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Problematizando exercícios com sílabas: uma análise em 68 diários de classe de professoras alfabetizadoras (1973‐2010)
Resumo O presente artigo apresenta e problematiza os exercícios envolvendo sílabas registrados nos Diários de Classe de alfabetizadoras. Com o estudo, busca‐se contribuir com a área da pesquisa em história da alfabetização. A pesquisa apresentada originou a minha dissertação de mestrado e tem como fonte e objeto 68 cadernos manuscritos de planejamento de aulas de professoras alfabetizadoras do 1ºano/1ªsérie compreendidos no período entre 1972 e 2010. A pesquisa está inserida no campo da história da alfabetização, e o referencial teórico é fundamentado nos seguintes autores: Artières (1998), Chartier (2007), Ginzburg (2011), Mignot (2006, 2008), Pérez e García (2001), Soares (2002, 2006), Moraia (2012), ente outros. Os exercícios com sílabas foram organizados para fins de análise em seis tipologias distintas: treino gráfico, memorização de sílabas, reconhecimento gráfico e/ou sonoro de sílabas, separação e junção de sílabas das palavras, ordenação de sílabas e escrita de palavras a partir de sílabas ou sílaba determinada. Um dos resultados encontrados foi a predominância dos “métodos tradicionais” de alfabetização nos Diários. Além disso, os exercícios com sílabas mais recorrentes foram aqueles que privilegiam a cópia e a memorização de tais estruturas. Palavras‐chave: Diário de Classe, alfabetização, sílabas
Gisele Ramos Lima
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Introdução
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa de mestrado e insere‐se no
campo da história da alfabetização. A pesquisa está vinculada a um grupo de pesquisa de
uma Universidade Federal do estado do Rio Grande do Sul. Neste grupo de pesquisa, três
eixos são privilegiados nas investigações: i) estudos sobre história da alfabetização; ii)
pesquisas sobre práticas sociais de leitura e de escrita; iii) análise da produção, circulação
e utilização de livros escolares produzidos no Rio Grande do Sul, especialmente entre os
anos de 1940 e 1980 (período da influência do CPOE – Centro de Pesquisas e Orientações
Educacionais – SEC/RS na produção didática gaúcha).
O trabalho está vinculado ao primeiro eixo de investigação deste grupo de
pesquisa e tem por objetivo problematizar o uso de planejamentos diários de professoras
alfabetizadoras em pesquisas no campo da história da alfabetização, mais
especificamente os exercícios com sílabas registrados nesses diários. Os diários de
planejamento de professoras alfabetizadoras são chamados, para o caso do Rio Grande
do Sul, de “Diários de Classe”1.
No período do desenvolvimento da pesquisa, o grupo dispunha, conforme o
acervo que foi se constituindo a partir de doações de professoras ou pessoas próximas às
professoras alfabetizadoras, de 83 Diários de Classe de turmas de 1ª ano/1ª série e
2ºano/2ªsérie. Um dado relevante a considerar‐se é que o suporte desses planejamentos
de aulas manuscritos, os Diários, são cadernos de aula ‘comuns’ (a maioria do acervo é
constituído de cadernos grandes, medindo 200 mm x 275 mm). Com isso, observa‐se a
afirmação de Chartier (2007) em relação aos cadernos dos alunos, ou seja, a de que
cadernos são, ao mesmo tempo, uma fonte (ou objeto) de investigação “fascinante e
enigmática, difícil de tratar e de interpretar, justamente por sua aparente banalidade” (p.
23).
Os Diários de Classe utilizados na pesquisa compreendem o período da década de
70 até o ano de 2010. Os referidos diários apresentam registros do cotidiano das aulas
1 Embora essa não seja uma definição comum para outros estados do Brasil (que chamam Diários de Classe
apenas as folhas avulsas impressas nas quais são registradas as aulas dadas e a presença ou ausência dos alunos, como explicarei adiante), vou doravante usar essa denominação por ser a mais usada pelas professoras dos anos inicias para o caso do Rio Grande do Sul.
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planejadas pelas professoras alfabetizadoras a fim de ensinar meninos e meninas a ler e
escrever. É importante salientar que esses documentos, aparentemente “banais”,
guardam registros significativos para pesquisas que pretendem problematizar o ensino
da leitura e da escrita na escola.
A organização do acervo e a ‘natureza’ dos diários de classe
No período da realização da pesquisa trabalhei na organização do acervo dos
Diários de Classe pertencente ao grupo de pesquisa supracitado. Aquela não foi uma
tarefa fácil, pois alguns documentos encontravam‐se em estado precário e com o
desgaste natural do tempo e do manuseio. A primeira tarefa era, então, limpá‐los.
