UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE AGRONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
AGRONEGÓCIO
DORCELINA APARECIDA MILITÃO MOREIRA
A EDUCAÇÃO DO CAMPO, A LUTA PELA TERRA E A (RE)PRODUÇÃO
CAMPONESA NO MUNICÍPIO DE GOIÁS - GO
GOIÂNIA
2016
DORCELINA APARECIDA MILITÃO MOREIRA
A EDUCAÇÃO DO CAMPO, A LUTA PELA TERRA E A (RE)PRODUÇÃO
CAMPONESA NO MUNICÍPIO DE GOIÁS - GO
Dissertação apresentada à Universidade Federal
de Goiás, Escola de Agronomia - Programa de
Pós-Graduação em Agronegócio, como
requisito para a obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Sustentabilidade e
Competitividade dos Sistemas Agroindustriais.
Linha de pesquisa: Agricultura Familiar e
Agronegócio.
Orientadora: Profª. Drª. Dinalva Donizete
Ribeiro.
GOIÂNIA
2016
Aos meus pais,
Francelino Militão, eterno camponês, mestre da terra.
Maria Glória, exemplo de paz, que sempre cultiva as flores.
Ao meu esposo,
Delcidio - Japão, companheiro de todas as horas, admirável ser.
Aos meus filhos,
Frederico e Juliano, sinônimo de alegria, certeza da vida.
Aos trabalhadores e trabalhadoras que lutam pela terra, meu eterno respeito.
AGRADECIMENTOS
Com a certeza de que, em qualquer fase da formação humana, o conhecimento é
produzido através da ação e da interação entre os sujeitos, posso afirmar que, a partir do
momento que expressei a ideia de realizar esta pesquisa, ela deixou de ser “minha” e ganhou
caráter coletivo. Por isso agradeço a todos, que, de uma forma ou de outra, colaboraram
participaram e contribuíram.
A todos os camponeses, estudantes e educadores que participaram das entrevistas e
retrataram a Educação do Campo no Município de Goiás.
A minha orientadora, Prof.ª Drª. Dinalva Donizete Ribeiro, pela atenção dedicada e pela
orientação pautada em perguntas e reflexões.
Aos professores: Drª. Regina Sueli de Sousa pela indicação e apoio aos caminhos da
educação, desde a década de 1990; Dr. Gabriel da Silva Medina, por me encorajar em realizar
esta pesquisa, há ambos, pelas inúmeras contribuições, pelas provocações e alertas feitos na
banca de qualificação.
Aos professores Klaus de Oliveira Abdala e todos os demais professores, do Programa
de Pós-Graduação em Agronegócio – PPAgro/UFG, do Instituto de Estudos Sócio - Ambientais
– IESA/UFG, do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFG e professora Vera
Lúcia Salazar Pessôa – UFG/Regional Catalão – que ministrou aulas como convidada –, pelas
valiosas colaborações nas disciplinas ofertadas. E a todos os demais servidores destes
programas de ensino.
Aos colegas de jornada: Mirian, Moniely, Saulo, Rodrigo, Fernanda, Karla..., pela soma
de saberes nos debates, trabalhos e projetos partilhados.
Às instituições: Secretaria Municipal de Educação do Município de Goiás; escolas
municipais: Escola Família Agrícola de Goiás e à Universidade Federal de Goiás – Regional
Goiás, LEDOC, e à CPT, pela disponibilidade nas informações ou pelo convívio nas visitas e
observações realizadas.
As professoras: Selma de Bastos Pires, Prefeita da Cidade de Goiás e Ângela de Oliveira
B. Fonseca, Secretária Municipal de Educação do Município de Goiás, pela compreensão e
concessão do direito à licença durante o período da pesquisa.
A todos os educadores e educadoras: Murilo Mendonça, Vander André, Marli Moreira,
Balbina, Umbelina, Celso Carpenedo, Luismar Ribeiro... que, no decorrer da vida, me
ensinaram e encorajaram a continuar na busca do conhecimento.
Ao MST, à CPT e ao Mosteiro da Anunciação, pelas calorosas capacitações oferecidas
no âmbito da Educação Popular, na década de 1990, que, em mim, despertaram a consciência
de classe.
A todos os camponeses, produtores de alimentos, mantenedores da vida...especialmente
aos que participam da luta pela terra e pela educação do campo e, assim, vêm constituindo mais
justiça e menos desigualdades sociais.
Aos meus pais, Francelino Francisco Militão e Maria Glória Militão, primeiros e eternos
educadores, e aos demais familiares.
Ao companheiro Japão e aos filhos: Frederico e Juliano, pelo apoio incondicional na
realização desta pesquisa, inclusive através de debates e reflexões cotidianas referentes à
problemática do campo, bem como de apoio técnico, seja na locomoção até à universidade e na
realização do trabalho de campo, seja nos serviços de informática, do Juliano.
Ao Deus da vida, pela saúde e disposição para chegar até aqui. A todos e a todas, o meu
muito obrigado!
Creio na Educação, porque acredito no homem e na mulher como
sujeitos de suas histórias, capazes de construir sempre novas relações.
Creio na educação que, quando libertadora, é caminho de
transformação, para a construção de uma nova sociedade.
Creio na Educação que promove e socializa, que educa criticamente e
democraticamente, levando o ser humano a conhecer a si mesmo e ao outro.
Creio na Educação do Campo, porque recupera e propõe a luta,
a cultura, o trabalho, a vida e a dignidade
dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo.
Creio na Educação, porque sempre terei o que aprender e o que ensinar.
Creio na Educação como um processo permanente e dialético
que acompanha o ser humano em toda a sua existência.
(Adaptação do IV Cedec, 1995)
RESUMO
Os propósitos da Educação do Campo nascem junto com a luta pela terra, em decorrência do
processo constitutivo da sociedade brasileira que sempre negligenciou as populações do campo.
Percebendo-se como sujeitos de direitos, os camponeses começam a lutar pela educação do
campo dentro dos acampamentos do MST, na década de 1980, justificada pelo direito de todos
de acesso à educação e pela qualidade de ensino ofertada, devendo ser de acordo com as
especificidades da classe camponesa. Naquele contexto, no Município de Goiás, existiam no
campo só escolas multisseriadas e desestruturadas, destinadas apenas à primeira fase do ensino
fundamental. No decorrer dos anos e com a persistência dos movimentos sociais, intensificou-
se o processo de luta pela terra e também ampliaram-se os debates sobre a Educação do Campo,
nos espaços acadêmicos, políticos e legislativos. Em 2015, existem, no Município de Goiás, 23
Projetos de Assentamentos com 722 famílias assentadas que lutam pela educação e pela
permanência da vida no campo. Este trabalho buscou compreender as relações existentes entre
a Educação do Campo, a luta pela terra e a reprodução camponesa no Munícipio de Goiás, após
30 anos de reforma agrária e identificar os principais avanços e desafios vividos pelos sujeitos
do campo como atores principais do processo educativo. Nesse sentido, foram realizados
estudos documentais, pesquisas e observações nas escolas-polo, situadas no campo, e na Escola
Família Agrícola de Goiás – EFAGO; buscou-se também conhecer o Curso de Formação de
Professores, na modalidade de Educação do Campo, ofertado pela Universidades Federal Goiás.
Os resultados da pesquisa demonstraram que, no decorrer destes 30 anos, muitas conquistas
foram realizadas e que a existência de escolas no campo, próximo as comunidades, bem como
o projeto de Educação do Campo são sinônimos de resistência camponesa. Porém, ainda há
muito o que se conquistar, tanto nos aspectos estruturais, quanto nas questões pedagógicas,
necessitando-se, assim, de articulação política das famílias para a elaboração de um projeto
educativo pautado na consciência de classe, nas relações de trabalho e na organização e luta das
famílias camponesas, visando à efetivação da cidadania e à sustentabilidade econômica,
ambiental e social no território camponês.
Palavras-chave: Escola do campo. Família camponesa. Direito à educação. Goiás-GO.
ABSTRACT
The Rural Education purposes born with the struggle for land, due to the constitutive process
of Brazilian society that always neglected rural populations. Perceiving themselves as subjects
of rights, rural people begin to fight for the Rural Education within the MST camps, in the
1980s, justified by the everyone rights to access to education and the quality of offered
education and must be in accordance with the specificities of the peasantry. In that context, in
the city of Goiás, in the countryside there were only multisseriate and destructured schools,
aimed only to the first stage of elementary school. Over the years and with the persistence of
social movements, intensified the process of struggle for land and also extended to the
discussions on the Rural Education, the academic, political and legislative areas. In 2015, there
are, in the city of Goiás, 23 Settlement Projects with 722 resettled families fighting for
education and the continuity of life in the field. This study aimed to understand the relationship
between the Rural Education, the struggle for land and peasant reproduction in the Municipality
of Goiás, after 30 years of agrarian reform and identify the main achievements and challenges
experienced by the subjects of the field as the main actors of the educational process . In this
sense, were made documentary studies, research and observations in-polo schools, located in
the countryside, and the Agricolan Family School of Goiás- EFAGO; also sought to know the
Teacher Training Course in Rural Education modality offered by the Federal University of
Goias. The results showed that, during these 30 years, many achievements have been made and
that the existence of schools in the countryside near communities, as well as the Rural Education
project are synonymous with peasant resistance. However, there is still much to win, both
structural, as in pedagogical issues, if need, thus, families of political articulation for the
development of an educational project based on class consciousness, in labor relations and
organization and struggle of peasant families, for effective citizenship and the economic,
environmental and social sustainability in peasant territory.
KEYWORDS: Rural School. Peasant Family. Right to Education. Goiás- GO
LISTA DE TABELAS
Tabela 01- População do Município de Goiás-GO – 1980-2010---------------------------------26
Tabela 02 - Escolas municipais rurais multisseriadas e quantidade de alunos matriculados, na
alfabetização e no 4º ano, a cada cinco anos, no período de 1975 – 2000 (Município de Goiás-
GO – 2015) -----------------------------------------------------------------------------------------------55
Tabela 03 - Relação de escolas-polo, número de alunos por escola e total entre 2001/2015
(Município de Goiás-GO – 2015) ---------------------------------------------------------------------67
Tabela 04 – Características das famílias camponesas (Município de Goiás-GO – 2015) -----82
Tabela 05 – Condição de acesso à terra e classificação do território dos estudantes das escolas
do campo (Município de Goiás-GO – 2015) ---------------------------------------------------------88
Tabela 06 - Opinião dos educadores das escolas-polo sobre a realização dos trabalhos escolares
(Município de Goiás-GO – 2015) ----------------------------------------------------------------------90
Tabela 07 – Preferência dos estudantes das escolas-polo em relação à alimentação escolar
(Município de Goiás-GO – 2015) ---------------------------------------------------------------------93
Tabela 08 - Comparação entre escolas urbanas e escolas do campo nos quesitos infraestrutura,
currículo e comportamento dos estudantes (Município de Goiás-GO – 2015) ------------------95
Tabela 09 - Opinião dos educadores sobre a prática pedagógica das escolas do campo
(Município de Goiás-GO – 2015) --------------------------------------------------------------------104
Tabela 10 – Principais problemas apontados pelos educadores para trabalhar nas escolas do
campo (Município de Goiás-GO – 2015) ------------------------------------------------------------109
Tabela 11 – Principais dificuldades que interferem no processo de ensino-aprendizagem, na
visão dos educadores das escolas do campo (Município de Goiás-GO –2015) ----------------109
Tabela 12 – O que precisa para melhorar a qualidade da educação na visão dos educadores das
escolas do campo (Município de Goiás-GO – 2015) ----------------------------------------------110
Tabela 13 – O campo e cidade na visão dos estudantes das escolas do campo (Município de
Goiás-GO –2015) --------------------------------------------------------------------------------------122
Tabela 14 – Opinião dos educadores sobre o que precisa para melhorar a vida no campo
(Município de Goiás-GO – 2015) -------------------------------------------------------------------125
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 - Localização do Município de Goiás – 2015--------------------------------------------28
Mapa 02 – Localização dos assentamentos e escolas do campo no Município de Goiás (Mapa
da Reforma Agrária - Município de Goiás (GO) – 2015) -----------------------------------------29
LISTA DE FLUXOGRAMA
Fluxograma 01 – A práxis na educação--------------------------------------------------------------36
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 – Atividades desenvolvidas na unidade produtiva/propriedade (Município de Goiás-
GO –2015) ------------------------------------------------------------------------------------------------83
Gráfico 02 – Produtos comercializados pelas famílias camponesas (Município de Goiás-GO –
2015) ------------------------------------------------------------------------------------------------------85
Gráfico 03 – Meios de transporte utilizados pelas famílias camponesas (Município de Goiás-
GO – 2015) ----------------------------------------------------------------------------------------------86
Gráfico 04 – Trabalhos realizados pelos estudantes junto a suas famílias (Município de Goiás-
GO – 2015) -----------------------------------------------------------------------------------------------89
Gráfico 05 - Brincadeiras preferidas e outras formas de lazer dos estudantes (Município de
Goiás-GO – 2015) ---------------------------------------------------------------------------------------91
Gráfico 06 – Objetos que as famílias dos estudantes têm em casa (Município de Goiás-GO –
2015) ------------------------------------------------------------------------------------------------------92
Gráfico 07 – Participação das famílias na escola (Município de Goiás-GO – 2015) ----------112
Gráfico 08 – Opinião dos estudantes sobre viver no campo (Município de Goiás-GO – 2015) -
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------122
Gráfico 09 – Opinião dos estudantes sobre onde morar depois de adultos (Município de Goiás-
GO – 2015) ----------------------------------------------------------------------------------------------123
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Nomes dos assentamentos e número de famílias de cada um (Município de Goiás-
GO – 2015) -----------------------------------------------------------------------------------------------27
Quadro 02 – Nomes das escolas, dos PAs e comunidades nas quais moram alunos que as
frequentam as escolas, quantidade de alunos e de professores (Município de Goiás-GO –2015)
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------33
Quadro 03 – Nome da escola, ano de funcionamento e número de alunos por turma (Município
de Goiás-GO – 2015) ------------------------------------------------------------------------------------56
Quadro 04 – Relação de linhas de transporte campo-campo, origem e destino e número de
alunos transportados (Município de Goiás-GO – 2015) ---------------------------------------------61
Quadro 05 – Relação de linhas de transporte do campo para a cidade, origem e destino e
número de alunos transportados (Município de Goiás-GO – 2015) -------------------------------62
Quadro 06 – Conceito dado pelas famílias às escolas (Município de Goiás-GO – 2015) ----111
Quadro 07– Atividades desenvolvidas nas escolas do campo que valorizam o campesinato
conforme as famílias (Município de Goiás-GO – 2015 -------------------------------------------113
Quadro 08 – Sistemas de produção agropecuárias -------------------------------------------------128
Quadro 09– Trecho de livro sobre a vida e costumes das famílias camponesas (Município de
Goiás-GO – 2015 ---------------------------------------------------------------------------------------131
Quadro 10 – Produção de texto sobre a vida no campo (Município de Goiás-GO – 2015)--132
Quadro 11 – Relatos de pesquisa sobre a história do assentamento/comunidade (Município de
Goiás-GO – 2015) --------------------------------------------------------------------------------------134
Quadro 12 – Tradições e costumes (Município de Goiás-GO – 2015) --------------------------135
Quadro 13 – “histórias” e lendas (Município de Goiás-GO – 2015) --------------------------136
Quadro 14 – Ilustrações e poemas que expressam os sentimentos de família (Município de
Goiás-GO – 2015) --------------------------------------------------------------------------------------137
Quadro 15 – Aproveitamento dos frutos do Cerrado, uso de plantas e medicinais e produção
de artesanato --------------------------------------------------------------------------------------------139
Quadro 16 – Produção de texto sobre o território de vida (Município de Goiás-GO – 2015)140
Quadro 17 – Atividades desenvolvidas sobre os agrotóxicos (Município de Goiás-GO – 2015)
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------141
Quadro 18 – Projeto de conclusão de curso de estudante e práticas agroecológicas
desenvolvidas na EFAGO (Município de Goiás-GO – 2015) ------------------------------------142
Quadro 19 – Poemas que expressam a luta pela cidadania (Município de Goiás-GO – 2015 ---
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------144
Quadro 20 – Poemas que falam de sentimentos de amor e justiça (Município de Goiás-GO –
2015) -----------------------------------------------------------------------------------------------------145
LISTA DE SIGLAS
APP – Área de Preservação Permanente
ATER – Assistência Técnica Rural
BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento
CEB – Câmara de Educação Básica
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CF – Constituição Federal
CFRs – Casas Famílias Rurais
CNE – Conselho Nacional de Educação
CMDERS – Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EFAGO – Escola Família Agrícola de Goiás
EFAs – Escolas Família Agrícola
EMGOPA – Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária
FETAEG – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Goiás
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FONEC – Fórum Nacional de Educação do Campo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRACE – Instituto Brasil Central
IESA – Instituto de Estudos Sócio-Ambientais
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LEDOC – Licenciatura em Educação do Campo
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC – Ministério da Educação
MIRAD – Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário
MPF – Ministério Público Federal
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PA – Projeto de Assentamento
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PE – Plano de Estudo
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAIC – Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa
PNATE – Programa Nacional de Transporte Escolar
PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura
Familiar e Reforma Agrária
PROCAMPO – Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo
PRONACAMPO – Programa Nacional de Educação do Campo
PRONATER – Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura
Familiar e na Reforma Agrária
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PPP – Projeto Político Pedagógico
PPAgro – Programa de Pós-Graduação em Agronegócio
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC-Goiás – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
SANEAGO – Saneamento de Goiás
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SME – Secretaria Municipal de Educação
TC – Tempo Comunidade
TU – Tempo Universidade
UCG – Universidade Católica de Goiás
UEG – Universidade Estadual de Goiás
UFG – Universidade Federal de Goiás
UnB – Universidade de Brasília
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................18
2 O TERRITÓRIO DA PESQUISA E OS CAMINHOS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS .......................................................................................................... 23
2.1 O lugar da pesquisa, dos Goyazes ao Anhanguera, dos latifúndios aos
assentamentos: territórios em contradição........................................................................... 24
2.2 Passos metodológicos..................................................................................................... 30
2.3 Os trilhos teóricos: o campesinato e a luta pela sua sobrevivência ............................... 37
2.4 A luta pela terra e por direitos: a Educação do Campo. ........................................... 44
3 DAS “ESCOLINHAS DE FAVORES” À “ESCOLA DE DIREITO”: a educação no/
do campo no Município de Goiás. ........................................................................................ 52
3.1 A escola de quadro e giz ................................................................................................ 53
3.2 A luta pela terra e pela Educação do Campo...............................................................56
3.3 O transporte escolar ...................................................................................................... 59
3.4 A Escola Família Agrícola de Goiás ............................................................................ 64
3.5 A efetivação das escolas-polo no município de Goiás ................................................ 66
3 . 6 O Ensino Superior e a Educação do Campo ............................................................. 77
4 MAS, AFINAL: quem somos, que educação temos, o que queremos .............................. 81
4.1 As famílias camponesas ................................................................................................ 82
4. 2 Os estudantes ................................................................................................................ 87
4.3 Os educadores ............................................................................................................... 94
4.4 As escolas do campo no município de Goiás ............................................................... 99
4.4.1 A escola do campo sob o olhar dos estudantes ............................................................ 99
4.4.2 A escola do campo pelo olhar dos educadores .......................................................... 100
4.4.3 A escola do campo sob o olhar das famílias. ............................................................. 111
5. O CAMPESINATO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: entre flores e espinhos, algumas
práticas pedagógicas ............................................................................................................ 118
5. 1 O campesinato no município de Goiás, após 30 anos de “Reforma Agrária”, como
está? .................................................................................................................................... 119
5.2 A identidade da escola do campo, saberes próprios dos estudantes e a campesinidade
............................................................................................................................................. 127
5.3 Os elementos necessários na educação do campo e algumas práticas pedagógicas
realizadas pelas escolas e pelos sujeitos do campo. ........................................................ 130
CONCLUSÕES ................................................................................................................. 148
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 150
APÊNDICES
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO AOS EDUCADORES
............................................................................................................................................. 159
APÊNDICE- B: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PROFESSOR UNIVERSITÁRIO 162
APÊNDICE-C: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS CAMPONESAS .. 164
APÊNDICE - D: ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO ESTUDANTES DAS
ESCOLAS-POLO ............................................................................................................... 167
APÊNDICE- E: ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO AOS ESTUDANTES DA
EFAGO................................................................................................................................ 170
ANEXOS
ANEXO A...........................................................................................................................173
18
01 INTRODUÇÃO
No decorrer da história brasileira os camponeses sempre foram marginalizados, pois
acreditou-se, por muito tempo, na ideia de que a cidade é um lugar moderno e civilizado e o
campo é lugar de atraso e até por isso mesmo os camponeses não precisavam ter acesso à
educação (PESSOA, 2007). Essa visão negativa do campo e dos camponeses fez com que os
direitos sociais dos camponeses também lhes fossem negados. Assim, não é de se estranhar que
a legislação brasileira, no que se refere à educação dos povos do campo, foi sempre omissa,
como se observa nas constituições que o país já teve (CNE/CEB, nº1, 2002 ).Na constituição
Federal de 1998, atualmente em vigor, os direitos humanos, sociais, coletivos e individuais
forma contemplados.
As duas primeiras Constituições brasileiras1, a de 1824 e a de 1891, pouco trataram da
educação. A primeira, no art.179, tratava apenas a gratuidade na instrução primária para todos
os cidadãos e da criação de colégios e universidades. Na segunda constituição, o art.172,
determinava que o ensino seria leigo e oferecido em espaços públicos. Só na Constituição de
1934 é que a educação rural foi tratada, em seu art.156, o qual definia as responsabilidadades
dos entes federados (União, estados e municípios) e determinava-lhes a aplicação mínima de
dez por cento de suas arrecadações na educação. O parágrafo único desse artigo explicita as
condições para ocorrer o ensino rural: “Para realização do ensino nas zonas rurais, a União
reservará, no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento
anual” (CNE/CEB, nº1, 2002, p. 12).
A Educação na Constituição de 1988 foi proclamada como “direito de todos e dever do
Estado”, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9394/96, possibilitou
“o tratamento da educação rural no âmbito do direito à igualdade e do respeito à
diversidade”(CNE/CEB, nº1, 2002, p 18). Essa Carta Magna é fruto da reorganização da
sociedade para a democracia e permite maior participação popular e organização dos
movimentos sociais na vida do país, assim como em sua elaboração.
Na ano de 1985, no município de Goiás, os camponeses mobilizaram-se e iniciram um
movimento de luta pela terra. Esta mobilização dos trabalhadores e suas reivindicações junto ao
INCRA, de desapropriação das terras e efetivação de assentamentos de Reforma Agrária se
ampliou resultando-se em 2015, em 23 projeto de assentamentos com 722 famílias assentadas.
Essas famílias trabalham em suas unidades produtivas, enfrentam muitos desafios para
produzir no campo e se reproduzirem enquanto grupo social – campesinato – devido a falta de
1 O Brasil teve sete outras, as dos anos de: 1824; 1891; 1934; 1937; 1946; 1967, antes da que está atualmente em vigor, a Constituição Federal de 1998, CF/88; as de 1824 (I Império) e a de 1937 (ditadura Vargas) foram outorgadas e todas as outras foram promulgadas.
19
políticas públicas que garantam os direitos necessários a uma vida dignano campo. Como
assistência técnica e financiamentos para ampliar e melhorar a qualidade da produção com vistas
a elevar a renda, e conservação das estradas, para possibilitar melhor locomoção dos estudantes
até as escolas, e escoamento da produção.
A falta dessas políticas públicas ocasiona problemas como o distanciamento dos filhos
em relação as família e as suas casas. Os filhos dos camponeses para estudar têm que sair de
casa muito tempo antes das aulas começarem . A educação lhes é oferecida na cidade ou em
escolas polo situadas no campo, mas para boa parte deles essas distancias são grande e na ida e
na volta da escola eles acabam passando até oito horas fora de casa. Como só retornam ao
anoitecer, pouco contribuindo com os afazeres da família. A principal forma de socialização
camponesa é no convívio familiar, aprendendo a fazer na prática e conversando para conhecer
a cultuta camponesa e gastando tempo dimais fora de casa não fazem isso e ainda estudam em
ambientes de cultura urbana e são influenciados por eles. Isso pode ocasionar o distanciamento
da cultura camponesa, motivar a migração dos jovens para os centros urbanos e interferir na
reprodução camponesa. Assim, a longo prazo, seus pais ficarão idosos e sozinhos, sem ter a
quem repassar seu legado cultural.
O município de Goiás tem oito escolas municipais situadas no campo. Algumas atendem
a educação infantil e primeira fase do ensino fundamental. Outras são escolas-polo e atendem
da educação infantil até o nono ano. Quanto ao ensino médio para os alunos do campo existem
uma que funciona em horário noturno, situada no distrito de Colônia de Uvá, e a Escola Família
Agrícola de Goiás (EFAGO), situada no Sítio Paciência – Arraial do Ferreiro – no setor rural,
que é mantida pela Associação de Pais e Alunos em convênio com o estado de Goiás. A maioria
dos que cursam o ensino médio são transportados para escolas urbanas se quiserem continuar
seus estudos. Essa pesquisa centrou-se nas escolas-polo que atendem a educação infantil e o
ensino fundamental e Escola Família Agrícola de Goiás(EFAGO), que trabalha com a
Pedagogia da Alternância, que oferece o Curso Técnico em Agropecuária em conjunto com o
ensino médio.
A partir da década de 1980, a Educação do Campo vem ganhando espaço no mundo
acadêmico, nos debates, nos discursos políticos e na pauta de luta dos movimentos sociais do
campo. Já foram obtidos alguns resultados positivos como a elaboração e edição das Diretrizes
Operacionais para uma Educação Básica nas Escolas do Campo e de Políticas Públicas como
o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e o Programa Nacional de
Educação do Campo (PRONACAMPO). Também vem sendo realizadas pesquisas e
publicações referentes ao tema.
20
De acordo com Arroyo (1999), a Educação do Campo é uma modalidade de ensino que
trabalha com uma visão de respeito para o campesinato no intuito de lhe garantir o
conhecimento, a ciência, a tecnologia e a cultura como direito universal e a conscientização e a
ação de seus membros como sujeitos sociais. Neste tipo de educação, as práticas educativas
devem vincular o conhecimento escolar com os saberes, com os fazeres e as raízes culturais
camponesas no intuito de superar a visão depreciativa que historicamente a sociedade tem do
campesinato.
Segundo Fernandes (1999), não é possível pensar no desenvolvimento das comunidades
camponesas e do Brasil sem pensar em um projeto de educação que assegure materiais didáticos
voltados para a realidade da agricultura camponesa, que valorize a vida no campo e a promoção
humana; assim, é necessário garantir escolas públicas com infraestrutura adequada nos
assentamentos e comunidades rurais e com gestão pedagógica compartilhada com a comunidade
que vive a realidade do campo.
Dessa forma, a proposta de uma Educação do Campo busca, além de garantir o direito
de acesso à educação para o campesinato, nas diferentes modalidades de ensino, assegurar um
ensino que contemple as especificidades dos estudantes camponeses.
É percebível que existem conquistas importantes sobre a política de Educação do Campo
porém, é notório que as escolas do campo ainda continuam enfrentando inúmeras dificuldades
como por exemplo, as estruturas físicas que estão aquém das necessidades, a falta de recursos
humanos, inclusive de professores devidamente qualificados para a compreensão da realidade
camponesa, a perda de tempo que se causam aos alunos devido ao transporte escolar.
Além da residência da família, a escola é o local em que as crianças e adolescentes
permanecem mais tempo e essas duas instituições cumprem, cada qual com suas
especificidades, o papel de formar esses seres humanos, mais do que para o trabalho, para a
vida. Por isso, precisam ter ao menos valores semelhantes.
Nesse sentido, é preciso que as escolas tenham ações pedagógicas que articulem o
conhecimento formal com a realidade e a cultura das famílias, que respeitem os camponeses
como sujeitos sociais, que sejam conscientes que o modo de vida camponês direcionado para o
desenvolvimento social e ambiental é socialmente sustentável pode contribuir para uma
sociedade mais ética e humana.
Ante os problemas que as escolas do campo enfrentam, inclusive a de não conseguir
oferecer todos os níveis e modalidade de ensino, os gestores públicos fecharam a maioria das
escolas rurais e pagando o transporte de alunos para as escolas sediadas na cidade. Se, por um
lado, os gestores públicos atendam a um maior número de alunos com o ensino, por outro lado,
isso ocasiona alguns transtornos sérios para os estudantes e suas famílias (HAGE; PENA, 2014).
21
Assim, algumas famílias que têm melhores condições financeiras, na tentativa de amenizar o
sofrimento dos filhos, estabelecem moradias também na cidade para os filhos estudarem. Outros
os deixam em casas de parentes, submetendo-se ao aumento das despesas mensais e
consequentemente, à divisão da família e ao distanciamento das crianças e jovens da cultura
camponesa.
A luta pela terra propiciou aos trabalhadores camponeses a aquisição de conhecimentos
e formação política. Eles passaram a se perceber como sujeitos dotados de direitos, inclusive às
Políticas Públicas, entre elas, a Educação. Desde o primeiro assentamento efetivado no
município de Goiás, três décadas se passaram. A oferta de educação já aumentou em quantidade
de alunos atendidos e em modalidades de ensino, mas o modelo de educação pode não estar
contribuindo suficientemente para o desenvolvimento das famílias camponesas.
Dessa forma essa pesquisa objetivou compreender a educação oferecida no do campo e
para os filhos dos camponeses e suas relações com a (re)produção camponesa no Município de
Goiás, após 30 anos de luta pela terra e da reterritorialização de mais de 700 famílias
camponesas.
Para tanto, buscou-se: 1) analisar as características do território e dos sujeitos envolvidos
com o processo de educação: estudantes, famílias, instituições de ensino e educadores; 2)
apreender a qualidade da educação que está sendo oferecida para esse grupo social; 3) avaliar a
política pública de Educação do Campo no Município de Goiás; 4) identificar os elementos e
ações pedagógicas que contribuem para o fortalecimento das famílias camponesas, conhecer
que experiências significativas que estão sendo realizadas com vistas a reprodução camponesa,
com sua cultura: suas raízes, seus constumes, seu modo de viver e produzir, de trabalhar e cuidar
da terra, e ao seu empoderamento.
A motivação em realização de pesquisa se deve por acreditar que a educação é algo
essencial na vida das famílias camponesas, porque o trabalhador, com formação e escolaridade,
se apropria de informações que lhe auxiliam no entendimento das transformações societárias,
assim como no planejamento, gestão e organização da produção, no acesso a crédito e na
comercialização.
Pesquisar as escolas do campo e a Educação do Campo se faz necessário tanto para
contribuir com o fortalecimento da classe camponesa, quanto para ajudar na prática dos
educadores que trabalham nas escolas do campo. Muitos professores querem desenvolver uma
prática coerente com a Educação do Campo, mas encontram dificuldades como sua própria falta
de formação e escassez de material pedagógico, por exemplo livros didáticos não adequados à
realidade do campo, que se referem ao campo como espaço de lazer, onde as crianças urbanas
vão para passar férias e fins de semana ou como espaço da agropecuária capitalista. Assim,
22
busca-se com este trabalho oferecer algumas contribuições para o conhecimento científico sobre
a Educação do Campo. A pesquisadora é beneficiada com o aprimoramento profissional.
A dissertação está estruturada em quatro seções, além da Introdução e Considerações
Finais. A segunda prioriza a descrição do território da pesquisa, tecendo reflexões sobre as ações
e contradições da história nele ocorridas, dos indígenas e bandeirantes, aos oligarcas e
assentamentos de Reforma Agrária e dos processos metodológicos e teóricos experimentados
para a realização da pesquisa. As matrizes teóricas basilares que nortearam o trabalho e deram
suporte às discussões apresentadas e validação cientifica ao conhecimento produzido são nesta
seção apresentados.
A terceira seção mostra o processo de constituição de escolas e espaços que ofertam a
educação no e do campo no Munícipio de Goiás. Iniciando-se com reflexões sobre as escolas
multisseriadas/isoladas e prossegue com reflexões sobre a luta pela terra iniciada na década de
1980 e a inserção nela de uma outra luta: pelo acesso à educação. Assim, são descritas e
analisadas as escolas nos acampamentos e depois nos assentamentos, o transporte escolar, a
EFAGO, as escolas-polo e os cursos de ensino superior na modalidade de Educação do Campo.
Nesta seção foi muito utilizado a pesquisa documental, que apurou informações e dados de
instituições pública como a Secretaria Municipal de Educação do Município de Goiás, Projetos
Políticos Pedagógicos das escolas pesquisadas e analisou leis sobre a educação.
A quarta seção, preocupa-se em demostrar os resultados da pesquisa de campo
identificando os sujeitos envolvidos com o processo de educação: as famílias, os estudantes e
os educadores, os modelos de escolas e educação existentes no contexto atual e os que são
desejáveis e necessários segundo esses sujeitos.
Na quinta seção, ainda contando com a contribuição dos entrevistados, e dos autores que
apresentam reflexões sobre a contemporaneidade do campesinato, reflete-se sobre o cenário
atual das lutas camponesas no Município de Goiás após 30 anos de luta pela terra, e sobre as
demandas apresentadas pelas famílias. Segue-se, apresentando alguns apontamentos e
proposições possíveis para a efetiva Educação do Campo de qualidade suficiente para contribuir
de fato com o campesinato. Ao final, foram apresentadas e analisadas algumas práticas
pedagógicas desenvolvidas pelas escolas e algumas produções - de textos e desenhos - dos
estudantes do campo.
A dissertação que iniciou-se com algumas considerações chamadas “introdução”,
encerra-se com mais algumas chamadas “considerações finais”.
23
O TERRITÓRIO DA PESQUISA E OS CAMINHOS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS
Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta
sozinho: os homens se libertam em comunhão...
Somente quando os oprimidos descobrem o
opressor e se engajam na luta organizada por sua
libertação, começam a crer em si mesmos,
superando, assim, sua “convivência” com o
regime opressor (Freire, 2014).
24
2 O TERRITÓRIO DA PESQUISA E OS CAMINHOS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS
Os caminhos percorridos, os momentos vividos e as obras estudadas demonstram que,
antes de iniciar qualquer trabalho de educação, o educador deve, primeiro, conhecer a realidade
em que atuará.
Nesse sentido, a segunda seção deste trabalho situará o lugar em que foi feita a pesquisa,
o município de Goiás-GO, visando conhecer o processo histórico de sua ocupação, as relações
de trabalho e poder entre os sujeitos que ocuparam/ocupam e as suas estratégias de
sobrevivência. Assim, como de acordo com Oliveira (1991), uma nação é constituída por vários
territórios, cada qual com suas características próprias resultando, portanto da soma das
diferenças, um lugar também pode ser constituído por vários territórios. Para esta pesquisa
interessa, particularmente os territórios camponeses.
Em seguida serão apresentadas as trajetórias seguidas e os passos que foram dados na
realização deste trabalho. Sendo esta pesquisa de caráter qualitativo, ela requer os estudos
bibliográfico, documental e de campo, com a realização de entrevistas e a observação do
território e da ação dos sujeitos.
Por fim está exposta a contribuição de diferentes autores que estudam a existência e a
situação histórica do campesinato, as lutas e estratégias de sobrevivência dos camponeses
brasileiros e a Educação do Campo como um direito negado, mas que vem sendo conquistado e
construído a partir das lutas dos trabalhadores.
2.1 O lugar da pesquisa, dos Goyazes ao Anhanguera, dos latifúndios aos assentamentos:
territórios em contradição.
O município de Goiás foi território de vida dos Índios Goyazes, povos que viviam aqui
livres nesta terra, até o começo do século XVIII, quando, então chegaram os bandeirantes
liderados por Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhanguera – com a intenção de se fixar nas terras
goianas para exploração de ouro e outras riquezas naturais. A cidade fundada em 1727, recebeu
os nomes de Arraial de Sant’Ana, Vila Boa e Goiás, e até 1936 sediou a capital do estado
(BORGES, 2006).
O ciclo do ouro teve início em 1725 e, embora não tenha durado muito, pois em 1750 já
era considerado um negócio arriscado, foi o fator mais importante para a povoação do estado de
Goiás e, consequentemente, para a efetivação do trabalhão escravo na região. Dez anos após o
início da mineração, mais da metade da população era de escravos, como demonstra a citação.
A primeira informação sobre a população de Goiás são os dados da
Captação de 1736. Dez anos, portanto, depois do início da mineração,
havia em Goiás mais de 10.000 escravos adultos. O total da
25
população? Menos de 20.000, pois os escravos deviam constituir
metade da população. Os dez primeiros anos de mineração instalaram
em Goiás quase 20.000 pessoas que abriram caminhos, cidades,
colocando em atividade grande parte do território. Em 1750, ao tornar-
se Goiás capitania, os habitantes deviam ser pouco menos de 40.000.
A população continuou aumentando, embora em um ritmo inferior: em
1783 havia em Goiás quase 60.000 habitantes, um aumento de mais
50%. (HISTÓRIA DE GOIÁS, 2004, p. 04)2
De acordo com Borges (2006), a decadência do ouro provocou várias consequências
econômicas, entre elas a “diminuição do movimento comercial; ‘diáspora’ populacional; êxodo
urbano para a criação de gado e prática da agricultura” (p.48). Assim, a principal atividade
econômica do estado passou a ser a pecuária extensiva e a agricultura de subsistência.
Neste contexto, a Coroa concedeu incentivos à atividade agropecuária e isenção de
impostos sobre as terras, provocando a migração para várias regiões brasileiras onde antes se
garimpava o ouro. Muitos migrantes se instalaram nas terras goianas e se tornaram grandes
proprietários.
Sousa (1997) descreve que, neste cenário, o território goiano se viu constituído por
grandes latifúndios e pequenas propriedades, sendo a principal atividade econômica do estado
a prática da pecuária extensiva. Esse modelo econômico provocou grande concentração de terras
nas mãos de algumas famílias oligárquicas e a miséria e exclusão da grande massa de
trabalhadores do campo, prevalecendo também a relação de poder abusiva sobre os
trabalhadores do campo.
Segundo Marim (2005) apud Souza, F. E. (2012, p. 29), até a década de 1920, “famílias
de camaradas eram expostas à venda no mercado da capital de Goiás, numa forma de pregão
público, em que o ‘dono’, em cima de um caixote de madeira, anunciava, aos gritos, as
vantagens de seus ‘objetos’ e o seu valor de mercado” (MARIM, 2005, p. 116). Assim, observa
que a escravidão continuava acorrendo apesar de, oficialmente já ter sido extinta em 1888 no
Brasil.
Em 1934, a capital do estado foi transferida para Goiânia, mas o mandonismo dos
coronéis, detentores das terras, permaneceu. Tiveram continuidade também a grilagem3 de terra
de camponeses que lutavam para sobreviver e o sistema de parcerias e camaradagem, sendo a
relação de trabalho na qual os donos das terras e os camponeses dividem entre si os custos e
2 Ver História de Goiás. Disponível: www.grupopreparaenem.com.br. Acesso: 04 de mar. de 2015.
3 O termo grilagem refere-se a uma prática antiga de falsamente envelhecer documentos colocando – os junto com grilos, dentro de uma caixa fechada, para agilizar o seu envelhecimento e assim conseguir a posse e ou propriedade de determinadas áreas de terra ilegalmente. Disponível em: http://www.wwf.org.br. Acesso em 18 de nov. 2015.
26
a produção, em partes combinadas (OLIVEIRA, 2007). Assim, para viver e produzir na terra, os
camponeses tinham que pagar de 30% a 40% da produção para o fazendeiro como pagamento
pelo uso da terra.
Nesse contexto, a população era predominantemente rural, como revelam os dados do
censo de 1940: o estado de Goiás tinha 14,6% de população urbana e 85,4% de rural. Era
considerada, pelo IBGE, como urbana a população residente em cidades e vilas. No município
de Goiás até na década de 1980, a população rural ainda era superior à população urbana, como
mostram os dados apresentados na tabela 01.
Tabela 01- População do Município de Goiás-GO – 1980-2010
Ano Total da população Urbana Rural
1980
1991
1996
2000
2010
42.967
27.782
27.858
27.120
24.727
20.746
20.140
20.015
19.801
18.638
22.221
7.642
7.843
7.319
6.089
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1980 – 2010. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015)
Assim, até a década de 1980, quase 52% da população do município vivia no campo.
Uma década depois este percentual caiu para quase 27%. Nesse intervalo de tempo ocorreu a
emancipação do Município de Faina, que antes era distrito do município de Goiás. No entanto,
não foi a divisão territorial do município que alterou a sua estrutura agrária e social deste
território. A expulsão dos trabalhadores do campo é decorrente da expansão do capitalismo e da
corrida por terra. Nesse sentido, Martins (1982) afirma que o próprio sistema provoca
contradições levando parte dos expropriadas a buscar novos territórios, a praticar “uma traição
às leis do capital”. Nesse contexto, iniciaram-se no município manifestações e ações dos
camponeses que, cansados de serem explorados, decidiram enfrentar o poder, político e
econômico, público e privado, e lutar pelos direitos à terra e à cidadania.
Esse modelo agrário excludente já vinha sendo questionado pelos trabalhadores do
campo e pelos movimentos sociais, sindicais e estudantis desde as décadas de 1950 e 1960,
período em que o capitalismo se expandia a nível mundial com a exploração exorbitante da
classe trabalhadora e logo a intensificação da desigualdade social nos países ditos
subdesenvolvidos. No Brasil, a industrialização e a modernização da agricultura intensificaram
as desigualdades sociais no campo e na cidade, devido à concentração de terras e a expulsão dos
povos do campo para as periferias das cidades (CAPPONI, s.n.t.).
Porém, o Golpe Militar em 1964 – golpe de Estado que cassou o mandato do presidente
João Goulart que foi eleito democraticamente e de todos os seus aliados – tentou calar estas
27
vozes que lutavam pelos seus direitos. Muitos trabalhadores e líderes sindicais foram presos,
torturados e outros tantos seguem desaparecidos. No entanto, outras portas se abriram.
Após o Concílio Vaticano II, parte da Igreja Católica no, Brasil tomou consciência do
sistema excludente e desumano que afetava a grande maioria da população e passou a repensar
o papel da Igreja diante da realidade e que ser cristão não era estar do lado do opressor e, sim,
lutar pela libertação do oprimido: percebeu que não era possível ser neutra e que negar a luta de
classes é estar a favor da classe dominante (GUTIERREZ, 1975), Assim muitos grupos
católicos passaram a fazer uma releitura da Bíblia na perspectiva de uma igreja libertadora.
Em 1987 a Diocese de Goiás passou a ser dirigida pelo Bispo Dom Tomás Balduino que
tinha como opção religiosa a Teologia da Libertação e visa conscientizar as pessoas sobre a
situação de opressão. A partir de então, a Igreja de Goiás promoveu encontros e trabalhos de
formação e conscientização dos camponeses, apoiou a organização dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais e, em 1975, criou a Comissão Pastoral da Terra - CPT, visando
acompanhamentos a situação dos trabalhadores do campo e o respeito aos direitos à terra e à
vida. Conscientes de seus direitos e cansados de serem explorados, os camponeses melhores se
organizaram para a luta pela terra e pela vida.
Em 1980, ocorreu a primeira ação direta de luta pela terra no município e no estado, de
Goiás, com a ocupação da Fazenda Mosquito, onde foram assentadas 44 famílias. Nesse
período, o MST já estava organizado em nível nacional e veio para o estado de Goiás somar
forças junto aos camponeses e a CPT. No ano seguinte outro grupo se mobilizou e ocupou a
Fazenda Rio Vermelho, na qual após anos de luta resultou nos Assentamentos Rancho Grande,
Acaba Vida e São Felipe (SOUSA, 1997), Na sequência, outros assentamentos foram
efetivados, somando em 20154, 300 assentamentos no estado de Goiás com um total de 13 218
famílias assentadas (INCRA, 2015), destes 300 assentamentos, 23 estão no município de Goiás,
como verificado no quadro 01.
Quadro 01 – Nomes dos assentamentos e número de famílias de cada um (Município de Goiás-GO – 2015)
Nomes dos assentamentos Quantidade de
famílias assentadas
Nomes dos assentamentos Quantidade de
famílias assentadas
P.A. Lavrinha 28 Acaba Vida 4
P.A. Bom Sucesso 30 São Felipe 13
Holanda 31 São João do Bugre 9
União Buriti 31 Novo Horizonte 22
Buriti Queimado 26 Vila Boa 13
Paraíso 38 Varjão 19
4 . Os dados sobre o número de famílias assentadas em um mesmo assentamento pode apresentar variações entre
um ano e outro. Se ocorre de uma dada família sair do assentamento, o lote desocupado é cedido a outra família
que está em espera, de acordo com critérios do INCRA. A nova família só será considerada na estatística deste
Instituto após o lote ser legalmente transferido a ela, o que pode não ocorrer no mesmo ano da mudança. Nessa
dissertação trabalhou-se com os dados coletados junto ao INCRA em janeiro de 2015.
28
Baratinha 15 Magali 8
Mata do Baú 41 Mosquito 43
Engenho Velho 30 Serra Dourada 15
São Carlos 154 Dom Tomás Balduíno 67
Rancho Grande 21 Padre Felipe Leddet 41
Retiro 23 - -
Total de assentamentos: 23 - - Total de famílias:
722
Fonte: INCRA. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
A partir do que descreve o quadro 01, pode-se observar que parte do território dos
indígenas, espaço de vida dos Índios Goyazes, que outrora sofreu invasão por parte dos
colonizadores e se consolidou através, da força de trabalho escravo, sob ordens dos coronéis, se
tornou território camponês. Território de vida e trabalho, lugar de residência familiar e de
produção de alimentos saudáveis e diversificados, território de resistência (FERNANDES,
2012). Esse é o território desta pesquisa, situado a 135 Km de Goiânia, capital do estado, com
área territorial de 3.108 km², a conferir o mapa 01.
Mapa 01 - Localização do Município de Goiás – 2015
Fonte: SOUZA, D. (2015) GWATÁ Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo, UEG.
Atualmente, o município de Goiás se destaca em nível nacional devido aos seus aspectos
histórico, turístico e ambiental. Em 2001 a Cidade de Goiás foi reconhecido pela UNESCO
29
como Patrimônio Histórico da Humanidade. Com vegetação típica do Cerrado e terrenos
bastante acidentados, com destaque para a Serra Dourada – Área de Preservação Permanente-
APP, o município é guardião de grande diversidade biológica, o que em parte deve-se também
à existência e resistência da agricultura camponesa no município. Na visão de Altieri (2012), a
agricultura camponesa é definida como “patrimônio ecológico planetário”, como “chave para
a soberania alimentar” ou ainda como “santuário da agrobiodiversidade”. Portanto, o
campesinato deve ser visto como um espaço de vida para os camponeses, mas também como
fonte de vida para a humanidade devido à produção de alimentos e como patrimônio mundial
em esfera global.
Em 2010, o IBGE informou que havia 24.727 habitantes es no município. Destes, 6089
pessoas, o que corresponde a 25% da população, vivem no campo. Das 2037 unidades
produtivas/propriedades existentes na área rural, mais de 70% são de agricultores familiares,
sendo que 722 unidades produtivas/propriedades são lotes de assentamentos da Reforma
Agrária, número muito significativo. O mapa 2 apresenta a localização dos assentamentos e das
escolas do campo existentes no município de Goiás.
Mapa 2 – Localização dos assentamentos e escolas do campo no Município de Goiás (Mapa da Reforma Agrária
- Município de Goiás (GO) – 2015)
Fonte: SOUZA, D (2015). GWATÁ - Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo, UEG.
Nesse sentido, a reterritorialização dos camponeses provocou a demanda de Políticas
Públicas: educação, saúde e pavimentação de estradas entre outras, sendo um desafio constante
30
para esses trabalhadores sobreviverem e permaneceram no campo com dignidade (ARROYO,
2012). Daí a necessidade de uma educação do campo que dialogue com esta realidade e o
interesse pela pesquisa neste território.
2.2 Passos metodológicos
Esta pesquisa se pauta pelo estudo descritivo-analítico. Triviños (1987, p.110) afirma
que “o foco essencial deste estudo reside no desejo de conhecer a comunidade, seus traços
característicos, suas gentes, seus problemas”. Quanto ao tratamento de dados e informações,
tem característica qualitativa porque busca conhecer e compreender o ambiente, os sujeitos
envolvidos com o processo de educação existentes para os camponeses no Município de Goiás,
bem como as necessidades e os anseios das famílias.
Nesse sentido, “a abordagem qualitativa refere-se à intensidade dos fenômenos, visando
aprofundar a compreensão de grupos, de segmentos e de microrrealidades que se expressam em
opiniões, crenças, relações, atitudes e práticas” (PESSÔA; RAMIRES, 2013, p.119). Por isso
esta pesquisa tem uma maior possibilidade de analisar o processo de educação e suas
interferências na vida das famílias camponesas e constatar se o modelo de educação oferecido
para o campo causa interferências – positivas ou negativas – na (re)produção camponesa.
Na realização desta pesquisa, a escolha do método filosófico para fundamentar as
reflexões, o materialismo histórico-dialético, deve-se à complexidade que perpassa as relações
sociais no mundo camponês nas quais os aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais e a
dinâmica temporal e espacial precisam ser considerados quando da observação e interpretação
dos dados. Na compreensão dos elementos que compõem o mundo camponês foi preciso
recorrer também a conhecimentos antropológicos, e a análise dos discursos dos sujeitos que
participaram da pesquisa.
