Universidade do MinhoEscola de Direito
Vânia Andrea Oliveira Gomes
janeiro de 2016
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Vânia Andrea Oliveira Gomes
janeiro de 2016
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Dra. Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho e do Prof. Dr. Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque
Dissertação de MestradoMestrado em Direito Judiciário
Universidade do MinhoEscola de Direito
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
III
Agradecimentos
Aos meus pais, que me incentivaram sempre a estudar e alcançar todos os meus sonhos
e que sem eles a minha carreira académica não seria possível.
Ao meu irmão, que esteve sempre presente e me apoiou na conclusão desta dissertação.
Às minhas amigas Cláudia e Joana que sempre me questionaram sobre o
desenvolvimento da minha dissertação, o que me motivou a avançar com este trabalho.
Ao meu namorado Flávio, que nos momentos de maior tensão, sempre teve uma palavra
mais acertada.
E essencialmente, à minha orientadora, Professora Doutora Clara Calheiros, que com a
sua pacificidade e capacidade de expressão, me ajudou a compreender o Direito com a
maior objetividade. E ao meu orientador, Professor Doutor Pedro Albuquerque, que
incansavelmente me apoiou na parte inerente à Psicologia e que prontamente me ajudou
a elaborar um trabalho cada vez melhor.
A todas as pessoas aqui mencionadas, um enorme obrigada!
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
IV
Mestrado em Direito Judiciário
“Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP”
Autor: Vânia Andrea Oliveira Gomes
Orientadora: Professora Doutora Maria Clara Calheiros
Co-Orientador: Professor Doutor Emanuel Pedro Viana Barbas Albuquerque
Resumo
A relevância dada ao artigo 328º nº6 do CPP surge por força da necessidade do
STJ, de 29 de outubro de 2008, em fixar jurisprudência por divergência entre acórdãos.
A interpretação dada a este artigo prevê que caso a audiência de julgamento não possa
ser retomada no prazo de trinta dias perde a eficácia da prova já produzida oralmente,
com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre
independentemente da existência da documentação a que alude o artigo 363º do mesmo
diploma. Os meios adequados à gravação da audiência de julgamento entraram em vigor
pelo Decreto-Lei nº39/95, de 15 de fevereiro. Este decreto implicava que os Tribunais
dispusessem dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a assegurar a
reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. No entanto, só
em 2007 pela lei nº48/2007, de 29 de agosto, é que se dá o culminar do processo
encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das
declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade.
No entanto, o CPP continuava a prever a preclusão da mesma caso o adiamento da
audiência ultrapassasse os trintas dias.
O princípio da imediação chamado à colação no acórdão surge como meio
justificativo para não permitir que a audiência exceda os 30 dias sem que a prova
precluda, pois 30 dias, de acordo com o acórdão, são o limite máximo para manter viva
as perceções retiradas do julgamento inerentes ao julgador. A psicologia veio mostrar-
nos que a memória humana está sujeita a inúmeros fatores que prejudicam a capacidade
de recordar e que atuam desde a codificação da informação.
Palavras-chave: Artigo 328º, memória, preclusão da prova, meios tecnológicos,
princípio da imediação, limitações ao princípio da imediação.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
V
“Intervention of Psychology in Law: reflexions on article 328º CPP”
Abstract
The need of the STJ (29 October 2008) to fix jurisprudence caused by a
divergence amongst court rulings, translates in the importance given to article 328 nº 6
of the CPP. The interpretation given to that article provides that if the trial hearing can't
be resumed within thirty days it loses the effectiveness of evidence already produced
orally. This loss occurs regardless of the existence of the documentation referred in the
article 363 of the same legal diploma. The appropriate means to the recording of the
trial hearing entered into force by Decree-Law no.39/95, of 15 February. This decree
meant that the courts had the technical means of recording a cassette in order to ensure
the full reproduction of the declarations made orally in audience. However, only in 2007
by Law No48/2007 of 29 August, we see real progress of the process started in the mid-
1990s. Now it is enforced that the documentation of oral statements provided in
audience is always mandatory, under penalty of nullity. Nevertheless, the CPP
continued predicting the preclusion of it if the hearing postponement exceeds thirty
days.
The principle of immediacy called upon the court ruling implies the
disallowance of the audience to exceed the thirty days without the proof losing all its
value. According to the judgement, thirty days are the maximum limit to keep alive the
perceptions withdrawn from the trial inherent to the magistrate.. Psychology has shown
us that human memory is influenced by unlimited facts that cause prejudice to the
ability of recalling past events.
Keywords: Article 328, memory, proof preclusion, technology resources,
immediacy principle, immediacy principle limitation.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
VI
Índice
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Índice de ilustrações VIII
Lista de siglas e abreviaturas IX
Introdução 10
CAPÍTULO I
Parte I – A memória humana: da perceção à recordação
1. O conceito de memória humana 12
1.1.O processo de memorização 17
2. O modelo de memória humana 19
3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões 25
4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana 32
Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia
1. O juiz e a sua livre apreciação: a influência da memória 37
2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova? 41
3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação 44
4. A preclusão da prova versus visualização da audiência de julgamento 48
CAPÍTULO II
Parte I – Reflexão ao artigo 328º do CPP: o princípio da imediação
1. Reflexão ao artigo 328º do CPP: o adiamento da audiência de julgamento e
consequente preclusão da
prova 53
2. O processo evolutivo do artigo 328º do CPP em estreita ligação ao artigo 363º
do CPP 64
3. A emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
VII
português 72
3.1.O juiz e a imediação: uma aliança histórica 79
i) As regras de experiência 80
3.2.A oralidade em consonância com a imediação 83
4. As limitações ao princípio da imediação: o aproveitamento probatório das
declarações processuais do arguido anteriores ao
julgamento 87
4.1.As exceções ao princípio da imediação/ norma do artigo 355º do CPP 88
i) O princípio do contraditório 90
ii) A Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro: o aproveitamento das declarações do
arguido prestadas numa fase anterior ao
julgamento 94
5. O princípio da concentração e da celeridade processual: uma (des)aproximação
ao princípio da imediação 97
6. Uma última e breve consideração: a atualização ao artigo 328º do CPP 103
Conclusão 106
Bibliografia 111
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
VIII
Índice de ilustrações
Ilustração I – Curva do Esquecimento
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
IX
Lista de Siglas e Abreviaturas
Anamatra – Associação de Magistrados da Justiça de Trabalho
CC – Código Civil
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
D.L. – Decreto de Lei
MP – Ministério Público
OA – Ordem de Advogados
Proc. – Processo
RP – Relação do Porto
STPO – Código de Processo Penal alemão
TC – Tribunal Constitucional
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRP – Tribunal da Relação do Porto
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
Vol. – Volume
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 10 -
Introdução
A contribuição da Psicologia no Direito não é recente, a primeira aproximação
surge no final do século XIX através da Psicologia do Testemunho. Freud também
desenvolveu alguns estudos sobre o processo mental de formação da decisão nos juízes.
O processo de memorização tem merecido especial atenção tanto para a Psicologia
assim como para o Direito, desde que os estudos sobre a memória têm mostrado que
existem inúmeros fatores, tais como a distorção, a persistência, a sugestionabilidade,
entre outros, capazes de alterar a informação retida.
A escolha deste tema surgiu após a análise do acórdão do STJ, de 29 de outubro
de 2008, que aborda a temática da preclusão da prova caso o adiamento da audiência de
julgamento exceda os trinta dias, de acordo com a norma do artigo 328º nº6 do CPP.
Este acórdão fixou jurisprudência no sentido da preclusão da prova, com sujeição ao
princípio da imediação. Assim que li este acórdão no que se refere à justificação dada
para a preclusão da prova com base em contribuições da psicologia e por já ter abordado
o tema da memória no meu projeto de graduação, deparei-me com algumas
incongruências entre aquilo que o Direito dizia ser e aquilo que a Psicologia tinha
mostrado com os seus estudos, tais como, o limite de trinta dias como um limite
inultrapassável para manter viva as perceções retiradas de um evento (como por
exemplo, num julgamento).
Também, e após uma breve análise sobre o princípio da imediação, achei que
este princípio, apesar de fundamental ao processo penal e ser um dos princípios mais
apreciados assim que que se passou de um processo do tipo inquisitório para um
processo do tipo acusatório (mitigado por um princípio da investigação), mostrava-se
nos meandros do processo penal um pouco defraudado, logo, não deveria ser tomado
tão em conta como justificativo para a preclusão da prova. E, uma vez que, após a
alteração ao CPP em 2007, as declarações orais prestadas em sede de julgamento têm de
ser obrigatoriamente gravadas pelos meios técnicos idóneos, sob pena de nulidade, não
há qualquer preocupação em que as informações se percam na “memória do julgador” e
não permitam uma correta deliberação por parte do julgador do caso, assim o princípio
da imediação não fica claudicado. O princípio da imediação sugere a ideia de uma
aproximação comunicante entre o tribunal e os sujeitos processuais, para efeito de
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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formação da convicção do tribunal através da apreensão pessoal do julgador, ou seja,
tem de haver uma imediatividade entre o julgador e os meios de prova trazidos a
tribunal. A este princípio ligam-se princípios como o da oralidade, o do contraditório, o
da concentração, o da celeridade, e entre outros.
Assim sendo, decidi estabelecer um elo interdisciplinar entre a Psicologia e o
Direito, mostrando que há uma necessidade de chamar à colação determinadas ciências,
para dar um melhor fundamento a determinadas conceções doutrinárias. Daí que a
escolha do tema tenha sido a atuação da psicologia no direito, com particular reflexão
sobre artigo 328º do CPP.
Este trabalho começa por abordar no seu capítulo I o tema da memória,
mostrando os estudos sobre o processo de memorização, o porquê da memória humana
ser falível e quais as teorias do esquecimento que melhor justificam o desvanecimento
das informações codificadas. Numa fase seguinte, segue-se, ainda na área da Psicologia,
uma vertente mais reflexiva, dando a conhecer como é que a memória influência o juiz
no momento em que faz atuar o princípio da livre apreciação da prova, assim como
mostra que os trinta dias não se encaixam como um limite inultrapassável para manter
as informações codificadas, e se visualizar/ ouvir a gravação da audiência de julgamento
é mais benéfico para o julgador do que a preclusão da prova. No capítulo II, referente ao
Direito, inicia por uma reflexão ao artigo 328º do CPP, traz-nos também o processo
evolutivo do artigo anterior com ligação ao artigo 363º do CPP. Fala-nos da importância
e da emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico português, e ainda
quais as limitações a este princípio, tais como, o aproveitamento das declarações do
arguido prestadas numa fase anterior ao julgamento, para deliberação por parte do
julgador. Por fim, e no mesmo capítulo, e porque o artigo 328º do CPP sofreu uma
alteração em 2015 no seu nº6, é feita uma breve consideração sobre esta atualização
normativa.
Posto isto, é importante perceber que cada vez mais há uma necessidade patente
de haver uma interação entre as várias ciências, e que todas estas ciências possam
contribuir de forma significativa para uma melhor e correta aplicação da justiça. Afinal,
o conhecimento bem fundamentado foi sempre visto como uma arma evolutiva.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 12 -
CAPÍTULO I
Parte I – A memória humana: da perceção à recordação
1. O conceito de memória humana
A memória humana1 é uma função cerebral importante, já que o fundamental
para qualquer ser humano é a sua capacidade para armazenar experiências futuras e
poder beneficiar delas numa atuação futura2. Ellis e Hunt (1995) defendem que a
memória humana é de facto o coração do funcionamento intelectual humano3,
justificando-se a partir de uma visão de um ser humano sem memória, o que não
permitiria planear ações futuras, ter qualquer tipo de relação com o meio externo,
construir a personalidade e desempenhar determinados comportamentos4. Para Ferreira
e Amaral (2004)5 falar de memória é falar de uma certa estrutura de arquivamento que
permite ao Homem experiências socialmente significativas do passado, integrá-las no
presente e percecionar o futuro. Na neuropsicologia a memória humana é tida como
uma função cerebral complexa, situada nas estruturas corticais do cérebro, ligando-se a
outras áreas de cognição, tais como, a atenção, o raciocínio, a perceção, a
aprendizagem, a consciência ou as emoções, e integra-se numa extensa rede neuronal
dependendo da integridade de todo o sistema.
Atualmente6, os investigadores da memória humana7 defendem que a mesma
não é uma entidade única com subdivisões especificas e que trabalha na maior parte do
1 Para entender a memória humana é fundamental saber quais os processos que envolvem a aquisição, o armazenamento e a
evocação.
2 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4,1999, pp. 705-723.
3 Estes autores defendem que a memória humana não é apenas um armazenador estanque do passado, mas torna-se base importante
para toda a nossa vida mental.
4Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.
5 Ferreira, J & Amaral, A. “Memória eletrónica e desterritorialização”. Política & Sociedade, vol. 4, pp.137-166
6 Posner (1980) relata o interesse pela memória desde os gregos com Diogénese e Apodônia. Neste tempo relacionaram a memória
ao ar, uma vez que notaram que o Homem respirava com maior facilidade após recordar um facto esquecido, cit in Neufeld, C. &
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 13 -
tempo em série, mas que existem diversos sistemas de memória e que estes podem
operar em paralelo.
Nos anos 60 o que se encontrava em discussão entre os investigadores dedicados
à memória era a distinção entre a memória a curto prazo e a memória a longo prazo,
pois era uma preocupação dos estudiosos distinguir o que era provisório e o que era
permanente no funcionamento da memória8 tendo sido desenvolvidos vários modelos
que pretendiam descrever a arquitetura básica dos sistemas da memória. Nesta mesma
década foi proposto por vários autores a distinção de vários componentes da memória a
longo prazo, no entanto neste trabalho será usada a classificação de memória a longo
prazo de Squire (1992).
A classificação de Squire (1992) promove uma grande distinção entre memória
explícita ou declarativa e memória implícita ou não declarativa. A memória explícita
refere-se à memória que o sujeito pode relatar verbalmente e processa-se de forma
consciente. Nas provas de memória explícita é exigida a recuperação voluntária de um
evento previamente armazenado, ou seja, a recuperação é intencional e o sujeito é
consciente do evento9. A memória implícita traduz-se no conhecimento de como se
desempenha determinada ação, como por exemplo, andar de bicicleta10. Nas provas de
memória implícita a evocação das informações é feita por meio de desempenho11 em
vez de reconhecimento consciente. Em 1972, o psicólogo canadiense Endel Tulving12
propôs uma divisão na memória explícita, a memória semântica e a memória episódica,
a partir dos avanços feitos nos anos 60 na ciência informática. A memória episódica
retém informações num contexto espacial e temporal de determinado evento que marca
Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-
63.
7 Autores como Baddeley, Albuquerque, Schacter.
8 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9,2006, pp. 111
a 119.
9 Autor cit in Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
10 Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado,
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
11 Nas provas implícitas, a memória é avaliada através dos efeitos no desempenho de tarefas específicas, como a aprendizagem
repetida, a ativação repetida e a completação de palavras, entre outras. Vide Pinto, A. “Memória, cognição e educação: Implicações
mútuas”. Educação, cognição e desenvolvimento: Textos de psicologia educacional para formação de professores, 2001, pp. 17-54.
12 Tulving, E. “Episodic and semantic memory”. Organization of memory, London, vol. 381, 1972, pp. 381-402.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 14 -
o passado do sujeito, ou seja, surge a partir de acontecimentos de vida previamente
experienciados. A memória semântica relaciona-se com o conhecimento sobre o mundo,
estendendo-se entre o simples conhecimento do significado das palavras até aos
atributos sensoriais e conhecimentos gerais, como por exemplo, o funcionamento de
uma dada sociedade. Na memória implícita não há uma divisão clara, mas é possível
distinguir-se quatro componentes:
A memória procedimental;
A pré-ativação ou efeito de priming;
O condicionamento clássico simples;
A aprendizagem não associativa.
A memória procedimental relaciona-se com a aprendizagem de competências
cognitivas e motoras nas mais diversas situações do quotidiano. A pré-ativação ou
priming é um efeito no qual a exposição prévia a um determinado estímulo influencia a
resposta quando o mesmo estímulo é apresentado posteriormente, ou seja, a
apresentação de um item influencia o processamento de um item subsequente. O
condicionamento clássico simples, descrito inicialmente por Ivan Pavlov13, refere-se a
um tipo de aprendizagem no qual um estímulo neutro é apresentado juntamente com um
estímulo que provoca uma resposta, por outras palavras, implica a associação entre dois
estímulos em que o estímulo neutro adquire propriedades de um estímulo significativo.
Por fim, a aprendizagem não associativa ocorre quando um sujeito é submetido a um
estímulo reiteradamente, e de acordo com Cardoner e Urretavizcaya em 200614, traduz-
se em fenómenos de habituação e sensibilização. A habituação surge como uma
diminuição na resposta quando há um estímulo familiar e previamente reconhecido. A
sensibilização traduz-se na apresentação de um estímulo ameaçador em que a resposta
dada a este estímulo é mais intensa e prudente.
O modelo modal ou também designado de modelo dos três sistemas de
armazenamento de informações de Atkinson e Shiffrin (1968)15 refletia a ideia da
13 Ivan Pavlov foi um fisiólogo russo, ficou conhecido pelas suas descobertas no processo digestivo dos animais. O que mais tarde
originou a teoria do condicionamento clássico na psicologia do comportamento.
14 Autor cit in Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação
de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
15 Autores cit in Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol.
9, 2006, pp. 111-119.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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memória humana ser uma entidade única com processamento serial, isto porque, e de
forma sucinta uma vez que irá ser explanada a teoria no ponto seguinte deste trabalho,
presumia que a entrada da informação dava-se a partir do ambiente e processada numa
primeira fase pela memória sensorial. Posteriormente, a informação seria transferida
temporariamente para a memória a curto prazo antes de ser registada na memória a
longo prazo. Embora fosse um modelo com rigor científico, os teóricos criticaram-no
por ser excessivamente estático, apontando uma similaridade nas tarefas desempenhadas
pelos diferentes tipos de memória o que sugeria processos comuns, logo um sistema de
memória unitário e serial.
No entanto, já em 1890 William James16 propôs a possibilidade da memória não
ser um sistema unitário, com a divisão entre uma memória primária e uma memória
secundária, levando mais tarde à conceção da memória a curto prazo e da memória a
longo prazo respetivamente. Estas memórias eram entendidas como memórias que
estariam disponíveis na consciência (memória primária) e como memórias mais
duradouras (memória secundária)17. Mas esta ideia só começou a ganhar força nos finais
dos anos 60 do século XX, quer como resultado da investigação experimental quer
como resultado da investigação neuropsicológica. Glanzer e Cunitz em 196618
corroboraram a ideia de uma memória não unitária através dos seus trabalhos
experimentais. Estes trabalhos realizados sobre tarefas de recordação livre de uma lista,
mostraram que as palavras do início e do fim da lista eram melhor recordadas que as
palavras que se encontravam no meio da lista, efeitos conhecidos como o efeito de
recência19 e o efeito de primazia20 respetivamente. No entanto, quando a recordação era
retardada, o efeito de recência tendia a desaparecer e o efeito de primazia apresentava-se
16 William James através de uma analogia de Platão “memória seria análoga a uma impressão de cera guardada de modo como o
evento havia ocorrido e, se ela se perdesse, era porque não havia sido realmente vivenciado”, traduz a ideia que as impressões
mnemónicas não são eliminadas, mesmo que as informações originais não possam ser recordadas pelo sujeito num determinado
evento, cit in Neufeld, C. & Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da
Psicologia, v.18, 2001, pp. 50-63.
17 Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.
18 Autores cit in Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-
96.
19 Capacidade para memorizar os últimos itens de uma lista.
20 Hamilton (1986) concluiu que os sujeitos ao realizarem um julgamento sobre a personalidade de um determinado indivíduo,
tendem a dar maior importância às primeiras impressões do que as posteriores, a isto designa-se, efeito de primazia. Logo a
tendência dos sujeitos e recordaram com maior desempenho as primeiras impressões. Vide in Carvalho, M. “Formação de
impressões, falsas memória e efeito de primazia”. Dissertação de mestrado, Faculdade de Psicologia, Lisboa, 2012.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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quase inalterado. De acordo com estes resultados, os investigadores sugeriram que as
palavras relembradas sob o efeito de recência seriam recuperadas da memória a curto
prazo e as palavras relembradas sob o efeito de primazia seriam recuperadas da
memória a longo prazo21. A interpretação desta posição bi-modal refletia o desempenho
de dois sistemas distintos22. As investigações de Shallice e Warrington23 (1970) em
doentes em diversas tarefas de memória de curto prazo e memória de longo prazo
evidenciaram que o mesmo doente apresentava uma redução na capacidade da memória
a curto prazo e uma perfomance normal para a memória a longo prazo, refletindo a ideia
de diferentes memórias com desempenhos diferentes.
Tendo em conta certas questões deixadas em aberto pelo modelo de Atkinson e
Shiffrin (1968) e as investigações que se realizaram a doentes que padeciam de
problemas da memória, Baddeley e Hitch em 1974 criam um modelo que coloca em
causa a visão de uma memória unitária com processamento serial, o modelo da memória
de trabalho, fundamentando-se na suposição de que existe um sistema para a
manutenção e manipulação temporárias de informação. Com este modelo, que vai ser
amplamente explicado em pontos seguintes do trabalho, concluiu-se que o componente
que permite realizar tarefas cognitivas não é o mesmo que permite o armazenamento na
memória a curto prazo 24, o que supõe que há uma diferença nas tarefas desempenhadas
pelos diferentes tipos de memória.
Em suma e de acordo com Alan Baddeley, prestigiado psicólogo inglês e autor
do modelo da memória de trabalho “A memória é a capacidade de armazenar e
recuperar informação. Sem ela, não poderíamos ver, ouvir, pensar e comunicar, nem
21 Fernandes, P. “Memória e envelhecimento: a influência da idade no declínio da memória de trabalho”. Dissertação de mestrado,
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2012.
22 Nunes, M. & Castro, A. “Memória de trabalho: uma breve revisão”. Cadernos da Saúde, vol.2, nº1, 2009, pp. 89-96.
23Warrington, E. & Shallice, T. “Category specific semantic impairments.” Brain, vol. 107, 1984, pp. 829 a 854. “We report a
quantitative investigation of the visual identification and auditory comprehension deficits of 4 patients who had made a partial
recovery from herpes simplex encephalitis. Clinical observations had suggested the selective impairment and selective preservation
of certain categories of visual stimuli. In all 4 patients a significant discrepancy between their ability to identify inanimate objects
and inability to identify living things and foods was demonstrated. In 2 patients it was possible to compare visual and verbal
modalities and the same pattern of dissociation was observed in both. For 1 patient, comprehension of abstract words was
significantly superior to comprehension of concrete words. Consistency of responses was recorded within a modality in contrast to a
much lesser degree of consistency between modalities. We interpret our findings in terms of category specificity in the organization
of meaning systems that are also modality specific semantic systems.”
24 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp.
111-119.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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sequer teríamos um sentido de identidade pessoal. A memória humana não é uma
entidade simples e unitária, mas antes um conjunto de sistemas em interação25”.
1.1.O processo de memorização
A função primordial da memória é de codificar, registar e recuperar informações
que permitam ao ser humano uma correta adaptação ao meio envolvente26 e para
entender a memória é fulcral saber como se processa o processo de memorização 27.
Este processo envolve as operações de codificação, armazenamento e recuperação,
dando-se de forma constante e na maior parte do tempo de modo independente da
vontade do sujeito, e não permite destrinçar entre o que permanece e o que não
permanece das experiências vividas. Os estados emocionais, ou por outras palavras, a
elevada excitação emocional do momento é determinante para o que é memorizado ou
não, isto porque, o aumento da atividade excitatória potencia o processo de
memorização, uma vez que provoca um acréscimo da atividade das células nervosas 28.
O processo de memorização envolve três operações e que de acordo com
Sternberg29 em 2000, são três operações comuns da memória. A codificação refere-se à
forma como o sujeito transforma um estímulo sensorial rececionado pelos órgãos
sensoriais numa representação mental, que posteriormente é armazenada na memória.
Esta primeira operação trata as características físicas dos objetos e das palavras
atribuindo-lhes um código, que pode ser semântico, visual ou acústico. O resultado da
codificação é em seguida armazenado sob a forma de imagens visuais e acústicas
25
Autor cit in Castro, M & Santos, P. “Entrevista…com Alan Baddeley”. Grupo de estudos e reflexão psicológica, Porto, Jornal de
Psicologia, 1984, p.6.
26 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
27 Depois de vários séculos de estudo sobre a memória por diferentes posições filosóficas, o interesse científico iniciou-se nos
finais do século XIX na Alemanha com Ebbinghaus. Desde então que os investigadores nesta área se têm voltado para seguir os
passos de Ebbingahus e descobrir afinal o que é a memória, quais as regras e princípios que a regem, quais os fatores que produzem
a sua deterioração, formas de a melhorar e quais os modelos ou teorias que explicam o seu funcionamento. Vide Ballesteros, S.
“Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705 a 723.
28 Nunes, B. “Memória: funcionamento, perturbações e treino”. Lisboa, Lidel, 2008.
29 Sternberg, R. “Psicologia cognitiva”. Artes médicas Sul, Porto Alegre, 2000.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 18 -
prototípicas, dando-se a construção de uma imagem mental por associação da imagem
física a uma imagem prototípica. A informação é melhor armazenada quando ocorre a
repetição da informação, ou pela organização da informação ou ainda pelo uso de
estratégias mnemónicas. Por fim, a recuperação trata-se da forma como o sujeito acede
à informação armazenada. A esta operação é possível destacar dois fenómenos, o
processo de interferência e o contexto. O processo de interferência traduz-se na
capacidade de o sujeito referenciar e recordar as novas informações que sejam
semelhantes às que estão previamente armazenadas. Relativamente ao contexto,
fenómeno estudado pelo psicólogo Alan Baddeley em mergulhadores, refere-se à
capacidade de o sujeito recordar com maior facilidade quando colocado no mesmo
contexto em que a informação foi memorizada.
Por último, para que este processo de memorização tenha um bom desempenho é
necessário que o cérebro esteja ativo para o seu trabalho inicial de receção e
organização das informações e precisa de áreas específicas da memória e outras
específicas de funções como a linguagem, para que se consiga a correta integração e
evocação de memórias.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 19 -
2. O modelo de memória humana
A memória humana não é um sistema unitário de processamento, muito pelo
contrário, trata-se de um sistema que se decompõe em múltiplos subsistemas mnésicos,
ou seja, assume-se como princípio que não existe uma só “memória” com várias
subdivisões, mas sim diversos sistemas independentes que podem operar em paralelo.
Para suportar esta ideia, a literatura na área da psicologia cognitiva e neuropsicologia,
apresenta inúmeros relatos que dão suporte empírico à tese de que a memória humana é
composta de diversos sistemas de memória com interação entre eles30. Observações
feitas a pacientes portadores de lesões cerebrais mostraram pacientes com um
funcionamento de memória a curto prazo relativamente normal, no entanto eram
incapazes de reter novas informações de forma duradoura. A análise feita a estes
pacientes fez supor que a lesão cerebral produzira um défice na capacidade de
transferência de informações da memória a curto prazo para a memória a longo prazo.
Contudo, noutros pacientes observou-se a dissociação inversa, traduzida numa alteração
grave na memória a curto prazo com apresentação da capacidade de retenção de
informações na memória a longo prazo31.
Desta noção emerge o modelo da memória de trabalho32, que afasta a ideia
clássica de uma “memória-armazém” que recebe as informações vindas do exterior e
que as conserva, para uma “memória-processo” que realiza múltiplas operações
cognitivas, tais como, a aprendizagem, a compreensão, o raciocínio, entre outras. No
entanto, antes de explicar o funcionamento da memória de trabalho, é prioritário
conhecer um dos principais modelos que permitiram aos investigadores chegarem à
conclusão que de facto a memória humana não é um sistema unitário que apenas
armazena as informações.
30
Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
31 Autores como Baddeley e Warrington, 1970; Shallice e Warrington, 1970; Baddeley, 1986
32 Embora haja divergências na literatura, atribui-se o uso inicial do termo memória de trabalho aos estudos de Miller, Galenter e
Pibram (1960). Vide in Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências
Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 20 -
Em 1968, Atkinson e Shiffrin33 propõem o modelo de registos múltiplos da
memória ou também designado modelo de três sistemas de armazenamento de
informações. É um modelo que oferece uma explicação das estruturas e processos que
compõe o sistema mnésico e que se desenvolveu a partir do modelo de Broadbent
(1958)34, o primeiro modelo estrutural do processamento da informação no sistema
cognitivo humano. De acordo com este modelo, existem três sistemas ou estruturas de
armazenamento da informação: a memória sensorial, a memória a curto prazo e a
memória a longo prazo. Estes armazenadores são capazes de reter informações por
períodos de tempo diferentes, terem capacidades diferenciadas e processos de
funcionamento próprios.
