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NALI DE JESUS SOUZA DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Capítulos complementares ao livro Desenvolvimento Econômico MATERIAL DE SITE SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. – 2005

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NALI DE JESUS SOUZA

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Capítulos complementares ao livroDesenvolvimento Econômico

MATERIAL DE SITE

SÃO PAULOEDITORA ATLAS S.A. – 2005

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SUMÁRIO

1 Indicadores de desenvolvimento econômico

2 Estrangulamento externo da economia brasileira

3 Modelos neoclássicos de crescimento econômico

4 Crescimento econômico da Rússia, México e Brasil

5 Desenvolvimento de outros países: França, Alemanha, Itália, Portugal, Canadá e

Austrália

6 Desenvolvimento segundo Stuart Mill e Alfred Marshall

7 Pensamento econômico brasileiro

8 Globalização e liberalização da economia mundial

9 Teoria dos pólos de crescimento de François Perroux

10 Setores-chave da economia brasileira

11 Integração regional e Mercosul

12 Inovações tecnológicas na agricultura

Page 3: Capítulos extras

1INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO1

SOUZA, Nali de Jesus.Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Em meados dos anos de 1990, Hirschman constatou na América Latina o

surgimento de uma nova consciência acerca do desenvolvimento. Entre 1950/1981, o

PIB da região foi multiplicado por cinco, em termos reais, e o crescimento da renda

per capita acompanhou o crescimento demográfico (2,7%), passando de US$ 420 para

US$ 960, a preços de 1970. Os indicadores sociais da região melhoraram no período:

a vida média passou de 50 para 65 anos; a taxa de mortalidade infantil reduziu-se de

130 por mil para 50 por mil; a educação primária universalizou-se; a taxa de

natalidade reduziu-se de 4,5% para 3%, em função do uso generalizado de

anticoncepcionais, sobretudo pelas classes média e rica. Ele concluiu que os

indicadores sociais estão melhorando, apesar do crescimento da dívida externa e da

inflação. A melhoria desses indicadores depende tanto da educação e da

conscientização social dos governantes, como do aumento da renda per capita(Hirschman, 1996, p. 881-890).

Esse mesmo fenômeno parece estar ocorrendo em nível mundial. Entre

1990/1999, o valor agregado pela indústria, como percentual do PIB, reduziu-se de

31% para 30% nas economias de baixa renda e de 39% para 36% nos países de renda

média. Ao mesmo tempo, entre 1980/1998, a taxa de mortalidade de menores de

cinco anos reduziu-se nesses países, respectivamente, de 177 por mil nascidos vivos

para 107 por mil, e de 79 por mil para 38 por mil. Melhoria similar ocorreu no

número de matrículas nas escolas primárias e secundárias (Banco Mundial, 2003).

1 Correlação entre indicadores de desenvolvimento

O crescimento da renda, variável fundamental do desenvolvimento, não se

explica apenas pelo emprego de mais capital ou de mais trabalho. A educação geral e

a educação feminina apresentam correlação positiva e significativa com o crescimento

da renda (Tabela 1). Não se observa correlação significativa entre crescimento da

renda e níveis de liberdades políticas e individuais; no entanto, verifica-se correlação

positiva de certa magnitude entre esta última variável e o declínio da mortalidade

infantil, nível de educação em geral e educação feminina, tanto em termos absolutos 1 Esta é uma versão ampliada da seção 1.3 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).

Page 4: Capítulos extras

como em termos de variação.

Maior liberdade pessoal significa imprensa livre e debate público aberto, o que

certamente tem influência sobre indicadores de bem-estar. Indiretamente, no entanto,

a variável não econômica liberdades políticas e individuais influencia o crescimento

da renda, pois as variáveis educacionais, absolutas e relativas, correlacionam-se com o

crescimento da renda. A variável “declínio da mortalidade infantil” correlaciona-se

positivamente, na ordem, com o nível de educação feminina, nível de educação em

geral, liberdades políticas e individuais e variação na educação feminina. Outro

estudo do Banco Mundial (1991), envolvendo países selecionados no período de

1960/1987, concluiu que maior nível de educação feminina (mãe, avós, tias, irmãs)

reduz a taxa de mortalidade infantil. Se as mães passam a amamentar os recém-

nascidos no peito, a esterilizar a mamadeira e a aplicar soro caseiro, certamente

muitas doenças poderão ser evitadas.

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Tabela 1 Matriz de correlação para medições do desenvolvimento mundial, 1973/1987.

Indicadores dedesenvolvimento

Cresci-mento da

renda

Declínioda morta-

lidadeInfantil

Variaçãoda

educa-ção emgeral

Variaçãoda

educa-ção

feminina

Variação dadefasagem entre

educaçãomasculina/feminina

Nível deeducaçãoem geral

Nível deeducaçãofeminina

Liberdadespolíticas eindividuais

Crescimento da renda 1,00 0,30 0,12* 0,23 0,31 0,42 0,37 0,19*Declínio da mortalidadeinfantil − 1,00 0,27 0,41 0,29 0,67 0,71 0,59Variação da educaçãogeral − − 1,00 0,92 -0,18* 0,30 0,25 0,32*Variação da educaçãofeminina − − − 1,00 0,22 0,52 0,48 0,28Var. defasagem entreeduc. masc./feminina − − − − 1,00 0,55 0,56 0,39Nível da educação emgeral − − − − − 1,00 0,98 0,57Nível da educação femi-nina − − − − − − 1,00 0,63Liberdades políticas eindividuais − − − − − − − 1,00

Fonte: Banco Mundial (1991, p. 57).Nota: Amostra de 68 economias. Os coeficientes de correlação são significativos pelo menos a 10%, salvo os com asterisco.

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Tendo em vista que o desenvolvimento econômico é definido pelo aumento

contínuo dos níveis de vida, incluindo maior consumo de produtos e de serviços

básicos para o conjunto da população, apenas o valor da renda per capita é

insuficiente para refletir corretamente os diferenciais de desenvolvimento entre países

ou regiões. Torna-se necessário, portanto, considerar indicadores adicionais que

possam refletir melhorias sociais e econômicas, como mais alimentação, melhor

atendimento médico e odontológico, educação mais qualificada, mais segurança e

melhor qualidade do meio ambiente. Medidas destinadas a reduzir a pobreza podem

ser indispensáveis quando forem grandes a concentração da renda e o contingente de

pessoas carentes. Nem sempre maior nível de renda significa melhores índices de

desenvolvimento. Determinados indicadores, como mortalidade infantil, número de

matrículas escolares, igualdade dos sexos na educação e liberdades políticas

apresentam uma correlação imperfeita com a renda per capita. Contudo, a distribuição

direta de renda através de programas de saúde, educação e alimentação da população

mais pobre é indispensável para a melhoria dos indicadores de desenvolvimento.2

2 Indicadores econômicos globais do desenvolvimento mundial

Nas últimas décadas, percebe-se uma melhoria dos indicadores econômicos e

sociais em todo o mundo, com certa redistribuição de renda entre os países. Entre

1980/1993, a taxa média de crescimento anual do PNB per capita foi de 3,7% em

economias de baixa renda, de apenas 0,2% nas economias de renda média e de 2,2%

nas economias de alta renda. Nesse período, o crescimento médio anual do

investimento interno bruto nessas economias foi, respectivamente, de 6,1%, 1,3% e

3,4%. O crescimento demográfico nas economias mais pobres, no entanto,

apresentou-se de modo mais acelerado no período (2%), sendo amplamente

compensado pelo ritmo da formação de capital (Banco Mundial, 1991 e 1995).

Da mesma forma, alguns indicadores mostram que o nível de vida vem

aumentaNdo em nível mundial. Entre 1988 e 1993, a expectativa de vida elevou-se de

60 para 62 anos nos países pobres, de 66 para 68 nas economias de renda média e de

76 para 77 nos países ricos. No período de 1985 a 1990, o analfabetismo entre

adultos reduziu-se de 44% para 41% nos países pobres, de 26% para 17% nas

economias de renda média e de 24% para 14% nas economias de renda média alta.

Entre 1970 e 1998, a taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos reduziu-se

2 O Programa Nacional da Bolsa-Escola foi criado em 2001 para atender às famílias com renda per

capita mensal de até R$ 90, com crianças de 6 a 15 anos que estiverem freqüentando o EnsinoFundamental. O programa consiste em repassar a essas famílias R$ 15 por criança na escola, até olimite de R$ 45 por família. A cada três meses, a freqüência das crianças na escola é avaliada e oprograma renovado ou suspenso. O Governo Lula lançou em janeiro de 2003 o Programa Fome-Zero,para as pessoas carentes, sendo financiado com recursos públicos e por doações da comunidade.

Page 7: Capítulos extras

substancialmente. Assim, nos anos de 1970, 1980 e 1998, essas taxas caíram,

respectivamente, de 108 para 97 e 68 nos países pobres, de 74 para 60 e 31 nas

economias de renda média e de 19 para 12 e 6 nos países ricos (Banco Mundial, 1990,

1995 e 2003).3

Tradicionalmente, a renda per capita tem sido usada como o principal indicador

de desenvolvimento. É um indicador importante; porém, como média, camufla a

distribuição de renda, não refletindo o nível de bem-estar da população de baixa

renda, que pode ser bastante numerosa. Economias com renda muito concentrada,

como a dos países exportadores de petróleo do Oriente Médio, possuem altas rendas

per capita. Existe nesses países, porém, um número reduzido de pessoas ricas, com a

maioria da população vivendo na miséria.

Na Tabela 2 (coluna 1), observa-se que o PIB per capita (ponderado pela

paridade do poder de compra de cada país), correspondente a 2001, variava de US$

470 em Serra Leoa, o país mais pobre do mundo, a US$ 34.320 nos Estados Unidos, o

país mais rico e poderoso. Serra Leoa é o país com o menor Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o PNUD (0,275), apresentando a mais alta

taxa de mortalidade infantil (182 mortes por mil nascidos vivos) e a menor média de

vida (34,5 anos).4

Em 2001, o PIB per capita dos países de baixa renda foi de US$ 2.230, grupo no

qual se incluem a Índia (US$ 2.840) e o Paquistão (US$ 1.890), entre outros países.

No grupo das nações de renda média baixa (US$ 4.674), aparecem o Egito (US$

3.520), o Paraguai (US$ 5.210) e a Turquia (US$ 5.890). O Brasil (US$ 7.360)

encontra-se entre as economias com renda média alta (US$ 11.377), juntamente com

o México (US$ 8.430) e a Argentina (US$ 11.320). Entre os países de alta renda (US$

26.989), incluem-se Estados Unidos (US$ 34.320) e a maioria dos países europeus.

Em 2001, o PNB médio mundial foi igual a US$ 7.376.

Os países com as maiores taxas de crescimento anual do PIB per capita, entre

1990/2001, foram China (8,8%) e Coréia do Sul (4,7%). Nesse mesmo período, o PIB

per capita se reduziu em alguns países, como Serra Leoa (−6,6%) e Federação Russa

(−3,5%). No Brasil, ele ainda aumentou 1,4% no período, sendo bastante baixo seu

crescimento na África do Sul (0,2%), país que ainda tem graves problemas raciais, e

na Suíça (0,3%), provavelmente por ter chegado a alto nível de desenvolvimento. 3 Em 1993, a expectativa de vida ao nascer, no Brasil, chegava a 67 anos. Em 1970, esse valor era igual

a 54 anos nas cidades e 53 anos no campo. No meio urbano, o índice variava de 44 anos no NordesteCentral a 61 anos no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No meio rural, a expectativa de vida eraligeiramente superior na maioria das regiões. A vida média era crescente, também, com o nível derenda em todas as regiões. A média brasileira no meio urbano alcançava 46 anos nos estratos maispobres, subindo a 53, 57 e a 62 anos nos estratos de renda mais elevada (Fava, 1984, p. 139).

4 País africano com 71.740 km2 e 4,8 milhões de habitantes em 2002. A extração de diamantes é aprincipal atividade econômica do país. A guerra civil da década de 1990, cuja paz ocorreu em 2001,matou mais de 30 mil pessoas.

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Page 9: Capítulos extras

Tabela 2 Indicadores selecionados do desenvolvimento mundial(continua)

AMOSTRA DEPAÍSES

POR NÍVEIS DE RENDA

(Y)

1) PIB percapita

(dólaresPPC 2001)

2)Taxamédia de

crescimentoanual do PIB

per capita(%,1990/

2001)

3) Taxamédia de

crescimentoanual doPNB (%,

1998/1999)

4) Taxamédia de

crescimentoanual da

população(1990/1999)

5) Taxa demor-talidadeinfantil (pormil nascidosvivos, 2001)

6) Expec-tativa devida ao

nascer (anosde vida,2001)

7) Gastopúblico comeducação (%

do PNB,1998/2000)

8) Despesascom saúde

(dólares PPCper capita,

2000)

9) Taxa dealfabetiza-

ção (15 anose mais, %,

2001)

10) A-cessoa sanea-mento

melhorado(%, 2000)

11) Acesso aágua tratada

(%, 2000)

I – BAIXA RENDA 2.230 1,6 4,4 2,0 127 59,1 3,35 1,36 63,0 44 76 1. Serra Leoa 470 −6,6 −8,1 2,4 182 34,5 1,0 24 36,0 66 57 2. Etiópia 810 2,4 7,4 2,8 116 45,7 4,8 14 40,3 12 24 3. Moçambique 1.140 4,3 8,6 2,2 125 39,2 2,4 30 45,2 43 57 4. Paquistão 1.890 1,2 3,6 2,5 84 60,4 1,8 76 44,0 62 90 5. Angola 2.040 −1,1 −35,5 3,2 154 40,2 2,7 52 42,0 44 38 6. Bolívia 2.300 1,4 2,2 2,4 60 63,3 5,5 145 86,0 70 83 7. Índia 2.840 4,0 6,9 1,8 67 63,3 4,1 71 58,0 28 84II – Y MÉDIA BAIXA 4.674a 1,6b 3,3 1,1 31b 69,2b 3,5e 3,0f 86,6b 60b 82b

8. Egito 3.520 2,5 5,7 1,9 35 68,3 4,85 143 56,1 98 97 9. Filipinas 3.840 1,0 3,6 2,3 29 69,5 4,2 167 95,1 83 86 10. China 4.020 8,8 7,2 1,1 31 70,6 2,1 205 85,8 40 75 11. Peru 4.570 2,4 3,4 1,7 30 69,4 3,3 238 90,2 71 80 12. Paraguai 5.210 −0,6 −1,5 2,7 26 70,5 5,0 323 93,5 94 78 13. Venezuela 5.670 −0,6 −6,8 2,2 19 73,5 5,2e 280 92,8 68 83 14. Turquia 5.890 1,7 −6,4 1,5 36 70,1 3,5 315 85,5 90 82III – Y MÉDIA ALTA 11.377a 1,6b 2,0 1,4 31b 69,2b 5,0e 3,3f 86,6b 60b 82b

15. FederaçãoRussa 7.100 −3,5 1,3 −0,1 29 66,6 4,4 405 99,6 − 99 16. Brasil 7.360 1,4 −2,0 1,4 31 67,8 4,7 631 87,3 76 87 17. Uruguai 8.400 2,1 −3,4 0,7 14 75,0 2,8 1.007 97,6 94 98 18. México 8.430 1,5 4,1 1,8 24 73,1 4,4 477 91,4 74 88 19. Chile 9.190 4,7 −1,4 1,5 10 75,8 4,2 697 95,9 96 93 20. África do Sul 11.290 0,2 0,8 2,0 56 50,9 5,5 663 85,6 87 86 21. Argentina 11.320 2,3 −2,9 1,3 16 73,9 4,0 1.091 96,9 80c 65d

22. Coréia do Sul 15.090 4,7 11,0 1,0 5 75,2 3,8 899 97,9 63 92 23. Grécia 17.440 2,0 3,3 0,4 5 78,1 3,8 1.349 97,3 100 − 24. Portugal 18.150 2,6 3,1 0,1 5 75,9 5,8 1.397 92,5 100 82d

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AMOSTRA DEPAÍSES

POR NÍVEIS DE RENDA

(Y)

1) PIB percapita

(dólaresPPC 2001)

2) Taxamédia de

crescimentoanual do PIB

per capita(%,1990/

2001)

3) Taxamédia de

crescimentoanual doPNB (%,

1998/1999)

4) Taxamédia de

crescimentoanual da

população(1990/1999)

5) Taxa demortalidadeinfantil (pormil nascidosvivos, 2001)

6) Expec-tativa devida ao

nascer (anosde vida,2001)

7) Gastopúblico comeducação (%

do PNB,1998/2000)

8) Despesascom saúde

(dólares PPCper capita,

2000)

9) Taxa dealfabetiza-

ção (15 anose mais, %,

2001)

10) A-cessoa sanea-mento

melhorado(%, 2000)

11) Acesso aágua tratada

(%, 2000)

IV – ALTA RENDA 26.989 2,1 2,6 0,6 5 78,1 5,4e 6,2f 99,0 100 100 25. Espanha 20.150 2,2 3,7 0,2 4 79,1 4,5 1.547 97,7 100 100 26. França 23.990 1,5 2,4 0,5 4 78,7 5,8 2.380 99,0 100 100 27. Reino Unido 24.160 2,5 1,7 0,3 6 77,9 4,5 1.804 99,0 100 100 28. Suécia 24.180 1,7 3,9 0,4 3 79,9 7,8 2.101 99,0 100 100 29. Itália 24.670 1,4 1,0 0,2 4 78,6 4,5 2.028 98,5 100 100 30. Japão 25.130 1,0 1,0 0,3 3 81,3 3,5 2.009 99,0 100 100 31. Alemanha 25.350 1,2 1,2 0,4 4 78,0 4,6 2.768 99,0 100 100 32. Canadá 27.130 2,1 3,8 1,1 5 79,2 5,5 2.534 99,0 100 100 33. Suíça 28.100 0,3 1,4 0,7 5 79,0 5,5 3.161 99,0 100 100 34. Noruega 29.620 2,9 0,6 0,5 4 78,7 6,8 2.769 99,0 100 100 35. EUA 34.320 2,1 4,1 1,0 7 76,9 4,8 4.499 99,0 100 100MUNDO 7.376 1,2 2,7 1,0 56 66,7 4,8e 2,5f − 61 82Fontes: Banco Mundial. Relatório do Desenvolvimento Mundial 2000/2001; PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2003.Notas: a A média do PIB per capita de cada grupo de renda refere-se aos países apresentados na tabela; b Essa taxa de crescimento refere-se aos países de renda média, sem diferenciar entre média

baixa e média alta; c População com acesso a saneamento em áreas urbanas, 1990/96; d Os dados se referem a 1990/96; e Dados de 1997 (% do PNB); f Dados de 1990/98 (% do PNB);

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Tabela 2 Indicadores selecionados do desenvolvimento mundial(conclusão)

AMOSTRA DEPAÍSES

POR NÍVEIS DE RENDA

(Y)

12. Taxamédia de

crescimentoanual do

valoragregadop/agricul-tura (%,

1990/1999)

13. Índice daprodução de

alimentos1996/1998

(1989/1991

= 100)

14. Valoragregadop/traba-lhador

agrícola(dólares de1995, 1996/

1998)

15.Tratorespor mil

trabalha-dores

agrícolas(1995/1997)

16. Taxamédia de

crescimentoanual do

valoragregado

p/indústria(%, 1990/

1999)

17. Taxamédia de

crescimentoanual das

exportações(%, 1990/

1999)

18. Taxa decresc. anualdo investi-

mentointerno

bruto (%,1990/1999)

19. Con-sumo de

eletricidadeper capitaem 2000(kwh)

20. Pedidosde patentes

p/resi-dentes(1997)

21. Variaçãomédia anualde desma-tamento(%,1990/1995, %)

22. Índice deGini

I – BAIXA RENDA 2,5 124,3 − − 1,1 5,3 −1,4 352 3.978 0,7 − 1. Serra Leoa 1,6 99,5 411 0 −7,1 −12,2 −10,3 − − 3,0 62,9 2. Etiópia 2,5 123,5 − 0 6,3 9,3 13,4 22 4 0,5 40,0 3. Moçambique 5,2 130,9 127 1 9,9 13,4 13,1 53 − 0,7 39,6 4. Paquistão 4,3 136,2 626 13 4,9 2,7 2,1 352 16 2,9 31,2 5. Angola −3,1 130,0 123 3 4,2 8,2 12,9 88 − 1,0 .. 6. Bolívia − 134,1 − 4 ¨ 4,9 10,1 387 17 1,2 42,0 7. Índia 3,8 119,9 406 6 6,7 11,3 7,4 355 − 0,0 37,8II – Y MÉDIA BAIXA 2,0 151,1 − − 5,2 6,7 3,5 1391 31.781 0,2 − 8. Egito 3,1 139,7 1.189 11 4,7 3,1 6,7 976 504 0,0 28,9 9. Filipinas 1,5 125,8 1.352 1 3,4 9,6 4,1 477 125 3,5 46,2 10. China 4,3 153,5 307 1 14,4 13,0 12,8 827 12.786 0,1 40,3 11. Peru 5,8 140,5 1.663 3 6,7 9,0 9,0 668 48 0,3 46,2 12. Paraguai 2,8 120,2 3.448 25 2,8 5,1 1,5 838 − 2,6 59,1 13. Venezuela 0,7 114,4 5.036 59 2,6 5,6 2,9 2.533 201 1,1 48,8 14. Turquia 1,6 111,3 1.858 58 4,8 11,9 4,6 1.468 233 0,0 41,5III – Y MÉDIA ALTA 1,9 118,5 − − 3,9 10,8 4,4 1.391 114.155 0,5 − 15. Federação

Russa −6,3 64,4 2.476106

−9,8 2,3 −13,3 4.181 15.277 0,0 48,7 16. Brasil 3,0 125,7 4.081 57 3,2 4,9 3,1 1.878 1.292 g 0,5 60,0 17. Uruguai 4,3 130,8 9.826 173 1,7 7,0 8,9 1.924 32 0,0 42,3 18. México 1,3 120,2 2.164 20 3,6 14,3 3,9 1.655 429 0,9 53,7 19. Chile 1,3 129,6 5.039 49 6,3 9,7 11,4 2.406 189 0,4 56,5 20. África do Sul 1,0 100,8 3.958 68 0,9 5,3 3,0 3.745 − 0,2 59,3 21. Argentina 3,1 125,9 9.597 190 4,8 8,7 9,1 2.038 824 0,3 − 22. Coréia do Sul 2,1 122,2 11.657 41 6,2 15,6 1,6 5.607 92.798 0,2 31,6 23. Grécia 2,0 99,0 − 277 −0,5 3,3 1,3 4.086 53 −2,3 32,7 24. Portugal −0,4 97,0 − 208 0,7 5,6 3,5 3.834 92 −0,9 35,6Notas: g Dado do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil (<www.inpi.gov.br>).

Page 12: Capítulos extras

AMOSTRA DEPAÍSES

POR NÍVEIS DE RENDA

(Y)

12. Taxamédia de

crescimentoanual do

valoragregadop/agricul-tura (%,

1990/1999)

13. Índice daprodução de

alimentos1996/1998

(1989/1991

= 100)

14. Valoragregadop/traba-lhador

agrícola(dólares de1995, 1996/

1998)

15.Tratorespor mil

trabalha-dores

agrícolas(1995/1997)

16. Taxamédia de

crescimentoanual do

valoragregado

p/indústria(%, 1990/

1999)

17. Taxamédia de

crescimentoanual das

exportações(%, 1990/

1999)

18. Taxa decresc. anualdo investi-

mentointerno

bruto (%,1990/1999)

19. Con-sumo de

eletricidadeper capitaem 2000

(kwh/hora)

20. Pedidosde patentes

p/resi-dentes(1997)

21. Variaçãomédia anualde desma-tamento(%,1990/1995, %)

22. Índice deGini

IV – ALTA RENDA 0,8 107,5 − 906 2,6 6,5 2,6 8.651 648.093 −0,2 − 25. Espanha −2,5 110,1 13.499 546 − 10,9 −0,5 4.653 2.856 0,0 32,5 26. França 0,5 105,4 36.889 1.236 0,6 4,9 −1,6 6.539 18.669 −1,1 32,7 27. Reino Unido − 99,7 − 883 − 6,0 1,8 5.601 26.591 −0,5 36,1 28. Suécia − 96,8 − 627 − 2,2 −0,4 14.471 5.814 0,0 33,1 29. Itália 1,1 101,2 20.031 913 0,9 7,2 −1,0 4.732 2.574 −0,1 27,3 30. Japão −1,3 95,2 31.094 637 1,1 5,1 1,1 7.628 351.487 0,1 24,9 31. Alemanha 0,5 92,3 22.759 991 − 4,1 0,5 5.963 62.052 0,0 30,0 32. Canadá 1,1 117,7 − 1.642 2,2 8,8 2,6 15.620 4.192 −0,1 31,5 33. Suíça − 100,8 − 958 − 8,3 −2,2 7.294 7.893 0,0 25,0 34. Noruega 4,1 100,9 32.600 1.276 5,5 6,1 5,1 24.422 1.518 −0,2 25,8 35. EUA 2,5 117,9 39.001 1.484 4,9 9,3 7,0 12.331 125.808 −0,3 40,8MUNDO 1,6 130,3 − 20 3,0 6,9 2,9 2.156 798.007 0,3 −Fontes: Banco Mundial. Relatório do Desenvolvimento Mundial 2000/2001; PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2003.

Page 13: Capítulos extras

No início dos anos de 1990, o principal problema dos países pobres era o

processo inflacionário crônico, além da grande dimensão da dívida externa. Na quase

totalidade desses países, a inflação foi debelada, mas a dívida pública interna e

externa agravou-se. A política de juros altos, para vender títulos públicos e rolar as

dívidas, aumentou o montante e o serviço da dívida pública. Para evitar o retorno da

inflação e poder pagar o principal e os juros da dívida pública, os governos têm

reduzido os gastos e sacrificado investimentos, o que vem afetando o crescimento

econômico.

O PNB per capita dos países mais pobres cresceu razoavelmente entre

1980/1993 (3,7%, Banco Mundial, 1995) e entre 1998/1999 o PNB desses países

cresceu mais do que o dos países mais ricos (Tabela 2, coluna 3). Essas taxas foram

capazes de cobrir o crescimento demográfico mais acelerado deste último período

(2%), em relação aos países mais ricos (coluna 4).

Entre os países de alta renda, a taxa de crescimento do PNB entre 1998/1999

foi inferior à dos países mais pobres (2,6%), não obstante o bom desempenho

econômico de países como EUA (4,1%), Suécia (3,9%) e outros. Os países de renda

média alta, por seu turno, cresceram menos em termos per capita (2%), porque a

maioria deles esteve envolvida com sucessivos planos de estabilização e elevada dívida

externa, o que puxou a média para baixo.

A melhoria do bem-estar ocorre também com a redução do crescimento

demográfico, que em nível mundial foi de 1,7% ao ano, entre 1980/1993 (Banco

Mundial, 1995) e 1% entre 1990 e 1999 (Tabela 2, coluna 4). Nesse mesmo período,

as maiores taxas de crescimento anual da população ocorreram nas economias de

baixa renda (2%) e de renda média alta (1,4%), contra 1,1% nas economias de renda

média baixa e apenas 0,6% nas economias de alta renda. No Brasil, a população

cresceu 1,4% ao ano, taxa inferior à do México (1,8%) e Chile (1,5%), mas superior

às taxas da China (1,1%) e Coréia do Sul (1%). Quanto mais a população cresce,

maiores serão as dificuldades para atender a suas necessidades básicas e melhorar os

indicadores de desenvolvimento.

3 Nutrição e expectativa de vida

Em 1970, a taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos era

relativamente alta mesmo nos países ricos, sendo igual a 20 por mil nos EUA e a 18

por mil no Reino Unido e França. Em 1993, esse indicador reduziu-se para 9 nos EUA

e para 7 nos dois últimos países (Banco Mundial, 1995). Entre 1980 e 1998, houve

grande melhoria desse indicador, em razão da vacinação em massa das crianças. Em

Page 14: Capítulos extras

2001, essa taxa era de 127 por mil em países de baixa renda, 31 por mil em países de

renda média e de apenas 5 por mil nos países de alta renda (Tabela 2, coluna 5).

Nesse mesmo ano, a taxa de mortalidade infantil ainda se apresentava

relativamente elevada em países de renda média, como a África do Sul (56 por mil),

Brasil (31 por mil) e México (24 por mil). Essa taxa ainda era muito alta nos países

mais pobres como Serra Leoa (182 por mil) e Angola (154 por mil). Na China, a taxa

de mortalidade infantil (31 por mil) é igual a do Brasil; porém, na Índia, apesar da

melhoria significativa dos últimos anos, ela ainda se mostra bastante elevada (67 por

mil).

Além da vacinação em massa de crianças, água tratada, saneamento básico e

melhorias no sistema de higiene, o combate à fome também é fundamental para se

reduzir a mortalidade infantil. Alimentação mais adequada ajuda a melhorar a saúde

e o desempenho escolar das crianças. Maior consumo de carnes é apontado como

responsável pela elevação da altura média dos adultos nos EUA, Europa e Japão.

Maior consumo de proteínas e vitaminas também eleva o índice de massa corporal dos

indivíduos. A eliminação da desnutrição crônica não depende apenas de maior

disponibilidade interna de alimentos, mas também da elevação do poder aquisitivo da

população mais pobre e de melhorias no sistema de distribuição de alimentos. Torna-

se fundamental a pesquisa agronômica para desenvolver variedades de alimentos mais

produtivas e mais baratas. A manutenção de estoques reguladores de produtos

agrícolas, por parte do Governo, evita crises de abastecimento e elevação dos preços

de gêneros de primeira necessidade, favorecendo as populações mais pobres.

Em decorrência do aumento do nível de renda, de melhor alimentação e do

desenvolvimento da medicina, tem se elevado a expectativa de vida ao nascer, a qual

oscilava em 2001 entre 34,5 anos em Serra Leoa a 81,3 anos no Japão (Tabela 2,

coluna 6). Examinando atentamente essa tabela, observa-se que há correlação positiva

entre níveis de renda e expectativa de vida ao nascer: nas economias de baixa renda, a

vida média em 2001 era de 59,1 anos; nas economias de renda média, 69,2 anos e nas

economias de alta renda, 78,1 anos.

Entre 1880 e 1980, a expectativa de vida ao nascer nos países industrializados

aumentou de 45 para 75 anos. No Japão, ela passou de 60 anos, em 1950, para 81,3,

em 2001, sendo a mais elevada do mundo. Grande salto desse indicador ocorreu

também no Sri Lanka (Sul da Ásia), que subiu de 45 anos, em 1945, para 64, em

1971, e para 72, em 1993. Nos países do Mercosul, em 2001, a expectativa de vida ao

nascer variava de 67,8 anos no Brasil a 75,8 no Chile. No Paraguai, essa idade era de

70,5 anos, na Argentina 73,9 anos e no Uruguai 75 anos (Banco Mundial, 1991 e

1995). Os fatores do aumento tão acentuado da vida média das pessoas foram a

vacinação infantil (sarampo, poliomielite), a erradicação da malária, a difusão de

Page 15: Capítulos extras

água tratada e melhor alimentação, pela elevação geral do nível de renda. O

progresso tecnológico da agroindústria alimentar provocou queda dos preços dos

alimentos e colocou à disposição das pessoas maiores quantidades e variedades de

calorias e proteínas.5

A mortalidade infantil também se reduz com o aumento dos níveis de

educação. A coluna 7 da Tabela 2 mostra que os gastos públicos com educação, em

relação ao PNB, aumentam com o nível de renda: países de alta renda, 5,4%; países

de renda média alta, 5%; países de renda média baixa, 3,5% e países de baixa renda,

3,3%. Os gastos com saúde em relação ao PNB agem no mesmo sentido da melhoria

de indicadores sociais e em 2000 eles também foram crescentes com o nível de renda

dos países: 6,2%, 3,3%, 3% e 1,3%. A Coréia do Sul gastou 3,8% do PNB com

educação, no período; já os seus gastos com saúde em 2000 foram iguais a US$ 899

dólares per capita. No Brasil, os gastos públicos com saúde atingiram US$ 631 dólares

per capita, no mesmo ano; esse valor foi superior às quantias gastas pelo México (US$

477) e Federação Russa (US$ 405) e um pouco inferior aos valores gastos pela África

do Sul (US$ 663) e Chile (US$ 697); já os gastos públicos do governo brasileiro com

educação foram de 4,7% do PNB, percentual superior ao de muitos países de renda

média.

