UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
Reestruturação do setor de telecomunicações na década de noventa: um estudo comparativo dos impactos sobre o sistema
de inovação no Brasil e na Espanha
Marina Honorio de Souza Szapiro
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Economia
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Cassiolato Rio de Janeiro
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
Reestruturação do setor de telecomunicações na década de noventa: um estudo comparativo dos impactos sobre o sistema
de inovação no Brasil e na Espanha
Marina Honorio de Souza Szapiro
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Doutor em Economia
BANCA EXAMINADORA Prof. José Eduardo Cassiolato (orientador) Prof. Paulo Bastos Tigre Prof. Luiz Martins de Melo Prof. Jorge Katz Prof. Marcio Wohlers de Almeida Prof. Jorge Nogueira de Paiva Britto (suplente)
Rio de Janeiro, 2005
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Dedico esta tese aos meus pais. Ao meu pai, por ter despertado em mim a curiosidade e o interesse pelas telecomunicações, pelo seu permanente entusiasmo com o meu trabalho e pela constante troca de idéias. À minha mãe, por sua contribuição para o desenvolvimento de minha capacidade de questionar e de lutar por meus objetivos.
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AGRADECIMENTOS O meu primeiro agradecimento é ao meu orientador, o professor José Eduardo Cassiolato, que, pela terceira vez, aceitou me orientar e o fez de forma extremamente competente, cuidadosa e, principalmente, com muito respeito a este momento da minha vida. Ao Marco, pelo suporte emocional, baseado em muito amor e carinho e, principalmente, pelo cuidado e pela paciência durante toda esta jornada. Sem isso, teria sido impossível chegar ao fim deste processo. Agradeço também por suas revisões, opiniões e críticas. Ao meu filho, Antonio, que teve participação intensa ao longo desta tese, desde seus chutes dentro da minha barriga até a descoberta do maior e melhor sentimento da vida. À minha mãe, pelo permanente apoio e suporte de todos os tipos e em todos os momentos de elaboração desta tese. Ao meu pai, pela ajuda e companhia na Espanha, tornando esta etapa do meu doutorado muito mais prazerosa e sempre dando boas sugestões ao trabalho. Devo lhe agradecer ainda pelos diversos contatos na área de telecomunicações e pelo material bibliográfico fornecidos ao longo destes mais de quatro anos de trabalho. Aos meus entrevistados, cujas informações foram essenciais para a realização desta tese. Na Espanha, agradeço à professora Ruth Rama, à professora Paloma Sanchez, ao professor José Molero, à professora Cristina Chaminade, ao professor Antonio Vazquez Barquero, ao Sr Efrén Martin Sanchez, ao Sr Pedro Millanes Moreno, à Sra Montsserrat Lopez Molina, ao Sr José Maria Del Rey, ao Sr Jesus Banegas Isidoro, ao Sr Padilla González, ao Sr Jesus Sebastián, ao Sr Jose Luis Rebollo Sanchez, ao Sr Jerônimo de Ugarte Gil, ao Sr Antonio López Del Castillo e ao Sr Ignácio Santillana. E no Brasil, meus agradecimentos vão para o Sr Luiz G. Villela, para o Sr José Ellis Ripper, para o Sr Raul Del Fiol, para o Sr Helio Graciosa, para o Sr Edson Teracine, para o Sr Cláudio de Almeida Loural, para o Sr Amilton da Costa Lamas e para a Sra Eunice Luvizotto Pissolato. À professora Lynn Mytelka, que viabilizou minha permanência no Institute of New Technologies da Universidade das Nações Unidas (INTECH-UNU) durante meu período de doutorado sanduíche no exterior. Aos professores e colegas do Globelics Academy 2004, que propiciaram a valiosa oportunidade de debate sobre temas ligados ao referencial teórico desta tese. Ao Professor Santiago López, da Universidade de Salamanca, cujos trabalhos e informações enriqueceram muito esta tese.
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Ao professor Marcio Wholers, que muito me ajudou na organização da pesquisa na Espanha e contribuiu com o fornecimento de importante bibliografia, além de suas críticas e sugestões ao projeto desta tese. Ao professor Paulo Tigre, por suas contribuições ao projeto desta tese. À Cristina Lemos, pelo aprendizado durante nossos trabalhos conjuntos de pesquisa. Ao CNPq, pelo apoio financeiro no Brasil e no período de estadia na Espanha.
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RESUMO
O setor de telecomunicações vem passando por enormes transformações nas
duas últimas décadas. De um lado, a introdução da microeletrônica provocou
uma revolução tecnológica na indústria de telecomunicações, que resultou no
surgimento de novos serviços, novos equipamentos de transmissão e
comutação, bem como na convergência com outros setores do complexo
eletrônico. De outro lado, um conjunto de mudanças institucionais e regulatórias
foram deslanchadas nos países mais desenvolvidos, provocando alterações
significativas na estrutura do setor em todo o mundo. Paralelamente, o avanço
da internacionalização e da integração entre as economias nacionais,
amplamente conhecido como globalização, tornou as telecomunicações a infra-
estrutura técnica fundamental para a inserção de cidadãos, firmas, regiões e
países no ambiente econômico e social internacional.
Com base no referencial teórico baseado no conceito de sistema nacional de
inovação, desenvolvido no âmbito da abordagem neo-schumpeteriana, esta tese
tem como objetivo analisar a reestruturação do setor de telecomunicações na
década de noventa, com foco nos impactos de tal processo sobre o sistema de
inovação. Foi realizada uma pesquisa empírica no Brasil e na Espanha e, a
partir das evidências obtidas, são discutidas as características da reestruturação
das telecomunicações nesses países, e os principais resultados do ponto de
vista da organização das atividades de inovação em cada país. Considerando
que os dois países possuíam graus semelhantes de desenvolvimento do setor
de telecomunicações antes da reestruturação, as diferenças entre os reflexos
percebidos sobre a dinâmica de seus sistemas de inovação são associadas às
estratégias de reestruturação adotadas por cada um dos países.
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ABSTRACT In the late two decades, the telecommunications sector passed through great
transformations. On the one hand, the advent of the microelectronics base has
provoked a technological revolution in the telecommunications industry, which
resulted in new services, new transmission and switching equipment and the
convergence with others segments of the electronic complex. On the other hand,
a set of institutional and regulatory changes introduced in some developed
countries, has brought important modifications in the organization of the sector all
over the world. At the same time, with the increasing internationalization and
integration processes between national economies (the well known globalization
process), the telecommunications sector became the essential infrastructure for
the participation of citizens, firms, regions and countries in the new international
environment.
Based on the theoretical framework of the national innovation systems concept,
the aim of this thesis is to analyze the telecommunications sector restructuring
process during the 1990s, focusing on the impacts of this process on the
innovation system. In order to do so, an empirical research has been done in
Brazil and Spain to acquire elements to discuss the characteristics of the
Brazilian and the Spanish telecommunications restructuring processes and its
main impacts on the organization of the innovation activities in each country.
Although the telecommunications sector in Brazil and Spain had similar
development levels until the late 1980s, the restructuring strategies adopted by
each country showed different results from the point of view of the innovation
system dynamics.
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Reestruturação do setor de telecomunicações na década de noventa: um estudo comparativo dos impactos sobre o sistema
de inovação no Brasil e na Espanha
Sumário Introdução..............................................................................................................1
Parte I: Referencial Analítico
Capítulo 1: Globalização e Sistema Nacional de Inovação ................................11
1.1 - Introdução....................................................................................................11 1.2 - Contexto internacional e transformações recentes no sistema capitalista..12 1.2.1 - Principais características do novo estágio do capitalismo: globalização financeira, aumento da importância das empresas multinacionais, ampliação do comércio internacional e acirramento da concorrência.......................................16 1.2.2 - A dimensão tecnológica do processo de globalização.............................24 1.3 - Inovação Sistêmica e Sistema de Inovação................................................29 1.3.1 - Elementos Teóricos da abordagem Neo-schumpeteriana sobre inovação sistêmico..............................................................................................................30 1.3.2 - O conceito de Sistema Nacional de Inovação..........................................33 1.4 - A dimensão normativa dos Sistemas Nacionais de Inovação e as novas políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico.........................................37 1.5 - Conclusão................................................................................................... 41 Capítulo 2: O processo de reestruturação das telecomunicações e a nova configuração do setor..........................................................................................44 2.1 - Introdução....................................................................................................44 2.2 - Estrutura histórica do setor de telecomunicações........................................45 2.3 - Revolução da Microeletrônica e os Processos de Desregulamentação e Liberalização do Setor de Telecomunicações.....................................................51 2.3.1 - Introdução e difusão do paradigma da microeletrônica e convergência tecnológica..........................................................................................................52 2.3.1.1 - Introdução da microeletrônica nas telecomunicações e seus impactos econômicos e sociais...........................................................................................52 2.3.1.2 - A convergência tecnológica entre os setores do complexo eletrônico..56 2.3.2 - Desregulamentação e Liberalização do Setor de Telecomunicações......59 2.4 - A Nova configuração do setor de telecomunicações...................................62 2.4.1 - Configuração das Novas Estruturas Produtivas na Indústria de Telecomunicações...............................................................................................63 2.4.1.1 - O modelo de camadas de Fransman....................................................64 2.4.1.2 - Alianças estratégicas e oligopólios de rede baseados em conhecimento.......................................................................................................71 2.4.2 - As mudanças recentes no segmento de serviços de telecomunicações.75 2.4.3 - Participação do Estado e restrições ao capital estrangeiro na “nova indústria de telecomunicações”...........................................................................82 2.4.4 - Atividades de P&D e Inovação na “nova indústria de telecomunicações”87
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2.5 - A crise Internacional do Setor de Telecomunicações a partir de 2001.......96 2.6 – Conclusão.................................................................................................100 Parte II: Processo de reestruturação do setor de telecomunicações e impacto nos sistemas de inovação: os casos do Brasil e da Espanha Introdução à Parte Empírica da Tese................................................................105 Capítulo 3: O processo de reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro: histórico, desenvolvimento e principais resultados...........................123 3.1 - Introdução..................................................................................................123 3.2 - Caracterização e Histórico do setor de telecomunicações no Brasil dos anos 60 ao fim dos 80................................................................................................124 3.2.1 - A criação das Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás)................125 3.2.2 - A política industrial e tecnológica nas décadas de setenta e oitenta no Brasil: papel do Minicom e principais resultados em termos de capacitação tecnológica e industrial......................................................................................128 3.2.3 - Principais resultados das mudanças estruturais no período dos anos 60 ao fim dos anos 80.............................................................................................139 3.3 - Processo de reestruturação das Telecomunicações no Brasil: Abertura Comercial, Liberalização, Privatização e Regulação.........................................143 3.3.1 - A Abertura Comercial dos anos 90.........................................................143 3.3.2 - Os processos de liberalização, privatização e regulação pós 1994.......147 3.4 - A nova estrutura da indústria de serviços de telecomunicações no Brasil..................................................................................................................157 3.4.1 - Principais resultados do processo de reestruturação de telecomunicações: novos atores, introdução de concorrência e universalização de serviços.........................................................................................................158 3.4.2 - A entrada da Telefonica no Brasil...........................................................167 3.5 Conclusão.....................................................................................................173 Capítulo 4: O desenvolvimento das telecomunicações na Espanha: da criação da CTNE à internacionalização da Telefonica...................................................176 4.1 - Introdução..................................................................................................176 4.2 - Caracterização e Histórico do setor de telecomunicações na Espanha....177 4.2.1 - Da estatização à privatização da Compañia Telefónica Nacional de Espanha (CTNE)................................................................................................178 4.2.2 - A política Industrial da CTNE nas décadas de setenta e oitenta e a sua consolidação como principal ator do setor de telecomunicações espanhol......180 4.2.3 - A Entrada da Espanha na União Européia e o Processo de Reestruturação das Telecomunicações na Espanha........................................186 4.2.4 - Processo de Reestruturação das Telecomunicações na Espanha: Regulação, Liberalização e Privatização...........................................................188 4.3 - Processo de Internacionalização da Telefónica: Contexto, Histórico e Resultados Gerais.............................................................................................197
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4.3.1 - Internacionalização das empresas espanholas em direção à América Latina.................................................................................................................197 4.3.2 - A participação dos bancos nos processos de privatização e de internacionalização das empresas espanholas.................................................201 4.3.3 - O processo de internacionalização da Telefonica..................................206 4.4 – Conclusão..................................................................................................213 Capítulo 5: Impactos da Reestruturação das telecomunicações sobre os sistemas nacionais de inovação no Brasil e na Espanha..................................216 5.1 - Introdução..................................................................................................216 5.2 - Os principais impactos da reestruturação sobre o sistema de inovação de telecomunicações brasileiro...............................................................................217 5.2.1 - Principais políticas relacionadas ao Sistema de Inovação.....................220 5.2.2 - Principais agentes do sistema de inovação............................................224 5.2.2.1 - A indústria de equipamentos de telecomunicações............................225 5.2.2.1.1 - Evolução recente e configuração atual da indústria de equipamentos de telecomunicações.........................................................................................225 5.2.2.1.2 - A AsGa e a Trópico..........................................................................235 5.2.2.1.3 - Os instrumentos de apoio à indústria de equipamentos...................242 5.2.2.2 - O novo papel do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD).....247 5.2.3 - Impactos da reestruturação do setor sobre os investimentos em P&D e inovação.............................................................................................................255 5.3 - Impactos da estratégia da Telefonica sobre o Sistema de Inovação de Telecomunicações Espanhol.............................................................................262 5.3.1 - Principais Políticas relacionadas ao Sistema de Inovação.....................264 5.3.2 - Principais agentes do sistema de inovação espanhol............................267 5.3.2.1 - O papel da Telefónica I+D...................................................................269 5.3.2.2 - Impactos sobre as empresas de equipamentos de telecomunicações..............................................................................................272 5.3.2.2.1 - Impactos da internacionalização sobre as subsidiárias de multinacionais....................................................................................................273 5.3.2.2.2 - Impactos da internacionalização sobre as empresas de capital nacional..............................................................................................................276 5.4 - Conclusão..................................................................................................280 Conclusão..........................................................................................................284 Bibliografia.........................................................................................................294 Anexos...............................................................................................................305
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LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS E FIGURAS TABELAS Tabela 1: Evolução do PIB no Brasil e na Espanha (em US$ bilhões).............106 Tabela 2: Taxas de crescimento do PIB e do PIB per capita no Brasil e na Espanha (em %)................................................................................................107 Tabela 3: Estrutura produtiva do Brasil e da Espanha em anos selecionados (participação em %)...........................................................................................108 Tabela 4: Taxas Médias de Crescimento Anual dos setores na estrutura produtiva brasileira e espanhola em períodos selecionados.............................108 Tabela 5: Participação de grupos de atividades econômicas no valor da transformação industrial no Brasil e na Espanha em 2002...............................109 Tabela 6: Pauta de Importações e Exportações do Brasil e Espanha em 2001...................................................................................................................113 Tabela 7: Evolução dos gastos em P&D como percentagem do PIB – Espanha e União Européia..................................................................................................118 Tabela 8: Preços dos Telefones Públicos em 1999 (em US$)..........................135 Tabela 9: Preço Médio dos Acessos em 1999 (em US$ por cartão).................135 Tabela 10: Fontes de tecnologia de centrais de comutação no Brasil – 1996..136 Tabela 11: Densidade Telefônica no Brasil em anos selecionados..................139 Tabela 12: Investimentos da Telebrás como participação do PIB.....................141 Tabela 13: Metas para as Concessionárias Privatizadas - 1999/2001 (em mil unidades)..............................................................................................154 Tabela 14: Acessos de telefonia fixa em serviço (em milhões) e Densidade Telefonica (Acessos por 100 habitantes)...........................................................160 Tabela 15: Participação de mercado das concessionárias de serviços de telecomunicações no segmento de serviços de longa distância nacional em 2001 e 2003 (em %)...................................................................................................163 Tabela 16: Participação de mercado das empresas no segmento de serviços de telecomunicações de longa distância internacional em 2001 e 2003 (em %)...163 Tabela 17: Acessos fixos instalados e celulares em operação em julho de 2004 (em milhões de acessos)...................................................................................164 Tabela 18: Participação de mercado dos celulares pré-pagos no total de linhas por operadora em setembro de 2004................................................................166 Tabela 19: Densidade telefônica em países selecionados................................179 Tabela 20: Participações da CTNE em empresas selecionadas da indústria eletrônica espanhola em 1980...........................................................................182
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Tabela 21: Distribuição da EBITDA da Telefonica por país em 2001................211 Tabela 22: Participação das receitas internacionais sobre os ingressos totais para as principais operadoras européias em 2001............................................211 Tabela 23: Participação de mercado das empresas fabricantes de equipamentos de telecomunicações em termos de faturamento por origem do capital em anos selecionados......................................................................................................228 Tabela 24: Balança comercial da indústria de equipamentos de telecomunicações no Brasil...............................................................................232 Tabela 25: Valor dos dispêndios relacionados às atividades inovativas desenvolvidas na fabricação de aparelhos e equipamentos de comunicações Brasil - 2000 e 2003..............................................................256 Tabela 26: Fontes de Informação das empresas espanholas fabricantes de equipamentos de telecomunicações para a atividade de inovação em 2000....278 GRÁFICOS Gráfico 1: Estrutura do mercado global de serviços de telecomunicações em 2000.....................................................................................................................81 Gráfico 2: Estrutura do mercado global de serviços de telecomunicações em 2003.....................................................................................................................81 Gráfico 3:Financiamento dos Gastos em P&D na Espanha em 2002...............116 Gráfico 4: Execução dos Gastos em P&D na Espanha em 2002......................116 Gráfico 5: Financiamento dos gastos em P&D no Brasil em 2000....................117 Gráfico 6:Execução dos Gastos em P&D no Brasil em 2000............................117 Gráfico 7: Estrutura de Gastos em Atividades de Inovação – Brasil, 2000.......120 Gráfico 8: Estrutura de Gastos em Atividades de Inovação – Espanha, 2000..120 Gráfico 9: Gastos em atividades de inovação sobre vendas em setores selecionados – Brasil e Espanha (2000)...........................................................121 Gráfico 10: Participação dos produtos desenvolvidos localmente no total do mercado brasileiro de equipamentos de telecomunicações 1981/1996(*)........133 Gráfico 11: Preço do Terminal de Comutação Instalado...................................138 Gráfico 12: Participação das operadoras no mercado de telefonia celular................................................................................................................165 Gráfico 13: Participação de mercado em termos de receita líquida da telefonia fixa e celular.......................................................................................................167 Gráfico 14: Distribuição de clientes por operadoras de telefonia fixa (em %)...195 Gráfico 15: Participação no Mercado de Telefonia Móvel por Operadora – Espanha, 2003...................................................................................................196
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Gráfico 16: Divisão da base de clientes da Telefonica por países....................212 Gráfico 17: Investimentos da Telefonica por País na América Latina (em US$ milhões).............................................................................................................213 Gráfico 18: Evolução dos investimentos em P&D da AsGa (em % do faturamento).......................................................................................................239 Gráfico 19: Estrutura de gastos das empresas em atividades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de comunicações no Brasil em 2000 e 2003.......................................................................................259 Gráfico 20: Estrutura dos gastos em atividades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de comunicações do Brasil e da Espanha em 2000..............................................................................................260 Gráfico 21: Orçamento da Telefonica I+D.........................................................270 Gráfico 22: Crescimento da Telefonica I+D.......................................................270 QUADROS Quadro 1: Modelo de Camadas da Indústria de Infocomunicações....................66 Quadro 2: Propriedade do governo nos operadores públicos de rede de telecomunicações................................................................................................84 Quadro 3: Restrições à propriedade estrangeira nas empresas de telecomunicações................................................................................................86 Quadro 4: Gastos em P&D de operadoras selecionadas nos anos de 1997, 1999 e 2001 (em US$ milhões)....................................................................................90 Quadro 5: Gastos em P&D dos principais fornecedores de equipamentos de telecomunicações entre 1997 e 2001 (em US$ milhões)....................................91 Quadro 6: Privatização da Telebrás e Composição Acionária das novas operadoras.........................................................................................................152 Quadro 7: Resumo das medidas de liberalização do setor de telecomunicações na Espanha........................................................................................................192 Quadro 8: Principais Acionistas das Multinacionais Espanholas Presentes na América Latina...................................................................................................205 FIGURAS Figura 1: Sistema de Inovação de Telecomunicações......................................131
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas o sistema capitalista vem passando por um conjunto
de intensas transformações. Estas, engendradas a partir do novo paradigma
tecno-econômico de base microeletrônica associado ao desenvolvimento e
difusão das tecnologias de informação, alteraram profundamente as relações
existentes entre os países. De fato, o resultado de tais mudanças se manifestou,
entre outras coisas, a partir de uma nova forma de integração entre as diversas
economias nacionais. Vários autores classificam este período a partir de
diferentes denominações, sendo que a mais difundida delas é a de globalização.
Independente da denominação que se utilize, o atual estágio do
capitalismo é marcado por um conjunto de novas características. Em primeiro
lugar, há um amplo consenso por parte dos agentes econômicos de que o
conhecimento e a inovação têm atualmente um papel ainda mais relevante no
processo de desenvolvimento e crescimento econômicos. Além disso, uma das
grandes mudanças associadas à difusão do novo paradigma é o surgimento de
um novo regime de acumulação baseado nas finanças (Chesnais, 1999), cuja
base técnica foi viabilizada pelas tecnologias de informação, e que resultou
também de um amplo movimento de liberalização e desregulamentação dos
mercados financeiros nacionais. Outro traço marcante desta fase do capitalismo
constitui-se num conjunto de políticas de abertura e liberalização comercial
adotadas em diferentes graus por praticamente todos os países. Deste processo
de liberalização comercial resultou uma ampliação do comércio mundial, onde se
destaca o crescimento das atividades das empresas multinacionais em todo
mundo, que passaram a atuar como os principais atores no âmbito da maior
integração econômica internacional e que são responsáveis por
aproximadamente um terço do comércio internacional.
Como decorrência deste conjunto de mudanças no formato de integração
entre as economias estabeleceu-se um debate relacionado a uma suposta
erosão das fronteiras nacionais entre os países. Alguns autores afirmam que
neste novo contexto as fronteiras entre os países estariam se diluindo, o que
reduziria a importância das políticas nacionais e tornaria inevitável a
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padronização das mesmas. No entanto, outros autores avaliam que as
transformações recentes no contexto econômico e social ampliaram a relevância
das políticas nacionais, principalmente daquelas associadas à inovação
(Cassiolato, 1999). Neste caso, o surgimento do paradigma da microeletrônica e
as mudanças associadas ao sistema capitalista, além da crise financeira do
Estado verificada em muitos países a partir da década de 1980, levaram a uma
mudança no perfil das políticas industriais e tecnológicas adotadas na maior
parte dos países. De forma geral, estas políticas englobam diferentes
instrumentos, sendo que a ênfase passou a ser a inovação.
Diante deste quadro de transformações no capitalismo mundial, a
evolução e as mudanças percebidas no setor de telecomunicações constituem-
se em aspectos cruciais para a compreensão das implicações associadas ao
novo paradigma tecno-econômico. A difusão eficiente das tecnologias de
informação depende do desenvolvimento da infra-estrutura de telecomunicações
e, ao mesmo tempo, essa infra-estrutura é essencial também para viabilizar a
inserção das economias nacionais no novo estágio do capitalismo.
O paradigma de base microeletrônica tem afetado países, setores
econômicos e indivíduos, porém de maneiras variadas. No caso específico das
telecomunicações, em particular, a partir da década de 1970, a introdução da
microeletrônica modificou substancialmente a dinâmica concorrencial dos
segmentos de serviços e de equipamentos, além de ter promovido a
convergência deste setor com os outros do complexo eletrônico. Paralelamente,
um conjunto de mudanças políticas, institucionais e regulatórias focalizadas na
promoção da reestruturação e liberalização do setor de telecomunicações
passou a ser implementado em alguns países, capitaneadas principalmente
pelos Estados Unidos e Reino Unido. Em geral, a reestruturação foi marcada por
processos de privatização das operadoras de serviços de telecomunicações até
então estatais (com exceção dos Estados Unidos, onde a operadora constituía-
se num monopólio privado) e pela abertura à concorrência de determinados
segmentos do setor.
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A reestruturação das telecomunicações resultou numa nova configuração
do setor em nível mundial. Esta nova configuração incorpora, entre outras
coisas, o aumento da concorrência em diversos segmentos, o surgimento de
vários novos agentes e a ampliação das atividades e internacionalização das
grandes operadoras dos países desenvolvidos. Modelos variados de
reestruturação do setor de telecomunicações foram implementados nos países,
levando a diferentes resultados em termos de introdução e nível de concorrência
nos segmentos de serviços, de redução de preços e aumento de qualidade dos
serviços e de capacitação industrial e tecnológica.
Na América Latina o processo de reestruturação das telecomunicações
insere-se num amplo conjunto de reformas estruturais adotadas a partir do final
da década de 1980, que envolveu basicamente a liberalização e abertura do
setor aos investidores estrangeiros, a privatização das operadoras até então
estatais e a criação de agências reguladoras. Este foi o padrão de
reestruturação das telecomunicações adotado em todos os países do continente,
sendo que existem diferenças entre os modelos de privatização implementados
em cada um deles.
No Brasil, diferentemente da maioria dos outros países da América Latina,
constituiu-se ao longo das décadas de 1970 e 1980 um sistema de inovação de
telecomunicações que era considerado um dos mais desenvolvidos dentre os
países em desenvolvimento (Hobday, 1990 e Mytelka, 1999). Foram criados um
centro de pesquisa associado à Telebrás (CPqD) e empresas de capital nacional
fabricantes de equipamentos e, paralelamente, as subsidiárias de multinacionais
que já operavam no Brasil se envolveram no processo de desenvolvimento de
tecnologia nacional. A partir da década de 1990, teve início a reestruturação do
setor de telecomunicações, sendo que as principais reformas ocorreram a partir
de 1995, tendo atingido o seu ápice com a privatização da Telebrás em 1998
(Szapiro, 1999).
O modelo de reestruturação brasileiro do setor de telecomunicações
incluiu: a abertura do mercado de telefonia móvel em 1996; a criação de um
novo arcabouço institucional para o setor em 1997 (a Lei Geral de
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Telecomunicações); a separação das empresas de telefonia móvel das de
telefonia fixa da Telebrás, a agregação e posterior fragmentação das operadoras
de telefonia fixa e privatização das empresas dela resultantes em 1998; e,
finalmente, a abertura à concorrência de todos segmentos. Neste processo,
diversas operadoras estrangeiras iniciaram suas atividades no país, entre as
quais uma das principais é a Telefonica. Sob a ótica dos serviços de
telecomunicações, observou-se o crescimento do número de telefones fixos e
móveis no país, o que ampliou significativamente a densidade telefônica.
Também aumentou o número de operadoras principalmente no mercado de
telefonia móvel, intensificando a concorrência neste segmento, o que não foi
possível alcançar no mercado de telefonia fixa, já que as operadoras
privatizadas permanecem com participação de mercado majoritária, em geral
próxima a 95%.
O modelo de reestruturação seguido pelo Brasil difere significativamente
de outros, especialmente aqueles adotados nos países europeus. Na União
Européia foram estabelecidas diretrizes gerais da reestruturação das
telecomunicações, com um calendário gradual para a liberalização de cada
segmento do setor, que deveriam ser seguidas pelos países membros. A
Espanha, por exemplo, que enfrentava uma crise no setor de telecomunicações
no final dos anos 1980, com longas filas de espera por linhas telefônicas e
deterioração dos serviços (MCYT, 2002), no final da década de 1990 passou a
ter uma das maiores operadoras de serviços de telecomunicações do mundo. A
Telefonica, que na década de 1920 foi criada como uma subsidiária espanhola
da ITT (empresa norte americana de telecomunicações), foi posteriormente
estatizada pelo governo do general Franco e, na década de 1980, o Estado
detinha aproximadamente 32% de seu capital e controlava de fato a empresa. A
partir de fins da década de 1980, a Telefonica definiu uma estratégia de
internacionalização de suas atividades para a América Latina, por compreender
que esta era a única forma de garantir sua sobrevivência, diante da liberalização
do mercado europeu de telecomunicações e da concorrência potencial
representada pelas grandes operadoras européias. No contexto da
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internacionalização, a Telefonica adquiriu diversas operadoras de
telecomunicações latino-americanas que estavam sendo privatizadas a partir do
final da década de 1980 e, em 2004, se tornou a oitava maior operadora de
telecomunicações do mundo (www.idate.org). Depois de iniciado o processo de
internacionalização, a Telefonica foi privatizada pelo governo espanhol em dois
leilões consecutivos em 1995 e 1997, onde todas as ações em poder do Estado
foram vendidas, mas o governo manteve a golden share em seu poder.
O resultado geral da reestruturação das telecomunicações na Espanha foi
a projeção da Telefonica no contexto da concorrência internacional das
operadoras de telecomunicações, a conquista de novos mercados e a abertura
destes mercados para as empresas de serviços e equipamentos de
telecomunicações de capital espanhol. Além disso, as subsidiárias espanholas
das empresas multinacionais ampliaram suas atividades produtivas e inovativas
na Espanha, pois a Telefonica organizava e realizava as encomendas de todas
as subsidiárias a partir da matriz espanhola. Dessa forma, as empresas
multinacionais tiveram incentivos para manter ou ampliar suas atividades
naquele país, dada a escala de encomendas da Telefonica. Todos estes
aspectos fortaleceram o sistema de inovação de telecomunicações espanhol.
A operadora espanhola, enquanto ainda era uma empresa estatal, se
projetou internacionalmente, tornando-se uma das principais da América Latina
e, em particular uma das maiores operadoras do Brasil. Ao mesmo tempo,
embora a Espanha tivesse desenvolvido menos capacitações nesta área
previamente, a Telefonica utilizou a oportunidade de ampliação das atividades
internacionalmente para dinamizar o sistema espanhol de inovação de
telecomunicações. De maneira contrária, o Brasil, que havia constituído um
sistema de inovação relativamente desenvolvido, passou por um processo de
desnacionalização e internacionalização de seu setor de telecomunicações, o
que resultou na diminuição dos investimentos e esforços em P&D e inovação
neste setor.
Diante deste quadro, o principal objetivo da tese é de comparar os
impactos do processo de reestruturação das telecomunicações sobre o sistema
6
de inovação do Brasil e da Espanha. Parte-se da hipótese de que a adoção de
diferentes estratégias de abertura, liberalização e privatização no setor de
telecomunicações produz impactos significativamente diversos sobre a estrutura
e organização do setor e sobre os sistemas nacionais de inovação. A escolha do
Brasil e da Espanha é justificada por algumas razões: estes países possuem
estruturas produtivas relativamente parecidas, nas quais as empresas
multinacionais tinham (e têm) importante participação; o nível dos investimentos
em atividades de P&D no Brasil e na Espanha (em termos de participação dos
gastos nos respectivos produtos internos brutos) é razoavelmente similar e; até a
década de 1980, o setor de telecomunicações no Brasil e na Espanha tinham
graus semelhantes de desenvolvimento.
Para cumprir com os objetivos propostos, a metodologia desta tese
baseia-se na realização de dois estudos empíricos: um no Brasil e outro na
Espanha1. Cada um dos estudos envolveu um conjunto de entrevistas com
empresas e instituições que compõem os respectivos sistemas de inovação. Os
roteiros de entrevistas, a relação das empresas e pessoas entrevistadas que
fizeram parte da amostra selecionada no Brasil e na Espanha estão disponíveis
no anexo.
Particularmente na Espanha, a pesquisa se deu em duas partes que
foram realizadas concomitantemente. A primeira delas envolveu uma pesquisa
bibliográfica no IEG/CSIC, no Centro de Información y Documentación Científica
do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CINDOC/CSIC) e,
principalmente, nas universidades de Madri (Universidad Autónoma de Madrid,
Universidade Complutense de Madrid e Universidad Carlos III). Esta pesquisa
teve como foco a busca de material bibliográfico sobre: o histórico do setor de
telecomunicações na Espanha, que inclui a análise do processo reestruturação
deste setor e, em particular, da internacionalização da Telefonica; e os impactos
destes processos sobre o sistema de inovação de telecomunicações espanhol.
Paralelamente a esta etapa, realizou-se conjunto de entrevistas com atores
1 O estudo empírico sobre o caso espanhol foi realizado graças a um doutorado sanduíche de três meses no período de março a junho de 2004 em Madri, no Instituto de Economía e Geografía do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (IEG/CSIC).
7
chaves, entre os quais, destacam-se: Telefonica, Telefonica Investigación y
Desarrollo, Alcatel España, Ericsson España, Asociación Nacional de las
Industrias Electrónicas y de telecomunicaciones (ANIEL) e Grupo PRISA.
A tese está estruturada em duas partes. A primeira, composta pelos dois
primeiros capítulos, apresenta o referencial analítico da tese, que está
fundamentado principalmente na idéia de sistema nacional de inovação (SNI),
conceito este desenvolvido no âmbito da abordagem teórica Neo
Schumpeteriana. Além de considerar a inovação como o principal elemento de
competitividade e centro da dinâmica econômica, o conceito de SNI possui o
entendimento da inovação como um processo sistêmico, que não ocorre
somente no âmbito da firma, mas é produzida a partir de um conjunto de
relações e interações entre diversos agentes. Este conceito traz ainda o
reconhecimento da importância das políticas industriais e tecnológicas para o
desenvolvimento econômico e social dos países. Dessa forma, o conceito de
SNI constitui-se num referencial de análise extremamente útil para compreender
as mudanças recentes e também para pensar novas estratégias de
desenvolvimento e crescimento econômicos.
O primeiro capítulo apresenta, inicialmente, o contexto econômico e social
internacional no qual se situa o objeto de estudo da tese. Neste aspecto, são
analisadas as principais características de tal contexto, partindo-se da idéia de
que o estágio atual da economia mundial resulta do surgimento do paradigma
tecno-econômico da microeletrônica e das tecnologias de informação.
Argumenta-se que as transformações provocadas pelo advento deste novo
paradigma deram origem a uma nova forma de integração entre os países. Além
disso, neste capítulo são discutidas as principais noções teóricas da tese, que
estão associadas à abordagem teórica Neo-Schumpeteriana, sendo que é dado
destaque para o conceito de sistema nacional de inovação. Por último, é feita
uma breve discussão sobre as novas políticas de desenvolvimento industrial e
tecnológico no âmbito dos sistemas nacionais de inovação dos países
desenvolvidos.
8
Além do conceito de SNI, o referencial analítico é composto ainda pela
análise detalhada e discussão sobre a nova configuração internacional do setor
de telecomunicações, para compreender, entre outras coisas, a organização das
atividades inovativas da “nova” indústria de telecomunicações (Fransman, 1998;
2002; Mytelka e Delapierre, 1998; Delapierre e Mytelka, 1997), o que é realizado
no capítulo dois.
Assim, o segundo capítulo tem por objetivo avançar na análise da nova
configuração da indústria de telecomunicações em nível mundial, que resultou
das transformações recentes, principalmente no plano técnológico, com a
introdução do paradigma da microeletrônica, e no plano institucional, com as
mudanças institucionais e regulatórias implementados a partir da década de
1970 nos Estados Unidos e no Reino Unido. Para isso, inicialmente é
apresentada a estrutura histórica de organização do setor de telecomunicações,
praticada na maior parte dos países, com algumas exceções: um monopólio
estatal na prestação de serviços e um oligopólio no segmento fabricante de
equipamentos. Em seguida, discute-se de que maneira a introdução da
microeletrônica nas telecomunicações modificou a configuração do setor,
principalmente em função de seus impactos sobre a estrutura tradicional do
surgimento de novos serviços. Discutem-se ainda os impactos do processo de
convergência tecnológica deste setor com os outros do complexo eletrônico, o
que também está relacionado à difusão do paradigma da microeletrônica.
Argumenta-se neste capítulo que as transformações causadas por tal
paradigma, juntamente com os movimentos de reestruturação do setor, são
responsáveis pela nova formatação da indústria de telecomunicações em nível
mundial. Neste contexto, analisa-se esta nova configuração, com destaque para:
o surgimento de novos segmentos de serviços; o nível de concorrência em cada
segmento da indústria; a participação do estado e restrições ao capital
estrangeiro impostas pelos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE); e principalmente, as atividades de P&D e
inovação no contexto da “nova” indústria de telecomunicações.
9
A segunda parte da tese é composta, além de uma introdução, pelos
estudos empíricos relacionados à análise dos impactos dos processos de
reestruturação sobre os sistemas de inovação do Brasil e da Espanha. Esta
parte da tese visa fornecer os elementos-base para a comparação entre os
casos do Brasil e da Espanha.
A introdução à parte empírica fornece dados gerais sobre os dois países,
com vistas a embasar a comparação realizada entre tais países. São
disponibilizadas informações relacionadas à estrutura produtiva e ao sistema
nacional de inovação brasileiro e espanhol, buscando relacionar as principais
semelhanças e diferenças entre elas.
O terceiro capítulo analisa o processo de reestruturação do setor de
telecomunicações brasileiro. Para isso, ele é organizado em três partes, além da
introdução e conclusão. A primeira apresenta o histórico e a evolução do setor
de telecomunicações dos anos sessenta ao fim dos oitenta. Neste aspecto, são
apresentados os principais resultados da constituição do sistema de
telecomunicações em termos das tecnologias nacionais desenvolvidas e dos
benefícios advindos, principalmente financeiros. Em seguida, discute-se em
detalhe o processo de reestruturação das telecomunicações no Brasil, buscando
diferenciar os impactos da abertura comercial no início dos anos 1990, daqueles
mais significativos relacionados ao processo de liberalização, privatização e
regulação a partir da segunda metade desta década. O resultado deste processo
de reestruturação em termos da nova configuração da indústria de
telecomunicações no Brasil é analisado, com ênfase no surgimento dos novos
atores do setor, na universalização dos serviços, na introdução de concorrência
em alguns segmentos e na manutenção do monopólio (de fato) em outros.
Busca-se avaliar até que ponto os objetivos propostos pelo modelo de
reestruturação foram efetivamente alcançados.
No quarto capítulo discute-se o desenvolvimento das telecomunicações
na Espanha, desde a criação da CTNE (que posteriormente passou a se chamar
Telefônica) na década de 1920, até a sua recente internacionalização. Assim,
apresenta-se a caracterização e o histórico do setor de telecomunicações na
10
Espanha, que passa: pela criação da Telefonica; por sua estatização durante o
governo do general Franco; por sua consolidação como principal agente do setor
de telecomunicações espanhol; pelos impactos da entrada na União Européia; e
pela reestruturação do setor de telecomunicações, que envolveu a constituição
de um novo aparato regulatório, a liberalização e a privatização da Telefonica.
Em seguida, o capítulo apresenta o contexto e o histórico do processo de
internacionalização da Telefonica. Para tanto, discute o movimento geral de
internacionalização das empresas espanholas em direção à América Latina e a
importância dos bancos espanhóis em tal processo. Em particular, este capítulo
analisa o processo de internacionalização da Telefonica e a estratégia de
estabelecimento de subsidiárias nos países latino-americanos.
O quinto e último capítulo tem como objetivo discutir os impactos da
reestruturação das telecomunicações no Brasil e na Espanha (analisados nos
capítulos três e quatro) sobre os respectivos sistemas de inovação. Inicialmente,
o caso do Brasil é apresentado. Os impactos da reestruturação são debatidos do
ponto de vista das políticas relacionadas ao sistema de inovação; dos principais
agentes do sistema (indústria de equipamentos e CPqD); e dos investimentos
em P&D e inovação. O caso espanhol é analisado posteriormente e, da mesma
forma que no caso brasileiro, os impactos da reestruturação das
telecomunicações são tratados sob a ótica das políticas relacionadas ao sistema
de inovação e dos principais agentes do sistema de inovação, com destaque
para a Telefonica Investigación y Desarrollo e para a indústria de equipamentos
de telecomunicações.
Finalmente, a conclusão da tese traz os principais elementos resultantes
da comparação entre os dois casos estudados.
11
Capítulo 1: Globalização e Sistema Nacional de Inovação
1.1. Introdução Nas últimas décadas, o sistema capitalista tem passado por um processo de
intensas transformações, as quais têm levado diversos autores a sugerir que
estamos vivendo um novo estágio do capitalismo. Diversas denominações, tais
como: globalização, mundialização, economia baseada no conhecimento, economia
do aprendizado, entre outros, têm sido propostas no sentido de caracterizar o atual
momento. Independente da nomenclatura utilizada para caracterizar o momento
atual, existe atualmente um amplo consenso em relação ao papel desempenhado
pelo conhecimento, aprendizado e inovação para o desenvolvimento e
competitividade de firmas, países e regiões2. Este capítulo tem por objetivo contextualizar as mudanças recentes no
ambiente econômico e social internacional e, principalmente, introduzir os elementos
analíticos que serão a base para a discussão realizada nos capítulos seguintes. Tais
elementos estão centrados na abordagem Neo Schumpeteriana, que entende a
inovação como o elemento fundamental dos processos de crescimento e
desenvolvimento econômicos e como um processo sistêmico, resultado de
interações entre empresas, instituições e organizações. É no âmbito desta
abordagem que surge o conceito de sistema nacional de inovação, a principal noção
que será apresentada neste capítulo e utilizada ao longo da tese. O capítulo destaca
ainda que o conceito de sistema nacional de inovação traz implícito o
reconhecimento da importância das políticas governamentais para o
desenvolvimento e crescimento dos países. Neste aspecto, será realizada uma
breve discussão sobre o novo papel do Estado na condução das transformações das
estruturas produtivas e sociais, necessárias e decorrentes do ambiente de fortes
mudanças pelas quais o sistema capitalista vem passando.
O capítulo está estruturado da seguinte forma. A segunda seção apresenta
uma análise das principais características do novo ambiente internacional,
2 Até instituições como o Banco Mundial têm enfatizado em seus relatórios de 1998/1999 (“Knowledge for Development”) e de 1999/2000 (“Entering the 21st Century”) a importância do conhecimento e da inovação no âmbito das estratégias de desenvolvimento nacionais (Banco Mundial, 1999 e Banco Mundial, 2000).
12
geralmente compreendido a partir do conceito de globalização. Além de discutir as
principais características e dimensões associadas ao novo contexto internacional,
que abarca o surgimento e difusão das tecnologias de informação e comunicações,
um novo papel das empresas multinacionais e o acirramento da concorrência, esta
seção desenvolve ainda o debate em torno de uma pretensa globalização da
tecnologia e da inovação.
Uma vez caracterizado o papel da tecnologia e da inovação na fase atual do
capitalismo e descartada a idéia de que elas se globalizaram, a terceira seção
discute os principais elementos analíticos utilizados na tese, com destaque para o
conceito de Sistema Nacional de Inovação. Argumenta-se que este conceito
contrapõe-se à idéia difundida sobre o formato das novas relações de integração
globais e, dessa forma, constitui-se numa ferramenta fundamental para a
compreensão das especificidades que marcam os processos de crescimento e
desenvolvimento econômicos em âmbito nacional. São apresentadas as bases do
desenvolvimento de tal conceito, que remetem à abordagem Neo Schumpeteriana e
à visão sistêmica da inovação, além das principais características e componentes
inerentes aos sistemas nacionais de inovação.
A quarta seção analisa a importância das políticas governamentais no âmbito
dos diversos sistemas nacionais de inovação, além de expor em linhas gerais as
principais políticas de competitividade que vêm sendo adotadas nos países
desenvolvidos.
Finalmente, a seção cinco apresenta as principais conclusões das reflexões
deste capítulo.
1.2. Contexto internacional e transformações recentes no sistema
capitalista
Grande parte dos autores que analisam a dinâmica recente da economia
capitalista qualifica o atual estágio do capitalismo a partir da noção de globalização.
No entanto, o entendimento deste termo é extremamente controverso, e não há
consenso em relação à definição do mesmo. Como resultado da polêmica associada
13
a tal noção, tem-se usado e difundido um conceito fluido, que é exaustivamente
empregado nos mais diversos contextos, e cujo significado varia de acordo,
inclusive, com o enfoque teórico que o define. Além disso, a dificuldade de definir
globalização é agravada pelo fato de que sua utilização está invariavelmente
associada à análise de políticas. Em geral, o termo é empregado implícita ou
explicitamente como um equivalente à liberalização econômica de forma
inapropriada, visto que se trata de um conceito descritivo, enquanto o conceito de
liberalização tem um significado normativo (Archibugi et al., 1999). O resultado de tal
associação é que, no novo contexto econômico e social mundial, as políticas
públicas, além de operarem crescentemente sob restrições internacionais, se
tornariam homogêneas.
De forma geral, no presente trabalho a globalização é entendida como um
estágio mais avançado da internacionalização e da integração da economia mundial
capitalista e é marcada por algumas características importantes. Segundo este
entendimento, a principal característica da globalização é o aprofundamento das
relações econômicas mais tradicionais e antigas entre as economias nacionais
(Coutinho, 1996).
Inicialmente, destaca-se que a grande mudança nas formas de integração
das economias é possibilitada pelo advento do novo paradigma tecno-econômico
baseado na microeletrônica. De fato, o desenvolvimento e a difusão extremamente
desigual das tecnologias de informação3 (TI), promoveram uma série de mudanças
estruturais e institucionais no sistema econômico, envolvendo alterações técnicas e
organizacionais, modificando produtos e processos e originando uma nova dinâmica
industrial, além de transformar as dimensões de tempo e de espaço das relações
sócio-econômicas. A difusão das TI está também ligada à extensão dos contatos e
troca de informações possíveis entre os atores através da ampliação dos sistemas,
canais, redes e organizações de geração, tratamento e difusão de informações.
3 As tecnologias de informática e telecomunicações vêm passando por um processo de convergência proporcionado pela utilização intensa da microeletrônica (incluindo a aplicação do microprocessador em novos produtos e processos) e dando origem, assim, às tecnologias de informação. A difusão das tecnologias de informação atingiu praticamente todas as atividades produtivas. Além disso, as novas tecnologias permitiram os fluxos de informação ao redor do mundo a um menor custo, configurando uma das bases da globalização. Este ponto, entretanto, será tratado no capítulo 2 desta tese.
14
Neste contexto, o desenvolvimento e difusão das TI forneceram a base técnica para
o novo formato de integração entre os diversos países.
Chesnais (1996) ressalta que as novas tecnologias funcionam, ao mesmo
tempo, como condição permissiva e como fator de intensificação da globalização,
por ele denominada mundialização4. Por suas características técnicas, as
tecnologias de informação viabilizam e ampliam a mobilidade de informações e,
dessa forma, atuam no sentido de favorecer a maior comunicação entre firmas,
países e regiões, possibilitando a maior integração em geral.
Neste contexto, as telecomunicações se destacam dentre as tecnologias de
informação, pois elas funcionam como infra-estrutura técnica essencial, que viabiliza
a participação das firmas, países e regiões nos processos de trocas de informações,
comerciais e de capital e, conseqüentemente, contribuem para o desenvolvimento
econômico e social das economias nacionais5.
A maior integração entre as economias nacionais levou ao aumento da
relevância das relações globais em termos qualitativos e quantitativos, tendo em
vista o crescimento dramático de fluxos de informações, conhecimento, commodities
e capital entre fronteiras. No entanto, é importante ressaltar que parte destes fluxos
ocorre de forma extremamente desigual, e está concentrada principalmente no
âmbito da Tríade6. Da mesma forma, a difusão das TICs acontece de maneira
desigual no interior dos países da tríade, atingindo mais as regiões ricas do que as
pobres. Assim, muitas vezes o novo padrão de integração entre os países
decorrente das mudanças nas relações globais é equivocadamente interpretado,
desconsiderando a heterogeneidade no processo de difusão das TICs e resultando
na difusão de conceitos extremamente imprecisos e carregados de ideologia.
Segundo Lastres et al. (1999), uma noção (equivocada) bastante difundida
sobre o fenômeno da globalização é a de que tal processo dilui as fronteiras
existentes entre os países, originando um sistema internacional autônomo e 4 “A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan” (Chesnais, 1996, p. 34). 5 O papel desempenhado e a dinâmica do setor de telecomunicações serão analisados do capítulo 2. 6 Os países e regiões que compõem a Tríade são: Estados Unidos, Europa e Japão.
15
socialmente sem raízes, onde os mercados de bens e serviços se tornam
crescentemente globais. Neste contexto de crescente homogeneização do espaço
econômico, os principais atores seriam as grandes corporações transnacionais que
atuam nas diversas partes do globo, de acordo com suas estratégias e as vantagens
oferecidas por cada região. Tal percepção possui um alto conteúdo ideológico e se
reflete na criação de um ambiente propício à adoção de políticas econômicas e
sociais fortemente favoráveis às grandes corporações e interesses econômicos e
financeiros que atuam no nível internacional, geralmente associadas às políticas de
liberalização comercial e financeira.
Do ponto de vista normativo, ao apontar para a suposta erosão das fronteiras
nacionais, esta noção sobre a globalização também apregoa que a dimensão
nacional dos sistemas econômicos perderia importância do ponto de vista da
implementação de políticas e, nessa medida, os Estados Nacionais teriam seu
escopo de ação política extremamente reduzido. Segundo este raciocínio, as
barreiras tarifárias e não-tarifárias deveriam ser completamente extintas, as políticas
nacionais se tornariam crescentemente ineficazes e ineficientes e os governos
teriam de aderir a um padrão único e homogêneo de ação política, em nome da
intensificação do comércio internacional e da inserção na globalização. Atribui-se ao
mercado o papel antes desempenhado pelos Estados por meio das políticas
econômicas e sociais na direção do desenvolvimento industrial e tecnológico.
Cabe ressaltar que tal visão foi amplamente difundia pelo Consenso de
Washington, criado no início da década de 1990 e apoiado enfaticamente pelo
Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. O Consenso de Washington
pregava uma estratégia de desenvolvimento e uma agenda de políticas homogêneas
que deveria ser adotada por todos os países em desenvolvimento. Inerente a esta
visão existia o entendimento de que o desenvolvimento deveria ser orientado pelo
mercado e, dessa forma, o papel do Estado se limitaria à manutenção do equilíbrio
macroeconômico e à correção dos preços relativos7.
7 Para maiores detalhes sobre o Consenso de Washington e as críticas posteriores feitas a ele, ver Stiglitz, J. “An agenda for development in the twenty-first century”. In: Pleskovic, B. e Stiglitz, J. (Eds.), 1998.
16
Como decorrência dessa visão, a inserção internacional competitiva dos
países em desenvolvimento passaria a estar condicionada à implementação de um
conjunto de políticas de liberalização comercial e financeira, incluindo a privatização
dos setores até então dominados pelo Estado e a estabilização econômica.
Assim, a definição de globalização acima exposta pressupõe a
implementação de uma agenda neoliberal radical de política (Erber e Cassiolato,
1997), na qual o papel antes desempenhado pelo Estado por meio das políticas
industriais passaria a ser desempenhado pelo mercado, que agiria a partir do
mecanismo de preços. Ao Estado caberia apenas corrigir as falhas de mercado e
estabelecer fundamentos macroeconômicos corretos e reformas estruturais para
promover o bom funcionamento da economia. Efetivamente, ao longo da década de
1990, como conseqüência da difusão desse tipo de visão sobre o atual estágio de
integração das economias, para promover uma melhor inserção internacional,
muitos países em desenvolvimento passaram a adotar políticas de liberalização,
tendo como pano de fundo a idéia de que o mercado substitui o Estado no processo
de regulação econômica. Esta discussão sobre o papel e grau de intervenção do
Estado na economia será retomada na quarta seção.
Contrapondo-se ao “mito da globalização”, existem diversos outros
entendimentos alternativos de tal conceito, dentre os quais um que entende que, na
prática, a economia moderna originou-se, estruturou-se e desenvolveu-se como um
sistema global. Nesse caso, a principal característica do atual estágio e formato da
integração da economia internacional constitui-se no aprofundamento das relações
econômicas mais tradicionais e antigas entre os países. Este estreitamento das
relações entre as economias nacionais se deu, entretanto, principalmente entre as
economias da OCDE (Organization for Economic Co-operation and Development).
1.2.1. Principais características do novo estágio do capitalismo: globalização financeira, aumento da importância das empresas multinacionais, ampliação do comércio internacional e acirramento da concorrência
No âmbito das várias qualificações da idéia de globalização alternativas ao
“mito da globalização”, em geral entende-se que a economia internacional é
17
marcada por sistemas globais de produção e uma maior integração entre os países.
No entanto, verifica-se que, diferentemente do que é difundido pelo “mito da
globalização”, o papel do Estado Nacional na organização e no direcionamento das
transformações dos sistemas produtivos permanece extremamente relevante.
Assim, no contexto da análise das transformações recentes no sistema
capitalista, algumas características marcantes se destacam. Tais características são,
basicamente, a ampliação das atividades das empresas multinacionais e os
mercados financeiros e monetários que realmente se tornaram globais a partir da
década de 1970 (Lastres e Cassiolato, 1995), a ampliação do comércio internacional
e o acirramento da concorrência em nível mundial.
No que se refere à globalização financeira, tal processo resultou dos
movimentos de desregulamentação, liberalização e abertura dos sistemas
financeiros e mercados de capitais nacionais, que, juntamente com as tecnologias
de informação, permitiram a interligação em tempo real dos diversos mercados.
Estes movimentos originaram-se nos Estados Unidos e no Reino Unido no final da
década de 1970 e se expandiram pela maioria dos outros países desenvolvidos e
em desenvolvimento, que passaram de situações de controle deliberado de capitais
para a liberalização de fluxos de capitais (Lundvall e Borrás, 1997).
A globalização financeira se caracterizou pela progressiva eliminação das
restrições à mobilidade do capital, que resultou no aumento contínuo das transações
cambiais e dos fluxos brutos de capitais internacionais. Esses fluxos de capitais
aproveitam-se dos desequilíbrios em transações correntes dos vários países,
assumindo valores várias vezes superiores aos mesmos. Assim, os fluxos de
capitais passam a ter uma autonomia frente às demandas de transações correntes,
adquirindo um caráter intrinsecamente especulativo e deixando de se orientar pelas
necessidades reais das economias. As mudanças de posição dos fluxos de capitais
estão em geral associadas a expectativas de ganhos de capital decorrentes de
variações esperadas de taxas de juros e câmbio (Carneiro, 1999).
Ao final de 1994 o estoque de ativos bancários além-fronteiras estava quase
cinco vezes maior do que aquele de 1980. Como proporção do PIB conjunto dos
países da OCDE, aquele estoque saltou de 20% em 1980 para cerca de 35% em
18
1994. No caso das securities, a expansão de mercados globais mostrou-se ainda
maior, conforme expresso no crescimento das transações além-fronteiras e nas
operações cambiais, assim como no surgimento de instituições financeiras não-
bancárias multinacionais. Entre 1980 e 1994, as transações além-fronteiras com
securities aumentaram, em valor, de 10% do PIB das economias avançadas para
uma proporção superior a 100%. Nos mercados de ações, um em cada quatro
negócios no mundo envolve um título estrangeiro ou uma contrapartida no exterior.
A emissão de títulos de dívida e ações em escala internacional quadruplicou entre
1985 e 1994, ao passo que o volume de giro em transações cambiais triplicou entre
1988 e 1993 (Canuto e Lima, 1999).
As instituições dominantes na globalização financeira não são mais os
bancos, mas sim as organizações financeiras que atuam nos mercados financeiros.
Os bancos passaram a sofrer, na esfera financeira, a concorrência de outras formas
de centralização e concentração capitalistas – os fundos de pensões e os fundos
mútuos (Chesnais, 1996).
Todas as transformações observadas na esfera financeira levaram-se a se
constituir, de fato, na maior expressão da globalização. O setor financeiro ganhou
autonomia, e os capitais passaram a “flutuar” em busca da rentabilidade máxima.
Uma parte elevada da riqueza produzida na esfera produtiva (a partir dos
investimentos) é captada e canalizada para o circuito fechado da esfera financeira,
que passa por vários processos de valorização, em boa parte fictícios, e inflam o
montante nominal dos ativos (Chesnais, 1996).
Outra conseqüência da globalização financeira, como argumenta Coutinho
(1996), é que a acumulação de capitais extravasou significativamente as fronteiras
nacionais, implicando forte interpenetração patrimonial por intermédio de fusões e
aquisições internacionais e elevados fluxos de investimento direto das grandes
empresas dos países industrializados.
As ondas de fusões e aquisições que marcaram as duas últimas décadas
também estão associadas aos processos de liberalização comercial e do
investimento, além das privatizações, que levaram a um processo de concentração
em escala internacional sem precedentes. No entanto, a liberalização e
19
desregulamentação dos mercados financeiros foram determinantes para o
crescimento das fusões e aquisições (Chesnais e Sauviat, 2000)
Outro traço fundamental do atual contexto do capitalismo é o crescimento da
importância dos fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) e do comércio
internacional. Em relação ao primeiro, os fluxos de IED cresceram a uma taxa média
de 24,3% no período de 1986 a 1990, ao passo que o PIB mundial cresceu a uma
taxa de 12%. No período de 1991 a 1995, os fluxos de IED cresceram em média
19,6%, ao passo que o PIB mundial cresceu a uma taxa média de 6,4%. Em 1996 os
fluxos de IED cresceram 9,1%, e o PIB mundial cresceu 2,5%. Em 1997 os fluxos de
IED cresceram 29,4%, e o PIB mundial cresceu 1,2%. A maior parte do IED,
entretanto, está localizada nos países desenvolvidos, sendo que em 1997 a
participação dos países em desenvolvimento totalizou 37%, caindo para 28% em
1998. Dentre os países desenvolvidos, a maior parte do IED está localizada (e se
origina) na Tríade, que contava com aproximadamente dois terços do estoque de
IED dos países desenvolvidos em 1997 (UNCTAD, 1999). Além disso, cabe
ressaltar, no âmbito destes investimentos, a supremacia das fusões e aquisições
sobre os novos investimentos (Chesnais, 1996).
Em relação ao comércio internacional, observa-se também um crescimento a
taxas superiores às do crescimento do PIB mundial. De 1965 a 1990 o comércio
mundial cresceu em média uma vez e meia o valor da taxa de crescimento do PIB
mundial. Dentre as economias da OCDE, a participação das exportações no PIB
praticamente dobrou no período de 1960 a 1990, tendo crescido de 9,5% em 1960
para 20,5% em 1990. Estes indicadores mostram que uma proporção crescente da
produção de cada economia nacional passou a se voltar para o mercado externo,
aumentando a importância dos mercados estrangeiros em relação aos mercados
domésticos (Wade, 1996)8.
8 Cabe destacar que, de acordo com o autor, a taxa de crescimento do comércio nos anos 1980 e 1990 vem se reduzindo relativamente ao crescimento do produto. Esta redução é parcialmente explicada pela desaceleração da economia mundial das décadas de 1970 e 1980, mas também está relacionada a uma mudança estrutural de longo prazo na composição do PIB dos países da OCDE. Esta mudança é representada pela redução da participação dos produtos manufaturados (que caiu de 29% na década de 1960 para 23% na década de 1980) e pelo aumento na participação de serviços menos intensivos em comércio no PIB da OCDE (Wade, 1996, p. 66).
20
Apesar de ser uma das principais características desse estágio do
capitalismo, o comércio internacional é altamente concentrado nos países do “norte”
(economias de mercado desenvolvidas, em geral o grupo de países que fazem parte
da OCDE). Neste aspecto, a participação do norte no comércio mundial se ampliou
de 81% em 1970 para 84% em 1989. É interessante ainda notar que o comércio
entre o norte e o “sul” (países em desenvolvimento e países socialistas da Ásia)
diminuiu como uma proporção do total (Wade, 1996).
Associado à concentração dos fluxos comerciais nos países desenvolvidos,
verifica-se também que uma parte significativa do comércio internacional é
proveniente das trocas no âmbito dos grupos multinacionais. Dessa forma, uma
parcela importante do comércio internacional está associada ao comércio intrafirma,
que cresceu nas últimas décadas como conseqüência da intensificação das
atividades das empresas multinacionais, o que será analisado a seguir. Nesse
sentido, o comércio intra-firma das empresas multinacionais é responsável por um
terço do comércio mundial (UNCTAD, 1999).
Dessa forma, as empresas multinacionais se constituem como os principais
agentes econômicos da atual fase de maior integração entre as economias
nacionais. O crescimento das atividades de tais empresas, característico desse
período, está relacionado diretamente ao processo de liberalização comercial
implementado nos diversos países, porém em diferentes graus de intensidade.
Neste caso, a rodada Uruguai do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade)9,
concluída em 1993, ampliou a discussão da liberalização comercial de bens
manufaturados para áreas anteriormente excluídas, como serviços, propriedade
intelectual e agricultura. De maneira geral, essa rodada resultou no aumento da
liberalização do comércio internacional e, mais importante, promoveu a abertura de
negociações políticas em novas áreas (Lundvall e Borrás, 1997), o que certamente
contribui e facilita as operações de empresas multinacionais.
Como conseqüência da ampliação das atividades das empresas
multinacionais, ocorreu uma realocação internacional da atividade produtiva e dos
fluxos de comércio internacional. Acentuou-se a constituição de blocos comerciais
9 Após a rodada Uruguai, o GATT foi transformado na Organização Mundial do Comércio (OMC).
21
regionais, com destaque para a intensificação do comércio intra-indústria e
intrafirma, como discutido anteriormente.
O aumento das atividades das empresas multinacionais está diretamente
associado, por um lado, aos processos de abertura e liberalização comercial e, por
outro, ao surgimento e difusão das TI, que ampliou as possibilidades de
coordenação, monitoramento e troca de informações relacionadas às atividades
rotineiras e codificadas através das fronteiras nacionais. Isso possibilitou que muitas
empresas multinacionais aumentassem seu grau de internacionalização, ampliando
sua presença em diversas partes do mundo e, principalmente, alterando (e
facilitando) sua forma de produzir. Assim, o surgimento de recursos e serviços
avançados de telecomunicações viabiliza as estratégias de expansão internacional
das atividades produtivas das empresas multinacionais, pois permitem a
comunicação em tempo real e uma nova divisão do trabalho entre a matriz e as
diversas subsidiárias. As novas tecnologias contribuem, por exemplo, na busca de
insumos ao redor do mundo e permitem que as empresas se beneficiem ao máximo
das vantagens de cada local onde se instala a partir de uma subsidiária10.
Com as novas facilidades oriundas da difusão das tecnologias da informação,
e particularmente com o desenvolvimento de novos serviços de telecomunicações,
as multinacionais podem capturar as vantagens de especialização nos diversos
países e as economias de escala através do comércio intrafirma. Isso ocorre,
entretanto, às custas de uma inserção menos ativa no ambiente tecnológico e de
produção local (Katz, 2004).
Chesnais (1996) destaca que, para os grandes grupos empresariais, a
mundialização é sinônimo de abertura dos oligopólios nacionais e de rivalidade
intensa, e também lhes permite recuperar a liberdade de ação, em particular a de
poder organizar a produção, integrando as vantagens proporcionadas por diferentes
aparatos produtivos ou sistemas nacionais de inovação, e explorando os diferenciais
de mão-de-obra.
10 Em geral, a mão-de-obra mais barata do que em seus países de origem, bem como um mercado interno com alto potencial de demanda, seguem sendo os fatores de atração dos países que hospedam tais subsidiárias.
22
Neste sentido, as firmas multinacionais que atuam em determinados setores
se reorganizaram em sistemas de produção internacionalmente integrados (Katz,
2004). Em muitos casos, a produção de componentes e partes foi terceirizada, e
elas passaram a operar muito mais como enclaves do que anteriormente, quando
elas possuíam plantas produtivas mais completas. Uma das conseqüências da
reestruturação das atividades das multinacionais é que estas firmas se tornaram
menos comprometidas com o estabelecimento de esforços de engenharia e
inovativos nos países onde instalam suas subsidiárias. Este aspecto será retomado
na próxima subseção.
Embora as tecnologias de informação e o aprofundamento das relações de
integração entre as economias nacionais tenham afetado as estratégias das
empresas multinacionais, o grau e a forma de internacionalização de tais atividades
é associado, de fato, a especificidades setoriais. Em particular, em alguns setores
conhecidos como tradicionais (como vestuário e calçados), onde a introdução das
tecnologias de informação atingiu e alterou a organização da produção, observa-se
um amplo processo de internacionalização e reorganização da divisão do trabalho.
Em outros, como por exemplo o de petroquímica, apesar dos importantes efeitos
causados pela introdução das tecnologias de informação, observam-se significativas
especificidades locais, o que limita parcialmente as possibilidades de “globalização”
da produção e as estratégias de internacionalização das multinacionais. Tais
limitações são dadas, neste caso, pela necessidade de localização das plantas
produtivas próximas às fontes de matéria-prima e pela existência de economias de
escala consideráveis associadas à produção.
O atual estágio do capitalismo caracteriza-se ainda por uma concentração
industrial no nível internacional, que resulta principalmente do grande número de
fusões e aquisições, o que ampliou o escopo e modificou as formas de atuação dos
oligopólios mundiais. Chesnais (1996) define o oligopólio mundial como um “espaço
de rivalidade”, que é a base da expansão mundial dos grandes grupos, de seus
investimentos cruzados no âmbito da Tríade e da concentração internacional.
Na maior parte das indústrias intensivas em Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) ou de alta tecnologia, ou ainda em indústrias com produção em larga escala,
23
os oligopólios mundiais se constituem na forma dominante de estrutura de oferta.
Este é o caso, por exemplo, da indústria de telecomunicações, cuja dinâmica será
discutida em detalhe no capítulo 2.
Associado ao processo de concentração industrial e à maior integração entre
as economias nacionais, houve um nítido acirramento da concorrência internacional,
na qual a inovação e o aprendizado assumem um papel central. Assim, há um
aumento da importância de “fatores não-preço” de competição, em que as
capacitações das firmas em termos de produção e uso de conhecimento e de
realização de mudanças organizacionais adquirem um papel central.
Como decorrência, muitos autores utilizam termos como economia ou
sociedade da informação ou do conhecimento para caracterizar o estágio atual da
economia mundial (Lundvall e Borrás, 1997). Em particular, tais autores definem o
novo contexto como a economia do aprendizado, onde a habilidade de aprender é
crucial para a performance econômica. A diferença desta caracterização é que o
aprendizado envolve a construção de novas competências e habilidades, o que
ultrapassa o simples acesso às informações. Segundo esta caracterização, a
aceleração das transformações no ambiente econômico, resultante da introdução
das TICs, tornou essencial a capacidade de aprendizado de indivíduos,
organizações e regiões.
No âmbito da economia do aprendizado, a capacidade de inovação tem um
papel fundamental. Embora o avanço e a difusão das TIs tenham impacto sobre o
aumento da transferência de informações pelas diversas regiões do globo,
“elementos cruciais do conhecimento, implícitos nas práticas de pesquisa,
desenvolvimento e produção, não são facilmente transferíveis espacialmente, pois
estão enraizados em pessoas, organizações e locais específicos” (Lemos, 1999, p.
122). Na medida em que estes conhecimentos adquirem importância para a
competitividade de indivíduos, firmas, regiões e países, e constituem-se em ativos
não transferíveis e específicos, podem tornar-se também limites à geração de
inovações.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ocorreu um aprofundamento da
integração entre as economias nacionais e um aumento da importância das relações
24
globais nas duas últimas décadas, o espaço local vem adquirindo um papel cada vez
mais relevante. É neste contexto que se originou um intenso debate relacionado à
dicotomia entre o espaço global e o espaço local, enquanto esferas de organização
e condução das atividades produtivas e tecnológicas. No entanto, embora se
reconheça que diversas mudanças ocorreram no ambiente econômico internacional,
tal dicotomia relaciona-se, em grande parte, a uma definição equivocada da noção
de globalização. Neste aspecto, a análise sobre a dimensão tecnológica de tal
processo mostra que, efetivamente, não existe um processo de geração global de
tecnologia.
1.2.2. A dimensão tecnológica do processo de globalização
Em virtude da crescente importância da inovação nos processos de
desenvolvimento e crescimento econômicos, a noção de globalização tecnológica
constitui-se num dos aspectos cruciais do debate sobre o conceito de globalização.
De um lado, encontram-se autores que acreditam que a tecnologia e a inovação
foram “globalizadas”. De outro, situam-se autores que pensam que, apesar das
alterações nas relações globais, a tecnologia e a inovação constituem-se em
processos localizados e específicos do ambiente onde são desenvolvidas.
Entre os que acreditam que tecnologia e inovação tornaram-se fenômenos
globais, encontra-se implícita a idéia de um “mundo sem fronteiras”, onde a
tecnologia, como uma mercadoria, pode ser transferida sob a mediação dos
mercados, via mecanismo de preço. Esta pretensa globalização tecnológica ou
tecnoglobalismo (Ostry e Nelson, 1995) se caracterizaria pela adoção de
“estratégias globais de pesquisa” por meio da instalação de unidades de P&D em
diferentes países, do estabelecimento de redes de inovação entre empresas de
diversas origens e grandes programas de pesquisas transnacionais cooperativos
desenvolvidos principalmente no âmbito da União Européia, Japão e EUA, cujos
resultados seriam rápida e eficientemente difundidos em escala global.
25
Sob esta ótica, estaria ocorrendo nas duas últimas décadas um processo de
descentralização das atividades de P&D das multinacionais, além de um aumento
das alianças tecnológicas. A base técnica para o tecnoglobalismo seria dada pelos
avanços nas TI, que permitem o desenvolvimento conjunto de atividades de P&D por
pesquisadores em diferentes partes do globo, bem como o controle e coordenação
das mesmas. Tal como descrito, o processo de globalização tecnológica, da mesma
forma que o de globalização econômica, diminuiria a capacidade e a necessidade de
atuação dos governos nessa área. A geração de tecnologia estaria ocorrendo
globalmente, e as fronteiras nacionais perderiam sua importância no
desenvolvimento de capacitações tecnológicas e inovativas. Segundo este raciocínio
está implícita a idéia de que as tecnologias estariam se tornando commodities e,
num mundo sem fronteiras, seriam acessíveis a qualquer firma e transferidas e
difundidas internacionalmente.
No entanto, dentre os autores que buscam entender o processo de
globalização tecnológica, pode-se destacar os trabalhos de Archibugi e Michie
(1995; 1997), que construíram uma taxonomia da globalização tecnológica, a partir
da qual é possível perceber que a geração de inovação e de tecnologia efetivamente
não se constituem em “processos globais”11. A taxonomia da globalização
tecnológica caracteriza tal processo a partir de três fenômenos distintos: geração,
colaboração e exploração global da tecnologia.
Os autores verificaram que a geração global de novas tecnologias (que
representaria uma efetiva globalização tecnológica) continua concentrada nos
países mais desenvolvidos, principalmente na Tríade. Isso ocorre porque as
atividades tecnológicas das grandes empresas multinacionais permanecem
basicamente circunscritas às matrizes nos seus países de origem (Pavitt e
11 Em outros trabalhos (Archibugi e Iammarino, 2002; 1999), os autores passaram a defender uma visão sobre a globalização tecnológica diferente daquela observada nos trabalhos anteriormente citados (Archibugi e Michie, 1995; 1997). Nos trabalhos mais recentes, os autores afirmam que a influência das forças globais sobre ao processo de inovação vem crescendo. No entanto, muito mais do que as forças globais, o que se observa é o aprofundamento da “triadização” no que diz respeito à geração e a colaboração global da tecnologia. Nesse sentido, a geração global de tecnologia é um fenômeno que, embora os autores observem que tenha aumentado, está circunscrito a determinados setores e às regiões mais desenvolvidas do mundo. Da mesma forma, o aumento da colaboração global de tecnologia é restrito a algumas áreas tecnológicas e ocorrem principalmente entre as empresas dos países da Tríade. A única exceção é a indicação de um aumento dos acordos de colaboração tecnológica no âmbito da Ásia oriental.
26
Patel,1991; Archibugi e Michie, 1995; 1997). Neste aspecto, ressalta-se que a não-
mobilidade espacial do conhecimento e da inovação constitui-se num dos limites
mais importantes da globalização, que subestima o papel desempenhado pela
proximidade geográfica no processo de transmissão de formas tácitas de
conhecimento e no desenvolvimento de processos de aprendizado interativo
(Lundvall e Bórras, 1997; Vargas, 2002).
As trocas de conhecimento tecnológico (concretizadas em acordos de
colaboração tecnológica), que observaram aumento de volume nos últimos anos, se
dão basicamente entre empresas e países mais desenvolvidos, ficando os países
em desenvolvimento marginalizados de tal processo.
Com a classificação apresentada por tais autores pode-se concluir que, do
ponto de vista da tecnologia, o processo de globalização (que está ligado a uma
pretensa geração global de tecnologia) não se verifica, na prática, na dinâmica
econômica internacional. O que se observa é que o número das alianças
estratégicas para o desenvolvimento conjunto de atividades de P&D vem
aumentando desde a década de 1980 no âmbito dos países mais avançados
(Lastres, 1997). Mais forte tem sido o crescimento do que é classificado por
Archibugi e Michie (1995) como exploração global da tecnologia. Este processo,
entretanto, longe de constituir-se em globalização de tecnologia, é conseqüência
direta do processo de liberalização do comércio internacional nas últimas duas
décadas. Neste caso, em contraposição à idéia do tecnoglobalismo, a geração de
tecnologia encontra-se fortemente concentrada nas matrizes das empresas
multinacionais, isto é, nos países desenvolvidos12.
Como resultado desta análise, conclui-se que, de fato, a dimensão
tecnológica da globalização restringe-se à exploração global de tecnologia, isso é,
ao maior intercâmbio de produtos de alta tecnologia e a algumas regiões do mundo.
Os maiores beneficiários da crescente integração global são os países bem-
sucedidos no desenvolvimento de capacitações de absorver, difundir e gerar
tecnologia (Tigre, 1993). Nesse caso, a construção e o desenvolvimento de tais
capacitações em âmbito local tornam-se fundamentais para países e regiões que
12 Para maiores detalhes sobre o processo de globalização tecnológica, ver Szapiro (1997).
27
buscam participar e ingressar de forma ativa no processo de globalização. Para
países que pretendem atrair laboratórios e centros de P&D de empresas
multinacionais, é necessário desenvolver capacitações em áreas específicas.
Neste aspecto, a idéia de globalização tecnológica é incompatível com a
visão sistêmica Neo Schumpeteriana sobre inovação, que destaca, entre outras
coisas, a importância das especificidades locais e das interações entre os diversos
agentes no processo inovativo. Da mesma forma, o conjunto de evidências que
negam a existência de processos de globalização da tecnologia e da inovação
contribuiu para o fortalecimento da idéia de sistema nacional de inovação. Tal idéia
já vinha ganhando força a partir da década de 1990 na OCDE, na academia e em
algumas instâncias nacionais e supranacionais de política. Como será discutido na
seção a seguir, esta abordagem, surgida no âmbito da teoria Neo-Schumpeteriana,
destaca, entre outras coisas, a importância da inovação para a competitividade de
firmas e regiões, bem como a necessidade de implementação de políticas por parte
dos Estados visando à capacitação tecnológica nacional (Lundvall e Borrás, 1997).
Geralmente, a discussão sobre a dimensão tecnológica do processo de
globalização está associada às mudanças recentes nas estratégias das empresas
nacionais. Muitos autores vinculam o crescimento e a maior importância das
atividades das empresas multinacionais a uma pretensa descentralização das
atividades de P&D e inovativas de tais empresas, o que estaria levando a uma
geração global de tecnologia. Nesse contexto, uma das percepções difundidas sobre
a atual fase do capitalismo pode ser ilustrada com a imagem dos grandes
conglomerados multinacionais que, supostamente, não se encontram ligados a
nenhum território ou região em particular e são reconhecidos por alguns como a
principal instância de organização de processos produtivos e inovativos (Ernst e
Lundvall, 1997). Da mesma forma, encontra-se implícita neste tipo de enfoque a
idéia de que a disseminação do processo inovativo estaria, cada vez mais, centrada
no dinamismo tecnológico das grandes corporações transnacionais (Ostry e Nelson,
1995). Nesse aspecto, regiões e localidades seriam nada mais do que hóspedes
passivas de empreendimentos inovativos e móveis tendo em vista vantagens
28
geográficas e dotações de fatores específicos, descartando-se assim a existência de
processos de aprendizado tecnológico localizados (Vargas, 2002).
No entanto, apesar de uma maior divisão do trabalho no âmbito dos grupos
multinacionais pertencentes a determinados setores, viabilizada pelas novas
tecnologias (conforme foi observado na seção anterior), do ponto de vista das
atividades inovativas, algumas evidências mostram que as grandes firmas ainda
executam uma elevada proporção de tais atividades nos seus países de origem
(Pavitt e Patel, 1999). Nesse caso, as corporações globais ou multinacionais podem
ser melhor caracterizadas como grandes empresas nacionalmente baseadas que
produzem e vendem em diversos países.
