UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS‐ARTES
Rita Maria Barracha da Silva
MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA AUDIOVISUAIS
2011
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS‐ARTES
Demonstração virtual da complementaridade entre as linguagens
textual e visual, inerentes a uma dissertação teórico‐prática.
Rita Maria Barracha da Silva
MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA AUDIOVISUAIS
Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Vítor dos Reis
2011
ii
Resumo
A binocularidade humana resulta de um fenómeno estereoscópico que
concede uma visão tridimensional do espaço perceptivo, assente nas leis da
perspectiva.
A convicção com que aceitamos e interagimos com essa verdade aparente é a
mesma que contribui para que admitamos um mundo virtual, de ilusão.
Partindo do princípio de que uma dissertação teórico‐prática em Arte
Multimédia é o resultado da conciliação entre dois mundos, o textual e o visual,
podemos verificar que esta se institui segundo um sistema cíclico e auto‐referencial
que articula as dicotomias teoria/prática, textual/visual.
Na demonstração virtual dessa complementaridade nasce a híbrida linguagem
que lhe está inerente e constrói‐se uma dissertação que se auto‐anuncia como símbolo
da sua condição teórico‐prática.
Palavras‐Chave
Demonstração virtual / Dissertação teórico‐prática / Textual / Visual / Estereoscopia
Abstract
The human binocular vision results from a stereoscopic phenomenon. This
allows one to acquire a three‐dimensional image of the perceptual space based on the
laws of perspective.
The confidence with which one accepts and interacts with this alleged truth is
the same that allows one to admit the virtual, a world of illusion.
Taking an Art and Multimedia’s theoretical and practical dissertation as a
connection between two worlds – the textual and the visual –, one can verify that it’s
established accordingly to a cyclic and self‐referential system. This articulates the
dichotomies: theory/practice and textual/visual.
The virtual demonstration of its complementarity generates a hybrid language
inherent to it, which shapes a dissertation that presents itself as a symbol of its
theoretical and practical condition.
Keywords
Virtual demonstration / Theoretical and Practical Dissertation / Textual / Visual /
Stereoscopy
iii
Apresentação e Agradecimentos
Para mais convenientemente expressar o contexto em que se enquadrou a
realização deste Mestrado torna‐se relevante começar por caracterizar os objectivos e
descrever o conjunto de situações que fazem sentido visar, dentro dos trâmites que
adoptei ao longo do meu percurso universitário.
O meu interesse por tecnologia, face à sua constante procura em actualizar‐se,
ao seu reflexo em diversas áreas e manifestações, assim como a crescente relação com
a Arte e o público, incutiu, desde sempre, uma recorrente vontade de a explorar e
descobrir.
É nessa procura que a Licenciatura em Arte e Multimédia da Faculdade de
Belas‐Artes (Universidade de Lisboa) veio proporcionar uma formação versátil e
transdisciplinar, da teoria à prática, da Fotografia ao Vídeo e ao Som, da Instalação à
Performance, do Desenho à Animação, do Design ao Webdesign.
Contexto esse que me permitiu trabalhar como freelancer multimédia.
Desenvolvo projectos de design gráfico, fotografia e vídeo; fui júri do Festival de
Cinema Temps d'Images (no CCB, em 2008 e 2009), e, na sequência do protocolo
celebrado entre o BPI e a FBAUL, recebi, em conjunto com uma equipa de alunos, o
Prémio BPI por uma publicação temática e teórica – um espaço de investigação em
torno da criação artística actual, coordenado por Liliana Coutinho –, Revista Marte nº3.
Paralelamente, aguardo a defesa que permitirá a conclusão de um outro
mestrado, em Novos Media e Práticas Web (pela Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, Universidade Nova de Lisboa), que culminou com um estágio no
departamento criativo da empresa YDreams1. Desta experiência profissional resultou a
ampliação das minhas competências técnicas e interpessoais, reflectindo‐se no meu
desenvolvimento pessoal, colectivo, cultural e artístico.
A análise das próprias competências e preferências é fundamental para a
edificação sólida de um criador. Nesse sentido, e na procura de me definir, optei por
concluir o presente mestrado em Arte e Multimédia com uma dissertação teórico‐
prática que é síntese da minha passagem por esta faculdade.
1 Especializada na investigação e desenvolvimento de tecnologias de interacção que ambicionam proporcionar o progresso da sociedade aliando os avanços da Ciência e Tecnologia, à Arte e à Vida.
iv
Em qualquer das áreas trabalhadas, ensaios teóricos e projectos práticos denotam
uma recorrente procura: a exploração do processo perceptivo de um espectador no
âmbito da sua relação com a obra, e com o espaço no qual esta se articula.
Daí também o meu fascínio pela Arquitectura e pelo Design; artes que se
preocupam com questões de usabilidade do utilizador; que fundam na relação com o
indivíduo a base para a sua estruturação.
Do mesmo modo, sempre elegi e ambicionei experimentar as consequências do
contacto entre o corpo, a obra e o espaço, explorando diversas formas de comunicação.
Produzi jogos perspécticos e situações ilusórias que interferiam com o espaço
arquitectónico; instalações audiovisuais em circuito‐fechado e vídeos que geravam
novas narrativas, criando espaços que implicavam comportamentos específicos do
sujeito. Todas elas surgiam como configurações que afectavam a experiência do
espectador.
Nesse trajecto, interessou‐me realizar uma dissertação que converte a postura
do seu mero leitor para co‐criador da mesma. Torná‐lo cúmplice da própria
configuração da dissertação teórico‐prática.
A resolução desta dissertação vai assim não só reflectir as preocupações do
meu passado académico, como assenta essencialmente numa reflexão sobre si
própria. Pretende, por intermédio do sujeito, evidenciar a sua condição teórico‐prática
partindo da demonstração da complementaridade entre as linguagens textual e visual,
inerentes à sua existência dicotómica.
Curioso será verificar que, além do textual e do visual, a conclusão desta
dissertação teórico‐prática envolve ainda uma terceira linguagem, a verbal, no
momento da apresentação e defesa da mesma. Logo, também esse debate sobre si
enfatiza a condição auto‐referencial e auto‐reflexiva que detém o projecto desta
dissertação.
É então com enorme gratidão que expresso aqui o meu apreço por todos
aqueles que, de forma singular, estiveram envolvidos no decurso deste processo.
v
Ao professor Vítor dos Reis, pelo primor. Pelo rigor e pela sapiência. Pela
dedicação e o inspirador compromisso enquanto pedagogo. Agradeço‐lhe por tudo e,
em particular, pela orientação e metódica revisão desta dissertação.
À professora Maria João Gamito, pelo apoio constante e por combater com
gosto a burocracia, em benefício dos alunos.
Aos restantes professores que tive a oportunidade de conhecer e que
marcaram a minha passagem por esta Faculdade, pela competência e por sentir que
partilharam com prazer a sua sabedoria, José Luís Ferreira, Susana Sousa Dias,
Alexandre Estrela, Rogério Taveira, António Silveira, Henrique Costa, Zepe, Ângela
Ferreira, Fernandes Dias, Delfim Sardo, Sérgio Mah, Mónica Mendes, Pedro Cabral,
Marco Santos, Maria João Ortigão, José Revez e Américo Marcelino. Assim como a
indispensável ajuda dos técnicos de fotografia Tiago Miravent e Ana, o Bruno Marques
dos audiovisuais, e inesquecível também, a ilustre “Dona Céu”, do bar da faculdade.
A todos os colegas e amigos de turma, em especial à Sara Valle Rocha e ao
Carlos Godinho. Aos amigos Teresa Colaço, Carla Borrego, Inês Brito, Ana Piçarra, Sofia
Rodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo,
Marta Correia, Maria João Marcelo, Manuel, Pedro, Horácio e Ana Nunes, pelo
particular cunho e sã amizade.
À Sílvia, por se ter cruzado no meu caminho, agora paralelo ao seu (salvo‐seja).
À Inês Freixo e à Inês Pontes, pela singularidade que nos une.
À minha‐Inês Palminha, pela sua integridade. Pelos defeitos que não sei ver.
Pela incrível amizade que nunca saberei descrever.
À Magy, pela genuidade. Pela bondade, paciência e devoção. Pela perspicácia e
por chamar‐me à atenção. Por desencaminhar‐me e recusar um não. Por servir‐lhe de
exemplo, e chamá‐la também eu à razão.
À Renata, pela coragem, pela luta constante em superar‐se a si mesma. Pela
nossa partilha: pelo passado, numa experiência em comunhão; pelo presente, na
ternura e no amor, na entrega e dedicação; por um futuro promissor de equilíbrio e
duração.
À minha família. Aos meus primos e tios, pela amizade, pela confiança e o apoio
até aqui. Não esqueço também o legado dos avós que conheci.
Aos meus pais, em especial, pela união, pela perseverança e lealdade. Pelo
afecto e a educação; pelo esforço e nutrição constante da minha felicidade. Pelo dom
de conceber duas filhas tão ímpares e tão pares.
À minha irmã, mais que a todos; pelo talento, pelo espírito e carácter. Pela
força e determinação. Pela vontade da vida. Por alguma ingenuidade e muito do
coração.
vi
«No final de contas, somos auto‐perceptivos, auto‐inventivos,
presos em miragens que são pequenos milagres da auto‐
referência.» (Hofstadter, 2007: 363)
vii
À pequena Ava, que me é tão imensa.
Índice
Índice de Figuras ........................................................................................................................... 2
Introdução ..................................................................................................................................... 4
1. Conceitos inerentes à híbrida linguagem de uma demonstração virtual ................................. 9
1.1. Estereoscopia e Perspectiva ........................................................................................... 9
1.2. Realidade e Ilusão ........................................................................................................ 16
1.3. Linguagem e Auto‐referencialidade ............................................................................. 20
2. Contributos para o projecto .................................................................................................... 27
2.1. Papel do Espectador: de Brunelleschi à instalação artística ........................................ 27
2.2. Espaço virtual: Anish Kapoor e Olafur Eliasson ............................................................ 31
2.3. Linguagem Audiovisual: Bruce Nauman e Gary Hill ..................................................... 39
3. Projecto de uma Dissertação teórico‐prática virtual .............................................................. 45
3.1. Condição teórico‐prática da dissertação ...................................................................... 45
Conclusão .................................................................................................................................... 55
Referências .................................................................................................................................. 59
Anexos ......................................................................................................................................... 64
Apêndices……………………………………………………………………………………………………………………………… 69
2
Índice de Figuras
Figura 1 ‐ Representação do estereoscópio de Wheatstone (Brewster, 1856: 59). ................... 11
Figura 2 ‐ Estereogramas relativos à visão pelos olhos esquerdo e direito (Brewster, 1856: 57).
..................................................................................................................................................... 11
Figura 3 ‐ Reprodução do processo de visão cruzada (a partir de Brewster, 1986: 80). ............ 12
Figura 4 ‐ Exemplo do processo de visão paralela. ..................................................................... 13
Figura 5 ‐ M. C. Escher (1898‐1972). Drawing Hands, 1948. Litografia; 28.2 cm × 33.2 cm.
Washington, EUA: National Gallery of Art (Wikipedia, 2011). .................................................... 25
Figura 6 ‐ René Magritte (1898‐1967). La condition humaine, 1933. Óleo sobre tela; 100 cm
× 81 cm. Washington DC: National Gallery of Art, (Wikipedia, 2011). ....................................... 25
Figura 7 ‐ René Magritte (1898‐1967). La Trahison des Images, 1928. Óleo sobre tela; 63.5 cm
× 93.98 cm. Los Angeles, Califórnia: Los Angeles County Museum of Art (Wikipedia, 2011). ... 26
Figura 8 – Ilustração do dispositivo perspéctico criado por Filippo Brunelleschi, em 1401, para a
representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze (Mitsui, 2010)...................................... 28
Figura 9 – Anish Kapoor (1954 ‐). Adam, 1988. Pigmento sobre arenito; 119 × 102 × 236 cm
(Kapoor, 2011). ............................................................................................................................ 32
Figura 10 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Origine du monde, 2004. Pigmento sobre betão. Kanazawa:
21st Century Museum of Contemporary Art (Kapoor, 2011). .................................................... 33
Figura 11 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Marsupial, 2006. Resina e tinta; 245 × 370 × 247cm (Kapoor,
2011). .......................................................................................................................................... 33
Figura 12 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Iris, 1998. Aço inoxidável; 200 × 200 × 200 cm (Kapoor,
2011). .......................................................................................................................................... 34
Figura 13 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). The Weather Project, 2003. Técnica mista; dimensão
variável. Londres: Tate Modern (Wikipedia, 2011). .................................................................... 36
Figura 14 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Ascension, 2011. Técnica mista; dimensão variável. Veneza:
Basílica di San Giorgio Maggiore (Making Art Happen, 2011). ................................................... 37
Figura 15 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). Beauty, 1993. Técnica mista; dimensão variável. Chicago:
Museum of Contemporary Art (Eliasson, 2011).......................................................................... 38
Figura 16 ‐ Bruce Nauman, Human Nature / Knows Doesn't Know, 1983. Vidro e tubos de néon;
230 x 230 x 35 cm. ARS, NY e DACS, Londres; Cortesia da Colecção Froehlich, Estugarda (Tate
Org., 2006). .................................................................................................................................. 42
Figura 17 ‐ Gary Hill, Incidence of Catastrophe, 1987‐8. Vídeo (cor, som); 43:51 min. Cortesia de
Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (MoMA Collection, 2010). ...................................... 43
Figura 18 ‐ Gary Hill, Disturbance (Among the Jars), 1988. Vídeo‐instalação (som). Centre
Georges Pompidou, Paris (Jones, 2007). ..................................................................................... 44
3
Figura 19 ‐ Gary Hill, Site Recite (a prologue), 1989. Vídeo (cor, som); 4:05 min. Cortesia de
Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (Electronic Arts Intermix, 2011) ............................. 44
Anexo 1 – Anish Kapoor (1954 ‐). Leviathan, 2011. P.V.C.; 33.6 × 99.89 × 72.23 m (Kapoor,
2011)………………………………………………………………………………………………………………………………….. 64
Anexo 2 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). 1000‐Names, 1979‐80. Pigmento sobre madeira e gesso; 183
cm (Kapoor, 2011)………………………………………………………………………………………………………………… 64
Anexo 3 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Svayambh, 2007. Cera e tinta à base de oleo; dimensões
variáveis (Kapoor, 2011). ……………………………………………………………………………………………………… 65
Anexo 4 ‐ Anish Kapoor(1954 ‐). Past, Present, Future, 2006. Cera e tinta à base de oleo; 345 x
890 x 445 cm (Kapoor, 2011)..……………………………………………………………………………………………… 65
Anexo 5 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Part of the Red, 1981. Técnica mista e pigmento; dimensões
variáveis (Kapoor, 2011).………………………………………………………………………………………………………. 66
Anexo 6 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Drop, 2008 (Kapoor, 2011)..………………………………………………. 66
Anexo 7 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Turning the World Inside Out II, 1995. Bronze cromado: 180 ×
180 × 130 cm (Kapoor, 2011)……..…………………………………………………………………………………………. 67
Anexo 8 – Anish Kapoor (1954 ‐). Untitled, 2008. Aço inoxidável; 300 × 300 × 46 cm (Kapoor,
2011) ..………………………………………………………………………………………………………………….………………. 67
Anexo 9 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Stamping the Studio, 1968. Vídeo (preto e branco, som); 62
min (loop). Nova Iorque: Cortesia de Electronic Arts Intermix (Tate Org., 2006)………………….… 68
Anexo 10 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & flip/flop
(Fat Chance John Cage), 2001. Paris: Centre Georges Pompidou / Cortesia de ARS, NY e DACS,
Londres. (Tate, 2011)……………………………………………………………………………………………………………. 68
Apêndice 1 – Esquema do eixo horizontal da instalação (componente prática) na qual são
separadas espacialmente as linguagens visual e textual. ………………………………………………………. 69
Apêndice 2 – Processo estereoscópio da visão paralela e criação de uma leitura vertical e
virtual……………………………………………………..……………………………………………………………………………. 70
Apêndice 3 – Processo estereoscópico como intermediário da demonstração virtual de uma
dissertação teórico‐prática……………………………………………………..……………………………………………. 71
Apêndice 4 ‐ Processo estereoscópio na conciliação entre as linguagens textual e visual (das
componentes teórica e prática), na demonstração da condição teórico‐prática da
dissertação……………………………………………………..…………………………………………………………………….. 72
Apêndice 5 – Inversão das linguagens textual e visual, presentes na instalação……………………. 73
Apêndice 6 – Correcção estereoscópica das linguagens textual e visual, presentes na
demonstração da dissertação teórico‐prática……………………………………………………………………….. 74
4
Introdução
O desenvolvimento mental e social, a difusão da tecnologia e do multimédia,
permitem que se diluam barreiras artísticas e se confrontem impressões envoltas na
relação entre objectos, sensações, imagens, sons e textos, de diferentes maneiras,
segundo novas linguagens e narrativas. Depreendem‐se novos sentidos, produzem‐se
novos discursos e ilações, pois são introduzidas novas ferramentas e metodologias.
Ainda que fruto de uma globalização incontornável, a arte revê‐se nas diversas
dicotomias, influências e circunstâncias que continuarão a formatá‐la – seja pelo que
incluem, seja pelo que excluem.
