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6 domingo, 18 de dezembro de 2005 mais! AB

ECONOMIAEduardo Knapp - 11.mar.2005/Folha Imagem

OGRUPODODOGMAPAULO NOGUEIRA BATISTA JR...............................................................................................COLU NIS TA DA F OLH A

A pontamentos para um Bra-sil melhor em poucas pala-vras e estilo telegráfico. Umdesempenho econômico

melhor depende, em larga medida,de iniciativas governamentais, espe-cialmente na área macroeconômica.O governo Lula já consumiu trêsquartos do seu mandato. O ano quelhe falta será dominado pelas elei-ções. Não haverá grandes iniciativas.O governo não tem tempo nem con-dições políticas nem equipe nem co-ragem para reorientar a economiaparaodesenvolvimento.

Mas poderá ainda fazer algunsajustes, introduzir algumas flexibili-zações. Existe, sim, a possibilidadede estimular o crescimento da eco-nomia brasileira, que vem registran-do taxas medíocres, muito inferioresao nosso potencial e às que se obser-vam na maioria das economiasemergentes.

Trata-se, basicamente, de eliminaros excessos de ortodoxia e algunsexagerosdapolíticaeconômica.

Aequação juros+dólarPrimeira providência:a taxabásica

de juro pode diminuir mais rapida-mente ao longo dos próximos me-ses,o que favoreceria a expansão dosfluxos de crédito e da demanda deconsumo e de investimento. As con-dições para isso já estão dadas há al-gum tempo: os juros no resto domundo são muito mais baixos, nãohá risco de aquecimento excessivoda economia brasileira ou de infla-ção de demanda, a taxa de inflaçãoestá em queda, a situação das contasfiscais melhorou e ascontas externasdo país se mostram sólidas. A teimo-sia e o dogmatismo da direção doBanco Central têm impedido o paísdetirarpartidodessasvantagens.

Segunda: o governo deve induziralguma depreciação do real em rela-ção a moedas estrangeiras. A valori-zação da moeda brasileira foi longedemais. O real forte tem dois efeitosnegativos: a) coloca em risco os ex-celentes resultados das contas exter-nas, pois penaliza as exportações eestimula importações e outros gas-tos no exterior; e b) contribui para omedíocre crescimento da economia,por deprimir a atividade econômicae o investimento nos setores que ex-portam e naqueles que disputammercados internos com importa-ções. A própria diminuição mais rá-pida dos juros favoreceria a depre-ciaçãodoreal.

MaispapistaqueopapaA queda dos juros facilitaria uma

terceira providência: a flexibilizaçãoda política fiscal. O governo, sempre“más papista que el papa”, vem ge-rando superávits primários bem su-periores às metas fixadas (que já sãoambiciosas). Procura, assim, neutra-lizar o efeito da política de juros doBanco Central sobre o déficit e a dadívidapública.

Com juros mais civilizados (oumenos selvagens), o governo pode-ria limitar-se a alcançar os 4,25% doPIB [Produto Interno Bruto] fixadoscomo meta para 2006. Haveria umpouco mais de espaço para ampliaros investimentos públicos, reduzir acarga tributária e reforçar os progra-mas de distribuição de renda e com-bateàpobreza.

Uma modesta flexibilização da po-lítica fiscal contribuiria, juntamentecom juros menores e alguma depre-ciação cambial, para revigorar ocrescimentodaeconomia.

Ortodoxo,“peronomucho”!

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista eprofessor da FGV-EAESP (Escola de Adminis-tração de Empresas de São Paulo da Funda-ção Getúlio Vargas). É autor de “O Brasil e aEconomia Internacional” (Campus/Elsevier).

FuncionáriosdefábricadecosméticosemCajamar,naGrandeSãoPaulo

TELEVISÃOCANAISABERTOSEunão

passarianosvestibulares,nossosreitoresnãopassariamnosvestibulares,osprofessoresdecursinhosnãopassariamnosvestibulares

IVANA BENTES..............................................................................................E SPE CIA L PARA A FOLH A

E spero que em 2006 fique cadavez mais evidente que a televi-são brasileira é uma conces-são do Estado e da sociedade

brasileira, e não o contrário, o Esta-do brasileiro e a sociedade reféns datelevisão. Sendo concessões públi-cas, as TVs em 2006, além de usarema concessão para ganhar dinheiro oucomo máquina político-eleitoral,poderiam quadruplicar sua contra-partida pública, social, cultural, ex-perimental, educativa, para além domercado, do lucro e da chantagempolítica.

