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UNIVERSIDADE GAMA FILHO

Amelia Midori Yamane Sekido

TERCEIRIZAO NA ADMINISTRAO PBLICA A GESTO E A FISCALIZAO DOS CONTRATOS

Braslia Setembro 2010

Amelia Midori Yamane Sekido

TERCEIRIZAO NA ADMINISTRAO PBLICA A GESTO E A FISCALIZAO DOS CONTRATOS

Monografia apresentada Universidade Gama Filho como requisito parcial para obteno do ttulo de especialista em Auditoria Governamental.

Orientador: Rogrio Gonalves de Castro

Braslia Setembro 2010

Amelia Midori Yamane Sekido

TERCEIRIZAO NA ADMINISTRAO PBLICA A GESTO E A FISCALIZAO DOS CONTRATOS

Monografia julgada e aprovada: Prof. Orientador: Rogrio Gonalves de Castro

Braslia/2010

Dedico este trabalho minha me e ao meu pai (in memorian), que batalharam muito para me proporcionar o estudo, Ao Reinaldo, meu marido, acima de tudo companheiro e sempre meu maior incentivador, Marina e ao Henrique, meus filhos, a quem eu quero ser um exemplo de dedicao e perseverana.

AGRADECIMENTOS

Ao Tribunal de Contas da Unio, pela oportunidade de realizar o curso, Ao Marcus Seganfredo, pelo incentivo realizao do curso, Ao Erivan, pelas orientaes e auxlio na elaborao deste trabalho, s companheiras de curso, Adriana e Flvia, por compartilharem esse momento.

RESUMO O presente trabalho trata da terceirizao na Administrao Pblica, mais especificamente da gesto e fiscalizao dos contratos firmados com empresas prestadoras de servios ou fornecedoras de bens. Para o entendimento e aprofundamento do tema so abordados o estudo do conceito, do histrico, das caractersticas, das problemticas, da insero na Administrao Pblica e dos papis e responsabilidades dos gestores e fiscais de contratos. Em seguida, so apresentados os resultados de uma pesquisa realizada num rgo pblico federal visando obter um panorama da gesto e fiscalizao dos contratos de terceirizao. Com base nesses resultados e na pesquisa bibliogrfica procurou-se apresentar possveis alternativas que possam minimizar problemas enfrentados por gestores e fiscais no exerccio de suas funes, os quais, juntamente com o conhecimento aprofundado do tema podero servir de subsdios para a melhoria do desempenho da Administrao, visando economia de recursos pblicos por meio da preveno de fraudes e erros. Palavras-chave: Administrao Pblica, terceirizao, prestao de servios, fiscalizao de contratos.

SUMRIO

1. INTRODUO................................................................................................................8 2. ENTENDENDO A TERCEIRIZAO.........................................................................10 3. ASPECTOS GERAIS DA TERCEIRIZAO.............................................................16 3.1. Vantagens da terceirizao.................................................................................17 3.2. Riscos e fraudes.................................................................................................18 3.3. Trabalho temporrio...........................................................................................19 3.4. Responsabilidade do tomador do servio...........................................................20 3.5. A Smula 331 do Tribunal Superior do Trabalho TST..................................22 3.5.1. Atividade-meio x Atividade-fim............................................................23 3.6. Anteprojeto de Lei.............................................................................................24 4. TERCEIRIZAO NA ADMINISTRAO PBLICA BRASILEIRA ....................25 4.1 Surgimento da terceirizao na Administrao Pblica..................................26 4.2 Limites da terceirizao na Administrao Pblica.........................................28 4.3 Formao de vnculo empregatcio com a Administrao Pblica..................30 4.4 Responsabilidade da Administrao Pblica...................................................31 4.5 Aspectos para reflexo.....................................................................................34 5. A GESTO E A FISCALIZAO DE CONTRATOS NA ADMINISTRAO

PBLICA.............................................................................................................................36 5.1. Distino entre gestor e fiscal de contrato.........................................................36 5.2. Perfil do gestor de contratos...............................................................................39 5.3. Atribuies do fiscal e gestor de contratos........................................................40 5.4. Medidas preventivas para auxlio na gesto e fiscalizao................................42 6. RELATRIO DE PESQUISA.......................................................................................46 6.1. Metodologia...................................................................................................... 46 6.2. Resultados..........................................................................................................47 6.3. Concluses e sugestes......................................................................................55 7. CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................57 8. REFERNCIAS...............................................................................................................59

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1. INTRODUO

A terceirizao uma tendncia mundial que comeou na iniciativa privada e passou tambm a ser utilizada largamente pela Administrao Pblica. uma ferramenta de gesto, materializada por meio de contrato, que possibilita reduo de custos e especializao na prestao dos servios ou fornecimento de bens, alm de permitir que o contratante se concentre em suas atividades principais, tornando-se mais competitivo. Sua aplicao, porm, suscita algumas dificuldades, as quais so dirimidas pela legislao existente, pela jurisprudncia e principalmente pela justia trabalhista, pois grande parte delas envolvem a garantia dos direitos trabalhistas dos empregados envolvidos nas contrataes. Por esse motivo, o tema constantemente discutido e as normas e os entendimentos jurisprudenciais evoluem medida que novas questes se tornam controversas. Na Administrao Pblica no diferente. A gesto desses contratos tambm passa por algumas adversidades, como falta de servidores capacitados para gerir e fiscalizar os contratos, responsabilizao do Poder Pblico pelo inadimplemento das empresas contratadas, corrupo etc. Para garantir que os contratos sejam executados conforme os termos contratados, visando o bom uso dos recursos pblicos, indispensvel acompanhar e fiscalizar. Diante dessa necessidade, a Lei de Licitaes e Contratos determinou que em todos os contratos celebrados com a Administrao Pblica seja designado um servidor para realizar essa tarefa. Ao serem designados para essa funo, os servidores encontram dificuldades as mais variadas. Com o intuito de preencher possveis lacunas de competncias para consecuo de suas tarefas, surgiu a motivao para a realizao desta pesquisa, contribuindo assim com a melhoria do desempenho da Administrao Pblica. Para a compreenso do tema terceirizao, o presente trabalho pretendeu fazer um estudo do conceito, do histrico, das caractersticas, das problemticas, da insero na Administrao Pblica e dos papis e responsabilidades dos gestores e fiscais de

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contratos, dando subsdios para que eles possam melhorar seu desempenho por meio do aperfeioamento dos instrumentos de controle e dos processos de trabalho, resultando em uma atuao mais eficiente da Poder Pblico. Tambm, por intermdio da aplicao de um questionrio aos gestores/fiscais de contratos de um rgo pblico, o trabalho procurou identificar possveis dificuldades encontradas por esses profissionais na gesto e fiscalizao de contratos com empresas terceirizadas, permitindo subsidiar o levantamento de necessidades de treinamento para o exerccio pleno da funo. Por meio do estudo do tema, realizado com base em pesquisa bibliogrfica e relacionando aos resultados da pesquisa obtidos dos questionrios, procurou-se ao final apresentar possveis alternativas que possam minimizar problemas enfrentados por gestores e fiscais no exerccio de suas funes.

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2. ENTENDENDO A TERCEIRIZAO

A terceirizao, vista como a transferncia de algumas atribuies de apoio s atividades-fim de uma organizao a terceiros, surgiu como reflexo da necessidade de adaptao do mercado s mudanas advindas da globalizao, entendida por Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p. 35) como:

Globalizao pode ser entendida, pois, como um fenmeno que assola o mundo contemporneo, com facetas econmicas, sociais e polticas. Cuida-se de processo movido pela fora do capital econmico e que tem como causa palpvel o avano tecnolgico, provocando reflexos na organizao dos Estados (processos de desestatizao e desregulamentao) e alterando as relaes de trabalho (aumento do desemprego e criao de tcnicas de flexibilizao das relaes trabalhistas, como a terceirizao).

O termo terceirizao surgiu no mbito da Administrao de Empresas e posteriormente foi aceito e adotado pelos tribunais brasileiros como sendo a contratao de terceiros para exercer atividades que no constituam o objeto principal de uma empresa. O fenmeno teria surgido nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, no setor privado, como uma necessidade de atender grande demanda por material blico. No Brasil, teria sido introduzido por empresas multinacionais do ramo automobilstico, por volta das dcadas de 50 e 60, que buscavam focar seus negcios apenas na montagem dos veculos, deixando para terceiros a tarefa de fabricar e fornecer os componentes. A partir da ganhou impulso, com o surgimento de empresas prestadoras de servios de conservao e limpeza e em seguida de vigilncia, expandindo cada vez mais o campo de atuao para outros setores. A necessidade de regulamentao se mostrava premente, uma vez que a terceirizao vinha sendo cada vez mais adotada pelas empresas brasileiras. Em 1966, os Decretos-leis 1.212 e 1.216 permitiram aos bancos contratarem servios de segurana por empresas particulares de segurana bancria e em 1974 foi editada no Brasil a primeira norma que efetivamente tratou da terceirizao, a Lei 6.019 de 3 de janeiro de 1974, que regulou a prtica do trabalho temporrio, o qual j ocorria em larga escala no mercado de modo informal (MARTINS, 2005, p.16-17). Posteriormente, foi sancionada em 1983 a Lei 7.102, que tratava da segurana dos

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estabelecimentos financeiros e permitia a explorao de servios de vigilncia e de transporte de valores nesse setor. Devido escassez de leis disciplinando o assunto, Ilse Lora (2009) explica que exames do tema pela Justia do Trabalho eram recorrentes, pois as empresas adotavam a terceirizao extrapolando os limites impostos pela legislao. Surgiu, ento, a necessidade de unificar entendimentos sobre a matria. O TST editou o Enunciado n 256/1986, o qual sofreu reviso em 1993 por meio do Enunciado n 331. Este, por fora da Resoluo n 129/2005-TST passou a se denominar Smula n 331. A Smula encontra-se em vigor at hoje, sendo motivo de discusso entre os juristas e doutrinadores e por esse motivo ser abordada mais adiante neste trabalho. Ciro Pereira da Silva (1997, apud RAMOS, 2001, p.50) traz uma definio que reflete a terceirizao em seus termos ideais. Assim, terceirizao seria:

A transferncia de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia prpria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como sua atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforos gerenciais em seu negcio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e ganhando competitividade.

