UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
CENTRO DE CINCIAS DA SADE MESTRADO ACADMICO EM CUIDADOS CLNICOS EM SADE - REA DE CONCENTRAO: ENFERMAGEM
PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA
ATENO BSICA: SUBSDIOS PARA PRTICA
CLNICA
JULIANA FREITAS MARQUES
FORTALEZA CE
2010
JULIANA FREITAS MARQUES
PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA ATENO BSICA:
SUBSDIOS PARA A PRTICA CLNICA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos, da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cuidados Clnicos em Sade.
Orientador(a): Maria Veraci Oliveira Queiroz
Fortaleza Cear
2010
JULIANA FREITAS MARQUES
PRODUO DO CUIDADO AO ADOLESCENTE NA ATENO BSICA:
SUBSIDOS PARA A PRTICA CLNICA
Dissertao de Mestrado submetida ao Curso de Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos, da Universidade Estadual do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Cuidados Clnicos em Sade.
Aprovada em: 04 de Fevereiro de 2010
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________ Prof Dr Maria Veraci Oliveira Queiroz
Universidade Estadual do Cear Orientadora
____________________________________________ Profa. Dra. Patrcia Neiva da Costa Pinheiro
Universidade Federal do Cear (1 examinador)
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Salete Bessa Jorge Universidade Estadual do Cear
(2 examinador)
DEDICATRIA
Deus, por todas as possibilidades concedidas
em minha vida pessoal e profissional, pela fora e
coragem para lutar pelos meus sonhos e objetivos,
e discernimento para enfrentar os obstculos
desta caminhada.
Aos meus pais, Luciano e Jane, pelo amor e
dedicao durante todos esses anos e por terem
investido tudo que tinham na minha educao e na
minha formao. Obrigada por apoiarem minhas
escolhas, por apostarem nos meus sonhos e por
iluminarem cada dia na minha vida.
Aos adolescentes que fizeram parte da pesquisa,
por terem confiado em mim e compartilhado suas
idias, seus pensamentos, seus anseios e sonhos
na construo do cuidado integral.
AGRADECIMENTOS
minha famlia, tios, primos, afilhados e ao meu irmo, Paulo Rannier,
pessoa especial que esteve do meu lado sempre, compartilhando alegrias e
dividindo as tristezas.
Ao meu noivo, Rafael, pelo companheirismo e amor nesses anos de
convivncia e pelo apoio nos momentos mais difceis. Em voc encontro a paz,
a maturidade, a dedicao e a alegria de viver, compartilhando sonhos e
expectativas em relao ao nosso futuro.
s minhas amigas Karla, Rgia, Linicarla e Mnica. Obrigada por
fazerem parte dessa conquista.
Kerley pela disponibilidade e compromisso em participar da coleta de
dados.
Aos professores e funcionrios do CMACCLIS pela dedicao e esforo
no aprendizado compartilhado.
Aos professores e servidores do Centro Municipal Sade Escola Projeto
Nascente pela acolhida e boa receptividade.
s professoras Salete e Patrcia Neiva por aceitarem participar da banca
examinadora e pelas valorosas contribuies.
Aos profissionais e gestores da Unidade Bsica de Sade Projeto
Nascente pelo o empenho e interesse em construir um grupo de adolescentes.
Secretaria Municipal de Educao do municpio de Fortaleza pela
contribuio para a concretizao da pesquisa.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
minha querida orientadora Maria Veraci Oliveira Queiroz. Foram seis
anos de convivncia, entre a graduao e o mestrado, e muita experincia e
sabedoria compartilhada. Devo a voc todo o meu respeito e admirao
profissional e pessoal, e agradeo pela dedicao, carinho, ateno,
compreenso, pacincia e tolerncia dispensadas a mim durante esses anos.
Pelos bons momentos e pelos momentos difceis vividos nessa caminhada,
pela amizade, parceria e confiana... Muito obrigada.
RESUMO
MARQUES, J. F. Produo do cuidado ao adolescente na ateno bsica: subsdios para a prtica clnica. 2010. Dissertao. (Mestrado Acadmico em Cuidados Clnicos em Sade) Centro de Cincias da Sade Universidade Estadual do Cear, 2010. A adolescncia um perodo de crescimento e desenvolvimento com mudanas rpidas e substanciais sobre os aspectos fsicos, sexuais, cognitivos e emocionais. Tais transformaes trazem demandas e necessidades de sade diferentes daquelas que ocorrem na fase infantil. Assim, as situaes de sade e cuidado nessa fase devem ser analisadas e compreendidas para que a oferta dos servios seja efetivada na perspectiva da integralidade. O estudo teve como objetivos: descrever as concepes do adolescente sobre sade, cuidado e produo do cuidado na ateno bsica; analisar a produo do cuidado na ateno bsica enfocando os dispositivos da integralidade, na tica dos adolescentes e compreender a forma como se do as relaes entre os adolescentes e a equipe de sade, a oferta de servios, o acesso, o acolhimento nas unidades de sade e o vnculo dos adolescentes na ateno bsica. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, portanto descreve e compreende a realidade a partir das experincias dos sujeitos. Participaram da pesquisa doze adolescentes que estudavam no Centro Municipal de Educao e Sade Projeto Nascente, localizado na regional VI, na cidade de Fortaleza, Cear e que freqentavam a unidade de sade anexa escola. A coleta das informaes ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2009, com a realizao de trs sees de grupo focal no ambiente escolar. A pesquisa atendeu aos critrios ticos presentes na Resoluo n 196/96, do Conselho Nacional de Sade. As informaes emergidas nas discusses dos grupos foram submetidas a analise de contedo, proposta por Bardin (2008), seguindo as etapas sugeridas: pr-anlise, explorao do material e tratamento dos resultados que deram origem as temticas principais: Concepes dos adolescentes sobre Sade e Cuidado; Vivncias e experincias dos adolescentes na produo do cuidado: um olhar para a ateno bsica; Necessidades dos adolescentes sobre a produo do cuidado na perspectiva da integralidade. A estruturao das temticas deu origem a construo das categorias que possibilitou compreender as concepes de sade para os adolescentes, as concepes de cuidado, os dispositivos da integralidade, como acesso, acolhimento e vnculo na produo do cuidado, a construo de um fluxograma descritor e a compreenso das necessidades dos servios na produo do cuidado. As concepes de sade para os adolescentes se traduziram em qualidade de vida, felicidade e pela dimenso espiritual. As representaes de cuidado enfocaram aes realizadas para o cuidar da sade, como realizar atividade fsica, ter uma alimentao saudvel e ter um bom convvio social. Emergiu ainda, o cuidado com o meio ambiente, envolvendo atividades de preservao da natureza. Os adolescentes discorrem sobre suas necessidades e as necessidades do servio na produo do cuidado. Neste sentido, demonstram insatisfao pela demora no atendimento junto aos profissionais, dificuldade de acesso medicao e a relao superficial com a equipe de sade gerando um sentimento de desvalorizao quando chegam ao servio em busca de cuidados. Dentre os diversos aspectos destaca-se, a importncia de o profissional perceber suas necessidades e envolver aes de orientaes em sade de forma participativa com integrao dos setores sade e educao na construo de uma rede de cuidado para o adolescente, favorecendo a perspectiva de integralidade. PALAVRAS-CHAVE: adolescente, cuidado, ateno bsica, integralidade.
