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Conclusões:
I- A Polícia de Segurança Pública (PSP) pode, no decorrer da sua actuação,
compelir as pessoas a deslocarem-se à esquadra e a aí permanecerem em
duas circunstâncias:
- no caso do art. 250º do Código de Processo Penal, (doravante CPP)
que poderão ser transportadas à esquadra para fins de identificação mas
não poderão ser detidas, e onde só poderão ficar no máximo 6 horas,
- e no caso dos art. 254º e ss CPP, em que se procede à detenção
em flagrante delito (ou fora dele mas sob determinadas condições) mas, em
qualquer das formas, o detido terá de ser apresentado no prazo máximo de
48 horas a um juiz, sob pena de ter que ser libertado
II- A legislação internacional que protege os detidos e que obriga Portugal é
abundante e cobre os mais variados aspectos da detenção.
III- O regime jurídico da identificação encontra-se regulado com alguma
minúcia e há já normas emanadas no sentido de proteger certos cidadãos
mais vulneráveis (menores, estrangeiros). A evolução demonstrada pelos
relatórios (sobretudo confrontando os da Provedoria, mais antigos, com os
da Inspecção-Geral da Administração Interna – IGAI) é notoriamente
positiva no que concerne um maior cumprimento das regras definidas.
IV- Em relação aos maus-tratos policiais, a legislação aplicável, tanto a nível
internacional, como constitucional, regulamentar e até as próprias circulares
internas parecem suficientes. O problema é a sua prática, mas mais uma
vez se nota uma grande evolução desde os primeiros relatórios do Comité
para a Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (doravante, CPT), em que o fenómeno dos
maus-tratos policiais foi considerado como “relativamente comum”, e os
relatórios mais recentes, tanto do próprio CPT como da IGAI, em que o
número de casos decresceu imenso, embora continuem a verificar-se
algumas ocorrências, que demonstram não se poder afrouxar a atenção e
vigilância. São vários os factores que para tal contribuíram e que em
momento próprio explanaremos. Outra questão que se coloca, a propósito
2
deste tema, é a da utilização da força pelas polícias e, nomeadamente, do
uso das armas de fogo, por potencialmente mais lesivas.
V- Na segunda parte, que versa sobre as condições das celas, veremos como
os Padrões do CPT foram fundamentais para a criação da legislação
nacional. Aqui, porque as melhorias pressupõem mais que boa vontade e
alterações pontuais, necessitando de fortes investimentos que devem ser
feitos mas que contendem com as restrições orçamentais do nosso tempo,
nem todos os estabelecimentos possuem as melhores condições. No
entanto, há a registar, igualmente, uma evolução positiva, pelo
encerramento de alguns calabouços sem condições, concentrando-se as
detenções num local centralizado com mais qualidade e que salvaguarde a
dignidade dos detidos. Muitas das sugestões e recomendações do CPT
foram tidas em conta, e tentou-se, na medida do possível, cumpri-las.
VI- Por último, em relação aos direitos do detido, há toda uma panóplia de
garantias salvaguardadas tanto na legislação internacional como na
nacional, onde é notória a influência do trabalho do CPT. Também aqui se
regista uma melhoria significativa face a anos anteriores; há cada vez mais
uma maior consciencialização destes direitos tanto dos agentes como dos
próprios detidos. Contudo, o relativamente pouco tempo que um detido
passa na esquadras impossibilita uma certa efectivação prática.
VII- Estaremos a tomar as medidas certas? Que soluções deverão ser
prosseguidas, para tentar maximizar esta evolução positiva, que se verifica
a todos os níveis e por todos reconhecida, inclusive pelo próprio CPT? De
realçar que, do contacto que tive com agentes e das visitas às esquadras
que, não nos esqueçamos, são locais de trabalho de pessoas – parece que
andamos a descurar um aspecto importante e uma máxima da gestão de
recursos humanos: funcionários felizes trabalham melhor…
3
Estrutura sumária do trabalho:
Dado que este trabalho se centra apenas numa das várias forças de segurança, a
PSP, vamos iniciá-lo por uma identificação breve da força de segurança em causa, e a
que tipo de detenções pode proceder.
Depois desta breve introdução, desenrolar-se-á o trabalho propriamente dito, onde
se desenvolverão as conclusões, e que será dividido em três partes, com base na
estrutura adoptada nos relatórios do CPT, que nos parece a melhor, por tocar nas três
vertentes em que os direitos fundamentais dos detidos poderão ser lesados: na primeira
parte, os maus-tratos policiais e tratamentos degradantes; na segunda, as condições das
celas de detenção e das esquadras e, por último, o cumprimento dos várias direitos que
são simultaneamente garantias contra estes maus-tratos – nomeadamente o direito do
detido de informar sobre a sua detenção a familiares, o direito de acesso a um médico,
ao advogado, etc. A propósito de cada um destes direitos, mas também de cada uma das
“partes” supra mencionadas, serão enunciadas as disposições mais relevantes dos
instrumentos internacionais aplicáveis, bem como as directivas dos Padrões do CPT, a
legislação nacional relevante e os relatórios das visitas do CPT às esquadras da PSP,
quando aplicável à matéria em causa.
Todos os artigos que não contenham designação do diploma legal a que pertencem,
entender-se-ão como artigos do Código de Processo Penal.
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Conclusão I
1. A Polícia de Segurança Pública
A PSP é uma força de segurança armada cujos objectivos são assegurar a ordem
pública, respeitando a lei (à qual devem um dever de obediência, até por imperativo
constitucional – cf. art. 271º e 272º) e os direitos dos cidadãos. As suas atribuições estão
definidas na Lei n.º 5/99, de 27 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento da
Polícia de Segurança Pública. Este diploma é complementado com um conjunto de outros
dos quais se destaca o Decreto-Lei n.º 511/99, de 24 de Novembro, que aprova o
Estatuto do Pessoal da PSP. Por contraposição à GNR (que se instala predominantemente
em zonas rurais), a sua actuação está mais virada para as zonas urbanas.
2. Regime Jurídico da Identificação Policial
As actuações que mais contendem com os direitos fundamentais dos cidadãos,
aparte daquelas onde se cumprem mandatos de detenção, mas que são emitidos por
uma autoridade judiciária e portanto mais “legitimadas”, são sobretudo o procedimento
de identificação, art. 250º do Código de Processo Penal e as detenções que a polícia pode
efectuar sem mandato de detenção, previstas nos art. 254º e ss deste Código.
Em relação ao art. 250º (1), a medida aí prevista tem um carácter puramente
policial. Trata-se de uma medida de controlo policial, de identificação de pessoas que se
encontram em certos locais caracterizados pela presença e/ou afluência habitual de
marginais ou delinquentes. Contudo, só podem ser conduzidas à esquadra mais próxima
as pessoas que se revelem suspeitas, como estatui o n.º1 do citado artigo, da “(…)
prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha
penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional (…)”. E, acrescenta-se, que
não possam ser identificadas naquele local, recorrendo aos vários procedimentos
enumerados nos números 3, 4 e 5 (pois o transporte para a esquadra é de última ratio)
ou, então, que se recusem a identificar-se.
(1) Acompanhamos aqui o Relatório Interino do Governo Português de 1995, fls. 17 e
seguintes, na versão francesa.
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Na esquadra, colocam-se duas hipóteses: ou as suspeitas se confirmam e a pessoa
é constituído arguida (art. 58º c) do CPP) ou se descartam estas suspeitas e a pessoa é
libertada, depois de ter sido identificada.
Na primeira hipótese, a situação deve, de imediato, ser comunicada à autoridade
judicial competente (259º CPP) e as pessoas beneficiam das garantias previstas no art.
61º. No entanto, em relação a este ponto, o CPT reclama, nos seus vários relatórios, que
mesmo antes da constituição como arguidos, estes direitos deverão poder ser feitos valer
(cf. por exemplo a secção 49 do Relatório da Visita de 1995 a Portugal).
Na segunda hipótese, é levantado o auto de notícia, que também pode estar sujeito
ao controlo da mesma autoridade. O identificado só poderá ser retido na esquadra o
tempo estritamente necessário, e nunca por mais de 6h. (art. 250º n.º 6)
Quanto ao prazo para o identificando permanecer na esquadra, a Lei 5/95, de 21
de Fevereiro consagra, surpreendentemente, um prazo máximo de duas horas, para o
identificando permanecer na esquadra. Esta lei não faz parte do elenco de disposições
que o CPP revogou expressamente. O Gabinete Jurídico da IGAI foi chamado a
pronunciar-se sobre esta aparente incompatibilidade e, no seu parecer n.º 20 de 2003,
conclui que não houve revogação do art. 3º desta Lei 5/95, e que não há coincidência
total no âmbito subjectivo destas leis, pois o art. 250º refere-se a órgãos de polícia
criminal, enquanto que nesta Lei se reporta a agentes das forças e serviços de
segurança, que podem actuar fora do âmbito processual penal, e para estas situações
aplicar-se-ia esta Lei. No entanto, deixam ao cuidado das forças de segurança a indicação
de quais as normas legais que darão base legal a cada caso ressalvando, contudo, que no
seu entender, os órgãos de polícia criminal, quando esteja em causa a identificação de
suspeitos de prática de crimes, deverão actuar ao abrigo do art. 250º.
Neste seguimento, a Informação / Proposta n.º 16/97 da IGAI, propondo que
se limitasse o tempo que uma pessoa pode estar na esquadra para efeitos de
identificação apenas por duas horas, comparando com o máximo legal de seis horas,
prescrito pelo 250º CPP.
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3. Detenções
A nível internacional, O Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as
Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão prescreve, no Princípio
32:
1. A pessoa detida ou o seu advogado têm o direito de, em qualquer momento, interpor recurso nos termos do direito interno, perante uma autoridade judiciária ou outra autoridade para impugnar a legalidade da sua detenção e obter sem demora a sua libertação, no caso de aquela ser ilegal.
2. O processo previsto no n.º 1 deve ser simples e rápido e gratuito para o detido que não disponha de meios suficientes. A autoridade responsável pela detenção deve apresentar, sem demora desrazoável, a pessoa detida à autoridade perante a qual o recurso foi interposto.
Em relação à detenção, a nível interno, esta está prevista nos art. 254º e ss.
A polícia pode prender sem um mandato emitido pelo tribunal se o suspeito for
detido em flagrante delito (255º) e, fora de flagrante delito, sob certas condições (art.
257º n.º 2). Estas detenções devem ser notificadas imediatamente ao Ministério Público
(MP) – art. 259º.
O período máximo que as pessoas podem estar detidas pela polícia está sujeito a
limitações definidas no art. 28º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP),
onde se refere que:
“A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a
apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção
adequada (…)”
Este limite está repetido no art. 254º n.º 1 a), onde se refere que, neste prazo
máximo, o detido deve ser apresentado a julgamento sob forma sumária
(nomeadamente, quando detido em flagrante delito e por crime punível com pena de
prisão cujo limite máximo não seja superior a três anos – 381º n.º1), ou ser presente ao
juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de
uma medida de coacção.
Se não puder ser imediatamente ouvido pelo juiz, o detido é apresentado ao MP
para uma audiência sumária (art. 143 n.º1), com o intuito de redução da custódia policial
a um mínimo possível, ordenando a imediata libertação do detido caso se verifique que a
detenção é infundada ou desnecessária, ou para tomar medidas urgentes que se
7
verifiquem adequadas para cada caso. Para além da sua libertação, podem ainda ser-lhe
aplicadas medidas coercivas (art. 196º a 201º) ou, em casos mais sérios e definidos pela
lei (cf art. 191º) a prisão preventiva, medida excepcional (pelo menos em teoria…) e que
só deve ser mantida enquanto estritamente necessária, art. 192º e 193º, 204º, 209º e
211º.
Uma circunstância especial é a daqueles arguidos, que já foram referidos, que são
detidos em flagrante detido, por crime a que corresponda pena de prisão cujo limite
máximo não seja superior a 3 anos, e que deverão ser presentes a julgamento em
Processo Sumário, mas cuja detenção ocorre fora do horário de funcionamento do
tribunal (a partir das 16h de sexta-feira, sábado e domingo). Um dos requisitos desta
forma de processo é a de que a detenção seja efectuada por entidade judiciária ou
policial, e como é da polícia que aqui se trata, nestas alturas de sexta-feira à noite e fim-
de-semana, devido às frequentes “Operações STOP” junto aos locais de divertimento
nocturno, são detidos muitos cidadãos especialmente por condução sem carta ou em
estado de embriaguez, cuja moldura penal preenche os requisitos para esta forma de
processo. Em boa verdade, nalguns destes casos, o prazo de quarenta e oito horas
poderia não ser cumprido – e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) veio fixar
jurisprudência, através do seu acórdão n.º 2 de 2004, publicado no DR I Série–A de 12
de Maio de 2004. Assim sucedeu no caso em análise no acórdão fundamento, em que o
arguido foi detido pelas 2h da manhã de sábado e o seu julgamento ocorreu segunda-
feira perto do meio-dia, (tendo passado, então, cerca de 57h), e onde, numa
interpretação estrita da lei, não se poderia recorrer ao processo sumário, pois ter-se-ia
cometido uma nulidade insanável, prevista pelo art. 199 f) do CPP (que, aliás, foi a
fundamentação do acórdão recorrido). O STJ fixou, então, jurisprudência nos seguintes
termos: “quando tenha havido libertação do arguido – detido em flagrante delito para ser
presente em julgamento em processo sumário – por virtude de a detenção ter ocorrido
fora do horário de funcionamento normal dos tribunais (art. 387º n.º2 do CPP), o início
da audiência deverá ocorrer no primeiro dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda
que para além das 48 horas, mantendo-se pois a forma de processo sumário” (negrito
nosso).
8
Conclusão II – A Legislação Internacional
São vários os instrumentos internacionais aplicáveis, que vinculam Portugal, através
da recepção operada pelo art. 8º da CRP e que cobrem os mais diversos âmbitos e
aspectos da detenção pela polícia.
Neste ponto, enunciar-se-á somente os acervos legislativos com maior relevância
para este tema e, a propósito de cada aspecto mais em concreto, citar-se-á a disposição
destes documentos que se aplique.
É de realçar, sobretudo, o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) e do
Conselho da Europa.
Prevenção e punição da tortura e outras graves violações de direitos
humanos
1- Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948, Assembleia Geral das
Nações Unidas)
2- Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais (vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem – CEDH)
(1950, Conselho da Europa)
3- Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966, Assembleia
Geral das Nações Unidas)
4- Declaração sobre a Protecção de Todas as Pessoas contra a Tortura e
Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1975,
Assembleia Geral das Nações Unidas)
5- Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (1984, Assembleia Geral das Nações Unidas)
Tratamento dos Delinquentes
6- Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos (1957, Resolução 663 C
(XXIV) do Conselho Económico e Social, ONU)
7- Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a
Qualquer Forma de Detenção ou Prisão (adoptados pela Assembleia Geral
das Nações Unidas na sua resolução 43/173, de 9 de Dezembro de 1988)
9
8- Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos (adoptados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/111, de 14 de
Dezembro de 1990.)
Conduta Profissional
9- Declaração sobre a polícia, Resolução nº 690 (1979, Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa)
10- Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
(adoptado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução
34/169, de 17 de Dezembro de 1979)
11- Princípios Orientadores para a Aplicação efectiva do Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (Adoptados pelo
Conselho Económico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61,
de 24 de Maio de 1989.)
12- Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (Adoptados pelo Oitavo
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de
Setembro de 1990.)
13- Código Europeu de Ética da Polícia (Conselho da Europa, 2001)
14- Princípios de Deontologia Médica aplicáveis à actuação do pessoal dos
serviços de saúde, especialmente aos médicos, para a protecção de
pessoas presas ou detidas contra a tortura e outras penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes (Adoptados pela Assembleia Geral das
Nações Unidas na sua resolução 37/194, de 18 de Dezembro de 1982.)
Estes são alguns dos instrumentos mais importantes que tratam este tema; o
acervo legislativo é bastante alargado, havendo várias convenções tanto a nível regional,
como internacional.
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Conclusão III
1. Regime Jurídico da Identificação
Uma questão prévia é a (possível) arbitrariedade na identificação, onde se inicia a
actuação policial e que poderá servir de base para possíveis agressões. Continuaremos
aqui a breve exposição que foi iniciada aquando da explicação das funções da PSP.
Neste âmbito, foram elaboradas várias normas para tentar tornar mais rigorosas as
regras que determinam onde, como e quando o agente deve (não é um questão de
simples poder, mas sim de poder-dever) proceder à identificação.
A questão da identificação coloca-se tanto para o suspeito como para o próprio
agente. A circular n.º 5432, de 4 de Junho de 1997, emitida pela Direcção Nacional da
PSP, refere, no seu ponto 5, que “a identificação é um acto administrativo que pode
colidir com a restrição de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, deve ser sempre
aplicada com respeito aos princípios da legalidade, necessidade, adequação e
proporcionalidade”. Transparece claramente deste ofício, que foi depois posto a circular
pelas várias estruturas da PSP, que o procedimento de identificação, apesar de limitar
parcialmente a liberdade do cidadão, não se confunde com a detenção. É curioso que,
na indicação aos agentes sobre como proceder neste tipo de situações, se frisar que o
identificando acompanhará o agente de autoridade, “tendo este o cuidado de evitar
qualquer referencia sobre os calabouços, sendo a sua utilização expressamente
proibida.” (ponto 8 da circular; o sublinhado é idêntico no original)
A Lei 5/95, de 21 de Fevereiro, impõe a obrigação de porte de identificação para
os cidadãos maiores de 16 anos, sempre que se encontrem em lugares públicos, abertos
ao público ou sujeitos a vigilância policial (art. 2º n.º1)
Para os agentes, cumpre-lhes fazer prova da sua qualidade de órgão de polícia
criminal, mesmo encontrando-se uniformizados, identificando-se com a sua carteira
profissional sempre que lhe seja exigido. (art. 1º n.º1). A omissão deste dever determina
a nulidade da ordem de identificação (n.º 2 do citado artigo).
Deverão depois, registar o “auto de procedimento de identificação”, aditando-o ao
expediente de referência, relativamente aos factos ilícitos de que o identificando é
suspeito.
Apesar desta lei, verificaram-se muitas reclamações pelo facto de alguns agentes,
embora fardados e no exercício das suas funções, não se identificarem através das
11
respectivas carteiras profissionais, quando solicitados a fazê-lo. Houve, por isso, várias
ordens internas no sentido de reforçar estas regras de procedimento e de ser lido e
explicado nas formaturas e afixado em locais próprios o conteúdo da alínea e) nº 2 da
art. 13º (Dever de Correcção) do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela lei
nº 7/90, e do Despacho de 18 de Dezembro de 1996 do Comandante Geral da PSP,
publicado na Ordem de Serviço n.º 35 de 1997. Todas estas regras vão no sentido de
mostrar claramente que é dever disciplinar do pessoal da PSP identificar-se sempre com
a exibição da Carteira Profissional, mesmo que isso lhes pareça descabido de razão. O
agente que não o faça será, normalmente, alvo de uma participação do cidadão, o que
lhe acarretará um processo disciplinar, desnecessariamente.
O despacho do Ministério da Administração Interna (MAI) de 4 de Março de
1997 ordenou que se desse conhecimento do ponto 2 da Informação de 31 de Janeiro de
1997, do Adjunto do Gabinete do Ministério, que dizia o seguinte: “embora o artigo 2º da
Lei 5/95 de 21 de Fevereiro, consagre a obrigação de porte de documento de
identificação para todos os cidadãos (…) a identificação dos mesmos por parte das forças
de segurança não constitui um poder discricionário.”
O despacho ministerial de 7 de Julho de 1997 ordenou a aplicação da
Informação/Proposta n.º 16/97 da IGAI, donde se destacam as seguintes ideias:
- só haverá lugar à condução à esquadra de um suspeito da prática de crime, para
identificação, caso ele não possa ou não se queira identificar no local onde foi encontrado
(reiterando a subsidiariedade desta medida, como prevista no CPP)
- a condução à esquadra tem em vista apenas obter a identificação e não constitui
“uma outra forma de resolver situações dúbias, nomeadamente quando não é aplicável o
regime de detenção”
Estes despachos vêm tentar colmatar uma situação referida, já em 1995, no
Relatório da Provedoria de Justiça, a propósito das visitas efectuadas durante a noite
às esquadras da PSP. Aqui se constatava que, pelo número elevadíssimo de pessoas que
se encontravam nos postos, seria de crer que os procedimentos que esta lei impõe, tão
restritivos, não estariam a ser cumpridos na maioria dos casos.
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De igual forma, estão previstas medidas que visam salvaguardar identificandos que
poderão estar mais desprotegidos:
Menores
A Lei 5/95 impõe, no seu art. 3º – Procedimento de Identificação – n.º 5 que,
quando se deva presumir que o identificando seja menor, os agentes deverão, de
imediato, contactar com o seu responsável.
Cidadãos Estrangeiros Indocumentados
O art. 250 n.º 1 do CPP prescreve que “os órgãos de polícia criminal podem
proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao
público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas
(…) de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional (…)”.
E, caso o suspeito não tenha documentos ou não consiga apresentá-los (vide nºs 3
e 4 deste artigo) o n.º 6º refere, então, que estes órgãos de polícia criminal “podem
conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo
tempo estritamente indispensável à notificação, em caso algum superior a seis horas ”.
O art. 117 n.º1 do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto, alterado pelo DL n.º 34/03,
estatui que “o estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é
detido por autoridade policial e, sempre que possível, entregue ao SEF acompanhado do
respectivo auto, devendo o mesmo ser presente, no prazo máximo de quarenta e oito
horas após a detenção, ao juiz competente para a sua validação e aplicação de medida
de coacção.”
Da conjugação destes preceitos resulta que há uma tentativa de protecção destes
cidadãos, vigorando até o princípio do tratamento nacional, pois há uma sujeição à
mesma protecção que os cidadãos nacionais (no caso do prazo máximo para
apresentação a um juiz), não se prescrevendo de imediato a detenção – esta medida,
que mais afecta os direitos fundamentais do cidadão estrangeiro, só será tomada caso
não se consiga a identificação por outra via menos gravosa. Esta filosofia está também
presente a nível interno da PSP. Um exemplo é a Circular n.º 17341, da Direcção
Nacional, de 30 de Dezembro de 2004, que reforça que o art. 250 n.º 1º do CPP “exige
aos elementos das forças de segurança, com fundadas suspeitas de que uma pessoa
13
tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional, que envidem todos
os esforços no sentido da identificação desta, prescrevendo que podem conduzi-la ao
posto policial mais próximo e compeli-la a ali permanecer pelo tempo estritamente
indispensável à sua identificação.” (Conclusão 1 do Parecer da IGAI, ofício n.º 97/2004,
que segue em anexo a esta circular). Mas, acrescenta, deverão, durante este período de
tempo, ser realizadas diligências no sentido de se obter a identificação e só depois de
frustradas estas se deve solicitar informação ao SEF sobre a situação e confirmação da
(i)legalidade do suspeito em Portugal. Só depois de esgotados estes dois procedimentos
se deverá proceder à detenção.
Outra questão ligada com a identificação foi tratada num Reunião de representantes
da PSP com Magistrados do MP de Viseu, cuja acta consta da circular n.º 8897 de 17 de
Outubro de 2005, em que foram discutidos vários assuntos e donde se destaca o
procedimento a tomar quando o agente se apercebe que o detido o foi erroneamente. O
art. 261º do CPP soluciona este caso, por ordenar a imediata libertação, assim como
quando se verifique que esta é desnecessária.
A dúvida prendia-se com a possível (in)competência do superior hierárquico do
autor da detenção para ordenar esta libertação, embora verificados os pressupostos.
Como o interesse aqui que deve prevalecer é o da legalidade da detenção, com vista à
salvaguarda do direito à liberdade, o Procurador entendeu que tanto o autor da detenção,
como o seu superior hierárquico, (e este, mesmo com o desacordo do primeiro) têm o
poder-dever de proceder à imediata libertação, elaborando um relatório sumário da
ocorrência que deverá ser de imediato enviado ao MP, com respeito ao art. 261/2 CPP.
2. Relatórios de visitas
Em relação ao cumprimento dos procedimentos deste regime, só a IGAI se
pronunciou nos relatórios das suas visitas, ficando-se o CPT por uma advertência de que
também os identificandos deveriam beneficiar dos direitos previstos para os detidos, no
art. 61º do CPP (cf. Relatório de 1995 da visita a Portugal)
Acções de fiscalização sistemática da IGAI, sem pré-aviso, em postos da
GNR e esquadras da PSP em 1997 e 1998
Quanto ao procedimento de identificação de suspeitos, a IGAI constatou, de um
modo geral, a sua não utilização, o que poderia ser relativamente desculpabilizado e
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considerado como “normal que tal procedimento seja pouco utilizado em zonas de pouca
densidade populacional (2) onde todos se conhecem, já o mesmo não será normal em
áreas urbanas, e em especial, (como é o caso de muitas áreas abrangidas nestas acções)
em áreas superpovoadas. Cremos que tal acontece, devido às dificuldades que o
cumprimento desse procedimento legal suscita e que, em nossa opinião, as novas
disposições do CPP (art. 250º) não vieram substancialmente resolver até porque não foi
expressamente revogada a Lei nº 5/95, sobre a mesma matéria. De facto, desde a
dificuldade inicial de se saber se se está ou não perante um caso em que é admissível o
procedimento de identificação (tal como a revista de segurança), até às inúmeras
hipóteses que, nos termos daquele preceito do CPP, há que esgotar antes de ser
admissível conduzir alguém ao posto ou esquadra para aí ser identificado, tornam este
procedimento quase impraticável.”
Relatório Global das Acções da IGAI em 2001
“Verificou-se um generalizado conhecimento do procedimento de identificação.
Contudo o expediente elaborado e os modelos utilizados na PSP, não são uniformes,
havendo conveniência em tal uniformização.”
Relatório Global das Acções da IGAI em 2003
Com base nos elementos recolhidos nestas e noutras acções, a IGAI considerou de
muita importância que fosse dada formação aos agentes sobre os procedimentos de
identificação, pois verificou, com frequência, que a aplicação destes pressupostos não se
ajustava ao quadro legal, desde logo ao nível dos respectivos pressupostos. Considerou
ainda que se deveria proceder à “uniformização do expediente respeitante às detenções,
identificações, controlo de álcool, registos, comunicações, havendo toda a vantagem na
definição superior dos procedimentos base a adoptar pelo respectivo dispositivo, à
semelhança do que foi realizado pela Direcção Nacional da PSP.”
Da análise destes Relatórios pode concluir-se que, contrariamente ao desejável, não
são ainda cumpridos plenamente os procedimentos, dando azo a que mais facilmente se
criem situações de maus-tratos, pela maior fragilidade da posição dos detidos.
(2) Como o Relatório é conjunto para a GNR e para a PSP, cremos que aqui esta
referência se dirige à GNR e não à PSP, pois ser aquela que actua em meios rurais
15
Conclusão IV – Maus-Tratos Policiais
1. Legislação Internacional
A proibição da tortura é uma constante nos diplomas internacionais - confira-se os
artigos 5º da DUDH, 7º do Pacto, 5º do Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei e 3º da CEDH, que possuem conteúdo idêntico:
“Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.”
Em relação à CEDH, refira-se ainda o art. 5º (Direito à liberdade e à segurança)
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:
(…)
c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido;
(…)
f) Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição.
3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.
4. Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.
5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito a indemnização.
Em relação ao “Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas
Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão”, os princípios que aí se enunciam
aplicam-se para a protecção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção
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ou prisão, e não apenas dos detidos sob custódia da polícia. Começa logo por enunciar,
no seu princípio primeiro, que:
“A pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão deve ser tratada com humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano.”
No Princípio 2, é o respeito pela legalidade como forma de garantia dos cidadãos
que está em causa,
“A captura, detenção ou prisão só devem ser aplicadas em estrita conformidade
com as disposições legais e pelas autoridades competentes ou pessoas autorizadas
para esse efeito.” E o princípio 4 completa “apenas por autoridades judiciárias e
havendo uma efectiva fiscalização”.
O princípio 6 reitera a proibição da tortura e de tratamentos degradantes.
O princípio 21 refere que:
“É proibido abusar da situação da pessoa detida ou presa para a coagir a confessar,
a incriminar-se por qualquer outro modo ou a testemunhar contra outra pessoa.”
No princípio 33, salvaguarda-se o direito do detido ou do seu advogado
apresentar queixa relativamente ao seu tratamento, nomeadamente no caso de tortura,
perante as autoridades responsáveis pela administração do local de detenção e, se
necessário, pedir recurso. No n.º2 deste princípio refere-se que, caso o detido ou o seu
advogado não possam exercer estes direitos, “estes poderão ser exercidos por um
membro da família da pessoa detida ou presa, ou por qualquer outra pessoa que tenha
conhecimento do caso”. Esta queixa deve ser examinada prontamente e respondida sem
demora injustificada. “No caso de indeferimento do pedido ou da queixa, ou em caso de
demora excessiva, o requerente tem o direito de apresentar o pedido ou queixa perante
uma autoridade judiciária ou outra autoridade.” (n.º4) A pessoa detida ou o requerente
não devem sofrer prejuízos por terem apresentado queixa.
O Princípio 34 prescreve que se uma pessoa detida morrer ou desaparecer
durante a detenção, deverá ser determinada a realização de uma investigação sobre as
causas da morte ou do desaparecimento, oficiosamente ou a pedido de um membro da
família dessa pessoa ou de qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso. As
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conclusões ou o relatório da investigação serão colocados à disposição de quem o
solicitar, salvo se esse pedido comprometer uma instrução criminal em curso.
O Princípio 35 consagra, a par da CEDH, o direito à indemnização pela actuação
dos funcionários.
Tanto a Declaração como a Convenção contra a Tortura, por mais específicas,
contém um maior número de normas aplicáveis. Tendo agora em conta a Convenção,
mais recente, verificamos que no seu art. 1º se define “tortura” de uma forma muito
abrangente, abarcando tanto o sofrimento físico como psicológico. A Convenção proíbe a
tortura em qualquer ocasião, não havendo justificação para tal acto, mesmo quando o
país esteja em guerra. Coerentemente, proíbe-se a extradição de qualquer cidadão para
um país onde seja razoável crer que será submetido a práticas de tortura (art. 3º). A
tortura, bem como a tentativa e a comparticipação neste acto deverão ser punidas
penalmente (art. 4º). No art. 10º prescreve-se que
“Os Estados partes deverão providenciar para que a instrução e a informação
relativas à proibição da tortura constituam parte integrante da formação do pessoal
civil ou militar encarregado da aplicação da lei, do pessoal médico, dos agentes da
função pública e de quaisquer outras pessoas que possam intervir na guarda, no
interrogatório ou no tratamento dos indivíduos sujeitos a qualquer forma de prisão,
detenção ou encarceramento.”
Para efectivar estas condições, a Convenção impõe aos Estados uma vigilância
sistemática relativamente à aplicação destas normas, e um inquérito rigoroso sempre que
se suspeite ter havido prática de tortura ou que um cidadão exerça o seu direito de fazer
queixa. Na Convenção prevê-se, ainda, a criação do Comitee Against Torture.
Declaração sobre a Polícia
O Conselho da Europa considera que o exercício pleno dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais terá que ter, necessariamente, por base a existência de uma
sociedade pacífica – e daí a importância do papel da polícia porquanto mantém a ordem
pública. Reconhece-se que a polícia intervém em condições, muitas das vezes, perigosas
e que o cumprimento dos seus deveres é difícil, pois as regras aplicáveis não estão
definidas com precisão.
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O móbil desta resolução é o facto de a Assembleia acreditar que o sistema europeu
de protecção dos direitos humanos seria melhorado pela existência de regras
deontológicas essencialmente comuns.
