Transcript
  • o 11,"lnlnoAI",rtu- p~rda e renovao, Eva PattisA '"mllll/ldade consciente: Entrevistas com MarionWuutllltrJn,Mnrlon WoodmanA IlIlJIIJ.rmoderna em busca do aima: Guia jun-UIIIlIIlO do mundo vlslvel e do mundoIlIv/JIvol,Juno SlngerA "roltltuta sagrada, N. Q.CorbettA, ,I.usas e a mulher, J.S.BolenA virgem grvida, Marlon WoodmanCrlmlllho para a iniciao feminino,5.0. PororaDlStlno, amor e ~xtase, J.A. SanfordOs mistrios da mulher, Esther HardingO medo do feminino, E.NeumannVariaessobreo tema muiher, J.Bonaventure

    o masculinoA busca flica, J.WylyA tradio secreta da jardinagem,G.JacksonCastrao e fria masculina, E.MonikCurando a alma mascuHna, G. JacksonFalo,a sagrada imagem do masculino,E.MonikHermes e seus fiihos, R.L.PedrazaOs mistrios da sala de estar, G.JacksonSob a sombra de Sarurno, J.HollisOs deuses e o homem:Uma nova psicologia da vidae dos amores masculinos,Jean Shinoda BolenO pai e a psique, Alberto Pereira Lima Filho

    Psicologia e religioA alma celebra: Preparao para a novareligio, Lawrence W.JafteA doena que somos ns, J.P.DourleyAjornada da alma, J.A. SanfordBlblia e Psique, E.F.EdingerDeus, sonhos e revelao, M. KelseyDo Inconsciente a Deus, E.van der WinchelUma busca interior em psicologia e religio, J_HlllmanRastreando os Deuses, J. HollisNesta jornada que chamamos vida, J. Hollis

    Sonhos

    Aprendendo com os sonhos,M. R.GallbachBreve curso sobre os sonhos, R.BosnakOs sonhos e a cura da alma, J.A. SanfordSonhos de um paciente com AIOS,R.BoIIJDkSonhos e gravidez, M. R.GallbachSonhos e ritual de cura, C.A. Meier

    Invelheclmenlo

    A pauag'm do m.lo, J.HolIlsA .IOlido, Ao 5lorr

    A velha sbia, R.WeaverDespertando na meia-idade, K.A. BrehonyEnvelhecer, J. R.PretatMeia-idade e vida, A. BermannMenopausa, tempo de renascimento,A. MankowilzO velho sbio, P.Middelkoop

    Contos de fada e histrias mitolgicas

    A individuao nos contos de fada,M.-L. von FranzA interpretao dos contos de fada,M.-L. von FranzA sombra e omal nos contos de fada,M. -L. von FranzGato, M.-L. von FranzO que con~ao conto?, J. BonaventureO significado arque tipico de Gilgamesh,R.S.KlugerMitos de criao, M.-L. von Franz

    Opuer O livra do puer, J.Hillman. Puer aeternus, M.-L. von Franz

    Relacionamentos

    Amar, trair,A. CarotenutoEras e pathos, A. CarotenutoIncesto e amor humano, R.SteinNo sou mais a mulher com quem voc se casou,A. B.FllenzNo caminho para as npcias, L.S.LeonardOsparceiros invislveis, J.A.Sanford

    Sombra

    Mal,o lado sombrio da realidade,J.A.SanfordOs pantanais da alma, J.HollisPsicologia profunda enova tica, E.Neumann

    Ansiedade cultural, R.L. PedrazaAlimento e transformao, G.JacksonConhecendo a si mesmo, D.SharpConscincia solar, conscincia lunar, M. SteinMeditaes sobre os 22 arcanos maiores do tar,annimoNo espelho de Psique, E.NeumannO caminho da transformao, E.PerrotO despertar de seu filho,C.de TruchisPsicoterapia, M.-L. von FranzPsiquiatria junguiana, H. K. FierzA terapia do jogo de areia: imagens quecuram a alma e desenvolvem apersonalidade, RuthAmmannDioniso no exllia:Sobre a represso daemoo e do corpo, R.L.-PedrazaO prajeto tden, James HollisAjla na ferida, Rose-Emlly RothenbergCincia

  • A IMAGINAO ATIVANA PSICOLOGIA DE C. G. JUNG

    chamou de funo transcendente. (A funo que realizauma sntese entre a personalidade consciente e a incons-ciente.) Por conseguinte, a imaginao ativa efetua algosemelhante a um amadurecimento da personalidade maisintenso e acelerado (em comparao apenas com a anli-se dos sonhos).

    Antes de entrar em maiores detalhes com relaoaos aspectos gerais deste tema, gostaria de fornecer al-guns esclarecimentos prticos. . . ~ .

    As pessoas que no praticam a Imagmaao ativa, ouque no a praticam sob a superviso de um professor quea compreenda, podem facilmente. confundi-Ia co~ ~ cha-mada imaginao passiva, ou seja, com aquele cmemainterno" que praticamente qualquer pessoa que tenhadom para a fantasia capaz de fazer desfilar diante daviso interior quando se encontra em um estado de rela-xamento, coU:o, por exemplo, antes de pegar no sono.Almdisso o dilogo interior com um complexo ou um afeto,, . ~.ou o tipo de dilogo interior dentro de uma ~Ituaao lIl~a-ginria que to freqentemente realizamos mvoluntana-mente com ns mesmos, no deve de modo nenhum serconfundido com a imaginao ativa. Nas formas acimamencionadas, a parte envolvida "sabe" o tempo todo, comose em outro canto da mente, que tudo "no passa" de fan-tasia. Se ela no o soubesse, teramos que consider-Iacomoestando em um estado extremamente duvidoso.Masa imaginao ativa, que Jung tambm chamava, comres-tries, de "psicose antecipada",3 distingue-se dessas fo~-mas de fantasia no sentido de que o todo da pessoa parti-cipa conscientemente do evento. .

    Ilustrarei comum exemplo o que acabo de dIzer. Cer-ta analisanda contou a Jung nas seguintes palavras umaimaginao que ela comeara: "Eu estava em uma praiae um leo vinha na minha direo. Ele se transformounum navio e eu me vi no mar" - Jung a interrompeu:

    Minha tarefa aqui fazer um relato da "imaginaoativa" na psicologia de C. G. Jung. Como notrio, trata-se de uma maneira dialtica particular de lidar com oinconsciente. Jung comeou a descobri-Ia por volta de1916, quando trabalhava consigo mesmo.1 Ele a descre-veu pela primeira vez, em pormenor, em 1929, em suaintroduo obra O segredo da flor de ouro, de RichardWilhelm, e em 1933 em O eu e o inconsciente.2 Descobriuque um efeito benfico ocorre quando tentamos objetivarcontedos do inconsciente no estado desperto e nos rela-cionar conscientemente comeles. Isso pode ser feito atra-vs da pintura ou da escultura - ou, mais raramente, dadana -, mas principalmente atravs do relato escritodos fenmenos interiormente observados. Aconversa comfiguras interiores desempenha um papel especialmenteimportante neste caso.

    Se compararmos esses relatos escritos dos eventosinternos e as conversas com as figuras dos sonhos,perceberemos que a participao da conscincia freqen-temente empresta um carter significativamente maiscoerente, mais concentrado e amide tambm mais dra-mtico aos mesmos contedos. Ao contrrio dos sonhos,que representam mero produto do inconsciente, a imagi-nao ativa confere expresso ao fator psquico que Jung

  • "Absurdo. Quando um leo vem na nossa direo temosuma reao. Ns simplesmente no ficamos espe;ando eobservando at que ele se transforme num navio!" Pode-ramos dizer que o fato de a analisanda no ter tido ne-nhuma reao - por exemplo, medo, autodefesa, espan-to - demonstra que ela no levou totalmente a srio aimagem do leo e que, em algum canto da mente, ela es-tava pensando: "Afinal de contas, apenas um leo dementira".. Muitos inici~ntes tambm acham que quando algo

    SaI err~do n.omeIOdo~ eventos de fantasia, eles podem,por aSSImdIzer, rebobmar o filme e pass-Io de novo demaneira diferente. Em uma imaginao por razes "hi-ginicas", certa analisanda tinha evacuado e queimado acasa em que passara a infncia, onde ela encontrara umacriana doente (sua prpria infantilidade). Mas depoispercebeu que fora um erro, porque desse modo a crianadoente fora destruda de uma maneira excessivamente~bru~ta. Por conseguinte, sem titubear, ela comeou aImagI~~r que a c~sa estava novamente no lugar e "repre-sentou a fantasIa de novo com a criana dentro da casa.T:mos no,:-an:ente, ~este ~aso: um .exemplo de imagina-ao que nao e uma ImagInaao atIva genuna. O cursodos eventos no real, no foi levado a srio - porquecomo sabemos muito bem, o que realmente acontece irreversvel.