Cabe destacar que, em determinados casos, as empresas multinacionais
pertencentes a alguns setores estabelecem laboratórios ou centros de P&D em
países estrangeiros, desde que tais países apresentem excelência em determinado
campo tecnológico. Assim, na maioria dos casos em que as empresas investem no
desenvolvimento e criação de inovações fora de seus países de origem, isso ocorre
com o objetivo de explorar as capacitações de países estrangeiros, nos casos em
que estes tenham competência tecnológica na área de interesse da empresa
multinacional.
O baixo grau de internacionalização das atividades tecnológicas e inovativas
comprova que o desenvolvimento das tecnologias de informação não elimina a
importância da proximidade geográfica no desenvolvimento e lançamento de
inovações. Isso resulta da grande relevância e do papel desempenhado pelo
conhecimento tácito no processo de inovação, e da necessidade de proximidade
geográfica para facilitar a rápida tomada de decisões diante do alto grau de
incerteza inerente às atividades inovativas.
Em síntese, nas últimas décadas o capitalismo vem passando por um
processo de aprofundamento das relações globais em termos qualitativos e
quantitativos entre as economias nacionais. Este período caracteriza-se
principalmente: pela ampliação do comércio internacional; pelo aumento dos fluxos
de IED; pela intensificação das atividades das empresas multinacionais; pelo
processo de globalização financeira; e por uma concentração industrial. No entanto,
29
parte destes fenômenos é fortemente concentrada nos países da OCDE e, em
alguns casos, na Tríade. Do ponto de vista da dimensão tecnológica, ocorreu uma
globalização do uso da tecnologia, mas a geração e a colaboração global de
tecnologia continuam concentradas nos países avançados, sede das empresas
multinacionais. Paradoxalmente, diante de todas estas mudanças, em vez de
diminuir sua importância, as fronteiras econômicas nacionais tornaram-se mais
relevantes, e permanecem definindo os limites do sistema de acumulação de capital.
Além disso, as fronteiras nacionais seguem sendo uma importante delimitação
geográfica para definir a proximidade cultural, física, política e lingüística que, por
sua vez, condicionam a transferência de conhecimentos do tipo tácito entre atores e
organizações. Como será discutido na próxima seção, o fluxo de conhecimento
tácito entre atores e organizações é fundamental para o processo de inovação.
É a partir do reconhecimento das especificidades e da relevância das
fronteiras entre as economias nacionais e da importância da inovação como um
processo sistêmico para a compreensão da dinâmica econômica e social que a
abordagem de Sistema Nacional de Inovação ganha destaque na academia e em
determinadas instâncias de política.
1.3. Inovação Sistêmica e Sistema de Inovação Nos últimos anos, a abordagem de sistema nacional de inovação (SNI) foi
amplamente difundida tanto no âmbito acadêmico como no âmbito de políticas
públicas adotadas por autoridades regionais, governos nacionais e organizações
internacionais (OCDE, União Européia, UNCTAD e UNIDO). Em geral, a sua
utilização na esfera de instituições que elaboram e implementam políticas justifica-se
por contribuir para o entendimento das diferenças entre as diversas performances
inovativas das economias e desenvolver formas de estimular e dar suporte à
inovação.
Baseado na concepção sistêmica de inovação, o enfoque de sistema de
inovação surgiu no debate contemporâneo na década de 1980 no âmbito da
abordagem Neo Schumpeteriana. A primeira utilização do conceito de “sistema
30
nacional de inovação” ocorreu num texto não publicado de Christopher Freeman em
1982 para a OCDE (Freeman, 1982). Em seguida, esse mesmo autor, em 1987,
desenvolveu o conceito na análise do sistema nacional de inovação japonês.
Posteriormente, diversos autores (Lundvall, 1992; Nelson, 1993; Edquist, 1997;
Fagerberg, 2004) ampliaram a abordagem de sistema nacional de inovação.
Como é sabido, existem duas visões relacionadas ao conceito de Sistema
Nacional de Inovação: a restrita e a ampla13. A primeira, atribuída a Nelson (1993),
define o SNI incluindo somente as instituições que afetam diretamente a capacitação
e as estratégias inovativas. Neste caso, a noção de SNI torna-se próxima àquela de
sistema nacional científico e tecnológico. A segunda visão, associada a Freeman
(1987) e Lundvall (1992), abarca, além de todas as instituições relacionadas ao
desenvolvimento de tecnologia e inovação, outras instituições como o sistema
financeiro e as políticas públicas que afetam direta ou indiretamente a capacitação
inovativa.
Além destes, diversos outros autores passaram a utilizar o conceito de
sistema de inovação com diferentes recortes: setorial (Breschi e Malerba, 1997),
regional (Cooke et al., 1997; Braczyk et al., 1998; Asheim e Isaksen, 2002) e local
(Cassiolato e Lastres, 1999; Lastres, Cassiolato e Maciel, 2003; De la Mothe e
Paquet, 1998). As quatro dimensões do conceito de sistema de inovação (nacional,
setorial, regional e local) podem ser consideradas variantes de sua abordagem mais
genérica (Edquist, 2004).
1.3.1. Elementos da abordagem Neo Schumpeteriana sobre inovação sistêmica
Contrariamente à idéia neoclássica de progresso técnico, o conceito de
sistema de inovação compartilha o entendimento dos economistas clássicos (como
Marx e Adam Smith, no século XIX) de que a inovação é a maior fonte de dinamismo
das economias capitalistas.
13 Para uma discussão detalhada sobre sistema nacional de inovação amplo e restrito, ver Lundvall (1992), Nelson (1993) e Edquist (1997).
31
Para os neoclássicos, ciência, tecnologia e inovação não eram fatores
importantes para a análise do desenvolvimento e crescimento econômicos. Além
disso, nesta corrente teórica as inovações ocorrem esporadicamente, afastando
temporariamente a economia do seu equilíbrio e, através do processo de
ajustamento, um novo estado de equilíbrio é estabelecido (Lundvall, 1992). Além de
considerar a tecnologia como fenômeno exógeno à economia, os neoclássicos
também não reconheciam a importância do ambiente onde se localizam as
empresas para a capacidade de inovação e para o desenvolvimento econômico
(Lastres et al., 1999).
Para os Neo Schumpeterianos14, a inovação é um fenômeno inerente ao
sistema capitalista e determinante do crescimento e desenvolvimento econômicos. A
performance competitiva das firmas e das economias nacionais está diretamente
relacionada à capacidade inovativa das mesmas.
No âmbito da abordagem Neo Schumpeteriana, a inovação é cada vez mais
entendida como um processo de aprendizado não linear que resulta de complexas
interações nos níveis local, nacional e mundial entre indivíduos, firmas e outras
organizações voltadas à busca de novos conhecimentos15 (Cassiolato et al., 2005).
O processo de inovação é gradual e envolve aspectos cumulativos
dependendo, portanto, de inovações que ocorreram no passado. A inovação resulta
da combinação de possibilidades e componentes preexistentes e reflete
conhecimentos combinados de novas maneiras, constituindo-se assim num
fenômeno path dependent. A capacidade de uma empresa realizar mudanças e
avanços, dentro de determinado padrão estabelecido, é influenciada pelas
características das tecnologias que estão sendo utilizadas e pela experiência
acumulada no passado (Dosi, 1988).
O processo pelo qual as inovações ocorrem é complexo e está relacionado à
emergência e difusão de elementos de conhecimento (ou seja, com possibilidades 14 Não é objetivo desta seção fazer uma discussão exaustiva sobre a abordagem Neo-Schumpeteriana. Serão analisados apenas os elementos de tal abordagem relevantes para o desenvolvimento e entendimento do conceito de sistema nacional de inovação. Para uma discussão aprofundada sobre a abordagem evolucionista e Neo Schumpeteriana, ver Nelson e Winter (1982), Dosi (1988) e Possas (1989). 15 Esta visão se contrapõe àquela de Schumpeter, na medida em que esta última apresenta uma ótica linear da inovação, na qual o processo de inovação é resultado das atividades realizadas na esfera da ciência, que evolui unidirecionalmente para a tecnologia, até chegar à produção e ao mercado.
32
científicas e tecnológicas), bem como a transformação destes em novos produtos e
processos de produção (Edquist, 1997). Algumas vezes, o processo de inovação
resulta em quebras radicais com o passado, tornando obsoleta uma parte
significativa do conhecimento acumulado anteriormente.
A busca por inovações envolve um alto grau de incerteza, que decorre do fato
de que a solução de problemas existentes e as conseqüências das resoluções
encontradas são desconhecidas a priori (Lemos, 1999). Em virtude da
complexidade e da incerteza inerentes ao processo de inovação, as firmas, apesar
de serem os principais elementos de tal processo, quase nunca inovam sozinhas:
elas interagem com outras organizações para adquirir, desenvolver e trocar vários
tipos de conhecimentos, informações e outros recursos.
No contexto da economia da inovação, vários autores (Lundvall, 1992;
Cassiolato, 1992) ressaltam a importância da interação entre produtor e usuário no
processo de inovação. Nesta relação, o aprendizado interativo fornece elementos
valiosos para a inovação tecnológica. A estrutura de produção e o arcabouço
institucional, nesse caso, afetam diretamente a relação entre usuário e produtor que,
por sua vez, influenciam o escopo e a direção da inovação.
Como discutido anteriormente neste capítulo, no âmbito da economia do
aprendizado o recurso principal é o conhecimento, e o processo mais importante é o
aprendizado (Lundvall, 1992). O aprendizado é interativo, o que torna necessário,
para seu entendimento, a consideração do contexto institucional e cultural no qual
está inserido, não fazendo sentido pensar na inovação desenvolvida por firmas
isoladamente, mas sim a partir das interações com as diversas instituições. Isso
ocorre porque as fontes de informações, conhecimento e inovação podem se
localizar dentro ou fora da firma (Lemos, 1999). Assim, as firmas dependem de uma
variedade de ligações externas para a aquisição de informações, conhecimentos e
habilidades técnicas, organizacionais e científicas para inovarem. O processo de
inovação resulta de interações entre as firmas e vários outros tipos de organizações
(laboratórios públicos e privados de P&D, universidades, governos, etc) no âmbito
de contextos institucionais diversos. Os atores e as características do contexto que
33
desenvolvem inovações são elementos de um sistema de criação e uso de
conhecimento com objetivos econômicos.
Em síntese, no âmbito da abordagem Neo- Schumpeteriana, a inovação pode
ser definida como o processo pelo qual as firmas dominam e implementam o projeto
e a produção de bens e serviços que são novos para elas, independente de serem
novos ou não para os seus competidores, domésticos ou estrangeiros (Mytelka,
1993).
De acordo com Edquist (2004), as organizações que participam do processo
de inovação juntamente com as firmas são influenciadas e formatadas por leis,
regras, normas e rotinas, que se constituem em incentivos e obstáculos para a
inovação. Tais organizações e instituições são os componentes principais do
sistema de criação e comercialização de conhecimento, e as inovações emergem
nesses “sistemas de inovação”. O foco em conhecimento, aprendizado e
interatividade deu sustentação à idéia de sistemas de inovação, enfatizando “os
ambientes nacionais ou locais onde os desenvolvimentos organizacionais e
institucionais produzem condições que permitem o crescimento de mecanismos
interativos nos quais a inovação e a difusão de tecnologia se baseiam” (OECD,
1992, p. 238, apud Cassiolato et al., 2005).
1.3.2. O conceito de Sistema Nacional de Inovação16 Ainda que a origem das primeiras abordagens sobre sistemas de inovação
esteja relacionada à análise da capacidade inovativa de sistemas tecnológicos e
industriais no âmbito de economias nacionais, a perspectiva da inovação a partir
dessa visão sistêmica constitui-se num referencial suficientemente abrangente para
permitir a análise desses sistemas em diferentes dimensões. Dessa forma, sistemas
de inovação podem apresentar alcance supranacional, nacional, mas também
podem ser analisados em sua dimensão setorial, tecnológica, regional ou local
16 Cabe destacar que a revisão aprofundada sobre a abordagem de SNI já foi realizada por diversos autores (dos quais se destacam Freeman,1987 e 1994; Lundvall, 1992; Nelson,1993; e Edquist ,1997), e ultrapassa a proposta do presente trabalho. Assim, nesta seção são destacados os principais aspectos e elementos de tal abordagem necessários para a compreensão dos objetos de estudo desta tese: o sistema de inovação de telecomunicações brasileiro e o espanhol.
34
(Edquist, 1997). Esses diferentes recortes apresentam um caráter complementar, e
a escolha de uma dimensão específica de análise reflete basicamente o tipo de
enfoque e objeto de estudo. Em alguns casos, as relações entre diferentes atores
que integram um sistema podem apresentar maior nexo quando analisadas a partir
da sua dimensão setorial ou tecnológica, em outros casos tais relações são mais
claramente explicadas a partir da sua dimensão territorial ou local.
Em particular, esta subseção se dedica à discussão sobre o conceito de SNI,
que constitui o principal referencial teórico utilizado neste trabalho. Da mesma forma,
cabe ressaltar que esta tese baseia-se no conceito de sistema nacional de inovação
amplo, para o entendimento da evolução e da dinâmica inovativa das
telecomunicações no Brasil e na Espanha. A noção de sistema nacional de inovação
amplo foi escolhida em virtude da percepção de que, em geral, a construção dos
sistemas de inovação de telecomunicações se deu graças às interações entre
diversas organizações nacionais, direta e indiretamente ligadas às atividades de
P&D, assim como sofreu influência direta e indireta das diversas políticas
governamentais.
Vale ressaltar que o objeto de estudo desta tese (sistema de inovação de
telecomunicações) já passou por outros tipos de tratamento: local e setorial. Neste
aspecto, as especificidades espaciais do sistema de inovação de telecomunicações
foram tratadas em outros trabalhos, que discutem o sistema local de inovação de
telecomunicações em Campinas, município que concentra grande parte dos atores
mais importantes que compõe o sistema nacional de inovação de telecomunicações
(Szapiro, 2003; Cassiolato et al., 2002). Os elementos relevantes associados às
especificidades setoriais do sistema de inovação de telecomunicações para a
discussão do objeto de estudo desta tese, bem como os limites da abordagem
setorial para o entendimento da dinâmica inovativa do setor de telecomunicações,
são tratados no capítulo 2.
O conceito de sistema nacional de inovação proposto por autores como
Freeman e Lundvall apresenta uma clara contraposição aos argumentos que
sugerem a crescente globalização dos processos de inovação tecnológica. Como
mencionado anteriormente, ao contrário da visão de Nelson (1993), eles consideram
35
que os elementos e relacionamentos que compõem os sistemas nacionais de
inovação podem ser moldados a partir da ação de policy-makers e demais atores e
instituições que compõem tais sistemas. Especificamente, Lundvall (1992) considera
que o sistema nacional de inovação amplo abarca todas as partes e aspectos da
estrutura econômica e do arcabouço institucional que afetam os processos de
aprendizado, busca e exploração de inovações. Incluem-se nele os sistemas de
produção, de marketing e financeiro que se constituem em subsistemas nos quais
ocorre o processo de aprendizado. Assim, a idéia de sistema nacional de inovação
envolve não só uma rede de instituições de suporte à P&D, mas também a rede de
interações, especialmente as ligações entre usuário e produtor, sistemas de
incentivo e apropriabilidade, relações de trabalho e um conjunto de instituições e
políticas governamentais. Desta forma, tal conceito destaca a importância da
constituição de arranjos institucionais, públicos e privados, que possam contribuir
para a criação de competências tecnológicas específicas e para o processo de
aprendizagem interativa. Freeman (1995) sintetiza a idéia de sistema nacional de
inovação amplo caracterizando-o como uma rede de instituições dos setores público
e privado cujas interações iniciam, importam, modificam e difundem novas
tecnologias.
Assim, a idéia básica inerente ao conceito de SNI que está associada ao
entendimento da inovação como um fenômeno sistêmico é a de que o desempenho
inovativo de um país depende não somente da performance de empresas e
organizações de ensino e pesquisa, mas também de como elas interagem e
cooperam entre si e com vários outros atores, que não necessariamente estão
ligados diretamente ao processo de desenvolvimento de inovações. Nesse caso, o
setor financeiro17 e as condições macroeconômicas mais amplas, por exemplo,
passam a influenciar a capacidade inovativa (Cassiolato e Lastres, 2005; Melo,
1994).
A abordagem de SNI coloca em destaque a importância do arcabouço
institucional e da estrutura industrial nacionais na determinação dos sistemas de
17 Neste aspecto cabe ressaltar que existem poucos estudos que exploram especificamente a questão do financiamento no âmbito de sistemas nacionais de inovação. Dentre estes estudos, pode-se destacar Chistensen (1992), Melo (1994) e Erber (1999).
36
inovação. Neste caso, o sistema educacional, as leis e normas nacionais, a estrutura
nacional de ciência e tecnologia e de P&D, as fontes de financiamento, as políticas
industriais e tecnológicas nacionais, entre outros, determinam, conjuntamente, a
capacidade inovativa de cada país. As diferenças entre as economias nacionais
relativas à experiência histórica, linguagem e cultura resultam em idiossincrasias
que, por sua vez, levam a uma diversidade de sistemas nacionais de inovação.
O sistema nacional de inovação é composto não só pelas organizações e
instituições que participam diretamente do processo de inovação, mas também pelas
relações existentes entre estes componentes. Um sistema de inovação, então, é
constituído por elementos (instituições e organizações) que interagem e se
relacionam para a produção, difusão e uso de conhecimentos novos e
economicamente úteis (Lundvall, 1992).
As organizações que fazem parte dos SNI são estruturas formais criadas com
um objetivo definido. Exemplos de organizações são firmas, universidades,
organizações de venture capital, agências de regulação relacionadas à inovação,
ministérios responsáveis pela política de inovação, entre outras.
As instituições que conformam os SNI podem ser definidas genericamente
como conjuntos de hábitos comuns, normas, rotinas, práticas estabelecidas, leis que
regulam as relações e interações entre indivíduos, grupos e organizações. Elas são
as regras do jogo e afetam diretamente o formato das relações entre as
organizações. As leis de patentes e as normas e regras que influenciam as relações
entre universidades e empresas são exemplos das instituições de um sistema de
inovação (Edquist, 2004). As configurações institucionais afetam a geração,
acumulação, distribuição, uso e destruição do conhecimento na medida em que
moldam a percepção e as decisões dos agentes econômicos. Da mesma forma, as
instituições também condicionam o processo de geração de variedade e seleção
tendo em vista seu papel com relação às transformações técnicas e organizacionais.
Assim, a evolução dos padrões de aprendizado e inovação constitui-se numa
decorrência do contexto institucional e do grau de interação estabelecido entre os
diferentes atores no sistema de inovação (Vargas, 2002). Em síntese, os formatos
institucionais e organizacionais condicionam as formas de interação entre os atores
37
econômicos e, dessa forma, afetam diretamente os processos de aprendizado e o
desenvolvimento de inovações.
A definição dos componentes principais evidencia as diferenças existentes
entre os diversos SNI. Os arcabouços institucionais e as organizações que
constituem os sistemas de inovação variam muito18. Em geral, instituições tais como
leis, regras e normas são específicas de cada país ou região e provocam grandes
diferenças entre os diversos SNI. O mesmo pode-se dizer das organizações como
firmas ou instituições de P&D, que são fortemente influenciadas pelos ambientes
onde são criadas.
Sendo a inovação tecnológica um processo cumulativo, o sistema de
inovação também sofre forte influência histórica e apresenta uma dimensão path-
dependent, resultando, assim, numa diversidade de sistemas de inovação.
Especificamente, assume-se que as diferenças básicas na experiência histórica,
linguagem e cultura características de diferentes localidades irão se refletir em
idiossincrasias nacionais, regionais ou locais. Assim, tais fatores (que delineiam o
sistema de inovação) vão determinar o grau de acumulação de conhecimento e
capacitações que resultarão da interação dinâmica dos elementos e terão um papel
central na análise do processo de inovação. Na medida em que a história é um
elemento central na análise de sistemas de inovação, não é possível definir um
sistema de inovação ótimo ou ideal.
Em síntese, embora com diferentes recortes (geográficos ou setorial), as
abordagens de sistema de inovação possuem elementos em comum. Em primeiro
lugar, a inovação, vista como um processo interativo entre firmas e outras
organizações, é o foco de análise. Por ser a inovação um processo cumulativo, a
dimensão histórica dos sistemas nacionais de inovação é um elemento fundamental.
Na medida em que o SNI é composto por elementos que afetam direta ou
indiretamente o processo de inovação, a análise do seu desenvolvimento deve levar
18 Segundo Edquist (2004), em alguns casos, como por exemplo no Japão, as instituições de pesquisa e os departamentos de pesquisa das empresas são as organizações mais importantes na execução das atividades nacionais de P&D, ao passo que em outros, como no caso dos Estados Unidos, este papel é majoritariamente desempenhado pelas universidades. Na Suécia, as universidades são as maiores responsáveis pelas atividades de P&D, enquanto os institutos de pesquisa públicos independentes têm pouca influência no processo de inovação. No caso da Alemanha, tais institutos são os principais atores que desempenham as atividades de P&D.
38
em consideração não só as instituições que compõem o sistema científico e
tecnológico, mas também (e principalmente) as políticas públicas que direta ou
indiretamente influenciam tal processo. Dessa forma, a abordagem de SNI destaca o
papel fundamental do setor público. Em geral, ele tem a capacidade de atuar por
meio de políticas que indiretamente afetam a capacidade inovativa das firmas, ou a
partir de políticas diretas de suporte às atividades de P&D e de inovação, regulações
e estabelecimento de padrões que afetam a velocidade e a direção do processo de
geração e difusão de inovações. A próxima seção discute a atuação do Estado no
âmbito dos SNI e as políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico que vêm
sendo adotadas recentemente no contexto dos países desenvolvidos.
1.4. A dimensão normativa dos Sistemas Nacionais de Inovação e as novas políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico
As seções anteriores sugeriram o fato de que o maior grau de
internacionalização das economias e o novo formato do sistema capitalista
(geralmente chamado de globalização) não reduzem necessariamente o poder de
gestão macro e microeconômica dos Estados Nacionais. Em particular, a noção de
sistema nacional de inovação destaca o papel fundamental desempenhado pelas
políticas governamentais no direcionamento das transformações da estrutura
produtiva de cada país e, conseqüentemente, nos processos nacionais de
desenvolvimento e crescimento econômicos.
Vale destacar ainda a co-evolução entre a idéia de sistema de inovação e as
novas políticas industriais e tecnológicas (Cassiolato e Lastres, 2005). A ligação
entre a interpretação do processo de inovação, do qual derivou o conceito de
sistema nacional de inovação, e as novas proposições de política industrial e
tecnológica surgiu no âmbito da OCDE, no Directorate for Science Technology and
Industry (DSTI). Segundo Cassiolato e Lastres (2005), este grupo elaborou o
primeiro documento de política de um organismo internacional (Technical Change
and Economic Policy - OCDE, 1980), que ressaltou o papel da difusão das novas
tecnologias na superação da crise dos anos 1970. Além disso, os documentos de
39
trabalho do DSTI ressaltavam a importância das políticas governamentais para
contrabalançar a incerteza inerente ao processo de inovação, em contraponto às
políticas macroeconômicas tradicionais.
Neste contexto, argumenta-se que, apesar de ter havido uma mudança na
forma de ação dos governos, os países centrais não renunciaram à utilização de
políticas industriais e tecnológicas adequadas às suas especificidades nacionais e a
um maior grau de abertura de suas economias. A pretensa necessidade de retração
do papel do Estado na coordenação do desenvolvimento industrial associada às
novas formas de integração entre as economias nacionais não se constitui numa
prática nos países mais avançados19. Documentos oficiais da OCDE destacam que
os países membros vêm buscando contrabalançar o grau elevado de abertura ao
exterior (resultante da redução das barreiras tarifárias) e de exposição à
concorrência internacional por intermédio de um conjunto de instrumentos para
fortalecer a competitividade das empresas. Nesse sentido, mesmo no ápice do
neoliberalismo – associado particularmente à gestão dos governos Ronald Reagan
nos Estados Unidos e Margareth Thatcher na Inglaterra -, os Estados Nacionais não
deixaram de intervir nas economias por meio das políticas públicas, visando o
desenvolvimento industrial e tecnológico (Erber e Cassiolato, 1997).
De fato, a crise fiscal do Estado durante a década de 1980 e o avanço do
processo de globalização levaram a uma mudança no perfil dos programas de apoio
governamental à industria nos países da OCDE, levando à substituição das políticas
convencionais por políticas mais abrangentes de competitividade. Tais políticas
incluem alguns instrumentos das políticas industriais convencionais, além de novos
mecanismos mais complexos, entre os quais se incluem aqueles de apoio à P&D e
inovação, ao desenvolvimento regional e às exportações. Da mesma forma, essas
políticas visavam melhorar a competitividade das empresas, tanto no que se refere
às exportações como no que se refere aos mercados internos, mais expostos à
19 Existem evidências contrárias à idéia de diminuição do papel do Estado no direcionamento das transformações da estrutura produtiva nas últimas décadas. Tais evidências mostram o crescimento recente da participação dos gastos governamentais no produto doméstico dos países da OCDE. Nesse caso, para a média dos países da OCDE, a relação dos gastos governamentais com o PIB era de 28,5% em 1960, tendo aumentado para 43,3% em 1980, crescendo ainda mais para 46,1% em 1990 e, finalmente, atingindo 47,1% em 1996 (Cassiolato, 1999).
40
concorrência externa. Cabe destacar que, com relação ao estímulo à inovação,
embora a forma de utilização do apoio à P&D tenha mudado ao longo da década de
1990, tal instrumento ainda se constitui numa das mais importantes medidas de
política industrial dos países da OCDE (Cassiolato, 1996). A importância adquirida
por esse instrumento está ligada à necessidade de “desenvolvimento, difusão e
utilização eficiente das novas tecnologias (especialmente as de informação e
comunicações) na economia baseada no conhecimento” (Cassiolato, 1999, p. 183).
Erber e Cassiolato (1997) afirmam que as novas políticas de competitividade
são fundamentadas no tripé descentralização de políticas, cooperação entre os
diversos agentes e mobilização coordenada das diversas instâncias responsáveis.
Os principais instrumentos utilizados pelos países industrializados podem ser
enquadrados em quatro categorias: poder de compra do setor público; intervenção
direta para a reestruturação de setores, sob leis ou regulamentos específicos;
requisitos de desempenho para o investimento de risco estrangeiro; subvenções,
incentivos e auxílios fiscais-financeiros, diretos e indiretos, à indústria.
As duas primeiras categorias visam ao aumento da competitividade de
setores específicos. No caso dos requisitos de desempenho para o investimento de
risco estrangeiro, tal instrumento visa criar regras para a atuação das subsidiárias
das empresas multinacionais, tais como: compra de insumos locais; equilíbrio entre
importações e exportações nas trocas intrafirma; e exigências em termos de
exportações além daquelas realizadas intrafirma. A última categoria, subvenções,
incentivos e auxílios fiscais-financeiros, diretos e indiretos à indústria, constitui-se
como importante instrumento de política industrial nos países da OCDE. Neste
conjunto, destaca-se o incentivo fiscal às atividades de P&D de empresas que
cumpram determinados requisitos.
O aumento da ênfase de determinados instrumentos de política e a redução
da ênfase em outros estão ligados também à intensificação das pressões no âmbito
da OMC e outros organismos internacionais. Estas pressões levam os países a
buscar medidas alternativas para fortalecer a competitividade da indústria nacional,
sem que isso se traduza, de forma alguma, numa redução do apoio público. De
41
qualquer maneira, o aumento da ênfase no apoio à P&D indica o reconhecimento da
importância da inovação e dos sistemas nacionais de inovação.
Além disso, vale notar que as políticas industriais e tecnológicas adotadas na
maior parte dos países mais avançados têm tido um papel fundamental na
aceleração da difusão eficiente das tecnologias eletrônicas, buscando manter o
domínio e a autonomia parcial principalmente nas tecnologias de informação e
telecomunicações. Tais políticas visam estimular o surgimento de usuários eficientes
e o desenvolvimento de ligações produtor–usuário e têm o objetivo de manter a
soberania nacional em tecnologias críticas (Cassiolato, 1999).
Neste aspecto, conforme já destacado, o setor de telecomunicações
representa um dos principais setores econômicos e assume um papel estratégico no
âmbito do processo de globalização. É a infra-estrutura de telecomunicações que
permite o aumento da circulação e das trocas de informação entre as diferentes
partes do globo. A dimensão financeira da globalização e a inserção na nova divisão
do trabalho das empresas multinacionais, particularmente, dependem diretamente
do desenvolvimento das telecomunicações, que permite (ou não) o ingresso dos
diferentes países no processo.
Alguns economistas associam o sucesso industrial dos setores de tecnologias
da informação com sistemas econômicos liberais e mercados abertos que levam a
uma alocação ótima de recursos. No entanto, existem evidências de que nenhum
país se tornou um importante ator nessa indústria sem algum nível de suporte e
intervenção do governo (Tigre, 2000). Até mesmo os Estados Unidos, que nos
fóruns mundiais se opõem às políticas industriais, implementam políticas para
promover o desenvolvimento de tecnologias de ponta no país através das agências
de segurança nacional (Tigre e Botelho, 2001).
É por se constituir como setor estratégico na economia moderna que os
países desenvolvidos implementam políticas nacionais visando ao fortalecimento
das telecomunicações. Há, em tais países, uma preocupação permanente com o
desenvolvimento tecnológico desse setor, a qual se reflete na utilização de
instrumentos de políticas com foco na competitividade da indústria de equipamentos
e na difusão de serviços avançados. Particularmente, no caso do segmento de
42
equipamentos de telecomunicações, as políticas protecionistas voltadas à produção
local vêm sendo gradualmente extintas pelos governos. No lugar de políticas de
compra em que as operadoras locais dão preferência às firmas nacionais, o governo
passou a fornecer outros tipos de apoio indiretos, tais como financiamento à P&D
(Tigre, 2000).
1.5. Conclusão
Este capítulo apresentou o debate sobre a caracterização do novo formato de
integração entre os países e os principais elementos analíticos da abordagem Neo
Schumpeteriana, focalizando em particular o conceito de sistema nacional de
inovação, que consiste no principal referencial analítico da tese. Argumentou-se que
o mito da globalização, tal como se impõe enquanto uma idéia totalizadora que
coloca as nações numa trajetória homogênea e inexorável, encontra no conceito de
sistema nacional de inovação um contraponto importante.
Cabe ressaltar que a discussão referente à centralidade da inovação
tecnológica no desenvolvimento econômico presente no conceito de sistema
nacional de inovação encontra paralelo no âmbito de uma extensa literatura latino-
americana sobre desenvolvimento industrial e tecnológico, no contexto dos países
em desenvolvimento (Katz, 1978; Erber, 1977, entre outros).
Segundo a abordagem de SNI, a competitividade tecnológica e inovativa das
firmas depende de forma determinante do sistema nacional de inovação no qual
estão inseridas e, da mesma forma, o grau de desenvolvimento do sistema nacional
de inovação depende das políticas governamentais. O nível de investimentos em
P&D e em outras atividades inovativas das firmas é influenciado pelas políticas
nacionais e pelo comportamento das instituições nacionais (bancos, agências de
fomento, mercado de capital, etc). Neste aspecto, as vantagens comparativas e
competitivas de países e indústrias foram conquistadas por meio de processos de
aprendizado que refletem decisões conscientes e interdependentes de firmas,
governos e instituições nacionais (Pavitt e Patel, 1999).
43
A partir da discussão sobre o papel e a importância das políticas
governamentais no âmbito dos sistemas nacionais de inovação, o capítulo
apresentou as políticas de competitividade voltadas ao desenvolvimento industrial e
tecnológico que são utilizadas nos países desenvolvidos. Enfatizou-se que,
contrariamente à idéia de diminuição da capacidade de intervenção do Estado, nos
países mais avançados os governos têm implementado políticas para direcionar as
alterações na estrutura produtiva, necessárias uma inserção competitiva no cenário
da globalização.
A utilização do recorte nacional de sistemas de inovação que é feita nesta
tese justifica-se pelo fato de existirem grandes diferenças em termos de arcabouço
institucional, organizações, investimentos em P&D e performance entre os diversos
países. Além disso, a existência de instituições políticas e sociais, as funções
desempenhadas pelo mercado de trabalho e sistema educacional em nível nacional,
além do papel e das políticas do governo nacional, são aspectos que justificam e
reforçam a escolha da abordagem nacional de sistema de inovação. A maior parte
das políticas que influenciam os processos de inovação e a economia em geral
ainda é elaborada e implementada em nível nacional (Edquist, 2004). Em alguns
casos, como no de telecomunicações, no qual as políticas nacionais de
desenvolvimento industrial e tecnológico foram os instrumentos determinantes para
a construção do sistema de inovação na maior parte dos países, a idéia de sistema
nacional de inovação constitui-se como a ferramenta mais adequada de análise.
Finalmente, cabe destacar que, embora não exista um sistema de inovação
ótimo, é possível fazer comparações entre sistemas de inovação “reais” com
referencial no tempo e no espaço. É neste contexto que esta tese tem o objetivo de
comparar os sistemas de inovação de telecomunicações espanhol e brasileiro. O
recorte utilizado para este estudo é nacional, tendo em vista que tanto no caso
brasileiro como no espanhol, as principais organizações que fazem parte dos
respectivos sistemas de inovação de telecomunicações são nacionais, assim como
as principais instituições e políticas implementadas nos dois países para a
construção e desenvolvimento das telecomunicações.
44
Capítulo 2: O processo de reestruturação das telecomunicações e a nova configuração do setor
2.1. Introdução
Este capítulo tem como objetivo geral discutir os fatores impulsionadores
do processo de reestruturação internacional das telecomunicações, bem como
seu principal resultado do ponto de vista da consolidação da “nova indústria de
telecomunicações”. Da mesma forma, pretende destacar e discutir as principais
características da nova conformação do setor de telecomunicações.
O capítulo está organizado da seguinte forma. A seção 2.2 apresenta as
principais características da estrutura tradicional do setor de telecomunicações,
com destaque para a organização das atividades de P&D e inovação.
A seção 2.3 analisa os dois fatores mais importantes que impulsionaram
todo o processo de reestruturação das telecomunicações. O primeiro, discutido
na subseção 2.3.1, está relacionado ao surgimento e a difusão da
microeletrônica, aos seus impactos sobre a base técnica do setor de
telecomunicações e aos seus reflexos sobre a convergência entre os diversos
segmentos do complexo eletrônico, principalmente o de informática e o de
telecomunicações. O segundo fator, analisado na subseção 2.3.2, está vinculado
aos processos de desregulamentação e liberalização do setor das
telecomunicações, e traduziu-se por mudanças político-institucionais que
viabilizaram a reestruturação do setor.
A seção 2.4 discute os principais traços da nova indústria de
telecomunicações. Esta seção está dividida em quatro subseções. A primeira,
2.4.1, apresenta a configuração das novas estruturas produtivas na indústria de
telecomunicações. Dentre estas, em primeiro lugar se destaca o modelo de
camadas da indústria de telecomunicações (Fransman, 2002), cujo principal
objetivo é caracterizar a nova estrutura do setor após o processo de
reestruturação, com a inclusão dos novos agentes e segmentos. Em segundo
lugar, discute-se o surgimento das alianças estratégicas e dos novos oligopólios
baseados em conhecimento (Mytelka e Delapierre, 1998; Delapierre e Mytelka,
1997), que resultam basicamente das novas formas de concorrência, do
45
aumento da incerteza e dos riscos associados às novas tecnologias ligados à
difusão do paradigma da microeletrônica. A subseção 2.4.2 analisa as
transformações no segmento de serviços de telecomunicações, com destaque
para os novos serviços e tecnologias (telefonia móvel, internet, acesso em
banda larga e voz sobre o protocolo da internet - VoIP) e para o “declínio” da
telefonia fixa. A subseção 2.4.3 trata da discussão sobre o atual grau de
intervenção do Estado na nova indústria de telecomunicações. Este aspecto é
especialmente importante na medida em que tal indústria era dominada pelo
Estado na maioria dos países através de monopólios estatais na prestação de
serviços e, com o processo de liberalização, o governo central passou
supostamente a ter o papel exclusivo de regulador. Essa subseção também
aborda as principais restrições que são impostas em países da OCDE à
participação do capital privado no setor de telecomunicações. Finalmente, a
subseção 2.4.4 apresenta as novas características da indústria de
telecomunicações do ponto de vista das atividades de P&D e inovação. Nele são
ainda analisados a intensidade dos gastos em P&D nos segmentos produtores
de equipamentos e de operadores de serviços de telecomunicações, além do
novo formato organizacional de tais atividades no âmbito das empresas
incumbentes.
A seção 2.5 apresenta as principais razões que levaram à crise
internacional do setor de telecomunicações, que marcou profundamente a
indústria e da qual ela passou a se recuperar apenas recentemente. Em
seguida, a seção 2.6 apresenta as principais conclusões do capítulo.
2.2. Estrutura histórica do setor de telecomunicações
A importância do setor de telecomunicações para o desenvolvimento dos
países é reconhecida há muito tempo. Em primeiro lugar, as telecomunicações
são tradicionalmente caracterizadas como serviços de utilidade pública. Além
disso, preocupações políticas com segurança nacional e integração regional
levaram os países a investirem volumosos recursos neste setor. Do ponto de
46
vista econômico, as características dos serviços de telecomunicações levaram o
setor a ser considerado um monopólio natural20.
A indústria de telecomunicações pode ainda ser classificada como uma
indústria de rede, que é caracterizada basicamente por um grau elevado de
integração e interdependência entre as unidades produtivas. A comunicação
requer no mínimo dois agentes que trocam informações através de um meio
físico (infra-estrutura). Quanto maior o número de participantes de um sistema
de telecomunicações, mais usos cada indivíduo poderá ter de tal sistema. Neste
tipo de indústria, estão presentes diversas externalidades derivadas da operação
em rede, quanto maior a difusão dos serviços, maior é o benefício para todos os
usuários. Assim, é necessário um amplo esquema de coordenação e
planejamento, para que as empresas e os usuários se beneficiem das
externalidades características deste tipo de indústria.
A produção eficiente de telecomunicações é inerentemente sistêmica, e
essa natureza sistêmica implica trade-offs entre a flexibilidade individual e a
compatibilidade e padronização necessárias para manter o sistema ao longo do
tempo (Rosenberg, 1994).
O modelo de organização do setor de telecomunicações predominante
em praticamente todos os países do mundo era de um monopólio público na
prestação dos serviços (com exceção dos EUA, onde o monopólio era privado) e
um oligopólio privado na produção e fornecimento de equipamentos. Este tipo de
organização respeitava as características predominantes do setor de
telecomunicações de monopólio natural e de indústria de rede.
A provisão de serviços de telecomunicações (basicamente restritos à
transmissão de voz) era organizada a partir de monopólios graças às
20 O que caracteriza um monopólio natural são os rendimentos crescentes, que tornam possível o mercado ser atendido por uma única firma com menores custos. Neste caso, duas firmas não são capazes de explorar todas as economias, e a eficiência econômica só é atingida com uma única firma operando no mercado. As indústrias classificadas como monopólios naturais são caracterizadas por altos custos fixos, que exigem volumosos investimentos iniciais, combinados com custos marginais baixos. No caso das telecomunicações, isso significa que o custo de desenvolvimento da rede é muito elevado, mas, uma vez a rede construída, o custo adicional de um serviço de telefonia fixa local, por exemplo, é baixíssimo. Estas indústrias apresentam economias de escala e escopo significativas, resultando em que maior a produção, menor o custo médio.
47
características econômicas da produção e do uso das telecomunicações,
marcadas por economias de escopo e escala e pela necessidade de altos
investimentos. Além disso, destaca-se o fato de este setor produzir serviços
considerados como de utilidade pública e infra-estrutura. A essencialidade dos
serviços de telecomunicações para a sociedade estimulava a eficiência dos
monopólios, que sofriam fortes pressões dos reguladores e da sociedade.
Em todos os países, existia uma forte relação entre a indústria fabricante
de equipamentos e o monopólio de serviços de telecomunicações, e em alguns
casos esta estrutura era caracterizada por uma integração vertical entre
operador da rede e produtor de equipamentos de telecomunicações. O formato
das articulações entre os ofertantes dos serviços e os fabricantes de
equipamentos variou de país para país, sendo que o principal instrumento de
política industrial utilizado pelo Estado era a política de compras das operadoras
(monopolistas) de serviços.
A maior parte dos analistas concorda que a articulação dos monopólios
de serviços com a indústria de equipamentos decorria de fatores como: o alto
custo das atividades de P&D em telecomunicações; o elevado risco de tais
investimentos; a incerteza quanto à apropriação final das inovações por parte do
operador ou do fabricante; e a necessidade de entrosamento técnico e
operacional entre operador e fabricante (Almeida, 1994).
Diferentes padrões de cooperação entre operadoras e empresas foram
estabelecidos no Japão e na Europa, dando origem a empresas como NEC,
Fujitsu, Nokia, Ericsson, Alcatel e Siemens, entre outras. Em geral, os
monopólios de serviços mantinham relações extremamente privilegiadas com os
fornecedores de equipamentos de seus países de origem. Estes fornecedores
passaram por um processo de diversificação e atualmente se constituem em
grandes grupos multinacionais que atuam em outros segmentos do complexo
eletrônico e, algumas vezes, ampliam suas atividades além das fronteiras do
complexo eletrônico.
No caso dos EUA, onde a estrutura da oferta de serviços era marcada por
um monopólio privado, predominava uma integração vertical entre o operador da
48
rede e o fornecedor de equipamentos até 1995, quando ocorreu a separação
entre a AT&T (provedora de serviços), a Lucent (fabricante de equipamentos) e
uma provedora de computadores e serviços de informática (NCR, empresa que
tinha sido adquirida pela AT&T em 1993) (Fransman, 1998). A Lucent, fabricante
de equipamentos resultante do processo de desverticalização, constitui-se
atualmente numa das maiores fabricantes de equipamentos de
telecomunicações do mundo.
De acordo com Fransman (1998), as diferenças nas relações entre
operadores e fabricantes derivam do fato de que os países optaram por formas
diversas para organizar atividades complementares (operação dos serviços e
fabricação de equipamentos), porém distintas, uma vez que requerem diferentes
capacitações. Enquanto nos EUA as atividades de design e manufatura de
equipamentos foram organizadas no interior da empresa provedora de serviços
(AT&T) que, até 1995, concentrava todas as atividades numa só estrutura
empresarial, no Japão e na Europa a organização da relação entre a operadora
e a fabricante de equipamentos foi de cooperação entre diferentes estruturas
empresariais.
Alguns países industrializados menores (a Suécia, com a Ericsson, e a
Finlândia com a Nokia, sendo notáveis exceções), e a maior parte dos países
em desenvolvimento, adquiriam seus equipamentos de um conjunto de
fornecedores de outros países (multinacionais americanas, japonesas ou
européias), que competiam no mercado mundial de equipamentos de
telecomunicações. Estes, por sua vez, ao mesmo tempo em que estavam
envolvidos em relações lucrativas de longo prazo com os operadores
monopolistas em seus países de origem, competiam intensamente no resto do
mundo, onde o mercado de equipamentos de telecomunicações não era fechado
(Fransman, 2002).
Entretanto, alguns países em desenvolvimento (particularmente o Brasil, a
China e a Coréia do Sul) optaram pelo desenvolvimento interno de capacitação
tecnológica e industrial em telecomunicações, investindo em tecnologia nacional
49
e na constituição de empresas nacionais de equipamentos de telecomunicações.
O capítulo 3 desta tese discutirá este processo no caso do Brasil.
Em todos os países que desenvolveram um setor de telecomunicações
competitivo em nível internacional, as relações entre operador e fabricante foram
arbitradas ou coordenadas pelo Estado. Nos diversos casos bem-sucedidos,
verificou-se que a política de compras das operadoras (além de outros
instrumentos de políticas industriais e tecnológicas implícitas e explícitas)
constituiu elemento fundamental da dinâmica da indústria de equipamentos e da
constituição de redes de infra-estrutura de serviços avançadas. Em tais países, o
poder de compra das operadoras e outros instrumentos de estímulo à
capacitação tecnológica (incluindo subsídios para P&D) foram utilizados como
mecanismos de promoção dos “campeões nacionais”21.
De uma maneira geral, a intervenção governamental na indústria de
equipamentos procurou, por um lado, proteger os produtores locais e, por outro,
desenvolver a competitividade dos mesmos no mercado internacional. O papel
do Estado nesse mercado influenciava, de forma direta, a direção de longo prazo
do progresso técnico das telecomunicações.
A estrutura do setor de telecomunicações resultante das relações
estabelecidas entre fornecedores de equipamentos e operadoras de
telecomunicações era eficiente do ponto de vista econômico22, além de viabilizar
um ambiente fortemente inovativo. A interação entre operador de serviços e
fabricante de equipamentos visando, entre outras coisas, ao desenvolvimento
conjunto das atividades de P&D, levou à constituição de parte fundamental de
seus sistemas nacionais de inovação (Almeida, 1994). O processo de
desenvolvimento tecnológico das telecomunicações nos países desenvolvidos
contou com a participação de universidades, institutos e laboratórios de P&D,
empresas fabricantes de equipamentos e operadoras de serviços.
21 A política dos “Campeões Nacionais” era aquela adotada em alguns países europeus, onde um fabricante de equipamentos nacional era selecionado para atender à demanda da operadora nacional e participar, juntamente com o laboratório central de pesquisa, do desenvolvimento tecnológico de produtos e serviços. 22 De acordo com Fransman (1998), na maioria dos países as tarifas das ligações caíram significativamente e os serviços de telecomunicações foram rapidamente difundidos, viabilizando a universalização dos mesmos.
50
A intensa dinâmica inovativa da indústria de telecomunicações durante a
era do monopólio está ligada ao sucesso de pesquisas de longo prazo
implementadas no âmbito dos diversos sistemas de inovação, com participação
dos laboratórios de P&D dos operadores de serviços, tais como: Bell
Laboratories (AT&T); Electrical Communications Laboratories (NTT); Martlesham
Laboratories (British Telecom); FTZ/DBT (Deutsche Telecom); CNET (France
Telecom); Ellemtel (Suécia); e Bell Northern Research (Canadá). Como
observado anteriormente, a organização das atividades de P&D nesse período
contava com a participação ativa dos fornecedores, pois existiam ligações fortes
entre as operadoras de serviços e os fornecedores de equipamentos de
telecomunicações (Pouillot e Puissochet, 1994).
Embora todas as operadoras fossem tradicionalmente organizadas como
monopólios nacionais (públicos ou privados), existia uma competição implícita
entre as maiores incumbentes e seus laboratórios, que disputavam o prestígio
de serem pioneiros em determinadas áreas do setor de telecomunicações. Este
fato servia de estímulo aos esforços inovativos na área e era considerado um
tipo de “competição cooperativa” existente entre os diversos sistemas nacionais
de inovação com relação à introdução das novas gerações de tecnologias e
serviços. Associado a isso existiam outras importantes formas de cooperação,
tais como fóruns de discussão técnica, que se constituíam em importantes fontes
de informação e espaços de interação entre os pesquisadores. A importância
dos serviços de telecomunicações representou também importante fonte de
estímulo para a inovação neste setor, na medida em que existiam pressões
sobre as operadoras para a melhoria e ampliação da provisão de serviços de
telecomunicações para usuários residenciais e corporativos (Fransman, 1998 e
2002).
O sistema de inovação nos países desenvolvidos (e alguns em
desenvolvimento) funcionava de forma eficiente, tendo originado um amplo
conjunto de inovações radicais e incrementais. Os laboratórios de P&D das
operadoras de serviços, em geral, assumiam o papel de coordenadores do
sistema de inovação.
51
É importante destacar o papel das empresas fornecedoras de
equipamentos de telecomunicações que, pelo fato de manterem relações
privilegiadas de longo prazo com as operadoras de serviços, não enfrentavam
em seus países de origem a concorrência de outras empresas. No entanto,
como a maioria destas empresas atuava em outros países (principalmente em
desenvolvimento), onde tinham de enfrentar a competição com outras empresas,
a inovação se constituía num importante fator de competitividade. Neste sentido,
estas empresas, ao participarem dos esforços inovativos dos respectivos
sistemas nacionais de inovação, adquiriram importantes capacitações, que se
mostraram fundamentais ao longo do período de reestruturação da indústria de
telecomunicações.
A partir da década de 1980, mudanças tecnológicas (associadas ao
desenvolvimento e difusão do paradigma das tecnologias de informação) e
institucionais deram origem a uma nova conformação do setor de
telecomunicações, que será discutida na seção a seguir.
2.3. Revolução da Microeletrônica e os Processos de Desregulamentação e Liberalização do Setor de Telecomunicações
Esta seção tem por objetivo discutir os principais fatores impulsionadores
das transformações observadas no setor de telecomunicações, que levaram ao
amplo processo de reestruturação da indústria. Em primeiro lugar são discutidos
os maiores impactos da introdução do paradigma da microeletrônica, tanto do
ponto de vista dos efeitos diretos causados pela difusão da base microeletrônica
nos diversos segmentos das telecomunicações, como dos efeitos indiretos
desencadeados a partir da convergência tecnológica entre os setores do
complexo eletrônico. Argumenta-se que a difusão da microeletrônica provocou
alterações técnicas no setor de telecomunicações, descaracterizando alguns
segmentos como monopólios naturais.
Por outro lado, as mudanças institucionais e regulatórias que ocorreram
ainda na década de 1980 em alguns países desenvolvidos são também fatores
que estimularam as grandes transformações percebidas no setor de
52
telecomunicações nas décadas seguintes. Tais mudanças serviram de modelo
para os processos de reestruturação da indústria de telecomunicações na maior
parte dos países do mundo.
2.3.1. Introdução e difusão do paradigma da microeletrônica e convergência tecnológica
Considera-se que o processo de profundas transformações que passam a
ocorrer no setor de telecomunicações a partir da década de 1970 contempla dois
eixos centrais de análise. O primeiro encontra-se relacionado ao impacto
decorrente dos avanços na microeletrônica sobre a dinâmica da própria indústria
de telecomunicações, que será discutido na subseção 2.3.1.1. O segundo eixo
de análise, diretamente relacionado ao primeiro e que será analisado na
subseção 2.3.1.2, refere-se ao processo de convergência tecnológica entre os
setores do complexo eletrônico, que ocorre na medida em que tais setores
passam a operar com a mesma base técnica, a microeletrônica.
2.3.1.1. Introdução da microeletrônica nas telecomunicações e
seus impactos econômicos e sociais
O advento do paradigma da microeletrônica e, conseqüentemente, das
tecnologias de informação (TI23), aumentou consideravelmente a importância do
setor de telecomunicações a partir da década de 1980. Além disso, a introdução
da microeletrônica provocou a aceleração da evolução tecnológica no setor de
telecomunicações (e em todos os outros setores do complexo eletrônico), que
passou a penetrar em praticamente todas as atividades econômicas (Sbragia e
Galina, 2004).
O novo paradigma, que é intensivo em informação e conhecimento, difere
do anterior, intensivo em recursos naturais e mão-de-obra, o que torna a infra-
estrutura de telecomunicações um elemento fundamental no próprio processo de
difusão das TI (Tigre, 1993b). 23 As tecnologias da informação abrangem o conjunto das tecnologias utilizadas na coleta, armazenamento, processamento e transmissão da informação, incluindo voz, dados e imagens.
53
De forma geral, com a difusão do novo paradigma, as telecomunicações
passaram a desempenhar dois papéis fundamentais no processo de
desenvolvimento econômico. Segundo Tigre (2000), por um lado, o acesso aos
serviços de telecomunicações tornou-se condição necessária para a participação
de indivíduos, firmas, regiões e países nos mercados domésticos e
internacionais. Na “era da informação” as telecomunicações se constituem em
infra-estrutura essencial para o desenvolvimento econômico e social. Por outro
lado, as telecomunicações, vistas como um meio de produção, se tornaram
produtos-chave na economia mundial.
Até a década de 1970 o setor de telecomunicações, por possuir uma base
tecnológica eletromecânica24, era caracterizado por relativa estabilidade
tecnológica e baixa intensidade de interação com outros setores. Entretanto,
esta situação foi alterada a partir daquela década, quando a infra-estrutura de
telecomunicações passou por intensa transformação tecnológica com o
surgimento do paradigma da microeletrônica. De acordo com Mansell (1990 p.
504) “In the late 1970s and 1980s the microelectronics-based digital “revolution”
began to permeate the telecommunication infrastructure”.
Do ponto de vista da indústria, a microeletrônica permitiu o surgimento de
uma nova geração de equipamentos de telecomunicações25. Nos três
segmentos que caracterizavam o mercado de equipamentos de
telecomunicações (comutação, transmissão e periféricos26), o impacto da
microeletrônica foi determinante na expansão da gama de produtos e na
melhoria da relação custo/performance dos equipamentos.
Durante o período de base técnica eletromecânica, houve uma evolução
da comutação manual do fim do século XX (feita com o auxílio da telefonista)
para a automatização e a informatização de suas principais funções básicas: a
de “comando e controle” e a de “conexão” dos circuitos (Almeida, 1994). 24 Nesse período, a comunicação entre dois pontos era feita a partir da condução elétrica de sinais analógicos em fios de metal (pares) que conectavam fisicamente os pontos de origem e destino das ligações por meio de acionamento combinado de diversos dispositivos mecânicos, situados nas centrais de comutação eletromecânica. Esta comunicação, entretanto, era restrita à voz. 25 Os equipamentos de telecomunicações podem ser classificados como aqueles necessários ao fornecimento dos serviços de telecomunicações. 26 Para maiores informações sobre os aspectos técnicos desta subdivisão ver Hobday (1990).
54
A primeira utilização da microeletrônica (entre meados dos anos 1960 e o
início da década de 1970) na comutação se deu através da implantação das
centrais semi-eletrônicas (Central de Processamento Armazenado Espacial),
que utilizavam componentes eletrônicos apenas nos órgãos de comando, ao
passo que a conexão era feita ainda fisicamente. No fim da década de 1970 foi
introduzida uma geração de centrais de comutação totalmente eletrônicas
(Central de Processamento Armazenado Temporal), substituindo a conexão
física por conexões eletrônicas e introduzindo lógica nos equipamentos. O
controle destas centrais passou a ser feito por softwares, que permite a contínua
adaptação da central a novas condições de tráfico, prescindindo modificações
físicas no hardware (Hobday, 1990).
No que tange à transmissão, a evolução tecnológica se deu na direção da
convergência entre técnicas diferentes. Houve, ao longo dos anos, uma melhora
no desempenho do sistema, representado pela maior possibilidade de
recuperação de sinais atenuados e um crescimento da capacidade de
transmissão sob um mesmo suporte. Ao mesmo tempo, aumentou-se a
capacidade dos diversos meios de transmissão (microondas, satélites e fibras
ópticas), configurando-se redes e suportes alternativos aos cabos coaxiais e ao
par de fios trançados, anteriormente as únicas opções existentes para a
transmissão de sinais.
Além das transformações apontadas, a introdução da microeletrônica teve
impactos sobre o próprio modo de transmissão. Se até os anos 1970 a
transmissão era feita de modo analógico, a partir de então, ocorreu uma notável
transição tecnológica em direção à digitalização das redes. A transmissão
passou a ser feita sob a forma digital, por meio de bits, diferentemente do modo
analógico, com o qual se transportava sinais elétricos de valores variáveis.
O desenvolvimento de novos serviços (comunicação de dados, telefonia
móvel, internet etc) originou uma demanda por novos equipamentos periféricos.
Estes tornaram-se necessários para fazer a interface com as redes públicas de
telecomunicações e para integrar sistemas eletrônicos de comunicação dentro
das firmas e de outras organizações privadas (Hobday, 1990).
55
De forma geral, pode-se dizer que a digitalização das funções de
comutação e transmissão deu origem a uma nova geração de equipamentos
digitais (hardware) baseados em softwares (que se tornou um elemento crítico
das novas redes), o que possibilitou a introdução de novos serviços e
aplicações, provocando uma revolução no setor de telecomunicações. Tal
reestruturação tem se caracterizado pela proliferação do uso de semicondutores,
dispositivos microeletrônicos, softwares, tecnologias ópticas, e serviços de
comunicações móveis, entre outras, que permitem não só a tradicional
transmissão de voz, mas também a comunicação de dados, imagem, áudio,
informações processadas, aplicações de multimídia, entre outras formas.
De um modo geral, as telecomunicações são caracterizadas atualmente
por serviços digitais e integrados, e são elas que provêm a base técnica para as
mudanças na estrutura dos mercados, no comportamento e performance das
firmas e das economias nacionais (Mansell, 1990).
A introdução e difusão da microeletrônica nas telecomunicações permitiu
o surgimento de novos serviços e produtos que foram progressivamente
transformando-se em essenciais para os países industrializados. Os serviços
avançados de comunicações suportados por redes de telecomunicações
inteligentes tornaram-se geradores de riqueza econômica ainda mais
importantes do que era o tradicional setor de serviços de telecomunicações
(Mansell, 1993).
A substituição da rede de transmissão de telefonia fixa de voz e do antigo
modo de transmissão de texto (telex) por uma rede bem mais complexa, capaz
de oferecer serviços de telefonia móvel, comunicação de dados, fax,
transmissão simultânea de sons e imagem, entre outros, provocou impactos
estruturais profundos sobre a organização da oferta de serviços de
telecomunicações, como será discutido na seção 2.4.
56
2.3.1.2. A convergência tecnológica entre os setores do complexo eletrônico
O segundo eixo de análise dos impactos da difusão da microeletrônica
está relacionado ao processo de convergência entre as tecnologias do complexo
eletrônico. A convergência ocorreu na medida em que a microeletrônica criou
uma base técnica similar para os diferentes setores do complexo eletrônico,
tornando a definição das fronteiras entre os diversos setores cada vez mais
tênue.
Na realidade, este processo de convergência já era viável, do ponto de
vista técnico, há algumas décadas. No entanto, alguns autores como Freeman e
Perez (1988) e Freeman e Soete (1997) ressaltam que a assimilação de uma
nova tecnologia pode levar um grande período de tempo (décadas), pois envolve
mudanças gerenciais, sociais, institucionais e educacionais, além de uma série
de inovações técnicas e uma variedade de aplicações. No caso da revolução
microeletrônica, já era possível para alguns engenheiros e cientistas vislumbrar
as aplicações potenciais da nova base tecnológica no início da década de 1950.
De fato, durante as décadas de 1950, 1960 e 1970 ocorreu uma
expansão sensível da oferta de bens de capital eletrônicos e das indústrias de
componentes, bem como uma melhora significativa em seus custos relativos e
em seus preços. No entanto, existia uma escassez de recursos humanos
qualificados para lidar com as tecnologias eletrônicas, os custos de
desenvolvimento de software para novas aplicações eram ainda extremamente
altos, embora os custos de hardware estivessem declinando significativamente.
Além disso, para as empresas dominantes nos setores do complexo eletrônico, a
aceleração da difusão das tecnologias de base microeletrônica e a conseqüente
convergência entre elas poderia significar o sucateamento de volumosos
investimentos já realizados ou perda de parcelas de mercados. Não menos
importante, a expansão da microeletrônica em alguns segmentos de serviços só
era possível a partir de mudanças legislativas, organizacionais, gerenciais e
57
sociais que levaram um longo período de tempo para ocorrer (Freeman e Soete,
1997).
Nesta medida, apesar da difusão da microeletrônica pelos diversos
setores da economia (não só aqueles do complexo eletrônico), a convergência
tecnológica só passou a ser factível a partir da década de 1980 graças às
diversas mudanças requeridas para que tal processo ocorresse, como
ressaltado anteriormente.
Segundo Freeman e Louçã (2001), as indústrias de informática e de
telecomunicações se tornaram amplos mercados para os produtos da indústria
microeletrônica e, na medida em que a interdependência entre estas empresas
crescia, expandiam-se também os processos de cooperação e competição entre
elas. Muitas das grandes firmas multi-produtos japonesas e européias buscaram
integrar suas operações com semicondutores a outras atividades e obter
vantagens de atividades conjuntas de P&D.
Durante as décadas de 1980 e 1990, a difusão das tecnologias de base
microeletrônica foi intensificada principalmente nos países desenvolvidos,
proporcionando assim a convergência entre as tecnologias de informática e de
telecomunicações (juntamente com outras tecnologias do complexo eletrônico).
Este processo foi acelerado pela presença de usuários avançados que, no caso
das TI, “contribuem para o desenvolvimento de inovações que aumentam a
eficácia das tecnologias no contexto específico de sua utilização” (von Hippel,
1988 apud Coutinho et alli., 1995). Cabe destacar, neste aspecto, que os países
da OCDE utilizam instrumentos de estímulo à difusão eficiente das TI através do
incentivo à emergência de usuários eficientes e ao desenvolvimento de relações
usuário-produtor (Cassiolato, 1992; Lundvall, 1992).
A convergência entre os segmentos do complexo eletrônico,
principalmente de informática e de telecomunicações, envolve um conjunto de
problemas e incertezas, uma vez que abarca diferentes instituições e regimes
regulatórios. Exemplo disso é a diferença entre o regime de regulação no qual se
desenvolveram as operadoras e os fornecedores de equipamentos de
telecomunicações por um lado, e aquele no qual as firmas de informática e
58
computação se desenvolveram e, mais recentemente, as empresas de software
surgiram. Com a convergência tecnológica, todas estas empresas passaram a
competir e colaborar no âmbito de uma mesma indústria.
Deve-se salientar, entretanto, que a convergência tecnológica entre as
diferentes indústrias não significa, necessariamente, uma convergência de
negócios. Freeman e Louçã (2001) destacam alguns trabalhos que
demonstraram que, apesar do alto grau de convergência tecnológica, muitas
empresas de cada indústria (informática e telecomunicações) continuaram se
concentrando em seus próprios negócios e fortalecendo suas competências
centrais (Von Tunzelmann e Soete, 1987 e 1988; Duysters, 1995 apud Freeman
e Louçã, 2001). Neste caso, muito mais interessante do que se lançar numa
estratégia de entrada em indústrias fora de seu foco de negócios, a
convergência tecnológica tem levado as empresas das diferentes indústrias a
implementar estratégias voltadas para um re-posicionamento através da
formação de redes e alianças estratégicas, como será discutido na subseção
2.4.1.2.
A difusão da microeletrônica, ao viabilizar economias de escopo a partir
das tecnologias de informação, levou ao aumento e à diversificação dos serviços
ofertados (além da ampliação do número de ofertantes), tornando necessário um
novo marco regulatório para os serviços. Deste modo, paralelamente às mudanças de dimensão tecnológica
resultantes da difusão da microeletrônica, a partir de 1970 o setor de
telecomunicações dos países industrializados vem passando por transformações
radicais no ambiente de concorrência e na regulamentação institucional dos
serviços (Coutinho et al., 1995).
As alterações relativas ao ambiente de concorrência foram conseqüência
da própria evolução tecnológica no setor. À medida que surgiram novas
tecnologias, alguns segmentos do setor, que antes constituíam-se em
monopólios, passaram a ser contestados. De acordo com Pessini e Maciel
(1995), vários dos novos serviços podem ser classificados simultaneamente
como concorrentes e complementares entre si e em relação aos serviços
59
convencionais de voz27. É justamente a substitutibilidade entre os diferentes
serviços e tecnologias que viabiliza o surgimento de formas de concorrência em
determinados segmentos de telecomunicações. Atualmente, com o
desenvolvimento e aprimoramento de novas técnicas de transmissão e de novos
serviços de telecomunicações (Voice over Internet Protocol – VoIP; Wireless
Fidelity – Wifi; Worldwide Interoperability for Microwave Access – Wimax; etc), a
substitutibilidade e a possibilidade de contestabilidade de diversos segmentos
vêm crescendo, como será discutido na seção 2.4.2.
2.3.2. Desregulamentação e Liberalização do Setor de Telecomunicações
Além das mudanças tecnológicas decorrentes da difusão do paradigma
microeletrônico, o processo de reestruturação do setor de telecomunicações foi
também viabilizado por um conjunto de mudanças políticas, regulatórias e
institucionais. A partir de meados da década de 1970 o desempenho e a
eficiência da estrutura tradicional do setor de telecomunicações (caracterizado
por monopólios na prestação de serviços) passaram a ser questionados. Neste
caso, os monopólios da AT&T, nos EUA e dos PTTs (Post, Telegraph and
Telephone), na Europa, constituíram-se em alvos de críticas no contexto do
surgimento das idéias neoliberais originadas a partir das políticas de Reagan e
Thatcher no final daquela década (Coutinho et al., 1995).
A difusão das novas TIs proporcionou grandes economias de escopo,
além da redução dos custos de transmissão e do processamento de
informações, levando ao questionamento da estrutura monopólica em alguns
segmentos do setor de telecomunicações. Tais movimentos permitiram o
surgimento de novas empresas operadoras de serviços, no início geralmente
interessadas em explorar segmentos lucrativos de novos serviços (os serviços
de valor adicionado) ou rotas mais lucrativas dos serviços tradicionais, como os
27 São complementares na medida em que alguns serviços oferecem facilidades ou diferenciais em relação aos outros (e aos de telefonia básica) e são concorrentes já que uns podem substituir as funções dos outros e também dos serviços básicos.
60
de longa distância. Assim, surgiu a necessidade de revisão do quadro regulatório
e das áreas caracterizadas como monopólio natural (Coutinho et al., 1995). Até
então, todo o setor de telecomunicações era considerado um monopólio natural.
Foram implementadas diferentes estratégias de reestruturação e marcos
regulatórios no setor de telecomunicações dos diversos países, envolvendo
graus distintos de liberalização e concorrência nos diversos segmentos. Estas
diferenças resultaram em variadas formas de organização do mercado,
dinamismo tecnológico, formas de financiamento das empresas (Sbragia e
Galina, 2004) e graus de intervenção estatal, caracterizando estruturas de
mercado e oferta de serviços específicas em cada país.
Os precursores do processo de liberalização do mercado foram os EUA e
o Reino Unido. Estes países foram seguidos pelo Japão, Austrália e Canadá e,
mais tarde, no início da década de 1990, pelos países da União Européia. Os
países da América Latina iniciaram seus processos de reestruturação ainda no
final da década de 1980, sendo que o Brasil foi o último deste grupo, em meados
da década de noventa.
O modelo norte-americano de reestruturação buscou acentuar a
concorrência entre os diferentes segmentos, acarretando uma grande
fragmentação da rede de telecomunicações. Inicialmente, na segunda metade
da década de 1980, o monopólio privado da AT&T foi desmembrado em sete
operadoras regionais (as Baby Bells) e uma de longa distância (AT&T). No
segmento de serviços de longa distância permitiu-se a entrada de novas
operadoras para concorrer com a AT&T, inicialmente MCI e Sprint.
No caso do Reino Unido, Almeida (1994) observa que o programa de
reforma foi marcado por um trinômio: liberalização, re-regulamentação e
privatização. O programa de reestruturação das telecomunicações foi
efetivamente implementado na segunda metade da década de 1980, quando
instituiu-se um duopólio na rede básica (até 1991), incluindo a British Telecom
(BT) e a Mercury; estruturou-se o Office of Telecommunications (OFTEL), que é
agência reguladora, e foi desenvolvida uma política liberal nos outros segmentos
de mercado (telefonia móvel, inclusive). A BT fora privatizada em dezembro de
61
1984, depois de um amplo debate com a participação da sociedade britânica, no
qual a possibilidade de desmembramento da empresa para a venda foi discutida
e descartada. Cabe destacar que, nesse processo, foram criadas algumas
salvaguardas para o governo, as golden shares, com o objetivo de assegurar o
domínio sobre questões gerais e estratégicas como, por exemplo, o fechamento
da empresa.
A reestruturação das telecomunicações na Europa, simbolizada pelos
casos da França e da Alemanha, tendeu inicialmente a incentivar a concorrência
nos serviços de maior valor agregado, preservando o monopólio público da rede
básica, visando à aceleração da digitalização e universalização da nova infra-
estrutura telemática (Coutinho et alli, 1995). De acordo com Sbragia e Galina
(2004), nestes países a reforma baseou-se em princípios específicos elaborados
pelo poder executivo, sendo que a privatização da operadora incumbente foi
feita de forma parcial, com a saída gradual do Estado do capital da empresa e a
manutenção de propriedade acionária pelos governos (especialmente nos casos
de França e Alemanha). Cabe destacar que a União Européia possui um
arcabouço legal único, construído ao longo da década de 1990, cujo objetivo é
servir como base para todos os países membros.
No Japão, inicialmente foram admitidas três empresas (DDI, Japan
Telecom e Teleway Japan) para concorrer com a NTT (antigo monopólio estatal)
em determinados segmentos. A empresa também passou por um processo de
privatização, mas o Estado japonês manteve uma participação no capital desta.
Na América Latina, os processos de reestruturação envolveram em
primeiro lugar a privatização dos monopólios públicos de telecomunicações. No
entanto, de acordo com a Cepal (2000), a privatização do operador dominante
geralmente significou a passagem de um monopólio público para um privado,
apesar de o objetivo ter sido a abertura do mercado à concorrência. Em geral, foi
no segmento de serviços de longa distância que se verificou maior sucesso na
introdução da concorrência nos diversos países da região28. No segmento de
28 Na realidade, este maior nível de concorrência está associado às novas possibilidades técnicas, decorrentes da evolução tecnológica no segmento, que resultaram numa maior facilidade e num menor
62
telefonia móvel, também foi possível introduzir maior grau de concorrência, dada
sua rápida evolução tecnológica e o fato de que, neste caso, não era necessária
a utilização das redes das operadoras incumbentes.
Os dados da ITU (ITU, 2002) mostram que, de forma geral, os diversos
processos de reestruturação do setor resultaram em um alto grau de
concorrência em alguns segmentos, mas que outros ainda são marcados por
uma estrutura praticamente monopólica. Em termos legais, a telefonia móvel e a
internet apresentam os maiores índices de concorrência: 78% do mercado
internacional no primeiro caso e 86% no segundo. Já no segmento de telefonia
fixa local, esta participação cai para 43%, mostrando que este segmento ainda é
caracterizado pelo baixo grau de concorrência.
Particularmente, no tocante ao alcance do processo de privatização, em
termos de valor, 85% da receita mundial de telecomunicações é proveniente de
operadores incumbentes total ou parcialmente privados (ITU, 2002).
2.4. A nova configuração do setor de telecomunicações
A difusão da microeletrônica, a consolidação do novo paradigma e
particularmente a difusão da internet alteraram radicalmente a estrutura de
mercado do setor de telecomunicações. Esta seção apresenta as principais
características que marcam a nova configuração do setor de telecomunicações.
Como foi discutido na seção 2.2, até os anos 1980 esta estrutura podia
ser caracterizada de maneira sintética por três camadas: operadoras de
serviços, fornecedores de equipamentos e consumidores, os quais se
relacionavam entre si.
As novas tecnologias introduziram novos atores, setores e elementos no
âmbito da indústria de telecomunicações, o que resultou numa maior
complexidade em sua organização. Fransman (2002) propõe um esquema
analítico capaz de dar conta de tal complexidade, representado pelo modelo de
custo de implantação de novas redes que possibilitam a comunicação a longa distância. Neste caso, não é necessário à operadora deste tipo de serviço ter a propriedade da última milha do assinante, o que facilita a entrada de novas operadoras e viabiliza a introdução de competição entre as diversas prestadoras de serviços.
63
camadas da “indústria de Infocomunicações”. A alteração na organização das
atividades produtivas analisada por Fransman implicou também mudanças nas
formas de concorrência predominantes no setor de telecomunicações. Estas
novas formas de concorrência levaram ao aumento das alianças estratégicas
entre diferentes empresas e à formação de novos tipos de oligopólios, diferentes
daqueles tradicionais. O novo ambiente de concorrência é caracterizado e
analisado por Mytelka e Delapierre (1998) e Delapierre e Mytelka (1997), que
argumentam ainda que este novo ambiente concorrencial originou os novos
oligopólios baseados em conhecimento. Estes aspectos serão discutidos na
primeira subseção.
Em seguida, na subseção 2.4.2 são analisadas as principais mudanças
recentes no segmento de serviços de telecomunicações, com destaque para os
segmentos de serviços de telefonia móvel, internet, banda larga e VoIP. Além
disso, discute-se nesta subseção as transformações nas estratégias das
operadoras incumbentes originadas a partir do “declínio” das receitas
provenientes do mercado de telefonia fixa.
A intervenção do Estado na indústria de telecomunicações, e as
restrições impostas à participação do capital estrangeiro no setor em alguns
países da OCDE são analisados na subseção 2.3.3. Finalmente, a na subseção
2.3.4 apresenta uma discussão sobre a localização e a intensidade das
atividades de P&D e inovação nos diferentes segmentos da “nova indústria de
telecomunicações”.
2.4.1. Configuração das Novas Estruturas Produtivas na Indústria de Telecomunicações
Como discutido na seção anterior, as diversas mudanças pelas quais o
setor de telecomunicações passou nas últimas décadas transformaram
profundamente a sua estrutura. Tais mudanças levaram a alterações na
organização das atividades produtivas e, portanto, nas formas de concorrência
da indústria de telecomunicações. O modelo de camadas (Fransman, 2002)
64
apresentado a seguir capta importantes elementos relacionados à complexidade
inerente à nova estrutura do setor de telecomunicações. No entanto, como será
discutido, existem alguns elementos resultantes do aumento da incerteza e dos
riscos associados às novas tecnologias que marcam o novo ambiente
concorrencial do setor de telecomunicações, que são bem caracterizados pelo
que alguns autores classificam de alianças estratégicas e oligopólios de rede
baseados em conhecimento (Mytelka e Delapierre, 1998 e Delapierre e Mytelka,
1997).
2.4.1.1. O modelo de camadas de Fransman
Do ponto de vista técnico, as maiores transformações na indústria de
telecomunicações ocorreram a partir da introdução das tecnologias associadas à
internet (comutação por pacotes, Protocolo da Internet – IP – e World Wide Web
–WWW) (Fransman, 2002). Estas tecnologias, embora tenham se originado
trinta anos antes, foram mais amplamente difundidas a partir dos anos 1990.
Este fato, associado ao fim dos monopólios de serviços em alguns países
desenvolvidos na década de 1980, marcou o surgimento da nova indústria de
telecomunicações.
Para Fransman (2002), a internet foi o principal vetor de mudança da
indústria de telecomunicações, transformado esta indústria no que ele chama de
“Indústria de Infocomunicações”. Três razões principais justificam esta
transformação. A primeira é o fato de a internet ter estabelecido e difundido a
tecnologia de comutação por pacotes e as redes IP, que se constituem numa
técnica superior para transmissão de dados e voz, comparativamente às
tecnologias de comutação por circuitos, predominantes até então.
Outra inovação fundamental trazida pela internet que contribui para as
transformações na indústria de telecomunicações foi a interface Transmission
Control Protocol/Internet Protocol (TCP/IP)29. Esta interface criou uma espécie
29 O IP é um protocolo desenvolvido para possibilitar a interconexão de redes que estabelece regras e formatos para endereços e para roteamento dos pacotes de dados. Porém, o IP não estabelece uma conexão para envio dos pacotes, nem garante um serviço confiável de envio de mensagens com retransmissão em caso de perda. Na internet, estas funções são garantidas pelo Transmission Control Protocol (TCP). O
65
de ponte, facilitando a “interoperabilidade” barata e fácil entre redes radicalmente
diferentes, que usam tecnologias diversas. Isto foi possível na medida em que a
interface TCP/IP promoveu uma padronização em torno dos protocolos e
práticas da internet.
Finalmente, a terceira transformação da indústria de telecomunicações
provocada pela difusão da internet está relacionada à integração da indústria de
informática, o que justifica a nomenclatura dada pelo autor (indústria de
Infocomunicações30). Como poderá ser observado a seguir no modelo de
camadas proposto por Fransman (2002), a informática está presente em todas
as camadas da indústria de Infocomunicações.
O modelo de camadas é uma representação da nova indústria de
telecomunicações ou de Infocomunicações (Fransman, 2002), que é
apresentado no quadro 1. Ele é composto por seis camadas interdependentes, e
cada camada superior é construída numa plataforma que compreende as
camadas inferiores. Isso significa que cada camada superior é construída a partir
de infra-estrutura física e serviços proporcionados pelas camadas inferiores.
Nesse caso, as camadas inferiores fornecem a base de conhecimento e as
tecnologias-chave para as camadas superiores.
