UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PESQUISA
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA –
PIBIC : CNPq, CNPq/AF, UFPA, UFPA/AF, PIBIC/INTERIOR, PARD, PIAD, PIBIT,
PADRC E FAPESPA
RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO
Período: agosto de 2014 a julho de 2015
() PARCIAL (X) FINAL
IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO
Título do Projeto de Pesquisa (ao qual está vinculado o Plano de
Trabalho):Sociabilidades Adolescentes: Cor e hierarquias no Ambiente Escolar.
Orientador (a): Wilma de Nazaré Baía Coelho.
Titulação do Orientador (a): Doutora.
Faculdade: Faculdade de História.
ÁREA: EDUCAÇÃO
Instituto: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Núcleo: Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a formação de professores e relações
Étnico-Raciais (GERA-UFPA)
Título do Plano de Trabalho: Relações de Sociabilidades entre Estudantes do Ensino
Fundamental: cor e hierarquia
Bolsista: Marcela Gomes Fonseca
Tipo de Bolsa:(X) PIBIC/ CNPq ( ) PIBIC/CNPq – AF ( ) PIBIC /CNPq- Cota do
pesquisador ( ) PIBIC/UFPA ( ) PIBIC/UFPA – AF ( ) PIBIC/ INTERIOR ( )
PIBIC/PARD ( ) PIBIC/PADRC ( ) PIBIC/FAPESPA ( ) PIBIC/ PIAD ( )
PIBIC/PIBIT
Introdução:
Pensar a escola hoje1requer pensá-la como um microcosmo da sociedade
2, uma
instância (re) produtora de visões, comportamentos, e estruturas sociais, por
conseguinte, de preconceitos, dentre eles o étnico-racial. Um espaço que já não
desempenha mais apenas o papel de formadora de cidadãos críticos e de transformadora
social. A escola, portanto, permeia e constitui relações sociais.
Envolto nesta perspectiva, o presente relatório final é o resultado de pesquisas,
de observações e de dados coletados durante um ano de pesquisa na ESCOLA A,
localizada no bairro do Guamá, Belém- PA, sendo o ensino fundamental o objeto
principal desta pesquisa em questão, estando esta interligada a duas outras pesquisas em
duas outras escolas, a ESCOLA B e a ESCOLA C, a primeira tendo como objeto
principal o Ensino Médio e a segunda tendo as duas modalidades como objeto de
pesquisa Tudo isso, então, objetivou a execução do plano de trabalho intitulado
“Relações de sociabilidades entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio: cor e
hierarquia”, e para adensar com as demais pesquisas do projeto principal intitulado
“Sociabilidades Adolescentes: Cor E Hierarquias No Ambiente Escolar” desenvolvido
pelo Núcleo GERA (Núcleo de Estudos sobre Formação de Professores e Relações
Étnico-Raciais).
Nesse sentido, sendo a escola uma instituição que exerce um papel
fundamental para a reprodução da ordem social, também em seu
interior podem construir-se as bases fundamentais para o
questionamento e a transformação da sociedade. (ALMEIDA, 2005).
Desta forma, o atual cenário educacional brasileiro, de valorização e crescente
produção e investigação das relações sociais em contribuição para uma educação cada
vez mais para a diversidade, soma com já existentes pesquisas acerca das fragilidades e
das virtudes na aplicabilidade da lei nº10. 639/033no Brasil.
1Cf: VEIGA, I.P.A.; RESENDE, L.M.G. Escola: espaço do projeto político pedagógico. 7. ed. Campinas,
SP: Autores Associados, 1998. 2 Plano de Trabalho de 2014 da mesma pesquisa – A sociedade em microcosmo: hierarquias da cor nas
sociabilidades engendradas por adolescentes no ambiente escolar, financiada pelo CNPq e coordenada
pela ProfªDra . Wilma de Nazaré Baía Coelho.