De acordo com Freire e Faudez(1985), a construção do conhecimento científico se dá
em uma constante relação entre teoria e prática. “O saber científico, transforma-se em científico
apenas na medida que ele se apropria do saber popular. E o saber popular se transforma num
saber de ação e transformação eficaz quando se apropria, por sua vez, de forma criativa, deste
saber cientifico” (p.58). Nesse sentido a soma dos saberes científico e popular e dos elementos
históricos e culturais possibilitará a análise e compreensão da realidade pesquisada.
Como, de acordo com Silva e Mendes (2013), na abordagem qualitativa, o pesquisador
e os sujeitos pesquisados se relacionam de forma dinâmica e interdependente, sendo possível
utilizar diferentes procedimentos para interpretar a realidade e dar respostas ao problema
pesquisado, para a realização desta pesquisa foi necessário adotar diferentes procedimentos,
31
como: a) pesquisa teórica; b) pesquisa documental; c) pesquisa de campo (entrevistas,
observações); d) organização, interpretação e análise dos resultados e produção da dissertação.
Pesquisa teórica
A pesquisa teórica é importante para alicerçar o processo de investigação e a construção
do conhecimento pelo pesquisador. De acordo com Silva e Mendes (2013), é por meio da
pesquisa teórica que se pode conhece os estudos existentes sobre determinado assunto. A partir
disso pode-se dialogar com estes autores e conforme o objeto de pesquisa, construir novos
conceitos sobre o tema estudado.
São estes alguns dos autores que nortearam este trabalho: Mozayer e Roudart (2010),
Costa (1995), Wanderley (1997 ),Woortmaan (1990), Carvalho (2012), Sauer (2013) e Oliveira
(2007, 2013), para discussão sobre o campesinato; Mendonça (2004), Martins (1982; 1983),
Carvalho (2013), Delgado (2012) e Borges (2006), para a discussão sobre a questão agrária e a
expropriação camponesa; Freire (1997, 2014, 1985, 1996 ), Pistrak (2001,2013), Arroyo,(2007,
2011, 2012), Caldart ( 2011, 2012, 2014, 2015), Molina (2011, 2015), (Souza, F. E. 2012,
2014), ( Queiroz, 2011), para discutir a Educação Libertadora e a Educação do Campo; Sousa
(1997; 2002), Marques (2008), Rodrigues Silva (2003) para a discussão sobre assentamentos
de Reforma Agrária no município de Goiás, entre outros.
Pesquisa documental
Numa pesquisa documental pode-se encontrar fontes ricas em informações e dados
produzidos no contexto histórico em estudo. Esse tipo de pesquisa, por um lado, assemelha-se
à pesquisa teórica, mas, por outro lado, diferencia-se tanto pela na origem das fontes, que podem
inclusive ainda não terem passado por análise científica ou que podem ser reelaboradas de
acordo com a intenção do pesquisador (GIL, 1999).
Foram utilizadas informações e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), leis sobre educação no
Brasil, livros-ata e arquivos da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Goiás, ata do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), Projetos Políticos
Pedagógicos das escolas e Curso de Educação do Campo da UFG e atividades produzidas pelos
estudantes.
A pesquisa documental foi utilizada para obter um diagnóstico, sobre: a quantidade de
escolas e alunos no campo, antes e depois do início da luta pela terra e da constituição de
assentamentos, o número de estudantes que utilizam o transporte escolar e que vivem no campo
e estudam nas escolas urbanas. A pesquisa documental foi usada também para conhecer os
32
Projetos Políticos Pedagógicos das escolas, verificar se eles são coerentes com a realidade das
famílias que vivem no campo e se as atividades desenvolvidas nas escolas contribuem com a
organização e reprodução camponesa. Também foram utilizados relatos de entrevistas
realizadas por outros autores.
Desta forma a segunda seção deste trabalho foi apoiado na pesquisa documental, para
qual pode-se contar também com a contribuição de alguns sujeitos: o coordenador do transporte
escolar do município de Goiás, uma professora que atuou na primeira escola do acampamento
Mosquito em 1986 e um agricultor que participou da luta pelo transporte escolar em 1990.
Pesquisa de campo
O trabalho de campo é uma ação científica na qual se articulam a teoria e a prática. É um
espaço de vivência, um momento de relação produtora entre o pesquisador e pesquisado, porém,
por mais que o pesquisador se apresente com intenções objetivas, a subjetividade está presente,
devido à afetividade que geralmente, se estabelece, na relação entre ambos (BRANDÃO, 2007).
Nesse sentido, o trabalho de campo é essencial na realização de pesquisas sociológicas e
em estudos sobre o meio rural e a educação. Sendo o nosso objetivo discutir a relação entre
educação e famílias camponesas, o locus privilegiado de pesquisa foi a escola do meio rural. De
acordo com Souza,
A escola, como instituição social, muitas vezes, é um dos principais centros de
socialização da cultura no campo. Assim, ela pode tanto valorizar a identidade
camponesa como rechaçá-la, reproduzir ou não os modelos vigentes no meio urbano,
levantar e executar, junto com a comunidade escolar, ações e reivindicações que
promovam as mudanças necessárias para o fortalecimento do campesinato (SOUZA,
F. E. 2012, p. 32).
A pesquisa foi realizada nas escolas-polo municipais: Escola Municipal Terezinha de
Jesus Rocha, situada na região da Buenolândia, que atende em média 90 alunos dos
assentamentos: Mosquito, Lavrinha, Rancho Grande, Mata do Baú, Novo Horizonte, Magali e
comunidades vizinhas; Escola Municipal Holanda, situada no assentamento Holanda que atende
140 alunos dos assentamentos: Holanda, Engenho Velho, Baratinha, Vila Boa, Dom Tomás
Bauduino e comunidades vizinhas; Escola Municipal Vale do Amanhecer, situada na região de
Calcilândia, que atende 120 alunos das comunidades vizinhas; e Escola Municipal Olimpya
Angélica de Lima, situada na região do PA São Carlos que atende 90 alunos dos assentamentos:
São Carlos, União dos Buritis e Buriti Queimado. Além destas, na Escola Família Agrícola de
Goiás- EFAGO que atende 30 alunos do Ensino Médio e Técnico em Agropecuária. Para
compreender como se dá a formação de professores para atuarem na Educação do Campo,
buscamos conhecer melhor o Curso de Graduação em Educação do Campo, oferecido pela UFG
33
– Regional Cidade de Goiás. Assim, são essas a população e o território da pesquisa. O quadro
2 mostra as escolas-polo.
Quadro 2 - Nomes das escolas, dos PAs e comunidades nas quais moram alunos que as frequentam as escolas,
quantidade de alunos e de professores (Município de Goiás-GO –2015)
Escolas Assentamentos/comunidades
que nas quais moram alunos
que frequentam a escola
Quantidade
de alunos
Quantidade
de alunos
transportados
Quantidade
de turmas
Quantidade
de
Educadores
Terezinha
de Jesus
Rocha
PA Mosquito
PA Rancho Grande
PA Lavrinha
PA Mata do Baú
PA Novo Horizonte
PA Magali
Comunidade São João
Distrito de Buenolândia
Fazendas e comunidades
vizinhas
86
77
8
13
Escola
Ompya
Angélica de
Lima
PA São Carlos
PA União dos Buritis
PA Buriti Queimado
Fazendas e comunidades
vizinhas
91
86
8
12
Escola
Holanda
PA Holanda
PA Engenho Velho
PA Vila Boa
PA Baratinha
PA Dom Tomás Balduíno
Fazendas e comunidades
vizinhas
133
131
10
15
Escola Vale
do
Amanhecer
Região Serrinha
Região Mumbuca
Região Barriguda
Fazendas e comunidades
Vizinhas
Distrito de Calcilândia
108
73
10
12
Escola
Família
Agrícola
Município de Goiás
Município de Faina
Município de Araguapaz
Município de Itapirapuã
Município de Goiânia
30
-
3
13
Fonte: MEC INEP Educacenso (2015). Org: MILITÃO, Dorcelina. A. M (2015).
Das escolas mostradas no quadro 02, a única que não atende alunos de assentamentos é
a Escola Municipal Vale do Amanhecer, no entanto, 68% dos seus estudantes são filhos de
camponeses tradicionais ou assalariados que trabalham nas fazendas da região5.
Os sujeitos pesquisados foram as famílias camponesas, estudantes e professores das escolas
mostradas acima, consideradas as mais importantes para a proposta da pesquisa, e informantes-
chave. Como técnicas de pesquisa, este trabalho de campo foi composto por entrevistas,
observações e produções dos estudantes: textos, ilustrações, para poder-se apreender, por
exemplo, o sentimento deles de pertença à cultura camponesa (CASTRO; PESSÔA, 2013).
5 Os estudantes da EFAGO só utilizam o transporte para ir e voltar da escola a cada quinzena.
34
De acordo com Brandão (2007), antes de se iniciar uma entrevista, em qualquer campo
de pesquisa, é fundamental que o pesquisador participe da vivência da comunidade, como
observador. Por isso, foi agendada uma visita nas escolas, a fim de se fazer observações e
dialogar sobre o trabalho a ser desenvolvido. Em duas escolas em um mesmo dia, foi possível
dialogar com a equipe de educadores, apresentar o objetivo do trabalho a ser realizado e pedir
permissão para permanecer entre o grupo como observadora participante. Nas outras três
escolas, este primeiro diálogo foi feito com o gestor e agendada outra data para apresentar o
plano de pesquisa a toda a equipe.
Para Brandão (2007), ao se estudar o processo pedagógico, a observação é muito
importante, podendo-se por meio dela verificar o nível de relações entre professores e alunos,
escola e comunidade, entre direção, funcionários e alunos. Após a apresentação do projeto aos
educadores, foi possível identificar quem gostariam de contribuir com a pesquisa e,
posteriormente, em diálogo com coordenador pedagógico, foram definidos os educadores e
estudantes que seriam entrevistados. Entre os educadores foram entrevistados: professores que
vivem no campo e trabalham na escola, professores que trabalham na escola e vivem na cidade,
professores que participam de cursos sobre a Educação do Campo, professor assentado, filho de
assentado, coordenador pedagógico e diretor da escola. Quanto aos estudantes, as entrevistas
foram realizadas com estudantes da segunda fase do ensino fundamental e do ensino médio e
técnico. Os estudantes da educação infantil e primeira fase do ensino fundamental não foram
entrevistados, mas contribuíram com trabalhos ilustrativos, textos e observação de trabalhos e
brincadeiras desenvolvidas.
A entrevista é uma técnica muito utilizada para coleta de dados nas ciências sociais. Para
Gil (1999), a entrevista possibilita o diálogo entre o entrevistador que busca informação, e o
entrevistado, que oferece os dados e informações sobre o que sabe, pensa, sente, faz ou pretende
fazer. Assim, foram realizadas entrevistas, com um roteiro semiestruturado, tendo como apoio
um formulário com questões fechadas e abertas, elaborado com base no trabalho de (SOUZA,
F. E. 2012).
A priori, a amostragem da pesquisa seria definida por saturação. Para Pessôa e Ramires
(2013, p.126), na amostragem por saturação “os sujeitos são incluídos e reunidos por critério de
homogeneidade ampla, a amostra é fechada quando a resposta de novos informantes tornar
expressamente repetitiva na avaliação do pesquisador e seus supervisores”. Portanto, de acordo
com essa determinação de amostragem, ao perceber repetição e redundância, já se pode concluir
a atividade. Porém, ao se cadastrar o projeto de pesquisa no Conselho de Ética da UFG, foi
exigido, a quantificação dos sujeitos a serem abordados. Nestes termos, foram definidos 50
participantes, sendo: 10 famílias camponesas, 25 estudantes e 15 educadores.
35
No entanto, ao chegar nas escolas e conversar com os estudantes, apresentar o objetivo
da pesquisa e verificar quem gostaria de participar da entrevista, foi respeitado o desejo dos
estudantes de participar. Em duas escolas, alguns alunos motivaram toda a turma a participar,
afirmando ser importante essa participação porque os jovens quase nunca são ouvidos. Assim,
participaram da pesquisa 52 estudantes, sendo: 38 alunos matriculados nos anos finais do ensino
fundamental: destes, cinco são da Escola Municipal Holanda, 15 da Escola Municipal Terezinha
de Jesus Rocha, 10 da Escola Municipal Vale do Amanhecer, oito da Escola Municipal Olímpya
Angélica de Lima. Os demais, 14 estudantes, são do ensino médio e Técnico em Agropecuária,
da EFAGO.
A entrevista com os estudantes foi realizada em grupo, mas as respostas foram
individuais, ou seja, cada estudante recebeu um formulário da pesquisadora que apresentou-lhes
e indagou vagarosamente sobre cada questão contida no formulário, e os próprios estudantes
silenciosamente escreveram as suas respostas. Já com os educadores e as famílias foram feitas
as anotações dos dados e as informações no ato da entrevista, frente a frente com o entrevistado
–A opção em não gravar as entrevistas e sim fazer anotações se deve ao fato de se acreditar que
o gravador pode intimidar o entrevistado.
Quanto à escolha das famílias camponesas a serem entrevistadas, foi estabelecido como
critério que o percentual de famílias entrevistadas em cada comunidade escolar, fossem
proporcionais à quantidade de alunos dos assentamentos ou comunidade em cada escola, sendo
observada também a participação dessas famílias em organizações coletivas. Assim foram
entrevistados integrantes do STTR, Grupo de Mulheres, Associação de Produtores, Conselho
Escolar, Associação de Pais e Alunos da EFAGO e Estudante do LEDOC.
Souza e Pessôa (2013, p. 175) destacam a importância da observação participante para
estudos agrários e de grupos sociais do campo. Dessa forma, ao se eleger “o campesinato como
categoria de análise, a postura do participante ganhou espaço considerável, pois o papel dialético
do camponês no âmbito do modo capitalista de produção somente pode ser compreendido a
partir dessa perspectiva”. Nesse sentido, a observação participante foi realizada em diferentes
momentos e espaços da na vida camponesa: nas residências e unidades produtivas, nas reuniões
realizadas nos assentamentos junto à visita da prefeita de Goiás e secretários, nas reuniões do
CMDRS, nas festas realizadas nas escolas e nos mutirões, entre outros.
Durante o trabalho de campo, foi utilizado o diário de campo para descrição dos fatos,
gestos e acontecimentos, mas também para anotar as reflexões sobre as experiências vividas,
com embasamento nas teorias que, constantemente, foram revisadas (SOUZA; PESSÔA, 2013).
Os resultados da pesquisa de campo compõem o quarta e quinta seções desta dissertação.
Ao concluir as entrevistas foi feita a organização respostas discursivas e a sistematização dos
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dados colhidos de forma objetiva. Em seguida, foi feito o agrupamento das respostas com
significado semelhante, visando classificar e organizar todas as respostas contidas na entrevista
para facilitar a análise e interpretação dos dados.
Para Freire e Faundez (1985), para chegar-se a compreensão profunda da realidade é
necessário superar a separação entre teoria e prática para, então, se poder chegar à compreensão
da totalidade, ou seja, ao conhecimento cientifico: “Deve-se partir da realidade, utilizar o
conceito, como mediador[...] retornar a realidade e, nesse ciclo de realidade-conceito-realidade,
o conceito pode e deve ser transformado” (p. 63). É nesse sentido que se deu o nosso esforço na
análise e interpretação dos dados coletados, como mostra o fluxograma 01.
Fluxograma 01- A práxis na educação
Fonte: Freire e Faudez (1985). Org: MILITÃO, Dorcelina A.M. (2015).
Foi também utilizado, como meio de interpretação a Análise do Discurso, visando
compreender melhor o sentido da fala do sujeito. Para Caregnato e Mutti (2006), o discurso não
é neutro e se materializa carregado de ideologia e do contexto histórico. Portanto, ao se analisar
um discurso, seja ele oral ou escrito, deve-se considerar a interferência do meio social coletivo
no qual o sujeito está inserido.
Teoria
Prática
conhecimento
Prática
37
2.3 Os trilhos teóricos: o campesinato e a luta pela sua sobrevivência
Na sociedade capitalista em que a produção de bens visa somente o lucro e a acumulá-
lo cada vez mais e na qual o trabalhador e o produto do seu trabalho são absolutamente
separados, discorrer sobre o conceito de campesinato é um esforço teórico, as vezes complexo,
porque o capitalismo, ao priorizar o trabalho assalariado, nega o trabalho não assalariado e no
qual o trabalhador é dono da produção de seu trabalho, como historicamente ocorre com o
campesinato na academia e na sociedade.
Portanto, recorremos a contribuições de alguns autores, como Shanin (1998) e
Chayanov (1974), que afirmam que o campesinato apresenta algumas especificidades que
podem ser definidas em dois elementos essenciais para sua sobrevivência e resiliência, o
primeiro “a particularidade da economia camponesa, tomando por base e equilíbrio entre a
necessidade de consumo e a capacidade de produção” (SHANIN, 1998 p.4), o segundo elemento
que explica a especificidade camponesa, está na base do trabalho familiar.
Já Woortmann (1990), ao definir o campesinato transcende a perspectiva econômica e,
na ótica da antropológica, tem como elemento central os valores ético e moral presentes em uma
sociedade camponesa. Assim, as categorias família, terra, trabalho e liberdade são essenciais
em todas as sociedades camponesas. Para o autor,
Nessa perspectiva, não se vê a terra como objeto de trabalho mas como expressão de
uma moralidade; não em sua exterioridade como fator de produção, mas como algo
pensado e representado no contexto de valorações éticas. Vê-se a terra, não como
natureza sobre a qual se projeta o trabalho de um grupo doméstico, mas como patrimônio
da família, sobre o qual se faz o trabalho que constrói a família enquanto valor. Como
patrimônio ou como dádiva de Deus, a terra não é simples mercadoria.
(WOORTMANN, 1990, p.12).
Assim, de acordo com cada grupo específico e com as condições de acesso à terra, de
trabalho e de liberdade, varia o grau de campesinidade das famílias.
De acordo com Carvalho e Costa (2012), campesinato é o conjunto de famílias que
vivem em um dado território, interagindo social e culturalmente e utilizando os recursos naturais
de um determinado espaço geográfico. Assim sendo,
Camponesas são aquelas famílias que, tendo acesso a terra e aos recursos naturais que
ela suporta, resolvem seus problemas reprodutivos – suas necessidades imediatas de
consumo e o encaminhamento de projetos que permitem cumprir adequadamente um
ciclo de vida da família – mediante a produção rural, desenvolvida de tal maneira que
não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se
apropriam do resultado dessa alocação. (COSTA, 2000, p. 116 apud CARVALHO;
COSTA, 2012, p.113).
Esse jeito próprio de viver e de praticar a agricultura, teórica e politicamente nominado
camponês existe a mais de 10 mil anos e, no decorrer dos tempos, os camponeses vem
38
adaptando-se aos diferentes meios de produção das mais diversas formas e em diferentes lugares
no mundo. Esses atores históricos, por meio do trabalho, contribuem com a reprodução humana,
assim como com a produção de alimentos e a manutenção da biodiversidade no planeta
(MAZOYER; ROUDART, 2010).
No entanto, esses atores, que contribuem de maneira vital para a humanidade, são
também, historicamente, explorados pelos modos de produção. Fernandes (2011) afirma que
historicamente, o campesinato luta pela sua sobrevivência.
O campesinato luta pra ser simplesmente camponês. O campesinato lutou contra a
sociedade escravocrata, o campesinato lutou contra a sociedade feudal, o campesinato
lutou contra a sociedade capitalista e lutou contra a socialista. Então, o campesinato é
uma porção da população mundial que luta para viver dignamente e para continuar
produzindo comida. (FERNANDES, 2011, p.133).
De acordo com Oliveira (2007), no sistema feudal, o camponês era denominado de
“servo”, sendo explorado pelos senhores feudais. Ao referir sobre os camponeses, Oliveira
(2007), afirma que “Estes, por sua vez, ficavam obrigados a entregar tributos exigidos sobre a
produção de sua parcela e, além disso, prestar dia de trabalho pessoal (corveia) para a exploração
do domínio (grifo do autor) direto do senhor” (p.14). Essa situação de exploração camponesa
perpassa diferentes lugares e sistemas de produção.
Na América, por exemplo, o autor cita que a economia colonial se articulou entre a
produção das comunidades primitivas, que entregavam o excedente de sua produção para o
Estado ou para suprir as necessidades alimentares dos segmentos não produtivos da sociedade:
os nobres, militares e o clero, enquanto a produção baseada no trabalho escravo destinava-se ao
comércio de exportação e a atender à crescente industrialização dos países desenvolvidos. Dessa
forma, consolidou-se o campesinato nos países da América e o modo de produção capitalista
(OLIVEIRA, 2007).
No Brasil, a formação e a reprodução do campesinato foi igual: a partir da expropriação
e exploração do povo do campo e das lutas e conflitos pela terra de trabalho em oposição a terra
de negócios (MARTINS, 1983).
Para Marques (2008, p. 60), “Aqui, o campesinato é criado no seio de uma sociedade
situada na periferia do capitalismo e à margem do latifúndio escravista”. Portanto, desde a sua
origem, esse grupo social vem sendo negado e precisou lutar pela sua sobrevivência e pelo
acesso à terra. Para a autora, o campesinato no Brasil apresenta diferentes formas de organização
do trabalho e de acesso à terra e, de acordo com a região geográfica, o camponês recebe
diferentes denominações: caipira, caiçara, caboclo ou colono, entre outros. Porém, todos têm
esse modo de vida peculiar: com base no tripé Terra/Trabalho/Família.
39
De acordo com Wanderley (1997), a história do campesinato brasileiro é marcada pelas
lutas por espaço na economia e na sociedade, não por acaso, a grande propriedade foi sempre
imposta como modelo: “Foi ela quem recebeu aqui o estímulo social expresso na política
agrícola, que procurou modernizá-la e assegurar sua reprodução. A agricultura familiar sempre
ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira” (p. 10).
Na verdade, a luta por terra neste país ultrapassa os quinhentos anos. Para Oliveira
(1994), os povos indígenas foram os primeiros a serem massacrados pelos colonizadores que
invadiram seus territórios de vida, expulsaram, mataram e destruíram nações indígenas inteiras
em nome do processo de expansão e desenvolvimento capitalista. Outros sujeitos também
travaram essa mesma luta: “simultaneamente à luta dos indígenas contra o tempo e o trabalho
dos brancos capitalistas, nasceu a luta dos escravos negros contra espaços e trabalhos para os
senhores fazendeiros rentistas” (OLIVEIRA, 1994, p. 16). Entre outras lutas pela terra e pelos
direitos no campo pode se enumerar: Canudos, Contestados, Trombas e Formoso.
Após a ditadura de Vargas e com o clima de liberdade política conquistado com a
Constituição de 1946, o Brasil passou por um momento de ascendência de manifestações e
movimentos sociais, não por acaso, mas, em decorrência do contexto econômico-político que
ocorria em nível global.
Na década de 1960, houve a expansão do capitalismo em âmbito internacional. Os países
do primeiro mundo, realizaram a modernização da agricultura para atender às suas demandas
internas. O Brasil passava por um processo crescente de industrialização e urbanização, pautado
no discurso de modernização e crescimento do país. Em outra vertente, a crise social aflorava
com o aumento crescente da pobreza nos campos e nas periferias das cidades, com o alto índice
de mortalidade infantil e de analfabetismo e tantos outros problemas típicos de um país
subdesenvolvido, considerado “o quintal” dos países ditos “de primeiro mundo”.
De acordo com Freire (1983), a sociedade do Brasil estava “Com o centro de decisão de
sua economia fora dela. Economia, por isso mesmo, comandada por um mercado externo.
Exportadora de matéria-prima. Crescendo para fora. Predatória. Sociedade reflexa da sua
economia... Por isso alienada” (p.48-49). No entanto, o povo brasileiro também se movia, foram
criados e fortalecidos vários sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais e movimentos sociais:
de luta pelas reformas de base – agrária, tributária e universitária, entre elas – de luta pela
educação. Dentre os diferentes movimentos sociais há que se destacar as Ligas Camponesas.
Em meio ao clima de mudança, um grupo de educadores ao qual pertencia Paulo Freire,
passou a pensar em uma proposta de educação que dialogasse com a realidade do povo
brasileiro. “Educação que tratasse de ajudar o homem brasileiro em sua imersão e o inserisse
40
criticamente no seu processo histórico. Educação que, por isso mesmo, libertasse pela
conscientização. Não aquela educação que doméstica e acomoda” (FREIRE, 1979, p. 35).
Em 1960, iniciou-se no Recife o Movimento de Cultura Popular-MCP, do qual Paulo
Freire participou e para o qual elaborou “um projeto integrado de educação, que começava com
um método de alfabetização de adultos e concluía com a proposta de uma universidade popular”
(BRANDÃO, 2010, p. 263). Essa educação visava não só o aprender a ler a palavra, mas
também aprender a ler o mundo e a transformá-lo. Em Angicos, pequeno município do Rio
Grande do Norte, Freire realizou a primeira experiência de alfabetização de adultos. Foram
alfabetizados 300 trabalhadores rurais em apenas 40 horas (GUERRA; CUNHA, 2013).
Esse trabalho se ampliou por todo o Brasil e desencadeou em um convite a Paulo Freire
para integrar o Ministério da Educação e ajudar a desenvolver um programa nacional de
alfabetização de adultos, Freire aceitou. Mas suas atividades no MEC não duraram muito, com
o golpe da ditadura militar, em 1964, Paulo Freire foi preso e exilado e só retornou ao Brasil em
1980, após 16 anos. Em exílio no Chile, Paulo Freire continuou trabalhando com a Educação
Popular. Lá foi assessor do Ministério da Educação e da Corporação da Reforma Agrária
chilenas. Teorizou trabalhos que já havia realizado no Brasil e prosseguiu contribuindo com a
educação e conscientização dos trabalhadores oprimidos pelo sistema capitalista em diferentes
países do mundo.
As Ligas Camponesas surgiram no Nordeste, no final da década de 1940.Camponeses e
trabalhadores assalariados rurais se organizaram em associações civis para lutarem pelos seus
direitos contra os preços abusivos dos arrendamentos, tendo sempre o Partido Comunista do
Brasil (PCB) como forte aliado na organização e apoio. A primeira Liga Camponesa foi fundada
em Ipitunga, no Pernambuco, em 1946, mas é na década de 1950 que elas se expandiram para
vários estados brasileiros. Em 1955, em Recife, foi realizado o primeiro congresso de
camponeses, que teve ótima repercussão e consolidou as Ligas Camponesas como movimento
nacional de luta pela Reforma Agrária. Francisco Julião foi o principal líder em nível nacional
das Ligas, advogado e deputado estadual atuou em defesa dos camponeses. (OLIVEIRA, 2007).
Em entrevista concedida por Francisco Julião ao jornal O Pasquim, em 1979, interrogado
sobre a história de que as Ligas teriam surgido para financiar enterros, ele, então, respondeu:
“Não, isso é uma história que a gente criou para dramatizar um pouco mais[...] Em verdade a
Liga da Galileia era para ver se podia pagar uma professora para alfabetizar os filhos do pessoal,
para conseguir crédito para enxadas e para algumas coisas necessárias” (apud: OLIVEIRA,
2007, p. 107). Com o movimento das Ligas muitas conquistas foram realizadas, muitas Ligas
se tornaram Sindicatos e fez se a organização da Federação das Ligas Camponesas no início de
1964 (OLIVEIRA, 2007).
41
Em Goiás, segundo Mendonça (2004, p.334), “A privatização das terras devolutas
através da grilagem impulsionou a organização e a mobilização dos camponeses e trabalhadores
da terra nas Ligas Camponesas”, que não viam outra saída senão lutar pela posse da terra ou
mesmo para permanecer na terra como arrendatários. A maior revolta camponesa ocorreu em
Trombas e Formoso, no período de 1950 a 1964. Em apoio aos trabalhadores, chegaram na
região quatro militantes do PCB que, juntamente com os camponeses, organizaram Conselhos
de Córregos, mutirões e trabalhos coletivos, criaram a Associação dos Moradores de Formoso
e Trombas e montaram estratégias contra ataques dos jagunços e policiais enviados para
combatê-los.
Em 1957, o governo do estado de Goiás – do qual ainda fazia parte a área do atual estado
do Tocantins – intensificou o combate à organização dos camponeses, assim, a Associação e o
PCB propuseram um acordo: eles apoiariam o governo de Pedro Ludovico e a candidatura do
filho dele Mauro Borges e sua sucessão no governo do estado e, em contrapartida, o governo
retiraria as tropas. Assim foi feito e “A região de Trombas e Formoso se constituiu num território
liberado, de certo modo sujeito a governo próprio, uma espécie de governo popular”
(OLIVEIRA, 1994. p.23).
Em 1962, José Porfirio, um dos principais líderes do movimento em Trombas e Formoso,
foi eleito deputado estadual. Assim, pela primeira vez na história do Brasil, foi eleito um
camponês para defender os direitos dos trabalhadores e lutar pela Reforma Agrária. Porém, com
o golpe da ditadura militar este deputado camponês teve o mandato cassado e, como muitos
outros defensores do povo, foi preso e torturado. “Em 1971 foi preso, e em 1973, após responder
a processo judicial e ser barbaramente torturado, conseguiu a liberdade. Saiu de Brasília com
destino a Goiânia, porém, nunca mais foi visto. No trajeto se tornou ‘desaparecido político’”
(MENDONÇA, 2004, p. 348).
Dessa forma, os ditadores militares e seus aliados calaram muitas vozes, destruíram
muitas vidas,6 desarticularam os movimentos sociais, mas permaneceram entre os trabalhadores,
a esperança e a capacidade de lutar pela sobrevivência, graças à solidariedade, a fé na vida e a
resistência camponesa.
Oliveira (2007) organiza em duas frentes as lutas camponesas: uma para conseguir a terra de
trabalho e se fixar como proprietário e a outra para permanecer na terra e sobreviver com o
mínimo de dignidade. Portanto, a possibilidade de acesso à terra é o primeiro passo para a
reprodução e a autonomia camponesas. Para Wanderley (1997, p.14), “Uma das dimensões mais
6 Sobre assassinatos no campo brasileiro, ver: Assassinatos no campo: crime e impunidade -1964/1986, publicado pelo MST, Conflitos de Terra-1986, elaborado pelo então MIRAD-Ministério do Desenvolvimento Agrário; Conflitos no Campo no Brasil, publicados anualmente pela CPT e MST.
42
importantes das lutas dos camponeses brasileiros está centrada no esforço para constituir um
território familiar, um lugar de vida e de trabalho, capaz de guardar a memória da família e de
reproduzi-la para as gerações posteriores”. Nesse sentido, no município de Goiás efetivaram-se
essas lutas, pela conquista e permanência no território camponês.
No Brasil, e o no estado de Goiás, com o a Ditadura Militar, ampliou-se a política de
industrialização e modernização agrícola. Nesse período, o Estado ampliou os financiamentos e
subsídios para os produtores e as empresas rurais se organizarem e se instalaram nas terras
goianas e na Região Centro-Oeste em geral com vistas a ampliar a produção e a produtividade
agropecuárias. Para Delgado (2012, p.13), o período entre 1965 e 1985 “constitui com maior
clareza a etapa do desenvolvimento de uma agricultura capitalista em processo de integração
com a economia urbana e industrial e com o setor externo”.
De acordo com Borges (2006), a implantação de técnicas e tecnologias capitalistas no
campo levou à modernização e industrialização da agricultura brasileira, provocando o aumento
da produção e da produtividade, todavia, aumentou a desigualdade social, com a expropriação
de inúmeras famílias camponesas, e ampliou o problema da questão agrária, causando maior
concentração de terras nas mãos de um pequeníssimo grupo de pessoas - no país todo, não
chegou a 1% da população. Muitas famílias camponesas foram pressionadas a venderem suas
terras e/ou foram empurradas para as regiões menos produtivas. O autor considera que essa
política facilitou e aumentou a degradação ambiental, provocando, ainda, mudanças nas relações
de trabalho, e consequentemente, na cultura do povo.
E essa realidade de exclusão e expropriação dos camponeses e de todo a classe
trabalhadora e a tensão política no período da Ditadura Militar – que cassou militantes de
esquerda, prendeu e assassinou lideres populares contrários ao regime e dizimou organizações
sindicais – foram fermento para o início de uma lenta mobilização, em todo o Brasil, de pessoas
e instituições, contra essa situação. Uma dessas instituição foi a Igreja Católica, na qual tinha
nascido a pouco tempo o conjunto de ideias chamadas de Teologia da Libertação.
Para Gutierrez (1981), a teologia da libertação é uma tentativa de compreender a fé a
partir da práxis histórica, com o objetivo de libertação dos pobres e oprimidos.
Na igreja católica foram criados, a partir de então, as Comunidades Eclesiais de Base-
CEBs, que eram pequenos grupos de cristãos leigos que se reunião nas casas das famílias ou em
centros comunitários para estudar a Bíblia e refletir sobre a realidade da comunidade,
promovendo assembleias e encontros de formação de líderes religiosos e de trabalhadores ,
visando a conscientização do povo sobre fatos da realidade político-social e econômica
brasileira, como, por exemplo a situação do campesinato e de toda a classe trabalhadora.
43
O Bispo da Diocese de Goiás, Dom Tomás Bauduíno, era adepto da Teologia da
Libertação. Quando tomou posse como bispo, em 1967, uma das primeiras ações de Dom Tomás
foi realizar um diagnóstico da realidade sócio-econômica da população rural existente na
Diocese, para averiguar o índice de pobreza. Por meio desse levantamento, constataram-se as
condições miseráveis nas quais vivia a maioria dos camponeses da região, “A concentração da
terra era a raiz de todos os males e, assim, a luta pela Reforma Agrária era apenas uma
consequência da compreensão de que a Igreja possuía importante função social”
(MENDONÇA, 2004, p. 364). Logo após, foi criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT), para
defender os interesses dos trabalhadores camponeses contra a exploração capitalista.
No Brasil as ideias pedagógicas propostas por Freire, em parte foram adotadas pela
Teologia da Libertação, que definia como ponto de partida o conhecimento da realidade vivida
pelo povo e como espaço educativo as Comunidades Eclesiais de Base-CEBs. No período da
ditadura militar as atividades da Igreja era a única coisa em grupo que poderia fazer sem
repressão, assim, as CEBs foram preparando terreno para as lutas sociais que ocorreram a partir
de 1978.
Na década de 1980, no Brasil viveu-se o despertar dos movimentos sociais, o sonho da
democracia reacendeu e novas organizações surgiram: a organização sindical do ABC Paulista
que chegou a reunir 100 mil metalúrgicos para discutir os direitos trabalhistas. Em 1980 a
criação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1983, a fundação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT), em 1984, a campanha das Diretas Já e a criação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reiniciou no Brasil a luta pela Reforma Agrária e
pela Educação do Campo (QUEIROZ, 2011).
De acordo com Graziano (1998), a falta de política para resolver a questão agrária no
país deixou muita gente sem-terra, ou com minifúndios, e muita terra sem gente. Esses sujeitos
“sem-terra” e sem direitos se viram obrigados e reagir contra essa exclusão. Ao mesmo tempo,
e em diferentes lugares, floresceram muitas ideias e grupos que se juntaram ao MST, para
discutir e reagir contra este modelo de desenvolvimento por qual passava o campo. Para Martins
(1982), foi o próprio capital que provocou no Brasil a luta pela terra, a luta contra a propriedade
privativa da terra.
Nesse contexto da década de 1980, no Município de Goiás, iniciou-se um processo de
luta pela terra. A primeira ação direta dos trabalhadores em prol da Reforma Agrária no
município, e no estado, de Goiás foi a ocupação da Fazenda Mosquito. Os dados do INCRA
afirmam que esse foi o primeiro dos assentamentos no estado de Goiás. Ele surgiu em um
momento emblemático da política nacional em geral e da política agrária em particular porque
ocorria: a criação da União Democrática Ruralista (UDR); a publicação do 1º Plano Nacional
44
de Reforma Agrária; as eleições da Assembleia Constituinte e o retorno das Eleições Diretas
para presidente da república suspensas desde 1964 (INCRA, 2011).
Percebe-se que mesmo nos anos de opressão e ditadura, a luta do povo continuou, muitas
sementes foram lançadas ao “chão” e quando veio a “chuva”, brotaram e se espalharam muitas
ações e conquistas dos trabalhadores. Da ação dos trabalhadores existem em 2015, 23
assentamentos no município de Goiás.
Nesses termos, de acordo com as reflexões de Costa (1995, p.99), no município de Goiás
ocorreram fatos históricos que permitiram “visualizar, também aqui, um campesinato capaz de
se comportar com elevada motivação, capacidade e oportunidade de, a seu modo, investir”. E
resistir dentro de um sistema capitalista.
De acordo com Mendonça e Silva (2012), esses assentamentos nesse município, dantes
região de oligarcas, inauguraram uma (re)existência camponesa, alterando a estrutura agrária e
social, provocando uma modificação social no território, no qual muitas terras de negócio
transformaram-se em terras de vida e trabalho. Como afirma Martins (1982, p. 61): “Quando o
capital se apossa da terra, está se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do
trabalho alheio; o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho (grifos
do autor)”. E, ao conquistar a terra, o trabalhador se percebe sujeito e continua lutando por
outros direitos.
Assim, “ao assumir a identidade de Sem-Terra, estes trabalhadores adotam uma nova
postura política, envolvendo-se na luta pelo reconhecimento de seus direitos” (MARQUES,
2000, p. 116). Dessa forma, educação, consciência e luta pelos direitos se interrelacionam, ou
seja, a educação motiva a luta pelos direitos, e a luta provoca a busca pela educação, num
processo contínuo e dialético.
2.4 A luta pela terra e por direitos: a Educação do Campo.
Para se compreender a modalidade da Educação do Campo, primeiro é preciso se
considerar que a Educação é direito de todos e dever do Estado. Um direito de todos é um
direito humano e “Dizer que algo é um direito humano é dizer que ele deve ser garantido a todos
os seres humanos independentemente de qualquer condição pessoal” (HADDAD, 2012, p. 215).
Entre essas condições pessoais está, por exemplo, o lugar de moradia. Mas, no Brasil a
efetivação dos direitos mesmo quando reconhecidos por lei, como é o caso da educação, ainda
requer muitas lutas.
Dessa forma, a luta pelo direito à Educação do Campo masceu junto com a luta pelo
direito à terra na década de 1980, ambos os direitos negados pelo Estado brasileiro a milhões de
homens e mulheres do campo. A falta de uma educação pública de qualidade no campo reflete
45
uma ideia que perdurou muito tempo na sociedade brasileira, a de que “Para mexer com a enxada
não precisa de muitas letras. Para sobreviver com uns trocados, para não levar manta na feira,
não precisa de muitas letras” (ARROYO, 1999, p.16).
Alterações nesse quadro só seriam percebidas no século XX, a partir da Constituição de
1934, com os ideais do Manifesto dos Pioneiros da Educação, que apresentou algumas
inovações importantes na educação pública brasileira, entre elas a instituição do Conselho de
Educação, que resultou na distribuição de fundos especiais. Mesmo assim, a Educação Rural
foi proposta não com o intuito de garantir os direitos dos cidadãos, mas, objetivada com a oferta
de educação amenizar o movimento migratório e elevar a produtividade no campo, ou seja, para
atender às demandas do capitalismo vigente.
Com o processo de industrialização e modernização pelo qual passava o Brasil, nas
décadas de 1950 e 1960, “o país vivia um clima de mudanças e a educação começava a ser vista
como instrumento importante desta transformação” (BARRETO, 1998, p. 84). A educação não
deveria ser apenas para fornecer mão-de-obra capacitada para o capital. Paulo Freire com essa
visão elabora uma proposta pedagógica baseada na relação entre o “ser humano e o mundo”.
Para ele, o ser humano não apenas está no mundo, mas está com o mundo, assim sendo
“A ação dos seres humanos sobre o mundo não só muda o mundo, muda também os sujeitos
desta ação. Ao construir o mundo, homens e mulheres se completam e se realizam” (BARRETO,
1998, p. 54). Assim, o ser é inacabado e está presente no mundo em busca de sua “plenitude”.
Daí decorre que a educação deve servir para ajudar o ser a se perceber como sujeito da sua
própria história e a caminhar na busca de “ser mais”, ou seja, de ser mais humano.
Para Freire, “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática
da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim
como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 2014,
p.98). Freire afirma ainda que a educação é política, e por isso, não pode haver neutralidade no
ato de educar e que só há educação onde há diálogo. Nesse sentido, o papel do educador não é
de falar, dissertar como alguém que sabe, para os que não sabem, e, sim, construir juntos com o
educando, no processo ensino-aprendizagem, o conhecimento.
Com base nesses ideais e conforme a realidade brasileira, muitos temas da educação
foram abordados. O método de trabalho para a educação libertadora, o “método de Freire”, foi
elaborado e executado, primeiro com a alfabetização de adultos7, mas exequível para todas as
etapas da educação. Nesta concepção de educação, o que faz a diferença não é o estágio de
conhecimento do educando, mas, sim, a visão de educação: a favor de quem está a educação,
7 BARRETO, Vera. Paulo Freire para Educadores. São Paulo: Arte e Ciências, 1998. 138p.
46
dos opressores ou dos oprimidos, da classe dominante ou da classe trabalhadora? Para que serve
a educação? Para conscientizar e transformar a realidade ou para mascarar e manter o sistema
opressor? Qual é o processo de ensinar/aprender? O que ensinar e como ensinar? Palavras de
Paulo Freire.
Eu pregava uma pedagogia desveladora das injustiças; desocultadora da mentira
ideológica. Dizia que o trabalhador, enquanto educando, tinha o direito de participar das
escolhas dos conteúdos ensinados a ele. Eu defendia uma pedagogia democrática que
partia das ansiedades, dos desejos, dos sonhos, das carências das classes populares.
(BARRETO, 1998, p. 29).
O movimento pela Educação Popular Libertadora se expandiu por todo o Brasil, se
consolidou e, somado a outros movimentos de educação, como o “Movimento de Educação de
Base (MEB) do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), aos Centros Populares de
Cultura (CPC), à União Nacional dos Estudantes (UNE) e à Campanha “De pé no chão também
se Aprende a ler” (grifo do autor)” (BEISIEGEL, 2010, p.39), levou Paulo Freire ao Ministério
de Educação no Governo João Goulart em 1963. Mas com o Golpe Militar em 1964, Freire foi
obrigado a pedir exilio em outros países8. Assim, o Brasil perdeu o principal líder da Educação
Libertadora, mas o mundo passou a conhece-lo.
No Chile, em 1967, Freire publicou o seu primeiro livro Educação como pratica da
liberdade, que havia escrito ainda no Brasil. Logo em seguida ele escreveu Pedagogia do
Oprimido9, obra que provocou severamente os opressores e dialogou com os oprimidos por
todos os continentes do mundo.
Nos quatro capítulos da Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire (2014), afirma:
1) Que a sociedade é dividida entre opressor e oprimido e que a Educação é fundamental para
que os oprimidos se percebem como sujeitos, capazes de atuar para mudar a realidade opressora,
que só a educação pode levar a “Reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-
lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimido” (p. 52).
2) Que existem duas faces da educação: a “bancária”, que considera os educandos como meros
receptores passivos, recipientes vazios e o educador como dono do saber e que por isso, deve
transferir os conteúdos, mantendo o sistema, e a problematizadora, que tem o educador como
um mediador do diálogo, um problematizador sobre a realidade vivenciada e apresentada pelos
8 BEIGUEISEL, Celso de R. Paulo Freire. Recife: Fundação Joaquim Nabuco Editora Massangana, 2010. 128. p
(Coleção Educadores).
FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sergio. Aprendendo com a própria história (v.1). Centro Paulo Freire. Editora
A Gráfica. Disponível em:www.acervo.paulofreire.org.
9 O livro Pedagogia do Oprimido, foi escrito em português, publicado em inglês e só foi editado no Brasil depois
que já havia sido traduzido para cinco línguas. Em 2014, foi publicado pela Paz e Terra, a 58ª edição do livro.
47
educandos. “Ninguém educa ninguém, minguem educa a si mesmo, os homens se educam entre
si, mediatizados pelo mundo” (p.95).
3) Que o diálogo é a essência da educação como prática da liberdade, logo, a definição dos
conteúdos a serem estudados deve surgir da investigação e do diálogo com os educandos para
se conhecer primeiramente o universo vocabular, a realidade cultural, econômica e social e, só
então, extrair os temas geradores. “A educação autêntica não se faz de A para B, ou de A sobre
B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (p.116).
4) Que a ação antidialógica se caracteriza pela conquista, divisão, manipulação e invasão
cultural, elementos necessários para manutenção do sistema opressor. “Quanto mais se aceita a
invasão, a alienação, o ser da cultura e o ser dos invadidos, mais estes querem parecer com
aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, fazer a seu modo” (p.207). E que a ação
dialógica se caracteriza pela colaboração, união, organização e síntese cultural. Por isso
“Conceitos como de união, de organização, de luta são timbrados, sem demora, como perigosos.
E realmente o são, mas, para os opressores” (p. 190). É por tudo isso que se pode afirmar que a
“Educação é Política. E que não há neutralidade no ato educativo”.
Saindo do Chile, Paulo Freire viveu nos Estados Unidos e atuou na Universidade de
Harvard. Lá, recebeu convite do Conselho Mundial das Igrejas e pode contribuir com a Teologia
da Libertação. Esse período é considerado por Freire um momento em que teve “portas abertas”
e pôde dialogar com o mundo (FREIRE; GUIMARÃES, 2000)10. No Brasil suas ideias e
práticas foram asfixiadas e só ressurgiram depois de 20 anos.
Com a Abertura Democrática nos anos 1980, que permitiu maior participação popular,
os movimentos sociais voltam a se organizar, conseguem se articular e garantir alguns direitos
na Constituição de 1988.
Na década seguinte, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN). Em seu artigo 28, trata da oferta de educação básica às populações do campo.
Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e
de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses
dos alunos da zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do
ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.
10 Viveu por dez anos na Europa, sobrevoou o mundo e vivenciou a África. Dessa forma, Freire adquiriu
experiências no Brasil, na América- Latina, na América do Norte, na Europa e na África. Ou seja, ele leu o mundo.
48
A LDBEN, ao se tratar da educação no/ do campo, faz o que já vinha sendo reivindicado
pelos trabalhadores camponeses em diferentes regiões do país. No município de Goiás, após a
década de 1980 é que a oferta de educação no campo se ampliou em quantidade e modalidades
de ensino devido às demanda e reivindicações dos trabalhadores do campo na luta pela terra e
pela cidadania.
A luta pela Reforma Agrária propiciou aos trabalhadores uma consciência política, por
meio a qual passaram a se perceber como sujeitos dotados de direitos às políticas públicas, entre
elas à Educação. De acordo com Arroyo (2007, p. 157), os movimentos sociais do campo
reivindicaram do Estado: “o reconhecimento do direito dos diversos povos do campo à educação
e a urgência do Estado assumir políticas públicas que garantam esse direito”.
Assim, a luta pela terra e por outros direitos dos povos do campo como e principalmente
a educação, aflorou em nível nacional. Em 1992, o MST lançou o seu o primeiro boletim de
Educação com o tema: Ocupar, resistir e produzir também na educação, em que foram
apresentados os princípios de orientação sobre como deve ser uma escola de assentamento.
Dentre eles podem se destacar: “capacitar para a cooperação, democracia e coletividade, ajudar
no desenvolvimento cultural dos assentamentos, preparar para o trabalho no meio rural”. O
documento afirma ainda que a escola “é lugar de viver e refletir sobre uma nova ética”, o ensino
deve “partir da prática e levar ao conhecimento científico da realidade” e o professor deve ser
“militante” (MST, 1992).
Dessa forma, com o objetivo de pensar e articular uma educação para o campo, os
movimentos sociais realizaram o 1º Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma
Agrária (ENERA), em Brasília, em julho de 1997. Lá, nasceu a ideia de uma conferência
nacional, que foi realizada em julho de 1998, em Luziânia (GO), promovida pelo Movimento
Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), com o apoio e a colaboração: da
Universidade de Brasília (UnB), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Assim, a 1ª Conferência Nacional por uma
Educação Básica do Campo foi considerada um marco histórico na luta pela Educação do
Campo e resultou em outras conquistas na legislação brasileira.
Em 2001 criou-se a Lei nº 36/2001 que institui as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo. Nesta lei o art.2º, Parágrafo Único, trata da identidade
da escola do campo.
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes
a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na
memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na
sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
49
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (CNE/CEB,
nº1 2002, p. 37).
Segundo Caldart (2012), primeiro surgiu a expressão Educação Básica do Campo, em
1998, como descrito acima, depois, Educação do Campo, em 2002, no Seminário Nacional,
realizado em Brasília, sendo reafirmado na II Conferência Nacional realizada em 2004.
Diferentemente de tratar-se apenas da educação básica como antes, atualmente o conceito de
Educação do Campo refere-se ao direito à educação desde a educação infantil até ensino
superior.
Em 2010, foi instituída a Política de Educação do Campo, pelo Decreto nº 7352, com o
objetivo de destinar recursos para ampliação e qualificação da oferta de educação básica e
superior às populações do campo. A referida lei define também as populações e escolas do
campo, em seu artigo 1º, parágrafo 1º:
§ 1o Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:
I - populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores
artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores
assalariados rurais, os quilombolas, as caiçaras, os povos da floresta, os caboclos e outros
que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural;
II - escola do campo: aquela situada em área rural, conforme definida pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou aquela situada em área urbana,
desde que atenda predominantemente a populações do campo (BRASIL, 2010, p. 1).
