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Filo

sofia

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Um outro olhar sobre o mundo

Maria Antónia AbrunhosaMiguel Leitão

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11.FILOSOFIA

Um outro olhar sobre o mundo

Maria Antónia AbrunhosaMiguel Leitão

E D I Ç Õ E S

A S A

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Titulo

um outro olhar sobre o mundo

Ensino Secundário

11.º ano – vol. I

Autores

Maria Antónia Abrunhosa

Miguel Leitão

Design

Ana Borges

Maquetização

Ana Borges

Capa

Ana Borges

Produção Gráfica

Impressão em papel reciclado liso 100g/m2 e

Depósito Legal

Faculdade de Belas Artes.Universidade de Lisboa

Prof. Aurelindo Jaime Ceia

DCII

2.ºano//1.ºsemestre

Ano.Edição.Tiragem.Nº exemplares

2009.1.ªEdição.1.ªTir.1 Ex.

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capítulo 1ARGUMENTAÇÃO E FILOSOFIA

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O mau uso da retórica

05A MANIPULAÇÃO06A SEDUÇÃO

07discurso publicitário 15discurso político

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O MAU USO DA RETÓRICA

A manipulação

Quando na argumentação predominam, por exemplo, os elementos afectivos, as pessoas são movidas por impulsos irracionais, pelo que, por mais eficaz que seja, a persuasão não é filosoficamente legítima. Falamos neste caso de manipulação(1) ou de mau uso da retórica.Sob o ponto de vista filosófico, a manipulação corresponde ao uso abusivo da retórica.Previamente munido de ideias que não apresenta a discussão, o orador concentra os seus esforços no desenvolvimento de técnicas adequadas à sua imposição.Fazendo dos seus pontos de vista autênticos dogmas ou verdades in-controversas, o orador actua como se a argumentação fosse mono-lógica, unilateral, assumindo, previamente, o papel de vencedor e atribuindo aos interlocutores o de vencidos. Por conseguinte, entre orador e auditório não se estabelece uma relação entre iguais, mas uma relação de domínio. À partida, o orador propõe-se enganar inten-cional e voluntariamente o auditório.

A este respeito vamos distinguir o conceito de engano, distinguindo-o de outros que correntemente lhe andam associados.

Erro, Mentira, EnganoEntre errar, mentir e enganar há algo em comum: em todos estes casos se fazem afirmações falsas, isto é, não correspondentes àquilo a que se referem:

•Errar não é mentir. Aquele que erra faz uma afirmação falsa, mas está convencido de que é verdadeira. Pode errar por desconhecimento, por incapacidade ou por outro motivo qualquer, mas nunca por má-fé.

•Diferentemente, aquele que mente(2) tem consciência de que aquilo que afirma não corresponde ao que na realidade se passa. A mentira é sempre forjada no interior de um sujeito mal intencionado.

(1)Manipulação – uso indevido da argumentação com o intuito de levar os interlocutores a aderir acrítica e involun-tariamente às propostas do orador.

(2)Estamos perante uma pessoa men-tirosa quando nela se verificam as seguintes condições:

1.Conhecer a verdade e saber que o que se está a dizer é falso.

2.Ter a intenção de enganar alguém e querer dar a imagem de que é uma pessoa credível.

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•O engano pressupõe a mentira, mas nem toda a mentira engana, di-zendo-se mesmo de determinadas pessoas apanhadas a mentir: “Aquele já não engana ninguém”. Não bastam as intenções do mentiroso para que ocorra o engano. Este pressupõe que o interlocutor acredite no que lhe foi dito, isto é, que se deixe enganar. Só se fala de engano quando a mentira produz no ouvinte as consequências desejadas: ludibriar, ma-nipular, conseguir adesão relativamente a coisa que é falsa.

A propósito de erro, não se pode falar de manipulação. A mentira é uma tentativa de manipulção. Se ocorre manipulação, fala-se de engano.

O engano ou manipulação intencional ocorre em muitas situações na vida quotidiana, mas ocupa um lugar privilegiado na área das técni-cas demagógicas e agressivas de venda e de propaganda eleitoral. No primeiro caso, o discurso publicitário visa influenciar as pessoas, induzindo-as ao consumo de produtos. A finalidade é a caça ao dinheiro dos consumidores. No segundo, o discurso político induz as pessoas ao consumo de ideologias. A finalidade é a caça ao voto dos eleitores (cf. gráfico ao lado).