3 Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir
no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Diário oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2003. Disponível em: .Cf SOUZA,
Eliane Almeida de. A Lei nº 10.639/2003: uma experienciação no quilombo e em uma escola pública de
Sob estas discussões cria-se a necessidade e justificativa da investigação das
relações sociais no universo escolar da rede estadual de ensino do Estado do Pará, onde
utilizamos como método a Etnografia da prática escolar de Marli André (2003), e os
conceitos de Heraldo Marelim Viana (2003) e Roberto Cardoso de Oliveira (1996),
como método de investigação na perspectiva das discussões acerca das
representações4de identidade, cor e preconceito
5, e para o alcance dos objetivos da
pesquisa, observando as aulas e o cotidiano escolar em geral, sob a perspectiva das leis
que regem o sistema educacional brasileiro, sobretudo a lei nº10. 639/2003 e sua
atualização com a 11.645/2008, a qual regulamenta a introdução nos currículos da
Educação Básica da História e Cultura da África e a História e Cultura indígena nas
disciplinas de Artes, Língua Portuguesa e História. Lei que diariamente enfrenta
diversas fragilidades, possibilitando observar com evidência na escola em questão. Para
uma reflexão consubstanciada, utilizamos conceitos fundamentais para a compreensão
desta atmosfera, tais como o de “Representação” de Roger Chartier (1990); e os de
“Habitus6, e Violência Simbólica
7” de Pierre Bourdieu (1996, 1999 e 2000). Contamos
também como suporte metodológico, Laurence Bardin (2010) em “Análise de
Conteúdo” para a análise e sistematização dos dados coletados durante a investigação.
Partindo de tais pressupostos, o projeto Sociabilidades Adolescentes: Cor e
Hierarquias no Ambiente Escolar, traz á tona a possibilidade de avaliar as potencialidades
Porto Alegre. 2009. 174 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 2009 e SILVA, Maurício Pedro da. Novas Diretrizes Curriculares para o estudo da
História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana: A Lei 10.639/2003. Eccos: Revista Científica, São
Paulo, v. 9, n. 1, p. 39-52, jan./jun. 2007; MULLER, T. ; COELHO, Wilma de Nazaré Baía. A Lei n o
10.639/03 e a formação de professores: trajetória e perspectivas. Revista da Associação Brasileira de
Pesquisadores (as) Negros(as) - ABPN, v. 5, p. 29-54, 2013; Wilma de Nazaré Baía. (Org.) ; AMORIM,
R. (Org.) ; SILVA, R. M. N. B. E. (Org.) ; SOUZA, S. F. C. (Org.) . A Lei nº 10.639/2003: pesquisas e
debates. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física, 2014. v. 2. 284p . 4GOMES, N L. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos, ou re-
significação cultural? Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n.21, 2002; GOMES, Nilma Lino.
Cultura negra e educação. Revista Brasileira de Educação, n. 23, p. 77. mai./jun./jul./ago. 2003. 5GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Rev. Antropol. vol.47
no. 1 São Paulo. 2004 6A partir das reflexões de Bourdieu, especialmente, assume-se o conceito de habitus como um princípio
gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo
de vida unívoco de escolhas de pessoas, de bens e atitudes. Ou seja, ele compreende um conjunto de
práticas distintas e distintivas, esquemas de classificação, visão e gostos diferentes. Desse modo, diante
de uma exposição repetida, as condições sociais definidas imprimem nos agentes um conjunto de
disposições duráveis e transferíveis: a interiorização da realidade externa, das pressões de seu meio social
inscritas no organismo (BOURDIEU, P. A dominação masculina. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2010). 7Para Bourdieu(2010) violência simbólica é a imposição de um poder arbitrário que reproduz a cultura
dominante, suas significações e convenções, impondo modelo de socialização que favorece a reprodução
da estrutura das relações de poder. Nesta, a adoção de sistemas simbólicos assegura a imposição sutil da
legitimidade de seus produtos e de suas hierarquias.
do ambiente escolar, tanto no segundo ciclo do ensino fundamental quanto no ensino médio,
como espaço de transformação de tendências ou caracteres sociais marcantes, em específico
o preconceito, por compreender a escola como um dos principais espaços de formação do
ser humano e um fundamental instrumento de desconstrução, ou infelizmente, não raras
vezes, de manutenção de representações preconceituosas e deturpadas dos componentes
formadores da sociedade.