No parágrafo 4º do mesmo artigo, são postas as condições de infraestrutura e formação
de professores:
§ 4o A educação do campo concretizar-se-á mediante a oferta de formação inicial e
continuada de profissionais da educação, a garantia de condições de infraestrutura e
transporte escolar, bem como de materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios,
biblioteca e áreas de lazer e desporto adequados ao projeto político-pedagógico e em
conformidade com a realidade local e a diversidade das populações do campo (BRASIL,
2010, p. 1).
Nesse sentido, criou-se o Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, visando
rearticular a participação, na implantação de políticas públicas de educação do campo, de
diferentes movimentos sociais e sindicais e ampliar a participação das universidades e institutos
federais.
Em 2006, foi aprovado pelo MEC o Programa de Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO) e logo depois em 2007, iniciou-se o
Projeto-piloto em 4 universidades federais. Em 2012, por meio do Edital nº02/2012, o MEC
abriu a possibilidade para diferentes universidades públicas oferecer cursos para a formação de
professores para atuarem na Educação do Campo, visando atender às demandas e necessidades
da classe camponesa.
50
Em 2015, foi realizado o V Seminário Nacional de Licenciatura em Educação do
Campo, em Laranjeiras do Sul (PR), visando identificar, analisar e propor encaminhamentos e
soluções às questões referentes ao curso e demais instâncias que trabalham com a Educação do
Campo (ANHAIA, 2015). Participaram do evento, representantes de professores e estudantes
das universidades que oferecem o curso.
Em setembro de 2015, foi realizado o 2º ENERA, que contou com a participação de 1500
educadores. No Manifesto das Educadoras e dos Educadores na Reforma Agrária, explica-se a
necessidade de continuidade da luta pelos direitos à Educação.
No Brasil, o direito à educação de trabalhadores e trabalhadoras ainda não foi resolvido.
O projeto escravocrata, latifundista e agroexportador do país explica porque sequer
chegamos à universalização da educação básica e porque existem 14 milhões de jovens
e adultos ainda não alfabetizados. Este projeto é responsável pela desigualdade histórica
no atendimento dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Mesmo com todas as lutas dos sujeitos coletivos do campo, ainda se tem 20,8% de
analfabetos e a população camponesa tem, em média, 4,4 anos de estudo. Aí está o maior
contingente de crianças fora da escola, os menores índices de atendimento à educação
infantil, a maior precariedade física das escolas, as piores condições profissionais de
trabalho dos docentes, os contratos de trabalho mais precários, o maior número de
educadores e educadoras que atuam sem formação inicial. (ENERA, 2015, p. 3)
E reafirma-se o compromisso de seguir na luta pela Educação do Campo.
Defender para todos os trabalhadores e as trabalhadoras do campo e da cidade, uma
educação emancipatória que vise o desenvolvimento do ser humano em todas as
dimensões da vida, que alargue a visão de mundo das novas gerações e permita vivenciar
relações sociais baseadas em valores como a justiça, a solidariedade, o trabalho coletivo
e o internacionalismo.
Seguir na construção de uma escola ligada à vida das pessoas, que tome o trabalho
socialmente produtivo, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história como
matrizes organizadoras do ambiente educativo da escola, com participação da
comunidade e auto-organização de educandos e educandas, e de educadores e
educadoras. (ENERA, 2015, p. 4-5).
Portanto, apesar de já ter vencido algumas batalhas, a luta continua porque só assim –
esperando-se que em um prazo não longo demais – pode-se-a ter escolas comprometidas com a
realidade camponesa, com a integração família/escola e com a articulação do conhecimento
científico com as práticas cotidianas dos povos do campo, em prol da qualidade de vida e de um
desenvolvimento mais sustentável.
De acordo com Caldart e Fernandes (2011), um projeto popular de desenvolvimento do
campo passa necessariamente pela Educação do Campo e a escolarização das pessoas que aí
residem. Por outro lado, “Não há escolas do campo num campo sem perspectivas, com o povo
sem horizontes e buscando sair dele” (CALDART, p.107), outras ações de políticas públicas
são necessárias também e ao mesmo tempo.
51
A educação gera consciência e luta e vice versa, como afirma Freire (1997). É capaz de
transformar a sociedade, transformando a mentalidade das pessoas, que ao se transformarem,
serão capazes de transformar a realidade.
A próxima seção apresenta reflexões sobre a trajetória da educação no/do campo no
município de Goiás, antes e a partir da luta pela Reforma Agrária.
52
DAS “ESCOLINHAS DE FAVORES” À “ESCOLA DE DIREITO”: a educação no/ do
campo no Município de Goiás.
O povo sempre foi visto como receptor agradecido de
dádivas das elites compassivas, abrir uma escolinha rural
era uma dádiva do fazendeiro ou do novo prefeito. Os
povos do campo, de agradecidos receptores de dádivas –
a escola, a professora –, passaram a sujeitos políticos
coletivos, não pedintes, mas, exigentes de políticas
públicas. Um fato que inverte a lógica em que por séculos
equacionamos as políticas públicas educativas para o
povo (ARROYO, in: SOUZA, M. A. 2012).
53
3 DAS “ESCOLINHAS DE FAVORES” À “ESCOLA DE DIREITO”: a educação no do
campo no Município de Goiás
Em uma sociedade opressora e excludente, marcada pelo mandonismo dos coronéis
detentores da terra, a escola e a educação no campo não teria outra função senão a de
mantenedora do sistema. Esse modelo de educação só começa a ser questionado a partir do
momento em que é questionada, também, a propriedade latifundista mediante a necessidade da
terra de vida e trabalho para os povos do campo.
Esta seção descreve a educação no do campo no município de Goiás, no período de 1975
a 2015. Inicialmente, foram apresentadas a quantidade de escolas rurais e a estrutura física e
didático-pedagógica das escolas multisseriadas.
Na sequência, foram feitas reflexões sobre o processo de luta pelo direito à terra e pelo
direito à educação, que se situam entre o sonho e o possível, entre o ideal e o real, entre a
educação libertadora e a educação opressora, sendo materializados nos seguintes fatos: a escola
nos assentamentos, o transporte escolar, a efetivação da EFAGO e das escolas-polo e dos cursos
de ensino superior.
3.1 A escola de quadro e giz
Para compreender a atual educação do campo no município de Goiás, faz-se necessário conhecer
sobre a história da educação formal que era oferecida aos povos do campo neste município, os
dados mais antigos encontrados datam-se de 1975.
No Brasil, em geral, o ensino público no campo era oferecido em escolas isoladas que
localizavam-se nas fazendas e povoados. Conforme o Decreto nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946,
é compreendida como escola isolada uma escola que possui uma só turma, com um único
professor responsável pela escola (BRASIL, 1946). “Esse isolamento acarreta uma sobrecarga
de trabalho ao professor... ficando responsável pela confecção e distribuição da merenda,
realização da matrícula e demais ações de secretaria e de gestão, limpeza da escola e de outras
atividades na comunidade” (HAGE; PENA, 2015, p. 57).
No estado de Goiás em 1887, o Regulamento para a Instrucção Primária da Província de
Goyáz, no Capítulo 6º, artigo 12, classifica todas as escolas como de 1ª 2ª e 3ª classe. “Serão de
1ª classe as escolas desta capital e de todas as outras cidades da província. De 2ª classe as das
villas, de terceira classe as das freguesias, arraiais e outras povoações”. (GOYAZ, 1887, p. 7).
Uma escola de uma só turma é também camada de escola multisseriada, justamente por
atender todas as séries da primeira fase do ensino fundamental, juntas, com o mesmo professor.
54
Quase sempre a instalação de uma escola no campo era demandada por um fazendeiro
que, assim visava manter os agregados e, consequentemente, a mão-de-obra disponível, quando
necessitasse. Na maioria das vezes, as escolas eram instaladas em prédios improvisados ou
mesmo em um cômodo na casa da professora (SOUZA, F. E. 2012, HAGE; PENA, 2015). Esse
fato pode ser observado no texto do Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Municipal
Vale do Amanhecer, do município de Goiás, que conta sobre a primeira escola que funcionou
na região. “As aulas eram ministradas na sala da residência da professora, onde funcionava em
estado precário, pois não tinha móveis adequados... eram da própria residência” (ESCOLA
VALE DO AMANHECER, 2015, p. 5).
Os materiais didáticos usados pelos professores eram o quadro, o giz e alguns livros
didáticos que os alunos recebiam no início do ano e iam sendo decorados, página por página.
Quando não havia livro para todos os alunos, o professor passava o texto no quadro. Esse texto
era denominado “ponto”, para os alunos copiarem e decorarem em casa para depois fazerem a
“prova”. Situações como esta são retratadas por Hage e Pena (2015), em pesquisa realizada nas
escolas multisseriadas na Amazônia.
Sobre essa lógica, é muito comum presenciarmos na sala de aula ou escola ou turma
multisseriada os docentes conduzirem o ensino a partir da transferência mecânica de
conteúdos aos estudantes sob a forma de pequenos trechos, – extraídos dos livros
didáticos a que conseguem ter acesso, muitos deles bastante ultrapassados e distantes da
realidade do meio rural, os quais são repassados através das cópias ou da transcrição no
quadro, utilizando-se da fragmentação do espaço escolar com a divisão de turmas em
grupos, cantos ou fileiras seriadas, como se houvesse várias salas em uma, separadas por
“paredes invisíveis”. (HAGE; PENA, 2015, p. 57-58).
Seria culpa dos professores? Provavelmente não, pois a formação da maioria não
permitiam-lhes ir além da transmissão do que estava escrito nos livros, além da sobrecarga de
trabalhos a que estavam expostos. Em Santos e Escolaro (2002), a precariedade das escolas
multisseriadas no município de Goiás foi retratada pelos próprios estudantes, em textos
produzidos em 2001, período em que as escolas municipais tiveram assessoria da PUC-Goiás,
em convênio com a Diocese de Goiás e com a SME, para capacitação dos professores. Os textos
foram escritos pelos estudantes da Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha em seu primeiro
ano de funcionamento.
A escola onde eu estudava era na garagem da minha casa e tinha 20 alunos. Era ruim
porque era aberta.
Quando eu estudava no Mosquito, as salas de aula eram muito ruins, goteirava, as
paredes saiam o reboco. Mas a professora era muito boa.
A escola que eu estudava era muito diferente da atual. Era ruim, mas era a única que
tinha. Bombei 2 anos e já era para mim estar na 7ª. série. Atrasou muito... Agora com
muito custo cheguei na 5ª. série e estou com 15 anos. Estou muito orgulhosa e pretendo
me formar para ajudar os meus pais. Na época deles era difícil estudar, agora é mais
fácil. (SANTOS; ESCOLARO, 2002, p. 25).
55
Naquele contexto, era comum a atuação de professores que não tinham concluído sequer
o Ensino Fundamental. Em 1999, quando foi instituído no município de Goiás, o Plano de
Carreira dos Servidores da Educação, os professores efetivos foram classificados em: quadro
permanente, composto por profissionais com os seguintes níveis de formação: PI- Magistério,
PIII- Graduado e PIV- Pós-graduado; e quadro provisório, cujos profissionais tinham a seguinte
formação: PEA-I – Ensino Fundamental incompleto, PEA-II- Ensino Fundamental completo,
PEA-III – Ensino Médio completo fora do magistério. Dos 132 professores da rede pública
municipal 55 eram do quadro provisório, ou seja, correspondia 42%; destes, 35 professores eram
PEA-I, e Só 20 professores tinham curso superior (SME, 1999).
A tabela 2, retrata a quantidade de escolas municipais rurais, a quantidade total de alunos
nela matriculados e à quantidade de alunos matriculados na alfabetização e no 4º ano a cada
cinco anos.
Tabela 02 - Escolas municipais rurais multisseriadas e quantidade de alunos matriculados, na alfabetização e no
4º ano, a cada cinco anos, no período de 1975 – 2000 (Município de Goiás-GO –2015)
ANO Escolas
municipais rurais
Alunos
matriculados
Em % Alunos matriculados
no 4º ano
Em %
1975
1980
1985
1990
1995
2000
40
42
61
43
61
43
1207
1347
1707
1062
1000
693
45%
46%
50%
32%
38%
24%
54
121
102
95
130
159
4,5%
9%
6%
9%
13%
23%
Fonte: SME – Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Goiás. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Observa-se que, de 1980 para 1985, houve um aumento significativo de escola e do
número de alunos matriculados. Já de 1985 para1990, observa-se um decréscimo: de 61 escolas
com 1707 alunos passa se para 43 escolas com 1062 alunos. Este fato se deve à divisão territorial
ocorrida com a emancipação de Faina em 198911. Entre 1990 e 1995 aumentou o número de
escolas, o que ocorreu devido à demanda dos assentamentos que foram efetivados no município,
porém, mesmo com a chegada de muitas crianças no campo, filho das famílias assentadas, o
número de alunos matriculados já começou a diminuir, ao contrário da população rural que,
neste período, apresentou pequena elevação, como mostra a tabela 1.
Observa-se também, a quantidade de alunos matriculados na alfabetização e de alunos
que chegaram ao 4º ano do ensino fundamental. Dos 1207 alunos matriculados entre 1975 e
11 Em 1989 ocorreu a emancipação do município de Faina, que até então era pertencente ao município de Goiás
(IBGE)
56
1980, 45% ou 543 alunos foram matriculados na alfabetização, o que dá uma média de 543
alunos por ano na alfabetização, mas apenas 4,5% dos alunos matriculados chegaram no 4%
ano. Essa disparidade permaneceu até o ano 2000, que apresenta equilíbrio entre a quantidade
de alunos matriculados na alfabetização e a de matriculados no 4º ano.
Outro aspecto que chama a atenção é a quantidade de alunos por turma em regime
multisseriado onde o professor atende crianças pequenas e adolescentes ao mesmo tempo. Em
1980 chegou-se a ter 48 alunos em uma turma com um único professor. Essa situação pode ser
verificada no quadro 3.
Quadro 03 – Nome da escola, ano de funcionamento e número de alunos por turma (Município de Goiás-GO –
2015)
Ano Nome da escola Número de alunos
1975 Escola Municipal Santo Antônio 39 alunos
1980 Escola Municipal Bom Jardim 48 alunos
1985 Escola Municipal Fama 42 alunos
1990 Escola Municipal Arnupho de Ramos Caiado 44 alunos
1995 Escola Municipal Rainha Santa Isabel 41 alunos
2000 Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha 38 alunos
Fonte: SME- Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Goiás. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M.(2015).
De acordo com Hage e Pena (2012, p ,99), “são muitos os fatores que evidenciam as
condições de existências inadequadas dessas escolas, que não estimulam os professores e os
estudantes a nela permanecerem e ou a sentirem orgulho de estudar em sua própria
comunidade”. Toda essa precariedade das escolas multisseriadas no município de Goiás, com
salas superlotadas, professores pouco qualificados, falta de infraestrutura e baixa qualidade de
ensino, passou a ser questionada a partir da efetivação da luta pela terra no município. As
primeiras experiências de escolas nos assentamentos foram a escola do PA Mosquito e a do PA
Rancho Grande, quando eles ainda eram apenas acampamentos.
3.2 A luta pela terra e pela Educação do Campo
De acordo com Caldart (2012), a Educação do Campo nasceu em meio às lutas do
movimento camponês. No Município de Goiás, iniciou-se nos assentamentos Mosquito e
Rancho Grande.
No dia primeiro de maio de 1985, um grupo de 23 famílias realizou a ocupação da
Fazenda Mosquito (Sesmaria São Sebastião do Mosquito) de propriedade do advogado Urbano
57
Berquó12. Oito dias depois foram despejadas. Então, o grupo organizou um acampamento em
frente à prefeitura da cidade de Goiás. Lá ficaram por mais de 20 dias e decidiram ocupar
novamente as terras. Outra vez foram despejados, mas não desistiram e buscaram força e apoio
na Igreja Católica e nos movimentos populares. Assim, realizaram acampamentos em locais
estratégicos, como na praça Cívica em Goiânia, ampliaram a divulgação da luta e as negociações
políticas. Os resultados foram positivos. Entraram em acordo com o governador Íris Rezende
para saírem da praça e aguardarem a desapropriação e liberação da posse na área da Empresa
Goiana de Pesquisa Agropecuária (ENGOPA). Por lá permaneceram até sair a desapropriação
da Fazenda Mosquito (RODRIGUES SILVA, 2003, p.118).
Na terra desapropriada, 44 famílias foram assentadas. Porém, não foi fácil. Os
trabalhadores enfrentaram verdadeiras batalhas até conquistarem o assentamento definitivo.
Vários registros de jornais da época demonstram situações de extrema violência, as
quais os camponeses foram submetidos, desde tentativas de atropelamentos até
promessas de morte, acusações infundadas de sequestro (no caso de um dos filhos de
Urbano Berquó, fraude proposta pela própria família), até mesmo espancamento.
(RODRIGUES SILVA, 2003, p. 116).
Uma das primeiras professoras no PA Mosquito ainda no período do acampamento
concedeu entrevista a pesquisadora e contou que, ao chegarem à terra, em agosto de 1986, os
camponeses iniciaram o preparo do solo para o plantio e a construção da escola à beira do Rio
Bugre, onde levantaram um rancho coberto por palhas. Eram mais de 60 alunos sem escola.
Assim, duas mulheres do grupo, mesmo sem formação e experiência, enfrentaram o desafio de
ser professoras voluntárias dessas crianças. Só no ano seguinte, em 1987, a escola foi
reconhecida pela Secretaria Estadual de Educação e assim realizou-se o contrato temporário de
uma professora, que trabalhava nos dois turnos e só recebia por um. Só depois de anos é que a
escola foi municipalizada e outros professores foram contratados (Educadora, entrevista nº7, em
20/05/2015).
A segunda escola constituída em acampamento foi a do Rio Vermelho – atualmente PA
Rancho Grande. De acordo com Sousa (2002), este foi o primeiro acampamento com a
participação do MST no estado de Goiás. Mesmo antes de ocuparem as terras, quando estavam
acampados na BR-153, lugar em que o grupo permaneceu por nove meses e dez dias
reivindicando a desapropriação das terras junto ao INCRA, já havia um trabalho de
alfabetização de adultos. O grupo decidiu ocupar as terras no dia 13 de agosto de 1987. Do
mesmo modo, logo começaram a providenciar o plantio das roças e a lutar por uma escola. O
depoimento de uma professora da escola do acampamento, colhido por Souza (2002, p.108),
12 O proprietário desta fazenda que era advogado, pertencia a uma das famílias oligárquicas da cidade de Goiás e
vivia a se gabar por não perder nenhuma causa (RODRIGUES SILVA, 2003).
58
mostra essa preocupação: “Quando chegamos na terra, sentimos a sensação de estar em casa e
quem sentia em casa, teria que ter uma escola próxima. Aí começamos a sentar e discutir a
questão da escola”.
Foi feito um barraco, cercado com pau-a-pique e coberto com folhas de bacuri e lona
preta. A construção da escola em alvenaria, só aconteceu em 1989, feita pela própria
comunidade, com o material fornecido pela prefeitura, a escola foi reconhecida pelo governo
municipal e contratou-se temporariamente professores.
No período entre 1987 e 1989, a escola funcionou, mas com a ajuda de terceiros.
Inicialmente, os professores eram voluntários, os materiais pedagógicos foram fornecidos pela
Fundação Educar, as carteiras foram doadas pela Universidade Católica de Goiás13 (UCG), o
acompanhamento pedagógico dos professores era feito por meio de assessoria do Instituto Brasil
Central (IBRACE), em convênio com a Universidade Católica, que promovia formação
continuada aos professores. A proposta pedagógica era a de Paulo Freire: através das
palavras/temas geradores ocorria a problematização, o debate, a alfabetização e o aprendizado
dos alunos conforme a realidade vivenciada pelas famílias. Dentre as palavras/temas geradores
trabalhados podem se destacar: lona, luta, terra, povo, reunião, organização, como mostra o
depoimento de uma professora da época.
A gente trabalhava com as próprias coisas - sementes, gravetos, pedra, barro, animal,
colheita, roça, água do riacho Rezende e a depredação do Rio Vermelho provocada pelos
garimpeiros, realidade cotidiana, fogo das queimadas, luta do acampamento. Isso dava
a oportunidade a eles de não só pensar naquilo que estava falando, mas de pegar, sentir,
de ver de perto. (SOUSA, 2002, p.108)
De acordo com Sousa (2002), conseguiu-se transformar o cotidiano das famílias em
currículo e prática educativa: “Eu tirava muito os meninos da sala de aula, levava pra fora, às
vezes pra beira do rio.” (p.108). As crianças aprenderam com muita facilidade, apesar de no
começo ter havido um certo receio de algumas famílias acostumadas com a educação
“bancária”, na qual o professor é o transmissor dos fatos e os alunos os ouvintes passivos que
devem ser “enchidos” de conteúdo (FREIRE, 2014). Logo a grande maioria das famílias
percebeu a eficiência do método e contribuiu com a proposta da escola. Porém, houve um pai
de aluno que, mesmo pertencendo ao grupo desde o início da luta, era “hospedeiro do opressor”,
rejeitava esta prática de ensino e acusava as professoras e a assessoria de trabalharem política
na escola.
Além da formação continuada, a assessoria oferecida à escola, preparou os professores
do acampamento para participar do concurso público realizado pela prefeitura em 1990. Após
13 A Universidade Católica de Goiás tornou-se Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) a partir de
08 de setembro de 2009.
59
concursados e empossados, os professores puderam participar dos cursos de capacitação de
professores, oferecido pelo Estado, como o Projeto Lúmem e o Pró- Formação, cursos em nível
de magistério, que visavam suprir a defasagem de ensino formal da maioria dos professores da
rede municipal. Santos e Escolaro (2002), mostram essa situação com o depoimento de uma
professora.
Com 18 anos assumi uma sala de aula, algo que não sonhava nem me sentia capaz, mas
que iria atender as necessidades da comunidade. Então me integrei com o grupo da
escola, comunidade eclesial, MST, partido político e percebi que nascia em mim outros
sonhos; de me tornar uma profissional da Educação pois tinha apenas 1o. grau
incompleto e era discriminada por isso. É um sonho que não era só meu, mas um sonho
coletivo, de transformar a sociedade tornando a mais justa e feliz. Com a ajuda de muitas
pessoas e através do Projeto Lúmen concluí o 1º grau e magistério e, pelo supletivo, o 2º
grau. (SANTOS; ESCOLARO, 2002).
As escolas só atendiam até o 4ª ano do ensino fundamental, mas as famílias precisavam
garantir a continuidade da educação dos filhos. A primeira tentativa das famílias de implantar a
segunda fase do ensino fundamental no assentamento levou o poder público local a declarar ser
impossível, alegando que o custo de manutenção da escola seria muito alto para o município,
pois havia necessidade de disponibilizar um professor para cada disciplina e o número de alunos
por turma não era suficiente para se fazer isso. De acordo com Hage e Pena (2015), a política
de nucleação, vinculada ao transporte escolar foi a principal ação do poder público diante das
demandas pela educação dos povos do campo. No Município de Goiás não foi diferente.
3.3 O transporte escolar
O transporte escolar no Município de Goiás iniciou-se em 1991, em decorrência da
demanda das famílias do PA Mosquito por acesso à educação. Um dos camponeses que
participou desse processo e relatou como ele se deu.
Eu e o companheiro Damásio estava no assentamento sozinho, no primeiro
semestre de 1991, aí percebemos que não tinha como ficar lá sozinhos e a
família na cidade para estudar nossos filhos. O doutor Valim era prefeito. Aí,
agendamos uma reunião na prefeitura com os pais e os alunos e falamos pra ele
da nossa necessidade. Ele topou, falou que não tinha dinheiro pra isso mas ia
fazer o que podia. (Assentado PA Mosquito, entrevista em 18/05/2015).
Então a prefeitura locou uma Kombi para realizar o transporte dos alunos que foram
matriculados no Colégio João Augusto Perillo na Cidade de Goiás. No ano seguinte, outros
alunos concluíram o 4º ano e também se matricularam nesse colégio. Como era necessário um
veículo com mais espaço, foi colocado um ônibus para transportar os alunos. O entrevistado
afirma que “Era muito difícil, o ônibus quebrava muito, estradas ruins, mas naquele momento
foi uma grande conquista pra nossa comunidade”, e ainda que a prática do transporte escolar
para as famílias camponesas acabou provocando indignação nos fazendeiros da região e demais
60
pessoas que eram contrárias à luta pela terra. Naquele contexto, mesmo sabendo-se que não era
a melhor opção, o transporte escolar foi uma conquista importante para permitir o acesso à
educação e contou com muita luta e mobilização dos trabalhadores.
Em 1993, os assentados do PA Rancho Grande tentaram conseguir transporte escolar
mas o prefeito da época - Senhor Abner de Castro Curado - foi irredutível e não concedeu o
transporte para os alunos. Meses depois, as famílias conseguiram um ônibus com a
intermediação do então Deputado Estadual Osmar Magalhães, junto à prefeitura de Goiânia.
Mas, logo que começou a transportar os alunos, o ônibus quebrou. A gestão municipal alegou
que era o motor do ônibus que tinha quebrado e não adiantava arrumar. As crianças acabaram
perdendo o ano letivo.
A luta pelo acesso à educação do campo continuou. As linhas de transporte escolar
aumentaram no município e no país e isso acabou se tornando uma política de Estado o
PNATE14.
Em 2015, o município de Goiás transportou 785 estudantes15. Destes, 486 foram
transportados entre campo-campo. Os estudantes são deslocados para as escolas situadas em
assentamentos ou distritos 75 alunos são atendidos pela rede estadual na Escola São João, no
distrito de Águas de São João, que oferece ensino fundamental – primeira fase –, e na Escola
Walter Engel, no distrito de Colônia de Uvá que atende alunos da segunda fase do ensino
fundamental, no período vespertino, e ensino médio, no período noturno. Os outros 411
estudantes são atendidos nas escolas da rede municipal, que serão caracterizadas logo adiante
(Coordenador do transporte escolar, SME, entrevista em 27/04/2015).
O transporte que é realizado entre campo-cidade é responsável pela locomoção de 299
estudantes, sendo 191 para a cidade de Goiás e 108 para os municípios vizinhos de Itapirapuã e
Itaberaí. Dos alunos transportados do campo para a cidade de Goiás, 128 são matriculados em
escolas estaduais e cursam a segunda fase do ensino fundamental e o ensino médio e os outros
63 estudantes são matriculados em escolas municipais na educação infantil e na primeira fase
do ensino fundamental.
De acordo com Souza, F. E. (2012), em 2009, 254 alunos eram transportados do campo
para a cidade no Município de Goiás, em 2010, o número subiu para 281 alunos. Esses dados
14 Em 2004, o governo federal instituiu o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE), pela
Lei Nº 10.880, de 9 de junho de 2004. Trata-se de uma verba específica, transferida para os municípios em nove
parcelas anuais. (BRASIL, FNDE, 2014). 15 15 É importante ressaltar que a quantidade de alunos não é estável, porque atende todos os moradores do campo
há famílias que trabalham como assalariada nas fazendas e migram de uma região para outra, ou mesmo para outros
municípios em busca de trabalho, por isso mudam os filhos de escola.
61
demostram que a cada ano vem aumentado o número de alunos que deixam suas comunidades
e são submetidos ao transporte escolar para exercerem o direito de acesso à Educação. De acordo
com o Censo Escolar de 2012, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP, MEC), 8,68 milhões de estudantes brasileiros utilizam o transporte escolar
diariamente (PEREIRA, 2015).
Para a realização do transporte escolar no município de Goiás gasta-se anualmente, cerca
de R$ 1.870.000,00 (um milhão, oitocentos e setenta mil reais). Deste montante, o governo
estadual contribui com R$ 544.500,00 (quinhentos e quarenta e quatro mil e quinhentos reais),
o governo federal repassa cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por meio do Programa de
Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) e o restante é pago com verba oriunda do Salário-
Educação e outros recursos próprios do município (SME, 2014). Esse valor gasto com o
transporte escolar relativamente alto deve-se à quantidade de linhas de transporte porque é
grande a extensão territorial do município, e a terceirização do serviço de transporte, por não
haver veículos próprios da prefeitura em quantidade suficiente para atender toda a demanda.
Segundo o coordenador do transporte escolar no município, em 2015 existem 51 rotas realizadas
diariamente, como mostram os quadros 4 e 5.
Quadro 04 - Relação de linhas de transporte campo-campo, origem e destino e número de alunos transportados
(Município de Goiás-GO – 2015)
Escola/região Origem/rota Período Número de
alunos
transportados
por escola
Número de
alunos
transportados
para cada
escola
Distrito São João
– Escola São João
P.A. Padre Felipe Ledette Vespertino 21 21
Distrito Colônia
de Uvá – Escola
Estadual Walter
Engel e Escola
Municipal Pingo
de Gente
Faz. Bacuri
Faz. Goiâna
Faz. Palmeiras e Norberto
Laginha
PA São Carlos
Vespertino
Vespertino
Noturno
Vespertino
Noturno
Vespertino
Noturno
24
22
08
18
05
03
18
98
Região P.A. São
Carlos- Escola
Olimpya
Buriti Queimado/P.A São Carlos
Região Zildete
Grama Guarirobal
Vespertino 52
12
22
86
Distrito de
Calcilândia-
Escola Vale do
Amanhecer
Região Serrinha
Faz. Barriguda
Região Mumbuca
Faz. Bananal
Vespertino 16
19
13
25
73
Distrito
Buenolândia –
Escola Terezinha
de Jesus Rocha
Região Estiva
PA Mosquito
PA Novo Horizonte/PA Mata do
Baú
PA Lavrinha/PA Rancho Grande
Vespertino 14
20
19
24
77
P.A. Holanda –
Escola Holanda
Região Ponte Alta/Itapuranga
São João do Bugre
Faz. Guarani/João Godinho
PA Dom Tomás
Vespertino 30
09
08
43
62
PA Baratinha/ PA Vila Boa
PA Engenho Velho
PA Holanda
17
16
08
131
TOTAL DE ALUNOS TRANSPORTADOS 486
Fonte: (Coord. transporte escolar, SME, entrevista em 27/04/2015). Org. MILITÃO, Dorcelina. A. M
Quadro 05 – Relação de linhas de transporte do campo para a cidade, origem e destino e número de alunos
transportados (Município de Goiás-GO – 2015)
Cidade Origem da rota Período Número de
alunos
Número de
alunos
transportados
para cada
cidade
Itapirapuã PAs Acaba Vida, São Felipe e
Padre Fellipe
Vespertino 57 57
Itaberaí Calcilândia Vespertino 51 51
Goiás Buenolândia
Região Índio
PA Bom Sucesso
Comunidade Estrela/Terrinha PA
Varjão/ Aeroporto
PA Paraíso/Ouro Fino
Laranjal
PA Dom Tomás/Holanda
Vespertino 09
38
30
11
14
39
12
38
191
TOTAL DE ALUNOS TRANSPORTADOS PARA AS CIDADES 299
Fonte: (Coord. do transporte escolar, SME, entrevista em 27/04/2015). Org. MILITÃO, Dorcelina. A. M
Para a realização desse transporte, dez rotas são feitas com veículos próprios, sendo
quatro ônibus e quatro micro-ônibus adquiridos pelo Programa Caminho da Escola16. Esses
veículos percorrem em média 800 quilômetros por dia.
As outras 42 linhas de transporte são terceirizadas, com o serviço de 32 veículos: três
ônibus, cinco micro-ônibus, sete vans e 17 kombis que percorrem diariamente 3800 quilômetros
para fazer os estudantes chegarem às escolas. Ainda de acordo com o coordenador do transporte,
a administração enfrenta muitos problemas como a falta de recursos para a manutenção dos
veículos próprios, de estradas e pontes e a terceirização, que é o que mais elevar os valores
gastos.
Em pesquisa realizada pelo FNDE e pela UnB, sobre o transporte escolar rural foram
detectados os principais problemas que ocorrem no país: veículos inadequados, falta de cinto de
segurança, as grandes distâncias percorridas e a má qualidade de estradas. “Os dados da pesquisa
mostram que 70% da frota que atende os alunos em todo o país tem entre 10 e 20 anos”
(PEREIRA, 2015, p. 1). Ainda de acordo com Pereira (2015), um representante do FNDE
16 Programa do governo federal, criado pela Resolução Nº 3, de 28 de março de 2007, que consiste na concessão,
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de linha de crédito especial para a
aquisição, pelos estados e municípios, de ônibus, minionibus e micro-ônibus novos.
63
assume que a ajuda que é destinada pelo governo federal para o transporte escolar não é
satisfatória, assim é transferida muita responsabilidade para os municípios.
Diante do exposto, percebe-se que mais uma vez os direitos sociais para as famílias
camponesas estão sendo negligenciados. O que existe de fato é falta de responsabilidade do
Estado com a educação, porque a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente
e a LDB preveem o funcionamento de escolas próximas das residências dos alunos e o que se
tem ocorrido é o fechamento de escolas rurais. Entre os anos de 2003 e 2014, foram fechadas
mais de 37 mil escolas no campo (ENERA, 2015). Fernandes (2015, p.1) afirma que entre 2000
e 2011, o estado de Goiás se destacou no fechamento de escolas do campo. Ficou em 2º lugar
com 66,01%, perdendo apenas para Rondônia que fechou 70.14% de suas escolas rurais.
O artigo 11, inciso VI, da LDB, afirma que é dever do município assumir o transporte
escolar dos alunos da rede municipal. Mas, algumas perguntas são necessárias diante da
realidade vivida nos municípios de todo o país: Será que os valores gastos anualmente com o
transporte escolar não seriam suficientes para construir e equipar escolas no campo, mais
próximas a residências dos estudantes? Será que se o Estado brasileiro investisse nos valores
humanos que existem nas comunidades camponesas, ante aos investimentos no capital
financeiro e no sistema agrícola que envenena a biodiversidade com a quantidade de agrotóxico
lançadas ao ar, não seria possível construir escola de excelência no campo sem ter que oferecer
transportes para os estudantes saírem do campo?
Enquanto não há respostas para estas questões, segue a trajetória do transporte escolar.
Para as famílias camponesas, há mais problemas em seu dia a dia. Os filhos precisam almoçar
mais cedo e sair para a escola, e, como, dependendo da distância entre a casa e a escola e das
condições das estradas, passam até oito horas distantes de casa. Os pais se preocupam com a
instabilidade dos filhos, os perigos de envolvimentos com as drogas, com a violência urbana –
para os que estudam na cidade –, ou mesmo com os perigos no trânsito. Eles se distanciam da
vivência e cultura da família e ainda não podem ajudar nas tarefas cotidianas.
É natural da cultura camponesa a divisão de trabalho de acordo com cada etapa da vida.
Desde criança o ser camponês começa a “cuidar do campo, criar o campo, cultivar o campo” e,
assim, aprender os afazeres do campo (TARDIM, 2009). Dessa forma, ao passarem muito tempo
fora de casa, distante da família, recebendo, muitas vezes “formação” nada coerente com a
realidade camponesa, em escolas urbanas ou urbanizadas, os jovens e crianças vão perdendo a
identidade camponesa, sendo aculturados, distanciando-se da família e do campo. Daí a
necessidade de escolas do campo que dialoguem com o campo.
Esta situação foi percebida pelos camponeses desde o começo da oferta do transporte
escolar, quando, então, pensou-se na tentativa de construir uma escola que respondesse à
64
realidade e necessidade das famílias camponesas e iniciou-se um processo de luta pela
implantação de uma Escola Família Agrícola no município.
3.4 A Escola Família Agrícola de Goiás
A Escola Família Agrícola de Goiás (EFAGO) está situada no Sítio Paciência – Arraial
do Ferreiro, a 8 Km da cidade de Goiás. É uma escola filantrópica que trabalha com a pedagogia
da alternância e oferece ensino médio e Curso Técnico em Agropecuário. É mantenedora da
escola a Associação de Pais e Alunos em convênio com a Secretaria Estadual de Educação de
Goiás.
A EFAGO surgiu da luta dos trabalhadores – PA Mosquito, PA Rancho Grande e PA
Retiro Velho, juntamente com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), visando atender às
necessidades dos assentados e demais camponeses da região e proporcionar aos seus filhos o
direito de acesso à educação e a uma formação coerente com sua realidade da vida, do trabalho
e da luta pelo acesso e permanência na terra (SOUZA, F. E. 2012). Em 1998, um grupo de
agricultores acompanhados de agentes da CPT visitou experiências de Escolas Famílias
Agrícolas17 no Espírito Santo, o que reforçou a ideia e a mobilização para a implantação da
EFAGO. Para efetivar a criação da escola, foi criada primeiro, em 1992, a Associação de Pais e
Alunos da Escola Família Agrícola de Goiás; estavam presentes na assembleia de fundação 66
pessoas, de 11 comunidades/assentamentos e de associações de Agricultores Familiares.
Em abril de 1993, a Associação de Pais e Alunos, então recém-criada adquiriu um
terreno de 7,2 ha, no qual a escola foi construída através de mutirões, sendo concluída em
199418.
O custeio e a manutenção da escola sempre foram um desafio para a Associação de Pais
e Alunos da EFAGO, pois, apesar de ser uma instituição de caráter filantrópico, ela precisa da
ajuda do poder público, que nunca a faz regular e integralmente. Em 2006, em mais um dos
momentos difíceis pelos quais a escola sempre passa, em assembleia da Associação de Pais e
Alunos definiu-se que a unidade passaria a atender só o ensino médio e o Curso Técnico em
Agropecuária. Um dos motivos que levou a essa decisão foi que, no ensino fundamental, os
alunos eram bem pequenos e tinham maior dificuldade para se adaptarem em uma escola que
funciona em regime de semi-internato. Assim seria mais viável só o ensino médio. Então
passou-se a desativar o ensino fundamental gradativamente até sua extinção, sendo extinto no
17 As Escolas Famílias Agrícolas têm origem na França, na década de 1930. No Brasil, as primeiras experiências
de EFAs se deram no Espírito Santo, em 1969. Atualmente, em todo o Brasil existem 155 EFAs (EFAGO, 2015). 18 No primeiro ano de funcionamento, a escola só atendeu alunos do 5º ano; no segundo ano, 5º e 6º e assim
sucessivamente até chegar ao 3º ano do ensino médio (EFAGO, 2015).
65
final de 2009 (SOUZA, F. E. 2012). No ano de 2010, foram matriculados ao todo 54 alunos e
no ano de 2015 foram matriculados 30 alunos.
A equipe da EFAGO é constituída por 19 profissionais, dentre os quais 13 são
educadores/monitores e seis são técnicos administrativos. De acordo com o PPP dessa escola,
na pedagogia da alternância os monitores exercem algumas funções específicas: “é papel do
monitor acompanhar todas as atividades dos jovens na escola, seja na sala de aula, no trabalho
e na unidade produtiva, nos momentos de lazer, serões e finais de semana, o comportamento e
a saúde do aluno” (EFAGO, 2015, p.10).
A estrutura física da escola é relativamente boa, conta com três salas de aula espaçosas
e bem arejadas, sala da direção, cozinha e refeitório, biblioteca, laboratório de informática,
banheiros e alojamento para os alunos, com corredores cobertos. Na frente há um barracão
coberto onde são realizadas reuniões e festas. Há ainda uma casa com quartos para monitores e
o escritório da Associação. A área de prática agropecuária é composta por uma horta, frutíferas,
apiário, criação de suínos, galinhas e algumas vacas.
De acordo com Jesus (2011), as principais características das Escolas Famílias Agrícolas
são responsabilidade das famílias na gestão da Associação de Pais e Alunos, a vida dos alunos
em grupo e em semi-internato, que proporciona a formação integral do estudante em convívio
com a equipe de formadores, e a pedagogia da alternância, que permite ao estudante dois
períodos de formação, um na escola e outro na família, assim o estudante não quebra o vínculo
com a família e com os trabalhos da unidade produtiva. Para Jesus,
A formação na alternância tem como objetivo principal possibilitar a educação em tempo
integral, envolver as famílias na educação dos filhos, fortalecer a prática do diálogo entre
os diferentes atores que participam dos processos de formação dos educandos. Além de
proporcionar qualificação técnica (técnico em agropecuária) aos estudantes
camponeses/as com o intuito de fortalecer a agricultura camponesa - estudar e continuar
no campo, contribuir nos trabalhos da propriedade familiar, desenvolver alternativas de
permanência na terra, dessa forma, diminuir a migração campo/cidade. Essa prática
implica em debater políticas públicas para as demandas que existem no campo. (JESUS,
2011, p.10).
Nesse sentido, a Pedagogia da alternância utiliza instrumentos pedagógicos específicos,
destacando-se: o plano de formação, o plano de estudo e a visita dos monitores às famílias.
Para Jesus (2011), o plano de formação é a grande diferença da proposta pedagógica da
escola. O espaço é propício para um planejamento interdisciplinar e para a efetivação do diálogo
entre escola, família e sociedade. A cada ano, para cada turma é definido um tema gerador. No
ano de 2015, os temas geradores apresentados foram: para o 1º ano, família e as relações na
comunidade; para o 2º ano, desenvolvimento sustentável; para o 3ºano, projeto profissional do
jovem. A partir do tema gerador é elaborado um plano de estudo.
66
O plano de estudo é um instrumento pedagógico que deve ser elaborado com a
participação das famílias, dos estudantes e dos monitores e tem como objetivo estudar/pesquisar
temas ligados à realidade das famílias, no âmbito econômico, político, social, cultural. Assim,
visa “favorecer o diálogo entre o saber popular e o saber científico entre família e escola, escola
e comunidade. O que é importante dessa dinâmica é que a pesquisa, ou seja, a reflexão do PE
terá de provocar uma tomada de atitude frente ao problema estudado” (JESUS, 2011, p. 12). Ou
seja, deve promover o aprendizado a partir da práxis.
A Visita dos monitores às Famílias é uma atividade que deve ser desenvolvida
periodicamente e visa facilitar a produção do conhecimento a partir de uma orientação técnica
mais específica do monitor para o estudante. Com as visitas os monitores analisam melhor a
práxis da família. A efetivação da pedagogia da alternância passa necessariamente por esse
instrumento pedagógico, deixando a escola e indo até a comunidade conhecer a realidade das
famílias, as condições de moradia, os costumes, o sistema de trabalho e produção entre outros.
O professor/monitor, a escola terá maior possibilidade de dialogar com os estudantes e assim
contribuir com o seu aprendizado.
Diante dos estudos realizados, percebe-se que a escola apresenta uma proposta político-
pedagógica mais coerente com às necessidades e realidades da comunidade camponesa. Porém,
além de uma boa proposta pedagógica, a escola necessita de outros fatores como políticas
públicas, professores qualificados e comprometidos com a causa dos trabalhadores, participação
efetiva da comunidade.
Serão analisados na seção seguinte as escolas-polo no município de Goiás.
3.5 A efetivação das escolas-polo no Município de Goiás
A efetivação das escolas-polo no Município de Goiás surgiu da demanda das famílias
assentadas de garantir o acesso à educação e melhorar a qualidade do ensino atendendo às
especificidades do campo. As escolas que funcionavam no campo só atendiam a estudantes na
1ª fase de ensino fundamental, suas estruturas eram precárias e funcionavam em regime
multisseriado, os professores eram sobrecarregados. O sofrimento e a instabilidade das famílias
foram descritos por um estudante da Escola Terezinha de Jesus Rocha, em 2001, em Santos e
Escolaro (2002).
Quando comecei estudar tinha 7 anos e foi na Escola Dom Abel em Goiás. Depois fui
para a Escola Boa Vista, numa chácara chamada Jacaré. Nessa escola tinha uma
merendeira muito ruim. A professora era boa, ensinava direito. Depois fui para a Escola
Cora Coralina em Goiás e nós ia de ônibus. O ônibus passava no ponto as 10 e meia da
manhã. Depois fui estudar na Escola do PA Novo Horizonte II. Nessa escola não tinha
lanche, água e a professora não ensinava direito, o quadro não prestava, quando chovia,
molhava tudo: não tinha cadeira e eu andava mais de 3 Km para chegar na escola. Depois
fui estudar na Boa Vista. (SANTOS; ESCOLARO, 2002, p.25).
67
Este estudante que morador do campo, ainda na primeira fase do ensino fundamental
teve que passar por cinco escolas diferentes, sendo duas escolas urbanas e três situadas no meio
rural. Como esperar uma boa aprendizagem de uma criança nessa situação? Como estudar em
escolas como as acimas descritas? Que motivação teria para aprender uma criança que andava
três quilômetros a pé e quando chegava na escola lhe faltavam lanche, água, cadeira para sentar?
As famílias, enfrentando toda essa realidade acima descrita, para os filhos continuarem
estudando, tinham duas alternativas: matriculá-los nas escolas da cidade e eles terem que
enfrentar diariamente o transporte escolar ou leva-los para a casa de alguém da família na cidade
ou mesmo para a de “estranhos”, para viverem de “favor”. E nas escolas urbanas, os alunos
ainda estavam sujeitos ao preconceito e a discriminação por serem ou terem sido sem-terra e,
tendo que se adaptar, corriam o risco de se distanciarem das famílias e da cultura camponesa.
Nesse contexto, ter uma escola melhor estruturada no campo garantiria melhor formação
para os filhos dos camponeses. Mas, para isso era preciso romper com o descaso que até então
era presenciado nas escolas rurais. Esta demanda por uma melhor educação no campo e a
proposta de como consegui-la pode ser vista em uma ata de reunião do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural (CMDR), ao se tratar do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural,
1998-2001.
Criar três escolas-polo para atender ao processo de ensino-aprendizagem na zona rural,
equipar convenientemente as escolas isoladas também na zona rural. Construir centros
comunitários nas três escolas-polo: assentamento São Carlos, Barra e próximo a
Calcilândia. Construção de quadra de esportes nas referidas escolas. (CMDR, 1998,
p.5).
Conforme o texto citado não seria possível criar escolas no campo com ensino
fundamental completo em cada assentamento e em outras comunidades camponesas. Em 1999
foi aprovado, pelo MEC o projeto de construção da escola-polo na Buenolândia (Barra), que
veio a funcionar dois anos depois. Em 2015 existem quatro escolas-polo. A tabela 3 apresenta
a quantidade de estudantes por escola a cada 5 anos.
Tabela 03 - Relação de escolas-polo, número de alunos por escola e total entre 2001/2015 (Município de Goiás-
GO – 2015)
Ano Escola Terezinha de
Jesus Rocha
Escola Olímya
Angélica de Lima
Escola
Holanda
Escola Vale do
Amanhecer
Total de
alunos
2001
2005
2010
2015
180
149
113
86
-
180
84
91
-
260
221
133
-
56
79
108
180
645
497
418
Fonte: Inep Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Como mostra a tabela 3, de 2001 até 2005 foram criadas as quatro escolas-polo. A seguir
serão apresentadas as características de cada uma.
68
Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha
A Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha está situada no distrito de Buenolândia –
popularmente conhecido como Barra – a 32 Km da cidade de Goiás. Esta escola foi instituída
em, 1999, pela Lei de Criação 010/99 de 30/05/99 e iniciou suas atividades letivas em 2001,
visando atender à educação infantil e ensino fundamental do 1º ao 9º Ano. Essa foi a primeira
escola-polo no Município de Goiás. Para formá-la foram aglomeradas as seguintes escolas que
funcionavam em regime multisseriado na região: Escola Rio Vermelho, que funcionava no PA
Rancho Grande; Escola Municipal Iniciação, que funcionava no PA Mosquito, Escola São
Felipe, que funcionava no PA São Felipe, Escola Novo Horizonte, que atendia alunos do PA
Novo Horizonte e PA Mata do Baú, Escola São João do Monte Alegre, na Comunidade São
João do Monte Alegre; Escola Caiapó, do PA São João da Lavrinha e Escola Terezinha de Jesus
Rocha, que já funcionava nesse distrito19.
Logo que essa escola começou a funcionar, a comunidade camponesa sentiu o problema
da falta de estruturação dessa unidade. O que se fizera foi um ajuntamento das escolas da região.
Cada unidade mudou-se para a polo e levou consigo todos os mobiliários, recursos pedagógicos
que possuía – velhos e usados: carteiras, quadros, livros, panelas para o preparo do lanche etc.
O prédio construído não era adequado para abrigar uma escola, ficou com péssima ventilação.
A rotina da escola era diferente: para os estudantes, muita coisa nova, como transporte e
novos colegas e professores, escola movimentada. Para as famílias, aumentou a preocupação.
Devido à distância entre a escola e as residências dos alunos, aproximadamente 90 % deles
dependiam do transporte escolar para chegar até a escola e, se por um lado, a presença desta
escola diminuiu a distância percorrida no transporte do campo para a cidade, por outro, agora
quase todas as crianças teriam que usar o transporte de um lugar do campo para outro do próprio
campo.
Os próprios estudantes narram os problemas de estudar na escola-polo, em Santos e
Escolaro (2002), em textos produzidos no primeiro ano de funcionamento, em 2001.
Na escola a gente não bate no colega. Não gosto quando o ônibus não passa e a gente
tem que voltar para casa.
Fazem muitas promessas que a escola vai melhorar. Eu gostaria que essa escola fosse
pra frente, que ela crescesse e ficasse melhor. Gostaria de estudar em Goiás.
Tem vez que não gosto da merenda. Já perdi muitas aulas e prova porque muitas
vezes o transporte não passa. Leva a primeira viagem e não volta. Assim muito aluno
fica no prejuízo. Nosso transporte só fica mais quebrado ou com o pneu furado.
(SANTOS; ESCOLARO, 2002, p. 25-26)
19 No primeiro ano de funcionamento, a escola atendeu alunos da alfabetização – Educação Infantil- ao 5º ano.
Depois as turmas foram sendo constituídas até chegar ao 8º ano.