O Brasil gastou 4,7% do PNB com educação, entre 1998/2000. Esse percentual

é superior aos percentuais da Federação Russa e México (4,4%), Argentina (4,%) e

Coréia do Sul (3,8%). Nesse nível de renda, somente a África do Sul (5,5%) gastou

com educação percentualmente mais do que o Brasil. Esse percentual é, contudo, bem

mais alto na Suécia (7,8%) e na Noruega (6,8%), o que ajuda a explicar o

extraordinário nível de desenvolvimento humano desses países.

Com relação à saúde, no entanto, entre os países de renda média alta, os gastos

per capita do Brasil (US$ 631) somente superam os do México (US$ 477) e da Rússia

(US$ 405). Entre os países sul-americanos, os que mais gastam com saúde são a

Argentina (US$ 1.091) e o Uruguai (US$ 1.007). Entre os países de alta renda, os

maiores gastos per capita com saúde são os dos EUA (US$ 4.499) e da Suíça

(3.161%).

Da mesma forma, a taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos e mais

também mostra correlação direta com os níveis de renda (coluna 9). Em 2001, a taxa

de alfabetização era de 63% nas economias de baixa renda, 86,6% nas economias de

renda média e de 99% nos países de alta renda. A redução do índice de

analfabetismo, principalmente entre as mulheres, é muito importante porque vai se

5 Inovações do lado da produção (genética) reduziram o preço do frango. Em 1948, o frango era

abatido após 86 dias, com 1,36 kg de peso, sendo o consumo de ração igual a 3,41 kg/1 kg de frango.Em 1988, a idade do abate caiu para 49 dias, com 1,94 kg de peso, e o consumo de ração reduziu-separa 1,41 kg/1 kg de carne (Souza & Sanson, 1993, p. 75).

Page 16: Capítulos extras

refletir em menores taxas de mortalidade infantil.

Outro fator fundamental para a melhoria da saúde da população é o acesso a

saneamento melhorado e à água tratada (Tabela 2, colunas 10 e 11). Constata-se que

em 2000 os países de alta renda tinham 100% de acesso a água tratada e saneamento

melhorado. No Brasil, somente 87% da população tinha acesso à água potável e 76%

a saneamento melhorado. Os menores índices deste último indicador nos países de

renda média alta eram os da Coréia do Sul (63%) e México (74%). O acesso a esses

serviços é muito precário nos países pobres e em alguns países de renda média.

Apenas 12% da população da Etiópia têm acesso ao saneamento melhorado,

percentuais que chegam tão-somente a 28% na Índia e a 40% na China. Quanto ao

acesso à água tratada, os índices são um pouco melhores, mas ainda muito precários,

o que afeta a saúde da população.6

4 Indicadores econômicos e de infra-estrutura do desenvolvimento mundial

Devido ao crescimento demográfico mais acelerado, os países pobres precisam

aumentar a produção de alimentos. Em alguns desses países houve crescimento

expressivo do valor agregado pela agricultura, entre 1990/1999 (coluna 12), como

Moçambique (5,2%) e Peru (5,8%). Nesse período, essa taxa foi de fato maior nos

países mais pobres, decrescendo nos países de mais alta renda. No Brasil, ela foi de

3,0%, chegando a 3,8% na Índia, sendo negativa em alguns países, como na Rússia

(−6,3%) e Angola (−3,1%). Os países ricos, exportadores de produtos manufaturados,

podem importar com facilidade os alimentos e matérias-primas de que necessitam.

Porém, os países pobres, com economia centrada no setor agrícola, um desempenho

negativo desse setor afeta toda a sua estrutura produtiva. Com base em 1989/1991, o

índice da produção mundial de alimentos chegou a 130,3 em 1996/1998 (Tabela 2,

coluna 13). Esse índice cresceu para 151,1 no conjunto dos países de renda média

baixa e para 124,3 nos países de baixa renda; em alguns países, ele se reduziu, como

Federação Russa (64,4), Alemanha (92,3) e Japão (95,2).

Os maiores índices de crescimento da produção de alimentos ocorreram na

China (153,5) e Peru (140,5). No Brasil, o índice chegou a 125,7, nível similar ao da

Argentina (125,9) e um pouco inferior ao do Uruguai (130,8). A produção de

alimentos pouco cresceu nos países ricos, com exceção dos Estados Unidos (117,9) e

Canadá (117,7). Os altos custos das terras e da mão-de-obra oneram a produção

6 O acesso à água potável desses países eram: Etiópia, 24%; Angola, 38%; Moçambique e Serra Leoa,

57%. Em alguns países, a adição de flúor na água potável tem reduzido a incidência de cárie napopulação.

Page 17: Capítulos extras

desses países, o que tem levado os governos a conceder grandes subsídios para

viabilizar a produção agrícola e enfrentar a concorrência das importações

provenientes dos países subdesenvolvidos, em geral mais competitivos.

O desempenho da agricultura depende do uso de insumos modernos, como

fertilizantes, tratores e colheitadeiras, que elevam a produtividade da terra e do

trabalho. Na maioria dos países pobres, o valor agregado por trabalhador agrícola

ainda é muito baixo (coluna 14), atingindo em 1996/1998 menos de mil dólares. Nos

países de renda média baixa, a produtividade do trabalho agrícola chega a menos de

US$ 4.000, incluindo-se nessa faixa o México (US$ 2.164) e Rússia (US$ 2.476). No

Brasil, esse valor chegou a US$ 4.081 e na Coréia do Sul ele montou a US$ 11.657.

Nos países ricos, o rendimento do trabalho agrícola elevou-se a US$ 36.889 na França

e a US$ 39.001 nos EUA. O baixo crescimento agrícola se deve a problemas de

mercado, políticas econômicas viesadas contra a agricultura e escassez de terras, como

no Japão e na maioria dos países da Europa. No Canadá e EUA, a escassez de mão-de-

obra é compensada pelo grande número de tratores por mil trabalhadores agrícolas:

1.642 e 1.484, respectivamente (coluna 15). O uso de tratores também é intenso na

Noruega (1.276) e França (1.236). No Brasil, empregavam-se apenas 57 tratores por

mil trabalhadores rurais, em 1995/1997. Exceto Rússia (106) e Turquia (58), esse

número é ainda menor nos países mais pobres, chegando a ser nulo na Etiópia e em

Serra Leoa.

No conjunto dos países de baixa renda, o valor agregado pela indústria cresceu

apenas 1,1%, entre 1990/1999 (coluna 16); essa variável, no entanto, exceto no caso

de Serra Leoa,7 cresceu a taxas razoavelmente altas, principalmente em Moçambique

(9,9%) e Índia (6,7%). Nos países de renda média baixa, essa taxa foi de 5,2%, com

destaque para a China (14,4%) e Peru (6,7%). A China tem apresentado

extraordinário dinamismo nas últimas décadas, fruto de uma política deliberada de

desenvolvimento econômico. No Brasil, o valor agregado pela indústria cresceu 3,2%

no período, taxa inferior à do conjunto dos países de renda média alta (3,9%) e de

países como Argentina (4,8%) e México (3,6%).

Outro importante indicador do desempenho econômico global é a taxa de

expansão das exportações (coluna 17). Entre 1990/1999, ela foi negativa em Serra

Leoa (−12,2%), país que esteve em guerra nos anos de 1990, e de pequena amplitude

na Suécia (2,2%) e Federação Russa (2,3%); ela atingiu valores altos em economias

como Coréia do Sul (15,6%) e México (14,3%). Muitos países acabaram percebendo a

importância das exportações na dinamização do setor de mercado interno, o que

expande a renda e o emprego. Nesse período, as exportações brasileiras cresceram

7 Serra Leoa, com crescimento negativo (−7,1%), foi um caso à parte por estar em guerra nos anos de

1990.

Page 18: Capítulos extras

4,9% ao ano, em média, o que pode ser considerado satisfatório, tendo em vista que a

moeda manteve-se valorizada na maior parte do período.

A taxa de crescimento do investimento interno bruto foi negativa no conjunto

dos países de baixa renda (−1,4%), sendo negativa em Serra Leoa (−10,3%), embora

com crescimento expressivo na Etiópia (13,4%) e Moçambique (13,1%). Os

investimentos também cresceram rapidamente na China (12,8%) e no Chile (11,4%),

sendo negativos na Rússia (−13,3%). No Brasil, os investimentos cresceram apenas

3,1%, em decorrência da redução dos gastos públicos para manter a inflação sob

controle. As altas taxas de juros, as restrições ao crédito, o lento crescimento da

demanda interna e as dificuldades para exportar foram os principais inibidores dos

investimentos privados e do crescimento do PIB do período.

O nível de bem-estar da população também pode ser inferido pelo consumo de

eletricidade per capita (coluna 19). Esse indicador cresce com nível de renda: 22

kW/hora na Etiópia, 53 kW/h em Moçambique, 477 kW/h nas Filipinas, 827 kW/h na

China, 1.878 kW/h no Brasil, 2.406 kW/h no Chile, 6.539 kW/h na França, 12.331

kW/h nos Estados Unidos e 24.422 kW/h na Noruega. O nível de industrialização

influencia o consumo de eletricidade, assim como o percentual da população atendida

por redes de eletricidade. Maior demanda de energia é explicada também pelo clima

muito frio ou muito quente, devido ao uso generalizado de calefação ou ar

condicionado. Nos países mais pobres, as áreas mais distantes das fontes de geração

de energia nem sempre são atendidas por esses serviços, sobretudo nas áreas rurais.

Mesmo nas periferias das zonas urbanas desses países há um contingente apreciável

de pessoas que não possuem eletricidade em suas casas. Em 2003, o governo

brasileiro lançou um programa de atendimento de 100% da população urbana em

todo o país. A eletrificação rural constitui um importante fator de desenvolvimento da

agricultura, pois possibilita o funcionamento de motores elétricos, facilita a circulação

das informações através dos meios de comunicação e permite à população rural o

acesso a eletrodomésticos, como televisão, geladeira e freezer.Outro importante indicador de desenvolvimento é a capacidade de

determinado país gerar tecnologia própria. Isso pode ser aferido pelos pedidos de

registro de patentes feitos por residentes, como mostra a coluna 20 da Tabela 2. Em

1997, os países de baixa renda efetuaram 3.978 pedidos de registro de patentes,

contra 31.781 pelos países de renda média baixa, 114.155 pelos países de renda

média alta e 648.093 pelos países de alta renda. O registro da patente de um novo

produto assegura o direito de sua produção com exclusividade, durante algum tempo,

até que surjam imitadores produzindo produtos similares. Os preços relativamente

mais altos para o produto, assegurados pela exclusividade de sua produção,

proporcionam lucro puro e maior taxa de crescimento para a empresa e o país. Entre

Page 19: Capítulos extras

os países de renda média, destaca-se a Coréia do Sul, com o maior número de pedidos

de patentes (92.788), seguida pela Federação Russa (15.277) e pela China (12.786).

O Brasil registrou 1.292 pedidos de patentes por residentes, em 1997, valor que

chegou a 5.150 em 2003 (<www.inpi.gov.br>). Entre os países de alta renda, a lide-

rança incontestável é a do Japão, com 351.487 pedidos de patentes, seguido pelos

EUA (125.808).

Em relação à qualidade de vida, cabe destaque a preservação do meio

ambiente. Essa questão é inferida na coluna 21 pela variação média anual do

desmatamento entre 1990/1995. Enquanto as florestas foram ampliadas nos países de

alta renda (desmatamento igual a –0,2% no período), elas se reduziram nos países de

renda média alta (0,5% de desmatamento), chegando a 0,7% nos países de baixa

renda. O Brasil se mantém na média de seu grupo de renda (0,5%), sendo o

desmatamento mais intenso nas Filipinas (3,5%), Serra Leoa (3%) e Paraguai (2,6%),

países exportadores de madeiras de lei.

O índice de Gini, importante indicador de desigualdade, mede a distribuição de

renda entre as classes sociais (coluna 22).8 Serra Leoa possui a pior distribuição de

renda do mundo (Gini igual a 62,9), seguido pelo Brasil (60,0) e África do Sul (59,3).

O Paquistão (31,2) e a Índia (37,8%) possuem a melhor distribuição de renda entre os

países pobres. As melhores distribuições de renda são do Japão (24,9), Suíça (25) e

Noruega (25,8). Entre os países de renda média, cabe destaque ao Egito (28,9) e

Coréia do Sul (31,6). Os EUA possuem o maior índice de Gini entre os países de alta

renda (40,8).

5 Índices de desenvolvimento humano mundial

Todos os indicadores anteriores podem ser sintetizados pelos índices de

desenvolvimento humano (IDH), elaborados pelo Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD). Esse índice mede o nível do desenvolvimento dos países,

regiões e municípios, neste último caso com algumas adaptações. O IDH é calculado

pela média simples de três componentes: longevidade, educação (taxa de alfabetização,

peso 2/3, e taxa de matrícula nos três níveis de ensino, peso 1/3) e nível de renda (PIB

real per capita em dólares PPC). O IDH varia de 0 a 1: desenvolvimento humano baixo

(IDH ≤ 0,499); desenvolvimento humano médio (0,5 ≤ IDH ≤ 0,799); desenvolvi-

mento humano alto (IDH ≥ 0,800).

8 O índice de Gini varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (perfeita desigualdade). Quanto maior o

índice, pior será a desigualdade da distribuição de renda entre as classes sociais de determinado país.Kuznets (1955) percebeu que esse índice aumenta com o crescimento econômico, atinge um ponto demáximo e depois declina no longo prazo, como conseqüência do desenvolvimento econômico.

Page 20: Capítulos extras

Em 1999, o PNUD modificou a metodologia de cálculo do PIB per capita, antes

medido em dólares norte-americanos, introduzindo o conceito de paridade do poder

de compra de cada país. Isso elevou a renda média dos países pobres. No caso do

Brasil, a renda média se reduziu por esse critério, porque a valorização cambial havia

colocado o país no grupo das nações de elevado desenvolvimento humano. Assim, em

1997, o IDH do Brasil era igual a 0,809 pela metodologia antiga (60a posição) e a

0,739 pela metodologia nova (79a posição). Contudo, observa-se em qualquer uma

das metodologias o aumento persistente do desenvolvimento humano no Brasil

(<www.cmv.org.br/idh.doc>).

O IDH é analisado para uma amostra de países (Tabela 3). Em 2001, os países

com os maiores índices de desenvolvimento humano foram a Noruega (IDH = 0,944),

Islândia (0,942)9 e Suécia (0,941). Os EUA aparecem em 7o lugar (0,944) e o Japão

em 9o (0,932). Os países com os menores IDH localizam-se na África: Serra Leoa

(0,275), Niger (0,292) e Burkina Faso (0,330). Observa-se que o IDH cresce com o

nível de renda (2001): países de baixa renda (0,447); renda média baixa (0,733);

renda média alta (0,822); países ricos (0,930). Maiores índices de educação e de

longevidade dependem do crescimento econômico, embora este também seja

altamente influenciado pelos níveis educacionais e de saúde.

9 A Islândia é uma ilha situada na proximidade do Círculo Polar Ártico. Com vulcões ativos, ela sofre

constantes tremores de terra; 12% de seu território (102.819 km2) são cobertos por gelo; a principalbase econômica gira em torno da exportação de produtos da pesca. Em 2001, seu PIB per capitaatingiu 29.990 dólares PPC, com vida média de 79,6 anos.

Page 21: Capítulos extras

Tabela 3 Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano, 1975-2001.Amostra de países por níveis de renda 1975 1980 1985 1990 1995 2001 Classificação pelo IDH de 2001 Variação 1975/2001

I – BAIXA RENDAa 0,424 0,417 0,407 0,436 0,461 0,447 − 5,51. Serra Leoa − − − − − 0,275 175 −2. Moçambique − 0,309 0,295 0,317 0,325 0,356 170 15,23. Etiópia − − 0,281 0,305 0,322 0,359 169 27,84. Angola − − − − − 0,377 164 −5. Paquistão 0,344 0,37 0,403 0,44 0,472 0,499 144 45,16. Índia 0,416 0,443 0,481 0,519 0,553 0,59 127 41,87. Bolívia 0,511 0,546 0,573 0,598 0,631 0,672 114 31,5II – Y MÉDIA BAIXAa 0,603 0,633 0,657 0,682 0,709 0,733 − 21,78. Egito 0,433 0,48 0,53 0,572 0,605 0,648 120 49,79. China 0,521 0,554 0,591 0,624 0,679 0,721 104 38,410. Turquia 0,589 0,612 0,649 0,681 0,712 0,734 96 24,611. Filipinas 0,647 0,68 0,684 0,713 0,731 0,751 85 16,112. Paraguai 0,674 0,708 0,714 0,726 0,744 0,751 84 11,413. Peru 0,639 0,668 0,691 0,702 0,729 0,752 82 17,714. Venezuela 0,715 0,729 0,737 0,755 0,765 0,775 69 8,4III – Y MÉDIA ALTAa 0,737 0,757 0,774 0,793 0,807 0,822 − 11,515. África do Sul 0,66 0,676 0,702 0,734 0,741 0,684 111 3,616. Brasil 0,643 0,678 0,691 0,712 0,738 0,777 65 20,817. Federação Russa − 0,796 0,811 0,809 0,766 0,779 63 −2,118. México 0,684 0,729 0,748 0,757 0,771 0,8 55 17,019. Chile 0,7 0,735 0,752 0,78 0,811 0,831 43 18,720. Uruguai 0,756 0,775 0,779 0,799 0,814 0,834 40 10,321. Argentina 0,784 0,797 0,804 0,807 0,829 0,849 34 8,322. Coréia do Sul 0,701 0,736 0,774 0,814 0,848 0,879 30 25,423. Grécia 0,831 0,847 0,859 0,869 0,875 0,892 24 7,324. Portugal 0,875 0,799 0,821 0,847 0,876 0,896 23 2,4IV – ALTA RENDAa 0,853 0,868 0,880 0,897 0,915 0,930 − 9,025. Itália 0,838 0,854 0,862 0,884 0,9 0,916 21 9,326. Espanha 0,834 0,851 0,865 0,883 0,901 0,918 19 10,127. Alemanha − 0,859 0,868 0,885 0,908 0,921 18 7,228. França 0,846 0,862 0,874 0,896 0,912 0,925 17 9,3

Page 22: Capítulos extras

29. Reino Unido 0,84 0,847 0,857 0,877 0,916 0,93 13 10,730. Suíça 0,872 0,884 0,891 0,904 0,912 0,932 10 6,931 – Japão 0,851 0,875 0,89 0,906 0,92 0,932 9 9,532. Canadá 0,866 0,881 0,904 0,924 0,929 0,937 8 8,233. EUA 0,864 0,883 0,896 0,911 0,923 0,937 5 8,434. Suécia 0,862 0,871 0,882 0,893 0,924 0,941 3 9,235. Noruega 0,858 0,876 0,887 0,9 0,924 0,944 1 10,0Média mundiala 0,802 0,809 0,811 0,835 0,858 0,847 − 5,6Fonte: PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano, 2003.Nota: a Média calculada para os países que se encontram nesta tabela.

Page 23: Capítulos extras

Em 2001, o IDH do Brasil foi igual a 0,777, um pouco abaixo do IDH da

Federação Russa (0,779) e acima do da Venezuela (0,775) e Filipinas (0,751). Apesar

do lento crescimento do PIB per capita do Brasil nas últimas décadas, principalmente

entre 1990/2001 (1,4%), o seu IDH cresceu 20,8% entre 1975/2001 (última coluna).

Essa taxa foi superior à verificada no mesmo período nos países de renda média alta

(11,5%), renda alta (9%) e baixa renda (5,5%), sendo ligeiramente inferior àquela

dos países de renda média baixa (21,7%). Isso mostra que os maiores níveis de

desenvolvimento obtido pelo Brasil depois de 1975 resultaram do progresso obtido

nas áreas de saúde e educação. A vacinação reduziu a mortalidade infantil e a taxa de

mortalidade de adultos; houve progresso também na redução do analfabetismo, maior

nível de acesso à água potável e ao ensino fundamental e superior. Em termos

mundiais, os maiores níveis de desenvolvimento alcançados foram os do Egito

(49,7%), Paquistão (45,1%) e Índia (41,8%). Países do Mercosul apresentaram

melhorias menos significativas: Paraguai, 11,4%; Uruguai, 10,3% e Argentina, 8,3%.

6 Índices de desenvolvimento humano do Brasil

O desenvolvimento econômico não surge de maneira uniforme no espaço.

Algumas regiões crescem rapidamente, gerando maior nível de bem-estar para a sua

população, enquanto outras permanecem estagnadas e pobres. No Brasil o

desenvolvimento tem sido muito desigual. As regiões Sudeste e Sul têm obtido rápido

crescimento econômico, enquanto as regiões Norte e Nordeste permanecem com os

piores indicadores de desenvolvimento. O Estado de São Paulo (SP), o maior pólo

industrial do Brasil, gera a maior parte do PIB nacional; porém, é Santa Catarina

quem lidera o ranking do desenvolvimento humano no Brasil (0,822, Tabela 4). São

Paulo vem a seguir (0,820), seguido pelo Rio Grande do Sul (0,814), Rio de Janeiro

(0,807) e o Paraná (0,787).10 Constata-se que os Estados das Regiões Sul e Sudeste

possuem os maiores IDH, seguindo-se os Estados do Centro-Oeste, com forte base

agroindustrial, Norte e Nordeste.

10 O Distrito Federal possuía um IDH de 0,799 em 1991, passando para 0,844 em 2000, o que corres-ponde a uma variação de 5,6%.

Page 24: Capítulos extras

Tabela 4 Índice de desenvolvimento humano dos Estados Brasileiros, 1991 e 2000.

Ordem Estados Região 1991 2000Variação

1991/00 (%)1o Santa Catarina Sul 0,748 0,822 9,92o São Paulo Sudeste 0,778 0,820 5,43o Rio Grande do Sul Sul 0,753 0,814 8,14o Rio de Janeiro Sudeste 0,753 0,807 7,25o Paraná Sul 0,711 0,787 10,76o Mato Grosso do Sul Centro-Oeste 0,716 0,778 8,77o Goiás Centro-Oeste 0,700 0,776 10,98o Minas Gerais Sudeste 0,697 0,773 10,99o Mato Grosso Centro-Oeste 0,685 0,773 12,8

10o Espírito Santo Sudeste 0,690 0,765 10,911o Amapá Norte 0,691 0,753 9,012o Roraima Norte 0,692 0,746 7,813o Rondônia Norte 0,660 0,735 11,414o Pará Norte 0,650 0,723 11,215o Amazonas Norte 0,664 0,713 7,416o Tocantins Norte 0,611 0,710 16,217o Pernambuco Nordeste 0,620 0,705 13,718o Rio Grande do Norte Nordeste 0,604 0,705 16,719o Ceará Nordeste 0,593 0,700 18,020o Acre Norte 0,624 0,697 11,721o Bahia Nordeste 0,590 0,688 16,622o Sergipe Nordeste 0,597 0,682 14,223o Paraíba Nordeste 0,561 0,661 17,824o Piauí Nordeste 0,566 0,656 15,925o Alagoas Nordeste 0,548 0,649 18,426o Maranhão Nordeste 0,543 0,636 17,1

Fonte: www.rankbrasil.com.br (PNUD/IPEA/IBGE/Fundação João Pinheiro).

O melhor desempenho no período foi o de Santa Catarina, que, com suas belas

praias, vem atraindo milhares de turistas; em 1991, esse Estado classificava-se em 5o

lugar, atrás do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro; em 2000, ele passou para a 2a

posição. Sua capital, Florianópolis, é a capital de Estado com a melhor qualidade de

vida, seguida por Porto Alegre na 9a posição. Santa Catarina possui 16 cidades entre

as 50 cidades brasileiras com a melhor qualidade de vida, ficando à frente dos Estados

de São Paulo (14 cidades) e do Rio Grande do Sul (11 cidades).11

Contudo, os Estados com as maiores taxas de variação do IDH no período

foram os do Nordeste, com destaque para Alagoas (18,4) e Ceará (18%). A variação

do IDH de Santa Catarina foi de 9,9%. As menores variações ocorreram nos Estados

mais ricos: São Paulo (5,4%), Distrito Federal (5,6%) e Rio de Janeiro (7,2%). Isso

reflete um esforço relativamente maior no desenvolvimento das áreas mais pobres do

Brasil, em termos de geração de renda e de gastos com saúde e educação.

São Caetano do Sul, uma cidade industrial da periferia de São Paulo, é a cidade

brasileira com o maior IDH (0,919). A seguir, as cidades com a melhor qualidade de

vida são: Águas de São Pedro (SP, 0,908), Niterói (RJ, 0,886), Florianópolis (SC,

11 A seguir, vem o Paraná, com cinco cidades; após, com apenas uma cidade, encontram-se o Distrito

Federal e os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Pernambuco (ilha de Fernando de Noronha,10o lugar no ranking nacional).

Page 25: Capítulos extras

0,875), Santos (SP, 0,871), Bento Gonçalves (RS, 0,870) etc. Entre as 50 cidades com

o maior IDH, encontram-se apenas mais quatro capitais: Porto Alegre (9a ; RS, 0,865),

Curitiba (16a ; PR, 0,856), Vitória (18a; ES, 0,856) e Brasília (48a; DF, 0,844). As duas

últimas cidades da lista, ambas do Rio Grande do Sul, são Farroupilha (49a; 0,844) e

Nova Bassano (50a ; 0,844).

Alguns autores ampliaram o índice de desenvolvimento humano, incluindo

variáveis mais suscetíveis de captar tanto as condições econômicas, como a situação

social do conjunto da população mais pobre. Assim, além da expectativa de vida ao

nascer, da taxa de alfabetização e da renda per capita, Romão (1993) utilizou também

a incidência de pobreza e o coeficiente de Gini para calcular os índices dedesenvolvimento humano ampliado (IDHA). Os Estados mais desenvolvidos,

classificados por esses índices, tendem a apresentar IDHA mais altos e, portanto,

índices mais baixos de desigualdade-pobreza. Desse modo, quanto melhor distribuída

estiver a renda, tanto maior será o nível de vida do conjunto da população (Romão,

1993, p. 108).

Seguindo a linha de Romão (1993), Oliveira (2001) examinou a evolução do

desenvolvimento humano, da desigualdade de renda e do nível de pobreza dos

municípios e regiões do Rio Grande do Sul (Conselhos Regionais de

Desenvolvimento), entre 1970 e 1991. Para tanto, ele elaborou o Índice deDesenvolvimento Humano Municipal Modificado, utilizando parte da metodologia do

IDH da ONU e do Índice de Condições de Vida do IPEA. O estudo indicou uma

melhoria sensível dos indicadores de desenvolvimento humano e de pobreza, tanto do

conjunto do Rio Grande do Sul, como da maior parte de suas regiões. Entretanto, eles

apontaram o aumento da concentração de renda regional e estadual, sobretudo entre

1980 e 1991.

No mesmo sentido, a Fundação de Economia e Estatística (RS), elaborou o

Índice de Desenvolvimento Socioeconômico para os municípios do Rio Grande do Sul.

Esse índice leva em conta quatro blocos de variáveis, cada um pesando 25%: (a)

Domicílio e Saneamento: proporção de domicílios abastecidos com água tratada (peso

0,5), domicílios com rede geral de esgoto ou pluvial (peso 0,4) e média de moradores

por domicílio (peso 0,1); (b) Educação: taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos e

mais de idade (peso 0,35), taxa de evasão no ensino fundamental (peso 0,25), taxa de

reprovação no ensino fundamental (peso 0,20) e taxa de atendimento no ensino

médio (peso 0,20); (c) Saúde: percentual de crianças nascidas com baixo peso, taxa

de mortalidade de menores de cinco anos e expectativa de vida ao nascer (peso 1/3

cada); (d) Renda: PIB per capita e Valor Adicionado Bruto per capita do Comércio,

Alojamento e Alimentação (peso 0,5 cada).

Oito municípios do Rio Grande do Sul apresentaram, em 2000, os mais altos

Page 26: Capítulos extras

índices de desenvolvimento (índice ≥ 0,8): Caxias do Sul, Canoas, Esteio, Porto

Alegre, Bento Gonçalves, Campo Bom, Ivoti e Vacaria. No outro extremo, o Município

de Benjamin Constant do Sul foi o único considerado com baixo nível de

desenvolvimento (índice = 0,496). Os 458 municípios restantes, com o índice

variando entre 0,5 e 0,799, foram considerados como de desenvolvimento médio

(<www.fee.rs.gov.br>). Esses índices têm o mérito de considerar um conjunto mais

amplo de variáveis; porém, eles levaram a uma concentração excessiva de municípios

no nível médio, com apenas um como sendo de baixo nível. Os índices do PNUD

(IDH) têm o maior mérito na sua simplicidade ao se concentrarem em três indicadores

relevantes.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Comente acerca da evolução dos índices mundiais de desenvolvimento humano

(Tabela 3), por níveis de renda dos diferentes países.

2. Comente acerca da evolução dos índices de desenvolvimento humano (Tabela 4),

segundo os diferentes Estados do Brasil.

3. Explique os aperfeiçoamentos efetuados aos índices de desenvolvimento humano e

compare com aquele da ONU (IDH).

Page 27: Capítulos extras

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1990. Washington:

Banco Mundial, 1990.

________________. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1991. Washington:

Banco Mundial, 1991.

________________. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1995. Washington:

Banco Mundial, 1995.

________________. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 2000/2001.

Washington: Banco Mundial, 2003. (<www.worldbank.org/poverty/portuguese/wdr>).

FAVA, Vera Lúcia. Urbanização, custo de vida e pobreza no Brasil. São Paulo: IPE/USP,

1984.

HIRSCHMAN, Albert O. La economia política del desarrollo latino americano. Siete

ejercicios en retrospectiva. El Trimestre Económico, México, v. LXIII (2), no 250,

abr./jun. 1996.

KUZNETS, S. Economic growth and income inequality. American Economic Review, v.

45, p. 1-28, 1955.

OLIVEIRA, Júlio Cezar de. Desenvolvimento humano, desigualdade de renda e pobrezanos conselhos regionais e municípios do Rio Grande do Sul entre 1970 e 1991. Tese

(Doutorado em Economia) – UFRGS, Porto Alegre.

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Relatório do Desen-volvimento Humano 2003. (<www.undp.org/hdr2003/portugues/pdf/hdr03_por_HDI.

pdf>).

ROMÃO, Maurício C. Uma proposta de extensão do “Índice de desenvolvimento

humano” das Nações Unidas. Revista de Economia Política, v. 13, no 4 (52), out./dez.

1993.

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

_______; SANSON, João R. A agroindústria brasileira do milho. Porto Alegre: Curso de

Pós-Graduação em Economia/UFRGS, 1993. 103 p. (mimeo) (Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento, Projeto IPEA/PNUD-BRA/91/014).