Esta resolução está dividida em três partes: a parte A, que versa sobre ética, a
parte B, Estatutos e a parte C – comportamentos a ter em caso de guerra, emergências e
ocupação do país.
Para este tema, é de realçar o parágrafo 3 da parte A, onde se refere que as
execuções sumárias, torturas e outras formas de tratamento degradante estão
liminarmente proibidas em qualquer circunstância. O agente policial tem a obrigação de
desobedecer a ordens ou instruções que contrariem esta disposição. Este agente estará
protegido, como refere o parágrafo 7, de sanções disciplinares ou criminais por se ter
recusado a obedecer a ordens ilegais. Contudo, para os demais (parágrafo 9) vigora a
regra geral segundo a qual o agente é responsável pessoalmente pelos seus actos e pelos
actos de comissão ou omissão que ordene.
Esta resolução refere, igualmente, (parágrafo 11) que deve existir um sistema de
garantias legais e de formas de minorar os danos resultantes das actividades policiais. No
parágrafo 12, a Resolução reitera a necessidade de proporcionalidade – não se deve
utilizar mais força do que a razoavelmente necessária – embora deva usar de toda a
determinação necessária. No parágrafo 13, estatui-se que os agentes devem receber
instruções claras e precisas sobre que circunstâncias devem usar as suas armas.
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
A Assembleia-Geral da ONU elaborou este código com consciência da importância
das tarefas desempenhadas por estes funcionários mas que, no entanto, pode, por vezes,
dar azo a abusos de poder. Este código é apenas uma de várias medidas que visam a
protecção dos direitos dos cidadãos contra esses abusos, sendo igualmente importante o
controlo por parte do próprio órgão, que possui o dever de disciplina.
Estas normas só terão valor prático se forem devidamente inculcadas nos
funcionários, mediante formação, educação e controlo.
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2. Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)
Não sendo este um trabalho cujo objecto seja a análise de acórdãos, nem nunca
tendo o TEDH se pronunciado, felizmente (?), sobre a Polícia em Portugal, consideramos,
no entanto, que seria útil fazer uma breve referência a algumas das suas conclusões
doutrinais, que tomámos conhecimento com base numa pesquisa, muito breve, cujo
critério foi sobretudo a data mais recente desses acórdãos.
O caso Mikheyev v. Rússia, de 26 de Janeiro de 2006, colocou ao tribunal diversas
questões de possível tortura policial. Mikheyev, muito resumidamente, sofreu vários
maus-tratos, incluindo choques eléctricos nos seus genitais, com vista a obter uma
confissão. Em consequência, tentou suicidar-se, saltando de uma janela da esquadra, o
que resultou em fracturas da sua coluna vertebral.
Na análise destes casos, o TEDH considera necessária uma forte base probatória (tal
como em Klaas v. Alemanha. Mas quando o ofendido está sob a custódia da polícia
(como no caso sub judice), e só as autoridades têm conhecimento do sucedido, o TEDH
considera que é a elas que cabe o ónus da prova. Na falta de apresentação de provas,
dos resultados da investigação (como sucedeu aqui) o Tribunal pode decidir contra o País
em causa (tal como em Orhan v. Turquia §274 e Bekos e Koutropoulos v. Grécia
§47), mesmo que os factos alegados pelo ofendido não estejam completamente
esclarecidos (cf. § 105 do acórdão em análise) Quanto à investigação, que também foi
criticada, o TEDH entendeu, contudo, que a falta de conclusões não significa que a
investigação não tenha sido eficaz, pois a obrigação é de meios e não de fins. É
fundamental para a independência da investigação que esta não seja conduzida pela
entidade à qual pertencem os alegados ofensores (como sucedeu neste caso). O TEDH
decidiu, então, por unanimidade, que o art. 3º tinha sido violado, pela prática de tortura
e pela má condução da investigação. O Tribunal lembra, ainda, em Bekos e
Koutropoulos §204 (onde os ofendidos, de etnia cigana, foras vitimas de racismo e de
humilhação sexual), e em Tekin v. Turquia, §52, que a possível violação do art. 3º terá
que ter em conta várias factores e variará no caso concreto, atendendo à duração dos
maus-tratos, os seus efeitos físicos e psicológicos e, por vezes, o sexo, idade, e estado de
saúde da vítima. Por fim, em Taniş e outros v. Turquia, o TEDH considera que tem de
haver um controlo público da investigação, para assegurar a responsabilidade tanto na
prática como na teoria (aliás, na esteira do CPT, como veremos mais à frente). O grau
de controlo adequado varia de caso para caso, mas pelo menos os familiares da vítima
deverão estar envolvidos. (cf. também Güleç v. Turquia, Oğur v. Turquia e McKerr v.
Reino Unido)
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Muito interessante é o acórdão Jalloh v. Alemanha, 11 de Julho de 2006, que
descreve o caso de um possível traficante de droga que ingeriu o saquinho de plástico
que continha uma dose que estava prestes a vender. A polícia, para tentar recuperar esse
saco, administrou-lhe medicamentos, através de um tubo inserido pelo nariz até ao
estômago, que lhe provocaram vómitos, sendo assim expelido o saquinho. Este método
causou-lhe ainda muito desconforto e hemorragias nasais durante vários dias.
Este acórdão, nos seus parágrafos 64-74 sumariza a jurisprudência bem firmada no
TEDH no que respeita aos critérios da avaliação de possíveis violações do art. 3º. Começa
por dizer, como já foi mencionado acima, que essa violação dependerá do caso concreto
e das características da vítima. Discorre, depois, sobre o direito probatório, nos termos já
enunciados. De seguida, pronuncia-se sobre o que será um “tratamento desumano” –
porque foi premeditado, praticado durante horas, ou porque causou lesões ou sofrimento
mental e físico intenso (Labita v. Itália §120); um tratamento “degradante” será aquele
que suscita nas vítimas sentimentos de medo, angústia e inferioridade, humilhando-as ou
levando-as a praticar actos contra a sua vontade ou consciência.
O art. 3º obriga os Estados a proteger a integridade física dos detidos. Uma medida
que seja necessária do ponto de vista terapêutico nunca poderá ser considerada como
degradante (Herczegfalvy v. Áustria), aplicando-se, por exemplo, à alimentação
forçada de um detido que se recusa a comer (caso Nevmerzhitsky v. Ucrânia). Mesmo
quando não motivado por necessidade médica, os artigos 3º e 8º da CEDH não proíbem o
recurso a procedimentos médicos, contra a vontade do suspeito, para obter provas, por
exemplo, retirar uma amostra de saliva ou sangue (X. v. Holanda). Contudo, isto não
significa a admissibilidade de qualquer procedimento. É preciso um avaliar cuidado das
circunstâncias, demonstrando-se que não se pôde recorrer a outros meios menos
invasivos, não envolver riscos para a saúde do suspeito, e ter-se em conta o sofrimento
que resultará para o detido dessa intervenção médica forçada (Peters v. Holanda). Por
outro lado, esse procedimento deve ser administrado por um médico, mantendo-se o
detido sob vigilância médica (Ilijkov v. Bulgária). São também importantes as
consequências para a saúde do detido.
O TEDH decidiu (10 votos contra 7) que o art. 3º tinha sido violado. Contudo, é
interessante a declaração de vencido dos juízes Ress, Baka, Pellonpää e Sikuta, que
rejeitam a conclusão da maioria de que, como o ofendido tinha apenas uma dose, não
traficaria em larga escala, não sendo a recuperação da prova assim tão importante; que
o deixar o saco sair “de forma natural” fosse menos degradante que o meio utilizado
(implicando um controlo estrito das visitas ao WC do detido, talvez durante dias) e que a
sonda nasogástrica é comummente utilizada e o procedimento foi bastante rápido.
21
3. O trabalho do CPT
A nível europeu, tem sido muito importante o papel do CPT para a prevenção da
tortura. O CPT foi criado pela Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e
das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes, aprovada em Portugal em
1990.
A principal forma do CPT reforçar a protecção contra a tortura (art. 1º Convenção)
é através do exame das condições de detenção e do respeito dos direitos dos detidos,
através de visitas periódicas ou ad hoc. O CPT é composto por um número de membros
igual ao das partes, de personalidades de elevada condição moral, e conhecidas pela sua
competência e conhecimentos sobre os direitos humanos. (3)
Os membros do Comité são independentes e imparciais no exercício das suas
funções. Quando pretende efectuar uma visita, o Comité notifica o Governo e, nos termos
da Convenção, fica habilitado a visitar, em qualquer momento, os locais onde se
encontrem pessoas detidas, sendo-lhes concedidas as seguintes facilidades:
- Acesso ao território nacional e o direito de aí se deslocar sem restrições;
- Acesso às informações sobre os locais onde se encontrem pessoas detidas;
- Possibilidade de visitar livremente qualquer local onde se encontrem detidos,
incluindo o direito de se deslocar sem restrições no interior desses locais;
- Cooperação das autoridades públicas para obter informações necessárias ao CPT
para o cumprimento da sua missão.
De realçar que o CPT é uma entidade sobretudo preventiva, e não judicial, já que
não tem autoridade para julgar queixas. A sua missão é sobretudo inspeccionar os
lugares de detenção e fazer recomendações, pois o objectivo da Convenção não é o de
condenar os Estados partes, mas sim, o de ajudá-los a melhorar as condições em que os
detidos se encontram e na sua protecção, pois como o próprio Preâmbulo refere, “(…) a
protecção das pessoas privadas de liberdade contra a tortura e as penas ou tratamentos
desumanos ou degradantes poderia ser reforçada por um mecanismo não judicial, de
carácter preventivo, baseado em visitas”.
(3) Segue-se aqui o texto da Dra. Maria José Nogueira ”Estudo, análise e avaliação do modelo das Inspecções-Gerais internas das duas Forças de Segurança.”, 1999 disponível em www.igai.pt
22
4. Legislação Nacional
São várias as normas constitucionais e legais que consagram a responsabilidade
dos funcionários e agentes da Administração Publica, pelas suas acções ou
omissões das quais resulte a violação de direitos ou de interesses legalmente
protegidos dos cidadãos. É de salientar o art. 271º da CRP, no seu n.º1, artigo a que
preside a ideia acabada de enunciar e, especialmente os seus números 2 e 3, onde se
exclui a responsabilidade do agente que actue no cumprimento de ordens se previamente
tiver delas reclamado ou exigido a confirmação por escrito e, no n.º 3, a cessação do
dever de obediência sempre que o cumprimento da ordem resulte em crime.
Quanto à legislação concretamente aplicável à PSP, é de realçar o Regulamento
Disciplinar e o Código Deontológico da PSP e GNR, Resolução de Conselho de
Ministros nº 37/2002, DR Série I-B de 28 de Fevereiro de 2002.
Este código foi adoptado no exercício de auto-regulação deontológica, pelos próprios
agentes de segurança, tendo em conta o espírito dos vários instrumentos internacionais
recebidos no nosso ordenamento, com especial relevância para a CEDH, e a Resolução
n.º 690 da ONU (Declaração sobre Polícia) e o Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei.
De realçar o artigo 2.º onde se prescreve o “absoluto respeito” dos membros das
forças de segurança aos direitos humanos e em especial, pela CRP, pela DUDH, pela
CEDH, entre outras convenções internacionais e legislação comunitária. Estes direitos
deverão ser respeitados sem discriminação pela pessoa em causa e os agentes têm, em
especial, “o dever de, em qualquer circunstância, não infligir, instigar ou tolerar actos
cruéis, desumanos ou degradantes.” (art. 3º). O art. 4º versa sobre o respeito dos
direitos fundamentais da pessoa detida, prescrevendo-se que:
“1- Os membros das forças de segurança têm o especial dever de assegurar o
respeito pela vida, integridade física e psíquica, honra e dignidade das pessoas sob a sua
custódia ou ordem.
2 - Os membros das forças de segurança devem zelar pela saúde das pessoas que
se encontram à sua guarda e tomar, imediatamente, todas as medidas para assegurar a
prestação dos cuidados médicos necessários”
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No art. 5º proíbe-se a prática de actos de abuso de autoridade. O art. 10º, por
fim, prescreve a responsabilidade dos agentes quer pelas suas acções, quer pelas
omissões e o seu dever de reparar os efeitos negativos daí resultantes.
A lei portuguesa contém várias normas que penalizam a tortura e outras formas de
maus-tratos e tratamentos degradantes. Desde logo, a proibição constitucional, no
seu art. 25º n.º 2:
“Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes
ou desumanos”.
No Código Penal (CP), com a sua revisão em 1995, foram tipificadas como crime, no
art. 243º as condutas apenas de quem “ (…) tendo por função a prevenção, perseguição,
investigação ou conhecimento de infracções criminais (…)” e torturar para:
a) Obter dela [da pessoa detida] ou de outra pessoa confissão, depoimento,
declaração ou informação b) A castigar por acto cometido ou supostamente cometido por ela ou por
outra pessoa c) A intimidar ou para intimidar outra pessoa
Poder-se-á questionar se estas alíneas não limitarão a aplicação deste artigo. Uma
previsão mais genérica, provavelmente, não poria em causa os princípios de legalidade
que norteiam a legislação penal e abarcaria, na certa, todas as práticas de tortura. Talvez
se possa argumentar que todas as situações se podem reconduzir a uma destas alíneas.
Mas a conduta de alguém que agrida um detido simplesmente pelo prazer de o fazer, ou
movido por discriminações raciais ou religiosas (aliás, motivos previstos no próprio CP,
nas alíneas d) e e) do art. 132º do CP), não será tão fácil de integrar numa destas
alíneas, pelo menos num entendimento restrito e literal, que deverá ser o único
comportado por uma norma punitiva como esta.
O art. 244º prevê uma pena mais grave para quem, praticando estas condutas,
produza ofensa à integridade física, empregue métodos de tortura particularmente graves
ou pratique habitualmente estes actos. A pena é agravada se destes factos resultar o
suicídio ou morte da vítima. (244º n.º 2)
No art. 245º, pune-se o superior hierárquico que, tomando conhecimento destas
práticas, não as denuncie no prazo máximo de 3 dias após o conhecimento. O art. 32º
n.º 8 CRP, tal como o art. 126º do CPP, prescrevem um regime semelhante em termos
24
de prova, proibindo a utilização das provas obtidas por esta forma, considerando-as
nulas.
Toda a pessoa que considerar ter sido vítima de maus-tratos, abuso de autoridade
ou de um uso excessivo da força e dos meios coercivos, tem o direito de apresentar
queixa, que tem de ser aceite. (4) Esta queixa pode ser apresentada aos órgãos
administrativos (MAI, Comandantes das forças policiais, etc.), às autoridades judiciais
(gabinete do MP, por exemplo) ou a ambos. A queixa pode ainda ser apresentada junto
das entidades supervisoras com carácter informal (a Provedoria de Justiça, o Comité dos
Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República) que podem pedir
informações sobre os procedimentos adoptados aos órgãos “formais” de supervisão, para
além de poderem levar a cabo a sua própria investigação.
Estas queixas dão origem a dois tipos de procedimentos que, de acordo com a
nossa lei, são paralelos mas autónomos – os processos disciplinares, que visam
verificar se terá havido uma possível violação do agente dos seus deveres estatutários, e
processos criminais, caso a conduta se possa enquadrar num tipo legal de crime.
Da reunião em Viseu de Magistrados do MP e de representantes da PSP, já acima
citada (5) resultou a reafirmação de que o procedimento mais indicado, por razões de
isenção e transparência, quando são registadas denúncias contra agentes policiais, é o
envio directo desta denúncia ao MP, para o competente inquérito. Mesmo se à partida os
suspeitos não estão identificados, se entretanto surgir a suspeita de que poderá ser um
agente, deverá, então, o inquérito ser, de imediato, enviado ao MP, para apreciação e
despacho adequado.
Quanto aos processos disciplinares, são as patentes mais altas que investigam o
assunto, tuteladas pelo Ministro. Pode-se sempre recorrer para os tribunais
administrativos competentes da sanção imposta, que pode ir de uma mera reprimenda à
expulsão da Polícia. Durante este processo, o acusado é sempre ouvido pessoalmente, e
é convidado a juntar provas e a ser informado, se o quiser, do andamento do processo. A
base para este processo e a sua tramitação estão definidas no Regulamento Disciplinar
da PSP, Lei nº 7/90 de 20 de Fevereiro de 1990. Quando, durante o processo disciplinar,
se conclui que para além de uma violação dos seus deveres profissionais, o agente terá
cometido uma ofensa criminal, esses factos são relatados ao Departamento do MP, de
acordo com o art. 242º do CPP, n.º 1 b).
(4) Seguimos aqui a Resposta do Governo ao Relatório de 1992, CPT/Inf (94) 9 (5) (vide pág. 13)
25
A instrução, que tem a forma de um inquérito, cabe ao MP – art. 262º e ss do CPP,
e todas as autoridades administrativas deverão cooperar.
O arguido é julgado pelos tribunais criminais comuns, com competência territorial
para o efeito, e a hierarquia policial está impedida de interferir directa ou indirectamente
no processo. As decisões são vinculativas para todas as autoridades, nos termos do art.
205º n.º2 da CRP, enunciando-se ainda a independência dos tribunais e a autonomia do
MP (203º e 219º CRP).
Estes tribunais têm competência para, no contexto da condenação criminal, ordenar
a expulsão da Polícia ou a suspensão temporária do exercício de funções públicas, como
previsto nos artigos 66º e 67º do CP.
Mesmo que não tenha sido formalizada a queixa, se se obtiver conhecimento, por
qualquer que seja o meio, que poderá ter havido uma violação dos direitos fundamentais
por parte de um membro das forças de segurança, tanto os procedimentos disciplinares
como os criminais deverão ser accionados. Aliás, o art. 70º do já mencionado
Regulamento Disciplinar estatui que o procedimento disciplinar é obrigatório sempre que
os oficiais obtenham conhecimento de factos que possam fazer o agente incorrer em
responsabilidade disciplinar:
Art. 70º (Competência para a instauração do processo)
1- O processo inicia-se com o recebimento de auto de notícia, queixa, participação, requerimento ou despacho.
2- São competentes para instaurar ou para mandar instaurar processo disciplinar contra os respectivos subordinados os superiores hierárquicos que exerçam funções de comando, direcção ou chefia.
3- Sempre que aos factos notificados corresponda pena disciplinar que exceda a competência da entidade que deles tomar conhecimento, a instauração do processo deve ser imediatamente comunicada ao superior hierárquico do escalão imediato.
Quanto ao processo criminal, o MP adquire notícia do crime (art. 241º), que
regista (art. 247º) e dirige, depois, um inquérito (262º e ss).
Os casos de abuso de autoridade e violação dos direitos humanos são, quase
sempre crimes públicos, (cf. art. 158º - sequestro, 243º e 245º - proibição da tortura,
382º - abuso de poder) o que obriga o MP a iniciar o processo criminal, nos termos do
art. 219º n.º1 da CRP e 48º e 53º do CPP.
Contudo, a falta de interesse ou simplesmente de empenho por parte das vítimas,
quaisquer que sejam os motivos, tornam difícil o sucesso do processo judicial. No
entanto, tem-se verificado, nos últimos anos, uma mudança de mentalidade das vítimas:
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logo após os incidentes ocorrerem, de imediato denunciam o caso à imprensa ou à
Provedoria, mas pouco depois perdem o interesse e não se empenham muito em
cooperar com a investigação, seja das entidades administrativas ou judiciais. (6)
Desta breve resenha parece-nos que a nossa legislação é adequada, prevendo até
que se proceda a investigações mesmo quando as vítimas não formalizam queixas. O
importante é que haja uma mudança na maneira de pensar não só das vítimas, mas
também das autoridades que têm conhecimento de que estas situações ocorreram. E, em
relação a este ponto, é de salientar a Informação / Proposta n.º 25/97 da IGAI, onde se
refere que a IGAI tem recebido informações de que por vezes os cidadãos desejam
apresentar queixa, mas “os agentes de autoridade as recusam com os mais diversos
fundamentos, desde a invocação que não são competentes, passando pelo facto de que a
queixa a nada irá conduzir, incluindo respostas do tipo “venha cá amanhã”. Porque estas
atitudes põem em causa a imagem das forças de segurança e dificilmente têm apoio
legal, a IGAI propôs ao MAI que determinasse que fossem tomadas as providências
adequadas para estas queixas serem prontamente recebidas, independentemente da sua
natureza criminal ou não, e da competência para as receber. Neste caso, a queixa seria
reenviada para a entidade competente, informando-se disso o cidadão.
5. Os Padrões do CPT (“CPT Standards”)
Neste documento, o CPT descreve que, com frequência, encontra nas esquadras
objectos suspeitos, como paus de madeira, cabos de vassouras, bastões de basebol,
varas de metal, pistolas ou facas de imitação. A presença destes objectos dá crédito às
alegações de detidos de que foram ameaçados ou mesmo maltratados com objectos
daqueles tipos. Uma explicação comum que o CPT ouve, para a presença destes objectos
nas esquadras, é a de que estes foram confiscados aos suspeitos e serão usados como
prova. Mas a verdade é que a maior parte deles não estão etiquetados, e muitas vezes
são encontrados escondidos, (por detrás de cortinas, por exemplo) o que faz duvidar
desta explicação.
Para acabar com esta especulação, o CPT sugere uma etiquetação sistemática e a
arrumação dos objectos que sejam provas, num sítio indicado. Todos os outros objectos,
do tipo mencionado acima, não deverão existir numa esquadra. Aliás, esta recomendação
corresponde ao que está previsto no CPP, art. 178º n.º 2.
(6) Conclusões da Resposta do Governo ao Relatório de 1992, pág. 10 na versão inglesa
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6. Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
A delegação do CPT falou com muitas pessoas sobre a sua experiência, enquanto
tinham estado sob a custódia da polícia. Foram-lhe contadas numerosas alegações de
maus-tratos: os mais comuns eram as agressões físicas, incluindo pontapés, murros,
coronhadas, pancadas com os casse-têtes, etc. Por vezes, os polícias, que não estavam
de serviço, eram os alegados perpetuadores de tais maus-tratos.
Muitos dos detidos que fizeram estas acusações foram examinados pelos médicos
da delegação e alguns deles apresentavam hematomas consistentes com as suas
alegações. A existência de maus-tratos policiais foi ainda corroborada pelos
representantes das ONG com quem a delegação contactou. A delegação falou, ainda, com
dois juízes que confirmaram que é frequente encontrar casos de feridas consistentes com
as alegadas acusações que alguns detidos fazem. Contudo, o entendimento generalizado
das pessoas com quem o CPT contactou é que a maior parte dos detidos se mostrava
relutante em fazer uma queixa escrita.
Este assunto foi ainda discutido com a Provedoria de Justiça que, com base em
estatísticas disponibilizadas, demonstrou que o número de queixas por maus-tratos nas
esquadras, depois de uns anos em que tinha descido, tinha voltado a aumentar.
O CPT concluiu assim que os maus-tratos policiais são, em Portugal, um fenómeno
relativamente comum.
Resposta do Governo
Como seria de esperar, o Governo considerou esta última afirmação excessiva, pois
os casos de abuso seriam, no seu entender, excepcionais, como é da percepção geral das
autoridades, das várias organizações e dos próprios media. E essas situações, quando
aconteciam, seriam severamente punidas, quer a nível disciplinar, dentro da própria
hierarquia da Polícia, onde respondem perante o MAI (de cuja decisão cabe, no entanto,
recurso para os tribunais), quer a nível criminal, quando a conduta preencha um tipo
legal, perante os tribunais competentes. Neste nível, é o gabinete do MP que conduz a
investigação.
28
Visita do CPT em 1995
Um grande número de detidos, com quem a delegação contactou, alegou que tinha
sido vítima de maus-tratos policiais. Tal como em 1992, a principal forma dessa agressão
teria sido a ofensa física (pontapés, murros) e a falaka (tortura pelos pés). Registaram-
se, igualmente, muitas queixas sobre o uso excessivo de força por parte dos agentes e
ainda, noutras situações, de que os detidos teriam sido agredidos por outras pessoas na
via pública e os polícias nada teriam feito para evitar esta situação. E, após o exame dos
médicos da delegação, alguns dos detidos apresentavam marcas consistentes com as
alegações efectuadas.
Estas queixas colocaram-se sobretudo face aos membros da PSP (embora também,
apesar de em menor número, nos detidos nos quartéis da GNR, que foram, igualmente,
entrevistados pelo CPT). Por exemplo, entrevistaram um detido no Comando
Metropolitano de Lisboa (COMETLIS) que tinha sido detido pela PSP de Benfica, e que
teria sido maltratado por polícias à paisana. Estes tê-lo-iam algemado a outro detido e
feito sentar no chão de uma garagem, onde alegadamente lhe bateram repetidamente,
com um bastão preto, que ele descreveu com algum detalhe. O exame médico revelou
dois hematomas alongados, com cerca de 10 e 25 centímetros, nos ombros, e marcas
mais pequenas nos braços e nas pernas. Pela opinião do médico, estas lesões
corroboravam perfeitamente a alegada agressão.
Quando o CPT visitou a esquadra em Benfica, encontrou o bastão preto e outras
armas descritas por outros detidos que também teriam sido maltratados. Essas armas
não correspondiam às típicas da polícia, e não estavam etiquetadas como prova. Mas
esta situação ocorreu, não só na esquadra de Benfica, mas também noutras esquadras.
Realça-se o caso da PSP da Amadora, em que a parede do local onde os detidos eram
interrogados estava adornada com várias réplicas de armas, bastões, etc. Uma “colecção”
semelhante deste tipo de objectos foi encontrada na esquadra do Seixal. Quando
interrogados sobre os motivos da existência destes objectos nas esquadras, os agentes
deram várias explicações, mas talvez a mais plausível tenha sido a de um agente da
Amadora, que referiu que inspirava respeito por parte dos detidos.
De referir ainda o que sucedeu na esquadra da PSP na Av. da República em Vila
Nova de Gaia. Pouco depois de a delegação do CPT chegar, foi trazido um detido que
imediatamente começou a queixar-se que tinha sofrido maus-tratos por um dos polícias à
paisana ali presentes. Interrogado em privado, deu mais explicações sobre as alegadas
agressões e foi examinado por um médico da delegação, que encontrou vários
29
hematomas e lesões. Mas o que é realmente interessante é que, no seguimento deste
exame, o oficial de dia decidiu libertar a pessoa em causa, sem mais. A sua queixa não
foi registada.
Em relação às armas que a delegação encontrou, em locais onde os suspeitos
podem estar detidos ou serem interrogados, o CPT recomendou que:
- se tomassem medidas urgentes para que as armas que fossem provas fossem
etiquetadas como tal e guardadas num local seguro e indicado para o efeito;
- que outras armas “non-standard” sejam retiradas das instalações policiais.
Com base nas informações conseguidas durante esta segunda visita e nas
estatísticas em relação ao número de queixas de maus-tratos, infelizmente, o CPT
concluiu que, ao contrário do que a resposta do Governo exclamava, este fenómeno
continuava relativamente comum, tal como tinha afirmado em 1992, mas sendo
especialmente acutilante no que concerne a PSP. O CPT considera mesmo que é
provável que as autoridades tenham subestimado a dimensão do problema.
Resposta do Governo
O Governo, mais uma vez, considera excessiva a afirmação de que haverá um
grande número de casos de maus-tratos policiais. Por outro lado, refere que está
sociologicamente provado que há uma tendência de certos detidos para alegar ter sofrido
agressões quando são detidos em flagrante delito, ou quando as provas contra eles se
revelam esclarecedoras e incriminadoras. É um fenómeno, considera o Governo, já
conhecido e objecto de vários estudos.
O Governo acrescenta, ainda, que não se pode ignorar as condições particularmente
difíceis dos agentes, sobretudo daqueles que trabalham nos bairros degradados de Lisboa
e Porto e seus arredores, onde o fenómeno da delinquência associado ao consumo de
droga se agravou bastante nos últimos anos. Nestes locais o ambiente é muito agressivo,
donde que se torna muito difícil cumprir a sua missão sem recorrer ao uso da força. Daí
se explica que os números relacionados com a PSP sejam bastante mais negativos que os
da GNR (que actua primacialmente em zonas rurais, com menos população).
Por outro lado, os números e dados em que o relatório do CPT se baseia não
permitem discernir, com segurança, entre os casos de alegados abusos cometidos
durante operações destinadas especificamente a manter a ordem, ou para executar
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mandados judiciais para efectuar detenções, revistas, apreensões – situações onde o uso
da força estará mais frequentemente justificado – dos outros casos, ocorridos no interior
das esquadras e que, aí sim, em geral, serão injustificados.
Depois de ter sido conhecido o Relatório do CPT, as altas patentes do Comando da
PSP foram investigar e chegaram à conclusão que, a maior parte dos casos conhecidos de
emprego da força física, teve lugar em situações em que houve uma reacção violenta ao
trabalho dos agentes, nomeadamente durante as detenções ou buscas policiais. E a
verdade é que o Governo cita o Relatório da Amnistia Internacional que apenas
identifica dois casos graves de abusos policiais e alegadamente imputados a agentes da
PSP, em 1995.
Em relação às armas encontradas nas esquadras, o Governo clarificou, que, depois
de solicitados esclarecimentos aos responsáveis dos locais em causa, que a quase
totalidade das armas e instrumentos insólitos (sic) provinham da entrega voluntária dos
cidadãos ou de apreensões efectuadas em operações de rua, sem conexão com
procedimentos criminais. Todos os outros casos, incluindo aqueles que constituem prova
nalgum caso mas que não estão identificados como tal, são anomalias que o Governo
considera “sem justificação”.
Visita do CPT em 1999
Comparativamente às visitas de 1992 e 1995, relativamente poucas das pessoas
entrevistadas pela delegação do CPT, que estavam ou tinham estado recentemente
detidas pela polícia, alegaram terem sido maltratadas. O CPT considerou isto, claramente,
como um sinal positivo. Contudo, a persistência ainda de algumas alegações significa
que as autoridades terão que se manter vigilantes.
Tal como nas visitas anteriores, a principal forma dos alegados maus-tratos
consistiu em pontapés e murros, e agressões com casse-têtes e outros objectos. Nalguns
casos, foi possível observar marcas e lesões consistentes com as alegações. Como
exemplo, refira-se o exemplo de um detido que alegou que, apenas cerca de cinco horas
antes, tinha sido pontapeado no tórax por um agente da polícia, para aparentemente
recuperar um saco de heroína que ele teria tentado ingerir. Depois de ter sido trazido
para a esquadra nas Antas, teria sido pontapeado e insultado pelos agentes enquanto
estava deitado no chão. Este detido tinha vários arranhões nas mãos, inchaços nas
pernas e o seu tórax estava dorido ao toque.
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O CPT refere ainda o relatório de 1998 da entretanto criada IGAI. Durante este ano,
foram examinados pela IGAI cerca de 250 casos de possíveis más condutas de polícias.
Em resultado, a IGAI iniciou 27 investigações formais (15 contra agentes da PSP, 12
contra militares da GNR), incluindo 11 casos de alegadas agressões aos detidos, e 7
mortes envolvendo o uso de armas de fogo (3 durante as detenções e 4 nas esquadras).
Noutro aspecto, a delegação ficou muito satisfeita pelo facto de, ao contrário das
anteriores visitas, não ter encontrado armas suspeitas em zonas onde os detidos estão
detidos ou são interrogados.
Resposta do Governo
O Governo salienta que, durante as acções de inspecção carreadas sem aviso prévio
pela IGAI, não foram encontradas circunstâncias de maus-tratos físicos, detenções ilegais
ou outras formas de abuso policiais. No entanto, refere o seguinte:
- três casos envolvendo a morte de suspeitos, sendo que dois deles ocorreram
durante ou como resultado da intervenção de membros da PSP, nomeadamente, dois
deles que ocorreram durante em operações na rua, durante a noite, e um terceiro, mais
relevante para o nosso estudo, que resultou na morte de um cidadão que se tinha
dirigido à esquadra da PSP em Coimbra onde alegadamente foi agredido e terá morrido
dias mais tarde devido a essas agressões. A investigação tanto a nível disciplinar como
criminal, conduzida pela IGAI, estava, na altura, praticamente concluída, mas não se
tinha chegado a nenhuma decisão ainda.
