UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
ELENE VILELA DE JESUS
A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT
UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ
Barra do Garças, MT
2014
1
ELENE VILELA DE JESUS
A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT
UM ESTUDO DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de
Licenciatura em Geografia, Instituto de Ciências Humanas
e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso como
parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciada
em Geografia.
Orientadora: Profa. Me. Adriana Queiroz Nascimento.
Barra do Garças, MT
2014
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
FOLHA DE APROVAÇÃO
Título: A PRODUÇÃO DA PERIFERIA EM BARRA DO GARÇAS- MT: UM ESTUDO
DE CASO SOBRE A OCUPAÇÃO IRREGULAR SÃO JOSÉ
Autor (a): Elene Vilela De Jesus
Monografia defendida e aprovada em 22 de Agosto de 2014
________________________________________
Profa. Me. Adriana Queiroz do Nascimento
Orientadora UFMT CUA
________________________________________
Prof. Dr. Hidelberto de Souza Ribeiro
Examinador UFMT/CUA
________________________________________
Profa. Me. Zenilda Lopes Ribeiro
Examinador UFMT/CUA
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu saudoso pai
(In memorian), que apesar de não ter visto nem a
minha formatura do Ensino Médio, foram sempre a
lembrança de suas palavras que me fizeram trilhar
esse caminho em busca de uma formação e também
a meu filho, minha maior inspiração nos momentos
difíceis.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço à Deus pela oportunidade de ter cursado o ensino superior,
que ampliou os meus conhecimentos e me possibilitou enxergar o mundo de uma forma
diferente, com criticidade da realidade na qual estamos inseridos.
Agradeço a todos os professores da graduação, que fizeram parte desse processo de
construção de conhecimento. Aos mais dedicados por mostrarem como posso ser, e aos menos
dedicados por ensinarem como não devo ser ao longo do exercício de minha profissão docente.
À todos que me ajudaram ao longo do curso agradeço imensamente, à minha sogra
Edileuza que cuidou do meu filho, meu sogro Juvenil (In Memorian), pelo carinho dedicado à
meu Bebê durante minhas aulas de campo e a meu companheiro Wedson, o qual me deu a
notícia de que havia sido aprovada para o curso de Geografia na Universidade Federal de Mato
Grosso e me incentivou imensamente ao longo desses quatro anos e meio.
Em especial à minha Orientadora Adriana Queiroz do Nascimento que muitíssimo bem
ministrou as aulas do projeto de pesquisa, a base que me possibilitou a construção desse
Trabalho de Conclusão de Curso. Agradeço principalmente a sua dedicação e paciência ao me
guiar ao longo da pesquisa.
À professora Zenilda Lopes Ribeiro, uma vez que suas aulas de Geografia Urbana
trouxeram à tona minha paixão pela Geografia e foram nessas aulas que escolhi pesquisar sobre
a Ocupação Irregular São José. Ao professor Hidelberto de Souza Ribeiro, que através de suas
publicações sobre Barra do Garças- MT foi de profunda ajuda para o desenvolvimento da
pesquisa. E à professora Antônia Ieda Delfino por ter me concedido a oportunidade de participar
do PIBID, programa esse que me possibilitou a vivencia da realidade escolar. Ao professor
Adeir Archanjo da Mota que gentilmente cedeu um mapa elaborado por ele para ser usado neste
trabalho.
Aos colegas de curso, com os quais passei bons momentos tanto em sala de aula quanto
nas aulas de campo tão famosas no curso de Geografia e principalmente àqueles que me
incentivaram em momentos difíceis: Marcilene, Alexandre e Liliane. Aos amigos que fiz e aos
que já tinha, que de alguma forma contribuíram para que eu chegasse até aqui.
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RESUMO
O espaço urbano fragmentado segrega as classes de baixa renda, expropriadas do campo que
migram para as cidades em busca de melhorias, a procura de um local para morar e abrigar suas
famílias. Assim este Trabalho de Conclusão de Curso busca demonstrar o processo de formação
da periferia na cidade de Barra do Garças- MT, estudando especificamente a Ocupação Irregular
São José que está inserida no Bairro Jardim Nova Barra do Garças. Neste estudo procura-se
demonstrar os principais agentes produtores do espaço urbano que atuam na construção
periférica da cidade, investigando a área que possibilitou o surgimento do “bairro”, o seu
processo de ocupação e também como se dá a regularização fundiária no local, demonstrando
como as famílias se organizaram para ocupa-la e as dificuldades enfrentadas no início para a
construção das primeiras casas, a luta desses moradores para conseguirem a escritura de seus
lotes e a evolução da ocupação em termos estruturais e de valorização. Para investigar tais
ocorrências frente aos levantamentos realizados neste Trabalho de Conclusão de Curso, a
abordagem da pesquisa passou por análise qualitativa desenvolvida a partir de um estudo de
caso, realizando levantamentos que partiram de pesquisa bibliográfica, documental e realização
de entrevista semiestruturada com os moradores mais antigos da Ocupação São José. Esses
levantamentos puderam identificar a construção da periferia geográfica e social em Barra do
Garças-MT e servem ainda para a reflexão frente as mudanças que estão ocorrendo no espaço
urbano da cidade.
Palavras-Chave: Ocupação Irregular. Barra do Garças-MT. Periferia. São José.
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ABSTRACT
The fragmented urban space segregates the classes for low-income, expropriated the field who
migrate to the cities in search of improvements, looking for a place to live and house their
families. So this Labor Completion of course seeks to demonstrate the process of forming the
periphery of the city of Barra do Garças- MT, specifically studying Irregular Occupation St.
Joseph which is inserted in the Garden District of New Bar Herons. This study seeks to
demonstrate the main producers of urban space agents that act on the peripheral city building,
investigating the area that enabled the emergence of the "neighborhood", the process of
occupation and also how is the regularization on site, demonstrating how families were
organized to occupy it and the difficulties faced in the beginning to build the first houses, these
residents struggle to get the deed to their plots and developments in structural terms of
occupation and exploitation. To investigate such occurrences front of surveys conducted this
work Completion of course, approach the research underwent qualitative analysis developed
from a case study, conducting surveys departed bibliographical, documentary and conducting
semi-structured interview survey of residents over Occupation of the former St. Joseph. Such
surveys could identify the construction of social and geographic periphery Bar Herons MT and
still serve for reflection face the changes that are taking place in the urban space of the city.
Keywords: Irregular occupation. Barra do Garças- MT. Periphery. São José.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Espaço urbano de Barra do Garças- MT. ................................................................. 20
Figura 2: Evolução populacional urbana de Barra do Garças- MT......................................... 22
Figura 3: Distância entre a área central de Barra do Garças- MT e a Ocupação Irregular São
José ........................................................................................................................................... 29
Figura 4 e 5: Ficha Cadastral da Ocupação Irregular São José ............................................... 33
Figura 6: Traçado do arruamento e divisão de lotes da Ocupação Irregular São José ............ 34
Figura 7 e 8: Quadras que tiveram as construções demolidas em 1998. ................................. 37
Figura 9 e 10: Comércio na Ocupação Irregular São José. ..................................................... 39
Figura 11 e 12: Comércio na Ocupação Irregular São José. ................................................... 39
Figura 13: Imagem da Ocupação Irregular São José em 2005 ................................................ 40
Figura 14: Urbanização da Ocupação Irregular São José em 2013. ....................................... 40
Figura 15 e 16: Conjuntos destinados aos aluguéis na Ocupação Irregular São José ............. 41
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1 UM PANORAMA SOBRE A CIDADE ................................................................................ 13
1.1 A produção do Espaço Urbano e seus Agentes ......................................................................... 16
1.1.1 Esfera Econômica ......................................................................................................................................... 17
1.1.2.Esfera Política ............................................................................................................................................... 18
1.1.3. Esfera Social ................................................................................................................................................. 18
2 A FORMAÇÃO GEOGRÁFICA DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS - MT ............................ 20
2.1 Os Grupos Sociais Excluídos e a Produção da Periferia ............................................................. 23
3 REFLEXÕES DA PERIFERIA A PARTIR DO SÃO JOSÉ ......................................................... 29
3.1 A Formação da Área ....................................................................................................................... 30
3.2 A Ocupação Irregular São José ........................................................................................................ 32
3.3 A Regularização Fundiária do “Bairro” ............................................................................................ 41
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................. 44
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 46
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semiestruturada ....................................................... 48
ANEXO A - Decreto de aprovação do loteamento Jardim Nova Barra do Garças ................ 49
ANEXO B – Processo para Ação de Usucapião Ordinário ................................................... 50
10
INTRODUÇÃO
Na sociedade capitalista atual as pessoas menos favorecidas economicamente são
induzidas a formarem grupos que lutam pelo direito à moradia. Esse direito é tirado dessas
pessoas em virtude de especulações imobiliárias e estratégias políticas que obrigam a população
a ocuparem áreas longínquas, sem documentação.
O espaço urbano é produto da divisão social de classes, do crescimento desordenado
das cidades, Revolução Industrial e uma consequente expropriação rural resultante do modo de
produção capitalista que segrega as classes de baixa renda, produzindo as periferias, favelas,
dentre outras formas de acesso ao solo urbano.
No sentido de compreender esse processo que ocorre nas cidades, surge a necessidade
de investigar a formação da Ocupação Irregular São José, área periférica de Barra do Garças-
MT, que nos incita a descobrir como famílias se organizaram para a ocupação de uma área e
também compreender como é realizada a regularização fundiária da área em questão.