Observa-se da definio que, ao transferir uma parcela de suas atividades a terceiros, a empresa contratante deixa de realizar gastos com parte de sua estrutura, otimizando tempo, recursos pessoais e financeiros. Isso permitir que se concentre no foco do seu negcio, aproveitando melhor seu processo produtivo, investindo em tecnologia e desenvolvimento de novos produtos, obtendo ao final mais agilidade, flexibilidade e competitividade no mercado. Nas empresas terceirizadas (prestadoras de servios ou fornecedoras de bens) tambm ocorreram mudanas. Com o incremento na contratao dessas empresas, o mercado se tornou mais competitivo, forando-as a se especializarem e buscarem a excelncia nas atividades as quais se propem realizar. Vale lembrar que essa competitividade pode trazer mais um benefcio para a contratante, que o barateamento dos preos dos produtos ou servios ofertados. A terceirizao permite ainda aos empregados que desfaam o vnculo empregatcio com as empresas e prestem seus servios por conta prpria, podendo ser uma oportunidade de ganho e independncia. Geralmente casos como esses ocorrem na rea da tecnologia da

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informao, pois um setor em constante evoluo que necessita de forte treinamento e atualizao, o que pode no ser vantajoso para uma empresa ter em sua estrutura. Para que seja uma ferramenta vantajosa, a terceirizao precisa ser encarada como uma parceria. As partes envolvidas precisam ter o mesmo objetivo, que a busca da excelncia, visando a satisfao dos seus clientes. Para isso, ambas precisam estar em sintonia, auxiliando-se mutuamente, pois o sucesso ou fracasso de uma refletir na atuao da outra. Cita-se como exemplo, um hospital em que o corpo mdico seja excelente, porm o servio de fornecimento de materiais mdicohospitalares seja precrio. So atividades distintas, mas que precisam de parceria para o bom atendimento aos pacientes. Assim, o papel do terceiro ser auxiliar a empresa a aperfeioar uma rea para que ela possa prestar servios de qualidade, sem se preocupar em ger-la por seus prprios meios. Se com a parceria o objetivo comum atingido, ambas se beneficiam. Para isso, essencial que a empresa contratante escolha bem seus parceiros, no levando em considerao apenas o preo ofertado, pois muitas vezes um contrato mal sucedido pode gerar problemas no s financeiros mas tambm operacionais, afetando seus negcios. A terceirizao foi objeto de estudo de diversos autores e classificada por alguns quanto forma, ao estgio, ao objeto, e finalidade. Srgio Pinto Martins (2005, p.25) aborda as duas primeiras, sendo que quanto forma, a terceirizao pode ser interna ou externa. Na interna, a empresa repassa para terceiros certas etapas de produo que trabalham no mesmo ambiente da tomadora, dividindo

responsabilidades. Atualmente a modalidade mais praticada, gera maior agilidade e reduo ou compartilhamento de custos, alm de permitir maior sinergia entre as partes. Na externa, a empresa repassa para terceiros certas etapas de produo que so feitas pelas empresas terceirizadas fora da empresa contratante. Quanto ao estgio, ele pode ser inicial, intermedirio ou avanado, entendido respectivamente como aquele em que a empresa repassa a terceiros atividades no preponderantes, a empresa repassa atividades ligadas indiretamente atividade da empresa e a empresa repassa atividades ligadas diretamente atividade da empresa (seria a terceirizao na atividade-fim da empresa). Outra classificao seria quanto ao objeto, apresentado por Saratt (2008, p.1012) como:

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a. Terceirizao de servios o objeto do contrato exclusivamente a execuo de servios e a responsabilidade do prestador limita-se realizao das atividades contratadas. b. Terceirizao de servios e materiais o objeto do contrato a execuo de servios mais os insumos necessrios para sua realizao e o terceiro agora passa a ser um gestor da atividade, com maior exigncia quanto garantia de qualidade, motivado pela incluso do insumo. c. Terceirizao de servios e equipamentos o objeto inclui, alm da prestao dos servios, o fornecimento de maquinrio e dos demais equipamentos fundamentais correta e eficiente execuo do contrato, visando viabilizar o servio que est sendo oferecido. d. Terceirizao plena ou transferncia de atividades e tecnologia definida por Saratt (2008, p.13) como uma ferramenta de gesto que consiste na delegao a um terceiro especialista da execuo integral de etapas ou da totalidade da atividade produtiva da empresa contratante. Ao executante da atividade compete administrar todos os aspectos que envolvem a cadeia produtiva objeto da parceria, ou seja, responsvel pela gesto integral da atividade contratada. Nesse caso h uma compra de produto por meio de parceria, onde os parceiros compartilham deveres e os riscos do empreendimento. Para Saratt, apesar de ser uma modalidade de terceirizao, essa ferramenta no se enquadra na compra e venda de servios, no se subordinando s suas normas, como a Smula 331 do TST. Ele ilustra esse modelo de terceirizao com o setor caladista, onde as empresas terceirizam totalmente a produo, focando no seu principal negcio: desenvolvimento da marca e de produtos, design e comercializao. Tambm considera o setor automobilstico um exemplo. Armando de Souza Prado (apud. DI PIETRO, 2008. p.212) por sua vez, classifica a terceirizao em trs modalidades com finalidades distintas: tradicional, de risco e com parceria. Na tradicional h transferncia de servios a terceiros, sendo o preo de grande relevncia para a realizao do negcio, o que pode gerar explorao econmica de mo-de-obra, interferncias na administrao dos servios alm de outros abusos e irregularidades visando economia no negcio. Na terceirizao de risco ocorre a transferncia de obrigaes trabalhistas por meio de contratao intermediada por terceiros, com a finalidade de burlar a legislao trabalhista, pois a mo de obra administrada e supervisionada pela empresa contratante. A terceira

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modalidade, por sua vez, aquela em que ocorre a transferncia da execuo de atividades a parceiros com especializao na que foi contratada, estabelecendo parceria mtua entre as contratantes. Observa-se dessa classificao que existe a terceirizao lcita e a ilcita. Assim, ensina Leiria (2006, p.25) que a empresa terceirizada deve ter maior expertise do que a tomadora na prestao da atividade contratada, caso contrrio ser mera contratao de mo-de-obra. Tambm se as tarefas dos empregados terceirizados ficam sob a superviso do tomador, configura-se a locao de mo-de-obra, o qual ilegal por ser contratao irregular de trabalhadores por empresa interposta. Deve-se, ento, observar que uma empresa terceirizada sempre executa a atividade contratada por sua conta e risco, interessando ao tomador do servio, somente o resultado ou produto objeto do contrato. A terceirizao formalizada geralmente por meio de contrato e deriva de manifestao da vontade das partes envolvidas, ou seja, se os interessados acordam com os termos do contrato, assumem que tem plenas condies de cumpri-las. Se assim no fosse, no seriam obrigados a realizar o pacto. Mesmo nos contratos firmados com a Administrao Pblica, o particular contratante manifesta sua vontade de realiz-los, submetendo- se aos termos do edital. A natureza jurdica da terceirizao, por sua vez, depender do contrato utilizado ou da combinao de vrios deles, pois o contrato pode ser de prestao de servios, de empreitada, de locao de servios etc (MARTINS, 2005, p. 25). Pode ser ele ento regulado pelo direito civil, comercial ou administrativo e tem como escopo a produo de bens ou prestao de servios. Em decorrncia de seus desdobramentos, outros fenmenos foram surgindo junto com a terceirizao. Como uma necessidade pela perda da qualidade dos servios terceirizados, surgiu a chamada terceirizao gerenciada ou quarteirizao, que a contrao de uma empresa especializada encarregada de gerenciar as empresas terceirizadas. Geralmente essa empresa especialista em um determinado ramo de servios ou de administrao de servios e tem como objetivo melhorar e otimizar a gesto da empresa tomadora, permitindo-lhe envidar esforos para sua atividade principal. comum a prestao desse tipo de servio para auxiliar na fiscalizao de grandes obras, como construo de pontes ou prdios, pois

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envolvem conhecimentos especficos necessrios para o correto acompanhamento da obra ou servio. Outro fenmeno que ocorreu recentemente foi a volta de certos servios que eram terceirizados mas que no foram bem sucedidos, muitas vezes aps constatao da necessidade do retrabalho com mo de obra prpria. o que se tem denominado de desterceirizao, ou seja, terceirizao s avessas (MARTINS, 2005, p.21).

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3. ASPECTOS GERAIS DA TERCEIRIZAO

Observa-se que o emprego da terceirizao pelo setor privado e pela Administrao Pblica no ir retroceder, pois apesar das dificuldades enfrentadas, ela ainda se mostra uma ferramenta vantajosa. Porm, para que proporcione plenamente os benefcios pretendidos necessrio que sejam adotadas algumas regras: Antes de se decidir pela terceirizao, a empresa deve realizar um estudo prvio da real necessidade e vantajosidade do negcio, seguido de planejamento minucioso da contratao; A empresa contratada deve estar legalmente constituda, possuir capacidade tcnica e administrativa para executar o servio, ter idoneidade econmica e assumir os riscos pela terceirizao; A mo de obra empregada deve ser especializada, adequadamente remunerada e subordinar-se exclusivamente empresa contratada, no devendo existir entre os empregados da contratada e o contratante, elementos que pressupem a relao de emprego (pessoalidade, subordinao, continuidade e

onerosidade); As partes devem buscar a parceria, visando o mtuo crescimento e a qualidade total dos produtos e servios, pois os interesses devem ser convergentes; A empresa terceirizada deve ter total autonomia para dirigir os servios contratados, no sofrendo interferncia da contratante em relao aos seus empregados. Para esta s deve interessar se o servio ser prestado conforme o avenado, no importando quais empregados iro execut-lo; A atividade transferida deve estar relacionada atividade-meio da contratante, evitando-se a terceirizao da atividade-fim;

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V-se que a deciso em terceirizar no deve ser feita precipitadamente, e sim precedida de estudo sobre o assunto e confrontada com a realidade da organizao, a fim de verificar se a ferramenta se aplica a ela e qual meio poder ser utilizado para melhor adequar aos fins pretendidos, pois no existe uma forma padro, como mostram alguns autores no trabalho de Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p.68):A terceirizao no deve ser identificada apenas com prestao de servios. Tanto assim que o contrato de empreitada e de prestao de servios no so os nicos formatos jurdicos possveis de ser adotados quando se estuda a terceirizao da economia. Existem outras formas jurdicas para expressar esse fenmeno. Instrumentos encontrados no direito comercial, como contrato de franquia, concesso mercantil, representao comercial, contrato de fornecimento, engineering, configuram formas de integrar terceiros ao processo produtivo da entidade contratante, sendo bastante adotados no mbito das relaes privadas. Ainda no direito civil pode ser encontrada a parceria rural (agrcola ou agropecuria), disciplinada pelos artigos 1.410 a 1.423 do CC, como exteriorizao do processo terceirizante. Srgio Pinto Martins. A terceirizao e o direito do trabalho, pp.51/79, e Haroldo Malheiros Duclerc Verosa. O direito e a terceirizao da economia, in Marly A. Cardone e Floriano Corra Vaz da Silva (orgs.). Terceirizao no direito do trabalho e na economia, pp.9/32.

