Título: Internet, imaginário e migrantes brasileiras: o sonho de morar na Europa visto do site www.midiamigra.com.br1
Autora: Daiani Ludmila Barth2
Instituição de Ensino: Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos
Orientadora: Prof.ª Dra. Denise Cogo3
Resumo:
Este artigo propõe uma reflexão sobre usos da Internet por um grupo de migrantes brasileiras a partir de três experiências em que as migrações se relacionam ao imaginário europeu: o projeto de migração para a Europa; a vivência da migração e sua reconfiguração no território europeu; e a reconfiguração no território europeu na migração de retorno ao Brasil. A experiência metodológica configura-se num ensaio de observação etnográfica através da Internet e entrevistas, no uso de e-mail e Chat, com migrantes brasileiras usuárias do Fórum do site www.midiamigra.com.br. O objetivo é discutir como é elaborado e reconfigurado o “sonho europeu” por brasileiras através da Internet a partir do Fórum, no processo de construção e efetivação do projeto de migração para a Europa, tendo como principais eixos conceituais gênero, migração, imaginário social e a cibercultura.
Palavras chave: Gênero, migração, imaginário e cibercultura.
Introdução
Este artigo compõe-se a partir da articulação de três reflexões: a comunicação através das
mídias digitais, a questão de gênero e o processo de imaginário de experiências européia.
Proponho a busca de pistas sobre a atuação da cibercultura como personagem principal no
imaginário de migração para a Europa por um grupo de brasileiras usuárias do Fórum do site
acadêmico www.midiamigra.com.br, do grupo Mídia e Multiculturalismo4. As reflexões tomam
forma a partir da experiência acadêmica como bolsista de iniciação científica no grupo “Mídia e
Multiculturalismo” que desenvolve a pesquisa “Mídias, migrações internacionais e cidadania no
cenário brasileiro – Interações de imigrantes latino-americanos com as mídias no marco da gestão
1 O trabalho é o resultado da monografia de conclusão de curso de graduação. 2 Jornalista. Mestranda em Comunicação (PPGCOM - Unisinos). Atua como pesquisadora no grupo Mídia e Multiculturalismo (PPGCOM - Unisinos) e integra a equipe do Programa Acadêmico de Cooperação Internacional Brasil-Espanha.3 Professora titular do PPGCOM - Unisinos. Pesquisadora do CNPq.4 Grupo inscrito no diretório dos grupos de pesquisa do CNPq e vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, em São Leopoldo, RS. Ver <www.midiamigra.com.br>
midiática da interculturalidade”5. Da mesma forma, através da participação no grupo Brasil-
Espanha, organizador do Programa Acadêmico de Cooperação Internacional: “Mídia e
interculturalidade: estudo das estratégias de midiatização das migrações contemporâneas nos
contextos brasileiro e espanhol e suas repercussões na construção midiática da União Européia e do
Mercosul”, realizado em parceria com o grupo Migracom, da Universidade Autônoma de
Barcelona6.
Um aspecto fundamental para entender esse sonho e às vezes, efetivação de uma “vida
nova” em países europeus, é conhecer essas brasileiras. O sonho é seu grande companheiro desde
a infância, quando foram ensinadas a brincar com suas bonecas, dentro de seus lares e imaginar
as situações da vida. Até porque “é esse ‘sentido’ das metáforas, esse grande semantismo do
imaginário, que é a matriz original a partir da qual todo o pensamento racionalizado e seu cortejo
semiológico se desenvolvem”7.
A investigação, portanto, estruturada na questão de gênero, proporcionou pistas de quem
são as mulheres que postaram mensagens a partir de uma amostra localizada através do Fórum.
Dessa forma, encontrei as brasileiras com as quais realizei a coleta de dados para o trabalho, com
base no uso da entrevista e utilizando como ferramentas o correio eletrônico e o chat.
A realização de entrevistas
A partir da busca no Fórum do site www.midiamigra.com.br, encontrei um grupo de dez
mulheres que fizeram parte do objeto de estudo desse trabalho. Ao longo da investigação busquei
exercitar um olhar etnográfico, ou seja, uma tentativa de observação sobre a construção dos
imaginários acerca do continente europeu na utilização da Internet. Abaixo, pode ser visualizado
o site:
5 O trabalho é coordenado pela Profª Drª Denise Cogo e desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos-RS, desde março de 2004.6 O grupo Brasil-Espanha é coordenado pela Prof.ª Drª. Denise Cogo, da Unisinos e pelo Profº. Dr. Nicolás Lorite Garcia, da Universidad Autonoma de Barcelona (UAB) e financiado pela CAPES (Brasil) e MEC (Espanha). Ver base de dados do projeto: www.intermigra.unisinos.br7 DURAND, 1989, p.24.