ABSTRACT
MARQUES, J. F. Production of care to adolescents in primary health care: support for clinical practice. [Dissertation]. Academic Masters Degree in Health Clinical Care: State University of Cear. 2010. Adolescence is a period of growth and development with fast and notorious changes in physical, sexual, cognitive and emotional aspects. Such transformations bring demands and needs of health different from those in childhood. Health and care situations in this phase should be analyzed and understood so that the offer of services is executed in the perspective of integrality. The study had as objectives: to describe adolescent's conceptions on health, care and care production in primary health care; to analyze the care production in primary health care focusing on the devices of integrality in the adolescents' view and understand the way they feel the relationships between adolescents and health team, services offer, access, reception in health units and the adolescents' bonds in primary health care. This is a qualitative research therefore it describes and understands reality based on subjects experiences. Twelve adolescents participated in the research, they studied in the Municipal Center of Education and Health Nascent Project, located in the Regional Executive Secretariat VI, in the city of Fortaleza, Cear-Brazil and attended the health unit enclosed to the school. Data collection happened in September and October 2009, with three focal group sections in the school environment. The research followed the ethical precepts present in the Resolution n 196/96 of the National Health Council. The information verified in group discussions were submitted to Bardins (2008) content analyses, following the suggested stages: pre-analysis, material exploration and treatment of the results that gave origin to the main thematic: Adolescents' conceptions on Health and Care; Adolescents' Experiences in care production: a look at primary health care; Adolescents Needs on Care Production in the Perspective of Integrality. Thematic structuring originated the construction of categories that made possible to understand the health concepts to adolescents, the care concepts, the devices of integrality as access, reception and bonds in care production, the construction of a descriptive fluxogram and the comprehension of adolescents' health needs. Health concepts for adolescents were translated in life quality, happiness and through spiritual dimension. Care representations focused on actions carried out to promote health care, how to practice physical activity, to have a healthy eating and to have a good social life. It also showed up the care with the environment, involving activities to preserve nature. Devices of integrality were identified by adolescents' as disappointing because of professionals' delay in assisting them, the difficult access to medication, the superficial relationship with the health team and a depreciation feeling when they attend to the service in search of care. And among the several aspects verified it stands out the importance of understanding adolescents' needs and demands in care production, showing that teenagers lack orientations in health and that integration between health and education can favor the construction of a care net to adolescents. We believe that this study can contribute to the comprehension of the adolescents' care needs, collaborating for the reorganization of health services in integral care to adolescents. KEYWORDS: Adolescent, Care, Primary Health Care.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Desenho do Adolescente (A4). CMES, 2009 ....................................57 Figura 2: Determinantes sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead ................58 Figura 3: Desenho do adolescente (A9). CMES, 2009 .................................... 59 Figura 4: Desenho do Adolescente (A2). CMES, 2009 ................................... 61
Figura 5: Desenho do Adolescente (A12). CMES 2009 ...................................75 Figura 6: Desenho da Adolescente (A1). CMES, 2009 ....................................90 Figura 7: Desenho da Adolescente (A4). CMES, 2009 ....................................94 Figura 8: Desenho do Adolescente (A11). CMES, 2009 ..................................95
Figura 9: Desenho do adolescente (A2). CMES, 2009 .....................................97
LISTA DE DIAGRAMAS, FLUXOGRAMAS E QUADROS
Diagrama 1: Gesto do SUS e os seus fluxos na produo do cuidado...........34
Mapa 1. Diviso da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza................45
Quadro 1: Construo das unidades de anlise, segundo Bardin (2008).........51
Fluxograma 1: Fluxograma descritor do acesso do adolescente aos cuidados ofertados por uma unidade bsica de sade da famlia, situada na regional IV, Fortaleza-Cear.................................................................................................85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agentes Comunitrios de Sade
ADOLEC Sade na Adolescncia
CMES Centro Municipal de Educao e Sade
CNPq Centro Nacional de Pesquisa e
Tecnologia
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
EJA Educao de Jovens e Adultos
ESF Estratgia Sade da Famlia
FUNABEM Fundao Nacional do Bem Menor
GF Grupo Focal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica
LBA Legio Brasileira de Assistncia
LILACS Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Cincias da Sade
MS Ministrio da Sade
OMS Organizao Mundial da Sade
OPAS Organizao Pan-Americana de Sade
PNAD Pesquisa nacional por amostras por domicilio
PROSAD Programa Sade do Adolescente
SAM Servio de Assistncia ao Menor
SCIELO Scientific Electronic Library Online
SER Secretaria Executiva Regional
SUS Sistema nico de Sade
TCLE Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido
UECE Universidade Estadual do Cear
UFF Universidade Federal Fluminense
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de So Paulo
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&base=LILACS&lang=phttp://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&base=LILACS&lang=phttp://www.scielo.org/
SUMRIO
1 INTRODUO ......................................................................................... 13
2 OBJETIVOS ............................................................................................. 23
3 EIXO TERICO DA PESQUISA .............................................................. 24
3.1 Polticas de Ateno Sade do Adolescente: breve contexto histrico e
social ............................................................................................................. 24
3.2 O Sujeito Adolescente e o Cuidado em Sade ........................................ 31
3.3 A Produo do Cuidado ao Adolescente na Ateno Bsica e sua
Interface com a Clnica. ................................................................................. 35
4 PERCURSO METODOLGICO .............................................................. 43
4.1 Natureza do Estudo ................................................................................ 43
4.2 Campo da Pesquisa ............................................................................... 43
4.3 Participantes da pesquisa ....................................................................... 45
4.4 Perodo e estratgia de coleta das informaes ..................................... 46
4.5 Anlise das Informaes ......................................................................... 48
4.6 Aspectos ticos ....................................................................................... 49
5 RESULTADOS: ANLISE E COMPREENSO DO FENMENO .......... 51
Temtica 1. Concepes dos adolescentes sobre Sade e Cuidado ..... 54
Categoria 1:Concepes de sade para os adolescentes ......................... 56
Categoria 2: Concepes de cuidado para o adolescente ........................ 62
Temtica 2. Vivncias e Experincias dos adolescentes na produo do
cuidado: um olhar para a ateno bsica ................................................. 67
Categoria 3: Acesso, acolhimento e vnculo produzido na unidade bsica
de sade na viso dos adolescentes. ........................................................ 69
Categoria 4: Fluxograma descritor do cuidado ao adolescente na ateno
bsica. ....................................................................................................... 82
Temtica 3. Necessidades dos adolescentes e a produo do cuidado
na perspectiva da integralidade ................................................................. 88
Categoria 5: Necessidades de sade dos adolescentes na produo do
cuidado .......................................................................................................91
6 CONSIDERAES FINAIS, CONTRIBUIO PARA O SUS, LIMITES E
AVANOS DA PESQUISA ............................................................................ 100
7 REFERNCIAS ...................................................................................... 104
APNDICES
ANEXOS
1 INTRODUO
1.1 Aproximao com o tema
Ao ingressar no Curso de mestrado, minha experincia inicial como
enfermeira, recm formada, havia sido na ateno bsica, fazendo parte da
equipe profissional da Estratgia Sade da Famlia (ESF). Durante o tempo em
que atuei como enfermeira assistencial, pude desenvolver os programas que
se inserem na ESF e observei que alguns grupos etrios eram, pode-se assim
dizer, mais privilegiados que outros, no tocante cobertura e ao prprio
cuidado que era produzido na unidade de sade.
Ao longo dessa experincia, constatei que os programas oferecidos
seguiam uma lgica compartimentalizada de atendimento, permitindo que
algumas demandas fossem mais visibilizadas do que outras. Assim, na
assistncia oferecida aos usurios, pude perceber que as aes de sade
eram desenvolvidas em forma de programas destinados aos diversos
segmentos: criana, mulher, adulto e idoso, tornando-se visveis algumas
lacunas em relao sade do adolescente. O cuidado prestado ao
adolescente ficava muitas vezes voltado sade reprodutiva, estando este
grupo presente nos diversos atendimentos, mas de forma assistemtica. A
assistncia a essa clientela ocorria de forma rpida, onde o foco principal do
cuidado era a doena e o agravo, no se percebendo espaos para os
profissionais conversarem com os adolescentes sobre o que os levavam a
procurar o servio, quais suas necessidades e o que os afligiam em relao
sua sade, e qual seria o direcionamento ideal das aes destinadas a esse
pblico.
Em contatos com esses adolescentes durante o atendimento nesse
servio, fui percebendo que os mesmos procuravam a unidade permeados de
dvidas e ansiedades, e se mostravam muito receptivos as orientaes sobre
sade, as conversas sobre sexualidade, doenas sexualmente transmissveis,
gravidez e drogas. Porm, sabe-se que as necessidades de sade deste grupo
no envolvem apenas a sade reprodutiva e sexual, mas perpassam por outros
aspectos biolgicos, cognitivos e sociais que se integram na
multidimensionalidade deste ser.
Aps contato com minha orientadora no mestrado, e por meio de sua
experincia no campo cientfico, nossas idias foram aproximadas e surgiu o
interesse em realizar a dissertao de mestrado na temtica ateno sade
do adolescente. Desta forma, a dissertao um recorte do projeto da
orientadora, que assume a coordenao da pesquisa: Necessidades e
demandas de cuidados ao adolescente na ateno bsica, pesquisa
financiada pelo CNPq.
Os vrios questionamentos que foram conjugados entre orientanda e
orientadora conduziram a busca de respostas por intermdio da pesquisa que
foi construda com os sujeitos adolescentes, constituindo formas de pensar a
realidade e responder as questes que conduziram a investigao.
Contamos com outros motivos, baseados em informaes tcitas e
cientificas, que motivaram a prosseguir nesta investigao. Observa-se elevada
freqncia de adolescentes que procuram diariamente atendimento nas
unidades, tendo, portanto, oportunidade de interagir com esses sujeitos; por ser
a ateno bsica um espao de ateno que incluem vrios campos de
atuao profissional, seja assistencial, educativa e de promoo da sade,
sendo um local adequado a pensar a ateno a essa populao com vistas
discusso sobre os aspectos da integralidade e outros dispositivos que venham
possibilitar a produo do cuidado de aproximando-se dos princpios e
diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS).
Assim, intenciona-se elucidar os principais questionamentos que
envolvem a produo do cuidado ao adolescente na ateno bsica, na
tentativa de trazer para discusso e reflexo o contexto da prtica e os
fundamentos tericos que embasam a ateno a sade do adolescente.
1.2 Objeto de Estudo
Na sociedade contempornea, a fase da adolescncia ocupa um espao
e um imaginrio decorrentes das mudanas sociais nos ltimos anos, que
permitiram maior visibilidade e participao dos adolescentes na vida social. No
aspecto conceitual, o processo de adolescer pressupe o amadurecimento
corporal, sexual, psicolgico e social, deduz-se que a adolescncia comea na
puberdade, com as primeiras alteraes corporais e comportamentais e finaliza
quando a pessoa assume sua identidade pessoal e profissional (TAQUETTE et
al, 2005; HEIDEMANN, 2006).
A Organizao Mundial de Sade (OMS) define a adolescncia como
um processo fundamentalmente biolgico, no qual se acelera o
desenvolvimento cognitivo e a estruturao da personalidade. Abrange o
adolescer em duas etapas: a pr-adolescncia que constitui a faixa etria de 10
a 14 anos e a adolescncia propriamente dita que vai dos 15 aos 19 anos
(TAQUETTE et al, 2005).
J o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) define que a
adolescncia se inicia aos 12 anos e termina aos 18 anos. Pelo cdigo civil
brasileiro, atinge-se a maioridade aos 18 anos, porm permitido votar aos 16
(HEIDEMANN, 2006).
Entretanto, a adolescncia uma etapa da vida que no podemos
delimitar em marcos cronolgicos ou cognitivos, haja vista que a estruturao
da personalidade e o desenvolvimento orgnico sofrem influncias externas e
podem sofrer alteraes conforme seu processo de construo. E ainda,
porque tais definies podem dificultar ainda mais no entendimento dessa fase,
impedindo que se tenha clareza em relao aos seus direitos e deveres.
importante ressaltar que a escolha da adolescncia como foco de
estudo no pode deixar de trazer alguns dados importantes que ajudam a
compreender o contexto destes sujeitos. A populao de adolescentes no ano
de 2007, segundo a pesquisa nacional de amostra por domiclio (PNAD),
representa 14% da populao total brasileira, o que representa 28 milhes de
adolescentes em todo o pas (IBGE, 2008). Entretanto, 46% de crianas e
adolescentes de at 16 anos esto na indigncia ou na misria e 56% das
mortes de crianas e adolescentes so causadas por desnutrio, drogas e
violncia urbana (AMARANTE, p.56, 2007).
Tais informaes apontam para uma situao de excluso social,
violncia e risco de vida, revelando as muitas necessidades dos adolescentes
que resultam em demandas no campo da sade.