Page 28: Capítulos extras

2ESTRANGULAMENTO EXTERNO DA ECONOMIABRASILEIRA12

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

O estrangulamento externo continua sendo um dos grandes problemas da

economia brasileira em 2004. Com a valorização cambial nos primeiros anos de

implantação do Plano Real (1994/1998), o Brasil acumulou um déficit crescente no

balanço de pagamentos.13 A dívida externa total elevou-se de US$ 148,3 bilhões, em

1994, para US$ 218,8 bilhões, em setembro de 2003. Mesmo com superávit

comercial, o Brasil precisa anualmente de um considerável afluxo de capitais externos

para fechar as suas contas, tendo em vista a grande saída de divisas nas rubricas de

serviços (US$ 10,1 bilhões em 1998 e US$ 5 bilhões em 2002),14 renda líquida

enviada ao exterior (em torno de US$ 18 bilhões anuais), remessa de lucros e

dividendos (US$ 12,5 bilhões em 1998 e US$ 10,9 bilhões em 2002), pagamento de

juros (US$ 15,3 bilhões anuais, ou mais) (Boletins do Banco Central).

O ingresso de capitais na forma de investimentos diretos tem contribuído tanto

para o equilíbrio do balanço de capitais como para o crescimento econômico. Esses

capitais, praticamente inexistentes em 1990 e 1992, subiram a partir de 1993,

chegando a US$ 20,8 bilhões em 1998 e a US$ 32,8 bilhões em 2000. Em 2002, esses

investimentos caíram para US$ 16,6 bilhões, e de janeiro a novembro de 2003 eles

atingiram apenas US$ 8,7 bilhões. Por conseguinte, cresce a necessidade de

empréstimos de organismos internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacio-

nal, o que eleva a conta dos juros (Boletins do Banco Central).

O estrangulamento interno é tão grave quanto o desequilíbrio externo, porque

implica recessão (o PIB elevou-se apenas 0,3% em 2003). As exportações brasileiras

vêm crescendo rapidamente nos últimos anos tanto pela recessão interna, como pela

desvalorização cambial. Não podendo vender no mercado interno, as empresas se

voltam para o exterior. A recessão e o desemprego resultam do arrocho imposto pelo

12 Este texto integra, como anexo, a seção 1.5 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).13 O déficit da balança comercial subiu de US$ 15,3 bilhões em 1990 para US$ 28,8 bilhões em 1998.

Com a desvalorização cambial de 1999 e de 2002, as exportações cresceram de US$ 55,1 bilhões em2000 para US$ 73,1 bilhões em 2003, gerando neste último ano um superávit na balança comercialde US$ 24,8 bilhões (Boletins do Banco Central).

14 As despesas com viagens internacionais de brasileiros se reduziram de US$ 5,7 bilhões em 1998, paraUS$ 2,4 bilhões em 2002 (Boletins do Banco Central). Isso se explica pela alta do dólar e pelocrescimento do terrorismo internacional.

Page 29: Capítulos extras

Governo Federal, que necessita comprimir os seus gastos, sacrificando investimentos.

Os salários do funcionalismo federal estão congelados desde 1994 e investimentos

governamentais em infra-estrutura foram praticamente interrompidos. Em 2003, o

superávit primário montou a R$ 66,2 bilhões de reais (4,32% do PIB), o que pagou

apenas 45,6% dos juros da dívida pública interna e externa (R$ 145,2 bilhões). Desse

modo, o déficit operacional ficou em R$ 79 bilhões (5,16% do PIB) e a dívida pública

interna aumentou R$ 32 bilhões.

Os déficits operacionais elevaram a dívida pública líquida de R$ 222,9 bilhões

em 1994 (43,1% do PIB), para R$ 483 bilhões em maio de 1999 (52,4% do PIB).15 A

participação da dívida líquida do Governo Federal e do Banco Central no total da

dívida líquida total do país passou de 43,5% em 1994 para 61,7% no final do período.

Esse aumento de participação explica-se também porque o Governo Federal acaba

absorvendo parte das dívidas dos Estados e Municípios. Em novembro de 2003, a

dívida líquida total do Brasil estava em R$ 905,2 bilhões (57,2% do PIB), sendo de R$

570,6 bilhões a dívida do Governo Federal e Banco Central (63% do total da dívida do

país).

Em janeiro de 2004, os principais Estados brasileiros estavam pressionando o

Governo Federal para rolar suas dívidas, o que acabará aumentando ainda mais o

déficit operacional do Tesouro Nacional. Como se observa, este é um estrangulamento

muito grave do desenvolvimento econômico. O país somente vencerá esse impasse

com uma ampla renegociação da dívida pública interna, o que exigirá sacrifícios e

muita criatividade dos responsáveis pela política econômica do país, que não desejam,

com muita razão, a volta do processo inflacionário.

15 Valores a preços de maio de 1999 (Boletins do Banco Central do Brasil).

Page 30: Capítulos extras

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Disserte sobre os desequilíbrios externo e interno da economia brasileira em 2003.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim Mensal, Brasília: Departamento Econômico,

vários números.

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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3MODELOS NEOCLÁSSICOS DE CRESCIMENTOECONÔMICO16

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países procurou acelerar o

crescimento econômico, visando aumentar a renda e reduzir a pobreza. Os

economistas passaram a formular teorias e modelos para identificar os fatores de

crescimento das economias. O modelo neoclássico fundamenta-se em algumas

equações simples e adota um conjunto de pressupostos: (a) concorrência perfeita e

pleno emprego em todos os mercados; (b) economia fechada e sem governo; (c)

função de produção com rendimentos constantes à escala (quando variam

simultaneamente todos os fatores) e rendimentos decrescentes quando se altera

apenas um dos fatores; (d) economia produzindo um único bem com apenas três

fatores: capital fixo (K), trabalho (L) e terra (N); e (e) os fatores de produção são

homogêneos, divisíveis e imperfeitamente substituíveis entre si (Paz e Rodrigues,

1972, p. 107).

1 Modelo de Meade

Na versão de Meade, o nível do produto (Y) aparece como função do emprego

de capital, trabalho, terra e das inovações tecnológicas, incluídas na variável temporal

(t):Y = f (K, L, N, t) (1)

A variação do produto (∆Y) será igual à soma das variações do estoque de

capital (∆K) e do emprego de trabalho (∆L), multiplicadas pelas produtividades

marginais respectivas (Pmg), além do crescimento residual do produto (∆Y’),

atribuído ao progresso técnico, T (toda terra estando ocupada, sua variação seria

nula), ou seja:∆Y = PmgK ∆K + PmgL ∆L + ∆Y ’ (2)

No equilíbrio concorrencial, as produtividades marginais do capital e do

trabalho serão iguais a suas remunerações respectivas (PmgK = ∆Y/∆K = r; PmgL =∆Y/∆L = w). Dividindo-se toda a equação (2) por Y e acrescentando-se K no numera-

16 Esta é uma versão ampliada da seção 11.3 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).

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dor e no denominador da parcela relativa ao capital e L na parcela do trabalho, tem-se

que:∆Y/Y = (rK/Y) (∆K/K) + (wL/Y) (∆L/L) + (∆Y’/Y) (3)

A taxa de crescimento do produto (∆Y/Y) depende das taxas de crescimento do

estoque de capital (∆K/K), do crescimento demográfico (∆L/L) e do progresso

tecnológico (∆Y’/Y = ∆T/T), bem como da participação da renda do capital e do

trabalho no produto total (rK/Y = Ky e wL/Y = Ly). Desse modo, a equação (3) pode

ser representada de uma forma mais simples (Paz e Rodrigues, 1972, p. 115):∆Y/Y = Ky (∆K/K) + Ly (∆L/L) + (∆Y ’/Y) (4)

O ritmo do crescimento econômico de uma economia dependerá das hipóteses

que se fizer acerca das variáveis envolvidas. Considerando-se nulos o crescimento

demográfico e o progresso técnico e os mesmos valores para Ky e Ly, o crescimento

econômico passará a depender da produtividade marginal do capital e do ritmo de seu

crescimento, bem como da propensão a poupar (s = S/Y). No equilíbrio, o investi-

mento torna-se igual à poupança (∆K = S = sY). Substituindo-se Ky em (4) por rK/Y,

tem-se que ∆Y/Y = (rK/Y) (∆K/K). Sabendo-se que ∆K/Y = s, então:∆Y/Y = rs (5)

A relação (5) diz que, sem progresso técnico e crescimento demográfico nulo, o

crescimento equilibrado exige que o produto cresça a uma taxa igual ao produto entre

a propensão a poupar e a produtividade marginal do capital (PmgK = ∆Y/∆K = r).Quanto maiores a propensão a poupar e a produtividade do capital, tanto mais

crescerá a economia. Com propensão a poupar constante, o crescimento dependerá

apenas da produtividade marginal do capital; porém, com um único fator variável

(rendimentos decrescentes), a economia tenderá ao estado estacionário; isso ocorrerá

mais rapidamente se a propensão a poupar for decrescente. Entretanto, os

rendimentos decrescentes da produtividade do capital poderão ser compensados por

propensões a poupar crescentes (Paz e Rodrigues, 1972, p. 117).

Com a hipótese de crescimento demográfico positivo e progresso técnico nulo,

a economia precisa crescer no mesmo ritmo do crescimento demográfico e da

acumulação de capital, para manter o crescimento equilibrado, isto é, sem

desemprego ou hiperemprego. Isso pode ser demonstrado a partir da equação (4),

sabendo-se que toda a renda se distribui entre capitalistas e trabalhadores, isto é, que

(wL + rK) = Y, então (wL/Y + rK/Y) = 1, ou (Ky + Ly) = 1. Supondo-se ∆Y/Y =

∆L/L, e sabendo-se que Ky = (1 – Ly), a equação (4) torna-se igual a ∆Y/Y = (1 – Ly)

(∆K/K) + Ly ∆Y/Y, ou:(∆Y/Y)(1 – Ly) = (1 – Ly) (∆K/K) (6)

Segue-se que, com ∆T/T = 0, então ∆Y/Y = ∆K/K = ∆L/L. Sem progresso

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técnico, taxas de crescimento diferentes para o capital e a população conduzem a

variações tanto nas remunerações dos fatores capital e trabalho, como nas

participações desses fatores na renda nacional. Logo, o crescimento equilibrado

depende da igualdade entre essas taxas. Maior crescimento demográfico requer

acumulação de capital na mesma proporção, para manter no longo prazo o

crescimento de Y, K e L em equilíbrio estável. Crescimento demográfico menor

aumenta os salários e o crescimento econômico se reduz. Nesse caso, é necessário que

o progresso técnico e o capital aumentem sua contribuição no crescimento econômico.

2 Modelo de Solow

O modelo de Solow chega a conclusões semelhantes às do modelo de Meade,

usando relações per capita. Relacionando poupança, acumulação de capital e

crescimento demográfico, ele procura explicar a variação do produto per capita. A

função de produção Y = T f(K,L), é transformada em termos per capita, Y/L = Tf(K/L,L/L), ou seja:

y = T f(k), (1)

onde y é a produção per capita, k é o capital per capita (a relação capital/trabalho) e Té o nível tecnológico, que afeta as produtividades marginais do capital e do trabalho

(Sachs e Larrain, 1995, p. 624).

No equilíbrio, I = S = sY; porém, uma parcela do investimento bruto, I,destina-se à depreciação do capital fixo (dK), sendo d a taxa de depreciação, de sorte

que ∆K = I – dK:

∆K = sY – dK (2)

Como Solow trabalha em termos per capita, a equação (2) precisa ser dividida

por L:

∆K/L = sy – dk (3)

A suposição básica de Solow é a de que, no equilíbrio estável, existe uma

relação k = K/L constante, de sorte que ∆Y/Y = ∆K/K = ∆L/L = n. A taxa natural de

crescimento demográfico, n, como em Harrod, apresenta-se como uma variável

exógena, que depende de fatores biológicos e culturais e não das variáveis do modelo.

Considerando o progresso técnico nulo, o equilíbrio estável exige que uma variação

positiva da relação k = K/L (maior quantidade de capital por trabalhador) seja

acompanhada por uma variação superior do estoque de capital, em relação ao

crescimento demográfico, n, ou seja:

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∆k/k = ∆K/K – n (4)

Dividindo-se (4) por L, obtém-se que ∆K/L = ∆k + nk ; substituindo-se o

segundo membro desta equação em (3), chega-se à equação fundamental de Solow:

∆k = sy – (n + d)k (5)

Esta equação fundamental afirma que o aumento do capital por trabalhador

(∆k), o aprofundamento do capital, precisa ser igual à poupança per capita (sy), menos

a ampliação do capital, (n + d)k. A proporção nk da poupança serve para equipar os

novos trabalhadores que ingressam no mercado de trabalho, com a mesma relação

K/L dos que já se encontram empregados; a parcela dk precisa ser usada para

depreciar o capital per capita adicional (Sachs e Larrain, 1995, p. 633).

No estado estável de longo prazo (logo, o aprofundamento do capital ∆k é

nulo), a poupança per capita sy torna-se igual à ampliação do capital (n + d)k, sendo

a relação K/L constante:

sy = (n + d)k (6)

Neste caso, a poupança agregada é suficiente para fornecer capital à população

que cresce a uma taxa n = ∆Y/Y e para a depreciação do capital existente.

A Figura 11.1 mostra o equilíbrio da economia no ponto E, o estado estável. O

formato da curva y indica que a função de produção apresenta rendimentos

decrescentes. A curva sy possui a mesma declividade da função de produção, y. A reta

da ampliação do capital, que passa por E, mostrando a igualdade entre sy e (n + d)k,

tem como declividade o termo constante (n + d), a taxa de crescimento natural, n,

mais a taxa de depreciação, d. Pontos a esquerda de E (sy > (n + d)k) mostram o

aprofundamento do capital (∆k > 0) e crescimento econômico superior ao

crescimento demográfico (∆Y/Y > ∆L/L).

Figura 11.1 Equilíbrio da economia no estado estável.17

17 Adaptado de Sachs e Larrain, 1995, p. 634.

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A tendência ao aprofundamento do capital pode ser explicada do seguinte

modo. Suponha que o capital per capita da economia seja k1, inferior ao capital

requerido de pleno emprego (ke). A quantidade de capital necessária para equipar os

trabalhadores adicionais com a mesma relação K/L existente e substituir o capital

gasto no processo produtivo é k1R, o que é inferior à poupança per capita disponível

k1S. O excesso de poupança por trabalhador, igual a SR, tenderá a expandir o capital

per capita até o ponto E; isso ocorrerá enquanto SR for positivo. À direita do ponto E,

a poupança disponível seria insuficiente para equipar os trabalhadores adicionais com

a mesma relação K/L dos trabalhadores já empregados e realizar a depreciação do

capital existente.

Percebe-se que as nações em desenvolvimento, com desemprego de

trabalhadores, encontrando-se em pontos à esquerda de E, tendem a crescer a taxas

superiores às das nações mais ricas, situadas à proximidade de E, o equilíbrio estável.

A conclusão do modelo é a de que a elevação da taxa de poupança, s, expande a

relação capital/trabalho, k, e a renda per capita, y, até a economia atingir o equilíbrio

estável de longo prazo, quando a taxa de crescimento y manter-se-á constante e igual

a n. Porém, uma vez atingido o equilíbrio estável, o aumento da poupança não

influenciará mais a taxa de crescimento do produto, a ponto de elevá-la acima da taxa

do crescimento demográfico.

Desconsiderando-se a depreciação dK, no ponto de equilíbrio estável E, com nk= sy, ter-se-ia que n = sy/k = s(Y/L)/(K/L) = sY/K = s/v, isto é, a taxa natural de

crescimento demográfico (sem progresso técnico) é igual à propensão a poupar (s),dividida pela relação capital/produto (v). Essa conclusão é idêntica a que se chega por

meio dos modelos de Harrod e Domar, como foi visto no Capítulo 5. Em outras

palavras, no equilíbrio de pleno emprego é a taxa de crescimento demográfico, n,

quem determina a taxa de crescimento do emprego de trabalho, do capital e do

produto. Valores diferentes para s e v não modificam a taxa requerida de pleno

emprego n, dada de forma independente das variáveis do modelo.18

Esse modelo descreve perfeitamente o ritmo de crescimento do fluxo circular

schumpeteriano, como foi visto no Capítulo 6 de Souza (2005). Na ausência de

inovações tecnológicas nesse fluxo circular, será o crescimento demográfico quem

determinará o ritmo do crescimento econômico. Um aumento da taxa de crescimento

demográfico, n, eleva as taxas de crescimento de Y, K e L, mas diminui a produção percapita. Na Figura 11.1, a reta (n + d)k deslocar-se-ia para cima e para a esquerda.

Como se observa, a igualdade entre sy = (n’ + d)k ocorreria em um ponto à esquerda

18 Solow usou a suposição de Harrod de que o crescimento da população é exógeno e de que a força de

trabalho, L(t), cresce no tempo t a uma taxa constante n, isto é, L(t) = Lo ent (Solow, 1956, p. 67).

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de E, como em S, reduzindo a produção per capita de ye para y1.19 A produção per

capita se reduz porque a função de produção y mantém-se a mesma (tecnologia

constante). Inversamente, quando o crescimento demográfico se reduz, a reta desloca-

se para a direita. As necessidades de ampliação de capital para atender aos novos

trabalhadores se reduzem, sobrando mais poupança (sy) para o aprofundamento do

capital (∆k). Embora ∆Y/Y diminua, a produção per capita aumenta (Sachs e Larrain,

1995, p. 640).

A introdução do progresso tecnológico no modelo de Solow (∆T/T > 0),

deslocando a função de produção per capita y para cima, implica que o mesmo

número de trabalhadores e idêntico estoque de capital exercem um impacto maior

sobre o nível de produção, do que na situação anterior. Em outras palavras, na

prática, para uma dada taxa de crescimento demográfico, n, precisa-se acrescentar a

taxa do progresso técnico ∆T/T = t, para se obter a taxa efetiva de crescimento do

produto real, ou seja:

∆Y/Y = (n + t) (7)

As produtividades do trabalho e do capital aumentam com maiores

conhecimentos, mais educação e melhor saúde para os trabalhadores, assim como

pelo uso de processos e máquinas mais eficientes, o que eleva o ritmo do crescimento

econômico. Tendo em vista que ∆K/K = ∆Y/Y = (n + t) e ∆L/L = n, constata-se que o

capital por trabalhador (K/L) e a produtividade do trabalho (Y/L) crescem no ritmo

do progresso técnico t, e que a relação K/Y permanece constante. Quanto maior o

crescimento do progresso técnico em relação ao número de trabalhadores, maior será

a produtividade do trabalho e tanto mais altas serão as taxas da acumulação de

capital e do crescimento econômico.

Finalmente, a importante conclusão do modelo neoclássico, tanto na versão de

Meade, como na de Solow, é a de que o ritmo do progresso técnico determina o

crescimento da renda per capita no equilíbrio estável de longo prazo. Isso pode ser

visto ao se subtrair a taxa de crescimento demográfico da taxa efetiva de crescimento

da renda, conforme a equação (7), ou seja, ∆Y/Y – n = t, tal que:

∆y/y = t (8)

Conclui-se que a contribuição neoclássica à teoria do crescimento econômico é

inegável e continua muito atual. O modelo de Solow mostra a dinâmica de longo

prazo de uma economia capitalista desenvolvida, que se dirige a um estado de

equilíbrio estável. Nesse ponto, o crescimento demográfico e a tecnologia determinam

o ritmo de crescimento equilibrado. As críticas afirmam, contudo, que o modelo

19 Imagine que a nova reta (n’ + d)k, partindo da origem, passe pelo ponto S.

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neoclássico, pressupondo perfeita flexibilidade de preços dos fatores, é muito

mecanicista e harmonioso; que ele não considera as expectativas empresariais, ao

excluir a função investimento, fator que pode afetar o crescimento equilibrado. Pelas

hipóteses de flexibilidade de salários e preços, mercados concorrenciais, perfeita

informação e capital maleável, “as expectativas nunca poderiam frustrar-se” (Jones,

1979, p. 109).20 Além disso, o progresso técnico aparece como elemento exógeno e

formado de modo independente dos parâmetros do modelo.

3 Teoria de crescimento com progresso técnico endógeno

A nova teoria que trata o progresso técnico como elemento ativo no processo

de crescimento, afirma que ele exerce efeitos expansivos sobre o produto ao elevar a

produtividade dos fatores e ao retransmitir esses efeitos entre as unidades produtivas.

A teoria do crescimento com progresso técnico endógeno tomou impulso nos anos de

1980, por não haver uma tendência à convergência dos produtos per capita entre

áreas com diferentes níveis de desenvolvimento iniciais. Pelo contrário, as

desigualdades entre regiões ou países ricos e pobres tendem a aumentar. Na ausência

de perfeita mobilidade dos fatores de produção K e L entre países ou regiões, as

desigualdades aumentam. O crescimento do produto não se explica apenas por K e L,

permanecendo uma parte importante não explicada, atribuída no modelo neoclássico

à tecnologia, A(t), a qual varia lentamente no tempo.

A teoria do crescimento endógeno não procura medir a parte não explicada

A(t), mas encontrar as fontes desse crescimento, as quais se encontram no interior do

sistema produtivo. Embora essa teoria tenha sido popularizada por Romer (1986), sua

origem é mais antiga, podendo ser encontrada nos artigos pioneiros: Investimento emcapital humano, de Schultz (1961); Implicações econômicas do aprender fazendo, de

Arrow (1962); Investimento humano, difusão tecnológica e crescimento econômico, de

Nelson e Phelps (1966); A taxa de retorno do investimento alocado na educação, de

Schultz (1967); Uma teoria econômica da mudança tecnológica, de Nordhaus (1969)

etc.

Estudando outras fontes de crescimento, além de K e L, Langoni (1976)

mostrou que a contribuição líquida da educação para o crescimento do produto foi de

15,7% no Brasil (1960/1970), 23% nos EUA (1950/1962) e de 10% na França

(1950/1962). Com relação ao Brasil, a contribuição do capital físico, entre

20 Esses pontos foram discutidos no Capítulo 5, através dos modelos de Domar, Harrod e de Kaldor.

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1960/1970, foi de 32%, contra 47% do trabalho (incluído os 15,7% da educação),

sendo de 21% a parcela do crescimento do produto não explicada por K nem por L,

sendo atribuída ao progresso técnico [A(t)] (Langoni, 1976, p. 27). Essa parcela não

explicada por K, nem por L, é muito importante para ser ignorada. Outras fontes

explicativas do crescimento econômico seriam investimentos em capacitação

tecnológica e geração de conhecimento. Os países subdesenvolvidos podem importar

tecnologias, além de investir em pesquisa tecnológica, gerando maior crescimento do

produto.

Outras fontes de crescimento são: (a) economias de escala, derivadas do

aumento do tamanho do mercado e do nível da produção; (b) elevação daprodutividade, decorrente da transferência de trabalhadores e atividades de setores

menos eficientes, como a agricultura, para os mais produtivos, como a indústria de

transformação; (c) economias externas, geradas pelas infra-estruturas criadas pelo

Estado e pela difusão do conhecimento entre os agentes produtivos. Melhorias dos

portos e das comunicações, reduzindo os custos das empresas, são economias externas

por não dependerem diretamente da ação da empresa, mas de outras unidades

produtivas, ou órgãos do governo. Privatizações e reformas institucionais são outros

exemplos de economias externas, podendo aumentar a oferta de produtos, melhorar a

eficiência dos serviços e reduzir seus custos. Deseconomias externas também podem

ocorrer, como uma desvalorização cambial, que aumenta os preços dos insumos

importados e os custos das empresas, gerando impactos depreciativos sobre o nível do

produto.21

3.1 Convergência espacial da renda per capita

Seja Y = A(t) K1−β L

β o produto de uma economia, β a elasticidade do produto

em relação ao trabalho e (1 – β) a elasticidade do produto em relação ao capital. Divi-

dindo-se esta função por L, obtém-se Y/L = A(t) K1−β

Lβ L−1 = A(t) (K/L)

1−β, ou y

= A(t) k1−β

, conforme definição da seção anterior. Derivando-se esta última relação,

chega-se a:

dy/y = (1 – β) dk/k + A’ (1)

A taxa de crescimento do produto per capita (dy/y) depende da taxa de

crescimento do capital per capita (dk/k) e de um crescimento residual (A’), atribuído

ao progresso tecnológico. Substituindo-se k por K/L na equação (1), e depois dK por

sY e Y pela função de Cobb-Douglas, chega-se ao seguinte resultado (Romer, 1994, p.

21 Há, contudo, um efeito oposto ao estimular as exportações e o crescimento do produto total.

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5):

dy/y = (1 – β) [s A(t)1/(1−β)

y (−β )/(1−β)

– n] + A’ (2)

Observa-se que a taxa de crescimento do produto per capita dependerá da

elasticidade do produto em relação ao trabalho (β), da propensão a poupar, do nível

tecnológico inicial [A(t)], do nível do produto per capita, do crescimento demográfico

e do progresso técnico residual (A’). O parâmetro β é fundamental, porque vai influen-

ciar o tempo em que ocorrerá a convergência dos produtos per capita entre um país

desenvolvido e um país subdesenvolvido. Considerando-se dois países com os mesmos

parâmetros [A(t)], β, n e A’ = 0 e conhecendo-se os produtos per capita, pode-se

calcular a propensão a poupar de cada país para que eles cresçam à mesma taxa.

Neste caso, é preciso que o país com maior produto per capita tenha maior propensão

a poupar.

Sendo β = 0,6, o expoente (–β)/(1 – β) do produto per capita y da equação (2)

será igual a – 1,5. Considerando-se as suposições acima, um país com produto percapita dez vezes menor, como as Filipinas em relação aos EUA (1960), deveria crescer

de modo mais acelerado.22 Para que os EUA cresçam no ritmo das Filipinas seria

preciso que sua taxa de poupança (e a taxa dos investimentos) fosse 31,62 vezes

maior.23 Como os países desenvolvidos não possuem propensão a poupar dessa

magnitude, a conclusão do modelo neoclássico é a de que o país mais pobre terá taxas

de crescimento mais altas, levando à convergência do produto per capita no longo

prazo.24 Porém, os países desenvolvidos serão mais produtivos se o estoque inicial de

conhecimento for maior. Desse modo, eles crescerão mais do que os países pobres,

porque “cada unidade do capital investido aumenta tanto o estoque de capital físico,

como o nível da tecnologia de todas as firmas da economia, através da difusão do

conhecimento” (Romer, 1994, p. 7). Isso contribuirá para o aumento das

desigualdades econômicas.

Pela equação (1), verifica-se que, se β = 0,6 e considerando-se A’ = 0, a contri-

buição do crescimento do capital per capita no produto per capita será de 0,4 vezes

dk/k. Se a contribuição do trabalho no produto β cair para 0,3, uma variação do

capital per capita (dk/k) expandirá 0,7 vezes o produto per capita. A presença de

22 Supondo, para ambos os países, que: s = 0,15; n = 0,02; A(t) = 2, β = 0,6, A’ = 0. Então, para as Filipinas

dy/y = 0,4 (0,15. 22,5.0,1−1,5 – 0,02) = 10,7%; para os EUA, dy/y = 0,4 (0,15. 22,5.1−1,5 – 0,02) = 0,32.23 Sendo y−β/1−β = 0,1−0,6/1−0,6 = 0,1−1,5 = 31,62. Multiplicando-se a taxa de poupança dos EUA (0,15) por 31,62 nafórmula da nota anterior, chega-se a uma taxa de crescimento para a renda per capita desse país de 10,7%, amesma das Filipinas. Se β = 2/3, então −β/1−β = −2 e a taxa de poupança dos EUA precisaria ser 100 vezes maior:0,1−2 = 100.24 Em 1990, a relação investimento interno bruto/PIB foi de 17% nos EUA e 24% nas Filipinas. Entre 1990/1999, oinvestimento interno bruto cresceu 7% nos EUA e 4,1% nas Filipinas, expandindo o PIB em 3,4% no primeiro paíse em 3,2% no segundo. Nos anos de 1980, o PIB dos EUA cresceu 3%, contra apenas 1% para as Filipinas. Como seobserva, esses dados não favorecem a hipótese da convergência do PIB per capita dos dois países entre 1980/1999.

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retornos decrescentes mais fracos, decorrentes da acumulação de capital, pode ser o

resultado de economias externas, fruto da difusão de conhecimentos na economia.

Barro e Martin estudaram dois conjuntos de Estados dos EUA; o conjunto mais

pobre (Carolina do Norte, Carolina do Sul, Virgínia e Geórgia) possuía renda percapita igual a 1/3 daquela do conjunto mais rico (Nova Iorque, Massachusetts e

Rhode Island). Seu trabalho considerou β = 0,6, −β /(1 – β) = −1,5 e (1/3) −1,5 =

5,2; isso significa haver uma diferença de cinco vezes na produtividade marginal do

capital, em favor dos Estados mais pobres (Sul). Entretanto, os Estados mais ricos

(Norte) vêm crescendo de modo mais acelerado há décadas, o que explica o aumento

da divergência do produto per capita no longo prazo. A explicação encontra-se na

dotação desigual do estoque de conhecimentos inicial, em favor do Norte, que tende a

se ampliar no longo prazo. Essas diferenças de tecnologia tendem a gerar importantes

economias externas no Norte e fatores desfavoráveis no Sul, que ampliam as

desigualdades regionais (Romer, 1994, p. 9).

Introduzindo-se o capital humano (H) na função de produção Y = A(t) K1/3

H1/3

L1/3

, o coeficiente – β /(1 – β) se reduz para 0,5 e a taxa de retorno dos capitais físico

e humano se reduzem para (1/3)0,5 = 1,73 vezes maior no Sul em comparação ao

Norte, o que não seria substancialmente muito elevado ao ponto de atrair o capital do

Norte e levar à convergência das rendas regionais per capita. Desse modo, no longo

prazo as desigualdades entre países e regiões tendem a aumentar. A conclusão é a de

que o modelo neoclássico de crescimento não consegue captar os efeitos externos,

endógenos, sobre o crescimento da produtividade.

Para captar esses efeitos externos, Romer (1994, p. 7) supôs que cada unidade

de capital aumenta tanto o estoque do capital físico, como o nível tecnológico das

firmas, por meio da difusão do conhecimento técnico. O progresso técnico aparece

como função do capital e do trabalho, isto é, A(K, L). Desse modo, a função de

produção da firma j será: Yj = A(K, L) Kj1−α

Lj α. O parâmetro α representa o efeito

privado e indica que a produção da firma j aumentará a %, quando ela aumentar 1% o

emprego de trabalho.

O estoque de conhecimentos A, como função do capital e do trabalho, foi

colocado por Romer na forma A(K, L) = Kγ L

− γ. O parâmetro γ > 0 representa o efeito

externo. A elasticidade negativa para o trabalho indica que o emprego de mais mão-

de-obra diminui o incentivo a adotar inovações, o que se traduz em menor difusão do

conhecimento na economia. Os efeitos privados que os diferentes α ’s do conjunto de

firmas exercem na economia ficam captados pelo parâmetro β da função de produção

agregada Y, ao qual devem ser acrescidos os efeitos externos, isto é, β = α – γ, sendo βo efeito agregado no conjunto das firmas. Desse modo, no modelo neoclássico, os

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efeitos do capital sobre a expansão do produto (1 – β) ficam subestimados ao não se

considerar a contribuição do progresso técnico e dos efeitos externos. As empresas

difundem externalidades sobre as demais, ao realizarem gastos em treinamento de

trabalhadores e na pesquisa tecnológica. Esses efeitos repercutem-se em toda a

economia, aumentando as produtividades marginais de K e L e elevando a

contribuição do progresso técnico A no produto Y.

Outros estudos mostraram que a convergência do produto per capita ocorre

muito lentamente, pela existência de externalidades mais importantes nos países ou

regiões mais ricas. No longo prazo, a difusão do conhecimento de regiões ou países

com mais altos A(K, L) deverá ocorrer em direção de países ou regiões com mais

baixos A(K, L), principalmente pelo surgimento de efeitos externos mais importantes

nas áreas mais pobres.