Este tipo de representação evidencia também a presença de empresas
em diferentes níveis ou camadas, através da oferta de uma gama de diferentes
produtos. Isso reflete a estratégia que vem sendo adotada pelas empresas de
diversificação do leque de produtos, tendo em vista a complementaridade
inerente à base de conhecimento que caracteriza o setor de telecomunicações.
Além das camadas observadas no modelo que caracterizava o setor de
telecomunicações anteriormente (fornecedores, operadoras e consumidores), o
modelo de camadas apresenta, entre as camadas das operadoras e dos
consumidores, três novas camadas, a saber: serviços para conectividade
(provedores de acesso), serviços relacionados à navegação (que permitem a
TCP/IP é portanto um conjunto de protocolos (interface) para interconexão de redes de pacotes adotado como padrão pela Internet (www.teleco.com.br). 30 Esta terminologia busca deixar claro que a nova indústria de telecomunicações resulta da integração e/ou da convergência entre a indústria de informática (info) e a indústria de telecomunicações (comunicações).
66
utilização da internet) e aplicações (criação e empacotamento do conteúdo ou da
informação) (Galina, 2003).
Quadro 1: Modelo de Camadas da Indústria de Infocomunicações
CAMADA ATIVIDADE EMPRESAS PRODUTOS
VI Consumidores - -
V Aplicação e Empacotamento de Conteúdo (informação processada)
Bloomberg, UOL, Reuters, MSN etc.
Serviços de informação on-line, serviços de Broadcasting, web design etc.
IV Navegação e Middleware (disponibilização de informação)
Google, Yahoo, Explorer, Netscape etc.
Browsers, portal de busca, páginas amarelas etc.
III Conectividade (provedor de conexão ou de acesso)
UOL, AOL etc. E-mail, voz sobre IP, acesso à internet, servidor web etc.
II Rede para circulação de dados digitais
AT&T, BT, NTT, Telefonica, France Telecom etc.
Voz, imagem, informação etc.
I Equipamentos e softwares (fornecedores de tecnologia específica para rede)
Ericsson, Siemens, NEC, Nokia, Lucent, Cisco, Alcatel etc.
Centrais de comutação, softwares e sistemas de tarifação, aparelhos telefônicos etc
Fonte: Elaboração própria com base em Fransman (2002), Galina (2003) e CPqD (2003)
A convergência entre o setor de informática e o de telecomunicações é
evidenciada a partir do desenho do modelo de camadas. As camadas III, IV e V
são compostas, entre outras, por empresas do segmento de informática,
conhecidas como “ponto com”. A indústria de telecomunicações não se restringe
mais a operadoras de serviços e fornecedores de equipamentos (que
tradicionalmente compunham o setor de telecomunicações), mas envolve
67
também empresas que atuam em segmentos responsáveis pela evolução do
setor, como os de semicondutores, software, internet, comércio eletrônico e
multimídia. Algumas destas empresas não têm competência específica em
telecomunicações e, muitas vezes passaram a operar no setor a partir de
associações ou joint ventures com operadoras ou fabricantes de equipamentos
(Galina, 2003).
De forma geral, ocorreram nos últimos anos grandes mudanças nos
papéis e nas funções desempenhados pelas empresas do setor de
telecomunicações. Galina (2003) oferece uma discussão detalhada sobre as
principais atividades das diversas empresas que passaram a fazer parte da nova
indústria de telecomunicações, bem como daquelas que tradicionalmente
compunham o setor (operadoras de serviços e fornecedores de equipamentos).
Do ponto de vista das atividades de P&D e inovação, o modelo de
camadas destaca que houve um deslocamento de tais atividades dos
laboratórios centrais de pesquisa (ligados às operadoras) para a camada I (de
fornecedores de equipamentos). E foi justamente este deslocamento que
permitiu a entrada maciça de novas operadoras de telecomunicações.
Segundo Fransman (2002), a partir de meados da década de 1990,
passou a ocorrer um processo de especialização vertical entre as camadas I e II.
Uma nova divisão do trabalho entre operadores de serviços e fornecedores de
equipamentos foi estabelecida, na qual os primeiros diminuíram gradativamente
os investimentos em atividades de P&D, e os segundos passaram a concentrar
tais atividades. O autor afirma ainda que a mudança na estratégia das
operadoras no que diz respeito às atividades de P&D foi acompanhada pela
decisão de ampliar o conjunto de fornecedores de equipamentos de
telecomunicações, anteriormente restrito aos fornecedores tradicionais.
O resultado do processo de especialização vertical, segundo Fransman
(2002), diminuiu as barreiras à entrada na camada II da indústria de
Infocomunicações, facilitando o ingresso maciço de novas operadoras de
serviços de telecomunicações. Não era necessária ampla experiência na área de
telecomunicações, para que a empresa entrasse no segmento de prestação de
68
serviços. Em muitos casos de empreendedores e companhias que
estabeleceram operadores entrantes no setor, o conhecimento prévio sobre a
indústria de telecomunicações era reduzido (Fransman, 2002). O acesso aos
recursos para financiar suas operações, que era imprescindível, foi amplamente
fornecido pelo mercado financeiro. Este fato será retomado e desenvolvido na
seção 2.5 deste capítulo.
De acordo com Fransman (2002), na medida em que havia
disponibilidade de equipamentos e tecnologias nas empresas da camada I, as
operadoras de serviços entrantes tomaram a decisão estratégica de terceirizar
virtualmente todos os seus requerimentos de P&D para os seus fornecedores de
equipamentos. No entanto, como discutido no capítulo 1, considerando que a
inovação é um processo sistêmico, dificilmente a empresa pode ser bem-
sucedida ao terceirizar completamente as atividades de P&D e inovação, como
será visto na subseção 2.4.4.
Cabe destacar que neste modelo de camadas existe uma diferenciação
entre estratégias das operadoras incumbentes, entrantes originais e novas
entrantes em relação aos esforços de P&D. Em primeiro lugar, as incumbentes
são os antigos monopólios de serviços de telecomunicações privatizados (AT&T,
BT, France Telecom, Deutsche Telekom, NTT, etc.) que em geral possuíam
grandes volumes de recursos investidos em P&D. Com a reestruturação da
indústria, estas empresas passaram a reduzir tais investimentos, mas
continuaram mantendo atividades de P&D de curto prazo em seus laboratórios.
As operadoras entrantes originais são aquelas que entraram no mercado logo
após a liberalização do setor de telecomunicações, tais como a MCI e a Sprint
nos EUA, a DDI e a Japan Telecom no Japão e a Mercury no Reino Unido. Estas
empresas em geral entraram no mercado de telecomunicações com baixos (ou
praticamente nulos) investimentos em P&D. As novas entrantes (que Fransman
chama de “new new entrants”) apresentaram uma estratégia ainda mais
agressiva de concorrência do que as entrantes originais, sendo exemplos
destas empresas a WorldCom, a Qwest, a Global Crossing, a City of London
Telecommunications (COLT), a Energis, a Mannesmann, etc. Tais empresas
69
tinham estratégias que envolviam a aquisição de operadoras entrantes originais
(caso da WorldCom, que adquiriu a MCI), expansão global de atividades e redes
e a “terceirização” completa de praticamente todos os seus requerimentos de
P&D para os fornecedores de equipamentos. A maior vantagem da estratégia de
terceirização das atividades de P&D por parte das operadoras entrantes era
baixar seus custos de entrada no mercado.
No entanto, cabe destacar que esta estratégia de “terceirização” de P&D
funcionou apenas num primeiro momento, quando a indústria estava no auge de
seu crescimento. Com a crise do setor a partir de 2001 e à medida que as
operações destas empresas se tornaram mais complexas, passou a haver uma
concordância por parte delas em relação à necessidade de desenvolvimento de
atividades de P&D internamente. Fransman (2002) ressalta que existem sinais
de que o crescente requerimento de P&D interno está levando as operadoras
entrantes a estabelecer laboratórios de P&D especializados. Este tema será
desenvolvido na subseção 2.4.4.
Outra característica resultante do processo de reestruturação da indústria
de telecomunicações é que as tecnologias de hardware passaram por um
processo de padronização, gerando produtos mais similares, produzidos pelos
diversos fabricantes de equipamentos, e que apresentam menor diferenciação.
Na medida em que a infra-estrutura da rede de telecomunicações depende de
soluções tecnológicas similares, a capacidade de diferenciação das empresas
passa a estar concentrada nos serviços e na qualidade da operação. As grandes
operadoras passaram a focar atenção gerencial e recursos no núcleo de sua
operação, ou seja, na prestação de serviços de telecomunicações. Este
fenômeno foi marcante no final da década de 1990 e teve impactos diretos na
composição do portfólio de P&D destas operadoras (CPqD, 2003).
De acordo com CPqD (2003), as camadas IV e V do modelo de Fransman
são aquelas em que estão localizados os vetores de inovação da indústria de
telecomunicações. Neste caso, são os próprios serviços e os sistemas de
software ligados às funções de gerenciamento, provimento e operação de rede e
dos serviços que passam a ser críticos para a diferenciação e competitividade
70
das empresas. Uma vez que existe uma ampla disponibilidade de tecnologias de
rede, as plataformas de serviços e de sistemas de suporte geradoras de
aplicações, que utilizam adequadamente a infra-estrutura e gerenciam a
operação de forma eficaz, tornam-se elementos decisivos para o setor de
telecomunicações.
O modelo de camadas ressalta a importância das oportunidades de
inovação nas camadas IV e V, surgidas a partir da reestruturação da indústria de
telecomunicações. Isso quer dizer que o processo de inovação na nova indústria
de telecomunicações está focado no desenvolvimento de sistemas e aplicativos
de software, ao passo que na “velha indústria” era centralizado nos
equipamentos (hardware). Este fato é especialmente importante para a
discussão das novas “janelas de oportunidade” dos esforços e investimentos em
P&D e inovação das empresas que fazem parte da nova indústria de
telecomunicações.
De acordo com CPqD (2003), a camada V do modelo de Fransman é
composta por segmentos dependentes das características psicológicas, sociais
e culturais da população consumidora. Além disso, é importante considerar que:
as redes das operadoras são compostas por diferentes tecnologias; estas
empresas precisam conectar suas redes; e determinados serviços precisam ser
implantados sobre diferentes plataformas para atender consumidores diversos.
Para que este sistema funcione de forma eficiente, são necessários aplicativos
de software e sistemas de grande porte e complexidade, que se baseiam em
uma ampla base de conhecimentos científico e tecnológico de ponta.
Nesse sentido, do ponto de vista de hardware, as principais inovações
estão concentradas na camada I dos fornecedores de equipamentos. Do ponto
de vista do software, cuja importância para o setor de telecomunicações tem
crescido nos últimos anos, as novas oportunidades de inovação estão
centralizadas na camada de serviços e aplicações (camadas IV e V). Neste
caso, tais inovações não estão mais ligadas necessariamente a um produto
específico, seja ele hardware ou software, mas sim ao desenvolvimento de
71
serviços e aplicações que se transformem em soluções específicas para
problemas práticos das empresas de telecomunicações (CPqD, 2003).
Isso significa que os sistemas e aplicativos de software e as plataformas
de suporte para os serviços são campos que podem ser explorados por
empresas de países em desenvolvimento como, por exemplo, o Brasil. Esta
discussão será retomada no capítulo 3.
2.4.1.2. Alianças estratégicas e oligopólios de rede baseados em conhecimento
Uma das características que marcam a nova organização da indústria de
telecomunicações é que os processos de concorrência e cooperação tornam-se
concomitantes. Isto é decorrência tanto da incorporação da microeletrônica nas
telecomunicações e da convergência tecnológica entre os setores do complexo
eletrônico, como também da nova estrutura institucional resultante da
reestruturação do setor. Ao mesmo tempo em que persiste a rivalidade entre as
diferentes empresas que disputam fatias de mercado, novas formas de
cooperação estabelecidas entre elas vêm sendo estabelecidas. Isso ocorre
porque, como foi dito anteriormente, cada vez mais estas empresas necessitam
de conhecimentos sobre tecnologias-chave e bases de conhecimento de outros
segmentos ou camadas, sob as quais não têm domínio.
Alguns autores argumentam que este novo contexto é marcado pela
formação de novos tipos de alianças estratégicas (AE) entre empresas e pelo
surgimento dos oligopólios de rede baseados em conhecimento, principalmente
em indústrias como a de tecnologias de informação e a de biotecnologia
(Mytelka e Delapierre, 1998; Delapierre e Mytelka, 1997).
Na teoria econômica, o oligopólio é definido como uma estrutura de
mercado onde poucas firmas compõem uma indústria específica, e apresentam
interdependências de ações, no sentido de que a sobrevivência de uma firma
está condicionada às suas reações aos movimentos das demais e à sua
capacidade de prever tais procedimentos das rivais (Kon, 1994). Para Mytelka e
Delapierre (1998), a formação dos oligopólios tradicionais está baseada em três
72
pilares estáticos: (i) habilidade de identificar um pequeno número de
concorrentes (em geral, outras firmas domésticas), entre as quais existe
interdependência; (ii) um conjunto de produtos ou indústrias no qual a
competição oligopolista ocorre; e (iii) uma trajetória tecnológica que os produtos
seguirão.
A revolução tecnológica em curso alterou significativamente as
características dos oligopólios tradicionais, principalmente nas indústrias mais
afetadas pelas novas tecnologias. Os novos oligopólios baseados em
conhecimento têm três características principais: (i) eles se baseiam na geração,
uso e controle sobre o processo de transformação do conhecimento; (ii) eles se
baseiam em redes de firmas (em vez de firmas individuais), que utilizam
extensivamente os avanços provenientes das TIs; (iii) sua forma de organização
pode tanto abarcar elos entre firmas de um mesmo segmento industrial quanto
firmas de diferentes segmentos industriais, e algumas vezes fazem ambos ao
mesmo tempo (Mytelka e Delapierre, 1998).
O encurtamento dos ciclos de vida dos produtos e a importância
crescente do conhecimento na produção, que implicaram a necessidade de
aumento dos gastos em P&D e outros investimentos intangíveis, levaram ao
surgimento de novas formas de colaboração entre as firmas durante a década
de 1980, para enfrentar o aumento da concorrência. Para reduzir estes custos,
as firmas precisaram ampliar seus mercados, particularmente na medida em que
o mercado doméstico tornava-se saturado e os mercados estrangeiros ainda
estavam dominados por monopólios públicos.
No caso das TI, os custos crescentes de P&D e a necessidade de ampliar
mercados em virtude do aumento de pressões competitivas estimulou uma onda
de fusões e aquisições para consolidar posições em mercados nacionais e
ampliar o acesso aos mercados internacionais. Paralelamente, além do
73
crescimento das fusões e aquisições, tais fatores também levaram as firmas a
estabelecerem AE31 para enfrentar os novos desafios competitivos.
Deve-se ressaltar que a globalização da competição (crescentemente
baseada em conhecimento) exacerbou ainda mais o problema da incerteza,
tornando as estratégias de integração vertical e a cartelização menos efetivas na
redução das incertezas, riscos e custos associados com os investimentos em
escala e produção de conhecimento. Este é mais um fator que contribuiu para o
aumento das AE entre as firmas.
As AE não substituem o tipo de estabilidade que os oligopólios
tradicionais apresentavam, mas constituem a base de uma nova forma de
oligopólio global: o oligopólio de rede baseado em conhecimento (Mytelka e
Delapierre, 1998).
Nas indústrias de TI a combinação entre o movimento de fusões e
aquisições e as alianças estratégicas permite que as firmas estabelecidas
alcancem (e ultrapassem) suas rivais ao mesmo tempo em que o
estabelecimento de padrões técnicos impõe barreiras à entrada a potenciais
firmas concorrentes32. Esta é uma das formas como os processos de
concorrência e cooperação ocorrem concomitantemente.
Do ponto de vista institucional, o intenso processo de desregulamentação
(que marcou o setor de telecomunicações nas décadas de 1980 e 1990) envolve
não só a eliminação dos monopólios públicos por meio da privatização, mas
também a habilidade das firmas em enfrentar a competição nos novos mercados
desregulados e formatar novas formas de cooperação para sobreviver no
ambiente concorrencial. Neste caso, é possível verificar um relaxamento da
31 Neste contexto, as novas alianças estratégicas estão associadas a uma resposta das empresas à nova dinâmica de inovação e competição e não mais relacionadas às escolhas alocativas estáticas (Mytelka e Delapierre, 1998). 32 Mytelka e Delapierre (1998) fornecem exemplos interessantes (relativos ao desenvolvimento e difusão de alguns novos produtos provenientes das indústrias de TI) sobre como as alianças estratégicas (e a formação de redes de firmas) podem criar barreiras à entrada em mercados cujas fronteiras estão em processos de contínua mudança.
74
regulação proibindo acordos de colaboração em atividades de P&D, estimulando
as alianças estratégicas33.
A idéia de oligopólios de rede baseados em conhecimento evidencia um
fenômeno recente, também ligado à difusão da microeletrônica e das TIs, que é
a diluição das fronteiras entre os diferentes segmentos industriais, e do qual a
nova indústria de telecomunicações é um típico exemplo. Na realidade, observa-
se que as fronteiras entre os setores industriais estão em transformação e vêm
mostrando-se cada vez mais fluidas, tornando as estruturas de mercado menos
rígidas (Delapierre e Mytelka, 1997). Os setores industriais devem ser
reconceitualizados e pensados numa perspectiva mais ampla e em contínua
mutação, baseados em áreas de conhecimento e especializações e/ou conjuntos
de tecnologias e soluções (Cassiolato e Szapiro, 2003). Esta interpretação pode
ajudar no entendimento da dinâmica dos oligopólios de rede baseados em
conhecimento, especialmente aqueles que caracterizam a indústria de
tecnologias da informação.
Finalmente, cabe destacar que o comportamento dos oligopólios
baseados em conhecimento introduz maior complexidade no processo de
concorrência das indústrias relacionadas às TI. Neste sentido, a formação das
alianças estratégicas pode resultar em práticas anticompetitivas, aumentando as
barreiras à entrada em determinados mercados e inviabilizando a competição e
a escolha de opções tecnológicas mais eficientes. O novo padrão de
concorrência estabelecido nas indústrias de TI vem despertando a atenção de
policy makers em diversos países e merece especial atenção no Brasil, onde os
processos de desregulamentação e liberalização em muitos setores estão
provocando a entrada de novos agentes, no caso de telecomunicações, grandes
operadoras de serviços e fabricantes de equipamentos.
33 Mytelka e Delapierre (1998) destacam algumas medidas adotadas na Europa e nos EUA para estimular as alianças estratégicas para desenvolvimento conjunto de atividades de P&D.
75
2.4.2. As mudanças recentes no segmento de serviços de telecomunicações
A indústria de telecomunicações do período do monopólio era
caracterizada por tecnologias relativamente padronizadas em nível internacional.
Estas tecnologias eram ligadas principalmente à transmissão de voz,
desenvolvidas pelos sistemas de inovação dos países mais avançados e, em
alguns casos, dos países em desenvolvimento. O fato de o segmento de
serviços de telecomunicações ser dominado por monopólios permitia que as
empresas explorassem ao máximo as economias de escala e escopo,
fornecendo serviços locais e de longa distância nacional e internacional. Por se
tratar de monopólios estatais, mecanismos de subsídios cruzados eram
utilizados geralmente nos diversos países e, não raramente, as tarifas eram
usadas como instrumentos de política antiinflacionária, prejudicando a
continuidade dos investimentos da operadora, principalmente nos países em
desenvolvimento.
O advento do novo paradigma da microeletrônica e a difusão das
tecnologias digitais promoveram a contestação da estrutura de monopólio
natural predominante até então em diversos segmentos do setor de
telecomunicações. Os satélites e diferentes tecnologias de sensoriamento,
apoiados num processo de digitalização crescente, introduziram uma alternativa
para a transmissão de voz, dados e imagens à longa distância por um custo
relativamente baixo. Acrescente-se a isso a difusão da fibra óptica, que permitiu
o aumento significativo da capacidade de transmissão de voz, dados e imagens,
além do surgimento de novos serviços e mercados (Sbragia e Galina, 2004).
Cabe destacar que as novas formas de transmissão foram acompanhadas pelo
aumento exponencial da capacidade de armazenamento e processamento de
informações, de acordo com o que era previsto pela “Lei de Moore”34.
Como observado na seção 2.3, associada à explosão da capacidade de
transmissão e de armazenamento, a grande inovação do setor de
34 A “Lei de Moore”, criada por Gordon Moore, co-fundador da Intel, baseia-se numa previsão feita por ele em 1965 que dizia que a capacidade dos microprocessadores seria duplicada a cada ano. Em 1975, ele reviu a “Lei”, passando a sugerir que tal capacidade iria duplicar a cada dois anos (Freeman e Louçã, 2001).
76
telecomunicações foi a tecnologia de comutação por pacote, que permite
“empacotar” mensagens diversas contendo voz, dados e imagem. Estes pacotes
são transmitidos pela rede e posteriormente têm seu conteúdo reagrupado no
destino (Sbragia e Galina, 2004).
Os serviços oferecidos pelo setor de telecomunicações, antes restritos à
voz, se expandiram e passaram a englobar diversos outros, tais como: serviços
de internet, serviços de telefonia celular, serviços de telefonia celular com
transmissão de imagem e dados, serviços de internet em banda larga, serviços
de telefonia na internet, serviços de acesso móvel a internet, entre outros.
Espera-se que, dentro de algum tempo, uma parte destes novos serviços
e tecnologias venham a se tornar substitutos dos serviços de telefonia fixa local.
É neste segmento que vem sendo encontrado o maior nível de dificuldade para a
introdução da concorrência, em virtude dos obstáculos representados pela
propriedade da “última milha” por parte das incumbentes. Neste cenário,
destacam-se os serviços de voz sobre o protocolo IP (VoIP), que atualmente
representam a maior ameaça para a forma tradicional de prestação de serviços
e para as incumbentes.
De fato, a tecnologia de VoIP constitui-se numa alternativa tecnológica
promissora à tradicional transmissão de voz pela rede pública de
telecomunicações, uma vez que viabiliza a prestação de diversos serviços, entre
os quais o de telefonia pública, sem utilizar, necessariamente, as redes de
acesso de concessionárias locais, com qualidade no mínimo igual e preços
consideravelmente mais baixos.
O exemplo mais significativo e popular de VoIP para serviços de voz
atualmente é o “Skype”, um software lançado em agosto de 2003, que já conta
com mais de 25 milhões de usuários cadastrados em todo o mundo. Estes
usuários podem se comunicar gratuitamente, bastando para isso baixar o
programa da página da internet para os computadores. Este tipo de serviço
ainda não está totalmente regulamentado mas, na medida em que ele depende
do acesso ao computador conectado em banda larga, sua difusão em países de
77
menor renda vai depender das políticas de universalização adotadas pelo
governo e da regulamentação das agência reguladoras.
Dentre os novos serviços, cabe destacar os de telefonia móvel. Foi o
crescimento deste segmento que deu suporte ao crescimento geral do mercado
de serviços de telecomunicações a partir do final da década de 1990. Num
período de quatro anos, as assinaturas de celular no mundo praticamente
triplicaram, passando de 470 milhões em 1999 para 1,3 bilhão em 2003 (Bismut
e Pouillot, 2004). Em 2002, o número de celulares no mundo ultrapassou o
número de telefones fixos.
A telefonia móvel tem desempenhado um papel ao mesmo tempo
complementar e substitutivo em relação à telefonia fixa. Ela é complementar em
relação à telefonia fixa para consumidores de serviços de telecomunicações em
geral. Este caso é representado principalmente pelos clientes que já possuem
uma linha fixa e adquirem uma linha celular para complementar suas demandas
de serviços de telecomunicações. A telefonia móvel é substitutiva quando .o
crescimento da base de telefonia móvel ocorre em detrimento da base de
telefonia fixa. Neste caso, os consumidores desistem de seus acessos fixos e
buscam o acesso à uma rede móvel, ou ainda novos consumidores que não
tinham acesso, em vez de buscar a telefonia fixa para suprir suas demandas no
mercado de telecomunicações, optam pela telefonia celular.
A ampliação da telefonia celular ocorreu de tal forma que, no caso de
alguns países desenvolvidos, a densidade móvel atingiu praticamente 100%. É
interessante destacar a surpreendente expansão que ocorreu na telefonia móvel
em países em desenvolvimento e com baixa densidade de telefonia fixa. O
continente africano, cuja densidade da telefonia fixa era relativamente baixa
quando teve início o processo de expansão da telefonia móvel, apresenta
atualmente uma alta penetração da telefonia móvel. Em 2002, em mais da
metade dos países africanos o número de telefones móveis era superior ao de
telefones fixos e 97 países tinham mais usuários de telefonia móvel do que fixa
(ITU, 2002).
78
A telefonia móvel está crescendo mais rapidamente no mundo em
desenvolvimento onde, muitas vezes, o primeiro telefone adquirido pelos
cidadãos é móvel. Isso é uma decorrência da própria facilidade de
desenvolvimento das redes de telefonia móvel. As redes sem fio podem ser
estabelecidas mais rapidamente e de forma mais barata do que as redes fixas,
na medida em que não é necessário, para atender individualmente os
consumidores, levá-las até a casa do usuário final, como no caso da telefonia
fixa (The Economist, 2003). Este aspecto em especial (maior facilidade e menor
custo de instalação das redes) permitiu a introdução de um nível de concorrência
maior neste segmento do que aquele verificado no mercado de telefonia fixa.
Este rápido processo de difusão dos serviços de telefonia móvel está
ligado à maior velocidade de introdução de inovações neste segmento (Cepal,
2000). A passagem da primeira geração de telefonia móvel (com redes
analógicas) para a segunda geração (de sistemas digitais) provocou um grande
crescimento da indústria. Com a digitalização, os serviços móveis passaram a
oferecer cada vez mais opções, conquistando parcela significativa de clientes do
serviço de telefonia fixa.
No entanto, o processo de evolução tecnológica deste segmento
enfrentou alguns obstáculos no período recente, contribuindo para a crise geral
do setor de telecomunicações. A passagem da segunda geração (2G) para a
terceira geração (3G) de telefonia móvel (que suporta uma maior taxa de
transmissão de dados) enfrentou uma série de dificuldades. Em primeiro lugar,
visto que a venda de licenças para operar a terceira geração de telefonia móvel
ocorreu num período de extraordinária valorização do mercado de
telecomunicações, as operadoras pagaram valores substancialmente altos por
tais licenças. As operadoras européias pagaram um total de US$ 125 bilhões
pelas licenças de 3G (The Economist, 2003). Este quadro foi ainda agravado
pelo fato de que os investimentos na segunda geração da telefonia móvel ainda
não haviam sido totalmente amortizados. Por esta razão, as operadoras de
telefonia móvel e os fabricantes de equipamentos desenvolveram a geração dois
e meio de telefonia móvel (2,5G). Neste caso, alguns dos atributos previstos
79
para os serviços da 3G (aumento das taxas de transmissão de dados) puderam
ser oferecidos pela 2,5G. Este processo resultou no atraso do lançamento dos
serviços de telefonia móvel de 3G bem como, em alguns casos, na devolução
aos governos das licenças para operar nas faixas de freqüência estabelecidas
para a 3G (The Economist, 2003).
De forma geral, a expansão da telefonia móvel implicou a estagnação (ou
decrescimento) do mercado de telefonia fixa. As operadoras de telefonia móvel
estão “roubando” parcelas do principal negócio das operadoras incumbentes: os
serviços fixos de voz. Estima-se que as receitas das incumbentes européias
tenham se reduzido em 2,5% em 2003, sendo que em alguns países tal queda
pode ter atingido 12%. No mesmo ano, as Baby Bells dos EUA perceberam uma
redução da receita proveniente dos serviços de telefonia fixa de 7%. Depois de
um período de lento crescimento desde a década de 1990, o mercado de
telefonia fixa apresentou um declínio próximo a 4% em termos de valor em 2002
e de 2% em 2003. Do total do mercado de serviços de telecomunicações, os
serviços de telefonia fixa contribuíam com uma participação de 56% em 1998, e
em 2003 esta participação havia despencado para 41% (Bismut e Pouillot,
2004).
Este “declínio” da telefonia fixa está fazendo com que as operadoras
incumbentes busquem alternativas para cobrir parcialmente a redução de sua
principal fonte de receita (os serviços de voz), cuja participação no total da
receita varia de 55% no caso da Telefonica (incluindo suas subsidiárias na
América Latina) a 90% no caso da Korea Telecom (incumbente coreana) (The
Economist, 2003 e Bismut e Pouillot, 2004).
Com isso, as operadoras incumbentes vêm sendo obrigadas a passar por
um processo de diversificação, deixando de se limitar aos tradicionais serviços
de voz e fax, e expandindo suas atividades para as áreas de telefonia celular, TV
a cabo, internet e etc.
Dessa forma, para contrabalançar a perda de receita decorrente da
redução do faturamento com os serviços de telefonia fixa, as operadoras
incumbentes passaram a adotar diferentes medidas. A primeira delas foi investir
80
em áreas que demonstravam rápido crescimento, como a telefonia móvel.
Embora esta tenha se constituído numa estratégia bem-sucedida para algumas
incumbentes, a taxa de crescimento da telefonia celular está se reduzindo e este
segmento apresenta um nível crescente de concorrência. Cabe destacar que,
em muitos países europeus e asiáticos, os operadores incumbentes são
proprietários das maiores empresas de telefonia móvel.
A outra alternativa encontrada pelas incumbentes foi a entrada no
mercado de internet, particularmente a partir da oferta de serviços de banda
larga. Com a instalação de um equipamento especial nas centrais telefônicas, os
operadores podem fornecer serviços de acesso em alta velocidade sobre redes
relativamente maduras. Isso é feito por meio do uso da tecnologia Digital
Subscriber Line (DSL), que é o principal meio de prover acesso em banda larga
para domicílios e pequenos negócios.
Neste caso, vale destacar que, embora os serviços de acesso à internet
representem ainda uma parcela relativamente pequena do mercado de serviços
de telecomunicações em termos de valor (7%), este segmento tem se expandido
rapidamente, tendo sua taxa de crescimento atingido 17% em 2003. Este
segmento está se tornando um veículo cada vez mais importante de crescimento
do mercado de telecomunicações (Bismut e Pouillot, 2004). No entanto, tal
crescimento dificilmente conseguirá compensar a redução das receitas com os
serviços de telefonia fixa.
Além disso, outra alternativa procurada pelas incumbentes foi a oferta de
cestas de serviços (que podem combinar a assinatura do serviço fixo, serviços
de longa distância, serviços móveis, acesso em banda larga e serviços de
transmissão de imagem - através de parcerias com operadores de TV por
satélite) e o desenvolvimento de novos equipamentos terminais que possibilitam
o incremento do tráfego através da linha telefônica, como, por exemplo,
videofones que serão capazes de tirar vantagem do progresso no
processamento de sinais, das possibilidades de interoperabilidade com
aplicações de computador baseadas em webcams e de videotelefonia. Estes
são serviços que poderiam concorrer com aqueles disponíveis nas redes de
81
celular de 3G. Entretanto, ainda não é possível avaliar o nível de aceitação
deste tipo de cesta, que, muitas vezes, pode obrigar o cliente a pagar por
serviços que ele não chega a utilizar (Bismut e Pouillot, 2004).
A evolução das participações de mercado dos diversos segmentos de
serviços de telecomunicações para os anos de 2000 e 2003 podem ser
observadas nos gráficos 1 e 2.
Gráfico 1
Estrutura do mercado global de serviços de telecomunicações em 2000
telefonia móvel33%
telefonia f ixa52%
dados10%
Internet4%
outros1%
Fonte: Bismut e Pouillot, 2004.
Gráfico 2
Estrutura do mercado global de serviços de telecomunicações em 2003
telefonia móvel41%
Internet7%
telefonia f ixa41%
outros1%
dados10%
Fonte: Bismut e Pouillot, 2004. Os gráficos 1 e 2, que mostram a estrutura do mercado global de serviços
de telecomunicações em termos de valor nos anos de 2000 e 2003, corroboram
82
as observações feitas acima, relacionadas aos movimentos recentes no
mercado total de serviços de telecomunicações (declínio da telefonia fixa,
crescimento da telefonia móvel e dos serviços de internet). O segmento de
telefonia fixa, que contava com uma participação de 52% no mercado de
serviços de telecomunicações em 2000, verificou uma redução para 41% em
2003. Ao mesmo tempo, a participação do segmento de telefonia móvel no
mercado total passou de 33% em 2000 para 41% em 2003, igualando, dessa
forma, a participação da telefonia fixa naquele ano. O segmento de serviços de
internet verificou um aumento de participação de 4% no mercado total em 2000
para 7% em 2003. A participação do segmento de dados no total do mercado de
serviços de telecomunicações permaneceu estável em 10% no período de 2000
a 2003.
2.4.3. Participação do Estado e restrições ao capital estrangeiro na “nova indústria de telecomunicações”
A aceleração da difusão do paradigma da microeletrônica e das
tecnologias de informação na década de 1980 criou a base técnica para a
comunicação em tempo real de agentes econômicos e sociais geograficamente
distantes. Por esta razão, argumenta-se que o novo paradigma baseado nas
tecnologias de informação constitui-se na base do processo de globalização da
economia, como foi discutido no capítulo 1. No entanto, ambos os processos
“resultam e refletem mudanças político-institucionais que caracterizaram o
ambiente econômico de alguns dos países mais desenvolvidos do mundo
naquele período” (Lastres e Ferraz, 1999, p. 45). Alguns analistas sugerem que
estas mudanças se devem principalmente a movimentos de liberalização e
desregulamentação dos mercados mundiais e à mudança no papel do Estado,
que deixaria de intervir diretamente nos setores da economia e passaria a
desempenhar um papel de regulador.
Tais idéias passaram a influenciar as políticas macroeconômicas da
maioria dos países, principalmente daqueles em desenvolvimento, onde a
abertura, a desregulamentação e a privatização de setores até então dominados
83
por capital estatal passaram a ocupar a agenda dos governos. Na América
Latina, isso pode ser observado com clareza a partir do fim da década de 1980,
quando os países dessa região iniciaram processos de reestruturação
principalmente nos setores de infra-estrutura.
No entanto, apesar da difusão das idéias neoliberais, Cassiolato (1999)
destaca que a pretensa necessidade de retração completa do Estado,
considerada condição necessária para a inserção no processo de globalização,
não encontra correspondência em nenhuma das políticas efetivamente
implementadas pelos países desenvolvidos. Ao contrário, percebe-se nas
políticas industriais e tecnológicas implementadas em tais países a preocupação
com a preservação dos componentes principais de soberania nacional,
principalmente o domínio e certo grau de autonomia nas tecnologias de
informação e comunicação.
Nesse sentido, embora a maioria dos países desenvolvidos tenha
implementado processos de liberalização, desregulamentação e privatização no
setor de telecomunicações, muitos mantiveram sob o controle do governo as
decisões estratégicas, seja pela propriedade de uma parcela do capital da
empresa incumbente, da intervenção permanente de fortes órgãos reguladores,
ou pela propriedade parcial e qualificada do Estado por meio das golden
shares35.
Nos países mais avançados, é possível perceber que os governos
centrais mantêm participações diretas ou golden shares das principais
incumbentes, além de mecanismos explícitos de política que limitam a
participação do capital estrangeiro no setor de telecomunicações.
O quadro 2 mostra que em determinados países, até dezembro de 2002,
diversas incumbentes ainda contavam com forte presença do capital estatal,
sendo que em alguns casos esta participação ainda era majoritária. Este é o
caso, por exemplo, das operadoras incumbentes da Austrália (Telstra), Bélgica
(Belgacom), França (France Telecom), Luxemburgo (P&T Luxemburgo), Suécia
35 As golden shares são ações especiais que, independente de a quem pertença a maior parte da propriedade do capital, garantem ao governo direitos de participação nas decisões estratégicas das empresas privatizadas ou outros direitos que sejam por ele preestabelecidos.
84
(Telia) e Suíça (Swisscom). Em diversos outros países, o governo possui
participação significativa na operadora incumbente, mas não majoritária.
Finalmente, em países como a Itália, Espanha, Holanda e Nova Zelândia o
governo possui golden shares, que lhe dão direitos especiais de intervenção nas
decisões estratégicas da operadora de serviços de telecomunicações
incumbente.
Quadro 2: Propriedade do governo nos operadores públicos de
rede de telecomunicações (dezembro de 2002)
País Operadora Propriedade do Estado/Pública Austrália Telstra 51% Áustria Telekom Áustria
Mobikom Áustria UTA Telekom AG
47,8% Telekom Áustria: 75% - 1 ação 1,49% do governo austríaco, sendo que os governos regionais têm participação através das empresas de energia
Bélgica Belgacom Belgacom Mobile B-Telecom MET Irisnet ALE Igeho Seditel Inatel Simogel Telelux
50% + 1 ação 75% 100% 100% 100% 99,9% 34,26% 50% 33,3% 43,45% 50%
Canadá Sasktel Propriedade da Província de Saskatchewan
República Checa
Cesky Telecom 51%
Finlândia Sonera Ltda 53.1% França France Telecom
Télécom Développement 56.45% 50% do capital, via SNCF
Alemanha Deutsche Telekom AG 42,77% Hungria Hungarian Telecommunication
Co. Antenna Hungária Vodafone Hungary
Golden Share com determinados direitos a voto 87% 30% das ações é de propriedade da Antenna Hungária
Islândia Islândia Telecom 95% Itália Itália Telecom
WIND - Infostrada
3,46% e 0,62% são propriedade do Ministério do Tesouro. Além disso, o governo italiano tem a golden share, que lhe dá poderes especiais de impedir a aquisição de ações. A ENEL (onde o Ministério do Tesouro tem 67,25% das ações), possui 73,4% da WIND.
85
Japão NTT Corp. 46% Luxemburgo P&T Luxemburgo 100% Holanda KPN Telecom BV 34,7% + 1 ação especial que dá ao
governo o direito de aprovar mudanças na estrutura da empresa
Nova Zelândia Telecom New Zeland Embora a propriedade seja privada, o governo possui uma espécie de golden share que lhe permite impor obrigações de serviço universal na incumbente.
Noruega Telenor Bane Tele AS
77,7% 100%
Polônia Telekomunikacja Polska Spolka Akcyjna (TPSA)
22,61%
Portugal PT Comunicações Brisatel CPR Marconi AS ONI Telecom ONI Infocomunicações AS Optimus PT Prime Portugal TMN – Telecomunicações Móveis Refer Telecom
6,63% 19,31% 6,63% 19,31% 13,2% 5% 5,9% 6,63% 100%
República Eslava
Slovenské Telekomunikácie a. s. 49%
Espanha Telefonica Manutenção da golden share com o governo, que lhe dá direito fazendo com que a aquisição direta ou indireta de pelo menos 10% do capital da empresa tenha que ter autorização prévia do governo. O mesmo se aplica à Telefonica Móviles España
Suécia Telia 70,6% Suíça Swissscom 62,7% Turquia Turk Telekom
Aycell
100% (A empresa poderia ser privatizada, sendo que o Estado manteria a golden share e a participação de capital estrangeiro não poderia ser superior a 45%). 100%
Fonte: OCDE, 2003.
No caso das restrições à participação do capital estrangeiro nas
operadoras de serviços de telecomunicações, o quadro 3 mostra que os países
desenvolvidos (e alguns em desenvolvimento) ainda mantêm alguns obstáculos
à entrada de IED no setor de telecomunicações. Alguns países se destacam por
manter barreiras e limites explícitos à entrada de capital estrangeiro nas
telecomunicações. Este é o caso de: Áustria, que limita a participação do capital
estrangeiro em sua incumbente a 35% do capital; Canadá, que limita a
86
participação do capital estrangeiro em suas empresas de serviços públicos a
20% do capital votante; França, que limita a participação do capital estrangeiro
nas empresas de telecomunicações móveis a 20% do capital; Japão, que limita a
participação do capital estrangeiro em sua incumbente a menos de um terço do
capital total; Turquia, Coréia e México, que limitam a participação do capital
estrangeiro em suas incumbentes a no máximo 49% do total; Nova Zelândia,
que limita a participação do capital estrangeiro em sua incumbente a 49,9% do
capital total; Espanha, que limita a participação do capital estrangeiro em sua
incumbente e na sua subsidiária móvel (Telefonica e Telefonica Móviles) a 25%
do capital total; e EUA, que dão ao órgão regulador o direito de negar
autorização de participação do capital estrangeiro nas empresas de
telecomunicações de rádio acima de 25%.
Quadro 3: Restrições à propriedade estrangeira nas empresas de
telecomunicações
País Restrições ao Capital Estrangeiro Austrália A participação do capital estrangeiro na Telstra está limitada a 35% do capital,
sendo que a participação de qualquer indivíduo ou associação estrangeira limita-se a 5%. O presidente e os diretores da empresa devem ser cidadãos australianos.
Canadá A participação do capital estrangeiro limita-se a 20% das ações com direito a voto das empresas canadenses prestadoras de serviços públicos e 80% da diretoria destas empresas deve ser canadense
França Existe uma limitação à participação do investimento externo direto (de empresas de fora da área econômica européia) na empresas de telecomunicações móveis de 20%, mas não limitação à participação indireta.
Japão A participação do capital estrangeiro na NTT Corp. (proprietária da NTT East Corp. e NTT West Corp.) limita-se a menos de um terço do capital.
Coréia A propriedade estrangeira em empresas coreanas está limitada a 49% do capital. México A concessões só são permitidas a cidadãos e corporações de nacionalidade
mexicana. A propriedade estrangeira não pode exceder 49% das empresas de telecomunicações, com exceção das empresas de telefonia celular, onde pode-se requerer a permissão à Comissão de Investimento Estrangeiro no caso de uma participação maior do capital estrangeiro.
Nova Zelândia
A participação do capital estrangeiro limita-se a 49,9% das ações com direito a voto.
Noruega A mudança na propriedade da incumbente deve ser aprovada pelo Parlamento Espanha De acordo com a Lei Geral de Telecomunicações espanhola, o investimento
direto ou indireto na Telefonica e na Telefonica Móviles por cidadãos estrangeiros (de fora da União Européia) não pode exceder 25% do capital, a não ser que uma participação maior seja autorizada ou solicitada por acordos internacionais (como o GATS, por exemplo).
Suíça Não há restrições ao capital estrangeiro, mas a maioria do capital da Swisscom
87
deve ser necessariamente de propriedade do governo suíço. Turquia Não é permitido aos estrangeiros deter mais de 49% do capital das operadoras
de telecomunicações que requeiram acordo de concessão direta ou indireta. EUA O Telecommunications Act autoriza o FCC (órgão regulador americano) a negar
licenças de rádio a corporações com mais de 25% de capital estrangeiro, caso isso seja de interesse público.
Fonte: OCDE, 2003.
As informações apresentadas evidenciam que, no caso dos países
desenvolvidos, o Estado manteve um grau significativo de intervenção em suas
operadoras incumbentes, apesar dos processos de abertura, liberalização,
desregulamentação e privatização do setor de telecomunicações. Tal
intervenção ocorre graças à propriedade direta ou indireta de parte do capital da
empresa, ou à manutenção de das golden shares pelo Estado. Além disso, tais
governos mantêm restrições importantes à propriedade estrangeira do capital
nas empresas de telecomunicações, visando à manutenção do poder decisório
no país, dado o reconhecimento do caráter estratégico das telecomunicações.
2.4.4. Atividades de P&D e Inovação na “nova indústria de
telecomunicações”
Existe atualmente um consenso sobre a concentração dos esforços de
P&D na indústria de telecomunicações. A maior parte dos investimentos em P&D
está localizada no segmento dos fornecedores de equipamentos de
telecomunicações, e as operadoras de serviços incumbentes, antes
responsáveis pela maior parte dos esforços, vêm gradativamente reduzindo a
parcela de seu faturamento destinado à P&D.
Cabe ressaltar que a maior parte das inovações responsáveis pela
revolução tecnológica do setor de telecomunicações da década de 1990 foi
desenvolvida ao longo do período anterior àquela década, no qual o setor era
marcado pelo monopólio natural. Exemplos destas inovações incluem a
comutação digital, a fibra óptica, sistemas de transmissão digital, sistemas de
comunicação móveis, redes de comutação por pacotes e comunicação por
satélite (Fransman, 1998).
Não obstante os grandes avanços tecnológicos verificados ao longo do
período do monopólio (que contribuíram para impulsionar a reestruturação do
88
setor), importantes mudanças na organização das atividades inovativas foram
verificadas após o processo de reestruturação da indústria de telecomunicações.
Nesse sentido, o resultado das mudanças recentes na estrutura internacional do
setor de telecomunicações no que se refere às atividades de P&D, aponta, por
um lado, para a concentração de tais esforços no segmento produtor de
equipamentos. Por outro lado, como foi argumentado, as empresas que atuam
nas camadas IV e V da nova indústria de telecomunicações, produzindo serviços
e aplicações, também têm um papel importante na dinâmica inovativa da
indústria36. De forma geral, vem se difundindo a idéia de que as operadoras de
serviços têm direcionado cada vez menos recursos para investimentos em P&D
e inovação, e foram relatados casos de operadoras entrantes que ingressaram
na indústria sem a realização de nenhum investimento em P&D.
No entanto, apesar da afirmação de vários autores de que, em geral, os
investimentos das operadoras de telecomunicações diminuíram, os dados
disponíveis sobre os gastos em P&D das principais incumbentes e dos principais
fornecedores de equipamentos de telecomunicações nos anos de 1997, 1999,
2001 e 2003 mostram uma tendência diferente (OCDE, 2003 e 2005).
De forma geral, é possível perceber que algumas das maiores
incumbentes (Deutsche Telekom e British Telecom – BT), embora tenham
reduzido seus investimentos em P&D como participação da receita total,
aumentaram estes investimentos em termos absolutos. Neste caso, o
crescimento da receita destas operadoras pode ter influenciado na redução do
percentual investido em P&D ao passo que, por outro lado, os investimentos em
termos de valores nominais cresceram na maior parte dos casos. O caso da
Deutsche Telekom ilustra bem esta situação. Como pode ser observado no
quadro 4, em termos de participação da receita total, os investimentos em P&D
permaneceram praticamente constantes no período (1,8% em 1997, 2% em
1999 e 1,9% em 2001), com uma pequena redução em 2003 para 1,6%. No 36 Nesta seção serão analisados os dados sobre investimentos em P&D das operadoras de serviços e empresas fornecedoras de equipamentos. Não faz parte do escopo desta tese discutir a intensidade dos esforços em P&D das empresas das outras camadas da nova indústria de telecomunicações. Sem dúvida, esta discussão é também fundamental para a compreensão da dinâmica da indústria de telecomunicações e deverá ser realizada em futuras pesquisas.
89
entanto, em termos absolutos, eles praticamente se mantiveram constantes
entre 1997 e 1999 (US$ 692 milhões em 1997 e US$ 697 milhões em 1999),
tendo crescido em 2001 para US$ 804 milhões e ainda mais em 2003, para US$
1.011 milhões. Ou seja, embora entre 1999 e 2003 tenha ocorrido uma perda de
0,4% dos investimentos em P&D como participação da receita da empresa,
estes investimentos tiveram um aumento de US$ 314 milhões no mesmo
período.
As informações disponíveis no quadro 4 demonstram que, de fato, as
operadoras, incumbentes ou entrantes, ao longo do período analisado, mantêm
investimentos em P&D que, em alguns casos, permaneceram constantes e, em
outros, apresentaram uma tendência de crescimento.
Vale ressaltar o desempenho dos gastos em P&D da Vodafone. Por um
lado, em 1997 a empresa demonstra um baixo patamar de investimentos em
P&D (1,4% da receita total). Entretanto, embora em termos relativos estes
gastos apresentem uma pequena queda entre 1997 e 2001 (0,6% em 1999 e
0,5% em 2003), em termos absolutos tais gastos praticamente se multiplicaram
por cinco entre os anos de 1997 e 2003 (passando de US$ 55 milhões para US$
280 milhões). Mais uma vez, o aumento significativo da receita deve responder
por este paradoxo. Este caso corrobora a observação de alguns autores de que,
embora as operadoras entrantes tenham conseguido ingressar no mercado sem
realizar investimentos significativos em P&D, a manutenção e sustentabilidade
desta estratégia no longo prazo passou a ser crescentemente questionada.
Nesse sentido, como discutido na subseção 2.4.1.1, tem-se observado o
estabelecimento de laboratórios internos especializados de P&D pelas
operadoras entrantes de telecomunicações (Fransman, 2002).
90
Quadro 4: Gastos em P&D de operadoras selecionadas nos anos de 1997, 1999, 2001e 2003 (em US$ milhões)
Operadora Gastos
em P&D (1997)
P&D como % da receita total (1997)
Gastos em P&D (1999)
P&D como % da receita total (1999)
Gastos em P&D (2001)
P&D como % da receita total (2001)
Gastos em P&D (2003)
P&D como % da receita total (2003)
NTT 2 388 3.1 3 140 3.4 3 216 3.3 3061 3.2 Deutsche Telekom
692 1.8 697 2.0 804 1.9 1011 1.6
BT 502 2.0 556 1.6 525 1.7 548 1.8 France Telecom
918 3.5 632 2.2 506 1.3 507 1.0
AT&T 829 1.6 550 0.9 325 0.6 277 0.8 Korea Telecom
113 2.2 258 2.6 293 2.4 195 2.0
Telefonica 153 0.8 96 0.4 153 0.6 494 1.6 Telia 202 3.3 190 3.0 126 2.3 Telecom Italia
- - 352 1.2 123 0.4 166 0.5
SK Telecom
41 1.7 89 2.4 119 1.8 232 2.9
Vodafone 55 1.4 74 0.6 104 0.3 280 0.51 Telenor 113 3.1 68 1.6 102 2.0 65 0.9 Sonera 52 3.5 64 3.5 73 3.7 KPN Telecom
60 0.8 59 0.6 41 0.4 26 0.2
Elisa - - 16 1.4 32 2.5 27 1.6 Telekom Austria
- - 20 0.6 19 0.5 48 1.08
Hanaro Telecom
- - 6 28.4 10 1.6 8.0 0.7
Dacom 3 0.6 6 1.0 4 0.5 Telecom New Zeland
4 0.2 5 0.1 3.4 0.1 5.8 0.2
Qwest - - 36 0.9 - - Telstra 43 0.3 19 0.1 - - 17 0.12 OTE 11 0.3 - - 3 0.1 Belgacom 18 0.4 7 0.1 - - - - Cable & Wireless
169 1.2 18 0.1 - - - -
Total/Média 6 355 1.7 6 970 2.5 6 578 1.5 7147 1.0 Fonte: OCDE, 2003 e 2005.
Do ponto de vista das empresas fabricantes de equipamentos de
telecomunicações, o quadro 5 mostra que, em geral, existe uma alta participação
dos gastos em P&D na receita total. Em termos absolutos, entretanto, tais gastos
apresentaram, no caso de muitas empresas, uma tendência de queda. A Lucent,
91
por exemplo, realizou um investimento em P&D de 11,5% de sua receita em
1997, 13,2% em 1999, 16,5% em 2001 e 21,1% em 2003. Em termos absolutos,
estes investimentos evoluíram da seguinte forma: US$ 3.023 milhões em 1997,
US$ 3.563 milhões em 1999, US$ 3.520 milhões em 2001 e US$ 1.838 milhões
em 2003. Isso significa que, entre os anos de 1999 e 2001, a receita desta
empresa deve ter sofrido uma queda, visto que, embora os investimentos em
P&D tenham aumentado de 13,2% para 21,1% da receita, em termos absolutos
estes gastos praticamente se mantiveram constantes no período de 1999 a
2001, sofrendo uma queda significativa em 2003.
Existem alguns casos de fabricantes, ainda, como a Fujitsu, que
apresentaram uma redução dos investimentos em P&D tanto em termos
absolutos (US$ 3.520 milhões em 1999 e US$ 2.381 milhões em 2003), como
em termos relativos (7,6% da receita em 1999 e 6,2% da receita em 2003). No
caso da NEC, os investimentos em P&D se mantêm praticamente constantes em
termos absolutos entre 1997 e 2001 (US$ 2.880 milhões em 1997, US$ 2.767
milhões em 1999 e US$ 2.745 milhões em 2001), apresentam uma pequena
queda em 2003 para US$ 2.511 milhões e oscilam em termos relativos (7% da
receita em 1997, 5,5% em 1999, 6,5% em 2001 e 6,1% em 2003). Já a Siemens,
embora tenha mantido constantes os investimentos em P&D em termos
absolutos entre 1999 e 2001 (US$ 2.446 milhões em 1999 e US$ 2.461 milhões
em 2001), reduziu substancialmente estes investimentos em 2003, para US$
943 milhões em 2003. Em termos relativos apresentou uma queda de 18,8% em
1999 para 10,1% em 2001, e posteriormente, em 2003, aumentou para 11,8% os
seus investimentos em P&D como participação da receita.
Quadro 5: Gastos em P&D dos principais fornecedores de equipamentos de telecomunicações entre 1997 e 2003 (em US$ milhões)
Empresa Gastos em P&D (1997)
P&D como % da receita total (1997)
Gastos em P&D (1999)
P&D como % da receita total (1999)
Gastos em P&D (2001)
P&D como % da receita total (2001)
Gastos em P&D (2003)
P&D como % da receita total (2003)
Ericsson 3 175 14.5 4 201 16.0 4 511 20.1 3593 24 Motorola 2 748 9.2 3 440 11.1 4 300 14.3 3811 14.5
92
Cisco 1 050 12.4 1 663 13.7 3 922 17.6 3135 16.6 Lucent 3 023 11.5 3 563 13.2 3 520 16.5 1838 21.1 Nortel 2 147 13.9 2 724 13.9 3 292 18.8 2024 21.1 Fujitsu 3 199 7.8 3 520 7.6 2 878 7.0 2381 6.2 NEC 2 880 7.0 2 767 5.5 2 745 6.5 2511 6.1 Nokia 879 8.7 1 793 8.9 2 665 9.6 4617 12.3 Alcatel 2 844 8.9 2 181 9.5 2 589 11.3 2532 13.5 Siemens1 2 312 - 2 446 18.8 2 461 10.1 943 11.8 Samsung Electronics2
1 213 8.3 1 697 6.5 1 690 6.2 2500 5
Matsushita Communications3
- - 994 12.1 1 128 12.9 4968 7.7
GEC Marconi 407 6.5 611 7.1 910 14 462 15.2 LG Electronics 457 4.7 353 4.0 588 4.6 859 5.1 Corning1 117 6.5 245 9.8 474 10.6 401 14 Qualcom 349 10.4 340 10.6 415 15.5 523 13.2 3Com 270 12.9 611 14.1 286 19.3 113 12.1 Juniper Networks - - 42 40.4 156 17.5 176 27 Total/média 27 071 9.5 33 190 12.4 38 529 12.9 37387 13.7
Notas: 1. Os dados de gastos em P&D da Siemens são proporcionais às vendas do setor de telecomunicações. 2. Os gastos em P&D da Samsung para 2001 são dados referentes à 2000. 3. Os dados de patentes depositadas da Matsushita para 2001 são relativos à Matsushita Electrical and Industrial. Fonte: OCDE, 2003 e 2003.
No que se refere às médias e totais de gastos em P&D, pode-se observar
que ambos os valores são maiores no segmento produtor de equipamentos de
telecomunicações em comparação com o segmento das operadoras de serviços.
Em termos de evolução, entretanto, observa-se que o segmento das operadoras
de serviços mantém seus gastos em termos absolutos com pequenas variações
no período de 1997 a 2001 e apresenta um crescimento em 2003 (US$ 6.355
em 1997, US$ 6.970 em 1999, US$ 6.578 milhões em 2001 e US$ 7.147
milhões em 2003). Por outro lado, em termos relativos, este segmento apresenta
oscilações, com aumento da participação dos investimentos em P&D na receita
entre 1997 e 1999 (de 1,7% em 1997 para 2,5% em 1999) e significativa
redução entre 1999 e 2003, quando ela caiu para 1%.
Já o segmento das empresas fabricantes de equipamentos de
telecomunicações mostrou uma tendência de alta dos investimentos em P&D em
termos absolutos e relativos. No primeiro caso, os investimentos em P&D deste
segmento cresceram de US$ 27.071 milhões em 1997 para US$ 33.190 milhões
em 1999 e para US$ 38.529 milhões em 2001. Em 2003 ocorreu uma pequena
93
redução em tais investimentos, que passaram para US$ 37.387 milhões. Em
termos relativos, houve grande aumento dos investimentos em P&D entre 1997
e 1999 (9,5% para 12,4% da receita), mas este crescimento foi menor no
período seguinte, entre 1999 e 2001, neste último ano atingindo 12,9% da
receita total das empresas observadas no quadro 5. No ano seguinte, em 2003,
este segmento apresentou novo crescimento da participação dos investimentos
em P&D na receita total das empresas, passando para 13,7%.
Independente dos valores, que tornam evidente a superioridade dos
gastos em P&D da indústria fabricante de equipamentos de telecomunicações, o
que se pretende mostrar é que os investimentos em P&D das operadoras,
principalmente das incumbentes (mas não somente, como foi exemplificado com
o caso da Vodafone, que é uma operadora entrante), continuam sendo
relevantes para a evolução do setor de telecomunicações.
Vale destacar que a redução dos investimentos das operadoras de
serviços de telecomunicações está relacionada a um processo mais amplo que
envolve uma tendência à redução dos investimentos em inovação de
corporações e de governos. Isso é, na verdade, a expressão de uma
característica do desenvolvimento do “regime de acumulação dominado pelas
finanças“, como foi discutido no capítulo 1 (Chesnais e Sauviat, 2000).
Tradicionalmente, na indústria de telecomunicações o motor da inovação
estava localizado nos laboratórios das operadoras de serviços. Foi nestes
laboratórios que ocorreram as grandes inovações do setor até a década de
1990. Atualmente, embora as empresas fornecedoras estejam desempenhando
um importante papel no processo de inovação da indústria de telecomunicações,
as operadoras, e mais especificamente os seus laboratórios de P&D, continuam
exercendo uma função fundamental no processo de evolução tecnológica das
telecomunicações.
Pouillot e Puissochet (2002) apontam algumas mudanças no tipo de
relacionamento estabelecido entre os laboratórios e centros de P&D e suas
matrizes e unidades de negócios. O novo tipo de relacionamento que liga os
laboratórios mais diretamente às unidades de negócios das operadoras envolve
94
principalmente uma mudança na forma de financiamento de tais laboratórios.
Atualmente, são firmados contratos entre os laboratórios e centros de P&D e as
unidades de negócios para a condução de projetos específicos, cujo
financiamento passou a ser a maior fonte de receita dos laboratórios de P&D
ligados às operadoras. As unidades de negócios passaram a ter liberdade para
contratar outros laboratórios de P&D para determinados projetos. No entanto,
praticamente não ocorre parcela significativa de contratação de projetos fora da
estrutura das operadoras, e as unidades de negócio continuam dando prioridade
aos seus próprios laboratórios. Isso ocorre em virtude das capacitações
acumuladas nos laboratórios e centros de P&D, do conhecimento sobre as
necessidades de cada operadora e da existência de interações tradicionais entre
as diferentes unidades da estrutura.
No modelo tradicional do setor de telecomunicações, a matriz da
operadora tomava as decisões sobre o financiamento das pesquisas dos
laboratórios, segundo os objetivos expostos e prioridades dos próprios
laboratórios de P&D. No sistema atual, as pesquisas das operadoras são
guiadas pelas unidades de negócio.
Este novo sistema foi idealizado pelos Bell Labs nos anos 1990 e aplicado
na Europa pela primeira vez pela Telefonica. Dado que ainda se constitui em
uma mudança relativamente recente quando se trata da organização de
atividades de P&D, ainda não é possível avaliar seus resultados.
De qualquer forma, é possível perceber que este novo sistema de
funcionamento dos laboratórios de P&D traz conseqüências para a natureza das
pesquisas conduzidas pelos laboratórios. Em primeiro lugar, as atividades de
P&D de longo prazo praticamente desapareceram das agendas dos centros de
P&D, uma vez que, geralmente, os contratos com as unidades de negócio são
estabelecidos com objetivos de curto prazo, menores que dois anos. Os
laboratórios se reorientaram para as necessidades de pesquisa imediatas dos
operadores, abandonando praticamente todos os projetos não relacionados a
elas. Os projetos direcionados à pesquisa na área de equipamentos e hardware
95
foram praticamente abandonados ou interrompidos, e hoje o foco destes
laboratórios é, sobretudo, software.
No contexto deste novo tipo de relacionamento entre os laboratórios de
P&D e suas matrizes, surgiu também uma nova estrutura legal, na qual as
divisões de P&D passaram a constituir subsidiárias das operadoras. Esta nova
estrutura legal foi implantada no grupo Telefonica em 1998 e, mais
recentemente, em 2001, na Telecom Itália e na BT. Outro caso interessante é o
da Deutshe Telekom, que em 1999 criou uma subsidiária de P&D independente
(T-Nova)37, paralelamente à manutenção de seus dois departamentos internos
de P&D (Innovation & Management e Development Department of T-Movil)
(Pouillot e Puissochet, 2002).
Cabe destacar que o objetivo da criação de tais subsidiárias não está
ligado à transformação das atividades de P&D em centros lucrativos, mas sim à
busca pelo aumento da visibilidade destas atividades. A maioria das operadoras
ressalta que a criação das subsidiárias de P&D, ao contrário de estar voltada
para a obtenção de lucros com atividades de P&D, está ligada à possibilidade de
contribuir para a lucratividade das unidades de negócio (Pouillot e Puissochet,
2002).
Como já foi discutido, as atividades de P&D de longo prazo não estão
mais presentes nas agendas de pesquisa dos centros de P&D. Porém, aquelas
de médio prazo (aproximadamente dois anos) ainda contam com o
financiamento da matriz das incumbentes, o que se deve ao reconhecimento da
importância da manutenção das pesquisas de mais largo prazo para a
competitividade das operadoras. Segundo Pouillot e Puissochet, (2002), o valor
deste tipo de pesquisa varia de 10% a 30% dos orçamentos totais.
Apesar desta parcela de atividades de P&D de médio prazo, Fransman
(2002) ressalta a importância das atividades de P&D de longo prazo para a
evolução da nova indústria de Infocomunicações e o maior bem-estar para a
sociedade como um todo. Além disso, os esforços em capacitação inovativa e de
P&D são fontes importantes de competitividade e prosperidade das indústrias
37 Atualmente esta subsidiária chama-se T-Systems.
96
em geral e, dessa forma, é importante que haja estímulos para que as empresas
mantenham seus esforços. No entanto, as pressões e os incentivos que
passaram a predominar na indústria de telecomunicações após o período de
reestruturação forçaram as operadoras a utilizar tais atividades para solucionar
problemas imediatos da operadora. Este tema é especialmente relevante para
ser inserido na agenda de política pública global e dos países individualmente.
A internacionalização das atividades de P&D permanece extremamente
limitada, mas não se percebe evidência de movimentos de globalização de P&D
na indústria de telecomunicações (Fransman, 2002). Ao mesmo tempo, parece
haver um consenso a respeito das vantagens estratégicas da manutenção de
atividades de P&D no âmbito das operadoras (Pouillot e Puissochet, 2002).
Dessa forma, dada a vantagem estratégica da manutenção destas atividades, é
importante garantir incentivos para que as operadoras mantenham (ou
aumentem) seus investimentos e esforços em P&D e inovação. Isso é
especialmente importante no caso dos países em desenvolvimento que
privatizaram e internacionalizaram suas empresas incumbentes, como o Brasil.
2.5. A crise Internacional do Setor de Telecomunicações a partir de 2001
O setor de telecomunicações passou por um período de rápido
crescimento (1996 a 2001), que foi seguido por uma profunda crise a partir de
2001. A compreensão destes dois movimentos (de explosão de crescimento e
rápido declínio e crise) é fundamental para o entendimento da dinâmica da
indústria de telecomunicações na última década. Conseqüentemente, esta
discussão se faz necessária e fornece elementos importantes para a análise da
nova estrutura e configuração do setor de telecomunicações.
A crise internacional do setor de telecomunicações atingiu todos os
segmentos e camadas da indústria e teve impactos sobre praticamente todas as
empresas que operavam no setor. A perda de valor das empresas no mercado
de ações fornece a dimensão de tal crise. Em março de 2000 o valor total no
mercado de ações de todos os operadores e fornecedores de equipamentos era
97
de US$ 6.300 bilhões. Em setembro de 2001, este valor já havia caído para US$
3.800 bilhões, contabilizando uma perda de US$ 2.500 bilhões (Fransman,
2002).
A aceleração das taxas de crescimento do setor de telecomunicações
observada a partir de meados da década de 1990 reverteu-se em 2001. O preço
das ações declinou substancialmente e os lucros esperados se transformaram
em perdas para muitos dos novos entrantes do mercado de telecomunicações
(UIT, 2002), caracterizando uma crise vivida pelo setor desde o ano de 2001.
Durante a crise, da qual apenas atualmente o setor de telecomunicações
vem gradualmente se recuperando em nível mundial, várias justificativas e
explicações foram encontradas para o problema. Fransman (2002) discute, entre
outras coisas, as razões e conseqüências da crise. Para ele, o colapso do valor
das ações das empresas de telecomunicações está ligado à criação de uma
“visão consensual”, desenvolvida e difundida pelos principais agentes do setor.
Tal visão está baseada em quatro pilares (ou hipóteses): (i) o surgimento da
internet e das novas formas de organização da produção provocariam uma
explosão de demanda por meios de transmissão; (ii) as operadoras entrantes
tinham melhores condições em relação às operadoras incumbentes no processo
de concorrência; (iii) os mercados financeiros iriam financiar as novas
operadoras entrantes do mercado de telecomunicações e; (iv) os avanços da
tecnologia iriam reforçar a cadeia de expectativas que permeava as decisões do
setor de telecomunicações.
De forma geral, estas “crenças” se difundiam e tinham o efeito de
harmonizar os interesses dos investidores privados, das instituições financeiras,
dos novos operadores entrantes, dos fornecedores de equipamentos e até
mesmo dos reguladores.
No entanto, esta visão apresentou alguns problemas que somente a partir
da crise puderam ser avaliados e discutidos. Em primeiro lugar, a demanda por
meios de transmissão não cresceu tão rápido como era esperado. De acordo
com The Economist (2003), num período de quatro anos a partir do início de
1998, a rede física de fibra óptica cresceu cinco vezes. Ao mesmo tempo, os
98
avanços tecnológicos permitiram que a capacidade de transmissão de sinais em
cada fibra tivesse um aumento de cem vezes, ampliando a capacidade total de
transmissão via fibra óptica em aproximadamente quinhentas vezes. Por outro
lado, no mesmo período a demanda por meios de transmissão apenas
quadruplicou, aumento este que poderia ter sido suprido pelas redes existentes.
Estima-se que foram gastos US$ 150 bilhões com a construção de redes de
telecomunicações desnecessárias nos EUA e outros US$ 50 bilhões em outras
partes do mundo (The Economist, 2003). Isso mostra como as previsões da
indústria para o crescimento da demanda foram equivocadas e aquelas feitas
para a oferta mostraram-se superestimadas.
Em segundo lugar, outro fator que agravou a crise no setor (e está
também ligado ao excesso de oferta de meios de transmissão) foi o incremento
do número de competidores em determinados segmentos de serviços, o que
ajudou a ampliar a capacidade das redes e a oferta de serviços. Isso gerou a
redução dos preços dos serviços e, embora o crescimento da demanda pelos
serviços tenha provocado o incremento da receita total gerada em tais
segmentos, a divisão desta por um número maior de empresas significou uma
receita individual menor por firma. Exemplos destes tipos de serviços são
aqueles de voz e dados de longa distância nacional e internacional. Vale
destacar que, segundo Fransman (2002), este processo de entrada de diversas
novas operadoras em determinados segmentos foi possível graças à
especialização vertical entre as camadas I e II da indústria de Infocomunicações.
Foi a especialização vertical que levou a redução das barreiras à entrada em
alguns mercados de serviços, tornando possível assim que novas operadoras de
serviços passassem a oferecer serviços.
Para complicar ainda mais o quadro, a velocidade de crescimento da
demanda por serviços de banda larga em domicílios e pequenas empresas foi
menor do que o esperado e previsto pela visão consensual. Parte deste
problema deve-se à falta de competição na última milha, verificada em
praticamente todos os países, que decorreu do interesse das incumbentes em
manter esta “reserva de mercado” e da ausência de instrumentos regulatórios
99
efetivos e capazes de alterar esta realidade. Deve-se ainda adicionar a falta de
atrativos nos serviços de banda larga, em termos de conteúdo e aplicações,
resultantes da não-massificação, até o momento, dos serviços de acesso à
internet em alta velocidade.
Dois outros fatores externos à indústria de telecomunicações contribuíram
para a crise do setor. O primeiro foi a crise das empresas “ponto.com”, que
resultou das expectativas frustradas de massificação da internet. O segundo
fator que faz parte do conjunto de causas da crise é a reversão do ciclo de
investimentos que predominou na indústria durante o período de 1996 a 2001.
Dessa forma, o colapso nos preços das empresas, que em
aproximadamente um ano e meio levou a uma perda de valor das ações do setor
de telecomunicações de US$ 2.500 bilhões, foi conseqüência de fatores internos
e externos à indústria. De um lado, as expectativas de crescimento da demanda
implícitas na visão consensual não foram verificadas na prática e, de outro,
observou-se um crescimento espetacular da oferta de meios de transmissão e
serviços.
Todos estes fatores atingiram, inicialmente, a camada de operadoras de
serviços de telecomunicações (camada II), embora com impactos diferenciados,
de acordo com o tipo de serviço fornecido e com o tempo de operação no
mercado de telecomunicações. No caso das incumbentes, a principal
conseqüência da crise foi uma pressão para a redução das receitas e
lucratividade nos seus “core businesses”, principalmente nos segmentos de
serviços de voz de longa distância nacional e internacional. Esta pressão foi
efeito combinado da competição crescente resultante das baixas barreiras à
entrada e da entrada maciça de novas operadoras. Os avanços tecnológicos
nestes segmentos também foram relevantes, pois permitiram a ampliação
significativa de capacidade das operadoras e disponibilizaram inovações tais
como a Voz sobre IP.
Do ponto de vista das novas entrantes, aquelas que desenvolveram e
implementaram suas próprias redes sofreram as mesmas pressões que as
incumbentes. Na realidade, foi o ingresso das novas entrantes, principalmente
100
no mercado de serviços de dados corporativos e de voz de longa distância
nacional e internacional, que provocou a redução do crescimento das receitas e
da lucratividade não só das incumbentes, como também das próprias entrantes.
Vale notar que as operadoras entrantes sofreram ainda pressões
adicionais graças ao fato de muitas vezes atuarem nas áreas mais vulneráveis à
maior concorrência e à introdução das novas tecnologias, especialmente nos
serviços de dados corporativos e de voz de longa distância e internacional.
Nesse sentido, a maior diversificação de negócios das incumbentes para novas
áreas de crescimento (particularmente para o mercado de serviços móveis) deu
a elas certa vantagem sobre as operadoras entrantes, ao contrário do que previa
a visão consensual.
No caso das operadoras de telefonia móvel, o limitado número de
licenças fornecidas pelos governos e reguladores que serviram para limitar a
entrada até 2001 levou os efeitos da crise a serem menos percebidos neste
mercado. No entanto, o que agravou a situação do segmento de telefonia móvel
foi o retardo na passagem da 2,5G para a 3G, como discutido na subseção
2.4.2. Neste caso, alguns governos fizeram pressões para que as operadoras
incumbentes adquirissem licenças para operar os serviços de terceira geração
da telefonia móvel. Como os preços de tais licenças foram estabelecidos em um
patamar muito alto (no auge do processo de crescimento do valor das ações do
setor), o resultado foi o aumento significativo da dívida de algumas incumbentes,
principalmente em alguns países da Europa (Inglaterra, França e Alemanha).
Este atraso na passagem de uma geração para outra de telefonia celular
agravou os impactos negativos sobre a indústria de equipamentos de
telecomunicações. O desenvolvimento da 2,5G impediu os fornecedores de
equipamentos móveis de contar com a demanda (esperada e anunciada) pelos
novos equipamentos de 3G para impulsionar o crescimento de suas vendas.
Alternativamente, eles foram obrigados a dar continuidade ao aprimoramento
dos equipamentos de segunda geração durante o período de 1999 a 2001.
101
2.6. Conclusão
O setor de telecomunicações passou por um amplo processo de
reestruturação internacional a partir da década de 1980. Sua estrutura,
tradicionalmente baseada em monopólios estatais na prestação de serviços
(com exceção dos EUA), foi alterada e a maioria dos países buscou introduzir
concorrência no setor com diferentes graus de sucesso.
As principais forças que impulsionaram a reestruturação foram, por um
lado, as inovações tecnológicas derivadas da difusão do paradigma da
microeletrônica e a convergência com os outros segmentos do complexo
eletrônico e, por outro, as mudanças político-institucionais que levaram aos
processos de desregulamentação, liberalização e privatização das
telecomunicações.
As inovações tecnológicas fizeram com que a indústria como um todo
deixasse de ser caracterizada como um monopólio natural, permitindo a abertura
de determinados segmentos à competição. Entretanto, atualmente os
especialistas ainda discutem até que ponto determinados segmentos (como é o
caso da telefonia fixa local) deixaram de ser monopólios naturais. Cabe destacar
que as características inerentes às indústrias de rede, que tornam necessário
um forte esquema de coordenação e planejamento, permaneceram válidas
mesmo após as mudanças na estrutura do setor de telecomunicações. Neste
caso, apesar dos recentes processos de liberalização, as políticas nacionais
voltadas para a coordenação e planejamento continuam sendo importantes
mecanismos de promoção da competitividade das telecomunicações em cada
país, dadas as especificidades que marcam tal setor.
Como resultado da reestruturação, a nova indústria de telecomunicações
passou a incorporar novos agentes, muitos deles que, anteriormente, não
pertenciam ao setor. A incorporação de novos elementos, empresas e
segmentos ao setor aumentou a complexidade desta indústria. Esta nova
indústria de telecomunicações (chamada por alguns autores de indústria de
Infocomuniações), é marcada pela ascensão e crescimento de novos tipos de
102
serviços (móveis, internet, banda larga, entre outros) e, ao mesmo tempo, pelo
declínio do segmento de telefonia fixa, que era o mais importante na tradicional
indústria de telecomunicações. As novas características e a nova dinâmica do
setor de telecomunicações foram analisadas através do modelo de camadas
apresentado neste capítulo. No entanto, embora este modelo apresente
vantagens do ponto de vista do entendimento da maior complexidade da
dinâmica da indústria, existem alguns aspectos relevantes (tais como a
tendência à diluição das fronteiras entre os setores de telecomunicações e os
outros do complexo eletrônico, as novas formas de concorrência, entre outros),
que ele não é capaz de abarcar.
Nesse caso, a idéia de oligopólios de rede baseados em conhecimento
fornece uma contribuição importante para a compreensão da nova configuração
da indústria de telecomunicações. As alianças estratégicas, base dos novos
oligopólios, surgem em substituição à tradicional estrutura de oligopólio, em
virtude do aumento dos requerimentos de P&D e inovação e do crescimento da
incerteza, associados à difusão do novo paradigma da microeletrônica.
Estes oligopólios são, assim, resultado de um novo tipo de competição,
crescentemente baseado em conhecimento. Para se sustentar no novo ambiente
competitivo, as tradicionais empresas da indústria de telecomunicações foram
forçadas a enfrentar um delicado balanço entre competição e cooperação com
os outros agentes do mercado, não necessariamente provenientes do mesmo
segmento. Este aspecto está diretamente relacionado ao processo de
convergência tecnológica entre os diversos setores do complexo eletrônico e à
conseqüente fluidez das fronteiras entre diferentes setores.
As mudanças recentes no setor de telecomunicações deram origem (e
resultaram) ao surgimento de novas tecnologias e serviços. Destacaram-se
neste capítulo os serviços de telefonia celular, que vêm se expandindo
rapidamente em países desenvolvidos e em desenvolvimento, e os de banda
larga, que têm tido uma menor velocidade de difusão. Estes últimos se
constituem, cada vez mais, em um dos focos das operadoras incumbentes. Além
destes, a tecnologia de VoIP mostra-se como grande alternativa para concorrer
103
com os tradicionais serviços de voz prestados principalmente pelas
incumbentes, que possuem a “última milha”. No entanto, para que este serviço
seja disseminado, é preciso que o usuário tenha um computador conectado à
internet em banda larga. Neste caso, a difusão deste tipo de serviço em países
com grande percentual de população de baixa renda, como é o caso do Brasil,
dependerá da política adotada pelo governo e do tipo de regulamentação
adotado.