Inicialmente, foi necessário, também, encontrar uma forma de catalogar tais materiais de
modo a organizá‐los, permitindo a incorporação de novos cadernos à medida que havia
novas doações. A organização foi pensada de forma a possibilitar visualizar a quantidade
de material por década e por ano, permitindo a formulação de hipóteses para estudos
específicos. No quadro abaixo, a síntese, por década, do acervo dos Diários de Classe na
época em que desenvolvi a pesquisa de mestrado:
Total de Diários de planejamento por década
Década Número de Cadernos
1970 03
1980 18
1990 24
2000 37
Sem data 1
TOTAL 83
É importante explicitar que os Diários de Classe manuscritos das professoras têm
natureza diferente dos Diários de Classe oficiais da escola, como aqueles descritos no
trabalho de Alves (2003), por exemplo. Os diários descritos por Alves (2003) contêm os
registros das presenças e das ausências dos alunos e das alunas, a lista dos conteúdos
trabalhados diariamente e as notas, e ao final do ano letivo são arquivados na escola por
serem documentos oficiais.
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Os Diários de Classe manuscritos das professoras alfabetizadoras são de
“propriedade” das professoras, não ficam arquivados na escola no final do ano letivo e,
mesmo que sigam uma organização, já que, em alguns momentos, são verificados pela
supervisora da escola, as professoras têm maior “liberdade” para organizar e registrar
informações além daquelas referentes aos planejamentos das aulas. Assim, nos Diários
manuscritos é possível encontrar bilhetes, anotações de compromissos pessoais e
profissionais das professoras, dentre outras anotações referentes ao cotidiano da escola,
da sala de aula e dos alunos.
Consideram‐se, assim, os Diários de Classe como escritas ordinárias de natureza
profissional (MIGNOT E CUNHA, 2006) que registram, no dia a dia, grande parte do
conteúdo ministrado em sala de aula ou aquele que seria trabalhado em determinado dia
letivo, ou seja, os conteúdos e atividades que a professora pretendia desenvolver com os
alunos2. São escritas que muitas vezes ficam “silenciadas” no cotidiano da escola e na
própria história da educação, mas que podem auxiliar na compreensão da história do
ensino da leitura e da escrita.
Muitas são as escritas ordinárias de professores realizadas na escola, dentre elas,
os Diários de Classe, que podem contribuir para escrever a “história do cotidiano escolar”
e, em relação ao acervo deste grupo de pesquisa, aspectos da história da leitura e da
escrita. Esse material, geralmente, é desprezado por não ser considerado oficial. Mignot
e Cunha (2006), referindo a essas escritas ordinárias de caráter profissional, afirmam que
os arquivos escolares:
(...) não preservam os escritos de professores e de alunos que, igualmente, ajudariam a compreender as práticas pedagógicas, a aprendizagem da leitura e da escrita, a chegada de novos artefatos técnicos às escolas, a cultura e o cotidiano escolar. (MIGNOT e CUNHA, 2006; p.51).
Assim, os Diários de Classe que constituem o acervo do referido grupo de pesquisa
não são documentos guardados na escola, eles foram conservados pelas professoras ou
2 Em alguns diários encontra‐se no planejamento de aulas o registro das professoras de que determinada
atividade não foi possível ser trabalhada, mas entendemos que como foi planejada, havia por parte da professora a intenção de que as crianças a realizasse.
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por algum familiar que fez a doação ao grupo de pesquisa, o qual se ocupa de preservar a
história da alfabetização, especialmente por meio desses materiais que são considerados
“ordinários” e, praticamente, “sem valor”. Apenas recentemente ─ e ainda de forma
rarefeita ─ a história da educação tem se preocupado com a guarda e a pesquisa de tal
documentação.