A memória sensorial é um armazenador de grande capacidade, mas com uma
duração muito limitada. As modalidades mais estudadas nesta memória são a visual e a
auditiva, conhecidas como a memória icónica e ecoica respetivamente. A primeira tem
uma duração aproximada de duzentos e cinquenta milésimos de segundos, e a ecoica de
quatro segundos (Eysenck & Kenae, 1994 cit in Neufeld & Stein, 2001). A memória
sensorial armazena de forma temporária e desorganizada todos os estímulos que chegam
através dos sentidos. Os estímulos e a informação que advém deles são rapidamente
analisados e os resultados dessa análise são transferidos para o próximo armazenador, a
memória a curto prazo. A memória a curto prazo retém a informação de forma limitada
e temporária, apenas pelo tempo necessário à sua utilização35. Esta memória possui
capacidade de armazenamento limitado, cerca de sete unidades, e a duração da
informação na memória a curto prazo situa-se entre dez a vinte segundos, no entanto,
caso haja repetição, a informação prolonga-se por bastante mais tempo, de acordo com
estudos de Peterson & Peterson (1959)36.
Relativamente à memória a longo prazo, a capacidade de armazenamento é
incalculável, pois, postula-se que esta memória encerre todas as memórias pessoais, os
33 Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
34 Autor cit in Lachter, J., Forster, K. & Ruthruff, E. “Forty-five years after Broadbent (1958): still no identification without
attention”. Psychological review, vol. 111, nº4, 2004, pp. 880-913.
35 Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do
conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp.
299-313.
36 Peterson, L. & Peterson, M. “Short-term retention of individual verbal items”. Journal of Experimental Psychology, vol. 58, nº3,
1959, pp.193-198.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 21 -
conhecimentos, as preposições que fundamentam algumas das nossas crenças, isto é,
contém nela a aprendizagem e conhecimentos adquiridos ao longo de toda uma vida. A
memória a longo prazo organiza todas as informações sob a forma de um repositório
para que não se tornem inúteis em termos de uso e recordação. Toda esta organização
ocorre ao longo do processo de memorização37.
Este modelo defende que a informação é processada de forma serial, ou seja, que
as informações recebidas pelos órgãos sensoriais são deslocadas numa primeira fase
para a memória sensorial; posteriormente são transferidas e processadas na memória a
curto prazo, perdendo-se aqui parte da informação, a restante é transferida para a
memória a longo prazo 38. A passagem da informação entre a memória a curto prazo e a
memória a longo prazo, de acordo com os autores deste modelo, depende de quatro
processos controlados 39:
a repetição da informação;
a codificação adequada da informação para a memória a longo
prazo;
a decisão tomada relativamente à importância da informação;
as estratégias de recuperação ou pistas que auxiliam no momento
da recordação.
Embora o modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) fosse revolucionário para a
época, pois oferecia uma explicação para o funcionamento das estruturas da memória,
foi alvo de críticas, uma vez que transporta consigo uma ideia bastante simplista da
memória a curto prazo e da memória a longo prazo como armazéns unitários como já
foi referenciado no início deste ponto.
Como tem vindo a ser afirmado, o processamento serial, base para o modelo de
Atkinson e Shiffrin (1968), valorizou a existência dos dois sistemas mnésicos (a saber, a
memória a curto prazo e a memória a longo prazo). No entanto, a partir de meados dos
37 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
38 Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria,
investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
39 Neufeld, C. & Stein, L. “A compreensão da memória segundo diferentes perspetivas teóricas”. Revista Estudos da Psicologia,
v.18, 2001, pp. 50-63.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 22 -
anos 70 começou a ser questionado. Baddeley e Hitch (1974) 40 conduziram diversas
experiências sugerindo a existência de diversos componentes com funções
independentes mas interligadas dentro da memória a curto prazo. Com o avolumar
destas evidências, os investigadores criaram o modelo da memória de trabalho
propondo a substituição do sistema da memória a curto prazo por um sistema mais
complexo, que para além de manter temporariamente as informações assegura algumas
atividades ou processos cognitivos.
A memória de trabalho, também designada de memória operatória, é responsável
por manter transitoriamente representações mentais por um curto período de tempo,
processá-las, selecioná-las e operá-las ou transformá-las para uma posterior utilização
em tarefas cognitivas. A modificação terminológica prende-se à ideia de enfatizar o
papel funcional deste sistema em tarefas cognitivas 41. Na mesma linha de pensamento,
os investigadores Oberauer, Süb, Schulze, Wilhelm & Wittman (2000) descrevem o
conjunto de funções cognitivas que a memória de trabalho executa no momento da
estruturação e organização da informação, são elas:
o armazenamento e transformação, ou seja, a capacidade para
manter ativos os conteúdos mentais e assim desenvolver operações cognitivas;
a supervisão, traduzida na capacidade para monitorizar e controlar
as operações mentais, selecionar os processos apropriados e inibir os
desnecessários;
a coordenação, ou seja, a capacidade de processamento
simultâneo de elementos diferentes, procurando estabelecer um elo entre eles.
O modelo da memória de trabalho é composto por três subsistemas de
processamento da informação, que permitem desempenhar as funções cognitivas42. O
principal é o executor central, e os subsidiários são o bloco de notas visuoespacial e o
loop fonológico ou articulatório43. O executor central tem um papel geral ou supervisor
40
Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
41 Lourenço, M. “Memória humana e aprendizagem de vocabulário: contributos da memória fonológica de curto prazo e do
conhecimento lexical prévio”. Textos selecionados, XXIII Encontro Nacional da Associação portuguesa de linguística, 2008, pp.
299-313.
42 Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
43 Ballesteros, S. “Memória Humana: investigación y teoria”. Psicothema, vol. 4, 1999, pp. 705-723.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 23 -
na memória de trabalho. Ele é responsável por manter a regulação do fluxo de
informações dentro da memória de trabalho, pelo ajustamento das informações da
memória de trabalho com informações de outros sistemas de memória, e processamento
e armazenamento de informações na memória de trabalho. A este executor cabe-lhe
ainda coordenar os dois componentes subsidiários de processamento de informação44. À
medida que o executor central amadurece, o bloco de notas visuoespacial e o loop
fonológico vão adquirindo maior interdependência, uma vez que o executor media a
comunicação entre eles45.
O loop fonológico, designado por componente de processamento fonológico,
armazena e processa as informações codificadas verbalmente (por via auditiva e visual)
e tem como função reter as representações fonológicas do estímulo recebido. E por ser
fisicamente limitado, as representações fonológicas tendem a deteriorar-se com o
tempo, aproximadamente após dois segundos. É constituído por dois subsistemas, o
armazenador fonológico a curto prazo que se integra num sistema passivo de
armazenamento e processamento das informações verbais, escritas ou faladas; e um
mecanismo ativo, designado de reverberação ou repetição articulatória subvocal, que
permite integrar na memória de trabalho informações verbais que estejam em declínio
mnésico (esquecimento) necessárias a determinada atividade. Este componente assegura
assim, o armazenamento transitório do material verbal que através da sua repetição
previne o declínio ou esquecimento da informação. O funcionamento do componente
visuo-espacial processa-se da mesma forma que o componente fonológico mas sobre
conteúdos não verbais, referindo-se aos objetos e às relações espaciais entre eles.
Simultaneamente, desempenha um papel fulcral na formação e manipulação de imagens
mentais permitindo ao indivíduo localizar-se e atualizar novas informações visuo-
espaciais (Baddeley, 2006)46. Este componente é fisicamente limitado no volume de
informações a processar, de acordo com alguns autores o limite é de quatro objetos
44 Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia: Teoria,
investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
45 Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no aprendizado
escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.
46 Autor cit in Uehara, E. & Fernandez, J. “Um panorama sobre o desenvolvimento da memória de trabalho e seus prejuízos no
aprendizado escolar”. Ciências & Cognição, vol. 15, 2010, pp. 31-41.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 24 -
(Luck e Vogel, 1997)47 ou de seis no caso de localizações espaciais (Jiang, Olson &
Chun, 2000)48.
Em 2000, Baddeley procurou encontrar um elo entre a memória de trabalho e a
memória a longo prazo. É neste contexto que surgiram os estudos de Erickson e Kinstsh
(1995)49 que mencionavam um novo elemento na memória de trabalho a longo prazo;
introduziu assim um quarto elemento, o retentor episódico. O retentor episódico é um
componente de armazenamento temporário e com capacidade limitada (na ordem de
seis unidades de informação) e permite a integração de informação que advém da
memória a longo prazo, no momento em que a memória de trabalho opera sobre
informações semelhante a nível fonológico e visuo-espacial, ativando temporariamente
uma nova representação mental mediada pelas informações que se alojam na memória a
longo prazo e nos componentes fonológico e visuo-espacial.
Concluindo, a memória de trabalho e a forma como funciona renova a ideia de
que a memória humana não é um sistema simples que arquiva somente a informação,
muito pelo contrário, traz consigo a conceção de um sistema de arquivo e
processamento mais dinâmico aproximando-se de um sistema operativo de atenção que
trabalha os conteúdos da memória (Engle, Kane & Tühoisiki, 1999)50, o que levou a
alguns teóricos a definirem o executor central pelas funções cognitivas da atenção, ou
que a memória de trabalho se resume à memória a curto prazo mais o controlo da
atenção. A memória de trabalho passa a ser definida como um processo de decisão que
administra a ativação da informação nos depósitos de curto prazo e longo prazo, assim
que é introduzido o quarto elemento, o retentor episódico51.
47 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
48 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23.
49 Ericsson, K. & Kintsch, W. “Long-term working memory”. Psychol Rev., vol.102, nº2,1995, pp. 211-245.
50 Autores cit in Ferreira, A et all. “Memória de trabalho: questões em torno da sua caracterização e desenvolvimento”. Psicologia:
Teoria, investigação e prática, 2007, pp. 13-23. 51 Miranda, D. et all. “A importância da memória de trabalho na gestão do conhecimento”. Ciência & cognição, vol. 9, 2006, pp.
111-119.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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3. A falibilidade da memória humana: as sete transgressões
A memória humana não armazena as informações de forma fidedigna como uma
fotografia, pois entre a codificação, o armazenamento e a posterior evocação das
informações, o conteúdo pode mudar devido à influência de diversos fatores52. De
acordo com Schacter em 2003 “extraímos elementos fundamentais das nossas
experiências e arquivamo-los; então recriamos ou reconstruimos as nossas experiências
em vez de recordar cópias exatas delas”53. Esta recuperação distorcida de experiências a
que se refere Schacter deve-se ao facto de as memórias humanas serem modeláveis de
acordo com as emoções, sentimentos, crenças, conhecimento e associações.
Investigações recentes mostram que a memória humana não é só um processo
reconstrutivo, como também um processo construtivo, ou seja, o ser humano não é
somente capaz de evocar certas informações previamente armazenadas relacionadas
com um evento, como também tem a capacidade de acrescentar novas informações ao
que recorda, como vai ser discutido de seguida. Todo este processo tanto construtivo
como reconstrutivo possibilita, por vezes, a implantação involuntária de memórias
falsas.
Em 1999, Schacter sugere que “as falhas da memória humana podem ser
classificadas em sete pecados: a transitoriedade, a distração, o bloqueio, a atribuição
errada, a sugestionabilidade, a distorção e a persistência. Os primeiros três pecados
envolvem diferentes tipos de esquecimento, os três seguintes referem-se a diferentes
tipos de distorções, e o último pecado traduz-se em recordações intrusivas difíceis de
esquecer. Estes sete pecados trazem consigo a conceção de que a memória humana é
falível e que o esquecimento e recordação de determinados acontecimentos podem
ocorrer de forma intencional e deliberada. O pecado da transitoriedade relaciona-se
com o enfraquecimento da memória humana em virtude de dois fatores: o tempo
decorrido entre o evento e o momento da recordação e a ocorrência de novas
experiências após um determinado evento que queremos recordar. Em 1878,
52 Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista
IOB de direito penal e processual penal, 2010.
53 Schacter cit in Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva
fenomenológica”. Per musi, nº21, 2010, p.21
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Ebbinghaus estudou este fenómeno em meio laboratorial. Através da elaboração da
curva de esquecimento, Ebbinghaus postulou que a maior parte das informações recém-
adquiridas desvaneciam-se logo após a sua aquisição, e que posteriormente o índice de
perda da informação era menor. Ou seja, com o tempo as memórias tendem a tornar-se
menos específicas formando uma impressão genérica do acontecimento. Por outro lado,
ao adquirirmos novas informações, ocorrem mudanças neuroquímicas complexas nas
conexões neuronais entre si e com o passar do tempo, estas conexões tendem a
enfraquecer. Caso não haja um reforço dessas conexões através da repetição e/ ou
recuperação das informações, a memória acaba por reter apenas o que o cérebro
estabelece como essencial.
Ilustração I – Curva do Esquecimento
O pecado da distração é atribuído a uma área de cognição, a atenção. No
momento da codificação de qualquer informação, a atenção pode estar dividida entre
várias tarefas. Neste sentido pode ocorrer uma redução geral da quantidade de recursos
cognitivos que são canalizados para as novas informações a serem assimiladas. As
informações que são armazenadas na memória e às quais se atribui relevância, recebem
prioridade no processamento e captam a atenção automaticamente. A atenção pode
envolver dois tipos de processos: automáticos e voluntários. Os processos automáticos
de captação da atenção são rápidos e não requerem o controlo ativo por parte do sujeito,
podendo ocorrer em simultâneo com outros processos. O exemplo mais comum deste
tipo de processo é o surgimento de um objeto inesperado no campo visual, como uma
bola, e mesmo antes de haver uma tomada de decisão consciente de atender ao objeto, o
aparecimento inesperado atrai a atenção do sujeito. Neste caso, há apenas uma reação de
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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captura da atenção gerada pelo estímulo. Os processos voluntários de direcionamento da
atenção requerem a alocação de recursos cognitivos, razão pela qual duas tarefas
realizadas em simultâneo resultam num conflito (interferência). Este tipo de processo
necessita de um componente consciente para a sua realização e, por norma, é usado para
tarefas mais complexas ou não familiares54. Listz (cit in Altavilla, 1982)55 simulou um
homicídio entre dois alunos com uma arma branca na presença de 60 testemunhas.
Quando o autor pediu para relatar o sucedido, apenas 10 conseguiram relatar com
exatidão. Esta simulação sugere que quando há a presença de um foco atencional (arma
branca) a atenção da testemunha centra-se na arma, colocando em causa a atenção para
outras características, tais como, a descrição física do agressor.
O pecado do bloqueio traduz-se na procura incessante de uma determinada
informação que é necessária num dado momento, no entanto encontra-se
temporariamente inacessível, mesmo que essa informação tenha sido corretamente
codificada56.Este pecado diferencia-se da transitoriedade e da distração, na medida em
que a informação está presente na memória, mas inacessível e ao serem dadas pistas ou
associações relacionadas com a informação, podem tornar-se suficientes para a
recordação. No entanto, pode ocorrer o denominado “bloqueio de recuperação”, isto é,
são fornecidos aos sujeitos sugestões/ pistas relacionadas com o item procurado, mas
mesmo assim são incapazes de aceder ao item/ informação. Estes blocos de recuperação
ocorrem tanto na memória episódica, como também na memória semântica. O exemplo
mais estudado sobre o bloqueio é o fenómeno “TOT” tip-of-the-tongue, genericamente
conhecidos como o fenómeno da ponta da língua. Os indivíduos são incapazes de
produzir uma palavra ou um nome, no entanto têm a forte convicção que a mesma está
disponível na memória e, muitas vezes, conseguem produzir parcialmente informação
fonológica ou semântica do item a recordar. Este fenómeno foi estudado pela primeira
vez em 1966 pelos psicólogos Brown e MacNeill 57. Estudos demonstram que as
54
Helene, A. & Xavier, G. “A construção da atenção a parir da memória”. Revista brasileira de psiquiatria, nº25, 2003, pp. 12-20
55 Altavilla, E. “Psicologia Judiciária I: O processo psicológico e a verdade judicial”. Coimbra, Arménio amado., 1981.
56 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
57 Brown, R & McNeill. “The tip of tongue phenomenon”. Journal of verbal learning and verbal behaviour, vol.5, 1966, pp. 325-
327.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 28 -
palavras menos usadas podem contribuir para o aparecimento do fenómeno “TOT” e
que a maior parte dos itens a pronunciar são recuperados até dez minutos, embora
outros só surjam dias mais tarde.
A persistência tem uma estreita ligação a vivências com carga emocional e surge
através de recordações intrusivas negativas, eventos traumáticos, medos e fobias
crónicas que teimam em perturbar a memória. As emoções encontram-se presentes no
momento da codificação e permitem determinar a intensidade da memorização da
experiência, uma vez que, os estudos têm revelado que acontecimentos com maior carga
emotiva tendem a ser melhor recordados58. Ochsber (2000)59, segue a ideia anterior, no
entanto salienta que a tendência dos indivíduos é para recordar experiências negativas
mais do que positivas. Por exemplo, Mineka e Nugente (1995)60 dirigiram um estudo
sobre indivíduos deprimidos, mostrando que estes apresentam uma memória aumentada
para eventos autobiográficos negativos quando comparados a eventos com carga
positiva.
Os três últimos pecados em falta, a atribuição errada, a sugestionabilidade e a
distorção foram propositadamente deixados para o final por possuírem uma relação
estrita com o mundo judicial e por serem os mais prejudiciais ao processo judicial. A
atribuição errada pode ser definida como um “julgamento erróneo”, atribuindo
determinadas sensações e experiências do passado ao presente61. De acordo com
Schacter (1999)62 este pecado pode ocorrer de três formas:
1. “Recordar de factos que jamais ocorreram, atribuindo
erroneamente o processamento rápido de novas informações ou imagens vividas
que vêm à mente a recordação de eventos passados que não aconteceram”;
58
Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas Ciências da Saúde,
vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
59 Ochsber, cit in Caixeta, V. & Pereira, D. (2008). “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas
Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
60 Mineka & Nugente, cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
61 Rocha, S. “Memória: uma chave afetiva para o sentido na performance musical numa perspectiva fenomenológica”. Per musi,
nº21, 2010.
62 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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2. “Recordar corretamente o que aconteceu, mas confundir a hora ou
o local (transferência inconsciente) ”;
3. “Atribuir equivocadamente uma imagem ou pensamento que
surge espontaneamente na imaginação, quando, na realidade, a recordação
inconscientemente resulta de alguma coisa que lemos ou ouvimos
(criptomnésia)”.
Os autores de um estudo denominado de “falsa fama” (Jacoby, Kelley, Brown &
Jasechko, 1989 cit in Caixeta & Pereira)63 chegaram à conclusão que uma forte
sensação de familiaridade, juntamente com a falta de recordações específicas permite a
implementação de falsas memórias e consequentemente a atribuição errada da fonte.
Este facto pode ser extremamente prejudicial para a obtenção da verdade material nos
julgamentos. Um exemplo bem gritante do domínio judicial é o caso do psicólogo
Donald Thomson, acusado de violação sexual com base numa recordação
presumivelmente detalhada do seu rosto por parte da vítima. No entanto, o psicólogo foi
dado como inocente, uma vez que tinha uma alibi coerente. Thomson no momento da
ocorrência do facto estava numa entrevista televisiva. A vítima tinha assistido à
entrevista e erroneamente atribuiu o rosto do psicólogo ao violador64.
Inconscientemente as testemunhas padecem do pecado da atribuição errada, o que pode
trazer complicações jurídicas, muito embora não são intencionais nem são uma
simulação, ou seja, consistem em erros que não se enquadram no crime de falso
testemunho65.
A sugestionabilidade de acordo com Schacter (1999)66 é descrita como uma
tendência dos indivíduos incorporarem informações de fontes externas a recordações
pessoais, ou seja, a criação de falsas memórias pode ocorrer espontaneamente a partir de
uma situação atual que é de alguma forma similar a uma situação anterior. Estas
memórias ilusórias também podem surgir em resposta a sugestões que são feitas no
momento em que o indivíduo tenta recordar uma determinada experiência, e muitas
63
Jacoby et all. cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”. Universitas
Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
64 Wilbert, J & Menezes, S. “Falsas memórias: o pecado da atribuição errada”. Unoesc & Ciência ACSA, vol.2, nº1, 2011.
65 Flores, M. “Prova testemunhal e falsas memórias: entrevista cognitiva como meio (eficaz) para redução de danos (?)”.Revista
IOB de direito penal e processual penal, 2010.
66 Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 30 -
vezes usada nos tribunais sob a forma de perguntas, as perguntas capciosas. Este tipo de
perguntas podem levar as testemunhas a identificarem determinada situação ou pessoa
erroneamente. A sugestionabilidade tem uma estrita ligação com a atribuição errada, na
medida em que a transformação de sugestões em falsas recordações envolve-a sempre,
no entanto pode ocorrer a atribuição errada sem que tenha havido sugestões. E
experiência de Loftus e colaboradores (1978)67 ilustra bem o pecado da
sugestionabilidade. Nesta experiência foram fornecidas às testemunhas de um evento,
informações novas e erradas desse mesmo evento. Estas testemunhas assistiram a um
falso acidente automobilístico onde havia uma placa de “stop”. Loftus e colaboradores
sugeriram a metade das testemunhas que a placa era de “cedência de passagem”. Os
resultados revelaram que as testemunhas que tinham sido submetidas à sugestão,
recordavam com maior frequência a placa de “cedência de passagem”, enquanto aquelas
que não haviam recebido qualquer sugestão recordavam melhor a placa “stop”. Os
efeitos da sugestionabilidade envolvem operações complexas entre o ambiente atual, o
que se espera recordar e o que ficou retido na memória.
O último pecado, o pecado da distorção relaciona-se com os conhecimentos
preexistentes e crenças, adaptando-se as memórias do passado às opiniões e
necessidades do presente. Estas evidências já remontam aos estudos pioneiros de
Bartlett (1932)68, onde afirmava que as memórias podem ser influenciadas ou até
mesmo distorcidas pela aquisição de conhecimentos, crenças e expetativas atuais. Um
estudo bem ilustrativo da definição anterior é o de Marcus (1973)69. O autor pediu a um
grupo de pessoas para se pronunciar sobre questões sociais, tais como, a legalização da
marijuana, a igualdade de género e a ajuda às minorias. Posteriormente, em 1982 pediu
ao mesmo grupo para se pronunciar novamente sobre as mesmas questões sociais e
pediu também que indica-se quais tinham sido as suas atitudes em 1973. Nos resultados
verificou-se que as atitudes tinham modificado sobre as questões sociais, o que mostra
que o ser humano transforma as suas crenças de acordo com o desenvolvimento dos
67 Loftus et all. (1978) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,199, pp.
182-203.
68 Bartlett (1932) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-
203.
69 Marcus (1973) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3,1999, pp. 182-
203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 31 -
seus conhecimentos e panorama social. Dentro da distorção existem cinco tipos de
distorções que ilustram de que forma a memória se reconstrói. As distorções de
coerência e de mudança traduzem-se na reconstrução do passado sobre o próprio
indivíduo, ajustando à compreensão que tem sobre si mesmo no presente. As distorções
de compreensão tardia refletem-se na mudança de recordações de eventos do passado
pela aquisição de conhecimentos atuais. As distorções egocêntricas ilustram a função
poderosa do ego na criação de imagens e lembranças da realidade. As distorções
estereotipadas assumem a forma de influências subtis de experiências anteriores em
julgamentos atuais sobre outras pessoas ou grupos. As pessoas não têm recordações
fidedignas sobre as suas crenças e pensamentos do passado, tirando conclusões sobre
opiniões, atitudes e sentimentos do passado com base no que acontece no presente.
Concluindo e de acordo com o autor Schacter (2003)70“os sete pecados não são
meras irritações, que devem ser minimizados ou evitados. Eles também explicam como
a memória recorre ao passado para informar o presente, preserva elementos de
experiências atuais para futura referência e permite que voltemos ao passado quando
desejamos. Os vícios da memória são também virtudes, elementos de uma ponte através
do tempo, que permite que façamos uma ligação da mente com o mundo”.
70 Schacter (2003, p.250) cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 32 -
4. As teorias do esquecimento: um problema da memória humana
A psicologia cognitiva nos seus primórdios deu pouca atenção aos estudos sobre
o esquecimento, pois procurava sobretudo entender o funcionamento cognitivo humano
através da comparação da cognição com o funcionamento dos computadores, o que é
fortemente reprovável. Atualmente é sabido que a memória humana e a memória de um
computador não podem ser comparadas, uma vez que a memória humana é sujeita a
fatores internos e externos, tais como as emoções. A memória humana apresenta
elevados índices na sua capacidade de retenção, no entanto o esquecimento é a prova
diária que a memória é falível. O esquecimento não significa que o sistema de memória
é imperfeito, muito pelo contrário, é um mecanismo que possibilita a libertação de
informações irrelevantes e triviais71.
Durante muitos anos acreditava-se que as informações ficavam retidas na
memória e que se perdiam com o passar do tempo. Esta premissa serviu de base para a
investigação sistemática de Ebbinghaus no final do século XIX. Esta investigação
conduziu à elaboração da curva do esquecimento, mostrando que a maior parte do
esquecimento verificava-se nos primeiros momentos após a codificação da informação.
O esquecimento mostra-se mais acentuado em intervalos de retenção entre os dezanove
minutos e as vinte e quatro horas, posteriormente a informação retida torna-se mais
geral e menos atenta aos pormenores de determinado evento presenciado. Embora a
teoria de Ebbinghaus fosse bastante inovadora para a época, uma vez que teve um
enorme impacto para as futuras investigações, observou-se que o passar do tempo não
afetava por igual a informação armazenada, chegando-se à conclusão que o tempo por si
só não era um preditor do esquecimento72.
Neste ponto do trabalho serão descritas três teorias sobre a natureza do
esquecimento: a teoria do desuso ou declínio do traço; a teoria da interferência; e a
teoria da incongruência contextual. Os investigadores têm procurado responder a
71 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
72 Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 33 -
questões sobre a causa do esquecimento, se se deve ao fator ou às interferências entre os
eventos, por exemplo, autores como McGeoch (1932), Waugh & Norman (1965)73.
A teoria do desuso ou declínio do traço encontra as suas raízes nas investigações
de Ebbinghaus. Esta teoria afirma que o esquecimento depende da falta de uso da
informação durante o período de permanência na memória, traduzindo a ideia que as
informações estão mais robustas na memória quanto mais recentemente tiverem sido
processadas ou tiver havido uma repetição sucessiva da informação codificada74.O
momento entre a codificação e a posterior recuperação é determinante no desempenho
da memória, ou seja, o tempo é um preditor para a maior ou menor capacidade de
recuperação das informações armazenadas75, existindo inúmeras investigações que
suportam esta teoria (por exemplo Cowan et al., 1992; Cowan, Nugent, Elliott & Geer,
2000)76. Contudo, Nairne (2002)77 mostrou evidências contrárias à teoria do desuso,
conseguindo mostrar que por vezes o desempenho da memória é maior quanto mais
tempo tiver ocorrido entre o evento e a evocação. É uma teoria que não encontra
consenso entre os teóricos, pois teorias como a da interferência e da incongruência
contextual, vieram colocar em causa o fator tempo como fator único e determinante no
esquecimento.
A teoria da interferência é a teoria dominante da atualidade sobre a explicação
do esquecimento. Esta teoria assume que a capacidade para recordar determinada
informação pode ser interrompida pelo que se aprende anteriormente ou posteriormente,
atuando sob a forma proativa e retroativa respetivamente. De acordo com esta teoria as
informações mais antigas serão evocadas com maior dificuldade que as informações
mais recentes, isto porque há a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual
73
Autores cit in Baddeley, A. “Working memory”. Science, New Series, Vol. 255, No. 5044, 1992, pp. 556-559.
74 Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001. 75 Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic Society Inc., vol. 11,
2004, pp. 771-790.
76 Autores cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic
Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.
77 Nairne (2002) cit in Lewandowsky, S. & Duncan, M. “Time does not cause forgetting in short-term serial recall”. Psychonomic
Society Inc., vol. 11, 2004, pp. 771-790.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 34 -
e eventos antigos do que entre eventos atuais e os recentemente codificados78. McGeoch
(1932)79 propôs que o esquecimento era provocado pela interferência de atividades
ocorridas entre a aprendizagem e a recordação (interferência retroativa). MacGeoch &
Macdonald (1931)80 numa das suas investigações sobre a interferência retroativa
verificaram que: quanto maior for o grau de similaridade entre um evento e
aprendizagens posteriores, a interferência retroativa manifestava-se com maior
intensidade. Underwood & Postman (1960)81 chegaram a conclusões semelhantes. Estes
autores mostraram que a interferência retroativa é elevada quando duas respostas
diferentes são associadas ao mesmo estímulo; e é mínima quanto estão presentes dois
estímulos diferentes. A interferência proactiva refere-se à dificuldade que as pessoas
têm de aprender novos itens, porque os itens previamente aprendidos interferem na nova
aprendizagem, ou seja, a evocação de uma lista de palavras é fortemente afetada pela
aprendizagem prévia de outra lista semelhante. Greenberg & Underwood (1950)82,
precursores da teoria da interferência proactiva, aferiram que este tipo de interferência
aumenta com o número de listas aprendidas previamente, ocorrendo principalmente
com intervalos de retenção mais longos. Embora a teoria da interferência seja um bom
modelo explicativo do esquecimento, Tulving (1967)83 refutou esta teoria numa das
suas investigações. Os seus resultados foram determinantes para postular a teoria da
incongruência contextual.