O anseio de investigar a Ocupação Irregular São José surge em virtude da vivência no
bairro e do convívio com os moradores que esperam ver seus lotes documentados e não mais
tenham medo de perder suas moradias construídas aos poucos, num processo de autoconstrução.
Sendo assim, torna-se de suma importância investigar com essa pesquisa, as origens do que
levam as pessoas a se organizarem e ocuparem áreas na cidade, verificando de quem eram as
terras da área em questão, o que possibilita a reflexão sobre o que pode ser realizado para que
áreas que tiveram a mesma origem, também possam ter seus lotes regularizados.
Assim, este trabalho de conclusão de Curso teve como objetivo analisar os agentes
produtores do espaço urbano da Ocupação Irregular São José em Barra do Garças-MT,
investigando como esse processo ocorreu e sua importância para o surgimento do mesmo.
Como objetivos específicos este trabalho buscou:
Levantar informações sobre a área que possibilitou o surgimento do “bairro”
São José;
Investigar o seu processo de ocupação;
Identificar como vem sendo realizada a regularização fundiária da área;
Pode-se perceber que a cidade cresce de forma que reproduza a sociedade baseada no
acúmulo de capital, onde segrega a população de baixa renda espacialmente, levando-os a
habitarem os arredores da cidade, distantes do centro, ocorrendo assim, diversos vazios urbanos
e bairros periféricos. Enquanto as áreas centrais são mais valorizadas os lotes periféricos têm
preços simbólicos, quando são comprados, no início da fundação destes bairros.
11
Para investigar tais ocorrências frente aos levantamentos realizadas neste Trabalho de
Conclusão de Curso, a abordagem da pesquisa passou por análise qualitativa desenvolvida a
partir de um estudo de caso, o qual procurou estudar profundamente um objeto, realizando
levantamentos sobre a Ocupação Irregular São José que está inserida no Bairro Jardim Nova
Barra do Garças.
As técnicas de pesquisa que foram utilizadas neste trabalho passaram pela:
Pesquisa bibliográfica: realizando um levantamento acerca das teorias
relacionadas aos agentes produtores do espaço urbano, com autores como Roberto Lobato
Corrêa, Ana Fani Alessandri Carlos, Arlete Moisés Rodrigues, Leonardo Benevolo, Milton
Santos, Henri Lefebvre, dentre outros;
Pesquisa documental: procurando por dados documentais na Prefeitura
Municipal de Barra do Garças –MT -departamento de terras de Barra do Garças, Secretaria de
Planejamento e Secretaria de Finanças- na busca de dados sobre o loteamento e regularização
fundiária do mesmo
Entrevista semiestruturada com perguntas fechadas e abertas com roteiro
previamente elaborado de acordo com Minayo (2012) realizada com os primeiros moradores
da Ocupação Irregular para descoberta sobre como conseguiram seus lotes e como foi a
organização para ocuparem a área.
O presente trabalho foi organizado em uma sequência, na qual no primeiro momento
foi realizada a revisão bibliográfica para demonstrar a origem das cidades, uma vez que para
entender as cidades de hoje é preciso entender as cidades anteriores e todo o seu processo de
construção espacial, assim como os agentes que produzem e consomem este espaço.
No segundo momento foram feitas reflexões acerca do termo ocupação e periferia,
assim como seus principais formadores, buscando elencar os motivos que levam as cidades a
terem essa forma de segregação sócio espacial, caracterizando nessa etapa a cidade de Barra do
Garças-MT ora analisada e os principais agentes que fomentaram o desenvolvimento da mesma.
E na terceira parte foram analisadas as entrevistas com moradores, as quais foram
filmadas e consentidas por eles através do termo de consentimento livre e esclarecido, mesmo
assim lhes foi garantido o anonimato e sigilo sobre os dados, uma vez, que de acordo com
Minayo (2012) este é um dos requisitos que dizem respeito à entrada do entrevistador em
campo. Realizadas também nessa etapa as análises das pesquisas em órgãos fornecedores de
documentos, que comprovassem informações acerca do loteamento da área em questão. Esses
relatos mostram como foi a organização, a ocupação em si, as dificuldades pelas quais passaram
e ainda passam seus moradores e a evolução dessa área periférica em termos estruturais e
12
valorais, uma vez que, instalações próximas à mesma estão reconfigurando esse espaço e os
levantamentos buscaram apresentar o que vem sendo feito para o processo de regularização dos
lotes.
Por último, foram realizadas as considerações, que abordaram os agentes produtores
do espaço urbano responsáveis pela existência dessa periferia, a análise sobre as origens das
terras que possibilitaram o desenvolvimento da ocupação e o seu processo de regularização,
valorização, e, atração de outro público de moradores, deixando uma proposta de ampliação do
conhecimento a respeito do termo ocupações irregulares, identificando quem são e o porquê
dessas pessoas se apropriarem de espaços vazios, vencendo consequentemente o “pré-conceito”
que lhes são imputados devido à forma de conseguir o seu local de morar.
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1 UM PANORAMA SOBRE A CIDADE
A cidade é o local que expressa melhor a sociedade capitalista, um espaço onde há a
consagração da mais valia. É na cidade que as relações e o comércio se intensificam, enfim
todas as atividades do capitalismo. É para o espaço urbano que tudo converge.
A cidade deve ser pensada antes do momento em que ela surgiu, sendo assim o
fenômeno urbano teve início desde a antiguidade. Segundo Benevolo (2009) há cerca de 5.000
anos, nas planícies aluviais do oriente próximo, algumas aldeias se transformaram em cidades.
Dessa forma, para entender a cidade de hoje deve-se voltar as suas origens.
Assim, para Carlos (2001), a cidade tem uma origem histórica que nasce num
determinado momento da história da humanidade e se constitui ao longo do processo histórico,
assumindo formas e conteúdos diversos, sendo a mesma algo não definitivo, não podendo ser
analisada como um fenômeno pronto e acabado, porque as formas que ela assume ganham
dinamismo ao longo de seu processo.
De acordo com Rolnik (2004), as cidades, independentemente do tempo ou lugar tem
uma característica em comum e afirma “Na busca de algum sinal que pudesse apontar uma
característica essencial da cidade de qualquer tempo ou lugar, a imagem que me veio à cabeça
foi a de um imã, um campo magnético que atrai, reúne e concentra os homens” (ROLNIK,
2004, p. 12)
“Mas a cidade não é apenas um conteúdo, é o resultado dos trabalhos dos homens,
abriga-os e os faz viver” (MONBEIG, 2004, p.292). No entanto, para Carlos (2001) a cidade
não é apenas resultado de trabalho, mas inclusive da divisão social, sendo uma materialização
de relações de história dos homens normatizadas por ideologia, é forma de pensar, sentir,
consumir, é modo de vida, de uma vida contraditória.
No período paleolítico o homem era nômade, porém suas primeiras manifestações de
interesse em fixar-se em algum lugar estão relacionadas a sua preocupação com seus mortos,
em procurar para eles uma “moradia”, portanto “a cidade dos mortos antecede a cidade dos
vivos” (MUNFORD, 1985 apud SPÓSITO, 2008, p.12). Este mesmo autor também indica um
segundo ponto que pode explicar a origem das cidades, o qual deve ser destacado: a relação do
homem paleolítico com a caverna, que embora não fosse moradia fixa, era utilizada para o
acasalamento e rituais de arte, era um lugar de segurança e onde guardavam seus instrumentos.
Uma contribuição muito importante para a fixação do homem que precede a revolução
agrícola é a revolução sexual ou a “domesticação do homem”, onde a mulher mãe, presa a seus
filhos e que reduz seus movimentos em função de uma criança começa a prender o homem na
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terra e o próximo passo é a domesticação das plantas e animais e um excedente agrícola que
dão início ao processo de fixação do homem ao lugar.
“Aquilo a que chamamos revolução agrícola foi, muito possivelmente,
antecedido por uma revolução sexual, mudança que deu predomínio não ao
macho caçador, ágil de pés velozes pronto a matar, impiedoso por necessidade
vocacional, porém, à fêmea, mais passiva, presa aos filhos, reduzida nos seus
movimentos ao ritmo de uma criança, guardando e alimentando toda sorte de
rebentos, inclusive, ocasionalmente, pequenos mamíferos lactantes, se a mãe
destes morria, plantando sementes e vigiando as mudas, talvez primeiro num
rito de fertilidade, antes que o crescimento o e multiplicação das sementes
sugerisse uma nova possibilidade de se aumentar a safra de alimentos.(...)Com
a grande ampliação dos suprimentos alimentares, que resultou da
domesticação cumulativa de plantas e animais, ficou determinado o lugar
central da mulher na nova economia.(...) A casa e a aldeia, e com o tempo a
própria cidade, são obras da mulher”(MUNFORD, 1985 apud
SPÓSITO,2008, p.13).
Com a fixação do homem ao lugar, deu origem as aldeias que ainda não podem ser
classificadas de cidade porque não possuem divisão do trabalho nem de classes sociais, e só a
partir do surgimento, primeiramente do caçador-chefe político- rei, criou condições para uma
relação de exploração começando a existir uma divisão de classes. “Aí se originou a sociedade
de classes, e se concretizou a última condição necessária e indispensável à própria origem da
cidade” (SPÓSITO, 2008, p.16) .
No entanto, para haver essa divisão de classes primeiro foi preciso o desenvolvimento
de um excedente agrícola ocasionado pelo melhoramento das técnicas, sedentarização e
domesticação do homem, que consequentemente leva a criação de um mercado, portanto, “a
cidade enquanto local permanente de moradia e trabalho, se implanta quando a produção gera
um excedente, uma quantidade de produtos para além das necessidades de consumo imediato”
(ROLNIK, 2004, p.16). Mas a necessidade de administrar esse excedente traz à tona a
transformação do mesmo em poder militar e este em dominação política.