DESENVOLVIMENTO
Desta forma, a pesquisa encaminhou-se rumo ao seu desenvolvimento ao longo do
primeiro semestre de pesquisas, onde ocorreu o levantamento e leitura árdua da literatura
especializada na área das relações étnico-raciais para a educação com o fim de capacitação
necessária quanto à exeqüibilidade das atividades propostas ao longo do desenrolar da
pesquisa. O estudo de conceitos fundamentais, tais como o de observação do cotidiano
escolar e suas práticas em Marli André foram indispensáveis, justamente para que nos
tornássemos mais aptos teoricamente para enfrentar a prática de uma escola pública, dentre
outros autores e obras estudas já mencionados para a construção da Metodologia desta
pesquisa. Enquanto que no semestre seguinte, a tarefa principal foi basicamente a
organização de dois grupos de discussão, pelos membros da pesquisa, com estudantes
primeiramente do segundo ciclo do Ensino Fundamental e em seguida com estudantes do
Ensino Médio da ESCOLA C, todos de idades e séries diversas e de ambos os sexos,
acompanhado de material multimídia ou slides, com imagens abordando o tema Racismo
nas Propagandas de Comerciais justamente para instigar os estudantes à discussão e dar
movimento para o debate.
A atividade dos GDs foram, então, gravadas em áudio e vídeo por pesquisador do
núcleo GERA e transcritas em seguida em “Documento Word” para melhor estudo e análise
das discussões abordadas entre os estudantes, atividade que foi de extrema significância
para a melhor compreensão das Representações Sociais, Relações de Sociabilidades e
Reprodução involuntária de preconceitos no ambiente escolar. O que funcionou como uma
importante oportunidade de constatar na prática o que tínhamos visto antes apenas na
literatura, através das próprias palavras ditas pelos objetos principais de estudo da pesquisa:
o aluno e a aluna. Dentre as diversas falas dos estudantes durante o GD, parafraseio uma em
especial sobre a visão que um aluno tem sobre a formação de grupos sociais dentro da
escola, sobretudo o grupo que o mesmo chama de “Populares”e principalmente como se dá
a relação entre os grupos e as redes sociais:
“Eu vou falar sobre o grupo dos populares, os populares não só se
mostram a imagem deles dentro da escola, mas dentro da escola, rede
social principalmente, através de foto, de curtida, de comentários, e
também os populares acham as vezes. Inventam alguma moda,
alguma coisa eles tem inventar, e nesses populares também entram as
patricinhas, entram pessoas que querem se achar. Porque a própria
palavra já fala, popular né! Popular tipo assim, pessoa que é
conhecida, mas eu acho assim que eles exageram, um pouco da
palavra conhecido, eles querem mostrar um pouco de poder e também
entra um pouquinho da ostentação. Mas o que eles querem ser é
conhecidos. Também pessoas que querem mandar, assim em certas
coisas. Olha porque aqui dentro da sala ta toda coisa entendeu,
querem mostrar isso. Isso não leva só na escola. Em todo lugar. Mas
tipo assim, na escola, mas também mostra nas redes sociais. Querem
mostrar assim os comentários, numero de curtidas entendeu, é isso
ai!”.(Aluno „X‟, GD na escola „C‟)
Pois bem, a segunda etapa da pesquisa para este semestre foi o levantamento e
análise do material didático da ESCOLA A, bem como o seu PPP (plano político
pedagógico) a fim de constatar se estes dois abarcavam as temáticas essenciais propostas
pela lei vigente que rege o sistema educacional brasileiro, especialmente verificar a
exequibilidade da lei nº10. 639/2003 e sua atualização com a nº11. 645/2008 nos
mesmos. Dentro desta situação, analisamos por meios de fotos e textos sobre os assuntos de
africanidades e diásporas, tal como sociedade e cultura afro-brasileira nos livros didáticos
de História e de Língua Portuguesa do segundo ciclo do Ensino Fundamental da escola, não
incluindo os livros de Artes em razão da escola não utilizar os mesmos. Desta forma,
organizamos sistematicamente em Documento Word toda a análise dos livros, com suas
respectivas imagens e observações acerca das relações entre o conteúdo do livro e o
conteúdo obrigatório pela lei. Quanto ao PPP, infelizmente este não pode ser analisado, não
foi liberado para a pesquisa sob a alegação de estar em processo de construção ainda,
encontrando-se nas preliminares.
