Download pdf - UMA AVENTURA POLÍTICA

Transcript
Page 1: UMA AVENTURA POLÍTICA

1

UMA AVENTURA POLÍTICA : AS MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS DOS ANOS 70 Mirza Maria Baffi Pellicciotta Dissertação apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em História Social pelo IFCH da Universidade Estadual de Campinas sob orientação da Profª Drª Eliane Moura da Silva

Campinas, 1997

Page 2: UMA AVENTURA POLÍTICA

2

UMA AVENTURA POLÍTICA : AS MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS DOS ANOS 70

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................05 INTRODUÇÃO...............................................................................................................................................................................12

O Movimento Estudantil em Tempo e Espaço de Transformação............................................................................................................ 09

A Historicidade das Análises e o Desafio Historiográfico ...................................................................................................................... 20

Os Anos 70 .................................................................................................................................................................................................. 26 TEMPO DE MUDANÇA CAPÍTULO 1 A TRANSFORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE E DO MOVIMENTO ESTUDANTIL:

O DESAFIO DE SER ESTUDANTE ..................................................................................................................................................... 36

Uma Nova "Natureza" de Ensino ............................................................................................................................................................ 47

O desafio de ser Estudante: As consequências políticas de uma transformação estrutural ............................................................... 54

A questão política da qualidade do ensino ............................................................................................................................................. 57

A reação à perda da condição de "estudante" como elemento rearticulador de uma identidade política ....................................... 61

A "Reconstrução" do Movimento Estudantil ............................................................................................................................................ 68

A primeira fase da década: 70/75 ............................................................................................................................................................ 72

Os Encontros de Área............................................................................................................................................................................... 85

A "Reconstrução" organizada do movimento na segunda fase dos anos 70 ....................................................................................... 90 OS DESEJOS DE REALIDADE CAPÍTULO 2 NO PLANO DAS MILITÂNCIAS: A TRANSFORMAÇÃO DOS PARADIGMAS POLÍTICOS......................................... 108

No universo das práticas organizadas ................................................................................................................................................. 110

Isolamento e Desarticulação ............................................................................................................................................................... 118

A afirmação das semelhanças e a farsa da repetição ........................................................................................................................ 122

Page 3: UMA AVENTURA POLÍTICA

3

CAPÍTULO 3

A ENERGÊNCIA DAS DIFERENÇAS OU O LUGAR DA CULTURA ENTRE AS AÇÕES POLÍTICAS.............................143

Elementos Enrangès e Contraculturais.................................................................................................................................................. 151

A criação de um território "marginal" à cultura oficial ..................................................................................................................... 157

O significado das "práticas culturais" no repensar político das manifestações estudantis ............................................................. 162

Calouradas e Programações Culturais ................................................................................................................................................. 170

Teatro Estdantil e Ação Política ........................................................................................................................................................... 174

Imprensa Estudantil ................................................................................................................................................................................ 182

Entre confluências e conflitos: as práticas culturais e as práticas organizadas ............................................................................... 189

Considerações Finais ............................................................................................................................................................ 197

BIBLIOGRAFIA E FONTES Bibliografia......................................................................................................................................................................................... 201 Revistas estudantis.................................................................................................................................................................................. 215 Jornais e Boletins.................................................................................................................................................................................... 218 Folhetos................................................................................................................................................................................................... 231 Registros Orais......................................................................................................................................................................................... 234

CRONOLOGIA (1970/1979)

Page 4: UMA AVENTURA POLÍTICA

4

"uma coisa é dizer que a história não têm sentido e que devemos abandonar qualquer

pretensão de encontrá-lo. Outra coisa é dizer que a história não têm sentido mas que

é preciso procurá-lo coletivamente, que sem um projeto e uma ação comum, o futuro

está bloqueado"

(Fernando Gabeira. Folha de São Paulo, 22/03/88)

"onde foi parar a cuca dos caras

que aguentaram a barra

de lutar por nossas ruas

mover

ou mais simplesmente ser

a poeira da estrela

ser agora e saber"

(Nau sem rumo - Lô, Márcio e Telo Borges 1979)

Page 5: UMA AVENTURA POLÍTICA

5

APRESENTAÇÃO Desde o final da graduação em História na Unicamp venho me ocupando em estudar o movimento estudantil brasileiro; de forma particular, a "crise" contemporânea de participação política e o afastamento voluntário dos estudantes dos instrumentos institucionais de organização coletiva. Neste sentido, desde meados dos anos 80 procurei acompanhar o processo latente de perda de concepções militantes e identidade política muito caras às articulações e organização do movimento no passado; envolvendo-me com um percurso de pesquisas que acabou por eleger a década de 70 como objeto central de estudos. De forma paulatina, os anos 70 emergiram como um tempo de transformações e de experiências de "reconstrução" política que na medida em que procurava responder às alterações estruturais do ensino, da economia e da sociedade, revelava também aspectos de uma profunda ruptura de consensos e paradigmas políticos; uma trajetória de rompimentos e reafirmações que tendia a se tornar cada vez mais "inteligível" ao presente. A década de 70, neste caso, esconderia explicações importantes do fenômeno de "reconstrução" e "crise" contemporânea do movimento ancorado sobre rupturas sociais, culturais e políticas que desde o golpe de 64 passavam a se colocar para o movimento. Como um aspecto primordial destas pesquisas, iniciamos em meados dos anos 80 um trabalho de recuperação documental (entre outros períodos, da década de 70) no interior do AEL sob orientação do Prof. Marco Aurélio Garcia: o Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro"(1984) no qual trabalhei por 5 anos como coordenadora de atividades de recuperação e organização documental. Em 1985, em um esforço paralelo, participei do Projeto "Contribuição ao Estudo do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional X História Invisível" sob responsabilidade do Prof. Kazumi Munakata e colaboração de Virgínia Camilotti, que possuia o propósito de investigar o período 1960/1979 a partir dos registros documentais (e orais) recolhidos no AEL; este projeto contou com financiamento da Ford Foundation. Ainda no período 88/90, as atividades relacionadas à documentação e pesquisa ganharam novos contornos com o estabelecimento de convênios entre o AEL, a UNE, os DCEs da Unicamp e PUCCamp, ou ainda, através de um maior contato e articulação com os Projetos SIDOCAH (Sistema de Informação, Documentação e Arquivo do CA de História da UnB), PROMEMEU (Projeto de Memória do Movimento Estudantil na UnB) e CHPD-ME (Centro de História, Pesquisa e Documentação do Movimento

Page 6: UMA AVENTURA POLÍTICA

6

Estudantil) da UFPb. Esta associação de esforços coletivos com o objetivo comum de investigar as raízes e desdobramentos da "crise" do movimento estudantil gerou no período, a organização de dois Seminários Nacionais de História do Movimento Estudantil (o primeiro em João Pessoa, em 1988 e o segundo em Campinas, em 1989) que em seu conjunto, mobilizou mais de 40 pesquisadores preocupados com a temática. O nosso trabalho, neste sentido, possui marcas coletivas. Foram diversos os professores e monitores que dedicaram tempo e reflexões à esta temática; dedicação, por sua vez, que não apenas interferiu no curso das minhaspesquisas como sedimentou um esforço maior de análise, resgate documental e zelo preservacionista. Neste sentido, na esperança de poder dividir com eles sua autoria, gostaria de dedicar este trabalho aos bolsistas do Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil": Ângelo Emílio da Silva Pessoa, Dalva Moema Aidar, MacDonald Medina Santos, Maria Luisa de F. D. Páteo, Fábio Paro Suguyame e Simone da Silva Sanches; aos integrantes do Projeto CHPD-UFPb e do Projeto SIDOCAH e PROMEMEU da UnB, em particular, às pessoas de Ângelo Emílio da Silva Pessoa (UFPb) e de Marco Aurélio de Lemos Santos (UnB); aos colegas e professores da Unicamp que de várias formas participaram das pesquisas, em especial o Prof. Kazumi Munakata e Virgínia Camilotti, e ainda, aos pesquisadores e professores de outras Universidades e Instituições que dividiram conosco considerações valiosas como João Roberto Martins Filho, Rosa Godoy, Rosa Cavalari, Daniel Aarão Reis Filho e Vinícius Caldeira Brant. Enfim, gostaria de agradecer aos professores Marco Aurélio Garcia e Eliane Moura e de maneira particular ao professor Alcir Lenharo que em momento algum me permitiu desitir, ou ainda, que me exigiu um aprimoramento cotidiano como condição de dar conta - de maneira suficiente - deste objeto. Ao Alcir, a minha mais profunda gratidão.

Page 7: UMA AVENTURA POLÍTICA

7

INTRODUÇÃO "VIVA A UNE, DUNE,TRE..."

(grafite brasileiro dos anos 80)

As movimentações estudantis do período pós-68 guardam características e problemáticas que se originam do processo intenso de mudanças e rupturas de teor político e cultural que se acha em percurso de consolidação no Brasil (a partir de 1964); mudanças que quando comparadas com a fase anterior ao estabelecimento da ditadura militar, revestem este movimento de desafios analíticos e de uma profunda carência de dados. Mais do que isso, todo um silêncio historiográfico se abate sobre o período pós-68 como a se orientar pelas afirmações de Guilhon Albuquerque1 e Artur Poerner2 segundo as quais a interrupção da estrutura política tradicional do movimento estudantil em 1968 põe fim à trajetória histórica desenvolvida até então, marcada por dinâmicas, experiências, discussões e perspectivas de luta política muito especiais. A partir deste período, o que se constata é a derrota e o desmantelamento deste movimento, condição que o transforma enquanto objeto de estudo, em uma temática de muito poucos atrativos teóricos. No entanto, em um breve reconhecimento documental do período, podemos registrar a recomposição de uma dinâmica de resistências surpreendente que é capaz de conferir ao movimento estudantil dos anos 70 um lugar especial na análise histórica. Em termos mais amplos, encontramos nos registros das movimentações estudantis pistas para uma outra compreensão da transformação da Universidade Brasileira, do universo político ou ainda, do universo cultural que de maneira forte e direta influe nos procedimentos contemporâneos de intervenção social. Lidar com a transformação, em si mesma, do movimento estudantil brasileiro na década de 70 significa, neste caso, lidar com a emergência de uma dimensão "alternativa" de perspectivas e experiências coletivas muito cara à análise do contemporâneo - tanto em relação à reforma (tecnocrática) da Universidade, quanto no aspecto de uma cultura de massas, ou ainda das mudanças (significativas) do mercado de

1 J. A. Guilhon Albuquerque. "Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil - estudo comparativo" IN Guilhon Albuquerque, J.A. (org). Classes Médias e Política no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977, pp. 136-137 2 Artur José Poerner. O Poder Jovem: História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1979, pp.306-307

Page 8: UMA AVENTURA POLÍTICA

8

trabalho e inserção profissional - que por diversos meios têm lugar entre as alterações de forma de organização deste movimento.

Estas questões, por sua vez, nos levam a considerar a importância de estudar as movimentações estudantis do período de maneira mais ampla do que os acontecimentos circunscritos às entidades representativas na medida em que as ações culturais estudantis muitas vezes suplantam estas mesmas esferas. Por outro lado, trata-se de considerar a presença das "esquerdas" estudantis na nova década em bases diferenciadas do papel que desempenharam no período anterior, ou ainda, tratar a questão da institucionalidade tradicional do movimento a partir da consideração de que sua estrutura se torna "apropriada" pela burocracia autoritária da Universidade em reforma. Na verdade, é preciso conhecer com a maior exatidão possível, o trabalho de "desmontagem" e incorporação organizativa do movimento estudantil pela ditadura militar, assim como conhecer os novos contornos de mobilização coletiva que "nascem" deste contexto; condição para que se possa "desconstruir" o objeto historiográfico na proporção em que as características que agora emergem os diferenciam dos períodos anteriores. É preciso saber: o que se transforma? Quais são as novas formas de movimento que se encontra em gestação? Que desdobramentos possuem? Como interpretar o significado de inúmeras experiências e formas políticas que se acham presentes na Universidade deste período? Para que nós possamos lidar com movimentações estudantis dos anos 70, antes de mais nada, é preciso observar com atenção as elaborações teóricas que há várias décadas vem sendo produzidas em "sintonia" com o universo das práticas políticas e culturais estudantis, e mais do que isso, observar sua relação com o universo de transformação das bases institucionais, práticas políticas e dinâmica de articulação que o movimento enfrenta no período pós-64. O desafio que então se coloca diz respeito a estudar o movimento "em movimento" como condição básica para se interpretar o processo de "reconstiuição" política, sendo que neste período são as rupturas e necessidades cotidianas de dar resposta aos mecanismos de adestramento político e institucional o que de fato gera ações e reações (estudantis e administrativas) - que por definição, devem ser criativas e críticas para apontar saídas (políticas e culturais) às problemáticas concretas colocadas pela reforma tecnocrática da Universidade e da própria sociedade. Por tudo isso, desenvolver uma análise teórica nestes termos implica propôr uma discussão que em lugar de valorizar as continuidades e permanências (político-organizativas) debruce sobre o percurso do movimento que há pelo menos 30 anos vem sofrendo intervenções e transformações profundas de estrutura - e particularmente, de

Page 9: UMA AVENTURA POLÍTICA

9

concepção. Um movimento em "crise" institucional que nos exige um repensar teórico-metodológico que leve em consideração a historicidade das suas próprias análises e experiências, ou ainda, o significado da emergência de uma verdadeira "aventura" político-cultural - capaz de enfrentar a construção e consolidação de uma perspectiva "tecnocrática" de Universidade e de inserção profissional em associação ao desenvolvimento de meios de comunicação de massa que efetivamente inaugura novas formas de controle social sobre a sociedade e sobre a Universidade No primeiro capítulo, procuraremos trabalhar com a dimensão de transformação da Universidade (em seus múltiplos significados) e seus desdobramentos em relação à estruturação do movimento estudantil na intenção de avaliar as experiências estudantis produzidas na esfera institucional de representação (com base no diretório ou centro acadêmico) que desde os primeiros anos inicia um percurso de "reconstrução". Procuraremos também "jogar luz" sobre a presença de projetos organizados de movimento (em condição de clandestinidade) que neste contexto convive com a emergência de novas modalidades de luta política impulsionada pelos problemas e desafios impostos pela implantação do projeto tecnocrático de Universidade. No segundo capítulo, a discussão se concentra no papel que estas militâncias organizadas adquirem nos rumos da nova fase de movimento, destacando-se aspectos de seu percurso de transformação interna e dos desafios que se deve enfrentar no âmbito interno e externo da Universidade. No terceiro capítulo, são as experiências culturais de caráter inter e extra "entidade" que ganham destaque, procurando-se "redesenhar" o quadro de atividades e projetos de militância em curso, assim como reavaliar a importância que a dinâmica culturalista ocupa no processo de "reinvenção" política experimentado na década de 70. O MOVIMENTO ESTUDANTIL EM TEMPO E ESPAÇO DE TRANSFORMAÇÃO Em uma análise mais atenta das movimentações políticas desenvolvidas pelos estudantes na história brasileira, é possível observar a presença de toda uma variação qualitativa de formas organizativas, concepções, perspectivas e experiências de trajetória coletiva que convivem de forma diversa com o universo acadêmico e social. Nas Academias Imperiais, por exemplo, o lugar e o papel que os estudantes adquirem no interior do espaço acadêmico são proporcionais à importância que estes indivíduos possuem ou vão exercer no espaço exterior; condição que lhes permite uma

Page 10: UMA AVENTURA POLÍTICA

10

maior influência sobre as estruturas internas de ensino. Nos antigos relatórios das Academias citados por Roque Spencer Maciel de Barros3, podemos observar este poder de intervenção sobre as questões pedagógicas e disciplinares, tão explícito na "recusa" contínua à aplicação de "compêndios" estatais aos processos educacionais, considerados instrumentos desatualizados e desligados das necessidades e exigências do universo político e profissional do período. Da mesma forma, a criação de entidades de características diversas permitem aos estudantes marcar uma identidade específica no cenário político e cultural, sendo comum os registros de "algazarras" e "farras" dentro e fora das salas de aula, a presença de jornais, de movimentações e agremiações que interferem nos acontecimentos políticos e sociais, nas instituições públicas e privadas. No estudo de Sérgio Adorno, Os Aprendizes do Poder4, encontramos referências precisas da formação e inserção política dos estudantes de Direito de São Paulo no cenário político da República; traços de um "movimento" composto por futuros "bacharéis" que, na virada do século XIX para o XX, se preparam para exercer o poder. As agremiações estudantis no interior da Acadêmia de Direito de São Paulo são aqui observadas como "ante-salas" de poder do Estado, fruto de uma relação direta entre ensino e política que é capaz de promover discussões, atividades e publicações em torno do espaço acadêmico e público, e desta forma exercer posturas sociais e políticas especiais (a depender dos grupos e contextos). Em O Poder Jovem, de Artur Poerner5 e A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945, de John W.Foster Dulles6, também encontramos referências significativas do conjunto dinâmico de atividades políticas e culturais desenvolvidas pelos estudantes no interior de agremiações diversas e no período anterior à criação da Universidade brasileira. Na década de 30, por sua vez, já é possível constatar um outro cenário de movimentações e de problemáticas relacionadas com a reforma do ensino superior, ou melhor, com a criação da Universidade. O processo de transformação das antigas faculdades e academias em Universidade tem início nos anos 20, mas são as transformações 3 Roque Spencer Maciel de Barros. A Ilustração Brasileira e a idéia de Universidade. SP, Convívio/Editôra Universidade de São Paulo, 1986, pp. 208-267 4 Sérgio Adorno. Os Aprendizes do Poder. O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, capítulo 4 5 Artur José Poerner. O Poder Jovem. Op. Cit. pp. 45-124. 6 J.W.Foster Dulles. A Faculdade de Direito de São Paulo e a resistência Anti-Vargas: 1938-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984

Page 11: UMA AVENTURA POLÍTICA

11

políticas do Estado que promovem de fato a "agregação" das diversas instituições acadêmicas em uma instância administrativa comum, consolidando uma estrutura universitária através da junção "burocrática" de unidades praticamente autônomas de ensino. Neste processo, apenas a criação das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de fato inaugura procedimentos educacionais renovados que permitem consolidar uma outra perspectiva de vida acadêmica7. A Universidade que nasce parte do projeto mais amplo de reforma do Estado, possui como perspectiva a organização e especialização do trabalho nos quadros de uma estratégia mais global de desenvolvimento econômico nacional; e neste caso, se as faculdades ainda resguardam certos direitos políticos, o "espaço" acadêmico é remodelado com desdobramentos diretos sobre o lugar e o papel ocupado pelos estudantes. A questão estudantil passa por uma transformação importante. Em primeiro lugar, por partilhar de um fenômeno mais amplo e dinâmico de alterações econômicas, sociais e políticas em curso no país - como a reforma estatal (de perfil centralizado e nacional), a aceleração do crescimento urbano e as alterações das relações de trabalho e perspectivas de especialização. Em segundo lugar, por integrar a remodelação do espaço acadêmico que vai procurar disciplinarizar as influências exercidas pelos estudantes na estrutura interna de gestão8. Com a criação da Universidade, os estudantes são "orientados" (para não dizer forçados) a modificar o caráter de suas atividades coletivas para seguir um modelo institucional de entidade "de classe" implantado pelo Estado na sociedade civil; mudança que "dispensa" a presença de inúmeras federações, ligas, agremiações, clubes e grupos diversos para compôr uma organização centralizada de cunho representativo e espírito corporativo, com assento reconhecido nas instâncias de gestão da Universidade, e posteriormente, do Estado (conforme a hierarquia de representação do "corpo estudantil"). É neste contexto, portanto, que surge a estrutura hierárquica e representativa dos diretórios acadêmicos, diretórios centrais, uniões estaduais e união nacional dos estudantes que desde então ocupa um lugar determinado entre os mecanismos de gestão da Universidade9. 7 Florestan Fernandes. A Questão da USP, SP, Brasiliense, 1984. cap.2 ; AB'Sáber, Aziz Nacib. Universidade de São Paulo: raízes, mudanças, sobrevivência (1934-1984), AEL-UNICAMP. 8 Luiz Antonio Cunha. A Universidade Temporã. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1986, pp47-115 9 Podemos ler: "A organização da 'comunidade acadêmica' seria pautada por critérios corporativos: de um lado, a Sociedade dos Professores Universitários, de outro, os diretórios de estudantes; ora colocado acima de ambos, ora identificado com a entidade docente, estava posto o Estado, árbitro das suas relações (...) O corpo discente de cada instituto de ensino superior, incorporado ou não em universidade, deveria (o corpo docente poderia) organizar diretórios de estudantes, composto, cada qual, de nove membros, no mínimo. Seu objetivo seria o de 'criar e desenvolver o espírito de classe, defender os interesses gerais dos estudantes e tornar

Page 12: UMA AVENTURA POLÍTICA

12

Por outro lado, esta nova estrutura restringe as possibilidades de elasticidade e heterogeneidade política das ações estudantis causando um prejuízo às suas formas, experiências e perspectivas de participação, ao mesmo tempo que a restrição do exercício político ao caráter centralizado e orgânico da entidade de "classe" - espaço no qual diferentes grupos de estudantes devem partilhar propósitos e condições comuns de ação política. No mesmo sentido, compôr e organizar a entidade de "classe" implicam assumir o lugar e papel político previsto pela estrutura de gestão; "tomar assento" em uma hierarquia de funções e dinâmicas que, se por um lado reconhece a existência da política estudantil, por outro condiciona suas possibilidades de intervenção. O aspecto central, neste caso, passa a ser o de como lidar com marcos institucionais tão estreitos - e que na verdade, consistem em um meio de atrelar as movimentações estudantis à funcionalidade das concepções corporativas de Universidade e Estado. A instituição universitária, de fato, ocupa um papel significativo no interior do projeto político do Estado nacionalista e esta condição confere à ação dos estudantes um lugar significativo. No entanto, este lugar e papel devem se orientar pelas diretrizes mais amplas de desenvolvimento, formação profissional e mercado de trabalho previsto pelo projeto Estatal, sendo a matéria "política estudantil" considerada desperdício ou distúrbio funcional toda vez que escapar à orientação da mesma estrutura de gestão. A questão da "modernização" acadêmica, por tudo isso, diz respeito à redefinição do papel produtivo, da relação custo/benefício e dos compromissos formativos definidos pela política econômica do governo10. Para poder conter e incorporar a intervenção dos estudantes nos quadros previstos de formação e desempenho profissional, a Universidade adota então um conjunto de regras que, na prática, "encerra" seus instrumentos e formas de organização política no bojo da estrutura administrativa, não restando dúvidas que o novo projeto educacional se preocupa com o "espaço" político ocupado pelos estudantes no universo acadêmico, ou ainda, que têm claro o fato de que, para constituir novas bases de formação e inserção profissional deve contar com o "apoio" dos estudantes. Este percurso, por sua vez, está longe de ser linear e a trajetória política da UNE é exemplar. Esta entidade é criada em reação às perspectivas "assistencialistas" das

agradável e educativo o convívio entre os membros do corpo discente" in Cunha, A Universidade Temporã, Op. Cit.,p. 299. 10 Maria Stela Santos Graciani. O Ensino Superior no Brasil: A estrutura de Poder na Universidade em Questão. Vozes, 1983, p46-57, 65-72; Luiz Antonio Cunha. A Universidade Crítica. RJ: Francisco Alves, 1989, pp151-205

Page 13: UMA AVENTURA POLÍTICA

13

agremiações associadas à "Casa do Estudante do Brasil", em pleno Estado Novo11, sendo que desde a sua origem podemos acompanhar um debate político que têm como base os desafios e as contradições que os mecanismos tutelares do Estado estabelecem sobre a ação política estudantil. Como agremiação de caráter público e representativo da "classe" estudantil, a UNE nasce fundamentada nos critérios de organização vigentes no espaço acadêmico - com existência jurídica e política condicionada às regras, dinâmicas e estruturas de gestão do Estado e da Universidade - o que vale dizer que esta entidade nasce premida pelas contradições de autonomia e controle. No entanto, na mesma medida que exerce um papel político de fisionomia mais orgânica, a entidade é capaz de construir uma articulação política entre a Universidade e a sociedade que lhes confere uma maior autonomia de crítica ao desempenho do Estado. A origem tutelar da entidade não impede que ela desenvolva uma trajetória de ações, experimentações, projetos e realizações políticas, que em diversos momentos coloca em xeque o caráter autoritário da própria Universidade, da sociedade e do Estado brasileiro12. A incorporação das organizações e experiências políticas estudantis pelos mecanismos institucionais de gestão da Universidade no pós-1930, na medida em que impõe uma nova caracterização de movimento - muito mais "orgânico" no sentido de ser forçado a se pensar como "classe" uniforme e coesa - , por outro lado, não consegue conter o afloramento das "diferenças" no interior destas próprias entidades, o que, em última instância, dá sequência à sobrevivência de projetos políticos variados e à criação de uma outra dinâmica de funcionamento político representativo. O estudo Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina, de J. A. Guilhon Albuquerque13, é elucidativo deste processo. Ao procurar entender o significado político e social que o movimento estudantil adquire no período pós-30, o autor identifica com precisão que as organizações estudantis alcançam um significado social destacado, em primeiro lugar, pelo papel e lugar que as Universidades desempenham nestas sociedades (como possibilidade de ascensão social e de poder pelas classes médias); mas de forma mais específica, pelo fato de que as estruturas de organização política que desenvolvem, conseguem incorporar em um mesmo espaço/tempo, perspectivas sindicais e perspectivas político-partidárias em uma dinâmica

11 Artur José Poerner. O Poder Jovem, op. cit. pp. 132-146; Cunha, Luiz Antonio. A Universidade Temporã, pp.319-323 e A Universidade Crítica, pp. 17-19 12 J.ª Guilhon Albuquerque. �Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil� IN Guilhon Albuquerque, J.ª (org.) Classes Médias e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, pp122-127 13 J. A. Guilhon Albuquerque. Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina. RJ, Paz e Terra, 1977. pp. 69-80.

Page 14: UMA AVENTURA POLÍTICA

14

de forte significação coletiva. As entidades estudantis conseguem resguardar a realidade dos conflitos, e mais do que isso, preservar seus mecanismos internos de expressão, articulação e organização política; o que efetivamente atua como um estímulo à existência de concepções e perspectivas diferentes e coletivas de movimento - ao contrário do que se espera de um forte processo de homogeneizações e incorporações. Neste caso, em uma análise mais atenta da dinâmica interna das entidades, em lugar das homogeneizações o que podemos ver é a construção de procedimentos significativos de convivência política entre as diferenças. Na história da UNE, contada por Artur Poerner, por Sanfelice14 por João Roberto Martins Filho15, por dirigentes e militantes estudantis16, entre outros, encontramos indícios da existência desta gestão democrática de ações políticas que antes de mais nada, se assenta no reconhecimento do lugar, papel e poder das agremiações acadêmicas, dos fóruns de discussão e deliberação, dos grupos e tendências internas; aberta, portanto, à expressão política das "bases" do seu movimento. Nas palavras do sociólogo Vinícius Caldeira Brant, presidente da UNE na gestão 60/61:

"De uma vez por todas: engana-se quem pensa que a UNE foi sempre a mesma coisa,

boa ou má. Ela não foi uma simples peça no jogo dos governantes, como pensam

alguns, nem um movimento radicalmente revolucionário, como desejariam outros.

Como movimento social ela não poderia deixar de refletir as contradições e impasses

da sociedade. E assim foi (..) Se a UNE assutava e ainda hoje assusta as forças

contrárias à democracia é pelo menos por três razões, de igual importância: 1 - Ela

simbolizou sempre a luta pelas liberdades públicas e representou a oposição as

tentativas, de qualquer lado, de golpear a democracia; 2 - Ela expressava vivamente

as contradições que, dentro da própria classe dominante, impediam a continuidade

do autoritarismo contra as classes populares: 3 - Seu funcionamento profundamente

democrático, que permitia a expressão de todas as correntes presentes no movimento

estudantil, das mais reacionárias às mais radicais, com o acatamento de todos às

decisões majoritárias e com a tolerância diante das minorias discordantes,

14 José Luis Sanfelice. Movimento Estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Cortez Editora/autores Associados, 1986, p.41 15 João Roberto Martins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964/1968. Campinas, Papirus, 1987, pp 39/43 16 História da UNE. Volume I: Depoimentos de ex-dirigentes. São Paulo: Editorial Livramento, Coleção História Presente, volume 4, 1980

Page 15: UMA AVENTURA POLÍTICA

15

representava um modelo que só podia irritar os fabricantes de fórmulas golpistas"17

Em um sentido inverso ao pretendido pelos fóruns de poder da Universidade, tanto a UNE quanto as entidades acadêmicas interferem (e consolidam) as bases de funcionamento político de suas estruturas a partir do desempenho representativo e integrativo previsto pela estrutura de gestão da Universidade, valendo-se ainda do acesso à infra-estrutura prevista pela instituição. No entanto, como que subvertendo a estruturação original (que têm a pretensão de absorver os conflitos e incorporar a política em território de controle administrativo), estes diretórios e movimentações alcançam uma outra perspectiva de organização e de intervenção política, quer na Universidade, quer na sociedade. Estas experiências e dinâmica política, por sua vez, emergem do cotidiano acadêmico e de uma relação crítica com as estruturas internas de poder, o que permite remodelar o lugar e papel reservado a priori aos estudantes no mundo acadêmico e no mundo do trabalho. Neste caso, por mais que se pretenda uma interferência política no espaço público, é a problemática acadêmica que de fato interessa aos estudantes; a verdadeira fonte de politização que confere instrumentos à intervenção nas perspectivas de formação, exercício profissional e produção de conhecimento. Em paralelo às transformações e desafios, as movimentações estudantis do pós-30 são capazes de construir e consolidar um exercício político que têm ação direta sobre as estruturas acadêmicas, sobre o lugar e papel que os estudantes ocupam nas Universidades e na sociedade. Para Guilhon Albuquerque, esta estrutura política de movimento alcança no período 30/68 uma dinâmica tão articulada (entre seus aspectos sindicais e partidários) que ela se torna capaz de conferir aos estudantes um papel político e social de destaque. Os aspectos sindicais dizem respeito às problemáticas de formação e inserção profissional, à defesa de um lugar social e político enquanto profissional. A dinâmica de caracterização partidária permite que as diversas leituras e perspectivas políticas de organização coletiva se expressem e se articulem - sendo que a formação dos partidos se transforma em um instrumento de organização política através do qual os variados grupos (dotados de interpretações e projetos diferentes de movimento, de Universidade e de sociedade) disputam as direções de entidades, estabeleçem tendências e criam articulações, dando forma à multiplicidade das discussões, proposições, deliberações coletivas presentes no

17 Vinícius Caldeira Brant. "Nos Tempos da Legalidade" IN Plural, nº6, junho de 1979, pp.11/15

Page 16: UMA AVENTURA POLÍTICA

16

movimento18. Em lugar do modelo de organização sindical atribuido pelo Estado, as entidades estudantis abrem espaço para as organizações políticas de caráter partidário, em uma somatória que potencializa a criação de novas formas de gestão baseadas na confluência das idéias e das ações coletivas. Nas palavras deste autor:

"Um traço essencial do movimento estudantil brasileiro foi sem dúvida o monopólio

institucional da representação. Oficializado segundo o modelo dos sindicatos, o

movimento estudantil se estruturava verticalmente e tinha reconhecimento legal : o

Centro Acadêmico era órgão oficial da Faculdade (..) A filiação dos estudantes era

automática e os estatutos reconhecidos pela Congregação (..) Enfim, as Uniões

Estaduais e principalmente a UNE contavam com sua parte no orçamento

governamental. Essa organização, extremamente semelhante à dos sindicatos teve, no

entanto, consequências bem diferentes do ponto de vista da mobilização dos seus

membros (..) As divisões eram extremamente raras (..) Tais divisões não tinham como

se solidificar e crescer, já que os novos grupos não eram reconhecidos pela União

Nacional, e com isso dificilmente encontrariam eco a nível nacional ou regional (..)

Outra consequência dessse tipo de organização vertical e oficial era a visibilidade do

poder : qualquer novo movimento de idéias que quisesse trazer sua mensagem para o

seio do movimento estudantil tinha que se engajar "nas estruturas" - de acordo com

a linguagem da época - ou seja, entrar na engrenagem da luta pelo poder nos

diretórios e grêmios . A preliminar de organização em moldes mais ou menos

partidários, a fim de conquistar a direção dos Centros, Uniões Estaduais e da

UNE19".

Com o passar do tempo, esta dinâmica política de movimento estabelece um outro projeto de Universidade que na prática diz respeito não apenas ao desenvolvimento econômico nacional, mas à uma problemática político-social mais abrangente. Para o movimento estudantil, a Universidade é um instrumento de superação das desigualdades, o que vale dizer que a expansão das unidades de ensino não se constitui garantia da "democratização" social se o projeto de Universidade não se fizer acompanhar pela gratuidade, pela qualidade formativa e pelo compromisso de "abertura" desta instituição

18 J.A.Guilhon. Albuquerque. Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1977, pp117/144 19 .A.Guilhon. Albuquerque. "Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil". Op. cit., pp.122/124

Page 17: UMA AVENTURA POLÍTICA

17

para os problemas da sociedade. Expandir a Universidade, segundo os estudantes do final dos anos 50, significa algo mais do que ampliar vagas; significa desempenhar um papel político de estímulo às lutas por direitos sociais e pelo desenvolvimento cultural. Da mesma forma a especialização do trabalho implica na valorização profissional em um contexto maior de desenvolvimento econômico. Desde o final dos anos 50, encontramos um conjunto muito forte de movimentações munidas por reflexões deste porte como as lutas em torno da questão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que na prática, estabelece critérios mais excludentes de educação e aponta para perspectivas privatistas de ensino superior. A intensidade destas discussões em um momento significativo de lutas políticas e sociais por "reformas de base" no início dos anos 60 motiva a organização pela UNE, UME e entidades regionais, de dois Seminários Nacionais de Reforma Universitária, precedidos de seminários regionais20. Estes encontros promovem a elaboração de documentos que vão se constituir norteadores de uma articulação mais ampla do movimento em torno da reforma "estudantil" de Universidade, sendo que o teor destes documentos é indicativo do caráter autônomo e politizado que estas entidades e movimentações estudantis adquirem. O sentido democrático de gestão política construído no bojo das entidades e dos fóruns acadêmicos transcende, agora, para as estruturas de gestão da Universidade, em uma luta que almeja uma maior democratização social. Os acontecimentos do período 1960/64, por sua vez, intensificam e radicalizam estas articulações políticas que prevêem, antes de mais nada, a democratização dos fóruns internos de poder acadêmico (através da ampliação da participação estudantil), a quebra da "cátedra" e o estabelecimento de outras/novas formas e relações de conhecimento; elas prevêem, também, a "abertura" do acesso universitário e o alargamento de seus compromissos sociais - em associação à luta por um desenvolvimento nacional independente. A UNE atua neste processo como um componente fundamental de articulação política através do projeto "UNE-Volante" (realizado nas gestões de Aldo Arantes e Vinícius Caldeira Brant, no período 1961/63) que leva sua diretoria a estabelecer contato direto com estudantes das diversas Universidades brasileiras por meio de uma participação coletiva nos fóruns de discussão e deliberação do movimento. Esta perspectiva de participação direta, aliás, confere à UNE uma legitimidade imediata e possibilita que se realize com sucesso a "greve por 1/3", um movimento reivindicativo pela participação paritária nos órgãos de gestão da Universidade que chega a paralisar "a maior parte das 40

20 Maria de Lourdes A Fávero. A Universidade Brasileira em busca de sua identidade. Petrópolis: Vozes, 1977, pp 45/52; Luiz Antonio Cunha. A Universidade Crítica, op. Cit, pp 207/251; Artur Poerner. O Poder Jovem, op. Cit., pp. 188/197

Page 18: UMA AVENTURA POLÍTICA

18

Universidades brasileiras da época (23 federais, 14 particulares e três estaduais)"21 entre junho e agosto de 1962. Um outro elemento indicativo do significado democrático de reforma universitária e social que as movimentações estudantis desenvolvem a partir do final dos anos 50, está no projeto político que se estabelece em torno da questão da cultura. Na verdade, ao se defender a "abertura" acadêmica vem à tona uma necessidade de revisão da concepção tradicional de "cultura", associada diretamente à idéia de "cultura nacional". Os estudantes, neste caso, vão adotar em contraponto, uma conceitualização especial de "cultura popular"; conceitualização que, se por um lado se desdobra das reflexões isebianas, por outro lado, possui um significado muito específico, fruto dos procedimentos e preocupações estudantis. O conceito de "cultura popular" desenvolvido neste momento constitui, antes de tudo, uma "estratégia política" de discussão e de representação dos conflitos sociais. Segundo Renato Ortiz:

"enquanto o folclore é interpretado como sendo as manifestações culturais de cunho

tradicional, a noção de 'cultura popular' é definida em termos exclusivos de

transformação. Critica-se a posição do folclorista, que corresponderia a uma atitude

de paternalismo cultural, para enfim implantar as bases de uma política cultural

segundo uma orientação reformista-revolucionária� 22

A questão da "cultura popular" pela interpretação do movimento estudantil, implica concretamente em uma compreensão de mundo através dos conflitos sociais, e de forma objetiva, ela traduz uma proposição de intervenção política através da Universidade. A crença de que os intelectuais desempenham um papel social significativo (na medida em que se voltem para esta problemática); de que a Universidade congrega oportunidades efetivas de desenvolvimento nacional; de que a "consciência" política é capaz de gerar revoluções; são capazes de conferir à concepção de "cultura" um sentido pragmático, tornando-se urgente a construção de procedimentos táticos e estratégicos de transformação social via "atuação cultural"; um projeto, em si mesmo, democratizador das relações sociais. Neste caso, as movimentações estudantis - por meio das suas agremiações e em particular do espaço da UNE - passam a desenvolver uma leitura de "cultura popular" diretamente associada à luta pela reforma da Universidade e da sociedade23. Mais do que 21 Artur Poerner. O Poder Jovem, obra cit. pag.196 22 Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Ed. Brasiliense, p71. 23 Manoel T Berlinck. CPC: Centro Popular de Cultura. Campinas, Ed. Papirus, 1984, pp. 23/90

Page 19: UMA AVENTURA POLÍTICA

19

isto, alguns projetos e experiências de criação artística chegam, inclusive, a promover renovações estéticas importantes, como os trabalhos de matriz brechtiana desenvolvidos por Vianinha no CPC da UNE24. Por outro lado, é inegável que as perspectivas "engajadas" de produção cultural enfrentam problemas e dificuldades na proporção em que se envolvem com as realizações artísticas. Na interpretação de Renato Ortiz:

"Devido à ênfase colocada na instrumentalização dos bens artísticos, resulta que o

elemento estético seja praticamente banido. Basta analisar-se algumas peças teatrais

para se convencer de que elas operam no fundo com estereótipos que banalizam a

vida social: o estudante, o sacerdote, o operário, o burguês, etc. (..) Não há vida

interior dos personagens, dilui-se a dimensão do indivíduo, e com isso a própria

existência, visto que esta é preterida diante do argumento político colocado a priori

como necessidade interna do texto. A máxima de Carlos Estevam 'fora da arte

política não há arte popular' não somente empobrece a dimensão estética, como

distancia o autor dos interesses populares, posto que todo aspecto não imediatamente

político é eliminado"25

Em uma perspectiva crítica semelhante, Antonio Risério registra em Avant-Garde na Bahia26 todo um conjunto de tensões que, em seu entender, teria-se desdobrado da ação dos grupos de esquerda estudantis na UFBa do final dos anos 50; ações estas que ao pretenderem implementar lutas pela participação política paritária (contra a "alienação" política em um contexto de extrema radicalização) teriam desarticulado e comprometido a existência de projetos culturais de extrema importância levados por intelectuais e artistas vanguardistas europeus que nesta fase, compunham o corpo docente da Universidade. Em paralelo às críticas, o fato é que o curso dos acontecimentos interrompe a dinâmica participativa e "reformista" estudantil e o Golpe de 64 consolida um outro processo de reformas econômicas, políticas e sociais no qual a instituição universitária e as atividades políticas se configuram como objetos específicos de controle e intervenção. Conforme teremos oportunidade de analisar, a estrutura de representação política do movimento estudantil junto à gestão da Universidade passa a ser profundamente

24 Iná Camargo. A Hora do Teatro Épico no Brasil. São Paulo:Editora Paz e Terra, 1996, pp. 74/99 25 Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional, op. cit, p.73 26 Antonio Risério. Avant-Garde na Bahia. São Paulo, Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi, 1995, pp24/25

Page 20: UMA AVENTURA POLÍTICA

20

modificada da mesma forma que o modelo de ensino superior como um todo, as relações de trabalho e a produção e circulação da cultura. Os elementos de ruptura associados a esta transfomação interferem drasticamente nas condições e possibilidades de resistência da sociedade civil e mais especificamente, dos estudantes, de forma que a partir de 1964 temos a constituição de um outro cenário de conflitos e projetos políticos. Desde os primeiros meses do golpe, o Governo Militar procura intervir e modificar o caráter estrutural da organização institucional do movimento estudantil com vistas a recriar sob novas bases e intenções a estrutura de representação construída na década de 30, e para tanto, começa por reduzir o espaço de articulação política e a intensificar os seus critérios punitivos. Em reação, as movimentações estudantis devem agora responder a outros desafios trazidos pela elaboração e implantação do projeto tecnocrático e autoritário de Universidade, pela privatização e rebaixamento qualitativo da rede de ensino, pela repressão dos movimentos políticos e culturais em curso, ou ainda, pela massificação da produção da cultura. Em sentido semelhante, a partir de 1968, é a reforma tecnocrática desta instituição (associada à implantação do AI-5 e decreto lei nº477) que concentra as tensões e perspectivas de luta política no espaço acadêmico, enquanto as ações coletivas no espaço público são severamente punidas. Os acontecimentos políticos que envolvem este movimento na fase 64/68 diferem, por sua vez, das situações e percursos de resistência da fase posterior a 68, objeto de nossos estudos. Trata-se de "reconstruir" o movimento em suas perspectivas e possibilidades institucionais, de lutar por integrar a estrutura de gestão acadêmica, de interferir nos rumos autoritários e tecnocráticos do ensino e da produção do saber, de resistir aos desígnios da proletarização da condição estudantil, de retomar lutas socias mais abrangentes e recompôr projetos de criação política e cultural. A HISTORICIDADE DAS ANÁLISES E O DESAFIO HISTORIOGRÁFICO A concepção de movimento estudantil como o movimento de uma "classe estudantil" específica se relaciona com um percurso de acontecimentos, com a produção de uma auto-imagem pelas mesmas movimentações e com a absorção, por um conjunto de interpretações teóricas, desta mesma noção. Entre as referências mais recuadas e significativas que possuimos está a obra de Renato Bahia, O estudante na História

Page 21: UMA AVENTURA POLÍTICA

21

Nacional27, um estudo expressivo do delineamento do "estudante" por uma ótica "oficial", um "estudante" dotado de interesses, comportamentos e ideários nacionalistas, ou ainda, de um papel histórico que, na prática, se confunde com a identidade e autonomia do Estado brasileiro. Segundo o autor:

" A participação do estudante brasileiro, na vida social e política do país, têm sido,

pois, uma constante de nossa história. Remonta à época colonial, como vimos,

quando, alunos das universidades estrangeiras, êles traziam, ainda estudantes ou

recem-formados, para o organismo indolente da Colônia, o surto renovador das

ideologias bebidas naquêles centros de ensino. Estudantes e recem-formados foram,

em sua quasi totalidade, os trafegos conspiradores da Inconfidência Mineira, os

organizadores das associações secretas, das academias, oficinas e aeropagos, onde

se forjou o espírito revolucionário de 1817, os propagandistas entusiastas e

colaboradores solicitos da independência nacional"28

Enquanto nos anos 50 os estudantes são merecedores de tal destaque, já na década seguinte as análises apresentam variações conceituais importantes relacionadas com os acontecimentos políticos dos anos 60. As interpretações construídas acompanham os processos de "inserção" e também de "exclusão" das movimentações dos estudantes com relação aos conflitos e desdobramentos político-sociais do período; de forma que autores como Álvaro Vieira Pinto29, José Chasin30, Marialice M.Foracchi31 e Artur Poerner carregam em suas reflexões uma interpretação específica sobre este agente social, ora reforçando o significado identitário e acadêmico tradicional, ora ressaltando aspectos de seu papel político, ora recriando uma conceitualização de forma a dar conta das mudanças comportamentais que se presencia. Os textos de Álvaro Vieira Pinto e José Chasin são escritos na primeira fase

27 Renato Bahia. O estudante na História Nacional. Salvador, Livraria Progresso, 1954 28 Ibidem, pp. 199/200 29 Álvaro Borges Vieira Pinto. A Questão da Universidade. São Paulo, Cortez, 1986 30 José Chasin. �Algumas Considerações a respeito do movimento estudantil�. Revista Brasiliense, nº38. São Paulo:Brasiliense, 1961 31Marialice Mencarini Foracchi. O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977; A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo, Pioneira/ ed. Universidade de São Paulo, 1972; A Participação Social dos Excluídos. SP, Hucitec, 1982

Page 22: UMA AVENTURA POLÍTICA

22

da década e inscrevem a análise nos quadros de uma "condição estudantil" tomada como a expressão engajada e intelectualizada dos estudantes - que acredita-se ser dotada de uma certa "autonomia ideológica", de um desvinculamento social (em relação às demais classes sociais) e de uma capacidade intelectiva que o torna capaz de desempenhar um papel social da maior relevância como "ideólogo", "mediador", "intérprete" dos conflitos sociais. Nas palavras de Álvaro Vieira Pinto:

"Ninguém tenha dúvida, o destino, a forma futura da Universidade brasileira está

sendo decidida neste momento muito mais num comício de camponeses do Nordeste,

do que nas salas de reunião dos Conselhos de Educação. Eis poque são os

estudantes, - e não os professores, - que assumem o comando da luta social por essa

reforma, porque eles constituem o instrumento capaz de levá-la a efeito, e igualmente

são, pela práxis que possuem, a origem das idéias que devem servir para formular tal

reforma. Isto se dá porque os estudantes, no embate político entre a parte decadente,

embora ainda dominante, e a parte emergente da sociedade, tendem necessariamente

a se identificar, como coletividade, no país atrasado, às forças ascendentes, e, de

modo muito especial, em vista de suas qualificações intelectuais, formam

naturalmente nas fileiras da vanguarda de tais forças. Explica-se, assim, que sejam

os estudantes, e não os docentes, os que se inquietam em promover o movimento que

terá por desfecho a reforma universitária" 32

Segundo Chasin:

"É manuseando idéias e delas tornando-se veículo que o estudante, na qualidade de

ser político, põe a funcionar suas verdadeiras potencialidades de elemento

aprimorador e transfomador da realidade"33

Conforme sugere João Roberto Martis Filho34, estes estudos dão ênfase a uma "condição estudantil" que, na prática, corre o risco de descaracterizar as vinculações sociais destes mesmos agentes, atribuindo-lhes um papel social prévio e específico de "vanguarda" das lutas sociais mais amplas. Os acontecimentos políticos de meados da

32 Álvaro Vieira Pinto. Op. Cit., pp. 13/14 33 José Chasin. Op. cit., p.156 34 João Roberto Martins Filho. Op. Cit., p21

Page 23: UMA AVENTURA POLÍTICA

23

década, no entanto, dão lugar à elaboração de novas análises conforme podemos observar nos estudos de Marialice M. Foracchi e Artur Poerner (escritas no período pós-1964) que agora apresentam alterações conceituais importantes e sensíveis às transformações econômicas e sociais mais profundas que a estrutura da Universidade e do movimento estudantil vivenciam. A análise de Marialice Foracchi lançada inicialmente em O estudante e a Transformação da Sociedade (1965) já apresenta uma elaboração crítica do significado de "classe" atribuido ao movimento - para a autora, apenas um elemento da sua auto-representação política. De forma distinta, a autora propõe uma reflexão sociológica rigorosa baseada agora, no conceito marxista de "classe social", conceito que se faz associado aos pressupostos da chamada "Teoria da Dependência" para compôr o que chama de "categoria social" - uma categoria social de estudantes originada e condicionada em meio à existência das classes fundamentais da sociedade. A autora. neste caso, repudia a utilização do conceito como expressão em si mesma de uma "classe" específica. Em O estudante e a Trasformação da Sociedade, o movimento estudantil começa a ser analisado como um segmento social das classes médias brasileiras dotado de um projeto político, comportamentos e anseios oriundos da sua "classe" de origem - ou, em suas palavras, de sua "origem de classe". Segundo a autora, o fato dos estudantes universitários brasileiros procederem de forma predominante das classes médias, implica que o projeto social deste movimento se constitua representativo dos anseios mais amplos das mesmas classes médias; condição que lhes impõe, de saída, limitações estruturais às pretensões "revolucionárias" de transformação social. Nestes termos, em contraponto à auto-imagem de "classe estudantil", a autora propõe o conceito de "categoria estudantil" como um conceito expressivo em si mesmo da condição social dos estudantes, expressão dos seus descontentamentos, frustrações e radicalismos, bem como dos seus anseios por ascensão social (pela via profissional) e dos seus medos diante da proletarização. Por outro lado, na intenção de responder à presença do projeto político de transformação social clamado pelos estudantes deste período, a autora propõe que a capacidade/potencialidade de intervenção deste movimento sobre a sociedade deva ser medido pelo nível de "consciência" que os indivíduos desenvolvem em relação à sua própria condição social, o que vale dizer que o potencial "revolucionário" do movimento estudantil deve decorrer da sua experiência de luta, e mais do que isso, da sua consciência e capacidade de escapar dos condicionamentos que a sociedade lhe impõe. Esta perspectiva inovadora de pensar o movimento nos quadros de uma "categoria social", por sua vez, não encontra continuidade na interpretação de Artur Poerner, o que não retira desta obra um outro aspecto de renovação analítica. Em O Poder

Page 24: UMA AVENTURA POLÍTICA

24

Jovem, Artur Poerner procura reavaliar o papel político que os estudantes desempenham ao longo da história brasileira a partir de uma compilação de referências que, neste momento é trabalhada segundo a ótica e o ideal de organização e luta hegemônicos no final dos anos 60. A importância de O Poder Jovem, neste caso, está na concepção, seleção e ordenação dos fatos que em última instância reproduz uma "versão" de movimento extremamente expressiva do contexto de crise política que se vivencia no período 64/68. A motivação original desta obra é datada: trata-se de defender o caráter democrático e nacionalista do movimento no instante em que os estudantes se acham colocados no alvo de uma repressão violenta. Para o autor, recompôr a história estudantil implica em promover o resgate de referências de um dos movimentos mais caros à história nacional no mesmo instante em que enfrenta rupturas e perdas profundas. Por meio de uma narrativa pormenorizada, o autor procura recuperar o significado de "resistência" que este movimento carrega ao longo do tempo, resgatando referências de luta política fundamentadas em estruturas tradições que agora se acham em percurso de desmontagem. As queimas de arquivo, as rupturas de vida institucional, as perseguições, mortes e exílio de muitos participantes e dirigentes fazem de O Poder Jovem uma fonte rara de informações. Mas que é o "estudante" de Artur Poerner? Ele é um personagem integrante de uma "categoria política" específica, não definido necessariamente como intelectualidade mas como parte de uma juventude rebelde, nacionalista e consciente que deve ser enaltecida pelo engajamento histórico que desempenha em prol da democracia e da resistência civil. Uma "categoria política" que se apresenta dotada de experiências paulatinamente mais evoluídas e "conscientes" de luta social. Para Poerner, a formação da UNE na década de 30 deve ser entendida (e defendida) como um marco divisor da história estudantil na medida em que esta entidade configura o amadurecimento e conquista de um patamar superior de organização do movimento, oriunda de uma articulação nacional de lutas (em lugar da fragmentação regional e local anterior), da conquista de uma regularidade (em lugar de um caráter esporádico) e de um caráter essencialmente político (diverso das demais formas organizativas anteriores). Os ideários democráticos, em igual medida, são por ele considerados qualidade inerente dos estudantes - frontalmente distintas das concepções conservadoras, "estranhas" e "externas" à essência deste movimento social; o que leva O Poder Jovem eleger a UNE como expressão síntese de todo o conjunto das movimentações estudantis, ou ainda, expressão de um movimento que ocupa lugar central na trajetória das lutas sociais do país. Por tudo isso, a perseguição, difamação e punição desencadeada pelo Governo Militar sobre os estudantes implica em um processo mais amplo de ruptura dos fundamentos democráticos vigentes na sociedade brasileira.

Page 25: UMA AVENTURA POLÍTICA

25

Em nosso entender, a inovação deixada por Poerner se traduz então na interpretação valorizativa que realiza das experiências e estruturas políticas do movimento, conferindo destaque às formas mais centralizadas e nacionais de movimento ou ainda às organizações de esquerda que a partir de agora são interpretadas como expressão máxima e sintética da responsabilidade democrática destas movimentações. O retorno de O Poder Jovem para o interior das movimentações estudantis dos anos 70, por sua vez, é muito significativo, tanto como fonte de dados quanto de identidade militante; de forma que esta obra exerce um papel fundamental no processo de reconstrução institucional dos anos 70 como instrumento de resgate e legitimação dos ideários organizados em recomposição. Com relação a ambos os estudos, tanto as análises de Marialice Foracchi quanto a de Artur Poerner marcam de maneira especial a historiografia das décadas seguintes e apesar de se constituirem diferentes, suas referências sofrem associações no bojo de várias reflexões, de forma que os conceitos de "categoria social" e "categoria política" possibilitam que as experiências e referências dos anos 60 se apresentem latentes, ou ainda, se transformem em paradigmas potentes de movimento. A valorização das atividades político-representativas, se articula à questão dos condicionamentos sociais para traçar um outro paradigma de engajamento e consciência política, fundamental aos mecanismos de "reconstrução" das movimentações estudantis nos anos 70 e 80. E neste caso, apesar dos estudos apresentarem, ao seu tempo, uma renovação no trato conceitual do tema, na década seguinte, eles se prestam a referendar uma trajetória política que procura "remontar" uma fisionomia homogênea de "classe" estudantil já em tempos de ruptura. Ora, como bem diz Artur Poerner:

"O movimento estudantil, tal como é entendido até aqui neste trabalho, foi

interrompido no Brasil em 1968, com o AI-5"35

Com o Golpe de 1964, conforme veremos, o governo militar intervém de forma drástica na estruturação tradicional deste movimento promovendo não apenas uma transformação do caráter das entidades como da estrutura da Universidade. Neste caso, a interpretação sobre o movimento estudantil que tende a vê-lo como um movimento social coeso e identitário, se depara agora com a transformação da sua institucionalidade, bem como com a emergência de outras formulações e experimentações identitárias em uma situação que impõe sérias dificuldades ao trabalho teórico. Na prática, todo o debate conceitual desenvolvido até então passa a ter que lidar com transformações que,

35 Artur Poerner. Op. cit., p.306

Page 26: UMA AVENTURA POLÍTICA

26

efetivamente, se apresentam como aspectos de um "desfecho" deste movimento. De qualquer maneira, as impressões e dificuldades vividas por estes autores nos ajudam a "jogar luz" sobre os períodos subsequentes. No caso de Artur Poerner, na medida em que o seu estudo constata a ruptura do perfil político institucional do movimento em 1968, ele nos ajuda a perceber o por que das práticas organizadas de esquerda não encontrarem mais nos anos 70 o mesmo lugar político desempenhado até então, sugerindo-nos indiretamente que é preciso pensar de maneira diferente a rearticulação deste movimento. Na linha das colocações de Foracchi, a questão de considerar a mudança de perfil social dos estudantes como elemento associado à transformação da Universidade nos permite identificar todo um percurso de reações e resistências levado pelas próprias classes médias (dentro e fora da Universidade) - que ao mesmo tempo em que pressiona pela ampliação da estrutura de ensino superior (de forma a acomodar suas intenções de ascensão social) luta para resguardar as condições de inserção conquistadas até então (como "profissionais qualificados" em um contexto de transformações das relações de trabalho). Neste sentido, seus pressupostos teóricos são fundamentais para uma compreensão mais profunda dos processos de resistência que se instauram entre os estudantes a partir da ameaça concreta de proletarização trazida pela "Universidade de massas" dos anos 70. Os seus pressupostos teóricos nos ajudam ainda a interpretar o por que da juventude (em termos mais amplos) recusar uma perspectiva de "inserção" no mundo de trabalho produtivista quando aponta em A Juventude na Sociedade Moderna (escrito nos início dos anos 70) a presença de uma outra dimensão de conflitos e resistências alicerçados agora na contracultura e nas movimentações internacionais de 68 - aspectos fundantes da rejeição à incorporação em uma Universidade de perfil tecnocrático e autoritário em desenvolvimento. Na verdade, se nós possuimos dificuldades em trabalhar com o fenômeno político do movimento estudantil dos anos 70, estas dificuldades se desdobram antes de tudo da ausência de análises específicas e da concentração de estudos sobre os anos 64/68 (que jogam ênfase no papel e lugar das tradições dos anos 60 enquanto rejeitam o significado das rupturas estabelecidas a partir de então); ou ainda, da raridade de estudos sobre outros períodos que nos levam a desconhecer trajetórias importantes à compreensão do contemporâneo. Ora, a partir dos anos 70, as concepções militantes deixam de se dar em território exclusivamente partidário, e mais do que isso, muitas das proposições políticas se afastam desta perspectiva para produzir uma multiplicidade de propostas de organização e ação política. Para complicar ainda mais o fenômeno de "fraturas" das movimentações e suas tradições políticas também a estrutura acadêmica, o lugar e papel da Universidade se

Page 27: UMA AVENTURA POLÍTICA

27

acham em mudança, de forma que a análise das movimentações nos anos 70 nos exige um outro instrumental analítico sensível às mesmas transformações e desafios vividos pelos estudantes e pela Universidade. As perspectivas de "reconstrução" institucional esbarram na necessidade de se promover uma renovação qualitativa do movimento no exato momento em que a Universidade ganha um perfil "modernizador" caracterizado pelas estruturas burocráticas e autoritárias cujos propósitos se traduzem na implantação de um percurso formativo de perspectiva tecnocrática. OS ANOS 70 A virulência dos fenômenos e processos de ruptura institucional, política e cultural que a sociedade brasileira passa a enfrentar, em particular, no final da década de 60, interfere de maneira significativa sobre a produção teórica, sobre a vida acadêmica dos teóricos (em boa parte, "banidos" das universidades) e ainda, sobre a realidade do "objeto" movimento estudantil. E neste caso, ao longo do período ditatorial, o tema movimento estudantil perde o lugar de relevância, sendo raras as análises produzidas no curso dos anos 70 (apesar da qualidade dos estudos, como os de Guilhon Albuquerque). Na década de 80, os questionamentos voltam à cena de forma lenta, centrados de maneira particular sobre o período 64/68 e sobre os processos de "desmontagem" institucional e político-partidário sofrido pelo movimento - com atenção especial sobre a repressão das lideranças e organizações de esquerda. Na ocasião dos vinte anos dos acontecimentos de 1968, vemos se consolidar esta perspectiva teórica de forte tradição político-institucional motivada a resgatar a herança político-partidária (de significado participativo e ideológico) do passado na busca de se contrapôr à "crise" contemporânea. Os estudos, neste momento, procuram avaliar os problemas, os conflitos e as utopias dos estudantes do período 1964/68 ampliando-se as análises sobre as esquerdas e sobre as transformações da estrutura de ensino. Se considerarmos o montante dos trabalhos produzidos sobre o tema nas últimas décadas, poderemos constatar a predominância e a hegemonia das reflexões sobre os quadros políticos partidários da fase 64/68 em contraste com a raridade dos estudos sobre os anos 70 ou sobre períodos anteriores à criação das Universidade. Ainda no final dos anos 80, o movimento estudantil é analisado "para trás" (em relação aos acontecimentos de 1968), avançando-se muito pouco com relação à década "de transição" para a contemporaniedade, os anos 70. As exceções consistem em alguns trabalhos e

Page 28: UMA AVENTURA POLÍTICA

28

ensaios jornalísticos, como os de Artur Ribeiro Neto36, Luiz Carlos Maciel37, Tânia Gonçalves e L.H. Romagnoli38; e nos estudos de Olgária Mattos39, Eloisa Buarque de Holanda40, Medler Pereira41, Maria Amélia Mello42 e Rosa Cavalari43 que procuram tratar de um conjunto mais amplo de questões, produções e motivações político-culturais presentes a partir do final dos anos 60, nem sempre relacionadas com os estudantes. Através destes poucos estudos, no entanto, podemos dizer que a temática ganha interdisciplinaridade na medida em que recebe de campos diferentes de conhecimento, contribuições importantes, particularmente, acerca da transformação da Universidade, da juventude, da cultura e das relações políticas que de forma ampla interferem no desenrolar dos acontecimentos estudantis. De qualquer forma, se o tratamento teórico da temática de 1968 começa a se alargar em fins da década de 80, os estudos propriamente acadêmicos em torno dos estudantes continuam alicerçados sobre os pressupostos da vigência (e crise) de uma história institucional que, a partir de 1968, teria as suas condições de exercício, identidade e trajetória política definitivamente comprometidos. A realidade das fraturas imposta aos estudantes, às esquerdas e à própria Universidade no curso dos acontecimentos pós-64, e especialmente, a partir de 1968, de fato, é capaz de comprometer o "olhar" sobre o presente e sobre o fenômeno de "recriação" de institucionalidade que desde cedo começa a se reestabelecer no espaço acadêmico. Por outro lado, o "olhar" sobre as experiências dos anos 70 através de critérios eminentemente político-partidários e institucionais da fase anterior

36 Artur Ribeiro Neto. �Um laço que não UNE mais�, Revista Desvios, Rio de Janeiro: Paz e Terra, nº4, 1985 37 Luiz Carlos Maciel. Negócio Seguinte:, Rio de Janeiro, CODECRI, 1982; Anos 60. São Porto Alegre, L&PM, 1987; Geração em Transe: memórias do tempo do tropicalismo.Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1996 38 Tânia Gonçalves e Luiz Henrique Romagnoli. A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador. São Paulo: Alfa Ômega, Coleção História Imediata, nº5, 1979 39 Olgária Matos. Paris 1968: As Barricadas do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1981 40 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/70; Heloísa B. Hollanda e Marcos A Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Coleção Tudo é História, ed. Brasiliense; Heloísa B. Hollanda e Carlos Alberto M. Pereira. Patrulhas Ideológicas. São Paulo, Brasiliense, 1980 41 Maria Amélia Mello (org). 20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986 42 Rosa M. F. Cavalari. Os Limites do Movimento Estudantil (1964/1980). Campinas, tese defendida na Faculdade de Educação da Unnicamp, 1987 43 Artur Ribeiro Neto. Op. Cit., pp. 68/69

Page 29: UMA AVENTURA POLÍTICA

29

não permite que se identifique as variações de motivação, participação e articulação coletiva que começam a se fazer presentes; razão pela qual as análises sobre o período se restringem à trajetória de "reorganização" das esquerdas e das estruturas institucionais segundo os moldes e tradições da década anterior. Conforme procuraremos comprovar neste estudo - a enfatizar a necessidade de se realizar novas investigações - as mudanças pelas quais passam as movimentações estudantis nos anos 70 não significam o encerramento dos seus propósitos coletivos, mas pelo contrário, a emergência de respostas e projetos de cunho social que em vários aspectos começam a se diferenciar em seus ideais de sociedade, política e cultura, assim como promover uma outra aventura de criação política. A perda das bases tradicionais ocasionada pela intervenção repressiva do Estado sobre a sociedade civil e pela reforma da Universidade dá lugar a uma "reestruturação" ou "reconstrução" de movimento que desde sua origem se coloca sensível às alterações vividas pela juventude no plano da cultura e da politica; alterações que se fazem presentes na esfera acadêmica na forma de um conjunto diferenciado de discussões e realizações de caráter estético, particulamente, de novas experimentações de linguagem. Mas, como estudar este período? Os anos 70 vão constituir um período muito específico de acontecimentos políticos e culturais, juvenis e estudantis; antes de mais nada marcado por reações à desmontagem da estrutura pública da educação e pela criação de perspectivas "alternativas" de formação e inserção social. Neste percurso, os estudantes abrem espaço para um conjunto variado de experiências internas de enfrentamento centrado na redefinição dos currículos, na recusa do caráter técnico e especializado de conhecimento, na re-politização do espaço acadêmico e retomada de uma perspectiva social de Universidade; questões que, neste contexto, vão firmar todo um conjunto de posicionamentos e, inclusive, novos contornos de identidade política. Neste período, o leque de questões, desafios, problemas e leituras políticas e culturais que se apresentam e se encontram em transformação na Universidade, no universo do mercado de trabalho ou ainda entre as concepções e condições de militância político-cultural, dificulta ou ainda compromete a permanência de uma perspectiva de ação política institucional nos quadros estabelecidos anteriormente. Mais do que isto, uma outra condição de "estudante" e "juventude" se esconde no bojo desta alteração mais profunda da Universidade, universo profissional, sociedade de mercado e do próprio Estado (responsável pelo desencadeamento de uma forte repressão política); alteração que exige dos estudantes, questionamentos e mecanismos participativos suficientemente abrangentes para fazer-se integrar à definição dos novos rumos. No curso dos anos 70 as experiências políticas não podem ser as mesmas em

Page 30: UMA AVENTURA POLÍTICA

30

função do conjunto de desafios que os estudantes se vêem obrigados a traduzir e enfrentar. Para o cientista político J.A.Guilhon de Albuquerque, os aspectos políticos tradicionais nos quais o movimento estudantil se alicerça até a implantação do AI-5 e da lei nº5540 (caracterizado por uma dinâmica política de caráter sindical nas bases e partidária na cúpula), sofrem, a partir de então, uma profunda transformação. Os estudantes deixam de integrar um "corpo" de definições e procedimentos militantes na medida em que são "proibidos" de desenvolver as práticas mais caras à sua dinâmica identitária de movimento, assim como de expressar interesses e preocupações divergentes das colocadas na/para a Universidade. As alterações do campo profissional trazidas por esta mudança, por sua vez, exigem um repensar crítico e cotidiano da "qualidade" formativa oferecida; assim como as limitações à participação acadêmica através da incorporação pela administração da estrutura institucional herdada, exigem a recriação de perspectivas de militância e ação coletiva. No texto "Um Laço que não UNE mais", o cientista político Artur Ribeiro Neto nos propõe que todo um outro conjunto de problemas e desafios passa a ser enfrentado no espaço da Universidade, sendo que esta instituição de fato é que "oferecia as condições sociais e políticas para este tipo de política". A transformação da Universidade exigiria uma outra possibilidade e significado de intervenção coletiva capaz, inclusive, de gerar uma outra identidade de movimento sensível aos novos desafios. Segundo este autor:

"O Golpe, para o movimento estudantil, significou a sua exclusão da participação no

poder. E os momentos de luta que atingem seu auge em 68 não significaram uma

revisão do estilo populista de ação política, mas apenas a sua radicalização. Mas o

que oferecia as condições sociais e políticas particulares para este tipo de política

por parte dos estudantes era o lugar social e político da Universidade"44

Para Ribeiro Neto, a crise do movimento nos anos 70 e 80 se encontra então relacionada com as dificuldades que os estudantes enfrentam de dar respostas à transformação da Universidade e da sociedade, ou ainda, com as limitações de ação das organizações políticas que tendem a repetir como "farsa" um jogo politico que neste contexto já se acha descaracterizado, acabando por comprometer a construção de outras diretrizes que de fato vinham propondo um "novo" movimento estudantil. Em suas colocações, a repetição de procedimentos partidários do passado neste contexto social e político se justifica pelo resgate da hegemonia política exercida no período político anterior

44 Artur Ribeiro Neto. Op. cit, pp. 68/69

Page 31: UMA AVENTURA POLÍTICA

31

e que agora procura se sobrepôr a uma outra perspectiva coletiva (que de fato ocupa um papel importante na renovação das práticas estudantis):

"A ruptura da idéia de uma aventura coletiva comum, compartilhada entre

estudantes, suas organizações e seu movimento, que está na base das ações de 1977,

se fez pela adesão das lideranças a concepções e organizações de características

aristocráticas. Uma nova espécie de reis-filóso-platónicos (..) As eleições e

assembléias passam a funcionar apenas como espaço de persuasão e de embate entre

as verdades revolucionárias, um campo de sedução política, de conquistas de novos

adeptos (..) A formalização de um corpo com direitos exclusivos ao saber

consubstanciados nas organizações têm como contrapartida a formalização dos

estudantes num outro carpo, o corpo massa, incapaz de refletir as suas experiências,

de estabelecer o seu sentido (..) E agora, ser estudante, que era uma aventura

coletiva de ação e participação política, converte-se apenas no oposto de ser

revolucionário. Ser estudante torna-se igual a ser massa, isto é, um incompetente

político (..) Assim, a conversão das condições de estudante em incompetente político

pelas suas próprias lideranças (..) é um acontecimento decisivo na ruptura da

identidade estudantil45"

Neste mesmo aspecto, o estudo de Olgária Mattos: Paris 1968: As Barricadas do Desejo (1981) traz uma contribuição decisiva à avaliação do significado qualitativo da alternância - e multiplicidade - das ações politicas que desde o final da década de 60 passa a ocupar a arena política das movimentações estudantis em dimensão internacional. Neste estudo, a autora persegue o significado mais profundo da emergência das diferentes formas e objetos de ação política que se apresentam (de maneira crítica) às perspectivas de ação coletiva de fundamentação político-partidária. Em seu entender, uma multiplicidade de práticas e possibilidades de resistência e ação coletiva configura o afloramento de procedimentos (de significação própria) críticos à organicidade, à institucionalidade tradicional e à hegemonia de concepções partidárias, questões que tornam possível a ruptura de concepções e diretrizes até então determinantes da dinâmica tradicional. Esta multiplicidade, portanto, configura a emergência de um movimento marcado pela transformação do significado da política, explícito, entre outros momentos, nos acontecimentos de maio de 68 francês. Olgaria Mattos escreve:

45 Ibidem, pp.66/67

Page 32: UMA AVENTURA POLÍTICA

32

"..ninguém pode reivindicar para si este Movimento: ele é amplamente espontâneo e

os grupúsculos nele imersos, trotskistas, maoístas, guevaristas ou anarquista, não

desempenharam a não ser um tênue papel nas manifestaçães de massa. As imagens

que nos ficaram da primavera de Maio, greves nas escolas, distribuição de panfletos,

proclamações, assembléias, passeatas silenciosas ou turbulentas,ocupação de

auditórios ou de salas de aula, queima de jornais, testemunham agrupamentos mais

entusiastas que "temperados na luta". Estes novos enrangès não recuam diante da

violência e àquela que lhes é feita respondem pela violência� 46

Mais do que o afloramento de críticas ao "fazer político" de bases político-representativas, o que se presencia a partir de então é a formação de outras propostas de ação política - de fisionomia autonomista, espontaneísta, guevarista - que muitas vezes se soma às concepções trotskistas e maoístas presentes, para afirmar suas diferenças com relação às concepções políticas mais tradicionais. Conforme sugere o militante anarquista Daniel Cohn Bendit em O Grande Bazar47:

"Para um jovem, ser revolucionário em 68 significava ser, também, contra o partido

comunista"

Por outro lado, estas proposições "alternativas" de ação política carregam um repensar importante da questão coletiva conforme podemos observar junto à concepção "autonomista" exposta por Cohn Bendit:

"Existe a solução clássica dos partidos, do centralismo democrático que passa pela

constituição de células , pela eleição de delegados, pela contabilização de votos. A

solução anarquista consiste na federalização de pequenos grupos; isto leva a fazer

uma verdadeira sociologia das instituições para se saber como democratizar, já que

os grupos são tantos que nem conseguem se federalizar. Tanto um quanto o outro

implicam a destruição de tudo aquilo que o movimento conseguiu criar: assembléias

gerais, democracia de massa, locais de libertação da palavra. Assim, quando se é

favorável à autonomia dos movimentos e à sua unificação, coloca-se a questão da

centralização, de uma estrutura, de um espaço que facilite a transmissão da

realidade concreta destes movimentos , destes grupos dos quais tantas pessoas

46 Olgária Matos. As Barricadas do Desejo, op. Cit., p.10 47 Daniel Cohn Bendit. O Grande Bazar. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1988, p. 81

Page 33: UMA AVENTURA POLÍTICA

33

querem participar. Neste novo movimento existe algo mais que a simples democracia

e o direito à palavra, existe também a recusa da ideologia do trabalho, da família e

uma necessidade de viver a própria vida, uma necessidade de auto-determinação.