Outro importante aspecto ressaltado é que, embora a nova indústria de
telecomunicações mantenha grandes diferenças em relação à estrutura anterior
da indústria, foi possível observar neste capítulo que na maioria dos países da
OCDE, o Estado continua mantendo uma participação fundamental nas
operadoras de serviços de telecomunicações. Esta participação ocorre
diretamente, através da propriedade de capital, ou indiretamente, a partir da
manutenção de golden shares. Da mesma forma existem, nestes países,
importantes restrições à participação do capital estrangeiro no setor de
telecomunicações, em virtude de seu caráter estratégico, principalmente depois
da difusão da microeletrônica.
Com relação aos gastos em atividades de P&D na indústria de
telecomunicações, do ponto de vista da organização, os laboratórios e centros
de P&D das incumbentes, onde se concentrava a maior parte dos esforços de
P&D, passaram a operar como subsidiárias no âmbito do grupo econômico das
operadoras. Do ponto de vista do volume, ocorreu um aumento nos
investimentos em P&D das empresas fornecedoras de equipamentos de
telecomunicações, enquanto as operadoras de serviços tenderam a manter
constantes ou ampliar seus gastos em P&D. Em alguns casos, as operadoras de
serviços apresentaram uma redução em termos relativos dos gastos em
atividades de P&D, mas, em termos absolutos, tais gastos foram ampliados.
Deve-se ressaltar que, nos casos de empresas do setor de
telecomunicações que efetivamente reduziram seus gastos em P&D, esta
redução deve estar associada a um processo mais amplo de corte de custos
104
(entre estes, os gastos em P&D), e a uma tendência geral do novo regime de
acumulação.
A crise pela qual o setor passou a partir de 2001 mostrou, entre outras
coisas, que a possibilidade de operadoras entrarem num setor extremamente
dinâmico do ponto de vista tecnológico como o de telecomunicações,
aparentemente sem capacitação inovativa acumulada, é uma estratégia
dificilmente bem-sucedida. De acordo com a visão sistêmica da inovação
discutida no capítulo 1, a diminuição e/ou eliminação das atividades de P&D (e
de inovação) por parte das operadoras, incumbentes ou entrantes, se constituiu
num fenômeno de curto prazo e restrito a alguns casos isolados. A simples
disponibilidade de tecnologias no “mercado competitivo” de equipamentos de
telecomunicações não garante que operadoras de serviços possam manter-se
competitivas no setor. Mesmo para a implantação, utilização e operação de tais
equipamentos, a capacitação das operadoras entrantes ou incumbentes é
fundamental. Neste caso, as barreiras tecnológicas à entrada no setor de
telecomunicações podem ter sido reduzidas temporariamente, mas continuam
existindo atualmente, e os esforços e atividades inovativos permanecem como
fator fundamental de competitividade.
Finalmente, o capítulo demonstrou que as operadoras de serviços vêm
apresentando uma tendência geral de concentrar suas atividades de P&D em
pesquisas de curto prazo, direcionando uma parcela reduzida de recursos para
pesquisas de médio prazo (aproximadamente dois anos). No entanto, existe um
consenso no âmbito de diversos agentes da indústria quanto à importância dos
investimentos em projetos e pesquisas de P&D de maior duração, para a
sustentabilidade da competitividade das empresas do setor no longo prazo e, em
última instância, para a promoção do bem-estar da sociedade. Associado a isso,
mostrou-se que a globalização de P&D na indústria de telecomunicações não é
significativa, o que comprova que os esforços de P&D ainda estão concentrados
nos países de origem das empresas.
105
INTRODUÇÃO À PARTE EMPÍRICA DA TESE
Existem significativas semelhanças entre as estruturas produtivas
brasileira e espanhola. Todavia, verificam-se diferenças marcantes no tocante ao
desempenho econômico e aos resultados de processos de reestruturação
destes países ao longo da década de 1990. A forma pela qual foram realizadas
as privatizações do setor de telecomunicações e os resultados econômicos e
tecnológicos desses processos são exemplos de tais diferenças. Até meados
daquela década, os dois países possuíam monopólios de serviços de
telecomunicações controlados pelo Estado (no Brasil, a Telebrás, e na Espanha,
a Telefonica). No entanto, nos dois casos foram implementados processos de
reestruturação com estratégias e resultados completamente distintos, como será
discutido nesta segunda parte da tese.
O PIB espanhol tem crescido, em média, a taxas superiores às do Brasil
desde a década de 1980. No entanto, vale ressaltar que o crescimento
apresentado pela economia espanhola é relativamente alto mesmo quando
comparado à média da União Européia. De acordo com León (2003), na última
década a Espanha manteve um crescimento médio anual do PIB acima da
média da UE.
Evidentemente, não se pode deixar de mencionar a influência que a
integração na UE, a partir da segunda metade da década de 1980, teve no
desempenho da economia espanhola em geral.
Esta seção apresenta dados gerais relacionados ao desempenho
econômico recente, à estrutura produtiva, à inserção no comércio internacional e
ao sistema nacional de inovação dos dois países. Pretende-se destacar que o
Brasil e a Espanha possuem algumas características similares em termos de
estrutura produtiva. Outra importante semelhança é a relevância da participação
das empresas multinacionais nas duas economias. Na Espanha, as empresas
multinacionais, principalmente as européias, sempre tiveram um papel
importante. As multinacionais de origem espanhola surgiram no final da década
de 1980, quando a Espanha entrou para a UE e deu início a um processo de
106
reestruturação de sua economia, do qual fez parte a privatização dos
monopólios estatais que vigoravam nos setores de infra-estrutura (Sánchez
Díez, 2002a). Foram principalmente estes monopólios estatais privatizados que
se transformaram nas grandes multinacionais espanholas, e se estabeleceram
nos países da América Latina.
Cabe ressaltar que a tentativa de comparar dados gerais de dois países
apresenta algumas limitações. Tais limitações decorrem da existência de
especificidades históricas, culturais, sociais e institucionais que marcam e
influenciam a estrutura produtiva, a configuração dos sistemas nacionais de
inovação e o desempenho econômico dos países.
1. A Estrutura Produtiva Espanhola e Brasileira: Semelhanças e
Diferenças
De acordo com dados da tabela 1, em 1983 o PIB do Brasil (US$ 203,3
bilhões) era maior do que o da Espanha (US$ 162,5 bilhões). No entanto, a
partir da década de 1990, o PIB espanhol superou o brasileiro, sendo que em
2003 era aproximadamente 60% superior ao do Brasil (Banco Mundial, 2004).
Tabela 1: Evolução do PIB no Brasil e na Espanha (em US$ bilhões)
1983 1993 2002 2003
Brasil Espanha Brasil Espanha Brasil Espanha Brasil EspanhaPIB (US$ bilhões)
203,3 162,5 438,3 499,1 460,8 653,1 492,3 836,1
Fonte: Banco Mundial, 2004.
No período de 1983 a 1993, a taxa média de crescimento do PIB
espanhol foi de 3,5% ao ano, enquanto no Brasil a taxa foi de 2,4% ao ano. No
período seguinte, de 1993 a 2003, no Brasil e na Espanha as taxas médias de
crescimento do PIB foram praticamente iguais ao período anterior, de 2,3% no
Brasil e 3,4% na Espanha. Especificamente no ano de 2003, o PIB brasileiro
decresceu 0,2%, enquanto o da Espanha aumentou 2,4%.
107
As taxas de crescimento do PIB espanhol se refletiram também no maior
crescimento do PIB per capita espanhol. Como pode ser observado na tabela 2,
nos períodos de 1983 a 1993 e 1993 a 2003 o PIB per capita espanhol cresceu,
respectivamente, 3,2% e 2,8%, ao passo que o brasileiro aumentou 0,6% e 1%,
em cada período. No ano de 2002 o PIB per capita espanhol cresceu mais do
que o dobro do brasileiro (0,7% no Brasil e 1,6% na Espanha) e, em 2003, o PIB
per capita espanhol cresceu 1,9%, e o brasileiro decresceu 1,4%.
Tabela 2: Taxas de crescimento do PIB e do PIB per capita no Brasil e na Espanha (em %)
1983-1993 1993-2003
Brasil Espanha Brasil EspanhaPIB 2,4 3,5 2,3 3,4 PIB per capita
0,6 3,2 1 2,8
Fonte: Banco Mundial, 2004.
No tocante à estrutura produtiva dos dois países, verifica-se que até a
década de 1960 a agricultura tinha grande peso em ambas as economias,
representando aproximadamente um quarto do PIB. Foi a partir da década de
1950 que tanto o Brasil como a Espanha implementaram estratégias de
industrialização baseadas em processos de substituição de importações,
buscando reduzir a participação da agricultura e aumentar o peso da indústria
nas duas economias (Sequeira, 2001 e Tavares, 1982).
No entanto, a composição da estrutura produtiva dos dois países (que
pode ser observada na tabela 3) começou a se diferenciar no período mais
recente e, nas duas últimas décadas, percebe-se que a participação da
agricultura na economia espanhola tornou-se menor do que no Brasil. Por outro
lado, o peso do setor de serviços na estrutura produtiva espanhola era
relativamente maior do que no Brasil, sendo que em 2002 a participação do
setor de serviços na economia brasileira ultrapassou a da Espanha. No caso da
indústria, a participação deste setor na estrutura produtiva brasileira foi superior
à espanhola em 1983 e 1993, mas em 2002 a situação se inverteu, ficando a
108
participação do setor industrial na economia brasileira praticamente dez pontos
percentuais inferior à espanhola. No que se refere às taxas médias de
crescimento, a tabela 4 destaca que, no período de 1983 a 1993, a Espanha
apresentou taxas de crescimento maiores do que o Brasil nos três setores da
estrutura produtiva, agricultura, indústria e serviços, e que no caso da indústria a
taxa de crescimento foi quase três vezes maior do que a do Brasil. Já no período
de 1993 a 2003, as taxas de crescimento espanholas nos setores da indústria e
de serviços foram também superiores às brasileiras. Nesse período, apenas na
agricultura a taxa de crescimento brasileira superou a espanhola.
Estas taxas de crescimento mostram a disparidade na evolução da
participação dos diversos setores nas economias brasileira e espanhola.
Enquanto no Brasil o setor industrial perdeu peso no total da estrutura produtiva
(de 44% em 1983 para 20,6% em 2003) e o setor de serviços teve um aumento
de peso substancial (45,1% em 1983 para 73,5% em 2003), na Espanha a
redução do peso do setor industrial na estrutura produtiva foi bem menor (de
36,8% em 1983 para 30,1% em 2003), assim como a participação do setor de
serviços, que em 1983 era maior do que no Brasil, mas que em 2003 tornou-se
menor (66,5%).
Tabela 3: Estrutura produtiva do Brasil e da Espanha em anos selecionados (participação em %)
1983 1993 2002
Brasil Espanha Brasil Espanha Brasil Espanha Agricultura 10,9 6,4 7,6 5 5,8 3,4 Indústria 44 36,8 41,6 31,2 20,6 30,1 Serviços 45,1 56,8 50,8 63,9 73,5 66,5 Fonte: Banco Mundial, 2004.
Tabela 4: Taxas médias de crescimento anual dos setores na estrutura produtiva brasileira e espanhola em períodos selecionados
(em %) 1983-1993 1993-2003
Brasil Espanha Brasil Espanha Agricultura 2,4 3,5 3,9 0,5 Indústria 1,2 3,3 1,8 3,8 Serviços 3,0 3,7 2,5 3,3
Fonte: Banco Mundial, 2004.
109
Do ponto de vista da participação dos grupos de atividades no valor da
transformação industrial, a tabela 5 fornece os dados para o ano de 2002 para
ambos os países.
Tabela 5: Participação de grupos de atividades econômicas no valor da transformação industrial no Brasil e na Espanha em 2002
(% sobre o total) Brasil Espanha Fabricação de produtos alimentícios, bebidas e produtos do fumo 21,4 18,6 Fabricação de produtos têxteis e confecção 4,2 4,3 Couro e Calçados 2,4 1,3 Fabricação de produtos de madeira e de artigos do mobiliário e artigos de borracha 4,4 1,9 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel e edição, impressão e reprodução de gravações 6,3 6,3 Fabricação de produtos químicos e coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares, produção de álcool e fabricação de produtos de plástico 24,1 17,2 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 3,2 6,5 Metalurgia Básica 7,2 5,7 Fabricação de produtos de metal - exclusive máquinas e equipamentos 3,1 7,2 Máquinas e Equipamentos 5,8 7,7 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática, fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos e fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de comunicações 6,7 4,6 Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias e fabricação de outros equipamentos de transporte
10,5 15,3
Outros setores da Indústria de Transformação 0,7 3,4 Total 100 100
Fonte: Elaboração própria a partir de SIDRA/IBGE e do Anuário Estatístico do INE, 2004.
Estas informações mostram importantes semelhanças em alguns setores
específicos. Este é o caso, por exemplo, do setor de alimentação, bebidas e
fumo (ou tabaco), cuja participação no total da indústria espanhola é de 18,6%,
pouco inferior à do Brasil, de 21,4%. Da mesma forma, os setores têxtil e de
confecções têm participações no total da indústria espanhola e brasileira
praticamente iguais. Tais participações são, respectivamente, de 4,3% e 4,2%.
No caso de material elétrico e eletrônico, na tabela descrito como fabricação de
máquinas para escritório e equipamentos de informática, fabricação de
máquinas, aparelhos e materiais elétricos e fabricação de material eletrônico e
de aparelhos e equipamentos de comunicações, na Espanha tal participação é
110
de 4,6%, ao passo que no Brasil este grupo de atividades tem participação
superior, de 6,7% do total da indústria de transformação.
Dentre os grupos de atividades que apresentam diferenças mais
significativas em termos da sua participação no produto industrial destacam-se
as atividades fabricação de produtos químicos e coque, refino de petróleo,
elaboração de combustíveis nucleares, produção de álcool e fabricação de
produtos de plástico, cuja participação no Brasil é de 24,1% ao passo que na
Espanha é de 17,2%. Essa diferença deve-se principalmente à presença da
Petrobras, maior empresa de exploração e refino de petróleo brasileira. Além
disso, a fabricação de produtos químicos e petroquímicos é tradicionalmente
uma atividade econômica importante no Brasil. Alternativamente, no caso de
material de transporte38, descrito na tabela 5 como fabricação de máquinas para
escritório e equipamentos de informática, fabricação de máquinas, aparelhos e
materiais elétricos e fabricação de material eletrônico e de aparelhos e
equipamentos de comunicações, a participação deste grupo de atividades no
Brasil é de 10,5%, e na Espanha é de 15,3%. Esta diferença deve-se,
provavelmente, ao maior peso relativo da indústria automobilística na Espanha,
comparativamente ao Brasil.
Em suma, a comparação entre os dados sobre a estrutura industrial da
Espanha e os do Brasil permite destacar importantes semelhanças existentes
entre as duas economias. Outra informação fundamental para a comparação
entre os dois países está relacionada ao padrão de inserção das economias no
comércio internacional. Neste aspecto, vale ressaltar que o Brasil sofreu
algumas alterações em sua inserção no comércio internacional ao longo da
década de 1990 como decorrência das políticas macroeconômicas
implementadas no País. Um dos reflexos das mudanças no padrão de inserção
do Brasil no comércio internacional foi a redução de sua participação no total das
exportações mundiais, que caiu de 1,31% em meados da década de 1980 para
0,87% em 2000 (Coutinho et al., 2003).
38 O correspondente ao grupo de atividades de material de transporte na Espanha é, no Brasil, a soma do grupo de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias ao de fabricação de outros equipamentos de transporte.
111
Cabe ressaltar que a década de 1990 no Brasil foi marcada pelo
crescimento do grau de abertura comercial, que se traduziu no aumento de mais
de 104% nas trocas comerciais com o exterior, entre 1989 e 2002. No entanto,
este processo de abertura comercial (envolvendo a redução das barreiras
tarifárias e não tarifárias) foi realizado de forma muito acelerada,
comparativamente a outros países (Coutinho et al., 2003).
A concomitância da abertura comercial com a liberalização da conta de
capital no contexto de liquidez internacional na primeira metade dos anos 1990,
levou a uma sobrevalorização cambial (entre 1988 e 1996 a taxa de câmbio real
efetiva valorizou-se cerca de 21%). Esta sobrevalorização cambial influenciou a
liberalização comercial, visto que tornou as importações mais baratas e, de
forma contrária, as exportações brasileiras ficaram mais caras, perdendo
competitividade internacional. O resultado deste processo foi o incremento de
159% das importações e 76% das exportações no período de 1989 a 2002. O
saldo comercial, que em 1989 era de US$ 16 bilhões, passou para US$ 7
bilhões negativos em 1997 e 1998 (Coutinho et al., 2003). Em 1999 o câmbio
brasileiro foi desvalorizado, tornando-se a partir daí flutuante.
Alguns autores que analisam a evolução da pauta de exportações
brasileira nas duas últimas décadas (Erber, 2001 e Gonçalves, 2001) observam
que a liberalização comercial realizada no início dos anos 1990 promoveu, além
da reversão dos saldos positivos na balança comercial brasileira, uma
reespecialização da economia brasileira em produtos de menor intensidade
tecnológica39. Coutinho et al. (2003) mostram que, como resultado disso, em
2002, a pauta de exportações brasileiras estava concentrada principalmente em
commodities primárias (40,5%). Naquele mesmo ano, os produtos com média
intensidade tecnológica contavam com participação de 17,3% na pauta de
exportações do Brasil, ao passo que os produtos de alta intensidade tecnológica
eram responsáveis por 14,3%, os intensivos em trabalho e recursos naturais 39 Não se pretende aqui discutir exaustivamente as causas e os resultados das mudanças recentes no padrão de inserção da economia brasileira no comércio internacional. Pretende-se, somente, destacar os principais fatores por trás da mudança nesse padrão, com o objetivo de mostrar qual é o tipo de participação que o País tem hoje no cenário do comércio internacional. Para uma discussão mais aprofundada sobre este tema, ver: Erber (2001), Gonçalves (2001), Coutinho et al., (2003) e Kupfer (2003).
112
participavam com 11,7% e os de baixa intensidade tecnológica, com 7,8%. Os
8% restantes eram de produtos não classificados.
Gonçalves (2001) menciona ainda que a concentração da pauta de
exportações em commodities primárias representa uma regressão no padrão de
inserção do Brasil no sistema mundial de comércio. O fenômeno que ele
classifica como “reprimarização das exportações”, e que significa a crescente
participação dos produtos agrícolas no total das exportações do Brasil,
representa grande perda de competitividade internacional. Isso ocorre em função
da volatilidade dos preços e da demanda das commodities, que são
determinados por variáveis exógenas à economia nacional.
Neste contexto, apesar de a Espanha ser considerada uma das
economias menos desenvolvidas da União Européia (junto com Portugal, Grécia
e Irlanda), a análise dos dados da pauta de importação e exportação da
economia espanhola demonstra um padrão de inserção no comércio
internacional mais dinâmico do que o brasileiro, o que pode ser verificado na
tabela 6. Tal fato pode ser observado, por exemplo, a partir da comparação das
participações da categoria de produtos de máquinas e equipamentos de
transporte na pauta de exportações dos dois países. Enquanto esta participação
no Brasil é de 26,7%, na Espanha é de 41%. Isso indica que a exportação de
máquinas e equipamentos de transporte tem um peso muito maior nas
exportações da Espanha do que do Brasil. Por outro lado, o setor de máquinas e
equipamentos de transporte tem grande participação na pauta de importações
brasileira, de 43%, e também na pauta de importações espanhola, com 39,3%.
De forma geral, comparativamente à Espanha, a pauta de exportações
brasileira é mais concentrada em commodities. Neste caso, no Brasil os
produtos alimentícios e minerais e os metais têm participações de 27,5% e 8,6%,
respectivamente e, na Espanha, estas participações são menores, de 14,6% e
2,2%. Produtos químicos têm um peso maior na pauta de exportações da
Espanha (9,7%), do que na do Brasil (5,4%), embora este setor tenha uma
participação relativamente maior na estrutura produtiva brasileira do que na
113
espanhola. A exportação de combustíveis tem pesos semelhantes, sendo que na
Espanha ela participa com 3,6% das exportações totais e, no Brasil, com 2,9%.
Tabela 6: Pauta de Importações e Exportações do Brasil e Espanha em 2001
Fonte: UNCTAD, 2003.
De forma geral, existem semelhanças em alguns casos e diferenças em
outros entre as pautas de exportação e importação dos dois países, embora na
Espanha os valores das exportações e importações totais sejam
substancialmente maiores, assim como o déficit comercial. Neste aspecto, cabe
destacar que, no caso do Brasil, o ano de 2001 marca a mudança na tendência
de déficit da balança comercial, tendo esta apresentado um resultado positivo de
US$ 287 milhões em virtude das alterações na política cambial discutidas
acima40.
2. Os Sistemas Nacionais de Inovação no Brasil e na Espanha
a. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento
O setor público espanhol tem um papel fundamental no sistema de
inovação daquele país. Por um lado, ele executa projetos de pesquisa por
intermédio de universidades e institutos de pesquisa públicos. Por outro lado, o
setor público financia uma parte importante das atividades de P&D,
40 A partir de 2001, as exportações brasileiras passaram a crescer significativamente, enquanto as importações oscilaram entre uma queda significativa em 2002 e uma recuperação em 2003. Isso provocou a reversão do déficit da balança comercial brasileira observado ao longo do período de 1995 a 2000. No entanto, este aumento de exportações não alterou o padrão de especialização da pauta de exportações brasileira, que por um lado permaneceu concentrada em commodities, principalmente em produtos alimentícios e minerais e metais, e, por outro, em máquinas e equipamentos de transporte (com destaque para as exportações de aviões pela Embraer).
Total (em US$ milhões)
Produtos Alimentícios
Matérias-primas de origem agrícola
Combustíveis
Minerais e Metais
Produtos químicos
Máquinas e equipamentos de transporte
Outros produtos Manufatu-rados
Outros
Exportação 58223 27,5 4,1 3,6 8,6 5,4 26,7 21,5 2,6Brasil Importação 58510 5,8 1,4 14,4 2,9 18,1 43 14,3 0,1
Exportação 116149 14,6 1,2 2,9 2,2 9,7 41 26,7 1,7Espanha Importação 154993 10 1,8 11,2 3,1 11,2 39,3 22,4 1
114
principalmente através do Plan Nacional de Investigación, Desarrollo y
Innovación (I+D+I). A maior parte dos institutos de pesquisa e organismos
ligados às atividades de pesquisa e desenvolvimento está vinculada ao
Ministério de Ciencia y Tecnología, criado no ano de 2000 (que, em 2005, foi
incorporado no Ministério de Industria, Turismo y Comercio). Além disso, o
MCYT concentra a gestão da grande parcela dos fundos e recursos destinados a
P&D e à inovação.
O principal instrumento de atuação do governo espanhol em termos de
P&D reside no Plan Nacional de Investigación, Desarrollo y Innovación, instituído
em 1986 e executado pelo MCYT. O Plan Nacional de I+D+I é considerado
como uma ferramenta de programação das atividades de P&D financiadas pelo
Estado espanhol. Cada Plan Nacional de I+D+I tem quatro anos de duração,
sendo reprogramado a cada nova gestão do governo espanhol, podendo se
desenvolver a partir de programas nacionais, setoriais e de comunidades
autônomas (Chaminade, 1998). Atualmente, o Plan Nacional de I+D+I 2004-
2007 está em andamento, sendo o orçamento para os dois primeiros anos de
9.200 milhões de euros. É importante observar que o Plan Nacional de I+D+I
recebe também o apoio financeiro da União Européia, através dos fundos
estruturais.
Tradicionalmente no Brasil o apoio às atividades de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico nas duas últimas décadas consubstanciou-se
fundamentalmente de ações do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e de
suas agências (Financiadora de Estudos e Projetos - Finep - e Conselho
Nacional de Pesquisa - CNPq) a partir de recursos oriundos do Tesouro e de
acordos com organismos internacionais (principalmente o Banco Mundial).
Atualmente o principal instrumento de apoio a P&D, desenvolvimento
tecnológico e à inovação são os Fundos de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico
e Tecnológico, comumente chamados de Fundos Setoriais. Estes fundos foram
criados em 1999, com o objetivo de ampliar os investimentos para as atividades
de P&D e para o desenvolvimento tecnológico empresarial, bem como para
115
promover alterações na aplicação dos recursos destinados a P&D (Cassiolato et
al., 2003).
A participação do setor público brasileiro no financiamento das atividades
de P&D é muito grande, sendo o governo responsável por mais da metade dos
recursos destinados a P&D no Brasil. Ao mesmo tempo, o governo também tem
uma atuação de destaque na execução dos gastos com P&D, principalmente
quando se consideram também os gastos das universidades públicas brasileiras.
Os gráficos 3 a 6, a seguir, mostram a estrutura dos gastos em P&D da
Espanha em 2002 e do Brasil em 2000, em termos do financiamento e da
execução de tais gastos. Inicialmente, vale ressaltar que em 2002 os gastos em
atividades de P&D na Espanha tiveram um crescimento de 10,7% em relação a
2001 (Cotec, 2004).
Como pode ser observado no gráfico 6, em 2002 o governo espanhol foi
responsável pelo financiamento de aproximadamente 39% dos recursos
aplicados em P&D, enquanto as empresas financiaram 49,6% de tais recursos.
Os recursos estrangeiros representaram 6,8%41 e as entidades de ensino
superior financiaram 4,5% dos gastos em P&D (INE, 2004).
Em termos de execução, o gráfico 4 mostra que em 2002 o governo
espanhol teve participação de 15,4%, enquanto as empresas executaram 54,6%
dos gastos de P&D. As entidades de ensino superior executaram 29,8% dos
gastos, e as instituições privadas sem fins lucrativos (IPSFL) foram responsáveis
pela execução de 0,2% dos gastos. O total de gastos em P&D no ano de 2002
foi de aproximadamente 7,2 bilhões de euros, o que representa 1,03% do PIB
espanhol.
No caso brasileiro, em 2000, o governo financiou 58,4% dos recursos
destinados às atividades de P&D e executou 30,2% dos gastos em P&D. O setor
privado financiou 39,9% dos recursos para P&D e executou 39,1% de tais
gastos. As instituições de ensino superior financiaram 1,7% dos gastos em P&D
e executaram 30,6% de tais gastos. As IPSFL executaram 0,6% dos gastos em
41 De acordo com Cotec (2004), os recursos estrangeiros, que totalizam aproximadamente 500 milhões de euros, e financiam parte das atividades do Plan Nacional de I+D+I, são procedentes dos Fundos Estruturais europeus.
116
P&D. O total de gastos em P&D no Brasil em 2000 foi de US$ 11.974,2 milhões,
o que corresponde a 0,96% do PIB
(http://www.mct.gov.br/estat/ascavpp/default.htm).
.
Gráfico 3Financiamento dos Gastos em P&D na
Espanha em 2002
Governo
Empresas
Ensino Superior
Recursosestrangeiros
Fonte: INE, 2004
Gráfico 4Execução dos Gastos em P&D na Espanha
em 2002
GovernoEmpresasEnsino SuperiorIPSFL
Fonte: INE, 2004
117
Gráfico 5Financiamento dos gastos em P&D no
Brasil em 2000
GovernoEmpresasEnsino Superior
Fonte: MCT
Gráfico 6Execução dos Gastos em P&D no Brasil
em 2000
GovernoEmpresasEnsino SuperiorIPSFL
Fonte: MCT
Destaca-se dos gráficos observados acima que o setor privado espanhol
é responsável por uma parcela muito maior do financiamento e da execução dos
gastos em P&D (respectivamente 49,6% e 54,6%), quando comparado ao Brasil
(respectivamente 39,9% e 39,1%). Isso demonstra uma maior participação das
empresas espanholas nas atividades de P&D desempenhadas no país. No
Brasil, o setor público permanece como principal ator no que concerne às
atividades de P&D.
No entanto, comparativamente a outros países europeus, a participação
do setor privado espanhol na execução dos gastos em P&D ainda encontra-se
abaixo da média. Na União Européia, em 2002 o setor privado foi responsável,
118
em média, pela execução de 66% dos gastos totais em P&D, ao passo que em
países como Suíça, Finlândia e Alemanha esta participação foi superior a 70%
(Cotec, 2004).
Na tabela 7, pode-se observar a evolução dos gastos espanhóis
destinados às atividades de P&D em termos da proporção do PIB. É possível
perceber que tais gastos continuam significativamente abaixo da média da União
Européia. Em 2002, enquanto a Espanha gastou 1,03% de seu PIB em P&D, a
média dos países da UE foi de 1,99% do PIB.
Tabela 7: Evolução dos gastos em P&D como percentagem do PIB –
Espanha e União Européia
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Espanha 0,83 0,82 0,89 0,88 0,94 0,96 1,03 União Européia
1,88 1,87 1,88 1,92 1,95 1,98 1,99
Fonte: COTEC, 2004. Nesse sentido, o Plan Nacional de I+D+I tem objetivos estratégicos que
visam melhorar os indicadores do sistema de inovação espanhol, entre os quais
os gastos em P&D e inovação como proporção do PIB. Assim, pretende-se
ampliar tal indicador para 1,4% do PIB, a partir de aumentos nos recursos
orçamentários anuais de aproximadamente 10% em 2007. Objetiva-se ainda
aumentar a participação das empresas na execução dos gastos em P&D para
60% no mesmo ano (León, 2003).
A comparação da participação dos gastos em P&D no PIB no Brasil e na
Espanha aponta para mais uma semelhança entre os dois países. Tomando
como referência o ano de 2000 (onde os dados para ambos os países estão
disponíveis), percebe-se que na Espanha 0,94% do PIB foi aplicado em
atividades de P&D enquanto no Brasil este investimento foi de 0,96%. Neste
caso, a grande diferença está relacionada, de um lado, à forma como estes
gastos são financiados (no Brasil majoritariamente pelo setor público e na
Espanha majoritariamente pelo setor privado) e, de outro, à como estes gastos
são executados, bem como às principais atividades de inovação praticadas.
119
b. As atividades de inovação
A comparação entre os dados da Pesquisa sobre Inovação Tecnológica
nas Empresas do Instituto Nacional de Estatística (INE) da Espanha e os da
Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec) do IBGE no Brasil permite
observar que, em 2000, as taxas de inovação dos dois países eram muito
próximas: 0,64% no Brasil e 0,59% na Espanha.
No entanto, a análise da estrutura dos gastos em inovação no Brasil e na
Espanha (que pode ser observada nos gráficos 7 e 8), registra algumas
diferenças importantes relacionadas à composição dos referidos gastos. Pode-
se observar que a participação dos gastos com atividades de P&D interno e
externo no total dos gastos em inovação do setor produtivo espanhol é bem
maior (30,8% e 9,5%, respectivamente) comparativamente àquela do setor
produtivo brasileiro (16,7% e 2,8%, respectivamente). Percebe-se ainda que
mais da metade dos gastos com inovação (52,2%) são dedicados à aquisição de
máquinas e equipamentos no Brasil, ao passo que no caso da Espanha esta
participação é de 41,3%.
As participações da aquisição de outros conhecimentos externos,
treinamento e introdução das inovações tecnológicas no mercado no total dos
gastos com inovação são relativamente semelhantes nos dois países, ao passo
que os gastos do Brasil com projeto industrial e outras preparações técnicas é
relativamente maior do que na Espanha (14,8% e 5,3% respectivamente).
120
Gráfico 7Estrutura de Gastos em Atividades de
Inovação - Brasil, 2000
P&D Int
P&D Ext
Conhec Ext
Maq e Equip
Treinamento
mercado
Projeto
Fonte: Pintec, 2002 Nota: Pesquisa e Desenvolvimento interno (P&D Int) Pesquisa e Desenvolvimento externo (P&D Ext) Conhecimentos externos (Conhec Ext) Máquinas e equipamentos (Maq e Equip)
Gráfico 8Estrutura de Gastos em Atividades de
Inovação - Espanha, 2000
P&D Int
P&D Ext
Conhec Ext
Maq e Equip
Treinamento
mercado
Projeto
Fonte: INE Nota: Idem
Os dados analisados demonstram que, embora os dois países possuam
estruturas de gastos em inovação relativamente semelhantes, a participação dos
gastos em P&D sobre vendas nos setores mais dinâmicos é maior na Espanha
do que no Brasil, como ocorre principalmente no setor de equipamentos de
telecomunicações (número 5 do gráfico 9), entre outros. Este setor é estratégico
e as atividades de inovação de forma geral e de P&D são fundamentais para o
aumento da competitividade. Enquanto as atividades internas de P&D deste
121
setor no Brasil totalizam 1,75% das vendas, na Espanha esta participação é de
3,90%.
Gráfico 9: Gastos em atividades de inovação sobre vendas em setores selecionados – Brasil e Espanha (2000)
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
4,50
1 2 3 4 5 6 7 8 9
BrasilEspanha
Fonte: Elaboração própria com base em Pintec (2003) e INE Obs.: 1 - Máquinas e equipamentos; 2 - Máquinas de escritório e informática; 3 - Máquinas, aparelhos e material elétricos; 4 - Material eletrônico básico; 5- Equipamentos de comunicações; 6– Instrumentação; 7- Veículos automotores, reboques e carrocerias; 8 - Outros transportes e; 9 - Produtos diversos
Os outros principais setores nos quais os gastos de P&D sobre vendas na
Espanha são significativamente maiores em relação ao Brasil são: têxteis e
vestuário, borracha e plástico, farmacêutica, metalurgia e material eletrônico
básico. Já os gastos em atividades de P&D sobre vendas no Brasil ultrapassam
122
aqueles da Espanha principalmente nos setores de produtos siderúrgicos e
máquinas, aparelhos e material elétrico (Pintec, 2003 e INE).
Em síntese, a comparação entre dados do Brasil e da Espanha
demonstra que, apesar de ambos os países apresentarem importantes
similaridades em termos da sua estrutura produtiva e de seus indicadores de
esforço inovativo, verificam-se também diferenças significativas seja em termos
de seus padrões de inserção externa ou da composição dos gastos em
inovação. Tais diferenças devem ser creditadas, por um lado, às especificidades
históricas, culturais e institucionais de cada país e, por outro lado, são resultado
da adoção de distintas políticas pelos governos espanhol e brasileiro,
principalmente a partir do final da década de 1980.
A importância e os impactos das políticas de desenvolvimento industrial e
tecnológico adotadas pela Espanha e pelo Brasil desde o fim da década de 1980
e ao longo da década seguinte, principalmente no que diz respeito ao processo
de reestruturação do setor de telecomunicações, serão discutidos nos capítulos
a seguir.
123
CAPÍTULO 3: O processo de reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro: histórico, desenvolvimento e principais
resultados 3.1. Introdução
Este capítulo tem como objetivo apresentar as principais características
do processo de reestruturação do setor de telecomunicações no Brasil, tanto do
ponto de vista da indústria de serviços de telecomunicações, como do segmento
fabricante de equipamentos. Para isso, além desta introdução, o capítulo tem
início com a caracterização e o histórico da constituição do setor de
telecomunicações no Brasil, dos anos 1960 ao final dos anos 1980, incluindo
três subseções. A primeira, 3.2.1, discute a criação da Telebrás, a segunda
descreve a política industrial e tecnológica do Ministério das Telecomunicações
no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 e seu efeito em termos do
desenvolvimento de capacitações tecnológicas e industriais. A terceira subseção
apresenta os resultados das principais mudanças estruturais no período em
análise do ponto de vista da ampliação da densidade telefônica no Brasil e dos
investimentos realizados pelo sistema Telebrás.
A seção 3.3 dedica-se à análise do processo de reestruturação das
telecomunicações no Brasil. Para o melhor entendimento destas mudanças e de
seus resultados, as transformações institucionais da década de 1990 são
separadas em dois grupos: um que está relacionado ao processo de abertura
comercial do início dos anos 1990 e outro que discute os processos de
liberalização, privatização e desregulação pós 1994, que resultaram no processo
de privatização da Telebrás.
Em seguida, na seção 3.4, apresenta-se a nova estrutura do setor de
telecomunicações no Brasil e discute-se a organização da oferta de serviços de
telecomunicações, resultante do modelo de reestruturação adotado. Além disso,
descreve-se a nova organização dos diferentes segmentos de serviços de
telecomunicações, o nível de concorrência introduzido em cada um dos
segmentos e as principais operadoras. A presença da Telefonica no processo de
124
reestruturação brasileiro é analisada mais de perto, a fim de introduzir alguns
elementos que serão retomados no capítulo 5.
Finalmente, a seção 3.5 destaca as principais conclusões do capítulo.
3.2. Caracterização e Histórico do setor de telecomunicações no Brasil dos anos 1960 ao fim dos 1980
Em meados da década de 1950, o Brasil deu início a um processo intenso
de mudança estrutural, baseado na industrialização a partir da substituição de
importações. A organização e ampliação das telecomunicações, que ocorre a
partir do início da década de 1960, estavam inseridas neste processo.
No início da década de 1960, a estrutura da oferta de serviços de
telefonia era pulverizada, organizada em aproximadamente 800
concessionárias. Havia no Brasil, porém, uma significativa concentração no
mercado de telefonia: existia pouco mais de um milhão de telefones para uma
população de mais de 70 milhões de habitantes, e 70% deste total estava
concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Este mercado era monopólio da
Companhia Telefônica Brasileira (CTB), uma empresa privada e controlada por
capital canadense. A Companhia Telefônica Nacional (CTN), também uma
empresa privada dominada por capital estrangeiro, era fornecedora de serviços
para o Rio Grande do Sul, um dos importantes estados brasileiros à época.
A indústria de equipamentos era altamente concentrada e totalmente
dependente de tecnologia estrangeira. Existiam quatro empresas subsidiárias de
multinacionais instaladas no Brasil (Ericsson, Siemens, Standard Elétrica –
SESA - e Philips), que forneciam aproximadamente 90% dos equipamentos para
o mercado brasileiro através de importações.
Naquele período, tanto a União como os Estados e Municípios tinham
competência para outorgar licenças para a exploração dos serviços de
telecomunicações. Este fato revela a inexistência de um esquema de
planejamento e coordenação centralizados, o que levava à ineficiência e
desorganização do sistema. Considerando que o setor de telecomunicações era
125
(e ainda é) organizado como uma indústria de rede, a falta de planejamento
centralizado para a expansão do sistema levava à ineficiência do setor.
Dessa forma, além do reduzido número de telefones no país, a situação
do sistema de telecomunicações era ainda agravada pela falta de coordenação,
que se manifestava, na prática, na dificuldade de comunicação entre as
diferentes operadoras presentes nos estados brasileiros.
Assim, a ausência de planejamento centralizado dava origem a um
conjunto de concessionárias com características técnicas, econômicas e
financeiras distintas. A pulverização empresarial fragilizava financeiramente a
maioria dessas concessionárias, inviabilizando a padronização dos parâmetros
técnicos e a interligação das concessionárias. Esta situação aumentava os
custos operacionais e dificultava o financiamento dos planos de expansão
(Oliveira et alli, 1999).
Paralelamente à ausência de planejamento centralizado, a questão do
financiamento também se constituía num gargalo à expansão da rede. Na
realidade, não havia mecanismos específicos de financiamento às
concessionárias nem aos fabricantes de equipamentos. Estes últimos, por sua
vez, não tinham garantias mínimas de mercado que assegurassem o
desenvolvimento de uma indústria nacional para o setor, e havia carência de
recursos humanos qualificados para a área. Por último, não havia uma
sistemática homogênea de reajustes tarifários, o que deixava as tarifas dos
serviços sujeitas a pressões locais, dificultando ainda mais a integração dos
serviços (Pessini, 1986).
3.2.1 A criação das Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás) Na década de 1960, o desenvolvimento do setor de telecomunicações
(assim como de outros setores de infra-estrutura) passou a constituir-se em
elemento necessário para a continuidade e o sucesso do processo de
industrialização. O que ocorreu no setor de telecomunicações foi parte de um
processo mais amplo, que marcou a reestruturação dos setores de infra-
126
estrutura como um todo (energia, transportes, setor financeiro, etc). Estas
iniciativas estavam inseridas numa ampla estratégia de longo prazo do governo
brasileiro (iniciada no pós-II Guerra com Getúlio Vargas, continuada com
Juscelino Kubitschek e João Goulart, bem como nos governos militares que se
seguiram ao golpe militar de 1964), voltadas para a industrialização e o
desenvolvimento econômico do país.
A fim de reestruturar e reorganizar o fornecimento de serviços de
telecomunicações, o governo, por meio da Lei 4.117 de 1962, criou o Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT) e forneceu as bases de uma política
nacional para o setor, sinalizando uma profunda reestruturação institucional. O
Código previa a formação do Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT),
cuja principal meta era a unificação e expansão da rede. A unificação do sistema
estava ligada à necessidade de padronização técnica para viabilizar a
interconexão das diferentes concessionárias. Era a inexistência de uma rede
unificada e homogênea (resultante da grande quantidade de concessionárias e
da falta de um padrão de expansão para o setor) que resultava na
impossibilidade de interconexão das redes. O resultado disso era um maior
custo de operação e a dificuldade de interligação das diversas regiões do país.
De acordo com o CBT, as operações internacionais e interurbanas seriam
feitas por uma empresa pública, a Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel), criada em 1965. O orçamento desta empresa seria composto pelas
tarifas operacionais, dotações orçamentárias e uma sobretarifa de 30% que
incidiria sobre todos os serviços de telecomunicações prestados no país, o
Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT) (Moreira, 1989).
O regime militar adotou duas medidas fundamentais para organizar o
sistema brasileiro de telecomunicações. Do ponto de vista institucional, foi criado
o Ministério das Comunicações (Minicom42) em 1967. Do ponto de vista da
organização do mercado, o governo federal comprou em 1966 a CTB, operadora
responsável pelos serviços de telefonia do Rio de Janeiro e de São Paulo.
42 O Minicom foi criado numa reforma administrativa empreendida pelo governo através do Decreto-Lei no 200/67.
127
Assim, tornou-se clara a intenção do governo: extinguir o regime de
concessões e constituir um monopólio estatal dos serviços de telecomunicações,
à semelhança do que ocorria nos países europeus de industrialização tardia.
Para isso, o poder de concedente passou à União em 1967, e o Estado deu
importantes passos em direção à intervenção e centralização das decisões no
setor de telecomunicações.
Durante o período entre a criação da Embratel (em 1965) e o início dos
anos 1970, o governo concentrou-se na expansão e modernização do sistema
de transmissão interestadual e internacional. Do lado da indústria de
equipamentos, não houve medidas diretas, mas apenas o aumento de demanda
decorrente da expansão do setor e, conseqüentemente, das encomendas à
indústria, que eram atendidas basicamente por importações. Nesse período,
ficou clara a debilidade da rede de telefonia local, que passou a constituir-se
como o gargalo do sistema. A dispersão e a diversidade de situação das
concessionárias eram um empecilho ao desenvolvimento dos serviços
interurbanos e internacionais, já que as implantações dos troncos da Embratel
não funcionariam caso os sistemas locais não tivessem condições técnicas de
serem ligados entre si.
Assim, em 1972 o Ministério das Comunicações optou pela criação de
uma instituição capaz de planejar e coordenar a expansão do SNT, bem como
de expandir os sistemas e serviços em nível nacional. A Lei 5.792/72 criou as
Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), empresa de capital misto
controlada pelo Ministério das Comunicações. A constituição da Telebrás
possibilitou o controle indireto do Minicom sobre as atividades das inúmeras
concessionárias municipais e a progressiva montagem de um verdadeiro
sistema nacional de telecomunicações. Ao mesmo tempo, os recursos do FNT,
antes direcionados para a Embratel, passaram a ser transferidos diretamente
para a Telebrás.
A estratégia para a formação da Telebrás como uma holding do sistema,
visava criar condições para o planejamento da expansão do setor e para a
redução do número de concessionárias de 800 para 22, sendo uma
128
concessionária por Estado. Esta meta foi atingida no ano seguinte, em 1973,
quando então a Telebrás passou a ter o controle acionário das empresas de
telefonia, e a exercer uma grande influência sobre a indústria de equipamentos
de telecomunicações na medida em que detinha o monopólio do poder de
compra43.
Em 1974, com o Decreto 74.379, a Telebrás passou a ser designada
“concessionária geral” para a exploração dos serviços de telecomunicações em
todo o território nacional. Nese momento, o Estado tornou-se responsável pela
exploração monopolista dos serviços no setor de telecomunicações.
Em meados daquela década, os esforços de coordenação empreendidos
pelo Minicom e a consolidação da Telebrás deixavam clara uma situação de
completa dependência tecnológica do setor de telecomunicações brasileiro em
relação ao exterior. A indústria de equipamentos era composta apenas por
subsidiárias de empresas multinacionais que importavam equipamentos e
tecnologia, e continuava a haver grande carência de recursos humanos
qualificados para a área. Além disso, as tecnologias importadas nem sempre
eram apropriadas às peculiaridades do mercado brasileiro de telecomunicações,
tais como: existência de áreas rurais com baixa densidade populacional, de
regiões longínquas com alto custo de interconexão à rede nacional e de baixa
renda per capita da população, entre outras. Esta situação evidenciava a
necessidade de o governo, junto à Telebrás, implementar esforços significativos
na área tecnológica e industrial.
3.2.2 A política industrial e tecnológica nas décadas de setenta e oitenta no Brasil: papel do Minicom e principais resultados em termos de capacitação tecnológica e industrial44
No início da década de 1970, a Telebrás iniciou um programa de P&D a
se realizar por meio de projetos conjuntos com grupos universitários, cujos
principais objetivos eram a busca de autonomia tecnológica, a formação de 43 A aquisição das concessionárias pela Telebrás foi propiciada pelos recursos do FNT. Além disso, considerando o grande número inicial de operadoras, o FNT serviu também para a realização dos investimentos necessários à unificação dos sistemas das operadoras. 44 Esta seção está baseada em Szapiro (1999).
129
recursos humanos para telecomunicações e o fortalecimento do parque
industrial nacional (Moreira, 1989). Para tanto, foi implantado na Telebrás um
Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento que desenvolvia convênios com
universidades e grupos de pesquisa. Os projetos desenvolvidos e os técnicos e
engenheiros que participavam dos programas formaram o embrião para a
constituição do sistema de inovação de telecomunicações brasileiro.
Os objetivos de capacitação tecnológica e qualificação de recursos
humanos foram fortalecidos com a criação, em 1976, do CPqD (Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás), voltado tanto para o treinamento de
pessoal como para o desenvolvimento de tecnologias específicas para a
produção de equipamentos e elementos da rede de telecomunicações. Ligado
diretamente à Telebrás, o CPqD era um laboratório de P&D que funcionou
durante muito tempo como um importante instrumento de política industrial e
tecnológica, constituindo-se num dos componentes centrais do sistema de
inovação.
Com o controle centralizado no governo federal, o poder de compra
estatal passou a ser utilizado como principal instrumento de política setorial no
desenvolvimento e organização da indústria nacional de equipamentos de
telecomunicações. Foi a concentração do poder de compra que possibilitou à
Telebrás a homogeneização técnica e de especificações dos equipamentos que,
por sua vez, permitiram a implementação de instrumentos de política industrial e
tecnológica no setor de telecomunicações.
Há que se considerar ainda que, de 1975 a 1979, o desenvolvimento do
SNT fazia parte da política de reorganização e complementação da estrutura
industrial nacional implementada pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND), cujos objetivos eram promover a autonomia tecnológica e o avanço do
processo de substituição de importações. O Plano previa ainda investimentos na
expansão dos serviços de infra-estrutura. Dentre os setores de infra-estrutura, o
de telecomunicações tornou-se foco de atenção especial, na medida em que
questões como segurança nacional e integração entre as regiões do País
130
constituíram-se em preocupações do governo, que passou a dirigir grandes
esforços para a construção e fortalecimento do SNT.
Diversas medidas foram adotadas pelo Minicom ao longo da década de
1970 com vistas à promoção da capacitação tecnológica nacional, bem como à
nacionalização da indústria de equipamentos no setor de telecomunicações45.
Os principais objetivos de tais instrumentos de política (basicamente as portarias
102/75, 661/75, 622/78 e 215/81) eram: (i) a criação do CPqD; (ii) a definição de
um modelo descentralizado de execução das atividades de desenvolvimento
tecnológico entre o CPqD, outros centros de pesquisa ligados a universidades,
empresas fabricantes e operadoras da Telebrás; (iii) o desenvolvimento local da
tecnologia de central de comutação digital (CPA-T) com investimentos da
Telebrás e início da fabricação local de centrais analógicas (CPA-E), adquirindo
os principais direitos e patentes das multinacionais (que detinham tal tecnologia);
(iv) a constituição de empresas nacionais sob o controle do capital privado; (v) a
redefinição do conceito de empresa nacional, com o objetivo de obrigar as
multinacionais a formarem joint ventures com sócio brasileiros; e (vi) a divisão do
mercado brasileiro para fins de fornecimento de centrais de comutação digitais
entre as multinacionais, com reserva de mercado para as centrais Trópico (que
serão apresentadas mais adiante.
De forma geral, com tais medidas buscava-se a diminuição da
dependência da indústria estrangeira e a criação de alternativas nacionais de
fornecedores com tecnologia desenvolvida localmente.
Apesar de ter cedido parcialmente às pressões das subsidiárias das
empresas multinacionais que operavam no Brasil em relação aos objetivos
expressos nas primeiras portarias publicadas, o governo conseguiu importantes
ganhos. A decisão de introduzir as centrais de processamento espaciais
(intermediárias entre as centrais eletromecânicas e as CPA-T) na expansão do
SNT obrigou as multinacionais a pleitearem com suas matrizes a internalização
45 Maiores detalhes sobre a política nacional de telecomunicações no Brasil podem ser encontrados em Pessini (1986 e 1993), Moreira (1989) e Hobday (1990), entre outros. Para uma discussão mais detalhada sobre o processo de desenvolvimento de capacitação tecnológica em telecomunicações no Brasil ver Szapiro (1999).
131
de etapas do processo de desenvolvimento de tecnologia das centrais de
comutação analógicas, uma vez que se tratava de um pré-requisito para fazer
parte do fornecimento de equipamentos para a Telebrás.
Nesse sentido, as ações adotadas pelo governo (principalmente as
portarias do Minicom e a utilização do poder de compra da Telebrás) levaram as
empresas subsidiárias de multinacionais que se localizavam no Brasil a
participar no processo de desenvolvimento tecnológico local, propiciando ganhos
para o sistema de inovação brasileiro46.
O conjunto de medidas adotadas viabilizou a consolidação e unificação
de uma rede nacional de telecomunicações, a constituição de uma base
produtiva nacional e o desenvolvimento local de recursos humanos e de
tecnologias de ponta para o setor de telecomunicações brasileiro. Este esforço,
implementado pelo governo nas décadas de 1970 e 1980, resultou na
constituição e no desenvolvimento do sistema de inovação de telecomunicações
brasileiro. A figura abaixo ilustra a dinâmica do sistema de inovação de
telecomunicações no período de 1977 a 1995.
Figura 1: Sistema de Inovação de Telecomunicações
(1977/1995)
Empresas operadoras
CPqD
Universidade e Indústria
Indústria
Necessidades
Produtos
Tecnologia Projetos Conjuntos
Políticas Públicas (Minicom e Telebrás)
Demandas
Fonte: Szapiro, 1999. 46 Para maiores detalhes sobre a participação das multinacionais no sistema de inovação brasileiro, ver Hobday (1984 e 1990) e Szapiro (1999).
132
A figura 1 ilustra o modelo de atuação das diversas instituições do
sistema de inovação de telecomunicações brasileiro, onde o CPqD
desempenhava um papel central. O Minicom definia as políticas e as estratégias
para o CPqD que, a partir da execução das atividades de P&D de forma
interativa com as universidades e com a indústria, desenvolvia e transferia as
tecnologias para as empresas. Além da tecnologia, o Centro transferia também
conhecimento tácito incorporado nos recursos humanos que trabalhavam no
desenvolvimento tecnológico para as empresas fabricantes dos produtos com
tecnologia do CPqD, o que facilitava o processo de difusão tecnológica. As
empresas fabricantes, por sua vez, produziam os equipamentos e vendiam para
as operadoras da Telebrás. As operadoras participavam desta rede utilizando os
equipamentos e indicando, para o CPqD, suas necessidades de manutenção e
expansão do sistema de telecomunicações.
A constituição de firmas nacionais fabricantes de equipamentos, um dos
objetivos da política de telecomunicações na década de 1970, levou à formação
de diversas pequenas e médias empresas. Em 1982, 120 empresas desta
categoria eram responsáveis por aproximadamente 17% da oferta total de
equipamentos, produzidos com tecnologia nacional ou estrangeira (Hobday,
1984).
Durante o período que vai do fim da década de 1970 até o fim dos anos
1980 todos os produtos eram desenvolvidos em conjunto pelo CPqD,
universidades, firmas locais, subsidiárias das multinacionais e operadoras da
Telebrás. Estes equipamentos tinham características adequadas às
especificidades brasileiras, tais como as condições climáticas e de tráfego
telefônico das regiões. A necessidade de baixos custos de expansão da rede
também influenciava no desenvolvimento de novas tecnologias. Os
equipamentos fabricados com tecnologia nacional tinham tratamento de
“produtos preferenciais” da Telebrás, que utilizava seu poder de compra como
garantia de mercado (Szapiro, 1999).
Ao longo dos anos 1980 e início dos 1990, a participação dos produtos
desenvolvidos localmente no mercado de equipamentos teve aumento
133
significativo. Como pode ser observado no gráfico 10, no início da década de
1980 a participação da tecnologia do CPqD no mercado nacional de
equipamentos de telecomunicações era de apenas 2,5%. A introdução e difusão
das tecnologias de telecomunicações pelo sistema de inovação brasileiro
modificou significativamente este cenário. Em 1996, após dois anos de
crescimento expressivo, a participação de produtos desenvolvidos com
tecnologia nacional no mercado nacional de telecomunicações alcançou 13,9%.
Gráfico 10: Participação dos produtos desenvolvidos localmente no total do mercado brasileiro de equipamentos de telecomunicações 1981/1996(*)
2,5
5,3
2,7 2,64,1 4,5 3,7 4,1 3,9 4,7
5,7
2,8 3,54,8
7,5
13,9
02468
101214
%
81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96
anos
(*) Esta participação foi calculada a partir do valor em dólares do mercado atendido por produtos com tecnologia CPqD dividido pelo mercado total brasileiro de equipamentos de telecomunicações Fonte: CPqD (1997).
Os resultados do esforço tecnológico brasileiro abrangem uma série de
segmentos do setor de telecomunicações. Incluem-se nestes o rádio e os
multiplexadores digitais, a comutação de pacotes de dados e o telex, as
estações terrestres de baixo custo para comunicação por satélite, entre outros.
No entanto, destacam-se entre os resultados do esforço tecnológico brasileiro as
centrais Trópico, a fibra óptica e o Telefone Público a Cartão Indutivo, que serão
examinados a seguir.
(i) O desenvolvimento da tecnologia de fibra óptica no Brasil data do início
da década de 1970. Desde 1973, o departamento de pesquisa e
desenvolvimento da Telebrás desenvolvia projetos de pesquisas na área
134
de comunicações ópticas junto com um grupo de pesquisadores do
Instituto de Física da Unicamp. Com a criação do CPqD, o
desenvolvimento da fibra óptica foi transferido para um laboratório do
Centro e, posteriormente, a tecnologia passou a ser transferida para
algumas empresas em troca de royalties.
Até o final da década de 1980 a ABC Xtal, uma empresa nacional, era a única que
produzia fibra óptica no Brasil, utilizando a tecnologia desenvolvida pelo sistema de
inovação brasileiro. Quando acabou a reserva de mercado, alguns fabricantes de
cabos ópticos passaram também a produzir as fibras, como foi o caso da Pirelli e
da Bracel (esta última foi adquirida pela Alcatel). Dentro da área de comunicações
ópticas, foram desenvolvidos ainda componentes optoeletrônicos, também
transferidos à indústria. Duas empresas licenciaram a tecnologia dos componentes
do CPqD, AsGa Microeletrônica e Avibrás, mas somente a primeira chegou a
produzi-los. A abertura comercial do início da década de 1990, entretanto, que teve
impacto negativo sobre toda a indústria de componentes nacional, levou a AsGa a
mudar sua linha de produtos. Este aspecto será analisado em detalhe mais
adiante.
(ii) O caso do Telefone Público a Cartão Indutivo (TPCI) constitui-se em outro
exemplo de sucesso do sistema de inovação, cujo desenvolvimento
tecnológico foi coordenado pelo CPqD. A tecnologia do TPCI (composta
pelo cartão indutivo, pelo sistema do telefone público e pela leitora do
telefone), que substituiu o telefone público a ficha, começou a ser
desenvolvida em 1988 e teve os primeiros protótipos testados em 1991. O
TCPI é competitivo em termos de qualidade, praticidade e custo e
constitui-se como a solução tecnológica de menor preço entre as
alternativas de telefones públicos (cartão indutivo, ficha ou chip card). A
tabela 8 mostra uma comparação entre os diferentes tipos de telefone
público. Um telefone público a moeda custava, em 1999, entre US$ 800 e
US$ 1.000, o telefone público de chip card custava entre US$ 600 e US$
700 e o telefone público a cartão magnético custava US$ 400, enquanto o
telefone público a cartão indutivo custava de R$ 400 a R$ 600 (US$ 244 a
135
R$ 366). O TP a moeda possuía maior custo de fabricação devido à sua
parte eletromecânica, enquanto os outros TPs utilizam tecnologia
eletrônica. De qualquer forma, o telefone público a cartão indutivo possuía
o menor custo de todos (Szapiro, 1999).
Tabela 8: Preços dos Telefones Públicos em 1999 (em US$)
TPs Preços a cartão indutivo 400 a 600*a cartão magnético 400a chip card 600 a 700a moeda 800 a 1.000
*Estes valores estão em Reias. Em dólares da época, estes valores passam para aproximadamente US$ 244 a 366 Fonte: BNDES, 1999.
No que tange ao preço dos acessos, o cartão indutivo também
apresentava o menor custo, como pode ser visto a partir da tabela 9. Enquanto
em 1999 o chip card sem recarga tinha um custo de US$ 0,40 e o chip card
recarregável tinha um custo de US$ 3,00, o cartão indutivo custava apenas US$
0,15.
Tabela 9: Preço Médio dos Acessos em 1999 (em US$ por cartão)
Acessos Preços chip card sem recarga 0,40chip card recarregável 3,00cartão indutivo 0,15
Fonte: BNDES, 1999
A competitividade apresentada pelo TPCI e seu baixo custo foram
responsáveis pelo aumento considerável da participação dos equipamentos com
tecnologia desenvolvida localmente no total do mercado brasileiro de
equipamentos.
(iii) O maior programa do CPqD é o de comutação digital (Trópico), que
contou com aproximadamente 40% do orçamento do Centro até os
136
primeiros anos da década de 1990 (Göransson, 1993). O principal
objetivo deste projeto era desenvolver uma tecnologia de central
telefônica digital, de alta qualidade e adequada às condições particulares
de clima e de tráfego de telefones brasileiras.
Não somente por ter sido o projeto responsável por boa parte dos
investimentos do CPqD, mas também por se constituir na tecnologia nacional
com maior impacto e difusão no setor de telecomunicações brasileiro, o Trópico
representa o produto mais importante do sistema de inovação de
telecomunicações brasileiro.
A tabela 10 fornece informações sobre a participação no mercado
brasileiro de comutação das diferentes fontes de tecnologia referentes ao ano de
1996. A participação das centrais Trópico, principal tecnologia nacional de
sistemas comutação digital no segmento de comutação pública, era de 28,7%
em 1996. Nesse mesmo ano, as principais fontes estrangeiras de tecnologia
pertenciam à Ericsson (Suécia), à NEC (Japão) e à Siemens (Alemanha).
Posteriormente à privatização, a participação das centrais Trópico no mercado
brasileiro de comutação reduziu-se, o que será discutido capítulo 5.
Tabela 10: Fontes de tecnologia de centrais de comutação no Brasil - 1996
País de Origem Tecnologia Participação (em %) Brasil Trópico 28.7 Suécia Ericsson 25.6 Japão NEC 21.1 Alemanha Siemens 17.4 Outros 7.2
Fonte: Gazeta Mercantil, 1999.
O papel da universidade foi de extrema importância no processo de
desenvolvimento das centrais Trópico. Ela se encarregou da formação de
recursos humanos, da pesquisa básica e da geração da tecnologia de produto e
processo em laboratório, função esta última desempenhada em conjunto com o
CPqD (Moreira, 1989). Além disso, coube ao CPqD, em parceria com os
fabricantes dos equipamentos, o desenvolvimento do hardware e software até o
137
nível de protótipo de acordo com os requisitos determinados pelas normas
brasileiras e internacionais e pelas empresas operadoras do sistema Telebrás.
O papel das empresas do sistema Telebrás (operadoras regionais) era o
de operar os equipamentos e definir novos requisitos para o produto, a partir dos
quais eram desenvolvidas novas versões. As empresas fabricantes de
equipamentos foram encarregadas, além da cooperação no desenvolvimento do
produto com o CPqD, da produção e do fornecimento do produto e da
manutenção e assistência técnica, utilizando equipes próprias. A execução do
projeto Trópico contou, desde o início, com a participação da Promon Eletrônica,
da Elebra Telecom e, posteriormente, da Standard Eletric (Sesa) e da SID
Telecom (do grupo Sharp). Destas, a Promon foi a empresa que mais investiu no
desenvolvimento do Trópico, sendo responsável, em 1995, por 40% das centrais
Trópico fornecidas para o Sistema Telebrás. Atualmente, a única empresa que
fabrica o Trópico é a Trópico S. A., empresa criada a partir de uma parceria
entre Promon, CPqD e Cisco.
O projeto inicial foi o Trópico C, uma pequena estação concentradora de
terminais, que utilizava um concentrador de linha47 com capacidade para 100 e
200 terminais, comportando até 640 assinantes. Posteriormente, desenvolveu-se
o Trópico R, uma central de comutação pública de pequeno porte inicialmente
com capacidade para mil terminais. Esta central foi desenvolvida para ser
utilizada em regiões rurais ou de baixa densidade e, com algumas modificações
em termos de software, passou a comportar até quatro mil assinantes.
Finalmente, da mesma família, foi desenvolvido o Trópico RA, uma
central de médio porte, inicialmente concebida para operar com até 20.000
assinantes. A entrada em operação do Trópico RA em meados de 1990 teve
grande impacto sobre o preço dos terminais (como pode ser observado no
gráfico 11) que até então eram ditados pelas filiais de multinacionais que
fabricavam centrais de médio porte com tecnologia das matrizes, como a
47 Um Concentrador de linha é um equipamento ligado a uma central de comutação que permite a concentração de um determinado número de linhas muito maior do que seria possível caso não existisse. Este tipo de equipamento é especialmente importante para um país como o Brasil, pois permite a expansão da capacidade do sistema a um custo reduzido.
138
Ericsson e a Equitel. Com isso, as fabricantes de centrais de médio porte
tiveram de baixar seus preços, o que provocou efeitos de redução sobre os
preços de outros equipamentos do mercado de comutação pública.
Gráfico 11: Preço do Terminal de Comutação Instalado
0 200 400 600 800
1000 1200
87 88 89 90 91 92 93anos
US$
Fonte: Szapiro, 1999.
De acordo com Szapiro (1999), a análise da relação custo/benefício do
desenvolvimento da tecnologia Trópico revela um resultado extremamente
positivo. Calcula-se que o programa de desenvolvimento do Trópico custou, até
meados de 1997, cerca de US$ 350 milhões, dos quais US$ 250 milhões foram
aplicados no CPqD pela Telebrás (recursos federais) e US$ 100 milhões pelas
empresas. A economia proporcionada pela redução dos preços entre 1990 e
1996 com a introdução do Trópico RA no mercado de centrais de comutação
brasileiro foi estimada em US$ 2,2 bilhões (Promon, 1997) . Isto demonstra que
a entrada em operação do Trópico viabilizou ganhos de produtividade
significativos para a Telebrás, uma vez que o custo com o programa de
desenvolvimento tecnológico de tal equipamento foi muito mais do que
compensado pela redução dos custos de aquisição das centrais de comutação.
A evolução tecnológica do Trópico deu origem a produtos competitivos
com os similares internacionais, permitindo assim uma redução contínua de
preço por terminal instalado. Pode-se dizer que as centrais Trópico competem
em termos de qualidade com as centrais de tecnologia estrangeira como as da
Ericsson, NEC e Siemens, filiais de empresas multinacionais que atuam no
mercado brasileiro.
139
O sucesso do projeto Trópico decorre, em grande medida, da política
tecnológica desenvolvida pela Telebrás e da consolidação do sistema brasileiro
de inovação de telecomunicações. As especificações iniciais, elaboradas pelo
Centro em cooperação com as operadoras, resultaram em um equipamento
totalmente adequado às necessidades e à disponibilidade de insumos do
mercado brasileiro. Desta forma, fatores como oferta e qualificação dos recursos
humanos para operação e manutenção do sistema até a escolha dos
componentes e materiais disponíveis no mercado nacional foram considerados
durante a elaboração do projeto dos equipamentos. Houve, portanto, em todas
as etapas de desenvolvimento do Trópico, uma preocupação de otimizá-lo e
adequá-lo às condições brasileiras.
3.2.3. Principais resultados das mudanças estruturais no período dos anos 1960 ao fim dos anos 1980
No período compreendido entre o início da década de 1960 (quando teve
início a formação do SNT) e meados da década de 1980, a densidade telefônica
cresceu significativamente no Brasil. Em 1960, ela era de 1,7 telefones para
cada 100 habitantes, relação que cresceu, até atingir, em 1985, 8,8 telefones
para cada 100 habitantes. O aumento se deu especialmente no período de 1972
a 1982, quando a densidade telefônica triplicou, como pode ser observado na
tabela 11, que apresenta os dados sobre a densidade telefônica no Brasil entre
os anos de 1960 e 1985. O aumento da densidade telefônica evidencia o
esforço de planejamento e investimento na expansão do setor.
Tabela 11: Densidade Telefônica no Brasil em anos selecionados Ano Densidade 1960 1,7 1972 2,4 1978 4,9 1982 7,3 1984 8,4 1985 8,8 Fonte: Pessini (1986)
140
O crescimento da densidade telefônica refletia a prioridade concedida ao
setor de telecomunicações pelas políticas públicas da década de 1970, como foi
discutido na subseção 3.2.2. Em particular, a ampliação da densidade telefônica
foi resultado direto do planejamento e constituição de uma rede integrada
nacionalmente e de altas taxas de investimento público.
Além do aumento significativo da densidade telefônica, principalmente
durante as décadas de 1970 e 1980, o principal resultado deste período foi a
constituição do sistema de inovação de telecomunicações no Brasil. As políticas
industrial e tecnológica implementadas proporcionaram a consolidação de um
parque industrial e tecnológico na área de telecomunicações.
Em particular, conforme enfatizado anteriormente, o esforço
implementado permitiu o desenvolvimento de produtos competitivos com
similares internacionais fornecidos pelas subsidiárias de multinacionais.
A expansão dos serviços de telecomunicações e a construção de
capacitações tecnológicas e industriais foram resultados da adoção da
estratégia do governo brasileiro (descrita na subseção anterior) para o
desenvolvimento do sistema nacional de telecomunicações. Assim, o governo,
por meio das políticas industrial e tecnológica, forneceu as bases para a
expansão do Sistema Nacional de Telecomunicações brasileiro. Existia no
âmbito do Ministério das Comunicações, em conjunto com a Telebrás, uma
estrutura voltada para o planejamento da expansão do sistema de
telecomunicações, justificada por tratar-se de uma indústria de rede, o que
tornava necessário um alto esforço de planejamento e coordenação. Deve-se
considerar ainda que a centralização do poder de decisão no âmbito do
Ministério de Comunicações permitiu a utilização do poder de compra estatal
como instrumento fundamental para fomentar a constituição de uma indústria
nacional de equipamentos de telecomunicações, utilizando tecnologia
desenvolvida localmente.
Além disso, a questão do financiamento, fundamental para o
desenvolvimento de um sistema de inovação (como discutido no capítulo 1),
estava equacionada em virtude de o financiamento dos investimentos no SNT
141
ser obtido a partir das tarifas cobradas na prestação de serviços (e também a
partir de empréstimos de organismos internacionais). A estrutura tarifária do
setor de telecomunicações era definida pelo Minicom, que levava em conta a
cobertura das despesas de custeio, a remuneração do capital e as necessidades
de melhoramentos e expansão dos serviços.
Os investimentos do Sistema Telebrás se mantiveram em patamares
elevados durante sua criação até o início dos anos 1980. Porém, a partir da crise
macroeconômica da primeira metade da década de 1980 até a privatização no
final da década seguinte, os investimentos se caracterizam por um duplo
movimento: queda drástica e grandes oscilações.
Os investimentos da Telebrás em termos de participação do PIB podem
ser observados na tabela 12. De acordo com as informações da tabela, no
período inicial, de 1975 a 1980, os investimentos da Telebrás atingiram 0,77%
do PIB, reduzindo-se a 0,49% ao longo da década de 198048.
Tabela 12: Investimentos da Telebrás como participação do PIB
Período Investimentos (% PIB)1975-1980 0,77 1981-1989 0,49 1990-1994 0,4 1995-1997 0,6
Fonte: Relatório GAT/Coppe/UFRJ (1998)
A redução do nível de investimentos estava ligada diretamente a dois
fatos: utilização das tarifas públicas para controle da inflação a partir de fins da
década de 1970 e restrições de financiamento externos às empresas públicas
pelos organismos internacionais (Szapiro, 1999).
Num contexto de restrições macroeconômicas e rápido crescimento da
inflação, as tarifas de telecomunicações passaram a ser sistematicamente 48 De acordo com o relatório da Coppe (1998), entre 1974 e 1982, época de formação do Sistema Telebrás, o investimento médio anual foi de R$ 4 bilhões, tendo atingido um pico de R$ 5,8 bilhões em 1976. De 1983 a 1987, o investimento médio anual caiu para R$ 3 bilhões. De 1988 a 1995, voltou a situar-se na casa dos R$ 4 bilhões. Em 1996 o investimento da Telebrás subiu para R$ 6,8 bilhões e atingiu R$ 7 bilhões em 1997. Estes últimos aumentos nos investimentos estavam ligados aos reajustes tarifários promovidos pelo governo com vistas à preparação da Telebrás para a privatização. Este aspecto será retomado na seção 3.3 a seguir.
142
subcorrigidas desde 1979, o que se refletiu em dificuldades no financiamento
dos investimentos no setor (Almeida e Crossetti, 1997). Acrescente-se ainda
que, naquele mesmo ano, em virtude das dificuldades que enfrentava na
obtenção de financiamentos externos49, o governo criou o Fundo Nacional de
Desenvolvimento (FND), cuja composição contava com os fundos existentes,
entre eles o FNT. A partir de 1981, 50% do FNT era incorporado ao FND e o
restante era aplicado nos programas setoriais, e, no ano seguinte, 100% do FNT
era direcionado para o Tesouro Nacional, para complementar o orçamento da
União. Mesmo com a extinção do FND em 1983, os recursos dos fundos
existentes destinavam-se ao Tesouro, contribuindo para uma progressiva
descapitalização do setor nos anos seguintes. Este foi um dos principais fatores
que levaram ao processo de subinvestimento da Telebrás, o que trouxe
impactos negativos sobre a qualidade dos serviços de telecomunicações no
Brasil.
Vale destacar que uma parte significativa dos investimentos da Telebrás
(e de todas as outras estatais) era feita com recursos provenientes de
organismos internacionais, principalmente do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional. Existia, desde fins da Segunda Guerra Mundial até a
primeira crise do petróleo em 1973, um excesso de liquidez internacional com
baixas taxas de juros, e durante muitos anos o governo brasileiro baseou o
processo de desenvolvimento econômico no endividamento externo50. No
49 A dificuldade para obter recursos externos decorria do segundo choque do petróleo ocorrido em 1979, que teve impactos nos anos seguintes. 50 Vale ressaltar que, após a primeira crise do petróleo, continuou existindo uma ampla oferta de recursos internacionais para empréstimos, em virtude dos petrodólares (excedentes que os países árabes passaram a acumular com o aumento dos preços do petróleo em 1973). No entanto, a conjuntura econômica internacional adversa (da qual fazia parte taxas de juros reais mais altas do que anteriormente à primeira crise do petróleo) reduzira os demandantes de crédito. As estatais brasileiras, que estavam impedidas pelo governo de recorrer ao crédito interno, junto com o governo brasileiro, passaram a ser os principais tomadores de recursos do sistema financeiro internacional, para financiar o processo de industrialização. Este fato pode ser comprovado pelo lançamento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) em 1974, que previa a utilização de empréstimos internacionais no financiamento dos programas de investimentos (Lacerda et al., 2000). Somente a partir de 1979, com o segundo choque do petróleo que provocou o aumento das taxas de juros, e com a moratória mexicana de 1982, que reduziu drasticamente os empréstimos internacionais para países em desenvolvimento, o governo brasileiro foi obrigado a reduzir a utilização de tais recursos para financiar seu processo de desenvolvimento. Esta é uma das razões para a diminuição da taxa de investimento na década de 1980 no Brasil (Castro e Souza, 1985, Lacerda et al., 2000).
143
entanto, a partir do início dos anos 1980, ocorreu uma mudança na política dos
organismos internacionais, que passaram a não mais fornecer financiamento
para as empresas públicas dos países em industrialização. Este fato teve
impacto negativo sobre as empresas públicas em geral, afetando principalmente
a expansão dos setores de infra-estrutura.
Assim, no início da década de 1990, quando o debate internacional sobre
a reestruturação do setor atingiu o Brasil, o sistema brasileiro de
telecomunicações enfrentava sérios problemas relacionados ao financiamento
dos investimentos em modernização e ampliação.
3.3. Processo de reestruturação das Telecomunicações no Brasil na
década de 1990: Abertura Comercial, Liberalização, Privatização e Regulação
Assim como na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento,
o setor de telecomunicações no Brasil passou por diversas mudanças de ordem
institucional e regulatória desde o início da década de 1990. No caso do Brasil, a
discussão de tais mudanças deve ser feita a partir da análise de dois conjuntos
distintos, visto que produziram resultados bastante diversos.
O primeiro grupo de mudanças ocorreu no começo da década de 1990,
quando o governo Collor foi eleito em 1990 e teve início o processo de abertura
comercial da economia brasileira (o que será analisado na subseção 3.3.1). O
segundo grupo de mudanças ocorreu a partir de meados da mesma década,
mais precisamente quando foram aprovadas a Lei de Concessões e a Emenda
Constitucional, e iniciou-se o processo de reestruturação, como será discutido
na subseção 3.3.2.
3.3.1. A Abertura Comercial dos anos 1990
O período que vai desde o início da década de 1980, quando houve o
esgotamento do modelo de substituição de importações, até o início da década
seguinte, é marcado pela sucessão de tentativas de implementação de políticas
econômicas de controle da inflação e de políticas industrial e tecnológica. A
144
maior parte delas, entretanto, não foi bem-sucedida, em razão do contexto
político da época.
Quando o presidente Collor assumiu o governo em 1990, as políticas
neoliberais estavam em voga na América Latina. Nesse caso, o governo optou
pela adoção de um modelo liberal, cujo pressuposto básico passava pela
redução da intervenção do Estado na economia e pela ampliação do espaço de
atuação das forças de mercado, o que seria atingido por meio de uma política de
abertura comercial e de privatizações. O lançamento da PICE (Política Industrial
e de Comércio Exterior) constituiu uma tentativa de estabelecer um novo padrão
de produção e acumulação para o País51.
Na prática, o que se verificou nesse período foi basicamente a eliminação
de barreiras tarifárias e não tarifárias em praticamente todos os setores da
economia. As políticas de competitividade (previstas na PICE) não foram
implementadas, o que deixou a indústria nacional em uma posição
extremamente frágil diante da concorrência internacional.