Nesse sentido, as necessidades de sade dos adolescentes, muitas
vezes, no esto ligadas diretamente a problemas na esfera orgnica, podendo
ser influenciada pelas ms condies de vida, pelas situaes de abandono, e
envolvimento com prostituio, ou at uso de drogas, como tambm ocasies
que o adolescente sofre algum tipo de violncia. Assim, os servios de sade
devem estar preparados para oferecer cuidados a esses jovens, baseando-se
na integralidade, princpio universal do Sistema nico de Sade (SUS). Trata-
se, ento, do reconhecimento das diferentes necessidades, de sujeitos tambm
diferentes, para atingir direitos iguais (TAQUETTE et al., 2005).
Trazendo o pensamento de Campos (2008), a existncia de muitas
adolescncias, e respectivamente de suas necessidades, uma construo
social proposta para homens e mulheres com idade entre 12 e 18 anos visto
que dada diversidade de condies de vida dessa populao, no h um
modo nico, universal e totalizante de viver a adolescncia e o seu processo de
sade. Assim, h muitas possibilidades dos jovens poderem se inserir, em sua
comunidade, como sujeitos, criando novas maneiras de viver, novos modos de
pensar, explorando um novo saber-fazer na produo da sade.
Os adolescentes so percebidos, ainda, pelos adultos em geral, como
sujeitos que no possuem autonomia frente aos seus direitos e desejos na
esfera da sade, embora sejam vistos como depositrios das possibilidades de
mudana de um melhor prognstico para o mundo. A sociedade acaba por
estabelecer valores dicotmicos e ambguos em relao a eles, esperando que
sejam responsveis por seus atos, entretanto parece no reconhecer a
legitimidade dos seus direitos e as possibilidades decorrentes do exerccio
destes, principalmente quando se trata de assuntos que envolvem a sua sade
e o seu cuidado (OLIVEIRA; LYRA, 2008).
Dessa forma, a competncia para a realizao do cuidado ao
adolescente , muitas vezes, questionada, pois muitos profissionais de sade
ressaltam que os adolescentes no tm autonomia, ou seja, as decises sobre
sua sade passam pelo crivo de seus pais/responsveis (LIEBESNY; OZELLA,
2002). Entretanto, Ramos, Monticelli e Nitschke (2002) advogam que para essa
autonomia possa ser exercida, o setor sade e outros setores sociais precisam
construir prticas que favoream o reconhecimento, pelo grupo, de suas
prprias potencialidades para decidir e responsabilizar-se por sua sade
segundo valores ticos de solidariedade e eqidade.
Assim, deve-se atentar para o fato de que esses jovens devem ser
considerados sujeitos ativos em constante processo de construo e
transformao de si e das prprias relaes sociais. Ao viver seu cotidiano, os
adolescentes interiorizam valores que constituem essas relaes e, assim, vo
construindo suas prprias formas de perceber o mundo e estar nele. Esse
sentido prprio do sujeito, e vai constituir a base sobre a qual continuar
construindo suas relaes e seus sentidos. atravs dessa construo que o
adolescente torna-se um sujeito autnomo dentro do seu processo de sade
(LIEBESNY; OZELLA, 2002).
As aes de cuidado embasadas pelas noes da integralidade da
ateno propiciam a reorientao do planejamento de sade para uma base
populacional especfica, como o adolescente, que poder gerar a promoo da
sade com medidas gerais e a proteo com medidas especficas para a
preveno de agravos e para a realizao do cuidado clnico (FERRARI,
THOMSON, MELCHIOR, 2008).
Nesse sentido, o cuidado deve ser embasado em prticas clinicas
fortemente relacionado e sustentado pelo trabalho e cuidado de enfermagem,
exigindo novas pautas, propostas e metodologias de interveno por meio de
novas formas de compreender os processos sociais, biolgicos, subjetivos e
institucionais que conformam a qualidade de vida dos adolescentes brasileiros.
Assim, novas formas de conceber e atuar s so elaboradas num processo em
que confluam perspectivas diferenciadas - do ponto de vista e das situaes
peculiares de todos os sujeitos (profissionais, adolescentes, famlia), em que
interesses e estratgias compartilhadas fortalecem o espao institucional em
articulao aos mltiplos espaos de estruturao da vida individual e coletiva
(ABEN, 2001).
Corrobando com o pensamento de Pinheiro e Guizardi (2006), as
prticas do cuidado, quando tomadas de fonte de criatividade e de crticas,
podem potencializar aes emancipatrias e de liberdade, tanto do
conhecimento cientfico que est aprisionado ao mtodo que o legitima e lhe
confere autoridade quanto da prpria sociedade, ao possibilitar-lhe a
expresso de sua participao ativa e constituinte de novos e crticos saberes
sobre sua sade e de fontes de sua construo.
Por isso, torna-se necessrio repensar novas modelagens assistenciais,
assentadas em diretrizes da integralidade. Assim h que se aprofundar o
debate sob novos fundamentos tericos, particularmente sobre a natureza do
processo de trabalho, particularmente a sua micropoltica e a sua importncia
na compreenso da organizao da assistncia sade. Propostas
alternativas de modelagem dos servios de sade buscam incorporar outros
campos de saberes e prticas em sade e configurar outras formas de
organizao da assistncia anti-hegemnicas. Estas aes diferenciadas na
produo da sade operam tecnologias voltadas para a produo do cuidado e
apostam em novas relaes entre trabalhadores e usurios, tentando construir
um devir para os servios de sade, centrado nos usurios e nas suas
necessidades e estabelecendo um contraponto sade (MALTA, et al. 2004).
Corroborando com tais prerrogativas, Franco, Andrade e Ferreira (2009,
p. 13) partem da idia que o cuidado uma produo social no cenrio da
micropoltica e prticas de sade e tambm uma produo subjetiva expressa
pela fora desejante de cada trabalhador, usurio e gestor do SUS. Afirma o
autor que estas dimenses tm sido esquecidas nos cenrios da avaliao dos
servios de sade, e, assim, prope incluir tais discusses em seus estudos
sobre a produo do cuidado, sendo esta entendida como a produo
subjetiva.
Associada a esta idia de produo do cuidado, vale salientar que ao
falar de modelos de assistncia na ateno bsica importante destacar o
atual modelo vigente, que consta na Constituio Federal, nas Leis Orgnicas
Municipais e na Legislao do SUS, e destina-se a cumprir os princpios do
SUS, sob a gide da Estratgia Sade da Famlia (ESF). Esta o eixo
norteador da ateno bsica e sua expansibilidade tem favorecido a equidade
e a universalidade da assistncia. No caso da ESF, a equipe de sade deve
estar capacitada para executar aes de busca ativa de casos na comunidade
adscrita, mediante visita domiciliar e acompanhamento ambulatorial (ALVES,
2005; FERRARI, THOMSON, MELCHIOR, 2008).
Com a Estratgia da Sade da Famlia e o foco na ateno bsica, os
trabalhadores de sade tendem a se tornar mais prximos e integrados com os
valores e saberes dos adolescentes e de suas famlias, o que fazem com que
tais trabalhadores busquem outros referenciais alm dos biolgicos, j que se
reconhece que so necessrias aes descentralizadas para a adeso a
tratamentos e cuidados. Em longo prazo, estas aes esto profundamente
imbricadas com a cultura, ou seja, com os estilos de vida, hbitos, rotinas e
rituais na vida desses jovens (BOEHS, et al. 2007).
Assim, ao realizar um levantamento bibliogrfico sobre a temtica
cuidado do adolescente na ateno bsica, encontramos diversos estudos que
apontam uma abordagem tecnicista, voltada para o saber biomdico, pautada
em procedimentos e com foco na doena. Porm, percebemos que houve um
avano, e que muitos estudos vm abordando perspectiva mais humanizadora
e integral. Para o levantamento dos estudos, utilizamos as bases de dados:
Scielo, Lilacs, Medline, Adolec, Google acadmico, bem como a busca de
teses e dissertaes sobre a temtica em sites de universidades brasileiras,
como a USP, UNICAMP, UFRJ e UFF. Realizou-se, ainda, a busca de livros,
manuais tcnicos e documentos legais sobre a sade do adolescente em sites
especializados.
Utilizamos como descritores: Adolescente, Adolescncia, Ateno
Primria, Ateno Bsica. A exemplo cita-se a base de dados Lilacs que
apresentou 191 estudos relacionados com a temtica, e a base de dados
especializada em sade do adolescente ADOLEC que apresentou 818
estudos. Realizando um refinamento dos diversos estudos encontrados, alguns
autores trazem uma abordagem da sade do adolescente voltada ao modelo
hegemnico, focando uma viso curativa e institucionalizada do cuidado.
Dentre esses autores, citaremos alguns: LEMOS; LIMA; MELLO (2004),
BRUSCHI, et al. (2005), GARCIA; BARRA (2005), AVANCI, et al. (2005),
AGUIAR et al. (2005), ILIAS, et al. (2006), PELLISON, et al. (2007), ANTUNES,
et al. (2008), ARREGUY-SENA; CARVALHO (2008), TEIXEIRA, et al. (2007),
BOARATI; FU-I (2008), DOHNERT; TOMASI (2008).
Poucos foram os estudos que abordaram a adolescncia com foco na
promoo da sade e na valorizao dos saberes e prticas culturais na
produo do cuidado e o foco da integralidade. Dentre os estudos encontrados,
temos os autores: LIMA; ROCHA; SCOCHI (1999), PERES; ROSEMBURG
(1998), FERREIRA (2006), FERREIRA et al. (2007).
Enfatiza-se que o desconhecimento sobre as caractersticas especficas
dos adolescentes e a desvalorizao das percepes e significados
construdos sobre a sade e os meios teraputicos distanciam cada vez mais
as aes profissionais das necessidades e das prticas individuais de
cuidados, inviabilizando uma assistncia qualificada em termos de eficcia e
resolutividade dos problemas que atingem a sade dos adolescentes.
No mbito da ateno ao adolescente percebe-se, ainda, a ausncia de
organizao e instrumentalizao dos trabalhadores em geral e os de
enfermagem, de modo que possam atender as necessidades e as demandas
dessa populao. A indisponibilidade de recursos humanos habilitados na rea
com viso sobre os direitos dos usurios, a necessidade de um trabalho em
equipe e a sensibilizao para a incorporao das diretrizes do SUS, tais como
a perspectiva da ateno integral so condies que merecem ser revestidas.