Todos estes movimentos projetam uma determinada imagem da sociedade, que têm

que ser integrada na organização�48

No caso das movimentações brasileiras, se a crise institucional têm origem muitos anos antes por força da repressão social, esta mesma crise se amplia nos anos 70 em função de uma ruptura identitária que, entre outros motivos, se torna articulada à existência de críticas mais contundentes às ações organizadas - em um claro sinal de alteração e fragmentação de consensos militantes. O movimento estudantil dos anos 70, na verdade, se apresenta como um movimento em mudança em sintonia com uma década que se afirma como "tempo de diferenças", e neste caso, torna-se difícil trabalhar com falas exclusivamente partidárias ou com referências apenas institucionais das movimentações. A documentação rica e sujestiva deste período nos é indicativa de que a sua importância e significação se concentra exatamente nesta diversidade�. A presença de diferentes práticas e concepções de movimento (oriundas de diferentes espaços de militância e maneiras de tratar a Universidade e a política), por sua vez, é responsável por um percurso tumultuado e conflituoso de perspectivas e de afirmações políticas que inclui, entre outras coisas, a recuperação de uma estrutura institucional de representação sob moldes tradicionais - associado à recomposição de projetos de orientação político-partidária - ao lado da emergência de outras formas e experiências políticas e culturais que vão alterar os elementos identitários do movimento e integrar uma crise de legitimidade das próprias entidades "reconstruídas". A identidade tradicional do movimento estudantil responsável pela construção de uma auto-imagem de "vanguarda revolucionária" no passado vai enfrentar agora uma fragmentação profunda relacionada com a necessidade de construção de novas perspectivas de luta acadêmica e politica. No entender de vários grupos organizados, estas experiências "alternativas" de ação coletiva devem ser recusadas e "enfrentadas" em pról da reafirmação dos procedimentos político-representativos do passado, situação que no entender de Ribeiro Neto, é geradora de um fechamento de caminhos ou um bloqueio à emergência de novas possibilidades de ação política. Em suas palavras:

48 Ibidem, p.190 49George Haupt. "Por que a História do Movimento Operário?" IN Revista Brasileira de História, ANPUH/M. Zero, 1985, vol5 nº10, pp 208/231

Page 34: UMA AVENTURA POLÍTICA

34

"A reprodução da história dos anos 60, como mito, no final dos anos 70 e começo de

80 acabou por significar um incrível fechamento para o novo. E hoje as entidades

estudantis são apenas fantasmas desencarnados das entidades e práticas do passado,

são apenas ógãos que repetem infindável e tristemente a mesma história, alheios e

contra a vida e as experiências das pessoas que seriam a sua substância"50

Em uma perspectiva distinta, os estudos de Heloísa Buarque de Holanda, Marcos Antônio Gonçalves e Carlos Alberto Messeder Pereira51, são importantes para uma avaliação mais profunda do significado da entrada em cena de elementos da contracultura - elementos estes que, no contexto de virada dos anos 60/70, vão desempenhar um papel importante no redimensionamento das experiências políticas. Para Heloísa Buarque, em Impressões de Viagem: da vanguarda ao desbunde, é a partir da crítica às ortodoxias que ocorre uma aproximação entre gerações distintas de intelectuais e artistas capaz de promover novas experiências de leitura e de criação de linguagens políticas e culturais. De forma complementar, as análises de Luiz Antonio Cunha52 nos fornecem uma reflexão mais abrangente e crítica da questão institucional da Universidade, revelando-nos a presença ao longo do tempo de projetos econômicos e políticos a interferir na transformação de seu modelo e dinâmica de funcionamento. Já os estudos da área de sociologia têm trazido contribuições importantes à análise das transformações comportamentais da juventude (no aspecto das suas reações à sociedade industrial) além de fornecer uma conceitualização de movimento estudantil relevante53. Se no curso dos anos 60 este movimento tende a ser interpretado como uma "categoria" específica das classes médias, ou ainda, dos movimentos juvenis; nos últimos 20 anos os estudos têm reforçado a compreensão do lugar e papel conferido à Universidade na sociedade latino-americana, assim como o lugar político que os estudantes adquirem a partir das relações de

50 Artur Ribeiro Neto. �Um laço que não UNE mais�, Op. Cit., p.70 51 Heloísa. Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op Cit.; Heloísa Buarque de Holanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Op Cit.; Heloísa Buarque de Holanda e Carlos Alberto M. Pereira. Patrulhas Ideológicas. Op Cit.; Carlos Alberto Messeder Pereira. Retrato de Época: Poesia Marginal anos 70, Op. cit. 52 Luiz Antonio Cunha. A Universidade Temporã. RJ: Francisco Alves, 1986; A Universidade Crítica: o ensino superior na República Populista. RJ, Francisco Alves, 1989; A Universidade Reformanda: O Golpe de 1964 e a modernização do Ensino Superior. RJ: Francisco Alves, 1988 53 Sobre esta questão, ver "A Juventude como categoria social" de Helena Abramo em Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano. SP, Editora Página Aberta, 1994, p. 7/53

Page 35: UMA AVENTURA POLÍTICA

35

representação e associação formal com o Estado e o espaço público (em especial, por meio das relações político-partidárias). Estas dimensões são cruciais à compreensão do cenário acadêmico e estudantil do pós-68; um cenário que inaugura um conjunto de práticas políticas e culturais estudantis dotadas de uma qualidade própria, inerente e sensível aos acontecimentos e mudanças em curso nesta década - tempo em que a política e a cultura alcançam novas formas de articulação e organização entre os estudantes.

Page 36: UMA AVENTURA POLÍTICA

36

TEMPO DE MUDANÇA

"A transformação da Universidade em cenário da contestação estudantil têm sido

encarada como um processo essencialmente político, conduzido pela

irresponsabilidade ideológica das minorias ativas. É chocante assistir-se, impotente,

ao desmantelamento de uma instituição secular, devotada à pesquisa e ao cultivo do

saber, em nome de objetivos que não são explicitados, em nome de uma vontade que

ignora a sua força, movida apenas pelo propósito de destruir. O que se pretende

demonstar com tal proeza barbárica? O que se procura colocar como sucedâneo da

instituição universitária? Até que ponto a confrontação é legítima, até que ponto é

destrutiva?"

(Foracchi, Marialice M. A Juventude na Sociedade Moderna, Ed. Da Universidade

de São Paulo, 1972, p.113)

"O autoritarismo é a tônica da vida universitária não somente como decorrência da

heteronomia e da burocratização, mas também porque a prática pedagógica, a

prática estudantil, o conteúdo e a forma das pesquisas reproduzem, cada qual a seu

modo,o autoritarismo visceral da sociedade brasileira. No presente, a luta pela

democratização têm enfatizado o combate à administração burocrática pelo reforço

da representação e da participação nos parlamentos universitários e pela eleição

direta dos dirigentes (diretores e reitores), de modo a transformar os estatutos

universitários, ampliar o conhecimento dos orçamentos e de seu destino para nele

interferir, denunciar a triagem ideológica e a desvalorização do trabalho

universitário pelos critários quantitativos. Assim, contra a burocracia, o reforço dos

colegiados e da representação contra a heteronomia cultural e a triagem ideológica,

defesa da liberdade de ensino e pesquisa, segundo critérios qualitativos"

(Chauí, Marilena. Folhetim, nº 250, 1/11/81, p.7 )

"Não sabemos se em outras cidades universitárias é praxe hastear-se o pavilhão da

Universidade quando da presença do Reitor, como se faz na Pampulha. De qualquer

maneira o pormenor marca duas épocas. Ontem, significando a soberania do

território universitário, expressa no Reitor. Hoje, no ruído da bandeira desfraldada,

a zombaria."

(Gol a Gol, DCE/UFMG,n.8,1973)

Page 37: UMA AVENTURA POLÍTICA

37

CAPÍTULO 1 A TRANSFORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE E DO MOVIMENTO ESTUDANTIL: O DESAFIO DE SER ESTUDANTE

"A ocupação das faculdades, as experiências radicais no sentido de uma nova

concepção da atividade do estudo, sua fusão imanente com a atividade política, tudo

isso atinge (ainda que negativamente) a condição "normal" do estudante. No mínimo

a diversifica, desmistificando-a enquanto contingência histórica e, portanto,

superável� 54

As interpretações mais recorrentes sobre o movimento estudantil não costumam considerar como objeto deste movimento a questão da Universidade, ainda que se reconheça o quanto a instituição contribui para uma articulação com as dimensões sociais mais amplas. O movimento estudantil que têm seu universo acadêmico secundarizado pela análise historiográfica presta-se na verdade a justificar trajetórias políticas de cunho vanguardista que frequentemente encontram sentido de luta em uma dimensão exterior à própria Universidade. No entanto, quando o pesquisador se debruça sobre a documentação estudantil dos anos 70, o que lhe vem à tona é a presença de um movimento reivindicativo por direitos acadêmicos que pouco a pouco adquire sentido e consistência coletiva na proporção em que "politiza" os seus problemas específicos. É na discussão da Universidade que ressurge um movimento de discussão da sociedade, munido agora por um conjunto mais amplo e diversificado de referenciais. A questão da Universidade, nos anos 70 se constitui, em si mesma, no objeto da política, e não apenas em um espaço de exercício da política. De forma semelhante, o fenômeno de desmontagem institucional do movimento estudantil também têm sua origem vinculada, antes de mais nada, à questão da Universidade. A implementação de novas perspectivas acadêmicas pelo governo militar exige a despolitização do espaço e da instituição universitária e impõe restrições aos direitos participativos estudantis, dentro e fora do universo acadêmico. Neste caso, é partir de 1964 que vemos se desenvolver uma primeira etapa de conflitos decisiva tanto para os rumos do movimento estudantil quanto para o futuro da

54 Jornal Avesso, USP, outono de 1978, nº1, p1

Page 38: UMA AVENTURA POLÍTICA

38

Universidade. Momento em que um novo corpo de leis passa a intervir sobre a estrutura de gestão da Universidade e sobre a organização política da sociedade civil (em termos mais amplos) gerando uma outra qualidade de movimentações estudantis, mais radical pelas rupturas que se vêem forçadas a enfrentar. Momento, ainda, em que ganha lugar outros fenômenos de forte impacto sobre os estudantes e a sociedade em geral, como a redefinição do campo das especializações e relações de trabalho55, ou o desenvolvimento de uma indústria cultural que têm desdobramentos importantes sobre a produção e a circulação dos trabalhos e informações culturais da sociedade. Na segunda metade dos anos 60 é a própria Universidade que se revela alvo de um projeto econômico e político mais amplo, de forma que um acompanhamento mais atento da desmontagem da estrutura institucional do movimento estudantil nos permite identificar aspectos mais profundos da sucessão de manifestações e conflitos estudantis que tomam conta do período e que possuem, como uma de suas metas, recuperar não apenas as condições estruturais de defesa dos direitos civis, mas antes de tudo, recompôr o caráter público e democrático da instituição universitária. Em sentido complementar, com a instauração do Governo Militar em 1964 também o movimento estudantil se torna alvo de intervenção e repressão, em especial no tocante a permanência de sua organização institucional de base representativa (criada nos anos 30) que pouco a pouco perde o espaço de articulação política conquistado nas décadas anteriores e, mais do que isso, passa a enfrentar uma mudança profunda de caráter institucional - mudança que pode ser observada ao se analisar as reformulações legais contidas entre o Decreto nº 19.851 de 11 de Abril de l931 e a Lei 5540/68 (implantação da reforma universitária)56. Conforme colocamos anteriormente, o decreto nº 19.851 de 1931 dá origem a entidades "oficiais" de representação estudantil no interior das Universidades - os DAs e os DCEs - que com o passar dos anos se constituem em matéria obrigatória ao próprio reconhecimento e equiparação dos estabelecimentos de ensino superior (decreto nº 37613 de 19 de Julho de l955). No início dos anos 60, por sua vez, a lei nº 4024 de 20 de Dezembro de l961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) reafirma esta

55 Como sugere Helena Abramo em Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano. SP, Editora Página Aberta, 1994, pp. 1/53 , a juventude experimenta nos anos 70 uma problemática diferenciada de inserção no mercado de trabalho trazida pela expansão urbana (com maiores exigências de especialização do trabalho) e pela constituição e expansão de um mercado de consumo (diretamente articulado à comunicação de massas) . No caso dos estudantes, em especial oriundos de camadas sociais mais baixas, a qualificação profissional permitida pela expansão da rede privada de ensino é valorizada como uma nova perspectiva de inserção. 56 Legislação Estudantil: Coletânea de Leis, Decretos, Resoluções e Pareceres. Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Estudantis, 1980

Page 39: UMA AVENTURA POLÍTICA

39

obrigatoriedade de representação discente condicionando-a, agora, à variações estatutárias de cada Universidade (em especial nos critérios de representação e voto). Em meados dos anos 60, no entanto, a Lei nº4464 de 9 de Novembro de l964 (Lei Suplicy) altera estas atribuições - sem retirar, ainda, seu lugar na estrutura de ensino. A lei dispôe sobre as novas "finalidades" e dinâmica de representação, vetando às entidades representativas ações, manifestações ou propagandas de caráter político-partidário, além da promoção ou apoio a greves. Esta alteração de atribuições cria ainda o Diretório Nacional de Estudantes (DNE) e os Diretórios Estaduais de Estudantes - em substituição a UNE e UEEs - além de receber do decreto nº55057 de 24 de novembro novas regras de controle sobre as dotações orçamentárias das agremiações acadêmicas (a ser exercido pelas Congregações, Conselhos Universitários e em segunda instância pelo MEC). Esta sucessão de medidas, que enfim, descaracteriza o papel original das entidades estudantis, ganha no ano de 1965 uma nova diretriz na medida em que o Estado amplia seu controle sobre os regimentos das Universidades - por meio da ampliação de poder das instâncias acadêmicas, do CFE e do MEC. Por esta via, o Governo Militar adquire um maior controle sobre as Reitorias e as Diretorias de Unidade, obrigando-as a adaptar seus estatutos e regimentos à lei 4464/64. O ano de 1965, portanto, dá início à implantação de medidas que visam uma alteração mais profunda da estruturação administrativa da Universidade, condicionando os órgãos de deliberação às instâncias do CFE e MEC. A redução de direitos participativos estudantis se soma agora às alterações mais profundas da estrutra de gestão da Universidade. Diante destas medidas, podemos observar então a eclosão de inúmeras manifestações estudantis contrárias à "Lei Suplicy", em defesa da autonomia da Universidade, em recusa à intervenção na UnB e ao controle que se pretende estabelecer sobre a vida das entidades e de seus orçamentos57. As manifestações respondem também à obrigatoriedade imposta sobre as Reitorias e assume como bandeira política a defesa das liberdades democráticas. Neste mesmo ano, o XXVII Congresso da UNE (l965) delibera pela não participação estudantil nas eleições dos DAs e DCEs "enquadrados" pela Lei Suplicy, optando pela constituição dos DAs livres - a se formar fora do espaço acadêmico58. Como resposta Governamental, várias entidades são fechadas em todo o país e o decreto nº57634 de 14 de janeiro de l966 suspende por 6 meses as atividades da UNE

57 João Roberto Martins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964/1968, op. cit, pp. 87/96; Artur José Porner. O Poder Jovem, op. cit., pp. 257/267 58 História Da UNE Volume 1: depoimentos de ex-dirigentes. Op. Cit. Depoimentos de Altino Dantas e José Luiz Guedes, pp 31/53

Page 40: UMA AVENTURA POLÍTICA

40

(dando início ao processo de dissolução judicial59). Em contraposição, um novo surto de passeatas e greves (em várias cidades e Estados) repudia a implantação das primeiras medidas governamentais de reforma universitária, secundarizando a luta em defesa da democracia para denunciar o "caráter imperialista" da reforma de ensino. Neste contexto, a resistência às medidas de implantação do ensino pago (anunciadas pelo governo) converge para um repúdio mais geral da ditadura e dos projetos militares de reforma social60, sendo que o XXVIII Congresso da UNE (l966) em Belo Horizonte, contrariando a ordem de dissolução judicial radicaliza os conflitos entre estudantes e governo, optando por um enfrentamento que, efetivamente, dá ao movimento um papel de destaque no processo mais amplo de resistência anti-castelista. O Governo Militar em l967 substitui, então, a "Lei Suplicy" pelo Decreto Lei nº228 que extingue os DEEs e DNE na pretenção de restringir ainda mais o exercício da representação acadêmica. Os DAs e DCEs são admitidos com maiores restrições e controlados (conforme os regimentos) pelas instâncias internas sob fiscalização da Reitoria. A dissolução das agremiações (na prática, a opção preferencial do Governo) prevê a desocupação da sede e a convocação pelo MEC de representantes discentes isolados em lugar de entidades acadêmicas. Este ano é marcado também pela intensificação dos procedimentos repressivos no espaço público (transcendendo ao controle acadêmico). Com todas estas medidas de contenção, as passeatas conseguem ainda se intensificar, concentrando-se na denúncia sobre os cortes de verbas das Universidades, sobre as prisões, teor da política educacional do governo e repúdio à nomeação dos Reitores pelo Governo Militar (entre eles, o próprio Flávio Suplicy de Lacerda para a Reitoria da UFPa). Neste caso, em um clima de grande mobilização e repressão, o XXIX Congresso da UNE (1967) em Vinhedo apresenta um número maior de delegados em um momento no qual já se presencia um enfraquecimento estrutural do movimento originado das dificuldades de debate e eleição de representantes no espaço acadêmico. O contexto de 1967, na verdade, coloca o movimento em um impasse político: por um lado, a radicalização e disposição para o conflito (perceptível pelo teor das manifestações) consagra como linha política do Congresso a luta contra a intervenção na Universidade, pela denúncia dos acordos MEC-USAID e pelo repúdio da ditadura e do imperialismo; por outro lado, o enfraquecimento patente das mobilizações, impõe a defesa (por algumas posições políticas) da retomada das questões reivindicativas internas como meio

59 Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda, op. cit, pp. 57/58 60 João Roberto Maritins Filho. Movimento Estudantil e Ditadura Militar, op.cit., p99/102

Page 41: UMA AVENTURA POLÍTICA

41

fundamental de ampliar a consciência política dos estudantes61. Na verdade, se o movimento estudantil se acha estruturalmente enfraquecido, sua radicalização no espaço público motiva a adoção de critérios de repressão que mais uma vez visam à contenção política do movimento no interior do espaço acadêmico (Decreto 62024 que dá vez ao "Relatório Meira Mattos"), critérios estes que se traduzem em um tratamento ainda mais violento às passeatas, invasões e greves estudantis em 1968, desencadeando uma onda crescente de reações sociais62.

No ano de 1968, entre a morte do estudante secundarista Edson Luis em março e a edição do Ato Institucional nº5 em dezembro, o cenário público passa a contar com diversas movimentações sociais como as greves operárias de Minas e São Paulo e as amplas manifestações urbanas a envolver segmentos das classes médias (há pouco coniventes com o Golpe de Estado)63. O XXX Congresso da UNE (1968) é então organizado em moldes "clandestinos" em um contexto de graves radicalizações e acirramentos repressivos, pretendendo ao mesmo tempo contar com a maior participação possível de representantes estudantis64. São cêrca de 700 estudantes que se reúnem em Ibiúna nas vésperas da decretação do AI-5 e da promulgação da Lei nº5540/68 (Lei de Reforma da Universidade) para viver a "queda" deste Congresso e o início de um novo percurso repressivo que torna viável, em pouco tempo, a "desestruturação" institucional e pública do movimento estudantil associado à transformação profunda do projeto de Universidade. Entre 1964/68 portanto, o Governo Militar promove a ruptura de dois elementos estruturais do movimento estudantil: a interrupção da estrutura e dinâmica política-representativa dos diretórios (nos fóruns acadêmicos) e a proibição das práticas político-partidárias em seu interior65; o que motiva as mais intensas reações de defesa no

61 História da UNE Volume 1: depoimento de ex-dirigentes, op. Cit., pp 49/53 62 Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero. Da Universidade �Modernizada� à Universidade Disciplinada: Atcon e Meira Mattos. São Paulo, Cortez Editora, 1991, pp.19/53 63 Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes. 1968: A Paixão de uma Utopia. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1988, p 11 64História da UNE Volume 1: Depoimentos de Ex-Dirigentes, op. Cit., 81/90; Daniel Aarão Reis Filho e Pedro Moraes. 1968: A Paixão de uma Utopia, op.cit., 99/148; Tânia Gonçalves e Luiz Fernando Romagnoli. A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador. Op. Cit, pp 11/13. 65Esta situação pode ser observada na seguinte passagem de A. Poerner: "..os chamados Diretórios Acadêmicos Livres - formados a partir de agosto, depois do 27º Congresso - tinham sua eficácia algo reduzida, por serem compostos fora das Universidades, como o CACO-Livre, por exemplo, que se reunia no bar localizado defronte à Faculdade, apelidado, devido a isso - por analogia ao exílio das lideranças políticas nacionais -, de Bar Uruguai" O Poder Jovem, op. cit., p.261

Page 42: UMA AVENTURA POLÍTICA

42

espaço acadêmico e social. De forma complementar, os diversos decretos e leis conferem aspecto legal aos mecanismos repressivos estabelecidos sobre a sociedade civil. Segundo Artur Poerner:

"O Movimento Estudantil, tal como é entendido até aqui neste trabalho, foi

interrompido no Brasil em 1968, como o AI-5. Já sem condições sequer para se

reunirem nos colégios e universidades, e muito menos para saírem nos colégios e

universidades, e muito menos para saírem às ruas em passeata, os estudantes

começaram a se agrupar e a ser arregimentados em organizações de luta armada. E

partiram para uma guerra adulta, única forma de participação política que o regime

militar lhes deixara. E único caminho que eles acreditavam poder conduzi-los a

libertação do seu povo� 66

A decretação do AI-5 em dezembro de l968 possibilita a supressão de direitos civis elementares e o desencadeamento de um processo repressivo de maior abrangência. No período Médici, particularmente, este ato institucional é utilizado como mecanismo de "desmantelamento" das movimentações de resistência civil, entre elas as organizações partidárias de esquerda envolvidas com os processos de luta armada. Com relação ao movimento estudantil, o decreto lei nº477 de l969 estende as medidas repressivas mais gerais para o espaço de gestão da Universidade, de forma que os estudantes, docentes e funcionários envolvidos com atividades políticas "subversivas" são processados pela Lei de Segurança Nacional ficando sujeitos à expulsão e proibição de novo acesso na Universidade por 5 anos. Já a decretação da lei nº5540 ainda em 1968, dá início à implantação da Reforma Universitária que, antes de mais nada, altera o caráter, a estrutura e a dinâmica de funcionamento do universo acadêmico67. As Reitorias passam a ser restritas em suas atribuições e poder de decisão, condicionadas às diretrizes e órgãos de deliberação do Ministério da Educação e Cultura e da própria Presidência da República. Da mesma forma, toda a administração acadêmica se remodela para acomodar a estrutura autoritária e burocrática de caráter tecnocrático, fundamental à implantação e sentido da reforma. Com a decretação da lei de Reforma Universitária, no dizer de Luiz Antonio Cunha, ganha lugar pela primeira vez uma doutrina sistemática para o ensino superior

66 O Poder Jovem, op. Cit, pp 306/307 67 Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. cit, pp. 240/316

Page 43: UMA AVENTURA POLÍTICA

43

brasileiro; as faculdades, os institutos e as universidades, públicas e privadas, passam a receber orientações específicas de reformulação que prevêem, entre outras coisas, a implantação nos regimentos internos de procedimentos detalhados sobre a questão estudantil - da proibição de atos políticos ao veto de informações da reforma68. No mesmo sentido, cria-se uma nova estrutura de atribuições e operacionalização da reforma na qual o Estado desempenha um papel interventor69. O papel que estes novos decretos e leis possui sobre os estudantes é profundo. Os novos estatutos e regimentos definem com precisão o lugar, ou melhor o não-lugar dos estudantes nas estruturas de poder acadêmico, cabendo às instâncias de deliberação administrativa a definição de critérios de funcionamento que abarcam inclusive, o campo pedagógico70. A implantação dos departamentos - uma antiga reivindicação estudantil - se presta, nesta reforma de perfil autoritário e tecnocrático, a potencializar ainda mais o controle administrativo sobre o universo acadêmico, e de forma especial, sobre o corpo docente e discente; de forma que não apenas as Universidades públicas, mas toda a estrutura de ensino superior é modificada pela reforma e criação de novas unidades de ensino adaptadas às regras e aos propósitos educacionais de perfil tecnocrático71.

68 Pela nova lei, a representação estudantil passa a ser exercida em proporções ínfimas por alunos isolados (não pelos diretórios) e sob controle de mecanismos repressivos internos que interrompem efetivamente a dinâmica de resistência e rearticulação que até 1968 conseguira se manter viva (em especial, pela ação das organizações de esquerda). 69A lei nº5540/68, além de instituir a centralização dos órgãos de direção da Universidade, define seu atrelamento aos órgãos do Estado no que diz respeito à escolha dos altos cargos executivos (em lugar da atribuição exclusiva dos Conselhos Universitários), criação de novos colegiados superiores (com predomínio de pessoas escolhidas diretamente pelo poder executivo), multiplicação de órgãos, comissões e pareceres (que inibem a realização de mudanças), ou ainda, criação de órgãos "oficiais" de espionagem e censura que entre outras coisas, promovem triagens e fornecem subsídios para expurgos e cassações de professores, funcionários e estudantes (através do uso do decreto lei nº477/69 e do AI-5). 70 A �nova� estrutura de ensino pretende ao mesmo tempo reduzir os direitos acadêmicos (de estudantes, professores e funcionários), conter as possíveis reações (em especial, às falhas desta mesma implantação) e controlar o espaço e as condições de desenvolvimento do conhecimento. No caso estudantil, está vedado todo e qualquer ato político nos diretórios �permitidos� e no espaço acadêmico, tolerando-se apenas atividades recreativas e pedagógicas, de forma que a legislação acadêmica se torne cumprida e não discutida. Quando as atividades nos diretórios legais ultrapassam os marcos disciplinares (exigidos pela Reitoria e pelas Direções de Unidade), resta aos dirigentes dissolver o diretório e nomear interventores, o que acontecia com certa frequência. 71A Universidade estruturada até então em Faculdades e/ou Escolas de administração comum, estatuto único, autonomia didático-científica e regime de cátedra; têm seu funcionamento modificado pela entrada em cena dos departamentos, órgãos colegiados, coordenações didáticas de curso, órgãos centrais de supervisão das atividades de ensino e pesquisa, Conselho de Curadores.. órgãos diversos que se acham vinculados à administração superior. Os departamentos são entendidos como unidades de ensino, pesquisa, administração e extensão; unidades estruturais de ampla dimensão, flexibilidade, integração e máxima economia, a partir dos

Page 44: UMA AVENTURA POLÍTICA

44

As Universidades públicas ainda conseguem resguardar parte dos seus procedimentos específicos na medida em que ocorrem reações internas (ainda que comprometidas pelo sucateamento e intervenções progressivas); diferentemente das novas faculdades privadas que já nascem estruturadas por estas diretrizes. Mas as reações e os seus resultados variam de instituição para instiuição. No caso da UnB, por exemplo, a longa gestão do Reitor José Carlos de Almeida Azevedo impede a presença de diretórios estudantis pela maior parte da década; o que não ocorre em universidades como a UFMG, a UFBa e a USP que desde o início dos anos 70 possuem DAs e DCEs em funcionamento. De qualquer maneira, o contexto pós-1968 é distinto de qualquer outro período da história acadêmica e o impacto causado pela implantação do AI-5, da lei nº5540/68 e do decreto lei nº228/69 é difícil de ser medido. A prisão de centenas de lideranças e militantes de todo o país presentes no Congresso da UNE em Ibiúna permite que os órgãos de repressão estabeleça um amplo reconhecimento e que no uso de suas atribuições dê início a prisões, torturas e inclusive mortes de militantes e estudantes. Por outro lado, a "queda" de Ibiúna configura uma ruptura não apenas da condição institucional deste movimento, mas da transmissão do seu projeto e perspectiva de atuação política. Os arquivos dos Centros Acadêmicos não deixam dúvida de que a partir de então se estabelece um "vazio" acerca dos acontecimentos do pré-68; um "vazio" que se estende a períodos mais recuados como a "apagar" a trajetória de lutas políticas e sociais que teve a Universidade como objeto central das reivindicações e projetos de mudança. Através destes mecanismos de ruptura, então, é que percebemos a força desta reforma em implantação; uma reforma que é capaz de transformar, ao longo dos anos, as universidades públicas em espaços burocráticos e autoritários de transmissão do conhecimento72. De forma paulatina, vão se estabelecendo medidas internas que alteram a dinâmica e o sentido da vida acadêmica através da contenção dos recursos, do estabelecimento/reedição de medidas punitivas; de sua articulação com uma estrutura de informação e repressão (integrada à comunidade de informações), ou ainda, por meio da ampliação e diversificação de uma estrutura administrativa cujas atribuições se estendem para o universo da produção do conhecimento73. Os departamentos e unidades se "fecham"

quais se agrupam as matérias básicas de um mesmo campo de conhecimento. As matérias são desenvolvidas por meio de disciplinas, oferecidas aos alunos através de créditos, em um conjunto por princípio fragmentado e maleável conforme as condições de cada instituição (respeitando-se os currículos mínimos, definidos em esfera federal). 72 Laura Veiga. �Reforma Universitária na Década de 60: Origens e Implicações Político-Institucionais� IN Ciência e Cultura: Suplemento SBPC, volume 37, nº7, 1985, pp.86/97 73 Maria de Lourdes de A Fávero. A Universidade Brasileira em Busca de sua identidade. Petrópolis, Ed.

Page 45: UMA AVENTURA POLÍTICA

45

à participação discente (e em boa medida docente); as informações deixam de circular; estabelecem-se vínculos entre universidades públicas e empresas e pouco a pouco a questão da privatização se configura como um processo irreversível. De maneira progressiva, a dinâmica burocrática consolida uma nova prática acadêmica "amoldada" às perspectivas tecnocráticas que reforça os vínculos entre os trabalhos acadêmicos e os interesses empresariais74. Por outro lado, estas alterações também enfrentam dificuldades de implantação decorrentes das opções e percursos de reestruturação. A perspectiva de privatizar a rede de ensino superior, por exemplo, implica em diversos problemas, a começar pela pretensão de se criar novas unidades de ensino a partir de uma relação custo-benefício que não comporta a estruturação de Universidades. Neste caso, a privatização e expansão do ensino têm que se dar através da sobreposição de instituições isoladas - de faculdades - em relação às Universidades (que no início dos anos 80 conta com apenas 7% dos estabelecimentos de ensino)75, o que por si mesma estabelece heterogeneidades e tensões. De maneira correlata, o crescimento das unidades isoladas e privatizadas se concentra nas regiões econômicas de maior demanda e menor custo de instalação, o que vale dizer que se instituem redes paralelas de ensino: por um lado, de Universidades e escolas públicas (com um maior número de matrículas na região norte e nordeste), e por outro, de escolas isoladas e particulares centradas na região sudeste (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro). Segundo Carlos Benedito Martins76:

Vozes, 1977, pp. 54/82; João Batista Araújo e Oliveira. "A Burocratização da Universidade" in Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, volume 37, nº7, 1985, pp.118/132 74 No interior desta �menor fração da estrutura universitária a reunir disciplinas afins�, a burocracia universitária ocupa um lugar fundamental, organizada em escalões hierárquicos com atribuições setoriais e superiores conforme a locação e distribuição dos seus agentes funcionais na estrutura interna de poder; sendo que, entre os princípios que orientam estas funções, está o respeito à centralização de comando, a rigidez das normas estatutárias e a organização horizontalizada da divisão do trabalho. De forma complementar, a �nova� Universidade toma como princípio uma dissociação de funções entre administração e coordenação didática que permite a sobreposição e a super-representação das atividades administrativas em relação às funções docente e científica. No dia a dia acadêmico, cabe à administração superior o controle dos Conselhos Universitários e Curador que são as instâncias centrais de toda uma hierarquia de órgãos estruturados sobre os Departamentos, Comissões e Coordenações Didáticas de Curso, Centros, Institutos, Colegiados, Escolas e Faculdades, Conselhos de Ensino e Pesquisa � em uma estrutura variável conforme o grau de complexidade assumida pela Instituição. O �lugar� docente e estudantil, neste caso, é inexistente se não se fizer associado aos cargos hierárquicos. 75 Willian Saad Hossne. "Organização e administração de Universidades Federais : Fundação Universidade Federal de São Carlos". Ciência e Cultura: Suplemento. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Volume nº 37, nº7, Universidade Brasileira: Organização e Problemas, São Paulo julho de 1985, p.58 76 Carlos Benedito Martins. �O novo ensino superior privado no Brasil (1964-1980)� IN Carlos Benedito Martins (org). Ensino Superior Brasileiro: Transformações e Perspectivas. São Paulo, Brasiliense, 1989, p11

Page 46: UMA AVENTURA POLÍTICA

46

"Nas últimas décadas, o ensino superior brasileiro passou por consideráveis

mudanças. Mencionemos a este propósito, inicialmente, que ele expandiu de forma

significativa a sua capacidade de absorver as demandas de acesso que se faziam em

sua volta. O seu contingente, que não atingiu mais do que cem mil estudantes no

início dos anos sessenta, aproximava-se da cifra de um milhão e meio de alunos no

início da presente década. No contexto desta recente expansão surgiram centenas de

novos estabelecimentos que passaram a organizar-se como faculdades isoladas, em

adotarem, portanto, uma estrutura universitária"

Em termos qualitativos, esta expansão é geradora de distorções, inclusive em relação ao modelo de Universidade adotado; a Universidade pública migra de um modelo europeu de geração de pesquisa e ciência para um modelo norte americano que por diversas razões não consegue efetivamente se implantar configurando um modelo acadêmico de caráter híbrido que vai se expôr a um forte desgaste ao longo da década77. Também no campo das opções profissionais acontecem distúrbios sérios relacionados tanto com os interesses corporativos (que de forma concreta reagem às alterações desencadeadas no mercado de trabalho) quanto à questão efetiva da demanda e possibilidade de inserção. O Estado, neste caso, é forçado a intervir diretamente sobre a reserva de mercado de certas categorias profissionais e a optar por uma maior rigidez das possibilidades formativas78, em um percurso de mudanças, no entanto, que também apresenta tensão. Na medida em que o ensino de graduação passa a se constituir uma atribuição majoritária do setor particular, os segmentos privatistas adquirem maior poder de intervenção e controle da estrutura, entrando em choque com o Estado79.

O modelo privado do ensino superior brasileiro - composto de instituições hegemonicamente isoladas (faculdades) nas áreas de humanas à exatas - é complementado, enfim, pelos cursos de pós-graduação oferecidos nas universidades públicas (concebidas, apesar de tudo, como centro de produção de pesquisa científica); e neste caso, a transformação do ensino superior entre os anos anos 60/70 se dá marcada não apenas pela

77 Luiz Antônio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. cit., p.12/20 78 Raulino Tramontin e Ronald Braga. �O Ensino Superior Particular no Brasil: Traços de um Perfil� IN Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, vol. Nº37, 1985, pp 60/85 79Em 1980 as faculdades privadas já possuem 63,3% do total das matrículas do país (concentradas na região sul e sudeste) centradas em áreas de menor custo, como as ciências humanas (74,54%) e letras (65,85%), mas também em áreas consideradas nobres e de alto custo operacional, como saúde (43,32%) e ciências exatas e tecnológicas (57,24%).

Page 47: UMA AVENTURA POLÍTICA

47

expansão privada, mas por uma cisão entre as instituições geradoras de conhecimento (mantidas pelo setor público) e as instituições profissionalizantes sem este fim. Segundo Raulino Tramontin e Ronald Braga, da Secretaria de Planejamento e Secretaria de Ensino Superior do MEC neste período (1980):

"Neste nível, reside, sem dúvida, uma divisão do trabalho educacional que marcou a

expansão do ensino superior após a reforma de 1968. Enquanto as unidades federais

desenvolvem, nesse período, um esforço para construir e equipar seus campus e

consolidar a pós-graduação, as IES particulares procurariam expandir os cursos de

graduação e obter posição significativa a esse nível�80

Na medida em que este quadro de ensino superior se desenvolve podemos observar a mudança que a nova estruturação implica: trata-se, na verdade, de criar instituições de maior autonomia (com relação aos Conselhos Estaduais e Federais de Educação) e de maior maleabilidade (de tipo, porte e características institucionais) com vistas a atender a demanda social para o mercado de trabalho - o que nos ajuda a compreender a rede de habilitações que se cria81. Em relação ao corpo docente, os levantamentos do MEC do final dos anos 70 registram que a ampla maioria dos docentes são horistas com mínima titulação e baixas médias de permanência nas escolas82 integrados em uma estrutura de ensino que, no início da década de 80, é composta predominantemente de faculdades isoladas de médio porte (de 4 a 13 cursos) concentradas na região sudeste do país - em relação aos 23% de instiuições de grande porte (13 ou mais cursos) com muito poucas Universidades83. Mas, como se estabelece esta estrutura? Uma remodelação educacional deste porte têm origem com a aprovação da LDB em 1961, uma lei que "relaxa" os requisitos de criação de novos cursos retirando do Governo Federal as atribuições do setor para conferir às próprias Universidades, Conselhos Estaduais e Federal da Educação as novas 80 Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. Cit., p63 81Em 1981, são 1.421.263 alunos matriculados em Universidades (28%), federações e Faculdades integradas (18%) e Faculdades Isoladas (53,1%), nas áreas de Ciências Humanas (63%), exatas e tecnologia (23%), biologia e saúde (8,4%), letras, ciências agrárias e artes (5,6%), concentrando-se 61% das matrículas nos estabelecimentos particulares da região sudeste. 82 Estes docentes se acham �alocados� em uma estrutura administrativa que registra para o setor privado, 18 alunos por docente (e 1 funcionário para 48 alunos) e para o setor público, 8,4 alunos por docente (1 funcionário técnico administrativo para 9 alunos) � cabendo às Universidades Públicas arcar com 89% dos cursos de pós-graduação (em relação aos 11% dos setores particulares) 83 Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. cit p 65

Page 48: UMA AVENTURA POLÍTICA

48

orientações. Conforme sugere Luiz Antonio Cunha, em Escola Pública, Escola Particular e a Democratização do Ensino84, os grupos educacionais privados há muito pressionam o Estado pela abertura de frentes de investimento no setor, e agora através dos Conselhos de Educação conquistam de fato o acesso aos órgãos de direção. No período 1964/68, por sua vez, têm lugar a elaboração da nova política tecnocrática de ensino superior na forma da lei nº5540 que dá início efetivo à implantação das novas diretrizes. A partir de então, o governo autoriza (em caráter excepcional) a criação de estabelecimentos isolados orientando sua instalação segundo os distritos geoeducacionais definidos pelo MEC. O interesse pela criação de faculdades é tamanho que já em 1969 são necessários novos decretos para regulamentar a questão da demanda de forma a adequar a abertura de novas instituições às exigências de mercado de trabalho regional e nacional. Este problema se repete no início dos anos 70 quando é necessário expedir novas portarias para regulamentar o oferecimento de vagas85. O Conselho Federal de Educação (que conta com a presença dos setores privatistas) autoriza e reconhece estes cursos isolados independentemente da orientação do MEC (que têm preferências pela criação de Universidades) o que garante ao setor privado condições de expansão em detrimento do setor público limitado nesta participação86. De forma complementar, a própria demanda pelo acesso ao ensino superior atua como um elemento regulador da expansão e abre outros espaços para a educação privada como no caso dos "cursinhos" que sem autorização oficial procuram trabalhar nos limites estabelecidos entre o ensino básico e os critérios do vestibular classificatório (a funcionar como uma avaliação da formação recebida até o 2º grau). A expansão do ensino superior é tamanha que entre 1972/74 surgem novas exigências para a aprovação de cursos trazidas pela saturação de certas áreas do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que a formação de "recursos humanos" para cada "distrito geoeducacional" leva o MEC a adotar um maior controle sobre a expansão qualitativa das unidades de ensino procurando estimular o desenvolvimento da pesquisa e da extensão, enquanto tenta conter a criação de novas profissões (quando as já existentes são suficientes), rever os currículos mínimos e os planos de curso. Neste caso, o ano de 1977 aparece como um período de reorientação do processo de implantação da reforma em 84 Luiz Antônio Cunha. �O Lugar da Escola Particular Superior� in Escola Pública, Escola Particular e a Democratização do Ensino, org por L.A.Cunha, São Paulo, Cortez Editora, 1986, pp 134/139; Luiz Antonio Cunha. �Universidade: Ensino Público ou Liberdade de Ensino� in Ciência e Cultura: Suplemento, SBPC, volume 37, nº7, 1985, pp 222/226 85Maria de Lourdes Fávero. A Universidade Brasileira em Busca de sua Identidade. Op. cit, p.71 86 Raulino Tramontin e Ronald Braga. Op. Cit., pp 69/72

Page 49: UMA AVENTURA POLÍTICA

49

função dos critérios e medidas que se adota - reorientação que atinge uma fisionomia mais radical em 1982, quando a abertura de novas instituições é condicionada às necessidades sociais e à uma "efetiva disponibilidade de meios para atender à instalação, à manutenção e ao funcionamento dos cursos"87 UMA NOVA "NATUREZA" DE ENSINO

"A Reforma considera a Universidade como a forma, por exelência, do ensino

superior, admitindo a faculdade isolada como exceção. Universidade polivalente,

multifuncional, baseada na indissociação do ensino e da pesquisa, mas que pretende

abrigar, ao mesmo tempo, a formação técnico-profissional, inclusive de nível

intermediário, e as mais altas formas do saber. Concepção de Universidade, síntese

da concepção idealista e da concepção funcional� 88

A Universidade Brasileira, desde a sua criação, carrega um papel estratégico de desenvolvimento econômico, social e político através de um múltiplo papel de qualificação profissional, promoção de integração e expansão da cultura e da técnica. Ao longo do tempo, no entanto, a instituição universitária começa a experimentar um processo mais profundo de discussão crítica motivada pelo desenvolvimento urbano-industrial e pelos diferentes projetos sociais em curso, sendo que desde 1945, segundo Luiz Antônio Cunha, ganha lugar um debate mais complexo em torno da questão da "modenização" desta instituição (nos quadros do modelo econômico adotado), procurando-se repensar a finalidade, a estrutura e as leituras da sociedade. No período de vigência do nacional-desenvolvimentismo, as discussões e procedimentos de "reforma" da Universidade procuram flexibilizar a rigidez acadêmica, superar a carência de recursos e transpôr os limites colocados à produção do conhecimento no país, de forma a construir uma autonomia científica e tecnológica condizente com as pretensões de desenvolvimento econômico autônomo. Podemos observar estas preocupações na criação da UnB no início dos anos 60 que procura adotar uma mescla de modelos educacionais procedentes de diferentes experiências universitárias (inclusive a 87 Raulino Tramontin e Ronald Braga. "O Ensino Superior Particular no Brasil: Traços de um Perfil". Op. cit., p.72 88 Leonardo Prota. Um Novo Modelo de Universidade. São Paulo, Convívio, 1987, p47

Page 50: UMA AVENTURA POLÍTICA

50

norte-americana) com vistas a cumprir seus propósitos nacionalistas89. No entanto, a Universidade desde o início da década de 60 se transforma em um palco mais amplo de discussões por mudanças sociais e a questão da "modernização" acadêmica ganha concepções divergentes - de um modelo de Universidade liberal ao delineamento de um projeto de Universidade empresa - que elegem a "reforma" acadêmica como um aspecto crucial e estratégico de alteração do Estado e da sociedade. "Modernizar" a instituição implica reforçar a perspectiva de desenvolvimento autônomo do país ou consolidar uma outra perspectiva de desenvolvimento "associado" em curso 90. O golpe de 1964, neste caso, traz desdobramentos muito significativos para os destinos da reforma da Universidade na medida em que por seu intermédio os debates começam a ser alterados através de um afastamento progressivo das "alternativas" de democratização interna e social. As Universidades, quando necessário, são invadidas pelos contingentes policiais que realizam prisões e depredações em associação à destituição de diretorias e criação de "comissões gerais de investigação interna" com o poder de demitir/expurgar professores, funcionários e estudantes. Este processo atinge inclusive os fóruns de educação, entre eles, o próprio CFE. A UnB, instituição considerada modelo do período imediatamente anterior, pode ser tomada como exemplo da completa descaracterização que sofre a estrutura original de Universidade - em associação ao esvaziamento dos projetos de ensino em debate. Segundo Vinícius Caldeira Brant:

"até 64, quem levantava a bandeira da modernização da Universidade eram os

estudantes. Depois de 64, começou a haver um modelo, inclusive o MEC/USAID

entra muito nisso, de tentativa de modernização da Universidade por parte

diretamente do governo, das classes dominantes91

Para Cunha:

"A refutação do engajamento da Universidade, em nome de uma posição liberal

significava, no fundo, o engajamento implícito contra tudo o que soasse como ideário

de esquerda� 92

89 Darcy Ribeiro. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1982 90 Álvaro Vieira Pinto. A Questão da Universidade. São Paulo, Cortez, 1986, p15 91Vinicius Caldeira Brant IN A Volta da UNE, Op. Cit., p. 86 92 Luiz Antonio Cunha. A Universidade Reformanda. Op. Cit., p115

Page 51: UMA AVENTURA POLÍTICA

51

A partir de então, ganham lugar as diretrizes que entendem a "modernização" do ensino superior como a aproximação da lógica de funcionamento (e finalidade) da empresa capitalista; perspectivas que já vinham sendo colocadas pela "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional" e pelo "Plano Nacional de Educação" na primeira fase da década mas que são reforçadas de forma a orientar a Universidade a assumir, segundo Cunha:

" uma organização e avaliação em função da produtividade, da 'organização

racional do trabalho' e das linhas de comando, conceitos essenciais às doutrinas de

Frederick Taylor e de Henry Fayol"93

Na segunda metade da década de 60, portanto, a "modernização" acadêmica que começa a institucionalizada se traduz na incorporação de medidas de planejamento e integração procedentes da primeira fase da década - oriundas da participação do Brasil no Plano Decenal de Educação da Aliança para o Progresso, da consolidação de instrumentos como o Conselho Federal de Educação (criado em 1962) e da elaboração do Plano Nacional de Educação (de 1963) - medidas capazes de fornecer nos anos subsequentes, justiticativas suficientes para a presença dos acordos MEC-USAID que se constituem, na prática, instrumentos de implantação das mesmas diretrizes. O conceito de "modernização" da Universidade que agora se torna hegemônico têm ainda como pressuposto básico inserir o ensino superior na dinâmica maior de produção definida pelo capital monopolista, o que implica construir e consolidar seu entrosamento (em termos de eficácia, financiamento e prioridades formativas)94 com o universo empresarial além de se estruturar o ensino segundo os padrões centralizados de modernização/controle95. Por outro lado, obter hegemonia não significa conquistar legitimidade, em especial no interior das Faculdades e Universidades públicas e confessionais (com outras tradições) onde se encontram processos de resistência à transformação das relações de conhecimento e da inserção social/profissional do ensino superior como um todo. Esta 93 Ibidem, p. 19 94 As reformas previstas para as unidades de ensino devem respeitar 3 níveis de orientação: a racionalização de sua organização administrativa e acadêmica; a otimização dos recursos e a �democratização� do acesso � no sentido de atender e orientar a demanda educacional para os setores profissionais considerados prioritários ao desenvolvimento do país. 95Marilena Chauí. "A Democracia como conquista" IN Folhetim, 1/11/81, nº250, p.6

Page 52: UMA AVENTURA POLÍTICA

52

situação leva a que a reforma tecnocrática se veja forçada a reelaborar fundamentos burocráticos, tecnocráticos e empresariais na tentativa de conter os anseios e formas de resistência presentes no espaço acadêmico, ou ainda, "aprimorar" as estruturas repressivas com o objetivo de restringir direitos e exercícios em sua nova estrutura de gestão96. De forma particular, temos a presença de regras repressivas distribuidas pelas várias esferas internas da burocracia universitária e articuladas de maneira externa pelo MEC, regras por sua vez, que encontram meios de aprimoramento através de um sistema sutil e profundo de "acompanhamento" das ações estudantis e docentes realizado das Assessorias de Segurança e Informação (ASI) - órgãos de extensão da "comunidade de informações" nas Universidades públicas (criados no período compreendido entre dezembro de 1968 e outubro de 1969)97 - com o papel de coletar, identificar, informar e orientar os procedimentos de controle e repressão sobre as ações políticas estudantis, docentes e administrativas no espaço acadêmico, prestando-se a estabelecer um "diálogo" interno entre os vários departamentos, direções, reitorias e ministérios. A análise de documentos específicos da presença desta "comunidade de informações" no espaço acadêmico (com maiores atribuições a partir de 1972)98 é elucidativa dos procedimentos que se acham articulados à implantação da reforma tecnocrática e podem ser observados através de diferentes níveis de "captação" e organização de dados99. As informações, recolhidas a princípio pelas Guardas dos Campus

96 Com relação aos estudantes, vemos ao longo do período 1964/1979 se constituir um conjunto de normas e diretrizes relativas à política estudantil, reuniões e congressos, regime disciplinar, identidade estudantil, educação moral e cívica, desportos universitários e financiamento escolar; conjunto que procura responder à contenção dos problemas e conflitos surgidos no dia a dia da implantação desta reforma (ou ainda, das situações políticas vividas no espaço público) 97 Segundo Maria Helena Moreira Alves: "O Congresso Nacional permaneceu fechado de dezembro de 1968 a 30 de outubro de 1969, sendo também fechadas sete assembléias estaduais e municipais. Neste período, o controle do Executivo manteve-se firmemente nas mãos dos grupos que privilegiavam a Segurança Interna, isto é, os membros do Aparato Repressivo. Durante o recesso forçado do Congresso, o Executivo promulgou 13 atos institucionais, 40 atos complementares e 20 decretos-leis. Destinavam-se especificamente a institucionalizar o controle de instituições da sociedade civil. Criaram-se controles específicos para a imprensa, com estabelecimento de censura prévia, para universidades e outras instituições educativas, assim como para a participação política em geral". Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Op. Cit. p. 142 98 Segundo Maria Helena Moreira Alves: �Diretamente vinculado ao SNI são as Divisões de Segurança e Informação (DSIs), que funcionam em todos os ministérios. Encarregam-se de controlar o aparato burocrático interno dos ministérios e as áreas psicossociais específicas de que se ocupam (...) A DSI do Ministério da Educação, por exemplo, compila relatórios sobre a vida pregressa de candidatos à burocracia ministerioal e a cargos administrativos e letivos nas universidades federais e outras instituições de ensino (...) Também se vinculam diretamente ao SNI as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs), que operam em todos os ministérios civis, empresas, órgãos e autarquias de Estado, assim como em companhias sob contrato com o governo federal� in Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Op. Cit, p 99Na UnB, pudemos consultar os arquivos da guarda especial do campus, primeiro estágio de coleta de

Page 53: UMA AVENTURA POLÍTICA

53

são enviadas para a Assessoria Especial de Segurança e Informação100, a AESI, locada na Reitoria da Universidade, a partir do que se estabelece contato com as direções dos cursos e se envia informações selecionadas para a Divisão de Segurança e Informação, no MEC (regimento da AESI da UFPb em anexo). Na lógica destes documentos internos, o que torna necessário conhecer e acompanhar toda e qualquer panfletagem, assembléia, movimento de denúncia, etc. é a presença de uma dinâmica "subversiva" em curso na Universidade e que a qualquer custo se deve interromper, sendo necesssário adotar "medidas preventivas visando evitar agitação no meio estudantil". A documentação registra, entre outras coisas, as regulamentações específicas adotadas sobre as ações estudantis como a "Regulamentação de Publicações Estudantis" (promulgada em 1967 e encaminhada em 4 de maio de 1973) que considera como atividade clandestina e "ilegal" toda e qualquer publicação realizada pelos diretórios e grupos estudantis que não se encontre devidamente autorizada pela administração, dando cobertura institucional à apreensão de jornais e mimeógrafos e ao enquadramento dos estudantes responsáveis. Neste caso, a ocorrência de fatos como o "sumiço" de dois mimeógrafos da Faculdade de Medicina e da Escola de Agronomia do Nordeste em 1969 configura a presença do "plano anti-revolucionário e subversivo" na Universidade e estimula a adoção de medidas administrativas mais radicais como a organização do "Serviço Central de Mecanografia, subordinado à Chefia do Gabinete do Reitor" que define que:

"a partir desta data nenhum diretório Acadêmico deverá deter ou usar diretamente

qualquer mimeógrafo, encaminhando diretamente ao chefe do gabinete tôda e

qualquer solicitação de confecção de apostilas ou outros material a ser reproduzido,

sempre nos interesses didáticos e culturais"101

Na associação de medidas repressivas com a implantação da reforma, o fato é que a

informações realizado pelos guardas em meio às situações cotidianas, registrando-se qualquer acontecimento considerado "suspeito". Os relatórios trazem o acompanhamento sistemático dos "encontros" nos quartos da moradia universitária e no restaurante universitário (possíveis "reuniões" de caráter subversivo), dos preparativos e atividades culturais, das assembléias e debates a partir do que vão surgindo nomes de "agitadores" mais constantes, a indicação dos espaços mais visados para atividades políticas e culturais, ou ainda, o teor das posturas políticas assumidas. Estes relatórios são frequentemente acompanhados pelos documentos originais estudantis. 100 Com relação à AESI, tivemos acesso à documentação do Intituto de Ciências Humanas da UFPb; um acervo intermediário de coleta, avaliação, repase e comunicação no qual se presencia o diálogo desta assessoria com a direção do curso e a Reitoria em torno de acontecimentos políticos, informações e promulgações de decretos e medidas, solicitação de investigações, expedição de autorizações, etc. 101 Ofício nº 5, Gb/69

Page 54: UMA AVENTURA POLÍTICA

54

nova estrutura administrativa é dotada de uma maleabilidade impressionante sendo capaz de prevêr situações e alterar regras através da posse e articulação das informações. Neste sentido, a sobreposição dos órgãos de informação sobre as unidades administrativas permite que se obtenha dados de qualquer atividade desenvolvida no espaço acadêmico, cabendo às direções um papel policial e o dever de prestar contas e responder por todo e qualquer ato de irregularidade em suas unidades. Com relação aos docentes, qualquer falha a nível de produtividade ou reclamações de ordem política ou moral (feitas por alunos) são registradas e acompanhadas, o que compromete seu exercício profissional e pessoal. De maneira correlata, ocorre também um "fechamento" do território acadêmico para qualquer influência "nociva" que inclui a contratação de docentes "suspeitos", o retorno de alunos punidos com o decreto lei nº 477, a circulação de publicações, manifestos, correspondências e informações de outras universidades, ou a realização de Encontros de Área que desde 1970 são acompanhados, gerenciados e muitas vezes proibidos (em especial, a partir de 1974) pelo MEC. Em um documento do Ministro Jarbas Passarinho:

"Reconheço a delicadeza do assunto, dado que não pretendemos impor silêncio aos

estudantes, mas é preciso notar que, à falta de motivação para o movimento de

massa, as esquerdas pretendem, através da atuação aparentemente irrepreensível,

dos Diretórios Acadêmicos, chegar às reuniões de ambito nacional onde, a par dos

assuntos estritamente estudantis, se desenvolver a articulação de novas lideranças

voltadas para a subversão. Natural é que essa manobra cause apreensões e vital é,

para nós, que os propósitos esquerdistas sejam firmemente neutralizados �102

A preocupação administrativa com o teor e popularidade das "atividades culturais" desenvolvida pelos estudantes é exclarecedora destes critérios restritivos com que se trata o espaço acadêmico. Neste caso, a instauração da "Lei da Imprensa" em meados da década dá lugar à implantação da censura prévia (realizada diretamente pela polícia federal) sobre a produção cultural estudantil, ocasião em que os contingentes policiais passam a frequentar os campus universitários em concomitância à ação dos órgãos de repressão e administração acadêmica. Em documento circular da Divisão de Segurança do MEC:

"1. O movimento comunista internacional, conscio da influência exercida através das

diferentes formas de Arte, de há muito vem recorrendo às manifestações artísticas

102 Aviso reservado nº873/73/MEC de 31 de Julho de 1973

Page 55: UMA AVENTURA POLÍTICA

55

para continuar estendendo sobre o mundo sua ação maléfica; 2) Ultimamente, no

Brasil, vem alimentando o Movimento Estudantil, de cujos objetivos podemos

destacar, entre outros, a utilização de todos os meios de expressão artística, para

aliciar os estudantes incautos a favor da subversão organizada. Constitui uma das

etapas iniciais de "catequização" marxista da classe estudantil. Vale-se do teatro, do

cinema, da imprensa, da música, da pintura e dos respectivos artistas (cine-clubes,

grupos de teatro, setores da imprensa, shows de artistas,etc); 3) Convém salientar

que nem todas as manifestações artísticas, na área dos estudantes, está configurada

nesses termos ideológicos. Entretanto, é certo que muitos incidentes de ordem

artística (ou 'cultural', na expressão comum dos interessados) obedecem a um

planejamento comunista, muito embora as aparencias pareçam inofensivas, ou

louváveis. Em 1971, 1972 e 1973, ocorreram diversas concretizações do esquema

comunista, referido no item 2 acima, em algumas Universidades brasileiras.

Geralmente foram resultados da iniciativa de diretórios ou "entidades" estudantis

ilegais. Costumam justificar-se sob a capa de 'atividades culturais'. Houve casos,

inclusive, em que a renda arrecadada nos espetáculos públicos era destinada a

organizações subversivas. Como exemplo de artistas a serviço da subversão na área

estudantil, de uma forma ou de outra, citamos, entre outros, Chico Buarque de

Holanda, Nara Leão, Luiz Gonzaga Júnior, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Chico

Buarque, em 1972, realizou mais de cem apresentações para público

universitário"103

O "fechamento" universitário para tudo o que se considere "subversivo", incluindo aqui a circulação de jornais "clandestinos" como, por exemplo, o "Gol a Gol" do DCE da UFMG, a realização de atos de solidariedade na ocasião das greves (como na ECA e UFBa, em 1975), ou mesmo a presença do "Dicionário de Ouro" da Revista Coquetel de palavras cruzadas (por conter palavras impróprias); estabelece um clima de revolta e de tensão que se marca por toda sorte de repreensões, punições, cerceamentos e contrangimentos, inclusive de brigas e perseguições internas entre docentes e alunos que se valem muitas vezes da presença destes mecanismos para coibir a ação dos seus "inimigos". Este mesmo clima de tensão contribui para alargar a dinâmica competitiva e coercitiva originalmente colocada pela reforma tecnocrática, abrindo condições efetivas para o estabelecimento dos fundamentos produtivistas e empresariais de conhecimento e técnica, ensino e pesquisa.

103 Informação Circular 01/74, aesi/ufpb, 11/2/74

Page 56: UMA AVENTURA POLÍTICA

56

O DESAFIO DE SER ESTUDANTE : AS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS DE UMA TRANSFORMAÇÃO ESTRUTURAL

Através de uma estrutura administrativa "reinventada" e incorporada à dinâmica de poder cujo corpo principal está deslocado do mesmo espaço acadêmico (as Reitorias são controladas pelo MEC e pela presidência da República) torna-se posssível uma interferência mais direta dos grupos econômico (associados ao regime militar) à reforma das instituições públicas. No caso das faculdades e universidades privadas, as orientações tecnocráticas são incorporadas desde sua origem ao processo de constituição das unidades, dando lugar à formação de uma estrutura avessa às perspectivas críticas e participativas estudantis. Por mais que se pretenda a presença de estudantes nos fóruns de poder das faculdades e universidades privadas (em constituição) o lugar é restrito e condicional Com uma reforma institucional colocada em tais termos, passa-se então a ferir princípios essenciais à vida acadêmica como a troca de informações, o acesso às diferentes esferas de conhecimento e a liberdade do aprender, aspectos que se traduzem na criação de cursos seriados sem condição de livre-opção, restritos à formação profissional e desprovida de qualquer atividade de pesquisa - em especial nos Institutos Isolados e escolas privadas em proliferação. Este é o tempo, segundo Reginaldo Prandi, no qual:

"A nova Universidade para o novo capital começa a produzir gerações e gerações de

novos profissionais; uma mercadoria desvalorizada por ser produzida a custos mais

baixos, custos esses rebaixados pela apropriação do ensino pela empresa capitalista

que retira da Universidade a dispendiosa prática da pesquisa prática e aplicada;

uma mercadoria tão abundante que a oferta suplanta a procura. A desqualificação

profissional - cujo nível rebaixado não representa nenhum obstáculo para o

capitalismo imperialista - e as leis do mercado serenamente se integram" 104

Os estudantes, por sua vez, devem enfrentar neste contexto os conflitos e as contradições de uma década na qual ingressar em uma Universidade (pública ou privada) já não garante uma melhor inserção e qualificação profissional, mas pelo contrário, configura um processo de proletarização social no qual a questão da qualidade formativa se transforma em um objeto central de luta política. A "desconfiança" que os estudantes apresentam com relação ao significado real dos discursos oficiais sobre a qualificação

104 Reginaldo Prandi. Os Favoritos Degradados. Op. Cit., p74

Page 57: UMA AVENTURA POLÍTICA

57

técnica, diversificação e ampliação das perspectivas profissional oferecidas por esta "nova" universidade, ao longo de toda a década de 70, pode ser confirmada já no final da década de 70, quando Reginaldo Prandi observa a situação que os formandos enfrentam ao tentar penetrar em um mercado de trabalho saturado (em diversos setores) de profissionais de 3º grau dotados de um baixo nível de remuneração e qualificação. Segundo o autor:

"Já são figuras correntes do anedotário estudantil o taxista-historiador, a telefonista-

psicóloga, o garçon-arquiteto, o vendedor-economista, o berman-médico etc. Se

casos com estas personagens são contados com certo humor e irreverência, não deixa

de ser verdadeiro, entretanto, que o fantasma do desemprego ou da ocupação

estranha à formação universitária já corrói a anteriormente sólida base dos projetos

de vida individuais e familiares das classes médias urbanas órfãs do "milagre

brasileiro"105

Mas reagir a esta estrutura de ensino não é uma tarefa simples na medida em que a proliferação de faculdades privadas de baixos custos encontra uma certa legitimidade social ao possibilitar a entrada, pela primeira vez, de um contingente de trabalhadores que buscam no ensino superior uma melhor oportunidade de qualificação profissional, ainda que limitada pela lógica do mercado de trabalho em expansão. E neste caso, o espaço da Universidade, até então congregador e articulador de lutas políticas que associam a produção do conhecimento ao processo mais abrangente de democratização social, começa a se fragmentar para compôr estruturas isoladas, autoritárias e despolitizadas de educação que dificultam, efetivamente, os percursos mais profundos de democratização das relações de ensino e a construção de "alternativas" formativas. Por outro lado, esta fragmentação não impede a emergência de conflitos e de processos de resistência que procuram restabelecer na vida acadêmica outros propósitos, de forma que as maiores reações de descontentamento e rearticulação política se dão em torno da problemática formativa e dos limites que a reforma impõe à inserção profissional e social dos estudantes - transformados em "estudantes-trabalhadores". Com a crise do "milagre econômico", por sua vez, a situação se agrava e as reações adquirem maior intensidade e vigor conforme podemos acompanhar pelas inúmeras movimentações que ocorrem (em especial, nas universidades públicas) em relação aos cortes de verba, sucateamento da infra-estrutura, imposição do caráter autoritário e técnico de ensino, reprovações em massa e intensificação dos critérios de jubilamento. Nas faculdades

105 Idem Ibidem, p. 15

Page 58: UMA AVENTURA POLÍTICA

58

privadas, são as mensalidades e a baixa qualidade do ensino que motivam os maiores processos de luta política. Pouco a pouco, as reivindicações estudantis conhecidas como "lutas específicas" estabelecem as bases de um movimento de forte legitimidade, e mais do que isso, permitem a gestação de novas forma organizativas fundamentais à recomposição de uma perspectiva coletiva de intervenção nos desígnios da Universidade em reforma. Estas possibilidades de "reconstrução" institucional, por sua vez, se originam da associação de atividades políticas e culturais que visam a construção de uma perspectiva "alternativa" de formação, trabalho e vida no espaço da própria Universidade. No entanto, na medida em que os estudantes perdem o lugar e o papel representativo nas estruturas de poder da Universidade e se vêem obrigados a defender um lugar social através da luta pela qualificação profissional, o movimento ganha uma fisionomia mais efêmera, fragmentária e variada. No mesmo sentido, as movimentações são forçadas a criar, em um misto de temor e fragilidade, as suas novas condições de luta política. A trajetória dos diretórios acadêmicos pode ser tomada, neste caso, como referência do processo maior de transformação institucional do movimento nos anos 70 já que, por seu intermédio, podemos observar a alteração significativa dos propósitos e das estruturas políticas que se encontram presentes. Na prática, os diretórios retornam à vida política na medida em que são transformados em espaços agregadores de diferenças, em instrumentos coletivos de articulação das diferentes motivações e conflitos existentes no espaço acadêmico. E neste caso, o diretório acadêmico ocupa um lugar importante por que permite a elaboração de um corpo mais articulado de leituras e de experiências capazes de promover, inclusive, um "alargamento" de práticas políticas gestado a partir da "negação" desta lógica produtivista, burocrática e autoritária de Universidade. Por outro lado, este percurso de rearticulações é conflituoso e caracterizado pelas revisões, disputas e lutas por hegemonia em meio ao qual a perspectiva de "recriação" das entidades consiste em apenas uma das formas organizativas de movimento que se apresentam neste contexto, sendo preciso considerar que não apenas as entidades, mas outras experiências políticas e culturais estudantis, ocupam também o espaço da Universidade nos anos 70 e participam deste processo de reconstrução política.

Page 59: UMA AVENTURA POLÍTICA

59

A QUESTÃO POLÍTICA DA QUALIDADE DO ENSINO

"Após um ano de "Universidade" já se pode ver mais claramente a mentira que é essa

instituição que julgávamos ser o eldorado, o ambiente adulto, culto e até mesmo

inteligente. Não sei onde está mais impregnado o mal universitário, se no meio

estudantil ou se nos órgãos de direção. Se por um lado a gente vê uma

Superintendência Acadêmica a adotar um regime de muita ordem e pouco progresso,

trancada dentro de si, vemos por outro lado uma total alienação da maioria dos

estudantes que estão muito mais preocupados em fazer um maior número de créditos

e receber o diploma que lhe garante uma situação sócio-econômica do que pelo

menos se interessar em saber o significado de cada disciplina de seu curso e a

importância de sua carreira na vida sócio-profissional"106

Nós podemos acompanhar a recomposição das movimentações estudantis observando mais de perto a implantação da reforma em uma Universidade específica como no caso da Universidade Federal da Bahia, uma das mais tradicionais e talvez por isso, uma das mais resistentes aos percursos de mudança. A situação vivida no interior desta Universidade no início dos anos 70 esclarece aspectos importantes da relação que se estabelece entre a "vivência" dos problemas (a partir das situações provocadas pela reforma) e a reestrututração propriamente política do movimento. Segundo o Jornal do Conselho, criado por estudantes de diversas entidades da UFBa em 1972:

"A UFBa está decadente, o nível de ensino piora dia a dia (..) Neste ano o problema

continua e se torna gravíssimo. Agora o calouro e o "excedente interno" são jogados

numa competição desigual que sobretudo os divide e correm o risco de serem postos

para fora da Universidade, se não forem classificados. Portanto, a luta continua. As

experiências que tivemos em 71 serão úteis agora. Além disso, já existe um esforço

conjunto dos DAs no sentido de colocar a reforma universit´ria e mais

especificamente do calouro como a principal preocupação do DCE que se

reestrutura"107

O processo de reforma têm início com a aplicação do decreto federal nos

106 Jornal �Informe-se� do DA de Administração da UFBa, abril de 1972 107Jornal do Conselho, UFBa, 1972

Page 60: UMA AVENTURA POLÍTICA

60

primeiros momentos da nova década, de maneira concomitante com a redução das verbas para a Educação (que alcança o índice de 5,8% do orçamento)108. A implantação dos departamentos (iniciada com o decreto lei nº252 de 28/2/67) é agora complementada pelo estabelecimento de uma nova dinâmica de funcionamento acadêmico que administra de forma "racionalizada" a distribuição das vagas, matriculando os alunos em disciplinas e cursos disponíveis (não necessariamente os escolhidos) através do "Ciclo Básico". Por esta via, um maior contingente de alunos é aceito na Universidade (sem aumento de vagas) para "disputar" internamente o seu acesso ao curso em uma dinâmica limitada pelas regras produtivas e pelos prazos apertados de cumprimento das disciplinas. A repetição inevitável de muitos alunos cria os "excedentes" internos expostos agora aos critérios de jubilamento, de forma que a cada ano um número considerável de estudantes perde a vaga. A dinâmica é progressiva: aumentam-se os alunos, intensifica-se a competitividade, aumenta-se o número de reprovados (excedentes) e em seguida, de jubilados; um processo tenso que motiva a administração a recriar (ou ajustar) cotidianamente os seus instrumentos de controle de produtividade, como a deliberação pela Câmara de Graduação da UFBa pelo fim da repetição no ciclo básico, afunilando ainda mais a competição entre calouros e "excedentes" além do aumento dos jubilamentos. Esta dinâmica funcional é também agravada pelas carências infra-estruturais e pelas falhas administrativas que dificultam o desenvolvimento dos estudos e reduzem as chances de permanência dos estudantes na Universidade. Neste caso, o despreparo de aulas práticas, a falta de equipamentos, a ausência de critérios uniformes de avaliação, os desacertos entre exigências pedagógicas e carências infra-estruturais aumentam de forma imediata as chances de repetência e jubilamento; ou ainda, os cortes progressivos de verba pública que reduzem os subsídios de alimentação, transporte e moradia impõem a restrição definitiva de estudantes de menor poder aquisitivo, obrigados a buscar trabalho. De forma complementar, o clima de competitividade que se instaura pela carência de vagas é ampliado pela urgência do cumprimento das disciplinas "disponíveis" (em respeito aos prazos apertados de conclusão do curso) o que torna a permanência no espaço acadêmico (particularmente, na Universidade pública) uma tarefa ainda mais árdua do que a conquista propriamente dita de uma vaga de acesso. O estudante é compreendido pela administração como um indivíduo "em especialização" que deve cumprir as obrigações de estudo conforme o sistema de créditos e matérias que "quantifica" o seu conhecimento e aproveitamento (dentro de uma relação custo/benefício), permitindo-lhe ou não permanecer nos quadros produtivos da

108 Boletim do DEA (DA de Arquitetura) da UFBa, 1972

Page 61: UMA AVENTURA POLÍTICA

61

Universidade. Em contraposição, o que podemos observar é a formação de um conjunto diversificado de movimentações que paulatinamente passa a demarcar um terrítório de lutas políticas acadêmicas. De forma progressiva, têm início movimentos coletivos por alteração currícular, por subsídios de alimentação, transporte e moradia, de repúdio e resistência à privatização do ensino e imposição do caráter técnico aos estudos diante dos quais a administração universitária se vê obrigada a lidar com reações e proposições que de fao promovem a construção de "alternativas" formativas, ou ainda, a reconstituição de experiências e estruturas políticas, ora mais articulada, ora mais centralizadas eminentemente estudantis. A trajetória institucional dos diretórios é elucidativa deste percurso de reações e recomposições, sendo que muitas das agremiações do período pós-68 não chegam a ser fechadas, procurando-se interferir desde os primeiros momentos da década de 70 nas estruturas de gestão acadêmica. Segundo o artigo "Retrospectiva" do Jornal do Conselho, da UFBa de 1972:

"A implantação da reforma da UFBa serviu para mostrar que ela não veio para

atender aos nossos interesses culturais e profissionais, além de não atender aos

nossos interessses e de não desenvolver uma mentalidade científica, não se adapta a

nossa realidade educacionl. No ano passado, devido a esta situação geral, os

calouros por mais de uma vez levaram seus problemas às autoridades universitárias

pelas mais diversas formas desde amplas discussões em assembléias, até em

memoriais levados diretamente ao reitor pelos conselhos de representatnte de

calouros, contendo diversas reivindicações, das mais imediatas como a unificação

dos programas e critérios de avaliação das matérias nucleares, às mais sérias:

anulação da seleção específica e aumento de vagas nos cursos mais procurados. Os

DAs também usaram forma semelhante numa tentativa de abrir a discussão sobre os

problemas existentes dentro da UFBa, e que se refletiam em cada escola (..) A

resposta aos memoriais foi um taxativo não dado através da imprensa. Foram

tentadas outras maneiras de encontrar solução para a situação que se agrava (..)

