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Centro de Memória do Instituto de Educação Carmela Dutra, 2017

Fábio Souza Lima – UFAM1

Neste trabalho, apresentaremos informações sobre o processo de constituição de um

centro de memória virtual de uma das instituições de formação de professores mais importantes

do Estado do Rio de Janeiro. Ainda nesse estudo, realizaremos também algumas notas sobre a

inauguração de painéis como referências históricas sobre esse trabalho de resgate da memória

da Escola Normal Carmela Dutra, Atualmente Instituto de Educação Carmela Dutra.

O lançamento do Centro de Memória esteve ligado às comemorações dos 70 anos de

inauguração da Escola Normal Carmela Dutra e do lançamento do livro As Normalistas

Chegam ao Subúrbio – A história da Escola Normal Carmela Dutra: Da criação à autonomia

administrativa (1946-1953) (LIMA, 2016), ambos acontecidos em 2016. No sentido de

promoção do evento, além do planejamento e lançamento de um site sobre a memória da ENCD

(Plataforma Blogger, sob o endereço http://centrodememoriaiecd.blogspot.com/), também foi

planejado e executado nos anos seguintes a inauguração de painéis contando a história da

unidade, na entrada da unidade. O lançamento da página na internet aconteceu em 2017 e o

evento de inauguração dos pais foi realizado em 2019, com a presença do secretário estadual

de educação.

A ENCD foi criada em 26 de junho de 1946. A princípio, apenas o afamado Instituto de

Educação (IE) mantinha a exclusividade de formação de professores normalistas na capital do

país. O secretário de educação e saúde Fioravanti do Piero, médico pessoal da primeira dama

Dn. Carmela Dutra, propôs a criação de uma nova escola a ser instalada na “Zona suburbana

remota e de difícil acesso”, no coração do bairro mais populoso da Capital: Madureira. Apesar

do desenvolvimento e crescimento da unidade, em 1953, quando se discutia a centralização da

1 Atua como professor de História da Educação do Departamento de Teorias e Fundamentos da Educação da

Universidade Federal do Amazonas. Foi professor do Instituto de Educação Carmela Dutra por dez anos, onde

lecionou História e Filosofia da Educação. Foi professor Substituto da Faculdade de Educação da UFRJ, onde

lecionou as disciplinas de Educação Brasileira, Prática em Política Administração Educacional e Planejamento e

Avaliação dos Sistemas Educacionais. Mestre e Doutor em Educação pelo PPGE/UFRJ, seguindo a na linha de

pesquisa História, Sujeitos e Processos Educacionais. Pós-graduado em Políticas Públicas em Espaços Escolares

pela CESPEB/ UFRJ. Tem por base as suas graduações em História pela Universidade Federal Fluminense

(Licenciatura e Bacharelado) e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de janeiro (Licenciatura e

Bacharelado). Autor de livros que relacionam a realidade do Rio de Janeiro ao Ensino. Pesquisador ligado ao

Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade - PROEDES. Tem experiência na pesquisa e no

ensino de História da Educação, Filosofia da Educação, Educação Brasileira.

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rede de formação de professores e a absorção de seus alunos no IE, a unidade foi ameaçada de

fechamento. Depois de uma batalha judicial, a ENCD então se tornou administrativamente

autônoma frente ao IE e passou a responder diretamente à Secretaria de Educação e Saúde.

Décadas mais tarde, no ano de 2004, a ENCD foi transformada em Instituto de Educação

Carmela Dutra.

Considerando que o atual Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro

(ISERJ) não forma mais professores primários de nível médio desde o ano 2000, o IECD é

atualmente a escola de formação de normalistas mais antiga da Unidade da Federação, o que

justifica o estudo e a construção do seu acervo.

O projeto de construção de um centro de memória do IECD teve como objetivo conhecer

e divulgar parte da história do avanço da formação de professores no Distrito Federal nas

décadas de 1940 e 1950, além de estimular os alunos de formação de professores de nível médio

e superior a aprofundar seus estudos sobre o tema (HALBWACHS, 2003). Nesse sentido, tem

sido divulgado na página uma série de informações como as biografias de personagens ligados

a fundação da escola, iconografia, documentação, entrevistas com alunos da primeira turma da

unidade (formados em 1949) e uma galeria dos diretores da instituição. Todo o acervo,

naturalmente, continua em construção, recebendo novas fontes, discutindo sempre sobre as suas

memórias.

Figura 1 – Layout da página http://centrodememoriaiecd.blogspot.com/. Com imagem central da sede definitiva da unidade (Acervo de ENCD (1974) - Acervo de Wandete Pujo).