3.2 Abandonando a hipótese de concorrência perfeita

Na hipótese de concorrência perfeita, existe um número muito grande de

firmas, produzindo um bem homogêneo com um custo mínimo. Os preços pm são

dados pelo mercado e os lucros são normais. A função de produção Y = A(t) f(K, H, L)

é homogênea de grau um (rendimentos constantes à escala), significando que, para

dobrar a produção, necessita-se duplicar todos os insumos K, H, L. A tecnologia A(t) éuma variável temporal e determinada independentemente das variáveis do modelo.

No entanto, o conhecimento pode ser usado por muitas pessoas ao mesmo tempo, isto

é, a informação é um bem não rival. Nesse caso, para dobrar a produção, não é

necessário duplicar a tecnologia A(t). Um mesmo processo conhecido, Ai, pode ser

usado simultaneamente por um conjunto de firmas.

Enquanto cada fator é remunerado segundo suas produtividades marginais, o

conhecimento que uma firma assimila tende a produzir um retorno maior do que os

gastos efetuados para a sua apreensão. Porém, quanto mais a firma investir na

produção de conhecimento, tanto maior ele será e mais importantes serão os efeitos

desencadeados no conjunto da economia. Desse modo, no agregado, a tecnologia

aparece como um fator endógeno, dependente da aplicação de trabalho, capital físico

e capital humano, isto é, A = A (K, L, H). Além disso, como as descobertas são

protegidas por direito autoral, durante algum tempo, a informação não pode ser

considerada como um bem público típico. Firmas e indivíduos adquirem poder de

mercado e auferem rendas de monopólio decorrentes de descobertas. Essa

imperfeição de mercado, inserida no espírito do modelo schumpeteriano, reduz a

peculiaridade de bem não rival da informação (Romer, 1994, p. 13).

Page 42: Capítulos extras

Para considerar todos esses fatores, Romer (1986) estabeleceu uma função de

produção Y = A(R) f(Rj, Kj, Lj), em que Rj são os gastos em pesquisa e

desenvolvimento realizados pela firma j. Os conhecimentos que eles geram acabam

sendo difundidos no conjunto da economia. Ao serem internalizados pelas firmas i,eles contribuem para aumentar sua produção e seus lucros, sem realizarem os gastos

correspondentes. Desse modo, como Rj é um bem não rival, ele melhora a

produtividade dos fatores K, L e H, gerando, portanto, rendimentos crescentes à

escala. Em conclusão, as contribuições do capital físico e do capital humano sobre o

produto ficam subestimadas quando se consideram apenas seus efeitos sobre a

empresa que o aplicou. Contudo, esses investimentos beneficiam direta e

indiretamente outras unidades produtivas. Tais efeitos indiretos podem elevar

substancialmente a contribuição do capital no crescimento do produto, o que

explicaria grande parte do fator residual de crescimento (A’) do modelo neoclássico.

Desse modo, o conhecimento aparece como um fator de produção, como o

capital físico, o capital humano e a mão-de-obra. Conclui-se que a sociedade precisa

investir na geração de conhecimento, como investe em capital fixo e na educação dos

trabalhadores. Investimentos em novos conhecimentos geram externalidades, como

explicou Romer:

“A criação de novos conhecimentos por uma firma produz efeitos externospositivos sobre as possibilidades de produção de outras firmas, porque oconhecimento não pode ser perfeitamente patenteado ou mantido secreto. E oque é mais importante: a produção de bens de consumo como uma função doestoque de conhecimento e outros insumos exibe retornos crescentes; maisprecisamente, o conhecimento pode ter um produto marginal crescente”(Romer, 1986, p. 1003).

Em outras palavras, determinado percentual aplicado na expansão do estoque

de conhecimentos gera um aumento mais do que proporcional no nível do produto,

pelas interdependências entre os produtores. Dessa forma, os fatores externos dos

investimentos em ciência e tecnologia produzem retornos crescentes de escala,

implicando crescimento econômico superior ao crescimento demográfico e à variação

tecnológica inicial.

O capital humano, H, o capital físico, K, e a força de trabalho, L, estão

intimamente associados pelo conhecimento técnico, gerado internamente, ou

importado, e que se difunde entre os agentes produtivos, produzindo externalidades

positivas e que são captadas pelas empresas. Desse modo, o conhecimento surge como

um insumo na função de produção como o capital físico, o capital humano e a força

de trabalho. Para aumentar o produto per capita, além de aumentar o capital físico, a

Page 43: Capítulos extras

sociedade precisa investir também em saúde, educação e treinamento dos

trabalhadores, assim como na geração de novos conhecimentos técnicos. Estes

produzem externalidades positivas, que são apropriadas pelos agentes produtivos e

elevam o nível da produção agregada. Isso se explica porque o saber gerado pelas

novas tecnologias não pode ser totalmente patenteado, podendo ser internalizado e

aperfeiçoado por empresas rivais da comunidade.

As regiões ou países que mantiverem investimentos crescentes na ciência básica

e aplicada, na descoberta de novos produtos e processos de trabalho, bem como em

educação e saúde de sua população, deverão crescer mais rapidamente. Os

rendimentos crescentes da produção de conhecimentos deverão neutralizar os

rendimentos decrescentes em alguns setores de atividade, principalmente na

agricultura. Os países não inovadores poderão beneficiar-se da difusão internacional

do conhecimento técnico, se conseguirem importar tecnologia e, sobretudo, se forem

capazes de adaptá-las e produzir conhecimento próprio. Desse modo, eles também

poderão crescer a taxas mais elevadas, com melhoria dos indicadores de

desenvolvimento.

4 Conclusão

Partindo-se das análises de Meade e de Solow, constatou-se que o modelo

neoclássico é um instrumento simples e eficiente para mostrar a trajetória de

crescimento de uma economia no longo prazo. Constatou-se que as produtividades do

capital e do trabalho aumentam com maiores conhecimentos e que a renda per capitacresce com o progresso técnico no equilíbrio estável de longo prazo. Porém,

considerando-se duas regiões ou países com desigual nível inicial de renda per capita e

conhecimento técnico, as desigualdades entre eles deverão aumentar pela imperfeita

mobilidade espacial de fatores. A área com estoque inicial superior de conhecimentos

deverá crescer de modo mais acelerado pela existência de importantes economias

externas e pela adoção mais intensa de novas tecnologias. A conclusão é a de que a

convergência somente começará quando surgirem novos conhecimentos e economias

externas importantes nas regiões ou países mais pobres. Isso poderá acelerar-se pela

adoção de medidas favoráveis, que estimulem a difusão espacial do capital e do

progresso técnico.

A introdução do capital humano (H) na função de produção, reduzindo a

elasticidade do produto em relação ao trabalho, torna o modelo neoclássico mais

próximo da realidade. Contudo, o progresso técnico, considerado exógeno no modelo

neoclássico, na verdade depende dos próprios fatores K, L e H. Assim, quanto maior a

Page 44: Capítulos extras

acumulação de capital físico e o investimento em capital humano, tanto maior será a

geração de conhecimentos, o que repercutirá em maiores taxas de crescimento econô-

mico.

A criação de novos conhecimentos pelas firmas produz efeitos externos

positivos sobre as demais firmas, que elevam sua produção sem a realização de gastos

adicionais. Isso se explica porque as novas tecnologias não podem ser perfeitamente

patenteadas. O surgimento de imitadores aumenta a produção total, gera novos lucros

e novos investimentos. Isso implica rendimentos crescentes na economia, pois um

dado investimento inicial em pesquisa tecnológica gera retornos mais do que

proporcionais, em virtude das interdependências existentes entre as firmas e pela

possibilidade da imitação entre as empresas. Desse modo, embora as exportações, do

lado da demanda, sejam importantes fatores do desenvolvimento, principalmente

aquelas de produtos manufaturados, do lado da oferta, a geração de novos

conhecimentos, os investimentos em capital humano e no treinamento de trabalha-

dores, na pesquisa de novos produtos e novos processos são os elementos básicos para

completar o elenco dos fatores do desenvolvimento econômico moderno.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique a condição de Meade para que o crescimento do produto ocorra de modo

equilibrado com a acumulação de capital e emprego de trabalho.

2. Explique o significado do equilíbrio estável e por que as economias subdesen-

volvidas deverão crescer mais do que as economias desenvolvidas antes de atingi-

rem esse ponto.

3. Por que no equilíbrio estável a poupança não influencia o crescimento econômico

acima do crescimento demográfico?

4. Do que depende o crescimento da renda per capita no modelo neoclássico e o que

significa dizer que a tecnologia é exógena?

5. Por que o modelo neoclássico de crescimento não produz a convergência das

rendas regionais per capita? E quando isso poderá ocorrer?

6. O que significa elasticidade da produção em relação ao trabalho muito alta e por

que a elasticidade do conhecimento tecnológico em relação ao trabalho é

negativa?

7. Por que a contribuição do capital no crescimento econômico fica subestimada no

modelo neoclássico?

8. O que significa crescimento econômico com progresso técnico endógeno? Por que

o conhecimento é um bem não rival?

Page 45: Capítulos extras

9. Qual a principal conclusão destes modelos de crescimento?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LANGONI, Carlos Geraldo. A economia da transformação. Rio de Janeiro: Biblioteca do

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SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 46: Capítulos extras

4CRESCIMENTO ECONÔMICO DA RÚSSIA, MÉXICO EBRASIL25

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

1 Crescimento econômico da Rússia

A Federação Russa, reunindo 89 regiões, surgiu após a dissolução da União

Soviética em dezembro de 1991, a quem sucedeu como potência nuclear e membro do

Conselho de Segurança da ONU. Ela possuía 147 milhões de habitantes em 1999; a

parte européia concentra 80% da população e a maioria das cidades; seu vasto

território de 17,1 milhões de km2 é composto por imensas planícies inabitáveis na Ásia

(Sibéria), mas com imensas reservas de carvão, petróleo e gás natural. Nesse mesmo

ano, seu PNB atingiu US$ 332,5 bilhões, constituindo a 16a economia do mundo. Seu

PNB per capita de 1999, igual a US$ 2.227, no entanto, colocava esse país na 98a

posição no contexto mundial. No plano político, o principal problema decorre de

resistência da Chechênia ao domínio russo.26

A civilização russa originou-se no século 9 a.C. com migrações vindas da Ásia e

Europa, sobretudo normandos, turcos e gregos. Por sua posição geográfica, essa

região não fez parte do Império Romano, mas recebeu influência diversa. Alemães e

poloneses difundiram o catolicismo na região, influenciando a formação da língua

russa. No século 12, a região foi invadida pelos mongóis chefiados por Genghis Khan,

cuja ocupação durou de 1237 ao fim do século 15. Eles governaram do Báltico ao mar

da China, estabelecendo uma administração bem organizada, com cobrança de

impostos. No seio da dominação mongol surgiram três centros de poder: Galícia,

Novgorod e Moscou, que acabou se impondo política e economicamente sobre os

demais centros, por sua posição geográfica (Mirador, 1995, p. 10.105).

No reino de Pedro I, o Grande (1682-1725), modernizou-se a Moscóvia, a

futura Rússia. Para imitar as ações de soberanos ocidentais, ele cercou-se de

conselheiros estrangeiros e centralizou a administração; protegeu artesãos, técnicos e

construtores; fundou São Petersburgo, para onde transferiu a capital; mandou

traduzir livros e copiar os anais conservados nos mosteiros; ordenou a construção do

canal ligando Moscou a São Petersburgo. Em 1700, ele declarou guerra à Suécia e

25 Este texto constitui um anexo ao Capítulo 12 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).26 Esse país, de maioria muçulmana, declarou-se independente em 1991, provocando a guerra da Chechênia, com

mais de 100 mil mortes. Com a derrota, os chechenos vêm realizando atentados a bomba (300 mortos em 2003);em 2004 uma escola foi invadida, resultando na morte de 646 pessoas, entre elas 227 crianças.

Page 47: Capítulos extras

invadiu a Livônia, Estônia e o delta do Neva. Ao estabelecer a paz com a Suécia, em

1721, foi reconhecido o direito da Rússia sobre as regiões invadidas. A partir de então

estava aberta importante janela para o restante da Europa.

Catarina II (1725-1762) conquistou grande prestígio ao corresponder-se com

os enciclopedistas franceses e com reis europeus. Ela protegeu os pensadores e as

artes. Aproveitou o seu carisma para realizar reformas políticas e administrativas.

Prosseguiu a expansão externa, absorvendo grande parte da Ucrânia, a Bielorrússia e

parte da Polônia; em 1783 anexou a Criméia. Foi a era do absolutismo esclarecido:

construíram-se hospitais e orfanatos; foi criada a academia de literatura e lingüística;

foi incentivada a educação e a assimilação da cultura ocidental (Mirador, 1995, p.

10.110).

Alexandre I (1801-1825) expulsou Napoleão e Nicolau II (1894-1917) e foi

destronado pela Revolução Bolchevique. As idéias de Marx e Engels haviam penetrado

na Rússia no final do século 19. Em 1896, 30 mil operários de São Petersburgo

entraram em greve e em 1898 surgiu o Partido Social-Democrático dos Trabalhadores

Russos. A derrota russa diante dos japoneses, em 1895, favoreceu os revolucionários,

que intensificaram a sua ação até 1914. A situação econômica era crítica no fim da

Primeira Guerra Mundial: inflação alta e escassez de mão-de-obra na indústria e

agricultura. A Revolução ocorreu em 1917, surgindo a União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), que abrangia as repúblicas da Rússia, Ucrânia,

Bielorússia e Transcaucásia (Mirador, 1995, p. 11226).27

1.1 A Revolução Soviética

Entre 1900 e 1917, a economia russa se encontrava em uma situação

intermediária entre as economias atrasadas e as regiões de alto desenvolvimento

industrial. Em alguns setores, a indústria russa era bastante moderna e se

caracterizava por alta concentração da produção, propriedade e controle. Havia

poucas zonas industriais, destacando-se os distritos de Leningrado e Moscou. Assim,

menos de 15% da população vivia nas cidades, e menos de 10% trabalhava na

indústria. A maioria das fábricas existentes era importada e financiada com capital

estrangeiro. Certo número de trabalhadores, o pessoal administrativo e de nível

técnico, bem como os executivos, eram estrangeiros. O sistema ferroviário era o mais

atrasado da Europa ocidental. O setor externo era muito dependente do ocidente,

principalmente do mercado alemão. Mais de 50% das exportações russas eram

27 Os soviéticos reconheceram a independência da Finlândia em 6-12-1917, mas não cederam a da Ucrânia. A URSS possuía

um território de 22,4 milhões de km2.

Page 48: Capítulos extras

constituídas por cereais e produtos alimentícios, principalmente trigo, e 36%

correspondiam a matérias-primas e produtos semimanufaturados. Pelo lado das

importações, 1/3 era de produtos manufaturados e 50% do total compunham-se de

algodão, lã, seda e metais ferrosos (Dobb, 1972, p. 44).

A produtividade da agricultura era baixa, o que contribuía para o reduzido

nível de vida na Rússia, uma vez que 80% da população vivia desse setor. A proporção

de terra cultivada era relativamente pequena, correspondendo a 25% da área total do

país. A densidade demográfica era grande se comparada com a dos EUA. Embora as

terras russas fossem bastante férteis, o rendimento da agricultura russa era baixo pelo

emprego de técnicas agrícolas inadequadas e baixa intensidade de capital. Diante das

dificuldades, o produtor rural buscava uma ocupação adicional, assalariando-se ou

montando em casa um artesanato. Desse modo, a escassez de alimentos era cada vez

maior e não atendia às necessidades da população. Durante o ano de 1917,

produziram-se movimentos sociais intensos demandando reforma agrária. Houve

muitos casos de destruição e violência.

Os trabalhadores do setor industrial, de sua parte, desejavam melhores salários

e redução da jornada de trabalho para oito horas. Assim, com o novo governo, o bloco

proletário-camponês passou a apoiar o regime comunista. Tendo chegado ao poder,

um dos primeiros atos de Lênin foi abolir o direito dos proprietários de terra, sem

qualquer compensação. A partir desse momento, todo cidadão passou a ter o direito

de trabalhar em uma parcela de terra por tempo indeterminado. A intenção foi

repartir a terra, mantendo uma parcela considerável nas mãos do Estado, a fim de

criar empresas-modelo estatais. Contudo, a quantidade de terras em mãos dos

camponeses passou de 70% para 96% do total da área agriculturável. A produção

agrícola ficou sob controle quase completo dos pequenos camponeses (Dobb, 1972, p.

86).

O novo regime soviético não previa a transição imediata para uma economia

socialista. Desejava-se primeiro consolidar o poder político e evitar a desintegração

econômica por uma possível greve de capitais que o governo pretendia dominar.

Assim, as primeiras medidas visaram ao controle da indústria, para que ela

continuasse se expandindo. Pretendia-se implantar um capitalismo dirigido,

controlado por normas de caráter econômico. Durante o Governo Lênin (1917-1924),

outras medidas importantes foram a nacionalização das indústrias e dos bancos

estrangeiros, assim como o pagamento de reparações de guerra à Alemanha. A

oposição, liderada por bolcheviques e czaristas, se uniu, iniciando a resistência militar

contra o novo governo, formando os “russos brancos”. Em socorro aos brancos,

desembarcaram no país tropas francesas, inglesas, japonesas e norte-americanas,

desencadeando uma guerra civil que perdurou de 1917 a 1921. O exército vermelho

Page 49: Capítulos extras

bolchevique saiu vitorioso, mas arruinou a economia russa. A situação econômica era

desesperadora em 1921; em relação a 1913, a produção agrícola havia caído 2/3 e a

indústria quase 90%; cerca de 5 milhões de pessoas morreram de fome. As minas de

carvão estavam paralisadas e as estradas de ferro destruídas. A circulação interna de

mercadorias havia praticamente cessado. A população de Moscou reduziu-se de 2

milhões em 1918, para 1,2 milhão em 1921 (Niveau, 1969, p. 456).

Lênin instituiu o capitalismo de estado através da Nova Política Econômica

(NEP), envolvendo o planejamento estatal da economia, combinando princípios

socialistas com elementos capitalistas. A NEP estimulava a pequena manufatura

privada e o livre comércio, cabendo ao Estado cerca de 10% da produção camponesa.

O restante dirigia-se livremente ao mercado, estimulando a produtividade e a

normalização do abastecimento. Entendia-se que a implantação do regime socialista

exigia o fortalecimento prévio da economia com algumas medidas capitalistas. Assim,

o governo liberou o comércio interno e autorizou grande número de empresas

industriais nacionalizadas a competirem livremente no mercado, mas manteve o

monopólio do comércio externo. Entre 1922 e 1924, a produção soviética

quadruplicou e a agricultura começou a se recuperar dos efeitos da grande seca e da

guerra civil. Lênin morreu em 21-1-1924, no momento em que a prosperidade da

“nova burguesia” (rural e urbana) começava a inquietar o governo comunista. Nesse

ano, as potências ocidentais reconheceram o governo comunista soviético. Stalin

sucedeu a Lênin (1924/1953) e em 1928 foi adotado o primeiro plano qüinqüenal,

elaborado pela Gosplan.28 Intensificou-se a coletivização da economia soviética: em

1926, 20% da produção industrial provinha do setor privado, quantia que se reduziu

para 5,6% em 1930 e para 0,5% em 1932, quando se proibiu o comércio privado

(Niveau, 1969, p. 465).

1.2 Planos qüinqüenais soviéticos

Stalin centralizou o poder e eliminou a oposição; através do planejamento, ele

deu prioridade à indústria pesada. O primeiro plano (1928/1932) concentrou seus

esforços na supressão da propriedade individual e no aumento da produção. A

produção agrícola e o comércio diminuíram, assim como os salários reais. Os objetivos

do plano não foram alcançados. O segundo plano (1933/1937) caracterizou-se por

uma planificação mais homogênea dos vários setores da economia, mas manteve a

prioridade da produção de bens de capital. Desta vez, maior demanda de matérias-

primas aumentou a produção agrícola, o emprego e a renda. O terceiro plano

28 Comissão Estatal de Planejamento criada em 1921 para garantir o plano de eletrificação. Em 1928, a Gosplan

passou a ser responsável pela elaboração e execução do planejamento centralizado soviético.

Page 50: Capítulos extras

(1938/1942) foi perturbado pela Segunda Guerra Mundial. A produção industrial de

armamentos superou a produção de bens para o atendimento da população. No

quarto plano (1946/1950) procurou-se recuperar a economia. A partir de 1947

observou-se grande melhoria na agricultura e a produção do conjunto da indústria

elevou-se para 90% do nível de antes da guerra, sendo ultrapassado em 1948. Os

soviéticos recusaram a ajuda do Plano Marshall, iniciando-se a Guerra Fria, com a

concentração dos investimentos na indústria pesada, armamentos e energia nuclear

(Niveau, 1969, p. 471).

O quinto plano qüinqüenal (1951/1955) tinha como principais traços um ritmo

de incremento da produção industrial de 72% e a diminuição das desigualdades entre

as taxas de crescimento dos principais departamentos da indústria, produtora de bens

de capital e de consumo. Durante os primeiros anos da década de 1950, a situação da

agricultura havia piorado bastante. Esse foi um dos motivos que levaram o plano a

centrar-se na agricultura. O sexto plano (1956/1960) não se diferenciou muito do

anterior. O crescimento total da produção industrial foi estabelecido em 65%. Em

geral, os objetivos foram alcançados, mas a produção de bens de consumo ficou

abaixo da média geral. Esse plano foi substituído no final de 1958 por um novo plano

de sete anos, para o período de 1959/1965. O crescimento anual projetado para a

indústria foi de 8,6%. A renda nacional deveria aumentar durante o período entre 62

e 65% (Dobb, 1972, p. 315).29

Após a morte de Stálin, em 1953, assumiu o poder Nikita Kruschev, que

governou até 1964, quando foi destituído por membros da burocracia stalinista.

Kruschev buscou certa abertura da economia, ao defender maior intercâmbio político-

econômico com o bloco ocidental. Assim, condenou o centralismo administrativo, a

burocracia e a repressão stalinista. Defendeu a dinamização socialista e o estímulo à

produção de bens de consumo, buscando elevar o padrão de vida da população. No

plano externo, ele buscou uma aproximação com os EUA, sendo o primeiro dirigente

soviético a visitar esse país, em 1959. Esse fato levou a China a romper relações com a

União Soviética, em 1960. Essa aproximação, no entanto, foi interrompida quando os

soviéticos passaram a tutelar Cuba.

Com a destituição de Kruschev, em 1964, assumiu Leonid Brejnev, que retomou

o centralismo administrativo, contrariando a abertura política promovida pelo

governo anterior. Renasceram as disputas com os países capitalistas, motivando a

corrida armamentista. Nesse período, consolidou-se o crescente atraso tecnológico e

econômico soviético frente às economias capitalistas mais desenvolvidas. Nesses 18

anos de poder, Brejnev sufocou qualquer abertura com o Ocidente, embora o

29 Em 1955, a produção industrial soviética equivalia a 23% da produção industrial americana, contra 14% em

1913. Observa-se que o crescimento econômico foi bastante intenso, graças ao planejamento estatal (Niveau,1969, p. 481).

Page 51: Capítulos extras

Presidente Richard Nixon (1968/1974) houvesse tentado uma aproximação. Com a

invasão soviética do Afeganistão em 1979, as conversações acerca da limitação das

armas nucleares foram mais uma vez interrompidas. Para os soviéticos essa limitação

era fundamental, porque não suportavam mais os crescentes gastos militares. A

economia de guerra drenava capitais e mão-de-obra mais qualificada, o que

prejudicava o desenvolvimento dos demais setores econômicos. Além disso, a partir

dos anos de 1970 passou a influir negativamente na economia e na opinião pública

soviética a questão agrícola. Na década de 1980, a agricultura absorveu mais de um

quarto dos investimentos totais do país, ao mesmo tempo em que apresentava

produtividade muito baixa.

1.3 O Governo Gorbatchev e a desintegração da URSS

Brejnev faleceu em 1982 e Mikhail Gorbatchev assumiu o governo da União

Soviética em 1985. Suas principais realizações foram a glasnost e a perestroika. A

glasnost foi a uma política de abertura política, econômica e cultural, com

transparência das questões soviéticas, visando ao combate da corrupção e da

ineficiência na administração. A perestroika foi o plano de reestruturação do sistema

político e econômico da União Soviética. Assim, Gorbatchev retirou os excessivos

controles da economia, fruto do rígido planejamento estatal, e simplificou a estrutura

administrativa do país.30 Em 1989, houve a primeira eleição livre para o Congresso;

em 1990, reorganizaram-se os partidos políticos, pondo fim ao partido único. Em

1991 foi aprovado um programa para a volta da economia de mercado, com a

liberalização dos preços, privatização de empresas e estímulo ao comércio exterior.

Em 1991, Gorbatchev sufocou um golpe de Estado, com o apoio da população. A

tentativa de golpe de Estado abriu as portas para o movimento de independência das

repúblicas que compunham a União Soviética, dando início à desintegração. Surgiu a

Comunidade de Estados Independentes, composta pela Rússia, Ucrânia a Bielorússia.

Em 1992, a União Soviética foi extinta; Gorbatchev renunciou e transferiu ao

presidente da Rússia, Bóris Yeltsin o comando do arsenal nuclear.

Em termos econômicos, a Rússia é a parte mais importante da ex-União

Soviética; em 1990, ela mantinha cerca de 62% do potencial produtivo do antigo

bloco. A partir das privatizações, as mudanças tornaram-se visíveis em todos os

setores econômicos. No início, houve queda da produção industrial, mas a economia

conseguiu recuperar-se rapidamente. O seu grande trunfo é a grande riqueza de

recursos minerais de praticamente todos os tipos, que atendem às necessidades

30 Ver o Capítulo 4, seção 4.3 (Conclusão).

Page 52: Capítulos extras

internas e permitem a exportação. Petróleo, gás e carvão constituem 71% das reservas

totais dos recursos minerais, seguindo-se os metais ferrosos, não ferrosos e metais

raros com 13%. Com a retomada do crescimento industrial e o ressurgimento da

economia de mercado, a renda da população mais do que duplicou, estimulando a

expansão dos investimentos. Os indicadores econômicos mostram, em 2002, que a

economia ultrapassou os níveis anteriores à crise de 1998 e a Rússia voltou a

amortizar normalmente as suas dívidas (<http://users.linkexpress.com.br/embrus/

economic.htm>).

O aumento dos preços internacionais do petróleo aumentou o volume de

divisas para a Rússia, permitindo-lhe o pagamento da dívida externa, sem necessidade

de reestruturação e de recorrer a novos empréstimos externos. Esse país é o segundo

maior exportador de petróleo, depois da Arábia Saudita. A recuperação econômica e a

transformação política valeram à Rússia a entrada no G-8.31 Internamente, a maior

parte do orçamento para 2003 foi reservada para investimentos na educação,

seguindo-se investimentos nas áreas de segurança, saúde, transportes e infra-

estruturas. Os aportes financeiros do governo para a maioria dos setores econômicos

estão sendo reduzidos gradualmente, ficando estes sujeitos aos mecanismos do

mercado (energia, indústria, agricultura, construção civil, auto-estradas,

comunicações e informática). Em 2002, o PIB russo cresceu 4% e foram colhidas 85

milhões de toneladas de grãos; as reservas externas aumentaram 30%, chegando a

US$ 47,7 bilhões, e a dívida externa reduziu-se para US$ 120 bilhões, ou 40% do PIB.

A taxa de desemprego é de 7,5%, o que representa 5,4 milhões de desempregados.32

Em 2003, o PIB russo cresceu 4,5%, devendo aumentar para 6% entre 2005/2006 se

os preços internacionais do petróleo estiverem acima de US$ 21,5 por barril e se for

crescente o afluxo de capitais estrangeiros (US$ 12,9 bilhões em 2002)33. Assim, a

expectativa é a de que o PIB russo duplique até 2010 (<http://consrio.narod.ru/br/

artigos/economika/17/htm>).

2 Crescimento econômico do México

A economia mexicana, com um PNB de US$ 429 (1999), é a segunda maior da

América Latina, depois do Brasil. O México possui um território de 1.958 km2 e uma

população de 97 milhões de habitantes (1999). A proximidade com os EUA torna esse

país seu principal parceiro comercial. O comércio externo passou a comandar o

31 Grupo dos países mais desenvolvidos do mundo: EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Itália e Canadá,

que inclui agora a Rússia, principalmente por seu poder bélico.32 Em outubro de 2002, a população russa era de 145,1 milhões de pessoas.33 Em setembro de 2004, o preço do petróleo ultrapassou US$ 50 por barril.

Page 53: Capítulos extras

crescimento econômico do país depois que ele passou a formar o NAFTA,34 juntamente

com os EUA e o Canadá.

Antes da chegada dos espanhóis, a região onde hoje fica o México era ocupada

pelos maias, toltecas e astecas, civilizações muito antigas. Os maias eram uma

civilização agrícola que remonta ao século 15 a.C.; eles ergueram pirâmides e criaram

um calendário. A atual cidade do México foi fundada em 1325 pelos astecas,

consolidando um poderoso império. Entre 1519 e 1521 a civilização asteca, no

reinado de Montezuma II, foi destruída por Hermán Cortés. Em 1526, os maias foram

dominados e o México passou a integrar o Vice-Reino da Nova Espanha. A extração e

a exportação de prata formavam a base econômica da colônia. A corrupção e o

autoritarismo da Metrópole levaram à Independência Mexicana em 1821, com Agustín

de Iturbide aclamando-se imperador. A República Mexicana foi proclamada em 1824.

Entre 1836, o México sofreu a independência do Texas, que foi anexado pelos

EUA em 1845. Isso provocou guerra entre os dois países (1846/1848). Com a derrota,

o México perdeu os territórios da Alta Califórnia, Novo México, Utah, Nevada, Arizona

e oeste do Colorado. A promulgação de uma constituição liberal em 1857 lançou o

país em uma guerra civil (1858/1861), vencida pelos liberais, em detrimento dos

conservadores. O presidente Benito Juárez recusou pagar a dívida externa e o país foi

invadido pela Inglaterra, Espanha e França. Os franceses, ao invadirem a capital,

coroaram o austríaco Maximiliano de Habsburgo imperador do México. A monarquia,

no entanto, foi derrubada em 1867. Depois de alguns anos, emergiu a ditadura de

Porfírio Díaz.

A economia conheceu alguma estabilidade entre 1878 e 1910, quando cresceram

as exportações agrícolas e minerais. Havia terras férteis em abundância, assim como

mão-de-obra e recursos minerais subutilizados. Os mercados mundiais estavam em

expansão. O que limitava a produção interna era a escassez de divisas para a

importação de bens de capital. Isso foi contornado, em parte, pelo aumento da

inversão estrangeira no período e pelo aporte de capacidade empresarial. O setor

agrícola de exportação cresceu acima de 5%. A taxa de crescimento do PIB passou de

0,5% entre 1877/1900 para 2,2% entre 1900/1910 (Reynolds, 1973, p. 41).

2.1 A Revolução Mexicana

Em 1910, o candidato à sucessão de Porfirio Díaz, Francisco Madero, foi

derrotado por fraude nas eleições presidenciais. A reação em apoio a Madero deu

origem à Revolução Mexicana. Rebeldes e camponeses chefiados por Pascual Orozco,

34 NAFTA é a sigla de North American Free Trade Agreement.

Page 54: Capítulos extras

Pancho Villa e Emiliano Zapata venceram as forças federais e colocaram Madero no

poder. Porém, os revolucionários que exigiam reforma agrária depuseram Madero em

1913, quando se instaurou uma ditadura. Seguiu-se uma sucessão de conflitos,

culminando com as eleições presidenciais de 1920. Os setores mineiros e petroleiros,

protegidos por exércitos privados, ficaram isolados dos conflitos armados. Entre 1901

e 1920, eles cresceram a uma taxa média anual de 5,6%, contra 2,5% para o PIB,

1,7% para a indústria e apenas 0,1% para o setor agrícola (Reynolds, 1973, p. 45). A

indústria e a agricultura, dependentes do mercado nacional, ficaram prejudicados pela

turbulência interna. Nesse período revolucionário, desorganizou-se a economia

mexicana. A moeda foi muito desvalorizada e o sistema bancário praticamente

desapareceu. As ferrovias ficaram destruídas e o sistema de comunicações tornou-se

muito precário.