69
O transporte escolar não foi problema só para os alunos, os professores também tiveram
que enfrentá-lo todos os dias para ir ao trabalho. Neste sentido, percebe-se que a escola polo se
“distanciou” dos estudantes, dos professores e das famílias, tanto em relação ao espaço físico,
quanto à participação nas tomadas de decisão. As escolas de assentamentos que antes eram
pensadas e executadas pelo professor e pela comunidade camponesa, que tinham como princípio
de trabalho a luta pela terra, passaram a ter outra forma de organização.
A instituição passou a ser dirigida por um diretor um professor alheio à realidade das
famílias camponesas, cargo de indicação política do governo municipal e não escolhido pela
comunidade escolar. Logo, percebe-se que outros direcionamentos foram tomados e os
princípios e valores existentes antes nas escolas de dentro dos assentamentos foram quebrados,
como mostra o depoimento: “Quando a escola era no assentamento, os pais eram mais próximos,
mais participativos e solidários, tínhamos todo apoio” (Educadora, entrevistada nº7, em
20/05/2015). Percebe-se então, que na escola-polo, ocorreu o distanciamento da realidade,
camponesa.
No entanto, houve avanços com o trabalho em equipe. Antes os professores eram
acostumados a trabalhar sozinhos nas escolas, com a escola-polo passaram a conviver com um
grupo, como mostra o depoimento de uma professora: “No assentamento, a escola, a gente era
sozinha. Não tinha troca de experiências, no polo passou a ter o grupo de trabalho, troca de
experiências. Troca de experiências também entre os alunos, acho que foi positivo” (Educadora,
entrevistada nº7, em 20/05/2015). No primeiro ano de funcionamento desta escola, a professora,
acima entrevistada trabalhou em uma sala com 36 alunos de alfabetização e, no final do ano, só
dois destes alunos não conseguiram ser alfabetizados.
Em 2015, a escola Terezinha de Jesus Rocha teve 86 alunos matriculados, divididos em
oito turmas. A equipe é composta por 16 funcionários, sendo 13 educadores e três
dministrativos. Destes funcionários, sete são efetivos; os demais são comissionados. Um fato
importante é que 90% dos funcionários desta escola são do campo, assentados, filhos de
assentados ou agricultores familiares. Todos têm curso superior.
Em relação à estrutura física, das escolas-polo, a Escola Terezinha de Jesus Rocha, ainda
que tenha problemas, é a melhor, sendo também a única que foi planejada e construída para este
fim. Existem oito salas de aula, três salas destinadas a secretaria, coordenação e a direção, uma
sala para a biblioteca, outra para a cozinha, laboratório de informática e banheiros para
estudantes e funcionários. Nas proximidades da instituição há um galpão comunitário que
frequentemente é utilizado para reuniões e festas escolares.
Em 2014, pela primeira vez, as escolas municipais tiveram eleição direta para diretor.
Antes esse cargo era de indicação do prefeito, sem nenhuma influência da comunidade escolar.
70
Quanto à proposta pedagógica da escola, o PPP apresenta o artigo 28 da LDB, as
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e traz reflexões sobre a
necessidade de adequação do currículo e do processo de ensino-aprendizagem à realidade e à
necessidade das famílias camponesas, mas reconhece que a escola ainda não exerce essa prática
como deveria:
A organização dos eixos curriculares, nesse universo, necessita de uma perspectiva
global e multidimensional, integrando conhecimentos e áreas de estudo, visando uma
prática inter e transdisciplinar, articulando diversos campos do saber e da realidade na
qual os alunos e alunas do campo estão inseridos. O desafio é superar a prática de
pensar projetos de educação descontextualizados do sentido e da história dos povos do
campo, pois este tem sido um vício bastante comum ao longo da histórica da educação,
grifos nossos. (PPP, ESCOLA TEREZINHA DE JESUS ROCHA, 2015, p.12).
Assim, na tentativa de contextualizar a educação do campo conforme sua realidade e de
amenizar a fragmentação do ensino, a escola estabeleceu alguns eixos temáticos: leitura para
toda a vida; matemática e cotidiano; educação patrimonial/identidade;
agroecologia/cerrado/meio ambiente; pluralidade cultural e higiene/sexualidade/drogas, entre
outros, para orientar os seus projetos de ensino.
Escola Municipal Olímpya Angélica de Lima
A Escola Municipal Olímpya Angélica de Lima situa-se no Projeto de Assentamento
União dos Buritis, a 51 Km do centro urbano da cidade de Goiás, e como muitas outras, surgiu
da luta pela terra e a partir da organização e das reivindicações dos trabalhadores. Em 1991, um
grupo de 200 trabalhadores oriundos dos municípios de Goiás e Itapirapuã se organizou e
ocupou a Fazenda São Carlos, em busca da desapropriação das terras e do assentamento das
famílias. Assim, depois, foi criado o assentamento, em 1995.
Em 29 de setembro de 1992, ainda em fase de acampamento, foi autorizado o
funcionamento da escola, pela Lei Nº 032/92, que inicialmente atendia alunos da educação
infantil ao 4º ano, em regime multisseriado, dentro da Fazenda São Carlos. A efetivação do
Assentamento só se deu em 1995, tendo sido assentadas 154 famílias. Logo em seguida, foram
constituídos outros assentamentos nas proximidades: o PA Buriti Queimado, com 26 famílias e
o da União dos Buritis, com 31 famílias (INCRA, 2015).
Em 2002, iniciou-se o funcionamento das turmas da 2ª fase do ensino fundamental e,
desta vez, no PA União dos Buritis, por ele ser mais centralizado e facilitar o acesso dos
estudantes. Assim ficou durante um ano: a mesma escola funcionando em lugares diferentes, da
educação infantil até o 4º ano no PA São Carlos, e do 5º ao 8º ano no PA União dos Buritis. Em
2003 houve a junção das turmas no mesmo espaço –União dos Buritis, que foi adaptado para
comportar todas as turmas. (PPP, ESCOLA OLIMPYA ANGÉLICA DE LIMA, 2015). Essa
71
realidade demonstra a falta de políticas públicas para a Educação do Campo e as famílias
camponesas.
No primeiro ano que se implantou a segunda fase do ensino fundamental, 2002, foram
matriculados 201 alunos. Nesse ano, os professores realizaram trabalhos com os alunos sobre a
história do assentamento, como mostram textos de estudantes colhidos por Santos e Escolaro.
As terras eram do Bastião Cunha. No dia 30 de novembro de 1992, saímos da cidade
de Goiás, 130 famílias em busca de terras. Ficamos acampados na beira da estrada do
Agapito 2 meses, no dia 5 de janeiro de 1993 saímos do Agapito e fomos para o Março
plantar uma lavoura comunitária, ficamos 4 meses no Março. No dia 14 de maio de
1993 saímos do Março para ocupar o assentamento São Carlos, cada um fez seu
próprio barraco, ficamos morando juntos no período de 2 anos. No dia 10 de março de
1995, uma hora da tarde, houve um sorteio dos lotes, saímos com a parcela 61, núcleo
2. Com a alegria deste povo comemorou 3 dias de festa. No dia 8 de maio de 1995
minha família foi para nossa parcela e tivemos mais uma missão a realizar: construir
nosso teto, e com bastante sacrifício construímos nossa casa. Foram muitas batalhas
para chegarmos neste objetivo, hoje conseguimos o que queremos. Tenho certeza que
todos que lutaram foi com muita força de vontade, e hoje conseguiram pisar aonde
sempre queriam estar, na sua terra, que foi conseguida por nós mesmos.
Famílias de lavradores sem estudo reunindo-se em busca de sua única profissão: lavrar
a terra. Assim se forma a comunidade que eu nasci e um grande grupo. Reunindo,
desde então e encontrar uma fazenda improdutiva com a ajuda de algumas entidades;
encontra então uma grande fazenda chamada São Carlos. No dia 7 de outubro, de 1992
um grupo de 250 famílias invade a fazenda São Carlos no município de Goiás. O fato
teve grande repercussão, indo, então, caminhões de policiais com a Liminar de
Despejo para colocar o povo para fora da terra e eles conseguiram despejar na beira da
estrada. Passando todos os tipos de dificuldades frio, fome, intenso calor nas barracas
de lona preta, ficamos lá por três meses. Lá eu nascia, em 1 de dezembro de 1992. Em
janeiro de 1993 as entidades de apoio conseguiram uma terra para plantar roça e no
dia 1 de janeiro de 1993 levaram as famílias para essa terra arrendada. Para aumentar
o sofrimento os trabalhadores prepararam a terra tarde demais, a lavoura tardia não
deu nada. Continuando o sofrimento das famílias... Falando então de terra, hoje, já
mais crescido, vejo ainda a luta da comunidade e de meus pais em busca de dias
melhores. Já conseguimos a energia, estradas, mas ainda falta recursos para trabalhar
a terra, isto é, formar pastos e plantar roças. Com dificuldades mas a luta continua e
eu pretendo ajudar meus pais nessa luta de termos muita fartura, um pouco de conforto
e muita paz para vivermos no nosso pedaço de terra. Sendo eu o mais velho posseiro,
da idade da luta, com 10 anos, na certeza de dias melhores. (SANTOS; ESCOLARO,
2002, p. 79).
Em 2015, na Escola Municipal Olímpya Angélica de Lima, foram matriculados 91
estudantes, organizados em oito turmas, e, mesmo se trabalhando em regime de seriação, há
turmas que se aglutinadas devido ao baixo número de alunos.
Quanto à estrutura física, a escola tem dez salas de aula. Destas, uma funciona como sala
multifuncional, um espaço que os alunos frequentam uma vez por semana para desenvolver
habilidades de jogos diversos, uma outra sala que funciona como biblioteca, videoteca e sala de
reuniões. Há ainda um espaço para a secretaria e a diretoria, uma para sala de informática, que
também funciona como sala dos professores, a cozinha, dois banheiros pequenos e dois cômodos
usados como depósitos. A escola dispõe de uma área livre bastante agradável, com árvores
frutíferas que dão boa sombra, onde foram adaptados mesas e banquinhos para o
72
desenvolvimento de atividades com os alunos. Recentemente foi construído um parquinho de
diversão com verba oriunda do PDDE Sustentável. Um palco, que é utilizado para as
apresentações culturais, foi construído com o apoio da comunidade e da equipe escolar – com a
realização de bingos. Há também um “campinho” de futebol, que é muito apreciado pelos
estudantes.
Em pesquisa realizada, Souza, F. E. (2012, p. 132) constatou que “dentre as escolas-
polo, essa é a escola que mais apresenta carências tanto na estrutura física, quanto nas questões
pedagógicas”. No entanto, atualmente, é uma escola bastante dinâmica e mesmo ainda
apresentando carência na estrutura física, houve algumas melhoras, por exemplo. Se antes os
alunos tomavam água de torneira, como Souza, F. E. (2012), agora eles têm bebedouro. A água
que abastece a escola é de um poço semiartesiano. Não há rede de esgoto e nem coleta de lixo
na escola.
Buscando atender os propósitos da Educação do Campo e integrar o conhecimento
científico ao cotidiano das famílias, a escola vem desenvolvendo experiências produtivas com
a hortaliças, de mandioca, milho, batata, abóbora e árvores frutíferas. No entanto, têm
encontrado dificuldades devido à quantidade de força de trabalho de que necessita para as
atividades de cultivo. Mesmo contando com a ajuda da comunidade e tendo adquirido uma
roçadeira para facilitar os trabalhos, seria necessário a disposição de funcionário para articular
e garantir os trabalhos produtivos no momento certo.
A equipe é composta por 15 profissionais, sendo 12 educadores e três técnicos
administrativos. Do quadro de professores, todos são graduados e a maioria deles são pós-
graduados.
A escola tem se destacado na realização de projetos e ações que envolvem a participação
das famílias: Projeto FolkOlímpya, com objetivo de descobrir e valorizar as manifestações
culturais da região, abordando temas como a herança africana no cotidiano camponês. Projeto
Ecodrilha, momento em que a escola busca realizar a festa junina integrada a outros aspectos
da cultura local; Projeto Festa da Família, espaço de debate e apresentações culturais sobre a
realidade das famílias e a responsabilidade delas no processo educativo; Projeto Recital
Literário, momento em que grupos de estudantes se debruçam sobre as obras de determinados
autores, com produção textual e exposição para a comunidade escolar.
Mesmo sendo uma escola que conta com uma equipe dinâmica que tem conseguido a
participação das famílias e também discutir as questões do trabalho produtivo, ainda há muito
para se construir nela em relação à efetivação da Educação do Campo, como a adequação do
currículo, e em relação a infraestrutura.
73
Escola Municipal Holanda
A Escola Municipal Holanda está localizada no Projeto de Assentamento Holanda, a 23
Km da cidade de Goiás. Como a maioria das escolas de assentamentos, a escola Holanda nasceu
na época do acampamento, por reivindicação das famílias acampadas. Assim, em 1997, foi
contratada uma professora que pertencia ao grupo do acampamento e foi construído pelas
famílias um rancho de palha, onde eram ministradas as aulas em regime multisseriado (PPP,
ESCOLA HOLANDA, 2015).
Após a efetivação do assentamento, a escola passou a funcionar na sede da antiga
fazenda, mas só atendia a primeira fase do ensino fundamental. Os alunos que terminavam o 5º
ano tinham que passar a estudar na cidade. E a preocupação das famílias continuava. Então,
começaram a lutar por uma escola-polo que atendesse até o 9º ano, como mostra o depoimento
de um pai de aluno, no PPP da escola:
O transporte era muito ruim, precário, muito velho, várias vezes a gente foi
buscar nossos filhos na estrada, com fome, com frio, tarde da noite porque o
ônibus estava quebrado. Então o objetivo era estar aqui perto mesmo, pra gente
estar vendo. Às vezes a gente achava que os filhos estavam estudando, eles
estavam era na praça, às vezes estava até pro outro lugar que não devia. Agora
com a escola aqui fica mais fácil acompanhar eles (ESCOLA HOLANDA,
2015, p. 2).
Para reivindicar a construção da escola-polo, os moradores do assentamento fizeram um
levantamento da quantidade de alunos na região e apresentaram a prefeitura. Não havia
unanimidade entre os camponeses quanto a necessidade de escola. Havia pais que não
concordavam com a ideia, alegando que a escola da cidade era melhor. Nesse sentido, foi feito
um abaixo-assinado, e prevaleceu a vontade da maioria. Assim, o Projeto de Lei n° 005/2005,
criou e regulamenta a o funcionamento desta unidade de ensino. Suas atividades iniciaram-se
em maio de 2005.
Esta escola foi criada para atender os alunos da região que antes eram transportados até
o centro urbano. Seus estudantes são das seguintes comunidades rurais: Projeto de
Assentamento Holanda, PA Baratinha, PA Dom Tomás Balduíno, PA Engenho Velho, PA Vila
Boa, São João do Bugre, além de outras comunidades de agricultores familiares e filhos de
funcionários das fazendas e sítios da região. Segundo dados que constam no PPP da escola, no
primeiro dia de aula, os adolescestes não queriam entrar para as salas de aula e “quando
entraram, jogaram as carteiras no chão e pela janela ou deram chutes. Quase todos ficaram
revoltados, eles argumentavam que não queriam estudar numa escola do campo e que as escolas
da cidade eram melhores” (ESCOLA HOLANDA, 2015, p. 04). Nesse sentido, percebe-se a
aculturação deles ao meio urbano que já haviam sofrido, e consequentemente, a negação do
campo e a quebra da identidade de classe desses estudantes.
74
No primeiro ano de funcionamento, a escola atendeu 260 alunos. Em 2015, foram
matriculados 133 alunos, que estão divididos em 10 turmas. A equipe escolar é composta por
21funcionários, sendo 15 educadores e seis técnicos administrativos. Dos professores, apenas
um ainda não têm curso superior completo, mas estão cursando Licenciatura em Educação do
Campo na UFG. Destes funcionários, só nove são efetivos em concurso público, os demais são
contratados temporariamente.
Quanto à estrutura física, a escola possui 10 salas de aula, uma sala da diretoria, uma
secretaria, uma biblioteca, um laboratório de informática, banheiros para alunos e funcionários,
cozinha e despensa. De acordo com Souza, F. E. (2012), é comum, na educação no do campo,
a adaptação de alguma estrutura física já existente para instalação da escola. Na Escola Holanda,
sendo a sede da antiga fazenda é o prédio principal da escola, além do barracão do curral que
foi transformado em três salas de aula. Isso demonstra negligencia do poder público com as
escolas do campo. A construção de um prédio apropriado já foi reivindicada junto ao MEC
desde 2010 e até agora não foi concretizado. Mas, ao menos, essa adaptação mostra que a terra
de negócio, demonizada por Marins (1983), se transformou em território de vida (SAUER,
2013), no qual os filhos dos trabalhadores do campo passam horas, em busca de conhecimento.
A área livre da escola é um espaço prazeroso, com pátio gramado e árvores que oferecem
flores e sombra e aconchego para as pessoas e é propício para realizar atividades físicas e
recreativas. Há também a horta que, além de ajudar a melhorar alimentação das crianças, é um
espaço pedagógico, onde professores desenvolvem aulas práticas.
Em 2014, as escolas-polo tiveram apoio técnico da EFAGO e em 2015 contaram com a
colaboração da UEG e da CPT para efetivação e aprimoramento da horta com práticas de
produção agroecológica. A água que abastece a escola é de poço semiartesiano.
Atualmente, são desenvolvidos na escola outros projetos como: a Cultura Popular:
folclore, festa junina, catira; o Lixo, a festa camponesa, que já foi realizada em outros momentos,
em 2015 não aconteceu.
No Projeto Político-pedagógico da escola está presente a preocupação em atender ao
artigo 28 da LDB e às Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
Porém, o mesmo documento afirma que “a escola nada mais é do que uma extensão da escola
urbana, tanto no que diz respeito ao currículo, quanto aos professores” (ESCOLA HOLANDA,
2015, p.5). No entanto, existem práticas coerentes com a educação do campo como o caso do
cultivo da horta.
O mesmo documento se refere ainda à falta de capacitação dos professores para a
educação do campo e entende que as famílias querem continuar recebendo uma educação
urbana. O conflito dos alunos no primeiro dia de aula significa isso realmente? O que será
75
mesmo que as famílias querem? Não será uma escola de qualidade e as mesmas oportunidades
para seus filhos? Ou será que a escola não compreende as famílias? Nesse sentido, percebe-se
a necessidade, tanto de a escola compreender que as famílias também carregam dentro de si o
opressor e o modelo de educação “urbanobancária” que receberam, quanto de diálogo entre a
escola e os educandos e famílias.
Dessa forma, ainda há muito o que se fazer, e sempre haverá, porque a educação é um
processo que não está alheio à realidade criada pelo sistema opressor. Só a conscientização
profunda pode levar a uma mudança também profunda, depois da qual a educação do campo,
bem como a da cidade, poderá atuar mais na formação de trabalhadores livres para fazerem um
mundo mais justo e igual.
Escola Municipal Vale do Amanhecer
A Escola Municipal Vale do Amanhecer está situada no distrito de Calcilândia, a 54 Km
da cidade de Goiás. Tornou-se escola-polo em 2004, com a junção de escolas municipais da
região que funcionavam em sistema multisseriado, sendo elas: Escola Municipal Pastim, Escola
Municipal Pouso Alegre, Escola Municipal Vale do Amanhecer, Escola Municipal Nossa
Senhora da Abadia, Escola Municipal Água Limpa.
A história da escola contada em seu PPP informou que a primeira escola que existiu nessa região
data do início da década de 1940, a primeira professora foi Rosa Ludovíco de Almeida – a Dona
Lia.
A autorização para o funcionamento da mesma foi concedida na época pelo
Prefeito Dr. Divino de Oliveira, conseguida pelo senhor Omar Ludovico de
Almeida, pai de Dona Rosa, com objetivo de atender os filhos de seus
agregados que não podiam se deslocarem para estudar. (PPP, ESCOLA VALE
DO AMANHECER, 2014, p. 5).
Naquele contexto a abertura de uma escola era considerada como favor feito aos pobres:
“abrir uma escolinha rural era uma dádiva do fazendeiro ou do novo prefeito” (ARROYO in:
SOUZA, M. A, 2012, p.10). Desse modo, os camponeses deveriam ser gratos a esse favor e
retribuir com trabalho ou com o voto.
Em 2015, a escola teve 108 alunos matriculados, organizados em 11 turmas. Os
estudantes, na maioria, são filhos de agricultores familiares e assalariados que trabalham em
fazendas e chácaras da região ou na empresa Calcilândia Mineradora.
A equipe escolar é composta por 17 funcionários: 12 educadores e cinco técnicos
administrativos. Nove são funcionários efetivos e oito são comissionados, 90% deles são
moradores no campo. Das escolas polo, esta é a que apresenta maior defasagem na formação de
professores: ainda há três professores com formação apenas em magistério e dois que estão
76
cursando licenciatura. Nessa equipe, ninguém faz algum curso voltado para Educação do
Campo.
A estrutura física, em parte, é inadequada, pois o prédio foi construído para atender
alunos nos períodos matutino e vespertino, mas, ao se tornar polo, foi adaptado para atender
todas as turmas no mesmo período. A escola possui seis salas de aula; um laboratório de
informática; uma sala de secretaria, onde funcionam também a coordenação e a diretoria; uma
cozinha e três banheiros; um galpão coberto onde costumam-se realizar reuniões e centro
esportivo, que foi construída em 2015. A escola possui um razoável acervo bibliográfico, porém,
ainda não conta com um espaço para a biblioteca; a alternativa dos professores foi criar um
cantinho de leitura nas salas de aula. A água que abastece a escola é fornecida pelo Sistema de
Abastecimento de Água do Estado de Goiás. O lixo é recolhido pela prefeitura.
O Projeto Político da escola faz referências às Diretrizes Operacionais de Educação no
Campo (CNEP/ CEB nº 36/ 2001) e ressalta a necessidade de adequar os trabalhos escolares à
realidade do campo. “Por ser uma escola polo e atender estudantes de diferentes comunidades
rurais, visamos direcionar nosso trabalho a atender a realidade do campo, valorizando o trabalho
com a terra e as relações com a natureza, reforçando os valores naturais e culturais existentes”
(ESCOLA VALE DO AMANHECER, PPP, 2014, p. 14).
No entanto, não existe um programa curricular diferenciado e direcionado a realidade e
a prática sócio-cultural das famílias camponesas. Os professores buscam contextualizar através
de atividade como o projeto, A Pátria é Nossa, que desenvolve pesquisa e apresentações sobre
os aspectos econômicos e culturais da comunidade.
Além das escolas já descritas existem no Município de Goiás, outras escolas públicas
municipais localizadas no campo: Escola Municipal Pingo de Gente, situada no distrito de
Colônia de Uvá, que em 2015 atendeu 66 alunos da educação infantil até o 5º ano; Escola
municipal Mãozinha de Anjo, situada no distrito de São João que atendeu oito alunos da
educação infantil em 2015; Escola Municipal Uvá, que funciona em regime multisseriado e teve
apenas seis alunos matriculados em 2015 e fica na Fazenda Uvá – Essa Municipal Uvá, apesar
de pequena, é uma escola bem equipada, sendo a única que recebeu do governo federal tablets
para os estudantes.
No campo, no município de Goiás, existem também escolas públicas estaduais: Escola
Estadual São João, situada no distrito de São João, que atende alunos de ensino fundamental, 1ª
fase; Escola Estadual Walter Engel, situada no distrito de Colônia de Uvá, que funciona em
períodos vespertino atendendo alunos do ensino fundamental segunda fase, e no período
noturno, atendendo alunos do ensino médio.
77
Os demais alunos do campo que não estudam nas escolas acima referidas são
transportados para a cidade de Goiás e cidades vizinhas.
3.6 O Ensino Superior e a Educação do Campo
O Curso de Direito para Beneficiários da Reforma Agrária
O Curso de Direito para Beneficiários da Reforma Agrária começou a ser idealizado em
2005, a partir do diálogo entre Extensão UFG da Cidade de Goiás e o MST. Passaram a
participar do debate o INCRA/GO, a FETAEG e outros movimentos sociais e sindicais
(SOUSA, 2012). Em outubro do corrente ano, foi consolidada pela universidade a proposta do
curso com o título Turma Especial do Curso de Direito para Beneficiários da Reforma Agrária,
como parte do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).20 De acordo
com o art. 13 do Decreto Nº. 7.352/2010. Podem ser beneficiários do PRONERA:
I - população jovem e adulta das famílias beneficiárias dos projetos de assentamento
criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional de Crédito Fundiário -
PNFC, de que trata o §1º do art. 1º do Decreto Nº 6.672, de 2 de dezembro de 2008;
II - alunos de cursos de especialização promovidos pelo INCRA;
III - professores e educadores que exerçam atividades educacionais voltadas às
famílias beneficiárias;
IV - demais famílias cadastradas pelo INCRA. (BRASIL, 2010).
As instituições que participaram do desenvolvimento desse curso estavam cuidando
dos trâmites para sua consolidação, quando o Ministério Público Federal (MPF), questionou
legalmente a sua regularidade. Caso o inquérito Civil Público instaurado concluísse que o curso
seria irregular, ficaria impedida a sua concretização.
31 de maio de 2006: O Ministério Público Federal – MPF – abre Inquérito Civil Público
com a finalidade de apurar a regularidade dos projetos mantidos pela UFG para a criação
de possíveis cursos a serem destinados a segmentos específicos da sociedade; oficiando
a UFG, o MEC, a OAB seção Goiás; e INCRA (Portaria MGMO nº 51/ 2006, que
instaura o Procedimento Administrativo nº 1.18.000.008340/2006-92, apud: SOUSA,
2012).
Após vários meses de disputa jurídica, em janeiro de 2007 foi aberto o edital do
vestibular especial – Edital nº 02/2007, que possibilitava a inclusão de 60 trabalhadores rurais
ao “direito” à Universidade. No segundo semestre, iniciaram-se as aulas, mas, logo em seguida,
em setembro de 2007, o curso foi novamente questionado judicialmente pelo Deputado Paulo
20 O PRONERA nasceu em 1998 da luta pela Educação do Campo. É uma política pública, desenvolvida em áreas
de Reforma Agrária. Com objetivo de fortalecer o território camponês em todas as dimensões.
78
Renato de Souza, que alegou a ofensa ao “princípio constitucional da igualdade”. A batalha
jurídica, política e classista continuou até janeiro de 201021.
Essa turma ficou conhecida como “Turma Evandro Lins e Silva”. Teve repercussão
nacional. Segundo Sousa (2012), a mídia também se sentiu incomodada: “Bacharéis sem-terra”,
disse o jornal O Estado de São Paulo, 2007. A Revista Veja trouxe a matéria “Invasão na
universidade”. Percebe-se que esse fato era muito mais do que uma turma de trabalhadores do
campo entrando no curso de Direito da Universidade Federal de Goiás; de certa forma, isso feriu
o cérebro da elite brasileira, do agronegócio goiano e das famílias oligárquicas da cidade de
Goiás. E significou também uma chave para abrir a porta da Universidade para outros
trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade que sempre se viram roubados deste direito.
Em 2015, a UFG publicou o Edital Nº 58/2015 para exame vestibular para a segunda
turma de direito. Desta vez além de beneficiários de reforma agrária, agricultores familiares
podiam participar. Assim, mais 60 trabalhadores do campo ingressaram no Curso de Direito da
UFG.
O Curso de Especialização em Direitos Sociais do Campo
O Curso de Especialização em Direitos Sociais do Campo foi criado pelo Edital Nº
013/2013 e oferecido pela Universidade Federal de Goiás - Regional Cidade de Goiás, tendo
sido realizado no período entre maio de 2013 a abril de 2015. A carga horária do curso foi de
514 horas, divididas em tempo-escola e tempo-comunidade, tendo como princípio formador a
pedagogia da alternância. Foram abertas 60 vagas, destinadas ao público graduado e beneficiário
do PRONERA.
Entre os dias 6 e 10 de abril de 2015, realizou-se o seminário de encerramento do curso
com o tema “Ocupar, resistir e construir saberes”. Lá foram apresentados os trabalhos realizados
pelos estudantes no decorrer do curso. Dentre os temas abordados pelos trabalhos apresentados
estavam: A escola do campo fortalece a identidade camponesa e a luta pela terra?; Moradia
camponesa: lugar de memória e resistência; Campesinato e práticas agroecológicas: uma
reflexão a partir da memória dos camponeses do Assentamento Rancho Grande Goiás-GO.
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDOC) foi criado pelo Edital nº 2,
de 31 de agosto de 2012, publicado pelo Ministério da Educação, de acordo com o Programa
Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO). É direcionado à formação de professores
21 SOUSA, Ranielle. C. O Direito achado no campo: a construção da liberdade e da igualdade na experiência da
Turma Evandro Lins e Silva. 2012. 203 f, Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Constituição) – UNB,
Brasília, 2012.
79
para atuarem nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio e, preferencialmente,
atuarem nas escolas localizadas no campo. Visa atender às demandas e às necessidades da
população camponesa, como pode-se conferir no Projeto Político do curso.
Observa-se a necessidade de construir uma política de formação de professores que se
identifiquem com as questões do campo. Esta observação deve-se à compreensão das
reivindicações das organizações e dos movimentos sociais, do trabalho de docentes e
pesquisadores na área e da intencionalidade política de instituir uma Educação do
Campo voltada para a realidade dos sujeitos que vivem no e do campo. (UFG-
REGIONAL GOIÁS, PPP, LEDOC, 2014, p. 08).
Tendo como princípio filosófico as ideias freireanas, o curso busca a articulação
constante entre a práxis social e a teoria, e trabalha de acordo com a pedagogia da alternância.
Sendo assim, os estudantes passam por diferentes momentos de formação divididos em: tempo-
universidade (TU), quando os cursistas passam um período na universidade e assistem 8 horas
de aula por dia e tempo-comunidade(TC), quando os cursistas voltam para as comunidades de
origem e desenvolvem atividades pedagógicas relacionadas ao cotidiano das escolas e da vida
no campo. Depois do TC, retornam para outro período de TU, em que apresentam os resultados
e pesquisas que fizeram no TC. Nestes termos, é propósito do curso “Contribuir com uma
formação que problematize a intervenção no campo, com base nos princípios e técnicas
agroecológicas, visando à sustentabilidade” (UFG-REGIONAL GOIÁS, PPP, LEDOC, 2014,
p. 12).
Até o momento já foram criadas nesse curso quatro turmas, somando um total 140 alunos
em processo de formação. Sabe-se que um dos principais desafios deste curso é trabalhar com
a pedagogia da alternância e garantir o diálogo constante entre os fazeres e os saberes do campo
e os saberes científicos. A priori, a efetivação do curso por si só já pode ser considerada mais
um latifúndio ocupado, tanto no mundo acadêmico, que historicamente pertenceu à classe
dominante, quanto no território físico, pois a universidade instalou o curso no prédio do Colégio
Sant’Ana, espaço em que sempre funcionou uma escola de elite, na qual os filhos dos
trabalhadores jamais podiam entrar.
Curso Técnico em Agroecologia
O Curso Técnico em Agroecologia, foi efetivado pelo Edital Nº 001/2015, Chamada
MCTI/MDA-INCRA/CNPq N° 19/2014, objetiva o fortalecimento da juventude rural. Está
sendo oferecido pela Universidade Estadual de Goiás – Campus Cidade de Goiás e destina-se
aos jovens de 15 a 29 anos, residentes em assentamentos rurais e em comunidades tradicionais
do Território da Cidadania Vale do Rio Vermelho praticantes da agricultura.
80
O Curso obedece às diretrizes da Política Nacional de Educação do Campo
(PRONACAMPO) e é parte do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA). Está ocorrendo em sistema de alternância.
Diante do exposto nesta seção é possível afirmar que a luta pela Educação do Campo no
Município de Goiás começou na década de 1980, dentro dos acampamentos dos trabalhadores
camponeses sem terra. Foi a ideia de uma, educação popular libertadora, defendida pela Igreja
Católica e por movimentos sociais e sindicais com base nas proposições de Paulo Freire, que
proporcionou aos camponeses sem terra a consciência de seus direitos, que os levou a se
engajarem na luta pela terra. A integração na luta e a convivência em um acampamento
permitiram a ampliação dos conhecimentos dos trabalhadores e despertaram neles o desejo de
ser mais humanos e de lutar por mais direitos.
Naquele contexto existiam no campo escolas multisseriadas, que tinham como recursos
didáticos apenas, o quadro e o giz e atendiam só até a quarta série do primeiro grau, que hoje
corresponde ao quinto ano do ensino fundamental. Passaram trinta anos de luta pela terra e pela
Educação do Campo – desde 1985, primeiro acampamento, até 2015 – algumas dessas escolas
foram fechadas, outras foram aglutinadas em escolas-polo que foram abertas visando atender o
ensino fundamental completo. Criou-se a escola Família Agrícola de Goiás. O transporte escolar
passou a fazer parte da vida dos estudantes e das famílias. Houve conquistas importantes, a
educação do campo passou a fazer parte da pauta de reivindicações dos movimentos sociais e
se consolidou em leis e políticas públicas que permitiu as universidades oferecer cursos em nível
de graduação e pós-graduação na modalidade de Educação do Campo e assim possibilitou a
entrada muitos camponeses na universidade. Latifúndios improdutivos se tornaram territórios
de vida para mais de 700 famílias camponesas. No entanto muitos, problemas prevalecem, na
questão agrária e na educação do campo.
A próxima seção apresenta reflexões dos sujeitos envolvidos com a educação do campo
sobre a qualidade de educação que se tem e que gostaria de ter.
81
MAS, AFINAL: quem somos, que educação temos, o que queremos
Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado e
certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste e o pão de tua casa.
E um dia bem distante a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio tranquilo dormirás.
Plantemos a roça. Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho, do gado e da tulha Fartura teremos
e donos de sítio felizes seremos.
(Cora Coralina)
82
4. MAS, AFINAL: quem somos?
Nesta seção serão apresentadas reflexões sobre as características da comunidade escolar
visando conhecer a escola e o tripé que a constitui: estudante-família-educador. Nesse sentido,
as reflexões levarão a identificar o estágio em que se encontram as escolas do campo no
município de Goiás, identificar os elementos e os aspectos positivos, os negativos e suas
possíveis causas e perceber as expectativas destes sujeitos quanto á educação dos trabalhadores
que vivem no campo.
4.1. As famílias camponesas
As famílias camponesas que compõem a comunidade escolar permeiam entre
assentados, agricultores familiares e assalariados rurais. Neste trabalho foram entrevistados dez
representantes de famílias camponesas, como mostra a tabela 4.
Tabela 04 – Características das famílias camponesas (Município de Goiás-GO – 2015)
Características das famílias camponesas entrevistadas, em %
Local de residência
Naturalidade das famílias
Tempo de vida no campo
Constituição das famílias
camponesas
Assentamentos de
Reforma Agrária
Município de Goiás
Sempre viveram no
campo
A família é composta
por até 4 pessoas
80%
50%
50%
54%
Distritos
Municípios vizinhos
Já viveram na cidade.
A família é composta por 5 ou mais
pessoas
20%
50%
50%
46%
Fonte: pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M.(2015).
Sobre a composição das famílias camponesas observa-se que, em alguns casos, ela é
composta também por avós, além de pais e filhos. De acordo com Woortmaann (1990), o
universo cultural camponês brasileiro alicerça-se nas categorias: terra, trabalho, família,
liberdade. Para o autor, “Nas culturas camponesas, não se pensa a terra sem pensar a família e
o trabalho, assim como não se pensa o trabalho sem pensar a terra e a família. Por outro lado,
estas categorias se vinculam estreitamente a valores e a princípios organizatório centrais como
a honra e a hierarquia” (1990, p.23).
Nesses termos, o tipo de produção que que prevalece na terra camponesa é a produção
para o autoconsumo, com a utilização da força de trabalho exclusivamente familiar. As
principais atividades desenvolvidas são produção de leite, criação de frango e cultivo de
hortaliças, como mostra o gráfico 1.
83
Gráfico 01 – Atividades desenvolvidas na unidade produtiva/propriedade (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina A. M (2015).
De acordo com o gráfico 1 há diversificação da produção nas famílias camponesas,
porque Altieri (2012) define a agricultura de pequeno porte como patrimônio ecológico
mundial. Por causa disso algumas de suas características, como a diversificação da produção,
que ajuda a preservar a biodiversidade – as sementes e a diversidade genética – e os recursos
naturais além de oferecer alimentação variada.
No Brasil, as famílias camponesas são responsáveis por cerca de 70% da produção de
alimentos – 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58%
do leite, 59% de suínos, 50% de aves – e emprega 77% das pessoas dedicada ao trabalho
agropecuário (IBGE, 2006).
No decorrer das entrevistas foi perguntado se nas famílias camponesas algum de seus
membros exercem atividades fora da sua unidade produtiva. A resposta foi sim. Algumas
pessoas desenvolvem serviços públicos, como, por exemplo nas funções de merendeiras nas
escolas e motorista do transporte escolar. Mas há outras pessoas, fora da propriedade só fazem
a troca de dia – costume camponês no qual as pessoas trocam dias de serviços, juntando força
de trabalho para atividades mais urgentes e necessária e que requerem mais mão-de-obra
concentrada. Posteriormente o dia trabalhado será pago, de acordo com a necessidade e
agendamento dos outros trabalhadores. Woortmann (1990) classifica a troca como um valor
ético central na cultura camponesa.
Ao se indagar se as famílias recebem assistência técnica dos poderes públicos para ajudar
na produção, 90% afirmaram não receber nenhuma assistência técnica. Apenas um dos
entrevistados afirmou trabalhar com assistência técnica, mas isso porque ele é egresso da
EFAGO e ele próprio aplica as técnicas apreendidas. Foi constatado que já receberam
assistência técnica há alguns anos atrás, por parte do INCRA em associação com o SEBRAE.
62% 58% 62%
37%
7%
34%
5%
18%
0%10%20%30%40%50%60%70%
Porc
enta
gem
(%
)
Atividades desenvolvidas
84
Sobre em quais aspectos a assistência técnica já recebida contribuiu com a família,
alguns informaram que ajudou no acesso aos recursos do Pronaf e no melhoramento do gado.
Houve quem considerou ter aprendido muito. “Aprendeu muito, ensinou fazer a coisa certa.
Hoje se não for dentro da técnica não consegue produzir nada” (Camponês, entrevista nº5, em
02/10/2015). Porém, outros, acharam que não contribuiu em nada. “Não. Levaram uma amostra
de solo para análise e nunca deu retorno. (Camponês, entrevista nº9, em 02/10/2015)”.
De acordo com a Lei Nº 12.188, de 2010, que define as Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER e o
Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na
Reforma Agrária – PRONATER, em seu art.2º, inciso I a Assistência Técnica em Extensão
Rural – ATER são: “Serviços de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que
promovem processo de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e
dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas,
florestais e artesanais” (BRASIL, 2010).
Se a ATER são serviços de educação, conforme Freire (1985), a capacitação técnica
deve se dar através do diálogo entre educador e educando e “jamais pode estar dissociada das
condições existenciais dos camponeses, de sua visão cultural, de suas crenças. Deve partir do
nível em que eles se encontram, e não daquele em que o agrônomo julgue que deveriam estar”
(p.62). Portanto, os serviços de ATER devem ser prestados aos trabalhadores de acordo com as
suas necessidades, conhecimentos e saberes tradicionais para que juntos, técnicos e agricultores,
promovam melhorias no processo de produção e na qualidade de vida, visando a
sustentabilidade ambiental e social no campo.
Conforme o Art. 3º, inciso II, da lei acima citada são definidos como princípios da
PNATER: “gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência técnica e
extensão rural”. E conforme o inciso VI, o PNATER deve “contribuir para a segurança e
soberania alimentar e nutricional” (BRASIL, 2010). Porém, de acordo com os entrevistados,
em 2015 não foi oferecido assistência técnica para os agricultores camponeses e, quando existiu
destinava-se apenas a produção do leite incentivando a monocultura, enquanto deveria
considerava a aptidão das famílias camponesa em diversificação da produção, oferecer outras
possibilidades de valorizar a produção e agregar valor aos produtos. O gráfico 2 apresenta os
principais produtos comercializados pelas famílias.
85
Gráfico 02 – Produtos comercializados pelas famílias camponesas (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina A. M. (2015).
Sobre a forma de comercialização dos produtos, 30 % disseram vender diretamente aos
consumidores em feiras livres, 40 % no mercado convencional, sobretudo o leite, que passa pelo
atravessador, e 20% comercializam em casa ou por encomenda. Dos nossos entrevistados
nenhum utiliza o comércio institucional através do PAA e do PNAE, provavelmente por falta
de assistência técnica para ajudar no planejamento da produção, questões de Inspeção Sanitária
e logística da produção22. De acordo com Woortmann (1990, p. 39), para o camponês, “Vender
a própria produção é realizar o valor monetário do trabalho, é expressão de autonomia
camponesa”. No entanto, percebe-se ainda a forte presença do atravessador, que visa
exclusivamente o lucro sobre o trabalho dos camponeses.
Quanto aos financiamentos para a produção, 40% disseram já ter feito financiamento do
PRONAF, 40% nunca fizeram nenhum financiamento e 20% não responderam. Ao se verificar
os motivos de algumas famílias nunca terem acessado o PRONAF, percebe-se que uns não
buscam financiamentos por opção pessoal, por não querer “mexer com banco e se endividar”,
outros querem fazer financiamentos mas ainda não conseguiram por falta de legalização junto
ao INCRA. Sob a ótica da cultura camponesa, a opção dos camponeses em não querer fazer
financiamentos se justifica justamente pela autonomia. É o medo de se tornar cativo do banco e
do capital financeiro (WOORTMANN, 1990).
22 Ainda a forte presença do atravessador, que visa exclusivamente o lucro sobre o trabalho dos camponeses. Ver, GRISA, Cátia; et e al. Contribuições do Programa de Aquisição de Alimentos à segurança alimentar e
nutricional e à criação de mercados para a agricultura familiar. Agriculturas. v. 8, n. 3, p 34 - 41. Set. de 2011.
50%
10% 10%
30% 30%
20%
10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%P
orc
enta
gem
(%
)
Produtos comercializados
86
De acordo com os entrevistados, a 50% das famílias têm uma renda que varia entre 1 e
3 salários mínimos23, 40% recebem em média 1 salário mínimo e 10% disseram auferir renda
acima de 5 salários mínimos. Foi verificado também que 70% das famílias são beneficiarias do
programa social Bolsa-Família.
Buscando averiguar as condições de locomoção das famílias, foi-lhes indagado quais
meios de transporte que mais utilizam. O gráfico 3 mostra os resultados.
Gráfico 03 – Meios de transporte utilizados pelas famílias camponesas (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina A. M. (2015).
A motocicleta é o principal meio de transporte utilizado, por ser um veículo mais prático
e econômico. Nesse sentido, ora a moto é usada para ir até a cidade, ora substitui o cavalo, na
locomoção à casa dos vizinhos, ás festas ou pasto, quando as condições de relevo permitem,
para averiguar e ou tocar o gado para o curral.
Sobre o grau de instrução dos entrevistados, 50% disseram ter ensino fundamental
incompleto, 20% disseram ter ensino médio e 30% disseram, orgulhosos, que estão cursando o
ensino superior, Graduação em Educação do Campo. A formação no ensino médio, para a
maioria, ocorreu na modalidade EJA – supletivo – ou na EFAGO. Para fazer o se deslocando
até a cidade para cursar o EJA ou foi aluno na EFAGO. Para frequentar o EJA, os alunos tinham
que ir até a cidade.
Os principais problemas enfrentados para estudarem foram assim narrados:
A distância, andava em torno de 8 Km a pé. Travessava o rio Ferreiro - Hoje município
de Faina (Camponês, entrevista nº1, em 05/05/2015).
Na época era a dificuldade financeira, era difícil até pra comprar um livro (Camponês,
entrevista nº5, em 10/09/2015).
Com o transporte que faltava muito. Eu morava no setor rural e estudava no setor urbano
(Camponês, entrevista nº7, em 23/09/2015).
23 Em 2015, o valor do salário mínimo foi de R$ 788,00, assim, média de renda das famílias variou entre R$ 788, 00 a R$ 2 364,00. Este valor convertido em dólar equivale a $ 217, 51 a $ 625,52.
58%
65%
27% 27%
12%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Porc
enta
gem
(%
)
Meios se trnasporte
87
Verificando-se do que mais os entrevistados mais gostavam na escola, no tempo de
infância, constatou-se que o eram as brincadeiras e do contato com as outras crianças. Já sobre
a contribuição da escola para a vida foram indicados, a leitura, a matemática, a convivência com
os outros e, para quem teve a oportunidade de estudar na EFAGO, a resposta foi “tudo do curso
técnico”. Como, segundo Caldart (2011), as pessoas só aprendem aquilo que é necessário para
a vida. Por isso na educação há a necessidade de trabalhar temas ligados à vida e á realidade dos
estudantes.
No decorrer das entrevistas, indagou-se sobre a vontade de continuar estudando. 90 %
disseram que, sim, gostaria de continuar os estudos, e só 10 % disseram que não, por não
quererem perder o resto do seu tempo “quebrando a cabeça”. Os que gostariam de continuar
estudando, ou estão estudando fizeram afirmações como estas: Faz muita falta, hoje nem
consigo mais acompanhar o meu filho do 6ª serie (Mãe de aluno, entrevista nº 6 em 23/09/2015).
Eu pretendo seguir os estudos enquanto tiver vida (Camponês, entrevista nº 6 em 29/09/2015).
Como, não é só na escola que o aprendizado acontece, 80 % disseram ter outro tipo de
aprendizagem além da escola e apontaram ações que acreditam contribuir com a educação dos
camponeses.
A prefeitura deveria investir mais na formação de jovens e adultos até da terceira idade.
Cursos básicos sobre a vida rural (Camponês, entrevista nº3, em 24/08/2015).
Infraestrutura, das estradas, para ter mais facilidade em ir e vir; ter mais curso superior
voltado para o campo, como veterinária (Camponês, entrevista nº 10, em 29/09/2015).
A celebração de missa, reuniões, formação coletiva (Camponês, entrevista nº1, em
05/05/2015).
Estes depoimentos apresentam demandas possíveis de serem executadas como: A
implantação no campo da modalidade de Educação de Jovens e Adultos, a prestação de serviços
de ATER, a criação de cursos de Educação Popular no campo. Para tanto, depende-se apenas
de infraestrutura e articulação política entre os governos municipal, estadual e federal e com
instituições de ensino superior que têm a possibilidade de desenvolver projetos de extensão ou
cursos de EJA na modalidade PRONERA nos assentamentos. Os camponeses lembraram
também, a necessidade de acesso à tecnologia, à internet e de maior compromisso do setor
público com a classe camponesas.
4. 2. Os estudantes
Para conhecer a realidade dos estudantes das escolas do campo foram entrevistados 52
estudantes: 38 alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental, destes cinco são da
Escola Municipal Holanda, 15 da Escola Municipal Terezinha de Jesus Rocha, 10 da Escola
88
Municipal Vale do Amanhecer oito da Escola Municipal Olímpya Angélica de Lima. Os demais
14 estudantes são do Ensino médio e do Curso Técnico em Agropecuária da EFAGO, com idade
entre 11 e 20 anos.
Do total de estudantes entrevistados, 83 % são residentes no município de Goiás, os
outros 17%, que são estudantes da EFAGO, residem em municípios vizinhos. Esses dados
demostram a importância de haver escolas do campo como a EFAGO, que expande a educação
com a entrada de estudantes de municípios próximos.
Outras características, pessoais dos estudantes foram apresentadas pelos educadores
entrevistados.
São carinhosos, apaixonados pelo lugar onde vivem, sendo a escola o melhor lugar de
referência para os alunos (Educador, entrevista nº12, em 22/06 2015).
Muito diferente. As nossas crianças do setor rural são mais afetivas, há um laço de
afetividade diferente, ainda há respeito (Educador, entrevista nº4, em 12/05/2015).
Na EFAGO, alguns alunos vivem na cidade más tem raízes camponesas. Os outros
estudantes são filhos de agricultores familiares, ou de assentados ou de assalariados rurais que
moram e trabalham nas fazendas e em sítios ou moram nos distritos e trabalham nas fazendas.
A tabela 5 descreve o território de vida de todos os estudantes entrevistados.
Tabela 5 – Condição de acesso à terra e classificação do território dos estudantes das escolas do campo (Município
de Goiás-GO – 2015)
Classificação do território Nº % Tipo de relação de uso da terra Nº %
Assentamento
Fazenda
Sítio/Chácara
Povoado
Apartamento na cidade
Não identificado
Total
27
12
3
5
1
4
52
52 %
23 %
6%
9%
2%
8%
100%
Terra própria das famílias.
Terra de outras pessoas
Terra do avô
Terra alugada
Imóvel alugado
Não identificou
-
36
11
1
1
1
2
52
69 %
21%
2%
2%
2%
4%
100%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Como mostra a tabela 5, mais da metade 52% dos estudantes são filhos de assentados.
Este percentual é parecido com a parte das pequenas propriedades do município que são frutos
dos assentamentos. De acordo com o IBGE, no município de Goiás existem 1423 pequenas
propriedades, destas 722 o que corresponde a 53% estão nos assentamentos. Estes dados
indicam que a maioria dos filhos de camponeses não assentados não frequentam as escolas do
campo. Só 6% classificou seu território como sítio ou chácara, o que significa que são
agricultores familiares tradicionais não assentados. A famílias outros 23% trabalham em
propriedades de outras pessoas, possivelmente são assalariados rurais.
Ao se perguntar aos estudantes se costumam ajudar nos trabalhos da família, 73%
disseram que sim, 15% disseram que não costumam ajudar e 12% não responderam. O gráfico
89
4 mostra os trabalhos realizados pelos estudantes que responderam sim. Do total dos estudantes
que ajudam nos trabalhos.