Se pensarmos na arte do século XX, percebemos que foi pautada por
tecnologias inovadoras das quais resultaram dois paradigmas ou duas tipologias de
imagem: a Fotografia, pela captação de uma verdade fixa – que trouxe consigo a ideia
de reprodutibilidade –, e o Cinema, na capacidade de registar movimento, e projectá‐
lo também.
Do contacto com os novos media e com os processos que os consolidam – dos
quais se destacam a «remediação» e a «transmediação»2 – nasce um novo corpo ou
medium, transversal e interdisciplinar, que contrasta com a cultura dos media do
século XX pois adquire os valores artísticos do «novo», da «criação» e da «experiência
estética» (Cruz, 2011: 17).
Dessa reconfiguração dos processos mediais na comunicação é então fácil
depreender que a própria arte sofre, no geral, uma transmutação; constitui‐se
segundo um novo paradigma conceptual e projectual que acompanhará o
desenvolvimento de uma sociedade em constante mudança.
A arte persiste como «uma espécie de medium universal, de condição para que
qualquer objecto ou experiência acedam ao plano da visibilidade e da efectividade
culturais» (Cruz, 2011: 19).
Nesse sentido, entender a híbrida linguagem do “multimédia” implica
compreender as diversas peculiaridades que essa vasta prática abarca. Num domínio
pluridisciplinar, socorre‐se da recorrente relação cultural entre teoria, prática, técnica
e tecnologia; o que enaltece o facto de que a arte, enquanto espelho da
2 Duas palavras‐chave empregues por Jay David Bolter e Richard Crusin, no livro Remediation, discutidas no decurso do Mestrado de Novos Media e Práticas Web, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa).
5
contemporaneidade, tanto se deixa contaminar pela realidade, numa relação
endógena − tomando os contágios como parte da obra −, como se converte em
exógena − pois influencia simultaneamente a sociedade.
Partindo do princípio que a Cultura Visual é um sistema que compreende a
predominância das formas visuais, neste actual mundo de profusão é indispensável ir
além da visualidade; é necessário abranger as interferências das contínuas
remediações dos processos híbridos que configuram esta época.3
É no cruzamento de práticas oriundas de várias disciplinas e tradições artísticas
que a arte se afirma. Transformou‐se não só naquilo que é enquanto objecto, mas
também no que é enquanto discurso – pelo discurso que produz sobre si própria –,
fazendo parte do plano da sua leitura e tipologia, num triângulo entre «preceito,
conceito e afecto» (Sardo, 2008, comunicação pessoal).
Criou‐se assim a necessidade de uma cultura visual de forma a poder decifrar
não já os retratos de uma época mas a sua forma de existir. É neste âmbito que a
Cultura Visual se abre sobre um mundo inteiro de intertextualidade onde as imagens,
os sons e as delineações espaciais são lidas em si e através de outras, resultando em
significados e respostas subjectivas a cada encontro.
Compreender o modo como olhamos – percebendo como funcionam os
sistemas de captura e os processos de descodificação – ajuda‐nos então a entender a
forma como os métodos de representação conseguem actuar sobre o sujeito.
Sir Charles Wheatstone (1802‐1875) foi um dos grandes estudiosos do
fenómeno estereoscópico que advém da nossa condição de seres binoculares.
Percebeu como recriar o sistema ocular no qual sobrepomos dois pontos de vista de
uma mesma imagem, conseguindo reproduzir o método com que construímos uma
realidade tridimensional através do espaço percepcionado por ambos os olhos.
Contudo, da observação da realidade à transposição para o plano da sua
representação, foi Filippo Brunelleschi (1377‐1446) quem desenvolveu um dispositivo
que se apropria das leis geométricas que regem o olhar humano. Para representar o
espaço perceptivo, produziu um artifício que lhe facultava o processo de conversão da
3 A arte moderna vê o mundo fora dos seus contornos; as coisas explodem e trespassam esse espaço delimitado e estritamente real que lhes era atribuído. Uma imagem já não produz o visível, “torna‐se” visível. É resultado de uma leitura multidireccionada, subjectiva e activa que depende do seu leitor; é assim fruto da inter‐relação com a cultura, a sociedade e a história na qual se desenvolve o próprio sujeito que a interpreta.
6
realidade para uma representação bidimensional. Alcançou assim a capacidade de
estruturar um espaço perspéctico através do qual conseguia conferir a noção de
profundidade na representação.
Brunelleschi veio demonstrar os resultados da perspectiva e com eles
possibilitar a representação do mundo como um espaço “para lá” da superfície, um
espaço “tridimensional” (para) dentro dos limites do enquadramento – como se de
uma janela ou um espelho se tratasse. É esse um dos métodos de representação que
conduz o sujeito à concepção de uma aparente e consistente verdade. A ilusão e a
persuasão tornam‐se assim estratégias de construção visual.
Para conhecer o mundo procuramos interpretar os variados estímulos a que
somos expostos. Relacionamo‐los com a nossa própria memória, com aquilo que
vamos apreendendo e certificando. É a experiência individualizada do sujeito que o
ajuda a reconhecer, a compreender e a crer no espaço circundante, consentindo a
paradoxal possibilidade de estar a ser ludibriado.
A extensa rede de significações a que está exposto diariamente leva‐o à
necessidade de comportar inúmeros códigos, indispensáveis à tradução da
informação. A arte questiona, explora e aproveita‐se das formas de categorização
semiótica e de processos de comunicação para comprometer a leitura do sujeito;
evidencia ou subverte sentidos e significados para produzir sensações específicas. É
essa prática que possibilita que expandamos a imagem para além da sua existência
concreta: se o processo denotativo nos confere uma significação directa e objectiva, a
conotação permite entender os seus níveis de subjectividade.
Os ensaios de W. J. T. Mitchell procuram analisar o poder da imagem e a forma
como é interpretada; a sua autonomia e as conexões que produz ao relacionar‐se com
outras, ou quando é articulada com texto. Estuda assim a relação dicotómica entre a
visualidade e a textualidade.
A prática de leitor e a de espectador partilham‐se: existem livros de figuras,
textos que funcionam como gráficos, imagens que produzem discursos, que
acompanham textos, e discursos que fomentam imagens. Se pensarmos nisso, a
televisão dos dias de hoje é tudo menos um meio puramente visual. A dissolução
dessas áreas fixas é assim efeito de uma cultura transversal.
É nessa mesma dialéctica que assenta a problemática desta dissertação.
7
Sendo uma dissertação teórico‐prática implica, necessariamente, duas
componentes complementares: uma teórica e uma prática. Debatem‐se assim ambos
os territórios em prol da comunicação de uma mesma mensagem. Juntos pretendem
produzir uma única demonstração, e apenas em aliança originam o sentido pretendido
desta mesma dissertação.
O objectivo deste projecto prende‐se então com a tentativa de evidenciar a
indissociável complementaridade entre as linguagens textual e visual na constituição
de uma dissertação cuja condição é ser teórico‐prática. Teorizar sobre uma prática, e
praticar essa teoria é perceber como se comprometem e complementam os campos
da linguagem através de um sistema cíclico e auto‐referencial. Nesse sentido, procura‐
se que da conciliação do presente ensaio (teórico) à instalação (prática) resulte uma
linguagem híbrida através da qual seja veiculada a demonstração virtual da condição
teórico‐prática da própria dissertação.
Para analisar a possibilidade dessa significação por parte do leitor/espectador
partiu‐se do contributo proporcionado pelo dispositivo de Brunelleschi e das práticas
artísticas instalativas – a fim de estudar o entendimento de posturas e modos de
percepção do sujeito perante uma situação ilusória. Anish Kapoor (1954‐) e Olafur
Eliasson (1967‐) são exemplos dessa referência à dicotomia realidade/virtualidade pela
produção de obras que sujeitam o espectador a um equívoco perceptivo. Instalações
essas nas quais o sujeito se torna activador e co‐criador pela interferência física e
mental na peça; situações que jogam com estados de consciência ao envolver o
conluio e a suspensão voluntária da descrença do espectador.
Por outro lado, face à especificidade da demonstração virtual em questão,
torna‐se relevante o apoio em artistas que questionam o próprio medium artístico, a
linguagem e o discurso daí proveniente. Através de meios audiovisuais, tanto Bruce
Nauman (1941‐) como Gary Hill (1951‐) se preocuparam com os modos de
interpretação e intelecção da arte através da desconstrução dos próprios processos
expressivos. Experimentaram formas mistas de comunicação visual e textual
observando a implicação de incoerências e falhas na linguagem para a compreensão
de uma mensagem.
É com base em todos estes pressupostos e objectivos que o projecto final do
Mestrado em Arte e Multimédia (especialização em Audiovisuais) vem incidir sobre si
8
próprio, sobre a sua condição de possibilidade teórico‐prática, auto‐referenciando‐se e
auto‐reflectindo‐se com o auxílio do leitor/espectador.
A resolução teórica desta dissertação implicará então ser apreendida na
complementação com a prática, e vice‐versa. Nenhuma sobrevive sem a outra, assim
como apenas o elo entre ambas, através do presente leitor, poderá completá‐la.
9
1. Conceitos inerentes à híbrida linguagem de uma demonstração virtual
1.1. Estereoscopia e Perspectiva
Ver implica, em primeiro lugar, olhar. Portanto, compreender o modo como olhamos e, sobretudo, o que isso significa, permite‐nos desde logo compreender alguns aspectos fundamentais da intricada teia sensorial, cognitiva, estética, emotiva, etc., que estabelecemos com o mundo à nossa volta […]. (Reis, 2001: 124)
Enquanto arquétipo básico da nossa existência, a luz esteve desde sempre
ligada ao espaço, e consequentemente ao tempo. No decorrer desse tempo, e através
das sucessivas conquistas tecnológicas, transpôs a barreira do exterior, invadindo o
interior, transformando a relação entre o sujeito e o visível.
Começa por constituir‐se como um bem essencial à vida e, ao longo dos anos
60 e inícios dos 70, é utilizada nas projecções de diapositivos, na fotografia e no
cinema, que adiante analisaremos como contributo para o desenvolvimento daquilo
que tomamos por Cultura Visual.
Enquanto condição necessária à percepção visual, por auxiliar o delinear de
formas e espaços, a luz vê‐se então associada à origem da consciência e do intelecto.
Possuímos, portanto, sistemas que procuram capturar nas melhores condições essas
impressões lumínicas – que se projectam na retina segundo leis geométricas –,
processos que as transformam em impulsos nervosos – de código fotónico para código
neurónico –, e que os transportam ao cérebro – através de mecanismos fisiológicos e
neurológicos que os interpretam e identificam, atribuindo significados.
O modo como os nossos sentidos e o cérebro processam a arte ou qualquer
estímulo sensorial segue uma série de estágios a que chamamos «modelo interactivo
da percepção e cognição» (Solso, 1994: 44), porém essa experiência não é
continuamente estável, ou seja, o fluxo de informação que nos chega do mundo
externo não é uniforme, encontra‐se em permanente mutação. Isto significa que as
sensações, sozinhas, não são capazes de prover uma descrição única do mundo,
necessitam de enriquecimento, que é o papel do «modelo mental» (Solso, 1994: 44).
Importa referir que, imersos nesse mundo que concebemos, com o qual nos
relacionamos e no qual reconhecemos formas e objectos a três dimensões, a imagem
10
visual obtida representa a realidade, como ela se nos apresenta (Gombrich, 2002:
220).4
Sabe‐se que a visão binocular permite que tenhamos a noção de profundidade
e possamos interpretar uma situação como tridimensional. Tal, é resultado do
fenómeno estereoscópico, fruto da sobreposição das duas imagens dissimilares,
obtidas pela informação de cada olho.
Do olho direito obtemos mais informação do lado direito de um objecto, e do
olho esquerdo, da sua parte esquerda.5 O assunto cativou alguns estudiosos como
Francis Aguillon, Galeno e Baptista della Porta que foram aprofundando a matéria
através de ensaios e experiências.6
O ensaio científico «Contributions to the Physiology of Vision», publicado em
1838 por Sir Charles Wheatstone (1802‐1875), permite que nos apercebamos de que
foi ele o grande impulsionador do estudo da visão estereoscópica – assim como da
criação de um dispositivo a ela referente, que faculta a visualização de imagens
tridimensionais. A sua exploração do sistema visual declarou que a separação ocular
implica pontos de vista díspares que se reflectem em ângulos de visão ligeiramente
descoincidentes. Da comparação dessas duas imagens bidimensionais, o cérebro cria
uma solução tridimensional que se traduz na noção de distância, posição e tamanho
das formas que regista. A construção do estereoscópio veio comprovar esse mesmo
processo de união por intermédio do reflexo de um jogo de espelhos.
Na Figura 1, A e A’ são ambos espelhos (num ângulo de 900), E e E’ registos
bidimensionais de dois pontos de vista de uma mesma forma, com uma ligeira
disparidade entre eles – o equivalente à chamada paralaxe ocular, a distância entre os
olhos que se reflecte numa diferença perspéctica.
4 Ou, como Husserl refere: «I find existing out there and I receive it just as it presents itself to me as something existing out there» (Bryson, 1981: 8). 5 Pierre Gassendi (filósofo, cientista e matemático), mesmo sem recorrer a testes com figuras e sólidos, constata rapidamente, simplificando a explicação, que «do olho esquerdo vemos a parte esquerda do nariz, e do direito, a direita, duas imagens suficientemente divergentes» (Lugduni, 1658: 394; cit. por Brewster, 1856: 15). 6 Tanto «Optics» (1613) de Francis Aguillon, como «On Refraction» (1589) de Baptista della Porta, mencionados por Brewster (1856: 7, 11), são exemplo de proeminentes análises e observações, úteis para o decorrer das revelações acerca da visão binocular, como descobertas das falácias relativas a distâncias, magnitudes, posições e formas.
11
Figura 1 ‐ Representação do estereoscópio de Wheatstone (Brewster, 1856: 59).
O observador, colocado perante B, ajusta a rosca C e C’ para obter o
posicionamento mais correcto das imagens a fim de coincidirem na intersecção dos
eixos ópticos. Esse método assisti‐lo‐á na fusão mental de E e E’, denotando, por isso,
a sua aparente profundidade numa única representação. A Figura 2 ilustra um possível
exemplo do que podia ser E e E’, dois estereogramas de uma mesma imagem, com a
referida ligeira discrepância perspéctica.
Figura 2 ‐ Estereogramas relativos à visão pelos olhos esquerdo e direito (Brewster, 1856: 57).
Dessa forma, facilmente se constrói uma imagem bidimensional para ser vista
tridimensionalmente. Existem vários processos que podem ser executados: registam‐
se os dois pontos de vista de uma mesma situação e sobrepõem‐se ambas as imagens,
adulteradas com cores básicas (como o vermelho e verde), o chamado método
anaglífico7; o método cruzado, no qual as imagens são registadas da mesma forma,
mas colocadas lado a lado, invertidamente (a imagem da esquerda situa‐se à direita e
vice‐versa), pretendendo‐se que o cérebro adquira os pontos de intersecção no
7 Porém, a sua visualização implica o recurso a óculos constituídos por filtros das mesmas cores que permitem que cada olho veja apenas uma das imagens e facilite ao cérebro fundi‐las, revertendo‐se numa imagem tridimensional.
12
cruzamento dos eixos ópticos; e, por fim, o método paralelo, no qual o par é colocado
correctamente, de forma a manterem‐se os eixos ópticos paralelos (olho esquerdo –
estereograma esquerdo, olho direito ‐ estereograma direito), de que é exemplo o
processo estereoscópico.
A aglutinação derivada de uma visão cruzada e paralela é expressa nas Figura 3
e Figura 4, que ilustram o modo como convergem os olhos (representados por E,
esquerdo, e D, direito), ao contemplar dois estereogramas da mesma forma.
Na visão cruzada (Figura 3), como o nome indica, deve ser trocada a posição de
ambos os estereogramas a fim de cada olho observar o seu correspondente. Na inter‐
secção entre os eixos ópticos surgem os pontos respectivos a cada estereograma que
possibilitam formar uma imagem virtual e tridimensional do objecto representado
bidimensionalmente, segundo dois pontos de vista.
Figura 3 ‐ Reprodução do processo de visão cruzada (a partir de Brewster, 1986: 80).
Na visão paralela (Figura 4), contrariamente à cruzada, os olhos mantêm os seus
eixos paralelos procurando um foco no infinito. Dessa forma, os estereogramas devem
situar‐se em frente ao olho correspondente para que, aquando da acomodação ocular,
possa surgir a essa mesma visão tridimensional do objecto recriado por duas imagens
planas. Sabe‐se que 90% das pessoas executam este processo de divergência, oposta‐
mente ao método cruzado, que resulta da convergência.
13
Figura 4 ‐ Exemplo do processo de visão paralela.
A simulação estereoscópica pode assim ser uma técnica que acentua a expe‐
riência tridimensional de uma situação audiovisual que, como sabemos, é
bidimensional. É disso exemplo o vídeo disponível em linha através do site:
<http://www.youtube.com/watch?v=YKyz3h0sFhc>.
Paralelamente às leis ópticas e artifícios que auxiliam a percepção e construção
de uma realidade tridimensional, é fundamental esclarecer a consequência da
perspectiva como sistema de representação visual.