    Outro tipo de erro freqentemente cometido ocorrequando a pessoa que medita aparece nos eventos inter-nos co?10uma personalidade fictcia e no comoela mes-ma.4 E claro que atravs dessa abordagem o aconteci-mento interior destitudo de qualquer caracterstica deuma genuna interao e sntese do consciente e do in-c?ns~iente. Esse erro amide to sutil que comfreqn-CIaso pode ser detectado indiretamente atravs de rea-es nos sonhos e da ausncia de qualquer tipo de efeito.

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    O fato de a imaginao surgir com muita facilidade deveser considerado suspeito, porque a verdadeira imagina-o ativa exige esforo considervel e, no incio, raramentepode ser sustentada por mais do que dez ou quinze minu-tos. Alm disso, tambm existem certas dificuldades ini-ciais das quais as mais comuns so as seguintes.

    Uma delas uma espcie de cibra da conscinciaque faz com que nada sUIja na mente da pessoa. Outradificuldade tpica se expressa atravs de uma resistnciaaptica e uma averso intransponvel ou de uma disposi-o de nimo negativa interna que est sempre dizendo:"Tudo isso no real, apenas inveno". Jung disse:

    A arte de deixar as coisas acontecerem, da ao atravsda no-ao, de nos entregarmos, como ensinado peloMestre Eckhart, tornou-se para mim a chave que abriu aporta para o caminho. Temos que ser capazes de deixar ascoisas acontecerem na psique. Para ns, esta na verda-de uma arte que poucas pessoas conhecem.A conscinciaest eternamente interferindo, ajudando, corrigindo enegando. Nunca deixa em paz o simples crescimento dosprocessos da psique.5

    Embora as duas primeiras dificuldades acima men-cionadas possam ser superadas atravs da pacincia ouda coragem de sermos objetivos, de acordo com minhaexperincia a melhor maneira de lidar com a voz da dvi-da simpl~smente deix-Ia falar e depois responder oseguinte: "E possvel que isso no seja real, mas no mo-mento vou prosseguir". Geralmente, ento, alguma coisaacontece que convence a pessoa da realidade estranha-mente viva e independente do parceiro da conversa. Apessoa se d conta do seguinte: "Nunca poderia ter cons-cientemente inventado isso". A melhor maneira de dizerse uma imaginao ativa genuna ou no atravs dosseus efeitos, pois so enormes e imediatamente percept-veis, num sentido positivo ou negativo. por isso que a

  • imaginao ativa um instrumento extremamente peri-goso que no deve, de modo geral, ser utilizado sem asuperviso de uma pessoa experiente. Ela pode, comoenfatizou Jung, trazer psicoses latentes ao ponto de umaexploso.6 Nesse ponto, os pacientes podem entrar emum intervalo psictico bem no meio da imaginao.

    Outro perigo o surgimento de sintomas somticos.Lembro-me do seguinte exemplo. O caso era ode um artis-ta que havia comeado a fazer anlise por causa de umatendncia para o alcoolismo e uma sensao geral de de-sorientao. Uma figura particular de sombra apareciarepetidamente em seus sonhos;vamos cham-Ia deAlbert.Essa figura era um homem esquizide, altamente inteli-gente, completamente cnico e amoral, que na verdadeh muito havia se suicidado. Como no conseguamoschegar a um acordo com essa "sombra", aconselhei o ar-tista a tentar ter uma conversa franca com esse Albertinterior. Ele se dedicou tarefa com grande coragem eabertura. Mas Albert com muita esperteza desvirtuavanegativamente tudo que o artista dizia: ele s estava fa-zendo anlise porque tinha medo das conseqncias doalcoolismo; no prestava para nada, era um covarde quecomo ltimo recurso estava tentando se salvar atravsda psicologia, e assim por diante. Seus argumentos eramto engenhosos e incisivos que, em certo ponto da conver-sa, o artista se sentiu derrotado. Ele tristemente admitiuque Albert estava certo, e interrompeu a conversa. Poucotempo depois, teve ataque cardaco psicognico. O mdi-co que o atendeu na emergncia chegou concluso deque ele no tinha nenhum problema orgnico, mas queainda assim o estado do artista era bastante delicado.

    significativo que o corao, a sede simblica dossentimentos, tenha se revoltado. Fiz ver ao artista que,embora ele tivesse sido intelectualmente derrotado porAlbert, havia coisas como argumentos do corao que ele,

    o artista, no havia usado. Ele ento retomou sua con-versa interior. Albert imediatamente comeou a zombardele: "Ento agora sua mentora psicolgica lhe deu bonsconselhos; mas a idia no foi sua, foi dela!" E assim pordiante. Dessa vez, entretanto, o artista no se deixouderrubar, no arredou p e acabou levando a melhor. Nanoite seguinte, sonhou queAlbert havia morrido, e a par-tir de ento essa figura interior, com a qual ele vinhasonhando at esse ponto pelo menos duas vezes por se-mana, s voltou a aparecer uma nica vez em seus so-nhos nos anos seguintes, e nessa ocasio ele j no erabem omesmo Albert e tinha sofrido uma mudana positi-va. Ao mesmo tempo, uma nova fase, na minha opiniomais significativa, iniciou-se na vida do artista.

    Comisso, chegamos ao que talvez seja o aspecto maisimportante da imaginao ativa: ela uma forma de in-fluenciar o inconsciente. verdade que a interpretaocorreta de um sonho, se no for apenas intelectual, pro-voca uma mudana na personalidade consciente, que porsua vez afeta o inconsciente, mas o efeito da imaginaoativa infinitamente mais poderoso. Alm disso, o sonhoe a habilidade de compreend-Io, por assim dizer, obrae graa do Esprito Santo. A imaginao ativa, ao contr-rio, pe uma chave em nossas mos; pelo menos dentrode uma estrutura modesta, ela permite que nos organi-zemos. Por esse motivo, representa um meio inestimvelque o analisando tem nas mos para ir se tornando me-nos infantilmente dependente do analista. Alm disso, uma experincia libertador a para todos aqueles que odestino - um casamento, uma mudana de profisso, umretorno ao pas de origem, a morte do analista - separafisicamente do analista.

    Entretanto, muito mais importante do que isso ofato de a imaginao tornar possvel a completa autono-mia do analisando. Com efeito, Jung referiu-se aceita-

  • o e prtica dessa forma de meditao como o critrioque determinava se o analisando estava disposto a assu-mir a responsabilidade por si mesmo ou tentaria conti-nuar para sempre vivendo comoum parasita do analista.Ao lado desse efeito libertador, existe o fato de a imagina-o ativa tornar possvel um extraordinrio trabalho di-reto com afetos que podem fornecer uma sada para oimpasse da supresso ou da ab-reao, das quais a pri-meira pouco saudvel e a segunda freqentemente im-possvel externamente.

    Lembro-me do exemplo de uma garota que estavasofrendo de um complexomaterno extremamente pronun-ciado com leves idias paranicas. Ela era estudante e,por ironia do destino, alugava um quarto na casa de umavelha geniosa e totalmente paranica, bastante conhecidaem toda a vizinhana. Avelha imediatamente comeou aatorment-Ia sem piedade, o que, claro, lamentavelmen-te coincidiu com as tendncias subjetivas da garota. Fa-zia parte do acordo do aluguel que a garota poderia nadarno Reno, que passava em frente casa. Mas um dia avelha, sem nenhum motivo importante, proibiu-lhe per-manentemente esse prazer. A menina teve auto controlesuficiente para aceitar externamente a situao, mas fi-cou to aborrecida com a prpria raiva que durante duashoras s conseguiu praguejar para si mesma e ab-reagirinternamente, incapaz de retornar ao seu trabalho inte-lectual. Como sabemos, esses afetos so extremamenteinteis e exaustivos, e o fato de a pessoa "estar certa" noimpede que a raiva cause estrago na pessoa.