A ausncia de elementos organizacionais, envolvendo os trabalhadores na
ateno integral aos adolescentes, dificulta o acesso dos mesmos aos
servios, e, consequentemente, encaminhamentos e resolutividade dos
problemas que atingem essa populao.
Ao longo das experincias adquiridas na assistncia de enfermagem
populao de adolescentes, e diante de um referencial terico que defende e
direciona as aes de cuidado ao adolescente na perspectiva de integralidade,
percebe-se o quanto se tem que avanar em tal prerrogativa. Trazendo o foco
para a ateno bsica como porta de entrada preferencial aos cuidados
sade, essa problemtica torna-se mais evidente e preocupante considerando
que esse um espao em que as praticas de cuidados podem ser cada vez
mais participativas e geradoras de mudanas no sistema.
Diante desta problemtica e da vivencia na prtica discorrida na
aproximao com o tema, surgiram muitas inquietaes que levaram a buscar
de forma compartilhada, com estudiosos da rea e com os sujeitos da
pesquisa, as oportunidades de refletir e construir referenciais tericos e
metodolgicos que possam contribuir com a melhoria da assistncia a
populao de adolescentes. Assim, para construir a pesquisa partiu-se dos
seguintes questionamentos: Quais as necessidades de sade
demonstradas pelos adolescentes? Como se d a produo do cuidado
ao adolescente na ateno bsica e a perspectiva da integralidade ?
Neste contexto, esta pesquisa ser impulsionada pela necessidade de
olhar o cuidado ao adolescente na ateno bsica e a perspectiva da
integralidade, subsidiando, para a enfermagem, a discusso de novos
elementos como o acesso, o acolhimento, o vnculo dos usurios com a equipe
da ateno bsica, e no somente a promoo da sade, pensada distante e
de maneira passiva, mas percebendo esse sujeito adolescente como ser
autnomo em busca de sua cidadania.
No entanto, a pretenso do estudo no de produzir protocolos ou
recomendaes para a sade dos adolescentes, mas sim de contribuir para
uma melhor compreenso das necessidades processadas nas unidades
bsicas de sade sob a tica do prprio sujeito. Tem-se a inteno de
promover a discusso das aes e o cuidado de enfermagem na sua prtica
clnica. Dessa forma, tem-se a possibilidade de evidenciar perspectivas de
acolhimento, acesso e vnculo destes sujeitos, o que projetar uma maior co-
responsabilizao dos profissionais que atuam na ESF, como o enfermeiro, na
produo do cuidado ao adolescente.
Esta reflexo reafirma a importncia da efetivao de um projeto
teraputico para ampliar o acesso do adolescente ao servio de sade, e da
mudana das atuais prticas, especialmente do enfermeiro. Nesta perspectiva,
observa-se que as prticas de sade tradicionais projetadas na viso
tecnicista e valorizando somente o saber profissional no atende s
necessidades dos usurios.
Desta forma, ao articular tais aspectos, considera-se este trabalho
relevante, pois imprescindvel conhecer as necessidades de sade e de
cuidados dos adolescentes que so atendidos na ateno bsica, para que
possamos contribuir com conhecimentos empricos e tericos na produo do
cuidado. Deste modo, a pesquisa poder fornecer subsdios prtica clnica na
ateno ao adolescente, idealizando-se um cuidado de enfermagem na
perspectiva da integralidade.
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar a produo do cuidado na ateno bsica enfocando os
dispositivos da integralidade, na tica dos adolescentes.
2.2 Objetivos Especficos
Descrever as concepes do adolescente sobre sade, cuidado e produo
do cuidado na ateno bsica.
Compreender a forma como se do as relaes entre os adolescentes e a
equipe de sade, a oferta de servios, o acesso, o acolhimento nas
unidades de sade e o vnculo dos adolescentes na ateno bsica.
3. EIXO TERICO DA PESQUISA
3.1 Polticas de Ateno Sade do Adolescente: breve contexto histrico e social
Para compreender a importncia das polticas pblicas voltadas para o
adolescente, necessrio entender como se deu essa evoluo e como as
atuais polticas de ateno sade e proteo ao adolescente foram
formuladas.
Relembrando a prpria histria do Brasil, sua primeira carta
constitucional, datada de 1824, foi baseada nos princpios meritocrticos que
determinava a organizao da sociedade segundo as leis do mercado, assim a
diferena entre os homens eram evidenciadas atravs do desenvolvimento de
suas potencialidades. Com a constituio de 1891 e sua reviso em 1926,
manteve-se a tendncia ao liberalismo, uma vez que as questes sociais,
apesar de constiturem problemas estruturais graves, permaneciam
completamente ignoradas. Somente ao incio do sculo XX que os esforos
higienistas e polticos passaram apresentar reflexos se fazendo ouvir na busca
da implementao de prticas sanitrias, que objetivavam o controle de
doenas que ameaavam a populao, e, especificamente, a fora de trabalho.
Dessa forma, as primeiras aes estatais que se formaram enquanto polticas
de sade tinham como alvo parcelas marginalizadas da populao, que se
apresentavam como a grande fora produtiva do pas (CORRA; FERRIANI,
2005).
Naquele momento, a criana e o adolescente eram vistos como
elementos de renovao, esperana, fonte futura de produtividade do pas,
sendo, para tanto, necessrio o controle do seu crescimento e
desenvolvimento. Assim, no sentido de garantir a formao de cidados, o
governo assumia a educao e a assistncia sade dos jovens em situao
de risco social, onde os educandrios e hospitais filantrpicos eram as
instituies que prestavam ateno integral s crianas e aos adolescentes,
visando o progresso da nao. Por volta da dcada de 1920, o Estado passou
a buscar formas de administrar as questes sociais reconhecendo a
necessidade de preservar a fora de trabalho produtiva, surgindo ento Cdigo
de Menores em 1927, que regulamentava o trabalho do menor, sendo tal
legislao revista e substituda em 1932. Em 1930, foi criado o Ministrio da
Educao e Sade Pblica, sendo organizados os servios na esfera da sade,
mas somente em 1940, a proteo aos jovens foi definida como uma proposta
poltica, criando-se o Departamento Nacional da Criana, que teve sua ao
voltada para a rea mdica e higienista. Nesse mesmo perodo, foram criados
rgos que chamaram a si a responsabilidade do atendimento a menores
abandonados e delinqentes, como a Legio Brasileira de Assistncia (LBA).
Ainda na dcada de 30, foi introduzido o ensino pblico e gratuito e foi criado o
Servio de Assistncia ao Menor (SAM) do Ministrio da Justia, com normas
correcionais e opressivas (CORRA; FERRIANI, 2005).
Na segunda metade do sculo XX, a nvel mundial, os pases
desenvolvidos decidem cooperar com as polticas de desenvolvimento,
transferindo seus saberes e tecnologias por meio de programas e prticas de
intervenes verticais, autoritrias e prescritivas (BURSZTYN; RIBEIRO, 2005).
Seguindo essa tica, na dcada de 60, o poder pblico brasileiro estabeleceu
as diretrizes e bases de uma Poltica Nacional do Bem-Estar do Menor que
atualizava o enfoque coercitivo e repressivo vigente anteriormente, criando a
Fundao Nacional do Bem Menor (FUNABEM), mantendo a segregao dos
chamados menores. Nesse perodo, em 1979, o Cdigo de Menor foi
reestruturado e institudo pela Lei Federal n 6.697. Cabe aqui salientar
algumas crticas dirigidas esse cdigo. Uma delas se refere ao termo
preconceituoso de tratar a criana e o adolescente em situao irregular de
menor. Na verdade, essa terminologia expressava a culpabilizao e o
estigma construdo pela classe hegemnica sobre a criana e o adolescente
das classes populares, para desviar a ateno dos fatores que impulsionavam
a situao irregular desses meninos e meninas, como por exemplo, a
desigualdade social e econmica. A desigualdade era agravada pela
conjuntura econmica do pas e pela precariedade e/ou inexistncia de
polticas pblicas capazes de responderem, adequadamente, s diversas
necessidades dessas crianas e adolescentes e a seus respectivos familiares.
A outra crtica era a privao de liberdade dirigida criana e ao adolescente
apenas pela suspeita do ato infracional (CORRA; FERRIANI, 2005).
Frente ao fracasso previsvel dessa poltica, emerge a conscincia de
que o custo de impor hbitos e comportamentos a uma populao,
desprezando-se a realidade objetiva e subjetiva, muito alto. Com base nisso,
comea-se a abrir, no campo institucional, um espao para crescimento das
propostas participativas, florescendo de forma alternativa e contra-hegemnica.
Entre a participao voltada para o desenvolvimento da conscincia crtica e
libertadora e as prticas prescritivas de natureza controladora, vo se
delineando matizes que evidenciaram novos modelos de planejamento
(BURSZTYN; RIBEIRO, 2005).
Assim, a partir da dcada de 80, observa-se um incremento das medidas
poltico-sociais voltadas populao jovem. Em 1985, a OMS proclamou o Ano
Internacional da Juventude para melhor apreender as questes que envolvem
esse grupo. Com o lema Juventude: hora de buscar, hora de entender vrios
pases passaram a destinar maior ateno suas especificidades de sade e
as vulnerabilidades da populao adolescente (FERREIRA, et al, 2007).
No Brasil, iniciou-se uma articulao entre os diversos setores da
sociedade, empreendendo avanos no campo poltico, o que culminou com a
formulao da nova carta constitucional, em 1988, em que prev a Sade
como direitos de todos e dever do Estado. No que tange ao adolescente, d-se
destaque ao artigo 277, da Constituio, que ressalta ser dever da famlia,
Estado e sociedade assegurarem criana e ao adolescente o direito vida,
sade e educao, direitos sociais bsicos do cidado (BRASIL, 1988). Neste
momento, o adolescente passa a ser sujeito de direito, e no, somente, um
agente passivo de proteo e cuidado, tendo garantias como cidado,
respaldado pela legislao brasileira e protegido pelo Estado.