Será a partir de Filippo Brunelleschi (1377‐1446) que o estudo de leis e
questões científicas acerca da perspectiva se sobrepõe à visão natural, possibilitando
grandes descobertas no que toca à representação de uma situação tridimensional.8
Do latim perspicere, que significa “ver através de”, nasce a palavra perspectiva
(prospettiva, em italiano):
O desenvolvimento do sistema de representação da perspectiva geométrica linear, que ocorre durante o Renascimento europeu, no século XV (Quattrocento), significou tornar o ponto de vista, e com ele o lugar do sujeito, o critério aglutinador central da concepção de imagem (Flores, 2008/2010).
8 No segundo capítulo destacar‐se‐á o conjunto de influências e repercussões do mecanismo de demonstração visual criado por Brunelleschi, na representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze.
14
Desta premissa, o criador executa a obra pondo‐se no lugar do futuro
observador e fruidor.9 É na metáfora dessa sobreposição do olhar que o pintor,
arquitecto e teórico da imagem, Leon Battista Alberti (1404‐1472), remodela os
“métodos de interpretação” do mundo, declarando, no tratado Della Pittura (1435), a
analogia entre o pintor e alguém que observa (que constrói, representando10), de uma
janela, a existência do mundo externo, desvendando nele as suas particularidades.11
A relação entre o carácter subjectivo, associado ao ponto de vista do sujeito –
que determina a própria imagem –, e o carácter objectivo, implícito ao fenómeno
metódico e racional da sua construção geométrica, conduzem Erwin Panofsky (1892‐
1968) a considerar a inauguração do espaço moderno como «experienciável, sistemático
e matematizável». Daí a sua distinção entre espaço perceptivo – «subjectivo, finito,
mutável e heterogéneo» ‐ e espaço perspéctico – «racional, infinito, imutável e
homogéneo» (Panofsky, 1993, cit. por Flores, 2008/2010, e por Reis, 2001: 37).12
Sintetizando, podemos resumir em quatro paradigmas este novo olhar sobre o
mundo: científico, espacial, ilusionista e subjectivo.
Segundo a análise de Vítor dos Reis (2001), o primeiro paradigma, o científico,
diz respeito ao facto de à aparência do mundo e ao olhar humano sobre o mesmo
subjazerem leis óptico‐geométricas, também elas passíveis de ser aplicadas na
mediação da representação visual – o que coloca o observador no centro dessa
projecção central (Reis, 2001: 21‐22).
Relativamente ao paradigma espacial, sabe‐se que a profundidade e
tridimensionalidade são a essência desse mundo, pelo que a consistência dessa
recriação perspéctica pressupõe uma correspondência entre a realidade e a
representação, entre o espaço perceptivo e o perspéctico (Reis, 2001: 21‐22).
9 O espectador é aquele que toma o lugar que o pintor lhe preparou. Na faculdade de determinar a relação que se estabelece entre o objecto representado e o sujeito – como as distâncias, os tamanhos e proporções –, a perspectiva «torna‐se um índice do lugar do espectador» (Damisch, 1987; cit. por Flores, 2008/2010). 10 «Enquanto pinta, pratica uma teoria mágica da visão» (Merleau‐Ponty, 2004: 27). 11 Podemos assim associar o conceito da janela à formulação de Leonardo da Vinci que descreve o plano da representação para a qual é transposta a realidade como um «plano de vidro». Uma superfície transparente que intersectava o espaço e formava um ecrã que rompe com os limites físicos da sua bidimensionalidade, pois dá a ver a profundidade do que está atrás de si (Reis, 2001: 209). 12 Se o espaço perspéctico é infinito, o perceptivo não o é, nem sequer homogéneo, pois é gerado por uma visão binocular e em movimento por parte do observador, ao contrário do ponto monocular e estático a partir do qual se concebe uma visão perspéctica. (Panofsky, 1924‐5: 34; cit. por Reis, 2001: 260).
15
Na presença de uma representação em perspectiva, cuja participação mental do
observador supõe o «conluio» (Kubovy, 1986: 78; Reis, 2001: 203) com o artista no
assumir do ponto de vista a partir do qual foi elaborada, o poder persuasivo da
construção geométrica conduz ao paradigma ilusionista no qual o sujeito elabora
processos mentais que procuram aproximá‐la da noção de verosimilhança.
O processo de construção visual parte assim da actuação do imaginário do
sujeito, de uma experiência individualizada que começa no posicionamento espacial
(específico) da sua fruição e culmina na sua crença e transporte para esse simulacro;
daí, o paradigma subjectivo (Reis, 2001: 21‐22).
A produção de imagens no Renascimento torna‐se assim uma das mais
importantes formas de elaboração da imagem mental do que viria a ser o espaço clássico.
A introdução da perspectiva e a representação tridimensional tornaram‐se essenciais no
modo de conceber a realidade convertendo‐se, consequentemente, no ponto de partida
para uma nova iconografia que, na arte Medieval, se regia apenas por questões de teor
simbólico e era, aparentemente, “plana”.
Na pintura barroca, o assunto da tridimensionalidade e da perspectiva ganha
contornos cada vez mais evidentes e elaborados, repercutindo‐se em grandiosos
efeitos de profundidade. O crescente recurso a pontos de vista específicos (únicos ou
múltiplos), a representação de elementos com diferentes escalas e focagens (partindo
dos princípios perspécticos e noções de profundidade de campo) e os definidos
contrastes claro/escuro, acentuam a tendência para uma representação mais próxima
da realidade e, consequentemente, mais propícia à ilusão perante o espectador.
Já as representações cubistas, nas quais conviviam simultaneamente múltiplas
perspectivas, vêm contestar o carácter rígido e estático das representações. A
incorporação de pontos de vista divergentes afecta o conceito de posição efectiva e
objectiva do espectador, tomando como condição a noção de movimento, de relação
mutável e sensorial para com o objecto percepcionado. No Futurismo empregaram‐se
ainda mais intensamente esses efeitos, o que contribuiu para a transformação do
espaço e das formas ao incluir expressivamente a dimensão temporal.
Gradualmente, não só as descobertas científicas associadas à percepção e aos
meios de assimilar uma construção audiovisual por parte de um indivíduo, mas
16
também o desenvolvimento tecnológico, permitiram que se fundassem novas
estratégias de manipulação da realidade (inclusivamente em tempo real).
A expansão de todas estas capacidades persuasivas tem vindo a tornar a
experiência estética cada vez mais rica e versátil; dessa forma, ao crescente progresso
cultural, equivale a crescente possibilidade de representar ou criar virtualmente
espaços cada vez mais verosímeis.
1.2. Realidade e Ilusão
À visão, entendida como acto de ver, compete a faculdade de observar, verificar, certificar. Mas, ao mesmo tempo, a incógnita da ilusão e do engano, da fascinação e da maravilha (Costa e Brusatin, 1992: 242; cit. por Reis, 2001: 76).
As propriedades do mundo externo sofrem um activo e exigente processo de
escrutínio no qual sacrificamos a informação supérflua para obter o dito conhecimento
e concepção do mundo.
Complementarmente aos outros quatro sentidos, a visão humana colabora
numa experiência sensorial da qual resulta um inconsciente mas sofisticado processo
de configuração do que nos rodeia; reconhecemos coisas relacionando o seu aspecto
visual ao seu sentir13, numa recorrente lógica associativa. A imagem deixada pela
impressão lumínica acaba por persistir e relacionar‐se com outras conjunturas,
associando‐se por meio da imaginação e da memória, o que permite reconstituí‐las,
analisá‐las e certificá‐las, ora identificando ora concebendo novas reflexões.
O processo de inferência inconsciente, fundamentado por Hermann von
Helmholtz (1821‐1894), físico e psicólogo – empenhado em transmitir o entendimento
da visão como processo involuntário –, é, todavia, posto em causa pelo autor Donald
Hoffman (1998: 11) que, para descrever o método criativo de inteligência visual,
prefere o termo «construir» a «inferir», pois afirma que essa denominação
compromete a conotação de uma actividade consciente. Mesmo instintivamente, a
«comparticipação do observador na leitura e interpretação das imagens visuais» que E.
H. Gombrich (2002: 218) apelida de «beholder’s share», é um conceito que define a
condição e o desempenho activos nessa capacidade construtiva.
13 No amplo sentido da palavra, e não limitado ao tacto.
17
Se, para Decartes, a percepção é nada mais que um processo epistemológico,
um acto intelectual que relaciona a informação dos sentidos à interpretação daquilo
que a mente conhece (Descartes, 1641; cit. por Godinho, 2008/2010) – teoria central
aos desenvolvimentos da psicologia gestaltiana e da fenomenologia –, para Merleau‐
Ponty, «o que sustenta a fenomenologia da percepção é a experiência do corpo‐vivido
ou o corpo‐fenomenológico»14; esse corpo «vidente e visível» (Merleau‐Ponty, 2004:
20), que vê e que deixa ver‐se pelos outros.
Torna‐se assim importante referir a divisão existente entre o que construímos
«fenomenologicamente» e o que vemos «relacionalmente» (Hoffman, 1998: 6).15 A
primeira é relativa à configuração visual cujas formas adquirem à nossa volta, ao
experienciá‐las visualmente (fenomenologia) – consentindo, por isso, o delírio e a
ilusão; a segunda é relativa àquilo com o qual “interagimos” quando olhamos, o que
implica que, à partida, esse algo exista verdadeiramente (Hoffman, 1998: 6).16
Se examinámos a questão da estereoscopia e da perspectiva, inerentes à
percepção visual humana – que mencionam o reconhecimento da realidade visual
como resultado do papel mental, da relação entre o processo construtivo e uma lógica
associativa (fundada na experiência) –, é claro deduzir que, uma representação
sustentada pelas mesmas normas se converte, aos nossos olhos, num procedimento
igualmente credível.17
Essa certeza é assim consequência da nossa própria constituição e evolução
enquanto ser; a experiência passada e a apreensão do mundo real, as normas e
convenções pré‐definidas que possuímos comprometem‐nos na convicção com que
14 «Lebenswelt» ‐ Conceito elaborado na fenomenologia que procura definir o território de convicções pré‐adquiridas onde se elabora o conhecimento e a comunicação (Merleau‐Ponty, s.d.; cit. por Godinho, 2008/2010). 15 Terminologias utilizadas na Filosofia. 16 O autor exemplifica com uma analogia à noção de ícone e software (respectivamente «sensação fenomenal» e «sensação relacional»), sendo que o primeiro é a ferramenta visual que serve de interface (adaptado ao utilizador – user‐friendly) e o segundo, o código em si, que desconhecemos, mas com o qual interferimos. 17 Na procura de certificar o mundo externo, o circuito de feedback entre o olho e o cérebro (Solso, 1994: 139) visa articular os resultados provenientes do processo mental tentativa/erro – tomando sucessivamente várias hipóteses. É com base nesse procedimento que K. R. Popper evidencia o pressuposto da «regularidade»; para obter mais exactas ilações sugere o apoio em paradigmas, padrões e esquemas, fornecendo estratégias de sobrevivência neste mundo cheio de irregularidades (Gombrich, 2002: 231). Gombrich chega mesmo a concluir que «o caminho na direcção do ilusionismo é o caminho na direcção da consistência visual, da não refutação de qualquer das suposições que a representação evoca» (Gombrich, 1973: 238, cit. por Reis, 2001: 151). Nesse sentido, a apropriação dessas normas e padrões é essencial na intenção de persuadir o espectador, pois este confiará no resultado percebido.
18
admitimos a veracidade de uma situação. Através do cérebro aprendemos a
questionar e a discernir o que nos é transmitido pelos sentidos sendo induzidos tanto a
admitir como a rejeitar o que nos é incutido pelos estímulos que nos rodeiam; é assim
que formamos o nosso conhecimento ou nossa própria cultura visual.
Consequentemente, se tomarmos em consideração que, ao longo da história,
os dispositivos de produção de imagem foram, são e continuarão a ser pertinentes nas
mudanças no conceito de representação e percepção de espaço, podemos afirmar que
a evolução da imagem, também na sua vertente técnica, se traduz num papel
transformador da imagem mental do pensamento contemporâneo.
Daí podemos deduzir que tanto a evolução da cultura, do meio ambiente, do
corpo e da mente humanas, assim como o desenvolvimento tecnológico, se
comprometem de forma recíproca, ou seja, implicam‐se mutuamente.
Semir Zeki (professor de neuroestética), que procura explicar os aspectos da
criação e da apreciação da arte em relação aos mais primitivos componentes do
instrumento visual humano18, refere que primeiro é necessário adquirir conhecimento
sobre o mundo, e que a arte é parte deste processo (Zeki, 1999: 8‐12); dessa forma o
entendimento de cada época, pelo tipo de representação desse período, é
fundamental no entender do poder criativo e persuasivo de uma imagem. Para tal, a
análise dos próprios dispositivos de produção de imagens torna‐se pertinente para
compreender de que forma estes proporcionaram essa mesma evolução.
Adoptando o percurso do estudo de Jonathan Crary (1990), a criação da câmara
escura possibilitou o distanciamento do mundo e permitiu a captação da realidade
através da sua projecção na tela, por intermédio de um pequeno orifício. Ainda que
revelando um mundo extrínseco à presença do indivíduo, as vantagens da sua
utilização, como o auxílio da representação pictórica, aproximou a imagem da noção
de verosimilhança. Descoberta essa que constituiu um marco substancial em direcção
ao desenvolvimento do processo fotográfico.
Da constatação dessa projecção cónica luminosa que transporta consigo uma
imagem dita real – como se de um sistema ocular se tratasse –, adveio a invenção da
lanterna mágica. Foi Athanasius Kircher (1601‐1680) quem concebeu uma caixa que
18 Tais como a percepção da cor, o reconhecimento da cara, a percepção de formas e de movimento. Procura «desenvolver esboços de uma teoria da estética que é biologicamente baseada» (Zeki, 1999).
19
recebe e projecta imagens numa parede, por intermédio de uma fonte de luz que atravessa
o vidro no qual residem as representações, tornando‐a assim precursora do cinema.
As mais diversas criações proporcionaram o acréscimo da curiosidade pela
imagem, incentivando a produção de tantos outros dispositivos, quer pelo seu carácter
lúdico e contemplativo, quer pela utilidade proveitosa em prol da investigação dos
processos da mente e do sistema visual.
O lado passivo do observador perante a percepção da realidade resultante dos
modelos supracitados suscitou a questão da apreensão individualizada de cada
espectador o que, após alguns ensaios, se distinguiu no estudo da importância da
presença corporal e experiência física no acto de percepção.
O panorama, cujo termo significa “visão total”, foi patenteado por Robert
Barker (1739‐1806) em 1787, e desenvolvido no final do século XVIII como um
dispositivo de imersão sensorial. A complexa estrutura cilíndrica e o topo em cúpula
envolvem o sujeito – que analisa a ampla representação de uma plataforma central – e
este, vendo‐se imerso, abandona a ideia da tela e transporta‐se equivocamente para o
lugar da representação, assimilando essa realidade.
Se a invenção da fotografia veio autorizar o contacto físico com uma
objectivação dos aspectos da realidade, num fiel mecanismo de captura e reprodução
da impressão da natureza – reformulando para sempre a relação do sujeito com a
verdade visual –, a criação do cinema, no século XIX, permite que se incremente uma
outra linguagem específica. À semelhança do vídeo, como artes que registam o
movimento, ambos foram usados para «estender, encurtar, repetir, avançar, atrasar,
acelerar e parar o tempo» permitindo explorar a capacidade manipuladora do
presente, passado e futuro, como a criação de novas narrativas (Rush, 2007: 8). O
compromisso deliberado do espectador para com a projecção frontal do cinema – que
abre na escuridão de uma sala a construção de uma fictícia profundidade – adultera‐
lhe a noção do tempo e do espaço, alienando‐o. Ilusão essa que amplia assim a sua
tolerância para com a outra realidade. Somos voyeurs de uma história com a qual nos
relacionamos emocionalmente ao tomar esse mundo como uma personificação de nós
próprios.
«Essa voluntária e temporária suspensão da descrença, que constitui a fé poética.» (Coleridge, 1817; cit. por Reis, 2001: 250)
20
Ou seja, suspendendo a descrença procuramos certificar e comprovar a
realidade aparente delimitando um campo seguro, ao qual damos azo ao imaginário
para o completar, mesmo estando a consentir uma realidade ficcional e poética.19
A curiosidade pelo desconhecido ou por aquilo que está para lá dos limites
humanos sempre levou à tentativa de o alcançar. E se o pacto com processos de
persuasão nos oferece a capacidade de entender a expansão do mundo para lá da sua
existência limitada, então tendemos a ceder por tamanha ambição.20 Dessa forma,
podemos referir que do consentimento da transformação fenomenológica da nossa
relação para com a realidade e os objectos nela contidos resulta o admitir de uma
realidade subjectiva.
É, assim, facultada ao artista a capacidade criativa de persuadir o espectador a
ver algo que na realidade não vê – uma dialéctica paradoxal onde, por exemplo, é
possível dar a presenciar um não‐lugar. Dessa forma, a imaginação ganha sentido não
só enquanto «geradora de conhecimento», pela apreensão do real − «como
intermediária entre os sentidos e a inteligência»−, mas como uma «actividade
criadora» e até origem de «prazer» (Oliveira, 1996).