    A garota ento produziu a seguinte imaginao ati-va. Ela viu o rio com uma placa rodeada por altas ondasque dizia "Proibido Nadar". Avoz da "dvida" disse: "Issonada mais do que uma imagem das suas emoes".Ain-da assim, ela prosseguiu inabalvel com a fantasia. Asondas se separaram, e delas emergiu um gnomo preto,

    parecido com um sapo, com mais ou menos setenta e cin-co centmetros de altura. Ela pensou: "Ah, apenas meuafeto personalizado", mas continuou objetivamente olhan-do para ver o que ia acontecer a seguir. O gnomo cami-nhou com seus ps de sapo na direo da casa e ela pen-sou, horrorizada: ", cus, com certeza ele vai matar avelha, ou talvez v explodir de repente como um punha-do de dinamite!" Um conflitomoral teve incio dentro dela:"Devo deix-Ioentrar na casa? Mas e se eu disser que eleno pode entrar e ele ficar zangado comigo?"O gnomo jestava tocando a campainha, e ela decidiu deix-Io en-trar na casa e perguntar o que ele queria. Ele imediata-mente indicou atravs de gestos que queria subir ao an-dar superior onde estava a velha. Uma vez mais surgiu oconflito por causa do problema do assassinato. A garotadecidiu naquele momento crtico ir em frente e tocar acampainha do apartamento da velha, mas decidiu tam-bm ficar junto do gnomo para impedi-Io de praticar al-guma maldade. Avelha veio abrir a porta. Nesse ponto, agarota teve o pensamento de como seria infinitamenteengraado e surpreendentemente acompanha a reao davelha, ao v-Ia de p ao lado do ano preto com ps desapo, e ela no pde deixar de rir. De fato, de to assombra-da, a velha fez uma expresso grotesca, mas a garota dis-se: "Este cavalheiro gostaria de falar com a senhora". Semgraa, a velha convidou os dois para se sentarem na suamelhor sala de estar, na qual, por sinal, a garota nuncatinha estado. (Quando, muito mais tarde, ela teve a opor-tunidade de entrar l, descobriu, para seu assombro, queela imaginara, na imaginao ativa, a sala exatamen-te como era na realidade.) Quando os dois se sentaramno sof de pelcia em frente velha, o ano comeou acontar piadas erticas, com dupla interpretao. Avelhaficou to feliz que mandou a garota embora, para poderficar a ss com o simptico "cavalheiro".

  • Quando a fantasia terminou e a garota emergiu conscincia, ela se encontrava com uma disposio denimo alegre e despreocupada, e foi capaz de se dedicarao seu trabalho intelectual sem maiores problemas. Quan-do, no final da tarde, ela encontrou sua senhoria na esca-da, no pde deixar de sorrir ao pensar na histria dasua fantasia. E agora um resultado inesperado: objetiva-mente, foi como a velha tivesse se transformado. Atmorrer, ela nunca mais atormentou a garota.

    O efeito libertador dessa imaginao est relacionadocomum motivo arquetpico. O fato d que a "Grande Me",quando absorta na fria e na dor, possa ser trazida de vol-ta humanidade atravs de piadas grosseiras algo quesabemos a partir domito de Demter. Os guias ainda mos-tram hoje em dia opoonas runas de Elusis, perto do quala ressentida e chorosa Demter estava sentada quando aserva Baubo, com uma piada grosseira, despiu-se diantede Demter, fazendo com que a deusa risse novamentepela primeira vez. Mas, segundo certas inscries cultis-tas, Baubo, Demter e sua filha Cora so a mesma deusa!

    Muitos certamente sabem que a Grande Me eraacompanhada desde a mais remota antiguidade porgnomos flicos (Kabiri) que eram seus companheiros.Embora a garota do nosso exemplo conhecesse esses an-tecedentes arquetpicos, eles no estavam muito presen-tes na mente dela. Tambm podemos ver nesse exemploa maneira comoa conscincia ctica e comentadora esta-belece falsas ligaes, porque os anes, ao contrrio dosgigantes, so personificaes de impulsos criativos e node afetos. Assim, as aparies na imaginao j haviamassumido uma fora construtiva, enquanto a conscin-cia, com suas idias preconcebidas e estticas, suspeitouda presena de um afeto destrutivo.

    Talvez algum ache que essa imaginao no foimuito ativa, e sem dvida verdade que ela se desenro-

    lou de uma maneira relativamente passiva e cinemato-grfica. Mas foi genuna, porque em certos momentos agarota participou plenamente e tomou decises ticas: sedevia, por um lado, deixar o gnomo entrar apesar de eleser perigoso, ou, pelo outro, impedi-Io de entrar para queno tentasse matar a velha. claro que ela poderia teragido de maneira completamente diferente. Por exem-plo, poderia ter dito ao Kabirus que no odeixaria entrarse ele no confessasse primeiro suas intenes.

    Quando escuto as imaginaes ativas dos analisan-dos, freqentemente penso em pontos particulares: "Euno teria agido dessa maneira!" Mas essa reao demons-tra como a imaginao que ocorre corresponde a uma s-rie de eventos pessoalmente condicionada e nica, comoa realidade da vida individual em si. O fato de a velhaparanica tambm ter sofrido uma mudana um poucosurpreendente, mas no fora do comum. E isso nos leva aoutro perigo inerente imaginao ativa, o perigo de autilizarmos de maneira errada, como uma espcie demagia negra, para atingir objetivos egostas ou para in-fluenciar outras pessoas.

    Uma jovem analisanda certa vez me trouxe um so-nho que lhe disse que ela havia cado sob o poder de umabruxa. Como eu estava explorando suas atividades inter-nas e externas dos dias mais recentes, ela relatou quehavia feito uma imaginao ativa. - pelo menos foi comoela a chamou - contra (!) uma conhecida sua. Essa pes-soa a havia aborrecido, e ela se entregara a uma fantasiana qual ela a havia decapitado, torturado, cuspido nela, eassim por diante. Desse modo, comoela o apresentou, elaqueria "ab-reagir sua raiva". No fui eu e, sim, o incons-ciente dela que encontrou o nome certo para O que elahavia feito - no tinha sido imaginao ativa e, sim, bru-xaria. Esse emprego errado da imaginao extrema-mente perigoso. Pode ser atraente, especialmente para

  • pessoas com tendncias esquizides. Entretanto, de jeitonenhum as tira do estado confuso em que se encontram,tornando-as, ao contrrio, mais vulnerveis psicose. Aimaginao sob a forma de "feitio de amor" ou a serviodos delrios de grandeza da pessoa (fantasias hericas)pertence mesma categoria. As fantasias de satisfaodos desejos no esto de maneira alguma relacionadascom a imaginao ativa. A garota cujo caso descrevi aci-ma no teve nenhuma inteno de influenciar a velha.S queria se livrar da influncia destrutiva do seu pr-prio afeto. Essa pureza tica de inten~'o um dos requi-sitos bsicos para qualquer imaginao ativa.

    O uso da imaginao ativa pelos analisandos nemsempre aconselhvel. Ele j limitado pelo fato de quegrande nmero de pessoas simplesmente no conseguemsuperar suas resistncias imaginao ativa e no de-vem ser foradas a isso. Alm disso, comoj mencionei,ela extremamente perigosa nos casos de psicose laten-te. Tambm, nos casos limtrofes de esquizofrenia, a fra-queza do ego j com freqncia to grande que essaforma de meditao dificilmente aconselhvel. (Masneste caso tambm existem excees; presenciei-a certavez, em um desses casos excepcionais, apresentando seuefeito libertador e acelerando enormemente o processoda cura.) Em geral, o uso da imaginao ativa indicadoquando existe intensa presso do inconsciente - ou seja,quando grande nmero de sonhos e fantasias aparece otempo todo - ou, ao contrrio, quando a vida dos sonhosest bloqueada e no "flui". Em todos os casos em que sebusca a independncia interior, a imaginao ativa ofe-rece uma oportunidade nica para essa realizao.

    O elemento de autolibertao rpida e eficaz dos afe-tos e idias obsessivos faz da imaginao ativa um im-portante instrumento para oprprio terapeuta. C. G.Jungat mesmo considera indispensvel que o analista domi-

    ne essa forma de meditao. Como sabemos, as emoesfortes so extremamente contagiantes, e difcil para oanalista, e amide tambm no indicado, evitar o con-tgio, porque, afinal de contas, a pessoa precisa de sim-patia e com-paixo a fim de ser capaz de ajudar. O mes-mo se aplica ao fato de o analista ter que ouvir e observaro desenrolar de fantasias mrbidas e perversas ou ima-gens que, quer queira quer no, destroem o equilbrio dapessoa. Como disse Jung, a impresso de algo feio deixapara trs algo feio na nossa psique. E ao nos relacionar-mos com essas "impresses", nem sempre podemos ficaresperando um sonho curativo ou que elas desapareamcomo resultado dos instintos saudveis do paciente. Es-pecialmente quando, no mesmo dia, estaremos receben-do outros analisandos; afinal de contas, no podemosreceb-Ios em um estado assim perturbado, pois estara-mos espalhando ainda mais o contgio. No entanto, sem-pre podemos encaixar uma curta imaginao ativa -nesses casos, raramente precisamos mais do que dez mi-nutos - e desse modo nos libertarmos. Quando no te-mos tempo nem mesmo para isso, s vezes apenas a deci-so sincera de lidar com o distrbio mais tarde atravsda imaginao ativa j ajuda. Afinal de contas, em ltima anlise, o psicoterapeuta uma pessoa capaz de cu-rar a si mesma. De acordo comAelian, o cachorro o ani-mal associado ao deus da cura, Asclpio, porque tem oconhecimento de comer grama a fim de obrigar-se a vo-mitar um alimento nocivo e porque lambe as prpriasferidas com sua saliva desinfetante!