A teoria da incongruência contextual relaciona-se com o facto de a informação
estar disponível na memória, mas o seu acesso estar temporariamente restrito, por força
da ausência de indicadores ou pistas adequadas. Tulving (1983)84 refere que para um
78 Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos experimentais”. Psicologia USP,
vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
79 McGeoch (1932) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos
experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
80 MacGeoch & Macdonald (1931) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus
fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
81 Underwood & Postman (1960) cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus
fundamentos experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1, 2003, pp. 129-155.
82 Greenberg & Underwood cit in Pergher, G. & Stein, L. “Compreendendo o esquecimento: teorias clássicas e seus fundamentos
experimentais”. Psicologia USP, vol. 14, nº1,2003, pp. 129-155.
83 Tulving cit in Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
84 Tulving cit in Pinto, A. (2001). “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 35 -
melhor acesso à informação armazenada é necessário que haja pistas ou indicadores que
promovam a recuperação e podem ser elementos de significado das palavras, elementos
ambientais ou ainda elementos orgânicos e emocionais. Esta teoria ganhou relevo em
estudos clássicos da memória, onde mostravam que o contexto ambiental era importante
para recuperar a informação, uma vez que ajudava na fase de recordação, porque a
informação relativa às características ambientais havia sido codificada juntamente com
a informação a recordar85. Este pressuposto foi determinante para o princípio da
codificação específica de Tulving & Thomsom (1973)86, afirmavam que qualquer pista
ou indicador (interna ou externa), associado a um item na fase de codificação facilitaria
a sua recuperação na fase de recuperação. O princípio é regido por três postulados:
1. “O modo como os itens são percebidos afeta o modo como são
retidos ou armazenados”;
2. “Os indicadores selecionados na altura da codificação determinam
o tipo de indicadores que facilitarão o acesso à informação retido”;
3. “Quanto maior for a concordância entre os indicadores usados na
fase de codificação e na fase de recuperação, melhores serão os resultados
obtidos”.
Godden & Baddeley (1975)87 levaram a cabo a principal investigação
justificativa desta teoria. O estudo debruçou-se sobre mergulhadores, onde
demonstraram que estes recordavam melhor as palavras aprendidas debaixo de água se
fossem submetidos ao mesmo contexto ambiental.
Assim sendo, o esquecimento é a incapacidade de reter, recordar ou reconhecer
uma informação. De acordo com as teorias analisadas, o esquecimento deve-se a
múltiplos fatores que ainda estão em debate pelos teóricos. O melhor é associar o
esquecimento à falta de pistas adequadas, ao tempo e às interferências. Todo este
85 Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta comportamentalia,
vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
86 Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta
comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
87 Autores cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y teóricas”. Acta
comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 36 -
conjunto é preditor de um baixo acesso à informação retida na memória. Segundo
Izquierdo88 “Talvez o esquecimento seja o aspeto mais predominante na memória; mas
conservamos e usamos suficientes memórias ou fragmentos de memória para ter um
desempenho ativo, funcional e relativamente satisfatório como pessoas”.
88 Izquierdo (pp. 17, 2007) cit in Balasch, J. & Payà, N. “Factores contextuales en el recuerdo: aportaciones experimentales y
teóricas”. Acta comportamentalia, vol. 19, nº3, 2011, pp. 307-316.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Parte II – Análise ao acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008: Estudos da Psicologia
1. O juiz e a sua livre apreciação: a influência da memória
A memória humana, como já foi referenciado neste trabalho, não é um sistema
unitário de processamento. Trata-se de um sistema que se decompõe em múltiplos
subsistemas mnésicos independentes que operam em paralelo89. O acórdão em análise
sustenta-se na Teoria de Atkinson & Shiffrin (1968)90 sobre o modelo dos três sistemas
de armazenamento de informações, uma vez que tal como a teoria destes autores,
defende que a entrada da informação dá-se a partir do ambiente e processada numa
primeira fase pela memória sensorial. Posteriormente, a informação é transferida
temporariamente para a memória a curto prazo antes de ser registada na memória a
longo prazo, “importa reter que a memória é dividida em três componentes: a imediata,
a intermediária e a remota. Os sistemas de curto e longo prazo estão ligados,
transferindo informações de um para outro” (Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de
29/10/2008). No entanto, como vimos, o modelo de Atkinson & Shiffrin reflete a ideia
da memória humana ser uma entidade única com processamento serial, em que a
memória a curto prazo e a memória a longo prazo são vistos como armazéns unitários.
O acórdão denota a ideia de a memória humana ser representada por “armazéns-
unitários”, “A imediata diz respeito a factos recentes próximos. Mantém informações
temporárias e tem uma capacidade limitada. A intermédia diz respeito a factos de
semanas e meses. A memória remota (…) refere-se a factos antigos do passado. São
informações que ficam retidas por longo tempo” (Acórdão do STJ, processo
nº07PA4822 de 29/10/2008).
No acórdão a memória de trabalho é denominada também de memória imediata
ou primárias, e mais adiante no acórdão por memória a curto prazo, “salienta-se que a
memória a curto prazo, ou, de trabalho” (Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de
89
Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências Experimentais e clínicas”.
Working papers em linguística, nº5, 2001.
90 Autores cit in Rodrigues, C. “Contribuições da memória de trabalho para o processamento da linguagem. Evidências
Experimentais e clínicas”. Working papers em linguística, nº5, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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29/10/2008). O sistema de memória de trabalho no acórdão traduz-se por “um sistema
que permite a manutenção temporária e o processamento da informação para elaborar e
dirigir nossa conduta”. Mas o sistema de memória de trabalho vai além disso, é
responsável por manter transitoriamente representações mentais por um curto período
de tempo, processá-las, selecioná-las e operá-las ou transformá-las para posterior
utilização em tarefas cognitivas. A memória de trabalho também pode ser denominada
por memória operatória, no entanto o acórdão atribui essa designação à memória remota
(memória a longo prazo). Não é só neste caso que o acórdão confunde os termos.
Atribui ao executivo central (principal subsistema de processamento da informação da
memória de trabalho) um papel que cabe ao retentor episódico (também subsistema de
processamento da informação da memória de trabalho). Ele é responsável pela
integração de informação que advém da memória a longo prazo, ativando
temporariamente uma nova representação mental mediada pelas informações que se
alojam na memória a longo prazo. Do ponto de vista da psicologia, o acórdão faz uma
análise pouco sucedida e confusa sobre os sistemas de memória humana, atribuindo-
lhes funções e denominações erróneas. Outro exemplo sonante é a integração de uma
memória intermediária. Na literatura analisada não há qualquer referência a este tipo de
memória respeitante a factos de semanas a meses.
Feita a análise sobre o entendimento do acórdão sobre a memória humana,
importa agora referenciar uma memória “especial” e com poder de decisão e busca da
verdade judicial, a memória do juiz. O poder de decisão de uma matéria cabe também
à/ao princípio da livre apreciação do juiz, princípio este que encontra raízes no
renascimento e a nomes como Galileo Galilei e Bacon. O poder da livre apreciação do
juiz, onde assentam princípios imperiosos o processo penal, tais como, a imediação, a
concentração, a oralidade, o contraditório, a participação, implica uma confiança “cega”
no juiz, nas capacidades de objetiva observação e de análise serena e imparcial dos
dados observados, ou seja, fundamenta-se numa análise fenomenológica e experimental
da realidade. Mas, o que se entende por livre apreciação da prova? O artigo 127º do
código de processo penal consagra este princípio “a prova é apreciada segundo as regras
da experiência e a livre convicção da entidade competente”. As regras de experiência de
acordo com Cavaleiro Ferreira (1986, Curso de Processo Penal II)91 “são definições ou
juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto jub judice,
91 Autor cit in Acórdão do STJ, processo nº07PA4822 de 29-10-2008.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 39 -
assentes na experiência comum, e por independentes dos casos individuais em cuja
observação se alicerçam”, o mesmo é dizer que as regras de experiência expressam
aquilo que acontece na maioria dos casos, sendo extraída de casos similares.
Relativamente à livre apreciação encontra expressão nas palavras de Almeida (1977,
pp.101)92 “ a convicção sobre um dado facto concreto da vida passa por uma vivência
das realidades, carregada de experiência pessoal, de conhecimento psicológico das
reações humanas, de capacidade de juízo e atenção, de sensibilidade para a recriação de
motivos e para uma avaliação criteriosa dos meandros da própria ação”. É importante
sublinhar que o factor tempo não é o único responsável pela erosão e modelação da
memória, como o acórdão parece transparecer “o legislador ao fixar o prazo de trinta
dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na contribuição da
ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as perceções
pessoais que fundamentam a atribuição da credibilidade a um determinado meio de
prova” (acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29/10/2008). A própria livre
apreciação da prova por parte do juiz subordina-se a inúmeros fatores que interferem na
memória humana, pois é sabido que “extraímos elementos fundamentais das nossas
experiências em vez de recordar cópias exatas delas”93,ou seja, a memória humana é
modelável de acordo com as emoções, crenças, conhecimentos e associações. A teoria
construtivista de Bartlett (1932)94traduz a ideia de a memória humana ser uma
construção pessoal de factos passados e que se subordina às experiências passadas, às
atitudes, às emoções e ao quadro cultural de referências, indo de encontro àquilo que é
postulado no princípio da livre apreciação da prova. Esta teoria permite compreender
que a memória humana não é estática e exclusivamente dependente da erosão do tempo.
A memória humana não deve ser compreendida exclusivamente pelo que se esquece, o
que é recordado e como é recordado é importante para a obtenção da verdade material,
uma vez que para dar significado ao passado às vezes é necessário esquecer alguns
elementos ou acrescentar ou inventar outros.
Para além da inclusão dos fatores propostos pela teoria construtivista de Bartlett
relativamente à construção pessoal do passado, fatores como a distorção e a atribuição
92 Autor cit in acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29-10-2008.
93 Schacter (2003, p.21) cit in Caixeta, V. & Pereira, D. “Criando falsas memórias em adultos por meio de imagens faciais”.
Universitas Ciências da Saúde, vol. 3, nº1, 2008, pp. 15-45.
94 Bartlett (1932) cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-
203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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errada também encontram relação com o princípio da livre apreciação da prova. A
distorção relaciona-se com os conhecimentos preexistentes e crenças, adaptando-se as
memórias do passado às opiniões e necessidades do presente. O princípio da imediação
que ganha relevo com o princípio da livre apreciação da prova, determina que o juiz
deverá tomar contacto imediato com os elementos de prova, ou seja, através de uma
perceção direta ou pessoal, tomando em atenção aspetos que possam condenar a forma
como esta perceção é deliberada. A distorção provoca uma influência ou até mesmo
uma distorção das informações retidas na memória pela aquisição de conhecimentos,
crenças e expetativas atuais. O mesmo acontece com a atribuição errada, no entanto esta
diferencia-se da anterior, na medida em que há uma atribuição errada de determinadas
sensações e experiências do passado ao presente, o que pode ser extremamente
prejudicial para a obtenção da verdade material nos julgamentos. Por exemplo, o
julgador na maioria das vezes tem mais do que um julgamento por dia e inúmeros por
semana. Este facto por si só pode conduzir à atribuição errada e a uma livre apreciação
da prova enviesada, podendo confundir ou atribuir equivocadamente um determinado
acontecimento do passado (julgamento anterior), como uma imagem ou um pensamento
e transpô-la e atribui-la ao presente.
Estes dois fatores citados constituem uma dinâmica presente no princípio da
livre apreciação da prova e por conseguinte são um dos muitos fatores que entram em
conflito com a preservação de uma memória real dos factos ocorridos. Ora, o acórdão
em análise não os referencia, apenas se limita a estabelecer o fator tempo como um dos
grandes responsáveis pelo desvanecimento da memória humana.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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2. O tempo: trinta dias são determinantes para a preclusão da prova?
O acórdão em análise faz menção do espaço temporal entre o julgamento e a
sentença como causa determinante para a preclusão da prova, estabelecendo um prazo
de trinta dias como limite inultrapassável. Este limite é sugerido porque se adequa a
uma viva perceção sobre as provas de cariz oral produzidas em sede de julgamento,
socorrendo-se o julgador da informação presente na sua memória de trabalho para
fundamentar a sua convicção. Como pode ser lido no acórdão “o legislador ao fixar o
prazo de trinta dias como limite inultrapassável certamente que se fundamentou na
contribuição da ciência na definição do espaço temporal dentro do qual permanecem as
perceções pessoais que fundamentam a atribuição de credibilidade a um determinado
meio de prova” e “…o juiz faria recurso da informação que possuía na sua memória de
trabalho para fundamentar a sua convicção” (acórdão do STJ, processo nº07P4822 de
29/10/2008). Mas será o tempo um fator determinante para o declínio mnésico da
informação? E será o tempo o fator mais importante e com um espaço temporal pré-
definido para o declínio mnésico das informações codificadas? Peterson & Peterson
(1959)95 realizaram um estudo em jovens universitários e verificaram que estes eram
incapazes de recordar em média mais de 20% de siglas consoantes após terem decorrido
dezoito segundos. Este estudo e outros similares permitiram concluir que a duração na
memória a curto prazo situava-se entre dez a vinte segundos, sem que haja repetição da
informação. Se a repetição tiver lugar, a informação prolonga-se por bastante mais
tempo. Este estudo mostra, tal como os estudos anteriores de Ebbinghaus96, que a maior
parte das informações codificadas perdem-se após breves segundos depois da sua
codificação, tornando-se mais gerais e menos robustas na memória. As informações
codificadas serão mais facilmente evocadas e transferidas para e memória a longo
prazo, caso tenha havido repetição da informação, caso carreguem consigo um
significado emocional, entre outros fatores. O importante a saber é que não há um limite
estabelecido para a manutenção das informações na memória, o que contraria a ideia
dos trintas dias como limite inultrapassável para manter viva as perceções de
determinado evento, de acordo com o acórdão em análise.
95 Autores cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
96 Importante ver ilustração I relativa à curva do esquecimento.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Destes estudos advém a teoria do desuso. Esta teoria postula que o traço mnésico
perde-se gradualmente ao longo do tempo por falta de uso da informação e teve como
base as investigações remotas de Ebbinghaus. Ebbinghaus, com a elaboração da curva
do esquecimento, verificou que a maior parte do esquecimento situava-se nos primeiros
momentos logo após a codificação da informação. É possível concluir que o tempo de
facto influencia no declínio do traço mnésico, realçando o frequente adágio “com o
tempo acaba-se por esquecer”, mas o limite de trinta dias estabelecido pelo legislador
como inultrapassável para a permanência viva das perceções pessoais do julgador sobre
as provas orais, é parcamente fundamentada, uma vez que de acordo com a teoria do
desuso, no sistema de memória a curto prazo (atualmente denominado como sistema de
memória de trabalho) as informações permanecem por um curto período de tempo. A
fundamentação atribuída pelo legislador à ciência, não parece encontrar qualquer base
científica. Contudo, a teoria do desuso ainda não conseguiu obter confirmação ou
rejeição experimental, pois há indícios de que a passagem do tempo por si só, não serve
como preditor do esquecimento, existem outras fontes, tais como a interferência
retroativa e/ou proativa, que podem influenciar a recuperação ou recordação do traço
mnésico.
A teoria da interferência revela exatamente isso, as informações mais antigas
serão evocadas com maior dificuldade que as informações mais recentes, isto porque há
a ocorrência de mais aprendizagens entre o momento atual e eventos antigos do que
entre eventos atuais e os recentemente codificados, ou seja, a ocorrência de
interferências. Keppel & Underwood (1962)97 colocaram em prática esta teoria numa
das suas investigações e concluíram que o grau de evocação da informação retida na
memória a curto prazo diminuía à medida que aumentava a interferência proactiva, ou
seja, quantas mais experiências e por conseguinte mais informações retidas na memória,
maior será a interferência provocada no traço mnésico, possibilitando o esquecimento
de informações mais antigas. No que concerne à interferência retroativa, esta também
pode ser aplicada à memória do julgador. Imagine-se que o julgador tem mais do que
um julgamento por dia e que esses julgamentos são similares entre si, de acordo com a
teoria da interferência aplicada sob a forma retroativa, quanto maior for o grau de
similaridade em termos de significado entre uma experiência intermédia e uma
97 Autores cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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experiência posterior, maior será a interferência retroativa (aprendizagem entre dois
eventos com distanciamento temporal). As experiências relativas à teoria da
interferência sugerem que a interferência representa um papel mais importante que o
fator temporal no esquecimento no sistema de memória a curto prazo. Assim sendo, a
justificação dada pelo acórdão relativamente à preclusão da prova seria descartada à luz
desta teoria.
O importante a reter é que o tempo por si só não é um fator determinante para o
desvanecimento do traço mnésico, a interferência proactiva e/ou retroativa são também
importantes, podendo concluir que a interferência será maior quanto maior tempo
influenciar um item armazenado na memória.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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3. A produção de nova prova oral: reprodução da informação
O acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 29/10/2008 refere que “nos
termos do artigo 328º nº6 do CPP o adiamento da audiência de julgamento por prazo
superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida…”. No entanto, de
acordo com a psicologia, será benéfico a produção de nova prova? Não trará
implicações na forma como é recordada novamente determinado evento tanto para as
testemunhas como para o juiz? O senso comum talvez conduzisse à ideia de que
produzir nova prova traria benefícios para a memória do julgador e assim a uma melhor
decisão. Mas caso a testemunha trouxesse novos factos ou factos contraditórios, o
julgador muito possivelmente ficaria com a perceção de um testemunho falso ou
omitido.
É sabido que com o tempo as memórias tendem a tornar-se menos específicas,
procurando o cérebro humano estabelecer uma impressão genérica do acontecimento; a
aquisição de novas informações provoca interferências no material retido na memória,
levando a uma maior dificuldade em evocar as informações mais antigas. É importante
perceber que um testemunho não deve ser entendido como algo definitivamente exato e
verdadeiro, já que pressupõe aquilo que o indivíduo conseguiu perceber da situação em
que se encontrava presente98. Nas testemunhas estes factos são bastante evidentes e
contribuem muitas vezes para a recuperação alterada de determinados acontecimentos,
ou seja, as testemunhas recriam um determinado evento conforme o percecionaram, não
porque estejam a mentir mas sim porque a memória humana tende a recriar um
acontecimento que faça sentido para o indivíduo, preenchendo assim as lacunas do
acontecimento de modo a obter um conjunto lógico possível. A isto denomina-se de
falsas memórias. Sempre que o indivíduo tenta recordar um objeto, uma face, um
evento, obtém por norma uma nova interpretação, ou seja, uma nova versão
reconstruída da original, pois variáveis como o tempo, a idade e as experiências
posteriores, provocam a alteração de determinados detalhes99. Stein (1973, pp. 5)100 de
98
Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e
testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141. 99 Rainho, J. “Prova testemunhal: prova rainha ou prova mal-dita? Algumas considerações ajurídicas acerca da prova testemunhal”.
Comunicação, 8º aniversário do TRC, 2010.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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acordo com a ideia anteriormente mencionada “a capacidade de uma testemunha
depende das suas peculiaridades individuais, do rigor dos sentidos e da inteligência,
bem como de conseguir conservar inalterável na memória a impressão recebida e ser
capaz de comunicar fielmente”. Também fatores como a atribuição errada e a distorção
contribuem para as “memórias falsas” e para uma perceção errónea juiz face ao
testemunho, imaginando este que a testemunha possa estar a mentir. A atribuição errada
é denominada de “julgamento erróneo”, o indivíduo atribui determinadas sensações e
experiências do passado ao presente, e quanto mais tempo e experiências tiver ocorrido
entre o evento e o seu relato, maior é a evidência da atribuição errada. A distorção é
outro exemplo bem-sonante para a constituição de falsas memórias. Este fator vai
moldando-se ao longo da vida do indivíduo, ou seja, conhecimentos preexistentes e
crenças adaptam-se às opiniões e necessidades do presente, é altamente influenciável no
testemunho, na medida em que a perceção sobre determinado acontecimento, objeto ou
pessoa vai variando possibilitando a criação de relatos diferentes. Assim sendo, para um
relato mais fiável do acontecimento é importante que a testemunha não evoque o evento
várias vezes, uma vez que entre o acontecimento e a sua posterior evocação por parte da
testemunha, esta ficou sujeita a várias interferências do seu dia-a-dia, “no seu espírito
foram entrando pontos de vista novos que pouco a pouco foi admitindo como seus,
alterando assim insensivelmente a sua narração primitiva, enriquecendo-a com novos
detalhes. Chegada a ocasião de depor, novas influências se vão exercer e contribuir
ainda mais para uma maior deformação101”.
Bartlett (1932)102 foi um dos primeiros teóricos a explicar o que está na origem
das distorções da memória. Ele explica-as através de três acontecimentos, o efeito de
esquema, as ilusões da memória e a confusão de acontecimentos, sendo o mais
importante para o trabalho os acontecimentos imaginados. Este tipo de distorção assume
características reais, ou seja, quanto mais o indivíduo acredita que esteve num
100 Autor cit in Schacter, D. “The seven sins of memory”. American Psychological Association, vol. 54, nº3, 1999, pp. 182-203.
101Pessoa (1913, pp. 55 a 57) cit in Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de
mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011.
102 Autor cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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determinado acontecimento, mas real parece o seu envolvimento103. Os acontecimentos
imaginados revelam-se bastante prejudiciais para a descoberta da verdade material e
caso a audiência de julgamento seja adiada, mais intensamente esta distorção se
manifesta.
E que consequências haverá para o juiz caso haja a produção de nova prova
oral? A investigação tem mostrado que após o relato de um acontecimento, as
testemunhas ao serem novamente questionadas sobre o mesmo acontecimento, elas
podem sofrer o efeito da sugestionabilidade. A sugestionabilidade pode ser provocada
pelo juiz e manifesta-se nas testemunhas. O juiz pode induzir em erro as testemunhas,
isto é, pode transformar sugestões em falsas recordações com a colocação de perguntas
capciosas. A sugestionabilidade envolve operações complexas entre o ambiente atual, o
que se espera recordar e o que ficou retido na memória, o que pode traduzir o seguinte:
se o juiz espera recordar determinado evento por já ter havido uma audiência de
julgamento anterior, o provável é utilizar a sugestionabilidade como meio de induzir a
testemunhas a relatar o que o juiz pretende ouvir, colocando em causa a preservação do
traço mnésico das testemunhas.
Assim sendo, do ponto de vista da psicologia, a preclusão da prova e a posterior
produção de nova prova em sede de julgamento, traz algumas consequências
essencialmente para as testemunhas. É normal que a testemunha deforme o seu relato
devido às inúmeras distorções que a memória humana pode apresentar, no entanto é pior
que o seu relato seja distorcido pelo juiz quando este lhe coloca perguntas capciosas
capazes de manipular o seu discurso 104. Neste caso, é manifesta uma influência entre
testemunha/ juiz e juiz/ testemunha. Para além destas causas que advêm pela produção
de nova prova, o direito apela à realização da justiça, tutela de bens jurídicos,
estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos em tempo útil, e que na opinião de
Carmona da Mota (2008)105 a preclusão da prova num prazo superior a trinta dias não
salvaguarda convenientemente estes interesses. É possível encontrar aqui uma ligação
103 Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de realização de
duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
104
Ericksen, L. & Lycurgo, T. “O processo psicológico e a obtenção da verdade judicial. O Comportamento de partes e
testemunhas”. ANAMATRA, nº38, 2011, pp. 112-141. 105 Voto de vencido no acórdão do STJ, processo nº07P4822 de 29-10-2008.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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com a psicologia, na medida em que as testemunhas muita das vezes pretendem não
recordar determinados eventos, pois sendo de índole traumático não assegura a paz
jurídica da mesma. Também o facto de o juiz estar imbuído por memórias de um
julgamento anterior, pode comprometer a realização da justiça de forma eficaz. Apesar
de o juiz ser um sujeito imparcial, este pode ser afetado como fatores como a
sugestionabilidade.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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4. A preclusão da prova versus visualização da audiência de julgamento
De acordo com o artigo 364º do CPP “A documentação das declarações
prestadas oralmente na audiência é efetuada, em regra, através de registo áudio ou
audiovisual”, no entanto o disposto do artigo 328º nº6 do CPP assegura que “O
adiamento não pode exceder os trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste
prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”. Mas como vimos ao longo deste
trabalho, após breves instantes a memória humana encontra influência no tempo e nas
interferências (experiências anteriores ou posteriores a um determinado evento). Ou
seja, no momento da aquisição de novas informações, estas influências condenam a
fiabilidade da memória humana, e ainda porque as informações codificadas são
interpretadas de acordo com as emoções, os sentimentos, as crenças, os conhecimentos
e associações daquele momento
O tribunal, antes que a prova precluda, pode consultar toda a prova que foi
prestada em sede de julgamento, inclusive a visualização da prova gravada pelos meios
indicados no artigo 364º do CPP, avivando assim a memória do julgador. Logo a
visualização ou audição da prova, permite ao julgador avivar a sua memória, na medida
em que lhe fornece pistas ou indicadores sobre a informação desejada. Existem estudos
que mostram que quando há pistas ou indicadores sobre a informação pretendida, os
resultados são melhores quando comparados com a evocação sem pistas. É sabido que
há mais informação retida do que aquela que é possível recordar, ou seja, muito
possivelmente a maior limitação da memória humana não é em termos de retenção, mas
em termos de recordação106. Este fenómeno designa-se por “instabilidade do
esquecido”, de acordo com Sílvio Lima (1928)107. Os processos de recordação implicam
que haja a retenção da informação na memória e incluem processos explícitos ou diretos
(evocação e reconhecimento) e processos implícitos ou indiretos (reaprendizagem,
completação de palavras e ativação). Numa análise aos tipos de prova de memória é
possível verificar que as pistas são um elemento benéfico para uma maior recordação da
informação fornecida. Neste trabalho serão apenas focadas as provas de memória
106 Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
107 Autor cit in Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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explícita, uma vez que, estas provas são típicas da memória episódica e é esta memória
que interessa ao trabalho em concreto.
A memória episódica relaciona-se com acontecimentos pessoalmente vividos
enquadrada nas suas relações temporais, e traduz-se na evocação consciente e voluntária
de um evento, episódio ou informação108. As provas explícitas de acesso à informação
retida na memória são constituídas por dois tipos de prova: a evocação e o
reconhecimento. Baddeley (1997)109 propõe que a prova de evocação é um processo
mnésico que envolve duas formas:
trazer à memória de trabalho a informação que se julga ser
relevante naquele momento;
seleção da informação relevante para a memória de trabalho.
Este processo mnésico implica ainda dois componentes:
um baseado na perceção de familiaridade do item a recordar;
outro baseado na recuperação das características desse mesmo
item .
A evocação exige do sujeito mais atenção e recursos cognitivos quando
comparada à prova de reconhecimento, pois envolve um maior apoio na busca da
informação retida na memória.
Relativamente à prova de reconhecimento, esta traduz-se pela apresentação
inicial de uma lista de cerca de vinte palavras ou mais, que podem ser frases, sons,
imagens, rostos, seguida por uma nova apresentação das mesmas palavras com outras
novas misturadas com um número semelhante às anteriores. Este tipo de prova
usualmente apresenta-se sob o formato de respostas “sim ou não”, e o que se pretende é
que o sujeito consiga identificar as palavras iniciais quando se fornece uma lista de
palavras misturadas entre as iniciais e as posteriores, isto é, o acesso à informação/
108 Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a prática
clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
109 Autor cit in Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de
realização de duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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palavra pretendida dá-se através de uma identificação positiva das palavras inicialmente
apresentadas. Neste tipo de tarefa é necessário que haja a presença de distratores para
que a tarefa seja discriminativa, o que possibilita a indução de falsas memórias, logo
quantos mais distratores maior é o índice de falsos positivos. Por exemplo, no tipo de
prova por reconhecimento sequencial em que os suspeitos são apresentados um de cada
vez, é pedido à vítima ou testemunha que antes de ver o próximo suspeito, responda se
foi ou não o autor do crime. Assim, este tipo de prova permite à testemunha fazer um
julgamento absoluto, comparando cada suspeito com aquilo que releve na sua memória,
reduzindo a sugestionabilidade e aumento da confiança na testemunha. Também avisar
a testemunha que o suspeito pode não estar presente na prova de reconhecimento
sequencial, reduz a probabilidade de identificação equivocada.
As emoções afetam o julgamento e a atribuição da culpa interferindo na forma
como as informações são codificadas. Interferem no processo mnemónico afetando
positivamente no momento da recuperação da informação, quando esta tem um
conteúdo violento. No âmbito penal, a maioria dos eventos testemunhados e
posteriormente trazidos a tribunal, carregam consigo uma carga emocional significativa.