Ficou provado que os únicos interessados e capazes de resolver nossos problemas

somos nós mesmos"

De fato, a necessidade de integrar o campo das decisões políticas da Universidade motiva muitos estudantes a participar dos órgãos de direção desta instituição por meio da recomposição de estruturas representativas proibidas, mas antes tudo, da superação do isolamento imposto aos "representantes discentes" - que se vêem forçados a

Page 62: UMA AVENTURA POLÍTICA

62

ocupar espaços possíveis em busca de conhecer a reforma acadêmica - condição preliminar para se fazer "reconhecer" como instrumento coletivo de participação. Por outro lado, o movimento estudantil não se restringe a este posicionamento, havendo grupos políticos que se posicionam contra esta participação nos órgãos de gestão109. O ressurgimento dos diretórios, por outro lado, partilha espaço com a constituição de outras formas de ação política e cultural no espaço acadêmico, o que significa dizer que o diretório ganha vitalidade e dinâmica na medida que se articula com discussões e experimentações mais abrangentes, transformando-se em um espaço mais aberto e comprometido com a criação de um "ambiente estudantil" alternativo de mobilizações e renovações. Nos anos 70, portanto, o diretório se recompõe como instrumento político na medida em que promove um relacionamento dinâmico e "alternativo" entre os estudantes, a administração e as atividades docentes, procurando transportar para dentro deste espaço agremiativo (tantas vezes simbólico, pela ausência de estrutura) a constituição de uma outra vida acadêmica - que mistura jogos de ping pong, grupos de teatro, bandas musicais, jornais e experiências de auto-gestão nas cantinas com a construção propriamente dita de novos currículos, atividades extra-acadêmicas e fóruns de discussão e deliberação política 110. O espaço da "entidade" renasce como um lugar de "articulação" de perspectivas "alternativas" de vivência acadêmica a partir do qual o desempenho do papel de "representação", propriamente dito, se justifica pela necessidade de enfrentar a estrutura burocrática e autoritária de gestão acadêmica. A criação de "entidades" estudantis com estes propósitos, vai além da sua oficialização ou do papel de agregação de representantes permitidos para se afirmar como partilha de uma vida acadêmica dotada de mecanismos próprios de intervenção formativa e social e que rejeita a burocratização das relações coletivas. Na verdade, a dinâmica da vida acadêmica ainda se encontra dotada de uma vitalidade cultural e política surpreendente, mesmo com todo o pêso da administração autoritária, e esta qualidade torna possível o desenvolvimento neste espaço de muitas atividades culturais "alternativas" na forma de grupos de teatro, grupos literários, experiências jornalísticas, cine-clubes, corais, grupos de estudos - que muitas vezes "passam ao largo" dos diretórios na busca de se criar novas possibilidades de estudo, troca de referências e realizações artísticas. A reestruturação do movimento estudantil nos anos 109 Como os grupos trotskistas, conforme veremos adiante. 110 Na retomada de certas atividades recreativas e culturais no interior do diretório, econtramos a presença de tendências políticas ligadas ao PCB que as entendem como elemento tático de aproximação dos estudantes do diretório.

Page 63: UMA AVENTURA POLÍTICA

63

70, neste sentido, se acha marcada por este caráter mais variado de propósitos cujo perfil se caracteriza pela construção de mecanismos não burocráticos e não autoritários de participação e gestão coletiva. A REAÇÃO À PERDA DA CONDIÇÃO DE "ESTUDANTE" COMO ELEMENTO REARTICULADOR DE UMA IDENTIDADE POLÍTICA De qualquer forma, a situação é grave e tensa, e a perda de direitos tradicionais como a gratuidade, a assistência em restaurantes, transporte e moradia ou o trato mais livre e politizado do espaço acadêmico (com reflexos importantes sobre a produção do conhecimento) configura, de fato, uma "crise" do modelo de Universidade pública de até então, trazendo sérios desdobramentos para as perspectivas profissionais e políticas dos estudantes no percurso de sua formação. A presença de mecanismos repressivos dentro e fora da Universidade constrange o desenvolvimento de discussões e movimentações mais abertas, ainda que estes mecanismos não consigam impedir que o novas reivindicações, linguagens e práticas políticas). Antes de tudo, a preocupação dos estudantes em permanecer na Universidade impõe como tarefa urgente o conhecer a reforma, necessidade que motiva um duplo movimento de "resistir" e "reconhecer", de "rejeitar" e "entender o que e o por que", com desdobramentos diretos sobre o aprimoramento das leituras (que aprendem com as experiências) e das práticas (que aprendem com as leituras). Segundo o Boletim 2 do DEA (DA de Arquitetura) da UFBa:

"o caso é que cada dia surge uma nova interpretação da legislação da Universidade.

Sem que nem mesmo os professores saibam (quanto mais nós) elas surgem e são

aplicadas arbitrariamente. E um fato interessante, normalmente com prejuízo para

nós, alunos".

A organização dos "Encontros de Área" desde os primeiros momentos da nova década registra a qualidade deste percurso político que confere a fóruns coletivos (compostos pelos diretórios sobreviventes e reestruturados) o papel fundamental de recolher informações, discutir, trocar experiências de resistência e promover articulações mais amplas entre os cursos acerca das condições e dos problemas específicos que cada área de ensino enfrenta - em especial, com relação à formação e inserção profissional.

Page 64: UMA AVENTURA POLÍTICA

64

Através destes encontros, os estudantes conseguem ter uma maior visibilidade da reforma além de obter orientações políticas a partir das experiências vividas no cotidiano de cada faculdade e Universidade específica. Este procedimento de articulação política, por sua vez, vai se somar a um percurso semelhante a ocorrer no interior de cada Universidade levado pela associação de diretórios de faculdades diferentes que também pretendem construir um movimento de perfil reivindicativo específico. Neste caso, apesar do clima de constrangimento, ganha lugar um percurso original de organização e articulação política fundamentado no reconhecimento e na resistência à reforma tecnocrática. Em documento do DCE da UFBa, de 1973, podemos ler:

"as experiências vividas no ano passado, principalmente com a luta do ciclo básico,

nos ensinou a buscar sempre, através de uma análise geral da situação do país, as

verdadeiras causas dos problemas que enfrentamos, mesmo que estes se apresentem,

aparentemente isolados de todo um contexto. Somente assim veremos que a redução

de vagas não é um fato tão ocasional como possa parecer".

A possibilidade de produzir outras leituras e respostas práticas (de maneira concomitante) às diretrizes excludentes do regime militar e da reforma do ensino têm parte do seu sucesso baseado na dinâmica rápida de circulação das informações, assim como na criação de novas linguagens participativas nos diretórios que associam às mesmas avaliações e diagnósticos uma dinâmica democrática de trocas de informações, experiências e procedimentos fundamentais à "reconstrução" coletiva do movimento. Através desta dinâmica participativa, as movimentações mais pontuais ganham articulação e passam a se integrar em projetos mais amplos como de defesa da Universidade pública, o que torna possível em poucos anos a gestação de um certo "contra-discurso" da reforma capaz de, em vários aspectos, ensaiar uma avaliação mais crítica da natureza do Estado autoritário, além de promover movimentações significativas em prol da democratização da sociedade. Os documentos produzidos nos Encontros de Área dos primeiros anos da década já identificam com precisão as diretrizes de caráter empresarial e tecnocrático que se acham presentes na reforma do ensino, e mais do que isso, visualizam de maneira crítica o significado político do discurso "técnico" utilizado pelo Governo Militar no momento em que procura promover transformações econômicas e sociais mais profundas. Em diversos relatórios, podemos acompanhar a constatação da ausência da pesquisa e da produção do conhecimento nos currículos de graduação (dos mais diferentes cursos) como um aspecto crucial desta reforma "desqualificadora" e despolitizadora dos percursos formativos, assim

Page 65: UMA AVENTURA POLÍTICA

65

como acompanhar uma avaliação crítica do problema de vagas, do financiamento e gestão administrativa dos cursos - o que nos permite considerar que muitos dos conflitos estudantis que se instauram nos primeiros anos da década nascem de uma percepção profunda das mudanças acadêmicas em curso. No Relatório do Iº Encontro Nacional de Estudantes de Economia, realizado em Salvador em 1972, encontramos as seguintes afirmações:

"Podemos verificar que a nova estrutura proposta está em nítida correspondência

com as necessidades geradas pelas modificações havidas na estrutura sócio-

econômica do país. A nova estrutura universitária sugere maior nº de vagas, menores

custos por capital, maior produtividade no sistema de graduação e também sugere

pontos extremamente negativos e perigosos para o desenvolvimento da nossa

Universidade (..) A R.U, ao orientar-se para um determinado tipo de ensino

universitário demonstra claramente o interêsse de formar profissionais que atendam

às necessidades do modelo de desenvolvimento econômico adotado. Por outro lado

demonstra também uma decisão de não possibilitar a formação de um espírito crítico

e inovador, que pudesse promover i investigações científicas. De fato há uma

tendência acentuada em transformar a Universidade em empresa a partir do

momento em que ela se preocupa em formar seus alunos mais rapidamente a custos

mais baixos, características essencialmente comercial ou empresarial" 111

Podemos ler no documento intitulado "Conclusão" do Iº Seminário Nacional de Engenharia, de 1973:

Um estudo dos currículos da área tecnológica revela a existência de disciplinas

voltadas unica e diretamente para o atendimento das necessidades técnicas do ciclo

profissional. Na verdade a expressão é exatamente esta: "disciplinas voltadas para',

o que não significa que realmente elas cumpram essa tarefa. Ou seja, uma parte do

principal objetivo, 'dar ao estudante uma visão humanista', fica inteiramente anulada

pela rigidez dos curriculos e pela concentração quase exclusiva, em disciplinas

técnicas. E a visão científica? Na verdade o que existe é uma 'visão' técnica,

adquirida durante o primário, secundário e reafirmada na Universidade� 112

111Iº Encontro Nacional de Estudantes de Economia. Salvador, 23 a 28 de Outubro de 1972. Diretório Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBa, pp.6/8 112 Iº Seminário Nacional de Engenharia. Conclusão. São Paulo, novembro de 1973, promoção dos CAs de Engenharia de São Paulo, p3

Page 66: UMA AVENTURA POLÍTICA

66

Também no "relatório Final" do Iº Encontro Nacional de Estudantes de Administração, de 1974, encontramos as seguintes colocações:

"Temos hoje uma Universidade que, engajada em uma política imediatista para

formar profissionais, a curto prazo, para o mercado renega o incentivo à pesquisa e

ao desenvolvimento crítico da realidade que representa, baseando-se em modelos

estruturais prontos e importados para o seu funcionamento (..) Altamente

influenciados pelo enfoque da Administração Clássica (Taylor, Fayol, etc) que

enfatiza o lucro econômico e desconsidera a relação da organização com o meio

ambiente, os currículos de Administração apresentam-se alheios à realidade social

(..) Empregando uma metodologia desatualizada comaulas teórico-expositivas,

afastadas da realidade brasileira, apegados à história da Administração,

desmotivados pelo baixo nível salarial, os professores tem revelado uma falta de

consciência de seu papel de comunicar conhecimentos que permitam ao estudante ter

uma visão crítica da sociedade e das organizações"113

Ou ainda, no documento "Conclusão" do Encontro dos Estudantes de Física, realizado em 1975:

"..a política educacional visa, sobretudo, favorecer os interesses do capitalismo,

atendendo às exigências do mercado de trabalho e enquadrar a educação dentro dos

novos critérios de segurança nacional. É a partir deste contexto, que se pode

cmpreender as novas diretrizes da política educacional: a conceituação da

universidade como empresa, a valorização da iniciativa privada nos setores ligados

ao ensino, com a consequente desvalorização da função educativa do Estado, a

substituição do ideais da gratuidade do ensino superior pelo da lucratividade, a

ênfase dada à formação tecnológica em detrimento da humanística, a subordinação

dos ideais de liberdade de expressão e de cátedra ao novo ideal de segurança

nacional� 114

Nos documentos dos Encontros de Área encontramos também, de maneira

113Iº Encontro Nacional de Estudantes de Administração. Salcador, 27/10 a 01/11/74. Relatório Final. Promoção: Diretório Acadêmico da Escola de Administração da UFBa, p.3/9 114 Encontro dos Estudantes de Física. Conclusão. Belo Horizonte, julho de 1975, p.5

Page 67: UMA AVENTURA POLÍTICA

67

generalizada, considerações sobre o papel que a administração possui - e exerce - no curso da implantação e cumprimento das diretrizes tecnocráticas; seu papel político entre as instâncias de poder acadêmico e a importância que têm como elemento "desmobilizador" das ações estudantis. Segundo o relatório do Iº Encontro Nacional de Estudantes de Economia (1972):

"Por volta de 67 o Ministério da Educação e cultura encomendou vários estudos

sôbre a Universidade, dos quais se destaca o célebre relatório ATCON, que pode ser

considerado o documento que dá "As luzes" para a concepção geral da R.U. que vem

sendo implantada. O Sr. Atcon (pedagogo norte americano) partindo da premissa do

grande aumento das vagas na Universidade, chega à conclusão que deve-se

encontrar uma estrutura universitária que proporcione: - Abaixar os custos por

aluno na Universidade, seja por aproveitamento da capacidade ociosa, seja pela

utilização mais eficaz dos recursos existentes, - Uma maior flexibilidade que facilite a

integração das grandes áreas de conhecimento necessários ao estudante moderno

(departamentalização, unidades profissionais e não profissionais, institutos centrais,

etc.) (..)Parece-nos que as adaptações feitas e já previstas pelo Sr. Atcon em seu

relatório, não vieram retirar da R.U. o sêlo de sua concepção original. Ocorre,

entretanto, que o nível administrativo ao lado da estrutura formal estabelecida em

regimentos e estatutos, coexiste uma estrutura informal que verdadeiramente opera.

esta estrutura informal, construida expontâneamente (sic) da luta da nova e antiga

estruturas, assume características distintas de acôrdo com as circustâncias e

correlação de fôrças em cada unidade. Em algumas, a direção da escola combina

com os antigos prerrogativos inexistindo praticamente o colegiado de curso, noutras

o colegiado de curso é ativo mas os departamentos não desempenham as suas

funções, noutras ainda as secretarias da escola combinam em ampla atividade

permanecendo assim como as verdadeiras secretarias de curso"115

Os departamentos, definidos como unidade de "administração" da Universidade, integram, no olhar estudantil, as bases de uma estrutura centralizada de poder que consegue com frequência pulverizar as pressões nas unidades através da proliferação de comissões e conselhos de poder restrito. Os docentes "alocados" nestes departamentos (em geral como "horistas") têm muitas vezes participação e interferência limitada, o que indica que são as deliberações funcionais (e políticas) da administração que determinam a

115Iº Encontro Nacional de Estudantes de Economia. Op. Cit. p5/9

Page 68: UMA AVENTURA POLÍTICA

68

dinâmica do universo pedagógico, a cessão e uso dos espaços, a circulação das informações e acima de tudo, as deliberações internas dos cursos. No documento "1º S.N.E: Contribuição do Grêmio Polítécnico" (1973), encontramos as teses deste diretório para o Iº Seminário Nacional de Engenharia, entre as quais podemos destacar a seguinte passagem:

Hoje em dia torna-se cada vez mais comum o fato de decisões que nos

afetamenquanto estudantes, cidadãos ou maioria da população, serem tomadas sem

que sejamos chamados a participar. Enquanto estudantes essas decisões são tomadas

em vários níveis, sem que sejamos ouvidos. Ao nível da política educacional do

governo, por exemplo, a Reforma Universitária, já elaborada sem participação

alguma de estudantes e da maioria dos professores, vem sendo implantada no mesmo

estilo autoritário. Por um lado esta Reforma influi na nossa formação profissional

através da filosofia que orienta, voltada, no dizer das próprias autoridades de ensino,

às necessidades imediatas das empresas. Por outro lado, a aplicação da reforma de

cima para baixo, com desconhecimento de toda uma realidade, trouxe-nos uma série

de problemas ainda não resolvidos, tipo pré-requisito, curso semestral, sistema de

créditos, etc.(..) Mesmo ao nível Universidade e das Escolas são tomadas uma série

de decisões das quais estamos também marginalizados. A determinação dos

currículos, a fixação de critérios de aprovação, métodos de aula, etc., ou mesmo a

escolha dos dirigentes universitários, bastante elitizada, carecem de uma

participação estudantil � 116

Segundo o Encontro dos Estudantes de Física (1975):

"..o poder decisório dos estudantes é quase nulo. Uma participação que não permite

a discussão ampla e livre até as últimas consequências, das causas mais profundas

dos problemas que vivemos contribui nõ para a sua real solução e sim para soluções

imediatistas e reformistas, que contribuem apenas para o aumento da eficiência do

sistema imposto"117

No entanto, o enfrentamento desta "burocracia" acadêmica é difícil na medida em que o acesso aos fóruns e às suas deliberações é ínfimo, o que significa permanecer exposto às regras e condições de vida acadêmica, determinados por esta

116 Iº S.N.E.: Contribuição do Grêmio Politécnico 1973. Grêmio Politécnico/USP, 1973, p1 117Encontro dos Estudantes de Física. Op. Cit., p.13

Page 69: UMA AVENTURA POLÍTICA

69

instância. A leitura crítica da reforma, neste caso, vai ser interpretada como condição fundamental e preliminar à articulação das respostas cotidianas e à acumulação de soluções de enfrentamento das regras administrativas. Podemos ler no Jornal do DAFA (DA Arquitetura) da UFRGS, de 1973, um relato dos resultados do II Encontro Nacional de Escolas de Arquitetura (ENEA), realizado em 1972:

"Tendo sido constatada a falta de força representativa dos estudantes, deve-se criar

ou reforçar a representação existente por meios legais, através de um trabalho que

vise despertar a tomada de consciência frente à real estrutura da universidade

brasileira. Dentro disto, é proposto: - um conhecimento mais profundo por parte dos

estudantes da reforma universitária e suas manifestações. - tornar mais ampla, ativa

e direta a participação do aluno na condução do curso, incrementando a

representação nos órgãos colegiados da escola. - promover a integração e a luta

comum das outras unidades pelos objetivos comuns. - criar atividades ligadas a

cineclubes, jornais, palestras, grupos de estudo para a criação de um clima de

trabalho e estudo"

Esta deliberação pela constituição de grupos e atividades de estudo acerca da Reforma da Universidade (e de sua estrutura de implantação) é generalizada a partir de 1972 entre os diversos movimentos de área e se confunde, inclusive, com a definição de procedimentos coletivos de "enfrentamento" da mesma situação de exclusão política. Com o passar dos anos, as estratégias de luta política conseguem ampliar a participação e o envolvimento dos estudantes nos fóruns consentidos e mais do que isso, a promover uma radicalização dos conflitos a partir de questões corriqueiras dando início a um processo mais intensivo de greves e de manifestações coletivas. De forma complementar a confluência e intensidade destas movimentações permite que os estudantes passem a buscar apoio no espaço público em um momento no qual as perspectivas trazidas pelas lideranças organizadas já apontam para uma luta por transformações mais profundas da sociedade e do Estado autoritário. A intensidade destas dinâmicas, por sua vez, diferenciam as movimentações da primeira e da segunda fase da década - sempre fundamentadas nos conflitos acadêmicos e na busca de apoio em defesa da Universidade.

Page 70: UMA AVENTURA POLÍTICA

70

A "RECONSTRUÇÃO" DO MOVIMENTO ESTUDANTIL

"Entre l970 e 1976, a UnB foi toda construída, organizada e institucionalizada; nesse

período foram feitas mais de 75% das construções; mais de 75% dos equipamentos e

materiais bibliográficos datam dessa mesma época em que também se reconheceram

todos os cursos e foram contratados mais de 75% do pessoal hoje existente. Nesse

período a UnB não possuía diretório e não conheceu nenhum problema discilplinar.

A partir da data em que teve de cria-lo, a UnB não conheceu mais tranquilidade. A

própria greve do ano passado foi coordenada pelo Diretório�118

Se nós observarmos em termos mais abrangentes a década de 70, poderemos detectar a presença de momentos e projetos diferentes de articulação política a definir o percurso mais amplo dos acontecimentos. Na prática, são propostas e procedimentos organizativos distintos que imprimem uma coloração especial às dinâmicas de transformação deste percurso. Em termos mais abrangentes, podemos distinguir duas fases diferentes de articulação marcadas ainda pela existência de dimensões específicas de motivação que frequentemente se associam e interferem na construção do movimento. Entre 1970/1975, fase imediatamente posterior à decretação da "insolvência" das estruturas institucionais estudantis pela repressão generalizada às militâncias e alteração profunda da dinâmica de funcionamento acadêmico, vemos se desenvolver um conjunto de movimentações de resistência que têm como ponto central de motivação e articulação as condições de ensino. Neste momento, é o enfrentamento de situações críticas relacionadas com a qualidade formativa o que motiva uma recomposição política através da articulação de atividades cotidianas - que inclue a definição de estratégias de resistência e interferência junto à estrutura de gestão da reforma tecnocrática. Os jornaizinhos, folhetos e panfletos produzidos em grande quantidade pelos diretórios desta fase trazem referências de diversas mobilizações em várias universidades que nos permite, inclusive, recompôr um quadro de acontecimentos e articulações (ver cronologia em anexo). De forma semelhante, os documentos recolhidos nos Encontros de Área nos permitem detectar aspectos importantes que este movimento adquire a partir da discussão da reforma universitária.

118 José Carlos de Almeida Azevedo. �Escolas para Contestar� in A Defesa Nacional. Revista de Assuntos Militares e Estudos de Problemas Brasileiros. Rio de Janeiro, ano 65, nº 677, 1978, p42

Page 71: UMA AVENTURA POLÍTICA

71

Entre 1975/80, por sua vez, as movimentações estudantis ganham um outro perfil na medida em que se consolidam fóruns de deliberação e organização mais centralizados e fundamentados em bases político-representativas herdadas (ainda proibidas). Neste período, então, a "reconstrução" das instituições do movimento se traduz na recomposição de estruturas hierárquicas que possue como espaço de articulação os "DCEs livres", primeiro passo para a reorganização das UEEs (a partir de 1977) e da UNE, em 1979. Em ambos os períodos, as organizações clandestinas de esquerda se encontram presentes e desempenham um papel importante de recomposição política. Conforme procuraremos observar, muitas organizações já possuem uma trajetória anterior de lutas, embora neste período, sua herança política se encontre em revisão119. De qualquer forma, desde o início da década temos referências da atuação de militâncias organizadas nos diretórios, sendo que a partir de 1973 já identificamos a formação de "chapas" políticas em diversas Universidades. Entre 73 e 75, ocorre a formação de agrupamentos mais numerosos e dotados de uma perspectiva mais abrangente de atuação organizada no movimento em recomposição, o que possibilita, pouco a pouco, que as militâncias deixem a clandestinidade para assumir um lugar mais visível como "tendências" políticas (como a Refazendo, a Caminhando, a Liberdade e Luta, entre outras na USP). Enquanto tendências políticas, por sua vez, as organizações clandestinas vão estender e sobrepôr uma atuação vanguardista à dinâmica mais elástica e coletiva das agremiações e experimentações coletivas da primeira fase, reorientando o exercício político do movimento segundo a compreensão e dinâmica da relação vanguarda/massa vigente entre estas mesmas organizações. Na prática, o que ganha forma é uma atuação política (re)orientada por níveis de "consciência política" e por instâncias hierárquicas de "massas avançadas", direção de tendências e vanguardas clandestinas, com profundas repercussões sobre a dinâmica participativa do movimento estudantil dos primeiros anos.

119Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá (org). Imagens da Revolução: Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985, p.7/22; Daniel Aarão Reis Filho. A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990; Marcelo Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993, p26/72, 256/276; Antonio Ozai da Silva. História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas). São Paulo, Proposta Editorial

Page 72: UMA AVENTURA POLÍTICA

72

Neste caso, o fortalecimento das organizações clandestinas por meio da constituição de tendências políticas - processo que se confunde com a trajetória mais ampla de rearticulações políticas experimentadas pelo movimento nesta fase - é promotor da "reconstrução" de agremiações e fóruns de caráter mais centralizado e hierárquico de movimento (em especial, as entidades gerais) no bojo das quais as tendências organizadas procuram ocupar suas "direções" com a perspectiva de "dirigir" e "canalizar" as motivações estudantis para projetos e proposições que consideram urgentes e "consequentes". Em sentido complementar, tanto os diretórios quanto os fóruns mais amplos de movimento têm seus mecanismos internos de gestão "verticalizados", dando lugar à "reconstrução" de uma hierarquia de instâncias e entidades que procura centralizar as deliberações coletivas. Trata-se, a partir de então, de conferir ao movimento, diretrizes centralizadas e "corretas" de luta política, em um contexto, inclusive, de agravamento das condições de ensino (nas universidades públicas e privadas) e de afloramento de uma crise econômica responsável pela eclosão de greves e manifestações de rua de outros setores sociais. Nestas duas fases de reestruturação, por sua vez, encontramos dinâmicas diferentes de discussão e articulação política. Na primeira fase, os chamados "Movimentos de Área" assumem o papel mais significativo, tendo suas bases estruturadas nos DAs e CAs de um mesmo ramo profissional que anualmente se reúnem em Congressos regionais e nacionais para criar e articular procedimentos políticos com base em projetos específicos de intervenção educacional. Por esta via, encontramos uma perspectiva de articulação política que poderíamos considerar como horizontal. Durante os encontros, os representantes estudantis de diversas faculdades compõem comissões e assembléias que se voltam a discutir e trocar experiências relacionadas com a melhoria do ensino e das condições/perspectivas de inserção profissional. Na finalização de cada congresso, o conjunto das deliberações retorna às Faculdades e passa a articular (e fortalecer) os mecanismos de enfrentamento dos problemas acadêmicos. Em alguns casos, estes fóruns dão origem à instituições civis de caráter nacional como a FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil) e a DENEM (Diretório Nacional dos Estudantes de Medicina); que procuram intervir nas condições de ensino e inserção profissional destes setores.

Page 73: UMA AVENTURA POLÍTICA

73

Em sentido paralelo, temos a partir da segunda fase da década a consolidação de um projeto verticalizado de "reorganização" institucional do movimento que prevê a reestruturação das entidades civis destruídas, as UEEs e a UNE. Esta perspectiva vertical carrega como projeto a recomposição de um movimento de bases político-representativas e dinâmica partidária que confere às tendências um papel hegemônico de organização política. Por esta via, pretende-se resgatar o lugar de intervenção social do movimento estudantil na sociedade mais ampla a partir do que se promove a criação de novos fóruns e instâncias de movimento: os Encontros Nacionais de Estudantes (ENEs), os Conselhos de Entidades Gerais (CONEGs), a Comissão Pró-UNE. Estes processos de articulação política são concomitantes e possuem como ponto de contato os próprios diretórios acadêmicos que desempenham um papel fundamental em ambos os processos - ainda que por caminhos e perspectivas de luta política diferentes. Cada um destes "caminhos" possui finalidades políticas próprias conforme podemos observar junto ao projeto de "reorganização" vertical das entidades que almeja a recomposição de uma estrutura de direção para o movimento como um todo; distinto das perspectiva dos Encontros por Área que visam a conquista de uma articulação entre reivindicações específicas e imediatas, circunscritas às problemáticas concretas dos ramos de ensino e suas realidades profissionais. A distinção destes percursos, aliás, é tão marcante que no discurso político de algumas tendências chegamos a encontrar a afirmação de que o movimento estudantil se encontra cindido internamente em dois campos de luta: o de "lutas gerais" e de "lutas específicas", situação que na ótica organizada, configura uma dispersão e imaturidade política dos estudantes, ou ainda, a rejeição - em nome de interesses "específicos" - do cumprimento do papel histórico deste movimento. De qualquer maneira, próximos ou não, a riqueza destes percursos e de seus cruzamentos e associações é marcada por uma surpreendente variedade de experiências e criações coletivas na forma de greves, manifestações, passeatas, assembléias, invasões, recomposição de entidades acadêmicas e civis proibidas, entre outras, que no entanto, tende a perder força na medida em que os elementos identitários deste movimento se dispersam em meio ao fenômeno mais profundo de transformação da Universidade, ou ainda, no bojo dos conflitos internos que também se instauram entre estas esferas. Neste caso, apesar da dinâmica e da qualidade destes percursos em suas lutas e resistências, este momento é marcado por uma fragilidade intrínseca relacionada diretamente com a gravidade e profundidade das questões em pauta.

Page 74: UMA AVENTURA POLÍTICA

74

A PRIMEIRA FASE DA DÉCADA: 70/75 Se nós observarmos com maior atenção a primeira fase da década de 70 poderemos constatar que é nela que se "ensaia" a construção de um contra-discurso da reforma da Universidade e que por baixo do aparente contexto de "vazio" político se esconde uma luta pela recriação da dinâmica democrática do movimento estudantil fundamentada na participação coletiva e na releitura crítica dos proceitos burocráticos e autoritários de formação acadêmica pretendidos pela Reforma da Universidade. Apesar de não se poder encontrar neste período a emergência de mobilizações e de processos de radicalização política do porte dos acontecimentos de 64/68 ou 75/80, é neste momento que o projeto de Universidade se torna mais uma vez objeto central de um percurso crítico e coletivo de reflexões e aprimoramentos. Antes de mais nada, é preciso considerar o quanto o Diretório Acadêmico volta a se constituir parte de uma movimentação mais ampla de construção de "alternativas" de vida acadêmica como um instrumento de participação estudantil nos problemas e soluções da Universidade; ou ainda, um espaço importante de luta pela permanência e aprimoramento dos estudantes na Universidade. O diretório se transforma em um mecanismo de acesso às informações da reforma acadêmica e quando possível, em um instrumento de participação que repudia esta "despolitização" do ensino em nome da ditadura da "técnica". Conforme podemos observar em um fragmento do Boletim do DEA (DA Arquitetura da UFBa) de 1972:

"As experiências nos mostram que cada vez mais é preciso que o estudante participe

das decisões que são tomadas para a sua formação. É preciso que se fortaleçam os

órgãos que podem levar, de uma maneira organizada, nossas reivindicações.

Problemas únicos que exigem posições únicas. Os Diretórios estão encaminhando a

reestruturação do Diretório Central dos estudantes. Seus estatutos já estão na

Reitoria para ser aprovado. Temos direito também a dois representantes no Conselho

Universitário - o que é um número pequeno diante da grande população

universitária que somos� 120

O resgate do ideal participativo, por si só, vem em resposta aos mecanismos autoritários de gestão que imperam neste espaço de ensino e na sociedade em termos mais

120 Boletim do DEA, DA de Arquitetura da UFBa, setembro de 1972

Page 75: UMA AVENTURA POLÍTICA

75

amplos, de forma que através dos diretórios procura-se reagir a problemas concretos e graves como a carência dos materiais e das verbas, ao controle do espaço e das informações ou a toda sorte de dificuldades que compromete a permanência e o futuro destes estudantes, dentro e fora do espaço acadêmico. No Boletim 2 do DEA da UFBa de 1972 podemos ler:

"A Universidade têm leis muito drásticas para expulsão, por irregularidade nas

matrículas, que nós desconhecemos totalmente. Mais uma vez se confirma: os alunos,

os principais interessados, são os últimos a saber das coisas deliberadas nas

instâncias superiores, no entanto, os primeiros a sofrer as consequências das

deliberações tomadas sem a nossa participação"

Mas como recuperar uma dinâmica associativa em um contexto tão constrangedor e competitivo? A revitalização destes diretórios como instância coletiva começa exatamente através da recomposição de um ambiente lúdico e alternativo marcado pela organização de festas, pelo desenvolvimento de atividades artísticas e pela articulação de grupos de estudos sensíveis às questões colocadas no cotidiano das salas de aula. O diretório, na verdade, ganha vida e significado na medida em que se afasta do caráter meramente administrativo imposto pela reforma para assumir um lugar de "entidade": um espaço especial que com todas as carências e restrições se transforma, pouco a pouco, em um ambiente coletivo, afirmador de ações políticas e da necessidade de se enfrentar os problemas em nome de se constituir perspectivas alternativas para esta mesma vida acadêmica na Universidade. Podemos ler na carta programa do DA do ICEX/UFMG:

"concebido como um meio de oferecer aos alunos a possibilidade de escolherem e

criarem livremente, fora dos esquemas pré estabelecidos. Se alguns de vocês estão

lembrados, este era também o programa da diretoria eleita em 72. A novidade reside

no fato de acharmos que não se pode oferecer como opção a um sistema pré

estabelecido um esquema pré estabelecido; mas sim uma real possibilidade de

trabalho livre o mais possível de qualquer bitolamento. Esquecer que o DA faz e

adotar : Os alunos fazem"

No jornal Informe-se do DA de Administração da UFBa, de 1972, encontramos um relatório de atividades da gestão 1971/1972 que exclarece o quanto o projeto de "reconstituir" o diretório se associa com o esforço coletivo de remontar uma condição de intervenção nos fóruns acadêmicos, ou ainda, de criar uma perspectiva de vida cotidiana e de trabalho contraposto à lógica de desqualificação e empobrecimento imposta

Page 76: UMA AVENTURA POLÍTICA

76

pelos percursos de formação. O relatório fala em "administração coletiva" da cantina, na importância da sala de pingue pongue, do jornalzinho, do mural e dos filmes que levantar recursos próprios para a criação de um espaço comum de vivência e de discussão política em prol da melhoria do curso e da construção de mecanismos mais críticos de interferência no mercado de trabalho. Entre as preocupações deste relatório encontramos ainda uma discussão sobre a "desumanização" do exercício profissional pretendido pela lógica produtivista e autoritária do mundo acadêmico que os leva a afirmar:

Assistimos à maior programação já vista, dos nosso desejos, dos nossos costumes, do

nosso pensamento"121

Neste caso, se para a administração acadêmica os diretórios são componentes da sua estrutura funcional - como uma agremiação de caráter associativo e recreativo regida por normas estatutárias específicas e articulada à dinâmica tecnocrática mais abrangente em implantação -; para os estudantes, eles aparecem como um mecanismo de "enfrentamento" desta mesma lógica administrativa, como um mecanismo de associação de esforços cotidianos capaz de intervir nos mecanismos de gestão, nas condições de estudo e uso do espaço acadêmico. O diretório, portanto, se configura como um instrumento político na medida em que se identifica com os problemas efetivos da formação e inserção profissional colocados no interior da Universidade, ou ainda, em que se configura como um espaço de discussão crítica e luta política pela sobrevivência "qualitativa" desta instituição, formação e inserção dos estudantes na sociedade. A defesa de uma dinâmica e significado representativo para o diretório, por sua vez, vem como decorrência deste projeto maior de resgate das condições de qualificação. No fragmento do Jornal do DEA" (DA Arquitetura da UFBa) de l972, podemos ler:

"Quem é mais antigo nesta escola ainda deve estar lembrado da matrícula de 71. pra

poder resolver o mangue generalizado, pela primeira vez em alguns anos, foram

eleitos representantes de turma. Foi como uma consequência de todas essas coisas

que ainda nesse ano surgiu o diretório. Ano passado uma turma de 28 alunos ficou

ameaçada de atrazar-se no seu curso por faltarem professores (..) A partir de uma

mobilização de turma, da escola e uma atuação coordenada com a representação

estudantil foi possível superar o problema (..) de nada adianta ter um representante

de departamento por exemplo ; se ele simplesmente assiste as reuniões e vai embora

121 "Atrás do Espelho" in Informe-se, DA Administração da UFBa, 1972

Page 77: UMA AVENTURA POLÍTICA

77

não tendo uma ligação maior com os estudantes ligados a esse departamento.

Porisso, neste ano, a partir de todas as críticas e se baseando em algumas sugestões,

é hora de mudar. Agora vamos ter eleições aqui na escola; precisamos dar o sentido

real a este cargo, seja na escolha dos acandidatos, na elaboração de um esquema de

trabalho e na confiança do voto, participando com eles no desenvolvimento de um

programa que a gente deve elaborar"

De forma complementar, trata-se de recuperar o papel político do diretório diante dos órgãos de gestão da Universidade, o que é possível através de uma rearticulação dos representantes estudantis oficiais de curso (eleitos de forma "isolada") com o percurso de recomposição coletiva da "entidade" (proibida de exercer atividades político-representativas). A princípio, os alunos que se acham encarregados pela Universidade de expressar os interesses do "corpo discente" começam a repassar as informações colhidas nos órgãos de gestão para um maior número de estudantes através do diretório, o que lhes permite desempenhar um papel coletivo de "representantes", ao mesmo tempo em que os diretórios readquirem o papel, ao menos, de "promotor" da representação. Com o tempo, ambas as atividades se confundem e o diretório consegue "puxar" novamente para si o papel de representação "oficial" dos estudantes diante da Universidade. O percurso de recolhimento de informações pelos representantes oficiais e seu repasse através do diretório pode observar neste fragmento no jornal "Suíte", do DA de Ciências Humanas da PUC-RJ, em l973:

"Com o objetivo de informar as resoluções e propostas feitas durante a reunião,

relatamos a seguir os assuntos abordados, bem como as votações feitas após os

debates"

A participação nos órgãos colegiados da Universidade, por sua vez, é objeto de sérias controvérsias entre os posicionamentos políticos estudantis. Por um lado, a participação é defendida (na primeira fase da década) como oportunidade de se conhecer a instituição e se obter acesso às informações necessárias ao enfrentamento dos problemas cotidianos. Por outro lado, ela é recusada como princípio, rejeitando-se a partilha de estruturas tão coercitivas e tenocráticas. A defesa da participação, por sua vez, estimula a "eleição" de representantes oficiais, assim como a formação de conselhos de representantes estudantis nos mais diversos cursos, conseguindo-se em alguns casos extrair algum proveito desta atuação na medida em que se fortalece o significado e o lugar que os representantes e diretórios ocupam na estrutura de gestão da Universidade.

Page 78: UMA AVENTURA POLÍTICA

78

Como expressão deste posicionamento pró-participação nos órgãos de gestão da Universidade em reforma, podemos observar o jornal "O Pícaro" (do DA da ECA/USP em 1971, integrado por militantes do PCB) em seu discurso sobre o Colegiado - um fórum representativo permitido nesta Universidade, e que neste caso, se pretenderia "incorporado" pelo diretório estudantil:

"O colegiado é um organismo, ligado ao DA do qual fazem parte: representantes de

classe (na proporção de um para 30 alunos), representantes dos conselhos

departamentais (..) representantes no conselho interdepartamental e 2 membros da

diretoria do DA (..) Desta forma, nossos representantes levam aos conselhos opiniões

que não são suas, pessoais, mas sim opiniões discutidas pelos alunos"

Em termos mais amplos, a proposição de construir instrumentos de participação e representação na "contra-mão" da estrutura rígida e despolitizadora dos fóruns acadêmicos - seja por meio de uma participação estratégica ou da mais profunda recusa destes fóruns - é capaz de acumular informações, ampliar a percepção dos limites e desafios presentes nas Faculdades, e ainda, tornar possível a articulação de soluções e respostas rápidas aos problemas cotidianos trazidos pela reforma e pelas transformações que começam a ocorrer no universo do trabalho122. Tais procedimentos, então, permitem que se produza uma outra qualidade de análise acerca da estrutura de poder da Universidade, conforme podemos observar nestas considerações do Jornal "Gol a Gol" do DCE da UFMG, em l973:

"Uma das características da Reforma Universitária que se implanta atualmente na

Universidade Federal de Minas Gerais (...) é a sua imposição de cima para baixo.

Por causa disso, para torna-la possível, houve então necessidade de centralizar cada

vez mais as decisões dentro da Universidade. Estabelecer-se órgãos administrativos

gerais cujas decisões têm aplicação em todas as unidades. A administração superior

é enfeixada quase inteiramente pela reitoria e pelos órgãos auxiliares a ela ligados

(..) Em função de tudo isso, a figura do reitor adquire cada vez mais uma importância

determinante, tornando-se detentor de parcelas cada vez maiores de autoridade. Seja

122 São das experiências vividas que se retiram novos ensinamentos e orientações: condição que demarca um conjunto de características comuns aos movimentos ao longo da década. Segundo documento do DCE da UFBa, de 1973: �as experiências vividas no ano passado, principalmente com a luta do ciclo básico, nos ensinou a buscar sempre, através de uma análise geral da situação do paias, as verdadeiras causas dos problemas que enfrentamos, mesmo que estes se apresentem, aparentemente isolados de todo um contexto. Somente assim veremos que a redução de vagas não é um fato tão ocasional como possa parecer!�

Page 79: UMA AVENTURA POLÍTICA

79

através da escolha direta de funcionários para as seções administrativas de uma

Universidade onde a burocracia assume crescente papel, seja através da nomeação

dos membros dos diversos Conselhos na área de ensino e pesquisa, seja através da

sua atuação pessoal na presidência dos diversos órgãos, o fato é que sua influência

se exerce em praticamente todos os níveis"123

Por outro lado, as possibilidades de "reconstrução" da estrutura de representação discente, vão exigir não apenas um combate cotidiano à carência de informações e às imposições de regras funcionais (competitivas e excludentes), como o enfrentamento de um clima de tensão e repressão política que atinge proporções dramáticas no espaço acadêmico e social, punindo as atividades de resgate do caráter representativo do diretório, desde 1972, com prisões e inclusive com mortes (como no caso de Alexandre Vanucchi Leme, da geologia da USP e do presidente do DCE da PUC RJ em 1973)124. Este contexto repressivo, aliás, vai trazer um novo elemento à luta estudantil na medida em que fortalece os posicionamentos políticos mais radicais à realidade repressiva e tecnocrática da Universidade - responsabilizada diretamente pelos crimes cometidos contra os estudantes, professores e funcionários. Pouco a pouco, veremos se constituir movimentos de denúncia das 123 Jornal "Gol a Gol se pegá no pé é Dibra" do DCE da UFMG, nº5, 1973 124 Podemos ler em documento do Grêmio Politécnico deste período: �No final de março de 1973, um acontecimento extremo veio causar profundo impacto na vida estudantil de São Paulo: a morte de Alexandre Vanucchi Leme, aluno do 4º ano de Geologia da USP. Como muitos outros, Alexandre fora preso de modo arbitrário: sem identificação da autoridade coatora, sem oderm de prisão do juiz competente, sendo conduzido para local ignorado. Enfim, uma prisão com todas as características que configuram um verdadeiro seqüestro. Era um fato entre muitos, que já começam a se trornar rotineiros na difícil situação que vivemos. Mas a rotina foi quebrada por um desdobramento inesperado: Alexandre foi morto. Como? Onde? Os Órgãos de segurança distribuíram à imprensa a �verão oficial�, que foi extensamente noticiada pelo jornal �Folha da Tarde�. Segundo esta vesrão, Alexandre morrera atropelado ao tentar fugir quando era conduzido pela polícia a um encontro com um companheiro, o qual, pelo que poderia siubentender-se, ele teria delatado. Assim estava montada a estória, com riqueza de detalhes. Uma estória que pré-julgava. Alexandre, rotulando-o terrorista, como se com isto de pretendesse justificar as incríveis arbitrariedades das quais ele foi vítima. Mas a versão oficial, de forma alguma, conseguiu convencer os estudantes e parcela da população que teve conhecimento do ocorrido. Um sentimento de indignação tomou conta da USP e extravasou-se para fora dela. Iniciou-se um amplo movimento de contestação política, no qual os estudantes contaram com o apoio da Igreja, dos professores, parlamentares, artistas, jornalistas e outros setores da população. Na USP, foram realizadas assembléias em várias escolas e, em todas elas, foi unânime o repúdio ao ocorrido. O Conselho Universitário pediu oficialmente esclarecimentos ao Secretário de Segurança, o que equivalia, implicitamente, a duvidar da versão fornecida poelas autoridades. O processo culminou com a realização de uma missa na Catedral Metropolitana de São Paulo, com a presença do Cardeal-Arcebispo de São Paulo, na qual compareceram cerca de 5000 pessoas. Desde 1968 era a primeira grande manifestação pública de repúdio explícito a uma situação que propicia atos arbitrários desse tipo. Uma mobilização tão ampla e vigorosa diante da morte de um colega acusado de �atos de terrorismo� significou uma tomada de posição, de conteúdo político superior por parte da opinião democrática�. Iº S.N.E.: Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, pp 4/5

Page 80: UMA AVENTURA POLÍTICA

80

"verdades oficiais" que interpenetram a sociedade e a Universidade, com a intenção de se afirmar direitos fundamentais - como o da liberdade de expressão125- passo importante para a constituição de um movimnto mais amplo de luta pela democracia (ponto de contato entre as lutas estudantis e as lutas sociais mais amplas). No mesmo percurso, veremos também se estabelecer uma diferença mais nítida entre os posicionamentos centrados na problemática propriamente acadêmica (mais restritas ao âmbito das perspectivas de formação e inserção profissional impostas pela Universidade) e as proposições que reforçam uma atuação independente dos estudantes diante da instituição e em prol de, em lugar da inserção, promoção de mudanças profundas da ordem social.

Estas concepções e proposições distintas de luta, aliás, vão originar com o tempo uma distição de nomenclatura para a "entidade" estudantil: o Centro Acadêmico (CA) passa a se associar ao projeto de atuação independente (com relação à estrutura de gestão acadêmica) e o Diretório Acadêmico (DA), a configurar a perspectiva (também de luta, em vários aspectos) de participação nos fóruns de gestão da Universidade; fóruns, aliás, que proibem, em qualquer um dos casos, o exercício da representação entre os estudantes. Neste caso específico, a perspectiva não linear (nas proposições e caminhos) de restabelecer um papel político para o diretório, independentemente dos posicionamentos contidos em seu interior, procura construir nas condições mais adversas, uma rede informal de atividades e de instrumentos de deliberação que permita aos estudantes interferir nos rumos da Universidade. Através dos representantes de sala se recolhem posicionamentos de alunos que, por sua vez, são encaminhados para esferas mais altas de representação na forma de comissões, ou ainda, através da organização de assembléias. Este processo adquire maior intensidade no período 71/74, quando as entidades "reconstruídas" em seu significado político se caracterizam como fóruns de obtenção, transmissão de informações, decisão e intervenção sobre os órgãos de gestão das Universidades (ainda que por meios indiretos) fundamentados na participação coletiva 126. Desde l971, na verdade, temos notícia das primeiras movimentações de esfera acadêmica geradas pelos descontentamentos em torno do ciclo básico, jubilamento, restaurante, moradia, transporte e matrícula; um conjunto de mobilizações que nos auxilia a "remontar" o significado político dos diretórios e dos centros acadêmicos e a detectar a

125Ainda em 1973 foi organizado na USP a "Semana de Reflexões sobre os Direitos Humanos" por vários Centros e Diretórios Acadêmicos de São Paulo (USP, PUC, faculdades isoladas), com a presença de intelectuais, membros da igreja, elementos do movimento operário, da OAB e parlamentares. Iº SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. Op. Cit., p.8 126 Conforme podemos ver na Carta Programa para o DA do ICEX da UFMG em 1975, p.13

Page 81: UMA AVENTURA POLÍTICA

81

formação de novas experiências de organização coletiva. De fato, a recomposição dos diretórios acadêmicos (DAs) e centros acadêmicos (CAs) como espaços políticos se originam, de formas diferentes, desta articulação entre representantes discentes oficiais (permitidos na estrutura administrativa), salas de aula e movimentações "específicas" - que começam a tomar conta do cenário acadêmico -, de forma que os descontentamentos com os problemas gerados pela implantação da reforma impulsionam a construção e a recuperação de formas de organização política. Encontraremos na USP, nesta ocasião, uma das primeiras tentativas de diálogo com as instâncias hierárquicas de ensino através de uma "Carta Aberta ao MEC" assinada por 18 entidades estudantis que repudiam a permanência do decreto nº477 nas universidades brasileiras. No caso da USP, o ano de 1971 marca ainda a criação do Conselho de Presidentes de Centros Acadêmicos e a remontagem do DCE "oficial" a partir da presença de movimentações como o "boicote ao restaurante" (em recusa à duplicação dos preços da alimentação subsidiada)127. Na UFBa, as questões do ciclo básico128, jubilamento e excedente interno impulsionam todo um conjunto de movimentações de repúdio e permitem o estabelecimento de laços entre representantes discentes "oficiais" e os DAs sobreviventes; situação que leva, inclusive, à tentativa de impetração de um mandato de segurança contra esta Universidade. Ao longo dos anos, presencia-se também a intensificação das atividades culturais e a criação de uma entidade cultural estudantil, o CUCA, que desde sua origem se presta a articular DAs e DCE às atividades artísticas presentes na UFBa. No caso desta Universidade, os debates e as movimentações contra o excedente interno, os problemas de matrículas, entre outros, permitem que se geste articulações importantíssimas entre os representantes discentes, os DAs e as atividades/agrupamentos culturais. De forma mais abrangente, as discussões em torno da reforma universitária presente entre estas movimentações "específicas" e as articulações dos DAs ganham a partir 127Temos notícia da "sobrevivência" de algumas diretorias de entidades civis, como no caso da UEE-SP e UNE que na virada das décadas de 60 e 70 procuram estabelecer contato com outros diretórios sobreviventes, sem grande sucesso. De qualquer forma, as breves referências dos anos imediatamente próximos à estes acontecimentos contrastam com a intensificação das movimentações estudantis nos três anos seguintes. 128 O ano de 1972 marca um conflito generalizado em torno do ciclo básico. No RGS, encontramos documentos que o ridicularizam; na Bahia, surge um movimento específico que organiza, entre outras coisas, um boicote à realização do chamado �provão�, recolhendo cerca de 600 assinaturas. Segundo o documento Jornal do Conselho, criado nesta ocasião: �Com o movimento, a população da cidade ficou sabendo os erros e as irregularidades do �reino� da universidade, que até então desconhecia, e o estudante voltou, ainda muito timidamente, a tomar o papel social que lhe pertence por necessidade: defesa de direitos cada vez menos respeitados, pro pessoal que entra na UFBa em 73 êsse assumir atitudes significa arrancar a máscara festiva de sonho realizado, e se ligar o mais rápido possível na sua situação dentro da universidade e no mundo em volta, procurando ser o que todo universitário deveria: consciente do que está acontecendo em volta, do papel social que lhe cabe como elementos renovador e de espírito crítico, e cosciente do trabalho que deve realizar�

Page 82: UMA AVENTURA POLÍTICA

82

de 1972 uma grande intensificação por meio da organização dos primeiros Encontros de Área. Neste ano, são organizados congressos (de caráter nacional) nas áreas de Arquitetura (desde l971), Direito, Engenharia, Sociologia, Comunicações, Medicina (desde l968), Economia e Veterinária; além de Encontros Regionais de DAs e DCEs do Rio Grande do Sul; do Seminário de Reforma Universitária promovido pela Engenharia/UFBa e de vários encontros regionais e estaduais preparatórios. Estes encontros de grande abrangência (organizados pelos DAs) evoluem para uma troca intensiva de referências e experiências de mobilização e participação, de forma que ainda em l972 surgem as primeiras campanhas integradas "contra o Jubilamento" e "pelo Ensino Gratuito". De forma correlata, temos a organização de um movimento político importante, o "Plebiscito sobre o Ensino Pago" realizado na USP em novembro129 que registra uma recusa generalizada dos alunos pela implantação do ensino pago nas universidades públicas ao mesmo tempo em que dá origem a uma discussão mais abrangente da problemática da privatização do ensino superior. Em l973 é a vez da multiplicação dos simpósios, encontros regionais, estaduais e nacionais de área, associados agora à uma participação mais efetiva das experimentação culturais, com desdobramentos significativos para a organização política e cultural do movimento estudantil. Neste ano podemos identificar a constituição de vários grupos de teatro no interior dos cursos e Universidades com o propósito de impulsionar debates e iniciativas associativas; ou mais do que isso, conferir ao espaço acadêmico uma outra dinâmica de trocas e articulações "alternativa" de vida universitária.

Neste contexto, portanto, o que ganha lugar é a articulação de uma perspectiva político-cultural de resistência que almeja criar novas formas de convívio e solidariedade avessas ao caráter técnico, competitivo e repressivo imposto pela estrutura administrativa (por meio de regimentos e estatutos), de forma que se multiplicam jornais,

129 "No final de 72 uma ameaça pairava sobre os estudantes brasileiros: a implantação do Ensino Pago. Diante desta situação, o Conselho de Centros Acadêmicos da USP tomou a iniciativa de elaborar um Caderno que fornecesse elementos para a discussão do assunto. Os CAs já tinham uma posição tomada, ainda que precariamente, contra o Ensino Pago. Necessário saber se esta posição realmente refletia a opinião do conjunto dos estudantes. A partir dos elementos fornecidos pelo caderno iniciou-se um processo de debates em muitas classes, sendo realizado também uma palestra com boa participação. Todo esse processo culminou com a realização de um plebiscito ao nível de USP, cujo objetivo foi colher o ponto de vista dos estudantes. Os resultados não poderiam ser mais eloquentes: em cerca de 10000 alunos pesquisados 95% manifestaram-se contra o Ensino Pago. Ficava demonstrada, num processo democrático e bem fundamentado, a oposição da maioria dos estudantes aos projetos governamentais de abolir a gratuidade do Ensino Público. Este fato alcançou considerável repercussão na imprensa, sensibilizando considerável parcela da opinião pública, o que deixava o MEC em situação bastante embaraçosa(..) Esses acontecimentos levaram o Ministro da Educação, Jarbas Passarinho a fazer uma declaração bastante original à imprensa na qual qualificou a campanha promovida (..) como uma 'aliança de ricos com comunistas' Este fato dava uma qualidde nova à situação: os estudantes (..) constatavam que, assim agindo, estavam afrontando as decisões 'inatacáveis' do governo. Ser contra o ensino pago, ou mesmo, apenas discutir o assunto era subversão". Iº SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. Op. Cit., p.2/3

Page 83: UMA AVENTURA POLÍTICA

83

"happenings" e a vida das comissões de "entidade" que procuram intervir concretamente na remodelação imediata da vida acadêmica. Em resposta a estas atividades, também de maneira imediata, são reeditadas ou criadas regulamentações de caráter federal e/ou acadêmico que têm como propósito controlar os Encontros de Área, as publicações e o funcionamento das agremiações e promoções de caráter cultural; mecanismos que ampliam os instrumentos de censura passando a interferir e controlar atividades até então desconsideradas como "políticas". A Universidade, enquanto tal, amplia o seu controle com relação ao uso do espaço acadêmico - ainda que, muitas vezes, deixe "escapar" discussões e movimentações específicas de grande importância para a gestação de novas formas de movimento. Já em 1973, temos notícias do fechamento de vários DAs, da suspensão e prisão de vários alunos e professores (na PUC-RJ, UFPe e UFF), ou ainda, conforme colocamos, da morte do estudante de geologia Alexandre Vanucci Leme, da USP. No ano de 1974, são as "lutas" por melhoria das condições de ensino que promovem as maiores articulações políticas: "lutas" por melhoria dos restaurantes universitários, por reformulações curriculares, contra taxas de matrícula e serviços; lutas em caráter de urgência que pressionam pela resolução de problemas graves sendo que, neste contexto, a novidade está em que as movimentações contam com uma maior participação estudantil fundamentada nas discussões de sala de aula, nas vinculações com atividades culturais e nas deliberações de assembléia. Este é o momento em que a questão da "participação" adquire uma fisionomia mais consistente, associada à luta pelos direitos de acesso aos órgãos de gestão da Universidade. Podemos observar, por exemplo, o "movimento de boicote à comissão oficial de reformulação curricular da Faculdade de Psicologia da UFMG" levado por cêrca de 400 alunos que recusam uma reformulação pedagógica sem a participação discente (com base em um movimento que alicerçado nas discussões de sala de aula, em boletins, na criação de comissões e realização de assembléias). Na UFBa, representantes discentes "oficiais" conseguem rebaixar pré-requisitos de algumas disciplinas, substituir matérias optativas não oferecidas, realizar concursos de monitorias - em um ról de conquistas inéditas para as mobilizações discentes. Como decorrência, estas conquistas levam à elaboração de um plano de trabalho para o conselho de representantes com o propósito de reaparelhar bibliotecas, lutar por concursos docentes, por novas monitorias e revisões curriculares. Neste período, já encontramos também a criação de agremiações em parceria com a comunidade como o Centro de Estudos da Saúde ligado aos estudantes da UFMG. Mas as motivações pela participação vão além da eleição de representantes, integração em comissões e obtenção de um lugar na estrutura de gestão da Universidade,

Page 84: UMA AVENTURA POLÍTICA

84

sendo que em meio às formas organizativas presentes neste movimento encontramos perspectivas de ação coletiva que superam uma dinâmica "oficial" de vida acadêmica. Na verdade, o caráter difuso de muitas experiências revela sinais de um percurso que extrapola significações mais tradicionais do exercício político para afirmar a construção de outras perspectivas de relação de convívio de caráter afetivo, criativo e artístico. É curioso, por exemplo, observar a frequência com que as publicações estudantis apresentam textos culturais dotados de perspectivas existencias e discussões mais abrangentes sobre o trabalho, a família, a música, o teatro, o cinema, os comportamentos e os projetos mais subjetivos de transformação social; preocupações que podem ser exemplificadas por publicações como o "Patata" dos alunos da UFBa, de l972:

"Será que nós (cabeludos e barbudos e sujos) somos mesmo diferentes de nossos

pais? Será que estamos mudando mesmo ? Será que o Mel Scacher é muito diferente

do acompanhamento de uma orquestra de Bing Crosby? Será que Jonh Kay têm mais

vibrações que Tony Benneth? Que nós somos mais prá frente que a geração de 45? E

finalmente, será que conseguiremos, ouvindo apenas música, pôr este mundo girando

novamente para o lado certo do eixo? � 130

As questões e percursos políticos que envolvem/que circundam o diretório, neste sentido, são variadas e muitas vezes contraditórias. Por um lado, trata-se de restituir/resgatar um lugar estudantil nas estruturas de gestão da Universidade em nome de se defender uma perspectiva "alternativa" de formação e inserção profissional; por outro, trata-se de negar esta estrutura para afirmar uma outra possibilidade de vida e participação estudantil no próprio espaço acadêmico. Esta oscilação é constante e ela se configura através de projetos políticos diferentes: ora o diretório se aproxima da lógica acadêmica (ainda que para se defender dela), ora é promotor de um afastamento mais profundo para a construção de alternativas mais radicais (sejam organizadas, sejam mais "contra-culturais). No aspecto dos posicionamentos organizados, existem grupos favoráveis a uma maior aproximação e grupos cuja proposição é a de ruptura de qualquer perspectiva de diálogo. De qualquer maneira, a questão é que esta instância apenas reflete/configura a presença de discussões e experiências diferentes entre os estudantes; o que, no entanto, gera uma situação especial na medida em que, ao se pretender constituir uma instância de articulação entre as diferenças, necessita-se desenvolver uma nova prática de sociabilidade. Neste caso, na medida em que os interesses/leituras diversificadas

130 Jornal Patata dos alunos da UFBa, março de 1972

Page 85: UMA AVENTURA POLÍTICA

85

convergem para um mesmo espaço, o que de fato ganha lugar é uma experiência particular e importante de partilha política; uma "partilha" que por suas próprias características, deve se fazer mais flexível em termos de concepção - capaz de fazer aflorar perspectivas mais articuladas ou mais fragmentadas de ação política, a depender dos contextos e da legitimidade destes movimentos. De qualquer forma, todas as vezes que se transcende ao espaço do diretório, os demais posicionamentos políticos procuram trazer de volta o que está se afastando, aprimorando-se as perspectivas de sociabilidade. No jornal Saúva produzido pelo CUCA (Centro de Cultura e Arte) e pelo DCE da UFBa, em l972, podemos observar os sinais desta articulação significativa que em termos mais amplos passa-se a se estabelecer entre a cultura e a política:

"continuamos lutando, aprendida a lição da unidade. os excedentes precisam de

nosso apoio. os problemas, de uma tomada de posição. toma forma a atividade

artística na ufba com vários grupos, e trabalhos experimentais a serem mostrados na

Semana de Cultura popular. olho na mostra de som universitário. precisamos abrir

os olhos e ver as coisas que estão sendo feitas à nossa volta. como diz o poeta 'inútil

dormir que a dor não passa'. vamos pra rua beber a tempestade "

A preocupação com relação às questões culturais, aliás, ocupa um lugar tão importante entre os estudantes deste período que as promoções deste âmbito assumem um lugar de destaque como instrumento de articulação política, passando-se a utilizar com frequência as linguagens e temáticas culturais como um meio para se promover atividades coletivas - de debates a atos políticos de enfrentamento. Já em 1972 encontramos eventos abrangentes como a comemoração dos 50 anos da Semana de Arte Moderna que acontece de forma concomitante em diversas universidades do país. No Jornal do Conselho, da UFBa, de 1972 podemos ler:

"O CUCA, no ano passado, foi uma das maneiras de ligar as pessoas à arte. Agora

ele vai novamente uni-las nas comemorações da SAM"

As atividades artísticas, por sua vez, ao se configurarem como experiências de linguagem política, trazem para o âmbito da discussão acadêmica uma interpretação sensível a outros desafios que se enfrentam neste momento e que dizem respeito de maneira mais abrangente às problemáticas da cultura. Podemos ler em Ciso, da UFBa de 1973:

"A partir da necessidade de dizer as coisas de uma forma mais ampla, surge o teatro

Page 86: UMA AVENTURA POLÍTICA

86

como uma forma que dá maior possibilidade de crítica através de contatos diretos

entre participante e público. Daí o TUBA. Que visa promover a união em torno de

uma atividade fora do currículo, que permite obter uma visão mais ampla da vida.

Para o TUBA, o mais importante é a participação positiva dos estudantes na

elaboração dos trabalhos, não apenas apresentar os trabalhos juntos. Já existem

vários grupos formados trabalhando os textos e outros em fase de formação. Se você

está afim de participar é só entrar em contato com algum grupo"

Mas, na medida em que a convivência entre propósitos diversificados (no interior de uma mesma "entidade") promove alterações de leitura acerca dos "objetos" da política - aproximando-se das problemáticas da cultura - esta mesma convivência se torna conflituosa, gerando um percurso de tensão mais profundo e constante no qual as concepções, formas de ação, de participação e representação política tendem a se distinguir com maior clareza. A depender dos cursos e das Universidades, ou ainda, dos grupos políticos clandestinos presentes nas agremiações, ganha forma proposições específicas que vão de formulações e concepções mais contraculturais à uma ação político-partidária mais consolidada, com reflexos diretos sobre as experiências desenvolvidas nestes mesmos centros acadêmicos. Em documento da UnB de 1975 podemos ler:

"Hoje, em l975, temos uma variação muito grande de organização estudantil nos

estados brasileiros. Em São Paulo conseguiram resistir e persistir os Centros

Acadêmicos completamente desvinculados da administração da Universidade, com

verba arrecadada diretamente dos alunos. Lá lutam por um órgão estadual que

congregue todos os CAs, um órgão mais estável e ativo que o atual CCA (..) Em Belo

Horizonte, Recife e Rio Grande do Sul os DAs unidos por um DCE, que apesar de

terem verbas da administração universitária, levam toda uma atividade estudantil

independente. No Rio lutam como nós para conseguir um DU, em Curitiba acabam

de conseguir um. Em todos estes lugares se desenvolvem atividades diretamente

ligadas aos estudantes, como a defesa do nível de ensino que motivou greve em

Botucatú, Bragança Paulista, Santos e gora na comunicações de São Paulo (..)

Ultimamente, com grande intensidade se notam iniciativas de reunificação nacional

como o Comitê organizador do Seminário de Engenharia, a Federação Nacional dos

estudantes de agronomia, os encontros nacionais (como o encontro nacional de

estudantes de arquitetura) e discussões em torno da associação nacional de

Page 87: UMA AVENTURA POLÍTICA

87

estudantes de economia e federação nacional dos estudantes de medicina"131

OS ENCONTROS DE ÁREA Afora o significado variado das experiências políticas que se acercam e se interpenetram no espaço dos diretórios acadêmicos, os relatórios dos Encontros Nacionais por Área nos revelam a qualidade política que se adquire nesta reestruturação aparentemente "caótica" de movimento. Se desde os primeiros momentos da nova década encontramos registros de diretórios em "reconstrução" nas Universidades (e inclusive de DCEs com a pretensão de articular os diretórios de uma mesma Universidade), encontramos também registros de uma articulação mais abrangente de agremiações pertencentes à mesma área de formação: os Congressos ou Encontros de Área. Em cada uma destas "articulações" de centros e diretórios acadêmicos "por área" nos deparamos com uma organização específica, variável segundo a problemática e trajetória de cada curso envolvidos. Temos por exemplo, referências da organização de um Encontro Nacional de Ciências Sociais nos primeiros momentos da década de 70, sem notícias de continuidade. O mesmo ocorre com relação à História e neste caso, é importante observar que a implantação dos cursos de Estudos Sociais desloca e fragiliza o eixo de organização neste setor do movimento (que passa a enfrentar uma desestruturação mais profunda em seus próprios cursos). De forma mais abrangente, os diversos cursos articulados originalmente pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras (dotados de diretórios de extrema vitalidade política até 1968) vivem no início dos anos 70 uma trajetória de fragmentação e "remontagem" em Faculdades isoladas que se tornam agora premidas pelas alterações das regras de docência nos 1º e 2º graus, ou ainda, pela cisão que se estabelece entre bacharelado e licenciatura (medidas que efetivamente transformam o campo de exercício profissional e as perspectivas formativas dos estudantes destas áreas). Já com relação aos cursos de Engenharia, Medicina, Direito, Administração e Arquitetura, os Encontros de Área são mais fortes, o que nos leva a considerar que talvez as alterações funcionais não cheguem a comprometer profundamente suas perspectivas de inserção, nem "desmontar" suas unidades de formação em meio às reformas administrativas. Podemos observar, por exemplo, o quanto a trajetória organizativa dos estudantes de Engenharia e Medicina são exemplares no sentido de consolidar seus fóruns

131 "Volante para Discussão do Estatuto", UnB, 15/5/75

Page 88: UMA AVENTURA POLÍTICA

88

deliberativos e intervir de maneira mais articulada no espaço acadêmico e no mercado de trabalho. Em documento intitulado "Informe da primeira reunião conjunta das comissões organizativas dos Encontros de Área", de 1976, podemos atestar esta qualidade conquistada pelo movimento de área de Engenharia:

"A primeira posição, majoritária no dia 17, manifestou-se assinalando que os vários

Encontros de Estudantes que começaram a surgir a partir de 1970 (Medicina,

Arquitetura, Ciências Sociais, Comunicações, etc), tiveram, alguns, importante papel

na reorganização dos trabalhos nas suas respectivas áreas (..) A mais rica

experiência de Encontros se deu na área de Engenharia, onde foi possível a

capitalização dos sucessos obtidos pelos Seminários realizados a partir de 1970,

conformando, inclusive, a criação da Comisão Organizadora de Seminários de

Engenharia (COSE), órgão destinado a promover os Encontros de Área" 132

No aspecto das estruturas organizativas, os encontros apresentam também especificidades como as "comissões executivas" compostas por um grupo de diretórios que a cada novo congresso assume as responsabilidades administrativas de organização, divulgação e registro. A organização muda de endereço a cada ano de forma a democratizar o acesso dos estudantes de várias regiões - ou ainda, a democratizar os registros destes eventos que ficam à disposição dos diretórios. A análise da estrutura organizativa destes encontros nos sugere, neste caso, o quanto a Universidade se encontra "fechada" e refratária à presença dos próprios estudantes: a necessidade de deslocar os debates continuamente registra o fato de que sem este esforço de fazer circular informações e arquivos, os cursos se tornam "prisioneiros" e circuscritos aos seus próprios problemas, de forma que a flexibilidade e a dinâmica organizativa destas comissões procura envolver os mais diferentes alunos e realidades universitárias regionais e profissionais em uma discussão comum. Como fóruns coletivos, estes encontros possuem também caráter deliberativo com relação à definição das linhas de atuação política que devem ser travadas pelo conjunto dos diretórios, sendo que seus propósitos políticos se fundamentam necessariamente na problemática das condições formativas (currículos, estágios, docência, infra-estrutura, etc)

132 �Informe da primeira reunião conjunta das comissões organizativas dos Encontros de Área�, Campinas, 1976, p62. Esta reunião contou com a presença de representantes das áreas de Ciências Sociais, Química e das Comissões Organizadoras dos Encontros dos Estudantes de Física, Economia, Engenharia. Este documento ao referir-se à �primeira posição�, registra a presença de grupos defensores da bandeira �pelas liberdades democráticas�, em distinção aos grupos que empenham a bandeira de �combate à Política Educacional do Governo�.

