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Universidade Metodista de So Paulo (UMESP)
Mestrado em Educao
TAIS NASCARELLA RAMOS
SEMEANDO A CIDADANIA:
um estudo sobre a formao e a atuao
de educadoras sociais em prol do letramento
SO BERNARDO DO CAMPO
FEVEREIRO /2009
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TAIS NASCARELLA RAMOS
SEMEANDO A CIDADANIA:
um estudo sobre a formao e a atuao
de educadoras sociais em prol do letramento
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programade Ps-graduao Mestrado em Educao daUniversidade Metodista de So Paulo, soborientao da Prof Dra. Norins Panicacci Bahia,para a obteno do titulo de Mestre em Educao.
SO BERNARDO DO CAMPO
FEVEREIRO /2009
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FICHA CATALOGRFICA
R147s Ramos, Tais NascarellaSemeando a cidadania: um estudo sobre a formao e a
atuao de educadoras sociais em prol do letramento / Tais
Nascarella Ramos. 2009.92 f.
Dissertao (mestrado em Educao) --Faculdade deHumanidades e Direito da Universidade Metodista de SoPaulo, So Bernardo do Campo, 2009.
Orientao: Norins Panicacci Bahia
1. Professores - Formao profissional. 2. Alfabetizao.3. Educao no-formal. 4. Prtica pedaggica. 5. ProjetoSementinha Santo Andr (SP). I. Ttulo.
CDD 374.012
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BANCA EXAMINADORA
______________________________________________Prof Dra. Norins Panicacci Bahia
Orientadora
______________________________________________Prof Dra. Emilia Maria Bezerra Cipriano Castro SanchesPUC SP
______________________________________________
Prof Dra. Zeila de Brito Fabri DemartiniUMESP SP
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AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a Deus que me proporcionou chegar aonde
cheguei, me capacitando e me dando sabedoria para concluir mais esta etapa da
minha trajetria pessoal e formativa.
Agradeo especialmente a CAPES, por me proporcionar concluir este
trabalho de pesquisa.
Aos meus pais, Nelson e Regina, por estarem sempre presentes durante
minhas vitrias, me ensinando a galg-las com fora de vontade e profissionalismo.
minha irm Gabriela pelas ajudas nos momentos mais complicados,
assumindo minhas responsabilidades e me dando foras para que eu pudesse
concluir mais esta etapa da minha vida!
minha irm Letcia, pelo sorriso contagiante.
Aos meus professores, todos, desde a Educao Infantil, que me regaram
com profissionalismo, educao, aprendizagens e carinho, e que foram espelhos
para que hoje eu me tornasse a profissional que sou.
Aos meus muitos alunos da fase de alfabetizao, que sempre me
instigaram a querer saber mais e mais sobre o encanto que permeia esta etapa
educacional, e que, dia-a-dia me formaram professora!
minha orientadora, Prof Dra. Norins Panicacci Bahia, pela ajuda
dispensada nestes dois anos de formao, Prof Dra. Zeila de Brito Fabri
Demartini, pelo aprendizado e Prof Dra. Emilia Maria Bezerra Cipriano Castro
Sanches, meu grande exemplo profissional, espelho para minha atuao na
Educao Infantil, inspirao para o meu desempenho frente aos pequeninos!E a todos os meus colegas de Mestrado, em especial Hnia Milanelli,
Cludia Galante, Matilde Antonelli, Ana Clia Arajo e Marco Antnio Armelim, pelos
bons momentos que compartilhamos!
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Dedico meu trabalho todos aqueles
que ainda acreditam no poder da educao,em
especial, para aqueles que atuam em prol do
letramento e das prticas de leitura e escrita
que embasam a formao cidad das crianas
pequenas.
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RESUMO
Esta dissertao de Mestrado tem como objetivo desvelar a prtica pedaggica deeducadoras leigas atuantes na educao no-formal e a prxis educacional que elas
desempenham em prol da alfabetizao letrada. Ao abordarmos os trs temas que
regem este estudo educao no-formal, formao de educadoras leigas e
alfabetizao letrada versamos sobre os resultados obtidos em espaos de
educao no-formais, estabelecendo um contraponto: at quando o no-formal
pode ser considerado um espao de educao aqum da escola? Foi realizada uma
pesquisa emprica no Projeto Sementinha da cidade de Santo Andr/ SP, atravs daobservao da prxis educativa de sete educadoras, de entrevistas, coma ex-
secretria de Educao que implantou o Projeto na cidade; com os Coordenadores
Gerais do Projeto Sementinha; com quatro das sete educadoras e ainda, um
levantamento bibliogrfico sobre o surgimento do Projeto na cidade de Curvelo; MG.
At o momento, as anlises realizadas apontaram para o desenvolvimento de
prticas de letramento em diferentes momentos da atuao das educadoras e na
formao cidad e moral das crianas assistidas pelo Projeto na comunidadeobservada para a efetivao deste trabalho de pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: formao de educadoras educao no-formal
alfabetizao letrada educadoras leigas prticas pedaggicas sociais.
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ABSTRACT
This Masters thesis has as a target to unveil lay educators pedagogical practice whowork in informal education as well as the educational practice that they develop in
favor of literacy. Approaching the three themes that guide this study informal
education, lay educators education and literacy we talk about the results obtained
in informal educational sites, establishing a counterpoint: to which extent the informal
can be considered an educational site beneath the school? An empirical research
was accomplished in the SementinhaProject, in the city of Santo Andr-SP, through
observation of the educational practice of seven educators, through interviews (withthe ex-Secretary of Education who implemented the Project in the city; with the
general coordinators of the Sementinha Project; with four of the seven educators)
and also, a bibliographical study about the emergence of the project in the city of
Curvelo-MG. The analysis show that the informal education, as well as the social
educators actions, develop literacy practices which are able to help in the
pedagogical education of these children, motivating the citizen action that they, since
they are small might make effective in the communities they live in.
KEY WORDS: educators education informal education literacy lay educators
social pedagogical practices.
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SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................................09
CAPTULO I Trs temas que permeiam esta pesquisa: educao no-formal,
educadoras leigas e alfabetizao letrada.................................................................17
1.1. Educao no-formal: surgimento e espaos de atuao..................................18
1.2. Formao de educadores: a atuao leiga.........................................................22
1.3. Da Alfabetizao ao Letramento: um percurso que ainda est sendo trilhado...27
CAPTULO II Semeando a educao social com nfase na alfabetizao letrada:
um estudo de caso.....................................................................................................36
2.1. Projeto Sementinha: sua histria e sua germinao na cidade de Santo Andr/
SP...............................................................................................................................38
2.1.1. O plantio...........................................................................................................38
2.1.2. As responsveis pela germinao da semente...............................................43
2.2. Coletando dados.................................................................................................44
2.2.1. Entrevistando....................................................................................................48
CAPTULO III A germinao da semente: anlise dos resultados obtidos com a
pesquisa.....................................................................................................................49
3.1. Anlise de contedo sujeitos da pesquisa.......................................................52
3.2. Categoria de Anlise...........................................................................................54
3.3. Anlise das observaes.....................................................................................62
CONSIDERAES FINAIS ......................................................................................68
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................................73
ANEXOS.....................................................................................................................78
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INTRODUO
"H homens que lutam um dia e so bons.H outros que lutam um ano e so melhores.
H os que lutam muitos anos e so muito bons.Porm, h os que lutam toda a vida.
Esses so os imprescindveis.
Bertolt Brecht
Consideraes iniciais
Elucidar a prtica educativa sempre uma experincia que proporciona
uma re-significao do que vivido. uma tarefa que traz consigo a reflexo e o
questionamento da busca incessante do desenvolvimento pleno das crianas em
idade de Educao Infantil.
Pudemos observar as crescentes transformaes em mbito social,
cultural e tecnolgico exercidas sobre a sociedade como um todo, durante o sculo
passado, que interferiram, tambm, no setor educacional. Essas alteraes
ocorridas no sistema educativo brasileiro ocasionaram algumas mudanas de
diretrizes: o ensino passa a ser centrado no aluno, e no mais no processo de
aprendizagem; a alfabetizao tem um vnculo com a funo social e com isso se
introduz o aluno em um mundo letrado, como ouvinte ou participante, de diferentes
portadores textuais. A formao do professor tida como um dos aspectos mais
importantes para que o ensino seja efetivado de maneira a colaborar para a boa
formao do cidado. A demanda educacional aumenta e, muitos estados e
municpios, no suprem essa demanda o que faz surgir aes e/ou propostas
educativas em espaos de educao no-formais.
Faz-se necessrio, contextualizar, a minha trajetria pessoal e formativa,
para que voc leitor, possa compreender como cheguei a efetivao desta pesquisa.
Alguns conceitos que norteiam a minha prtica formativa sero mencionados atravs
de momentos relevantes da minha histria profissional, para que voc compreenda
as inquietaes que me fizeram trilhar o caminho educacional e entender a minha
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busca acadmica sempre voltada para os avanos da prtica educativa da rea da
linguagem oral e escrita da primeira infncia.
Um pouco de histria pessoal
Tive uma vida acadmica confortvel. Sempre estudei em escolas da rede
particular de ensino, uma opo dos meus pais, que sempre se preocuparam em
investir em um estudo de qualidade desde a minha Educao Infantil. Fui educada
em um colgio de freiras, na cidade de Santo Andr/SP. A educao rgida fez com
que eu, desde muito pequena, me empenhasse nos estudos e obtivesse sempre
notas altas, sendo muitas vezes considerada uma das melhores alunas da turma.Fiquei neste colgio por oito anos, e l tive excelentes professores, que me serviram
de exemplo profissional.