    Os habitantes das regies polares distinguem as pes-soas mentalmente doentes dos curandeiros e xams daseguinte maneira: a pessoa mentalmente doente pos-suda por espritos e demnios; o curandeiro ou xam,contudo, aquele que, embora tambm possudo, capazde se libertar novamente por si mesmo.7 Metos desprez-

  • veis e idias mrbidas e perversas na verdade atuam comodemnios. Elas entram em ns e nos obcecam. A imagi-nao ativa adequada, contudo, um ato criativo de li-bertao levado a cabo atravs de smbolos. Ela poderiaser erroneamente interpretada como uma tendncia pe-rigosa em direo "auto-salvao", mas, com efeito, esseperigo est excludo porque o uso adequado da imagina-o ativa s pode se dar em um contexto religioso, ou seja,na presena de uma considerao repleta de admiraoreverente pelo numinoso.

    Alm da sua qualidade protetora, mencionada nosexemplos, a imaginao ativa , em um grau ainda maior,o veculo do que Jung chamava de processo de indivi-duao, a auto-realizao completa e consciente da tota-lidade individual. Atravs desse processo, a imago dei(imagem de Deus) vivenciada no indivduo e comea aconcretizar sua influncia alm do nvel do ego. Este l-timo se torna um servo das suas tendncias em direo concretizao, um servo sem o qual o Si-mesmo incapazde encarnar na nossa dimenso de espao e tempo.

    Os pequenos exemplos prticos que forneci comoilus-trao da natureza da imaginao ativa representamapenas um pequeno segmento dentro do processo do de-senvolvimento individual, e o arqutipo do Si-mesmo, dotodo, nem mesmo aparece neles. Entretanto, quando nossubmetemos durante um perodo de tempo mais longo aesse procedimento meditativo e em relao a problemasessenciais da vida, empiricamente quase sempre, essecontedo central, ou seja, o Si-mesmo, claramente vempara o primeiro plano, e nesses contextos mais essen-ciais certo paralelismo com vrios caminhos religiosos demeditao pode claramente ser percebido. Por esse moti-vo, em uma srie de palestras na Escola de Tecnologia deZurique, Jung tambm fez uma comparao pormenori-zada entre o inconsciente comoele o percebia e as formas

    orientais de ioga, os exerccios de santo Incio de Loyolue as prticas de meditao dos alquimistas. Essa compa-rao demonstrou que estas ltimas esto muito maisestreitamente relacionadas com a imaginao ativa deJung do que os dois primeiros8 pela seguinte razo. Nasformas orientais da ioga (talvez com a exceo da medi-tao zen budista, que voltarei a mencionar mais tarde),o "guru" assume em grande parte o comando, e os textostambm fornecem certas instrues que talvez possamconduzir o discpulo experincia do que chamamos deSi-mesmo. Nos exerccios cristos, a imagem do Si-mes-mo se torna visvel em Cristo, e neste caso o discpulotambm levado a aproximar-se dela internamente, decerta maneira. Em ambos os casos, o discpulo adverti-do com relao a obstculos e informado de que deve

    , '1 t t - "9"descarta-Ias ou enxota- os como en aoes .Em comparao com esses processos, a imaginao

    ativajunguiana muito menos programtica. No exi~tenenhuma meta que obrigatoriamente tenha que ser atm-gida (nenhum "treinamento de individuao':), nenhu~modelo, imagem ou texto a ser usado comoguIa no camI-nho, nenhuma postura ou controle da respirao so re-comendados (e o paciente tambm no se deita no sofnem o analista participa das fantasias). A pessoa sim-plesmente comea com o que vem de dentro dela, comuma situao de sonho relativamente inconc1usivaou umamomentnea modificao do estado de esprito. Se sur-ge um obstculo, a pessoa que medita livre paraconsider-Io ou no comotal; ela que resolve como devereagir diante dele. Assim, cada passo se torna uma. es-colha individual nica e responsvel e, por esse motIvo,tambm uma sntese nica das tendncias conscientes einconscientes. Digamos que um homem esteja lutandoem uma fantasia para alcanar o cume de uma alta mon-tanha e belas mulheres se aproximam, tentando seduzi-

  • 10 e lev-l o para as profundezas. No dizemos a ele nesseponto: "Essa uma fantasia ertica, uma tentao queest tentando impedir que voc atinja sua meta eleva-da". Tambm no dizemos: "Essa uma parte da vidaque voc precisa incorporar antes de continuar a escala-da!" Simplesmente no dizemos nada. Apessoa que temque explorar sozinha o que est encontrando e resolvero que deve fazer a respeito - exatamente como na vidaexterior.

    essa absoluta liberdade que diferencia a formajunguiana de imaginao ativa de q~se todas as outrasformas de meditao e o que a torna mais parecida com aimaginatio vem dos alquimistas. Estes ltimos faziamexperincias com a natureza completamente desconheci-da (para eles) da realidade material e seu aspecto psqui-co. Eles tambm no tinham nenhum programa e pro-curavam no escuro o que nada mais era do que sua prpriaexperincia. No tinham opinies, ou apenas algumasidias vagas e intuitivas, a respeito da coisa em si, nemdiretrizes ticas de comportamento adotadas externamen-te. Buscavam a ''realidade divina" no aqui e agora da existn-cia material; em sua maioria, eles nada sabiam alm dis-so. por isso que o caminho deles e sua experincia dossmbolos se parecem tanto com os de muitos homens emulheres de hoje.

    No que diz respeito a essa liberdade totalmente des-tituda de programa, talvez seja o zen budismo, com suasetapas em direo experincia do satori, que mais seaproxime da abordagem junguiana. Neste caso tambms existe o fato de que vrios mestres possuem uma ver-dadeira experincia do Si-mesmo e vivem a partir dela-tudo o mais no nem preconcebido nem preconcebvel.A nica coisa que distingue o zen da imaginao ativajunguiana, at onde consigo perceber, o seguinte. Nozen budismo - pelo menos foi o que me garantiu o pro-

    fessor D. T. Suzuki em uma conversa - as imagens defantasia e os sonhos que surgem no so consideradosessenciais, e sim o oposto, como sendo elementos relati-vamente sem importncia que ainda encobrem a "verda-deira natureza". Omestre tenta fazer com que o discpulose liberte deles e tambm dos outros falsos apegos do ego.Na imaginao ativa de Jung, pelo contrrio, ns noscurvamos para apanhar cada fragmento de smbolo quenossa psique nos oferece e trabalhamos como ele, vistoque para ns isso parece ser um rudimento ou uma partedo Si-mesmo - talvez uma parte irreconhecida. De qual-quer modo, no existe nenhum comportamento recomen-dado. Essa maior liberdade com efeito o aspecto maisdifcil, mas na minha opinio o mais valioso, do caminhointerior junguiano.

    Isso nos conduz a certo problema que possivelmentetalvez seja tema de controvrsia. Jungfazia parte do gru-po de psicoterapeutas mais esquerda daqueles que de-fendiam incondicionalmente a liberdade do indivduo. Nameditao representada, por exemplo, pelo treinamentoautgeno de J. H. Schultz, ainda encontramos indicadosexerccios de relaxamento. No guia de meditao de CarlHappich, temas como"a campina da infncia" ou "a mon-tanha" so sugeridos e opsicoterapeuta "guia"oanalisandodentro da fantasia em direo a esses temas. Com rela-o ao rve veill (sonho desperto) de Ren Desoille,mtodo que ele muito deve a Jung, uma distino funda-mental que opsicoterapeuta oferece sua reao aos even-tos internos simblicos; por exemplo, ele sugere ao pa-ciente o que este poderia ou deveria fazer na situaosimblica. Alm disso, Desoille requer uma experinciado inconsciente coletivo e seus arqutipos e, ao mesmotempo, que esses ltimos sejam conhecidos a fundo. As-sim, uma nfase excessiva, na nossa opinio, colocadana orientao do psicoterapeuta e nas suas reaes; isso

  • de modo nenhum contribui para a independncia morale espiritual do analisando.