As investigações têm mostrado que os episódios emocionais são menos acessíveis à
recordação quando os sujeitos são colocados sob provas de evocação. Em contrapartida,
quando são fornecidos aos sujeitos várias pistas de recuperação, o índice de acertos é
maior. Concluindo-se novamente que o fornecimento de pistas permite ao indivíduo
recordar com maior exatidão determinado evento. Os estudos que comparam as provas
de evocação e reconhecimento revelaram que o desempenho na prova de evocação
situa-se nos 40% e na prova de reconhecimento nos 80% 110. Sousa e Albuquerque
(2006) 111 realizaram um estudo sobre o efeito que o conteúdo emocional (emocional
versus neutro) de um episódio observado ao vivo tem na capacidade de recordação,
medida através de provas de evocação livre e de reconhecimento. Este estudo foi
aplicado a 81 estudantes do ensino superior. O estudo concluiu que “a realização prévia
de uma tarefa mnésica fornece aos participantes a possibilidade de exposição a unidades
de informação corretas”. Relativamente aos resultados obtidos nos dois tipos de prova,
110
Pinto, A. “Psicologia Geral”. Lisboa, Universidade Aberta, 2001. 111 Autor cit in Albuquerque, P. & Sousa, C. “A fiabilidade do testemunho ocular: efeito da valência do episódio e da ordem de
realização de duas tarefas mnésicas”. Psicologia: teoria, investigação e prática, vol.1, 2006, pp. 45-56.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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na prova de reconhecimento o desempenho mnésico dos sujeitos para o evento
emocional é mais positivo; no que respeita à tarefa de evocação, esta parece ser mais
benéfica para os sujeitos do episódio neutro. Campos, Melo, Brasileiro & Galvão (2014)
112 elaboraram um estudo onde compararam o desempenho de pacientes com acidente
vascular encefálico e saudáveis em testes de memória explícita, de acordo com o tipo de
evocação e reconhecimento. Apesar de não ser relevante para o trabalho a compreensão
dos resultados nos pacientes, tanto neste grupo como no grupo saudável a média de
acertos é menor na evocação livre do que no reconhecimento. Cycowicz (2001) 113
estudou o desempenho da memória em testes com figuras de objetos em sujeitos
saudáveis e concluíram que havia um menor número de acertos e maior tempo de reação
na evocação do que no reconhecimento, o que pode estar relacionado com o facto de a
evocação requerer maior processamento do que o reconhecimento e por conseguinte
maior atividade neuronal.
Com estes estudos é possível concluir que a informação retida é melhor
recordada quando há o fornecimento de pistas, como acontece com a prova de
reconhecimento, e para eventos com carga emocional o desempenho mnésico é maior
neste mesmo tipo de tarefa. Pode-se assim deduzir que a recordação deliberada de um
determinado evento que a testemunha presenciou potencia mais falsos positivos, ou
seja, falsas memórias e portanto é mais benéfico o julgador auxiliar-se dos depoimentos
em ata e visualização da audiência de julgamento como forma de recuperação da
informação retida na memória. Pode-se mesmo afirmar que as imagens têm uma relação
intrínseca com a memória e que a sua visualização permite comunicar com maior
facilidade com memórias desvanecidas. Kossoy (pp. 155, 2001) 114 afirma que “o
fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da
paisagem, e portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória,
memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem
urbana, da natureza”.
112 Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a prática
clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
113 Autor cit in Campos, T. et all. “Testes de memória explícita em pacientes com acidente vascular encefálico: implicações para a
prática clínica”. Revista Ciências médicas e biológicas, vol. 13, nº2, 2014, pp. 187-193.
114 Autor cit in Dallago, S. “A relação entre fotografia e memória na obra de Marcel Proust”. I Seminário Nacional em Estudos de
Linguagem, 2010.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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CAPÍTULO II
Durante muitos anos a decisão sobre a credibilidade de uma determinada pessoa
ficava a cargo de instâncias divinas, os sujeitos eram condenados consoante o que o
juízo de deus lhes tinha para oferecer. Por exemplo, nos ordálios, mais concretamente
nas provas de água, atirava-se o acusado a um rio, e caso ele flutuasse era considerado
culpado. Foram várias as maneiras de provar a credibilidade de um testemunho ao longo
da história nos vários continentes. Denotava-se uma preocupação constante na
qualidade dos depoimentos e dos testemunhos.
A primeira aproximação entre a psicologia e o direito surge no final do século
XIX, através da Psicologia do Testemunho, tendo como principais teóricos Neumann,
Kraepelin, Binet e Stern115. Nesta primeira análise, pretendia-se verificar a fidelidade de
um testemunho pela avaliação dos processos internos que podiam dificultar a
veracidade. Já nesta altura chegaram a conclusões que na atualidade ainda são
validadas, tais como:
O erro é um fator constante nos depoimentos;
Os erros são menos frequentes nos relatos espontâneos;
As perguntas e as respostas devem ser consideradas em
conjunto;
Devem ser evitadas as perguntas capciosas/ sugestivas116;
Freud, importante psicanalista, também desenvolveu alguns estudos sobre o
processo mental de formação da decisão nos juízes. A questão da mentira no
testemunho tem sido um dos grandes temas de estudo da psicologia, desde que os
estudos sobre a memória têm surgido em grande abundância. Os estudos sobre a
memória sugerem sempre que um testemunho sem erro é uma exceção, uma vez que o
erro surge quando são solicitadas informações de um determinado acontecimento. É um
processo normal, e que na maioria das vezes, não deve ser encarado como um falso
testemunho. “A partir dos anos 70 os psicólogos começaram a levar as suas 115 Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011.
116 Whipple, Conclusões apresentadas no Congresso of French Alienists and Neurologists, 1913.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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contribuições aos tribunais, introduzindo, nos procedimentos legais, as descobertas
feitas em centenas de estudos sobre a natureza da memória. Hoje, em praticamente todo
o mundo ocidental, o funcionamento da memória das testemunhas, vítimas e autores de
delitos e a sua implicação jurídica, são de grande importância para a ciência criminal,
tendo em vista a sua aplicação na prática judiciária117”.
Parte I – Reflexão ao artigo 328 do CPP: o princípio da imediação
1. Reflexão ao artigo 328º do CPP: o adiamento da audiência de julgamento
e consequente preclusão da prova
O acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008 fixa jurisprudência nos seguintes
termos “Nos termos do artigo 328º nº6 do CPP o adiamento da audiência de julgamento
por prazo superior a trinta dias implica a perda de eficácia da prova produzida com
sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da
existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma”.
O princípio da imediação, nas palavras de Gil Santos118, reflete a ideia de uma
aproximação comunicante entre o tribunal e os participantes processuais, para efeito de
formação da convicção do tribunal através da apreensão pessoal do julgador
concatenado ao princípio da livre apreciação da prova119. Daí que para efeito de
formação da convicção do tribunal, não valem em julgamento quaisquer provas que não
tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, como refere a norma constante
117
Reis (2006, p.64) cit in Ribas, C. “A credibilidade do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de
mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal, 2011. Também vemos a Psicologia a intervir no Direito,
no momento em que é necessário recorrer a perícias psicológicas.
118 Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.56.
119 O princípio da livre apreciação da prova foi pela primeira vez, consagrado expressamente no artigo 127º do CPP de 1987
“Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade
competente”. Nesta linha, Figueiredo Dias assevera que “a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo
com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto,
recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à
motivação e ao controlo efetivos)”. Dias, F. “Direito Processual Penal”. Coimbra, Coimbra editora, Vol. I, 1974, pp. 202-203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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do artigo 355º nº1 do CPP. Rui Castro120 diz-nos que com o princípio da imediação
pretende-se que o juiz entre em contacto direto com os meios de prova e que presida à
sua produção e análise, ou seja, há uma necessidade no ordenamento jurídico português
de o julgador ter um contacto imediato e direto com os meios de prova, por forma,
através das regras de experiência comum e da livre convicção chegar a uma decisão
fundamentada. A decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à
produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa, isto é, o juiz
que presida ao julgamento. O princípio da imediação significa também que na
apreciação das provas deve dar-se preferência aos meios de prova que estejam em
relação mais direta com os factos probandos121 e que esta decisão seja feita o mais breve
possível, logo no término da audiência de julgamento, atuando assim o princípio da
concentração122. De acordo com o autor Germano Silva123 “a experiência mostra que a
imediação é inimiga da dilação, pois as impressões e recordações apagam-se ou
esvanecem-se com o tempo”. O princípio da imediação tem estreita ligação ao princípio
da oralidade, sendo o corolário mais importante deste último princípio. Ambos são
princípios relativos à forma do processo penal. O princípio da oralidade sustenta a ideia
de que a decisão deve assentar na discussão oral, em audiência, da matéria probatória
trazida a tribunal, e claro está, de acordo com Figueiredo Dias “isso não significa que
sejam vedados atos processuais de prova que sejam contidos em escritos (autos, atas,
registos), mas só que entre a produção da prova e a decisão tem que haver a
imediatividade de produção daquela perante o órgão que decide.”124 Mais uma vez é
aqui notória a franca ligação entre o princípio da imediação e o princípio da oralidade.
Nas palavras de Germano Silva125 o princípio da oralidade significa “essencialmente
que só as provas produzidas ou discutidas oralmente na audiência de julgamento podem
servir de fundamento à decisão”, o que permite ao julgador através de uma apreensão
120
Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013, p.86.
121 As provas mais diretas, por exemplo, são as testemunhas presenciais em detrimento das “ouvi dizer”.
122 O princípio da concentração transmite a ideia de continuidade das diligências, quer na fase anterior ao julgamento como
também na fase de julgamento. Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.57.
123 Silva, G. “Direito processual penal português: noções gerais, sujeitos processuais e objeto”. Lisboa, Universidade Católica
editora, Vol. I, 2013, p.101.
124Dias, F. “Sobre os sujeitos processuais no novo código de processo penal”. Jornadas de direito processual penal (O novo código
de processo penal), 1988, pp.8-9.
125 Silva, G. “Direito processual penal português: noções gerais, sujeitos processuais e objeto”. Lisboa, Universidade Católica
editora, Vol. I, 2013, p.100.
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sensorial criar um juízo valorativo sobre as provas, uma vez que, e de acordo com
Calamandrei126 “ na viva voz falam também o rosto, os olhos, a cor, o movimento, o
tom de voz, o modo de dizer, e tantas outras pequenas circunstâncias, que modificam
desenvolvem o sentido das palavras e fornecem tantos indícios a favor ou contra do
afirmado com elas”. Estes dois princípios são aceites como um dos progressos mais
efetivos e estáveis na história do direito processual penal, pois fizeram frente ao
processo penal do antigo regime, em que o processo era predominantemente dominado
pelo princípio da escrita, onde princípios como o do contraditório não tinham a mesma
expressão que no atual processo, estando vedada a impossibilidade de avaliar a
credibilidade de um depoimento.
Após esta breve introdução aos princípios da imediação e oralidade que ganham
pleno significado na fase de julgamento, importa compreender a razão pela qual a prova
preclude se o adiamento da audiência de julgamento exceder os trinta dias, mesmo que
tenha havido documentação a que alude o artigo 363º do CPP. Já vimos que esta
preclusão liga-se ao princípio da imediação, princípio este que atua na fase de
julgamento e é inerente ao julgador. Diz-nos o acórdão do STJ de 29 de outubro de
2008 que fixa jurisprudência no sentido da preclusão que “o adiamento não pode ser tão
espaçado que, por implicar a possibilidade de frustração de uma apreciação unitária,
acabe por defraudar o princípio processual da imediação, e os que dele são
instrumentais indispensáveis ao julgamento”. É patente aqui uma proteção à memória
do julgador, pois é nele que recai a decisão jurisdicional. A imediação permite ao
julgador no momento da apreciação das provas, a formação de um juízo pessoal e direto
sobre a credibilidade da prova, ou seja, a imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza
um ato de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em detrimento
de outros. E como bem refere Paulo Pinto Albuquerque127 “a imediação e a descoberta
da verdade são prejudicados pela interrupção da produção da prova repetidas vezes, ou
por períodos longos, pois ela torna impossível a captação de uma imagem global dos
meios de prova a formulação de um juízo concatenado de toda a prova”128.
126
Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822.
127 Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822.
128 “Na verdade, todo o processo aquisitivo da informação em que se consubstancia a produção de prova como relação direta e
imediata entre o meio de prova e o julgador perde definição e esbate-se com o distanciamento temporal”. Cit in acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 29-10-2008, Proc. N.º 07P4822, p.8.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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A audiência de julgamento, por força da norma do artigo 328º do CPP, deve
decorrer de forma contínua até ao seu encerramento, o que atende ao princípio da
concentração temporal129 tendo como corolários o princípio da oralidade e da
imediação. No entanto, e de acordo com o artigo 328º nº3 do CPP, existem certos casos
em que o adiamento130 da audiência de julgamento é possível, quando a mera
interrupção131 da mesma não é suficiente para remover o obstáculo, tais como:
Faltar ou ficar impossibilitada de participar pessoa que não
possa ser de imediato substituída e cuja presença seja indispensável por
força da lei ou de despacho do tribunal, exceto se estiverem presentes
outras pessoas, caso em que se procederá à sua inquirição ou audição,
mesmo que tal implique a alteração da ordem de produção de prova
referida no artigo 341º do CPP;
For absolutamente necessário proceder à produção de
qualquer meio de prova superveniente e indisponível no momento em
que a audiência estiver a decorrer;
Surgir qualquer questão prejudicial, prévia ou incidental,
suja resolução seja essencial para a boa decisão da causa e que torne
altamente inconveniente a continuação da audiência; ou
For necessário proceder à elaboração de relatório social ou
de informação dos serviços de reinserção social, nos termos do disposto
nº1 do artigo 370º.
São ainda admitidos os seguintes adiamentos previstos na lei:
129 O princípio da concentração será abordado mais pormenorizadamente em pontos seguintes do presente trabalho, no entanto,
trata-se de um princípio imposto através da exigência de continuidade da audiência. Rui Castro refere que “os atos processuais
devem, sempre que possível, praticar-se em uma só audiência ou em audiências de tal modo próximas no tempo que as impressões
do juiz colhidas na audiência não se apaguem da sua memória”. Cit in Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013,
p.202.
130 De acordo com os artigos 328º nº5, 97º nº5 do CPP e artigo 205º da CRP, o adiamento da audiência de julgamento depende
sempre de despacho fundamentado do presidente, que é notificado a todos os sujeitos.
131 De acordo com a norma constante do artigo 328º nº2 do CPP “São admissíveis, na mesma audiência, as interrupções
estritamente necessárias, em especial para alimentação e repouso dos participantes. Se a audiência não puder ser concluída no dia
em que se tiver iniciado, é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior”. “Em caso de interrupção por período
não superior a oito dias, a audiência retomar-se-á a partir do último ato processual praticado na audiência interrompida”, de acordo
com o artigo 328º nº4 do CPP.
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Artigo 359º nº4 do CPP “se, no decurso da audiência,
surgirem factos novos que impliquem alteração substancial dos descritos
na acusação ou na pronúncia, estando o MP, o arguido e o assistente de
acordo, pode o julgamento continuar pelos mesmos, concedendo-se ao
segundo, a seu requerimento prazo para a preparação da defesa, não
superior a dez dias, com o consequentemente adiamento da audiência, se
necessário;
Artigo 334º nº3 do CPP “em audiência, na ausência do
arguido nos casos de processo sumaríssimo reenviado para a forma
comum ou do arguido se encontrar praticamente impossibilitado de
comparecer, nos termos do disposto no artigo 334º nos 1 e 2 do CPP, se o
tribunal vier a considerar indispensável a presença do mesmo, ordena-a,
interrompendo ou adiando a audiência;
Artigo 67º nº3 do CPP “se o defensor substituído durante a
audiência requerer tempo para examinar o processo ou conferenciar com
o arguido, não sendo a interrupção suficiente, o tribunal pode adiá-la por
um período de cinco dias;
Artigo 93º nº2 do CPP “a falta de intérprete de surdo ou de
mudo – neste caso, quando necessário – implica o adiamento da
audiência.
Independentemente das causas de interrupções ou adiamentos da audiência de
julgamento, o adiamento não pode exceder os trinta dias, como bem refere o artigo 328º
nº6 do CPP. Caso não seja possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a
produção de prova já realizada. Esta regra gerou algumas controvérsias, uma vez que,
discutia-se se a mesma se aplicava nos casos em que havia documentação da prova oral.
O acórdão do STJ de 29 de outubro de 2008 entendeu que a regra da perda de eficácia
de prova já realizada ocorre independentemente da documentação da prova produzida
em audiência132. A preclusão da prova é justificada pela “oralidade e imediação da
prova, quando necessariamente tem de estar presente na memória dos julgadores e, por
isso, a perda de eficácia da prova produzida abrange apenas a prova oral realizada em
132 Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª edição, 2013.
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audiência, e não os documentos juntos aos autos”133. E também como bem refere Costa
Pimenta134 “o adiamento por tempo superior a trinta dias implica o retomar de novo os
atos de produção da prova na audiência, já que não se devem deixar esvanecer, na
mente do julgador, as perceções vividas que constituem o principal pressuposto de
aplicação sincera e integral dos princípios da oralidade e imediação, que dominam toda
a matéria da audiência.” Podemos considerar que o princípio da imediação apresenta
uma ligação estreita com a memória do julgador e por conseguinte permite uma boa
decisão da causa, quando o julgamento é realizado num prazo razoável. O STJ com o
acórdão de 12 de novembro de 2009 afirmou que “a importância do direito ao
julgamento num prazo razoável é de primeira grandeza, pois se considera que só quando
decidida em tempo a decisão pode ser justa. A justiça da decisão é, pois, avaliada não só
em função da qualidade intrínseca da mesma, como também do tempo em que é
proferida. Por outras palavras, uma decisão intrinsecamente justa, segundo os critérios
materiais e processuais, deverá ser considerada injusta (e não apenas ineficaz ou pouco
credível) se for tardia”. Deste excerto, podemos deduzir que o princípio da imediação
pode aproximar-se do princípio da celeridade processual, na medida em que para a boa
decisão da causa, concatenada ao princípio da livre apreciação da prova, é necessário
que na memória do julgador se mantenham vivas as perceções retiradas do julgamento,
e para isso, o julgamento deve ser realizado em tempo razoável. No entanto, o princípio
da imediação afasta-se do princípio da celeridade processual quando há a preclusão da
prova mesmo que tenha havido documentação a que alude o artigo 363º do CPP135.
Muito embora tenha havido a fixação de jurisprudência no sentido da preclusão
da prova, o TC em 2007 (um ano antes do acórdão supra referenciado) decidiu,
nomeadamente, não julgar inconstitucional a norma da 2ª parte, do nº6, do artigo 328º
do CPP, interpretado no sentido de ser inaplicável nos casos em que existe
documentação da prova produzida em audiência. No mesmo sentido, temos o MP
(recorrente) do acórdão de fixação de jurisprudência de 29 de outubro de 2008. Ora,
parece-nos que há avanços e recuos no sentido da preclusão da prova, mesmo que tenha
havido documentação da mesma, muito talvez por força da necessidade de o princípio
133
Cit in acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, Proc. nº 07P4374
134 Cit in Pimenta, C. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Rei dos Livros, 1ª edição, 1987, p. 924.
135 A aproximação e o afastamento do princípio da imediação ao princípio da celeridade processual serão abordados mais adiante
neste trabalho.
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da imediação não se perder nos meandros do processo. Mas não estará o princípio da
imediação defraudado em certos casos no processo penal?
O acórdão RP de 7 de julho de 1993 e o acórdão do STJ de 14 de março de 2001
referem que “a produção de prova não perde eficácia se a audiência se desenrolar ao
longo de várias sessões, separadas entre si por períodos temporais não superiores a
trinta dias, ainda que entre a primeira e a última dessas sessões tenha decorrido um
período de tempo mais dilatado”. O preâmbulo do D.L. nº 320 – C/ 2000, de 15 de
dezembro pretendeu limitar o número de interrupções e adiamentos e quando
indispensáveis serem as mais curtas possíveis, impondo através do artigo 328º nº6 do
CPP que o adiamento não ultrapasse os trinta dias por consequente perda de eficácia da
prova (oralmente136) já produzida, ou seja, apelando ao princípio da continuidade e ao
princípio da concentração, a audiência deve ser “unitária, continuada, concentrada no
mais curto período de tempo, de modo a permitir a produção de todas as provas sem
hiatos temporais que, naturalmente as tornem menos presentes na hora da apreciação e
do julgamento dos factos”. Posto isto, se a audiência é interrompida ou adiada por prazo
não superior a trinta dias137 “retoma-se a partir do último ato processual praticado na
última sessão e no reinício desta decidir-se-á se deverão, ou não, repetir-se alguns dos
atos já praticados”. Apelando ao princípio da imediação que se assume em estreita
parceria com a memória do julgador, a aplicação deste princípio não faz sentido quando
entre a primeira sessão de audiência e a última tenham decorrido mais de trinta dias,
mesmo que entre as sessões nunca tenha ultrapassado o prazo para a preclusão da
prova138, já que regra geral, a audiência adiada retoma-se a partir do último ato
processual. E no momento da elaboração da decisão jurisdicional, o julgador face ao
136 “A perda de eficácia da prova produzida, abrange apenas a prova oral realizada em audiência, e não os documentos juntos aos
autos”. Cit in acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008, Proc. nº 07P4374.
137 Magistrados do MP do Direito Judicial do Porto “Código de processo penal: comentários e notas práticas”. Coimbra, Coimbra
editora, 2009, p.811.
138 “A violação do nº 6 do artigo 328º do CPP, ainda que não venha expressamente indicada na lei como nulidade absoluta ou
relativa, constituiu nulidade nos termos do disposto do artigo 120º nº2 al. d) do CPP, na medida em que implica a violação do
princípio da imediação das provas, o que pressupõe a continuidade da audiência. Tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e,
consequentemente, da própria sentença”. Cit in acórdão Relação de Évora de 11-10-1994, BMJ, nº440, p.572.
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hiato temporal, não terá viva na sua memória as perceções retiradas das várias
audiências139.
Atualmente é consensual que o disposto do artigo 328º nº6 do CPP não tem
aplicação no caso da leitura da sentença depois de ultrapassados os trinta dias sobre o
encerramento da audiência140. No entanto, nem sempre foi esta a linha de pensamento
doutrinária. Por exemplo, o acórdão da RP de 2 de dezembro de 1993141 contraria esta
ideia, pois refere que “se entre o dia em que se produziu a prova e o dia em que se
procedeu à leitura da sentença decorrem mais de trinta dias a prova perdeu eficácia e a
sentença não pode subsistir. É que a continuidade da audiência tem em vista que entre a
produção da prova e a decisão medeie o menor espaço de tempo possível, evitando-se o
esquecimento. Se a sentença não for proferida no prazo legalmente fixado (trinta dias),
impõe-se a repetição do julgamento, se tal for arguido no prazo de cinco dias ou na
motivação, como fundamento de recurso142”. No sentido contrário e do que é atualmente
aplicável temos o acórdão STJ de 15 de outubro de 1997143 “O disposto do nº6 do artigo
328º não tem aplicação ao caso de a leitura da sentença ocorrer depois de ultrapassados
trinta dias sobre o encerramento da audiência”144. O prazo previsto no artigo 373º do
CPP para elaboração da sentença é meramente ordinatório e a sua inobservância
139 Como exemplo, temos o processo “Casa Pia”, caracterizada como “processo monstro”. Iniciou julgamento a 25 de novembro de
2004 e encerrou com leitura de sentença a 3 de setembro de 2010. Este processo que demorou seis anos a ser concluído, integrou
sete arguidos e dezenas de testemunhas. Poderá compreender-se a demora pelo simples facto do alargado número de sujeitos
processuais. No entanto, onde reside a ideia de uma apreciação unitária e concentrada da prova que tanto faz valer o princípio da
imediação? Ou seja, no processo “Casa Pia” há uma dilação temporal exuberante que, e de acordo com o acórdão do STJ de 29 de
outubro de 2008, não iria permitir ao julgador manter viva na sua memória as perceções de uma primeira audiência de julgamento.
Mas como vimos, são possíveis adiamentos da audiência de julgamento por períodos inferiores a trinta dias, não havendo assim a
preclusão da prova produzida oralmente. O processo “Casa Pia” é um processo que abala em toda a sua amplitude o princípio da
imediação.
140 Embora haja doutrina que ao considerar a sentença como pertencente à audiência, o prazo estipulado pelo artigo 328º nº6 do
CPP deve ser considerado, ou seja, a leitura da sentença não pode ultrapassar os trinta dias”. Como bem refere Paulo Pinto
Albuquerque “O prazo vale para toda a audiência de julgamento, desde a sua abertura até à leitura da sentença, uma vez que a ratio
do princípio da continuidade inclui o momento da formulação material do juízo sobre a prova, como resulta claramente do disposto
nos artigos 365º nº1 e 373º nº1 do CPP. A audiência inclui, pois, materialmente, a leitura da sentença ou, como diz melhor $860 I da
STPO alemã “a audiência encerra com a publicação da sentença resultante da deliberação”. Cit in Albuquerque, P. “Comentário do
código de processo penal”. Lisboa, Universidade Católica editora, 4ª edição, 2011, p.851.
141 Cit in CJ, ano XVIII, t.5, p.262.
142 Ver também neste sentido Acórdão da RP de 07-07-1993, CJ XVIII, t.5, p.243; Acórdão RE de 11-10-1994, CJ XIX, t.4, p.285
e no BMJ 440, p.572, defendendo que estaríamos perante uma nulidade que determinava a repetição do julgamento.
143 Acórdão STJ de 15-10-1997, CJ/STJ, ano V, t.3, p.197.
144 Ver também neste sentido Acórdão RL de 5-12-2002, CJ, ano XXVII, t.5, p.141.
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constitui mera irregularidade (artigo 118º CPP) que não afeta a decisão145.O primeiro
exemplo (Acórdão RP de 2-12-1993) parece que caminhava no sentido de uma ampla
proteção ao princípio da imediação, uma vez que, para a elaboração e consequente
leitura da sentença, torna-se necessário que na memória do julgador permaneçam vivas
as perceções retiradas da audiência de julgamento. No entanto, não há uma aplicação do
artigo 328º nº6 do CPP no caso de a leitura da sentença ultrapassar os trinta dias sobre o
encerramento da audiência, o que torna o princípio da imediação controverso e
contornável em vários âmbitos do processo penal. Este princípio defende a necessidade
de uma imediativdade dos meios de prova, para que no momento da apreciação de todos
os elementos colhidos na audiência de julgamento, o julgador tenha presente na sua
memória estes elementos.
Outra situação que coloca em causa a aplicabilidade do princípio da imediação
reporta-se aos casos em que o STJ ordena a baixa do processo para ser elaborado novo
acórdão pelos mesmos juízes. Nestes casos, o disposto do artigo 328º nº6 do CPP não
tem aplicação, de acordo com o acórdão do STJ de 7 de outubro de 1997146 “Tendo um
acórdão sido declarado nulo pelo STJ e ordenada a descida do processo à 1ª instância
para que os mesmos juízes e tribunal que a haviam proferido a suprissem (carência de
fundamentação, por incumprimento do preceituado no artigo 374º nº2, segunda parte,
do CPP) não havendo que tomar qualquer nova deliberação, mas tão só que
fundamentar a que havia sido tomada, é indiferente o tempo decorrido desde o
encerramento da discussão da causa e a prolação deste segundo acórdão, não havendo
lugar nem fundamento para aplicar ao caso, o estatuído no artigo 328º nº6 do CPP, ou
seja, a perda de eficácia de prova já realizada”147. Neste sentido, temos o acórdão mais
recente de 2006 do STJ de 25 de novembro de 2006148, que refere que “IV – A norma
do artigo 328º do CPP contém uma disposição relativa à audiência e rege apenas sobre a
continuidade desta (interrupções, adiamentos e limite do tempo de adiamento). V – Tal
disposição radica na oralidade e na imediação da prova, tendo que ver apenas com a
produção da prova e a concentração no decurso da audiência e até ao encerramento
desta: não rege, pois, sobre incidências posteriores. VII – Por isso, se uma decisão for
145
Cit in Acórdão TRP de 8-10-2014.
146 Cit in Acórdão de 7-10-1999, Proc. nº 86/99, 5ª secção, Relator Conselheiro José Gião.
147 Ver neste sentido o Acórdão do STJ de 22-04-1999, Proc. nº13565, 3ª secção: CJ (ASTJ), ano VII, tomo II, p.190.
148 Cit in Acórdão de 25-01-2006, Proc. nº 05P3460.
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anulada em recurso e se o suprimento da nulidade não determinar nova deliberação do
tribunal a quo, mas apenas esclarecimento da fundamentação (por incumprimento do
artigo 374º nº2, segunda parte do CPP), ou melhor fundamentação da deliberação
tomada, é indiferente o tempo decorrido desde o encerramento da discussão da causa até
ao segundo acórdão, não havendo fundamentação para aplicar ao caso o estatuído no
artigo 328º nº6 do CPP, ou seja, a perda de eficácia de prova já realizada”.