- dois casos de suicídio de pessoas que estavam sob a custódia da polícia. Os
processos respectivos de investigação foram arquivados devido à falta de indícios de
responsabilidade disciplinar ou criminal.
- 82 casos envolvendo agressões corporais e abuso de poder, que ocorreram, na
sua grande maioria, durante as detenções de cidadãos. Destes casos, 53 eram
imputáveis a agentes da PSP (cerca de 65%), 27 da GNR e 2 ao SEF.
Destes 82 casos, apenas dez foram considerados graves o suficiente para serem
investigados pela IGAI, correspondendo 5 deles a agentes da PSP (e os outros 5 à GNR).
Destes 10, 7 foram arquivados porque não se apurou nenhuma responsabilidade, quer
disciplinar quer criminal. Nos restantes três, um resultou em sanções que determinaram
a suspensão de funções de 25 a 125 dias dos dois agentes envolvidos. No segundo caso,
foi proposta uma sanção de suspensão de funções para os 6 agentes envolvidos, um
deles com 20 dias, outro com 125 dias e os restantes com 75 dias. No entanto, à data da
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conclusão desta resposta, ainda não tinha havido uma decisão. Quanto ao terceiro caso,
a investigação ainda não tinha sido concluída.
Desse número de 82 casos, cerca de 20 (25%) ocorreram em 1999 mas apenas
foram denunciados e investigados no ano de 2000. Por outro lado, comparando os dados
de 2000 com os de 1999, verifica-se uma redução significativa no número de casos de
maus-tratos e abuso de poder.
Relatório Global das acções de fiscalização sistemática da IGAI, sem pré-
aviso, em postos da GNR e esquadras da PSP, em 1997 e 1998
Infelizmente, nestes Relatórios da IGAI, não se consegue saber, em concreto, o
que a Inspecção encontrou em cada esquadra, pois o relatório é generalizado, no
entanto, há a destacar a conclusão global da “não verificação de situações de
flagrante violação de direitos fundamentais, de maus-tratos e abusos (não
obstante o carácter inopinado das visitas e as circunstâncias de muitas delas terem sido
efectuadas em períodos nocturnos, fins de semana e em locais considerados
particularmente difíceis).”
Relatório Global das Acções da IGAI em 2001
No que concerne esta matéria, sobressai neste Relatório o facto de “não ter sido
encontrado qualquer detido com sinais ou queixas de maus-tratos, não obstante nalguns
dos locais visitados se encontrarem e terem sido contactadas pessoas detidas”
Relatório Global das Acções da IGAI em 2003:
Similarmente aos relatórios anteriores, nas acções realizadas não se detectou
“qualquer situação de violação de direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente
de detidos ou pessoas conduzidas aos Postos e Esquadras com vista à efectivação de
procedimentos legais, não obstante terem sido encontradas pessoas detidas.”
Em relação aos Relatórios do CPT, impõe-se uma nota: o CPT visitou também
Portugal em 1996, embora tivesse sido uma visita de follow-up e apenas num
Estabelecimento Prisional do Porto). Mas em 2002 e 2003 o CPT efectuou duas visitas
periódicas ao nosso país, que seriam de muita utilidade a este trabalho, (até porque os
relatórios da IGAI disponibilizados ao público pecam pela generalização dos seus dados),
por terem inspeccionado muitas esquadras, como se pode ver no site, na secção “News
Flash”. Contudo, conforme esclareceu o Secretariado do CPT, “so far, the Portuguese
government has not requested publication of these two reports”. Sem mais comentários.
33
7. Testemunhos de entidades internacionais
A Amnistia Internacional, na sua Secção Portuguesa (AISP), é presidida pela
Professora Teresa Nogueira, que no dia 1 de Abril de 2003 deu esta entrevista ao
NOVAS, jornal da Universidade Nova de Lisboa, donde se retira este excerto:
“E aqui em Portugal, como classifica a situação dos direitos humanos?
No caso português, os piores atropelos acontecem nas esquadras policiais e da
GNR e nas prisões, embora a situação tenha sofrido altos e baixos. Ultimamente temos
recebido muitas queixas que encaminhamos para os nossos investigadores em Londres. E
há casos graves, como por exemplo, o daquele rapaz do Bairro da Bela Vista em Setúbal
que estava a tentar acabar com uma rixa e que acabou por ser morto pela PSP.
A polícia tem o direito de usar a força para se defender e para acabar com os
distúrbios, mas não pode é usá-la indiscriminadamente contra a vida dos cidadãos nem
desproporcionalmente. E isso tem acontecido.”
Relatório sobre o “Respeito pelos Direitos Humanos em Portugal” em 2005,
de acordo com a divulgação efectuada pela Divisão da Democracia, Direitos
Humanos e Trabalho do Departamento de Estado dos E.U.A.
Aqui se refere que, “Em geral, o Governo respeitou os direitos humanos dos seus
cidadãos; no entanto, relataram-se problemas nas seguintes áreas:
• A polícia e os guardas prisionais espancaram e cometeram abusos sobre os
detidos;
• Condições precárias nas prisões;
• Tempo de prisão antes do julgamento e preventiva longos;
Secção 1 - Respeito pela Integridade da Pessoa Humana, incluindo a
Liberdade Relacionada com os Seguintes Aspectos:
a. Privação Arbitrária da Vida ou Contrária ao Direito
Não houve registos de privação arbitrária da vida ou contrária ao Direito cometida
pelo Governo ou pelos seus agentes; no entanto, durante o ano, oito pessoas foram
mortas pelas forças de segurança. A maioria das mortes ocorreram na perseguição de
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suspeitos, tanto a pé como em viaturas, após recusa dos suspeitos a obedecer a ordens
verbais das forças de segurança. Uma das mortes ocorreu no interior de uma esquadra
quando o recluso tentava fugir pela janela da casa de banho. As oito mortes estavam sob
averiguação da Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI).
c. Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes
A lei proíbe tais práticas; no entanto, houve relatos credíveis sobre o uso
desproporcionado de força pela polícia e de maus-tratos ou abuso pelos guardas
prisionais em relação a detidos.
Durante o ano, a IGAI investigou novos relatos de maus-tratos e abuso pela polícia
e por guardas prisionais (vide Secção 1.d.). Em Dezembro, iniciou-se o julgamento de
três polícias acusados de maus-tratos em 1995.
Durante o ano, o Governo autorizou a visita de observadores independentes para
verificação das condições dos detidos e o respeito pelos direitos humanos.
d. Detenção ou Prisão Arbitrárias
A Constituição proíbe a detenção ou a prisão arbitrárias e o Governo, em geral,
respeitou estas proibições.
Papel da Polícia e Forças de Segurança
Havia cerca de 50.000 agentes da autoridade no país, incluindo polícias e guardas
prisionais. Os Ministérios da Justiça e da Administração Interna são os principais
responsáveis pela segurança interna. A GNR tem jurisdição fora das áreas
metropolitanas e a PSP exerce a sua função dentro das cidades, no limite das suas
áreas metropolitanas.
Houve comportamentos lesivos dos direitos fundamentais por parte de alguns
membros das forças de segurança. Em 2004, a IGAI recebeu 276 queixas de abusos;
entre elas, 166 contra agentes da PSP e 94 contra a GNR. As queixas relacionavam-
se com ameaças ou ferimentos com armas de fogo, uso excessivo de força, detenções
ilegais e abuso de poder.
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Os problemas que mais afectam as forças de segurança são a falta de pessoal, a
insuficiente formação sobre o uso de armas de fogo e a falta ou deficiente aplicação da
lei. De acordo com um antigo alto dirigente da IGAI, o aumento do número de civis
mortos pelas forças de segurança durante o ano poderá estar relacionado com a
deficiente formação no uso de armas de fogo. Não houve indicações de que a corrupção
fosse um problema generalizado. Durante o ano, os agentes policiais receberam treino
profissional e o Governo disciplinou a sua actividade por meio de regulamentos
publicados com força de lei.
O Parlamento nomeia um Provedor para, juntamente com a IGAI, investigar as
queixas apresentadas por alegados maus-tratos policiais; no entanto, organizações não
governamentais têm vindo a criticar a lentidão das investigações e a falta de uma
entidade independente para fiscalizar a IGAI e o Ministério da Administração Interna.”
De referir ainda que, até Outubro deste ano, a IGAI recebeu 504 queixas de
cidadãos contra agentes da PSP e GNR, a maioria por agressões, aparecendo depois as
ameaças e o abuso de poder.
8. O problema do uso da força
Muitos dos alegados maus-tratos provém de um uso excessivo da força a que os
membros das forças de segurança podem, legitimamente, recorrer. O problema está nos
limites e na definição do que será proporcional e razoável.
O Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da
Lei e o seu art. 3º prescreve:
“Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever. “
Na esteira de outros instrumentos internacionais, realça-se aqui que o emprego da
força deve ser excepcional e, quando não seja, nomeadamente, para prevenção de um
crime ou para detenção de suspeitos, não será permitido. É, mais uma vez, o princípio
da proporcionalidade a operar. O uso de armas de fogo será, então, uma medida
excepcionalíssima, reservada para quando o suspeito coloque em perigo vidas alheias ou
ofereça resistência e não haja outras formas menos gravosas de o impedir de prosseguir
os seus intentos. (cf princípio 9 dos “Princípios Básicos…”)
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No Código Deontológico da PSP e da GNR, é aplicável o art.8º:
Artigo 8.º (Adequação, necessidade e proporcionalidade do uso da força)
1 - Os membros das forças de segurança usam os meios coercivos adequados à reposição da legalidade e da ordem, segurança e tranquilidade públicas só quando estes se mostrem indispensáveis, necessários e suficientes ao bom cumprimento das suas funções e estejam esgotados os meios de persuasão e de diálogo.
2 - Os membros das forças de segurança evitam recorrer ao uso da força, salvo nos casos expressamente previstos na lei, quando este se revele legítimo, estritamente necessário, adequado e proporcional ao objectivo visado.
3 - Em especial, só devem recorrer ao uso de armas de fogo, como medida extrema, quando tal se afigure absolutamente necessário, adequado, exista comprovadamente perigo para as suas vidas ou de terceiros e nos demais casos taxativamente previstos na lei.
A actuação da polícia exige, e não poderia ser de outra forma, a utilização da força,
o que contende, inevitavelmente, com os direitos fundamentais das pessoas que estão a
ser detidas. A questão não será discutir, portanto, a existência deste meio, mas sim,
aprender a doseá-lo e ensinar o polícia a tentar fazê-lo da melhor forma possível, tendo
sempre em atenção que não se poderá exigir na prática, que as coisas funcionem como
em teoria. Na análise de casos, durante a formação, o agente tem tempo para ponderar
valores e proporcionalidades, respondendo da forma provavelmente mais acertada.
Contudo, na prática, as decisões têm de ser tomadas instantaneamente, e aquelas
distinções que certos penalistas pretendem introduzir quando analisam a expressão
“medo não censurável”, referida no nosso CP, como por exemplo no art. 33º n.º 2,
considerando que aquilo que será não censurável para um comum cidadão não será para
um agente de polícia ou um militar, poderão não operar assim tão simplesmente. É claro
que, se a selecção e formação dos agentes estiver a funcionar bem, estes terão um perfil
psicológico mais forte e receberam formação sobre como lidar em situações de risco. E,
assim, não se espera que se descontrolem ao mais pequeno contratempo. Contudo, há
que ser verdadeiro – a partir de certo ponto, somos todos iguais. Quando está, por
exemplo, em causa a vida do agente, não se pode esperar uma grande frieza de espírito
e o que vai na cabeça da pessoa ameaçada não é de certeza o enunciar dos princípios da
proporcionalidade e a ponderação sobre se o que pretende fazer é necessário,
adequado... Claro que no mundo ideal, isto sucederia – e, tem de suceder no nosso
mundo, em maior ou menor medida, pois o grande poder que os agentes da autoridade
poderá ser mal empregue, se cair nas mãos erradas. Mas não nos esqueçamos que os
agentes estão a defender a sua própria vida, a dos seus colegas, a dos cidadãos
afectados ou dos seus bens, contra ameaças que, elas sim, são ilícitas e deverão ser
combatidas. Por isso, essa distinção que se pretende introduzir deveria ser, na nossa
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opinião, mais em função da situação do que propriamente da pessoa ofendida – claro que
não se pode ignorar que as qualidades subjectivas também interferem nesta análise –
pois uma situação mais comum, menos perigosa, poderá ser “não censurável” para o
comum cidadão, mas não para um agente de uma força de segurança.
Por outro lado, mesmo a designação “polícia” é demasiado generalizadora, pois, na
verdade, se se poderá, à partida, aplicar mais fundadamente este pensamento aos
membros do Serviços de Intervenção Rápida, do Grupo de Operações Especiais, uma
parte do corpo policial tem funções administrativas, e a formação já lá vai há muito
tempo, pelo que o seu grau de (in)censurabilidade já se aproximará mais dos restantes
cidadãos.
Contudo, decerto que a maioria dos agentes não é nestas situações menores que
poderá abusar da força ou puxar da arma sem necessidade. Será nas situações que
traduzem um maior perigo, até pelo crescente número de processos disciplinares pelo
uso indevido da arma e de um sentimento de culpabilização e responsabilização por parte
de alguns dos media que certamente dissuadirão muitos agentes de puxar da arma… Foi-
me, inclusive, relatado o caso, embora já não muito recente, de agentes (sobretudo os
que geralmente tinham funções administrativas, mas que tinham sido destacados para
um serviço na rua) que, embora em serviço, não levavam a sua arma, ao menos assim
não se criavam problemas… Mas a arma é um instrumento de trabalho do polícia, e
essencial para uma actuação mais eficaz da polícia no nosso tempo em que reina,
lamentavelmente, cada vez mais a insegurança e a criminalidade e em que os meios ao
dispor do delinquente são superiores aos da própria Polícia.
Na verdade, pareceu-me que há um sentimento de descrença e de “não estar para
se chatear”, porque se usam a força, depois “cai-lhes tudo em cima”, e isso gera nos
próprios cidadãos a sensação de que a polícia não faz nada, não pode ou não quer fazer.
O que dever-se-á a diversos factores e, entre eles, por exemplo, como me foi relatado, o
facto de os agentes levarem os suspeitos presentes a um juiz e muitas vezes serem
libertados (sendo difícil depois apanharem-nos outra vez) ou aplicarem-lhes penas
suspensas. É claro que, confiando no trabalho do juiz, ele provavelmente tomou a atitude
mais certa e, se os libertou, é porque eram inocentes (ou tinham um advogado muito
bom…) e aí não há nada a discutir, mas no caso, por exemplo, das penas suspensas, a
pessoa em causa foi considerada culpada e, no entanto, “anda cá fora”… Tudo isto
desmotiva os agentes e dá-lhes uma certa sensação de frustração, conforme relatos de
vários agentes.
Todos estes factores devem ser tidos em conta na análise destes problemas porque,
sendo respeitantes a seres humanos, há que perspectivá-los numa necessária
38
multidimensionalidade, e não como meros autómatos que aplicam ou não a força de que
dispõem sempre da forma mais adequada e proporcional. Por outro lado, a crescente
criminalidade leva a que haja cada vez mais situações que poderão propiciar estes
abusos. O próprio CPT, (cf. Relatório da visita a Portugal em 1995, parágrafo 29)
reconhece plenamente que a detenção de um suspeito é muitas vezes uma tarefa
arriscada, especialmente se o suspeito resiste ou se é alguém que os polícias sabem ser
perigoso ou estar armado. As circunstâncias da detenção podem levar a que tanto o
detido como o agente tenham lesões, sem que isto seja o resultado de uma intenção de
maltratar. Contudo, reiteram, depois de o detido estar sob controlo, e pressupondo uma
vigilância atenta deste, não há justificação para usar da força.
A respeito deste ponto, salienta-se a Norma de Execução Permanente (NEP) do
Comando Metropolitano do Porto n.º OPSEG/DEPOP/01/02 que, a par de outras circulares
internas, visa definir e uniformizar um conjunto de normas e procedimentos, numa clara
preocupação com a segurança dos agentes e dos próprios detidos. Esta NEP visa
sobretudo obstar a quatro situações:
1- Que os agentes policiais, “depois de efectivarem a detenção de um suspeito,
tenham a necessidade de fazer uso da força muscular para manterem essas detenções,
por vezes fruto de descuido ou apatia”;
2- Agressões a agentes policiais por parte de detidos / suspeitos;
3- Fuga de detidos / suspeitos perante os agentes, de instalações ou viaturas
policiais; e
4- Desaparecimento de meios de prova, que possam encontrar-se na pessoa do
detido / suspeito, essenciais para a tipificação criminal
Esta NEP sugere como medidas a executar para obviar às situações descritas:
1- O agente deve ter um comportamento interventivo e de firmeza, evitando as
rotinas e sempre com a máxima atenção no controlo e transporte dos detidos, evitando
riscos desnecessários e captando quaisquer sinais de perigo, nomeadamente movimentos
do detido;
2- Deve colocar sempre a sua arma e outros equipamentos fora do alcance do
detido;
3- Deverá ser norteado pelo princípio da proporcionalidade;
4- Deve efectuar sempre uma revista sumária ao indivíduo (do mesmo sexo), ao
seu vestuário e corpo, nomeadamente quando o vai transportar em viatura policial. Este
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procedimento deverá ser observado mesmo que o detido tivesse já estado,
anteriormente, sob a responsabilidade de outro agente;
5- “Sempre que haja fortes suspeitas relativamente à perigosidade do indivíduo ou
quanto à possibilidade de dissimulação dos meios de prova, a revista deve ser minuciosa (7), recorrendo, se necessário, à sua revista corporal, em local que garanta a privacidade
do mesmo”; e
6- Quando receber um detido, o agente deve tentar recolher informação sobre ele,
nomeadamente relativa ao seu comportamento, antecedentes, etc.
Todos estes procedimentos, que são ministrados em formação contínua, mas
também, periodicamente, nas rendições de turno, mostra que aliar uma maior
informação sobre os detidos, um maior cuidado por parte dos agentes e ter presente as
regras de proporcionalidade poderão impedir muitas situações em que poderia ser
necessário o recurso à força que, em boa verdade, e, no dizer do CPT, após a detenção
não deveria ser utilizada, pois o detido já está dominado.
9. Em especial, o Problema do Recurso às Armas de Fogo
Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
As armas de fogo, porque potencialmente mais lesivas, suscitam maiores
problemas. Mas têm regulamentação especial.
O art. 3º do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação
da Lei impõe que estes só possam utilizar a força quando for estritamente necessário e
somente na medida exigida para o desempenho das suas funções. Os “Princípios
Básicos…” vêm, então, clarificar as situações em que esta utilização pode ocorrer.
No princípio 1, reforçam a ligação que deve ser feita entre as questões éticas e a
utilização da força e de armas de fogo. No princípio 2, sugere-se o ministrar de uma
formação onde se ensine a utilização diferenciadora da força e das armas de fogo,
nomeadamente, aumentar o uso de armas neutralizadoras não letais, limitando o recurso
a armas que causem danos corporais ou mesmo a morte, não só do suspeito, mas
também dos agentes:
(7) itálico nosso
40
“Para o mesmo efeito, deveria também ser possível dotar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei de equipamentos defensivos, tais como escudos, viseiras, coletes anti-balas e veículos blindados, a fim de se reduzir a necessidade de utilização de qualquer tipo de armas.
O princípio 4 reforça o carácter subsidiário do recurso às armas de fogo.
Princípio 5: “Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja indispensável, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem:
a) Utilizá-las com moderação e a sua acção deve ser proporcional à gravidade da infracção e ao objectivo legítimo a alcançar;
b) Esforçar-se por reduzirem ao mínimo os danos e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana;
c) Assegurar a prestação de assistência e socorros médicos às pessoas feridas ou afectadas, tão rapidamente quanto possível;
d) Assegurar a comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas da pessoa ferida ou afectada, tão rapidamente quanto possível.”
No princípio 9 acrescenta-se que o uso de armas de fogo contra pessoas só poderá
ser utilizado em caso de legítima defesa, defesa de terceiros contra perigo iminente de
morte ou lesão grave, para prevenir um crime particularmente grave que ameace vidas
humanas, (introdução do requisito da proporcionalidade no instituto da legítima defesa),
para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à
autoridade, ou impedir a sua fuga. “Em qualquer caso, só devem recorrer
intencionalmente à utilização letal de armas de fogo quando isso seja estritamente
indispensável para proteger vidas humanas.”
No princípio 11, prescreve-se que as normas relativas à utilização de armas devem
ser claras e precisas, especificando em que circunstâncias podem elas ser utilizadas, e
que tipo de armas e de munições, de modo a reduzir ao mínimo o risco de danos inúteis
e de lesões desnecessárias ou riscos injustificados. Deve ainda haver um sistema de
relatórios de ocorrência, sempre que se utilizem armas de fogo.
Por fim, os princípios 18 e ss versam sobre a necessidade de formação e
aconselhamento, devendo os organismos responsáveis garantir a selecção dos agentes
de acordo com procedimentos adequados, com qualidades morais e aptidões psicológicas
e físicas exigidas para o bom desempenho das suas funções, recebendo uma formação
profissional especial, contínua e completa, sendo ainda submetidos a reapreciações
periódicas sobre a sua capacidade para continuarem a desempenhar essas funções.
41
No capítulo da formação, prescreve o princípio 20 a importância das questões de
ética policial e de direitos do homem, em particular no âmbito da investigação, os meios
de evitar a utilização da força ou de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de
conflitos, ao conhecimento do comportamento de multidões e aos métodos de persuasão,
de negociação e mediação, bem como aos meios técnicos, tendo em vista limitar a
utilização da força ou de armas de fogo.
O princípio 21 recomenda que se garanta aconselhamento psicológico aos agentes
envolvidos em situações em que sejam utilizadas a força e armas de fogo.
O TEDH também já se pronunciou pelo cumprimento dos requisitos da
proporcionalidade quando está em causa o uso de armas de fogo (cf. Oğur v. Turquia, §
78; Ramsahai e outros v. Holanda § 377, julgamento de 10 de Novembro de 2005). O
TEDH reconhece de igual forma, sob pena de uma total ineficácia da acção policial, que
os polícias podem usar a força, quando pretendam atingir um dos fins do n.º do art. 2º
da CEDH e haja razões fortes para o fazer, mesmo que depois esses pressupostos se
revelem falsos (McCann e outros v. Reino Unido, § 200, julgamento de 27 Setembro
de 1995; mais recentemente, Bubbins v. Reino Unido, 17 de Março de 2005)
Quanto à legislação interna, rege o DL n.º 457/99 de 5 de Novembro.
Preâmbulo: “(…) os agentes da função policial só podem empregar a força quando
tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu
dever. Se os princípios mencionados, designadamente os da necessidade e da
proporcionalidade, são as balizas de qualquer intervenção pela força, são-no, ainda com
maior premência de acatamento, quando está em causa a utilização de um dos
instrumentos mais sensíveis da força, a arma de fogo. (…) [Enfatiza-se] especialmente a
necessidade de salvaguardar a vida humana até ao extremo possível, através da
concretização de exigências acrescidas e mais restritivas, de recurso a arma de fogo
contra pessoas. Salvaguarda-se, por outro lado, o próprio agente na acção policial, que,
com um quadro mais claro de procedimentos, vê facilitada a adopção, em cada momento
crítico, do comportamento adequado ao desempenho da sua missão.”
Este diploma reitera os princípios já acima mencionados em legislação
internacional, pelo que só citaremos as disposições inovadoras:
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Artigo 3.o Recurso a arma de fogo
1 — No respeito dos princípios constantes do artigo anterior e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo, é permitido o recurso a arma de fogo:
a) Para repelir agressão actual e ilícita dirigida contra o próprio agente da
autoridade ou contra terceiros; b) Para efectuar a captura ou impedir a fuga de pessoa suspeita de haver
cometido crime punível com pena de prisão superior a três anos ou que faça uso ou disponha de armas de fogo, armas brancas ou engenhos ou substâncias explosivas, radioactivas ou próprias para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes;
c) Para efectuar a prisão de pessoa evadida ou objecto de mandado de detenção ou para impedir a fuga de pessoa regularmente presa ou detida;
d) Para libertar reféns ou pessoas raptadas ou sequestradas; e) Para suster ou impedir grave atentado contra instalações do Estado ou de
utilidade pública ou social ou contra aeronave, navio, comboio, veículo de transporte colectivo de passageiros ou veículo de transporte de bens perigosos;
f) Para vencer a resistência violenta à execução de um serviço no exercício das suas funções e manter a autoridade depois de ter feito aos resistentes intimação inequívoca de obediência e após esgotados todos os outros meios possíveis para o conseguir;
g) Para abate de animais que façam perigar pessoas ou bens ou que, gravemente feridos, não possam com êxito ser imediatamente assistidos;
h) Como meio de alarme ou pedido de socorro, numa situação de emergência, quando outros meios não possam ser utilizados com a mesma finalidade;
i) Quando a manutenção da ordem pública assim o exija ou os superiores do agente, com a mesma finalidade, assim o determinem.
2 — O recurso a arma de fogo contra pessoas só é permitido desde que,
cumulativamente, a respectiva finalidade não possa ser alcançada através do recurso a arma de fogo, nos termos do n.o 1 do presente artigo, e se verifique uma das circunstâncias a seguir taxativamente enumeradas:
a) Para repelir a agressão actual ilícita dirigida contra o agente ou terceiros, se
houver perigo iminente de morte ou ofensa grave à integridade física; b) Para prevenir a prática de crime particularmente grave que ameace vidas
humanas; c) Para proceder à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista
à autoridade ou impedir a sua fuga. 3 — Sempre que não seja permitido o recurso a arma de fogo, ninguém pode ser
objecto de intimidação através de tiro de arma de fogo. 4 — O recurso a arma de fogo só é permitido se for manifestamente improvável
que, além do visado ou visados, alguma outra pessoa venha a ser atingida.
O artigo 4º impõe que o agente advirta de forma “claramente perceptível”, sempre
que possível; contra um ajuntamento de pessoas a advertência deve ser repetida.
O artigo 5º estatui que o recurso a estas armas só poderá ser feito depois de
quem comanda a respectiva força o ordenar, salvo se o agente se encontrar isolado.
O artigo 6º obriga o agente a socorrer os feridos logo que lhe seja possível.
43
O art. 7º prescreve um dever de relato, obrigando o agente que usou a sua arma
a comunicar imediatamente aos superiores hierárquicos, sucedendo-se-lhe, no mais curto
prazo possível, um relato escrito, se não tiver sido logo utilizada essa via. Se tiverem
resultado danos pessoais ou patrimoniais, o superior hierárquico informará o MP, que
determinará se há alguma medida a tomar. O agente envolvido deve preservar a área
onde foram efectuados os disparos e os bens atingidos para evitar que os seus vestígios
se apaguem ou alterem, procedendo ao imediato exame dos vestígios dos disparos, no
caso de ser de temer a sua alteração ou desaparecimento. (n.º 4). O n.º 5 refere que “No
caso de o recurso a arma de fogo constituir elemento da prática de um crime, aplicam-se
a qualquer agente de autoridade e aos órgãos de polícia criminal, as regras do CPP
respeitantes aos meios de obtenção de prova e às medidas cautelares e de polícia.
Pela análise deste decreto-lei, é fácil inferir que a nossa legislação é muito restrita
no que concerne a autorização para o uso das armas de fogo, prescrevendo o seu
carácter de medida de última ratio, aliás, na sequência dos instrumentos internacionais
aplicáveis.
Veículos em Fuga
A IGAI decidiu submeter ao MAI a Informação / Proposta n.º 6/99, pela
constatação de um número cada vez maior de queixas e processos, notícias de morte ou
ferimentos graves em cidadãos nestas circunstâncias, cometidos por elementos
(geralmente jovens) das BAC (Brigadas Anti-Crime), vitimando geralmente jovens
também. Algumas dessas ocorrências resultam “de intervenções de jovens polícias que,
na ânsia de imobilizarem veículos furtados em fuga, disparam na direcção dos mesmos e
atingem, mortalmente ou com graves consequências, condutores e/ou acompanhantes,
muitas vezes desarmados podendo mesmo, no caso dos acompanhantes, em nada terem
contribuído para a situação ou até desconhecerem que se transportavam em veiculo
furtado”.
Estas situações têm consequências nefastas quer para as vítimas, quer para os
agentes, prejudicando a sua carreira e a própria imagem da Instituição a que pertencem,
mas, sobretudo, consubstanciam claramente violações dos direitos humanos, não
obedecendo aos princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade.
A IGAI refere, também, que afecta a imagem de Portugal “no contexto da violência
policial observada sistematicamente pelo CPT e pela Amnistia Internacional”. Com base
nestes dados, a IGAI propõe, assim, que se ministre quer na formação escolar, quer no
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quotidiano das esquadras e postos tanto da PSP, GNR como do SEF, informação e
formação sobre o regime jurídico do uso da arma de fogo e a reiteração que, no que
concerne esta matéria, apenas só excepcionalmente e dentro da legalidade, serão
admissíveis disparos sobre viaturas em fuga, como determina o DL 457/99. A IGAI refere
ainda que esta tipo de formação deverá ter em especial atenção as BAC e os NIC
(Núcleos de Investigação Criminal), ambos integrados na PSP.
Em relação ao dever de relato prescrito pelo art. 7º do DL 457/99, surgiram
alguns problemas que a Circular n.º 16403, emitida pela Direcção Nacional, de 2 de
Dezembro de 2004, veio tentar resolver. É que a maioria dos relatórios elaborados sobre
os limites ao uso de meios coercivos são manuscritos, o que dificulta a sua leitura.
Deverão, por isso, ser informatizados, dada a existência de suporte informático, e ter
todos os seus itens preenchidos. E reitera-se o cumprimento impreterível dos prazos para
o envio dos relatórios para a Direcção Nacional, especialmente quando do uso da arma de
fogo resultarem danos pessoais ou patrimoniais. Por fim, admite-se a dificuldade de, por
vezes, enquadrar certas situações nos termos das disposições regulamentares, pelo que
“(…) deverá ser dada formação assídua a todos os elementos com funções policiais sobre
os princípios e pressupostos do recurso a arma de fogo, para evitar situações de
gravidade, passíveis de eventual procedimento criminal” (ponto VI desta circular).
A Circular n.º 629 de 18 de Janeiro de 2005, também da Direcção Nacional, segue
noutro sentido. Ela visa enviar cópia do despacho n.º 1/2005 do Inspector-Geral da
Administração Interna, para congratular todos os agentes pelo facto de, em 2004, e pela
primeira vez desde o início de funções da IGAI, nenhum cidadão ter sido morto em
consequência do uso das armas de fogo quer pela PSP quer pela GNR. E, conclui este
despacho, que “os dados disponíveis e a observação privilegiada que a IGAI tem das duas
forças de segurança permitem-nos concluir que tal facto não é fruto do mero acaso, nem
uma feliz coincidência, mas, pelo contrário, resultado de uma verdadeira interiorização
pelos agentes policiais dos princípios e normas nacionais e internacionais que enformam
toda a matéria relativa ao uso das armas de fogo pelos agentes policiais.”
É o registo de uma evolução muito positiva.