Fundada em 2002, a escola de Ensino Fundamental pesquisada, conta com 16 salas
de aulas, sala da diretoria específica para o Ensino Fundamental, sala dos professores,
laboratório de informática, Biblioteca (durante as observações não pude verificar seu acervo
de livros, pois estava temporariamente fechada), uma sala de Xerox fechada sem previsões
de reabertura, rampas de acesso, sala de vídeos e uma quadra de esportes coberta, esta que
assume dentro de nossa pesquisa um importante papel para se compreender as relações de
sociabilidades entre os estudantes, espaço em que eles passam a maior parte de suas horas
na escola, ora jogando futebol, ora nas mediações da quadra ouvindo música e conversando,
sempre em rodas de amigos, levando em consideração o fato da maioria dos estudantes
frequentarem a quadra em horários que deveriam estar em sala de aula.
Outro espaço chave quanto às relações sociais dos estudantes é o refeitório, onde
durante o intervalo das aulas, esses estudantes espairecem com suas músicas em seus
silenciosos fones de ouvidos, ignorando o aviso estampado na parede: “Proibido o uso do
celular!”. As mesas do refeitório são largas, e sempre com os bancos ocupados por jovens,
algo que também atrai os estudantes para este espaço é uma mesa de pingue-pongue, na
qual funcionários e estudantes se distraem. É notável constatar no intervalo do Ensino
Fundamental, poucas vezes meninos e meninas se misturam, ao contrário dos estudantes do
Ensino Médio, isso reflete especialmente dentro da sala de aula, onde os grupos parecem
mais evidentemente separados em pontos estratégicos. Desta forma, a escola é um ambiente
propício para a formação de grupos sociais:
O ser humano cresce num ambiente social e a interação com outras
pessoas, é essencial ao seu desenvolvimento. (LA TAILLE, DANTAS
e OLIVEIRA, 1993, p. 560)
Alguns aspectos analisados pontualmente, dizem pouco, porém se analisados no
conjunto de dados, muitos quais, ainda por vir, merecem destaque. Entre esses aspectos
pontuais, ressalto: a conduta dos grupos juvenis, durante um diálogo que tivemos com uma
estudante do 7º ano de 14 anos no refeitório, que estava sem aulas em razão da falta de
professor em sua turma, verifica-se que o consumo musical está intrinsecamente ligado a
uma valorização das hierarquias construídas pelos estudantes. Indaguei sobre os downloads
das músicas que ouvia diariamente, sem hesitar afirmou que conseguia suas músicas
durante as rodas de conversas no pátio, com os amigos que ouviam o que ela ouvia, sendo
este um critério de amizade, já que não se “misturava” com os demais que o ouviam, a seu
exemplo, o tecnomelody8. Portanto,
Desde esse ponto de partida, é possível perceber o consumo musical
como uma fonte para a reflexão sobre os significados que os
adolescentes atribuem àquela hierarquia e como se inserem nela. E,
nesse sentido, o consumo efetuado por eles viabiliza, ainda, a reflexão
sobre o impacto que o saber escolar exerce sobre as suas visões de
mundo e sobre a lógica que organiza as relações sociais que
estabelecem entre si. (COELHO, p. 107-138. 2014).