Page 89: UMA AVENTURA POLÍTICA

89

a partir das quais se propõem alternativas de intervenção social e profissional. A política estudantil dos Encontros de Área, neste caso, tem a Universidade como objeto; em torno dela se discute, em função dela se delibera e luta. Na prática, a questão central destes eventos consiste exatamente em identificar a Universidade da qual se faz parte: sua reforma, legislação, procedimentos permitidos, papel social, etc. a partir do que se averigua o significado das mudanças em relação às perspectivas e possibilidades de formação e inserção no mercado de trabalho e na sociedade. Estas discussões sobre a inserção carregam em muitos aspectos, elementos das discussões politizadas da década anterior como por exemplo, o entendimento do "estudante" como um indivíduo que, em seu futuro exercício profissional, deva se marcar como um indivíduo político; aspecto que confere desde os primeiros anos da década uma qualidade surpreendente aos debates, às leituras e às avaliações da formação e "qualificação" técnica proposta pelo projeto tecnocrático de saber. De forma geral, a dinâmica de discussão e intervenção alcançada pela associação de diretórios e encontros regionais e nacionais por área é de tal importância que o Governo Federal em conjunto com as administrações universitárias procura intervir e condicionar estas atividades através de decretos específicos (decreto-lei nº 69053/71 e portaria nº 283/72) que a princípio orientam as Universidades a negar espaço, para em seguida proibir a existência destes eventos. Os encontros também preocupam pelo "reforço" que promovem dos diretórios acadêmicos "sobreviventes"/em "reconstrução" e pelo cruzamento que estabelecem entre as lutas pelos direitos acadêmicos, pelo controle da inserção profissional e pela construção de alternativas de "vivência" acadêmica. Em ofício enviado pelo Reitor da Universidade Federal da Paraíba para o Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes desta Universidade, em 16 de Outubro de 1975, podemos ler:

"Esta Reitoria recebeu dos Escalões Superiores o que se segue no texto: 1.

Ultimamente, estudantes dos mais variados cursos vêm promovendo ENCONTROS

(Congressos, Simpósios, Seminários e outras formas de reunião) regionais ou

nacionais, sem que a legislação vigente sobre o assunto venha sendo obedecida. 2 -

Frequentemente, estes ENCONTROS acabam servindo aos interesses da subversão,

quando já não são por ela organizados. 3 - Assim, é fundamental e indispensável à

realização desses conclaves o cumprimento da legislação que disciplina a matéria: -

Lei nº5540, de 28 de novembro de 1968, - Dec-Lei nº228, de 28 de fevereiro de 1967,

- Decreto nº69053, de 11 de agosto de 1971, - Portaria nº283/MEC, de 10 de abril de

1972, - Portaria nº25/MEC, de 17 de janeiro de 1968, - Aviso reservado

Page 90: UMA AVENTURA POLÍTICA

90

nº873/73/MEC (anexo). 4 - Incumbe à direção dos órgãos educacionais envidar

esforços no sentido de orientar os estudantes sobre o assunto bem como diligenciar

para que as recomendações da legislação retro referida sejam cumpridas,

particularmente quanto aos prazos estabelecidos. 5 - A "política do fato consumado"

(inobservância dos prazos ou das própiras recomendações prescritas na legislação)

traz prejuízos de ordem administrativa, e, consequentemente, as repercussões no

meio estudantil podem ser caracterizadas como desfavoráveis à política

educacional"133

Entre l971 e l974, temos notícias da realização dos Encontros de Arquitetura, Direito, Engenharia, Sociologia, Administração, Comunicações, Medicina, Economia e Veterinária. Nestes Congressos, o sistema de ensino como um todo recebe análises pormenorizadas acerca de suas condições de funcionamento, suas dificuldades e problemas relacionadas com o ciclo básico, sistema de créditos, sistemas de aulas, currículos e equipamentos, sendo que a questão da produção do conhecimento e sua relação com as perspectivas profissionais merece um destaque especial nas avaliações e definição de estratégias e táticas de ação política reivindicativa. De forma clara, podemos acompanhar as deliberações do Iº Seminário Nacional de Engenharia, de 1973, no que diz respeito ao ítem de discussão "Do papel da representação e algumas propostas":

"É necessário a realização de estudos que tenham por objetivo dar um diagnóstico, o

mais completo possível, sobre a realidade atual do sistema de ensino e tentar, através

da correta avaliação deste diagnóstico, prever fatos decorrentes da evolução deste

sistema, se preparando para eles. Isto só será possível na medida em que os

estudantes estejam organizados e unidos em torno de sua entidade representativa. 2.

Devemos promover o desenvolvimento coletivo das turmas. É preciso evitar que, na

solução de problemas específicos, as turmas se isolem uma das outras procurando

para tanto chegar sempre à extensão real desses problemas. 3. Devemos desenvolver

trabalhos que unifiquem professores e alunos na defesa de interesses comuns. 4.

Devemos lutar contra os critérios de ineligibilidade para os candidatos à

representação oficial 5. No I SNE através de informes de várias regiões constatou-se

a existência de uma série de restrições dentro da Universidade (fechamentos de

alguns diretórios, censura prévia para outros, etc.). O I SNE tomou posição contra as

restrições, especilamente o Decreto-Lei 477 e a exigência de atestado ideológico na

133Ofício nº 22/75 - GAB

Page 91: UMA AVENTURA POLÍTICA

91

contratação de professores para as Universidades. 6. Devido à falta de uma constnte

troca de informações entre os CAs e DAs e à importância de um trabalho conjunto,

foi aprovado pelo I SNE um boletim informativo dos DAs e CAs de engenharia � 134

Entre 1974 e 1978 os registros destes eventos diminuem ao mesmo tempo que ganha lugar outras formas e propósitos de articulação política no espírito de se "buscar novas formas de organização e mobilização, esgotando todos os recursos possíveis e abandonando as alternativas que se tornaram inoperantes"135. De qualquer forma, a diminuição dos Encontros parece se relacionar diretamente com o recrudescimento da legislação repressiva que passa dificultar - quando não proibir e reprimir - estes eventos. Podemos ler na "Conclusão" do Encontro dos Estudantes de Física, de 1975:

"..foi aprovado um manifesto, asssinado por quarenta e duas entidades

representativas de estudantes de todo o Brasil, contrário à existência da portaria

nº25 de 17.01.68 do MEC que pode a curto prazo impedir a realização dos

seminários de Engenharia e Economia e a longo prazo impedir a livre organização

dos estudantes de todas as área� 136

Em sentido complementar, o agravamento das condições de funcionamento acadêmico (em especial nas universidades públicas) e a intensificação dos mecanismos de repressão aos diretórios e atividades culturais impulsionam uma maior radicalização entre as posturas organizadas que passam a defender um "enfrentamento" mais radical da administração. Este é o momento de criação de entidades "desconectadas" dos órgãos acadêmicos - a começar pelo "DCE livre" da USP; do fortalecimento das organizações de esquerda na foma de "tendências políticas", e ainda, da eclosão de greves, ocupações e denúncias que procuram escapar ao controle acadêmico para atingir o espaço público - por meio de passeatas, manifestações, "dias nacionais de luta e protesto". Estas movimentações e procedimentos promovem, então, uma outra base de articulação que elege um novo tipo de encontro nacional: o Encontro Nacional de Estudantes, composto de DAs e DCEs das diferentes universidades e faculdades. Os ENEs, como são chamados, surgem em 1976 quando os projetos organizados presentes no movimento procuram restabelecer vínculos

134 I Seminário Nacional de Engenharia. Conclusão. CÃS de Engenharia de São Paulo, novembro de 1973, pp18/19 135I Encontro Nacional de Estudantes de Administração. 1974 Op. Cit., p. 7 136 Encontro dos Estudantes de Física. Conclusão. Op. Cit., p1

Page 92: UMA AVENTURA POLÍTICA

92

mais abrangentes entre as lutas estudantis e as movimentações sociais pela democratização do país. A "RECONSTRUÇÃO" ORGANIZADA DO MOVIMENTO NA SEGUNDA FASE DOS ANOS 70 Desde os primeiros anos da década encontramos registros do complexo processo de rearticulação de experiências no qual o exercício político, em si mesmo, se refere ora à "reconstrução" de instâncias voltadas a influir nas decisões universitárias, ora a promover experiências culturais que com frequência registram um "repensar" da política, ora a orientar as mobilizações para perspectivas mais amplas de defesa dos direitos humanos e denúncias de repressão. Na verdade, a mudança de caráter das agremiações e experiências de movimento abre espaço para a formação de caminhos e procedimentos políticos diferentes de "reconstrução" do movimento, fundamentados em leituras distintas de Universidade, de exercício profissional e de ação política. A "reconstrução" do movimento estudantil, neste sentido, implica na convivência de projetos diferentes que devem se "acomodar" em um mesmo espaço para construir procedimentos mais amplos de luta política, sendo que esta convivência nem sempre é pacífica e a força das suas diferenças é capaz de ampliar ainda mais a tensão interna deste movimento. De qualquer forma, a presença da repressão política (promovida pelo Estado) institui um duplo mecanismo de vida institucional do movimento: um clandestino, outro "oficial". A face "oficial" destas movimentações diz respeito à sua dinâmica "visível" de discussão, participação e articulação que a depender do espaço, curso e Universidade alcança resultados originais. A face "clandestina", de forma distinta, se relaciona com a presença de uma dinâmica paralela (e fechada) de discussões, definições e orientações de rumos dos acontecimentos coletivos, desconhecida pelo maior número de estudantes. Nesta dimensão clandestina, a perspectiva de "reconstruir" o movimento se traduz na recuperação de um funcionamento político-representativo de diretório como uma condição para se fazer retornar o papel social desempenhado pelo movimento no passado. Trata-se de restituir uma direção ao movimento capaz de gerir a vida política dos diretórios e mais do que isso, se fazer reconhecer pelas "massas" estudantis (a serem "repolitizadas" no sentido de readquirirem consciênca política de compromisso social). A presença de uma "vanguarda" clandestina a dirigir as "massas" estudantis em um contexto de "reconstrução" coletiva do movimento, neste sentido, amplia as divergências em torno da questão da participação

Page 93: UMA AVENTURA POLÍTICA

93

política - que a depender dos projetos de "reconstrução" em questão adquire um significado diferente. Na lógica das militâncias clandestinas, a implantação de uma linha de atuação política organizada implica em redirecionar e homogeneizar o leque de formas de participação em prol da consolidação de uma estrutura mais centralizada de gestão, capaz de recolocar a questão da ação coletiva nos quadros da relação vanguarda/massa. Na lógica "oficial" dos diretórios, a depender dos grupos políticos envolvidos e das dinâmicas participativas estabelecidas, trata-se, pelo contrário, de exercitar procedimentos mais diretos e abertos de participação coletiva, em especial, de se impulsionar fóruns mais amplos e de se intensificar a prática das assembléias137. Ora, em ambas as dimensões encontramos projetos diferentes de gestão e participação política; situação que dá lugar em pouco tempo a sérios conflitos de interesse. Nós podemos acompanhar de perto este percurso através de uma leitura mais atenta dos documentos estudantis que a partir de l973 começam a apresentar alterações em seus discursos, particularmente em torno do significado do caráter representativo das entidades. No "Jornal Programa 73/74", por exemplo, produzido na UFMG na ocasião das eleições para o DCE desta Universidade, já são visíveis as divergências com relação ao estabelecimento de um projeto organizativo que se faça capaz de resgatar o papel e dinâmica política do movimento do passado - utilizando-se, neste caso, do procedimento de descaracterizar as experiências das gestões anteriores como responsáveis pelo "esvaziamento participativo" presente no diretório. Podemos ler:

a maior parte dos diretórios gastou longo tempo de gestão tentando um trabalho de

estruturação interna - ou porque passaram a existir a partir daquele ano

(Letras,Geociências) ou porque o processo de desorganização havia chegado a tal

extremo que durante a gestão 72/73 o próprio trabalho de reestruturação se

inviabilizaria, advindo daí um esvaziamento ainda maior da entidade (..) falta de

clareza quanto ao papel da entidade aparecia em muitos casos agravado pela

inexistência das pessoas o que impossibilitou o desenvolvimento de um trabalho

conjunto dentro da própria entidade"

137Para podermos identificar estes processos, é interessante comparar os textos dos jornaizinhos "oficiais" dos diretórios com a documentação interna das tendências - momento em que as organizações defendem sua atuação enquanto vanguarda, definem sua "linhas de massas", seus procedimentos de "acumulo de forças", etc.

Page 94: UMA AVENTURA POLÍTICA

94

Segundo este documento, são os procedimentos "espontaneístas" em curso o que, de fato, afasta esta entidade do cumprimento de seu verdadeiro papel político, questão que nos sugere que o recuperar de um significado "consequente" de movimento exige anular certas alternativas organizativas que se acham em curso:

"Outro problema (...) a infiltração de formas estritamente espontaneístas de atuação,

as quais privilegiam agudamente o indivíduo 'em si' (individualismo) e, portanto, não

podem ser consequentes com o objetivo de aumento da participação efetiva"

Em termos mais abrangentes, desde o final de 1972 podemos presenciar a afirmação de um projeto político que entende a coordenação das atividades do diretório como uma proposta de redefinição de rumos políticos no sentido de se homogeneizar os procedimentos organizativos internos e de se "reconstruir" os DCEs como instâncias mais centralizadas de direção. Dentro desta lógica, entre 1973/74 procura-se envolver as chamadas "práticas culturais" para uma dinâmica mais centralizada de organização através da criação de "centros culturais" vinculados às entidades. Em dezembro de 1973, o boletim do CUCA da UFBa, registra este processo:

"Diante da necessidade de dinamizar as atividades culturais na Universidade,

visando incentivar um clima de debate e criação que contribuem para a nossa

formação cultural, o CUCA - Centro Universitário de Cultura e Arte - e o DCE -

diretório central dos estudantes, dentre outros trabalhos, formaram, em diversas

escolas, grupos de teatro� 138

As atividades culturais começam a receber um "tratamento especial" através da organização no diretório de um setor específico para as atividades deste tipo, as "comissões culturais" que de maneira mais abrangente procuram incorporar à estrutura de poder desta agremiação as diversas atividades cineclubistas, teatrais, literárias que se acham presentes no espaço acadêmico. A partir de então, encontramos referências de cineclubes dos DAs, ou ainda, de projetos culturais específicos como a "Estante da Cultura" do DA FACE (Ciências Econômicas/UFMG) que ainda em l973 organiza uma sociedade de leitores vinculada à ação dos representantes de classe. No percurso destas articulações a perspectiva de aprofundar as relações entre as questões políticas e culturais almeja resgatar

138 Panfleto do CUCA/DCE da UFBa, dezembro de 1973

Page 95: UMA AVENTURA POLÍTICA

95

o sentido politizado de cultura construído na década anterior. De forma correlata, esta perspectiva de centralização e organização das atividades se estende também para a esfera da execução das tarefas a partir de procedimentos e instâncias que se façam capazes de "orientar" as lutas, "englobar" e "organizar" o trabalho dos centros acadêmicos. Podemos observar na USP, por exemplo, as origens de uma estrutura de organização mais centralizada na ocasião dos protestos contra o assassinato do estudante Alexandre Vanucchi Leme, em 1973; momento em que são criadas três comissões organizativas - de propaganda, organização e preparação de documentos - com o propósito de construir "organismos permanentes, embriões de novas organizações" forjadoras de estratégias políticas específicas para esta Universidade. Segundo o Boletim do CEUPES (Ciências Sociais/USP), esta organização que pretende redefinir o movimento da USP deve ser:

"..composta dos representantes das 3 comissões enumeradas acima. As decisões em

última instância serão tomadas em reuniões abertas e acima delas, em assembléias,

amplamente convocadas. Cabe ressaltar que a participação nas Comissões formadas

está aberta a todos. Os interessados devem procurar as entidades enquanto as

Comissões não vão às classes"

Estas comissões que se associam à prática das chamadas "reuniões abertas" de fato possibilitam o estabelecimento de instâncias mais centralizadas de ação política legitimadas pelo discurso da recomposição da representação estudantil; um procedimento que têm em vista estabelecer parâmetros mais homogêneos de atuação coletiva para o conjunto das entidades. Este processo, por sua vez, faz com que a "entidade" a partir de l974, adquira uma interpretação mais homogênea de papel e significado político como um organismo representativo, coordenador dos esforços do conjunto dos estudantes e responsável pelo desenvolvimento de uma consciência crítica destes mesmos indivíduos. De forma articulada, passa-se agora a exigir a elaboração e apresentação de programas de trabalho (cartas políticas) para se poder "dirigir" a entidade, o que pressupõe a "depuração" de posicionamentos políticos mais claros e um forte incentivo à constituição de grupos organizados. Na "Carta ao Generalíssimo", carta programa para o DCE da UFMG de l974, podemos observar a proposição de recriação das "chapas eleitorais" como um mecanismo de organização caro ao passado; um instrumento que teria proporcionado até 1968:

"de certa maneira a intensidade do debate político que se realizava na Universidade.

Os estudantes escolhiam seus representantes através do voto direto em programas de

Page 96: UMA AVENTURA POLÍTICA

96

trabalho e de ação apresentados pelas chapas, programas que refletiam as posições e

a maneira como as chapas entendiam o papel dos estudantes naquele momento

histórico. Assim, as chapas representavam o apoio da maioria dos estudantes"

A formação de "chapas" permite então que os grupos organizados se apresentem e que reclamem por posicionamentos coesos e definidos dos estudantes, assim como que apresentem suas propostas de rumo e dinâmica política de movimento com vistas a uma interpretação política (e uma proposta de engajamento) mais abrangente; passo importante para a consolidação da nova dinâmica de organização e "reconstrução" do movimento que vai ter repercussões sobre o entendimento dos problemas da Universidade - em lugar do que se considera uma visão "imediatista" de Universidade e luta política. Trata-se, portanto, de "organizar" os estudantes na defesa de seus interesses "canalizando" para a entidade todas as atividades que se façam presentes na Universidade, ao mesmo tempo em que se fortalece este instrumento de ação política representativa. A eleição das primeiras chapas de perfil "organizado" dá origem em pouco tempo, à formação de "tendências" políticas no espaço acadêmico; percurso no entanto que é marcado por extrema violência política por parte do Estado e da Universidade, como podemos observar no caso da USP em que a formação de um organismo como o Comité de Defesa dos Presos Políticos não consegue se manter em funcionamento por mais de um semestre; ou no caso da UnB - uma Universidade em que os "vigilantes" (guardas de patrimônio) não deixam os estudantes em paz nem mesmo nas festas e nas filas de restaurante - e que pune com rigor qualquer ação organizada, seja na forma de publicações de jornais, seja através da constituição de conselhos de representantes. De qualquer forma, o ideal de "organizar" os estudantes leva a que as militâncias a partir de 1974 valorizem as calouradas, os debates sobre a reforma, as montagens de peças teatrais, os ciclos de cinema, shows, produção de jornais e revistas como potentes instrumentos de legitimação dos diretórios e organização das "massas", entendendo-as como atividades agregadoras "consequentes" na proporção em que assumem discursos mais radicais de participação política. Por sua vez, a ação organizada procura imprimir nas experiências de caráter informal um significado político que legitime suas propostas. No "Jornaleco", do DA de Economia da UFBa do início de l975 podemos ler:

"A existência de todos estes problemas, fizeram com que os estudantes em l971

reabrissem as entidades, fechadas em 68 e retomassem as discussões naquela época

interrompidos. No entanto, se o Diretório se limita apenas a registrar os

Page 97: UMA AVENTURA POLÍTICA

97

acontecimentos do dia a dia, deixará de cumprir seu principal objetivo que é

organizar os estudantes em torno de seus problemas. Quem participa? De nada

adianta o DA isoladamente tomar tal ou qual decisão se elas não vierem refletir as

preocupações de todos. Sendo assim, não se poderá levar nenhum trabalho à frente

sem melhorar o nível de ensino? Por que não se extinguir o jubilamento? Será que a

formação de grupos de teatro, som,etc. com o mesmo objetivo do DA, não só viria a

fortalece-los? Lembre-se: o DA não é uma força que basta-se a si só"

Pouco a pouco, o projeto organizado de "reconstrução" do diretório - que pretende o fortalecimento de seu poder de agregação participativa - imprime um significado político de autonomia desta agremiação e movimento com relação à Universidade, o que se traduz na adoção de um discurso mais radical e no desempenho de uma "atuação independente" que carrega como proposição a ruptura deste movimento dos fóruns acadêmicos e a criação de uma estrutura desvinculada estudantil da administração da Universidade. Na prática, propõe-se a construção de um movimento autônomo que vise a adoção de uma perspectiva mais ampla de transformação social. Segundo alguns posicionamentos organizados, de forma particular os grupos trotskistas e maoístas, a participação estudantil nos fóruns "oficiais" configura um "atrelamento" das lutas dos estudantes à estrutura de poder da Universidade, questão que leva o movimento a desempenhar uma atuação consentida e distante dos compromissos históricos com as lutas pela transformação da sociedade. A proposta de "autonomização" das entidades frente à burocracia, neste caso, recupera a experiência das "entidades livres" (desenvolvida no período posterior ao decreto lei 228) com vistas a rejeitar as regras administrativas e a buscar transcender as problemáticas específicas da Universidade em nome da retomada das perspectivas travadas no contexto 64/68. Por outro lado, se o processo de reorganização partidária tem origem nos primeiros anos da década, a expressão clara das propostas organizadas vai ocorrer em meados da década através da constituição de "tendências estudantis" (quadro em anexo) e das "entidades livres" - que ganham legitimidade na medida em que afirmam um corpo de projetos políticos mais radical e associado à perspectiva de retomada das lutas sociais mais amplas. Estas propostas, como mencionamos, implicam em alterações de dinâmica política e se estabelecem, originalmente, através da proposição de realizar eleições diretas para as direções de entidade (em lugar das eleições indiretas oficiais); proposição que desencadeia um verdadeiro divisor de águas entre os projetos de "reorganização" do movimento. A perspectiva de politizar as movimentações, por sua vez, têm como propósito unificar ou "canalizar" as movimentações de forma a se adotar procedimentos mais amplos

Page 98: UMA AVENTURA POLÍTICA

98

de controle destas mesmas movimentações coletivas pelas organizações - em um processo conhecido, entre os próprios estudantes, como "partidarização" do movimento. No Jornal Gol a Gol (DCE/UFMG) de l975, já podemos acompanhar os conflitos que se instauram entre as posições políticas que em aparente contradição, brigam pela "unidade".

"A ultima eleição do DCE marcou o início de uma incansável batalha que a maioria

das entidades estudantis da UFMG vêm desenvolvendo pela UNIDADE do movimento estudantil. desde a eleição, momento em que ficou evidenciada a

existência de visões diferentes sobre como deve se dar a participação estudantil hoje,

a questão da UNIDADE têm sido insistentemente recolocada pelo DCE, demandada

como uma necessidade de força, em todo os momentos, principalmente naqueles que

exijam dos estudantes seu firme posicionamento (...) Para a prática da unidade se

realizar, para a verdadeira união e organização de todos os estudantes, torna-se

indispensável a vigência de mecanismos de decisão perfeitamente reconhecidos.

Estes mecanismos se adequam a uma concepção de entidade estudantil de massa e o

reconhecimento da representatividade nas decisões"139

A questão de se construir uma participação "organizada", por outro lado, é geradora de polêmicas na medida em que a proposta de "politização" das massas via constituição de fóruns centralizados de ação política esbarra o tempo todo no afastamento/aproximação dos estudantes com relação às mesmas práticas e propostas. De qualquer forma, estes ideais de recomposição de movimento conquistam um outro patamar de articulação e consolidação em meados da década, quando as movimentações reivindicativas se generalizam na forma de grandes greves e denúncias públicas sobre o sucateamento das universidades públicas140. Na verdade, neste período os movimentos pela democratização da gestão

139 Jornal "Gol a Gol se pegá no pé é dibra" do DCE da UFMG, nº19, 17/11/75 140 Em documento do Jornal do CACH/Unicamp de 1976 podemos ler: �Indiscutivelmente, a formação do colégio eleitoral significou um avanço não apenas em função de um importante precedente na contestação e superação de fato dos critérios impostos pela reforma Universitária mas evidenciou a possibilidade de estabelecer pontos comuns de luta junto com os professores também interessados em romper com a falta de democracia e de autonomia dentro da Universidade. Abriu-se, portanto, perspectivas de luta mais amplas que permitem afirmar que o problema da gestão universitária possui grandes potencialidades ainda não exploradas pelo movimento estudantil e que se ligam diretamente com a luta que travamos na sociedade geral por liberdades democráticas. O processo mostrou também que a forma correta de levarmos essas propostas não é a de sismples resistência na defesa do mínimo que possuímos hoje em termos de participação e organização estudenatil; é ir além, preparando ofensivamente avanços que na prática, independente ou não de mudanças formais em estatutos e regimentos autoritários constituam um podereal de interferência e controle na gestão universitária�

Page 99: UMA AVENTURA POLÍTICA

99

acadêmica e pela defesa de direitos formativos entram em "guerra" com os mecanismos repressivos, o que se traduz - ao mesmo tempo em que reforça - na adoção de outras orientações políticas para as movimentações. A questão das movimentações de protesto e greves configura, por si só, um momento dramático de conflitos e tentativas de denúncia e defesa da transformação da Universidade (especialmente da pública)141; um momento no qual os problemas relativos à qualidade do ensino se ampliam com os cortes de verbas e generalização do ensino pago (que estimula a introdução de taxas e cobranças nas universidades públicas); com o sucateamento infra-estrutural e a intensificação dos processos de jubilamento. A partir daí, o desespero toma conta do espaço acadêmico motivando os alunos a adotar caminhos diferentes de resistência que incluem não só a radicalização como também as tentativas de "diálogo" (na busca de respostas concretas para as reivindicações) com a administração, com o MEC e com a própria presidência da República. As instância acadêmicas, por sua vez, não possuem qualquer interesse e muito menos poder de deliberação para promover um outro tipo de alteração de estrutura, o que vale dizer que questões como jubilamento, corte de subsídios, privatizações e caráter técnico de conhecimento já se colocam como problemáticas institucionalizadas. Neste caso, a paralisação das atividades como instrumento de denúncia e apelo social (ainda que realizada em clima de restrições e punições) caracteriza um momento no qual se percebe as limitações para uma transformação interna; percepção que abre espaço para uma opção de radicalização e "rompimento" trazida pelas militâncias organizadas. Podemos ler no Jornal Mural "A Ponte quando o muro separa", da USP de 1974:

"Qualquer tentativa de debate é castrada. Paira sempre a sombra emeaçadora das

medidas repressivas, que ganharam novas formas e até se 'legalizaram' em 74.

Dezenas de colegas foram intimidados, fichados, pressionados. Atividades culturais

proibidas, informações negadas. Este conjunto de fatores faz com que o indefinido

sentimento de insatisfação fique cada vez mais intenso. A insatisfação é também

gerada pelas más condições de vivência, pela dificuldade de viver dentro do campus.

Restaurantes caros, o CRUSP (..) indicam apenas que não há interesse em manter

141O movimento estudantil em 1977 começa a ser tomado pela administração universitária como um problema de difícil solução, ainda que seu relacionamento interno seja variável e marcado por menor ou maior repressão, conforme a Universidade. No caso da UFBa, os estudantes e as entidades são vítimas de constantes intimidações - associadas, em geral, à cortes de vagas no RU e nas residências; na UFPe, impera a censura prévia. De qualquer forma, um dos principais objetos de reivindicação estudantil no período 77/78 é o de manutenção dos serviços de assistência e recusa da implantação do ensino pago - objeto central da atuação governamental que pretende transformar a Universidade em autarquia especial revelando seu desinteresse em manter restaurantes e residências estudantis.

Page 100: UMA AVENTURA POLÍTICA

100

estes serviços nem ao nível do absolutamente indispensável. Em São Carlos (..) no

início do ano tentou-se fechar o restaurante de todos os alunos do campus. Uma

movimentação que chegou à greve impediu a concretização desta medida arbitrária

(..) dentro de um ambiente de pressões intensas, de terror em dizer as coisas, de um

ensino alienado, tecnizante e elitizante e de uma vivência incomoda é que se situa a

USP em 1974� 142

As dificuldades e limites de luta interna começam a exigir, em certo momento, a quebra do isolamento e a opção por outros mecanismos de enfrentamento - aspecto que legitima, de fato, as perspectivas mais radicais de luta política. A criação das chamadas entidades "livres", neste momento, configura e traduz este projeto de busca, no espaço público, de novas possibilidades para a resolução de problemas que se colocam, inclusive, para o mundo acadêmico. O ano de 1975 marca um período de grandes e intensas greves diretamente relacionadas com o agravamento destes problemas, com o autoritarismo de gestão e o "espírito" técnico dos cursos públicos e privados. A greve na UFBa chega a contar com 11 mil alunos que paralizam 33 cursos por mais de um mês143, a greve da USP iniciada pela ECA perdura por 3 meses e consegue se estender em alguns momentos por toda a Universidade. Temos notícia ainda de greves na UFMG (geologia), na UCMG (Serviço Social), na UFSC (18 dias), nas Faculdades de Medicina de Santos, Faculdade de Medicina de Taubaté, Santo Amaro, Bragança Paulista e Botucatú, na Faculdade de Medicina da UFBa e na Escola de Engenharia Mauá. Mas a greve da UFBa, de maneira especial, é elucidativa do caráter articulado que estas movimentações alcançam na primeira fase da década com relação à leitura crítica da reforma acadêmica. Durante esta greve, reúne-se um grande número de atividades de repúdio que provêem de questões e problemas específicos dos diversos institutos e que neste caso encontram na problemática do "jubilamento" um ponto comum de resistência. Afinal, são mais de 600 alunos excluidos anualmente desta Universidade por estas regras. A greve da ECA/USP, por sua vez, já têm como centro de

142 A Ponte quando o muro separa. USP, setembro de 1974, ed. Especial 143No caso da greve da UFBa, segundo o Jornal de Lutas, da UFMG, os acontecimentos se precipitam pelo jubilamento de toda uma turma de geografia e pela aprovação pela administração de uma série de medidas para tornan mais eficiente o: .. "papel elitizante do jubilamento. Em resposta, os estudantes de geologia entram em greve contra todas as formas de jubilamento, inclusive as já existentes. Mais tarde, esse movimento recebeu o apoio dos estudantes de mais de 32 cursos da universidade, permanecendo em assembléia permanente durante um mês. Na UFMG, diante da tentativa de implantação de um ante-projeto de jubilamento, os estudantes se reuniram em assembléia por curso, onde discutiram a elitização do ensino e se posicionaram contra o seu avanço"

Page 101: UMA AVENTURA POLÍTICA

101

discussão crítica o autoritarismo de gestão desta faculdade, de forma que, após 3 meses de paralisação (conseguindo mobilizar por duas vezes toda a USP) conquista-se a criação de uma Congregação na escola e o fortalecimento dos departamentos - debilitando-se de alguma forma o poder da Direção.144 Estas greves permitem que as discussões e posicionamentos restritos até então ao "mundo" dos diretórios, Encontros de Área e atividades culturais ultrapassem o cenário acadêmico para conferir à "crise" da Universidade uma dimensão pública145. As denúncias estudantis sobre as condições de ensino em vigor, assim como da presença efetiva de mecanismos de repressão e ocultamento da "realidade" acadêmica pelo Governo Militar irrompem no espaço público no momento em que outras movimentações sociais começam a se rearticular, o que causa repercussões problemáticas146. Neste contexto, ainda, os mecanismos punitivos adotados pela Universidade adquirem novos contornos, em especial, através da Lei da Imprensa que atribui às direções de unidade o papel de censurar e reprimir (com ajuda policial) as manifestações estudantis147. 144 A greve da ECA, de abril a julho de 1975, marca a formação de uma Comissão Universitária para coordenar as lutas do segundo semestre e o surgimento das primeiras tendências, a partir da �consciência de que era necessária a reconstrução das entidades centrais de estudantes�. Quando da morte do jornalista e professor da ECA, Vladimir Herzog, uma luta coordenada por esta comissão (com apoio de outras escolas e setores sociais) decreta greve e integra uma mobilização pública de protesto contra outras prisões políticas. Surgem as primeiras tendências em 1975, sendo que em 1976 já encontramos 5 tendências disputando o DCE livre da USP, cindidas entre dois grandes posicionamentos: a luta contra a PEG (contra a política educacional do governo) � composto pelas tendências Alternativa e Organizar a Luta � e a luta pelas liberdades democráticas � composta pela Liberdade e Luta e pela Caminhando. A Tendência Refazendo não assume palavra de ordem. 145A partir de 1975, a "abertura política" do Governo Geisel configura o afloramento de movimentações sociais, os primeiros sinais de crise econômica, e em especial, o agravamento das tensões oriundo das mudanças das relações de trabalho (Abramo). A situação social adquire outras nuances, da mesma forma que as experiências coletivas incorporam perspectivas "alternativas" (gestadas ainda na primeira fase). A "abertura", neste caso, referenda a existência de radicalizações políticas que negam este modelo econômico para afirmar outras perspectivas e possibilidades de organização política, de produção e intervenção cultural. 146 No caso da UFBa, os estudantes conseguem fazer circular uma �Carta Aberta à População Bahiana� que registra as condições críticas em que se encontra esta Universidade (da maior importância e tradição para o Estado) anexando a citação de dezenas de nomes de estudantes, profesores e cidadãos presos. 147Entre as medidas de "contenção" adotadas em 1975 está a criação (por decreto presidencial de março de 1975) de um órgão específico de "Segurança Nacional, Mobilização, Informação e Contra-Informação" no setor educacional, intitulado por DSI (Divisão de Segurança e Informação) e ligado ao SNI. Este órgão passa a atuar de forma concomitante ao AESI ampliando em agosto do mesmo ano a censura prévia de todos os tipos de promoção cultural estudantil - incluindo-se as publicações, os eventos, os encontros, etc.. - e conferindo/condicionando à Delegacia de Polícia a emissão de autorizações. A direção das Faculdades fica vinculada nesta questão à Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal, cabendo aos diretores a responsabilidade de fazer cumprir as normas federais. Neste caso, com os diretores na condição de censores, passa a ser comum a invasão policial de Faculdades para apreender murais e jornais, intervir em peças teatrais e impedir a realização de shows como por exemplo, o show de Gonzaguinha e a distribuição de seu material de divulgação nas Faculdades de Medicina, Arquitetura e Filosofia e Ciências Humanas da

Page 102: UMA AVENTURA POLÍTICA

102

Por outro lado, estes movimentos possibilitam que as posições organizadas estabeleçam articulações mais amplas e que assumam um papel mais relevante na redefinição dos rumos políticos em prol dos direitos democráticos, da liberdade de expressão e organização, pelo fim da repressão e do decreto 477 e AI-5. Em documento do Conselho dos Centros Acadêmicos (CCA) da USP, de l975, podemos observar as marcas deste "novo rumo" assumido pelos estudantes:

"A 'surpreendente' utilização do 477 num momento onde as autoridades nos acenam

com um generoso 'diálogo', nos impõe a tarefa de conhecer a razão da existência

desse decreto e o sentido do diálogo proposto. Ouvimos com frequência diversas

histórias sobre a 'distenção gradual', 'aberturas democráticas' e outros mitos. Mas a

realidade é de que só existe abertura para os que dependam e sustentam a política

oficial (..) Para nós, 'abertura' ou 'distenção' significam a livre confrontação das

idéias na busca de soluções que representem a maiora (...) Os estudantes não temem

o diálogo, mas só acreditam no diálogo feito em igualdade de condições. As

autoridades por sua vez não se desfazem dos instrumentos de exceção e propõem

diálogos à sombra (..) Propõem o diálogo enquanto tentam institucionalizar a

repressão. Nós propomos a institucionalização do debate e o fim da repressão" 148

A produção deste documento se insere em um momento importante de discussão e de afirmação de um caráter autônomo das entidades estudantis frente à burocracia acadêmica e estrutura repressiva do Estado. A "atuação independente" implica agora em defender a liberdade de organização e manifestação ao mesmo tempo em que recusa a aplicação/adoção do 477 sobre a vida universitária, a censura interna, a proibição de atividades culturais, a marginalização estudantil dos órgãos decisórios da Universidade (1/10 na USP), ou ainda o jubilamento (por tempo limite) e os mecanismos oficiais de "atrelamento". A luta política travada pelos estudantes da USP neste contexto é hábil em "desmascarar" a pretensão de "diálogo" anunciada pelo governo, forçando que a Reitoria venha a público se posicionar sobre suas verdadeiras intenções. Por outro lado, a pretensão de ampliar a participação estudantil como condição para "se fazer ouvir" pela Universidade

UFMG; a solenidade de formatura dos alunos de medicina da UFMG (para apreensão de audio-visual crítico) ou mesmo o "cerco" a um show de Milton Nascimento e Chico Buarque durante a "Semana de Direitos Humanos" promovida pelo DCE da UFF. Esta política de repressão pode ser observada através do documento enviado pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão, aos Reitores das Universidades neste período (doc. em anexo). 148 �Plebiscito sobre o 477�, Conselho de Centros Acadêmicos da USP, abril de 1975

Page 103: UMA AVENTURA POLÍTICA

103

alcança seu limite neste período quando a luta pela alteração de regras acadêmicas contabiliza muitas derrotas149. Em fragmento do "Jornal do CACH" (Ciências Humanas) da UNICAMP, em l976, podemos ler:

"Devemos, para abandonar a defensiva, oferecer propostas concretas. É proibida a

rearticulação dos estudantes a nível nacional e regional? Vamos passar por cima da

legislação e nos reorganizar. É proibido aos alunos participarem efetivamente do

controle da Universidade, do controle tanto dos aspectos institucionais, quanto

diários de nossa vida acadêmica? Vamos propôr e executar formas concretas de

intervenção (..) A verdadeira luta democrática é a que se trava através de propostas

claras e definidas, mesmo ao nível da Universidade."

Como desdobramento, se amplia a adesão dos estudantes às entidades de afirmação representativa e as tendências mais radicais (dispostas a um enfrentamento explícito dos mecanismos repressivos conservadores) chegam a integrar centenas de estudantes, como no caso da Liberdade e Luta na USP. De forma concomitante, tem início no espaço interno dos "diretórios livres", a recuperação de referências de memória do período 64/68 com a intenção de resgatar elementos de orientação política necessários ao percurso que se deve empreender na nova década. Neste caso, a recuperação da memória pelo próprio movimento - ou a recuperação de sua História na fase 64/68 - cumpre um papel específico, neste contexto, de legitimar o projeto de retorno do movimento para o espaço público (e exterior à Universidade). Dos inúmeros textos memorialísticos produzidos pelos grupos organizados de diversas regiões e em diversas Universidades, a publicação da "Revista Memorex: para não esquecer", pelo DCE "livre" da USP em l976 é, talvez, a expressão mais clara desta recuperação, e por que não dizer, desta "construção" militante da História. A revista, conforme sugere o título, estampa em sua capa uma embalagem de remédio para memória e 149A percepção da universidade (da burocracia, dos fóruns de poder, da reitoria, direção, aspectos acadêmicos como os critérios avaliativos e relação em sala de aula, entre outros) e o desenvolvimento do exercício coletivo a partir de uma visão mais crítica, das decepções e das experiências com a problemática desta universidade; são movimentos que andam juntos. A articulação entre eles vai depender da soma de diversos fatores como da percepção mais global dos problemas, da formação de uma identidade do que "não se quer" ou "do que não se tem", da construção de relações mais duradouras de movimento (não tão efêmeras), da capacidade de identificar os problemas, da capacidade de integrar interesses comuns em um mesmo propósito de luta. O propósito de "corrigir" os rumos (a partir do que se acredita como certo) da Universidade configura um dos principais fundamentos do movimento estudantil. Neste caso, intervir sobre/na estrutura acadêmica em busca de seu aprimoramento (sob a ótica propriamente estudantil) é elemento desta realidade universitária que não se deseja presente.

Page 104: UMA AVENTURA POLÍTICA

104

é composta de um conjunto vasto de referências da história da UNE (das campanhas políticas, projetos culturais do CPC, congressos, greves, lutas pela reforma da Universidade e lutas reivindicativas de caráter público) na forma de fotografias, fragmentos documentais, discursos políticos e dados jornalísticos. Ao final da publicação, as imagens da prisão dos estudantes em Ibiúna (1968) são associadas às imagens de manifestações de rua e das lutas que começam a se estabelecer nos anos 70 em torno de uma "constituinte livre e democrática", de forma que a trajetória do movimento estudantil ressurge como exemplo de um movimento público, ofensivo e atuante em prol das reformas estruturais do país. No período 75/79, neste caso, o que ganha lugar entre os processos de "reconstrução" do movimento estudantil (não apenas na USP, mas em várias Universidades) é a dinâmica de "representação livre" que a princípio se desdobra dos projetos políticos organizados mais radicais (em conflito aberto com a burocracia acadêmica) para deslocar para fora do palco acadêmico as "opções" de rumo político deste movimento. No plano das articulações internas, já em 1976 encontramos uma relação mais profunda entre os Encontros de Área e os trabalhos em prol das lutas por direitos políticos mais amplos, na proporção em que as comissões organizadoras dos Encontros de Área (CO, COSE, COEE) - reconhecidas como fóruns importantíssimos de deliberação - começam a ser procuradas pelas novas agremiações em formação, como pelas Comissão Universitária da USP e Comissão Permanente da Unicamp - embriões dos DCEs livres - que, como veremos, são portadoras destas novas proposições. No mesmo ano, a Tendência Organizar a Luta avalia em sua carta-programa para o DCE livre da USP, que após um longo período "desorganizado e sem clareza quanto às formas que persistisse sua reorganização" se faz necessário criar "formas mais avançadas de organização" para o movimento, em função da luta de resistência à ditadura150. Para ilustrar rapidamente o segundo período da década, vale considerar que a partir de 1976 os cortes de verba se intensificam de maneira concomitante ao oferecimento do "crédito educativo" (para alunos carentes), à adoção de taxas e anuidades, além de se impôr maiores restrições ao acesso de verbas pelos diretórios (sua última fonte de rcursos). As direções de curso, alertadas para as atividades "subversivas", enfrentam as mobilizações com a ajuda policial e com o decreto 477 em um contexto no qual a radicalização tende a tomar conta do espaço acadêmico. As perspectivas de "ruptura" (ainda que não se encontrem generalizadas), estimulam atos mais violentos de paralisação e tomada de restaurantes (por exemplo, da Faculdade de Engenharia da UFMG, UFBa, Unicamp)151 e a

150 Chapa Organizar a Luta, USP, maio de 1976 151No Jornal do CACH/Unicamp, de setembro de 1976 podemos ler: "A assembléia caracteriza-se pela

Page 105: UMA AVENTURA POLÍTICA

105

realização de eleições "diretas" para os diretórios sem aprovação acadêmica. Surgem os "dias nacionais de luta" (procedimento recorrente no ano seguinte) e a organização em várias faculdades de "Semana por Liberdades Democráticas"152. Iniciam-se, enfim, as passeatas e manifestações de protesto que pouco a pouco retornam ao espaço público "inovando" sua linguagem política através dos recursos teatrais marcantes como do enterro simbólico do Reitor da UnB e da Lei de Segurança Nacional no "dia nacional de luto por Brasília". Em 1977, as formas de reinvindicação mais radicais desenvolvidas no ano anterior - de "ocupação" dos espaços acadêmicos - ganham intensidade e articulação através das passeatas e da realização de grandes mobilizações em caráter nacional como os "Dias Nacionais de Protesto", os "Dias Nacionais de Luta", as "Semanas de Lutas pelas Liberdades Democráticas", as "Semanas por Liberdades Democráticas e Melhores condições de vida"; movimentações que conferem uma maior abrangência às denúncias e às pressões, e mais do que isso, passam a tecer uma verdadeira "rede" de solidariedade contra as punições aplicadas nas faculdades - impulsionando novas greves e inclusive a participação estudantil nos protestos e movimentos de outros segmentos sociais como nas comemorações operárias de 1º de maio153. Ao longo deste ano vemos ainda se multiplicar as manifestações contrárias aos processos de jubilamento, aumento de taxas e passagens, cortes de verbas, etc.. que agora transcendem os limites das faculdades e universidades para buscar articular suas questões "específicas" às questões sociais; movimentações, neste sentido, que realimentam tensão, agudizada pela débil atuação da mesa e por confusões momentâneas, presença de fotógrafos (...) Delibera-se comer naquele dia sem pagar, como forma de pressão sobre a Reitoria. Interrompe-se até a tarde para efetivar a medida" (Assembléia Unicamp, Jornal do CACH, set 76, p3). 152 Já no início de 1976 (janeiro) temos a organização de uma campanha nacional por liberdades democráticas que se articula a partir dos estudantes � por meio das Comissões de Defesa dos Direitos Humanos da USP e da UNICAMP (nascidas dos acontecimentos repressivos de 1975). As reuniões estudantis caminham no sentido de construir �formas de organização e manifestação estudantis� capazes de ao mesmo tempo retomar lutas e reorganizar o ME como força social, de forma que a criação das �Semanas, encontros, reuniões e outras formas, que carecem de um maior aprofundamento na discussão do eixo político que deve nortear estas atividades� vem de encontro à elaboração de estratégias de organização política de caráter nacional em defesa da democracia. Ver: �Convocação�, SP, março de 76, Comissão Universitária e Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos/Unicamp, em anexo). 153O período de "agitações" sociais vivido em 1977 é muito importante de ser considerado porque a expresssão mais articulada de manifestações sociais de caráter público impulsiona o fenômeno de organização política, dotando-a de projetos ainda fortes em seus fundamentos, estratégias, programas. Analisar como estas movimentações se desenvolvem é também avaliar as heranças e as práticas políticas que se acham presentes no momento em questão. A análise das movimentações estudantis, em toda a sua dubiedade, conflitos internos, projetos de organização... refletem este pulsar político que de qualquer forma, é legítimo ainda nesta fase.

Page 106: UMA AVENTURA POLÍTICA

106

a opção pelas "entidades livres" enquanto procuram estender as denúncias sobre a "crise" da Universidade aos espaços e fóruns mais amplos da sociedade (como à SBPC, aos sindicatos em reorganização, à agremiações civis em reestruturação). Os acontecimentos da USP são elucidativos. Desde o início do ano letivo acumulam-se atos políticos na frente da Reitoria e no dia 30 de Março cerca de 3000 estudantes, contrariando a proibição do governador de Estado saem em passeata pelas ruas de São Paulo para denunciar a situação de crise desta Universidade. O trajeto original da passeata aponta o Largo do Arouche como centro das manifestações, o que provoca um bloqueio de ruas centrais com o envolvimento de cêrca de 70 mil policiais militares e civis e 1500 da tropa de choque da Polícia Militar. Os estudantes, por sua vez, mudam o itinerário e realizam a manifestação no Largo de Pinheiros com pleno sucesso, lendo sua "Carta Aberta à População" (redigida pelas diretorias dos DCEs da USP e PUC-SP) de denúncia sobre a implantação do ensino pago na USP, a alta do custo de vida e a necessidade da defesa do ensino gratuito. Este ato político configura uma tamanha ousadia que ele abre caminho para a instalação de uma Comissão Especial de Inquérito na Câmara dos Deputados - que chega a apurar um corte de 35,8% das verbas desta Universidade com relação ao ano anterior. O Governo de Estado a partir de então é obrigado a abrir debates e negociar acordos 154.

As manifestações estudantis no espaço acadêmico e público de 1977, por sua vez, reforçam o esforço maior de recuperação de uma "identidade política" social para este movimento alicerçada no passado. Veremos se recompôr as "entidades" civis que pretendem, efetivamente, reconquistar o espaço público - as UEEs, a Comissão Pró UNE e enfim, a própria UNE - por meio de uma reorientação da dinâmica interna das lutas estudantis em prol de um projeto de transformação da sociedade. Este percurso, por sua vez, mobiliza os mais diversos esforços, desencadeando um processo no qual os Encontros 154 Entre o final de março e o meio do ano ocorre uma seqüência de passeatas, de greves e manifestos à população em São Paulo e em vários Estados que acabam por provocar um descontrole acadêmico, policial e governamental. Neste ano, após a passeata de 30 de março � em protesto público contra o ensino pago e aumento das anuidades � a denúncia estudantil leva deputados estaduais a pedir a abertura de uma Comissão Especial de Inquérito para apurar a questão das verbas da USP ao mesmo tempo em que o Reitor Orlando Marques de Paiva antecipa a utilização dos recursos do segundo semestre. De qualquer forma, um estudo realizado pelo Conselho Universitário indica que a USP sofre em 1977 um corte de verbas de 35,8% m relação ao ano anterior. Em maio, o Dia Nacional de Luta pela Anistia (9 de Maio) é marcado por acontecimentos diversos, seguindo-se um volume de manifestações que provocam a proibição pelo MEC do IIIº ENE (marcado inicialmente para 4 de julho, mas só realizado em 22 de setembro). Em julho, o Dia Nacional de Luta pelo Fim das Prisões e Torturas (15 de Junho) se realiza na forma de passeatas relâmpago que por mais de 3 horas se manifestam pelas ruas do centro de São Paulo até reunir cerca de 5000 estudantes no Largo de São Francisco para leitura de um manifesto à população. Os estudantes ficam sitiados e a polícia reage com violência realizando 65 prisões em meio de dezenas de feridos. No Rio e em outras cidades, presenciam-se processos semelhantes, conforme registra A Volta da UNE nas páginas 30/31.

Page 107: UMA AVENTURA POLÍTICA

107

Nacionais de Área, os diretórios (livres e oficiais) e as demais formas de organização política e cultural (diretórios universitários, centros acadêmicos, centros de estudos, etc) são "convocados' a recriar a institucionalidade destas entidades. Em sentido inverso, o Governo Militar procura deter no período 75/79 o extrapolamento inevitável destas movimentações para o espaço público através da adoção de novas medidas restritivas, o que amplia e deixa ainda mais evidente os mecanismos repressivos utilizados na esfera "privativa" do espaço acadêmico155. A truculência do coronel Erasmo Dias no trato com os estudantes reunidos na PUC-SP para o III Encontro Nacional de Estudantes, por exemplo, confere um significado especial a estas lutas e se presta a confirmar a veracidade das denúncias 156. Em todo este conjunto, marcado pela gravidade do contexto da reforma da Universidade pública, pelas contradições dos discursos oficiais e pela existência efetiva de processos repressivos sobre a sociedade civil, as movimentações estudantis voltam a ocupar, por um breve tempo, um lugar especial no cenário social em defesa da Universidade e da democratização do país157. No entanto, em pouco tempo, os estudantes voltam a enfrentar um novo campo de dificuldades oriundo, desta vez, de situações geradas pelos limites de suas próprias concepções e propostas de organização política. Conforme sugere o Jornal Avesso, de 1977, a disputa das tendências nas assembléias demarca um momento no qual o movimento se torna inteligível aos seus

155Em 75, além de se intensificar os procedimentos de jubilamento, a administração amplia o seu controle sobre o espaço acadêmico contando com a atuação policial e com a existência de mecanismos mais aprimorados de censura. No texto intitulado "Por que calaram a Boca de Calabar?" temos uma análise desta mudança de perfil da censura que desde 73 busca se dotar de uma forma jurídica própria - como o conselho superior de censura. No Boletim dos estudantes de economia da UFBa (n13, fev de 75) encontramos registro da "proibição por parte da Reitoria de toda e qualquer atividade do CUCA - sociedade civil universitária, oficializada em cartório e reconhecida pelos estudantes - dentro das escolas da UFBa", ou ainda, no Boletim do DCE da UFBa de 19/02/75, nota sobre a censura à distribuição de folhetos estudantis nesta universidade. 156 A repressão à realização do IIIº ENE é grande e se explica pelo medo da reorganização da UNE. Temos um relato no Boletim Metropolitano da UFPe (entre outros) no qual a mudança de data (de um dia para o outro) procura confundir o aparato policial ao mesmo tempo em que a Executiva Nacional de DCEs (comissão voltada a organizar o encontro) marca para nova data (22 de setembro) a realização de um Dia Nacional de Protesto Contra a Repressão ao Encontro. A assembléia de protesto dos estudantes da USP e PUC ocorre na parte da manhã, enquanto que ao meio dia o III ENE é realizado em uma sala de aula da PUC-SP. Ao mesmo tempo, uma Assembléia Metropolitana se desenvolve na PUC-SP, prolongando-se até o final do Encontro em pról de sua defesa. A noite, para concretizar o Dia Nacional de Protesto, realiza-se novo ato com cerca de 2000 estudantes, momento em que a polícia dispersa a manifestação com violência, arrancando alunos e professores das salas de aula, depredando e saqueando as dependências das entidades do campus, inclusive o DCE (Nota de protesto da PUC, Folha 24/09/77) 157Nas cartas programas da USP de 1977, as análises das tendências acêrca da trajetória das movimentações deste ano são claras. Para a Liberdade e Luta: "O caráter dinâmico deste movimento é alimentado pela situação de crise política e economica da ditadura, o qual seguidamente abre brechas por onde tem penetrado a mobilização massiva dos estudantes"

Page 108: UMA AVENTURA POLÍTICA

108

participantes, ou quando a vida da entidade se revela, de fato, clandestina. Neste caso, o procedimento de deixar "escuso" o jogo das relações políticas pelas organizações partidárias acaba por contribuir para ampliar a própria exclusão estudantil das suas "entidades". As falas cifradas, a descaracterização das práticas "específicas" ou ainda as lutas intestinas que tomam conta das assembléias são desdobramentos deste percurso. No mesmo sentido, o privilegiamento das lutas pela transformação da sociedade quando se desatenta da problemática interna e cotidiana da Universidade, deixa de abranger, captar e incorporar suas questões mais concretas e imediatas para as "lutas gerais", opção que perde rapidamente a sustentação entre as "massas" de estudantes. Como decorrência, a "crise" de identificação que este movimento passa a viver - entre suas esferas mais altas e as bases de atuação - é capaz de tornar "estranho" o próprio corpo centralizado e "reconstruído" do movimento, cada vez mais afastado do projeto primordial de compreender e intervir sobre uma Universidade progressivamente privatizada, sucateada e descaracterizada. Neste sentido, ainda em l978, presenciamos um sério esvaziamento de DAs e CAs, além de problemas de legitimidade que já se abatem sobre entidades civis "reconstruídas" (entre elas, algumas UEEs). Segundo o documento "Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária" de Américo Antunes:

"É (..) num quadro de estrangulamento da democracia interna do movimento, de

verticalismo da atuação das tendências, de abandono das lutas cotidianas, de falta de

perspectivas, que se realiza, no segundo semestre de 78, o IVº ENE. Dois temas

polarizaram o Encontro: o Congresso de fundação da UNE e, as eleições

parlamentares de 78. No primeiro ponto, a vitória dos setores combativos do

movimento, marcando o Congresso para maio de 79. No segundo ponto: o apoio dos

estudantes aos candidatos populares do PMDB"158

Na ocasião da recriação da UNE, em 1979, algumas representações de Encontros de Área já apresentam discordâncias com relação às orientações da nova entidade, registrando-se um enfraquecimento estrutural da participação política nos fóruns tradicionais reconstruídos. Em uma conclusão apenas parcial, importa considerar que o ano de 1980 encerra uma década de imensos desafios com várias conquistas e muitas derrotas, mas acima de tudo, com um saldo de realizações que compõe uma verdadeira "aventura" 158 Américo Antunes. Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária. São Paulo, Editora Aparte, 1983, p20

Page 109: UMA AVENTURA POLÍTICA

109

política de caminhos e desvios no qual a política, em si mesma, ganha múltiplas formas, motivações e realizações. São boicotes a restaurantes, encontros de área, tentativas de mandato de segurança, plebiscitos, protestos variados, campanhas e lutas (contra o contra o jubilamento, pelo ensino público e gratuito), seminários, simpósios, semanas culturais, centros culturais, comissões, diretórios, publicações, conselhos de representantes, greves... a aflorar dos mais diferentes lugares a partir do propósito comum de articular e encaminhar as diferentes resistências à transformação da Universidade e da sociedade brasileira. Não há como falar de política, neste momento, sem ser através da criação e da paixão; e esta é uma grande herança de década.

Page 110: UMA AVENTURA POLÍTICA

110

OS DESEJOS DE REALIDADE

"Vinte anos de ditadura militar é um dado específico da experiência brasileira. A

sobrevivência de algum tipo de vida alternativa, nesse período, foi uma vitória.

Esta vitória é a reprodução no Brasil de uma grande qualidade do movimento

alternativo em escala mundial: o de criar um meio que recuse as normas da

sociedade capitalista, um lugar à margem, num período de recúo político, de contra-

revolução. Este processo de sobrevivência trouxe, em certos momentos, o grande

perigo do isolamento egoísta, uma vez que parte dos grupos alternativos se sentiam

totalmente desligados de qualquer obrigação em relação aos outros, os mais fracos

na sociedade. A conjuntura que se abre com a derrota da ditadura militar e sua

superação por um governo conservador civil coloca para o movimento alternativo

brasileiro, com toda a sua fragmentação, uma nova encruzilhada, estreitar os laços

com o resto da sociedade, sobretudo com experiências alternativas dos setores mais

pobres, ou fechar-se definitivamente num gueto de vanguarda"

(Vida Alternativa: uma revolução do dia a dia. Fernando Gabeira, 1985 p. 36)

"A PAIXÃO DA DESTRUIÇÃO É UMA ALEGRIA CRIADORA"

(Grafite de maio de l968, França)

Page 111: UMA AVENTURA POLÍTICA

111

CAPÍTULO 2

NO PLANO DAS MILITÂNCIAS: A TRANSFORMAÇÃO DOS PARADIGMAS POLÍTICOS

"A mutação é muito difícil, de uma consciência aprisionada e aprisionadora, ela

imediatamente identificará no novo a bruxaria, o desconhecido, o irracional, pois o

entendimento do novo implica sempre na construção de uma razão nova, numa

percepção aberta, viajante, pesquisadora, participante, disposta a tudo, a erros e a

desvio de caminhos. O novo não têm expectadores, não têm críticos"159

As transformações que se estabelecem no interior das entidades e agremiações estudantis se relacionam também com a transformação das militâncias políticas160, o que em vários aspectos transcende à problemática propriamente dita da reforma da Universidade. O período pós-68, na verdade, se traduz em um contexto de muitas indefinições, rupturas e desafios, ou ainda, de "desencontros" dos projetos revolucionários expostos aos limites de suas opções e práticas vanguardistas, ao mesmo tempo que contemporâneos ao afloramento de uma dinâmica coletivista de perfil político-cultural que escapa em boa medida às concepções organizadas vigentes no período imediatamente anterior161. Na verdade, desde o final da década de 60, a entrada em cena de elementos 159"Carta aberta a Sábato Magaldi" de Zé Celso, citada por Buarque de Hollanda, Heloísa. Impressões de Viagem, op. cit. p.72 160 Antes de mais nada, gostaria de exclarecer que nossa pesquisa encontra limites no trato das variações mais profundas das organizações de esquerdavigentes no movimento estudantil dos anos 1970. Apesar de considerarmos tratar-se de questão da mais alta relevância (motivo deste capítulo), nossa pesquisa procurou trabalhar a partir das �semelhanças� existentes entre estas várias correntes � propiciadas, de forma particular, pelo caráter leninista vigente em suas concepções de organização e militância. Neste sentido, são necessários novos estudos acerca desta temática específica, ou ainda, no universo das �diferenças� estabelecidas entre as mesmas organizações. 161Encontramos em algumas obras literárias registros deste momento como em: Ana Maria Machado. Tropical Sol da Liberdade:A história dos anos de repressão e da juventude brasileira pós-64 na visão de uma mulher. Op. Cit.; Fernando Gabeira. O Que é isso, Companheiro? Rio de Janeiro, Edit. Guanabara, 1988 34º edição; Alfredo Sirkis. Os Carbonários: Memórias da guerrilha perdida São Paulo, Círculo do Livro,1980.

Page 112: UMA AVENTURA POLÍTICA

112

da contracultura acirra o conflito entre práticas políticas mais ortodoxas e a produção cultural mais ampla, em um momento no qual a emergência de certas discussões estéticas - como o Tropicalismo - desencadeia um confronto de leituras e práticas relacionadas à arte e à política. Questões como sexo, prazer, rock, drogas que já compõe o repertório juvenil do período se encontram fora dos limites deste movimento de perfil organizado, o que provoca situações constrangedoras como as do Festival da Canção quando Caetano Veloso é vaiado por cantar "é proibido proibir", uma música inspirada nos acontecimentos internacionais estudantis daquele ano. De fato, o lema retirado de um grafite do movimento francês expressa um dos elementos da crítica que estas movimentações fazem às práticas organizadas de esquerda no período, o que implica concretamente em uma crítica às práticas políticas organizadas brasileiras que em lugar de apresentar preocupações, experimentações e ensaios políticos mais abrangentes (inclusive de fisionomia "libertária") reafirmam o projeto de revolução social de perfil partidário que se encontra no centro das críticas de muitas destas manifestações internacionais. De qualquer forma, as perspectivas de "reconstrução" institucional do movimento já se estabelecem no curso dos anos 70 dentro de uma dinâmica participativa cujas concepções políticas se acham em transformação. As vanguardas organizadas em condição de clandestinidade vivem um processo de revisão no mesmo instante em que se dissemina entre os estudantes uma crítica maior dos mecanismos centralizados, burocráticos e autoritários de gestão política - oriundos do próprio percurso de repressão, autoritarismo e isolamento imposto ao universo acadêmico e social; de forma que a busca por recuperar novas possibilidades de vivência e articulação no espaço da Universidade e do diretório se dá a partir da construção de uma dinâmica "alternativa" de vida e gestão política, distinta, em muitos aspectos, das perspectivas anteriores162. As memórias militantes e a análise documental dão pistas deste repensar político mais amplo que se relaciona com uma crítica mais profunda do caráter corporativo e partidário da organização política tradicional, do caráter burocrático das relações, da cultura e de sua relação com a política, de forma que são as manifestações culturais, antes de mais nada, que propiciam condições de rearticulação política ao apontar uma perspectiva de ação coletiva "alternativa". As experimentações que se fazem presentes, assim como as leituras de "realidade" e definição de estratégias de resistência se aproximam das reflexões e atividades culturais vigentes em um processo chamado por Heloísa Buarque de Hollanda em Impressões de Viagem de "pós tropicalista"163

162 Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Op. Cit., pp 4/9 163Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/79. São Paulo,

Page 113: UMA AVENTURA POLÍTICA

113

Os depoimentos recolhidos por nossas pesquisas dão sinais desta transformação militante que pouco a pouco ganha articulação por meio de questões como a música, os padrões comportamentais, o teatro, o cinema, as discussões estéticas e que nos levam a redimensionar situações aparentemente secundárias como as festas regadas a "chopp" e música dos "Beatles"164 ou a presença de referenciais culturais europeus a influenciar as práticas organizadas165 como aspectos cruciais desta década. Em meio aos processos violentos de repressão, de esgotamento de algumas leituras e práticas e da entrada em cena de novas questões (como a contracultura) têm lugar a constituição de outros projetos e a emergência de uma crise mais profunda das convicções políticas, em um processo complexo e conturbado de variações comportamentais e políticas, acusações e constrangimentos. A construção efetiva de um movimento "alternativo" de fisionomia político-cultural nos primeiros anos da década alimenta um processo mais abrangente e duradouro de enfrentamentos e articulações que com o passar do tempo possibilita a reconstituição das "tendências políticas" marcadas, em vários aspectos, por um "alargamento" - no aspecto cultural - de suas concepções políticas organizadas. NO UNIVERSO DAS PRÁTICAS ORGANIZADAS

"Não houve uma interrupção, mas tudo se transformou"166

Os estudos sobre as atividades políticas dos estudantes no período 64/68 têm trazido contribuições importantes para uma interpretação mais profunda das organizações de esquerda brasileiras e sua atuação no movimento estudantil, o que no entanto não se têm

Brasiliense, 1981, p53/87 164 Depoimento de Geraldo Siqueira, ex-militante da Tendência Refazendo (USP) a Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 165Depoimento de Vera Paiva, da Tendência Refazendo da USP, a Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 166 Antonio Marcelo. Ensaio Geral. São Paulo, Alfa-ômega, 1978, p32

Page 114: UMA AVENTURA POLÍTICA

114

feito acompanhar por um número maior de reflexões sobre a questão da cultura entre as manifestações estudantis e suas relações com o universo político167.

