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Literatura Portuguesa: Poética

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Trovadorismo

Material Teórico

Responsável pelo Conteúdo:Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha

Revisão Textual:Profa. Ms. Silvia Augusta Barros Albert

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• O Trovadorismo (1198?-1418)

• Tipos de Cantigas Trovadorescas

Para que você possa apreender de modo adequado o conteúdo dessa disciplina, é muito importante realizar o seguinte percurso:

a. Leitura da contextualização;

b. Leitura do material teórico (esta leitura deve ser feita várias vezes destacando-se os principais conceitos ou as definições contidas no texto, bem como procurando compreendê-las por meio dos exemplos);

c. Realização da atividade de sistematização;

d. Realização da atividade de aprofundamento;

e. Consulta ao material complementar fornecido e/ou visita aos sites sugeridos;

f. Leitura da bibliografia da unidade, especialmente a que se encontra na biblioteca virtual da universidade; e

g. Contato com o professor tutor para esclarecer dúvidas ou mesmo expor suas ideias a respeito do assunto.

Nesta unidade, estudaremos o primeiro período da literatura portuguesa, o Trovadorismo. Veremos alguns aspectos do contexto histórico e cultural da época enfatizando, entre outras coisas, como as estruturas sociais se refletem na produção artística.

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Contextualização

A literatura portuguesa é quase tão antiga quanto Portugal. O primeiro período literário dessa cultura, o Trovadorismo, compreende os séculos XII a XV, e ocorre aproximadamente entre 1198 e 1412. A primeira manifestação, a Cantiga da Ribeirinha, é um texto poético o que talvez já prenuncie em certo sentido a vocação lírica dos lusitanos.

Devemos estudar e compreender esse período literário em relação ao contexto histórico e social da região e às especificidades que adquiriu em terras portuguesas a importação do fenômeno trovadoresco que floresceu em praticamente toda a Europa. Devemos, ainda, considerar o reflexo dessa poesia até os dias de hoje. Muito dos temas e procedimentos persistem hoje em dia: a visão da mulher idealizada, a simbiose entre sujeito e natureza, a sátira aos costumes, o aspecto ritualístico e lúdico dessa forma de arte, entre outros. Por isso, frequentemente, ao se estudar a literatura posterior, recorremos a conceitos da lírica trovadoresca.

Vamos conhecer mais sobre esse importante período literário, o trovadorismo?

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O Trovadorismo (1198?-1418)

A data de 1198 refere-se à provável datação do primeiro documento escrito da literatura portuguesa de que se tem notícia, a Cantiga da Ribeirinha. Didaticamente, esse documento, que alguns presumem ser de 1198, marca o início do Trovadorismo.

O Trovadorismo foi a época do florescimento das cantigas, poemas feitos para serem cantados ao som da flauta, da viola, do alaúde e de outros instrumentos. O termo é derivado de trouver (no norte da França, o poeta era designado trouvère, do radical trouver, achar). Daí, podemos inferir que os poetas deveriam ser capazes de compor, achar sua canção ou poema, para exprimir os sentimentos.

Para compreender a poesia trovadoresca, é necessário entender as condições sociais do período. Por isso, é fundamental que você leia atentamente o texto a seguir, que trata das condições de vida em Portugal durante a Idade Média.

A Vida de Portugal na Idade Média e a Organização Social do Período

É muito difícil estudarmos textos sem nos preocuparmos com os contextos em que eles foram produzidos. O que chamamos de condições de produção e recepção nos fornecem dados valiosos para entendermos o significado das obras literárias. É claro que as condições de recepção são atualizadas ao longo do tempo. Isso nos leva a pensar que as obras a que temos acesso hoje, adquirem um novo sentido a cada leitura, reatualizam-se de acordo com nossa visão do mundo. De qualquer modo, compreender o sistema de vida do homem medieval é condição indispensável para compreendermos as cantigas trovadorescas.

Tradicionalmente, as classes sociais na Idade Média dividiam-se em três: clero, nobreza e povo. Segundo José Hermano Saraiva, em sua História concisa de Portugal, pode-se usar a divisão em imunes, vilãos e semisservos.

Os imunes eram as classes privilegiadas por excelência (clero e nobreza). A imunidade consistia em que nenhuma parte do rendimento de seus bens revertia para a coroa: os proprietários de terras tinham direito a uma parte do rendimento. Essas terras, isentas de pagamentos em virtude da qualidade dos proprietários, chamavam-se coutos e honras.

O Clero era a única classe, entre a população cristã, que tinha cultura literária. Tinha organização, direito e hierarquia próprias, pois a igreja representava Deus na terra e Deus, o poder religioso, estava acima do poder civil, exercido pelo monarca. O Papado era investido do poder religioso e o Império do poder civil. D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, aliou-se à igreja, na figura do arcebispo de Braga, para garantir a independência de Portugal.

Alguns homens e mulheres adotavam uma vida exclusivamente de oração e de trabalho a serviço de Deus. Existiam muitas ordens religiosas e nelas, em geral, o dia devia ser gasto em oração, trabalho árduo e estudo. Os monges viviam juntos numa casa, chamada mosteiro e chegavam a prestar serviços à comunidade vizinha: organizavam bibliotecas, construíam escolas, hospitais e hospedarias para os viajantes.

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Teoricamente, ao clero estavam interditas ocupações mundanas que o afastassem dos deveres para com Deus. Na prática, o alto clero aderia aos divertimentos da nobreza e o baixo clero participava dos do povo. Havia formas de distração tipicamente eclesiásticas, como os mistérios religiosos e o canto de igreja, nos quais os fiéis tomavam também parte ativa.

A Nobreza constituía um grupo social possuidor de grandes domínios e que se dedicava essencialmente à defesa. Era uma casta definida pelo nascimento. Via de regra, só o filho do nobre era nobre, embora tenha havido casos em que os reis fizeram nobres.

A função da nobreza consistiam em exercícios militares com a finalidade de se acostumarem às armas e serem capazes de defender o território. Havia graus na nobreza: os ricos-homens eram grandes nobres que exerciam influências sobre regiões mais ou menos extensas; os infanções eram considerados de alta estirpe, de boa filiação; os cavaleiros eram homens nascidos na nobreza, mas muitas vezes sem fortuna, que não tinham mais que o cavalo e o corpo para ir à guerra. O ponto em comum entre os nobres é que eles não trabalhavam, viviam na posse da terra com a sua criação, aqueles que habitavam a propriedade.

Quando Portugal nasceu, século XII, já surgiam dificuldades entre a nobreza, pois a terra dividia-se e tornava-se menor de geração a geração por causa das sucessões. A criação, leia-se os trabalhadores, fugia para terras mais livres, a vida aumentava de custo, os nobres necessitavam cada vez mais de coisas que a terra não produzia. O trabalho dos homens livres encontrava-se na base da produção e era preciso ser pago. O nobre, que se considerava com direito natural sobre o vilão, entenda-se o camponês, odiava-o profundamente por ter de pagá-lo. Houve uma luta de classes que durou séculos.