Tendo como foco principal a sade em consonncia com a problemtica
scio-econmica da populao jovem brasileira, em 1989, o Ministrio da
Sade oficializa o Programa Sade do Adolescente (PROSAD). Este programa
previa a integrao com os diversos setores da assistncia, no intuito da
promoo da sade, identificao de grupos de risco, deteco precoce de
agravos, tratamento adequado e reabilitao dos indivduos nesta faixa etria,
numa perspectiva integral e interdisciplinar. Propunha ainda, entre muitas
aes, o exerccio de uma rede de referncia no setor sade, em centros
culturais, e organizaes comunitrias, a discusso de interesses dos
adolescentes, o intercmbio de informaes sobre a adolescncia, e a
participao do adolescente como agente multiplicador na promoo da sade
(RAMOS, PEREIRA, ROCHA, 2001).
Situado nesse contexto da ento recente promulgao da Constituio
Brasileira de 1988 e da formulao de um programa de sade voltado
especificamente ao adolescente, em 13 de julho de 1990 sancionada a Lei
8.069 que criou o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), sendo
revogado o Cdigo de Menores. O objetivo principal do ECA estabelecer os
direitos da criana e do adolescente numa perspectiva condizente com sua
condio de pessoa em desenvolvimento e que, por sua vulnerabilidade,
merecem ateno integral, sendo esta fsica, psquica e moral (BRASIL,
2006a).
No Captulo I referente ao Direito a Vida e a Sade, o Estatuto da
Criana e do Adolescente, diz em seu art. 7 que: a criana e o adolescente
tm direito a proteo vida e sade, mediante a efetivao de polticas
sociais pblicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso em condies dignas de existncia (BRASIL, 2006a, p. 10).
Vieira (2008) ressalta a importncia da criao do ECA, instituindo uma
nova dimenso sociedade brasileira, garantindo-lhes os direitos democrticos
de participao cidad e a consolidao do Estado de Direito. O autor destaca
ainda que, nesse perodo, o pas vivia numa ambincia de redemocratizao
das instituies polticas e sociais. E uma das instituies sociais que
conseguiu propor e implantar novos paradigmas epistemolgicos e culturais,
enquanto cuidado/promoo do ser humano foi a Sade, com a criao do
Sistema nico de Sade (SUS).
Dessa forma, a criao do SUS, sendo institudo pela Constituio
Federal em 1988, representou um grande avano rumo organizao da
assistncia, o que significou o alcance de um grau civilizatrio maior, uma vez
que se estabeleceram diretrizes e os princpios que expressam a sade e a
cidadania conquistada nesse processo (MAGALHES JUNIOR, 2006). Desde
ento, o SUS vem se destinando a cumprir os seus princpios de integralidade,
universalidade, equidade e igualdade, fortalecendo as aes preventivas e
promocionais, bem como reorientando o planejamento de sade para uma
base populacional, como o adolescente.
Nesse contexto e em consonncia com o PROSAD, vo se lanando
estratgias de ateno sade do adolescente. Em 1993, o Ministrio da
Sade publica as Normas de Ateno Integral ao Adolescente, visando,
portanto, orientar e dar suporte tcnico s decises tomadas na porta de
entrada do Sistema nico de Sade e procurando, de modo direto e simples,
definir, justificar e selecionar tecnologias, padronizar procedimentos e
normalizar condutas (BRASIL, 1993).
Em 1997, o XL Conselho Diretor da Organizao Pan-Americana de
Sade (OPAS) e a Organizao Mundial de Sade (OMS) recomendaram aos
seus pases membros que inclussem em suas agendas polticas de ateno
sade, aes destinadas ao desenvolvimento dos adolescentes e jovens.
Define-se ento um marco conceitual de desenvolvimento e de promoo
sade dos adolescentes. Para isso foram formuladas sete linhas de aes:
polticas, legislao e atividades de defesas dos direitos; formulao de planos,
programas e organizao dos servios; desenvolvimento de recursos humanos
no tema; incorporao da comunicao social; formao de redes e difuso de
conhecimento; mobilizao de recursos sociais e apoio investigao e seu
desenvolvimento (TANAKA; MELO, 2001).
No contexto das polticas de sade brasileira vai se percebendo que,
apesar dos avanos substanciais do ponto vista programtico, as polticas de
ateno sade do adolescente no conseguem atingir de forma satisfatria a
maioria da populao. Percebe-se ainda que, esses avanos existentes em
cada setor no se articularam adequadamente, nem se mantiveram por tempo
suficiente e suas repercusses sobre a populao brasileira de adolescentes
no vem atingindo de forma substancial.
Mediante a baixa adeso das aes programadas, tanto por parte dos
profissionais de sade, como por parte dos jovens, em 2005, o Ministrio da
Sade por meio da Secretaria de Ateno Integral de Adolescentes e Jovens
retoma as discusses sobre a ateno sade dos adolescentes. So
publicadas orientaes bsicas para nortear a implantao e/ou implementao
de aes e servios que atenda essa populao de forma integral, atravs de
duas normas tcnicas: Marco Legal da Sade dos Adolescentes e Sade
Integral dos Adolescentes e Jovens orientaes para a organizao dos
servios de sade. O manual sobre sade integral dos adolescentes descreve
as diretrizes para a organizao de servios de ateno sade integral de
jovens e adolescentes: adequao dos servios de sade s necessidades
especficas de adolescentes e jovens, respeitando as caractersticas da
ateno local vigente e os recursos humanos e materiais disponveis; respeito
s caractersticas socioeconmicas e culturais da comunidade, alm do perfil
epidemiolgico da populao local; participao ativa dos adolescentes e
jovens no planejamento, no desenvolvimento, na divulgao e na avaliao das
aes (BRASIL, 2005).
No ano seguinte, em 2006, o MS lana a verso preliminar do Marco
Terico e Referencial da Sade Sexual e Reprodutiva de Adolescentes e
Jovens. Pautado na perspectiva da ateno sade sexual e reprodutiva, tal
documento oferece subsdios terico-polticos, mais uma vez normativos e
programticos, que visam implementao de aes voltadas a essa
populao (BRASIL, 2006a).
Motivados pela retomada dos programas voltados para a sade dos
jovens e pelas discusses do pacto pela vida junto aos gestores brasileiros, em
2007, o governo institui a Poltica Nacional de Ateno Integral Sade dos
Adolescentes, cujo objetivo desta poltica de incorporar a ateno sade a
este grupo populacional estrutura e mecanismo de gesto em todos os
nveis. (BRASIL, 2007).
Um entrave na implementao da poltica de ateno sade do
adolescente no Brasil apresentado por Oliveira e Lyra (2008), em que os
autores apontam a carncia na formao dos recursos humanos, como fator
primordial. Segundo eles, no h equipes de sade suficientes para a
populao e as equipes existentes no esto capacitadas/sensibilizadas para o
trabalho com os adolescentes. Mesmo passando por perodos de formao,
nem todos os profissionais se dispem a trabalhar com essa populao, e
muitos profissionais, embora capacitados, ainda percebem os adolescentes
como pessoas em formao, que precisam de orientao e tutela, no tendo
maturidade para assumir seu cuidado e para exercer plenamente seus direitos.
O que se percebe, que as polticas pblicas de ateno sade,
promoo e proteo dos direitos dos adolescentes vm sofrendo mudanas
na concepo e no modo de produo de sade, originadas das construes
sociais histricas. Esse contexto, reflete na conduo dos programas
ministeriais que envolvem a sade dos jovens, que so, na maioria das vezes,
pensados de maneira vertical, a nvel de tcnicos e gestores, permanecendo a
carncia da base, onde o produto final destinado. Da pode-se indagar o
porqu do baixo impacto desses programas ou at mesmo da baixa
resolutividade que se observa na realidade de sade dos adolescentes na
ateno bsica.
H outra questo terica importante implicada com esta questo: ao
resolver de forma verticalizada o formato dos programas para adolescentes,
estaria o Ministrio da Sade tentando determinar que a vida do adolescente
se produza de uma determinada forma, tentando determinar a priori que tipo de
vida deve se produzir no adolescente? Ou seja, estaria o Ministrio da Sade,
a partir dos programas estaria tentando induzir certo tipo de vida, ou de
comportamento dos adolescentes?
Para compreender a importncia e a possibilidade do impacto das aes
e servios em sade destinados aos adolescentes fundamental considerar as
demandas de sade, de maneira que as aes oferecidas se adequem
realidade local individual e coletiva dos principais interessados. Assim,
todas essas aes programadas pelo governo brasileiro devem estar pautadas
nas reais necessidades dos adolescentes.
3.2 O Sujeito Adolescente e o Cuidado em Sade
A palavra adolescente, segundo o perfil de sua evoluo diacrnica do
latim ao portugus, prende-se ao radical olescere: crescer. A forma verncula
conecta-se diretamente ao semantema adolere: aumentar, queimar, sacrificar
queimando, e adolescere: crescer em idade e fora. Em todas as formas est
presente a idia da mudana, do desgaste, da busca do amadurecimento. Por
isso o verbo latino incoativo, por encerrar noo de comeo e continuao de
ao, ao de crescer. Adolescer, portanto, tornar-se adulto. E adulto, neste
plano, aquele que queimou as energias necessrias ao atingimento da
plenitude de sua evoluo psicofisiolgica (HEIDEMANN, 2006).
Ferreira et al. (2007) discutem que a adolescncia uma etapa da vida
caracterizada pelas dimenses psico-biolgica, sociocultural e cronolgica
implicadas no crescimento e no desenvolvimento as quais resultam tambm de
contextos polticos, histricos e econmicos. Encontrar-se na adolescncia
viver uma fase em que mltiplas mudanas acontecem e se refletem no corpo
fsico, pois o crescimento somtico e o desenvolvimento em termos de
habilidades psicomotoras se intensificam e os hormnios atuam vigorosamente
levando a mudanas de forma e expresso. No que tange ao aspecto
psicolgico, so vrias as transformaes, principalmente, as relacionadas
labilidade do humor. Surgem muitas questes e dvidas sobre a vida e o viver,
os modos de ser e estar com os outros, at a construo do futuro com as
escolhas profissionais.