Gráfico 04 – Trabalhos realizados pelos estudantes junto a suas famílias (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
O gráfico 4 apresenta a diversidade de atividade realizadas pelos estudantes para ajudar
nos afazeres das famílias.
Na concepção de educação politécnica, desde os primeiros pensadores, Marx, em 1880, depois
Pistrak, na década de 1920, quando elaborou o plano de Educação da Escola Comuna, na
Rússia, consideraram o trabalho produtivo, tanto na família como na escola, como elemento
necessário à formação humana. Quanto a este trabalho, Frigotto (2012) afirma que:
Isso nada tem a ver com exploração do trabalho infantil. Pelo contrário, trata-se de
socializar, desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência é comum
a todos os seres humanos. Trata-se de não criar indivíduos que achem natural a
exploração do trabalho alheio. Na expressão de Gramsci, para não criar mamíferos de
luxo - Grifo do autor (FRIGOTTO, 2012, p. 278).
Pistrak (2013) também afirmava que o conhecimento, mesmo na escola, deve ser
produzido a partir do trabalho. Dessa forma a escola deve conhecer as condições de trabalho das
famílias para estabelecer as atividades de trabalhos escolares que os seus alunos farão
complementando e aprimorando o que é aprendido com a família.
Muitos educadores acreditam que os trabalhos que os estudantes realizam em casa,
somados ao desgaste físico devido ao tempo que passam dentro do transporte escolar, podem
contribuir para alguns estudantes deixarem de realizar os estudos em casa, o que interferi na sua
aprendizagem. Observa-se na tabela 6 a opinião dos educadores.
26%
21%
31%
16%
8%6%
3%
18%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
Porc
enta
gem
(%
)
Tipos de trabalho
90
Tabela 6 - Opinião dos educadores das escolas-polo sobre a realização dos trabalhos escolares (Município de
Goiás-GO – 2015)
Sobre as tarefas escolares Sim Não Ás vezes Não responderam
Os estudantes levam tarefas para casa
São executadas com sucesso
São relacionadas com a prática cotidiana das famílias
74%
20%
47%
13%
33%
53%
13%
40%
-
-
7%
-
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina A. M. (2015).
A soma dos que que disseram que os estudantes não executam as tarefas escolares de
casa com os que responderam às vezes dá mais de 70%. Entre os educadores, 40% atribuem
esse fato à falta de acompanhamento dos pais, devido à sua falta de escolaridade ou ao excesso
de trabalho pois a maioria trabalha de cedo até a noite. Outros 40% dos educadores
entrevistados alegaram a falta de tempo dos próprios alunos, devido ao transporte escolar, pois
eles passam muito tempo fora de casa e muitos ainda ajudam nos trabalhos da família. Os outros
20% alegaram a falta de interesse ou de hábito de estudo dos alunos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma em seu artigo 53 que, “a criança
e adolescente têm direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, o preparo
para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1990, p.43). Portanto,
se as crianças adolescentes dos camponeses, em suas famílias estão fazendo atividades que,
embora sejam de educação para o trabalho, estão prejudicando a educação escolar, isso deve ser
revisto pelas famílias que devem ser orientadas pelos educadores.
A garantia desse direito à educação não é só a família que necessita agir com sabedoria
para ensinar os filhos a aprender os valores e saberes da prática agropecuária sem prejudicar o
tempo de estudo dos filhos. O poder público também precisa agir, com urgência, em busca de
estratégias e ações para garantir que os estudantes fiquem o menor tempo no caminho da escola,
dentro dos veículos, e para que a escola desenvolva atividades mais significativas, que dialogue
mais com a cultura das famílias camponesas e que evita a perca de tempo para realização de
tarefas escolares em casa.
A tabela 6, mostra-se que 53% dos educadores afirmaram que os trabalhos escolares que
os estudantes levam para casa não são relacionados com a prática cotidiana das famílias. Ora,
que interesse têm os estudantes em desenvolver este tipo de atividade escolar ou as famílias em
ensinar atividades que não têm significado para a vida?
Arroyo (2011, p.81) alerta: “Cuidado, há muitos saberes escolares nos programas que
são inúteis! Totalmente inúteis, alienantes, que não acrescentam em nada os saberes socialmente
construídos”, inúteis ou mesmo deseducadores. Nesses termos percebe a necessidade de adequar
o currículo e a metodologia nas escolas do campo, bem como a for mação continuada dos
educadores sobre a complexidade que perpassa pelo trabalho das famílias camponesas.
91
Ainda quanto à necessidade do poder público agir para que os estudantes camponeses
não percam tempo em sua locomoção até ás escolas, entre os estudantes que frequentam as
escolas-polo24, observa-se que 92% utilizam transporte escolar para chegarem ás escolas e só
8% dos estudantes não o utilizam.
Ao verificar quanto tempo os estudantes passam fora de casa – entre o tempo que ficam
na escola e no caminho de casa até a escola e vice versa – percebe-se que 24 % dos estudantes
ficam fora de casa até 6 horas por dia, 24% entre 6 e 7 horas, 31% disseram que ficam entre 7 e
8 horas fora de casa e 5% disseram ficar mais de 8 horas. Desta forma, muito do tempo que
estudantes teriam para fazerem outras atividades em casa é perdido na estrada, tendo que
priorizar as atividades mais importantes e urgentes certamente realiza as atividades produtivas.
Se não há tempo para fazer as tarefas escolares imagine-se para brincar! E isso pode ser
prejudicial às crianças.
Para Kiddo (2013, p.3), “O brincar tem um significado universal, é uma necessidade para
todas as crianças. O fato de que toda criança encontra espaço para brincar, de certa maneira,
indica o quão brincar é importante para a sua psiqué”. Daí a necessidade de propiciar espaços e
tempo para os estudantes do campo, crianças brincarem. O gráfico 5 apresenta as brincadeiras
preferidas e outras formas de lazer dos estudantes em seu dia a dia.
Gráfico 05 - Brincadeiras preferidas e outras formas de lazer dos estudantes (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Militão, Dorcelina. A. M (2015).
Jogar bola é a atividade de lazer preferida pelos estudantes. Mas, das escolas
pesquisadas, a única que dispõe de um espaço apropriado, um centro esportivo, para realização
de atividades esportivas é a Escola Municipal Vale do Amanhecer.
24 Os estudantes da EFAGO só utilizam o transporte escolar a cada quinzena porque a escola funciona em regime
de semi-internato. Para se locomoverem no período que estão na escola, há uma Van disponível que foi conseguida
via Território da Cidadania Vale do Rio Vermelho, com recurso do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA).
57%
19% 17%11% 8%
4% 4%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Porc
enta
gem
(%
)
Atividades de lazer
92
As outras, brincadeiras e atividades indicadas, exceto redes sociais, TVs e filmes, estão
relacionadas com o campo, ou seja, estão inseridas na cultura, no modo de ser dos camponeses.
Preocupam os que indicaram “trabalhar” como lazer. Seria falta de opção ou excesso de
trabalho? A TV é preferência de lazer para 11% dos estudantes, mas o aparelho existe na
maioria das residências como apresenta o gráfico 6.
Gráfico 06 – Objetos que as famílias dos estudantes têm em casa (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
O gráfico 6 mostra que a televisão existe nas residências de 92% dos estudantes, seguida
do telefone celular com 85% e do rádio com 75%. A presença de objetos eletrônicos e da mídia
nas residências camponesas são condizentes com as ideias de Rua (2006), ao se tratar das
“urbanidades no rural” quando há interação entre elemento urbano e rural. Para o autor o fato
de os camponeses se utilizar desses elementos considerados urbanos não interfere nas
especificidades do território rural. O acesso a bens e equipamentos moderno para as famílias
camponesas pode ser considerado uma estratégia de resistência e permanência no campo, além
é claro de garantia de direitos comuns a qualquer cidadão. Porém, reforça a necessidade de uma
educação que possibilita a consciência de sujeitos do campo capazes de usufruir das
“urbanidades” sem deixar-se ser manipulados por elas.
Sobre a alimentação oferecida pela escola, 74% dos estudantes das escolas-polo
disseram lanchar na escola,14% disseram não lanchar e 12% não responderam. Ao serem
perguntados sobre que acham do lanche que é servido na escola, 40% dos estudantes
classificaram-no como bom, 26% disseram ser ótimo, 10% disseram ser mais ou menos, 8 %
disseram ser muito ruim e 16 % disseram que precisa ter mais variedades. Sobre a preferência
dos estudantes, buscou-se conhecer o que eles mais gostam, o que não gostam e o que eles
gostariam que tivesse no lanche, como mostra a tabela 7.
92%
23%
75%85%
29%
10%
62%
0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%
100%
Porc
enta
gem
(%
)
Tipos de objetos
93
Tabela 07 – Preferência dos estudantes das escolas-polo em relação à alimentação escolar (Município de Goiás-
GO – 2015)
O que mais gosta % O que não gosta % O que gostaria que
tivesse no lanche
%
Arroz com carne/frango e
salada
Pão com carne e suco
Farofa
Bolo com suco
Feijão tropeiro
45%
22%
8%
8%
8%
Macarrão frito
Arroz doce
Feijão
Farofa
Suco de caju
22%
8%
8%
4%
4%
Salada de fruta
Cachorro quente/
pizza/lasanha
Biscoitos –bolos de sal,
mais verduras
Mais pão com carne,
doces, mais variedades
Refrigerante e iogurte
26%
15%
15%
11%
8%
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Militão, Dorcelina. A. M. (2015).
Os dados da tabela 7 mostram também a necessidade de se trabalhar mais a educação
alimentar, devido à indicação “mais doces” e “refrigerantes”. De acordo com a Nota Técnica nº
01/2014, Artigo 16, Parágrafo Único “A oferta de doces e/ou preparações doces fica limitada a
duas porções por semana equivalente a 110 kcal/porção” (BRASIL, 2014, p.2). O mesmo
documento também afirma que os alimentos industrializados “... geralmente tendem a
apresentar alta densidade energética, menos fibras, mais gordura, açúcar e sal, além de
substâncias químicas (conservantes, estabilizantes, aromatizantes) prejudiciais à saúde”
(BRASIL, 2014, p.1). Daí a necessidade de se trabalhar sempre a educação alimentar e
nutricional com os estudantes.
A alimentação escolar é um direito garantido na Constituição Federal de 1988 para todos
os estudantes da educação básica pública e de escolas filantrópicas e comunitárias conveniadas
com o poder público (BRASIL, 2015). Para o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) a escola deve promover,
O crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento
escolar e a formação de hábitos saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação
alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades
nutricionais durante o período em que permanecem na escola (BRASIL, 2015, p.10).
Portanto, o PNAE é uma política pública essencial para qualidade da educação,
rendimento escolar, principalmente nas escolas do campo em que a maioria dos estudantes
passam muito tempo fora de suas casas. Os dados mostram que a preferência dos estudantes é
por alimentos ricos em calorias que dão mais “sustância” como arroz com frango e salada, pão
com carne e suco. O cardápio, que é elaborado por nutricionista, apresenta algumas variações
em relação ao das escolas da cidade, visando atender este requisito (SME, 2015). Porém, os
estudantes sugerem outros alimentos e a necessidade de diversificação do cardápio. Nesse
sentido, é importante ressaltar que a verba repassada pelo governo federal para a alimentação
escolar – via PNAE – é extremamente vergonhoso.
94
Em 2015, o valor repassado pela União a estados e municípios por dia letivo para cada
aluno foi definido de acordo com a etapa e a modalidade de ensino: Creches e ensino integral:
R$ 1,00; Pré-escola: R$ 0,50; Escolas indígenas, quilombolas e do campo: R$ 0,60; ensino
fundamental, médio e educação de jovens e adultos urbana: R$ 0,30 (BRASIL, FNDE, 2015).
Compreendendo que os estudantes do campo ficam em média sete e oito horas fora de casa,
entre a caminho e a escola, a necessidade de uma alimentação reforçada ainda é maior. Com os
R$ 0,60 do PNAE daria para comprar apenas um pãozinho. O município fica encarregado de
complementar a alimentação escolar, sem valor determinado dependendo apenas da boa vontade
política do gestor municipal, ou do seu grau de compromisso com educação e a alimentação
escolar.
O valor da diária de um deputado federal, mas viagens nacionais é de R$ 524,00, quando
não necessita de pernoite, o valor é reduzido pela metade, que equivale a R$ 262,00 (BRASIL,
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2015). Ao se considerar a necessidade de quatro refeições por
dia, este valor dividido por 4 dá R$ 65,50. Esse seria o custo de uma refeição do deputado. Para
cada estudante do campo são destinados apenas R$ 0,60. Assim, seriam necessárias 109
refeições de um estudante para pagar uma refeição do deputado federal. Como o calendário
escolar tem 200 dias letivos, um estudante da educação básica pública das escolas do campo
levaria mais da metade de um ano letivo para gastar com alimentação o que um deputado gasta
em uma única refeição paga com o dinheiro público.
4.3 Os educadores
Foram entrevistados 15 educadores entre professores do ensino fundamental, professores
do ensino médio, monitor técnico, diretor e coordenador pedagógico. Destes professores, 73%
já trabalharam em escolas urbanas e 27% já trabalharam em outras escolas do campo. Ao se
pedir para eles compararem as escolas urbanas com as escolas do campo em que trabalham
atualmente. 40% afirmaram que a infraestruturas das escolas urbanas é melhor do que as das
escolas do campo. Quanto ao comportamento dos estudantes em escolas urbanas e do campo
79% responderam que os estudantes do campo mais calmos e carinhosos. O currículo foi
considerado praticamente igual, pela maioria dos professores como mostra a tabela 8.
95
Tabela 08 - Comparação entre escolas urbanas e escolas do campo nos quesitos infraestrutura, currículo e
comportamento dos estudantes (Município de Goiás-GO – 2015)
Escola Urbana/escola do campo Número %
Infraestrutura
Comportamento
dos estudantes
Currículo
As urbanas são iguais às do campo
As urbanas são melhores que as escolas do campo/ mais
equipadas.
As do campo são melhores, mais espaço livre
Não responderam
Os alunos do campo são mais respeitosos
comportados/educados/carinhosos
Iguais
Diferente
Os alunos do campo são mais curiosos, sempre querem
saber o porquê das coisas
Igual
É igual mas há adaptações, nas escolas do campo, de
acordo com projetos, professor, pedagogia da
alternância
É diferente
2
6
3
4
11
1
1
1
5
6
3
13%
40%
20%
27%
79%
7%
7%
7%
33%
40%
20%
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Militão, Dorcelina. A. M. (2015).
Não surpreende o fato de os professores terem considerados os estudantes do campo, em
relação aos urbanos, mais calmos, respeitosos e educados. Esse comportamento expressa valores
típicos da cultura e da identidade camponesa. Para os próprios estudantes, os da EFAGO, “a
boa convivência” entre alunos e professores é apontado entre as principais qualidades da escola.
De acordo com Freire (1996), o diálogo entre educador e educando é fundamental no processo
ensino-aprendizagem “Ensinar exige querer bem aos educandos”. E na boa convivência esse
“querer bem” aflora.
Paulo Freire, ao refletir sobre a educação libertadora, afirma que, nela, o diálogo deve
começar na construção do currículo.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a serem
depositados nos educandos –, mas, a devolução, organizada, sistematizada e
acrescentada, ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada. A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre
B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 2014, p. 116).
Nesses termos, a função do educador e da escola é sistematizar, organizar, o
conhecimento que os estudantes e as famílias já os tem, acrescentando-lhe o que for necessário,
conforme a situação. Para Freire e Schor (1986, p, 97), “O currículo padrão, o currículo de
transferência, é uma forma mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um
programa... é falta de confiança na criatividade dos educandos e na capacidade dos educadores”.
Além de ser a manutenção do status quo e de se desconsiderar, com ele, a diversidade e o
contexto social e histórico.
96
A questão do currículo padrão está presente também na EFAGO, como mostra um
entrevistado.
Acho que não estamos centrados no plano por uma série de fatores, entre eles, o currículo
referência que é cobrado de nós. Temos medo de perder o currículo referência e perder
o bônus. Os educadores têm medo de se posicionar como educador do campo… Se olhar
para o currículo indicado pelo sistema de educação é o mesmo. Na pedagogia da
alternância é preciso adaptar, apesar de não ter material didático. Precisamos de livros
didáticos específicos para a alternância. Eu compraria (Educador, entrevista nº9, em
25/5/2015).
Para Freire e Schor (1986), o educador que atua na educação libertadora sente medo mais aceita
correr riscos.
Os que estão abertos a transformação sente um apelo utópico, mas também sentem
medo... Temem ser apontados como radicais, como pessoas que causam confusão... Pôr
em prática um tipo de educação que provoca criticamente a consciência do estudante
necessariamente trabalha contra algum mito, que nos deforma. Esse mito de
deformadores vem da ideologia dominante na sociedade. Ao contestar esses mitos,
também contestamos o poder dominante. (FREIRE; SCHOR, 1986, p. 68, 69).
No município de Goiás onde historicamente as pessoas são encharcadas pelo conservadorismo
do poderio coronelista, mudanças sociais, em geral são muito difíceis e as mudanças da
educação do campo dependem de outras mudanças sociais.
Na entrevista sobre o que mudou nos últimos anos nas escolas do campo, esta
entrevistada, é funcionária que trabalha na educação há 25 anos, resume e define bem:
A estrutura é quase a mesma, muitas necessidades a serem melhoradas. O que mudou é
o conhecimento dos profissionais, a formação (acadêmica), isso ajuda a identificar o
material que deve ser trabalhado e o que deve ser deixada pra lá. Hoje sei relacionar o
meu trabalho com a realidade do aluno, o que eles trazem de casa: os animais, as
plantas... assim mudo o conteúdo (Educador, entrevista nº7, em 20/05/2015).
Sobre o que precisa melhorar nas escolas do campo foi afirmado que: Primeiro a
infraestrutura, construção de uma escola...Não é por que já estudamos e trabalhamos em lugares
muito piores que temos que acomodar com alunos estudando dentro de curral (Educador,
entrevista nº4, em 12/05/2015).
Como já referido, na escola Holanda três salas de aulas funcionam no espaço que era
barracão do curral da sede da antiga fazenda onde atualmente é a área coletiva do PA Holanda.
Na Constituição Federal de 1988, o seu artigo 206 afiram que “O ensino será ministrado com
base nos seguintes princípios: I- igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola” (BRASIL, 2010). Ora, onde está o direito à igualdade destes estudantes e destas famílias
camponesas? O que fazer para estes estudantes não se sentirem inferiores com a situação? Como
tratar com a indignação dos estudantes?
Dos professores entrevistados 53 % são efetivos no serviço público de educação e 47%
são comissionados. Quanto a: como começaram a trabalhar na educação, 67 % responderam que
começaram foi através de contrato temporário, 7% foram trabalhando de graça – prestando
97
serviços para a comunidade – e só 27% começaram diretamente por concurso público. Quanto
ao salário recebido pelo trabalho, 80% disseram receber entre 1 e 3 salários mínimos, 13%
recebem entre 3 e 5 salários e 7% não responderam.
Esses dados indicam a necessidade de realização de concurso público para efetivação de
professores das escolas do campo. De acordo com Arroyo (2007), o corpo profissional da
educação precisa ser contemplado com políticas públicas diferentes das que vem sendo
praticadas para poder haver ações mais efetivas na educação do campo.
A conformação e formação de um corpo profissional estável e qualificado não
acontecerão nessa lógica. Só acontecerão com políticas públicas de Estado,
permanentes, de entrada, estabilidade, concursos, carreira e de formação precedente
como exigência de entrada no corpo profissional estável. (ARROYO, 2007, p. 172).
Dos educadores entrevistados 40% residem no campo, próximo ás escolas, e 60 % na
cidade. Arroyo (2007, p. 169), ao discutir a Política de Formação de Educadores do Campo,
afirma que “A maioria das educadoras e educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de
lá volta a seu lugar, a cidade, a sua cultura urbana. Consequentemente, nem tem suas raízes na
cultura do campo, nem cria raízes”.
No caso dos educadores das escolas pesquisadas, apenas 40% residem-no campo, do
total, 93% afirmaram ter vínculo direto, e profundas raízes, com o campo, como mostram os
depoimentos a seguir:
Toda. Nasci, estudei no campo, trabalho no campo. Faço Licenciatura em Educação do
Campo e Especialização em Educação e Agroecologia (Educador, entrevista nº6, em
07/05/2015).
Eu só saí do campo aos 20 anos para a faculdade. Fui em busca de algo melhor e voltei
para trabalhar no campo (Educador, entrevista nº14, em 10/09/2015).
Visito as pessoas do campo, tenho família que vive no campo, tenho uma casa no campo.
Então, eu gosto (Educador, entrevista nº1, em 08/04/2015).
Minha relação com o campo vem sendo de forma contínua. Sou filha de assentado do
PA São Carlos (Educador, entrevista nº12, em 22/06/2015).
Buscando averiguar se estes educadores se sentem preparados para atuarem nas escolas
do campo 80% disseram que sim. Ao perguntar por quê? as respostas foram as seguintes:
Porque desenvolvemos projetos na área da agroecologia só falta recursos e parceiros,
pois não temos mão de obra para exercer estas funções [ele referia-se a horta e ao plantio
de mandioca], um caseiro por exemplo. (Educador, entrevista nº10, em 09/06/2015).
Por ser no campo, onde tive e aprendi minhas referências profissionais e por ser do
campo, vivenciar as lutas e conquistas, conhecer a realidade desse povo, famílias que
tanto sonhou e hoje esse sonho foi conquistado. Meu objetivo como educadora é mostrar
que todo sonho pode se tornar realidade. Esse é o meu papel para com os alunos e a
comunidade (Educador, entrevista nº12, em 22/06 2015).
Por que eu vivo no campo e consigo contextualizar a realidade com o currículo escolar
(Educador, entrevista nº15, em 15/08/2015).
98
Porém, 20% disseram não sentirem preparados, alegando que não basta ser do campo ou
ter formação na área para ser um bom professor do campo.
Não basta ser do campo e dar aula no campo. É mais do que isso. É um desafio. Como
também só fazer um curso de Educação do Campo não prepara para ser professor do
campo. É importante conciliar as duas coisas e muito mais. As práticas. A vivência dos
alunos. Esta ponte que precisa fazer entre o urbano e o campo. É preciso ter uma relação
mais próxima com os alunos (Educador, entrevista nº6, em 7/5/2015).
Para Arroyo (2007), a “A compreensão da especificidade desses vínculos entre
território, terra, lugar, escola é um dos componentes da especificidade da formação de
educadoras e educadores do campo” (p.163). Por isso, o educador das escolas do campo precisa
se situar na Práxis do campo.
Dos professores entrevistados, 40% disseram nunca ter participado de nenhum curso
sobre Educação do Campo e 60% disseram já ter participado de algum curso, tendo sido citados
os seguintes cursos: Licenciatura em Educação do Campo; Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa – PNAIC, que apresenta alguns módulos sobre Educação do Campo, Encontros
e Especialização em Pedagogia da Alternância; Especialização em Direitos Sociais do Campo;
Curso Técnico em Agropecuária – EFAGO e seminários.
Dos aprendizados que estes cursos proporcionaram aos professores, foram destacados
os seguintes aspectos: experiências em pedagogia da alternância, preservação do meio ambiente,
os desafios de ser camponês, as possibilidades de aproveitamento das riquezas do Cerrado, a
necessidade de trabalhar com o cotidiano das comunidades e situações concretas, a confirmação
científica dos conhecimentos do campo entre outros. Sobre o aprendizado que o Curso de
Direitos Sociais do Campo proporcionou, foi feita a seguinte afirmação: “Aprendi que há muitos
projetos e pouca coisa feita, o espetáculo é maior do que o conteúdo (Educador, entrevista nº13,
em 23/06/2015).
Há unanimidade quanto à necessidade de formação continuada para os professores que
atuam nas escolas do campo. Mesmo aqueles que consideram que desenvolver um bom trabalho
sentem essa necessidade, como mostram os depoimentos a seguir. “Preciso aprender mais, mas
a minha prática me dá segurança para atuar onde trabalho” (Educador, entrevista nº13, em
23/06/2015). “Falta capacitação voltada para a Educação do Campo. É a minha prática cotidiana
que me permite trabalhar bem” (Educador, entrevista nº7, em 20/05/2015).
Dos entrevistados, 33% disseram que conhecem as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básicas nas Escolas do Campo; 27% disseram já terem lido, mas não terem maiores
conhecimentos delas 40% disseram não ter conhecimento. Queiroz (2011) afirma que no art. 2°,
parágrafo único das Diretrizes Operacionais... estão definidas as bases da educação do campo.
99
Estes resultados reforçam a necessidade de capacitação para os professores das escolas do
campo.
4.4 As escolas do campo no município de Goiás
A luta pela escola e pela Educação do Campo nasceu junto com a luta pela reforma
agrária, na década de 1980. Segundo Souza, M. A. (2012, p. 38), “pensar e desenvolver
propostas sobre ‘que escolas queremos’ e ‘como organizar a escola do assentamento’ foram
preocupações que nortearam as ações dos educadores envolvidos nos assentamentos e
acampamentos do MST”.
Nesse sentido, Sousa (2002) afirma que logo que os camponeses organizavam um
acampamento para reivindicar a desapropriação de terra junto ao INCRA, já providenciavam
uma barraca coberta de lona para funcionamento da escola.
Segundo Arroyo, a identidade camponesa se constrói com a soma dos elementos simbólicos que
perpassam o universo camponês “A escola, a capela, o lugar, a terra são componentes de sua
identidade. Terra, escola, lugar são mais do que terra, escola ou lugar. São espaços e símbolos
de identidade e de cultura” (ARROYO, 2007, p.163). Nesses termos, a existência de escolas no
campo é sinônimo de existência, resistência e reprodução camponesa.
4.4.1 A escola do campo sob o olhar dos estudantes
Nas entrevistas com os estudantes, indagou-se a eles se gostam de estudar na escola do
campo, 82% disseram gostar da escola, 6 % disseram não gostar, 8% disseram gostar mais ou
menos e 4% não responderam. Não raro, ouve-se dizer que os estudantes não querem ficar nas
escolas do campo, no entanto, estes dados da pesquisa contrariaram os que fazem esse discurso.
Ao se verificar qual é o significado da escola para os estudantes, ele é explicado de várias
maneiras: espaço de aprendizagem e de preparar para o futuro, de aquisição de sabedoria e
conhecimentos etc.
Tudo, porque eu preciso de estudo para ter um bom emprego (Estudante, 9º ano,
entrevista nº 23, em 09/06/2015).
A escola é onde que eu aprendo mais levar uma vida entre a sabedoria e conhecer novas
coisas e aprender como levar a vida de uma maneira mais fácil (Estudante, 9º ano,
entrevista nº 29, em 08/06/2015).
Para Souza, F. E. (2012), a escola é um instrumento político do campesinato.
A escola é um dos instrumentos de existência do campesinato, visto que ela, como
instituição social, reflete, dentre outros, os valores, os anseios e as perspectivas da
sociedade que detém o poder. Em vista disso, ela não é um aparelho neutro, cuja
intencionalidade seja inexistente, muito pelo contrário, é um instrumento político
(SOUZA, F. E. 2012, p. 99).
100
Como afirma Souza. E. (2012), a escola é um instrumento político carregado de
intencionalidades e por isso pode ser instrumentos de mudanças, e no caso do campesinato, que
podem garantir a sua existência, propulsora de projetos futuros. E crianças e adolescentes são a
geração que garante a existência/continuidade de qualquer grupo social bem como são mais
propensos a promover mudanças. Crianças e adolescentes estudantes são sujeitos que precisão
ser reconhecidos com estas características e se reconhecerem como portadores delas para que a
educação, como instrumento político que é, possa atuar em sua formação humana, inclusive, na
sua identidade.
Para os estudantes das escolas-polo, destacam-se como aspectos positivos na escola:
atividades esportivas, eventos, teatros, o que remetem a necessidade de socialização e lazer. Os
negativos estão mais associados com o relacionamento entre os estudantes: xingamentos, brigas,
buling e com as questões de infraestrutura. Buscando sugestões sobre o que precisa ser
melhorado na escola, as respostas se voltaram para as questões estruturais e a necessidade de
atividades diferentes.
Na Escola Família Agrícola, os estudantes destacaram como aspectos positivos: a equipe
escolar e a união de todos, as aulas práticas, o ensino em alternância, a defesa da agroecologia
e da agricultura familiar. Já os negativos foram: a falta de financiamento público para a
manutenção da escola e problemas de comunicação entre a direção da instituição e Associação
de Pais e Alunos. Buscando se averiguar o que pensam em relação á pedagogia da alternância,
algumas respostas foram.
Um ensino meio cansativo no período em que está na escola, mas não fisicamente e sim
psicologicamente. Mas não que seja ruim o ensino. Ao contrário, é claro, mas tem que
ter a cabeça “boa” (Estudante, 2º ano, entrevistado nº41, em 13/06/2015).
A pedagogia da alternância é boa pois o que aprende na seção escola depois podemos
colocar em prática na propriedade (Estudante, 2º ano, nº 46, em 13/06/2015).
Os estudantes das escolas-polo, que não oferecem o ensino médio, quanto á continuidade
aos seus estudos tem as seguintes opiniões: 47% gostariam de continuar estudando na mesma
escola, se houvesse nela o ensino médio, 47% disseram querer estudar em uma escola na cidade
e 6% disseram querer estudar em outra escola do campo como a EFAGO. Observa-se que,
mesmo não havendo ensino médio no campo, metade dos estudantes gostariam de continuar em
suas escolas. Logo, é necessário que o poder público providencie o funcionamento do ensino
básico completo, com escolas bem equipadas.
4.4.2 A escola do campo pelo olhar dos educadores
Nas entrevistas com os educadores um dos objetivos era conhecer o que eles pensam em
relação ao papel da escola do campo. A resposta contém os aspectos esperados, não estando
101
todos em uma mesma resposta e nem em ordem de importância. Entre esses aspectos estão:
valorizar a família, resgatar e manter os valores e as tradições camponesas, adquirir
conhecimentos e ajudar os trabalhadores camponeses a permanecerem na terra, desenvolver a
aprendizagem integrando o educando a sua realidade, mostrar para o aluno as riquezas que o
campo oferece para as famílias etc. Houve quem definiu o papel da escola como um espaço de
socialização ou ainda como extensão da família. Eis a opinião de um dos educadores sobre o
papel da escola:
A importância dela é discutir a possibilidade do aluno permanecer no campo se ele
quiser. Antes a ideia era que eles formassem para ficar no campo, mas pela própria luta
percebemos que o homem do campo é sujeito e não objeto. E se almejar ficar no campo
se prepare técnica e politicamente. Se quiser ir para a cidade que se prepare e aprenda a
conviver lá (Educador, entrevista nº 9, em 25/5/2015).
Deste depoimento merece destaque este trecho “pela própria luta percebemos que o
homem do campo é sujeito e não objeto”. O fato de o camponês, adulto ao não, reconhecer-se
como sujeito, e de ao menos parte da sociedade também admitir que o campesinato, é sim,
sujeito pode levar a ações importantes quanto a educação do campo. Sujeito é quem faz, quem
age, quem sabe o que quer, quem escreve a própria história sabendo que fazendo isso também
escreve a história da sociedade. Ao se reconhecer como sujeito reconhece-se que a liberdade é
parte da essência humana.
De acordo com Arroyo (2011) a escola trabalha com sujeitos. Reconhecer os estudantes
do campo como sujeitos que, como todo ser humano, tem os direitos humanos, universais
essenciais, e também propiciar-lhe a possibilidade de decidir de forma consciente e coerente, de
acordo com suas habilidades, o curso que querem fazer, a profissão que querem seguir. Mesmo
porque o campo necessita de vários profissionais: advogados, médicos, professores,
pesquisadores etc. que conhece e se identifica com a realidade camponesa.
No entanto, se a escola do campo, não reconhecer o direito à liberdade de escolha pode
continuar promover educação utilitarista.
Temos uma longa história que sempre defendeu que os saberes que a escola rural deve
transmitir devem ser poucos e úteis para mexer com a enxada, ordenhar a vaca, plantar
colher, levar para a feira...Aprender apenas os conhecimentos necessários para
sobreviver e até para modernizar um pouco a produção, introduzir novas tecnologias,
sementes, adubos etc. (ARROYO, 2011, p.82).
Uma coisa não deve excluir a outra. Uma escola do campo deve se preocupar com a
formação integral do ser humano prepara-los para avida na sociedade.
Nesse sentido, os movimentos sociais têm se articulado na luta em favor da educação do
campo, mas de uma educação do campo preocupada em, de acordo com Arroyo (2007),
“defender políticas, projetos de campo, permanência da agricultura camponesa frente a sua
extinção pelo agronegócio, defesa da tradição camponesa, da cultura, dos valores, dos
102
territórios, dos [outros] modos de produção de bens para a vida de seres humanos” – Grifos
nossos (ARROYO, 2007, p. 171). Esses são os objetivos e sentidos dê-se lutar na educação por
escolas do campo, defender a vida em sua plenitude.
Em 2012 foi instituído o Programa Nacional de Educação do Campo PRONACAMPO, pelo
MEC/SECADI, com a participação dos movimentos sociais do campo, com objetivo de.
Disponibilizar apoio técnico e financeiro, aos estados, municípios e Distrito Federal para
implementação da Política de Educação do Campo, visando à ampliação do acesso e a
qualificação da oferta da Educação Básica e Superior, por meio de ações para a melhoria
da infraestrutura das redes públicas de ensino, a formação inicial e continuada de
professores, a produção e a disponibilização de material específico aos estudantes do
campo e quilombolas, em todas as etapas e modalidades de ensino. (BRASIL, 2013,
p.6).
O PRONACAMPO foi estruturado a partir de quatro eixos: Eixo I– Gestão e Práticas
Pedagógicas; Eixo II – Formação de Professores; Eixo III – Educação de Jovens e Adultos,
Educação Profissional e Tecnológica; Eixo IV – Infraestrutura Física e tecnológica.
A seguir serão apresentadas reflexões sobre a efetivação desta política pública no
município de Goiás.
Do primeiro eixo, Gestão e Práticas Pedagógicas, até o momento só foi efetivado parte
do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, com distribuição de livros para as primeiras
séries do ensino fundamental: Coleção Girassol: saberes e fazeres do campo. Para Molina, “O
livro didático é fundamental na construção de uma visão de mundo” (2015, p. 29). Já o Programa
Nacional Biblioteca da Escola – PNBE – com obras literárias específicas para as populações do
campo, os programas: Mais Educação e o programa Escola da Terra ainda não são realidade nas
escolas do campo em Goiás.
O Eixo Formação de Professores, foi efetivado com a oferta de formação inicial para os
professores, por meio do Curso de Graduação em Educação do Campo – Área de Conhecimento:
Ciências da Natureza. A formação continuada só existe na modalidade PNAIC e atende apenas
os professores que atuam nas séries de alfabetização.
Para conhecer melhor o Curso de Educação do Campo, entrevistou-se a coordenadora
do curso que informou que os estudantes que ingressaram no curso são oriundos de
assentamentos e comunidades rurais, professores das escolas do campo e estudantes que vivem
na cidade, sendo 90% do próprio município. Na opinião desta professora o mais importante é
que.
O curso permiti o ingresso dos trabalhadores do campo na universidade. E visa o
fortalecimento das escolas do campo. Vai na contramão em relação ao sistema atual e o
fechamento de escolas do campo, ele mexe com as estruturas da Universidade
(Professora Universitária, LEDOC-UFG, em 13/01/2016).
103
A contribuição do curso a reprodução camponesa, segundo os entrevistados são as várias
disciplinas que ele oferece e que tratam diretamente de questões do campo, entre elas: infância,
juventude e família do campo; periferias urbanas e processo migratório; desenvolvimento
sustentável; movimentos sociais; educação e políticas públicas. E também que o princípio de
todas as disciplinas é a partir da realidade dos estudantes.
Os educadores entrevistados que cursam o LEDOC falaram sobre as contribuições do
curso em relação à prática pedagógica.
Esse curso contribui mostrando e vivenciando o cotidiano dessas comunidades
(Educador, entrevista nº5, em 12/05/2015).
O conhecimento científico vem confirmar o conhecimento que vivenciamos no campo.
O curso tem correspondido a minha expectativa (Educador, entrevista nº4, em
12/05/2015).
Entre os membros das famílias camponesas que ingressaram na primeira turma de
Educação do Campo, foram apresentadas as seguintes avaliações:
Eu aprendi bastante em relação ao respeito à cultura camponesa, indígena entre outros e
que existem valores e saberes camponeses que um doutor não tem. (Camponês,
entrevista, nº 10, em 29/09/2015).
Foi um ganho. É um público diferenciado. Há mais alunos do campo e tem colegas que
parou de estudar há 16 anos e só agora retornou. É isso que diferencia o Curso de
Educação do Campo. Por ser a primeira turma, vejo que há dificuldade porque tem
professores que não têm formação especifica para educação do campo. Há professores
que não conhece a realidade do campo. Mas as disciplinas se dialogam e os professores
têm buscado conhecimento e discussões estão aprendendo [sobre o campo] (Camponês,
entrevista nº2, em 20/08/2015).
Uma das professoras a coordenadora do LEDOC afirmou que o corpo docente ainda está
em processo de conhecimento da realidade do campo e que já está elaborando projetos de
extensão.
Arroyo (2007) elenca que a formação de educadores para o campo deve contemplar, de
acordo com os movimentos sociais:
Os movimentos sociais reivindicam que nos programas de formação de educadoras e
educadores do campo sejam incluídos o conhecimento do campo, as questões relativas
ao equacionamento da terra ao longo de nossa história, as tensões no campo entre o
latifúndio, a monocultura, o agronegócio e a agricultura familiar; conhecer os problemas
da reforma agrária, a expulsão da terra, os movimentos de luta pela terra e pela
agricultura camponesa, pelos territórios dos quilombolas e dos povos indígenas.
Conhecer a centralidade da terra e do território na produção da vida, da cultura, das
identidades, da tradição, dos conhecimentos[...] Um projeto educativo, curricular,
descolado desses processos de produção da vida, da cultura e do conhecimento estará
fora do lugar. Daí a centralidade desses saberes para a formação específica de
educadoras e educadores do campo. (ARROYO, 2007, p. 167).
Dessa forma as relações entre movimentos sociais e universidade devem ser mais intensas,
mais próximas para que na formação dos educadores do campo eles sejam plenamente
104
capacitados para formarem sujeitos do campo, aprendendo também, com os próprios sujeitos do
campo, representados pelos Movimentos Sociais.
Das ações propostas pelo PRONACAMPO relacionadas ao eixo, Educação de Jovens e
Adultos, Educação Profissional e Tecnológica, no município de Goiás, está em andamento o
Curso Técnico em Agroecologia, oferecido pela UEG, na modalidade PRONACAMPO e
PRONERA. A modalidade EJA no campo ainda não é praticada.
O eixo Infraestrutura física e tecnologia foi estabelecido para, na educação do campo
para, possibilitar a construção de escolas, a inclusão digital e o PDDE Campo. A partir de 2013,
o PDDE Campo foi implementado nas escolas Terezinha de Jesus Rocha e Olímpya Angélica
de Lima, a última também foi comtemplada com o PDDE Sustentável. Para a inclusão digital,
todas as escolas-polo receberam: projetor multimídia; computador e impressoras; Kits com
material para sala de recursos; laboratórios de acessibilidade. E a Escola Uvá recebeu notbooks
para os estudantes. Em 2015 as escolas receberam a internet banda larga (SME, 2015).
Na área de construção de escolas, com projetos específicos e padronizados para a
educação do campo, o município de Goiás, desde 2010, foi inserido no Plano de Ações
Articuladas – PAR, via Sistema Integrado do MEC – SIMEC, foram elaborados e inscritos
projetos para a construção das escolas: Holanda, no PA Holanda, sob o número de inscrição
23471; Escola Olímpya Angélica de Lima, no PA União dos Buritis, com o número de inscrição
23472 e Escola Pingo de Gente, no distrito de Colônia de Uvá. O único que foi aprovado e está
em fase de construção é da Escola Pingo de Gente. Os projetos para a construção das duas outras,
que são situadas em assentamentos de reforma agrária, estão em análise (SIMEC, 2015). Estes
dados mostram que a política pública de Educação do Campo, aos poucos, vem se efetivando,
porém a passos lentos.
Nas entrevistas, com os educadores que trabalham nas escolas do campo, alguns
elementos da prática pedagógica das escolas foram avaliados, a tabela 9 mostra os resultados.
Tabela 09 - Opinião dos educadores sobre a prática pedagógica das escolas do campo (Município de Goiás-GO –
2015)
Sobre a prática pedagógica das escolas Sim Não Em parte
O Projeto Político Pedagógico é coerente com a educação do campo
Há interação família/escola
As atividades dialogam com os saberes e fazeres do campo
São trabalhados aspectos sobre práticas agrícolas e desenvolvimento
sustentável.
Trabalha-se a história de luta dos trabalhadores do campo
Trabalha-se a cultura camponesa
73%
93%
86%
80%
47%
80%
13%
7%
7%
20%
53%
20%
14%
- 7%
-
-
-
Fonte: Pesquisa de campo. Org. MILITÃO, Dorcelina. A. M. (2015).
O Projeto Político Pedagógico das escolas é coerente com a educação do campo para
73% dos educadores entrevistados, no entanto no texto do próprio PPP das escolas, apresentam
105
reflexões sobre a necessidade de adequação do currículo com a realidade da camponesa. Os
outros aspectos da prática pedagógica que, conforme Queiroz (2011), devem ser considerados
na elaboração do PPP, foram avaliados como ainda mais presentes na prática pedagógica, exceto
o trabalho com a história de luta dos trabalhadores do campo. Conforme Queiroz,
Na construção dos Projetos Políticos Pedagógicos das Escolas do Campo, tanto no
Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio, é preciso que haja uma verdadeira
interação entre a escola e a família, a comunidade, o meio sócio-profissional dos
educandos(as), pois o ensino exige certas condições de aprendizagem intimamente
ligadas à realidade da vida no seu conjunto. Por isso é preciso articular os saberes da
vida do jovem do campo com os saberes escolares do programa oficial (QUEIROZ, 2014
p.42)
Assim, a educação do campo necessariamente precisa conter temas e problemas comuns
à comunidade camponesa, tais como: terra e trabalho; identidade, lutas e organizações dos
diferentes povos do campo; desenvolvimento sustentável; e a cidadania.
A interação família/escola, que 93% dos entrevistados disseram ocorrer, acontece de
diferentes formas: nas festas e eventos promovidos pela escola, nas reuniões pedagógicas,
palestras, mutirões, pamonhadas, no Conselho Escolar, nos projetos realizados pela instituição,
nas cavalgadas, nas atividades culturais e esportivas, em gincanas e em jogos estudantis e
comunitários, quando os camponeses são convidados para irem à escola contar histórias ou
quando vão lá comercializar alguns produtos com os funcionários da escola como queijo, leite,
banana etc. Logo adiante veremos a opinião das famílias sobre a participação delas na escola.
Já na EFAGO, os professores afirmam que com o projeto de Agentes Jovens de ATER, as
famílias passaram a interagir mais com a escola. Também cinco alunos egressos da EFAGO
prestam serviços como técnicos para o desenvolvimento do projeto. 25
Sobre o diálogo da escola com os saberes e fazeres do campo, os educadores afirmaram
que este diálogo acontece através de atividades como: apresentações culturais – catira, folia –
execução de receitas de bolos, doces e outras comidas típicas, o trabalho com os contos e lendas
e com temas da cultura camponesa; observação – e reflexão sobre – da natureza: animais, frutos
do Cerrado, plantas e sementes, cultivo de horta escola, alimentação saudável, reflexão sobre a
importância do homem do campo enquanto ser que produz e preserva a vida; produção de
artesanato; conhecimentos da medicina natural; resgate das sementes crioulas. Estas atividades
são realizadas nas diferentes disciplinas como: produção de textos, problemas matemáticos –
com elementos da realidade camponesa: sementes, frutos, ovos –, unidades de medida e cálculos
envolvendo valores, lucro e prejuízos relacionados aos produtos do campo. Diante do exposto,
25 O projeto Agente Jovem de Ater é uma das ações de um projeto que foi financiado pela Petrobras que tem
contribuído muito com a escola, tanto no apoio ao curso técnico quanto na infraestrutura: reforma do prédio e
ampliação das instalações externas.
106
percebe-se que a escola promove um bom diálogo entre o conhecimento cotidiano das famílias
e conhecimento científico. Resta saber então porque 53% das atividades escolares que os
estudantes levam para casa – como mostrado na tabela 6, página 90, não são coerentes com a
prática cotidiana das famílias?
As práticas de produção agrícola e desenvolvimento sustentável estão inseridas na rotina
pedagógica para 80% dos entrevistados como mostra a tabela 9. Alguns dos entrevistados que
trabalham na Escola Família Agrícola justificou:
Trabalhamos com agroecologia e sustentabilidade, campanha dos agrotóxicos. As
práticas são agroecológicas: biofertilizantes, caldas, extrato de pimenta. A horta não está
bem desenvolvida porque falta força de trabalho. É só a mão-de-obra dos alunos. Já teve
época que tinha dois funcionários (Educador, entrevista nº6, em 7/5/2015).
Avicultura, suinocultura, horta... todo trabalho de produção é voltado para a agricultura
familiar e produção sustentável, e a luta, a parte política (Educador, entrevista nº9, em
25/5/2015).
Dos entrevistados que trabalham nas escolas-polo selecionou-se as seguintes
justificativas para a grande importância de se trabalhar temas e experiências produtivas –sobre
a práticas de produção agrícola e desenvolvimento sustentável – tanto na própria escolar quanto
na comunidade:
A importância de produzir os alimentos, a sustentabilidade, a importância do trabalhador
rural. (Educador, entrevista nº7, em 20/05/2015).
Horta, pomar, plantações, comida típica, pamonhada, - pé de moleque, quibebe
(Educador, entrevista nº10, em 09/06/2015).
Realidade, modo de produção e consumo da família, alimentação, horta, produção para
o consumo na propriedade, história da comunidade, escola, família... (Educador,
entrevista nº12, em 22/06 2015).
Considerando-se o que ensinam Fernandes, Cerioli e Caldart (2011, p. 34): “Uma escola
do campo não precisa ser uma escola agrícola, mas será necessariamente uma escola vinculada
a cultura que se produz através de relações sociais mediadas pelo trabalho na terra”. A forte
presença na prática pedagógica dos aspectos pesquisados mostrados – ver na tabela 8 –, indica
que os educadores consideram boa a educação que praticam.
Como prática pedagógica a cultura camponesa para 80% está presente na educação do
campo em que trabalhar. A história e a memória da luta dos trabalhadores só para 47% é
trabalhada pelas escolas, ver tabela 9. Para Caldart (2011), cultivar a memória coletiva é
fundamental para a construção da identidade camponesa. Por isso é preocupante principalmente
em se tratando do Município de Goiás, onde se efetivou o primeiro assentamento do estado e
que conta mais de 700 famílias assentadas, que a história das lutas camponesas esteja tão pouco
presente na prática pedagógica.
107
Nas entrevistas em todas as circunstâncias quando o assunto era a cultura camponesa, a
quadrilha foi destaque. A quadrilha é uma “dança” que acontece quase sempre nas festas
juninas, de quase todas as escolas urbanas e do campo. O evento que hoje é chamado de festas
juninas, em tempos passados, era de caráter religioso, realizado na época das colheitas com o
objetivo de agradecer, comemorar e partilhar os frutos do trabalho. Nas festas juninas, enquanto
comemoração, acabou entrando a quadrilha. A quadrilha acordo com Chiana (2007) apud
Souza, F. E. (2014), foi trazida para o Brasil pela Corte portuguesa. Inicialmente era uma dança
formada por quatro a oito pares, em duas filas, que se posicionavam frete a frente, formando um
quadrado – em francês, quadrilles; em espanhol, cuadrilhas; em italiano, quadriglia – por isso
o nome quadrilha.
Souza, F. E. (2014) afirma que, hoje a quadrilha é um espaço de representação social
pejorativa do campo e do campesinato. O trecho abaixo mostra como ocorre, na quadrilha, a
desvalorização e a ridicularização da imagem do camponês.
Nessas atividades, chama-nos a atenção a quadrilha que a escola, num ato ingênuo cria
como um espaço deseducativo e conflituoso, dicotomizando campo e cidade. Coloca
o camponês como símbolo do atraso, contribuindo para a desvalorização da identidade
camponesa, enfim, reproduz, em parte, o pensamento do paradigma do capitalismo
agrário que anunciava o fim do campesinato. Apesar de a quadrilha, nos dias de hoje,
ser considerada um momento de diversão, ela apresenta a caricatura do camponês.
Nela é representado, quase sempre, o casamento na “roça”, que chama a atenção para
as vestes remendadas, o tecido xadrez, quadriculado ou de chita, o chapéu de palha
esfiapado, as tranças e os exageros na maquiagem das meninas, como uma
demonstração explícita de um jeito “brega, arcaico e atrasado”. (SOUZA, F. E. 2014,
p.38,39).
Outras cenas e atitudes pejorativas que ainda são presenciadas nas quadrilhas das escolas
são alguns passos da dança: “olha o bêbado”, que representa o camponês como um mendigo
bêbado que se arrasta pelo chão, briga, bate ou apanha da mulher; o passo “a traição” que
representa a traição do marido e/ou da mulher. Ora, a escola deve prezar educar pelo exemplo.
