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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CINCIAS MATEMTICAS E DA NATUREZA INSTITUTO DE GEOCINCIAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

PANTANAL: UM ESPAO EM TRANSFORMAO

ANA PAULA CORREIA DE ARAUJO

Rio de Janeiro 2006

PANTANAL: UM ESPAO EM TRANSFORMAO

ANA PAULA CORREIA DE ARAUJO

Tese de Doutorado apresentado ao programa de Ps-Graduao em Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessrios Rio de Janeiro obteno do ttulo de Doutora em Cincias 2006 (Geografia).

Orientadora: Prof. Dr. Ana Maria de Souza M. Bicalho

Rio de Janeiro 2006

Araujo, Ana Paula Correia de Pantanal: um espao em transformao. Ana Paula Correia de Araujo Rio de Janeiro: 2006 315 f. Tese (Doutorado em Geografia) UFRJ, Rio de Janeiro, 2006 1- A organizao do espao do Pantanal de Mato Grosso do Sul 2- O processo de modernizao da pecuria de corte pantaneira 3- O desenvolvimento do turismo rural e do ecoturismo

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CINCIAS MATEMTICAS E DA NATUREZA INSTITUTO DE GEOCINCIAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

FOLHA DE APROVAO

A Tese Pantanal: um espao em transformao, foi apresentada por Ana Paula Correia de Araujo, foi aprovada e aceita como requisito para obteno do ttulo de Doutora em Geografia

MEMBROS DA BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________ Prof. Dr. Ana Maria de S. M. Bicalho Presidente da Banca

___________________________________________ Prof. Dr. Jlia Ado Bernardes Examinadora

___________________________________________ Prof. Dr. Scott William Hoefle Examinador

___________________________________________ Prof. Dr. Edna Maria Facincani Examinadora

___________________________________________ Prof. Dr. Glaucio Jos Marafon Examinador

Rio de Janeiro, ___/___/___

Dedico este trabalho ao amigo Manoel Rothier, que me ensinou o caminho e esteve sempre ao meu lado. Com todo o meu corao, abrigada por tudo.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeo Profa. Ana Maria Bicalho, pela orientao deste trabalho, por sua conduta e competncia, sempre indicando vasta bibliografia, chamando a ateno para o enfoque geogrfico, incentivando novas reflexes e impulsionando o desenvolvimento da pesquisa. Sua orientao foi fundamental para a realizao desta tese. Agradeo, tambm, por sua compreenso e por tudo aquilo que tem feito pelo meu crescimento profissional. Agradeo a amiga Glauciena Santi presidente da ABIH/MS pela ajuda na obteno de dados referente ao turismo em Mato Grosso do Sul, pelo contato com os profissionais do turismo e com as Secretarias de governo. Agradeo, sobretudo, pelo incentivo, carinho e pela fora nos momentos difceis. Sou grata dedicao da Dra. Ins B. C. Costa e Almeida, mdica veterinria do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento pelas explicaes tcnicas referentes pecuria de corte, pelo fornecimento de dados, pela colaborao nos trabalhos de campo e pelos contatos com os pecuaristas da regio. Profa. Edna Maria Faccincani, do Departamento de Geografia da UFMS, pelos ensinamentos sobre a Geografia Fsica do Pantanal Sul e pela colaborao nos trabalhos de campo. Devo agradecimentos aos pecuaristas, administradores, veterinrios de campo, tcnicos e gerentes das fazendas estudadas pelo carinho, ateno e fornecimento de informaes e de dados sem os quais esta pesquisa no seria possvel. Agradeo, tambm, aos empresrios do turismo e aos turismlogos que trabalham na regio pelos ensinamentos e pelas informaes prestadas, de vital importncia para a compreenso da atividade no espao rural pantaneiro. Aos Presidentes de Associaes ligadas pecuria de corte e atividade turstica em Mato Grosso do Sul que sempre me receberam com ateno e interesse. Diretoria do IAGRO, e a seus mdicos veterinrios e tcnicos, dos municpios visitados, que sempre nos atenderam prontamente quanto ao fornecimento de dados contribuindo para um melhor conhecimento da regio estudada.

Embrapa Pantanal e a Embrapa Gado de Corte pelos dados e explicaes tcnicas. Agradeo, ainda, aos tcnicos da FAMASUL e da CNA pelas informaes prestadas. Secretaria de Produo e Turismo do Estado de Mato Grosso do Sul pelos dados estatsticos referente atividade turstica no estado e no Pantanal Sul. UFMS, que gentilmente cedeu inmeras vezes sua base de pesquisa no pantanal viabilizando a realizao deste trabalho. Aos funcionrios desta instituio pela gentileza no atendimento e pela ateno. ABIH/MS pelo fornecimento de dados, pelo contato com os hoteleiros e pelas informaes atualizadas. Ao Daniel pelos trabalhos de informtica quando o tempo era escasso. Agradeo ao PPGG/UFRJ em especial aos Professores do Programa de Ps Graduao da UFRJ pelos ensinamentos. Dona Idione e Nildete, secretrias do Curso de Geografia, pelos esclarecimentos prestados. Um agradecimento especial ao pessoal da biblioteca. CAPES pelo apoio financeiro sem o qual este projeto no poderia ser realizado. UFRJ e ao Departamento de Geografia, por tudo. Aos meus amigos e familiares pelo incentivo e carinho. A todos o meu sincero afeto e agradecimento.

ARAUJO, Ana Paula Correia de. Pantanal: um espao em transformao. 315 f. Tese (Doutorado em Geografia) UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.

RESUMO

Este trabalho busca provar que o Pantanal um espao em transformao. O isolamento que sempre caracterizou a regio ao longo dos 300 anos de ocupao, est se rompendo nos ltimos quinze anos por novas vias de acesso, pela construo de aeroportos, pela ampliao do sistema porturio, pela chegada da luz eltrica, do telefone, do fax e da internet. O sistema tradicional de produo pecuria, baseado na experincia de sucessivas geraes, est cedendo lugar a um novo sistema de produo que emprega tcnicas modernas voltadas para o aumento da produo e, conseqentemente, da competitividade local. Em paralelo, o turismo rural e ecolgico - surge na regio como uma atividade nova, desenvolvido de forma integrada atividade pecuria, agregando valor propriedade rural e dotando a regio de uma nova funo: a funo turstica. Como conseqncia h alteraes na organizao espacial, que passa a se adequar s transformaes sociais. Novos atores hegemnicos imprimem uma nova racionalidade ao lugar, vinculada mxima eficincia produtiva atravs do aumento da produtividade e da competitividade no conjunto do sistema espacial. Essas transformaes, suas causas e conseqncias precisam ser compreendidas pela cincia. Neste sentido, este trabalho representa um dos olhares possveis para as mudanas em curso no Pantanal, um olhar sobre as duas atividades econmicas e a organizao do espao regional.

ARAUJO, Ana Paula Correia de. Pantanal: um espao em transformao. 315 f. Tese (Doutorado em Geografia) UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.

ABSTRACT

The aim of the present study is to show that Pantanal is a changing area. During 300 years of colonization, the place stood isolated up to 15 years ago. Since then, the situation changed due to the improvement of the road systems, the construction of new airports, the development of harbors, and the arrival of new technologies concerning electric light, telephone/fax connections and internet. Besides all these innovations, the traditional way of raising cattle, based on old methods, was replaced by fashionable technology which increased the local competitiveness. At the same time, an additional economical activity arose in this area: a rural and ecological tourism, developed in a integrated way with the cattle activity, increasing the value of the rural property, enabling the region in a new functioning way: the tourist function. As a consequence of that there are many differentiations at the local space organization, which becomes adapted to social alterations. Therefore, those recent factors of hegemony have brought a new rationality to Pantanal, linked to the maximum efficient productivity. Consequently, these changings, their causes and consequences, should be deeply analyzed by the searchers. Considering all the aspects mentioned above, this study intends to bring another focus to those changings occurring at the Pantanal, and to those two economical activities and area organization.

LISTA DE FOTOS

FOTOS

Introduo

Foto 1 Amanhecer no Pantanal Sul ..............................................................................20 Foto 2 Dificuldade de acesso ao interior da regio.......................................................24

Captulo Pantanal

Foto 3 - Marcao do gado em sistema tradicional de produo ....................................43 Foto 4 Peo de boiadeiro conduzindo a boiada ............................................................44 Foto 5 Formas de relevo peculiares ao Pantanal ..........................................................62 Foto 6 Baa, Corixo, Salina do Pantanal.......................................................................63 Foto 7 Processo de bagualeao ...................................................................................80 Foto 8 Carro-de-boi ......................................................................................................83 Foto 9 Produo de charque no Pantanal......................................................................87

Captulo Pantanal Sul: transformaes geoeconmicas

Foto 10 Ponte sobre o rio Paraguai inaugurada em 2004 ...........................................141 Foto 11 Fazenda Santa Ins ........................................................................................148

Captulo O Pantanal Sul e a pecuria

Foto 12 Sistema de confinamento utilizado para engorda de bovinos .......................187 Foto 13 Touro Bragus .................................................................................................190 Foto 14 Sistema de rastreamento de bovinos - Sisbov...............................................203 Foto 15 Cerca perpendicular ao curso dgua Pantanal Sul ....................................205 Foto 16 Queimada Pantanal da Nhecolndia ...........................................................207

Captulo Turismo no Pantanal Sul

Foto 17 Atividade turstica no Pantanal Sul ...............................................................234 Foto 18 Conforto das fazendas-hotis Pantanal Sul ................................................238

LISTA DE MAPAS

MAPAS

Captulo - Pantanal

2.1 Municpios pantaneiros de Mato Grosso do Sul........................................................37 2.2 Bacia do Alto Paraguai ..............................................................................................46 2.3 Mapa de temperatura da regio Centro-Oeste ...........................................................53 2.4 Mapa de precipitao mdia anual da regio Centro-Oeste ......................................55 2.5 Tipologia climtica da regio Centro-Oeste ..............................................................56 2.6 Pantanal Sub-regies ..............................................................................................64

Captulo Pantanal Sul: transformaes geoeconmicas

4.1 Espacializao da Indstria Frigorfica no estado de Mato Grosso do Sul .............144

Captulo O Pantanal Sul e a Pecuria

5.1 Representao esquemtica referente ao processo de implantao da zona livre de fere aftosa com vacinao, Brasil, 1998-2005...............................................................161 5.2 Efetivo de bovinos no pas, segundo os dez principais municpios produtores.......172

LISTA DE TABELAS

TABELAS

Captulo Pantanal

2.1 Efetivo da pecuria bovina no Mato Grosso do Sul e do Pantanal Sul .....................38 2.2 Pantanal Sul Populao...........................................................................................40 2.3 Saladeiros produtores de charque em Mato Grosso na dcada de 1920 ....................87 2.4 Principais municpios produtores de gado bovino em Mato Grosso (cabeas de gado) 1920 ....................................................................................................................89