Sendo assim, de acordo com Spósito (2008) a origem das cidades não está explicada
essencialmente pelo econômico, mas sim pelo social e político, desta maneira, a cidade na sua
origem não é somente o lugar da produção, mas sim da dominação.
Sobre isso Rolnik também escreve:
A origem da cidade se confunde portanto com a origem do binômio
diferenciação social/centralização do poder. Este se coloca tanto internamente
(para os vários grupos ou classes sociais da cidade em questão) quanto
externamente, na conquista e ordenação dos territórios sob seu poder
(ROLNIK, 2004, p. 21).
Pode-se observar que existem diversos fatores que possibilitaram o surgimento das
cidades e de acordo com Carlos (2001) são seis estes elementos: divisão do trabalho, divisão da
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sociedade em classes, acumulação tecnológica, produção do excedente agrícola decorrente da
evolução tecnológica, um sistema de comunicação, uma certa concentração espacial das
atividades não agrícolas.
Já com a industrialização o fenômeno urbano toma novo rumo pois “a partir da
intensificação da produção industrial viável, tanto graças ao capital acumulado, como pelo
desenvolvimento técnico científico, a urbanização tomou ritmos acentuados” (SPÓSITO, 2008,
p.49), levando grande maioria da população do campo para a cidade, ocorrendo assim um
crescimento populacional urbano, onde o campo deixa de ser subsistência para ser fornecedor
de matéria prima. Dessa maneira, a industrialização foi o elemento propulsor da intensificação
do processo de urbanização. Agora, a cidade passa a ser o espaço da produção e não somente
da dominação, passando também a produzir mercadorias.
A indústria também aglomerou os operários em suas proximidades, começando assim
a dividir a ocupação do solo urbano, pois os operários foram viver próximos a seus trabalhos e
os proprietários das industrias foram viver longe do incomodo que a indústria provocava. “O
crescimento das cidades tornou centro a área antes compreendida por todo o núcleo urbano,
formando- se ao seu redor uma faixa nova, considerada a periferia” (SPÓSITO, 2008, p.49),
sendo que a princípio o centro era ocupado pelos operários e a periferia abrigava os ricos que
fugiam do centro e das proximidades com a classe pobre.
Com esse intenso processo de urbanização ocasionado por tantas mudanças estruturais,
o espaço da cidade começa também a ter diversos problemas devido à grande leva de migrantes
campo-cidade, ou atraídos em busca de melhorias de vida ou expropriados-expulsos de suas
pequenas propriedades rurais. Lefebvre aponta que:
A cidade se transforma não apenas em razão de “processos globais”
relativamente contínuos (tais como o crescimento da produção material no
decorrer das épocas com suas consequências nas trocas, ou o desenvolvimento
da racionalidade) como também em função de modificações profundas no
modo de produção, nas relações “cidade-campo”, nas relações de classe e de
propriedade (LEFEBVRE, 2001, p. 58).
Isso vem demonstrar como a cidade é construída e reconstruída de acordo com o
momento histórico vivenciado pela sociedade, e também de acordo com a evolução do modo
de produção adotado por essa mesma sociedade. “Sem dúvida, é possível dizer que hoje o
mercado domina a cidade. Essa configuração - cidade dominada pelo mercado – é própria das
cidades capitalistas, que começaram a se formar na Europa Ocidental ao final da Idade Média”
(ROLNIK, 2004, p.29).
16
De acordo com Rolnik (2004) a transformação da vila medieval em cidade-capital de
um Estado moderno vai operar uma reorganização radical na forma de organização das cidades.
O primeiro elemento que entra em jogo é a questão da mercantilização do espaço, ou seja, a
transformação da terra urbana, que passa a ser mercadoria e em seguida a organização das
cidades passa a ser marcada pela divisão da sociedade de classes que separa os donos dos meios
de produção dos vendedores da força de trabalho e por último um poder centralizado, o qual
interfere diretamente na vida dos cidadãos.
Dessa maneira as cidades de hoje são resultados da acumulação das cidades anteriores
e sofrem transformações ao longo do tempo de acordo com as mudanças ocorridas na sociedade
desde o modo de produção que rege essa sociedade até as relações que a mesma estabelece.
1.1 A produção do Espaço Urbano e seus Agentes
Na cidade o espaço urbano é produzido de acordo com a classe social dominante,
obedecendo suas vontades e estratégias em relação a valorização do solo urbano, sempre a favor
desse mercado capitalista que busca moldar a cidade de acordo com seus interesses.
A produção do espaço, seja ou da rede urbana, seja o intraurbano, não é o
resultado da “mão invisível do mercado”, nem de um Estado hegeliano, visto
como entidade supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora
das relações sociais. É consequência da ação de agentes sociais concretos,
históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias,
portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com
outros segmentos da sociedade (CORRÊA, 2013, p.43).
O espaço urbano é o espaço das contradições inerentes à sociedade capitalista, das
lutas de classes, local este em que a cidade toma seu corpo e reproduz-se de acordo com seu
modo de produção, sendo nesse espaço que o capitalismo torna-se cada vez mais forte e
metamorfoseia-se, explorando e segregando os pobres.
É importante salientar que o espaço urbano se reproduz na contradição/luta.
De um lado estão necessidades do processo de valorização do capital –
enquanto condição geral de produção – em que o indivíduo se perde, cria-se o
estranhamento, o distanciamento e o desencanto do mundo; a cidade dividida
e vendida aos pedaços, espelha a segregação do habitante, expulsando-o para
a periferia da mancha urbana. De outro, ocorre a reprodução da vida humana
em todas as suas dimensões, enquanto retomada dos lugares, recriação de
pontos de encontro, e da busca de identidade com o outro ( Carlos, 2001, p.92)
Por possuir esses recortes em pedaços para diversos usos, o espaço urbano é
fragmentado, uma vez que é dividido em áreas tanto comerciais quanto residenciais ou
17
industriais, porém, essas diferentes áreas estão articuladas pela circulação das pessoas e de
mercadorias.
O espaço urbano capitalista – fragmentado, articulado, reflexo, condicionante
social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto social resultado de
ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem
e consomem espaço. São agentes sociais concretos, e não um mercado
invisível ou processos aleatórios atuando sobre um espaço abstrato. A ação
destes agentes é complexa, derivando da dinâmica da acumulação de capital,
das necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos
conflitos de classe que dela emergem (CORRÊA, 2005, p.11).
Estes agentes sociais reorganizam o espaço urbano através de diferentes ações, porém,
sem mudar seu caráter fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social. Fazem e
refazem a cidade num processo que utiliza de estratégias concretas, atuando para a reprodução
da sociedade capitalista, atendendo interesses de um agente dominante. E de acordo com Correa
(2005), a ação é regulada por um marco jurídico que não possui neutralidade.
Para Carlos (2001), a produção do espaço urbano fundamenta-se num processo
desigual, portanto o espaço deverá refletir essa contradição inerente ao processo de reprodução
do capital interessado apenas no uso produtivo do espaço, através do processo de valorização,
já a sociedade anseia por condições melhores de reprodução da vida em sua dimensão plena.
De acordo com Corrêa (2005) os agentes que produzem o espaço urbano são: os
proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o
Estado e os grupos sociais excluídos. Estes agentes que produzem e consomem o espaço urbano
podem ser divididos em esferas de acordo com a sua prática, são as esferas econômica, política
e social.
1.1.1 Esfera Econômica
Os agentes da esfera econômica, apesar de haver diferenças em suas estratégias,
possuem características comuns, como a posse de uma renda da terra controlando o uso da terra
urbana, incorporando novas áreas à cidade com a transformação da terra rural em urbana,
especulando os preços da terra urbana e diversas outras ações que sempre visam o lucro,
característica principal do modo de produção vigente.
...... Os proprietários dos meios de produção: são os grandes proprietários
industriais e das grandes empresas comerciais, são grandes consumidores do espaço,
necessitando de terrenos amplos e baratos que satisfaçam seus requisitos locacionais
18
pertinentes as atividades de suas empresas, não sendo eles interessados em especulação
fundiária porque isso poderia levar a um aumento dos salários de seus funcionários;
Proprietários fundiários: São os proprietários de terras que atuam no sentido
de obterem a maior renda fundiária de suas propriedades, interessados em que seu uso
seja o mais remunerador possível, e isso significa que estão interessados no valor de
troca da terra e não de seu uso. Exercem pressão junto ao estado visando interferir no
processo de definição do uso do solo urbano e do zoneamento. Influenciam na
passagem do rural ao urbano e na periferizaçao das cidades;
...... Promotores imobiliários: São os responsáveis pela especulação imobiliária,
não estão interessados em atender as demandas de habitação popular, por isso segregam
as classes populares. Exercem pressão no Estado para que o mesmo ofereça
infraestrutura e beneficie certos grupos e exclua outros;
1.1.2. Esfera Política
Nesta esfera está presente o Estado com suas regulações através de leis e programas
que também produzem o espaço urbano, e há uma ligação muito forte entre a esfera econômica
e a política, uma vez que o estado não é neutro em suas ações sempre estando a favor do ganho
econômico, sendo as vezes o Estado incorporador e especulador da terra urbana. As esferas
econômicas e políticas “que determinam o modo de vida da população, a forma como se
apropriam do espaço urbano, as ações e movimentos populares, a visão estereotipada dessas
áreas e a forma como se relacionam” (MARES, 2013, p.1). Nesse sentido Correa diz que:
...... O papel do Estado: Visa criar condições de realização e reprodução da
sociedade capitalista, o seu discurso é sempre para encobrir os interesses dominantes.