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Conclusão V
As condições materiais das celas de detenção e das esquadras
1. Legislação Internacional
Conjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a
Qualquer Forma de Detenção ou Prisão
Deste conjunto é de realçar o princípio 29, que prescreve, no seu número 1, que
para assegurar a estrita observância das leis, os lugares de detenção devem ser
inspeccionados regularmente por autoridades qualificadas diferentes da autoridade
directamente encarregue da administração do local de detenção ou de prisão. O seu
número 2 enuncia o direito da pessoa detida de comunicar livremente e em regime de
absoluta confidencialidade com as pessoas que inspeccionam estes lugares de detenção.
2. CPT Standards
O CPT não tem padrões muito elevados de exigência quanto às condições materiais
de detenção; há um reconhecimento de que a detenção em estabelecimentos de polícia
é, em Portugal, como noutros países, de duração curta, pelo que não se poderá esperar
condições tão boas como terão ou deverão ter os estabelecimentos onde ocorrem
detenções de longa duração. No entanto, há requisitos mínimos que deverão ser
cumpridos. O CPT refere, a este propósito, que:
- as celas devem ter um tamanho razoável e adequado ao número de pessoas que
poderão albergar. Isso do que será tamanho razoável é que é mais discutível, no entanto,
o CPT refere como desejável cerca de 7m2 por pessoa, com mais de 2m de distância
entre as paredes e 2,5m entre tecto e chão;
- devem ter ventilação e iluminação (de preferência natural) adequadas (ou seja,
suficiente para permitir a leitura, excluindo os períodos de sono);
- devem estar equipadas com mobiliário que permita ao detido descansar, como
cadeiras ou bancos que deverão estar fixados à parede ou ao chão;
- aquelas celas onde os detidos poderão pernoitar deverão ainda ter colchões e
lençóis limpos, a que os detidos terão acesso sem precisarem de pedir (esta última parte
retirada do Relatório da visita à Noruega em 2005)
46
- os detidos devem, ainda, ter boas condições de higiene e fácil acesso a sanitários,
tendo acesso a diversos produtos de higiene (toalhas, escova de dentes e pasta, etc.)
sem lhes ser cobrado nada por isso (esta última parte retirada de Finlândia, 2003)
- quando detidos por mais de 24h, possibilidade de exercício ao ar livre; e
- os detidos têm, por fim, direito a água e várias refeições por dia, sendo que, pelo
menos, uma delas deverá ser substancial (isto é, algo mais que uma sandes).
Outras condições mínimas referidas pelo CPT nos seus Relatórios:
Finlândia, 2003
Este relatório veio reforçar as bases que fundamentam estes padrões: o tempo de
permanência nas esquadras tem mesmo que ser curto. Nesta visita, a delegação
encontrou uma pessoa que estava detida há já 4 meses… Pois a assim não ser, todas
estas recomendações caem e deverão ser muito mais exigentes. Outra situação que o
CPT encontrou, e que considerei importante, embora esta, como a outra já mencionada,
estejam salvaguardadas em Portugal, é atinente aos presos preventivos. Estes, na
Finlândia, aparentemente, são muitas vezes detidos nas esquadras de polícia. O CPT
reitera que isto não deverá acontecer – deverão ser detidos em prisões. Este tipo de
práticas deverá ser combatida, não só porque as condições das esquadras não são
compatíveis com o por vezes longo tempo de duração da prisão preventiva, mas também
porque aumenta o risco de abuso do poder discricionário da polícia.
Um exemplo da Finlândia que poderíamos importar: muitos dos estabelecimentos
visitados pelo CPT possuíam celas especiais para alojar pessoas embriagadas. Cá, pelo
que vi e li, não será comum que haja celas especiais para pessoas toxicodependentes ou
alcoolizadas. Ou este problema é mais acutilante na Finlândia do que aqui, ou então,
poderá mesmo ser uma boa sugestão, sobretudo nos locais centralizados de detenção
(cf., no entanto, o Regulamento infra mencionado, pág. 48) e aí, como recomenda o CPT,
os materiais (colchões, etc.) a utilizar deverão ser facilmente laváveis e à prova de fogo.
Estónia, 2003
Relacionada com este ponto, está a ênfase que o CPT colocou neste relatório, de
que, para muitas pessoas, o ser detido pela polícia poderá constituir uma experiência
stressante e traumática. Por isso, os agentes deverão estar alertas para maus-tratos que,
potencialmente, os detidos possam infligir a eles próprios, assegurando-se que,
sobretudo no início da detenção, não tenham acesso a objectos que lhes permitam isso
(cintos, gravatas, vidros partidos, etc.)
47
Eslováquia, 2005
As celas não podem dar para zonas de acesso ao público.
Neste relatório refere-se que o governo eslovaco aprovou uma lei onde se estipula
que as refeições deverão ser fornecidas aos detidos de acordo com uma dieta saudável
com a sua idade, estado de saúde e religião. O relatório não refere se, na prática, esta
medida é aplicada. Se o for, é de louvar o esforço. Contudo, parece ser algo excessivo,
especialmente em países em Portugal, onde o tempo de permanência na esquadra é
relativamente curto, embora deva existir alguma variedade nas refeições disponíveis.
Turquia, 2005
O relatório menciona uma situação que julgo ser aplicável ao nosso país. Num dos
estabelecimentos visitados pela delegação, tinha-se organizado recentemente uma
operação policial especial, de grande monta, onde se detiveram 54 pessoas. A manifesta
falta de espaço na esquadra onde foram detidas conduziu a que, durante as 48h em que
estiveram detidas, tivessem nove pessoas em celas de 6 m². O CPT recomendou, então,
que quando se delineiam operações deste nível, deve-se, antecipadamente, planear onde
será alojado o grande número de detidos que, previsivelmente, daí resultará.
E digo que esta situação é aplicável ao nosso país porque sucede o mesmo com o
COMETLIS. Em dias “normais”, durante a semana, este estabelecimento, que é o
principal centro de detenção em Lisboa, visto muitos dos calabouços das esquadras dos
arredores da capital terem encerrado, por falta de condições, sendo os seus detidos
transportados para o Comando, recebe cerca de 40 pessoas. No fim-de-semana, devido
às muitas Operações Stop junto aos locais de diversão nocturna, esse número triplica e
aí, as instalações do COMETLIS são manifestamente insuficientes. Talvez as autoridades
portuguesas devessem ter mais atenção a este aspecto.
Em relação a este ponto, é de frisar ainda o que o CPT recomendou no Relatório da
visita à Arménia, em 2004: que as autoridades proporcionem treino específico às suas
polícias e que façam os devidos preparativos para lidar correctamente com estas
operações de controlo que envolvem muitas pessoas.
O TEDH já foi chamado a pronunciar-se várias vezes sobre a falta de condições das
celas, julgando com frequência com base nos Padrões do CPT e pelos seus relatórios de
visitas ao país em causa, até contra as declarações do ofendido (cf. caso Mogos v.
Roménia, de 13 de Outubro de 2005) decidindo por vezes pela violação do art. 3º, mas
tem-no feito sobretudo em relação às condições nas celas em estabelecimentos
prisionais.
48
3. Legislação Nacional
Nesta matéria, vale sobretudo o Regulamento das Condições Materiais de
Detenção em Estabelecimentos Policiais, Despacho n.º 8684/99 do MAI de 20 de
Abril, publicado no DR n.º 102 II Série, de 3 de Maio de 1999. No preâmbulo deste
regulamento refere-se que as “condições em que os cidadãos detidos em Portugal
permanecem à guarda das forças policias tem sido, no passado, objecto frequente de
críticas de instituições e organizações internacionais e de defesa dos direitos humanos”
que, não obstante, têm observado, “nos últimos anos, uma evolução reconhecidamente
positiva”. Prescreve-se a entrada imediata do Regulamento em vigor, mas as obras que
se verifiquem necessárias para a adequação dos estabelecimentos a este novo
regulamento serão objecto de “proposta a elaborar em 30 dias pela respectiva força de
segurança e pelo Gabinete de Estudos e Planeamento de Instalações”.
Este regulamento aplica-se, tal como o art. 1º refere, a todos os locais de detenção
das forças de segurança e a todas as pessoas que, por qualquer motivo, se encontrem
detidas em estabelecimentos policiais. E considera-se detenção, para efeitos deste
Regulamento, toda a privação da liberdade por um período inferior a quarenta e oito
horas e a condição da pessoa sujeita ao procedimento de identificação obrigatória.
Condições Gerais dos Locais de Detenção:
Estes deverão ter boas condições de habitabilidade, possuir iluminação artificial e
natural (mais exigente face aos Padrões do CPT), isolamento contra o frio e calor
excessivos, arejamento e boas condições de segurança. As celas devem situar-se de
preferência junto ao rés-do-chão e não podem dar directamente para espaços abertos ao
público. (recomendação do CPT em Eslováquia, 2005, mas não nos “CPT Standards”).
Estes locais deverão situar-se, preferencialmente, nos postos policiais das sedes dos
tribunais de comarca.
Quanto ao tamanho, deverão ter no mínimo 6 m2, se for para um preso, 19 m2,
para dois, ou 20 m2 para cinco detidos. As camas serão maciços em betão, com 2,40m x
0,70m x 0,30m, com um estrado de madeira que servirá de base a um colchão. Se
houver várias camas, uma delas terá no máximo 15cm de altura, que se destinará
preferencialmente a detidos sob o efeito de álcool ou drogas, para minimizar os efeitos de
possíveis quedas. O afastamento mínimo entre duas camas será de 1m.
Quanto à iluminação, deverá ser assegurada luz natural e ventilação conveniente,
através de uma janela basculante com 0,70m x 0,50m, situada a uma altura do chão não
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inferior a 1,80m, protegida por rede metálica a fim de impedir a entrada de insectos e
contactos com o exterior. As janelas terão ainda uma grade de protecção exterior, não
podendo dar para a via pública.
As portas da cela deverão ser uma grande chapa de ferro com 2m x 0,80m, com um
visor de portinhola, e munidas de um dispositivo que permita a rápida saída dos detidos
em caso de sinistro. Deve ainda haver um sistema que permita ao detido chamar o
guarda em caso de necessidade.
Quanto às instalações sanitárias, deverão estar separadas da cama com um
pequeno muro de 0,90m de altura. Deverão ter como equipamento mínimo um lavatório
em aço inox incrustado num maciço de betão, com torneira temporizada, só tendo à vista
o botão accionador e bica de água, e uma retrete tipo turca. Estas instalações deverão
ter uma boa higiene. Deverão ter iluminação e renovação permanente de ar, asseguradas
directamente do exterior da edificação. Não poderá haver quaisquer tipos de aparelhos de
combustão e a cela não poderá ter nenhuma tomada.
Os materiais utilizados na cela deverão ser resistentes ao fogo. Os maciços do
lavatório, cama e da baia de protecção dos sanitários deverão ter todas as arestas e
ângulos arredondados.
As canalizações serão interiores. O pavimento da cela será em cimento que poderá
ser revestido com um material cerâmico antiderrapante. As paredes e o tecto serão
pintados com uma tinta clara, lavável e não facilmente inflamável.
Quanto à limpeza das celas, este Regulamento prescreve que devem ser limpas
diariamente e, periodicamente, objecto de desinfecção e desinfestação.
Nestes locais não poderão estar guardados quaisquer objectos que possam ser
utilizados perigosamente pelos detidos, nomeadamente para atentar contra a sua própria
vida ou a de outrem.
Pelo menos uma vez em cada 8 anos, as celas deverão ser objecto de obras que
colmatem as falhas da normal e diária utilização.
Quanto à vigilância das celas, deverão ser criados dispositivos que permitam esta
vigia, evitando tentativas de evasão, melhor garantindo a segurança dos detidos e dos
agentes, no entanto, sem prejuízo da reserva da intimidade da vida privada. Caso se
instalem sistemas de gravação vídeo ou áudio no interior e exterior das esquadras, estes
deverão ser devidamente assinalados; conservar-se-ão as cassetes por um período de
apenas 30 dias.
As pessoas detidas devem ser objecto de vigilância regular e discreta,
intensificando-se as rondas sempre que os detidos aparentem estar sob a influência de
drogas, álcool, ou num estado mental alterado.
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Condições da Própria Detenção:
Toda a pessoa detida deve ser tratada com humanidade e respeito pela sua
dignidade enquanto ser humano, sem qualquer discriminação, nomeadamente pela
nacionalidade, condição social, convicções políticas, religiosas ou outras.
A pessoa detida deve beneficiar de um tratamento adequado à sua condição de
pessoa não condenada e, sempre que possível deverá ser separada dos presos.
Quanto ao Alojamento:
Sempre que possível, os detidos deverão ser alojados em compartimentos
singulares e é garantida a separação em função do sexo ou de pessoas que sejam
portadoras de doença contagiosa. Se for possível, jovens, idosos e grávidas deverão ser
guardados à vista, especialmente quando na cela estiverem detidos a aguardar o
transporte para a prisão.
Sempre que o número de detidos exceda a capacidade das celas, o comandante da
esquadra deve diligenciar para que sejam transferidos para outros locais de detenção ou
então serem guardados à vista mas em condições de dignidade e segurança.
Cada detido deverá dispor de uma cama individual e roupa adequada para esta. Os
cobertores deverão ser suficientes e após cada utilização deverão ser desinfectados.
As pessoas conduzidas à esquadra, para efeitos de identificação, ao abrigo do
artigo 250º do CPP, não podem ser detidas nas celas, devendo permanecer na área de
atendimento ou numa sala a esse fim destinada. Logo que decorra o prazo legal, a
pessoa deverá poder abandonar o posto policial.
Higiene:
Deverá ser exigido aos detidos que se mantenham limpos e para tal ser-lhes-ão
fornecidos os artigos de higiene à sua saúde e limpeza e praticar, na medida do possível,
exercício ao livre (cumprindo aqui as recomendações do CPT).
Alimentação:
Serão fornecidas aos detidos refeições convenientemente preparadas de acordo com
as normas dietéticas e de higiene, no que concerne à quantidade e qualidade da comida.
Cada detido deverá ter sempre acesso a água potável. São proibidas a posse e consumo
de bebidas alcoólicas no interior das esquadras. A expensas próprias, e dentro dos limites
da boa ordem do estabelecimento, os detidos poderão, se assim o desejarem, mandar vir
do exterior alimentação. A alimentação dos detidos que aleguem insuficiência económica
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deverá ser suportada pela Administração. Este ponto está em conformidade com o que as
“Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos” impõem, pois no seu ponto 87, prevê-
se a possibilidade de o detido, se desejar, mandar vir alimentação do exterior, que
custeará, quer através da Administração, quer através da sua família ou amigos. Caso
contrário a Administração deve fornecer-lhes a alimentação. No entanto, o sistema nem
sempre funciona: alguns agentes relataram-me que, por vezes, quando os detidos
chegavam tarde às esquadras, fora das horas das refeições, eles próprios custeavam as
refeições dos detidos do seu bolso, comprando-lhes uma sandes ou pizza, por exemplo.
Salienta-se a Circular interna n.º 10405 de 3 de Setembro de 2002, onde a
Direcção Nacional determina aos Comandos que “sejam, tão rapidamente quanto
possível, corrigidas as anomalias verificadas nas zonas de detenção, único meio de
prevenir situações que podem implicar o suicídio de detidos” (ponto 3 deste ofício)
4. Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
O CPT visitou vários estabelecimentos de polícia, incluindo da GNR e da PJ, mas no
que concerne este trabalho, visitou:
- o Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS)
- a Divisão da PSP de Almada
- a 4ª esquadra na Praça da Alegria, em Lisboa
- o Comando de Santarém
- a esquadra da PSP na rua Dr. Guilherme Fernandes, em Sintra
Os membros da delegação ficaram satisfeitos com o nível de cooperação encontrado
em todos os sítios visitados, sobretudo, tendo em conta que alguns deles não foram
avisados desta visita. Não foram colocados entraves ao acesso da delegação aos vários
estabelecimentos; havia, ainda, conhecimento da existência deste Comité, das visitas a
que ele procede e quais os objectivos da delegação.
Condições das celas de detenção
As condições de detenção dos vários estabelecimentos visitados em 1992 eram
bastante diferentes.
52
COMETLIS
O COMETLIS foi aquele que suscitou maiores preocupações do CPT. Os calabouços
do Comando são normalmente usados para acomodar os detidos transferidos das
esquadras, uma vez feito o expediente.
Os polícias que acompanharam a delegação disseram que existiam três grandes
celas para homens, na sub-cave, e duas para mulheres, num andar acima.
Quanto às celas para homens, duas tinham características bastante semelhantes –
mediam, aproximadamente, 30 m2; possuíam sete camas com bases de cimento e com
estrados de madeira. Os detidos tinham acesso a cobertores, mas não a colchões. Não
tinham luz natural e a luz artificial não era adequada. A terceira cela era constituída por
dois quartos, com uma cama cada, separados por uma instalação sanitária.
Quanto às celas para mulheres, uma delas era para mulheres com crianças. Media
22 m2 e estava dividida em três áreas – uma tinha duas camas com colchões, noutra
havia apenas uma cama, e uma terceira área que continha um anexo sanitário, com uma
sanita e com um lavatório. A segunda cela era mais pequena e tinha quatro camas. Tal
como as celas dos homens, não tinham luz natural e a luz artificial não era adequada.
O CPT “descobriu”, então, uma terceira cela, que lhe tinha sido ocultada, no início.
Esta cela estava extremamente suja e degradada. Os agentes que acompanhavam a
delegação disseram que esta cela não era utilizada há bastante tempo – no entanto,
perante a descoberta do CPT de indícios recentes denunciando o contrário, os agentes
confessaram que a cela teria sido usada, na semana anterior, para albergar detidos.
No geral, as celas encontravam-se muito sujas e sem luz e ventilação adequadas; o
CPT classificou esta situação como de urgente sobretudo tendo em conta que o
COMETLIS é o principal centro de detenção na zona de Lisboa, e sugeriu a mudança das
celas para outras instalações noutros estabelecimentos, se possível, dado o péssimo
estado destas.
Divisão da PSP de Almada
Esta divisão tinha duas celas, medindo cada uma, aproximadamente, 6 m2. Estas
celas albergavam, no máximo, dois detidos e por nunca mais de uma noite. Ambas as
celas estavam pouco limpas. Estavam equipadas com sanitas, sendo que uma delas
estava bastante degradada. Uma das celas tinha um colchão de espuma bastante
deteriorado e um cobertor. Não tinham luz natural mas a luz artificial era adequada.
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Esquadra da Praça da Alegria
Esta esquadra não tinha calabouços, pois os detidos eram transferidos para o
COMETLIS; no entanto, enquanto se elaborava o expediente, os suspeitos encontravam-
se no hall de entrada, junto com as demais pessoas, e aqueles que tentassem escapar ou
que provavelmente o tentariam fazer eram algemados a uma parte do mobiliário, aos
bancos ou cadeiras. O CPT considerou esta situação inaceitável.
Comando de Santarém, no Campo Sá da Bandeira
O Comando de Santarém possuía duas celas, uma para homens e outra para
mulheres, cada qual com aproximadamente 10 m2 de área.
A cela para homens tinha duas camas de cimento com colchões, com luz adequada,
natural e artificial, e sanitas. Na altura da visita, a temperatura na cela era muito baixa –
a visita ocorreu em Janeiro – e porque a janela não tinha vidro.
A cela para mulheres ficava na sala do gerador. Tinha duas estruturas de cama em
ferro e colchões, não tinha luz natural, mas a luz artificial era adequada. Havia
instalações sanitárias mas que na altura não estavam em funcionamento.
Nenhuma das celas tinha um sistema para chamar os polícias e, frisou-se, no caso
das mulheres, com o barulho do gerador, um pedido de ajuda nunca seria ouvido.
Ambas as celas estavam sujas e a precisar urgentemente de obras. O CPT
recomendou ainda a mudança das celas das mulheres para outro espaço, pois a sala do
gerador não é um local próprio para alojar detidos.
Esquadra na Rua Dr. Guilherme Fernandes, em Sintra
Globalmente, as condições nesta esquadra eram boas. A esquadra tinha uma cela
grande que media cerca de 14 m2, e que não albergava mais do que três pessoas ao
mesmo tempo. Tinha sido pintada de fresco e estava razoavelmente limpa. Tinha uma
cama com colchão e sanitários atrás de um muro de separação. Havia cobertores numa
sala de arrumações perto da cela.
Resposta do Governo
Contra factos não há argumentos pelo que, nesta matéria, o Governo apenas se
limitou a reconhecer que nalguns casos as condições de detenção eram, realmente,
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inadequadas e que as esquadras visadas receberam instruções no sentido de corrigir
estas irregularidades. O Governo anunciou, ainda, que, nesse mesmo ano de 1992, se
iniciou um programa de quatro anos, que visava proceder a uma grande reforma na
estruturação das forças policiais, e cujos objectivos principais eram os seguintes:
- Redefinição das áreas de responsabilidade de cada uma das forças policiais
- Melhoria nos métodos de recrutamento e selecção dos novos agentes e da
formação contínua dos agentes já ao serviço
- Melhoria generalizada nas esquadras, em particular nas áreas de recepção ao
público e onde os detidos ficam alojados
- Aumento da proximidade e humanidade da ligação entre o polícia e o cidadão
No entanto, por restrições orçamentais, a prioridade seria a formação dos agentes,
pelo que a melhoria das condições das esquadras teria que ser relegada para segundo
plano… Contudo, as deficiências apontadas pelo CPT seriam corrigidas.
Visita do CPT em 1995
As esquadras da PSP visitadas pelo CPT em 1995 foram as seguintes:
- A 60ª esquadra na Av. Movimento das Forças Armadas, na Amadora
- A 3ª divisão na Rua André Resende, em Benfica
- Os calabouços do COMETLIS (visita de “follow-up”)
- A esquadra na Praça da Alegria, em Lisboa (visita de “follow-up”)
- A Divisão de Matosinhos, na Rua de Goa
- Os calabouços do Comando Metropolitano do Porto (COMETPOR)
- A 6ª esquadra, na Rua de Naulila, nas Antas, Porto
- A 9ª esquadra, na Praça Infante D. Henrique, no Porto
- A 2ª divisão na Praça Coronel Pacheco, no Porto
- A esquadra na Av. da República, em Vila Nova de Gaia
- A esquadra no Largo dos Restauradores, no Seixal
- O Comando de Setúbal
Quanto aos níveis de cooperação encontrados, os membros da delegação do CPT
ficaram muito satisfeitos, com uma excepção – que ocorreu nas instalações do COMETLIS
– o oficial de dia não quis permitir a entrevista de detidos pela delegação, por “razões de
segurança”. Após um atraso de mais de 30 minutos, em que se teve de contactar o MAI,
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a delegação pôde finalmente entrevistar os detidos. Esta situação é ainda mais
surpreendente se se tiver em conta que o CPT, não só já tinha visitado o Comando, como
tinha sido feito um pré-aviso que o CPT iria fazer uma visita ao COMETLIS. No entanto,
aparte deste incidente, havia um bom nível de informação sobre o trabalho do CPT, o que
permitiu um elevado grau de cooperação, devida à atempada e apropriada difusão às
autoridades policiais dos objectivos do CPT.
A delegação ficou, igualmente, satisfeita por ver que estavam a ser feitos esforços
sérios para melhorar as condições de detenção nas esquadras, tendo em conta as críticas
no seu Relatório de 1992.
3ª Divisão, Benfica
As duas celas apresentavam condições de grande qualidade – medindo cerca de
8,5m2, com luz natural e boa luz artificial e ventilação. Tinham lavatório e uma sanita
separada. Na altura, as celas estavam sem água por estragos causados por um detido.
As celas tinham plataformas de cimento onde se podia dormir e cobertores. Não
havia colchões, mas foi dito ao CPT que era raro que alguém pernoitasse na esquadra.
COMETLIS
A delegação teve a necessidade de fazer uma visita “follow-up” para averiguar como
se encontrava a situação depois das fortes críticas de 1992. No entanto, as condições
eram francamente melhores – as celas estavam limpas e pintadas de fresco, a iluminação
artificial tinha sido melhorada e o sistema de ventilação reparado. Contudo, mantinham-
se duas falhas – a falta de luz natural e de colchões para os detidos que ali pernoitassem.
COMETPOR
Este estabelecimento possuía cinco celas. Duas delas para homens, medindo
aproximadamente 13 m2 (com três camas) e 28 m2 (com cinco camas), e tendo as duas
um anexo sanitário com lavatório e sanita. Havia uma outra cela para mulheres, com
cerca de 11m2, com três camas e sanitários como para os homens. Uma quarta cela de
7m2 continha apenas uma cama e tinha um sistema que permitia aos detidos chamar os
polícias se quisessem utilizar os sanitários. Esta cela servia para alojar um detido, de
ambos os sexos, que não fosse conveniente estar numa cela com os demais. Todas estas
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quatro celas tinham luz natural e artificial razoavelmente boa, ventilação adequada e
colchões e cobertores. Contudo, estavam um pouco degradadas.
A quinta cela distinguia-se das demais por estar em muito melhores condições e
muito mais limpa. Media cerca de 14 m2 e continha quatro camas, cada uma delas
equipada com colchões, lençóis, almofadas, fronhas, cobertores e colchas. Existia,
igualmente, um sistema que permitia chamar os agentes e havia liberdade para usar as
instalações sanitárias. Esta era uma cela para pessoas de “classe alta”, médicos,
advogados, professores, que ocasionalmente estavam ali detidos. Para a delegação, seria
desejável que se estendesse estes padrões a todo o estabelecimento.
Divisão de Matosinhos
Esta divisão tinha duas celas, cada um com aproximadamente 20 m2 de área, uma
com três camas e outra com quatro. A luz, natural e artificial, e a ventilação eram
adequadas. Contudo, os colchões de espuma estavam descobertos, e um deles parecia
ter sido queimado por um detido; todos eles estavam bastante sujos.
Comando de Setúbal
As duas celas tinham um tamanho adequado – 7,5 m2 e 9 m2 – dado que nunca
estavam lá mais de duas pessoas detidas simultaneamente. Tinham estruturas de cama
em cimento com estrados de madeira, um lavatório e uma sanita separada. A luz artificial
era fraca, embora as celas tivessem alguma luz natural, e a ventilação era aceitável. Não
havia cobertores, mas foi dito à delegação que quem ali pernoitasse tinha acesso a
colchões – colchões esses que, no entanto, só uma hora depois de ter sido pedido para
vê-los é que foi possível fazê-lo (e depois de terem sido descarregados de uma carrinha
da polícia acabada de chegar). As portas das celas eram de grades, e as celas davam
para um jardim interior, o que significa que à noite e durante o Inverno estavam
bastante expostas ao frio. Por outro lado, também não havia nenhuma forma de os
detidos chamarem a polícia, e à noite nenhum agente se encontrava ali por perto.
Esquadra do Seixal
Existia uma cela com cerca de 6 m2, com duas camas de madeiras (com colchões e
cobertores) e sanita. Havia luz natural, a luz artificial era boa e existia alguma ventilação
devido a uma janela que dava para um jardim interior.
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Outras esquadras
A delegação do CPT visitou outras seis esquadras (incluindo a esquadra da Praça da
Alegria) que não tinham celas. No entanto, os detidos, enquanto estavam sob a custódia
da polícia daquela esquadra, eram mantidos na sala de entrada, geralmente algemados a
um banco. O CPT, já em 1992, tinha salientado o quão inaceitável é que situações como
estas sucedam – deverão ser arranjados locais de detenção apropriados.
Resposta do Governo
O Governo, nesta matéria, limita-se a referir a constatação do próprio CPT de que
as condições de detenção melhoraram, nos três anos que decorreram após a última visita
do CPT e que, embora as autoridades estejam a fazer um esforço, as fortes limitações
orçamentais não permitirão uma melhoria rápida.
Visita do CPT em 1999
O CPT, em 1999, visitou as seguintes esquadras da PSP:
- o Comando de Aveiro
- o Comando de Coimbra
- o Comando de Leiria
- o Comando de Setúbal
- o COMETLIS
- o Quartel da Bela Vista, Porto
- a 28ª esquadra no Largo do Calvário, Lisboa
- a 6ª esquadra nas Antas, Porto
O CPT reconhece que, no geral e tendo em conta as três visitas, as condições vão
de encontro aos critérios deste Comité. Em particular, destaca os esforços feitos pelas
autoridades para melhorar as celas através da instalação de sanitários dentro da própria
cela, de melhores sistemas de ventilação e do alargamento das celas onde foram
detectadas condições de sobrelotação.
No que respeita o COMETLIS, as celas e os anexos sanitários estavam em condições
adequadas e estavam limpos. Para (tentar) resolver a muito criticada falta de luz natural,
foram pintadas janelas nas celas, com o estilo trompe l’oeil, solução que agradou ao CPT,
quanto mais não fosse pela imaginação demonstrada. Contudo, numa visita imprevista,
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num Domingo de manhã, demonstrou que, com excepção de uma detida, nenhum dos
restantes detidos tinha dormido em colchões.
Quanto ao Comando de Setúbal, visitado já em 1995, eram patentes as melhorias,
sobretudo ao nível da iluminação artificial e do chão e das paredes, que sofreram obras.
Quanto às esquadras que foram visitadas a primeira vez – os Comandos de Aveiro,
Coimbra e Leiria, o Quartel da Bela Vista, no Porto e a esquadra no Calvário – a maioria
oferecia boas condições de detenção e de higiene nas celas. Contudo, a maior parte deles
não tinha acesso a luz natural, mas, mais grave, é que nos Comandos de Aveiro e
Coimbra e no Quartel da Bela Vista a luz artificial era deficiente.
Resposta do Governo
Com a criação da IGAI, entidade que não existia aquando das outras visitas do CPT,
e como entretanto tinham passado dois anos desde a visita do CPT (a resposta do
Governo foi só em 2001) e quatro anos da criação da IGAI (desde 1997), o Governo,
desta vez, já pôde responder mais concretamente e baseando-se nos resultados das
inspecções da IGAI, afinal, semelhantes ao trabalho das delegações do CPT. Menciona-se
uma inspecção surpresa levada a cabo pela IGAI em Fevereiro desse mesmo ano, numa
visita de “follow-up” aos estabelecimentos visitados pelo próprio CPT, nomeadamente os
Comandos de Lisboa, Porto, Aveiro e Coimbra. As conclusões da IGAI foram as seguintes:
- dois anos depois, mantinham-se as deficiências ao nível da iluminação artificial,
detectadas pelo CPT em 1999, nos Comandos de Coimbra, Aveiro e Porto. No entanto, os
responsáveis comprometeram-se a tratar esta situação o mais rapidamente possível
- A falta de colchões no COMETLIS é considerada pelos responsáveis deste comando
como uma medida inteiramente justificada para a salvaguarda da higiene e da segurança,
face aos acontecimentos ali verificados: já tinha havido detidos que haviam pegado fogo
aos colchões caso fossem fabricados de materiais inflamáveis ou tinham deliberadamente
defecado nos colchões caso fossem feitos de materiais não inflamáveis. A opção tomada
foi, então, a de colocar estrados de madeira sobre as plataformas de cimento, e depois
fornecer cobertores aos detidos.
- O Comando de Aveiro sofrerá, igualmente, uma melhoria acentuada pois está
prestes a mudar de instalações, onde as celas respeitam todas as condições estipuladas
no Regulamento de Condições Materiais de Detenção em Estabelecimentos Policiais
(despacho n.º 8684/99), que vai ao encontro dos padrões exigidos pelo CPT.
- Todas as celas inspeccionadas estavam razoavelmente em boas condições de
manutenção e de limpeza
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- A Direcção Nacional da PSP introduziu o livro de reclamações, que deve estar ao
dispor de qualquer pessoa que queira fazer uma reclamação, criticar o serviço ou mesmo
o tratamento que recebeu pelos agentes
Relatório Global das Acções da IGAI de fiscalização sistemática, sem pré-
aviso, em postos da GNR e esquadras da PSP, em 1997 e 1998
Esta modalidade de acções iniciou-se no dia 1 de Julho de 1997, sendo um dos seus
objectivos “o cumprimento atempado e rigoroso das determinações superiores, na
sequência da actividade da IGAI e das recomendações do CPT” desenvolvendo-se de dia
e de noite, e, no total das acções, a IGAI visitou, logo em 1997, 319 postos e esquadras
e, no ano de 1998, 355 destes locais.