Ao trmino do Ensino Fundamental optei por ingressar no curso de
Magistrio, devido a facilidade em lidar com o pblico, principalmente com crianas e
por, naquela poca, desenvolver trabalhos voluntrios com as crianas na igreja em
que eu participava. Assim, em 1997, iniciei meus estudos no Instituto Corao de
Jesus, escola da rede particular de ensino, situada na cidade de Santo Andr/SP.Comea, ento, a caminhada rumo profisso escolhida: ser professora. No colgio,
encantei-me com tantas idias utpicas (baseada numa viso atual, uma vez que,
naquela poca tal concepo de ensino era inerente ao processo de aprendizagem
vigente) aprendidas no curso, caprichei na decorao de pastas com desenhos e
atividades (nunca utilizados!) para a disciplina de Didtica neste momento, por
estar atuando em uma escola de Educao Infantil, passei a descobrir a dicotomia
entre teoria e prtica, e notar o quanto estas no se completavam e noestabeleciam um processo dialtico. A professora de Didtica trazia um caderno
espiralado, com folhas amareladas pelo tempo, e no conseguia ministrar as aulas
sem o mesmo. Quando o esquecia na sala dos professores, caminhava pelo imenso
corredor que ligava a sala dos docentes sala de aula, e voltava abraada com
este, como se sua segurana estivesse escrita naquelas pginas envelhecidas...
Questionava-me a funo daquele caderno, o que ele representava para aquela
professora, e mais ainda: ser que o que ali continha ainda era adequado para a
formao de novas professoras? Notava-se que no! Prticas envelhecidas, no
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mais cabveis s mudanas que observvamos no ensino. Envelhecidas e
amareladas como aquele caderno.
Paralelamente ao curso de Magistrio, iniciei minha carreira profissional
em uma escola de Educao Infantil (1997), de pequeno porte e recm inaugurada,na cidade de Santo Andr, onde lecionei para crianas do Maternal. Esta prtica
profissional me proporcionou vivenciar a intensa falta de relao existente entre a
teoria e a prtica, pois muito do que eu ensinava para meus pequenos fui
aprendendo sozinha, no cotidiano, por ensaio e erro. Assim, decidi dedicar-me
apenas aos estgios exigidos pelo curso, desligando-me da escola de Educao
Infantil, acreditando que ao observar a prtica de outros professores eu pudesse
aprender e, de tal modo, construir a minha prxis. Fiquei cerca de alguns mesesdedicando-me aos estgios e, notando que eles no estavam acrescentando novas
idias minha prtica, resolvi retornar ao trabalho. Lecionava agora, em outra
escola de Educao Infantil, tambm da rede particular de ensino, em Santo Andr,
para crianas maiores, Jardim II, classe esta que atendia crianas de cinco anos de
idade. Nesta escola, fiquei apenas seis meses, pois fui convidada para lecionar em
uma outra de porte maior, para ocupar o lugar de uma professora que se encontrava
em licena maternidade. Aceitei o convite, pois as condies de trabalho e a
remunerao eram melhores, e com isso a minha experincia cresceria.
O final do curso de Magistrio se aproximava e, era chegada a hora de
jurar tica e comprometimento para com a profisso escolhida e, mais uma escolha
na caminhada profissional: ingressar em qual curso no Ensino Superior?
Primeiramente pensei na possibilidade de cursar Servio Social, mas diante das
circunstncias da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, LDBEN 9394/96,
que prev, no Artigo 62, a formao docente em nvel superior com licenciatura
plena, preferi o curso de Pedagogia, uma vez que, o curso de Servio Social no me
ofereceria esta possibilidade.
A formao de docentes para atuar na educao bsica, far-se- emnvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, emuniversidades e institutos superiores de educao, admitida, comoformao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantile nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida emnvel mdio na modalidade Normal. (BRASIL, 1996, p.24)
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Ingressei, ento, no Centro Universitrio de Santo Andr UNI-A, em
2001. Encantei-me pelos ensinamentos aprendidos me identificando com as
disciplinas, que dia a dia me proporcionavam saberes capazes de serem aplicados
no cotidiano profissional que eu atuava. Me encantei com o profissionalismo do
professor doutor Clvis Roberto dos Santos, que, com maestria, nos ensinava
teorias, tica e postura profissional, atravs do seu envolvimento com a educao e,
este, futuramente foi meu orientador de TCC. Neste perodo, continuava lecionando,
mas agora, atuando na Educao Infantil e no Ensino Fundamental, sempre com
nfase na alfabetizao, tema que me levou realizar minha pesquisa de Trabalho de
Concluso de Curso. Contudo, meu primeiro contato com a classe de alfabetizao
me trouxe insegurana e angustia, uma vez que, no aprendi como alfabetizar
crianas atravs dos pressupostos scio-construtivistas, embasados nos estudos de
Piaget (1972) e Vygotsky (1988). Esta minha primeira classe, tinha apenas seis
alunos, mas mesmo assim a ansiedade tomava conta da minha postura. Um dia,
chorei conversando com a coordenadora da escola na qual trabalhava, dizendo que
jamais as crianas iriam aprender por associao, e que eu achava melhor ensinar-
lhes as famlias silbicas. Ela, sempre muito compreensiva, ajudou-me e me
capacitou para que assim eu obtivesse sucesso com o processo de ensino/
aprendizagem dos meus alunos. E, desta forma, aconteceu: apenas duas crianas
no estavam alfabetizadas no final do ano. Esta inquietao trouxe vontade de
conhecer mais e mais e, assim, minha pesquisa de TCC comeou a ser efetivada.
Mais uma etapa concluda e, em fevereiro de 2004, colei grau e
representei todos os cursos da rea de humanas no juramento oficial da solenidade
de formatura.
Em 2004 ingressei na ps-graduao Lato Sensu (no mesmo Centro
Universitrio que conclui minha graduao) no curso de Educao Infantil, o qual me
proporcionou uma nfase maior no desenvolvimento de crianas de zero a seis
anos. Minha escolha foi pautada no dficit terico que me incomodava: eu conhecia
muito pouco das prticas educativas e do desenvolvimento maturacional e cognitivo
das crianas que freqentavam a Educao Infantil. Neste curso, me identifiquei com
a postura didtica, a dominncia de contedos e a relao docente/discente que
norteava a prtica educativa da professora doutora Mnica Piccioni Gomes Rios,
que neste curso, lecionou Prtica e Didtica, voltadas docncia para o Ensino
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Superior. Esta se tornou minha orientadora de Monografia. Despertou-se neste
momento, o desejo de lecionar no Ensino Superior, mas devido falta de
capacitao, por exigncia do curso de Mestrado, iniciei a busca por um projeto que
me conduzisse ao ingresso nesta direo.
Com tudo pronto em 2005, desisti de tentar o acesso ao curso de
Mestrado, por no me sentir preparada para as exigncias vindas com o ingresso e,
acabei iniciando o curso de Psicopedagogia, na mesma instituio que cursei a
Pedagogia e a minha primeira especializao. Paralelamente, imbui-me de coragem
e participei do processo seletivo do Mestrado em Educao da Universidade
Metodista de So Paulo, em So Bernardo do Campo/SP, para o ingresso em 2007,
mesmo sabendo de todas as dificuldades que teria que enfrentar para custear meusobjetivos. Mas, no desisti, afinal sempre acreditei que no h vitria sem batalha.
E, desta forma, hoje concluo e apresento minha semente que frutificou e
gerou esta dissertao de forma a contribuir para a minha formao e a formao
daqueles que tiverem a oportunidade de ler este trabalho.
A escolha do objeto de pesquisa
Inicialmente pensava em dissertar sobre as prticas de alfabetizao
efetivadas em escolas da rede particular de ensino, e como estas autenticavam a
formao crtica de leitores e escritores na primeira infncia. Mas, participando de
um Congresso Internacional de Educao Infantil em fevereiro de 2007, na cidade
de So Paulo, conheci o Projeto Sementinha atravs de uma exposio que
algumas educadoras realizavam. Ao apreciar a mala de histria por elas criada,fiquei entusiasmada em desvelar como as prticas de leitura e escrita eram
presentes dentro de um projeto de educao no-formal, parceiro da prefeitura de
Santo Andr/SP e desenvolvido por educadoras leigas. Desta forma, fui adentrando
o projeto, conhecendo os coordenadores e as educadoras e assim, participando das
rodas (encontros) em um dos ncleos pelo projeto atendido. Mais uma vez, a
inquietao da formao letrada das crianas em idade de Educao Infantil,
incomodava-me. O Projeto Sementinha no tem como objetivo alfabetizar as
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crianas, mas cotidianamente desenvolvem prticas de leitura, colaborando, para o
desenvolvimento do letramento.
Entende-se, ento, que a imerso nas prticas sociais de escrita e leitura,
proporcionam ao aluno, sua emancipao como cidado, e sua atuao como tal.Senti a necessidade de compreender como profissionais leigas, atuantes em
espaos de educao no-formal, contribuem para a formao letrada destas
crianas que no obtiveram acesso educao formal e desta forma so atendidas
pelo Projeto Semetinha. Notei a necessidade de observar como ocorre a atuao
dessas profissionais e como a no-formao acadmica interfere, positivamente ou
negativamente, no desenvolvimento dessas crianas.
Observa-se, no Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil(1996), a importncia do olhar atento que os profissionais atuantes nesta rea
precisam desenvolver a fim de proporcionar a aprendizagem efetiva da lngua.
A aprendizagem da linguagem oral e escrita um dos elementosimportantes para as crianas ampliarem suas possibilidades deinsero e de participao nas diversas prticas sociais. (BRASIL,vol. 1, p.117)
Este trabalho contempla trs temas que, conjuntamente, instigam esta
pesquisa: formao de educadores, alfabetizao letrada e educao no-formal, e
o que este conjunto pode propiciar como avanos no desenvolvimento social das
crianas assessoradas pelo projeto. Pretendo compreender como estes trs temas
conduzem a criana ao contato com a aquisio da alfabetizao letrada e de tal
modo, aclarar conceitos de que as oportunidades dadas s crianas influenciam no
seu aprendizado.
No primeiro captulo, Os trs temas que permeiam esta pesquisa:
educao no-formal, educadoras leigas e alfabetizao letrada, ser elucidado de
forma concisa os trs temas que regem este estudo. Abordaremos a histria da
educao no-formal e como ela atende e contempla os contedos que deveriam
ser ministrados em instituies de ensino formais, suprindo (ou no) as
necessidades de crianas que no so atendidas em espaos formais. exposto,
tambm, como a atuao leiga das educadoras agentes neste projeto, proporcionam
a educao em mbito social, em espaos que esto fora das paredes escolares, e
sem uma formao acadmica. Finalizamos com um breve histrico do processo de
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alfabetizao e sobre a mudana de paradigma, envolvendo as prticas de
letramento que auxiliam na atuao cidad de uma criana, antes mesmo que esta
seja inserida em um processo de alfabetizao sistemtico.