3.1. Vantagens da Terceirizao

Escolhendo a melhor forma de terceirizar e observando as diretrizes para uma contratao plena e eficaz, ela se torna uma ferramenta de gesto que proporciona diversas vantagens. Apenas citando algumas delas, temos: Reduz custos na tomadora, devido ao barateamento na prestao dos servios, proporcionado pelo acirramento da competio entre os fornecedores ou prestadores do servio terceirizado e tambm barateamento dos custos da terceirizada, obtido a partir da economia de escala, invivel de ser alcanado pela empresa terceirizante (RAMOS, 2001, p.57); Proporciona agilidade pela substituio de custos fixos, decorrentes da manuteno por vezes ociosa de estruturas internas destinadas a atividades de apoio, por custos variveis (RAMOS, 2001, p. 57);

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Permite que o empregado se especialize em uma atividade, tornando-se mais preparado tecnicamente para executar as tarefas com mais qualidade e eficincia, pois se dedicar a uma parte restrita do processo produtivo; Permite otimizao de espao fsico, com a retirada de pessoal e material, o qual poder refletir diretamente nas condies laborais e ambientais, alm de melhorar as condies de sade e segurana dos empregados; Gera melhoria da qualidade do produto ou do servio, com o aparecimento de empresas altamente especializadas e com capacidade para dar respostas imediatas s necessidades de seus clientes (RAMOS, 2001, p.57); Proporciona o direcionamento da empresa para a sua atividade principal, permitindo aumento de produtividade, aprimoramento do produto e diminuio de custos (RAMOS, 2001, p.57);

3.2. Riscos e fraudes

Observa-se que, se bem planejada e executada, a terceirizao pode gerar muitos ganhos para as organizaes. Porm, como todo negcio, o uso dessa ferramenta pode apresentar riscos ou desvios. Algumas empresas se utilizam da terceirizao com o intuito de obter mais lucro para si, valendo-se para isso de fraude s leis e s obrigaes trabalhistas. Nesses casos, a ferramenta pode se tornar prejudicial no s para os trabalhadores, mas tambm onerosa para as tomadoras, como ser visto a seguir. Quando uma empresa decide terceirizar uma parte de sua estrutura, ela deve buscar no mercado uma parceira que a auxiliar no cumprimento de sua misso. Porm, h o risco de se contratar uma empresa inadequada, que no tenha competncia ou idoneidade financeira e que poder lhe causar problemas no futuro, geralmente de natureza trabalhista. E como ser visto mais adiante, apesar dos empregados estarem ligados juridicamente contratada, a tomadora tambm pode ser responsabilizada pelos prejuzos causados a eles.

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Algumas empresas tomadoras incluem clusulas preventivas nesses contratos, eximindo-as de arcar com eventual passivo trabalhista, porm a Justia do Trabalho, visando proteger o trabalhador, no tem considerado esses dispositivos. Ento, o que tem ocorrido que se a empresa contratada se torna inadimplente com o trabalhador, no podendo arcar com os custos de sua contratao, o tomador chamado a faz-lo. Porm, a incluso dessas clusulas importante, pois com base nelas a tomadora poder peticionar na Justia ao de regresso para reaver o dinheiro que pagou em razo do inadimplemento da contratada. Outro risco o de, mesmo no ocorrendo esses problemas, no se alcanar os objetivos esperados com a terceirizao, tais como reduo de custos, agilidade e melhora na qualidade de seus produtos ou servios. Isso pode acontecer devido falta ou inadequao na realizao de estudo e planejamento prvio para a mudana na estrutura. Porm, pode se tambm acabar terceirizando um setor que no se encaixe nela, que acabe gerando custos com retrabalho, por exemplo. Por isso, a deciso de transferir para terceiros parte das atividades, deve ser tomada somente aps estudos de viabilidade dessa transferncia. Alm dos riscos j citados, muito tem se discutido na doutrina, revistas especializadas (especialmente de Direito do Trabalho) e at na mdia a respeito do uso da terceirizao de modo fraudulento, visando lucro s custas de burla legislao trabalhista. A fraude pode advir tanto da contratada como da contratante. A primeira, por vezes ocorre na Administrao Pblica, onde as empresas so escolhidas mediante procedimento licitatrio, na maioria das vezes vencendo aquela que conseguir ofertar o menor preo. Ocorre que, para vencer o certame, parte dessas empresas apresentam propostas aparentemente inexeqveis, com margem de lucro mnima, s vezes chegando ao ridculo, ensejando um futuro quadro de inadimplncia. Muitas vezes essas empresas atrasam salrios e at deixam de deposit-los, por no conseguirem mais arcar com as obrigaes ou mesmo por m-f, casos em que chegam a abandonar os empregados sem deixar vestgios.

3.3. Trabalho Temporrio

Em outros casos, so constitudas empresas no especializadas que oferecem qualquer tipo de servio, tornando-se meros intermediadores de mo de obra ou empresas de fachada,

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contribuindo para a precarizao das relaes de trabalho. A terceirizao no deve se confundir com a intermediao de mo de obra, cujo nico caso aceito pela legislao brasileira o trabalho temporrio, previsto na Lei n 6.019/74 e regulamentado pelo Decreto 73.841/74. O trabalho temporrio deve obedecer s seguintes regras: somente pode ocorrer nos casos de necessidade transitria de substituio de pessoal da tomadora ou acrscimo extraordinrio de servios, no podendo exceder o prazo de trs meses (salvo autorizao do Ministrio do Trabalho e Emprego), so exigidos dois contratos (entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporrio e outro entre a tomadora e quela), a empresa de trabalho temporrio quem remunera, d assistncia e direciona o empregado, alm de existir, entre o empregado e o tomador, a subordinao. Os direitos trabalhistas dos trabalhadores temporrios so, em regra, os mesmos dos trabalhadores permanentes da empresa que exercem a mesma atividade (VIANA, 2009, p.13). A intermediao de mo-de-obra que no se encaixa nas regras acima, em geral exercida mediante fraude e provoca a precarizao das relaes de trabalho. Caracteriza-se pela contratao de trabalhadores por interposta pessoa, com a presena do elemento subordinao entre tomador do servio e trabalhador, alm de este usar sua energia de trabalho na atividade-fim da empresa (VIANA, 2009, p.7). , inclusive, uma forma de terceirizao proibida pela Organizao Internacional do Trabalho - OIT.

3.4. Responsabilidade do tomador do servio

A doutrina tem apresentado posies divergentes acerca da responsabilizao do tomador, nos casos de descumprimento por parte da empresa terceirizada das obrigaes trabalhistas para com seus empregados. Para uns, a responsabilidade deve ser solidria e para outros apenas subsidiria. Como o Tribunal Superior do Trabalho adota a segunda posio (conforme veremos mais adiante), nos ateremos a ela. Ilse Lora (2009, p.666-669) apresenta alguns fundamentos da responsabilidade do tomador do servio baseando-se na teoria da responsabilidade subjetiva, teoria do abuso de direito, teoria objetiva e funo social do contrato.

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A primeira delas se refere culpa, a qual no deriva do propsito de lesar outrem, mas da infrao do dever de cautela para se prevenir um dano. A responsabilidade subsidiria explicitada na Smula n 331 - TST e entendida com base na teoria da responsabilidade subjetiva (decorrente de dano causado por ato doloso ou culposo) se baseia nas culpas in vigilando ou in eligendo. Na culpa in vigilando observa-se a falta de fiscalizao da conduta de um terceiro que est sob a responsabilidade do agente, no caso causando dano ao empregado ao no fiscalizar corretamente o cumprimento dos encargos trabalhistas pela prestadora. A culpa in eligendo decorre de uma escolha inapropriada, o qual ocorre quando se contrata com uma empresa prestadora de servios que se omitiu e no adimpliu os direitos de seus empregados. A teoria do abuso do direito tambm fundamenta essa responsabilidade, e assim explica Ilse Lora (2009, p.667) que:

Embora seja assegurado s empresas, por fora dos princpios gerais da atividade econmica, em especial da livre iniciativa e da livre concorrncia (Constituio Federal, art. 170), delegar a terceiros atividades especializadas ou de mero apoio, a fim de concentrar-se na atividade finalstica, buscando assim maior eficincia e produtividade, no lhes dado abusar desse direito, contratando prestadoras de servios economicamente inidneas e incapazes de assegurar os direitos dos trabalhadores contratados para execuo do contrato interempresarial e, ainda assim, pretender se eximir de qualquer responsabilidade, quando notoriamente beneficiaram-se diretamente da fora de trabalho.

A teoria da responsabilidade objetiva se apresenta na interpretao do artigo 2 da Consolidao das Leis do Trabalho como mais um argumento para responsabilizao do tomador. Dispe o artigo que o empregador deve suportar os riscos do negcio, os quais incluem a satisfao dos direitos dos trabalhadores diretamente contratados e tambm daqueles que lhe prestam servios por meio de empresas terceirizadas, pois ele o beneficirio direto da energia pessoal do obreiro. Ensina, por fim, Ilse Lora (2009, p. 666) que a funo social do contrato encontra-se expresso no artigo 421 do Cdigo Civil e:

conseqncia do princpio constitucional previsto no art. 3, I, da Constituio Federal, consagrador dos valores da sociedade livre, justa e solidria. Desse princpio deriva a concepo de que a anlise do contrato no pode se restringir ao prisma formal e seus efeitos no devem se circunscrever ao aspecto meramente econmico, devendo, necessariamente, observar tambm sua funo social, onde se insere a justa, adequada e efetiva remunerao da fora laboral.

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A compreenso dos ensinamentos da autora no nos deixam dvidas em relao responsabilidade do tomador, pois ele se beneficiou da fora laboral e deve responder subsidiariamente pelos prejuzos causados aos trabalhadores. A responsabilidade subsidiria obedece a uma espcie de benefcio de ordem, sendo responsabilizado o devedor secundrio somente aps acionado o devedor principal. Assim, como a tomadora beneficiada da prestao dos servios, o Enunciado 331-TST estabelece que ela deve responder subsidiariamente, em decorrncia da culpa in eligendo e in vigilando, ou seja, pela inadequao na escolha de empresa que se mostrou inidnea financeiramente e por no fiscalizar pelo cumprimento das obrigaes trabalhistas. Porm, para que a responsabilizao recaia sobre a tomadora necessrio que ela seja includa no plo passivo da ao trabalhista e que haja o trnsito em julgado da deciso (MARTINS, 2005, p.140). Esta, por sua vez, pode ingressar com ao regressiva em face da prestadora de servios, requerendo ressarcimento dos valores desembolsados na ao trabalhista. Na prtica, porm, Srgio Pinto Martins (2005, p.141) alerta que ocorrem abusos nas aes contra o tomador de servios, pois muitas vezes ele includo no plo passivo sem ter sido apresentada prova ou afirmao da inidoneidade financeira da prestadora dos servios. Para ele, necessrio que a petio inicial venha acompanhada da justificativa dessa incluso, assim como de documentos que a comprovem.