Captulo - Pantanal Sul: Transformaes Geoeconmicas

4.1 Estrutura fundiria do municpio de Aquidauana (Pantanal Sul) ............................146

Captulo O Pantanal e a Pecuria

5.1 Exportao de carne bovina por pas importador ....................................................165 5.2 Ba lano da pecuria bovina de corte 2000 a 2005 ...............................................167 5.3 Rebanho bovino por estado .....................................................................................171 5.4 Evoluo das exportaes de carne de Mato Grosso do Sul ...................................173 5.5 Valor da terra no estado de Mato Grosso do Sul pecuria de corte......................175 5.6 Estrutura fundiria Pantanal Sul ...........................................................................176 5.7 rea de pastagem natural e plantada Mato Grosso do Sul ......................................182 5.8 Capacidade de suporte das principais espcies exticas utilizadas no Pantanal Sul ..................................................................................................................................184 5.9 Capacidade de suporte em pastagem natural e plantada Pantanal Sul..................185 5.10 Ganho de peso esperado por cabea na engorda em sistemas de suplementao alimentar ........................................................................................................................187 5.11 Efetivo de bovinos, por municpios pantaneiros....................................................191 5.12 Fases de criao de bovinos...................................................................................195

Captulo Turismo no Pantanal Sul

6.1 Principais pases receptores de turistas internacionais 2004 ................................217 6.2 Participao das chegadas de turistas internacionais na Amrica do Sul, Mundo, e Brasil ..............................................................................................................................219 6.3 Entrada de turistas no Brasil segundo a regio de residncia permanente ..............221 6.4 Agncias de turismo e prestadores de servios cadastrados no Ministrio do Turismo, por regies do Brasil ......................................................................................223 6.5 Crescimento da populao .......................................................................................243

LISTA DE GRFICOS

GRFICOS

Captulo Pantanal

2.1 Distribuio espacial e crescimento da populao do Pantanal Sul ..........................41

Captulo O Pantanal e a Pecuria

5.1 Evoluo do rebanho bovino brasileiro ...................................................................163 5.2 Evoluo das exportaes brasileiras de carne bovina ............................................164 5.3 Rebanho bovino por regies ....................................................................................169 5.4 Rebanho bovino por regies percentual ...............................................................170 5.5 Total das exportaes de carne bovina (MS)...........................................................174 5.6 Condio do produtor Pantanal Sul ......................................................................180 5.7 Densidade de matria orgnica por perodo do ano .................................................186 5.8 Evoluo do efetivo de bovinos Pantanal Sul..........................................................192 5.9 Total de bovinos abatidos oriundos do Pantanal Sul ...............................................201 5.10 Animais vacinados contra a febre aftosa Pantanal Sul .......................................202

Captulo Turismo no Pantanal Sul

6.1 Fluxo de turistas em receita gerada com o turismo internacional ...........................214 6.2 Chegada de turistas internacionais por regies........................................................216 6.3 Entrada de turistas estrangeiros no Brasil................................................................220 6.4 Gerao de receita....................................................................................................220 6.5 Evoluo do fluxo de turistas domsticos em aeroportos do Brasil ........................222 6.6 Entrada de turistas estrangeiros no Mato Grosso do Sul .........................................224 6.7 Nmero de guias de turismo em Mato Grosso do Sul .............................................225 6.8 Fluxo de turistas de pesca ........................................................................................230 6.9 Nmero de turistas nacionais e estrangeiros hospedados no Pantanal Sul ..............241

6.10 Fluxo de turistas nacionais para o Pantanal Sul segundo o estado de origem do turista 2004 .................................................................................................................244 6.11 Principais pases emissores de turistas para o Pantanal Sul 2004 ......................244

LISTA DE FIGURAS

FIGURAS

Captulo Pantanal

2.1 Mapa digital do relevo Bacia do Pantanal..............................................................47 2.2 Esboo geolgico da faixa paraguaia ........................................................................49

Captulo Pantanal Sul Transformaes Geoeconmicas

4.1 Obras de ampliao da estrutura porturia de Porto Murtinho ................................142

Captulo Pantanal Sul e a Pecuria

5.1 Cadeia de produo da bovinocultura de corte ........................................................159 5.2 Mapeamento das subdivises de pastagem no Pantanal Sul ...................................189 5.3 Subdivises de pastagem.........................................................................................189 5.4 Ciclos da produo de bovinos ................................................................................193 5.5 Rede de fazendas multilocalizadas ..........................................................................196 5.6 Especializao da produo por unidades produtivas .............................................197 5.7 Articulao da produo plancie e planalto.........................................................197 5.8 Modelo de sistema de manejo tradicional ...............................................................208

LISTA DE APNDICES

Apndice A Questionrio pecurio.............................................................................281 Apndice B Questionrio turismo ..............................................................................282 Apndice C Roteiro de entrevista - pecuarista ...........................................................283 Apndice D Roteiro de entrevista - tcnicos da produo pecuria ...........................285 Apndice E Roteiro de entrevista - SODEPAN .........................................................287 Apndice F Roteiro de entrevista - trabalhador da atividade pecuria .......................288 Apndice G Roteiro de entrevista - trabalhador do turismo .......................................289 Apndice H Roteiro de entrevista - empresrio do turismo .......................................290 Apndice I Roteiro de entrevista - Associao das pousadas pantaneiras..................291 Apndice J Roteiro de entrevista - rgos ambientais ................................................292 Apndice K Roteiro de entrevista - Secretaria de Produo de Mato Grosso do Sul.293 Apndice L Localizao das fazendas estudadas .......................................................294 Apndice M O Pantanal na Amrica do Sul ...............................................................295

NDICE

I INTRODUO ........................................................................................................20 1.1 rea de estudo ...........................................................................................................23 1.2 Procedimentos operacionais ......................................................................................29

II PANTANAL ............................................................................................................35 2.1 Caractersticas gerais .................................................................................................35 2.2 Aspectos fsicos .........................................................................................................45 2.3 O processo histrico de ocupao do Pantanal..........................................................75 2.4 Crescimento econmico e organizao de espao .....................................................81

III O ESPAO E A ORGANIZAO

ESPACIAL DO MUNDO

CAPITALISTA ..............................................................................................................99 3.1 O conceito de espao para a geografia ......................................................................99 3.1.1 Os processos espaciais responsveis pela organizao do espao....................103 3.2 A organizao do espao capitalista ........................................................................111 3.2.1 Regies: espaos diferenciados .........................................................................111 3.2.2 Sistema mundo e a organizao do espao ........................................................120 3.2.3 Articulao do espao regional com o espao global........................................126

IV PANTANAL SUL: TRANSFORMAES GEOECONMICAS ................133

V O PANTANAL SUL E A PECURIA................................................................156 5.1 A pecuria bovina brasileira ....................................................................................156 5.1.1 Produo ............................................................................................................157 5.1.2 Mercado .............................................................................................................163 5.1.3 O mapa da carne ................................................................................................169 5.2 A pecuria de corte do Pantanal Sul ........................................................................175 5.2.1 A modernizao da pecuria pantaneira ............................................................178 5.2.1.1 O sistema de produo moderno ..................................................................182 5.2.1.2 O sistema tradicional de produo...............................................................203

VI TURISMO NO PANTANAL SUL .....................................................................210 6.1 O crescimento a atividade turstica no mundo.........................................................213 6.2 Turismo no Pantanal Sul..........................................................................................229 6.2.1 As modalidades recentes de desenvolvimento turstico no Pantanal Sul: o ecoturismo e o turismo rural..........................................................................................232

CONCLUSO ..............................................................................................................248

BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................256

APNDICES ................................................................................................................280

I INTRODUO

Pantanal, wetlands, terras alagadas. assim que se define a maior plancie de inundao do mundo, localizada no extremo oeste do Brasil, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, alcanando terras do Paraguai e da Bolvia (apndice). Uma regio belssima, extremamente rica e complexa, que apresenta uma fauna e uma flora exuberante, orquestrada por um sistema de inundaes de origem fluvial e pluvial, que avana sobre os vastos campos de vegetao limpa, cobrindo-os parcialmente na estao das chuvas.

Foto 1: Amanhecer no Pantanal Sul. Rio Miranda, base da UFMS, trabalho de campo / maio de 2004.

No Pantanal tudo depende das guas. So elas que condicionam os diversos tipos de vida, modificam os solos, nutrem as pastagens, obrigam os bichos a migrarem. A atividade das guas, marcada por perodos de seca e de enchente, processo conhecido como pulso das inundaes, comanda a riqueza, a abundncia e a diversidade de vida na regio. Neste universo marcado por uma natureza inconstante, a pecuria bovina de corte tornou-se a principal atividade econmica, sendo considerada a grande responsvel pela ocupao e expanso geogrfica do Pantanal. A vegetao de cerrado,

rica em pastagens naturais e os imensos campos limpos so os componentes fundamentais para o seu desenvolvimento. Para criar gado no Pantanal, o homem desenvolveu um sistema tradicional de produo, com tcnicas prprias de manejo adaptadas s condies ecolgicas locais. A base desse sistema a prtica extensiva, com os animais criados soltos nos vastos campos de pastagens naturais, com pouca interferncia humana. Em funo das condies naturais impostas pelo ambiente, a maior parte do Pantanal tem aptido para a fase de cria, e desta forma, os produtores rurais sempre se concentraram na produo e venda de beze rros. Este tradicional modelo de produo apresenta um baixo nvel tecnolgico e uma baixa produtividade, sendo pouco competitivo. A grande extenso das unidades de produo, apesar da baixa produtividade da terra, garante a manuteno de renda aos proprietrios e s famlias dos empregados. Em conseqncia do desenvolvimento da pecuria como principal atividade econmica da regio, o espao regional foi organizado em grandes propriedades rurais, poucos ncleos urbanos e reduzida populao. As fazendas so isoladas umas das outras e mantm um relativo distanciamento dos centros urbanos. A concentrao da populao nas cidades pantaneiras e em torno das sedes das fazendas, contrasta com grandes reas vazias. As distncias enormes, agravada pela dificuldade de acesso ao interior da regio, sobretudo no perodo das cheias, so os fatores que dificultam a integrao e o desenvolvimento, caracterstica que reflete um carter mais esttico do que dinmico organizao do espao. Entretanto, nos ltimos quinze anos o Pantanal passa por um processo de transformao, justamente no momento em que o capitalismo mundial se reestrutura, lanando-se para uma nova diviso do trabalho onde o espao local valorizado. Nesta valorizao da escala local, o Pantanal se destaca como uma rea de produo de carne bovina, sendo fortalecida uma funo tradicional, mas que passa por um processo de modernizao com a finalidade de criar as condies necessrias para a insero da regio no capitalismo mundial em sua fase atual. Dentre as mudanas em curso, percebe-se a intensificao do processo de produo da pecuria bovina de corte, principal atividade econmica da regio, com a introduo de novas tcnicas e de novos modelos de administrao e de gerncia, que