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Tivemos diferentes textos como base para a construção de nossa proposta. Contudo, o

artigo que inicialmente nos apontou um caminho de outras leituras foi o História e Memórias,

de autoria da historiadora Márcia Motta (1998). O texto apresentou um importante caminho

introdutório sobre o tema de memória e sobre a relação entre memória e história. Naturalmente,

os alunos da formação de professores de nível médio estavam pouco familiarizados com o

conceito de memória. Para desenvolver nossa ação, portanto, foi preciso trabalhar com os

discentes no sentido de entender como funciona o trabalho historiográfico com imagens de

época.

O texto de Motta (1998), portanto, ofereceu um caminho de entrada nesse conceito de

memória, além de apontar uma bibliografia mais aprofundada para os trabalhos posteriores.

Autores citados pela autora, tais como: Jacques Le Goff (História e Memória, 1996);

Alessandro Portelli (O massacre de Civitella, 1994); Pierre Nora (Entre memória e história,

1993); Peter Burke (A história como memória social, 1992); Maurice Halbwchs (A memória

coletiva, 1990); Michael Pollak (Memória, Esquecimento, Silêncio, 1989) e a psicologia

brasileira Ecléa Bosi (Memória e sociedade: lembrança de velhos, 1987), também foram

fundamentais para o estudo.

Um dos primeiros aspectos que ressaltamos foi com relação as disputas na construção

da memória. Enquanto Alessandro Portelli (1994) usa o temo “memória dividida”, para

comentar sobre tal condição, Motta (1998) é mais enfática e aponta para memória em disputa.

A partir daí a autora coloca que quem quer transmitir uma lembrança, precisa ser escrutinado

inicialmente da seguinte forma: quem quer lembrar? O que quer lembrar? E porque quer

lembrar?

Quando entrevistamos os primeiros alunos na unidade, formados em 1949, descobrimos

que aqueles que estão vivos, ainda mantêm contato com os colegas de classe, mantendo vivas

as memórias das experiências que viveram. Nesse grupo, um dos professores era ainda

responsável por manter os telefones dos colegas atualizados, ajudando na pesquisa e indicando

entrevistados para a construção do site.

No primeiro plano da memória de um grupo se destacam as lembranças dos eventos

e das experiências que dizem respeito à maioria de seus membros e que resultam de

sua própria vida ou de suas relações com grupos mais próximos, os que estiveram

mais frequentemente em contato com ele. As relacionadas a um número muito

pequeno e às vezes a um único de seus membros, embora estejam compreendidos em

sua memória (já que, pelo menos em parte, ocorreram em seus limites), passam para

segundo plano (HALBWACHS, 2003, p. 51).

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A partir desse trabalho de entrevistas, podemos ressaltar em nosso trabalho como foi

processo de construção da unidade escolar e as resistências acerca do fim da exclusividade na

formação de professores no Instituto de Educação da Tijuca, reconhecido nacionalmente como

referência. No final dessa primeira fase, a escrita do material que veio a se tornar uma

dissertação de mestrado, mais tarde publicada como livro e base para a construção do Centro

de Memória. Tal pesquisa também proporcionou a abordagem de uma tema que interessou os

alunos: as disputas entre os grupos de professores, alunos e autoridades do município do Rio

de Janeiro (rede de ensino em que estavam as unidades na década de 1940), puderam ser

abordadas por meio de vídeos.

Figura 2 – Aba Áudio visual da página. Imagem da página de áudio visual com entrevista aos primeiros alunos da unidade (1947 – 1949).

Foi preciso, portanto, trabalhar com os alunos nesse período, a diferenciação entre o

trabalho historiográfico e o conceito de memória. Embora o senso comum pense história e

memória como a mesma coisa, foram precisas algumas aulas para que pudéssemos demonstrar

para os alunos a diferença entre esses dois termos.

A memória [...] constrói uma linha reta com o passado. Se alimentando de

lembranças vagas, contraditórias, sem nenhuma crítica às fontes que

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embasariam esta mesma memória [...] Ela é ainda um fenômeno sempre atual,

um elo vivido no eterno presente. [...] a memória é também positiva e

positivista [...] apelos do presente que nos explicam porque a memória retira

do passado apenas alguns dos elementos que possam lhe dar uma forma

ordenada e sem contradições (MOTTA, 1998, p. 76).