    Como vimos a partir do acima exposto e dos exem-plos que forneci, na imaginao ativajunguiana, o psico-terapeuta s assume uma posio na questo de deter-minar se a fantasia genuna ou no genuna. A nicainterveno dele, quando existe uma reao que se mani-festa atravs de sintomas ou sonhos, interpretar o sig-nificado desses sonhos e sintomas da maneira comoso habitualmente interpretados na anlise. precisolembrar que no fui eu e sim um sonho que acusou demagia negra a analisanda anteriormente mencionada; efoi um ataque cardaco psicognico que avisou o artistapara no esquecer o "corao".

    Essas reaes espontneas do inconsciente imagi-nao ativa ocorrem freqentemente. Elas possibilitamque demos carta branca aos analisandos da maneira comodescrevi acima. O fato de o "mestre" viver essencialmen-te na psique deles - um medicus intimus, comooprofes-sor Schmaltz to apropriadamente o chamava - umaexperincia extremamente valiosa para eles. As formasde meditao orientais e crists se baseiam em antiqs-simas tradies histricas, tendo assim a vantagem deoferecer diretrizes que j foram experimentadas e adap-tadas por muitas pessoas; mas, por essa razo, podem setornar uma camisa-de-fora na maneira de ser do indi-vduo. ComoJung repetidamente salientava, os seres hu-manos modernos j esto to sobrecarregados, tantointerna quanto externamente, de preceitos, exigncias,conselhos, lemas, sugestes coletivas, idealismo e outrasdiretrizes (tambm boas), que talvez valha a pena o es-forode oferecer-Ihes a oportunidade de realizar sua na-tureza de uma maneira no forada e completamenteauto-responsvel. Essa talvez seja a forma pela qual ainfluncia divina se manifeste na psique em sua forma

    mais pura - por si mesma. E tambm provvel que oindivduo consiga resistir melhor s influncias coletivasdestrutivas da sua poca quando, sozinho e atravs dasua experincia interior, ele se estabelece em seu relacio-namento comDeus.

    I Ver C. G. Jung, ''The Transcendent Function", em CW 8, 1960, pp. 67ss.2 impressionante que o Dr. Wolfgang Kretschmer, e~ sua disser~a?

    "Die meditativen Verfahren in der Psychotherapie" (Procedimentos meditati-vos na Psicoterapia), Zeitschrift fr Psychotherapie und M~dizinische :~y-chotherapie I, n. 3 (maio de 1951), em uma discusso por.menonz~da ~as variaStcnicas de Schultz-Henke, Carl Happich, Ren DesoI1le e FnedriCh Mauz,entre outros no diga uma palavra a respeito da imaginao ativa de Jung,que foi dese~volvida e divulgada pa.ra o pblico consi~era~elm~nte ~nt~s dotrabalho dos psiclogos acima mencIOnados e exerceu megavel mfluencla so-bre eles.

    3 C. G. Jung, Mysterium Coniunctionis, CW 14, par. 184, pp. 156-57.4Ibid., par. 184.fi "Commentary on The Secret ofthe Golden Flower", 1929/1965, in Richard

    Wilhelm The Secret of the Golden Flower, Harcourt, Brace & World, NovaIorque, 1962, p. 93. (Cf. trad. bras.: O segredo da flor de ouro, Vozes, Petrpolis.)

    6 Mysterium Coniunctionis, CW 14, p. 156. . .,7 Ver Mircea Eliade Schamanismus und archtsche ekstasetechmk, Zuri-

    que, 1957, pp. 38ss. Tr~d. ing.: Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy,Princeton University Press, Princeton, 1964.

    8Ver especialmente CW 14, par. 406ss.9At onde sei, a exceo a isso um texto medieval chamado "Solilquio de

    Hugo de So Vtor com sua Alma" (Soliloquim de arrha animae). Nesse texto,o meditador parece to convencido de que Cristo a verdad~ira meta da Sl;laalma que ele a conduz sem esforo a essa meta, apenas a~rave~da sua conviC:o amorosa, embora ela esteja apegada ao mundo e resista vIgorosamente aconverso.

  • A IMAGINAO ATIVA

    Gostaria de me concentrar em alguns pontos que for-mam o carter especfico da imaginao ativa de Jungem comparao com o grande nmero de outras tcnicasque esto aparecendo hoje em dia por toda parte. Encon-tramos hoje grande nmero de pessoas que praticaramalguma tcnica de imaginao antes de se submeterem anlise junguiana; e, de acordo com minha experincia,percebi que muito difcil fazer com que elas consigamrealizar a verdadeira imaginao ativa. Esta ltima podeser melhor dividida em quatro partes ou fases.

    1. Como sabemos, primeiro devemos esvaziar a nos-sa conscincia do ego, libertando-nos do fluxo de pensa-mento do ego. Isso j bastante difcil para muitas pes-soas que no conseguem interromper a "mente alucinada",como a chamam os zen budistas. O processo mais fcilno caso da pintura e mais fcil ainda no caso da ativida-de com areia. Entretanto, esta ltima fornece conscin-cia figuras j existentes. Embora seja verdade que issoparea tornar possvel passar por cima da "esterilidade",ou ausncia de quaisquer idias (que freqentemente aprimeira coisa que ocorre), ao mesmo tempo tem a ten-dncia de provocar dificuldades posteriores, quando oanalisando precisa se envolver com a verdadeira imagi-nao ativa. Amaioria das tcnicas de meditao orien-

    tal como o zen, certos exerccios de ioga, bem como tim~ditao taosta, pem-nos diante dessa primeira fase.Na meditao zen, temos que eliminar no apenas todosos pensamentos do ego, comotambm quaisquer fantasiasque possam ascender do inconsciente. Temos que recha~-los por meio de um koan ou deix-l?s passar de~pe:cebI-dos. O nico objetivo da postura fsIca sentada e a mter-rupo simblica de toda atividade.

    2. Nesse ponto, temos que deixar que uma imagem defantasia oriunda do inconsciente flua para o campo dapercepo interior. Ao c0ntrrio das tcnicas o~ientaisacima mencionadas, neste caso ns acolhemos a Imagemem vez de enxot-Ia ou desconsider-la, passando a nosconcentrar nela. Depois de atingirmos esse ponto, temosque ficar atentos a dois tipos de erro: o primeiro ~qua~donos concentramos demais na imagem que surgiu e lIte-ralmente a "fixamos", congelando-a, por assim dizer; osegundo quando no nos concentramos o suficiente, .0que faz com que as imagens internas comecem a se modI-ficar rpido demais e um "filme interno" acelerado come-ce a passar. Na minha experincia, pude perceber queso basicamente as pessoas do tipo intuitivo que costu-mam cometer o ltimo erro. Elas escrevem infindveiscontos de fantasia que no tm um ponto focal, ou no seenvolvem em um relacionamento pessoal com os eventosinteriores. Esse o nvel da imaginao passiva, da ima-ginatio fantastica que contrasta com a imaginatio ve~a,como a chamariam os alquimistas. Isso me lembra mUltoa katathyme Bilderleben (vida de imagem catatmica) deH. Leuner. Leuner admitiu haver sido inspirado pelaimaginao ativa de Jung, tendo porm decidido sim-plific-Ia - no obtendo, na minha opinio~ resultadosmuito bons. Acho muito difcil ajudar os analIsandos quese dedicaram a essa forma de prtica da imaginao amudar para a verdadeira imaginao ativa. A Objecti-

    185

  • vierung des Unbewussten (objetificao do inconsciente)de W. L. Furrer tambm apresenta as mesmas deficin-cias, bem como a tcnica mais antiga de le rve veill(sonho desperto) de Ren Desoilee. Essas tcnicas tam-bm permitem a presena e a interveno do analista, oque um grande erro que discutirei adiante.

    3. Chegamos agora terceira fase. Ela consiste emconferir uma forma imagem de fantasia interiormentepercebida seja relatando-a por escrito, pintando-a, escul-pindo-a, escrevendo-a como uma msica ou danando-a(em cujo caso os movimentos da dana devem ser anota-dos). Na dana, o corpo vem a participar, o que s vezesfundamental, principalmente quando certas emoes e afuno inferior so to inconscientes que como se esti-vessem enterradas no corpo.1 Com freqncia, tambmparece til inventar um pequeno ritual concreto,comoacen-der uma vela ou andar em crculos. Isso provoca a partici-pao da matria inorgnica. Jung me disse certa vezque isso mais eficaz do que a maneira comum de fazer aimaginao ativa, mas no soube me dizer por qu.