Sendo atuante como grande industrial, consumidor de espaço e de localizações
específicas, proprietário fundiário e promotor imobiliário, sem deixar de ser agente de
regulação do solo e o alvo dos chamados movimentos sociais urbanos;
1.1.3. Esfera Social
A sociedade e a cidade não são formadas apenas pelos mais ricos, mas também por
aqueles que trabalham e lutam por um espaço onde possam construir sua moradia, mas são os
explorados por esse grande capital. Dessa forma,
19
........ Os grupos sociais excluídos: são agentes modeladores que produzem seu
próprio espaço, sendo esta produção uma forma de resistência e estratégia de
sobrevivência perante as dificuldades impostas aos grupos recém expulsos do campo ou
que vêm de áreas urbanas em processo de renovação, os quais, lutam para ter direito à
cidade.
Os grupos sociais excluídos se organizam para conseguirem fazer parte da cidade e
obterem também, nesta cidade fragmentada, o seu espaço urbano. Buscamos entender como é
produzido esse espaço segregado, em especial a Ocupação Irregular São José em Barra do
Garças-MT.
20
2 A FORMAÇÃO GEOGRÁFICA DA CIDADE DE BARRA DO GARÇAS - MT
A cidade de Barra do Garças está localizada na divisa dos estados de Mato Grosso e
Goiás, numa região denominada de Vale do Médio Araguaia e possui 65 anos de emancipação
política (figura 01). Foi um dos maiores municípios da região anteriormente ocupando onde
teve a extensão de 170.000 km² e atualmente ocupa 9.078,983 km².
FIGURA 1: Espaço urbano de Barra do Garças- MT.
Elaboração: Adeir Archanjo da Mota, 2014.
Sua fundação data de 1924 e o seu principal historiador divide sua evolução em quatro
partes, em decorrência do processo histórico brasileiro, sendo elas: a Garimpeira, Fundação
Brasil Central, Agropecuária e incentivos fiscais e por último os gaúchos e a agricultura.
Na primeira parte, a garimpeira, foi estabelecido o primeiro núcleo urbano da cidade
“O povoado de Barra do Garças iniciou-se quando Antônio Cristino Côrtes e seu compadre
Francisco Dourado, saindo de registro do Araguaia, se destinavam aos garimpos do Garças”
(VARJÃO, 1992, p.57).
21
A partir desse início de povoamento começaram a aparecer as primeiras características
de cidade, que foi o estabelecimento do comércio. “Em 1925, como já era grande o número de
garimpeiros no local, apareceram os primeiros comerciantes e outros exploradores dos
bamburristas” (VARJÃO, 1992, p.57).
Com isso, o desenvolvimento para a categoria de município foi questão de pouco
tempo: “Foi elevada à categoria de Distrito de Paz (Vila), em 21 de Dezembro de 1935, sob o
decreto nº 32. No entanto, foi sob a Lei Estadual nº 121, de 15 de setembro de 1948, que passa
a ser considerado município, recebendo status “emancipativo” político-administrativo
(RIBEIRO,2001, p.33).
Dessa maneira, pode-se observar que as primeiras características de povoado da cidade
se deu em torno da exploração da riqueza natural e do comércio, que viveu essa fase embrionária
até 1943 quando se instalou na região a Fundação Brasil Central que tinha o objetivo de
“desbravar” o centro-oeste. Sendo essa a segunda fase do desenvolvimento de Barra do Garças.
“A chegada da Expedição Roncador- Xingu, sob a chefia do Tenente-Coronel Flaviano
de Matos Vanique, e, em seguida, as realizações da Fundação Brasil Central motivaram o
progresso de Barra do Garças, até então em processo lento” (VARJÃO, 1992, p.61).
Segundo Varjão (1992), na terceira parte, denominada de agropecuária e incentivos
fiscais houve a compra de grandes faixas de terras no município para exploração da pecuária,
usando dos benefícios de incentivos fiscais oferecidos pelo governo através do imposto de
Renda. Por último, a quarta fase, foi marcada pela chegada de migrantes gaúchos que
introduziram a agricultura e pode ser considerada o passo decisivo da implantação da
agricultura denominada agronegócio.
Pode-se analisar através desses dados que a ação do Estado foi de grande importância
para o desenvolvimento de Barra do Garças enquanto cidade uma vez que a partir da Expedição
Roncador-Xingu, posteriormente Fundação Brasil Central é que o desenvolvimento urbano
ocorreu com maior nitidez e posteriormente o Estado com incentivos fiscais atraiu os paulistas
e a expansão da pecuária.
Numa análise mais profunda pode-se dizer que foi nessa fase que teve início o processo
de segregação espacial na cidade, uma vez que só podiam tomar conta de terras (mercadoria,
produto) quem tivesse condição de mantê-la ou de compra-la e consequentemente os grandes
proprietários fundiários também são donos de grandes lotes urbanos.
A construção de estradas, a criação de povoamentos e a implementação de
uma rede de comunicação, ligando Barra do Garças ao Estado de Goiás e,
consequentemente, aos estados de Minas Gerais e São Paulo, de fato, criaram
as condições para que na década de 1970, o município pudesse se incorporar
22
ao mercado produtivo nacional. Nesse sentido pode-se dizer que a Fundação
Brasil Central cumpriu sua tarefa, ou seja, graças a sua intervenção, o
município de Barra do Garças, a partir de 1965, estava preparado para a nova
fase de efetivação das relações capitalistas no Centro –Oeste e Amazônia
(RIBEIRO, 2001, p.34).
Com isso, Barra do Garças, evoluiu em termos econômicos e populacional, porém,
como toda cidade que se desenvolve rapidamente, problemas urbanos acontecem como falta de
saneamento básico para a maior parte da população, acesso à moradia, problemas relacionados
ao uso do solo urbano como especulações, grilagens, transformação de solo rural em urbano,
um crescimento populacional não acompanhado de infraestrutura básica e habitação suficiente,
consequentemente ocorre a periferizaçao da cidade.
Em 1960, a população de Barra do Garças era de 15.075 pessoas sendo 4.771 na área
urbana e 10.304 na área rural e em 1970, atinge um contingente de 26.570 pessoas e desse total
10.217 residindo na cidade e 16.353 no campo. Em 1980, a população 43.690, destes 29.325
na área urbana e 14.365 no campo e dados do IBGE de 1997 apontam que a população do
município era de 47.122 e desse total 42.943 estavam na área urbana e 4.190 na área rural.
Dessa maneira “ entre 1980 e 1997 a população rural sofreu um decréscimo de 70,8%, enquanto
a população urbana teve um crescimento da ordem de 46,4%” (RIBEIRO, 2001, p.59).
Figura 1: Evolução populacional urbana de Barra do Garças- MT
Fonte: IBGE, 2010.
Essa inversão entre população rural e urbana pode ser explicada pelos investimentos
realizados na área urbana da cidade, assim como a modernização do campo e expropriação dos
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
1960 1970 1980 1997 2010
PO
PU
LAÇ
ÃO
ANO
EVOLUÇÃO POPULACIONAL URBANA DE BARRA DO GARÇAS 1960-2010
rural
urbana
23
pequenos proprietários por grandes latifundiários, fazendo com que a população com menor
poder aquisitivo vinda do campo também formasse periferias na cidade.
Mas, um dos agentes produtores do espaço urbano que mais se destacaram em Barra
do Garças para que se iniciasse esse intenso processo de urbanização foi o Estado, uma vez que
implantou políticas de integração nacional, o que trouxe além da população rural da própria
cidade uma leva de migrantes de outras regiões do país. Assim:
A concessão de incentivos fiscais para a subversão de projetos aprovados pela
SUDAM e a criação de uma infraestrutura viária, como já dissemos, foi a
maneira encontrada para atingir uma agricultura e uma pecuária capitalistas.
Portanto, trata-se de um conjunto de medidas que contou com a participação
direta do Estado federal, visando atrair para a região o capital e seus agentes.
(RIBEIRO, 2001, p.37)
Esse crescimento urbano da cidade de Barra do Garças que abre espaço para os
migrantes tanto vindos da área rural da cidade quanto de outras regiões do país, leva as
populações pobres que não tendo condições de se instalarem em locais próximos ao centro ou
de seu trabalho (quando o têm), a ocuparem os arredores da cidade em terrenos de especulação
ou do poder público.
No ano de 1996, num período de grande crescimento populacional urbano, surge a
Ocupação Irregular São José, onde tais contexto histórico podem ser uma das explicações para
o surgimento desta periferia construída não apenas pelo Estado, bem como por promotores
imobiliários, proprietários fundiários e agentes sociais excluídos.
2.1 Os Grupos Sociais Excluídos e a Produção da Periferia
Os grupos sociais excluídos são grupos modeladores da cidade, que em busca de uma
moradia ocupam terrenos em áreas vazias da cidade, distantes do centro em loteamentos
periféricos ou mesmo nos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado, via de regra, também
distantes da área central e na favela.
A periferia seria segundo Correa (2005) os arredores da cidade não dotados de
amenidades físicas como o mar ou locais arborizados, uma vez que as amenidades atraem uma
população de status para o local e os bairros de status não são socialmente periféricos. Dessa
maneira uma área distante do centro da cidade que não possua amenidades e habitada por
proletários é considerada uma periferia social.