Pode‐se se dizer que, ao guardarem seus Diários, as professoras arquivaram a
própria vida profissional, talvez com o simples intuito de guardar ou, quem sabe, com a
intenção de ter a identidade reconhecida de alguma forma, segundo Mignot e Cunha
(2006), usando a expressão consagrada de Philippe Artières (1998), no intuito de
“arquivar a própria vida” para preservar a memória, testemunhar acontecimentos,
imortalizar a experiência. (MIGNOT e CUNHA 2006; p.43). Tendo em vista as razões que
fizeram com que as professoras ou familiares guardassem esses registros e, depois,
doassem para a guarda e preservação, é preciso salientar que tais documentos talvez
tenham sido “escolhidos” por razões diversas, assim como outros foram descartados
também por motivos diversos. Assim, Artières (1998) indica, em relação ao arquivamento
de fotografias familiares, que
(...) em toda família, existe com efeito o hábito de dedicar regularmente longas tardes a reunir e a organizar as fotos relacionadas com a vida de cada um dos seus membros. Um casamento, um nascimento, uma viagem são objeto de uma ou de várias páginas. Não colamos qualquer foto nos nossos álbuns. Escolhemos as mais bonitas ou aquelas que julgamos mais significativas; jogamos fora aquelas em que alguém está fazendo careta, ou em que aparece uma figura anônima. (ARTIÈRES, 1998, p.14)
Da mesma forma é possível considerar que os Diários guardados pelas professoras
também sejam aqueles que elas consideram mais significativos, mais “bonitos”, melhor
organizados (uma vez que ele é feito anualmente), pois é possível observar o cuidado que
muitas professoras têm com a “aparência” de seus Diários, mantendo‐os
cuidadosamente encapados e enfeitados com gravuras, fotos, frases e com uma letra
impecável e legível, revelando um “fazer profissional” que é próprio de professoras dos
anos iniciais da escolarização. As capas de alguns Diários são cuidadosamente
trabalhadas ou encapadas e, na primeira página de alguns dos Diários, há fotos ou
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gravuras de crianças, dados de identificação da professora e da escola, frases edificantes,
versos, poesias, enfim, algum tipo de registro que remete a uma forma de expressão
espontânea das professoras. Abaixo, reproduz‐se a capa e primeira página de Diários que
revelam os “cuidados” que as professoras alfabetizadoras têm com tais registros:
Capa ‐ C2‐ 2002
Primeira página – C1‐1998
FRASES ESCRITAS NA 1ª PÁGINA
DO CADERNO: C1‐1998
“Nada apaga a emoção de ensinar
e o carinho dado por quem se
ensina.”
“Deus está dentro de cada um de
nós pronto a dar‐nos energia,
ânimo e incentivo. Confia na
bondade do Pai.”
“A criança aprende o que vive, se
vive com amor aprende a amar o
mundo.”
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No primeiro caso, a professora bordou com o chamado “ponto cruz” a
personagem infantil Mônica, de Maurício de Sousa, e, no segundo exemplo, as frases
edificantes e uma foto da sala de aula. Esses são apenas dois exemplos de como essa
questão do “cuidado” com o material e do registro da “vida em sala de aula” consta nos
cadernos das professoras.
O registro das aulas nos Diários oferece a possibilidade de encontrar “pistas” e
“vestígios” (GINZBURG, 2011) para sabermos, por exemplo, que concepção as
professoras têm em relação à linguagem, que metodologias são adotadas para o ensino
da leitura e da escrita nas últimas décadas do século XX e primeira década do século XXI
ou quais os espaços de brincar são reservado às crianças no decorrer do cotidiano da sala
de aula. Além disso, há outras possibilidades de pesquisa que podem envolver as
atividades, exercícios utilizados pelas professoras para alfabetizar seus alunos, por
exemplo.
Na presente pesquisa, o foco é a análise das atividades com sílabas presentes nos
Diários de Classe ao longo do período estudado. Para isso, são analisadas quais atividades
são desenvolvidas pelas professoras e se tais exercícios são relevantes ou não para que
os alunos se alfabetizem, ou seja, entendam e se apropriarem do Sistema de Escrita
Alfabético (MORAIS, 2012).
Ao analisar os registros dos planejamentos das professoras, não se pode esquecer
que parte do que foi desenvolvido na sala de aula está silenciado, pois não se tem acesso
aos gestos e falas das professoras e das crianças. Dessa forma, Viñao (2008) afirma que
(...) com certeza, há de se descartar a possibilidade de reconstrução do currículo real. Este desapareceu e, como em toda a operação histórica, o máximo que podemos fazer é nos aproximar do passado e reconstruí‐lo de modo parcial e com um enfoque determinado (VIÑAO, 2008; p.25).
Assim, tendo em vista alguns pressupostos do paradigma indiciário (GINZBURG,
2011), foi possível identificar e analisar inúmeras questões relacionadas à história do
ensino da leitura e da escrita no período em questão e problematizar as atividades com
sílabas registradas nos diários.
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O ensino da leitura e da escrita visto por meio de diários de classe
As discussões sobre a melhor forma de ensinar crianças, jovens e adultos a ler e a
escrever na escola são recorrentes na história da educação. Até metade dos anos oitenta
do século XX, essa discussão centrava‐se em embates referentes ao melhor método de
ensino para superar o problema do “fracasso escolar na alfabetização” que existe em
nosso país desde a implantação da escola, especialmente com o advento da escola
pública, gratuita, leiga e obrigatória que surgiu com o ideário republicano, sendo a escola
considerada espaço institucional por excelência que deveria se ocupar com o ensino e
com a aprendizagem do povo (MORTATTI, 2006). A partir do mesmo período, ocorre uma
mudança gradativa no paradigma da educação: a preocupação central desloca‐se do
“como ensinar” para o “como se aprende”, ou seja, como as pessoas se apropriam da
leitura e da escrita, as quais se tornam objeto de conhecimento.