A função do povo era de lavrar a terra, cuidar dos animais, ajudar na batalha e sustentar a nobreza e o clero, pagando os impostos. Executava o que se chamava corveia, trabalho gratuito prestado ao senhor durante um número de dias. O termo vilão designava o habitante de vila ou casa de campo. O vilão tinha como característica o fato de ter de trabalhar para viver. Contudo, o vilão era livre, podia trabalhar onde quisesse, e nesse ponto eram superiores aos semisservos. Havia no campo os vilãos ricos e os vilãos pobres. Havia também os vilãos da cidade, chamados cidadãos, que também podiam ser ricos. Havia os chamados burgueses, ou pobres, a chamada gente miúda.

Em função dos rendimentos, os vilãos podiam ser classificados como cavaleiros ou peões. Os cavaleiros vilãos eram homens da classe do povo, que podiam comprar e manter um cavalo e armas para entrarem na guerra, ao lado dos nobres, mas apenas mandavam nos peões que serviam a pé. Eles eram, provavelmente, descendentes dos que tinham chegado primeiro, enriquecido e se apoderado da administração dos municípios e impunham seu poder aos miúdos, que descendiam dos que tinham chegado depois.

Os semisservos eram descendentes dos que estavam nas terras na época da reconquista delas pelos cristãos e ali permaneceram, pois os árabes haviam invadido a Península Ibérica no século VIII. O nobre que tomava a terra, ou a quem o rei dava, ficava senhor dela e da criação, as pessoas que ali estavam. Os semisservos garantiam a produção da terra. Não podiam ser vendidos, mas faziam parte da propriedade, que valia pouco sem eles.

Essa classe social encontra-se nos séculos XII e XIII em rápida evolução e conta com leis que os apoiam caso queiram mudar de casal, propriedade que correspondia à quantidade de terra que um homem podia cultivar durante um ano. Há uma lei de 1211 que garante o direito dos semisservos de trabalharem onde quiserem e, caso os nobres os impedissem, podiam ser

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multados. Os semisservos que abandonavam as propriedades e migravam para o vale da Beira cultivar uma gleba, área de terra sem cultivo, passavam a ser vizinhos, ou seja, transformavam-se em vilões.

Os escravos não eram uma classe, mas uma condição. Geralmente, eram mouros capturados na guerra. Havia expedições por terras de mouros para capturar escravos que trabalhavam no lugar de homens livres que abandonavam as propriedades.

As Hipóteses Do Surgimento da Lírica Trovadoresca

A poesia trovadoresca também é chamada de Occitânica, por ter tido origem no sul da França, onde se falava a língua românica d’oc, da região francesa do Languedoc. Contudo, à influência francesa sobre a poesia trovadoresca, misturam-se contribuições folclóricas da Península Ibérica.

A origem dessa poesia ainda não está suficientemente esclarecida. Há quatro teses para explicá-la, contudo nenhuma é aceita integralmente:

a. Tese Arábica: considera a cultura arábica como raiz;

b. Tese Folclórica: julga que tenha sido criada pelo povo;

c. Tese Médio Latinista: essa poesia teria origem na literatura latina produzida durante a Idade Média;

d. Tese Litúrgica: considera essa poesia como fruto da poesia litúrgico-cristã elaborada na época.

O fato é que houve notável florescimento desse tipo de literatura na Península Ibérica. Contudo, a língua utilizada para a confecção das cantigas foi o galego-português, por causa de unidade linguística entre Portugal e a Galiza.

Mapa da formação de Portugal na Idade Média, durante a Reconquista Cristã, período em que os cristãos retomaram a Península que havia sido invadida pelos Árabes no século VIII.

Fonte: http://geohistoriaarquitectopedrogumiel.blogspot.com.br/2012_02_01_archive.html, acessado em 27/12/2013.

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A poesia importada de Provença mistura-se à poesia popular produzida na Península e nasce daí a poesia palaciana, que vigorará até a morte de D. Dinis, 1340, aproximadamente. Depois, ela vai desaparecer para voltar nos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel quando será reunida no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em 1516.

Galego Português: Língua românica que era falada a Noroeste da Península Ibérica [atuais regiões: Galiza (Espanha), Minho e Trás-os-Montes (Portugal) ] e cujas fronteiras, a leste, eram o leonês e o castelhano e, ao sul, abaixo do rio Minho, os dialetos moçárabes que ali se desenvolviam. Os moçárabes eram os cristãos que viviam nas terras da Península Ibérica ocupadas pelos árabes. Sua língua era um grupo de dialetos românicos falados na região meridional da Península Ibérica.

Península Ibérica entre 1270-1492 – Ver região da Galiza (Galícia) ao Norte de PortugalFonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/galerias/imagem, acessado em 27/12/2013.

Na primeira fase, vamos encontrar a poesia trovadoresca dividida em dois grupos ou gêneros: a poesia lírico-amorosa e a satírica. No primeiro grupo, vamos encontrar as cantigas de amor e de amigo; no segundo grupo, as de escárnio (mais indireta e irônica) e maldizer (mais agressiva e abertamente sarcástica).

Escárnio: Aquilo que é dito ou feito para caçoar de alguém ou de alguma coisa; caçoada; troça; zombaria.

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Antes de estudar os diferentes tipos de cantigas, é conveniente esclarecer alguns termos específicos e bastante utilizados nesse período literário:

• Trovador: era o compositor, e não o executante da cantiga, dada a sua categoria social mais elevada. Ele era social e intelectualmente superior ao jogral (ver definição a seguir), pois compunha não só a letra poética, mas também a melodia. Não é ainda o poeta, que só vai aparecer no século XV, quando a poesia começa a se dissociar da música e as duas artes tornam-se autônomas. O poeta surgirá a partir do Cancioneiro Geral (1516).

• Segrel: Trovador profissional, não eclesiástico (referente ou pertencente à Igreja ou a seus sacerdotes), que ia de corte em corte a cavalo, acompanhado de seu jogral. Parece que a distinção entre o segrel e o jogral era que o primeiro era da classe dos cavaleiros vilãos (cavaleiros vilãos eram os que moravam na vila, ou seja, fora do castelo), e o jogral recrutado entre os peões (peões eram os que andavam a pé, não tinham cavalo e por isso eram o oposto aos cavaleiros). O segrel seria uma classe intermediária entre o jogral e o trovador e devia saber cantar, não só as canções alheias, mas também as de sua própria autoria. Distingue-se do trovador porque recebe pagamento pelo ofício, e do jogral porque é fidalgo e compõe profissionalmente, não acidentalmente como os jograis. Parece ser uma figura exclusiva do lirismo luso-galego, pois não foi encontrada nenhuma alusão a essa classe nos textos castelhanos e provençais.