Para Brum (2008), a periferia é uma área desprovida socialmente das inovações trazidas
pelo desenvolvimento capitalista, com infraestruturas básicas, de população pobre e distante do
24
centro e das forças dominantes da sociedade. De acordo com Benevolo (2005) a periferia não é um
trecho de cidade, mas um território livre onde se somam um grande número de iniciativas
independentes: bairros de luxos, bairros pobres, industrias, depósitos, instalações técnicas e num
determinado momento essas iniciativas se fundem num tecido compacto, que não foi porém,
previsto e calculado por ninguém.
Spósito (2009) diz que o termo periferia com peso pejorativo pode ser explicado em razão
dos seus moradores que residem distantes dos seus locais de trabalho e do centro perderem muito
tempo em seus deslocamentos para o trabalho, o que causa um cansaço e o desgaste físico. Mas o
que pode levar a ter essa ideia pejorativa da periferia pode simplesmente ser a falta de conhecimento
relacionada a formação dessa parte que é integrante da cidade, que faz parte dela, não entendendo
o processo ficam à mercê das definições do senso comum.
O que, no senso comum, representa a periferia é a sua caracterização social,
marcada pela presença de pessoas de baixa renda, os pobres, que não têm
meios para aquisição de uma residência em um bairro de status. Mesmo que a
escolha não seja um bairro elitizado, a população não encontra meios que a
possibilite escolher em que bairro ou em que área morar e em que condições
de moradia habitar. Por isso, a periferia é vista como uma apropriação desigual
do espaço urbano (MARES, 2013, p.3).
Nesse sentido, podemos dizer que um primeiro ponto de formação da periferia seria a
classe social, as pessoas de baixa renda, uma vez que os pobres não têm meios que os deixe escolher
um local para que possam morar. Destaca- se também que se os habitantes dos arredores da cidade
são uma população rica, já não é mais considerada periferia, passando a mesma passa a ser uma
apropriação desigual do espaço urbano.
Assim, as classes de maior renda habitam as melhores áreas, sejam as mais
centrais ou, no caso das grandes cidades, quando nestas áreas centrais afloram
os aspectos negativos como poluição, barulho, congestionamento, lugares
mais distantes do centro. Buscam um novo modo de vida em terrenos mais
amplos, arborizados, silenciosos, e com maiores possibilidades de lazer. À
parcela de menor poder aquisitivo da sociedade restam as áreas centrais,
deterioradas e abandonadas pelas primeiras, ou ainda a periferia, logicamente
não a arborizada, mas aquela em que os terrenos são mais baratos, devido à
ausência de infraestrutura, à distância das “zonas privilegiadas” da cidade,
onde há possibilidades da autoconstrução – da casa realizada em mutirão. Para
aqueles que não tem nem essa possibilidade, o que sobra é a favela, em cujos
terrenos, em sua maioria, não vigoram direitos de propriedade (CARLOS,
2001, p.48 e 49).
Portanto, na periferia ocorre a reprodução social e espacial da população pobre, uma
vez que é nela que residem os excluídos do poder, tanto econômico quanto político, os que
ficam à mercê das decisões dos grupos dominantes. Residem nestes locais, nos quais não
encontram os serviços básicos, sendo obrigados a se deslocarem ao centro com um transporte
público (quando existe), caro, que os pauperiza ainda mais. Já as classes de alta renda podem
25
escolher onde morar, seja no centro ou em terrenos maiores e arborizados afastados, mas que
não são caracterizados como periferia devido à classe social que o habita.
Um outro ponto que pode ser razão do nascimento das periferias nas cidades é a
habitação, pois as pessoas precisam morar, uma vez que “não se pode deixar de ocupar qualquer
lugar para morar na superfície da terra, porque ninguém vive suspenso no ar”. (SPÓSITO, 2009,
p.39). Esse problema habitacional no Brasil é antigo e teve seu início assim que se deu a
abolição da escravidão em 1888, quando os escravos recém- libertos e não mais residentes e
“sustentados” pelos seus patrões se viram obrigados a procurar áreas para morar, e como não
tinham nenhuma condição para comprar lotes se viram obrigados a procurar locais distantes
dos centros, formando as periferias e primeiras favelas urbanas.
A evolução das favelas acompanhou o processo de urbanização da sociedade
brasileira. Ela é determinada pelo processo da chamada reprodução da força
de trabalho. Na sociedade escravocrata, a moradia do trabalhador era provida
pelo patrão, bem como os demais itens de sua subsistência. A emergência do
trabalho livre dá origem ao trabalho de habitação. O patrão está livre dessa
incumbência. A partir da abolição caberia ao trabalhador pagar a sua moradia.
Essa mudança deveria implicar assalariamento e formação do mercado urbano
de moradias, como ocorreu nos países capitalistas centrais, não sem muito
conflito (MARICATO, 2002, p.3).
A sociedade com menor poder aquisitivo, que são os agentes sociais excluídos é
considerada apenas como uma massa seguidora dos produtores do espaço, porém segundo
Campos (2005) as populações pobres ao se apropriarem dos espaços periurbanos, considerados
ilegais pelo poder público, participam da construção do espaço urbano das cidades.
Os grupos sociais excluídos participam da formação do espaço urbano ao se
apropriarem de terras públicas ou privadas e organizam-se de forma que constroem suas
moradias com qualquer material de que disporem desde a lona, portas, sacos plásticos, e a
madeira, contando com a ajuda de vizinhos, algumas vezes em mutirão, e de forma rápida para
não perderem o espaço conquistado.
Essa população, que não tendo condições de comprarem uma moradia próxima ao
centro ou pagar aluguel procuram lugares longe do centro, nos quais conseguem terrenos ou
aluguéis mais baratos e buscam solução para sua moradia em ocupações de formas irregulares
em locais muitas vezes impróprios de se viver.
Uma das formas da classe trabalhadora resolver seu problema de morar é
como já foi visto, comprando um lote em áreas da periferia pobre e geralmente
em loteamentos clandestinos. Como os salários são baixos, só nestes lugares
é possível comprar um lote (RODRIGUES, 2003, p.29).
26
Essas ocupações podem também ser influenciadas pelo poder público para atender a
agentes imobiliários e proprietários fundiários que usam de estratégias, como a “grilagem”,
buscando valorização de áreas para uma posterior especulação imobiliária, já que não
conseguem resolver o problema de moradia empurram os pobres para as periferias. Sobre isso
Milton Santos diz:
O próprio poder público torna-se criador privilegiado de escassez, estimula
assim, a especulação e fomenta a produção de espaços vazios dentro das
cidades, incapaz de resolver o problema da habitação, empurra a maioria da
população para as periferias, e empobrece ainda mais os mais pobres, forçados
a pagar caro pelos precários transportes coletivos e a comprar caro bens de
consumo indispensável e serviços essenciais que o poder público não é capaz
de oferecer (SANTOS, 1994, p. 111).
Os proprietários fundiários são interessados em transformar áreas rurais em urbanas,
uma vez que é mais rentável para os mesmos. Assim, transformam-se em agentes imobiliários
e exercem pressão no Estado para que viabilize essa prática com implantação de infraestruturas
básicas como rede de água e energia elétrica para aumentar o valor de suas terras. Sendo assim:
A cidade em si, como relação social e como materialidade, torna-se criadora
de pobreza, tanto pelo modelo socioeconômico, de que é o suporte, como por
sua estrutura física, que faz dos habitantes das periferias (e dos cortiços)
pessoas ainda mais pobres. A pobreza não é apenas o fato do modelo
socioeconômico vigente, mas também, do modelo espacial (SANTOS, 2013.
p.10).
Dessa maneira, o espaço da cidade é recortado formando modelos espaciais
reprodutores da sociedade capitalista, com vazios urbanos e periferia com pouca ou quase
nenhuma infraestrutura necessária para a sobrevivência dos pobres e no qual os ricos habitam
as melhores porções deste espaço. E esse modelo é percebido nas cidades brasileiras desde as
metrópoles as cidades médias e pequenas.
Nas metrópoles brasileiras o padrão de segregação mais comum é o centro
versus a periferia. É nas regiões centrais que se encontra a maioria dos serviços
urbanos, tanto público como privado, local que é ocupado pelas classes de
mais alta renda. E é a periferia que concentra os excluídos da sociedade,
isolados de tudo e de todos. Neste sentido, o espaço mostra-se como um
mecanismo de exclusão social, onde as pessoas de poder aquisitivo mais
elevado se concentram nas terras com preços mais elevados e os de baixo
poder aquisitivo nas áreas menos privilegiadas, cujo valor da terra é mais
barato (ROMANCINI, 2009, p.56).
Sendo assim, o solo urbano é meio especulativo para a economia capitalista, na qual a
atuação dos agentes produtores do espaço é responsável pelo parcelamento da cidade de acordo
com os seus interesses, e sempre é a área central o local que estão os serviços urbanos
necessários à toda a cidade. Portanto:
27
Quanto mais cidade se produz, na lógica do capital, maior o preço da terra e
das edificações. A cidade-mercadoria, a mercadoria terra e unidades
edificadas não obedecem à lógica da produção de objetos. O preço da terra e
da cidade aumenta mesmo quando numa determinada porção de seu território
não há nenhum trabalho produtivo direto (o que explica a especulação em
terras vazias). A mercadoria terra urbana e a mercadoria cidade são
diferenciadas de outras mercadorias (RODRIGUES,2007, p.8)
Com isso é possível verificar que a terra urbana enquanto mercadoria e produto na
acumulação de capital é também responsável pela segregação social e espacial, uma vez que os
especuladores agem para que as melhores parcelas deste solo urbano sejam das populações de
alta renda.