A concepção de um mundo ilusório surge assim à luz da imaginação/memória
individualizada, no domínio da sensibilidade de cada espectador. É na própria
experiência relacional deste espaço que se tolera entendê‐lo como tal; sendo um lugar
de experimentação, vai cooperar na formação de novos universos, multiplicando as
formas de percepção de um mesmo espaço.
1.3. Linguagem e Auto‐referencialidade
A arte enquanto instância crítica da modernidade não é menos moderna que a própria modernidade enquanto instância crítica de si mesma. (Azevedo, 2004: 40)
19 Inconscientemente, somos facilmente levados a crer que o que nos é “impingido” é correcto, o mais provável e completo, pois assim a nossa visão o quer ver. Admitimos a verosimilhança de uma representação perspéctica, pois «visa criar a ilusão de tridimensionalidade num sistema representativo bidimensional tendo por referência o funcionamento do nosso olho» (Flores, 2008/2010). Bryson aponta‐o ainda de uma outra forma curiosa: se cremos num atributo de algo, é porque acreditamos no algo cujo atributo pertence; se aceitamos a conotação de uma imagem, então a dedução dessa imagem é real: se «não acredito que existam unicórnios, mas acredito que sejam aqueles que só têm um chifre, então acredito em unicórnios» (Bryson, 1981: 17). 20 Uma espécie de “crer para ver”. Somos convidados a participar de uma ilusão, mesmo na «plausibilidade de uma percepção falsa» (Aumont, 1994: 69; cit. por Reis, 2001: 249).
21
Numa sociedade da imagem vivemos envolvidos numa extensa rede de
significações que tende a expandir‐se; que trouxe consigo e que conduz
exponencialmente à expansão territorial para lá do visível, para um mundo virtual.
Desde sempre, o mundo das representações originou uma contraditória
apropriação do real: por um lado aproxima‐o, pela redundância que assenta no
retratar das suas particularidades, por outro afasta‐o (ou oculta‐o), pois usufrui dessas
mesmas condições para se aproveitar do espectador e, através dele, promover
ilusórias realidades.
Qualquer linguagem representativa, ao comprometer uma significação,
manifesta a possibilidade estratégica da persuasão. Se usamos signos que carregam
códigos úteis à comunicação, isso significa que detemos a capacidade cognitiva de
deles traduzir alguma informação. E se apreendemos que há “coisas” que são “coisas
específicas” é não só por convenção, mas também por crença nessa significação.
Seja de forma directa e concreta, seja de forma subjectiva e imaginária, a
categorização semiótica no acto da percepção vai proporcionar particulares
descriminações.
Sendo que qualquer tipo de experiência estética supõe um processo perceptivo no
qual o sujeito é intermediário, o projecto artístico apropria‐se de códigos e adopta
linguagens específicas para indiciar e comunicar tipos de sensação particulares. Códigos
espaciais, lumínicos, gestuais e simbólicos (entre muitos outros), quando relacionados
nessas peças multimédia, jogam com tensões, equilíbrios, antagonismos e
complementaridades que comprometem a relação do leitor21 com o que lhe é apresentado.
«Equilíbrio, configuração, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor,
movimento, dinâmica e expressão» constituem dez categorias visuais que Rudolf
Arnheim (1957) evidenciou e catalogou pelo facto de proporcionarem a dedução de
estruturas fundamentais à elaboração de imagens, por parte do produtor, assim como
contribuíram também os resultados da psicologia da Gestalt – que distingue os
princípios que regem a configuração de formas.
Ao incorporar esses diversos códigos, constatamos então de que é possível
ampliar uma imagem para além de uma existência exclusiva pois possuímos a 21 Entenda‐se “leitor” num sentido lato. É um sujeito espectador, um produtor e um interpretante; é aquele que observa, que constrói mentalmente aquilo que o abarca, e que o interpreta intimamente, de entre a subjectividade dessa aparência. É um cunho que remete exactamente para a associação do leitor de imagens ao leitor de um texto, ambos vêem e lêem, como veremos adiante.
22
capacidade de decifrá‐los de diferentes maneiras, de ver e entender “coisas” que não
estão aí directamente contidas. «[…] É próprio do visível ter uma dobragem de invisível
em sentido estrito, que ele se torna presente como uma certa ausência» (Merleau‐
Ponty, 2004: 67).
Se, por um lado, a leitura denotativa se refere ao significado adquirido de
forma objectiva e directa, a interpretação de uma imagem, quer na atribuição de uma
categoria, um valor ou estatuto, quer no proporcionar de uma relação emocional, vê‐
se condicionada pelo contexto pessoal no qual a apreendemos, admitindo, por isso,
inúmeras apreciações e conotações de leitor para leitor. No entanto, devemos ter em
atenção que «face ao considerável potencial polissémico do leque de possibilidades
sintácticas, a escrita visual possui um número quase ilimitado de hipóteses
compositivas para expressar o mesmo conteúdo» (Calado, 2008/2010).
A competência iconográfica permite‐nos assim reconhecer o significado do que
as formas visuais reproduzem da realidade. Identificamos e classificamos situações,
relacionamos contextos e estabelecemos associações que dispomos em sequências
com as quais produzimos discursos (iconologia).
Fazemos analogias, pois a conotação actua de um modo metafórico; e se
linguisticamente a metáfora opera por transição de qualidades de um plano da
realidade para outro, se implica uma transposição imaginativa das propriedades desses
planos, significa que actua de modo paradigmático – que é indispensável ao
pensamento criativo. Opostamente a este, quando as associações ocorrem dentro de
um mesmo plano de significação – por contiguidade (na qual operam os indícios dados
pelas metonímias) –, então fazemo‐lo de forma sintagmática, que consiste no modo
como produzimos discursos (Fiske, 1993).
Deciframos os espaços e tempos próprios às imagens tendo em conta que a sua
compreensão engloba também aquilo que relaciona fora de si – que associamos
mentalmente. Ou, quer isso também dizer que é necessário transpor uma abordagem
visual e perceptiva para estabelecer conexões interpretativas.
Tanto Iconology (1986) como Picture Theory (1994), de W. J. T. Mitchell, são
ensaios que reflectem acerca das inúmeras propriedades e questões implícitas à
linguagem da representação visual e textual. Picture Theory começa por evidenciar a
23
sedimentação daquele que é o mundo do visual («The Pictorical Turn»)22, o poder da
imagem nesse novo status que veio reformular o paradigma visual e discursivo; uma
imagem que reequaciona os seus níveis de visualidade e textualidade. Nessa
continuidade, segue‐se um subcapítulo de análise da imagem “como teoria”, como
reflexão acerca da prática da própria representação pictórica – as ditas
«Metapictures» que “teorizam” sobre si próprias. Por fim, «Beyond Comparison»
relaciona as imagens ao discurso pela dialéctica presente numa imagem que inclui a
dicotomia imagem/texto (Mitchell, 1994: 9).
A existência concreta é, assim,
[…] apenas um dos momentos de uma imagem, que pode vir a participar de um processo semiótico, quando encontrar um intérprete que lhes garanta dar seguimento para sua cadeia de interpretações (Peirce, s.d.; cit. por Laurentiz, 2004).23
Dessa forma, e como supracitado, para conhecer o mundo (real ou virtual)
viabilizamos mediações e discursos, traduzimos muitos outros códigos e articulamos
sistemas de signos que constituem vários tipos de linguagens (como por exemplo a
visual e a verbal). Juntas, tanto servem a necessidade construtiva e interpretativa do
mundo, como a vontade expressiva e comunicativa acerca do mesmo, pois são
indispensáveis à experiência humana e ao seu carácter relacional.
Na função de exprimir um pensamento Maurice Merleau‐Ponty enuncia:
O pensamento nada tem de interior, não existe fora do mundo e fora das palavras. Pensar, é "falar‐se", dizer de certa forma coisas a si mesmo. Assim, a linguagem é indispensável ao pensamento e ao seu desdobramento: se é verdade que a linguagem é a expressão do pensamento, é preciso acrescentar que o pensamento é uma palavra interior (Merleau‐Ponty, s.d.; cit. por Parret, 2008/2010).
No seguimento dessa “objectivação”, a reificação de um pensamento em
palavras, podemos pensar na aplicação da linguagem a múltiplos contextos.
De entre as suas funções mais directas (emotiva, apelativa, poética, denotativa
e fática), particularizo a função metalinguística24, que toma a linguagem como objecto
de si própria – reflecte sobre si, debruça‐se sobre os códigos que a estruturam e tudo
aquilo que abrange. Diz‐se, por isso, metalinguagem, pois é auto‐referencial; fala/produz
22 Apelidado em oposição a «The Linguistic Turn» (Mitchell, 1994: 11). 23 Laurentiz, Sílvia (2004) Imagem e (I)materialidade [em linha]. Disponível em <http://www.cap.eca.usp.br/ slaurentz/text/Imagem_Imaterialidade.pdf>, acedido a 07/10/11. 24 Partindo das enumerações propostas por Karl Bühler e Roman Jakobson relativamente às funções da linguagem (Parret, 2008/2010).
24
um exercício sobre si, procura significar‐se pelo seu próprio sentido; é recursiva, porque
não é mais que uma instância de si.25
Nesse sentido, tanto a linguagem verbal como a textual se podem auto‐
referenciar; podem incidir nos códigos que as formatam, discursar sobre o próprio
meio, questionar o seu conteúdo, ou endereçar‐se a representações de si.
«Todos os cretenses são mentirosos», declarava Epiménides (século VII A.C.),
sendo ele próprio de Creta. O paradoxo presente nesta afirmação consistiu na
primeira instância de auto‐referenciação, da qual resultou a simplificação para «esta
frase é falsa» (Gombrich, 2002: 201).
Também Douglas R. Hofstadter, no seu livro Metamagical Themas: Questing for
the Essence of Mind and Pattern (1985) nos desperta para o confronto com a escrita e
a linguagem ao expor um exemplo tão evidente como «Esta frase não verbo»
(Hofstadter, 1985; cit. por Alves, s.d.). Entre outras derivações citadas pelo mesmo
autor:
«Ezta frase não é auto‐referencial porque 'ezta' não é uma palavra.»
«Esta frase sofre ! de pontuação precoce»
«Esta frase não é uma pergunta, mas termina com um ponto de interrogação?»
«Para bom entendedor meia palavra bas.»
«Esta frise contém exactalmente três erros.»
Da mesma forma, o mesmo efeito recursivo pode acontecer dentro de uma
imagem, como é exemplo o feedback. Podemos evocar Drawing Hands (Figura 5) de M.
C. Escher, pelo encadeamento da representação do próprio procedimento, num ciclo
infinito – o mise en abyme.26
25 Um exemplo dessa aproximação é um dicionário, que se resume a definir palavras com significados que são seus sinónimos ou palavras tangentes. Vejamos: «Dicionário (francês dictionnaire) s. m. 1. Colecção organizada, geralmente de forma alfabética, de um conjunto de palavras ou outras unidades lexicais de uma língua ou de qualquer ramo do saber humano, seguidas da sua significação, da sua tradução ou de outras informações sobre as unidades lexicais. 2. Colecção de palavras usadas habitualmente por uma pessoa, por um grupo social ou profissional, num domínio técnico, etc. = GLOSSÁRIO, VOCABULÁRIO. 3. [Linguística] Conjunto de unidades lexicais identificadas, organizadas e codificadas» (Priberam, 2011). 26 Esta ideia de começar num ponto de partida, percorrer a dimensão da representação e voltar curiosamente ao ponto de início, relembra a fita de Möbius: uma superfície de um só lado e fronteira, que não encontra orientação fixa; uma forma aparentemente tão simples, que incorpora um resultado tão complexo, como a noção de infinito.
25
Figura 5 ‐ M. C. Escher (1898‐1972). Drawing Hands, 1948. Litografia; 28.2 cm × 33.2 cm. Washington, EUA: National Gallery of Art (Wikipedia, 2011).
Em La condition humaine (Figura 6) de René Magritte, são exibidos num, dois
quadros entre eles relativos; o artista manifesta a condição auto‐referencial no sentido
tautológico – que se refere à redundância, pela repetição do que já lá está27:
À frente de uma janela vista de dentro de uma sala, coloquei uma pintura que representa exactamente essa parte da paisagem coberta pela pintura. Assim, a árvore na imagem escondeu a árvore por trás dela, fora da sala. Para o espectador, ela estava simultaneamente dentro da sala, dentro da pintura, e fora na paisagem real (Torczyner, 1977; cit. por Wikipedia, 2011).
Figura 6 ‐ René Magritte (1898‐1967). La condition humaine, 1933. Óleo sobre tela; 100 cm × 81 cm. Washington DC: National Gallery of Art, (Wikipedia, 2011).
Dentro dos limites da bidimensionalidade de uma tela, Magritte confronta esse
espaço com um outro igual a si, incluindo, neste caso, outras pinturas dentro da tela
principal.
Mas uma meta‐imagem tanto pode referir‐se a ela própria, a outras que falam
de si, a imagens que tenham mais do que uma leitura, ou a pela relação com discursos
27 Eis o exemplo de um pleonasmo.
26
a ela relativos. Se pensarmos que a experiência humana nos coíbe de desagregar o
visual do verbal (e vice‐versa) é porque encaramos a paridade, o equilíbrio e a
possibilidade de duas linguagens diferentes comunicarem o mesmo. Não
necessariamente como auto‐referência, mas a complementaridade é uma das
ocorrências que subsiste na relação entre linguagens.28
É nesse contexto que recordamos a pintura La trahison des images (Figura 7),
também de Magritte, cujo paradoxo se encontra na incoerente relação entre as
linguagens textual e visual.
Figura 7 ‐ René Magritte (1898‐1967). La Trahison des Images, 1928. Óleo sobre tela; 63.5 cm × 93.98 cm. Los Angeles, Califórnia: Los Angeles County Museum of Art (Wikipedia, 2011).
A representação de um cachimbo, como signo de um verdadeiro cachimbo, é
interrogada pela palavra “ceci” (isto) de «Ceci n'est pas une pipe», tornando a situação
inconsistente. Pretenderá Magritte referir que a representação do cachimbo não é um
cachimbo verdadeiro? Ou que a frase não é um cachimbo? Nesse sentido, discute‐se
também a essência da obra de arte: é, ou não é, uma representação do real? Deve sê‐
lo? E porque é questionado? (Mitchell, 1994: 65).
Mais do que pensar nas semelhanças ou diferenças entre os territórios textual
e visual de uma imagem‐texto importa perceber o que produzem. Aglutinados,
justapostos ou separados, originam diferentes conclusões (Mitchell, 1994: 91).
Partindo do princípio de que uma dissertação teórico‐prática implica, como
refere, uma componente teórica – um «texto em que é feita uma demonstração
através de uma cadeia de afirmações» (Estrela, Soares, Leitão, 2006: 103; cit. por Reis,
28 A dificuldade em separar o campo visual e o verbal vem da interacção entre a experiência ocular e visual que nos devolve imagens, e a parte da mente que as articula e relaciona com palavras e com o discurso verbal. Torna‐se assim uma relação indissociável, um reportório cíclico e auto‐referente. Um exemplo claro dessa correspondência é constatar‐se uma obra visual e a respectiva legenda textual. É um caso em que o textual confronta o visual (e vice‐versa). No entanto, podem complementar‐se, opor‐se ou procurar anular essa mesma analogia.
27
2010, comunicação pessoal) –, e uma componente prática – uma demonstração física
dessas mesmas reflexões –, verificamos a conciliação entre dois mundos: o textual e o
visual. Estes servem assim diferentes expressões de um mesmo propósito, pois
cooperam na manifestação teórico‐prática de uma dissertação. Descrevem e mostram
esse mesmo, mas sozinhos não são capazes de o prover ou comunicar na sua máxima
extensão, pois são complementares.
É essa condição (que articula as dicotomias teoria/prática, textual/visual) que
se procura demonstrar nesta específica dissertação.
2. Contributos para o projecto
2.1. Papel do Espectador: de Brunelleschi à instalação artística
O espaço não está lá só para o olho: não é uma imagem; quer‐se viver nele… rejeitamos o espaço como um caixão pintado para os nossos corpos vivos
(Lissitzky, 1990: 35, cit. por Bishop, 2005: 48).29
Após a introdução dos conceitos abordados no primeiro capítulo, podemos
facilmente começar por situar o contributo de Filippo Brunelleschi nos alicerces deste
projecto e em muitas das produções artísticas até aos dias de hoje.
Ao desenvolver um notável dispositivo perspéctico que veio reestruturar os
paradigmas existentes, Brunelleschi realiza «a primeira tentativa para estabelecer uma
equivalência entre uma representação e o objecto dessa representação» (Bertol, 1996:
89; cit. por Reis, 2001: 63).
Constituído por um espelho e um painel, o facto deste último ser perfurado cria
um canal óptico a partir do qual se observa a representação, reflectida no espelho
(Figura 8). Ao retirar‐se o espelho, o mesmo eixo consente agora a observação da
realidade. Foi esse jogo comparativo que facultou a construção do simulacro da
realidade, e que é condição para que o espectador comprove o efeito da
representação.
29 Que revela exactamente o mesmo: «Estou imerso nele [o espaço], está em toda a minha volta, não só à minha frente» (Merleau‐Ponty, 1964: 178, cit. por Bishop, 2005: 50).