• Jogral: aqueles que ganhavam a vida atuando perante um público para diverti-lo com a música, ou com a literatura, ou com jogos de mão, de acrobatismo, de mímica, etc. Embora social e intelectualmente inferior ao trovador, o jogral podia subir para a categoria de trovador e vice-versa. Às vezes, o jogral podia ter suas próprias composições, mas geralmente recorria ao trovador para que este lhe desse uma canção para ganhar a vida. Os jograis que tentavam mudar de classe social eram duramente criticados pelos trovadores. A partir da segunda metade do século XIV, a jogralia palaciana começa a decair e o jogral, que abandonava agora o ofício poético da execução e da composição, deriva para a simples condição de músico ou de bobo da corte (espécie de palhaço que divertia a nobreza).

Essas categorias nos levam a concluir que as rígidas estruturas sociais da Idade Média projetavam-se também no universo das artes, conforme veremos na análise dos textos.

Com relação às composições, devem-se conhecer os seguintes termos:

Palavra Como era Chamado cada Verso da Cantiga

Palavra perdudaVerso sem rima, que não se articula pela rima com nenhum outro verso da estrofe (cobra)

Cobra (ou cobla)

É como era chamada a estrofe. Havia as cobras uníssonas, composições que apresentam a mesma rima em todas as estrofes; cobras dobras, se as rimas são as mesmas a cada grupo de duas estrofes; cobras singulares, quando as rimas se renovam de estrofe para estrofe.

Cantiga de maestriaCantiga sem refrão, feita com maestria, ou seja, com arte. A estrutura mais frequente é a de sete versos por cobra

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Cantiga de refrão

Cantigas que usam o refrão, ou seja, um fragmento poético no corpo da composição ao qual regressa constantemente o coro ou o solista, entre a execução de uma estrofe e outra. As cantigas de refrão geralmente eram compostas em cobras de quatro versos

Leixa-prenProcesso métrico que consiste na subordinação de uma estrofe à anterior, ou simplesmente repetindo no início de uma estrofe uma palavra ou expressões da estrofe antecedente até o fim da cantiga

FiindaÉ uma estrofe de menor extensão no fim do poema, de que lança mão o trovador para rematar o conteúdo da composição. O número de versos da fiinda varia de um para três

AtafindaO final de um verso liga-se diretamente ao seguinte, sem qualquer interrupção de sentido ou ritmo. Modernamente, recebe o nome de encadeamento ou enjambement

Cancionei-ros

Coletâneas de cantigas que chegaram até nossos dias. Os principais são:Cancioneiro da ajuda, CA: reinado de Afonso III (1245-1279), possui 310 cantigas de amor;Cancioneiro da biblioteca nacional, CBN: cópia italiana do século XVI - 1647 cantigas de Afonso III e D Dinis I (1269-1325).Cancioneiro da vaticana, CV: século XVI, 1205 cantigas de escárnio e maldizer, de amor e de amigo.

Agora sim, mais preparados, podemos conhecer os tipos de cantigas trovadorescas. Vamos lá?

Tipos de Cantigas Trovadorescas

Cantigas de AmorAs cantigas de amor eram inspiradas nas poesias provençais. Provença, como vimos

anteriormente, é uma região que fica ao sul da França. O homem expressa o seu amor pela (o) “senhor” (substantivo invariável para os dois gêneros), de acordo com o código do amor cortês da poesia provençal. Esse código era denominado também “fin’amors”. Segundo Spina, esse tipo de serviço amoroso.

...correspondeu à necessidade da pequena nobreza de encontrar uma justificativa para suas pretensões de convivência com a alta nobreza e de expectativa de recompensa, que já não podia basear-se, como antes, exclusivamente nos proventos advindos da ação militar. O novo código amoroso tem como objetivo demonstrar que a nobreza pode estar no valor moral e espiritual do indivíduo, e não mais apenas no sangue e no valor militar (SPINA, 1991, p. XX).

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No caso da França, que é de onde se originaram as cantigas de amor portuguesas, o amor cortês torna-se uma espécie de religião do trovador, consiste em um culto à mulher que prevê um ritual complexo, tornou-se um serviço. Os amantes comportam-se diante do amor como um vassalo diante de seu senhor. O serviço do amor era equivalente ao serviço da cavalaria, numa clara transposição do esquema social criado pelo feudalismo. Os amantes devem cumprir os menores caprichos da pessoa amada, pois ser amoroso é comprometer-se por um juramento, como um cavaleiro. A agente da vassalagem amorosa era a mulher casada, pois a mulher solteira não gozava, no sul da França, de significação social. O amor reveste-se de um caráter adulterino até certo ponto difícil de compreender se não levarmos em conta que no sul da França não havia a rigidez do norte. Também se pode considerar a heresia dos albigenses, ou cátaros, como base desse lirismo.

Albigense – Indivíduo da comunidade dos albigenses, membros de uma facção da seita dos cátaros, que professavam a doutrina maniqueísta (que só concebe o bem ou o mal em termos absolutos) pregavam a austeridade e a não-violência, tendo surgido no sul da França no séc. XI, e tendo sido exterminados no séc. XIII.

O ritual possuía modelos que deviam ser seguidos cuidadosamente, Segundo Spina(1991):

a) A vassalagem paciente e humilde comporta quatro estágios:

1. Suspirante (fenhedor) - o trovador, neste primeiro grau da vassalagem, é tímido, é ainda aspirante, não tem coragem de se declarar e se consome em suspiros.

2. Suplicante, precador - o trovador deixa de ser o fenhedor, pois já ousa relatar à dama as suas penas amorosas. Chama-se suplicante porque o trovador já tem coragem de pedir favores à dama.

3. Namorado ou amigo - também chamado de entendedor, o trovador considera-se namorado ou amigo (amante) da dama.

4. Amante ou drudo - Como amante, o trovador considera-se com direito ao galardão, à recompensa que conquistou com o doloroso noviciado. O drut era um dom que indicava que a dona aceitava e correspondia às homenagens do trovador, aceitando-o como seu vassalo, recebia o seu juramento de fidelidade e, como graça, lhe concedia um beijo, um anel ou outro qualquer objeto, como penhor de aliança.

b) A dama é o supremo bem a que aspira o trovador.

c) O amor cortês tem um conjunto de virtudes que é composto pela paciência, fidelidade, esperança, honra e, o mais importante, a discrição.

d) Discrição: isto ocorre pelo fato de a dama ser casada, o que determina a utilização do senhal, pseudônimo poético da mulher, com que se ocultava o nome da dona. Os pseudônimos são em geral do gênero masculino: bel-senhor, mia senhor... Isto determina também a pobreza descritiva da mulher que aparece na poesia trovadoresca, ou seja, um retrato vago da mulher, que é sempre a mais bela, por quem o trovador despreza títulos e bens materiais.