O setor imobiliário exerce grande influência na cidade e é responsável por alimentar
as diferenças sociais e econômicas diante do parcelamento e da especulação em torno do solo
urbano, uma vez que “o livre jogo da especulação ocasiona o deslocamento do habitat popular
para a periferia ou para os terrenos de pouco valor, o que favorece o fenômeno da “favelização””
(SANTOS, 2008, p. 205). E,
Finalmente, a evolução dos custos da construção, combinada com a dos preços
dos terrenos, enquanto os salários permanecem estacionários, aparece como
principal responsável pelo desenvolvimento das favelas. O preço da
construção aumenta mais depressa que o custo de vida geral (SANTOS, 2008,
p. 206).
Portanto é possível verificar a grande responsabilidade do Estado enquanto produtor e
reprodutor dessa exclusão em relação ao acesso e uso do solo urbano, pois o mesmo é
responsável pela implantação do salário mínimo que cresce pouco e não acompanha o preço de
materiais de construção, e muito menos dos terrenos.
Essa dificuldade de acesso ao solo urbano é um dos passos para a ilegalidade das
cidades, uma vez que os moradores das ocupações em locais públicos ou privados não tem
documentação legal perante o poder público de seus lotes, pois “ na cidade, a invasão de terras
é uma regra, e não uma exceção. Mas ela não é ditada pelo desapego à lei ou por lideranças que
querem afrontá-la. Ela é ditada pela falta de alternativas ” (MARICATO, 2002, p.2).
Outro problema relativo a esta ilegalidade dos lotes urbanos é a arrecadação por parte
do município do IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano), sendo que os lotes que não
possuem o devido registro em cartório não pagam esse imposto e as pessoas sofrem com o
medo da perda de suas casas.
Portanto a busca pela regularização fundiária não deve ser apenas interesse dos
habitantes dessas periferias, mas também do poder público, que pode aumentar sua arrecadação
e utilizar o dinheiro deste imposto para instalar benfeitorias no mesmo local.
28
Quando isso acontece, uma implantação de praças, locais de lazer, pode ocorrer uma
valorização dos lotes e atrair para estes locais outro público de moradores ocorrendo outro
fenômeno referente a esse processo de reprodução do capitalismo, que é a construção de outras
periferias, pois os lotes valorizados são revendidos por um bom valor e as pessoas se deslocam
para outros locais mais distantes ainda, formando novas periferias.
29
3 REFLEXÕES DA PERIFERIA A PARTIR DO SÃO JOSÉ
Para ter acesso à moradia as pessoas criam maneiras para morarem nas cidades, em
ocupações, cortiços e se organizam para terem o direito de morar, de ocupar um espaço na
cidade. Assim vamos investigar uma dessas formas de organização que as pessoas utilizam para
ter acesso ao solo urbano: as ocupações irregulares do ponto de vista da propriedade da terra.
As ocupações ocorrem em bloco, ou seja, um certo número de famílias procura
juntamente uma área para instalar-se. Esta ocupação de área ocorre num
mesmo dia para todo um grupo. As ocupações caracterizam-se por uma
mobilização anterior. As construções, embora de responsabilidade de cada
família ocupante, são realizadas em verdadeiros “mutirões”, em que as
famílias que não contam com homens, são auxiliadas por outros. As famílias
que não podem pagar aluguel ou comprar uma casa/terreno, unem-se na busca
de uma solução (RODRIGUES, 2003, p.43)
Assim, o designado pelos moradores como “bairro” São José configura-se na verdade
como uma ocupação irregular, a qual não tem reconhecimento nos órgãos competentes como
bairro e localiza-se no interior do bairro Jardim Nova Barra no setor Oeste de Barra do Garças.
Está a uma distância de 7 km do centro comercial da cidade (figura 03), o que em relação à
dimensão urbana de Barra do Garças configura-se como uma periferia geográfica e pautando-
se na definição de Corrêa (2005) a respeito do termo periferia, uma vez que a Ocupação
Irregular São José é desprovida de amenidades físicas, habitada por uma classe em sua maioria
assalariada também pode ser denominada como periferia social.
FIGURA 3: Distância entre a área central de Barra do Garças- MT e a Ocupação Irregular São José.
Fonte: Google maps, 2014
É possível verificar através da imagem que no trajeto centro-bairro há um vazio
urbano típico da segregação urbana, que envia para longe do centro da cidade a população com
30
menor poder aquisitivo. Portanto “é um produto da existência de classes sociais, sendo a sua
espacialização no urbano” (CORRÊA, 2005, p.60).
Esse processo de segregação no Brasil tem início desde que a Terra foi transformada
em mercadoria. Em 1850 com a Lei de Terras, “só quem podia pagar era reconhecido como
proprietário juridicamente definido em lei” (RODRIGUES, 2003, p.17). Consequentemente
excluindo desse processo os trabalhadores sem recursos e os condicionando a vender a única
coisa que tinham: sua força de trabalho. Assim “ a terra tornou-se uma mercadoria do modo de
produção capitalista. Uma mercadoria que tem um preço só acessível a uma determinada classe”
(RODRIGUES, 2003, p.18). Atualmente isto ainda reflete a realidade urbana, podendo ter terra,
tanto urbana quanto rural apenas os que podem pagar por ela, ou que se organizam para lutar
contra sua falta de acesso à moradia.
3.1 A Formação da Área
Neste sentido a área onde se localiza a Ocupação Irregular São José, de acordo com
Ribeiro (2001), pertenciam a uma chamada Gleba Araguaia, sendo a mesma uma imensa área
ocupando as duas margens das BRs 070 e 158 que fazem a ligação entre Barra do Garças, Nova
Xavantina e que se estende até São Félix do Araguaia, nas divisas de Mato Grosso e Pará. Os
lotes 02, 03, 04 e 05 da referida Gleba que pertenciam a particulares e não ao INCRA estão
situados à margem esquerda da BR 070, portanto a Ocupação Irregular está dentro dos lotes
dessa Gleba.
Porém quando teve início a ocupação do “bairro”, em Abril de 1996 o que os
“invasores” diziam era que as terras pertenciam a União, mas havia um senhor que se dizia
dono legítimo e que apresentava toda documentação, mostrando que as terras pertenciam a
imobiliária de sua propriedade E.L. Esteves. De acordo com Ribeiro (2001) podia-se afirmar
que este seria um caso de grilagem, uma vez que ninguém sabia informar como os lotes 02, 03,
04 e 05 passaram ás mãos do senhor Eurípedes Luiz Esteves. Após tornar-se dono da área teria
elaborado um projeto para loteá-la, passando assim a um promotor imobiliário que incorpora
novas áreas à cidade.
Os incorporadores imobiliários são as empresas que individualmente ou
associadas aos proprietários loteiam glebas para uso residencial. Se estas
glebas localizam-se no perímetro urbano, deve-se elaborar projetos de acordo
com a legislação e se obter sua aprovação nas prefeituras (RODRIGUES,
2003, p.26).
.
31
Assim a firma E.L. Esteves Imobiliária “proprietária” do loteamento denominado
Jardim Nova Barra do Garças recebeu a aprovação pelo decreto de nº 544 para o referido
loteamento em 15 de março de 1979, conforme documento municipal, assinado pelo então
prefeito Sr. Wilmar Peres de Farias. Verifica-se assim a ação de diversos agentes nesse processo
de produção da cidade.
No processo de incorporação de novas glebas estão embutidas as diferentes
formas de “especulação imobiliária”. Participam, em geral, do processo de
abertura e de consolidação vários agentes: o proprietário fundiário, o
empreendedor do loteamento (loteadores, corretores), compradores dos lotes
(moradores) e o Estado, através do aparelho técnico, financeiro e legal. Os
proprietários de terra podem se confundir com os loteadores ou entrar no
negócio apenas com a gleba, enquanto os demais encargos – projeto,
aprovação, abertura de vias, etc. – ficam a cargo do loteador. As porcentagens
que cada um obtém da venda dos lotes, depende do que ficou estabelecido
entre as partes (RODRIGUES, 2003, p.26).
Nesse jogo de especulação percebe-se que um agente é dominante e se transforma em
dois, uma vez que o Sr. Eurípedes Luiz Esteves, “proprietário” da gleba e especulador
imobiliário como empreendedor do loteamento na figura da firma de sua propriedade E.L.
Esteves Imobiliária, sendo ao mesmo tempo proprietário fundiário e loteador ou promotor
imobiliário.
De acordo com depoimentos colhidos na prefeitura municipal no Departamento de
Terras, o mapa do loteamento foi elaborado em Goiânia-GO, e aprovado pela prefeitura
municipal de Barra do Garças-MT com o nome de Jardim Nova Barra do Garças e a área onde
localiza-se a Ocupação Irregular São José faz parte desse loteamento.