3.5. A Smula 331 do Tribunal Superior do Trabalho TST

A funo social do Direito do Trabalho promover o equilbrio e a convivncia pacfica dos fatores de produo: empresa, capital e trabalho. Para isso, deve acompanhar as mudanas decorrentes da globalizao, mas sempre tendo como foco preservar a funo social da empresa e observar a importncia do trabalhador como fator de produo. com essa viso que os juzes e tribunais trabalhistas vinham julgando diversas aes decorrentes da terceirizao e a partir da surgiu a necessidade de firmar entendimentos sobre fatos recorrentes. Como uma forma de disciplinar parte controversa da matria, surgiu o Enunciado n 331/TST. E sobre ele, ensina Dora Ramos (2001, p.64) que

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Embora os enunciados representem mera uniformizao da jurisprudncia do TST, o Enunciado n. 331, pela ausncia de legislao sobre a matria, assumiu carter normativo, havendo at quem afirme que, pela aparncia da lei, certos enunciados tm constitudo verdadeira usurpao do poder de legislar, como seria o caso do enunciado em questo.

O Enunciado suscita controvrsias quanto sua aplicao e se apresenta nos seguintes termos:TST Enunciado n 331 Contrato de Prestao de Servios Legalidade I - A contratao de trabalhadores por empresa interposta ilegal, formando-se o vnculo diretamente com o tomador dos servios, salvo no caso de trabalho temporrio (Lei n 6.019, de 03.01.1974). II - A contratao irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, no gera vnculo de emprego com os rgos da administrao pblica direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Reviso do Enunciado n 256 - TST) III - No forma vnculo de emprego com o tomador a contratao de servios de vigilncia (Lei n 7.102, de 20-06-1983), de conservao e limpeza, bem como a de servios especializados ligados atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinao direta. IV - O inadimplemento das obrigaes trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios, quanto quelas obrigaes, inclusive quanto aos rgos da administrao direta, das autarquias, das fundaes pblicas, das empresas pblicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relao processual e constem tambm do ttulo executivo judicial (art. 71 da Lei n 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)

3.5.1. Atividade-meio x Atividade-fim

Este trabalho no pretende fazer uma anlise profunda das discusses em relao Smula, porm vale a pena uma anlise acerca da obrigatoriedade da terceirizao se limitar atividade-meio da tomadora. Apesar do inciso III da Smula trazer o entendimento de que o vnculo de emprego com o tomador no se forma na contratao de servios especializados que dizem respeito somente atividade-meio do tomador (desde que inexistente a subordinao direta e a pessoalidade), Srgio Pinto Martins (2005, p.136-137) entende que a terceirizao no deva se restringir atividade-meio da empresa, devendo ser observado sim a inexistncia de ilicitudes. Para o autor, ainda que os servios terceirizados coincidam com as necessidades permanentes da empresa tomadora, no h que se falar na formao do vnculo com esta quando inexista subordinao (MARTINS, 2005, p.142). Como ilustrao do uso da terceirizao na atividade-fim, Martins apresenta exemplos como a indstria automobilstica e a construo civil. No primeiro exemplo as peas so

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fabricadas por terceiros, conforme padronizao imposta pela montadora e somente a montagem do automvel ocorre na tomadora e no segundo, atividades essenciais da empresa construtora, como eletricidade e fundao so transferidos para empresas terceirizadas. Sabe-se que a atividade-fim a atividade central da empresa, que se relaciona aos seus objetivos, podendo ser a produo de bens ou servios, e a atividade-meio a atividade que no seu objeto central, mas de apoio ou complementar. Porm, o que se observa que o conceito de atividade-fim precisa ser constantemente revisto, pois atividades consideradas essenciais para as empresas hoje, podem no ser mais no futuro. A legislao brasileira tem acompanhado a evoluo. Um exemplo a Lei 9.472/97, a qual autoriza as concessionrias de servios de telecomunicaes a contratarem com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessrias ou complementares ao servio.

3.6. Anteprojeto de Lei

Ainda no existe norma geral regulamentando a terceirizao, apenas algumas normas especiais e a Smula 331 do TST. Sabe-se, porm, que o Ministrio do Trabalho e Emprego MTE, em conjunto com algumas centrais sindicais, elaboraram um anteprojeto de lei dispondo sobre os contratos de servios terceirizados e as relaes de trabalho deles decorrentes celebrados por pessoas de natureza jurdica de direito privado, que ser encaminhado Casa Civil para posteriormente ser levada apreciao do Congresso Nacional. uma proposta polmica, que ainda deve gerar muita discusso, pois entre seus dispositivos, h previso de responsabilidade solidria da tomadora de servios perante eventuais crditos devidos pela prestadora de servios a seus empregados, ao contrrio do que prescreve atualmente a Smula n 331/TST. Esta posio defendida por Martins (2005, p.163) como um meio de se evitar ilcitos, junto com a exigncia de requisitos mnimos para a criao de empresas (exigncia de capital mnimo, verificao de idoneidade etc). Diversos setores empresarias j se manifestaram contra a aprovao dessa norma, prevendo perdas caso ela seja implementada do modo como foi elaborada. Porm, importante ressaltar que ela ainda est em sua fase inicial e poder passar por diversas discusses, ajustes e possveis alteraes at sua aprovao. Espera-se que haja muitas contribuies das categorias envolvidas (trabalhadores, empresrios, sindicatos e rgos pblicos envolvidos) e que o resultado final atenda o interesse coletivo da sociedade.

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4. TERCEIRIZAO NA ADMINISTRAO PBLICA BRASILEIRA

A partir da dcada de 80, a Administrao Pblica Brasileira iniciou um processo de reforma, visando reduzir o tamanho do seu aparelhamento administrativo, tornando-a mais flexvel, eficiente e voltada para o atendimento ao cidado. Surge o instituto da privatizao, em sentido amplo, o qual compreendia entre outros a quebra de monoplios de atividades exercidas exclusivamente pelo poder pblico, a delegao de servios pblicos aos particulares e a terceirizao, na qual se buscava a colaborao de entidades privadas no desempenho de atividades acessrias da Administrao (DI PIETRO, 2008, p.28). O Estado objetivava com essa colaborao a economicidade, entendida no apenas como a economia de recursos, mas tambm em termos de rendimento pelo capital empregado, ao se buscar prestadores de servios especializados fora dela e reduo de custos com a gesto dos servios executados (SOUTO, 2001, p.373). Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p.40), aborda com singela clareza o conceito de privatizao em sentido amplo e situa a terceirizao nesse contexto:O termo (privatizao) abrange uma acepo ampla e outra restrita. Genericamente pode-se englobar no conceito amplo de privatizao todo um conjunto de medidas adotadas com o objetivo de diminuir a influncia do Estado na economia, ampliando a participao da iniciativa privada em uma srie de atividades antes sob controle estatal. Essa concepo ampla abrange a venda de ativos do Estado, notadamente com a transferncia do controle acionrio de empresas estatais (desnacionalizao); a desregulamentao, diminuindo a interveno do Estado no domnio econmico, inclusive com a flexibilizao das relaes trabalhistas e a desmonopolizao de atividades econmicas; a concesso, permisso ou autorizao de servios pblicos e a adoo, cada vez mais freqente, de contrataes externas (contracting out), com a celebrao de ajustes para que a iniciativa privada desempenhe atividades no mbito do setor pblico. Essas contrataes tm sido, no direito brasileiro, denominadas de terceirizao.

A gesto do servio pblico refere-se forma pela qual ele administrado e pode ocorrer em trs nveis: gesto estratgica, gesto operacional e execuo material. A primeira est ligada definio das estratgias e macro objetivos. A gesto operacional refere-se forma como as atividades sero realizadas e o ltimo nvel caracteriza-se pela simples execuo material das atividades. Na descentralizao por colaborao (concesso e permisso), a gesto estratgica do servio fica a cargo do Poder Pblico, sendo delegadas a gesto operacional e a execuo direta da atividade. Na descentralizao por servios, quando o Poder Pblico delega, mediante lei, a execuo de um servio pblico a uma pessoa jurdica de direito pblico ou

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privado criado para esse fim (autarquias, empresas pblicas, sociedades de economia mista ou fundaes pblicas), as entidades recebem a prpria titularidade do servio pblico. Esses dois casos so espcies de descentralizao, entendida como o repasse pelo Poder Pblico de competncias para uma entidade dotada de personalidade jurdica. Na terceirizao (em sentido estrito), o Poder Pblico no delega a gesto estratgica nem operacional, apenas repassa a execuo material de determinado servio (RAMOS, 2001, p.116-118). V-se que a concesso no se confunde com a terceirizao, pois na primeira o concessionrio recebe a gesto operacional do servio pblico e presta-o em seu prprio nome. Inclusive a remunerao por ele recebida realizada diretamente pelos usurios dos servios. Na terceirizao o contratado mero executor da atividade (que lhe foi atribuda pelo gestor operacional, que quem o remunera por meio de contrato), a qual constitui apenas elementos ou tarefas anexas ao servio pblico com ausncia de lao contratual com os usurios do servio pblico. Alm disso, o objeto da concesso todo um servio pblico, enquanto na terceirizao apenas uma atividade especfica (RAMOS, 2001, p.121). Verifica-se ento que, por meio da terceirizao, a Administrao se utiliza dos meios privados da execuo dos servios para transferir a execuo material mantendo, contudo, a titularidade do servio pblico, a qual constitucionalmente atribuda a ela (RAMOS, 2001, p.44).

4.1. Surgimento da terceirizao na Administrao Pblica

A terceirizao no setor pblico teve incio legal a partir do Decreto-lei n 200/67, o qual previa que a Administrao Pblica se utilizasse sempre que possvel da execuo indireta de algumas atividades, mediante contrato e desde que satisfeitas algumas condies:Decreto-Lei 200/67: Art. 10. A execuo das atividades da Administrao Federal dever ser amplamente descentralizada. 7 Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenao, superviso e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da mquina administrativa, a Administrao procurar desobrigar-se da realizao material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possvel, execuo indireta, mediante contrato, desde que exista, na rea, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execuo.