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Para PensarÉ importante perceber que na poesia trovadoresca de Portugal esses estágios sofrerão

modificações. Talvez em função da maior rigidez social, as poesias de amor irão apresentar apenas a figura do fenhedor e do precador. Já a figura do namorado ou amigo, irá aparecer na cantiga de amigo, mas o sujeito lírico será feminino, como veremos. A condição de amante ou drudo só irá aparecer nas cantigas de escárnio ou maldizer, mas aí em um contexto totalmente diferente daquele que instaurou a vassalagem.

Enfim, o amor cortês, baseado na paciência do homem e na impassibilidade da mulher, valoriza os olhos que, juntamente com o coração, constitui um dos temas importantes da poesia trovadoresca. O amor é um fator de aperfeiçoamento literário e moral do trovador, e sua posse, ao final da vassalagem amorosa, constitui a joy, alegria suprema.

Esse tipo de código será, portanto, utilizado – com certas modificações já apontadas – na poesia galego-portuguesa, que irá compor uma poesia em que o amor assume características mais cerebrais do que emocionais, sendo essencialmente mundano e convencional, um amor platônico, idealizado, no qual o sensualismo pulsa latente nas camadas subterrâneas da inspiração do trovador.

Cantigas de Amigo

As cantigas de amigo são escritas por homens, mas o sujeito lírico é feminino: são mulheres frequentemente das camadas populares, que se dirigem ao seu amigo ou a sua mãe, irmã, amigas, ou a algum elemento da natureza. São obras dos mesmos poetas das canções de amor e, portanto, o “eu lírico” feminino é fingimento poético.

Esse tipo de cantiga aproxima-se da poesia folclórica. Nas cantigas em que a amiga se dirige à natureza, os elementos são apresentados de forma simbólica. A expressão pungente da ausência do amado e o contato com a natureza emprestam a essas composições uma emotividade mais intensa do que aquela que se observa na cantiga de amor, pois embora ambas sejam produtos de convenções, nota-se que nestas o caráter telúrico do sujeito, ou seja, a ligação dele com a terra, bem como o eco da saudade apresentam-se de forma mais intensa.

Talvez o efeito de maior intensidade emotiva das cantigas de amigo venha, ainda, do fato de esse tipo de composição ser mais realista do que a canção de amor, que é mais idealista. Nesse caso, a cantiga de amigo parece traduzir um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher e um sentimento egoísta por parte do homem.

Com relação à posição da mulher nos diferentes gêneros, cantigas de amor e de amigo, o trovador parece viver uma dualidade amorosa: em espírito dirige-se à dama aristocrática; com os sentidos dirige-se à camponesa ou à pastora.

O cantar de amigo galego-português pode ser dividido, ainda, pela temática:

a) cantar de amigo exclusivamente amoroso: a donzela narra a separação do namorado e as circunstâncias acessórias dessa partida;

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b) cantar de romaria: a donzela convida companheiras, a mãe ou a irmã para romarias a locais sagrados;

c) alba ou alva: o tema típico é a separação dos amantes ao amanhecer, depois de um relacionamento amoroso durante a noite;

d) pastorela: narra encontros entre cavaleiros e pastoras que são por eles galanteadas e pretendidas para o amor;

e) bailadas: traduzem manifestações coreográficas das populações primitivas, versando sobre os temas da dança e das circunstâncias sentimentais que ela pode suscitar;

f) marinhas ou barcarolas: temas de amor envolvidos por sugestões e circunstâncias da vida no mar.

Cantigas de Escárnio e Maldizer

São cantigas satíricas (picantes, maliciosas) que expressam o modo de vida dos ambientes dissolutos (ambientes libertinos, licenciosos) e documentam a vida boêmia do ambiente trovadoresco. A linguagem admite expressões licenciosas e chulas (de baixo calão, palavrões) e documenta os meios populares daquele tempo, quando havia os jograis de má vida e o acompanhamento de soldadeiras (mulheres a soldo, prostitutas) que são retratadas. Desse mundo marginal participam muitos fidalgos e até reis.

A linguagem não apresenta eufemismos e há referências explícitas à anatomia e às relações sexuais, o que quebra as regras do amor cortês ou do serviço amoroso. A prostituta que se sobressai é Maria Balteira, amante de jograis, fidalgos. Há muitas referências a alcoolismo, doenças venéreas e homossexualismo.

A canção de escárnio é aquela em que a sátira se constrói indiretamente, por meio de ironia e sarcasmo, usando palavras encobertas, de duplo sentido. A de maldizer é aquela em que a sátira é feita abertamente, com agressividade, sem palavras de duplo entendimento, contudo, essa fronteira não é muito rígida.

Todos os conceitos que vimos até agora têm por objetivo respaldar nossas análises literárias de textos dessa época. Vamos ver algumas delas a seguir?

Alguns Estudos de Textos

Vamos agora a um estudo do texto considerado inaugural da Literatura Portuguesa, a chamada Cantiga da Ribeirinha. Faremos, em primeiro lugar, uma descrição formal que, se não elucida o sentido do texto, serve para mostrar como as técnicas de produção poética encontravam-se avançadas. Você poderá observar, também, que esta cantiga escapa a uma classificação rígida, o que significa que o importante é proceder a uma leitura em que se procure entender o sentido do texto, e não apenas enquadrá-lo em determinados parâmetros. Também é importante perceber que o fato de ele não se enquadrar em nenhum dos gêneros produz um efeito de sentido, a saber: sua ligação mais forte com o trovadorismo praticado na região provençal, em que havia a figura do amante ou drudo.

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A Cantiga da Ribeirinha

No mundo non me sei parelha amentre me for como me vay, bca ja moiro por vos e ay! bMia senhor branca e vermelha, aqueredes que vos retraya cquando vus eu vi en saya. cMao dia me levantey d que vus enton non vi fea! e E, mia señor, des aquel di’ay! bme foy a mi muyn mal fE vus, filla de don Paay bMoniz, e ben vus semelha ad’aver eu por vos guarvaya, cpois eu, mia senhor, d’alfaya cnunca de vos ouve nen ei g valia d’ûa correa. e

Atafinda: final de uma palavra(verso) ligada diretamente a outra sem inter-rupção de ritmo ou de sentido.

Palavra Perduda: palavra sem rima

Palavra Perduda: palavra sem rima

Esta cantiga é de Paio Soares Taveirós. A biografia do poeta pode ser encontrada em http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=116 (acesso em 14/9/2013).

