para a Alemanha e concluiu o
6º ano. Eu pedi revisão da prova do aluno, uma vez que teve 19 valores e precisava
apenas de mais um valor para passar, ou seja, com 20 já tinha nível 2 e não nível um. Vi
a prova e recorri para o aluno passar de ano e ir para a Alemanha com o 6º ano
concluído, uma vez que na matemática o aluno não conseguiu passar de ano.
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de aprendizagem
da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno estrangeiro?
R: Sim. Ele precisava para além das aulas de apoio, de mais ajuda, uma vez que uma
vez por semana, 45 m não são suficientes. Mas a vontade do aluno também influencia e
o aluno não estava muito motivado.
64
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta
característica poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou
dificuldade sentidos pelo aluno?
R: O aluno como não dominava a língua não se sentia à vontade, mas não
houve preconceito com a turma.
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta
para responder as necessidades do aluno?
R: Na minha disciplina fazer um trabalho extra. Responder a uma Webquest.
Frequentar as aulas de apoio, mas nem sempre o aluno foi.
Professor História e Geografia de Portugal (Diretor de Turma)
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeiro na turma do 6º E?
R: Tive conhecimento em setembro de 2014 pois tenho acompanhado o aluno em
questão desde o ano lectivo 2013/2014.
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
R: Sim já tinha tido outros alunos estrangeiros, foi absolutamente normal, são alunos
que só requerem mais atenção na interpretação.
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico” das
dificuldades do aluno?
R: O aluno tem muitas dificuldades, na compreensão, interpretação e raciocínio.
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
R: Era Búlgaro, pela nacionalidade e pelos pais e aluno.
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de aprendizagem
da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno estrangeiro?
65
R: Para além de precisar de Língua portuguesa não materna se calhar deveria ter sido
avaliado e enquadrado no decreto lei 3/2008.
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta característica
poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou dificuldade sentidos pelo
aluno?
R: Sim o aluno era muito reservado pois tinha receio de que os outros se rissem dele
e tinha consciência que tinha muitas limitações ao nível das aprendizagens.
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta para
responder as necessidades do aluno?
R: Sim, foi elaborado um pedido de referenciação para o Ensino Especial que só não
avançou por entretanto os pais do aluno informaram que iriam sair de Portugal e que o
menor não regressaria a Portugal.
Professor Educação Física
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeiro na turma do 6º E?
R: Como fui colocado tardiamente, apenas tive esse conhecimento na primeira aula
com a turma.
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
R: A minha reação foi normal pois já tenho larga experiência com este tipo de
alunos. Quanto às minhas expetativas, forma iguais às dos outros alunos. Até porque
Educação Física é uma disciplina essencialmente prática. Sim já tinha tido!
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico” das
dificuldades do aluno?
R: Como o diagnóstico de EF é prático, o aluno demonstrou muitas capacidades.
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
R: Sim! Soube na primeira aula, após a apresentação.
66
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de aprendizagem
da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno estrangeiro?
R: Não! Apenas adequei as fichas de avaliação, que eram mais simples e ele podia
fazer com consulta.
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta característica
poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou dificuldade sentidos pelo
aluno?
R: Não!!!
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta para
responder as necessidades do aluno?
R: Sim!
Psicóloga
1. Como e quando teve conhecimento que, no ano letivo 2014-15, havia um aluno de
nacionalidade estrangeiro na turma do 6º E?
R: Tive conhecimento no inicio do ano letivo na primeira reunião de conselho de
turma.
2. Quando teve conhecimento deste facto, qual foi a sua reação? Quais eram as suas
expetativas? Já tinha tido alunos estrangeiros anteriormente?
R: Natural uma vez que todos os anos tenho alunos de nacionalidade estrangeira.
Como conhecia o aluno do ano passado já sabia que tinha de adaptar as fichas de
trabalho e de avaliação e ainda solicitar mais vezes a sua participação. Sim é normal ter
alunos de outras nacionalidades todos os anos.
3. Ao conhecer e contactar com o aluno nas suas aulas, qual foi o seu “diagnóstico” das
dificuldades do aluno?
R: É um aluno tímido com dificuldade em expressar-se oralmente no contexto de
sala de aula. Para além de ter muitas dificuldades em compreender o Português bem
como escrever.
4. Sabe qual era a língua materna do aluno? Como e quando ficou a saber?
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R: O aluno é búlgaro e tive conhecimento na primeira reunião de conselho de turma.
5. Ao longo do ano letivo, pareceu-lhe ser um aluno com necessidade de aulas de
Português Língua Não Materna? Quais foram ou seriam as estratégias de aprendizagem
da língua portuguesa, nas suas aulas, mais adequadas para este aluno estrangeiro?
R: Sim, este aluno necessitava de muito apoio de aulas de Português Língua Não
Materna pois tinha dificuldade em compreender e a escrever o Português. Nas minhas
aulas adaptei sempre as fichas de trabalho e de avaliação de modo que o aluno
entendesse. No entanto, o aluno necessitava de apoio individualizado para o orientar no
manual e para lhe explicar os conteúdos. Penso que este aluno beneficiava de ter uma
professora com mais tempo para se dedicar a ele e que as fichas deviam ser ser questões
com resposta curta e palavra – imagem. Solicitar mais vezes o aluno a participar nas
aulas mas para tal era necessário uma turma reduzida (menos alunos).
6. Refletindo agora sobre a postura reservada do aluno, julga que esta característica
poderia estar relacionada com algum tipo de preconceito ou dificuldade sentidos pelo
aluno?
R: Sim porque o aluno estava inserido numa turma muito competitiva a nível de
níveis de avaliação.
7. No âmbito do Conselho de Turma, foi desenhada alguma estratégia conjunta para
responder as necessidades do aluno?
R: Foi proposto para Apoio Pedagógico Acrescido (APA) nas disciplinas com mais
dificuldades mas o aluno não frequentou.