Freire (1996) alerta que ensinar exige rejeição a qualquer forma de discriminação, ética e
corporeificação das palavras pelo exemplo. Também, nos convites das festas e/ou em outros
textos orais ou escrito sobre elas utiliza-se pejorativamente uma linguagem caricaturada,
contendo frases como “nóis vai fazê”, “isperamo ôceis” entre outras. Whitaker (2002), ao
refletir sobre a fala do homem rural, mostra como ocorre injustiça quando pessoas transcrevem
a fala do sujeito usando, o que para a linguagem considerada culta, são erros ortográficos.
Quando um sujeito fala, ele está falando, não escrevendo. Não está, assim, cometendo
erros ortográficos. Diríamos até que ele não está cometendo erro algum. Usa a pronúncia
característica do seu grupo social[...] Em nossa opinião, se ela for transcrita da seguinte
maneira: O home chegô e num deu prá falá, carrega consigo o pressuposto de que o
falante se encontra em condição precária, ou mesmo nula, de escolaridade. Ora, temos
observado que quando o falante possui escolaridade e status mais elevado, mesmo que
o pronuncie dessa última maneira, o transcritor não o transcreve assim.(p.117).
108
De acordo com a autora, é a ideologia dominante – que quer impor a todos os grupos
sociais o jeito de se comunicar e se expressar oral e por escrito da classe dominante – que
contamina os transcritores. A utilização da língua oral informal ocorre em todos os grupos e
cada um insere nele características suas. E ainda é preciso considerar que falar e escrever são
coisas diferentes uma da outra, não é possível transcrever tudo o que o que ocorre na fala e cada
uma tem suas formas de serem compostas, por exemplo, na fala repetições, interrupções
mudanças bruscas são até necessárias, mas a escrita não as aceita e, por último, é preciso lembrar
que escrita e transcrição também não são as mesmas coisas.
Whitaker descreve o que ocorre na transcrição de falas em pesquisas feitas com
camponeses: “o claro processo ideológico determina esse ato: corrige se a fala do pesquisador
(que também erra mas nunca aparece), e respeita-se a fala do entrevistado, caricaturizando sua
maneira de falar” (Whitaker, 2002, p. 118). Assim também as escolas caricaturam nos convites
de festas juninas, por exemplo, a fala do camponês.
Souza, F. E. (2014) alerta que as festas juninas por serem consideradas festas do campo,
na cidade, ajudam a promover a dicotomização campo/cidade. Estas festas configuram o
camponês como o Jeca Tatu – personagem caricatura criada pelo escritor Monteiro Lobato no
começo do século XX26, carregada, de preconceitos e negação do campesinato. É a visão
capitalista do escritor, que compunha a elite agrária. O trecho abaixo demostra bem esta visão
negativa.
Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava os anos uma
rocinha de milho, outras de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da
casa um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas. Mas o porco e as aves que
cavassem a vida, porque Jeca não lhes dava o que comer. Por esse motivo o porquinho
nunca engordava, e as galinhas punham poucos ovos (LOBATO, 1925. p. 2, apud,
SOUZA, F. E. 2014, p. 41).
Diante do exposto, é importante ressaltar que a festa junina, nas escolas – do campo e da
cidade – deveria ser apenas um momento de confraternização e de celebração de toda
comunidade escolar. A quadrilha não pode nem deve estereotipar ninguém, deve ser o que
originalmente era: uma dança para diversão e entretenimento.
O próprio camponês contrapõe e desmascaram as caricaturas representada pela
quadrilha quando participa de eventos em grupo os mais diferentes inclusive na escola; usam as
melhores roupas – limpas e cheirosas, os melhores sapatos, apresentam-se bem penteados, nada
de roupa remendada, chapéu rasgado, maquiagem rebocada. A roupa suja e/ou rasgada, o sapato
e os chapéus “gastados” no camponês como em qualquer outro trabalhador que executa tarefas
26 COSTA, Auristela. A; SOUZA, Francilane Eulália; SOUZA, Murilo. M.O.(Org.). Educação do Campo:
descobrindo o futuro perto de casa. Goiânia: Vieira, 2014. 202p
109
pesadas é consequência do trabalho e não do desdeixo e da preguiça. Por que ninguém se
fantasia como trabalhador urbano, da construção civil, por exemplo, com roupas, sapatos e
chapéus “destruídos”, ou como um médico, ou advogado etc. com suas roupas de trabalho
“destruídos”? Nesse sentido, cabe a escola selecionar criteriosamente o que deve e o que não
deve ter na quadrilha, o que é educativo e o que é deseducativo, o que fortalece e o que denigre
a identidade camponesa.
De acordo com Fernandes, Cerioli e Caldart (2011), o papel da escola e da educação do
campo passa necessariamente por três compromissos a serem assumidos: o compromisso
ético/moral da pessoa humana; o compromisso com a intervenção social buscando contribuir
com o desenvolvimento, a capacitação e a formação do trabalhador do campo; e o compromisso
com a cultura camponesa, visando preservar os valores, a memória e a histórica dos povos do
campo.
Quando a escola, enquanto instituição social, e os educadores enquanto
sujeitos/indivíduos, assumem esses compromissos para se fazer cumprir o papel da educação,
ocorre uma melhor percepção das dificuldades que interferem no trabalho docente, ensino-
aprendizagem, e ao mesmo tempo, do que se precisa fazer ter para melhorar a qualidade da
educação. As três tabelas a seguir mostram a visão dos educadores sobre isso.
Tabela 10 – Principais problemas apontados pelos educadores para trabalhar nas escolas do campo (Município de
Goiás-GO – 2015)
Problemas identificados Nº %
Falta capacitação dos professores sobre o campesinato
Transporte escolar
Infraestrutura
Falta credibilidade da escola
Falta de concurso público
Currículo inadequado
3
9
3
2
2
2
21%
60%
21%
13%
13%
13%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Tabela 11 – Principais dificuldades que interferem no processo de ensino-aprendizagem, na visão dos educadores
das escolas do campo (Município de Goiás-GO –2015)
Dificuldades apontadas Nº %
Falta de estrutura/ recursos pedagógicos
Falta de interesse dos alunos
Acompanhamento das famílias
Transporte/estradas
Acompanhamento individual dos estudantes/psicológico
Falta de adequação do currículo a reais necessidades
2
2
3
3
3
4
13%
13%
20%
20%
20%
28%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
110
Tabela 12 – O que precisa para melhorar a qualidade da educação na visão dos educadores das escolas do campo
(Município de Goiás-GO – 2015)
Necessidades da educação Nº %
Infraestrutura/construção de escolas
Capacitação
Adequação do currículo
Participação da família e da comunidade
Incentivos aos jovens/jogos/movimentação
Transporte, estradas
Trabalho prático/ valorização do campo
Concurso/valorização profissional
Escola de tempo integral em conjunto coma pedagogia da alternância
Livros didáticos adequados para anos finais do ensino fundamental
6
4
6
4
1
2
5
2
2
1
40%
27%
40%
27%
7%
14%
33%
14%
14%
7%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Das tabelas mostradas, na 10, 60% dos educadores entrevistados apontaram como o
problema principal no trabalho docente, o transporte escolar “O transporte escolar, porque
depende de conservação das estradas dos veículos. Provoca cansaço e desgaste entre os alunos”
(Educador, entrevista nº 13, em 23/06/2015). “Temos muitos alunos com faltas por causa do
transporte” (Educador, entrevista nº 15, em 15/08/2015). Este problema é percebido pelos
estudantes e suas famílias desde o primeiro ano de funcionamento do transporte escolar como
já mostrado no seção 3 desta dissertação.
Já na tabela 11, o que mais interfere no ensino-aprendizagem 28% indicaram a falta de
adequação do currículo à realidade dos estudantes.
Mas, além do currículo indicaram a falta de acompanhamento das famílias, o transporte
e a necessidade de acompanhamento individual dos estudantes. Se os estudantes chegam
cansados na escola e as vezes faltam por causa do transporte, se o currículo não e adequado às
reais necessidades dos estudantes camponeses, provavelmente interfere no ensino-
aprendizagem e por isso necessita de acompanhamento individual por parte da escola e da
família.
Para melhorar a qualidade da educação tabela 12, 33% dos educadores apontaram a
valorização do campo/trabalhos práticos o que depende da adequação do currículo apontada por
40%. Para Hage (2010), as escolas do campo precisa romper com o currículo tradicional e
construir nova proposta curricular pautado na realidade do território, considerando sua
heterogeneidade sócio-cultural, produtiva e ambiental.
Para haver essa adequação do currículo pautado no diálogo entre escola e famílias
camponesa, há necessidade de capacitação dos professores que é apontada por 27% deles. A
infraestrutura da escola também é necessária para 40%. Estes dados mostraram a interrelação
entre infraestrutura e transporte, capacitação dos professores e adequação do currículo para
despertar o interesse dos estudantes, promover o ensino-aprendizagem e ocorrer melhorias na
qualidade da educação do campo. Como afirma Arroyo (2007, p. 60), “A falta de políticas
111
específicas de formação de educadoras e educadores e a desestruturação das escolas rurais fazem
parte da desconstrução da cultura do campo”.
A análise das tabelas 10 à 12 que apresenta as dificuldades e as necessidades
reconhecidas pelos educadores leva e se querer saber porque as dificuldades persistem e as
necessidades não são atendidas. O motivo mais importante é o descompromisso histórico dos
governos e da sociedade com os povos do campo, o que leva a falta de políticas públicas para o
povo que aí vive. Fernandes, Celiore e Caldart (2011, p. 49) afirmam que: “precisamos de
políticas públicas para romper com o processo de discriminação, para fortalecer a identidade
cultural negada aos diversos grupos que vivem no campo, e para garantir atendimento
diferenciado ao que é diferente, mas que não deve ser desigual”. Os camponeses já vêm fazendo
essas reivindicações desde quando passaram a reivindicar o direito à terra.
4.4.3 A escola do campo sob o olhar das famílias.
Para se compreender o que as famílias camponesas pensam sobre a escola que têm e a
educação que gostariam de ter, foram entrevistados pais e mães de estudantes das escolas
pesquisadas sobre a realidade escolar de seus filhos, os problemas enfrentados, os sonhos de
escola e educação que tem para seus filhos. O quadro 6 apresenta o conceito/avaliação dado
pelas famílias às escolas.
Quadro 06 – Conceito dado pelas famílias às escolas (Município de Goiás-GO – 2015)
Conceito % Porque
BOA 60% Por ser uma escola do campo e ter pouco recurso, os meus filhos
estão bem.
Falta muita infraestrutura, mas é até bom; porém pode ficar melhor.
As crianças desenvolvem bem. Os professores têm um carinho com
as crianças. Há empenho dos professores em ensinar.
É a única da região. Faço acompanhamento cotidiano e pelos alunos
que participa ser do mesmo meio.
Mas, precisa melhorar, talvez até por falta de participação das
famílias.
A único coisa ruim é o transporte, porque depende da prefeitura.
ÓTIMA 30% Ela cumpre com o papel da formação básica e técnica. Valorização
e incentivo ao trabalho do jovem no campo.
Porque o ensino é bom, os meninos aprendem e gostam de ir para a
escola.
Promove práticas de estudos voltada para a realidade camponesa.
REGULAR 10% Falta material pedagógico e uma biblioteca e uma sala de
informática funcionando.
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
A maioria das famílias mostrou-se satisfeitas com a escola em que os filhos estudam, já
que 60% das famílias a consideraram boa e 30% consideraram ótima. Dentre os motivos que
justificam essa satisfação estão: pelo próprio fato da escola ser no campo e atender os estudantes
do campo, o desempenho individual dos filhos, o empenho dos educadores, por promover
112
práticas de estudo coerentes com a realidade do campo e o fator dos filhos gostarem de ir para
a escola. No caso específico de pais de estudantes da EFAGO, os motivos da satisfação são: a
formação técnica, e a valorização e incentivo ao jovem do campo. Porém, a escola foi avaliada
por 10% das famílias como regular porque elas sentem a necessidade de melhorias. As famílias
que apresentaram satisfeita com a escola também apontaram necessidades de melhorias como:
infraestrutura, transporte escolar e maior participação das famílias como mostrou o quadro 7.
A participação e presença das famílias na escola ocorre em diferentes atividades. Porém,
as atividades das quais a maior parte das famílias (70%) participam são as reuniões e as festas.
Do Conselho Escolar 40% participam e das reuniões de planejamento 10%. Observe-se o gráfico
7.
Gráfico 07 – Participação das famílias na escola (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
A boa participação em festas e reuniões, é comum na maioria das escolas. As festas são
momentos de desconcentração, comemoração e diversão. Nesses eventos em geral pode-se
participar apenas como expectador. Portanto, nessas ocasiões os pais estão menos voltados para
a educação em si. Já em atividades mais específicas da escola como o Conselho Escolar e
planejamento a participação é regular, no primeiro (40% das famílias) e baixa no segundo para
(10%). Na entrevista indagou-se o que as famílias acham mais importante em participar, as
principais atividades apontadas foram: o Conselho Escolar e o planejamento. O que ocorre,
então, seria desinteresse das famílias em participar dessas atividades, ou falta convite por parte
da instituição?
Nesse sentido, Freire (1991) afirma que não deve chamar a família na escola para dar
receitas, fazer ameaças, punições, assistir e executar o que já foi definido. Deve-se convidar a
família na escola para “participar coletivamente da construção de um saber que vai além do
saber de pura experiência feito, que leve em conta as necessidades, que os torne instrumento de
luta, possibilitando transformar-se em sujeito da sua própria história” (FREIRE, 1991, p. 16).
70% 70%
40%
10%
40%50%
10%
0%10%20%30%40%50%60%70%80%
Po
rcen
tagem
(%
)
Atividades e eventos
113
Ainda quanto a participação das famílias nas escolas do campo pesquisadas, é preciso observar
que na EFAGO as famílias participam de outra forma também: é que a instituição tem como
mantenedora a Associação de Pais e Alunos e que ela é filantrópica. As escolas-polo são
públicas e não contam com associação de pais e alunos.
Procurando saber se para as famílias as atividades desenvolvidas nas escolas promovem
a valorização do campesinato em seus aspectos culturais, ambientais, produtivos e em sua
história de luta foram obtidos os seguintes resultados, conforme quadro 7.
Quadro 07 - Atividades desenvolvidas nas escolas do campo que valorizam o campesinato conforme as famílias
(Município de Goiás-GO – 2015)
Escolas-polo Escolas Família Agrícola-EFAGO
Cultura camponesa Plantio da horta.
Comidas típicas
Pela própria preocupação com os filhos
dos agricultores familiares.
Busca da história da família
Troca de experiência entre escola e
família.
Valorização das festas tradicionais e
dos mutirões.
Aspectos ambientais Estimula o respeito à natureza.
A plantação de árvores na escola –
projeto barra limpa.
Tem como temas: s queimadas, os rios,
as plantas, a fauna e a flora.
Na teoria e na prática: conservação
do solo, fechamento de APPs,
reflorestamento, produção orgânica.
Aspectos de produção Tem como tema: coisas que colhemos
em nosso quintal, alimentação
saudável.
Cultivar na escola: hortaliças, milho,
mandioca, amendoim, abobora.
Produção orgânica.
Diversificação da produção.
Dia de campo.
Incentivar a produção diversificada.
História de luta dos
camponeses
História do PA São Carlos. -
Fonte: Pesquisa de campo. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Observa-se que a EFAGO é específica e diretamente dedicada à formação para o
campesinato, mesmo porque oferece Curso Técnico em Agroecologia, portanto o grau de
valorização do campesinato que ela promove possivelmente é maior do que o das outras escolas
pesquisadas. Pistrak ao referir sobre as contribuições da escola para com a comunidade
apresenta a seguinte reflexão.
O trabalho social principal do professor e da escola deve consistir na melhoria
constante da agricultura, da economia rural e das condições de vida do camponês; o
trabalho deve com a ajuda da escola e através dela. Na medida em que atender às
necessidades do agricultor, a escola se tornará indispensável para ele, podendo
desempenhar um grande papel em toda a sua vida. Quando o camponês perceber que
a escola é útil, que o ajuda a melhorar sua vida e seu trabalho, o abastecimento [evasão]
escolar durante a primavera e o verão diminuirá rapidamente. Constata-se, então, que
o problema essencial é aproximar a escola das necessidades da economia e da vida
camponesa. (PISTRAK, 2001, p.70).
A atuação da escola para a melhoria de vida das famílias camponeses é esperada por
80% pais entrevistados. Os entrevistados apresentaram sugestões do que a escola poderia fazer
para se atingir esses objetivos:
Ter professores comprometidos com a realidade dos alunos e da reforma agrária.
(Camponês, entrevista nº10, em 29/09/2015).
114
Fazendo mais palestras para as famílias, mais conhecimento... (Camponês, entrevista
nº2, em 20/08/2015).
Buscando cursos... para os pais dos alunos e para os próprios alunos sobre o campo.
(Camponês, entrevista nº7, em 23/09/2015).
A melhoria da vida dos camponeses também depende da melhoria da própria escola. Os
entrevistados disseram o que precisa melhorar na escola.
A infraestrutura, salas abafadas. O horário do transporte que sai 11h 30 e chega as 7h
(Camponês, entrevista nº1, em 05/05/2015).
Por ser escola do campo precisa ter horta, bananal, mandiocal, e melhorar a alimentação
escolar. Precisa melhorar as artes, as atividades culturais, uma vez por mês ter atividade
cultural como dança, violão, música. Os computadores não funcionam (Camponês,
entrevista nº3, em 24/08/2015).
Mais material pedagógico para melhorar o aprendizado das crianças (Camponês,
entrevista nº7, em 23/09/2015).
Incentivar os alunos a produção. Deveria chamar mais os pais para estar na escola e
ajudar a escola (Camponês, entrevista nº3, em 24/08/2015).
Ter sempre uma horta para ensinar os alunos a plantar e cuidar do que eles mesmo irão
comer (Camponês, entrevista nº6, em 23/09/2015).
Entre as melhorias que a escola do campo precisa receber está a oferta de ensino médio
para que os camponeses estudantes filhos dos camponeses continuassem estudando próximos
de suas residências. Há unanimidade dos pais quanto a importância disso.
Por que evitaria dos filhos ir cedo para a cidade. As vezes uma falta de professor, pode
ganhar a rua... (Camponês, entrevista nº1, em 05/05/2015).
A vantagem da escola do campo é que a gente fica mais seguro, sabe o que os filhos está
fazendo e onde está. (Camponês, entrevista nº3, em 24/08/2015).
Por que tem mais conhecimento com a realidade nossa (Camponês, entrevista nº5, em
10/092015).
Para estar ligado no campo e não perder suas raízes” (Camponês, entrevista nº8, em
02/10/2015).
Se tiver ensino médio seria melhor porque não tem que alugar casa na cidade ou
enfrentar o transporte, e só ia para a cidade... depois que fizer o primeiro ano lá aí já
era... Aqui não tem droga e se tivesse o ensino médio no período da manhã seria ótimo
(Camponês, entrevista nº9, em 02/10/2015).
De acordo com Arroyo (2007), uma das causas para não se implantar o ensino médio
nas escolas do campo “é a dificuldade de garantir nas pequenas e dispersas escolas um corpo de
professores licenciados por disciplina” (p.128). A fragmentação no modo vigente de formação
de professores e de organização escolar é responsável pela necessidade de se ter que com mais
professores conforme se tem que aumentar o número de disciplinas a oferecer. Assim, “os
movimentos sociais propõem outros modelos de formação de docentes qualificados por áreas
115
do conhecimento, propiciando a formação em duas áreas, o que viabilizaria a ampliação de
séries na educação fundamental e média” (ARROYO, 2007, p,168).
No fim da entrevista indagou-se como seria a “escola dos sonhos” das famílias
camponesas. As respostas mostram que seus sonhos não são nada mais daquilo que é básico
em uma “escola normal”, uma “escola da realidade”, que garanta os direitos de seus filhos
estudarem com dignidade.
Uma sala de aula bem confortada com ventilador e água fria na sala para os alunos
(Camponês, entrevista nº6, em 23/09/2015).
O ideal seria bons professores, material didático à vontade para aprendizagem dos
alunos, uma boa biblioteca e sala de informática bem estruturada (Camponês, entrevista
nº7, em 23/09/2015).
Uma escola com uma boa infraestrutura, um quadro de profissional preparado, um
transporte de qualidade (Camponês, entrevista nº8, em 02/10/2015).
A escola dos meus sonhos é manter o pagamento dos funcionários em dias, o transporte
todos os dias. Se não tiver isso, fica a desejar e bagunçado (Camponês, entrevista nº9,
em 02/10/2015).
As respostas de outros pais camponeses mostram que entre os elementos básicos de uma
escola estão mais do que coisas materiais. Uma excelente precisa contar com respeito, valores
à identidade dos educandos, compromisso, disponibilidade, flexibilidade.
Onde há uma educação que respeite os limites do outro, que valorize os princípios da
educação do campo, que tenha profissionais que abrace a causa e trabalhe pela formação
e não por dinheiro ... (Camponês, entrevista nº2, em 20/08/2015)
Não penso em uma escola bonita, colorida. Acho que precisa de um ensino de qualidade.
Sonho com escolas que complementem a alimentação escolar com a própria produção
dos alunos (Camponês, entrevista nº3, em 24/08/2015).
Os professores teriam que ir até os alunos e não retirar os alunos do seu meio para ir até
a escola (Camponês, entrevista nº10, em 29/09/2015).
Uma escola onde ensinaria também a cultivar a terra, quase igual uma escola agrícola.
Para adultos também (Camponês, entrevista nº4, em 10/092015).
Uma escola do campo não é, afinal, um tipo diferente de escola, é uma escola como toda
escola deveria ser. Se ela reconhece e ajuda a fortalecer os povos do campo como sujeitos
sociais, que ela participa do processo de humanização da sociedade, respeitando os direitos
humanos de toda a comunidade escolar é porque ela reconhece, valoriza e luta pelos seus
sujeitos: o campesinato, como cada escola deve conhecer e valorizar o seu.
Sobre estes sujeitos pode-se concluir que as famílias camponesas e estudantes que
compõe as escolas do campo no município de Goiás em 2015, tem predominância de assentados,
seguidos por assalariados rurais e agricultores familiares tradicionais. Estes camponeses
desenvolvem produção diversificada, com utilização da força de trabalho familiar, para
autoconsumo e venda do excedente para suprir outras necessidades básicas. As principais
116
atividades desenvolvidas nas unidades produtiva são a produção de leite, a criação de frango e
o cultivo de hortaliças, sendo o leite o mais comercializado entre os produtos.
Menos da metade destas famílias acessam financiamentos do PRONAF e 90% delas não
estão recebendo assistência técnica. E, quando recebiam, era direcionada apenas para a produção
do leite, portanto, distorcia a vocação familiar de produção diversificada de alimentos.
A falta de assistência técnica interfere também na comercialização institucional dos
alimentos produzidos com PAA e com o PNAE pois tal comércio exige maior organização e
planejamento de produção em determinada escala, algo pouco exercitado entre as famílias
camponesas. Assim as principais formas de comercialização são com o comércio privado e
diretamente ao consumidor na feira. Portanto, o campo ainda continua sem a atenção necessária
para melhorar a renda e a qualidade de vida das famílias camponesas.
Quanto aos estudantes, a pesquisa certificou que mais de 80% gostam da escola e do
campo, que ajudam nos trabalhos da família, que são tranquilos e carinhosos com os professores
e que tem como atividade de lazer preferida, tanto em casa quanto na escola, o jogo de bola.
Porém, ao concluírem seus estudos no campo, metade deles quer ir para o meio urbano em busca
de oportunidade de trabalho.
Dos educadores que atuam nas escolas do campo, mais da metade mora na cidade e
trabalha no campo, porém, mais de 90% destes têm vínculo direto com o campo, muitos são
filhos de assentados ou de agricultores familiares. Mais de 90% dos educadores têm curso
superior, os que não têm já estão cursando. Já em relação à formação específica para atuar na
Educação do Campo, o quadro é preocupante, só 33% disseram conhecer bem as Diretrizes
Operacionais de Educação Básica das Escolas do Campo, fator essencial para um docente que
atua nas escolas do campo.
Outro aspecto preocupante é em relação à carreira. Só 53% dos professores são
servidores públicos que acessaram-no por efetivos concurso público, os demais são
considerados temporários exercendo cargos comissionados. Estes dados indicam a necessidade
de concurso público específico para as escolas do campo e de formação continuada para os
educadores. De acordo com Arroyo (2007), a formação de professores para atuar nas escolas do
campo deve ser alicerçada nas questões do campo: terra, trabalho, lutas, tradições e cultura
camponesa.
Existe uma boa participação das famílias na escola mas ela acontece mais em festas e
em outras atividades que não são alicerce para a educação; é necessário de ampliar a participação
das famílias na escola nas áreas de gestão e planejamento da educação. Na EFAGO existe a
Associação de Pais e Alunos, entidade mantenedora da instituição, portanto, mais presente nas
questões essenciais da escola.
117
A partir de 2013, após o a criação do PRONACAMPO, as escolas-polos forma
contempladas com algumas políticas públicas como: distribuição do livro didático – campo –
para as primeiras séries do ensino fundamental, PPDE-campo, kits para inclusão digital, internet
banda larga. Porém, ainda necessita de infraestrutura para proporcionar melhores condições de
trabalho para os professores e de bem-estar para os estudantes, para a implantação de outras
turmas e modalidades de ensino, como ensino médio e EJA, para atender os assentamentos e
demais comunidades rurais. Já a EFAGO carece ser custeada com verbas públicas como por
exemplo, o Programa Dinheiro Direto Na Escola – PDDE uma vez que a manutenção da escola
é feita pelas próprias famílias.
O transporte escolar é um fator que interfere muito na vida das famílias que vivem no
campo, devido ao sofrimento e insegurança dos estudantes no tempo que passam dentro dos
veículos e longe de casa, mas também por imprevistos consequentes do transporte, que muitas
vezes provocam atraso ou mesmo a falta dos alunos às aulas. A falta de uma frota pública
suficiente para a realização do transporte e a sua terceirização, interferem na qualidade dos
serviços e acarretam altos custos para o município, o que se gasta com transporte poderia ser
investido em outros serviços necessários para a qualidade do ensino.
As práticas pedagógicas desenvolvidas pelos educadores em parte são coerentes com os
propósitos da educação do campo, mas o currículo oficial ainda não é adequado a realidade das
famílias camponesas. Percebe-se então que mais do que construir escolas no/do campo, o
projeto de Educação do Campo visa a sobrevivência, a existência e a resistência do campesinato
o que significa uma sociedade justa, ancorada em um desenvolvimento plural e sustentável. Ou
seja, a prática de Educação do Campo visa a continuidade da luta pela terra, o acesso as políticas
públicas, a produção de alimentos e a soberania alimentar. Assim, o papel da escola do campo
é também lutar contra o modelo agrícola e econômico que concentra terra na mão de poucos,
devasta, explora as riquezas naturais brasileiras e exporta a produção para alimentar o gado dos
americanos e europeus. A construção de uma Educação do Campo é sem dúvida, a constituição
de uma outra sociedade.
118
O CAMPESINATO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: entre flores e espinhos, algumas
práticas pedagógicas
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país
(CNE/CEB, nº1, 2002).
119
5 O CAMPESINATO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: entre flores e espinhos, algumas
práticas pedagógicas
Nesta seção, visa-se refletir sobre as três décadas de luta dos camponeses pela terra e
pela educação no município de Goiás, e sobre suas conquistas, experiências, expectativas para
o futuro.
A Educação, pode melhorar a vida das pessoas e do campesinato, mas nela não há
neutralidade – ou a educação é contra o sistema capitalista e a favor dos trabalhadores ou é
contra os trabalhadores e a favor do status quo. Nesse sentido, serão apontados alguns elementos
fundamentais para efetivar uma educação que corresponde a necessidades do campesinato,
como a promoção da interação entre os saberes e fazeres do campo e o conhecimento cientifico.
Em seguida serão apresentadas algumas práticas pedagógicas e produções dos estudantes
que foram desenvolvidas nas escolas do campo no Município de Goiás, buscando nelas
características que permitam avaliar se a educação que vem sendo lhes oferecida, ao tratar da
vida, da identidade, da cultural camponesa, e de temas como o desenvolvimento sustentável, a
qualificam como educação do campo, para o campesinato ou se ela vem servindo a manutenção
do modelo de desenvolvimento vigente.
5. 1 O campesinato no município de Goiás, após 30 anos de “Reforma Agrária”, como
está?
Em 2015, completaram-se 30 anos que iniciou-se no município, e no estado de Goiás,
a luta pela terra que levou a constituição de assentamentos da Reforma Agrária. Em 1985, foi
realizada a primeira ocupação de terras que resultou no PA Mosquito. Seguiram-se outras outras
lutas e conquistas e, ao lado desses trinta anos, trabalhadores camponeses construíram suas
casas, plantações roças, hortas, quintais, pastos, conseguiram acesso a políticas públicas como
ao PRONAF e crédito para habitação. Alguns venderam os lotes de terras recebidos, o que leva
as pessoas contrárias a Reforma Agrária a reforçarem seus discursos de que os trabalhadores
camponeses não querem terra para trabalhar realmente. No entanto, a “vendas” de lotes não
alteram a quantidade de famílias camponesas que produzem sua sobrevivência na terra, uma
família sai, outra chega. Muitos camponeses já se aposentaram, outros já encontraram a morte.
O conceito de Reforma Agrária também mudou. Segundo Fideles (2014, p. 89) “A nova
ideia e perspectiva de Reforma Agrária não há de visar unicamente a fragmentação de imóveis
para torná-los produtivos ou gerar empregos para os desempregados do campo e da cidade”.
120
Compreende-se que a Reforma Agrária pode concretizar uma forma de produção ambiental e
socialmente sustentável.
De acordo com o MST, no Brasil só se faz Reforma Agrária pela luta do povo e não como
uma política de Estado, que a nega em favor do capital. Por isso foi adotado o conceito de
Reforma Agrária Popular. Stedile, (2011, p. 1), líder do MST, em entrevista à revista Carta
Capital, afirma que “a concentração de terras tem crescido e que a reforma agrária clássica
realmente ‘saiu da agenda’ nacional. Resta ao MST o caminho da ‘reforma agrária popular’ que
defende um novo modelo de desenvolvimento agrícola, o agroecológico”.
Em 2014, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra realizou em Brasília o 6º
Congresso Nacional do MST, no qual comemorou os 30 anos de luta pela terra, pela reforma
agrária e justiça social, celebrou as conquistas, lamentou o assassinato de 1600 camponeses
nestes 30 anos, reafirmou a luta contra o latifúndio, o capital internacional, os transgênicos e
agrotóxicos e a favor da vida e da produção de alimentos (MST, 2014). Também no Município
de Goiás, a luta continua.
Em 2014 foi efetivado no Município de Goiás o assentamento Padre Felipe Leddet,
com 43 famílias. A fazenda era de propriedade da família Berquó, os mesmos proprietários da
Fazenda Mosquito. A primeira a ser desapropriada.
Antes da desapropriação legal de um latifúndio improdutivo pelo governo para nele assentar
camponeses sem terra, como é o povo que tem que fazer, organiza-se um acampamento, um
primeiro passo na luta pela terra.
Em 2015, existem dois acampamentos: O acampamento Dom Eugênio com 30 famílias
acampadas às margens da Rodovia GO – O4, a 10 km da cidade de Goiás, que reivindica a
Fazenda Cedro neste município. O outro acampamento é o Irmã Zenaide, que conta com 43
famílias e aguarda as negociações do INCRA com os proprietários da Fazenda Bacuri, situada
a 50 km da cidade, entre Goiás e Itapirapuã. Esta fazenda há tempo já vinha sendo reivindicada
pela CPT e pela diocese de Goiás.
Em agosto de 2015, foi realizada na cidade de Goiás uma audiência pública com a
finalidade de discutir o processo de aquisição das terras e a viabilidade da fazenda para a reforma
agrária. Na audiência estava presente o Superintendente do INCRA, representantes dos
movimentos sociais do campo e dos proprietários (INCRA, 2015).
A concentração de terras ainda continua, continuando também muitos camponeses sem-
terra. Os camponeses sem a terra para trabalharem deixam de existir enquanto sujeitos sociais.
Para Carvalho (2012),
A conquista da terra é o passo primeiro da afirmação camponesa. Daí a importância
sempre presente das lutas sociais pela reforma agrária. Quando parcelas dos
camponeses, seja pela sujeição a que estão submetidos seja pelo desencanto com as
121
rendas agrícolas auferidas, abandonam a terra, negam não apenas a possibilidade futura
de afirmação da autonomia camponesa, mas, sobretudo, a sua condição objetiva de ser
camponês. (p. 44).
Ter acesso à terra é o primeiro passo para a sobrevivência camponesa na sociedade
capitalista, mas outras conquistas são necessárias para as famílias conseguirem se produzir e
reproduzirem em meio ao sistema de produção capitalista, que prioriza a produtividade e o lucro
diante, antes os valores naturais e humanos. No entanto, Caldart (2015), afirma que a conjuntura
atual permite pensar a agricultura camponesa como projeto de futuro e não como algo passado
e atrasado.
Nesse sentido, visando a consolidação de um sistema produtivo pautado nos valores
camponeses, são apontados pelo MST, uma série de fatores, nos quais a produção e a vida
camponesa se baseiam e devem continuar se baseando.
Centralidade no trabalho buscando juntar o que o capitalismo separa: quem trabalha
decide; é o trabalhador que detém os meios de produção; trabalho manual se junta com
trabalho intelectual; ciência e produção se religam em uma comunidade de
trabalhadores; cooperação.
Perspectiva de soberania alimentar: alcançar a condição de produzir todos os alimentos
básicos que um povo necessita em seu próprio território;
Matriz produtiva: agrobiodiverssidade como base (não a monocultura); renda mensal
que permita o acesso à bens necessários a qualidade de vida;
Matriz tecnológica: agricultura como base: o debate mostra que ela ainda não dá conta
de pensar a complexidade dos desafios: por exemplo, a produção em escala maior.
Agroindústrias e outras indústrias... é desafio ainda repensar a lógica: modelo
tecnológico e de organização do trabalho. Combinação entre indústria e agricultura, que
não seja a subordinação da agricultura à indústria de insumos sintéticos;
Produção como força fundante, mas visão de totalidade do assentamento, educação e
escola entram nessa estratégia, bem como saúde, acesso a bens culturais[...]
(CALDART, 2015, p.28-29).
Assim, terra e educação, não se dissociam, não adianta uma sem a outra. Para Fernandes,
Cerioli e Caldart (2011, p. 53), “A educação não levará ao desenvolvimento do campo se não
for combinada com reforma agrária e com transformações profundas na política agrícola do
país”. É nesse sentido que deve caminhar a luta dos povos do campo. No contexto atual, a
maioria dos estudantes camponeses já gostam de viver no campo (80%), imagine se então
quando o campo atingir em nível de desenvolvimento maior. O gráfico 8 apresenta a opinião
dos estudantes em viver no campo.
122
Gráfico 08 – Opinião dos estudantes sobre viver no campo (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina. A. M. (2015).
Se 80% dos estudantes gostam de viver no campo, o que pensam sobre o campo e sobre
a cidade? Em entrevista, deram respostas a esta questão. A tabela 13 mostra essas respostas.
Tabela 13 – O campo e cidade na visão dos estudantes das escolas do campo (Município de Goiás-GO –2015)
Campo Nº % Cidade Nº %
Lugar bom/ótimo
Tranquilidade/liberdade/paz
Produção de alimentos
Contato com a natureza
Dificuldades
Espaço só de lazer
6
21
15
10
2
1
12%
40%
29%
19%
6%
2%
Lugar bom/ótimo
Facilidade de acesso
Muita violência/estresse
Lugar ruim
Poluição
Lugar só p/passeio
9
14
12
3
4
3
17%
27%
22%
6%
8%
6%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina. A. M. (2015).
Em palavras, os depoimentos abaixo mostram o sentimento dos estudantes em relação ao campo.
O campo para mim é tudo. Ele, o campo que me dá o sustento para mim, meu irmão e
minha mãe. O campo para mim é um meio sustentável para nossa sociedade (Estudante,
EFAGO, 2º ano, entrevista nº 40, em 13/06/2015)
É um lugar que eu amo viver nele porque eu tenho liberdade, de sair no terreiro e ver o
canto lindo dos pássaros etc. (Estudante, Esc. Vale, 9ºano, entrevista nº31, em
08/06/2015).
Tem muitas frutas e a gente vive com a natureza (Estudante, Esc. Vale, entrevista nº26,
em 09/06/2015).
É um lugar calmo, bom para expressar. É um lugar sossegado, campo é tudo de bom,
bom para colher o bem (Estudante, Esc. Vale, 9ºano, entrevista nº30, em 08/06/2015)
Estes depoimentos expressam as vantagens da cidade quando os dois são comparados.
Na cidade é bom porque morando na cidade eu estudo e nem preciso de pegar ônibus
(Estudante Esc. Vale, 9º ano, nº 38, em 09/06/2015).
Resume em uma palavra “tecnologia” (Estudante Esc. Olímpya, 9º ano, nº 27, em
09/06/2015).
Um lugar onde ajuda o campo pois se tem o comércio e ajuda a levar os produtos do
campo para a cidade e movimenta o campo e a cidade (Estudante, EFAGO, 2º ano,
entrevista nº 45, em 13/062015).
81%
8%
9% 2%
Gosta de viver no campo: 81%
Não gosta de viver no campo: 8%
As vezes: 9%
Não respondeu2%
123
Um lugar onde temos mais acesso a praticamente tudo (Estudante, Esc. Holanda, 8ºano,
entrevista nº5, em 12/05/2015).
Ora, se a cidade tem vantagens para oferecer e se o campo não passar a oferece-las, pode
causar migração do campo para a cidade. Por isso perguntou-se aos estudantes onde eles querem
viver depois de adultos. O gráfico 9 apresenta as respostas.
Gráfico 09 – Opinião dos estudantes sobre onde morar depois de adultos (Município de Goiás-GO – 2015)
Fonte: Pesquisa de campo Org: Militão, Dorcelina. A. M. (2015).
Empate técnico: 48% e 46%. Perigo para a reprodução do campesinato. Estes dados
reforçam a necessidade de luta pela organização e melhorias no campo e o fato de que os
avanços no campo não passam somente pela educação nem somente pela terra embora elas
sejam o primeiro passo. Políticas públicas de acesso aos bens coletivos importantes e de
melhorias de renda são necessárias para que os jovens camponeses venham a permanecer no
campo.
Quem gosta de viver no campo quer continuar no campo, conforme mostram os dados
dos gráficos 8 e 9. Dentre ao que os que disseram preferir morar no meio urbano, as justificativas
têm a ver com as vantagens vistas na cidade. “Porque tem mais facilidade de encontrar um bom
trabalho” (Estudante, Esc. Holanda, 8º ano, entrevista nº 1, em 12/05/2015). “Primeiro porque
não tem o ensino médio e porque fica fácil os trabalhos em grupo e, qualquer coisa, usa internet”
(Estudante, Esc. Olímpya, entrevista nº26, em 09/06/2015).
Mais uma vez a falta de políticas públicas impossibilita os jovens do campo de acesso
aos bens necessários a qualidade de vida. Pergunta-se então, são os jovens que abandonam o
campo ou a realidade do campo que expulsa os jovens em busca de qualidade de vida?
A visão dos educadores sobre morar no campo é condizente com algumas ideias da
Educação do Campo. Foi verificado que 80% dos entrevistados relacionam o campo a espaço
de vida, de produção de alimentos saudáveis, de identidade e cultura, mas também de disputas
como se mostra a seguir.
48%
46%
4%
2%
No campo :48%
Na cidade: 46%
Depende: 4%
Não responderam 2%
124
Pra mim o campo é um espaço grande em disputa, mas bom de viver. Ás vezes saímos,
mas para aprender novas técnicas. O campo é minha vida, meu trabalho. É espaço de
grande aprendizado cultural. O nosso trabalho enquanto educador do campo é valorizar
o campo (Educador, entrevista nº6, em 7/5/2015)
Quando penso no campo, penso em qualidade de vida. Plantar e comer o fruto que você
mesmo plantou. Hoje no campo tem tudo e tá mais longe da poluição sonora, visual e
também da violência (Educador, entrevista nº1, em 08/04/2015).
O campo é a minha vida, não me vejo fora do campo. Estou inserida no campo. Faço
parte de uma cultura camponesa. Aqui tem tranquilidade. Pra mim é tudo (Educador,
entrevista nº2, em 14/04/2015).
O campo é um lugar de produção de identidade e cultura (Educador, entrevista nº13,
em 23/06/2015).
Quanto aos demais educadores entrevistados, 7% veem o campo como um espaço
exclusivo para produção e 7% associaram o campo há um espaço de atraso “É aquela realidade
que está voltada para o sustento das famílias que não tem condições e nem estudo para morar
na cidade (Educador, entrevista nº5, em 12/05/2015).
O conceito de camponês que os professores das escolas pesquisadas têm, está conforme
se requer de um profissional da Educação do Campo para a maioria, embora ainda possa-se
melhorar. Conforme 47%, camponeses são pessoas que vivem no campo, plantam e cuidam da
terra e dela retiram o seu sustento; para 20% dos professores entrevistados o camponês vem
buscando-se adequar às novas tecnologias para sobreviver. Porém 13% responderam que
camponeses são pessoas que têm amor à terra, outros 13 % que são pessoas sofridas que têm os
direitos negados e 7% relacionaram o camponês a pessoas humildes, sem estudo, mas com muita
sabedoria. Para um dos professores entrevistados, o camponês é: “Característico e não deixa
perder suas raízes. É aquele que cultiva suas sementes, cria seu porco, não deixa perder essas
variedades. Tem o seu espaço para sobrevivência e tem o cuidado de produzir e preservar”
(Educador, entrevista nº 06, em 07/05/2015).
Ao conceituar o camponês, Woortmann (1990) refere-se à campesinidade, que são
qualidades e valores como tradição, que estão presentes em maior ou menor teor e varia entre
diferentes grupos e tempos. Segundo ele, “a campesinidade não é uma prisão cultural” (p.17) e
“a tradição, então, não é o passado que sobrevive no presente, mas o passado que, no presente,
constrói as possibilidades do futuro” (p. 69). Considerando a opinião dos estudantes, logo atrás,
expostas, há campesinidade nos camponeses do município de Goiás, e isso é muito importante
na educação do campo ao se trabalhar com identidade, com a imagem que se tem e se está
construindo dos camponeses, com a conscientização sobre as possibilidades de
desenvolvimento no campo.
Confiram o que foi afirmado no gráfico 9 o fato de que, ao se perguntar aos educadores
o que eles acham que é preciso para melhorar a vida no campo, as principais necessidades
125
apontadas foram as políticas públicas e infraestrutura, seguidas de muitas outras em menos
percentual, como mostra a tabela 14.
Tabela 14 – Opinião dos educadores sobre o que precisa para melhorar a vida no campo (Município de Goiás-GO
– 2015)
Necessidades do campo Nº %
Políticas públicas e infraestrutura
Unidade na luta pelos direitos do campo
Respeito e valorização do campo
Informação e assistência técnica
Escolas de qualidades que trabalhe a realidade camponesa
Lazer para os jovens
11
2
2
2
2
2
73%
13%
13%
13%
13%
13%
Fonte: Pesquisa de campo. Org: Militão, Dorcelina A. M.(2015).
Apesar das dificuldades no campo para quem vive nele, tanto antes quanto hoje, das
famílias entrevistadas 50% sempre viveram no campo e 50% já moraram na cidade por algum
tempo e, entre estes, o que os motivou a voltar para o campo está representado por estes dois
depoimentos:
A paz, a tranquilidade. Deitar e dormir em paz, por uma roupa no arame e deixar... Sair
de casa até três dias e não ter problemas sem contar que a educação dos filhos é outra
(camponês, entrevista nº6, em 23/09/2015)
Vocação, não consegui viver na cidade e por ter a terra para trabalhar para si mesmo.
(Camponês, entrevista nº6, em 23/09/2015).
O lugar melhor para viver é a terra, que também é o melhor lugar para trabalhar que não
separa o homem do produto de seu trabalho.
Para Woortmann (1990, p. 43), “o significado da terra é o significado do trabalho e o
trabalho é o significado da família, como o é, igualmente, a terra enquanto patrimônio. Mais que
objeto de trabalho, a terra é o espaço da família. Portanto, o acesso à terra é fundante quanto à
reprodução camponesa”. Woortmann também afiram que “Comida, trabalho e terra são, como
já disse, categorias centrais do discurso camponês e expressam uma relação moral entre os
homens e deles com a natureza” (WOORTMANN, 1990, p. 37).
Para aqueles que sempre viveram no campo, as principais vantagens em viver no campo,
foram expressas nos relatos a seguir.
É outra saúde, produz tudo que precisa, tem a carne, o frango, o leite, uma
verdura saudável, e lá na cidade não tem. Criar os filhos e dá educação. Na
cidade, os pais chega pra dormir e pronto (Camponês, entrevista nº9, em
02/10/2015).
Trabalha pra gente mesmo, não é mandado pelos outros. A gente faz a hora de
trabalho (Camponês, entrevista nº5, em 10/09/2015).
Os quatro últimos depoimentos expressam a preocupação que os camponeses têm com
a educação que a família deve dar aos filhos e com a maneira de trabalhar e o que os camponeses
propõem para si próprio é o que é bom para toda a sociedade
126
Os camponeses entrevistados concordam com professores e estudantes quanto as
principais dificuldades encontradas para viver no campo: a desvalorização do trabalho e falta de
geração de renda e as políticas públicas, como observa depoimentos a seguir. “O preço das
coisas que é muito desvalorizado no mercado. Não conseguimos por preço nos nossos produtos”
(Camponês, entrevista nº5, em 10/09/2015). “É a geração de renda principalmente para a
mulher. A dificuldade de comercializar os produtos caseiros que produzimos” (Camponês,
entrevista nº3, em 24/08/2015). Para sanar estas dificuldades os camponeses sugerem:
Mais possibilidade de acesso as políticas públicas, compreender o campo também como
parte da sociedade (Camponês, entrevista nº2, em 20/08/2015).
Acesso a crédito e acompanhamento técnico, facilidade para escoação agrícola –
estradas e pontes, e saúde e escola de qualidade (Camponês, entrevista nº8, em
02/10/2015).
Ter estradas boas, a energia já chegou tem telefone. O que precisa é ter apoio da polícia
de vez em quando e ter um posto de saúde, médico e dentista (Camponês, entrevista nº9,
em 02/10/2015).
Assim, pode-se perceber que o que os camponeses querem não é nada mais do que o
atendimento as necessidades humanas básicas para garantir a sua existência.
Esta realidade do campo é reflexo do sistema capitalista, excludente e opressor,
concentrador de renda e de recursos, a causa principal da pobreza e das desigualdades sociais
no Brasil. Segundo Pereira (2006), a distribuição desigual de recursos é o que causa pobreza.
De acordo com a autora:
A situação de pobreza pode ser originada ou pela escassez de recursos ou pela má
distribuição dos recursos existentes. Estes recursos não se limitam apenas à renda, mas,
englobam, igualmente, a oferta de bens e serviços públicos como saúde, educação,
habitação, previdência, saneamento, alimentação, entre outros. (PEREIRA, 2006,
p.242).
Segundo a autora, no Brasil, a situação é ainda mais grave devido à política de
desenvolvimento dependente do mercado internacional. Assim, para atender os interesses
econômicos dos países estrangeiros, grande parte da população é excluída das riquezas
nacionais, fincando sem atendimento mesmo as necessidades básicas.
De acordo com Pereira (2006), as necessidades humanas básicas são: “Primeiro, a
necessidade de sobrevivência física, sem a qual ninguém sobreviveria. Segundo, a necessidade
de autonomia, sem a qual nenhum homem ou mulher poderá participar e fazer escolhas genuínas
e informadas (p. 73). A necessidade de autonomia só é atendida por determinadas políticas
públicas, como educação e saúde.
127
Do mesmo modo que 80% dos estudantes responderam que gosta de viver no campo,
80% das famílias querem que os filhos continuem no campo, 10% não responderam e 10%
disseram que depende deles. As principais razões estão resumidas nos depoimentos seguintes:
Para haver sucessão. Assim como meu pai quer que eu continuo no campo, eu também,
com certeza quero. Isso depende de acessibilidade para os jovens. Não é difícil ter um
carro hoje, internet... (Rep. Comunidade escolar, entrevista nº2, em 20/08/2015).
Porque a vida no campo traz mais... Eu acho que a tradição familiar... Quero que eles
estudem que vire um advogado... Mas que valorize o campo (Camponês, entrevista nº1,
em 05/05/2015).
Depende deles, do desenvolvimento de cada um, mas no meu modo de pensar a vida no
campo seria melhor, não tem briga, barulho, tititi. (Camponês, entrevista nº9, em
02/10/2015).
Os trinta anos de luta pela terra não foram 30 anos de luta por um bem material qualquer,
a luta foi pela “terra de trabalho”; pelo território de vida. As disputas de que participam os
camponeses, de acordo com Sauer (2013, p. 73) “são expressões ou lutas sociais e políticas por
um lugar e pelo direito de ser e existir, reafirmando a atualidade da questão camponesa”. A
Educação do Campo está incluída no direito de ser e existir camponês.