A sedução

A propósito do mau uso da retórica, ou seja, do recurso a estraté-gias que visam influenciar as pessoas com argumentos não racio-nais, vamos fazer uma breve referência ao conceito de sedução, fenómeno psicológico inerente à adesão aos discursos publicitário e políticos.Falar de sedução, nestes contextos, pode parecer um questionamento da racionalidade dos consumidores, mas a ver-dade é que o marketing e a publicidade são peritos a construir discursos que nos envolvem e embalam, exercendo uma influência sobre nós a que é praticamente impossível resistir.

Gráf.1Podemos observar como estes conceitos estão associados, porém diferem entre si, nomea-damente na sua intenção apriori.

CONSEQUÊNCIAS

NO OUVINTE

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O discurso publicitário çQualquer que seja o meio de comunicação veiculador, a publicidade serve-se sempre de uma linguagem de sedução(3), isto é, formula uma promessa endereçada ao encantamento e ao prazer dos espectadores.Enquanto potenciais consumidores, todos nos consideramos racio-nais, e suficientemente dotados de vontade para deliberar e de liber-dade para agir. Imaginamos possuir bom senso quanto baste para avaliar por nós o mérito daquilo que eventualmente pretendemos adquirir. Mas o marketing e a publicidade actuam como se assim não fosse. Fazem tábua rasa das convicções que temos acerca da nossa racio-nalidade e arquitectam discursos que nos dirigem, apelando a domínios psicológicos alheios à razão: imaginário, emoções e inconsciente.

A sedução consiste, precisamente, neste desvio da decisão da esfera crítica da razão para as áreas acríticas da afectividade. O resultado final é o con-sumidor comportar-se de acordo com o previsto pelos peritos: a razão é posta de lado e age-se apenas movido pelo desejo.Não se trata propriamente de os anúncios possuírem capacidades hipnóticas, mas de técnicas eficazes no estabelecimento de uma relação imaginária e mágica entre o consumidor e o produto anunciado. É que a aquisição de um produto faz-se não apenas por ele satisfazer necessidades básicas, mas especialmente porque ele é apresentado como uma mais-valia que vai de encontro aos desejos e valores de cada uma das pessoas.

A actuação mágica da publicidade aposta na simbologia das coisas, cono-tando os produtos que anuncia com valores como: atracção irresistível, perfeição do corpo, juventude, auto-realização, virilidade, sucesso ime-diato, e outros. O segredo mágico da publicidade reside na transformação da eventual relação do consumidor com as coisas numa outra relação bem mais ampliada e mais forte: a relação entre o consumidor e o valor simbólico dos objectos. Por isso, ela raramente insiste nas qualidades reais do produto, antes o sobrecarrega de virtudes imaginárias para seduzir as pessoas e as induzir ao consumo. E as pessoas compram o produto, não pelo que ele é, mas pelos valores que lhe julgam associados.

(3)“A publicidade é talvez uma das linguagens de sedução mais activas e eficazes dos nossos dias. Rendemo-nos a ela mais vezes do que prova-velmente suspeitamos. Ela seduz os nossos sentidos e a nossa mente “aca-riciando” com as suas mensagens os nossos mais secretos desejos: no ecrã da televisão, nas páginas das revis-tas, nos cartazes de rua que revemos a toda a hora, somos nós e os nossos devaneios que vemos espelhados.”

Guedes Pinto in Publicidade:

um discurso de sedução

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•A relação entre o consumidor e o valor simbólico do produto é tão intensa que as pessoas chegam a ser levadas ao consumo apenas pelo valor mágico que lhe atribuem. Deste modo, uma mulher compra uma carteira Channel, Louis Vitton ou Furla, não porque necessite dela para transportar os seus objectos pessoais, mas porque ela é sinal de prestígio, elegância e elevado estatuto social. Também o jovem não deseja umas calças simplesmente para se vestir, mas porque sendo Armani, Levis, ou Gucci tem a certeza de atrair as atenções e de ser incluído no grupo das pessoas de bom gosto (ver fig.1).