No que respeita às condições materiais e físicas de detenção, “constatou-se a
generalizada preocupação de serem observados os requisitos mínimos de dignidade,
higiene, conforto e segurança. Espontaneamente, em muitos locais, os comandantes das
forças de segurança tomaram a iniciativa de encerrar os locais que não tinham qualquer
hipótese de utilização” e, por si ou em colaboração e sob orientação do GEPI (Gabinete
de Estudos e Planeamento de Instalações), foram realizadas inúmeras obras de
reparação, melhoramento e adaptação dos locais que o permitem.
No entanto, a IGAI recomendou obras de melhorias em diversos locais e noutros
mesmo o encerramento. Em Lisboa e no Porto, as situações são muito diferentes. No que
concerne as celas, no Porto as condições são muito positivas, “dada a existência de uma
zona de detenção centralizada, de recente e boa construção, que observa os requisitos
exigíveis. Em contrapartida, são conhecidas as deficiências estruturais da zona de
detenção do COMETLIS que, pese embora o esforço e os melhoramentos desenvolvidos,
só uma solução de raiz, através da construção de um novo local, podem resolver.
Um problema que se suscitou ainda no âmbito das condições materiais de detenção,
é o da eliminação de pontos de suspensão, de forma a evitar na medida do possível, o
suicídio dos detidos por enforcamento, já que, muitos destes são toxicodependentes,
seropositivos, alcoólicos e, de um modo geral, pessoas particularmente fragilizadas e
vulneráveis, cuja situação de detenção ou prisão coloca problemas específicos e exige
particulares cuidados, assistência e vigilância. Independentemente de soluções mais
profundas que futuramente possam ser encontradas, a IGAI suscitou a necessidade de,
no imediato, se proceder à protecção do gradeamento e outros pontos de suspensão,
através de redes com malhagem apropriada, ou seja, suficientemente fechada de modo a
não possibilitar a passagem de peça utilizável naquele fim.”
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Acção de Verificação de Procedimentos e Condições de Detenção em 1999
Esta acção compreendeu a visita da IGAI, sem pré-aviso, a 72 locais da PSP e da
GNR. Quanto às (então) novas normas decorrentes do Regulamento de Condições
Materiais de Detenção, verificou-se que eram ainda escassamente conhecidas, pelo que a
equipa se preocupou sobretudo com a sua divulgação e explicação. “Finalmente, no que
respeita aos locais de detenção dos quais se propusera, em visitas anteriores, o
encerramento ou urgente intervenção por não terem as condições mínimas, verificou-se
que apenas se mantinham em funcionamento, nessas condições, quatro locais.”
Relatório Global das Acções de Fiscalização da IGAI em 2001
Estas acções visaram o conhecimento da situação às condições de detenção,
tratamento de detidos, atendimento ao público, elaboração de expediente referente a
ocorrências, presenças… Os locais foram escolhidos com preferência para os períodos
mais difíceis, sobretudo fins-de-semana e nocturnos, sem pré-aviso.
A IGAI realçou a generalizada boa receptividade dada às equipas inspectivas, não
obstante o carácter inopinado das visitas, e a preocupação pelo cumprimento das normas
em vigor, nomeadamente as que se relacionam com os procedimentos e condições de
detenção e identificação e a sensibilização para o respeito dos direitos dos cidadãos.
Não tão positiva foi a constatação geral que as condições de atendimento do público
são deficientes, “ficando ao cuidado e à sensibilidade dos agentes responsáveis, a
procura e utilização de um espaço reservado (geralmente o gabinete do comandante)
para atendimento de casos mais sensíveis.”
Zonas de detenção
Constatou-se, de um modo geral, a existência de “pontos de suspensão” não
protegidos por rede adequada e, no caso das portas das celas da PSP, a adopção de um
modelo anti-regulamentar (portas com barras metálicas, 6 não protegidas). Foram ainda
detectadas outras deficiências, pela utilização de materiais (tais como torneiras não
embutidas, azulejos cortantes, peças com arestas) que podem revelar-se perigosos.
“Outro aspecto crítico consiste na localização de algumas zonas de detenção, em
locais bastante distanciados dos agentes em serviço, dificultando um eventual pedido de
ajuda (nesta situação se encontra a zona de detenção da esquadra de Lamego). Como
casos de manifesta incompatibilidade com os requisitos exigíveis, e em que se propõe a
não utilização, elencam-se as zonas de detenção das esquadras de Olivais e Elvas."
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No COMETLIS, não obstante os melhoramentos que, na medida do possível, foram
efectuados, só a construção de um novo local resolverá os problemas. Nesta visita, e
para além das restrições estruturais, falta de luz natural, degradação do local, observou-
se ainda a existência de um estrado de madeira solto, e, mais uma vez, de portas com
barras metálicas.
“Ainda na área do COMETLIS, foram entretanto abertos novos locais de detenção
(Alto do Pina, Benfica, Sacavém), apresentando, contudo, os dois primeiros o mesmo tipo
de portas não regulamentares.”
Foram ainda evidenciados como locais cujas instalações se encontram abaixo das
condições mínimas de utilização e funcionamento, a Esquadra do Lagarteiro e o Posto
Móvel da Corujeira, ambos do COMETPOR e, algumas esquadras, em que se verificou
maior desorganização administrativa foram anotadas para futuras inspecções.
Relatório Global das Acções de Fiscalização da IGAI em 2003
As condições das zonas de detenção em vários casos estavam desconformes com o
Regulamento, “particularmente no que concerne à existência de pontos de suspensão,
portas e janelas com grades e/ou com rede de malha que não obedecem aos critérios
definidos no dito Regulamento, bem como a utilização de materiais que podem revelar-se
perigosos, tais como torneiras não embutidas e peças com arestas aspectos que podem
favorecer os suicídios - v.g, entre outras, as Esquadras de Mirandela, Bragança, Ribeira
Grande, Câmara de Lobos, Santana, Machico, Calheta, Ribeira Brava, Peniche, Fátima,
Alcobaça, Nazaré, Pombal, Póvoa do Varzim, Matosinhos, Figueira da Foz, 2ª de Coimbra,
2ª Aveiro, Ovar, Guimarães, 1ª Braga, Barcelos, Espinho, S. João da Madeira)“
Sob proposta da IGAI, a Direcção Nacional da PSP (v.g. Esquadras da Nazaré,
Pombal, Mirandela) informou o encerramento/desactivação de zonas de detenção com
vista à correcção dos aspectos assinalados, tendo já sido comunicado, em alguns casos a
reabertura de celas após a execução das alterações.
A IGAI realçou ainda a falta de condições gerais das instalações, de trabalho e/ou
de atendimento ao público, designadamente ausência de privacidade (v.g. as Esquadras
1ª de Angra do Heroísmo, do Aeroporto João Paulo II, 1ª e 2ª de Coimbra, Areosa, Ovar,
Barcelos, Rio Tinto, Ermesinde, Santo Tirso, Gondomar, Valongo, Capelos e Matosinhos).
A IGAI frisou ainda que se deve melhorar as instalações e condições de trabalho
(com um destaque especial para os Postos na zona de Trás-os-Montes, onde é flagrante a
falta de aquecimento e de vestuário adequado dos agentes) e os espaços destinados ao
atendimento público, neste caso por forma a garantir a privacidade dos cidadãos que se
deslocam às Esquadras e Postos com vista a apresentar queixa.
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Visitas por nós realizadas:
5ª Divisão, Penha de França, Lisboa
A IGAI mandou encerrar os calabouços desta esquadra, porque os bicos e ângulos
das celas não são arredondados. O que é curioso é que estas instalações são novas,
tendo entrado em funcionamento no ano de 2000, posteriores ao Regulamento; podemos
concluir que quando foram construídas não foram tidas em conta todas as regras.
Esta esquadra possui três celas, duas delas com luz natural, e a luz artificial é
bastante boa. Apesar de fechadas, estavam em boas condições de higiene,
apresentando-se muito limpas. Medem cerca de 7 ou 8m2, para uma pessoa, tendo um
maciço de cimento para servir de apoio ao colchão. Não dão para zonas de acesso ao
público, situando-se no interior da esquadra, e as paredes, de cor bege, estão em muito
bom estado. As portas são uma chapa de ferro, não tendo grades de ferro e cumprindo,
assim, as normas regulamentares. As celas pareceram-me em muito bom estado e
adequadas. Aliás, eram maiores do que a maior parte dos gabinetes policiais onde
trabalham polícias todo o dia e onde atendem o público com os casos mais delicados!
Nesta esquadra, os detidos, enquanto esperam transporte para o COMETLIS, ficam
na sala de espera ou, nos casos onde se exige maior segurança, são fechados na sala de
reconhecimento. Se a IGAI está preocupada com as arestas das celas, é curioso que não
se preocupe com a solução temporária encontrada para obviar ao encerramento das
celas: é que a sala de reconhecimento, como é óbvio, tem um vidro enorme (os detidos
ficam na sala para a qual se levam as vítimas e testemunhas para, através deste vidro,
identificarem os suspeitos), material não muito seguro, com lâmpada e tomada. Pareceu-
nos que as condições desta sala são muito mais perigosas e inseguras do que a das celas,
permitindo que o detido se magoe. A IGAI assume a sua responsabilidade no
encerramento, e declina-a quanto a soluções!
3ª Divisão, Super-Esquadra de Benfica
Esta esquadra também é de construção recente e toda ela tem muito boas
condições. Possui duas celas, com cerca de 9 m2, o que poderia ser de um tamanho
muito bom, sobretudo porque só têm um maciço de cimento a servir de cama (o que
poderia indicar que seriam celas individuais), mas pela conversa com o agente que nos
mostrou as celas, parece que não há um limite para a lotação das celas – especialmente
quando acontece, como ele nos relatou, haver uma mulher detida e quatro ou cinco
homens também – como a mulher terá que forçosamente ficar sozinha, os homens terão
que ficar todos juntos… E aí a cela é manifestamente reduzida.
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Estas celas têm um lavatório em inox incrustado na parede, com a torneira
embutida, e com um pequeno muro a separar da turca. A porta é também uma chapa de
ferro (em 2001 a IGAI tinha detectado portas de grades), com um pequeno visor de
portinhola para o agente que, regularmente ali passa, verificar se está tudo em ordem.
Têm uma pequena janela junto do tecto, com uma grade e, embora dê uma luz razoável,
não será o suficiente, por exemplo, para ler. No entanto, tem luz artificial adequada. A
tinta das paredes, também de cor bege, está em bom estado, embora o agente nos tenha
dito que “tivemos sorte”, pois foram pintadas recentemente, há cerca de dois meses
atrás, e antes disso não tinham tão bom aspecto… Não tão positivo é o facto de não
haver colchões, e numa das celas estava ainda um cobertor por cima do maciço de
cimento, o que indicia que provavelmente alguém pernoitou naquela cela (a visita foi de
manhã), sem colchão.
Em relação às arestas, estão todas limadas, tanto do maciço da cama como da baia
de separação do sanitário (com cerca de 1m), como a própria torneira que não tem bicos,
por ser redonda. Não há pontos de suspensão, nem tomadas.
Pelo que o agente nos relatou, as celas só são usadas em última instância, pois
vigora uma política de cooperação, ficando os detidos na secção onde os agentes
trabalham, sem estarem algemados, o que só acontece se começarem a levantar muitos
problemas ou forem réus presos (como no dia da visita, em que assistimos à saída de um
detido para a carrinha que o ia transportar para a prisão, e que estava algemado por já
ter sido condenado). Só nestes casos se conduz as pessoas às celas.
No geral, estavam em muito boas condições de limpeza, higiene e de manutenção,
sendo apenas de lamentar que também uma esquadra nova tenha que ter sofrido obras
para se adequar aos padrões regulamentares, quando a primeira visita do CPT data de
1992 e a IGAI existe desde 1997. Quando se projectam estes novos locais, já se devia
ter em conta todas as regras aplicáveis…
4ª Divisão, Largo do Calvário
Nesta esquadra, é de realçar o péssimo estado em que toda ela se encontra
(excepto da zona de entrada, área onde é atendido o público), o edifício é velho,
degradado, bem como os azulejos, as paredes, as zonas onde polícias trabalham. No
interior da esquadra, deparámo-nos com um cheiro muito desagradável enraizado no
edifício, incluindo no bar e na messe, onde os agentes e funcionários (e também os
detidos, que comem em conjunto com os polícias) fazem as suas refeições. A esquadra
estava muito pior do que as celas de quaisquer das esquadras que visitámos. É bom ter
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em atenção os detidos, mas também não convém esquecer os polícias, pois pessoas que
trabalham naquelas circunstâncias não podem fazer um trabalho decente. (8)
Convém referir que os calabouços desta esquadra foram demolidos, e as pessoas
que aguardam transporte ficam na sala de espera, a dormir deitadas em cima das
cadeiras que lá estão (como vimos às 8h30 da manhã, no dia em que lá fomos).
COMETLIS
Embora não tenhamos visitado todas as celas existentes, parece-nos, no entanto,
que a análise já feita pelo CPT e pela IGAI se mantém. A cela para mães com crianças é,
de facto a melhor, pois ficam isoladas dos demais detidos, têm uma cama, (não um
maciço com um colchão por cima), com um quarto de banho separado. Para tentar
humanizar um pouco a cela, especialmente tendo em conta a criança, foram pintados nas
paredes desenhos de bonecos Disney, como o Dumbo. Não tem luz natural, mas a luz
artificial é adequada. Aliás, uma boa iluminação é essencial para a própria Polícia, para
desta forma melhor levar a cabo o seu trabalho de vigilância.
Quanto às outras celas, com cerca de 30m2 para 7 camas, tinham sido pintadas
recentemente, tendo sido retiradas as pinturas trompe l’oeil das janelas falsas. A
ventilação é suficiente, embora pudesse ser melhorada, e a proibição do Sr. Comandante
de os detidos fumarem dentro das celas melhorou bastante a qualidade do ar e das
próprias paredes e da tinta, que ficam mais limpas, para além de evitar problemas com
isqueiros. Têm luz artificial razoável, embora não muito forte, e mantém-se a falta de luz
natural. Este facto, aliado ao tecto relativamente baixo, deu-nos uma sensação de
alguma clausura e mesmo claustrofobia, embora as celas sejam bastante grandes, mas
que é a própria estrutura do edifício a impedir maiores mudanças. Aos detidos são
fornecidos colchões especiais de materiais não inflamáveis e facilmente laváveis. Há um
pequeno muro a separar da turca. As portas continuam a ser de grades.
As celas estavam em boas condições de higiene.
(8) Em relação a este ponto, é de frisar a Esquadra do Rossio, que já foi considerada como
degradante. A esquadra é velha, pequeníssima, completamente deteriorada, cai caliça do tecto, as
canalizações não funcionam bem, contribuindo para um cheiro insuportável nos sanitários e por
todo o espaço. Numa total ausência de respeito pelas pessoas que lá trabalham, era no mínimo
exigível terem em atenção a imagem que passam de Portugal aos muitos turistas que lá vão fazer
queixas dos crimes ocorridos ali em toda a zona da Baixa, antes de serem reencaminhados para o
Posto de Turismo, no Palácio da Foz.
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Quanto ao contacto com os advogados, foi-nos dito que por vezes estes aparecem
no Comando, e então os detidos são levados para um átrio, num jardim interior, onde
podem falar com os seus defensores.
É ainda de frisar o problema com a sobrelotação dos fins-de-semana, já referida.
O Comando, como já foi mencionado, tem muitos problemas, que se devem ao facto
de o espaço não ter sido construído de raiz para albergar celas, mas tendo apenas sido
adaptado para esse efeito. A única forma de solucionar estas questões é a transferência
dessas instalações para outro local; aliás, é essa a intenção da PSP, passando as
detenções a concentrarem-se no Palácio da Folgosa, mas parece que a resposta do
Governo não tem sido muito favorável… Por último, só de salientar que as próprias
condições para os polícias também não serão as melhores, embora estejam a decorrer
obras numa das zonas do Comando. Mas que só remedeiam, não resolvem as deficiências
estruturais de um edifício velho, com gabinetes pequeníssimos para as pessoas
trabalharem, com paredes e tectos negros da humidade, e também sem luz natural.
É de realçar, ainda, a opinião de estudiosos como Anabela Miranda Rodrigues e
Manuel Guedes Valente, que defendem que se devia acabar com as detenções nas
esquadras, devendo estes detidos serem entregues nas prisões propriamente ditas, com
mais condições físicas e humanas e que foram criadas para este efeito.
Para além destas esquadras, visitámos ainda os calabouços do Tribunal de Pequena
Instância Criminal, vulgo Tribunal de Polícia, e do Tribunal da Boa Hora. As suas celas
têm, de longe, as piores condições de detenção, muito piores do que as esquadras cujos
calabouços foram encerrados e muito piores do que o COMETLIS, tão criticado por vários
quadrantes. É aqui que falha o papel da IGAI; ou melhor, a IGAI é, como o seu nome
indica, a Inspecção da Administração Interna. E isto não conseguimos saber – é que
estes locais de detenção, embora funcionem lá Esquadras, provavelmente estarão sob a
alçada do Ministério da Justiça e aí, então, não será a IGAI a actuar mas sim a sua
homóloga IGSJ (Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça). De qualquer das formas, é
inacreditável que se deixem funcionar celas como estas. Senão, vejamos:
TPIC
Tem 5 celas, com cerca de 12 m2 cada. As celas são repulsivas, em péssimas
condições de higiene, desde o chão às paredes, que estão completamente deterioradas.
Constou-nos que é frequente os detidos urinarem dentro da cela, e que depois é da sua
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responsabilidade a limpeza do que fizeram (que, obviamente, não é adequada, e isto
quando há efectivamente essa limpeza).
As celas têm apenas um banco preso à parede, semelhante àqueles que se vê nas
estações de comboio, de alumínio ou ferro (cheio de bicos e arestas…) A luz é boa, não
dentro das celas, porque não existe, mas porque as portas são de grades e cá fora a luz é
bastante. No entanto, lá mais para o fundo das celas (que têm cerca de 6m de
comprimento) já estava mais escuro… Não havia tomadas.
As celas acomodam bastante gente; o agente que nos guiou disse-me que
chegavam a ter 70 pessoas para as 5 celas, mas que ultimamente os números eram
bastante mais baixos. No dia em que lá fomos, apenas encontramos um detido. Quando o
questionei sobre o facto de só terem bancos, disse-me que as pessoas estavam sempre
despachadas no final do dia, pelo que não pernoitavam ali. Quanto à comida, o Tribunal
ordenava que, à hora das refeições, fossem-lhes levada comida da Messe. Por fim, havia
um radiador em frente a cada cela, embora do lado de fora das grades.
Tribunal da Boa Hora
Tem dois calabouços enormes, com mais de 40 m2, com um tecto altíssimo, um
para homens, outro para mulheres. Há ainda uma terceira cela, que não visitámos, para
suspeitos de pedofilia e esse tipo de crimes, que não são detidos com os demais. Cada
um dos calabouços tem um lavatório, no das mulheres há também um chuveiro. Há
apenas pequenas saliências de cimento à volta de toda a cela, que saem da parede e que
poderão servir de bancos, mas não são sequer suficientemente largas para uma pessoa
se poder deitar. Não tem luz natural, e a luz artificial é fraquíssima. O chão estava
razoavelmente limpo (a limpeza é diária), mas as paredes estavam em extremo mau
estado, completamente escritas e riscadas, e tinham sido pintadas há apenas 2 meses…
Deve ser assustador estar fechado naquele enorme buraco de cimento, (pois aqui as
portas não são de grades) com tão pouca luz, e onde juntam todas as pessoas,
indiscriminadamente. Não havia camas nem colchões mas, mais uma vez, ninguém
dorme lá. Ali apenas ficam os presos preventivos e aqueles que estejam já condenados,
pois os demais são intimados a comparecer no tribunal.
Por esta análise, parece que as celas nos tribunais também deveriam ser objecto
destas acções de fiscalização. E não visitámos os calabouços do TIC que, pelos relatos
que obtivemos, consegue ultrapassar em decadência as celas aqui descritas…
67
Conclusão VI
Direitos/Garantias contra maus-tratos policiais; procedimentos com presos
1. CPT Standards
O CPT considera de particular relevância três direitos da pessoa detida sob custódia
da polícia, direitos que deverão ser efectivados logo desde o início dessa custódia, e
mesmo que a pessoa apenas se encontre detida para identificação (cf., por exemplo, o
paragrafo 49 do Relatório Portugal, 1995):
- o direito do detido notificar a sua detenção a alguém da sua escolha (familiar,
amigo, o consulado)
- o direito de acesso a um advogado
- o direito de requerer um exame médico por um médico da sua escolha (a somar
ao exame feito pelo médico que as autoridades policiais tenham chamado)
Estas são as três garantias que o CPT considera fundamentais para evitar os maus-
tratos policiais. Do relatório Sérvia, 2004, retira-se que o CPT está preocupado sobretudo
com o cumprimento destes direitos quando os detidos são menores (especialmente o
direito a um advogado, cf. este relatório da Sérvia e Eslováquia, 2005). Mas há outros
direitos do detido: o direito de ser informado, desde logo, dos seus direitos, a começar
por estes três, e de conhecer os motivos que levaram à sua detenção, em conformidade
com o “Conjunto de Princípios…”, cujo Princípio 10º refere que o detido tem direito a
ser informado “no momento da captura, dos motivos desta [da detenção] e prontamente
notificado das acusações contra si formuladas.”
Qualquer limitação a estes direitos, imposta pelas autoridades, deverá ser
justificada pela protecção de interesses de justiça, e deve ser claramente definida e
limitada no tempo.
Noruega, 2005
Estes direitos deverão ser assegurados para todas as categorias de detidos,
incluindo estrangeiros detidos, e desde o início da privação da sua liberdade.
68
2. Direito de notificar a sua custódia e visitas de familiares
2.1- Legislação internacional:
Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos
Esta resolução contém, na parte C, regras especiais sobre detidos que aguardam
julgamento. Realça o facto de não terem ainda sido condenados, nem sequer julgados,
pelo que vale o princípio de presunção da inocência e como tal devem ser tratados.
No ponto 92 está em causa o direito de notificação da sua custódia. Ao detido deve
ser dada a autorização de informar imediatamente a sua família da detenção, e devem
ser-lhe dadas todas as facilidades para comunicar com a sua família e amigos e para
receber as suas visitas sob reserva, apenas, das restrições e supervisão necessárias aos
interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do estabelecimento.
“Conjunto de Princípios…”
O princípio 16 repete este direito, referindo a sua aplicação sempre que o detido
seja transferido para outro local. No caso de um estrangeiro, tem também direito a
comunicar sem demora com um posto consular ou com uma organização internacional,
no caso de ser um refugiado. No caso de um menor ou pessoa incapaz de compreender
os seus direitos, a autoridade competente deve, por sua própria iniciativa, proceder à
comunicação, em especial procurando avisar os pais ou os representantes legais.
O princípio 19 prescreve o direito do detido de receber visitas, nomeadamente, da
sua família, e de se corresponder, devendo dispor de oportunidades adequadas para
comunicar com o mundo exterior sem prejuízo das restrições razoáveis, previstas por lei.
O direito de notificar a sua custódia e de receber visitas está também previsto nas
European Prison Rules, regras 92 e 93; prescreve-se que se o detido não quiser
informar ninguém as autoridades deverão respeitar esta vontade excepto se o detido pela
sua idade, estado mental ou outra incapacidade não tiver discernimento para o decidir.
2.2 - CPT Standards
O direito do detido comunicar a sua detenção a um terceiro da sua escolha deve
ser, em princípio, garantido desde o início da custódia. O CPT reconhece, no entanto, que
69
razões ponderosas ligadas à investigação poderão levar a certas excepções. Contudo,
estas situações excepcionais deverão estar claramente definidas e limitadas no tempo, e
deverão estar salvaguardadas, por exemplo, anotando no livro de registos do detido as
razões para impedirem a imediata notificação; esta restrição deverá ainda passar pelo
crivo de um oficial mais velho não ligado ao caso ou de um magistrado do MP.
Polónia, 2004
O CPT fez uma recomendação adicional neste relatório. O facto de, por vezes, serem
os polícias a comunicar com as famílias e não os próprios detidos, leva a dúvidas sobre se
a notificação foi realmente feita ou não. O CPT recomendou, então, que os detidos
recebam um feedback sobre se foi possível ou não contactar com as suas famílias.
Turquia, 2003
O CPT constatou aqui uma situação curiosa. É que um número anormalmente alto
de pessoas que se encontravam sob a custódia no Anti-Terror Department tinha
renunciado ao seu direito de informar alguém. O CPT reconhece plenamente que certos
detidos, especialmente se relacionados com o que na Turquia se chama de Law and Order
Departments, (pela leitura dos relatórios parece-me mais ligado às ofensas criminais,
homicídios, etc.) não queiram que os seus familiares sejam informados. No entanto, não
será o caso, no entender do CPT, do Anti-Terror Department, pelo que se poderá estar
assim a encobrir uma falha no exercício deste direito. E, nestes casos, deverá ser a
própria pessoa a preencher esta renúncia no seu registo e a assinar este documento.
Geórgia, 2003/04
Algumas pessoas alegaram que lhes tinha sido negado este direito até o tribunal
decidir mantê-las em prisão preventiva ou até à sua chegada à prisão.
2.3- Legislação Nacional
Em relação às pessoas conduzidas à esquadra para identificação, como medida
última e depois de esgotados os procedimentos previstos nos números 3, 4 e 5 do art.
250º, o n.º 9 prescreve que “será sempre facultada ao identificando a possibilidade de
contactar com pessoa da sua confiança”.
Em relação aos detidos, neste momento o direito está assegurado, mas nem sempre
foi assim (conferir evolução dos relatórios abaixo mencionados). Mas o ponto 14 do
Regulamento refere que “o detido deve poder informar imediatamente a sua família sobre
70
a situação em que se encontra e deve ser-lhe proporcionado um meio de o fazer,
nomeadamente disponibilizando o telefone da esquadra caso não haja telefone público.”
A prova de que a informação do direito de comunicar com um familiar ou pessoa da
confiança do detido foi dada deverá ficar documentada, lavrando-se termo de notificação
e entrega. Esta informação deverá ser feita numa língua que o detido entenda,
solicitando-se a presença de um intérprete se necessário.
Parecer n.º 35 de 1999 da Procuradoria-geral da República; conclusões:
2.ª Conclusão: A detenção deve ser efectivada nas condições previstas nos artigos
259.º e 260.º do CPP, respeitando o direito da pessoa a deter a comunicar com familiar
ou pessoa da sua confiança, e no respeito pelas exigências decorrentes dos princípios da
adequação e proporcionalidade.
2.4 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
O CPT considerou que este direito não estava previsto para pessoas detidas sob
custódia pela polícia, mas tão-somente a partir do momento em que o tribunal ordena
que essa privação da liberdade se torne efectiva – art. 28/3 CRP. No entanto, os agentes
com quem a delegação contactou afirmaram que, caso o detido pedisse para contactar
alguém, esse pedido seria atendido, salvo se houvesse perigo de esse contacto servir
para avisar cúmplices ou se a pessoa tivesse sido detida sob uma ordem do tribunal que
expressamente proibisse os contactos.
Visita do CPT em 1995
Algumas pessoas que estavam, ou tinham recentemente estado sob custódia da
polícia, disseram à delegação que tinham sido informadas da possibilidade de notificar
uma pessoa da sua escolha. Poucas dessas pessoas tinham sido autorizadas a
efectivamente usar o telefone. E outros detidos declararam que não tinham tido
oportunidade de notificar ninguém sobre a sua detenção.
A informação sobre o exercício deste direito variou de caso para caso. Se nalguns
casos, este facto tinha ficado registado, quer porque a polícia informou o detido, quer
porque este último requereu a notificação de um terceiro, em muitos outros casos, não
há nenhuma referência ao cumprimento desta garantia fundamental. O CPT concluiu,
então, que não havia garantia que o detido pudesse contactar com alguém no sentido de
notificar a sua custódia – estava dentro da discricionariedade dos agentes.
71
O CPT considerou ainda que, embora se preveja que este direito integre o elenco
daqueles que estarão presentes num cartão que se vai ler ao detido, e isso seja algo de
positivo, este direito deve ter uma forte base legal.
Resposta do Governo
Existe já um fundamento legal sólido que impõe a obrigação de permitir ao detido
comunicar a detenção a alguém da sua escolha. Na verdade, em conformidade ao art.
260º do CPP, é aplicável ao regime da detenção o art. 194º nº 3, segunda parte, e o
194º n.º4, que estatuem que, salvo se o detido não consentir, a detenção deve ser
imediatamente comunicada a alguém próximo, um terceiro da sua escolha ou ao seu
advogado. Nos casos de menores de 18 anos, o consentimento não é exigido.
Visita do CPT em 1999
As entrevistas com várias pessoas detidas mostraram à delegação que, na maioria
dos casos, tinham sido informados que poderiam contactar, por telefone, as suas famílias
ou outra pessoa que desejassem. Os documentos examinados pela delegação continham
referências sistemáticas ao cumprimento desta garantia. Além do mais, o relatório de
1998 da IGAI concluiu que este era um direito que estava a ser na sua grande maioria
cumprido, até pela ampla divulgação que o entretanto publicado Regulamento de
Condições Materiais de Detenção teve e que consagra este direito, nomeadamente no art.
14º. O CPT ficou, por isso, bastante satisfeito.
Acção da IGAI de Verificação de Procedimentos de Detenção em 1999
Esta acção compreendeu a visita, sem pré-aviso, a 72 locais da PSP e da GNR,
tendo-se concluído pelo cumprimento generalizado de determinações anteriores sobre
registo de detenções, contacto efectivo do detido com advogado e familiares, assistência
clínica quando necessária através da condução do detido a estabelecimento hospitalar,
catalogação e guarda de objectos apreendidos e de objectos perigosos. Verificou-se
também a observância das novas normas processuais penais sobre constituição de
arguido, nomeação obrigatória de defensor pelos órgãos de polícia criminal (em casos de
menoridade, inimputabilidade, etc), e comunicação dos direitos ao detido.
Nesta última parte, foi ainda observada a existência de painéis afixados nas
paredes, contendo o elenco dos direitos e deveres do arguido, bem como a existência de
folhetos informativos sobre a mesma matéria, em quatro línguas – Português, Francês,
Inglês e Espanhol.
72
3. Direito de acesso a um advogado
3.1 - Legislação internacional
Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos
O ponto 93 refere o direito de acesso a um advogado. O detido deve ser autorizado
a pedir a designação de um defensor oficioso, onde tal assistência exista, (tal como o art.
6º n.º 3) c) da CEDH prevê) e a receber visitas do seu advogado com vista à sua defesa,
bem como a preparar e entregar-lhe instruções confidenciais. Para estes efeitos ser-lhe-á
dado, se o desejar, material de escrita. As entrevistas entre o recluso e o seu advogado
podem ser vistas mas não ouvidas por funcionários da polícia ou do estabelecimento.
Conjunto de Princípios …
O princípio 17 reitera este direito e impõe à autoridade o dever de informar o
detido desse direito logo após a sua detenção, proporcionando-lhe os meios para o poder
fazer capazmente. Também aqui se prevê o direito a um advogado oficioso e a título
gratuito no caso de insuficiência económica. O princípio 18 trata da comunicação com o
advogado, que deve ocorrer sem restrições de tempo e em absoluta confidencialidade. O
n.º 5 prescreve que estas comunicações “não podem ser admitidas como prova contra a
pessoa detida salvo se respeitarem a uma infracção contínua ou premeditada.”