A análise dos diários intenciona investigar com referência em alguns pressupostos
de paradigma indiciário (GINZBURG, 2011), tais como: maneira com que as atividades com
sílabas são pensadas, elaboradas e trabalhadas pelas professoras alfabetizadoras no
período em questão, considerando os registros tanto no Diário mais longínquo, do ano de
1970, até o Diário mais recente, do ano de 2010. Além disso, busca‐se, também,
problematizar estas atividades no que se refere ao desenvolvimento de habilidades
necessárias para que os alfabetizandos se apropriem do Sistema de Escrita Alfabética.
Nos diários da década de 70, que pertencem a mesma professora em escolas
distintas, as atividades envolvendo o uso de sílabas apresentam vestígios (GINZBURG,
2011) de estarem vinculadas ao Método Fônico de alfabetização, os indícios contidos no
planejamento da professora permitem dizer que ela utilizava o “Método da Abelhinha”,
que possuía um rico material ilustrado, uma cartilha e um manual do professor
descrevendo todos os passos a serem seguidos no decorrer das aulas. Assim, segundo
Lapuente e Peres (2010),
na utilização do “Método da Abelhinha” são usados prioritariamente recursos fônicos e visuais, tem como atividade principal a “História da Abelhainha”, organizada de forma continuada e dividida em sete capítulos, cuja personagens são associados a sons e letras, criando um universo de imaginação e fantasia. [...] O “Método da Abelhinha apresenta três etapas seguidas de objetivos, duração, recomendações e
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sugestões de atividades. De acordo com o Guia do mestre e do Guia de Aplicação, elaborado pelas autoras do método, as etapas são as seguintes: Período Preparatório ou Integração da Criança, História ou Inicio da Alfabetização e Completando a Alfabetização.(LAPUENTE e PERES, 2010, p.95/94)
Os referidos diários apresentam, inicialmente, atividades de desenvolvimento da
percepção motora e, na sequência do planejamento, as letras são apresentadas uma a
uma, sendo, primeiro, as vogais, com atividades que envolvem o seu traçado e o seu som.
A descrição da atividade sempre faz referência ao som da letra e não ao nome da mesma.
A apresentação das letras e a proposta de leitura das letras ocorrem, em média, na 18ª
aula, já a proposta de junção das letras para formar palavras só aparece após exercícios
de reunião das letras para formar sílabas. Neste período, aparecem diariamente
exercícios que solicitam ao aluno “encher a linha” com determinada letra e,
posteriormente, com determinada sílaba.
Os indícios colhidos nestes Diários da década de 70 também possibilitam verificar
que eles refletem uma proposta de alfabetização que correspondem ao que é descrito
por Mortatti (2006) para o caso deste período. Diz a autora, em relação ao ensino da
leitura e da escrita, que
a escrita continua sendo entendida como uma questão de habilidade caligráfica e a ortográfica, que deve ser ensinada simultaneamente à habilidade da leitura; o aprendizado de ambas demandavam um “período preparatório”, que consistia em exercícios de discriminação e coordenação viso‐motora e auditivo‐motora, posição de corpo e membros, dentre outros. (MORTATTI, 2006, p.9/10).
No final da década de 70, a este entendimento acerca da alfabetização, agregam‐
se questões psicológicas referentes à necessidade de maturidade da criança para que
essa aprenda a ler e escrever, pressupostos que perduram até o inicio da década de 80,
quando são divulgados os estudos da Psicogênese da Língua Escrita. A partir da
divulgação dos estudos psicogenéticos (FERREIRO e TEBEROSKY, 1999), a compreensão
em relação ao ensino da leitura e da escrita é que o “período preparatório” é
desnecessário, deve ser suprimido do planejamento das professoras, bem como qualquer
atividade de repetição e memorização. A prioridade da professora deve ser investigar
quais as hipóteses referentes à leitura e à escrita que as crianças possuem para, então,
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pressupor as intervenções necessárias visando à evolução dessa hipótese de forma a
promover a aprendizagem da leitura e da escrita de seus alunos (FERREIRO e
TEBEROSKY, 1999). Inicia‐se chamada “era do construtivismo”, que, segundo Becker
(2001), conceitua‐se como “[...] uma teoria, um modo de ser do conhecimento, ou um
movimento do pensamento que emerge do avanço das ciências e da filosofia dos últimos
séculos (p.72)”.