    Na minha opinio, isso tambm esclarece melhoruma questo muito discutida hoje em dia - o papel docorpo na anlise. Com efeito, a obra alqumica, de acordocomJung, nada mais do que uma imaginao ativa rea-lizada com substncias qumicas, ou seja, misturando-as,aquecendo-as, e assim por diante. Os alquimistas orien-tais, especialmente os taostas chineses, faziam isso prin-cipalmente procurando trabalhar com os materiais noprprio corpo e mais raramente com suas retortas no la-boratrio. Os alquimistas ocidentais trabalhavam com amatria principalmente fora do corpo, na retorta, afir-mando que "nossa alma imagina grandes coisas fora docorpo". Paracelso e seu discpulo Gerhard Dorn, contudo,tambm trabalharam com o chamado firmamento den-tro do corpo, no qual esperavam produzir influncias

    mgicas externas. Achavam que essas influncias mgi-cas tinham u.mrelacionamento sincrnico per analogiamcom a matria do corpo. Dessa forma, a imaginao ativaest essencialmente ligada ao corpo atravs do significadosimblico dos seus componentes qumicos. Pessoalmen-te,j vivenciei com freqncia fortes reaes fsicas posi-tivas e negativas a imaginaes ativas correta ou erronea-mente executadas. Certo analisando at mesmo sofreugrave ataque cardaco psicognico, quando agia contraseus sentimentos em uma imaginao ativa. Afetos eemoes intensos representam s vezes um obstculo prtica da imaginao ativa. O prprio Jung, segundo elerelata em suas memrias, tinha s vezes que recorrer aexerccios de ioga para controlar suas emoes antes quefosse capaz de extrair delas uma imagem com a qual pu-desse se relacionar em uma imaginao ativa.

    Certo tipo de imaginao ativa pode ser realizadocomo uma conversa com partes internamente examina-das do nosso corpo, na qual tambm escutamos o que elasdizem (comoOdisseu fazia s vezes, na Odissia, com seucorao ou seu "freno"). Essa tcnica s vezes favorvelno.caso de um sintoma fsico psicognico. Sempre que amatria est envolvida, seja dentro ou fora do corpo, po-demos esperar fenmenos sincrnicos, o que demonstraque essa forma de imaginao ativa especialmente "car-regada de energia". Em seu aspecto negativo, ela se apro-xima da magia e dos perigos desta ltima, sobre os quaisfalarei adiante.

    Dois tipos de erro, que Jung descreve em sua disser-tao A dinmica do inconsciente,2 tendem a ocorrer nes-sa terceira fase. Um deles consiste em atribuir nfaseexagerada elaborao esttica do contedo da fantasia,transformando-a em uma obra de arte, o que faz com quea pessoa negligencie sua "mensagem" ou significado. Naminha experincia, isso acontece principalmente no caso

  • da pintura e dos relatos escritos. O excesso de forma matao contedo, assim como a arte de certos perodos histri-cos "enterrou os deuses em ouro e mrmore". (Hoje emdia, freqentemente sentimos mais prazer em contem-plar um amuleto primitivo ou a arte rstica dos cristosprimitivos do que a arte decadente de Roma.) As funesda sensao e do sentimento so as primeiras a nos indu-zir em erro neste caso. Esquecemos que o que estamosretratando ou descrevendo apenas a aparncia de umarealidade interna e que o objetivo entrar em contatocom a realidade e no com a aparncia.

    O outro tipo de erro consiste em fazer o oposto. Apessoa faz rapidamente um esboo do contedo e imedia-tamente entra na questo do significado. Os tipos intui-tivo e pensamento so os que especialmente cometem esseerro. Isso demonstra uma falta de amor e dedicao. Po-demos facilmente perceber isso quando um paciente nostraz um esboo descuidado ou um relato escrito com ne-gligncia, dizendo que j sabe "o significado". Essa ter-ceira fase, na qual fornecemos ao inconsciente uma ma-neira de se expressar, freqentemente proporciona grandealvio, mas ainda no a verdadeira imaginao ativa.

    4. Chegamos agora quarta fase, a fase decisiva, aque-la que est ausente em quase todas as tcnicas de imagi-nao - a confrontao moral com omaterialj produzi-do. Nesse ponto, Jung nos adverte com relao a um errofreqentemente cometido que compromete todo o proces-so. Trata-se do erro de entrarmos nos eventos internoscom um ego fictcio em vez de com o verdadeiro ego.

    Gostaria de ilustrar o que acabo de dizer com umexemplo. Certo analisando sonhou que encontrou um cas-co de cavalo no deserto. O casco era de certo modo muitoperigoso e comeou a persegui-Io. Era uma espcie dedemnio relacionado com o deus Wotan. O homem ten-tou continuar a fantasiar esse sonho em uma imaginao

    ativa. Ele estava agora correndo montado no cavalo, muso demnio estava ficando cada vez maior e conseguindochegar cada vez mais perto. O analisando deu a volta e dealgum modo conseguiu esmagar o demnio com os ps.Quando ele me contou isso, fiquei impressionada com aestranha discrepncia entre a aparncia dele e o resulta-do da histria. Ele parecia assustado e atormentado. As-sim sendo, disse-lhe que de certa maneira eu no acredi-tava no final feliz da histria, mas no sabia por qu.Uma semana depois ele me confessou que quando o de-mnio pata de cavalo o alcanou ele (o analisando) separtiu em dois. Somente uma parte do seu ego venceu odemnio; a outra se afastou da ao e ficou observandodo lado de fora. Por conseguinte, ele s alcanou a vitriacom um ego-heri fictcio; seu verdadeiro ego evadiu-se,secretamente dizendo de si para si: "Afinal de contas, apenas fantasia".

    Quando o estado observvel de um analisando dei-xa, como nesse caso, de se harmonizar com o que aconte-ceu em uma imaginao ativa, podemos admitir que ocor-reu esse erro do ego fictcio. dificil manter isso afastado.Outro analisando, em uma imaginao ativa, teve umlongo e romntico caso amoroso comuma figura da anima.Ele nunca disse a ela que se casara recentemente. Quan-do eu lhe fiz perguntas a respeito disso, respondeu quenunca faria isso na vida real (ocultar que era casado).Assim, seu ego na imaginao ativa no era omesmo queseu ego do dia-a-dia! Estava claro que a coisa toda noera completamente real para ele; era mais como se esti-vesse escrevendo um romance do que fazendo uma ima-ginao ativa. Esse ponto tremendamente importante,porque toda a eficcia da imaginao ativa depende dele.As pessoas com um carter muito fragmentado ou compsicoses latentes no conseguem de modo nenhum fazera imaginao ativa ou s o conseguem com o ego fictcio.

  • Por esse motivo, Jung nos aconselhou a no utilizarmosu tcnica da imaginao ativa com pacientes do grupo decasos limtrofes. Na realidade, o analisando do meu se-gundo exemplo no era uma pessoa doente e, sim, umintelectual. O intelecto um grande trapaceiro; ele nosilude e nos leva a desconsiderar o aspecto moral dos even-tos, e nos deixa dominar pela dvida de que, afinal decontas, a coisa toda no passa de uma fantasia e umaveleidade. A imaginao ativa requer certo grau de inge-nuidade.

    Jung comentou certa vez que a psiquiatria de hojedescobriu as trs primeiras etapas do processo, mas noconsegue compreender a quarta. A maioria das tcnicasde imaginao atuais no chegam a atingir esse ponto.Existe ainda outro aspecto que ainda no foi compreen-dido.Amaioria das tcnicas criativas ou imagticas atuaispermite certa participao do analista ou at mesmoexige que ele intervenha. Ou ele prope o tema (comonatcnica de Happich ou no treinamento autgeno avana-do de J. H. Schultz) ou intervm, fazendo sugestes,quando o analisando "empaca". Jung, por outro lado, cos-tumava deixar seus pacientes "empacados" onde quer queestivessem at que encontrassem por si mesmos uma sa-da. Ele nos contou que teve certa vez uma paciente queestava sempre caindo em certas "armadilhas" na vidareal. Recomendou a ela que fizesse a imaginao ativa.Imediatamente ela se viu, na imaginao, atravessandoum campo e encontrando um muro. Ela sabia que tinhaque passar para o outro lado, mas como? Jung apenasdisse: "O que voc faria na vida real?" Ela simplesmen-te no conseguiu pensar em nada. Finalmente, depois demuito tempo, pensou em caminhar ao longo domuro paraver se ele terminava em algum ponto. No terminava.Ento, ela procurou uma porta ou uma abertura. Nova-mente, no chegou a lugar nenhum, e Jung no ofereceu

    nenhuma ajuda. Finalmente, ela pensou em ir buscar ummartelo e uma talhadeira para abrir um buraco no muro.Essa foi a soluo.