Constatamos um dos links entre os estudantes – a música –. Aspecto já
constatado pela pesquisa anterior, na mesma escola, realizada pela professora Wilma
Coelho. O segundo aspecto, averiguado, está relacionado ao conceito de “beleza”. Esse
8Para a compreensão da visibilidade do Tecnomelody no cenário das relações juvenis paraense: COSTA,
Antonio Maurício Dias da. Festa na Cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará. Tomo (UFS), São
Cristóvão-SE, v. 6, p. 107-136, 2003.
assunto fora abordado pela estudante o “estereótipo da beleza”, considerava-se do grupo
dos “populares”9, mas negava que para pertencer a este grupo o indivíduo deveria ser
considerado “bonito”, bastava ser bom e simpático com todos. Entretanto, ao ser instada
sobre: “o que é belo”, titubeou, contudo afirmou que considerava pessoas magras,
brancas e com cabelo liso, bonitas, e que os estudantes com mais prestígio social
possuíam essas características, refletindo finalmente nas redes sociais e em outras
mídias, principalmente no Facebook, com a “guerra dos likes”, como a própria
estudante auto-declarada negra de cabelos ondulados afirmou.
Construções sociais como esta, que ao longo do tempo se tornam privilégios de
determinados grupos sociais que as formulam, e se tornam índices de reconhecimento e
identificação, é o que justamente denomina o conceito de “Representação” de Roger
Chartier (1990), sendo desta forma que os estudantes expressam suas visões de mundo e
de si mesmos, muitas vezes fazendo a manutenção de visões hierárquicas baseadas na
cor. Visões e representações que se estendem para o campo virtual, como a ocasião
acima demonstrou, o conceito de beleza é posto em cheque também na repercussão
deste nas redes sociais, como o Facebook, tendo estas, significante acesso pelos
estudantes da escola em questão, tal como o gráfico10
abaixo registra
Figura 1. Produzido por meio de dados dos questionários aplicados na escola em 2014.
9Cf discussão em COELHO, Wilma de Nazaré Baía; COELHO, Mauro Cezar. Música, raça e preconceito
no ensino fundamental: notas iniciais sobre hierarquia da cor entre adolescentes. Afro-Ásia, v. 48, p. 311-
333, 2013.
10 O Gráfico em questão simboliza a freqüência de acesso em páginas da internet, organizado em níveis
de valorização, pelos alunos da escola, e em ordem numeral decrescente A imagem 1 representa as
páginas com maior acesso, que neste caso, são as redes sociais.
0%10%20%30%40%50%60%70%
1 2 3
Barão I. M.
Percentual de Páginas Acessadas/internet pelos Alunos por Escola
Salas de bate-papo
Redes sociais
Sites de pesquisa
Específico: outros
Não declarado
dsodsj ESCOLA A
O período exíguo de observações em razão de algumas adversidades no
decorrer da execução das atividades, entre as quais o calendário repleto de atividades, a
despeito disso, tivemos a oportunidade de observar duas turmas de 8º ano e uma turma
de 9º ano e em nenhuma das turmas estava sendo ou foi trabalhada a temática “Afro-
indígena” durante o ano letivo. Tal problema se estendia para todas as séries,
enfatizando também o fato de que no Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro11
, não
houve quaisquer programações acerca do tema. Com exceção de pouco mais de cinco
cartazes feitos à mão, não identificados, pregados na parede do corredor principal de
entrada na escola sobre o tema, estes que traziam figuras aleatórias de personalidades
importantes negras, especialmente os da TV como o ator Will Smith12
e o presidente
Barack Obama13
, e de Zumbi dos Palmares14
. A diretora, instada acerca de tal questão,
alegou que o corpo pedagógico da escola havia se “esquecido” da data em razão de
todos estarem com as atenções voltadas para a organização de um Sarau romântico que
havia acontecido um dia antes.