O México somente voltou à normalidade em 1920, mas ainda não havia clima

para investimentos. O governo procurou no exterior novos mercados e novas fontes de

financiamento, o que estimulou a economia nos anos seguintes. No entanto, a

recuperação econômica foi prejudicada seriamente com a depressão mundial de 1929,

que derrubou o nível de renda e de emprego. O período de 1925 a 1934 foi de

transição e de consolidação de uma economia mista, tendo de um lado a iniciativa

privada e, de outro, forte controle governamental. O Banco do México tornou-se o

órgão financeiro central e único banco de emissão. O governo criou um banco agrícola

para financiar a agropecuária com juros mais baixos. Foram instituídos bancos de

fomento para financiar obras públicas de alto custo e menor rentabilidade. O Estado

tornou-se responsável pelo controle dos recursos naturais não renováveis. Nos anos de

1930, a economia iniciou uma recuperação gradual da Grande Depressão, sob a

liderança da indústria petrolífera e da agricultura comercial. Isso foi o resultado de

diversas reformas estruturais, como nacionalização e melhoria das ferrovias,

intensificação da reforma agrária e nacionalização da indústria petrolífera (extração,

refino, comercialização e petroquímica). Nesse período, a indústria cresceu 4,3% ao

ano, a agricultura 2,7% e a produção mineira e petrolífera 1,9%. Em 1940, o PIB

atingiu o nível de 1925 (Reynolds, 1973, p. 51).

Na década de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, o México foi obrigado a

buscar a auto-suficiência em vários setores, o que acelerou a industrialização. Ao

terminar a Guerra, o país continuou voluntariamente o processo de substituição de

importações, com fortes financiamentos governamentais. A iniciativa privada,

amparada pelo governo, assumiu a liderança do desenvolvimento. Nos anos de 1940 o

PIB cresceu a uma taxa média anual de 6,7%, contra 2,8% para o crescimento

populacional, com a renda per capita crescendo 3,9%. A taxa de crescimento anual da

produção foi de 8,1% para indústria, 5,8% para agricultura e 2,5% para os setores de

Page 55: Capítulos extras

extrativa mineral e petrolífero (Reynolds, 1973, p. 55). Esse crescimento foi

impulsionado pelas exportações, devido ao aumento da demanda mundial. Os efeitos

multiplicadores das exportações repercutiram no setor de mercado interno. Ao mesmo

tempo, o governo restringia importações de bens de consumo e incentivava as

importações de bens de capital, que eram pagas com as divisas acumuladas durante a

Guerra.

2.2 O crescimento econômico mexicano entre 1950/1970

O aparato protecionista criado em 1947 tinha como finalidade economizar

divisas. Na década de 1950, o esquema avançou para vários produtos. Com o tempo,

isto levou a uma política explícita de industrialização baseada na substituição de

importações. Para que a política tivesse êxito, o governo estabeleceu subsídios e

implantou infra-estruturas. Até a metade dos anos 1950, o câmbio valorizado impedia

o funcionamento eficaz da substituição de importações. Mais tarde, a moeda

desvalorizou-se e a redução de importações fortaleceu as indústrias nacionais.

Medidas fiscais eliminaram as expectativas inflacionárias e o aumento da inversão

privada elevou o crescimento econômico.

Nos anos de 1950, o PIB cresceu 6,1% e a renda per capita 3%. Já na década de

1960 essas taxas subiram, respectivamente, para 7,1% e 4,1%. As forças de

crescimento da economia mexicana continuavam apresentando um caráter endógeno,

tanto do lado da oferta como do lado da demanda. A produção aumentou mais para o

mercado interno do que para a exportação, em função do dinamismo de crescimento

da renda interna. No início dos anos 1960, estudos apontavam a necessidade de se

abrir a economia. No entanto, o crescimento continuava fundamentado no mercado

interno; resultou aumento do déficit público e da dívida externa. A economia

procurou aprofundar a substituição de insumos e bens de capital (produtos químicos,

derivados de petróleo, borracha e plástico). Na década de 1960, a economia

continuou mantendo alta taxa de crescimento do emprego e da renda, com baixa

inflação. A produção manufatureira liderou o crescimento econômico, com uma taxa

média anual de 7,3% nos anos 1950 e de 8,1% nos anos 1960 (Reynolds, 1973, p.

60).

2.3 O período do desenvolvimento compartilhado (1970/1980)

Na década de 1970 houve a última tentativa de revitalização do Estado

populista; o aumento dos gastos públicos e dos preços do petróleo elevou a taxa de

Page 56: Capítulos extras

crescimento da economia mexicana, entre 1971/1981, para 6,7% ao ano, em média.

O setor agropecuário continuou perdendo importância na produção nacional. As

importações aumentaram para 9,7% do PIB, enquanto as exportações atingiram 7,7%.

A balança comercial deteriorou-se e a inflação aumentou, levando à abertura

econômica dos estados fronteiriços para o comércio e inversão estrangeira; isso

representou uma ruptura do México com o modelo de substituição de importações. A

nova liberalização significou a adoção do programa das indústrias maquiladoras, que

desde a década de 1960 haviam estimulado o desenvolvimento da manufatura para

exportação. Contudo, a economia não era competitiva, pois o câmbio havia se

valorizado 50% entre 1970/1975. O financiamento do gasto do governo elevou a

dívida pública. Em meados dos anos 1970 a deterioração do crescimento econômico e

as deficiências estruturais, tanto do setor industrial quanto do agrícola, se vinculavam

à crise financeira e à deterioração do balanço de pagamentos. O déficit fiscal, a

sobrevalorização do peso, a inflação e a fuga de capitais pelas importações deram

início a uma prolongada crise. O descobrimento de petróleo na baía de Campeche

alimentou as falsas esperanças do populismo (<http:/mx.geocities.com/gunnm_

dream/desarrollo_ compartido.html>).

2.4 As crises do período entre 1980/1995

A desvalorização do dólar norte-americano afetou a economia mundial a partir

de 1982. Mais tarde, os problemas monetários decorrentes e a desregulamentação

financeira em todo o mundo multiplicaram os movimentos de capitais. A crise

mexicana do período 1980/1995 começou com a desvalorização de 1976, no contexto

mundial de reestruturação do sistema monetário com a passagem de taxas de câmbio

fixas para flutuantes. Em 1982, a crise foi provocada pela queda dos preços do

petróleo e pela explosão da crise da dívida externa que envolveu 40 países. A

moratória mexicana de agosto de 1982 desencadeou a crise da dívida na América

Latina, gerando queda contínua do PIB na década perdida, principalmente no Brasil.

Em 1987, as bolsas de valores de todo o mundo tiveram uma queda de 30 a 40%; e,

em 1994, houve novas desvalorizações desencadeadas pelo efeito tequila.

A crise iniciada em 1982 gerou recessão entre 1982/1987 (−0,5%), com

crescimento moderado de 3,1% em 1989/1994 (contra 8,6% entre 1970/1981). A

relação dívida externa/PIB subiu de quase 36% em 1977, para 62% em 1983 e 78%

em 1987 (75% em 1994). A origem da crise da dívida nos anos de 1980 resultou do

aumento desproporcional dos juros pela concentração da dívida com vencimentos de

curto prazo e com taxas variáveis. O investimento/PIB, estável nos anos de 1970 em

18,5%, chegou a 26,4% em 1981, para declinar para 5,5% em 1983

Page 57: Capítulos extras

(<www.azc.vam.mx/ publicaciones/etp/num9/a4.htm>).

2.5 O período pós-1995

O Tratado do NAFTA foi assinado em 1993, gerando impactos mais

significativos sobre o comércio externo a partir de 1996. Com o NAFTA e as reformas

econômicas de 1995, aumentaram os investimentos externos diretos. A economia

mexicana atingiu um crescimento de 6% (1996/1997) e de 6,9% em 2000, com

inflação em baixa (52% em 1995, para 19% em 1998). Os fatores do crescimento

econômico foram as exportações manufaturadas e a reativação do consumo privado

interno. As exportações subiram de US$ 21,9 bilhões em 1986 para US$ 95,6 bilhões

em 1996 e para US$ 160 bilhões em 2002. As importações, por seu turno, cresceram

de US$ 88,8 em 1996 para US$ 168,1 em 2002. Houve uma “quebra estrutural” na

corrente de comércio do México após a implantação do NAFTA (Banco Central do

México). A renda real per capita mexicana cresceu 4,1% entre 1996/2000, após ter

caído 8,3% em 1995 (Moraes, 2001, p. 57).

O que diferencia o México das demais economias latino-americanas são suas

exportações aos EUA, o que lhe permitiu recuperar seu dinamismo em poucos anos

após a crise.35 Apesar da excessiva volatilidade dos mercados financeiros

internacionais, as taxas de juros nominais e reais têm-se reduzido consideravelmente e

a taxa de câmbio tem apresentado relativa estabilidade. O fortalecimento da economia

mexicana e sua menor vulnerabilidade a choques externos permitiram retomar a

confiança da comunidade financeira internacional (<www.feneri.org.br/eneri2003

/refposter002.pdf>).

Ao longo de 2001, a economia mexicana esteve influenciada por um cenário

internacional adverso. Em particular, a desaceleração da atividade econômica dos

EUA foi muito maior do que a antecipada no início do ano. Todos os setores

orientados para exportação sofreram grandes contrações na produção. Em

conseqüência, o ritmo de crescimento da economia mexicana diminuiu drasticamente

em 2001 (o PIB caiu 1,6% e a produção industrial 4,7%). A política monetária

restritiva abateu o crescimento dos preços. A inflação foi de 4,4%, inferior à taxa de

6,5% projetada pelo Banco do México. O menor dinamismo da economia mundial

inibiu as exportações mexicanas (−4,8%), resultando um déficit comercial 21,6%

superior ao do ano anterior. Em 2002, a economia mexicana mostrou sinais de

35 A composição das exportações mexicanas mostra sua total dependência aos EUA: 90% do total exportado

destinam-se a esse país. Assim, toda recessão ocorrida nos EUA exerce um impacto direto na economiamexicana, principalmente na indústria e construção civil.

Page 58: Capítulos extras

recuperação, com aumento das exportações, redução do déficit comercial e criação de

empregos, com inflação sob controle (<www.mexico.org.br/economia/economex

2001_es.pdf>).

A proximidade geográfica com os EUA permitiu que o NAFTA exercesse

considerável efeito sobre a economia mexicana, cujo PIB cresceu de US$ 332,4 bilhões

em 1996, para US$ 574,5 bilhões em 2000 (ele havia caído de US$ 420,8 em 1994

para US$ 286,1 em 1995) (Moraes, 2001, p. 58). Sem dúvida, a ajuda americana na

crise de 1994 e a presença do NAFTA foram cruciais para a retomada do

desenvolvimento do México. Inúmeras empresas americanas, japonesas e coreanas

instalaram filiais no México para aproveitar a mão-de-obra mais barata, a fim de

montar componentes importados dos EUA. Mais recentemente, no entanto, a

concorrência da China está provocando a saída de empresas maquiladoras japonesas e

coreanas. Entre janeiro de 2001 e junho de 2002, o México teria perdido 600 de suas

3.200 montadoras e 250 mil empregos, o equivalente a 15% da força de trabalho das

maquiladoras. Salários mais altos no México e insumos industriais mais baratos e

eletricidade gratuita na China não seriam os únicos fatores: seria preciso assinalar

também a falta de segurança no México, com vários seqüestros de executivos

estrangeiros e roubos de cargas que viraram rotina (revista Sem Fronteiras, edição de

2002, (<www.semfronteirasweb.com.br>).

3 Crescimento econômico do Brasil

O Brasil passou a ter crescimento econômico mais efetivo com o surgimento do

café como base exportadora mais dinâmica; a introdução do trabalho assalariado

nessa cultura e a promoção de imigração alemã e italiana no fim do século 19 também

foi um fator importante para gerar mercado interno e torná-lo receptivo aos efeitos de

encadeamento provenientes das exportações. Assim, o primeiro surto industrial no

Brasil ocorreu nos anos de 1890, em virtude da expansão do crédito à agricultura, da

criação de bancos de emissão de moeda e do aumento das tarifas sobre as

importações, cobradas em ouro. A expansão dos meios de pagamentos e o

encarecimento das importações criaram um clima de euforia, com o surgimento de

novas empresas, provocando a Crise do Encilhamento, em 1891, com inflação e

déficits no balanço de pagamentos.

No início do século 20, o governo adotou um programa de estabilização que

saneou a economia. Após, iniciou-se um programa de melhoria de portos e de

construção de ferrovias visando à exportação. Através da política cambial o governo

mantinha a renda do setor cafeeiro, para estimular a produção de café. Porém, ao

vender moeda estrangeira no mercado, para favorecer os exportadores, o governo

Page 59: Capítulos extras

retirava dinheiro de circulação, provocando recessão. O encarecimento das

importações e a escassez de divisas restringiam as importações (Vilela e Suzigan,

1973, p. 42).

3.1 Choques externos e o protecionismo, 1929/1945

O grande crescimento das exportações de café nos anos de 1920 proporcionou a

importação de bens de capital para a indústria. O índice de quantum dessas

importações subiu de 108 em 1920 para 209 em 1925; em 1929 ele caiu para 185. A

queda da bolsa de Nova Iorque nesse ano derrubou os preços do café e esse índice

atingiu 29 em 1932, ano em que a economia brasileira recuperou o nível de 1929; o

referido índice chegou a 100 em 1939 e a 176 em 1943. As aquisições de café pelo

governo, para ser queimado, ajudaram a manter o nível de renda. Entre 1920/1938, a

economia brasileira duplicou de tamanho e entre 1940/1945 a indústria brasileira

cresceu 36% e o conjunto da economia 20,7% (Villela e Suzigan, 1973, p. 431 e 437).

A interrupção das importações pela Segunda Guerra Mundial reduziu a

capacidade ociosa da indústria, gerando novo surto industrial; acumularam-se

reservas para importações posteriores, o que favoreceu a acumulação de capital. Entre

1947 e 1951, a indústria cresceu 46%, aumentando a sua participação no produto,

que passou de 21% para 25%. Em 1920, havia apenas 300 mil trabalhadores na

indústria, com a têxtil gerando 28,6% do produto industrial total. Em 1940, as

indústrias mais importantes eram as de produtos alimentares (22,9% do total), têxtil

(22,7%) e a química/farmacêutica. Em 1950, a metalurgia produzia 7,4% do total da

indústria e a mecânica 2,2% (Baer, 1975, p. 13 e 60).

A Revolução de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas, foi muito

importante para a industrialização brasileira, pois correspondeu à emancipação

política da classe industrial, contra a hegemonia agrário-exportadora, enfraquecida

pela crise de 1929. Criou-se uma legislação trabalhista moderna (salário mínimo, oito

horas de trabalho, férias anuais remuneradas, direito de sindicalização). O objetivo foi

disciplinar os salários e assegurar a oferta de trabalho para a indústria, estimulando,

assim, as emigrações do campo para as cidades, no momento em que havia

praticamente cessado as emigrações internacionais.

O Relatório Niemeyer de 1931, encomendado pelo governo, apontou a

monocultura de exportação como o principal problema da economia brasileira; ele

sugeriu que o país diversificasse a agricultura de exportação, para financiar

importações de bens de capital.36 Os economistas do governo reconheciam que o país 36 A política do New Deal dos EUA exerceu grande influência no Brasil, interrompendo a política livre-cambista

vigente até 1930.

Page 60: Capítulos extras

era muito dependente das importações de bens de consumo e vulnerável às oscilações

das exportações de café. Desse modo, o país precisava “substituir importações” por

produção interna, através do estabelecimento de um sistema de proteção tarifária e de

licenciamento de importações, o que foi implantado em 1938. Essas substituições

vinham-se realizando desde 1930, o que explica o crescimento de 17% para a

indústria entre 1935 e 1939. Contudo, a industrialização necessitava da expansão do

mercado interno. Nesse sentido, em 1937 foram eliminadas as tarifas de exportação e

importação entre os Estados, representando um passo importante na integração

espacial da economia nacional.

Outro importante diagnóstico sobre a economia brasileira foi o da Missão Cooke

(1942/1943), formada por técnicos dos EUA. O seu relatório apontou a deficiência

dos transportes e da distribuição de combustíveis, o baixo nível dos investimentos

industriais, a falta de treinamento técnico e as restrições ao capital estrangeiro. Ela

recomendou a implantação da siderurgia e de indústrias de madeira e papel (Baer,

1975, p. 27). Inspirado nesse relatório, Roberto Simonsen idealizou, em 1945, o

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Companhia Siderúrgica

Nacional, que começou a funcionar em Volta Redonda em 1946. O principal efeito da

Missão Cooke foi o Plano Salte (saúde, alimentação, transportes e energia), que só

funcionou em 1950, por problemas de financiamento. Outros diagnósticos parciais

sobre a economia brasileira foram os da Missão Abbink em 1948 e da Comissão Mista

Brasil-EUA entre 1951 e 1953. A equipe brasileira dessa comissão foi a mesma que

estruturou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e que elaborou o Plano

de Metas (1956/1961) do governo Kubitschek.

3.2 Crescimento do Brasil entre 1945/1962

Entre 1947 e 1953, o governo adotou um sistema de licenciamento de

importações, em virtude da escassez de divisas. As importações de remédios,

inseticidas e fertilizantes eram livres, enquanto eram prioritárias as importações de

combustíveis, alimentos básicos, cimento, papel, equipamento tipográfico e máquinas.

O repatriamento de capitais ficava limitado a 20% de seu montante e os juros a 8% do

capital registrado. A partir de 1953 e até 1957, passou a vigorar o sistema de taxas

múltiplas de câmbio. As importações foram classificadas em cinco categorias, de

acordo com a sua importância havia uma taxa de câmbio específica. As exportações e

as importações essenciais, como petróleo e seus derivados, não participavam dos

leilões de câmbio e se realizavam à taxa oficial, com um pequeno ágio. O sistema

proporcionou rápida substituição de importações, porque encarecia o preço dos

produtos concorrentes, sem elevar o custo de matérias-primas e bens de capital

Page 61: Capítulos extras

importados (Baer, 1975, p. 43 e 46).

A indústria cresceu 8,3% nesse período, chegando a 16,2% em 1958 e a 11,9%

em 1959, durante o Plano de Metas (Langoni, 1976, p. 24). Este plano abrangia cinco

setores, com um total de 30 metas: (a) energia (43,4% dos recursos planejados); (b)

transportes (29,6%); (c) alimentação (3,2%): (d) indústrias de base (20,4%); (e)

educação (3,4%). A nova capital (Brasília), a meta-síntese, foi construída em um

tempo recorde e consumiu cerca de 2,3% do PNB (Lafer, 1975, p. 48). Seguindo as

idéias de Hirschman (1974) e de Perroux (1977), procurou-se maximizar os efeitos de

encadeamento dos investimentos, concentrando-os em setores-chave, ou pontos degerminação (como siderurgia, metais não ferrosos e a indústria automobilística). Da

mesma forma, as novas indústrias foram concentradas na Região Sudeste, onde havia

uma infra-estrutura inicial, fornecendo economias externas para as novas atividades.

Outra idéia foi a de ponto de estrangulamento, devido à existência de demanda

insatisfeita por rigidez de oferta. Isso explica as metas relativas aos transportes

rodoviários, reaparelhamento das ferrovias e energia elétrica.

Como resultado, a economia brasileira cresceu 6,2% ao ano entre 1951/1956 e

7,8% entre 1957/1962. Neste período, houve intensa substituição de importações,

com substancial afluxo de capitais externos.37 Aumentou substancialmente a produção

de aço (1,4 milhão de t, para 2,7 milhões), energia elétrica (2,8 milhões de kW, para

5,8 milhões) e de automóveis (31 mil montados para 200 mil fabricados). O Brasil

tornou-se auto-suficiente na produção de cimento e as rodovias pavimentadas

triplicaram em extensão (Baer, 1975, p. 57). A Lei de Tarifas de 1957 mudou o

caráter do sistema cambial brasileiro, cujo objetivo deixou de ser simples instrumento

de ajuste do balanço de pagamentos para tornar-se elemento ativo da industrialização

do país. Embora essa lei aumentasse as tarifas em 60, 80 a 150%, determinadas

indústrias podiam importar equipamentos e matérias-primas ao câmbio de custo. Essa

lei complementava a Instrução 113 da SUMOC,38 de 1955, que permitia a importação

de bens de capital sem cobertura cambial (Baer, 1975, p. 49).

37 Nem sempre as novas fábricas implantadas nesse período substituíam importações, como a construção naval,

com importações insignificantes. Durante o Plano de Metas, a industrialização brasileira seguiu também aestratégia do crescimento desequilibrado de Hirschman.

38 Superintendência da Moeda e do Crédito, transformada em 1965 no Banco Central do Brasil. A Instrução no 113da SUMOC, que favoreceu o ingresso do capital estrangeiro no Brasil, e a política cambial de 1957,completaram-se com a lei dos similares nacionais, outro importante instrumento para a industrialização brasileirado final dos anos de 1950. Essa lei foi importante para que “os investidores estrangeiros passassem daimportação para a montagem e desta para a fabricação completa”. As firmas multinacionais aderiam ao novosistema, não apenas para obterem os incentivos, mas, sobretudo, para não ficarem de fora do mercado (Gordon eGrommers, apud Baer, 1975, p. 51).

Page 62: Capítulos extras

3.3 Estabilização e crescimento entre 1962 e 1974

Como resultado da nova política industrial, o crescimento da indústria aumentou

para 10,3% entre 1957 e 1962. O crescimento econômico reduziu-se no início da

década de 1960 pelo aumento da inflação e da instabilidade política do país, que

diminuiu o afluxo de capital estrangeiro. A política econômica ficou vacilante diante

da demanda dos trabalhadores por maiores salários e dos empresários por facilidades

creditícias. A instabilidade econômica e a agitação política levaram ao golpe militar de

1964. O novo regime estabeleceu um Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG),

com o objetivo de conter a inflação, mediante a redução do déficit público, dos

salários e do crédito. Os subsídios às importações de petróleo e do trigo foram

eliminados; iniciou-se um processo de correção dos preços públicos defasados,

denominado de inflação corretiva.

Modernizou-se o sistema financeiro, com a criação do Banco Central e do Banco

Nacional de Habitação. Incentivaram-se as exportações, com a eliminação dos

impostos, concessão de crédito e desburocratização. Para atrair o capital estrangeiro,

procurou-se criar um clima de confiança e de credibilidade na condução da política

econômica. Os investimentos estrangeiros, que se reduziram para US$ 86 milhões em

1964, depois de ter alcançado uma média anual de US$ 123,1 milhões entre 1956 e

1962, voltou a subir em 1965, atingindo US$ 322 em 1969 e US$ 1,45 bilhão em

1973. Com a queda da inflação de 91,9% ao ano, em 1964, para 25% em 1967, o

aumento do afluxo de capitais estrangeiros, as reformas realizadas e o aproveitamento

da capacidade ociosa, a taxa de crescimento do produto elevou-se para 9%, entre

1968/1970, e para 11%, entre 1971/1973 (Langoni, 1976, p. 24).

Um dos fatores do crescimento industrial desse período foi o aumento da

capacidade de importar, explicado por maior afluxo de capitais externos e pela adoção

de uma política cambial mais flexível, com minidesvalorizações periódicas, a partir de

1968. As exportações passaram de US$ 1,4 bilhão em 1964, para US$ 2,3 bilhões em

1971 e US$ 8 bilhões em 1974. Nesse período, as exportações de produtos

manufaturados desempenharam um papel relevante, ao viabilizarem novas

importações de bens de capital e ao exercerem impactos importantes no setor de

mercado interno. A composição das exportações mudou substancialmente: os

produtos primários caíram de 81% das exportações totais em 1951, para 68% em

1973. Os produtos industrializados subiram de 18% das exportações totais em 1961,

para 30% em 1973 (Langoni, 1976, p. 61).

Page 63: Capítulos extras

3.4 Crescimento econômico após 1974

O aumento do déficit da balança comercial de US$ 241 milhões em 1972, para

US$ 4,7 bilhões em 1974, levou o Brasil a adotar uma solução definitiva para a crise

do petróleo, por meio da substituição de importações de insumos básicos, como

produtos petroquímicos, celulose, metais não ferrosos etc., com a utilização de fontes

externas de financiamento (Castro e Souza, 1985, p. 34). Desse modo, o II Plano

Nacional de Desenvolvimento, 1975/1979 (II PND) buscou substituir importações e

abrir novas possibilidades de exportação, principalmente de manufaturados. Os

ganhos de divisas com a substituição de importações montaram a US$ 2,7 bilhões em

1981 e a US$ 7,4 bilhões em 1984. Essas substituições ajudaram a gerar superávits no

balanço de pagamentos nos anos de 1980, que chegaram a US$ 13 bilhões em 1984

(Castro e Souza, 1985, p. 14 e 58).

Entre 1974 e 1980, o Brasil manteve a taxa histórica de crescimento da economia

de 7% ao ano, apesar do crescimento negativo do produto em 1981 (−1,6%) e em

1983 (−3,2%). Nesse mesmo período, a indústria de bens de capital expandiu-se mais

do que a média da economia (8,5% ao ano). A estrutura produtiva nacional

modificou-se substancialmente; entre 1971 e 1983, reduziram-se em relação ao total

as importações de bens de consumo (11% para 5,2%) e de bens de capital (38,2%

para 16,2%). Cresceram as importações de combustíveis, apesar da substituição

(11,6% para 55,8%). Desse modo, a dívida externa total de longo prazo expandiu-se

de US$ 5,1 bilhões em 1970 (12% do PNB), para US$ 102,7 bilhões em 1988 (30%

do PNB). Em função do modelo, a taxa de crescimento anual das exportações reduziu-

se de 22,1% entre 1970/1980, para 4,5% entre 1980/1990, aumentando para 8,2%

entre 1990/1995.

3.5 Ajuste externo, 1983/1993

O superávit comercial de 1970 foi substituído por sucessivos déficits em

decorrência dos choques dos preços do petróleo de 1973 e 1979. Até 1980, as

exportações não conseguiram acompanhar o ritmo das importações, apesar de

crescerem rapidamente (25,9% entre 1970/1975 e 18,4% entre 1975/1980). Após

1974, desacelerou-se o crescimento das importações, fruto das substituições de

importações do II PND e de restrições quantitativas. Contudo, o déficit comercial

atingiu US$ 3,5 bilhões em 1975 e US$ 2,8 bilhões em 1980. Diante disso, o governo

tomou medidas enérgicas para reduzir o déficit comercial, que nos anos de 1970

atingiu a cifra de US$ 17,4 bilhões (Tabela 1).

Em função da política de contenção das importações, o superávit comercial

Page 64: Capítulos extras

atingiu US$ 12,5 bilhões em 1985 e US$ 10,8 bilhões em 1990. Nos anos de 1980, o

país acumulou US$ 99,8 bilhões de saldos comerciais (US$ 107,5 bilhões entre

1970/2000). Esses saldos proporcionaram o ajuste externo da economia brasileira até

1990/1993; porém, eles foram obtidos com a compressão das importações, tendo em

vista as limitações para um crescimento ainda maior das exportações, a crise do

petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais.39

Na década de 1980, apesar dos superávits da balança comercial, o crescimento

das exportações foi mais lento e bastante irregular, reduzindo-se em alguns anos. Isso

pode ser explicado pelas próprias restrições às importações de insumos industriais e

de bens de capital e pela valorização cambial. Além disso, o crescimento das

exportações e da renda interna eleva as importações. Em segundo

lugar, há a escassez de recursos para crédito aos exportadores. O comércio

internacional, sendo “uma via de duas mãos”, é interdependente: os países precisam

de divisas ou crédito para importar produtos brasileiros. As dificuldades para o

aumento das exportações decorrem também das descontinuidades da política

econômica, em relação ao setor exportador, das modificações do poder de compra

interno da moeda e das alterações dos preços relativos, que viabilizam ou entravam as

exportações em determinados períodos.

Tabela 1 Balança comercial do Brasil, 1970/2003, em US$ milhões.

Ano Exportações Importações Saldo19701975 19801985199019952000200120022003

1970/19801980/19901990/20001970/20001990/19951995/2003

2.739 8.67020.13225.63931.41446.50655.08658.22360.36173.084102.738266.171482.411819.904227.475493.152

2.50712.21022.95513.15320.66149.66355.79155.58147.24148.253

120.158166.373446.278712.382170.478476.762

232− 3.540− 2.82312.48610.753

− 3.157− 0.705

2.64213.12

24.831− 17.420

99.79836.133

107.52256.99716.390

Fontes: Exportações brasileiras: SISCOMEX e SECEX; Importações brasileiras: SISCOMEX e MF/SRF.

Na ausência de uma política favorável e contínua às exportações, os surtos

exportadores ocorrem quando a demanda interna se retrai pela concentração de 39 Os críticos temiam que a compressão extrema das importações, incluindo bens de capital e insumos

indispensáveis à indústria, prejudicasse o parque produtivo nacional (Arida, 1983). Implantada a estratégia doajuste externo, as importações se reduziram de US$ 23 bilhões em 1980 a um mínimo de US$ 13,2 bilhões em1985.

Page 65: Capítulos extras

renda, ou quando existe oferta excessiva no sistema. As empresas são impelidas a se

lançarem nos mercados externos. Essa abertura é circunstancial e as firmas voltam ao

mercado interno tão logo o poder de compra da população se recupera ou os preços

relativos se modificam. A ausência de incentivos sistemáticos às exportações contribui

para explicar as flutuações das exportações, aumentando o grau de vulnerabilidade da

economia aos choques externos.

Em 1986, o Plano Cruzado elevou o poder de compra da população e congelou a

taxa de câmbio; com isso, as exportações se reduziram, porque as empresas

deslocaram vendas do mercado externo para o mercado interno. O saldo da balança

comercial reduziu-se, mas voltou a subir, chegando a US$ 10,8 bilhões em 1990.

Porém, com abertura econômica implementada no Governo Collor e a valorização

cambial do Plano Real, o déficit comercial voltou, atingindo US$ 3,2 bilhões em 1995.

Esse déficit continuou na primeira fase do Real, com o aprofundamento da abertura

comercial. A recuperação da balança comercial retornou com a crise externa de

1998/1999, que desvalorizou a moeda e estimulou as exportações. O déficit comercial

externo reduziu-se para US$ 0,7 bilhão em 2000. Nos anos seguintes, com a elevação

da taxa de câmbio, mantida flutuante, os superávits na balança comercial cresceram

sistematicamente, chegando a US$ 24,8 bilhões em 2003.

Tabela 2 Dívida externa total líquida e PIB do Brasil, 1986/2003 (US$ milhões e %).Taxas reais de crescimento

AnosDívida

externa totallíquida

PIB Dívida/PIBPIB indústria agricultura

1986

1990

1995

2000

2001

2002

2003

111.203

123.438

159.256

171.082

162.704

165.002

151.188

257.812

469.318

705.449

602.207

509.797

459.379

493.348

43

26

23

28

32

36

31

7,5

−4,3

4,2

4,4

1,3

1,9

−0,2

11,7

6,9

2,0

6,6

1,6

2,4

0,3

−8,0

8,1

4,9

2,8

8,6

17,2

16,9

Fontes: Relatórios do Banco Central do Brasil; Confederação Nacional da Agricultura e Indicadores Rurais.