28
Figura 8 – Ilustração do dispositivo perspéctico criado por Filippo Brunelleschi, em 1401, para a representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze (Mitsui, 2010).
O lugar onde se deve colocar o espectador, esse lugar único de onde a pintura exigirá ser vista para produzir o seu efeito, encontra o seu correspondente no quadro, e é no campo deste que ele se deixa, primeiramente, descobrir, por reflexão. Com efeito, a experiência de Brunelleschi demonstra que, o ponto que hoje denominamos “ponto de vista”, este ponto que se acha coincidente, projectivamente falando, com o ponto dito “de fuga”: um e outro têm o seu lugar‐comum no ponto de intersecção entre a perpendicular conduzida do olho ao quadro e o plano onde este se inscreve... (Damisch, 1987: 139; cit. por Reis, 2001: 85).
Na coincidência dos eixos das duas pirâmides visuais – formadas pela
perspectiva central (ponto de vista/representação) e a perspectiva do painel
(representação/ponto de fuga) – o observador é confrontado com o reflexo do seu
próprio olho na representação. Brunelleschi propõe assim a ligação desses pólos:
ponto de vista e ponto de fuga. O espelho é assim mediador da demonstração na qual
aponta também o sujeito como centro da ilusão.
São assim aglutinadas as experiências visuais do criador e do espectador pela
idêntica colocação e observação no momento do exercício. A centralização proposta
por esse «lugar único», o ponto por onde realiza e espreita a representação,30 surge
como um «olhar ciclópico»31 através do qual se intensifica a demonstração
perspéctica.
30 Próximo do de um voyeur de um peepshow. É Hubert Damisch quem qualifica o sujeito observador (da experiência de Brunelleschi) como «voyeur» (Damisch, 1987: 150; cit. por Reis, 2001: 76), e Rudolf Arnheim quem primeiro empregou a expressão «peepshow», a propósito do mesmo dispositivo (Arnheim, 1978; cit. por Reis, 2001: 76). 31 W. C. Wells designava‐o como consequência de os dois campos visuais descoincidentes produzirem uma imagem unitária no «centro da cabeça do observador», facto esse que esclareceu ao construir a chamada «janela mágica», um dispositivo que estuda a visão binocular (Wells, 1792; cit. por Reis, 2001: 182).
29
Contudo, a atitude contemplativa e o posicionamento do espectador do
artifício de Brunelleschi – orientado para o campo que constitui a cena –, que acontece
também na pintura, na fotografia e no cinema, convoca um tipo de leitura que
estabelece condições para uma atitude passiva, na qual o fascínio prevalece sobre a
experiência (Parfait, 2006: 39). Ao explorar maioritariamente aspectos relativos à
percepção e ao visual requer um olhar frontal, estático e centralizado.
No entanto, ao longo do tempo as preocupações dos artistas foram‐se
ampliando e passaram a apropriar‐se da presença de um corpo (Mitchell, 1994: 20),32
começaram a explorar outro tipo de estímulos e a usufruir da linguagem corporal e
espacial. Foi‐se quebrando a posição fixa e inactiva do espectador, e condição da obra
como mera representação do real.
Se avançarmos anos na história apercebemo‐nos de que nos anos cinquenta e
sessenta procurou desenvolver‐se uma arte de ruptura com a estrutura claramente
definida e acabada da obra tradicional – fechada no objecto –, abrindo‐se em virtude de
uma arte cada vez mais participativa, livre e conjunta, da qual são exemplo algumas
propostas como happenings e performances (Almeida, 2004).33
A noção de corpo performativo, que reconhecemos também no teatro e na
dança, na relação entre corpo e espírito, veio‐se alterando não só através da
exploração artística mas também com a rápida propagação das novas tecnologias,
através da computação e dos renovados métodos de interacção. São as aproximações
artísticas através de meios digitais que vêm permitir sair‐se da esfera objectiva do
corpo físico. Aproveitam a presença do corpo humano e a sua capacidade sensorial
para o envolver em estímulos, incitá‐lo a agir e, inclusivamente, transportá‐lo para
locais virtuais.
É nesse contexto que a arte da instalação (ou instalação artística) veio absorver
e agregar as diversas linguagens artísticas.
Pôr em tensão tanto materiais híbridos e espaços heterogéneos como procedimentos de percepção e pensamento que submetem campos tão variados como a ciência cognitiva, a genética, a física, as ciências sociais e políticas ou a arte e a sua história (Parfait, 2006: 26).
32 «This observer is given a body”». 33 Na mesma altura, paralelamente à procura de integrar o espectador, o Minimalismo e as esculturas dessa época vieram evidenciar a interdependência entre o sujeito e a obra, entre a obra e o espaço de apresentação – problemática essa que, como veremos adiante, se repercute na essência da instalação artística.
30
Como resultado desse híbrido processo artístico desenvolve‐se uma moderna
experiência de ser‐se espectador.
A instalação artística prende‐se com uma consciência peculiar: o discurso que
advém da comunhão entre obra, espaço e sujeito; uma linguagem específica que, só
no confronto com a peça, saberemos entender. Vai além da forma como estão
organizadas as peças numa exibição pois dá prioridade à relação entre o acto artístico
e o espaço da sua apresentação – que envolve o lugar e o espectador.
“Lugar” esse que, na definição de Aristóteles, «é parte do corpo que rodeia,
enquanto o define (o limita) e, em contrapartida, não seria nada sem o corpo que
cerca» (Cauquelin, 1996: 133‐134; cit. por Parfait, 2006: 37).
A instalação artística provoca assim no sujeito uma experiência fenomenológica
pela relação dos objectos à dimensão arquitectónica, e não só ao espaço pictórico.
O diálogo entre obra e o espectador estabelece‐se não só à base da linguagem ou reflexão, mas principalmente de uma maneira prática, no sentido recursivo da comunicação, na medida em que estimula a própria acção do observador no contexto da obra. (Giannetti, 2001)
Mais intrusiva, a obra mantém‐se numa espécie de stand‐by e espera ser
activada. É quase dizer que não é autónoma, que implica um co‐criador e, por isso,
participa numa forma de desmaterialização da arte (Parfait, 2006: 28).
De entre as suas mais diversas tipologias, das mais fixas e despretensiosas, às
inconstantes e interactivas, foi maioritariamente este o tipo de aproximação artística
que veio reestruturar a integração do espectador. Abriu caminho a novas maneiras de
incorporação humana, que se inicia na actividade do observador (visto como activador
da obra) e que passa pelo resultado da sua interferência, como o dito co‐criador.
É a «activação» da obra e a «descentralização» do ponto de vista único do
sujeito que permite que, contrariamente a Brunelleschi e à comum «representação de
texturas, espaços, luz e afins», a ditemos como uma arte que nos «apresenta e dispõe
esses elementos à experiência» (Bishop, 2005: 11).
Se, no painel de Brunelleschi, o espaço representado era sistematizado, estável
e isolado, o espaço artístico de uma instalação é aberto e mutável. O envolvimento
recíproco entre ele e o público vem reformular a própria concepção e experiência do
espaço real pois permite que o “Eu” cultive virtualmente peças que façam parte do seu
desejo interno. Por emergir de uma experiência personalizada o espaço perceptivo
adquire assim diferentes contornos através do imaginário colectivo e individual.
31
A fruição privada do espaço representado por Brunelleschi e as possibilidades
de um espaço instalativo ditam assim diferentes posturas do espectador e
proporcionam diferentes entendimentos de um espaço virtual.
2.2. Espaço virtual: Anish Kapoor e Olafur Eliasson
“Obras abertas”, não apenas porque admitem uma multiplicidade de interpretações, mas sobretudo porque são fisicamente acolhedoras para a imersão activa de um explorador (Lévy, 1999: 147; cit. por Almeida, 2004).
A instalação rapidamente se apropriou do tempo e do espaço do espectador
fazendo experiências com aspectos fenomenológicos da percepção.
Segundo Françoise Parfait (2006: 30‐36), por ser uma construção no espaço e do
espaço, é uma arte que desafia os costumes e problematiza a relação entre o interior e
exterior, entre luminoso e escuro, entre público e privado, individual e colectivo; que põe
em causa não só a percepção e a atenção, mas o consumo sensível enquanto experiência
corporal na fruição; que explora, por isso, diversas posturas do espectador – que
converteu numa reacção activa, reforçada por estratégias e meios tecnológicos que
fomentam o conluio com o sujeito.
Entre várias abordagens, a instalação artística apresenta objectos e espaços
ambíguos que conduzem o sujeito a alienar‐se do espaço físico, suspendendo
temporariamente a sua descrença. Projecções imersivas e sistemas programados que
reagem à presença do espectador ambicionam originar efeitos e sensações que vão da
tranquilidade à perturbação, do transe à desorientação. Tanto podem incutir uma
postura imóvel, implicar comportamentos interactivos ou proporcionar um mero
deambular pelo espaço, com o intuito de o descobrir. De uma forma geral, é uma arte
que envolve o espectador numa experiência sinestésica ao provocar a mente e o
corpo, uma inter‐relação dos sentidos para com o espaço.
Neste contexto, citar Anish Kapoor é mencionar a dualidade que imprime nas
suas obras: o jogo entre o todo e o nada, a matéria e a imatéria, o positivo e o
negativo, a luz e a sombra, o convexo e o côncavo, o masculino e o feminino, o corpo e
o espírito, a vida e a morte, entre muitas outras dicotomias.
Interessa‐lhe gerir o limiar entre a realidade e a ilusão conduzindo o espectador
a um limbo entre a racionalidade e a espiritualidade. Kapoor, acima de tudo, trabalha
não só a densidade do espaço físico mas a sua dimensão metafísica. Usa a matéria
32
como ponto de partida para a criar ambiguidades e atribuir aos objectos um carácter
paradigmático. Provoca a sensação de plenitude e de vazio. Como veremos, conturba a
noção de volume dos objectos insinuando‐lhes profundidades; abismos criados por
sulcos e buracos que aparentam não ter fim (Figura 9).
Figura 9 – Anish Kapoor (1954 ‐). Adam, 1988. Pigmento sobre arenito; 119 × 102 × 236 cm (Kapoor, 2011).
Interpela‐nos com blocos e estruturas orgânicas de proporções épicas e
destemidas que nos fazem equacionar a nossa própria dimensão, à do espaço (Anexo 1).
Quando concebe estruturas que sugerem o atravessar de paredes, também nos
reposiciona perante a imponência de uma força que os cria e movimenta; umas
escondem a sua origem, as marcas da sua criação, e parecem despontar do chão (Anexo
2), outras assumem‐se como objectos “autogerados” (Kapoor, 1991, comunicação
pessoal; cit. por Allthorpe‐Guyton, 1991: 47) (Anexo 3 e Anexo 4).
Kapoor confronta o branco da galeria com o uso de simbólicos pigmentos fortes
e puros; contrasta a solidez de uma realidade arquitectónica límpida com as coloridas
esculturas intrusas que interferem com ela (Anexo 5). Cores essas que são como
espíritos, reflexos da divindade que mora no seu interior (McEvilley, 1991: 19).
Em diversas situações faz com que as peças levitem no espaço, que suspendam
o seu aparente peso suprimindo a gravidade. Torna ambígua a própria materialidade
(Anexo 6). Socorre‐se assim do potencial de materiais particulares pelas suas densidades
e possibilidades plásticas. Experimenta a escultura em diversos suportes que afectam
directamente a reflexão do espectador perante o espaço percepcionado. Ora dispõe
formas espelhadas que distorcem a realidade envolvente, sugando‐a num vórtex (Anexo
7), ora reflectem o público numa verdade deturpada (Anexo 8).
33
Anish Kapoor dá tanto quanto suprime; o carácter majestoso das suas obras
tanto nos arrebata, eleva e completa, como nos despoja e inquieta, pela incapacidade
de comportar o sublime. O constante jogo de (des)construção de espaços dá azo à
desorientação do espectador que, nessa condição, se vê compelido a reencontrar‐se, a
surpreender‐se, e a tentar perceber a peça numa atenção demorada. Kapoor pretende
assim comprometer a sensibilidade do indivíduo desafiando‐o a verificar a obra na sua
máxima genialidade.
De entre as mais variadas obras do autor, opto por apontar o carácter
paradoxal de algumas situações nas quais é alusiva a ideia de um buraco. O material
usado (no caso da Figura 10, o pigmento preto) converte‐se numa espécie de não‐
material; elimina a superfície da parede e concede ao espectador o contacto visual
com um espaço virtual, para lá de si, cuja abertura para o novo nos sentimos tentados
a conhecer (Figura 10, Figura 11 e Figura 12).
Figura 10 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Origine du monde, 2004. Pigmento sobre betão. Kanazawa: 21st Century Museum of Contemporary Art (Kapoor, 2011).
Figura 11 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Marsupial, 2006. Resina e tinta; 245 × 370 × 247cm (Kapoor, 2011).
34
Figura 12 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Iris, 1998. Aço inoxidável; 200 × 200 × 200 cm (Kapoor, 2011).
Na concepção visual desse círculo, ao olhar para o espaço/vazio produzido –
esse precipício diametralmente confinado –, apercebemo‐nos de que se expande
numa aparente profundidade imensurável que não sabemos interpretar, pois
perceptivamente não somos capazes de formar o infinito.
Estou ciente da presença fenomenológica nas obras do vazio, mas também o sou de que a mera experiência fenomenológica é, por si só, insuficiente. Descubro que estou a voltar à ideia de uma narrativa sem argumento, o que permite a introdução da psicologia, do medo, do amor e da morte, da maneira mais directa possível. Este vazio não é algo que não se possa expressar. É um espaço potencial, e não um não‐espaço (Kapoor, 1991, comunicação pessoal; cit. por Allthorpe‐Guyton, 1991: 45).
«O espaço da pintura é o espaço da ilusão» (Allthorpe‐Guyton, 1991: 45).
Torna‐se ambíguo, místico e em transfiguração. Produz no espectador a incerteza e a
tentação que se reflecte na curiosidade de testar fisicamente a existência (ou não) de
um plano negro, tactear a existência (ou não) de um buraco profundo; e se sim, quão
profundo?
Aos olhos e à mente, a peça tanto se transcende para dentro si própria, numa
abertura ínfima e tridimensional, como se pode resumir à bidimensionalidade de um
mero círculo, ancorado à parede da sala. Kapoor usa então o pigmento para dar forma,
significado e dimensão à percepção. Trata a matéria como uma ferramenta que
simultaneamente possibilita e compromete a construção visual. Afirma‐se assim pela
produção de obras que permeiam os territórios da realidade e do virtual.
É nesse mesmo limiar, na experiência da ilusão e da ambiguidade, que Olafur
Eliasson funda também as suas obras.
Eliasson começou por estudar o ser humano, a sua psicologia e neurologia.
Interessa‐se pelo «intervalo entre a expectativa racional de uma ocorrência e a sua
correlação com a experiência visceral dela»; procura relacionar «a acção instintiva da
35
percepção e a lógica da compreensão» (May, 2003: 18). Preocupou‐se assim com o
entender do comportamento e das capacidades perceptivas do sujeito através de
ilusões que são mais que meras situações ópticas. As suas obras são, como diz,
«produtoras de fenómenos» (Eliasson, 2002: 14; cit. por May, 2003: 19).
Em espaços descontextualizados, como num museu, recria processos
atmosféricos tão autênticos quanto a sensação de nevoeiro, vento, arco‐íris, sol,
chuva, neve e cascatas. Ao simular fenómenos naturais34, produzindo ambiências
exteriores no interior da arquitectura, o artista desperta no observador o conflito na
distinção entre mundos: natural e urbano, entre natureza e humano, entre interior e
exterior, objecto e sujeito, real e virtual, entre arte e vida. Como se se corrompessem
uns ao outros, penetrando‐se mutuamente.
Os seus inúmeros projectos enredam assim o sujeito numa teia que alia o
espaço externo ao espaço do museu, o espaço real e o virtual da obra. Contudo, fá‐lo
de forma transparente, ou seja, explora esta indissociável relação de forma aberta
quando opta por deixar visíveis os métodos de criação e processos de persuasão a que
recorre.
Foi em 2003, no projecto The Weather Project (Figura 13), que Eliasson obteve a
sua maior audiência. Através dele, o museu adquire as características do mundo lá
fora, como um «microcosmo da sociedade» (Eliasson, 2002, comunicação pessoal; cit.
por May, 2003: 17‐22).
A luz emitida por um sol fictício não resultava de uma estrutura totalmente
circular mas a colocação dos planos que a compunham e os espelhos que a reflectiam
produzia uma auréola difusa, com irregularidades no seu contorno, acentuando a
aparência realista. Complementarmente, a névoa produzida pelos diversos
humidificadores contribuía para a difusão da luz produzindo uma atmosfera
confortável, pacífica e letárgica. O efeito imersivo era conseguido tanto pela afinidade
simbólica e nostálgica para com o sol real – ali destituído da sua circunstância natural –
, como pela geração dessa ambiência quase hipnótica que criava condições para uma
atitude passiva, contemplativa e de meditação sob o objecto de “adoração”.
34 Pode dizer‐se que o autor faz uma certa alusão entre o fenómeno meteorológico e a fenomenologia da percepção (Bishop, 2005: 76).
36
Figura 13 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). The Weather Project, 2003. Técnica mista; dimensão variável. Londres: Tate Modern (Wikipedia, 2011).