•As marcas de renome como a Benetton, Ralph Lauren, Boss, Calvin Klein, Nike, ou Reebock, souberam impor-se como marcas de prestígio, como referência para os que desejam pertencer a classes de estatuto socio-económico superior. É a marca que se pretende adquirir, independente-mente do produto a que a etiqueta possa estar afixada. A marca é uma espécie de assinatura, reveladora da pessoa a quem pertence o produto.Daí que o marketing aposte numa publicidade de prestígio, centrada na criação, promoção e reforço da marca. As pessoas implicadas na publicidade insistem muito mais na promoção da marca do que na do produto. O que interessa é criar um vínculo da pessoa com a marca, gerando uma relação de fidelidade (ver fig.2).

•Mais ainda, o processo de sedução atinge tal refinamento que as pessoas seduzidas pelo anúncio acabam por fruí-lo como uma miragem, como um paraíso hipnótico, contentando-se com o prazer provocado pela visão do anúncio, mesmo que não tenham acesso ao produto anunciado (ver fig.3).

Veja-se a este propósito, a quantidade de revistas de moda, automóveis, relógios, casa e decoração a que jovens e adultos acorrem sem que isso sig-nifique intenção ou necessidade de comprar os produtos em causa. Trata-se de um processo de evasão, arrebatador da pessoa para o mundo do sonho.

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Fig.2Publicidade da Louis Vitton, onde o mágico e o imaginário se sobrepõem ao próprio produto.

Fig.1Nesta publicidade da Hugo Boss, já so-lidificada como marca jovem e de prestígio, reforça a sua mensagem recorrendo a uma figura reconhecida, o actor Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII, The Tudors).

Fig.3Dentro de cada história existe sem-pre uma bela viagem - frase que serve de mote para esta campanha arrebatadora da Louis Vitton em colaboração com a cineasta Sofia Coppola.

Fig.4A Guess aposta na sedução, usando o corpo da mulher como objecto de idolotração.

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O carácter subliminar da mensagemPor detrás do aspecto objectivo e visível dos anúncios esconde-se todo um conjunto de ideologias e valores que, de forma camuflada e escamoteada, se dirigem ao inconsciente das pessoas, fala-se, a esse respeito, de mensagem subliminar(4) (ver fig.4).Algumas das situações em que ocorre a influência subliminar são as seguintes:

1.Emissor mascara ou camufla intencionalmente a mensagem.2.Receptor encontra-se em estado de grande tensão emocional.3.Receptor encontra-se em estado de saturação de informação.4.Mensagem não se dirige directamente à pessoa, sendo cap- tada inadvertida e inconscientemente.

A estrutura da mensagem – o sloganO discurso publicitário é concebido para ser endereçado ao logos e ao pathos, ou seja, para fazerem apelo à inteligência e à emoção, mas com enorme benefício para a segunda alternativa. Diríamos que a publici-dade usa o logos e abusa do pathos. Daí que os anúncios utilizem muito mais a linguagem icónica do que a verbal.

As palavras são em pequeno número, geralmente organizadas sob a forma de um slogan. O slogan é uma expressão ou frase curta, muitas vezes com rima e ritmada. Soa bem, percepciona-se bem e é facil-mente memorizável após escassas repetições. Imprime-se vivamente no sujeito, ganhando força de prova que dispensa qualquer argumen-tação. Tem valor galvanizante e, quando interiorizado pelo grande público, funciona como uma “verdade” do senso comum (ver fig.5).

As palavras são inscritas num cenário em que as cores, as formas e a música se organizam de modo a dizerem mais do que o mais extenso dos discursos, fazendo jus à conhecida expressão: “uma imagem vale mais do que mil palavras”. As imagens são de rápida apreensão, de fácil compreensão e de leitura agradável. Com um simples relance de olhos ou um simples alerta de ouvidos se vislumbram quadros que são um convite e uma promessa.A imagem é organizada de modo a veicular valores que despoletam as

(4)Mensagem Subliminar - informa-ção propagada por estímulos não per-cepcionados pelo consciente, mas que o inconsciente capta e armazena.

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Fig.6Esta campanha da Nespresso, pro-tagonizada pelo actor George Clooney, serve-se da figura deste e de um curto slogan em forma de pergunta, que rapida-mente memorizamos e associamos à marca.

Fig.5Polémica fotografia de Steven Klein para a Dolce&Gabbana, obtendo muitas críticas e objecções, afirmando-se que esta campanha incitava os actos de violência/violação contra a mulher, assistindo-se à subjugação do seu papel face ao domínio dos vários homens presentes no cenário.