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Ela, porm, se desenvolveu mais rapidamente aps o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado em 1995, quando foram criadas novas carreiras de nvel superior e extintos cargos de nvel mdio e intermedirio, adotando-se a poltica de contratao desses servios. Na Constituio Federal de 1988, tambm h previso do instituto. O inciso XXI do artigo 37 permitiu a contratao de servios de terceiros pela Administrao Pblica, desde que houvesse lei especfica prevendo licitao e regras para os contratos a serem realizados. Tal dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 8.666/93, denominada Lei de Licitaes e Contratos, a qual deu incio proliferao de contratos no pas. Posteriormente, em 1997 foi editado o Decreto Federal 2.271 que veio para disciplinar a contratao de servios na Administrao Pblica Federal direta, autrquica e fundacional, estabelecendo um rol de atividades que devem ser preferencialmente executadas de forma indireta: conservao, limpeza, segurana, vigilncia, transportes, informtica, copeiragem, recepo, reprografia, telecomunicaes e manuteno de prdios, equipamentos e instalaes. No mesmo ano, o Ministrio do Oramento e Gesto da Secretaria de Estado da Administrao e do Patrimnio expediu a Instruo Normativa/MARE n. 18/97, visando disciplinar a contratao de servios a serem executados de forma indireta e contnua, celebrados por rgos ou entidades integrantes do Sistema de Servios Gerais SISG, a qual foi revogada posteriormente com a publicao da Instruo Normativa n 2/2008 pela Secretaria de Logstica e Tecnologia da Informao (SLTI) do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. Essa norma veio para suprir a ausncia de regras especficas sobre planejamento e acompanhamento das contrataes de servios de terceiros pela Administrao, constatadas em diversas deliberaes do Tribunal de Contas da Unio TCU como aspectos relevantes, porm no tratadas na IN/MARE n 18/97. Recentemente, a fim de disciplinar outros aspectos no presentes na IN n 2, porm necessrios para o disciplinamento das contrataes, foram expedidas as Instrues Normativas n 3, 4 e 5/2009 pela SLTI. Depreende-se ento que as bases legais e normativas da terceirizao no mbito da Administrao Pblica Federal atualmente so: Lei 8.666/93, Decreto Federal 2.271/97, IN n 2/2008 SLTI e suas alteraes, alm da Smula 331 TST e, apesar de no se constituir em norma, devem ser considerados tambm os entendimentos constantes das deliberaes do TCU.

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4.2. Limites da terceirizao na Administrao Pblica

Administrao Pblica somente pode adotar formas de terceirizao previstas em lei, sob pena de ilegalidade do ato e responsabilizao do agente que o praticou e, em regra, devem ser precedidas de licitao (MARTINS, 2005, p.152-156). Tendo em vista essa obrigatoriedade, Srgio Pinto Martins (2005, p.153-154) apresenta algumas formas de terceirizao (em sentido amplo) permitidas para a Administrao Pblica:

1. Contratao temporria de servidores para atender necessidade temporria de excepcional interesse pblico nos casos de calamidade pblica, combate a surtos endmicos, recenseamentos, admisso de professores substitutos ou visitantes, atividades especiais nas organizaes das Foras Armadas para atender rea industrial ou encargos temporrios e servios de Engenharia (arts. 1 e 2 da Lei n 8.745/93).

2. Concesso e permisso da prestao de servios pblicos, regulado pela Lei n 8.987/95. Sendo que a concesso o contrato administrativo em que a Administrao Pblica delega a outrem a execuo de um servio, obra pblica, ou cede o uso de um bem pblico, para que o execute por sua conta e risco, no prazo e condies estabelecidas, mediante tarifa paga pelo usurio ou outra forma de remunerao (MARTINS, 2005 p.153) e a permisso um ato administrativo unilateral, discricionrio, precrio, gratuito ou oneroso, em que a Administrao Pblica delega ao particular a execuo de um servio pblico ou a utilizao de um bem pblico (MARTINS, 2005 p.154).

3. Execuo de servios de sade e ensino pela iniciativa privada como forma de complementar os sistemas pblicos, conforme artigos 199 1 e 209 da Lei Magna (MARTINS, 2005, p.155).

Alm da legalidade, Dora Ramos (2001, p.135) aponta a importncia de se observar os princpios da eficincia e economicidade como limitadores do uso da terceirizao no setor pblico. A eficincia se refere excelncia dos meios utilizados para consecuo dos objetivos, a qual deve ser perseguida pela Administrao. Alguns gestores pblicos imaginam

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que a simples introduo da terceirizao possa proporcionar maior eficincia na prestao dos servios, porm essa associao pode no ocorrer, caso surjam fatos como o monoplio (gerando ineficincia e onerosidade), corrupo, custos adicionais com a fiscalizao, alm de maior rotatividade e pouco investimento de pessoal na empresa terceirizada, ocasionando perda da qualidade. Por isso, devem ser feitos estudos srios que evidenciem que a execuo por particulares a que melhor atende o interesse pblico, ou qual a melhor forma para se prestar cada atividade, a fim de obter efetiva vantagem, tendo em vista os princpios norteadores da Administrao Pblica, principalmente da economicidade, entendida como a aplicao racional dos recursos pblicos visando o melhor custo-benefcio para a sociedade (RAMOS, 2001, p. 143). Em relao s modalidades de terceirizao estudadas no captulo 1, quais sejam: tradicional, de risco e com parceria, Dora Ramos (2001, p.144) aponta que as duas primeiras so inadmissveis no setor pblico, pois geralmente envolvem mo de obra desqualificada, baixa produtividade e empresas tcnica e economicamente inidneas. Esta posio justificada pelo fato de que o Poder Pblico no pode ser movido somente pelo mximo lucro, mas visar sua finalidade primordial: a consecuo do bem comum. A Lei 8.666/93, ao definir a contratao de servios pela Administrao Pblica, apresenta tambm um rol exemplificativo das atividades terceirizveis: demolio, conserto, instalao, montagem, operao, conservao, reparao, adaptao, manuteno, transporte, locao de bens, publicidade, seguro ou trabalhos tcnicos profissionais. J no Decreto Federal 2.271/97 h uma vedao para terceirizao na Administrao Pblica, que a execuo por terceiros de atividades inerentes a cargos pertencentes organizao administrativa de rgo ou entidade pblica, ressalvada expressa disposio legal em contrrio ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no mbito do quadro geral de pessoal (RAMOS, 2001, p.132). Ramos ensina que a questo da terceirizao e a burla ao concurso pblico no um assunto simples, pois envolve alguns aspectos que precisam ser compreendidos. A Administrao Pblica tem o dever de criar cargos ou empregos inseridos em seu ncleo fundamental, os quais s podem ser exercidos por servidores pblicos devido sua relevncia para o interesse pblico. Porm, h outras atividades que no coincidem com o ncleo exclusivo e que, portanto, poderiam ser terceirizados, desde que observados os princpios da economicidade e moralidade (RAMOS, 2001, p.134).

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A autora (RAMOS, 2001, p.127) vai alm em relao aos limites para a terceirizao, ao afirmar que:... desde que a contratao seja firmada dentro desse quadro, em que o ajuste fica caracterizado em termos similares queles em que a lei civil regula os contratos de locao de servios ou de empreitada, tendo por escopo a execuo de objeto determinado por empresa nele especializada, que conjugue os fatores de produo para isso necessrios, envolvendo atividades materiais de apoio ao trabalho desenvolvido pelo setor pblico, dvida maior no surge acerca da legalidade e legitimidade do ajuste.

Ela sugere que a terceirizao poderia extrapolar a atividade-meio do Poder Pblico, desde que sob o manto da lei, pois sua atuao pautada pela estrita observncia do princpio da legalidade:Para melhor atingir a finalidade pblica de sua instituio, no entanto, sem se afastar das funes que lhe foram legalmente atribudas, observados os instrumentos formais impostos pelo ordenamento jurdico, a princpio parece possvel conceber uma terceirizao que se confunda com facetas da atividade-fim do rgo ou entidade (RAMOS, 2001, p.126).

4.3. Formao de vnculo empregatcio com a Administrao Pblica

Como j visto anteriormente, os empregados da prestadora de servios no devem ter qualquer tipo de subordinao direta com a tomadora para evitar que estejam presentes os requisitos da relao de emprego, os quais possam presumir a formao de vnculo. Trata-se aqui da subordinao jurdica, a qual se distingue da subordinao tcnica. A primeira relaciona-se com aquela que admite, demite, d ordens e a segunda refere-se quela que diz empresa contratada como o servio deve ser prestado, ou seja, essa permitida tomadora. Para caracterizar a subordinao, porm, necessrio que haja ordens diretas aos empregados, alm de submisso ao seu poder disciplinar (DI PIETRO, 2008 p. 215). A contratao irregular realizada pela Administrao Pblica, ao contrrio do que ocorre no setor privado, seja por fraude na terceirizao ou inidoneidade da prestadora de servios, no formar vnculo de emprego, porque o inciso II do art. 37 da Carta Magna prev que a investidura em cargo ou emprego pblico depende obrigatoriamente de aprovao prvia em concurso pblico de provas ou de provas e ttulos. Tal regra se estende s autarquias, empresas pblicas ou sociedades de economia mista, conforme deciso do STF no MS 21.322-1 DF. A Constituio prevalece sobre a Consolidao das Leis do Trabalho - CLT e os princpios do Direito do Trabalho, assim o princpio da primazia da realidade, nesse caso, no pode se sobrepor norma constitucional. Portanto, na h que se falar em formao de

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vnculo de emprego com a Administrao Pblica sem a realizao prvia de concurso pblico (MARTINS, 2005, p.148).

4.4. Responsabilidade da Administrao Pblica

Apesar de haver entendimento constitucional em relao impossibilidade de formao de vnculo de emprego, a Administrao pode responder pelos encargos trabalhistas e previdencirios da fora de trabalho utilizada na prestao dos servios, caso haja inadimplemento da contratada. Essa responsabilidade, porm, apesar de ser considerada subsidiria pelo TST, possui entendimento divergente no 1 do artigo 71 da Lei 8.666/93:

Art. 71. O contratado responsvel pelos encargos trabalhistas, previdencirios, fiscais e comerciais resultantes da execuo do contrato. 1o A inadimplncia do contratado, com referncia aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais no transfere Administrao Pblica a responsabilidade por seu pagamento, nem poder onerar o objeto do contrato ou restringir a regularizao e o uso das obras e edificaes, inclusive perante o Registro de Imveis. (Redao dada pela Lei n 9.032, de 1995) 2o A Administrao Pblica responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdencirios resultantes da execuo do contrato, nos termos do art. 31 da Lei n 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redao dada pela Lei n 9.032, de 1995)

Apesar do 1 do artigo 71 da Lei 8.666/93 pretender excluir a Administrao Pblica de responsabilidade perante crditos trabalhistas devidos por empresas que prestam servios a ela, referida norma no tem sido aplicada pelo Judicirio, pois o entendimento predominante da doutrina e jurisprudncia a da teoria da responsabilidade objetiva, insculpida no 6 do artigo 37 da Constituio Federal:

Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998) ....................... 6 - As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa.