Em uma análise preliminar dos Diários de Classe referentes aos anos 1980, 1990 e
2000 foi possível verificar, nos anos de 1980, a permanência de propostas de
alfabetização disseminadas nos anos de 1970, ou seja, ainda apresentam o “período
preparatório” e há uma organização metodológica vinculada a métodos analíticos ou
sintéticos de alfabetização (RIZZO, 1986), bem como a indicação de uso de cartilhas. Nos
diários dos anos de 1990 e 2000 a mudança ocorre a partir de um gradativo abandono do
período preparatório, mas a predominância metodológica é de uso dos tradicionais
métodos analíticos ou sintéticos, tendo apenas um “ensaio” de uso de propostas
construtivistas que pretendem implementar práticas de letramento na sala de aula,
porém, estas propostas deixam indícios de um esquecimento do trabalho com a
especificidade da alfabetização (SOARES, 2006), ou seja, ele não é desenvolvido
cotidianamente em sala de aula. Assim, no que se refere às atividades relacionadas ao uso
de sílabas, que são diárias, predominam, no planejamento das professoras
alfabetizadoras, as que propõem a repetição e memorização das sílabas e não atividades
que oportunizem ao alfabetizando refletir sistematicamente sobre o Sistema de Escrita
Alfabética para apropriar‐se da leitura e da escrita.
Análise das atividades com sílabas
Dos 83 Diários de Classe que constituem o acervo do grupo de pesquisa, após
levantamento de dados de todos os Diários, optou‐se por trabalhar apenas com os dados
contidos em 68 diários. Os referidos diários são referentes ao planejamento de aulas de 1º
ano e 1ª série, já que esse é o período inicial da aquisição da leitura e da escrita escolar.
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Nos 68 Diários de Classe analisados, observou‐se 2877 exercícios com sílabas,
conforme a tabela abaixo:
Tabela ‐ Exercícios com sílaba por número de Diários a cada década.
Ano 1970 1980 1990 2000 TOTAL
Número de Diários de Classe 3 14 22 29 68
Número de exercícios nos Diários de
Classe a cada década 203 255 1.004 1.415 2.877
Fonte: da autora
Os 2877 exercícios foram divididos em 6 categorias/tipologias diferentes para fins
de análise. Para esta organização, consideraram‐se ordens implícitas ou explícitas
registradas nos Diários de Classe. Ordens que, ao final de uma exaustiva análise para o
agrupamento, resultaram em 72 ordens destinaras.
As seis tipologias de exercícios são:
a) Exercícios que visam ao treino gráfico
Exercícios de treino gráfico são atividades, como o próprio nome sugere, de
repetição, de treino para o aprendizado e de fixação do traçado de letras e
sílabas. Trata‐se da atividade, por exemplo, de “encher linha de sílabas”. É
uma atividade recorrente em muitos dos Diários de Classe.
b) Memorização das sílabas
O objetivo principal desse tipo de atividade é, justamente, a memorização
de sílabas soltas, geralmente relacionadas ao estudo das famílias silábicas
(ba, be, bi, bo, bu), sendo muito utilizada no chamado “método silábico” de
alfabetização. Constituem exemplos desse tipo de exercício: leitura coletiva
e individual de sílabas, ditado de sílabas, cópias de sílabas, junção de letras
para formar sílabas, junção de sílabas iguais.
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c) Reconhecimento gráfico das sílabas
São atividades que supõem o reconhecimento da sílaba nas palavras
escritas, mas não obrigatoriamente a leitura da palavra, uma vez que,
considerando os exercícios de memorização de sílabas presentes em
muitos Diários, alguns alunos podem identificar e encontrar as sílabas
mesmo não conseguindo ler a palavra propriamente dita. Exemplos desses
exercícios são aqueles que solicitam que o aluno circule, pinte ou recorte
determinada sílaba nas palavras.
d) Ordenação de sílabas
As atividades de ordenação de sílabas são aquelas em que são
apresentadas sílabas “misturadas” para que o aluno organize‐as e forme
palavras. Em algumas vezes, essa atividade exige uma ação cognitiva mais
elementar (apenas codificar) e, em outras, uma operação cognitiva mais
complexa (a leitura da palavra). Por exemplo, quando as sílabas são
apresentadas sem referência a como devem ser organizadas, sem
sequência (co – ma – ca = macaco), pressupõe‐se a leitura da palavra e uma
operação cognitiva um pouco complexa. Quando, porém, as sílabas
apresentadas estão relacionadas a números a serem organizados em
sequência (3 co – 1 ma – 2 ca = macaco), o nível de exigência e de
compreensão da palavra torna‐se menor. Nessa situação, a criança pode,
primeiramente, ordenar as sequências a partir de um conhecimento
matemático de ordem numérica e, depois, proceder à leitura. Mesmo em
caso de não conseguir ler, terá realizado a atividade, ao contrário do
primeiro tipo de exercício, em que ele precisa “descobrir” a palavra
primeiramente, exigindo, assim, uma reflexão.