CONCLUSÕES PRELIMINARES.
Compreender as fragilidades do sistema educacional hoje, tais como, um
suposto “esquecimento” de uma data histórica que é o dia da Consciência Negra e parte
integradora do conteúdo obrigatória requerido pela LDB vigente, é olhar além dos
muros da Academia e da teoria de uma educação para a diversidade, é chegar a
resultados diversos advindos da experiência docente concreta. Essa experiência, nos
possibilitou analisar para além das exigências legais, mas principalmente como essas se
materializam no âmbito educacional. Neste caso particular, observamos a não aplicação
lei nº 10.639/2003 em uma escola pública, principalmente no que tange o conteúdo do
material didático da escola. Enquanto o material da disciplina História15
abarcava a
11
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em razão da lei que é decorrente do PLS 520/03 pela
senadora Serys Slhessarenko, data esta que não é considerada feriado nacional. 12
Ator, rapper, produtor cinematográfico, produtor musical, produtor de televisão e ex-basquetebolista
estadunidense. Um dos atores negros mais bem sucedidos em bilheteria dos cinemas no mundo inteiro. 13
O primeiro político negro a chegar ao cargo de presidência dos EUA. 14
Líder do Quilombo dos Palmares, o maior quilombo do período colonial. Símbolo do movimento e
resistência negra no Brasil. 15
AZEVEDO, G C. Projeto Téláris: História/ Gislane Campos Azevedo, Reinaldo Seriacopi. 1.ed. São
Paulo: Ática, 2012. – (Projeto Teláris: História). Obra em 4 v. para alunos do 6º ao 9º ano.
maior parte do conteúdo sobre História da África e indígena, desta forma, dando vida a
uma lei já com um histórico de dificuldades de execução, em contrapartida os livros da
disciplina de Língua Portuguesa não estavam tão preparados quanto á temática, eram
insípidas as referências sobre o tema e o pouco que se tratava era vez ou outra a
temática indígena na contemporaneidade.
“Em fim como podemos perceber facilmente, a diversidade física
entre as pessoas é muito grande.[...] no passado, essas diferenças
físicas foram utilizadas por muitas pessoas como argumentos para
demonstrar que os seres humanos estariam divididos em raças. [...]
Essas idéias perderam força no decorrer do século XX [...] apesar das
diferenças físicas entre os indivíduos, a espécie humana é única.”
(Projeto Teláris história 6ºa, 2012, p 31)
“um homem, uma mulher, uma criança. Um africano, um chinês, um
europeu, um indiano. Nascemos todos iguais, mas somos todos
diferentes. O tema desta unidade é a diversidade. De línguas, de cor
da pele, de costumes, de cultura, de religiões, de maneiras de encarar
a vida. As diferenças podem ser grandes entre os povos. Mas lembre-
se disto: todos nós pertencemos à espécie humana.” (Projeto Teláris
história 6ºa, 2012, p 106)
E ainda:
“Quem nunca ouviu palavras como moleque, banguela, samba,
cafundó, cafuné ou jiló? Essas e muitas outras palavras são de origem
africana incorporada à língua portuguesa falada no Brasil. Do ponto
de vista cultural, a África está bem mais próxima de nós do que
imaginamos” (Projeto Teláris história 7ºa, 2012, p 94)
Tais fragilidades decorrem, sobretudo da insuficiência da formação pedagógica
dos docentes e da produção de material didático na área, já que este é um problema
Foto Capturada do livro didático do 6º ano, Projeto Teláris
história, 2012, Pp 106- 107.
oriundo da falta de disciplinas que tratem da temática Africana no currículo dos cursos
de licenciatura nas áreas da Língua Portuguesa, História e Artes, e que aos poucos estão
sendo inseridas.