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Site Mídia e Migrações (página inicial)Fonte: Grupo Mídia e Multiculturalismo [2006]
O momento inicial abrange um estudo exploratório quando realizei a observação do
Fórum e o mapeamento das mensagens publicadas por mulheres. Compreendeu o momento no
qual descobri que o único recurso que dispunha para tentar iniciar um contato com alguma
daquelas mulheres era o e-mail que elas deixavam em suas mensagens. É o período em que
elaborei o roteiro de perguntas para as três experiências que mobilizavam essas mulheres a
visitarem o site percebidas a partir da observação do conjunto de mensagens deixadas no Fórum
e que pude, mais tarde, contemplar na amostra com base na definição de tipologias que menciono
logo abaixo.
O momento posterior leva em consideração a intenção de realizar um olhar etnográfico
sobre a construção de imaginários acerca do continente europeu a partir do universo da Internet.
Assim, proponho uma etnografia na Internet, ou uma “netnografia”8 na realização das entrevistas
com participantes do Fórum. É importante mencionar que as escolhas de como aconteceriam as
entrevistas foram realizadas pelas próprias entrevistadas.
Perfil das entrevistadas e a separação por tipologias
8 Ver SÁ, 2002.
3
Após a prévia negociação das entrevistas, e da maneira como elas aconteceriam, foram
entrevistadas dez usuárias, sendo que cinco delas utilizando o recurso MSN e as outras cinco
através da troca de e-mails. A amostra foi dividida em três tipologias. A tipologia 1 é formada
pelo maior número de entrevistadas, são seis entrevistas, e representa as brasileiras que têm a
intenção de morar na Europa. A tipologia 2 abrange as duas entrevistadas que moram atualmente
na Europa. E, por fim, a tipologa 3 representa as duas entrevistadas restantes que já moraram na
Europa e que voltaram ao Brasil. Importante mencionar que cada entrevistada escolheu a maneira
que gostaria de ser citada na pesquisa. Para a visualização da amostra construí o seguinte quadro:
PERFIL DAS ENTREVISTADASA B C D E F G H I
1 Dani 23 SP Superior Solteira Não tem Coordenadora departamento suporte técnico
InglaterraEspanha
Edna 28 MG Ensino Médio
Separada 1 filha Administração de escritório de advocacia
Espanha
Gaby 23 Austrália
Superior Solteira Não tem Garçonete França
HPF 33 PR Pós-graduação
Solteira Não tem Analista administrativa
PortugalEspanha
Nucy 26 BA Ensino Médio
Solteira Não tem Presta serviços em bares e restaurantes
Itália
Solange 51 SP Superior Viúva 3 filhos Professora ensino médio aposentada
Espanha
2 Cláudia 35 Holanda
Ensino Médio
Solteira 3 filhas Acompanha idosos em um asilo
EspanhaFrança
Thais 26 Itália Superior Solteira Não tem Doméstica Itália3 Mrios 41 ES Superior
incompletoSeparada 1 filha Atleta Espanha
SS 23 RJ Superior incompleto
Solteira Não tem Promoções e eventos
Áustria
Legenda:A Tipologia D Onde mora G FilhosB Nome E Escolaridade H EmpregoC Idade F Estado Civil I País a emigrar
O sonho europeu
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O continente europeu imaginado. O sonho de morar na Europa. Considero importante
iniciar essa reflexão pelas palavras de Solange, expressando sua identificação com a Europa:
Eu gosto muito da Europa desde pequena procuro ler tudo que posso da Europa e cada vez mais o meu encanto é maior, porque pelo que sinto nas leituras e vejo nas imagens o povo de lá parece mais responsável que o brasileiro visto a organização, a limpeza a preocupação com o bem servir. Também encontro no que pesquiso sobre a Europa um romantismo a moda antiga parece que o amor faz parte da química do ar. 9
A partir dessa resposta, fica claro o caráter imaginativo da entrevistada construído pelas
suas leituras e imagens do que significa a Europa. Ao longo dos e-mails que trocamos, ela parece
mudar de opinião quanto a morar lá efetivamente, em função de que suas “raízes” e sua família
estarem no Brasil. De qualquer forma, sente-se empolgada com a viagem de turismo de dez dias
que pretende realizar ao continente. Essa identificação faz com que crie imaginários acerca da
pureza da raça européia, alicerçados na idéia de que a Europa constitui-se em “uma civilização
antiga sem muitas influências”. E isso estrutura-se a partir da Internet e de conversas com outras
pessoas, entre elas, profissionais de Turismo: “meus meios de conhecer a Europa é só atraves da
net, agências de viagem de turismo e pessoas que lá estiveram”. (Solange)
A referência sobre a cultura é interessante. A Europa parece figurar como um local de
outra cultura, uma cultura diferente. Talvez uma cultura de “pessoas frias, egoístas, diferente
daqui”, como afirmou Edna. Talvez um lugar com cultura, como se a cultura recebesse um
significado a mais por causa da proximidade e da quantidade de países da Europa. Interessa
dessa forma, a lembrança de Hall quando afirma que “as culturas, é claro, têm seus ‘locais’”10.