possibilitam o aumento da produo e da produtividade local e a diversificao da produo. Em paralelo, h um crescimento da atividade turstica no Pantanal, em suas modalidades mais recentes: o ecoturismo e o turismo rural. A valorizao do espao local pela atividade turstica ocorre em funo da beleza natural da regio, propcia ao lazer ecolgico e ao modo de vida rural fundamentado nas tradies da pecuria de corte que caracteriza o Pantanal. Esta expanso representa mais um elemento que possibilita a participao e a insero da regio no mundo globalizado. A introduo desta nova atividade na economia da regio produz transformaes sociais e espaciais significativas, alterando as relaes locais (sociais e com a natureza) e destruindo a forma como o espao foi construdo at ento. O desenvolvimento do turismo no Pantanal est diretamente vinculado sua capacidade de insero no mercado global e, obviamente, sua capacidade de competir com outros lugares tursticos. Neste processo, o espao regional alterado, tanto pela atividade turstica quanto pela pecuria moderna, adquirindo novas formas, funes e estrutura, complementando um quadro de mudana que viabilize a entrada da produo local no comrcio mundial. Como o espao o suporte das atividades produtivas dos grupos humanos (Santos, 1997), este trabalho tem como objetivo central analisar e explicar o processo de modernizao da bovinocultura de corte e do desenvolvimento da atividade turstica no Pantanal e as suas conseqncias na organizao do espao regional e rural. Para tanto, pretende-se caracterizar e identificar os processos espaciais responsveis pela organizao do espao rural e regional do Pantanal Sul, analisar o processo de modernizao da pecuria de corte e de desenvolvimento da atividade turstica, tendo como fim compreender a organizao do espao rural e regional nos ltimos quinze anos. Atendendo aos objetivos propostos, foram elaboradas as seguintes hipteses que orientaro o desenvolvimento do trabalho:

1- A modernizao da pecuria fundamental para a insero competitiva do Pantanal na diviso territorial do trabalho, provocando mudanas na

estrutura produtiva, face a exigncia de capital, tecnologia e trabalho qualificado, necessrias para a melhoria quantitativa e qualitativa da produo; 2- O desenvolvimento da atividade turstica no Pantanal se explica pela possibilidade de crescimento econmico, gerando uma valorizao da natureza, da cultura local e do modo de vida rural, aspectos que passam a ser valorados e, ao mesmo tempo, sofrem alteraes para atender necessidades do mercado; 3- As transformaes em curso so responsveis por uma nova dinmica espacial, atravs da incorporao de uma nova ordem que garanta a otimizao do desempenho produtivo, aumentando a competitividade do espao regional. as

1.1 rea de estudo

O Pantanal uma regio muito extensa, com aproximadamente 150 mil km no Brasil, ocupando os estados de Mato Grosso do Sul (89 318 km2 ) e Mato Grosso (60 682 km2 ). , tambm, uma regio de difcil acesso, em funo da presena de terrenos arenosos, campos inundveis e ambientes aquticos, como lagoas, baas, vazantes e corixos.2

Foto 2: dificuldade de acesso ao interior da regio. Na primeira foto os terrenos arenosos do Pantanal da Nhecolndia, trabalho de campo, 2004. A segunda demonstra a dificuldade de acesso nas reas mais alagadas. Pantanal do Paiagus, trabalho de campo, 2003.

Possui variaes internas marcadas pelas diferenas de durao das enchentes, de tipo de solo e de composio da vegetao, sendo divido em 11 subregies: Baro do Melgao, Cceres e Pocon, no estado de Mato Grosso; Abobral, Miranda, Aquidauana, Porto Murtinho, Nabileque, Paraguai, Paiagus e Nhecolndia, no estado de Mato grosso do Sul. O relevo da regio, em virtude do nvel de inundao e de outras caractersticas, pode ser dividido em trs tipos principais de hbitats: Alto Pantanal, com reas esparsas de inundao (seus campos inundveis cobrem cerca de 20% da rea e a inundao dura de 2 a 3 meses por ano, com profundidade de aproximadamente 30 a 40 cm); Mdio Pantanal, uma zona de transio com inundaes mais profundas (durante 3 a 4 meses do ano); e Baixo Pantanal, rea extremamente plana com inundaes mais profundas e duradouras (o perodo das enchentes pode che gar a 6 meses e algumas reas se encontram permanentemente alagadas). Esta plancie sedimentar limita-se a leste e ao norte pelo Planalto dos Parecis, a leste pela serra de Maracaju e Campo Grande, ao sul pela serra da Bodoquena e a oeste pelas morrarias do Urucum/Amolar. A vegetao variada, composta por florestas e cerrades sem alagamentos peridicos, e campos inundveis e ambientes aquticos. A fauna destaca-se pela abundncia e diversidade de espcies. A riqueza de sua vida selvagem uma das suas principais caractersticas. Em funo desta complexidade, a rea de estudo se limita ao Pantanal de Mato Grosso do Sul, o que corresponde a uma rea de 89 318 km2 , composta pelas sub-

regies de Abobral, Miranda, Aquidauana, Porto Murtinho, Nabileque, Paragua i, Paiagus e Nhecolndia, e que ocupa os seguintes municpios do estado: Aquidauana, Miranda, Corumb, Ladrio, Porto Murtinho, Rio Verde e Coxim. O Pantanal Pertence aos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, entretanto uma unidade geogrfica, uma regio bem caracterizada tanto ao que se refere sua geografia fsica quanto humana, envolvendo sistema de produo e os aspectos econmicos, sociais e culturais. Por isso, a diviso poltico-administrativa no deve significar regies diferentes ou separadas. Pelo contrrio, o Pantanal representa um fator de unidade e integrao entre os estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Neste trabalho, entretanto, o foco de observao e anlise o Pantanal de Mato Grosso do Sul. A opo pelo Pantanal de Mato Grosso do Sul se deu por dois fatores: o primeiro refere-se ao fato de que a maior rea de Pantanal localiza-se neste estado, cerca de 60% do Pantanal brasileiro; em segundo lugar, o estado de Mato Grosso do Sul referncia na produo de carne bovina e a atividade turstica, em suas novas modalidades, idealizada e difundida como capaz de proporcionar o crescimento econmico de reas estagnadas. Em relao pecuria, Mato Grosso do Sul apresenta uma forma de reproduo de capital muito prxima das relaes de produo existentes no Sudeste brasileiro. O estado incorporou o modo de produo moderno na dcada de 1970, com os programas e polticas pblicas destinados integrao da regio Centro-Oeste ao circuito produtivo nacional. Os plos de desenvolvimento pecurio se concentraram nas regies norte e sul do estado. As mudanas iniciam-se com a expanso da pecuria de corte no estado e com alteraes nos mecanismos que determinam sua reproduo. H uma modernizao nos sistemas de criao, inicia-se a fase de engorda de gado, novas pastagens so introduzidas para melhorar as gramneas naturais, formam-se reas de pastos artificiais, ocorre a diviso dos pastos, frigorficos so instalados e h uma preocupao crescente com o controle sanitrio dos rebanhos. Hoje o estado o segundo maior produtor de carne bovina do pas. A produo volta-se, prioritariamente, para a pecuria bovina de corte. O efetivo total do rebanho bovino do estado de aproximadamente 22 milhes de cabeas (IAGRO, 2004), o que representa 15 % do rebanho brasileiro. Deste total, so abatidas cerca de 4

300 000 cabeas por ano, recriadas ou engordadas dentro e fora de Mato Grosso do Sul. Este abate significa uma produo de 860 000 toneladas de carne, com um valor de mercado de US$ 1,4 bilhes (Zimer et. al., 1998). So aproximadamente 40 mil pecuaristas ocupando uma rea de 21 810 708 hectares (IBGE, 1996), com um faturamento bruto anual mdio de 300 milhes de reais, e gerando um total de 130 mil empregos diretos e um volume importante de empregos indiretos (FAMASUL, 2004 1 ). Alm da bovinocultura, a pecuria sul- mato-grossense conta ainda com outros dois segmentos importantes: o setor de sunos e o setor de aves. Em ambos os setores, tm sido crescentes o aporte de novas tecnologias e insumos, fortalecendo o dinamismo do conjunto da atividade pecuria do estado. No Pantanal Sul2 a bovinocultura de corte, base da economia da regio, manteve sua estrutura de produo, com baixos ndices de produtividade e de competitividade. Na dcada de 1970, em funo da modernizao da pecuria no estado, foram introduzidas algumas inovaes, como a melhoria das pastagens e o controle de doenas, o que possibilitou o crescimento contnuo do rebanho bovino. Porm, esta evoluo no acompanhou o crescimento da produo do estado, o que resultou na diminuio da participao do Pantanal no total da produo pecuria de Mato Grosso do Sul. No perodo de 1980 1990 a pecuria pantaneira passou por uma srie de dificuldades econmicas devido queda de preos do boi gordo aliado elevao dos custos de alguns insumos, implicando em uma reduo na capacidade de investimentos e de custeio dos produtores e, em conseqncia, ocorreu uma forte descapitalizao do setor. Paralelamente, o perodo de 80 2000 registrou trs das quatro maiores cheias da regio: a cheia de 1982, de 1988 e de 1995. Estas inundaes agravaram os problemas sociais e econmicos do Pantanal. Com a reestruturao do capitalismo que implicou em uma nova configurao espacial da economia mundial, e levou valorizao da escala local no processo de internacionalizao e integrao, associado valorizao da carne nos mercados interno e externo, o Pantanal Sul passa a ser valorizado como uma rea de1 2

Dados de campo. Denominao que se d ao Pantanal de Mato Grosso do Sul.