3.2 - CPT Standards
Pela experiência do CPT, o período que se segue imediatamente à detenção é
aquele em que o risco de intimidação e maus-tratos é maior. Daí que o acesso a um
advogado logo desde a detenção é fundamental para dissuadir possíveis agressores ou,
pelo menos, o advogado saberá melhor como agir caso esses maus-tratos efectivamente
ocorram. Contudo, num grande número de países, há alguma relutância em cumprir esta
recomendação do CPT desde a detenção, pois este direito só pode ser gozado depois de
um período de tempo específico sob custódia ou porque este direito só se efectiva quando
a pessoa é declarada formalmente como suspeita.
Nos países em que o advogado (e o médico) são escolhidos de uma lista já pré-
definida, mediante acordos entre as autoridades competentes e a Ordem dos Advogados
(ou dos Médicos), o acesso a este profissional deve ser imediato.
O acesso a um advogado inclui o direito de contactar e ser visitado por um
advogado – em ambos os casos, sob condições que garantam a confidencialidade das
suas conversas – e, em princípio, o direito de o advogado estar presente durante o
73
interrogatório. Contudo, a falta do advogado durante um interrogatório não deverá
impedir a polícia de interrogar o detido sobre assuntos urgentes.
O Comité reconhece que, por vezes, para proteger a investigação, poderá ser
excepcionalmente necessário protelar o acesso do detido a um advogado da sua escolha.
No entanto, isto não significa que se negue, de todo, este direito. Deve, então, ser dado
acesso a outro advogado que não ponha em causa os interesses da investigação policial.
O direito de acesso a um advogado, por um lado, não é apenas do detido, suspeito
de um crime, mas também de qualquer pessoa que tenha a obrigação de estar numa
esquadra, como uma testemunha. Por outro lado, para que este direito se efective,
deverão ser tomadas medidas que permitam, a quem não possui recursos, o direito a um
advogado oficioso. Como o CPT referiu em Hungria, 2005, é indispensável um sistema de
ajuda legal gratuita para pessoas carenciadas, porque enquanto isso não suceder, este
direito existirá, apenas, no plano teórico. O CPT recomenda, então, fortemente, que estes
sistemas sejam implementados urgentemente, funcionando desde o início da custódia
policial. No Relatório Eslováquia, 2005, o CPT recomenda que se consulte a Ordem dos
Advogados na criação deste sistema. Em Turquia, 2003 o CPT constatou que muitos
detidos, especialmente os suspeitos de crimes, viam poucas vantagens, se não mesmo
desvantagens, em ter um advogado envolvido a este nível – poderia ser considerado
como uma admissão de culpa, indevidamente prolongar o procedimento… Mas o CPT
considerou que outros factores intervinham, nomeadamente porque várias pessoas
entrevistadas declararam que gostariam de ter tido acesso a um advogado mas não
tinham conhecimento de que a ajuda legal poderia ser gratuita. É por isso, essencial, o
papel dos agentes, que não deverão desencorajar o detido de exercer o seu direito.
Nos Relatórios Eslováquia, 2005 e Noruega, 2005. o CPT indica como lidar com o
advogado que impede o desenrolar próprio de um interrogatório, dizendo que se deverão
tomar medidas para a sua substituição, mas tendo em conta que esta medida deverá
estar estritamente circunscrita e protegendo-se o detido.
No Relatório Turquia, 2005, refere-se o que constitui um bom exemplo. No sistema
turco, a presença de um advogado é obrigatória quando o suspeito é menor ou quando
o limite mínimo da pena para o crime de que é suspeito é de 5 anos. É que, por exemplo,
em Áustria, 2004, Sérvia, 2004 e Eslováquia, 2005, o CPT constatou que, por vezes, os
menores tinham sido interrogados e assinado declarações admitindo as ofensas criminais
sem a presença de um adulto da sua confiança. Por isso, o CPT salienta a importância de
disposições legais especiais para proteger este grupo de suspeitos, para que não tomem
decisões com importantes implicações legais sozinhos. Não se deverá deixar ao critério
74
do menor o pedido de um advogado, esta presença deve ser obrigatória. Até lá, os
menores não deverão emitir qualquer declaração ou assinar nenhum documento.
Em Geórgia 2003/04, o CPT recomendou que, ao contrário do que sucedia naquele
país, não deveriam existir restrições quanto ao tempo que o detido pode estar a falar
com o seu advogado (naquele país, era de 1h por dia).
Em Macedónia, 2004, o CPT estatuiu que o exercício deste direito deveria poder
ocorrer em todas as fases do procedimento de custódia policial.
3.3- Legislação Nacional
O art. 32º n.º 3 da CRP prescreve que “O arguido tem direito a escolher defensor e
a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as
fases em que a assistência por advogado é obrigatória”.
Esta garantia constitucional, que tem sido interpretada no sentido de incluir também
a custódia pela polícia, é desenvolvida pelo art. 61º do CPP n.º 1 alíneas d) e e).
Aplicam-se, também, os artigos 62º, 64º CPP e 62º do Estatuto da Ordem dos
Advogados, aprovado pelo DL n.º 84/84.
O Regulamento de Condições Materiais prescreve que “o detido será autorizado
a contactar telefonicamente com o seu defensor, facultando-se-lhe a utilização do
telefone da esquadra, embora por tempo limitado, quando inexista telefone público.”
A informação do direito de constituir advogado deverá ficar documentada, lavrando-
se termo de notificação e entrega. Esta informação deverá ser feita numa língua que o
detido entenda, solicitando-se a presença de um intérprete, se necessário.
O Despacho n.º 10717/2000 do MAI, publicado na II Série do DR de 25 de Maio
de 2000 e que possui conteúdo idêntico ao da Informação / Proposta da IGAI n.º 21/97,
versou exactamente este tema.
O arguido detido tem o direito de comunicar, oralmente ou por escrito, com o seu
defensor. “As autorizações para as visitas podem ser requeridas e concedidas
verbalmente, sem prejuízo dos registos a que houver lugar”. A visita do advogado deverá
ser autorizada pelo agente mais graduado que, no momento, se encontrar na esquadra e
“poderá ter lugar a qualquer hora do dia ou da noite, logo após a realização das
diligências impostas pelo caso concreto e a elaboração do respectivo expediente.”
“Enquanto os estabelecimentos policiais não estiverem dotados de salas próprias
para o efeito, deverão ser dadas aos defensores todas as facilidades para contactarem
75
com os seus constituintes, em condições de dignidade e de segurança. Em circunstâncias
excepcionais, designadamente face ao elevado número de detidos e à falta de condições
materiais, deverão adoptar-se as medidas impostas pelo caso concreto, sem prejuízo das
normas de segurança e da boa ordem do estabelecimento policial.
Não será feito qualquer controlo do conteúdo dos textos escritos e demais
documentos que o defensor leve consigo.”
As conversas não serão ouvidas pelo encarregado da vigilância, e as visitas poderão
ser interrompidas por manifestas razões de segurança.
3.4 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
O CPT não ficou completamente esclarecido quanto à previsão legal deste direito
para as pessoas sob custódia da polícia.
Resposta do Governo
Para o Governo, não será muito frequente a presença do advogado nas esquadras,
porquanto aí não ocorre nenhum acto importante do procedimento, e o tempo máximo de
custódia são só 48h, sendo depois o detido presente a um juiz. No entanto, esse direito
está consagrado e por vezes há detidos que o exercem. O papel do advogado, ao
contrário dos filmes americanos, que estão presentes durante o interrogatório, e sem o
qual o detido não fala, aqui não sucede – será mais o de verificar as condições do local
onde se encontra o seu cliente e os motivos que levaram a essa detenção.
Visita do CPT em 1995
A informação reunida durante esta segunda visita levou o CPT a crer que era
extremamente raro que os detidos tivessem acesso a um advogado antes da sua primeira
presença num tribunal. Embora, à partida, os agentes da PSP não estejam autorizados a
interrogar detidos, a delegação descobriu que por vezes, estes agentes tentam persuadir
os detidos a voluntariamente darem informações, o que, embora não tenha nenhum valor
probatório específico, pode ter uma influência nos eventos subsequentes. Por isto (e por
outros factores também, embora já exteriores a este trabalho, como é o caso citado no
relatório da Polícia Judiciária, que pode e muitas vezes interroga os detidos antes da sua
primeira presença em tribunal), o CPT considerou fundamental que se tomassem medidas
para efectivar este direito desde o início da detenção. Embora o documento que é lido aos
detidos inclua este direito, é de notar que só o tribunal pode nomear um advogado
76
oficioso, o que obsta a que indigentes e pessoas economicamente desfavorecidas não
possam ter acesso a um advogado antes de serem presentes a julgamento.
Resposta do Governo:
Todas as pessoas detidas têm o direito de serem efectivamente assistidas por um
advogado da sua escolha, em conformidade aos art. 32º n.º 3 da CRP e 62º n.º1 CPP. Na
verdade, existem mesmo actos integrantes do procedimento que não podem ser
efectuados sem a presença do advogado – por exemplo art. 64º CPP.
As dificuldades surgem quando o detido não escolhe um advogado porque não quer
ou porque não tem meios económicos para o fazer.
Se não escolhe porque não quer, não há muito que as autoridades possam fazer,
excepto nos casos previstos no art. 64º onde a nomeação de um advogado é obrigatória.
Se não pode remunerar um advogado, pode solicitar que lhe seja nomeado um
defensor – art. 62º do CPP, como previsto no DL 387-B/87, de 29 de Dezembro (9), desde
que prove junto do tribunal, através dos meios julgados idóneos, a sua insuficiência
económica. Estes serviços são pagos pela Administração.
Visita do CPT em 1999
O CPT reitera as ideias expressas nos seus “Standards” e chama a atenção para o
facto de apenas as pessoas que estão formalmente detidas – os arguidos – serem
titulares do direito de acesso a um advogado; àqueles que são apenas conduzidos à
esquadra para identificação não se aplica estas regras – esta situação terá que ser
mudada; o acesso ao advogado deve ser permitido a partir do início da custódia, seja ela
por que motivo for. Por outro lado, a delegação chegou à conclusão que, na prática,
muitos detidos passavam um tempo considerável sob a custódia da polícia até terem
acesso a um advogado pois o primeiro contacto, na maioria das vezes, só ocorre quando
o detido é pela primeira vez presente a um juiz.
Resposta do Governo
Os agentes revelaram estarem conscientes das normas aplicáveis nesta situação,
nomeadamente o Regulamento de Condições Materiais e o Despacho 10 717/00.
Algumas dificuldades relacionadas com as condições físicas das instalações ainda
não puderam ser solucionadas.
(9) Esta matéria encontra-se agora prevista na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho
77
Quando o detido não tem um advogado, é-lhe nomeado um advogado oficioso,
pelas diligências que são efectuadas em conjunção com a Ordem dos Advogados ou os
seus representantes. Entretanto, como resultado dos contactos estabelecidos entre o
Ministério da Justiça e a Ordem, foi publicada a Portaria nº 1200–C/2000 que estabelece
os honorários bem como as responsabilidades em relação aos pagamentos aos
advogados que são nomeados para dar apoio jurídico aos detidos nas esquadras.
Relatório Global das Acções da IGAI de fiscalização sistemática, sem pré-
aviso, em postos da GNR e esquadras da PSP, em 1997 e 1998
A IGAI pôde constatar uma generalizada assimilação e observância dos
procedimentos no que concerne aos contactos com advogados.
4. Direito de acesso a um médico
4.1 – Legislação Internacional
Nas Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, ponto 91, é referido o
direito de acesso do detido ao seu médico pessoal, desde que possa pagar as despesas
em que incorrer. A Declaração sobre a Polícia e o Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, respectivamente nos seus
parágrafo 14 e art. 6º, impõem o dever dos agentes de assegurar a protecção da saúde
das pessoas à sua guarda, em especial, tomando as medidas imediatas para assegurar a
prestação de cuidados médicos sempre que tal seja necessário. Caso se imponha, devem
tomar medidas que preservem a saúde e vida desta pessoa. Devem, ainda, seguir as
instruções que o médico indicou, nomeadamente a nível de medicamentos, etc.
4.2 - CPT Standards
O acesso a um médico significa que, sempre que o detido o requeira, o médico deve
ser chamado sem demora; os polícias não devem tentar “filtrar” estes pedidos. Pode ser
chamado outro médico, desde que o detido custeie a sua deslocação e honorários.
Todos os exames devem ser conduzidos num sítio onde não possam ser ouvidos e,
de preferência (caso o médico concorde), vistos também, pelos polícias. Os resultados
desses exames, o testemunho do detido e as conclusões do médico deverão ser
formalmente gravadas e estar disponíveis para o detido e o seu advogado. Em Turquia,
2005, o CPT recomendou a existência de salas especialmente desenhadas para este
efeito, nos estabelecimentos de saúde. Estas salas deverão ser seguras, locais onde a
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pessoa possa ser examinada e não possa daí escapar. Isto obviará às preocupações de
segurança que, muitas vezes, os agentes que escoltam o detido suscitam.
Em Polónia, 2004, o registo dos exames médicos era guardado na sala dos agentes
em serviço, junto com outros registos, podendo ser facilmente consultados pelos polícias,
o que não garantia a confidencialidade dos exames médicos.
É também importante que a pessoa libertada sem ter sido presente a juiz tenha a
possibilidade de directamente requerer um exame médico de um reconhecido médico
forense, que desempenha um papel muito importante, aliás enfatizado pelo próprio CPT,
pelo peso que os seus exames têm tanto nos processos criminais como disciplinares. O
CPT considera ter extrema relevância o Instituto de Medicina Legal cujos médicos, no
entanto, analisam poucos casos (cerca de 6, no ano de 1994; cf. Relatório Portugal,
1995) e verifica-se uma grande distância de tempo entre a ocorrência dos alegados
maus-tratos e do exame, o que leva a que muitas das “provas” tenham, entretanto,
sarado. No entanto, estes institutos que, de resto só existem em Lisboa, Porto e Coimbra,
só podem actuar sob ordem ou requisição da autoridade judicial competente.
Em Turquia, 2005, a ênfase é colocada na confidencialidade do relatório enviado ao
MP. Uma medida do sistema turco que o CPT ficou muito agradado é a regra que impõe
que o médico deve imediatamente notificar o MP se descobrir indícios de maus-tratos,
não se deixando este aspecto à discricionariedade do detido. O CPT recomendou, ainda,
que os médicos encarregues destes exames recebam formação apropriada para lidar com
estes casos. O CPT sugeriu às autoridades turcas a possibilidade de criarem em cada uma
das grandes cidades um estabelecimento de saúde cuja principal responsabilidade seja o
exame dos detidos sob custódia da polícia. E o facto de não haver Institutos de Medicina
Legal por todo o país (tal como em Portugal) não impede a concretização deste sistema,
pois estes poderiam ser implementados nos Hospitais, na alçada do Ministério da Saúde.
No Reino Unido, (Relatório de 2005) o sistema não estava a funcionar bem. O papel
do médico era o de certificar que os arguidos podiam ser detidos e interrogados, e o de
identificar aqueles que precisavam de ser hospitalizados. Mas o agente que tinha
procedido à detenção teria que assinar o exame médico (para se poder pagar ao médico)
o que, dado o fácil acesso do agente ao seu conteúdo, levava à recusa de muitos
médicos, em homenagem aos seus princípios éticos, a descrever com pormenor as suas
conclusões. O CPT considerou, então, que seria mais apropriado se existissem dois
documentos: num deles, o médico preencheria muito sumariamente os dados do detido,
e esse sim era assinado pelo agente e adicionado ao registo do detido; noutro, o médico
descreveria o exame com detalhe, contendo ainda a descrição do estado de saúde do
detido, alegações de maus-tratos e as suas conclusões quanto ao grau de consistência
79
entre essas alegações e as lesões apresentadas. O médico deveria, depois, ser obrigado a
relatar estes sinais indicativos de maus-tratos a uma autoridade independente.
Em Montenegro 2004, o CPT sugeriu directivas, de uma forma mais sistemática,
para o registo do exame médico. Por um lado, uma descrição exaustiva das declarações
do detido relevantes para o exame médico (incluindo a sua própria descrição do seu
estado de saúde, alegados maus-tratos; por outro, as conclusões objectivas do médico,
após um exame completo, e quais as ilações que daí retira. Se o detido assim o quiser, o
médico deve fornecer-lhe um documento onde descreve as lesões observadas. Por
último, o CPT recomenda que sempre que o médico encontre lesões que corroborem as
alegações de maus-tratos, que isso seja levado ao conhecimento do MP, devendo este
iniciar uma investigação.
Em Turquia, 2003, o CPT reparou que não existia um procedimento comum para o
exame médico. Existiam bastantes diferenças entre os vários estabelecimentos e mesmo
dentro dos médicos do mesmo hospital. Por exemplo, alguns médicos pediam sempre ao
detido para se despir; outros só o faziam se a pessoa se queixasse do tratamento
recebido. Alguns registavam todas as alegações feitas pelo detido, outros só se houvesse
lesões que corroborassem as suas declarações. Para obviar a este problema, o Governo
emitiu uma circular que uniformizou os procedimentos, impondo a obrigação do detido se
despir. O CPT aprova este regime, desde que na sala onde o detido está a ser examinado
apenas se encontre pessoal médico.
Em Hungria, 2005, o CPT preocupa-se com os cuidados médicos dos detidos
toxicodependentes que estejam a sofrer os efeitos da falta da droga. É que a prescrição
de medicamentos para estes indivíduos é estandardizada, não tendo em conta as
necessidades individuais. Por outro lado, o tratamento que o CPT observou, face aos
detidos com sida ou hepatite (por exemplo obrigando-os a usar instalações sanitárias e
chuveiros diferentes) demonstra uma falta grave de informação dos agentes.
4.3 – Legislação Nacional
Código Deontológico da PSP:O art. 4º versa sobre o respeito dos direitos
fundamentais da pessoa detida, prescrevendo-se que os agentes têm o especial dever de
assegurar o respeito pela vida, e integridade física e psíquica dos detidos.
No Regulamento, no seu Ponto 21, prevê-se explicitamente o direito do detido
consultar um médico da sua escolha, desde que a expensas suas (doutrina muito
influenciada pelo CPT, como veremos nos Relatórios). De qualquer das formas, se as
circunstâncias assim o exigirem, deverá ser o detido submetido a exame médico, com a
80
brevidade possível e exigível pela situação. Os detidos que já se encontrassem doentes e
que necessitam de cuidados especiais deverão ser transferidos para um estabelecimento
de saúde adequado ou assegurar-se-lhes a medicação já prescrita.
O exame médico do detido deverá ser efectuado em local reservado, tendo, no
entanto, atenção a medidas de segurança que poderão ser necessárias.
Em caso de morte do detido, o comandante da esquadra deverá comunicar este
facto ao MP, à IGAI e ao familiar mais próximo conhecido. Os resultados dos inquéritos
por este facto suscitados deverão, igualmente, ser dados a conhecer a estes familiares.
4.4 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
Os agentes afirmaram à delegação que, se um detido pedisse ou parecesse estar a
precisar de assistência médica, ele seria levado para o hospital mais perto. No entanto,
em conversa com os detidos, muitos deles afirmaram que não teriam recebido atenção
médica apropriada enquanto estavam sob custódia policial.
Visita do CPT em 1995
O CPT considerou que não tinha havido alterações significantes. Mas realçou o facto
de ter encontrado muitos toxicodependentes nas esquadras, que estavam a sofrer os
efeitos da “ressaca” e que estavam claramente em sofrimento; e ainda, de terem
encontrado várias pessoas com problemas mentais que precisavam de apoio imediato e,
que não o estavam a receber. O CPT salientou, então, a importância de que no treino dos
agentes sejam dadas instruções sobre como lidar com este tipo de pessoas.(10)
Resposta do Governo:
Nada impede que um detido seja assistido por um médico à sua escolha desde que
ele o peça e que assuma as despesas. O Governo afirma, ainda, que não conhece
nenhum caso onde este direito tenha sido negado. Nos outros casos, o detido tem os
memos direitos que os demais cidadãos, de acordo com o art. 64º da CRP, de ser
assistido pelos médicos dos serviços públicos de saúde – se a situação não é grave, será
(10) A formação impedirá que se encontrem situações como na Islândia, 2004, em que para
lidar com estas situações, as esquadras tinham barras de metal onde os detidos, caso ficassem
muito agitados, seriam algemados. Se isso acontecer, o CPT recomenda que se contacte um
médico e se aja de acordo com as suas indicações.
81
assistido na esquadra, se o for, irá para o Hospital mais próximo.
Visto assim, a nossa ordem jurídica não permite discriminações. Qualquer que seja
a forma escolhida, é sempre assegurada a privacidade da intervenção dos médicos
mesmo que pertençam ao serviço nacional de saúde e a hospitais do Estado.
Em relação às atitudes a tomar face aos toxicodependentes e pessoas com
distúrbios mentais, o governo refere que nas escolas de formação os cadetes recebem já
cursos de primeiros socorros.(11) Nas unidades centrais da polícia, a enfermaria está
praticamente sempre a funcionar. Os casos mais graves são reconduzidos aos hospitais
públicos da especialidade. Reconhece, no entanto, que será uma matéria que,
infelizmente, terá que ser mais desenvolvida, visto que o consumo de drogas e a
criminalidade a ele associado, bem como o tráfico de estupefacientes, está a aumentar.
Relatório Global das Acções da IGAI de fiscalização sistemática, sem pré-
aviso, em postos da GNR e esquadras da PSP, em 1997 e 1998
A IGAI constatou uma “generalizada assimilação e observância dos procedimentos”
no que se refere à condução aos hospitais de detidos com problemas de saúde.
Visita do CPT em 1999
Embora o Governo não objecte o facto de o detido poder chamar um médico da sua
escolha, a verdade é que a delegação não viu mudanças na previsão legal que regula
esta matéria, e pede às autoridades que este direito seja formalmente reconhecido.
5. Direito a ser informado dos seus direitos
5.1- Legislação Internacional
O art. 5º n.º 2 da CEDH impõe que o detido seja informado, o mais rapidamente e
em língua que compreenda, das razões da sua prisão e das acusações contra ele
formuladas.
O princípio 13 do “Conjunto de Princípios…” prescreve que ao detido deverá,
de igual forma, ser dado a conhecer os seus direitos logo após a sua detenção, devendo
ainda ser-lhes explicado o seu conteúdo e da forma de os exercer. O princípio 14, para
efectivar este direito, prescreve a ajuda de um intérprete, para os estrangeiros e, se
necessário, a título gratuito.
(11) No entanto, como o CPT realça em Finlândia, 2003, embora seja positivo este tipo de
iniciativas, é necessária formação contínua para um refrescar dos conhecimentos.
82
5.2 - CPT Standards
A melhor forma de assegurar que o detido é efectivamente informado dos seus
direitos é criar um quadro ou uma lista onde constem estes direitos explicados de forma
simples, e que deverá ser dado sistematicamente a todos os detidos logo após a sua
detenção. Este assina, depois, uma declaração em como foi informado destes direitos.
Em Turquia, 2003, o CPT acrescenta que esta lista deve estar disponível em línguas
estrangeiras; quanto às pessoas iletradas, devem receber uma explicação oral dos seus
direitos. Mas estes procedimentos formais não bastarão para uma compreensão cabal dos
seus direitos; na verdade, em Polónia, 2004, o CPT teve consciência que, apesar de os
detidos assinarem uma declaração em como conheciam os seus direitos, esta era apenas
mais um procedimento burocrático. É assim, fundamental, o bom senso dos agentes,
para perceberem quando será preciso explicar de forma mais simples estes direitos.
5.3 – Legislação Nacional
O art. 61º n.º 1 g) do CPP enuncia o direito do arguido de ser informado dos seus
direitos. O Regulamento, no seu Ponto 14 (Informação de Direitos), prescreve que em
cada posto policial será afixado, em lugar bem visível e nas zonas de detenção, um
painel com informação sobre os direitos e deveres dos detidos, transcrevendo-se
integralmente o art. 61º. Deve existir, ainda, um folheto informativo contendo, em várias
línguas, indicação sumária dos direitos e deveres da pessoa detida. A entrega deste
folheto deverá ficar documentada, lavrando-se termo de notificação e entrega. Esta
informação deve ser dada numa língua que o detido compreenda, solicitando-se a
presença de intérprete sempre que necessário.
A Circular n.º 12750, de 25 de Outubro de 2004, que enuncia os procedimentos a
tomar pelas forças de segurança no caso de cidadãos detidos que não conheçam ou não
dominem a língua portuguesa, informa que a Direcção Nacional se encontrava, à data, a
colaborar com as embaixadas, para proceder à tradução das disposições legais
relacionadas com a Constituição de Arguido e Termo de Identidade e Residência.
Extraem-se ainda outras conclusões, que são as seguintes;
1. Começa-se por dizer que quando um cidadão que não conheça ou não domine a
língua portuguesa seja detido pelas forças de segurança, estas devem constitui-lo como
arguido e explicar-lhe os seus direitos e deveres processuais, como estatuído nos art. 58º
n.º1 c) e n.º2 e 61º do CPP.
2. A constituição do arguido é um acto fundamental pois permite ao detido / arguido
exercer o seu direito de defesa, e implica uma comunicação oral ou escrita. Ora, esta
constituição do arguido e a subsequente explicação a este dos seus direitos e deveres
83
processuais é um acto processual e isto suscita um problema – é que o art. 92º n.º 1
impõe que “nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua
portuguesa, sob pena de nulidade”, nulidade esta dependente de arguição, a incluir no
regime geral do art. 120º do CPP. Como compatibilizar esta exigência com a
impossibilidade destes cidadãos falarem português? O Parecer da IGAI, que depois se
adoptou, foi neste sentido: “não sendo possível o recurso à nomeação de interprete (…)
devem adoptar-se modelos pré-impressos idênticos aos protótipos indicados na Circular
n.º 6/98 da Procuradoria-Geral da República, traduzidos por entidade oficial em
várias línguas. Tais protótipos, depois de preenchidos e assinados, devem ser inseridos
no processo, juntamente com os modelos pré-impressos em língua portuguesa, para
assim se evitar a violação do disposto no art. 92º do CP e se gerar um acto cuja nulidade
pode ser arguida.” Os modelos em português deverão igualmente ser preenchidos e
assinados pelo cidadão, mas, para evitar a desconfiança de assinar uma documento cujo
conteúdo não se entende, os modelos deverão coincidir e no modelo em língua
estrangeira deverá constar uma nota explicativa que permita ao cidadão estrangeiro
entender que o texto em português corresponde na íntegra ao texto na língua
estrangeira. No entanto, a resolução definitiva desta questão passa pela “produção
normativa que contemple um modelo uniforme pré-impresso de constituição de arguido e
de explicação dos direitos e deveres processuais que contenha em simultâneo o texto em
português e a respectiva tradução nas línguas estrangeiras” (Ponto V deste Parecer)
5.4 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
A delegação constatou que o art. 61º do CPP estava reproduzido num cartão que os
polícias traziam e que aparentemente era lido aos detidos. Mas o CPT temia que a
linguagem técnica do artigo tornasse a leitura ineficaz para alguns detidos. O CPT
recomendou, então, que esse cartão fosse escrito numa linguagem mais acessível e que
estivesse disponível em várias línguas. Dever-se-ia, igualmente, criar um sistema que
permitisse que o detido assinasse uma declaração em como tomou conhecimento dos
seus direitos.
Visita do CPT em 1995
Aquando da visita em 1995, o cartão sugerido em 1992 ainda não tinha sido
implementado, pelo que os agentes apenas liam o art. 61º n.º1 do CPP. No entanto, este
cartão estava já a ser preparado.
84
Visita do CPT em 1999
Neste campo, o CPT verificou uma evolução muito positiva. Finalmente adoptou-se o
cartão onde se definiam os direitos e deveres dos detidos, numa linguagem acessível.
Estes formulários estavam afixados nas paredes de todas as esquadras visitadas pela
delegação, e estavam por vezes afixados também nas celas. Estes formulários estavam
disponíveis em quatro línguas (cf., no entanto, Noruega, 2005, onde os direitos estão
impressos em 14 línguas…) Todos os detidos entrevistados confirmaram que tinham visto
e lido esse impresso, e muitos deles tinham na sua posse uma cópia. Depois, todos
tinham assinado uma declaração em como tinham sido informados dos seus direitos.
6. Interrogatório
6.1 - CPT Standards
O CPT enuncia várias regras, mas visto que em Portugal a PSP, em regra, não faz
interrogatórios, apenas questiona o detido sobre aspectos básicos para elaborar o
expediente, ficando o interrogatório para quando o detido for presente a juiz, esta
matéria não será muito relevante para Portugal. Os agentes que estão a levar a cabo a
detenção não podem interrogar o detido. Só podem identificá-lo, explicar-lhe as razões
da sua detenção e perguntar-lhe informações sobre o crime que terá cometido, mas para
efeitos de preencher o relatório (cf. art. 61º g), 250º n.º2 e 5 e 253º do CPP). Contudo,
nem mesmo em tribunal o detido pode ser obrigado a fazer declarações sobre os factos
que alegadamente terá cometido (art. 61º n.º 1 c), 141º n.º 4 e 5, 343º n.º 1 e 2 do
CPP). Mesmo que dê informações à polícia, será sempre voluntariamente e, de qualquer
das formas, não têm qualquer valor probatório especial e não vincula o detido.
No entanto, porque o juiz pode ordenar que a polícia efectue o interrogatório, ficam
aqui as linhas básicas. O CPT considera que devem ser claramente definidas as regras e
pontos de orientação (um “código de conduta”) para a polícia poder levar a cabo estes
interrogatórios nessa base, nomeadamente: a necessidade da informação ao detido da
identidade dos agentes presentes durante o interrogatório (proibindo-se assim os
interrogadores de estarem com a cara tapada ou de vendarem o detido), a duração
máxima do interrogatório, os intervalos a que se deve proceder, onde se pode efectuar
este interrogatório (com regras também sobre a decoração, que deve ser não
intimidativa, e sobre que objectos não devem aí estar presentes, como bastões, facas,
armas de fogo, etc.), como questionar pessoas sobre o efeito de droga ou álcool… Deve
ser efectuado um registo das horas de começo e fim do interrogatório, das pessoas
presentes, dos pedidos do detido, etc. Devem, ainda, ser estabelecidas as regras quanto
85
à condução de interrogatórios quando os suspeitos são pessoas especialmente sensíveis –
menores, pessoas com distúrbios mentais, etc.).
O CPT é exigente quanto a estas regras: exemplo da circular citada na secção 6 do
Relatório Turquia, 2004. Aí se dizia que a mensagem em relação à venda do detido
(“embora se saiba que esta prática não é adoptada, não se pode vendar os detidos
enquanto estão a fazer declarações”) – o CPT não considerou a proibição suficientemente
firme. Neste relatório, proíbe-se os membros dos grupos especiais de intervenção de usar
máscaras e em Albânia, 2005 recomenda-se a presença de um oficial mais velho e
experiente durante os interrogatórios conduzidos por estes grupos.
Quanto a menores, o CPT, em Sérvia, 2004 recomenda que se tomem medidas de
forma a que um adulto responsável pelos interesses do menor (por exemplo um familiar
ou tutor) esteja presente quando o menor for interrogado. (12)
Em relação aos presos preventivos, o Comité constatou, por vezes, que eles
regressavam às esquadras para mais interrogatórios (por exemplo, Sérvia, 2004). O CPT
frisou, então, que, em princípio, estes interrogatórios devem ocorrer nas prisões, e não
em esquadras. O regresso a um estabelecimento policial, seja para que fim for, só deverá
acontecer quando seja inevitável e quando autorizado pelo juiz.
Por outro lado, o CPT sugere que, para efeitos de concentração do pessoal, que
deve existir um espaço de detenção comum a todos os departamentos da polícia.