Assim, para que surja a obrigao de reparar necessrio somente que haja dano decorrente de conduta comissiva do Estado ou de uma situao criada pelo prprio Estado. Nesse sentido, esclarece Ilse Lora (2009 p. 665) que:

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O Estado, atravs de comportamento ativo (celebrao de contrato de prestao de servios), provoca a contratao de trabalhadores pela prestadora dos servios. Esta, ao deixar de satisfazer direitos trabalhistas dos empregados que arregimentou por fora do ajuste celebrado com a Administrao Pblica, enseja dano, em cuja causao participou o Estado.

Alm disso, informa a autora que o Judicirio tem considerado esse dispositivo contra o princpio da dignidade humana, da valorizao do trabalho e dos trabalhadores contidos na Constituio Federal (LORA, 2009 p. 665). Em relao a quais verbas trabalhistas podero ser demandadas pelos empregados da prestadora junto Administrao Pblica, Patrcia Oliveira Lima Pessanha (2010, p.83) esclarece:Saliente-se a previso contida na Smula n 363, tambm do TST, a qual vaticina que em tais hipteses ser garantido ao trabalhador irregularmente contratado pela Administrao Pblica (direta ou indireta) to somente o pagamento da contraprestao pactuada em relao ao nmero de horas trabalhadas, observandose, para tanto, o valor do salrio mnimo bem como aqueles referentes aos depsitos do FGTS.

Dora Ramos (2001, p. 149), porm, defende a constitucionalidade do artigo 71, 1 da Lei 8.666/93, que isenta a responsabilidade do Estado, pois seu entendimento a de que nesse caso no esto presentes os pressupostos da responsabilizao objetiva do Estado, como se segue:O poder-dever de fiscalizao da execuo contratual fixado pelos artigos 58, III, e 67 da Lei de licitaes refere-se ao adimplemento do objeto ajustado, vale dizer, execuo do contrato na forma e sob as condies pactuadas. Significa que a Administrao Pblica deve orientar a execuo do contrato, fornecendo normas e diretrizes e constatando a conformidade do que foi executado com o que estava especificado na documentao que instruiu o instrumento convocatrio da licitao e o contrato. A lei no concede pessoa jurdica pblica, enquanto parte numa relao contratual, o poder-dever de fiscalizar o adimplemento das obrigaes trabalhistas pela contratada. Decorre do exposto que a inexecuo das obrigaes trabalhistas pela prestadora dos servios no estabelece relao de causa e efeito com a conduta do Poder Pblico. Ausente o nexo causal, pressuposto indispensvel para caracterizao da responsabilidade objetiva do Estado, no se cogita de sua responsabilizao. O dano sofrido pelos trabalhadores da contratada no tem nexo causal com ao ou omisso anti-jurdica perpetrada pela Administrao.

A autora alerta que a possibilidade dessa responsabilizao diante do inadimplemento da contratada torna-se um risco que pode onerar os cofres pblicos, portanto deve ser considerado quando da deciso de terceirizar determinada atividade (RAMOS, 2001, p.152). Tambm nesse sentido, juntamente com o argumento de que desarrazoado exigir que a Administrao faa anlise minuciosa de toda a documentao comprobatria trabalhista de cada empregado, encontra-se no Supremo Tribunal Federal - STF ao declaratria de

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constitucionalidade (ADC) ajuizada pelo Governador do Distrito Federal, solicitando que a Corte Suprema reconhea a compatibilidade entre o art. 71 1 da Lei Federal 8.666/93 e a Constituio Federal, a fim de afastar a controvrsia jurdica com a Smula 331 do TST. Referida ADC, porm, ainda no tem data para ser julgada no mrito e apresenta manifestao do Procurador-Geral da Repblica pela improcedncia do pedido, por trata-se de matria eminentemente infraconstitucional. Quanto responsabilidade da Administrao pelos dbitos previdencirios, a questo menos controversa. O 2 do artigo 71 da Lei 8.666/93 traz explcita a responsabilidade da Administrao Pblica em relao aos encargos previdencirios, a qual solidria com o contratado em relao aos contratos celebrados. Nesse sentido, visando eliminar a responsabilidade solidria por dbitos previdencirios da prestadora, por determinao da Lei 9.711/98 (que alterou a Lei 8.212/91), as tomadoras devem fazer a reteno do equivalente a 11% (onze por cento) sobre o valor total dos servios contidos na nota fiscal, fatura ou recibo emitido pela empresa prestadora de servios. Essa mudana teve vigncia a partir de fevereiro de 1999 e objetivou reduzir a sonegao e estimular a contratao de prestadoras de servios (GONALVES, 2005, p.20-27). Porm, Srgio Pinto Martins (2005 p.151) levanta uma discusso sobre o dispositivo e afirma que a Lei de Licitaes e Contratos expressa que essa responsabilidade ocorre nos termos do artigo 31 da Lei 8.212/91 a qual, como j foi dito, recebeu nova redao dada pela Lei 9.711/98, no mais tratando do tema em questo (ou seja, houve mudana do texto anterior). Desse modo, por ter sido revogada tacitamente, no h mais responsabilidade solidria entre a Administrao Pblica e a empresa contratada por encargos previdencirios decorrentes da execuo do contrato (MARTINS, 2005, p.151). Apesar desse entendimento, o que tem prevalecido a aplicao da responsabilidade solidria. Diante do entendimento majoritrio de que a Administrao deve responder pelos encargos da prestadora, pode-se concluir que a melhor prtica a ser adotada pelos agentes pblicos que se acompanhe o contrato e observe se a empresa faz o recolhimento dos encargos trabalhistas e previdencirios dos empregados que esto prestando o servio, evitando demandas judiciais futuras. No resta dvidas de que a Administrao Pblica deve se utilizar da terceirizao com cautelas, como alerta Vantuil Abdala (2009, p.18), em relao aos litgios afetos terceirizao tanto no setor pblico quanto privado, que:

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No TST, existem 9.259 processos em que o trabalhador cobra do tomador de servios os direitos que no conseguiu receber da prestadora. Se considerarmos que chegam Corte Superior Trabalhista menos de dez por cento de todas as aes ajuizadas por empregados no Pas, podemos ter ideia da dimenso da insegurana jurdica e da litigiosidade que tem gerado a ausncia de regulamentao desse tipo de contratao.

Por fim, cabe lembrar que, havendo condenao do Estado, prev tambm a lei que pode ocorrer responsabilizao do administrador no mbito penal, civil e administrativo, como ensina Dora Ramos (2001, p. 69):

O administrador que der causa ilegalidade, dever ser responsabilizado, estando sujeito inclusive aos rigores da lei de improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992) e ao ressarcimento dos prejuzos que venha causar aos cofres pblicos, notadamente se o Estado for condenado ao pagamento de indenizaes a qualquer ttulo.

4.5. Aspectos para reflexo

Ainda em relao terceirizao na Administrao Pblica, h alguns aspectos que merecem ateno e que sero rapidamente colocados para suscitar discusses futuras. A primeira delas se refere responsabilidade civil do Estado. Sobre o assunto ensina Di Pietro (2008, p.221):Em caso de danos causados a terceiros pelos trabalhadores contratados de forma ilcita, incide a responsabilidade do Estado, que objetiva e independe de quem seja o agente causador do dano, conforme art. 37 6, da Constituio. Vale dizer que, embora contratado ilicitamente, esse agente considerado agente pblico para fins de responsabilidade civil do Estado.

O aspecto seguinte se refere a uma clusula contida em algumas convenes coletivas de trabalho, a exemplo da clusula quinquagsima quarta da conveno coletiva de trabalho 2009/2010 registrado no MTE sob n DF000106/2009 a qual, sob o argumento de garantir a manuteno e continuidade do emprego, as empresas que sucederem outras na prestao do mesmo servio Administrao Pblica, so obrigadas a contratar todos os empregados da empresa anterior sem descontinuidade quanto ao pagamento dos salrios e a prestao dos servios, alm de conceder garantia de emprego de 180 (cento e oitenta) dias, vedada celebrao de contrato de trabalho a ttulo de experincia nesse perodo. Referida clusula parece contrariar as normas vigentes e a jurisprudncia, pois na terceirizao o objeto a prestao de servios, portanto a identidade do agente que desempenhar a funo irrelevante para o tomador. O que importa na relao contratual a obteno do resultado

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material pactuado. Ademais, se ocorre substituio da empresa prestadora de servios, mas continuidade dos empregados que trabalham na tomadora, ocorre o fornecimento de mo de obra, o qual , segundo Di Pietro (2008, p.216-220), inadmissvel na Administrao Pblica. Outro aspecto que tem gerado discusses em torno da terceirizao em relao a que valores devero estar enquadrados nos limites de despesas com pessoal trazido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta lei dispe em seu artigo 18, 1 que os valores dos contratos de terceirizao de mo-de-obra que se referem substituio de servidores e empregados pblicos sero contabilizados como Outras Despesas de Pessoal. Dvidas tem surgido em relao a esse dispositivo, mas Dora Ramos (2001, p.153) esclarece que:os contratos de terceirizao firmados para suprir atividades que antes eram exercidas por servidores pblicos, que tiveram seus cargos, empregos ou funes extintos para dar origem contratao terceirizada, inquestionavelmente esto includos nesse limite de gastos, em decorrncia de seu ntido carter de substituio.