O São José e o novo horizonte aquilo tudo é nova barra, ai quando o Zé Alves
fez aquele negócio lá ai o pessoal pra homenagear ele, botaram o nome do
bairro de bairro São José, mas o loteamento é Jardim Nova Barra do Garças,
o Bairro é que é São José. (entrevista realizada em 22/07/2014)
A imobiliária com o mapa do loteamento contratou o Sr. José Alves, que era topógrafo
para fazer a medição dos lotes e o mesmo teria descoberto que a área pertencia à União e não à
imobiliária. Após essa descoberta o Sr. José Alves teria demorado anos para reunir documentos
que comprovassem tal informação, para posteriormente ocupar o local. O mesmo teria ido a
Brasília - DF, falado diretamente com funcionários do INCRA. Informações pautadas em
depoimento de uma moradora que participou da ocupação, juntamente com o Sr. José Alves:
O início da ocupação foi através de invasão, através de invasão começou a
fundação do Bairro São José, só que pra gente fazer isso a gente fomos até
Brasília né, fizemos reunião com o Procurador Geral do Incra, o doutor
Sebastião de Azevedo e foi depois dessa reunião com ele lá em Brasília que a
gente deu seguimento 100%, intão quando nós retornamos de Brasília, nóis
fomos pra Cuiabá, lá nós tivemos reunião também com o procurador do
32
INCRA, o doutor José Getuliano Trajano de Moura e o mesmo falou assim
pra gente que da forma que a gente tava trabalhando, entendeu? Que o
documento que a gente tinha na mão, podia vim um caminhão de navalha que
nenhuma nos acertava, era um trabalho muito bonito que nóis tava fazendo
porque a gente não tava vendendo os terreno, a gente tava fazendo doações, a
gente tava procurando pessoas que não tinha condição de pagar um aluguel,
que não tinha uma casa própria, então era essas pessoas que a gente tava
ajudando, intão mas era um local que não tinha rua aberta, quem abriu as ruas
aqui pra nós foi o saudoso Wilmar Peres de Farias, que Deus tenha ele num
bom lugar, foi ele que nos ajudou muito, foi um pai aqui pra nós do Bairro
São José (entrevista realizada em 20/07/2014).
Dessa maneira para iniciar a ocupação primeiramente as pessoas que a lideraram foram
em busca de meios que sustentassem suas ações e documentos que comprovassem como as
terras poderiam ser ocupadas, já que estavam sem uso e pertenciam à União.
3.2 A Ocupação Irregular São José
Nesse contexto, surge em 12 de abril de 1996, uma organizada ocupação, liderada pelo
Sr. José Alves, com cerca de 100 famílias para ocuparem os lotes que já haviam sido por ele
medidos, quando este era funcionário da Imobiliária E.L. Esteves. Isto pode ser verificado pela
entrevista com um dos moradores da Ocupação:
O Bairro nasce em 12 de abril de 1996, as 15:00 horas, por ocupação inicial de 100
famílias, lideradas pelo Sr. José Alves, as terras pertenciam ao INCRA, sendo
denominada a área como Gleba Araguaia 10. Ações políticas e de grilagem podem ter
dado a posse das terras ao Sr. Eurípedes Luiz Esteves, que fez a medição dos lotes,
José Alves era topógrafo e funcionário da imobiliária E. L. Esteves. Após ser demitido
e reclamar seus direitos José Alves insatisfeito liderou um grupo de famílias para a
ocupação dos lotes, sendo o mesmo ciente de que as terras pertenciam a União e não
à imobiliária” (entrevista em 16/10/2013)
Verifica-se a organização do início da ocupação, uma vez que o líder já possuía uma
ficha cadastral (conforme figura 4 e 5), que data de 12/04/1996, justamente o dia em que a
mesma teve início e um mapa de divisão da Ocupação Irregular em quadras, locais e nomes das
ruas, rotatórias que poder ser verificado na figura 6.
33
FIGURAS 4 E 5: Ficha cadastral da Ocupação Irregular São José
Foto: Elene Vilela, 2014.
Com isso, é possível identificar que as reinvindicações e lutas por acesso ao solo
urbano, quando ocorre de forma programada, demandando prévia organização, pode obter
êxito, sendo assim:
O processo cotidiano de tentar minorar as agruras da vida é inicialmente
fragmentado. Surgem em bairros, favelas, cortiços e também por tipo de
reivindicação. Porém, as ideias se propagam e as experiências são difundidas
ampliando a pauta de reivindicações. As cooperativas habitacionais passam a
integrar o ideário de grupos, a produção por mutirão altera a dinâmica da
autoconstrução, as ocupações coletivas de terra se ampliam, com traçados de
ruas e áreas institucionais demonstrando uma organização prévia à ocupação
(RODRIGUES, 2007, p.82).
Para que as suas reinvindicações sejam atendidas, formam grupos e lideranças que
lutam por aqueles que não tem acesso à moradia, tentando dar aos mesmos um local para
construírem suas casas e para que possam também ter acesso ao solo urbano, tornando assim a
cidade um local de luta constante. Portanto, a ocupação irregular São José ocorreu de forma
organizada, sendo planejada anteriormente até mesmo os traçados das ruas, lotes e
equipamentos comunitários, conforme figura 6.
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FIGURA 6: Traçado do arruamento e divisão de lotes da Ocupação Irregular São José
Foto: Elene Vilela, 2014.
Para ser feita a distribuição dos lotes existia uma pessoa que comandava essas doações,
sendo um controlador, o qual administrava a ocupação: o Sr. José Alves. O mesmo com o mapa
da ocupação e ficha cadastral em mãos conforme doava os lotes pintava no mapa, demarcando
que aquele lote já havia sido cedido e através da ficha cadastral que tinha o nome de “escritório
de assentamento do Bairro São José” adicionava os dados das pessoas, como nome, CPF, RG,
etc. Isso pode ser demonstrado na fala de uma das moradoras que participou deste processo “O
Sr. José Alves, passava os lotes, fazia uma ficha, para saber a quadra, o número do lote, cada
um tinha a sua ficha” (entrevista em 26/06/2014).
As primeiras casas do loteamento foram construídas tendo a direção bairro-centro,
sendo uma continuação de um bairro já existente- o Vila Maria Gomes dos Santos- e por isso,
o mesmo, teria recebido o nome de São José, uma vez que seria o encontro de Maria e José
figuras bíblicas, e não por homenagem ao Sr. José Alves como muitos relatam. Isso pode ser
corroborado pelas datas da ficha apresentada na figura 4 e 5 acima, pois ela data da fundação
da ocupação, 12/04/1996, e na mesma já trazia o nome de “bairro” São José, mostrando que a
denominação já havia sido escolhida, antes de sua ocupação.
O processo de construção das primeiras casas foi através da autoconstrução, “de posse
do seu lote, começa a construção da casa, através de um processo longo e penoso, calcado na
cooperação entre amigos e vizinhos ou apenas na unidade familiar: a autoconstrução. ”
(RODRIGUES, 2003, p.30). Não tendo água encanada ou energia elétrica a água que utilizavam
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nas construções das casas na ocupação São José, cada um buscava da forma que podia, em
tambores, em caçambas de caminhões, etc. As casas eram construídas aos poucos ou em folgas
do trabalho, conforme relatam os primeiros moradores:
Eu não tinha casa nem dinheiro pra pagar aluguel, intão fiquei aí mesmo
dibaixo das arve, depois colocamo uma loninha. Ai pra construir a casa fomos
comprando aos poquin, não tinha condição de comprar tudo de uma vez.
Algum tinha um lampiãozinho e outros, só vela. Essas redes de energia foi nós
que paguemos, ajuntou todo mundo, não foi prefeito, não foi ninguém. A água
ajuntou uma turma e foi lá pedir até conseguir (entrevista em 26/06/2014).
A gente morava em Xavantina, meu pai todo final de semana vinha pra cá e
nas folgas começou fazer uma meia água, fez uma meia água de início e um
dos lotes que a gente comprou já tinha uma casa na frente e aí quando terminou
de construir a meia água, a gente foi pra essa meia água, depois ele arrumou a
casa da frente que é maior, aí a gente passou a morar lá na casa da frente
(entrevista em 05/07/2014).
Eu também sou uma das pessoas que não tinha teto, eu não tinha onde morar
também, eu não tinha condições de pagar um aluguel também, intão eu
cheguei pra ele, eu fiquei sabendo intendeu? Da ocupação aqui e daí eu
procurei ele e pedi pra ele um terreno e ele falou assim: eu arrumo sim pra
senhora, ai eu falei pra ele: olha seu José eu não tenho condições de pagar um
aluguel, não tenho casa própria, sou recém chegada na cidade e eu preciso
muito de um lugarzinho pra mim morar, aí ele falou muito bem dona Maria
(entrevista em 20/07/2014).
Por esses relatos dos moradores pode ser verificada a dificuldade encontrada no início
dessa ocupação irregular, assim como as pessoas realmente não tinham outro meio de se
estabelecer na cidade, uma vez que não tinham condições de pagar aluguel, e muito menos
comprarem um terreno, o que lhes restou foi enfrentar essa luta e:
Assim, num longo e penoso processo, constrói-se a casa e a cidade na
“periferia”, termo com frequência utilizado para os setores mais precariamente
atendidos por serviços públicos e não, necessariamente, pela distância em
relação ao centro da cidade. Não se considera periferia os loteamentos de “alto
padrão”, bem dotados de serviços públicos, mesmo os localizados em áreas
distantes do centro (RODRIGUES, 2003, p.31)
Dessa maneira, essa construção periférica da cidade, que mesmo com a falta de
serviços públicos no início, se desenvolvia pouco a pouco, mas ainda carecia, por exemplo, de
pavimentação asfáltica e transporte coletivo, este somente começou a passar dentro da ocupação
quando foram instalados o mínimo de infraestrutura no ano de 2003 quando as principais vias
da ocupação foram asfaltadas, fato ocorrido no governo municipal de Wanderley Farias. Antes
da pavimentação asfáltica no “bairro”, os moradores deveriam seguir até a BR 070, tendo que
caminhar em alguns casos até seis quadras para utilizarem o transporte coletivo, uma vez que o
que atendia a ocupação fazia o trajeto centro-Vila Maria.