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necessidades latentes dos consumidores. A organização icónica pro-porciona ao receptor individual, pleno de desejos e de sonhos, a possibilidade de ter acesso a um cenário maravilhoso propiciador da satisfação dos seus mais recônditos anseios.

Os crimes da publicidadeNo próprio campo da publicidade, há pessoas a debruçarem-se sobre este fenómeno, denunciando os aspectos negativos que se escondem por detrás da sua magia sedutora. Oliver Toscani, ideólogo da publici-dade da Benetton, considera a publicidade uma espécie de crime contra a humanidade, pelo que se deveria abrir um processo tipo Julgamento de Nuremberga para a julgar e condenar. Os crimes cometidos são:

Crime da inutilidade social - As grandes empresas, como as de automóveis, não lançam campanhas contra os perigos do excesso de velocidade ou da condução sob efeitos do álcool. Poderiam, além disso, ter uma interven-ção social e educativa em áreas problemáticas como a toxicodependência, a sida e o racismo, e não o fazem porque lhes falta ousadia e sentido moral.

Crime da mentira - Não vende produtos, nem ideias, mas modelos fal-sificados de felicidade, seduzindo as pessoas para estilos de vida que exigem a renovação constante de objectos. Promete juventude, viri-lidade, sucesso e saúde na condição da compra de produtos que só muito remotamente realizarão tais objectivos.

Crime contra a inteligência - Explora o inconsciente e a emoção do con-sumidor, ignorando a sua inteligência. Propõe ninharias entusiastas cada vez mais batidas num universo em crise social e espiritual, como se fossem capazes de instaurar de vez o paraíso na terra. Por isso, já muitas pessoas se assumem como críticos e fogem dos anúncios como de algo cuja insistência já incomoda.

Crime de persuasão oculta - Convencem-nos subliminarmente da possibili-dade de aceder aos encantos de mundos impossíveis, quando a realidade é precisamente o oposto: desemprego, escassez económica, enfermidades físicas e morais. A publicidade funciona, assim, como uma armadilha.

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Crime de adoração de ídolos - O culto do sucesso pessoal conduz à identificação e imitação dos modelos apresentados. As pessoas são levadas desse modo a desejar os produtos que as tornem parecidas com os seus heróis, sempre belos, virtuosos e bem sucedidos que aparecem na publicidade, e especialmente na televisão.

Crime de exclusão e racismo - A publicidade cria um mundo utópico em que os actores que o povoam são divindades e astros esculturais, be-los, jovens, esbeltos, loiros, excluindo os personagens da vida real em que há acidentados, pobres, gordos, entediados, doentes, idosos, re-voltados, violentos e estropiados.

Crime contra a paz civil - Por tanto nos oferecer a felicidade, acaba por engendrar ilusões irrealizáveis. Daí o aparecimento de legiões de frus-trados, deprimidos, delinquentes e infelizes por não poderem comprar o bilhete que dá acesso ao Olimpo anunciado.

Crime contra a linguagem - Para além das ambiguidades de que vivem muitos slogans, a publicidade recorre a palavras ocas, insignificativas, que nada dizem para qualificar os produtos que anunciam. Os slo-gans são de uma maneira geral pobres, desconexos, repetitivos, imbe-cilizantes.

Crime contra a criatividade - A maior parte dos slogans vivem de meia dúzia de palavras comuns que são como que uma receita que funciona na maioria das vezes. Palavras como experiência, para si, melhor, quali-dade, verdadeiro, mais e muito mais prestam-se a combinações aleatórias aplicáveis ao anúncio de qualquer produto.

Crime de desperdício de somas colossais - Gastam-se montantes astronómi-cos em milhares de quilómetros quadrados de cartazes afixados em todo o lado, centenas de milhar de páginas de jornais e revistas im-pressas, milhões de horas de mensagens televisivas e radiofónicas. So-mos nós, os consumidores, quem financia esse desperdício porque o investimento publicitário fica incluído no preço da mercadoria. Assim, a publicidade é o primeiro imposto directo.

Oliver Toscani, A publicidade é um cadáver que nos sorri (adaptado)

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Fig.7/8Nas campanhas publicitárias da Benetton são focalizados, constan-temente, aspectos de impacto social, reflectindo preocupações da socie-dade contemporânea, insurgindo-se temas como: valores sociais/morais; condições económicas; conflitos raci-ais; pandemias; justiça; direitos huma-nos; guerras; questões ambientais...