Quanto aos outros contratos de terceirizao, deve-se analisar e observar se assumem carter de substituio, pois ao que parece o intuito da norma atingir aqueles gestores que objetivam meramente burlar os limites de gastos, buscando vantagens para si (RAMOS, 2001, p.156). Por fim, salutar trazer uma reflexo levantada por Dora Ramos (2001) em relao vantajosidade da terceirizao para a Administrao Pblica, pela dificuldade em estabelecer a parceria, considerada uma das caractersticas fundamentais dessa ferramenta. Ramos ensina que no setor pblico essa relao encontra-se dificultada devido s limitaes na escolha do contratado, a qual deve se vincular a um procedimento licitatrio que no permite eleio. Assim, a Administrao se prejudica em relao a fatores que podem ser utilizados no setor privado, quais sejam, qualidade do produto, capacidade instalada, tecnologia empregada, seu conceito de mercado, seu relacionamento com os clientes e concorrentes, a situao econmico-financeira, preos praticados e, sobretudo, seu interesse na parceria (MANUEL ALVAREZ. Terceirizao: parceria e qualidade, p.7 apud RAMOS, 2001, p.154). No setor pblico, a determinao do parceiro se d na maior parte pelo preo e no com base nesses fatores, ocorrendo apenas contratao de um mero prestador de servios ou fornecedor de bens. Cabe, ento, questionar se a terceirizao apresenta resultados favorveis Administrao Pblica como os obtidos pelo setor privado, que tem como uma de suas premissas a de que a escolha do parceiro fundamental e no deve ter por prioridade a obteno imediata do menor preo (RAMOS, 2001, p.156).

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5. A GESTO E A FISCALIZAO DE CONTRATOS NA ADMINISTRAO PBLICA

A Lei de Licitaes e Contratos, no seu artigo 58, inciso III, atribui Administrao o poder dever de acompanhar e fiscalizar a execuo dos contratos por ela firmados, pois eles so pagos com recursos pblicos, os quais devem ser gastos visando a racionalizao. Nesse sentido, o artigo 67 da mesma lei estabelece a forma como ela dever ocorrer:Art. 67 - A execuo do contrato dever ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administrao especialmente designado, permitida a contratao de terceiros para assisti-lo e subsidi-lo de informaes pertinentes a essa atribuio. 1 O representante da Administrao anotar em registro prprio todas as ocorrncias relacionadas com a execuo do contrato, determinando o que for necessrio regularizao das faltas ou defeitos observados. 2 As decises e providncias que ultrapassarem a competncia do representante devero ser solicitadas a seus superiores em tempo hbil para a adoo das medidas convenientes.

Esse representante ao qual se refere deve ser um servidor, que possui diversas atribuies e responsabilidades a depender da funo e do tipo de contrato no qual responsvel.

5.1. Distino entre gestor e fiscal de contrato

A maior parte dos autores entende que o gestor e o fiscal no devem ser a mesma pessoa. Para Jess Torres (2008, p.9), o gestor aquele que tem uma viso ampla do sistema ao qual o contrato est inserido e o fiscal o que comparece em campo e verificando se o contrato est sendo executado conforme seus termos. O gestor pode ser responsvel por mais de um contrato e deve preferencialmente exercer suas atribuies com dedicao exclusiva, para que possa execut-lo com o devido zelo. Em relao a essas dessas duas figuras, Jess Torres Pereira Jnior (2007, p.198) faz a seguinte distino:

Ento, o fiscal a que se refere o art. 67 da Lei n 8.666/93 na nossa organizao administrativa o servidor que vai a campo, o que est diariamente na obra, o que est verificando como se executam os servios de limpeza, conservao, manuteno ou vigilncia; j o gestor est preocupado com outro nvel de acompanhamento e exatamente por isso pode ser gestor de mais de um contrato porque tem que ter a viso do sistema contratos que se renem por afinidade de objeto. Assim possvel ter 5, 6, 10 contratos de limpeza e conservao todos com o

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mesmo gestor, mas cada um deles com o seu fiscal, porque dificilmente um fiscal vai dar conta de acompanhar o dia-a-dia da execuo de mais de dois contratos.

Para o autor essa separao de funes importante, pois as atribuies so diferentes, sendo, porm, complementares uma da outra:

Ora, se o gestor essa pea que tem a viso do sistema, que conhece as prerrogativas da Administrao, sabe us-las no momento e na dose certos, ele tem que ter uma equipe que possa ir ao campo da execuo para acompanhar o que est acontecendo o gestor no vai, evidente; se ele gestor est na sua unidade administrativa tomando uma srie de providncias e acompanhando o desenvolvimento da execuo atravs de relatrios, documentos, sem jamais perder esta viso do todo, a viso do sistema, eficincia e eficcia, relao custobenefcio e resultados. Mas ele precisa de gente do campo, e esse pessoal de campo o que a lei chama de fiscal da execuo (PEREIRA JNIOR, 2008, p.9).

Para o autor, o ideal que a funo de gestor de contratos seja formalizado, possibilitando que apenas servidores capacitados a exeram. Sobre o assunto, relata que:No municpio paulista de So Jos dos Campos j se editou lei local, lei municipal, criando o cargo de gestor de contrato; cada Secretaria Municipal ter um desses cargos na sua estrutura. Vejam que ali j se percebeu que gerir no pode mais ser uma questo episdica, no pode ser apenas mais uma funo a se exercer esporadicamente, que vale a pena comear a pensar em algo mais permanente, em algo mais estruturado, como o cargo de gestor de contratos, at para que seus ocupantes possam ter uma formao especializada e dedicao exclusiva s funes decorrentes da gesto. (PEREIRA JNIOR, 2008, p.2).

No h dvidas de que o agente pblico investido nas funes de gestor e fiscal de contrato dever ser capacitado para realizar as atividades inerentes ao cargo, pois poder ser responsabilizado por eventuais erros ou ilcitos praticados. Alm disso, no deveria acumular essas funes com outras alheias contratao, fato que rotineiramente ocorre no servio pblico (geralmente motivado pela falta de pessoal), mas que prejudica demasiadamente a gesto do contrato, pois os agentes no dispem de tempo para se capacitarem adequadamente, e alguns nem mesmo para realizar adequadamente as rotinas necessrias para o acompanhamento do contrato. Aliado a isso, muitas vezes ainda acumulam as funes de gestor e fiscal do mesmo contrato. O momento de nomeao do gestor tambm precisa ser planejado, pois deve ser dado a ele oportunidade para conhecer o contrato antes de sua assinatura. Leiria (2008, p.799) defende que o momento correto para nomeao do gestor no momento da autorizao do processo licitatrio, permitindo que ele acompanhe o processo de contratao, participe da fase de elaborao do edital, preste consultoria interna para a comisso de licitao e para o

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pregoeiro, contribuindo inclusive na escolha da melhor forma de realizar a gesto do contrato. J a nomeao do fiscal deve ser logo aps a assinatura do contrato. Tambm no sentido de segregar as duas funes, este autor (LEIRIA, 2008, p.796) entende que gestor aquele que acompanha e toma as decises sobre a gesto do negcio, enquanto o fiscal tem atuao mais focal, cuja funo gerar informaes para o gestor. Ele realiza a fiscalizao, que deve preferencialmente ter carter de especializao, admitindo-se inclusive diversos fiscais com competncias diferentes para um mesmo contrato, em respeito aos princpios da eficincia e da especializao. Assim, a Administrao garante agentes capacitados atuando nas reas respectivas, gerando ganhos em termos de qualidade, pois a atuao inadequada poder acarretar sanes, conforme prev a Lei 8.666/93:Art. 82. Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta lei ou visando a frustrar os objetivos da licitao sujeitam-se s sanes previstas nesta Lei e nos regulamentos prprios, sem prejuzo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

Diante dessa previso, os gestores e fiscais devem, em caso de dvidas, necessidade de tomar decises que extrapolem suas competncias ou dificuldades relacionadas ausncia de infra-estrutura, se salvaguardar, registrando e encaminhando referidas dificuldades aos seus superiores hierrquicos. Caso se mantenha inerte diante de situaes em que deva atuar, o gestor ou fiscal pode ser responsabilizado por essa conduta (LEIRIA, 2008, p. 797). O agente estar sujeito inclusive Lei de Improbidade Administrativa (Lei n 8.429, de 02 de junho de 1992). Em relao ao assunto, Jess Torres (2007, p.7) apresenta uma novidade, como se segue:No se instauram mais procedimentos apuratrios de irregularidades de gesto tendo por alvo apenas a figura do ordenador de despesas. Chamam-se colao para responder apurao todos aqueles agentes que participaram naquele processo para a gerao da despesa que se repute inadequada, imprpria, ineficiente, ineficaz, antieconmica.

Diante dessa mudana, a responsabilidade pelo dano dividida entre todos aqueles que participaram do ato, cada qual respondendo pelo que praticou. Para afastar-se de sanes, o gestor deve cercar-se de cuidados ao tomar decises, levando em considerao levantamentos, estudos e consultas a pessoas que detm conhecimento acerca do assunto. Tudo isso para que, documentando todos esses procedimentos, estar servido de provas a seu favor, caso no futuro a deciso tomada no produza os resultados esperados, no podendo ser

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considerada como fruto de improbidade administrativa. Ao contrrio, se forem tomadas decises impensadas, sem fundamentos slidos, tais decises podero ser questionadas futuramente e at julgadas imprprias (PEREIRA JNIOR, 2007, p.196).

5.2. Perfil do gestor de contratos

Alguns autores consideram que o gestor de contratos deve possuir algumas competncias que facilitariam o exerccio da funo. Maria Luiza Machado Granziera (2007, p. 412) defende que o gestor tem que ser proativo, ou seja, tem que estar a par da conjuntura, se antecipar aos problemas e buscar solues, prevendo acontecimentos que possam trazer reflexos na execuo do contrato e evitando riscos (como perda de tempo ou de recursos financeiros). Um exemplo de atitude proativa seria o acompanhamento (desde o incio) da remessa de algum produto, para certificar-se que ser entregue na data acordada. Tambm nos casos de urgncia, ao buscar auxlio de outros setores, deve no somente enviar uma solicitao e aguardar, mas ir ao encontro do responsvel pelo setor para obter respostas mais rpidas. Segundo a autora, o gestor no tem a incumbncia de resolver todos os problemas tcnicos, mas a de fazer com que o problema seja resolvido, consultando quem tem o conhecimento tcnico que lhe falta para auxili-lo. Para isso ele tem que se articular com essas pessoas ou unidades a fim de munir-se de informaes que iro ajud-lo a fundamentar sua deciso para solucionar os problemas e viabilizar a entrega do objeto conforme definido no edital. Para auxili-lo na tarefa, recomenda-se ter uma equipe. O gestor o elo entre a contratante e a Administrao, para isso tem que ser um negociador de prazos, reunies, condies (exceto aquelas constantes do contrato) para que a execuo do objeto ocorra a contento. Tambm deve se articular com os outros setores que lhe daro o suporte tcnico (departamento jurdico, comercial, financeiro etc) e buscar apoio de suas autoridades superiores. Em relao ao conhecimento tcnico, Jess Torres (2007, p.411) defende que o gestor deve ter um arcabouo mnimo de conhecimento, como se v a seguir:Fundamentalmente, o gestor algum que tem que conhecer um pouco do direito, das leis que regem as contrataes pblicas, tem que entender de direito administrativo; no precisa ser necessariamente advogado, no precisa ser bacharel, mas tem que ter noes dos princpios, noo do que o Direito Administrativo na

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questo das contrataes, tem que ter noes bsicas de direito financeiro. Com essa bagagem mnima do arcabouo legal que rege a execuo de um contrato porque a gente est falando de execuo de contrato, mas existe a execuo oramentria junto com o contrato , existe algum que vai atestar o cumprimento de uma etapa do contrato e gerar um processo de pagamento dentro da Administrao Pblica. O gestor tem importncia fundamental no s em relao ao acompanhamento fsico da execuo do objeto, mas tambm tem a responsabilidade de atestar que a partir daquele momento o contratado poder receber a parcela respectiva ao cumprimento daquela etapa do contrato.