Como a TV é importante e in-fluente demais para ficar na mãoapenas dos executivos, do marke-ting e dos altos índices de audiência,espero que em 2006 seja aberta a cai-xa-preta da TV para os conselhos deética, à produção independente, àprodução regional e exibam na TVaberta o cinema, à videoarte e aoscurtas-metragensbrasileiros.

Espero que o Brasil não perca aoportunidade histórica, com a im-plantação da TV digital, de demo-cratizar o mais poderoso meio decomunicação do país. Dependendodo que for decidido agora, no iníciode 2006 será possívelaumentaredis-ponibilizar novos canais (multica-nais) para novos atores, movimen-tos sociais, ONGs, favelas, para o ci-nema brasileiro, para os coletivos dearte, as universidades etc. ou manteras emissoras de TV sob o controledosmesmos,deumaminoria.

Democracia interativaAgora, implantar o sistema de alta

definição (HDTV) em 2006 só paratransmitir a Copa do Mundo da Ale-manha e faturar milhões em anún-cios é um negócio que só as emisso-ras de TV e o ministro das Comuni-cações, Hélio Costa, defendem. Ne-nhuma linha a mais de definição natela é necessária para ver um jogo defutebol, e interatividade para clicar ecomprar produtos na tela da TV nãotem nada a ver como democraciaparticipativa!

Espero que seja revista a Lei Geralde Comunicação de Massa e que te-levisão, cinema, vídeo, internet e to-da produção audiovisual possam ser

finalmente reguladas e regulamen-tadas por um só órgão, a Ancinav(Agência Nacional de Cinema e Au-diovisual). Agência que foi abortadapor questões políticas, lobby e pres-sãodasemissorasdetelevisão.

Espero que, em 2006, todo teles-pectador brasileiro, associação, gru-po, rede, organização tenham direi-to de resposta na TV, podendo ocu-par o tempo necessário, na TV aber-ta ou a cabo, sempre que forem lesa-dosemseusdireitosdecidadão.

Esteticamente, espero que os nú-cleos de experimentação de novaslinguagens cresçam e apareçam, quea interatividade inteligente e os no-vos formatos, como os “realityshows” e games, não se esgotem nasua versão comercial, que se invistaem documentários que produzamconhecimento novo, que investi-guem a realidade, e não apenas ilus-trem o que já sabemos com “faits-di-vers”e imagenssensacionalistas.

NovonacionalismoQue os criadores da TV descu-

bram a televisão segundo Jean-LucGodard, Peter Greenaway, The Kit-chen [centro de vídeo, música, per-formance, dança, filme e literaturaem Nova York], descubram o docu-mentário experimental e uma novaiconografia para expressar o Brasilque não seja só o nacional-popular,o nacionalismo engessado, o neopo-pulismo, mas as novas imagens eforças, transnacionais, que nos habi-tam e que a TV ainda não conseguiumapear.

Que as imagens das favelas nos te-lejornais não sirvam apenas paraproduzir o medo, o preconceito, osdiscursos de repressão e o estado deexceção, imagens e reportagens quelegitimam o assassinato diário de fa-velados pela polícia e que produzemum novo conservadorismoquepedea remoção das favelas e a expulsãodospobresdenossocampovisual.

Em 2006, espero que a televisãonão faça campanha eleitoral nos seuprogramas de entretenimento, nos“talk shows”, nos telejornais e quenão eleja nem derrube nenhum can-didato a presidente da República. Épedirdemais?

Ivana Bentes é professora da Escola de Co-municação da Universidade Federal do Riode Janeiro e autora de “Joaquim Pedro deAndrade” (ed. Relume-Dumará).

LITERATURASEMFLA-FLUNEMPANELASJOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA..............................................................................................E SPE CIA L PARA A FOLH A

N os “Estudos de LiteraturaBrasileira” (Villa Rica), in-dispensáveis para com-preender o percurso de

nossa crítica literária e cultural, JoséVeríssimo costumava incluir um ar-tigo de fôlego no qual dava conta daprodução dos últimos anos. No ou-tro extremo, na reedição de “Mito eArquivo - Teoria da Narrativa Lati-no-Americana”, Roberto GonzálezEchevarría confessou sem modéstiaque pretendia orientar a produçãodaprosadeficçãolatino-americana.

No fundo, os dois projetos se equi-valem. De um lado, o desejo de abar-car o passado recente. De outro, aambição de colonizar o futuro pró-ximo. No panorama da literaturabrasileira contemporânea, destaca-se a (saudável) impossibilidade dereviver tais propósitos. Leitor ne-nhum possui uma visão sintética domuito que se produz. E até o teórico

mais confiante sabe que escreve paraoscincoleitoresdodefuntoautor.