produo de carne bovina. Neste processo, surgem novos atores sociais, em geral empresrios rurais de fora da regio que imprimiram uma nova dinmica produo pecuria local. Muitos pecuaristas locais, descapitalizados, venderam suas propriedades. Outros diversificaram suas atividades no interior das unidades de produo. Os anos de 1990, sobretudo a partir da segunda metade dessa dcada, foram marcados por transformaes mais amplas e profundas na atividade pecuria desenvolvida na regio. Tais mudanas vinculam-se a fatores macroeconmicos, como a abertura do mercado internacional da carne e a elevao da renda nacional, que produziu a expanso do mercado interno. Como conseqncia, os sistemas de produo se modernizam levando a reorganizao da estrutura produtiva interna com o objetivo de atender as exigncias do novo momento do modo de produo capitalista, marcado, dentre outras caractersticas, pela mundializao da produo e do produto e pela unicidade tcnica (Santos, 1997). Na era da globalizao os processos que levam reproduo ampliada do capital invadem as fazendas pantaneiras, alterando os sistemas de produo e os modos de vida baseados na experincia de sucessivas geraes, presentes no Pantanal Sul desde o sculo XVIII. Quanto ao turismo, o desenvolvimento desta atividade no estado de Mato Grosso do Sul estava centrado no turismo de negcios e de pesca at a dcada de 1990. A partir deste momento, a atividade turstica incrementada com as modalidades de turismo de natureza e de turismo rural. Nos pacotes tursticos nacionais e internacionais, Mato Grosso do Sul representado como sendo um lugar que apresenta paisagens exticas e costumes tradicionais baseados na pecuria de corte. Deve-se ressaltar que o turismo um fenmeno de crescimento no mundo inteiro, e desponta como sendo uma atividade de fundamental importncia para o desenvolvimento socioeconmico de pases perifricos. justamente neste momento, e neste contexto, que o Pantanal Sul passa a ser valorizado como uma rea turstica, sendo difundido pela mdia nacional e internacional como um santurio ecolgico. A tradicional atividade econmica da regio - a pecuria - sinalizava uma situao de crise, impondo uma diversificao da economia local. A conjuntura econmica associada valorizao da natureza e do modo de vida rural so os fatores determinantes para o surgimento do turismo como uma

atividade promissora para o desenvolvimento regional, capaz de manter os proprietrios tradicionais na regio com o incremento da lucratividade das propriedades rurais e, ainda, gerar emprego e renda aos trabalhadores rurais. Ao mesmo tempo, o ecoturismo e o turismo rural representam duas atividades supostamente condizentes com os preceitos do desenvolvimento sustentvel. Um conjunto de aes governamentais e de empresrios do setor so implementadas para planejar, estruturar e dinamizar a atividade na regio. Como resultado, surge uma nova forma de produo do espao, vinculado s necessidades deste novo mercado. Neste processo, o lugar artificializado para ser vendido, contrariando o que se esperava. O Pantanal vive, portanto, um processo de reestruturao econmica e espacial que leva criao de novas paisagens produtivas, gerando a possibilidade de participao e insero desta regio na produo globalizada. Com isso surgem alteraes nas relaes de trabalho, nas formas de trabalho, na cultura, nas relaes sociais, nas relaes com os elementos da natureza e na organizao espacial. As relaes scio-espaciais existentes so modificadas para atender as transformaes do mundo do trabalho, que passa a ser definido por uma nova racionalidade. O dinamismo do capitalismo em sua fase atual, vinculado aos processos de reestruturao e expanso geogrfica, produz uma nova espacialidade no Pantanal Sul, onde as relaes sociais historicamente construdas, e que garantiram a sustentabilidade deste ecossistema por mais de 300 anos so alteradas, comprometendo o equilbrio do sistema como um todo. Mesmo mantendo bolses primitivos de produo, a regio vem se transformando nos ltimos 15 anos, criando uma imagem de modernidade. O tempo acelerado, num lugar que sempre apresentou uma inrcia espacial, caracterstica que conservou na organizao do espao pantaneiro uma forma-contedo especfica, avaliada como regio dedicada pecuria extensiva tradicional e identificada por um sistema scio-econmico e produtivo prprio. O surgimento do novo no Pantanal provoca novos questionamentos para a cincia (o que muda; onde; como; por que; quais os resultados deste processo) e exige novas reflexes sobre a questo local e sua articulao com a escala mundial. Este

trabalho pretende contribuir com respostas a estes questionamentos, destacando os aspectos geoeconmicos.

1.2 Procedimentos operacionais

Com a definio do objeto de estudo e da rea de estudo, as principais etapas metodolgicas que nortearam o desenvolvimento da pesquisa so apresentadas a seguir:

1 - Anlise de informaes bibliogrficas e coleta de informaes secundrias.

Para o desenvolvimento da tese, a pesquisa recorreu a um amplo levantamento bibliogrfico obtido atravs de livros, teses, artigos e peridicos, sobre os assuntos que compem o objeto de estudo. Neste sentido, os fundamentos tericos utilizados, se constituem em recursos multidisciplinares, tendo como base a Geografia, mas englobando a Histria, a Sociologia, a Economia, a Veterinria e a Agronomia. Os referenciais tericos aqui adotados no pretendem ser nicos e exclusivos para dar conta da realidade cada vez mais complexa e multifacetada. Foram utilizados com o objetivo de capacitar para a anlise dos aspectos relevantes da realidade. Assim, buscou-se uma anlise e discusso de material bibliogrfico sobre espao, organizao espacial, desenvolvimento capitalista, estrutura espacial brasileira e desenvolvimento capitalista no Brasil, procurando-se ater tanto a questes tericas quanto metodolgicas, visando estabelecer os balizamentos tericos mais amplos da pesquisa, aprofundando conceitos e categorias para a formulao de uma base terica capaz de sustentar a argumentao do trabalho.

Ao lado do processo de construo terica houve uma ampla reviso bibliogrfica sobre o Pantanal, sua geografia fsica e humana, buscando conhecer melhor a regio. Paralelamente pesquisa bibliogrfica centrou-se em temas relacionados pecuria bovina de corte e ao turismo, com o objetivo de compreender a organizao das atividades no Pantanal Sul e o grau de insero da regio na economia mundial em sua fase atual. A coleta de material bibliogrfico estatstico fo i obtida junto a rgos governamentais, no nvel federal e estadual, e no governamentais, dos quais se destacam:

- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE. - Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento, Pecuria e Abastecimento MAPA. - Ministrio do Turismo. - Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior MDIC. - Agncia Estadual de Defesa Sanitria Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul IAGRO. - Secretaria Estadual de Produo/MS SEPROD. - Secretaria Estadual de Turismo/MS SEPROTUR. - Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil CNA. - Federao de Agricultura e Pecuria do Mato Grosso do Sul FAMASUL. - Associao dos Produtores do Pantanal SODEPAN. - Associao Brasileira da Indstria Hoteleira de Mato Grosso do Sul ABIH/MS.

O material bibliogrfico para anlise de polticas pblicas e projetos de desenvolvimento para o Pantanal de Mato Grosso do Sul foi obtido em rgos governamentais e no-governamentais, tais como:

- Base de Dados do Governo Federal. - Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento, Pecuria e Abastecimento. - Ministrio das Minas e Energia.

- Ministrio do Meio Ambiente. - Ministrio da Integrao Nacional. - Ministrio do Turismo. - Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. - Ministrio dos Transportes. - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IBAMA. - Governo Estadual de Mato Grosso do Sul. - Associao das Pousadas Pantaneiras APPAN. - Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil CNA. - Federao de Agricultura e Pecuria do Mato Grosso do Sul FAMASUL. - WWF Brasil.

2 - Levantamento e anlise de dados de campo.

A pesquisa sobre as transformaes geoeconmicas no Pantanal Sul apoiou-se em exaustivo trabalho de campo, que cobriu a totalidade e a complexidade da rea de estudo. Entretanto, operacionalizar atividades de campo no Pantanal no uma tarefa fcil. A regio extensa e em alguns lugares o acesso extremamente difcil, s sendo possvel por meio de caminhonete com trao 4x4 e, em algumas reas, somente atravs de barco ou avio, o que torna a pesquisa de alto custo. Ao mesmo tempo, muitas propriedades rurais ficam isoladas no perodo das cheias, deixando o prprio pesquisador isolado em alguma fazenda, por uma ou duas semanas, devido quebra de alguma das inmeras pontes que fazem a comunicao das reas mais baixas e alagadas, com as reas mais altas, no inundveis, que bordeiam o Pantanal, razo pela qual o tempo de durao da pesquisa de campo se torna imprevisvel. Uma outra dificuldade que a regio do Pantanal no uma unidade fisiogrfica homognea. Seu relevo engloba reas de plancie sedimentar,

periodicamente alagada e reas de planalto no inundveis. Tal caracterstica leva aos questionamentos sobre os limites que devam ser estabelecidos como rea de estudo. A partir dos primeiros trabalhos de campo, ficou evidenciado que as reas de planalto e de plancie esto articuladas no s economicamente, como tambm socialmente, politicamente e culturalmente, sendo fundamental a anlise do todo, o que corresponde

aos limites polticos administrativos dos municpios pantaneiros. No Mato Grosso do Sul, esses municpios so: Coxim, Rio Verde de Mato Grosso, Corumb, Ladrio, Porto Murtinho, Miranda e Aquidauana 3 (mapa 2.1), e representam o Pantanal Sul. Segundo a Agncia Estadual de Defesa Sanitria Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul IAGRO, o nmero total de propriedades rurais, voltadas atividade pecuria bovina de corte como principal atividade econmica no Pantanal Sul de 5 267 propriedades, das quais 2 657 esto na plancie e 2 610 esto no planalto. A distribuio por municpios apresenta-se da seguinte forma:

Municpios do Pantanal Sul Coxim Rio Verde do Mato Grosso Corumb Ladrio Porto Murtinho Miranda Aquidauana Total

Plancie (N. de Fazendas) 101 364 1 346 44 318 25 459 2 657

Planalto (N. Fazendas) 687 632 312 448 531 2 610

Total 788 996 1346 44 630 473 990 5 267Fonte: IAGRO

Como os dados bsicos da pesquisa so de natureza primria coletados diretamente em campo e complementados por informaes estatsticas, cartogrficas e de imagens, num nvel de investigao mais geral, foram aplicados questionrios, levantando-se informaes sobre a temtica proposta. O nmero total de questionrios aplicados foi de 422, sendo 331 para a atividade pecuria e 91 para a atividade turstica (apndices).

3

A diviso do Pantanal Sul por municpios varia de acordo com o critrio estabelecido pelo pesquisador ou rgo de pesquisa, podendo incluir mais ou menos municpios. Neste trabalho utilizado o critrio rea alagada, estabelecido pelo Agencia Estadual de Defesa Sanitria Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul IAGRO.