Um exemplo pode considerado a partir das palavras de Gaby: “morar lá deve ser algo
fantástico... ter todos aqueles países ao seu alcançe...eh maravilhoso! tenho paixão por cultura,
viagens e idiomas”.
A Europa também está nos planos de mestrado da entrevistada Gaby. O curso de seus
sonhos estaria na Europa. Além disso, são reveladoras outras percepções sobre os países e
principalmente, a consciência do sonho e da aventura pelo desconhecido que ela mesma cita. Lá
9 É preservada a grafia e pontuação da entrevistada. Da mesma forma, nas citações posteriores das intervenções das entrevistadas.10 HALL, 2003, p.36.
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também vive uma tia, na França, a qual ela considera como “ponte” para sua estadia no
continente europeu:
Pelo idioma iria p a franca... pois amo frances e seria uma boa oportunidade de aprender a lingua... ainda tenho uma tia q mora la e isso facilita muito as coisas p mim...Mas o pais q quero ir mesmo eh a espanha...sei la pq... pelo clima, pois n eh tao frio como no resto da europa... pelas famosas praias... pelos latinos serem mais "calientes" q o resto do povo... por dominar o espanhol...Gostaria de morar la uns dois ou tres anos... seria o tempo do meu mestrado... depois p trabalhar e curtir um pouco...Talvez ficasse la a vida toda se me sentisse acolhida e confortavel no pais... talvez alguns anos sejam suficientes...Mas tudo isso q eu te falo vai muito pela paixao... pelo sonho... pela aventura e pelo prazer do desconhecido... e menos por questoes objetivas... (Gaby)
Gaby está feliz com sua vida em Sidney, cita como motivos não haver assaltos, violência,
onde não precisa sentir medo de voltar sozinha para casa e onde as pessoas são educadas, as leis
existem e são cumpridas. Por isso, ela recomenda a saída do Brasil por ser “um crescimento
cultural, profissional e pessoal único”. E a Europa figura da mesma forma em sua imaginação.
Nesse sentido, interessante lembrar Taylor, quando define que imaginário:
Es aquello que nosotros tenemos y de lo que carecen los otros, aquellos que no conocen las excelencias, los refinamientos, los grandes logros que valoramos en nuestra forma de vida. Los otros eran los ‘selvajes’. Tal como revelan los términos, el contraste paradigmático de fondo es entre la vida en la selva y la vida en la ciudad11.
Desse modo, a partir das respostas que recebi, parece que essa idealização, o sonho de
morar na Europa, resulta em um imaginário sobre a civilização. De conquista e desejo de
participar da idéia de civilidade, como se, no país de origem, no caso o Brasil, essa civilidade não
se configurasse de todo.
A busca de "emprego na Europa"
Do conjunto de entrevistas realizadas no trabalho, percebi que a maior parte das
entrevistadas, das três tipologias, tem uma preocupação em comum acerca da sobrevivência na
11 TAYLOR, 2006, p.52.
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Europa: a busca de um emprego. Uma questão que se faz presente, nesse sentido, são as maneiras
de busca desse emprego proporcionadas pela Internet. Na dimensão do ciberespaço, “a
velocidade dos media eletrônicos instaura uma nova forma de experienciar o tempo, substituindo
a noção de tempo-duração por tempo-velocidade e a instantaneidade das relações sociais”12.