Formalmente, o texto é uma cantiga de maestria em cobras singulares (pois o esquema de rimas não se repete). Temos duas cobras com oito palavras cada. Trata-se de uma cantiga que possui atafinda e palavra perduda. A classificação é incerta, pois, por um lado, não se trata de uma cantiga de amor, uma vez que viola certas regras de vassalagem, como a de não revelar a identidade da dama, por exemplo. O trovador cita o nome do pai da Ribeirinha: Don Paay Moniz. Por outro lado, podemos aproximá-la daquele quarto estágio da lírica trovadoresca provençal, em que o trovador se considerava amante ou drudo e merecedor de um dom por parte da dama, o qual reclama não ter recebido.

Quanto ao sentido, é possível parafrasear o texto, preenchendo certas lacunas, do seguinte modo: Não há no mundo homem tão infeliz como eu, enquanto as coisas estiverem como estão agora, pois morro por sua causa. E você, senhora branca e rosada, quer que a represente como estava quando a vi sem manto e percebi que seu corpo era bem feito. Infeliz foi tal dia [quando viu a mulher em trajes íntimos], pois a vi tão formosa! Desde então, muito mal me aconteceu, mas você, filha de D. Paay Moniz, acha certo que eu lhe ofereça uma guarvaia (um traje precioso), quando de você nunca recebi coisa que valha sequer uma correia.

As palavras ou versos finais da cantiga podem ser entendidos da seguinte forma: “minha senhora, quereis que vos represente sob o arminho e a púrpura quando vos vi em traje caseiro” ou “achais natural que eu tenha para vós um suntuoso manto real, eu que, como prova de afeição, nunca de vós tive nem tenho a valia de uma correia”.

Em suma, já que a dama quer que o poeta a represente vestida de uma guarvaia, traje luxuoso da corte, assim o trovador faria, se ela o recompensasse devidamente. Contudo, diante do desprezo que ela demonstra por ele, o sujeito faz questão de lembrar as origens modestas da mulher, que estão em contraste com a atual prosperidade.

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Há dúvidas sobre a autoria desta cantiga, considerada o primeiro texto da literatura portuguesa, simultaneamente de amor e de escárnio. Não se sabe se o autor é Pai Soares ou Martim Soares. Teria sido feita para D. Maria Pais Ribeiro, a ribeirinha, mulher favorita de D. Sancho I.

Na hipótese de Massaud Moisés, o trovador, teria sido beneficiado com os favores da dama, e agora sofre por despeito, quem sabe resultante de desprezá-lo agora, visto ter sido promovida à categoria de favorita do rei, cortesã,e com isso, era merecedora do manto da corte. Ressentido, ele revolta-se contra a circunstância de ela querer a “guarvaia” por vaidade e por petulância, ou para, com a vestimenta, apagar a memória das antigas concessões (ou seja, ter se deixado ver ‘en saia’ pelo trovador). Reclama o trovador, ainda, porque jamais recebera presente algum d’A Ribeirinha. Nessa corrente interpretativa, podemos considerar a “guarvaia” como uma metonímia do luxo da corte a que a dama tem acesso depois que passou a ser amante do rei.

Para saber mais sobre esta cantiga acesse o portal Cantigas Medievais Galego-portuguesas, mais especificamente a página: http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=124&pv=sim#refs, acesso em 14/09/2013.

Vamos seguir com outras análises de texto? Vamos fazê-lo separando alguns tipos de cantigas. Começamos pelas cantigas de amor:

Cantiga de Amor: A Sandece ou A Coita Amorosa

Como morreu quen nunca ben (a)ouve da ren que mais amou (b)e quen viu quanto receou (b)d’ela foi morto por én: (a)ai, mia senhor, aasim moir’eu! (c)

Como morreu quen foi amar (d)quen lhe nunca quis ben fazer, (e)e de que[n] lhe fez Deus veer (e)de que foi morto com pesar: (d)ai, mia senhor, aasim moir’eu! (c)

Com’ome que ensandeceu, (f)senhor, con gran pesar que viu, (g)e non foi ledo nem dormio (g)depois, mia senhor, e morreu: (f)ai, mia senhor, aasim moir’eu! (c)

Como morreu quem nunca amou tal (h)dona que lhe nunca fez ben, (a)e quen a viu levar a quen (a)a non valia, nen a val: (h)ai, mia senhor, assim moir’eu! (c)

ren: cousa.por én: por isso, por esse motivo, portanto.

ledo: alegre, contente

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Diálogo com o Autor

Segundo Spina, trata-se de uma “Canção típica de amor incorrespondido. À desventura de não lhe ‘fazer ben’ (conceder-lhe mercê) a dama eleita [ao sujeito poético], alia-se a

desgraça ainda maior de vê-la arrebatada por alguém que não a merece. Na comparação está implícito o drama do próprio trovador. Repare-se no sentido climático do sofrimento do poeta; a dama nunca lhe proporcionou uma graça, jamais pensara nisso, e, para endoidecer o infeliz cortejador, entrega-se imerecidamente a outro”. (SPINA, 1991, p. 263-264).

Essa cantiga também é de Paio Soares Taveirós. Trata-se de uma cantiga de refrão que possui cobras singulares, pois o esquema de rimas não se repete nelas (abbac/deedc/cffcc/gaagc).

Esta é uma canção típica de amor não correspondido. A dama, além de não conceder mercê, favores, eufemisticamente não ‘fazer ben’ ao trovador, ainda é levada por alguém que não a merece. Deus fez o poeta ver que foi morto por pesar por causa dela. Encontramos neste texto o conceito de sandece, a perda do contentamento, a insônia e a morte por amor. Trata-se de uma coita de amor (sofrimento amoroso, morte por amor) agravada pelo fato de o poeta ter visto quem não tinha merecimento levar a sua dona.

Podemos dizer que o trovador encontra-se aqui no segundo estágio da vassalagem amorosa, o de suplicante ou precador, já que ousa relatar à dama suas penas. Isso é perceptível pelo vocativo que constrói o refrão: “ai, minha senhor...”.