Tal certeza é uma advertência, es-pecialmente no campo (minado) dapoesia. Sua produção e recepçãopermanecem entrincheiradas em ri-validades e intolerâncias, muitas ve-zes iniciadashádécadas!

Por isso, todo balanço crítico, emlugar de diálogo,ou seja, divergêncialevada a sério, estimula paródias, is-to é, duelos velados. Trata-se de im-passe que deve ser superado. Afinal,por meio de um exercício constantede tradução e de experimentação, apoesia brasileira alcançou inegávelexcelência.

Logo, um sofisticado conhecimen-to de autores fundamentais e umconsiderável domínio técnico se en-contram paradoxalmente constran-gidos pela sobrevivência de velhascapelinhas, no eterno retorno de no-mes e debates —o círculo viciosotornadométodo.

Na prosa de ficção, a pluralidadedas alternativas estéticas desfavore-ce a existência de um modelo crítico

dominante —felizmente, aliás. Te-mos assim desde o refinamento deBernardo de Carvalho à denúncia deFerréz. E devemos parar de confun-dir crítica com um aborrecido Fla-Flu das letras: a diversidade das op-çõeséemsimesmoumvalor.

Uma mudança desejável: em lugarda proliferação de prêmios, empre-sas privadas poderiam investir emquestões estruturais, transformandoa cultura do espetáculo em trabalhonaesferaanônimadodia-a-dia.

Traduções diretas, por exemplo,do árabe (Mamede Mustafa Jarou-che) e do russo (Paulo Bezerra, Ru-bens Figueiredo) assim como edi-ções criteriosasdeclássicosampliamaspossibilidadescriativas.

Outra mudança bem-vinda seriaentão o pleno reconhecimentodare-levância da tradução para a excelên-cia do sistema literário também nocampodaprosa.

João Cezar de Castro Rocha é professor deliteratura comparada na Universidade doEstado do Rio de Janeiro e autor de, entreoutros, “Literatura e Cordialidade” (Eduerj).

Jochen Luebke - 31.ago.2005/France Presse

EDUCAÇÃOSELEÇÃONATURALRUBEM ALVES..............................................................................................COLU NIS TA DA F OLH A

E ntre a multidão dos meus de-sejos para a educação elejoco-mo minha prioridade acabarcom os vestibulares. Os vesti-

bulares são, a meu ver, a coisa maisestúpida a estragar a educação. Nãome importam os vestibulares comoprocesso seletivo para a entrada nasuniversidades. Importa-me o queeles fazem com todo o processo es-colarqueosantecede.

Em primeiro lugar, eles são inú-teis. Os supostos saberes exigidospara os exames estão condenados aoesquecimento. Eu não passaria nosvestibulares, nossos reitores nãopassariam nos vestibulares, os pro-

fessores de cursinhos não passariamnos vestibulares. Os especialistas emportuguês tombariam diante dosproblemas de física e química. Osprofessores de física e química tom-bariam diante das questões de análi-se sintática. Memória ruim? Não.Memória inteligente.

A memória inteligente sabe esque-cer o que não faz sentido. E a desgra-ça é que as escolas, desde o seu iní-cio, vivem sob a sombra do grandebicho-papão. Quem determina ossaberes a serem sabidos são os pro-fessores que preparam as questõespara os exames. E então, as questõesfundamentais da educação, da for-mação humana dos alunos são en-viadas para o porão. O prazer da lei-tura? Quem pensará que leitura dáprazerquandoelaéobrigatória?

Não existe forma mais rápida defazer um aluno detestar a leitura doque fazer dela um dever pelo qual seterá que prestarcontas. A apreciaçãoda música, a educação dos sentidos,a curiosidade vagabunda... Tudo édeixado de fora. Tanto sofrimentoparanadaporquetudoéesquecido.

Além de inúteis são perniciosos,porque criam hábitos mentais tor-tos. Para cada pergunta há uma res-posta correta! Mas na vida não é as-sim. E nem na ciência. A ciência sefaz com uma infinidade de erros.Sem os vestibulares as escolas esta-riam livres para de fato educar. Masque processo substituiria os vestibu-lares? Minha sugestão: um sorteio...Loucura?Parece,masnãoé.

Rubem Alves é educador e psicanalista. TrabalhadorarrumaTVsdeplasmaemfeiradeeletrônicos