Considerando a atividade pecuria, dos 331 questionrios aplicados, 321 foram aplicados no Pantanal Sul, sendo 306 na plancie, 15 nas reas de planalto dos municpios pantaneiros. Nos municpios peripantaneiros de Jardim e Bonito, foram aplicados 10 questionrios. No Pantanal Sul, os questionrios foram assim distribudos entre os municpios: Coxim (20), Rio Verde do Mato Grosso (40), Corumb (104), Ladrio (5), Porto Murtinho (42), Miranda (35) e Aquidauana (75). O critrio tecnolgico foi o definido para a seleo das propriedades rurais estudadas. As

propriedades rurais localizadas no planalto foram selecionadas a partir da relao de produo estabelecida com as propriedades rurais na plancie. Foram estudadas, ainda, 7 propriedades rurais no municpio de Jardim e 3 no municpio de Bonito (mapa 2.1), articuladas economia pantaneira de Porto Murtinho. Em relao ao turismo, foram aplicados 91 questionrios, sendo 82 em propriedades rurais do Pantanal Sul, 6 em fazendas de Bonito, 2 em Jardim e 1 em Bodoquena. No Pantanal Sul, os questionrios sobre a atividade turstica, foram assim distribudos entre os municpios: Coxim (6), Rio Verde de Mato Grosso (-), Corumb (30), Ladrio (-), Porto Murtinho (2), Miranda (20) e Aquidauana (24). Deve-se

destacar que na grande maioria das fazendas estudadas, a atividade turstica desenvolvese paralelamente atividade pecuria. Num nvel mais especfico de estudo, foram realizadas entrevistas. As entrevistas foram desenvolvidas de forma semi-estruturadas, seguindo um roteiro previamente estabelecido (apndices), junto a pecuaristas, empresrios do turismo, agrnomos e veterinrios vinculados ao Pantanal Sul; junto a tcnicos de rgos governamentais de Mato Grosso do Sul, como o IDATERRA, o IAGRO, o IBAMA, a EMBRAPA, a SEPROTUR e a SEPROD e junto a rgos no governamentais, como a APPAN, a SODEPAN e a Federao de Agricultura e Pecuria do Mato Grosso do Sul FAMASUL e ABIH. Ao todo foram aplicadas 24 entrevistas, sendo 15 para a atividade pecuria e 9 para a atividade turstica. Os principais objetivos desta coleta de dados primrios so: identificar e analisar os sistemas de produo da pecuria de corte desenvolvida na regio, suas peculiaridades e singularidades, e suas mudanas recentes; entender a atividade pecuria brasileira, suas dificuldades, avanos e perspectivas; compreender as linhas de atuao do governo e de entidades privadas; conhecer as polticas ambientais referentes ao

Pantanal Sul; e analisar as polticas de desenvolvimento para a regio, formando um conjunto de informaes sobre a regio que atuem na complementao dos trabalhos de campo e de escritrio. O trabalho foi estruturado em 7 captulos. Aps a introduo, com os objetivos do trabalho, a caracterizao geral da rea de estudo e a operacionalizao com a definio dos procedimentos necessrios para a compreenso do objeto de estudo, o captulo 2, intitulado Pantanal apresenta uma ampla e detalhada descrio e caracterizao da regio pantaneira, contendo aspectos de sua geografia fsica e humana e aspectos de sua histria, desde os primrdios da ocupao at os dias atuais. O captulo 3 apresenta os fundamentos tericos que embasaram o estudo emprico. Neste captulo as reflexes centraram-se na organizao do espao geogrfico, com a descrio dos processos espaciais responsveis por esta organizao e a anlise crtica da organizao espacial capitalista, com nfase na fase atual definida comumente como globalizao. Ainda no captulo 3 so apresentadas reflexes sobre a insero do local, o Pantanal Sul, no chamado mundo globalizado. Nos captulos seguintes so discutidos mais detalhadamente os temas relacionados s transformaes econmicas e espaciais dos ltimos quinze anos no Pantanal Sul, necessrias incluso do local no global. O captulo 4 analisa as mudanas na organizao do espao regional vinculadas ao processo de modernizao da pecuria bovina de corte e ao desenvolvimento da atividade turstica. Alteraes que ocorrem de acordo com os interesses dos atores sociais privados e pblicos para proporcionar maior eficincia econmica. O captulo 5 analisa o processo de modernizao da pecuria de corte pantaneira detalhando as mudanas ocorridas na produo, nas relaes sociais de produo e no espao local. O captulo 6 discute o desenvolvimento da atividade turstica na regio, abordando, sobretudo, as propostas do ecoturismo e do turismo rural, apresentadas como integrante de um suposto modelo de desenvolvimento sustentvel para o Pantanal. Por fim, o captulo 7 contendo a concluso, traz uma sntese das mudanas espaciais, enfocando os processos espaciais que esto em atuao na regio, atendendo aos objetivos ao questionamento da pesquisa. Esta estrutura do trabalho procura dar conta da temtica proposta, que analisou um caso concreto de transformao interpretado luz do corpo tericoconceitual estabelecido, que por sua vez foi enriquecido pelo estudo emprico.

CAPTULO II PANTANAL

Nossa viagem no ligeira, ningum tem pressa de chegar. A nossa estrada, boiadeira, no interessa onde vai dar. Onde a Comitiva Esperana, chega j comea a festana. Atravs do Rio Negro, Nhecolndia e Paiagus. Vai descendo o Piqueri, o So Loureno e o Paraguai T de passagem, abre a porteira, conforme for pra pernoitar. Se a gente boa, hospitaleira, a Comitiva vai tocar. Moda ligeira, que uma doideira, assanha o povo e faz danar. Oh moda lenta que faz sonhar. Onde a Comitiva Esperana chega j comea a festana. Atravs do Rio Negro, Nhecolndia e Paiagus. Vai descendo o Piqueri, o So Loureno e o Paraguai. , tempo bom que tava por l, nem vontade de regressar. S vortemo eu v confessar. que as guas chegaram em Janeiro, deslocamos um barco ligeiro. Fomos pra Corumb Almir Sater

2.1 Caractersticas Gerais

Pantanal a denominao que se d a uma vasta plancie periodicamente alagada. Um hbitat mido, cuja alternncia dos ciclos das guas e do estio preside as condies de vida local, garantindo o equilbrio do sistema ecolgico. Localiza-se na regio Centro-Oeste do Brasil, entre as coordenadas 16 e 22 de latitude sul e 55 e 59 de longitude oeste. Seus limites no foram precisamente demarcados. Sabe-se, contudo, que ultrapassam as fronteiras brasileiras, alcanando

reas do Paraguai e da Bolvia (Apndice M). Sua rea total de aproximadamente, 192 600 km2 , dos quais 150 000 km2 compem a poro brasileira, o que representa cerca de 78% da rea total, ocupando o noroeste do estado de Mato Grosso do Sul, onde abrange uma rea de 89 318 Km2 (60% da rea total em territrio brasileiro) e sudoeste do estado de Mato Grosso, com uma rea de 60 682 Km2 (40% da rea total no Brasil). Possui no sentido norte-sul 400 a 500 Km de extenso e, no sentido leste-oeste, 200 a 300 Km de extenso (IBGE, 1977). No estado de Mato Grosso do Sul, o Pantanal Sul como comumente conhecido, localiza-se entre as coordenadas 17 e 22 de latitude sul e 55 e 59 de longitude oeste. Abrange os municpios de Corumb 4 , Ladrio, Porto Murtinho, Miranda, Aquidauana, Coxim e Rio Verde, correspondendo a rea de estudo da pesquisa (mapa 2.1).

4

No municpio de Corumb situa-se a maior rea da plancie pantaneira no estado de Mato Grosso do Sul, 62 561 km2 o que corresponde a 70% do Pantanal Sul e 41.7% do Pantanal brasileiro.

Mapa 2.1

MUNICPIOS PANTANEIROS DE MATO GROSSO DO SUL

A principal atividade econmica do Pantanal a pecuria, com destaque para a bovinocultura de corte. O efetivo total de bovinos de 4 688 117 cabeas, o que corresponde a 21,5% do efetivo total de bovinos do estado de Mato Grosso do Sul, 21 772 447 cabeas (IAGRO, 2004).

Tabela 2.1 EFETIVO DA PECURIA BOVINA DE MATO GROSSO DO SUL E DO PANTANAL SUL

Efetivos de Bovinos Mato Grosso do Sul Pantanal Sul

1996 19 754 356 4 392 518

2004 21 772 447 4 688 117Fonte: IAGRO, 1996 /2004

O rebanho constitudo, principalmente, de gado Zebu com vrios graus de sangue, predominando a raa Nelore, que por suas caractersticas de rusticidade, precocidade e capacidade de produzir carne, adaptou-se facilmente s condies fsicas do Pantanal (clima tropical, relevo plano periodicamente alagado). Hoje, com quase 5 milhes de cabeas de gado, a regio tornou-se importante produtora de carne. De maneira geral, a cultura de bovinos no considerada prejudicial ao ambiente. A ocorrncia das grandes enchentes, no entanto, limita o tamanho dos rebanhos e os mantm dentro dos limites de uma economia ecologicamente sustentvel. Na ausncia de outros mamferos pastadores, alm dos poucos cervdeos, os bois Nelore no so competidores da fauna original. Eles se tornaram parte integrante da paisagem pantaneira. Os sistemas de produo, em geral, envolvem as trs fases: cria, recria e engorda, sendo a cria predominante no Pantanal. Os sistemas so, normalmente, extensivos, conduzidos por pastagens nativas, ou em associao destas com suplementos alimentares. Nos ltimos anos cresce a rea com pastagem cultivada, mesmo em terrenos alagados. Tendo como base econmica a pecuria bovina de corte,

tradicionalmente desenvolvida de forma extensiva, o espao agrrio da regio foi sendo construdo com base em enormes latifndios e populao reduzida. A estrutura fundiria local apresenta um carter concentrador, com duas tendncias antagnicas ocorrendo na regio nos ltimos 15 anos: a fragmentao de terras e a reconcentrao nas mos de novos proprietrios rurais.

As lavouras tm uma importncia econmica pequena para o Pantanal Sul. So poucas as reas onde pode ser encontrada a atividade em escala comercial. O destaque o cultivo de arroz no municpio de Miranda, soja e milho nos municpios de Coxim e Rio Verde de Mato Grosso 5 . Outras atividades econmicas desenvolvidas na regio so: a minerao, com produtos como o ferro, mangans e calcrio; a pesca, com capacidade de produo de 263 000 toneladas por ano; e o turismo, que vem se desenvolvendo nos ltimos 15 anos. Nos ncleos urbanos, sedes municipais, destacamse os setores de comrcio e servios. O Pantanal no uma regio populosa. Sua populao total de 239 781 habitantes, o que representa 11,5 % da populao total do estado de Mato Grosso do Sul (IBGE, 2000). tambm pouco denso, com uma populao relativa de 3,3 hab./Km2 . A concentrao demogrfica na regio situa-se nos ncleos urbanos locais e em torno das sedes das fazendas, e contrasta com imensas reas desabitadas. A distribuio da populao por municpio no homognea (tabela 2.2). O municpio de Corumb detm a maioria da populao da regio, o que pode ser explicado pelo seu dinamismo econmico, centrado nos trs setores da economia. O setor primrio de Corumb destaca-se na produo pecuria e na atividade pesqueira, no setor secundrio o destaque a minerao 6 , e no setor tercirio, o comrcio, o turismo e o transporte so desenvolvidos. A cidade de Corumb conta com universidades, agncias bancrias, casas de importao e exportao, comrcio variado, indstrias, um porto fluvial com capacidade de movimentao de 2 048 089 t. No porto de Corumb os principais produtos de exportao so: ferro, mangans, cimento, gesso, gado, soja e acar.

5

A produo de soja e milho se desenvolve nas reas de planalto desses municpios. Quanto ao cultivo de arroz, a fazenda So Francisco localizada no Pantanal de Miranda concentra a produo em escala comercial. 6 O macio do Urucum, importante jazida de ferro e mangans, localiza -se no municpio de Corumb, nas proximidades da cidade.