Cantiga de Amor: A Imagem do Corpo Feminino

Senhor de corpo delgado (a)en forte pont’ eu fuy nado! (a)que nuca perdi cuydado (a)nem afan, des que vos vi. (b)En forte pont’ eu fuy nado! (a)sennor, por vos e por mi! (b)

Con est’afan tan longado, (a)en forte pont’eu fuy nado! (a)que vos amo sen meu grado, (a)e faço a vos pesar y. (b)En forte pont’ eu fuy nado! (a)sennor, por vos e por mi! (b)

Ay eu, catiu’ e coitado, (a)en forte pont’eu fuy nado, (a)que servi senpr’ endõado (a)ond’ un ben nunca prendi. (b)En forte pont’ eu fuy nado, (a)senhor, por vos e por mi! (b)

delgado: elegante, charmoso.

en forte pont’: em má hora.

cuidado: preocupação.

afan: fadiga, ânsia, trabalho.

sem meu grado: contra a minha vontade.

endõado: em vão, dado em dom, de graça

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Trata-se de um homem dizendo a uma mulher de corpo delgado, elegante, charmoso, que o dia em que ele nasceu foi ruim, pois ele ama a mulher, a quem se dirige, sem nenhuma perspectiva de correspondência amorosa. Ele também diz que a ama contra a vontade, pois não tem como controlar o sentimento e isso é ruim tanto para ele quanto para a mulher.

A cantiga anterior é de Pero da Ponte, cuja biografia pode ser encontrada em http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=121 (acesso em 14/9/2013). Trata-se de uma cantiga de refrão, cobras uníssonas (todas possuem o mesmo esquema de rimas: aaabab).

Neste texto, o poeta lamenta a sua sorte: desde que viu a dona, nunca mais viveu em paz; ama-a contra vontade, pois desejaria libertar-se de uma situação que, não lhe traz benefício, além de ser motivo de contrariedade para ambos (senhor, por vos e por mi!). Segundo Spina (1991), o poeta execra a vida por causa de um amor irrealizado: (En forte pont’ eu fuy nado = eu nasci num dia aziago, mal afortunado). A expressão sen meu grado, contra a minha vontade, choca-se com a declaração de que a ama desde o dia em que a viu. Trata-se de um serviço amoroso sem perspectiva de correspondência por parte da mulher: servi senpr’ endõado ond’ un ben nunca prendi = servi sem razões a alguém que nunca me proporcionou uma demonstração de recompensa.

Note, ainda, que além de trazer à tona a questão da coita amorosa, este poema apresenta um retrato, ainda que discreto e vago, do corpo da mulher: senhor de corpo delgado, o que dá uma ideia da beleza física da dona.

O Trovador encontra-se no estágio do suplicante ou precador, pois ousa dirigir-se à mulher: Senhor de corpo delgado. Esta, por sua vez, mostra-se impassível.

Cantiga De Amor De D. Dinis E Sua Importância Para A Poética Trovadoresca

Quer’eu em maneira de proençal (a)fazer agora un cantar d’amor, (b)e querrei muit’i loar mia senhor (b)a que prez nen fremusura non fal, (a)nen bondade; e mais vos direi en: (c)tanto a fez Deus comprida de ben (c)que mais que todas las do mundo val. (a)

Ca mia senhor quiso Deus fazer tal, (a)quando a fez, que a fez sabedor (b)de todo ben e de mui gran valor, (b)e con todo est’é mui comunal (a)ali u deve; er deu-lhi bon sen, (c)e des i non lhi fez pouco de ben, (c)quando non quis que lh’outra foss’igual. (a)

afan: fadida, ânsia, trabalho.

prez: preço, valor, mérito, glória.

comprida de ben: cheia de beleza

comunal: sociável, tratável, de boas maneiraser: tambémdes I: além disso.loor: louvor.

ca non á, tra-lo seu ben, al: não

há outra com as suas qualidades.

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Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, (a)mais pôs i prez e beldad’e loor (b)e falar mui ben, e riir melhor (b)que outra molher; des i é leal (a)muit’, e por esto non sei oj’eu quen(c)possa compridamente no seu ben(c)falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. (a)

Cantiga metalinguística de D. Dinis, que ensina as regras para se fazer uma Cantiga de Amor. Veja que ele ensina como se deve elogiar uma mulher.

No estudo da lírica trovadoresca, D. Dinis (1261-1325) rei de Portugal de 1279 a 1325, constitui um capítulo à parte por tudo aquilo que significou para a cultura portuguesa, o que se depreende de sua biografia, que se encontra no portal Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, e que pode ser acessada por meio do endereço: http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=25 (acesso em: 07/01/2014).

O reinado de Dom Dinis foi importante em várias áreas da cultura (fundação da Universidade) e da literatura (promoção da prosa documental e histórica e das traduções). Com respeito à poesia trovadoresca, o seu papel foi fundamental como autor e como incentivador.

Como autor, D Dinis é o mais produtivo de todos os trovadores, com um total de 137 composições. Como protetor e incentivador do movimento trovadoresco, ele foi figura determinante nos quase cinquenta anos que durou o seu reinado. As suas relações de parentesco com cortes reais que mantinham uma tradição de apoio à cultura trovadoresca (Leão e Castela, Aragão, Sicília, e, especialmente, a própria corte paterna) fez com que a corte do rei D. Dinis viesse a converter-se no mais importante centro de atividade trovadoresca. Dom Dinis acolheu um grande número de trovadores e da sua própria descendência saíram dois deles: Afonso Sanches e D. Pedro, Conde de Barcelos.

Na cantiga “Quer’eu em maneira de proençal’ podemos encontrar uma verdadeira poética ou arte de trovar. Trata-se de uma cantiga metalinguística, porque tem como tema a própria arte de escrever cantigas de amor. A mulher é idealizada e louvada. Segundo o trovador, Deus deu a ela dotes físicos e morais, além de dar também qualidades de caráter, como bom senso e a capacidade de viver em sociedade (a mulher é comunal, sabe falar bem e rir melhor do que as outras todas).

Apesar de o trovador não se dirigir diretamente à Dama, nesse caso poderia ser considerado um fenhedor, talvez pela posição que ocupa na sociedade como rei, não se apresenta diretamente como vassalo da mulher ou fala da impassibilidade desta pelo trovador. O texto centra-se em mostrar a capacidade que o sujeito tem de louvar sua dama à moda provençal, o que revela claramente a influência francesa na lírica trovadoresca portuguesa.

A cantiga também revela os dotes do sujeito por meio da sua estrutura. Trata-se de uma cantiga de maestria, pois não tem refrão, e o esquema de rimas é o das cobras uníssonas, todas têm a mesma disposição das rimas: abbacca/abbacca/abbacca.

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Continuamos nossas análises, partindo agora para as cantigas de amigo:

A mulher pergunta às ondas do Mar de Vigo (Região do Norte de Portugal), pelo amado e pergunta-lhes se ele voltará cedo.

Essa cantiga de amigo é de Martin Codax, cuja biografia pode ser acessada no endereço: http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=92&pv=sim (acesso em: 07/01/2014).

Trata-se de uma barcarola ou marinha paralelística. É chamada assim porque não há praticamente variação na expressão dos sentimentos. Os versos repetem-se com pequenas variações de rima, mas não alteram o significado geral do poema. Essa característica empresta o tom monocórdico à cantiga. Existe nesta cantiga a leixa-pren, ou seja, o trovador retoma o segundo verso de uma estrofe e com ele inicia outra, como você pode observar esquematizado no texto.