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Nesses processos de lutas por melhorias em suas condições de vida, que foram
intensificadas no período de 1996 a 1998 houve sempre pessoas que realmente precisam
daquele lote, sendo este, a única forma de conseguirem morar, mas existiram também aqueles
que aproveitavam-se desses momentos para obterem renda própria, conquistando lotes apenas
para venderem posteriormente. Dessa forma, os próprios militantes da Ocupação Irregular São
José, exploram os que se encontram em pior situação, ganhando um lote, esperam uma
valorização, entrando nesse jogo de especulação tão característico da terra enquanto
mercadoria.
Um desses casos, no qual a especulação cedeu lugar à conflitos pela posse do solo
urbano, ocorreu em 1998, em que muitas famílias perderam suas construções, tendo suas casas
derrubadas por máquinas. Foram colocadas abaixo duas quadras, completamente edificadas,
algumas dessas pessoas não tiveram tempo nem para retirarem seus pertences. Alguns tentaram
impedir fazendo cordões de isolamento, porém inúteis contra mandatos judiciais e a força
policial. Isto pode ser verificado em Reportagem exibida no programa “ Cadeia Neles” pela
rede Record de Televisão Estadual afiliada da Record Nacional.
Repórter: - Nós estamos indo para o “bairro” São José, que segundo as
informações máquinas estão no “bairro” São José derrubando algumas casas
e desapropriando residências que invadiram o loteamento. Nos estamos indo
para o local neste momento, uma ordem judicial pra dar toda segurança para
que as pessoas possam então fazer o mesmo, nós vamos estar acompanhando
esse trabalho, mostrando a agonia de familiares que estão vendo sua própria
casa sendo destruída.
Repórter: - Nós viemos aqui ao “bairro” São José, onde nesse momento você
que tá em casa vai acompanhando a destruição de algumas casas do
loteamento que segundo informações tem proprietário. A situação é difícil
porque as pessoas foram incentivadas a construir, e hoje observem só, a
máquina está destruindo.
Repórter: -São quantos lotes aqui?
Sr. João Carlos: - São 13 lotes meu.
Repórter: - O pessoal foi notificado para não construir?
Sr. João Carlos: - Foi e essa é a segunda reintegração de posse que nós
recebemos, mas o Sr. José Alves por motivos eleitoreiros, ele tende a fazer
baderna aqui nesse setor, doando lote pro pessoal, vendendo. Então o pobre
coitado do pessoal que investiram aqui, então eu acredito que o Sr. José Alves
devia pagar esse prejuízo pro pessoal.
Repórter: - Podemos entrar aqui?
Sr. João Carlos: - Pode sim
Repórter: -Então aqui o pessoal que estão vendo as suas casas sendo
destruídas, a situação é terrível. Quem vai se responsabilizar por tudo isso? As
pessoas estão se organizando, a polícia militar já se encontra no local e a
qualquer momento pode acontecer aqui uma revolta por parte de populares. A
qualquer momento pode acontecer uma revolta e nós não sabemos o que pode
acontecer mais tarde.
Popular: -Esse lote aqui não foi ganho meu fii, foi comprado fii, foi
comprado, foi R$ 1.000, 00 (mil reais) na beira do asfalto, R$ 500,00
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(quinhentos reais) do asfalto pra cá. Por que você não veio aqui e falou isso
aqui é meu?
Repórter: -O que pode ser feito numa situação igual a essa? O Zé Alves tá
sendo acusado e não apareceu até o presente momento, o que pode ser feito?
D. Balbina, presidente do “bairro” na época: -Uai eu agora tô sem saber o que
fazer, porque a gente tava ciente que ele tava resolvendo tudo porque ele
sempre falava pra gente: tô resolvendo, tô resolvendo e agora fazer o que?
Documento em Brasília e tá chegando, tá chegando e pode ficar
despreocupado que ninguém vai ser despejado. Então todo mundo tava
despreocupado e chega numa hora dessa o que que a gente pode fazer.
Repórter: -Olha nesse momento vai ser derrubada mais uma casa. Essa
residência é sua?
2º popular: -Derrubaram minha casa, eu tava viajando uns três dias cheguei
minha casa ta arrombada e meus trem num tava lá dentro.
Repórter: -Essas pessoas aqui não tao querendo deixar destruir, não querem
deixar derrubar, os policiais também se mobilizaram e estão montando uma
barreira, a casa vai ser destruída, o pessoal não quer deixar, a confusão está
generalizada, vamos acompanhar as falas aqui
Populares em coro: -não é pra derrubar, não é pra derrubar.
Repórter: -A casa está sendo destruída, agora vem aqui comigo, o pessoal
chorando, agora eu quero que você que tá em casa veja esta cena.
Através dessa reportagem e das falas tanto do repórter quanto das pessoas entrevistadas
é possível verificar o quanto essas pessoas foram manipuladas por esse jogo de especulação
imobiliária, já que compraram esses lotes de quem os conseguiu primeiro e após construírem
suas casas perderam tudo, até mesmo os pertences de dentro das casas, que não tiveram tempo
para retirar.As quadras, que foram derrubadas, uma delas hoje ainda não tem nada construído,
está fechada com muro, em completo abandono e a outra já está com uma parte com kit nets
prontas e em construção (figuras 7 e 8).
FIGURA 7 e 8: quadras que tiveram as construções demolidas em 1998
Foto: Elene Vilela, 2014.
De acordo com entrevistas com os moradores a instalação da escola municipal, creche
e a policlínica que hoje existem na ocupação irregular São José ocorreu depois das
reinvindicações dos moradores e demorou 8 anos para serem conquistados. Depois que a
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ocupação foi sendo constituída que esses equipamentos, indispensáveis à população foram
instalados. Conforme moradora “quando veio o colégio praqui, só serviu pros meus netos, os
meus filhos já eram tudo grande” (entrevista em 26/06/2014).
Desde sua fundação o “bairro” teve diversos presidentes, porém atualmente isso está
inexistente, não contando nem ao menos com uma sede onde os moradores possam fazer suas
reinvindicações. O “bairro” não conta com um líder que lute por melhorias ou faça frente com
as lideranças políticas da cidade, mas existem pessoas que se organizam para ajudar os que
estão em dificuldades, através de rifas, leilões, que quando solicitados acontecem às sextas-
feira na feira livre que acontece no “Bairro”. Mas no início a ocupação teve lideranças:
Na época a primeira presidente que a gente nomeou foi a dona Balbina,
Balbina Brás de Duarte, ela foi a primeira presidente, o segundo presidente foi
meu ex marido Antônio Angelim da Silva Neto e a terceira dona Maria
Oliveira Hilário, daí pra frente eu não sei falar o nome das pessoas que
representaram o bairro (entrevista em 20/07/2014).
A Ocupação Irregular São José cresceu rapidamente, apesar das dificuldades iniciais,
e nos dias atuais está sendo um dos locais que “mais cresce na cidade de Barra do Garças”1, já
conta com infraestruturas básicas como asfalto, rede de água e elétrica em toda a ocupação,
transporte coletivo. Porém ainda é carente de redes de esgoto, ficando a população sujeita aos
esgotos que correm pelas ruas, os quais provocam transtornos tanto referente ao mau cheiro
quanto aos buracos que o mesmo abre nas ruas.
Por ser uma área periférica social, os moradores da ocupação também sofrem
preconceitos, uma vez que as periferias são taxadas como locais de violência, tráfico de drogas,
onde só residem os bandidos. Caracteriza-se como um grave problema social o tráfico e
comércio de drogas na Ocupação envolvendo, na maioria, jovens menores de 18 anos, uma vez
que, sendo uma população de baixa renda, pais e mães trabalhadores, muitas vezes deixam seus
filhos à mercê desse “mal” para tentar dar à eles o sustento.
Contudo, nesse mosaico que representa a periferia, existe na ocupação um comércio
em diversos ramos, como mercados, mercearias, distribuidores de bebidas, feira- livre,
panificadoras, sorveterias, farmácia, tabacaria, lan house, academia de ginástica, restaurantes,
mecânica de motos e bares, os quais concentram–se em sua maioria em uma rua da ocupação
que é denominada pelos moradores como a “Avenida do bairro”, esse comércio é bem completo
e em sua maioria atende a população (figuras 9-12), ficando a diferença com a área central da
cidade basicamente em relação a preços.
1 Jargão usado em campanhas publicitárias referentes aos loteamentos vizinhos à ocupação
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FIGURAS 9, 10, 11 e 12: Comércio na Ocupação Irregular São José.
Foto: Elene Vilela, 2014.
Foto: Elene Vilela, 2014.
O serviço de correio ainda é inexistente, devido à regulamentação cadastral quanto ao
endereço, sem definição do nome do “bairro”, uma vez que a população o denomina como
“bairro” São José e nos registros municipais existe apenas o Jardim Nova Barra do Garças. Há
também a falta de um lugar para os moradores pagarem as contas de água, tendo que se
deslocarem ao centro da cidade para tal serviço, mostrando como o centro exerce poder sobre
as outras áreas da cidade.
Mesmo faltando alguns serviços que atendam a população instalada na ocupação pode-
se verificar que o “bairro” vem evoluindo estruturalmente ao longo dos anos como pode ser
verificado nas figuras 13 e 14 abaixo:
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FIGURA 13: Imagem da Ocupação Irregular São
José em 2005.
FIGURA 14: Urbanização da Ocupação Irregular
São José em 2013.
Fonte: Google eart, 2014.
Fonte: Google eart, 2014.
Através dessas duas imagens pode ser verificado que em 2005, ano da primeira
imagem a ocupação perto dos seus 10 anos ainda não tinha pavimentação asfáltica, existiam
muitas áreas ainda não edificadas e uma área verde ao lado da ocupação denominada de Bosque
da Saudade. Já na segunda imagem do ano de 2013, é possível verificar as mu