    O fato de a mulher levar tanto tempo para achar umasoluo foi reflexo do seu comportamento inepto na reali-dade exterior. Por esse motivo absolutamente funda-mental no oferecermos ajuda; se o fizermos, o pacienteno aprende nada e continua to infantil e passivo quan-to antes. Por outro lado, quando dolorosamente aprendersuas lies na imaginao ativa, ele tambm aprenderalguma coisa com relao sua vida exterior. Jung noajudava os pacientes, ainda que permanecessem "empa-cados" por semanas, insistindo em que continuassem atentar sozinhos achar uma soluo.

    Com o uso controlado de drogas, a quarta fase estnovamente ausente. A pessoa que supervisiona carregatoda a responsabilidade em vez de isso caber pessoaque est fazendo a imaginao. Deparei com um livrointeressante de autoria de dois irmos, Terence e DennisMcKenna, chamado The invisible landscape.3 Esses doiscorajosos jovens foram ao Mxico e fizeram experinciasem si mesmos comuma planta alucingena recm-desco-berta no local. De acordo com o relato deles, sofreramestados mentais esquizofrnicos que provocaram uma"expanso dos seus horizontes espirituais". Infelizmen-te, no fornecem uma descrio precisa das experincias,apenas dicas a respeito de terem visitado outros plane-tas e recebido a ajuda de um ser invisvel que freqente-mente aparecia como um inseto gigantesco. A segundaparte do livro apresenta os insights que se originaramdos seus "horizontes espirituais mais amplos", e a quesurge o desapontamento. Eles no so de modo nenhumdiferentes de outras especulaes atuais altamente intui-tivas a respeito da mente, da matria, do sincronismo, eassim por diante. No apresentam nada novo ou criati-

  • vo, apenas coisas que os autores bem informados facilmen-te poderiam ter criado conscientemente. O ponto mais im-portante surge no final, quando o livro termina com aidia de que toda a vida na Terra ser destruda e, por essarazo, teremos que fugir para outro planeta ou escaparinternamente, em direo esfera da mente csmica.

    Gostaria de comparar o exposto com um sonho. Tra-ta-se do sonho de um estudante, que no corre o risco de setomar psictico e que est atualmente fazendo anlisejun-guiana. Sou grata a ele por permitir que eu narre seu so-nho. Depois que fiz esta palestra, Edward Edinger apre-sentou o mesmo sonho e ofereceu excelente interpretaodele.4 O sonho (em forma levemente reduzida) o seguinte:

    Estou caminhando ao longo do que so chamadas asPalisades, das quais podemos contemplar Nova Iorque.Estou andando ao lado de uma figura de anima desconhe-cida para mim; ambos somos conduzidos por um homemque nosso guia. No restou pedra sobre pedra em NovaIorque - o mundo foi destrudo. Incndios se alastrampor toda parte; milhares de pessoas correm sem rumo emtodas as direes. O rio Hudson inundou grandes partesda cidade. Anoitece. Bolas de fogo no cu assobiam emdireo Terra. o fim do mundo.O que causou isso foi uma raa de gigantes que veio doespao. Vi dois deles sentados no meio das pedras, indife-rentemente pegando um punhado de pessoas atrs dooutro e engolindo-os como se fossem uvas. Era uma visohorrvel. .. Nosso guia nos explicou que esses giganteshaviam vindo de diferentes planetas onde eles viviam empaz uns com os outros. Haviam aterrizado em discos voa-dores (eram as bolas de fogo).A Terra que conhecamosfora na verdade planejada pelos gigantes. Eles haviam"cultivado" nossa civilizao da maneira como cultivamoslegumes e verduras em estufa. Agora tinham vindo paraa colheita. Havia uma razo especial para isso, que eu svim a saber mais tarde.Eu fora salvo porque minha presso sangnea era leve-mente alta. Se fosse normal ou alta demais, eu teria sidodevorado. Assim, fui escolhido para passar por essa pro-

    vao atravs do fogo e, se eu conseguisse super-Ia comxito, teria permisso para salvar tambm outras almu!:!.Vi ento, diante de mim, um gigantesco trono dourado,brilhante como o sol. Nele estavam sentados o rei e a rai-nha dos gigantes. Eles eram os responsveis pela destrui-o do nosso planeta.Minha provao, alm do tormento de ter de vivenciar tudoisso, consistia em ter que galgar os degraus do trono at oponto em que conseguisse olhar diretamente no rosto de-les. Isso se deu em estgios. Comecei a ascenso. O cami-nho era longo, mas sabia que tinha que percorr-lo, que odestino do mundo e da humanidade dependia de mim. Aacordei, ensopado de suor. Compreendi depois, quandoacordei, que a destruio da Terra era a festa de casa-mento do rei e da rainha.

    Esse sonho lembra a invaso da Terra por gigantesdescrita no livro bblico de Enoc, que foi interpretada porJung comouma "invaso prematura (da conscincia) rea-lizada pelo inconsciente coletivo". Isso provocou umainflao generalizada. Os anjos que (segundo Enoc) ha-viam gerado gigantes commulheres humanas forneceram humanidade muitas novas formas de conhecimento, eisso ocasionou a inflao. Est claro que o sonho acimareflete nossa semelhante situao atual, e o livro dos ir-mos McKennas mostra claramente, entre outras coisas,aonde leva uma explorao prematura das vises do in-consciente coletivo - ou seja, a um estado mental extre-mamente precrio. Ao mesmo tempo, contudo, esse so-nho adequadamente mostra a diferena entre a alucinaocausada pelas drogas e uma abordagem feita pelo incons-ciente que no foi procurada. No sonho, a pessoa recebeuma tarefa: chegar at o rei e a rainha. Por outro lado, deacordo com as concluses dos McKennas, tudo que o indi-vduo precisa fazer tentar se afastar. Parece ento queum aspecto construtivo do inconsciente s consteladoquando est frente a frente com um ego individual comoparceiro. Essa a situao que buscamos atingir na ima-

  • ginao ativa, e por isso que o uso de drogas - aindaque sob uma superviso responsvel - ou a prtica detcnicas de imaginao nas quais o analista assume ocomando no so adequados, porque ento o ego no capaz de se confrontar com o inconsciente.

    Tanto as cenas apocalpticas do livro dos McKennasquanto as do sonho acima descrito esto relacionadas comomedo que temos de uma guerra nuclear. Mas em vez defugir para o espao, o sonho entrega pessoa a tarefa deobservar face a face o casamento do rei com a rainha.Essa tarefa representa a unio do::;opostos - do pai coma me, da mente com a matria, e assim por diante. Lem-bro-me de que Jung nos disse certa vez, quando lhe per-guntamos se uma terceira guerra mundial era inevit-vel, que s seria possvel evitar essa guerra se um nmerosuficiente de pessoas conseguisse manter unidos os opos-tos dentro de si. Neste caso, tambm, todo o fardo coleti-vo repousa sobre os ombros de uma s pessoa, a que so-nhou. O inconsciente s consegue nos mostrar uma sadapara a crise se ns, enquanto indivduos, permanecer-mos conscientes dos opostos.

    Um importante tema no sonho o guia, o qual ins-trui o sonhador. Essa figura s aparece quando o analis-ta no assume seu lugar. Hermes, a alma orientadorados alquimistas, chamava a si mesmo de "o amigo de ca-da solitrio" (cuiusque segregati - cada um que est se-parado do rebanho). O resultado mais importante da ima-ginao ativa, segundo Jung, fazer comque o analisandose torne independente do analista. Por esse motivo, nodevemos interferir nela (a no ser para operar correesno mtodo). Quando um analisando l para mim umaimaginao ativa, com freqncia penso em silncio: "Eununca teria feito ou dito isso!" Isso demonstra como individual a maneira pela qual as reaes do ego sur-gem em relao ao inconsciente na imaginao ativa -

    e isso que determina qual o curso que os eventos to-maro.