A terceira estrofe inicia-se com a retomada do segundo verso da primeira estrofe, a quarta estrofe inicia-se com o segundo verso da primeira estrofe. A cantiga é composta em cobras dobras, ou seja, o esquemas de rimas se repete a cada duas cobras ou estrofes: aab, ccb, aab, ccb.

Quanto ao tema, encontramos uma mulher, não uma nobre, mas uma vilã, que pede às ondas do mar de Vigo notícias de seu amigo que está embarcado. Como se percebe, as ondas do mar estão encapeladas, bravas. É como se a aflição da mulher se projetasse na natureza, pois também ela está revoltada com a partida do amigo, por isso clama a Deus exclamando se o homem voltará logo. Nesse aspecto, as cantigas de amigo revelam um forte ponto de contato entre o sujeito poético e a natureza, aquele aspecto telúrico de que falamos.

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Vamos seguir a análise de mais uma cantiga de amigo?

Do mesmo modo que a anterior, a cantiga a seguir, de Nuno Fernandes Torneol, apresenta uma mulher que lamenta a ausência do amado. A biografia do poeta você encontra no endereço http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=107&pv=sim ,acesso em 14/9/2013.

Levad’, amigo que dormides as manhãas frias; (a)todalas aves do mundo d’amor dizian: (a)leda m’and’eu! (b)

Levad’, amigo que dormide’ las as frias manhaãs; (c)todalas aves do mundo d’amor cantavan: (c)leda m’and’eu! (b)

Todalas aves do mundo d’amor dizian; (a)do meu amor e voss’en ment’avian: (a)leda m’and’eu! (b)

Todalas aves do mundo d’amor cantavan; (c)do meu amor e voss’ i enmentavan: (c)leda m’and’eu! (b)

Do meu amor e voss’en ment’avian; (a)vos lhi tolhestes os ramos en que siian: (a)leda m’and’eu! (b)

do meu amor e voss’ i enmentavan: (c)vos lhi tolhestes os ramos en que pousavam: (c)leda m’and’eu! (b)

Vos lhi tolhestes os ramos en que siian; (a)e lhi secastes as fontes en que bevian: (a)leda m’and’eu! (b)

Vos lhi tolhestes os ramos en que pousavam; (c)e lhi secastes as fontes u se banhavan: (c)leda m’and’eu! (b)

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Para PensarO sujeito poético reclama que o amigo, desde que voltaram as manhãs frias, já não a

procura de madrugada. Quando ele vinha, bem podia ela dizer: “leda m’and’eu”, ou seja, “eu estava contente”. Então, diz ela, naquele tempo, todas as aves cantavam. Agora, a ausência dele tirou às aves os ramos em que pousavam, as fontes em que bebiam e se banhavam, pois deixaram de se fazer ouvir. Ela continua, no entanto, a repetir o mesmo refrão. O secar das fontes e o tolher dos ramos insinuam o término do romance entre o par de namorados.

Temos aqui uma cantiga de refrão, também paralelística. Trata-se de uma alba ou alva, porque o tema se desenvolve ao amanhecer.

É interessante notar, neste poema, o reflexo do estado de espírito do sujeito poético na natureza. Quando ela estava feliz, a natureza estava aprazível. Agora que está triste, a natureza encontra-se devastada.

Repare que nesta cantiga existe também a leixa-pren: o segundo verso da primeira cobra repete-se no primeiro verso da terceira cobra; o segundo verso da segunda cobra repete-se no primeiro verso da terceira cobra; o segundo verso da quarta cobra repete-se no primeiro verso da sexta cobra; o segundo verso da quinta cobra repete-se no primeiro verso da sétima cobra; o segundo verso da sexta cobra repete-se no primeiro verso da oitava cobra. Neste caso específico, o recurso da leixa-pren sugere o encadeamento de coisas ruins que aconteceram depois que o amado foi embora.

E por fim, veremos algumas cantigas de escárnio e maldizer:

Cantiga de Escárnio e Maldizer Foi um dia Lopo jograr (a) a casa duü infançon cantar, (a) e mandou-lhe ele por don dar (a)três couces na garganta, (b)e foi-lhe escasso, a meu cuidar, (a)segundo como el canta (b)

Escasso foi o infançon (c)en seus couces partir’ enton, (c)ca non deu a Lopo enton (c)mais de três na garganta, (b)e mais merece o jograron, (c)segundo como el canta. (b)

Jograr: jogral.Infanção: antigo título de nobreza

inferior a rico-homem.Por don: por remuneração.

Couces: coices.Escasso: pouco.Jograron: jogral, dito de forma

depreciativa.

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O sujeito ridiculariza o jogral Lopo dizendo que um infanção (antigo título de nobreza, inferior a rico-homem), na casa de quem Lopo foi cantar, mandou dar-lhe três coices na garganta como pagamento pela cantoria.

Essa cantiga é de Martim Soares. Trata-se de uma cantiga de maldizer de refrão, cujo esquema de rimas é aaabcb/dddbdb, formada por cobras singulares, pois o esquema de rimas não se repete. A cantiga é feita abertamente, isto é, sem que se possa ter duplo entendimento do que é dito. O sujeito ridiculariza o jogral Lopo dizendo que um infanção (antigo título de nobreza, inferior a rico-homem), homem nobre em casa de quem Lopo foi cantar, mandou dar-lhe três coices na garganta como pagamento pela cantoria. O sarcasmo do sujeito poético está no fato de achar que o anfitrião foi mesquinho, porque o pagamento foi escasso: deveria ter dado mais do que três coices na garganta do “jograron”, forma depreciativa de nomear o jogral, uma vez que ele canta muito mal.

Essa cantiga ilustra bem como a estrutura de classes sociais estratificadas se transferia para o campo da arte. Sendo o jogral aquele que se encontra na parte mais inferior da estrutura trovadoresca, ele não tinha o direito de tentar ser trovador. Provavelmente Lopo tentou quebrar essa regra e Martim Soares, que devia ser de uma família nobre, gostou do fato de ele ter se dado mal. Você encontra a biografia de Martim Soares no endereço http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=98 (acesso em 14/9/2013).

Vamos analisar mais uma cantiga de escárnio e maldizer? Leia com atenção:

Roi Queimado morreu con amor (a)en seus cantares, par Sancta Maria, (b)por Da dona que gran ben queria: (b)e, por se meter por mais trobador, (a)porque lhe ela non quis ben fazer, (c)feze-s’el en seus cantares morrer, (c)mais resurgiu depois ao tercer dia! (b)

Esto fez el por üa sa senhor (a)que quer gran ben, e mais vos en diria: (b)por que cuida que faz i maestria, (b)enos cantares que faz, á sabor (a)de morrer i e des i d’ar viver; (c)esto faz el que x’o pode fazer, (c)mais outr’omem per ren’ nono faria. (b)

E non á já de sa morte pavor, (a)senon sa morte mais la temeria, (b)mais sabe ben, per sa sabedoria, (b)que viverá, des quando morto for, (a)

i e des i d’ar viver:

em seguida de voltar a viver.