Corrobando com esse pensamento, Heidemann (2006) caracteriza a
adolescncia por um perodo de grande vulnerabilidade fsica, psicolgica e
social. Corresponde a faixa etria de assuno de caractersticas complexas
para o desenvolvimento pleno do ser humano. O desenvolvimento fsico,
cerebral, endcrino, emocional, social, sexual ocorre de forma conjugada,
modificando as estruturas fsicas, mentais, emocionais, originando
comportamentos e emoes no antes sentidas pelo adolescente ou pelas
pessoas que convivem com ele. Desta forma entende-se o adolescente com
um sujeito de uma vulnerabilidade orgnica e social definida. Porm seguindo
este propsito de abordar a adolescncia como algo construdo, acaba-se por
criar uma identidade adolescente, que vai de encontro subjetividade de
cada ser.
Campos (2008) traz a concepo de que pertencer a uma faixa etria
uma condio provisria, onde a idade atravessa cada sujeito, mas so suas
vivncias e sua maneira de conceber o mundo que se encarrega de fazer
com que cada um passe para outra faixa etria. Assim, ao valorizar o saber
do adolescente e a forma como o adolescente experiencia seu agir no mundo,
pode-se verificar que no existe uma nica adolescncia, e que as diferenas
culturais, de saberes e prticas, com diferentes marcas, dentro de uma mesma
comunidade, proporciona viver muitas adolescncias, dependendo da
maneira de como foi possvel subjetivar cada existncia.
Trazendo o pensamento de Pinheiro e Guizardi (2006), produzir
conhecimento a partir de experincias requer aplicar um olhar reflexivo sobre
qualquer objeto do vivido, com a finalidade de apreender suas significaes.
Nesse sentido, o compartilhamento de saberes capaz de romper com a
ditadura unitria de conhecimentos e dos efeitos centralizadores. Assim o
entre do saber cientfico e o saber popular que como lao constri vnculos e
amplia acesso, rompendo os elos de concepo sobre adolescncia. Ao tentar-
se compreender o saber do adolescente, desatam-se os ns dos pr-conceitos
para se chegar razo primeira de ser em sade: o cuidado.
Assim, para cuidar do adolescente, valorizando sua subjetividade, torna-
se necessrio ouvi-los, criando espaos de discusso e aprofundamento das
questes formuladas por eles. Entretanto, a discusso de temas dificilmente
abordados no cotidiano vai alm das preocupaes higienistas e
epidemiolgicas, perpassando pelo conhecimento das necessidades individuais
e coletivas em sade (JEOLS; FERRARI, 2003).
importante ressaltar que sade no pode ser vista como um estado
ideal, uniforme, mas como a busca permanente de mobilizao de foras
ativas, das energias necessrias para viver. Desse modo, falar em sade
falar de uma sucesso de compromissos que assumimos com a realidade, e
que se alteram, que se reconquistam, se definem a cada momento. Sade
um campo de negociao cotidiana para se tornar a vida vivel (ROCHA,
2002).
Ferreira (2006) afirma que, com o intuito de ampliar as concepes de
sade e de cuidado, cada vez mais pesquisas vm buscando desvelar as
representaes indicadas pelos prprios sujeitos, buscando, assim, oferecer
cuidados que venham ao encontro nas necessidades e desejos da clientela.
Ainda segundo a autora, o ato de cuidar exige mais do que um
conhecimento tcnico de abordagem, pois o discurso da prtica clnica
hegemnica no basta para conhecermos o outro (sujeito do cuidado).
necessrio que entendamos o adolescente a partir dele prprio, do que ele
vive, sente e necessita no seu cotidiano de vida. Esse entendimento condio
necessria para o cuidar, do ponto de vista humanstico e integral. Assim,
produzir cuidado em consonncia s necessidades de sade dos usurios abre
possibilidades de entend-los, naquilo que os jovens tm de nico e singular,
viabilizando um cuidado direcionado para as demandas, no caso a populao
adolescente em estudo (FERREIRA, 2006).
Para compreender que necessidades de sade estamos abordando, nos
aproximamos das idias de Schraiber e Mendes-Gonalves (2000) quando
afirmam que definir necessidades uma questo complexa, pois se pensar
necessidade requer pensar em assistncia, e a imagem desta est
representada pela procura de cuidados mdicos que um doente faz ao dirigir-
se a um servio. Desta forma, a origem dessa busca a carncia que o
indivduo tem que deve ser corrigido em seu atual estado scio-vital, e o
resultado das intervenes sobre qualquer carecimento reconhecido, portanto
como necessidade. Com base nisso, a interveno pode ser reconhecida
tambm como uma necessidade, com base na demanda cuidada pela
interveno.
Podemos pensar nos adolescentes como sujeitos que possuem
necessidades prementes de sade para que possam obter um crescimento e
um desenvolvimento saudvel. Merhy (2006) reflete sobre as necessidades de
sade dos usurios as quais podero estar representadas das mais variadas
formas, pois eles no so uma categoria de atores uniformes. Porm o segredo
olhar e analisar cada situao na sua singularidade, na maneira como esses
sujeitos procuram construir o mundo pra si e para os outros, constituindo suas
representaes sobre sade e cuidado.
freqente, no entanto, ocorrerem as representaes de cuidado
apenas de forma impessoal, sem a necessidade de desenvolver um
relacionamento mais ntimo e profundo que fortalea o self do outro. Assim, o
ser cuidado precisa estar totalmente presente e, simultaneamente, sendo
capaz de refletir com o outro (o ser cuidado), sobre o que est sendo
experienciado, num dado momento, para juntos encontrarem a soluo para a
sua necessidade de sade (NASCIMENTO E TRENTINI, 2004).
Trazendo o pensamento do cuidado de enfermagem de Waldow (2001),
deve-se atentar para a importncia de se envolver no contexto histrico,
cultural e social que o ser cuidado est inserido. Desse modo, o cuidado
assume vrias conotaes que no se traduzem apenas como atividade
realizada no sentido de tratar uma ferida, aliviar um desconforto e auxiliar na
cura de uma doena. O sentido do cuidado mais amplo e se revela como
uma forma de expresso, de relacionamento com o outro e com o mundo, ou
seja, como uma forma de viver plenamente.
Dessa forma, falar da presena do sujeito no cuidar no significa apenas
seu comparecimento fsico. A concepo de cuidado para Boff (2005, p.31)
envolve um compromisso tico de resgate do saber inerente a cada sujeito:
[...] a relao no sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os
seres como sujeitos, como valores, como smbolos que remetem a uma
realidade [...]. Seu pensamento rompe com a perspectiva cartesiana do sujeito
do conhecimento, pois considera o sujeito como ser de linguagem que no
comporta apenas o aspecto racional e consciente. Portanto, o enfoque do
cuidar deve enfatizar a subjetividade do paciente, tornando-o capaz de ficar
responsvel pelo seu cuidado devido uma mudana na forma de perceber sua
necessidade.
Para tanto, faz-se necessrio compreender a sua subjetividade, como
ressalta Vieira e Rodrigues (2007), em que as situaes vivenciadas pelo
sujeito adolescente representam a forma concreta de como interpretam a vida,
de modo que a anlise desta interpretao torna-se tpica quando reflete uma
vivncia do censo comum, em um determinado contexto.
Reconhece-se, portanto, que no lidamos apenas com necessidades
bio-fisiolgicas, mas tambm com a dimenso subjetiva e no que ela implica de
articulao com o outro. Ou seja, o cuidado ao sujeito adolescente extrapola
seu carter instrumental e, necessariamente, vo ser perpassadas por uma
articulao com ferramentas que busquem a satisfao das suas
necessidades.
3.3 A Produo do Cuidado ao Adolescente na Ateno Bsica e sua
Interface com a Clnica.
A ateno bsica um cenrio de encontros espao intercessor
entre o usurio e o trabalhador de sade, onde se operam processos
tecnolgicos1 que visam produo de relaes de escutas e
responsabilizaes. Estas se articulam com a constituio dos vnculos e dos
compromissos em modelos de intervenes, que objetivam em atuar sobre as
necessidades em busca da produo do cuidado (FRANCO, BUENO, MERHY,
2006).
A ateno bsica faz parte de uma rede de gesto do SUS e operada
por linhas de produo do cuidado, sobre as quais trabalhadores e usurios
buscam satisfazer as necessidades de sade. Fazendo a relao entre os
diversos lugares de produo. Franco (2007) props um diagrama
interpretativo que trs o fluxo de produo do cuidado, onde agregam
elementos sociais, polticos, tcnicos e subjetivos que dependem dos sujeitos e
de seus grupos, na micropoltica que opera nesses mesmos cenrios.
1 Merhy, em sua publicao Sade: a cartografia do trabalho vivo (2002) trs o processo tecnolgico
como o "trabalho vivo" capturado pelas tecnologias mais estruturadas, ou, "duras" e "leve-duras". O
"espao intercessor" referente ao encontro entre o usurio e o profissional de sade, onde ocorrem
possibilidades de mudanas e de atos criativos, sempre podendo ser recriado. Este encontro singular e
opera usualmente em ato, tornando difcil capturar o "trabalho vivo". Este espao relacional sempre
conflituoso, tenso, existindo diversas possibilidades de desdobramentos, tornando-se um momento
especial, portador de foras "instituintes".
Diagrama da Gesto do SUS e os seus fluxos na produo do cuidado
(FRANCO, 2007).
O diagrama representa diversos lugares de gesto, espaos de
microgesto e de produo de cuidado no interior do SUS. O foco na ateno
bsica, como uma microgesto regulada por um padro de conduta tcnica,
tica, poltica, subjetiva e socialmente produzida, tende a ser assumida diante o
usurio e sua necessidade de sade. Nesta tica, a idia da ateno bsica
como espao de produo do cuidado, vem em consonncia com as suas
diretrizes e o direcionamento que dado famlia e comunidade, a partir da
definio de sujeito e seus diversos planos de co-produo (FRANCO, 2007).
Em consonncia com essa idia, nos reportamos a Portaria n 648, de
maro de 2006, onde aprova a Poltica Nacional de Ateno Bsica, e expressa
textualmente que a ateno bsica considera o sujeito em sua singularidade,
na complexidade, na integralidade e na insero sociocultural (BRASIL,
2006b).