Posto isto, se o juiz para tomar uma decisão jurisdicional necessita de ter
presente na sua memória as perceções retiradas da audiência de julgamento, não seria de
esperar, por força do princípio da imediação, que no caso de ser ordenado pelo STJ a
baixa do processo para fundamentação, se aplicasse o disposto do artigo 328º nº6 do
CPP? A doutrina responde-nos com um não, o que leva a tomar em consideração que o
princípio da imediação cada vez mais tem menos força no nosso ordenamento jurídico
ou se o tem é contornado nos meandros do processo penal. Então se afinal o que está em
causa é a “proteção” da memória do julgador subjugada aos princípios como o da
oralidade e o da imediação, princípios estes essenciais na produção e apreciação da
prova, “então, quando a sentença é elaborada e lida para além do prazo de trinta dias, ou
quando o julgamento é anulado e ordenada a baixa do processo para ser elaborado novo
acórdão pelos mesmos juízes, também se poderia dizer que a prova, e a sua memória
pelo julgador, se esfumou”149. Relativamente ao âmbito de aplicação da segunda parte
do nº6 do artigo 328º do CPP, há quem defenda que, ultrapassado o prazo de trinta dias,
estamos perante uma irregularidade150 e não uma nulidade151. No entanto, o acórdão do
STJ de 29 de outubro de 2008 para fixação de jurisprudência, entendeu que o prazo
estipulado pela norma do artigo 328º nº6 do CPP, também se aplica nos casos em que
tenha existido documentação da prova produzida em audiência, com sujeição ao
princípio da imediação. Coloca-se agora a seguinte reflexão: “Se a prova, nos casos de
oralidade pura, se esfumava, já o mesmo não acontecia quando a audiência era gravada.
149 Cit in Ribeiro, V. “Código de processo penal: notas e comentários – Adenda com a 20ª alteração do Código de processo penal
(Lei nº20/2013 de 21/02)”. Coimbra, Coimbra editora, 2ª edição, 2011, p.917.
150 Ver neste sentido Acórdão STJ de 14-02-1996, BMJ 454, p.519; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal III,
2000, p. 223. 151
Ver neste sentido Acórdão RG de 10-11-2003, Proc. 1446/03-2; Acórdão RG de 17-11-2003, Proc. nº 1235/03-01.
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Neste último caso, mesmo que a audiência se reiniciasse ultrapassado o prazo de trinta
dias, a prova sempre poderia ser consultada”152.
Com a revisão de 2007 do CPP153 passou a ser obrigatório a documentação das
declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento. O que perfilhou
com o Acórdão do TC 473/2007154 “Não julga inconstitucional a norma da segunda
parte do nº6 do artigo 328º do CPP, interpretado no sentido de ser inaplicável nos casos
em que existe documentação da prova produzida em audiência”. No entanto, e como
vimos anteriormente foi fixada jurisprudência no sentido contrário ao acórdão
anteriormente exposto “Nos termos do artigo 328º nº6 do CPP, o adiamento da
audiência de julgamento por prazo superior a trinta dias implica a perda de eficácia da
prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre
independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo
diploma”155
Esta questão será melhor desenvolvida no ponto a que atende ao processo
evolutivo dos artigos 328º e 363º do CPP.
152
Cit in Ribeiro, V. “Código de processo penal: notas e comentários – Adenda com a 20ª alteração do Código de processo penal
(Lei nº20/2013 de 21/02)”. Coimbra, Coimbra editora, 2ª edição, 2011, p.917.
153 Lei nº48/2007.
154 Acórdão do TC 473/2007, DR, II série, de 02-11-2007.
155 Acórdão do STJ de 11-2008, DR, I série de 11-12-2008.
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2. O processo evolutivo do artigo 328º do CPP em estreita ligação ao artigo
363º do CPP
Atualmente as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre
documentadas na ata, sob pena de nulidade. Esta obrigatoriedade impôs-se por força da
lei nº105/2007, de 9 de novembro. Embora atualmente haja esta obrigatoriedade da
documentação das declarações orais, uma vez que todos os tribunais estão apetrechados
com os meios técnicos idóneos para garantir a gravação das declarações prestadas
oralmente, outrora não se impôs, mesmo após com a adoção crescente dos meios de
gravação magnetofónica156. Outra reflexão que merece todo o apreço, trata-se do facto
que mesmo que seja obrigatório, sob pena de nulidade, as declarações prestadas
oralmente em sede de audiência e estando os tribunais apetrechados com os meios
técnicos idóneos para assegurar a gravação das mesmas, se continue a prever a
preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os trinta dias.
O julgador por forma a relembrar-se do que sucedeu na audiência, poderia socorrer-se
das gravações, uma vez que os trinta dias não correspondem a um limite inultrapassável
para o desvanecimento da memória do julgador157, como faz crer o Acórdão do STJ de
29 de outubro de 2008. Posto isto, é fundamental perceber que evoluções tiveram os
artigos 328º e 363º do CPP a partir do CPP de 1929 e o que nos diz a doutrina acerca da
sua evolução.
Como vimos no ponto anterior deste trabalho, o ordenamento jurídico português
afastou os cânones que presidiam ao processo penal de estrutura inquisitória, com um
sistema de provas tabelado, para assumir uma estrutura acusatória que apelasse a
princípios como o do contraditório, o da oralidade, o da imediação, entre outros. Este
sistema que considerava o princípio da oralidade era muito mais adequado ao
conseguimento de uma justa decisão. O CPP de 1929 no seu artigo 414º (continuidade
156 “A partir de meados da década de 90 – sobretudo na decorrência das exigências que a entrada em vigor do Decreto-Lei 39/95,
de 15 de fevereiro, implicava -, os tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a
assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. As alterações introduzidas ao CPP pela Lei
nº59/98, de 25 de agosto, espelham a adoção e crescente apetrechamento dos meios de gravação magnetofónica em todos os
tribunais”. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.2.
157 Os trinta dias não são um limite inultrapassável estabelecido pela ciência. A ciência que estuda a memória diz-nos que logo
após a codificação das informações, muitas delas perdem-se imediatamente nos primeiros instantes. Para corroborar, ver parte da
Psicologia.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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da audiência) faz alusão aos trinta dias, no entanto não faz referência à preclusão da
prova quando a audiência de julgamento não possa ser retomada no prazo supra
mencionado. Aliás, no nº3 deste artigo refere que “nas causas submetidas a tribunal
coletivo, se algum dos juízes que tenha assistido a uma ou a algumas sessões estiver
impossibilitado de tomar parte nas seguintes e for substituído, o tribunal decidirá se
devem ou não repetir-se os atos já praticados. Se a impossibilidade for temporária,
poderá ser adiado o julgamento pelo tempo indispensável” e no nº4 “se algum dos juízes
do tribunal coletivo for transferido ou promovido, só deixará de intervir no julgamento,
se não for possível concluí-lo dentro de trinta dias, a contar da data de transferência ou
da promoção158. No caso em que o julgamento se efetua num tribunal coletivo, este
artigo considera que é o tribunal que decide ou a repetição ou a não repetição dos atos
outrora praticados e que não há um limite temporal que justifique a preclusão da prova.
Mas afinal onde está a proteção da memória do julgador? Memória esta que mantém
viva as perceções retiradas da audiência. E neste tempo em que não havia recurso às
gravações das audiências de julgamento e que seriam úteis para avivar a memória do
julgador, faria todo o sentido que houvesse a preclusão da prova, por tornar mais difícil
no momento da deliberação relembrar o que tinha ocorrido em audiências anteriores.
Neste código o princípio da concentração aplicava-se através da norma do artigo 76º
CPP159 e que permite o aceleramento do processo e por conseguinte permitir uma
audiência continuada. Nas palavras de Luís Osório160 “É em geral o princípio da
concentração que fundamenta estes preceitos. O processo penal precisa de ser mais
rápido que o processo civil não só porque assim se evita a perda de vestígios da
infração, mas também porque o castigo é tanto mais exemplar, quanto de mais perto
segue a prática do crime. A continuidade da audiência tem o mérito de os juízes
conservarem, no ato de deliberar, mais presente tudo o que se passou, tudo aquilo em
que deve assentar a sua deliberação”. E, portanto, deparamo-nos com a necessidade de
uma audiência continuada para que o julgador conserve na sua memória as perceções
158 Cit in Rocha, L. “Código processo penal anotado e legislação complementar”. Coimbra, Coimbra editora, 1950, p.571.
159 “Os atos judiciais praticados em audiência, ou fora da secretaria, podem celebrar-se desde o nascer ao pôr do sol. 1: as
audiências de julgamento podem continuar de noite, e até em domingos, férias ou dias feriados; 2: podem realizar-se em férias os
julgamentos de réus presos, e também os dos que estejam soltos, se o juiz entender necessário; 3: deverão praticar-se em férias, e
mesmo nos domingos e dias feriados, os atos necessários para garantia da liberdade individual e para a soltura dos réus presos ou
qualquer outros impostos por necessidade urgente”. Cit in Osório, L. “Comentário ao código processo penal português”. Coimbra,
Coimbra editora, 2º volume, 1932, p. 67.
160 Cit in Osório, L. “Comentário ao código processo penal português”. Coimbra, Coimbra editora, 2º volume, 1932, p. 69.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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retiradas da audiência de julgamento e que possibilita a uma melhor decisão da causa.
Retomando o princípio anteriormente exposto, artigo 414º do CPP, no seu nº 5 “nas
causas julgadas por juízes singulares, se o juiz estiver impossibilitado de continuar a
presidir à audiência, apenas se repetirá a produção de prova testemunhal, o
interrogatório do réu e do ofendido e as declarações dos peritos, quando tenham sido
prestadas oralmente na audiência. Se a impossibilidade do juiz for temporária, poderá
ser adiada a audiência por prazo não superior a um mês161”. Este preceito diz-nos que a
audiência de julgamento quando julgada num tribunal singular, não pode ser adiada por
mais de trinta dias, mas mais uma vez não há qualquer alusão à preclusão da prova, o
que deixa na dúvida o leitor quanto à consequência do adiamento exceder os trinta dias.
O elencar de um princípio como o da oralidade no nosso ordenamento jurídico
foi objeto de patentes incompreensões que o desfiguraram “162oralidade não significa
exclusão da escrita, no sentido da proibição de que dos atos que tenham lugar oralmente
fiquem registos, protocolos ou atas, a servir v.g. fins de controlo de assunção da prova,
máxime em matéria de recursos”. Este entendimento foi esquecido pelo legislador do
nosso CPP de 1939 que considerou que o princípio da oralidade excluía por completo o
princípio da escrita e por conseguinte a impossibilidade de um registo da prova prestada
oralmente. E como bem refere Figueiredo Dias no que toca ao processo penal “registo
que, em processo penal, falta também completamente na forma de processo mais solene,
pela qual são tramitadas as infrações mais graves (a forma de processo de querela163).
Se combinarmos esta circunstância com o facto de, por um lado, o sistema dos nossos
recursos ser o da escrita, com a absoluta exclusão da oralidade, e, por outro, haver
tribunais de recurso que conhecem também da questão-de-facto (as relações: cf. Artigo
646º nº4 do CPP, a contrário), não poderemos deixar de concluir que todo este sistema é
bizarro, quando não mesmo absurdo, por dar com uma mão (possibilidade de recurso)
aquilo que tira com a outra (proibição de registo da produção oral da prova)164. O que se
pode retirar desta reflexão é que após a vigência de um processo de índole acusatória,
em que o princípio da oralidade surge como uma inovação, haja algum receio por parte
161
Cit in Rocha, L. “Código processo penal anotado e legislação complementar”. Coimbra, Coimbra editora, 1950, p.571.
162 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.230.
163 Os processos de querela são “os processos penais que julgam os crimes mais graves da escala penal, a que corresponde uma
pena maior ou de demissão”. Cit in Arquivo distrital de Viana do Castelo, 1839.
164 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.230.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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do legislador em deixar atuar a princípio da escrita e que se volte a um processo
inquisitório, criticado por ser demasiado oculto e cultivar uma desconfiança no povo.
Faria todo o sentido haver alguma enunciação quanto à preclusão da prova no
CPP de 1929, uma vez que, havendo a proibição de registo da produção oral
impossibilitava ao julgador avivar a memória sobre o que se tinha passado na audiência
de julgamento, claudicando a decisão da causa e o princípio da imediação. O princípio
da oralidade não deve de forma alguma justificar a exclusão da escrita, o juiz deve
poder salvaguardar-se daquilo que é reduzido a escrito. O princípio da oralidade ainda é
de todo estranho ao processo penal de 1929. E como bem acentua Eduardo Correia “só é
de lamentar que a errônea parificação entre a oralidade e proibição de registo do ato
levado a cabo oralmente tenha penetrado profundamente e continue a fazer carreira na
doutrina processualista portuguesa, mesmo na mais responsável165”. A partir do
momento em que se reconheceu como extrema importância a consideração da
personalidade do arguido no processo penal “não mais se podia duvidar da absoluta
prevalência a conferir aos princípios da oralidade e da imediação. Só estes princípios,
com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha
da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar
o mais corretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos
participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o
material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso166
O CPP de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87, de 12 de fevereiro, é
considerado uma notável obra de legislação pela generalidade dos doutrinários do
direito. Face a este código de processo penal, a oralidade167 encontrou uma expressão
clara e não confusa como se apresentou previamente no CPP de 1929, em que princípios
como o da oralidade e o da imediação surgem de forma “desesperada” para pôr termo
ao processo do tipo inquisitório168. Este código altera por completo o enunciado no
165 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.231.
166 Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, pp.233-234.
167 “Orientado para a oralidade, o novo CPP estruturou a audiência em termos de a convicção do tribunal se formar em obediência
ao princípio da verdade material…”. “Assim perspetivadas a verdade material e a oralidade, compreende-se a presença no novo
código de outro princípio que tem particularmente a ver com o desenrolar da audiência e com o modo de formação e convicção do
julgador: o da imediação também conhecida como o da prova imediata”. Cit in CEJ “Jornadas de direito processual penal: o novo
código de processo penal”. Coimbra, Livraria Almedina, 1995, pp.275 e 276.
168 Cit in CEJ “Jornadas de direito processual penal: o novo código de processo penal”. Coimbra, Livraria Almedina, 1995.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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artigo 414º do CPP de 1929 relativo à continuidade da audiência. Surge assim em
substituição o artigo 328º do CPP, em que no seu nº6 refere que “o adiamento não pode
exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a
produção de prova já realizada”. Outra inovação diz respeito à possibilidade do registo
da prova oral, com a criação do artigo 363º do CPP (documentação de declarações
orais) “As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na ata
quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros
meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos
em que a lei expressamente o impuser169”. Vemos aqui a não exclusão do princípio da
escrita em concordância com o princípio da oralidade. Este artigo trata apenas do registo
da prova oral prestada perante o tribunal coletivo ou de júri. “170O que a lei diz através
desta norma é o seguinte: os depoimentos (prova oral) prestados perante o tribunal
colegial não são nunca reduzidos a escrito. Poderão vir a sê-lo se e quando o tribunal
dispuser de meios de reprodução ou documentação integral171”. O artigo 364º do mesmo
diploma refere-se à documentação das declarações prestadas oralmente em sede de
tribunal singular “1: As declarações prestadas oralmente em audiência que decorrer
perante tribunal singular são documentadas na ata sempre que, até ao início das
declarações do arguido previstas no artigo 343º, o MP, o defensor ou o advogado do
assistente declararem que não prescindem da documentação. A declaração fica a constar
da ata e aproveita aos restantes sujeitos processuais; 3: Se não estiverem à disposição do
tribunal meios técnicos idóneos à reprodução integral das declarações, o juiz dita para a
ata o que resultar das declarações prestadas172…”. Aqui deparamo-nos com outra
situação distinta, neste caso se os sujeitos processuais supra citados declararem que não
169
Pimenta, J. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Reio dos Livros, 2ª edição, 1991, p.731.
170 Cit in Pimenta, J. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Reio dos Livros, 2ª edição, 1991, p.731.
171 “Não está no espírito desta norma a sistemática redução a escrito das declarações, com preterição do princípio da oralidade,
nomeadamente quando as partes se prestem a facultar os meios técnicos indispensáveis para assegurar a reprodução. Isso sacrificaria
a preterição do princípio da oralidade e seria fonte de delongas processuais, que o código quis afastar. A primeira parte do artigo é
uma norma programática, virada ao futuro, e por enquanto inexequível; quanto à segunda desconhecem-se casos, além do artigo
364º; em que a lei exija a documentação das declarações”. Cit in Gonçalves, M. “Código processo penal anotado”. Coimbra,
Almedina, 5ª edição, 1992, p.509. Posto isto, vemos que é uma norma que não exclui na totalidade a princípio da escrita, no entanto
é uma norma virada para o futuro e virá a ser exequível no momento em que os tribunais adotarem os meios de gravação
magnetofónica (Lei nº59/98, de 25 de agosto). “Não se trata, aliás, de um registo de prova para efeito de recurso, mas tão-só de um
meio de controlo de prova, em ordem a prevenir a correspondência entre o que é produzido e o que resulta do julgamento”. Cit in
Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.510.
172 Cit in Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.510.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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prescindem de documentação, há a obrigatoriedade de redução a escrito do que se
passou na audiência de julgamento. É aqui patente uma legitimidade do declarante. Ao
contrário do artigo anterior, a documentação “destina-se aqui fundamentalmente a
facilitar a apreciação pelo tribunal superior173”. Não havendo aqui uma imposição para
o registo da prova oral produzida em audiência e não estando os tribunais apetrechados
com os meios técnicos idóneos que permitam o registo integral das declarações, é
compreensível que haja a preclusão da prova caso o adiamento da audiência de
julgamento exceda os trinta dias, pois não há qualquer meio que possibilite ao julgador
avivar a memória sobre as perceções retiradas da audiência e colocaria em causa o
princípio da imediação necessário para fazer atuar o princípio da livre apreciação da
prova. “Os depoimentos são registados por súmula, ditada para ata pelo próprio juiz – a
menos que o tribunal disponha (mas nenhum dispõe) de meios técnicos idóneos à
reprodução integral das declarações174”.
Com o advento da nova tecnologia, pela necessidade de um correto registo da
prova oral e para fazer atuar os artigos 363º e 364º do CPP devidamente, a Lei nº 59/98,
de 25 de agosto, espelha a adoção crescente dos meios de gravação magnetofónica. Por
forma a salvaguardar o princípio do contraditório, a lei supra mencionada altera o artigo
364º acrescentando uma nova redação ao nº3 “Quando a audiência se realizar na
ausência do arguido, nos termos do artigo 334º, nº3, as declarações prestadas oralmente
são sempre documentadas”. Aqui denota-se a necessidade que os tribunais tiveram em
adotar sistemas de gravação da prova oral, para proteger um sistema de índole
acusatória e como também proteger os direitos do arguido quando este não está presente
na audiência de julgamento.
“Estando implementados em todos os tribunais os meios técnicos idóneos a
assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência, com
as alterações ao CPP introduzidas pela Lei nº48/2007, de 29 de agosto, culmina-se o
percurso encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação das
declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de
nulidade175”. É então finalmente com a Lei nº48/2007, de 29 de agosto, que passa a ser
173 Cit in Gonçalves, M. “Código de processo penal anotado”. Coimbra, Almedina, 5ª edição, 1992, p.511.
174 Cit in Pimenta, C. “Código de processo penal anotado”. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª edição, 1991, p.733.
175 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, pp.2-3.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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obrigatório a documentação das provas prestadas oralmente176 em sede de audiência de
julgamento. Apesar deste avanço normativo, o artigo 328º, nº6 do CPP177 continua a
prever a preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os
trinta dias. No entanto, no Acórdão do STJ, de 29 de outubro de 2008, o MP entendia
que “o adiamento não pode ser tão espaçado que, por implicar a possibilidade de
frustração de uma apreciação unitária, acabe por defraudar o princípio processual da
imediação, e os que dele são instrumentais indispensáveis ao julgamento. Percebe-se,
pois, a opção da lei no sentido da preclusão da prova num período em que os tribunais
não se encontravam ainda apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar
reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência. Mas já há vários
anos que a documentação da prova passou a ser bem diversa. Não estamos já perante
“prova ditada para ata”. A documentação da prova é efetivada através de meios técnicos
de gravação magnetofónica ou audiovisual178”. E, como vimos, com a Lei nº48/2007, de
29 de agosto, o artigo 363º do CPP passou a prever a obrigatoriedade da documentação
das declarações orais produzidas em audiência de julgamento, o que permite ao julgador
através da consulta destas declarações avivar a sua memória quanto às perceções
retiradas do julgamento e assim consequentemente, salvaguarda-se o princípio da
imediação. No entanto, diz-nos o mesmo Acórdão, que fixa jurisprudência no sentido da
preclusão, que “o legislador ao fixar o prazo de trinta dias como limite inultrapassável
certamente que se fundamentou na contribuição da ciência na definição do espaço
temporal dentro do qual permanecem as perceções pessoais que fundamentam a
atribuição de credibilidade a um determinado meio de prova179”. Mas estando os
tribunais assegurados com os meios técnicos idóneos de gravação da audiência e
relembrando o que nos disse a psicologia em pontos anteriores neste trabalho sobre o
desvanecimento de informações codificadas, os trinta dias não se baseiam na
contribuição da ciência e a preclusão da prova não faz mais sentido a partir do momento
em que há a obrigatoriedade de registo das declarações prestadas oralmente “a
documentação das declarações orais na audiência nos termos sobreditos é obrigatória e
176
Artigo 363º CPP “As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na ata, sob pena de nulidade”.
177 “A norma prevista no nº6 do artigo 328º do CPP, evocando as palavras da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº21/V,
sob o ponto 33, é uma norma disciplinadora “visando a prossecução do prncípio da continuidade, verdadeiro garante da aceleração
processual nesta fase””. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.3.
178 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.3.
179 Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº 07P4822, p.9.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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não admite qualquer exceção e, designadamente, não depende da concordância dos
sujeitos processuais, nem pode ser por eles prescindida. A omissão da documentação ou
a documentação deficiente das declarações prestadas oralmente constitui uma nulidade
sanável180”. Os trinta dias, baseados como o limite inultrapassável para a manutenção
das informações codificadas e que ultrapassados implica a perda de eficácia da prova
produzida com sujeição ao princípio da imediação, na minha franca e modesta opinião
não se deve basear no princípio da imediação, porque se assim fosse não se deviam
admitir o prosseguimento de processos designados como “monstros”, pois entre a
primeira audiência e a última certamente já passaram mais de trinta dias. No momento
da elaboração da decisão da causa se o juiz não se salvaguardasse da documentação
registada, seria de todo impossível ao julgador recordar algumas informações prestadas
na audiência. Aqui, neste caso em concreto, o princípio da imediação já não é colocado
em causa como salvaguarda da memória do julgador. Este regime de obrigatoriedade
das declarações prestadas na audiência “pretende resolver em definitivo a questão,
concluindo o processo iniciado em 1998. A solução articula-se com a cessação do dever
de transcrição dos registos gravados e o novo regime de impugnação da matéria de
facto. Com efeito, pretendeu-se que toda prova prestada oralmente na audiência fosse
sempre registada na íntegra de modo a permitir o recurso amplo da matéria de facto em
qualquer caso. Dito de outro modo, pretendeu-se garantir o duplo grau de jurisdição em
matéria de facto por via da documentação integral e obrigatória da prova produzida
diante de qualquer tribunal de primeira instância. Simultaneamente, pretendeu-se
garantir o máximo respeito pelo princípio da imediação por via da imposição da regra
de gravação audiográfica ou videográfica (“em regra” diz o artigo 364º, nº1) e da regra
da audição ou visualização da gravação pelo tribunal de recurso (artigo 412º, nº4)181”.
Vemos por um lado o respeito pelo princípio da imediação com a imposição da regra de
gravação das declarações prestadas oralmente, e por outro há a preclusão da prova
mesmo com esta imposição. O direito dá com uma mão o que tira com outra, como já
referia Figueiredo Dias no tocante à proibição do registo da prova e à possibilidade de
apreciação em recurso da matéria de facto. O direito não é consensual, mas é com ele
que temos de viver.
180
Cit in Albuquerque, P. “Comentário do código processo penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica Editora, 4ª edição, 2011, p.943.
181 Cit in Albuquerque, P. “Comentário do código processo penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica Editora, 4ª edição, 2011, p.945.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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3. A emergência do princípio da imediação no ordenamento jurídico
português
Nos ordenamentos jurídicos ocidentais houve a necessidade de uma reforma no
processo penal que acabasse com o secretismo do processo, a redução a escrito e a
desconfiança que havia sobre a justiça, para a passagem de um processo penal que
albergasse princípios como o da publicidade, o do contraditório, o da oralidade, o da
imediação e o da livre apreciação da prova. Estes princípios dissipam quaisquer
desconfianças que possam suscitar sobre a independência e a imparcialidade com que é
exercida a justiça penal e são tomadas as decisões182. E Portugal seguiu o mesmo
sentido.
Atualmente os princípios da oralidade e da imediação183, princípios relativos à
forma de obter a decisão, são aceites como um dos progressos mais efetivos e estáveis
na história do direito. Já há muito se reconhecia os defeitos de um processo penal
reduzido à escrita com uma estrutura inquisitória, onde o juiz não passava de um agente
que aplicava a lei sem que houvesse a permissão de avaliar a credibilidade de um
depoimento, como acontece atualmente com a vigência do princípio da livre apreciação
da prova. O princípio da livre apreciação da prova encontra-se previsto no artigo 127º
CPP “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras
de experiência e a livre convicção da entidade competente”. Este princípio é um direito
fundamental do julgador e é basilar para a garantia da legitimidade da atuação do poder
judicial e do Estado de Direito Democrático. O julgador no exercício dos seus poderes
jurisdicionais é independente, neutro e imparcial sobre os factos que foram narrados e
182
“Ideia tão importante, esta, adentro de uma conceção “democrática” do processo, que justifica a asserção de Feverbach de que o
público seria, ele mesmo, um comparticipante do processo penal. Esta asserção não poderá considerar-se tecnicamente exata, por o
público não ter uma intervenção constitutiva na declaração do direito do caso nem dever substituir-se aos juízes (e aos jurados, onde
os haja) como lídimos representantes da comunidade jurídica constituída em Estado. Mas ele sugere pelo menos, muito
adequadamente, o interesse quando cada cidadão tem em uma correta e impoluta administração da justiça penal, ao mesmo tempo
que – e é isto muito importante – reforça o sentimento de co-responsabilidade, tanto dos cidadãos como dos órgãos estaduais,
naquela administração”. Cit in Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.223.
183 “Alguns autores acrescentam a este sentido da imediação (que chamam subjetivo ou formal), um sentido objetivo ou material
segundo o qual o tribunal deveria socorrer-se de meios de prova imediatos. No primeiro sentido, o princípio da imediação prescreve
ao juiz como há-de os meios probatórios e refere-se à relação do juiz com os meios de prova; no segundo, determina ao juiz que
meios probatórios há-de utilizar e refere-se à relação dos meios de prova com a questão-da-prova. E claro, pois, que esta segunda
aceção do princípio tem mais a ver com a matéria da prova do que com o problema da forma.” Cit in Dias, F. “Direito Processual
Penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.232.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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registados nos autos, tendo o dever de fundamentar a sua decisão inerente aos factos e
ao direito184. É por esta perspetiva que o princípio da livre apreciação da prova deve ser
regido, como refere Cavaleiro de Ferreira à necessidade de fundamentação185. O
fenómeno da livre apreciação da prova conjuga-se pela interpretação e valoração das
provas, resultando em operações mentais e confronto dos vários meios de prova por
parte do julgador. Após a recolha das provas e pela análise racional do julgador, este
através da sua convicção formada pelas impressões decorrentes das provas e das
máximas de experiência, chega a uma decisão devidamente fundamentada. É importante
reter que não há uma certeza absoluta dos factos ocorridos, o julgador emite um
raciocínio lógico de reconstrução da verdade. “A livre apreciação é, então, o princípio
máximo, base e transversal de prova, que rege no processo desde o início deste186”. Este
princípio não significa que o Tribunal tenha o direito de o utilizar com liberdade, de
modo discricionário e arbitrário, ou seja, sem fundamentação 187. O juiz deve sempre
procurar a verdade material, através de critérios objetivos, controláveis, embora a sua
convicção seja pessoal e objetivável 188. A consagração deste princípio tem sido
unanimemente aceite a partir da primeira metade do século XIX após as reformas
judiciárias, que vieram colmatar os problemas do sistema das provas legais de
influência romano-canónica 189. O sistema de provas legais teve o seu colapso em razão
da cultura filosófica baseada no racionalismo e atribuía um valor fixo às provas em
função de certas fórmulas, o que levava a uma falta de confiança generalizada nos
184
Almeida, V. “A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado”. RIDB, ano I, nº5, 2012,
pp.2497-2536.
185 Brito. “A livre apreciação da prova e prova indirecta”. Curso de temas de Direito Penal e de Processo Penal, CEJ, 2013.
186 Cit in Brito. “A livre apreciação da prova e prova indirecta”. Curso de temas de Direito Penal e de Processo Penal, CEJ, 2013,
p.2.
187Vide a necessidade de fundamentação das decisões judiciais “Penso, assim, que é tempo todos devemos ir um pouco mais longe
na afirmação da legitimidade do poder judicial. Os juízes deram um primeiro passo nesse sentido ao afirmarem entre as conclusões
do último congresso da classe, subordinado ao tema «Justiça e Opinião Pública» que “a prestação de um serviço público de Justiça
que responda com qualidade às pretensões dos cidadãos, passa por uma fundamentação clara, objectiva e acessível das decisões
judiciais”, em flagrante contraste com as conclusões repetidas até então em encontros semelhantes (VI conclusão - ed. especial da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses, consagrada ao VI Congresso dos Juízes Portugueses). Da vaga invocação de que o
poder judicial decorre da própria Constituição, tão repetidamente reivindicada em tempos anteriores, será indispensável continuar a
evoluir na concretização do próprio texto constitucional, materializando a fundamentação das decisões”. in Mouros, M. “A
fundamentação da decisão como discurso legitimador do poder judicial”. Comunicação ao congresso da justiça, 2003.