e) Escrita de palavras a partir de sílaba ou sílabas determinadas
É um tipo de exercício em que é apresentado um conjunto de sílabas para
que sejam descobertas palavras possíveis de serem escritas com as sílabas
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dadas. Na escrita de palavras a partir de uma determinada sílaba, é
solicitado aos alunos que escrevam palavras que contenham ou iniciem
com a sílaba sugerida. Atividades como essas pressupõem, na maioria das
vezes, a capacidade de ler, escrever e entender a palavra em questão. É um
exercício que exige do aluno certa reflexão sobre a organização das sílabas
no interior das palavras, a fim de estas apresentarem sentido.
f) Separação e junção de sílabas das palavras
As atividades de separar ou de juntar sílabas para formar palavras são
recorrentes nos Diários de Classe em todas as décadas. Nesse caso, os
exercícios têm como ordem implícita ou explícita o pedido para os alunos
separarem palavras em sílabas ou juntarem as sílabas para formar palavras.
Tais sílabas são apresentadas lado a lado e na ordem em que devem ser
unidas (ca va lo = cavalo).
Os exercícios mais recorrentes são os que propõem o uso separar as sílabas das
palavras. Esta atividade, algumas vezes, vem acompanhada com a ordem de “separar”,
“separa e lê as sílabas” e/ou “separa e conta as sílabas” e, em outros momentos, apenas
com a ordem de “separa sílabas” ou ainda somente deixam indício de que se devem
separar as sílabas, não tendo o registro da ordem da atividade.
Por serem estas as atividades mais recorrentes nos Diários, neste artigo,
apresentam‐se e problematizam‐se alguns destes exercícios.
Considerando a organização do caderno da professora, esta atividade não está
relacionada a nenhum contexto de prática de letramento, o caderno é organizado
contendo a data e, logo abaixo, uma lista de
exercícios numerados sequencialmente. A
estrutura e o conteúdo dos planejamentos
evidenciam que a professora adota o
método silábico de alfabetização: uma
proposta que entende a língua escrita como
Caderno 2 do ano de 2004
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um codificar e decodificar letras. Em nenhum momento do registro do planejamento da
professora encontram‐se vestígios de que ela explore oralmente a atividade,
oportunizando as crianças, por exemplo, pensarem que, ao alterar a voga (grafema) da
sílaba inicial, se altera o som (fonema) dessa sílaba, propiciando, assim, o desenvolvendo
da consciência fonêmica e silábica (MORAIS, 2012) no processo de aquisição da língua
escrita. A professora também já aponta para os alunos o número de sílabas das palavras,
sendo, então, essa uma atividade que deixa vestígios em relação à exigência de pouca
reflexão sobre a língua escrita.
Já a atividade de separação silábica, apresentada a seguir, tem outra proposta.
Esta atividade está inserida em um contexto de prática de letramento, já que o
planejamento da professora apresenta vestígios de uma
preocupação em contextualizar as atividades, trabalhando as
palavras a partir de um assunto ou texto discutido com os
alunos. A proposta de separar as sílabas, na atividade
apresentada ao lado, é desenvolvida, inicialmente, de forma
oral, pronunciam‐se as palavras e identifica‐se o número de sílabas, conta‐se o número de
letras, diferenciando a quantidade de sílabas da quantidade de letras de cada palavra e,
por fim, os alunos escrevem a palavra completa. É uma atividade que oportuniza a
reflexão sobre o Sistema de Escrita Alfabética, enfocando a relação entre a dimensão
escrita e a dimensão oral da palavra. Percebe‐se que esta é uma atividade que “introduz a
reflexão sobre a palavra, as habilidades fonológicas das crianças vão se desenvolvendo”
(MORAIS, 2012; p.90). Habilidades que, segundo Freitas (2004), são importantes, pois
A língua portuguesa apresenta escrita alfabética essencialmente fonêmica, baseada na relação entre os sons e as letras. Esta relação é estabelecida através do principio alfabético da escrita palavras escritas contêm combinações de letras – que são sistematicamente relacionadas às unidades sonoras das palavras – fonemas (Gathercole e Badedeley, 1993). A descoberta dessa relação grafonológica só é alcançada através da reflexão sobre os sons da fala e sua relação com os grafemas da escrita, reflexão esta que exige o acesso a consciência fonológica (FREITAS, 2004; p.190).