Já o período pós-68 carece de dados, inclusive, acerca das organizações de esquerda no interior deste movimento, o que dificulta o nosso trabalho investigativo em função da importancia que estas organizações desempenharam ao longo de seu processo de reestruturação e transformação nos anos 70. Na verdade, são várias as questões a se considerar no bojo de uma relação tão complexa como a estabelecida entre política e cultura no universo estudantil. Como diria Daniel Aarão Reis Filho em debate com Roberto Schwartz na Unicamp durante o Seminário "O Golpe de 64: 30 Anos"168, há muito ainda o que desvendar da conjuntura riquíssima que precedeu ao golpe de 64 no aspecto das articulações e efervescências político-culturais que acompanharam a entrada em cena dos movimentos sociais no cenário público do início da década. Segundo Roberto Schwartz, foi neste contexto que o movimento estudantil ganhou a densidade e a seriedade de luta social que o habilitou a "emprestar" a outros movimentos sociais, o seu tempo e sua liberdade, promovendo-se uma aproximação surpreendente entre intelectualidade e luta popular. Em seu entender, no período anterior a 1964, o patrocínio do Estado de uma situação cultural muito especial - à margem do mercado - abriu espaço para o desenvolvimento de experiências culturais muito ricas, capazes de fornecer aos estudantes um repertório de soluções artísticas fundamental à sua adaptação à luta social, ou ainda, à construção de novas respostas à luta social; como no caso do teatro épico desenvolvido no CPC da UNE, que configurou uma experiência de teatro de agitação não pagante e com fisionomia vanguardista em cujo centro se constituiu a discussão da luta de classes; ou as inovações estabelecidas no campo musical a partir da associação entre poesia modernista e música popular. Estas experiências, no entanto, foram interrompidas ou cerceadas (em seu sentido e dinâmica original de produção) pelo golpe de 64, que ao mesmo tempo que comprometeu a concretude da relação estabelecida entre cultura e política, lançou mão 167São inúmeros os estudos sobre o movimento estudantil que enfocam a atuação dos grupos organizados de esquerda, a começar por O Poder Jovem, de Artur Poerner e O Movimento Estudantil e a Ditadura Militar, de João Roberto Martis Filho, entre outros. De fato, o lugar que as organizações ocupam no percurso do movimento chega perto de se confundir com o movimento em si mesmo, de forma que se torna frequente analisar estas experiências pelo enfoque político da leitura propriamente organizada, matizada pela relação vanguarda x massa, a partir da qual toda a trajetória do movimento passa a ser recuperada e explicada. Em nosso caso, interessa-nos conhecer um pouco mais de perto esta influência para, inclusive, perceber os desdobramentos que suas revisões militantes ocasionam no movimento em "reconstrução" nos anos 70, ou ainda, o quanto elas partilham das transformações de Universidade e dos outros referenciais políticos que se fazem a partir de então colocados. 168 Seminário �O Golpe de 64: 30 anos� promovido pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, 21 a 24 de março de 1994

Page 115: UMA AVENTURA POLÍTICA

115

destes instrumentos de "desconvencionalização" da cultura para sua utilização dentro de uma outra lógica. Neste caso, em lugar da relação estabelecida entre as produções artísticas e o universo dos conflitos sociais, temos a construção e a consolidação de uma cultura de massas (e de um parque industrial de cultura) afinada às questões ideológicas da ditadura em curso, o que entre outras coisas permite ao Estado interferir de maneira profunda na dinâmica das movimentações socias e nas experimentações culturais vigentes na sociedade em termos mais amplos169. Por outro lado, apesar das questões e experimentações culturais terem-se feito primordiais às movimentações estudantis da primeira fase da década, a partir de 1964 os processos de radicalização se estabelecem em outros termos, sendo que agora as organizações de esquerda, enquanto tais, ocupam um papel decisivo nas definições e dinâmicas deste movimento. Segundo João Roberto Martins Filho170, a influência das organizações é de tal monta que este movimento deixa de se constituir uma expressão das classes médias para refletir os posicionamentos das lideranças que defendem a revolução social. Para Marcelo Ridenti, em O Fantasma da Revolução Brasileira, na proporção em que o movimento estudantil ocupa um lugar mais expressivo entre os movimentos sociais deste período, cresce o número de estudantes organizados (com vínculos com o PCB, com as dissidências ligadas à luta armada, com a AP e a POLOP), ou ainda, o número de estudantes nos quadros de esquerda. Em relação ao movimento estudantil, os seus cálculos apontam que na primeira fase da década, o número de estudantes organizados não alcançava 2% dos militantes, passando na fase pós-64 a atingir cerca de 30%. Em relação ao número de estudantes nos quadros das esquerdas, o número oscila conforme a organização, mas no período de maior radicalização e opção pela luta armada chega a constituir 50% dos militantes, com fortes reflexos sobre o fenômeno de radicalização e conflito. Dentro destas considerações, aliás, vários estudos têm trazido dados sobre os vínculos que então se estabelecem entre as esquerdas e as movimentações estudantis, e mais do que isso, têm procurado trabalhar com o fenômeno de transformação política que em ambos os casos se estabelece. Segundo Marcelo Ridenti:

"As evidências vão no sentido de que a maior parte dos universitários que aderiram

às esquerdas em geral, e às armadas em particular, politizaram-se enquanto

169Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1985, p.79/126; Renato Ortiz. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura e Indústria Cultural. São Paulo, Brasiliense, 1988, p113/148; Sérgio Miceli (org). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel, 1984 170 João Roberto Martins. Op.Cit, p.102

Page 116: UMA AVENTURA POLÍTICA

116

estudantes depois do golpe, ainda que vários líderes do ME antes de 1964 tenham

tido atuação destacada nas esquerdas, e que a ausência de reação ao golpe militar

tenha contribuido para gerar a indignação e a revolta da geração estudantil formada

entre 1964 e 1968. Entre 1966 e 1968, a UNE e outras entidades foram

representativas senão do conjunto dos estudantes, ao menos dos amplos setores que

participaram do ME, com maior ou menor empenho"171

Esta maior adesão às organizações de esquerda se constitui parte de uma transformação mais profunda das concepções e das experiências políticas estudantis, motivada em grande medida pela gravidade das questões que se fazem colocadas pela ditadura militar e implantação do novo modelo econômico. Neste aspecto, o movimento que "renasce" após a decretação da Lei Suplicy de Lacerda em 1964 é marcado por posicionamentos, formas de resistência e rearticulação política que pouco a pouco adquirem uma fisionomia (e concepção) clandestina de ação política. O cerceamento e o controle instaurado sobre os diretórios permite uma aproximação entre posições divergentes, a "ascensão" das organizações de esquerda e mais do que isso, uma alteração de entendimento (e papel) das próprias agremiações acadêmicas. Nas palavras de Ridenti:

"No combate às medidas autoritárias contra a Universidade e contra a livre

expressão do movimento estudantil, uniam-se momentaneamente os estudantes

liberais e os de esquerda em nome da quase totalidade dos universitários (..) Passado

o trauma do golpe, os estudantes reorganizaram-se e, por volta de 1965, na esteira

do combate à lei Suplicy, as esquerdas universitárias foram-se rearticulando "172

A alteração de sentido dos diretórios, por sua vez, vem da sobreposição de uma estrututura e dinâmica partidária clandestina em relação à dinâmica política tradicional - já marcada, segundo Guilhon Albuquerque, pela presença de grupos e correntes políticas nas estruturas de gestão - sendo que agora os grupos clandestinos desenvolvem através das agremiações "de massa" propósitos políticos ainda mais específicos. Em sentido inverso, as militâncias de esquerda adquirem um perfil mais jovem que as aproxima do "clima político e cultural dos anos 60"173 e motiva a adoção de procedimentos mais radicais inspirados nos acontecimentos internacionais da revolução cubana (em especial, a guerrilha de Che 171Marcelo Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op cit, p.138 172 Ibidem, p.127 173 Ibidem, p.221

Page 117: UMA AVENTURA POLÍTICA

117

Guevara) e chinesa. "Reconstruir" os diretórios, neste contexto, implica imprimir um significado mais engajado de transformação social ao movimento a partir do que as organizações clandestinas passam a disputar cargos e funções nas agremiações consideradas estratégicas para a direção das "massas" estudantis. As dissidências do PCB, por exemplo, participam da "reorganização" das entidades estudantis de algumas faculdades do Rio de Janeiro, como esclarece Ridenti - referendando-se em Daniel Aarão Reis Filho:

"o entrelaçamento do DI-GB [Dissidência Guanabara] com o movimento estudantil

carioca tenderia a aprofundar-se nos anos seguintes, especialmente durante 1968,

quando já havia rompido com o PCB e exercia liderança inconteste no movimento,

conduzindo as principais entidades estudantis, como a UME"174

Ridenti observa que no caso da DI-GB (Dissidência Guanabara), a organização possui uma preocupação de separar os processos de organização clandestina das peculiaridades e relativa autonomia da luta estudantil; o que no entanto não altera o fato de que ao se sobrepôr ao que considera como movimento de "massas" a direção clandestina desenvolva no interior das entidades uma outra estrutura de poder responsável por alterar a configuração original destas agremiações, a começar pela restrição do acesso aos projetos de vanguarda (de fisionomia clandestina) que são conhecidos apenas nos aspectos que interessam à promoção de articulações mais amplas com outros movimentos e organizações. A novidade deste contexto diz respeito, então, não propriamente à presença de organizações de esquerda no meio estudantil, mas à transformação das ações políticas estudantis através das práticas partidárias de esquerda. Nas palavras deste autor:

"A luta contra os acordos MEC-USAID, por exemplo, unia tanto aqueles setores da

liderança estudantil que privilegiavam a luta contra a ditadura, caso da AP (os

acordos eram vistos como expressão do imperialismo, representado pela ditadura

militar), quanto os setores da vanguarda estudantil, que buscavam a ponte entre as

reivindicações específicas e as políticas (..) A ênfase nas reivindicações específicas

do estudantado levou as dissidências estudantis do PCB à conquista de entidades

como a UME carioca e a UEE paulista, que conduziram os amplos protestos de rua

de 1968. Essas dissidências ganharam também um pêso ímpar na diretoria da UNE,

ainda que o presidente eleito no XXIX Congreso daquela entidade fosse da AP, Luís

174 Ibidem, p.137

Page 118: UMA AVENTURA POLÍTICA

118

Travassos (..) Vale dizer, a AP tinha quatro membros na diretoria, as várias

tendências disssidentes do PCB contavam com três representantes e a POLOP

(depois POC), com outros três. A diretoria funcionava em colegiado e esteve à frente

do estudantado no ano convulsivo de 1968, que teve em São Paulo, e principalmente

no Rio, as maiores manifestações de massa. Nas duas cidades as entidades estudantis

de maior peso estavam ligadas às dissidências do PCB: a direção da UNE carioca

era da DI-GB, futuro MR-8; a UEE paulista era da DISP (a maior parte da Dissidência Estudantil de São Paulo,

DISP, acabaria integrando-se à ALN)"175

No Congresso da UNE de 1967 já podemos encontrar posicionamentos políticos que refletem estas divergências presentes entre as esquerdas brasileiras, em particular os posicionamentos trazidos pelas dissidências do PCB que introduzem na discussão deste Congresso as idéias de Régis Debray (Revolução na Revolução)176. Na ocasião, segundo o documento "Uma História do ME 1960/1974" havia três concepções políticas a liderar as discussões:

"a esquerda cristã de origem católica, as disidências do Partido Comunista

Brasileiro (PCB) e a frente Universitária Progressista (FUP) que expressa proposta

do PCB para o movimento estudantil"177 175 Ibidem, p129 176 Segundo Artur Poerner: �...O Congresso de 67 sofreu influência marcante do pensamento exposto por Régis Debray em seu Révolution dans la Revolution - obra cuja circulação o Governo proibiu oficialmente em todo o território nacional, embora seu texto, traduzido e mimeografado fosse amplamente conhecido pelos estudantes. Surgiu assim a corrente estudantil debreísta, radical e romântica, voltada contra o que denominou de �mero reformismo� dos comunistas, praticamente alijados do movimento estudantil�. O Poder Jovem, p289. Ainda sobre o estudo de Debray, ver: Regis Debray. Revolução na Revolução. São Paulo, Centro Editorial Latino Americano, trad. Olinto Beckerman, s/d 177Segundo este documento s/d, s/autor, nas pp.16/17: "As concepções políticas mais importantes do 30º Congresso foram: Maoísmo populista: o ME por intermédio da pequena burguesia radicalizada é parte integrante do bloco das quatro classes, isto é, a aliança do proletariado com a burguesia nacional, a pequena burguesia e o campesinato. O O ME terá a função de apoio a esta 'frente popular'. O combate contra a Universidade capitalista é subestimado dando-se principalidade à aliança da da frente popular. O ME deve 'ir às massas', 'aprender com elas', 'ir ao povo buscar a verdade'. Repete-se a fórmula da revolução por etapas do PCB (a primeira etapa é a de libertação nacional ou democrático burguesa) aliada a um ultra-esquerdismo na ação (o grande objetivo do ME era a ida às ruas, mesmo quando isto tinha consequências desmobilizadoras, não se apresentando alternativas de organizar os estudantes em níveis mais avançados. - Universidade Crítica: a Universidade é colocada como a consciência crítica da sociedade, dando-se ao ME e sua vanguarda a função de lutarem por uma estratégia de negação ideológica da Universidade capitalista. Esquece-se que o Sistema de Ensino é um dos problemas do poder político e do controle da sociedade pelos trabalhadores. Dissidências comunistas: a defesa da revolução socialista e a integração do ME na luta dos trabalhadores são os pontos estratégicos principais de seu programa. As lutas políticas estudantis são

Page 119: UMA AVENTURA POLÍTICA

119

As organizações de esquerda estudantil, por sua vez, apresentam divergências com relação às revisões que neste contexto de recrudescimento começam a acenar para a luta armada como opção de ação política, e na medida em que um maior número de estudantes organizados ou simpatizantes, desiludidos com o "limite" do movimento estudantil, se vincula à esta opção (proporcionando, segundo Guiomar Lopes Calezan, em Ridenti178, o próprio crescimento da luta armada), eles conferem à luta política estudantil uma postura de "vanguarda". Os projetos políticos mais radicais, neste caso, procuram suplantar o movimento para buscar vínculos sociais mais abrangentes em nome da revolução: os projetos de inspiração guevarista propõem a luta armada no campo; os de caráter maoísta pregam a necessidade de proletarizar os quadros militantes por meio de uma inserção nos espaços da produção179. Os estudantes que ingressam no universo clandestino das práticas de guerrilha urbana e rural chegam em alguns casos a constituir organizações armadas a partir deste mesmo movimento, como no caso das dissidências do PCB (ocorridas no Rio e na Guanabara, a partir de 1966) que vão compôr dois grupos denominados por MR-8 ou a dissidência da POLOP, que vai constituir a COLINA (a partir de 1967, com expressão em Minas Gerais e Rio). Outros grupos organizados com atuação destacada no movimento estudantil como no caso da AP e da POLOP não se envolvem com a luta armada mas têm parte de seus militantes transferidos para esta opção, o mesmo acontecendo com o POC (continuidade da POLOP em articulação com a DI do PCB do Rio Grande do Sul, composta por 40,6% de estudantes) e com o PCBR (com participação de cêrca de 40% de estudantes). Para Ridenti, "A ligação entre o movimento estudantil e as organizações de esquerda estreitava-se entre 1967 e 1968"180, período no qual o governo militar consolida sua política em relação à Universidade e ao movimento estudantil, e no qual se articulam

desenvolvidas com ampla participação, saindo fortalecidas as suas entidades. Contudo, esta política de fortalecimento do movimento estudantil e suas entidades é prejudicada pelo deslocamento de líderes estudantis do trabalho universitário para as atividades envolvendo ações armadas, acelerando o processo de esvaziamento do movimento estudantil. Esta orientação foi fruto das concepções políticas que davam uma importância proponderante às vanguardas armadas, substituindo-se mesmo o papel da classe trabalhadora como motor da história". 178Marcelo Ridenti. Op. Cit., p133 179Encontramos nos estudos já citados de João Roberto Martins Filho, Daniel Aarão Reis Filho, Marcelo Ridenti e Artur Poerner uma discussão atenta sobre esta questão 180 Marcelo Ridenti. Op. Cit., p130

Page 120: UMA AVENTURA POLÍTICA

120

movimentações que almejam ao mesmo tempo transformar a Universidade e recusar a ditadura militar. As dissidências, de maneira especial, inovam nos procedimentos coletivos ao resgatar as "lutas específicas" como eixo maior da luta contra a ditadura, de forma que durante o ano de 1968, todo um conjunto de atividades relacionadas à reforma da Universidade é colocado em prática, inclusive o projeto estudantil de cursos piloto, comissões paritárias e experiência de auto-gestão; experiências que são somadas às lutas no espaço público com uma nítida intenção de aproximar este movimento das lutas sociais mais amplas181. Os resultados desta trajetória são surpreendentes e o movimento chega a assumir um papel político específico no cenário social. Segundo o depoimento de César Benjamin (recolhido por Ridenti), em 1968:

"havia uma crise de representatividade política muito grande. De outro lado, havia

um movimento significativo de resistência ao governo, que tomava o rumo do

Movimento estudantil, que cumpriu certas funções de partido na época, não no

sentido orgânico, mas no sentido de se formar opinião pública, de ser uma referência

de quadros. E os grupos políticos que tinham hegemonia dentro dos movimentos

acabaram colhendo, um pouco, os resultados dessa influência social, que foi o que

alimentou especificamente a organização (MR-8) na época do refluxo"182

No entanto, é no limiar desta associação entre clandestinidade e "luta de massas" - marca importante do movimento estudantil neste momento - que o XXX Congresso da UNE organizado pela UEE-SP em um sítio de Ibiúna experimenta um desfecho trágico: o Congresso é descoberto pelos órgãos de repressão e os seus cêrca de 700 militantes são presos nas vésperas da promulgação de medidas mais violentas e de maior capacidade de contenção e desarticulação política183 - situação que não impede que em 1969, a AP e o PC do B asssumam a diretoria UNE através da realização do XXX Congresso da UNE de forma clandestina184 (em um momento no qual as dissidências do PCB de São Paulo e do 181Em 1968: A Paixão de uma Utopia, Daniel Aarão Reis Filho resgata, por meio de depoimentos, formas de ação originalíssimas presentes no ano de 1968, como a atuação "celular" de militantes junto a debates e ao repasse de informações, o que auxilia na intensificação das "explosões" participativas de caráter reivindicativo. 182 Ibidem, p139 183Situação narrada em diversas fontes entre elas, em O Poder Jovem, Op. Cit, p.302/307; História da UNE: volume 1 Depoimentos de ex-dirigentes, Op. Cit. p.82/90; A Volta da UNE: De Ibiúna a Salvador, Op. Cit., p.13/15 184 �Uma História do ME 1960-1964�, datilografado, s/d, s/autor. AEL/UNICAMP. Este documento de grande relevância encontra-se ainda no anonimato, tendo-nos sido impossível identificar sua autoria.

Page 121: UMA AVENTURA POLÍTICA

121

Rio abandonam o movimento estudantil para seguir para a luta armada). De qualquer forma, estas leituras e modalidades de luta já se "desincompatibilizam" do universo acadêmico que passa agora a ser regido pela implantação da lei nº5540/68 colocando os diretórios em grandes dificuldades de desempenho de atividades coletivas. A opção pela luta armada entendida por muitos como um "prolongamento" das ações estudantis enfrenta, então, o isolamento e uma carga repressiva das mais violentas, pagando preço alto pela concepção vanguardista que se acha presente entre as militâncias. Segundo Ridenti:

"O crescente abandono de participantes do movimento estudantil pela militância

exclusiva nas organizações já era uma tendência nos grupos guevaristas em meados

de 1968, pois eles viam a guerrilha rural como meta prioritária. O processo

acelerou-se com o bloqueio das atividades políticas no interior do ME, imposto pelo

AI-5 e, depois, pelo Decreto nº477. De pronto, parte das lideranças e da 'massa avançada' dos estudantes ingressou, então, na militância clandestina

para organizar a revolução"185

ISOLAMENTO E DESARTICULAÇÃO A luta armada como alternativa possível de resistência e revolução social tem origem em um contexto progressivamente violento de fechamento político e se relaciona diretamente com as experiências e leituras vigentes entre as esquerdas. De forma especial, a partir da instauração do AI-5 (em fins de 1968) quando se configura o fechamento dos canais institucionais de participação política e a interrupção violenta dos processos de engajamento e luta política por transformações e "revolução" social, resta às práticas organizadas poucas opções de enfrentamento, entre eles a constituição de agrupamentos armados no campo e na cidade. Na perspectiva de continuar a agir politicamente (em um momento no qual se torna urgente defender a vida dos militantes atingidos pela repressão), as organizações de esquerda ligadas à luta armada procuram "desmascarar" os discursos oficiais que cotidianamente mitificam a realidade da ditadura, ao mesmo tempo que procuram dar prosseguimento aos ideais de revolução através de ações "espetaculares" (no aspecto das estratégias militares) entendidas como formas possíveis de luta política. A guerrilha

185Marcelo Ridenti. Op. Cit. p133

Page 122: UMA AVENTURA POLÍTICA

122

enquanto "caminho" político, por sua vez, encontra fundamento na perspectiva de intervenção social construída "na contra mão" do processo repressivo, dando o "tom" de seriedade com que se pretende participar da vida do país marcado pelo fechamento das instituições políticas, pela suspensão dos direitos constitucionais, censura a imprensa, funcionamento irregular da Universidade, repressão sindical e partidária.

No entanto, a luta armada (que nasce fruto da ausência de outras formas de protesto, reivindicação e defesa) também se configura como uma situação trágica, como um procedimento defensivo que ao tentar resguardar o direito civil de participação política, impõe marcas muito difíceis à militância; uma opção que por mais que procure se revestir de um sentido "heróico" e social é incapaz de conter as frustrações existenciais que emergem das rupturas concretas das perspectivas de vida social pretendidas anteriormente. Para Alfredo Sirkis:

"Gostaria sim é que nunca mais na história do Brasil se repetisse uma situação de

opressão sangrenta, sufoco total e fechamento brabo que levasse uma geração de

jovens a tomar as armas"186

Na medida em que as organizações procuram assumir o lugar deixado pelo esgotamento das demais formas de contestação e reivindicação política, a experiência de vida clandestina entra em contradição com os ideários coletivos da ação política anterior - situação tão bem traduzida por Ana Maria Machado, em Tropical Sol da Liberdade:

"Para o próprio bem e a segurança de cada um de nós, é melhor não ouvir

conversas, não ver pessoas, não saber quem estava onde. Assim, o risco fica menor

para todo mundo. De uma forma ou de outra, está todo mundo tentando resistir,

ajudar, fazer alguma coisa. Mas a repressão é muito dura, ninguém sabe nem o que

pode fazer, por onde começar. Têm gente que vive escondida, com nome falso, não

vai mais aos lugares que frequentava" 187

Na prática, os problemas, o significado e os custos da guerrilha ampliam as frustrações e o desencanto de uma geração que investe, por meio das reflexões e práticas políticas, na construção de instrumento de transformação social; perspectiva de 186 Alfredo Sirkis. Os Carbona´rios. Op. Cit., p10 187Ana Maria Machado. Tropical Sol da Liberdade: A história dos anos de repressão e da juventude brasileira pós-64 na visão de uma mulher. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1988Op. cit. p249

Page 123: UMA AVENTURA POLÍTICA

123

"organização" que em pouco tempo se configura como um "desfecho" destas mesmas proposições sociais, levando muitas pessoas ao desespero188. As sucessivas derrotas trazem contornos pessimistas à avaliação dos caminhos políticos, além da perda de referenciais e a vivência de um "vazio existencial" (explicável pelo significado que a política ocupa entre os projetos de vida coletiva) que abala profundamente as militâncias de esquerda189. Como sugere Antonio Marcelo, passa-se a viver:

"A marginalização da própria história na preocupação com a segurança e o manejo

das armas. Lançar-se à luta para salvar o mundo e terminar apenas tentando se

salvar, na suprema ironia dos atos heróicos"190

Em O Que É Isso, Companheiro?, de Fernando Gabeira, podemos acompanhar a trajetória de um militante clandestino baleado, preso, torturado e exilado, que se vê forçado a remontar alguma perspectiva política nas condições de exclusão e isolamento social; ou ainda, em Os Carbonários, de Alfredo Sirkis, podemos conhecer o cotidiano de um jovem estudante secundarista de classe média que ao optar pela militância revolucionária se vê clandestino em plena cidade do Rio de Janeiro em um contexto no qual diminue cada vez mais o número de militantes organizados - dando lugar à figura dos "desbundados", simpatizantes ou militantes que por sua própria escolha penetram em esquemas mais privados de vida, em geral acompanhados de drogas. A objetividade

188 Segundo Ronaldo Santos, poeta do grupo Nuvem Cigana: �Nesse tempo todo, a nossa grandecamarada foi a loucura. Aprendemos a conviver com ela, com aquela dor (...) a droga deu o que qualquer alimento dá: deu uma força e deu uma fraqueza. Porque a droga foi muito difícil para essa geração. Eu acho que quem viveu uma adolescência nos últimos dez anos participou disso. Eu vejo principalmente que a droga ensinou essa geração a conviver com aloucura, a despertar a sensibilidade, a se desligar de uma série de coisas muito objetivas. Isso mudou radicalmente a vida dessa geração� Heloisa Buarque de Hollanda e Carlos Messeder Pereira. Patrulhas Ideológicas marca reg Arte e Engajamento em Debate. São Paulo, Brasiliense, 1980, pp 260/261 189Na obra Ensaio Geral, de Antonio Marcelo, uma entre muitas publicações memorialísticas produzidas sobre os acontecimentos do pós-64, podemos observar a carga de "negação" e de indefinição com relação ao futuro que se partilha neste percurso acidentado de militâncias. Nesta análise, a reação ao golpe de 64 é tratada como um momento heróico de negação da "realidade" repressiva e de afirmação de "um novo tempo que haveria de nascer", cujos projetos de transformação social se achariam baseados muito mais naquilo que se sabia não querer, do que no que colocar no lugar. As "certezas" estariam sobretudo no caráter coletivo da construção política, no valor das discussões, e mais do que tudo, no papel que as ações concretas por mudança desempenhariam no curso dos acontecimentos. Neste caso, na medida em que os mecanismos de repressão e censura se intensificam, são as indefinições, a fragilidade das ações individuais e sobretudo as angústias que vem à tona : "por não saber quando tudo aquilo terminaria, que tempos seriam os que viriam e para os quais aquele era apenas uma preparação ou um ensaio". Antônio Marcelo. Op. Cit., p.33 190 Antonio Marcelo. Ensaio Geral. Op. Cit, p45

Page 124: UMA AVENTURA POLÍTICA

124

guerrilheira aparece aqui através dos olhos de um jovem pragmático e convicto nas ações armadas, que de saída nos esclarece:

"Não tenho nostalgia daqueles tempos mas curto as vivências, os despertares, as

aventuras e os 'cacos de sonho onde até hoje a gente se corta', como diz Alex numa

poesia do seu Inventário de Cicatrizes"191

Alex Polari de Alverga, aliás, deixa como registro deste período um sentimento menos aventureiro e mais dramático da experiência militante, indignado e marcado pela violência:

"Esse silêncio enlouquece

se houvesse mais alguém

seria mais fácil

Hoje veio o médico

falou pro coronel

que ainda dá prá bater nas minhas costas"192

A questão do isolamento e da exclusão política, por sua vez, não se restringe às militâncias organizadas envolvidas com as ações armadas193. A interrupção efetiva dos mecanismos coletivos e de sociabilidade relacionados até então com as práticas políticas presta-se a desencadear um fenômeno muito mais profundo de controle social, de forma que a solidão que começa por ser individual, ganha na verdade um significado coletivo, e neste caso encontramos em depoimentos de diversos autores, escritores e militantes os registros de um sentimento de "auto-exclusão" que passa a tomar conta deste período. A violência, na verdade, se presta a desmantelar relações e perspectivas coletivas - entre elas, as mais radicais como bem expressa Alex Polari neste poema: "Juro

191 Afredo Sirkis. Op. cit. p10 192 Alex Polari de Alvarenga. Inventário de Cicatrizes. São Paulo/Teatro Ruth Escobar e Riode Janeiro?Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978, p13 193Marcelo Ridenti. O Fantasma da Revolução Brasileira. Op. Cit. p255

Page 125: UMA AVENTURA POLÍTICA

125

não têm auto-crítica

que me tire

as saudades

de uns tiros"194

No mesmo sentido, o isolamento e o cerceamento convivem com o desenvolvimento da comunicação de massas a partir do que os discursos oficiais justificam a violência sobre a juventude e ganham ressonância no bojo de uma sociedade de características culturais conservadoras. O Governo consegue coibir as organizações de esquerda através do uso de equipamentos repressivos mais sofisticados e por meio do controle das informações no trato da opinião pública incitando através dos jornais e propagandas televisivas a delação de "terroristas". Sirkis dá pistas claras desta manipulação de informações no episódio do sequestro do Embaixador da Alemanha quando ocorre um duelo estratégico em torno da divulgação de questões repressivas - que emanam, antes de tudo, do próprio Governo Militar. Na verdade, as atitudes repressivas tem origem nos mais diversos espaços sociais, transcendendo em muito as ações militares, o que leva a que a sociedade, em muitos momentos, participe como "delatora" das práticas culturais/políticas que almejam transformações de valores e costumes. A AFIRMAÇÃO DAS SEMELHANÇAS E A FARSA DA REPETIÇÃO

"O ano de 1961 é o marco inicial da Nova Esquerda (..) o primeiro elo de uma longa

corrente que, desde então, não mais cessaria, quebrando o monopólio da

representação política a que pretendia o PCB desde 1922 (..) Já o ano de 1971 não

assinala apenas dez anos de lutas, mas igualmente o início do fim de um primeiro

ciclo da Nova esquerda, marcado, se assim podemos sintetizá-lo, por concepções que

supervalorizaram a capacidade de ação das vanguardas no quadro de um suposto

impasse irreversível ao nível da dominação de classe. Pensava-se o Brasil como um

barril de pólvora, uma chama 'ataria fogo na pradaria' (..) A destruição de mais esta

tentativa fortaleceria a tendência esboçada. Já em 1970, pelos primeiros documentos

autocrítiocos, que, depois de uma fase de transição prolongada até 1973, se

afirmaria reconhecendo novas realidades, propondo novos caminhos, inaugurando

194 Alex Polari de Alvarenga. Op. Cit. P48

Page 126: UMA AVENTURA POLÍTICA

126

novas fases, caracterizada pela busca de formas legais de luta e pela admissão da

situação de defensiva em que se encontravam o movimento popular e as

organizações e partidos de esquerda no Brasil. A distensão 'lenta, segura e gradual',

a partir de 1974, e as eleições deste mesmo ano consolidariam uma nova conjuntura

e um novo ciclo no interior da Nova esquerda" 195

A promulgação do AI-5 e do decreto lei nº477 têm um efeito direto sobre a desarticulação do movimento estudantil embora existam outras razões que contribuam para uma maior fragmentação e esvaziamento deste movimento, relacionadas entre outras coisas, com a própria orientação de adesão à luta armada, ou ainda, com as limitações que se estabelecem à rearticulação e renovação das formas organizativas. Segundo o documento "Uma História do ME 1960-1974", no início dos anos 70:

"as organizações estudantis de caráter nacional e estadual, ou mesmo de âmbito da

Universidade (DCEs) foram sendo definitivamente cassadas e fechadas. A UNE

realiza o XXXI Congresso de forma precaríssima no final de 1970, começo de 71.

Não se pode falar de um congresso à semelhança dos anteriores, mas sim de

pequenas reuniões realizadas em várias etapas, restritas a parte da vanguarda do

ME. A UNE não consegue elaborar uma política de reaproximação com o conjunto dos estudantes, permanecendo muito mais como um símbolo do que como

uma organização que coordene as lutas estudantis a nível nacional. Das UEEs, que

ainda tinham pouca penetração no interior de alguns estados, restou apenas o DEE

do RGS, agora sob a orientação da Arena"196

Se por um lado a atuação política na instituição universitária (e na conjuntura política mais ampla) é marcada por extrema violência repressiva; por outro, os CAs e DAs se "esvaziam" também em função da realidade das opções militantes que secundarizam o trabalho nas entidades em nome de se lutar pela transformação revolucionária da sociedade; e neste caso, em paralelo às invasões de entidades, perseguição de lideranças (com a colaboração da direção das várias faculdades) e afastamento de professores do universo acadêmico (através de processos de cassação e aposentadoria forçada) é preciso considerar que a "revolução faltou ao encontro" e que a 195 Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá (orgs). Imagens da revolução. Documentos Políticos das Organizações Clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, p.12 196 �Uma História do ME: 1960-1974�. Op. Cit, p19

Page 127: UMA AVENTURA POLÍTICA

127

presença de revolucionários "sem a emergência da 'situação revolucionária"197 traz dificuldades reais para a continuidade das lutas políticas - dentro e fora do espaço acadêmico. Em A Revolução Faltou ao Encontro, Daniel Aarão Reis Filho persegue as razões dos vários fracassos e derrotas comunistas estabelecidos neste período na perspectiva de apontar e discutir problemas que na verdade procedem de uma "natureza íntima das organizações comunistas" e de "fatores de coesão" que "debilitam e enfraquecem simultaneamente a capacidade dos comunistas de manterem um contato, uma troca, uma interação, vivas e ágeis com o processo histórico". Segundo o autor:, existem questões problemáticas que se originam de "pressupostos fundadores", da dinâmica política das organizações, da estratégia e concepção em relação ao papel das direções, que efetivamente comprometem a inserção destas organizações na dinâmica da própria história. Segundo o autor:

"Em primeiro lugar, os pressupostos fundadores - ou mitos, ocasionadores: a

revolução socialista, historicamente inevitável; a missão redentora do proletariado;

a imprescindibilidade do partido de vanguarda, intérprete qualificado do devir

histórico (...) Em segundo lugar, a dinâmica excludente e antidemocrática das

organizações comunistas enquanto elite política que detém as chaves do

conhecimento da 'necessidade histórica', ou seja, das leis do movimento da sociedade

e de suas lutas, o que lhes confere capacidade de previsão e de antecipação, em

outras palavras, de direção do processo histórico (..) Em terceiro lugar, a estratégia

da tensão máxima - o conjunto de mecanismos e condicionamentos elaborados para

assegurar coesão e disciplina ao corpo de revolucionários profissionais de

vanguarda. Em quarto lugar, o papel das elites sociais intelectualizadas que

comandam e constituem majoritariamente as organizações comunistas, cuja força e

importância relativas decorrem, e ao mesmo tempo determinam, a configuração

daquelas organizações como organizações de estado maior"198

No curso dos anos 60, segundo Daniel Aarão, a vigência de uma atuação vanguardista sob estes moldes é responsável pelo "fechamento" das militâncias para com a percepção e a reflexão das contradições presentes na sociedade, ou ainda, para com as referências que não as oriundas dos textos marxista-leninistas, o que se traduz em uma

197Daniel A. Reis Filho e Jair F. Sá. A Revolução Faltou ao EncontroOp. cit. p187 198 Daniel Aarão Reis Filho. Op. Cit, p182

Page 128: UMA AVENTURA POLÍTICA

128

relação com o futuro que não busca uma maior compreensão da "realidade", mas sim um projeto de revolução como "realidade" iminente. O futuro é marcado por imagens de revoluções vitoriosas, de "êxitos materiais incontestáveis", em uma "éspécie de fé no devir histórico: o mundo marcha para o socialismo, o futuro será maravilhoso"199; a partir do que a militância se prepara para aderir à uma conjuntura revolucionária que, entretanto, não têm "nenhuma relação com a marcha dos acontecimentos"200. As projeções de futuro ocupam o lugar da "..livre investigação (..) reflexões originais (..) debate aberto (..) questionamento de luta política em vigor"201. Por outro lado, na medida em que os percursos traçados pela luta armada vão dando sinal de isolamento e debilidade como forma de resistência, ganha força um processo mais profundo de revisão teórica que procura, no período compreendido entre 1970/74, analisar as derrotas, as responsabilidades e as alternativas possíveis de continuidade das lutas políticas. Além de revisões, a desarticulação entre as leituras e os procedimentos organizados traz dificuldades concretas de recomposição de luta política, ao mesmo tempo em que se deve responder a problemas efetivos colocados no interior da Universidade em reforma, ou mesmo em relação aos acontecimentos inesperados - como a recuperação econômica promovida pelo "milagre econômico" que exige novas elaborações. No documento "Uma História do ME 1960-1974" podemos ler:

"verifica-se uma insuficiência teórica face à nova realidade sócio-econômica e (..)

quase que ausência de uma herança de toda a prática anterior"(..) os

desdobramentos subsequentes da nova etapa do ME foram marcados por dois

enfoques: por um lado, lutava-se pelas liberdades democráticas, e por outro,

perguntava-se a quem servia o chamado 'modelo brasileiro'. Na realidade, este

modelo apresentava contradições flagrantes, verdadeiramente confirmadas pelo

censo de 1970. Proliferavam, pois, estudos, debates e conferências, sobre a

distribuição da renda, uma das facetas mais obscuras do modelo. Ou seja, a tese da

estagnação econômica do Brasil foi substituída pela denúncia de seu crescimento

beneficiando exclusivamente certas camadas da sociedade"202

199 Daniel Aarão Ibidem, p183 200 Daniel Aarão Ibidem, p185 201 Daniel Aarão Ibidem, p183 202 �Uma História do ME: 1960-1974�. Op. Cit., p21

Page 129: UMA AVENTURA POLÍTICA

129

A questão de uma "insuficiência teórica", na verdade, aparece nas palavras de Marco Aurélio Garcia como um problema mais profundo, relacionado a um "despreparo" que poderia ser tomado em sentido histórico, fruto da mesma trajetória das militâncias de esquerda no Brasil. Em suas palavras:

"A superação das ditaduras militares que se estabeleceram nos anos 60 e 70, no

Brasil e em boa parte da América Latina, e que haviam representado uma dura

derrota para o movimento popular, e o marco mais geral de crise do nacional-

desenvolvimentismo, obrigava as esquerdas a enfrentar debates políticos e

econômicos para os quais não estiveram historicamente preparadas. O haver tratado

no passado a democracia mais como meio (instrumento) do que como fim e a

absolutização da democracia econômica e social em relação à democracia política

dificultavam uma reflexão mais substantiva sobre o tema. Os perigos de uma rigidez

dogmática ou de concesões liberais fizeram-se presentes"203

No caso do movimento estudantil, desde o início da década os grupos e propostas políticas organizadas se acham cindidos entre os que seguem para a luta armada, os que procuram restabelecer algum diálogo com o Ministério da Educação (como a posição política "reformista", ligada ao PCB), os grupos minoritários que tentam dar continuidade ao projeto "Universidade Crítica" (entendendo a Universidade como um "organismo vivo para o combate à ideologia burguesa da sociedade capitalista"), ou os que pretendem estabelecer uma frente ampla, democrática e patriótica contra o imperialismo e a burguesia internacional ligada ao regime militar, como a UJP, formada por grupos maoístas. Ao lado destas cisões, a ação organizada enfrenta problemas comuns com relação à transformação do caráter e dinâmica da atuação nos diretórios e no espaço acadêmico; dificuldades, no entanto, que não impedem que em um período relativamente rápido de tempo se restabeleçam "organizações de estado-maior"204 semelhantes às do período anterior, de forma que já em 73 começam a ressurgir grupos cuja pretensão é a de traçar novos caminhos de ação política organizada, como o "Grupão" na USP, embrião da tendência Refazendo205 que vai marcar o processo de reconstrução institucional do

203Marco Aurélio Garcia. "As Esquerdas no Brasil e o conceito de revolução: trajetórias". Trabalho, Cultura e Cidadania: um balanço da história social brasileira. Angela M. C. Araújo (org). São Paulo: Scritta, 1997, p.45 204 Daniel Aarão Reis Filho. A Revolução Faltou ao Encontro. Op. Cit., p187 205 Depoimento de Geraldo Siqueira a Virgínia Camilloti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento

Page 130: UMA AVENTURA POLÍTICA

130

movimento nesta Universidade; ou os agrupamentos trotkistas, como o grupo Outubro (que dá origem, com outros grupos, à Organização Marxista Brasileira, a OMB) e o Comitê Primeiro de Maio (Organização Comunista Primeiro de Maio), que juntos, criam a Organização Socialista Internacionalista (OSI) e a tendência Liberdade e Luta 206. Na verdade, são diversos os agrupamentos que se acham em recomposição na Universidade dos anos 70, sendo que as dificuldades impostas pela condição de clandestinidade dificultam um maior reconhecimento das trajetórias variáveis - conforme os posicionamentos e as dificuldades enfrentadas nos diferentes lugares e contextos. Em certo sentido, a fragmentação que encontramos imposta ao universo acadêmico (de isolamento das Faculdades e Universidades, de diferenciação entre as perspectivas e condições estruturais dos cursos, de dificuldades de comunicação, entre outras) se assemelha às imposições estabelecidas sobre as militâncias organizadas, que em nome de uma perspectiva de recomposição se vêem forçadas a construir novos procedimentos, ou ainda, rever seus próprios fundamentos a partir de questões e desafios que agora se fazem colocados. Em meados da década, por sua vez, estes grupos assumem uma maior visibilidade na medida em que se configuram como "tendências" dotadas de programas e estratégias próprias de ação política. A partir de então, podemos acompanhar com mais facilidade os seus percursos através da particularidade das análises, táticas e estratégias, assim como acompanhar a extensão que adquirem a partir da elaboração de um projeto mais coeso a envolver militantes de um maior número de Universidades e Estados. De qualquer forma, ao longo deste percurso, muitos destes agrupamentos podem ser caracterizados como:

"grupos e correntes de opinião, com a participação de militantes de organizações

clandestinas e estudantes sem vinculação orgânica a partidos, grupos esses

relativamente heterogêneos em sua origem e que aos poucos se tornarão mais

homogêneos e apresentarão contornos mais bem definidos"207.

Para estes agrupamentos, "militar" na instituição universitária e no estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 206 Depoimento de �Careca� a Virginia Camilotti. Projeto �Contribuição para o estudo do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional X História Invisível�, AEL/Unicamp, 1986 207Ângelo Emílio da Silva Pessoa. "As tendências e a reconstrução Institucional do Movimento Estudantil (1969-1979)". Mimeog., 1992, p.32

Page 131: UMA AVENTURA POLÍTICA

131

movimento estudantil significa reconstituir seu grupo, recriar estratégias e inclusive rever interpretações na medida em que não se têm mais o mesmo lugar político de antes - ou que não se pode "aparecer" como organização. Estas experiências de revisão, por sua vez, vão ser importantes por conferir um caráter "basista" ao trabalho político das organizações de esquerda na Universidade208, em um momento no qual as ações organizadas são constrangidas à uma atuação clandestina e em que se enfrenta a perda de "uma herança de toda a prática política anterior"209. Por outro lado, as perspectivas de trabalho "basista" possibilitam que as organizações clandestinas se tornem presentes nos percursos de retomada e radicalização das lutas acadêmicas, e inclusive, que participem de forma significativa da "politização" destes mesmos movimentos, contribuindo com o repasse de experimentações e referências do passado ou ainda com uma percepção e leitura mais profunda do contexto da ditadura militar que por trás das propagandas ufanistas reprime violentamente a sociedade civil e desfigura a Universidade210. Em 1974, temos notícias por "Uma História do ME 1960-1974" que:

"Em todos os recantos do país temos esse fenômeno da rearticulação e, tendo em

vista o quadro de circunstâncias particulares de cada região, nota-se que cada nova

experiência apresenta um caráter extremamente peculiar"211

O projeto de "politização" do movimento segundo a ótica destas organizações, por sua vez, possui um significado específico no sentido de procurar redirecionar o teor das lutas e movimentações de perfil acadêmico (estabelecidas a partir de uma ampla participação) em prol de um enfrentamento no espaço acadêmico da estrutura repressiva do Estado, ou ainda, da reconstrução de entidades "de luta" na esfera pública. "Politizar" o movimento estudantil implica alterar a dinâmica dos debates e deliberações coletivas de forma a tornar mais abrangente o seu processo de lutas, sendo que a atuação dos grupos ganha um papel destacado na medida em que procura estabelecer uma unidade política entre as diferenças a partir de uma perspectiva centralizada de ação coletiva. 208 Depoimento de Vera Paiva a Virginia Camilotti. Projeto �Contribuição para o estudo do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional X História Invisível�, AEL/Unicamp, 1986 209"Uma História do ME 1960-1974". Op. cit, p.21 210 Podemos citar diversas atividades neste sentido como a organização na USP dos Comitês de Presos Políticos que denuncia de sala em sala a prisão de estudantes e militantes contribuindo efetivamente para se constituir movimentos mais radicais de enfrentamento (como a Greve da ECA, em 1975, que chega a se estender por toda a Universidade) 211"Uma História do ME 1960-1974". Op. Cit., p20

Page 132: UMA AVENTURA POLÍTICA

132

A questão institucional do movimento estudantil, vai desde então se compôr de projetos políticos específicos que experimentam uma forte tensão em torno da hegemonia de concepções de participação e organização política. Se na primeira fase da década podemos identificar um movimento mais restrito à dimensão acadêmica e inter-acadêmica que valoriza a discussão da Universidade e defende a reconquista de direitos, é a dinâmica participativa que se gesta próxima ao diretório o que de fato promove possibilidades de romper e desvincular estas entidades das imposições administrativas. No entanto, na medida em que se amplia a participação e se radicaliza as posturas, se delineiam também projetos internos de centralização e homogeneização das perspectivas políticas e culturais - com a pretensão de se retornar uma luta exterior ao espaço acadêmico. No caso da USP, a radicalização que desde 1973 toma conta de várias diretorias de entidade (em nome de uma perspectiva de ruptura para com as relações de controle impostas pela administração) implica na definição de um perfil de gestão do diretório mais centralizado e burocratizado. Entre 1973 e 1974 já podemos observar os traços de interferência desta perspectiva mais centralizada de ação política que em um contexto de motivações, experimentações e recomposições variadas do início da década procura suplantar a vivência cotidiana de questões e procedimentos "alternativos" de ação política. Segundo o boletim do Conselho Provisório de Representantes da UnB, de 1974:

"toda uma série de manifestações esparsas vem ocorrendo em nossa Universidade

como cine-clubes, grupos de teatro, grupos de trabalho, revistas, debates sobre

currículos, saúde, economia, Universidade, reivindicações de alunos, que só não

assumem maior significado pela inexistência de um órgão que realmente centralize,

coordene e objetive as aspirações do estudante. O Conselho Provisário de

Representantes (CPR) da UnB é fruto desta necessidade. Órgão que se propunha

provisoriamente a defender o interesse de todos os estudantes, teve o conselho o seu

primeiro semestre de existência uma atuação tímida e indefinida. Mas a participação

crítica sempre maior dos alunos junto ao conselho vem injetando sangue novo no

mesmo "

A pretensão de recompôr organizações político-partidárias a partir das movimentações estudantis mais amplas, por sua vez, implica em estabelecer procedimentos e objetivos que não se encontram necessariamente em vigência nos movimentos. Na lógica das organizações estudantis de esquerda, "institucionalizar" o movimento significa reconstruir uma estrutura hierárquica de deliberação política que se faça sobreposta às

Page 133: UMA AVENTURA POLÍTICA

133

ações coletivas de forma a lhes conferir uma dinâmica centralizada de discussão e deliberação - cabendo às organizações clandestinas e suas tendências o papel de homogeneizar e "ordenar" as ações diversas rumo a adoção de um caráter político "consequente". Da mesma forma, "organizar" os estudantes significa orientar este universo de indivíduos distintos - a "massa estudantil" - à adoção de uma práxis política consequente, cabendo à tendência a tarefa de formar a instância da "massa avançada" (estudantes com maior discernimento político) enquanto um "canal" de atuação das "vanguardas", estas sim, expressão de uma militância consciente e esclarecida (que por razões injustificáveis se encontram forçadas à clandestinidade). O estabelecimento, então, de um duplo universo de vida política no/do diretório na forma de uma face "legal" e de outra "clandestina", permite a continuidade dos exercícios políticos das esquerdas em meio a emergência de outras perspectivas e propostas de articulação e partilha coletiva "alternativa". Como resultado, entretanto, temos o desencadeamento de uma situação de tensão - a percorrer toda a década - que se estabelece em torno do processo de "reconstrução" do movimento estudantil. Em especial, na medida em que o trabalho "politizador" das organizações (em condição de clandestinidade) procura se fundamentar nas insatisfações e conflitos latentes estabelecidos entre os estudantes (organizados ou não) e a administração para, ao mesmo tempo, alterar parte dos seus propósitos de valorização e objetivos de luta política. A presença de uma "vanguarda" clandestina de esquerda a definir os rumos do processo de institucionalização/institucionalidade do movimento possibilita agora que as lutas estudantis sejam "canalizadas" em prol da recriação de entidades gerais necessárias à recomposição do papel político original deste movimento. Da mesma forma, a vigência de uma concepção de "massa" estudantil implica em uma desqualificação da participação coletiva face às mesmas "vanguardas", situação que dá lugar ao desenvolvimento de procedimentos que, na prática, restringem ou mesmo excluem parcelas de estudantes das estruturas políticas, originando-se a formação do que Artur Ribeiro Neto chamou de "reis filósofos"212, um corpo destacado de indivíduos sábios a quem cabe a definição das diretrizes coletivas do movimento. Estes procedimentos na medida em que vão se estabelecendo, conferem novos rumos ao movimento, rumos que podem ser observados através dos diversos históricos produzidos pelas militâncias ao longo da década de 70 e início dos anos 80, como o texto "Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária" de autoria de Américo Antunes (Diretor do DCE UCMG e Presidente da UEE-MG gestão 212 Artur Ribeiro Neto. �Um Laço que não UNE mais�. Revista Desvios, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, nº 4, julho de 1985, pp 68/69

Page 134: UMA AVENTURA POLÍTICA

134

82/83). Podemos ler: " A série de medidas institucionais repressoras da livre organização do movimento

(477,228,etc) e políticas (a repressão brutal) praticamente destruíram toda

capacidade de resistência do movimento estudantil depois de 68. A destruição da

UNE, das UEEs, as eleições indiretas (via Conselho de DAs) para os DCEs,

fragmentaram toda a organização estudantil. Nesta situação de inércia e imobilismo,

com a perda de influência da esquerda, evidentemente, as correntes pelegas e de

"direita" começaram a dominar em grande parte as entidades. Mas a partir das

escolas federais, pela sua tradição de lutas, um novo quadro começava a se gestar,

no entanto. No período 71-72, algumas entidades começavam a ser reconquistadas

da "direita". Os encontros Nacionais de Cursos (como Engenharia) começavam a

disseminar lutas, o trabalho combativo no movimento, a reorganização das entidades

gerais, etc. 74 é o marco em que este processo de reorganização atomizada ganha

relevo nacional, com eleições diretas em vários DCEs, as primeiras lutas pipocam e o

1º Encontro Nacional de Estudantes começa a ser pensado. Em 75, tendo em vista a

necessidade da unificação nacional dos estudantes é realizado o Iº E.N.E., novamente

realizado em 76. A construção do DCE-Livre da USP, neste sentido, demarca um

novo campo na conquista da independência dos estudantes e suas entidades perante o

MEC e a Burocracia Universitária, na contrução de um movimento autônomo e

democrático"213

Na segunda fase da década, encontramos no interior dos diretórios e centros acadêmicos a formação de instâncias de deliberação mais hierárquicas e restritivas que possuem como pretensão "canalizar" as "massas" para as atuações consequentes, situação que provoca, muitas vezes, a "asfixia" de práticas coletivas não organizadas, forçando-as a acatar deliberações e propósitos que restringem e condicionam o universo da ação política. A criação das "entidades-livres" e a "reconstrução" das entidades civis (UEEs e UNE), neste sentido, vão conferir marcos mais verticalizados de institucionalidade aos mecanismos de discussão e deliberação coletiva, ao mesmo tempo que as tendências e grupos políticos (em condições mais explícitas de participação) disputam o espaço das novas entidades e instrumentos de poder em meio aos conflitos com a Universidade e a

213Américo Antunes. Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária. São Paulo, Editora Aparte, 1983, p.18

Page 135: UMA AVENTURA POLÍTICA

135

ditadura militar214. Na verdade, o processo de "reconstrução" das entidades pelo viés organizado, consiste no percurso de recompôr a estrutura representativa do período imediatamente anterior conferindo-lhes agora um papel de resistência ao regime e de luta pela transformação da sociedade. Da mesma forma, acredita-se estar "reconstruindo" uma perspectiva política do movimento do passado (rompida pela repressão) através da reafirmação de suas tradições de luta democrática, da força estudantil enquanto conjunto e do ideal organizativo fundamentado no princípio da representação. Estas questões permitem enfim, que se estabeleçam "semelhanças" entre o passado e o presente, da mesma forma que se recrie entre os estudantes uma "imagem" de unidade fundamental a este contexto desarticulado e difuso. Quando analisamos os documentos do processo de "construção" do DCE Livre da USP, entre 1975 e 1976, ou da "reconstrução" da UEE-SP em 1977 e da UNE em 1979 encontramos nos manifestos e cartas programa, a reafirmação constante da necessidade de se organizar os estudantes por meio destas entidades representativas. A organização, propriamente dita, é defendida como uma forma mais acabada de resistência, necessária à existência das próprias lutas e da defesa dos direitos. Por outro lado, esta organização se apresenta como uma forma legítima de resistência - livre e independente por conquista - que se estabelece a partir dos questionamentos críticos da realidade. Uma organização que deve ser forte, forjada na unidade e na participação como condição para se poder interferir na realidade social. Para a tendência Liberdade e Luta, em sua Plataforma para o DCE livre da USP, em 1976:

"A construção de uma entidade capaz de representar os estudantes da USP responde

a um anseio de unidade que o ME veio colocando de maneira cada vez mais clara na

medida em que foi avançando em sua mobilização, e onde foi criando e testando

formas organizativas provisórias - como o extinto Conselho de Centros Acadêmicos

(CCA) e a própria Comissão Universitária... Hoje, o DCE-Livre da USP surge não

como uma concessão do regime militar mas como fruto da luta dos estudantes na

defesa dos seus interesses (...) Para podermos encaminhar a defesa de nossas

214 A questão da �organização� do movimento se refere à consolidação do DCE livre como paradigma de luta política. Segundo a tendência Liberdade e Luta: �O DCE Livre é hoje um ponto de referência para todos os estudantes do Brasil. Na sua trilha os estudantes das PUCs, São Paulo e Campinas, de São Carlos e da Unicamp constroem os seus DCEs livres e com isso antecipam o momento em que o ME de todo o país conquistará uma UNE massiva e independente. Ponto de contato dos estudantes com outros setores da sociedade, o DCE tem seu lugar assegurado no movimento antiditatorial das massas do Brasil, e nesse processo deve ligar sua sorte à dos trabalhadores, num mesmo combate pela transformação total da sociedade� (Carta Programa Liberdade e Luta, USP, 1977)

Page 136: UMA AVENTURA POLÍTICA

136

reivindicações elementares necessitamos de organização a nível de USP. Por fim, as

lutas estudantis só podem ser efetivadas através de formas de organização criadas

pela própria mobilização, livres e combativas, fora de qualquer controle oficial"

Para a Refazendo, em sua carta programa para a mesma entidade nesta ocasião:

"A questão é que o desenvolvimento de nossas atividades e lutas nos últimos anos -

principalmente em 1975 - nos davam condições mínimas de conquistar esse direito de

organização. Aumentando constantemente nosso debate e compreensão da realidade,

multplicando e fortalecendo vários níveis de organização e participação, e

principalmente lutando na defesa de interesses nossos e de amplas parcelas sociais...

criamos uma força política que pode, ainda que de forma limitada no momento, se

contrapor ao poder vigente"

Já nos documentos internos das tendências, encontramos os registros das orientações das vanguarda, na prática, dos militantes ligados às organizações partidárias que atuam na retaguarda das "massas estudantis" com o papel de orientar, conscientizar e aglutinar estas mesmas "massas" em uma direção política que se acredita consequente. Podemos ler no documento interno (sem referência de autoria, mas de posicionamentos próximos ao trotskismo) denominado "Balanço e Perspectivas para o M.E.", datado de janeiro de 1978:

"A eclosão do movimento de forma tão massiva e em cima fundamentalmente da luta

política, abre um quadro novo no que diz respeito a experiência de direção no me. A

sua jovem vanguarda, até então educada fundamentalmente nas lutas economicas e

setorizadas, se depara com um quadro totalmente novo das grandes mobilizações

políticas, sendo forçado a apresentar respostas efetivas - ela tem que assumir a

responsabilidade da direção política das lutas massivas. Sem dúvida uma tarefa de

grande envergadira, para a qual ela têm condições de resposta limitadas em função

de seu pequeno acúmulo interior (já vimos a incapacidade de uma direção efetuada

na maioria dos estados assim como o papel de destaque cumprido por São Paulo na

direção nacional do me). Mas é inegável a riqueza da experiência vivida (..) A

verdadeira vanguarda só pode se forjar junto ao movimento vivo das massas,

aprendendo e se vitalizando com ela (..) É interessante notar que o processo de

desestruturação e autocrítica das tendências doutrinaristas se radicaliza

Page 137: UMA AVENTURA POLÍTICA

137

profundamente exatamente no momento de reanimação do movimento"215

Por outro lado, a experiência organizada não é a mesma entre os diferentes grupos clandestinos, e nós podemos encontrar fortes divergências de leitura e procedimentos que a depender dos contextos e composições estabelecidos entre os agrupamentos e tendências de cada Faculdade ou Universidade, o que ganha hegemonia são as proposições de matriz trotskista, maoísta, stalinista ou "reformista". Aliás, os grupos trotskistas e maoístas vão compôr a partir de 1975 grandes tendências em várias regiões do país na proporção em que rumam para uma ruptura institucional - e em que se revelam sensíveis à criação de um "ambiente estudantil" mais democrático e cultural, avesso à administração e ao projeto tecnocrático de ensino. Outros agrupamentos de esquerda, em particular os vinculados ao PCB, vão insistir na permanência dos contatos e de atividades construídas no bojo da estrutura administrativa como condição preliminar de reconquista de intervenções políticas. Neste caso, podemos presenciar certas associações entre estes posicionamentos e as atividades culturais que, a depender dos contextos, chega a apresentar contornos contraculturais (como no caso do DA da ECA de 1973, responsável pelo Jornal O Pícaro, várias vezes citado neste trabalho). . A diversidade dos posicionamentos, por sua vez, vai implicar em trajetórias diferentes de militância, e antes de tudo, em intensos debates e conflitos em torno do "como" e do "quando" reconstruir as estruturas representativas mais verticalizadas, de que "papel" e caráter estas entidades devem se constituir, de quais fóruns e procedimentos organizativos se deve lançar mão... Enfim, trata-se de criar um campo especial para que o exercício político organizado possa se estabelecer, ou ainda, possa imprimir orientações ao "curso" político seguido pelas entidades e pelos movimentos. As militâncias ligadas ao PCB, por exemplo, imprimem às movimentações coletivas e às agremiações representativas nas quais tem oportunidade de atuar, as perspectivas definidas por seu Comitê Central no que diz respeito ao papel político que o movimento estudantil deve exercer no cenário social deste período. No caso deste Partido, as desventuras que se enfrenta nos períodos 72 e 74/75 (momento de forte repressão sobre a organização) traz consequência diretas para a atuação desta organização no espaço da Universidade e do movimento estudantil. Com relação às orientações políticas, os militantes comunistas seguem a tese do caminho pacífico para a revolução, uma orientação que se baseia na luta pela democracia e pelas liberdades democráticas - e que leva o PCB a propôr, em fins de 1973, a formação da "Frente Patriótica Contra o Fascismo" (a envolver

215 "Balanço e Perspectivas para o M.E.", janeiro de 1979, s/a, p.15

Page 138: UMA AVENTURA POLÍTICA

138

um variado leque de segmentos sociais descontentes com o caráter autoritário do regime). Os militantes estudantis ligados ao PCB participam desde o início da década do processo de recomposição política dos diretórios. Já na segunda fase dos anos 70, os militantes sobreviventes (em função da violenta repressão enfrentada nos anos anteriores) formam a Tendência "Unidade" que chega a adquirir forte presença no Rio de Janeiro à frente de entidades como os DCEs da UFRJ e da PUC. Por outro lado, em função da defesa de posicionamentos que outros segmentos das esquerdas consideram "reformistas", esta tendência ganha o apelido de "reforma". No bojo de uma outra vertente de posicionamentos políticos, fortemente divergente do PCB, podemos identificar um conjunto variado de agrupamentos e partidos clandestinos trotskistas (como a Organização Socialista Internacionalista e a Democracia Socialista) que assumem destaque em universidades e períodos específicos, em especial a partir da segunda fase da década quando chegam a compôr amplas tendências como a "Liberdade e Luta" (SP), a "Centelha" (MG), "Ponteio" (RS), entre outras. A vertente trotskista, na verdade, chega a integrar milhares de militantes por todo o País, sendo interessante destacar o impacto que seus posicionamentos anti-burocráticos e anti-tecnocráticos de Universidade e de sociedade causam entre os estudantes. A presença destes agrupamentos no movimento estudantil brasileiro, por sua vez, implica na incorporação das concepções teóricas e das dinâmicas políticas trotskistas ao curso e gestão deste mesmo movimento216. 216No início dos anos 70, encontramos na USP a presença do Grupo Comunista 1º de Maio e em seguida, do Grupo Outubro - formado em 1971 por militantes exilados, com o propósito de aproximar os grupos trotskistas brasileiros do Comitê de Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI). Nesta primeira fase da década, em um sentido mais amplo, as organizações trotskistas são formadas, entre outras, pelo POR, pela FBT (Fração Bolchevique Trotskista, criada em 1968), pelo Grupo Comunista 1º de Maio (criado em 1968 em São Paulo) e pelo grupo Outubro referendado. Em 1975, tem início um processo de fusão a partir da unificação da FBT, do grupo Outubro e da OMO (Organização pela Mobilização Operária, dissidência do Grupo Comunista 1ª de Maio) para dar lugar à Organização Marxista Brasileira. Em 1976, é a vez do Grupo Comunista 1º de Maio se somar a esta organização unificada, transformando-se em Organização Socialista Internacionalista (OSI). A Liberdade e Luta, neste caso, surge como uma chapa estudantil vinculada à OSI para disputar as eleições do DCE da USP; uma chapa no entanto, que se transforma em uma "tendência" política na proporção em que estudantes afinados aos seus posicionamentos começam a ser identificados também como Liberdade e Luta (Libelu). Também compondo o universo trotskista, em 1979 se forma a Democracia Socialista (DS) - a partir de militantes trotskistas de Minas Gerais (da corrente estudantil "Centelha", criada em 1977) e militantes estudantis gaúchos ("Tendência Socialista do MDB"). Neste período, a nova organização ganha expressão através do trabalho que realiza junto ao Jornal "Em Tempo" (criado em fins de 1977 por ex-integrantes do Jornal "Movimento", uma frente jornalística de esquerda), nome que posteriormente vai passar a identificar este grupo. Ainda em 1979, temos a formação da Organização Quarta Internacional (OQI) conhecida como Causa Operária (como dissidência da OSI) e o surgimento da Convergência Socialista (uma organização formada em 1968 por um grupo de brasileiros na Argentina que originalmente se denomina "Ponto de Partida", em 1974 ganha o nome de Liga Operária, e em 1978 de Partido Socialista dos Trabalhadores). Em Imagens da Revolução, de Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá, podemos encontrar documentos de alguns grupos.

Page 139: UMA AVENTURA POLÍTICA

139

Em um sentido diferente das posições comunistas, as proposições trotskistas se acham ancoradas em uma longa tradição política iniciada na Revolução Russa e fundamentada na teoria da "revolução permanente" (uma concepção de revolução internacionalista que não cumpre "etapas", mas se revela constante)217 cuja pretensão central consiste na criação de um projeto socialista de sociedade através da construção de partidos revolucionários de caráter internacionalista. Estes grupos, de inspiração bolchevique e com fundamentação no centralismo democrático, por sua vez, admitem a formação de frações políticas, o que dá lugar a um percurso de fragmentações internas que muitas vezes dificulta sua maior articulação - com grupos que ora se afastam, ora se aproximam em função das interpretações dos acontecimentos internacionais de caráter revolucionário que se fazem presentes (como a Revolução Cubana nos anos 60 ou a Revolução Angolana, nos anos 70). Podemos observar alguns aspectos da fundamentação teórica desta vertente tão marcante no processo de "reconstrução" do movimento estudantil dos anos 70 através do manifesto "Pela Convocação das Comissões de Reorganização da UNE e UEEs" de 1976218:

"Os acontecimentos mais recentes em que estudantes de diversos estados se reunem

para discutir os rumos atuais do Movimento Estudantil deixam cada vez mais claro a

tarefa que têm hoje os estudantes combativos no processo de reorganização das

entidades estudantis. A reunião de Campinas, as reuniões das comissões

organizadoras dos seminários de Economia, Engenharia, Física e Química, as

recentes reuniões de estudantes do Rio na UFF, demonstraram a necessidade cada

vez maior dos estudantes combativos discutirem as questões mais importantes da

atualidade do Movimento Estudantil. Discussão que não poder ter um aspecto

diletante. Trata-se na realidade de reorganizar as entidades estudantis em todos os

níveis no processo de travamento das atuais lutas. Apesar de o ME hoje ainda não se

apresentar enquanto um movimento unificado, não se pode esquecer o papel que têm

todos os estudantes combativos no sentido de direcionar estas lutas atuais e - neste

processo reconstruir as entidades estudantis. Na verdade esté é o único caminho que

217 Segundo Antonio Ozai: �Para Trotsky, dado o baixo grau de organização e de consciência política do campesinato, seria a classe operária que realizaria as tarefas democráticas e que isso levaria necessariamente à implantação da ditadura do proletariado, colocando na ordem do dia as tarefas socialistas. Segundo Trotsky, essa revolução não é burguesa nem socialista, porque se é verdade que pode ser chamada de burguesa quanto às tarefas, é também verdade que só o proletariado poderá assumir o cumprimento de tais tarefas; e este será obrigado a avançar no caminho da revolução socialista para defender sua aliança com o campesinato e impedir que a revolução retroceda� Antonio Ozai da Silva. História das Tendências no Brasil (Origenn, cisões e propostas). São Paulo, Proposta Editorial, s/d, p39 218 "Pela Convocação das Comissões de Reorganização da UNE e UEEs", s/a, 1976

Page 140: UMA AVENTURA POLÍTICA

140

garante a organização do ME pela base e de forma independente. E, neste terreno, os

estudantes combativos têm um atraso a recuperar. Na realidade, a possibilidade de

reestruturação das entidades em todos os níevis sempre existiu, mesmo nestes últimos

anos de descenso (..) Apesar do caráter restrito das lutas e da inexistência de uma

representatividade sólida e contínua das entidades, os estudantes (..) puderam

reerguer as entidades estudantis e permitir que sobrevivessem nesse período. (..) No

entanto estamos atrasados nesse processo de reorganização das entidades.

Primeiramente, por que muito pouco foi feito no sentido da reorganização das

entidades estaduais e nacionais (..) O outro aspecto que mantém o atraso da

reorganização das entidades é a influência política atualmente exercida sobre os

estudantes combativos pela corrente que propugna a redemocratização do país. Isso

porque tal corrente tem como objetivo imediato a transformação das atividades

atuais do ME em 'força de pressão' pela 1redemocratização' do país. Tentam assim

dar a falsa impressão de que os encontros de estudantes combativos são 'reuniões

representativas' e ao mesmo tempo transformá-los em menifestações de um

'movimento estudantil pelas amplas liberdades'. Daí o rumo tomado por tais

encontros (..) na medida em que são canalizados para os projetos democratistas,

fazem deles acontecimentos desorganizadores no atual contexto do ME. Formas de

atrair os estudantes combativos para uma atividade que bem pode se chamar de

armadilha (..) A única perspectiva capaz de reorganizar o ME pela base e de forma

independente das perspectivas da classe dominante - que venham da Arena quer do

MDB - é a de reorganizar as entidades na luta contra a Política Educacional do

Governo enquanto política burguesa para a Universidade.(..) Assim, esse Manifesto

propõe a realização imediata de um Encontro Nacional de Estudantes, previamente

preparado por plenárias regionais e discussões nas entidades existentes para a

cosntituição das Comissões Reorganizadoras da UNE e UEE's em cima de uma

plataforma de lutas que seja capaz de dar conta das lutas atuais sob uma perspectiva

independente das classes dominantes".

Entre as movimentações estudantis desta fase, encontramos outros grupos organizados e dotados de concepções políticas específicas como a Ação Popular219, o Partido Comunista do Brasil, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que ao 219 Grupo formado por militantes oriundos da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Estudantil Católica (JEC) em 1962, com pretenções de criar uma �ideologia própria�, mas que adere à concepção marxista leninista ainda nos anos 1960 (ao aproximar-se do maoísmo), transformando-se em APML em 1971.

Page 141: UMA AVENTURA POLÍTICA

141

longo do tempo chegam, inclusive, a estabelecer aproximações na medida em que estes grupos partilham de concepções semelhantes de revolução - originalmente de fisionomia "etapista", mas que vão ganhando novas formulações. Nestes vários casos, as organizações são fortemente atraídas pelos desdobramentos da revolução cubana e pelas teses do "foquismo", assim como pela Revolução Cultural Chinesa, chegando-se a integrar os movimentos armados a partir de interpretações específicas. A existência de certos aspectos comuns entre estes grupos, por sua vez, permite que suas tendências estabeleçam, em certos contextos, algumas aproximações. A Caminhando220, tendência que possui vínculos com o PC do B, realiza composições com a Refazendo221 e com a Viração. Já a Tendência Refazendo, cuja origem se encontra marcada por um agrupamento político mais difuso tal a procedência variada dos seus militantes (integrantes do "grupão), estabelece uma relação mais próxima com a AP e o MR-8 na segunda fase da década ao receber segmentos destas organizações em seus quadros. Em 1978, um clima interno de disputa interna provoca o "racha" desta tendência, o que leva a Refazendo a assumir uma fisionomia partidária mais definida e a dar sustentação através dos seus quadros à AP e ao MR-8222. A Viração, originária da Bahia, vai se constituir no final da década de 80 em expressão do PC do B no Movimento Estudantil223 elegendo em composição com a Caminhando, a primeira diretoria da UNE (na qual permanece por 8 anos) . Marcadas por muitas diferenças, e também por aproximações, estas organizações, enfim, carregam parte das ambiguidades políticas deste período. As tensões, diferenças e contradições que perpassam o movimento de forma mais ampla se acham presentes na esfera interna destas tendências, o que significa dizer que as organizações também devem dar conta das frustrações e expectativas que se acham latentes entre os estudantes e militantes desta década. As tendências "Liberdade e Luta" e "Refazendo" da USP, de forma especial, conseguem articular às suas orientações de vanguarda, certas questões relacionadas à vivência e às práticas político-culturais que as transformam em

220Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Koji e Carmem a Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 221 Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Geraldo Siqueira e Vera Paiva a Virgínia Camilotti, Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 222Ângelo Emílio da Silva Pessoa. Op. Cit., p32 223 Sobre a formação desta tendência, ver depoimento de Valdélio Santos Silva. Recolhido por Mirza Pellicciotta em Salvador, 1988. AEL/Unicamp

Page 142: UMA AVENTURA POLÍTICA

142

verdadeiros fenômenos participativos. No caso da "Libelú", os fundamentos trotskistas de ação política valorizam a cultura como dimensão imanente da política, e por isso mesmo, esta tendência consegue estabelecer uma forte sintonia com contingentes mais amplos de estudantes, além de apresentar em suas "bases", militantes atentos às discussões e produções artísticas e culturais de seu tempo224. Estas tendências estudantis, algumas mais sensíveis, outras mais fechadas às transformações comportamentais e às linguagens participativas em disseminação, possibilitam ainda que se articule um espaço específico de ação e discussão político- cultural (a depender da tendência) em paralelo à entidade, o que nos leva a pensar que também a trajetória "organizada" deste período se torna capaz de promover renovações políticas importantes - e inclusive se confundir com a dinâmica cultural mais ampla presente em torno do diretório. Neste caso, a definição dos eixos de luta política na esfera das vanguardas não chega a impedir que algumas tendências revelem sensibilidade para com as discussões estético-culturais, como no caso da Liberdade e Luta225 De qualquer forma, os agrupamentos de esquerda (que trabalham com uma perspectiva centralizadora de movimento), apesar de promoverem a "reconstrução" e articulação de diversas entidades, não conseguem consolidar suas bases de representação e nem manter em vigência por muito tempo as "entidades livres" que já em 1978 começam a viver forte crise de legitimidade. Em análise produzida em meados dos anos 80, Maria Célia Paoli afirma:226

"..O que está sendo recusado? É sobretudo a forma de existência das entidades de

representação estudantil. Não só através de seus limites mais visíveis, como a

224Depoimento de "Caracol" registrado por Mirza Pellicciotta em 1997 225 Na Revista Cara a Cara, lançada em maio de 1978, podemos ler: �Liberdade e Luta é uma tendência nascida no processo de lutas no interior do M.E. e que se baseia em alguns eixos fundamentais de intervenção. O primeiro deles, que é uma questão de método, é pautar nossa intervenção dentro do M.E. pela aliança com a classe operária, ou seja, visualizar a questão da resolução dos problemas estudantis a partir de um ponto de vista global e social em que se procura determinar qual é a saída, no plano social, para as questões da universidade. A aliança operário-estudantil é um ponto básico de organização da tendência Liberdade e Luta, não só na USP como também em outras universidades. Outro ponto é a luta pela reconstituição da UNE, ou seja, a luta pela unidade política sindicall do estudantado. Esta luta faz parte de uma luta global do movimento de massas no Brasil pela recuperação de suas entidades independentes, pela centralização política das entidades e organismos de caráter amplo como é a UNED, como é do ponto de vista operário, uma CGT livre, e coloca portanto a necessidade de uma unidade das massas contra a ordem burguesa na defesa de seus interesses. Neste contexto, a luta pelas liberdades democráticas é, em nosso entender, a luta que alimenta a vida política do país neste período� Petrópolis, Ed. Vozes, maio de 1978, ano 1, nº 1, pp 14/15 226Maria Célia Paoli. "Dossiê: Movimento Estudantil Hoje", Revista Desvios, Op. Cit, p.59

Page 143: UMA AVENTURA POLÍTICA

143

distância entre seus militantes e a grande maioria dos estudantes, a retórica de um

discurso político que não se abre para um mundo reconhecível pelo seu público, o

quase monólogo que as entidades praticam entre si, a incapacidade de seu poder de

mobilização. A crítica vai mais além, mostrando a fantasmagoria de práticas

políticas que se querem específicas mas que estão, sem nenhum fundamento presente

ou corpóreo, enredadas simultaneamente em um passado e em um futuro míticos.

Reatar com este passado (voltar a reatar com as tarefas inauguradas nos anos 60) e

afirmar um futuro a partir dele (o lugar estudantil na política já está, desde sempre,

conquistado) forma, para estas entidades, uma barreira impermeável aos

acontecimentos do presente".

Segundo o documento "Movimento Estudantil Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária":

"..as tendências políticas (..) não conseguiram canalizar este debate necessário sobre

diferentes concepções de luta e de transformação social, numa prática que

fortalecesse uma participação de base, unitária, durante as mobilizações. A

ampliação do espaço político em 77 vai exigindo definições mais claras,

principalmente no campo da luta democrática, base fundamental daquelas jornadas

(..) Por conseguinte, o debate profundamente ideológico existente no interior da

vanguarda transportava-se mecanicamente para o conjunto dos estudantes, chegando

ao ponto de numa assembléia da UCMG, em 77, intervir-se sobre a 'ditadura do

proletariado', etc (..) Num segundo plano, a combinação do processo de mobilização

política com a luta universitária praticamente não ocorreu, o que levou a um

desgaste interminável de assembléias, reuniões, etc, onde a polarização entre as

tendências, exclusivamente, burocratizava as entidades, acabando por conter o

florescimento da organização estudantil em torno das questões do dia-a-dia da

Universidade"227

Na ocasião em que a "Libelu" assume pela primeira vez a direção do DCE livre da USP em 1978, a "Caminhando" registra em documento a presença de uma forte crise participativa neste diretório. A ausência de comissões com funcionamento regular, a pouca presença da diretoria nas escolas, a carência de um jornal regular, os mecanismos de deliberação desgastados, as assembléias esvaziadas, a falta de divulgação e discussão das

227 �Balanço e Perspectivas para o M.E.�, janeiro de 1979, s/a, pp 19/20

Page 144: UMA AVENTURA POLÍTICA

144

propostas a serem assumidas pelo conjunto dos estudantes; são as explicações apresentadas. Em documento de maio de 78, desta tendência, podemos ler:

"Se é grande a importância do DCE, por outro lado, o trabalho que realmente lhe

assegura a condição de entidade representativa da maioria dos estudantes não vem

sendo desenvolvido a contento. Infelizmente, além das tendências organizadas, o

DCE se resume quase que exclusivamente à sua diretoria, por sinal bastante

distanciada da maioria dos alunos".