188 Eiras, H. “Processo penal elementar”. Lisboa, Quid Juris.
189 Gonçalves, L. “Código Processo Penal, anotado e comentado”. Coimbra, Almedina, 1999.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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juízes, muitas vezes corruptíveis ou mesmo ignorantes. O novo julgador que tem a
cargo o princípio da livre apreciação da prova, surge após a Revolução Francesa e as
reformas napoleónicas e sob a influência das ideias do Iluminismo. Apresenta-se como
um agente do Estado, com funções estruturadas e regulamentadas, em função do povo e
decide de forma neutra e responsável. Nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, o
princípio da livre apreciação da prova baseia-se então, em critérios de análise racional e
deve espelhar uma confiança no julgador através de uma aplicação lógica e
fundamentada da decisão190. Figueiredo Dias191 fala em discricionariedade na
apreciação da prova, em "liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a
chamada verdade material", enquanto que Cavaleiro de Ferreira192 descreve o princípio
da livre apreciação da prova em vinculação "aos princípios em que se consubstancia o
direito probatório, e às normas de experiência, de lógica, regras incontestáveis de
natureza científica, que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. O que se
exige é que haja uma fundamentação do julgador, como meio de convencimento das
partes, do público em geral, uma vez que logra no processo o princípio da publicidade, e
como forma da segunda jurisdição controlar e verificar a boa decisão da causa.
O processo penal atualmente tem uma estrutura essencialmente acusatória
integrada por um princípio da investigação do processo penal, o que obedece ao
comando constante da CRP baseado numa ideia de participação construtiva dos sujeitos
processuais na definição do direito a aplicar ao caso concreto193. Ou seja, não se trata de
um processo acusatório puro, porque nele são integrados elementos do processo
inquisitório. “Há uma distinção entre quem investiga e acusa e quem julga. Mas dá-se
sempre ao juiz a possibilidade de investigar. Por exemplo, na fase facultativa da
instrução, anterior ao julgamento, o juiz pode comprovar a decisão de acusação ou de
arquivamento tomada pelo MP. Nessa medida, para além de permitir que sejam
produzidas as provas que os sujeitos processuais desejam, ele também pode investigar
por iniciativa própria. Mas, para obedecer ao princípio da estrutura acusatória, o juiz de
190 Almeida, V. “ A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado”. RIDB, Ano I, nº5, 2012,
pp. 2497-2536.
191 Dias, F. “Direito Processual Penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1974, pp. 202-203.
192 Ferreira, M. “Curso de Processo Penal”. Lisboa, Danúbio, 1986, pp. 211-212.
193 “Trata-se do reconhecimento da sua participação constitutiva na declaração do direito do caso, no seio de uma estrutura
processual que garante a indispensável cisão entre a atividade investigadora (acusadora) e a julgadora”. Cit in Dias, F. “Os
princípios estruturantes do processo penal e a revisão de 1998 do Código Processo Penal”. RPC, ano 8, fascículo 2, p.203.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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instrução não pode julgar, pois ainda está numa fase preliminar, anterior ao
julgamento194”. É aqui patente um princípio do acusatório195, em que exige a um
arguido uma posição de igualdade de armas com os outros sujeitos processuais196. Posto
isto, o processo acusatório integrado por um princípio de investigação, é um processo
típico do Estado Social, material, próprio dos nossos dias, que procura o melhor de dois
tipos de processo.
Esta estrutura do tipo acusatória que encontrou o seu epicentro, na experiência
europeia, com a Revolução Francesa197, surge pela necessidade de confrontar os abusos
ou deficiências de um processo do tipo inquisitório e teve como modelo próximo o
sistema processual penal inglês. Este processo penal reformado de índole acusatória,
considerou-se favorável a um sistema de oralidade da audiência de julgamento,
permitindo o almejar de uma justa decisão198 e está “incindivelmente associada à
consagração dos princípios da publicidade, oralidade e imediação entendidos como
cânones essenciais de uma conceção processual sustentada numa distinta compreensão
da pessoa e dos seus direitos”199. O princípio da publicidade surge por oposição ao
caráter secreto do processo inquisitório, o que possibilitava aos cidadãos um controle
sobre a justiça e por conseguinte um aumento na sua confiança. Ligado a este princípio,
temos o princípio da oralidade sendo o seu corolário o princípio da imediação. Este
princípio permite “que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e
194 Cit in Monte, M & Loureiro, F. “Direito processual penal: roteiro de aulas”. Braga, AEDUM, 2012, p.61
195 Dá Mesquita entende que “o princípio do acusatório implica dois corolários neles se inserindo a separação do órgão que deduz a
acusação do órgão que julga e a garantia do direito do arguido a conhecer a acusação que lhe é imputada”. Direção do inquérito
penal e garantia judiciária, Coimbra, Coimbra editora, p.61.
196 Malafaia, J. “O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos actos de instrução e nas declarações para memória
futura”. Revista portuguesa de ciência criminal, ano 14, nº4, Coimbra, Coimbra editora, 2004.
197 “É com efeito no contexto cultural do Iluminismo, de que emergiu a Revolução Francesa, e como repulsa contra a crueldade e
arbítrio que caracterizaram o processo penal até então vigente, do tipo inquisitório, que para defesa dos direitos naturais do homem
se reclama toda uma nova estrutura processual penal assente na independência dos juízes, participação dos leigos no exercício da
função jurisdicional, publicidade, contraditoriedade e oralidade do julgamento”. Cit in Silva, G. “Do processo penal preliminar”.
Lisboa, editorial minerva, 1990, pp.66-67.
198 Dias, F. “Direito processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974.
199 “De facto, a implantação de um novo modelo processual constitui apenas uma das múltiplas projeções do mais amplo
movimento cultural de crítica e reforma das instituições que caracterizou o Iluminismo. A desumanidade dos tormentos, o “mistério
judiciário”, com os seus espaços ocultos de introspeção e segredo, conciliavam-se mal com a exaltação dos direitos naturais e
inalienáveis do Homem, fulcro de uma nova forma de entender a relação entre o cidadão e o Estado e, por isso, constituíam objeto
recorrente das críticas dos pensadores da época, como Voltaire, Montesquieu, Filangieri, Beccaria e Bentham”. Cit in Silva, S. “O
segredo de justiça no horizonte da reforma do CPP. Algumas considerações”. Coimbra, Coimbra editora, Ad Honorem 5, 2010, p.
1158.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 76 -
mais diretas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para
alcançar a verdade material através de um sistema de prova objetiva, atípica e da sua
valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material
probatório e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens200. O
princípio da prova livre é também consequência da intervenção popular na
administração da justiça.
Os princípios anteriormente mencionados, fruto de uma necessidade de reformar
o processo penal de índole inquisitório, surgiram com a passagem para um processo
penal do tipo acusatório e foram-se enraizando nos ordenamentos jurídicos
contemporâneos, também pela necessidade de uma maior confiança na justiça. Afinal
que evolução teve o Direito quanto ao tipo de processo até aos nossos dias?
Iniciando pela Idade Média, o teocentrismo201 dominava tanto o quotidiano e a
organização das sociedades europeias, assim como os processos judiciais. A lei não era
apenas um fenómeno minoritário, como também subordinado, ou seja, o mundo do
direito e da prática jurídica não era acessível à população no geral202. O sistema
dominante nesta época assentava-se em privilégios de classe feudal, uma justiça
desigual e patrimonial203. Nesta época a revelação era o principal meio de acesso à
verdade, uma vez que o medievalismo nutre-se de conhecimento mágico e de origem
divina, sendo Deus o supremo juiz dos Homens. Os ordálios204 e o duelo judicial205
eram então os meios de prova utilizados206. Este sistema de provas provinha de
influência germânica, e não carecia de uma distinção concreta entre questões de facto e
de direito. O momento de decidir se alguém devia, ou não, ser submetido a uma prova, e
200 Castanheira, N. “Sumários”, cit in 26 sgts Cavaleiro de Ferreira, Curso; Cit II 1981, 279 sgts; Manuel de Andrade, ob. Cit. 368.
201 Doutrina que considera Deus o fundamento de toda a ordem no mundo.
202 Hespanha, A. “Justiça e litigiosidade: história prospetiva”. Porto, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
203 A lei atuava à margem da sociedade, só aqueles que tinham riquezas e benefícios políticos, conseguiam aceder à justiça e assim
corrompe-la.
204 Os ordálios são relativos a uma multiplicidade de soluções de prova de origem germânica. Entre os mais comuns, destacam-se
as provas pelo e pela água.
205 O duelo judicial era assente num combate sancionado judicialmente. Tal como os ordálios, remete-se aos povos germânicos.
206 Calheiros, M. “Para uma teoria da prova”. Coimbra, Coimbra Editora, 2015.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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o momento em que está era executada, era a forma mais semelhante entre questões de
facto e de direito.
É na baixa Idade Média que surge o sistema de prova legal, o que substitui o
recurso aos ordálios207. A justiça nesta época é cada vez mais monopólio dos poderes
públicos, limitando-se ao âmbito da verdade formal (mais dirigida à descoberta da
verdade dos factos e menos formalista nos procedimentos adotados) e das sentenças
imotivadas, constituindo um sistema de justiça autoritária, opressiva e arbitrária. O
sistema de prova legal admite duas formas de prova:
O testemunho direto por duas pessoas credíveis;
A confissão.
No âmbito penal, o procedimento inquisitorial208 foi adotado, assim como um
sistema de prova legal ou tabelado. Neste sistema para mostrar a existência de um crime
bastava demonstrar a coincidência entre uma circunstância estabelecida na lei/ tabelada
e o que havia acontecido no caso concreto 209.
O legislador é então considerado omnisciente, uma vez que ele consegue
determinar à priori as circunstâncias que provam a prática de um crime, ou seja, o
legislador possui a virtualidade de conter a resposta adequada para qualquer questão
207
Para Lessona o princípio teve origem no procedimento bárbaro, tendo sido reforçado por máximas de direito canônico, que
procuravam reduzir ao máximo o arbítrio do julgador pela codificação de regras de experiência de há muito observadas e testadas,
em busca da verdade real
Lessona, C. “Teoria General de la Prueba en Derecho Civil”- Instituto Ed. Reus, Madrid, 1957.
208 “Não se ignora, de facto, que a salvaguarda de amplos sectores de segredo e ocultação na administração da justiça criminal é,
porventura, a nota mais marcante do modelo processual inquisitório, um modelo que os cultores do direito romano e canónico,
recuperando as antigas fórmulas da cognitio extraordinem da época pós-clássica e justinianeia, estudaram e divulgaram, a partir do
século XIII, em toda a Europa continental. Numa época em que o poder político se reforçava e centralizava na figura do monarca,
emergindo sobre os escombros de um sistema feudal politicamente atomizado, as técnicas processuais do Baixo-império romano
encontraram terreno fértil para florescer, difundindo-se mais tarde, amplamente, de mãos dadas com o absolutismo monárquico e
com o despotismo iluminado. Nos quadros desta compreensão, que eclipsava quaisquer escrúpulos sobre os limites morais em favor
da obtenção de uma verdade absoluta, o rito judiciário era secreto e escrito do princípio ao fim, reservando-se a publicidade apenas
para as etapas mais tardias da tramitação – em particular, o momento culminante da execução da pena, a que eram atribuídas
finalidades de emenda e intimidação dos demais pela contemplação do “macabro espendor dos suplícios””. Cit in Silva, S. “O
segredo de justiça no horizonte da reforma do Código de Processo Penal. Algumas reflexões”. Coimbra, Coimbra editora, Ad
Honorem 5, 2010.
209 Campos, L. “Acorrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem”. Dissertação de
Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2012.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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levada a juízo, subordinando-se a um conjunto de regras, pleno e estanque. Através da
prática acumulada da experiência judiciária quanto ao comportamento humano, era
possível estabelecer à priori este sistema de prova. Estamos perante um sistema que
constituía um limite à discricionariedade do julgador, prevalecendo a máxima da iuri
novit curia 210, ou seja, é obrigação dos juízes conhecer e aplicar a lei; e à fraca
possibilidade do direito de defesa do acusado. Este regime dos sistemas de prova legal
lega-nos uma sociedade dualista no que toca aos mecanismos de controlo jurídico-
público. Por um lado, vivia-se à sombra do direito oficial escrito, pois a preocupação
subordinava-se à segurança jurídica. Por outro lado, o sistema jurídico mantinha um
contacto tangencial com a sociedade 211.
Apesar da criação do sistema de prova legal na baixa Idade Média, tanto este
sistema como os ordálios tinham características mágicas ou arcaicas. Nos finais do
século XVIII e inícios do século XIX, devido à Revolução Francesa, ocorreram
transformações políticas, económicas e socais que se repercutiram também no direito,
sobretudo na supressão de jurisdições privilegiadas e no princípio da igualdade de todos
os cidadãos perante a lei e os tribunais 212. O sistema de prova legal foi substituído pelo
sistema de prova livre, derrubando a crença na omnisciência do legislador perante o
reconhecimento da multiplicidade de hipóteses que podem rodear um acontecimento
concreto 213. Este sistema tinha um caráter público, oral, imediato e concentrado,
consagrando o princípio da livre apreciação da prova. Este princípio insere-se num
processo com estrutura mista, inquisitório na fase da instrução e acusatório na fase de
julgamento, resultando num sistema probatório assente na íntima convicção do julgador
214, onde ele atua como um terceiro imparcial. Assim sendo, o julgamento passa a ser o
momento essencial para a formação da convicção do tribunal, vigorando também os
210 Vide Montesquieu, O Espírito das Leis, livro XI, cap. VI – os juízes da nação são apenas “la bouche qui prononce les paroles de
la loi”, e Cesare “Dos Delitos e das Penas” – “Quando as leis são claras e precisas e não obscuras ou escritas numa língua estranha,
a tarefa de um juiz não consiste em outra coisa se não em constatar um facto”. Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p.89
211 Hespanha, A. “Justiça e litigiosidade: história prospetiva”. Porto, Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
212 Almeida, V.“ A fundamentação das decisões judiciais no sistema do livre convencimento motivado”. RIDB, Ano I, nº5, 2012,
pp. 2497 a 2536.
213 Campos, L. “Acorrupção e a sua dificuldade probatória – o crime de recebimento indevido de vantagem”. Dissertação de
Mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2012.
214 No campo de ideias pode-se dizer que a livre convicção refletia o empirismo de Locke.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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princípios do contraditório, da oralidade e da imediação. De acordo com Taruffo
(2009)215 à íntima convicção está subjacente uma conceção irracionalista da decisão
judicial, na medida em que se trata de um processo psicológico interno do julgador para
avaliar um acontecimento concreto e decidir sobre ele. Este facto pode provar a
resistência que houve sobre o sistema de prova livre, no entanto acabou por ser
consagrada pela via legislativa nos principais direitos da Europa Continental.
Com esta análise sobre a evolução dos sistemas de prova, podemos verificar que
o Direito foi constantemente modificando para atender às necessidades das várias
sociedades e à própria evolução que essas sociedades iam atingindo. Embora houvesse
sempre resistências sobre as transformações operadas, eram fulcrais para atender às
carências e colmatar falhas que o próprio Direito padecia. A história mostra-nos a
necessidade de evoluir para uma correta aplicação da justiça.
3.1.O juiz e a imediação: uma aliança histórica
Como vimos na análise ao princípio da imediação e da livre apreciação da prova,
estes surgiram com a necessidade de uma reforma ao antigo sistema de prova legal. Era
essencial uma confiança nos juízes e uma aproximação da justiça ao povo. O princípio
da livre apreciação da prova é um princípio inerente ao julgador, em virtude da sua
convicção e experiência e da valoração das provas, este chega a um veredito e
determina uma sentença. Claro está, que este veredito assume-se na verosimilhança e
não numa verdade absoluta.
O código de 1929216 não previa a fundamentação da matéria de facto, apenas se
especificava quais os factos provados e não provados. Com a vigência do CPP de 1987
é que surge a obrigatoriedade da fundamentação de facto, ligando-se a uma conceção
democrática do sistema processual. Há portanto uma necessidade da comprovação dos
factos, implicando uma apreciação de todas as versões apresentadas, explicação do seu
crédito ou descrédito, análise de todas as provas, inclusive as irrelevantes. Muito
215
Autor cit in Calheiros, M. “Para uma teoria da prova”. Coimbra, Coimbra Editora, 2015.
216 6º governo liderado por Artur Ivens Ferraz.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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embora tenha havido uma evolução no sentido de fundamentação dos factos, ainda há
certas questões relativas à fundamentação que passam sem qualquer explicação. Por
exemplo e de acordo com alguma jurisprudência, a omissão de apreciação de
determinada prova no exame crítico significa que ela afigurou irrelevante217. A
convicção que não consegue ser explicada, não pode e nem deve vingar no fundamento
da matéria de facto, uma vez que o juiz não tem poderes extra-sensoriais para encarar
uma prova como irrelevante sem justificá-la.
Ainda há um certo misticismo quanto à figura o julgador, encarado como uma
entidade mágica capaz de chegar a uma decisão através da sua intuição. Esta
caracterização ainda denota alguma persistência, daí que o princípio da imediação e
tudo o que o envolve permanece constante no processo penal, sobrepondo-se em certa
medida à realização da justiça em tempo útil, permanente nos receios da Constituição.
Nas palavras de Cunha Rodrigues, este refere que o mundo judicial está envolto em
discursos técnicos e eruditos e fórmulas comunicacionais de baixa intensidade, apelando
à necessidade de pensar a fundamentação da decisão judicial como elemento de
construção de legitimação, e por conseguinte dar a conhecer ao povo, a quem a justiça
serve, os métodos de formação da decisão através de um discurso claro, com uma base
argumentativa dirigida não só às partes mas também ao público em geral. De acordo
com Calheiros218 ainda sobre a decisão judicial “…ela deve mostrar, sob o ponto de
vista racional, uma decisão correta, possível, adequada ao ordenamento jurídico e ao
contributo efetivo que as partes deram para o delinear do caminho que conduziu até
ela”, ou seja, “o que é importante é que a decisão apareça como ato de autoridade
discricionário, não arbitrário”.
i.) As regras de experiência
O princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do CPP, rege-se
em função das regras de vida, da experiência e de acordo com a livre convicção do
217
Brito “Livre apreciação da prova e prova indirecta”. Curso de temas de Direito Penal e de Processo Penal, CEJ, 2013, p.2.
218 Calheiros, M. “Para uma teoria da prova”. Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p.198.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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julgador, aplicadas sempre ao caso em concreto. Após a colheita das provas e segundo
uma análise racional por parte do julgador, este através das impressões decorrentes das
provas e pelas máximas de experiência219 tira as suas conclusões e fundamenta-as. No
domínio deste princípio, Castro Mendes220 considera que a certeza absoluta sobre os
factos ocorridos é quase inatingível ao conhecimento humano, o julgador assenta a sua
decisão em juízos de probabilidade e verosimilhança. A crença na omnisciência do
julgador perde poder, uma vez que perante o reconhecimento da multiplicidade de
hipóteses que podem rodear um caso concreto, o juiz subordina-se a uma reconstrução
racional do acontecimento levado a tribunal. Ao julgador cabe então um papel de
averiguação da verdade dos factos passados, a partir de um conjunto de meios, ou
indícios, ou provas, que indiretamente deduz uma decisão.221 Podendo atribuir-se ao
juiz um papel de historiador, na medida em que reconstrói um facto individual que ele
mesmo não percecionou, ou seja, há a necessidade de uma pesquisa histórica dos
acontecimentos pretéritos. Como diz Paolo Tonini222, este papel de historiador cabe-lhe
“expressar aquilo que acontece na maioria dos casos”, sendo “extraído de casos
similares”, gerando “um juízo de probabilidade”, de um “idêntico comportamento
humano”, devendo o juiz formular “um raciocínio indutivo” e sucessivamente
“dedutivo”.
Assim sendo, e nas palavras de Paulo Sousa Mendes 223 “as regras de
experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que
desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de
experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas
na experiência de vida”. “Então, elas ficam sujeitas à livre apreciação do juiz”. E é no
julgamento que o princípio da livre apreciação da prova encontra o seu exponente
máximo. Face as todas as provas que são trazidas a audiência de julgamento (prova oral
e prova documentada) que o tribunal forma a sua convicção e deduz uma decisão, uma
219
De acordo com Carlo Furno “as máxima de experiência permitem ao julgador avançar no terreno probatório, deduzindo um
facto de outro, valendo-se da sua própria experiência de vida, das provas legalmente fixadas e nos critérios da uniformidade e
normalidade”, 1940, pp. 153-154.
220 Do conceito de prova em processo civil. Lisboa, 1961, pp. 321-327.
221 O julgador não esteve presente no momento da ocorrência do facto.
222 Tonini cit in Acórdão do TRP de 13-04-2011.
223 Paulo de Sousa Mendes. A prova penal e as regras de experiência, estudos em homenagem ao professor Figueiredo Dias III, pp.
1011.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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vez que é no momento do julgamento que há um contato imediato com os elementos de
prova, permitindo ao julgador aferir uma conclusão com base nas regras de experiência
comum, emitindo juízos sobre aquilo que apreendeu.
O princípio da livre apreciação da prova manifesta-se com o princípio da
imediação, e são princípios históricos e basilares do processo penal e que se sobrepõem
a princípios como o da celeridade processual. No entanto, é importante ter em conta que
a lógica resultante das regras da experiência comum não pode valer só por si. Ora veja-
se o acórdão do TRC de 15 de maio de 2013. 224Este acórdão relata a condenação da
arguida com base nas regras de experiência comum. Tratava-se de um crime de
denúncia caluniosa. Um casal estava acusado de ter participado à OA contra o seu
advogado, imputando-lhe falsamente que este transigira num processo contra as
instruções que lhe haviam sido dadas pelo casal arguido. A mulher arguida havia
acompanhado o marido nas consultas ao escritório do advogado, e estando a denúncia à
OA assinada por ambos, e considerando o juiz que o normal225 era o assunto ter sido
discutido entre o casal, a primeira instância condenara também a mulher. O TRC
considerou que “as declarações da arguida em audiência oferecem-se como
pungentemente credíveis, traduzindo o depoimento duma mulher que se limita a fazer
aquilo que o marido lhe diz para fazer, sem grandes perguntas, dúvidas ou hesitações”.
Aqui encontrámos um caso em que a realidade do quotidiano desmente muitas vezes os
padrões da normalidade e que as regras de experiência de vida devem encontrar um
limite e devem ser aplicadas com precaução. As regras de experiência são “argumentos
que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer,
já se sabendo porém que o caso particular pode ficar fora do caso típico. O juiz não
pode, pois, confiar nas regras de experiência mais do que na própria averiguação do real
concreto, sob pena de voltar, de forma encapotada, ao velho sistema da prova legal, o
qual se baseava, afinal de contas, em meras ficções de prova. Em última análise, a prova
é particularística, sempre”. 226O que se pretende é que o julgador ao proferir uma
decisão, tenha alcançado a decisão por duas variáveis cumulativas 227:
224
Este e outros acórdãos aqui citados estão disponíveis em www.dgsi.pt.
225 De acordo com as regras de experiência de vida.
226 Paulo de Sousa Mendes, Idem, pp. 1011.
227 Neves, G. “Valoração da prova e livre convicção do juiz”. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 401, 2004.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Da demonstração da realidade, o que se faz por meio das provas
produzidas, atuando o princípio da investigação;
Do processo meramente intelectivo de apreciação e valoração dessas
provas e das produzidas oralmente.
Em suma, o princípio da livre apreciação da prova deve ser aplicado com
prudência e deve ter em conta a apreciação esgotante de todos os meios de prova
trazidos a tribunal. É um princípio que não deve ser visto como absoluto e estacionário,
deve atender à evolução da ciência228 e da própria sociedade. O direito tem o dever de
estar em sintonia com a evolução.
3.2. A oralidade em consonância com a imediação
O princípio da oralidade é um princípio operativo no sistema processual, pois há
a necessidade de este princípio estar presente para fazer atuar outros princípios, tais
como o da imediação, da publicidade, do contraditório, entre outros. É um princípio
com dupla vertente:
Aplicação direta e imediata;
Matriz de outros princípios processuais.
Nas palavras de Figueiredo Dias229 “Quando se fala da “oralidade” como
princípio geral do processo penal tem-se em vista a forma oral de atingir a decisão. O
processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na
base de atos processuais quando foram produzidos por escrito (atas, protocolos, etc);
será pelo contrário dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida
com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar. É exatamente
isto – mas só isto – que com o princípio da oralidade se quer significar”
228
A ciência tem um contributo fundamental na prossecução da verdade material.
229 Obra citada p.120
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Mauro Capelletti aborda o princípio da oralidade na sua génese histórica,
fazendo-nos compreender como surge este princípio na evolução do direito, 230 “O
sistema da oralidade, aplicado no terreno das provas, e em particular nas provas a serem
constituídas, assinala o momento do ingresso, também no mundo do juízo jurisdicional,
daquele diverso método de raciocínio, que, originado na passagem do Medievo ao
Renascimento, e estando sublinhado por nomes como Galileo Galilei e Bacon, o
fundador da escola experimental moderna, e de tantos outros pensadores e homens da
ciência, encontra-se hoje, sem dúvida, na base do conceito do juízo em geral. Este deve
estar fundamentado, não em apriorismos escolásticos, nem em simples abstrações, mas
sobre a análise fenomenológica e experimental da realidade, tal como essa se manifesta
à observação. É certo que este método implica uma renovada confiança no homem e,
assim, naquilo que aqui particularmente nos interessa, no homem-juiz, nas capacidades
de objetiva observação e de análise serena e imparcial dos dados observados. As rígidas
tarifas matemáticas de valoração das provas – testis unus testis nullus, etc, eram,
certamente, de mais fácil aprendizagem e aplicação do que o critério do livre
convencimento fundado na integral análise e valoração do fenómeno observado. No
primeiro caso, ao juiz bastava levar em conta apenas uma ou algumas das manifestações
daquele dado: por exemplo, o número de testemunhas, seu nível social, seu sexo et
similia. Na segunda hipótese, ao contrário, as manifestações a serem valoradas podem
ser infinitas, nem podem ser aprioristicamente indicadas e “pesadas” pela lei”.
Nesta reflexão ao princípio da oralidade proposta por Mauro Capelletti,
deparamo-nos com a necessidade que o Direito teve em incluir no seu sistema de prova,
o princípio da livre apreciação da prova, para renovar a confiança no juiz que até à data
da abolição do sistema de prova legal, não havia. É um princípio que deixa de ser
tarifado e de aplicação mais rigorosa. O papel do juiz é decidir através das provas
levadas a tribunal e com as suas regras de experiência comum, proferir uma decisão
concreta ao caso. O juiz tem um papel importante e que se deve aliar a outras ciências
para chegar a uma decisão mais acertada, claro que assente sempre na verosimilhança e
nunca numa verdade absoluta. Coloco outra vez a mesma questão, não seria mais
benéfico o juiz visualizar/ ouvir as provas que foram prestadas em sede de julgamento,
por forma a avivar a memória deste? Continuo a acreditar e de acordo com o que a
Psicologia nos mostrou, que a visualização/ audição traria mais vantagens para o juiz e
230 Mauro Capelletti “O valor actual do princípio da oralidade”
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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apreciaria a prova sem condenar o princípio a que é sujeito, o princípio da livre
apreciação da prova.
O princípio da oralidade231 é um princípio enraizado no nosso Direito, por força
da necessidade de renovar a confiança no homem-juiz, e tal como este princípio, o
princípio da imediação surge em consequência desta necessidade. Para fazer atuar o
princípio da imediação, é necessário que haja direto e imediato entre o julgador e as
pessoas cujas declarações irá valorar. Posto isto, inextricavelmente ligado ao princípio
da oralidade deparamos com o princípio da imediação232, “por toda a parte se considera
hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos
mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na
realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido
predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta
possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se
tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só
estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o
arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por
outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações
prestadas pelos participantes processuais233”. O princípio da oralidade e o princípio da
imediação234 são basilares ao processo penal e necessários para fazer atuar o princípio
da livre apreciação da prova, que surgiu numa evolução histórica do Direito, e que
devem ser mantidos para a boa segurança jurídica e a tutela dos bens jurídicos. Pois, é
para os cidadãos que a justiça deve ser feita, e daí a necessidade dos cidadãos poderem
fazer atuar o princípio do contraditório e o princípio da publicidade.
O legislador teve a necessidade, nos termos do artigo 328º nº6 do CPP, implicar
a perda de eficácia da prova produzida quando o adiamento da audiência de julgamento
231 A oralidade é a mais comum e mais antiga forma de comunicação conhecida entre as pessoas, utilizada, inclusive, por aquelas
que dominam a arte da escrita.