A política de privatização, iniciada no governo anterior, era um dos
principais vetores do governo Collor. Foi lançado o Plano Nacional de
Desestatização (PND) em 1990, tendo como agente gestor, desde então, o
BNDES. Inicialmente, as estatais privatizadas foram as da indústria extrativa e
de transformação (siderurgia, petroquímica, fertilizantes e mineração). As
empresas prestadoras de serviços públicos (a Telebrás, inclusive) só
começaram a ser privatizadas a partir de 1995, já no Governo Fernando
Henrique Cardoso, quando foi regulamentada a Lei de Concessões52. Nesse
51 A idéia básica da PICE era de que a proteção do mercado interno brasileiro, característica do modelo de desenvolvimento vigente até então, havia produzido um gap entre o Brasil e os países mais desenvolvidos (Cassiolato e Baptista, 1996). Nesse sentido, propunha-se um novo padrão de desenvolvimento baseado na progressiva e rápida liberalização comercial da economia, visando estimular a competitividade e a modernização do setor produtivo, e colocar o País numa nova trajetória de crescimento. A política de liberalização comercial seria contrabalançada pela implementação de políticas de competitividade, como forma de política industrial. Tal política era baseada na redução dos custos de investimento e de exportação, melhoria da infra-estrutura de ciência e tecnologia e recursos humanos, além de uma mudança no modelo empresarial brasileiro, que incluía a promoção da fusão e desverticalização das firmas, o desenvolvimento de um mercado de capital moderno e privatização das empresas estatais (Cassiolato e Baptista, 1996). 52 Havia um impedimento legal à entrada de agentes privados no fornecimento de serviços de telecomunicações no Brasil. A Constituição de 1988 possui um parágrafo (XI) no Art. 21 estabelecendo
145
caso, a estrutura da indústria de serviços de telecomunicações não foi alterada,
permanecendo a Telebrás como operador monopolista dos serviços.
No que tange à indústria de telecomunicações, a abertura comercial se
traduziu no fim da reserva de mercado e na entrada de novos fornecedores de
equipamentos, o que resultou num aumento da concorrência no setor. A entrada
dos novos atores, via de regra, se deu através de associações ou aquisições de
grupos nacionais. A AT&T (dos Estados Unidos) uniu-se à SID Telecom, a
Northem Telecom (Nortel, do Canadá) associou-se à Promon e a Alcatel
(francesa) adquiriu a Elebra Telecom (à época a maior fabricante nacional) e a
SESA (anteriormente pertencente à americana ITT). Com estas aquisições, a
Alcatel tornou-se a terceira maior fabricante de equipamentos no mercado
brasileiro (somente atrás da Ericsson e Siemens) e passou a ter acesso à
tecnologia do CPqD53. No entanto, apesar da redução da participação das firmas
nacionais no mercado, os principais instrumentos de política que orientavam o
setor de equipamentos - o poder de compra e de homologação dos
equipamentos da Telebrás - continuaram vigorando e incentivando a indústria
nacional.
Diante disso, considerando que as tentativas de desregulamentação da
estrutura de oferta dos serviços não avançaram até 199254, os maiores efeitos
da política econômica do governo Collor sobre o setor de telecomunicações
foram o aumento do número de fornecedores e a queda da parcela nacional da
produção de equipamentos. Deve-se ressaltar que, nos primeiros anos da
década de 1990, houve uma redução no nível de investimentos do Sistema
Telebrás, que caiu de 0,49% do PIB no período de 1981 a 1989 para 0,4% do
PIB no período de 1990 a 1994, como pode ser observado na tabela 12.
De maneira geral, embora tenha levado a uma redução das barreiras
tarifárias e não tarifárias à importação e ao aumento da participação do capital que cabia à União a exploração de diversos serviços, entre os quais os serviços telefônicos, telégrafos de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações. Como será visto adiante, tal impedimento será ultrapassado com uma emenda constitucional de 1995. 53 A Elebra produzia o Trópico e, quando foi comprada pela Alcatel, esta última passou a fabricá-los. 54 Em fins de 1992 ocorreu o impeachmant do presidente Collor, imobilizando por um período o Congresso e as medidas de política setoriais.
146
estrangeiro na indústria de equipamentos de telecomunicações, é possível
afirmar que a política econômica do início da década de 1990 teve impacto
reduzido sobre o setor de telecomunicações e, conseqüentemente, sobre a
indústria de equipamentos.
Concretamente, a abertura comercial acelerada “deixou um vazio na
política setorial anteriormente implementada, abrindo espaço para iniciativas
nem sempre coordenadas” (Pessini, 1993, p. 53). Do lado do demandante
(monopólio da Telebrás), observou-se a manutenção das barreiras técnicas à
entrada na forma da homologação dos equipamentos e da política de compras.
No entanto, o processo de abertura comercial foi combinado com a
recessão econômica que marcou fortemente o período de 1990 a 1992, e levou
a movimentos importantes na indústria de equipamentos de telecomunicações,
como mostrou a pesquisa de campo realizada pelo ECIB (Pessini, 1993).
Em primeiro lugar as empresas em geral (e principalmente as nacionais)
implementaram ajustes que se caracterizaram, basicamente, pelo corte de
pessoal e redução dos níveis hierárquicos, visando adquirir maior eficiência
gerencial e produtiva. Tal ajuste muitas vezes foi combinado com processos de
terceirização de etapas do processo de produção e operações de downsizing.
Além disso, verificou-se nas empresas grande preocupação com a qualidade e a
produtividade, o que levou à adoção de técnicas e de métodos modernos de
gestão (qualidade total e certificação ISO 9000, entre outros). O início dos anos
1990 foi marcado ainda por novos tipos de parcerias entre as empresas
nacionais e empresas estrangeiras em busca do acesso a produtos
tecnologicamente mais avançados ou não disponíveis no País e objetivando,
principalmente, a obtenção de produtos para composição de sistemas completos
de soluções.
De um modo geral, o impacto mais importante das mudanças
institucionais do período 1990-1992 sobre a indústria de equipamentos foi a
entrada de novos competidores estrangeiros que compraram empresas
nacionais (caso da Alcatel) ou de parcerias com empresas nacionais (Nortel e
AT&T). O aumento da concorrência decorrente da entrada de novos agentes no
147
mercado colocou as empresas nacionais em posição desfavorável, obrigando-
as, geralmente, a implementarem processos de reestruturação interna que
envolveram, muitas vezes, cortes nas atividades de P&D.
3.3.2. Os processos de liberalização, privatização e regulação após 1994
O alcance das medidas de liberalização só foi efetivamente sentido no
setor de telecomunicações na segunda metade dos anos 1990, após a
aprovação da Lei das Concessões e da Emenda Constitucional, ambas em
1995. A Lei de Concessões regulamentava e estabelecia critérios para a
participação do setor privado na operação das estradas, ferrovias, geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica, empresas do Sistema Telebrás,
entre outros, que até então eram operados somente pelo setor público.
A Emenda Constitucional de 1995 flexibilizou o monopólio público de
telecomunicações, eliminando definitivamente o impedimento legal à
desregulamentação dos serviços. A flexibilização do monopólio tornou possível a
exploração direta, ou mediante autorização, concessão ou permissão dos
serviços de telecomunicações por empresas privadas, nos termos da Lei a ser
aprovada no Congresso que, em 1997 materializou-se na Lei Geral de
Telecomunicações (LGT).
Embora tenham sido discutidos alguns modelos possíveis de privatização
para a Telebrás e para a nova configuração institucional do setor, o governo
optou pela fragmentação e privatização completa da Telebrás. Algumas
alternativas, prevendo a manutenção de uma das operadoras nas mãos do
Estado (Embratel, por exemplo), privatização das operadoras estaduais (em
grupos) e abertura à entrada de novas operadoras, foram discutidas, sem causar
grande repercussão sobre as decisões de governo. A lógica que guiou a
construção do modelo adotado estava muito mais ligada à necessidade de
obtenção de maior retorno financeiro no curto prazo55 do que à considerações
55 Neste ponto é interessante ressaltar que a Telebrás foi privatizada num período econômico turbulento e, por causa disso, alguns especialistas recomendavam o adiamento do processo, o que não ocorreu.
148
de caráter estratégico através dos quais se beneficiasse a produção e tecnologia
nacionais. Esta discussão sobre o modelo de reestruturação do setor de
telecomunicações será retomada no capítulo 5.
Dessa forma, a passagem de uma estrutura monopólica de mercado de
serviços para um modelo de concorrência baseou-se na privatização total da
Telebrás e na abertura do mercado de serviços para novas empresas.
Cabe destacar que a preparação da Telebrás para a privatização foi
baseada num aumento significativo dos investimentos do Sistema. De acordo
com a tabela 12, o investimento da Telebrás em termos de participação do PIB
subiu de 0,4% no período de 1990 a 1994 para 0,6% no período de 1995 a
1997. O crescimento dos investimentos da Telebrás foi possível graças aos
aumentos tarifários de 1995 e 1997, determinados pelo governo56.
De maneira geral, pode-se organizar o processo de reestruturação do
setor de telecomunicações em quatro etapas: (a) organização e abertura do
mercado de telefonia celular, baseadas na Lei Mínima das Telecomunicações;
(b) reestruturação do setor de telecomunicações, com previsão de privatização
da Telebrás e abertura do mercado a novos operadores, implementada através
da Lei Geral de Telecomunicações; (c) reorganização das operadoras da
Telebrás e definição dos regimes de prestação dos serviços de
telecomunicações, implementadas a partir do Plano Geral de Outorgas (PGO); e
(d) universalização dos serviços de telecomunicações e abertura dos diversos
segmentos de serviços às concessionárias.
(a) A organização e a abertura do mercado de telefonia celular
foram realizadas com base na Lei Mínima (Lei 9.295), aprovada em julho
de 1996, que dispunha sobre os serviços de telefonia celular da banda B,
transmissão por satélite, serviços limitados (que possibilitam a formação
de redes corporativas) e de valor adicionado. Esta lei permitiu o ingresso
56 Em fins de 1995 e início de 1997, o governo brasileiro determinou dois reajustes tarifários, incluindo a redução do subsídio cruzado, para preparar financeiramente as operadoras para a privatização. O primeiro reajuste aumentou a assinatura residencial em 513,6%, o minuto local em 63,7% e o minuto interurbano (médio) em 8,3%. O segundo reajuste incluiu aumentos de 270,4% na assinatura residencial e 136,6% no minuto local e reduções de 31,8% do minuto interurbano (médio) e 17% do minuto médio das ligações internacionais, além da diminuição média de 42% na comunicação de dados (Gazeta Mercantil, 1999).
149
de empresas privadas, porém com a obrigatoriedade de participação
majoritária de capital nacional57. A organização do mercado foi realizada a
partir da divisão do país em dez áreas, seis delas localizadas nas regiões
Sudeste e Sul e quatro nas regiões Norte e Nordeste, e a concessão para
exploração da telefonia celular foi feita por meio de licitação com duração
de quinze anos, o que rendeu ao governo mais de US$ 8,3 bilhões. Além
disso, a organização do mercado de telefonia celular incluiu, no âmbito da
Lei Mínima, a determinação de que as operadoras da Telebrás
transformassem suas unidades de negócio que operavam serviços de
telefonia celular (na banda A) em empresas independentes, para serem
privatizadas juntamente com as unidades que operam os serviços de
telefonia fixa. Desta forma, seria introduzida a concorrência no
fornecimento de serviços de telefonia celular.
(b) O principal instrumento de reestruturação do setor de
telecomunicações foi a Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472),
aprovada em julho de 1997, que substituiu o Código Brasileiro de
Telecomunicações de 196258. A LGT abarcou uma série de medidas,
incluindo a criação do órgão regulador (Agência Nacional de
Telecomunicações); a redefinição/reclassificação dos serviços de
telecomunicações; o estabelecimento das condições de interconexão e
concorrência na rede básica (longa distância e local) de
telecomunicações; a universalização dos serviços e os mecanismos de
financiamento; e a reorganização da Telebrás para a privatização.
A criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel),
agência de regulação setorial, foi prevista na LGT, com o objetivo de
controlar e coordenar as ações e responsabilidades dos operadores de
serviços. A Agência também herdou as atividades de regulação
anteriormente desempenhadas pelo Minicom. Ela foi constituída como
57 Esta ressalva é feita porque durante o processo de privatização da Telebrás não houve restrições à participação de empresas com capital majoritariamente estrangeiro. 58 O CBT dispunha sobre serviços de telecomunicações e radiodifusão, enquanto a LGT dispõe apenas sobre telecomunicações.
150
uma autarquia especial59 vinculada ao Ministério das Comunicações,
tornando-se o poder concedente (responsável pela celebração e
gerenciamento dos contratos de concessão). Além disso, as funções de
planejamento, fiscalização e normatização dos serviços de
telecomunicações passaram a ser executadas também pela agência.
Cabe ressaltar que a criação da Anatel (em novembro de 1997)
precedeu em apenas alguns meses a privatização da Telebrás (julho de
1998). Nesse caso, o aparato regulatório não estava ainda totalmente
consolidado quando da venda da Telebrás aos novos operadores, o que
deu origem a alguns conflitos, que serão analisados mais adiante no
capítulo 5.
A reclassificação dos serviços em termos da abrangência dos
interesses atendidos (coletivo e restrito) e do regime jurídico de prestação
(público e privado) feita na LGT permitiu a utilização pelo governo de
alguns critérios voltados para o cumprimento dos objetivos intrínsecos às
funções de serviço público60. Esta nova classificação viabilizou a criação
de diferentes obrigações e responsabilidades entre as empresas
concessionárias (privatizadas) e as empresas autorizadas e licenciadas
(conhecidas como espelhos e espelhinhos). Um importante exemplo
desta diferenciação são as metas de universalização estabelecidas, às
quais somente as concessionárias estão sujeitas, como será analisado a
seguir.
(c) A reorganização das operadoras da Telebrás e a definição dos
regimes de prestação dos serviços de telecomunicações foram
implementadas através do Plano Geral de Outorgas (PGO),
regulamentado por meio do decreto 2.534 em abril de 1998, e previsto na
59 O caráter especial dessa autarquia é, na verdade, uma forma de garantir independência da agência na execução de suas funções. Neste sentido, a ANATEL (que formalmente é um órgão ministerial) é administrativamente independente e financeiramente autônoma (contando com recursos do FISTEL - Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), e não está subordinada hierarquicamente a nenhum órgão do governo. 60 A diferenciação implica basicamente que, quando a empresa obtém uma concessão, ela deve respeitar as regras do regime jurídico público, enquanto as empresas que obtiverem uma autorização respeitarão as regras do regime jurídico privado.
151
LGT. O PGO estabeleceu que o Serviço Telefônico Fixo Comutado
(STFC)61 deveria ser prestado tanto no regime jurídico público como
privado. O País foi dividido em áreas, nas quais foram estabelecidos o
número de prestadoras, os prazos de vigência e os prazos para admissão
de novas prestadoras.
O PGO definiu ainda uma nova organização das operadoras da
Telebrás, transformando-as em três empresas regionais de telefonia fixa
(Telesp, Tele Centro-Sul e Tele Norte-Leste), uma nacional também de
telefonia fixa (Embratel) e dez empresas de telefonia celular,
correspondendo às mesmas áreas definidas anteriormente pela Lei
Mínima. As empresas foram privatizadas em julho de 1998 em um leilão
público, onde foram arrecadados aproximadamente US$ 20 bilhões. O
governo leiloou 19,26% do capital total da Telebrás, que correspondia a
51,79% das ações ordinárias, e que davam, até então, o controle de fato
da empresa ao Estado brasileiro. A reorganização das operadoras do
sistema Telebrás e os consórcios vencedores podem ser observados no
quadro 6.
61 O Serviço Telefônico Fixo Comutado é definido como “Serviço de telecomunicações que, por meio de transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia”. As modalidades de serviço telefônico fixo são: “serviço local, serviço de longa distância nacional e serviço de longa distância internacional” (PGO, art. 1, incisos 1 e 2).
152
Quadro 6: Privatização da Telebrás e Composição Acionária das novas operadoras
COMPANHIA CONSÓRCIO VENCEDOR GRUPO A Telesp (SP) - Região III Tele Brasil Sul (Telefónica, Iberdrola,
Banco Bilbao Vizcaya, Portugal Telecom, RBS) Tele Centro-Sul Solpart (Telecom Itália, Fundos de pensão (PR,SC,MS,MT,GO,AC,TO,RO,DF, RS) - Região II
e Opportunity)
Tele Norte-Leste(RJ, ES, MG, BA, AG Telecom (Andrade Gutierrez, Inepar, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA, La Fonte, Macal, Fiago, Brasil Veículos, PA, AM, RR, AP) - Região I Companhia de Seguros Aliança, BNDESPAR) Embratel - Região IV Startel Participações (MCI)
GRUPO B Telesp Celular (SP) Portelcom Participações (Portugal Telecom) Tele Sudeste Celular (RJ, ES) Telefónica (com Telefónica Internacional,
Iberdrola, NTT Mobile e Itachu) Telemig Celular Telpart (Telesystems e Fundos de Pensão) Tele Celular Sul (PR, SC) Telecom Itália/UGB
GRUPO C Tele Nordeste Celular Telecom Itália/UGB (AL, PE, PB, RN, CE, PI) Tele Leste Celular (BA, SE) Telefónica Internacional e Iberdrola Tele Centro Oeste Celular Bid AS (Splice) (DF, GO, TO, MS, MT, RO, AC) Tele Norte Celular Telpart (Telesystems e fundos de pensão) (MA, PA, AM, AP, RR)
Fonte: Melo e Gutierrez (1998).
Ao longo de 1999 e 2000, a Anatel realizou licitações para distribuir
as autorizações para a exploração dos serviços fixos comutados para as
empresas-espelhos62. No entanto, este processo de licitação demorou
mais tempo do que era esperado, na medida em que inicialmente não
houve nenhum consórcio interessado na Tele Centro-Sul. Por isso, a
Anatel acabou tendo de flexibilizar algumas das obrigações previstas
inicialmente no edital de licitação, de maneira a estimular os consórcios a
participarem. As empresas espelhos das operadoras oriundas do sistema
62 As empresas-espelho são aquelas autorizadas a concorrer com as quatro concessionárias de telefonia fixa, em cada região de prestação de serviço local e de longa distância. Estas empresas estão sujeitas ao regime jurídico privado, não sendo assim submetidas às metas de universalização.
153
Telebrás autorizadas foram: Vésper S. A. (espelho da Tele Norte-Leste),
Vésper SP S. A.63 (espelho da Telesp), Global Village Telecom - GVT
(espelho da Tele Centro-Sul) e Intelig64 (espelho da Embratel).
Em 2001, a Anatel concedeu outras licenças para operação das
empresas “espelhinhos”, nos municípios que não eram cobertos pelas
empresas espelhos. Estas empresas representam aproximadamente vinte
operadoras regionais.
(d) A universalização dos serviços de telecomunicações e a
abertura dos diversos segmentos de serviços às concessionárias foram
implementadas a partir de diversos instrumentos. Em primeiro lugar,
destaca-se, em 1998, a criação de um plano de universalização de
serviços, regulamentado através do Decreto 2.592, que deu origem ao
Plano Geral de Metas de Universalização do Serviço Telefônico
Comutado Prestado no Regime Público (PGMU). O PGMU definiu um
número de instalações telefônicas para as operadoras em regime jurídico
público, estabelecendo metas de universalização (relativas aos serviços
de telefonia fixa comutada e de telefonia pública), para cada estado da
federação, de acordo com as características sócioeconômicas locais, para
o período de 1999 a 200565. Além disso, o PGMU também dispõe sobre o
tempo máximo para atendimento à solicitação de acesso individual e
coletivo que as concessionárias deveriam cumprir, durante o período de
1999 a 2003. A cada ano, o prazo máximo de atendimento às solicitações
era reduzido. Assim, ao final de cada ano as operadoras deveriam
cumprir obrigações de expansão da rede de telefonia fixa e dos telefones
públicos em cada estado da Federação, no período estabelecido pelo
PGMU. O comprometimento das concessionárias com as metas previstas
63 Os consórcios proprietários da Vésper SP e da Vésper S.A. têm composições acionárias praticamente iguais, sendo que, quando iniciaram suas operações, ambos eram compostos pelas mesmas empresas Bell Canada, WLL International, Qualcomm e SLI Wireless. Atualmente as duas empresas pertencem à Embratel, que por sua vez tem 49,9% de seu capital com a Teléfonos de México S. A. e o restante dividido entre a Previ (5,4%), New Startel Part. Ltda (1,89%) e Outros (42,81%) (Teletime, março de 2004). 64 A Intelig era composta pela National Grid (50%), Sprint (25%) e France Telecom (25%). 65 Em 2006, quando os novos contratos de concessão deverão ser assinados pelas concessionárias, passa a vigorar um novo PGMU, com vigência de 2006 a 2025.
154
no PGMU foi garantido a partir dos contratos de concessão assinados
pelas empresas.
Tabela 13: Metas para as Concessionárias Privatizadas - 1999/2001
(em mil unidades)
1999 2000 2001 Terminais Instalados 25.100 29.000 33.000 Telefones de Uso Público 713,2 835 981,3
Fonte: PGMU (www.anatel.gov.br)
Vale ressaltar ainda a criação do PASTE (Programa de
Recuperação e Ampliação do Sistema de Telecomunicações e do
Sistema Postal) pelo Ministério das Comunicações em 1995, que
apresentava um plano de metas setoriais, e previa investimentos, entre
1995 e 2003, de R$ 75,06 bilhões66. Tal quantia deveria ser oriunda dos
setores público e privado e os investimentos distribuíam-se em programas
relativos às partes estruturais do Sistema Nacional de Telecomunicações.
O Plano de Metas de Universalização foi definido segundo os
investimentos previstos no PASTE.
Tendo em vista que as metas de universalização dos serviços
requerem altos investimentos pelas operadoras, foi previsto no arcabouço
regulatório a criação de um fundo específico para o seu financiamento67 -
o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST),
efetivamente regulamentado em outubro de 2000. Embora somente as
concessionárias devessem cumprir as metas de universalização (e por
isso somente elas poderiam ser beneficiárias do FUST), é importante
ressaltar que todas as empresas prestadoras dos serviços de interesse
coletivo (telefonia fixa) são obrigadas a contribuir com o FUST, com uma
parcela de 1% da receita operacional bruta. Sendo assim, não só as
concessionárias contribuem para o FUST, mas também as autorizadas. 66 A meta do PASTE, quando lançado em 1995, era de investimentos maiores. No entanto, foi feita uma revisão do valor em 1997, o qual foi fixado no total de R$ 75,06 bilhões. 67 Cabe ressaltar que, antes da privatização, a universalização dos serviços era financiada pelo subsídio cruzado, no qual as tarifas dos serviços mais lucrativos (interurbano e internacional) financiavam parcialmente o serviço local, estruturalmente deficitário.
155
No entanto, os recursos deste Fundo (no início de 2004
acumulados em R$ 3 bilhões) não foram ainda utilizados por nenhuma
operadora. No início de 2001, a licitação para utilização do FUST foi
suspensa pelo Tribunal de Contas da União, sob alegação de não ser
correto o fato de todas as operadoras de serviços (fixo ou móvel)
contribuírem para o Fundo, enquanto somente as operadoras de telefonia
fixa (que devem cumprir as metas de universalização) poderiam ser
beneficiadas pela sua aplicação. Neste sentido, os recursos foram
acumulados, e atualmente está em discussão novo projeto de utilização
do Fundo, sendo que, para isso, a Anatel lançou o novo Serviço de
Comunicações de Digitais (SCD). A idéia básica deste novo tipo de
serviço é que os recursos do FUST financiem a inclusão digital através da
instalação, operação e manutenção de Internet de alta velocidade (banda
larga) em escolas, bibliotecas, universidades e Institutos de Pesquisa.
Cabe destacar que, para acelerar o ritmo de universalização dos
serviços de telecomunicações, o governo estabeleceu incentivos para a
antecipação das metas. As operadoras que cumprissem suas metas de
universalização previstas para o final do ano de 2003 até o final de 2001
passariam a ter a possibilidade de prestar diferentes tipos serviços de
telecomunicações fora de sua área de concessão original. Assim, a
Telemar, a Telefonica e a Embratel foram as concessionárias que
optaram por antecipar as suas metas de universalização, enquanto a
Brasil Telecom preferiu cumprir o cronograma estabelecido para 2003
(Gutierrez e Crosseti, 2003). No caso da Telemar e da Telefonica, ambas
foram autorizadas a explorar o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC)
em todo o Brasil nas modalidades local, longa distância nacional (LDN) e
longa distância internacional (LDI). No caso da antecipação das metas da
Embratel, a empresa foi autorizada pela Anatel a explorar o Serviço
Telefônico Fixo Comutado local em todo o território nacional.
Para antecipar as metas de universalização, as concessionárias
realizaram um grande volume de investimentos, concentrado no ano de
156
2001. Este fato causou um forte crescimento da indústria de
equipamentos de telecomunicações, o que será analisado na subseção
3.4.1.
Além do PGMU, a legislação brasileira criou ainda o Plano Geral
de Metas de Qualidade (PGMQ), que estabelece as metas de qualidade a
serem cumpridas pelas prestadoras de STFC, prestados nos regimes
público e privado (concessionárias e empresas espelhos), para o período
de 1999 a 200568.
Em síntese, o processo de reestruturação do setor de telecomunicações
teve início com a aprovação da emenda constitucional em 1995, e diversas leis
formaram o novo arcabouço regulatório do mercado de telecomunicações
brasileiro. A partir daí, iniciou-se a abertura do mercado de telefonia móvel para
as novas operadoras competirem com a Telebrás, o que ocorreu com a
aprovação da Lei Mínima. Em seguida, em 1997, foram licitadas as dez
empresas para explorar os serviços de telefonia móvel na Banda B e passou a
vigorar um duopólio nas dez regiões em que o país foi dividido, dado que a
Telebrás já explorava este tipo de serviço na Banda A.
Em 1998 as operadoras de telefonia celular da Telebrás foram também
privatizadas no leilão, cujos resultados estão descritos no quadro 6. Durante os
anos de 2000 e 2001 o governo realizou os leilões das Bandas C, D e E dos
serviços móveis de telefonia. Os leilões foram seqüenciais, mas não houve
interessados na Banda C, e o governo decidiu reservá-la para licenças
posteriores ou para extensão de licenças já adquiridas (Gutierrez e Crosseti,
2003).
No Brasil, a regulação não definiu um padrão único de telefonia móvel,
sendo que as empresas operadoras da Banda A e B iniciaram suas operações
utilizando principalmente as tecnologias TDMA (Time Division Multiple Access) e 68 As metas estão classificadas em: metas de qualidade do serviço, metas de atendimento às solicitações de reparo, metas de atendimento às solicitações de mudança de endereço, metas de atendimento por telefone ao usuário, metas de qualidade para telefone de uso público, metas de informação do código de acesso do usuário, metas de atendimento à correspondência do usuário, metas de atendimento pessoal ao usuário, metas de emissão de contas e metas de modernização de rede.
157
CDMA (Code Division Multiple Access). Já as operadoras da Banda D (Oi, TIM e
Claro) escolheram a tecnologia GSM (Global System for Mobile
communications).
No mercado de telefonia fixa local, a privatização da Telebrás em 1998
deu origem a três concessionárias locais, que continuam operando praticamente
como monopólios privados em suas áreas de concessão. Além das três
operadoras locais e das empresas de celular, a privatização originou uma
empresa de âmbito nacional, prestadora de serviços de longa distância nacional
e internacional (Embratel). A partir de 2000, as três empresas regionais
passaram a competir com as empresas espelhos (e espelhinhos no caso de
alguns municípios), sem que isso tenha afetado significativamente as suas
participações de mercado.
No mercado de serviços de telefonia fixa de longa distância nacional e
internacional, a Intelig iniciou suas operações em 2000 como empresa espelho
para competir com a Embratel. A partir de 2001, algumas concessionárias de
serviços locais (Telemar e Telefonica) anteciparam suas metas de
universalização e passaram a ter autorização para operar em todos os serviços
de telecomunicações.
O processo de reestruturação do setor de telecomunicações deu origem a
uma nova estrutura na indústria de serviços, e teve impactos em termos de
introdução de concorrência entre as operadoras, universalização dos serviços e
alteração do nível de preços. Esta nova estrutura e suas principais
características serão discutidas na seção 3.4.
3.4. A nova estrutura da indústria de serviços de telecomunicações
no Brasil
Após praticamente uma década de iniciado o processo de reestruturação
das telecomunicações no Brasil, o setor de telecomunicações está configurado
de forma radicalmente diferente daquela do período de monopólio estatal.
A reestruturação resultou numa nova organização da indústria de
serviços de telecomunicações, sendo que cada segmento específico de serviços
158
possui características próprias em termos de concorrência, preços e
universalização.
Diversas novas operadoras, a maior parte com origem de capital
estrangeira, passaram a operar no mercado brasileiro de serviços de
telecomunicações. A primeira subseção descreve as principais operadoras, suas
composições acionárias e participações de mercado. Além disso, analisa-se até
que ponto o modelo de reestruturação implementado no Brasil logrou atingir
seus objetivos originais: universalização de serviços e concorrência. A subseção
seguinte destaca a presença de uma operadora em especial, a Telefonica, da
Espanha, tendo em vista a relevância de seu papel no setor de
telecomunicações brasileiro e a sua importância no âmbito deste trabalho.
3.4.1. Principais resultados do processo de reestruturação de telecomunicações: novos atores, introdução de concorrência e universalização de serviços
Logo após a privatização da Telebrás, existiam no Brasil sete empresas
de telefonia fixa, sendo quatro concessionárias oriundas da Telebrás (Embratel,
Telemar, Brasil Telecom e Telefonica) e três pequenas empresas regionais:
CTBC (empresa que opera na área do triângulo mineiro, com maioria do capital
do grupo Algar), Ceterp (empresa da Prefeitura de Ribeirão Preto adquirida pela
Telefonica) e Sercomtel (da Prefeitura de Londrina em sociedade com a Copel)
(Gutierrez e Crossetti, 2003). Para concorrer com as concessionárias, a Anatel
concedeu licenças e autorizações ao longo dos anos de 1999 e 2000 para as
empresas espelhos (Vésper SP, Vesper S.A., GVT e Intelig) e espelhinhos
(aproximadamente vinte empresas). Das quatro concessionárias originárias da
Telebrás, apenas a Telemar tinha capital de origem nacional. As outras três
empresas (Telefonica, Brasil Telecom e Embratel) eram controladas por sócios
de capital estrangeiro. Isso provocou a internacionalização dos centros de
decisão destas empresas, o que trouxe conseqüências importantes,
principalmente para a indústria nacional de equipamentos de telecomunicações,
que serão analisadas no capítulo 5.
159
No caso do mercado de telefonia móvel, a reestruturação, iniciada em
1996 e complementada com a privatização da Telebrás, resultou num oligopólio
em cada uma das dez regiões, totalizando inicialmente vinte empresas (dez
operando na banda B e dez oriundas da Telebrás operando na banda A).
Posteriormente, em 2000 e 2001, depois da realização dos leilões para as
Bandas C, D e E, o número de operadoras foi ampliado.
Os movimentos de consolidação e reorganização patrimonial do mercado
de telefonia móvel (fusões e aquisições entre as empresas) resultaram numa
configuração mais enxuta, com aproximadamente cinco grandes grupos (Vivo,
TIM, Oi, Claro e Opportunity) e duas empresas menores (CTBC celular e
Sercomtel Celular).
O modelo de reforma do setor de telecomunicações no Brasil foi
implementado com base em dois pilares: universalização de serviços e
concorrência. Neste caso, a análise da configuração atual da indústria de
telecomunicações no Brasil deve partir da avaliação do grau de atendimento da
reestruturação aos dois grandes objetivos originais do modelo.
O primeiro objetivo do modelo, a universalização dos serviços de
telecomunicações, pretendeu-se garantir através do estabelecimento de metas
de universalização no PGMU e nos contratos de concessão para todas as
concessionárias. A criação do PGMQ e o incentivo do aparato regulatório à
antecipação das metas de universalização também foram instrumentos
importantes que viabilizaram a universalização dos serviços de
telecomunicações. A tabela 14 apresenta os dados relativos ao número de
acessos fixos em serviço e ao número de acessos por cada 100 habitantes,
conhecido como densidade telefônica ou teledensidade, para o período entre
1990 e 2003. Pode-se observar o grande incremento no número de acessos em
serviço promovido após o processo de privatização em 199869, em que existiam
69 É importante considerar que o crescimento do número de acessos de telefones fixos em serviço no período imediatamente após a privatização da Telebrás também é resultado do aumento do volume de investimentos da Telebrás antes da privatização, conseqüência dos aumentos tarifários promovidos pelo governo. Em fins de 1995 e início de 1997, o governo brasileiro determinou dois reajustes tarifários, incluindo a redução do subsídio cruzado, para preparar financeiramente as operadoras para a privatização. O primeiro reajuste aumentou a assinatura residencial em 513,6%, o minuto local em 63,7% e o minuto
160
vinte milhões de linhas fixas em serviço e a densidade telefônica no Brasil era de
12,4 linhas por cada 100 habitantes. Em 2003, o número de linhas fixas em
serviço passou para 39,2 milhões, e a densidade telefônica subiu para 22,2
linhas por cada 100 habitantes.
Tabela 14: Acessos de telefonia fixa em serviço (em milhões) e Densidade Telefonica (Acessos por 100 habitantes)
Ano Acessos em serviço Densidade Telefônica
(acessos por 100 habitantes)
1990 9,4 6,5
1992 10,8 7,2
1994 12,3 8
1996 14,8 9,4
1998 20 12,4
1999 25 15,1
2000 30,9 18,6
2001 37,4 22,1
2002 38,8 22,6
2003 39,2 22,2
Fonte: Anatel
O processo de antecipação das metas de universalização pelas
operadoras foi tão importante que o grande salto em termos de número de
acessos instalados entre os anos de 2000 e 2001 (6,5 milhões de linhas
telefônicas) chama a atenção.
Entretanto, a análise do outro pilar do processo de reestruturação das
telecomunicações brasileiras, a concorrência, mostra que o modelo adotado não
foi tão bem-sucedido. Neste aspecto, deve-se ressaltar que, de acordo com
alguns autores (Tigre, 2000), é difícil estabelecer a concorrência em mercados
locais baseados somente em operadoras internacionais.
interurbano (médio) em 8,3%. O segundo reajuste incluiu aumentos de 270,4% na assinatura residencial e 136,6% no minuto local e reduções de 31,8% do minuto interurbano (médio) e 17% do minuto médio das ligações internacionais, além da diminuição média de 42% na comunicação de dados (Gazeta Mercantil, 1999).
161
Os dados sobre a participação de mercado das concessionárias e de
suas concorrentes (espelhos e espelhinhos) evidenciam uma estrutura de
mercado ainda muito concentrada nas concessionárias. Estas empresas
mantiveram forte presença no mercado local através do controle efetivo do
acesso ao usuário final (última milha), dificultando a entrada de novas
operadoras neste segmento (Gutierrez e Crossetti, 2003). Tal fato é agravado
pelo baixo interesse das operadoras em operar fora de sua área de concessão
original e pela evolução tarifária.
Isto é especialmente preocupante na medida em que o modelo de
reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro tinha como um de seus
princípios garantir a concorrência, visando à melhoria do bem-estar da
sociedade. Na medida em que o grau de concorrência fosse maior, haveria
também uma pressão para redução de preços e melhoria de qualidade. A
situação vigente no mercado de telefonia fixa, entretanto, é um oligopólio,
predominantemente constituído por operadoras com origem de capital
estrangeira (com exceção da Telemar) que mantêm participações de mercado
superior ou igual a 95% em suas respectivas áreas de concessão. Mais
especificamente, a Telemar possui 97% de participação de mercado em sua
região de concessão (região I), ao passo que a Brasil Telecom possui 95% na
sua área (região II) e a Telefonica, por sua vez, tem participação de 96% na
região III.
A evolução das tarifas no mercado de telefonia fixa é outro aspecto que
comprova o baixo nível de concorrência. As concessionárias praticaram todos os
reajustes permitidos pelos contratos de concessão, permitindo que a assinatura
residencial apresentasse uma alta acumulada de 137% no período de junho de
1998 a maio de 2003. Neste mesmo período a inflação, medida pelo IGP-DI, que
é o indexador das tarifas, teve uma alta acumulada de 94% (Gutierrez e
Crossetti, 2003).
O reduzido nível de concorrência entre as concessionárias locais pode
ser observado ainda a partir do baixo interesse que elas manifestaram, após a
antecipação do cumprimento das metas, na busca de novos clientes nas áreas
162
vizinhas. De acordo com Gutierrez e Crossetti (2003), isso pode ser comprovado
a partir dos altos preços oferecidos por estas empresas pelos serviços fora de
sua área de concessão.
No segmento de telefonia de longa distância nacional intra-áreas de
concessão verificou-se uma divisão do mercado entre as quatro
concessionárias. Nesse caso, a Embratel (principal empresa prestadora deste
tipo de serviço) sofreu a pressão competitiva das concessionárias locais,
Telemar, Brasil Telecom e Telefonica, que se beneficiaram de sua marca
conhecida e do controle do acesso ao assinante final para ampliar suas
participações de mercado em suas áreas de concessão em detrimento da
Embratel.
A evolução da participação das operadoras na prestação de serviços de
telecomunicações de longa distância nacional (inter e intra-regional) e
internacional podem ser observadas nas tabelas 15 e 16. No mercado de
serviços de longa distância nacional, a Embratel teve sua participação de
mercado significativamente reduzida entre os anos de 2001 e 2004 (de 41,10%
para 21%), como resultado do crescimento das participações de mercado das
concessionárias regionais (Telefonica, Telemar e Brasil Telecom). Cabe
destacar que a Intelig não conseguiu conquistar participação significativa neste
mercado (ela está incluída na classificação de “outros” e tinha, em 2004, junto a
outros pequenas operadoras, 6,8% do mercado).
Destaca-se que o resultado da entrada das concessionárias e espelhos
no mercado de serviços de longa distância foi a redução de aproximadamente
75% no preço dos serviços (Gutierrez e Crossetti, 2003). Não se pode deixar de
mencionar o fim do subsídio cruzado, utilizado durante o período da Telebrás,
como um aspecto que contribuiu para a redução dos preços destes serviços.
Já no mercado de serviços de longa distância internacional, a Intelig
ampliou sua participação no mercado de 16,3% em 2001 para 21,22% em 2003.
A Embratel, por sua vez, teve redução em sua participação neste mercado de
83,7% em 2001 para 76,48% em 2003, como pode ser observado na tabela 16.
163
Em síntese, é possível perceber que no segmento de telefonia de longa
distância nacional (principalmente intra-área de concessão, como destacado
acima) se observou o maior nível de concorrência após a abertura completa
deste mercado às concessionárias (Telemar e Telefonica em 2002 e Brasil
Telecom em 2003).
Tabela 15: Participação de mercado das concessionárias de serviços de telecomunicações no segmento de serviços de longa distância nacional
em 2001 e 2004 (em %)
LDN Empresa 2001 2004 (*)
Embratel 41,10 21
Telefonica 18,53 24,1
Telemar 17,61 26,6
Brasil Telecom 17,31 21,5
Outros 5,45 6,8
(*) estes dados referem-se a junho de 2004. Fonte: www.teleco.com.br (Anatel)
Tabela 16: Participação de mercado das empresas no segmento de serviços de telecomunicações de longa distância internacional em 2001 e
2003 (em %)
LDI Empresa 2001 2003
Embratel 83,7 76,48
Intelig 16,3 21,22
Outros 0 2,30
Fonte: www.teleco.com.br (Anatel)
Comparativamente aos segmentos de telefonia fixa, no mercado de
telefonia celular o modelo de reestruturação promoveu um ambiente de maior
concorrência entre as empresas, forçando a redução dos preços e estimulando o
aumento do número de clientes. Deve-se ressaltar, entretanto, que a evolução
tecnológica do segmento de telefonia celular, que barateou a implantação das
redes das operadoras e dos equipamentos dos usuários, também contribuiu
164
para a expansão do mercado, o aumento da concorrência e a diminuição de
tarifas.
Como conseqüência da evolução e ampliação deste mercado, atualmente
o número de linhas móveis no Brasil é maior do que o de linhas fixas, o que
pode ser observado na tabela 17.
Tabela 17: Acessos fixos instalados e celulares em operação em
julho de 2004 (em milhões de acessos)
Tipo do Acesso Quantidade
Acessos Fixos Instalados 42,25
Acessos Celulares em operação
55,24
Fonte: www.teleco.com.br
De forma geral, em dezembro de 2004, apenas três grupos tinham
presença nacional: Vivo70 (com 40% de market share), Claro71 (com 21% de
market share) e TIM72 (com 21% de market share). A Oi73, embora com uma
presença importante no mercado de telefonia móvel (11%), opera somente nos
estados da região de concessão da Telemar74. O grupo Opportunity, através de
sua participação na Telemig celular (MG) e na Amazônia celular (AM, AP, MA e
RR), opera em alguns Estados e possui 6% de market share nacional
(www.teleco.com.br). Em todos os estados do Brasil, existem pelo menos três
operadoras de telefonia celular, sendo que em dezenove deles pode-se observar
a presença de quatro operadoras. As participações de mercado das operadoras
podem ser observadas no gráfico 12.
70 A Vivo é composta majoritariamente pela Telefonica Móviles (empresa do grupo espanhol Telefonica, responsável pelas operações de telefonia móvel) e pela Portugal Telecom. 71 A Claro, controlada pela Telecom Américas, é a subsidiária da América Móvil no Brasil. A América Móvil e a Telmex (principal operadora mexicana que comprou a Embratel) formam a América Telecom, do empresário mexicano Carlos Slim. 72 A TIM é composta majoritariamente pela Telecom Itália Móviles. 73 A Oi é uma empresa com 100% do capital da Telemar Norte Leste S. A.. 74 Estes estados são: Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe.
165
Atualmente, é possível afirmar que este mercado é caracterizado por um
oligopólio em nível nacional, onde a maior operadora (Vivo) concentra mais de
40% de participação de mercado.
A entrada em operação das empresas de telefonia celular que operam
nas bandas C, D e E, o aumento da concorrência neste mercado e o elevado
valor da assinatura mensal da linha fixa levaram uma parte dos assinantes dos
serviços fixos a migrar para a telefonia móvel. O processo de migração de
assinantes da telefonia fixa para a telefonia móvel deve-se à ampla oferta de
serviços pré-pagos das operadoras móveis. A grande vantagem deste tipo de
serviço é o fato de não ser necessário o pagamento de uma assinatura mensal e
a possibilidade de utilização da linha apenas para receber ligações (ou originar
chamadas a cobrar), muitas vezes funcionando como um instrumento de
trabalho. Grande parte da população de baixa renda no Brasil tem encontrado
neste tipo de serviço uma solução para o acesso ao serviço telefônico. Em
meados de 2004, aproximadamente 80% dos acessos móveis em operação
pertenciam a planos pré-pagos (Teletime, 2004). A participação de mercado dos
celulares pré-pagos no total de linhas das diversas operadoras em setembro de
2004 pode ser observada na tabela 18.
Gráfico 12: Participação das operadoras no mercado de telefonia celular
Claro21%
TIM 21%
Outros1%
Vivo40%
OI 11%
Telemig/Amaz. 6%
166
Tabela 18: Participação de mercado dos celulares pré-pagos no total de linhas por operadora em setembro de 2004
Operadora Oi Vivo Claro TIM Telemig
e Amazonia
Total Brasil
Participação 85,5% 80% 81,40% 78%* 72,7% 79,6% Fonte: www.teleco.com.br
A migração de assinantes da telefonia fixa para a celular e a estagnação
do mercado de telefonia fixa após o período de antecipação das metas de
universalização (2001) levaram este mercado a enfrentar uma situação de crise.
Como resultado, durante o ano de 2003, o número de pedidos de desligamento
de linhas foi superior ao de pedidos de ativação (Gutierrez e Crossetti, 2003).
Estes fatos, juntamente com a crise do setor de telecomunicações
(discutida no capítulo 2) que afetou mais fortemente o Brasil a partir de 2002,
tem levado à busca pela integração entre os serviços de telefonia fixa e móvel
das operadoras. Dessa forma, determinadas empresas operadoras de telefonia
móvel buscaram adquirir empresas de telefonia fixa (caso da Claro, que
comprou a Embratel) e algumas empresas operadoras de telefonia fixa iniciaram
ou ampliaram a presença em mercados de telefonia móvel (caso da Brasil
Telecom, Telemar e Telefonica). Este movimento possibilitou às operadoras
desenvolver planos e serviços convergentes visando manter seus principais
clientes de telefonia fixa e, ao mesmo tempo, ampliar sua base de terminais
móveis.
O gráfico 13 apresenta o resultado de tais esforços, destacando a
participação de mercado de cada grupo em termos de receita líquida
proveniente dos mercados de telefonia fixa e celular. Como pode ser observado,
em dezembro de 2004 a Telefonica/Vivo é o grupo com maior participação de
mercado (com 36%), seguido pela Telemar/Oi (com 23%), pela Embratel/Claro
(com 17%), Brasil Telecom (com 13%), TIM (com 9%) e Telemig e Amazônia
Celular (com 2%).
167
Gráfico 13: Participação de mercado em termos de receita líquida da
telefonia fixa e celular
Fonte: www.teleco.com.br
3.4.2. A entrada da Telefonica no Brasil
A Telefonica é atualmente o maior grupo de telecomunicações no Brasil,
contando com 36% de participação de mercado em termos de receita líquida no
mercado de telefonia fixa e celular. O grupo, que no mercado de telefonia celular
atua em parceria com a Portugal Telecom por intermédio da empresa Vivo,
contava, em dezembro de 2004, com 42% de participação no mercado nacional
de telefonia celular, constituindo-se na maior operadora deste mercado. Além
disso, deve-se ressaltar que, no processo de privatização da Telebrás, a
Telefonica comprou a concessão para operar na região correspondente ao
mercado de maior poder aquisitivo do Brasil, o estado de São Paulo. Este fato
contribui para o domínio de parcela significativa do mercado de
telecomunicações brasileiro por esta operadora. No entanto, desde sua entrada
no Brasil, que data de 1996, diversos conflitos foram enfrentados.
A entrada da Telefonica no Brasil se deu pela compra da Companhia
Riograndense de Telecomunicações (CRT), empresa prestadora de serviços de
telecomunicações (que não fazia parte da Telebrás), pertencente ao governo do
Rio Grande do Sul. Esta aquisição ocorreu em dezembro de 1996, um ano e
168
meio antes do leilão de venda da Telebrás, no qual a Telefonica comprou a
Telesp. A Telefonica fazia parte de um consórcio internacional (liderado pela
Telefónica de España e com participação da Rede Brasil Sul de
Telecomunicações - RBS75) que comprou 35% das ações ordinárias da CRT por
R$ 681 milhões, com ágio superior a 50% sobre o preço mínimo estabelecido.
Em junho de 1998 (antes da privatização da Telebrás), o mesmo consórcio
pagou R$ 1.176 bilhão pelo controle acionário da CRT (fixa e celular)
No leilão de privatização da Telebrás, a Telefonica comprou a região III
da telefonia fixa (correspondente à Telesp), além de duas operadoras celulares:
a Tele Sudeste Celular e a Tele Leste Celular. A operação de compra da Telesp
custou à Telefonica R$ 5,78 bilhões.
Em virtude das compras efetuadas no leilão de venda da Telebrás, e de
acordo com a regulação brasileira, a Telefonica foi obrigada a vender sua
participação na CRT dentro de um prazo estabelecido em 18 meses, a partir do
leilão. A venda da CRT ocorreu somente em 2000, e a Brasil Telecom,
concessionária da região II, da qual faz parte o Rio Grande do Sul, foi a
compradora da empresa.
Com a compra da Telesp, a Telefonica consolidou seu processo de
internacionalização para a América Latina, uma vez que ela tinha presença em
diversos países na região, como será descrito no capítulo 4. Em julho de 1998,
quando a Telefonica adquiriu a Telesp, esta última correspondia a 36% das
operações da Telefonica no mundo (Carta Capital, 9/06/1999).
No entanto, a entrada da Telefonica no mercado de telecomunicações
brasileiro foi marcada por um conjunto de conflitos que levaram a um desgaste
de sua imagem naquele momento.
Em primeiro lugar, logo após a compra da Telesp, a Telefonica enviou
aos jornais um texto informativo escrito em espanhol. Dez meses depois de
iniciadas as suas operações em São Paulo, a Telefonica era líder de
reclamações no Serviço de Proteção ao Consumidor paulista. Além disso, a
75 A RBS tem participações em alguns jornais no Rio Grande do Sul, como o Zero Hora, é a afiliada da Rede Globo local e também possui canais de rádio.
169
empresa decidiu mudar de forma repentina o logotipo da operadora, impondo
aos paulistas a marca mundial da empresa, Telefónica, que na realidade contém
um erro gramatical em português76. Esta atitude teve uma repercussão bastante
negativa entre os clientes, até porque a marca Telesp tinha boa aceitação pela
população de São Paulo.
Logo após a vitória no leilão que comprou a Telesp, a operadora havia
divulgado planos de investimento para o ano de 1999 no valor de R$ 3,5 bilhões,
mas acabou investindo R$ 1 bilhão a menos do que a quantia prevista. Esta
economia foi obtida em parte com a renegociação de preços com fornecedores,
parcerias com empresas espanholas e redução de salários de funcionários
terceirizados (Carta Capital, 9/6/1999). Além disso, a operadora espanhola
manifestou a intenção de trocar todos os telefones públicos a cartão indutivo por
telefones de moedas. Os telefones de moedas, que podem ser encontrados na
Espanha, eram produzidos por uma empresa espanhola (Elasa)77, com
tecnologia desenvolvida naquele país. No entanto, a Anatel proibiu a troca dos
telefones públicos e a empresa teve de voltar atrás.
Este movimento, juntamente com outras notícias publicada à época,
indicaram que a Telefonica pretendia inicialmente trazer para o Brasil alguns de
seus fornecedores espanhóis. Como será visto no capítulo 4, faz parte da
estratégia de internacionalização da Telefonica promover a internacionalização
também de pequenas e médias empresas espanholas, por meio do aumento de
exportações e da instalação de filiais nos países onde a empresa está presente.
Entretanto, este esforço, bem-sucedido em outros países latino-
americanos que não tinham especialização ou capacitação tecnológica e
industrial no setor de telecomunicações, teve dificuldades para ser
implementado no Brasil. Alguns especialistas afirmaram na época que a “política
colonialista” da operadora não considerava a capacitação técnica dos
prestadores de serviços e da mão-de-obra que existia no Brasil (entrevista com
Marcio Wohlers, Carta Capital 9/6/1999).
76 Posteriormente, esse nome foi alterado, passando a ser usado sem o acento agudo. 77 Essa empresa se associou com a Siemens em 2002, transformado-se em Siemens-Elasa.
170
A expansão da rede da Telesp realizada após a compra pela Telefonica
também gerou diversas complicações no sistema de telecomunicações paulista.
Entre elas, destacam-se: interrupção indevida nos telefones de diversos
assinantes, ausência de informação prévia sobre mudança no número do
aparelho e descumprimento do prazo de informação por mensagem do novo
número de telefone por 60 dias. Estes problemas levaram a Anatel a multar a
Telefonica.
Finalmente, a Telefonica transferiu o serviço de call center para a Atento,
uma empresa do grupo Telefonica, responsável por este tipo de serviço. Na
época, esta operação foi questionada por analistas de investimentos brasileiros,
pois havia a possibilidade de acionistas minoritários brasileiros estarem sendo
lesados na operação.
No entanto, seis anos após a compra da Telesp, a Telefonica conseguiu
uma melhora significativa na sua imagem, contornando praticamente todos os
conflitos enfrentados desde o início de suas operações em São Paulo. A
empresa realizou um esforço de investimento considerável, não só na planta
adquirida da Telesp, como também na Vivo. Como resultado dos investimentos
efetuados para a antecipação das metas de universalização, a Telesp, que em
dezembro de 1997 (seis meses antes da privatização) tinha aproximadamente
seis milhões de acessos fixos instalados, em 2004 passou a ter
aproximadamente doze milhões de acessos fixos instalados
(www.telecomonline.com.br). Nesse caso, o número de acessos fixos instalados
praticamente dobrou em seis anos. Este fato, associado ao domínio da Vivo no
mercado de telefonia celular, destaca as empresas Telefonica e Vivo, em
conjunto, como o maior grupo em termos de receita líquida nos mercados de
telefonia fixa e celular, como pôde ser observado anteriormente no gráfico 13.
Cabe destacar que, no início de 2004, um consórcio (Calais
Participações) formado por Telefonica, Telemar e Brasil Telecom entrou na
disputa para a compra da Embratel, à época controlada pela norte americana
MCI-WorldCom, que estava passando por um processo de concordata nos EUA.
O concorrente do consórcio Calais era a Telmex, que estava oferecendo US$
171
360 milhões pela Embratel78. Com o objetivo de superar a oferta da Telmex, o
Calais fez uma proposta com um valor aproximadamente 50% superior (US$
550 milhões), diferença que se justificou em razão do reconhecimento do fato de
que a compra da Embratel pelo consórcio formado pelas três concessionárias
regionais (praticamente monopolistas em suas áreas de atuação) representar
um risco regulatório para setor de telecomunicações brasileiro.
Neste caso, o Calais garantiu que, mesmo se a Anatel e o Cade não
aprovassem a compra da Embratel por tal consórcio, a MCI-WorldCom receberia
pelo menos o valor oferecido pela Telmex (US$ 360 milhões)79. No entanto, esta
operação poderia enfrentar dificuldades para aprovação no âmbito dos órgãos
reguladores, o que levaria até dois anos.
A polêmica em torno da venda da Embratel foi grande, e houve
acusações feitas como a de formação de cartel pelas concessionárias de
telefonia local. Estas empresas garantiam, entretanto, que estavam apenas
interessadas nos clientes corporativos de fora de suas áreas de atuação e nos
satélites da Embratel. Segundo elas, a Embratel seria divida em três empresas,
e aquela composta pelo backbone, as licenças de longa distância e o serviço
local seria controlada pela Geodex, outra empresa que compunha o consórcio
Calais, junto com as concessionárias.
No entanto, no final de abril de 2004, a Polícia Federal apreendeu
documentos na Telefonica relacionados à proposta de compra da Embratel pelo
Calais que mostravam que o objetivo da compra era principalmente a eliminação
da concorrência representada pela Embratel80. Isso seria feito, caso o consórcio
ganhasse a disputa pela compra da Embratel, a partir do estabelecimento das
tarifas da Embratel num patamar suficientemente alto para que ela não mais
representasse ameaça de concorrência às operadoras fixas. Os documentos
apreendidos mostravam que existia um acordo entre as concessionárias 78 Existia ainda um consórcio liderado pela Telos, fundo de pensão dos funcionários da Embratel, interessado na compra da Embratel. 79 Na prática, se a operação não fosse aprovada até julho de 2005, o Calais complementaria qualquer proposta oferecida abaixo dos US$ 360 milhões. Neste caso, a MCI-WorldCom teria assegurados os US$ 360 milhões propostos pela Telmex. 80 Os documentos foram apreendidos no âmbito de um inquérito da Polícia Federal sobre a falência da empresa Cobra SP.
172
estabelecendo que, eliminada a concorrência da Embratel, elas poderiam reduzir
os descontos em vigor e, assim, ampliar o valor das tarifas. Isso na prática
representaria a formação de um cartel, podendo levar à redução da concorrência
no setor de telecomunicações brasileiro. Naquele momento, as denúncias à
Anatel sobre formação de cartel entre estas empresas se ampliaram.
Em 27 de abril de 2004 a Corte de Falências de Nova York decidiu pela
compra da Embratel pela Telmex, decisão esta que seria ainda submetida e
aprovada pelos órgãos reguladores brasileiros.
Neste episódio, a participação da Telefonica com outras concessionárias
locais num consórcio para a compra da Embratel, cujo objetivo final seria a
redução da concorrência no setor de telecomunicações, trouxe à tona as
dificuldades enfrentadas pelos órgãos reguladores no controle deste tipo de
iniciativa.
Os conflitos descritos acima estão ligados à forte presença, no mercado
de telecomunicações brasileiro, de operadoras internacionais com grande poder
de barganha. Os centros de decisão estratégica se deslocaram para o exterior,
na medida em que as novas operadoras têm atuação global e a estratégia do
grupo é desenhada, em geral, nos seus países de origem.
De acordo com o que foi discutido na subseção 3.4.1, o grau de
concorrência nos diversos segmentos de serviços ainda é relativamente baixo,
sendo o mercado de telefonia celular aquele em que os maiores avanços foram
obtidos, graças também à própria evolução da tecnologia. E, de forma geral,
pode-se observar que o papel e a participação das operadoras no sistema de
inovação de telecomunicações brasileiro foi substancialmente alterado e
reduzido a partir do processo de reestruturação do setor, como será discutido no
capítulo 5.
O caso específico da Telefonica no Brasil ilustra ainda o fato de que o
domínio do mercado de telecomunicações brasileiro por operadoras estrangeiras
torna necessária a presença de um órgão regulador forte, capaz de enfrentar
disputas e interesses ligados às grandes operadoras internacionais.
173
3.5. Conclusão
Este capítulo apresentou o processo de criação e desenvolvimento do
sistema de telecomunicações brasileiro. Desde a criação da Embratel (1965), e
do monopólio estatal de serviços da Telebrás (1972), a organização do setor de
telecomunicações como um monopólio estatal trouxe diversas vantagens para o
Brasil. Do ponto de vista da expansão do alcance da oferta de serviços e da
integração entre as diversas regiões do território brasileiro a partir dos serviços
de telecomunicações, o País verificou avanços substanciais graças à ação
estatal.
A partir do início da década de 1990, uma série de mudanças
institucionais passaram a ser implementadas no setor de telecomunicações. A
abertura comercial do início daquela década provocou um processo de
reestruturação na indústria de equipamentos de telecomunicações, mas não
alterou a estrutura monopólica da oferta dos serviços.
Em 1995, entretanto, com a aprovação da emenda constitucional, que
flexibilizou o monopólio público, e da Lei de Concessões, as restrições à
participação do setor privado nos setores (principalmente de infra-estrutura) até
então dominados por monopólios estatais foram extintas. Este foi o começo do
processo de reestruturação do setor de telecomunicações, que culminou com a
privatização da Telebrás e a criação de um novo arcabouço regulatório para o
setor.
Durante o processo, foram discutidas algumas alternativas em termos do
modelo de reestruturação a ser escolhido. Alguns especialistas ressaltavam a
importância de incluir na reforma instrumentos de proteção à indústria e à
tecnologia nacionais. No entanto, estes aspectos não foram considerados (ou o
foram de forma insuficiente), tendo sido percebido um forte processo de
desnacionalização na indústria de equipamentos, como será discutido no
capítulo 5.
Além disso, a presença majoritária de operadoras estrangeiras na
privatização e nos processos de licitação permitiu que os centros de decisão
174
estratégica fossem também internacionalizados. Na medida em que não foram
assegurados mecanismos para a proteção da indústria nacional de
equipamentos, as operadoras deram preferência, em suas políticas de compras,
aos equipamentos vendidos por empresas multinacionais, que não incorporavam
tecnologia desenvolvida localmente. Somado a isso, deve-se considerar o fato
de que a criação da agência reguladora ocorreu poucos meses antes da
privatização, o que trouxe dificuldades para a ação da Agência na solução de
conflitos surgidos logo após a privatização.
Do ponto de vista do mercado de serviços de telecomunicações, a
reforma no segmento de telefonia celular foi mais bem-sucedida do que no caso
da telefonia fixa em termos de estímulo à introdução de um ambiente
concorrencial. No entanto, deve-se salientar que este segmento foi marcado por
uma rápida evolução da tecnologia, o que contribuiu para o barateamento de
equipamentos e redes e, conseqüentemente, para a concorrência entre as
operadoras. Atualmente, existem três ou quatro operadoras concorrendo em
cada região e o mercado nacional é caracterizado por um oligopólio, cuja
empresa dominante é a Vivo, com aproximadamente 42% de participação de
mercado. No segmento de serviços de longa distância nacional, a Embratel, que
na época da Telebrás era a única empresa que prestava este tipo de serviço,
perdeu participação de mercado principalmente para as outras concessionárias
de serviço (Telemar, Telefônica e Brasil Telecom). Nos serviços de longa
distância internacional, a Embratel continua com participação de mercado pouco
acima de 75%. No segmento de serviço de telefonia fixa local, esperava-se que
a entrada das empresas espelho e espelhinho estimulasse a concorrência com
as concessionárias. No entanto, isso não ocorreu, permanecendo a estrutura de
oferta destes serviços basicamente como um monopólio privado em cada região
de concessão. Cada concessionária possui atualmente, pelo menos, 95% de
participação de mercado em sua área de atuação.
É importante ressaltar que o predomínio de operadoras estrangeiras no
processo de privatização da Telebrás contribuiu para o reduzido nível de
concorrência no mercado de telefonia fixa. Fatos recentes mostram que é difícil
175
fomentar a concorrência em mercados locais baseados somente em operadoras
estrangeiras, que estão cada vez mais conectadas internacionalmente. Neste
caso, a preservação de propriedade local de operadoras privatizadas, da mesma
forma que os países europeus e asiáticos fizeram, poderia ter sido uma
alternativa mais interessante aos oligopólios globais.
176
CAPÍTULO 4: O desenvolvimento das telecomunicações na Espanha: da criação da CTNE à internacionalização da Telefonica
4.1. Introdução
Este capítulo tem como objetivo analisar a trajetória de evolução da
Compañia Telefónica Nacional de España (CTNE) (que posteriormente
passou a chamar-se Telefónica de Espana e, em 1998, Telefónica) desde a
década de 1940, quando era um monopólio estatal, até a sua
internacionalização nos anos 1990. O foco desta análise está centrado no
período recente das últimas duas décadas, visto que o objetivo mais geral da
tese é comparar os efeitos dos processos de reestruturação do setor de
telecomunicações no Brasil e na Espanha sobre os respectivos sistemas de
inovação.
Para atingir tal objetivo, o capítulo apresenta uma caracterização do
setor de telecomunicações na Espanha a partir de quatro subseções que
discutem basicamente: o processo de estatização da CTNE realizado pelo
governo do general Franco em meados da década de 1940 até a década de
1970; a política industrial da CTNE nas décadas de 1970 e 1980 e o seu
papel na coordenação de todo o setor de eletrônica espanhol; a influência da
entrada da Espanha na União Européia no processo de reestruturação das
telecomunicações; e o processo de reestruturação do setor de
telecomunicações espanhol, envolvendo a liberalização do mercado e a
privatização da Telefonica. Esta última subseção analisa ainda a estrutura
atual do setor de telecomunicações na Espanha.
A terceira seção deste capítulo expõe o contexto, o histórico e os
resultados gerais do processo de internacionalização da Telefonica.
Inicialmente, na subseção 4.3.1, a análise recai sobre o processo de
internacionalização das empresas espanholas em direção à América Latina,
no qual a Telefonica encontra-se inserida. Na subseção 4.3.2 destaca-se a
participação dos bancos nos processos de privatização e de
internacionalização das empresas espanholas, na medida em que tais
agentes tiveram um papel fundamental no financiamento das estratégias das
177
empresas. A última subseção analisa o processo de internacionalização
específico da Telefonica, detalhando a estratégia adotada pela empresa, a
participação do Estado em tal processo, bem como a importância das
operações da Telefonica fora do território espanhol.
Finalmente, a última seção do capítulo ressalta as principais
conclusões da análise nele realizada.
4.2. Caracterização e Histórico do setor de telecomunicações na Espanha
A Telefonica sempre teve um papel central no sistema de
telecomunicações espanhol. Sua origem remonta a década de 1920, quando
a International Telephone and Telegraph Corporation (ITT) dos Estados
Unidos instalou uma subsidiária na Espanha, a Compañia Telefónica
Nacional de España (CTNE). Antes disso, a prestação dos serviços de
telecomunicações na Espanha era feita por meio de algumas iniciativas
privadas com escassos recursos financeiros. A política de regulação do
governo para o setor de telecomunicações oscilava entre a opção estatal ou
privada ao longo do tempo.
Quando foi criada, a CTNE comprou três companhias telefônicas
espanholas privadas (INSEAD, 1999), as quais prestavam serviços
anteriormente à sua entrada no mercado espanhol, e passou a operar a partir
de uma concessão única dos serviços de telecomunicações na Espanha. Um
decreto do governo autorizou a contratação da CTNE para a organização,
reforma e ampliação do serviço nacional telefônico em regime de concessão
por vinte anos, a partir de 1924.
Foi a primeira vez que o Estado espanhol concedeu a uma empresa
de telecomunicações a concessão monopólica dos serviços. Em 1932
ocorreu um amplo debate na sociedade espanhola que buscava declarar
ilegal a concessão de 1924 à CTNE. No entanto, houve pressão do governo
norte americano, e a situação do monopólio da CTNE foi mantida. Em 1934
publicou-se um decreto eliminando algumas das condições estabelecidas na
178
concessão de 1924, mas manteve-se o monopólio na prestação dos
serviços.
Os equipamentos da CTNE eram adquiridos da Standard Electric,
empresa pertencente à ITT, adquirida da AT&T em 1925. A Standard Electric
comercializava equipamentos (basicamente o sistema Bell) fora dos EUA.
4.2.1. Da estatização à Privatização da Compañia Telefónica Nacional de España (CTNE)
Com a tomada do poder central na Espanha pelo General Francisco
Franco em 1939, um decreto daquele mesmo ano estabeleceu o controle
pelo Estado das empresas privadas que prestavam serviços públicos.
Em 1945, a CTNE foi parcialmente nacionalizada, e o Estado
espanhol se tornou o principal acionista da empresa a partir da aquisição de
41% do capital, mantendo-a como Sociedade Anônima (Urbano, 1999;
MCYT, 2002). O restante das ações estavam pulverizadas. Cabe destacar
que, apesar de controlar de fato a CTNE, o Estado espanhol não possuía
nesse período (nem em nenhum outro da história da empresa) a maioria das
ações da CTNE. Logo em seguida, em 1946, foi celebrado um novo contrato
de concessão entre o Estado espanhol e a CTNE, que garantia por mais
trinta anos o seu monopólio de serviços de telecomunicações. Além disso,
reservou-se ao Estado o poder de veto sobre as decisões do Conselho de
Administração da empresa.
No entanto, a saída da ITT do capital da CTNE não reduziu a
dependência desta em relação à primeira. Em 1946 firmou-se um contrato
com duração de 20 anos entre a CTNE, a ITT e a Standard Electric para que
esta última fornecesse com exclusividade assessoria técnica e equipamentos
para a CTNE. Dessa forma, a ITT, através da Standard Electric, tornou-se o
principal fornecedor de equipamentos e serviços da CTNE.
Nos anos que se seguiram, o sistema de telecomunicações espanhol
passou por uma grande expansão, mas a densidade telefônica situava-se
179
abaixo da maior parte dos países europeus. Em 1949, a densidade telefônica
da Espanha era de 2,3 telefones por cada 100 habitantes, praticamente a
mesma da Itália (2,4), e superior apenas à de Portugal (1,5). Em relação aos
Estados Unidos, cuja densidade telefônica era de 22,8, à Suécia, com
densidade de 10,2, e à França, com 5,6, a Espanha tinha uma densidade
telefônica significativamente inferior. Apesar do crescimento de tal indicador
até o ano de 1970 (quando a Espanha passou para uma densidade
telefônica de 12,5), nesse mesmo ano a densidade telefônica espanhola
continuou significativamente inferior à dos EUA e da Suécia, e também à da
Alemanha Ocidental, França e Itália, permanecendo apenas superior à de
Portugal, como pode ser visto na tabela 19:
Tabela 19: Densidade telefônica em países selecionados
País/Ano 1949 1960 1965 1970
Espanha 2,3 5,93 8,69 12,5
EUA 22,8 39,52 47,82 56,4
Suécia 10,2 35,30 45,96 53,7
Alemanha Ocidental
- 9,98 14,84 20,4
França 5,6 9,06 12,44 16,1
Itália 2,4 7,15 11,44 16
Portugal 1,5 4,01 5,99 7,3 Fonte: MCYT, 2002.
A baixa densidade da telefonia na Espanha, comparativamente à de
outros países da Europa, era ainda agravada por uma grande lista de espera
por novas linhas telefônicas.
Este quadro resultava de uma política de investimento insuficiente por
parte da CTNE, que era baseado principalmente no autofinanciamento dos
investimentos necessários à expansão da rede de telecomunicações.
180
De toda forma, o número de linhas da CTNE passou de 1,22 milhão
em 1960 para 5,12 milhões em 1976, sendo o crescimento da automatização
dos serviços da rede de 76,5% em 1960 para 93,2% em 1976 (MYCT, 2002).
4.2.2. A política industrial da CTNE nas décadas de 1970 e 1980 e a sua consolidação como principal ator do setor de telecomunicações espanhol
A partir do início dos anos 1970, o sistema de telecomunicações
espanhol passou por um processo de reorganização. A CTNE comprou do
Instituto Nacional de Indústria81 (INI) a Empresa Nacional de
Telecomunicações S. A. (ENTEL), passando assim a ser concessionária
também dos serviços costeiros e portuários. O mesmo decreto (de dezembro
de 1970) que autorizou tal compra estabeleceu que a exploração e o
desenvolvimento do serviço público de transmissão de dados e dos “serviços
gerais e especiais para a transmissão de informações” caberiam à CTNE,
com exceção dos serviços telegráficos e de Telex, que continuavam sob
responsabilidade dos Correios e Telégrafos. Esta reforma expandiu o
monopólio da CTNE, a partir da ampliação do conjunto de serviços por ela
prestados. Além disso, a incumbência de desenvolver e explorar os serviços
de transmissão de dados exigiu da CTNE um esforço que nas décadas
seguintes seria fundamental no setor de telecomunicações. Em 1978 a
exploração dos serviços telemáticos públicos (telefax, telex, etc.) foram
também transferidos para a CTNE.
Do ponto de vista da indústria de equipamentos, a Standad Electric,
filial da ITT na Espanha, permaneceu como o principal fornecedor de
equipamentos para a CTNE até a década de 1970. No entanto, este
“monopsônio” começou a alterar-se já a partir de 1956, quando a CTNE abriu
seu mercado de fornecedores para a Marconi Espanhola, também
81 O INI foi criado em 1941, no âmbito da Ley de Protección de las Nuevas Industrias de Interes Nacional, de 1939, a partir da qual o Estado Espanhol buscava incentivar a criação de novos setores industriais (Sequeira, 2001). O INI foi o responsável pela criação de diversas empresas públicas na Espanha, entre elas a Entel.
181
pertencente ao grupo ITT. De fato, esta ampliação no número de
fornecedores não foi muito significativa visto que um único grupo
permaneceu como fornecedor de equipamentos da CTNE (os dois
fornecedores, Standard Electric e Marconi Espanhola, pertenciam ao grupo
ITT). Cabe ressaltar que, nesse período, não havia na Espanha nenhuma
política industrial ou tecnológica voltada especificamente para a indústria de
equipamentos de telecomunicações.
O crescimento da demanda telefônica e os avanços do setor de
telecomunicações espanhol dos anos 1960 e 1970 consolidaram a CTNE
como principal cliente de toda a indústria eletrônica espanhola.
Paralelamente, a expansão das operações da CTNE obrigou-a a expandir os
seus fornecedores de equipamentos de telecomunicações.
O objetivo de ampliar o conjunto de fornecedores de equipamentos e
componentes de telecomunicações e a posição de domínio da CTNE sobre o
setor de eletrônica levou-a a adotar uma “política industrial ativa”. Esta
política da CTNE foi construída a partir da aquisição de participações
acionárias, que em muitos casos atingia 51% das ações de empresas,
algumas delas de origem estrangeira. Neste caso, pode-se citar, por
exemplo, a Standard Eléctrica S.A., empresa de maioria de capital norte-
americano, da qual a CTNE adquiriu 20% do capital; Industrias de
Telecomunicaciones S.A. (INTELSA), empresa de capital sueco, da qual a
CTNE adquiriu 49% do capital; e Telettra Española S.A., empresa de capital
italiano, da qual a CTNE adquiriu 51% do capital.
Também fazia parte de tal política industrial impulsionar diretamente,
com algum sócio com competência industrial e/ou tecnológica, a criação de
novas empresas voltadas para o mercado de telecomunicações. Exemplos
desta estratégia são: a criação da empresa Sistemas e Instalaciones de
Telecomunicación S.A. (SINTEL) e a aquisição de 100% do capital da
ENTEL, como mencionado anteriormente.
Desta forma, em 1980, a CTNE havia se tornado o principal grupo de
telecomunicações da Espanha, não somente por ser o único provedor de
182
serviços de telecomunicações, mas também em virtude de sua participação
em diversas empresas da indústria eletrônica espanhola. As principais
participações da CTNE no ano de 1980 podem ser observadas na tabela 20.
Tabela 20: Participações da CTNE em empresas selecionadas da indústria eletrônica espanhola em 1980
Empresa Participação da CTNE Industrias de Telecomunicaciones S. A. (INTELSA)1 49%
Standard Eléctrica S. A. (SESA)2 20%
Telettra Española S. A.3 51%
Cables de Comunicaciones S. A. 49%
Sociedad Española de Comunicaciones e Informática (SECOINSA)
19%
Compañía Internacional de Telecomunicaciones S. A. (CITESA)
20%
Compañía Española de Telecomunicaciones (ENTEL) 100%
Compañía Financiera de la Telefónica Española B. V. 100%
Compañía Publicitaria de Exclusivas Telefónicas S.A. (CETESA)
100%
Electrónica Aragonesa S. A. (ELASA) 100%
Sistemas e Instalaciones de Telecomunicación S. A. (SINTEL) 100%
Fonte: MCYT, 2002. 1 O outro sócio da INTELSA era a Ericsson 2 Até 1987, o principal sócio da SESA era a ITT. A partir de 1987, a Alcatel adquiriu a
participação da ITT na SESA. 3 O outro sócio da Telettra España era a Fiat.
Além de diversificar os fornecedores de equipamentos de
telecomunicações, a CTNE tinha como objetivo reduzir sua dependência em
relação à sua antiga matriz (ITT), obter vantagens de preço e qualidade
oferecidas por outras empresas e, principalmente, desenvolver a indústria
eletrônica espanhola.
Nesse sentido, a estratégia da CTNE visava promover a adaptação e
desenvolvimento local de tecnologias e a fabricação local de equipamentos
(Aparício, 1994). Para isso, conformou um grupo verticalmente integrado, de
forma que a maior parte dos equipamentos e serviços necessários para sua
rede era fabricada por empresas vinculadas ao grupo.
183
Sem dúvida, a política industrial espanhola diferenciou-se daquela
adotada no Brasil, uma vez que na Espanha foi o próprio monopólio estatal
(a CTNE/Telefonica) que implementou diretamente a política industrial, ao
passo que no Brasil a política de nacionalização dos fabricantes de
equipamentos foi implementada pelo Ministério de Comunicações, conforme
discutido no capítulo 3. No entanto, é importante ressaltar que o objetivo das
políticas era semelhante, pois ambas visavam à promoção do
desenvolvimento local na indústria eletrônica. Tais estratégias situavam-se
num contexto internacional em que o desenvolvimento da indústria nacional
de telecomunicações estava na agenda de políticas industriais e tecnológicas
dos governos de praticamente todos os países.
Durante a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade
dos anos 1980, o choque dos preços do petróleo e a crise internacional que
se desencadeou produziram fortes impactos recessivos na economia
mundial. No setor de telecomunicações esta crise se refletiu na redução da
demanda por telefones e no consumo telefônico. Considerando a importância
da CTNE no mercado de telecomunicações espanhol, o governo conferiu a
ela um papel de destaque nos planos de reestruturação e recuperação do
setor a partir do início da década de 1980.
A estratégia de recuperação das telecomunicações espanholas foi
baseada em três pilares básicos: extensão da rede de telefonia básica,
modernização da rede de telecomunicações e investimento em P&D. Neste
contexto, a CTNE promoveu um amplo processo de reestruturação na
indústria eletrônica espanhola, com destaque para a aquisição de 87,5% do
capital da Amper S.A. (atualmente um dos maiores grupos espanhóis que
atuam no setor de telecomunicações) e para a criação da Telefónica
Internacional (Tisa), peça fundamental no processo de internacionalização da
Telefónica, que será analisada mais adiante. A Tisa foi originalmente criada
para representar e promover a imagem da Telefónica internacionalmente,
184
mas até o final da década de 1980 não tinha uma atuação de destaque no
grupo82.
Em meados da década de 1980, a Compañia Telefónica de España
S.A. passou a se chamar Telefónica de España S. A.83, a fim de mudar a
imagem da empresa na Espanha. Nesse período, como resultado de sua
política industrial ativa, a Telefónica tinha participação em 29 empresas do
complexo eletrônico espanhol. Ao mesmo tempo, a empresa deu início a
novos projetos e parcerias industriais, além de reorganizar e ampliar suas
atividades de P&D, a partir da construção do novo centro de Pesquisa e
Desenvolvimento aprovado em dezembro de 1985 (que posteriormente, em
1988, se transformaria na Telefónica I+D). As principais parcerias industriais
estabelecidas nesse período foram: (i) com a Philips, a partir de um projeto
voltado para comunicações móveis; e (ii) com a ATT, um projeto para a
formação de uma empresa conjunta, ATT microeletrônica Espana S.A.,
dedicada à fabricação de circuitos integrados e microchips em Madri. A ATT
possuía 80% desta empresa e a Telefónica, 20% (MCYT, 2002).