A evidenciar esse facto, todos os artifícios utilizados estavam à mercê da
percepção do sujeito, desmistificando a realidade do fenómeno. Um espelho, situado
no tecto, reflecte a consciência dessa encenação possibilitando a capacidade de nos
vermos como um terceiro, externo a nós e ao objecto, no acto da percepção (Eliasson,
2002, comunicação pessoal; cit. por May, 2003: 17‐18). O filósofo Merleau‐Ponty
refere essa distância como necessidade inerente à compreensão da natureza da
percepção:
Ao analisar um objecto substituímo‐lo pela nossa consciência dele; então, na tentativa de construir uma percepção baseada nas coisas percebidas, caímos no reconhecimento de que estão, elas próprias, apenas acessíveis através da percepção (Merleau‐Ponty, 1961: 5; cit. por May, 2003: 18).
É o reconhecimento perceptual e ideológico que Eliasson procura activar no
espectador quando intitula algumas das suas obras com o pronome possessivo
«teu/tua/vosso»; uma estratégia para relembrar o individuo de que «detém o papel
principal na produção estética da obra de arte» (Grynsztejn, 2007: 14).
De formas diferentes, tanto Anish Kapoor como Olafur Eliasson procuram
fomentar no sujeito a vontade participativa da experiência do espaço perceptivo. Se a
especificidade de Kapoor ocorre em apontamentos escultóricos que corrompem a
realidade interna do museu, abrindo poros para um espaço virtual, Eliasson apropria‐
37
se de fenómenos da realidade externa ao museu para invadir o espaço interior e
fascinar o espectador na exploração de um espaço virtualmente próspero. O interior
abre‐se para um exterior e um exterior penetra no interior, respectivamente.
É a controversa percepção e interpretação da matéria por parte do espectador
que torna interessante o jogo de realidades e permeabilidades presente nas
instalações de ambos os artistas.
No âmbito dos trabalhos aqui apresentados, Anish Kapoor trabalha por
contrastes de cor e densidades materiais para sugerir significados paradoxais na
relação com os seus opostos: matéria/imatéria, bidimensional/tridimensional,
físico/metafísico. Uma busca tangente à simbologia e ao espiritual, que medeia a
(in)visibilidade do real e do transcendental. Um exemplo dessa intenção é Ascension
(Figura 14), instalada recentemente na Basílica di San Giorgio Maggiore – durante a
Bienal de Veneza deste ano. Esta consiste numa coluna de fumo que emerge da base e
se ergue em direcção ao topo (sugada pelo centro da cúpula), um processo deveras
metafórico da ascensão divina. Kapoor confere volume à condição etérea da obra,
concedendo ao observador o contacto visual com o transcendental que, no entanto, é
impalpável e imaterial.
Figura 14 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Ascension, 2011. Técnica mista; dimensão variável. Veneza: Basílica di San Giorgio Maggiore (Making Art Happen, 2011).
Já Olafur Eliasson, que recorre a elementos da natureza para produzir um
conflito igualmente (i)material, descreve o seu trabalho como «dispositivos para a
38
experiência da realidade» (Wailand, 2000: 127; cit. por Grynsztejn, 2007:18); realidade
essa que se encontra entre «o próprio tacto, a heterogeneidade e o universo em
constante mudança, num encontro algures entre um evento concreto e a sua luminosa
apercepção» (Wailand, 2000: 127; cit. por Grynsztejn, 2007:18).
Beauty (Figura 15), uma obra na qual produz um arco‐íris através de uma placa
perfurada que se deixa atravessar por água, iluminada por uma lâmpada, é exemplo de
uma experiência tão autêntica que as movimentações de um espectador (ou as
diferentes localizações de vários indivíduos) vão implicar distintos resultados. Significa
que, de forma natural (pelo efeito de refracção), Eliasson consegue que cada
espectador tenha literalmente uma percepção divergente da sua peça (May, 2003: 19).
Figura 15 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). Beauty, 1993. Técnica mista; dimensão variável. Chicago: Museum of Contemporary Art (Eliasson, 2011).
Podemos então concluir que a arte da instalação veio reestruturar o conceito
de espaço sensível (real, representativo e perceptivo) e a centralização no sujeito.
Por diversos métodos, vários foram os artistas que tomaram o acto perceptivo do
espectador como assunto da peça a própria, ou seja, evidenciaram a própria consciência
do observador no momento da experiência. Confrontaram‐no consigo. Demonstraram a
distância e a subjectividade do acto de fruição, subjugando‐o a uma experiência de
descentralização. Nesse sentido, obra torna‐se um meio para que o sujeito seja ele
mesmo um instrumento de transcendência. Sai de si para ver‐se a ver, para sentir‐se a
sentir. Permite, por isso, uma experiência internamente fragmentada e dividida.
39
Se nos debruçarmos sobre o espectador das esculturas minimalistas,
apercebemo‐nos dessa descentralização. Quando o objecto e o seu observador são
reciprocamente interdependentes, a percepção envolve não só a visão mas o corpo, o
espaço circundante e a circunstância; então a experiência de uma obra minimalista dá
prioridade às condições externas ao objecto, em detrimento de uma apreensão do seu
conteúdo.35 O espectador descentraliza‐se e procura fazer relações entre o objecto
artístico e o espaço, entre eles e o seu corpo (Bishop, 2005: 71). Tal como essas
esculturas, as instalações artísticas são «obras que permitem uma experiência
perceptiva em primeira instância», e que nos chamam à atenção para o nosso próprio
processo de perceber (Bishop, 2005: 50).
Ao subverter a perspectiva renascentista que centrava o espectador,
estenderam‐se à condição humana de um ser individual e fragmentado, alguém que se
relaciona com o mundo de forma múltipla e subjectiva cujo corpo, como sugere Bruce
Nauman, «antes de ser um unificado repositório de percepções sensíveis está, de
facto, em conflito consigo» (Bishop, 2005: 69).
Na manifestação desta ocorrência, Nauman, juntamente com outros artistas,
visou explorar a prática artística partindo das possibilidades expressivas da linguagem,
assim como analisar as repercussões nesse espectador dividido.
2.3. Linguagem Audiovisual: Bruce Nauman e Gary Hill
«Talvez todos os nossos modelos, não só da história, mas da estética, sejam secretamente modelos do sujeito» (Foster, 1998: 165; cit. por Bishop, 2005: 128).
As mais variadas exteriorizações sensíveis do exercício artístico têm vindo a
dialogar com o espaço e o tempo do sujeito num híbrido processo de significação. Uma
interligação gerada por campos distintos da semiótica (sintaxe, semântica e
pragmática) que tem por objecto qualquer linguagem ou sistema sígnico.
Nesse sentido, «o uso de elementos num propósito artístico não serve apenas
uma intenção estética mas uma construção de códigos culturais» (RUSH, M., 2007:
72);36 e para Bruce Nauman verifica‐se não apenas na sua efectivação, mas no
35 Para o qual contribui a simplicidade das formas e os materiais não‐expressivos ou simbólicos a que recorre. 36 Referindo‐se ao trabalho de Kosuth.
40
questionar do seu processo. Não lhe interessa uma expressão estética estanque mas
sim a possibilidade de apurar as suas características, os procedimentos, os sucessos e
os fracassos. Preocupa‐se essencialmente em analisar formas de comunicar; estudar os
seus desvios e rupturas, pois é pelas oscilações que se reconhecem os limites de um
território. É nesse contexto que Nauman entende a linguagem como uma espécie de
jogo, uma prática diária que reflecte as várias formas da vida e que é,
simultaneamente, legitimada pelas mesmas (RUSH, M., 2007: 72). É considerar o
paradoxo: «Como é que o conceito de um medium se pode ter desenvolvido a partir da
nossa experiência do mundo, se são eles que a constituem estruturalmente?» (Pinto,
2011: 14).37 Na observação deste facto, é necessário ver a linguagem à luz da sua
própria condição de possibilidade, entendê‐la numa perspectiva transversal aos seus
próprios processos: o que a proporciona, o que a configura, e qual a sua consequência.
Faz assim sentido pensar que o fenómeno da percepção é causa e efeito da
comunicação. A linguagem é o produto da experiência do real e da vontade expressiva,
e dessa mesma, surge a necessidade comunicativa.
Como qualquer linguagem, o discurso artístico pressupõe o conhecimento dos
seus elementos, dos seus códigos e do seu processo de construção.
Se pensarmos no vídeo – que emerge quando as fronteiras entre as artes (ditas
tradicionais) se esbatiam – constatamos que surge pelas mãos de artistas, coreógrafos
e activistas que procuravam usá‐lo como canal para expressar uma ideia em si, mais
que com o intuito de estabelecer um vínculo identificativo com o próprio meio, ou
seja, que os definisse como vídeo‐artistas (RUSH, M., 2007: 9).
Envolve, por isso, inúmeros e distintos exercícios: serviu a ligação entre o físico
e o conceptual (através do registo de práticas performativas ou situações de
videovigilância), a distinção entre a narrativa e a não‐linearidade (desmaterializando a
linguagem do Cinema através da construção de novas narrativas), entre o
experimental e a crítica dos media (através da exploração das potencialidades técnicas
do próprio meio e linguagem, assim como através de documentários activistas ou
oposições à cultura dominante), e como resultado da combinação com outras
tecnologias (das quais resultam situações híbridas ou instalações interactivas) (RUSH,
M., 2007: 9).
37 Partindo da afirmação de Friedrich Kitter, citada por si: «Os media determinam a nossa situação» (Pinto, 2011: 14), que emprega para questionar a origem do design de comunicação.
41
Configurou, por isso, diversas vertentes expressivas da linguagem audiovisual
cuja leitura e entendimento por parte do espectador implicou diferentes posturas e
respostas. Para fins específicos, assumiu‐se sob variadas formas e ocupou o tempo e o
espaço do espectador, ora em directo ora diferido, de forma lógica ou incoerente, em
grande ou pequeno formato, num momento único ou multiplicado.
Mesmo que o vídeo tivesse um suporte técnico distinto – o próprio dispositivo, por assim dizer – ocupava uma espécie de caos discursivo, uma heterogeneidade de actividades que não poderia ser teorizada como coerente ou concebida como se tivesse alguma essência ou um núcleo unificador. […] Proclamou o fim da especificidade do médium (Krauss, 1999: 31‐32).
Bruce Nauman, um dos amplos exploradores do vídeo, nunca chegou a
desenvolver um estilo específico pois operou sobre diferentes práticas. Inspirado pela
complexidade linguística e existencialista do trabalho de Samuel Beckett, estimulado
pela filosofia de Ludwig Wittgenstein e pelas experiências musicais de John Cage (entre
muitos outros), propôs‐se a entender a existência, a condição e a interacção humanas.
Para tal, parte da forma como se processa a comunicação, e de como linguagem é
fundamental nesse decurso.
Como ponto de partida, assume a duração de uma cassete de vídeo para
registar a contínua relação escultórica do seu corpo com um espaço‐temporal; serve‐
se assim da própria mobilidade como «extensão de uma escultura» (Rush, 2007: 72).
Apropria códigos comportamentais que recolhe da relação com o quotidiano, sendo
que o estúdio se torna palco das suas preocupações com o processo artístico, no qual
emprega a linguagem corporal como matéria do acto criativo.38
Stamping in the Studio (Anexo 9) e Slow Angle Walk (Beckett Walk), ambos de
1968, são exemplos de exercícios (literais ao título), nos quais executa repetitivos
movimentos como se de um ritual se tratasse. Através destes, Nauman revela as
habilidades e fragilidades do comportamento humano. Condições essas necessárias ao
entendimento do processo de comunicação da humanidade. A referida tentativa, o
sucesso e o fracasso.
«Acho que o ponto onde a linguagem começa a quebrar‐se como uma ferramenta útil para a comunicação é o extremo onde ocorre a poesia ou arte» (Nauman, s.d.; cit. por Tate Org. Liverpool, 2006).
38 Como o destaque dado ao corpo performativo do processo artístico de Jackson Pollock.
42
É nesse sentido que o trabalho de Bruce Nauman se torna recursivo e se forma
como um sistema auto‐referencial. Incide no estudo da linguagem através dos seus
próprios trâmites e limites, pois é no limbo entre o êxito e o insucesso que explora os
processos da própria comunicação.
Nessa continuidade, executa Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, &
flip/flop (Fat Chance John Cage) (Anexo 10), em 2001, uma espécie de retrospectiva dos
anteriores trabalhos por ser metáfora da mesma preocupação. Nauman exibe sete
fragmentos do seu estúdio – agora omitindo a sua presença – como espaço da
ocorrência artística; o ambiente e as ferramentas surgem como símbolo omnipresente
do seu processo expressivo.39
Implícita à comunicação, também a linguagem verbal é condição prática da vida
diária de um sujeito. De forma irónica, Bruce Nauman vai pôr ao serviço das suas ambições
inúmeras obras nas quais reflecte jogos linguísticos, visuais e sonoros, que afectam a
significação do espectador. Manipula a linguagem usufruindo de códigos e convenções
que, mais uma vez, promovem a ideia da fragilidade da comunicação (Figura 16).
Figura 16 ‐ Bruce Nauman, Human Nature / Knows Doesn't Know, 1983. Vidro e tubos de néon; 230 x 230 x 35 cm. ARS, NY e DACS, Londres; Cortesia da Colecção Froehlich, Estugarda (Tate Org., 2006).
Uma situação ambígua que envolva funções sintácticas e semânticas a que
estamos familiarizados leva‐nos facilmente a entender novas combinações ou a
deturpar significados. Nauman experimenta exactamente esse extremo no qual o
espectador é confrontado com a dificuldade de construir sentidos, de relacionar os
conceitos implicados e de, com eles, estruturar discursos e pensamentos. A percepção
e a significação entram em colisão e deixam‐no incapaz de entender e traduzir
claramente aquela que seria uma linguagem comum e natural.
39 O espectador da instalação é colocado no centro das projecções e actua como um vigilante desse mapeamento “abstracto” do espaço (em diferido); posição central essa que, nas obras anteriores, era ocupada pelo autor, que procurava o seu equilíbrio no enquadramento de um circuito‐fechado.
43
Descontextualizados, vinte e dois textos são verbalizados ao longo do espaço
da Turbine Hall da Tate Modern, numa instalação intitulada Raw Materials, em 2004.
Sonoramente, Nauman demonstra como a matéria‐prima, pura mas solta, pode ser
igualmente desconcertante. Frases e palavras desarticuladas do seu locutor, de uma
estrutura lógica ou referência física e visual, são capazes de promover um caos lexical.
Geram a tentativa de reconstituir um sentido num discurso inconsequente e complexo,
evidenciando a fragmentação que existe também na linguagem verbal.
Muitas outras obras deste artista são, como as seguintes de Gary Hill, vídeos ou
instalações audiovisuais cuja problemática assenta na exploração dos processos da
linguagem como veículo da expressão artística. Mas mais que a importância do
material, ambos estudam, questionando, os métodos que contribuem para inviabilizar
ou estabelecer mediações.
Gary Hill utilizou o vídeo como conduta para investigar a relação elusiva entre
as palavras, os sons e as imagens, os interstícios que tornam a linguagem vaga,
imprecisa ou limitada. Incidence of Catastrophe (Figura 17) é uma peça que considera a
«perda da inocência com a entrada da literacia» (RUSH, M., 2007: 126). O autor
inspirou‐se no processo evolutivo de formação da linguagem da sua filha (e em várias
referências literárias) para representar o diálogo constante com o imaginário, no acto
de leitura. Construiu um jogo audiovisual de relações semânticas que interfere
sinestésica e psicologicamente com o espectador (RUSH, M., 2007: 126).
Figura 17 ‐ Gary Hill, Incidence of Catastrophe, 1987‐8. Vídeo (cor, som); 43:51 min. Cortesia de Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (MoMA Collection, 2010).
Já em Disturbance (Among the Jars) (Figura 18) Hill confronta o uso da linguagem
verbal e escrita para que o espectador procure conciliá‐las, traduzi‐las e relacioná‐las
com as significações visuais que produz. Imagens, textos escritos e pronunciados são
fragmentos do conhecimento. E é essa decomposição que o artista expõe ao
44
espectador para que este analise introspectivamente e reconstrua significados da
fusão que executa.
Figura 18 ‐ Gary Hill, Disturbance (Among the Jars), 1988. Vídeo‐instalação (som). Centre Georges Pompidou, Paris (Jones, 2007).
O processo comunicativo que propõe através dos sete monitores pode assim
tomar sentidos divergentes dependendo daquele que o interpreta. Evidencia a
dualidade (física e mental) do espectador ao confrontar‐se com um espaço híbrido
onde coexistem linguagens que jogam com correspondências e divergências entre os
diferentes códigos. É a interdependência das significações (visuais, verbais e textuais)
do imediatismo da leitura que o autor pretende ilustrar através da desconstrução do
processo comunicativo.
A percepção é assim fruto de um ínfimo conjunto de associações e lógicas que
se reúnem para tornar coerente a concepção de uma mensagem recebida, parta ela de
uma palavra, de um som, de uma imagem ou qualquer outro tipo de configuração.