A pequena participação estudantil na Unicamp é também associada à falha de divulgação, deficiência de debates e discussões, falta de informação dos alunos, boicotes e repressão:

"Vê-se como denominador comum em todas essas lutas a dificuldade de organização,

coordenação e divulgação devido à fraca estrutura dos CAs e DAs que mal conseguem

encaminhar de forma concreta as lutas a nível geral"228

Esta crise, na verdade, já prenuncia os problemas que a UNE vai enfrentar no ano seguinte em torno das perspectivas de organização e atuação política229. Segundo Antunes:

"Se 77 pode ser caracterizado como o ápice da retomada das lutas estudantis, 79

pode ser considerado como o momento máximo de sua reorganização. No Congresso

de Recostrução da UNE, em Salvador, presentes mais de 2.500 delegados eleitos em

Assembléias massivas nas escolas de todo o país. Na abertura, a presença de quase

10.000 pesssoas, o apoio de todo o movimento popular brasileiro, apesar de toda

repressão, das barreiras policiais, da ditadura militar. Dois aspectos polarizaram

propriamente o Congresso: a forma de eleição da diretoria e a Carta de Princípios

228Caminhando, USP, maio de 1978 229 Segundo pesquisa da Folha de São Paulo publicada em 18 de Maio de 1986, apenas 12% dos estudantes

universitários paulistas reconhecem a UNE como entidade representativa do conjunto dos estudantes

brasileiros, 18% não sabem o que significa a sigla UNE, 1% sabe o nome do presidente da UNE e 94% não

participaram da escolha de delegados para o Congresso da UNE em abril de 1986. Em artigo da Folha de São

Paulo de 31 de Maio de 1986, indicava-se que apenas um terço dos estudantes iriam votar nas eleições para a

UNE e a UEE.

Page 145: UMA AVENTURA POLÍTICA

145

da entidade. Algumas correntes defendiam a eleição definitiva da diretoria naquele

Congresso, já tendo lançado, inclusive, os seus candidatos à presidência. Outras

correntes defendiam as eleições da diretoria por sufrágio universal, em outubro, com

eleição naquele congresso de uma diretoria provisória baseada nos DCEs e na UEE-

SP, que encaminhasse a filiação dos DAs, CAs, DCEs e as eleições (..) O peso

democrático do Congresso, onde as correntes hegemônicas não tinham controle

sobre os delegados, acabou determinando uma posição firme de Princípios da UNE

como uma entidade de luta ao lado dos trabalhadores (..) Apesar da Carta de

Princípios definir o caráter apartidário da entidade, em época de reformulação

partidária (..) as diversas concepções sobre a luta dos estudantes, a construção da

UNE, expressavam-se também a nível das várias articulações de partidos existentes

no país (..) A discussão sobre o relacionamento Partido-Entidade não estava

suficientemente amadurecida no movimento estudantil e todas as chapas

apresentavam nos seus programas de atuação política suas posições partidárias"230

A crise institucional das entidades "reconstruídas" na segunda fase da década de 70 - na confluência entre a recomposição das práticas organizadas e a transformação mais profunda dos paradigmas políticos - registra, enfim, um momento no qual a política estudantil deixa, definitivamente, de integrar - e de se fazer orientar - pelas problemáticas e desafios colocados ao movimento nos anos 60. As novas questões vão além da repressão às organizações militantes; elas se acham associadas às reformulações estruturais do ensino, a um processo mais profundo de urbanização e proletarização social, à dinamização das relações de mercado (potencializado pela entrada em cena da indústria cultural), e acima de tudo, à uma transformação estrutural da identidade do estudante. A emergência de novas formas de organização política, neste caso, joga luz sobre o prenúncio de um novo conjunto de respostas que nesta década começa apenas a se insinuar. Talvez, então, seja o momento de considerarmos a pertinência e a responsabilidade de uma "nova" esquerda que a década de 80 anuncia - e que o livro Política e Paixão de Affonso Romano de Sant'Anna celebra:

"Diz-se que há uma esquerda antes e depois do fracasso da guerrilha urbana e rural.

Ou seja: ao espírito de 1922 - ano em que foi fundado o Partido Comunista no Brasil

- se contrapõe o carrossel dos anos 80 pregando uma aliança entre revolução e

erotismo, política e humor querendo empolgar as minorias negras, os homossexuais e

230Américo Antunes. Op. cit. pp20/21

Page 146: UMA AVENTURA POLÍTICA

146

as mulheres"231

231 Affonso Romano de Sant�Anna. Política e Paixão. Rio de Janeiro, Rocco, 1984, p11

Page 147: UMA AVENTURA POLÍTICA

147

CAPÍTULO 3

A EMERGÊNCIA DAS DIFERENÇAS OU O LUGAR DA CULTURA ENTRE AS AÇÕES POLÍTICAS

"Greve nós sabemos fazer, fale-nos de picasso, filosofia, psicanálise"232

Entre as experimentações estudantis brasileiras da década de 70, é impressionante constatar o quanto as relações políticas e culturais se encontram articuladas a um fenômeno significativo de transformação das estruturas e práticas de ação coletiva. Estas novas experimentações discutem a Universidade, a estrutura institucional, a questão das minoria munidas de propósitos específicos e de procedimentos inusitados de articulação cultural, sensíveis às novas problemáticas identitárias colocadas para a sociedade, e por isso mesmo, capazes de promover movimentações dotadas de uma sensibilidade certeira com relação às questões de seu tempo.

Destas movimentações renovadas, por sua vez, ressurge uma trajetória de experiências coletivas de grande significação em plena década repressiva e no interior de um espaço acadêmico em mudança, na forma de movimentações múltiplas, dinâmicas e articuladas a linguagens culturais, à música, ao teatro, às experimentações gestuais, à literatura. De fato, desde l968 podemos presenciar rupturas de consensos militantes que, apesar do fenômeno repressivo, se fazem relacionadas com as movimentações estudantis internacionais (como ao "projeto espontaneísta" francês), marcadas por transformações de referenciais e paradigmas de movimento. Conforme sugere o filósofo Luiz Orlandi233 os acontecimentos estudantis internacionais de 1968 integram um período de rupturas das interpretações orgânicas e homogêneas de sociedade na busca de um "pensar sobre a diferença" que na prática se revela crucial à construção de novas estratégias de resistência e recriação social. Para Daniel Cohn Bendit, em O Grande Bazar234, é a partir desta fase que os problemas começam a ser analisados por dimensões mais subjetivas, 232Jean Paul Dollé citado pelo Jornal Avesso, USP, 1978, nº1. 233 Luiz Orlandi. �Como Pensar 68?� in Folhetim, 6/5/1988, nº 587, pp2/5 234Daniel Conh Bendit. O Grande Bazar. Op. Cit., p.169/179

Page 148: UMA AVENTURA POLÍTICA

148

particulares e sensíveis aos projetos de vida, de forma que é a vida cotidiana que começa a ser politizada em um percurso de reflexões e experiências que dilui a dicotomia entre a dimensão cotidiana e o fazer político. A subjetividade aparece como uma nova possibilidade de apreensão e transformação do mundo, dando lugar à constituição de um outro projeto político que se faça capaz de "libertar as diferenças", ousando "pensar livremente" para além da instituição do social e do político nos quadros tradicionais. De forma complementar, encontramos também no início dos anos 70 influências que se originam da entrada em cena de elementos e experimentações contraculturais que interferem na maneira de "perceber" a política e articular expectativas e interesses juvenis no espaço da Universidade235. A valorização de elementos não-institucionais hippies (o "droup-out"), as "brincadeiras yppies" e as discussões originais sobre o poder (promovidas pelos "enrangès") partilham por vários meios, do desafio maior de lidar com a Universidade em reforma ou ainda de aceitar ou não as condições de formação e inserção profissional que se oferece; de forma que, tanto no espaço acadêmico como no interior das agremiações "sobreviventes", os estudantes que ingressam na Universidade desta década convivem com posicionamentos e concepções "sintonizadas" com movimentações culturais mais amplas. Na verdade, estes elementos permitem que uma dinâmica cultural suplante, em muitos momentos, os acontecimentos circunscritos às entidades representativas, ao mesmo tempo em que, como dimensão particular de um movimento em recomposição política e cultural, possibilite que o exercício político em si mesmo, e de maneira concomitante, se "alargue" enquanto significado, diversificando-se os propósitos de reconstrução dos fóruns coletivos (com vistas a influir nas decisões acadêmicas); de constituição de instrumentos de interferência social; de realização de experiências internas sensíveis às questões culturais de seu tempo. Questões a partir das quais se promove um repensar da política e se gesta uma caracterização singular de movimento. As experiências estudantis no espaço interno da Universidade dos anos 70, neste caso, reinventam a política na proporção em que conferem à sua trajetória uma forte significação cultural, e neste aspecto é interessante considerar que enquanto as práticas organizadas enfrentam revisões, é no campo da cultura que emergem novas possibilidades de articulação identitária associadas à criação de um outro estilo de vida - marcado pelo uso de drogas236, por concepções "libertárias" (de negação da sociedade de consumo) e pela 235 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. Cit., pp53/118 236Em: Gilberto Velho. Nobres e Anjos: Um estudo de Tóxicos e Hierarquia, São Paulo, USP, Fac. Filosofia e letras, 1975./off-set, um estudo sobre o uso de drogas no início da década, podemos observar que este fenômeno não é meramente estudantil. Ele transcende o campo das militâncias para propor um alargamento

Page 149: UMA AVENTURA POLÍTICA

149

valorização de experências alternativas de formação acadêmica. Estas alterações nos possibilitam identificar nas páginas dos jornaizinhos, textos como este:

"ESTÁ TUDO CERTO COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO - Aí está a expressão da

perplexidade, de ver que a nossa sociedade se desumaniza até o ilógico, e se torna

preciso cada vez mais a utilização de sistemas antipânicos e contrôles superficiais,

para manter funcionando uma engrenagem que já poderia ter sido pulverizada. O

amor é comercializado, e a utilização do progresso em benefício real do homem é

uma fábula encontrável em alguns tratados de Sociologia e em livros de ficção

científica (..) .é preciso novas medidas para medir o desconcertante - e a única

equação que deve satisfazê-las é o irreal, o absurdo que recupere as novas formas de

desesperança (ou de esperança). O ilógico é um campo vasto assim como só

conhecemos a décima parte do nosso cérebro. A fantasia não têm fronteiras

(então,tudo é possível), e a nossa vivência cotidiana numa sociedade cruel já

ultrapassou o campo real da compreensão - as feras do zooilógico estão soltas, e

então está tudo certo - como dois e dois sãoY"237

Desde o início da década, o espaço acadêmico começa a ser ocupado por experiências coletivas na forma de grupos jornalísticos, poéticos, teatrais, corais, cineclubes e grupos de estudos que têm como propósito, antes de mais nada, dar prosseguimento à criação artística, aos exercícios de liberdade do pensamento e respeito às individualidades. São grupos de poetas, atores, etc.. que constituem em si mesmos, experimentações de teor cultural e político em boa medida desconectados das perspectivas e leituras mais organizadas, e que em muitos momentos propõem um outro significado de engajamento - transcendende, em vários aspectos, dos paradigmas da organização partidária. No âmbito da produção cultural, neste caso, têm início um processo significativo de crítica política que vai se contrapôr aos projetos e discursos políticos herdados na proporção em que se consegue articular temas e visões significativas deste período. Esta articulação é capaz de criar uma nova linguagem ao mesmo tempo musical, poética, cênica e existencial que assume, pouco a pouco, a forma de "happening" ou de experimentações artísticas e culturais diversas. De maneira especial, a música cumpre neste momento um papel articulador importante, revelando o quanto a linguagem artística se torna capaz de exprimir questionamentos que aparentemente se apresentam desarticulados

das percepções e a criação de novas formas de sociabilidade. 237 Luiz Afonso. �Atrás do Espelho�. Informe-se. Publicação do DA de Administração da UFBa, 1972

Page 150: UMA AVENTURA POLÍTICA

150

para configurar fenômenos de expressão coletiva surpreendentes238. O lema "sexo, drogas e rock'in'roll" que compõe uma referência comportamental de dimensão internacional, adentra de fato o território juvenil para "informar" a "aventura" desta geração dos anos 70. A relação estabelecida entre linguagens culturais e perspectivas políticas, por sua vez, dá margem à constituição de um campo de experiências e discussões de teor e procedimentos ideológicos mais imprecisos. A arte, que começa a ser "vivida" na primeira metade da década de 70 "como prática discentrada a envolver a participação gestual, ativa, do espectador, num 'exercício experimental da liberdade'"239, se associa à um conceito de política que pouco a pouco se faz entendido como parte da vida, e portanto, mais próximo dos elementos cotidianos e culturais deste período marcado pela valorização do irracionalismo, do experimentalismo e do anarquismo240. Por outro lado, no bojo de uma ditadura militar, na medida em que a censura e a repressão (associadas à expansão da comunicação de massas) recaem sobre as práticas políticas organizadas, elas dificultam ainda mais as possibilidades de resistência destas organizações, o que acaba por alterar de maneira significativa os parâmetros de contestação do período. Como desdobramento imediato, "a impossibilidade de mobilização e debate político aberto transfere para as manifestações culturais o lugar privilegiado da 'resistência'"241, situação que amplia a tensão entre a manutenção dos referenciais políticos em ruptura e a entrada em cena das novas questões, levando a que, segundo Heloísa Buarque, "os que se recusam a pautar suas composições ou apresentações nesse jogo de referências ao regime, ou que preferem não adotar o papel de porta vozes heróicos da desgraça do povo" sejam "violentamente criticados, tidos como 'debundados', 'alienados' e até 'traidores'".242 Este é um tempo de muita tensão e indefinições a partir das quais as experimentações e discussões estudantis tendem a considerar as "alternativas" com atenção,

238 Segundo Eugênio Bucci na Revista Teoria e Debates. SP, março de 1988, nº2, p.24 .(referindo-se à juventude dos anos 80): "Essa juventude tem uma expressiva existência política, sem dúvida, mas no estreito sentido em que a existência política decorre de uma ação cultural. Para ela, a concepção do coletivo não é aquela da homogeneidade, conseguida às custas das abdicações e dos sacrifícios íntimos em nome de um mundo remoto sem exploração. A coletividade, ao contrário, emerge da afirmação das individualidades e das somatórias imprevisíveis dessa afirmação" 239 Arte em Revista, Centro de Estudos de Arte Contemporânea, São Paulo, Editora Kairós, nº7 240Otília Beatriz Fiori Arantes: "Vanguardas". Arte em Revista, vol 7. pp.5/24 241 Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Op. Cit., pp66/69 242 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. Cit, p.92

Page 151: UMA AVENTURA POLÍTICA

151

inclusive com relação à arte, conforme podemos observar neste trecho do Jornaleco do DA de Economia da UFBa, de 1974:

"se por um lado a produção literária cresce, motivada por fatores subjetivos (o

afastamento de estudante e camadas jovens da população, das edições político

sociais do país, ocasionando um retorno à arte, e em particular à literatura como um

real e eficiente meio de participação), por outro lado, há uma queda qualitativa,

tornando-se a arte um meio de luta contra reais objetivos imediatos. Quando as

coisas não vão muito bem a poesia pode e deve ser utilizada como estilete. Mas não

necessariamente, a ponto de reduzir a arte a mero instrumento político .. tratamento

puramente objetivo (..) reduz o trabalho a simples meio de transmissão de uma

realidade de todos. O poema perde em sentimento e sua realização fica incompleta,

permanecendo apenas no campo da constatação (...) Aqui o sentimento de

participação política não exclui o sentimento e a criatividade (...) Aqui cabe uma

lição: para o autor que se quer participante não basta seu engajamento puro e

simples. Há que haver em sua obra um mínimo de preocupação técnica e estética.

Um certo "bom autor literário fruto do exercício e da criatividade, que permita ao

autor não apenas se expressar, mas se expressar bem, pois a literatura antes de mais

nada, é uma arte que deve ser aperfeiçoada"243

A primeira fase da década é também importante no sentido das renovações analíticas que se passa a experimentar. Segundo Francisco Foot Hardman, a presença de um contexto instável pela "precariedade absoluta de condições materiais e os riscos iminentes da repressão política" divide espaço com uma situação na qual:

"Marxismo e estruturalismo despontavam (..) como marcos referenciais obrigatórios.

Althusser, Poulantzas, Jackobson, Barthes, Lévi-Strauss, Marx e Engels, Weber e

Dobb, entre outros, eram alguns dos autores mais lidos e comentados, o que, diga-se

de passagem, não era nada mal. Já em meados dos anos 70, começávamos a ler

Gramsci (sobretudo as reflexões sobre literatura, cultura, processo de construção da

hegemonia) e Foucault (com destaque para o ensaio seminal L'ordre du disours),

autores que auxiliavam na desmontagem de algumas crenças ortodoxas prevalecentes

até ali, em especial no reforço ao sentimento de desconfiança disseminada para com

243 Jornaleco, DA de Economia da UFBa, 1974, p 128

Page 152: UMA AVENTURA POLÍTICA

152

aparelhos e modelos teórico-políticos mais tradicionais"244

No mesmo percurso de desconfianças, tensões e indefinições, os jovens estudantes se deparam com a presença de uma forte cultura autoritária a permear a Universidade e a sociedade, o que inibe concretamente seus movimentos de questionamento político e cultural, ao mesmo tempo que impõe o desenvolvimento de uma indústria cultural de perfil excludente e massificado, ou ainda, alterações substanciais no mercado de trabalho. Trata-se de enfrentar neste momento, não apenas as problemáticas acadêmicas mas as contradições que emergem da vida familiar e das perspectivas efetivas de inserção no mundo do trabalho; contradições que tornam urgente criar/desenvolver perspectivas "alternativas" de formação, produção, circulação e inserção a partir da própria Universidade - um campo formativo merecedor de investimento político. Todo este conjunto de mudanças, dificuldades e desafios, por outro lado, nos leva a considerar o quanto o envolvimento dos estudantes com as lutas acadêmicas e sociais adquire um caráter variado e mais do que isso, efêmero, sendo regido frequentemente pela momentaniedade das situações, dos contextos e das problemáticas cotidianas que se apresentam na Universidade. Na verdade, contrariando o discurso participativo e político das organizações, o que de fato se revela constante neste cenário acadêmico são as frustrações, as divergências e as experimentações culturais - em uma situação que se torna ainda mais problemática pelo fato das entidades se verem forçadas a "reconquistar" os estudantes à participação coletiva em um percurso de caráter voluntário que de maneira alguma pode ser tomado de forma progressiva e unânime. Aliás, a pretensão de envolver todos os estudantes no interior das entidades não vai além de um objeto de discurso, ou ainda, de uma imagem construída pelos projetos políticos organizados. Estas frustrações e divergências, por sua vez, não impedem que em alguns contextos se presencie a formação de movimentos coesos com ampla participação de estudantes motivados a defender sua permanência na Universidade e a conquistar melhores perspectivas de desenvolvimento profissional. Estas questões, aliás, vão exercer um papel crucial na associação e articulação destas experiências coletivas ao enfrentamento dos problemas/necessidades urgentes de reformulação de currículo, matrículas, ciclo básico, jubilamento, restaurante, transporte, moradia. Vai ser, portanto, no encontro - e também no desencontro - destas diferentes modalidades de participação e perspectiva que emerge uma

244Francisco Foot Hardman. "Arquivo como resistência: para um fichamento dos anos 70". Angela M, C. Araújo (org). Trabalho, Cultura e Cidadania: uma balanço da história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997, p.271

Page 153: UMA AVENTURA POLÍTICA

153

"aventura coletiva" de apostas na construção de uma outra Universidade e sociedade; uma aventura que é significativa pelos seus próprios méritos.

De maneira particular, é a recriação de um projeto estudantil de Universidade que propicia, neste primeiro momento, o estabelecimento de articulações políticas e culturais, dando vez a um projeto que se à primeira vista parece não se diferenciar das propostas construídas nos anos 60, ele registra ao ser melhor observado, um repensar crítico do conhecimento e da estrutura acadêmica muito significativo, atento às diferentes modalidades de formação/inserção profissional em curso, ou ainda, aos problemas formativos e desafios prementes colocados pelas perspectivas tecnocráticas da reforma.245 Na medida em que os estudantes procuram recriar seus instrumentos e meios de ação coletiva de forma a confrontar os mecanismos repressivos estabelecidos na Universidade, eles conseguem erigir uma outra perspectiva de ação coletiva que ao mesmo tempo em que problematiza a Universidade, afirma "alternativas" de significação político-cultural na forma de enfrentamentos por mudanças de currículo, pela "modernização" da Universidade (sem adoção de procedimentos tecnocráticos) ou pela democratização da relação professor-aluno; formas, por sua vez, que se estabelecem atentas às discussões e problemáticas colocadas para o universo da cultura. A generalização das atividades cineclubistas, de grupos teatrais, poéticos, literários e musicais não se presta apenas a povoar um espaço "vazio" de Universidade e diretório, mas a configurar discussões e experimentações "alternativas" de política - em um percurso que enriquece em muito as perspectivas e os procedimentos coletivos estudantis246. No interior dos diretórios os trabalhos coletivos são desenvolvidos por comissões abertas que respondem pela agremiação enquanto ancoram os trabalhos artísticos na "infra estrutura" destas agremiações. Em vários casos, as cantinas vinculadas aos DAs são administradas de forma autogestionária por um coletivo de alunos que além de buscar reduzir os custos dos alimentos abrem espaço para a realização de atividades artísticas e culturais. Nas moradias encontramos também experiências coletivas que procuram 245 Segundo documentos estudantis, as determinações administrativas condicionam os alunos ao cumprimento de um ritmo de estudos exaustivo e imcompatível com as condições oferecidas pela instituição, situação que se agrava na medida em que as mesmas condições formativas frustram suas perspectivas de desenvolvimento e inserção profissional. 246No depoimento de "Batata" recolhido por Mirza Pellicciotta para o Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil", no AEL/UNICAMP, encontramos referências da "Casa do Cace", um espaço cultural estudantil localizado no centro da cidade de Campinas que associa efetivamente atividades políticas e culturais na forma de trabalhos coletivos nas gráficas, na montagem de peças e programação cultural, na deliberação política do movimento.

Page 154: UMA AVENTURA POLÍTICA

154

"alargar" suas possibilidades de vivência comunitária associando festas, eventos culturais e políticos à partilha e organização coletiva dos trabalhos. Em relação aos fóruns políticos, são as assembléias que tendem a prevalecer como procedimento político hegemônico e fundamental à participação, procurando realizar-se nos espaços mais "populares" da Universidade, como nas portas dos restaurantes universitários - que de maneira conjunta se prestam a promover feiras de artesanato, apresentações artísticas, debates e atos políticos. A dinâmica coletiva estabelecida em torno dos RUs (restaurantes universitários) das Universidades Públicas, aliás, chega a atigir uma tal intensidade que a Reitoria da UFBa em 1978 "cerca" com muros este espaço de forma a impedir a realização/concentração das "agitações". A intensidade latente das insatisfações e questionamentos estudantis no espaço acadêmico, na proporção em que alcança a criação de novas formas de organização política dá vazão a um conjunto de movimentações que a qualquer momento - e por qualquer razão - é capaz de desencadear amplas articulações coletivas. Um caso ilustrativo desta dinâmica pode ser observado em Minas Gerais, entre 1976 e l977, quando a administração da UFMG resolve restringir o consumo de leite nas refeições do restaurante universitário de Engenharia. Esta medida provoca uma onda de reações e de manifestações que ao mesmo tempo em que gera fortes discussões coletivas, denúncias e protestos, promove a invasão do prédio e a instauração de uma comissão paritária para a gestão do restaurante. Neste caso, a diminuição de um copo de leite nas refeições do RU é capaz de articular todo um conjunto de questionamentos e insatisfações que vai das discussões e denúncias dos cortes de verbas à realidade da tecnocratização do ensino, passando pela presença de mecanismos repressivos/centralizadores de gestão acadêmico, queda da qualidade do ensino e desvirtuamento do papel social da Universidade pública247. Neste encontro de reações, problematizações e formas distintas de ação coletiva, as temáticas e as linguagens políticas e culturais se diversificam associadas ainda, às mudanças de convicção política. No caso das movimentações estudantis, elas exprimem a emergência de comportamentos e de leituras políticas que se contrapõem, muitas vezes, às concepções mais tradicionais de organização e institucionalização do movimento do

247 A luta em torno do RU de engenharia da UFMG, entre setembro de 1976 e março de 1977 é um acontecimento muito sugestivo de como as movimentações internas se transformam em movimentos organizados de caráter amplo. A luta pela melhoria da alimentação, neste caso, organiza uma Comissão Representativa de Usuários que procura acompanhar os trabalhos/recursos do RU. A questão dos 2 copos de leite desencadeia discussões em classe, reuniões abertas do DCE, reuniões por escola e elaboração de manifesto; um conjunto de manifestações que acaba por promover a instauração de uma comissão de inquérito � sobre 17 alunos � além de novas ondas de movimentação e, inclusive, a extensão das discussões a outros restaurantes (como o da Medicina).

Page 155: UMA AVENTURA POLÍTICA

155

passado248. ELEMENTOS "ENRANGÈS" E CONTRACULTURAIS Para que nós possamos compreender um pouco mais destas experiências políticas sensíveis à problemática da cultura, é preciso considerar alguns aspectos e perspectivas que se originam das ações estudantis de l968 e que se encontram em discussão no Brasil dos anos 70. A crítica à ação partidária, a construção de um outro entendimento de "revolução", a discussão da relação entre indivíduos e ação coletiva (em uma dimensão diferente da estabelecida entre "vanguarda" e "massa"), a reinvenção de fóruns de movimento (marcada por uma dinâmica interna de trabalhos coletivos, comissões, grupos, espaços culturais), ou ainda, a perspectiva auto-gestionária e espontaneísta de movimento (que surge de forma consistente no final da década) constituem, de fato, elementos de uma trajetória mais ampla de "reinvenções" políticas presente na dimensão internacional das movimentações estudantis. No caso brasileiro, estes questionamentos críticos acerca das concepções de organização representativa, ideais de participação política, crenças no Estado e nos próprios projetos de transformação social, encontram penetração e acabam por abalar as bases de legitimidade das instituições estudantis "reconstruídas" nos anos 70, assim como a comprometer funcionalmente suas permanências na década seguinte, processo perceptível pelo curto espaço de tempo em que se alcança legitimidade e pelo crescente "esvaziamento" destes fóruns nos primeiros anos da década de 80. Se retornarmos ao ano de 1968 por meio do estudo de Olgária Mattos, Paris 1968: As Barricadas do Desejo, podemos observar "..uma sequência de acontecimentos a seu modo extraordinários, imprevistos e absolutamente imprevisíveis" em que o movimento estudatil, de maneira concomitante, ganha a fisionomia de uma revolta aberta generalizada (em mais de 20 países), marcada por questionamentos e disposição de enfrentamento do Estado e das suas estruturas institucionais, da organização e constituição da sociedade (capitalista e socialista). No bojo dos diversos acontecimentos, os ideais "contra o imperialismo" e pela destruição do Estado Burguês, pela abolição da divisão do

248Vamos encontrar ao longo da documentação registros de manifestações políticas na forma de "happenings", encenação de peças teatrais, "enterros simbólicos", etc. Nos documentos de um centro acadêmico de perfil mais tradicional como o CALQ (agronomia/Piracicaba) pudemos observar fotografias de passeatas dos anos 70 onde os alunos se vestem de mulher e tomam as ruas associando "farra" à questões educacionais. Na UnB, universidade extremamente repressiva ao longo de todo o período, os registros revelam "happenings" que denunciam a concentração de poder na Reitoria e sua associação à presença de repressão policial no espaço acadêmico.

Page 156: UMA AVENTURA POLÍTICA

156

trabalho (e do próprio trabalho como atividade alienante), ou ainda, em defesa do Vietnã, de "Chê", Ho-Chi-Min, Mao Tsé Tung e Marx, da revolução e do comunismo (em uma perspectiva imediata), compõem um foco de questionamento essencial: o Poder. Mas, o Poder não como um corpo estatal centralizador e dominador à distância de seus integrantes, e sim como conjunto de práticas de dominação, presente nas mínimas instituições e relações sociais. A própria organização institucional torna-se alvo de reflexão como campo de reprodução das relações de Poder, assim como determinados objetos e práticas políticas passam a ser vistas mais como elementos de manutenção desta ordem do que propriamente como mecanismos de transformação da realidade social249. De forma generalizada, as movimentações estudantis que compõem os acontecimentos internacionais de 68 propõem uma percepção da realidade social na qual a resistência se estabeleça por meio de uma recusa microfísica das mesmas relações e instituições sociais250. Como resultado imediato, estas movimentações abrem um universo de possibilidades de resistência e de "reconstruções" sociais que se alicerçam em práticas políticas pouco precisas, espontâneas, imediatas, mas que no entanto têm sua legitimidade fundamentada nas experiências de vida e na intenção maior de se reconstruir o social via relações coletivas251. Por outro lado, trata-se de retomar marcos revolucionários importantes do passado: "a Comuna de Paris de 1871, a Revolução Russa de 17, Catalunha de 1936, Budapeste em 1956. Mas estas experiências históricas são agora retomadas em um novo registro, pois é em meio ao debate teórico de todas estas revoluções que se que se constituiu a fecundidade do maio francês".252 Ganha lugar, então, o resgate de posicionamentos políticos diversos em um esforço de reavaliação extremamente significativo. Em sentido mais amplo, o marxismo é retomado à luz dos acontecimentos históricos da Revolução Cubana, da Guerra do Vietnã e da Revolução Cultural Chinesa, matriz teórica a partir da qual se discute as possibilidades de uma revolução social se estabelecer fora do epicentro revolucionário dos países industrializados - nas áreas subdesenvolvidas e camponesas da Ásia e da América Latina - e realizada, neste caso, por 249 Olgária Matos. Paris: 1968: As Barricadas do Desejo. Op. Cit., pp 13/15 250Segundo Olgária Mattos: "O ano de 1968 foi o marco da Grande Recusa: recusa dos partidos oficiais, do marxismo burocratizado e do mundo venal, recusa e exigência de transformação de valores (..) a obscenidade não é mais a mulher nua que exibe o púbis, mas o general que exibe a medalha ganha no Vietnã. Não é tampouco, diz Marcuse, o ritual hippie, mas a declaração de um alto dignatário da Igreja que afirma ser a guerra necessária para a paz". Op. Cit, p.26/27 251 Ibidem, p.12/26 252Ibidem, p.42/43

Page 157: UMA AVENTURA POLÍTICA

157

camponeses e plebes urbanas (os novos sujeitos revolucionários oriundos dos textos de Mao Tsé Tung e Lin Piao). Ao mesmo tempo, é o projeto de socialismo que merece revisões em função das críticas que se estabelece à Revolução Russa (trazidas pelos episódios da invasão da Tchecoslováquia, pelas denúncias sobre os crimes de Stalin, pela busca de "coexistência pacífica" e pactos com o Imperialismo) ou mesmo pelas críticas à "revolução Cultural" Chinesa (no aspecto da persistência das "relações sociais" capitalistas e do limite do projeto socialista enquanto transformação da estrutura econômica). Estas críticas, de forma correlata, dão lugar à uma discussão mais atenta sobre a necessidade de se transformar os próprios homens em suas relações coletivas como condição para se estabelecer uma transformação social estrutural (a "natureza humana socialista" de Mao Tsé Tung). Discussão, então, que permite a entrada em cena de referenciais de uma outra "cultura" desenvolvida na Alemanha e Itália a partir dos temas ideológicos da escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno, Marcuse) e que agora possibilitam a constituição de uma interpretação ideológica comum entre as diversas linhas de tendências estudantis na Europa, ou ainda, a construção de uma unidade entre seus projetos políticos. Segundo estas considerações, são os marginalizados das metrópoles e os povos do 3º Mundo - os novos "sujeitos revolucionários" - que se mostram capazes de lutar contra a racionalidade repressiva das "sociedade de exploração" ao negar o "princípio do desempenho", da "eficiência", da "ética do sucesso" e do "trabalho" imperantes entre as relações capitalistas de produção. Enquanto agentes de "subversão" desta racionalidade social, a questão se centra na promoção de uma nova organização social por meio do afloramento e expressão da espontaniedade - uma das condições para que o prazer, a fantasia, a imaginação e a poesia integrem e se façam importantes à criação de uma nova sociedade. Mas, de que forma estes questionamentos e movimentações atingem o Brasil? Os estudos de Heloísa Buarque de Holanda (em co-autoria): Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e Desbunde (1981), Cultura e Participação nos anos 60 (1982) e Patrulhas Ideológicas marca reg. Arte e engajamento em debate (1980) são sugestivos da ocorrência de várias "aproximações". Segundo a autora, as mudanças do cenário político, das condições do exercício militante ou ainda, as influências das concepções e releituras de política, revolução e socialismo promovidas pelas movimentações estudantis internacionais do final da década de 60 são responsáveis pela promoção de alterações significativas das perspectivas de ação coletiva, ou ainda, de concepções de política e revolução presentes entre as esquerdas brasileiras (em especial, na proporção em que se estabelecem

Page 158: UMA AVENTURA POLÍTICA

158

associações entre as esquerdas e as contestações "rebeldes" de uma parcela da juventude). Segundo Heloísa Buarque, a presença destas novas conotações pode ser observada no desenrolar dos próprios acontecimentos da década de 60, como no episódio de constituição do movimento Tropicalista. Em seu entender:

"..a manutenção de uma produção cultural mobilizada pela idéia da Revolução tal

como fora equacionada até 64, revelava-se improvável e cada vez mais "fora do

lugar" (..) a participação na indústria cultural (..) mostrava-se problemática e até

mesmo identificada com uma espécie de "traição" à ética empenhada da

intelectualidade. A esse impasse, o Tropicalismo respondeu de forma original. Entre

a exigência política e a solicitação da indústria cultural, optou pelas duas. Ou

melhor : pela tensão que poderia ser estabelecida entre esses dois polos (..) Na opção

tropicalista o foco da preocupação política foi deslocado da área da Revolução

Social para o eixo da rebeldia, da intervenção localizada, da política concebida

enquanto problemática cotidiana, ligada à vida, ao corpo, ao desejo, à cultura em

sentido amplo"253.

Para a autora, as concepções de política e de revolução adquirem novas significações ao estabelecerem associações com o plano das contestações "rebeldes" e mais abrangentes de cultura, valorizando-se, a partir de então, a intuição e o corpo em lugar dos discursos teóricos e das experiências mais tradicionais de militância254. Em uma interpretação semelhante, Marcelo Ridenti afirma:

"..a mesma aversão aos "livros", às estátuas e às estantes, que deveriam ser

derrubadas, permeavam com diferentes modulações todo o movimento social de 68,

da contracultura aos artistas engajados, dos hippies aos guerrilheiros. O anti-

teoricismo, a negação da reflexão em nome da ação, foi também marca forte nos

grupos de guerrilha urbana. Para estes, a teoria política revolucionária já estava

pronta e não caberia mais perder-se em discussões intermináveis, estéreis e

burocratizantes, que só impediriam a ação revolucionária a ser imediatamente

levada a cabo"255

253 Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60. Op. Cit., p66 254Ibidem, p.73 255 Marcelo Ridenti. Op Cit., pp 108/109

Page 159: UMA AVENTURA POLÍTICA

159

As alterações de leitura sobre a sociedade, sobre a revolução, a política e a cultura começam pouco a pouco a revelar um alargamento de concepções e procedimentos através da exploração de aspectos estéticos, visuais, corporais e sonoros que assumem um caráter crítico e provocativo, inclusive, segundo Arnaldo Jabor, em relação à "linearidade" da visão marxista leninista vigente no curso das experiências do CPC256. As novas maneiras de lidar com a política a partir de um entendimento mais abrangente da cultura se traduz também na forma de questionamentos críticos acerca das relações de poder; percurso de discussão e transformação política que acaba por lançar novas bases de formulação e comportamento político para a juventude da década seguinte. Uma juventude "informada", segundo Heloísa Buarque, por uma "disposição anárquica e rebelde" que desconfia do "engajamento propriamente político/revolucionário" vigente na "própria militância de esquerda presente no meio estudantil, que se conduzia no campo do comportamento e das relações "pessoais" de forma um tanto rígida e conservadora"257. Segundo a autora:

"Ser marxista, no fim de algum tempo, passa a ser visto como um estigma,

principalmente se vem acompanhado de alguma preocupação de participação

política mais efetiva, constituindo-se em demonstração insofismável de 'caretice' (..)

O binômio Arte/Sociedade, que era antes tomado na perspectiva da palavra didática

e de tomada do poder a longo prazo, começa agora a abandonar os grandes projetos

e ao se configurar numa prática de resistência cultural ou, como diz Wally, a tática

de "forçar a barra".258

De maneira concomitante, a entrada em cena de elementos da contracultura no início dos anos 70, amplia a intensidade desta leitura crítica (antes de mais nada, às formulações mais ortodoxas de esquerda) ao eleger como preocupação e interesse político questões como a desrepressão, a autenticidade, as drogas e a liberdade; questões que passam a ser incorporadas à uma discussão sobre as "alternativas ao sistema" enquanto aspectos de uma "revolução individual" a ser estabelecida no plano dos comportamentos, das relações familiares, das relações institucionais - tão presente em movimentos como o desbunde, o rock, o underground, marcados pelas drogas, pela valorização e afirmação da

256Depoimento de Arnaldo Jabor recolhido por Heloísa Buarque de Hollanda e Marcos A. Gonçalves. Cultura e Participação nos anos 60,Op. Cit. p.88 257 Ibidem, p 67 258 Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem, op. cit., pp.65/74

Page 160: UMA AVENTURA POLÍTICA

160

sexualidade e da psicanálise. Encontramos também a valorização dos exercícios intuitivos e místicos - de

"soltar a mente dos limites da razão, viver a loucura, o desejo e o êxtase"; além de uma maior resistência ao consumo e a burocratização; ou ainda, uma compreensão da "ação social" como a "expressão individual, mediada nas comunas, nos encontros coletivos, na comunhão despreconcebida dos corpos"; elementos e questões que, segundo Favareto259, detonam uma "curto-circuitagem das relações de poder, via drogas, rock, comunas e adesão às filosofias orientais e herméticas". Entre as fontes destes referenciais, estão os poetas beats (em especial Alan Ginsberg e Lawrence Ferlingheth) e autores como Mc Luhan, Marcuse, Watts, Norman Mailer (divulgados pela chamada "imprensa alternativa") que, por diversas formas, contribuem para a tendência de afastamento da participação política e pelo uso de drogas como meio de transformação interior das pessoas em pról da construção de uma outra perspectiva de sociedade260. A emergência destas perspectivas culturais é marcadas agora pela pretensão de se estabelecer uma "intervenção múltipla sob a forma de resistências setorizadas" que paulatinamente abandona o projeto globalizante de tomada do poder (vigente no início dos anos 60) para conferir à produção cultural um lugar de elaboração e intervenção política - avesso às ortodoxias e fundamentado nas trocas e contatos de jovens dos anos 70 com intelectuais da década anterior. Como decorrência, na medida em que o Estado oferece opções de participação no cenário da indústria cultural em expansão, setores jovens enfatizam sua atuação nos circuitos alternativos ou marginais aos canais oficiais na busca de construir experiências diferenciadas - significativas e originais - no campo teatral, musical, poético ("geração mimeógrafo")261, plástico e cinematográfico (especialmente em super-8). Este percurso de produções culturais alternativas, por sua vez, tem na Universidade um espaço importante de criação e circulação, em especial, na condição de

259 Celso Favaretto. Tropicália, alegoria, alegria. São Paulo, Kairós, 1979, pp31/36 260Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem, op. cit , p.63 261 No campo da literatura, a produção conhecida por �poética marginal� persegue uma possível �identidade� de criação através da inserção da poesia na vida cotidiana das pessoas, no �olhar� sobre o mundo, na sensibilidade para com a diversidade das questões presentes na sociedade de mercado, e neste caso, a �poética marginal� se realiza através da produção artesanal da sua �mercadoria�, �imprimindo� na confecção dos trabalhos toda a precariedade, a subjetividade e as �imperfeições� de seu processo criativo ou ainda, o desafio de fazer circular os produtos, em geral, através do contato direto entre o poeta e o público. Ao lado desta especificidade de produção e distribuição, muitos �poetas marginais� procuram estabelecer vínculos com outras linguagens como o teatro, a música e a dança em busca de transpor os limites colocados para as �mercadorias� artísticas, o que permite uma nova espeficidade a estas �mercadorias�.

Page 161: UMA AVENTURA POLÍTICA

161

um campo paralelo "de consumo" de uma produção autônoma e praticamente artesanal que se faz marcada pelo maior "descompromisso como resposta à ordem do sistema". No entender de Francisco Foot Hardman:

"...existia, naquele início dos anos 70, uma combinação de traços muito singular que,

depois, se desfez (..) desejo forte de comunidade, que se espraiava, na época, por

espaços menos óbvios, que se prazia na crítica político-cultural entre a resistência à

ditadura e o chamado debunde, experiência geracional das mais sérias, porque

ancorada na 'grande recusa' marcusiana, herdeira, por conseguinte, de maio de

1968, e avessa, então, a qualquer burocratismo institucional que pudesse significar

segmentação estandartizante dos saberes ou conformismo unidimensional dos

currículos universitários"262

Nos escritos de Marialice Foracchi, enfim, encontramos observações importantes a respeito deste processo de "aproximação" que se estabelece nos anos 60 e início dos 70 entre as experiências de contracultura juvenil e o movimento estudantil. Para esta autora, o movimento estudantil é capaz de captar e traduzir para a realidade universitária elementos da contracultura que se acham presentes na sociedade brasileira deste momento, e neste caso, construir uma modalidade de radicalismo político que se revela frontalmente negadora da dimensão institucional hegemônica na Universidade. Em suas palavras:

"A concepção de contracultura é essencialmente política, na medida em que os

efeitos sociais da exacerbação da criatividade e da busca de novas formas de

expressão repercutem sôbre o sistema como modos de contestação. O esfôrço de

criação, emulado na Universidade, não encontra acolhida na sua estrutura

institucional e transborda numa estilização de inquietação política. Os limites e os

tormentos da elaboração de uma nova práxis política, não sendo regulados por

padrões institucionais, seja porque a Universidade não os comporta, seja porque os

descaminhos da política convencional não os orientam, canalizam-se para o

movimento da juventude que aceita o fardo. Nessa passagem, a distinção entre o

movimento estudantil e o movimento de juventude se processa com nitidez. O

primeiro radicaliza a sua vinculação à Universidade, pretendendo nela ativar a

262Francisco Foot Hardman. "Arquivo como resistência: para um fichamento dos anos 70". Angela M, C. Araújo (org). Trabalho, Cultura e Cidadania: uma balanço da história social brasileira. São Paulo: Scritta, 1997, pp269/270

Page 162: UMA AVENTURA POLÍTICA

162

criação de uma contracultura e tentando explorar as perspectivas do jôgo político

instituconalizado. O movimento de juventude radicaliza sua vinculação ao sistema,

negando-a através de uma prática que se apóia na improvisação e na

espontaniedade, pretendendo implantar um estilo de vida" 263

A CRIAÇÃO DE UM TERRITÓRIO "MARGINAL" À CULTURA "OFICIAL" "...a geração 70 começou em 68 (..) De 68 a 71-72 foi um vup!... Só a fotografia

pegou"264

Mas, que lugar devemos conferir ao conjunto de reações e formas de resistência que emanam do campo da cultura, no curso dos acontecimentos da década de 1970? Na verdade, a transformação dos paradigmas políticos ganha concretude e significação quando passamos a observar o que se esconde por trás das proposições da chamada cultura "alternativa"; e no caso particular no Brasil, que relação possui com a entrada da comunicação de massas em proporções até então desconhecidas no país como um componente estrutural - e instrumento político - de funcionamento e legitimação do regime militar instaurado em 1964. É preciso considerar, antes de mais nada, que continua presente uma "aposta" na transformação social; uma "aposta" no entanto, que deve buscar outras vias de realização, ou ainda, a construção de novas formas de resistência e possibilidades de ação coletiva capazes de enfrentar a ditadura militar em associação à criação de uma indústria cultural sem precedentes na História Brasileira. A produção cultural da década de 70, pouco a pouco, passa a se fazer marcada pelo desenvolvimento da televisão, do mercado fonográfico e editorial, assim como por importantes investimentos estatais na área cinematográfica e teatral que vão construir e consolidar uma ampla rede de comunicação (transcendente, em muito, aos limites do rádio) com a pretensão, segundo Renato Ortiz265, de realizar uma verdadeira

263 Marialice M. Foracchi. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo, Pioneira/Ed da Universidade de São Paulo, 1972, pp 13/14 264Galvão. Geração Baseada. RJ, Codecri, Coleção Edições do Pasquim, 1982, p 62 265 Renato Ortiz. A Moderna Tradição Brasileira: Cultura Brasileira e Indústria Cultural. Op. Cit., pp113/148; Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. Op. Cit., pp78/126

Page 163: UMA AVENTURA POLÍTICA

163

"integração nacional". De forma paralela ao alargamento das possibilidades da comunicação, é um "vazio" político que acompanha este processo, instaurando em conjunto à censura e repressão a imposição de dificuldades sérias e concretas a produção e realização de trocas de referências entre segmentos importantes do cenário cultural. Na verdade, ao tomarmos este período pelo viés da produção cultural percebemos a presença de uma dinâmica repressiva associada à entrada intensiva da chamada indústria cultural que por meio de um processo de massificação interfere no campo da comunicação e da produção literária, musical, teatral, artística, reordenando suas questões a partir de uma outra dinâmica de circulação e padrão de consumo. Mais do que isso, a veiculação de uma "cultura oficial" associada à expansão da comunicação de massas se soma à adoção de um leque de atos arbitrários e mecanismos de censura e auto-censura que se traduzem na constituição - e explosão - de uma sociedade de mercado promotora de novos hábitos e valores sociais. Segundo Renato Ortiz:

"64 inaugura um período de enorme repressão política e ideológica, mas significa

também a emergência de um mercado que incorpora em seu seio tanto as empresas

privadas como as instituições governamentais. Durante o período 64-80 ocorre uma

formidável expansão, a nível da produção, da distribuição e do consumo de bens

culturais. É nesta fase que se dá a consolidação dos grandes conglomerados que

controlam os meios de comunicação de massa (TV Globo, Ed. Abril,etc.)"266

A partir de 1964, o Estado desempenha um papel de destaque na dinamização do mercado cultural ao tratar desta questão como meio de integração nacional, associando à expansão e consolidação do mercado de bens simbólicos a veiculação e desenvolvimento de sua política autoritária. No estudo organizado por Sérgio Miceli, Estado e Cultura no Brasil267, podemos identificar a criação de novas instituições estatais para o setor, em especial a partir da decretação do Plano Nacional de Cultura na segunda fase da década, quando o cinema, o teatro, as artes, passam a receber estímulos públicos concomitantemente à realização de investimentos privados significativos nas áreas lucrativas do turismo, televisão, música e publicações. A associação entre interesses do capital privado e poder público possibilita que o governo invista na construção de uma infra-estrutura tecnológica para o sistema de telecomunicações e que implante uma legislação específica para o setor cultural na

266Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. Op. cit., p.83 267 Sérgio Miceli (org). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel, 1984

Page 164: UMA AVENTURA POLÍTICA

164

pretensão de disciplinarizar e organizar a produção e distribuição segundo a lógica de mercado. De forma correlata, os novos órgãos e instituições culturais como o Conselho Federal de Cultura (criado em l966), a FUNARTE, EMBRAFILME, entre outras, permitem a institucionalização destes canais de contato entre o Estado e a sociedade civil, recebendo em seus quadros representantes das Academias e Institutos mais tradicionais (que desde o princípio, apoiam o Golpe), de setores empresariais (que pouco a pouco, ocupam cargos junto às novas instituições), ou ainda, de intelectuais e artistas de esquerda interessados em integrar o desenvolvimento do novo parque industrial da cultura (em especial, através de projetos subsidiados que se voltam para setores mais carentes e de menor poder de mercado). A criação destes novos espaços, por sua vez, confere expressão a segmentos sociais conservadores cujas posturas e manifestações há muito se acreditavam extintas e que agora se prestam a dar apoio às novas regras autoritárias e aos processos de intervenção e interrupção da produção cultural, em um percurso marcado por grande violência política268. Este é o tempo em que Stanislaw Ponte Preta registra em seu "Primeiro Festival de Besteira que Assola o País", que:

"..o diretor de Suprimento, em Brasília, proibia a venda de vodca 'para combater o

comunismo"269

De forma complementar, a nova "ordem" autoritária (associada à massificação cultural) ganha legitimidade social na proporção em que considera como "subversiva" as produções anteriores e em que "embaralha" as referências culturais ao cercear as tentativas de rearticulação de discussão, resgate e continuidade das produções - ocorrendo uma sobreposição e perda de significados culturais ao lado do alijamento da esfera pública das produções que porventura reajam à dinâmica de implantação da indústria cultural - seja por razões políticas, culturais ou inclusive, morais270. Em sentido inverso, como a se orientar pela frase de Chico Buarque: "quero perder de vez tua cabeça", tem início um processo de resistência cultural que consegue se diversificar na proporção em que amplia seu leque de questionamentos, posturas e experiências de "engajamento" - em um percurso que poderíamos chamar de "cultura

268Roberto Schwarz. O Pai de Família e Outros Estudos. São Paulo, Paz e Terra, 1992, p 61/92 269 Stanislaw Ponte Preta. FEBEAPÁ: 1º Festival de Besteira que Assola o País. São Paulo: Círculo do Livro, p11. 270Heloísa Buarque de Holanda. Impressões de Viagem, Op. cit. pp.90/91

Page 165: UMA AVENTURA POLÍTICA

165

alternativa". Lentamente, ganha lugar a circulação de um outro conjunto de obras proibidas e copiadas que se tornam conhecidas, discutidas e comentadas em um percurso de resistência crucial à permanência ou mesmo continuidade de certas perspectivas e experiências culturais interrompidas. As produções que alcançam os meios de comunicação oficial convivem com obras geradas sob condições as mais adversas, mas que no entanto, não cessam e acabam por conquistar um lugar no cenário cultural. Estas possibilidades de resistência, por sua vez, carregam uma percepção mais crítica do momento, forçadas a realizar uma leitura diferente dos períodos anteriores, o que faz com que as realizações culturais dos anos 70 apresentem um leque diverso de perspectivas que vai das obras interessadas em dar continuidade aos trabalhos interrompidos a obras cujos referenciais provém das incongruências deste mesmo tempo - sendo compostas de uma grande diversidade de interpretações e utopias a conviver lado a lado com o desenvolvimento de uma produção artística de caráter empresarial. Os acontecimentos da nova década vão produzir, neste sentido, uma outra perspectiva de relação entre política e cultura na qual as heranças da década de 60 encontram apenas em parte alguma continuidade - muitas vezes em uma dimensão mais individualizada. Conforme sugere Roberto Schwartz, se toda uma produção cultural nos anos 60 perde concretude com o golpe, ao mesmo tempo os vínculos entre a produção cultural e a política se alteram ocorrendo uma quebra de relações estabelecidas entre a intelectualidade e a luta popular271. De fato, no período pré-AI-5, encontramos a presença de um conjunto relativamente articulado de discussões e de perspectivas de produção cultural pautado pela leitura crítica da arte em associação à problemática social do país272; perspectiva que 271 Referência ao seu discurso durante o Seminário �O Golpe de 64: 30 anos� promovido pelo Instituto de Ciências Humanas da Unicamp, 21 a 24 de março de 1994 272Desde a formação do Cinema Novo (final dos anos 50) encontramos uma perspectiva de produção cinematográfica "nacional" (de ambições, inclusive, industriais) dotada de temáticas e processos de produção sensíveis às questões sociais, políticas e econômicas do país. No campo teatral, a década de 60 marca importantes realizações que também possuem bases na leitura crítica de uma sociedade marcada pelas diferenças e conflitos, na qual a condição de pobreza - que afeta a produção e a circulação cultural - se constitui ao mesmo tempo objeto e fim da perspectiva artística. O "que fazer" se articula com o "como fazer", na busca de uma coerência de realização compatível com as opções temáticas e estruturais de produção. No campo musical, o movimento de "bossa nova" iniciado ainda nos anos 50, assume uma produção muito rica e variada de pesquisas e criações, onde gerações de artistas populares são recuperados em uma perspectiva de recriação musical, sensível aos aspectos sociais deste mesmo tempo. As diferentes obras de arte, de diferentes campos de linguagem, possuem como "área" comum de articulação a inserção em uma "realidade" marcada pelas disparidades, na qual a riqueza das respostas culturais, políticas e sociais apontam para uma perspectiva coletiva de produção "brasileira" . E se a mesma perspectiva já se colocara em outras épocas, em particular no início do século em torno da arte modernista, nos anos 60 ela assume uma articulação mais ampla, inclusive em termos de linguagem. A música, o teatro, o cinema.. generalizam sua dimensão de trocas simbólicas, e pouco a pouco, novas experiências se articulam, inclusive na esfera da política.

Page 166: UMA AVENTURA POLÍTICA

166

permite estabelecer um "diálogo" entre campos artísticos diferentes como o cinema, o teatro, a música; ou ainda se desenvolver experiências "engajadas" que assumem algumas vezes experimentações estéticas importantes. Já no final dos anos 60, é a sedimentação de um amplo mercado de consumo cultural trazido pela televisão, indústria fonográfica e produção cinematográfica internacional que condiciona as produções, empurrando para a marginalidade ou para a clandestinidade boa parte das experimentações desenvolvidas até então, "excluindo" artistas através das novas regras de censura e de mercado cultural, ou ainda, interrompendo percursos de discussão e articulação político-cultural significativas desenvolvidas até então273. Como sugere Inácio de Loyola Brandão, este é o tempo no qual uma produção cultural clandestina é forçada a recriar, quando possível, os seus instrumentos de comunicação a partir das próprias renovações tecnológicas introduzidas na ocasião. Para o autor:

"..xerox viriam, surgiriam dos subterrâneos, emergiriam da clandestinidade a que a

cultura brasileira foi obrigada a suportar por anos e anos (..) Cópias xerox de livros,

peças proibidas. Poesias mimeografadas por não encontrarem editores com audácia

para publicação. Letras de músicas jamais gravadas. Fotos, revistas e jornais

estrangeiros, livros que tinham escapado à apreensão (..) Quem tinha algo proibido,

não guardava cuidadosamente, na esperança do 'material' se valorizar, obter preço

de mercado. A maioria das pessoas entendeu que a cultura não era coisa para bolsa

de valores (..) Conheci muitos grupos que faziam vaquinhas, coletavam dinheiro,

faziam uma cópia. Uma lista de nomes acompanhava o texto. O primeiro lia, passava

ao segundo. O segundo ao terceiro, até o fim da linha. Se a cópia resistia, eles

procuravam outro grupo, estabeleciam novo circuito"274

No entanto, atuar neste contexto de maneira a produzir um "contra-discurso" cultural implica ter presente projetos e leituras de mundo "alternativos" muito claros em um momento no qual não há consensos em relação à situação, aos problemas e aos desafios

273 Entre os estudos do final dos anos 1990 encontramos registros significativos acerca das condições/perspectivas de produção cultural nos anos 70 como em: Denis Moraes. O rebelde do Traço: A vida de Henfil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1996; Márcio Borges. Os Sonhos não Envelhecem: Histórias do Clube de Esquina. São Paulo, Geração Editorial, 1996; Carlos Calado. A Divina Comédia dos Mutantes. Rio de Janeiro, 34 Literatura S/C Ltda, 1995 274Inácio de Loyola Brandão. Folhetim, 6/maio/79, nº120, p.8/9

Page 167: UMA AVENTURA POLÍTICA

167

colocados na esfera da cultura e da sociedade275, ou ainda, em que imperam as divergências, as fragmentações, os constrangimentos e a violência276. Tempo, enfim, em que a obra de Chico Buarque ganha destaque - como símbolo desta "resistência" - por conseguir referendar certas problemáticas sociais e culturais que se acham presentes e que se constituem cruciais a compreensão de um contexto por demais difuso277. O SIGNIFICADO DAS "PRÁTICAS CULTURAIS" NO REPENSAR POLÍTICO DAS MOVIMENTAÇÕES ESTUDANTIS

Se o universo das militâncias e das práticas políticas e culturais estudantis e juvenis experimentam transformações na virada das décadas de 60 e 70, quais são as consequências destas mudanças para o movimento estudantil? Na verdade, as alterações de concepção política oriundas de um percurso mais profundo de reinterpretações e vivências promovem uma mudança efetiva das condições/perspectivas internas de exercício político do movimento no espaço acadêmico. A princípio, os referenciais "enrangès" e contraculturais (associados às condições repressivas em vigência na Universidade) interferem nas diretrizes políticas institucionais e na produção cultural destes estudantes, possibilitando que se desenvolva um leque mais amplo e diversificado de manifestações de resistência e de experiências culturais críticas aos processos de reformulação institucional. Este contexto permite ainda que o movimento estudantil adquira através da dimensão cultural referências importantes de reconstrução de

275 Em depoimento recolhido por Heloísa Buarque em Cultura e Participação nos anos 60, Caetano Veloso afirma: �Realmente havia uma diferença entre os nossos interesses e os interesses de criação de uma cultura revolucionária ou engajada no processo revolucionário que rolava na época. A gente precisou botar isso em questão, mais do que propriamente definir uma outra posição. A nós parecia que a questão não era essa (...) Mas essas questões do nacional e do engajado me interessavam mais naquela época. Todo mundo falava nisso e eu para defender a minha inspiração usava o jargão da época, às vezes até sem muito conhecimento. Na verdade a minha visão do panorama cultural era vaga e o que eu desejava também�. Op. Cit., p85 276Na análise realizada sobre a instauração do AI-5 em fins de l968, encontramos depoimentos insistentes sobre o papel de ruptura que esta medida significa. Ruptura de experiências culturais e políticas de toda uma geração, com projuízo da dimensão de perspectivas caras à um projeto mais amplo de produção coletiva. Segundo Roberto Freire: "..o mais grave e lamentável no processo de censura arbitrária e reacionária à liberdade de ação, de crítica e de expressão crítica, não é a censura propriamente dita, mas a sua consequência e principal finalidade quando eficientemente aplicada: a autocensura (..) sucesso do sistema político-repressivo". "O que o país perdeu com o ato 5, Folhetim, 31/12/78,p3 277 Adélia Bezerra de Meneses. Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque. São Paulo, Hucitec, 1982, pp203/204

Page 168: UMA AVENTURA POLÍTICA

168

práticas coletivas, de forma que as atividades culturais, em si mesmas, configuram transformações de paradigmas políticos. As "práticas culturais", como são chamadas, carregam em suas trajetórias de reflexão política perspectivas de ação coletiva "alternativa" que com o passar do tempo sedimentam um forte instrumento de comunicação entre os estudantes passando a "dividir" com os grupos organizados em recomposição, experimentações de linguagem muito caras à reestruturação institucional do movimento - como no caso da utilização do teatro na legitimação destes fóruns coletivos. Por outro lado, nós podemos observar também que em diversos casos ocorre um "descolamento" destas experimentações culturais do universo propriamente institucional do movimento ao se optar por construir "alternativas coletivas" mais radicais dotadas de leituras de política diferentes. Na prática, a convicção na possibilidade de transformar as formas de vida das pessoas anima projetos culturais e políticos a construir linguagens participativas - na forma teatral, cinematográfica, poética ou literária - com vistas a se afirmar, enquanto tais, em experiências de transformação das relações coletivas e sociais. A entidade estudantil, por este viés, reaparece como espaço de socialização e embrião de outra utopia de sociedade levando-nos a considerar que a presença destes elementos "enrangès" e contraculturais conferem às "práticas culturais" um outro conceito de militância e revolução.

Os referenciais oriundos das "práticas esquerdistas" do movimento de 68 frances, por exemplo, entendem o estímulo à espontaniedade como um instrumento de "libertação" dos mecanismos condicionadores da vida e do trabalho alienante da sociedade, assim como de valorização da dimensão subjetiva dos desejos e da sensibilidade - capazes de munir as movimentações coletivas da capacidade de criar seus próprios procedimentos políticos/culturais de luta política. Estes referenciais valorizam, ainda, o "brincar" com a política (marcante das ações yppies norte americanas) como forma de se assumir posicionamentos críticos sem reforçar os fundamentos políticos mais tradicionais. Na prática, uma opção militante que, mesmo premida pelas indefinições, se coloca alternativa aos projetos de matriz marxista-leninista. Nas palavras de Daniel Cohn Bendit:

"Podemos não saber exatamente o que desejamos, mas temos plena consciência do

que recusamos : a solidão, o individualismo, a possessividade e outros valores da

sociedade tradicional"278

278Daniel Cohn Bendit. O Grande Bazar. Op. cit., p.179

Page 169: UMA AVENTURA POLÍTICA

169

De forma correlata, uma reflexão um pouco mais atenta sobre as chamadas linguagens participativas dos estudantes brasileiros dos anos 70 revela a presença de elementos marcantes da contracultura no percurso de se entender/eleger a expressão corporal, as experiências musicais e poéticas, as discussões estéticas e conceituais como aspectos fundamentais de uma renovação do campo da política - e não apenas como instrumentos de legitimação de procedimentos organizados e espaços institucionais. De forma especial, estas reflexões e procedimentos se fazem presentes na atribuição de uma postura anti-autoritária e anti-dogmática à esta dimensão cultural , entendida então como condição de "libertação" individual, comportamental e sexual através da libertação da espontaniedade. A preocupação e insistência com relação ao convivio nos diretórios, portanto, carrega esta perspectiva "alternativa" de ação/vida coletiva no contexto acadêmico dos primeiros anos da década. Mas a experimentação de perspectivas desta natureza em um período de ditadura militar é tratada com violência e censura, ao mesmo tempo que a repressão às organizações de esquerda obrigam-nas a proceder a uma renovação de práticas, ou ainda, a um repensar da questão política; percurso que, em certos aspectos, aproxima ambas as dimensões. Neste sentido, e apesar dos mecanismos repressivos em vigor, o espaço do diretório e da Universidade transforma-se, em termos mais amplos, em um ponto de contato das concepções distintas de política e cultura; contato por sua vez, que se por um lado permite que o diretório incorpore produções poéticas, musicais, literárias e teatrais ao projeto político de "reconstrução" institucional do movimento (de significado político-representativo), por outro, dá vez a um "retecer" das relações políticas a partir destas novas perspectivas de sociabilidade, convívio e participação. Os jornaizinhos registram este "encontro" como podemos observar em um fragmento do "Boletim do DEA" (arquitetura/UFBa) de 1972:

"A idéia parte de que fazendo arte há possibilidade da gente se libertar do cotidiano

dos livros e da sala de aula. A Universidade deve ser mais do que isso. A

individualidade se torna social, se a gente encontra um caminho para a

sensibilidade".

As experiências artísticas partilham agora do espaço do diretório como um meio de reconquistar uma vivência coletiva; perspectiva que confere ao diretório uma definição múltipla de papéis como espaço da política representativa, instrumento de

Page 170: UMA AVENTURA POLÍTICA

170

transformação da Universidade e lugar de convivência. No jornal "O Pícaro" (ECA/USP)279 de 1971, podemos ler:

"O que você faz na Faculdade? Já pensou se essa pergunta fosse feita a você? Que

resposta daria? Diria talves [sic] que assiste aulas, que estuda, ou ficaria mudo, sem

resposta. Sabe que campo profissional o espera? Onde e como vai ter de trabalhar?

Não. Bem, esses são problemas que deveriam interessa-lo muito de perto. Que

interessam a todos nós, alunos da Comunicações. Mas o importante é esclarecer

dúvidas, é levantar problemas. E como fazer isso? Através do Diretório Acadêmico, é

claro. Não é o Diretório o órgão de representação dos alunos? Pois então. Vocês,

nós, precisamos participar de suas atividades. O DA é nosso. Somos o DA, e é

através dele que devemos buscar a solução dos nossos problemas, as respostas às

nossas dúvidas (..) Afinal, o DA têm departamentos que abrangem as diversas

atividades existentes na faculdade : teatro, cinema, shows, trabalhos gráficos,

esportes, tanta coisa Enfim, por algum dêstes departamentos você deve se interessar.

Não fuja. Você têm muito a fazer; muito a receber. Participe. Participe da vida

acadêmica, participe de nossos problemas, dos seus problemas. Participe do DA"

Em 1974, encontramos o mesmo ideário no Jornal "Ciso" do DA de Ciências Sociais/UFBa:

"O Diretório é uma entidade aberta, fomada por todos os alunos matriculados no

referido curso, havendo todos os anos eleições em que os membros do Diretório

elegem os componentes da equipe cordenadora das atividades em todos os setores -

cultural, social e esportivo, que são necessários para o desenvolvimento de um

ambiente estudantil completo, sem a limitação mecânica de simplesmente vir assistir

aulas e voltar, sem ter uma maior consciência dos problemas em comum, da

necessidade de tornarmos nossas reivindicações fortalecidas e viáveis (..) Na medida

em que não temos um curso em nível satisfatório, carente de atualização, abertura,

debates, melhor orientação no sentido prático do desempenho de nossas futuras

funções dentro da sociedade. Deve haver uma tomada de consciência, da necessidade

de haver algo que seja o ponto comum, que se prestarmos atenção temos interesse e

problemas que são comuns a todos os estudantes, algo que quebre a

incomunicabilidade criada pela Reforma Universitária através da descentralização

279 O Jornal O Pícaro era produzido por militantes ligados ao PCB.

Page 171: UMA AVENTURA POLÍTICA

171

das escolas"

Na primeira fase dos anos 70, as atividades culturais tornam-se parte da vida das entidades, integradas aos propósitos coletivos de um espaço que se pretende complementar a experiência formativa, e neste caso, sua análise nos esclarece o papel e o lugar que a cultura ocupa entre os exercícios políticos do período. Pouco a pouco, são os shows musicais de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gonzaguinha, entre outros; as mostras de som e o incentivo à criação de novos trabalhos, que tomam acento no mundo acadêmico280. Assim como a troca de referências e linguagens artísticas no interior do espaço do diretório (de larga tradição política), possibilita a experimentação de novas perspectivas de ação coletiva. No "Jornaleco" do DA de Economia da UFBa, de l974, podemos observar as influências que a "geração mimeógrafo" possui na prática política do movimento:

"Quando toda uma geração de novos poetas passa a fazer música popular para não

se manter distante do contato direto com o público, quando se torna cada vez mais

difícil o acesso à publicações, quando se torna cada vez mais caro o custo das

edições, mediante a comercialização cada vez maior do livro, quando existe todo um

esquema oficial de censura que promove a linearização ideológica das obras

literárias, o que fazer para resistir? A resposta está na lição que podemos e devemos

aprender com a chamada "geração mimeógrafo". Coisa curiosa podemos notar nas

sociedades onde o poder político controla e conduz as manifestações culturais. Ao

menos com relação à literatura, e em particular à poesia, pela sua capacidade de

disciplinarizar críticas diretas, as limitações provenientes de tal estado de coisas

tendem, a curto prazo, provocar reações marginais cuja maior contribuição é o

revigoramento da produção literária do país. É o que se nota atualmente em nossos

meios universitários, onde à falta de recursos técnicos e economicos, é feito

numerosa produção literária à base de mimeógrafos, com tiragem e distribuição

limitada".281

De forma correlata, estas perspectivas culturais permitem que os mais 280Podemos ler no Boletim do DEA (Arquitetura/UFBa) de l973: "Além de mostrar todo um pessoal que faz música aqui na escola, a Mostra de Som tenta começar um momento musical universitário, incentivando a participação de outras escolas. Isso também é um convite. Venha transar com a gente". 281 Jornaleco, DA de Economia da UFBa, 1974

Page 172: UMA AVENTURA POLÍTICA

172

diferentes estudantes se "agreguem" em torno das entidades e passem a construir perspectivas mais amplas de ação coletiva. No editorial do "Boletim do CUCA" (Centro de Cultura e Arte) da UFBa, deste mesmo ano, notamos a presença de "hippies" na organização e realização de espetáculos de dança, teatro, cinema e música; a presença de poetas voltados a construir um movimento (MANOPO) e a publicar um caderno de poesias; a realização de cursos e exposições fotográficas, de comemorações (como a da Semana de Arte Moderna) e discussões sobre a cultura popular (através da Semana de Cultura Popular). Em um fragmento deste editorial já podemos observar a dinâmica que se desdobra destas perspectivas:

"Cercado pelas brancas paredes da capela do União, embaixo de muita batida e

palavrão, Mario Cravo deu a dica do que é a arte aqui. A platéia indecisa e/ou

deslumbrada pensou, discordou, vaiou, esculhambou, gostou e por incrível que

pareça - disse o que achou. A poeira que foi levantada naquela noite, continuou pelo

ar por entre exposições, palestras e filmes, para finalmente assentar depois do show

de encerramento lá no Vila Velha e nas cabeças daqueles que sentiram na SEMANA

ESTOPIM, um passo-tentativa o sentido de criar oportunidades nessa terra pra quem

tá a fim de fazer e mostrar seus trabalhos"282

A aproximação de atividades, grupos culturais e entidades estudantis possibilita que se estabeleça nos primeiros anos da década uma convivência muito frutífera entre elementos e leituras diferentes de ação coletiva, produção artística e atuação política, sem que se percam as perspectivas originais. Esta convivência é enriquecedora a ponto de permitir que as movimentações e discussões de perfil contracultural se expressem no interior das entidades283. O "Jornal do DAFA", do DA de arquitetura da UFRGS, em l973, nos fornece um registro importante do contexto de variações comportamentais que se encontra presente e que efetivamente compõe o universo estudantil da época, objeto de processos repressivos:

"O último FESTIVAL DE INVERNO DE OURO PRETO está sendo considerado o

282Centro de Cultura e Arte (CUCA) da UFBa, agosto de 1972 283 O Jornal �O Pícaro�, produzido pelo DA da ECA/USP, em 1971, explica da seguinte maneira o seu título: �O romance picaresco, um dos gêneros mais originais e mais florescentes da literatura espanhola, descreve os costumes e os hábitos dos pícaros, sociedade pitoresca e duvidosa onde se encontram mendigos, tratantes de toda espécie, desqualificados, pobres, miseráveis, reincidentes das aldeias, tudo que vive à margem da sociedade. Aí está a razão do nome. Somos, pois os avós da contracultura e os tios avós do cinema marginal�

Page 173: UMA AVENTURA POLÍTICA

173

Festival das Detenções. Difícultando cada vez mais a realização do Festival, no

último, 85 policiais e 22 inspetores da PM de Belo Horizonte �visitavam' diariamente

as repúblicas estudantis à procura de 'viciados' e antigos malandros que se

aproveitavam do festival'. Nos primeiros dez dias foram presas 360 pessoas. 130

foram largadas nas estradas Rio-Bahia (os que eram do norte) e Rio-Belo Horizonte.

Conforme um inspetor do DOPS 'as outras foram para o serviço de triagem do DOPS

de Belo Horizonte. Muitos hippies passaram a vestir roupas caretas depois da

'estadia'. Os estudantes estrangeiros presentes no Festival estavam aterrados.

'Quando eles não tinham mais nada para inventar, criaram uma comissão para dizer

o que podia ou não ser vendido na feira' diz uma aluna do Festival. 'Todo mundo fala

baixinho. Só falaram alto para anunciar que estavam abertas as inscrições para a

'miss' do festival".