A partir da década de 1970, a CTNE passou a reduzir o volume de
investimentos realizados84. Na medida em que o país encontrava-se em crise
econômica, a demanda por serviços de telecomunicações era relativamente
baixa. Dessa forma, a redução dos investimentos não teve impacto sobre a
qualidade dos serviços prestados (Urbano, 1999).
No entanto, a partir de 1985, quando teve início o processo de
recuperação econômica, esta redução de investimentos passou a se refletir
na deterioração dos serviços prestados pela Telefónica. A demanda por
linhas telefônicas não atendida passou de 256.000 em 1985 para 600.000
em 1989 (MCYT, 2002). A falta de investimentos na modernização da rede
82 Esta informação foi obtida em entrevista realizada em Madri, no dia 31 de maio de 2004. 83 A alteração posterior do nome da empresa em 1998, para Telefónica S.A., ocorreu em virtude do crescimento de sua receita proveniente do exterior. Em seguida, já em 2000, a empresa passou a se chamar Telefonica. Isso porque, no Brasil, a ortografia do nome anterior estava gramaticalmente errada. 84 Esta redução de investimentos está relacionada aos efeitos do primeiro choque do petróleo em 1973 e a uma mudança no regime político, que buscava priorizar o gasto social. Neste caso, no início da década de 1980, o investimento registrou uma queda real em relação a 1973, situando-se, em termos reais, em aproximadamente 80% do valor de 1973 (Urbano, 1999).
185
ocorreu justamente quando o setor de telecomunicações estava passando
por profundas mudanças tecnológicas, as quais tornavam necessários
maiores investimentos para viabilizar a prestação dos novos serviços
associados às novas tecnologias.
A recuperação econômica da Espanha coincidiu e foi influenciada pela
sua entrada na Comunidade Européia, que ocorreu em 1986. Tal inserção
teve impactos diversos sobre a economia e, do ponto de vista do setor de
telecomunicações, marcou o início do processo de liberalização dos serviços
e da indústria.
Ainda durante o período da segunda metade da década de 1980 e
início dos anos 1990, a Telefónica mudou sua estratégia industrial de
participação acionária nas diversas empresas da indústria eletrônica
espanhola: iniciou a sua saída progressiva do capital social das empresas
nas quais havia adquirido participações e vendeu aquelas em que era a
única proprietária. Este processo de mudança na estratégia da operadora
revelava uma transformação em suas prioridades, as quais passavam a se
concentrar na expansão das atividades de prestação de serviços de
telecomunicações além das fronteiras da Espanha.
Nesse sentido, a Telefónica passou a centrar seus esforços no
processo de internacionalização de suas atividades a partir da década de
1990. Reconhecia-se que desde a década de 1980 o setor de
telecomunicações estava passando por um processo de reestruturação que
teria efeitos significativos sobre as estratégias de concorrência das
operadoras. Do ponto de vista da Telefónica, dadas as especificidades do
mercado espanhol, bem como da inserção da Espanha na União Européia
(que será discutida na subseção a seguir), a sua estratégia de sobrevivência
no novo contexto de concorrência dependeria da sua expansão para outros
mercados. Este ponto será retomado na seção 4.3, que analisa o processo
de internacionalização da Telefónica.
186
4.2.3. A Entrada da Espanha na União Européia e a sua importância no Processo de Reestruturação das Telecomunicações na Espanha
Segundo Sánchez Díez (2002a), a entrada da Espanha na União
Européia (1986) influenciou de forma definitiva o contexto econômico no qual as
firmas nacionais operavam. Nesse sentido, o aprofundamento da integração da
Espanha na UE na década de 1980 (Tratados de Maastrich, 1992; de Amsterdã,
1997; e de Niza 2001), juntamente com a consolidação do Mercado Interior
(1993) e a União Monetária (1999), constituíram-se na base do desenvolvimento
econômico e produtivo espanhol a partir daquela década.
A incorporação à União Européia (UE) representou para a Espanha, por
um lado, oferta de recursos financeiros e estímulo para o aumento da
competitividade e modernização da economia espanhola. Por outro lado, tal
incorporação representou uma pressão para a internacionalização das empresas
espanholas, a qual, principalmente no caso das recém-privatizadas que eram
ex-monopólios ou oligopólios, tornou-se necessária para garantir a sobrevivência
de tais empresas no ambiente mais concorrencial da União Européia.
Especificamente do ponto de vista da Telefónica, a partir da abertura do
mercado de telecomunicações, a possível entrada de outras operadoras
européias na Espanha constituía-se numa ameaça à sua sobrevivência. Dado o
porte de outras operadoras européias como a France Telecom e a Deutsche
Telekon, por exemplo, dificilmente a Telefónica conseguiria sobreviver à pressão
competitiva de tais empresas. Dessa forma, a busca por novos mercados para
operar através do processo de internacionalização tornou-se a solução
encontrada para garantir a sobrevivência da empresa.
De toda forma, seja a partir da disponibilidade de recursos para a
modernização e o aumento da competitividade de diversos setores, seja na
pressão exercida sobre determinadas empresas, a internacionalização da
empresa espanhola esteve muito vinculada ao processo de construção européia
(Sánchez Díez, 2002b). Em geral, os investimentos espanhóis no exterior
187
adquiriram maior importância quando a Espanha se incorporou à UE (Hoffmann,
1999).
O ingresso na UE favoreceu ainda a modernização das redes de
telecomunicações através das intervenções estruturais promovidas por ela.
Entre outras coisas, tais intervenções estavam ligadas às ajudas financeiras
fornecidas pela UE, que contribuíram para o aumento dos investimentos no setor
de telecomunicações espanhol. Além disso, dois eventos internacionais em 1992
ocorridos na Espanha (Olimpíadas de Barcelona e Exposição Universal de
Sevilha) tornaram necessários maiores investimentos para garantir os serviços
de telecomunicações.
É importante ressaltar ainda a importância do apoio financeiro da União
Européia através dos fundos estruturais comunitários, dos programas conjuntos
e das iniciativas comunitárias, por meio dos quais a Espanha foi muito
beneficiada. Entre os programas, destacam-se o STAR (Serviços Avançados de
Telecomunicações para as Regiões da Europa) e o TELEMÁTICA
(Desenvolvimento das telecomunicações de dados em Determinadas Áreas
Favorecidas). Existem algumas outras iniciativas regionais que não são
especializadas em telecomunicações, mas que produziram impactos sobre o
setor. Estas são: os programas INTERREG e URBAN, que destinaram recursos
para o re-equilíbrio regional das telecomunicações, e outro com foco em
atividades de P&D denominado STRIDE, que objetiva o apoio à ciência e
tecnologia com foco na inovação e no desenvolvimento regional na Europa.
A entrada da Espanha na UE foi acompanhada por um aumento
significativo nos investimentos do setor de telecomunicações. De fato, no
período de 1988 a 1992, o volume total de investimentos do setor de
telecomunicações foi praticamente o dobro daquele efetuado no período
anterior85. Como resultado do substancial aumento no volume dos
investimentos, a demanda reprimida caiu progressivamente até desaparecer em
85 Nesse período (1988 a 1992), a média de participação dos investimentos no setor de telecomunicações na formação bruta de capital fixo foi de 4,99%, sendo que a sua máxima histórica foi de 6,19%, alcançada em 1990.
188
1993, e a rede de telecomunicações expandiu-se fortemente, ampliando a
densidade telefônica da Espanha de 24,6 em 1986 para 35,3 em 1992. Além
disso, verificou-se um intenso esforço de digitalização das linhas que, em 1992,
atingiu 36,37% do total de linhas instaladas86. Este processo ocorreu
concomitantemente ao início da liberalização do setor de telecomunicações na
Espanha e na Europa, o que será discutido na subseção a seguir.
4.2.4. Processo de Reestruturação das Telecomunicações na Espanha: Regulação, Liberalização e Privatização
Na Europa, os princípios básicos que guiaram o processo de liberalização
das telecomunicações e que serviram de base para a publicação do Livro Verde
do Mercado Comum de Equipamentos e Serviços das Telecomunicações são: a
progressiva liberalização dos setores de monopólio, a harmonização das
legislações nacionais e a ampliação das normas sobre concorrência presentes
na legislação comunitária (Romero, 2001).
O Livro Verde foi publicado pela Comissão Européia em junho de 1987 e
fixava o objetivo estratégico de introduzir concorrência no setor. Esse
documento estabeleceu as bases e princípios para a atuação da Comissão
Européia no processo de liberalização do setor de telecomunicações.
O processo de liberalização ocorreu graças a uma série de diretivas
publicadas pela Comissão Européia que foram progressivamente abrindo à
concorrência os diferentes segmentos de mercado. Embora alguns países da
UE tenham se antecipado ao processo de liberalização, como o Reino Unido, a
maior parte dos países introduziu o processo de abertura em seus mercados
nacionais de maneira coordenada e sob a supervisão da Comissão Européia.
Em 1985 o governo espanhol criou a Secretaria General de
Comunicaciones e a Direción General de las Telecomunicaciones, dentro do
Ministerio de los Transportes, Turismo y Comunicaciones, com a intenção
86 Em setembro de 1998 a digitalização da rede alcançou 85,8% dos 17,3 milhões de linhas.
189
principal de separar as atividades de regulação e exploração dos serviços de
telecomunicações. O objetivo da criação dessa Secretaria era concentrar nela a
definição e implementação da política de telecomunicações do governo, além da
organização do aparato legislativo associado.
Na Espanha, a Ley de Ordenación de las Telecomunicaciones (LOT) foi
aprovada pelo governo espanhol em 1987, e seguia os princípios do novo marco
regulatório a partir das diretrizes européias. De acordo com COIT/Gretel (2000),
é possível afirmar que, com a promulgação da LOT, o Estado espanhol começou
a recuperar suas competências como regulador do setor de telecomunicações87.
A LOT continha artigos que determinavam o início do processo de
liberalização de alguns segmentos do mercado de telecomunicações, como o de
aparelhos telefônicos, até então controlado exclusivamente pela Telefónica, e o
de serviços de valor adicionado. Além disso, a LOT tinha uma disposição que
fixava em um ano o prazo para a formalização de um novo contrato com a
Telefónica, visto que o último havia sido firmado em 1976 e vinha sendo
prorrogado desde então sem nenhuma negociação88.
Em 1992 entrou em vigor o Mercado Único de Telecomunicações na
Europa, obrigando a alteração em alguns dispositivos da LOT com vistas a sua
adequação às diretivas da UE. Em 1993 os serviços de transmissão de dados
passaram a ser prestados em regime de livre concorrência e, no mesmo ano, a
UE acordou a data limite para a liberalização do serviço telefônico de voz. A data
limite para a eliminação dos direitos exclusivos dos operadores monopolistas foi
estabelecida para o primeiro dia de janeiro de 1998, sendo que a Espanha (e
outros países menos desenvolvidos da Europa) teve um prazo adicional de cinco
anos no período de transição para sua plena aplicabilidade. No entanto, do
prazo adicional dado pela UE, somente foram utilizados 11 meses, pois a
87 Antes da publicação da LOT, a CTNE/Telefónica era a empresa operadora dos serviços de telecomunicações e o órgão regulador, tendo a capacidade (e liberdade) de se auto-regular em determinadas situações (COIT/Gretel, 2000). 88 A renovação do contrato entre a Telefonica e o Estado só ocorreu em dezembro de 1991. O novo contrato estabelecia a concessão de praticamente todos os serviços em regime de monopólio, e mantinha a participação do Estado no capital da Telefonica em aproximadamente 35%. No entanto, o contrato estava aberto à introdução das mudanças na legislação comunitária e nacional, principalmente aquelas relacionadas à perda do monopólio (sem necessidade de direitos compensatórios) (Urbano, 1999).
190
Espanha promoveu a ampla liberalização de seu mercado de serviços em
dezembro de 1998 (INSEAD, 1999).
O primeiro mercado efetivamente liberalizado foi o de terminais
telefônicos, em 1989, a partir da incorporação na LOT da Diretiva da UE
relacionada a este tema (Diretiva 88/301/CE). Em 1990, os mercados de
serviços de valor agregado, comunicação de dados e serviços de voz e dados
para redes de empresas e grupos fechados de usuários foram liberalizados. Em
1992 foi publicado o Plan Nacional de Telecomunicaciones (previsto na LOT),
que se constituía em instrumento básico orientador dos serviços e da infra-
estrutura do setor89.
Os serviços de telefonia móvel foram liberalizados no final de 1993, mas
foi mantida a exigência de concessão administrativa para as empresas
operadoras deste serviço. Até então, este serviço era prestado apenas pela
Telefónica Móviles. Com a efetiva abertura deste mercado em 1995, a empresa
Airtel Móvil S.A. começou a operar, criando inicialmente um duopólio neste
segmento. Posteriormente, outros operadores foram entrando como, por
exemplo, a Retevisión Móviles S.A. A liberalização dos serviços de
telecomunicações por satélite ocorreu em 1995, estabelecendo o regime de
concorrência, submetida ao regime de autorização administrativa. Ainda naquele
ano, as restrições ao uso das redes de televisão a cabo para a oferta de
serviços de telecomunicações foram eliminadas a partir da publicação da Ley del
Cable.
Finalmente, uma lei publicada em 1997 promoveu a liberalização total do
mercado de telecomunicações na Espanha, eliminando o monopólio na telefonia
fixa local. Dessa forma, o prazo de cinco anos a partir de janeiro de 1998,
concedido pela UE para os países europeus menos desenvolvidos, não foi
completamente utilizado pela Espanha. Essa lei criou um duopólio temporário
89 O Plan Nacional de Telecomunicaciones era fundamentalmente um plano estratégico para o setor de telecomunicações espanhol, com um horizonte de longo prazo (1991 a 2002). Ele se constituía num instrumento de orientação do desenvolvimento e evolução dos serviços e da infra-estrutura de telecomunicações. Além disso, ele continha um plano de investimentos para o setor, dentro do qual estava incluído um plano de investimento específico para a Telefonica.
191
até dezembro de 1998 através da outorga à Retevisión S.A.90 do direito de
prestar serviços para competir com a Telefónica na telefonia básica. Após esse
período de duopólio, foi permitida a entrada de outros operadores no mercado
de telefonia básica.
Em 1998 o governo espanhol publicou a Ley General de
Telecomunicaciones (LGT) com o objetivo de unificar o marco jurídico do setor
de telecomunicações, em substituição à LOT e incorporando as Leis que haviam
sido publicadas a partir da LOT. A LGT passou a se constituir como base da
regulação do setor. Dessa forma, a LGT incorporou os desenvolvimentos do
processo de liberalização da UE, praticamente concluído àquela época.
Como parte do processo de reestruturação do mercado de
telecomunicações espanhol, em 1996 um decreto do governo criou a Comissión
del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT), com o objetivo principal de
separar as funções legislativas das funções de regulação. Este é o órgão
regulador do setor de telecomunicações na Espanha, cujo objetivo é garantir as
condições de concorrência efetivas nas telecomunicações, bem como regular
preços, condições e interconexão de redes, e todos os outros aspectos
regulatórios pertinentes à política de concorrência no setor (Amaral, 1996).
A privatização da Telefónica era parte fundamental do processo de
liberalização e reestruturação do setor e teve início em 1995, tendo sido sua
conclusão em 1997. O processo de privatização na Espanha ocorreu, assim, a
partir de duas ofertas públicas (em 1995 e 1997) das ações do governo
espanhol na bolsa de valores espanhola (Hernández, 1999). Na primeira etapa
da privatização, o governo vendeu 10,7% do capital da Telefónica, restando
ainda uma participação de 21,16% do capital, que foi vendida na segunda etapa
do processo. No início de 2004, a composição acionária da Telefonica tinha a
seguinte forma: 77,18% das ações estavam pulverizadas na bolsa, com forte
90 A Retevisión era a empresa estatal criada para operar e transmitir os sinais de televisão e foi escolhida pelo governo espanhol para ser a primeira concorrente da Telefonica no mercado de telefonia fixa local. Para tanto, o governo espanhol também privatizou a Retevisión, e seus sócios principais passaram a ser a Endesa (empresa de energia elétrica espanhola) e a Telecom Itália (MCYT, 2002). Atualmente, a Retevisión faz parte do Grupo Auna, um grupo empresarial que atua em diversos segmentos do setor de telecomunicações, do qual também faz parte a operadora de telefonia móvel Amena.
192
participação dos fundos de pensão americanos; 6,09% eram do banco espanhol
Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA); 5,03% das ações estavam com a La Caja;
6,80% pertenciam ao Chase Manhatan e 4,90% ao Citibank.
O quadro 7 sintetiza as mudanças promovidas no âmbito do processo de
reestruturação das telecomunicações na Espanha.
Quadro 7: Resumo das medidas de liberalização do setor de telecomunicações na Espanha
Ano Medida Objetivos
1985 Criação da Secretaria General de las Telecomunicaciones e da Direción General de las telecomunicacines
Promover a separação das atividades de regulação e exploração dos serviços de telecomunicações
1987 Implementação da Ley de Ordenación de las telecomunicaciones (LOT)
Criação de um novo marco regulatório, seguindo diretrizes de liberalização da UE
1989 Incorporação na LOT da diretiva européia correspondente para liberalização do mercado de terminais telefônicos
Liberalização do mercado de terminais telefônicos
1990 Incorporação na LOT da diretiva européia correspondente para liberalização do mercado de serviços de valor agregado, comunicação de dados e serviços de voz e dados para redes de empresas e grupos de usuários
Liberalização do mercado de serviços de valor agregado, comunicação de dados e serviços de voz e dados para redes de empresas e grupos de usuários
1992 Implementação do Plan Nacional de Telecomunicaciones
Criação de um instrumento básico orientador dos serviços e da infra-estrutura do setor
1993 Incorporação na LOT da diretiva européia correspondente para liberalização do mercado de serviços de telefonia móvel
Liberalização do mercado de serviços de telefonia móvel
1995 Incorporação na LOT da diretiva européia correspondente para liberalização do mercado de serviços de telecomunicações por satélite
Liberalização do mercado de serviços de telecomunicações por satélite
1995 Implementação da Ley Del Cable
Eliminação das restrições ao uso das redes de televisão a cabo para oferta de serviços de telecomunicações
193
1995 1ª Etapa da privatização da Telefónica
Venda de 10,7% do capital da Telefónica
1996 Criação da Comissión del Mercado de las Telecomunicaciones (CMT)
Regulação do setor de telecomunicações espanhol
1997 Implementação da Ley de Liberalización de las Telecomunicaciones
Eliminação do monopólio e liberalização do mercado de serviços de telefonia fixa local (com permanência de duopólio até dezembro de 1998)
1997 2ª Etapa da privatização da Telefónica
Venda de 21,16% do capital da Telefónica
1998 Implementação da Ley General de Telecomunicaciones (LGT)
Substituição da LOT, incorporação das leis que foram publicadas após 1987 ao arcabouço regulatório e criação de nova base de regulação para o setor. Início das operações da Retevisión (prestadora de serviços de telefonia fixa). Eliminação dos direitos exclusivos dos operadores monopolistas e liberalização de todos os serviços de telecomunicações.
Fonte: Elaboração própria.
Como ocorreu em outros processos de privatização na Espanha (e em
outros países europeus), o Estado espanhol reservou certo nível de controle
sobre as empresas privatizadas. No caso da Telefonica, o Estado ficou com a
golden share durante os dez anos seguintes ao fim da privatização, isto é, até
2007. A golden share permite que o governo intervenha nas decisões
estratégicas do conselho de administração da empresa, especialmente quando
se trata da aquisição de outras empresas pela Telefonica ou da ameaça de
aquisição da maioria do capital da Telefonica por empresa estrangeira, o
governo se reserva o direito a vetar a possível operação91.
Além disso, o processo de privatização das grandes empresas estatais
espanholas (de eletricidade, gás natural, petróleo e telecomunicações) reservou
91 Como exemplo, em uma das entrevistas realizadas na Espanha, foi afirmado que no ano de 1997 os meios de comunicação espanhóis divulgaram notícias sobre um possível interesse da empresa holandesa (KPN) na compra da maioria do capital da Telefonica. Nesta ocasião, o governo manifestou sua intenção de
194
ao governo espanhol outros espaços de intervenção e controle sobre tais
empresas. Além da manutenção das golden shares, o governo continuou
indicando os presidentes direta ou indiretamente, além da maioria dos diretores
das empresas (López, 2003; The Economist, 2004). Nesse sentido, o objetivo
dos processos de privatização não foi simplesmente a redução de preços ou o
aumento das opções de oferta de serviços. De fato, o objetivo principal foi
promover firmas fortes com capacidade financeira para entrar em mercados
estrangeiros e se defender de tentativas de aquisição por firmas estrangeiras
(The Economist, 2004).
Destaca-se ainda que o governo espanhol ofereceu à Telefonica, até
2005, vantagens que decorrem do fato de ela ser o único operador com
obrigações em termos de universalização de serviços. A Telefonica é a única
empresa que tem obrigação de universalizar os serviços de telecomunicações, o
que significa que ela deve expandir a prestação de serviços para todos os
cidadãos espanhóis, o que nem sempre é uma atividade economicamente
lucrativa. Este fato dá à Telefonica melhores condições de relacionamento com
o governo espanhol quando da definição dos parâmetros de atuação da referida
operadora, comparativamente às outras prestadoras de serviços de
telecomunicações (López, 2003).
Apesar de um dos resultados gerais do processo de liberalização na
Espanha ter sido a entrada de diversas novas operadoras, a Telefonica continua
de fato com grande participação no mercado de telefonia fixa. De acordo com
Chislett (2002), existem aproximadamente sessenta operadores de telefonia fixa
e móvel, de serviços de cabo, trunking e provedores de internet. As principais
operadoras de telefonia fixa e móvel são: Retevisión, Uni2, Jazztel, Airtel e
Amena. No mercado de telefonia fixa, a participação da Telefonica caiu de 94%
em 2002 para aproximadamente 89% em 2003, enquanto o Grupo ONO, Auna
Telecomunicações e outros operadores detinham respectivamente participações
de 4%, 4% e 3%.
vetar tal operação, visto não ser de seu interesse ter a incumbente espanhola controlada pela incumbente holandesa (na época, ainda pública).
195
Com estes dados, é possível concluir que a Telefonica continua atuando
praticamente como um monopólio no mercado de telefonia fixa. O nível de
competição ainda é relativamente baixo neste segmento, onde a Telefonica
permanece como responsável pela prestação dos serviços para a maioria da
população espanhola. Cabe destacar que a participação de mercado
apresentada pela Telefonica é a mais alta entre todos os operadores tradicionais
da União Européia (Ponce, 2001).
Fonte: Elaboração própria com base em CMT, 2003 e 2004. No caso do mercado de telefonia móvel espanhol, a participação da
Telefonica encontra-se em aproximadamente 53% do mercado total em 2003.
No mesmo ano, as duas outras empresas de telefonia móvel, Vodafone e
Amena, conseguiram atingir respectivamente cerca de 25% e 22% desse
mercado. Percebe-se, assim, que a Telefonica detém metade do mercado de
telefonia móvel, participação esta que deve ser considerada bastante alta, dado
o maior nível de concorrência verificada neste segmento de telecomunicações
na maior parte dos países que liberalizaram seus mercados.
Gráfico 14: Distribuição de clientes por operadoras detelefonia fixa (em %)
0
20
40
60
80
100
2001 2002 2003
Telefonica
Grupo Ono
Auna Telecom.
Outros Operadores
196
Fonte: Elaboração própria com base em CMT, 2004.
A Telefonica também é líder isolada em dois outros segmentos de
telecomunicações: o de comunicações de dados e de comunicações
corporativas. No primeiro, em 2001, a Telefonica Data España (empresa do
grupo dedicada a esse tipo de serviço) tinha participação de mercado de 75,5%,
sendo a segunda colocada, uma filial da British Telecom (BT Ignite España),
responsável por 12,6% do mercado de transmissão de dados. As outras
operadoras (Lince Telecomunicaciones, Retevisión e outras) eram responsáveis
por 11,9% no mesmo ano de 2001. No segmento de comunicações corporativas,
a Telefonica Data España, a Telefonica de España e a Telefonica Móviles
España tinham, conjuntamente, em 2001, 96,1%. A Retevisión detinha 1,7% de
participação em tal mercado, ao passo que as outras operadoras eram
responsáveis por 2,2%.
Estes dados sobre a participação de mercado do grupo Telefonica nos
diferentes segmentos de serviços de telecomunicações demonstram que,
mesmo após a privatização e liberalização dos serviços, a Telefonica segue
sendo a operadora dominante em praticamente todo o setor de
telecomunicações. Embora algumas novas operadoras tenham passado a
concorrer com a Telefonica nos diversos mercados de serviços de
telecomunicações, ela permaneceu com elevada participação de mercado em
Gráfico 15: Participação no Mercado de Telefonia Móvel por Operadora -Espanha, 2003
Vodafone25,3
Amena21,9 Telefonica
Móviles 52,8
197
todos os segmentos em que atua, sendo que, em alguns deles, ela ainda opera
como monopólio.
4.3. Processo de Internacionalização da Telefónica: Contexto, Histórico e Resultados Gerais
A internacionalização da Telefónica é parte integrante de um movimento
mais amplo de expansão do IED espanhol em direção à América Latina, que
ocorreu ao longo dos anos 1990. No período de 1993 a 2000, 46,85% do total
dos investimentos externos espanhóis destinaram-se à AL. Em 1998 e 1999 a
participação do IED espanhol na AL atingiu, respectivamente, 68,28% e 63,1%
do IED espanhol total.
No mesmo período, somente a Argentina foi responsável por 25,3% do
IED espanhol na América Latina, ao passo que no Chile tal participação chegou
a 18,32%, e no Brasil foi de 12,09%. Em termos setoriais, 27,5% das saídas de
capital estavam ligadas às indústrias extrativas, refino de petróleo e tratamento
de combustíveis, 11,08% estavam relacionadas a intermediação financeira,
banco e seguros, 9,08% estavam direcionadas aos setores de transporte e
comunicações e a mesma porcentagem à distribuição de energia elétrica, gás e
água (Sánchez Díez, 2002a).
Os fatores que levaram a América Latina a se tornar o principal destino do
investimento externo direto espanhol serão analisados nesta seção. Além disso,
será discutido em que medida o ingresso da Espanha na UE estimulou o
processo de internacionalização das firmas espanholas, assim como o papel dos
bancos espanhóis neste processo. Finalmente, serão apresentadas a história e
o desenvolvimento do processo de internacionalização da Telefónica.
4.3.1. Internacionalização das empresas espanholas em direção à América Latina
A concentração do IED espanhol na América Latina pode ser explicada
por vários fatores. Entre estes, destaca-se como fator de estímulo a
predominância da língua espanhola em quase todo o continente latino-
198
americano (à exceção do Brasil), configurando-se num elemento facilitador das
relações entre países onde ela é a língua oficial. Além deste aspecto, as antigas
relações políticas e econômicas entre a Espanha e a AL constituem-se também
em elementos que podem facilitar a inserção das empresas espanholas nos
países da América Latina. No entanto, o principal fator explicativo dos fluxos de
capital espanhol para a América Latina, destacado por vários autores espanhóis
(Sánchez Díez, 2002a; 2002b; Chislett, 2002), é a coincidência temporal entre
as reformas estruturais ocorridas na União Européia e na América Latina.
Por outra ótica, pode-se afirmar que, além de coincidência temporal,
ocorreu também uma complementaridade entre as estratégias adotadas na
Espanha e as adotadas na maior parte dos países latino-americanos. A maioria
das grandes corporações transnacionais espanholas que emergiram como
atores globais surgiram de processos de privatização próprios, que aproveitaram
as oportunidades de processos similares na América Latina para se expandirem
internacionalmente. No caso das grandes empresas estatais latino-americanas
que foram privatizadas, o que se verificou foi a fragmentação das mesmas em
alguns casos, e, em praticamente todas as privatizações, houve forte presença
das empresas estrangeiras. Não existiu, neste caso, preocupação em conservar
a participação do capital nacional e a capacidade de os governos nacionais
manterem participação nas decisões estratégicas das empresas privatizadas. Há
evidências de que a lógica de maximização dos ganhos financeiros predominou
nos processos de privatização nas estatais latino-americanas (Szapiro, 1999;
Szapiro, 2003).
O principal fator que impulsionou o processo de internacionalização das
empresas espanholas foi o processo de liberalização do mercado doméstico
espanhol, resultante do ingresso da Espanha na Europa. À medida que as
regras e diretivas européias voltadas para a liberalização de mercados eram
implementadas, os maiores monopólios espanhóis se conscientizavam da
necessidade de se reposicionarem num ambiente mais competitivo. Este re-
posicionamento foi efetivado a partir da internacionalização das empresas, que
passaram a investir nos mercados latino-americanos.
199
A incorporação da Espanha à União Européia, juntamente com a
consolidação do Mercado Único Europeu e da União Monetária, provocou
diversas mudanças nos setores produtivos nacionais, obrigando as empresas
espanholas a adaptarem-se ao novo ambiente concorrencial. Tal processo de
adaptação e reestruturação das empresas espanholas envolveu o
aproveitamento de oportunidades de investimento derivadas da privatização de
setores produtivos até então dominados pelos governos na América Latina.
Nesse sentido, as empresas espanholas se beneficiaram das mudanças
regulatórias relacionadas à liberalização setorial e à abertura da conta de capital
implementadas na maior parte dos países da América Latina e inspiradas no
Consenso de Washington.
As reformas estruturais implementadas na Espanha e ligadas à sua
incorporação na União Européia tiveram início na primeira metade da década de
1980. Tais reformas eram necessárias para que, de fato, a Espanha entrasse na
UE. Assim, no início daquela década foram publicados dois decretos (Decreto-
Ley 9/1981 e Decreto-Ley 21/1982) que continham um Plano de Reconversão
para a economia espanhola. Em linhas gerais, este Plano buscava aumentar a
competitividade das indústrias espanholas, reduzir os custos de produção a
níveis próximos da UE, capitalizar as empresas, fomentar o desenvolvimento
tecnológico, incrementar a qualidade dos produtos e melhoria dos canais de
distribuição (Sánchez Díez, 2002b).
Posteriormente, ao longo da segunda metade da década de 1980, outras
reformas foram implementadas, entre as quais as mudanças na política
comercial, com vistas à adesão da política comercial comum da EU, a
eliminação de um conjunto de subvenções e a aceitação de uma nova legislação
direcionada à abertura de mercados num contexto de desregulamentação e
maior concorrência (Sánchez Díez, 2002b).
Com a assinatura da Ata Única em 1986, que selou a entrada da
Espanha na UE, tornou-se necessário a introdução das diretivas européias, que
eram progressivamente aprovadas pelo Parlamento espanhol. Neste sentido,
medidas para a adesão à política comum de desenvolvimento científico e
200
tecnológico, proteção do meio ambiente, liberdade de movimentos de capital e
trabalhadores, harmonização de padrões técnicos, entre outros, foram
implementadas na Espanha92.
Como resultado deste processo, o contexto nacional no qual as firmas
operavam foi significativamente (e positivamente) transformado, fornecendo as
bases para o processo de internacionalização das empresas espanholas. As
reformas macroeconômicas e setoriais resultantes da incorporação da Espanha
à UE e os posteriores desenvolvimentos do mercado interior europeu, bem como
da União Monetária, e voltadas para a modernização da economia espanhola,
prepararam o tecido empresarial espanhol para que fosse possível às empresas
espanholas implementarem experiências exitosas de internacionalização.
Os investidores espanhóis na AL são basicamente grandes operadores
de atividades tradicionalmente exploradas em regime de monopólio e foram
atraídos à América Latina pela perspectiva de exploração de grandes mercados
ou mercados com potencial de crescimento, visando prestar serviços
localmente, principalmente de telecomunicações, energia e ligados aos sistemas
financeiros. Além destas grandes empresas dos setores de telecomunicações,
energia, eletricidade e serviços financeiros, aproximadamente outras cinqüenta
empresas investiram na região. De acordo com Chislett (2002), os ganhos
provenientes da América Latina em 2001 representaram mais de um terço do
total destas empresas e foram gerados a partir de investimentos realizados
principalmente no período de 1997-2001, totalizando 102 bilhões de Euros.
Entre as principais empresas espanholas que ingressaram no processo
de internacionalização e adquiriram participações importantes em empresas
latino-americanas, destacam-se: Telefonica (setor de telecomunicações),
Iberdrola e Endesa (setor elétrico e de gás natural), Repsol (setor elétrico,
92 Sánchez Díez (2002b) ressalta que todas as reformas européias voltadas para a eficiência econômica foram implementadas levando em consideração objetivos de coesão econômica e social. Nesse sentido, foram criados Fundos Estruturais e o Fundo de Coesão, voltados para a redistribuição da riqueza, renda e oportunidades de emprego dos recursos de forma eqüitativa entre os Estados Membros da UE.
201
petroquímico e refino de petróleo), BSCH e BBVA (setor financeiro), entre
outros93.
Além dos processos de privatização, outras reformas estruturais
implementadas em grande parte dos países da América Latina também se
constituíram como atrativos para a entrada do capital estrangeiro e, em especial,
do espanhol. A maior abertura à entrada de capital estrangeiro foi promovida
institucionalmente a partir de reformas nos sistemas financeiros dos países
latino-americanos. Além disso, planos e programas de estabilização
promoveram um ambiente de estabilidade econômica propício à entrada de
capital e empresas estrangeiros. No entanto, cabe ressaltar que os fatores mais
importantes para a atração do capital estrangeiro foram os modelos de
privatização e liberalização nos países da América Latina.
Como conseqüência, algumas empresas espanholas dos setores de
telecomunicações, de energia e de serviços financeiros tornaram-se operadoras
líderes na América Latina e ganharam tamanho e capacidade para competir em
mercados mundiais e, em especial, no mercado europeu.
É importante ressaltar que, a partir das estratégias de internacionalização
implementadas, as multinacionais espanholas conseguiram compensar a queda
de ingressos tradicionais (anteriores ao processo de liberalização), diversificar o
risco e competir com outras multinacionais, inclusive européias.
4.3.2. A participação dos bancos nos processos de privatização e de internacionalização das empresas espanholas
A necessidade de recursos para financiar a internacionalização das
empresas espanholas foi parcialmente suprida pelos bancos espanhóis. Durante
os anos em que era uma empresa estatal, a Telefonica desenvolveu fortes
relações com os bancos espanhóis. No fim da década de 1970 e início da de
1980, os grandes bancos espanhóis apoiaram projetos da Telefónica e
tornaram-se sócios em alguns deles. Um exemplo disto é a aliança da
93 Maiores detalhes sobre as participações de empresas espanholas nas empresas latino-americanas podem ser encontrados em Sanchez (2002a; 2002b).
202
Telefónica com a Fujitsu na década de 1980, ocasião em que os maiores bancos
espanhóis tornaram-se sócios no projeto que visava à modernização da rede de
telecomunicações espanhola (López, 2003).
Na Espanha, os bancos tradicionalmente mantêm uma relação com a
indústria, traduzida principalmente numa participação acionária estável
(Fernández, 2003). Com isso, os bancos não só realizam investimentos nas
empresas, como também adquirem um papel ativo na gestão das mesmas.
Praticamente todos os bancos espanhóis possuem ou possuíram uma carteira
industrial.
Cabe destacar que esta relação entre o setor bancário e o setor produtivo
se viu ameaçada pela crise industrial ocorrida na Espanha durante o período de
1975 a 1985, que teve graves repercussões sobre os bancos que tinham
elevadas imobilizações industriais. Em virtude disso, os bancos passaram a
reduzir progressivamente o peso de suas carteiras industriais sobre os balanços
bancários entre 1976 e 1987 (Fernández, 2003).
Entretanto, a partir de 1988 e principalmente durante a década de 1990,
esta situação se reverteu com a implementação do programa de privatização
espanhol e com a queda da rentabilidade do setor bancário94 (Fernández, 2003).
Foi nesse período que o governo passou a estimular a participação dos bancos
e das Cajas de Ahorro95 nos processos de privatização das empresas públicas
espanholas. As oportunidades de investimento bastante atrativas nos setores
então em fase de desregulação (como o de telecomunicações e o elétrico) foram
aproveitadas pelas entidades financeiras através da tomada de participação
acionária.
De acordo com Fernández (2000 e 2003), a política do governo espanhol,
nesse caso, era estimular a participação das instituições financeiras nas
privatizações das empresas espanholas, buscando com isso a formação de
“núcleos duros” de acionistas. Estes núcleos eram compostos por um reduzido
94 A progressiva abertura do mercado de capitais e a integração européia se traduziram numa redução significativa das margens de intermediação. Isso levou os bancos e Cajas de Ahorro a buscarem fórmulas alternativas de investimento para compensar a queda da rentabilidade bancária. 95 Cajas de Ahorro são caixas de poupança de propriedade das diversas Comunidades Autônomas.
203
número de acionistas que adquiriram uma pequena participação com controle e
se comprometiam a manter tal participação durante um período mínimo de
tempo, a fim de garantir a estabilidade da composição acionária da empresa.
Dessa forma, o governo recorreu às entidades financeiras durante o processo de
privatização para que estas assumissem compromissos de longo prazo, em
troca de uma posição de controle nas empresas.
Com a constituição dos núcleos duros, buscava-se manter as empresas
vendidas sob o controle de proprietários espanhóis, o que impediria operações
de desmantelamento e descapitalização das empresas privatizadas. Segundo
esta visão, os bancos e Cajas constituíam-se em proprietários que sustentariam
um compromisso estável com a empresa para garantir a continuidade do projeto
empresarial. É importante observar que, graças a criação dos núcleos duros, foi
possível às entidades financeiras manter o controle da companhia sem a
necessidade de realizar uma grande imobilização financeira (que implicaria
maiores riscos de operação) e, ao mesmo tempo, garantir a liquidez dos títulos
adquiridos.
Destaca-se ainda que, com a participação dos bancos e das Cajas no
capital das empresas privatizadas, o governo manteria um certo controle
informal através das entidades financeiras, visando a manutenção dos
interesses nacionais (Cuervo, 2000). Foi assim que os bancos e Cajas
aproveitaram a oportunidade para se converterem em acionistas de referência,
ao fazerem parte dos núcleos duros de empresas privatizadas tais como: Ibéria,
Repsol, Endesa, Ence, Enausa e Telefonica.
Neste contexto, os bancos espanhóis, que num período anterior (de crise
industrial) buscaram se afastar dos investimentos diretos em atividades
produtivas, tomaram participação de controle em empresas privatizadas. Estes
bancos se comprometeram junto ao governo espanhol a manter sua participação
acionária nas empresas privatizadas por um período significativo. Dentre tais
bancos, podem-se citar BBVA, Banco Santander Central Hispano (BSCH), La
Caixa e Argentaria. Estes agentes aparecem de forma repetida à medida que se
204
analisa a estrutura de propriedade de muitas empresas no país (Fernández,
2000).
De acordo com Sánchez Díez (2002b), o resultado de tais movimentos é
um conjunto de participações acionárias cruzadas, que demonstram as inter-
relações entre empresas e bancos espanhóis. O processo de reestruturação do
tecido industrial espanhol deslanchado com a entrada da Espanha na UE a partir
de meados da década de 1980 pode ser percebido, portanto, com a análise
deste complexo processo no qual trocas de participações acionárias se
associam a aquisições de empresas e acordos estratégicos.
Cabe destacar o papel de dois grandes bancos espanhóis, o BSCH e o
BBVA, que lideraram o processo de investimentos espanhóis na AL através da
formação de grandes blocos financeiros que alavancaram a internacionalização
das empresas espanholas em direção àquela região. Cabe destacar que estes
bancos também estão presentes em países da América Latina através de
participações diretas em bancos e instituições dos sistemas financeiros dos
países.
O quadro 8 mostra os principais acionistas das multinacionais espanholas
com presença na América Latina. Nele, pode-se observar a forte presença dos
principais bancos espanhóis nas grandes empresas espanholas que se
internacionalizaram em direção à América Latina. Pelas informações
apresentadas, pode-se perceber, no caso do BBVA, por exemplo, que este
banco tinha participações, no ano de 2002, em empresas como Endesa (2,3%),
Iberdrola (9,5%) Repsol (9,9%) e Telefonica (6,2%).
205
Quadro 8: Principais Acionistas das Multinacionais Espanholas Presentes na América Latina96
Empresa Multinacional Principias Acionistas
Águas de Barcelona Hisusa (Suez y La Caixa): 46,78% Endesa: 11% Suez: 1,46%
Endesa La Caixa: 5% Caja Madrid: 4,9% Sepi: 2,9% BBVA: 2,3%
Unión Fenosa BSCH: 10% Caixa Galicia: 6% Banco Pastor: 4%
Gás Natural Repsol YPF: 45% La Caixa: 25%
Iberdrola BBVA: 9,5% BBK: 5% EDP:2,5% Tractebel: 4,5%
Repsol – YPF BBVA: 9,9% La Caixa: 9,9% Pemex: 5% Iberdrola: 3,5% Endesa: 2,6%
Telefonica BBVA: 6,2% La Caixa: 5% Portugal Telecom: 1,5% Chase Manhattan: 9%
Fonte: Sánchez Díez (2002b).
Esta participação dos bancos nos núcleos duros das empresas
privatizadas não só deu a elas estabilidade e continuidade em seus projetos
empresariais, como também (e principalmente) forneceu acesso a capital,
necessário para que elas implementassem suas estratégias de
internacionalização.
96 As participações acionárias dizem respeito ao ano de 2002. Nesse sentido, é possível que tenham ocorrido alterações em tais participações. No entanto, a idéia desta tabela é apenas apresentar as participações cruzadas das empresas e bancos espanhóis que têm forte presença na América Latina.
206
4.3.3. O processo de internacionalização da Telefónica
A Telefónica foi uma das primeiras empresas espanholas a se
internacionalizar. No âmbito da empresa, a internacionalização foi organizada
em fins da década de 1980, na gestão de Luis Solanas (presidente da Telefonica
no período de 1982 a 1989). A idéia implícita em tal estratégia era que, com a
globalização, o mercado espanhol seria insuficiente para propiciar e manter
sustentável o crescimento da empresa. Ademais, havia na empresa a visão de
que, dada a evolução tecnológica do setor de telecomunicações, a tendência
deste mercado seria a da permanência de algumas poucas empresas globais
com participação significativa em diferentes mercados nacionais. Outro fator
importante que contribuiu para o esforço de internacionalização foi a
incorporação da Espanha na UE e a liberalização e abertura do mercado de
telecomunicações espanhol e europeu. Conforme anteriormente mencionado,
para a Telefónica, a partir da abertura do mercado de telecomunicações a
entrada potencial de outras operadoras européias na Espanha constituía-se
como ameaça à sua sobrevivência. Dado o porte de outras operadoras
européias tais como a France Telecom e a Deutsche Telekon, dificilmente a
Telefónica conseguiria sobreviver à concorrência no ambiente europeu. Dessa
forma, a solução passou a ser a busca de novos mercados para operar.
Neste sentido, a estratégia da Telefónica para enfrentar o aumento da
concorrência (efetiva e potencial) no final da década de 1980 baseou-se na
exploração do mercado latino-americano de telecomunicações, com o objetivo
de aumentar sua competitividade diante da liberalização do setor de
telecomunicações e do processo de globalização.
A estratégia da internacionalização da Telefónica era, portanto, tornar-se
um operador global de serviços de telecomunicações, expandindo suas
operações e explorando novas linhas de serviços baseadas em inovações
tecnológicas, de forma a tornar-se internacionalmente competitiva.
No âmbito do mercado interno espanhol, de um lado havia uma forte
pressão para a liberalização e promoção da concorrência direta e indireta no
setor de telecomunicações. Neste caso, tais pressões resultariam, em algum
207
momento, em mudanças significativas na estrutura do setor de
telecomunicações e na impossibilidade de manutenção da posição de
exclusividade e domínio da Telefónica no mercado espanhol. Assim, a possível
perda do monopólio dos serviços de telecomunicações (que somente ocorreria a
partir de 1998, como discutido no início deste capítulo) constituiu-se como uma
das fontes de pressão para o processo de internacionalização da Telefónica,
forçando-a a buscar novos mercados para manter ou aumentar sua participação
no mercado global de telecomunicações.
De outro lado, havia no mercado nacional uma situação pouco favorável.
Existia uma grande demanda não atendida, que atingia aproximadamente um
milhão de linhas. Além disso, a qualidade dos serviços tinha se deteriorado e
existia a necessidade de grandes investimentos na rede telefônica e no
desenvolvimento de novos serviços (Santillana, 1997).
Santillana (1997) e INSEAD (1999) ressaltam que a experiência da
Telefónica no processo de captação de recursos internacionais contribuiu para
sua decisão de expansão internacional. A empresa tinha sido bem-sucedida na
colocação de ações em bolsas internacionais européias e norte-americanas,
bem como na captação de dívida e de capital. Na realidade, de acordo com
Casanova (1998), a colocação de ações da Telefónica em bolsas de valores
internacionais (Londres, Paris, Frankfurt, Tókio e Nova York) em fins da década
de 1980 também estava ligada à estratégia de internacionalização produtiva da
empresa. Efetivamente, este processo permitiu que a Telefónica ganhasse maior
visibilidade internacional e, além disso, tivesse acesso a capital, necessário para
realizar as aquisições de empresas de telecomunicações na América Latina.
As operações de internacionalização da Telefónica eram realizadas
através da filial do grupo, a empresa Telefónica Internacional (Tisa). A
Telefónica Internacional havia sido criada no início da década de 1980,
anteriormente ao processo de internacionalização. Quando se iniciou tal
processo, ocorreram mudanças na estrutura e na gestão da Tisa, e ela passou a
funcionar como um “banco de investimentos”. Para tanto, o Patrimônio do
Estado (órgão que pertencia ao Ministério da Economia e que era responsável
208
pela administração das empresas nas quais o Estado espanhol possuía ações)
buscou capitalizar a Tisa através da subscrição de ações. No final dos anos
1980, o Patrimônio do Estado detinha 23,77% das ações da Tisa, sendo o
restante (76,23%) da Telefónica97. A Tisa passou a ter autonomia na política de
investimento, e tinha, entre outras, a função de buscar oportunidades de
internacionalização, preparação e apresentação das propostas de compras de
ativos de empresas na América Latina.
Em resumo, o Estado espanhol transferiu recursos orçamentários de
forma indireta para a Telefônica. A capitalização da Telefónica Internacional, por
meio da entrada do Patrimônio do Estado no seu capital, contribuiu
significativamente para a estratégia da empresa, pois financiou parte do
processo de internacionalização. Vale ressaltar, conforme analisado
anteriormente, que a maior parte do processo de internacionalização da
Telefónica ocorreu enquanto a empresa era estatal, dado que a privatização
completa aconteceu somente em 1997. Neste sentido, o governo espanhol teve
grande influência em tal processo.
Como discutido na subseção 4.3.1, a análise da internacionalização da
Telefonica deve levar em consideração um fator fundamental que contribuiu para
tal processo: as oportunidades de negócio derivadas das privatizações na
América Latina, a partir do início da década de 1990.
Dessa forma, a estratégia adotada pela Telefónica em sua
internacionalização para a América Latina foi de aproveitamento das
oportunidades surgidas a partir das privatizações. A Tisa participou nos leilões
de privatização para aquisição de operadoras de telecomunicações até então
públicas, além da solicitar concessões e licenças para a exploração de serviços
de telefonia móvel celular, transmissão de dados e serviços de valor adicionado.
Preferencialmente, a estratégia de entrada da Telefonica baseava-se na
aquisição de ações com direito a voto em leilões e no estabelecimento de
97 Em 1997 a participação do Patrimônio do Estado na Tisa foi vendida através de “concurso restringido e procedimento negociado” para a própria Telefonica. Tal método de venda de ações constitui-se numa forma de privatização de empresas, utilizada pelo Estado espanhol, alternativa à Oferta Pública de Venda (OPV), isto é, os leilões de privatização utilizados na maior parte das privatizações (Sánchez Díez, 2002b).
209
contratos de gerenciamento que assegurassem o controle gerencial das
companhias nas quais passava a participar.
A entrada da Telefónica na América Latina se deu a partir da compra de
43,6% das ações da Compañia de Telecomunicaciones de Chile (CTC) em 1989
e, no ano seguinte, com a aquisição de 25,5% das ações da Telefónica de
Argentina (TASA), um dos operadores de linhas fixas que resultaram da divisão
da ENTEL, monopólio estatal argentino. Em 1991 a Telefónica participou com a
GTE num consórcio para a compra da CANTV, a companhia de telefones da
Venezuela. Em 1992 a Telefónica comprou 79% da operadora de longa
distância de Porto Rico (TLD) e em 1993 adquiriu no Chile 51% da Publiguías.
Em 1994, adquiriu uma participação de 31,5% na Telefónica del Perú e 30,8%
da Cocelco98, empresa de telefonia fixa Colombiana. Nesse mesmo ano,
adquiriu 20% da Tyssa, empresa argentina focada na prestação de serviços de
telecomunicações para clientes corporativos. Posteriormente, em 1996, a
Telefónica comprou 30% das ações da Multicanal99, empresa argentina de TV a
Cabo e mídia. No mesmo ano, a empresa adquiriu no Brasil 25,6% das ações
com direito a voto da Companhia Riograndese de Telecomunicações (CRT) por
478,8 milhões de dólares. Em 1998 comprou 50,12% das ações com direito a
voto da CRT por 1,02 bilhão de dólares. Em 1997 a Telefónica comprou, na
Argentina, 33,8% da Cablevisión (serviços de TV a cabo), o Canal 9 (canal de
TV) e 16,7% do Torneos y Competencias, relativo a direitos de Futebol.
Finalmente, no Leilão de privatização da Telebrás em julho de 1998 no Brasil, a
Telefónica adquiriu o controle da Telesp e da Tele Sudeste Celular (companhia
de telefonia celular com atuação no Rio de Janeiro e no Espírito Santo). Os
valores das transações referentes às compras de empresas brasileiras podem
ser encontrados no capítulo 3.
Deve-se ressaltar que em 2000 a Telefonica lançou a Operação Verônica,
que consistia numa operação de compra do resto das ações das empresas na
Argentina, no Brasil e no Peru nas quais já tinha participação. Além disso,
98 Em 1998 a Telefonica vendeu as ações da Cocelco. 99 Em 1998 a Telefonica vendeu 30% de sua participação no grupo Clarín, dono do Multicanal.
210
algumas alianças internacionais feitas pela Telefónica contribuíram para sua
posição de domínio sobre o mercado de telecomunicações dos países latino-
americanos. Dentre estas, destaca-se aquela feita com a Portugal Telecom em
abril de 1997, na qual foi assinado um acordo para fortalecer as estratégias
conjuntas internacionais, através das quais as duas empresas realizavam
investimentos em países estrangeiros e participavam em processos de
privatização, como o brasileiro (INSEAD, 1999).
O montante total investido diretamente em aquisições na região foi de
34.176 milhões de euros e em infraestrutura foi de 28.000 milhões de euros no
período de 1990 a 2002 (La Gaceta, 26/3/2004).
No âmbito da economia espanhola, a Telefónica se adiantou às
experiências de internacionalização da década de 1990 com as aquisições de
empresas que haviam sido privatizadas no Chile e na Argentina alguns anos
antes. Ela foi a primeira empresa espanhola a operar no mercado latino-
americano e abriu caminho para outras empresas e bancos espanhóis, cujo
montante de investimentos na América Latina tornou a Espanha, em 1998, o
maior investidor na região. É importante salientar que a Telefonica constitui-se
na única operadora européia de telecomunicações que tem aproximadamente
50% da sua EBITDA100 proveniente de fora de seu país de origem, o que
comprova a importância do mercado latino-americano em suas operações. De
acordo com as informações da tabela 21, 20,3% da EBITDA é proveniente do
Brasil, 11,3% da Argentina, 5,4% do Peru e 5,5% do Chile.
100 EBITDA refere-se a um indicador da performance financeira de uma empresa e é calculada subtraindo as despesas da receita da firma, excluindo-se destas últimas os juros, os impostos, a depreciação e a amortização.
211
Tabela 21: Distribuição da EBITDA da Telefonica por país em 2001
País % da EBITDA total
Espanha 56,9
Brasil 20,3
Argentina 11,3
Peru 5,4
Chile 5,5
Fonte: Chislett, 2002.
Existem ainda algumas outras informações que mostram a importância
das atividades da Telefonica extra-fronteiras. Comparativamente às outras
operadoras européias, a Telefonica tem a maior parcela de receitas proveniente
dos mercados internacionais, como pode ser observado na tabela 22. Enquanto
em 2001 a Telefonica tinha 47% de sua receita proveniente de operações em
mercados internacionais, a France Telecom tinha 36%, a Deutsche Telekom
possuía 27%, a British Telecom tinha 13% e a Telecom Itália possuía 12%.
Tabela 22: Participação das receitas internacionais sobre os ingressos totais para as principais operadoras européias em 2001
Operadora % da receita internacional
Telefonica 47%
France Telecom 36%
Deutsche Telekom 27%
BT 13%
Telecom Italia 12%
Fonte: Telefonica, 2002
Do total de clientes que a Telefonica possuía em 2002, mais da metade
situava-se fora da Espanha. Naquele ano, havia aproximadamente 45 milhões
de assinantes de telefonia fixa, 32,2 milhões de assinantes de telefonia móvel e
1,2 milhão de assinantes de TV a cabo fora da Espanha. O país com maior
212
base de clientes na América Latina é o Brasil, onde em 2002 concentravam-se
23,10% dos clientes da Telefonica.
A divisão dos clientes pelos diversos países onde atua é pode ser
observada no gráfico 16.
Fonte: Telefonica, 2002.
Os investimentos realizados pela Telefonica nos países da América
Latina desde fins da década de 1980 até 2002 podem ser observados no gráfico
17. Mais uma vez, o Brasil se destaca como o país de destino do maior volume
de investimentos (aproximadamente US$ 16,3 bilhões) que a Telefonica realizou
em países da América Latina.
Gráfico 16: Divisão da base de clientes daTelefonica por países
Espanha 49,10%
Brasil 23,10%
Argentina 8,60%
Venezuela 6,30%
Chile 5,60% Peru 4,10%
Outros 3,20%
213
Fonte: Telefonica, 2002
4.4. Conclusão
Este capítulo teve como objetivo principal analisar o processo de
internacionalização da Telefonica em direção à América Latina no contexto do
processo de reestruturação do setor de telecomunicações na Espanha. Para
isso, inicialmente foi feita uma breve descrição da trajetória de evolução do setor
de telecomunicações espanhol. Desde o surgimento da principal companhia de
telecomunicações espanhola, a Telefonica, até os dias atuais, a empresa, que
foi originalmente criada como uma subsidiária da norte-americana ITT, passou
por um processo de estatização durante o governo do general Franco e foi
privatizada na segunda metade da década de 1990.
O processo de reestruturação do setor de telecomunicações espanhol,
que promoveu a liberalização dos diversos serviços e a privatização da
Telefónica, foi fortemente influenciado pelo ingresso da Espanha na UE e pelas
mudanças implementadas na regulação européia do setor de telecomunicações.
Neste sentido, cabe ressaltar que a introdução das reformas na Espanha
(e nos outros países europeus) foi muito mais gradual do que no Brasil. Isso
permitiu uma maior organização do aparato regulatório espanhol e,
Gráfico 17: Investimentos da Telefonica por País na América Latina (em US$ milhões)
6.906
3.915
2.069673 307 384
16.293
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
Brasil Argentina Peru México Chile Venezuela Outros
214
conseqüentemente, o desenvolvimento de normas e regras de funcionamento do
mercado de telecomunicações espanhol que tornaram a reestruturação na
Espanha mais bem-sucedida e favoreceram o processo de internacionalização
da Telefonica. Este ponto será retomado no próximo capítulo.
Do ponto de vista do mercado de serviços de telecomunicações espanhol,
a Telefonica permanece como operadora dominante nos diversos segmentos de
serviços. Em alguns deles, como o de telefonia fixa (onde a Telefonica tinha em
2003 aproximadamente 90% de participação) ou o de comunicações de dados
(no qual a Telefonica possuía uma participação de aproximadamente 96% em
2001), pode-se afirmar que a Telefonica mantinha o monopólio destes
mercados.
A reestruturação das telecomunicações na Espanha seguiu as diretrizes
européias, cujo principal objetivo era a liberalização do setor, porém, dado o
reconhecimento de seu caráter estratégico, percebeu-se a necessidade de
realização de mudanças graduais e a importância da participação do capital
nacional na privatização das incumbentes. Nesse sentido, e diferentemente do
que ocorreu no Brasil, o modelo de privatização da operadora incumbente na
Espanha (Telefonica) preocupava-se com a preservação da empresa sob
domínio do capital espanhol e com a manutenção da capacidade de intervenção
do governo espanhol nas decisões estratégicas. O sistema financeiro espanhol,
principalmente os bancos e as Cajas de Ahorro, que já tinham uma relação
tradicional com o setor industrial, participou do processo de privatização dos
grandes monopólios espanhóis, estimulados pelo governo. A finalidade era a
formação de “núcleos duros” em tais empresas, constituídos por um reduzido
número de acionistas, que adquiriam uma pequena participação com controle e
se comprometiam a manter tal participação durante um período mínimo de
tempo, com o objetivo de garantir a estabilidade da composição acionária da
empresa.
Além de estimular a participação de grupos e bancos nacionais no
processo de privatização, o governo espanhol conservou a golden share,
possibilitando a sua participação em decisões estratégicas da empresa e
215
mantendo sua capacidade de intervenção na escolha do presidente e de
diretores da empresa. Este fato beneficiou a empresa e ajudou a fortalecer sua
competitividade e sua inserção nos mercados estrangeiros. Nesse sentido, o
sucesso do processo de internacionalização da Telefonica também está
associado à forma como foi conduzido o processo de reestruturação do setor de
telecomunicações na Espanha.
A escolha da América Latina como destino da internacionalização das
empresas espanholas justifica-se por vários aspectos, como foi discutido neste
capítulo, mas o principal é a simultaneidade e a complementaridade entre as
reformas estruturais implementadas na Espanha e na América Latina. Neste
sentido, as reformas latino-americanas da década de 1990 viabilizaram e
estimularam o processo de internacionalização das empresas espanholas para a
região, na medida em que criaram as oportunidades necessárias para a compra
das empresas latino-americanas. A reestruturação do setor de telecomunicações
espanhol resultou no fortalecimento da Telefonica, favorecendo a aquisição das
principais incumbentes dos países da América Latina, os quais promoveram
privatizações e vendas de seus ativos, em geral sem limitações à participação
do capital estrangeiro.
216
Capítulo 5: Impactos da Reestruturação das telecomunicações sobre os sistemas nacionais de inovação no Brasil e na Espanha
5.1. Introdução
Os processos de reestruturação das telecomunicações no Brasil e na
Espanha discutidos nos capítulos 3 e 4, tiveram significativos impactos nos
respectivos sistemas de inovação. O objetivo deste capítulo é analisar tais
impactos, diferenciando-os de acordo com os componentes dos sistemas de
cada país.
A seção 5.2 apresenta e discute os principais impactos do processo de
reestruturação sobre o sistema de inovação de telecomunicações brasileiro.
Inicialmente, apresentam-se as principais políticas, bem como alguns aspectos
relevantes do modelo de privatização das telecomunicações que tiveram
influência sobre a configuração atual do sistema de inovação brasileiro. Em
seguida, são analisados os impactos da reestruturação sobre os principais
agentes do sistema de inovação: a indústria brasileira de equipamentos de
telecomunicações e o CPqD. No âmbito da discussão a respeito dos impactos
da reestruturação sobre a indústria de equipamentos de telecomunicações, são
analisadas a evolução recente e a configuração atual de tal indústria, bem como
dois casos de empresas selecionadas para ilustrar os efeitos da reestruturação
sobre a indústria nacional de equipamentos. Além disso, são apresentados os
instrumentos de apoio direto à indústria de equipamentos de telecomunicações e
à capacitação tecnológica. No âmbito da análise do novo papel do CPqD no
sistema de inovação, ênfase é dada às perspectivas do projeto atual de TV
Digital que está sendo parcialmente coordenado pelo Centro. Finalmente, são
fornecidos alguns dados gerais relacionados aos impactos da reestruturação
sobre os investimentos em P&D e inovação do segmento de equipamentos de
telecomunicações.
A seção 5.3 analisa os principais resultados do processo de
reestruturação das telecomunicações na Espanha e particularmente da
internacionalização da Telefonica do ponto de vista do sistema de inovação. A
217
importância das políticas adotadas pelo governo espanhol, no âmbito do
processo de reestruturação das telecomunicações, bem como alguns aspectos
relacionados ao modelo de privatização adotado são destacados inicialmente.
Em seguida, na seção 5.3.2 os resultados da reestruturação sobre os agentes
mais relevantes do sistema de inovação de telecomunicações espanhol são
discutidos. Destaca-se, neste caso, o papel desempenhado pela Telefónica
Investigación & Desarrollo no processo de internacionalização, bem como os
impactos de tal processo sobre a indústria espanhola de equipamentos de
telecomunicações. Os reflexos sobre a indústria de equipamentos são
analisados separadamente no que diz respeito às subsidiárias de empresas
multinacionais e às empresas de capital nacional.
Finalmente, a seção 5.4 apresenta as principais conclusões do capítulo.
5.2. Impactos da reestruturação sobre o sistema de inovação de
telecomunicações brasileiro
Conforme analisado no capítulo 3, ao longo das décadas de 1970 e 1980,
constituiu-se e desenvolveu-se no Brasil um sistema de inovação de
telecomunicações. Neste processo, as políticas implementadas pelo Estado
brasileiro, especificamente através do Ministério das Comunicações, tiveram um
papel fundamental. Como é possível observar na figura 1 daquele capítulo, o
sistema de inovação era coordenado a partir da holding das operadoras de
serviços de telecomunicações, a Telebrás. Um conjunto de empresas nacionais
de equipamentos de telecomunicações, assim como a principal instituição
brasileira de pesquisa da área de telecomunicações (o CPqD), foram criados
nesse período. As subsidiárias das empresas multinacionais que já operavam no
Brasil se envolveram nas atividades ligadas ao processo de desenvolvimento de
tecnologia nacional. Os resultados principais da constituição do sistema de
inovação foram o surgimento e a difusão de um conjunto de produtos
desenvolvidos a partir de tecnologia brasileira, os quais levaram a uma
economia considerável de recursos financeiros na expansão do sistema de
telecomunicações brasileiro (Szapiro, 1999). O sistema de inovação de
218
telecomunicações brasileiro era considerado como um dos mais desenvolvidos
entre os países em desenvolvimento (Mytelka, 1999; Hobday, 1990).
O processo de reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro na
década de 1990 produziu diversos impactos sobre o sistema de inovação,
alterando por completo sua dinâmica e configuração. Embora os reflexos da
reestruturação tenham causado efeitos sobre todos os componentes do sistema
de inovação, neste capítulo serão analisados especificamente os impactos sobre
a indústria nacional de equipamentos e sobre o CPqD, além do papel
desempenhado pelas políticas.
A análise de três componentes específicos do sistema de inovação
(políticas, indústria de equipamentos e CPqD) não esgota a discussão sobre os
impactos do processo de reestruturação das telecomunicações. Ela se justifica,
entretanto, a partir de um conjunto de fatores. Em primeiro lugar, a escolha do
CPqD deve-se ao fato de este ser a principal instituição de P&D do setor de
telecomunicações brasileiro. Como foi argumentado no capítulo 3, no período
anterior à reestruturação o CPqD funcionava como o agente crucial na dinâmica
do sistema. Apesar de existirem outras importantes instituições de P&D na área
de telecomunicações no Brasil, o CPqD era e segue sendo o de maior
relevância, dado o montante de recursos destinados à pesquisa e o leque de
atividades desenvolvidas.
Em segundo lugar, a indústria de equipamentos de telecomunicações foi
responsável, junto ao CPqD e às operadoras de serviços da Telebrás, pelo
desenvolvimento de uma ampla gama de produtos nacionais, com tecnologia
nacional. Atualmente, o setor de telecomunicações incorpora um conjunto de
empresas de outros segmentos em virtude do processo de convergência
tecnológica discutido no capítulo 2. No entanto, e com vistas a proporcionar uma
análise evolutiva do segmento de equipamentos de telecomunicações, este
segmento foi selecionado para a discussão dos impactos sobre o sistema de
inovação. Não obstante o fato de que atualmente diversos outros segmentos de
empresas fazem parte do sistema de inovação de telecomunicações (como as
219
fabricantes de software, por exemplo), sua análise demanda um esforço de
pesquisa que vai além do escopo desta tese.
Finalmente, as políticas, componentes fundamentais dos sistemas de
inovação (conforme discutido no capítulo 1), que no período anterior à
reestruturação foram fundamentais para a constituição e desenvolvimento do
sistema de inovação, atualmente têm influência muito menor sobre a
capacitação tecnológica nacional. A razão desta mudança e seus reflexos sobre
a dinâmica do sistema de inovação serão discutidas nesta seção.
As operadoras de serviços de telecomunicações, que antes da
reestruturação contribuíam significativamente no processo de capacitação
tecnológica nacional, atualmente têm função marginal em tal processo. Neste
caso, o papel das operadoras no sistema de inovação não será analisado em
profundidade nesta seção, apesar de ser mencionado ao longo do capítulo. Isso
ocorre porque a reestruturação do setor teve como resultado a redução
substancial da participação das mesmas no sistema de inovação. Em geral, tais
operadoras atualmente têm ligações com centros de pesquisa fora do Brasil e
fornecedores de equipamentos estrangeiros específicos, e as encomendas às
empresas de capital nacional e ao CPqD foram (e são) bastante limitadas. A
única exceção, como será visto, é o caso da Telemar, principal operadora de
capital nacional, que manteve parte das demandas de equipamentos fornecidos
por fabricantes de capital nacional e produzidos com tecnologia nacional.
Há que se considerar ainda o papel da Anatel, órgão regulador do setor,
que, em princípio, passaria a coordenar e planejar, juntamente com o Ministério
das Comunicações, o setor de telecomunicações e, conseqüentemente, o
sistema de inovação. Neste caso, a agência teria uma função importante no
sistema que, no entanto, não vem sendo desempenhada. Sua ação, entretanto,
se restringiu à regulamentação do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico
das Telecomunicações Brasileiras (Funttel). Por esta razão, embora se
reconheça que a Anatel faz parte do sistema de inovação de telecomunicações,
as atividades e a relevância da agência neste contexto não será exaustivamente
analisada.
220
Esta seção está organizada em três partes. A primeira delas aborda as
principais políticas e instrumentos adotados após a reestruturação do setor, que
produziram algum tipo de efeito sobre o sistema de inovação. Além disso, os
problemas encontrados no modelo de privatização da Telebrás serão
brevemente apontados, visto que tiveram importantes conseqüências sobre a
atual dinâmica do sistema de inovação.
A segunda parte compreende as mudanças provocadas sobre a indústria
nacional de telecomunicações. Neste caso, são destacados os principais
instrumentos de apoio à indústria nacional de equipamentos de
telecomunicações, a evolução recente desta indústria e os impactos sobre duas
empresas específicas: a Asga e a Trópico.
A terceira parte destaca os impactos das mudanças estruturais sobre o
CPqD.
5.2.1. Principais políticas relacionadas ao Sistema de Inovação
De forma geral, a idéia básica do processo de liberalização do setor de
telecomunicações no Brasil (e da economia como um todo) era de que quanto
maior a abertura ao capital estrangeiro e menor a intervenção do Estado na
economia, maior seriam os benefícios ao país advindos a partir de tais
mudanças.
Conforme enfatizado anteriormente, a reestruturação da economia
brasileira insere-se num conjunto mais amplo de reformas estruturais
implementado em toda a América Latina, incluindo a abertura das economias ao
capital e à concorrência estrangeiros, a liberalização econômica e a
desregulação e privatização de setores até então dominados pelo Estado. Antes
deste novo regime de política, os países latino-americanos eram marcados por
uma forte intervenção do Estado, assim como o eram os países avançados a
partir do fim da Segunda Guerra. A mudança na orientação de política visava ao
crescimento da produtividade, à maior competitividade internacional e ao acesso
aos benefícios das novas tecnologias. De modo geral, os governos latino-
americanos que implementaram tais reformas na década de 1990 na região
221
acreditavam que a maior abertura ao capital estrangeiro seria responsável pela
modernização tecnológica da economia, bem como pelo aumento das
exportações.
No entanto, passados alguns anos da implementação das reformas
estruturais nos países da América Latina, os resultados observados estão longe
do que se esperava.
De fato, uma das grandes conquistas na década de 1990 das economias
latino-americanas foi a estabilização econômica. A inflação (e em alguns casos a
hiperinflação) foi um problema que durante muito tempo afetou a região, e a sua
superação pode ser considerada como um grande ganho econômico e social
para tais países. Outros efeitos das reformas estruturais, entretanto, destacam
um balanço negativo, em termos de eficiência produtiva e eqüidade distributiva.
Como exemplo, pode-se observar que o aumento de produtividade foi inferior ao
crescimento obtido no período da política de substituição de importações, em
muitos dos países da região o desemprego estrutural cresceu, a qualidade dos
empregos gerados diminuiu e a população carente de serviços sociais aumentou
(Katz, 2000). Deve-se ressaltar que, apesar deste quadro geral, as reformas
estruturais produziram efeitos diferenciados nos diversos países da América
Latina e nos vários setores industriais.
No Brasil, a estabilização econômica foi atingida a partir de 1994 com a
adoção do Plano Real, mas as reformas estruturais produziram efeitos negativos
em diversas áreas da economia. Em particular, no caso da privatização de
setores até então dominados pelo Estado, o modelo escolhido pelo governo em
geral não foi bem-sucedido do ponto de vista da produção e da tecnologia
nacionais. Este foi especialmente o caso do processo de reestruturação do setor
de telecomunicações adotado a partir de 1995.
A demanda por recursos no curto prazo dos governos latino-americanos
que passaram a privatizar seus setores de infra-estrutura e a suposição de que a
passagem da propriedade pública para a privada automaticamente levaria a uma
melhora do bem-estar do consumidor trouxeram diversos problemas. Em alguns
casos, o que ocorreu foi a simples passagem de um monopólio público para um
222
monopólio privado, sem que isso tenha se traduzido numa melhora da situação
dos consumidores dos serviços privatizados. A necessidade urgente de entrada
de recursos nos processos de privatização para sanar as contas públicas
imprimiu uma lógica financeira nas reformas dos setores de infra-estrutura. Isso
porque os modelos adotados, em geral, buscavam maximizar a entrada de
recursos no curto prazo, deixando de considerar aspectos estratégicos
associados à agregação local de valor e à tecnologia na passagem das estatais
para o setor privado. O processo de privatização das telecomunicações no Brasil
ilustra bem estes aspectos.
A necessidade de agentes reguladores fortes e independentes que
acompanhassem os programas de reestruturação e privatização dos diversos
setores até então caracterizados por monopólio foi, de maneira geral,
subestimada (Katz, 2000; 2005). Dessa forma, alguns dos maiores objetivos de
tais reformas - a instalação de concorrência e a melhoria de bem-estar do
consumidor - foram comprometidos ainda mais pelo modelo adotado e pela
dificuldade e demora na criação das agências de regulação. No processo de
reestruturação das telecomunicações brasileiras, a Anatel começou a funcionar
efetivamente poucos meses antes da privatização da Telebrás, enfraquecendo
sua capacidade de ação junto às novas concessionárias. Além disso, os
instrumentos disponíveis para fomentar a capacitação tecnológica nacional são
frágeis e, em geral, a Agência encontra dificuldade na execução de suas
funções101.
O processo de criação da Anatel não foi o único problema do modelo de
privatização das telecomunicações adotado no Brasil. A escolha de tal modelo
envolveu grande polêmica nos anos que antecederam a privatização.
Inicialmente, cabe destacar que o governo contratou consultorias
internacionais para elaborar o quadro de referência do processo de privatização,
da Lei Geral de Telecomunicações e do órgão regulador. Esta contratação
101 Da mesma forma, no caso da reestruturação do setor elétrico, a Light e a Escelsa (empresas de distribuição de energia elétrica) foram privatizadas antes da criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
223
suscitou fortes críticas por parte dos especialistas no setor, pois afirmava-se que
este processo deveria ser liderado por grupos nacionais.
Além disso, o estabelecimento do preço mínimo de venda da Telebrás a
partir dos estudos realizados pelas consultorias internacionais levou a um amplo
debate, sendo que diversos especialistas afirmaram que o preço estabelecido
encontrava-se muito abaixo do real valor da empresa (GAT/Coppe/UFRJ, 1998).
Um dos maiores problemas do modelo de privatização da Telebrás foi a
decisão de fragmentação da empresa. Tal decisão estava na contra-mão de
todos os modelos implementados em outros países (com exceção dos EUA,
onde vigorava uma situação bastante diferente da maioria dos países), que
buscavam fortalecer seus operadores nacionais para viabilizar sua
internacionalização, com vistas a tornarem-se global players. Nesse sentido,
como foi discutido no capítulo 2, a tendência do mercado de serviços de
telecomunicações passou a ser crescentemente de concentração em torno de
grandes operadoras, com estratégias internacionais agressivas. Na medida em
que o sistema Telebrás foi fragmentado em três empresas regionais e uma de
longa distância, a possibilidade de que uma destas empresas tivesse
capacidade de tornar-se um agente global e adotasse estratégias de
internacionalização tornou-se bastante reduzida.
Diferentemente da reestruturação do mercado de serviços de telefonia
celular, no mercado de telefonia fixa não houve restrições à participação do
capital estrangeiro nem requerimentos em termos de participação do capital
nacional nos consórcios. De acordo com as informações disponibilizadas e
analisadas no capítulo 2, apesar da recente liberalização, a maioria dos países
mais avançados mantém restrições à participação do capital estrangeiro no setor
de telecomunicações.
A fragmentação da Telebrás para privatização, juntamente com a
possibilidade de predomínio de maioria de capital estrangeiro nos consórcios
que participaram do processo de privatização no Brasil, trouxe grande
preocupação em relação aos rumos da tecnologia e da indústria de
equipamentos de telecomunicações nacionais. Este quadro foi agravado pela
224
ausência no modelo de um mecanismo eficiente que obrigasse as
concessionárias privatizadas a direcionar parte de suas encomendas para as
empresas de capital nacional que produzem equipamentos com tecnologia
nacional. As novas regulações e políticas de privatização não forneceram
incentivos adequados para o desenvolvimento tecnológico local (Tigre, 2000).
No Brasil (e nos outros países da América do Sul), as políticas de
privatização não só deixaram de apresentar restrições ao capital estrangeiro
(como o fazem os países mais desenvolvidos), como discriminaram
implicitamente os investidores locais (Tigre, 2001). Isso porque as políticas
macroeconômicas de curto prazo foram desenhadas para atrair capital
estrangeiro, muitas vezes inviabilizando ou dificultando a participação do capital
nacional nos processos de privatização.
De fato, a combinação entre as reformas estruturais da década de 1990,
a adoção do modelo de privatização acima descrito e a forte presença do capital
estrangeiro no processo de reestruturação resultaram no enfraquecimento do
sistema de inovação de telecomunicações brasileiro. Dessa forma, ocorreu uma
destruição do arcabouço institucional de planejamento e coordenação das
atividades de capacitação industrial e tecnológica existente nas décadas de
1970 e 1980, que havia promovido o desenvolvimento do sistema de inovação
de telecomunicações, sem que paralelamente tenha ocorrido a criação de uma
nova institucionalidade. Isso resultou na desorganização do sistema de
inovação, cujas relações e interações entre os agentes que antes deram origem
às principais inovações do setor foram reduzidas ou extintas.
5.2.2. Principais agentes do sistema de inovação
Nesta seção serão analisados os principais agentes do sistema de
inovação. Inicialmente, serão discutidas as transformações mais importantes
ocorridas no âmbito da indústria de equipamentos, as quais serão apresentadas
sob três óticas distintas: a evolução recente e a configuração atual da indústria
de equipamentos; o caso de duas empresas nacionais de equipamentos de
225
telecomunicações (AsGa e Trópico); e os instrumentos de apoio direto à
indústria de equipamentos.
Em seguida, será analisado o novo papel do CPqD no sistema de
inovação após a privatização e sua transformação em Fundação privada. Nesta
subseção apresenta-se, ainda que brevemente, as perspectivas do sistema de
inovação, principalmente no que concerne ao projeto de TV digital, atualmente
em processo de desenvolvimento.
Finalmente, a última subseção avalia os impactos da reestruturação do
setor de telecomunicações sobre os investimentos em P&D e inovação.