Talvez seja essa a explicação de que a maioria das entrevistadas utilizaram sites de busca,
particularmente Google, Cadê e Yahoo Search digitando, por exemplo, as palavras “emprego na
Europa”.
O trabalho configura-se como um dos fatores mais expressivos para a mudança no modo
de ser feminino. Não raras vezes concebido como valor fundamental para a busca de sua
independência financeira. As mulheres estão cada vez mais ocupando cargos que exigem
multifunções e que “requerem iniciativa e bom nível de instrução uma vez que as novas
tecnologias exigem uma força de trabalho dotada de autonomia, capaz de adaptar-se e
reprogramar suas próprias tarefas”13.
Para as entrevistadas, a vida não seria fácil ao migrar e uma pessoa só consegue se
“afirmar plenamente” com um bom emprego, digno, no continente europeu. Essa idéia é
esboçada por Nucy: “Não sei no que trabalharia, mas um trabalho digno seja ele qual for que
esteja a minha capacidade e que possa lucrar um pouco. Moraria lá uns 2 a 3 anos”. A dignidade
apareceu como um ponto que chama a atenção, o desejo é trabalhar em qualquer coisa na Europa,
desde que seja um emprego digno. Isso pode sugerir um desejo de fuga de um estereótipo, que é
revelado pelo menos em Portugal, onde a brasileira é vista como “mulher dos trópicos”: bela,
sensual e fácil de ser conquistada14.
Outro fator importante é que as entrevistadas não internalizam o termo “imigrante”. Todas
querem ir e depois voltar para o Brasil. Ou seja, elas não se imaginam vivendo na Europa por um
longo tempo. Conforme as respostas que recebi, a permanência varia em um período de um a três
anos, para “fazer dinheiro” (Nucy, HPF, Edna) e voltar para o Brasil. Nesse sentido, representa a
construção de uma migração temporária que poderia ser interpretada como um imaginário de
transição e de retorno ao Brasil e que alimenta a coragem para migrar.
12 SILVA; TANCMAN, 2006, p.2.13 CASTELLS, 1999, p.204.14 CUNHA, 2005.
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A Europa configurada pelas redes comunicacionais
“Uma conversa com um amigo e decidi ir”. Assim Mrios explica a razão que a fez, aliada a
má situação financeira no Brasil, viver no continente europeu. Até que ponto uma rede
comunicacional formada por amigos, conhecidos e parentes colabora com as entrevistadas, tanto
na configuração do imaginário como na ação de emigração para a Europa? A partir da análise das
respostas que obtive, observei a importância que a rede de contatos tem nas percepções de cada
entrevistada acerca desse “viver” na Europa. Assim como do suporte dado pela rede digital aliada
a outros dispositivos como o celular, para a manutenção desses contatos e troca de informações.
Nos casos de Thais e SS, amigos e parentes constituíram-se como fontes decisivas na sua
escolha por morar fora do Brasil. Thais contou que antes de morar na Itália, buscou informações
na própria família, com seu “bisnono” que é italiano. Depois uma amiga na faculdade disse para
ela que se ganhava bem na Europa. Por último, a entrevistada iniciou sua pesquisa na Internet e
em livros buscando informações sobre a Itália. Da mesma forma, SS afirma que decidiu emigrar
porque tinha irmãs morando na Europa, aliada à vontade de viajar, aprender novos idiomas,
“curtir um pouco e ter mais qualidade de vida”. (SS)
A participação de amigos, parentes e conhecidos nessa busca por informações revelou-se
no conjunto das entrevistas. Essas pessoas, além de tornarem-se fontes de informações sobre a
vida no continente europeu, também contribuem fortemente no sonho europeu construído pelas
entrevistadas. Ainda, constituem-se em garantias de permanência, por exemplo, no caso da
existência de parentes na Europa.
As informações são trocadas via e-mail, chat, mensagens de celular e telefone. No que se
refere à periodicidade do contato podem ser sintetizadas algumas relações. Dani afirmou o
seguinte: “tive um contato com um rapaz no oi londres, com o qual conversamos até hj...”. O site
inglês lhe proporcionou conhecer e manter contato com alguém no continente europeu, não
tendo, necessariamente, um grau de parentesco. Apesar disso, especificamente com sua irmã
gêmea que mora atualmente na Inglaterra, a entrevistada troca informações diariamente.