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e faz-[s’] en seu cantar morte prender, (c)des i ar vive: vedes que poder (c)que lhi Deus deu, mais que non cuidaria. (b)

E, se mi Deus a mim desse poder (c)qual oj’el á, pois morrer, de viver, (c)já mais morte nunca temeria. (b)

Nessa cantiga, o sujeito poético faz chacota ao tema convencional do lirismo, o morrer de amor. O sujeito faz chacota de Rui Queimado, outro trovador cuja biografia pode ser encontrada em http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?pv=sim&cdaut=149 acesso em 14/9/2013.

O trovador acusa especialmente Rui Queimado de ter dito que morreria de amor pela dama e depois ter voltado a viver, ressuscitando ao terceiro dia, ironizando-o como um Cristo às avessas.

Além disso, o trovador acusa o colega de achar que faz maestria e de que nos cantares que faz há sabor, ou seja, acusa o colega de não ter talento.

O texto apresenta, ainda, uma fiinda, última cobra com estrutura própria, mas vinculada ao corpo da cantiga pela rima, que traz o fecho irônico: se Deus me desse tal poder, de morrer e viver, eu nunca temeria a morte.

Essa é uma cantiga de maldizer feita por Pero Garcia Bugalês, cuja biografia você encontra em http://cantigas.fcsh.unl.pt/autor.asp?cdaut=127&pv=sim, acesso em 14/9/2013.

Trata-se de uma cantiga de maestria, pois não tem refrão. O esquema de rimas das cobras é uníssono, todas as elas têm as rimas dispostas em abbacca, exceto a última que se chama fiinda, por ser de menor extensão e arrematar o poema e se ligar a ele pelo esquema de rimas cca.

Provavelmente, esta cantiga foi feita para satirizar uma outra de Rui Queimado, em que ele diz que iria morrer de amor pela dama, mas desiste. Leia a seguir a cantiga, extraída de http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=249&tr=6&nl=0&pv=sim, acesso em 14/9/2013.

Direi-vos que mi aveo, mia senhor, i logo quando m’eu de vós quitei: houve por vós, fremosa mia senhor, a morrer; e morrera... mais cuidei que nunca vos veeria des i se morress’... e por esto nom morri. Cuidand’em quanto vos Deus fez de bem em parecer e em mui bem falar, morrera eu; mais polo mui gram bem que vos quero, mais me fez Deus cuidar que nunca vos veeria des i se morress’... e por esto nom morri.

Aveo - sucedeuQuitei - Separei“mais cuidei que nunca vos veeria

des i/ se morress’... e por esto nom morri”

= Mas achei que nunca mais a veria

se morresse e por isso não morri

A fiinda – última estrofe - pode

ser traduzida da seguinte forma:

Pensando em você havia de

morrer,/ e pensando em você, senhor, me salvei

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Cuidand’em vosso mui bom parecer houv’a morrer, assi Deus me perdom, e polo vosso mui bom parecer morrera eu; mais acordei-m’entom que nunca vos veeria des i se morress’... e por esto nom morri. Cuidand’em vós houv’a morrer assi! E cuidand’em vós, senhor, guareci!

O Trovador diz que desejava morrer pela mulher, mas pensou melhor e achou que se morresse nunca mais poderia vê-la e por isso decidiu não morrer.

Você deve perceber, apesar de o Trovadorismo ter entrado em decadência como movimento cultural específico, que os temas das cantigas não são muito diferentes dos temas das poesias ao longo de toda a literatura portuguesa e também das letras de música de nossos dias, inclusive no Brasil, que herdou muito da cultura portuguesa. Muitas dessas poesias atuais falam de amores não correspondidos (como as cantigas de amor), de saudade do amado, da natureza, da religiosidade e da terra natal (como as cantigas de amigo) e outras registram costumes e fatos do dia a dia das pessoas às vezes de forma cáustica, às vezes com bom humor (como as cantigas de escárnio e maldizer).

Além disso, você deve ter percebido que havia um sofisticado sistema de procedimentos poéticos a que o Trovador deveria obedecer e que está documentado no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, num pequeno tratado em prosa sobre a arte galego-portuguesa, de autoria desconhecida que você poderá ler em “A Arte de Trovar”, no endereço eletrônico http://cantigas.fcsh.unl.pt/artedetrovar.asp, acessado em 27/12/2013. Isso revela uma sociedade bastante evoluída do ponto de vista cultural.

Também é importante verificar como as estruturas sociais projetam-se nas Cantigas, tanto pela posição do sujeito em relação à dama quanto pela organização rígida que agrupava as diferentes funções: dos Trovadores, dos jograis e dos segréis.

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Material Complementar

A Lírica Trovadoresca é um universo fascinante. Muitos temas e procedimentos daquele período como a morte por amor, a projeção dos sentimentos do sujeito na natureza, a inclusão de temas do cotidiano na poesia sobrevivem até nossos dias.

Nessa unidade, obviamente, não pudemos dar conta de todos os aspectos desse rico período da literatura portuguesa, mas na Internet você irá encontrar um banco de dados que reúne grande parte da produção do período, biografias dos trovadores, glossário dos termos, notas explicativas, versões musicadas das cantigas entre outras informações confiáveis e, ainda, informações sobre a arte de trovar, uma espécie de Poética do Trovadorismo.

Indicamos que você consulte: Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. Disponível em: http://cantigas.fcsh.unl.pt. (acesso em 15/9/2013).

É muito importante que você explore o portal e aprofunde seus estudos.

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Referências

SPINA, S. A Lírica Trovadoresca. 3ª ed. São Paulo: Edusp, 1991.

________________. A Cultura literária medieval. 2ª ed. São Caetano do Sul-São Paulo: Ateliê Editorial, 1997.

MONGELLI, L. M. M.; MALEVAL, M. A. T.; VIEIRA, I. F. A Literatura portuguesa em perspectiva- Trovadorismo, Humanismo. São Paulo: Atlas, 1992.

MOISÉS, M. A Literatura Portuguesa. 20ª ed. São Paulo: Cultrix, 1984.

A Literatura Portuguesa através dos textos. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 1981.

Fonte eletrônica de consulta

Portal de Cantigas Medievais Galego-Portuguesas: http://cantigas.fcsh.unl.pt/index.asp ( acesso em 07/01/2014).

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Anotações

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