5.2.2.1. A indústria de equipamentos de telecomunicações
5.2.2.1.1. Evolução recente e configuração atual da indústria de equipamentos de telecomunicações
Historicamente, a indústria de equipamentos de telecomunicações
brasileira contou com ampla participação de subsidiárias de empresas
multinacionais102. Empresas como Ericsson, NEC e Siemens operam no Brasil
há algumas décadas. Outras multinacionais, tais como Alcatel, Motorola, Nortel,
Nokia e Lucent, passaram a produzir no Brasil ao longo da década de 1990.
Algumas empresas nacionais de equipamentos de telecomunicações foram
criadas no bojo de um processo deliberado de desenvolvimento de capacitação
industrial e tecnológica em telecomunicações, liderado pelo governo brasileiro
ao longo das décadas de 1970 e 1980.
Como analisado no capítulo 3, a indústria de equipamentos de
telecomunicações sofreu poucas alterações com a abertura comercial
implementada no início dos anos 1990, comparativamente àquelas que
resultaram do processo de reestruturação da segunda metade da década.
De forma geral, as empresas nacionais buscaram reduzir custos, por
meio do corte de pessoal e da terceirização de etapas do processo de produção.
102 Para maiores informações sobre a história da indústria nacional de equipamentos de telecomunicações no Brasil, ver Moreira (1989), Augusto (1999) e Szapiro (1999).
226
Muitas vezes estes cortes se manifestaram através da redução dos
investimentos em P&D. Foi ainda marcante o estabelecimento de parcerias entre
empresas nacionais e multinacionais, visando o acesso a produtos
tecnologicamente mais avançados ainda não disponíveis no mercado brasileiro,
para compor sistemas completos de soluções para a Telebrás. Outro aspecto
deste período a ser destacado foi a entrada de novas empresas multinacionais
graças à aquisição de empresas nacionais ou de associações com as mesmas.
As grandes transformações enfrentadas pela indústria de equipamentos
de telecomunicações ocorreram, principalmente, a partir da privatização da
Telebrás em 1998, que fez parte do processo de reestruturação do setor iniciado
em 1995. De fato, foram criados alguns instrumentos voltados para a promoção
da indústria e tecnologia nacionais, como será discutido na seção 5.2.2.1.3. No
entanto, tais instrumentos não foram suficientes para garantir e estimular o
processo de capacitação tecnológica, nem para viabilizar a sobrevivência das
empresas nacionais de equipamentos de telecomunicações. Assim, o primeiro
impacto do processo de reestruturação destacado a seguir é o aumento
significativo do grau de internacionalização e conseqüente desnacionalização da
indústria brasileira de equipamentos. Em seguida, a análise recai sobre o
processo de deterioração da balança comercial e, finalmente, sobre a evolução
das estratégias de P&D e de inovação das empresas e das atividades inovativas
do sistema de inovação.
• Internacionalização e desnacionalização da indústria
A entrada das operadoras internacionais a partir da privatização
(Telefonica, Portugal Telecom, MCI, Telecom Itália, entre outras) e o fim da
política de compras da Telebrás tiveram profundos impactos sobre a indústria
nacional de equipamentos de telecomunicações e sobre o processo de
capacitação tecnológica e inovativa no Brasil.
A ausência, na legislação e na regulação brasileiras, de garantias de fato
à sobrevivência das empresas e tecnologias nacionais ampliou o grau de
internacionalização da indústria brasileira de equipamentos de
227
telecomunicações. O processo de aquisição de empresas nacionais por
empresas estrangeiras, iniciado no começo da década de 1990, se aprofundou a
partir da privatização da Telebrás.
As novas operadoras (não só aquelas que entraram na privatização, mas
também as outras que compraram licenças e autorizações para explorar
serviços, ou ainda aquelas que adquiriram as concessionárias) em geral têm
estratégias globais de fornecimento (Tigre, 2000; Doria et al., 1999). Isso
significa que elas aproveitam o fato de operar em mais de um mercado, e
buscam obter economias de escala e escopo nas suas encomendas de
equipamentos103.
Nesse sentido, considerando que a maioria das operadoras presentes
desde a privatização da Telebrás no mercado brasileiro é de origem estrangeira,
os fornecedores de equipamentos de telecomunicações multinacionais já
presentes no mercado brasileiro (Ericsson, Siemens, Alcatel, entre outros) e
aqueles que foram atraídos pelas novas oportunidades de negócios abertas pela
privatização (Lucent e Cisco, entre outros) foram beneficiados, em detrimento
dos fornecedores nacionais. Estes últimos, em muitos casos, foram obrigados a
sair do mercado ou foram adquiridos em virtude de não terem conseguido
sobreviver no mercado mais internacionalizado e concorrencial. Adiciona-se a
isso o fato de as políticas neoliberais adotadas no Brasil na década de 1990 (e
na América Latina em geral) terem reduzido substancialmente ou eliminado as
barreiras tarifárias e não tarifárias à importação de produtos da indústria de
tecnologia da informação (Tigre, 2000). O aumento da concorrência com
equipamentos importados levou muitas empresas nacionais a fecharem ou
serem adquiridas por outras empresas, em geral multinacionais.
O resultado dos processos de entrada de novas subsidiárias e aquisições
e fechamento de empresas nacionais foi a crescente desnacionalização da
indústria brasileira de equipamentos de telecomunicações, o que pode ser
observado na tabela 23.
103 Este é o caso relatado, por exemplo, por executivos da Telefonica. Atualmente, o procedimento de aquisições globais pelas operadoras internacionais tornou-se usual.
228
Tabela 23: Participação de mercado das empresas fabricantes de equipamentos de telecomunicações em termos de faturamento por origem
do capital em anos selecionados
Controle do capital votante
1988 1997 2000 2003
Nacional 77% 41,5% 8,7% 4,3%
Estrangeiro 23% 58,5% 91,3% 95,7% Fonte: Elaboração própria com base em Oliva, 2002, e Anuário Telecom, 2004.
A tabela 23 ilustra o processo de desnacionalização pelo qual a indústria
de equipamentos de telecomunicações passou. Em 1988, ano em que o sistema
de inovação estava significativamente desenvolvido e diversos produtos
contendo tecnologia nacional estavam sendo introduzidos na expansão do
sistema Telebrás, a participação das empresas nacionais em termos de
faturamento no total do mercado era de 77%, ao passo que a das empresas de
capital estrangeiro era de 23%. Em 1997, portanto um ano antes da privatização
da Telebrás, quando a indústria brasileira como um todo havia passado por um
processo de abertura e liberalização comercial, a participação das empresas
nacionais tinha se reduzido para 41,5% e a das estrangeiras tinha se ampliado,
atingindo 58,5%. No ano de 2000, dois anos após a privatização, ou seja,
quando os reflexos da privatização já estavam evidentes, o grau de
internacionalização da indústria tinha se ampliado substancialmente: as
empresas estrangeiras passaram a responder por uma participação de 91,3% do
faturamento total da indústria de equipamentos, ao passo que a indústria
nacional respondia por somente 8,7%. Finalmente, em 2003, aprofundou-se
ainda mais a desnacionalização da indústria de equipamentos de
telecomunicações, tendo-se expandido a participação de mercado das empresas
estrangeiras para 95,7%, enquanto a participação de mercado das empresas
nacionais reduziu-se para 4,3%.
De fato, o processo de desnacionalização e o aumento do grau de
internacionalização ocorridos ao longo da década de 1990 resultaram
229
basicamente da desregulamentação do setor de telecomunicações. Neste
aspecto, contribuiu fortemente a privatização da Telebrás e a decorrente entrada
das novas operadoras internacionais. As empresas nacionais tiveram
dificuldades de enfrentar estes novos cenários que marcaram aquela década e
acabaram sendo adquiridas por multinacionais.
Exemplos dos casos de empresas que foram compradas por
multinacionais em conseqüência do novo contexto de concorrência são a
Condulli (adquirida pela Furukawa em 1996), a Mapra Indústria e Comércio
(adquirida pela Andrew em 1997), a Batik e a Zetax (adquiridas pela Lucent em
1999), a Cook Electric (adquirida pela Corning), a Saturnia (adquirida pela
Invensys) e a Xtal (adquirida pela Fibercore) (Oliva, 2002). Em alguns casos,
estas aquisições estão ligadas à busca por ampliação de posição de mercado
por parte das multinacionais e, em outros, representam uma forma de ingresso
no mercado brasileiro. Neste último caso, as aquisições da Lucent ilustram o tipo
de estratégia de entrada no mercado utilizado por multinacionais.
A Lucent Technologies entrou no mercado brasileiro em 1999 a partir da
aquisição de duas empresas brasileiras fabricantes de equipamentos, a Batik e a
Zetax (fundadas respectivamente em 1980 e 1987). Estas empresas haviam
desenvolvido centrais de comutação de pequeno e médio portes com tecnologia
própria (ZTX-610 e ELCOM) e possuíam, juntas, aproximadamente 6% da planta
digital de telefonia fixa instalada em 1998 (Szapiro, 1999). As duas empresas
não suportaram a concorrência e a estagnação das encomendas decorrentes do
período imediatamente após o processo de privatização, o que causou sérias
dificuldades financeiras. Além disso, as novas operadoras não indicaram
perspectivas de retomada das encomendas de equipamentos nas empresas,
comprometendo sua sobrevivência neste cenário.
Cabe ressaltar que a entrada de empresas chinesas, tais como a Huawei
(em 1999) e a ZTE (em 2004), afetou significativamente o mercado de
equipamentos de telecomunicações brasileiro. A primeira delas é composta por
acionistas chineses privados e a segunda é uma estatal chinesa. Ambas as
empresas têm fábrica em São Paulo e fornecem linhas completas de
230
equipamentos, tanto para o segmento de telefonia fixa como para o móvel.
Neste último caso, as empresas dispõem de equipamentos com tecnologia GSM
bem como de CDMA.
A estratégia de entrada das empresas chinesas no mercado brasileiro é
através da oferta de equipamentos de telecomunicações com preços em geral
abaixo dos concorrentes. Este fato obrigou muitos fabricantes de equipamentos
a reduzir os preços de seus equipamentos para se manterem no mercado. As
empresas chinesas são acusadas, por vezes, de fazerem dumping. No entanto,
no caso da Huawei, por exemplo, a empresa justifica seus baixos custos pela
alta escala de produção e por seus altos investimentos em P&D104.
De qualquer forma, um dos grandes problemas associados à entrada das
empresas chinesas é que elas são intensivas em importações e têm reduzido
nível de agregação local de valor.
No contexto das transformações observadas no mercado nacional de
equipamentos de telecomunicações desde a privatização da Telebrás, poucas
empresas nacionais sobreviveram ao processo de reestruturação. Aquelas que
sobreviveram são, em geral, de pequeno ou médio porte, com atuação em
segmentos com reduzido grau de especialização tecnológica (fios e cabos e
componentes, partes e peças) e outras operam em nichos com maior grau de
especialização. Neste último caso, situam-se empresas que se capacitaram a
partir de esforços internos, em projetos conjuntos com o CPqD ou em parcerias
com empresas estrangeiras (Oliva, 2002). Destacam-se, neste grupo de
empresas: a Daruma e a Icatel, no segmento de telefones públicos a cartão; a
Asga, a Parks e a Digitel, no segmento de modems; e a Monytel, a Dígitro e a
Intelbrás, no segmento de aparelhos telefônicos e PABX (Gutierrez e Crossetti,
2003).
O maior problema associado aos processos de internacionalização e
desnacionalização é que em geral deles decorre uma redução significativa da
agregação local de valor. Além disso, as empresas estrangeiras tendem a
104 Neste aspecto, é interessante notar que a Huawei tem 22 mil funcionários no mundo, dos quais aproximadamente 10 mil estão ligados a atividades de P&D nos diversos laboratórios da empresa. Os investimentos em atividades de P&D atingem aproximadamente 12% do faturamento global da empresa.
231
investir menos no desenvolvimento local de tecnologia, ao passo que as
nacionais geralmente têm maior nível de investimentos em atividades de P&D e
inovativas (Szapiro, 1999; 2003).
Cabe salientar que este processo de desnacionalização não foi exclusivo
do setor de telecomunicações, nem do Brasil. Na realidade, diversos setores
econômicos no Brasil e em outros países da América Latina passaram por um
profundo processo de desnacionalização.
• Balança comercial
Outro impacto extremamente importante da reestruturação do setor de
telecomunicações sobre a indústria de equipamentos de telecomunicações foi o
aumento do déficit comercial, principalmente entre os anos de 1998 e 2001. Foi
nesse período que as operadoras de serviços concentraram grande parte de
seus investimentos, em virtude do cumprimento e antecipação das metas de
universalização. As informações sobre o déficit comercial para o período de
1996 a 2004 podem ser encontradas na tabela 24.
232
Tabela 24: Balança comercial da indústria de equipamentos de telecomunicações no Brasil (em US$ milhões)
DISCRIMINAÇÃO 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004IMPORTAÇÕES 2.087,5 2.752,6 2.682,1 2.710,8 3.434,9 3.752,9 1.510,8 1.482,6 2.306,8 Terminais Telefônicos 25,4 51,3 43,4 32,0 47,3 36,9 25,9 21,4 25,9 Comutação de Voz e Dados 108,2 207,6 219,9 279,5 435,5 446,2 106,7 28,9 50,0 Multiplexação 79,8 152,8 144,3 180,1 299,8 312,9 68,5 49,4 89,6 Partes e Peças p/ Comutação e Multiplexação 170,0 242,4 292,7 328,6 471,0 427,2 94,5 101,2 177,0 ERB´s 588,5 509,5 294,6 224,7 44,5 85,3 21,9 31,3 55,5 Telefones Celulares 0,0 27,3 120,6 110,4 4,7 13,6 30,3 84,5 158,3 Roteadores Digitais 162,3 88,4 103,4 170,5 274,9 294,6 77,9 52,5 66,3 Outros Transmissores 31,2 318,4 335,7 213,9 311,0 378,9 137,7 82,2 137,0 Outros Aparelhos de Telecomunicações 177,7 229,1 230,2 140,1 264,8 402,0 208,7 138,5 129,0 Fios, Cabos e Outros Condutores 261,0 312,6 296,1 231,9 365,2 674,4 156,7 157,7 237,6 Partes e Peças p/ Transmissores 483,4 613,2 601,2 799,1 916,2 680,9 582,0 735,0 1.180,6 EXPORTAÇÕES 154,1 288,2 329,5 494,2 1.311,3 1.551,9 1.547,3 1.548,1 1.452,1 Terminais Telefônicos 1,3 6,8 8,4 13,2 17,8 9,4 4,1 3,2 1,0 Comutação de Voz e Dados 19,2 26,1 12,3 30,9 16,3 25,7 13,8 8,9 13,3 Multiplexação 15,2 49,8 27,0 8,6 7,5 20,9 9,5 12,8 9,9 Partes e Peças p/ Comutação e Multiplexação 22,2 17,1 28,6 31,2 71,8 85,5 61,8 59,9 80,6 ERB´s 7,1 0,2 5,3 43,5 161,6 161,0 66,9 88,3 83,9 Telefones Celulares 0,0 84,7 104,2 188,2 717,0 848,1 1.070,9 1.052,8 722,2 Roteadores Digitais 0,0 0,1 0,4 10,0 1,0 4,1 1,3 14,7 86,2 Outros Transmissores 1,8 7,1 37,0 48,8 70,0 105,8 89,2 53,4 76,7 Outros Aparelhos de Telecomunicações 6,9 16,1 29,3 16,0 12,0 12,9 8,2 10,7 14,1 Fios, Cabos e Outros Condutores 64,5 60,7 56,6 72,9 117,6 113,9 78,2 136,8 205,6 Partes e Peças p/ Transmissores 15,9 19,5 20,4 30,9 118,7 164,6 143,4 106,6 158,6 DÉFICIT (1.933,4) (2.464,3) (2.352,6) (2.216,6) (2.123,6) (2.201,0) 36,5 65,5 (854,7)Fonte: BNDES
233
É possível afirmar que o aumento das importações e, conseqüentemente,
do déficit comercial está diretamente relacionado ao processo de
desnacionalização da indústria nacional de equipamentos e às alterações na
política de compras das operadoras, principalmente a partir da privatização da
Telebrás.
A tabela 24 mostra que as importações do mercado de equipamentos de
telecomunicações aumentaram significativamente a partir de 1999, quando as
operadoras privatizadas efetivamente iniciaram suas operações no Brasil.
Naquele ano, as importações totalizaram US$ 2.711 milhões, tendo atingido em
2000 o valor de US$ 3.435 milhões, para alcançar seu ápice em 2001, quando
somaram US$ 3.753 milhões. No ano seguinte, em 2002, as importações do
mercado de equipamentos de telecomunicações passaram a apresentar uma
tendência de queda, situando-se em US$ 1.511 milhões e caindo ainda mais em
2003, para US$ 1.483 milhões. Em 2004, as importações cresceram
significativamente, como resultado da retomada do crescimento, tendo atingido
US$ 2.307 milhões.
A mudança de tendência das importações de equipamentos de
telecomunicações apresentada no período de 2002 a 2003 está ligada a dois
fatores, um associado ao mercado interno e outro ao mercado internacional. O
primeiro pode ser explicado pelo processo de antecipação das metas de
universalização das operadoras de serviços. Conforme analisado no capítulo 3,
as operadoras foram estimuladas a antecipar o cumprimento de suas metas de
universalização para poderem operar em outros segmentos do mercado de
serviços. Para isso, elas realizaram volumosas encomendas à indústria de
equipamentos, das quais grande parte foi destinada ao mercado externo, ou
seja, se constituiu de importações. Este fato pode ser comprovado também pelo
nível de investimento do setor de telecomunicações, que, assim como as
importações, atingiu o seu nível máximo em 2001, totalizando R$ 22,1 bilhões. A
partir do ano seguinte, os investimentos se reduziram substancialmente, caindo
praticamente à metade (R$ 10,1 bilhões) para em 2003 alcançar o valor mais
234
baixo desde 1996, dois anos antes da privatização da Telebrás5. O outro fator
que explica a redução das importações é a crise generalizada do setor de
telecomunicações que predominou em praticamente todos os países do mundo
a partir de 2001, conforme discutido no capítulo 2. As empresas do setor de
telecomunicações, sejam elas fabricantes de equipamentos ou operadoras de
serviços, reduziram seus investimentos e gastos em geral.
Do ponto de vista das exportações do segmento de equipamentos de
telecomunicações, os dados da tabela mostram uma evolução positiva durante o
período de 1996 a 1999. Em 2000, o valor total aumentou significativamente,
alcançando US$ 1.311 milhões e, em 2001, US$ 1.552 milhões. A partir de
2001, as exportações praticamente se estabilizaram (US$ 1.547 milhões em
2002 e US$ 1.548 milhões em 2003). Em 2004, ocorreu uma redução das
exportações, que passaram para US$ 1.452 milhões. O grande aumento do total
das exportações no período de 1999 a 2001 está relacionado principalmente ao
crescimento das vendas externas de telefones celulares. Segundo os dados
encontrados na tabela, estes produtos tinham participação de aproximadamente
70% no total das exportações de equipamentos de telecomunicações nos anos
de 2002 e 2003.
Diante da evolução das importações e das exportações, é possível
observar que o saldo da balança comercial, que durante a maior parte do
período considerado na tabela (1996-2001) é negativo, torna-se positivo nos
anos de 2002 e 2003, e volta a tornar-se negativo em 2004. Deve-se ressaltar
que, em 2002, o desaparecimento do déficit é principalmente decorrência da
estagnação da indústria de telecomunicações brasileira e da crise generalizada
do setor de telecomunicações iniciada no ano anterior. A crise internacional do
setor atingiu o Brasil em 2002, logo após os volumosos investimentos realizados
no ano de 2001, reduzindo as atividades da indústria de telecomunicações de
forma geral.
5 Em 2003 o investimento do setor de telecomunicações foi de R$ 6,4 bilhões, ao passo que em 1996 este indicador tinha alcançado R$ 7,4 bilhões (Valente, 2004)
235
O resultado da balança comercial de 2004 (déficit de US$ 855 milhões)
demonstra que o equilíbrio da balança comercial obtido em 2002 e 2003 não é
sustentável num cenário de retomada de crescimento do setor de
telecomunicações. Este problema é ainda agravado pelo fato de que os
telefones celulares, que têm grande participação nas vendas para o mercado
interno e peso significativo nas exportações brasileiras, possuem um alto
conteúdo importado de partes e peças, não inferior a 80% (Anuário Telecom,
2004). Neste caso, a concentração da pauta de exportações brasileiras de
equipamentos de telecomunicações em telefones celulares faz com que um
incremento das exportações tenha como conseqüência imediata o crescimento
das importações.
5.2.2.1.2. A AsGa e a Trópico
Os impactos do processo de reestruturação da indústria de
telecomunicações podem ser ilustrados a partir da análise da evolução de duas
empresas de equipamentos de telecomunicações nacionais, a AsGa e a Trópico.
Nesse sentido, conforme destacado anteriormente, a reestruturação do setor de
telecomunicações eliminou um grande número de empresas nacionais, e as
duas empresas analisadas nesta seção fazem parte do pequeno grupo de firmas
que sobreviveram aos processos de internacionalização e de desnacionalização.
Estas empresas foram escolhidas por duas razões principais. A primeira é
que elas estão entre as poucas que ainda investem no desenvolvimento local de
tecnologia. No caso específico da AsGa, sua escolha resulta do fato de que esta
empresa esteve fortemente envolvida no processo de capacitação tecnológica
nacional ao longo do período de constituição e desenvolvimento do sistema de
inovação. Suas atividades se constituíram nos exemplos mais importantes das
interações existentes no sistema de inovação. Originalmente a AsGa foi criada
para fabricar componentes com tecnologia desenvolvida conjuntamente pelo
CPqD e pela Unicamp, instituições nas quais os dirigentes e alguns técnicos da
236
AsGa haviam participado diretamente do processo de desenvolvimento
tecnológico.
A Trópico, embora tenha sido criada após o início do processo de
reestruturação do setor de telecomunicações (em 1999), foi constituída para
fabricar equipamentos produzidos a partir da mais importante tecnologia
nacional desenvolvida no âmbito do sistema de telecomunicações brasileiro: as
centrais de comutação Trópico.
É em virtude da relevância das duas empresas do ponto de vista do
desenvolvimento de tecnologia nacional, que a análise da sua evolução pode
oferecer elementos relevantes para a compreensão dos impactos do processo
de reestruturação das telecomunicações sobre o sistema de inovação.
• AsGa
A AsGa Telecomunicações foi fundada em 1989 em Paulínia, São Paulo
e, inicialmente, produzia componentes optoeletrônicos, com tecnologia
desenvolvida em conjunto com o CPqD e a Unicamp6.
Com a abertura comercial do início dos anos 1990, a indústria brasileira
de componentes foi praticamente eliminada, levando a empresa a mudar
completamente sua linha de produtos. A AsGa abandonou a produção de
componentes optoeletrônicos e passou a concentrar-se em determinados nichos
de mercado, mais especificamente na fabricação de modem óptico e
equipamento de supervisão de redes (unidade de supervisão remota). A
mudança de linha de produtos implicou a necessidade de novas capacitações,
obtidas graças à competência acumulada dos funcionários e dirigentes da
empresa. A capacitação tecnológica acumulada principalmente na forma de
conhecimento tácito incorporado nos recursos humanos da empresa permitiu a
entrada no novo nicho de mercado (Szapiro, 1999).
O processo de reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro
teve grande impacto na estratégia da AsGa. Inicialmente, havia forte incerteza
em relação à política de compras das novas operadoras de serviços do setor. No
6 As informações disponíveis nesta seção foram obtidas em entrevista na AsGa no dia 22 de outubro de 2004.
237
decorrer dos seis anos desde a privatização, foi possível observar que apenas a
Telemar (única operadora com controle de capital brasileiro) buscou manter as
encomendas aos fornecedores de equipamentos nacionais (e que utilizam
tecnologia desenvolvida no Brasil). A política de compras desta operadora foi
fundamental para permitir a sobrevivência das empresas nacionais. Segundo
informações obtidas na empresa, a Telefonica (operadora que explora os
serviços no Estado de São Paulo, onde a AsGa está instalada) buscou implantar
no Brasil uma política de compras que não privilegiasse os fabricantes nacionais
nem a tecnologia nacional.
A AsGa, da mesma forma que praticamente todas as empresas
fabricantes de equipamentos de telecomunicações, teve um forte crescimento
das vendas no ano de 2001, quando as operadoras estavam antecipando suas
metas de universalização e ampliaram suas encomendas à indústria. Naquele
ano, a empresa faturou aproximadamente R$ 61,7 milhões. No ano seguinte, o
faturamento da AsGa caiu para R$ 22,6 milhões, e em 2003, a empresa faturou
R$ 23,4 milhões. Estimava-se em 2004 um faturamento aproximado de R$ 40
milhões7.
Atualmente, a empresa está passando pelo segundo processo de
reestruturação, visando à sua sobrevivência e a seu desempenho no médio
prazo. Embora a empresa continue fabricando principalmente componentes e
acessos óticos (que compõe entre 40% e 50% das vendas), ela está buscando
diversificar sua produção para tornar-se integradora de soluções, isto é, fornecer
soluções mais completas para as operadoras, incluindo os equipamentos e
softwares necessários.
Além disso, a AsGa está buscando aumentar sua presença no mercado
externo, como alternativa à redução das encomendas das operadoras nacionais
e a conseqüente estagnação do mercado interno, verificada após a antecipação
7 As informações sobre o faturamento de 2001 e 2002 foram obtidas na apresentação da empresa no seminário sobre os resultados da Lei de Informática em 2003 (disponível em http://www.mct.gov.br/sepin/Incentivos/Seminario_Lei_info/ApresentacaoAsGa.pdf). O dado do faturamento em 2003 foi obtido no Anuário Telecom 2004 e o valor foi convertido para Real pelo dólar médio de 2003 (Banco Central). Já a previsão de 2004 foi obtida na entrevista realizada na empresa.
238
das metas de universalização em 2001. A AsGa instalou uma filial na Argentina,
em 2002, cujas operações estão atualmente em fase de ampliação. Além desta,
ela também instalou em 2004 uma filial no México, a qual foi aberta em
decorrência da forte inserção da principal operadora mexicana (Telmex) no
Brasil. Dessa forma, as vendas no Brasil para a Embratel e para a Claro
(controladas pela Telmex) dependiam também da inserção da empresa no
mercado de telecomunicações mexicano.
Além destas duas filiais, existem ainda representantes da empresa no
Chile, Malásia, Estados Unidos, Uruguai e Colômbia, os quais vendem
equipamentos e produtos da AsGa.
O total das operações no mercado externo ainda é relativamente baixo
(5% das vendas), mas espera-se que esta participação aumente ao longo do
tempo. Cabe ressaltar que a estagnação do mercado interno verificada a partir
de 2001 levou diversas empresas fabricantes de equipamentos de
telecomunicações a buscarem ampliar suas vendas no exterior. Até então, a
maioria das empresas (nacionais e multinacionais) destinava a maior parte de
sua produção para o mercado interno brasileiro e, no caso de determinados
fabricantes, parte da produção era exportada para alguns mercados latino-
americanos (Sbragia e Galina, 2004).
A AsGa utiliza os incentivos previstos na nova Lei de Informática e tem
apoio das linhas de financiamento à exportação do BNDES e do Funttel, que
será discutido a seguir. Além destes, ela também teve suporte do BNDES no
financiamento à construção do novo prédio de sua fábrica, em 2001. O projeto
apoiado pelo Funttel foi aprovado em 2001, e era voltado para o
desenvolvimento de acessos ópticos e equipamentos correlatos.
Apesar da utilização do incentivo da nova Lei de Informática, a AsGa
tradicionalmente investiu um percentual acima de 5% do faturamento em
atividades de P&D. Os dados do gráfico 18 mostram que este percentual
apresentou um pequeno incremento em 1999 e, nos anos seguintes (2000 e
2001), diminuíram significativamente. Em 2002, pode-se observar o crescimento
dos investimentos em P&D como percentual do faturamento, que está associado
239
aos recursos provenientes do Funttel. É importante ressaltar que, embora em
termos relativos tenha ocorrido um aumento significativo dos investimentos em
P&D (passando de 3,8% para 13% do faturamento), em termos absolutos o
aumento de tais investimentos foi menor, passando de R$ 2,4 milhões em 2001
para R$ 2,9 milhões em 2002.
Gráfico 18: Evolução dos investimentos em P&D da AsGa (em % do faturamento)
0
5
10
15
20
25
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Fonte: MCT (2003).
Existem atualmente alguns projetos conjuntos com foco tanto em
hardware como em software desenvolvidos pela AsGa com outras instituições
de pesquisa, universidades e empresas. Alguns destes decorrem dos incentivos
fornecidos pela nova Lei de Informática e pela necessidade de aplicação de
recursos em projetos conjuntos de P&D com instituições situadas no Norte e
Nordeste. Este é o caso, por exemplo, do projeto desenvolvido em parceria com
o Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica) do Rio Grande do Norte.
Além deste, os principais projetos são com a PD3 (empresa brasileira prestadora
de serviços de Pesquisa e Desenvolvimento de produtos e soluções para os
mercados de Comunicação de Dados e Telecomunicações) e a Datacom
(empresa brasileira focada na área de gerência de dados) e outros projetos
desenvolvidos no âmbito do Funttel com o CPqD.
A evolução da AsGa mostra que as mudanças estruturais do setor de
telecomunicações da década de 1990 tiveram impactos significativos nas
240
estratégias da empresa. A abertura comercial, que atingiu profundamente a
indústria de componentes no Brasil, forçou a empresa a alterar sua linha de
produtos, deixando de produzir componentes optoeletrônicos para fabricar
modems ópticos. Recentemente a empresa vem passando por uma nova
mudança de estratégia, procurando diversificar seu leque de produtos e oferecer
soluções completas de produtos para satisfazer às demandas das operadoras.
De forma geral, o processo de reestruturação do setor de telecomunicações
levou a um processo de downgrade dos esforços de P&D.
• Trópico S. A.
Outra empresa cuja evolução ilustra as estratégias adotadas
recentemente na indústria nacional de equipamentos de telecomunicações é a
Trópico S. A., criada em 1999 como uma joint venture entre a Promon e o CPqD.
Em 2001, a Cisco Systems realizou um investimento minoritário e passou a fazer
parte do capital da empresa. O capital da empresa está divido da seguinte
forma: 60% estão com a Promon, 30% com o CPqD e 10% com a Cisco. A
Trópico foi criada inicialmente para unir, em uma única empresa, todas as
atividades relacionadas à tecnologia Trópico, desde o desenvolvimento até a
fabricação, comercialização e manutenção.
As empresas que fabricavam as centrais de comutação Trópico (Promon
e Alcatel) foram convidadas a participar da nova empresa. No entanto, somente
a Promon resolveu integrar, junto ao CPqD, a nova empresa Trópico S. A. A
equipe de desenvolvimento da tecnologia, composta por pesquisadores do
CPqD e da indústria, que até então trabalhavam no CPqD, foi absorvida quando
da criação da nova empresa.
A nova empresa conta com um quadro de aproximadamente 400
funcionários e tem sua fábrica na Zona Franca de Manaus (AM), mas a direção
da empresa e os demais departamentos estão localizados em Campinas (SP).
Da mesma forma que ocorre com a AsGa, a Telemar é o principal cliente
da Trópico, em virtude de ser a única operadora que buscou manter as
encomendas aos fornecedores de equipamentos nacionais que utilizam
tecnologia desenvolvida no Brasil. Outra razão que justifica a sustentação das
241
compras de equipamentos da Telemar na Trópico é a grande concentração das
centrais Trópico nas regiões Norte e Nordeste, por decisão estratégica da
Telebrás no passado. Nesse sentido, a Telemar, por ter a maior planta de
comutação Trópico e ser de capital nacional, foi o principal cliente da Trópico. Já
a Telefonica praticamente não adquiriu as centrais de comutação com tecnologia
Trópico.
A exceção foi o contrato da Telefonica com a Trópico para o fornecimento
de equipamentos para as redes de nova geração (Next Generation Networks –
NGN). No entanto, segundo informações obtidas em entrevista na empresa,
esse contrato, firmado em 2003, só ocorreu graças ao esforço político
concentrado do Ministério das Comunicações junto à referida operadora.
Neste ponto, cabe destacar que a Trópico foi uma das primeiras
empresas a desenvolver equipamentos para as redes de nova geração. O
interesse e entrada da Cisco Systems no capital da empresa está ligado
justamente a este fato.
Atualmente, a empresa praticamente não produz mais as centrais de
comutação Trópico. Ela só realiza upgrades na tecnologia Trópico, a fim de
oferecer melhores condições de gestão e desempenho das redes. Neste
contexto, a participação das centrais Trópico na planta instalada brasileira
reduziu-se de 28,7% em 1996 (Szapiro, 1999) para aproximadamente 16% no
final de 20048. Todo o desenvolvimento tecnológico da Trópico realizado
atualmente está ligado às redes de nova geração (NGN), e não mais à Time
Division Multiplex (TDM)9.
A Trópico utiliza o programa de financiamento para equipamentos de
telecomunicações com tecnologia nacional do BNDES. Além disso, a empresa
também é beneficiária dos incentivos fiscais fornecidos pela nova Lei de
8 Esta informação foi obtida em entrevista no dia 23 de outubro de 2004 com o presidente da empresa Trópico. 9 A NGN apresenta uma arquitetura de rede baseada inteiramente no tráfego de pacotes, utilizando o protocolo IP (Gutierrez e Crosseti, 2003). Assim, uma única rede de aplicações e conteúdo suporta todos os serviços, tais como telefonia fixa, telefonia móvel, comunicação de dados, Internet etc. Este tipo de rede é uma evolução da rede TDM, que ainda é a base atual das redes de telecomunicações. Neste caso, existem atualmente várias redes para os diversos serviços: rede de telefonia móvel, rede de telefonia fixa, rede de comunicação de dados, etc.
242
Informática. A Trópico tem ainda o apoio do Funttel, em virtude do qual, em
2002, a empresa cedeu 88 pessoas para trabalhar no desenvolvimento da
tecnologia Trópico no CPqD. Por causa deste projeto, a Trópico paga royalties
para o CPqD (2% das vendas), que são repassados pelo Centro à Finep.
A evolução das vendas da Trópico é cercada de incerteza. Apesar de a
empresa oferecer um produto altamente competitivo em termos de qualidade, as
subsidiárias de multinacionais, principalmente as empresas chinesas, têm
apresentado preços mais baixos nas concorrências para as encomendas das
operadoras. Neste caso, a Trópico enfrenta diversos obstáculos para vender
seus equipamentos às operadoras de serviços, dificultando sua inserção no
mercado de equipamentos de telecomunicações e a continuidade de seus
esforços inovativos.
Em síntese, os casos da AsGa e da Trópico demonstram que o processo
de reestruturação do setor de telecomunicações tornou difícil para as empresas
intensivas em tecnologia (especialmente àquelas com controle de capital
nacional) manterem-se em setores de ponta, muitas vezes levando-as a um
processo de downgrade tecnológico.
5.2.2.1.3. Os instrumentos de apoio à indústria de equipamentos
Antes da privatização da Telebrás e da liberalização do setor de
telecomunicações, o poder de compra da Telebrás era utilizado pelo governo
como principal instrumento de política para a indústria de equipamentos.
Conforme observado no capítulo 3, a utilização de tal instrumento, juntamente
com outras políticas adotadas pelo governo brasileiro, resultou na criação de
empresas de capital nacional, no envolvimento das multinacionais no processo
de capacitação tecnológica local, além do desenvolvimento de tecnologia
nacional. A privatização da Telebrás eliminou este instrumento, e as políticas
que foram criadas para substituí-lo tiveram efeito reduzido ou nulo do ponto de
vista da manutenção das atividades locais de desenvolvimento de tecnologia da
indústria de equipamentos de telecomunicações nacional.
243
A introdução de regras para orientar a política de compras das
operadoras de serviço de telefonia fixa foi cogitada durante as discussões sobre
o modelo de privatização da Telebrás. Discutia-se, então, o estabelecimento de
cláusulas para garantir a continuidade da demanda por equipamentos
produzidos por empresas nacionais ou mesmo aqueles produzidos com
tecnologia nacional. De fato, o único instrumento introduzido nos contratos de
concessão foi uma cláusula (a 15.8) que confere preferência a produtos
nacionais quando estes apresentam características técnicas e de preço
semelhantes aos internacionais.
Entretanto, na época alguns especialistas do setor afirmavam que tal
instrumento não seria eficaz para o direcionamento de parte das novas
encomendas das operadoras à indústria nacional de equipamentos de
telecomunicações, pois dificilmente estes apresentam características técnicas
semelhantes, dada a possibilidade de as operadoras estabelecerem
especificações técnicas que somente possam ser atendidas por determinados
fornecedores. Assim, em termos técnicos, dependendo das especificações dos
equipamentos demandados, em geral não se verifica a apresentação de
características semelhantes por empresas nacionais e subsidiárias de
multinacionais. Nesse caso, a cláusula 15.8, que dá preferência a produtos e
tecnologia nacionais quando se verificam características técnicas e de preço
semelhantes, raramente poderia ser aplicada. De fato, desde a privatização da
Telebrás em 1998 a cláusula 15.8 dos contratos de concessão não demonstrou
eficiência prática10.
Efetivamente, passados seis anos da privatização, é possível perceber
que tal instrumento não demonstrou efeito prático sobre a indústria de
equipamentos. Um aspecto a ser considerado é que as operadoras podiam
contornar facilmente esta cláusula com questões relacionadas à padronização
dos equipamentos. Cada operadora pode desenhar seus planos de expansão e
modernização, de forma que apenas os fornecedores de equipamentos de sua
10 Cabe destacar que os novos contratos de concessão, com prazo de vigência de 2006 a 2025, não lograram alterar esta situação.
244
preferência possam cumprir os requerimentos impostos por ela, se este for seu
interesse.
O único instrumento de estímulo à indústria nacional (que contempla tanto
empresas com maioria do capital nacional como aquelas com maioria do capital
estrangeiro que operam no Brasil) era a Lei de Informática (Lei no 8248), que
fornecia incentivos fiscais à produção interna de equipamentos de informática e
telecomunicações. Esta Lei foi aprovada em 1991, e previa incentivos até 1999.
Em 2002 o governo aprovou a nova Lei de Informática (Lei no 10.176) para
substituir a Lei 8248, prevendo incentivos até o ano de 2009.
O principal incentivo oferecido pela Lei de Informática era a isenção total
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as empresas que
cumpriam o Processo Produtivo Básico11 (PPB), exigindo-se, como
contrapartida, que as mesmas investissem 5% do faturamento em pesquisa e
desenvolvimento, sendo 3% internamente e 2% em convênios com
universidades e/ou institutos de pesquisa brasileiros. Diferentemente da Lei
8248, a nova Lei de Informática prevê a redução gradativa anual da isenção do
IPI, passando de 95% do imposto devido em 2001 até atingir 70% em 2006,
assim permanecendo até 2009, quando o benefício será extinto.
Outra alteração efetuada pela nova Lei é que a contrapartida de 5% do
faturamento a ser investido em atividades de P&D deve ser distribuída de forma
diferente daquela exigida anteriormente. Do total, 2,3% do faturamento deve ser
investido em projetos de P&D desenvolvidos em cooperação pelas empresas
com universidades ou centros de pesquisa locais e 2,7% deve ser investido
internamente na empresa. No entanto, do montante a ser investido fora da
empresa, obrigatoriamente 0,8% deve ser destinado para pesquisa em
instituições localizadas no Norte, Nordeste ou Centro Oeste e 0,5% deve ser
depositado trimestralmente (sob a forma de recursos financeiros) no Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
11 O Processo Produtivo Básico estabelece critérios de industrialização mínima local para cada classe de produto. O PPB substituiu o índice de nacionalização, que existia anteriormente para definir quais os produtos que poderiam ser beneficiados com isenção fiscal.
245
Apesar de se constituir num dos principais instrumentos de apoio à P&D
da indústria de equipamentos de telecomunicações, a nova Lei de Informática
não garante que os recursos previstos como contrapartida dos incentivos fiscais
(5% do faturamento bruto das empresas) sejam efetivamente utilizados para tal
fim. Isso ocorre porque a Lei considera muitas atividades de prestação de
serviços, tais como treinamento, difusão de padrões, manutenção de softwares,
etc. como sendo atividades de P&D, quando na realidade estas atividades não
se constituem em pesquisa e desenvolvimento efetivamente (Sbragia e Galina,
2004).
Neste aspecto, cabe destacar que o secretário de Política de Informática
do Ministério da Ciência e Tecnologia encaminhou recentemente à Receita
Federal relatórios sobre 52 empresas que estariam em situação irregular perante
a Lei de Informática. De acordo com esta denúncia, estas empresas deixaram
de investir aproximadamente R$ 500 milhões em P&D entre 1997 e 2000,
apesar de terem usufruído da isenção do IPI (MCT, 2005).
Outro importante instrumento criado pelo governo foi o Funttel, que era
previsto na LGT e foi instituído pela Lei 10.052 em 2002 e regulamentado pelo
decreto 3.737 de janeiro de 2001. Este fundo se constitui no principal
instrumento governamental de incentivo às atividades de pesquisa e
desenvolvimento no setor de telecomunicações, juntamente com a Nova Lei de
Informática (Lei 10.176). A administração do Fundo é de responsabilidade de um
Conselho Gestor, presidido por um representante do Ministério das
Comunicações, com representantes do MCT, MDIC, Anatel, BNDES e Finep,
sendo que estes dois últimos são os agentes financeiros, que realizam os
desembolsos do Fundo. O patrimônio inicial do Funttel foi constituído mediante a
transferência de R$ 100.000,00 (cem mil reais) oriundos do Fundo de
Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL). As receitas do Funttel são
provenientes da contribuição de 0,5% da receita bruta das empresas
prestadoras de serviços de telecomunicações, de 1% da arrecadação bruta de
eventos participativos por meio de ligações telefônicas e de dotações
consignadas na lei orçamentária anual e seus créditos adicionais.
246
A Lei 10.052 estabelece como seu objetivo “estimular o processo de
inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a
geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a
recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira
de telecomunicações”. Além disso, outro objetivo do Funttel é custear parte das
operações do CPqD, visando à manutenção de sua capacidade de realização de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico em telecomunicações. Neste caso, a
Lei dispõe que o Centro deveria receber 20% dos seus recursos em 2001 e
2002. A partir de 2002 este percentual passou a poder sofrer alterações pelo
Conselho Gestor do Fundo, de acordo com as necessidades da Fundação
CPqD.
No início de 2002 foram definidos os critérios para aplicação dos recursos
sob controle da Finep e do BNDES. As seis áreas de ação nas quais o Fundo
pode ser aplicado são: 1) desenvolvimento tecnológico para o setor de
telecomunicações, com o objetivo de integrar o setor produtivo e as instituições
de P&D; 2) projetos estruturantes no setor de telecomunicações, como aqueles
que induzam à redução do déficit na balança de pagamentos; 3) capacitação
tecnológica para o adensamento da cadeia produtiva do setor de
telecomunicações de forma a favorecer o aumento do índice de nacionalização
dos bens e serviços ofertados no setor; 4) capacitação de pessoal no setor, de
forma a preparar recursos humanos nas instituições de P&D para os desafios
dos novos paradigmas tecnológicos; 5) apoio à infra-estrutura de P&D do setor
de telecomunicações, de forma a ampliar a capacidade de pesquisa nos centros
de P&D de empresas e instituições de pesquisa e; 6) acesso a recursos de
capital para pequenas e médias empresas de base tecnológica no setor de
telecomunicações (Oliva, 2002).
Apesar de se constituir num importante instrumento de apoio à P&D no
setor de telecomunicações no Brasil, o Funttel sofre do mesmo problema que
todos os outros Fundos de apoio à Ciência e Tecnologia: o contingenciamento
de recursos. De acordo com Oliva (2002), o orçamento de 2002 do Funttel
destinava R$ 120 milhões para financiamento de projetos para o setor.
247
Entretanto, apenas R$ 40 milhões foram disponibilizados, já que grande parte
dos recursos foi contingenciada pelo governo, no primeiro semestre do ano. Este
fato provoca resultados negativos, quando se considera principalmente a
necessidade de continuidade no fluxo de recursos destinados a projetos
aprovados envolvendo atividades de P&D em universidades, empresas e
institutos de pesquisa.
5.2.2.2. O novo papel do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD)
Conforme observado no capítulo 3, o CPqD desempenhava um papel
crucial no sistema de inovação de telecomunicações até meados da década de
1990, desenvolvendo as atividades de P&D em conjunto com a indústria
fabricante de equipamentos e com as universidades. As políticas de
telecomunicações eram criadas e implementadas pelo Ministério das
Comunicações e também pela Telebrás, que coordenavam e planejavam as
ações dos diversos componentes do sistema de inovação. As atividades
inovativas eram coordenadas a partir do CPqD, que conduzia o processo de
desenvolvimento tecnológico em telecomunicações. A partir da década de 1990,
a dinâmica do sistema de inovação foi alterada pela abertura comercial e, em
seguida, pelo processo de reestruturação do setor de telecomunicações. Nesse
contexto, o papel e as atividades do CPqD sofreram grandes transformações.
A primeira transformação do CPqD ocorreu no início da década de 1990,
quando o foco de atuação do Centro passou por algumas transformações, sem
que isso tenha representado o abandono das atividades até então
desenvolvidas. O Centro passou a ter uma atuação mais seletiva no
desenvolvimento de produtos, e com isso ocorreu um fortalecimento das
atividades de desenvolvimento voltadas para sistemas de operação, para
planejamento de evolução da rede e outros desenvolvimentos voltados para as
operadoras do sistema Telebrás. Do ponto de vista estratégico, havia no Centro
o entendimento de que o enfoque das atividades de P&D do setor de
248
telecomunicações se deslocava para a engenharia de sistemas, para os serviços
de telecomunicações e para as plataformas de software. Como visto no capítulo
2, esta mudança de foco, na verdade, já vinha sendo percebida no cenário
internacional e refletida na composição do portfolio de atividades de P&D das
empresas operadoras de telecomunicações (Graciosa et al., 2002).
No entanto, na prática o CPqD permanecia como um Centro ligado
diretamente ao sistema Telebrás, com orçamento e demanda por seus produtos
garantidos. Ele passou a ter uma atuação seletiva no desenvolvimento de
produtos, com a participação da indústria, e também atuava na prestação de
serviços tecnológicos, na forma de consultoria tecnológica, serviços técnicos
especializados e transferência de conhecimentos à indústria e ao sistema
Telebrás (CPqD, 2003).
Até o momento da privatização, o orçamento do CPqD era garantido por
uma parcela do faturamento da Telebrás que, apesar de ter sofrido uma
variação ao longo dos anos, no momento da privatização estava em torno de
1%, tendo atingido R$ 180 milhões em 1998 (Gazeta Mercantil, 1999).
Foi durante o processo de privatização que o CPqD teve de passar por
uma reestruturação mais ampla. Em 1998, quando a Telebrás foi privatizada, o
CPqD foi transformado em uma fundação privada, com um conselho curador
formado por doze participantes12.
A sobrevivência do Centro ao longo do período de transição (de 1999 até
2001) foi assegurada nos contratos de concessão das novas operadoras
(provenientes do sistema Telebrás), que foram obrigadas a assumir o
compromisso de contribuir para que o CPqD continuasse realizando atividades
de desenvolvimento tecnológico. O total da receita do CPqD para o período de
transição era compatível com o orçamento dos anos anteriores à privatização,
no valor de R$ 124 milhões ao ano. Com este orçamento, eram realizadas
atividades de manutenção e desenvolvimento de softwares, prestação de
serviços tecnológicos de consultoria e treinamento e serviço laboratorial13. As
12 O conselho curador é formado por representantes de entidades governamentais, instituições de pesquisa públicas e privadas, operadoras e clientes do CPqD e sociedade civil. 13 Os recursos destinados ao CPqD pelas quatro concessionárias (Telefonica, Telemar, Brasil Telecom e
249
atividades de pesquisa de médio prazo foram deixadas de lado em virtude da
necessidade de satisfação das demandas mais imediatas das operadoras.
Exemplo disso foi o fechamento do laboratório de microeletrônica do Centro.
Como assinalado anteriormente nesta seção, para garantir a
sobrevivência do Centro no novo ambiente concorrencial, a LGT previu a
destinação direta de uma parcela do Funttel para o CPqD, que, inicialmente, era
de 20%.
Logo após o encerramento do período de transição do processo de
reestruturação, o CPqD passou a incluir em seu portfolio outros tipos de
serviços, entre eles a oferta de diversos cursos de treinamento para o público
externo.
Visando à sua manutenção no novo ambiente de mercado, o CPqD criou,
em março de 2000, uma subsidiária no Vale do Silício, na Califórnia, EUA. O
CPqD Technologies and Systems, Inc. tem como objetivo oferecer seus
produtos, principalmente os sistemas de operação de rede, para as pequenas
operadoras de serviços de telecomunicações americanas. Como resultado da
atuação desta subsidiária, destacam-se: a implantação dos Sistemas CPqD
Billing e CPqD Customer Care na empresa Ruraltel, do estado de Kansas, e a
aquisição dos Sistemas CPqD Billing, CPqD Customer Care, CPqD Outside
Plant, CPqD Workforce e CPqD Gerência de Centrais, pela operadora
Prairiewave, do estado de Dakota do Sul (CPqD , 2004).
Cabe ressaltar que a atuação do Centro no mercado americano também
tem como objetivo final a venda de produtos, sistemas e consultorias para
aquelas operadoras que atuam no mercado brasileiro, e que são em sua maioria
empresas estrangeiras. O CPqD entende que a atuação no mercado externo é
um atributo fundamental também para a inserção no mercado interno,
principalmente considerando o grau de internacionalização do setor no Brasil
(Szapiro, 1999).
Embratel) permitiam que elas fizessem encomendas específicas ao Centro, de acordo com suas necessidades no valor do investimento realizado por cada uma delas.
250
Neste sentido, a partir de março de 2001 o CPqD passou a atuar, além
dos Estados Unidos, em mercados da América Latina, Europa e África, por meio
de distribuidores e representantes. Para isso, o Centro voltou-se para o
desenvolvimento de distribuidores e/ou representantes nos seguintes países:
México, Colômbia, Venezuela, Equador, Chile, Peru, Bolívia, Argentina, Uruguai,
África do Sul, Espanha e Alemanha. Destacam-se ainda as seguintes ações:
implantação do Sistema CPqD Billing na Bolívia; implantação do Sistema
Business Inteligence na República Dominicana; implantação do Sistema CPqD
Supervisão Remota na Colômbia e em Samoa (Oceania); implantação do
Sistema CPqD Gerência de Desempenho em Angola; realização de dois Try-
and-Buy (contratos de riscos), um na Espanha com o CPqD Supervisão Óptica,
e outro na Alemanha com o Sistema CPqD Gerência IP; e realização de
treinamento e consultorias em Angola (CPqD, 2004).
Além da fundação da empresa Trópico, o CPqD criou, através de
algumas parcerias, a Padtec e a Cleartech. A primeira, criada em parceria com o
Banco Pactual, está localizada em Campinas e é uma empresa voltada
exclusivamente para produzir e comercializar equipamentos avançados de
comunicação óptica com tecnologia do CPqD. A segunda, a Cleartech, foi criada
no final de 1999, com o objetivo de oferecer às operadoras de serviços de
telecomunicações uma opção na contratação de soluções e serviços
especializados de clearinghouse (tarifação e faturamento de serviços). Além do
CPqD, a empresa tem outros dois acionistas: a DBA Engenharia de Sistemas,
empresa voltada para o segmento de sistemas e soluções de tecnologia da
informação, e a EDS, empresa voltada para a prestação de serviços de
outsourcing em vários segmentos, em especial, no segmento de processamento
de dados.
Destacam-se ainda, dentre as atividades atuais do CPqD, duas ações: a
criação do Instituto Atlântico14 e da Iniciativa Sigma15.
14 O Instituto Atlântico foi criado em associação com a Padtec, a partir dos incentivos da nova Lei de Informática, e constitui-se numa instituição de P&D localizada em Fortaleza, Ceará. O objetivo da criação desse Instituto, que conta com 109 funcionários, foi fomentar a capacitação tecnológica regional, contribuir para o decréscimo da evasão de recursos humanos capacitados para o exterior e fomentar a criação de novo
251
No caso dos softwares e sistemas de operação, o CPqD comercializa
diretamente os resultados e produtos de suas atividades de P&D, sob forma de
aplicativos, por exemplo, de informações geográficas, gerência de rede ou
faturamento de serviços. É no desenvolvimento de sistemas que, acredita-se,
estão as maiores oportunidades do Brasil no novo cenário mundial das
telecomunicações (Graciosa et al., 2002). Por esta razão, a atividade de
pesquisa e desenvolvimento de softwares e sistemas de operação continua
sendo realizada no interior do CPqD e conta com parte significativa do
orçamento provenientes dos projetos contratados com o Centro.
Sem contar com o projeto de TV digital (que será analisado a seguir),
existem contratos de pesquisa conjunta com aproximadamente 26 grupos
universitários e institutos de pesquisa.
Em razão da crise do setor de telecomunicações após 2001, o CPqD
buscou diversificar sua base de clientes para outros setores (como o de
energia). Com isso, até o início de 2004, as receitas provenientes do setor de
telecomunicações eram similares àquelas dos outros setores de atuação. Com a
recente melhora no desempenho do setor de telecomunicações, estima-se que
as receitas daí provenientes voltem a ultrapassar as dos outros16.
Embora a sua capacidade de sobrevivência após o período de transição
do modelo de reestruturação tenha sido questionada por muitos especialistas, o
Centro conseguiu, a partir de suas ações nos últimos anos, sustentar parte de
suas atividades de pesquisa de médio prazo (ainda que poucas) e manter-se no
mercado como uma das principais instituições de P&D do setor de
telecomunicações.
pólo tecnológico nas regiões Norte e Nordeste, conforme incentivado pela nova Lei de Informática (CPqD, 2004). 15 A iniciativa Sigma foi criada no CPqD em agosto de 2002 para promover parcerias para o desenvolvimento de conjuntos de soluções com pequenas empresas, visando facilitar a entrada de tais empresas no mercado. Nos dois anos de duração do projeto, 136 empresas e 15 incubadoras já se apresentaram no CPqD, e foram estabelecidos 40 contratos e 2 convênios de cooperação. Os valores destes contratos/convênios variam de R$ 5.800 a R$ 100.000. Desde sua criação, essa iniciativa já produziu resultados significativos, dos quais se destacam a agregação de valor a alguns softwares e sistemas já existentes no CPqD e o desenvolvimento de novos softwares com as empresas. 16 Informação obtida no CPqD em entrevista no dia 23 de outubro de 2004.
252
No entanto, o processo de mudança das atividades de pesquisa do
CPqD, ainda que necessário para acompanhar as tendências predominantes no
setor de telecomunicações em nível internacional na década de 1990 (conforme
discutido no capítulo 2), da forma como foi feito representou uma mudança
radical no modo de atuação e nas atividades desempenhadas pelo CPqD. O
abandono das atividades de P&D de longo e médio prazos (com exceção do
projeto de TV Digital, representou um processo de downgrade tecnológico. O
Centro passou a concentrar seus esforços em consultorias tecnológicas,
prestação de serviços e treinamento, deixando de desempenhar atividades
voltadas para o desenvolvimento de tecnologia nacional, que era seu foco até
sua privatização. A preocupação com a sobrevivência num ambiente
concorrencial na “nova” figura institucional de Fundação Privada obrigou o CPqD
a oferecer serviços diversos para garantir os recursos necessários para manter
sua estrutura funcionando. Neste aspecto, os recursos destinados ao Centro
pelo governo através do Funttel não têm continuidade e podem ser sempre
(assim como vêm sendo) objeto de contingenciamento pelo governo. Isso
representa grande ameaça às poucas atividades de pesquisa de médio prazo
ainda desenvolvidas pelo Centro.
• Perspectivas de revitalização do sistema de inovação: o projeto de TV digital
Atualmente, o maior programa de P&D na área de telecomunicações é o
projeto de televisão digital, do qual um dos principais agentes e coordenador é o
CPqD, que busca estabelecer um padrão específico para o Brasil.
O projeto de um sistema brasileiro de TV digital terrestre teve início no
final da década de noventa com a discussão sobre a escolha do padrão de TV
digital a ser adotado no Brasil. Existem no mundo três padrões já desenvolvidos
e estabelecidos: o americano (Advanced Television System Committee - ATSC),
o europeu (Digital Video Broadcast Terrestrial – DVB-T) e o japonês (Integrated
253
Services Digital Broadcasting Terrestrial – ISDB-T), mas a China também está
desenvolvendo atualmente o seu próprio padrão de TV digital.
O debate sobre a escolha do padrão a ser utilizado no Brasil levou o
governo, juntamente com o Ministério das Comunicações, a analisar a
possibilidade de desenvolvimento de um padrão brasileiro de TV digital. Neste
caso, o argumento utilizado é o fato de que a transição de um sistema de TV
analógico para um sistema digital poderia contribuir para objetivos sociais do
governo, como por exemplo a inclusão digital. A implantação da TV Digital abre
um leque quase infinito de novas possibilidades, seja pela melhoria da qualidade
da imagem, com a TV de Alta Definição (HDTV), seja pela introdução de
interatividade e novos serviços17.
No entanto, estas possibilidades não são todas simultaneamente obtidas,
seja por limitações técnica ou de custo. É necessário escolher quais alternativas
devem ser priorizadas, e é isto que a escolha do padrão de TV digital a ser
implantado no Brasil deverá considerar. Os EUA, a Europa e o Japão
estabeleceram suas prioridades ao longo do processo de desenvolvimento de
seus próprios padrões de TV digital18.
O Sistema de TV Digital Brasileiro deve ter seus requisitos e condições
definidos de modo que ele seja, também, um meio para atender às
necessidades específicas da sociedade brasileira. Neste caso, destacam-se
alguns atributos básicos que atendam às diferentes classes sociais que têm
acesso à televisão no Brasil, tais como: o baixo custo (para atender às classes
com menor nível de renda); a flexibilidade e a capacidade de evolução (para
atender às classes com maior nível de renda); e a interatividade e oferta de
novos serviços, para permitir que o objetivo de inclusão digital seja contemplado.
De qualquer forma, o desenvolvimento de um padrão nacional de TV
digital suscitou uma grande polêmica em torno do tema. Alguns especialistas
afirmam que o governo deveria simplesmente selecionar e implantar no Brasil
um dos padrões já existentes, enquanto outros argumentaram que a
17 A TV digital permite, entre outras coisas, aplicações baseadas no protocolo IP, tais como correio eletrônico, governo eletrônico e comércio eletrônico. 18 http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialtvd2/pagina_5.asp).
254
implantação de um sistema de TV digital representa uma grande oportunidade
para o país em termos de capacitação tecnológica. Neste último caso,
argumenta-se que o desenvolvimento de um sistema de TV digital brasileiro
pode levar a uma redução da dependência tecnológica do exterior e pode
significar na prática um incentivo à produção de softwares e conteúdo regional e
local, além de novas oportunidades de negócio.
O decreto nº 4.901 da Presidência da República, de 26/11/2003 instituiu o
Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), composto por um Comitê de
Desenvolvimento, um Comitê Consultivo e um Grupo Gestor. O CPqD e a Finep
foram designados como entidades de apoio técnico e administrativo,
subsidiando os trabalhos do Grupo Gestor.
Coube ao CPqD o papel de atuar como integrador dos projetos que irão
compor o sistema de TV Digital e realizar o acompanhamento técnico e a
elaboração de pareceres sobre os testes e resultados dos trabalhos
desenvolvidos pelas instituições de P&D envolvidas no projeto.
No primeiro ano, o objetivo do projeto é apresentar relatório composto de
estudos elaborados pelo CPqD e por uma ampla gama de instituições, contendo
propostas referentes: (i) à definição do modelo de referência do sistema
brasileiro de televisão digital; (ii) ao padrão de televisão digital a ser adotado no
País; (iii) à forma de exploração do serviço de televisão digital; e (iv) ao período
e modelo de transição do sistema analógico para o digital. O prazo inicial desta
etapa do projeto foi estendido, e o modelo de referência, sob responsabilidade
do CPqD, deveria ser apresentado em março de 2005, mas este prazo foi
adiado para outubro de 2005. Esse documento subsidiará o Ministério das
Comunicações e o Governo Federal nas suas decisões a respeito da questão
TV Digital Terrestre.
Cabe destacar que, dadas as restrições em termos de recursos para
investimentos em P&D e o volume de investimentos necessários para o
desenvolvimento de um padrão totalmente novo de TV digital, a proposta do
projeto brasileiro concentra-se em algumas partes específicas do sistema de TV
digital. O projeto de desenvolvimento de um sistema de TV digital brasileiro
255
representa, principalmente, um esforço de pesquisa e desenvolvimento voltado à
análise e seleção dos padrões de codificação e transmissão dos sinais e ao
desenvolvimento do midleware, de modo a permitir a inserção de novos serviços
e aplicações (www.cpqd.com.br).
Com o objetivo de coordenar as ações sob sua responsabilidade, o CPqD
criou, dentro de sua estrutura interna, a Diretoria de TV Digital. A área conta com
uma equipe multidisciplinar, que envolve cerca de 40 profissionais com
conhecimentos técnicos em radiodifusão, propagação e codificação de sinais,
engenheiros de software, de sistemas, especialistas em gestão de projetos,
modelos de negócios, análise de riscos e oportunidades, comunicação, novos
serviços e políticas públicas. As atividades desta equipe do CPqD relacionadas
ao projeto do SBTVD são financiadas com recursos do Funttel19. Ressalte-se,
entretanto, que parte destes recursos vem sendo contingenciados, o que tem
causado problemas para a continuidade do projeto.
5.2.3. Impactos da reestruturação do setor sobre os investimentos em P&D e inovação
Os resultados dos processos de reestruturação das telecomunicações
relativos aos gastos das empresas com atividades de P&D e inovação podem
ser melhor percebidos a partir das informações da pesquisa de inovação
tecnológica do IBGE (PINTEC) (IBGE 2003; 2005).
Os dados apresentados pela PINTEC de 2000 e 2003 fornecem as
evidências relacionadas à evolução da capacitação inovativa e tecnológica do
segmento de empresas fornecedoras de equipamentos de telecomunicações. A
pesquisa engloba as empresas industriais de aparelhos e equipamentos de
comunicações com 10 ou mais pessoas ocupadas que implementaram produto
e/ou processo tecnologicamente novo ou substancialmente aprimorados.
19 Os recursos do Funttel destinados ao CPqD devem financiar, além das atividades ligadas ao SBTVD, projetos de telecomunicações de baixo custo, projetos de telecomunicações e impactos na saúde e no meio ambiente e um projeto de exportação de software para os EUA.
256
Tabela 25: Valor dos dispêndios relacionados às atividades inovativas desenvolvidas na fabricação de aparelhos e equipamentos de comunicações Brasil - 2000 e 2003 2000 2003
Tipo de atividade
Número de
empresas
Valor (em 1 000 R$)
% da RLV
Número de
empresas
Valor (em 1 000 R$)
% da RLV
Variação dos investimentos
Atividades internas de Pesquisa e Desenvolvimento 110 364.768,25 1,75 84 265.164,10 1,30 -27,3%Aquisição externa de Pesquisa e Desenvolvimento 52 135.679,82 0,65 29 139.101,63 0,68 2,5%P&D interna e externa - 500.448,07 2,40 - 404.265,73 1,99 -19,2%Aquisição de outros conhecimentos externos 42 75.273,95 0,36 38 21.208,26 0,10 -71,8%Aquisição de máquinas e equipamentos 104 302.204,87 1,45 94 276.601,07 1,36 -8,5%Treinamento 62 18.791,97 0,09 49 5.991,74 0,03 -68,1%Introdução das inovações tecnológicas no mercado 68 32.668,69 0,16 63 126.454,06 0,62 287,1%Projeto industrial e outras preparações técnicas 96 109.514,34 0,52 75 29.250,33 0,14 -73,3%
Total 167 1.038.901,89 4,97 136 863.771,20 4,25 -16,9%
Total segmento e RLV(1) 298 20.891.430,00 306 20.341.955,00
Taxa de inovação 56% 44%Fonte: IBGE (2003; 2005). (1) Receita líquida de vendas de produtos e serviços, estimada partir dos dados da amostra da Pesquisa Industrial Anual - Empresa 2000 e 2003.
257
A tabela 25 apresenta informações relacionadas aos gastos em
atividades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos
de comunicações no Brasil nos anos de 2000 e 2003 (IBGE, 2000 e 2003).
Inicialmente, é possível perceber que no período considerado, embora o número
de empresas do segmento tenha aumentado de 298 em 2000 para 306 em
2003, o número de empresas inovadoras se reduziu de 167 em 2000 para 136
em 2003. Estas evidências corroboram o argumento expresso neste trabalho de
que o processo de internacionalização e desnacionalização da indústria
brasileira de equipamentos de telecomunicações eliminou empresas brasileiras
que realizavam importantes investimentos em inovação.
Os gastos em atividades inovativas do segmento de fabricação de
aparelhos e equipamentos de comunicação apresentam redução no período de
2000 a 2003 tanto em termos relativos como em termos absolutos. Em termos
relativos, os investimentos em inovação como percentagem da receita líquida de
vendas apresentaram uma queda, passando de 4,97% em 2000 para 4,25% em
2003. Em termos absolutos, os investimentos em atividades de inovação caíram
de aproximadamente R$ 1 milhão em 2000 para R$ 863 mil em 2003.
Em relação à participação dos gastos em P&D (internos e externos) nas
vendas, os dados da Pintec mostram um indicador extremamente baixo na
indústria brasileira quando comparados aos mesmos gastos dos principais
fornecedores de equipamentos internacionais, apresentados no capítulo 2. Há
uma grande diferença dos investimentos em P&D das empresas brasileiras (de
capital nacional ou as subsidiárias brasileiras das empresas multinacionais)
comparativamente às empresas estrangeiras. O quadro 5 do capítulo 2 mostra
os dados sobre os gastos em P&D dos principais fornecedores de equipamentos
de telecomunicações em termos absolutos (em dólar) e como percentagem da
receita total. Inicialmente, pode-se observar que, em média, a participação dos
gastos em P&D na receita total das empresas selecionadas cresceu no período
de 1997 a 2003, passando de 9,5% para 13,7%.
258
Comparando estes dados aos das empresas brasileiras, percebe-se uma
grande discrepância. Em primeiro lugar, há uma diferença em termos de
tendência. Enquanto a média dos gastos em P&D das empresas estrangeiras
selecionadas sobe no período de 1997 a 2001, no Brasil, no período de 2000 a
2003, ela se reduz. De acordo com a PINTEC, no Brasil, as empresas
fabricantes de aparelhos e equipamentos de comunicações investiram apenas
2,4% das vendas em P&D em 2000, tendo diminuído estes investimentos para
1,99% em 2003.
Deve-se ainda salientar que, como foi analisado no capítulo 2, segundo
Fransman (2002), existe uma tendência da indústria de telecomunicações de
crescimento dos gastos em P&D das empresas fabricantes de equipamentos de
telecomunicações. No entanto, como mostram os dados da tabela 25, no caso
do Brasil tais investimentos vêm se reduzindo.
Considerando apenas o indicador de investimentos em P&D interna sobre
vendas para o segmento de empresas fabricantes de aparelhos e equipamentos
de comunicações, tem-se no Brasil um gasto extremamente reduzido em 2000
(1,75%), e menor ainda em 2003 (1,30%). Neste caso, tal indicador para a
Espanha mostra um nível de investimento em P&D interna muito superior ao do
Brasil para este mesmo segmento em 2000, de 3,90% (www.ine.es).
A taxa de inovação (número de empresas que inovaram em relação ao
total de empresas do segmento) se reduziu de 2000 para 2003, caindo de 56%
para 44%. Deve-se destacar que a taxa de inovação se reduz apesar de o
número de empresas do segmento crescer de 298 em 2000 para 306 em 2003,
graças à redução do número de empresas inovadoras.
A evolução da estrutura de gastos em atividades inovativas pode ser
observada no gráfico 19. De forma geral, é possível perceber que houve
grandes alterações no perfil desses gastos no segmento de fabricação de
aparelhos e equipamentos de comunicação. A variação dos gastos nas diversas
atividades inovativas no período de 2000 a 2003 mostra a diminuição de: 27,3%
das atividades internas de P&D; 19,2% das atividades internas e externas de
P&D; 71,8% da aquisição de outros conhecimentos externos; 8,5% da aquisição
259
de máquinas e equipamentos; 68,1% dos gastos em treinamento; e 73,3% dos
gastos com projeto industrial e outras preparações técnicas. Por outro lado, no
caso da introdução de inovações tecnológicas no mercado e aquisição externa
de P&D, verificou-se crescimento nos gastos de, respectivamente, 287,1% e
2,5%.
Gráfico 19: Estrutura de gastos das empresas em ativ idades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de
comunicações no Brasil em 2000 e 2003
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
2000 2003
anos
% d
os g
asto
s so
bre
RLV
(*)
Projeto industrial e outraspreparações técnicasIntrodução das inovaçõestecnológicas no mercadoTreinamento
Aquisição de máquinas eequipamentosAquisição de outrosconhecimentos externosP&D interna e externa
Fonte: Elaboração própria com base em IBGE (2003; 2005) e INE. (*) Receita Líquida de Vendas Os aspectos acima ressaltados confirmam os argumentos analisados
nesta seção, de que o processo de reestruturação atingiu negativamente o
sistema de inovação de telecomunicações brasileiro. Os investimentos em
inovação como percentagem da receita líquida de vendas caíram no período
analisado, bem como os investimentos em P&D. Estes últimos situam-se em um
patamar extremamente baixo comparativamente à média internacional. Além
disso, a análise da estrutura de gastos mostra que, em 2003, os investimentos
em inovação do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de
comunicação estão basicamente concentrados em atividades interna e externa
de P&D em primeiro lugar (1,99% das vendas), seguido por aquisição de
máquinas e equipamentos (1,36% das vendas) e introdução de inovações
tecnológicas no mercado (0,62% das vendas).
260
Embora a participação dos gastos em atividades externas e internas de
P&D no total dos investimentos em inovação seja maior do que os gastos em
aquisição de máquinas e equipamentos, esta última tem uma participação
extremamente alta no segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de
comunicação. Isso reflete a realidade brasileira, na qual a inovação é muitas
vezes vista como resultante direta da aquisição de máquinas e equipamentos
(muitas vezes importadas), ao contrário do que se observa nos países mais
avançados, onde as atividades internas de P&D são muito mais importante para
a inovação do que a aquisição de ativos tangíveis na maior parte dos setores
(IEDI, 2003). Neste aspecto, ressalta-se que, em 2003, os gastos em aquisição
de máquinas e equipamentos (1,36% das vendas) superou os investimentos em
P&D interna (1,30% das vendas).
O gráfico 20 apresenta uma comparação da estrutura dos gastos em
atividades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos
de comunicações entre o Brasil e a Espanha em 2000 e fornece importantes
evidências sobre as diferenças entre o perfil de investimentos em inovação dos
dois países.
Gráfico 20: Estrutura dos gastos em atividades inovativas do segmento de fabricação de aparelhos e equipamentos de
com unicações do Brasil e da Espanha em 2000
0,010,020,030,040,050,060,070,080,090,0
P&D Inter
na
P&D Externa
Conhe
cimen
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Equip
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Introd
ução
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ercad
o
Projeto
% d
as v
enda
s
EspanhaBrasil
De acordo com o que foi mencionado acima, no Brasil os gastos em
aquisição de máquinas e equipamentos e em P&D interna (em termos do total
dos gastos em atividades inovativas) estavam em níveis muito próximos no ano
261
de 2000, respectivamente 35,1% e 29,1%. Na Espanha, nesse mesmo ano, a
composição de tais gastos era bastante diferente, sendo os gastos em P&D
interna de 79,4% do total dos gastos em atividades inovativas e, em máquinas e
equipamentos, de 5,7% do total desses gastos. A estrutura espanhola dos
gastos em atividades inovativas deste segmento está muito mais próxima
daquela observada nos países desenvolvidos, onde as atividades internas de
P&D têm uma alta participação e a aquisição de máquinas e equipamentos
apresentam uma participação reduzida.
Em síntese, os dados da Pintec apontam para uma evolução negativa dos
investimentos em atividades inovativas no segmento de fabricação de aparelhos
e equipamentos de comunicação no período entre 2000 e 2003. O número de
empresas inovadoras se reduziu no período, evidenciando o processo de
internacionalização e desnacionalização. Os gastos totais em atividades
inovativas do segmento apresentaram redução tanto em termos relativos (de
4,97% em 2000 para 4,25% em 2003) como em termos absolutos (R$ 1 milhão
em 2000 para R$ 863 mil em 2003). Os gastos em P&D (interna e externa) como
participação das vendas das empresas brasileiras se revelaram extremamente
baixos quando comparados com os dos principais fornecedores de
equipamentos estrangeiros, cujos dados estão disponíveis no quadro 5 do
capítulo 2. Além disso, esses gastos caíram no período (de 2,4% em 2000 para
1,99% das vendas em 2003), ao passo que para os principais fornecedores de
equipamentos estrangeiros a média dos gastos cresceu em período semelhante
(de 9,5% em 1997 para 12,9% em 2001). Outro importante indicador que
apresenta redução significativa no segmento de fabricação de aparelhos e
equipamentos de comunicação é a taxa de inovação, que cai de 56% em 2000
para 44% em 2003. Finalmente, percebe-se uma grande mudança no perfil dos
gastos em atividades inovativas desse segmento, sendo que cresceram os
investimentos na introdução das inovações tecnológicas no mercado e
diminuíram os investimentos em P&D interna e externa.
Embora não haja disponibilidade de dados sobre os períodos anterior e
imediatamente posterior à privatização da Telebrás, os dados da Pintec
262
corroboram a percepção de que o processo de reestruturação das
telecomunicações no Brasil produziu resultados negativos sobre a capacitação
inovativa do setor de equipamentos de telecomunicações.
Assim, é possível concluir que o processo de reestruturação do setor de
telecomunicações causou não só a desarticulação entre os diversos atores do
sistema de inovação brasileiro, mas também teve como conseqüência a
diminuição dos investimentos em capacitação tecnológica e inovativa. O modelo
de privatização adotado levou a maior parte das operadoras a deixar de realizar
suas encomendas às empresas nacionais de equipamentos de
telecomunicações, o que contribuiu para um crescente processo de
internacionalização e desnacionalização desta indústria, para o fechamento de
diversas empresas nacionais e para a redução da participação da tecnologia
nacional na planta de equipamentos de telecomunicações. Paralelamente,
observou-se a redução dos investimentos em atividades inovativas da indústria
de equipamentos de telecomunicações no período de 2000 a 2003.
O CPqD, um dos principais agentes do sistema de inovação de
telecomunicações brasileiro, foi obrigado a mudar o foco e diversificar
substancialmente as suas atividades de P&D, o que resultou num processo de
downgrade tecnológico. Além disso, suas interações com a indústria nacional de
equipamentos, que durante a década de 1980 foram fundamentais para o
desenvolvimento de tecnologias nacionais, ficaram reduzidas ao
desenvolvimento de projetos de P&D, na maior parte de curto prazo, e à
prestação de serviços e consultorias.
5.3. Impactos da estratégia da Telefonica sobre o Sistema de Inovação de Telecomunicações Espanhol
O sistema de inovação de telecomunicações espanhol se desenvolveu
em torno da Telefonica ao longo das décadas de 1970 e 1980, período em
que a Telefonica utilizava uma política industrial, através da qual a operadora
263
mantinha participações acionárias na indústria de equipamentos de
telecomunicações, o que permitiu o desenvolvimento das empresas de capital
nacional. Associada à política industrial da Telefonica, as políticas industriais
e tecnológicas adotadas pelo governo espanhol contribuíram para os
processos de capacitação inovativa e tecnológica em telecomunicações. Este
conjunto de medidas adotadas deu origem ao sistema de inovação de
telecomunicações na Espanha.
A partir de meados da década de 1980, com o ingresso da Espanha na
União Européia, teve início o processo de reestruturação do setor de
telecomunicações. No contexto desse processo, a Telefonica passou a
perseguir uma estratégia de internacionalização de suas atividades em
direção à América Latina e, posteriormente, a partir do início da década de
1990, adotou medidas de liberalização das telecomunicações de acordo com
as diretrizes européias. Paralelamente, em meados da década de 1990, a
Telefonica foi privatizada em dois leilões, nos quais o governo vendeu suas
ações, mas manteve a golden share.