Na verdade, as atividades culturais atingem uma tal importância no processo de reconstrução política dos diretórios que a partir de 1973 os DCEs, instâncias mais centralizada de organização representativa, começam a incorporar às perspectivas de ação representativa a organização e promoção de eventos, publicações e atividades culturais, como se estas atividades culturais pudessem "emprestar" perspectivas coletivas ao projeto de recomposição político-institucional

. Vemos então se propagar grupos de música

vinculados aos diretórios conforme podemos ler no "Boletim Informativo" do CEUPES (Ciências Sociais) da USP, de 1973:

" A idéia de se formar um grupo de música em nossa escola foi, em primeiro lugar,

proposta aos calouros e aberta a todos através de uma reunião ampla (..) Por uma

série de problemas, esta reunião teve o comparecimento de poucos colegas que, de

qualquer maneira, formalizaram a criação do grupo. O grupo está formado mas

inteiramente aberto a novos elementos e novas idéias. Algumas que nos ocorreram:

a) um conjunto musical, sem qualquer pretensão de virtuosismo técnico: b) um coral,

ídem; c) aulas de violão em grupo (..); d) uma batucada (que está fazendo falta no

grupo de teatro);e) um grupo de organização de shows musicais de gente nova ou

conhecida, de dentro e de fora da Universidade. São apenas idéias que dependem de

esforço e organização de todos nós para se concretizar"284

No Boletim dos Diretórios Acadêmicos da UFBa, de fevereiro de l973, 284Boletim Informativo do CEUPES, Centro de Estudos de Ciências Sociais da USP, de 25/4/73

Page 174: UMA AVENTURA POLÍTICA

174

podemos observar um outro aspecto da relevância deste processo: "A importância da formação de grupos de teatro na UFBa foi sentida desde a

apresentação, em Direito, de uma montagem de poesias e expressão corporal no

lançamento da Antologia Poética. Já foi firmado o TEPSi (teatro da psicologia) e

está na hora de firmarmos novos grupos nas escolas. A mostra de Som Universitário

foi a primeira retomada de estudantes para constatar e debater o que está sendo

produzido, em termos musicais. Outras idéias surgiram e devem ser postas em

prática: feiras de música, mostras de som, etc. O cinema nos coloca dentro de um

contexto maior de análise. Neste sentido, serão apresentados filmes no restaurante

universitário e nas faculdades"285

A intensidade e importância das programações culturais, por sua vez, pode ser constatada pelo número elevado de circuitos e sessões de cinema, teatro e edição de textos que pouco a pouco ocupa o espaço acadêmico - com frequência, em conjunto com os Diretórios. No "Jornal Conjunto", produzido pelos DAs de Engenharia da UFBa, em l973, podemos observar o papel que as "comissões culturais" adquirem como instrumento de promoção e articulação das atividades estudantis por toda a Universidade:

"Já se fazia necessário na Universidade o surgimento de um programa cultural que

pudesse oferecer um material artístico, literário, musical, quase inexistente em nosso

meio, o qual estivesse inclusive condizente com a nossa realidade estudantil, e

inserido na realidade brasileira. Em função disso foi criada a comissão de cultura do

DCE, que apesar das dificuldades têm conseguido funcionar. Assim: Tôdas as 4as.

feiras às 20h30 têm apresentado filmes no RU, com entrada franca. Grupos de arte

estão em funcionamento, e dois dêles já apresentaram trabalhos (Tepsi e Antologia

Poética). Está sendo organizado por tôda a Universidade um concurso de cartazes

sôbre os Direitos Humanos. Estão se confeccionando cadernos literários, enfocando

autores importantes, e também trabalhos de colegas sem oportunidade"286

A incorporação de linguagens artísticas aos atos políticos não se constitui propriamente uma novidade entre as experiências de movimento estudantil, conforme podemos observar nas realizações dos CPCs nos anos 60 que chegam a produzir peças

285 Boletim dos Diretórios Acadêmicos da UFBa, fevereiro de 1973, p19 286Jornal Conjunto do DA de Engenharia da UFBa, junho de 1973, p.16

Page 175: UMA AVENTURA POLÍTICA

175

teatrais e filmes, a gravar discos e editar obras literárias. A questão que se coloca na primeira fase da década de 70, no entanto, diz respeito à importância que estas atividades adquirem como procedimentos "alternativos" de vivência e formação acadêmica, ou ainda, como práticas fundamentais à renovação e criação de novas possibilidades de ação política. Neste caso, mais do que um aspecto positivo da associação e articulação de leituras e projetos de ação coletiva, as linguagens artísticas carregam objetos políticos próprios, sendo inevitável um confronto entre as várias perspectivas presentes. "CALOURADAS" E PROGRAMAÇÕES CULTURAIS As referências iniciais que possuimos de uma programação cultural estudantil no espaço acadêmico da Universidade em reforma datam de l971, período em que encontramos a organização de shows, semanas de atividades e feiras de arte conforme podemos observar em documento dos estudantes de arquitetura da UFBa:

"um nome? um grupo? um movimento? a vontade seria de incrementar a arte no

meio universitário (..) Em 71 já conseguimos realizar alguma coisa: o show 'última

transa' em arquitetura, o show de encerramento da Semana de Comunicações.

Participou também da Outubro Artes promovida pelos colegas da Arquitetura. Agora

o CUCA amplia suas atividades, não só fazendo experiências musicais, mas também

explora outras possibilidades: fotografia e cinema, teatro e literatura. O CUCA está

ligado orgânicamente às Secretarias Culturais dos diversos diretórios. Se você têm

aquela idéia ou vontade de participar, procure no diretório a pessoa responsável pelo

trabalho do CUCA. É como diz Zé Celso (diretor do grupo Oficina) : é hora de

rebolição ( = querer de novo, tentar de novo)"287

Desde os primeiros anos, as "calouradas" - em lugar dos trotes - são organizadas no início de cada período letivo com a finalidade de estabelecer um ambiente de convívio e aproximar os estudantes recém-ingressos dos diretórios288. As atividades

287 Boletim do DEA, DA dos Estudantes de Arquitetura da UFBa, maio de 1972 288 Sobre o trote, podemos ler no jornal estudantil A Palavra, da UFBa de 1973: �..para a geração que prega festivamente a paz e o amor, a liberdade de pensamento e ação, a honestidade da conduta, o trote é a demonstração palpável que se está agindo de acôrdo com o pensamento (mas que moral)!�

Page 176: UMA AVENTURA POLÍTICA

176

culturais e esportivas conferem a "liga": são os filmes, as músicas e peças teatrais que "apresentam" a Universidade no que ela têm de debilidades e também de perspectivas positivas. No "Jornal Polícampus", do Grêmio Politécnico da USP, em l973, podemos observar as tentativas de transformar as práticas tradicionais do "trote":

"A iniciativa partiu de um (..) grupo de bichos (..) 'Recepcionar o calouro (assustado

e desorientado). Integrar o bicho à escola e a seus futuros companheiros de curso.

Proporcionar um trote que não fira a integridade moral e física do

iniciando'...compunha os objetivos, que embora justos e implacáveis, se tornam

frágeis diante da realidade da escola. Porque a amplitude de um trabalho assim, só

têm sentido quando não só uma comissão de trote ou grêmio se propunham a fazê-lo,

mas quando a maioria dos colegas se conscientizem de sua importância (..) fechados

num individulismo que não os deixa perceber a importância de um cooperativismo

(..) O saldo não foi de todo negativo (..) E a experiência será transmitida e

reelaborada"289

Em "A Palavra", jornal do DA de Direito da UFBa, de 1973, podemos ler:

"para a geração que prega festivamente a paz e o amor, a liberdade de pensamento e

ação, a hosnestidade da conduta, o trote é a demonstração palpável que se está agindo

de côrdo com o pensamento (mas que moral)!"

Por outro lado, a alteração de significados da "calourada" é acompanhada de tensões entre os militantes organizados e clandestinos que se vêem, muitas vezes afrontados pela simbologia empregada nestes momentos lúdicos. Este é o caso da calourada registrada pelo jornal do DA da ECA, "O Pícaro", em 1971, que nesta ocasião promove uma corrida de tartarugas e causa estranheza em muitos alunos engajados em uma perspectivas revolucionária290. Neste caso, a presença de uma tendência culturalista difusa na Universidade do período estabelece, em certas situações, constrangimento às proposições de organização e militância de esquerda, ampliando-se as diferenças e tensões. De qualquer forma, vemos que, através das "calouradas" e de atividades culturais semelhantes, os estudantes são chamados a partilhar de espaços possíveis dentro e

289Jornal Poli Campus do Grêmio Politécnico da USP, abril de 1972 290 Jornal Poli Campus do Grêmio Politécnico da USP, abril de 1972

Page 177: UMA AVENTURA POLÍTICA

177

fora da Universidade, como dos bares, cineclubes e atividades artísticas a partir das quais se fortalece uma perspectiva de "convívio" acadêmico - associada, frequentemente, a uma percepção maior dos problemas e das possibilidades da ação coletiva para sua resolução. Pouco a pouco, as atividades de protesto começam a se dotar de linguagens criativas, e dentro do possível, por uma partilha lúdica do espaço acadêmico. Temos notícia, por exemplo, de um protesto realizado no período da transferência dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais para os barracões da cidade universitária da USP, em l971291. Nesta ocasião, os estudantes proibidos de realizar atos políticos resolvem "inaugurar" a pedra fundamental de um novo prédio (hipotético) convidando a imprensa - em nome da Reitoria - para uma cerimônia regada à "chopp" e música dos "Beatles". O ato de protesto, ao mesmo tempo em que denuncia as condições de ensino e a existência de repressão no campus, compromete publicamente a Reitoria a manter as condições de infra-estrutura destes cursos em transferência. Ao longo do protesto, a bebida e o som dos "Beatles" "acalma" a angústia dos estudantes que se vêem cercados por policiais do DEOPS - a "esquadrinhar" o território em busca de responsáveis. Atos políticos deste tipo são frequentes ao longo dos anos, e a criatividade das ações coletivas é capaz de enfrentar situações graves. Da mesma forma, a leitura crítica dos problemas e dos desafios da Universidade - seus procedimentos repressivos e burocráticos, a falta de direitos discentes - se amplia para fornecer elementos cada vez mais sutis de resistência. As experiências culturais possibilitam então que se amplie o poder de articulação dos movimentos, questão que leva os estudantes a adotar orientações do tipo deliberado pelo 1º Encontro Nacional das Escolas de Arquitetura, em l972:

"Tendo sido constatada a falta de força representativa dos estudantes, deve-se criar

ou reforçar a representação existente por meios legais, através de um trabalho que

vise despertar a tomada de consciência frente à real estrutura da Universidade.

Dentro disso, é proposto (..) criar atividades ligadas a cineclubes, jornais, palestras,

grupos de estudos para a criação de um clima de trabalho e estudo" 292 Ao lado das "calouradas", os Diretórios procuram desenvolver experiências participativas na forma de grupos de teatro, cineclubes, grupos de música, grupos de poetas, sendo que o ano de l973 é intenso de articulações deste tipo, conforme podemos observar 291Depoimento de Geraldo Siqueira concedido a Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986. 292 Jornal do DAFA, DA de Arquitetura da UFRGS, agosto de 1973

Page 178: UMA AVENTURA POLÍTICA

178

em uma carta programa da UFMG:

".. duas grandes atividades merecem ser ressaltadas por terem conseguido cumprir o

objetivo básico de buscar novas formas de participação dos estudantes em suas

entidades, promovendo a crítica e o debate dentro da Universidade. as "calouradas",

contando com a participação de quase todos os Diretórios, possibilitou aos calouros,

através da realização de tarefas que iam desde a feitura de um jornal até a

arrumação do espaço físico do Diretório, pensar os problemas da Universidade ao

mesmo tempo em que se aproximavam de suas entidades estudantis, percebidas como

alternativas de trabalho e acesso às informações (..) Muitas outras atividades

agregadoras e de informação foram feitas. As peças de teatro e os ciclos de cnema

promovidos tentaram mostrar uma face da realidade que têm sido sistematicamente

negada. Os "shows" promovidos buscaram artistas que pela sua posição crítica e

pouco dócil não têm acesso aos meios de comunicação de massa (Chico Buarque,

Luiz Gonzaga Junior, Milton Nascimento, entre outros) (..) O Diretório Central dos

estudantes publicou três números do seu jornal 'Gol a Gol - se pegá com o pé é dibra'

(..) Retomou-se a publicação da revista Mosaico, interrompida há vários anos (..) O

segundo andar da antiga sede social do DCE será transformada em CINE-TEATRO,

de funcionamento constante, que será aproveitado para as promoções dos

diretórios"293

Na prática, desde o momento em que as militâncias organizadas começam a ganhar visibilidade através da criação das primeiras "chapas" para os diretórios, já podemos observar a importância que a dinâmica cultural ocupa no espaço acadêmico; dinâmica, efetivamente, que corre paralela às agremiações e que coloca para os novos grupos organizados a intenção de dar continuidade aos compromissos culturais até então estabelecidos. No documento eleitoral para o DA do ICEX (Ciências Exatas) da UFMG, em l973 podemos ler:

"Pensamos que atividades extra-curriculares possibilitam uma maior integração do

aluno com seus colegas e com a escola (..) Propomos a continuação das

exibições em 16 mm do ICEX. Vai se tentar criar um cineclube, ou cinema de arte"

A criação de "Centros Culturais" estudantis, por sua vez, já se apresenta

293 Jornal Programa 73/74, Eleições DCE UFMG

Page 179: UMA AVENTURA POLÍTICA

179

como um passo decisivo para uma maior articulação entre política e cultura com proveito da legitimação das agremiações representativas. Na verdade, desde os primeiros anos da década podemos encontrar experiências deste tipo em várias Universidades (UFBa, UFMG, Unicamp) com o propósito de associar vivência, crítica e politização do movimento, sendo que entre as experiências mais significativas está o CUCA (Centro de Cultura e Arte) da UFBa, organizado em l972 a partir da pretensão explícita de se associar produção artística e atividades políticas. A diretoria desta entidade é composta por representantes dos diretórios e articulada às orientações políticas do movimento estudantil - ainda que possua uma certa autonomia de produção294. Em 1974, por sua vez, a criação de "centros culturais" se generaliza na proporção em que as militâncias organizadas (em várias instituições) procuram reorientar o lugar das atividades culturais nas movimentações políticas.

TEATRO ESTUDANTIL E AÇÃO POLÍTICA

O TUBA aparece como decorrência da necessidade dos estudantes dizerem e ouvirem

coisas que lhes são importantes no palco (..) Deixando de lado suas pesquisas

formais e partindo para uma linguagem mais direta, cactus é uma seleção de textos e

músicas, com universitários fazendo cultura popular"295

Entre as experiências de articulação de linguagens artísticas com a recomposição das práticas políticas, as experiências teatrais são significativas e generalizadas. As referências de atividades teatrais no bojo das movimentações estudantis nos anos 70, particularmente na primeira fase, nos permite falar de um "teatro universitário" característico desta fase. De forma geral, a formação de grupos e a montagem de peças se relaciona com as perspectivas internas de transformação da Universidade e neste caso, se presta a desempenhar um papel político junto ao movimento. No entanto, a renovação das 294 No documento �Uma História do ME: 1960-1974� já citado, p.20, podemos ler: �Em todos os recantos do país esse fenômeno da rearticulação e, tendo em vista o quadro de circunstâncias particulares de cada região, nota-se que cada nova experiência apresenta um caráter extremamente peculiar. Podemos citar a título de exemplo o caso da Bahia, onde a organização do Centro Universitário de Cultura e Arte (CUCA) que, preenchendo em termos imediatos o vazio provocado pelo fechamento e esvaziamento da maioria dos DAs, estimulou a rearticulação das organizações estudantis. Já no Rio de Janeiro a organização para as comemorações do cinqüentenário da semana de arte moderna de 22, permitiu que as várias tendências políticas se expressassem. Foi um período de intensos debates, que infelizmente não se ampliaram e com a intervenção da repressão não se conseguiu a reorganização das entidades� 295CUCA, Bahia, agosto de 1972, nº1

Page 180: UMA AVENTURA POLÍTICA

180

linguagens também carrega um percurso próprio de discussão política que procuraremos observar em alguns aspectos. Nossas referências de formação de grupos teatrais (relacionados com o movimento estudantil) datam de l972 e procedem da UFBa e da USP. Na experiência da UFBa, são montados trabalhos de expressão corporal e colagens poéticas por estudantes de arquitetura - trabalhos parcialmente censurados pela polícia federal e pela administração acadêmica. Na USP, temos notícia da formação de um grupo vinculado à Comissão de Extensão Científica e Cultural do CEUPES (C.Sociais) que monta a peça "Dr.Getúlio: sua vida e sua glória", estreada em l973. Sobre este acontecimento, podemos ler no "Boletim Informativo " do Centro Acadêmico:

"Um sono desperto, um tabu quebrado à sexta feira, 13 de Abril de l973, estreou

oficialmente o nosso Grupo de Teatro, depois de um longo espaço vazio em

atividades de importância, desse tipo, realizadas por estudantes de ciências sociais

(..) A estréia foi assistida por cerca de 200 estudantes, muitos dos quais de outras

escolas, que praticamente lotaram o Centro. A reação foi de um crescente e completo

apoio causados não só pela peça em si como pelo proprio fato de colegas nossos

estarem realizando aquele trabalho. A barreira palco-platéia foi quase totalmente

superada : o público recebeu entusiasticamente a cada improvisação e dava pleno

apoio nas horas em que as falhas tinham que ser vencidas" 296

A experiência de montagem de "Dr.Getúlio" é significativa deste contexto: a produção é realizada no interior do Centro Acadêmico com financiamento da entidade e colaboração de outros grupos culturais em situação semelhante:

"Quanto à participação dentro de um trabalho do Centro Acadêmico, o grupo optou

pela 'participação sem dependência'. Acham que não há sentido num trabalho

isolado do resto da escola (..) 'Mas como as divergências são de maneira geral

pequenas, elas devem ser vencidas por discussões entre toda a entidade e o Grupo de

Teatro : o CEUPES financiou o espetáculo, mas o grupo espera que a ajuda se

estenda à formação de uma infra-estrutura que permita seu desenvolvimento e

liberdade de ação. Enquanto isso não acontece, têm alguns agradecimentos a fazer: '

à batucada da Geologia e da Química - pela dedicação e boa vontade; ao GTP, pela

iluminação; ao equipe, pelo local de ensaios; ao pessoal da capoeira, pela

296 Boletim Informativo do CEUPES, nº 8, 1973

Page 181: UMA AVENTURA POLÍTICA

181

colaboração"297

A formação de grupos de teatro vinculados aos diretórios se dissemina nas Universidades a partir de l973. O relato encontrado no "Jornal Reflexo", do DA de Psicologia da UFBa, de l974, nos dá uma mostra desse processo:

"no início de 73, surgiu o TEPSi como resultado de uma necessidade sentida pelo

próprio universit´rio, pela consciência adquirida da importância do teatro como

forma de cultura e expresssão. Foi então que alguns alunos da Psicologia, junto a

outros, resolveram formar o TEPSi (Teatro da Psicologia). Embora as inúmeras

dificuldades inerentes a um trabalho que se iniciava, dentre elas, a inexperiência dos

componentes do grupo, a maioria sem nunca ter participado de um trabalho desse

tipo, mesmo assim o TEPSi tomou impulso, apresentando, ainda no 1o. semestre de

73 a peça 'Aquele que diz sim, aquele que diz não', de Brecht. Após o seu surgimento,

proliferaram as equipes de teatro na Universidade, as turmas de direito, História,

Medicina e outras, também se engajavam nesse tipo de trabalho. A semana de teatro

seria organizada como reflexo de todo um trabalho desenvolvido pelos estudantes

universitários no sentido de cada vez mais assentar o teatro como uma atividade

permanente dentro da Universidade (...) como forma de comunicação direta, na

busca de criatividade e expressão" 298

Na UFBa, a trajetória de experiências teatrais é muito significativa (em anexo, quadro das produções do período 72/76); sendo que entre os vários grupos, o "Cabeças e Mãos" formado em l973 apresenta uma característica bastante comum: a atribuição à linguagem teatral de um trabalho gerador de mudanças; um instrumento de construção coletiva. Em artigo do"Jornal Saúva", do CUCA, em l974:

"no brasil, o teatro não é muito popular, por muitas razões. uma delas é que na

platéia quase ninguem faz teatro. todo mundo pensa que pra fazer teatro é preciso ser

artista (..) CACTO de cassiano ricardo foi a primeira proposta do grupo CABEÇAS

E MÃOS. uma proposta de trabalharmos juntos usando teatro como forma de discutir

o que se passa atualmente desde os problemas da escola até as questões mais gerais.

o CABEÇAS E MÃOS procura motivar a criação em todo os níveis de uma forma

297Boletim Informativo, CEUPES, nº8, 25/4/73 298 "Jornal Reflexo", do DA de Psicologia da UFBa, de l974, p 3

Page 182: UMA AVENTURA POLÍTICA

182

organizada, através do CUCA e do diretório. uma coisa que é bom lembrar é aquêle

negócio da participação. sem isso não teria sentido o trabalho.299

De forma paulatina, estas experiências teatrais deixam o palco para se incorporar enquanto linguagem, às manifestações estudantis. Neste caso, a encenação de peças durante assembléias, a formação de grupos específicos de atuação junto ao restaurante universitário, o uso de técnicas corporais para a organização de manifestações e promoção de discussões, entre outras, confere ao teatro um papel político mais definido. Ao mesmo tempo, a incorporação de técnicas teatrais às lutas internas acadêmicas produz resultados políticos inovadores: a montagem de cenas rápidas do cotidiano acadêmico durante as refeições, nas filas, nas assembléias... auxilia a transmissão de informações e a organização dos movimentos. A expressão corporal transmite sinais e sons - nos contextos mais repressivos - em prol da organização de assembléias, assim como a temática da reforma da Universidade se faz discutida nos espaços mais inusitados. Encontramos nos documentos estudantis da UnB exemplos claros destes acontecimentos. No "Informe" do Serviço de Proteção Patrimonial (SPP) - a guarda do campus da UnB, primeiro estágio de coleta de informações para a Assessoria de Segurança e Informação - datado de 4/5/77, encontramos os registros de um grupo que percorre as salas de aula para convocar os alunos para uma assembléia geral para tratar do Jubilamento e de um plebiscito realizado na universidade pelos estudantes. Podemos ler:

"Por volta das 10:00h, um grupo liderado por Rocine, dirigiu-se para o Anfiteatro

nº9 e tendo observado que alí havia aula, resolveu mandar, digo, mudar o local da

assembléia. Sugeriu-se, inicialmente, que fossem para o Anfiteatro nº10, mas este

estava trancado. O aluno Rocine reuniu todo o pessoal na entrada sul do ICC (+/-

80 alunos) e sugeriu que todo o grupo se encaminhasse às salas de aulas para

convidar os demais alunos a participarem do movimento (..) Durante os

deslocamentos do grupo, observou-se que os seus componentes batiam palmas e

gritavam em uníssono, "VAMOS À REITORIA" - "CONTRA O JUBILAMENTO" -

"CONTRA O ENSINO PAGO". Após percorrer todo o ICC,

o grande grupo (+/- 250) alunos, se deslocou para o prédio da Administração

Central, onde todos se concentraram a fim de realizar a assembléia"

No "Informe" da SPP nº14/77 de 31/5/77, acompanhamos as movimentações

299Saúva, CUCA/DCE da UFBa, setembro de 1974, nº5

Page 183: UMA AVENTURA POLÍTICA

183

de organização de uma greve na UnB, no qual podemos ler:

"Por volta das 7:30h, foi observado que os moradores do bloco "A" do Centro

despotivo, desceram quase todos juntos e se dirigiram ao ICC, onde juntamente com

outros que lá estavam, começaram a deslocar cadeiras para novamente refazerem os

bloqueios às entradas principais e extremidades. A medida em que as salas iam sendo

abertas pelos funcionários responsáveis, o grupo ia retirando as cadeiras para serem

usadas nos "piquetes" (..) Por volta das 9:30h, foi apresentada uma peça "O REI

THOR NO REINO DOS URUBUS", a qual criticava de maneira cômica o reitor da

UnB e a sua administração. Esta peça foi apresentada no Hall da entrada Sul do ICC

e foi presenciada por +/- 700 pessoas"

Ou ainda, no "Informe" do SSP do dia 18/10/77:

"O aluno Luiz Antonio Nigro Falcosk, juntamente com os alunos José Carlos

Teramussi, Geysa, Júlia Issy Abraão, Felicio Sala Neto e outros não identificados,

colocaram um mural amarrado por cordões, ao lado da feira do livro, no saguão

inferior do RU. No referido mural, foram afixados: panfletos, notas, cartas à

população, fotos de passeatas e recortes de jornais referentes ao Movimento

Estudantil"

As experiências são variadas, assim como o significado político atribuído a elas. A depender dos posicionamentos políticos que se encontram presentes ocorrem escolhas temáticas e percursos de criação específicos que tendem a utilizar a linguagem teatral como manifestação de atitudes e posicionamentos políticos definidos. O texto do CEUPES é mais uma vez significativo:

" 'É isso aí: fazer mais e discutir menos'. Comenta um dos elementos do grupo. 'Já é

bastante conhecida a imagem do cientista social que quer discutir tudo, ter uma visão

global de tudo, inclusive dos pretextos intelectualizados de sua própria inatividade.

Nós não aceitamos esta imagem nem esta atitude. Achamos que tudo depende de

muita dedicação e utilização do veículo escolhido. Se fizermos teatro, vamos usar a

linguagem teatral. Nem teses, nem panfletos� 300

300 Boletim Informativo, CEUPES da USP, nº8, 1973, p3

Page 184: UMA AVENTURA POLÍTICA

184

Em l975, na UCMG (Universidade Católica de Minas Gerais), por exemplo, a apresentação da peça "Fando e Lis" de Fernado Arrabal, pelo grupo Aviso (formado em l974) é acompanhada das seguintes colocações:

"Iniciativa marca o cumprimento do trabalho assumido pela atual gestão do DCE,

em utilizar a sede social em atividades que despertem a sensibilidade do estudante e

estimulem o seu o potencial criativo, possibilitando-lhe um posicionamento crítico

para compreensão da nossa realidade" 301

De qualquer forma, se a relação entre a linguagem teatral e as leituras/proposições de ação política são variadas ao longo da década, ela possibilita tanto que as concepções organizadas se traduzam por seu intermédio, quanto que as experimentações teatrais se configurem, em si próprias, em projetos "alternativos" de reflexão e linguagem política. Na prática, desde meados da década de 70, ganha forma uma produção teatral cuja "inventividade" de seu projeto coletivo se acha alicerçada em "equipes de criação teatral que se organizavam como cooperativas de produção" 302 - Mambembe, Ventoforte, Teatro do Ornitorrinco, Asdrúbal trouxe o Trombone - , ou ainda, em uma experiência de "coletivização do trabalho teatral" na qual se procurava diluir a especialização das funções artísticas e perseguir uma repartição democrática de tarefas práticas. Neste caso, a criação artística, enquanto tal, pasava a traduzir-se como "sonho do coletivo, fazendo de seus trabalhos o resultado da escolha, do consenso e da participação de cada um de seus integrantes"303 Na proporção em que se desenvolve este "fazer teatro" coletivo de bases próprias, vemos se redefinir o lugar da direção, dos atores, do público, e também da ocupação espacial e concepção cenográfica. No aspecto da preparação do ator desenvolvida pelo grupo "Asdrúbal Trouxe o Trombone", é interessante reencontrar as temáticas da desrepressão, ampliação do corpo, expressividade e espontaniedade - preocupações, enfim que povoam a cabeça da juventude da época e que na prática ajuda a alcançar o

301Jornal Leia e Discuta do DA FACE da UCMG, nº2, abril de 1975 302 Silvia Fernandes Telesi e J. Guinsburg. �O Trombone do Asdrúbal e as �atrações� do Ornitorrinco. Uma busca de linguagem no Brasil dos anos 70� in Guinsburg, J. Diálogos sobre Teatro. Armando Sérgio da Silva (org). SP, EDUSP/Com Arte, pp25/26 303 Ibidem, p.25/26

Page 185: UMA AVENTURA POLÍTICA

185

desempenho técnico que se deseja em cena304. Em uma perspetiva distinta, algumas tendências estudantis também vão perseguir proposições de criação artística na área teatral - no caso, no espaço acadêmico - com a intenção de conferir à esta linguagem um caráter mais instrumental de ação política (em especial, de ação política organizada), com desdobramentos imediatos na concepção estética dos trabalhos. No "Caderno de Debates" da Tendência Viração, da UFBa, de l977, podemos ler:

"A escolha do teatro se dá devido ao fato desta forma de manifestação

desempenhar, no momento, um papel mais mobilizador e organizador no meio

universitário, conforme inclusive, a tradição do teatro brasileiro, de modo geral, pela

importância que uma frente que conte com a participação de amplos setores na luta

por uma cultura popular e nacional, libertada da estrutura de poder, vinculada à

dura realidade brasileira (..) as atitudes humanas e seus comportamentos refletem,

necessariamente, condições de classe (..) As formas existem; se resumem numa

'cultura de resistência', que engloba toda possiblidade de luta, de forma ampla"

No bojo destas variações, a incluir desde experiências preocupadas em repensar o "coletivo", a subjetividade e a espontaniedade no teatro, até a reafirmação de um teatro engajado segundo os moldes de organização da esquerda estudantil, nós nos deparamos, no espaço do diretório acadêmico da segunda fase da década, com um percurso rico de realizações, composto de "happenings" - a promover "enterros" simbólicos de Reitores, da Lei de Segurança Nacional, entre outros - , de montagens de trabalhos criativos e renovadores - como "Trate-me Leão", do grupo Asdrúbal trouxe o Trombone -, e também de experiências que optam por trabalhos mais convencionais, mas que no entanto, reafirmam seus vínculos com as problemáticas políticas do movimento estudantil. Neste caso, podemos ler em um fragmento do Jornal da Tarde, de Salvador, de l977:

"Eu sinto que o teatro universitário possui um sangue muito quente (o mesmo caso do

teatro amador), mas eles estão muito mais preocupados com aquilo que não querem

fazer. Não querem fazer peça alienada, peça falando disso ou daquilo. E muito menos

preocupados em pesquisar o teatral. Eles discutem o diretor da escola, a qualidade

304 Nas palavras de Bernard Dort, citado por Silvia Fernades Telesi e J. Guinsburg, Op. Cit., p32: �Recusando ou, pelo menos, negligenciando as exigências da � representação�, é para a encarnação e, mais ainda, para o �reviver� que esses comediantes dirigiam seus esforços. Em última análise, eles não desejavam mais ser ou parecer um outro: o que eles queriam era ser eles mesmos, descobrir-se e fazer-se aceitar enquanto tais�. Bernard Dorte. �Paradoxe et tentations de l�acteur contemporain� in Théatre em jeu. Paris, Seuil, 1979, p220

Page 186: UMA AVENTURA POLÍTICA

186

de ensino... tudo isso é maravilhoso dentro daquela condição deles de universitários,

de que estão se abrindo para toda a problemática, toda a injustiça, todas as falhas

desse sistema"305

Enfim, em entrevista concedida pelo presidente da reconstrução da UNE, Rui César Costa Silva306, podemos observar o quanto a questão teatral continua a se fazer presente na Universidade do final dos anos 70, como linguagem afinada ao propósito de chamar os estudantes "não organizados" a desempenhar um papel político nos processos de gestão deste movimento. Sua experiência pessoal é reveldora deste contexto:

"Eu entrei na Escola de Comunicações e a Escola de Comunicações estava numa

situação muito precária. Alguns meses depois a escola entrou em greve. Nessa greve,

eu fiz..Não tinha CA, então eu organizei um teatro que foi um teatro que saiu se

apresentando pelas escolas, falando da situação da Universidade, uma coisa assim,

muito bonita, muito criativa e que visava quebrar um pouco as barreiras da

repressão, quer dizer, era um teatro muito corajoso por que a gente ia de sala em

sala e brigava as vezes com a direção da escola para se apresentar e nos

apresentávamos nas manifestações públicas (..) Era um grupo de estudantes, não

tinha nome, um grupo da escola de comunicação. Fizemos o julgamento do Reitor

uma vez em praça pública e eu fiz o advogado de acusação e a tentativa toda era de

dar um impulso criativo ao movimento estudantil e foi muito bonito, porque muitos

grupos de teatro se criaram na Universidade nessa época, né? Eu tinha assim

conhecimento das tendências, da esquerda organizada. Prá mim era tudo uma só, era

esse desejo de romper com a estrutura repressiva, de conquistar uma liberdade, de

ser contra a ditadura, de ser contra o AI-5, de ser contra o 477, pela autonomia

universitária, pela liberdade de discussão, de reunião dentro da Universidade, pelas

liberdades todas, um desejo de liberdade muito grande. E no meio dessa confusão, eu

acabei ficando uma pessoa muito conhecida"

IMPRENSA ESTUDANTIL

305Cleise Mendes. Jornal A Tarde, Salvador, in Viração/debate, nº3, agosto de 1977 306 Entrevista concedida por Rui César Costa e Silva a Mirza Pellicciotta. Salvador, 1988. AEL/UNICAMP

Page 187: UMA AVENTURA POLÍTICA

187

A organização de jornais, boletins e murais pelos diretórios acadêmicos e grupos estudantis também possibilita que a arte e a política estabeleçam novos pontos de contato. A promoção concreta da troca de informações é geradora de um volume de publicações surpreendente, confeccionado conforme os diretórios e grupos adquirem recursos e acesso aos poucos mimeógrafos disponíveis. Em muitos casos, gráficas de uma dada Universidade, centro ou diretório acadêmico promovem a impressão de projetos de outras cidades e estados - o que, inclusive, nos auxilia a recolher referências dispersas através dos seus arquivos particulares307. A periodicidade, o nome, a proposta dos inúmeros jornais, revistas e impressos desta época é variável conforme o grupo político, as perspectivas de movimento e o teor político dos conflitos acadêmicos que se experimenta em cada contexto e lugar, sendo no entanto poucos os jornais que conseguem manter uma maior permanência, como no caso do jornal do DCE da UFMG, "Gol a GOl se pegá com o pé é dibra", ou do jornal do DA da Politécnica da USP, o "Poli-campus" (fundado em 1964). A periodicidade depende da conquista de um suporte acadêmico - independentemente do nível de confrontação que se estabelece com a administração da Universidade -, ou ainda, das perspectivas de continuidade entre as linhas políticas internas. As considerações feitas pelo "Boletim do DEA" (arquitetura) da UFBa, em l972, são elucidativas:

"No semestre passado circulou na escola e no meio profissional, uma nova edição do

Jornal da Arquitetura. Foi uma retomada de trabalho proposta pela atual diretoria

do Diretório, através do grupo que formava sua secretaria de Imprensa. A única

dificuldade encontrada e causa dos atrasos tanto do primeiro como do segundo

número (que está sendo impresso) é de ordem financeira, tendo o Diretório que

recorrer ao patrocínio de firmas. Só assim pode-se pensar em atividades culturais

dentro da Universidade. Na elaboração do segundo número contamos com um maior

número de colegas (..) Surgiram mais pessoas interessadas em discutir arquitetura,

em encontrar caminhos de aproximação do ensino, em localizar as distorções da

prática profissional. Pessoas interessadas em ampliar a formação que recebem nas

salas de aula, criando, quebrando o marasmo da vida Universitária. Essa semana

sairá o segundo número (..) Foram feitas mudanças, a partir das críticas ao primeiro

número e contou com a participação de mais colegas" 308

307Caso da Gráfica do CAASO (Engenharia da USP/Campus São Carlos) que, no entanto, teve grande parte de seu acervo destruído pelas diretorias nos anos 80. 308 Boletim do DEA, DA de Arquitetura da UFBa, setembro de 1972

Page 188: UMA AVENTURA POLÍTICA

188

A problemática da informação, em si mesma, se constitui um ponto fundamental. Trata-se de construir uma imprensa que pesquise "aspectos vivos da nossa realidade" e que os analise "mais profundamente", segundo o Jornal Poli-Campus, na tentativa de superar:

"uma falha (que) ficou patente principalmente na época das prisões verificada na

USP. Os estudantes criticaram suas entidades pela falta de informações dadas,

apontando esta falha como prejudicial à participação de mais pessoas nos

movimentos desencadeados. Verificávamos que havia três características marcantes

em nossa imprensa (e de toda a USP): 1. A superficialidade e as análises simplistas e

esquemáticas dos conteúdos abordados. Tentava-se muitas vezes preencher certos

esquemas prontos com os dados objetivos da realidade, ao invés de pesquisá-los mais

conetificamente, estabelecendo relações dinâmicas com o mais geral. 2. O descuido

pela forma. através de uma visão de que o conteúdo é o fundamental, a imprensa

universitária ficava bastante limitada aos seus aspectos formais. Eram usados poucos

recursos (fotografia, desenho, história em quadrinhos, etc.) além da linguagem

escrita e as diagramações eram marcadas pela monotonia. 3. Falta de periodicidade.

Havia ainda por parte do Grêmio a falta de entendimento da importância da

imprensa"309

Tal como as experiências teatrais, os jornais apresentam variações formais em função das concepções de organização que se acham colocadas, havendo uma opção diferenciada em relação à questão do projeto gráfico e custos/qualidade da editoração - ainda que limitada aos recursos técnicos e ao uso coletivo de mimeógrafos310. O teor dos textos, dos desenhos e das composições reflete em geral estas dificuldades e também as frustrações que se tornam presentes na experiência de realizar os jornais. Em termos de procedência, as publicações costumam ser feitas pelas secretarias internas dos diretórios que, inclusive, realizam publicações específicas e concomitantes à "comissão de imprensa" (o setor "oficial" de comunicação do diretório); e neste caso, são bastante comuns os cadernos literários organizados pelas secretarias de cultura. Entre os jornais mais curiosos está o "Tísica: um jornal raquítico e subnutrido", que consegue em l975 manter uma boa periodicidade tratando com humor a

309Iº SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p.11 310 1º SNE Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p11

Page 189: UMA AVENTURA POLÍTICA

189

situação de decadência que se encontra seu Diretório - um dos mais tradicionais e importantes de toda a trajetória do Ensino Superior Brasileiro: o Diretório da Faculdade de Medicina da UFBa (criado no século XIX pelos estudantes das elites nordestinas). No "pósfacio" do nº 2, de abril de l975, podemos ler:

"No primeiro número, Tísica disse que era um jornal de graça, mas achava melhor

voces contribuirem. No fim, pouca gente contribuiu e Tísica não achou graça

nenhuma. Muito pelo contrário, entrou numa crise financeira que precipitou uma

crise de tosse asfixiante que, por sua vez, o transformou num recém nascido

moribundo - os urubus chegaram a sobrevoar a nossa redação. Vocês precisam

deixar de ser pão duro e dar seu um cruzeirinho prá Tísica não ficar o resto da vida

comendo o pão que o diabo amassou. A barra está pesada e Tísica é muito raquítico,

anêmico, subnutrido, etc. para aguentar esta barra sozinho. Bem, é só isso. Até o dia

10 - se vocês contribuirem; a crise do papel não piorar; o jubilamento não chegar; o

hospital não fechar; e a escola não acabar"

As dificuldades vividas pela imprensa estudantil, por sua vez, são sugestivas das debilidades de funcionamento que enfrentam os seus diretórios. O acesso às rendas de manutenção começam a ser alterados com o Decreto-lei nº 228/67 quando os auxílios e donativos enviados às entidades passam a ser geridos pela administração universitária - que libera recursos mediante a aprovação prévia de planos de trabalho e prestação de contas. Com a lei nº5540 esta situação se institucionaliza e desde então, a sobrevivência das entidades permitidas depende da contribuição direta dos estudantes. Por outro lado, a partir de 1972 com a portaria nº168, a Universidade restringe a cobrança destes valores (dos estudantes) pelos diretórios, aos períodos de matrícula, proibindo-se a obtenção de recursos por meio de outras atividades e períodos. De forma concomitante, os diretórios perdem o acesso às rendas das carteirinhas e do aluguel das cantinas, levando sua situação de funcionamento a uma condição precária, conforme podemos observar nesta matéria intitulada "plantão na E.C.A.", de l972:

"Gente, o DA ainda não têm uma organização satisfatória, que permita um

funcionamento como a gente quer. Estamos tentando organizar esta 'sala de todos' de

modo a atender às necessidades dos colegas. Por isso é necessário que tenha sempre

um cara lá, seu diretório um verdadeiro órgão de representação, dê um pulinho lá e

diga em que horário você pode dar um plantãozinho. Deixe um pouco o pingue

Page 190: UMA AVENTURA POLÍTICA

190

pongue, o violão, o papo no bar, e dê uma mãozinha prá gente" 311

Apesar das dificuldades e dos desafios vividos pela imprensa estudantil desta década, a questão da circulação da informação entre os estudantes é crucial à organização dos próprios movimentos de "sobrevivência" neste espaço e por isso mesmo se traduz em um dos fundamentos de recriação das atividades e projetos coletivos, sendo fundamental construir instrumentos versáteis e rápidos de comunicação entre estudantes de um mesmo curso, de uma mesma Universidade e inclusive, de universidades diferentes. Entre os meios mais recorrentes - e simples - está o mural que funciona como um "elo" de articulação da vida acadêmica. Em uma publicação da ECA/USP podemos ler:

"Você está na Comunicações, bicho. Logo, presume-se que você queira estar por

dentro. Você vai ao cinema, ao teatro e até às pingadas. Mas sempre em silêncio. Por

que? Ou é mineiro ou esqueceu que nós temos um mural. Dê uma olhadinha e fale

através dele. Lá você se acha e acha os outros. Basta procurar. Lá, você também

discute os problemas. Basta querer. E todos nós estamos ansiosos para trocar idéias

com você. Mãos à obra!" 312

Os murais refletem também os processos de "politização" que este movimento experimenta em suas variações de posicionamentos internos. Com o passar do tempo, o lugar das impressões pessoais vão cedendo espaço para recortes de notícias mais amplas e críticas, momento em que a censura acadêmica passa a ser mais frequente. Na verdade, as dificuldades emanam de todos os lados, como podemos observar no "Jornaleco" da UFBa, de l975:

"As restrições econômicas acontecem através, desde a não entrega pela Universidade

das verbas que nos deve por lei, até medidas fisicamente mais violentas como a

recente apreensão do mimeógrafo da medicina - na época nos encontrávamos numa

etapa decisiva da luta contra o jubilamento por recuperação (os jornais da cidade

que vinham nos dando exelente cobertura tinham sido proibidos de continuar a faze-

lo) e todos os nossos boletins estavam sendo rodados naquele mimeógrafo. As

violências políticas se dão em inúmeras e até o momento infrutíferas tentativas de

censura prévia, aplicação da lei de imprensa e apreensões através dos próprios

311O Pícaro, jornal do DA da ECA/USP, 1972 312 O Pícaro, jornal da ECA/USP, 1971

Page 191: UMA AVENTURA POLÍTICA

191

diretores das escolas que se dizem instruídos pela AESI (Assessoria Especial se

Segurança e Informação da Universidade). No ano passado, por exemplo, o ex-

diretor da nossa escola queria que retirássemos um dos murais pela simples menção

ao decreto 477"313

Na USP, diversos acontecimentos merecem destaque, a começar pela presença de Boletins que ao procurar trazer notícias do cotidiano das Faculdades, permite em 1973 a criação de uma imprensa comum na forma do Jornal Mural "A PONTE" (quando o muro separa...), realizado pelos CAs com periodicidade semanal - e que chega neste ano a atingir 20.000 exemplares no período de eleições de representação discente para o Conselho Universitário. A articulação interna promovida por este órgão de comunicação potencializa a produção cultural dos estudantes da USP, contribuindo para a realização de shows, conferencias, formação de novos grupos de arte e inclusive, para a criação do "Cultural da USP" neste mesmo ano (associação dos diversos departamentos culturais de cada Faculdade)314. Em um dos exemplares do "A Ponte quando o muro separa", como é chamado em 1974, encontramos uma descrição minunsciosa da estrutura de gestão da USP a partir da qual se defende a eleição de representantes discentes como condição de uma "participação decisiva e atuante dos estudantes na vida universitária, (pois) somente reinvindicando e propondo soluções, em vista dos problemas, que poderemos gradativamente (no momento) concretizar nossos reais objetivos, ou seja, nossos reais direitos"315. Em 1975, por sua vez, ganha destaque o Jornal Dois Pontos que surge com a intenção de preencher uma "lacuna em termos de imprensa universitária", na trilha das experiências dos Jornais Capítulo e Viramundo (da Unicamp) - que não conseguem se manter além do segundo número. No caso do Dois Pontos, os estudantes ligados ao Centro de Estudos de Arte e Comunicações proclamam:

"E como a gente vai sobreviver no meio de tantas adversidades, superiores à nossa

boa vontade, é o que perguntamos: condições financeiras, capacidade profissional,

disponibilidade de dedicação, somadas às crises por que passa o momento histórico

brasileiro, refletidas intensamente na criação cultural e por conseguinte, nas nossas

313Jornaleco, Comissão de Imprensa do DA de Economia da UFBa, março de 1975 314 Iº SNE. Contribuição do Grêmio Politécnico. USP, 1973, p12 315A Ponte quando o muro separa. USP, setembro de 1974, ed. especial é assinada pelos seguintes órgãos: Associação Universitária de Estudos psicológicos. CAASO, CA XI de Agosto, CE Geográficos Capistrano de Abreu, CE Históricos Afonso Taunay, CEUPES, Centro Paulista de Estudos geológicos, CA Medicina Veterinária, Grêmio Politécnico, Sociedade Paulista de História Natural, CE Física e Matemática

Page 192: UMA AVENTURA POLÍTICA

192

possibilidades de resistência? Nossa meta inicial é a universidade - depois, como

partir para a profissionalização será a dúvida futura. Há gente insistindo" 316

No aspecto das inovações e experimentações de linguagem, aliás, algumas publicações da USP são exemplares como os jornais "Precário" (l971), o próprio "Dois Pontos" (l975) e "Avesso" (l978), publicações que conferem às questões da qualidade de editoração, diagramação e conteúdo uma atenção muito especial. No mesmo sentido, o jornal "Gol a Gol se pegá com o pé é dibra" da UFMG contribui de forma efetiva para uma renovação das experiências gráficas e estéticas dos estudantes dos anos 70 - renovação estética, aliás, que é construída apesar dos desafios efetivos enfrentados, como podemos ver no Editorial do mesmo Jornal Dois Pontos:

"O Jornal é nossa voz e o meio que buscamos para trabalhar em nome daquilo em

que acreditamos, do modo que conseguimos. E neste contexto, criar o jornal que

pretendemos, é um ato de agressividade aos fatos estabelecidos. Porque acreditamos

na mudança dos fatos. Porque acreditamos que podemos contribuir perfeitamente

com nossos recursos e estamos atentos para, a qualquer momento 'ver emergir o

monstro da lagoa'. Haveremos de reclamar, mas com gavetas cheias de tentativas.

Além do humor. Insistiremos em suar suas armas, sempre que nossas possibilidades

assim o permitirem. Pois cremos a sério nas armas da ironia (..) Dois Pontos têm

uma grande equipe (por enquanto) entre fixos e colaboradores, reporteres e

redatores, em sua maioria "focas" (iniciantes) fotógrafos e desenhistas. Que de

repente, deixando as idéias e visando conseguir condições financeiras para imprimir

o jornal, viraram vendedores de jornal velho, de rifas, de livros, de anúncios, e até de

almoços "beneficientes". As más linguas criticaram o espírito especulativo, e,

realmente, talvéz nós tenhamos adquirido maior tino comercial que jornalístico, tanto

tivemos que usa-lo"317

Além das questões de circulação e teor político destes jornais e murais, as experiências de gestão destes jornaizinhos também são significativas em função do caráter "aberto" e direto que as "comissões de imprensa" adquirem, sendo de responsabilidade dos seus participantes imediatos. O uso de equipamentos e materiais também é coletivo e fundamental ao movimento que se pretende democrático. No "Jornal Suíte", do DA de

316 Jornal Dois Pontos. Centro de Estudos de Arte e Comuniações/DLP, USP, setembro de 1975, p2 317Jornal Dois Pontos. Ibidem, p.2

Page 193: UMA AVENTURA POLÍTICA

193

Ciências Humanas da PUC-RJ, podemos observar um pouco da experiência destes grupos:

"Pretendíamos levar adiante o trabalho de uma publicação universitária que, de

alguma forma suprisse a necessidade de veicular idéias dos alunos de Geografia,

História e servisse de treinamento aos alunos de Comunicação no lugar do caquético

e falecido Jornal escola, único órgão de treinamento que os alunos daquele

Departamento dispunham. As dificuldades de verba impediram que a revista se

afirmasse frente à comunidade universitária através da periodicidade, motivando as

pessoas para uma pesquisa na linha de trabalho que pretendíamos - essencialmente

jornalística e experimental, veiculando os pontos de vista da classe universitária

frente a fatos e acontecimentos" 318

De forma paralela, a intensificação da censura no espaço acadêmico, a partir de l973, vem em reconhecimento ao papel que estas atividades culturais adquirem na constituição de novas formas de movimento e na interferência efetiva que realizam em prol da expressão de opiniões, informações e críticas à reforma universitária - além, obviamente, da intensificação das experiências políticas no espaço acadêmico. Em uma publicação da UFMG entitulada "Bestiário", de l973, pode-se ler:

"Pode parecer um certo exagero. O fato é que os Diretores de Unidade agora devem

assinar os cartazes que estão afixados antes da afixação. Poderia se argumentar qe

basta levar o cartaz ao diretor para que ele assine e acaba-se o problema. Porém

alguma dose de arbítrio têm acontecido (..) O fato é que não estamos nos referindo

ao simples ato do diretor assinar ou não os cartazes (censura prévia) ou dele ser ou

não ilegal. Vai mais além : a substituição do direito pelo paternalismo "magnânimo"

está longe de ser um exercício de democracia. Além disso, o mais importante é que as

restrições à liberdade de expressão na Universidade tomam o caráter de escalada :

cada ponto que cedemos por espiral, quem pode garantir que um dia se resolva

proibir os alunos de se dirigirem aos mestres nas salas, para evitar interrupções da

oratória. Quem sabe, aqui vai uma profecia diabólica, se nossos tecnocratas

descobrissem que os estudantes só servem para atrapalhar seus planejamentos

(sempre têm aluno tomando bomba e não procedendo como um comportado output) e

encontrasse a solução da Universidade do futuro: a escola sem alunos, só com

318 Jornal Suíte, DAT, PUCRJ, ano 2, nº IV

Page 194: UMA AVENTURA POLÍTICA

194

eficientes funcionários, infalíveis fluxogramas e oniscientes computadores"319

ENTRE CONFLUÊNCIAS E CONFLITOS: AS PRÁTICAS CULTURAIS E AS PRÁTICAS ORGANIZADAS

"Dentro de um certo tipo de cabeça aí, que se pensa de esquerda, cinema é frescura" 320

Ao mesmo tempo em que podemos constatar a presença de referenciais contraculturais e de movimentações estudantis internacionais a influir na "reconstrução" e transformação do movimento estudantil brasileiro no período pós-68, nós podemos também considerar a ausência, no Brasil, de uma articulação similar a alcançada pelas movimentações de contestação e pelos projetos "alternativos" europeus e norte-americanos na construção de "novas maneiras de fazer política"321. Tal constatação, por sua vez, não nos permite diluir os traços das discussões conceituais e práticas relacionadas a este processo - que de maneira efetiva interferem nos percursos de recriação da vida política no País. Em nosso caso, o fenômeno conhecido como "desbunde" joga luz sobre uma dinâmica que é ao mesmo tempo "alternativa" e imprecisa, mas que acima de tudo, registra o "tom" dos conflitos que desde então começa a se estabelecer na dimensão das militâncias322. Enquanto expressão cunhada pelos grupos organizados, o termo "desbunde" se refere à uma perspectiva de vida que abandona os propósitos coletivos e políticos para se voltar para uma perspectiva individual marcada pelo uso de drogas e pela desistência da política; perspectiva, no entanto, que pode ser observada por outros ângulos. Segundo Messeder Pereira, o "desbunde" se relaciona com um processo mais significativo do que se presume à primeira vista:

319Jornal Bestiário, UFMG, 1973 320 Chico Buarque de Hollanda. Folhetim, 31/12/1978, p.13 321 Fernando Gabeira .Vida Alternativa: Uma revolução do dia a dia, Porto Alegre, LP&M, 1985, p.33 322 Entre os primeiros trabalhos de recolhimento de referências deste processo devemos citar os estudos de Heloísa Busarque de Hollanda, entre eles, Patrulhas Ideológicas marca reg. Arte e Engajamento em Debate, escrito rm parceria com Carlos Alberto Messeder Pereira

Page 195: UMA AVENTURA POLÍTICA

195

"..se, na década anterior, discutia-se 'grandes questões' e com uma movimentação

proporcional ao 'tamanho das qestões' (..) o mesmo não parece ocorrer na década

atual. Estaríamos mais próximos de algo que talvez pudesse ser definido como um

processo de 'politização do cotidano' - as questões são levantadas e encaminhadas,

preferencialmente, enquanto interferência no cotidiano das pessoas (..) É claro que,

nesta transformação, a censura e a repressão política em geral desempenharam um

papel bastante importante; mas, apesar disso, acredito que esteja aí também

envolvida uma questão de estilo, em termos de dinâmica da vida cultural, de

dinâmica da crítica social"(..) No Brasil, a passagem dos anos 60 para os anos 70

significou bem mais do que uma mudança de década, para uma parcela significativa

da intelectualidade, esta passagem marcou o momento de uma profunda virada

intelectual, vivida nos seus instantes mais iniciais de modo especialmente

angustiante" 323 No âmbito dos novos desafios presentes na virada da década, está a construção de alternativas políticas e culturais de forte significado existencial que se revelam descrente dos projetos mais globais de tomada de poder (perspectiva estrutural na década anterior), o que dá vez a uma crítica mais contundente do conceito marxista leninista de revolução. Como decorrência, a recusa de "perspectivas finalistas" para a história motiva o envolvimento com experiências "marginais" (em relação à ordem social) de valorização individual e transformação de posturas que se faz "avessa", ainda que de forma inconsciente, às vanguardas em nome de perspectivas espontaneístas e vitalistas de existência. No mesmo sentido, estas experiências tendem a "transbordar" para o plano das militâncias ampliando a motivação para um repensar de questões cotidianas e culturais que a princípio, se acham descartadas do universo político. Não é preciso então dizer que as perspectivas desta nova produção chamada por Heloísa Buarque de "pós-tropicalista", entra em embate com a retomada das análises e procedimentos organizados no cenário social, cultural e político. Por outro lado, na associação de diversos processos, ganha lugar uma forte desavença entre as militâncias político-culturais em recomposição. Uma tensão muito bem retratada pela última peça de Oduvaldo Vianna Filho, Rasga Coração324, que se presta a configurar as dificuldades enfrentadas neste período de "alargamentos" e de também de muitas perdas políticas. Neste texto podemos observar de perto aspectos dramáticos que se

323Carlos Alberto Messeder Pereira. Op. cit. pp.33 324 Folhetim, nº 120, 6/5/1979, pp 8/9

Page 196: UMA AVENTURA POLÍTICA

196

acercam deste conflito militante representado aqui através do embate entre o "novo" e o "velho" - entre a figura de um filho e seu pai - personagens distintos e distantes pela diferença de idade, de história e de "compromisso que cada geração assume com o seu momento". Na peça, entra em cena o "jovem" dos anos 70, carregado de dilemas, de posturas radicais e de recusas com relação às experiências de luta do passado - consideradas "experiências vencidas" - diante das quais procura afirmar sua perspectiva de ação direta que, no entanto, no olhar do "velho", não apresenta substância na medida em que se "desfaz na violência da repressão" e em que recua "drogado, impotente" e desejoso de "largar tudo" para "tentar viver uma vida nova". Um confronto dramático entre velhas e novas posturas, no qual o novo recusa o "velho" - que se perde em descaminhos e amarguras. A descrença e o mal estar que paulatinamente se estabelecem - tanto em relação à ditadura militar, quanto em relação às vanguardas de esquerda - permite a consolidação de perspectivas e formulações (culturais e políticas) que negam a ordem social em termos mais profundos para reclamar pela construção de "alternativas" de vida. Ao mesmo tempo, esta situação configura o significado dramático experimentado pelas militâncias organizadas na medida em que, se por um lado, a censura e a repressão interrompem efetivamente as condições de desenvolvimento das práticas organizadas e seus projetos de revolução, por outro, por meio da entrada da comunicação de massa, intensifica-se um processo de fraturas que compromete de fato a permanência destas concepções políticas anteriores. A formação teórica legada pelas esquerdas, por sua vez, é restrita em relação à informação da nova geração marcada por um profundo ecletismo, o que intensifica o percuso dos conflitos e promove uma alteração concreta de perfil político das próprias militâncias. Segundo Heloísa Buarque, entre as novas perspectivas que norteiam a produção cultural "alternativa" desta fase está, exatamente, uma postura comum de aversão às ortodoxias, postura que, no entanto assume significações diferentes para "jovens" e "velhos" envolvidos nesta trajetória de repensar a política e a cultura:

"O percurso dos setores da intelectualidade que passam a se preocupar com essa

atitude é um percurso de crítica a posições assumidas que foram sendo checadas em

sucessivas desilusões (..) Por outro lado, os setores jovens, com quem esses

intelectuais estabelecem alianças e com quem de uma certa forma se identificam, não

trazem a experiência desse processo de descrença, enquanto problema crítico e

intelectual"325.

325Heloísa Buarque de Hollanda. Impressões de Viagem. Op. cit. pp. 95/96

Page 197: UMA AVENTURA POLÍTICA

197

No caso das experiências estudantis, o conflito que se presencia no interior do espaço acadêmico diz respeito exatamente a presença de maneiras distintas de pensar e realizar a política. As "ações culturais" entram em choque com as perspectivas de reorganização representativa do movimento nos momentos em que vem à tona a questão da significação coletiva das ações políticas e culturais, sendo que as propostas de organização do movimento - com base nos mecanismos de representação - procuram se diferenciar dos grupos culturais que a princípio, elegem como preocupação central a própria produção cultural realizada dentro e fora do universo acadêmico. De qualquer forma, podemos observar neste período as aproximações que se estabelecem entre as movimentações dos anos 70 e as movimentações estudantis internacionais do final dos anos 60 que desde então subvertem as experiências internas de organização e os objetos de ação coletiva, assumindo em vários momentos como identidade um caráter anti-autoritário, que no entender de Daniel Cohn Bendit, significa:

"recusar todas as normas e tentar introduzir o prazer na vida cotidiana, e, na medida

do possível, também na atividade política" 326 Este afloramento de novas leituras políticas e cultura, de fato, dificulta a perspectiva de retomada organizada das ações políticas; sendo que, neste percurso que têm a Universidade tecnocrática e repressiva como um dos espaços que "fornece a essa geração o ambiente para a recusa e a descrença das engranagens e das significações dadas", o que ganha substância é o conjunto de atividades e realizações coletivas preocupadas com a valorização do presente, com a relação entre a arte e a vida, com a "curtição" do momento; perspectivas que paulatinamente se tornam contrapostas à dimensão do conhecimento sério de perfil técnico, científico e intelectualizado. Nas palavras de Ricardo Redisen, repórter ouvido pelo Folhetim na entrevista "O que o país perdeu com o AI-5?":

"..Nascemos num período de democracia, mas nunca chegamos a conviver

plenamente com ela. Tinhamos 10, 12 anos em l968 e chegamos a sentir todo o clima

de expectativa que se formou. Mas as histórias que ouvimos eram contadas por

nossos pais ou por nossos amigos. Já se fala numa geração 'Trate-me Leão', da

mesma maneira que se falou numa 'geração mimeógrafo' ou no 'império da

porraloquice'. Todas essas definições, em parte estão certas. Mas nenhuma delas

chegou ao ponto de dizer que há uma nova perspectiva de visão para nós. Um olho 326 Daniel Cohn Bendit. O Grande Bazar. Op. Cit, p 22

Page 198: UMA AVENTURA POLÍTICA

198

na reta que não se esqueceu de 68 mas vive em 78, com todos os seus medos. Manhã

bem quente. A gente se vê"327

Por outro lado, estas novas leituras e práticas político-culturais se revelam muitas vezes difusas pela variação das motivações e pelas distintas interpretação que se confere a conceitos recorrentes como "descolonização", "libertação", "conscientização" que agora adquirem significações, ou ainda, se prestam a configurar posicionamentos ideológicos por demais diferenciados. Este é o caso, por exemplo, da palavra "revolução" que ganha como contraponto o conceito de "transgressão" - palavra que amplifica o debate em torno da transformação da sociedade propondo como meta a "transgressão" desta ordem cotidiana, das instituições, das perspectivas de integração social, dos propósitos organizados de ação política, da lógica da Universidade, ou ainda, de qualquer tipo de programa e eficácia. A perspectiva de "transgressão" enquanto procedimento prático e imediato de mudança, inclusive, leva a que Galvão, integrante do grupo Novos Bahianos, afirme que muitos dos jovens deste período chegam a se afastar do mundo acadêmico e das perspectivas de inserção para buscar criar fora da Universidade, uma outra experiência de vida. Em suas palavras:

"A juventude de 69 a 72 foi a rainha da rua (..) O jovem que já tinha dado um tempo

na escola, resolveu dar um corte no trabalho, pelo menos nos moldes caretas como

vinha sendo exercida aqui a ocupação diária do homem (..) Na cabeça do jovem 70, o

trabalho tinha que ser feito com amor, vocação e outros bichos. Tudo isso

acontecendo paralelo a uma super-execução do artigo 51 que proibe a vadiagem. A

juventude sentou na praça, mas não cruzou os braços nem virou balão apagado (..)

Desenvolveram-se as aptidões manuais e criou-se um mercado artesanal de trabalho

(..) Não havia um pensamento político dirigido, organizado, porque se tratava de

uma experiência, uma prática e não um estudo, uma projeção. (..). Desse

conhecimento vinha pensamento que tinha uma linha, uma estética e que fluía na

poesia dos seus mestres, seus compositores ou seus tradutores (..) Como não se

assistia a televisão, as conversas eram sobre suas próprias experiências. Um fato

cósmico sem que houvesse nenhuma orientação política: o jovem não comprava à

prestação" 328

De qualquer forma, na medida em que o exercício político "empresta"

327 "O que o país perdeu com o AI-5?" Folhetim, 31/12/1978, p.3 328 Galvão. Geração Baseada. Op. Cit., pp59/61

Page 199: UMA AVENTURA POLÍTICA

199

elementos das linguagens artísticas, ele também modifica em parte os seus fundamentos tradicionais. A poesia independente, o cinema marginal, o teatro, estimulam experiências no interior da Universidade em um momento no qual as práticas políticas mais tradicionais se acham proibidas de se expressar, de forma que os referenciais políticos ganham novos elementos ao considerar como relevante as mudanças comportamentais, as experiências musicais, artísticas e as trasformações culturais de seu tempo. O ideário político de esquerda - que não se constitui homogêneo e experimenta uma trajetória de revisões - desenvolve agora um processo de crítica e renovação conceitual que é capaz de criar grupos mais sensíveis à problemática cultural - como as tendências Refazendo e Liberdade e Luta da USP - que se transformam em verdadeiros fenômenos participativos a partir do cruzamento dos posicionamentos de esquerda com as renovações culturais e políticas do período. No caso da tendência Liberdade e Luta, são constantes as discussões críticas acerca da arte socialista ou da arte com finalidade revolucionária, em uma perspectiva que lhes possibilita desenvolver uma atuação política mais sensível à cultura "alternativa" em vigor. Segundo Artur Ribeiro Neto:

"É bem verdade que estas tendências, que surgiram do processo de reorganização

das entidades livres (...) traziam uma herança, seja de idéias, seja de práticas ou

mesmo de participantes e lideranças, muito forte dessas mesmas organizações de

esquerda dos anos 60. Mas o fato é que criaram um espaço de participação política

onde a elaboração permanecia estreitamente vinculada às práticas dos estudantes, às

suas concepções e horizontes culturais e onde todos exerciam um processo

democrático de controle sobre as ações destes grupos e sobre a vida das entidades

recriadas. O que é importante ressaltar é que o seu discurso, mesmo tendo o discurso

marxista como quadro de referência geral, se fazia pela reflexão das experiências

vividas pelos estudantes - do qual estes militantes também faziam parte. Poder-se-ia

dizer que existia realmente um processo de representação política e de controle desta

representação. Com a cooptação das lideranças, a fonte de legitimidade dos

discursos e origem mesma destes se desloca dos estudantes para a verdade

revolucionária de que estas organizações se diziam portadoras"329

De qualquer forma, as práticas de esquerda se expõem à crítica quando discriminam as novas questões e linguagens (em função da manutenção/reafirmação dos pressupostos políticos mais tradicionais), ao mesmo tempo em que a variação dos seus 329Ribeiro Neto. Artur. "Um Laço que não UNE Mais". Op Cit, p.64

Page 200: UMA AVENTURA POLÍTICA

200

procedimentos e conceitos reflete o contato e "diálogo" com perspectivas diferentes. Para a Tendência "Refazendo" da USP, as perspectivas de criação coletiva implicam em socializar o "possível", da mesma forma que construir uma consciência política significa se relacionar com este novo contexto. Desde a formação do "grupão" (depois, Refazendo) na USP em l974, podemos identificar a convergência de diversas idéias e princípios militantes que se voltam agora a desenvolver uma reflexão própria, fundamentada na democracia e na construção coletiva de uma consciência crítica. O trabalho "basista" pretendido pelos militantes implica estabelecer contatos diretos com as classes, trabalhar com esportes, assitir aulas, construir experiências conjuntas "alternativas" à necessidade de liberdade. Os conflitos em torno de questões como currículos, por exemplo, possibilitam, segundo esta tendência, a recuperação de uma capacidade crítica dos estudantes em um momento no qual a repressão e a censura se tornam "introjetadas" na vida e nas perspectivas formativas. Para Vera Paiva (liderança desta tendência no período) as atividades culturais permitem a reunião de pessoas em torno de uma "consciência" da própria situação, expressa através de filmes, debates, semanas de estudos, etc. A tendência Liberdade e Luta da USP, mais radical, possui uma experiência e trajetória política alicerçada na Organização Socialista Internacionalista (OSI) que, desde sua origem, decide pela manutenção de seu caráter doutrinário, o que na prática implica em levar aos estudantes seus posicionamentos e lutas de recusa à ditadura (no seu amplo leque de significações), propondo, ao mesmo tempo, o exercício da democracia neste movimento. Por outro lado, em função de uma herança de discussões e posições de Trotsky com relação a cultura e ao surrealismo, esta tendência exercita um maior contato e "diálogo" com as perspectivas culturais e seus elementos de contracultura, vindo a estabelecer um território próprio de ação política330. Em relação ao papel das militâncias de fases anteriores os estudantes "organizados" combatem o personalismo de l968 e procuram, em muitos momentos, construir uma perspectiva colegiada de participação política331. Através do convívio e das discussões em torno das questões acadêmicas, os estudantes mais conhecidos assumem o papel de articulação das entidades na relação com as salas de aula, ao mesmo tempo em que organizam murais, apostilas, projeção de filmes. Os militantes que se destacam são em geral alunos que partilham das situações cotidianas do movimento e que estimulam o convívio social através das atividades culturais, ou ainda, que desempenham um papel

330 Depoimento de �Caracol� registrado por Mirza Pellicicotta em 1997 331Depoimento de Vera Paiva concedido a Virgínia Camilotti. Projeto "Contribuição para o estudo do movimento estudantil brasileiro: História Institucional X História Invisível", AEL/Unicamp, 1986.

Page 201: UMA AVENTURA POLÍTICA

201

fundamental de recuperação de um ambiente alternativo à vida clandestina, ao isolamento e ao afastamento que os estudantes organizados experimentam em relação à ação coletiva. No caso da Refazendo, segundo Vera Paiva, o trabalho cotidiano nas escolas chega a se tornar prioritário em relação à perspectiva de assumir a direção do DCE livre da USP. No plano das militâncias individuais também podemos perceber aspectos do percurso de renovação das perspectivas políticas e culturais. A clandestinidade, em muitos casos, é rejeitada em função da construção de procedimentos coletivos, da mesma forma que a contestação comportamental dos anos 60 é valorizada pela sua irreverência, expressão musical, perspectivas de criação e transformação cultural, social. Para Geraldo Siqueira (Refazendo) os "novos" militantes de esquerda no início dos anos 70 procuram dar prosseguimento às lutas políticas de forma diferente em função das dificuldades de estabelecer contatos com as organizações clandestinas (com dificuldades de restruturação), e neste caso, eles buscam criar novos meios de ação no qual os problemas acadêmicos adquirem um lugar primordial. Para este militante, as pretensões políticas agora são menores e as iniciativas mais simples como a organização de uma partida de futebol ou uma festa são assumidas como uma necessidade premente de convivência e afetividade, de forma que à grande carga de repressão (particularmente em l973) se responde com uma grande carga de convivência e partilha de situações lúdicas, o que não impede que se fortaleçam os laços reivindicativos e as movimentações políticas por direitos acadêmicos. Neste sentido, as calouradas se fortalecem e passam a adquirir posicionamentos mais "corajosos" entre os processos de resistência possíveis, e em um momento no qual as organizações de esquerda não fazem questão de aparecer, as questões são encaminhadas através dos centros acadêmicos, de forma que a resistência é coletiva e a busca do anonimato se torna um procedimento necessário à própria sobrevivência. Estas renovações, por sua vez, constituem um fenômeno descontínuo, e em fins de 1976 a Refazendo "racha" para dar o surgimento da Refavela, uma tendência que retoma com força as perspectivas revolucionárias de caráter vanguardista, perspectiva neste momento, que começa a sedimentar um processo de centralização política no movimento. No período 77/79, na proporção em que se concretiza o projeto de "reconstrução" da UNE, as militâncias organizadas tendem a sobrepôr seus mecanismos internos de gestão à dinâmica mais coletiva (e diversa) vigente até então nos diretórios, o que dá lugar ao estabelecimento de outras formas de administração e direção destas experiências e lutas. No entanto, a "reconstrução das entidades" como uma "repetição" das dinâmicas e perspectivas organizativas do passado se revela um processo efêmero e frágil de organização política, muito em função do universo estudantil estar marcado pelas diferenças e por isso mesmo, exigir a criação de procedimentos ainda mais flexíveis.