5.2 A identidade da escola do campo, saberes próprios dos estudantes e a campesinidade
Em toda a pesquisa de campo confirmou-se a necessidade de que as escolas do campo
pratiquem uma Educação do Campo em que contribua efetivamente conjunto com as famílias
camponesas, para a sobrevivência e reprodução do campesinato. Os estudantes sentem a
necessidade de atividades diversificadas, as famílias percebem a importância de articulação
entre conhecimento cientifico, trabalho e produção e de maior participação na escola, os
educadores sentem a necessidade de adequação do currículo ao cotidiano dos estudantes. Estão
todos conforme a Lei Nº 7352, de 2010, que em seu artigo 2º, define os princípios para a
educação do campo:
I - respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais,
políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia;
II - incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as escolas
do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços
públicos de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o
desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em
articulação com o mundo do trabalho;
III - desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para o
atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando se as condições
concretas da produção e reprodução social da vida no campo;
IV - valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos
com conteúdo curriculares e metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos
do campo, bem como flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do
calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; e
128
V - controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da
comunidade e dos movimentos sociais do campo.
As propostas pedagógicas das escolas do campo para atender esses princípios – e a
demanda da própria comunidade escolar – ainda não reverteram em ações e políticas públicas,
porém, muitos projetos ações e práticas das escolas têm buscado atendê-los.
Um projeto de educação do campo precisa ter claro os dois sistemas de produção e de
desenvolvimento agropecuário que existem no Brasil: o sistema de produção capitalista,
denominado de agronegócio, e o sistema de produção familiar camponesa.
O quadro 8 apresenta uma comparação entre esses sistemas de produção.
Quadro 08 – Sistemas de produção agropecuárias
Sistema de produção camponesa Sistema de produção capitalista
Pequena propriedade
Grande propriedade
Produção diversificada
Produção de monocultura
Produção de alimentos, consumo interno
Produção de commodities, exportação
Força de trabalho familiar
Mão de obra assalariada
Relação harmoniosa entre trabalhadores e natureza
Relação autoritária, de exploração sobre a natureza
Produção para sobrevivência da família.
Produção para obtenção de lucro
Preservação da biodiversidade/vida Destruição da biodiversidade/vida
Fonte: Caldart, Stedile e Daros (2015). Org. MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Para alguns pensadores do socialismo/comunismo que entendem que na luta que deve
ser travada entre a classe trabalhadora e a burguesia os camponeses não entram, vão fazer parte
da classe trabalhadora. Além do quadro 8 que deixa claro que o modo de produção dos
camponeses se opõe ao capitalismo completamente, coloca-se aqui um esclarecimento feito por
Carvalho (2012) sobre o assunto.
Quando o campesinato contemporâneo resiste socialmente às iniciativas várias de
desagregá-lo, ...ele está se afirmando como um modo de produzir e de viver. Todavia,
quando ele não apenas resiste, mas, se afirmar como camponês, pela construção da sua
autonomia e negação do modo de produção capitalista como práxis social dominante,
acentuando que é um modo de produção que deve ser superado, e, para tanto, se alia
com o proletariado para combater a burguesia como classe social que domina e comanda
esse processo geral de destruição da vida, nesse processo político, se instaura a
contradição de classe entre o campesinato e a burguesia. Então, nessa luta concreta de
classes, o campesinato se comporta econômica, política e ideologicamente como classe
social em confronto com a burguesia. (CARVALHO, 2012, p.40).
129
Nesse sentido, é preciso consideramos, ao se tratar da educação dos camponeses, alguns
conceitos de educação que foram pensados e efetivados em diferentes tempos e lugares, visando
à formação da classe trabalhadora.
Educação popular/libertadora: esta concepção de educação, que permeia toda esta
pesquisa, nasceu da necessidade e da luta das classes populares de se libertarem da opressão
diante processos de industrialização e “modernização” brasileiras na década de 1960. Paulo
Freire foi o seu principal idealizador e é um dos principais inspiradores para outros teóricos da
educação popular. Nesta perspectiva, o trabalho escolar deve partir da realidade concreta do
educando para se chegar à teoria, à reflexão, à construção do conhecimento, à conscientização,
para, então chegar, na prática, à transformação da sociedade (PALUTO, 2010). Daí, o conceito
de Educação Libertadora, problematizadora, ao contrário da Educação Bancária, domesticadora
e opressora.
Educação omnilateral: a palavra “onimilateral” do latim e quer dizer “por todos os lados
ou dimensões”. Assim a concepção de educação omnilateral visa contribuir com a formação
integral do ser humano, em todas as dimensões: a vida corpórea material, o desenvolvimento
intelectual, cultural, psicossocial, afetivo, lúdico e estético. (FREIGOTTO, 2012). As
proposições da educação omnilateral partem da visão do ser humano enquanto um ser social e
histórico, portanto capaz de ser sujeito da sua história e de construir a história, mesmo na
presença de ideologias dominantes contrarias.
Para Frigotto (2012), tanto a educação como o desenvolvimento humano omnilateral
almejam um novo projeto de sociedade: “um projeto socialista – que liberte o trabalho, o
conhecimento, a ciência, a tecnologia, a cultura e as relações humanas em seu conjunto dos
grilhões da sociedade capitalista” (p. 267).
Educação e trabalho: na concepção de educação com base no trabalho compreende-se
que o trabalho é uma atividade humana criadora e, por isso, vital. Após a Revolução Russa é
implementada a “escola única do trabalho”, a escola comuna, tendo como base o trabalho. Este
se tornou objetivo de estudo, método e fundamento da vida. Os programas escolares devem ser
elaborados de acordo com a característica de trabalho da localidade em que a escola está inserida
(PISTRAK, 2013).
Para Pistrak “o trabalho será então um solo básico, no qual organicamente crescerá todo
o trabalho educativo – formativo da escola, como um todo único, inseparável”. (Pistrak, 2013,
p. 37). Nesse sentido, a efetivação da escola com base no trabalho deve partir da realidade de
trabalho das famílias, deve compreender toda complexidade que envolve o trabalho ou o não
trabalho, os meios de produção, os produtos, a relações de trabalho, as técnicas e tecnologias
utilizadas, enfim conhecer os fundamentos científicos do trabalho e desenvolver ações práticas
130
que envolvam os estudantes, tanto na execução de tarefas na produção, quanto na gestão e
organização dos trabalhos escolares.
Essa concepção de educação com base no trabalho é também compreendida como
educação politécnica e surgiu no Brasil na década de 1980, em contraposição ao modelo de
ensino fragmentado/burguês, que separa o trabalho manual do intelectual. Propõe uma formação
integral do ser humano vinculada ao trabalho enquanto elemento essencial na vida humana. Para
Frigotto (2012, p. 273), “desde os povos coletores E caçadores até o presente, e enquanto o ser
humano existir, o trabalho constitui-se[...], na atividade vital imprescindível pelo simples fato
de que é por meio dele que o ser humano se reproduz ou se recria permanentemente”. Portanto,
ter o trabalho como base formativa na escola dos trabalhadores é ter como base formativa a
própria vida humana.
De acordo com as diferentes concepções de educação opostas ao capitalismo, acima
citadas, para a formação da classe trabalhadora, têm sido criados e recriados diferentes projetos
educacionais por trabalhadores, movimentos sindicais e sociais e pelas universidades que
trabalham com a educação do campo.
Nesses termos, Queiroz propõe quatro temas/problemas que considera fatores essenciais
na construção da Educação do Campo.
A nosso ver, precisam estar presentes e nortear todos os conteúdos escolares, bem como
serem contemplados na metodologia de trabalho de cada uma e de todas as escolas do
campo: Terra e Trabalho; Os Povos do Campo: suas identidades, suas lutas e suas
organizações; O Desenvolvimento sustentável e a Construção da cidadania
(QUEIROZ, 2011, p.42)
A seguir serão apresentadas algumas práticas pedagógicas que foram desenvolvidos
pelos estudantes nas escolas do campo no município de Goiás e algumas ações indicados pelos
professores e famílias que eles consideram ser importantes na consolidação da Educação do
Campo e no fortalecimento da agricultura camponesa.
5.3 Os elementos necessários na educação do campo e algumas práticas pedagógicas
realizadas pelas escolas e pelos sujeitos do campo.
Terra e trabalho
Conforme Queiroz (2011), os problemas na relação entre terra e trabalho, como a da
exploração do trabalho e expropriação dos trabalhadores constam de toda a história de
constituição e ocupação do território brasileiro e do Brasil como o Estado. Na chegada dos
colonizadores, ocorreu a expulsão dos indígenas de suas terras de viver foram tidos como
preguiçosos por não aceitarem escravidão. Então, eram retirados seres humanos de suas terras,
a África, e transformados em escravos aqui para que a classe dominante então acumulasse
131
riquezas tiradas da terra pelo trabalho escravo. A Lei de Terras, de 1850, que foi criada num
Brasil já independente, mas governado pela elite latifundiária que mantinha o trabalho escravo,
a concentração de terras nas mãos e a expropriação de trabalhadores do campo. Como dizia
Dom Tomás Balduíno “terra e mais que terra”, terra é vida, é produção, é reprodução humana,
mas, para isso ela não pode pertencer a uns poucos que exploram todos os trabalhadores.
Esta realidade é vivida ainda hoje no campo e a escola precisa ensiná-la a todos os
estudantes, mas principalmente aos estudantes camponeses a fim de propicia-los a, conforme
Queiroz (2011), “compreenderem e perceberem a realidade da terra no Brasil e na sua região;
as características agrárias da sua região; a propriedade da terra na sua região; como tem se dado
a Reforma Agrária no Brasil e na sua região” (QUEIROZ, 2014, p. 43). E isso não pode ser feito
sem se compreender como se dá a organização do trabalho e das relações de trabalho em uma
sociedade capitalista e quais são as possibilidades de se promover justiça social.
A seguir são apresentados alguns textos/fragmentos produzidos nas escolas pesquisadas
pelos estudantes camponeses a partir do tema terra e trabalho.
Quadro 09 – Trecho de livro sobre a vida e costumes das famílias camponesas (Município de Goiás-GO – 2015)
Saberes e fazeres do campo
Nós, alunos do 2º ano, moramos no campo.
A professora trabalhou com a gente os produtos
plantados pelos nossos pais. Então ela resolveu
trabalhar com nós os produtos da mandioca. Cada
aluno copiou uma receita de bolo feito de mandioca.
Com essas receitas, trabalhamos leitura, escrita,
desenhos e probleminhas de matemática...
Resolvemos fazer um bolo em sala de aula; onde
todos ajudaram a fazer o bolo, com ajuda de uma mãe
de alunos, Dona Constância. Saboreamos com muito
carinho, afinal foi feito por nós. (Estudantes, 2º ano,
Esc. Vale do Amanhecer).
Bolinho frito de mandioca
Ingredientes:
1 prato de mandioca crua ralada
1 ovo
Sal e tempero a gosto
1 pitada de pó Royal
Modo de fazer: Escorra a água da mandioca, misture
o ovo e os temperos, se ficar mole acrescente farinha
de trigo até firmar a massa. Coloque a massa com a
colher de sopa para fritar, em óleo quente.
(Estudante, 2º ano, Esc. Vale do Amanhecer).
Vaca atolada
Ingredientes:
1 Kg. de costela bonita;
500 gr. de mandioca crua em cubos;
Tempero e sal a gosto.
Farinha lisa
Descascar bem a mandioca. Lavar e ralar a mandioca.
Preparar a massa. Coar a massa prensada.
Levar para ser torrada colocando aos poucos até secar no
forno.
Peneirar, separando a farinha fina da grossa.
Levar ao forno novamente para corar.
. (Estudante, 2º ano, Esc. Vale do Amanhecer).
Torta de Mandioca
Ingredientes:
Um quilo de mandioca cozida em pasta.
Recheio a gosto (frango, carne moída, legumes).
Queijo fresco.
Tempero a gosto.
Modo de fazer: Unte a assadeira com margarina e ponha
a mandioca em pasta espalhada na assadeira.
132
Modo de fazer: Frite a costela até dourar bem, junte
a mandioca. Coloque água e deixe cozinhar até
engrossar o caldo. (Estudante, 2º ano, Esc. Vale do
Amanhecer).
Coloque o recheio, polvilhe com queijo fresco, leve ao
forno para aquecer até o queijo derreter na assadeira e
sirva quente. (Estudante, 2º ano, Esc. Vale do
Amanhecer).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Vale do Amanhecer. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Neste trecho estão presentes, além das receitas, muito dos valores camponeses: o
trabalho familiar, os produtos para a alimentação, a execução da atividade em grupo. Sobre o
trabalho da escola e do professor percebe-se a interdisciplinaridade, a contextualização da
realidade, a participação da família na escola. O desenho feito pelo estudante retrata a lida da
família camponesa: planta, colhe, manuseia para a própria alimentação e comercializa o
excedente. Tanto no cultivo da terra, quanto no preparo da farinha é expressado a forma
rudimentar de trabalho, a falta de tecnologia e de políticas públicas para amenizar o trabalho
árduo da família. Nesse sentido Delbos (1982), apud Woorthmann, (1990), afirma que o
camponês não trabalha, ele labuta.
Os textos apresentados no quadro10, sobre a vida no campo, foram produzidos por
estudantes de uma outra escola-polo pesquisada.
Quadro 10 – Produção de texto sobre a vida no campo (Município de Goiás-GO – 2015)
A vida no campo
Texto 1 Eu levanto cedo. Levantei cinco horas da manhã pra tratar de galinha, porco, vaca e coelho, colocá quirela pros
canarinhos amarelinhos... trato de cachorro, pintinho e ajudo meu pai trabalhar furando buraco de cerca. Em
horas de descanso ele brinca comigo de bola e meu tio joga bola comigo até minha mãe joga bola.
Nos divertimos quando no domingo nós vamos pra casa da minha vovó, meu pai fura cerca todo dia e corta
cana. Ele fica o dia inteiro e mexe com boi no domingo pro patrão vê os bois e no sábado nós vamos em Goiás
comer X salada com o vizinho que de vez em quando ele ajuda o meu pai. Esse é o dia-a-dia da minha vida na
fazenda... (Estudante, 5º ano, escola Terezinha de Jesus Rocha).
Texto 2
Moro em uma fazenda e começo o dia junto com os animais e com a natureza sorrindo pra mim e o ar é mais
puro e os animais são meus amigos (e acredite são melhores que algumas pessoas por ai), e tudo isso é pouco
pra descrever a calma e a tranquilidade que existe por lá. Eu não gosto da cidade porque lá o ar é poluído e até
os rios é tudo isso e muito mais, é por isso que eu amo o campo e os animais que existem por lá, mais as vezes
vem a luta com o patrão para recebermos o pagamento em dia, mas isso quase nunca acontece, a minha família
depende desse dinheiro para nos sustentarmos e pagar as contas que fizemos para não faltar comida, isso tudo
por falta de dinheiro. E mesmo assim parece que ele não compreende que precisamos desse dinheiro pra
sobrevivermos. Eu ajudo a minha mãe aos meios de semana a organizar a casa e nos finais de semana organizar
o quintal e a casa do patrão. (Estudante, 5º ano, escola Terezinha de Jesus Rocha).
Texto 3
Moro em um lugar que se chama projeto de assentamento Mosquito, um lugar muito conhecido, tenho 10 anos
e me chamo “Kauany Claudino Campos” e sou uma menina muito estudiosa e trabalhadeira, nasci em Goiânia
e cresci na fazenda Mosquito. Gosto de ajudar minha mãe lavando vasilhas, roupas, limpando casa e etc.
Minha mãe é uma mulher muito trabalhadeira e meu pai também, gosto de ajudar ele fazendo polvilho e muito
mais. Sou uma menina muito extrovertida e alegre. (Estudante, 5º ano, escola Terezinha de Jesus Rocha).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Terezinha de Jesus Rocha. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Ao analisar estes três textos, logo percebe-se que os dois primeiros são de estudantes
filhos de camponeses assalariados, que trabalham em terras de terceiros “mexe com boi no
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domingo pro patrão ver os os bois”, a expressão “mexe com bois”, já demostra uma relação de
trabalho capitalista. Mexer com bois não é típico da cultura camponesa. Logo vem a luta para
receber o salário em dia. Já o terceiro texto mostra a vida no assentamento. Para a estudante
filha de camponeses assentados “ser trabalhadeira/o” é a principal qualidade dela, da mãe e do
pai e trabalhar parece ser um prazer, é o caráter família do trabalho, elemento central do modo
de produção e de vida (WOORTMANN, 1990). Na família e na comunidade camponesa há
reciprocidade “no sábado nós vamos em Goiás comer X salada com o vizinho que de vez em
quando ele ajuda o meu pai”, “gosto de ajudar minha mãe, ...gosto de ajudar ele”. Para
(WOORTMANN, 1990), a reciprocidade é um valor camponês que se opõe ao individualismo
da modernidade, que vai além da troca – entre objetos concretos –, e ocorre entre pessoas que
são iguais em honra. Mesmo a menina é igual em honra aos pais dela, ser “trabalhadeira” é ser
honrada, ser como os pais em honra.
Outro aspecto que merece destaque é o quanto o trabalho está presente no cotidiano dos
estudantes, bem como o quanto os estudantes se integram ao trabalho da família. No entanto, a
expressar “ajuda a mãe a organizar a casa do patrão”, desperta preocupação pois a um limite
entre ajudar a mãe, enquanto trabalho familiar e ajudar a mãe no trabalho assalariado dela, o
organizar a casa do patrão, que pode se tornar exploração do trabalho da criança e
consequentemente da mulher e da família.
A seguir serão apresentados outros temas que foram apontados pelos entrevistados como
importantes para serem desenvolvidos pela escola.
Trabalhar a importância da alimentação saudável, troca de sementes...Trabalhar a
importância da união da associação. (Educador, entrevista nº 2, em 14/04/2015)
Trabalhar aspectos que oriente a produção e estar mais junto a escola/família (Educador,
entrevista nº 03, em 24/04/2015).
Incentivar a produção agroecologia, refletir sobre o modelo de agricultura que temos e
as consequências que já causou e ainda podem causar ao meio ambiente. (Educador,
entrevista nº 06, em 07/05/2015).
A não utilização de agrotóxicos, oficinas de biofertilizantes e palestras para estudantes
e famílias (Educador, entrevista nº 10, em 09/06/2015).
Promovendo palestras e grupo de estudos sobre o tema e técnicas referente (Educador,
entrevista nº 11, em 22/06/2015).
Mostrar para os alunos e comunidade a importância da terra e da produção de alimentos.
Em nossa escola temos como prática de aprendizagem uma horta e quintal agroecológico
e incentivamos a valorizar o que é nosso (Educador, entrevista nº 12, em 22/06/2015).
Abordar aspectos sobre o capitalismo como o atravessador na compra de leite
(Educador, entrevista nº 13, em 23/06/2015).
Desenvolver feira de ciências na escola (Educador, entrevista nº 15, em 15/08/2015).
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Os povos do campo: suas identidades, suas lutas e suas organizações
Conhecer, respeitar e resgatar o modo de vida no que se refere aos aspectos econômico,
social e cultural dos sujeitos camponeses é tarefa de toda escola do campo e de todos os seus
educadores. Nesses termos, a escola deve identificar todos os elementos possíveis, suas
histórias, rotinas, festejos, lutas, organizações, produções etc. e partindo dessa realidade se
ampliar e se articular com os saberes de outros povos, outras culturas.
Caldart, (2015) propõe como matrizes formadoras fundamentais da Educação do
Campo: o trabalho, a luta social, a organização coletiva, a cultura e a história. Ao contrário,
se a escola do campo, negar a história de luta dos camponeses, sobretudo em escola de
assentamentos, ela está negando a própria existência e identidade dos estudantes. A autora
afirma que.
Além de garantirmos que a experiência de luta dos educandos e de suas famílias seja
incluída como conteúdo de estudo, precisamos nos desafiar e pensar em práticas que
ajudem a educar ou a fortalecer em nossas crianças, adolescentes e jovens a postura
humana e os valores aprendidos na luta: o inconformismo, a sensibilidade, a indignação
diante das injustiças, a contestação social, a criatividade diante das situações difíceis, a
esperança[...] (CALDART, 2011, p.99).
O quadro 11 apresenta atividades desenvolvidas por estudantes que contam um pouco
da história da luta das famílias camponesas pela terra –os cinco primeiros – e a história do lugar
onde vive – Calcilândia, o último.
Quadro 11 – Relatos de pesquisa sobre a história do assentamento/comunidade (Município de Goiás-GO – 2015)
O assentamento Buriti Queimado
Texto 1 Surgiu através de um grupo que estavam acampados lá no ranchão do índio, como a demora era tanta, o grupo
foi para a fazenda de Miguel Lobo que resolveu vender a fazenda para o INCRA então a partir daí nasceu o
assentamento buriti queimado. A divisão das propriedades foi feita através de sorteio. As primeiras coisas
produzidas nas terras foram: arroz, milho, mandioca, banana, hortaliças. Os homens de cada família tinham que
trabalhar para colocar comida na mesa como fazem até hoje (Estudante, 2º ano, Esc. Olímpya).
O assentamento São Carlos
Texto 2
O assentamento são Carlos surgiu de um grupo de pessoas que não tinha sua própria terra pra morar e cultivar.
Era um grupo de pessoas que moravam em barracas. Depois de morarem muito tempo nesse agrupamento de
gente (acampamento), o INCRA veio e desapropriou esta terra, então partiu em pequenas parcelas e dividiu
entre os assentados. Logo que foram divididas as parcelas, as pessoas plantaram frutos nas propriedades,
mantimentos como feijão, arroz, milho...Os alimentos eram produzidos pela comunidade que eram bem unidas.
Um ajudava o outro a plantar o que ele podia (Esdante, 3º ano, Esc. Olimpýa).
Texto 3
O surgimento do assentamento fez uma reunião em goiás escolheu um líder teve um dia D e tinha reunião todo
sábado só entrava pessoas que queriam terra mas não esparramou a noticia para não tumultuar um sabia falava
para o outro no cochicho... (Estudante, 7º ano, Esc. Olímpya).
Texto 4
No início do assentamento foi uma fase difícil e as vezes bom. Difícil por que no começo tinhá que andar muito
longe para pegar ônibus. Não tinha energia e todos moravam em rancho de palha e nem estrada tinha direito.
Depois quando passando o tempo e as coisas foi melhorando, e saindo o benefício, para as pessoas, ai todos foi
construindo as colocando energia... Quando começou ser assentamento, vinha os padres para rezar , e fazia e
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novenas, também tinha os cultos com os evangélicos. Também gostavam de se reunir, uma turma todos os
sábados para jantar em uma casa. Cada sábado era em uma casa e também faziam surpresas para os
aniversariantes.... Também quando começou o assentamento, as pessoas plantavam roças de arroz, feijão e
milho, amendoim etc. (Estudante, 6º ano, Esc. Olímpya).
Texto 5
O nosso assentamento começou no ano de 1990, com reuniões em galpão que todos chamavam de “Angar”. A
organização foi feita pela igreja católica, pelo MST e pela CPT, Que formavam estas entidades a diocese de
Goiás. O organizador disso foi Dom Tomás, o bispo. Naquela época não havia festas por ter um regime de um
estatuto rígido no período de ocupação nos acampamentos. Havia somente o grupo de oração e um grupo de
jovens muito grande que reunim aos sábados, que era de costume de ordenar disciplinas e segurança, fiscais,
que era comissões: cantinas, horta, serviços de roça etc. A convivência no acampamento era complicada, tinha
gente de vários lugares. As ideias as vezes não batiam, mas mesmo assim tinha que ser decidido pela assembleia,
era decidido por votos, quando tinha a maioria dos votos essa era aceita. Era também feito arrecadações onde
recebíamos ajuda da diocese de Goiás, CPT. A diocese de goiás de todas as cidades onde a diocese coordenava
as paróquias e comunidade amigas. Fato interessante, quando as doações que recebíamos, a igreja evangélica
tirava desses irmãos 10% de que ganhavam. A comissão organizadora para o culto dessa forma entrava com
pedido de alimentos nessas igrejas e foi negado100% era tempo injusto. Tudo que ganhava era repartido por
igual. O transporte era de carona até o asfalto ou a pé...O povo de antigamente gostava muito de histórias como
essa que eu vou contar. Era uma vez um roçador que estava no roçado e os jagunços da fazenda estava cariando
o roçador e o Luiz Alves era um segurança deste dia para fazer ronda a frente dos trabalhadores e deram um
tiro nele. Deus pôs a mão sobre ele e não deixou que o tiro lhe acertasse ((Estudante, 6º ano, Esc. Olímpya).
Revivendo a história de Calcilândia
TEXTO 6
Em meados da década de 1960, o nome Calcilândia surgiu, citado por João Ludovico, Antônio Ludovico e
Omar Ludovico que gostaria de homenagear a terra de calcário... O distrito possui uma grande quantidade de
rocha calcária. O calcário é muito útil a agricultura por possibilitar o aproveitamento e reaproveitamento do
solo próprio e impróprio para a agricultura. Com o uso desse minério é possível reduzir a acidez do solo,
tornando-o, mais produtivo principalmente o solo da nossa região, constituídos, na maior parte de cerrado.
O rio Uru mantém a divisa do município da Cidade de Goiás com os outros municípios como Itaberaí e Heitoraí.
Ele é conhecido por todos pelas suas águas geladas e umas enormes variedades de peixes como: papa-terra,
piau, lambari... (Estudantes, 8ºano, Esc. Vale do Amanhecer)
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Vale do Amanhecer e Olímpya. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Nos textos destes na história contada pelas pelos mais velhos e registrada pelos
estudantes, pode-se se perceber as estratégias de luta e de organização dos trabalhadores, os
sofrimentos e as conquistas. Ficam explícitos também os colaboradores da luta, o
descompromisso do setor público com o campo, e a importância da união dos trabalhadores para
conquista dos direitos.
Os quadros 12 e 13 apresentam textos que expressam valores e costumes do povo
camponês.
Quadro 12 – Tradições e costumes (Município de Goiás-GO – 2015)
A garrafa d, água
A garrafa de água era meio uma brincadeira que era real, que todo final de semana era celebrado com trabalho
e festa. A garrafa de água era passada para frente cada final de semana, e quem recebia a garrafa ganhava
ajuda de todos em um enorme mutirão de roçar pasto e o casal que pegava a garrafa teria que dar uma janta
com forró a cada final de roça. Cada final de semana era na casa de um dos companheiros. O exemplo de dois
companheiros que participaram foi o meu avô (Miguel Daúde e o senhor Leontino) (Estudante, 8º ano, Esc.
Olímpya).
Os costumes do povo
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Calcilândia cultiva sua cultura desde quando ainda era chamada por Itaiú. A comida sempre foi a mesma: arroz
com carne seca, arroz com frango e guariroba e angu com quiabo. Os costumes ainda são os mesmos: não comer
carne, nem varrer a casa na sexta-feira santa, cultivam os costumes do mutirão, da “treição”, o forró ainda é
animado pelo som de sanfona, pandeiro e violão.
As brincadeiras das crianças ainda são soltar pipas, sinca, passar anel, samba crioula, cair no poço, brincadeiras
de roda...Mantém também todas as benzeduras como: mordida de cobra, quebranto, cobreiro, vento virado,
...Podemos ainda citar várias simpatias que muitos ainda acreditam dar certo. As mais usadas são: dar água no
polaque para as crianças falar rápido, colocar dentro do pilão, tirar, e depois socar três vezes, para criança andar
rápido. Os provérbios mais usados pelos calcilandenses são: sua casca é que engrossa o pau; quanto maior é a
arvore, maior é o tombo; macaco velho não põe a mão na cumbuca... (Estudantes, 8ºano, Esc. Vale do
Amanhecer).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Vale do Amanhecer. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Quadro 13 – “histórias” e lendas (Município de Goiás-GO – 2015)
A lenda do Morro Graças a Deus
Certa vez na São Carlos morava um jovem chamado Arthur, com sua tia Elvira, perto do morro “Graças a Deus”
e toda vez que ele saia de casa com os amigos, sua tia preocupava e ia logo pedir ajuda aos santos de devoção
para guarda-lo, enquanto tivesse na estrada. Elvira era uma senhora trabalhadora, cheia de superstições e alguns
vizinhos diziam que ela era feiticeira, só porque ela benzia as pessoas de espinhela caída, quebrante, mau olhado,
entre outros...Arthur era um jovem de 18 anos, que adorava sair com os amigos a noite, beber, fazer racha em
estrada de chão, que na maioria das vezes se dava mal, caia e voltava todo esfolado, isso quando não inventava
de levar os amigos pra casa, e a tia, tinha que se virar pra fazer comida pra todos.
Uma noite dona Elvira teve um pressentimento e pediu a Arthur:- Arthur meu filho, por favor! Não saia hoje,
meu coração está pedindo pra você ficar longe daquele morro Graças a Deus. E se você for temo até pela sua
vida, é sério meu filho fica!? E Arthur com o jeito brincalhão disse:- Na boa tia eu vou! E não se preocupe se
eu morrer, a senhora também morrerá, e irá junto comigo e se eu morrer, prometo voltar em forma de um sapo
gigante e assombrar aquele morro. No mesmo instante Elvira fez o nome do pai e pediu aos seus santos de
devoção, para desviar aquele mau que ela pressentia. Mas de nada adiantou, pois quando Arthur estava no alto
do morro com seus amigos, toparam com uns bandidos fugitivos da cadeia que roubaram suas motos e atiraram
neles. Um amigo de Arthur que chegou ao local do crime viu a cena e foi correndo contar a Elvira, mas ela já
estava passando mal e quando ficou sabendo da notícia, não aguentou, sofreu um infarto e morreu.
E com a morte de Arthur e sua tia, muitas pessoas começaram a ver o tal sapo gigante, à noite no morro Graças
a Deus que depois virava um rapaz jovem acompanhado por mais dois rapazes e uma senhora, que acreditavam
ser Arthur, sua tia e mais dois amigos. (Esc. Olímpya, projeto FoKolimpya, 2015).
O povo conta
Em meu assentamento o povo conta três histórias, duas sobre a “coisinha” e uma sobre o fantasma.
A primeira era que na casa da minha vizinha, um dia a filha dela começou a mau criar e xingou, de repente ela
chegou correndo dizendo que tinha um homem muito feio chamando ela. Eles olhavam e por onde ela apontava
mas não via nada. Perguntaram para ela como era o homem baixo, muito negro, os olhos eram grandes
totalmente vermelhos, e com dois chifres na cabeça…A segunda, o coisa ruim ficava rodeada a casa quando
elas foram para a horta, ele foi e ficou sentado em um toco olhando para elas mas ela não teve coragem de falar
o que estava vendo. A terceira é de um bueiro próximo ao núcleo do assentamento as pessoas contam que a
coisinha também morava lá por que quando alguém passava lá a noite xingando e olhava via cachorro grande
com olhos grande parecendo que estava pegando fogo, correndo atrás da gente (Esc. Olímpya, projeto
FoKolimpya, 2015) Fonte: Atividades desenvolvidas na Esc. Olímpya. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
Os textos do último quadro foram produzidos pelos estudantes para um projeto da escola
Olímpya chamado Folkolímpya, para o qual também foram convidadas pessoas que
participaram da luta desde o início para contar a história para os estudantes na escola. Isso é
diálogo. Para Freire (2014), a dialogicidade é a essência da educação libertadora.
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A família é a instituição que, junto com a terra e o trabalho, está na base de toda a vida
camponesa. As ilustrações e poemas a seguir o que os estudantes entendem por família e os
sentimentos pelas suas.
Quadro 14 – Ilustrações e poemas que expressam os sentimentos de família (Município de Goiás-GO – 2015)
Minha família
(Estudante, Educação Infantil, Esc. Holanda)
O trabalho da família.
(Estudante, 2º ano, Esc. Vale do Amanhecer)
1 - Amada família
Família é a maior riqueza
Que temos na vida.
Não a escolhemos
Mas quando nascemos
Aprendemos amá-la.
Família é tudo pra mim
Ela está comigo nas horas alegres e
Também nas tristes.
Minha família tem muito amor
E sempre terá um lugar
Especial no meu coração!
(Estudante, 6°ano, Esc. Holanda).
2-Minha maior riqueza
Minha família
Palavra de grande significado
Sei que todos tem
Mas cria de amor é a minha.
Sempre está do nosso lado
Nunca nos deixam
Ensina-nos a viver
Sempre com atenção.
É coisa muito importante
Sem ela não sei viver
Na minha eu tenho tudo
Para ser sempre feliz.
(Estudante, 9ºano, Esc. Holanda).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Holanda, Vale do Amanhecer. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
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Destacam se as expressões: “família é a maior riqueza” “família é tudo” é “palavra de
grande significado” que “ensina-nos a viver”. No campo ou na cidade, a família é a primeira
instituição social que atua na educação do ser humano, A escola não inicia a formação, ela dá
continuidade e coloca para os estudantes o conhecimento formal. Mas, ela não pode negar os
valores e a formação dada pela família. E mais, conforme Freire (1996), alerta ensinar exige
respeito aos saberes dos estudantes. O autor inclui nesse respeito o trabalho pedagógico com a
realidade completa.
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta, à que se deve associar a
disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante
e a convivência das pessoas que é muito maior com a morte do que com a vida?
(Sobretudo na televisão) Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como
indivíduo? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso
dos dominantes pelas áreas pobres? (FREIRE, 1996, p. 30).
A seguir estão postos outros temas que foram apontados pelos educadores entrevistados
como necessários de se trabalhar nas escolas para aumentar a presença das famílias nas escolas
e, em respeito à identidade camponesa da família, valorizar essa identidade.
Incentivar a cultura local: folia, brincadeiras, visitar os vizinhos, catira (Educador,
entrevista nº 2, em 14/04/2015).
Valorizar as comidas típicas do campo na alimentação escola. (Educador, entrevista nº4,
em 12/05/2015).
Precisamos de força e alcançar a mídia – pelo menos rádio, para divulgar as práticas e
contribuir mais com a identidade camponesa (Educador, entrevista nº9, em 25/05/2015).
Projetos sobre a história de formação dos assentamentos, resgatar comidas típicas,
cocada, danças, músicas, valores camponeses... (Educador, entrevista nº 10, em
09/06/2015).
Ter mais tempo na escola para trabalhar projetos que envolva a família e os estudantes
(Educador, entrevista, nº 14, em 10/09/2015).
Busca de parceria, projetos, oficinas com os pais (Educador, entrevista nº 15, em
15/08/2015).
Desenvolvimento Sustentável
No modo de produção camponês, que não visa única e exclusivamente o lucro, que não
concentra riqueza, terra e renda, estão implícitas as noções de justiça social e preservação dos
recursos naturais que são os principais elementos de um desenvolvimento sustentável cuja
implantação é urgente no mundo todo. Para Queiroz,
Portanto, para o trabalho com este tema nas Escolas do Campo, é imprescindível tratar
o Desenvolvimento Sustentável de maneira historicamente situada (na realidade local,
territorial, nacional e mundial), tendo como referências a justiça social, a solidariedade
e o diálogo, levando-se em conta um desenvolvimento economicamente justo e
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ecologicamente sustentável. Assim, nessa perspectiva de Desenvolvimento Sustentável
se faz necessária a radical crítica ao processo de desenvolvimento em curso, nos vários
aspectos: sustentabilidade econômica, ecológica, sócio-política e cultural. Vale lembrar
que estes aspectos não podem ser tratados de maneira fragmentada e isolada, mas no
conjunto, mesmo que didaticamente se faça necessário uma abordagem própria.
(QUEIROZ, 2011, p. 44).
Entre as atividades que fazem parte do modo de vida e do modo de produção camponês
que são ambiental e socialmente sustentáveis estão o aproveitamento de frutos e sementes do
Cerrado, que assim continuará preservando e gerará renda, e a utilização de plantas medicinais,
naturais do Cerrado ou não, que evita a dependência da indústria farmacêutica. A seguir algumas
atividades desenvolvidas nas escolas que expressam ações de sustentabilidade.
Quadro 15 – Aproveitamento dos frutos do Cerrado, uso de plantas e medicinais e produção de artesanato.
Mousse de caju
Ingredientes:
1 lata de leite condensado
1 lata de creme de leite
1 xícara (chá) de suco de caju
1 uma gelatina em pó incolor
Castanhas de caju
Modo de preparo:
No liquidificador, bata o leite condensado, o creme de
leite, o suco de caju e a gelatina... Misture a castanha de
caju, coloque o mousse em um recipiente e leve para
gelar. Na hora de servir, decore com castanha de caju
picada. (Estudante, 3º ano, Esc. Vale do Amanhecer).
Outras atividades desenvolvidas.
Coleta e troca de sementes
Confecção de colares com sementes dos frutos do
Cerrado (Escola Terezinha de Jesus Rocha).
Visita, estudos e exposição fotográfica sobre a Serra
Dourada (Escolas; EFAGO, Terezinha e Olímpya).
Bolo de jatobá
Ingredientes:
2 xícaras (chá) de açúcar
1 xícara de farinha de jatobá
1 xícara de farinha de trigo
1 xícara de fubá
1 xícara de leite
3 colheres de sopa de margarina
3 colheres de sopa de fermento em pó (químico)
4 ovos
Modo de preparo:
Bater a margarina com açúcar até formar um creme,
junte as gemas e continue batendo.
Acrescente o leite, as três farinhas e o fermento.
Bater bem. Colocar claras em neve e misturar bem.
Colocar em formas previamente untadas e levar ao
forno quente por 20 a 30 minutos. (Estudante, 3º
ano, Esc. Vale do Amanhecer).
Obs: Outras receitas foram trabalhadas; arroz com
pequi, pão caseiro com castanha de baru,
Geleia de murici, doce de cagaita....
Plantas medicinais
Erva cidreira: Indicada para gases, calmante,
antioxidante, problemas estomacais.
Bálsamo: Infecções, contusões, torções, feridas,
ulcera, queimaduras.
Erva de Santa Maria: Problema digestivo,
problema intestinal, vermes, infecções (Esc. Vale
do Amanhecer).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Vale do Amanhecer, Terezinha. Org. MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
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O bioma Cerrado um dos mais importante do planeta. Segundo Mendonça et al. (2008),
o Cerrado brasileiro “abriga nos diversos ecossistemas uma flora com mais de 11.000 espécies
de plantas nativas”. De acordo com dados do MMA (2011), o Cerrado é o segundo maior bioma
da América do Sul, ocupando cerca de 25% do território nacional, com uma área de 2.039.386
km². Neste espaço estão também as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América
do Sul (Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata), o que resulta numa grande
disponibilidade de recursos hídricos. Essa riqueza de nascentes faz com que o Cerrado seja
considerado carinhosamente por muitos estudiosos como “o berço das águas”.
O Cerrado abrange quase toda a Região Centro Oeste e nela o estado de Goiás
praticamente todo. Mendonça, (2004) afirma que “os estados de Goiás e Tocantins
apresentavam originariamente cerca de 88% de seus territórios cobertos com vegetação de
Cerrado. Dados do MMA (2011), mostram que depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma
brasileiro que mais sofreu alterações com a ocupação humana, devido à crescente pressão para
a abertura de novas áreas, visando incrementar a produção de carne e grãos para exportação.
Quando se tem consciência de que um lugar é território de vida, como as terras
camponesas no bioma Cerrado, a preservação ambiental será também objeto de luta.
Quadro 16 – Produção de texto sobre o território de vida (Município de Goiás-GO – 2015)
Hoje são flores
Antes aqui no meu lugar
Era triste e sem vida
Hoje vejo a transformação
Que plantamos.
Aqui é tudo mais bonito
São flores e frutos
O canto dos passarinhos
Tudo isso nos encanta.
(Estudante, 8° ano, esc. Holanda
Meu paraíso meu lugar
Lá onde eu moro
A gente não fica triste
Lá só existe alegria
Lá é o meu recanto
Que sempre me encanta
A onde eu moro parece
Mesmo um paraíso
Nos lábios só vê sorriso
Os olhos não sentem pranto
O assentamento
O meu assentamento tem muitos animais
E também é muito legal, eu gosto muito.
E tem muitas pessoas inteligentes
É tem rios e córregos e lagos.
Tem muitas árvores e frutos,
Eu sou muito Feliz.
Eu tenho muitos amigos,
Onde eu moro, eu sou feliz.
(Estudante, 3º ano, Esc. Olímpya)
A vida no campo
A vida no campo é legal maravilhosa. A gente anda de
cavalo, banha no rio, sai de casa e brinca avontade, a
gente fica avontade no campo, é maravilhoso. Eu amo
morar no campo. A vida no campo é protegida pela
natureza no meio das arvores, tem sombra no campo,
ar para respirar... tem frutos laranja, goiaba, caju,
mamão, uva, melão, cajá, tamarindo, manga e
jabuticaba (estudante, 4º ano, Esc. Holanda).
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Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Holanda, Olímpya, Terezinha. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
No título do primeiro poema “Hoje são flores”, está implícito que lutou-se pela terra e
ela foi conquistada, com o trabalho foi transformada em território de vida. Em todos os poemas,
está expressa a vida em movimento no território de vida das plantas, das flores, dos frutos, dos
pássaros, rios e córregos, das pessoas, das borboletas, dos animais, das árvores... a vida dos
remédios, da família, das brincadeiras de criança. Fernandes (2011, p. 137, 138) afirma que o
campo é um lugar de vida e educação no qual. “...as pessoas podem morar, trabalhar, estudar
com dignidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural. Portanto, a visão de campo,
de vida, só pode ser construída a partir da luta pela terra e pela resistência para ficar na terra”.
A luta pela terra, para que suas vitórias sejam ampliadas, requer outras lutas, como pela
Educação do Campo e pela preservação da natureza. Um dos piores inimigos da natureza e da
vida humana hoje são os agrotóxicos.
Quadro 17 – Atividades desenvolvidas sobre os agrotóxicos (Município de Goiás-GO – 2015)
Agrotóxico
Hoje em dia quase todos os proprietários de plantações estão usando agrotóxicos. Quando vemos uma fruta grande
bonita... mas quando comemos ela é aguada, sem graça. Os agrotóxicos podem até matar pessoas, existem pessoas
que intoxicam com veneno se não forem para o hospital.
Onde moro não usamos agrotóxicos, usamos esterco, as frutas e os legumes ficam bem mais gostosos, com um
sabor bem melhor.
As vacinas para o gado também é um tipo de agrotóxico, só que tem a quantidade de tempo para matar o gado,
mas as pessoas não respeitam esse tempo e matam os animais e as carnes saem contaminadas com as vacinas
(Estudante, Esc. Olímpya, 8º ano).
A preocupação do agrotóxico
No mundo de hoje em que estamos vivendo nós brasileiros estamos sendo muito prejudicados com a saúde por
conta da alta taxa de agrotóxicos que nós estamos consumindo. Em média um milhão de pessoas são contaminadas
por agrotóxicos, e então vem na mente, porque isso acontece? A resposta é simples e muito complexa são por
causa das compras em supermercados que a maioria dos produtos que consumimos foram usados agrotóxicos
desde a cultivação.
É incrível ver como o agrotóxico tomou conta do mundo, isso não é certo um exemplo de quando vamos ao
supermercado comprar um quilo de tomate escolhemos os mais contaminados de agrotóxico porque vamos
Quando amanhece o dia
Cantam as cigarras em grande alvoroço
Na beira da estrada as borboletas
Nas suas variadas cores
Vão beijar as flores
Já de manhã desabrochando.
Ouvir o som do canto dos passarinhos...
No lugar onde eu moro
É assim cheio de felicidade
Esse é o meu paraíso
Que escolhi pra viver!
(Estudante, 8º ano, Esc. Holanda)
O lugar onde vivo
Eu gosto de morar aqui na barra, porque tem muito
espaço pra brincar e também porque tem muita gente
pra conversar e é mais calmo, eu gosto de morar aqui
porque tem jeito de criar as coisas, tem espaço para
jogar bola, tem lugar de brincar e até de pegar frutas e
também eu gosto de plantar plantinhas, todo o tipo de
plantas. As plantas gostam de água como a gente, eu
gosto de plantar e aguar as plantas da minha mãe, na
horta tem um monte de remédio e plantas diferentes.
Lá em casa tem um pé de coqueiro e o pé de abacate,
quando a minha prima ai lá em casa, nos brincamos
debaixo dele.... (Estudante, 5º ano, Esc. Terezinha de
Jesus Rocha).
142
sempre nos mais vermelhinhos e não sendo só o tomate quase todos os alimentos que consumimos. A população
e comprada pelo o que é vistoso não sabendo o que está todo contaminado.
Temos certeza que o uso do agrotóxico não poderia existir porque essa porcaria faz muito mal para a saúde da
população. Portanto pensamos, como nós seres humanos iremos viver mais tempo e levar uma vida mais saudável
uma vida cheia de saúde e sem preocupação? (Estudante, Esc. Olímpya, 8º ano).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Olímpya. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
O uso exagerado de agrotóxicos foi um dos pilares para a modernização da agricultura
mas coloca em risco a continuidade da vida. Segundo Pignati (2014, p. 1), “neste processo
agroquímico dependente, os fazendeiros contaminam a lavoura, o produto, o ambiente, os
trabalhadores rurais e a população, com o objetivo de atingir o alvo as ‘pragas’ da lavoura”. O
autor afirma ainda que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos, porém é o maior
consumidor de agrotóxicos em nível mundial, consumiu em 2013, 1,05 bilhões de litros (produto
formulado) do veneno.
Esses dados mostram que é extremamente preocupante o modelo de agricultura praticada
no Brasil, bem como a necessidade de estudos e práticas sobre o tema, e do empoderamento da
agricultura camponesa contra o modelo vigente.
A EFAGO vem buscando desenvolver alternativas aos agrotóxicos nas práticas
agrícolas. O quadro 18 apresenta o resumo de um projeto profissional do jovem – trabalho de
conclusão do Curso Técnico em Agropecuária – em que um estudante analisa práticas
agroecológicas que podem substituir agrotóxicos e adubos industrializados.
Quadro 18 – Projeto de conclusão de curso de estudante e práticas agroecológicas desenvolvidas na EFAGO
(Município de Goiás-GO – 2015)
Título: Produção de Composto para ser utilizado como adubação Orgânica
Introdução: Com atual modelo de agricultura onde o descaso com o meio ambiente, e o uso abusivo de adubos
químicos, agrotóxicos e inseticidas, etc. São vistos como uma maneira de produzir alimento para a população,
FILME O VENENO ESTA NA MESA 1. Alimentos contaminados que causam várias doenças como o câncer
e são prejudiciais para a saúde inclusive do produtor, pelo contato com esses “defensivos agrícolas”. Isso nos
faz pensar em uma produção que seja livre desses resíduos químicos e que prejudicam nossa saúde. Produções
orgânicas e agroecológicas que não são prejudiciais ao meio ambiente e nem a nossa saúde. Para produzirmos
alimentos sem a utilização de adubos químicos precisamos de adubos orgânicos que supram a necessidade de
se usar adubos químicos, como por exemplo, a compostagem, que não e nada mais que um processo controlado
de decomposição da matéria orgânica, e que será falada no decorrer deste trabalho.
Objetivo geral: Produzir composto orgânico afim de atender as necessidades nutricionais das plantas,
promovendo a sustentabilidade.
Objetivos específicos: Utilizar sobras da propriedade, de origem animal/vegetal; produzir composto orgânico
na Propriedade; diminuir custos da produção; melhorar a qualidade do produto; melhorar a qualidade do solo.
Metodologia: Para a realização deste trabalho seguimos os seguintes métodos: Escolha do local; Limpeza do
local; Coleta de materiais; Umidade; Aeração; Temperatura; Relação C/N; Montagem da lera de composto;
Vantagens do processo de compostagem;
Manutenção da pilha de composto; Preparo de composto para uso.
Desenvolvimento: O que é compostagem? E o processo caracterizado por fatores de estabilização e maturação
que variam de poucos dias a várias semanas, dependendo do ambiente. A agricultura e a pecuária produzem
quantidades de resíduos, como dejetos de animais e restos de culturas, palhadas e resíduos agroindustriais, os
143
quais, em alguns casos, podem provocar prejuízos e problemas ambientais. Muitos desses resíduos são perdidos
por não serem coletados e reciclados ou por serem destruídos pelas queimadas. Porém se manipulados
adequadamente, podem suprir aos sistemas agrícolas, boa parte da demanda de insumos sem afetar os recursos
do solo e do ambiente (Teixeira, 2002).
O que e composto orgânico? É o material obtido da compostagem, possui cor escura, é rico em húmus e
contém de 50% a 70% de matéria orgânica. É classificado como adubo orgânico, por que é preparado a partir
de estercos de animais e/ou restos de vegetais que, em estado natural (ou seja não apresenta resíduos químicos),
não têm valor agrícola. Recebe esse nome pela forma como é preparado. Pois e feito em pilhas compostas de
diferentes camadas de materiais orgânicos. E a sua composição final depende da natureza da matéria-prima
utilizada. Entende-se, desde já, que o benefício da matéria orgânica no solo não é apenas só de fornecedor de
nutrientes para as plantas, mas, principalmente de melhorar suas propriedades físicas e biológicas. (OLIVEIRA,
et. al, 2004).
Conclusão: Conclui-se com esse trabalho que a compostagem e o primeiro passo para uma agricultura
agroecológica e um fator primordial para produção orgânica, em virtude de sua elevada qualidade nutricional e
biológica e também pela diminuição da dependência do agricultor a insumos sintéticos, diminuição do custo de
produção, aproveitamento de resíduos que antes eram vistos como problemas na propriedade. Por isso este
processo tem uma grande importância, pois adiciona uma quantidade considerável de nutrientes retornando para
o solo na forma mineral e orgânica, proporcionando melhorias químicas, físicas e biológicas ao solo. (Estudante,
3º ano, EFAGO, 2015).
Inseticida de sabão e óleo mineral
Ingredientes:
200 g de sabão neutro
½ litro de óleo mineral
½ litro de água
Preparo:
Derreter o sabão na água quente e depois misturar o óleo mineral.