O resultado do ajuste externo pode ser visto pelo exame da evolução da dívida

externa total líquida (Tabela 2). Essa dívida, igual a US$ 111,2 bilhões em 1986,

subiu para US$ 171,1 em 2000. Nesse período, ela cresceu mais lentamente e reduziu-

se em alguns anos. Após 1998, com a desvalorização cambial, aumentaram os saldos

comerciais e o volume das reservas internacionais, reduzindo a dívida externa total

líquida para US$ 151,2 bilhões em 2003. O coeficiente da dívida líquida/PIB se

reduziu de 43 em 1986, para um mínimo de 23 em 1995, voltando a atingir 36 em

Page 66: Capítulos extras

2002.

3.6 Ajuste interno, 1994/1996

Entre 1986 e 1994, o Brasil tentou, sem sucesso, proceder ao ajuste interno da

economia. As oscilações da taxa de crescimento do PIB nesse período refletem as

dificuldades para a estabilização; a inflação anual atingiu 1.764,8% em 1989 e

2.708,5% em 1993 (IGP-DI da FGV/RJ). Em fevereiro de 1986, o Plano Cruzado

congelou preços, salários, tarifas e o câmbio, o que estimulou as importações e

comprimiu as exportações, exaurindo as reservas cambiais. A eliminação da correção

monetária reduziu as taxas de juros e estimulou o consumo em detrimento da

poupança. Após o descongelamento, em 1987, a inflação voltou, atingindo 25% ao

mês.40 Nesse plano, como nos demais planos heterodoxos, foi dada ênfase exclusiva

em seus aspectos inerciais, sem atacar as causas fundamentais da inflação: o déficit

público e a expansão dos meios de pagamentos. Além disso, os juros baixos estimu-

lavam a demanda agregada, pressionando os preços.

O Plano Bresser, adotado em junho de 1987, congelou preços e salários por três

meses, com descongelamento gradual. O aumento das expectativas em relação a

novos congelamentos acelerou a taxa inflacionária de 8% ao mês em setembro de

1977, para 20,3% em abril de 1988 (IGP-DI). A inflação mensal de 36,6% em janeiro

de 1989 levou ao lançamento do terceiro plano heterodoxo do Governo Sarney. O

Plano Verão, em janeiro de 1989, praticou igualmente o congelamento de preços,

salários e de tarifas públicas, após ter reajustado os preços dos combustíveis e da

energia elétrica. A inflação chegou a quase 81,3% ao mês nas vésperas da posse do

novo governo e da edição do Plano Collor (março de 1990), que confiscou dois terços

da poupança privada nacional, além de congelar preços e salários. Adotou-se câmbio

flutuante e o comércio externo foi desburocratizado. No início de 1991, as finanças

públicas encontravam-se equilibradas e as reservas internacionais em crescimento;

porém, o PIB apresentava crescimento negativo de 4,3%, e com a produção industrial

caindo 8,2%; havia mais de um milhão de desempregados e uma inflação de 20% ao

mês.

Em fevereiro de 1991 foi lançado o Plano Collor 2, que procurou acabar com a

indexação da economia (fim da correção monetária e de alguns fundos de curto prazo

responsáveis pela especulação financeira). As tarifas públicas foram reajustadas antes

do congelamento dos preços por um curto período de tempo, em que passaram a ser

monitorados pelas câmaras setoriais. No domínio da competitividade industrial, o 40 Confiando em inflação zero, o governo prometeu aos trabalhadores o gatilho salarial: os salários aumentariam toda

a vez que a inflação atingisse 20% ao mês. Essa prática gerou hiperinflação nos anos seguintes.

Page 67: Capítulos extras

Plano procurou desenvolver novas indústrias, nos ramos de química fina, informática,

biotecnologia, mecânica de precisão e novos materiais. Procurou abrir a economia às

importações, a fim de aumentar a concorrência interna e induzir os demais setores a

melhorar sua eficiência e qualidade segundo os padrões internacionais. Esse plano

reduziu a inflação para 6,5% em maio de 1991, mas a partir de outubro ela

ultrapassou 25% ao mês. Em 1992, a economia voltou a apresentar crescimento

negativo (−0,8%), com a indústria reduzindo sua atividade em 3,2%. Porém, em 1993

o PIB cresceu 4,2%, apesar da elevada taxa anual de inflação, graças ao desempenho

da indústria (6,9%).

No último ano do governo Itamar Franco (1994), o Ministro da Fazenda

Fernando Henrique Cardoso e sua equipe econômica encontraram condições mais

favoráveis para implementação de um novo plano de estabilização, uma vez que a

economia estava em crescimento, com desindexação em marcha e reservas cambiais

de US$ 40 bilhões (junho de 1994). O Plano Real continha três etapas até sua

aplicação. A primeira foi a instituição do Fundo Social de Emergência, composto por

cerca de US$ 15 bilhões, destinado a cobrir despesas até o fim de 1995, sem a

necessidade de emissão de moeda. A segunda consistiu na criação da Unidade Real de

Valor (URV), em março de 1993. Tratava-se de um indexador, equivalente a um

dólar, em torno do qual flutuavam livremente os preços em cruzeiros. Esse mecanismo

foi fundamental para ajustar os preços relativos e gerar confiança na nova moeda. A

terceira etapa consistiu na transformação da URV na nova moeda, o real, em julho de

1994, quando a inflação atingia 24,7% ao mês.

Para acabar com a indexação, o Plano Real proibiu os repasses da inflação

passada para os preços de um período inferior a um ano. Para equilibrar as contas

públicas, o governo privatizou a maioria das empresas estatais e procurou realizar a

reforma tributária, administrativa e da previdência social, entre outras. Sem

congelamentos, a inflação reduziu-se para 3,3% ao mês em agosto, chegando a 0,57%

em dezembro e a 0,4% em maio de 1995. Em outubro de 1996, o Índice de Preços ao

Consumidor da FIPE/USP foi de 0,58%, constituindo um dos mais baixos índices

inflacionários do Brasil dos últimos 40 anos. Além do equilíbrio orçamentário, o

elemento fundamental do plano foi a âncora cambial, instrumento pelo qual a nova

moeda flutuava em torno do dólar, dentro de uma faixa tolerada. Para manter a taxa

de câmbio dentro dessa faixa, o Banco Central comprava e vendia dólares no

mercado. Entre julho de 1994 e fins de 1998, a taxa de câmbio não acompanhou a

elevação de preços (em torno de pouco mais de 1% ao mês), contendo as exportações

e aumentando as importações, o que elevou o déficit da balança comercial de US$ 3,2

bilhões em 1995, para cerca de US$ 6,6 bilhões em 1998. Medidas foram, entretanto,

adotadas para estimular as exportações, como isenção de impostos, ampliação do

Page 68: Capítulos extras

crédito e estímulos ao aumento de competitividade.

Desde sua implementação, o Plano Real enfrentou quatro problemas principais, a

exemplo de outros planos de estabilização: aumento do consumo, crise bancária, crise

externa e aumento dos gastos públicos. O consumo cresceu com o aumento do poder

de compra da população, em decorrência da estabilização dos preços. Taxas de juros

elevadas contêm a demanda, mas aumentam os gastos públicos. A crise bancária foi

contornada, com relação a alguns bancos, com a criação do Programa de

Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (PROER), constituído com recursos

dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central do Brasil. O problema da

crise externa nos anos de 1990 resultou na fixação da taxa de câmbio em termos

nominais, o que reduziu a competitividade externa das exportações e barateou as

importações. Entre julho/94 a março/96, a taxa de câmbio real valorizou-se 19,9%

considerando-se o IPC-FIPE. No entanto, essa valorização foi de apenas 1,15%, ao se

levar em conta os ganhos de produtividade da economia brasileira no período

(Portugal e Galvão, 1996, p. 104).

Os déficits da balança comercial brasileira na década de 1990 foram

contrabalançados pelo ingresso de capitais externos, com destaque para os

investimentos diretos, estimulados pelas altas taxas de juros. As reservas

internacionais subiram de US$ 10 bilhões em 1990, para US$ 60,1 bilhões em 1996,

valores que se reduziram para US$ 49,3 bilhões em 2003. Em 1990, os investimentos

estrangeiros diretos haviam atingido apenas US$ 989 milhões; após o Plano Real, com

a nova política econômica do governo, que estabilizou a economia e reduziu os riscos

dos negócios, esses investimentos chegaram a US$ 10,8 bilhões em 1996 e a US$ 33,8

bilhões em 2000. Com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder, em outubro

de 2002, a incerteza dos investidores aumentou e os investimentos estrangeiros se

reduziram para US$ 16,6 nesse mesmo ano e para US$ 10,1 em 2003 (BCB-Séries

Temporais). O novo governo, no entanto, manteve a política econômica do governo

anterior, com os juros para segurar a inflação. A taxa básica de juros (SELIC) subiu de

19,2% em 2002 para 23,4% em 2003 (acumulado do ano); com isso, a inflação

reduziu-se de 12,5% em 2002, para 9,3% em 2003 e 5,2% em maio de 2004.41

Com a elevação da taxa básica de juros (SELIC), para conter a inflação,

aumentam os gastos do governo com o serviço da dívida pública. Assim, torna-se

necessário produzir superávits primários para cobrir essas despesas. O superávit do

Tesouro Nacional, igual a R$ 1,4 bilhão em 1994, transformou-se em déficit de R$ 4

bilhões em 1995 e de R$ 9,1 bilhões em 1996. As causas básicas do crescimento do

déficit foi o aumento da dívida pública mobiliária e dos gastos com o funcionalismo

41 A taxa de inflação atingiu apenas 1,7% ao ano em 1998 (IPCA); com a crise externa e a desvalorização cambial

decorrente, ela subiu para 8,9% em 1999, reduziu-se para 6% em 2000 e voltou a subir para 7,7% em 2001(BCB).

Page 69: Capítulos extras

federal.42 Em 1997, o Tesouro Nacional passou a apresentar superávit de R$ 5,2

bilhões, valor que se elevou para R$ 35,3 bilhões em 2001 e para R$ 65,9 bilhões em

2003.43

A contenção dos gastos públicos para gerar superávit primário a fim de pagar a

dívida pública, diminuir o consumo e as importações reduz o crescimento econômico.

A desaceleração da economia gera capacidade ociosa e desemprego. No primeiro

trimestre de 1996, o grau de ociosidade da indústria foi de 25%, quando o emprego

industrial encontrava-se 27,3% inferior ao nível de 1989. Como as vendas reais

subiram 3,7% nesse período, conclui-se que aumentou a produtividade com

desemprego tecnológico. Com efeito, a produtividade da indústria paulista passou de

100 em 1989 para 129 em 1995 (Boletim do Banco Central, junho/96, p. 63). No fim

de 1989 e início de 1990, o governo brasileiro havia adotado um programa para

aumentar a produtividade da indústria nacional, através de financiamentos e de maior

abertura às importações. Foram facilitadas as importações de máquinas e

equipamentos, bem como de insumos mais baratos. O desemprego na indústria

cresceu pela concorrência das importações e pela modernização tecnológica. No

entanto, no final da década de 1990 as exportações aumentaram, gerando superávits

comerciais, devido à desvalorização cambial.

Tabela 3 Estrutura das exportações brasileiras, 1993/1998 (US$ milhões).1 993 1 995 1 998Grupos dos produtos exportados

Valor % Valor % Valor %1. Produtos primários (valor) 12 620 32,7 16 787 36,1 19 189 37,5 1.1 Café 1 282 3,3 2 426 5,2 2 578 5,0 1.2 Soja 3 074 8,0 3 820 8,2 4 761 9,3 1.3 Suco de laranja 826 2,1 1 105 2,4 1 262 2,5 1.4 Minérios de ferro e outros 2 466 6,4 2 746 5,9 3 468 6,8 1.5 Carnes 1 333 3,5 1 297 2,8 1 598 3,1 1.6 Demais produtos primários 3 639 9,4 5 393 11,6 5 522 10,82. Produtos industrializados 25 935 67,3 29 720 63,9 31 951 62,5 2.1 Material de transporte e componentes 4 226 11,0 4 259 9,2 7 599 14,9 2.2 Produtos metalúrgicos 6 082 15,8 6 593 14,2 5 422 10,6 2.3 Produtos químicos 2 587 6,7 3 348 7,2 3 671 7,2 2.4 Máquinas e instrumentos mecânicos 2 530 6,6 3 050 6,6 3 197 6,3 2.5 Papel e celulose 1 516 3,9 2 705 5,8 1 979 3,9 2.6 Equipamentos elétricos e eletrônicos 1 320 3,4 1 505 3,2 1 712 3,3 2.7 Calçados e produtos de couro 2 002 5,2 1 550 3,3 1 454 2,8 2.8 Madeiras e manufaturas 841 2,2 1 135 2,4 1 127 2,2 2.9 Produtos têxteis 1 364 3,5 1 328 2,9 1 093 2,1 2.10 Demais produtos industrializados 3 467 9,0 4 247 9,1 4 695 9,23. Total das exportações 38 555 100,0 46 506 100,0 51 140 100,0

Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 1998 e maio de 2001.

42 O déficit agravou-se com a isonomia salarial concedida em 1994, no último mês do governo Itamar Franco.43 Incluindo-se a Previdência Social, tradicionalmente deficitária, e o Banco Central, formando o conjunto do Governo

Central, esse superávit se reduz para R$ 21,7 bilhões e R$ 39,3 bilhões nos anos referidos (1,8 e 2,6% do PIB).

Page 70: Capítulos extras

3.7 Transformação estrutural

Nas últimas décadas, a estrutura das exportações brasileiras mudou

substancialmente. Em 1970, 86% das exportações do país eram compostas por

produtos primários e semimanufaturados e somente 14% por produtos

manufaturados; em 1993, 32,7% eram de produtos primários e 67,3% de produtos

industrializados. Em função da abertura comercial e da valorização cambial, em 1998

a participação das exportações industrializadas nas exportações totais reduziu-se para

62,5% e a de produtos primários aumentou para 37,5% (Tabela 3). Isso estaria

revelando queda da competitividade da indústria nacional por produtos com maior

nível tecnológico, quando surgiam novos concorrentes. As maiores reduções das

exportações manufaturadas foram de produtos metalúrgicos, calçados/produtos de

couro e produtos têxteis.

Tabela 4 Estrutura das exportações brasileiras, 1998/2003 (US$ milhões).1998a 2000 2 003

Discriminação dos produtosValor % Valor % Valor %

1. Produtos básicos 12 977 25,4 12 562 22,8 21 179 29,0 1.1 Soja, mesmo triturada 2 178 4,3 2 188 4,0 4 290 5,9 1.2 Minérios de ferro e seus concentrados 3 253 6,4 3 048 5,5 3 456 4,7 1.3 Farelo e resíduos da extração de óleo

de soja 1 750 3,4 1 651 3,0 2 602 3,6 1.4 Carne e miúdos de frango 739 1,4 806 1,5 1 710 2,3 1.5 Café cru em grão 2 332 4,6 1 559 2,8 1 302 1,8 1.6 Demais produtos básicos 2 725 5,3 3 310 6,0 7 819 10,72. Produtos semimanufaturados 8 120 15,9 8 499 15,4 10 944 15,03. Produtos manufaturados 29 387 57,5 32 528 59,0 39 653 54,3 3.1 Automóveis, caminhões, motores,

carroçarias e similares 5 543 10,8 5 099 9,3 6 946 9,5 3.2 Aviões 1 159 2,3 3 054 5,5 1 939 2,7 3.3 Máquinas,

bombas,motores,equipamentos 1 464 2,9 1 403 2,5 1 749 2,4 3.4 Aparelhos transmissores ou receptores

e componentes 609 1,2 1 635 3,0 1 676 2,3 3.5 Calçados, suas partes e componentes 1 387 2,7 1 617 2,9 1 622 2,2 3.6 Produtos laminados planos de ferro ou

aço 999 2,0 859 1,6 1 410 1,9 3.7 Móveis, madeiras compensadas 536 1,0 862 1,6 1 257 1,7 3.8 Demais produtos manufaturados 17 690 34,6 17 999 32,7 23 054 31,54. Transações especiais 656 1,3 1 497 2,7 1 308 1,85. Total das exportações 51 140 100,0 55 086 100,0 73 084 100,0

Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 2001, abril 2004.Nota: a Para 1998, os dados divergem daqueles da Tabela 3 por mudança da classificação dos produtos.

Entre 1998/2003, as exportações de produtos básicos continuaram se expan-

dindo, aumentando sua participação no total de 25,4% para 29%, com destaque para

Page 71: Capítulos extras

soja e demais produtos básicos (Tabela 4).44 Enquanto a participação das exportações

de produtos semimanufaturados no total permaneceu relativamente constante no

período, a participação das exportações de produtos manufaturados continuou em

queda. As maiores reduções relativas foram dos produtos da indústria automobilística

e da indústria mecânica e de calçados. As maiores expansões foram as vendas externas

de aviões e aparelhos transmissores.

A Tabela 5 mostra que as importações de bens de capital tiveram aumento

expressivo de participação no total, de 30,8% em 1992, para 43,9% em 1998. Em

termos absolutos, o aumento foi de US$ 6,3 bilhões para US$ 25,2 bilhões. O grande

destaque foi o aumento das importações de máquinas e materiais elétricos, que subiu

de US$ 5,1 bilhões para US$ 18,5 bilhões no mesmo período. Observa-se que o Plano

Real, ao baratear as importações, contribuiu decisivamente para a modernização da

indústria nacional. As importações de matérias-primas tiveram sua participação

reduzida de 37,1% para 33,3%, mas em termos de valor o aumento foi substancial:

US$ 7,6 bilhões, pra US$ 19,2 bilhões. Cresceram as importações de alimentos, que

tiveram um papel importante na contenção da inflação; porém, o que mais chama a

atenção é a redução da participação das importações de petróleo e seus derivados no

total (20,1% em 1992, para 7,5% em 1998). Isso se explica porque o Brasil

praticamente atingiu a auto-suficiência na produção de petróleo.

Tabela 5 Estrutura das importações brasileiras, 1992, 1995 e 1998 (US$ milhões).1992 1995 1998

Grupo dos produtos importados Valor % Valor % Valor %1. Bens de consumo 2 450 11,9 8 631 17,3 8 786 15,3 1.1 Alimentos 850 4,1 3 514 7,0 3 053 5,3 1.2 Vestuário 116 0,6 804 1,6 789 1,4 1.3 Outros 1 484 7,2 4 313 8,6 4 944 8,62. Matérias-primas 7 628 37,1 16 738 33,5 19 169 33,3 2.1 Produtos químicos 3 089 15,0 7 349 14,7 9 263 16,1 2.2 Cereais e produtos da indústria da

moagem 917 4,5 1 665 3,3 1 941 3,4 2.3 Ferro fundido e aço 353 1,7 699 1,4 1 362 2,4 2.4 Metais não-ferrosos 410 2,0 1 096 2,2 1 084 1,9 2.5 Adubos e fertilizantes 441 2,1 661 1,3 979 1,7 2.6 Carvão 700 3,4 764 1,5 747 1,3 2.7 Outros 1 717 8,4 4 504 9,0 3 794 6,63. Petróleo e derivados 4 141 20,1 4 712 9,4 4 339 7,54. Bens de capital 6 335 30,8 19 891 39,8 25 235 43,9 4.1 Material de transporte 1 283 6,2 5 935 11,9 6 754 11,7 4.2 Máquinas e material elétrico 5 052 24,6 13 956 27,9 18 481 32,15. Total das importações 20 554 100,0 49 972 100,0 57 529 100,0

Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 1999.

44 É preciso mencionar a maior competitividade do Brasil na produção de grãos, principalmente pela mecanização

de extensas áreas nos Cerrados.

Page 72: Capítulos extras

Entre 1997 e 2003, a composição da pauta importadora mudou substancialmente

com a desvalorização cambial (Tabela 6). Reduziram-se as participações das

importações de bens de capital (26,9% para 21,4%) e de bens de consumo (18,6%

para 11,5%); enquanto aumentou a participação das importações de matérias-primas

(45,1% para 53,5%) e de combustíveis e lubrificantes (9,4% para 13,6%). Entre os

bens de capital as maiores reduções foram de maquinaria industrial (US$ 6 bilhões

para US$ 3,4 bilhões), enquanto entre os bens de consumo caíram principalmente as

importações de alimentos e de automóveis. Entre as matérias-primas os maiores

aumentos foram de produtos químicos/farmacêuticos e de peças de reposição para a

indústria, além de acessórios e equipamentos de transporte.

Tabela 6 Estrutura das importações brasileiras, 1997, 2000 e 2003 (US$ milhões).1997 2000 2003

Grupos dos produtos importados Valor % Valor % Valor %1. Bens de consumo 11 133 18,6 7 442 13,3 5 538 11,5 1.1 Alimentos 2 463 4,1 1 507 2,7 924 1,9 1.2 Farmacêuticos 816 1,4 1 126 2,0 1 248 2,6 1.3 Automóveis 2 444 4,1 1 211 2,2 578 1,2 1.4 Objetos de uso pessoal 848 1,4 697 1,2 714 1,5 1.5 Outros 4.562 7,6 2.901 5,2 2.074 4,32. Matérias primas 26 920 45,1 28 432 50,9 25 797 53,5 2.1 Produtos químicos e farmacêuticos 7 737 12,9 7 856 14,1 7 535 15,6 2.2 Produtos intermediários – partes e

peças 3 678 6,2 4 885 8,7 4 154 8,6 2.3 Produtos minerais 4 406 7,4 4 931 8,8 3 572 7,4 2.4 Acessórios de equipamentos de

transporte 3 649 6,1 4 057 7,3 3 705 7,7 2.5 Produtos agropecuários não

alimentícios 3 108 5,2 2 402 4,3 1 693 3,5 2.6 Produtos alimentícios 2 000 3,3 1 639 2,9 2 018 4,2 2.7 Outras matérias-primas para a

agricultura 1 223 2,0 1 618 2,9 2 275 4,7 2.8 Matérias-primas diversas 1.118 1,9 1.044 1,9 845 1,83. Combustíveis e lubrificantes 5 597 9,4 6 358 11,4 6 577 13,64. Bens de capital 16 098 26,9 13 605 24,4 10 348 21,4 4.1 Maquinaria industrial 6 041 10,1 3 926 7,0 3 425 7,1 4.2 Outros equipamentos fixos 2 621 4,4 2 882 5,2 1 920 4,0 4.3 Máquinas e aparelhos de escritório,

serviço científico 2 744 4,6 2 629 4,7 2 109 4,4 4.4 Peças para bens de capital para

indústria 1 441 2,4 1 535 2,7 1 206 2,5 4.5 Equipamento móvel de transporte 1 721 2,9 1 260 2,3 445 0,9 4.6 Acessórios de maquinaria industrial 1 014 1,7 947 1,7 909 1,9 4.7 Outros bens de capital 516 0,9 426 0,8 334 0,75. Total das importações 59 747 100,0 55 839 100,0 48 260 100,0

Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 2002 e maio de 2004.

Page 73: Capítulos extras

A partir da mudança do regime cambial em 1999, o Brasil reiniciou o ajuste

externo de sua economia, com base no dinamismo das exportações. Em 2004, a

economia brasileira deverá crescer 4%, puxada pelo desempenho do setor industrial e

das exportações, que deverão atingir US$ 94 bilhões (superávit recorde de US$ 32

bilhões). A inflação ficará acima da meta de 6,5% ao ano, devendo atingir 7,3%. Em

função do desempenho das exportações, em 2004 caiu a relação dívida externa total

líquida/PIB para 26%, contra 32,5% em 1999. Nesse período, o coeficiente dívida

externa total líquida/exportações caiu de 3,6 para 1,8 e juros/exportações, de 36,4%

para 19,9%. Melhorou a classificação externa de risco do Brasil, mas o afluxo de

capitais externos deverá atingir apenas US$ 13 bilhões em 2004, contra US$ 19,2

bilhões em 2003 e US$ 26,4 bilhões em 2002 (<www4.bcb.gov.br/pec/GCI/

PORT/focus>). Além da atração exercida por outros países, como China e Rússia,

atribui-se essa queda à morosidade das decisões do governo na aprovação do projeto

de Parceria Público-Privada e à ausência de uma política industrial bem definida.

No caso do Brasil, apesar da relativa lentidão com que medidas relevantes de

política econômica foram tomadas, como foi o caso do ajuste interno da economia, e

das reformas estruturais de base ainda não realizadas em 2004, percebe-se que o

Brasil passou por intensa transformação depois da implantação do programa de

substituição de importações de insumos básicos do II Plano Nacional de

Desenvolvimento (1975/1979) e do ajuste externo da economia de 1983/1993. Em

2003, 69,3% das exportações brasileiras foram de produtos industrializados, sendo

54,3% manufaturados, contra 14% em 1970. A tendência é de que essa participação

aumente rapidamente nos próximos anos, face ao aumento da competitividade da

indústria brasileira e à existência de uma taxa de câmbio flexível e favorável,

favorecendo a expansão contínua das exportações.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Caracterize a economia russa antes da Revolução Bolchevique.

2. Explique os fatores do crescimento econômico russo depois da Revolução de 1917.

3. Faça uma síntese dos planos qüinqüenais soviéticos.

4. Explique os fatores da desintegração da URSS.

5. Faça uma síntese da situação da economia mexicana antes de sua revolução.

6. Faça uma síntese da economia mexicana após a Revolução e até fins de 1980.

7. Comente a situação econômica mexicana após o seu ingresso no NAFTA, a partir

de 1995.

8. Explique por que a política cambial, que beneficiava os cafeicultores, prejudicava a

industrialização do país e os principais fatores do desenvolvimento brasileiro nos

Page 74: Capítulos extras

anos de 1930.

9. Faça uma síntese da seção “Choques externos e o protecionismo, 1929/1945”.

10. Explique quais foram os principais fatores do crescimento do Brasil entre

1945/1962.

11. Explique a importância das taxas múltiplas de câmbio e da Lei de Tarifas de 1957

para o desenvolvimento do Brasil.

12. Quais foram as principais medidas econômicas entre 1962 e 1974?

13. Quais foram os principais fatores de crescimento após 1974? Centre sua análise no

PAEG.

14. Explique os princípios básicos do Plano de Metas e do II Plano Nacional de

Desenvolvimento.

15. Fale do ajuste externo do Brasil, efetuado entre 1983/1993.

16. Disserte sobre o ajuste interno do Brasil, efetuado entre 1994 e 1996.

17. Disserte sobre a transformação estrutural das exportações brasileiras entre

1998/2003.

18. Disserte sobre a transformação estrutural das importações brasileiras entre

1992/2003.

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Page 76: Capítulos extras

5DESENVOLVIMENTO DE OUTROS PAÍSES:FRANÇA, ALEMANHA, ITÁLIA, PORTUGAL, CANADÁ EAUSTRÁLIA45

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

1 Desenvolvimento da França e da Alemanha

A exemplo dos EUA e do Japão, países como Alemanha, Canadá e Austrália

conheceram um desenvolvimento com base na expansão das exportações. A pauta

exportadora, inicialmente agrícola, diversificou-se gradativamente, incorporando

produtos com crescente nível técnico e valor adicionado. As economias nacionais

desenvolviam-se à medida que se adotavam inovações tecnológicas na produção e as

atividades exportadoras exerciam efeitos de encadeamento sobre o setor de mercado

interno. Já a França, embora também tenha sido um centro exportador tradicional de

artigos de luxo, como seda e perfumes, é citada na literatura como exemplo de país

que iniciou seu desenvolvimento com base no setor de mercado interno. As economias

da Alemanha e Itália aproveitaram-se inicialmente da reunificação de seus respectivos

países, o que expandiu o setor de mercado interno, sendo mais tarde amplamente

beneficiadas, sobretudo a Itália. Similarmente, nas décadas recentes, Espanha,

Portugal e Irlanda vêm passando por uma fase de crescimento acelerado em função de

seu ingresso na Comunidade Econômica Européia.

1.1 Desenvolvimento da França

Embora a França se tenha desenvolvido com atraso em relação à Inglaterra, ela

exerceu uma grande influência cultural e mesmo econômica na europa Continental,

sobretudo durante o período das conquistas napoleônicas. A aglomeração parisiense,

estando situada no meio de uma região com terras férteis e planas, logo se tornou um

importante centro exportador de vinhos, cereais, tecidos de lã e linho para a Holanda,

Espanha, Portugal e Inglaterra. A indústria, fomentada desde a Idade Média pelas

Cruzadas e pelos centros populacionais criados por Luís IX (1226-1270), obteve um 45 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 2 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).

Page 77: Capítulos extras

impulso considerável no reino de Henrique IV (1589-1610), quando cresceu a

produção de vidro, artigos de lã, seda, pesca e navegação (List, 1983, p. 53).

Durante a fase pré-industrial, a indústria francesa conheceu um crescimento

considerável na época em que Colbert (1619-1683) foi secretário de finanças de Luís

XIV. Havendo saneado as finanças públicas, ele fomentou a indústria francesa por

meio de medidas protecionistas. Importou mão-de-obra especializada da Inglaterra e

Holanda e adquiriu direitos de fabricação de máquinas e ferramentas. No que tange à

integração espacial interna, procurou suprimir ou reduzir os direitos aduaneiros entre

regiões, construiu estradas e canais para diminuir os custos de transporte. Reduziu

impostos sobre a atividade agrícola, fomentou as exportações e introduziu um severo

controle de gastos na administração pública (List, 1983, p. 54).

Apesar de estimular a indústria, Colbert foi criticado pelo protecionismo e pela

proibição de exportar cereais em épocas de escassez de alimentos, porque isso

desestimulava a produção agrícola. No entanto, o pior golpe para a industrialização

francesa foi desferido pela revogação do Édito de Nantes, em 1685, que suprimiu os

direitos concedidos aos calvinistas, em 1598, por Henrique IV, e provocou perseguição

religiosa. Com isso, em três anos, cerca de 500 mil protestantes emigraram com suas

indústrias e capitais, principalmente para a Suíça e, posteriormente, para a Alemanha,

Holanda e Inglaterra. Esse fato anulou o trabalho de toda uma geração e lançou a

França em seu antigo marasmo, enquanto a atividade produtiva na Inglaterra

continuava sendo protegida por sua constituição (List, 1983, p. 54).

Por volta de 1750, as doutrinas fisiocratas estavam em plena floração e seus

divulgadores passaram a ser conhecidos como “os economistas”. A economia francesa

ainda era essencialmente agrícola e sobre a população rural pesava elevada carga

tributária; não havia liberdade para a livre circulação de mercadorias entre as

províncias e com o exterior. O dirigismo estatal sufocava a livre iniciativa. “Os

economistas” acreditavam que a verdadeira riqueza estava na agricultura. Seu

desenvolvimento dependia de liberdade e de “bons preços”. A liberdade do comércio

de grãos permitiria aos agricultores vender suas colheitas com bom preço e investir os

lucros em explorações mais modernas e produtivas (Poirier, 1999, p. 73).

O desenvolvimento da indústria ficava, portanto, limitado pelo baixo nível de

renda agrícola e pelos entraves ao livre comércio, que enfrentava os elevados custos

de transportes. O excessivo dirigismo estatal, as políticas econômicas errôneas (altos

impostos, altas taxas de juros, excessiva regulamentação, proibições de circulação de

mercadorias) e os privilégios concedidos ao clero e à nobreza dificultavam o

desenvolvimento econômico, o que acabou provocando a eclosão da Revolução

Francesa (1789-1799). Nesse período, houve relativo liberalismo, quando se procurou

exportar vinhos para a Inglaterra, em troca de manufaturas mais baratas e de melhor

Page 78: Capítulos extras

qualidade. Tendo em vista as dificuldades financeiras do estado revolucionário, as

terras do clero foram confiscadas e postas à venda. A emissão de títulos para a compra

de bens da Igreja produziu elevadas taxas de inflação. A Assembléia Nacional, sob a

liderança de Condorcet, iniciou uma reforma do sistema educacional fundamentada

no ensino da matemática. A idéia era eliminar a influência excessiva da metafísica no

ensino e estimular o raciocínio dos alunos.