Inserida na Poltica de Ateno Bsica, a Estratgia Sade da Famlia
(ESF) constitui-se como prioritria, sendo enfatizada a definio de
responsabilidades entre o sistema de sade e a populao. Nesta perspectiva,
a micropoltica de trabalho tomada como uma prtica social, complexamente
interligada realidade em questo, fazendo com que a integralidade e a
intersetorialidade sejam partes importantes do desenho estratgico da ao. A
participao popular torna-se, ainda, bastante valorizada para compor a co-
responsabilidade nas intervenes desenvolvidas no territrio (CAMARGO,
2008).
Assim, na prtica cotidiana da organizao da ateno bsica so
destinadas aes de territorializao, integralidade da ateno e impacto
epidemiolgico com o objetivo de reorientar o planejamento de sade para uma
base populacional. No caso dos adolescentes, a poltica da ateno bsica e,
consequentemente, a ESF contribui com medidas de promoo da sade e
proteo especfica (FERRARI, THOMSON, MELCHIOR, 2008).
Entretanto, nesta prtica organizacional acaba-se por setorizar a
Estratgia Sade da Famlia, o que contribui para a reduo de ndices
epidemiolgicos desejveis. Porm, tornam-se residuais as necessidades de
sade de outros grupos populacionais, como os adolescentes, contribuindo
para o afastamento deste grupo, aumentando sua vulnerabilidade (OLIVEIRA;
LYRA, 2008).
Oliveira e Lyra (2008) ressaltam ainda que no caso dos adolescentes o
afastamento do grupo etrio da unidade de sade influenciado por duas vias:
a) por considerarem que as suas demandas no se enquadram na lgica
assistencial, no tendo o que lhes oferecer nos servios de sade; b) e pela
naturalizao do argumento que os adolescentes no esto preocupados em
cuidar da sade. Com base nesses entraves, os autores apontam trs desafios
para uma produo de cuidado e de sade eficazes ao adolescente na ateno
bsica: quanto oferta sistemtica e organizao das aes e servios
voltados aos adolescentes; quanto capacitao e sensibilizao dos
profissionais de sade para a realizao do cuidado destinado ao adolescente,
dentro de uma perspectiva que os considere como sujeito de direitos; quanto
matiz moral que direciona o comportamento de muitos profissionais em
expressar desateno s necessidades dessa clientela.
Segundo Gil (2006), medida que a ESF vai se ampliando no pas, fica
evidente a necessidade de novos instrumentos para lidar com os cuidados em
sade e com a gesto em sade, como a co-gesto e o foco no processo de
trabalho. Desta forma, ainda segundo o autor, fica claro que h uma
inconsistncia terico-conceitual no campo da ateno bsica para lidar com
essas transformaes, necessitando de outros olhares para este cenrio.
Tal prerrogativa vem reforar o cenrio atual, onde o adolescente no
trata-se de uma demanda em si, mas como um grupo populacional que se
insere nos diversos programas, sem aes planejadas e voltadas para as
necessidades de cada um, ou seja, no h uma sensibilizao em considerar o
adolescente como sujeito, como ator principal, que demanda cuidados
especficos.
Complementando a idia, Rocha (2002) afirma que a ESF norteada,
ainda, pela construo da relao entre trabalhadores e usurios na ateno
bsica, tendo inicio no estabelecimento dos problemas comuns, na aglutinao
de profissionais e de idias e na anlise coletiva do cotidiano. nessa
perspectiva, de conhecer e articular os saberes e prticas, que se possibilita a
busca do cuidado. Contudo, no se trata somente de conhecimentos e
habilidades, deve-se articular as prticas clnicas do cuidado da equipe
multiprofissional frente s demandas individualizadas e coletivas, norteando
novas relaes com a famlia, com a escola e com outros grupos institucionais.
Esta perspectiva de mudana no modelo assistencial e as possibilidades
de transformao do cuidado e da prtica clnica da enfermagem cuidado
clnico, procura responder as questes voltadas ao servio das necessidades
de sade da populao, bem como investir numa relao horizontal e dialgica
e incorporando novos atores, saberes e prticas que desenvolvem, valorizem e
legitimem as aes bsicas. (FAVORETO, 2007).
A clnica vem sendo influenciada por novos contextos e expectativas de
ateno sade produzida pelas transformaes dos servios, como as
mudanas que vm ocorrendo na ateno bsica e em seus novos cenrios de
prticas. A ateno bsica vista como uma unidade de produo que
aproxima os profissionais dos contextos sociais, culturais e afetivos em que
vivem os usurios. Possibilita, assim, uma relao cotidiana dos vrios atores
envolvidos com os aspectos sociais e subjetivos constitutivos do processo
sade-doena-cuidado, implicando na construo de maior vnculo e dilogo
entre os profissionais e os usurios na perspectiva ampliada da clnica
(FAVORETO, 2007).
Nesta possibilidade, temos os dispositivos intercessores que atuam
inseridos numa prtica clnica que podem propiciar uma qualidade na ateno,
e conseqentemente uma satisfao dos sujeitos em relao ao cuidado
produzido a ele e por ele. Assim, podemos embasar a produo do cuidado em
torno deste eixo, trazendo a perspectiva da clnica ampliada e os dispositivos
da integralidade como fortalecedores desse processo, indo ao encontro ao
modelo hegemnico vigente (FRANCO, 2007).
Nas idias de Franco e Magalhes Jnior (2006), o modelo focado
apenas na prtica biomdica contribui para baixa resolutividade na rede bsica,
no exerccio de uma clnica centrada no ato prescritivo e na produo de
procedimentos tcnicos. Ao contrrio da clnica na perspectiva ampliada, com
ao de mltiplas perspectivas e uma relao de vnculo entre usurios e
trabalhadores de sade.
Campos (2003), ao discutir sobre a viso ampliada da clnica, afirma que
devemos conhecer o que os usurios necessitam, a fim de atenuar a peleja
entre as demandas infinitas e a finitude de recursos. Desta forma, deve-se
envolver usurios, famlias e comunidade na produo de sua sade,
estimulando o co-produo, partilhando conhecimentos de sade com grupos,
e definindo prioridades para o direcionamento das aes de cuidado.
So vrios os gestores, profissionais e usurios do SUS, que na busca
da melhoria de ateno sade, vm apresentando evidncias da insatisfao
e da necessidade de reviso de idias e concepes sobre a sade, em
particular dos modelos tecnoassistenciais2. Assim, deve-se destacar a luta pela
construo de um sistema universal, democrtico, acessvel e de qualidade
que propicia a efetivao de um modelo de ateno pautado na integralidade
(PINHEIRO; GUIZARDI, 2006).
2 necessrio reforar que a construo de saberes no vinculados ao saber biomdico no significa abrir
mo de recursos e intervenes tecnicistas, mas ressaltar que o saber hegemnico nas prticas clnicas
insuficiente, quando utilizado de forma excludente, principalmente na ateno bsica (CUNHA, 2005).
A integralidade mais que uma temtica ou um conceito, ela vem
assumindo o papel de uma lente que amplia o olhar sobre a organizao dos
servios de sade e de suas prticas, delineando-se sobre a realidade na
construo de um cuidado clnico dimensionado nas relaes profissionais,
necessidades dos usurios e no planejamento dos servios de sade (MATOS,
2001; FAVORETO, 2007).
Seguindo esse pensamento, a Integralidade quando trs o sujeito como
foco, em suas necessidades e expectativas, remete a discusses de questes
que so transversais s aes de sade como a acessibilidade, o vnculo, a
acesso e a continuidade do cuidado ofertado. Remete, ainda, s relaes entre
os sujeitos envolvidos na produo do cuidado e, consequentemente, abre o
cenrio dos servios e das prticas para o dilogo entre diferentes saberes
(FAVORETO, 2007).
Encontra-se na literatura diversos estudos que tratam a noo de
integralidade como se a mesma fosse apenas um dispositivo jurdico-
constitucional, usado para designar um dos princpios do Sistema nico de
Sade (SUS), expressando umas das bandeiras de luta do movimento
sanitrio. Encontra-se ainda a integralidade como articuladora de aes e de
servios de sade, envolvendo a promoo, proteo, recuperao da sade,
bem como em atividades preventivas e assistenciais. Da mesma forma, atribui-
se a integralidade como eixo norteador de organizao dos servios, tendo sido
associada ao tratamento digno, respeitoso e com qualidade, de acolhimento e
vnculo (MATTOS, 2004).
Para Gomes e Pinheiro (2005), a integralidade se traduz na
resolubilidade da equipe e dos servios, por meio de discusses permanentes,
capacitao da equipe, utilizao de protocolos e na reorganizao dos
servios. Como exemplo, tem-se o acolhimento/usurio-centrado (FRANCO;
BUENO; MERHY, 2006) e a democratizao da gesto do cuidado pela
participao dos usurios nas decises sobre a sade que se deseja obter
(PINHEIRO; MATTOS, 2003).
Desta forma, pode-se reconhecer, nas estratgias de melhoria de
acesso e desenvolvimento das prticas de sade e de cuidado, o acolhimento,
o vnculo e a responsabilizao como prticas integrais (PINHEIRO, 2002).
Franco, Bueno e Merhy (2006) defendem o acolhimento como
dispositivo para interrogar processos intercessores que constroem relaes nas
prticas de sade, buscando a produo da responsabilizao clnica e
sanitria e a interveno resolutiva, reconhecendo que, sem acolher e vincular,
no h produo dessa responsabilizao.
O acolhimento considerado um dos dispositivos disparadores de
reflexes e mudanas, a respeito de como os saberes vm sendo ou deixando
de ser utilizados para a melhoria da qualidade dos servios de sade.
Pressupe a atitude de receber, escutar e tratar humanizadamente os usurios
e suas demandas; tais aes facilitam na discriminao do risco e na oferta de
cuidados. No mbito da organizao dos servios, o acolhimento reorienta
desde a composio do trabalho em equipe, at as caractersticas de
superviso e avaliao pessoal (CAMARGO JR, et al, 2008).