Nesse sentido, ao apontar para como construímos o trabalho historiográfico a partir das

entrevistas onde os primeiros alunos da unidade contaram suas memórias, precisamos mostrar

ainda aos discentes e colegas docentes da unidade que um entrevistado conta apenas a sua

versão da história. Destacamos que o entrevistado também está preocupado em ser julgado pelo

investigador. E que a memória é positivista, pois, no processo de uso da memória, o entrevistado

também para ser aceito, tentando alicercear, a partir daí as suas memórias em fatos sociais que,

em sua opinião, teriam sido experimentados por todos. Conforme aponta Jacque Le Goff,

“como o passado não é a história, mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas

um dos seus objetos e [...] um nível elementar de elaboração histórica.” (LE GOFF, 1996, p.50).

A história aponta na descontinuidade, pois ela é, ao mesmo tempo,

registro, distanciamento, problematização, crítica, reflexão. [...] A

história investiga alguns aspectos antes ignorados pela história” [...] A

história, por sua vez, “é a reconstrução sempre problemática incompleta

do que não existe mais” [...] significa afirmar que, ao contrário da

memória, a história busca uma representação crítica do passado

(MOTTA, 1998, p. 76).

A discussão sobre esse conceito rendeu boas discussões e trabalhos. Depois de

apresentados as partes que tratamos de biografias, sobre a documentação original de criação da

unidade, as fotos dos formandos de diferentes anos que conseguimos localizar, bem como as

imagens dos gestores da unidade, na aba de “Galeria dos Diretores”. Contudo, os alunos e

professores – como acreditamos que não poderia ser diferente, mostraram especial interesse

acerca das imagens época. Maio interesse, nesse sentido, os discentes e os docentes da unidade

mostraram ao saber que a sede original da ENCD ficava em outra localização.

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Figura 3 – Aba de Iconografia da página. Imagem da sede original. Década de 1940 (LIMA, 2016).

Figura 4 – Aba de Iconografia. Imagem do pátio da unidade, nos anos 1970 (LIMA, 2017).

Após o lançamento, o blog Centro de Memória do IECD serviu de base para a

construção dos painéis inaugurados em 2019. Com a mobilização do diretor da unidade,

conseguimos atrair a atenção da gestão pública para aquela ocasião em que comemorávamos a

importância da unidade, a necessidade de atenção na formação de professores e a importância

de discutir e abordar a memória da instituição, bem como a importância da construção de

instrumentos para o acesso de fontes que remetam a esse trabalho de memória.

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Figura 5 – Foto do corredor principal do IECD, com painéis nas paredes, 2019. Foto do autor.

O uso da tecnologia de QR code também possibilitou que os alunos e professores que

quisessem saber mais sobre as imagens e sobre os temas apontados nos painéis pudessem seguir

para outros sites, para a página de memória e para outros artigos escritos sobre a instituição.

Figura 6 – Alguns painéis contavam com códigos QR com links para artigos e para o blog de Memória da Escola, 2019. Foto do autor.

Por fim, vale a penas destacar novamente que o trabalho de construção da página de

memória continua em construção. Agora sob a responsabilidade da direção da unidade, a página

continua recebendo contribuições de ex-alunos com imagens e depoimentos. Já o trabalho

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historiográfico passou a contar com uma ferramenta importante para os seus estudos

acadêmicos mais aprofundados.

REFERÊNCIAS:

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Memória e sociedade lembranças de velhos. 2. ed. São

Paulo: Edusp, 1987.

BURKE, Peter. A história como memória social: o mundo como Teatro. Lisboa: Difel, 1992.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro Editora, 2003.

LE GOFF, Jaques. História e Memória. 4ª Edição. Campinas: Ed. Unicamp, 1996.

LIMA, Fábio Souza. As Normalistas chegam ao subúrbio – A história da Escola Normal

Carmela Dutra, da criação a autonomia administrativa (1946 – 1953). Rio de Janeiro: Editora

Allprint, 2016.

LIMA, Fábio Souza. As Normalistas do Rio de Janeiro – O ensino normal público carioca (1920

– 1970): Das tensões políticas na criação de instituições à procura de diferentes identidades de

suas alunas. [Tese de doutorado], Rio de Janeiro, UFRJ/ PPGE, 2017.

MOTTA, Márcia Maria Menendes. “História e Memórias”. IN: MATTOS, Marcelo Badaró

(Org.). História: pensar e fazer. Niterói: Laboratório Dimensões da História, 1998. p. 74-89.

NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. IN: Projeto História.

São Paulo: PUC, n. 10, p. 07-28, dez. 1993.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São

Paulo, Projeto História n. 10, dez. 1993

POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio Estudos

Históricos de Janeiro, v. 2 , n. 3, 1989.

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Vila di Chiana (Toscana, 29 de junho de

1994): mito e política, luto e senso comum. In: FERREIRA, Marieta; AMADO, Janaína. Usos

e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1994.


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