O CPT recorda, ainda, que a gravação das intervenções da polícia é uma forma útil
de evitar os abusos policiais (sendo, igualmente, útil para a polícia, quando os detidos
acusam os agentes infundadamente). A gravação electrónica dos interrogatórios também
impede que mais tarde os detidos possam vir a retirar as declarações já feitas, o que por
vezes pode ocorrer por pressão dos agentes. Contudo, esta implementação poderá não
ser assim tão simples, como o CPT pôde constatar em Áustria, 2004: neste país tinha-se
experimentado fazer gravações vídeo dos interrogatórios. Para tal, era necessário o
consentimento do detido, devido às regras sobre reserva da intimidade. No entanto, a
experiência teve que terminar porque, aparentemente, os suspeitos criminais não se
sentiam à vontade em ser filmados e recusavam-se a falar. Todavia, os agentes
envolvidos neste procedimento também não tinham recebido formação específica. O CPT
considerou que, apesar deste fracasso inicial, o registo electrónico (áudio e/ou vídeo) é
uma garantia essencial contra os maus-tratos dos detidos, facilitando também a
investigação. E por isso o CPT exortou as autoridades austríacas a tentar mais uma vez a
implementação deste sistema de uma forma definitiva.
(12) Se não mesmo um advogado - cf. o que dissemos supra, págs. 71 e 72
86
6.2 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1992
Foi dito à delegação, por diversas vezes, que os agentes não interrogavam os
detidos. Essa tarefa cabia ao juiz. Contudo, a delegação soube que as pessoas podiam,
efectivamente, ser interrogadas pela polícia durante o período inicial das 48h mesmo
antes de serem presentes ao juiz. Mas esses testemunhos não teriam, no entanto,
qualquer valor como prova, no tribunal.
Visita do CPT em 1995
O relatório repete a informação contida no relatório de 1992 e nos CPT Standards.
Refere que, no entanto, o sistema de gravação dos interrogatórios não tinha sido, ainda,
à data, implementado em Portugal, infelizmente, e reitera o pedido às autoridades
portuguesas que considerem esta hipótese como trazendo várias vantagens.
Resposta do Governo
O primeiro interrogatório da pessoa detida é da competência exclusiva do juiz de
instrução criminal, nos termos do art. 28º da CRP e 141º, 254º, 259º a) e 268º n.º1 a)
do CPP. Se, por qualquer motivo, o primeiro interrogatório não puder ser feito de
imediato, ela é presente ao procurador, nos termos dos art. 143º e 259 b) do CPP. Só os
interrogatórios que se sequem, durante o inquérito, podem ser efectuados por agentes da
polícia, mas sempre sob o controlo e por delegação do juiz de instrução ou do
procurador, nos termos do art. 144º. As regras a que devem obedecer tanto o
interrogatório inicial como os seguintes estão previstas na lei:
- art. 140º - regras gerais
- art. 141º n.º 2 a 6 - regras próprias do interrogatório feito pelo juiz
- art. 143º – regras próprias de interrogatório feito pelo procurador
- art. 144º – regras a aplicar em todos os outros casos.
Estas regras são bastante claras e obedecem, em todos os casos, à preocupação de
assegurar três condições essenciais previstas pelo art. 140º – a liberdade dos
depoimentos, a sua personalidade, e a não obrigação de prestar declarações que possam
incriminar o arguido. De qualquer das formas, os interrogatórios dos arguidos, detidos ou
não, estão sujeitos, em virtude do art. 32º n.º 6 da CRP e do art. 140º n.º 2 do CPP, aos
limites previstos pelos art. 126º, 128º e 138º. Todos os elementos que o CPT menciona
como devendo constar do “código de conduta”, são já impostos pelo CPP, não
87
considerando o governo por isso necessário elaborar esse código de conduta, o que será
essencial é que se vigie de forma mais eficaz a aplicação da regulamentação em vigor.
Quanto à gravação electrónica dos interrogatórios, esta matéria está actualmente
regulada no art. 101º do CPP, que prevê expressamente a possibilidade de utilização de
meios de registo magnetofónico ou audiovisual para registar o interrogatório ou qualquer
outro acto do procedimento onde interesses se oponham. (13)
Nos casos de interrogatório escrito, o seu conteúdo deve ser lido ao interessado, e
ele deve poder examina-lo em detalhe, juntar os factos ou esclarecer afirmações para
assegurar a veracidade das suas declarações antes de assinar a declaração. São muito
importantes estas acções porque o nosso sistema de procedimento penal repousa no
princípio segundo o qual “quod non est in actis non est in mundo”.
Relatório Global das Acções da IGAI em 2001
Em diversos locais, verificou-se existir, nas zonas abertas ao público, um sistema de
vídeo vigilância, embora nem sempre esteja afixado um letreiro que o informe.
7. Livro de Registo dos Detidos
7.1 - Legislação internacional
O princípio 12 do “Conjunto de Princípios…” prescreve que deverão ser
registados a hora, data local e razões da detenção, os agentes que intervieram e a data
da sua primeira comparência perante o juiz. Estas informações deverão ser
disponibilizadas ao detido e ao seu advogado.
7.2 – CPT Standards
O CPT considera que a existência de um livro de registo dos detidos, que abranja o
(13) Ainda em relação a este assunto, é de referir a Informação / Proposta n.º 5/97 da IGAI,
que após proceder a um estudo de incidência constitucional, concluiu que poderiam ser ponderados
“o estudo e implementação de um sistema de “câmara na lapela” utilizável pelas BAC e pelas forças
de segurança em acções programadas de rusgas orientadas para o combate ao tráfico de droga e
/ou localização de evadidos ou pessoas procuradas pela justiça.” Seria ainda ponderada a
“implementação de um sistema de visionamento dos locais de detenção, como garantia da
dignidade e integridade do cidadão detido e, simultaneamente, como meio dissuasor de torturas ou
maus-tratos policiais”. A ser implementado, a IGAI propunha que se iniciasse em zonas de grande
densidade detentiva, como Lisboa, Porto e Setúbal, em especial Almada.
88
maior número possível de informações e que agrupe todas aquelas relevantes para cada
detido, seria do maior interesse não só para o detido e o seu advogado, mas também
para facilitar o trabalho da polícia. Seria inscrito nesse registo pessoal a data da detenção
e os seus motivos, quando foi o detido informado dos seus direitos, sinais de agressões,
de doença mental, quando e qual o parente / membro do consulado / advogado foi
contactado e se recebeu visitas, quando lhe foi proporcionada comida, os bens que trazia
na altura da detenção, quando foi libertado, ou transferido, etc. O detido assinaria,
depois, este documento, tendo especial relevância a assinatura para certas matérias
(quando se retira ao detido os bens pessoais, por exemplo) e, se necessário, teria de se
explicar porque falta essa assinatura… O advogado teria depois acesso a este registo.
7.3 – Legislação Nacional
No Regulamento prescreve-se que no auto de detenção deverão ser especificadas
as circunstâncias em que ocorreu a detenção e descrever-se quaisquer ferimentos que o
detido possa apresentar e qual a sua origem.
No ponto 16 deste Regulamento refere-se que em cada esquadra deverá haver um
livro de registo, de modelo aprovado superiormente, em que são especificados, em
relação a cada detido e pela respectiva ordem de entrada:
- identificação do detido
- hora e data da detenção e da apresentação à autoridade judiciária
- local da detenção
- identificação dos funcionários que intervieram na detenção
- identificação do facto que motivou a detenção e base legal para esta
Será ainda elaborado um boletim individual do detido, destinado ao registo de todas
as circunstâncias relevantes, como o momento e causa da privação da liberdade, quando
lhe foram informados os seus direitos, os contactos efectuados, nomeadamente com o
advogado, marcas de lesões, incidentes ocorridos durante a detenção e momento da
apresentação à autoridade judiciária e sua libertação. Este boletim deverá ser assinado
tanto pelo detido como pelos agentes intervenientes.
A circular n.º 10405 da Direcção Nacional, de 3 de Setembro de 2002, transmite a
todos os Comandos que ordenem no seguinte sentido:
1. que o livro de registo de detidos deva ter todos os itens preenchidos e que
não possa ser rasurado. Quando tiver de se proceder a correcções, deverão
ser justificadas e as rasuras deverão ser ressalvadas.
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2. para além do arquivo dos faxes onde se comunicam as detenções, deverão
ser arquivados juntos destes o comprovativo de envio, único documento
que permite conhecer a data / hora de envio do fax.
No Parecer n.º 18/98, a Inspectora Superior Principal da IGAI, Dra. Fernanda
Palma, foi chamada a pronunciar-se sobre a recolha de impressões digitais no livro de
registo de detidos ou no auto de identificação, por algumas esquadras fazerem-no,
inclinando-se para a inutilidade da recolha nos moldes actuais da nossa legislação, “não
existindo qualquer norma que preveja e puna quem na situação de detido se recuse a
apor a sua impressão digital no aludido livro. Porém, cumpre aconselhar superiormente a
adopção de medidas legislativas tendentes à harmonização do sistema, pelo que as
impressões digitais devem ser recolhidas em auto e enviadas ao aludido Departamento
Central de Registo de Informações e Prevenção Criminal da Polícia Judiciária, já que nem
a GNR nem a PSP possuem serviços vocacionados para o efeito, não se confundindo este
auto com o boletim individual de detido recomendado pelo CPT.”
É curiosa a Informação/Proposta da IGAI n.º 1/98, que foi depois concretizada no
Despacho do MAI n.º 2/98. Ambos referem que “considerando as recomendações do
CPT, que com grande probabilidade visitará Portugal em 1998, (itálico nosso) e
considerando que é do maior interesse que Portugal observe as recomendações daquele
Comité, no domínio dos Direitos do Homem”, então se determina, que “nas folhas do
Livro do Registo dos Detidos existentes nos postos e esquadras, sejam incluídos dois
novos itens, sendo um destinado à anotação dos contactos do detido (com familiares,
advogado, médico, etc.) e outro respeitante às refeições que lhes foram servidas e
demais ocorrências que surjam durante o período de detenção, com registo das horas”.
O que é importante que as coisas se façam, mas se se fizerem por vontade própria
e pelo reconhecimento de que é a coisa certa, tanto melhor.
7.4 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1995
Através do exame dos registos das custódias e documentos relacionados, nas
esquadras visitadas, a delegação reparou que certos itens não eram sistematicamente
anotados e que a informação tinha tendência a ser registada em diversos documentos.
O CPT reitera, na senda dos seus Padrões, a existência de apenas um registo para
cada detido que abranja os vários aspectos relacionados com a custódia.
90
Por outro lado, o CPT refere que, na condução à esquadra para identificação, art.
250º do CPP, embora o nº 4 deste artigo exija que se registe este facto, isto não sucedia.
Resposta do Governo
As pessoas que se deslocam à esquadra somente para serem identificadas, sem
serem detidas, não podem figurar nesses registos, que formam a “memória da polícia”.
É sempre possível as autoridades competentes controlarem e supervisionarem esta
situação nas esquadras o que, no entanto, cai fora do âmbito administrativo, e
constituiria mesmo uma ingerência nos poderes judiciais e, consequentemente, violação
do princípio da separação de poderes.
Sem prejuízo do Governo considerar que as medidas existentes à data eram
suficientes, admitiu acatar as sugestões do relatório do CPT para melhorar os livros de
registo de detidos e de considerar a criação de um sistema de registo das pessoas que
são levadas para a esquadra exclusivamente para identificação.
Relatório Global das Acções de fiscalização sistemática, da IGAI, sem pré-
aviso, em postos da GNR e esquadras da PSP em 1997 e 1998
A IGAI verificou uma “generalizada assimilação e observância dos procedimentos
decorrentes das detenções, no que se refere (…) ao registo em livro próprio (neste
aspecto, com excepção do Comando Metropolitano do Porto da PSP)”.
Visita do CPT em 1999
O exame levado a cabo pela delegação a estes registos demonstra que houve
alguma evolução na forma como se regista os vários aspectos atinentes à detenção. No
seguimento de uma circular emitida pelo MAI, sob proposta da IGAI (acima citada), o
Livro do Registo dos Detidos continha, agora, uma lista cronológica das pessoas levadas
para a esquadra, incluindo horas de chegada e de saída, bem como um coluna para
anotações sobre os contactos feitos com os detidos, incluindo familiares, médicos,
advogados, e outra coluna indicando que tipo de refeições lhes tinha sido servido.
Relatório Global das Acções de Fiscalização da IGAI em 2001
“Está agora em uso na PSP um novo modelo de livro de registo de detenções, (que
aliás foi objecto de aprovação pela IGAI) que inclui os diversos itens exigidos. Verificou-
se, assim que, nas esquadras da PSP (à semelhança do que já acontecia nos postos da
GNR) as detenções são registadas num livro próprio, conforme as actuais normas
91
regulamentares. Existe apenas a referir a observação da equipa que realizou a acção na
área do COMETLIS, que considerou que os espaços que se destinam a ser preenchidos,
se revelam por vezes escassos para inserir as menções completas, dando azo a rasuras;
trata-se de uma observação de teor meramente gráfico, da qual se deu porém
conhecimento para eventual e possível correcção. No que concerne à escrituração do
referido livro, apenas se observou que na esquadra de Chaves os registos não estavam
centralizados, e que no Posto de Moncorvo não estava indicada a hora de entrada e saída
do detido.” A IGAI refere que, nalguns casos, ficou, porém, a dúvida sobre o rigor das
horas indicadas, e esta situação deverá ser acautelada, pela sua importância.
A IGAI pôde constatar que os talões da comunicação com o MP, por fax, tratados
numa circular já referida, eram generalizadamente anexos ao registo, embora nalgumas
esquadras do COMETLIS (Expo, Sintra, Sacavém) não fosse conhecida tal determinação.
“Ainda quanto à comunicação das detenções por fax, constatou-se a generalizada
observância desse procedimento, em curto prazo. Como excepção, registaram-se casos
de manifesta delonga na comunicação, nas Esquadras de Campanhã, Cascais, João
Crisóstomo e Amadora.”
Relatório Global das Acções da IGAI em 2003
A IGAI verificou “alguma desorganização na escrituração de livros e/ou arquivo de
expediente, nomeadamente relativo às comunicações (fax) das detenções ao MP (por
vezes extemporâneas) ou aos talões resultantes dos testes de pesquisa de álcool (v.g.,
entre outros, as Esquadras da Camacha, Machico, Calheta, Câmara dos Lobos, 2ª de
Aveiro, Barcelos, Espinho, S. João da Madeira, Ovar, Rio Tinto, Areosa, Valongo.)”
“A Direcção Nacional da PSP remeteu à IGAI uma circular, que informa ter sido
difundida por todos os Comandos, contendo normas de procedimento relativas à
elaboração, registo e arquivo do expediente - v.g. livro de registo de detidos, pasta de
arquivo das comunicações, via fax, à autoridade judiciária, livro de registo de indivíduos
conduzidos à Esquadra, livro de reclamações, informatização das viaturas furtadas,
recuperadas e para apreender, arquivo dos talões do teste quantitativo do álcool, gestão
de autos de contra-ordenação, registo de autos de contra-ordenação, arquivo de autos de
contra-ordenação, outros livros de registo adoptados - normas essas que no essencial
vem ao encontro das propostas apresentadas pela IGAI.”
A IGAI sugeriu, então, a organização administrativa do expediente, especialmente o
respeitante às detenções (onde se inclui o Livro de Registo de Detidos), identificações,
comunicações fax à autoridade judiciária, respectivo arquivamento e cumprimento
tempestivo das formalidades.
92
8. Outras situações referidas no Regulamento
8.1 - Bens do detido
No ponto 17 estatui-se que, sempre que por motivos de segurança ou saúde pública
sejam retirados aos detidos os seus bens ou alguma peça de vestuário, deverá ser
efectuado um auto de depósito, que será assinado pelo detido e pelo agente que
elaborou o auto. Os bens do detido deverão, então, ser guardados em local seguro até à
sua devolução, devendo então ser lavrado o termo de entrega.
As revistas deverão ser feitas sempre em local reservado, sempre que possível por
pessoa do mesmo sexo. Em relação a este ponto, em conversa com agentes, cheguei à
conclusão que, embora o regulamento não imponha a obrigatoriedade da revista por um
agente do mesmo sexo, na verdade (e este problema colocar-se-á sobretudo em relação
às detidas) nas esquadras salvaguarda-se sempre esta situação, pois haverá quase
sempre uma agente mulher ou, caso não haja, vai-se buscá-la a uma outra esquadra ou
onde esteja mais próxima. Aqui, a actuação da polícia vai para além do que é exigido
neste regulamento. Neste sentido, Malta, 2005, prevendo-se a existência de pelo menos
uma agente nos estabelecimentos onde se acomodem detidas.
8.2 - Assistência ao detido e seus familiares (pontos 18 e 19 do Regulamento):
Após a detenção, o detido deve ser auxiliado, na medida do possível, na resolução
dos seus problemas pessoais urgentes. Em relação aos seus familiares, o comandante
da esquadra deve diligenciar, quando necessário, para que seja prestada assistência aos
familiares a cargo do detido, especialmente menores, providenciando a actuação da
segurança social para que estes não fiquem sem vigilância.
Vem no seguimento dos “Conjunto de Princípios…” cujo princípio 31 impõe que as
autoridades assegurem a assistência dos familiares a cargo da pessoa detida, sobretudo
menores, especialmente se deixados sem vigilância.
Sobre este assunto, a PGR emitiu o Parecer n.º 35 de 1999, chegando à
conclusão de que “A detenção deve ser efectivada nas condições previstas nos artigos
259.º e 260.º do CPP, respeitando o direito da pessoa a deter a comunicar com familiar
ou pessoa da sua confiança, e no respeito pelas exigências decorrentes dos princípios da
adequação e proporcionalidade. As condições de execução da detenção, previstas na lei,
contêm a flexibilidade bastante para permitir a compatibilização da efectivação da
detenção com imediatas exigências da pessoa a deter, avaliadas segundo critérios de
razoabilidade e proporcionalidade. Não se verifica, assim, uma lacuna ou carência
normativa relativamente à previsão directa de situações em que o indivíduo a deter tenha
93
de prestar assistência a pessoas que dela estritamente necessitem, como sejam,
menores, deficientes ou idosos. As dúvidas manifestadas na Recomendação aconselham,
no entanto, que sejam emitidas instruções de actuação aos agentes de autoridade
encarregados da efectivação da detenção, susceptíveis de guiar numa adequada
concretização dos princípios gerais enunciados na lei.”
Em caso de doença grave ou falecimento de um familiar do detido, este deverá ser
imediatamente informado.
8.3 - Escolta a detidos (parágrafo 20):
A condução dos detidos de e para a esquadra deverá ser feita com discrição e
obedecendo às regras de segurança face aos riscos previsíveis.
Na escolta de detidos em visita a familiares doentes ou para participação em
cerimónias fúnebres, deverão adoptar-se as medidas de segurança adequadas
conciliando, no entanto, a prudência e atitude humanas exigidas pelas circunstâncias.
9. Existência de um mecanismo de controlo independente
Aparte do facto de as próprias autoridades judiciárias e do MP poderem
supervisionar in loco os locais de detenção, através de visitas regulares e surpresa,
podendo ter um efeito dissuasor – embora, na prática, o CPT se tenha apercebido que, na
verdade, poucas vezes isto terá acontecido (cf. paragrafo 66 de Portugal, 1995) – é
fundamental a existência de um mecanismo de controlo independente da estrutura
policial, de carácter sistemático, pois entidades do género acima mencionado, ou a
própria Provedoria, dados os seus amplos poderes, não poderá concentrar-se muito sobre
este tema (cf. secção 7 do Relatório da Visita à Finlândia em 2003, onde o CPT se
pronunciou sobre o Ombudsman, onde, naquele país, em 2002, apenas visitou 8
esquadras. Ou Islândia, 2004, secção 7, onde o CPT propõe a criação de um mecanismo
de monitorização especifico, aconselhando as autoridades a fazerem-no. Em Portugal a
situação é semelhante, pois as acções da Provedoria são muito esporádicas e os
relatórios demoram anos a sair, mas desde há uns anos que temos a IGAI, felizmente.)
É por isso indispensável, para um bom controlo, uma instância que se dedique em
regime de maior exclusividade a estes problemas. É, ainda, uma garantia essencial para
os detidos, a existência de uma entidade independente que examine as suas queixas e
que controle as condições de detenção. Para ser totalmente eficaz, estas visitas devem
ser regulares e surpresa, e a entidade deve ter poderes para entrevistar os detidos em
94
privado. Deve ainda examinar todos os assuntos relacionados com o tratamento durante
a custódia (se foram lidos os direitos, etc.)
A IGAI (14) foi criada pelo Decreto-Lei n.º 227/95, de 11 de Setembro (alterado pelo
DL n.º 154/96, de 31 de Agosto e pelo DL nº 3/99, de 4 de Janeiro), tendo como
finalidade «dotar o Ministério da Administração Interna de um serviço de inspecção e
fiscalização especialmente vocacionado para a defesa dos direitos dos cidadãos e para
uma melhor e mais célere justiça disciplinar nas situações de maior relevância social».
“Surgiu para dar resposta a questões de menor transparência ou legalidade no
âmbito do MAI e, sobretudo, para responder de forma eficaz às questões relativas à
defesa dos direitos humanos, dos direitos fundamentais dos cidadãos, numa perspectiva
da melhoria da qualidade na acção policial e do exercício da cidadania no Estado de
Direito Democrático”, tendo ainda em conta as preocupações das ONG, da Amnistia
Internacional, da APT e do CPT. Este mecanismo de controlo, externo às forças de
segurança e cujo Inspector-Geral, directamente dependente do MAI, dispõe de autonomia
funcional e técnica – devendo tais funções ser desempenhadas por um magistrado.
“No exercício desta actividade a Inspecção-Geral da Administração Interna realiza
inspecções regulares, mas realiza também acções de fiscalização sem aviso prévio,
designadamente em postos e esquadras policiais, onde verifica as condições de
funcionamento geral, o cumprimento das normas legais e dos procedimentos aplicáveis e
particularmente, as condições de detenção temporária e o tratamento dos detidos.”
Através destas acções, a IGAI pretende prevenir os maus-tratos e outros abusos. “Por
outro lado, quando verifica que os locais não têm as condições mínimas de dignidade
para a permanência de detidos, propõe o seu imediato encerramento, utilizando-se então
outros locais próximos, até à construção de novos locais ou à recuperação dos antigos.”
Noutra vertente, a “IGAI aprecia queixas apresentadas pelos cidadãos, bem como outras
situações de que toma conhecimento por qualquer meio e em que haja suspeitas de
violação da legalidade, ou de comportamentos lesivos dos direitos fundamentais dos
cidadãos. Nos casos de maior gravidade, de maus-tratos policiais, de tortura, ofensas
corporais ou morte dos cidadãos, a IGAI procede directamente aos inquéritos e processos
disciplinares e propõe ao Ministro a aplicação das sanções individuais.
Quando constata a existência de deficiências sistémicas, apresenta propostas para
aperfeiçoamento dos serviços.”
(14) Seguimos aqui o discurso de António Manuel Clemente Lima, inspector-geral da
Administração Interna, “O controlo externo da actividade policial” de 13 de Julho de 2006
95
A actividade da IGAI, embora não contenda com a operacionalidade da polícia, “tem
competência para realizar auditorias e para avaliar a sua eficácia, apresentando
propostas para melhoria do respectivo funcionamento. A IGAI tem ainda competência
para elaborar estudos e propostas tendentes à melhoria da qualidade da acção policial e
prestar apoio técnico ao Ministro, em especial no que se refere às respostas a dar aos
pedidos de esclarecimento feitos pelas organizações nacionais e internacionais de defesa
e protecção de direitos do Homem.
Não tem competência para a investigação criminal, devendo participar de imediato à
Procuradoria-Geral da República as situações que detecte e que possam constituir crime,
ademais devendo colaborar com os órgãos da investigação criminal na obtenção das
provas, sempre que tal for solicitado.”
No que respeita às zonas de detenção, a IGAI pode efectuar visitas inspectivas a
estes locais, tomando nota das carências desses locais e do cumprimento dos aspectos
relativos aos procedimentos constantes das recomendações internacionais e da legislação
interna. São várias as mudanças determinadas pelo MAI, por influência da IGAI e do CPT:
a introdução do livro de registo de detidos, a comunicação por fax ao MP das detenções,
o sistema de arquivo próprio de bens apreendidos, designadamente, instrumentos
contundentes, corto-contundentes e armas, para que não estejam em local visível ou
junto das zonas de detenção. O Regulamento resultou, ainda, da proposta da IGAI, com
base nos elementos constantes das recomendações do CPT.
“A IGAI tem desenvolvido uma cooperação muito estreita quer com instituições
nacionais de controlo da acção policial quer com instituições internacionais, procurando
dar resposta imediata aos pedidos de informação do CPT, da AI e da APT, bem como a
organizações não governamentais e a cidadãos. A acção inspectiva e de controlo tem sido
exercida sob a perspectiva da prevenção e da pedagogia sendo certo que há indicadores
seguros e regulares de que se está a verificar uma inversão clara no comportamento das
forças de segurança portuguesas, o que pode dever-se quer ao grande empenho
governamental para que isso aconteça (investindo largas verbas na formação, na
reestruturação e na instalação física de postos e esquadras, com especial atenção nas
zonas celulares, muitas das quais mandou encerrar, seguindo-se novas construções ou
obras de reparação), quer à acção que a IGAI vem desenvolvendo. Por outro lado, diga-
se que não menos importante, é notório, quer a nível de comandos, quer a nível de
agentes, um esforço evidente de modernização de um projecto de qualidade na acção
policial porquanto, os direitos fundamentais do cidadão e a sua defesa são a razão de ser
96
e o limite da eficácia da acção policial. Tudo sem esquecer que os direitos de cidadania
também pertencem aos agentes das forças de segurança.”
Os direitos humanos e o controlo externo da actividade policial
Se o Estado garante os direitos fundamentais, cabe ao Estado o poder-dever de
compelir a respeitá-los. E esse controlo não pode ser exclusivo do Estado, mas antes um
controlo pelos cidadãos. É que as medidas de polícia são “amputações, absolutamente
necessárias, mas ainda assim amputações à liberdade individual dos cidadãos.”
“Mas os direitos do cidadãos não são antagónicos nem, tão-pouco, obstáculo da
eficácia policial, porque falar de uns é falar da outra e inversamente. Com efeito, o
desrespeito, por parte da polícia, de um direito de um cidadão, é uma violação da lei que
compete à polícia cumprir e fazer cumprir e, nessa medida, constitui e traduz uma dupla
ineficácia da actuação policial. Ao invés, quanto maior for a eficácia das polícias, melhor
garantidos deverão estar os direitos dos cidadãos servidos por essas polícias.”
9.1 – Legislação Nacional
O Regulamento, parágrafo 22, prescreve que “os locais de detenção deverão ser
objecto de verificação sistemática por parte da IGAI. Estas visitas de inspecção serão
efectuadas sem pré-aviso, a qualquer hora do dia ou da noite. O acesso aos locais de
detenção, bem como o contacto com detidos, deverão ser, imediatamente, facilitado aos
inspectores da IGAI. Sempre que detectem qualquer situação de detenção ilegal, os
inspectores devem dar cumprimento ao art. 261ºCPP, promovendo o controlo judiciário
da detenção, sem prejuízo de eventuais medidas disciplinares potencialmente aplicáveis.”
9.2 – Relatórios das Visitas
Visita do CPT em 1999
A criação da IGAI foi definitivamente um passo significativo na prevenção de maus-
tratos e para assegurar condições decentes de detenção às pessoas que estão sob
custódia policial. A IGAI, que iniciou funções em 1997, desempenha a função de
processar as queixas contra polícias, faz inspecções e visitas (anunciadas e surpresa) a
esquadras e prepara relatórios que submete ao MAI. Muitas das pessoas com quem a
delegação falou, considerou que a IGAI teve um papel importante na redução do número
de alegações de maus-tratos e na melhoria das condições materiais de detenção nas
esquadras.
97
Conclusão VII
Que soluções?
1. Formação policia
O CPT considera de grande importância o treino e formação dos agentes, que deve
incluir formação no campo dos direitos humanos (como o artº 10º da Convenção da ONU
Contra a Tortura prescreve). Não há melhor garantia contra os maus-tratos policiais do
que um polícia devidamente treinado. E, como refere em Sérvia, 2004, deve ser dada
alta prioridade a este treino aos agentes de todos os postos e categorias, incluindo
formação sobre modernas técnicas de investigação. E isto reflecte-se em três aspectos:
1- Aptidão interpessoal nos testes
O CPT defende que a aptidão para a comunicação interpessoal, baseada no respeito
pela dignidade humana, deverá ser um importante factor de selecção dos novos agentes.
Esta aptidão, enquanto capacidade de comunicação com os detidos e de saber lidar com
o perigo, poderá evitar o uso da violência em situações de descontrolo. Aliás, esta é uma
preocupação não só do CPT mas também do nosso Governo (conferir a resposta à IV
Recomendação do CPT, no Relatório Interino da visita de 1995, págs. 11 e 12 na versão
francesa). O problema não é, tal como o Governo indica, ao nível dos princípios, com os
quais as autoridades concordam plenamente. É no plano da sua concretização que
surgem dificuldades, e o Governo reconhece que apesar de já terem sido tentados vários
métodos, os resultados não são sempre os mais satisfatórios. E isto explica-se, na óptica
do Governo, devido a uma conjunção de vários factores:
- à crise de valores que afecta a solidariedade, o interesse e empenho que se coloca
em defender a coisa pública
- à dificuldade em se encontrar um emprego estável, o que leva a que aqueles que
têm problemas de vocação não procurem outro tipo de ocupações
- à falibilidade dos métodos de selecção que não garantem a detecção de falhas que
poderão obviar a uma boa adaptação à complexidade das missões e trabalho dos polícias
2) Ensino na área dos Direitos Humanos
O CPT refere, ainda, que a aplicação dos direitos humanos a determinadas matérias
– como respeitar estes direitos quando se procede à captura ou interrogatório de
suspeitos – será mais eficaz do que um curso à parte e mais teórico sobre o que são os
98
direitos humanos. E será tanto mais eficaz se especialistas em direitos humanos e
exteriores à polícia se envolverem na educação e formação dos novos agentes.
Como o CPT realça, é de extrema importância esta formação, especialmente no caso
de Portugal, que esteve numa ditadura durante muitos anos, ditadura essa que
consentia, para não se dizer que incitava mesmo, o recurso aos maus-tratos por parte
das forças da lei. Esta formação deve ser dada a todos os níveis da hierarquia policial – e
não somente aos oficiais, de patente superior – como aconteceu no passado; deve
também ser contínua. Deve-se realçar sobretudo dois pontos: i) que qualquer forma de
maus-tratos é uma afronta à dignidade humana e, como tal, incompatível com os valores
fundamentais da nossa CRP e dos variados instrumentos internacionais que enunciam
estes princípios e aos quais Portugal está vinculado, e ii) que este tipo de atitudes não
são, ao contrário do que à primeira vista poderia parecer, um meio eficaz de combater o
crime. Outros métodos e técnicas de investigação, que respeitem os direitos humanos,
têm muito mais probabilidade de conduzir a melhores resultados, através de uma maior
cooperação do detido. E, na verdade, desde 1984 que a antiga Escola Superior de Polícia
(hoje Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna – ISCPSI) forma oficiais
superiores, tendo em conta a ética profissional e os Direitos, Liberdades e Garantias. Só
mais tarde se introduziu esta vertente na formação das patentes mais baixas, realçando-
se o papel da Escola Prática de Polícia de Torres Novas. E estas matérias têm sido, se não
mesmo ministradas, pelo menos dirigidas por especialistas exteriores à estrutura policial.