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O discurso político

A política desencadeia um conjunto de situações que conduzem ao enraizamento da retórica na vida, na medida em que reflectem as ex-pectativas gerias em relação a um mundo que se deseja melhor para todos. No centro da vida política há um grupo de pessoas que detêm o poder e que lutam para o conservar. Há também outro conjunto de pessoas que, não tendo esse poder, luta para o conquistar. A chave da manutenção ou da tomada do poder reside na capacidade que os políticos têm de mostrar que estão em consonância com a maioria, pressentindo as suas aspirações e propondo-se realizar um programa de acção que vá de encontro aos seus interesses e objectivos. Assim, os políticos apresentam-se à generalidade das pessoas como os únicos agentes aptos a organizar reformas sociais, de modo a que os anseios de todos se possam concretizar (ver fig.7, pág.12).Esta necessi-dade de ir de encontro ao grande público leva os politicos a desenvolver a arte de bem persuadir para bem mobilizar, a lançar mão da retórica, conferindo-lhe, por vezes, um uso estratégico que a desqualifica(5) .

Estas condições configuram a nível político a existência de assimetrias entre políticos e eleitores, as quais contrariam as regras do diálogo argumentativo. Fazem-se, deste modo, autênticos atentados á ética, cujas responsabilidades não podem ser imputadas à retórica enquanto técnica persuasiva, mas às qualidades humanas daqueles que a usam em favor dos seus interesses.

O confronto de opiniões faz parte integrante do processo argu-mentativo, mas os sujeitos que participam na discussão podem assumir duas atitudes que se prendem com o mau e o bom uso da argumentação. Fala-se de disputa no primeiro caso, de controvérsia, no segundo(6). Deste modo, a retórica sai-se mal quando os políti-cos, em vez de fazerem do discurso um meio de elucidação, de es-clarecimento e de encontro entre as pessoas, fazem dele uma arena de combate em que intencionalmente confundem controvérsia ou debate com disputa ou polémica.

(5)A desqualificação da retórica acontece quan-do os oradores ou políticos:1.Não olham a meios para fazer acreditar na sua mensagem.2.Ridicularizam e discordam infundada-mente de opiniões que receiam ser tanto ou mais credíveis que as suas.3.Insistem na optimização dos seus pontos de vis-ta, silenciando a todo o custo propostas válidas dos seus adversários ou interlocutores.

A desqualificação é ainda reforçada quando o auditório ou eleitores:1.Avaliam a qualidade das propostas apenas em função da cor partidária daqueles que as subscrevem.2.Manifestam ignorância e impreparação técnica quanto à participação em debates públicos.3.Se deixam aprisionar pela comodidade fácil de atitudes de passividade e de laxismo.

(6)Disputa - o objectivo é vencer, derrotando o adversário. Para isso recorre-se a vários estrata-gemas, nomeadamente ao uso de falácias, que convençam o auditório do aniquilamento das opiniões e dos argumentos do adversário.

Controvérsia - o objectivo não é vencer, mas con-vencer. O convencimento do auditório advém do uso legítimo de argumentos racionais, que se limitam a evidenciar a credibilidade, justeza e eficácia da posição defendida. A controvérsia respeita, em tudo, os ditames éticos que presidem à retórica branca.

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O papel dos media no discurso políticoOs media assumem um papel fundamental no que respeita à formação da opinião pública e da consciência política dos cidadãos. É inegável que os media são o veículo mais eficaz no transporte das mensagens emanadas dos políticos até ao grande público. Os políticos reconhe-cem-no e desenvolvem esforços no sentido de conseguir o máximo de tempo de antena na rádio e na televisão e de granjear umas tantas colunas de jornais e revistas influentes para serem preenchidas com o seu discurso. Mas os media não se limitam a deixar passar o que os políticos querem dizer. Eles não se limitam a serem transmissores passivos, inócuos, sem qualquer responsabilidade naquilo que dos as-suntos políticos chega ao cidadão comum. Eles possuem um papel inter-ventivo, tornando o discurso jornalístico num discurso político, talvez mais credível junto do grande público do que as palavras dos políticos (ver fig. 8).