Dentro desta perspectiva integral, incorpora-se a idia da acessibilidade
para complementar o conceito de acolhimento. No campo da sade, acesso
pode ser definido por aquelas dimenses que descrevem a entrada em
potencial ou real por um dado grupo populacional em um sistema de prestao
de cuidados de sade. Assim, a acessibilidade entendida como um conjunto
de aes que viabiliza a entrada de cada usurio na rede de servios,
representando as dificuldades e facilidades em obter tratamento desejado,
estando, portanto, diretamente ligado s caractersticas de oferta e
disponibilidade de recursos (CAMARGO JR, et al, 2008).
Ramos e Lima (2003) afirmam ainda que acesso e acolhimento so
elementos essenciais de um bom atendimento. Eles remetem discusso de
modelos assistenciais a serem adotados nas unidades de ateno bsica,
podendo favorecer a reorganizao dos servios e a qualificao da
assistncia prestada, para que se possa atuar efetivamente sobre a sade do
indivduo e da coletividade. So importantes tambm para a qualidade dos
servios de sade, uma vez que a conjugao de fatores facilitadores do
acesso e/ou acolhimento propiciam a qualidade do atendimento, determinando
a escolha do servio e estabelecendo, freqentemente, um bom vnculo,
expresso atravs de um longo tempo de contato com os usurios.
Nesse sentido, trazemos o pensamento de Campos (2003), onde os
usurios trazem as demandas, de acordo com suas necessidades, e a
possibilidade de construo do vnculo resulta da disposio de acolher de uns
e da deciso de buscar apoio em outros.
Campos (2003, p.28) enfatiza ainda:
O vnculo , portanto, a circulao de afeto entre as pessoas (...). Os vnculos se constroem quando se estabelece algum tipo de dependncia mtua: uns precisam de ajuda para resolver questes sanitrias; outros precisam disso para poder ganhar a vida, exercer a profisso. Ou seja, para que haja vnculo positivo os grupos devem acreditar que a equipe de sade tem alguma potncia, alguma capacidade de resolver problemas de sade. E a equipe deve acolher a demanda dos usurios ou das organizaes.
O vnculo tambm implica a responsabilizao, que significa o
trabalhador de sade assumir a responsabilidade pela conduo do cuidado
clnico, teraputico, dentro de uma possibilidade de interveno, porm nem
burocratizada, nem impessoal (CAMARGO JR, et al, 2008).
Segundo SOLLA (2005), a responsabilizao para com o problema de
sade vai alm do atendimento propriamente dito, diz respeito tambm ao
vnculo necessrio entre o servio e a clientela. Assim, possvel construir
relaes de confiana e apoio entre trabalhadores e usurios atravs do
acesso e acolhimento adequado.
Desta forma, para transcender a produo do cuidado que responda ao
acolhimento com garantias, recomendvel que tal conceito seja articulado
com a abordagem do sujeito, ao reconhecimento de sua singularidade, no
acesso adequado, na oferta de servios e no estabelecimento do vnculo.
4 PERCURSO METODOLGICO
4.1 Natureza do Estudo
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com a utilizao de multimtodos,
que busca descrever e compreender a realidade a partir das experincias dos
sujeitos e cujo objeto de estudo no reduzido a variveis, e sim, estudado em
sua complexidade e totalidade em seu contexto, bem como nas prticas e
interaes da vida cotidiana. A pesquisa qualitativa permite a descrio das
experincias humanas tal como vivida e definida por seus prprios atores. Os
pesquisadores dessa abordagem coletam e analisam material pouco
estruturados que propiciam campo livre ao rico potencial das percepes e
subjetividades dos seres humanos (MINAYO, 2006; FLICK, 2004).
Assim, concebe-se o objeto e o sujeito fazendo parte da mesma teia,
onde o objeto abrange as prticas de sade e de cuidado e discutido luz
dos sujeitos neles implicados (FERREIRA et al, 2007).
4.2 Campo da Pesquisa
A pesquisa foi realizada no Centro Municipal de Educao e Sade
(CMES) Projeto Nascente, localizada na regional Regional IV, conforme
diviso da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza Cear (Mapa 1).
.
A Secretaria Executiva Regional IV (SER IV) abrange 19 bairros e seu
perfil socioeconmico caracterizado por servios, com uma das maiores
feiras livres da cidade, a da Parangaba, e vrios corredores comerciais, entre
eles o Montese. Os bairros pertencentes a esta rea so Jos Bonifcio,
Benfica, Ftima, Jardim Amrica, Damas, Parreo, Bom Futuro, Vila Unio,
Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demcrito Rocha, Itaoca,
Parangaba, Serrinha, Aeroporto, Itaperi, Dend e Vila Pery. Sua populao
de cerca de 280 mil habitantes segundo censo do IBGE. O CMES fica
localizado no bairro Itaperi, prximo a Universidade Estadual do Cear (UECE).
O Centro Municipal de Educao e Sade (CMES) Projeto Nascente,
localizada no bairro Itapery, uma instituio de ensino criada pelo Decreto N
9135 de 01/07/93, DOM N 10176 de 16/08/93. Foi criada em 2005 atravs de
um convnio entre o Municpio de Fortaleza e a UECE com o objetivo de
promover aes integradas de educao e sade, por meio da Escola Projeto
Nascente e da UBASF Projeto Nascente.
O CMES uma instituio que tem uma singularidade e uma identidade
prpria diferente das demais escolas pblicas da rede municipal. Isso porque
alguns professores ainda so estudantes universitrios servindo, assim, como
espao de aprendizagem para os futuros docentes que intencionam articular na
prtica os conhecimentos adquiridos durante a sua formao. A escola conta
ainda com professores e funcionrios concursados pela Prefeitura Municipal de
Fortaleza e voluntrios.
A escola possui desde o 1 ano do ensino fundamental at o 9 ano,
sendo que pela manh estudam alunos do 1 ao 4 ano, e tarde os alunos do
5 ao 9. No turno da noite funciona o curso de educao para jovens e adultos
(EJA). Segundo a diretora da escola, no ano de 2009, 537 alunos estavam
regularmente matriculados entre ensino fundamental I e II.
A escola possui boa infra-estrutura, sendo composta por salas de aulas
amplas, refeitrio, espao de recreao, auditrio, sala de estudo, quadra
poliesportiva, alm de biblioteca e sala de professores, coordenao e direo.
4.3 Participantes da pesquisa
A escolha dos adolescentes aconteceu inicialmente atravs da aplicao
de um questionrio (apndice A) com 32 alunos regularmente matriculados e
que freqentavam o 9 ano da Escola Projeto Nascente, onde se levantou os
aspectos socioeconmicos dos mesmos, com o intuito de caracterizar os
adolescentes quanto origem social e demogrfica, aspectos subjetivos
relacionados compreenso dos mesmos sobre sade e cuidado e sobre a
freqncia na procura dos servios de sade da Regional IV, especificamente
na Unidade Bsica de Sade da Famlia Projeto Nascente. Tal investigao foi
importante para se obter a primeira aproximao em relao s necessidades
dos adolescentes e a produo do cuidado sade. E ainda compreender que
a origem social dos adolescentes repercute diretamente nas aes de cuidado,
pois os participantes da pesquisa so sujeitos provenientes de uma classe
desfavorecida, em termos sociais, econmicos e culturais. Tal fato deve ser
ressaltado, pois adolescentes de classe mdia, so obviamente diferentes dos
adolescentes pobres, de origem rural ou os que esto envolvidos com trfico e
violncia e que a produo do cuidado com foco na integralidade deve estar
voltada para atender as necessidades especficas de cada grupo.
Aps essa aproximao, foi perguntado aos adolescentes sobre o
interesse em participar da pesquisa. No primeiro momento, apenas 10
adolescentes manifestaram interesse, no entanto, aps sensibilizao da
pesquisadora por meio da explicao sobre a importncia da participao na
pesquisa, foi fechado o grupo com 12 participantes, sendo trs do sexo
masculino e nove do sexo feminino.
Previamente, tambm foi definido o local de realizao dos encontros,
pois foi conveniente debater o ambiente mais apropriado juntamente com os
adolescentes, sujeitos da pesquisa. Neste momento foi determinado como
seria a escolha e participao no grupo, e optou-se em selecionar um grupo
com algumas caractersticas em comum: todos alunos da escola e do mesmo
ano de ensino. Outro critrio foi que freqentasse regularmente a unidade de
sade anexa escola. No houve dificuldade neste aspecto, pois todos tinham
freqentado o servio em diversas situaes de cuidado sade.
Nesse momento, foi acordado entre os adolescentes e a pesquisadora o
dia do 1 encontro e horrio. Mediante a necessidade, os encontros foram
realizados sempre aps as aulas, no horrio de 17 horas.
4.4 Perodo e estratgia de coleta das informaes
A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de abril a outubro de
2009, perodo considerado suficiente para que se pudessem apreender ao
mximo as informaes pertinentes ao estudo.
Ao optar como procedimento metodolgico pela triangulao de
mtodos, utilizou-se inicialmente para apreenso dos dados as seguintes
tcnicas de coleta: Grupo Focal (GF) e Observao Livre.
Pop e Mays (2009) declaram que a tcnica de grupo focal bem
indicada para pesquisas de campo, por, em pouco tempo e baixo custo,
possibilitar um aprofundamento diversificado dos contedos relacionados ao
tema de interesse. ainda uma tcnica relevante para lidar com questes de
sade sob uma tica social, j que se torna possvel identificar percepes,
sentimentos, atitudes e idias dos participantes a respeito de um determinado
assunto.
Ressel et al. (2008) destaca ainda a importncia da tcnica de grupo
focal, pois esta apreende os contedos implcitos da temtica, como regras,
valores e significados culturais institudos, alm de permitir o desvelamento das
singularidades e coletividades presentes na complexidade cultural do contexto.
Traz a luz semelhanas, mas no igualdades. Portanto, neste estudo pode
emergir profundas diferenas nas experincias vivenciadas pelos adolescentes
sobre sade e produo do cuidado no contexto da ateno bsica.
Observando os objetivos do estudo, na inteno de apreender alm das
expresses verbais, mas tambm, as no-verbais comunicadas ao longo das
discusses, foi selecionada uma colaborador
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