É possível que se fale em uma questão clara de formação de redes. Talvez ultrapassando em
importância durante a tomada de decisão por viver em outro país. Edna, por exemplo, soube que,
uma vez na Europa: “tem os próprios brasileiros que tentam passar a perna na gente lá”. Assim,
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as redes comunicacionais se fazem presentes em todo processo migratório. Tanto como antes de
ir, quando se está em outro país, essas relações se modificam. Podem ainda renovar-se como no
exemplo de Cláudia, há treze anos na Holanda. Ela encontra-se semanalmente com um grupo de
brasileiros em sessões espíritas. Além disso, quando explicitou suas pretensões de migrar para
outros países europeus, revelou o contato com uma amiga francesa.
A Europa reconfigurada no território europeu
Ao morar na Europa, os choques culturais e vivências comunicacionais se reconfiguram.
O sonho europeu torna-se cotidiano. A rotina, o dia-a-dia, trazem outras concepções para estas
duas entrevistadas: Cláudia, na Holanda, e Thais, na Itália. Considerando as palavras de Sara
Losa: “Hemos podido notar que en la mayoría de los casos las imágenes construidas desde el país
de origen no corresponden a la realidad encontrada”15 notei que da mesma forma as entrevistadas
mudaram de opinião nesse processo de reconfiguração da imagem e da realidade no território
europeu. Em alguns pontos, citam aspectos positivos, com os quais parecem construir
identificações, e, em outros, negativos.
Num primeiro momento, Cláudia afirma ter deixado o Brasil sem imaginar o que seria
morar na Europa: “nao tinha nenhuma noção pra ser sincera”. Ao longo do tempo a partir de sua
experiência, constrói referências. A primeira delas é que na Europa as pessoas são “frias”,
especialmente os holandeses.Thais, da mesma forma, exprime referências sobre a “frieza
européia”. Em suas palavras, é possível perceber a mudança de sua opinião quanto aos italianos:
[...] eu pensava que europeu era tudo chic agora sei que sao chatos e fedidos, porque sao muito exigente com algumas coisas como, limpeza da casa, imagem da familia e manter uma linha de imagem para os outros com respeito a casamento e vida em geral, mas nao tem higiene pessoal, manca banho, e sao apegados ao passado de uma forma tal terrivel que o simples gesto de dar uma roupa do filho que esta pequena e um sofrimento para eles um povo nao romantico mais de coraçao duro aqui na Itália. (Thais)
A mesma construção imaginária de “frieza” é percebida na reflexão sobre os
relacionamentos amorosos entre brasileiras e estrangeiros. Segundo Melo Rosa, as brasileiras,
combinando identidade feminina e nacionalidade brasileira, percebem um tratamento
15 LOSA, 2005, p. 77.
9
diferenciado dado a elas pelos estrangeiros se comparado às européias e americanas. Assim, “as
informantes são consideradas pelos parceiros como ‘mulheres quentes’. Ao contrário, as
européias e americanas são vistas como ‘frias’”16. Na entrevista de Cláudia, a frieza é mencionada
no relato das relações afetivas entre brasileiras e holandeses. As brasileiras, para ela, têm outra
mentalidade, atribuída ao “clima” do Brasil.
De qualquer forma, como aspecto positivo, “se vive bem na Holanda”. Claúdia cita a
organização, o serviço médico, as escolas, as ruas limpas e o sistema de reciclagem de lixo como
fatores dessa possibilidade de “viver bem”. Entretanto, ressalta sua nacionalidade: “eu sou e
sempre serei uma brasileira”. Essa percepção se aproxima do que relata Isabel Ferin Cunha, sobre
a reconfiguração dos imaginários e o sentimento de nostalgia de brasileiras em Portugal:
[...] é no confronto com os portugueses que as brasileiras reparametrizam e ressemantizam os seus imaginários, dando-lhes novos sentidos para a acção, como demonstram os balanços entre o que se deixou para trás no Brasil – o seu país, a família, os amigos, a felicidade, a alegria – e o que se conseguiu, ou se imagina que conseguirá, no percurso da imigração: tranquilidade, melhores salários, futuro para os filhos, ajudar a família, melhorar na vida. Este processo longo de reorganização de imaginários faz-se, também, através da nostalgia, compreendida como um sentimento de perda, saudades do que se perdeu e não voltará [...]17
Cláudia diz sentir saudades do Brasil, mas não voltaria em função de suas filhas. Esse fato
é determinador de sua permanência na Holanda. Lá sente-se segura e protegida para criá-las com
qualidade de vida, o que não conseguiria caso retornasse ao Brasil, em virtude principalmente da
condição financeira que possibilita a sua reagrupação familiar na Holanda.