“Os cursos de formação de professores, em sua maioria, não atentam
para o lugar crucial que a questão étnico-racial tem, não apenas na
formação da identidade, mas também, na construção da autoestima e,
consequentemente, no desempenho escolar do aluno. [...] Além disso,
as teorias pedagógicas, em voga nas disciplinas e teses formuladas
nos cursos de formação de professores, não são utilizadas pra pensar
a questão étnico-racial e para se problematizar o quanto essas
questão serve para a reflexão sobre o lugar da escola, não raras
vezes, como um lugar de reprodução do preconceito.” (COELHO;
SOARES. 2011, P 11)
A desconstrução da imagem da África como um “país” de uma história só,
deve ser desconstruída todos os dias pelo professor, justamente para que visões de
mundo preconceituosas construídas ao longo da história não influem nas visões que aos
poucos os estudantes vão construindo e valorizando no processo da formação de seus
grupos sociais. Tal desconstrução se dá a partir do momento em que há discussão da
temáticade Africanidades tanto no Ensino Básico quanto no Ensino Superior na
formação de professores:
“No âmbito escolar e acadêmico, as Africanidades Brasileiras
constituem-se em campo de estudos, logo, tanto podem ser
organizadas enquanto disciplina curricular, programa de estudos
abrangendo diferentes disciplinas, como área de investigações. Em
qualquer caso, caracterizam-se pela interrelação entre diferentes
áreas de conhecimentos, que toma como perspectiva a cultura e a
história dos povos africanos e de descendentes seus nas Américas,
bem como em outros continentes. Ora, se as Africanidades Brasileiras
abrangem diferentes áreas, não precisam,em termos de programas de
ensino, constituir se numa única disciplina, pois podem estar
presentes, em conteúdos e metodologias, nas diferentes disciplinas
constitutivas do currículo escolar.” (SILVA, 2005)
A partir das reflexões acerca das fragilidades na exequibilidade da lei, podemos
analisar os resultados da pesquisa, estes que não são novos, e, que ainda apresentam-se,
infelizmente, como atuais há mais de onze anos: O preconceito racial basicamente ainda
existe no cotidiano escolar, e ainda sofre sérias dificuldades de desconstrução
principalmente por entre os materiais didáticos e por entre as intervenções pedagógicas
em projetos extracurriculares e dias especiais do calendário sobreo tema,e ainda
sobrevive sob as rédeas de justificativas as quais os próprios estudantes apontaram
durante todas as observações feitas nas escolas e através das discussões no GDs: a
chacota, os apelidos, o bulliyng, a violência simbólica, envoltos em uma atmosfera
refletora de um espaço externo que é a sociedade na qual vivemos e na qual inserimos
todos os dias estes futuros cidadãos.
Parecer da orientadora
A mesma respondeu com eficiência, responsabilidade, disciplina e competência em
relação a todas as orientações a ele dirigidas ao longo da bolsa. Deste modo, O bolsista
em tela apresenta toda a competência que se espera para um pesquisador iniciante,
assim, seu desempenho foi Excelente!
Publicação
OLIVEIRA, Hian Denys Silva de; FONSECA, Marcela Gomes; COELHO, W. N.
B. Sociabilidades adolescentes: cor e hierarquias no ambiente escolar – notas
introdutórias. COELHO, W. N. B. (Org.) ; VALE, Jesiane C.V (Org.) ; SOARES, N. J.
B. (Org.) ; CABRAL, Rita Cássia (Org.) . In: Educação, história e relações raciais
debates em perspectiva. 1. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. v. 4. 345-
361. (Coleção Formação de professores & relações étnico-raciais.).
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Reprodução”. Rev. Fac. Educ. UFG, 30 (1): 139-155, jan./jun. 2005
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da Prática Escolar. São Paulo: Papirus, 1995.
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Ed. Lisboa: Edições 70, 2010.
BONNEWITZ, P. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu.1. ed. Petrópolis,
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Acesso em: 18 dez. 2014.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário oficial [da] República
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Acesso em: 18 dez. 2014.
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