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As provas de uma teoria valor econômico

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Por Luiz Carlos Mendonça de Barros

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18/08/2014 - 05:00

As provas de uma teoria

Por Luiz Carlos Mendonça de Barros

Aos 7 2 anos de idade minha v isão da economia brasileira parte sempre de uma leitura estrutural dos fatores

principais que comandam sua dinâmica. Neste sentido procuro construir um futuro ainda hipotético a partir

de movimentos que entendo devam influir progressivamente no comportamento dos mercados. Este é um

exercício quase solitário, pois o número de analistas com esta v isão da economia é muito menor do que o

dos palpiteiros do dia a dia.

Por isto, quando uma pesquisa de campo, como a realizada pelo diretor do Instituto Data Popular - e

publicada pelo Valor na sua edição do último dia 13 -, confirma minha leitura do futuro, sinto um conforto

muito grande. No final são dados reais caminhando na direção do cenário idealizado por mim há alguns anos.

A entrev ista de Renato Meirelles trata dos efeitos da formalização do emprego, ocorrida principalmente a

partir de 2005 entre os brasileiros das classes D e E.

Este movimento de formalização do trabalho das classes de renda mais baixa no Brasil ocorreu em dois

momentos distintos: o primeiro, nos anos seguintes ao Plano Real, quando o número de brasileiros que

v iv iam no espaço do emprego formal passou de 33% do total para 44%. O segundo momento ocorre a partir

de 2005, quando a formalização volta a ganhar força e chega a 67 % da população agora no final do mandato

da presidente Dilma (veja gráfico). Estudo recente realizado pela equipe do Banco Itaú mostra que este

processo deve se estabilizar quando atingir 7 0% da população brasileira, por volta de 2016.

O cidadão que ingressa na econom ia form al passa a ter um futuro relativam ente previsível

pela frente

Minha conversão à tese de que v iv íamos realmente uma mudança estrutural importante na sociedade

brasileira ocorreu em fins de 2008. Afinal o gráfico nesta página, construído pela equipe da Quest

Investimentos em 2005, já falava por si mesmo. A partir de 2008 minha preocupação foi procurar entender

os efeitos que este novo desenho da sociedade teria sobre as dinâmicas política e econômica em nosso país.

Venho fazendo este exercício de forma continuada desde então e, por isto, a matéria do Valor teve um

impacto muito grande para mim. Afinal, uma pesquisa de campo, com credibilidade, mostrava que meu

exercício de abstração estava correto e que poderia dar um passo adiante - mais ambicioso - nas minhas

prev isões.

Antes de fazê-lo vou mostrar ao leitor quais as mudanças importantes que a passagem de um brasileiro

comum da informalidade para a formalidade econômica traz no seu comportamento como cidadão. Creio ter

encontrado uma ideia que resume de forma sintética estas mudanças: o cidadão na economia formal passa a

ter um futuro relativamente prev isível pela frente. Entendo como um futuro relativamente prev isível o fato

de ter um contrato formal de trabalho que lhe permite ter acesso, entre outros, a programas sociais como

FGTS e PIS/Pasep, ao credito bancário e, principalmente, ao direito de ter seu salário corrigido anualmente

com base na inflação passada e, em certos períodos, com um ganho real no valor de seu salário. Apenas o

fantasma do desemprego pode mudar este quadro.

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A formalização do trabalho, em uma sociedade em que o nível de consumo tem um valor muito forte,

responde por grande parte do boom de consumo do segundo mandato do presidente Lula. A sincronia destas

mudanças com o aumento da confiança do sistema bancário na economia acelerou ainda mais seu

crescimento. Entre 2006 e 2008, as vendas ao varejo nas regiões Norte e Nordeste chegaram a crescer a

taxa anuais superiores a 15%. Na esteira deste aumento do consumo seguiu-se um aumento significativo do

investimento na medida em que as empresas mais conservadoras passaram a perder fatias de mercado. E a

economia brasileira - e o governo do PT - v iveram anos de ouro.

Deixo de lado a questão econômica e volto agora a especular

sobre os efeitos defasados no tempo que esta formalização do

emprego terá sobre a sociedade brasileira. Mais uma vez recorro a

entrev ista do presidente do Data Popular ao Valor para reforçar

minha tese de que a formalização do emprego trará mudanças no

comportamento político destes brasileiros e na sua forma de

avaliar o Estado. Renato Meirelles cita, por exemplo, o fato de que

pela primeira vez estes brasileiros estão encarando de frente os

impostos cobrados em seus salários.

"A favela cresceu junto com a economia e esse cara passou a pagar imposto na fonte. Ele não tem noção de

imposto indireto. Então, ele não sabia o que era pagar imposto. Agora sabe. Com isso, passa a cobrar mais

dos serv iços públicos. Deixa de entender serv iço público como um favor do governo e passa a entender

como uma contrapartida pelo que ele paga. Isso é ótimo. Ele não quer mais cesta básica. Quer plano nacional

de banda larga. Não quer dentadura. Quer ProUni".

Esta é uma diferença fundamental para que possamos entender o Brasil dos próximos anos. Quando o

cidadão não tem futuro somente o governo pode garantir a ele alguma segurança em relação ao futuro;

quando ele passa a ter o emprego formal e começa a pagar impostos ao governo esta lógica se inverte,

principalmente na situação em que os serv iços públicos prestados pelo governo são de péssima qualidade.

Dentro desta ótica fica mais fácil entender a Constituição brasileira de 1988, quando o emprego formal

atingia menos de 30% da população. E certamente poderemos esperar que, talvez no fim dessa década, haja

condições políticas para sua rev isão.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e econom ista, é diretor-estrategista da Quest

Investim entos. Foi presidente do BNDES e m inistro das Com unicações. Escreve

m ensalm ente às segundas.