Nesse sentido, mesmo afirmando ter boas possibilidades financeiras, quando o assunto
são as condições estabelecidas no universo do trabalho, Cláudia sente que há preconceito na
obtenção de um emprego por ter um sobrenome estrangeiro: “eu por exemplo há 3 anos atrás
arrumava trabalho muito fácil, mas agora?? Só em ver que tenho sobrenome estrangeiro já não
querem”. Principalmente com o fortalecimento da União Européia, ela afirma encontrar
dificuldades na obtenção de emprego: “os holandeses pensam que nós tomamos o lugar deles”.
Ela, em sua condição de imigrante, traz consigo suas identidades. Transforma-as em cada
lugar que passa. Prova outros sabores, outras linguagens, outras paisagens, interage com pessoas
diferentes. O outro é presente em sua vida. Às vezes, esse “outro” para a população autóctone
16 MELO ROSA, 2005, p.151.17 CUNHA, 2006, p. 29.
10
parece ser conotativo, no sentido de prejudicar, de reorganizar as estruturas institucionais e
culturais já estabelecidas em um lugar que essa mesma população (nesse caso, holandesa)
entende ser de sua propriedade.
Já Thais menciona que os italianos preferem a mão-de-obra brasileira. E atribui essa
preferência ao seguinte motivo: “o brasileiro é caprichoso e sabe trabalhar sem contar que a
língua ajuda muito por ser a mais parecida com italiano”. Porém, essa preferência parece estar
vinculada ao tipo de serviço realizado pelo brasileiro. Thais trabalha como diarista na Itália,
“limpando uma casa depois da outra”. Semelhança encontrada no estudo de Isabel Ferin Cunha,
onde as brasileiras que moram atualmente em Portugal “exercem actividades de nível inferior às
suas qualificações, estando ocupadas nos sectores não qualificados e nas tarefas descritas como
administrativas do comércio e serviços”18. Dessa maneira, mesmo realizando um trabalho que não
faria no Brasil, Thais criou um imaginário de conformismo frente à sua situação: “tenho que
agradecer a Deus pois existe muito brasileiro sem trabalho aqui”.
A Europa reconfigurada na migração de retorno
Mrios e SS são as duas entrevistadas que realizaram seu projeto de imigração na Europa e
retornaram ao Brasil. A primeira viveu três anos em Barcelona, Espanha. Enquanto que a
segunda, ficou oito meses em Viena, Áustria. Mrios imaginava que os espanhóis eram “mais
frios”, porém percebeu que a receptividade com os brasileiros é boa. SS identificou-se com o
estilo de vida europeu: “gosto do clima frio, da organização e da alta qualidade de vida, de ter
metro pra ir rápido onde quiser, das pessoas serem praticas e ágeis”.
Na Europa, Mrios chegou a praticar esportes, mas “no clube na minha prova só tinha
gente muito nova e aí não gostei”. Dessa forma, acabou cuidando de uma criança e realizou
alguns cursos enquanto esteve na Espanha. Assim, como as entrevistadas que vivem atualmente
na Europa, Mrios não exerceu atividades em seu ramo de atuação - o esporte.