232 Relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo.
233 Professor Figueiredo Dias “Direito Processual Penal” Coimbra, Coimbra Editora, 1974, pp.233- 234.
234 “A imediação se confunde em absoluto com a própria oralidade. Sem negar que os dois princípios se cobrem na maior parte da
sua aplicação, aquela aparência não corresponde inteiramente à realidade. Se, por exemplo, as declarações prestadas pelo arguido ou
pelas testemunhas se subordinam aos dois princípios, já a exibição de objetos apreendidos ou de documentos (v.g. para efeitos do
art. 426º do CPP) preenche requisitos da imediação mas não da oralidade”. Cit in Dias, F. “Direito Processual Penal”. Coimbra,
Coimbra editora, 1974, pp.232-233.
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exceder os trinta dias, independentemente da existência de documentação a que alude o
artigo 363º do mesmo diploma. Segundo o legislador, o princípio da oralidade e o
princípio da imediação deixam de produzir os seus efeitos no julgador, na medida em
que passados trinta dias após o adiamento da audiência de julgamento, o julgador já não
tem presente na sua memória as declarações que foram prestadas oralmente nem a
dinâmica das mesmas. O que o impossibilita aplicar de forma segura o princípio da livre
apreciação da prova sem comprometer a veracidade da sua memória.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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4. As limitações ao princípio da imediação: o aproveitamento probatório
das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento
O princípio da imediação235, como já foi referenciado anteriormente, pressupõe
que haja um contacto direto/ imediato entre os elementos de prova trazidos a tribunal e
o juiz, e encontra a sua maior incidência na audiência de julgamento. Postula ainda que
“a decisão jurisdicional apenas pode ser proferida por um juiz que tenha assistido à
produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa236”. A regra do
princípio da imediação é a do artigo 355º do CPP, uma vez que, constitui a sede deste
mesmo princípio. Este artigo no seu nº1 diz-nos que “não valem em julgamento,
nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que
não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. No CPP de 1929 não havia
qualquer correspondência a este artigo, apenas no artigo 464º237 era possível retirar
alguma similaridade. O artigo 355º238 do CPP “concretiza um dos princípios
(constitucionais) enformadores do nosso processo penal, o princípio do contraditório
(artigo 32º nº5 da CRP), realizando-o aqui através da imediação e oralidade na produção
235
Apesar de não se encontrar expressamente previsto no código, o princípio da imediação pode extrair-se dos artigos 128º nº1,
129º, 130º, 140º nº2, 145º nº3, 302º, nº3, e sobretudo, do artigo 355º. Relativamente ao artigo 129º, existe a seguinte jurisprudência
do Acórdão do TRL de 17-04-2008, Proc. nº2677/2008: “I- o artigo 129º, nº1, ao mesmo tempo que admite o testemunho de ouvi
dizer, impõe que as pessoas referenciadas nesse depoimento sejam, elas próprias, chamadas a depor. E, desse modo, garante a
imediação e possibilita a cross-examination; II- desse modo, não viola o princípio da estrutura acusatória do processo, nem o da
imediação, nem a regra do contraditório”.
236 Cit in Cruz, A. “A revisão de 2013 ao código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”. Revista
da Ordem dos Advogados, Lisboa, outubro-dezembro, 2013, p.1140.
237 O artigo 464º do CPP de 1929 “previa a possibilidade de leitura em audiência dos documentos juntos aos autos sempre que
necessária para o esclarecimento da causa desde que a acusação ou a defesa o requeressem ou o tribunal o ordenasse oficiosamente”.
Cit in Magistrados do Ministério Público do distrito Judicial do Porto “Código de processo penal: comentários e notas práticas”.
Coimbra, Coimbra editora, 2009, p.888.
238 “Esta disposição é a sede do princípio da imediação no processo penal português. São inutilizáveis as provas que não tiverem
sido produzidas em audiência. Ela é completada pelas duas disposições excecionais seguintes, onde se ressalvam as provas contidas
em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição são permitidas. Desta forma, estas disposições permitem a valoração da
prova prévia ao julgamento para efeito de formação da convicção do tribunal e não apenas para comprovar a veracidade das
declarações prestadas na audiência de julgamento. O princípio da imediação não é apenas uma garantia da defesa, mas uma garanta
da própria sentença. Por isso ele protege quer o arguido quer o assistente”. Cit in Albuquerque, P. “Comentário ao código de
processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade
Católica editora, 2ª edição, 2011, p.914.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 88 -
de prova”239. Isto é, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório co-
envolvem a ideia de igualdade dos sujeitos processuais na audiência de julgamento, o
que permite ao julgador formar uma convicção240 mais robusta. Reiterando, a regra do
princípio da imediação traduz-se na norma do artigo 355º nº1 do CPP. A proibição da
valoração das provas produzidas à priori do julgamento está em conformidade com a
estrutura acusatória, integrada por um princípio de investigação do processo penal
português241. É a CRP, através do artigo 32º, nº5 que prevê esta estrutura do processo e
que “determina, por conseguinte, a separação da entidade que acusa da entidade que
julga, para garantia da imparcialidade do julgador” e, para valorar, princípios
fundamentais ao processo penal.
4.1.As exceções ao princípio da imediação/ norma do artigo 355º do CPP
As exceções à norma do artigo 355º revelam-se em situações específicas
delimitadas nos artigos 271º (declarações para memória futura), 333º (falta e julgamento
na ausência do arguido notificado para a audiência), 334º (audiência na ausência do
arguido em casos especiais e de notificação edital), 356º (reprodução ou leitura
permitidas de autos e declarações) e 357º (reprodução ou leitura permitidas de
declarações do arguido)242. O nº2 do artigo 355º também pode ser considerado uma
239 Cit in Magistrados do Ministério Público do distrito Judicial do Porto “Código de processo penal: comentários e notas
práticas”. Coimbra, Coimbra editora, 2009, p.888.
240 “Para formar a sua convicção, o tribunal apenas poderá utilizar as provas que tenham sido produzidas ou examinadas em
audiência de julgamento, momento nuclear e central do processo, em que, estando presentes – ou podendo estar – todos os
intervenientes processuais, são discutidos os factos e esgrimidos os argumentos jurídicos, sempre no pressuposto basilar da
imediação e da oralidade”. Cit in Magistrados do Ministério Público do distrito Judicial do Porto “Código de processo penal:
comentários e notas práticas”. Coimbra, Coimbra editora, 2009, pp.888 – 889.
241 É possível estabelecer um termo de comparação deste modelo com “o surgimento do processo reformado ou napoleónico, com
o Code d’Instruction Criminelle francês de 1808 e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1811, tendo vigorado durante 150 anos,
ano em que deu lugar ao Code de Procédure Pénale. A estrutura do modelo misto era acusatória mas o processo estava dividido em
duas fases – a instrução e o julgamento. A fase de instrução era dirigida por um magistrado especializado (juge d’instruction),
enquanto a titularidade da ação penal incumbia a um oficial do poder executivo (procureur de la république). De feição inquisitória,
a instrução era escrita, secreta e não contraditória. A fase de julgamento organizava-se de acordo com o modelo acusatório”. Cit in
Cruz, A. “A revisão de 2013 ao código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”. Revista da Ordem
dos Advogados, Lisboa, outubro-dezembro, 2013, p.1143.
242 Carvalho, P. “Manual Prático de processo penal”. Coimbra, Almedina, 7ª edição, 2013, p.28.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 89 -
exceção. Aqui deparamo-nos com as limitações ao princípio da imediação. Com a
entrada em vigor da Lei nº48/2007, de 29 de agosto, agora é possível a leitura,
visualização e audição das provas, de acordo com o preceito nº2 do artigo 355º do CPP.
O legislador ao atualizar este artigo focou-se em dois propósitos explícitos. “Por um
lado, o legislador quis atualizar as disposições dos artigos 356º e 357º de acordo com os
novos meios técnicos de gravação, pois os atos processuais do inquérito são
frequentemente gravados (artigo 275º) e os atos processuais da instrução (artigo 276º) e
da fase de julgamento anterior à audiência (artigo 318º nº7, 319º nº2 e 320º nº2) devem
ser gravados e podem ser vistos ou ouvidos na audiência. Por outro lado, o legislador
quis permitir que os autos da acareação, do reconhecimento e da reconstituição sejam
vistos ou ouvidos na audiência somente nos termos estritos previstos pelos artigos 356º
e 357º. Isto é, ficam proibidas as visualizações ou audições de atos processuais
anteriores à audiência em quaisquer outras circunstâncias (artigos 356º nº8 e 357º nº2).
O efeito prático imediato visado é o de pôr cobro à fraude ao princípio da imediação em
que se tinham transformado as diligências de reconstituição realizadas no inquérito e
aproveitadas na audiência sem quaisquer restrições243”. Esta observação quanto à
visualização ou audição a que se refere o nº2 do artigo 355º dá lugar à seguinte reflexão:
tendo o legislador fixado jurisprudência no sentido da preclusão da prova (Acórdão do
STJ de 29 de outubro de 2008), caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os
trinta dias com sujeição ao princípio da imediação, o Acórdão refere que estes trinta
dias são baseados na contribuição da ciência como limite inultrapassável para manter
viva as informações codificadas. No entanto, e sendo o prazo máximo de duração do
inquérito244 entre seis a oito meses, é permitida a reprodução ou leitura de declarações
anteriormente prestadas perante autoridade judiciária na parte necessária ao avivamento
da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos (artigo 356º
nº3 a) do CPP). Neste caso em concreto já é possível utilizar as gravações para avivar a
memória dos sujeitos processuais, mesmo que tenha passado mais de trinta dias, mas o
julgador não pode fazer uso das gravações realizadas na audiência quando a mesma
tenha sido adiada por mais de trinta dias. Sendo os sujeitos processuais a base para a
243 Cit in Albuquerque, P. “Comentário ao código de processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica editora, 2ª edição, 2011, p.914.
244 Artigo 276º nº1 do CPP “O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos
de 6 meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de 8 meses, se os não houver”.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 90 -
boa decisão da causa e o convencimento do julgador, seria de esperar que houvesse uma
concordância normativa e doutrinária.
Chegados aqui, antes de abordar o tema fulcral deste ponto “o aproveitamento
probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”, importa
fazer uma breve análise ao princípio do contraditório.
i) O princípio do contraditório
Do artigo 355º do CPP é possível dele extrair o princípio do contraditório, uma
vez que, não valem em julgamento quaisquer provas que não tiverem sido produzidas
ou examinadas em audiência. O princípio do contraditório ou da contraditoriedade está
consagrado constitucionalmente no artigo 32º nº5 da CRP e consiste “para além do
direito à defesa, no direito de contradizer ou de pronunciar sobre as alegações, as
iniciativas, os atos ou quaisquer atitudes processuais da autoria do(s) outro(s) sujeito(s)
processual(ais). Para que o juiz possa decidir, por força do princípio do contraditório245,
essa decisão só pode ser proferida após ouvir todo aquele participante processual – o
arguido, mas também o defensor, o assistente, a testemunha, o perito – relativamente ao
qual deve tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete246”.
Este princípio ganha a sua amplitude na fase de julgamento, porque aqui tem de
haver um contraditório assumido, moldando a estruturação da audiência de julgamento,
e dos atos instrutórios e de recurso que a lei determinar247. Com este princípio “cada
uma das partes dispõe da oportunidade de oferecer as suas provas, controlar e
influenciar os resultados das provas oferecidas pela contraparte248”, implicando
obrigatoriamente que as provas têm de ser produzidas ou examinadas em audiência e
245
“O princípio do contraditório – outra trave essencial do processo penal português… - traduz-se na possibilidade que cada um
dos sujeitos processuais tem de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar aquelas que
o possam afetar e de discutir o valor e as suas consequências de um e de outros”. Cit in Gaspar, J. “Titularidade da investigação
criminal e posição jurídica do arguido”. Revista do Ministério Público, 1987-1988, p.9.
246 Cit in Malafaia, J. “O acusatório e o contraditório nas declarações prestadas nos atos de instrução e nas declarações para
memória futura”. Revista de Ciência criminal, ano 14, nº4, outubro-dezembro, 2004, p.516-517.
247 Conforme dispõem os artigos 32º nº5 da CRP e 321º, 327º, 355º, 360º, 423º e 298º, todos do CPP.
248 Cit in Cruz, A. “A revisão de 2013 ao código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”. Revista
da Ordem dos Advogados, Lisboa, outubro-dezembro, 2013, p.1142.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 91 -
não serve para convicção do tribunal aquelas que não forem discutidas em audiência
(vemos aqui o exponente máximo deste princípio249). A consagração deste princípio
insere-se numa estrutura acusatória onde se dá ênfase ao reconhecimento da igualdade
de armas no processo e como bem refere Damião da Cunha “não poderá existir
verdadeiro contraditório quando não verifique a mesma possibilidade de o exercer250”.
Mas nem sempre este princípio esteve presente na estrutura do processo penal
português. Vejamos a evolução da estrutura do processo penal e quando surge em pleno
o princípio do contraditório.
Após a Revolução Francesa, no final do século XIX, o processo de estrutura
mista vigorou em Portugal durante o Estado Novo e é patente no CPP de 1929. Era
considerado misto, porque se baseava no princípio da acusação, competente ao
Ministério Público e ao juiz do julgamento. No entanto, O MP “não passava de uma
espécie de ordenança do juiz, pois apenas cumpria a ordem do juiz no sentido de acusar
ou não. Daí que este processo acabe por ser um embuste, tratando-se de um processo
inquisitório camuflado251”. Só em 1945, através do D.L. 35.007, de 13 de outubro,
preparado por Cavaleiro de Ferreira252, é que se começaram a sentir algumas
modificações no processo penal, embora não fossem suficientes para alterar a essência
de um processo de estrutura inquisitória mitigada253.
Relativamente às declarações prestadas anteriormente à fase de julgamento, o
CPP de 1929 previa-as nos seus artigos 438º e 439º. O artigo 438º regulava a leitura do
249
“O TC concluiu que o conteúdo essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite em
audiência nem nenhuma decisão deve aí ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada uma ampla e efetiva
possibilidade ao sujeito processual contra o qual ela é dirigida de a discutir, contestar e valorar e, no caso concreto, o tribunal
considerou que o arguido teve oportunidade de contestar todos os factos constantes dos documentos em questão, de modo que a
leitura em audiência dos documentos em nada acrescentaria às oportunidades de defesa do arguido”. Cit in Acórdão TC 87/99, Proc.
nº444/98.
250 Cit in Cunha, D. “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento (artigos 356º e 357º do código de
processo penal)”. Revista Portuguesa de ciência criminal, ano 7, fasc.3, julho-setembro, 1997, p.406.
251 Cit in Monte, M. & Loureiro, F. “Direito processual penal: roteiro de aulas”. Braga, AEDUM, 2012, p.60.
252 À época Ministro da Justiça entre 1944 e 1954.
253 “O D.L. 35.007, preparado por Cavaleiro de Ferreira, adotou, em virtude da atribuição da fase de instrução ao Ministério
Público, o princípio acusatório. Após a fase de instrução preparatória da competência do Ministério Público, seguia-se uma fase de
instrução contraditória da competência de um juiz e que era obrigatória nos processos de querela”; “E mesmo quando em 1945 se
retira a competência ao juiz de efetuar a instrução preparatória e se entrega ao Ministério Público, recuperando uma estrutura mais
acusatória, a verdade é que existia uma clara “governamentalização” do Ministério Público, com graves deficiências no direito de
defesa, pelo que na prática existia um processo do tipo inquisitório”. Cit in Monte, M. & Loureiro, F. “Direito processual penal:
roteiro de aulas”. Braga, AEDUM, 2012, pp.60-61.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 92 -
depoimento prestado na fase de instrução por testemunhas que compareciam ao
julgamento e ditava o seguinte “não serão lidas às testemunhas os seus depoimentos
escritos na instrução, salvo depois de elas haverem deposto, a fim de esclarecerem ou
completarem os depoimentos prestados na audiência de julgamento”. O artigo seguinte
regulava a matéria das declarações prestadas numa fase anterior ao julgamento pelas
testemunhas e que estas não pudessem comparecer à audiência de julgamento. O artigo
previa a autorização da leitura de depoimentos anteriormente prestados se estivessem
redigidos nos autos e sempre que o autor daqueles depoimentos ou o tribunal o
requeresse. Era vigente no código um sistema de transmissibilidade probatória das
declarações anteriores ao julgamento quanto aos depoimentos de testemunhas que não
comparecessem na audiência de julgamento254. Posteriormente, através da Resolução
nº146-A/81255 do Conselho da Revolução, o artigo 439º do CPP de 1929 viria a ser
declarado inconstitucional por violar o artigo 32º nº1 da CRP, pois permitia a
reprodução das declarações prestadas pelas testemunhas anteriores à fase de julgamento,
quando estas não comparecessem à audiência o que impossibilitava ao arguido o uso do
contraditório. Este princípio256 surge como imperativo no processo penal português no
momento em que nasce a CRP em 1976. Pelo D.L. 185/82, de 31 de maio e da Lei 2/72,
de 10 de maio em 1972, são introduzidas mais alterações ao CPP português,
aproximando-o a uma estrutura acusatória. No entanto, só em 1976, com o nascimento
da CRP e com o surgir do CPP de 1987, é que o processo penal ganha uma verdadeira
estrutura acusatória, mitigado por um princípio de investigação.
254
Na vigência do CPP de 1929, era entendimento corrente na doutrina que as testemunhas não detinham o direito de impedir a
valoração probatória das declarações anteriormente prestadas: “a testemunha pode exonerar-se do encargo de depor, mas não tem o
direito de se não atender ao que disse, não tem o direito de anular o seu depoimento”. Cit in Osório, L. “Comentário ao código de
processo penal português”. Coimbra, Coimbra editora, Volume V, 1933, p.169.
255 “O parecer de 1981, relatado por Figueiredo Dias, não deixou de ater-se a referências à Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, designadamente a alínea d) do nº3 do artigo 6º. Como nota Paulo Dá Mesquita, no texto do parecer é adotada uma visão
moderada do imperativo constitucional do contraditório no julgamento criminal, complementada com uma perspetiva do princípio
da imediação que impõe que o juiz tome um contacto imediato com os elementos de prova”. Cit in Cruz, A. “A revisão de 2013 ao
código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”. Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa,
outubro-dezembro, 2013, p.1147.
256 “Para que se garanta, tal como está previsto no artigo 32º, nº5 da CRP, que todo o processo, sempre que possível, decorra de
acordo com o princípio do contraditório, isto é, que os sujeitos tenham direito de se oporem ao que foi dito pelo outro sujeito
processual”. Cit in Mário, M. & Loureiro, F. “Direito processual penal: roteiro de aulas”. Braga, AEDUM, 2012, p.154.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 93 -
O CPP de 1987257 tem na sua essência o respeito pela liberdade de determinação
do arguido, o direito ao silêncio é a expressão maior desse respeito, e é considerado uma
notável obra de legislação pela generalidade dos operadores de justiça. No que toca ao
regime das declarações prestadas em fase anterior à audiência de julgamento, a matéria
encontrava-se regulada nos artigos 356º e 357º, em moldes similares ao regime previsto
na Revisão de 2007258. Mas o que importa a este ponto concreto do trabalho é o regime
das declarações prestadas pelo arguido numa fase anterior à audiência de julgamento,
previsto no artigo 357º do CPP. No que respeita a este artigo, a diferença que é possível
encontrar entre o CPP de 1987 e o regime de 2007 é a supressão de dois requisitos
presentes na versão de 1987 – que as contradições ou discrepâncias fossem “sensíveis”
e não pudessem ser esclarecidas de outro modo. A redação do artigo 357ç nº1 alínea b)
de 2007 era a seguinte: “a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é
permitida: quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou
discrepâncias entre elas e as feitas em audiência”. Em consonância com as alterações do
artigo 356º, nos números 8 e 9, o artigo 357º nº2 foi alterado pela Revisão de 2007,
passando a dispor que é “…correspondentemente aplicável o disposto nos números 7 a
9 do artigo anterior”. O artigo 357º estabelece que a leitura de declarações anteriores do
arguido só é permitida quando a mesma for por este solicitada, seja qual for a entidade
perante a qual foram prestadas ou quando houver contradições ou discrepâncias entre
aquelas declarações e as prestadas em audiência, desde que as anteriores declarações
tenham sido prestadas perante o juiz259. Este artigo é compreensível na medida em que
“as chamadas “provas repetíveis”, quando realizadas numa fase inquisitória do processo
em que, por definição, falha o contraditório, não podem ser valoradas no julgamento,
carecendo de ser renovadas ou produzidas de novo nesta fase perante o juiz, que deve
257
“O CPP de 1987 corporiza as garantias constitucionais, interpretadas à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH) e da jurisprudência do TEDH. Por essa via, esta também associado à prerrogativa contra a autoincriminação (privilegie
against self-incrimination) da tradição anglo-americana, que abrange o direito ao silêncio”. Cit In Mendes, P. “A questão do
aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”. AAVV, Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, Coimbra editora, p.1382.
258 Décima quinta alteração ao CPP.
259 “Da conjugação das alíneas da norma em análise resulta com evidência que o pressuposto de admissibilidade de leitura das
anteriores declarações é, em primeiro lugar, que o arguido tenha renunciado, em audiência de julgamento, ao seu direito ao
silêncio”. Cit in Cruz, A. “A revisão de 2013 ao código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”.
Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, outubro-dezembro, 2013, p.1175.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 94 -
poder formar a sua convicção independentemente da investigação criminal, e perante a
acusação e a defesa, que devem estar em situação de igualdade de armas260”.
Importa relembrar que o artigo 355ºº do CPP também sofreu uma alteração pela
revisão do CPP de 2007 no seu nº2 “…as provas contidas em atos processuais cuja
leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos números
seguintes.
ii) A lei nº20/2013, de 21 de fevereiro: o aproveitamento das declarações do
arguido prestadas numa fase anterior ao julgamento
A Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro, procede à vigésima alteração ao CPP
aprovado pelo D.L. 78/87, de 17 de fevereiro. Esta lei altera um total de cinquenta
artigos, incluindo o artigo 357º, ou seja, o regime das declarações prestadas pelo
arguido em fase anterior ao julgamento. Com esta nova reforma é como “se
assistíssemos a um movimento pendular, em que agora se proclama a necessidade de
mudar outra vez aquilo que ainda agora acabou de merecer cuidada reflexão e
consequente melhoria261”. O objetivo desta mudança é sobretudo reforçar a
credibilidade dos cidadãos na justiça, dotando o sistema judicial de uma maior
eficácia262. No entanto, e como bem refere Paulo Sousa Mendes “a nova lei inverte o
sentido da reforma de 2007 e constitui mesmo uma subversão da estrutura acusatória do
processo penal português com a ofensa de um conjunto de princípios processuais
penais, embora não seja assumida uma intenção de redefinir ou reinterpretar a estrutura
acusatória do processo penal português263”. Os princípios processuais outrora
reclamados para a vigência de uma estrutura acusatória e por conseguinte um aumento
260 Cit In Mendes, P. “A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”.
AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, Coimbra editora, p.1382.
261 Cit in Mendes, P. “A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”.
AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, Coimbra editora, p.1388.
262 Cruz, A. “A revisão de 2013 ao código de processo penal no domínio das declarações anteriores ao julgamento”. Revista da
Ordem dos Advogados, Lisboa, outubro-dezembro, 2013, p.1194.
263 Cit in Mendes, P. “A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento”.
AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, Coimbra editora, p.1379.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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na credibilização da justiça, vão desde o contraditório, passando pela igualdade de
armas, até à oralidade e à imediação vinculados ao princípio da livre apreciação da
prova, e que ficam fragilizados pela aprovação desta reforma264 de 2013, publicada em
Diário da República, I série, nº37, de 21 de fevereiro de 2013.
O novo artigo 357º com a revisão de 2013 do CPP passou a prever, no seu nº2,
que é permitida a reprodução ou leitura em audiência de julgamento das declarações
anteriormente prestadas pelo arguido nos casos que tenham sido feitas perante
autoridade judiciária, com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos
termos e para os efeitos do disposto no artigo 141º, nº4, alínea b). O artigo 141º, nº4,
alínea b) prevê que o juiz deve informar o arguido de que em caso de não exercer o seu
direito ao silêncio as declarações que prestar pode ser utilizadas no processo, mesmo
que seja julgado na ausência ou decida não prestar declarações em audiência de
julgamento, ficando as declarações sujeitas à livre apreciação da prova. Trata-se de
requisitos cumulativos, falhando alguma delas, tal prova não pode ser valorada265.
Resulta da leitura da exposição de motivos da proposta de Lei 77/XII a seguinte
razão para a alteração do normativo do artigo 357º: “a quase total indisponibilidade de
utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores ao
julgamento tem conduzido, em muitos casos, a situações geradoras de indignação social
e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça. Consideram os oponentes
que tais alterações violam princípios como o da oralidade, imediação, igualdade de
armas, contraditório, bem como o direito ao silêncio. Em nosso entender não se
verificam tais violações já que tais princípios não são absolutos, dado que há muito o
legislador admite provas produzidas ao longo do processo e que nem necessitam ser
examinadas em audiência, pois a sua permanência nos autos já permitiu aos sujeitos
processuais a sua consulta e o contraditório. E o direito ao silêncio também não se
encontra ferido no seu cerne, pois o arguido é, e continua a ser livre de prestar ou não
264 “É provável que uma alteração legislativa que consagre a possibilidade de aproveitamento probatório das declarações
processuais do arguido anteriores ao julgamento possa desencadear, na prática, a reação do arguido de antecipar o silêncio para uma
fase anterior ao julgamento, retirando assim à investigação criminal um importante instrumento de recolha de informação para
esclarecimento da verdade material”. Cit in Mendes, P. “A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do
arguido anteriores ao julgamento”. AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, Coimbra, Coimbra
editora, p.1388.
265 Ribeiro, V. “Adenda: 20ª alteração do código de processo penal (Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro)”. Coimbra, Coimbra
editora, 2013.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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declarações, devendo ser expressamente informado nesse sentido pela autoridade
judiciária respetiva e não podendo o seu silêncio jogar em seu desfavor266”. Em sentido
favorável a este parecer, o SMMP pronunciou-se, alegando que não havia afronta dos
princípios ora reclamados pelos oponentes, pois as declarações lidas em audiência não
devem poder ter efeito confessório dos factos, ficando sujeitas ao princípio da livre
apreciação da prova267.
Em sentido contrário e defensores dos princípios abalados por esta reforma ao
CPP, temos Germano Marques da Silva268 que é da opinião que “ao admitir-se como
prova as declarações processuais prestadas pelo arguido antes do julgamento fica
prejudicada a imediação e a oralidade, quer as declarações tenham sido prestadas
perante o juiz de instrução quer perante o Ministério Público269.
A justificação dada pela exposição de motivos deve ter em conta que o direito
não pode ser pautado por sentimentos coletivos de insatisfação social, uma vez que, na
maioria das vezes resulta da incompreensão do sistema judicial e dos fundamentos dos
regimes aplicáveis. Esta revisão, essencialmente no regime previsto no artigo 357º,
abarca um grande impacto sobre garantias e princípios enformadores do processo penal
português e sobre a estrutura acusatória, mitigada por um princípio de investigação. Esta
alteração leva a uma comparação ao que anteriormente era praticado no artigo 439º do
CPP de 1929, ou seja, não há um amplo exercício do direito do contraditório, e como
consequência, princípios como o da imediação e o da oralidade ficam corrompidos.
266 Ribeiro, V. “Adenda: 20ª alteração do código de processo penal (Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro)”. Coimbra, Coimbra
editora, 2013, p.63.
267 Ribeiro, V. “Adenda: 20ª alteração do código de processo penal (Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro)”. Coimbra, Coimbra
editora, 2013.
268 In “Notas Avulsas sobre as propostas de reforma das leis penais”, p.532, cit in Carvalho, P. “Manual Prático de processo
penal”. Coimbra, Almedina, 7ª edição, 2013, p.29.
269 Em sentido a Germano Marques da Silva, Mendes, P. “Lições de direito processual penal”. Coimbra, Almedina, 2013.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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5. Os princípios da concentração e da celeridade processual: uma
(des)aproximação à imediação
O princípio da concentração traduz-se na ideia de continuidade da audiência270
de julgamento e das diligências anteriores ao julgamento, e pode ser revisto nos artigos
103º nº2 alínea b), 103º nº2 alíneas a) e c), 304º e 328º nº1º, todos do CPP. Como vimos
anteriormente, o processo penal, sobretudo a audiência de julgamento, é dominado por
dois princípios enformadores do Estado de Direito Democrático: o da oralidade e o da
imediação. Estes princípios exigem que entre o início da audiência e a sua conclusão
haja uma proximidade temporal, o que permite então a consagração do princípio da
concentração e continuidade processual271. O princípio da concentração apela que os
atos processuais devem, sempre que possível, “praticar-se em uma audiência ou
audiências, de tal modo próximas no tempo que as impressões do juiz colhidas na
audiência não se apaguem da sua memória272”. Vemos aqui bem patente uma
aproximação deste princípio com o princípio da imediação, na medida em que é
necessário que a audiência de julgamento se realize de forma concentrada e continuada,
para que não ocorra o desvanecimento e/ou perda das informações codificadas pelo
legislador e responsáveis no momento da deliberação da causa com atinência ao
princípio da livre apreciação da prova.