Os jornalistas tornaram-se, assim, os grandes agentes formadores da con-sciência dos eleitores, e os meios de comunicação social ganharam o es-tatuto de um quarto poder, um poder com mais força que o dos políticos, que lhe ficam submetidos, na medida em que podem ser feitos ou desfeitos por eles. Deste modo, qualquer comentário, artigo de opinião ou editorial põe a nú o que pensam os jornalistas acerca dos políticos e que pode ser favorável ou desfavorável à imagem pública dos mesmos. Pensemos também numa entrevista. Quem decide quem é convidado a aparecer e quem não é? Que tempo se dá a essa entrevista? Quem faz as perguntas? Em que termos são feitas? E com que intenção? Uma simples notícia tem poder construtivo ou destrutivo e está nas mãos do jornalista es-crevê-la ou silenciá-la. E ao ser escrita, a notícia relata acontecimentos que nem sempre ocorrem tal como são apresentados. A visão das pessoas e dos acon-tecimentos é sempre filtrada pela grelha subjectiva e por vezes tendenciosa da pessoa que fabrica a notícia. Quer se trate de crónicas, artigos de opinião, en-trevistas, comentários, editoriais ou simples notícias, a opinião do jornalista está sempre por trás, insinuando, seleccionando, omitindo, evidenciando, sublinhando, de modo a favorecer ou desfavorecer a figura dos políticos.O discurso político assemelha-se ao discurso publicitário, quer na sua concepção, quer quanto aos efeitos pretendidos. Em ambos os ca-

Fig.9Campanha do PS para as Legislativas de 2009, após quatro anos de governo marcados por polémicas e contestações civis.

Fig.10Capa do jornal Expresso.

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“Não são os que procuram a verdade que são pe-rigosos, mas os que acham que a encontraram.“

W. Ritschard

sos se visa conquistar a adesão do grande público, pelo que se recorre às técnicas especializadas da retórica. Há, porém, algumas diferenças, nomeadamente a apresentação sob a forma verbalizada que predomina no discurso político.Tal como o publicitário, o discurso político promete proporcionar prazer aos eleitores, aliciando-os com um conjunto de intenções cuja concretiza-ção permitirá às pessoas viver com mais conforto numa sociedade mais saudável, mais justa, mais segura, mais equilibrada e mais solidária.Os políticos sabem exactamente aquilo de que o eleitorado carece, aquilo que gosta e os valores que deseja implementados na comunidade. Por isso insiste na exploração destes aspectos de modo a que o discurso que constrói reflicta a vontade de satisfazer aquelas necessidades. Proce-dendo assim, a personalidade política procura garantir a sua boa imagem que será elevada ao mito de herói. Pai, protector ou salvador, o político será o condutor eficiente de todos para um futuro promissor (ver fig.9).

Fig.11A extraordinária campanha políti-ca do mais recente prémio Nobel da Paz, Barack Obama, 44º presidente dos EUA, transmitiu sempre uma mensagem de mu-dança, progresso e esperança, indo de encontro aos desejos e expectativas da maioria da população.

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Quando se fala de manipulação faz-se sempre uma associação ao uso ilegítimo da retórica por parte do manipulador, o qual teve a intenção prévia de enganar alguém acerca de uma coisa. Esquecemo-nos que, quando ocorre um acto de manipulação não existe apenas o manipu-lador, mas também o manipulado a quem cabe a responsabilidade de se ter deixado iludir, seduzir ou enganar.

Como sabemos, a argumentação exige uma relação simétrica entre os par-ticipantes, cabendo ao auditório um papel activo e não passivo. Qualquer membro do auditório deve suspeitar do que lhe é dito, pedir esclarecimen-tos, refutar os argumentos do orador, só dando a sua concordância quando livre e racionalmente estiver convencido que os argumentos lha merecem.

Daí a importância de dominar as técnicas retóricas para se estar habili-tado a desmontar o carácter falacioso e desonesto que muitos oradores manifestam em várias situações argumentativas. Desarmar a astúcia do adversário, desmontar-lhe os sofismas e pôr a nú todas as suas incor-recções constitui, já, uma boa forma de utilizar a argumentação.

Fig.12Cícero denúncia Catiline (Cesare Maccari) - fresco que representa o Senado Romano reunido na cúria, tendo sido uma das mais relevantes insti-tuições durante a República Romana. Local onde o uso das técnicas de retórica era uma constante.

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Ana Borges | DCII | FBAUL09

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