    Uma nova (ou melhor, antiqssima) abordagem daimaginao ativa descrita nos livros de Carlos Cas-tafieda. Trata-se do mtodo do bruxo e xam Don Juan,que ele chama de "sonho". Por trs disso esto as antigastradies dos xams dos ndios mexicanos. Correm boa-tos de que grande parte do contedo desses livros foi in-ventada por Castafieda, embora tenha utilizado materialgenuno dos xams. O "sonho" certamente parte dessematerial genuno. Ele exoticamente ndio e jamais po-deria ter sido inventado por um homem branco. O "so-nho" alcanado com a ajuda de fenmenos externos danatureza. O mestre Don Juan leva Castafieda para as re-gies incultas e solitrias da natureza. Na penumbra danoite, Castafieda pensa ver a forma escura de um animalmoribundo. Terrivelmente assustado, ele quer fugir, masdepois olha commais ateno e percebe que se trata ape-nas de um galho sem vida. Mais tarde, Don Juan diz: "Oque voc fez no nenhum triunfo ... Voc desperdiouum belo poder, um poder que soprou vida naquele galhomorto ... Aquele ganho era um animal de verdade e esta-va vivo no momento em que o poder o tocou. Como o queo mantinha vivo era o poder, o truque era, como no so-nho, sustentar a viso".5

    O que Don Juan chama de poder a mana, mulun-gu etc., em outras palavras, o aspecto energtico do in-consciente coletivo. Ao desvalorizar sua fantasia, olhan-do para ela de maneira racional, Castafieda afugentouo poder e perdeu a oportunidade de "parar o mundo".(Essa a expresso de Don Juan para interromper opensamento do ego.) Don Juan tambm chama esse so-nho de "insanidade controlada", o que lembra o comen-trio de Jung de que a imaginao ativa uma "psicosevoluntria".

  • Esse tipo de imaginao ativa com coisas externasda natureza lembra a arte dos alquimistas, que realizamsua imaginao ativa com metais, plantas e pedras, mascom uma diferena: os alquimistas sempre tinham umvaso. Esse vaso era seu imaginatio vem et non fantasticaou sua theoria. Desse modo, eles no se perdiam e manti-nham um "controle" dos eventos no sentido literal, umaespcie de filosofia religiosa. Don Juan tambm tinha essecontrole, mas ele no consegue transmiti-lo paraCastafieda e, portanto, sempre tem que assumir a lide-rana.

    Comoj mencionamos, os rituais que acompanhama imaginao ativa so particularmente eficazes, mas aomesmo tempo perigosos. Isso freqentemente constela umgrande nmero de eventos sincrnicos, os quais facilmentepodem ser interpretados comomagia. As pessoas que cor-rem o perigo de se tornarem psicticas freqentem entetambm interpretam erroneamente esses eventos de umamaneira perigosa. Lembro-me do caso de um homem queno incio de um lapso esquizofrnico atacou fisicamente amulher. Ela chamou o policial do povoado e um psiquia-tra. Enquanto os dois homens, junto com a mulher e omarido perturbado, estavam de p no saguo de entradada casa, a nica lmpada que iluminava a cena explodiuem mil pedaos, e eles ficaram no escuro cobertos de pe-daos de vidro partido. O homem perturbado imediata-mente chegou concluso de que comoo sol e a lua haviamocultado sua luz na crucificao de Cristo, o que aconte-cera fora um sinal de que ele, o salvador do mundo, esta-va sendo injustamente detido. No entanto, o que aconte-ceu foi exatamente o oposto: o evento sincrnico estavalevando uma mensagem sadia - estava advertindo-o paraque no tivesse um blecaute mental (uma lmpada sig-nifica a conscincia do ego, ao contrrio do sol, que aDivindade). Neste caso, estamos nos movendo em terre-

    no perigoso. Embora esse evento no tenha relao comuma imaginao ativa, eventos semelhantes freqente-mente ocorrem durante a imaginao ativa. Esse exem-plo demonstra comopodemos perder orumo nessa "psicosevoluntria". Assim, o alquimista Zsimus corretamenteadverte contra os demnios que podem confundir o tra-balho alqumico. Tocamos aqui na distino entre a ima-ginao ativa e a magia, particularmente a magia negra.Como sabemos, Jung adverte contra o tipo de imagina-o ativa que envolve pessoas vivas. Ela pode afet-Iasmagicamente, e toda magia, inclusive a magia "branca",tem um efeito bumerangue em relao pessoa que apratica. Por conseguinte, a longo prazo, ela destrutiva.Lembro-me tambm de um caso no qual Jung me aconse-lhou a us-Ia. Eu tinha uma analisanda mais velha queestava totalmente possuda pelo seu animus; ela no es-tava mais acessvel e estava beira de um lapso psictico.Jung me aconselhou a falar com o animus dela em umaimaginao ativa. Isso iria ajud-Ia, porm me prejudi-caria, mas ele disse que ainda assim eu deveria tentar,comoltimo recurso. De fato, o efeito foi benfico, e Jungme ajudou depois a combater o efeito bumerangue. Noobstante, nunca mais ousei repetir a experincia.

    A fronteira entre a imaginao ativa e a magia ex-tremamente sutil. No caso da magia, existe sempre al-gum desejo em jogo, relacionado com uma inteno boaou destrutiva. Tambm observei que uma forte posses-so da parte do animus ou da anima impede as pessoasde fazerem a imaginao ativa. Isso torna impossvel anecessria abertura interior. S devemos praticar a ima-ginao ativa com o objetivo exclusivo de obter a verdadea respeito de ns mesmos. Mas, na prtica, freqen-temente um desejo ulterior se insere sub-repticiamente,e a pessoa cai na imaginatio fantastica. Notei um perigosemelhante no orculo I Ching. Se a pessoa no abando-

  • na, antes de lanar as moedas, todo e qualquer desejocomrelao a um resultado especfico,ela freqentementeinterpreta erroneamente o orculo. Existe tambm o casooposto de ver ou ouvir "a coisa certa" na imaginao ati.va e depois duvidar de que a coisa seja genuna. Comfreqncia, a imaginao ativa nos liberta disso, fazendode repente algo to surpreendente que pensamos: "Euno poderia de modo nenhum ter inventado isso!"

    Finalmente, temos ainda a fase final - aplicar navida cotidiana o que aprendemos na imaginao ativa.Lembro-me de um homem que prometeu sua anima,durante a imaginao ativa, que dedicaria a ela dez mi-nutos por dia. Ele se atrapalhou e ficou com um mauhumor neurtico que durou at perceber que no haviamantido a promessa. Mas claro que isso se aplica a to-das as percepes na anlise. Essa a "abertura daretorta" na alquimia, algo que naturalmente produzidoquando compreendemos a etapa anterior. Quando umapessoa deixa de fazer isso, um indcio de que no com-pletou realmente a quarta fase da confrontao moral.

    A DIMENSO RELIGIOSA DAANLISE

    "O interesse principal do meu trabalho", escreveJung, "no est relacionado com o tratamento das neuro-ses e, sim, com a abordagem do numinoso. Mas o fato que a abordagem do numinoso a verdadeira terapia e,na medida em que alcanamos as experincias numinosas,somos libertados da maldio da patologia. At mesmo adoena assume um carter numinoso".l Essa citao diztudo que essencialmente importante sobre uma anlisejunguiana. Se no for possvel estabelecer um relaciona-mento com o numinoso, nenhuma cura possvel; o m-ximo que podemos esperar uma melhora no ajustamen-to social. Mas, ento, o que resta ao analista fazer? Jungse manifestou da seguinte maneira sobre esse assunto,em uma carta:

    Como a neurose um problema de atitude, e a atitudedepende ou se baseia em certos "dominantes", ou seja, osmais elevados e supremos princpios e idias, o proble-ma da atitude pode ser chamado de religioso.2Isso ga-rantido pelo fato de que nos sonhos e nas fantasias os te-mas religiosos aparecem com o ntido objetivo de regulara atitude e restaurar o equilbrio perturbado. Obser-vei, por exemplo, que, por via de regra, quando contedos"arquetpicos" surgem espontaneamente nos sonhos etc.,efeitos numinosos e curativos emanam deles. Trata-sede experincias psquicas primordiais que freqentemen-te reabrem o acesso do paciente s verdades religiosas

    1Cf. R. F. C. Hull, "Bibliographical Notes onActive Imagination", in Spring1971; E. Humbert, "L'Imagination active d'apres C. G. Jung", in Cahiers d~Psychologie Junghienne, Paris, 1977; C. G. Jung "The Transcendent Function"~& ' ,

    2 C. C. Jung, "The Transcendent Function," CW 8.3 Terence e Dennis McKenna, The Inuisible Landscape, Seabury Press,

    Nova Iorque, 1975.4 Ver Edward F. Edinger, "The Myth ofMeaning", Quadrant 10,1977, pp.

    34ss.5 Carlos Castafieda, Journey to Ixtlan, Simon and Schuster, Nova Iorque,

    1972, pp. 132-33. (Trad. bras.: Viagem a Ixtlan, Record, Rio de Janeiro.)