“Tal princípio, e sobretudo a sua tradução legal, visa assegurar e salientar que o
sentimento da coletividade politicamente organizada quanto à justiça da punição assenta
na convicção de que a perceção pelo julgador dos elementos atinentes a ilicitude e
culpabilidade se presume tanto mais segura quanto menor for a distância temporal entre
o momento em que o material probatório for obtido e o da declaração do direito
270 Esta ideia de continuidade e concentração temporal e espacial já foi salientada no processo civil, mas é no processo penal que
deve atuar com maior intensidade, uma vez que em causa está a compreensão de direitos fundamentais, e porque nele vigora o
princípio da livre convicção do julgador. Nas palavras de Luís Osório “É em geral o princípio da concentração que fundamenta estes
preceitos. O processo penal precisa de ser mais rápido que o processo civil não só porque assim se evita a perca de vestígios da
infração, mas também porque o castigo é tanto mais exemplar, quanto de mais perto segue a prática do crime. A continuidade da
audiência tem o mérito de os juízes conservarem, no ato de deliberar, mais presente tudo o que se passou, tudo aquilo em que deve
assentar a sua deliberação”. Cit in Osório, L. “Comentário ao código de processo penal português”. Coimbra, Coimbra editora, 2º
volume, 1932, p.69.
271 Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014.
272 Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Qui Juris, 2ª edição, 2013, p. 102.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 98 -
adequado a essa situação de facto273” E o artigo 328º nº1274 do CPP prevê exatamente
isso “a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao
seu encerramento”. O artigo 328º do CPP prevê que a audiência de julgamento deve
decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento. No entanto
admite interrupções assim como adiamentos estritamente necessários, e nesta norma o
legislador não faz a ressalva do número de vezes que a audiência pode ser adiada,
apenas considerou que o adiamento da audiência de julgamento não pode exceder os 30
dias275, pois a prova já produzida oralmente perde a sua eficácia. Posto isto, e como
refere Paulo Pinto Albuquerque no acórdão que fixou jurisprudência no sentido da
preclusão da prova276 “a imediação e a descoberta da verdade são prejudicados pela
interrupção da produção da prova repetidas vezes277, ou por períodos longos, pois ela
torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação
de um juízo concatenado de toda a prova”, de facto e atendendo ao princípio da
imediação, o adiamento não pode ser tão espaçado, pois poderia implicar a possibilidade
de frustração de uma apreciação unitária da prova. Mas o legislador ao não fazer uma
ressalva quanto ao número de adiamentos da audiência de julgamento, a possibilidade
de vários adiamentos mesmo com um espaço inferior a trinta dias, defrauda o princípio
da imediação assim como não atende ao princípio da celeridade.
O artigo 328º nº6 “o adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível
retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”, surge
273 Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.58.
274 “A disposição consagra o princípio da continuidade ou da concentração, à luz do modelo $229º da StPO alemã. A ratio da lei é
esta: a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela interrupção de prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois
ela torna impossível a captação de uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a
prova”. Cit in Albuquerque, P. “Comentário do código de processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem”. Lisboa, Universidade Católica editora, 4ª edição, 2011, p.850. Daí que o prazo estipulado no nº6
do artigo 328º do CPP não tem uma natureza meramente processual, trata-se mais de uma ideia ideológica do processo em que
assentou numa evolução do processo penal, ou seja, a salvaguarda do princípio da imediação.
275 Como vimos no decorrer deste trabalho, o tempo não é o único fator modelador do esquecimento, as interferências também
atuam sobre a memória. Se o tempo fosse o único fator, os trinta dias não correspondem a um limite entre a lembrança e o
esquecimento, uma vez que a literatura nesta área sugere que as informações codificadas têm a tendência a perderem-se logo no
momento da codificação, tornando-se gerais com o decorrer do tempo.
276 Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822.
277 “Como forma de reduzir os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador inscreve-se o
princípio da concentração, que sublinha a necessidade de proximidade entre os diversos atos processuais para que o juiz possa valer-
se da impressão deixada no seu espírito pelos testemunhos e depoimentos”. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822,
p.8.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 99 -
como um protetor ao princípio da imediação, no entanto não faz justiça ao que deve ser
o processo: eficaz e com economia processual, mesmo que atualmente todos os
tribunais estejam apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução
da audiência de julgamento e que haja a obrigatoriedade de registo das declarações orais
prestadas em sede de audiência (revisão de 2007 ao CPP, Lei nº48/2007, de 29 de
agosto).
No código de processo penal de 1987 as declarações prestadas oralmente em
sede de audiência de julgamento não eram asseguradas pela sua gravação com os meios
técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas. Na decorrência das
exigências que a entrada em vigor do Decreto-Lei nº39/95, de 15 de fevereiro,
implicava, os Tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravação
magnetofónica em ordem a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas
oralmente em audiência. Só em 2007 pela Lei nº48/2007, de 29 de agosto, é que se dá o
culminar do percurso encetado em meados dos anos noventa: determina-se agora que a
documentação das declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob
pena de nulidade. Verifica-se então uma alteração ao normativo do artigo 364º do CPP,
guiando-se pela evolução da sociedade e pela necessidade de assegurar uma justiça mais
efetiva. No entanto, o artigo 328º nº6 do CPP manteve-se. Estes factos parecem estar em
concordância com o parecer do acórdão face ao intérprete “sendo certo que o mesmo
intérprete está ligado aos juízos de valor, bem como aos sentidos e finalidades da norma
inscritos no pensamento do legislador histórico, igualmente é exato que o mesmo se
deve comprometer com a análise das novas exigências e realidades, entretanto surgidas,
as quais não estiveram presentes no espírito do mesmo legislador. Tal tarefa tem único
limite que se consubstancia na impossibilidade de ultrapassar o teor literal da
regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum e
normal das palavras constantes da norma a interpretar”. Ou seja, prevê-se a
possibilidade de o julgador, enquanto intérprete, poder adequar a sua interpretação sem
se cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo,
tendo sobretudo em conta a unidade e as condições específicas do tempo em que é
aplicada, de acordo com o artigo 91º do CC. As conclusões dadas no acórdão
esclarecem que a interpretação dada pelo MP ao normativo do artigo 328º nº6 do CPP,
expressa uma violação clara da letra da lei, mesmo que essa interpretação tenha
atendido à evolução do sistema judicial face à gravação da prova oral em audiência de
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 100 -
julgamento. Apesar de a lei continuar a prever a preclusão da prova caso a audiência
não retome nos trinta dias seguintes, há que fazer uma interpretação atualista da norma,
e consignar a preclusão somente na falta de meios adequados à gravação dos
depoimentos orais em sede de julgamento, salvaguardando na mesma o princípio da
imediação, uma vez que já houve um contacto direto entre o tribunal e os sujeitos
processuais, avançando assim para uma justiça mais célere.
A celeridade278 é um princípio geral do processo penal e tem consagração
constitucional no artigo 32º nº2 da CRP279. Este princípio visa dar ao processo o tempo
necessário para a solução do caso em tempo útil, garantindo princípios da ampla defesa
e do segundo grau de jurisdição, salvaguardando a tutela dos bens jurídicos e a paz
jurídica. No processo o comum, a celeridade expressa-se através do princípio da
concentração, sendo que este último princípio encontra-se concatenado a princípios
como o da imediação e o da oralidade. Ora, vemos aqui uma clara aproximação do
princípio da celeridade ao princípio da imediação, no entanto, o acórdão supra
mencionado diz-nos que “embora negando o princípio da celeridade, se tenha dado
prevalência ao princípio da imediação, de que o da concentração é instrumental, e se
tenha cominado com a perda de eficácia da produção de prova já realizada sempre que a
audiência não pudesse ser retomada no aludido prazo de trinta dias280”. Em sentido
contrário, temos o parecer do voto de vencido, Carmona da Mota refere que “por outro
lado, sendo o princípio da continuidade um verdadeiro garante da aceleração processual
na fase de julgamento, a preclusão da prova em virtude de não ter sido possível retomar
a audiência no prazo referido no nº6 do artigo 328º, nos casos em que o tribunal tenha
procedido ao registo integral da prova produzida, acabaria afinal por redundar numa
contraproducente e incompreensível negação ao princípio da celeridade, face à
possibilidade que tem o tribunal de, se necessário, atualizar, recorrendo ao conteúdo das
gravações, as declarações, bem como as impressões, colhidas no momento, que elas
deixaram” e adianta ainda que “e tanto mais que a perda de eficácia da prova pode
278 Apesar de já ter sido feita alguma jurisprudência sobre o tema da celeridade processual, o TC tem-se pautado pela ausência de
sentido sobre o tema de tempo útil, essencialmente no que toca aos efeitos de responsabilidade civil do Estado. Claro está, que o
tema já consta da ratio decidendi de muitos dos seus acórdãos (essencialmente sobre o direito de acesso ao direito e à tutela
jurisdicional efetiva), mas ainda está por decidir qual o modo de concretização do direito a uma decisão em prazo razoável. Pedro,
R. “Administração da justiça morosa: la storia continua…”. Publicações do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2014.
279 Artigo 32º nº2 da CRP “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser
julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
280 Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, p.3.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
- 101 -
acarretar graveme desmesurado, quer para o arguido, quer para a vítima, sendo que
ficaria particularmente afetada a prossecução das finalidades do processo – realização
da justiça, tutela de bens jurídicos, estabilização das normas, paz jurídica dos cidadãos –
em tempo útil. A todos os inconvenientes e gravames acima expostos, acrescentariam
ainda os sobejamente conhecidos riscos281 decorrentes da repetição de depoimentos282”.
Neste sentido (da não preclusão da prova) temos o parecer do Ministério Público que
defende que a norma do artigo 328º nº6 do CPP deve ser interpretada em sentido
restritivo283, alegando o seguinte “percebe-se, pois, a opção da lei no sentido da
preclusão da prova num período em que os tribunais não se encontravam ainda
apetrechados com os meios técnicos idóneos a assegurar reprodução integral das
declarações prestadas oralmente em audiência. Mas já há vários anos que a
documentação da prova passou a ser bem diversa. Não estamos já perante “prova ditada
para a ata”. A documentação da prova é efetivada através de meios técnicos de gravação
magnetofónica ou audiovisual. Gravações de que o tribunal singular, coletivo ou de júri
se pode socorrer, como meio de controlo da prova produzida em audiência de
julgamento. Nestes casos, o tribunal de 1ª instância encontra-se mesmo numa posição
281 Relativamente à análise que o acórdão faz sobre as testemunhas, este refere nas palavras de Bentham “que uma outra causa de
inexatidão no testemunho é a falta de memória que pode resultar da debilidade nos atos de perceção bem como pelo decurso do
tempo. A exatidão da conceção relativa a um determinado facto apresenta um limite máximo e não admite graduações; mas não
ocorre o mesmo em relação à sua vivacidade e dela depende a nitidez da reminiscência, passado muito tempo”. O acórdão ressalva
ainda que “é exatamente essa relatividade do conhecimento pautada pelo afastamento temporal que o normativo em causa pretende
evitar e, fiel à exigência de um contacto direto e imediato com o meio de prova, traça um marco temporal intransponível”. Após a
análise desta referência do acórdão face às testemunhas, denota-se uma falta de clareza e conhecimento científico quanto à memória
humana, na medida em que, prevalecendo então o princípio da imediação e como consequência a preclusão da prova, isto não
beneficiará as testemunhas, pois o distanciamento temporal conta-se a partir do acontecimento até ao seu relato. Ou seja, com a
preclusão da prova, o distanciamento temporal será ainda maior, e quantas mais vezes a testemunhas tiver que depor, maior é a
probabilidade de um depoimento menos ancorado à realidade, de acordo com a teoria da interferência (ver parte I do trabalho).
Assim sendo, e de acordo com Geraldes (2010, p. 208) “a experiência e a psicologia judiciária dizem-nos que a duplicidade de
depoimentos não significa necessariamente que a testemunha esteja a faltar à verdade, uma vez que a retenção, memorização ou
relato de acontecimentos estão sujeitos a vicissitudes, dificilmente controladas pelo próprio”. Autor cit in Ribas, C. “A credibilidade
do testemunho: a verdade e a mentira nos tribunais”. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto,
Portugal, 2011.
282 Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, p.13-14.
283 “Se a audiência não puder ser retomada no prazo de trinta dias, a produção da prova já realizada não perde eficácia se tiver
havido documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, através de gravação magnetofónica ou audiovisual ou de
outros meios técnicos idóneos à reprodução integral daquelas”. Cit in Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, p.4.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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privilegiada para, ainda que excecionalmente não lhe seja possível retomar a audiência
no prazo de trinta dias, poder ainda fazer uma apreciação unitária da prova284”.
A celeridade, como já foi referido, expressa-se através do princípio da
concentração e implica uma “prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de
todos os termos e atos processuais, devendo o complexo destes, em todas as fases do
processo, desenvolver-se na medida do possível concentradamente, seja no espaço seja
no tempo285. Muito embora, haja a clara necessidade de atender ao princípio da
celeridade processual/ economia processual, a prática quotidiana mostra-nos que este
princípio não tem merecido a melhor atenção a que a lei obriga com manifesto prejuízo
para a realização da justiça286. Este princípio é uma conquista histórica e com a
ratificação do CEDH (1978), Portugal foi obrigado ao cumprimento do direito a uma
decisão judicial em prazo razoável. Posteriormente, com a revisão constitucional de
1997, este princípio foi consagrado como um direito fundamental (artigo 20º nº4 da
CRP)287.
Um processo moroso constitui um mau funcionamento da justiça, e por
conseguinte, faz diminuir a certeza de uma boa aplicação do Direito e abala a segurança
jurídica dos cidadãos. Não se pretende novamente uma desconfiança na justiça, como
acontecia no sistema de prova legal/ tabelado de estrutura inquisitória, mas sim uma
confiança plena e eficaz na prossecução dos objetivos à que a justiça fora atribuída.
284 Acórdão STJ de 29-10-2008, Proc. nº07P4822, p.14-15.
285 Cit in Dias, F. “Direito Processual Penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1º volume, 1974, p.183-185.
286 “São normais, porventura em resultado do volume de processos distribuídos a cada tribunal, os adiamentos por vários dias ou
semanas. A lei estabelece, porém, que o adiamento não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste
prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada (artigo 328, nº6)”. Cit in Castro, R. “Julgamento”. Lisboa, Quid Juris, 2ª
edição, 2013, p. 102.
287 Quando os tribunais nacionais aplicam o direito da União Europeia deve também ser assegurado o direito a uma decisão em
prazo razoável. Pedro, R. “Administração da justiça morosa: la storia continua…”. Publicações do Instituto de Ciências Jurídico-
Políticas, 2014.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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6. Uma última e breve consideração: o artigo 328º do CPP – Atualizado
O artigo 328º do CPP sofreu uma alteração importante no presente ano. Apesar
do acórdão em análise ser de 2008 e a submissão do projeto de dissertação ter sido em
2014, não podia deixar de incluir esta evolução ao artigo 328º do CPP.
Com a entrada em vigor da vigésima segunda alteração ao CPP (Lei nº27/2015,
de 14 de abril), o artigo 328º do CPP sofreu alterações significativas, no sentido de
impedir a sanção da preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento
ultrapassasse os trinta dias. Atualmente lê-se no artigo 328º nº6 do CPP a seguinte
redação “Se a continuação da audiência não puder ocorrer dentro dos 30 dias
subsequentes à data do adiamento, por impedimento do tribunal ou por impedimento
dos mandatários em consequência de outro serviço judicial já marcado, deve o respetivo
motivo ficar consignado em ata, identificando-se expressamente a diligência e o
processo a que respeita.” Como é sabido, hoje em dia é obrigatória a documentação da
prova, sob pena de nulidade (artigo 363º do CPP), por forma a assegurar a apreciação da
matéria de facto no segundo grau de jurisdição, como também assegurar à primeira
instância toda a prova produzida em julgamento, colmatando os naturais limites da
memória humana. Na atualidade, com a evolução dos meios tecnológicos, a sanção
legalmente prevista da perda da eficácia da prova pela ultrapassagem do prazo legal de
trinta dias para a continuação da audiência de julgamento, era desajustada.
Esta alteração não coloca em causa a manutenção plena dos princípios da
concentração da audiência e da imediação. Era compreensível que houvesse a preclusão
da prova, antes do apetrechamento dos tribunais com os meios tecnológicos adequados,
uma vez que “compreende-se o espírito do legislador ao inviabilizar em sede de
audiência a sua descontinuidade, impedindo que o tribunal ou algum dos seus membros
perca a orientação da prova produzida em virtude do desgaste do tempo e das limitações
naturais da memória dos homens288”.
288 Varela, A. “Manual do Processo Civil”. Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p.641.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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É possível encontrar jurisprudência sobre esta matéria no Acórdão do STJ, de 5
de janeiro de 2016289. Este Acórdão refere que face à Lei nº27/2015, de 14 de abril, o
artigo 328º, mais precisamente no nº6, sofre uma impactante alteração. Na exposição de
motivos (Proposta de Lei nº263/XII) se diz “expressamente que uma das alterações
introduzidas consiste na eliminação da sanção de perda da prova por ultrapassagem do
prazo de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento interrompida” e “e que,
sendo hoje em dia obrigatória a documentação da prova, sob pena de nulidade, está
assegurada tanto a sindicância da decisão sobre a matéria de facto, pelo Tribunal
Superior, como também a fidelidade por parte do Tribunal de 1ª instância à prova
produzida em audiência290”. Outra justificação dada para a alteração do normativo do
artigo 328º nº6 do CPP na exposição de motivos reporta-se ao seguinte “no contexto
tecnológico atual, a sanção legalmente prevista – perda da eficácia da prova pela
ultrapassagem do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento
– antolha-se desajustada, sendo certo que se considera que a eliminação desta sanção
não contende com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da
imediação291”.
Atendendo ao princípio da celeridade processual292 e à evolução da sociedade
tecnológica, houve então a necessidade de reformular este artigo e procurar atender aos
receios de uma justiça pouco célere e eficaz. Esta alteração é um marco importante para
o Direito, uma vez que este assunto já havia sido discutido no acórdão para fixação de
jurisprudência de 29 de outubro de 2008 e que apesar do CPP já prever há muito tempo
a obrigatoriedade da gravação da audiência de julgamento pelo advento dos meios
tecnológicos adequados nos tribunais, o CPP ainda fazia prever a aplicação da sanção de
preclusão de prova caso o adiamento da audiência de julgamento ultrapassasse os trinta
dias, com sujeição ao princípio da imediação.
289 Acórdão STJ 5-01-2016, Proc. nº 769/12.0GAMMV.C1-A.S1.
290 Acórdão STJ 5-01-2016, Proc. nº 769/12.0GAMMV.C1-A.S1, p.8.
291 Acórdão STJ 5-01-2016, Proc. nº 769/12.0GAMMV.C1-A.S1, p.13.
292 “A celeridade, sem a qual a administração da justiça perde eficácia, valor este consagrado na Constituição (art.20º, n.º5) através
da imposição de que a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais deve ser legalmente assegurada, mediante procedimentos
judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, bem como da concessão do direito à decisão em prazo razoável (art.20º, nº4)
direito este também previsto no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”. Cit in Gaspar, A. et all. “Código de
processo penal comentado”. Coimbra, Almedina, 2014, p.1061.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Atualmente, não há então a preclusão da prova e mesmo assim estão
salvaguardados princípios como o da imediação e o da continuidade da audiência.
Afinal estes princípios que outrora eram justificativos para a preclusão da prova no caso
do adiamento da audiência de julgamento exceder os trinta dias no acórdão do STJ de
29 de outubro de 2008, continuam a estar presentes no processo sem que sejam
defraudados.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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Conclusão
Chegados a este ponto, podemos concluir que existe um elo necessário de
transmissão de conhecimentos entre a Psicologia e o Direito, útil para justificar
determinadas conceções doutrinárias de aplicação de normas. É o caso da norma do
artigo 328º nº6 do CPP, que mereceu cuidada atenção no acórdão de fixação de
jurisprudência do STJ, de 29 de outubro de 2008. Este acórdão fixou jurisprudência no
sentido da preclusão da prova, caso o adiamento da audiência de julgamento excedesse
trinta dias, mesmo que tenha havido documentação a que alude o artigo 363º do mesmo
diploma, com sujeição ao princípio da imediação.
A psicologia a partir dos anos 70 começou a ter um papel importante no domínio
do direito, levando ao mundo judiciário as descobertas feitas em centenas de estudos
sobre a natureza da memória humana. Atualmente, é encarado com grande importância
para a ciência criminal com aplicação na prática judiciária, o funcionamento da
memória das testemunhas, vítimas e autores de delitos, assim como, os estudos de Freud
sobre o processo mental de formação da decisão nos juízes. Também vemos a
psicologia a intervir no direito no momento em que é necessário recorrer a perícias
psicológicas. Posto isto, cada vez mais se assiste a uma relação interdisciplinar entre as
várias ciências, como a psicologia, e o direito como fomento a uma melhor prática
judiciária. No entanto, o acórdão supra mencionado faz referências sem base científica
(e até contrárias ao que a ciência nos permite ter por certo) quanto ao funcionamento da
memória humana, estabelecendo um limite irreal (trinta dias) para manter viva as
informações codificadas, referindo este acórdão que se baseou em contribuições dadas
pela ciência.
Como vimos anteriormente, a memória humana não armazena as informações de
forma fidedigna como uma fotografia, pois entre a codificação, o armazenamento e a
posterior evocação das informações, o conteúdo pode mudar devido à influência de
diversos fatores. Apesar de a memória apresentar elevados índices na sua capacidade de
retenção, o esquecimento é a prova diária que a memória é falível. Ebbinghaus nos
finais do século XIX, com a sua célebre curva do esquecimento, postulou que a maior
parte das informações recém-adquiridas desvaneciam-se logo após a sua aquisição e que
posteriormente o índice de perda da informação era menor, ou seja, o esquecimento
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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mostrava-se mais acentuado em intervalos de retenção entre os dezanove minutos e as
vinte e quatro horas, posteriormente a informação retida tornava-se mais geral e menos
atenta aos pormenores de determinado evento presenciado. Estes estudos foram
corroborados por diversos autores, tais como Cowan et all (1992) e Cowan, Nugent,
Elliot & Geer (2000), e deram lugar à teoria do desuso ou declínio do traço mnésico.
Contudo, observou-se que o passar do tempo não afetava por igual a informação
armazenada, chegando-se à conclusão que o tempo por si só não era um preditor do
esquecimento, o que deu espaço à teoria da interferência, como a teoria dominante da
atualidade sobre a explicação do esquecimento. Esta teoria assume que a capacidade
para recordar determinada informação pode ser interrompida pelo que se aprende
anterior ou posteriormente, atuando sob a forma proactiva e retroativa respetivamente.
Seguidamente, a teoria da incongruência contextual surge também como uma das
teorias explicativas do esquecimento e relaciona-se com o facto de a informação estar
disponível na memória, mas o seu acesso estar temporariamente restrito, por força da
ausência de indicadores ou pistas adequadas.
Em suma, o esquecimento deve-se a múltiplos fatores que ainda estão em debate
pelos teóricos. O melhor é associar o esquecimento à falta de indicadores ou pistas
adequadas, ao tempo e às interferências.
Como já foi referenciado, o acórdão cita no seu texto as contribuições dadas pela
ciência, como veículo justificativo para estabelecer os trinta dias como limite
inultrapassável para manter viva as perceções retiradas do julgamento e inerentes ao
julgador, assim como, faz observações errôneas quanto ao entendimento do
funcionamento da memória humana. Por exemplo, o acórdão sustenta a teoria de
Atkinson & Shiffrin (1968), como modelo dominante e explicativo da memória
humana. No entanto, e como vimos, este modelo defendia que a memória era uma
entidade única com processamento serial. Apesar de oferecer uma explicação para o
funcionamento das estruturas da memória, foi alvo de críticas, uma vez que transportava
consigo uma ideia bastante simplista da memória a curto prazo e da memória a longo
prazo como armazéns unitários, o que não vai de encontro com o que atualmente é
plausível sobre a estruturação e funcionamento da memória.
Relativamente aos trinta dias citados no acórdão como limite inultrapassável, a
psicologia não faz qualquer referência sobre este limite, ou seja, não estipula um prazo
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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para as informações se perderem ou esvanecerem na memória. Estudos como de
Peterson & Peterson (1959) refutam o texto do acórdão. Estes teóricos realizaram um
estudo em jovens universitários e verificaram que estes eram incapazes de recordar em
média mais de 20% de siglas consoantes após terem decorrido dezoito segundos. Este
estudo mostra que a maior parte das informações codificadas perdem-se após breves
segundos depois da sua codificação, tornando-se mais gerais e menos robustas na
memória, o que contraria a ideia dos trinta dias como limite inultrapassável para manter
viva as perceções de determinado evento.
A perda de eficácia da prova produzida ocorre independentemente da
documentação da prova a que alude o artigo 363º do CPP. Esta perda de eficácia
justifica-se pelo princípio da imediação. O princípio atua no processo penal e nas
palavras de Gil Santos293 “reflete a ideia de uma aproximação comunicante entre o
tribunal e os participantes processuais, para efeito de formação da convicção do tribunal
através da apreensão pessoal do julgador concatenado ao princípio da livre apreciação
da prova”. E, a experiência mostra-nos que a imediação é inimiga da dilação, pois as
impressões e recordações apagam-se ou esvanecem-se com o tempo. Faria todo o
sentido que houvesse a preclusão da prova num tempo em que os tribunais não estavam
apetrechados com os meios idóneos à reprodução integral das declarações orais, como
acontecia no período de vigência do CPP de 1929294. Com a lei nº59/98, de 25 de
agosto, há uma adoção crescente dos meios de gravação magnetofónica. Por um lado
esta lei possibilita ao julgador e ao tribunal superior socorrer-se das gravações da
audiência de julgamento, por outro não há ainda a obrigatoriedade das declarações
prestadas oralmente. Só em 29 de agosto de 2007, com a lei nº48/2007, dá-se o culminar
do percurso encetado em meados dos anos 90: determina-se agora que a documentação
das declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de
nulidade. Apesar deste avanço normativo, o artigo 328 nº6 do CPP, continua a prever a
preclusão da prova caso o adiamento da audiência de julgamento exceda os trinta dias.
E, de acordo com a psicologia, seria mais benéfico o julgador auxiliar-se dos
depoimentos em ata e visualização da audiência de julgamento como forma de
recuperação da informação retida na memória. Pode-se mesmo afirmar que as imagens
293
Santos, G. “Princípios e prática processual penal”. Coimbra, Coimbra editora, 1ª edição, 2014, p.56.
294 Neste código não havia qualquer alusão a um período que declarasse a preclusão da prova.
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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têm uma relação intrínseca com a memória e que a sua visualização permite comunicar
com maior facilidade com memórias desvanecidas.
O princípio da imediação chamado à colação como princípio justificativo da
preclusão da prova, liga-se a princípios como o da oralidade (essencialmente), o da
concentração, o do contraditório e até o da celeridade processual. Apesar de ser um
princípio bem patente no processo penal, existem certas condutas processuais que o
colocam em causa e que contrariam a conceção dada a este princípio no acórdão do STJ,
de 29 de outubro de 2008, tais como, os processos de grande dimensão, a não aplicação
do disposto do artigo 328º nº6 do CPP no caso de a leitura da sentença ultrapassar os
trinta dias sobre o encerramento da audiência e quando o STJ ordena a baixa do
processo para ser elaborado novo acórdão pelos mesmos juízes, e ainda, a situação mais
condenável pelos operadores da justiça, reporta-se ao aproveitamento probatório das
declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento.
Muito embora tenha havido uma enorme resistência por parte do legislador em
aceitar uma modificação da norma do artigo 328º nº6 do CPP, talvez porque o princípio
da imediação surgiu pela necessidade de acabar com a desconfiança na justiça e porque
teve o seu foco de atenção no momento em que se passou de um processo do tipo
inquisitório para um processo do tipo acusatório, mitigado por um princípio da
investigação; atualmente não há qualquer menção da preclusão da prova caso o
adiamento da audiência de julgamento exceda os trinta dias. Esta alteração normativa
surge com a entrada em vigor da vigésima segunda alteração ao CPP, pela lei
nº27/2015, de 14 de abril, e é um marco importante para o direito, já que o assunto da
preclusão da prova havia sido amplamente discutido e reprovável por algumas opiniões
doutrinárias.
Afinal, o princípio da imediação continua a estar presente e a atuar no processo
penal sem que seja um móbil para a preclusão da prova. Esta reforma legislativa reforça
o que é pretendido pelo artigo 20º nº5 do CPP e artigo 6º da CEDH, isto, um processo
mais célere. E, de acordo com as contribuições dadas pela Psicologia acerca da memória
humana, o princípio da imediação, antes da última alteração ao artigo 328º nº6 do CPP e
da forma como estava previsto pela doutrina, não era benéfico tanto para a memória do
julgador como para a memória dos sujeitos processuais a prova precludir caso o
adiamento da audiência de julgamento excedesse os trinta dias, tendo por base o
Atuação da Psicologia no Direito: reflexões sobre o artigo 328º do CPP
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princípio da imediação. Traz mais vantagens visualizar/ ouvir a gravação da audiência
de julgamento do que iniciar uma nova audiência de julgamento, de acordo com o que a
Psicologia nos transmite.
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