Page 202: UMA AVENTURA POLÍTICA

202

CONSIDERAÇÕES FINAIS

"O que nos UNE são nossas diferenças"

(grafite dos anos 80)

Se partirmos da premissa de que o movimento estudantil no Brasil se constitui em um movimento fortemente influenciado pelas esquerdas (a partir dos anos 40, segundo Poerner, com fases de hegemonia de grupos conservadores), os acontecimentos de 1968 marcam uma ruptura nos padrões já tradicionais de atuação política via quadros partidários. Mais do que isso, o processo de repressão política e social em vigor nos anos 70 contribui para uma ampliação da fragmentação e crise da militância de esquerda - fenômeno que compõe o cenário internacional em proporções mais amplas do que se pode supor à primeira vista. A trajetória das atuações e experiências estudantis na década de 70, neste sentido, enfrenta uma crise estrutural em seus padrões tradicionais de ação política na proporção em que, forçada à condição de clandestinidade, tenta recompôr as condições de militância. Mais do que isso, a busca por novas formas de engajamento e exercício político é capaz de gerar outras formas de movimento - influenciadas por outros referenciais que não os oriundos das organizações de esquerda e relacionadas com as experiências de contracultura ou mesmo com a trajetória da chamada "nova esquerda" francêsa - crítica às perspectivas de poder e à ortodoxia do Partido Comunista Francês. Esta quebra de referenciais a animar a ação política estudantil nos coloca, então, diante de várias possibilidades de "olhar" sobre este movimento - na medida em que as ações são reveladoras de especificidades de manifestações e experiências. A importância das variações de ação política, por sua vez, se relaciona com o fato destas novas formas coletivas expressarem questões que, por si só, são mais abrangentes do que a problemática da Universidade e da política institucional em vigor no período. A multiplicação e variação dos referenciais permitem uma "sintonia" entre estas práticas estudantis e as indagações mais amplas presentes na sociedade - partilhadas, em especial, pela juventude e que apresentam inovações no campo da político. Questões como a sexualidade, a ecologia, as minorias, já se fazem presentes entre as preocupações estudantis dos anos 70 no Brasil, de forma que a discussão em torno da "democratização" social se refere, neste período, a um leque mais largo de proposições e questões que transcendem o universo partidário institucional. A questão da liberdade se refere ao direito de expressão das diferenças, ou ainda, à produção e circulação de uma cultura "alternativa" em relação aos ideários do mercado capitalista.

Page 203: UMA AVENTURA POLÍTICA

203

É neste sentido, portanto, que vemos se estabelecer entre as questões/formas de manifestação coletiva estudantil a presença de outras problemáticas que se acham colocadas de forma mais abrangente na sociedade, como por exemplo, a questão da "afirmação" homossexual (que desde o início da década procura sair dos guetos para se afirmar como relação); as discussões acerca da ecologia e da criação de uma "vida alternativa" - que desde a segunda metade de década de 70 ganha as ruas como produções e produtos no campo teatral, literário e cinematográfico (em espacial, por meio da expansão do super-8), generalizando-se o número de artistas envolvidos com a construção de novos grupos e experiências. Ou ainda, a criação de novas linguagens, como o novo tipo de humor a se propagar por entre Salões de Humor que, segundo Zélio Alves Pinto, têm no Salão de Humor do Mackenzie o "embrião dos salões de humor no Brasil. E a partir desses salões surgiram os nomes que hoje estão aí trabalhando. O Angeli é um exemplo". Com relação ao cenário político-institucional do movimento estudantil, a "tomada" das ruas em associação à emergência destas diversas formas de manifestações registra na 2º metade dos anos 70 a articulação de uma perspectiva política coletiva que no entanto, com o agravamento das condições de funcionamento do universo acadêmico experimenta um "desfecho" de possibilidades. Neste período, é o espaço acadêmico em sua dinâmica interna que tende a se restringir e se amortecer. As Faculdades Privadas já ocupam o lugar das Universidades Públicas enquanto instituições hegemônicas, apresentando uma estrutura acadêmica profundamente comprometida, em um momento no qual também o mercado de trabalho apresenta limites de "absorção" - no aspecto da inserção do profissional qualificado. A Universidade, desde então, perde progressivamente o seu lugar de "aventura coletiva", ou a condição de um espaço onde tudo pode acontecer - inclusive, o de projetar "alternativas" de realidade para os estudantes. Segundo Maria Célia Paoli:

"..Como todos que estão hoje dentro do espaço universitário, os estudantes nele

vivem experiências desencontradas com sua própria condição. Situação mais

dramática ainda porque esta condição não é feita por um pertencimento profissional

através do qual professores e funcionários costumam amortecer as frustrações.

Variavelmente descrentes da experiência acadêmica e política, decepcionam-se com

um espaço que não se deixa reivindicar como perspectiva criativa; percebendo as

transformações que afetam a Universidade, não apostam mais nos canais montados

para pensá-la; a retórica das tradições esvaziadas barram a condição daquilo que

poderia emergir como novo. Para grande parte, a rotinização generalizada e os

programas tradicionais de percurso da vida universitária geram uma recusa do que

Page 204: UMA AVENTURA POLÍTICA

204

aí está, sem no entanto chegar a se formar alguma imagem que faça sentido como

perspectiva coletiva de presença estudantil" 332

Como nos chamara atenção Artur Ribeiro Neto, por volta de 1978 a Universidade já se constitui um espaço pelo qual os estudantes "passam" sem um maior comprometimento/investimento de suas vidas; questão que interfere diretamente nas ações políticas. A própria temática da Reforma do Ensino Superior começa a se esvaziar enquanto a produção interna se esvai para fora deste território, levando consigo muitas experiências e expectativas. Neste processo, então, vemos que toda uma riqueza de formulações políticas e culturais que tiveram a Universidade como ponto de contato transcende ao mesmo espaço para se propagar em outros pontos, desmantelando uma associação que em períodos anteriores promoveu importantes conquistas. As experimentações culturais desconectam-se das "entidades" para se afirmar como realizações em busca de espaço próprio; os diretórios se tornam "presas" das perspectivas e exercícios políticos mais ortodoxos que em geral não possuem a problemática do ensino ou da cultura como questão primordial de ação política.

332 Maria Célia Paoli. �Dossiê: Movimento Estudantil Hoje�. São Paulo, Revista Desvios. Op. Cit., pp 58/59

Page 205: UMA AVENTURA POLÍTICA

205

BIBLIOGRAFIA E FONTES

1. BIBLIOGRAFIA

ABRAMO, Helena. Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano.SP, Editora Página Aberta, 1994 ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder. O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988 ADUSP. O Livro Negro da USP: O Controle Ideológico na Universidade São Paulo, ADUSP, 1979 ALVERGA, Alex Polari de. Inventário de Cicatrizes. São Paulo/Teatro Ruth Escobar e Rio de Janeiro/Comiê Brasileiro pela Anistia, 1978 ALVES, Júlia Falivene. A Invasão cultural norte americana. São Paulo, Ed. Moderna, 1988. Coleção Polêmica ALVES, Márcio Moreira. 68 Mudou o Mundo: A explosão dos sonhos libertários e a guinada conservadora num ano que valeu por décadas. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1993 ........................................Beabá do MEC/USAID. Rio de Janeiro, Ed. Gernasa, 1968 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 4º edição, 1987. ANDES. Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior. O Poder e o Saber. A Universidade em debate. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1984 ANDRADE, Marília e Favre, Luís. A Comuna de Pequim: A Revolta dos Estudantes contra os Mandarins Vermelhos. São Paulo, Busca Vida, 1989 ANTUNES, Américo. Movimento Estudantil: Crise e Perspectivas para uma Prática Revolucionária. São Paulo, Editora Aparte, 1983 ARANTES, Aldo da Silva. "A UNE no período 61/62". IN: Cadernos de Opinião, nº12. Rio de JAneiro, Paz e Terra, 1979 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. "Vanguardas". Arte em Revista, vol 7. p.5/24 ARAPIRACA, José O. A USAID e a Educação Brasileira. Petrópolis, Vozes, 1986

Page 206: UMA AVENTURA POLÍTICA

206

ARAÚJO, Angela M. C. (org.). Trabalho, Cultura e Cidadania. São Paulo, Scritta, 1997 ARAÚJO, José Braz de (org). A crise da USP. São Paulo, Brasiliense, 1980 ARAÚJO E OLIVEIRA, João Batista. "A Burocratização da Universidade" in Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, volume 37, nº7, 1985, p.118/132 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis, Vozes, 1985; Perfil dos Atingidos. Petrópolis, Vozes, 1988 ARTE EM REVISTA. Vol 5. São Paulo, CEAC, 1981 ARTE EM REVISTA. Vol. 7. São Paulo, CEAC, Editora Kairós, nº7 ARTE EM REVISTA. vol 8. São Paulo, CEAC, 1984 AZEVEDO, José Carlos de Almeida. "Escolas para Contestar" in A Defesa Nacional, Revista de Assuntos Militares e Estudo de Problemas Brasileiros. Rio de Janeiro, ano 65, nº 677, 1978, p. 42 BAHIA, Renato. O estudante na História Nacional. Salvador, Livraria Progresso, 1954 BARBOSA, Wilmas do Valle. "Universidade e Política". IN: Encontros com a Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, vol 14, 1979, p 137/146 BARROS, Ivônio. "Reforma Universitária e Movimento Estudantil". IN: Revista Humanidades, nº11. Brasília, Ed. da UnB, 1987 BARROS, Roque Spencer Maciel. A Ilustração Brasileira e a idéia de Universidade.SP, Convívio/Editôra Universidade de São Paulo, 1986 BELTRÃO, Rubem. "Um esconderijo dos movimentos estudantis na USP". IN: Revista Desvios, nº4. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985 BEOZZO, José Oscar (Pe.) Cristãos na Universidade e na Política. Petrópolis, Vozes, 1984 BÉRAUD, Janine e MILLIET, Louis. A Contestação Juvenil. Lisboa, Publicações Europa-América, 1975 BERGER, Manfredo. Educação e Dpendência. São Paulo, Difel, 1980 BERLINCK, Manoel T. CPC: Centro Popular de Cultura. Campinas, Ed. Papirus, 1984 BEZERRA, Rodolfo Cavalcanti. USP, ainda os Rinocerontes: História de um mandato de segurança. São Paulo Editôra: Empresa Brasileira de Tipos e Editora LTDa, 1986

Page 207: UMA AVENTURA POLÍTICA

207

BLOOM, Alan. O Declínio da Cultura Ocidental: Da Crise da Universidade à Crise da Sociedade. São Paulo, Best Seller, 1989 BORGES, Márcio. Os Sonhos não Envelhecem: Histórias do Clube de Esquina. São Paulo, Geração Editorial, 1996 BORDIEU, Pierre e PASSERON, Jean Claude. "O tempo e o Espaço no Movimento Estudantil". IN: Brito, Sulamita de (org). Sociologia da Juventude IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1968 BRANDÃO, Antonio Carlos e DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos Culturais da Juventude. São Paulo, Moderna, 1990. Coleção Polêmica. BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70: mais pra epa que pra oba... Brasilia, DF:Editora Universidade de Brasília, 1991 BRANT, Vinícius Caldeira. "Nos Tempos da Legalidade". IN: Revista Plural, nº6, junho 79 BRASIL/MEC/DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS ESTUDANTIS. Legislação Estudantil: Coletânea de Leis, Decretos, Resoluções e Pareceres. Brasília, MEC/DAE, 1980 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. As Revoluções Utópicas. Petrópolis, Vozes, 1979 BRITTO, Sulamita de (org). Sociologia da Juventude IV: Os Movimentos Juvenis, Rio de Janeiro, Zahar, 1978 ....................................... "A Juventude Universitária e a Política". IN: Cadernos Brasileiros, nº48. Rio de Janeiro, 1968 BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa e GONÇALVES, Marcos A. Cultura e Participação nos anos 60. São Paulo, Brasiliense, 1987. BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa. Impressões de Viagem. CPC, Vanguarda e Desbunde: 1960/70,. São Paulo, Brasiliense, 1981 BUARQUE DE HOLANDA, Heloisa e PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. Patrulhas Ideológicas marca reg. Arte e engajamento em debate. São Paulo, Brasiliense, 1980 CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. Rio de Janeiro, 34 Literatura S/C Ltda, 1995 CARA A CARA. Revista Semanal do Centro de Estudos Everardo Dias. Ano I, nº1 (Debate sobre o ME). Maio de 1978 CARDOSO, Irene R. A Universidade da Comunhão Paulista. São Paulo, Cortez Editora, 1982

Page 208: UMA AVENTURA POLÍTICA

208

CASTELO BRANCO, Carlos. Os Militares no Poder. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, vol 1, 1967 ..................................................Os Militares no Poder: O AI-5. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, vol II, 1978 ..................................................Os Militares no Poder: O Baile das Solteironas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, vol III, 1978 CASTILHO, A. (og) Apesar de tudo a UNE revista: elementos para uma história da UNE (MEMOREX). São Paulo, Ed. Guaraná/DCE Livre da USP "Alexandre Vannuchi Leme", s/d CASTORIADIS, Cornélius. A Experiência do Movimento Operário. São Paulo, Brasiliense, 1985 .............................................A Constituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986 .............................................A Criação Histórica: O Projeto da Autonomia. Porto Alegre, Livraria Palmarinca/Secretaria Municipal de Cultura, 1981 CAVALARI, Rosa Mª Feiteiro. Os limites do Movimento Estudantil (1964/1980). Campinas, tese defendida na Faculdade de Educação da UNICAMP, 1987 CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e Dispersos - poesia/prosa. São Paulo, Brasiliense, 1991 CHASIN, José. "Alguns Considerações a respeito do movimento estudantil". IN: Revista Brasiliense, nº38. São Paulo, Brasiliense, 1961 CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia: O Discurso Competente e Outras Falas. São Paulo, Cortez, 1980, 5º ed. ..............................A Reforma do ensino: Refazendo a Memória. mimeog. s/d Ciclo de Debates do Teatro Casa Grande. Rio de Janeiro, Edm Núbia, 1976 CIÊNCIA E CULTURA: Suplemento. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Volume nº 37, nº7, Universidade Brasileira: Organização e Problemas, São Paulo julho de 1985. COHN-BENDIT, Daniel. Nós que amávamos tanto a Revolução. São Paulo, Brasiliense, 1987 ..........................................O Grande Bazar: As revoltas de 1968. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1988 .........................................et alli. A Revolta Estudantil. Rio de Janeiro, Ed. Laudes, 1968

Page 209: UMA AVENTURA POLÍTICA

209

COIMBRA, Marcos Antônio. Estudantes e Ideologia no Brasil. Rio de Janeiro, Achimé, 1981 COSTA, Iná Camargo. A Hora do Teatro Épico no Brasil.São Paulo, Ed. Paz e Terra,1996 COSTA, Messias. "Financiamento do ensino superior: argumentos e contra-argumentos". IN: Cadernos CEDES. São Paulo, Cortez Editora, nº5, p.13/42 CUNHA, Luiz Antônio, A Universidade Temporã. 2ª ed. Rio De Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1986 ..........................................A Universidade Crítica: o ensino superior na República Populista. RJ, Francisco Alves, 1989 .........................................A Universidade Reformanda: O Golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. RJ, Francisco Alves, 1988 .........................................Qual Universidade?. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1989 ........................................"O Lugar da Escola Particular Superior" in Escola Púbica, Escola Particular e a Democratização do Ensino, org. por Cunha, L. A., Sâo Paulo, Cortez Editora, 1986 ........................................"Universidade: Ensino Público ou Liberdade de Ensino" in Ciência e Cultura: Suplemento, SBPC, volume 37, nº7, 1985, p.220/228 ........................................"Pelo Ensino Público e Gratuito" IN: Educação e Sociedade, São Paulo, CEDES/Cortez editota, nº12, 1982, p.132/134 .................................(coord). Escola Pública, Escola Particular. São Paulo, Cortez Editora/Editora Autores Associados, 1986 DEBRAY, Régis. Revolução na Revolução. São Paulo, Centro Editorial Latino Americano. Trad. Olinto Beckerman, s/d DE DECCA, Edgar. O Silêncio dos Vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1981 DIRCEU, José. Histórico do Movimento Estudantil. Datilog. s/d DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis, Ed. Vozes, 1981 DUARTE, Paulo. O Processo dos Rinocerontes (razões de defesa e outras razões..). São Paulo, 1967 FAERMAN, M. "UNE - O Jogo da Vida e da Morte". IN: Plural, nº6, 1979

Page 210: UMA AVENTURA POLÍTICA

210

FÁVERO, Maria de Lourdes A. A Universidade Brasileira em busca de sua identidade. Petrópolis, Vozes, 1977 .................................................Da Universidade "Modernizada" à Universidade Disciplinada: Atcon e Meira Mattos. Sâo Paulo, Cortez Editora, 1991 FÁVERO, Osmar. Cultura Popular e Educação Popular: Memória dos anos 60. Rio de Janeiro, Graal, 1983 FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Educação no Brasil anos 60. O Pacto do Silêncio. São Paulo, Ed. Loyola, 1988 FERNANDES, Florestan. A Questão da USP, São Paulo, Brasiliense, 1984 .........................................A Ditadura em Questão. São Paulo, TA Queiroz, 1982 .........................................Reforma Universitária e Mudança Social. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974 .........................................A Reforma Universitária é uma revolução Cultural. São Paulo, Centro Acadêmico Visconde de Cairú/FCEA/USP, 1968 FERREIRA, Marcelo Urbano. "Movimento e Movimentações estudantis na USP". IN: Revista desvios, nº4, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985 FEUER, Lewis S. Los Movimentos estudantiles. Buenos Aires, Paidos, 1969 FORACCHI, Marialice Mencarini. O Estudante e a Transformação da Sociedade Brasileira. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1977 ............................................................A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo, Pioneira/ ed. Universidade de São Paulo, 1972 ............................................................A Participação Social dos Excluídos. SP, Hucitec, 1982 FOSTER-DULLES, John W. A Faculdade de Direito de São Paulo e a resistência Anti-Vargas: 1938-1945. Rio de Janeiro, Nova Fronteira; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1984 ..............................................O Comunismo no Brasil. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985 FRAGOSO F°, Carlos. Universidade e Sociedade. Campina Grande, Ed. Grafset, 1984 FRIGOTTO, Gaudêncio. "Política e Financiamento da Educação: Sociedade desigual, distribuição desigual dos recursos". IN: Caderno CEDES. São Paulo, Ed. Cortez, nº5, p.3/12

Page 211: UMA AVENTURA POLÍTICA

211

FRY, Peter e McRAE, Edward. O Que é Homossexualidade. São Paulo, Abril Cultural/Btasiliense, coleção Primeiros Passos, 1985 FREI BETTO. Batismo de Sangue. Rio de Janeiro, Civilização Barsileira, 1982 GABEIRA, Fernando. O Que é isso, Companheiro? Rio de Janeiro, Edit. Guanabara, 1988 34º edição ......................................Vida Alternativa: Uma revolução do dia a dia, Porto Alegre, LP&M, 1985 ......................................O Crepúsculo do Macho. Rio de janeiro, CODECRI, 1980, 8ºedição. GALVÃO. Geração Baseada. Rio de Janeiro, Coleção Edições do Pasquim, Codecri,1982 GARAUDY, Roger. "A revolta dos Estudantes Franceses e a Revolução". IN: Revista Civilização Brasileira, 1968 GARCIA, Marco Aurélio (org) As Esquerdas e a democracia. Rio de Janeiro, Paz e terra/CEDEC, 1986 GARCIA, Silvana. Teatro da Militância. A Intenção do popular no engajamento político. São Paulo, Ed. Perspectiva/ Ed. Universidade de São Paulo, 1990 GEBER, Raquel. O Cinema Brasileiro e o Processo Político Cultural (de 1950 a 1978). Rio de Janeiro, Embrafilme/DAC, 1982 GERMANO, José Willington. Estado e Educação no Brasil (1964/1985). São Paulo/Cortez, Campinas/Editora da Unicamp, 1992 GIANOTTI, José Artur. "A Universidade e a Crise". IN: Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº10, out/1984 GONÇALVES, Tânia e ROMAGNOLI, Luiz Henrique. A Volta da UNE.: De Ibiúna a Salvador. São Paulo Alfa Ômega, Coleção História Imediata nº5,1979 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. São Paulo. Ática, 1987 GORZ, André. Adeus ao Proletariado: Para Além do Socialismo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1982 ..........................Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo, Martins Fontes, 1989 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Economia e Planejamento/Secretaria da Educação. O Ensino Superior em São Paulo: Aspectos Quantitativos e Qualitativos de sua expansão. Coord. Jair de Moraes Neves. 1969/70

Page 212: UMA AVENTURA POLÍTICA

212

GRACIANI, Maria Stela Santos. O ensino Superior no Brasil: A Estrutura de Poder na Universidade em Questão. Petrópolis, Vozes, 1982 GREGORI, José. "A UNE dos tempos da democracia". IN: Cadernos de Opinião, nº12. Rio de Janeiro, Paz e Terra, jul de 1979 GUATTARI, Félix. Revolução Molecular: Pulsações Políticas do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1987 GUILHON ALBUQUERQUE, J. A. "Movimento Estudantil e Classe Média no Brasil - estudo comparativo". IN Guilhon Albuquerque, J.A. (org) Classes Médias e Política no Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977 ........................................................... Movimento Estudantil e Consciência Social na América Latina. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1977 GUINSBURG, J; Silva, Armando Sérgio (org). Diálogos sobre Teatro. São Paulo, Edusp. HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e Crise da Ditadura Militar Brasileira. São Paulo, Ed. Ática, 1994 HIRANO, Sedi et alli. "A Universidade e a Identidade da condição estudantil: Um estudo sobre a situação econômica, níveis de saúde e modos de vida dos estudantes da USP". IN: Temas IMESC, vol 4, nº 1. São Paulo, IMESC, jul de 1987 HENESSY, Alistair. "Os estudantes universitários na polític nacional". IN: Veliz, C. América Latina: Estruturas em Crise. São Paulo, Ibrasa, 1970 HOBSBAWM, Eric J. "Maio de 68" IN: Revolucionários. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985 .......................................A Era dos Extremos: O Breve Século XX (1914 - 1991). São Paulo, Companhia das Letras, 1995 HOFFMANN, Ricardo L. Alienação na Universidade: A crise dos anos 80. Florinópolis, Ed. da UFSC, 1985 JORDÃO, Fernando. Dossiê Herzog: Prisão, Tortura e Morte no Brasil. São Paulo, Global Editora, 1984, 5ºed KONDER, Leandro. "A Rebeldia, os Intelectuais e a Juventude". IN: Revista Civilização Brasileira, nº21/22. Rio de Janeiro, ed. Civilização Brasileira, 1968 KRAVETZ, Marc. "Sindicalismo e Movimento Revolucionário nos movimentos estudantis". IN: Brito, Sulamita de (org). Sociologia da Juventude IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1968

Page 213: UMA AVENTURA POLÍTICA

213

KUCINSKY, Bernardo. Abertura, a história de uma crise. São Paulo, Ed. Brasil Debates, 1982 LÊNIN, V. I. Que Fazer? São Paulo, Hucitec, 1986 ....................O Trabalho do Partido entre as massas. São Paulo, Ed, Ciências Humanas, 1979 LIMA, Haroldo e ARANTES, Aldo. História da Ação Popular: da JUC ao PC do B. São Paulo, Alfa Ômega, 1984 LIPSET, Seymour Martin. Alternativas para as atividades estudanti. IN: BRITTO, Sulamita. Sociologia da Juvetude IV. Rio de Janeiro, Zahar, 1968. LOSCHIAVO DOS SANTOS, Maria Cecília (org). Maria Antônia: Uma rua na contramão. São Paulo, Nobel, 1988 MACHADO, Ana Maria. Tropical Sol da Liberdade:A história dos anos de repressão e da juventude brasileira pós-64 na visão de uma mulher. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1988 MACHADO, Arlindo; Magri, Caio e Massagão, Marcelo. Radios Livres. A reforma Agrária no Ar. São Paulo, Brasiliense, 1986 MACIEL, Luiz Carlos. Negócio Seguinte:, Rio de Janeiro, CODECRI, 1982 .................................... Anos 60. São Porto Alegre, L&PM, 1987 .....................................Geração em Transe: memórias do tempo do tropicalismo. Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1996 MANDEL, Ernest. Os Estudantes, os Intelectuais e a Luta de Classes. Textos Políticos II. Lisboa, Antídoto, 1979 MARCELLO, Antonio. Ensaio Geral. São Paulo, Alfa-Ômega, 1978. MARCONI, Paolo. A Censura Política na Imprensa Brasileira 1968-1978. São Paulo, Golbal Editora, 1980 MARCUSE, Herbert. "Finalidades, formas e perspectivas da oposição estudantil nos Estados Unidos". IN: Revista Civilização Brasileira, nº21/22, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968 MARONI, Amnéris. A Estratégia da Recusa. São Paulo, Brasiliense, 1981

Page 214: UMA AVENTURA POLÍTICA

214

MARTINS, Carlos Benedito. "O novo ensino superior privado no Brasil (1964-1980)" in Martins, Carlos Benedito (org). Ensino Superior Brasileiro: Transformações e Perspectivas. São Paulo, Brasiliense, 1989 ...............................................Ensino Pago: Um retrato sem retoques. São Paulo, Cortez, 1988 MARTINS, Heloísa H. T. S. "Movimento Estudantil e Reforma Universitária". IN: Contexto, nº1, novembro de 1967 MARTINS Fº, João Roberto. Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964/1968. Campinas, Papirus, 1987 MATOS, Olgária. Paris 1968: As Barricadas do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1981 MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo, ed. Moraes. 1987 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo, Global, 1986 MELLO, Maria Amélia (org). 20 Anos de Resistência: Alternativas da cultura no regime militar. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986 MENDES Jr., Antônio. Movimento Estudantil no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1981 MENESES, Adélia Bezerra de. Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque. São Paulo, Hucitec, 1982 MENEGUELLO, Rachel. PT: A Formação de um partido 1979-1982. São Paulo, Paz e terra, 1989 MICELI, Sérgio(org). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo, Difel, 1984 MICHALSKY, Yan. O Teatro sob Pressão. Uma Frente de Resistência. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor. MORAES, Dênis. O Rebelde do Traço: A Vida de Henfil. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Ed, 1996 MORAES, Irany Novah. Perfil da Universidade. São Paulo, Pioneira/Ed da Universidade de São Paulo, 1986. Coleção Novos Umbrais. MORDILLAT, Gérard. Viva o coletivo: uma juventude entre a militância e o ceticismo. São Paulo, Brasiliense, 1985 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974). São Paulo, Ática, 1980

Page 215: UMA AVENTURA POLÍTICA

215

MUNAKATA, Kazumi. O Lugar do Movimento Operário. Mimeografado, Unicamp, 1978 .................................., Pellicciotta, Mirza e Camilotti, Virgínia. Contribuição para o estudo do Movimento Estudantil Brasileiro: História Institucional e História Invisível. Campinas, datilog, 1985 OLIVEIRA, B. A. de. O Estado Autoritário Brasileiro e o Ensino Superior. São Paulo, Cortez, 1984 OLIVEIRA, João Batista. Universidade aberta: uma alternativa de ensino superior. Brasília, Associação dos Bibliotecários do Distrito Federal, 1985 ORTIZ, Renato.Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo, Ed. Brasiliens, 1985 ..........................A Moderna Tradição Brasileira: Cultura e Indústria Cultural. São Paulo, Brasiliense, 1988 PAIVA, Marcelo Rubens. Feliz Ano Velho. São Paulo, Brasiliense, 1986 PAOLI, Maria Célia. Os Movimentos da Unvesridade e a reapropriação das políticas do Estado. IN: Revista Desvios, nº3, Rio de Janeiro, Paz e terra, 1984 ................................."Dossiê: Movimento Estudantil Hoje". IN: Revista Desvios, nº4, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985 PATTO, Maria Helena Souza. A Produção do Fracasso Escolar. Histórias de Submissão e Rebeldia. São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1991 PAULO, Heloísa H.J. "O DIP e a Juventude: Ideologia e Propaganda Estatal". IN: Revista Brasileira de História (Instituições), vol 7, nº14, mar/ago de1987 PAVIANI, Jayme e Pozenato, José C. A Universidade em Debate. Caxias do Sul, EDUCS, 1984 PÉCAUT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil: Entre o Povo e a Nação. São Paulo, Ática, 1990 PELLEGRINI, Tânia. Gavetas Vazias: Ficção e Política nos anos 70. São Carlos, Edufscar/Mercado de Letras, 1996 PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. Retrato de Época: Poesia Marginal anos 70 Rio de Janeiro, FUNARTE, 1981 .............................................................O que é contracultura. São Paulo, Brasiliense, Primeiros Passos, 1985.

Page 216: UMA AVENTURA POLÍTICA

216

PERRONE, Fernando. Relatos de Guerras (Praga - São Paulo - Paris). São Pulo, Cortez, 1988 PERROT, Michele. Os Excluídos da História. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1988 PINTO, Álvaro Borges Vieira. A Questão da Universidade. São Paulo, Cortez, 1986 POERNER, Artur José. O Poder Jovem: História da Participação Política dos Estudantes Brasileiros. Rio de Janeiro, Editôra Civilização Brasileira, 1979 PONIATOWSKA, Elena. La Noche de Tlateloco. México D.F. Ediciones Era, 1980 PONTE PRETA, Stanislaw. FEBEAPÁ: 1º Festival de Besteira que Assola o País. São Paulo, Círculo do Livro PRADO Jr, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1987, 7ªed PRANDI, Reginaldo. Os Favoritos Degradados: Ensino Superior e Profissões de Nível Universitário no Brasil Hoje. São Paulo, Ed. Loyola, 1982 PROMEMEU. O Movimento Estudantil na UnB: Algumas Considerações Históricas (relatório parcial do PROMEMEU). IN: cadernos de Classe, nº0, Brasília, DCE Livre da UnB Honestino Guimarães, 1988 PROTA, Leonardo. Um novo modelo de Universidade. São Paulo, Convívio, 1987 RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, Estado e Lutas Culturais (anos 50, 60, 70). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983 REICH, Wilhem. O Combate Sexual da Juventude. Porto, Textos Marginais, 1975 REIS Fº, Daniel Aarão e MORAES, Pedro. 1968: A Paixão de uma Utopia. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1988 REIS Fº, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira de (org). Imagens da Revolução: Documentos políticos das organizações clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro, Ed. Marco Zero, 1985 REIS Fº, Daniel Aarão. A Revolução Faltou ao Encontro: Os Comunistas no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1990 REORGANIZAÇÃO DA UNE: IN: Cadernos do CEAS, nº2, Salvador, jul/ago 79 REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA. Caderno Especial nº2. Teatro e Realidade Brasileira, julho de 1968 RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1982

Page 217: UMA AVENTURA POLÍTICA

217

RIBEIRO NETO, Artur. "Um Laço que não UNE mais". IN: Revista Desvios, Nº4, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985 RIDENTI, Marcelo. O Fantasma da Revolução Brasileira. São Paulo, Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993 Antonio Risério. Avant-Garde na Bahia. São Paulo, Instituto Lina Bo Bardi e P. M. Bardi, 1995 RODRIGUES, Cláudio José Lopes. Sociedade e Universidade: um estudo de caso. João Passoa, SEC/PB, 1986 RODRIGUES, Nelson. Estado, Educação e Desenvolvimento Econômico. São Paulo, Cortez/Autores Associados, 1987 ROSA, Luiz Pinguelli. "A questão da implantação do ensino pago nas universidades federais" in Educação e Sociedade. São Paulo, CEDES/Cortez Editora, nº12, 1982, p.121/131 SADER, Eder. Quando Novos Personagens Entraram em cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988 SAES, Décio. "As camadas médias tradicionais na crise de 1968: movimento estudantil e 'movimento feminino'. IN: Saes, Décio. Classe Média e Sistema Político no Brasil. São Paulo, T.A. Queiroz, 1985 SANFELICE, José Luís. Movimento Estudantil: A UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo, Cortez Editora/autores Associados, 1986 SANT'ANNA,Affonso Romano de. Política e Paixão. Rio de Janeiro, Rocco, 1984 SANTOS, Nilton et alli. História da UNE: Depoimentos de ex-dirigentes. São Paulo, Livramento, 1980 SCHERER-WARREN, Ilse e Krischke, Paulo J. Uma Revolução no Cotidiano? Os Novos Movimentos Sociais na América do Sul. São Paulo, Brasiliense, 1987 SCHWARZ, Roberto. O Pai de Família e outros estudos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978 SEGANFREDO, Sônia. UNE: Instrumento de Subversão. Rio de Janeiro, ED. GRD, 1968 SIGRIST, José Luiz. A JUC no Brasil: Evolução e Impasse de uma ideologia. São Paulo, Cortez, 1982 SILVA, Antonio Ozai da. História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas). São Paulo, Proposta Editorial, 1987

Page 218: UMA AVENTURA POLÍTICA

218

SILVA, Justina Iva de A. Estudantes e Política: Estudo de um Movimento (RN 1960 - 1969). São Paulo, Cortez, 1989 SIRKIS, Alfredo. Os Carbonários: Memórias da guerrilha perdida São Paulo, Círculo do Livro,1980 SOUZA, Luís A. G. A JUC, os Estudantes Católicos e a Política. Petrópolis, Vozes, 1984 SOUZA, Maria Inês Salgado de. Os Empresários e a Educação: o IPES e a Política Educacional após 64. Petrópolis, Vozes, 1981 SPÓSITO, Marilia Pontes (coord) e outros. O Trabalhador-estudante. Um perfil do aluno do curso superior noturno. São Paulo, Ed. Loyola, 1989 TABAK, Fanny. Autoritarismo e Participação Política da Mulher. Graal, 1982 TARSO, Paulo de. 64 e Outros Anos. São Paulo, Cortez, 1984 THOMPSON, Edward P. A Formação da Classe Operária Inglesa, vol 1, São Paulo, Paz e Terra, 1987 .........................................A Miséria da Teoria ou Um Planetário de Erros. Rio de Janeiro, Zahar, 1981 ........................................Tradición, Revuelta y Cosnciencia de Clase. Barcelona, Editorial Crítica, 1979 TOER, Raphael Mário. The Articulation of the Brazilian and Argentinian student movement with their respective political and social processes since the mid 1950's. datilog, s/d TRAMONTIN, Raulino e BRAGA, Ronald. "O Ensino Superior Particular no Brasil: Traços de um Perfil" in Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, volume nº37, nº7, 1985, p.60/85 UNE. A UNE contra o SNI. São Paulo, Alfa Ômega, 1987 ..........Declaração da Bahia, 1º Seminário Nacional de Reforma Universitária. Rio de Janeiro, Gráfica Editora Livro, 1961 .........Resolução do Conselho da UNE. Encontro sobre Reforma Universitária. Rio de Janeiro, Ed. Universitária, 1962 VALENZUELA, Eduardo. La Rebelion de los Jovenes. Santiago, Ediciones Sur, 1984 VASCONCELLOS, Gilberto. De Olho na Fresta. Rio de Janeiro, Graal, 1978

Page 219: UMA AVENTURA POLÍTICA

219

VAZ, José Carlos de Lima. Desafios novos da Universidade Brasileira. IN: Para Onde vais a Universidade Brasileira? Fortaleza, Ed. da UFCE, 1983 VEIGA, Laura. "Reforma Universitária na Década de 60: Origens e Implicações Político-Institucionais" in Ciência e Cultura: Suplemento. SBPC, volume 37, nº7, 1985, p. 86/97 VELHO, Gilberto. Nobres e Anjos: Um estudo de Tóxicos e Hierarquia. São Paulo, USP, Fac. Filosofia e letras, 1975./off-set/ VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988 VIEIRA, Evaldo. Estado e Miséria Social no Brasil - de Getúlio a Geisel. São Paulo, Cortez, 1983 VIEIRA, Sofia Lerche. O (Dis)curso da (Re)forma Universitária. Fortaleza, Ed. Universidade Federal do Ceará/PROED, 1982 WERNECK DA SILVA, J.L. A Deformação da História ou Para não esquecer. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985 2. FONTES 2.1 FONTES IMPRESSAS 2.1.1 Revistas Estudantis REVISTA MOVIMENTO 1961 - Revista da UNE. Rio de Janeiro, 1961-1963: s/n (jul,set/61); (2,3,4,5,6,7,1962); (8,9,11,1963) CADERNO POLITÉCNICO 1965 - Publicação do Grêmio Politécnico. São Paulo:USP.(julho - sobre órgão de representação estudantil) FÓRUM POLITÉCNICO 1965 - Publicação do Grêmio Politécnico. São Paulo: USP. 1965, 1968, 1978 (publicação especial sobre a história do Grêmio, nº390) CADERNO 1967 - Publicação do Diretório XI de Agosto, do Instituto de Filosofia e Teologia. São Paulo. (nº2, out/nov) REVISÃO 1967 - Revista do Grêmio de Filosofia da USP, nº4

Page 220: UMA AVENTURA POLÍTICA

220

di...FUSÃO 1970 - Revista do DA de Sociologia e Política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 1970/71, nºs 1, 2, 3 e 4 DLUCT 1972 - Publicação independente, EDITEC, s/1, nº1 (abr) TEXTO 1973 - Publicação do CAASO, USP, Campus de São Carlos. nº3 (sobre a Reforma Universitária - extratos 1) O VAPOR: 1973 - Publicação da Patuléia Criação, Publicidade e promoções. Belo Horizonte: Gráfica do DCE UFMG (nº8, set) BOLETIM INFORMATIVO DA ASESP: 1975 - Publicação da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo. São Paulo. (nº7 - jul) CADERNO DE HISTÓRIA: 1975 - Publicação do Centro de Estudos Históricos Affonso de Taunay. São Paulo: USP, História. (nº5, Brasil República), (nº6, Sist. Trab. no Brasil) FAZENDO: 1976 - Revista do Depto. de Filosofia da USP. comissão de Currículo. São Paulo. (nº1) BARRACOS: 1976 - Publicação do Centro de Estudos de Ciências Sociais, CEUPES, USP. São Paulo, 1976/78 (nº1 nov/76; nº2 ag 77; nº3 fev 78) REVISTA DE COMUNICAÇÃO: 1976 - òrgão do DA 13 de Abril, Comunicação da FAAP. São Paulo. (nº1) ARGUMENTO: 1976 - Publicação do CA de Ciências Humanas da UNICAMP. Campinas, 1976, 1977 (nºs 4, 7 e 2) REVISTA DO BLOCO: 1977 - Revista de grupo de estudantes de História e Geografia da USP. São Paulo. (nº 1 e 2) TEXTO: 1977 - Produção do CA de Física, UNICAMP. Campinas (nº1) ARTO: 1977 - Revista de Arte da Casa do CACE e CACH, UNICAMP. Campinas

Page 221: UMA AVENTURA POLÍTICA

221

EVENTO: 1977 - Revista do CEFISMA, CA de Física, USP (nº8) REPÓRTER: 1978 - Revista Mensal da Editôra Três. nº2 ( A UNE está de volta) CRÍTICA: 1978 - Revista do CACH, CA de Ciências Humanas da UNICAMP. Campinas. (nº5, abr) JORNAL GÔTA: 1978 - Publicação do DA da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie. São Paulo. Ver: revista Capa CAPA: 1978 - Revista do DA de Arquitetura Mackenzie. São Paulo. Ver: Jornal Gôta. (nº especial) BARRICADA: 1978 - Revista da Comissão Cultural do CEUPES, Centro de Estudos da Fac. de Ciências Sociais, USP. São Paulo. (nº1 e 2) JUDAS: 1978 - Revista da Equipe Judas. Estudantes da UNICAMP. Campinas. (nº2) ENCONTROS DA UnB: 1978 - Publicação da UnB. Brasilia. (nº sobre transporte no Brasil) CARA A CARA: 1978 - Revista Semestral do Centro de Estudos Everardo Dias. Ed. Vozes. Petrópolis. nº1 (sobre ME) EXPORRO: 1979 - Revista Estudantil independente da Faculdade de Comunicação da PUCC. Campinas (nº1) AURORA: 1979 - revista do CEFISMA, CA de Física da USP. São Paulo. (nº1) CINE OLHO: 1979 - Revista de Cinema da FAU (Arquitetura) USP. São Paulo MUIRAQUITÃ: 1980 - revista da Escola de Sociologia e Política. s/n (set) BALADA DO CÃO:

Page 222: UMA AVENTURA POLÍTICA

222

1980 - Revista da UNE na ocasião do XXXII Congresso. São Paulo FUVEST. RELATÓRIO: 1980 - Publicação da Fundação Universitária para o Vestibular. São Paulo JORNAL GFAU: 1981 - Publicação do Grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. São Paulo: Gráfica da FAU. s/n (março) MOVIMENTO: 1981 - Revista bimestral da UNE. São Paulo: Global Ed. ZERO À ESQUERDA: 1983 - Revista de informação e debate do DA II de Abril, fundação Santo André. São Paulo. nº 0 (set/out) experimental. UNIVERSIDADE E LUTA: 1983 - Revista do DCE da UFPa. Belém: Serv. da Imprensa Universitária. nº0 2.1.2 - Jornais e Boletins BOLETIM DO SEI (SOCIEDADE DE ESTUDOS INTERAMERICANOS): 1959 - Publicações sobre o Movimento Estudantil destinadas às autoridades brasileiras. nº 667 (jul 1959), nº 823 (agosto, 1960); nº 838 (out. 1966) JORNAL DA QUÍMICA: 1964 - Órgãos dos alunos do dep. de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. 1964, 1965, 1968, 1973 O POLITÉCNICO: 1964 - Publicação do Grêmio politécnico da USP CADERNO POLITÉCNICO: 1965 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP AMANHÃ: 1967 - Jornal do Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP ADMINISTRAÇÃO: 1967 - Órgão Oficial do DA de Administração da Universidade Federal da Bahia FÓRUM POLITÉCNICO: 1968 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP

Page 223: UMA AVENTURA POLÍTICA

223

FÓRUM: 1968 - Órgão Oficial do CA 22 de Agosto da Faculdade Paulista de Direito da PUC-SP PLANEJAMENTO: 1968 - Grupos de Trabalho da Geologia - USP O ESTADO DA FAU: 1969 - Órgão Oficial do Grêmio da FAU-USP CONTESTAÇÃO: 1969 - Jornal do Movimento Universidade Crítica BOLETIM DA UEE-SP: 1965,1979,1982,1984 JORNAL DA UEE-SP: 1968, 1978, 1981 DASP INFORMA: 1971 - Publicação do DA de Sociologia e Política O PÍCARO: 1971 - Publicação do DA da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP BICHUSP: 1971 - Jornal do DCE USP LETRAS: 1971 - Jornal do CA de Letras USP OPINIÃO 1972 - Publicação do CA Pirajá da Silva da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatú JORNAL POLI CAMPUS 1972 - Publicação do Grêmio Politécnico da USP INFORME-SE ANTES DO PRIMEIRO CONCEITO 1972 - DA de Administração da UFBa CUCA: 1972 - Boletim do Centro de Cultura e Arte da UFBa JORNAL INFORME-SE:

Page 224: UMA AVENTURA POLÍTICA

224

1972 - Jornal do DA de Administração da UFBa JORNAL DO CONSELHO: 1972 - Jornal dos alunos do ciclo básico UFBa A PALAVRA: 1972 - Publicação do DARB da Faculdade de Direito da UFBa. 1972- 1973 CISO: 1972 - Publicação do DA de Ciências Sociais da UFBa. 1972-1974 PATATA: 1972 - Jornal dos alunos da UFBa BOLETIM DO DEA: 1972 - Boletim do DA de Arquitetura da UFBa BULA: 1973 - Jornal do DA de Medicina da UFBa BOLETIM INFORMATIVO: 1973 - Centro de Estudos de Ciências Sociais da USP, CEUPES BOLE.. 1973 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa BESTIÁRIO: 1973 - Jornal estudantil da UFMG CONJUNTO: 1973 - Publicação do DA de Engenharia da UFBa BOLETIM DOS DIRETÓRIOS ACADÊMICOS: 1973 - UFBa BOLETIM DO CONGRESSO DOS ALUNOS DA FILO-USP: 1973 - Publicação da Comissão Interfilosofia de Estudos Sociais JORNAL DO CACE: 1973 - Publicação do CA de Ciências Exatas da UNICAMP JORNAL DO DAFA: 1973 - Publicação do DA de Arquitetura da UFRGS JORNAL DE RECORTES: 1973 - Publicação do CACE - UNICAMP, 1973/74

Page 225: UMA AVENTURA POLÍTICA

225

BOLETIM DO CONSELHO DE CENTROS ACADÊMICOS DA USP: 1973 SUÍTE: 1973 - Publicação do DA Tiradentes (DAT) de Ciências Humanas da PUC RJ CADERNO LITERÁRIO DARB 1973 - Publicação do DARB INFORMARTE 1973 - Publicação de estudantes da UFBa MOBRAL: 1974 - Publicação dos alunos do ciclo básico da UFRGS UNIVERSITÁRIO 1974 - Órgão do DCE da UFRGS REFLEXO: 1974 - Publicação do DA de Psicologia da UFBa 1974-1975 OPINIÃO PÚBLICA 1974 - publicação estudantil da UFBa SAÚVA: 1974 - Publicação do CUCA/DCE da UFBa JORNALECO: 1974 - Publicação do DA de Economia da UFBa O ATRITO: 1974 - Publicação do CA de Física - UEC CAASO INFORMA: 1974 - Publicação do CA Armando Salles de Oliveira USP - São Carlos. GOL A GOL SE PEGÁ COM O PÉ É DIBRA: 1974 - Publicação do DCE da UFMG. 1974, 1975, 1976,1977 NAVEGAR É PRECISO: 1974 - Jornal dos estudantes da FAFICH/UFMG PERSPECTIVA 1974 - Publicação do CA de Ciências Sociais TÍSICA:

Page 226: UMA AVENTURA POLÍTICA

226

1975 - Publicação do DA de Medicina da UFBa JORNAL LEIA E DISCUTA: 1975 - Publicação do DA FACE da UCMG BOLETIM DOS ESTUDANTES DE ECONOMIA 1975 - DA de Economia da UFBa BOLETIM DO DCE 1975 - Publicação do DCE da UFBa PRAXIS: 1975 - Publicação do DA da Escola de Sociologia e Política. São Paulo. COMPLEMENTO: 1975 - Jornal de Oposição à diretoria do DASP. Escola de Sociologia e Política. São Paulo GRÁFIKO: 1975 - Órgão do DA Cesar Lattes da Faculdade de Engenharia da FAAP. São Paulo DOIS PONTOS: 1975 - Jornal Estudantil do Centro de Estudos de Artes e Comunicações. São Paulo 1975/76 EXPERIÊNCIA: 1975 - Jornal da PUC-SP 1975-1977 ENSAIO: 1975 - Publicação do SPHN (Biologia) da USP DATA VENIA: 1975 - publicação do CA Afonso Pena, CAAP A GALHOFA: 1976 - Publicação do CA Bernardo Sayão (CABS) - Engenharia UNICAMP PRANCHETA: 1976 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa JORNAL DO CAEQ: 1976 - CA de Química - UNICAMP PRES..ENÇA: 1976 - Publicação do DA Jackson de Figueiredo, PUC RGS, gestão 76/77

Page 227: UMA AVENTURA POLÍTICA

227

PORTA ABERTA: 1976 - Publicação da Tendência Estudantil Porta Aberta UNICAMP JORNAL DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNICAMP: 1976 BOLETIM DO CALOURO: 1976 - Publicação dos CAs da UNICAMP FRAGMENTO: 1976 - Publicação do CEPEGE, Geologia - USP PALAVRA DE ORDEM: 1976 - Publicação do CALC da Escola de Comunicações e Artes (ECA) USP JORNAL DO CAEL: 1976 - Publicação do CA de Estudos Literários, USP MALHO: 1976 - Publicação de vários CAs e alunos da USP BOLETIM DO DCE: 1976 - Publicação do DCE USP 1976-1982 PANFLETO: 1976 - Jornal Estudantil da UNICAMP. 1976-1977 INFORMATIVO 1976 - Publicação de estudantes da UFPe JORNAL DE PÓS GRADUAÇÃO: 1976 - Publicação da Comissão estadual de Pós Graduação. USP BOLETIM DA PÓS GRADUAÇÃO DA UNICAMP 1976 JORNAL DO MOVIMENTO: 1976 - Publicação estudantil da Escola de Sociologia e Política. São Paulo. MURO DE ARRIMO: 1976 - Publicação do DA da FEI ORGANIZAR A LUTA:

Page 228: UMA AVENTURA POLÍTICA

228

1976 - Publicação ligada à Organização do Encontro Nacional de Estudantes JORNAL DO CACH: 1976 - Publicação do CACH, Ciências Humanas - UNICAMP 1976 - 1979 MIUDINHO: 1976 - Publicação do CACH. Ciências Humanas UNICAMP 1976 - 1984 CONSTRUÇÃO: 1976 - Publicação estudantil da UnB A CENTELHA: 1976 - Jornal estudantil unificado. Vários DAs da PUC -SP SEMENTE: 1976 - Publicação do DA Leão XIII de Economia e Administração da PUC - SP JORNAL DO DCE: 1977 - Publicação do DCE UNICAMP. 1977-1985 JORNAL DO DCE-LIVRE 1977 - Publicação da Tendência Porta Aberta da UNICAMP BOLETIM DAMED: 1977: Publicação do DA de Medicina da UFBa BOLETIM METROPOLITANO 1977 - Publicação de entidades estudantis pernambucanas AVESSO: 1977 - Jornal vinculado ao DCE USP TODOS: 1977 - Publicação do CEUPES. Ciências Sociais. USP PROVERBO ARTE: 1977 - Publicação Estudantil da Psicologia da USP O CAASO: 1977 - Publicação do CA Armando Salles de Oliveira. Engenharia USP. São Carlos 1977-1978 BOLETIM INFORMATIVO DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA USP: 1977

Page 229: UMA AVENTURA POLÍTICA

229

A DROGA: 1977 - Publicação do DA de Farmácia da UFBa PROPOSTA: 1977 - Jornal dos estudantes de Pós Graduação de São Carlos COBRA DE VIDRO: 1977 - Jornal dos Estudantes das Escolas Isoladas São Paulo 1977 - 1978 MÓDULO: 1977 - Publicação do DA de Arquitetura da UFBa ALTERNATIVA: 1977 - Órgãos dos DAs Sócio-Econômico, Bio-Médico e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará. Belém A GREVE DA UnB: 1977 - Boletim Informativo do Diretório Universitário da UnB. Brasília JORNAL DO DU: 1977 - Publicação do Diretório Universitário da UnB. Brasília JORNALECO: 1977 - Órgão de divulgação do DA da Faculdade de Ciências Econômicas (DAECA) da UFRGS. Porto Alegre JORNAL FACE: 1977 - Órgão do DA FACE. Minas Gerais PONTO DE PARTIDA: 1977 - Publicação dos grupos Ponto de Partida da Universidade Federal Fluminense, Novo Curso da UERJ, Marco Zero da UFRJ. Rio de Janeiro PROPOSTA: 1977 - Publicação do Grupo Proposta de Estudantes da PUC - SP O MARGINAL: 1977 - Órgão livre dos estudantes de Direito da PUC - SP RECONSTRUÇÃO E LUTA: 1977 - Jornal de tendência Estudantil, FAFICH. UFMG JORNAL DO CAMECC: 1977 - Publicação do CA de Matemática, Estatística e Ciências da Computação. Unicamp 1977 - 1980

Page 230: UMA AVENTURA POLÍTICA

230

JORNAL DA BIO: 1977 - Publicação do CAB. Biologia UNICAMP 1977 - 1978 REFAZENDO INFORMATIVO: 1977 - Publicação do DCE da USP JORNAL PRÓ DCE UNICAMP 1978 PRANCHETA: 1978 - Publicação do DEA (Arquitetura) da UFBa PONTO DE VISTA: 1978 - Publicação do CABS. Engenharia UNICAMP 1978 - 1980 BEBA: 1978 - Boletim do DCE da UFBa JORNAL BÓIA-FRIA: 1978 - Publicação do DAFEAA. Engenharia de Alimentos e Agrícola. UNICAMP 1978 - 1980 JORNAL PRÓ-DCE: 1978 - Publicação do Conselho de Centros Acadêmicos da UNICAMP JORNAL PRÓ-UEE MG: 1978 BOCA DO TROMBONE: 1978 - Jornal do estudante da Academia. 1978 - 1979 AGORA UNE: 1978 - Publicação da tendência Estudantil Liberdade e Luta. São Paulo. 1978 - 1979 JASC: 1978 - Boletim Informativo da ASC (Associação Secundarista de Campinas) 1978 - 1979 PANO PRÁ MANGA: 1978 - Publicação estudantil das Escolas Isoladas (FGV, Escola Paulista de Medicina, FEI, FAAP). São Paulo ABERTURA: 1978 - Órgão Oficial do DA Paula Souza da FATEC (Faculdade de Tecnologia da UNESP)

Page 231: UMA AVENTURA POLÍTICA

231

NEURÔNIO: 1978 - Jornal estudantil independente da Faculdade Médica de Itajubá. Minas Gerais. JORNAL UMESC: 1978 - Publicação da União Municipal dos Estudantes de São Carlos. 1978 - 1979 NUTRIJORNAL: 1978 - Publicação do DA da Faculdade de Nutrição da UFBa O DÍNAMO: 1978 - Jornal dos Estudantes de Itajubá, DAEFEI da Escola Federal de Engenharia de Itajubá. Minas Gerais. BOCA DO ESTUDANTE: 1978 - Jornal dos DAs e DCE da Universidade Federal do Alagoas. Maceió. 1978 - 1979 A CASSETA POPULAR: 1978 - Jornal estudantil independente da UFRJ. Rio de Janeiro PIZÃO: 1978 - Boletim do DAPP. Engenharia. Unversidade estadual do Mato Grosso. Campo Grande PRESENÇA: 1978 - Jornal do CAAE da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo. 1978 - 1979 EN CENA: 1978 - Publicação da Associação de Grupos de Teatro Estudantil. São Paulo JORNAL GERAL: 1978 - Publicação da Liga Atlética da USP - LAAUSP JORNAL DE RECORTES: 1978 - Publicação do DCE USP GRÃO: 1978 - Periódico do CEUPES. Ciências Sociais USP VIRAGEM: 1978 - Jornal do CEHAT. História - USP VEJA ISTO:

Page 232: UMA AVENTURA POLÍTICA

232

1979 - Publicação do DCE da UFMa. 1978/1979 JORNAL DO CALOURO: 1979 - Publicação do CALC da ECA (Comunicações) USP O ARADO: 1979 - Órgão Oficial do CA Luiz de Queiroz. ESALQ-USP SEM RODEIO: 1979 - Órgãos de divulgação da tendência Estudantil Secundarista Alternativa SEMPRE LIVRE: 1979 - Jornal do CEGE. Geografia - USP CONDUTOR: 1979 - Jornal da Elétrica - USP JORNAL O CAASO: 1979 - Órgão dos Estudantes do Campus USP - São Carlos 12 X 30: 1979 - Jornal dos estudantes de Arquitetura da UFPe SÍNTESE: 1979 - Publicação do CAOC. Medicina - USP BOLETIM ALICERCE: 1979 - Publicação da Tendência Alicerce da USP VOZ UNIVERSITÁRIA: 1979 - Jornal do Diretório Universitário do Amazonas. Manaus 1979 - 1980 HORA DE LUTAR: 1979 - Órgão de Divulgação da União Gaúcha de Estudantes. Porto Alegre CERNE: 1979 - Jornal do CA Carlota Meneghel. Bandeirantes. Paraná VIRA VOLTA: 1979 - Órgão de Divulgação do DCE livre da Universidade Federal do Paraná. Curitiba LIBERDADE:

Page 233: UMA AVENTURA POLÍTICA

233

1979 - Publicação do DA 5 de Abril (DACA). Centro Universitário de Dourados ALERTA: 1979 - òrgão Informativo dos Estudantes de Teófilo Otoni - Pastoral da Juventude de T. Otoni. Minas Gerais O BIOLÓGICO: 1979 - Boletim do DAHERMA. Universidade Estadual do Mato Grosso. Campo Grande ENFRENTE: 1979 - Jornal dos DAs de Ciências Humanas e Letras, Comunicação Social e Administração, Universidade Metodista. São Bernardo do Campo 1979-1982 AÇÃO: 1979 - Jornal do Grupo Ação, concorrente ao DA de Direito da PUC Campinas JORNAL DA UEE REGIONAL CAMPINAS 1979 - Campinas. 1979-1982 BOLETIM DA DIRETORIA DO GFAU 1979 - Grêmio da FAU/USP JORNAL PRÓ UNE: 1979 - Publicação da Comissão Pró-UNE e UEE-SP CADERNO DA ANISTIA: 1979 - Publicação da UEE-SP JORNAL DO CAAL: 1979 - Publicação do CA Adolfo Lutz. Medicina UNICAMP 1979-1980 ATUAÇÃO: 1979 - Jornal independente estudantil secundarista da tendência Liberdade e Luta JORNAL CONSTRUINDO: 1979 - Porta voz do grupo acadêmico Reestruturação, Universidade Católica do Paraná ALMEIDA: 1980 - Publicação do CALC. ECA-USP JORNAL MANIFESTAÇÃO:

Page 234: UMA AVENTURA POLÍTICA

234

1980 - USP. 1980,1981 ATIVO CIRCULANTE: 1980 - Órgão do CA Visconde de Cairu, Faculdade de Economia e Administração da USP MANIFESTO: 1980 - Publicação do DA Iº de Agosto, FACEB. Bauru PESQUISANDO: 1980 - Publicação do DA da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá. 1980, 1981 JORNAL PRÓ-UPE: 1980 - Jornal Pró-União Paranaense dos Estudantes. Curitiba POEIRA: 1980 - Jornal dos estudantes da FUEL. Londrina POR UM BLOCO: 1980 - Jornal do DAST, DA do setôr de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná. Curitiba JORNAL DO DCE: 1980 - Órgão oficial do DCE da PUCC. Campinas JORNALECO: 1980 - Publicação da Regional São Paulo da Secretaria de Comunicações da UNE A BRAGUILHA: 1980 - Jornal independente ligado ao CA de Ciências Sociais da PUC-SP COGUMELO: 1980 - Jornal do CACH. Ciências Humanas/UNICAMP. 1980, 1983 BOLETIM DA COMISSÃO CULTURAL DA UEE-SP: 1980 NOSSA VOZ: 1980 - Jornal da UNE. 1980-1984 JORNAL DA SEUNE: 1980 - Jornal da Secretaria de Engenharia da UNE 2.1.3 Folhetos

Page 235: UMA AVENTURA POLÍTICA

235

Iº Seminário Nacional de Reforma Universitária. Salvador, UEB, imp., 48p, 1961 Resoluções do Conselho da UNE: Encontro sobre Reforma Universitária. Rio de Janeiro, UNE, imp., 44p, 1962 O que é a UNE. Rio de Janeiro, UNE, imp, 28p, 1963 A UNE e a Crise do Estado de Sítio. Rio de Janeiro, UNE, 1963 UNE: Carta Programática. slp, imp, 1965 Congresso da UNE em Belo Horizonte. slp, Notícias da Igreja Universal, xerox, 1968 A UNE em fóco: sua origem, seu possível futuro. Rio de Janeiro, Centro de Informação Universitária, imp, 1964 Caderno do Ensino Pago. São Paulo, Conselho de Centros Acadêmicos da USP, imp, 16p "1º SNE: Contribuição do Grêmio Politécnico", USP, 1973 "IIº Seminário de Engenharia da Região Sul: Documento de Conclusão". Porto Alegre, 1972 "Documento de Síntese das Conclusões do Encontro de DCEs e Das do RS", Porto Alegre, 1973 Carta Programa para o DA do ICEX, Química/UFMG, 1973 Panfleto do CUCA/DCE da UFBa, dezembro de 1973 Calouradas 74: resumo geral das reuniões de 24 e 25/11/73 Jornal Programa 73/74, Eleições DCE UFMG "Carta ao Reitor da UFBa", DAs da UFBa, 26/nov/75 Caderno Jubilamento, UFBa, 1975 477: Plebiscito. CCA-USP, 1975 Carta Programa para o DA do ICEX da UFMG em 1975 Plebiscito sobre o 477", Conselho de Centros Acadêmicos da USP, abril de 1975 "Volante para Discussão do Estatuto", UnB, 15/5/75

Page 236: UMA AVENTURA POLÍTICA

236

"Convocação", Comissão Univ. USP e Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos/Unicamp. SP, março de 76 Jornal de Lutas - especial para Calouros, UFMG, 1976 "Organizar a Luta". DCE livre da USP, maio de 76. Carta programa Caminhando para o DCE USP, 1977 Carta programa Liberdade e Luta para o DCE USP, 1977 "A Reconstrução da União Estadual dos Estudantes de São Paulo", s/a, 1977 Viração debate 3: Teatro - Cultura Popular. Salvador/UFBa, 1977 Carta programa Refazendo para DCE USP, 1977 Carta programa Vento Novo para DCE USP, 1978 Carta programa Caminhando para o DCE livre da USP, 1978 Carta programa Liberdade e Luta para o DCE da USP, 1978 Carta programa Liberdade e Luta para a UEE-SP, 1978 Carta programa Refazendo para o DCE USP, 1978 Carta programa Novo Rumo Socialista para a UEE-SP, 1978 Carta programa Novo Rumo Socialista para o DCE da USP, 1978 "Balanço e Perspectiva para o ME", 1978, s/a Carta programa Sacode a Poeira para o DCE da USP, 1979 "Aos Delegados e Participantes do Congresso de Reconstrução da UNE". salvador, DCE da UFBa, imp. 3p, 1979 "UNE renasce para congregar cerca de 1 milhão e 300 mil. Vitória". São Paulo, CEUPES/USP, 1979 Manifesto "Agora UNE" da Tendência Liberdade e Luta, 1979 Carta programa Liberdade e Luta para o DCE USP, 1979 Carta programa Liberdade e Luta para a UEE-SP, 1979

Page 237: UMA AVENTURA POLÍTICA

237

"Novação para uma UNE de combate", 1979 Relatório da Comissão Nacional Pró-UNE, UFPe, 1979 "Por uma UEE forte e representativa", 1979, s/a "UNE: Relatório da Diretoria Provisória", junho de 1979 "Resoluções da 2º Reunião da Diretoria Provisória da UNE", 1979 "UEE: Contribuição da Diretoria da UEE-SP aos debates sobre a UEE-SP e UNE", 1979 Carta programa Mutirão para a UNE, 1980 Plataforma Chegou a Hora, para a UEE-SP, 1980 "Manifesto" da Tendência Centelha, Belo Horizonte, s/d "Manifesto: pela convocação das comissões de reorganização da UNE e UEEs", s/d, s/a "Relatório da reunião realizada em Belo Horizonte nos dias 5 e 6 de Fevereiro : reorganização Nacional", s/a, s/d Manifesto "Pela convocação das Comissões de reorganização da UNE e UEEs", s/d, s/a Manifesto "Contribuição à discussão: campanha e o encontro nacional por liberdades democráticas", s/d, s/a Carta programa da chapa "Debate e ação" para o DCE da UFPe, s/d "UEE: Em quem votar?" Manifesto das tendências Travessia, Movimento, Resistência e Vento Novo da USP, s/d "Sobre a atuação nas instituições de ensino, mais particularmnete na Universidade", s/d, s/a "Prêsos Políticos do Barro Branco: Carta aberta ao Congresso Nacional", s/d, s/a "Anistia ampla, geral e irrestrita", Comité Brasileiro pela Anistia, secção Campinas, s/d "Uma História do ME 1960-1964", datilografado, s/d, s/autor. AEL/Unicamp "Sobre o método e estilo de trabalho nas atividades do movimento estudantil", datilografado, Walter Dantas, Vice-Presidente da UNE-NE, s/d Cartilha do DCE UFMG, 1980

Page 238: UMA AVENTURA POLÍTICA

238

2. 3 REGISTROS ORAIS (relativos à década de 70) Entrevistas/gravações promovidas pelo Projeto "Fontes para a História do Movimento Estudantil Brasileiro"(coord: Mirza Pellicciotta): Rui César Costa Silva Valdélio Santo Silva Marcos Kaloy "Batata" Entrevistas recolhidas pelo Projeto "História Institucional X História Invisível" (Prof. resp. Kazumi Munakata): Vera Paiva Geraldo Siqueira Koji e Carmen Celso (Careca) Entrevistas recolhidas por Mirza Pellicciotta e Ângelo Pessoa: Berthônio Job e Meira Severino Dutra de Medeiros Carlos Alberto Dantas Bezerra 3. APÊNDICES Apêndice A : gráficos acêrca da Reforma Universitária - revista Ciência Hoje Apêndice B : documentação das AESI (incluindo quadro "O Aparato Repressivo") - coletânea AESI UFPb e Guarda do Campus/UnB Apêndice C: Dossiês temáticos (Boletim DEA nº4 73 - caras) 1. Qualidade do Ensino (charges do Mobral, UFRGS, 74) Comissões paritárias - doc. sem título, de 27/8/68, USP Conjunto, 72 "72: Balanços e Perspectivas" + pg de comentários sobre a reforma Jornal do DAFA, UFRGS, 73: "Bienal de Arquitetura" (Iº e IIº ENEA) 1º SNE Contribuição do Grêmio.. manifesto da última página A Palavra, Direito, UFBa, 73 : "Nós estamos em crise" tísica nº 4 "Educação IV"

Page 239: UMA AVENTURA POLÍTICA

239

Tísica nº5 "Educação V" + "O dia a dia do RU" Tísica nº7 "ECEM" (painel) Tísica maio/75 nº3: "ECEM- ABUPE informam" Gol a Gol nº21, 76: "ICB no campus" + "medicina: e a prática?" 2. Cortes de verbas (Comissão de Finanças DAs/DCE/CUCA, set 75) Editorial e fragmentos do jornal Reflexo UFBa, 72 (ref 45) Reflexo, Psico, UFBa, 74: "Notas" + Carta denuncia falta de verbas Jornaleco, econ UFBa, 75: "Assistência..Assistência?" Gol a Gol nº21, 76: "ônibus" Beba 78 "Greves, passeatas e congresso estudantil" + CPI sobre o ensino superior + charge + "E a luta continua" + "Apoio" 3. Currículo (charge de Millôr: a aula inaugural" Jornal do DAFA 73UFRGS) Gol a GOl nº 13, 74 "Currículo: os rumos da reformulação" + "Quase um ano foi gaso ns discussões em sala de aula" + ""Em debate o ensino de engenharia civil" 4. Vagas e Mercado de Trabalho (A Droga, Farmácia, UFBa, 77: cartum) Boletim DEA set 72 UFBa - "Matrículas" + grafites Beba nº27 74: edição matrícula Gol a Gol nº21, 76 especial para os vestibulandos (história em quadrinho) + "Excedentes internos" + "aprovação em massa" Prancheta DEA 76 UFBa: "mercado profissional" Cartilha do DCE UFMG, 1980 "Empregos..e se não tiver?" 5. jubilamento (Boletim informativo dos estudantes de economia, UFBa, 75) Diretórios Acadêmicos da UFBa, 1973 - 1º pág. + "ciclo básico" + "Ditos e Gritos" + "O ensino vendido" + "2ª época..e agora?" Gol a Gol nº20, dez 75: cronologia dos acontecimentos de 75 6. Burocratização e Controle acadêmico (Policampus, abril 73, USP: charge ligada a "censura e gastronomia! + hist em quadrihos + grafites no Boletim DEA set 72 UFBa) Boletim Informtivo do CEUPES (centralização poder) Gol a Gol nº5 especial, 73: "Todo poder ao reitor" + "mais realistas que o Rei" Policampus, abril 73, USP "Editorial" + O diretor não gostou. E suspendeu os estudantes" Gol a Gol nº 10, 74: "Sem os estudantes" Gol a Gol nº19, 11/75 - "FAFICH: Kafka é fichinha" + "A greve na UCMG" Tísica nº9 "recebemos o 'jornal do calouro' 477: Plebiscito, 75 CCA-USP relatório da Assessoria para assuntos estudantis da UFPb de 1979- "A UFPb convive com a greve"

Page 240: UMA AVENTURA POLÍTICA

240

7. Participação política (Ciso, UFBa, 1974 nº5: charge sobre o DA) O Pícaro : "Nós somos o DA" + De cara com a Universidade + O que é o Colegiado? + Cumé que fica? Boletim 2 DEA, 72 "Eleições" + "leia" + "Diretórios + DCE" Eleições DCE e representantes no conselho universitário , ou 72, UFBa - plataforma unificada de trabalho do DCE Patata, 72 UFBa: "des..união" Navegar é preciso - FAFICH/ UFMG 1974 "Como o estudante participa" Carta programa chapa CISO, UFBa, 74 Jornaleco, econ UFBa, 75: "De como se politisa a burocracia" Gol a Gol nº16, set 75 - "O movimento na Universidade" + "Direito: O fantasma faz a ronda" + "carta ao movimento: contribuição a um debate" Tísica nº8: "Solidariedade Estudantil" Boletim informativo dos estudantes de economia, UFBa, 75 "E o Conselho?" Gol a Gol 23 mar 76 "Recife: Boas novas" Jornal de Lutas - especial para calouros UFMG, 76: "Um processo histórico" Jornal do CACH, Unicamp, set 76 : "Encontro nacional: a caminho da atuação unificada" Jornal do DCE livre, ag, 77, unicamp "Editorial Jornal do DCE livre Unicamp, 77 Boletim nº3 DAMED 77/78, DA med UFBa, 77 - relato de assembléia Jornal Pró DCE Unicamp, 78 8. Cultura e política (hippies do CUCA, agosto de 72) Boletim 2 DEA, 72 texto sem título sobre o CUCA + programação de 71 Opinião CA Pirajá da Silva, 1972 : entrevista com Gil Editorial do Ciso, UFBa, 72 e "Da programação do DA de Ciências Sociais" Conjunto, UFBa, 73: "Cultura" Reflexo, 73 "Agonia da Cultura Brasileira" Jornal do DAFA 73, UFRGS - "teatro Aqui" InformArte - "recado ao leitor: nada de novo na aldeia"+ "a necessidade de escrever algo" + "externismo da cultura" (cinema) + "Roger Planchon, por que? Teatro popular - idealismo? Jornaleco, DA Economia, UFBa, 74 "Teatro: a dura realidade ou as contradições que encerra" Calouradas 74: resumo geral das reuniões "Frufru mané" Tísica nº8: "A arte de dinarte" + poesia "por enquanto" Tísica nº9: "Política e politica" + "Um serviço de utilidade pública... Gol a Gol nº20 - "Censura 3 depoimentos" + "Crise da Cultura" Beba, DCE 19/2/75 - "cadê o mimeógrafo?" Gol a Gol nº23 76 "Cineclube versus Kung FU, Pornochanchada e censura" + "A última sessão de cinema" Jornal Construção, UnB, 76 - "Expo Arte" Prancheta DEA, maio 76: "Sobe o pano" Pres...ença, DAJF, PUCRGS, gestão 76/77: "Piquenique no front" Avesso: "mostrem seus desejos de realidade"

Page 241: UMA AVENTURA POLÍTICA

241

Apêndice D: Dossiê Greve da UFBa de 1975 1.Beba DCE UFBa, 19/2/75 especial "editorial" + "jubilamento" 2.Nutrijornal 1975 UFBa "Reitoria da UFBa fechada ao diálogo:só repressão 3.Unidade: Unica posição - Psicologia UFba, 1975: história em quadrinho sobre a greve + avaliação dos acontecimentos 4."Caderno Jubilamento UFBa, 75 : "O que pode causar o jubilamento ou em que condições o ensino é ministrado na UFBa" 5. Tísica: nº10 "Posfácio" 6.Tísica nº13 "Balanço do ano" 7.Carta ao Reitor da UFBa, dos DAs da UFBa, 26/NOV/75 8.Prancheta DEA 76 UFBa: avaliação do período 75/76 AB'Sáber, Aziz Nacib. Universidade de São Paulo: raízes, mudanças, sobrevivência (1934-1984)

Page 242: UMA AVENTURA POLÍTICA

242