No segundo captulo, intitulado como Semeando a educao social com
nfase na alfabetizao letrada, traremos o histrico da implantao do Projeto, os
objetivos de sua implantao e a atuao das educadoras em espaos de educao
no-formal. Relataremos, tambm, as vivncias obtidas no estudo de caso, realizado
em um dos ncleos de atuao do Projeto, bem como as memrias registros das
educadoras sobre as vivncias dirias dos encontros as entrevistas realizadas com
as educadoras e os relatos de observao das experincias deste estudo.
O terceiro captulo, A germinao da Semente: os resultados obtidos com
a pesquisa, versa sobre os efeitos deste projeto e suas contribuies para a
insero da criana no mundo letrado, estabelecendo uma relao dialgica com a
atuao destas educadoras e dos espaos em que elas atendem as mesmas, com a
formao que estas propiciam s crianas a elas confiadas, a fim de notarmos os
resultados das trajetrias formativa e profissional, das educadoras e do processo de
aprendizagem das crianas assistidas.
Nas consideraes finais, so retomadas as discusses dos captulos,
para um fechamento da investigao realizada.
A germinao da semente
Observar saberes e fazeres, relatar vivncias, participar de novos campos
educacionais, tomar cincia do novo, so situaes que a princpio, geram
desconforto, dvidas, ansiedade.
Conheci o Projeto Sementinha em fevereiro de 2007, em um Congresso
Internacional sobre Educao Infantil, no qual eu expunha um trabalho. Educadoras
do Projeto Sementinha estavam expondo as produes das crianas e das
educadoras, bem como a proposta educacional do Projeto.
Vivenciar a prxis pedaggica de educadoras leigas, em espaos extra
escolares que suscitam a germinao de um fazer cidado, imbudo de atitudes
pedaggicas intencionais, nos remete a pensar que, embora a formao acadmica
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seja necessria para atender a LDBEN 9394/96, no Artigo 62, nota-se que muito do
que ocorre em espaos no-formais, fica sem explicao no que diz respeito
formao informal, uma vez que, as educadoras acabam por desenvolver atitudes
condizentes com aquelas de uma professora, sem se quer ter tido contato com
situaes de aprendizagem que lhes fizessem agir de forma a atender as
necessidades pedaggicas advindas de uma parcela da sociedade que no tem
acesso formalidade educacional, em mbito de Educao Infantil.
Ao mesmo tempo, pensamos na formalidade deste projeto, quando nos
deparamos com a assistncia da prefeitura de Santo Andr, com a superviso e
manuteno desta atividade, mesmo que ela tambm receba assistncias de ONGs.
Uma tarefa difcil, porm prazerosa, foi desvelar a atuao destaseducadoras do Projeto Sementinha e, vivenciar, participar e maravilhar-se com os
fazeres e saberes de cada uma das rodase de cada uma das memriaspor elas
escritas, a fim de avaliar, registrar e eternizar os momentos que passaram juntas
com as crianas, auxiliando na escrita da histria pessoal de cada uma das
educadoras e das crianas que elas amparam.
Nota-se que hoje a resistncia da comunidade frente ao projeto no existe
mais. No incio da sua implantao tanto a comunidade quanto as escolas formais,que esto situadas nos bairros onde o Projeto estava sendo implantado, rejeitaram
esta abordagem educacional desconfiando de sua autenticidade com relao a
formao das crianas que no eram atendidas pela rede formal de educao
infantil.
A sementinha plantada, regada, cuidada e lanada em campo...
Esperamos que este campo seja frtil! E que dessas sementes lanadas na infncia,
possamos colher excelentes frutos na sociedade, quando estas se tornarem rvores
frondosas de copas gigantes e que, acolhero novas vidas e novas histrias!
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CAPTULO I
TRS TEMAS QUE PERMEIAM ESTA PESQUISA:EDUCAO NO-FORMAL, EDUCADORAS LEIGAS E
ALFABETIZAO LETRADA
Somos o que fazemos, mas somos, principalmente,o que fazemos para mudar, o que somos.
Eduardo Galeano.
Dissertar sobre os trs temas que permeiam este trabalho uma tarefa
que nos conduz a pensar sobre o desempenho docente em espaos de atuao da
educao no-formal, bem como a importncia dada ao letramento em diferentes
situaes do cotidiano, induz-nos a refletir sobre as alternativas que a educao
brasileira busca, para suprir a grande demanda educacional no atendida em
espaos de educao formais.
Compreender como esta performance ocorre e como espaos de
educao no-formal se constituem o objetivo deste trabalho, alm de fomentar a
inquietao sobre a atuao leiga das educadoras sociais agentes em um projeto de
educao no-formal da cidade de Santo Andr/SP.
Correlacionar os trs temas que ora buscamos dissertar um desafioconstante, uma vez que, por meio deste Projeto Social, buscamos investigar como
que a performance das educadoras corroboram (ou no) para a formao cidad de
crianas que no esto inseridas na educao formal, mas que mesmo aqum, so
atendidas e cuidadas atravs de um olhar que instiga sua participao letrada na
comunidade em que vivem, por meio de atividades ldicas, da leitura e registro de
histrias e da vivncia social que partilham.
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1.1. Educao no-formal: surgimento e espaos de atuao
Buscar relao entre a complexidade da educao no-formal, a atuao
leiga de educadoras sociais e a busca pelo letramento, atravs de aesintencionais sobre a leitura e a escrita, uma tarefa bastante desafiadora que
buscamos desvelar. Entender as aes educativas ocorrentes na educao no-
formal nos remete a pensar sobre como surgiu esta modalidade educacional e os
objetivos que elucidaram este nascimento.
Desta maneira, a educao no-formal surge para complementar a
educao formal, e o incio de suas manifestaes data de 1930, quando ocorre a
mobilizao em favor da Educao Popular englobando a Educao de Adultos,aps a 1 Guerra Mundial. Em meados de 1947 a Campanha de Educao de
Adolescentes e Adultos (CEAA) vem com o objetivo de preparar mo-de-obra
alfabetizada para trabalhar nas cidades e no campo. Entre os anos de 1960 e 1964
surgem o Movimento de Cultura Popular, com o intuito de combater o analfabetismo
e elevar a cultura do povo, e o Plano Nacional de Alfabetizao que, atravs do
mtodo Paulo Freire, possibilitou a insero das classes populares no processo
poltico. Em 1967, nasce o Movimento de Alfabetizao MOBRAL que foi criadopela Lei nmero 5.379, de 15 de dezembro de 1967, sugerindo a alfabetizao
funcional de jovens e adultos, objetivando conduzir a pessoa humana a adquirir
tcnicas de leitura, escrita e clculo como meio de integr-la a sua comunidade,
permitindo melhores condies de vida. Vemos que o objetivo do MOBRAL relaciona
a ascenso escolar a uma condio melhor de vida, deixando margem a anlise
das contradies sociais inerentes ao sistema capitalista. Ou seja, basta aprender a
ler, escrever e contar e estar apto a melhorar de vida.
O objetivo maior do MOBRAL era obscurecer as prticas de alfabetizao
desenvolvidas pelos educadores freireanos, a fim de mudar a proposta educacional
vigente, visto que, viviam na poca, no regime militar. Assim muitos educadores
ainda, ministravam suas aulas utilizando os pressupostos freireanos como referncia
para a alfabetizao de adultos, logicamente que escondidos da poltica vigente na
poca.
Baseados em um contexto histrico marcado pelos movimentos dealfabetizao de adultos, a educao no-formal, considera as necessidades
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procedentes das mais variadas preocupaes que abrangem propostas diferentes
daquelas oferecidas pela modalidade formal [...] sendo vista como uma extenso da
educao formal, desenvolvida em espaos fora das unidades escolares (GOHN,
1998, p. 511) assim, o seu maior objetivo estabelecer um espao que proporcione
o contato coletivo entre os sujeitos, na busca pela socializao da cultura, ou seja,
[...] a educao abordada enquanto forma de ensino/aprendizagem adquirida ao
longo da vida dos cidados [...] (Ibid, p.516), entretanto, este ambiente tambm
deve propiciar o acesso a atividades que envolvam os sujeitos em torno de seus
interesses, vontades e necessidades. Tal educao necessita permitir oportunidades
de criao e de troca de experincia entre pessoas de diferentes idades e geraes,
proporcionando um [...] processo de absoro, reelaborao e transformao da
cultura existente, gerando a cultura poltica de uma nao.(ibid, p. 516)
A atuao da educao no-formal faz-se de forma diferenciada, uma vez
que os espaos de sua performance so multifacetados o que no interfere no
processo de aprendizagem e no tempo para que ela acontea. Segundo Gohn, [...]
no fixado a priori e se respeitam as diferenas existentes para a absoro e
reelaborao dos contedos, implcitos ou explcitos, no processo ensino-
aprendizagem. (ibid, p. 517). Segundo Vasconcelos apud Park (2007) a reflexo
sobre o papel da educao nos dias atuais contribui para que nos empenhemos em
sanar um dos maiores obstculos que a atuao no-formal enfrenta:
Um dos maiores desafios apontados para o campo da educao no-formal o de promover um dilogo qualificado entre as experinciasalternativas da educao (que valorizam e legitimam as diferentesmanifestaes do saber) e a educao formal, visando ressignificao do espao escolar. (p. 15)
Outro desafio presente no campo de atuao da educao no-formal
demonstrar que os saberes podem ser vividos e aprendidos em diferentes contextos,
pois, acredita-se que [...] os saberes no esto sempre nos mesmos lugares, assim
como a instituio que os guarda nem sempre a mesma [...] (Garcia apudPark,
p.25)
Ainda segundo Garcia apud Park (2005) a conceituao do campo de
educao no-formal vem como uma busca de outra dimenso educacional,
diferenciada da educao formal, sem neg-la, sendo esta [...] um acontecimento
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que tem origem em diferentes preocupaes e busca considerar contribuies
vindas de experincias que no so priorizadas na educao formal.(p. 27)
Como uma atividade flexvel e que abarca diferentes reas, a modalidade
de educao no-formal permite que haja contribuies de diferentes campos,auxiliando na composio de diferentes bagagens culturais propiciando que a
atuao do educador, frente aos objetivos pr-estabelecidos pelo grupo, contribuam
de forma positiva no somente para o processo de interiorizao do conhecimento,
mas tambm, no seu aproveitamento na comunidade, uma vez que, [...] o espao
tambm algo criado e recriado segundo os modos de ao previstos nos objetivos
maiores que do sentido a um dado grupo social estar se reunindo. (ibid, p. 518)
Outro questionamento que surge, com relao diferenciao dasnomenclaturas informal e no-formal. Segundo Afonso (1998) podemos definir por
educao informal todas as possibilidades oferecidas ao indivduo no decurso da
sua vida que constituam um processo permanente e no organizado. J como
educao no-formalentende-se como uma educao organizada com determinada
seqncia, mas que no se fixa em tempos e locais e flexvel na adaptao dos
contedos de cada grupo.