1.1.1 Imperialismo, reformas e crescimento econômico

As dificuldades políticas, a prática do terror revolucionário e a difícil situação

da economia francesa facilitaram o acesso de Napoleão ao poder. De imediato, ele

incentivou a indústria e a agricultura e organizou o quadro institucional. O controle

financeiro foi aperfeiçoado, através da estabilização da moeda e a criação do Banco da

França. A educação passou para o controle público, com as universidades sendo

restabelecidas no exercício de suas funções. O imperador promulgou um novo código

civil, que manteve as conquistas da Revolução: supressão da nobreza, igualdade

perante a lei, liberdade pessoal e de trabalho A conquista de praticamente toda a

europa continental, excluindo a Rússia, expandiu os mercados externos para os

produtos franceses, o que estimulou a sua industrialização.

No plano interno, contudo, a situação política francesa continuava conturbada,

o que levou à Revolução de 1830. Esta revolução consolidou a vitória da burguesia na

França e aclamou Luís Felipe, de formação liberal, novo rei da França (1830-1848). A

industrialização em marcha aumentava as populações urbanas, que, no entanto,

viviam em condições precárias e sujeitas ao desemprego. O Governo não intervinha

nas negociações trabalhistas, o que provocou o surgimento de uma reação socialista e

a proclamação da República em 1848. Nesse ano, Carlos Luís Napoleão Bonaparte,

sobrinho de Napoleão I, foi eleito Presidente da República, exercendo um governo

central forte. O novo governo reduziu as horas de trabalho e adotou medidas de

combate ao desemprego. Nesse período, as estradas de ferro, iniciadas por Luís Felipe,

foram triplicadas em extensão; instituições de crédito foram fundadas e o comércio

exterior estimulado.

A produção de aço cresceu em torno de 10% ao ano após 1866, quando se

começou a fabricar trilhos de aço, em substituição ao de ferro. A industrialização da

França efetivou-se com extraordinário crescimento das ferrovias. Entre 1845/1854,

foram construídos 1.987 km de linhas férreas; no decênio seguinte, passou-se a 6.196

km e a 10.100 km entre 1895/1904. Esse ritmo reduziu-se para 5.934, entre

1905/1913, e a extensões ainda menores nos anos seguintes, em razão da

consolidação da rede ferroviária francesa (Niveau, 1969, p. 73).

Page 79: Capítulos extras

Em 1852, Napoleão III deu início ao Segundo Império.46 Durante seu governo,

o setor financeiro cresceu consideravelmente; a cidade de Paris foi reurbanizada, com

a abertura das grandes avenidas (boulevards), e em 1855 a França foi reconhecida

internacionalmente como um país industrializado. Posteriormente, no entanto, na

tentativa de ampliar sua influência externa, a França obteve sucessos e derrotas. Em

1870, sob a liderança de Bismarck, a Prússia venceu a guerra com a França, que

estava despreparada militarmente. Com a derrota, a Terceira República foi

proclamada (1870-1945). A grande capacidade de recuperação da economia francesa,

no entanto, permitiu o pagamento das reparações de guerra em dois anos; em

seguida, a França iniciou uma ofensiva colonialista na África e na Ásia, o que

estimulou suas exportações, a industrialização e o desenvolvimento do setor de

mercado interno.

A industrialização e o desenvolvimento da França derivaram de um lento

processo de transformação de técnicas e de estruturas econômicas, não se podendo

rigorosamente falar que tenha havido nesse país uma “Revolução Industrial”, como na

Inglaterra, capaz de promover o arranco à la Rostow (ver Capítulo 11). Houve, na

verdade, três períodos de crescimento rápido: o primeiro teve início logo após a

Revolução Francesa (1796-1844); o segundo ocorreu entre 1855-1884 e o terceiro

iniciou-se em 1895 e terminou 1913, às vésperas da Primeira Guerra Mundial

(Niveau, 1969, p. 39).

As precondições para a decolagem da economia francesa tiveram início na

Revolução Francesa, que acabou com o regime feudal e com as corporações de ofício,

que imobilizavam a livre iniciativa. Foram abolidas as barreiras à livre circulação de

mercadorias e de pessoas entre províncias, formando um mercado interno único,

protegido, todavia, da concorrência externa por tarifas alfandegárias. Ainda no quadro

institucional, é digno de nota a fundação da Escola Politécnica e a Escola de Minas, os

Institutos de Pesquisa (química, botânica, biologia...) e a Escola de Artes e

Manufaturas, que passaram a formar pessoal de nível superior para as atividades

produtivas. Entre os fatores desfavoráveis ao desenvolvimento francês, podem ser

citados o lento crescimento demográfico, a insuficiência de recursos naturais, o baixo

nível de poupança interna e os direitos alfandegários elevados, encarecendo o carvão

e o aço importados pela indústria (Niveau, 1969, p. 67).

O crescimento demográfico pouco acentuado não teria influenciado o

crescimento econômico. Outros fatores favoráveis teriam sido as transformações da

agricultura, as inovações tecnológicas, o surgimento de setores líderes e o

desenvolvimento dos meios de transporte, sobretudo das ferrovias. As transformações

46 Napoleão II (1811-1832), filho de Napoleão I, foi proclamado Rei de Roma ao nascer; morreu no exílio de

tuberculose.

Page 80: Capítulos extras

na agricultura foram influenciadas pelo exemplo inglês: utilização de forragens para

alimentação animal; abolição dos direitos de pastorear o gado em pastos comuns;

melhoria dos métodos de criação de animais e aumento artificial da fertilidade dos

solos. A produtividade também se elevou pela redução do custo do adubo e pela

utilização de ferramentas mais aperfeiçoadas (Niveu, 1969, p. 48-49).

A indústria tomou impulso com o desenvolvimento do ramo têxtil e da

siderurgia. No caso da primeira atividade, muito contribuiu a vinda de empreen-

dedores e operários ingleses, que recebiam incentivos do governo francês desde o

início do século 19. Da mesma forma, no que diz respeito à indústria siderúrgica, a

influência inglesa foi substancial através da imigração. No entanto, a insuficiência do

abastecimento de carvão, a excessiva proteção alfandegária e a especialização

insuficiente da mão-de-obra foram os principais fatores a inibir o desenvolvimento

econômico francês na primeira metade do século 19 (Niveau, 1969, p. 59).

Produção Exportaçõespaíses1870/1913a 1965/1980b 1980/1990 b 1990/1999 b 1965/1980 1980/1990 1990/1999

Alemanhac 2,9 3,3 2,2 1,5 7,2 − 4,1Austrália − 4,0 3,4 3,8 5,5 6,9 7,9Canadá 3,8 5,1 3,3 2,3 5,4 6,3 8,8Dinamarca 3,2 2,7 2,3 2,8 5,4 4,3 3,8Espanha − 4,6 3,0 2,2 12,4 5,7 10,9EUA 4,3 2,7 3,0 3,4 6,4 4,7 9,3França 1,6 4,0 2,3 1,7 8,5 3,7 4,9Itália 1,4 4,3 2,4 1,2 7,7 4,1 7,2Japão − 6,5 4,0 1,4 11,4 4,5 5,1Nova Zelândia − 2,4 1,7 2,9 4,2 4,0 5,4Portugal − 5,3 3,1 2,5 3,4 8,7 5,6Reino Unido 2,2 2,4 3,2 2,2 4,8 3,9 6,0Fontes: Maddison, apud Niveau (1969, p. 74) e Banco Mundial (1990, 1995 e 2003).Notas: a Não informado o conceito utilizado; b PIB; c Excetuando o período de 1870/1913, os dados referem-se à RepúblicaFederal da Alemanha.

Enquanto nos EUA e Canadá a taxa de crescimento econômico foi de 4,3% e

3,8%, respectivamente, entre 1870/1913, a França cresceu apenas 1,6% nesse mesmo

período (Tabela 1). Entretanto, esse ritmo de crescimento econômico foi suficiente

para promover a industrialização da economia francesa, que se consolidou com a

expansão das ferrovias e de atividades interligadas e vinculadas basicamente ao setor

de mercado interno. O menor desempenho da economia francesa refletiu-se no

exército mal equipado e despreparado taticamente durante a Primeira Guerra

Mundial.47 A vitória francesa ocorreu em 1918, pela recuperação das forças francesas

e ajuda dos aliados. No conflito, morreram 1.400 mil soldados franceses e as despesas

com a guerra montaram a 150 bilhões de francos (Mirador, 1995, p. 4875). As

47 Esse conflito resultou da expansão colonial alemã, que não respeitava os tratados existentes e queinquietava as potências européias. A guerra foi precipitada pelo assassinato do arquiduque FranciscoFernando de Habsburgo, herdeiro do trono austríaco.

Page 81: Capítulos extras

reparações de guerra, no entanto, não cobriram os custos e a França saiu da Guerra

com prejuízos de bilhões de francos.48

Tabela 1 Taxa média de crescimento anual da produção e das exportações de países eperíodos selecionados (%).

De outra parte, o Congresso norte-americano não ratificou o Tratado de

Versalhes e os EUA efetuaram um acordo separadamente com a Alemanha. Além da

retirada do apoio anglo-americano mais amplo à França, a Liga das Nações não

fornecia as garantias de que o país necessitava. Seguiu-se um período de profundas

agitações políticas entre comunistas, socialistas e radicais, com grande instabilidade

econômica e militar. A Grande Depressão Mundial agravou ainda mais a crise vivida

pela França, que adotava uma política externa que levaria o país a uma situação

catastrófica. O governo francês rejeitou a aproximação com a Alemanha, que

apresentava grande expansão econômica, tecnológica e militar. Pelo contrário,

procurou aliar-se à europa Central e à União Soviética, apoiando seu ingresso na

Sociedade das Nações.

A Segunda Guerra Mundial eclodiu quando a França e o Reino Unido

declararam guerra à Alemanha, após ela ter invadido a Polônia em setembro de 1939.

No ano seguinte, a França foi invadida e ocupada pelos alemães. A desocupação

somente ocorreu em 1944 com o desembarque das forças aliadas na Normandia. No

fim desse ano, o General de Gaulle formou o governo provisório e iniciou a

reconstrução do país.

1.1.2 Plano Marshall e planejamento econômico

Terminada a Segunda Guerra Mundial, com a ajuda do Plano Marshall, a

França programou sua recuperação econômica, mediante o desenvolvimento da infra-

estrutura e de setores básicos. Entre 1945 e 1950, o I Plano Nacional de

Desenvolvimento limitou-se a programas de investimentos em seis setores

fundamentais: carvão, eletricidade, cimento, aço, máquinas agrícolas e transportes,

além da reestruturação do sistema financeiro. Esse plano aumentou a produção de

energia em 12,6 bilhões de quilowatts-hora; no período do plano, a capacidade das

refinarias de petróleo aumentou 60%. A eletrificação das ferrovias foi ampliada,

iniciando-se a produção de energia atômica. Os dois planos seguintes (1950/1955 e

1955/1960) continuaram com os investimentos estatais, mas procurou-se revitalizar o

setor privado. A formação do Mercado Comum europeu, a partir de 1958, englobando

48 As reparações alemãs cobriam apenas os prejuízos causados aos civis e as restituições compreendiamapenas a recuperação das províncias da Alsácia e da Lorena.

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inicialmente França, República Federal da Alemanha, Itália, Bélgica, países Baixos e

Luxemburgo (Grupo dos Seis), exigia que se aumentasse a produtividade da indústria

e da agricultura, tendo em vista a maior concorrência externa (Miranda e Mathieu,

1989, p. 123).

Na década de 1960, a reestruturação industrial e o aumento da escala das

firmas pela integração, reduzindo os custos médios de produção, constituíram outro

fator de aceleração do desenvolvimento do Grupo dos Seis. A integração espacial,

decorrente da eliminação gradativa das barreiras à livre circulação de mercadorias e

dos fatores de produção, no interior desse grupo, ampliava-se no contexto de uma

rede urbana de transportes bastante densa. O aumento do fluxo de trocas elevava as

rendas, o que favorecia o comércio, os serviços e a própria industrialização. O período

de 1945 a 1973 foi considerado como os anos dourados da economia francesa,

quando ela cresceu em torno de 5% ao ano, em média. Os choques do petróleo de

1973 e de 1979 interromperam essa fase áurea, marcada pelo planejamento

governamental e pela intervenção direta do Estado na economia. Ocorreram déficits

na balança comercial em todos os anos entre 1979 e 1985, que atingiram US$ 2,1

bilhões em 1979, US$ 15,5 bilhões em 1982 e US$ 5,4 em 1985 (Miranda e Mathieu,

1989, p. 113).

A economia francesa tem revelado uma grande vulnerabilidade em relação ao

setor externo. Como nos anos de 1970, entre 1980 e 1993 as exportações francesas

continuaram crescendo menos do que as importações (4,5% e 4,8%). Entre 1970 e

1993, a França reduziu sua dependência em relação aos combustíveis importados

(12% para 9% do total importado), de alimentos (15% para 11%), de outros produtos

primários (15% para 5%), mas aumentou sua dependência em relação à importação

de máquinas e equipamentos de transporte (25% para 34%) e de outros produtos

manufaturados (33% para 41%). Em relação às exportações, aumentou no período a

participação de máquinas e equipamentos de transporte (33% para 38%), mas caiu a

participação de outras manufaturas nas exportações totais (42% para 40%). Em

decorrência, sobretudo, da crise energética e da redução do ritmo das exportações, a

taxa de crescimento do produto nacional bruto francês reduziu-se de 3,2%, entre

1970 e 1980, para 2,1% entre 1980 e 1993 (Banco Mundial, 1995, p. 183).

Considerando o período de 1965 a 1980, a taxa média anual de crescimento da

economia francesa foi de 4%, no mesmo nível da Austrália e superior ao desempenho

de países como Alemanha, Dinamarca, EUA, Nova Zelândia e Reino Unido. Entre os

países da Tabela 1, a taxa anual de crescimento das exportações francesas, nesse

período, igual a 8,5%, somente foi inferior à da Espanha (12,4%) e Japão (11,4%), o

que explica seu crescimento econômico relativamente alto. Em 1999, a França

apresentava-se como a quarta economia mundial, com um PNB de US$ 1,43 trilhões,

Page 83: Capítulos extras

logo atrás dos EUA, Japão e Alemanha (Tabela 2.1 de Souza, 2005).

Atualmente, além da região parisiense, centro cultural, artístico e universitário,

sediando indústrias leves de alto valor adicionado, a indústria francesa de um modo

geral encontra-se relativamente dispersa em diferentes regiões, como em Lyon, cuja

aglomeração possui aproximadamente 1.200 mil habitantes (indústrias: metalúrgica,

mecânica, têxtil, petroquímica, automobilística); em Marselha, no litoral do

Mediterrâneo, com cerca de um milhão de habitantes (refinarias de petróleo, óleos

comestíveis, construção naval); em Lille, com um milhão de habitantes (têxteis,

mecânica, material elétrico); em Toulouse (750 mil habitantes), importante centro de

indústrias aeronáuticas, espaciais, químicas e farmacêuticas, bem como em diferentes

locais, em cidades menores e mesmo à proximidade da zona rural (indústria da

alimentação, por exemplo).

O produto interno bruto francês cresceu 1,2% em 2002 e apenas 0,2% em

2003. O consumo das famílias foi positivo nesses dois anos (1,4% e 1,6%),

acompanhado de queda dos investimentos privados (−2,8% e −1,8%) e redução das

exportações em 2003 (−1,6%), sendo que no ano anterior elas haviam crescido 1,3%.

Projeta-se crescimento do PIB de 1,7% para 2004, puxado pelas exportações (5,4%) e

pelo investimento privado (1,9%). O grande desafio da França será ajustar-se aos

critérios do Tratado de Maastricht:49 a) o déficit público cresceu de 3,1% do PIB, em

2002, para 4% do PIB, em 2003, projetando-se o nível de 3,6% do PIB para 2004; b) a

dívida pública também cresceu, passando de 59% do PIB em 2002, para 61,4% do PIB

em 2003, com previsão de aumento para 2004: 62,8% do PIB (<www.francetresor.

gouv.fr/oat/fr/info56b/html>).

O aumento dos gastos públicos reduziu a taxa de desemprego de 12,2%, em

março de 1997, para 9,6% em janeiro de 2004. Apesar da redução dessa taxa, em

2003 a economia francesa destruiu 30.000 empregos. Isso é uma tendência das

economias modernas, o que gera o eterno conflito entre criar novos empregos e

manter a estabilidade econômica. A França continua como a quarta economia mundial

e a quarta economia com maior volume de exportações, assegurando à população

elevados níveis de qualidade de vida.

49 O Tratado de Maastricht, que viabilizou a criação do euro, tende a consolidar a União européia (UE),

mas impôs aos países-membros a adoção de políticas econômicas de maior austeridade: tetos de 3%do PIB para o déficit público e de 60% do PIB para a dívida pública. A vitória do Partido Socialista,em 1997, levou a França a adiar sua adesão a esses critérios de convergência, alegando problemascom o desemprego.

Page 84: Capítulos extras

1.2 Desenvolvimento da Alemanha

Uma das dificuldades para o desenvolvimento de muitos países da Europa foi a

pequena dimensão do mercado interno. No final do século 19, o território da

Alemanha encontrava-se fragmentado em regiões autônomas. A unificação política era

tão precária, justificando a expressão “as Alemanhas”, o que incluía até 1866 a própria

Áustria. Até então, era impossível estabelecer as fronteiras da Alemanha, cuja

fragmentação implicava a existência de 1.500 soberanos, com 80 territórios de

dimensões inferiores a 20 mil km2. O povo alemão, no entanto, deu grande

contribuição para o desenvolvimento das trocas desde 1367 a partir das cidades do

sul, como Augsburgo e Nuremberg, destacando-se o comércio de metais e a cunhagem

de moedas. Em 1455, o alemão Gutenberg imprimiu o primeiro livro, a Bíblia. Martin

Lutero (1483-1546), com a sua Reforma Protestante, deu à língua alemã uma unidade

e a sua forma definitiva.

O ducado da Prússia assumiu a partir do século 17 a condição de líder da

civilização germânica, quando passou a anexar condados vizinhos. Desenvolveu-se

uma atividade manufatureira, como ferramentas, armas e tecidos. A atividade

industrial da Prússia foi aniquilada pela Guerra dos Trinta Anos com a França (1618-

1648). Ela ressurgiu com vigor através dos protestantes banidos da França pela

revogação do Édito de Nantes (1685), quando os calvinistas passaram a ser

perseguidos; entre eles, incluíam-se funcionários públicos, artesãos, intelectuais e

homens de negócio. Esses imigrantes chegaram a constituir, por volta de 1700, cerca

de 1/3 da população de Berlim. Eles trouxeram suas indústrias e técnicas de cultivo

do solo, desenvolvendo culturas, como batatas, cereais, forrageiras para alimentação

animal, criação de gado e produção de lã.

Na Prússia, havia alguma proteção alfandegária, ao contrário de outros Estados

de língua alemã, que sofriam a concorrência de manufaturas estrangeiras (List, 1983,

p. 63). Outras medidas de estímulo à atividade industrial foram adotadas em 1742. A

partir de 1750, a Prússia passou a ser considerada uma grande potência européia,

graças também a uma aliança com a França e, mais tarde, com a Inglaterra. No plano

interno, colonizou suas diversas regiões, abriu estradas e canais e estimulou a

produção agrícola. Entre 1806 e 1812, a Prússia e os povos germânicos em seu

conjunto estiveram sob o domínio francês. Contudo, a legislação napoleônica foi

favorável às trocas e à atividade produtiva e provocou o rompimento das estruturas

feudais existentes. As reformas surgiram com o objetivo de construir uma grande

nação, por meio da eliminação dos obstáculos ao comércio e ao exercício profissional.

As idéias floresciam em torno da Universidade de Berlim, fundada em 1810 (Niveau,

1969, p. 103).

Em 1815, os alemães e seus aliados venceram os franceses em Waterloo. Nesse

Page 85: Capítulos extras

ano, no Congresso de Viena, surgiu a Confederação Germânica, uma coligação de

senhores feudais sem unidade, sob a chefia da Áustria; ela contava com 35 estados e

quatro cidades livres, destacando-se os reinos da Prússia, Saxônia, Hannover, Baviera

e Württemberg, sendo Frankfurt a capital. Nessa época, cresciam as correntes opostas,

liberais e nacionalistas. A primeira lutava contra os feudos locais, por meio das

universidades e da literatura. A segunda desejava o fortalecimento da Prússia, para

que liderasse a nação alemã (Lafue, 1960, p. 1218).

1.2.1 A integração econômica interna

As aspirações industrializantes da corrente nacionalista foram influenciadas

pelas idéias de liberdade da Revolução Francesa, bem como pelas transformações

econômicas geradas pela Revolução Industrial Inglesa. Foi nesse contexto que o

economista Friedrich List (1789-1846), professor em Tübingen, passou a liderar uma

associação de empresários alemães vinculados ao comércio e à indústria, que

desejavam formar uma união aduaneira entre todos os estados da Alemanha (o

Zollverein). Apesar da oposição oficial, pequenos feudos conseguiram organizar-se em

uma união comercial, entre 1828 e 1929. Em 1834, sob a liderança da Prússia, o

Zollverein formou uma união alfandegária, unindo 18 estados e 23 milhões de

habitantes. Eliminaram-se as barreiras comerciais entre esses estados, permitindo a

livre circulação de homens e capitais, sendo criadas taxas relativamente elevadas para

produtos estrangeiros (Niveau, 1969, p. 104).

A integração espacial interna da Alemanha completava-se, sob a inspiração de

List, com a construção de ferrovias, iniciada entre 1835 e 1839. Após a implantação

do Zollverein, a economia alemã cresceu rapidamente e as transformações econômicas

consolidaram a consciência nacional. A Revolução Francesa de 1848 influenciou a luta

interna pela reunificação alemã e medidas liberais foram adotadas pelo governo. A

idéia era eliminar a influência da Áustria e anexar os principados existentes no

interior da Alemanha. Com o desenvolvimento das ferrovias, o país obteve o arrancopara o desenvolvimento auto-sustentado. Cresceu a produção de carvão, aço e

equipamentos ferroviários, ao mesmo tempo em que a redução dos custos de

transporte ampliava os mercados, tanto no interior da Alemanha, como em direção de

outros países europeus. Contribuíram também para a industrialização alemã, durante

o período da decolagem (1830-1860), a construção naval, a importação de tecnologia

e de capitais da Inglaterra e França, bem como a existência em solo alemão de carvão

e de outros recursos minerais (Niveau, 1969, p. 109).

O progresso econômico incentivava a integração espacial e política. As vias de

comunicação possibilitavam a exploração de novas fontes de riqueza. Em 1860, a

Page 86: Capítulos extras

produção alemã de carvão superou a da França e a produção siderúrgica se ampliava.

Banqueiros e industriais se uniram em favor da integração política e territorial. A

implantação das ferrovias unia as fontes de matérias-primas aos mercados

consumidores, ao mesmo tempo em que dinamizava a siderurgia e as indústrias

mecânicas utilizadoras de ferro e aço. Simultaneamente, expandia-se o comércio

interno e o setor bancário alemão. Capitais privados adicionavam-se aos capitais

públicos para novos empreendimentos. Apesar desse crescimento econômico

acelerado, as tentativas de unificação política vinham fracassando pela forte oposição

da Áustria. Esse país lutou contra a unificação italiana e sua derrota favoreceu a

liderança da Prússia dentro da Confederação Alemã, com o surgimento de um novo

líder, Otto von Bismarck.

A Prússia, que vinha se preparando militarmente para enfrentar a Áustria,

aliou-se à Itália e venceu o seu antigo rival, em 1866, quando acabou a Confederação

Germânica. Por essa época, a França desejava comprar o condado de Luxemburgo da

Holanda, mas que pertencia ao Zollverein desde 1842. Bismarck não concordou, o que

gerou uma crise. Luxemburgo foi declarado neutro pelo Tratado de Londres. Novos

desentendimentos levaram os franceses a declarar guerra à Prússia, em 1870. O

exército prussiano, melhor preparado, ocupou Paris em 1871. Como resultado, a

França perdeu para os alemães as regiões da Alsácia e parte da Lorena. Ao vencer a

França, a Alemanha já se apresentava como um importante país industrializado e uma

potência européia.

A industrialização alemã, como a francesa, beneficiou-se da Revolução

Industrial inglesa, por meio da importação de máquinas e técnicos ingleses, que

acabaram repassando tecnologia. Operários ingleses, franceses e belgas fizeram

funcionar os primeiros altos-fornos no Vale do Ruhr. Os alemães também receberam

capitais de outros países da europa para a exploração de suas minas de carvão e para

a produção siderúrgica. A rápida industrialização foi acompanhada por uma legislação

social, que garantia seguro contra doença, invalidez e renda para os idosos. A

educação pública foi nacionalizada em 1872 e tornada gratuita em 1888. A

colonização de Togo e Camarões, em 1884, ajudou a suprir a indústria germânica com

matérias-primas e a consumir seus bens manufaturados.

Entre 1870/1910, após a unificação alemã, foram multiplicadas por dez as

produções de ferro-gusa, aço e carvão e triplicada a malha ferroviária. Em 1910, as

ferrovias implantadas montavam a 61 mil km, contra 49,5 mil para a França e 38 mil

para o Reino Unido (Niveau, 1969, p. 108). A intensa exploração dos recursos

produtivos das regiões Sarre, Ruhr, Silésia e Alsácia-Lorena, assim como o grande

crescimento da população, que passou de 41 milhões em 1871, para 65 milhões em

1910, proporcionavam à Alemanha uma posição de grande destaque no cenário

Page 87: Capítulos extras

mundial.

Entre os fatores do crescimento econômico alemão, desse período, podem ser

destacados: (a) a constituição e a integração do mercado interno; (b) a importação de

tecnologia; (c) o extraordinário crescimento das exportações, sobretudo nas primeiras

décadas do século 20; (d) a firme política protecionista contra a concorrência

estrangeira; e (e) o desenvolvimento de canais e ferrovias, interligando a Alemanha

com os demais países da europa e do Oriente. Entre 1872/1875 e 1909/1913, as

exportações alemãs cresceram 250%, contra 85% para o Reino Unido e 68% para a

França (Mirador, 1995, v. 2, p. 315).

A construção da ferrovia Berlim-Bagdá não foi bem aceita pelos ingleses, cuja

rivalidade aumentava à medida que os alemães ampliavam sua influência na África,

formando colônias. A construção de canais internos, por motivos militares, melhorou

a rede fluvial e reduziu os custos de transporte. Da mesma forma, o transporte

marítimo ampliava-se com o aumento de número de rotas. Em 1913, a tonelagem

mercante era 490 vezes superior à de 1870 (Mirador, 1995, p. 316).

1.2.2 As duas guerras mundiais e a reconstrução

O bloqueio econômico provocado pela Primeira Guerra Mundial levou os

alemães a substituir matérias-primas importadas, a racionar produtos e a controlar

preços. Terminada a Guerra, a Alemanha perdeu territórios na Europa e suas colônias,

devendo ainda pagar elevadas reparações de guerra. Internamente, reforçaram-se as

tendências nacionalistas de direita, em oposição ao radicalismo de esquerda. Em

1923, ocorreu na Alemanha uma hiperinflação: em janeiro, um dólar equivalia a 18

mil marcos; em 15 de novembro, a cotação era de um por 4,2 trilhões de marcos

(Flamant, 1973, p. 32). Devido às dificuldades econômicas, percebeu-se que a

Alemanha não poderia pagar tais reparações. Em 1924, o país recebeu um empréstimo

externo para iniciar a recuperação industrial. A partir daí, aumentou o afluxo de

capitais internacionais, sobretudo da Inglaterra e dos EUA, iniciando um período de

rápido crescimento econômico (Niveau, 1969, p. 217).

Em 1931, para melhorar sua posição competitiva no exterior, o governo alemão

aplicou um corte linear de preços e salários e impôs licenças de importação e

restrições à saída de capitais e realizou acordos bilaterais. Essas medidas, no entanto,

não foram suficientes para enfrentar a concorrência da Inglaterra, que havia

desvalorizado sua moeda em 30%. Essa política levou Hitler ao poder, em 1933, como

chanceler. Com a recessão, o governo nazista adotou, em 1933, medidas de efeitos

contrários e o desemprego reduziu-se de seis milhões de pessoas em janeiro desse ano

para 2,6 milhões em fins de 1934. Enquanto os salários permaneceram congelados,

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pela supressão dos sindicatos, o capital industrial foi subsidiado, sobretudo para a

construção de armamentos e aviões de guerra (Niveau, 1969, p. 248).

Hitler iniciou uma propaganda política com base na luta contra os comunistas.

Suprimiu os partidos políticos e expurgou os opositores. Em 1934, passou a acumular

as funções de presidente da república, reforçando o militarismo e colocando a

economia sob a direção do Estado. A partir de 1936, adotou dois planos quadrienais e

a economia de guerra eliminou o desemprego no país. A Segunda Guerra Mundial

iniciou-se com a Alemanha anexando a Áustria, em 1938. Ela continuou com a

ocupação da Tchecoslováquia em 1939, com manobras agressivas contra a Polônia,

França e Reino Unido, e com o ataque à União Soviética em 1941, apesar da

existência de um pacto de não-agressão. A Segunda Guerra Mundial terminou em

maio de 1945, estando a economia alemã praticamente destruída e submissa

incondicionalmente aos Aliados.

Com a ocupação da Alemanha pelos principais países aliados (EUA, Inglaterra e

França) e pela União Soviética, a Alemanha dividiu-se em duas: República Federal da

Alemanha (RFA), sob ocupação aliada; e República Democrática da Alemanha (RDA),

sob domínio soviético. A crescente rivalidade entre os EUA e a União Soviética deu

início à Guerra Fria, a partir de 1948, o que gerou o Plano Marshall; esse plano trouxe

grandes aportes de capitais de empréstimo e a fundo perdido para a recuperação da

Europa, parcialmente destruída pela Guerra. O objetivo era evitar o avanço do

comunismo em direção ao Ocidente. Em função dessa ajuda e da reforma monetária

colocada em curso, a produção industrial da Alemanha Ocidental subiu no segundo

semestre de 1948, de 45% para 75% em relação aos níveis de 1936, sendo que a

produção de aço duplicou entre janeiro e dezembro desse mesmo ano (Mirador, 1995,

p. 319).

A infra-estrutura econômica alemã tinha sido destruída pela Guerra e havia

elevados níveis de desemprego e desnutrição. Apesar da opção pela economia de

mercado, o governo alemão agiu diretamente na reimplantação da infra-estrutura, na

educação, na ajuda social e no reerguimento de atividades básicas, como aço,

cimento, alimentos, transportes, comunicações, construção civil. Medidas fiscais

procuraram incentivar o investimento, restringindo o consumo, como depreciação

acelerada, crédito com baixas taxas de juros para as empresas e promoção de

exportações. Outras medidas importantes para o crescimento econômico posterior

foram o controle severo da inflação e a neutralização de grupos internos de interesse,

contrários à política do Governo. A Alemanha cresceu 9,5% ao ano em média entre

1950/1955 e 6,3% entre 1955/1960, com taxas decrescentes do desemprego (7,5%

para 3%) e da inflação (1,9% para 1,8%) (Wolter, 1984, p. 97-98).