Todos estes processos, e em particular a internacionalização da
Telefonica, tiveram impactos positivos sobre o sistema de inovação de
telecomunicações espanhol. Cabe destacar uma especificidade que contribuiu
para o sucesso da internacionalização da Telefonica e das empresas
espanholas em geral: a associação entre o capital produtivo e o financeiro.
Conforme ressaltado no capítulo 4, a importância desse aspecto está
associada à manutenção da estabilidade acionária das empresas que foram
privatizadas.
De forma geral, a internacionalização permitiu que algumas empresas
espanholas fabricantes de equipamentos aumentassem suas exportações ou
até mesmo passassem a operar diretamente no mercado latino-americano
onde a Telefonica se instalou. Neste caso, a Telefónica I+D constituiu-se
numa peça-chave do processo porque, além de ter verificado um forte
crescimento de suas atividades, teve um papel fundamental para permitir a
264
inserção das pequenas e médias empresas espanholas no processo de
internacionalização da Telefonica. A internacionalização também produziu
resultados significativos do ponto de vista do envolvimento das empresas
subsidiárias de multinacionais fornecedoras de equipamentos instaladas na
Espanha no processo de capacitação inovativa e tecnológica em
telecomunicações.
Esta seção discutirá os principais efeitos do processo de
reestruturação das telecomunicações na Espanha (em particular da
internacionalização da Telefonica) sobre o sistema de inovação. Na primeira
subseção, são analisadas as principais políticas relacionadas ao sistema de
inovação. Inclui-se neste conjunto a discussão sobre as especificidades do
modelo de privatização adotado naquele país. Em seguida, na segunda
subseção, são apresentados e analisados os papéis dos principais agentes
do sistema de inovação de telecomunicações espanhol. Dentre estes,
destaca-se o papel da Telefonica I+D, bem como o resultado da
internacionalização da Telefonica sobre as empresas nacionais e as
subsidiárias de equipamentos de telecomunicações.
5.3.1. Principais políticas relacionadas ao sistema de inovação
Na Espanha, o processo de reestruturação do setor de telecomunicações
e seus impactos sobre o sistema de inovação espanhol foram radicalmente
diferentes daqueles verificados no Brasil. Tais diferenças devem-se em parte à
estratégia adotada pela Telefonica de internacionalização, e em parte às
políticas tecnológicas e industriais implementadas na Espanha.
O sistema de inovação nos últimos vinte anos se fortaleceu e se expandiu
na Espanha, como resultado das políticas adotadas pelo governo espanhol.
Neste aspecto, em 2001, o número de empresas inovadoras foi
aproximadamente seis vezes maior do que vinte anos antes, e o maior
crescimento verificado foi no segmento de empresas de menor porte. Além
disso, no mesmo ano, o gasto em pesquisa foi 4,5 vezes maior do que em 1980,
265
crescimento este que foi significativamente maior do que o europeu na mesma
área (Buesa, 2003).
Tais aumentos se devem a um conjunto de políticas, subvenções e
programas implementados pelo governo espanhol nas duas últimas décadas,
voltados para o fortalecimento do sistema nacional de inovação20.
Particularmente importante foi a criação, em 1986, pelo governo espanhol, de
um arcabouço regulatório, voltado para a promoção das atividades científicas,
tecnológicas e de inovação, incluindo a criação de um Plano Nacional de P&D21
como instrumento básico para incrementar os recursos tecnológicos domésticos
(Molero, 2001). Os principais instrumentos utilizados no âmbito da política
tecnológica na Espanha são: os incentivos fiscais à inovação; o financiamento a
partir de créditos para projetos de criação de tecnologia; e os programas estatais
autônomos (das Comunidades Autônomas espanholas) e europeus de
subvenções a estes projetos.
Deve-se mencionar que, desde o ingresso da Espanha na União Européia
em 1986, alguns dos programas implementados pelo Ministério de Ciência y
Tecnologia tiveram amparo no Programa Marco, um programa europeu de P&D
voltado para incentivar o desenvolvimento de projetos de cooperação
tecnológica entre empresas e instituições de pesquisa. Além deste Programa, as
subvenções também são muito utilizadas pela União Européia no apoio às
atividades inovativas dos diversos países membros. Na Espanha, este tipo de
ajuda é particularmente relevante.
De forma geral, a política tecnológica nacional e européia aumentou sua
relevância durante a década de 1980, atingindo seu ápice em termos de
recursos e de variedades de apoio no começo da década de 1990. Entre as
empresas apoiadas por tais políticas, destacam-se as pequenas e médias
empresas de capital nacional que têm uma estratégia inovativa bem definida.
Tais empresas foram beneficiadas com a maior parte dos recursos disponíveis. 20 Para um detalhamento destas políticas, subvenções e planos adotados na Espanha durante o período de 1978 a 2003, ver Buesa (2003) e Molero (2001), entre outros. 21 O Plano Nacional de P&D na Espanha foi criado inicialmente em 1986 com duração de quatro anos. A partir daí, quando se encerrava um Plano Nacional, o governo lançava outro com o mesmo período de duração.
266
Ainda que o governo tenha concedido financiamento à inovação às empresas de
diversos setores da economia espanhola, tiveram preferência aquelas
consideradas de maior oportunidade tecnológica, assim como as ofertantes de
serviços de P&D (Buesa, 2003). Nestas últimas, enquadram-se as pequenas e
médias empresas espanholas fornecedoras de equipamentos e serviços de
telecomunicações, mencionadas na subseção 5.3.2.2.
Cabe ainda destacar que a reestruturação das telecomunicações da
Espanha foi fortemente influenciada (e beneficiada) pela relação existente entre
o setor financeiro e o setor produtivo. Como discutido no capítulo 4, os bancos e
as Cajas de Ahorro espanhóis tradicionalmente mantiveram participações
acionárias estáveis na indústria nacional. As instituições financeiras tinham um
papel ativo na gestão das empresas participadas e realizavam investimentos
com capital próprio.
Esta associação, embora tenha variado em termos de intensidade ao
longo do tempo, é resultado de uma política implícita do governo espanhol, que
estimula as instituições financeiras nacionais a adquirirem participações
acionárias nas empresas privatizadas. Tal política contribuiu significativamente
para o sucesso dos processos de reestruturação e internacionalização dos
setores de infra-estrutura em geral e, particularmente, para o setor de
telecomunicações.
O governo espanhol tinha por objetivo a formação de “núcleos duros” de
acionistas, compostos por um reduzido número de acionistas que adquiriram
uma pequena participação com controle e se comprometiam a manter tal
participação durante um período mínimo de tempo, com o objetivo de garantir a
estabilidade da composição acionária da empresa ao longo do processo de
reestruturação (Fernández, 2000; 2003).
O estímulo do governo à associação entre o capital financeiro e o capital
produtivo visava, assim, à manutenção da propriedade de empresas de setores
estratégicos sob o controle espanhol, o que dificultaria operações de
desmantelamento e descapitalização das empresas privatizadas. Além disso, a
participação das entidades financeiras no capital das empresas privatizadas
267
dava ao governo a possibilidade de manter o controle informal em tais
empresas, garantindo a defesa dos interesses nacionais. Destaca-se como um
dos reflexos mais importantes da participação de instituições financeiras nas
empresas privatizadas o acesso facilitado ao capital, necessário para que elas
implementassem suas estratégias de internacionalização.
No que se refere à privatização espanhola, analisada no capítulo 4,
ressalta-se que este processo foi implementado de forma gradativa, e estava
inserido num contexto mais amplo de liberalização das telecomunicações
européias. A manutenção da golden share da Telefonica no processo de
privatização permitiu ao governo espanhol a manutenção do direito de
intervenção em decisões estratégicas do conselho de administração da
empresa. Além disso, o governo manteve sua intervenção indireta na empresa
através da indicação dos presidentes, além de diretores das empresas do grupo.
De forma geral, as medidas de políticas industrial e tecnológica, assim
como o modelo de reestruturação do setor de telecomunicações na Espanha,
produziram resultados positivos do ponto de vista dos processos de
capacitação inovativa e tecnológica. Estes resultados serão analisados na
seção a seguir, a partir da perspectiva de cada agente do sistema de
inovação.
5.3.2. Principais agentes do sistema de inovação espanhol
O sistema de inovação de telecomunicações espanhol é composto
basicamente pela Telefonica, pela Telefónica Investigación & Desarrollo (TID),
por algumas instituições de ensino e pesquisa, e pelas empresas nacionais e
estrangeiras de equipamentos.
A TID desempenha um papel central no sistema de inovação de
telecomunicações espanhol (López, 2003). Ela é totalmente controlada pela
Telefonica e constitui-se na empresa privada dedicada à P&D mais importante
268
da Espanha, com uma equipe de aproximadamente 1.260 técnicos (em 2003),
sendo que 93,6% destes são graduados e trabalham como pesquisadores22.
A indústria de equipamentos de telecomunicações espanhola é
composta por diversas empresas multinacionais e algumas empresas de
capital nacional. Dentre as principais empresas do primeiro grupo
(multinacionais), entre outras, podem-se citar: Alcatel España S. A., Ericsson
España S. A., Lucent Technologies España S. A., Siemens S. A., Cisco
Systems Spain, Nortel Networks Hispania, Nokia Spain. No grupo das
empresas de capital nacional, destacam-se: Amper, Tecnocom, Sitre
Telecom, Mier, Eliop, Teldat, Indra. Todas as subsidiárias espanholas das
empresas multinacionais são de grande porte, ao passo que a maioria das
empresas de capital nacional são de pequeno e médio porte, com exceção da
Amper, que é uma grande empresa. De acordo com Chaminade (1998), em
1997, 64% das empresas dos segmentos de eletrônica e telecomunicações
eram de capital nacional, ao passo que 36% eram multinacionais em termos
do valor da produção.
A indústria nacional de equipamentos de telecomunicações está
localizada principalmente em Madri, cidade que concentra 65% das empresas
do segmento enquanto que 27% das empresas situam-se na Região da
Catalúnia e o restante (8%) está espalhado em diferentes regiões da Espanha
(Chaminade, 1998).
Embora atualmente as empresas que compõem a indústria de
equipamentos de telecomunicações sejam totalmente independentes, cabe
lembrar, conforme detalhado no capítulo 4, que a política industrial espanhola
e a Telefonica foram, nas décadas de 1970 e 1980, fundamentais para a
constituição e evolução de tais empresas. Como decorrência desta relação,
praticamente todas as empresas de capital nacional interagem fortemente
com a Telefonica. Atualmente, a inserção internacional e a dinâmica inovativa
22 Informação obtida em entrevista na Telefonica I+D (Madri) em 01 de abril de 2004.
269
destas firmas está fortemente ligada ao processo de expansão internacional
da Telefonica.
5.3.2.1. O papel da Telefónica I+D
A TID foi criada em 1988 como uma filial da Telefónica voltada para as
atividades de pesquisa e desenvolvimento em telecomunicações. Até 1987,
as atividades de P&D eram desenvolvidas num centro de P&D da Telefónica,
o Centro de Investigación y Experimentación.
A sede principal da TID está localizada em Madri. Além desta, na
Espanha existem dois outros centros da TID, em Barcelona (fundada em
2001) e em Valladolid (fundada em 1999), sendo este último conhecido como
Parque Tecnológico “Boecillo”. Em junho de 2002, foi inaugurada uma filial da
TID no Brasil, em São Paulo, destinada a suprir as necessidades de P&D da
Telefonica na América Latina, mais especialmente da filial brasileira, a Telesp.
A evolução do crescimento da TID desde sua criação pode ser
observada nos gráficos 21 e 22. O primeiro mostra a evolução do orçamento
da TID e, no segundo, pode-se observar a evolução do número de
empregados da TID.
Como pode ser percebido nos gráficos 21 e 22, o orçamento da TID
vem aumentando nos últimos anos, sendo que em 2003 ele atingiu € 200,94
milhões, com 1258 empregados, dos quais 93,6% eram graduados e
trabalhavam como pesquisadores.
270
Gráfico 21: Orçamento da Telefonica I+D
0
50
100
150
200
250
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
anos
milh
ões
de €
Fonte: Dados obtidos em entrevista na Telefonica I+D (Madri) em 01 de abril de 2004.
Gráfico 22: Crescimento da Telefonica I+D
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
anos
Núm
ero
de e
mpr
egad
os
Fonte: Dados obtidos em entrevista na Telefonica I+D (Madri) em 01 de abril de 2004.
A TID presta serviços exclusivamente para as filiais do grupo
Telefonica (Telefonica, Telefónica Móviles, Telefónica Data, etc.). Seus
recursos são provenientes majoritariamente dos projetos contratados pelo
grupo. Porém, é importante ressaltar que a TID também recebe recursos a
partir de subvenções, de royalties e de projetos europeus. O governo
espanhol, através do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCYT), fornece
recursos financeiros para a TID a partir de programas de fomento à pesquisa,
271
desenvolvimento e inovação. Do total de seu orçamento, aproximadamente
25% dos recursos são destinados a projetos de inovação tecnológica
autofinanciados ou cofinanciados pelo governo espanhol ou por programas
europeus.
Os principais produtos desenvolvidos pela TID para os mercados
espanhol e latino-americano são os sistemas de gestão e qualidade da rede e
os serviços móveis e de banda larga. Além disso, ela presta consultorias
sobre redes e sistemas23. Estas atividades estão separadas por projetos, dos
quais 76% são voltados para serviços de desenvolvimento, 8% para
consultoria e 16% para suportes em geral. A TID busca ainda complementar a
oferta dos fornecedores da Telefonica de componentes, softwares e
equipamentos, promovendo melhorias, diferenciação e redução de custos nos
produtos fornecidos.
Nos primeiros anos após a sua criação, os programas e projetos
europeus tinham grande importância no orçamento da TID. Em 1992, 12% do
orçamento da TID era proveniente de sua participação em projetos e
programas europeus24. De acordo com López (2003), atualmente 7% dos
recursos da Telefonica são dedicados às pesquisas prospectivas com objetivo
de gerar opções tecnológicas futuras para o grupo Telefonica, e geralmente
estes recursos são subvencionados por projetos europeus. Neste aspecto, é
interessante notar que, no caso da TID, são os projetos europeus que
estimulam (e financiam) a pesquisa em áreas novas.
A maior parte do crescimento da demanda pelos serviços e produtos
da TID está relacionada ao processo de internacionalização da Telefonica.
Nesse sentido, a TID teve (e tem) grande participação no processo de
internacionalização da Telefonica, como será discutido na próxima subseção. 23 Informação obtida em entrevista na Telefonica I+D (Madri) em 01 de abril de 2004. 24 Dentre tais programas, podem-se citar: Programa Estratégico Europeu para Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias de Informação (ESPRIT), Pesquisa e Desenvolvimento em Tecnologias Avançadas de Telecomunicações na Europa (RACE), Ação Especial de Telecomunicações para o Desenvolvimento Regional (STAR), Agência Espacial Européia (ESA), entre outros, além da participação em organismos como o Instituto Europeu de Padrões de Telecomunicações (ETSI) e o Instituto Europeu para Pesquisa e Estudos Estratégicos (EURESCOM).
272
Em particular, a TID desenvolve determinados produtos voltados diretamente
às operadoras latino-americanas da Telefonica. Entre estes, destacam-se o
“Servicio de Ventanilla Única” na Telefonica do Peru, o “Centro de Atención al
Cliente em Advance” na Telefonica da Argentina, o “Sistema de Gestión de
Tráfico (SGT)” na TASA, entre outros25. Deve-se ressaltar que alguns
produtos desenvolvidos para o mercado espanhol são geralmente adaptados
ao mercado latino-americano.
No entanto, uma das principais funções da TID na internacionalização
da Telefonica é a organização da aquisição de equipamentos dos principais
fornecedores espanhóis, em geral pequenas e médias empresas. Este
aspecto, juntamente com a análise do tipo de participação da TID no processo
de internacionalização da Telefonica, será discutido detalhadamente na
próxima seção.
5.3.2.2. Impactos da internacionalização sobre as empresas de equipamentos de telecomunicações
Inicialmente, cabe destacar que, de acordo com Rama et al. (2002), os
processos de liberalização e privatização que fizeram parte da reestruturação
do setor de telecomunicações não induziram um processo de
desnacionalização, como ocorreu no Brasil. Nesse caso, os principais
impactos do processo de reestruturação das telecomunicações na Espanha
estão associados à internacionalização da Telefonica.
A decisão da Telefonica de internacionalizar suas atividades para
países da América Latina no final da década de 1980 não encontrou apoio na
opinião pública nem no governo espanhol. Como nesse período o governo
espanhol era dono de aproximadamente 30% do capital da Telefónica,
possuía representantes no Conselho de administração e participava da
escolha do presidente da empresa, o governo tinha poder de veto sobre as
decisões tomadas na empresa. Assim, a decisão de buscar internacionalizar
25 Informação obtida em entrevista na Telefonica I+D (Madri) em 01 de abril de 2004.
273
suas atividades obrigou a Telefónica a negociar os termos de tal processo
com o governo espanhol.
No final da década de 1980 o setor de telecomunicações espanhol
estava enfrentando problemas, ligados à deterioração da qualidade dos
serviços prestados e à lista de espera por novas linhas telefônicas26. Nesse
sentido, houve resistência do governo e da opinião pública ao projeto de
internacionalização da Telefónica que, naquela época, era uma empresa
estatal. A população questionava a capacidade da Telefonica de iniciar suas
operações em outros países e, ao mesmo tempo, promover a melhoria dos
serviços de telecomunicações na Espanha, o que demandava altos
investimentos27.
Para “convencer” o governo sobre as possíveis vantagens, os
responsáveis pela internacionalização na Telefónica justificaram tal estratégia
a partir dos possíveis efeitos benéficos sobre determinados segmentos da
economia espanhola, principalmente ligados à indústria de equipamentos e
serviços de telecomunicações. De acordo com este argumento, as firmas
espanholas teriam vantagens no fornecimento de produtos e serviços para os
países onde a Telefónica passasse a operar. Foi dessa forma que a
Telefónica conseguiu o apoio (inclusive financeiro) do governo ao movimento
de expansão internacional28.
5.3.2.2.1. Impactos da internacionalização sobre as subsidiárias de multinacionais
Ao longo do processo de internacionalização da década de 1990, o
grupo Telefonica conquistou significativo poder de barganha com as
subsidiárias de multinacionais fabricantes de equipamentos de 26 A partir de sua entrada na União Européia, a Espanha passou por um processo de recuperação da crise econômica até o ano de 1992. Neste período, ocorreu uma rápida expansão econômica, que foi acompanhada por um crescimento acelerado da demanda por serviço telefônico. No entanto, este crescimento de demanda não foi acompanhado por investimentos suficientes da Telefonica, o que provocou um acúmulo recorde de pedidos de linhas telefônicas pendentes em 1987. Da mesma forma, os investimentos da Telefonica não foram suficientes para acompanhar o crescimento do tráfego telefônico, levando assim à deterioração dos serviços telefônicos (MCYT, 2002). 27 Informação obtida em entrevista no dia 30 de maio de 2004. 28 Idem.
274
telecomunicações espanholas em virtude das grandes encomendas
realizadas, considerando todo o investimento efetuado pelas filiais latino-
americanas. Nesse sentido, as encomendas eram realizadas mediante o
comprometimento das empresas em manter, na Espanha, investimentos em
inovação e produção, garantindo dessa forma o emprego qualificado no
país29.
De acordo com Rama et alli (2002), a Telefónica estabeleceu acordos
com fornecedores como Nokia, Ericsson, Motorola e Nortel que permitissem
reduzir seus custos na aquisição de equipamentos em massa para as
diversas subsidiárias. Como resultado, alguns fornecedores expandiram suas
plantas na Espanha e utilizaram suas redes de subcontratados
(principalmente localizados em Madri) para fornecer equipamentos para as
subsidiárias latino-americanas da Telefonica.
As empresas Lucent Technologies e Siemens reduziram sua
capacidade produtiva, respectivamente nas plantas alemã e belga, e
transferiram sua capacidade para as plantas de Madri (Rama et al., 2002).
Além disso, o crescimento das encomendas para a expansão da Telefonica
no mercado brasileiro a partir de 1998 e a necessidade de rapidez no
atendimento a tais encomendas levaram algumas subsidiárias a subcontratar
nas pequenas e médias empresas espanholas localizadas em Madri parte da
produção que antes era fabricada internamente.
Como conseqüência, a expansão da Telefónica estimulou o
desenvolvimento de novas atividades inovativas em Madri. Ao longo dos anos
1990, a Lucent e a Ericsson aumentaram significativamente suas atividades
de P&D na região (Rama et al., 2002).
Atualmente, e considerando a crise internacional pela qual o setor de
telecomunicações vem passando desde 2001, é possível constatar algumas
alterações nas estratégias das subsidiárias de multinacionais fornecedoras de
equipamentos. 29 Idem.
275
No caso da Ericsson, a crise tornou necessário o corte de grande
número de funcionários em todas as empresas do grupo sueco,
principalmente ao longo do período de 2001 a 2003. Como resultado, a
multinacional fechou as portas de praticamente todas as suas fábricas na
Espanha em 2002, e o número de funcionários passou de aproximadamente
3.700 para 1.700 no país, dos quais mais da metade destes são dedicados às
atividades de P&D30.
No caso da Alcatel, apesar dos ajustes e reestruturação pelos quais o
grupo francês passou nos últimos anos, realizados para enfrentar a crise do
setor, alguns centros de excelência ainda permanecem instalados na
Espanha. Este é o caso, por exemplo, dos centros de desenvolvimento de
equipamentos como armários óticos e módulos multi-serviços31.
Independentemente da crise pela qual toda a indústria de
telecomunicações passou (e ainda vem passando), o processo de
internacionalização da Telefónica influenciou positivamente as atividades das
subsidiárias espanholas de multinacionais. Seja pelo aumento inicial das
exportações de tais subsidiárias para os países onde a Telefónica adquiriu os
operadores nacionais, seja pelo aumento de importância das subsidiárias
instaladas na Espanha nas estratégias dos respectivos grupos, os efeitos da
expansão internacional da Telefónica repercutiram positivamente sobre as
operações de tais empresas. Este último aspecto fica evidente a partir das
entrevistas realizadas na Espanha, nas quais se pôde verificar que as
compras de equipamentos realizadas por todas as subsidiárias da Telefonica
(na Espanha e fora dela) são coordenadas a partir das plantas instaladas
naquele país. Isso confere às subsidiárias espanholas um papel estratégico
no âmbito dos grupos multinacionais fabricantes de equipamentos.
30 Informação obtida em entrevista em 20 de abril de 2004. 31 Informação obtida em entrevista em 17 e 31 de março de 2004.
276
5.3.2.2.2. Impactos da internacionalização sobre as empresas de capital nacional
Do ponto de vista das empresas de capital nacional, uma pesquisa
realizada por López e Molero (2004)32 revela que a internacionalização da
Telefonica influenciou substancialmente a dinâmica inovativa das empresas
espanholas e permitiu que estas também desenvolvessem uma estratégia de
internacionalização.
Num primeiro momento, quando a Telefónica adquiria uma nova
subsidiária na América Latina, surgiam demandas por determinados serviços
tecnológicos e componentes para a rede do novo operador. Inicialmente, este
processo era acompanhado por exportações de serviços e componentes por
parte das empresas espanholas. Dessa forma, as empresas nacionais, que
produzem principalmente componentes e serviços de telecomunicações,
acompanham a expansão da Telefonica atuando, de certa forma, como
unidades de negócio que produzem componentes específicos e serviços para
o mercado para o qual o operador se expande (López e Molero, 2004).
É interessante notar que, quando adquiria alguma empresa em um
país da América Latina, a Telefonica buscava viabilizar um novo mercado
para as empresas espanholas. Exemplo disso é a sua entrada na Argentina,
onde priorizou as compras de centrais de comutação da Amper e telefones
públicos da Elasa (que posteriormente foi adquirida pela Siemens). Os dois
produtos (central de comutação e telefone público) haviam sido desenvolvidos
com tecnologia espanhola. Conforme foi discutido no capítulo 3, no Brasil,
quando da compra da Telesp, a Telefonica expressou sua intenção de trocar
os telefones públicos instalados (e desenvolvidos com tecnologia brasileira
pelo CPqD) por aqueles desenvolvidos e comercializados pela empresa
espanhola. Esta troca, entretanto, não foi autorizada pela Anatel.
32 Trata-se de um relatório de pesquisa no âmbito do projeto HPSE-CT-1999-00043 da Comunidade Européia baseado em entrevistas realizadas com um conjunto de empresas inovadoras do setor de telecomunicações na Espanha.
277
A Telefónica I+D, como o braço tecnológico da Telefonica, concentra
esforços na análise e avaliação do processo produtivo, que deve ser
renovado e/ou adotado no operador nacional absorvido. Nesse sentido, ao
exportar o processo produtivo, a Telefonica estabelece as bases das
exportações posteriores de suas soluções e produtos e facilita ou negocia a
venda de produtos e serviços das empresas espanholas que queiram explorar
novos mercados. As firmas espanholas funcionam como unidades de
negócios na produção de componentes e serviços específicos para o
mercado doméstico no qual a Telefonica passa a operar.
A importância do papel da internacionalização da Telefonica no
desempenho inovativo das firmas espanholas de equipamentos e serviços de
telecomunicações é corroborada pelas informações contidas na pesquisa
realizada por Lopez e Molero (2004).
Tal pesquisa apresenta, entre outros, dados sobre as fontes de
informação para a inovação das empresas espanholas. Esta informação deve
ser analisada porque se constitui numa proxy para as interações das
empresas com os clientes que, conforme discutido no capítulo 1, é um
indicador extremamente importante no âmbito da literatura de sistema
nacional de inovação. A tabela 26 mostra que, do ponto de vista das fontes de
informação para a inovação, em 2000, aproximadamente 64% das empresas
nacionais (excluindo a TID) consideravam como determinantes para suas
decisões os sinais transmitidos pelos clientes, formadas fundamentalmente
pela Telefonica. Nesse sentido, as empresas espanholas buscam reduzir sua
incerteza diante da evolução tecnológica apoiando suas decisões de
investimento em P&D nas demandas da Telefonica (López e Molero, 2004).
278
Tabela 26: Fontes de Informação das empresas espanholas fabricantes de equipamentos de telecomunicações para a
atividade de inovação em 2000
Fontes
Todas as empresas
Subsidiárias deempresas multinacionais
Empresas Nacionais
Empresas Nacionais sem a TID
Informação proveniente dos competidores
12,89
3,33
17,67
21,20
Informação proveniente dos clientes (*)
38,89
10,00
53,33
64,00
Informação proveniente do grupo
32,22
63,33
16,67
0,00
Outras fontes 16,00 23,34 12,33 14,80 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: López e Molero, 2004. (*) O principal cliente das empresas é a Telefonica.
No caso das empresas multinacionais, como pôde ser observado nas
entrevistas realizadas, as necessidades da Telefonica, que constitui-se num
importante cliente, são levadas em consideração quando da decisão das
linhas de pesquisa. No entanto, as linhas de pesquisa de cada subsidiária são
determinadas com base no planejamento estratégico de cada grupo
multinacional. Nesse sentido, a tabela 26 mostra que, em 2000, 63,33% das
empresas multinacionais da amostra de López e Molero (2004) utilizavam as
informações provenientes do grupo para orientar suas decisões relacionadas
às atividades de inovação.
Outra importante informação que revela a relevância do papel
desempenhado pela Telefonica no desempenho das empresas espanholas
diz respeito ao esforço exportador das empresas nacionais.
Do ponto de vista da inserção externa, é a busca por novos mercados
para seus produtos que justifica o esforço de exportação das empresas
espanholas. De acordo com a pesquisa desenvolvida por López e Molero
279
(2004), na amostra de empresas nacionais entrevistadas, a exportação
alcançou a cifra de 39,6% de sua produção em 2000. Além disso, em muitos
casos estas empresas buscam realizar investimento externo direto nos países
onde a Telefonica se instala, com o objetivo de ampliar seus mercados33.
Em síntese, é possível observar que, no caso espanhol, diferentemente
do que ocorreu no Brasil, o processo de reestruturação do setor
(particularmente marcado pela internacionalização da Telefonica) levou a um
fortalecimento do sistema de inovação de telecomunicações espanhol. O
principal agente de tal sistema, a TID, aproveitou a expansão internacional da
operadora para dinamizar e ampliar a capacitação produtiva e inovativa da
indústria espanhola de equipamentos de telecomunicações.
A natureza dos impactos da internacionalização sobre a indústria de
equipamentos de telecomunicações espanhola foi diferenciada de acordo com
a origem do capital da empresa. As empresas nacionais de equipamentos de
telecomunicações, que tiveram prioridade nas encomendas da Telefonica
quando da sua expansão internacional, passaram a atuar em parte como
unidades de negócio que fabricam componentes e serviços específicos para
os novos mercados da Telefonica. Este processo ocorre tanto a partir de
exportações, como através de investimento externo direto nos países da
América Latina nos quais a Telefonica se instalou. Como decorrência desta
relação, tais empresas foram capazes de manter seus investimentos em
atividades inovativas na Espanha e tiveram garantias de mercado para os
seus produtos.
As subsidiárias de multinacionais espanholas foram beneficiadas com
o aumento das encomendas da Telefonica, não só para a Espanha como
também para as outras plantas da América Latina. Além disso, estas
empresas adquiriram um papel importante dentro de seus grupos, uma vez
que as negociações de compras globais da Telefonica eram feitas com as
subsidiárias espanholas dos respectivos grupos. Isso permitiu que, em alguns 33 Um exemplo deste processo é a compra da Medidata, empresa que vem atuando há vinte e sete anos no mercado brasileiro de informática, pelo grupo Amper, em 2000.
280
casos, as subsidiárias ampliassem suas plantas produtivas na Espanha, em
detrimento das outras subsidiárias de outros países. Com isso, os
investimentos em inovação de tais empresas, assim como o nível de emprego
qualificado, foi mantido ou até mesmo expandido.
Deve-se ressaltar que os impactos do processo de internacionalização
da Telefonica sobre as subsidiárias das empresas multinacionais evidencia
que a Telefonica utilizou seu poder de negociação para grandes compras de
equipamentos (que agregam as compras das filiais latino-americanas e
espanhola) como forma de fomentar o desenvolvimento de atividades
produtivas e inovativas no país.
5.4. Conclusão
Os impactos do processo de reestruturação no sistema de inovação de
telecomunicações brasileiro estão relacionados principalmente: à
desnacionalização da indústria de equipamentos; à redução da participação dos
equipamentos com tecnologia nacional na planta de telecomunicações brasileira;
e à desarticulação das relações entre os agentes do sistema desenvolvidas até
a década de 1980. A análise dos efeitos da reestruturação das
telecomunicações também evidenciou uma redução significativa dos
investimentos em P&D e inovação do segmento de empresas fabricantes de
aparelhos e equipamentos de comunicações no período de 2000 a 2003. Além
disso, a estrutura de gastos em atividades inovativas deste segmento se alterou,
sendo observada a diminuição dos investimentos em atividades internas e
externas de P&D e o crescimento das atividades associadas à introdução das
inovações tecnológicas no mercado. Esta tendência de redução dos gastos em
P&D destoa daquela observada nos países mais avançados.
Acrescenta-se ainda que a entrada das operadoras estrangeiras no Brasil
alterou significativamente o papel desempenhado por elas no sistema de
inovação. Como discutido no capítulo 3, as operadoras do sistema Telebrás
tiveram um papel importante no desenvolvimento de capacitações no sistema de
inovação brasileiro, junto aos fornecedores de equipamentos, centros de
281
pesquisa e universidades. A participação das operadoras no sistema de
inovação de telecomunicações reduziu-se substancialmente após a privatização,
sendo a exceção a Telemar, que foi a única operadora que manteve parte de
sua demanda por equipamentos suprida por fabricantes de capital nacional que
utilizam tecnologia nacional.
O CPqD, principal agente do sistema de inovação de telecomunicações
brasileiro, depois de um período de transição e adaptação ao novo contexto do
setor, passou a desempenhar novamente um papel importante na articulação de
empresas, universidades e institutos de pesquisa, com o Ministério das
Comunicações. Isso está sendo possível graças ao projeto de TV digital, em
desenvolvimento atualmente com os recursos do Funttel. Neste sentido, apesar
dos impactos negativos da reestruturação do setor, alguns projetos de P&D em
curso desde 2003 podem permitir o desenvolvimento e a manutenção de novas
capacitações no sistema de inovação brasileiro, desde que haja continuidade do
projeto e dos recursos do Funttel. Este último aspecto é crucial e deve ser
ressaltado, visto que o governo federal tem contingenciado os recursos do
Fundo e reduzido os recursos destinados ao Ministério das Comunicações.
Ressalte-se ainda que, embora as iniciativas no âmbito do Funttel sejam
importantes para o sistema de inovação de telecomunicações brasileiro, a falta
de articulação de tais projetos com a demanda das operadoras dificulta a sua
continuidade e até mesmo coloca em questão a utilidade de seus resultados.
Como se discutiu ao longo desta tese, a ausência de mecanismos efetivos que
envolvam as concessionárias privatizadas na dinâmica do sistema de inovação é
um dos maiores problemas que levaram à desarticulação e ao enfraquecimento
do mesmo.
Do lado espanhol, o processo de reestruturação das telecomunicações
espanholas teve impactos positivos sobre o sistema nacional de inovação. A
internacionalização da Telefonica, discutida no capítulo 4, contribuiu fortemente
para dinamizar o sistema de inovação de telecomunicações. Neste processo, a
Telefónica Investigación & Desarrollo desempenhou um papel central na
internacionalização das pequenas e médias empresas espanholas de
282
equipamentos e serviços de telecomunicações. A inserção destas empresas na
estratégia de internacionalização da Telefonica resultou na manutenção e/ou
ampliação de seus esforços e atividades inovativas, no aumento de suas
exportações e, em alguns casos, na instalação de subsidiárias nos países onde
a Telefonica passou a operar. Destaca-se ainda o impacto da estratégia da
Telefonica sobre as subsidiárias espanholas das empresas multinacionais
fabricantes de equipamentos, que adquiriram maior relevância em seus grupos
graças à escala das compras realizadas pela Telefonica a partir da Espanha.
Com isso, um dos efeitos verificados foi justamente o aumento dos
investimentos em atividades de P&D das subsidiárias de multinacionais
realizados na Espanha.
Como pano de fundo dos impactos diferenciados verificados em cada um
dos casos estudados nesta tese, pode-se perceber a adoção de modelos de
privatização e políticas bastante distintas. No Brasil, e na América Latina em
geral, políticas e reformas estruturais focadas na liberalização e desregulação
dos setores econômicos e na abertura e atração do capital estrangeiro levaram à
adoção de processos de reestruturação nos setores de infra-estrutura cujos
resultados foram diferentes do que se esperava. Na Espanha, ao contrário, as
políticas e o modelo de privatização implementados possibilitaram o sucesso da
reestruturação das telecomunicações. A privatização da Telefonica na Espanha
teve objetivos diversos daqueles da Telebrás no Brasil. Mais importante do que
a redução de preços ou o aumento das opções de oferta de serviços, foram os
objetivos estratégicos de promover firmas fortes com capacidade financeira para
entrar em mercados estrangeiros e se defender de ameaças de aquisição por
firmas estrangeiras. Assim, além de liberalizar o setor de telecomunicações, a
Espanha passou a ter destaque no cenário mundial como o país de origem de
uma das maiores operadoras de telecomunicações do mundo.
Do ponto de vista do desenvolvimento das telecomunicações, pode-se
afirmar que o Brasil havia desenvolvido mais capacitações industriais e
tecnológicas do que a Espanha até a década de 1980. No entanto, em virtude do
modelo de reestruturação adotado e do papel desempenhado pelo governo
283
espanhol, a Espanha passou a ter destaque no cenário internacional a partir das
operações extra-fronteiras da Telefonica. No Brasil, como decorrência do
modelo de privatização e das políticas adotadas pelo governo brasileiro, ocorreu
uma desorganização do sistema de inovação e a perda de capacitação industrial
e inovativa.
De forma geral, este capítulo mostrou que a reestruturação das
telecomunicações na Espanha foi bem-sucedida, e um dos resultados foi
justamente a entrada da Telefonica no Brasil. Por sua vez, o ingresso da
Telefonica no Brasil (e nos outros países da América Latina) produziu impactos
positivos e trouxe vantagens para o sistema de inovação espanhol, ainda que à
custa de reflexos negativos sobre o sistema de inovação brasileiro.
284
CONCLUSÃO
Esta tese se propôs analisar os impactos da adoção de estratégias
diferenciadas de reestruturação do setor de telecomunicações sobre os sistemas
nacionais de inovação do Brasil e da Espanha. Buscou-se comprovar que, no
caso do Brasil, a adoção do modelo específico de abertura, liberalização e
privatização das telecomunicações afetou negativamente os processos de
capacitação industrial e tecnológica na área. Já no caso da Espanha, a
reestruturação, que incluiu a internacionalização da operadora incumbente,
fortaleceu o sistema de inovação de telecomunicações.
A fim de cumprir o objetivo principal, a tese baseou-se no enfoque
conceitual neo-schumpeteriano, que entende a capacidade de inovar como o
principal fator de competitividade de países, regiões, setores e firmas. Em
particular, o principal conceito teórico utilizado foi o de sistema nacional de
inovação, que parte da idéia de que a inovação se constitui num processo
sistêmico e interativo e, portanto, resulta de um conjunto de relações de
cooperação entre firmas e instituições, inclusive as políticas. A abordagem de
SNI traz implícita a idéia de que a inovação possui um caráter localizado, e se
constitui no centro das estratégias de desenvolvimento dos países. Tal como
discutido na tese, esta abordagem também oferece um enfoque alternativo às
interpretações largamente difundidas sobre as transformações recentes no
sistema capitalista.
Tais interpretações, disseminadas sob a denominação de globalização,
possuem um alto conteúdo ideológico e normativo, e apregoam uma redução da
capacidade e da necessidade de intervenção do Estado na economia. Ainda
segundo elas, a tecnologia e a inovação teriam se globalizado e, dessa forma,
poderiam ser facilmente transferidas de um lugar para outro. Assim, as
estratégias globais de pesquisa das empresas multinacionais executadas a partir
da instalação de unidades de P&D em diversos países, além do estabelecimento
de redes de inovação entre empresas de diversas origens e grandes programas
de pesquisas transnacionais cooperativos, seriam os principais vetores de
285
globalização da tecnologia. Este processo teria sido deslanchado pela difusão
do paradigma tecno-econômico da microeletrônica.
O capítulo 1 procurou mostrar que, não obstante a existência de
movimentos globais, principalmente na esfera financeira, e a maior
internacionalização e integração entre as economias nacionais, as fronteiras
entre os países permanecem delimitando o lócus de implementação de políticas
de desenvolvimento industrial e tecnológico. Neste aspecto, observou-se, no
âmbito dos países mais avançados, a utilização de novas políticas de
competitividade, principalmente para contrabalançar a maior abertura das
economias, conseqüência das novas formas de integração entre os países. O
principal foco destas novas políticas, como foi demonstrado, é a inovação.
Do ponto de vista tecnológico, verifica-se na prática uma escala muito
restrita em termos de descentralização e internacionalização das atividades de
P&D, sendo que este fenômeno só ocorre no caso de determinados setores
econômicos e está concentrado principalmente na OCDE e, em alguns casos,
na Tríade. Mais importante, a internacionalização de atividades de P&D por
parte de empresas multinacionais, quando ocorre, está, em geral, direcionada
aos países que têm um sistema nacional de inovação desenvolvido. Ressaltou-
se um conjunto de evidências que negam que esteja ocorrendo um processo de
globalização tecnológica e da inovação.
O “mito da globalização” espalhou ainda a idéia de que a inserção dos
países em desenvolvimento em tal processo dependeria da implementação de
um conjunto de reformas estruturais, que tinha como mote a mudança radical do
papel do Estado, que deixava de ser produtor de bens e serviços para ser
apenas regulador. Para isso, tais países deveriam implementar políticas de
liberalização, desregulamentação e privatização nos setores até então
dominados pelo Estado, entre os quais se inclui o de telecomunicações.
A divulgação das idéias associadas à definição de globalização acima
exposta, juntamente com a difusão do paradigma tecno-econômico de base
microeletrônica, provocaram no setor de telecomunicações, desde a década de
1980, intensas transformações. A microeletrônica causou uma verdadeira
286
revolução nas telecomunicações que, somadas às mudanças institucionais que
envolveram processos de desregulamentação e liberalização iniciados nos EUA
e no Reino Unido naquela década, alteraram completamente a configuração do
setor.
O setor de telecomunicações hoje está configurado de forma
significativamente diferente daquela que predominou até a década de 1980,
caracterizada por monopólios estatais na prestação de serviços e oligopólios na
indústria de equipamentos. A organização da indústria de telecomunicações
tornou-se extremamente complexa, com a introdução de novos atores e a
convergência com outros setores. Ocorreram alterações na organização das
atividades produtivas da indústria, bem como nas formas de concorrência do
setor de telecomunicações, como decorrência do aumento da incerteza e dos
custos de P&D. Percebeu-se a formação de alianças estratégicas e o
surgimento de novos oligopólios de rede baseados em conhecimento, que
introduzem novos elementos nas formas de concorrência e dificultam a
delimitação das fronteiras entre os diferentes setores. Este último aspecto, em
particular, exige que os setores industriais sejam redefinidos e pensados numa
perspectiva mais ampla e em contínua mutação, baseados em áreas de
conhecimento e especializações e/ou conjuntos de tecnologias e soluções.
A nova organização das atividades produtivas da indústria de
telecomunicações foi analisada em detalhe, e mostrou-se que existe atualmente
um maior número de camadas e segmentos, bem como novos tipos de serviços
(móveis, internet, banda larga, entre outros). O segmento de telefonia fixa, que
era o mais importante na tradicional indústria de telecomunicações, vem
perdendo participação.
Em geral os processos de reestruturação adotados pelos países
estiveram voltados para a privatização dos monopólios estatais e à introdução
de concorrência nos diversos segmentos. No entanto, como se demonstrou, em
alguns segmentos de serviços de telecomunicações, em especial o de telefonia
fixa, observou-se apenas a passagem de um monopólio público para um
monopólio privado. Este fenômeno foi verificado, por exemplo, no caso do Brasil.
287
Do ponto de vista da organização das atividades inovativas na indústria
de telecomunicações, foi percebido um conjunto de mudanças. Em primeiro
lugar, no final da década de 1990 notou-se o ingresso de diversas operadoras
de telecomunicações, desprovidas de esforços em P&D. Estas operadoras, em
geral, terceirizaram tais atividades para os fornecedores de equipamentos de
telecomunicações. Foi este movimento que levou alguns especialistas do setor a
afirmarem que estaria ocorrendo uma redução da importância dos investimentos
em P&D e atividades inovativas por parte das operadoras de serviços de
telecomunicações. Isso seria corroborado ainda por uma pretensa redução de
tais investimentos no âmbito das operadoras incumbentes. No entanto, os dados
relativos aos anos de 1997, 1999, 2001 e 2003 apresentados no capítulo 2
mostraram que, de forma geral, algumas das maiores incumbentes (NTT,
Deutsche Telekom e BT, por exemplo), embora tenham reduzido seus
investimentos em P&D como participação da receita total, aumentaram estes
investimentos em termos absolutos. No caso das fabricantes de equipamentos,
mostrou-se que, embora exista uma alta participação dos gastos em P&D na
receita total, em termos absolutos estes gastos apresentam uma tendência de
queda. Isso leva a concluir que os investimentos das operadoras de serviços de
telecomunicações seguem sendo um importante fator de competitividade na
indústria. Argumentou-se ainda que a crise internacional pela qual o setor de
telecomunicações passou a partir de 2001 evidenciou a importância da
manutenção das atividades de P&D e inovativas por parte das operadoras de
telecomunicações.
Outro aspecto fundamental na análise da nova conformação da indústria
de telecomunicações ratificado nesta tese é que, no caso dos países
desenvolvidos, o Estado manteve um grau significativo de intervenção em suas
operadoras incumbentes, apesar dos processos de abertura, liberalização,
desregulamentação e privatização do setor de telecomunicações. Tal
intervenção ocorre graças à propriedade direta ou indireta de parte do capital da
empresa, ou à manutenção de golden shares pelo Estado. Além disso, tais
governos mantêm restrições importantes à propriedade estrangeira do capital
288
das principais operadoras de telecomunicações, visando à manutenção do poder
decisório dentro do país, dado o reconhecimento do caráter estratégico das
telecomunicações. Existem, nesses casos, alguns obstáculos à entrada de IED
no setor de telecomunicações, e alguns países se destacam por manter
barreiras e limites explícitos à entrada de capital estrangeiro nas
telecomunicações.
Nesse contexto, o modelo de reestruturação seguido no Brasil difere
radicalmente daqueles implementados nos países mais avançados. Nestes, a
capacidade de intervenção em decisões estratégicas por parte do Estado foi
mantida, e as operadoras nacionais, ainda que privatizadas, permaneceram sob
domínio do capital nacional e empreenderam esforços de internacionalização.
O capítulo 3 apresentou a configuração do setor de telecomunicações e,
em particular, do sistema de inovação de telecomunicações no Brasil antes e
depois do processo de reestruturação. Foram expostas as principais conquistas
obtidas a partir da constituição do sistema de inovação ao longo das décadas de
1970 e 1980, que tinha como principal ator o CPqD, e era considerado por
diversos especialistas como um dos mais desenvolvidos entre os países menos
avançados. Destacam-se, dentre as conquistas, o desenvolvimento de produtos
e equipamentos com tecnologia nacional, que promoveram redução significativa
dos custos de ampliação do Sistema Nacional de Telecomunicações brasileiro.
Além disso, foram estabelecidas empresas fabricantes de equipamentos de
capital nacional e as empresas multinacionais se envolveram no processo de
desenvolvimento local de tecnologia, trazendo ganhos significativos para a
capacitação tecnológica brasileira.
A partir da década de 1990, foram implementadas mudanças
institucionais e regulatórias no setor de telecomunicações brasileiro, que
alteraram a organização das atividades produtivas e tiveram impactos
substanciais do ponto de vista do sistema de inovação. O modelo de
reestruturação das telecomunicações adotado no Brasil seguia uma lógica
financeira em detrimento de questões estratégicas ligadas à inovação e à
indústria local. A privatização ocorreu em um contexto econômico internacional
289
turbulento, marcado principalmente pelas repercussões negativas da crise
asiática sobre os países em desenvolvimento. Por isso, existia uma demanda
urgente de ingresso de capital estrangeiro, e a privatização das
telecomunicações (e de outros setores) priorizou a maximização da entrada de
recursos financeiros no curto prazo para cobrir o déficit no balanço de
pagamentos. Em vez de buscar o fortalecimento das operadoras nacionais para
internacionalizar as suas atividades, a privatização promoveu a fragmentação do
antigo monopólio público e, posteriormente, sua venda a grandes operadoras
internacionais. Com isso, ocorreu o deslocamento dos centros de decisão
estratégica para fora do País, na medida em que estes passaram a se localizar,
em geral, nas matrizes das empresas multinacionais. Como conseqüência, o
papel que as operadoras do sistema de telecomunicações desempenhavam no
sistema de inovação no período anterior à privatização foi radicalmente alterado.
Antes, as operadoras participavam ativamente dos processos de
desenvolvimento local de tecnologia. Atualmente, com exceção da Telemar, as
outras operadoras que atuam no Brasil, incluindo a Telefonica, têm estratégias
globais de compra e mantêm seus esforços em P&D e inovação concentrados
em suas matrizes.
Como conseqüência, um dos principais objetivos do modelo brasileiro de
reestruturação, a promoção da concorrência, não foi atingido. De acordo com as
informações apresentadas no capítulo 3, a concorrência no segmento de
telefonia fixa não foi instaurada na prática, e o que se observou foi a simples
passagem de um monopólio público para um monopólio privado. No segmento
de telefonia celular, graças à rápida evolução tecnológica, formou-se um
oligopólio na prestação de serviços, o que permitiu a sua expansão, mas os
preços ainda permanecem em um patamar relativamente alto.
Do ponto de vista do sistema de inovação de telecomunicações, o modelo
de reestruturação adotado não incorporou mecanismos efetivos para estimular a
capacitação industrial e tecnológica na área. A exceção é o Funttel que, como foi
discutido, passa por problemas de contingenciamento, o que dificulta a
implementação e continuidade dos projetos por ele financiados. O resultado
290
disso foi, por um lado, um processo de desnacionalização e internacionalização
das empresas e, por outro, uma desarticulação entre os diversos agentes do
sistema de inovação. O CPqD, até então o principal agente e articulador do
sistema, foi transformado numa fundação privada e obrigado a mudar o seu foco
de atuação.
As informações apresentadas sobre os déficits da balança comercial
durante o período de 1998 a 2001 e em 2004, os dados da PINTEC que
mostram a redução dos investimentos em atividades de P&D e inovação da
indústria de equipamentos de telecomunicações no período recente, e a redução
da participação dos equipamentos desenvolvidos com tecnologia nacional na
planta de telecomunicações brasileira são evidências dos impactos negativos da
reestruturação sobre o sistema de inovação de telecomunicações brasileiro.
No caso da Espanha, o processo de reestruturação se deu de forma
radicalmente diferente do Brasil. Em primeiro lugar, no final da década de 1980,
enquanto a Telefonica ainda era uma empresa dominada pelo Estado espanhol,
ela iniciou um processo de internacionalização de suas atividades para a
América Latina. Esse processo teve como objetivo viabilizar a sobrevivência da
empresa no contexto da inserção da Espanha na União Européia, que obrigaria
a Telefonica a concorrer com outras grandes operadoras européias. A
liberalização do setor de telecomunicações foi feita de forma gradual, segundo o
cronograma europeu, e a privatização da Telefonica ocorreu em duas etapas,
em 1995 e em 1997, quando o governo espanhol vendeu as ações que possuía
da empresa. Nesse processo, assim como na privatização das outras empresas
de infra-estrutura espanholas, o capital financeiro nacional (bancos e outras
instituições financeiras) teve participação fundamental na formação de “núcleos
duros” nas empresas, a fim de manter a saúde financeira das mesmas e a
estabilidade acionária, bem como para conservar os centros de decisão
estratégica na Espanha. Além disso, o governo espanhol manteve a capacidade
de intervenção direta nas decisões estratégicas na Telefoica, através da golden
share, além da participação indireta, através da indicação de diretores e do
presidente da empresa.
291
Do ponto de vista do sistema de inovação espanhol, a
internacionalização da Telefonica trouxe benefícios significativos. De acordo
com o exposto no capítulo 4, a própria negociação em torno dos termos do
processo envolveu o compromisso da empresa de promover, em conjunto, a
internacionalização das atividades das empresas espanholas de equipamentos e
serviços de telecomunicações. A posterior privatização da Telefonica, que
manteve parte de seu capital em poder de instituições financeiras espanholas e
a golden share com o governo, fortaleceu os interesses nacionais e seguiu
favorecendo a indústria de equipamentos e serviços de telecomunicações.
As informações apresentadas sobre o crescimento da Telefonica I+D, o
aumento das exportações e dos investimentos em P&D e inovação das
empresas fabricantes de equipamentos de telecomunicações, e o aumento do
envolvimento das subsidiárias de empresas multinacionais nas atividades de
inovação na área de telecomunicações na segunda metade da década de 1990
são evidências de que a reestruturação das telecomunicações na Espanha
fortaleceu o sistema de inovação.
Neste aspecto, é interessante notar que, até a década de 1980, o sistema
de telecomunicações brasileiro era significativamente mais desenvolvido do que
o espanhol. No entanto, após a reestruturação, esta situação se inverteu: os
processos de liberalização e privatização das telecomunicações implementados
na Espanha promoveram um upgrade das atividades e esforços voltados para a
inovação. No Brasil, ao contrário, verificou-se um downgrade nos esforços
voltados para a capacitação inovativa e produtiva.
Enquanto no Brasil o CPqD foi privatizado e obrigado a reduzir seus
investimentos em projetos de P&D de médio e longo prazos e concentrar-se em
projetos de curto prazo, para viabilizar sua sobrevivência no ambiente de
concorrência, na Espanha, a Telefonica I+D, peça-chave na articulação das
empresas espanholas no processo de internacionalização, se fortaleceu e
cresceu.
Da mesma forma, enquanto no Brasil as empresas de equipamentos de
capital nacional foram desnacionalizadas ou fechadas, na Espanha as empresas
292
nacionais ampliaram seus investimentos em atividades inovativas e tiveram suas
exportações aumentadas ou até mesmo realizaram IED nos países onde a
Telefonica se instalou.
Por sua vez, as subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais, que
no período da Telebrás se envolveram no processo de desenvolvimento
tecnológico local, reduziram seus esforços inovativos no Brasil, apesar dos
incentivos fiscais oferecidos pelo governo brasileiro, como foi discutido no
capítulo 5. No caso da Espanha, destacaram-se, como se lê no mesmo capítulo,
evidências de que as subsidiárias espanholas ampliaram seus esforços
inovativos na segunda metade da década de 1990, como forma de ampliar suas
vendas às diversas subsidiárias da Telefonica na Espanha e na América Latina.
Mostrou-se ainda que as aquisições de todas as subsidiárias da Telefonica são
realizadas desde a matriz espanhola, revelando uma política global de compras
de equipamentos.
A comparação entre os casos do Brasil e da Espanha mostra que a
adoção de estratégias e modelos diversos de liberalização, abertura e
privatização do setor de telecomunicações levou a resultados significativamente
diversos sobre a estrutura e organização do setor, bem como sobre os
processos de capacitação industrial e tecnológica de cada país. No caso do
Brasil, onde as prioridades do modelo de reestruturação estiveram ligadas à
maximização de ganhos financeiros, os impactos do ponto de vista do sistema
de inovação foram negativos. Na Espanha, onde o modelo teve objetivos
estratégicos de promover firmas fortes com capacidade financeira para ingressar
em mercados externos e se proteger de ameaças de aquisição por parte de
firmas estrangeiras, o resultado foi o fortalecimento do sistema de inovação e da
própria Telefonica, que se tornou a oitava maior operadora do mundo.
Apesar dos problemas enfrentados atualmente pelo sistema de inovação
de telecomunicações brasileiro decorrentes da reestruturação do setor,
argumentou-se que existem algumas iniciativas em curso que podem viabilizar
uma revitalização do mesmo. O projeto de desenvolvimento de um padrão de TV
digital, que conta com recursos do Funttel e é coordenado pelo CPqD e pela
293
Finep, tendo a participação de diversas instituições ligadas a pesquisa e
desenvolvimento em telecomunicações, é uma delas. Esse projeto constitui-se
numa possibilidade concreta de reorganizar os diversos agentes do sistema e os
esforços de P&D e inovação em torno de um objetivo comum, de desenvolver
algumas novas capacitações tecnológicas e produtivas na área de
telecomunicações. No entanto, problemas relacionados à descontinuidade
política e mudança de ministros, além do contingenciamento de recursos
financeiros do Funttel, podem comprometer esta oportunidade de revitalização
do sistema de inovação de telecomunicações brasileiro.
O estudo de áreas potenciais de pesquisas, relacionadas às novas
oportunidades tecnológicas e de inovação em telecomunicações para países em
desenvolvimento, que poderiam se constituir em oportunidades de
reorganização do sistema de inovação é, sem dúvida, fundamental para
pesquisa futura.
294
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Lista das Entrevistas Realizadas na Espanha
Empresa/Instituição Entrevista Professora da Universidade Autônoma de Madrid (UAM)
Paloma Sanchez
Responsável global da conta da Telefonica Fixa na América Latina da Alcatel
Efrén Martin Sanchez
Subdiretor do Departamento Técnico da Comissión del Mercado de las Telecomunicaciones
Pedro Millanes Moreno
Telefonica/ Telefonica Investigación y Desarrollo
Montsserrat Lopez Molina
Vice Diretor de Planificación de assuntos Estratégicos da Telefonica Internacional
José Maria Del Rey
Universidade Complutense de Madrid José Molero Presidente da Asociación Nacional de las Industrias Electrónicas y de telecomunicaciones (ANIEL)
Jesus Banegas
Professora da Universidade Autônoma de Madrid
Cristina Chaminade
Vice Presidente da Telefonica I+D Isidoro Padilla González Centro de Información y Documentación Científica do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CINDOC/CSIC)
Jesus Sebastián
Telefonica/Telesp (ex Diretor de Regulação Corporativa)
Jose Luis Rebollo Sanchez
Diretor Geral da Conta Global do Grupo Telefonica - ERICSSON
Jerônimo de Ugarte Gil
Diretor de Compras de Productos de Mercado - Telefonica
Antonio López Del Castillo
Professor da Universidade Autônoma de Madrid
Antonio Vazquez Barquero
Grupo PRISA Ignácio Santillana
307
Lista das Entrevistas Realizadas no Brasil
Empresa/Instituição Entrevista Telefonica Diretor Geral Unidade de Negócios Comunicação de Empresas Telefônica Empresas S.A.
Luiz G. Villela
AsGa Presidente
José Ellis Ripper
Trópico Diretor Geral
Raul Del Fiol
CPqD Diretor Geral Iniciativa Sigma Gerente de Planejamento de Inovação Gerência de Sistemas de Desenvolvimento Gerência de Relacionamento Externo
Helio Graciosa Edson Teracine Cláudio de Almeida Loural Amilton da Costa Lamas Eunice Luvizotto Pissolato
308
Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90: Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de
Brasil y de España Guión de Cuestiones para las Entrevistas en la Telefonica - Compras
Cuestiones a cerca de la Privatización
1. ¿Cuales son los principales proveedores de equipos y servicios de
Telefonica en España (y en el exterior)?
a. ¿Los principales proveedores de equipos y servicios son de capital español?
b. ¿Hay participación de PYMES entre los proveedores de Telefonica?
c. ¿Existen relaciones de cooperación para o desarrollo tecnológico entre la Telefonica y estos proveedores?
d. ¿Hay alguno “proveedor estratégico”? e. ¿Hay relaciones de cooperación tecnológica entre la Telefónica y
las universidades y/o institutos de investigación?
Cuestiones a cerca de la Internacionalización
2. ¿Cual es el impacto de la internacionalización de la Telefonica sobre los proveedores de equipos y servicios españoles?
a. ¿La demanda por equipos producidos en España ha crecido? b. ¿Hubo aumento de las exportaciones de los proveedores de
equipos y servicios españoles? c. ¿Los principales proveedores de equipos y servicios de
telecomunicaciones españoles han seguido la estrategia de internacionalización de Telefonica para los países de América Latina?
3. ¿Durante el proceso de internacionalización de sus actividades, la
Telefonica ha buscado mantener sus principales proveedores de equipos y servicios?
4. ¿Hubo crecimiento de las inversiones en I&D o/y ampliación de
capacidad por parte de los proveedores de equipos y servicios de telecomunicaciones españoles?
309
5. ¿Hubo ampliación de las operaciones de las subsidiarias de multinacionales en Madrid (y en España) (Alcatel, Ericsson, Lucent) como resultado de la expansión de las actividades de Telefonica en España y en otros países?
Brasil
6. ¿Como a Telefonica seleccionó sus suministradores en Brasil? Cuales criterios fueran utilizados?
Cuestiones de Politicas
7. ¿Cuál es el papel del gobierno en el sector de telecomunicaciones? a. ¿Hay una política específica para el sector? b. ¿El gobierno español ofrece algún soporte al desarrollo tecnológico
en telecomunicaciones? c. ¿Existe algún dispositivo en la política que beneficie los
proveedores de equipos españoles o aquellas que mantienen actividades productivas e inovativas en España?
d. ¿El gobierno español ofrece algún soporte a la internacionalización de Telefonica?
310
Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90: Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de
Brasil y de España
Guión de Cuestiones para las Entrevistas en la Telefonica Internacional Cuestiones a cerca de la Privatización
1 ¿Cuales eran los objetivos con la privatización de la Telefonica? (Aumento de la competencia, incremento de consumidores, reducción de precios, etc…) 2 ¿Quien son los socios mayoritarios de la Telefonica?
3 ¿Las inversiones de Telefonica han crecido después de la privatización? 4 ¿Cuales son los principales proveedores de equipos y servicios de
Telefonica en España (y en el exterior)?
a. ¿Los principales proveedores de equipos y servicios son de capital español?
b. ¿Hay participación de PYMES entre los proveedores de Telefonica?
c. ¿Existen relaciones de cooperación para o desarrollo tecnológico entre la Telefonica y estos proveedores?
d. ¿Hay alguno “proveedor estratégico”? e. ¿Hay relaciones de cooperación tecnológica entre la Telefónica y
las universidades y/o institutos de investigación?
5 ¿Cuales son los impactos de la privatización de Telefonica sobre las actividades de I&D?
a. ¿Cual es el papel de la Telefonica I+D? b. ¿Las inversiones en I&D han crecido? c. ¿Ha habido tercerización de los esfuerzos de I&D?
Cuestiones a cerca de la Internacionalización
6 ¿Cual es el impacto de la internacionalización de la Telefonica sobre los proveedores de equipos y servicios españoles?
a. ¿La demanda por equipos producidos en España ha crecido? b. ¿Hubo aumento de las exportaciones de los proveedores de
equipos y servicios españoles? c. ¿Los principales proveedores de equipos y servicios de
telecomunicaciones españoles han seguido la estrategia de
311
internacionalización de Telefonica para los países de América Latina?
7 ¿Durante el proceso de internacionalización de sus actividades, la
Telefonica ha buscado mantener sus principales proveedores de equipos y servicios?
8 ¿Hubo crecimiento de las inversiones en I&D o/y ampliación de
capacidad por parte de los proveedores de equipos y servicios de telecomunicaciones españoles?
9 ¿Hubo ampliación de las operaciones de las subsidiarias de
multinacionales en Madrid (y en España) (Alcatel, Ericsson, Lucent) como resultado de la expansión de las actividades de Telefonica en España y en otros países?
Cuestiones de Politicas
10 ¿Cuál es el papel del gobierno en el sector de telecomunicaciones? a. ¿Hay una política específica para el sector? b. ¿El gobierno español ofrece algún soporte al desarrollo tecnológico
en telecomunicaciones? c. ¿Existe algún dispositivo en la política que beneficie los
proveedores de equipos españoles o aquellas que mantienen actividades productivas e inovativas en España?
d. ¿El gobierno español ofrece algún soporte a la internacionalización de Telefonica?
312
Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90:
Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de Brasil y de España
Guión de Cuestiones para las Entrevistas en la Telefonica Investigación & Desarrollo
1. ¿Cuales son las principales actividades desarrolladas por la TID? 2. Relación del TID con los otros agentes del sistema de innovación español.
a. ¿Cuales son los principales proveedores de equipos y servicios de
Telefonica en España (y en el exterior)? i. ¿Existen relaciones de cooperación entre la Telefonica y
estos proveedores? b. ¿Qué vínculos la TID mantiene con las universidades? c. ¿Los esfuerzos tecnológicos están mas concentrados en software
o en hardware?
3. ¿Cuales son los impactos de la privatización de Telefonica sobre las actividades de TID?
a. ¿Las inversiones han crecido? b. ¿Ha habido tercerización de los esfuerzos de I&D?
4. ¿Cual es el impacto de la internacionalización de la Telefonica sobre la TID?
a. ¿Existen otros laboratorios de la TID en países donde la Telefonica esta presente?
b. ¿Cuál es la función de estos laboratorios o oficinas fuera de España?
5. ¿El gobierno español ofrece algún soporte al desarrollo tecnológico en telecomunicaciones?
a. ¿El gobierno realiza alguna inversión directamente en la TID? b. ¿Ha alguna política del gobierno hacia la capacitación tecnológica
e inovativa en telecomunicaciones?
6. Cual es el papel de la regulación de telecomunicaciones sobre los procesos de capacitación inovativa y productiva en España?
a. ¿En el sistema regulador existe algún dispositivo que beneficie los proveedores de equipos españoles o aquellas que manteen actividades productivas y inovativas en España?
313
7. ¿Como la Telefonica I+D soporta las demanda tecnológicas de la
Telefonica? a. Porcentaje de la factura total que la Telefonica invierte en la
Telefonica I+D: b. Como se dio la evolución del numero de ingenieros y técnicos en la
Telefonica I+D?
314
Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90:
Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de Brasil y de España
Guión de Cuestiones para las Entrevistas en la Ericsson Cuestiones a cerca de la Privatización
1 ¿Desde cuando Ericsson esta en España? - Cuantos empleados hay en Ericsson España? - Cual es la producción de Ericsson España? 2 ¿Cuáles son los principales productos manufacturados por Ericsson en España?
3 ¿La Ericsson subcontrata PYMES para suministrar partes de servicios/componentes/equipos para Telefonica? 4 ¿Cuál es la parcela de equipos que Ericsson suministra a Telefonica en España (y en el exterior)?
Cuestiones a cerca de la Internacionalización
5 ¿Cual es el impacto de la internacionalización de la Telefonica sobre Ericsson?
e. ¿La demanda por equipos producidos en España ha crecido? f. ¿Hubo aumento de las exportaciones de Ericsson España o de
Ericsson Brasil? 6 ¿Durante el proceso de internacionalización de sus actividades, la Telefonica ha buscado mantener Ericsson entre los principales proveedores de equipos y servicios?
7 ¿Hubo crecimiento de las inversiones en I&D o/y ampliación de capacidad por parte de Ericsson después de la internacionalización de Telefonica? (Em 1998 a subsidiária da Ericsson em Madrid se tornou um dos cinco maiores centros para a produção de equipamentos fixos).
Cuestiones de Politicas
8. ¿Cuál es el papel del gobierno en el sector de telecomunicaciones? a. ¿Hay una política específica para el sector que beneficie Ericsson?
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Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90: Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de
Brasil y de España Guión de Cuestiones para las Entrevistas en el CINDOC/CSIC Cuestiones de Política
1 ¿Cuál es el papel del gobierno en el sector de telecomunicaciones?
e. ¿Hay una política específica para el sector? f. ¿Existe algún dispositivo en la política que beneficie los
proveedores de equipos españoles o aquellas que mantienen actividades productivas e inovativas en España?
g. ¿Existe alguna política direccionala a la interacción/cooperación
entre los diversos atores (universidades, institutos de investigación, PYMES, Telefonica etc) del sistema de innovación de telecomunicaciones español?
h. ¿Existe alguna política para incentivar las PYMES españolas
subcontratadas por los grandes suministradores multinacionales o por la Telefonica?
2 ¿La privatización de la Telefonica era parte de la política de desarrollo industrial española? ¿Cuál era el objetivo?
3 ¿Hay alguna política específica para el desarrollo tecnológico en el sector
de telecomunicaciones?
4 ¿La política de desarrollo industrial española tenía algún dispositivo a cerca de la internacionalización de Telefonica y/o de sus suministradores de equipos y servicios? (“Plan de Internacionalización”)
a. ¿Existía o existe alguno instrumento en la política direccionado a la
internacionalización de los principales proveedores de equipos y servicios de telecomunicaciones españoles para los países de América Latina?
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Reestructuración del sector de telecomunicaciones en la década de 90:
Uno estudio comparativo de los impactos sobre los sistemas de innovación de Brasil y de España
Guión de Cuestiones para las Entrevistas en la Universidad Cuestiones Generales
1 ¿Cuales son los principales proveedores de equipos y servicios de Telefonica en España (y en el exterior)?
i. ¿Hay participación de PYMES entre los proveedores de
Telefonica? j. ¿Hay subcontratación de PYMES por los “proveedores de primera
línea”? k. ¿Hay relaciones de cooperación tecnológica entre los proveedores
y las universidades y/o institutos de investigación?
2 ¿Cual era (y es) el papel de las universidades y institutos de investigación en el proceso de capacitación inovativa y tecnológica en el sector de telecomunicaciones?
Cuestiones a cerca de la Liberalización del Mercado de las Telecomunicaciones
3 ¿Cuales son los impactos de la liberalización del mercado de las
telecomunicaciones sobre las actividades de I&D? a. ¿Las inversiones en I&D de los proveedores han crecido? b. ¿Ha habido tercerización de los esfuerzos de I&D? c. ¿Hubo algún impacto en los esfuerzos tecnológicos de las
universidades e institutos de investigación?
Cuestiones a cerca de la Internacionalización
4 ¿Cual es el impacto de la internacionalización de la Telefonica sobre los proveedores de equipos y servicios españoles?
a. ¿La demanda por equipos producidos en España ha crecido? b. ¿Hubo aumento de las exportaciones de los proveedores de
equipos y servicios españoles? c. ¿Los principales proveedores de equipos y servicios de
telecomunicaciones españoles han seguido la estrategia de
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internacionalización de Telefonica para los países de América Latina?
5 ¿Hubo crecimiento de las inversiones en I&D o/y ampliación de
capacidad por parte de los proveedores de equipos y servicios de telecomunicaciones españoles?
6 ¿Hubo ampliación de las operaciones de las subsidiarias de
multinacionales en Madrid (y en España) (Alcatel, Ericsson, Lucent) como resultado de la expansión de las actividades de Telefonica en España y en otros países?
Cuestiones de Politicas
7 ¿Cuál es el papel del gobierno en el sector de telecomunicaciones? a. ¿Hay una política específica para el sector? b. ¿El gobierno español ofrece algún soporte al desarrollo tecnológico
y productivo en telecomunicaciones? c. ¿Existe algún dispositivo en la política que beneficie los
proveedores de equipos españoles o aquellas que mantienen actividades productivas e inovativas en España?
d. ¿El gobierno español ofrece algún soporte a la internacionalización de Telefonica?
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Reestruturação do setor de telecomunicações na década de 90: Um estudo comparativo sobre os impactos sobre os sistemas de inovação do Brasil
e da Espanha Roteiro de entrevista para a Telefonica
1. Faturamento, número de empregados, Percentual de investimento em P&D
2. Logo que a Telefonica comprou a Telesp, existiram alguns
conflitos/desentendimentos com a população paulista (marca, nome, entrada de novos funcionários espanhóis, intenção de trazer fornecedores espanhóis, etc). Quais foram as razões destes conflitos? Eles já estão ultrapassados?
3. Qual a relação entre a Telefonica do Brasil e as outras Telefonicas da
América Latina?
- As diversas filiais realizam compras conjuntas? - Existe participações acionárias cruzadas entre elas?
4. A empresa possui uma política de compras global? Qual o nível de
influência da matriz espanhola na política de compras da empresa?
- Existe preferência/ utilização de algum fornecedor espanhol?
5. Qual a participação da Telefonica do Brasil no Grupo Telefonica? (36% em 1999) 6. Relação da empresa com os outros agentes do SI brasileiro:
i. A empresa realiza algum esforço em inovação? ii. Os esforços tecnológicos e de inovação estão mais focados
em software ou hardware? iii. A empresa desenvolve algum projeto tecnológico com
fornecedores brasileiros de equipamentos? De que tipo? iv. A empresa desenvolve algum projeto tecnológico com o
CPqD? Qual? v. Existem relações de cooperação entre a empresa e outros
institutos de pesquisa e universidades?
7. Que tipo de projetos a Telefonica do Brasil desenvolve com a Telefonica I+D do Brasil? E com a Telefonica I+D espanhola?
8. Como se estruturou a política de recursos humanos quando da entrada da
Telefonica no Brasil?
319
- Existe algum tipo de treinamento da empresa para seus funcionários?
9. A empresa utiliza alguma política de incentivo ao setor de
telecomunicações do governo brasileiro? 10. Na sua opinião, o arcabouço regulatório brasileiro é adequado ao
contexto de concorrência do setor de telecomunicações?
320
Reestruturação do setor de telecomunicações na década de 90: Um estudo comparativo sobre os impactos sobre os sistemas de inovação do Brasil
e da Espanha Roteiro de Entrevista para o CPqD
1. Faturamento, número de empregados, etc 2. Quais são as principais atividades e projetos atualmente desenvolvidos
pelo CPqD? Em que área estão concentradas as atividades da Fundação? Quais os principais produtos desenvolvidos?
3. Quem são os principais clientes?
4. Quais as principais fontes de recursos para os projetos desenvolvidos?
5. Relação do CPqD com os outros agentes do SI brasileiro:
i. O CPqD desenvolve alguma ação conjunta/parceria com empresas fornecedoras de equipamentos brasileiras? E com empresas fornecedoras de equipamentos estrangeiras?
ii. O CPqD desenvolve alguma ação conjunta/parceria com a Telefonica I+D? E com outros institutos de P&D?
6. Além das mudanças institucionais (transformação em Fundação Privada),
quais foram os principais impactos da privatização da Telebrás? 7. Qual a participação do CPqD no desenvolvimento da tecnologia Trópico?
E nos outros produtos da Trópico?
8. Como são aplicados os recursos do FUNTTEL destinados ao CPqD?
9. Qual a participação do CPqD no SBTVD? E no desenvolvimento da NGN? Qual é o cronograma (previsão) de lançamento do SBTVD? E da NGN?
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Reestruturação do setor de telecomunicações na década de 90: Um estudo comparativo sobre os impactos sobre os sistemas de inovação do Brasil
e da Espanha Roteiro de Entrevista para a Trópico
1. Principais produtos (as centrais de comutação ainda são vendidas?), Faturamento, número de empregados, Percentual de investimento em P&D, Origem do capital controlador da empresa, vendas no mercado externo, etc. 2. A nova linha de produtos (Vectura) tem a mesma base tecnológica que as centrais Trópico? 3. Quem são os principais clientes da empresa? 4. Relação da empresa com os outros agentes do SI brasileiro:
i. Existem relações de cooperação entre a empresa e os outros fornecedores de equipamentos?
ii. Existem relações de cooperação entre a empresa e o CPqD?
iii. Existem relações de cooperação entre a empresa e outros institutos de pesquisa e universidades?
iv. Os esforços tecnológicos e de inovação estão mais focados em software ou hardware?
v. Quais são os projetos conjuntos desenvolvidos entre a empresa e as outras instituições?
5. Quais os impactos da privatização da Telebrás e da entrada das novas
operadoras sobre as atividades da empresa?
i. O que ocorreu com os investimentos em P&D da empresa, houve aumento ou redução?
6. Na sua percepção, a entrada da Telefonica teve algum efeito específico
na indústria brasileira de equipamentos? a. Existia (ou existe) uma política de compras de equipamentos
específica desta empresa? b. A Trópico tem algum concorrente de capital espanhol? c. Existe algum tipo de contato entre a Telefonica I+D e a Trópico?
7. A empresa utiliza alguma política de incentivo ao setor de telecomunicações do governo brasileiro? (Ex. Lei de Informática)
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8. Na sua opinião, qual o papel do FUNTTEL no desenvolvimento
tecnológico do setor? A empresa tem algum projeto apoiado por tal fundo?
9. Na sua percepção, quais são os principais campos de desenvolvimento
tecnológico no setor de telecomunicações que a política industrial e tecnológica deve focar?
10. Qual a participação da Trópico no desenvolvimento da NGN? Qual é o
cronograma (previsão) de lançamento da NGN? As vendas da Trópico até o atual momento foram só para a Telefonica? Existe algum contrato para venda destes produtos/softwares para outra filial da Telefonica? Como está a evolução de mercado da NGN?
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Reestruturação do setor de telecomunicações na década de 90: Um estudo comparativo sobre os impactos sobre os sistemas de inovação do Brasil
e da Espanha Roteiro de Entrevista para AsGa
1. Principais produtos, Faturamento, número de empregados, Percentual de investimento em P&D, Origem do capital controlador da empresa, vendas no mercado externo, etc 2. Quem são os principais clientes da empresa? 3. Relação da empresa com os outros agentes do SI brasileiro:
i. Existem relações de cooperação entre a empresa e os outros fornecedores de equipamentos?
ii. Existem relações de cooperação entre a empresa e o CPqD?
iii. Existem relações de cooperação entre a empresa e outros institutos de pesquisa e universidades?
iv. Os esforços tecnológicos e de inovação estão mais focados em software ou hardware?
v. Quais são os projetos conjuntos desenvolvidos entre a empresa e as outras instituições?
4. Quais os impactos da privatização da Telebrás e da entrada das novas operadoras sobre as atividades da empresa?
vi. O que ocorreu com os investimentos em P&D da empresa, houve aumento ou redução?
5. Na sua percepção, a entrada da Telefonica teve algum efeito específico na indústria brasileira de equipamentos?
- Existia (ou existe) uma política de compras de equipamentos específica desta empresa?
- A AsGa tem algum concorrente de capital espanhol? - Existe algum tipo de contato entre a Telefonica I+D e a AsGa?
6. A empresa utiliza alguma política de incentivo ao setor de telecomunicações do governo brasileiro? (Ex. Lei de Informática) 7. Na sua opinião, qual o papel do FUNTTEL no desenvolvimento tecnológico do setor? A empresa tem algum projeto apoiado por tal fundo?