«Mover o meu corpo para mover a minha mente para mover as palavras para mover a minha boca para girar o impulso do momento. Imaginando o cérebro mais perto do que os olhos» (Assche, 2005: 34).40
Figura 19 ‐ Gary Hill, Site Recite (a prologue), 1989. Vídeo (cor, som); 4:05 min. Cortesia de Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (Electronic Arts Intermix, 2011)
40 Citando parte do monólogo proferido na peça de Gary Hill, Site Recite (a prologue).
45
Site Recite (a prologue), produzido em 1989, é mais uma obra‐chave do autor.
Como em todas as outras, a sua essência reside num exercício sobre a linguagem. Um
narrador invisível verbaliza os seus próprios pensamentos acerca da relação sensível
com o mundo. Uma dissertação cadenciada pelo espírito e pela consciência do que se
depara na vida; um discurso que se harmoniza num sincronismo entre o áudio e o visual.
O espectador é convocado a deixar‐se levar pelas palavras, pela textura e
entoação da dicção. Evade‐se de si e encarna a mente e as palavras do narrador. O
alento da mensagem fá‐lo caminhar nessa viagem onde surgem objectos sobre os
quais se foca e desfoca, sobre os quais se debate e mentaliza. Esses, enfatizados pela
voz e pela imagem, apontamentos de outras vidas como marcas de um passado
histórico, são corpos dispostos num sistema preciso e ordenado, um círculo que gira e
que pára, aos poucos (Assche, 2005: 93).
A fusão que Gary Hill promove entre neste jogo audiovisual revela a própria
definição da linguagem, a matéria nebulosa de que são feitos os pensamentos e a
transição dos mesmos para o plano da sua materialização expressiva.
Como símbolo de tudo isto, conclui o vídeo com o regresso da voz à boca do
narrador (áudio e visualmente). Acedemos à sua consciência sendo levados ao ponto
onde se origina a essência da mensagem da obra.
3. Projecto de uma Dissertação teórico‐prática virtual
3.1. Condição teórico‐prática da dissertação
Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria. […] Completam‐se. Foram feitas uma para a outra. (Pessoa, 1926; cit. por Citador, 2011)
A sujeição à entrega de uma dissertação teórico‐prática – como resultado da
conjugação complementar entre uma componente teórica e uma componente prática
–, levou à curiosidade de questionar essa específica condição; problematizar a
complementaridade da sua existência através das linguagens textual e visual.
Os conceitos e territórios misturam‐se facilmente porque, como sabemos,
tanto podemos associar o textual à teoria e o visual à prática, como podemos praticar
a escrita, e teorizar sobre o visual.
46
Assim sendo, a natureza recursiva de uma dissertação que se debruça sobre a
sua condição teórico‐prática envolve, necessariamente, uma auto‐reflexão. Ambas as
linguagens (textual e visual) procuram contribuir para esclarecer a lógica
complementar inerente à dicotomia teoria/prática. Como tal, sujeitam‐se a reflectir
sobre si próprias, debatendo‐se num sistema auto‐referencial.
Ou seja, esta componente teórica é uma demonstração textual acerca da
complementaridade intrínseca a uma dissertação teórico‐prática; e a componente
prática (uma instalação posteriormente descrita) põe em prática esta mesma
demonstração, mas visualmente. Complementam‐se, fortalecem‐se e citam‐se, pois
são, efectivamente, a mesma coisa – ainda que se constituam sob domínios e códigos
específicos. Logo, é através da híbrida linguagem formada pelo vínculo entre ambas
que se demonstra a condição teórico‐prática da dissertação.
Se lhe compete esclarecer e demonstrar a complementaridade envolvida,
então significa que responde a:
‐ De que forma pode a condição teórico‐prática de uma dissertação ser
demonstrada simultaneamente na componente teórica e na componente prática?
‐ Se as componentes são recursivas – porque a teoria se reflecte na prática, e a
prática na teoria –, como pode a componente teórica complementar o que ocorre na
prática, se ela própria é objecto da demonstração prática? (E vice‐versa).
‐ Se a componente teórica implica uma linguagem textual, e a prática visual,
que tipo de especificidade devem conter, para que ambas se aliem numa mesma
demonstração?
Sintetizando, que tipo de demonstração possibilitará evidenciar a
complementaridade implícita a uma dissertação teórico‐prática?
É na resposta a esta problemática que se considera a hipótese de demonstrar
virtualmente a complementaridade entre as linguagens textual e visual, como símbolo
conceptual da condição teórico‐prática da dissertação.
A componente prática assume‐se assim numa instalação estruturada pela
fundamentação exposta nos capítulos desta componente teórica: os princípios que
regem a construção visual, os processos de representação da realidade, a produção de
uma ilusão e a criação de um espaço virtual.
47
No espaço expositivo, o espectador é confrontado com um estereoscópio ao
centro e dois elementos que o ladeiam. A colocação estratégica dos dois elementos
parte do princípio de refracção da luz41, da extensão do campo visual humano42.
Disposição essa que permite que os reflexos provenientes do espelho esquerdo e
direito sejam coincidentes quando sujeitos à experiência da projecção central que
proporciona a visão por um estereoscópio.
No vértice esquerdo desse eixo horizontal em que estão colocados os
elementos encontra‐se o objecto da componente teórica (esta mesma dissertação) e,
no direito, um televisor em circuito‐fechado como uma câmara que regista a própria
instalação (Apêndice 1).
Quando enfrenta a peça, o sujeito apercebe‐se de que, ao observar
correctamente o estereoscópio, ambos os objectos – percepcionados individualmente
por cada olho – se unem pela intersecção entre o eixo que parte do centro em que se
coloca o espectador, e a convergência perspéctica dos dois eixos visuais.43
Automaticamente, o seu cérebro conceberá a fusão da dissertação teórica e do
televisor, sugerindo um terceiro elemento, virtual e conceptual (Apêndice 2).44
O ângulo recto que os espelhos formam permite que se suprima o reflexo do
próprio sujeito, e proximidade ocular do dispositivo faz com que se ocupe a totalidade
do seu campo visual, omitindo a noção dos limites dos espelhos. Consequentemente,
contribui para que se anule a consciência da superfície espelhada o que incute um
mais profundo olhar para lá, para além dela, para um espaço virtual, mas também ele
aparentemente tridimensional.
Sendo que o seu objectivo é produzir uma ilusão, é na suspensão da realidade
concreta que o processo mental proveniente da experiência coadjuva no desejo de
concebermos e crermos numa imagem virtual.
A tensão da instalação reside assim na polaridade do espectador: por um lado,
resolve uma correspondência óptica e instantânea na aglutinação visual que os olhos
41 Que resulta num ângulo igual ao de incidência na superfície. 42 Que é cerca de 2000 na horizontal (dos quais cerca de 1200 correspondem ao campo visual binocular) e de 1350 na vertical (Hershenson, 1999: 11; cit. por Reis, 2001: 166). 43 Se necessário, aconselha‐se nova leitura do primeiro capítulo, na secção «1.1. Estereoscopia e Perspectiva», p. 9. 44 Resultado de um processo semelhante ao que origina o nosso aparato visual, ou seja, a partir de dois campos visuais diferentes (informação referente à visão pelos olhos esquerdo e direito), o sujeito forma uma “terceira” e única visão.
48
executam (através dos espelhos); por outro, a mediação do estereoscópio
proporciona‐lhe um entendimento mais do que visual. A articulação dos significados
dos elementos reais que funde virtualmente tem uma consequência conceptual.
O produto estereoscópico origina então um reflexo visual e uma reflexão
mental: um jogo entre reflexão (dos espelhos) e contra‐reflexão (auto‐reflexão do
sujeito).45
Quando o espectador surge num extremo da instalação, no outro produz‐se a
demonstração virtual; passam a existir então quatro pontos que formam dois eixos. Ou
seja, na presença do espectador, o eixo horizontal propõe uma leitura transversal –
cria‐se um eixo vertical. É desta forma salientado o papel do espectador como
activador e lugar (da configuração mental) do fenómeno virtual criado (Apêndice 3).
O estereoscópio, central e fundamental a todo o processo de ilusão, faculta a
composição desse conceito virtual que é símbolo de algo que, textual ou graficamente,
é impossível de representar através de apenas uma das linguagens. Se cada território
(textual e visual) tem as suas implicações – como o recurso a códigos próprios de
significação –, então o contraponto entre ambos produzirá um todo específico que não
se resume à soma por si só, mas ao resultado híbrido da relação entre eles, como um
produto.46
Se a componente teórica não é suficiente para esclarecer a condição teórico‐
prática da dissertação, também à componente prática, sem a complementaridade da
teórica, seria impossibilitado o mesmo processo. Nesse sentido, apenas relacionadas é
que se significa a intenção conceptual desta específica dissertação. É a demonstração
virtual criada pelo estereoscópio que permite ao espectador confrontar‐se com a
complementaridade que lhe é inerente. E só mesmo através de si é que o ciclo se
fecha e produz o efeito desejado. Sem um sujeito perante o estereoscópio, não há
mediação.
É então criado um sistema que parte da actividade do espectador: por um lado,
ao dirigir‐se ao extremo esquerdo (dissertação teórica), poderá entender, lendo, a
45 Quer para Pavlov, que sugere a reflexão como «gesto nuclear do acto de pensar», quer para Hegel, que a entende como o «processo das coisas, reproduzindo‐se sobre a influência de outras coisas ‐ ideias, imagens, sensações», a teoria da reflexão mostra que «o pensar é um processo activo de gestação de coisas a partir de reflexos de contacto com outras coisas» (Godinho, 2008/2010). 46 Partindo do princípio da Gestalt, que afirma que “O todo é diferente da soma das partes”, o todo não se esgota na soma das partes.
49
teoria da prática; ao observar o extremo direito (televisor), poderá perceber, vendo,
como é posta a teoria em prática; por outro, se olhar em frente, gerará a conciliação
visual e a relação conceptual entre ambas as linguagens.
A demonstração virtual proveniente do estereoscópio proporcionará perceber
a peça como um dispositivo que recai acerca da condição de complementaridade
inerente à dissertação, a indissociável relação entre teoria e prática.
Separemos então os campos e elementos deste projecto:
Componente teórica: Dissertação teórica (linguagem textual) e apêndices
esquemáticos (linguagem visual).
‐ Incide sobre si e sobre a sua forma particular de complementar a componente
prática. Discursa acerca das linguagens que lhes são implícitas e sobre o seu papel na
demonstração de uma dissertação teórico‐prática.47
Componente prática: Instalação: componente teórica (linguagem textual),
estereoscópio e televisor em circuito‐fechado com uma câmara de vídeo (linguagem
visual).
‐ Regista‐se a si própria e integra a componente teórica. Revela visualmente as
linguagens que lhes são implícitas e o seu papel na demonstração de uma dissertação
teórico‐prática.48
Projecto de uma dissertação teórico‐prática: Demonstração virtual da relação
dicotómica e complementar entre as componentes teórica e prática da dissertação,
sendo que a híbrida linguagem que lhe é inerente se origina na fusão entre o textual e
o visual (Apêndice 4).
A componente teórica “posta em prática” produz uma instalação que, na
interpretação do sujeito, é simultaneamente a exposição e a explicação de si mesma,
pois demonstra‐se. Suscita o estímulo necessário ao entendimento da obra (visual e
intelectual), e resume‐se ao próprio esclarecimento, ou seja, é uma autopoiese de
sentido, daquilo que envolve e propõe.49
47 No entanto, é uma demonstração que não se completa sem a experiência da obra/prática. 48 Contudo, não opera sem a presença e construção mental por parte do espectador. 49 Sistemas auto‐suficientes e estruturas autónomas são organizações que relacionam métodos de autosustentação ou que geram processos de se recriar a si próprias. Quer na biologia, na sociologia, na filosofia, ou mesmo na arte, a expressão “autopoiesis” surge associada à capacidade de “própria” (auto) “criação” (poiesis).
50
No entanto, com este princípio não pretendo referir‐me ao projecto desta
dissertação teórico‐prática como algo que se auto‐gere em si (como uma rede de
moléculas), mas sim pela adequação conceptual do termo. Pelo facto de estabelecer‐
se um sistema circular e cíclico que, mediado pelo sujeito, se alimenta e gera
significações sobre si.
Podemos considerar que a realidade reproduzida no televisor (a componente
prática registada pela câmara) se anuncia como a “imagem” de que o “texto”
(componente teórica) fala. Todavia, não a explica mais que esquematicamente, nem
sozinha consegue ilustrar o resultado da fusão estereoscópica, apenas o processo; daí
depender da linguagem textual da componente teórica para o complementar. Da
mesma forma, também essa, sozinha, não é suficiente demonstrar uma “dissertação
teórico‐prática”, logo, depende da “imagem da prática” (presente no circuito‐fechado)
e do estereoscópio para que, unidas, possam garantir a demonstração pretendida.
A produção desse sistema – a chave central da dissertação –, origina‐se no
fenómeno perceptivo e interpretativo que ocorre no espectador. Como mencionado
anteriormente, sem ele o sistema auto‐referencial da dissertação não teria
consequência; não causaria o elo que vincula a sua consistência virtual e conceptual
pois não haveria lugar para a ilusão.
Registado pela câmara e transmitido em tempo real no televisor, o espectador
é confrontado consigo no próprio momento de experimentação. Processo auto‐
reflexivo esse através do qual se apercebe da sua importância na demonstração virtual
da dissertação teórico‐prática.
Se componente teórica discursa sobre a sua própria essência e a componente
prática põe em evidência a sua própria estrutura, então é dizer que o textual se
constrói como uma espécie de metatexto e o visual como uma metaimagem.
É o metadiscurso proveniente da relação entre ambos que implica que
atribuamos à dissertação teórico‐prática a condição de uma linguagem híbrida.
Nesse sentido, o processo semiótico que dela ocorre suscita no sujeito uma
relação paradigmática. Na presença do signo virtual, que compõe mentalmente (o tal
“terceiro elemento”), encontra o significado metafórico daquilo que entende
conceptualmente por “dissertação teórico‐prática”. Pretende‐se que o sujeito a tome
através desse seu simulacrum virtual e imaterial.
51
O “ser” e o “significado”50 – o jogo entre o signo virtual e o discurso sobre ele,
ou entre o discurso e o signo virtual acerca dele – debatem‐se numa metalinguagem.51
Ou seja, esse signo gera uma carga semântica semelhante ao “terceiro sentido”
que ocorre no cinema. A intenção da montagem proposta pelo cineasta Sergei
Eisenstein pretendia explorar a linguagem cinematográfica para além do conteúdo
produzido por uma relação sintagmática. Eisenstein preocupava‐se em produzir uma
síntese dedutiva através justaposição de duas imagens, relação estrutural essa da qual
resultava um outro sentido, interno – que nenhuma das imagens, sozinha, seria capaz
de prover (Bryson, 1981: 4).
Roland Barthes, na categorização dos fotogramas do filme “Ivan, o Terrível”, do
mesmo Eisenstein, propõe a diferença entre «sentido óbvio» e «sentido obtuso». Este
último distingue‐se por proporcionar o «fílmico», que consiste naquilo que «não pode
ser descrito, a representação que não pode ser representada; que começa somente lá
onde cessam a linguagem e a metalinguagem articulada.» (Barthes, 1984: 44; cit. por
Guimarães, 2004: 112).
Podemos então dizer que a híbrida linguagem desta demonstração virtual
relaciona conceitos dicotómicos como: teoria/prática, textual/visual, real/virtual,
verdade/ilusão, percepção/interpretação, apresentação/representação,
horizontal/vertical, justaposição/aglutinação, multiplicidade/unicidade,
objectivo/subjectivo, materialidade/imaterialidade.
Esclarecidos os aspectos gerais do projecto, aprofundemos a experiência da
instalação em si.
Como anteriormente descrito, no espaço expositivo o sujeito é confrontado
com a presença de ambas as componentes de uma dissertação teórico‐prática: a teoria
e a prática. Contudo, contemporâneo a um mundo de imagens, a sua tendência é de
procurar signos directos ou que lhe permitam uma significação primeiramente visual.
Vê então “um texto, uns espelhos e um televisor”.
Quando se aproxima e procura entendê‐los, apercebe‐se de que a capa desse
texto possui o título invertido, e que o televisor transmite uma imagem igualmente
invertida, mas que reconhece – apercebendo‐se que demonstra (de topo) a estrutura
50 Expressões usadas pelo crítico francês Francastel, traduzidas de «Meaning vs Being» (Bryson, 1981: 7). 51 «Um signo divide‐se assim em duas áreas: uma declara a sua lealdade ao texto fora da imagem, e outra atesta a autonomia da imagem» (Bryson, 1981: 13).
52
com que se depara – pois emite em circuito fechado a própria instalação (Apêndice 5).
Transmissão essa que o inclui a si, o absorve para o interior da componente prática da
dissertação. O sistema de vídeo que a regista submete‐o a que faça parte da
instalação.
Ao dar continuidade à experiência – porque que a mensagem visual veiculada
pelo televisor não o satisfaz na compreensão da peça, transita para o “texto”, cuja
leitura invertida o situa numa “Demonstração virtual da complementaridade entre as
linguagens textual e visual, inerentes a uma dissertação teórico‐prática”. Contudo, algo
ainda demasiado vago para decifrar.
Na curiosidade desse momento, procura desvendar mais um pouco através de
uma passagem pelo resumo, índice, introdução, e tudo aquilo a que se disponibilizar
ler desta dissertação.