Libneo (1998) traz como conceituao da educao no-formal [...] asatividades com carter de intencionalidade, porm com baixo grau de instruo e
sistematizao, implicando certamente relaes pedaggicas, mas no
formalizadas. (p.81) complementando a idia de Afonso quando o mesmo expe a
necessidade de se organizar esta modalidade de acordo com as necessidades de
cada grupo atendido.
O que devemos reconhecer e validar como indispensvel para a formao
social de todo cidado a valorizao desta modalidade de ensino, visto que, dentro
dela o indivduo capaz de desenvolver habilidades e competncias capazes de
auxili-lo na aquisio de conhecimentos que corroboraro no processo de
ensino/aprendizagem, seja este na educao formal ou no-formal. A insero na
comunidade, a participao de seus membros e a vivncia cultural dos arredores,
proporciona a criana um aprendizado significativo, capaz de ajud-la na sua
formao cidad, de forma a instig-la na atuao dos problemas scio-culturais dos
quais ela componente ativa.
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Como vimos no Brasil, na dcada de 60, destacam-se os modelos de
educao popular com a abordagem terica desenvolvida por Paulo Freire para a
educao de adultos. Na Pedagogia Freireana, que tem a educao como um ato
poltico, a construo da alfabetizao de adultos, tem como princpios que:
Conhecer no ato atravs do qual um sujeito transformado emobjeto recebe dcil e passivamente os contedos que outro lhe d oulhe impe. O conhecimento pelo contrrio, exige uma presenacuriosa do sujeito em face do mundo. Requer sua aotransformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante,implica em inveno e reinveno. (FREIRE, 1983, p.27)
Segundo Carlos Brando apud Libneo (1998), ningum escapa da
educao. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos
ns envolvemos pedaos da vida com ela: para aprender, para ensinar, paraaprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educao. (...) No h uma forma nica nem um nico
modelo de educao; a escola no o nico lugar em que ela acontece e talvez
nem seja o melhor; o ensino escolar no a nica prtica, e o professor profissional
no seu nico praticante. (p.18)
Observamos esta participao ativa dos membros de uma comunidade,
atravs da socializao e desenvolvimento social, no Projeto Sementinha implantado
em Santo Andr/ SP, no ano de 2001, que vem para suprir a necessidade de
fornecer educao s crianas de quatro e cinco anos que no eram atendidas pela
educao formal da rede municipal e privada de ensino. Este projeto surge em
1984, na cidade de Curvelo/MG, e nasce da inquietao de Tio Rocha, um
folclorista e professor que instiga a comunidade, atravs de um programa de rdio
local, por meio do qual questiona e convida membros da sociedade para dialogar
sobre a questo: possvel fazer educao de baixo do p de manga?Tio marca
um encontro com as pessoas interessadas em discutir esta indagao e desta
forma, juntos, comeam a traar os no objetivos do projeto. Elencam tudo aquilo
que no gostariam de desenvolver nas crianas e assim, comeam a divulgar os
encontros das rodas (grupos de crianas e educadores que se encontram em
diferentes lugares da comunidade; a roda permite que a relao entre educador e
criana seja horizontal).
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No sitedo CPCD1, encontramos algumas concepes sobre o Projeto que
nos auxiliam no pensamento sobre a informalidade desta modalidade de educao:
O Sementinha dentro da sua concepo de um projeto itinerantedesenvolve a maioria das atividades na prpria comunidade atravsde passeios e excurses com o objetivo de melhor conhecer e seengajar na cultura local, [...] visa construir uma educao aberta,plural e democrtica que privilegie o dilogo, priorize o respeito sdiferenas individuais, valorize os saberes e os fazeres visandotransformar todos os espaos em escola e toda escola em centrode cultura comunitria.
A pluralidade da educao no-formal2 abarca situaes que so
condizentes com a realidade da atuao do Sementinha no que diz respeito a
atuao na comunidade, na busca de saberes populares, nos espaos utilizados
para encontros e na valorizao do dilogo e da democracia, valores estes,
utilizados na educao para a cidadania. Contudo a atuao das educadoras deste
projeto parte do pressuposto de que a no formao acadmica no implica na sua
performance educacional. Leigas no modo de agir e pensar, contam apenas com a
formao ministrada pela prefeitura de Santo Andr/SP e com a superviso das
coordenadoras de ncleos (agrupamentos de bairros e grupos de crianas). Assim,
estas educadoras utilizam recursos e meios que so retirados da sua prtica social
e, de alguma forma, instigam saberes e fazeres que contribuem para a formaodestas crianas.
1.2. Formao de educadores: a atuao leiga
Presenciamos a atuao de educadoras sociais que, sem formao
acadmica, ministram saberes e fazeres, agem de forma condizente com a
exigncia legal e esperada para o desenvolvimento das crianas em idade de
Educao Infantil. Entretanto, buscamos inserir estas educadoras na tica
educacional que condiz com a formao esperada para o desempenho de suas
funes no magistrio, uma vez que, acreditamos que a atuao docente perpassa a
formao acadmica. Assim, como denomin-las? Em que funo inseri-las?
1CPCD - Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento / www.cpcd.org.br2Cabe questionar at quando a modalidade de educao no-formal condizente com a atuao do projeto,uma vez que o mesmo assistido pela prefeitura de Santo Andr, e estas crianas so pertencentes a um grupoque deveria ser atendido em carter formal.
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Professoras? Educadoras leigas? Como nomear a funo de ensinar de algum que
no tem formao acadmica para isso? Conforme a LDBEN 9394/96, observamos
que a formao docente deve se concretizar mediante alguns pr-requisitos trazidos
no artigo 62:
A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- emnvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, emuniversidades e institutos superiores de educao, admitida, comoformao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantile nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida emnvel mdio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996, p.24)
Pois bem. Como devemos nos referir a estas pessoas que educam, mas
no possuem formao acadmica para isso? So educadoras? So professoras?
Como devemos defini-las? Partimos da definio que encontramos no dicionrio
Aurlio (2001), o qual denomina professor como aquele que ensina uma cincia,
arte, tcnica (p.559) e como educador aquele que promove o desenvolvimento da
capacidade intelectual, moral e fsica de (algum) ou de si mesmo.(p.251) Verifica-
se que as educadoras agentes no projeto estudado recebem uma nomenclatura
condizente com a sua atuao, uma vez que, elas esto desenvolvendo, nas
crianas assistidas, valores e habilidades que subsidiaro sua ao frente a
comunidade em que vivem e se inserem.
No nos torna fcil compreender como esse desempenho ocorre, visto
que, no se enquadram na formao necessria exigida pela LDBEN, no artigo 62,
para atuao em campo educacional. Inicialmente necessitamos entender como so
inseridas no contexto escolar, como isso suscita na sua trajetria de vida, o que esta
atuao vem acrescentar, no somente na sua vida social, mas tambm na sua
trajetria profissional. Podemos entender a prxis docente por elas desenvolvidas,
como uma mistura de vontades, de gostos, de experincias, de acasos at, que
foram consolidando gestos, rotinas, comportamentos com os quais nos identificamos
como professores (NVOA, 2000, p.16) e que, de tal modo, foram criando uma
prxis individual, ou seja, a ao que cada uma desempenha frente s crianas que
a elas foram confiadas. Ainda, segundo Nvoa (2000), os saberes desenvolvidos
pelas educadoras, podem ser considerados como uma espcie de segunda pele
profissional (p.16), o que nos faz refletir sobre as crenas e desejos mediante as
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necessidades que so apresentadas cotidianamente pelas crianas, pela
comunidade e geradas pelas prprias educadoras diante de suas aes.
Os saberes docentes perpassam a viso da profissionalizao, uma vez
que, estas educadoras no soprofissionalizadase mesmo assim agem de forma aacreditarmos que so! Como nos apresenta Perrenoud (2002) a teoria e a prtica
educacional e profissional, abrangem estados de conhecimento que vo alm
daqueles transmitidos em bancos acadmicos, transcorrendo pela atuao, mesmo
que leiga, como no caso do Projeto Sementinha:
Na teoria, um profissional deve reunir as competncias de algumque elabora conceitos e executa-os: ele identifica o problema,apresenta-o, imagina e aplica uma soluo e, por fim, garante seu
acompanhamento. Ele no conhece de antemo a soluo dosproblemas que surgiro em sua prtica; deve constru-laconstantemente ao vivo, s vezes, com grande estresse, sem disporde todos os dados de uma deciso mais clara. (p.11)
Na atuao de profissionais leigas, denominadas educadoras pelo Projeto,
observamos a performance sistemtica, organizada, baseada em saberes oriundos
das necessidades sociais apresentadas pelas rodas. Isso ocorre sem a presena de
conhecimentos cientficos, acadmicos. Validar a atuao dessas profissionais em
espaos diversos nos suscita compreender como a formao do educador deve ser
uma sistematizao alm de conceitos e teorias e nos faz repensar sobre os saberes
populares, advindos de necessidades diversas que modelam a atuao educacional
e os fazeres pedaggicos.