Outra atividade relevante para o presente estudo é a seguinte:
Caderno 2 do ano de 2000
Problematizando exercícios com sílabas: uma análise em 68 diários de classe de professoras alfabetizadoras (1973‐2010) Gisele Ramos Lima
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Caderno 4 do ano de 2000
Esta atividade está inserida em um planejamento com base construtivista, a qual
se detém ao desenvolvimento de práticas de letramento no cotidiano da sala de aula. É
uma atividade em que a professora não se limita a trabalhar com as sílabas canônicas, ela
incita a reflexão sobre o uso de dígrafos e encontros consonantais. Na palavra “pássaro”
é possível que o aluno diferencie a sílaba gráfica da sílaba fônica no momento em que
percebe que, na sílaba gráfica, separam‐se os “SS” e, na sílaba fônica, eles são
pronunciados juntos. Dessa forma, o alfabetizando tem a oportunidade de refletir sobre a
dimensão gráfica e escrita da palavra. Os vestígios encontrados nos cadernos da
professora, como registro do desenvolvimento do aluno, permite concluir que esta
atividade também é explorada oralmente pela professora.
Ainda, no que se refere à análise dos registros do diário, encontraram‐se vestígios
de que a professora é uma estudiosa da alfabetização, pois, nele, há vários registros
teóricos referentes a um curso de especialização. Com isso, é possível inferir que a
educadora percebe a Escrita Alfabética como um sistema notacional (MORAIS, 2012) com
um conjunto de normas e propriedades que definem o funcionamento do registro escrito
das palavras faladas e não uma mera codificação e decodificação de sons e grafemas.
Conclusões
A partir da análise dos Diários de Classe focalizados neste estudo, é possível
concluir que tais documentos revelam, no que se refere ao ensino da leitura e da escrita,
as concepções de ensino da língua escrita das professoras alfabetizadoras. Os registros
contidos nos 68 Diários permitem identificar que, no planejamento das professoras,
encontra‐se explícito o uso de métodos sintéticos ou analíticos de alfabetização, métodos
que seguem uma ordem hierárquica de desenvolvimento de habilidades, conforme
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procedimentos lógicos e didáticos, partindo‐se de elementos “mais fáceis para os mais
difíceis”.
Os Diários pertencentes às décadas de 1970 e de 1980 apresentam um
planejamento alinhado às concepções teóricas do período a que se referem, ou seja, são
pautados nos métodos sintéticos de alfabetização. Já os Diários das décadas de 1990 e
2000, com raras exceções, apresentam um planejamento alinhado às décadas anteriores,
não contemplando os estudos da Psicogênese da Língua Escrita e a implementação de
práticas de letramento no cotidiano da sala de aula das professoras alfabetizadoras,
proposto para o período. Sendo assim, existe predominância de planejamentos que
contemplam o uso dos tradicionais métodos sintéticos ou analíticos para o ensino da
leitura e da escrita, os quais possuem uma concepção de alfabetização como um
processo de codificar e decodificar grafemas e fonemas, e não com o entendimento da
língua escrita como a compreensão de um sistema notacional. Assim, encontra‐se a
justificativa para o elevado número de exercícios envolvendo sílabas e para a forma como
tais atividades são trabalhas pelas professoras, ou seja, a maioria das atividades serem
focadas no propósito de repetição e memorização das sílabas.
Logo, conclui‐se que atividades de memorização e de repetição são constantes
nos planejamentos registrados nos Diários analisados. Em relação aos exercícios com
sílabas focalizados nesta Dissertação, aproximadamente metade das atividades são
propostas com o objetivo de memorizar sílabas, reconhecê‐las e realizar treinos gráficos.
As habilidades desenvolvidas nessas três categorias também são importantes para
o processo de alfabetização, mas o problema encontra‐se na forma e no momento em
que são propostas. No que se refere ao treino gráfico, que teria o objetivo de ensinar as
crianças a grafar letras, encontram‐se indícios, nos Diários estudados, que essa é uma
atividade sem sentido no processo de alfabetização, já que os alunos não são estimulados
a refletir sobre as letras como objeto de conhecimento necessário para a aquisição da
leitura e da escrita. Como consequência, há a possibilidade de gerar o chamado “aluno
copista”, isto é, crianças com uma ótima caligrafia que apenas copiam, mas que não
conseguem ler nem escrever com autonomia.