Num aspecto geral, conforme Sònia Parella Rubio: “la migración femenina proporciona a
sus protagonistas movilidad social y una ganancia de autonomía e independencia”19. Este parece
ser o caso de SS. Ela sente-se fora do lugar no Brasil, e deseja sair novamente do país. Sua
18 Idem, p. 7-33. 19 PARELLA RUBIO, 2003, p. 101.
11
desilusão com o Brasil é o fator definitivo pela escolha de sair do país. Atualmente, ainda,
alimenta seu ideal de vida na Europa:
[...] vi como é maravilhoso conhecer a cultura europeia, as pessoas, etnias, diferentes meios de vida, independencia, maturidade, veem junto. Depois que vc volta do "ouro" não quer mais o cobre!!! então eu sou um zumbizinho aqui no Brasil, não tenho vontade de nada e faço tudo pq preciso mas com o pensamento na Divina Europa. (SS)
Entretanto, diz ter ido “alienada”, sem saber falar o idioma do país. Esse também acabou
sendo um dos motivos de sua volta. Porém desde que voltou da Áustria, SS planeja sair do Brasil
novamente. Como suporte desse planejamento, entra em cena o uso da Internet em suas
pesquisas, motivo pelo qual posso considerar a descrição de Cunha:
A imaginação, fenómeno centrado nos últimos fluxos de imagens e de ideias ininterruptamente veiculadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, trabalha as aspirações e expectativas, impulsionando trajectórias de de vida, projectos colectivos e novas identidades relacionais20.
Reflexões finais
Como primeira consideração, lembro da relação entre a questão feminina, os processos de
imaginário e a migração. Viver na Europa configura-se como uma aventura passageira, por isso
confundida com uma imaginação de crescimento profissional e econômica para depois “voltar”
ao papel esperado e idealizado no feminino.
Neste estudo, percebi que a condição ou não de maternidade configura um aspecto
norteador de seus projetos de migração para a Europa. No caso de Edna, a filha é o motivo de
sua permanência no Brasil. Já Cláudia tem três filhas, e elas são os motivos de sua permanência
na Holanda. E, para Mrios, sua filha representou um motivo para que deixasse a Espanha, onde
“tudo é muito liberal” e voltasse para o Brasil. O país também é o local onde Gaby e Thaís
escolhem para terem seus filhos no futuro. Essa identificação pode confundir-se com o sonho
europeu, a ser vivenciado por um período para depois voltar, casar e ter filhos. Quase como se,
20 CUNHA, 2006, p.12.
12
talvez, pelo fato dessa pesquisa tratar de mulheres, exista uma idéia, um sonho de ser mãe e para
que isso ocorra deve ser efetivado na terra de origem, no caso, no Brasil.
Antes de estabelecer contato para tentar saber como é viver na Europa, as entrevistadas
buscam informação. E a informação é saber quais documentos são necessários e descobrir onde
buscá-los para a realização dessa experiência européia. Essa busca parece ser algo difícil,
enigmático, uma espécie de conquista pelo direito de ir a um lugar, de realizar um sonho, em um
mundo globalizado e que pretende ser entendido e vivido como livre, nessa idéia de que todos são
livres. Portanto, a identificação e manutenção de redes de contatos surge como elemento
fundamental nas perspectivas de realização do sonho europeu e na configuração e reconfiguração
dessas vivências no território europeu.
Aliada à construção de redes, figura a Internet. A partir do Fórum do site midiamigra,
percebi a predominância de mensagens postadas com intuito de vivências de migração para o
continente europeu. Uma questão esclarecedora é que, considerando este grupo de entrevistadas,
a Europa realmente monopoliza as intenções de migração de brasileiras usuárias do Fórum. Cabe
salientar as diferenças encontradas a partir das vivências efetivas em contraponto com a
imaginação acerca do continente europeu. A idealização européia reconfigura-se no território
europeu. As entrevistadas que vivenciaram (principalmente SS) ou vivenciam (Cláudia e Thais) a
experiência européia, parecem nutrir um sentimento de conformismo com a realidade encontrada,
buscando razões para sua permanência no continente que vão além de aspectos econômicos,
numa tentativa de integração que reconfigura suas próprias identidades.
A Internet, na construção do imaginário de vida na Europa, aliada ao outros dispositivos
digitais (celulares, por exemplo) funciona como fluxo de informações e alimentação de projetos
de migração ao continente por este grupo de brasileiras. Dá suporte a uma construção de redes de
informação nos casos das brasileiras que vivem na Europa, entre as que desejam ir e as que foram
e voltaram. A WWW está presente na vida destas brasileiras as quais dedicam grande parte de
seu tempo a ela. A partir da Internet é que vai sendo planejado e estruturado o projeto de
migração à Europa, que demanda tempo para ser arquitetado. Primeiramente no plano das
imagens, posteriormente, e talvez simultaneamente, na experiência vivida no continente europeu.
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