Educadoras em geral, mas em especfico, as da primeira infncia,
necessitam dispor de competncias e saberes para articular as mais diversas
situaes que lhes so apresentadas cotidianamente pelas crianas. Entretanto,nos questionamos em conhecer a diferena entre competncias e saberes, visto
que, so dois termos muito utilizados na rea pedaggica e no mbito educacional.
Perrenoud (2002) faz aluso diferena entre competncias e saberes, citando Le
Boterf, e nos proporciona um olhar cuidadoso e reflexivo com relao prtica do
educador frente a estas duas expresses:
De acordo com Le Boterf (1994, 1997, 2000), s vezes concebemos acompetncia como uma capacidade de mobilizar todos os tipos de
recursos cognitivos, entre os quais esto as informaes e ossaberes: saberes pessoais, privados ou saberes pblicos,compartilhados; saberes acadmicos, saberes profissionais, saberes
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de senso comum; saberes provenientes da experincia, de uma troca,ou saberes adquiridos na etapa de formao; saberes de ao, poucoformalizados, e saberes tericos, baseados na pesquisa.(PERRENOUD, p.180)
Entendemos, ento, que competncia seria uma expresso abrangente,
responsvel pela ao prtica dos dspares saberes procedentes de diferentes
fontes. Saberes estes, que so validados desde que sejam proveitosos na sua
utilizao para solucionar situaes habituais vivenciadas pelas educadoras. Deste
modo, podemos justificar a no formao acadmica das profissionais leigas,
agentes do projeto, em virtude de saberes adquiridos das mais diversas maneiras. O
que carecemos corroborar a competncia com que elas operam na esfera
educacional, ou seja, nas rodas, dentro do ncleo comunitrio que pertencem.
De acordo com a Resoluo CNE/CP n 1, de 15 de maio de 2006 que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduao em
Pedagogia, licenciatura, a organizao e atuao pedaggica docente deve
obedecer critrios previamente estabelecidos, como os mencionados no Artigo 2 e
no 1:
Art. 2 - As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia
aplicam-se formao inicial para o exerccio da docncia naEducao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, noscursos de Ensino Mdio, na modalidade Normal, e em cursos deEducao Profissional na rea de servios e apoio escolar, bemcomo em outras reas nas quais sejam previstos conhecimentospedaggicos.
1 - Compreende-se a docncia como ao educativa e processopedaggico metdico e intencional, construdo em relaes sociais,tnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princpiose objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulao entreconhecimentos cientficos e culturais, valores ticos e estticosinerentes a processos de aprendizagem, de socializao e de
construo do conhecimento, no mbito do dilogo entre diferentesvises de mundo.
Baseados nestas colocaes, podemos entender que a performance
destas educadoras sociais validam saberes e fazeres oriundos de uma organizao
pedaggica intencional, por meio da qual desenvolvem a socializao e a
construo de conhecimentos. O que se verifica a falta de um certificado que
autentique a profissionalizao das educadoras.
Compreender e legitimar o desempenho delas, em espaos de educaono-formais, nos remete a quebra de paradigmas educacionais e sociais construdos
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durante anos em uma sociedade que prima pela autenticidade da educao em
espaos formais, que no valida saberes provenientes de outras modalidades de
ensino. De tal modo, a mudana que sempre gera desconforto, desta vez vista por
uma tica inversa: competncias de atuao por meio de saberes sociais legitimam
a educao sem a necessidade da formao acadmica, suprindo as necessidades
que a educao formal no contempla. Mais um paradigma a ser rompido! No
queremos fazer aluso atuao leiga, nem tampouco, desmerecer a formao
acadmica, mas pretendemos mostrar que os saberes populares tambm so
capazes de educar, em qualquer ambiente e espao, com recursos e materiais
diversos, com educadoras que se formam no convvio social, com seus alunos, com
os pais e com a prpria comunidade, fazendo-nos pensar que a informalidade gera
conhecimentos e mudanas sem o sofrimento vivenciado, muitas vezes, pelas aes
formais, conforme Perrenoud(2002) menciona:
Qualquer formao incita mudanade representaes e mesmo deprticas. Portanto, normalmente suscita resistncias, as quais somais contundentes quando tm relao com a identidade, com ascrenas e com as competncias dos formandos. Tais resistncias soirracionais. importante reconhec-las e consider-las inteligveis,legtimas e pertinentes, antes de combat-las, a fim de poder super-las com mais facilidade. (p.182)
Deixamos de resistir a uma modalidade de ensino dessemelhante da usual
e passamos a compreend-la por uma configurao at ento no vista, ou no
entendida. Atuantes em um dos ncleos pertencentes ao Projeto Sementinha
(Ncleo So Jorge/Guaraciaba), sete educadoras, responsveis por 124 crianas em
idade entre quatro e cinco anos, desenvolvem atividades em perodos de quatro
horas dirias, por meio dos quais incitam saberes e propiciam a efetivao da
cidadania autnoma, por meio de rodas de leituras, aulas-passeio, trabalhosmanuais, dilogos e troca de experincias entre as rodas.
Educadoras leigas, atuantes em espaos no-formais, fazem parte da
educao brasileira, to vasta e rica em saberes, mas que algumas vezes no so
reconhecidas pela escassez de informao sobre a opulncia da performance e da
prxis docente.
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1.3. Da Alfabetizao ao Letramento: um percurso que ainda est sendo
trilhado3
No Brasil, nas ltimas dcadas do sculo XIX, a alfabetizao apresenta-se como uma necessidade para a aquisio do saber e o esclarecimento do povo.
Era o incio da Repblica e as prticas de leitura e de escrita eram vistas como
fundamentos de uma nova ordem poltica, econmica e social. Nesse contexto,
problemas e mtodos de ensino eram objetos de preocupao no s de
educadores e professores como tambm de intelectuais de outras reas.
No final do sculo XIX, inicia-se uma disputa entre os defensores do
mtodo analtico ou global, e os defensores do mtodo sinttico, especialmente domtodo de soletrao. O mtodo sinttico partia das partes para o todo, das letras
para as slabas e palavras. O mtodo analtico partia do todo, das historietas para a
sentenciao e a palavrao.
Na dcada de 1970, os educadores e pesquisadores comeam a perceber
que as discusses tradicionais sobre os problemas de mtodo de alfabetizao e de
maturidade da criana no davam conta do fracasso escolar. H uma preocupao
muito grande com a educao popular, e desponta o nome de Paulo Freire,trabalhando com alfabetizao de adultos, como base para o exerccio da cidadania.
Ele acreditava que:
O exerccio da curiosidade provoca a imaginao, a intuio, semoes, a capacidade de conjecturar, de comparar na busca deperfilizao do objeto ou do achado de sua razo de ser. (Freire,1997, p. 98)
Na mesma poca, os lingistas chamam a ateno para os aspectossociais da linguagem, estudando a relao entre a lngua e as condies sociais dos
falantes, e apresentam suas concluses sobre a diversidade lingstica no Brasil.
Mostram que uma das causas do fracasso escolar a dissociao entre a lngua da
criana e a lngua da escola, e procuram chamar a ateno para a importncia da
diversidade lingstica. A norma padro passa a ser vista apenas como mais uma
variante social, qual as crianas devem ter acesso para utiliz-la em situaes
3Para a exposio deste levantamento histrico utilizamos como base terica o texto de REGO, Lucia Lins B.Alfabetizao e letramento: refletindo sobre as atuais controvrsias.( acessado em 10/08/2008)
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adequadas. Nessa mesma poca, uma pesquisa iniciada na Argentina por Emlia
Ferreiro, traz dados relevantes sobre a aquisio da escrita pela criana. Sabe-se,
assim, que a psicognese da escrita uma construo precoce da criana, muitas
vezes, anterior ao contato com a escola.
Para se ler um cdigo escrito necessrio decifrar este cdigo. Desta
maneira, a criana que inserida no mundo do sistema de escrita, tenta atravs de
hipteses escrever/ ler. Torna-se cientista e trilha vrios caminhos at chegar
verdade e decifrar tal sistema. Assim, o sbio progride medida que compara o que
j fez com uma nova descoberta. A criana procede da mesma maneira. (CAGLIARI
apudROJO, 1998, p.63)
EmiliaFerreiro, psicloga e pesquisadora argentina, radicada no Mxico,fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientao de Jean Piaget.
Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus
trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos tericos sobre a
Psicognese do Sistema de Escrita, campo no estudado por Piaget, que veio a
tornar-se um marco na transformao do conceito de aprendizagem da escrita, pela
criana.
Ela no criou um mtodo de alfabetizao,e sim, procurou observar como
se realiza a construo da linguagem escrita na criana. Os resultados de suas
pesquisas permitem, que, conhecendo a maneira com que a criana concebe o
processo de escrita, as teorias pedaggicas e metodolgicas, nos apontem
caminhos, a fim de que os erros mais freqentes daqueles que alfabetizam possam
ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.
De acordo com Ferreiro (1995) A escrita pode ser considerada como uma
representao da linguagem ou como um cdigo de transcrio grfica das unidades
sonoras. Emilia Ferreiro percebe que, de fato, as crianas reinventam a escrita, no
sentido de que inicialmente precisam compreender seu processo de construo e
suas normas de produo.
Em entrevista revista Nova Escola(2003) a pesquisadora Emilia Ferreiro
relata sua opinio sobre a conscincia fonolgica, discusso esta, presente nos
dilogos sobre alfabetizao:
a possibilidade de fazer voluntariamente certas operaes com a
oralidade que no so espontneas. possvel dizer uma palavra,"lado", por exemplo, e depois omitir o primeiro segmento fnico."Ado" no significa nada. Isso pode ser um jogo divertido. A lngua
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tem a propriedade de ser partida em unidades de distintos tipos atchegar s letras. A no posso dividir mais. Essa uma habilidadehumana. A diviso em slabas se d praticamente em todas asculturas. (PELEGRINI (site), maio, 2003)
Ainda no cenrio educacional brasileiro, nas dcadas de 70 e 80,
observamos as disputas entre os defensores do mtodo misto, que utilizava as
cartilhas, e os partidrios do Construtivismo.