Referido autor relata ainda que a Controladoria Geral da Unio - CGU apresentou no 3 Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, as principais deficincias na gesto dos contratos, corroborando essa necessidade de se ter um agente capacitado:

Os erros que mais freqentemente se observam no desempenho dos gestores pblicos dos contratos: a ausncia de fiscal designado ou a precariedade de sua atuao ocasionando, dentre outros, os seguintes problemas estou lendo o texto da Controladoria Geral da Repblica falta de controle sobre a execuo, ausncia de sano ao contratado que no cumpre clusula, pagamento realizado sem a necessria medio dos servios, recebimento de bens e servios por agentes que no possuem conhecimento tcnico sobre o objeto contratado e dificuldades em apurar responsabilidades do agente que recebe o objeto em desacordo com os termos e condies contratados (PEREIRA JNIOR, 2008, p.1).

Observa-se que para exercer a funo, no s recomendvel como necessrio que o representante da Administrao detenha algumas competncias e conhecimentos que o auxiliaro no cumprimento das tarefas, alm de minimizar problemas como os citados no relatrio da CGU.

5.3. Atribuies do fiscal e gestor de contratos

Alm do aspecto anteriormente abordado, importante que o fiscal e o gestor de contratos tenham em mente qual o seu papel, ou seja, quais so suas atribuies na funo as quais foram designados. Elas podem variar dependendo do contrato, porm possvel listar algumas que se referem maioria deles, como as apresentadas por Maria Luiza Machado Granziera (2007, p. 412): Planejar a execuo do contrato (por meio de reunies peridicas e reunio inicial com o preposto), conhecer as tarefas que dever realizar naquele contrato e se preparar para elas programando, por exemplo, o prazo, como e com a ajuda de quem ir para execut-las;

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conhecer em detalhes o objeto do contrato, para que possa aferir com preciso se o objeto foi entregue ou prestado conforme especificado no edital; transformar e formalizar toda e qualquer negociao e planejamento no processo administrativo aberto para a contratao, pois o processo de contratao de natureza formal e a documentao servir como um histrico do contrato, contendo explicaes, justificativas que podero inclusive no futuro ser solicitada por rgos de controle. tambm devem ser anexados ao processo de contratao e-mails, contatos telefnicos que foram importantes nesse processo, para que se possa compreender futuramente como elas ocorreram. Em relao ao processo administrativo, Jess Torres (2007, p. 196) chama a ateno para sua importncia:O processo administrativo da contratao uma das mais importantes ferramentas jurdico-administrativas da gesto comprometida com os resultados, porque ali estaro todos os elementos que atestaro, ou no, a pertinncia das escolhas, das opes, das decises e dos resultados obtidos ou no obtidos.

demonstrar tecnicamente o motivo de alteraes no objeto, explicitando uma possvel inadequao e mostrando a vantajosidade da alternativa escolhida; verificar a situao trabalhista como a anotao na carteira de trabalho, o gozo de frias e o uso de equipamentos de segurana, principalmente em contratos que envolvem realizao de obras. Mesmo que esses itens constem do contrato ou do edital, o gestor deve se certificar que est sendo cumprindo, sob pena de ser negligente; registrar a histria do contrato, contendo os problemas detectados durante a contratao para que se possa aperfeioar o prximo edital, consequentemente a gesto dos prximos contratos, evitando cometer os mesmos erros. A anotao servir para que caso haja mudana de gestor, o prximos saibam identificar as melhorias a serem feitas para que a Administrao evolua para melhor;

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Observa-se que o papel do gestor, em termos gerais, o dever de garantir que o oramento pblico ser utilizado de forma racional, com o melhor custo-benefcio possvel, por meio do acompanhamento do estrito cumprimento do contrato pelo prestador de servios, ou seja, viabilizar a execuo do objeto nos estritos termos do contrato e do edital. Jess Torres (2007, p.199) recomenda que ele tenha domnio sobre os termos do contrato, pois ao fazer solicitaes ou recomendaes ao contratado ele somente pode se basear no que foi estabelecido no documento contratual. Por isso, tambm o edital, projeto bsico e o contrato devem ser bem planejados:

Quando o fiscal vai a campo tem que conhecer perfeitamente os termos do contrato, do projeto, das especificaes, porque este o paradigma que ele tem para exigir a correo de faltas ou defeitos. Ser falta ou defeito em face daquilo que est contratado, no em face daquilo que ele pensa o que ele gostaria que fosse, ou o que o contratado acha melhor.

5.4. Medidas preventivas para auxlio na gesto e fiscalizao

Muitas vezes, mesmo havendo cuidado na escolha do gestor ou fiscal, necessrio que se tome outras medidas visando prevenir problemas futuros, principalmente aqueles relacionados ao inadimplemento da contratada. Para se garantir a idoneidade financeira da contratada e consequente resguardo dos interesses dos trabalhadores envolvidos na prestao dos servios, Anglica Guimares (2009, p.16) sugere a adoo de algumas medidas: exigir, nos atos convocatrios, comprovao de patrimnio lquido de no mnimo 5% do valor estimado da licitao; planilhas abertas, com cotao de todos os itens que compem o preo por categoria envolvida na prestao dos servios; atestados de capacidade de execuo de servios similares em quantidade, qualidade e prazos e que os valores correspondentes s parcelas salariais devidas aos trabalhadores envolvidos na prestao dos servios sejam realizados atravs de depsito vinculado na conta-corrente da prestadora, evitando que a empresa receba os crditos e desvie a finalidade ou que esta tenha dvidas para com a instituio bancria e esta bloqueie os valores, impedindo o cumprimento das obrigaes trabalhistas. Srgio Honorato dos Santos (2008, p.1037-1040) tambm lista alguns cuidados que se devem ter ao se optar pela execuo indireta: checar a idoneidade e capacidade financeira da empresa, exigir garantias, firmar contrato com clusulas e obrigaes claras e bem definidas, evitar contratar parentes de servidores, agentes pblicos ou polticos como terceirizados (no

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ofendendo os princpios da moralidade e da impessoalidade), definir claramente as atribuies de cada categoria profissional que se est contratando, evitando que se confundam com as atribuies tpicas de servidores de carreira e instruir a contratao previamente com plano de trabalho aprovado pela autoridade mxima do rgo ou entidade. Para Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p.74) a especializao da empresa prestadora de servios um requisito importante que autoriza a terceirizao. Porm, o que se observa em alguns contratos a existncia de empresas com objetos sociais extremamente genricos, denunciando a mera intermediao de mo-de-obra. Portanto essencial que se observe, numa contratao, se a contratada possui uma atividade definida, configurando uma empresa realmente especializada na execuo do servio a que se prope prestar. Patrcia Oliveira Lima Pessanha (2010, p.89) recomenda valer-se de assessoria jurdica especializada nos casos de dvida em relao aplicao da ferramenta, pois se torna mais vantajoso assumir custos com essa consultoria a ser eventualmente demandado judicialmente. Alm disso, a mesma autora (PESSANHA, 2010, p.91) aconselha que, na fase posterior prestao de servio terceirizado, a tomadora guarde a documentao referente mo de obra utilizada, por um prazo de cinco anos, para comprovaes futuras, caso seja demandado pelos rgos de controle ou pelo judicirio. Visando municiar a Administrao com informaes sobre procedimentos que podem ser adotados para prevenir dificuldades na gesto dos contratos, foi editada a IN n 2/2008 SLTI, que estabelece entre outras medidas (SAMPAIO, 2008, p. 486-489): que as contrataes devem ser realizadas em harmonia com o planejamento estratgico da instituio; a observncia de algumas diretrizes, como mensurao dos servios por resultados, definio de competncias e responsabilidades para todos os envolvidos com a contratao, procurando garantir que cada um atue onde possui conhecimentos tcnicos especficos (ateste dos produtos ou servios, resoluo de problemas, acompanhamento da execuo dos trabalhos, gerenciamento de riscos, sugesto de aplicao de penalidades, avaliao da necessidade de aditivos contratuais e conduo do processo de repactuao, quando for o caso), evitando entendimentos equivocados e contribuindo para a eficincia na gesto dos contratos; princpios e vedaes para a contratao com terceiros;

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a adoo de unidades de medida que permitam a mensurao dos resultados, eliminando critrios de remunerao como quantidade de horas trabalhadas ou nmero de postos; o impedimento de condutas que no devem ser praticadas pela Administrao em relao aos empregados contratados, como emitir ordens diretas, desviar funes, indicar pessoas para contratao e fixar salrios e benefcios; a necessidade da elaborao de projeto bsico ou termo de referncia, que deve abranger todos os aspectos relacionados com a contratao e ser preferencialmente elaborado por profissional com qualificao tcnica no servio a ser contratado. Quanto maior a especializao do responsvel, melhor ser o resultado obtido; a possibilidade de celebrar contratos com base no atingimento de metas previamente estabelecidas, utilizando-se para isso o Acordo de Nvel de Servios (ANS), o qual dever constar do edital e objetiva aferir a qualidade dos servios prestados por meio de indicadores de desempenho objetivos e claros; a fixao de requisitos mnimos para aceitao das ofertas, visando torn-las mais claras e objetivas, como: preenchimento das planilhas de formao de preos, indicao dos atos normativos que orientaram as propostas e a produtividade adotada, alm de relacionar a quantidade de pessoal e os materiais e equipamentos que sero alocados na execuo contratual; a necessidade de especificar critrios para a verificao da exequibilidade e desclassificar propostas cujos preos sejam inexequveis, entendidas como aquelas que comprovadamente sejam insuficientes para a cobertura dos custos decorrentes da contratao. A norma prev ainda a realizao de diligncias, caso haja necessidade de esclarecimentos complementares ou quando houver indcios de inexequibilidade da proposta de preo; a necessidade dos termos aditivos de prorrogao serem aprovados previamente pela consultoria jurdica do rgo/entidade contratante;

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a especificao dos objetos de verificao, conduta dos fiscais


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