Tabela 2.2

PANTANAL SUL POPULAO

Municpio Total Aquidauana Corumb Coxim Ladrio Miranda Porto Murtinho Rio Verde

Populao total 239 781 43 440 95 701 30 866 15 313 23 007 13 316 18 138

Populao urbana 196 673 33 816 86 144 27 419 13 480 12 059 8 339 15 416Fonte: IBGE, 2000

Mesmo apresentando uma economia calcada no rural, os municpios pantaneiros concentram a maior parte de sua populao nas cidades. A populao total do Pantanal Sul de 239 781 habitantes, dos quais, 17,9% residem na rea rural e 82,1% na rea urbana (IBGE, 2000). O municpio de Miranda apresenta o maior ndice de populao residente na rea rural (47,6%) e Corumb, o menor (9,98%). A populao vem crescendo nos ltimos 40 anos, sobretudo nas reas urbanas como demonstra o grfico 2.1.

Grfico 2.1 Distribuio espacial e crescimento da populao do Pantanal Sul - 1960 200090 80 70 60 50 % 40 30 20 10 0 1960 1970 1980 1991 2000

Urbana Rural

Ano

Fonte: IBGE

A mobilidade populacional pode ser explicada pelo modo como se realiza a acumulao de capital, tanto na gerao quanto na reduo das oportunidades de trabalho (Gusmo et. al., 1990). Na medida em que a expanso do capital se d de forma diferenciada no espao, provoca o direcionamento da mobilidade do trabalho e, conseqentemente, define os fluxos migratrios (Gaudemar, 1976). Assim, segundo Gusmo et. al. (1990), o fato de que essa acumulao de capital se d de forma mais intensa nas reas urbanas do que nas rurais, contribui para o aumento da demanda por mo-de-obra nas cidades. J as atividades agrcolas, na medida em que se capitalizam, reduzem o uso do fator trabalho humano em funo da intensificao do processo produtivo que cada vez mais emprega tecnologias modernas provocando, portanto, a migrao dos trabalhadores rurais para as cidades ou para novas reas agrcolas. Ao mesmo tempo, a pecuria de corte desenvolvida no Pantanal Sul sempre teve como caracterstica o fato de empregar pouca mo-de-obra. As cidades, sedes dos municpios, so cent ros de poder poltico concentrando os bancos, o comrcio especializado, o comrcio de produtos agrcolas e a mo-de-obra especializada voltada para o trabalho nas fazendas, como agrnomos, veterinrios, pilotos agrcolas, etc. O trabalhador rural menos especializado mora, em sua maioria, nas prprias fazendas. A vida no Pantanal , de qualquer forma, essencialmente rural, semelhante aos modos de vida rurais do restante do pas. Particulariza-se, entretanto,

por fundamentar-se nas tradies da pecuria de corte, desenvolvida num ambiente de extrema complexidade. No interior das fazendas, a estrutura fa miliar nas comunidades pantaneiras baseia-se em dois modelos extremamente diferenciados e distanciados nos ltimos tempos, mas que se assemelhavam no incio da ocupao, quando o patro e o peo possuam o mesmo grau de instruo, s vezes, as mesmas condies de vida. Hoje, sensivelmente diferente a situao familiar do patro ou fazendeiro, que comumente passa a maior parte do ano na sede do municpio, onde se situa sua propriedade, ou na capital do estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, ou nas grandes metrpoles do pas. Possui poucos filhos, que ao atingirem idade escolar, so matriculados nas escolas de Campo Grande, ou nos grandes colgios do Rio de Janeiro, So Paulo e, at mesmo do exterior. A famlia vive, portanto, fora do Pantanal. As grandes fazendas, que so propriedades de grupos econmicos mais poderosos ou de empresrios externos regio, geralmente do sudeste, organizam-se dentro dos moldes empresariais, possuindo superintendentes, diretores administrativos, assessores, supervisores, gerentes, veterinrios, tcnicos em agropecuria, etc. Capatazes de campo e pees residem na propriedade o tempo todo, os demais vivem, geralmente, nas reas urbanas. Nas fazendas tpicas, os gerentes ou capatazes formam uma classe intermediria, apresentam melhores condies de vida do que o peo comum, e mantm contato direto com o fazendeiro residindo na propriedade. No universo cultural do Pantanal Sul h uma interao fortssima entre o homem e o seu mundo de terra, gua e gado. Pode-se dizer que Pantanal e Pantaneiro7 representam dois elementos distintos que se fundem numa mesma realidade antropogeogrfica nica (Nogueira, 2002). O espao pantaneiro serve de referncia ao grupo social que o constri e, portanto, nele se imprime e se reflete. Claval (2001) cita que neste processo, nasce no indivduo e no grupo um sentimento de pertencer a um determinado recorte territorial, carregados que esto de simbolismo na construo da identidade scio-territorial. Portanto, o homem do Pantanal apresenta-se como um elemento fundamental na sobrevivncia do ecossistema local.7

O homem pantaneiro inclui o elemento nativo da regio ou aquele que nele vive h mais de 20 anos, tanto na condio de vaqueiro, quanto na de proprietrio rural (Nogueira, 2002).

Vivendo num ambiente onde as secas prolongadas e as grandes enchentes se alternam, nem sempre com a regularidade que se espera, o homem do Pantanal aprendeu ao longo do tempo a fazer suas prprias previses, aliceradas na interpretao dos fenmenos naturais. Neste sentido, pode-se dizer que o pantaneiro , por experincia, um gegrafo, um bilogo, um veterinrio, um botnico, um zologo, um astrnomo, um meteorologista, acostumado leitura da natureza, com a qual aprendeu a conviver. Atravs da observao do comportamento dos animais, da flora e das condies atmosfricas, sabe o que fazer em relao ao manejo do gado, ao plantio, colheita. Alis, o pantaneiro conhece como ningum toda a lida rural desta regio extremamente complexa.

Foto 3: Marcao do gado em sistema tradicional de produo, Fazenda Rio Vermelho - Pantanal Sul, trabalho de campo, novembro de 2004.

A lida no campo inclui todo o manejo do gado, andar a cavalo, tocar o gado de um pasto a outro ou em direo aos frigorficos, sair em comitiva 8 , manejar o barco, desenvolver as atividades de rodeio, de doma, de carneada, de apartao, e ter agilidade com o lao.

assim que sobrevive, de sol a chuva, este caboclo civilizado, que festeja So Sebastio, o padroeiro dos criadores, que o protege contra a fome, a doena e a guerra; quebra-torto com arroz carreteiro e toma ch com queijo, come farofa e bebe leite com mandioca aferventada. Anda lguas para danar um baile 9 , desde que haja muita polca, rasqueado, chamam, churrasco e8 9

Grupo de vaqueiros condutores de boiada, ou dos trabalhos de gado. Danar um baile expresso muito comum na regio.

terer. Alimenta-se, basicamente, de carne bovina que consome nas trs refeies dirias, mas aprecia uma caa. Se lhe sobra tempo, pesca nos rios ou corixos. Alm da carne, conta com arroz, feijo e farinha. Fruta artigo de luxo nas fazendas, onde o que mais se v nos quintais so mangueiras (Nogueira, 2002: 39).

A mobilidade uma caracterstica importante do pantaneiro. Alm das viagens freqentes conduzindo boiadas de um local para outro, so n mades pela prpria natureza do ofcio, sobretudo, pelas condies socioeconmicas, advindas da pecuria. Os pees, por exemplo, trocam de fazenda com uma certa freqncia, em busca de melhores salrios, mas dificilmente saem do Pantanal. No passado, este era um processo comum que no implicava em gastos, pois havia laos sociais e ideolgicos entre o patro e o peo pantaneiro, numa relao de compadresco fortssima. Entretanto, hoje, com a transformao de muitas fazendas em empresas rurais, a mudana pode representar custos com as despesas oriundas da mudana.

Foto 4: peo de boiadeiro conduzindo a boiada. Pantanal Sul, trabalho de campo, 2004.

2.2 - Aspectos Fsicos

O Pantanal uma plancie de inundao, stio de importante ecossistema, mundialmente conhecido por sua grande biodiversidade. Possui caractersticas singulares que o individualizam e o tornam uma unidade fisiogrfica e morfolgica nica. Corresponde a uma bacia sedimentar quaternria embutida em uma grande feio geomorfolgica deno minada Bacia hidrogrfica do Alto Rio Paraguai (coordenadas: 14 e 22 de latitude sul e 53 e 59 de longitude oeste) (mapa2.2). Esta bacia abrange 496 000 km2 em reas do Brasil, Paraguai e Bolvia, mas sua maior dimenso, 396 800 Km2 , est na regio Centro-Oeste do Brasil, em partes dos estados de Mato Grosso do Sul (MS), Mato Grosso (MT) e uma pequena parte no estado de Gois (GO). O Pantanal ocupa 39% da rea total da Bacia do Alto Paraguai, sendo uma rea deprimida, circundada pelos planaltos de Maracaj Campo Grande e Taquari Itiquira a leste, Guimares e Parecis a norte, Urucum Amolar a oeste e Bodoquena ao sul e conectada a sudoeste com a Bacia do Chaco (Figura 2.1) (Assine, 2004).

Mapa 2.2

BACIA DO ALTO PARAGUAI

Fonte: Fiori Oka (2002).

Figura 2.1 MAPA DIGITAL DO RELEVO BACIA DO PANTANAL

Fonte: Assine (2004: 63)

Constitui uma extensa superfcie de acumulao, de baixa inclinao, com altitudes variando de 80m a 190m acima do nvel do mar, e com complexa rede hidrogrfica, sujeita a inundaes peridicas. O rio Paraguai o principal eixo de drenagem regional, coletor das guas de vrios leques aluviais, tais como leques dos rios Taquari, Aquidauana, Cuiab e So Loureno. Dentre os leques aluviais, o mais notvel o megaleque do Taquari (Assine, 2004). A origem desta bacia sedimentar foi atribuda por Almeida (1959) orogenia andina que provocou soerguimento na plataforma brasileira reativando as falhas pr-existentes na faixa paraguaia. Segundo o autor, este soerguimento foi seguido de intensos processos erosivos que ainda hoje atuam acompanhados de subsidncia da rea pantaneira.

No Neogeno, medida que se processavam as derradeiras fases dos movimentos orognios no geossinclneo andino, e o

conseqente seguimento da cadeia, extensa faixa a oriente dela sofria abatimentos para receber importante sedimentao que ainda hoje vem se processando (Almeida e Lima, 1959: 54).

A maior parte da Bacia do Pantanal est posicionada sobre o arco estrutural entre a Bacia do Paran e a Bacia de Antepas Frontal ao cavalgamento Andino sobre a Plataforma Sul- Americana (Shiraiwa, 1994). O embasamento desta bacia, exposto a sul, norte e oeste formado por rochas metamrficas gnssicas antigas (Arqueano), por faixas metamrficas de xisto e filitos meso e neoproterozicos (Grupo Cuiab) e sedimentos siliciclsticos e carbonticos neoproterozicos (Grupo Corumb). Na parte oeste, afloram rochas arenosas do fanerozico da Bacia do Paran (figura 2.2).