Anteriormente aos anos de 1980, a educao brasileira apostava na
alfabetizao pautada nos pressupostos tradicionais, nos quais a nfase era no
professor e no contedo que este ministrava. Na alfabetizao, as famlias silbicas
eram apresentadas de forma desconexa e o caminho progressivo do processo de
alfabetizao era percorrido por sucessivas correspondncias entre o oral e o
escrito, quer partindo de elementos menores, como os chamados mtodos
sintticos, quer partindo de unidades maiores, como os chamados mtodos
analticos. (SOARES, 1997, p.61)A mudana significativa nas concepes de
aprendizagem e ensino da lngua ocorre sendo fruto de dois fatores, segundo
Soares (1997):
Em primeiro lugar, nos anos 80 que as cincias lingsticas a
Lingstica, a Sociolingstica, a Psicolingstica, a LingsticaTextual, a Anlise do discurso comeam a ser aplicadas ao ensinoda lngua materna: novas concepes de lngua e linguagem, devariantes lingsticas, de oralidade e escrita, de textos e discursoreconfiguram o objeto da aprendizagem e do ensino da escrita e,conseqentemente, o processo dessa aprendizagem e desse ensino.Em segundo lugar, tambm nos anos 80 que a Psicologia Genticapiagetiana traz uma nova compreenso do processo deaprendizagem da lngua escrita, atravs, particularmente, daspesquisas e publicaes de Emilia ferreiro e seus colaboradores,obrigando a uma reviso radical das concepes do sujeito aprendizda escrita, e de suas relaes com esse objeto de aprendizagem, alngua escrita. (SOARES, 1997, p.60)
Com a utilizao dos estudos de Piaget (1972) e Vygotsky (1988) para
pautar os novos fazeres educacionais, os educadores so instigados a serem
mediadores entre o sujeito e os portadores textuais que o cercam, assim o sujeito
que aprende atuando com e sobre a lngua escrita, buscando compreender o
sistema, levantando hipteses sobre ele [...] submetendo a provas essas hipteses e
supostas regularidades (ibid, p.61) torna-se um escriba eficiente e agente sobre a
lngua escrita, ousando escrever, utilizando os conhecimentos prvios que possui
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sobre a mesma, alando e avaliando suposies sobre as correlaes entre o oral e
o escrito. Nesta nova concepo de ensino da lngua, o erro passa a ter carter
construtivo, permitindo que sejam indicadores e reveladores das hipteses pelas
quais as crianas esto atuando.
Paralelamente, no estado de So Paulo, na dcada de 80, inicia-se uma
discusso sobre as metodologias de alfabetizao em mbito estadual, a fim de
repensar as prticas exercidas sobre a funo social da alfabetizao. A implantao
do Ciclo Bsico vem quebrar paradigmas de uma alfabetizao desconexa com as
prticas sociais vigente na poca, como menciona Duran (1988):
A concepo muito arraigada nas escolas, de que o aluno devedominar a escrita ao final de um ano letivo, desconsidera as
caractersticas scio-culturais do desenvolvimento infantil nadeterminao do tempo para a aprendizagem da leitura e da escrita.Esta tese, que se fundamenta em critrios pouco realistas, muitasvezes provenientes de expectativas ideais, revela uma concepo dealfabetizao bastante mecnica na qual o tempo considerado de
per separa a escolha de mtodos, para a diviso de contedo daalfabetizao e para a avaliao, desvinculado do tempo do aluno,que determinante decisivo no processo de aprendizagem. (p. 14)
Nota-se que no basta a criana perpassar pelo processo de
aprendizagem da escrita e da leitura de maneira eficiente: precisa-se faz-la notar o
quanto estes processos so importantes no cotidiano social, utilizando-as em
diferentes situaes e de formas variadas, falta-lhe, alm de apropriar-se do
sistema de escrita, de suas convenes ortogrficas, aprender a usar a lngua
escrita para a comunicao e a interao (Soares,1997, p.72), mesmo assim, ainda
sem ter domnio do cdigo escrito, a criana j inicia o processo de maturidade
sobre a sua performance frente ao uso da lngua e sobre a atuao desta no seu
campo social. Faz-se necessrio que o educador seja mediador entre aaprendizagem de habilidadesque suscitem a interao do sujeito com os portadores
textuais, fazendo-os participantes do processo de alfabetizao antes mesmo que
este seja efetivado.
Com a restituio escrita do seu carter de objeto social, a implantao
do Ciclo Bsico, no estado de So Paulo, traz tona discusses sobre a importncia
da funo social da escrita e da leitura, repensando aa prxis educacional
desenvolvida pelos professores das sries iniciais. Conforme Duran (1988) a escrita
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importante na escola porque importante fora da escola. Porm, a escola, ao
apropriar-se desse objeto social, converteu-o num objeto de ensino, ocultando seus
usos sociais. (p.16)
Com o surgimento do termo letramento comeamos a compreender a
especificao da atuao do sujeito frente aos diferentes portadores textuais com os
quais ele vai tendo contato durante sua trajetria de vida. Lembramos que:
Dissociar alfabetizao e letramento um equvoco porque, noquadro das atuais concepes psicolgicas, lingsticas epsicolingsticas de leitura e escrita, a entrada da criana (e tambmdo adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamentepor esses dois processos: pela aquisio do sistema convencional deescrita a alfabetizao e pelo desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas prticassociais que envolvem a lngua escrita, o letramento. No soprocessos independentes, mas interdependentes, e indissociveis: aalfabetizao desenvolve-se no contexto de e por meio daaprendizagem das relaes fonema-grafema, isto , em dependnciada alfabetizao. (SOARES, 2004, p.14)
Observa-se que as prticas de letramento, ou seja, aquelas que conduzem
a criana ao contato social com diferentes portadores textuais acontecem em
diferentes lugares e com crianas de idades diversas. Isso nos mostra que, mesmo
antes da sistematizao do processo de alfabetizao, a criana tem contato com omundo letrado, fazendo uso da lngua atravs da pseudo-leitura e da pseudo-escrita.
Ainda, obscuro no mbito educacional, o termo letramento, que se refere
destreza eficaz e adequada do processo da escrita, pode ser definido como:
[...] capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imergirno imaginrio, no esttico, para ampliar conhecimentos, para seduzirou induzir, para divertir-se, para orientar-se, para apoio memria,para catarse...; habilidades de interpretar e produzir diferentes tipos e
gneros de textos; habilidades de orientar-se pelos protocolos deleitura que marcam o texto ou de lanar mo desses protocolos, aoescrever; atitudes de insero efetiva no mundo da escrita, tendointeresse e prazer em ler e escrever sabendo utilizar a escrita paraencontrar ou fornecer informaes e conhecimentos, escrevendo oulendo de forma diferenciada, segundo as circunstncias, os objetivos,o interlocutor[...] (SOARES, mimio., p.2-3)
Sente-se a necessidade de observar da indissociao destes termos:
letramento e alfabetizao. Interdependentes e inseparveis, buscam no somente
fornecer o domnio da tecnologia, mas tambm o uso efetivo dessa tecnologia em
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prticas sociais que envolvem a lngua escrita a isso se chama letramento (ibid,
p.2)
Letrar e alfabetizar, dois verbos que nos remetem a pensar sobre como
podemos desenvolver o processo de aquisio do cdigo escrito, desenvolvendohabilidades e competncias que auxiliem na formao atuante das crianas, de tal
modo que, possamos afirmar que para a prtica da alfabetizao, tinha-se,
anteriormente, um mtodo, e nenhuma teoria; com a mudana de concepo sobre
o processo de aprendizagem da lngua escrita, passou-se a ter uma teoria, e
nenhum mtodo. (Soares, 2004, p.11), assim, nos preocupamos em evidenciar as
prticas de letramento, visto que notamos que esta nova teoria eficaz e auxilia no
desenvolvimento social daqueles que so participantes do processo educativo. Paratanto, faz-se necessrio concretizar estes dois verbos conjuntamente, pois para que
a teoria seja efetivada necessrio que o processo de letramento e alfabetizao
caminhe de forma a incitar os saberes e fazeres infantis de tal forma que a
alfabetizao seja prazerosa, intrnseca ao indivduo e que este estabelea funes
para o seu uso na comunidade em que atua.
Emlia Ferreiro em entrevista Revista Nova Escola, j mencionada,
explicita de forma bastante interessante sua viso sobre os termos alfabetizao eletramento:
H algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar aexpresso letramento. E o que aconteceu com a alfabetizao? Virousinnimo de decodificao. Letramento passou a ser o estar emcontato com distintos tipos de texto, o compreender o que se l. Isso um retrocesso. Eu me nego a aceitar um perodo de decodificaoprvio quele em que se passa a perceber a funo social do texto.
Acreditar nisso dar razo velha conscincia fonolgica.(PELEGRINI, (site)Maio, 2003)
Assim, podemos identificar que, a dissociao se torna impossvel, uma
vez que acreditamos que o ato de letrar est implcito na alfabetizao social,
desenvolvida nos dias atuais.
A alfabetizao letrada compe aspectos que englobam os processos de
alfabetizao e letramento de tal modo que estejam intimamente interligados.
Podemos afirmar que:
[...] a insero no mundo da escrita se d por meio da aquisio deuma tecnologia a isso se chama alfabetizao, e por meio dodesenvolvimento ed competncias (habilidades, conhecimentos,
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atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia em prticas sociais queenvolvem a lngua escrita a isso se chama letramento. (SOARES,mimio., p.2)
Contudo podemos considerar que uma criana ou um individuo encontra-se alfabetizado quando utiliza o cdigo escrito para expressar as suas vontades,
para se comunicar e compreender o mundo que o cerca. Nos dias atuais a
concepo de ser alfabetizado est longe de ser aquela que tnhamos h anos atrs,
ou seja, a simples aquisio do cdigo escrito. Hoje isto insuficiente para atender
s exigncias do mundo moderno. Para que o cidado possa exercer sua cidadania,
ele precisa apropriar-se da funo social da escrita e da leitura, sendo capaz de
fazer uso das duas prticas, contribuindo para o seu crescimento pessoal e social.