Aplicação:
Depois de pronto, usar 200 ml da mistura em 20 litros de agua, pulverizar a plantas.
Repetir a pulverização a cada 15 dias.
Indicação:
Controle de cochinilhas, pulgão e outros insetos. (Efago, oficina de trabalho, em 13/08/2015).
Fonte: Produção de estudante, EFAGO. Org. MILITÃO: Dorcelina A. M. (2015).
Na EFAGO é mais fácil desenvolver atividades sobre o modelo de agricultura
agroecológica como forma de preserva a natureza porque ela oferece curso técnico para
estudantes camponeses. Mas, em outras escolas, do campo e da cidade podem ser desenvolvidas
atividades como as aconselhadas pelos educadores das escolas pesquisadas.
Motivar o plantio de árvores da região, estudos sobre as plantas do Cerrado, preservação
das matas ciliares (Educador, entrevista nº 03, em 24/04/2015).
Palestras sobre temas como o desmatamento, a questão da água, meio ambiente para as
crianças e famílias e pesquisa de campo com os alunos. (Educador, entrevista nº4, em
12/05/2015).
Desenvolver pesquisas e entrevistas nas comunidades (Educador, entrevista nº5, em
12/05/2015)
Mostrando a natureza de perto para os alunos e como a ação do homem pode destruir e
também preservar (Educador, entrevista nº 07, em 20/05/2015).
Promovendo e aumentando aulas de campo sobre esta temática, que já vem dando bons
resultados (Educador, entrevista nº 11, em 22/06/2015).
Trabalhar a consciência ambiental, preservação, aproveitamento e reaproveitamento dos
frutos e sementes do Cerrado, o cuidado com o lixo (Educador, entrevista nº 13, em
23/06/2015).
144
A Construção da Cidadania
A palavra cidadania é derivada de cidadão, que era quem na antiga Grécia tinha direito
político, direito de participar das decisões da vida na pólis (cidade). No entanto, na Grécia a
cidadania, era para poucos, somente para a classe dominante.
Atualmente na concepção de cidadania não há exclusão de ninguém e ela é
compreendida como a soma de três grupos de direitos: políticos, civis e sociais. (QUEIROZ,
2011). Para Marshall (1967), apud Pereira (2008), “Os direitos civis são aqueles necessários ás
liberdades individuais... direito de ir e vir, de imprensa, de pensamento, de fé, o direito à
propriedade e o direito à justiça”. Os direitos políticos são aqueles que permitem “participar do
exercício do poder político...como autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal
organismos”. Já os direitos sociais são os direitos coletivos como à saúde, à educação, ao
trabalho, ao salário justo, à previdência social, ao repouso e ao lazer.... Os direitos sociais só se
efetivaram após a Segunda Guerra Mundial, na década de 1940. (MARSHALL,1967, apud PEREIRA,
2008, p. 96). Assim, a cidadania é historicamente construída e a luta pela garantia de direitos é
contínua, principalmente entre os grupos que, ao longo da história, tiveram seus direitos
negados, como é o caso dos camponeses.
Nesse sentido, as escolas do campo devem ser espaços de vivência, prática e construção
da cidadania, buscando articular os direitos políticos, civis e sociais na consolidação de uma
vida digna do campo. O quadro 19 apresenta atividades dos estudantes que expressam
sentimentos de cidadania.
Quadro 19 – Poemas que expressam a luta pela cidadania (Município de Goiás-GO – 2015)
Terra prometida
Na beira da estrada
Acampado fiquei a espera
Esperando fiquei
Por um pedação de terra.
Me chamo de sem terra
Justamente quem não tinha terra
Me mandaram trabalhar
De preguiçoso me chingaram.
Até que um dia eu encontrei
Uma terra que me foi doada
Para uso fruto da terra
A terra é para ser uso do assentado.
(Estudante, 4º ano, escola Olímpia).
Posseiro
Os posseiros são assim. Gente que luta pela terra
Pelo trabalho digno. Como uma pessoa qualquer.
Os posseiros são gente que trabalha muito
Pela sua dignidade, terra conquistada...
(Estudante, 4º ano, esc. Olimpya)
Meu Patrão
Eu vou cuidar da minha fazenda
Sim, eu vou cuidar das plantações.
Nossa, eu tenho muito o que fazer
Eu tenho que começar.
E levou um tempo para terminar
Agora vou cuidar dos cavalos
Dar comida para vocês
E água para beber.
Agora eu vou limpar a casa
Para ficar limpinha.
Minha terra
Minha posse.
Trabalharei pra mim mesmo
Serei meu patrão.
(Estudante, 4º ano, escola Olimpya
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Olímpya, Terezinha. Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
145
O primeiro poema, expressa sofrimento de quem participa da luta pela terra e o
julgamento preconceituoso da sociedade desses trabalhadores. Para os camponeses a terra
significa direito ao trabalho, essencial na constituição da cidadania. Já nos outros poemas a terra
significa liberdade e consciência de que, desse jeito, para se próprio, o trabalho realmente
liberta: “batalharei pra mim mesmo”, “serei meu patrão”. O outro poema fala de dignidade e
trabalho essenciais para todos os seres humanos, e de terra, essencial para os camponeses e para
eles sem a terra para trabalhar não há dignidade. Ter consciência de si, consciência de classe,
dizer a sua palavra, é viver a cidadania. A cidadania na escola começa na construção do
currículo, na liberdade de aprender o que necessita sobre a realidade (HRBERT, 2010),
articuladas em prol da justiça social. Os poemas abaixo demostram o sentimento de amor e
justiça.
Quadro 20 – Poemas que falam de sentimentos de amor e justiça (Município de Goiás-GO – 2015)
Queria mais amor
Queria que mais amor
Houvesse no meu mundo
Mais alegria menos miséria
Que tudo fosse diferente.
Queria mais igualdade
E mais solidariedade
Entre as pessoas de todas as raças
Mais respeito, mais união e respeito.
Queria que houvesse
Mais amor e amizade
Pois sei que só assim surgirá
Um novo mundo sem ódio e
Desigualdade.
(Estudante, 8º ano, Esc. Holanda)
Sonho meu
Acredito na paz infinita,
Onde as pessoas possam viver
Sorrindo, onde não haja maldade,
Onde as árvores florescem
E a simplicidade da vida
Aconteça.
Onde a beleza esteja na alma
Das pessoas
Onde todos no mundo
Possa ser o que querem ser
Cada um com seu jeito próprio de viver (Estudante, 7ºano,
Esc. Holanda).
O amor é especial
Se houver alguém especial em sua vida
E essa pessoa for importante para você
Não deixe que esse sentimento se vá
Faça o possível para que todos
Os minutos vividos seja como se fosse o último.
Entenda que a vida é a dádiva
Deve ser vivida intensamente
Não ignore a sua felicidade
Reflita todos os dias
Lembre-se que cada minuto que passa
É um tempo a menos pra viver
Com a pessoa que te faz feliz.
Assim faça com que tudo que viver
Seja dedicado ao amor
Não importa a quem, mas assim
Como você vai viver esse sentimento!
(Estudante, 8º ano, Esc. Holanda)
O melhor amigo
Pessoa especial é
meu melhor amigo
solidário e companheiro
nunca me abandona!
Quem tem um amigo
tem tudo na vida!
Ajuda-te a todas as horas!
Amigo carrega segredos!
Quando temos amigos
contamos sempre com eles,
mesmo na distancia
nunca acaba o sentimento!
O verdadeiro amigo é para a vida inteira!
(Estudante, 6º ano, Esc. Holanda).
Fonte: Produção dos estudantes, Esc. Holanda, Org: MILITÃO, Dorcelina A. M. (2015).
146
Estes poemas expressam o amor, amizade, justiça, igualdade, respeito à diversidade.
Expressam também liberdade e coletividade. Para Freire “ninguém liberto ninguém, ninguém
se liberta sozinho: as pessoas se libertam em comunhão” (FREIRE, 2014, p. 71). E a partir
destes “sentimentos” que se deveria formar para a cidadania, na escola e na sociedade porque o
que eles são na verdade, são valores humanos essenciais.
Nesse sentido, lista-se a seguir algumas ações apontadas pelos educadores como importantes
para a construção da cidadania nas escolas e no campo.
Trabalhar na escola a importância da união e das associações dos trabalhadores
(Entrevista nº 2, em 14/04/2015).
Trabalhar em parceria com os movimentos sociais, associações, promover palestras.
(Entrevista nº 06, em 07/05/2015).
Formar uma escola participativa envolvendo os educandos, as famílias e os professores
nas ações organizadas... (Educador, entrevista nº 07, em 20/05/2015).
Organizando palestras e oficinas para auxiliar o homem do campo em suas atividades
diárias (Educador, entrevistado nº 11, em 22/06/2015).
Trabalhar na escola o processo de formação, luta e conquista dos assentamentos. A
escola desenvolve projetos que visa o reconhecimento especialmente a valorização de
se viver no campo e do campo (Educador, entrevista nº 12, em 22/06/2015).
Valorizar a participação e organização das famílias para reivindicarem seus direitos
(Educador, entrevista nº 13, em 23/06/2015).
Últimas observações sobre as atividades desenvolvidas nas escolas.
Nas apresentações culturais desenvolvidas nas escolas é comum envolvimentos de
alunos de diferentes séries na mesma atividade, visando a interação e a solidariedade entre as
turmas. São comuns também os professores contracenarem com os estudantes e a apresentação
de artistas da comunidade, que formam duplas para cantar e contar a vida no campo. Outra
prática constante nas escolas é a fartura de comida na mesa em dias de festas, valor típico da
cultura camponesa.
Estas e outras atividades e práticas desenvolvidas nas escolas, são atividades pontuais
que parecem pequenas, porém são importantes para preservação da identidade camponesa, é
necessário apenas que estejam mais articuladas, mais o coletivamente na Educação do campo
(CALDART, 2014). Sobre os temas problemas que foram apresentados acima Queiroz (2011,
p. 42) afirma “não poderão ser trabalhados de maneira isolada, mas interligados, podendo assim
contribuir para que os educandos apreendam a concepção e a prática da educação como
processo”, contínuo e dinâmico. Constrói-se assim, a vida da escola e a escola da vida.
147
As reflexões feitas nessa seção, mostraram que após 30 anos que iniciou a luta pelo
direito a terra e a educação, a luta camponesa continua, tanto pelo acesso à terra, quanto pela
permanência na terra com dignidade e qualidade de vida.
Sobre a prática pedagógica das escolas, foi constatado que o programa curricular oficial
das escolas-polo não é coerente com a realidade do campo, a contextualização só existe através
de projetos da escola ou ações individuais de professores. Só a EFAGO propõe um trabalho
mais especificamente voltado para a Educação do Campo, utilizando elementos pedagógicos
específicos, que dialogam com a realidade das famílias camponesas. No entanto, a instabilidade
dos profissionais que trabalham na escola, contratados temporariamente pela Secretaria
Estadual de Educação, interfere muito na efetivação dos trabalhos. Nesse sentido, a EFAGO
necessita de uma equipe consolidada, com profissionais que conheçam e se comprometam com
a realidade da escola e das famílias camponesas.
Nesse sentido percebe-se a necessidade dos camponeses se articularem e quem sabe
criarem uma associação de pais e estudantes das escolas do campo para se aproximarem mais
da gestão escolar e atuarem juntos, em busca de políticas públicas e outros projetos, visando a
melhorias, na infraestrutura das escolas, na efetivação do trabalho pedagógico e na vida das
famílias camponesas.
Para a efetivação de um projeto de educação dos trabalhadores camponeses, primeiro, é
preciso conhecer bem a realidade deles. Após feito um diagnóstico, é preciso listar os elementos
necessários na construção da proposita pedagógica. No caso da Educação do Campo, são
indispensáveis estes elementos: consciência de classe, compreensão dos dois caminhos de
desenvolvimento agropecuário: o sistema de produção capitalista, modelo vigente e a
agricultura camponesa que leva à prática do desenvolvimento sustentável.
Feito o diagnóstico, é hora de identificar quais concepções de educação, quais
metodologia, que professores, que espaços educativos etc. são necessários para promover uma
Educação do Campo com alta qualidade, o que não se faz sem integrar o conhecimento
camponês já existente, o conhecimento científico a realidade à realidade econômica, social e
política do país e a histórica, a identidade e cultural camponesas. Em seguida tem que se buscar
colaboradores como acadêmicos, movimentos sociais e outros sujeitos sociais dispostos a lutar
por essa causa.
As atividades desenvolvidas pelos estudantes demostraram que apesar de não haver um
programa oficial de educação do campo nas escolas pesquisadas, existem práticas que são
coerentes com a modalidade de Educação do Campo.
148
6 CONCLUSÕES
Discutir e compreender a Educação no e do Campo é uma tarefa complexa e bastante
delicada porque tal educação é perpassada por inúmera e diferentes dificuldades, sobretudo no
município de Goiás, lugar carregado de resquícios coloniais, como conservadorismo e
resistência à mudança.
Ainda há que se considerar que a Educação do Campo é tão jovem quanto a democracia
brasileira, portanto, ambas estão em processo de construção e o fazem em sentido oposto ao
sistema econômico político e social opressor e excludente e, por isso, caminham a passos lentos
– a educação do campo mais do que a democracia, talvez, – mas firmes.
No decorrer dos 30 anos de luta pela terra e pela educação no município de Goiás, muitas
conquistas foram alcançadas: conta-se em 2015 mais de 700 unidade produtiva familiar, por
meio da reforma agrária, em áreas que outrora eram latifúndios improdutivo; a luta pela
educação se ampliou, criou-se a EFAGO que propõe um trabalho mais especificamente voltado
para a Educação do Campo e as escolas-polo para atender o ensino fundamental completo; a
Educação do Campo se consolidou em leis e políticas públicas; foram abertos cursos em nível
de graduação e pós-graduação nessa modalidade de ensino. Mas, ainda há muito que se
caminhar para efetivar a Educação do Campo, a que dialoga, de fato, com a vida dos grupos
camponeses.
A pesquisa evidenciou que em 2015 existem no Município de Goiás, aproximadamente
900 estudantes vivendo no campo. Destes, cerca de 600 são atendidos nas dez escolas situadas
no campo e os outros, cerca de 300, são transportados para as escolas urbanas.
Porém, mesmo entre os que estudam nas escolas situadas no campo, 85% utilizam o
transporte escolar. Mais de 50% dos estudantes das escolas-polo são oriundos dos assentamentos
de reforma agrária, os outros são filhos de trabalhadores assalariados rurais e agricultores
familiares tradicionais. Entre os estudantes da EFAGO e do LEDOC há estudantes que vivem
na cidade.
Quanto às escolas existentes e a educação nelas praticadas, pode concluir-se que a escola
no campo é muito mais do que escola: é um espaço de socialização dos estudantes e suas
famílias, sendo em alguns casos o único espaço de convivência coletiva. A escola é sinônimo
de existência e resistência camponesas, porque só há escola onde há vida e onde há vida humana
precisa haver escola.
A maioria dos estudantes, das famílias e dos educadores avaliam as escolas como boas,
justamente por serem situadas no campo e estarem próximas à realidade camponesa. Porém,
apresentaram a necessidade de melhorias, tanto na infraestrutura, construção e ampliação dos
espaços escolares e melhorias no transporte, quanto na metodologia e currículo, indicando a
149
necessidade de espaços e práticas de produção vinculadas ao ensino, à história e à luta pela
Reforma Agrária e de mais integração entre escola, famílias e atividades culturais e artísticas.
Para os educadores, o principal problema a interferir na qualidade da educação é o
transporte escolar. Os problemas do transporte comprometem tanto o ensino-aprendizagem dos
estudantes, quanto a cultura e reprodução camponesa. Além dos problemas causados para os
estudantes e as famílias camponesas, o transporte escolar é uma política insustentável, assim,
há necessidade de buscar estratégias junto ao poder público, nos âmbitos municipal, estadual e
federal, para solução dos problemas.
Dada à complexidade deste assunto e à pluralidade de problemas que envolvem o
transporte escolar, esta questão carece de outras pesquisas, debates e reflexões.
Sobre a prática pedagógica, apesar dos dados indicarem-nas como positivas, foi
constatado que o programa curricular oficial das escolas-polo não é coerente com a realidade do
campo, a contextualização só existe através de projetos da escola ou ações individuais de
professores. Assim, há necessidade de adaptação do currículo visando atender o anseio das
famílias camponesas e a lei: artigo 28 da LDB, Diretrizes Operacionais de Educação Básica
das Escolas do Campo, Resolução CNE/CEB Nº 1/2002 e Lei 7352 de 2010, que determinam e
orientam a Educação do Campo.
Um projeto de Educação para a Escola do Campo deve contemplar a formação omnilateral do
ser humano, se alicerçar na vida, terra e trabalho, refletir sobre as histórias de lutas, as organizações
coletivas e os valores camponeses, objetivar construir, mas também exercitar, a cidadania e o
desenvolvimento sustentável. Só é possível haver Educação do Campo quando se considerar o
estudante como o sujeito central do processo educativo e a construção do conhecimento for na
direção da prática-teoria-prática, ou seja, quando ocorrer na práxis. Daí a necessidade de
construção de um currículo ancorado nos valores camponeses.
Portanto, pode-se concluir que a educação no/do campo presente no município de Goiás
apresenta os problemas revelados pela pesquisa (em 2015), mas, ainda assim, contribui com a
reprodução camponesa. A educação gera consciência e autonomia do sujeito, tornando-o capaz
de dar continuidade na luta pelos direitos sociais e pela garantia da sua existência.
No Município de Goiás, a Educação do Campo e a luta pela terra e por um
desenvolvimento mais humano e sustentável caminham juntas. A educação por si só não muda
o mundo, mas muda as pessoas, e as pessoas podem mudar o mundo como afirma PAULO
FREIRE.
150
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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO –ESCOLA MUNICIPAL TEREZINHA DE
JESUS ROCHA. Projeto Político-Pedagógico. Cidade de Goiás - GO, 2015.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO – ESCOLA MUNICIPAL VALE DO
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APÊNDICES:
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO AOS EDUCADORES
PESQUISA: A Educação no/do Campo e a (Re)produção camponesa no município de
Goiás – GO
Pesquisadora: Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Orientadora: Dra. Dinalva Donizete Ribeiro
Data da entrevista:_______/_________/______
FORMULÁRIO DE ENTREVISTA – EDUCADOR
Entrevistado (a): _____________________________________________________________
Pseudônimo: ________________________________________________________________
1 – Sobre o educador
1.1 Qual é a sua formação? ____________________________________________________
1.2 Qual a sua área de atuação nesta escola? _______________________________________
1.3 Há quanto tempo você trabalha na educação? ___________________________________
1.4 Você já trabalhou ou trabalha em outra escola? Sim ( ) Não ( )
1.5 Ela era (é) urbana ou do campo?______________________________________________
1.6 Se urbana, o que você acha que diferencia a escola urbana da escola do campo? ________
a) Infraestrututura? _______________________________________________________
b) Cúrriculo?_____________________________________________________________
c) Comportamento dos estudantes? ___________________________________________
1.7 Se rural, o que mudou nos últimos anos na escola do campo?
1.8 Há quanto tempo você trabalha nesta escola? ____________________________________
1.9 Como você ingressou na educação?
Concurso público ( ) Contrato temporário ( ) Outros ( )
1.10Qual o salário recebido pelo pagamento do seu trabalho?
Até 1 SM (salário Mínimo) ( ) De 1 a 3 SM ( ) De 3 a 5 SM ( ) Mais de 5 SM ( )
1.11Você mora: No campo ( ) Na cidade ( )
1.12Você tem alguma relação de vivência com o campo? Sim ( ) Não ( ) Como?
1.13 Você já participou ou participa de algum curso ou formação sobre Educação do Campo?
Sim ( ) Não ( ) Se positivo, Qual?
160
1.14O que esse curso contribui com a sua prática enquanto educador de escola do campo?
Outras informações:
1.15 Você se sente um professor/gestor preparado para atuar na Educação do Campo?
Sim ( ) Não ( ) Porque?
2 Sobre a Escola
2.1 Escolas pesquisada:_______________________________________________________
2.2 Qual o papel, e a importância da escola para os alunos que vivem no campo?
2.3 A escola promove ações de interação entre família e escola? Sim ( ) Não ( )
Como isso acontece?
2.4 A escola insere em seu planejamento atividades que dialogue com os saberes e fazeres do
campo? Sim ( ) Não ( ) Como?
2.5 A escola trabalha em parceria com outras instituições e movimentos sociais do campo: CPT
( ) EFAGO ( ) UEG ( ) UFG ( ) IFG ( ) MST ( ) STTR( )
Outros ( ) Quais? Como se dá essa parceria?
2.6 A escola possui momentos de reflexão (projetos, semanas e outros) ligada ao campo (meio
rural)? Sim ( ) Não ( )
Se positivo, quais e isso como acontece?
2.7 A escola trabalha aspectos sobre a cultura camponesa? Sim ( ) Não( ) Se sim, Como?
2.8 A escola trabalha a história de luta dos trabalhadores do campo, temas como a Reforma
Agrária, Assentamentos etc? Sim ( ) Não ( ) Como ?_______________________________
2.9 A escola desenvolve práticas e ensinamentos relacionados à agricultura camponesa e ao
desenvolvimento sustentável? Sim ( ) Não ( ) Quais?
2.10 O Projeto Pedagógico da escola possui uma proposta pedagógica para atender o alunado
do campo? Em caso positivo quais?
2.11 Quais os recursos didáticos mais utilizados para trabalhar com os alunos do campo e
ensinar:
Geografia? Língua portuguesa? Ciências? História? Matemática? _____________________
2.12 O que você acha que precisa ser feito para melhorar a qualidade da escola?
3 Sobre os estudantes
3.1 Qual o número de alunos total e por série, atendido pela escola?
Educação Infantil ( ) 1º ano ( ) 2º ano ( ) 3º ano ( ) 4º ano ( ) 5º ano ( )
6º ano ( ) 7º ano ( ) 8º ano ( ) 9º ano ( ) EJA ( ) Total ( )
3.2 Se professor, quantos alunos você atende?_____________ Qual (is) série de atuação?
161
3-3 Quais são as características dos alunos que você trabalha?
3.4 - Você percebe diferenças entre trabalhar com estudantes que vivem no campo e que vivem
na cidade? Em caso positivo, quais são as diferenças?
3.5 Os alunos costumam levar trabalhos escolares para casa? Sim ( ) Não ( )
São executados com sucesso? Sim ( ) Não ( )
Se não, há que você atribui esse fato?
3.6 Os trabalhos que eles levam para casa são relacionados com as práticas cotidianas das
famílias camponesas? Sim ( ) Não ( ) Dê exemplos:__________________________________
3.7 Quais são as principais dificuldades encontradas no seu trabalho em relação ao processo
ensino aprendizagem? _____________________________________________________
4 Sobre o campesinato
4.1 O que significa o campo (meio rural) para você hoje?
4.2 Quem é o camponês (quem vive no campo) para você?
4.3 Você conhece as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica para as escolas do Campo?
Em caso positivo como você a define?
4.4 Os conteúdos ensinados em sala de aula correspondem à realidade do estudante que vive no
campo (meio rural)? Sim ( ) Não ( ) Exemplos:
4.5 – Qual o livro didático adotado nas séries que você trabalha? ______________________
Ele aborda o cotidiano dos alunos que moram no campo? Sim ( ) Não ( )
4.6 Quantos aos livros literários, como você os define em relação ao campesinato? _______
4.7 Como você acha que a escola pode contribuir com o campesinato, quanto a:
a) Cultura Camponesa? b) Aspecto produtivo?
c) Preservação ambiental? d) Aspectos organizacionais?
4.8 Quais são os principais problemas para se trabalhar nesta escola?
4.9 O que você acha que é preciso para melhorar a vida no campo?
162
APÊNDICE- B: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
PESQUISA: A Educação no/do Campo e a (Re)produção camponesa no município de
Goiás – GO
Pesquisadora: Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Orientadora: Dra. Dinalva Donizete Ribeiro
Data da entrevista:_______/_________/______
ROTEIRO DE ENTREVISTA – PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Entrevistado (a): _____________________________________________________________
Pseudônimo: ________________________________________________________________
2 – Sobre o curso
2.1 Nome do curso? __________________________________________________________
2.2 Quando e como surgiu este curso? ____________________________________________
1.3 O que difere este curso de outros cursos ofertados pela UFG? _______________________
1.4 Qual o papel, e a importância deste curso para a reprodução do campesinato?
1.5 A curso promove ações de interação entre sociedade camponesa e Universidade? Sim ( )
Não ( ) Como isso acontece? ____________________________________________________
1.6 A curso insere em seu planejamento atividades que dialogue com os saberes e fazeres do
campo? Sim ( ) Não ( ) Como?
2.7 A curso trabalha em parceria com outras instituições e movimentos sociais do campo: CPT
( ) EFAGO ( ) UEG ( ) IFG ( ) MST ( ) STTR( )Outros ( ) Quais? Como acontece essa
parceria? _______________________________________________________________
2.8 O curso trabalha aspectos sobre a cultura camponesa? Sim ( ) Não( ) Como?
2.9 A curso desenvolve debates e práticas relacionados ao desenvolvimento sustentável? Sim (
) Não ( ) Quais?
2.10 O curso trabalha a história de luta dos camponeses? Sim ( ) Não( ) Como?
2.11 Quais são os principais pontos positivos deste curso? ____________________________
E os principais problemas enfrentados? ___________________________________________
163
3 Sobre os estudantes
2.1 Qual o número de alunos que já ingressaram neste curso? _________________________
Quantos são do município de Goiás? ____________________________________________
Quantos já atuam como professores nas escolas do campo? ___________________________
2.2 Quais são as características destes alunos? _____________________________________
2.3 Você percebe diferenças entre trabalhar com estudantes que vivem no campo e que vivem
na cidade? Em caso positivo, quais são as diferenças? ________________________________
2.4 Os trabalhos que estão sendo produzidos pelos alunos são relacionados com as práticas
cotidianas das famílias camponesas? Sim ( ) Não ( ) Dê exemplos:
3 Sobre o campesinato
3.1 Você já teve ou tem alguma relação de vivência com o campo? Como? ______________
3.2 O que significa o campo e o camponês para você hoje? ____________________________
3.3 Como você acha que este curso pode contribuir com o campesinato, quanto a:
a) Cultura Camponesa? b) Aspecto produtivo? c) Desenvolvimento Sustentável? __________
d) Aspectos organizacionais? ___________________________________________________
4.8 Na sua visão, quais são os principais problemas enfrentados pelo campesinato?
4.9 O que você acha que é preciso para melhorar a vida no campo? ____________________
4.10 Há perspectiva de ofertar novos cursos voltados para a Educação do Campo? ________
164
APÊNDICE-C: ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS CAMPONESAS
PESQUISA: A Educação do Campo e a (Re)produção camponesa no município de
Goiás - GO
Pesquisadora: Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Orientadora: Dinalva Donizete Ribeiro
Data da entrevista:_______/_________/______
ROTEIRO DE ENTREVISTA – FAMÍLIA
Nome do entrevistado? _____________________________________________________
Pseudónimo:___________________________________________________________
1. Levantamento sócio- econômico
1.1 Onde você nasceu? Em que ano? Sexo: Feminino ( ) Masculino ( )
1.2 O nome do local onde mora:_________________________________________________
1.3 Há quanto tempo você vive nessa comunidade? __________________________________
1.4 Condição de acesso à terra: Reforma agrária ( ) Compra ( ) Herança ( ) Meeiro ( )
Arrendatário ( ) Crédito Fundiário ( ) Outros ( )
1.5 Quantas pessoas compõem a sua família? _____________________________________
1.6 Quais as principais atividades desenvolvidas na unidade produtiva?
Leite ( ) Hortaliças ( ) Criação de frango ( ) Criação de porcos ( ) Gado de corte ( )
Apicultura ( ) Fruticultura ( ) Outros ( )
1.7 Quais são comercializadas? _________________________________________________
1.8 Como comercializa a produção? Feiras ( ) Mercado convencional ( ) PAA ( ) PNAE ( )
Comercializada em casa ( ) Vendida ou entregue em cooperativas ( ) Outros ( )
1.9- Mão de obra na produção
Familiar ( ) Quantos trabalham?_______________________
Familiar e funcionários ( ) Quantos Funcionários?_________________________________
Familiar e diaristas ( ) Quantas diárias pagas por mês________________________________
Apenas empregados ( ) Quantos?________________________________________________
1.10 Possui outra atividade fora da propriedade? ( ) Não ( ) Sim. Se sim, qual? __________
1.11 Quando vai tomar alguma decisão sobre as atividades agropecuária, leva em conta quais
dos seguintes aspectos?
Interesse da família ( ) Tradição familiar ( ) Experiência na atividade Rendimento ( ) econômico
( ) Indicação do técnico ( ) Outros ( ) Quais?______________________________
165
1.12 Você recebe assistência técnica: Sim ( ) Não ( ) Já recebeu: Sim ( ) Não ( )
1.13 Se sim, assinale de quem recebeu assistência técnica: Cooperativa de produção ( )
Sindicato rural ( ) ONGs ( ) Assistência técnica particular (liberais) ( ) Secretaria Estadual de
Agricultura ( ) EMATER ( ) Secretaria Municipal de Agricultura ( ) INCRA ( ) outros ( )
1.14 Quando recebeu assistência técnica em quais aspectos contribuiu?__________________
1.15 Já fez financiamento para a produção?______________ Qual?___________________
1.16 Participa de algum Programa de Social?
Bolsa família ( ) Renda cidadã ( ) Benefício de Prestação Continuada- BPC ( )
1.7 Qual a faixa de renda mensal da família?
Até 1 Salário Mínimo ( ) 1 a 3 SM ( ) 3 a 5 SM( ) 5 – 10 SM( ) + de 10 SM ( )
2. Sobre a escola
2.1 Quando criança e jovem você teve acesso à escola? Sim ( ) Não ( )
2.2 Qual o seu grau de escolaridade? Não lê e não escreve ( ) 1º grau incompleto ( ) 1º grau
completo ( ) 2º grau incompleto ( ) 2º grau completo ( ) superior ( ) pós-graduado ( )
2.3 Onde e como era a escola que você estudou? ___________________________________
2.4 Quais dificuldades você enfrentava para estudar? ________________________________
2.5 O que era bom, na escola em seu tempo de criança? ______________________________
2.6 O que você aprendeu na escola que você estudou e considera importante para sua vida?
2.7 Você gostaria de continuar estudando? Sim ( ) Não ( ) Por que?___________________
2.8 Além da escola, você teve ou tem outros espaços de aprendizagem? Sim ( ) Não ( )
Quais?
2.9 Você tem quantos filho em idade escolar? ____________
O nome do estudante, idade, escola e série:
1º, 2º, 3º__________________________________________________________
2.10 Você participa da escola onde seu filho estuda? ( ) Sim ( ) Não
Como é a sua participação na escola?
( ) Festas ( ) reuniões ( ) conselhos de classe ( ) conselho escolar
( ) festa de formatura ( ) Reunião de planejamento ( ) mutirões
2.11 Dos itens citados, o que você considera mais importante? _________________________
2.12 Quando você é convidado para ir à escola?
Resolver problemas de disciplina dos filhos ( ) contar história ( )
Apresentar experiências de práticas agrícolas ( ) Realizar palestras para os alunos( )
Ajudar a limpar a horta ( ) Participar do planejamento escolar ( ) Participar de festas ( )
166
Participar de palestras promovida pela escola ( ) Ensinar receitas culinárias ( ) Outros( )
2.13 Quando você vai à escola sem ser convidado? _________________________________
2.14 Você costuma acompanhar as atividades escolares do seu filho? Sim ( ) Não ( )
2.15 As atividades desenvolvidas na escola demostram trabalhos que valorizam aspectos do
campo como:
a) Cultura camponesa? Sim ( ) Não Como?________________________________________
b) Respeito a natureza? Sim ( ) Não ( ) Como?
c) Produção de alimentos? Sim ( ) Não ( ) Como?
d) Sobre a história e organização dos trabalhadores? Sim ( ) Não ( ) Como
2.16 O que você acha da escola que seu filho estuda?
Fraca ( ) Regular ( ) Boa ( ) Ótima ( ) Por quê?_________________________________
2.17 O que você acha que precisa melhorar na escola?
1.18 Você acha que a escola pode contribuir com a vida das pessoas do campo? Sim ( )
Não ( ) Como?
1.19 O que você acha que é preciso para melhorar a educação das pessoas que vive no campo?
1.20 O que diferencia a escola que você frequentou da escola que seu filho estuda?
3 Sobre o campesinato
3.1 Há quanto tempo você vive no campo? _______________________________________
3.2 Já moraram na Cidade? Sim ( ) Não ( )
Se sim, O que motivou a voltar para o campo?
3.3 Você já realizou trabalhos urbanos? Sim ( ) Não ( ) Quais?_________________________
3.4 Você realiza outros trabalhos no campo fora da sua propriedade? Sim ( ) Não ( ) Quais?
3.5 Quais as principais vantagens de viver no campo?
3.6 Quais as principais dificuldades encontradas para viver no campo?
3.7 O que você acha que é preciso para melhorar a vida no campo?
3.8 Você quer que seus filhos continuem a vida no campo? Sim ( ) Não ( ) Por que?
167
APÊNDICE - D: ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO ESTUDANTES DAS
ESCOLAS-POLO
PESQUISA: A Educação no/do Campo e a (Re)produção camponesa no município de
Goiás - GO
Pesquisadora: Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Orientadora: Dinalva Donizete Ribeiro
Data da entrevista: _______/_________/______
FORMULÁRIO – ESTUDANTES
Nome do entrevistado: _________________________________________________________
Pseudônimo: _________________________________________________________________
1 – Sobre o estudante
1.1 Qual é o nome dos seus pais?
Onde nasceu? Em que ano? ____________________________________________________
Escola que estuda? Série:______________________________________________________
1.2 Nome do local onde mora:__________________________________________________
1.3 O local onde você mora é? Marque com um X a opção correta
Assentamento ( ) Fazenda ( ) Sitio, Chácara ( ) outros ( )
1.4 O terreno onde que você mora pertence aos seus pais?
Sim ( ) Não, meus pais trabalham no terreno ( ) Não, meus pais alugam o terreno ( ) Outras ( )
Especifique: _________________________________________________________________
1.5 Quais são as atividades desenvolvidas na propriedade em que você
mora? (Pode marcar várias opções desde que haja na propriedade).
Produção de leite ( ) Criação de Galinha ( ) Criação de porco ( ) Horta ( ) Plantação de árvores
frutíferas ( ) produção de artesanato ( ) produção de doces( ) produção de queijos ( ) Outras ( )
Quais?____________________________________________________________
1.6 Você costuma ajudar sua família nos trabalhos onde mora? Não ( ) Sim ( )
O que você faz? ______________________________________________________________
1.7 Quantas pessoas têm na sua casa, além de você? Marque um X
2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) Mais de 7 ( ) outros, quantos( )
1.8 Marque com um X para os objetos que você tem acesso em casa (pode
168
marcar vários desde que você tenha acesso):
TV ( ) Computador ( ) Rádio ( ) Telefone fixo ou celular ( ) Videogame ( ) jornal impresso ( )
Revista ( ) Livro ( ) Outros ( ) Quais _____________________
1.8 Marque com um X para o meio de transporte que seus pais utilizam para locomover
(sair, passear). Atenção pode marcar vários desde que seus pais tenham?
Carro ( ) Moto ( ) Bicicleta ( ) Cavalo ( ) Carroça ( ) outros ( )
Quais?_____________________________
4 – Sobre a escola
2.1- Há quanto tempo você estuda nesta escola?_____________________________________
2.1 - Você gosta de estudar nesta escola? Sim ( ) Não ( )
2.3 - Quais são as atividades que acontece na escola que você mais gosta?________________
E o que tem ou acontece na escola que você não gosta? ______________________________
2.4 - Você utiliza o transporte escolar? Sim ( ) Não ( )
2.5 Que horas você sai de casa para ir á escola?_____________________________________
2.6 Que horas você chega em casa depois que sai da escola? __________________________
2.7 Onde você almoça?
Em casa ( ) Na escola ( ) Dentro do ônibus ( ) Fica sem almoçar ( ) Outros lugares ( )
2.8 Se utiliza o transporte escolar, como ele é? Descreva?
2.9 Quando chove é difícil ir à aula? Em caso positivo, por quê?
2.10 Quando concluir o Ensino Fundamental, você prefere continuar os estudos:
Aqui mesmo, se houver escola ( ) Em outra escola do campo ( ) Em uma escola urbana, na
cidade ( )
5 Sobre o campo
3.1 O que é o campo (meio rural) para você? Quando você pensa em campo o que vem no seu
pensamento? _______________________________________________________________
3.2 O que é o meio urbano (a cidade) para você?
3.3 Você gosta de viver no meio rural? Sim ( ) Não( ) Por
que?____________________________________________________________________
3.4 Quais são as suas principais brincadeiras (laser) na sua casa? Quais as que você mais gosta?
3.5 Como você se vê em relação aos estudantes que estudam nas escolas urbanas?
3.6 É comum os professores, abordar temas (conteúdo) ligado a sua vida no campo (meio rural)?
169
Festas da comunidade ( ) Medicina caseira ( ) Comidas naturais ( ) Mutirão ( ) Receitas caseiras
( ) Cuidado com os animais ( ) Preservação de sementes ( ) Respeito a natureza ( ) Costumes
camponeses - fogão de lenha, frango caipira ( )
3.7. Como são trabalhados estes temas nas diferentes disciplinas?
a) matemática? _________________________________________________________
b) Língua Portuguesa: ___________________________________________________
c) Geografia: ___________________________________________________________
d) História: ____________________________________________________________
e) Ciências: ____________________________________________________________
3.8 já houve alguma atividade (palestra, festa, etc), na escola, relacionado a sua vida no meio
rural? Não ( ) Sim ( ) Quais?____________________________________________________
3.9 quando você terminar os seus estudos onde você quer morar? Marque com um X.
No campo ( ) Ir para o meio urbano ( ) Por que? ___________________________________
170
APÊNDICE- E: ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRECIONADO AOS ESTUDANTES DA
EFAGO
PESQUISA: A Educação no/do Campo e a (Re)produção camponesa no município de
Goiás - GO
Pesquisadora: Dorcelina Aparecida Militão Moreira
Orientadora: Dinalva Donizete Ribeiro
Data da entrevista:_______/_________/______
FORMULÁRIO – ESTUDANTES EFAGO
Nome do entrevistado:_________________________________________________________
Pseudônimo:_________________________________________________________________
1 – Sobre o estudante
1.1 Qual é o nome dos seus pais? ________________________________________________
Onde nasceu? ________________________________________________________________
Em que ano? ___________________________
Escola que estuda:____________________________________________________________
Série:______________________
1.2 Nome do local onde mora:__________________________________________________
1.3 O local onde você mora é? Marque com um X a opção correta
Assentamento ( ) Fazenda ( ) Sitio, Chácara ( ) outros ( )
1.4 O terreno onde que você mora pertence aos seus pais?
Sim ( ) Não, meus pais trabalham no terreno ( ) Não, meus pais
alugam o terreno ( ) Outras ( ) Especifique:______________________________
1.5 Quais são as atividades desenvolvidas na propriedade em que você
mora? (pode marcar várias opções desde que haja na propriedade).
Produção de leite ( ) Criação de Galinha ( ) Criação de porco ( )
Horta ( ) Plantação de arvores frutíferas ( ) produção de artesanato ( )
produção de doces( ) produção de queijos ( ) Outras ( ) Quais?
1.6 Você costuma ajudar sua família nos trabalhos onde mora? Não ( ) Sim ( )
O que você faz? ______________________________________________________________
1.7 Quantas pessoas têm na sua casa, além de você? Marque um X
2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) Mais de 7 ( ) outros, quantos( )
1.8 Marque com um X para os objetos que você tem acesso em casa (pode
171
marcar vários desde que você tenha acesso):
TV ( ) Computador ( ) Rádio ( ) Telefone fixo ou celular ( )
Videogame ( ) jornal impresso ( ) Revista ( ) Livro ( )
Outros ( ) Quais _____________________
1.8 Marque com um X para o meio de transporte que seus pais utilizam para locomover
(sair, passear). Atenção pode marcar vários desde que seus pais tenham?
Carro ( ) Moto ( ) Bicicleta ( ) Cavalo ( ) Carroça ( ) outros ( ) Quais?___________________
6 – Sobre a escola
2.1- Há quanto tempo você estuda nesta escola?_____________________________________
2.1 - Você gosta de estudar nesta escola? Sim ( ) Não ( )
2.3 - Quais são aspectos que você considera positivo na escola?
2 .3 Quais os aspectos que você considera problemas na escola?
2.4 Quanto tempo você permanece na escola? ______________________________________
2.5 Como você define a pedagogia da alternância? __________________________________
2.4 - Você utiliza o transporte escolar? Sim ( ) Não ( )
2.8 Se utiliza o transporte escolar, como ele é? Descreva?
7 Sobre o campo
3.1 O que é o campo (meio rural) para você? Quando você pensa em campo o que vem no seu
pensamento? _______________________________________________________________
3.2 O que é o meio urbano (a cidade) para você?
3.3 Você gosta de viver no meio rural? Sim ( ) Não( )
Por que?
3.4 Quais são as suas principais brincadeiras (laser) na sua casa?
Quais as que você mais gosta?
3.5 Como você se vê em relação aos estudantes que estudam nas escolas convêncional?
3.6 É comum os professores, abordar temas (conteúdo) ligado a sua vida no campo (meio rural)?
Festas da comunidade ( ) Medicina caseira ( ) Comidas naturais ( ) Mutirão ( ) Receitas caseiras
( ) Cuidado com os animais ( ) Preservação de sementes ( ) Respeito a natureza ( ) Costumes
camponeses - fogão de lenha, frango caipira ( )
3.7 Como são trabalhados estes temas nas diferentes disciplinas?
172
a)Matemática:_______________________________________________________
b) Língua Portuguesa:___________________________________________________
c) Geografia: ___________________________________________________________
d) História: ____________________________________________________________
e) Ciências: ____________________________________________________________
3.8 Já houve alguma atividade (palestra, festa, etc), na escola, relacionado a sua vida no meio
rural?
Não ( ) Sim ( ) Quais?____________________________________________________
3.9 quando você terminar os seus estudos onde você quer morar? Marque com um X.
No campo ( ) Ir para o meio urbano ( )
Por que?
UNIVERSIDADE FEDERAL DE
GOIÁS - UFG
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa:A Educação do campo e a (Re)produção camponesa no município de Goiás, GO Pesquisador: Dorcelina Aparecida Militão Moreira Área Temática:
Versão: 2
CAAE: 41550815.2.0000.5083 Instituição Proponente: Universidade Federal de Goiás - UFG Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 1.083.768 Data da Relatoria: 06/04/2015
Apresentação do Projeto: O projeto ora apresentado, vincula-se à nota em disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa
Interdisciplinares, do Programa de Pós-Graduação em Agronegócios (UFG), e tem como temática central a
recente política pública de educação do campo. De acordo com o explicitado pela proponente, o estudo tem
como pretensão "compreender as relações existentes entre Educação no e do Campo e a reprodução
camponesa no município de Goiás após o movimento da luta pela terra e consolidação dos 23 assentamentos
de Reforma Agrária neste município". A pesquisa será pautada, inicialmente, por revisão bibliográfica,
pesquisa documental, realização de entrevistas e registros de observação em campo. Para a viabilidade do
estudo são definidos como sujeitos da pesquisa professores de escolas do campo, estudantes e suas famílias. Objetivo da Pesquisa: A proponente estabelece como objetivo principal "compreender o processo de educação no e do campo e
suas relações com a (re)produção camponesa", propondo, ainda, como objetivos secundários o diagnóstico
das escolas do campo no município pesquisado, a análise das condições socioeconômicas das famílias que
compõem a comunidade escolar, conhecer a perspectiva das famílias, professores e estudantes acerca da
educação do campo no município, além de buscar identificar aspectos pedagógicos que tratem da identidade
camponesa e desenvolvimento sustentável dessas famílias.
Endereço: Prédio da Reitoria Térreo Cx. Postal 131 Bairro: Campus Samambaia CEP: 74.001-970
UF: GO Município: GOIANIA
Telefone: (62)3521-1215 Fax: (62)3521-1163 E-mail: [email protected]
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG
Continuação do Parecer: 1.083.768
Avaliação dos Riscos e Benefícios: Embora a Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, nos apresente o entendimento que toda a
pesquisa que envolva seres humanos traga riscos, a proponente afirma que não haveria riscos, embora preveja
o encaminhamento ao serviço psicológico da cidade de Goiás-GO (CAPS) no caso de algum dano emocional
decorrente da pesquisa, inclusive apresentando Declaração de Apoio à Pesquisa da parte do CAPS do
Município de Goiás/GO. No que tange aos benefícios, evidencia a importância de seu estudo para a ampliação
do conhecimento sobre educação do campo e agricultura camponesa.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: A pesquisa demonstra relevância acadêmica e social, apresentando a temática da educação do Campo,
especificamente, a partir da realização de entrevistas em quatro escolas do município de Goiás-GO. No que
tange ao desenvolvimento metodológico, a pesquisadora define como participante de pesquisa 50 (cinquenta)
pessoas, sendo 15 (quinze) educadores/as, 25 (vinte e cinco) estudantes e 10 (dez) familiares, sem definir a
idade. Contudo, na Metodologia Proposta prevista no formulário de informações básicas sobre o projeto são
incluídos/as "professores universitários que atuam no curso de formação de professores, pela UFG"
(Formulário). Também no projeto de pesquisa, explicita que "Para compreender como se dá a formação de
professores para atuarem na Educação do campo, serão realizadas entrevistas com representantes do curso
de Graduação em Educação do Campo, ofertados pela UFG - Regional Goiás. Sendo essa a população e o
território da pesquisa" (Projeto,p. 18/19). Para a realização do estudo, propõe "a) pesquisa teórica; b) pesquisa
documental; c) pesquisa de campo (entrevistas, observações); d) organização, interpretação e análise dos
resultados, para então produção do texto final".
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Em sua primeira submissão ao CEP, a proponente apresentou: 1) Termo de Anuência da Secretaria de Educação do município de Goiás-GO. 2) Termos de Anuência das escolas participantes. 3) Roteiros de entrevistas direcionados a professores/as, familiares e estudantes.
4) Folha de Rosto do CEP. 5) Termo de Compromisso da Pesquisadora. 6) Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). 7) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) genérico, sem apresentar um TCLE específico para
o caso de estudantes e/ou familiares menores de 18(dezoito) anos. 8) Projeto de Pesquisa detalhado, com cronograma e orçamento custeado pela própria
Endereço: Prédio da Reitoria Térreo Cx. Postal 131 Bairro: Campus Samambaia CEP: 74.001-970
UF: GO Município: GOIANIA
Telefone: (62)3521-1215 Fax: (62)3521-1163 E-mail: [email protected]
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG
Continuação do Parecer: 1.083.768
pesquisadora. Após a indicação das pendências por este CEP, foram incluídos os seguintes documentos: 1) Declaração de apoio à pesquisa da parte do CAPSI - Centro de Atenção Psicossocial Dr. Aderson C.
Coelho. 2) TCLE direcionado aos/às representantes legais de participantes menores de 18 (dezoito) anos. 3) Termo de Anuência da Escola Família Agrícola de Goiás. 4) TCLE direcionado aos/às agricultores/as participantes da pesquisa, com indicação de consentimento para
participação de filho/a ou dependente na pesquisa. Recomendações: Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Foi incluído TCLE direcionado aos/às representantes legais de estudantes e participantes menores de 18
(dezoito) anos, o cronograma foi readequados, assim como as informações básicas do projeto com relação ao
número de participantes da pesquisa. Apresentou os termos de anuência dos seguintes locais: Autorização de
acesso à arquivo Termo de Anuência Escola Família Agrícola.jpg; Autorização de acesso à arquivo Termo de
anuência Escola Olímpya.jpg Autorização de acesso à arquivo Termo de anuência Escola Holanda.jpg;
Autorização de acesso à arquivo Termo de anuência Escola Vale.jpg; Autorização de acesso à arquivo Termo
anuência Escola Terezinha.jpg; Autorização de acesso à arquivo Termo de Anuência Secretaria Municipal de
Educação.jpg; Autorização de acesso à arquivo Termo Anuência UFG.jpg. Apresenta o instrumento para a coleta de dados a ser aplicado aos diferentes grupos desta pesquisa. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP: Informamos que o Comitê de Ética em Pesquisa/CEP-UFG considera o presente protocolo APROVADO, o
mesmo foi considerado em acordo com os princípios éticos vigentes. Reiteramos a importância deste Parecer
Consubstanciado, e lembramos que o (a) pesquisador (a) responsável
Endereço: Prédio da Reitoria Térreo Cx. Postal 131 Bairro: Campus Samambaia CEP: 74.001-970
UF: GO Município: GOIANIA
Telefone: (62)3521-1215 Fax: (62)3521-1163 E-mail: [email protected]
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS - UFG
Continuação do Parecer: 1.083.768
deverá encaminhar ao CEP-UFG o Relatório Final baseado na conclusão do estudo e na incidência
de publicações decorrentes deste, de acordo com o disposto na Resolução CNS nº. 466/12. O prazo
para entrega do Relatório é de até 30 dias após o encerramento da pesquisa, prevista para 04/03/2016.
GOIANIA, 28 de maio de 2015
Assinado por: João Batista de
Souza (Coordenador)
Endereço: Prédio da Reitoria Térreo Cx. Postal 131 Bairro: Campus Samambaia CEP: 74.001-970
UF: GO Município: GOIANIA
Telefone: (62)3521-1215 Fax: (62)3521-1163 E-mail: [email protected]