Figura 2.2

ESBOO GEOLGICO DA FAIXA PARAGUAIA

Fonte: Boggiani (2004: 114)

J o preenchimento da Bacia do Pantanal composto de sedimentos siliciclsticos (Weyler, 1962 apud Assine, 2004) oriundos da eroso dos planaltos vizinhos e conduzidos pela rede de rios da bacia hidrogrfica do Alto Paraguai

(Shiraiwa, 1994). Estes sedimentos so individualizados sob a denominao de Formao Xarais, Depsitos Dentrticos, Formao Pantanal, Aluvies Antigos e Aluvies. Shiraiwa (1994) apresenta os sedimentos:

Formao Xarais

um depsito calcrio, fossilfero, que corre na regio de Corumb, cobrindo discordantemente rochas do Grupo Corumb e Jacadigo com uma espessura mxima de 16m (Almeida, 1945). Foi formado no perodo Pleistoceno, tendo como ambiente de sedimentao o clima semi-rido e flvio- lacustre.

Depsitos Dentrticos

Corresponde aos sedimentos originados da eroso e intemperismo do desmantelamento das escarpas do planalto e das encostas, constituindo-se de sedimentos grosseiros (lateritos ferruginosos), formado por fluxos gravitacionais do tipo fluxo de detrito (Debris flow), circundando as serras e escarpas do Pantanal. So considerados depsitos Quaternrios.

Formao Pantanal

Esta unidade geolgica est presente em quase toda a plancie do Pantanal, sendo constituda de sedimentos conglomerados na poro basal e arenosos, silticos-argilosos e argilosos na parte superior, semi-consolidados a inconsolidados, com uma espessura que varia de 62m a 425m. Suas relaes de contato so feitas de maneira discordante com as rochas pr-cambrianas. Nas lagoas alcalinas so encontradas rochas compactadas onde os arenitos so consolidados com cimento salino ou limontico, acumulado devido a forte insolao e a pouca lixiviao. Existem, tambm, lagoas salinas com gua carbonatadas,

cloretadas. O ambiente de sedimentao flvio-lacustre ocorre at hoje (DelArco et. al., 1982. In: Shiraiwa, 1994). O ambiente no qual se depositou a Formao Pantanal foi, segundo Almeida (1959), uma imensa plancie aluvial, ainda em processo de entulhamento, com sedimentao fluvial e lacustre. Quando da abertura da depresso do rio Paraguai, predominava na regio um clima semi-rido, responsvel pela elaborao do Pediplano Pleistocnico, da formao Xarais e dos Depsitos Dentrticos . Os sedimentos da bacia do Pantanal esto, portanto, associados a dois ambientes deposicionais distintos: fluvial e lacustre.

Aluvies

Esses depsitos so encontrados ao longo dos principais rios na plancie de inundao. Foram individualizados por Marini et. al. (1984) em: Aluvies do Plestoceno-Holoceno constitudo de sedimentos argilo-arenosos, encontrados nos vales do rio Negro, Taquari, Nabileque, Cuiab e Paraguai; Aluvies do Holoceno, caracterizados por sedimentos arenosos e argilo-arenosos com nveis conglomerticos que preenchem as plancies aluviais fluviais recentes e bordejam todos os rios. Possui uma espessura de 2m. Portanto, na bacia do Pantanal o empilhamento estratigrfico mostra afinamento textural para o topo. Na parte inferior predominam arenitos grossos e conglomerados, enquanto que na parte superior ocorrem principalmente areias quartizosas finas a mdias, localmente grossas. Possivelmente a sedimentao comeou no Pleistoceno, depois do soerguimento e desmantelamento da superfcie sul-americana e subsidncia tectnica da regio do Pantanal. Durante os ltimos 10 milhes de anos, a bacia constituiu uma rea de subsidncia, tendo acumulado em torno de 500m de espessura de sedimentos Pleistocnicos e Holocnicos arenosos em uma calha quase Norte Sul, associada a falhas ativas atualmente (Assine, 2004).

CLIMA

A forma e a posio geogrfica do Pantanal tm profunda repercusso em suas condies climticas. A regio se apresenta como um grande anfiteatro, situada entre as latitudes 17 e 22 S, ficando submetida ao clima tropical. A temperatura apresenta mdia anual entre 12 e 16C no inverno e 23 e 25C no vero, embora as mximas dirias sejam superiores a 40C no vero e as mnimas atinjam at 0C no inverno, podendo ocorrer geadas no Pantanal Sul (IBGE, 1980). Outubro o ms mais quente e julho, o mais frio. A precipitao mdia na Bacia do Alto Paraguai (BAP) varia de 800 a 1600mm, estando sua distribuio espacial diretamente relacionada com o relevo da regio. No planalto a precipitao mdia anual de 1500mm. J no Pantanal, que constitui a parte mais baixa da Bacia do Alto Paraguai, a precipitao mdia anual varia de 800 a 1200mm. O regime de chuvas na regio do pantanal tipicamente tropical, com dois perodos distintos: um chuvoso e outro seco. A estao chuvosa inicia-se em outubro e estende-se at maro, alcanando cerca de 70% do total anual das chuvas. J a estao seca ocorre no perodo de abril a setembro. Julho considerado o ms mais seco, com mdia de 10 a 40mm de chuvas. Segundo Nimer (1989), os diversos fatores fsicos- geogrficos

(posicionamento continental, extenso latitudinal e relevo) e dinmicos (circulao atmosfrica decorrente do posicionamento dos centros de alta presso) so responsveis pelo comportamento da temperatura em toda a regio Centro-Oeste como um todo. Assim, enquanto no extremo norte da regio a temperatura anual dominante situa-se em torno de 26C, no extremo sul de, aproximadamente, 22C (mapa 2.3).

Mapa 2.3

MAPA DE TEMPERATURA DA REGIO CENTRO-OESTE

Fonte: Nimer, 1989.

Devido ao seu posicionamento tropical e a dificuldade de penetrao da massa de ar polar, durante a primavera e o vero as temperaturas so elevadas, variando

entre 30C e 35C. Enquanto na primavera e no vero o calor constante, no inverno, graas continentalidade da regio Centro-Oeste e a baixa umidade do ar, so comuns dias frios, sobretudo em junho e julho, com mdias mnimas anuais variando entre 10C e 18C. O regime de chuvas na regio Centro-Oeste deve-se quase que exclusivamente aos sistemas regionais de circulao atmosfrica, predominando uma rea mais chuvosa ao norte de Mato Grosso, com mdia anual em torno de 2000 a 3000mm, enquanto que decresce para leste e sul, at 1500mm, nos Estados de Gois e Mato Grosso do Sul, com precipitao inferior a 1200mm, em mdia (mapa 2.4) (Nimer, 1989).

Mapa 2.4

MAPA DE PRECIPITAO MDIA ANUAL DA REGIO CENTRO-OESTE

Fonte: Nimer, 1989.

Considerando-se em conjunto o regime da temperatura e o regime sazonal de chuva, Nimer (1989) distinguiu duas zonas climticas para a regio CentroOeste do Brasil: a tropical e a equatorial, as quais foram classificadas em domnios

climticos. A primeira, onde se localiza o Pantanal constitui um vasto domnio de clima tropical quente e sub-quente envolvendo toda a regio, podendo ser mido e submido (mapa 2.5).

Mapa 2.5

TIPOLOGIA CLIMTICA DA REGIO CENTRO-OESTE

Fonte: Nimer, 1989.

SOLOS

A descrio e caracterizao dos solos na rea de pesquisa so feitas de acordo com o PCBAP (1997). O projeto PCBAP Plano de Conservao da Bacia do Alto Paraguai de 1997, disponibiliza vrios trabalhos sobre o tema na rea de estudo com elaborao do mapa pedolgico do Pantanal. Como resultado, ocorre na rea de estudo a presena de solos hidromrficos diversos, com caractersticas distintas e que, no entanto, apresentam em comum, normalmente, baixa fertilidade natural, a textura arenosa e, principalmente, a intensa influncia exercida pela gua, quer atravs do transbordamento de corpos dgua, quer da subida do lenol fretico superfcie. De acordo com o PCBAP (1997), no pantanal predominam solos hidromrficos, nos quais constam Solonetz Solodizados, Planossolos e Vertissolos, Plintossolos e Planossolos, Glei Pouco Hmico, Glei Hmico, Podzol Hidromrficos, Areias Quartzosas e Areias Quartzosas Hidromrficas. A predominncia de solos hidromrficos reflexo da deficincia de drenagem generalizada e da forte tendncia para inundaes peridicas e prolongadas. Solonetz Solodizados: Solos minerais, geralmente hidromrficos, facilmente alagados. So originrios da Formao Pantanal, datando do Quaternrio, com litologia areno-argilosa. So desaconselhveis para a atividade agrcola, mas podem ser utilizados para a prtica da pecuria. Clima: Aw de Koppen; vegetao: campos. Plintossolos: Solos minerais, hidromrficos ou no, sujeitos a condies de forte restrio percolao da gua. So originrios da Formao Pantanal, datando do Quaternrio, possuindo textura arenosa. O alagamento constante dificulta o seu uso com lavouras. (Clima: Aw de Koppen; vegetao de savana arbrea aberta). Glei Hmico: Nesta classe esto compreendidos os solos minerais hidromficos que apresentam horizonte Glei, desde que no simultneo com B textural ou plntico. Tem limitaes ao uso agrcola por se apresentarem em locais sujeitos inundaes, o que dificulta o manejo e a mecanizao. Como alternativa verifica-se o aproveitamento das espcies naturais de gramneas com pastagem natural.