Desta forma retrata Tfouni (1995) Enquanto a alfabetizao se ocupa da aquisio
da escrita por um indivduo, ou grupo de indivduos, o letramento focaliza os
aspectos scio-histricos da aquisio de uma sociedade. (p. 20)
Neste caso, as condies scio-histricas em que a atividade de leitura se
produz, analisando no apenas o indivduo como construtor autnomo do
conhecimento, mas tambm a funo de mediao exercida pelos pares, colocando
em evidncia, portanto, a dinmica das relaes interpessoais que atuam na
elaborao do conhecimento da leitura/escrita, como se estabelece a interao
mediador/aprendente pode facilitar ou, at mesmo, dificultar esta construo.
Para que a criana possa interagir e construir, desenvolvendo suas
potencialidades, essencial que ela interaja com tudo que est a sua volta. Assim,
cabe ao educador, ao mediador, aguar a curiosidade do aprendiz.
O essencial permitir que a criana, desde pequena, conhea no so que est a sua volta, aquilo que lhe vem dos sentidos, mas tambmo que est distante, no passado ou no espao; no apenas ensinar-lhe os elementos da histria, da geografia, das cincias ou dasmatemticas, mas permitir que conhea para enriquecer sua naturezae exaltar seu poder sem limite imaginao. A metodologia essencial. O educador pode ajudar a criana motivando-a a agir, criar,realizar ou simplesmente impor mtodos, sua disciplina e passar umsaber pronto, que no chega s ser transformado pelo indivduo emverdadeiro conhecimento. ( ELIAS, 2000, p.115)
Nos dias atuais a paisagem urbana composta pelo mundo das letras, edesde muito cedo as crianas identificam-nas em diversos lugares e momentos.
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Crianas urbanas, no ingressam no Ensino Fundamental ignorantes quanto ao
saber da lngua escrita. Pensamos em como proporcionar um ambiente facilitador
para que esta aprendizagem ocorra. Como retrata Ferreiro (2000):
Em vez de nos perguntarmos se devemos ou no devemos ensinartemos de nos preocupar em DAR S CRIANAS OCASIES DEAPRENDER. A lngua escrita muito mais que um conjunto deformas grficas, um modo de a lngua existir, um objeto social, parte de nosso patrimnio cultural. (p. 103)
Cotidianamente pode-se considerar a escrita como um objeto social, e
no meramente um objeto escolar. Ela se faz presente em diversas situaes do
cotidiano social, e as crianas visualizam-na em diferentes fontes, estilos e tipos
grficos. O que ocorre que, na aprendizagem da lngua oral, ningum espera quea criana pronuncie uma palavra corretamente quando est aprendendo a falar,
mas, com a lngua escrita, a preocupao to grande que no se aceita erros
ortogrficos, visto que a criana deve escrever corretamente para que no acarrete
dificuldades futuramente. O que muitas pessoas no se do conta, que a criana
inicia o processo de escrita estabelecendo relaes e combinaes e, muitas vezes,
resulta na troca ou inverso de letras, o que extremamente natural, quando se
trata de um processo em ampliao. Assim,O desenvolvimento da alfabetizao ocorre, sem dvida, em umambiente social. Mas as prticas sociais, assim como as informaessociais, no so recebidas passivamente pelas crianas. Quandotentam compreender, elas necessariamente transformam o contedorecebido. Alm do mais, a fim de registrarem a informao, elas atransformam. Este o significado profundo da noo de assimilaoque Piaget colocou no mago de sua teoria. (ELIAS apudFERREIRO, 2000, p.189)
Todo processo longo, passvel de erros e tentativas que de incio podemser frustradas. Mas, ao instigar a curiosidade, fornecer informaes e estmulos, a
criana acaba por aprender e, o que mais importante, interioriza o aprendizado,
que por ter sido processual, resultou na aquisio do conhecimento e no apenas na
memorizao de regras e tcnicas de escrita.
A criana que inserida em um mundo letrado, desde pequena,
consegue interpretar fatos, fazer analogias e inferncias, dissertar sobre um
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determinado assunto, ou at mesmo, dialogar sobre um tema, com mais facilidade
que aquela criana que no detm informaes do meio em que vive.
Referenciando a alfabetizao letrada podemos considerar que alm de
serem processos indissociveis um processo que se inicia desde o nascimento dacriana, quando ela passa a ter acesso as informaes do mundo letrado que a
rodeia. Desta maneira, podemos alm de considerar a alfabetizao letrada por meio
do desenvolvimento de habilidades e competncias, consideramos que o letramento
quem d abertura para que, a conscincia sobre a necessidade de sua utilizao
no contexto social. Aulas-passeio, leitura de portadores textuais diversos,
visualizao de rtulos, embalagens, placas, letreiros, fachadas luminosas, a
utilizao do raciocnio indutivo e dedutivo, no bornal e jogos, permitem que acriana se interesse por compreender estes cdigos e assim, desenvolva prticas de
alfabetizao que enfatizem oletramento.
Uma outra questo que no podemos deixar de mencionar sobre as
aulas-passeio, muito utilizadas no Projeto Sementinha que nos remete Pedagogia
Freinet, tendo como esta um conjunto original de propostas tericas e tcnicas de
trabalho, assentadas em princpios e eixos pedaggicos (cooperao, livre
expresso, afetividade, documentao) concebidos por Freinet (em sua prtica de46 anos de militncia pedaggica) e pela prtica cooperativa de milhares de
professores que compem o coletivo internacional de professores que adotam tal
perspectiva de trabalho.
Atravs de atividades ldicas, como o jogo, a leitura e as aulas-passeio, as
educadoras pretendem desenvolver, [...] as necessidades individuais e sociais da
criana e do homem, como uma preparao para a vida.(FREINET, 1974, p.17)
Desta forma, podemos perceber que a unio dos trs temas que
permeiam esta pesquisa se faz necessrio para que possamos conhecer a dinmica
existente dentro do Projeto Semetinha de forma que consigamos identificar a prtica
pedaggica que estrutura este trabalho educativo que envolve diferentes saberes e
fazeres necessrios para o desenvolvimento de habilidades e competncias que so
primordiais no decorrer da primeira infncia.
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CAPTULO II
SEMEANDO A EDUCAO SOCIAL COM NFASE NAALFABETIZAO LETRADA: UM ESTUDO DE CASO
Acredito que seja possvel desenvolver aformao de leitores e escritores, porque todo serhumano desde que nasce tem sua capacidade deseguir qualquer movimento, mesmo assim so
nossos meninos que no s podem acompanharnossos movimentos como tambm so capazesde criar seu prprio ritmo e limites.
Educadora 2
A inquietao de buscar entendimentos sobre a dialtica entre a educao
no-formal, a atuao de profissionais leigas e o desenvolvimento da alfabetizao
letrada, trouxe uma gama de indagaes que nortearam o presente trabalho. Estesquestionamentos instigam a produo acadmica sobre trs temas que,
correlacionados, resultam em um trabalho abastado em informaes sobre a
problemtica e a desenvoltura dessas profissionais, bem como a atuao intencional
sobre as questes da linguagem oral e escrita. A no-formao acadmica suscita a
curiosidade sobre a compreenso de um fazer pedaggico involuntrio resultante no
desenvolvimento, no somente de uma ao cidad, mas tambm, da insero no
mundo da escrita, do desenvolvimento de valores ticos, da auto-estima, do trabalho
em grupo, do respeito mtuo e de valores bsicos que guiam a constituio de um
cidado.
Fez-se necessrio, alm de uma breve pesquisa histrica sobre a
fundao do Projeto Semetinha, o levantamento de dados sobre as problemticas
advindas do municpio de Santo Andr/ SP, que provocaram a procura e
implantao de tal projeto na cidade. Buscamos dados relevantes sobre o processo
de implantao com a ento Secretria de Educao e Formao Profissional, Prof
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Cleuza Rodrigues Repulho (2001 2007), que, por meio de entrevista (anexo 1) nos
relatou como e porqu o Projeto Sementinha foi trazido para a cidade.
Aps os dados colhidos com a entrevista, realizamos uma pesquisa
emprica que forneceu informaes sobre a prxis das profissionais leigas, atuantesem um dos ncleos de atendimento do Projeto (Ncleo So Jorge/ Guaraciaba), o
qual contava com sete educadoras, todas moradoras do bairro em que atuam, e que
assistem um total de 124 crianas (dados coletados em maro/ 2008), distribudas
em 7 grupos: seis no perodo da tarde e um no perodo da manh, com durao de
quatro horas, de segunda sexta-feira.
Colher os dados juntamente com o projeto, foi necessrio para que
pudssemos estabelecer relaes entre os objetivos propostos pelo Projeto e a suaimplantao e atuao frente comunidade.
A escolha pela pesquisa emprica se deu pela sua natureza, pela
necessidade de se comprovar os dados obtidos. Assim, conforme nos relata
Dencker (2001) a pesquisa emprica auxilia na produo de conhecimentos por meio
da coleta de dados angariados pela experincia vivida.
Para que a cincia possa produzir conhecimentos sobre a realidade
ou para que possua interesse prtico, necessrio que contenhaelementos empricos, pois apenas pela experincia sensvel quepodemos recolher informaes bsicas a respeito do mundo. (p. 64)
O estudo de caso, como outras modalidades de pesquisas, tem suas
vantagens, segundo Palma (2004) como em qualquer modalidade de pesquisa, o
rigor cientfico e a transparncia na comunicao dos resultados, so elementos
indispensveis a orientar a conduta do pesquisador(p.123). Yin (2005) contribui
tambm com o entendimento de que o estudo de caso [...] a estratgia preferida
quando se colocam questes do tipo como e por que, quando o pesquisador tem
pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em
fenmenos contemporneos inseridos em algum contexto da vida real. (p.19)
O estudo vivenciado neste ncleo do projeto possibilitou a vivncia e
observao das experincias das profissionais atuantes como educadoras,
permitindo um olhar cuidadoso sobre a fazer pedaggico que envolve as situaes
de aprendizagens, sobre a leitura e escrita, que estas crianas so submetidas,
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auxiliando desvelar o como fazeres, saberes e quereres das educadoras e o
porqu desta prtica em situaes no-formais.