A par desta formação na escola, organizam-se com alguma frequência seminários e
colóquios onde se debatem estes temas por professores e especialistas de vários países.
3) Ensino de regras de proporcionalidade
Como o CPT refere, os polícias devem receber claras instruções no sentido de que
não devem usar mais força do que aquela que é razoavelmente necessária quando
efectuam uma detenção e, sobretudo, que uma vez as pessoas controladas nada justifica
o uso da força para com elas.
Em Hungria, 2005 está um bom exemplo: é dado aos agentes apoio psicológico
para os ajudar a lidar com situações violentas e de grande stress. Ou, em Eslováquia,
2005, refere-se que os polícias realizam testes especializados de 2 em 2 anos, onde terão
que demonstrar o seu conhecimento sobre a base legal para o uso apropriado de armas e
outras formas de coacção e sobre as circunstâncias em que é permitido o uso da força. O
CPT recomendou às autoridades eslovacas que continuassem a dar essa boa formação,
especialmente no que concerne as capacidades para lidar com situações de alto risco.
99
2. Combater a impunidade
Embora o enfoque deva ser dado na prevenção, a credibilidade destas proibições
contra maus-tratos é posta em causa, de cada vez que quem perpetuou estas ofensas
não é responsabilizado pelas suas acções. É que esta situação gera um sentimento de
impunidade e de que se pode fazer tudo o que se quer. No reverso da medalha, de cada
vez que se efectiva esta responsabilização, não só de quem praticou as ofensas mas de
quem com elas foi conivente, passa-se uma mensagem muito clara de que este tipo de
condutas não podem nem serão toleradas. Para além do seu considerável valor dissuasor,
demonstram, para os colegas agentes mas também para o público, que ninguém está
acima da lei, nem mesmo os responsáveis pela sua defesa e aplicação. Estas penas terão
também um efeito positivo nas vítimas.
O CPT enfatiza, por isso, o papel dos procuradores e das autoridades judiciais no
combate aos maus-tratos policiais. Levar os detidos presentes a um juiz permite que uma
entidade não policial fale com o detido e este poderá fazer, então, a sua queixa. Mesmo
que o detido nada diga, o juiz poderá tomar certas medidas se tiver sinais que isso
aconteceu – feridas visíveis, o estado do detido, etc. O juiz deverá anotar as suas queixas
por escrito (se as houver), ordenando imediatamente um exame médico forense e
assegurando-se que haverá uma investigação sobre o assunto, em particular reunindo
provas de todas as pessoas envolvidas e promovendo inspecções in loco (como o CPT
prescreveu em Albânia, 2005). Em Turquia, 2003, (secção 7) o CPT referiu que nesta
audiência com o juiz, o detido deveria ter o apoio de um advogado. Em Arménia, 2004, o
CPT recomendou que esta matéria seja leccionada na formação dos magistrados.
O CPT recebe, por vezes, queixas de que estas entidades não demonstram muito
interesse ou preocupação pelas suas queixas, mesmo quando eles demonstram feridas
consistentes com as suas acusações. Terá de haver, igualmente, uma sensibilização dos
juízes para esta situação, porque por vezes os detidos podem sentir-se intimidados para
fazer queixa na própria esquadra onde foram agredidos, onde o agente em causa
trabalha, ou poderão mesmo ter sido ameaçados para não o fazer. Ou, noutras
circunstâncias, o agente pode estar presente durante a audiência do detido, e isso
impede que se criem condições reais para que o detido possa falar à vontade. É muito
importante a independência de quem investiga, não pode ser a própria polícia, como
realçado em Albânia, 2005. Ou, Hungria, 2005, embora o CPT considere positiva a
existência do sistema de visitas judiciais, frisa a necessidade de visitas de rotina
efectuadas nas esquadras por entidades externas e independentes, para além da visita
dos magistrados públicos.
100
No plano legislativo nacional, esta matéria está regulada nos art. 241º a 247º do
CPP, tornando obrigatória a denúncia para as entidades policiais de todas as infracções
que tenham assistido directamente ou que tomem conhecimento através ou em virtude
do exercício das suas funções. Para os meios de prova, regem os artigos 249º a 262º.
Muitos dos maus-tratos podem, eventualmente, revestir a natureza de crimes públicos,
como art. 158º do CP (sequestro), 243º a 245º (tortura e outros tratamentos
degradantes) ou 382º (abuso de poder), e por isso a sua denúncia, bem como todos os
procedimentos para a manutenção das provas, são sempre obrigatórios e urgentes.
Por outro lado, certos tipos de maus-tratos podem não deixar marcas visíveis, o que
dificulta a sua prova, mas isso não deve levar a que, quando são feitas acusações desse
tipo de agressões, se descarte imediatamente uma investigação mais atenta. As ofensas
psicológicas, as ameaças, a humilhação sexual são, claramente um desses tipos. Mas
também alguns tipos de ofensas físicas, como choques eléctricos, asfixias, ou o obrigar
estar de pé horas a fio, ou impedir que o detido durma – situações que o CPT descreve
mas que felizmente não temos relato em Portugal – isto reclama, saliente-se, uma
inspecção mais atenta, com recurso a especialistas e não a simples indiferença pela
situação relatada. O CPT realça que se pode retirar da actividade do próprio Comité, da
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e de uma série de
instrumentos internacionais, vinculativos para Portugal, o princípio de que uma
investigação efectiva, capaz de conduzir à identificação e punição dos responsáveis pelos
maus-tratos, é essencial para conferir sentido prático à proibição da tortura e de
tratamentos degradantes. Para isso é necessário, mais do que princípios escritos no papel
ou enunciados por um qualquer tribunal, que se dote as autoridades responsáveis com os
meios e recursos necessários, tanto humanos como materiais.
A par destas exigências, é necessário que as investigações sigam certos critérios.
Em primeiro lugar, é essencial à independência da entidade investigadora face àqueles
que investiga. Em caso de impossibilidade desta independência total, deve-se assegurar
pelo menos, que as pessoas encarregues da investigação sejam de um serviço diferente
daquele sobre quem recai a acusação. Independentemente da estrutura da entidade que
está a levar a cabo este processo, as suas funções devem ser tornadas públicas.
A investigação deve ser executada com minúcia e profundidade – deve ser capaz
de identificar os intervenientes, o local da ocorrência, a existência de circunstâncias que
justificassem essa actuação, e, se aplicável, a punição do agente responsável. Mas note-
se que isto é uma obrigação de meios, não de fins. Por isso se exige uma atenta análise
dos factos, recolha de todos os testemunhos possíveis (outros agentes de serviço,
companheiros de cela) e de todas as provas forenses (incluindo, como o CPT referiu em
101
Lituânia, 2004, a realização de autópsias, com um registo completo e preciso das lesões
e uma análise objectiva das conclusões médicas, incluindo a causa da morte).
Por outro lado, a investigação deve ser conduzida de uma forma abrangente, de
forma a incluir episódios relacionados que, por vezes, podem ser relevantes mas que
numa investigação com um âmbito muito circunscrito poderão ficar de fora.
A investigação deve ainda ser conduzida de forma pronta e expedita, não se
atrasando injustificadamente; este tipo de condutas resultará, sem dúvida, na
impunidade dos agentes envolvidos.
O CPT considera, ainda, que é necessário um elemento de escrutínio público da
investigação e dos seus resultados, para assegurar a responsabilização não só na teoria
mas também na prática. Nos casos mais sérios, poderá mesmo ser mais indicado um
inquérito público e, neste caso, a vítima ou alguém das suas relações deve estar
envolvido neste processo, para salvaguardar os seus interesses (como o TEDH defende).
No relatório Lituânia, 2004, já citado, o CPT acrescenta, ainda, a estes critérios, a
necessidade de, no contexto de uma investigação criminal, todos os dados que indiciem a
prática de outras ofensas criminais deverão ser tidas em conta e, mesmo que a conduta
dos agentes não constitua crime, a responsabilidade disciplinar deverá ser sempre
examinada. Por isso é que, aparte do processo criminal, são de extrema importância os
processos disciplinares.
Um papel diligente do juiz e a imposição de sanções adequadas para os agentes
infractores têm um forte efeito dissuasor. Mas terão que ter uma moldura penal
adequada – claro que a autoridade judicial, sendo independente, tem liberdade para
fixar, embora dentro dos parâmetros da lei, a sentença para qualquer caso. O que se
pretende aqui é que os próprios parâmetros sejam uma forma do legislador passar a
mensagem de que se deve adoptar uma posição firme em relação a estes casos de
tortura e maus-tratos. E, obviamente, as sanções impostas deverão ter em conta a culpa
demonstrada pelo agente no caso concreto.
Por último, tem que ficar bem claro que as próprias autoridades, o Estado, está
empenhado em combater esta impunidade. Porque se esta mensagem não passar, o
trabalho feito a outros níveis perderá a sua eficácia e importância.
3. A própria Polícia
Esta política deve começar dentro da própria Polícia – é certo que, por vezes, a
solidariedade leva a que os agentes se ajudem e se protejam quando este tipo de acções
é cometido. Mas há que criar uma certa cultura, a começar pelos oficiais mais graduados,
102
para que se transmita claramente a mensagem destas condutas como não profissionais e
que podem prejudicar a progressão na carreira. Há, aliás, um dever de participação,
previsto no Regulamento, que prescreve que o “funcionário policial que seja
testemunha de actos de violência ou de tratamento desumano ou degradante de pessoa
detida deve faze-los cessar e dar conhecimento imediato ao superior hierárquico”
comunicando, igualmente, e no menor tempo possível, este facto à IGAI (parágrafo 23).
Embora esta solidariedade profissional possa ser bem-vinda – especialmente em
profissões de alto risco, como é a do polícia, em que é necessária uma confiança muito
grande no seu parceiro – não se pode deixar que ela permita ocultar este tipo de
situações que, em última análise, prestam um mau serviço à própria Polícia. O próprio
CPT explanou sobre esta solidariedade em Macedónia, 2004, considerando que há uma
tendência para as autoridades competentes evitarem a responsabilidade de tomar
medidas que efectivem a investigação, não sendo raro verificar-se uma inclinação para
proteger os agentes sujeitos a estas investigações. Combater esta inércia e aparente
preconceito contra esta situação exigirá uma acção concertada entre o sistema de justiça
criminal e o MAI. É necessário consciencializar os agentes: ocultar estas condutas não
ajuda o colega, antes pelo contrário – é preciso que ele receba algum tipo de ajuda para
saber lidar melhor com situações de potencial lesão dos direitos fundamentais dos
detidos. A cultura a impor será a de denunciar estes casos – mas não só nas esquadras e
pelos polícias, é por todos nós e em todas as circunstâncias da nossa vida, sempre que
delas tenhamos conhecimento.
Mas, não sejamos hipócritas – os detidos, potenciais culpados ou, generalizando
agora, os próprios condenados com quem a Polícia e a Guarda Prisional lida – são
pessoas que ofenderam gravemente os valores da sociedade, que roubaram, violaram,
mataram – são ladrões, pedófilos, violadores, assassinos – e o polícia, por muito treino
que receba, é um ser humano e, tal como todos nós, não consegue evitar que essas
situações se reflictam no tratamento que é dado a essas pessoas. Não se pode esperar a
mesma educação, deferência e até respeito com que trata um simples transeunte que lhe
vem pedir indicações na rua. Não se pode querer equiparar as coisas; no entanto, essas
pessoas não são menos dignas que os outros pelas acções que cometeram – cumprirão a
sua pena e espera-se que se reabilitem totalmente – entretanto, mantém a sua qualidade
enquanto pessoa e merecem respeito e ser tratadas com um mínimo de condições. A
fragilidade da posição em que se encontram, aliada a um grande poder inerente à
autoridade da polícia, pode conduzir frequentemente a situações de abuso que não são
compatíveis com este princípio base do nosso Estado de Direito Democrático.
103
Por outro lado, a actuação da Polícia contende, inevitavelmente, com os direitos
fundamentais – o direito à intimidade quando pedem identificação, o direito à circulação
quando conduzem à esquadra. Uma preocupação excessiva com estes direitos paralisa a
acção da polícia – a colisão de direitos impõe a sua restrição. Ou se um detido começa a
tentar fugir, retaliar contra a polícia, é necessário usar a força. Entra aqui em jogo um
factor muito importante, a proporcionalidade, mas que é um critério que precisa de ser
densificado face a cada situação, e seria desejável que os polícias já tivessem esse treino
antes da ocorrência da situação, se bem que a teoria será sempre diferente da prática.
Numa terceira vertente, foi-nos relatado que, por vezes, os próprios presos se auto-
mutilam para poderem depois acusar os polícias (caso que me foi relatado por um
agente, em que o indivíduo bateu com a própria cabeça na parede da cela várias vezes e
depois acusou os polícias) e que o fazem, ou inventam simplesmente, ou casos de
indivíduos envolvidos em zaragatas na rua, em que é difícil destrinçar o que foi causado
por essa briga ou o que poderá ter sido causado pelo polícia, para tentar suscitar num
juiz mais “sensível” sentimentos de compaixão ou piedade ou, muito simplesmente, para
tentar descredibilizar o polícia e o seu testemunho. São pessoas que, não esqueçamos,
caso se confirme o que fizeram e sejam condenadas, sofrem de algum tipo de distúrbio
ou, pelo menos, de má assimilação dos valores da nossa sociedade e os desrespeitaram,
através dos seus actos. Não esperemos, por isso, milagres,
Foi-nos, igualmente, relatado, um caso de dois polícias que estavam de serviço, à
noite, à porta de uma farmácia de serviço, e estava a passar por eles um grupo de
jovens. Quando na outra esquina começaram a aparecer mais pessoas, um dos jovens
atirou-se para o chão a gritar, para o polícia o largar e deixar de lhe bater, ao que os
agentes de serviço ficaram muito surpresos a olhar para ele.
Este tipo de “brincadeiras” não abona a favor da imagem dos polícias, o que é
especialmente acutilante porque parece-nos que a Polícia ainda não é vista como um
apoio, uma segurança, algo que está do nosso lado, que zela por nós e não contra nós.
Não quero com estes relatos dizer que não há maus-tratos policiais – não é isso, até
porque pareceu-me que há (havia…) uma espécie de padrão – os detidos que o sejam em
virtude de terem agredido outros polícias, ou certo tipo de criminosos como os pedófilos,
estão mais sujeitos a “sevícias” policiais, aliás como acontece, de resto, nas prisões entre
os próprios presos. É de realçar o caso já relatado, do Tribunal da Boa Hora, onde há
uma cela específica para arguidos suspeitos desse tipo de crimes, para que não se
misturem com outros detidos, exactamente porque há esse risco.
É preciso um estudo intensivo para discernir bem todas as situações, para perceber
a real dimensão do problema, para depois se tentar combater todos os factores que
104
geram esta situação, e transportar um pouco do enfoque que é dado, sobretudo, aos
presos – os seus direitos, as suas condições de detenção – para os polícias – porque são
eles que maltratam, e portanto, se se actuar sobre eles será mais fácil evitar estas
situações. Deverá ter-se em conta as suas condições de trabalho, não só na rua como
nas esquadras, porque todos estes factores, aliados a um grande sentimento de
desmotivação devido às reformas que o Governo pretende implementar, desinteressa os
polícias, deixa-os revoltados e eles são apenas seres humanos – nem sempre todos terão
a força de espírito para separar as situações. E é bem exemplo disso a revolta de um
agente que nos dizia “só se preocupam com os presos, com as condições que eles têm,
com as suas camas, as paredes, a comida – eles, que roubaram, violaram, mataram… e
nós...” E eles tem de trabalhar (e comer!) em edifícios velhos e com um cheiro
nauseabundo (caso já mencionado da 4ª Divisão, no Calvário) ou com paredes negras
cheias de humidade (como no COMETLIS), ou do estado, no mínimo degradante, em que
estão os sanitários da esquadra do Rossio… Já para não falar do mau aquecimento e do
frio que passam os agentes em Trás-os-Montes (14), da falta de segurança dos agentes
que patrulham as ruas, de um trabalho difícil e cujo valor nem sempre é reconhecido…
A IGAI desempenha, neste campo, um papel importante, denunciando as más
condições e alertando para elas, tentando que se resolvam. No relatório global das suas
acções em 1997 e 1998, escrevia que “No que concerne ao apetrechamento material das
forças de segurança, observou-se uma evidente evolução, sem que contudo deixem de se
verificar ainda muitas carências. De facto, desde a situação inicialmente verificada pela
IGAI, de generalizado envelhecimento do parque automóvel, de inexistência de meios
informáticos e de fotocopiadoras, de inadequação dos meios-rádio, de manifesto
envelhecimento e inadequação das armas de fogo, é certo que um esforço muito grande
tem vindo a ser efectuado.
(14) Relatório 2001 da IGAI: “Na acção realizada em Dezembro, em Trás-os-Montes, as
temperaturas estavam particularmente baixas, verificou-se as difíceis condições de trabalho dos
agentes em alguns locais que não dispõem de sistema de aquecimento ou que, existindo, não
dispõem de verba para o alimentar. Também o fardamento usado se revelou inadequado para fazer
face aos rigores do clima.”
Relatório de 2003 da IGAI: “É de salientar (…) as deficientes condições de trabalho que em
muitos casos continuam a verificar-se, com especial incidência nos Postos (…) de Trás-os-Montes
(v.g., entre outros, os Postos de Fânzeres, Guifões, Medas, Freixo de Espada à Cinta), região onde
as adversidades do clima exigem materiais e equipamentos que confiram o mínimo de conforto a
quem nos mesmos é chamado a cumprir a missão.)
105
Registam-se contudo, e ainda, diversas carências até que se atinja uma renovação e
reapetrechamento tão satisfatório e completo quanto possível desses mesmos meios.
No que respeita a meios humanos, cujos efectivos estão a ser progressivamente
reforçados, registaram-se carências em zonas particularmente difíceis, (com elevados
índices de população, de criminalidade e conflitualidade), em que são muito elevados os
níveis de exigência da missão das forças de segurança. Também aí, se verificou um
número extremamente elevado de pedidos de colaboração com os tribunais,
nomeadamente, pedidos de notificações, informações sobre paradeiro, existência de
bens, etc., bem como para a realização de inquéritos (matéria a que de um modo geral
estão afectados alguns elementos de cada posto ou esquadra, com excepção dos grandes
centros urbanos em que esta actividade está concentrada nos Comandos).
Regista-se uma sobrecarga de horários de trabalho no âmbito da GNR, subsistindo
ainda o problema da limpeza dos postos a cargo dos efectivos. Verificou-se, com
frequência, no âmbito da PSP, a ausência, o distanciamento ou as "breves passagens" de
oficiais nas esquadras.
Finalmente, no que respeita às instalações das forças de segurança (postos e
esquadras), registou-se uma evidente evolução, com a construção e melhoramento de
locais, estando em curso inúmeras obras e projectos. Contudo, o mau estado
generalizado em que tais locais se encontravam, não permitiu ainda resolver todas as
situações. Assim, diversos locais têm sido referenciados por carecerem de obras de vulto
(por vezes eventualmente injustificadas face ao envelhecimento ou inadaptação dos
locais, antes se adequando a construção de novos edifícios). Como casos limite, que a
IGAI considerou não possuírem o mínimo de condições para se manterem em
funcionamento, propôs o respectivo encerramento. Neste capítulo, suscitou-se
particularmente a questão da subsistência de alguns postos da atendimento, instalados
em pré-fabricados sem o mínimo de condições de conforto e operacionalidade, e
desprovidos de um efectivo mínimo, o que suscita sérias reservas em matéria de
eficiência: nuns casos, por estarem situados em zonas ermas, sendo extremamente
reduzido o número de solicitações recebidas; noutros casos, pela razão inversa, ou seja
por se situarem em zonas particularmente populosas e difíceis, em que as escassas
condições materiais e humanas não permitem dar resposta às inúmeras solicitações.”
Mais de uma centena de instalações policiais foram encerradas, pois não tinham
sequer dignidade para a prestação funcional dos polícias, e estão em curso obras de
recuperação e a construção de novas esquadras cujas celas obedeçam aos requisitos
exigidos.
106
E no entanto, a Declaração sobre a Polícia, na sua parte B (Estatutos), no
parágrafo 3, refere que todos os agentes devem receber uma formação geral, a par
de instruções sobre problema sociais, liberdades democráticas, direitos humanos e
em particular a CEDH e, mais acutilantemente, no ponto 4, estatui-se que as
condições profissionais, psicológicas e materiais em que o agente deve trabalhar
deverão proteger a sua integridade, imparcialidade e dignidade. No parágrafo 9,
estatui-se que o polícia tem os mesmos direitos de defesa que os outros cidadãos no
caso de ter um processo disciplinar ou criminal, como o direito de ser ouvido e de
ser defendido pelo advogado. A decisão deve ser tomada dentro de um prazo de
tempo razoável. Deve ainda poder valer-se do apoio da organização profissional a
que pertence. Caso lhe seja mesmo aplicada uma sanção, tem o direito de recorrer
para um tribunal independente e imparcial (parágrafo 10).
Este esquecimento dos polícias leva a que se tomem medidas como estas
descritas numa notícia do Jornal Correio da Manhã, de 21/03/06, donde se retira
estes excertos:
“O fogo hostil em bairros problemáticos, que só no ano passado matou três agentes da
PSP, na zona de Lisboa, passa a ter uma resposta à altura por parte da Polícia. Chama-se
Modelo Integrado de Prevenção e Intervenção Policial. A partir de agora, segundo fontes
policiais contactadas pelo CM, os agentes têm instruções para responder aos tiros criminosos.
O patrulhamento vai ser reforçado, mais do que os dois agentes habituais num veículo;
armamento mais eficaz, sempre à mão e pronto a atirar – e coletes à prova de bala sempre
vestidos nessas circunstâncias.
A GNR também vai passar a dar “resposta adequada ao fogo criminoso” durante as suas
operações – de acordo com instruções do comando-geral. Os militares autores de disparos
fatais vão ter acompanhamento jurídico, já garantido pelo actual comandante-geral daquela
força. “O apoio jurídico a polícias que, em serviço, atinjam os suspeitos em fuga ou em
legítima defesa” é fundamental, disse ao CM fonte policial, salientando: “A falta de protecção
jurídica inibe as forças policiais de ripostarem ao fogo hostil.”
Entretanto, três pelotões (90 militares) do Batalhão Operacional do Regimento de
Infantaria da GNR, que fizeram parte do sub-agrupamento Alfa, em Nassíria, no sul do
Iraque, vão reforçar o patrulhamento nas zonas de maior criminalidade dos concelhos de
Almada, Loures e Sintra. Estas equipas passam a estar fortemente armadas com as novas
pistolas-metralhadoras HK G36. A grande maioria dos militares que compõem estes três
pelotões passaram três ou mais meses no Iraque. “O treino que receberam e as situações que
enfrentaram dão uma garantia de segurança em zonas de maior tensão”, diz a mesma fonte.
Segundo António Costa, há que “combater e punir todos os que atentam contra a vida
de um agente de segurança. Não há nada mais grave num Estado de Direito”.
Este clima de tensão permanente e de dedo sempre no gatilho trará melhorias?
107
É do senso comum que a boa vontade faz milagres e, mesmo não perdendo de
vista a escassez dos recursos do nosso país, a premência da matéria impõe um
tomar de posição, um concretizar de medidas. Enchamo-nos, então, de um espírito
altruísta relativamente ao nosso semelhante, tornando-nos capazes de ver o Homem
por trás do prisioneiro e do Homem por debaixo da farda.
Este é, indubitavelmente, um dos caminhos para a consolidação de um Estado
de Direito Democrático, cuja premissa maior, legitimidade e fundamento, é o
respeito pela Dignidade Humana, em todas as suas vertentes.
Outros existirão…
108
Bibliografia: AAVV, Estudos de Direito de Polícia, (Seminários de Direito Administrativo de 2001/
2002) 1º Volume, sob a regência de Jorge Miranda, AAFDL, Lisboa, 2003
Albuquerque, Paulo Pinto de, Direito Prisional Português e Europeu, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006
Direitos Humanos e Aplicação da Lei (Manual de Formação em Direitos Humanos para
as Forças Policiais), Publicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, versão portuguesa da responsabilidade do Gabinete de Documentação e Direito
Comparado da Procuradoria-Geral da República, 2001
Direitos Humanos e Eficácia Policial – Sistemas de Controlo da Actividade Policial,
publicação da IGAI das intervenções no Seminário com o mesmo nome, Lisboa, 1998
Internet: www.american-embassy.pt www.cpt.coe.int www.correiomanha.pt www.dgsi.pt www.dre.pt www.echr.coe.int www.gddc.pt www.igai.pt www.provedor-jus.pt www.tvi.pt www.uncjin.org http://novas.fct.unl.pt
Relatórios do CPT: Portugal, 1992 CPT/Inf (1994) 9 e a respectiva Resposta do Governo Portugal, 1995 CPT/Inf (1996) 31 e a Resposta do Governo Portugal, 1999 CPT/Inf (2001) 12 e a Resposta do Governo Geórgia 2003/04 CPT/Inf (2005) 12 Turquia 2003 CPT/Inf (2004) 16 Turquia 2004 CPT/Inf (2005) 18 Turquia 2005 CPT/Inf (2006) 30 Estónia 2003: CPT/Inf (2005) 6 Finlândia, 2003 CPT/Inf (2004) 31 Arménia, 2004: CPT/Inf (2006) 38 Áustria 2004 CPT/Inf (2005) 13 Islândia 2004 CPT/Inf (2006) 3 Lituânia 2004 CPT/Inf (2006) 9 Macedónia 2004 CPT/Inf (2006) 36 Malta 2004 CPT/Inf (2005) 15 Montenegro, 2004 CPT/Inf (2006) 18 Polónia 2004 CPT/Inf (2006) 11 Sérvia 2004 CPT/Inf (2006) 18 Albânia 2005 CPT/Inf (2006) 24 Eslováquia 2005 CPT/Inf (2006) Hungria 2005 CPT/Inf (2006) 20 Noruega 2005 CPT/Inf (2006) 14 Reino Unido 2005 CPT/inf (2006) 18
109
Jurisprudência do TEDH X. v. Holanda, n.º 8239/78 4 de Dezembro de 1978
Herczegfalvy v. Áustria, 24 de Setembro de 1992
Klaas v. Alemanha, de 22 de Setembro de 1993
Peters v. Holanda, nº 21132/93, 6 de Abril 1994
McCann e outros v. Reino Unido, 27 de Setembro de 1995
IIjkov v. Bulgária, nº 33977/96, 20 de Outubro de 1997
Tekin v. Turquia, 9 de Junho de 1998
Güleç v. Turquia, 27 de Julho 1998,
Oğur v. Turquia [GC], nº 21594/93, 20 de Maio de 1999
Labita v. Itália [GC], n.º 26772/95, 6 de Abril de 2000
McKerr v. Reino Unido, n.º 28883/95, 4 de Maio de 2001
Orhan v. Turquia, no. 25656/94, de 18 Junho de 2002
Bubbins v. Reino Unido, 17 de Março de 2005)
Nevmerzhitsky v. Ucrânia, nº 54825/00, 5 de Abril de 2005
Ramsahai e outros v. Holanda, n.º 52391/99 10 de Novembro de 2005
Bekos e Koutropoulos v. Grécia no. 15250/02, 13 de Dezembro de 2005
Mikheyev V. Rússia, de 26 de Janeiro de 2006
Jalloh v. Alemanha [GC] nº 54810/00) 11 Julho de 2006
110
Índice:
Conclusões………………………………………………………………………………………………………. 1
Estrutura Sumária do Trabalho………………………………………………………………………. 3
Conclusão I – A PSP………………………………………………………………………………………. 4 Conclusão II – Legislação Internacional ……………………………………………………….8 Conclusão III – Identificação Policial ……………………………………………………..… 10
III.1 – Regime Jurídico da Identificação Policial…………………..……….… 10 III.2 – Relatórios das Visitas……………………………………..…………….………. 13 Conclusão IV – Maus-tratos Policiais…………………………………………………………. 15
IV.1 – Legislação Internacional…………………..……………………………………. 15 IV.2 – Jurisprudência do TEDH…………………………………………………………..19 IV.2 – O Trabalho do CPT…………………………………………………………………..21 IV.3 – Legislação Nacional…………….…………………………………………………. 22 IV.4 – CPT Standards…………………………………………………………….…………. 26 IV.5 – Relatórios das Visitas…………………………………………………………….. 27 IV.6 – Testemunho de Entidades Internacionais……………………….……. 33 IV.7 – O Problema do Uso da Força………………………………………………....35 IV.8 – Em especial, o Problema do Recurso a Armas de Fogo…………39 Conclusão V – Condições das Celas e da Detenção…………………………………..45
V.1 – Legislação Internacional……………………………………………………………45 V.2 – CPT Standards…………………………………………………………………………..45 V.3 - Legislação Nacional……………………………………………………………………47 V.4 - Relatórios das Visitas………………………………………………………………..51
Conclusão VI – Direitos / Garantias dos Detidos………………………………………. 67 VI.1 – CPT Standards………………………………………………………………………… 67 VI.2 – Direito de notificar a custódia e visitas dos familiares. 68
VI.2.1 - Legislação Internacional…………………………………………………… … 68 VI.2.2 - CPT Standards…………………………………………………………………….. 68 VI.2.3 - Legislação Nacional……………………………………………………………… 69
VI.2.4 - Relatórios das Visitas………………………………………………………….. 70 VI.3 – Direito de acesso a um advogado……………………………………..72
VI.3.1 - Legislação Internacional………………………………………………………..72 VI.3.2 - CPT Standards…………………………………………………………………......72 VI.3.3 - Legislação Nacional……………………………………………………………… 74 VI.3.4 - Relatórios das Visitas…………………………………………………………….75 VI.4 – Direito de acesso a um médico………………………………………… 77 VI.4.1 - Legislação Internacional……………………………………………………….77 VI.4.2 – CPT Standards………………………………………………………………….....77 VI.4.3 – Legislação Nacional……………………………………………………………...80 VI.4.4 – Relatórios das Visitas…………………………………………………………..80 VI.5 – Direito a ser informado dos seus direitos…………………….…81
VI.5.1 - Legislação Internacional…………………………………………………….…81 VI.5.2 - CPT Standards………………………………………………………………….....82 VI.5.3 - Legislação Nacional……………………………………………………………….82 VI.5.4 - Relatórios das Visitas…………………………………………………………...83 VI. 6 – Interrogatório……………………………………………………………………..84
VI.6.1 - Legislação Internacional……………………………………………………….84 VI.6.2 - CPT Standards………………………………………………………………….....84 VI.6.3 - Relatórios das Visitas……………………………………………………………86 VI.7 – Livro de Registo de Detidos……………………………………………….87 VI.7.1 – Legislação Internacional……………………………………………………… 87 VI.7.2 – CPT Standards………………………………………………………………………87 VI.7.3 – Legislação Nacional………………………………………………………………88 VI.7.4 - Relatórios das Visitas……………………………………………………………89
111
VI.8 – Outras Situações referidas no Regulamento………………..…92 VI.8.1 – Bens do detido…………………………………………………………………..….92 VI.8.2 – Assistência ao detido e seus familiares……………………………..…92 VI.8.3 – Escolta a detidos…………………………………………………………………..93 VI.9 – Existência do mecanismo de controlo independente…….93 VI.9.1 – Legislação Nacional………………………………………….…………………..96 VI.9.2 – Relatórios das Visitas……………………………………….…………………..96 VII Conclusão – Soluções………………………………………………………………………………...97 VII.1 – Formação Policial……………………………………………….……………………97 VII.2 – Combater a Impunidade…………………………………….…………………..99 VII.3 – A própria Polícia ……………………………………………………………………101 Bibliografia……………………………………………………………………………………………………….108 Índice………………………………………………………………………………………………………………..110