Glei Pouco Hmico: Esta classe compreende os solos minerais hidromrficos, diferentes do anterior pela expresso do horizonte superficial, mais claro ou menos espesso. So caractersticos de locais planos ou abaciados, sujeitos a inundaes constantes. Esta classe apresenta m drenagem e so originrios de sedimentos muito recentes do Quaternrio. O uso deste solo dificultado pelas condies de m drenagem, sendo apropriado explorao da pecuria, com pasto natural. Apresenta textura argilosa, data do Holoceno e sustenta vegetao de cerrado e campo de vrzea. Areias Quartizosas Hidromrficas: esta classe compreende os solos minerais hidromrficos, com seqncia de horizontes A e C e com composio granulomtrica nas classes texturais areia ou areia fraca. Est sujeito a alagamentos peridicos, com presena de lenol fretico prximo superfcie do terreno. Data do Quaternrio e sustenta vegetao savana arbrea aberta. Areias Quartizosas: nesta classe esto compreendidos os solos minerais no-hidromrficos, de textura arenosa. No pantanal, mais especificamente no leque do Taquari, esto associadas a Podzis Hidromrficos e Areias Quartizosas Hidromrficas. So permeveis, excessivamente drenados, com baixa capacidade de reteno de umidade, intensa lixiviao e elevada susceptibilidade eroso, sobretudo quando sujeitos a fluxo concentrado de gua, que pode provocar a instalao de grandes voorocas. So inviveis para a agricultura, sendo sua utilizao restrita pastagem, desde que bem manejadas. Podzl Hidromrfico: solos minerais hidromrficos, com textura arenosa ao longo do perfil. So encontrados no pantanal, com maior ocorrncia na regio do leque do Taquari, especialmente nas reas da Nhecolndia, caracterizadas por grande concentrao de lagoas, regionalmente conhecidas como baas, entre campos e cordilheiras, em associao com Areias Quartizosas e Areias Quartizosas

Hidromrficas. So solos pobres, cidos, utilizados para pastagem natural. Planossolos: solos minerais, geralmente hidromrficos. No solo seco formam-se fraturas de separao dos horizontes, com drenagem ruim ou imperfeita. So solos tpicos de relevo plano e ocorrem em todo o pantanal, desde o norte at o sul, originrios de depsitos sedimentares da Formao Pantanal. Vegetao: savana arbrea aberta; clima: Aw de Koppen.

Vertissolos: esta classe corresponde a solos minerais hidromrficos, com restries percolao da gua, contendo 30% de argila e quantidades apreciveis de minerais de argila. No perodo seco, apresenta fendas que se abrem na superfcie. So encontrados a partir de sedimentos da Formao Pantanal (Quaternrio), na parte sul dos rios Aquidauana e Paraguai e, ao norte, prximo ao rio Cuiab na regio de Pocon. rapidamente encharcado quando molhado. Vegetao: savana. (Clima: Aw).

VEGETAO

A vegetao do tipo savana e tem como caracterstica a interpenetrao das floras da Amaznia, do cerrado e, ainda, da mata atlntica, indo desde formaes de aspecto homogneo, constitudas quase s por uma nica espcie arbrea, at verdadeiros complexos vegetacionais, onde convivem espcies de quase todos os ecossistemas brasileiros. Predominam nas reas mais baixas e alagadas uma infinidade de plantas aquticas, tais como os aguaps e a vitria rgia. Nas matas que bordeiam as margens dos rios, encontram-se numerosas espcies arbustivas e de trepadeiras que se entrelaam nas rvores de mdio e grande porte como o jenipapo e o tucum. Nas baas e lagoas permanentes, os ambientes de brejo fazem florescer a taboa, o papiro, a cruz da malta e o algodo do pantanal. Nas partes mais altas, no inundadas, surgem os capes do mato, com suas aroeiras, ips, jatobs e algumas rvores tpicas do cerrado (Machado, 1997). A vegetao nesta rea est em bom estado de conservao, em relativo equilbrio com a ocupao pela pecuria de corte, que pouco alterou a fitofisionomia, uma vez que o bovino consome gramneas, preferencialmente, cuja oferta excede a procura, excetuando-se as reas de cerrado (savana mais densa). Neste sentido h uma certa preservao da vegetao no Pantanal Sul, entretanto, com o processo de modernizao da atividade pecuria essa caracterstica pode sofrer alteraes em funo da intensificao da atividade. No pantanal predominam os campos inundveis (savanas), com formaes pioneiras como cambarazal, principalmente no pantanal do Paraguai. Nesta unidade ocorrem grandes lagoas, praticamente sem vegetao aqutica. No pantanal da

Nhecolndia/Paiagus, chama a ateno na paisagem as numerosas pequenas lagoas subcirculares associadas a vegetao aqutica diversa. Na paisagem do pantanal do Miranda, destaca-se a fisionomia paratudal, que se estende at o Nabileque. No Nabileque e no pantanal de Porto Murtinho/Apa, marcante a grande ocorrncia de carandazais (palmeira Copernicia Alba). A ocorrncia de savana estpica ou chaco no pantanal de Porto Murtinho e Nabileque a nica no Brasil.

HIDROGRAFIA

O Pantanal apresenta uma complexa rede hidrogrfica, sendo o rio Paraguai o principal eixo de drenagem regional. Os afluentes principais so os rios Taquari, Negro, Aquidauana e Miranda, Itiquira, Correntes, So Loureno e Cuiab, estes quatro ltimos no Estado do Mato Grosso. A plancie a bacia de recepo dessa drenagem e, em conseqncia da planura e das caractersticas dos solos arenosos da regio, verifica-se a m drenagem do terreno, dificultando o escoamento das guas. Assim, as inundaes peridicas na extensa plancie ocorrem em funo do baixo gradiente topogrfico, seu relevo apresenta, no mximo, 0,5% de declividade, e do lento escoamento superficial das guas, sendo por isto sazonalmente inundvel nos meses de vero (de novembro a maro), perodo de intensa concentrao de chuvas (Assine, 2003). No perodo das chuvas, o rio Paraguai expande-se em uma faixa de at 20 km de largura, invadindo as terras baixas da plancie pantaneira, regenerando temporariamente o "mar dos Xarais10 " dos antigos climas chuvosos. O rio Paraguai e os outros rios pantaneiros apresentam pouca declividade, da ordem de 20-30 cm por quilmetro, o que tambm contribui para que as guas que se acumulam nos perodos de chuvas intensas, escoem com muita lentido. Em conseqncia, as enchentes, que so mximas ao norte nos meses de maro e abril, chegam ao sul do Pantanal somente em julho e agosto. Enquanto isso, imensas quantidades de gua, provavelmente centenas de quilmetros cbicos por ano, perdem- se por evaporao direta para a atmosfera. O10

Antiga denominao dada ao Pantanal.

Pantanal pode ser, com justia, considerado a maior "janela" de evaporao de gua doce do mundo. Toda a vida e a atividade econmica esto ligadas a este sistema de inundaes. A regio um interessante paradoxo aqutico em uma rea de clima continental. Sem o abundante e raso lenol fretico e os aluvies deixados pelas enchentes, a vegetao terrestre seria parecida com a do cerrado ou com a do Chaco boliviano. Igualmente, a rica fauna de aves e mamferos depende, na sua grande maioria, da alimentao aqutica. O Pantanal pode ser visto, ento, como uma grande e dinmica interface entre o mundo aqutico e o terrestre. A rede hidrogrfica tem, portanto, um papel determinante na vida deste lugar. A pecuria, principal atividade econmica da regio, teve sua expanso relacionada hidrografia. Inicialmente, no processo de povoamento, os vales fluviais balizaram a penetrao desta atividade e a localizao dos ncleos urbanos que dela se originaram. Paralelamente, os rios sempre foram utilizados como vias de transporte, facilitando o deslocamento e permitindo a penetrao no interior desta extensa regio, sendo mais econmico e adequado integrao. Em funo das inundaes provocadas pelas cheias dos rios Paraguai os rebanhos so obrigados a migrar para terrenos mais elevados, fora do alcance das guas, sendo transferidos para as reas no alagadas da plancie e para o planalto. Por outro lado, o retorno deste rebanho recompensado no perodo da estiagem, com a renovao das pastagens, que adquirem um excelente valor nutricional. Como resultado do ciclo das guas, surgem formas de relevo peculiares aos Pantanais, conhecidas regionalmente como baas (imensas lagoas que invadem os campos limpos), corixos (cursos de gua que sempre resistem ao estio prolongado e que, normalmente so recobertos de vegetao aqutica, como aguaps, camalotes, etc.), cordilheiras (elevaes com cerca de 2 metros de altura, entre duas baas, que serve de sede para as fazendas e abrigo para o gado), vazantes (entre as cordilheiras, intermitentes ou perenes, funcionam como reas de escoamento dos rios e baas, alcanando vrios quilmetros de extenso).

Foto 5: este conjunto de fotos extrado de Assine (2004: 73) revela as formas de relevo peculiares ao Pantanal. Representam cordes arenosos cobertos por vegetao arbustiva/arbrea conhecidos na regio pelo nome de cordilheiras, ocorrendo tanto em torno de lagoas de gua doce (A,B,C e D) quanto de salinas (E e F).

Nas cheias, os rios que formam a bacia do Paraguai extravasam seus limites permitindo que lagoas apaream, outras de carter permanente ampliam-se, reas ficam submersas e braos dgua interligam-se. As lagoas possuem formas diversas (circulares, elpticas, piriformes, crescentiformes e irregulares). Podem ocorrer alinhadas e conectadas, recebendo contribuio de guas superficiais durante as cheias, de forma que suas guas so doces. Algumas lagoas so isoladas da drenagem atual, muito raramente invadidas por guas de inundao e caracterizada pela presena de guas salobras, recebendo a denominao local de salinas (Assine, 2004). As lagoas maiores so denominadas pelos pantaneiros de baas. Quando as cheias so mais violentas as baas ampliam-se e ligam-se umas s outras atravs de canais denominados corixos, constituindo assim as vazantes.

As salinas e lagoas tm cordes de areia fina e frouxa de origem elica em suas bordas chamadas de cordilheiras. O sistema de cordilheiras permanece a salvo das enchentes por se encontrarem num plano mais elevado, com altitude variando de 3 a 6 metros acima do nvel da plancie (Valverde, 1972; Assine 2004).

Foto 6: Baa, Corixo, Salina do Pantanal Sul (Lacerda, 2004).

Destacam-se, ainda, as plancies fluviais dos rios Paraguai, Itiquira/Piquiri e Negro. A plancie fluvial do rio Paraguai, especialmente a norte da cidade de Corumb, tornou-se um tpico sistema meandrante com inmeras pequenas lagoas, cujos nve is dgua flutuam em resposta aos ciclos anuais de inundao. Com base nas caractersticas das inundaes, nos tipos de solo e de composio da vegetao, o Pantanal tem sido subdividido em vrios pantanais, subdivises que refletem a compartimentao geomorfolgica da plancie, destacando o pantanal do Paiagus, Nhecolndia, Paraguai, Nabileque, Porto Murtinho, Abobral, Miranda, Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, e Cceres, Pocon e Baro do Megalao, em Mato Grosso (mapa 2.6).

Mapa 2.6

PANTANAL SUB-REGIES

Fonte: Parque Regional do Pantanal.

Os Pantanais

Os pantanais constituem-se por plancies dispostas entre 80 e 150 m de altitude, desenvolvidas por depsitos de sedimentos transportados pelos rios cujas nascentes e altos cursos esto no planalto, serras e depresses que as circundam. Assim as fisionomias das plancies do pantanal so diferenciadas em funo das regies e dos rios que as formam. Tambm ocorre com os solos e a cobertura vegetal, que apresentam algumas diferenas de uma regio para a outra, contribuindo com as principais caractersticas das sub-regies do Pantanal de Mato Grosso do Sul.

Pantanal de Porto Murtinho/Apa

Sua geologia vincula-se s Alcalinas Fecho dos Morros (sienitos e traquitos) e aos sedimentos inconsolidados e


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