2.1. Projeto Sementin ha: s ua h ist ria e sua germ inao na cid ade de Santo
Andr/ SP
A escolha pelo Projeto Sementinha se deu em Fevereiro de 2007, quando
tomei cincia do trabalho das educadoras deste projeto, em um Congresso
Internacional sobre Educao Infantil, que ocorreu na cidade de So Paulo. As
educadoras estavam com um espao para expor as produes das crianas, das
prprias educadoras e das mes, alm de terem um painel com o resumo do
trabalho que elas desenvolviam. Por meio de uma conversa informal com uma das
educadoras que l estava, tive a oportunidade de conhecer uma amostra do que
estas educadoras desenvolviam nas comunidades de baixa renda da cidade de
Santo Andr/ SP.
Aps o congresso, fui em busca de informaes sobre o Projeto
Sementinha com o Coordenador Geral do Projeto Prof Ronnie Corazza, que me
recebeu no Parque Escola da cidade de Santo Andr/ SP, e me apresentou as
necessidades que este vinha suprimir na cidade e como eram realizadas as
selees de educadoras e a formao inicial, bem como as formaes ministradas
cotidianamente.
Aps esta conversa, resolvi dissertar sobre as prticas educativas
desenvolvidas pelas educadoras sociais, em espaos de educao no-formais,
vivenciando junto a elas, o desenvolvimento de prticas de letramento efetivadas
intencionalmente atravs das atividades por elas concretizadas.
2.1.1. O plan tio ...
Em 1984, na cidade de Curvelo, interior de Minas Gerais, 26 pessoas da
comunidade dentre elas professores e voluntrios, sentiram a necessidade de
atender crianas pequenas que no eram atendidas pela educao formal. Este
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grupo ento, se organizou para discutir sobre as questes: possvel fazer
educao sem construir prdios? [...] possvel fazer uma escola debaixo do p de
manga?4 (Revista Presena Pedaggica, p.6, 2005). Concluram que no era
necessrio construir prdios e que a educao poderia acontecer em qualquer
espao. Criaram os 13 no-objetivos do Projeto, numa proposta irreverente, pois
partiram daquilo que no gostariam de desenvolver nas crianas atendidas.
Conforme entrevista concedida Revista Presena (2005) o idealizador do
Projeto Sementinha, Professor Tio Rocha, explica o porqu do nome do projeto,
bem como apedagogia da roda5, por ele utilizada:
O nome a metfora de uma escola que no precisanecessariamente de prdio para oferecer uma educao de qualidade
para a primeira infncia. O Sementinha uma escola itinerante.Educadores e crianas tm um ponto de encontro, num lugar dacomunidade que todos conhecem. Pode ser um salo de igreja, daassociao do bairro ou a sala da casa de um morador, por exemplo.
As crianas circulam pelos diversos espaos da comunidade,realizando atividades que divertem, desafiam e que foram o cidado.
A escola, do ponto de vistas fsico, o bairro, as ruas, as praas, ascasas. O contedo o que as pessoas desse bairro sabem, fazem edesejam (os saberes, fazeres e quereres), ou seja, a cultura dacomunidade, que abre portas para o conhecimento universal a serapropriado pelas crianas e suas famlias. Os educadores soaqueles que se sentam na roda: a professora, as crianas, seus paise avs. Para ns, educao s acontece no plural. Trata-se de uma
relao igual, envolvendo pessoas diferentes e olhares diferentes.Essa relao s ser educativa se houver aprendizagem para ambos.(p.6, 2005)
Os 13 no-objetivos designados demonstram a importncia de um
relacionamento horizontal entre o educador e as crianas, tornando as rodas um
espao criativo e prazeroso de estar, um lugar onde as crianas possam trazer sua
cultura, criar sua identidade, desenvolver criticidade. Um ambiente que proporcione
a troca de saberes, no qual as crianas no so consideradas uma pgina em
branco, mas participantes ativas do seu processo educacional. Conseqentemente,
as crianas participam e opinam sobre as atividades desenvolvidas, do sugestes e
so estimuladas a chegarem num consenso sobre o que faro naquele dia, a fim de
oportunizar a participao de todos de forma democrtica. Ao educador cabe
4A expresso Escola debaixo do p de mangasurgiu porque havia uma grande quantidade de ps de mangana cidade de Curvelo/ MG.5Roda o termo utilizado pelas pessoas envolvidas no Projeto para designar os encontros que ocorrem com as
crianas, com os educadores e demais membros da comunidade. A rodapermite um dilogo mais aberto, ondetodos possam opinar sobre as decises a serem tomadas, sobre a rotina e escolha das atividades, sobre a trocade saberes de forma que todos esto numa mesma posio, no havendo um lder e sim, um mediador.
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estimular a participao, oral ou no, das crianas, utilizando diferentes tcnicas,
como: desenhos, danas, brincadeiras, leituras, dramatizaes, de forma que
possibilite a expresso e participao de todos. No final do dia, as crianas so
convidadas a avaliar as atividades executadas proporcionando ao educador um
feedback sobre as questes levantadas. Tudo isso registrado diariamente pelos
educadores, o que viabiliza a avaliao da sua prxis.
Ao ingressarem no projeto, os educadores, que no possuem formao
especfica para o magistrio, recebem, inicialmente, uma formao que tem como
principal objetivo desconstruir o modelo de escola curricular, autoritria e centrada
nos professores (ibid, p.11). As reunies de formao acontecem cotidianamente,
sendo ministradas pelos educadores que coordenam o Projeto, ou por pessoasconvidadas que vem auxiliar na explanao de algum tema que considerem
necessrio o estudo naquele momento. Assim, podemos compreender que a
formao destas educadoras acontece em
[...] um espao de interao que possibilite o desenvolvimentopessoal e profissional, articulados entre si, de forma sistemtica eintencional apropriando-se dos processos de formao econcomitantemente oportunizando um significado s suas prpriashistrias de vida. (SANCHES, 2000, p. 28)
Todos aprendem que no projeto, esto a cargo da estimulao e no da
ensinagem. Os educadores so formados a serem promotores de oportunidades
(grifos meus) e a instigarem fazeres sociais que se concretizem na formao cidad,
tornando-se provocadores de mudanas, criadores de oportunidades, construtores
de cidadania e promotores de generosidade.(ibid, p.11)
Este projeto foi implantado na prefeitura de Santo Andr em Setembro de
2001, pela ento Secretria de Educao e Formao Profissional, Cleuza
Rodrigues Repulho. Com o intuito de atender as crianas do municpio que no
tinham acesso Educao Infantil em escolas regulares do ensino municipal,
(devido a grande demanda nas regies de mananciais, onde a prefeitura no pode
realizar construes, e nas regies de mais vulnerabilidade embora a prefeitura
tivesse um planejamento de ampliao da rede de Educao Infantil) o Sementinha
veio como uma alternativa de atendimento que proporcionasse criana a
oportunidade de conhecer o mundo letrado e o desenvolvimento da comunidade na
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qual se insere (no tivemos acesso aos dados registrados sobre o nmero da
demanda de crianas atendidas pelo Projeto no ano de sua implantao). Desta
forma, Repulho solicita ao CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento)
que desenvolvesse um processo de implantao do Projeto Sementinha em regio
metropolitana.
As contrataes, inicialmente, foram realizadas atravs de um programa
de trabalho do municpio de Santo Andr/ SP, nomeado como Frente de Trabalho.
No havia um critrio para a seleo destas educadoras e assim as inscries
procediam e, conforme surgiam a necessidade de outras contrataes, novas
formaes eram ministradas. Assim, o Projeto foi se expandindo pelas regies de
baixa renda da cidade, e aos poucos foi tomando volume.De incio as educadoras visitavam as famlias da comunidade e faziam um
levantamento das crianas que estavam fora da rede educacional. Cadastravam
essas crianas e as convidavam para participar do Sementinha. Em princpio, as
famlias e a prpria rede formal de ensino questionaram o fazer pedaggico do
Projeto e indagaram sobre a sua credibilidade com relao ao processo de
ensino/aprendizagem, assim como nos relata Cleuza Repulho, em um dos trechos
da entrevista concedida para a complementao desta pesquisa:Primeiro assim, a resistncia da rede formal foi grande, foi grande.Na mesma medida que eles no tinham uma alternativa, porquetambm superlotar as escola de Educao Infantil no ia resolver oproblema. Eu estava criando outro problema. Na verdade entenderque h processo de educao, tambm, e que educao no se fazsomente de prdio. Isso eu acho que foi uma lio para a prpriarede formal no sentido de entender educao num processo muitomaior. E num contexto que s vezes extrapola aquilo que a genteaprende na academia. Ento isso foi um ganho, um ganho praprpria rede formal que recebeu estas crianas depois e viu que elasestavam num outro patamar de desenvolvimento e que o Sementinha
proporcionou a elas, sim, um diferencial de atendimento e deoportunidade, eu acho que isso muito importante. A cidade, asfamlias, num primeiro momento foram muito resistentes, teve pai eme que no deixou, eles queriam ver primeiro como a coisa iaandar par depois se inscrever. Eu lembro que no comeo a genteno conseguia formar os ncleos, porque as famlias tinham muitoreceio e da depois chegou a fase de que a gente no tinha vaga pratodo mundo e da foi abrindo mais ncleos. (Maro, 2008)
Com a insero da comunidade no Projeto e a diluio das atividades do
mesmo na comunidade, a parceria foi estabelecida e todos se envolveram, inclusive
na rotina das rodas. As mes foram convidadas a preparar a merenda das crianas
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com os ingredientes fornecidos pelo municpio, o que gerou um envolvimento maior
da comunidade escolar com a vizinhana.
No segundo ano da sua implantao na cidade de Santo Andr (2003), o
Projeto Sementinha avalia, pela primeira vez, sua performance no grupo social e noplano pedaggico e, desde ento, realizado anualmente, em forma de
questionrio. A avaliao do projeto se d atravs dos IQPs (Indicadores de
Qualidade de Projeto) os dados so colhidos nas comunidades, com as crianas,
pais e educadoras, e so avaliados 12 itens: apropriao, coerncia, cooperao,
criatividade, dinamismo, eficincia, esttica, felicidade, harmonia, oportunidade,
protagon