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Quanto aos exercícios de memorização, considera‐se que a memória é um
elemento importante para qualquer aprendizagem (CAGLIARI, 2010), pois é ela que
garante a “permanência” acerca do aprendizado. Nos Diários analisados, exercícios desse
tipo também são recorrentes, principalmente no início do ano letivo. Novamente, o que
se questiona nas atividades dessa natureza é a pouca reflexão sobre a língua escrita e o
fato de as professoras proporem a memorização de um conhecimento, no caso, a língua
escrita, ainda não aprendida pela criança, uma vez que, na situação em que os exercícios
são apresentados, há vestígios de que a memorização precede o aprendizado do ler e do
escrever como atividade de reflexão e compreensão. São atividades de identificação e de
memorização de sílabas propostas de forma mecânica e desvinculas de significado,
trabalhadas no entendimento de que, para aprender a ler e a escrever, primeiramente, o
aluno deve compreender as sílabas das palavras.
Os exercícios pertencentes à categoria de reconhecimento sonoro e/ou de
grafemas das sílabas, em muitos momentos, podem ser, também, categorizados como
atividades de memorização. Apresentam, porém, uma característica diferente, a saber, o
trabalho com a dimensão sonora da sílaba permite, em alguns momentos, mesmo em
atividades repetitivas, certo desenvolvimento de habilidades necessárias para
desenvolver a consciência fonológica, permitindo ou facilitando, assim, a aquisição da
leitura e da escrita.
Quanto à categoria referente aos exercícios de separação e de junção de sílabas
das palavras, constata‐se a maior recorrência desse tipo de atividade no material
analisado. Conforme dito anteriormente, do total de 2.877 exercícios registrados nos
Diários, 1.029 são de separação ou de junção de sílabas. Tais atividades possuem a
proposição de montar e desmontar palavras, o que permite afirmar, novamente, que a
concepção de ensino da leitura e da escrita presente nos Diários é a de que escrever é
codificar sons e ler é decodificar letras. Esses exercícios são frequentes ao longo do ano
letivo, embora haja uma hierarquia na “dificuldade” apresentada na grafia das palavras.
Ou seja, trabalha‐se, no início do ano com palavras que apresentam a estrutura formada
por consoante/vogal (CV) e, no decorrer do ano, apresentam‐se palavras com estruturas
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silábicas mais complexas, por exemplo. Tal fato evidencia a concepção de que se aprende
a ler e escrever primeiro as palavras mais fáceis para, posteriormente, as mais difíceis.
As atividades que envolvem maior reflexão no processo de alfabetização são
aquelas referentes à ordenação de sílabas e à formação de palavras a partir de sílabas,
porém estas são as de menor recorrência nos Diários. Os registros mostram que elas só
aparecem depois que os alunos já conseguem ler e escrever minimamente as palavras.
Assim, não são atividades pensadas para o primeiro momento do ensino da leitura e da
escrita, apesar de serem exercícios que permitem uma maior liberdade para que o aluno
possa levantar hipóteses sobre a escrita, experimentar suas hipóteses e desenvolver
habilidades metalinguísticas que possibilitam a reflexão sobre os segmentos sonoros da
palavra. Tal prática é importante para o processo de alfabetização, uma vez que, permite
compreender alguns dos princípios do sistema alfabético de escrita.
Conclui‐se, por fim, que os exercícios com sílabas fazem parte da tradição cultural
do planejamento das professoras alfabetizadoras. Não devem ser excluídos de suas
propostas de trabalho; devem, sim, ser repensados e recontextualizados. São atividades
necessárias para trabalhar com certas habilidades metalinguísticas que favorecem o
desenvolvimento da consciência fonológica. Para alfabetizarem, as professoras devem
propiciar aos alunos uma reflexão sobre a língua, de forma que esses possam estabelecer
relações entre a parte escrita e falada das palavras e também que possam perceber, entre
outras questões, que as sílabas variam quanto a sua composição gráfica e sonora. Além
disso, é necessário, igualmente, fazer com que o aluno perceba que as palavras possuem
diferentes números de sílaba e a reconhecer rimas e aliterações, entre outras habilidades
referentes à consciência fonológica, pois a reflexão em relação às sílabas é uma dentre as
habilidades necessárias para aprender a ler e a escrever. Dessa forma, a contribuição
desta Dissertação é apresentar as tipologias de exercícios com sílabas para se pensar o
objetivo dessas atividades nas propostas de ensino das classes de alfabetização.
Assim, parece que o grande desafio, hoje, para os anos iniciais, é construir
propostas de ensino que contemplem as especificidades da alfabetização. Para isso, é
preciso por em ação o desenvolvimento da consciência fonológica e possibilitar
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atividades de leitura, oralidade, produção textual e reflexão, necessárias para a
apropriação do sistema de escrita alfabética.
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