Se chegar a ler exactamente as palavras que compõem esta mesma frase –
frase esta que discursa sobre si – deparar‐se‐á com uma situação auto‐referencial
acerca do sentido redundante que este parágrafo o faz sentir.
Como se estivesse a ler o seu próprio pensamento, a auto‐reflectir. Como se, por
momentos, se distanciasse do corpo e se deixasse transportar num prolongamento
deste texto. Porque ele fala de si e da condição do seu leitor. Porque o coloca num
estado de auto‐consciência, e é essa a distância que necessita para se descentralizar. O
afastamento preciso para que consiga sair de si, e tomar a percepção do “Eu” como a
mais pura forma de fruir.
É ler‐se a ler, ver‐se a ver, sentir‐se a sentir e a entender. É julgar‐se a si um
medium do próprio corpo e da sua mente. É dotar‐se do controlo e do prazer que o faz
manter‐se aqui. Que o faz perceber este conluio e ainda assim participar nele. Porque é
mais forte que ele. Porque o estimula a interpretar‐se. Porque o faz querer mais e mais
de si. Porque na impossibilidade de o fazer fisicamente – de adoptar um novo corpo
igual a si – fá‐lo virtualmente, pelo consentimento da mente, que se engana a si.
E é então nesse momento – quando se depara expressamente com a
constatação de que está a ser iludido, porque a mensagem quebra o equívoco
pretendido – que o sujeito regressa gradualmente à realidade que o envolve, à
materialidade do corpo, ao aspecto das palavras deste texto, à presença dos espelhos
e do televisor. Retoma a consciência física de si na localização espacial na instalação.
53
Apercebe‐se de que esteve ausente, de que atravessou um tempo no qual
substituiu o espaço circundante; de que foi além da análise deste52 texto, mas que está
agora ciente do que tem em frente a si.
Após a auto‐reflexão visual consentida pelo circuito‐fechado da câmara com o
televisor,53 o sujeito deteve‐se na auto‐reflexão verbal através deste texto. Em ambas
as situações se contemplou a si contemplando os referidos objectos; se encontrou nas
distintas linguagens que o incluem, e se debateu consigo a interpretá‐las. Criaram um
hiato entre a experiência e a percepção. Quando abraçam o leitor produzem
significados que vão além da realidade que encerram. É dizer que alargam os seus (da
linguagem e do sujeito) domínios. É transcender do objecto para a sua subjectividade;
é evadirem‐se, fragmentando‐se. Sair do seu dentro e multiplicar‐se para fora.
Contudo, essa descentralização não é nada mais que um produto de si. É, por isso, um
processo indubitavelmente auto‐referencial.
Concluindo este ponto, diríamos que sobram dois espelhos. Que resta justificar‐
se a sua existência e a pertinência de estarem colocados assim.
Se vemos e cremos no que a luz nos devolve, em jeito de reflexo, podemos
pensar num espelho como algo igualmente proporcionador de uma certeza do mundo,
no entanto, paradoxalmente bidimensional e invertida. Ao produzir um duplicado do
real, será também ele digno dessa autenticidade, logo, olhar para o espelho e
constatar algo é suspender a descrença e tomá‐lo como verosímil.54
O espelho carrega assim uma simbologia transcendental pela habilidade de nos
devolver uma imagem do real, sendo um medium bidimensional de construção de um
mundo virtual (visualmente tridimensional).
52 Daqui em diante, sempre que este texto empregar um determinante ou pronome, um advérbio ou preposição demonstrativa da interpretação dos elementos da instalação, será formatado em itálico para que o sujeito se confronte com a sua posição no contexto desta instalação: está aqui, a ler este texto. Permite assim evidenciar a distância entre a leitura deste e a percepção visual dos restantes elementos da instalação. Por fim, o facto desta nota ser auto‐referencial leva a que, sempre que o sujeito se deparar com este tipo de enfatização gráfica (o facto desta palavra surgir em itálico), se relembre que, dali em diante, será sempre assim. 53 Se é que este já a executou. Esta descrição pretende ser hipotética, e subentende um percurso que pode, certamente, ser divergente cronologicamente, dependendo do sujeito. Contudo, se for esse o caso, após ler este exacto parágrafo, vai sentir‐se tentado a testá‐lo; a procurar auto‐reflectir‐se na imagem daquele televisor. 54 Poderá ser interessante fazer um paralelo ao painel de Brunelleschi que, na tentativa de representar o céu circundante, o autor optou não por pintá‐lo mas por aplicar prata polida para o reflectir. O processo de repetição no qual a superfície espelhada é agente serve para «demonstrar» a realidade (Damisch, 1987: 120; cit. por Reis, 2001: 182); «o espelho não representa a realidade, ele apresenta‐nos» (Pirenne, 1970: 11; cit. por Reis, 2001: 224).
54
Contudo, a disposição dos dois espelhos usados nesta instalação dividem o
reflexo da realidade envolvente. Formam um mundo fragmentado, subjectivo e irreal.
Face à estrutura triádica desta peça e ao ângulo recto dos espelhos, o sujeito,
quando procurar questionar “o centro”, conseguirá alcançar que, através de um efeito
perspéctico, são fundidas as duas faces desta realidade dividida. Se este texto e o
sujeito estão, agora naquele espelho reflectidos, no outro estará o televisor. Portanto,
ao observar o efeito estereoscópio através do centro, reflectir‐se‐ão os objectos neles
contidos: este texto e aquele televisor.
De facto, é disso que se trata. De culminar a experiência ao centro, de
completar a peça sendo o próprio, o último elemento. Presenteá‐la com seu corpo e
entregar‐lhe a sua mente; permitir que esta desdobre o presente.
É a inquietante estranheza produzida pela inversão dos elementos que reúne a
ambiguidade da instalação. O conflito cognitivo que dela resulta leva o sujeito a
desorientar‐se. Move‐se, assim, estuda o espaço e debruça‐se sobre os espelhos.
Verifica que são estes, afinal, o veículo necessário para a intelecção. É no reflexo do
espelho que se desvenda o título do texto; o mesmo que lhe inverte a imagem
transmitida pelo televisor. São estes, afinal, o veículo necessário para a comunicação. É
no reflexo do espelho que sabe agora ter que completar a experiência; a mesma para a
qual procura a resolução. É nesta, afinal, que se realizará a demonstração (Apêndice 6).
O estereoscópio que lhe divide o olhar é o mesmo que tem a habilidade de o
fazer agregar. Tanto lhe dá um mundo desdobrado, como o ajudar a confinar. Reflecte,
juntas, duas faces distantes de uma mesma realidade. Verosimilhança essa que sujeito
procura encontrar.
Sobrepostas, a componente teórica e a prática comunicam o mesmo sob
linguagens distintas. É no consentimento da demonstração virtual dessa
complementaridade que é percebida a condição teórico‐prática desta dissertação.
«Ela habita‐a, materializa‐se aí, ela não está aí contida» [...] «tudo o que vejo está, por
princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar, edificado sobre o plano do
“eu posso”» (Merleau‐Ponty, 2004: 57 e 20).
55
Conclusão
Fruto do impacto da Revolução Industrial e da vontade de dinamizar o sistema
económico – ao expandir os meios de produção e distribuição –, os sintomas da
globalização moderna continuam a afectar os mais variados territórios. Os efeitos
económicos repercutem‐se na política, na cultura e, por isso, na qualidade de vida em
comunidade. Gera‐se uma sociedade enriquecida pela aproximação às novas
tecnologias, pela desobstrução do acesso à informação (através da internet, por
exemplo), o que permite assistir‐se a uma proliferação e disseminação de dados e
produtos, a nível mundial. Quase tudo o que sabemos ou que queremos conhecer
chega‐nos através das novas tecnologias que nos constroem, difundem e manipulam
as “imagens” do mundo. Muitas vezes sem modelo, sem fundo, resultado do
cruzamento de inúmeras significações.
Convergem valores, ideais, e teorias. Das áreas rigorosas às experimentais, das
ciências às artes (passando por todas as outras), denotam‐se acentuadas influências
deste novo sentir e viver. Manifestam‐se sinais de uma mutação conjunta que torna
ténues as fronteiras rígidas e que sugere que as várias áreas se potenciem,
congregando vestígios da evolução no geral, ao implicar‐se reciprocamente.
Duas consequências concomitantes destes paradigmas são: por um lado, a arte
tentar permanentemente entrar em diálogo com outras disciplinas – interessada em sair
do seu campo metodológico –, por outro, ambicionar alargar o seu próprio ponto de
vista, encontrando e absorvendo outras perspectivas e linguagens que não são as suas.
Esta nova expressão, simultaneamente singular e plural, vive da conjugação de
variadas técnicas e formas de manifestar arte. O seu intuito prende‐se com a ambição
de provocar no espectador uma experiência física, emocional, intelectual e espiritual,
comunicando com o público de forma sensível, racional e intuitiva.
Resultado dessa convergência, as manifestações artísticas procuram assim
actualizar‐se na dinâmica social em que sobrevivem, elegendo ferramentas, métodos e
estruturas que continuem a elevar a Arte ao estatuto de medium de uma “renovada”
linguagem – sempre sujeita à sensibilidade de cada um.
Será então viável constatar que é na estetização do mundo que se encontra a
obra de arte.
56
Ao reestruturar constantemente a sua autodefinição, a arte acaba por criar
condições para a análise crítica da prática artística julgar, não só os objectos, mas a
tentativa de transgressão dos seus próprios limites. A arte ocupa o espaço da sua
autocrítica, no questionamento da sua linguagem, do discurso que motiva e das
possibilidades expansivas que permite a sua própria leitura. Procura então actuar além
fronteiras, desconectar‐se para novas conexões. Ao fragmentar‐se, dá continuidade a
um processo infinito de significações através das quais cada produtor/leitor de
imagens elaborará as suas novas (e próprias) configurações.
Porém, apesar de tudo, o artista “só” pode lidar com os atributos cujo cérebro
está equipado para interpretar, com os quais esteja treinado a interagir, e desses
poderá maioritariamente dispor. Assim, os principais objectivos da arte procuram
aproximar‐se do humano para interferir com a sua própria percepção. Ora
representam a realidade, ora se apropriam dela para potenciar a persuasão da mente,
auxiliando o sujeito na construção e consentimento de mundos virtuais. A arte
permite, assim, também uma extensão das funções biológicas e das capacidades
humanas.
É neste contexto que podemos perceber que os princípios da experiência
estética lidam com inúmeros fenómenos e factores da constituição, do espaço e do
tempo do sujeito, incluindo a luz, a cor, o som, o movimento e todo o restante
conjunto de reacções perceptivas resultantes do processamento mental, biológico e
fisiológico. O indivíduo, activo assim na percepção visual, na capacidade de criar
suposições e de alcançar nelas a consistência de uma construção sólida, torna‐se um
organismo subjectivo que comparticipa na evolução da cultura visual e no progresso
dos paradigmas mental e visual.
Se dos adventos de Filippo Brunelleschi reconhecemos o indivíduo perspéctico
como um ser monocular, imóvel, reduzido a um ponto no espaço, já o sujeito
perceptivo envolve uma construção dinâmica, por constituir‐se como um ser binocular,
em constante mobilidade e aferição.
Até às primeiras vanguardas russas a exposição era uma mera apresentação do
trabalho que não obedecia a qualquer estratégia ou tipologia delineada; nesse sentido,
não modificava a obra. O acto de expor não era tido em consideração como método
específico ou que implicasse algum tipo de conotação intrínseca; “como expor?”não
57
era declaradamente um problema para o artista. Já nos tempos modernos, a instalação
artística veio consentir não só um confronto claro com a matéria, como os ambientes
por si criados possibilitaram múltiplas perspectivas que subvertem a prática
renascentista, pois evidenciam a condição de um sujeito agora fragmentado e
descentralizado. O sujeito abandona o seu ponto fixo de observação e activa a obra.
É através desse afastamento que obtém o dito conhecimento/entendimento,
pois a distância estética é fundamental a qualquer reflexão crítica.
A capacidade destes dispositivos proporcionarem a configuração de novos
espaços mentais permite que ditemos a arte da instalação como uma prática que vem
ampliar aquilo que pensamos ser realidade. A habilidade de uma representação (ou
espaço virtual) iludir o espectador – que, mesmo voluntariamente, aceita interpretar a
situação recriada como algo verosímil – faculta o acesso a novos níveis de experiência,
o que constitui uma larga vantagem relativamente aos processos unicamente
audiovisuais.
É neste contexto que a instalação artística admite que actuemos
simultaneamente sobre diferentes domínios e linguagens, relacionando um extenso
conjunto de códigos específicos para comunicar, analisar, questionar e afectar as
múltiplas relações sensíveis e intelectuais do sujeito.
No desenvolvimento de um projecto que estuda a condição teórico‐prática de
uma dissertação, procurou‐se encontrar respostas que esclarecessem o seu próprio
plano de possibilidade. Ou seja, pretendeu‐se analisar um método de a produzir
demonstrando a implícita relação complementar entre as componentes que a
determinam: a teoria e a prática.
Chegou‐se então à conclusão de que, se o intuito era incidir sobre si própria,
era indispensável que reflectisse acerca das linguagens que a estabelecem.
Numa dissertação teórico‐prática, o textual e o visual servem assim a
possibilidade da sua constituição simultaneamente teórica e prática. Logo, a instalação
artística constituiu‐se como o meio expressivo que melhor adopta a condição híbrida
deste singular projecto.
Contudo, para que essa íntima relação dicotómica e a consequente significação
tenham efeito é imprescindível o conluio na comparticipação do sujeito, pois é apenas
através do seu exercício (específico) que a dissertação adquire forma e sentido.
58
A disposição angular de dois espelhos – que reflectem intencionalmente o
espaço circundante de forma fragmentada –, produz um análogo efeito óptico ao
proporcionado pelo estereoscópio. Na capacidade deste facultar uma visão
tridimensional a partir de duas imagens bidimensionais, também o dispositivo recriado
na instalação originará uma semelhante construção. No entanto, ao reflectir imagens
divergentes, gera uma configuração híbrida e conceptual.
O espaço virtual que produz é assim resultado da conciliação dos dois
momentos reflectidos: um textual e um visual. Porém, ambos discursam sobre si, são
auto‐referenciais. O objecto textual – a presente dissertação –, é o objecto da
componente teórica, e recai acerca da elucidação da sua complementaridade à prática
(ou como parte de uma dissertação teórico‐prática). O objecto visual – um televisor
em circuito‐fechado – recai acerca da prática, pois reproduz em tempo real a imagem
da instalação. Exibe visualmente aquilo sobre o qual o textual teoriza: a condição
teórico‐prática da dissertação.
Se o leitor executa uma auto‐reflexão na significação deste texto, distanciando‐
se dele (e de si), então também o circuito‐fechado o permite, mas através da visão. Em
ambos os momentos, é esse ler‐se de fora a ler‐se / ver‐se de fora a ver‐se que gera a
recursividade intrínseca ao projecto, e que permite a distância necessária para que o
possamos interpretar correctamente a demonstração.
Foi assim relevante compreender um percurso que enquadra na história a
relação entre o modo de como se concebe o que é verdade e o que é representação;
perceber o limbo entre a realidade e a virtualidade através da evolução do conceito da
percepção de espaço e a posição do sujeito no mundo; assim como a fundamentação
em artistas ou referências que tenham actuado sobre as mesmas questões e princípios
desta dissertação.
Concluindo, tanto a componente teórica como a componente prática surgem
como processos auto‐reflexivos que, reunidos, formam um sistema cíclico que
demonstra a própria condição teórico‐prática da dissertação. Que consente ao
espectador a apresentação de algo que existe no lugar do que representa (Reis, 2001:
23), neste caso, de uma dissertação teórico‐prática.
59
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Zeki, 1999
Zeki, Semir (1999). «The art’s quest for essentials», in Inner Vision: An Exploration of Art and
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64
Anexos
Anexo 1 – Anish Kapoor (1954 ‐). Leviathan, 2011. P.V.C.; 33.6 × 99.89 × 72.23 m (Kapoor, 2011).
Anexo 2 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). 1000‐Names, 1979‐80. Pigmento sobre madeira e gesso; 183 cm (Kapoor, 2011).
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Anexo 3 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Svayambh, 2007. Cera e tinta à base de oleo; dimensões variáveis (Kapoor, 2011).
Anexo 4 ‐ Anish Kapoor(1954 ‐). Past, Present, Future, 2006. Cera e tinta à base de oleo; 345 x 890 x 445 cm (Kapoor, 2011).
66
Anexo 5 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Part of the Red, 1981. Técnica mista e pigmento; dimensões variáveis (Kapoor, 2011).
Anexo 6 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Drop, 2008 (Kapoor, 2011).
67
Anexo 7 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Turning the World Inside Out II, 1995. Bronze cromado: 180 × 180 × 130 cm (Kapoor, 2011).
Anexo 8 – Anish Kapoor (1954 ‐). Untitled, 2008. Aço inoxidável; 300 × 300 × 46 cm (Kapoor, 2011).
68
Anexo 9 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Stamping the Studio, 1968. Vídeo (preto e branco, som); 62 min (loop). Nova
Iorque: Cortesia de Electronic Arts Intermix (Tate Org., 2006).
Anexo 10 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & flip/flop (Fat Chance John Cage), 2001. Paris: Centre Georges Pompidou / Cortesia de ARS, NY e DACS, Londres. (Tate, 2011).
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Apêndices
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