No final dos anos de 1950, cinco milhões de novos empregos haviam sido

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criados. A Alemanha abriu-se ao capital estrangeiro, recebendo inúmeras

multinacionais, que contribuíram decisivamente para a consolidação de seu parque

industrial. O crescimento econômico apresentou taxas decrescentes nos períodos

seguintes: 5% (1960/1965), 4,2% (1965/1970) e 0,2% (1979/1983). O desemprego

chegou a 1% entre 1970/1973, mas subiu para 4,1% (1973/1979) e 6,7%

(1979/1983). A inflação de 2,3% ao ano entre 1965/1970, atingiu 4,9% entre

1979/1983 (Wolter, 1984, p. 97).

No início dos anos de 1980, o grande problema da Alemanha Ocidental era

reduzir o desemprego, que atingia 2,3 milhões de pessoas. Na Alemanha Oriental as

dificuldades econômicas eram ainda muito maiores: escassez de alimentos, queda do

produto global, escassez crônica de divisas, que impediam a importação de insumos e

alimentos, e baixo nível de renda. A retirada das tropas soviéticas em 1979 e a

insatisfação geral da população minaram o governo comunista. A derrubada do Muro

de Berlim, em 1989, provocou a fuga em massa de populações do lado oriental,

ajudou a desmantelar o regime comunista e acelerou a reunificação das duas

alemanhas, após 40 anos de separação. Em fevereiro de 1990, o Banco Central alemão

assumiu a gestão econômica da Alemanha Oriental, o que implicou a unificação

monetária, e a 3 de outubro desse mesmo ano as duas alemanhas tornaram-se um

único país.

Já em 1991, os alemães ocidentais foram obrigados a pagar mais impostos,

para financiar a recuperação da economia do lado oriental. O desemprego aumentou

e recrudesceu o terrorismo, tanto por parte dos extremistas de esquerda, como pelos

de direita (neonazistas), em repúdio aos seis milhões de estrangeiros residentes no

país. Desde 1980, a desaceleração das exportações implicou crescimento econômico

mais lento. Em 1999, contudo, a Alemanha unificada apresentava-se como a terceira

maior economia do planeta, com um PNB de US$ 2,079 trilhões. Entre 1998/1999,

tanto o PNB total, como o PIB per capita e o valor adicionado pela indústria cresceram

1,2% ao ano (Tabela 2.1 de Souza, 2005).

Em 1998, a Alemanha exportou US$ 623,4 e importou US$ 587,4, gerando um

superávit comercial de US$ 36 bilhões (Banco Mundial, 2003, p. 312). As indústrias

alemãs são voltadas para o mercado externo. A maior parte delas desenvolveu-se a

partir das reservas de carvão coque da bacia do Ruhr, principalmente a indústria

siderúrgica, que originou as indústrias mecânica e automobilística. As principais

exportações são, basicamente, de automóveis e de produtos diversos de alta precisão e

tecnologia. O adiamento de exportações, em função da Guerra do Iraque, teria

afetado o crescimento do PIB em 2003 (−0,1%), que já vinha se desacelerando desde

2001 (0,8%) e 2002 (0,2%). Em 2003, foi a segunda vez que a economia alemã

encolheu após a reunificação das duas alemanhas (em 1993, o PIB alemão havia caído

Page 90: Capítulos extras

1,1%).

As exportações alemãs cresceram 1,1% em 2003, contra 2% para as

importações, o que gerou déficit comercial. Há que registrar também o lento

crescimento do consumo interno, de 0,2% em 2003, contra 1% no ano anterior. Para

2004, os alemães projetaram reduzir os impostos em 7,8 bilhões de euros, a fim de

estimular a demanda interna. Isso teria repercussões no aumento do déficit público,

igual a 4% do PIB em 2003. Este foi o terceiro ano consecutivo que a Alemanha feriu

o Pacto de Estabilidade do euro, uma vez que o limite previsto para o déficit público

era de 3% do PIB (<www.dw-world.de/brazil/0,3367,7165_A_ 1090176,00.html>).

2 Desenvolvimento da Itália, Espanha e Portugal

2.1 Desenvolvimento da Itália

O desenvolvimento da Itália é recente e se deve, em parte, a sua inserção no

Mercado Comum europeu. O Renascimento e as grandes rotas comerciais contribuí-

ram para o crescimento das cidades italianas. Entretanto, a existência de feudos

independentes dificultava o crescimento econômico em pleno século 19. No passado,

as regiões italianas eram pouco povoadas e caracterizadas por imensos domínios

eclesiásticos. O comércio interno precário movimentava produtos, como óleos, vinhos,

sal e outros manufaturados. A conquista da Sicília pelos normandos favoreceu o

comércio internacional: genoveses, pisanos e venezianos estenderam seu comércio

com a África e o Oriente.

A partir do século 11, o comércio externo intensificou-se com as Cruzadas, o

que beneficiou várias cidades italianas. Apesar do desmembramento das propriedades

eclesiásticas, a influência política dos bispos era muito grande. O imperador

compartilhava o poder com o Papa. Por outro lado, havia grande fragmentação

política entre as regiões italianas. No sul, a pobreza do solo agravava os problemas

sociais; a luta entre a burguesia e a pequena nobreza impedia o desenvolvimento

econômico, sendo o comércio dominado pelos toscanos. A riqueza concentrava-se nas

mãos de poucas famílias, que procuravam destruir as ações econômicas e políticas das

famílias rivais.

O domínio da Itália pela Espanha a partir do século 16 provocou retrocesso

econômico pelo aumento da carga fiscal e supressão das liberdades. O comércio

internacional das cidades italianas, de outra parte, sofreu um grande colapso pelo

deslocamento das rotas de comércio do Mediterrâneo para o Atlântico. Veneza

continuou mantendo relativo dinamismo, pela manutenção do comércio com o

Oriente; ainda havia importantes trocas entre as cidades do sul da Alemanha e as

Page 91: Capítulos extras

cidades do norte da Itália. No século 17, no entanto, o desenvolvimento

manufatureiro da França e de outros países desacelerou gradativamente o comércio

com os italianos, acentuando sua decadência.

Com a ajuda francesa, os espanhóis foram rechaçados da Itália no início do

século 18, mas a influência francesa acentuou-se. A supressão do comércio com a

Espanha afetou a economia italiana. Intensificava-se a influência da Inglaterra, que

importava lã e exportava suas manufaturas para a Itália. A Áustria também fazia suas

incursões em solo italiano, cujo norte passou a ser disputado por austríacos, espanhóis

e franceses. A população italiana atingia 15,5 milhões de habitantes por volta de

1750; na agricultura, predominavam os latifúndios civis e eclesiásticos, administrados

por arrendatários e cultivados por camponeses pobres. Os proprietários viviam nas

cortes, sustentados pelas rendas agrárias. Tanto as populações urbanas como as rurais

eram analfabetas, muito pobres e sufocadas pelo catolicismo romano (Mirador, 1995,

p. 6291).

No final do século 18 houve o chamado “despotismo esclarecido”. Alguns

príncipes introduziram reformas tímidas: redução dos privilégios da nobreza; fim da

cobrança de alguns impostos e limitação das prerrogativas da Igreja. A economia

beneficiou-se de inovações técnicas e da supressão de barreiras ao livre comércio.

Algumas cidades aboliram a escravidão e as corporações de ofício; suprimiram

algumas ordens religiosas contemplativas e mendicantes e instituíram o princípio da

igualdade fiscal. O comércio de cereais tornou-se livre; abriram-se novas estradas e

regiões pantanosas foram recuperadas. Vários conventos foram fechados, os jesuítas

expulsos e proibidas novas aquisições pela Igreja (Mirador, 1995, p. 6291).

2.1.1 Influência francesa

Os ideais da Revolução Francesa de 1789 e a invasão de Napoleão produziram

importantes efeitos sobre a Itália. Inicialmente, os reis italianos fizeram oposição a

essa revolução, enquanto os intelectuais mostravam entusiasmo. Em 1792, o Piemonte

declarou guerra à França e os franceses invadiram e anexaram a Savóia e Nice. Em

1796, Napoleão venceu os austríacos e ocupou o norte da Itália. Sob controle francês,

foi criada a República Cisalpina, transformada mais tarde em República Italiana e

Reino da Itália (1807) (Orsi, 1899, p. 54). Em 1810, o Reino da Itália foi acrescido de

Veneza, Guastalla, Marca e Trentino. Nesse período, os franceses impulsionaram a

educação e os trabalhos públicos; editaram uma nova constituição; mandaram abrir

novas estradas e incentivaram a agricultura e a indústria. Ao mesmo tempo, aboliram

os privilégios e modernizaram a estrutura financeira do Estado. O principal resultado

foi a mudança de mentalidade da população italiana e a criação de um sentimento de

Page 92: Capítulos extras

unidade nacional.

Alguns anos após a queda de Napoleão, a Áustria voltou a dominar a Itália,

cuja influência estendeu-se de forma mais intensa também na Alemanha, até meados

do século 19. Com os austríacos, estabeleceram-se os privilégios da nobreza, mas as

revoltas tornaram-se freqüentes e sangrentas. A falta de unidade entre os italianos

dificultava a expulsão dos austríacos, sendo necessária a ajuda da França e da Prússia.

Os franceses enviaram tropas à Itália, em 1832, onde permaneceram até 1838. Nessa

época, Giuseppe Garibaldi lutava pela libertação da Itália, cujo progresso industrial já

se mostrava visível no Norte, enquanto o Sul mantinha-se essencialmente agrícola,

embora com novos métodos de produção. Lombardia e Veneza eram as regiões mais

prósperas da Itália, favorecidas pela administração austríaca eficiente, com ênfase na

educação.

A Revolução Francesa de 1848 também influenciou os movimentos de

libertação na europa, particularmente nos reinos italianos. O reino da Sardenha

obteve a paz com os austríacos e integrou-se na rede comercial européia. Modernizou

a estrutura das empresas e do setor bancário, favorecendo os investimentos nas

ferrovias. Em 1860, Savóia e Nice retornaram à França e movimentos revolucionários

na Itália Central e no reino de Nápoles, conquistado por Garibaldi, levaram à união

dessas regiões com o Piemonte. Em 1861, foi proclamado o reino da Itália, com a

capital em Turim, depois em Florença. A pobreza italiana em recursos naturais

dificultava o crescimento econômico; a mão-de-obra, embora abundante, era pouco

qualificada. Apesar disso, entre 1864 e 1868, foram construídos 5.524 km de

ferrovias, com financiamentos externos. Em 1871, a capital italiana foi mudada para

Roma; ao Papa foi assegurado o Vaticano e outras propriedades, bem como o direito

de soberania (Orsi, 1899, p. 315).

As precondições para o desenvolvimento da Itália surgiram com a unificação

das regiões italianas e a realização de tratados com países europeus, incluído o

Zollverein. Após 1871, o governo italiano procurou seguir a Inglaterra e a França na

condução da economia, modernizando bancos, empresas privadas e cooperativas e

implantando rodovias e mais de 5,8 mil km de ferrovias (Orsi, 1899, p. 319). Em

1882, foi assinada a Tríplice Aliança com a Áustria e a Alemanha, ficando a França

isolada nesse acordo. No final do século 19, a dívida pública e os altos impostos

constituíam os principais obstáculos à melhoria das condições de vida da população.

Ao mesmo tempo, a agricultura mantinha-se prejudicada pela concorrência de

produtos franceses e alemães, tendo em vista a redução dos custos de transportes.

A partir de 1879, ocorreu importante surto industrial, com a instalação da

siderurgia e da indústria da borracha. Giovanni Pirelli instalou em 1872 a primeira

fábrica de borracha em Milão. Altos-fornos foram criados em Parma, enquanto a

Page 93: Capítulos extras

indústria têxtil conseguia tarifas protecionistas em 1878. A indústria pesada aparecia

por essa época. Contribuiu também para a expansão econômica o imperialismo

italiano, com a fundação de uma colônia penal no litoral africano. Em 1889, a Etiópia

passou a ser um protetorado italiano e, em 1890, novas terras foram conquistadas na

Abissínia sob o nome de Eritréia. Em 1900, a Itália enviou tropas à China, mas os

problemas sociais internos preocupavam. A população italiana atingia 28,5 milhões de

pessoas em 1882 e 38,7 milhões em 1911; o crescimento econômico insuficiente e o

grande número de desempregados estimulavam a emigração. Na década de 1900

surgiram cooperativas agrícolas, ferrovias, companhias de navegação e os dois túneis

dos Alpes suíços, com 19,8 km de extensão (Villat, 1960, p. 1572).

O crescimento econômico italiano ocorreu, no entanto, com profundas

desigualdades regionais entre o Norte e Sul. Nos primeiros anos do século 20,

predominavam níveis de vida mais elevados no Norte, enquanto o Sul apresentava

altas taxas de criminalidade, miséria e analfabetismo, com grandes fluxos de

emigração. Enquanto o Norte pagava a maior parte dos impostos arrecadados pelo

Governo, seus gastos efetuavam-se predominantemente em favor do Sul, em obras

públicas e na agricultura. As dificuldades para o desenvolvimento econômico italiano

foram: condições pouco favoráveis para a agricultura (secas no sul e existência de

áreas pantanosas em outras regiões); disponibilidade insuficiente de carvão, petróleo

e recursos minerais, como ferro e metais não ferrosos (Chardonnet, 1957).

Durante a Primeira Guerra Mundial, os italianos, inicialmente neutros,

acabaram entrando em conflito com a Áustria e a Alemanha. Terminada a Guerra, a

Itália completou a unificação de seu território e viu destruído o império austro-

húngaro, seu tradicional inimigo. O auxílio financeiro recebido dos aliados ajudou a

estabilizar a moeda e a melhorar o abastecimento da população. Contudo, a inflação

voltou, em virtude dos constantes déficits orçamentários do Governo, e os conflitos

sociais recrudesceram.

A conseqüência da crise econômico-social foi o surgimento do movimento

fascista, iniciado por Mussolini, em 1919. Contudo, a agitação socialista continuava

no parlamento, neutralizando tentativas de saneamento da economia. Os gabinetes

ministeriais caíam um após o outro. Entre 1919 e 1922, Mussolini conseguiu o apoio

da Confederação Nacional da Indústria e dos anticomunistas, bem como de parte da

imprensa. Em 1921, os fascistas conseguiram 35 cadeiras no Parlamento e, em 1922,

Mussolini tornou-se primeiro-ministro. Iniciou-se um programa de irrigação, de

recuperação de terras alagadas e de auxílio à pequena propriedade. Mais de um

milhão e meio de hectares foram acrescentados à atividade produtiva, 350 km de

canais foram drenados e 500 km de estradas construídos (Chardonnet, 1957, p. 417).

Apesar das obras públicas, o desemprego causado pela Grande Depressão

Page 94: Capítulos extras

Mundial provocou dissidências no partido fascista. Para desviar a atenção, a Itália

promoveu a Guerra da Abissínia, em 1935, formando com as colônias existentes a

África Oriental Italiana. O desemprego foi suavizado com a convocação de 300 mil

soldados. Mussolini desejava tornar seu país uma grande potência e voltou-se para a

industrialização e a implantação da infra-estrutura necessária. Criou o Instituto para a

Reconstrução Industrial (1933), que concedia ajuda financeira às empresas em

dificuldades, instituiu o controle bancário (1936) e nacionalizou o Banco da Itália.

Construiu ferrovias, auto-estradas e túneis; incentivou, entre outras, a indústria

aeronáutica e a indústria naval, dotando a Itália de uma frota mercante de três

milhões de toneladas (Chardonnet, 1957, p. 418).

Na Segunda Guerra Mundial, a Itália uniu-se à Alemanha; após sucessivas

derrotas, solicitou armistício aos aliados em 1943. Em 1945, Mussolini foi morto e em

junho de 1946 a República Italiana foi proclamada, com a ascensão dos democrata-

cristãos ao poder. O tratado de paz de 1947 fez a Itália perder suas colônias e a

reconhecer a independência da Albânia. No plano interno, havia o perigo de graves

convulsões sociais. O sul do país, com mais de 17 milhões de habitantes, continuava

pouco industrializado, com altos índices de desemprego. Em toda a Itália, havia dois

milhões de desempregados, uma inflação galopante e profunda depressão. A ocupação

aliada minimizou as divisões internas e permitiu à Itália beneficiar-se do Plano

Marshall para a reconstrução nacional. A malária foi erradicada e a descoberta de

petróleo deu novo impulso à economia.

2.1.2 Plano Marshall, planejamento e reconstrução

No contexto do Plano Marshall, a reconstrução levou em conta a produção para

exportação, que devia crescer 100%, contra 14% para os manufaturados de consumo

e 15% para a produção agrícola. Essa estratégia explicava-se pelas necessidades de

importar matérias-primas para a indústria. A partir de então, a mão-de-obra agrícola,

relativamente barata, passou a ser gradativamente engajada na indústria,

principalmente na têxtil, a mais antiga, como também nos ramos de mecânica leve e

químico, compreendendo a produção de têxteis sintéticos (Chardonnet, 1957, p. 419).

Em 1955, a economia italiana crescia rapidamente, sob a liderança da

produção industrial e agrícola (trigo, arroz, vinhos e óleo de oliva); na indústria

obtiveram destaque a automobilística, a construção naval, máquinas-ferramentas de

grande precisão, aparelhos elétricos, produtos químicos e a têxtil. Nesse ano, a

população italiana era de 47,8 milhões de pessoas, porém com 1,89 milhões de

desempregados; o excesso de oferta de mão-de-obra explicava os baixos salários e as

emigrações continuavam elevadas (240 mil em 1915 e 130 mil em 1951)

Page 95: Capítulos extras

(Chardonnet, 1957, p. 416). O Ministério da Participação Estatal, criado em 1956,

passou a realizar um controle direto sobre as empresas públicas, assegurando a

observância das metas da política econômica do Governo. Ações mais diretas ainda

ocorreram por meio do Instituto da Reconstrução Industrial e de outros organismos

encarregados da coordenação e ajuda financeira. Por intermédio desses órgãos,

desenvolveram-se a indústria siderúrgica, a construção naval, petróleo e gás natural,

material elétrico e eletrônico, petroquímica, cimento, produção de eletricidade,

telecomunicações etc.

Pelo Tratado de Roma, de 1957, surgiu a Comunidade Econômica européia. A

europa dos Seis conheceu notável crescimento econômico nos anos seguintes. A

indústria italiana empregava grande parte da população ativa desde a década de

1960; em 1968, menos de 10% do PNB era gerado na agricultura. O valor da

produção industrial triplicou entre 1938 e 1961, sendo que ela duplicou somente nos

anos de 1950. A causa desse rápido crescimento, conhecido como milagre italiano,

deveu-se ao Plano Marshall e à participação do Estado na economia. Mas no início dos

anos de 1960, período de austeridade, o produto interno bruto cresceu a baixas taxas,

elevando-se entre 1966 e 1969 a 6,5% ao ano, com a indústria crescendo 6% ao ano.

A retomada do crescimento econômico foi liderada pelo aumento da participação do

Estado na economia, tendo em vista que o Instituto de Reconstrução Industrial

comprou várias empresas em dificuldades e passou a subsidiar outras sociedades não

controladas diretamente (Miranda e Mathieu, 1989, p. 171).

A experiência italiana de planejamento, após a Reconstrução (1946-1953),

quando se implantou o Plano Marshall, continuou com o Plano Vanoni (1955-1965),

que visava desenvolver a infra-estrutura e indústrias básicas (petróleo, gás, energia

elétrica, petroquímica); com os planos qüinqüenais (1965-1970 e 1971-1975), que

procuraram dotar o país com indústrias modernas diversificadas e industrializar o

Mezzogiorno, no sul; e com o Plano Trienal (1979-1980), com o qual se passou a

enfatizar o curto prazo, por meio de ações em áreas específicas, mas de forma

indutora e não por intermédio de ação direta (Miranda e Mathieu, 1989, p. 197).

Os grandes investimentos promovidos pelo Governo, para criar indústrias

básicas e implantar a infra-estrutura, geravam déficit público e inflação,

interrompendo o crescimento econômico. Este foi mais intenso entre 1954 e 1963 e

mais lento entre 1964 e 1973, provocando o aumento das reivindicações trabalhistas

por maiores salários e dos empresários por crédito. À tendência ao desequilíbrio

orçamentário do Governo somou-se, nos anos de 1970, o déficit do balanço de

pagamentos, devido à crise do petróleo, gerando baixas taxas de crescimento no início

dos anos de 1980 (Miranda e Mathieu, 1989, p. 191).

Agitações políticas, que se intensificaram nos anos de 1970, juntamente com a

Page 96: Capítulos extras

crise do petróleo de 1973, reduziram a rentabilidade industrial e a taxa de

crescimento econômico. O Governo procurou incentivar a economia, ampliando o

crédito e realizando transferências diretas às empresas em dificuldades. Em 1976, a

economia reagiu, crescendo 5,9%, impulsionada pela indústria que se expandiu 10%

nesse ano. Apesar disso, entre 1961 e 1979, a economia italiana cresceu menos do que

as economias da Alemanha, França e Grã-Bretanha (Miranda e Mathieu, 1989, p.

176).

A preocupação do I Plano Trienal (1979/1980) foi combater o déficit público,

por meio do saneamento das empresas estatais e da criação de novos empregos. Já o

II Plano Trienal (1981/1983) visava equilibrar as finanças públicas e reduzir o déficit

do balanço de pagamentos. Nesse sentido, procurou aumentar a competitividade

industrial e a reconversão da siderurgia e da química, bem como resolver problemas

estruturais que os subsídios industriais ocultavam, não resolvendo os problemas e

agravando o déficit público. Como resultado do aumento da produtividade industrial,

as exportações cresceram em meados da década de 1980, notadamente dos ramos de

fiação e tecelagem, confecção, couros, calçados e móveis. Ao mesmo tempo, houve

substituição de importações de máquinas mais sofisticadas e de robôs industriais

(Miranda e Mathieu, 1989, p. 191).

Entre 1965 e 1980, a economia italiana cresceu 4,3%, impulsionada pelas

exportações, que evoluíram 7,7% em média no mesmo período. Elas passaram de US$

36,9 bilhões em 1976, para US$ 78,5 em 1980, representando uma expansão média

de 25,6% entre 1976 e 1979. Entre 1979 e 1980, seu crescimento reduziu-se para

7,2%, apresentando crescimento negativo após 1980, devido ao segundo choque do

petróleo, e até 1983, quando se reduziu a US$ 72,67 bilhões, recuperando-se a partir

de 1984 (Miranda e Mathieu, 1989, p. 190). Entre 1990 e 1999, em razão dos déficits

internos e dos problemas do balanço de pagamentos, a taxa de crescimento da

economia italiana foi relativamente menor (1,2%), como no caso da maioria dos

países europeus no mesmo período (ver a Tabela 1).

A atividade industrial italiana empregava mais de 40% da população ativa nos

anos de 1990. A indústria automobilística continuava como uma grande atividade

exportadora e concentrada em Turim, Milão, Bréscia e Desio. Esses centros também

são grandes produtores de máquinas e aparelhos elétricos, produtos químicos, têxteis

e calçados; a maior parte de sua produção é exportada para os demais países da União

européia (UE), assim como para outros continentes. Em 1998, 89% das exportações

italianas eram constituídos por produtos manufaturados, com 35% compostos por

máquinas e equipamentos de transporte e 27,5% pelas exportações de serviços

comerciais (Banco Mundial, 1995, p. 209 e 2003, p. 322).

Na virada do século 21, a Itália apresenta uma economia diversificada, com

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produtividade semelhante à da França e Reino Unido. No entanto, o país ainda

permanece dividido entre o norte altamente desenvolvido, com uma indústria de alta

tecnologia, e o sul mais agrícola e de menor renda per capita. Apesar das

características agrícolas da região, a Itália importa 75% da energia e a maior parte das

matérias-primas necessárias à indústria. Desde 1990, a Itália vem seguindo uma

política fiscal restritiva, a fim de cumprir os critérios da política monetária da UE e

aumentar a competitividade da economia; isso resultou em taxas de juros e de

inflação mais baixas e sua adesão ao euro, em 1999. No entanto, em relação aos

demais parceiros da UE, a Itália encontra-se atrasada em termos de reformas

estruturais (redução de impostos, flexibilização das leis trabalhistas, ajuste do sistema

de pensões...). Em 2003, o PIB italiano cresceu apenas 0,3%. Para estimular a

economia, o governo anunciou novos cortes de impostos, o que elevará o déficit

público acima de 3% do PIB. Os italianos também não vêm cumprindo a meta do

pacto de estabilidade do euro em relação à dívida pública, porque atingiram 106,7%

do PIB em 2002, devendo alcançar 106,1% do PIB em 2005.

2.2 Desenvolvimento da Espanha

A Península Ibérica foi ocupada por povos de diversas origens. Os romanos

construíram uma rede de estradas para a movimentação de tropas; nas cidades, foram

erguidos templos, foros, banhos públicos e outros edifícios. Estenderam-se aos

espanhóis os mesmos direitos concedidos aos cidadãos romanos. O cristianismo foi

introduzido, produzindo-se as mesmas perseguições e mártires. Com a desagregação

do Império Romano, a Espanha passou a ser invadida a partir do século 5 por

germânicos, vândalos e visigodos, surgindo os reinos bárbaros. Apesar da influência

do norte europeu, o catolicismo romano triunfou sobre o arianismo. Os concílios

cristãos passaram a exercer uma grande influência sobre o rei espanhol e conseguiram

impor a religião e a cultura dos latinos. No ano de 714, os árabes conquistaram

Mérida, Toledo e Saragoça e submeteram os visigodos. A Espanha passou a ser

governada pelos novos invasores, sendo integrada ao califado de Damasco. O domínio

muçulmano durou de três a oito séculos, dependendo da região (Mirador, 1995, p.

4091).

Os árabes introduziram a irrigação na agricultura, cultivaram novos frutos e

adotaram práticas hortícolas até então desconhecidas na europa. Entre os séculos 10 e

14, eles desenvolveram a metalurgia, o mobiliário, a manufatura têxtil (lã e seda) e

construíram mesquitas, escolas, bibliotecas e grandes palácios. Do ponto de vista

cultural, sua influência foi substancial. Sábios árabes e judeus, como Averróis, Avicena

e Maimônides revelaram Aristóteles e Platão, influenciando a escolástica cristã. Com a

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reconquista cristã, iniciada em 1085, milhares de mouros foram expulsos da Espanha,

levando tecnologias, capitais e mão-de-obra especializada.

A partir de 1478, o Tribunal da Inquisição passou a perseguir árabes e judeus,

justamente aqueles que haviam dado à Espanha atividades econômicas e culturais

diferenciadas em relação ao resto da europa. A Inquisição levou a Espanha a expulsar

cerca de 170 mil judeus que haviam recusado o batismo. Essa expulsão também

privou a Espanha de pessoas com capitais e capacidade empresarial; com isso, a

economia espanhola caiu nas mãos dos financistas italianos e alemães. Por essa época,

a população árabe ainda remanescente que não havia optado pela conversão foi

expulsa da Espanha. Com a descoberta do caminho das Índias por Cristóvão Colombo,

em 1492, o país ingressou na idade de ouro do Mercantilismo.

2.2.1 As conquistas coloniais

As descobertas marítimas permitiram à Espanha acumular considerável

riqueza, contrastando com as dificuldades dos ingleses e franceses em montar uma

economia fundamentada no trabalho produtivo. No reino de Felipe II (1556/1598), a

Espanha possuía uma atividade manufatureira importante para a época, destacando-

se tecidos de lã e seda, pesca, construção de barcos e a marinha mais importante da

europa. Entretanto, mais uma vez o obscurantismo levou à expulsão de dois milhões

de judeus e árabes, entre os quais artesãos e detentores de capitais e capacidade

empresarial (List, 1983, p. 46).

O acúmulo fácil de metais preciosos do México e do Peru produziu intensa

inflação. A grande quantidade de moeda em circulação facilitou as importações de

manufaturas, em detrimento da produção interna. Tanto a Espanha como Portugal,

perdendo sua atividade industrial, desenvolveram o comércio, abastecendo as colônias

com produtos ingleses ou holandeses. Em 1713, a Espanha assinou o Tratado deAsiento, que permitiu à Inglaterra vender livremente manufaturas inglesas nas

colônias espanholas. As fracas tentativas de proteger a indústria através de altas

tarifas alfandegárias ficavam bloqueadas pela falta de unidade política interna e pela

insuficiência de infra-estrutura, como estradas e pontes, que mantinham as diferentes

províncias espanholas isoladas entre si (List, 1983, p. 100). Além do domínio inglês e

das riquezas coloniais que corrompiam a nobreza e o clero, havia uma elite dirigente

bastante distanciada dos objetivos do desenvolvimento econômico e uma população

ignorante e sem liberdade.

No início do reinado de Carlos III (1759-1788), a influência da Inquisição já era

menor, sendo criadas academias de história e artes e um colégio real para a nobreza,

ao mesmo tempo em que a agricultura, a mineração e o comércio se recuperavam. A

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indústria foi encorajada pelo Estado, o que favoreceu a agroindústria algodoeira,

assim como o comércio com as colônias. Durante o reinado de Carlos III, a população

espanhola aumentou em 1,5 milhão, chegando a 10,25 milhões por volta de 1780

(Bertrand e Petrie, 1952, p. 296). Entre 1793 e 1813, a Espanha esteve sob domínio

francês, levando-a a invadir Portugal e a impor o fechamento dos portos à Inglaterra.

A luta contra os franceses, expulsos em 1813, fortaleceu a unidade nacional e mostrou

a necessidade de organização interna da economia espanhola. No entanto, as

sucessivas guerras, muitas delas por disputas políticas internas, ou para manter as

colônias, prejudicavam o desenvolvimento econômico.

No final do século 19, a Espanha perdeu praticamente todo o império colonial,

quando sua economia mostrava-se exaurida pelas lutas constantes e grandes despesas

daí decorrentes. A política mercantilista, mantida durante cinco séculos, ajudou a

perpetuar tanto o imobilismo das classes sociais, como a forte influência da Igreja, o

subdesenvolvimento e a pobreza da grande maioria da população.

Em 1900, a Espanha apresentava-se como um país essencialmente agrícola. A

indústria incipiente constituía-se por pequenas empresas de influência local. Somente

a metalurgia da região basca possuía alguma importância. Nas primeiras décadas do

século 20, os capitais estrangeiros passaram a ingressar na Espanha, em razão das

oportunidades existentes: ferrovias (capitais belgas); mineração, têxtil e química

(franceses); usinas hidroelétricas (canadenses); metalurgia, construção naval, minas

de cobre (ingleses); telefonia (americanos); distribuição de energia e metalurgia

(alemães) etc. (Broué e Témine, 1961, p. 21).

Durante a Primeira Guerra Mundial, a Espanha permaneceu neutra, o que

favoreceu a estabilidade monetária e o crescimento industrial. Ela tornou-se um dos

principais países exportadores de produtos agrícolas e, mesmo, manufaturados. Ao

findar a guerra, contudo, a concorrência dos países industrializados retirou a Espanha

dos mercados externos. As dificuldades internas levaram à ditadura de Primo de

Rivera (1923-1930), o qual manteve a colônia marroquina, iniciou a eletrificação das

ferrovias e promoveu a estabilidade financeira. A Queda da Bolsa de Nova Iorque, em

1929, porém, atingiu duramente a moeda espanhola, provocando em 1930 a queda

do ministro das finanças e do próprio ditador (Bertrand e Petrie, 1952, p. 370).

As eleições de 1931 levaram à formação de um governo de esquerda e à II

República (1931-1936). Por falta de recursos e oposição de grupos internos, não se

efetuaram as reformas na educação e na agricultura. A Igreja monopolizava

praticamente todo o ensino e detinha, em 1931, cerca de 11 mil imóveis rurais, além

de propriedades urbanas e ações na indústria, bancos, ferrovias, metrô de Madri e

companhias de transporte. Enquanto dez mil proprietários detinham mais de 100

hectares, dois milhões de trabalhadores não possuíam terras para assegurar sua

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própria subsistência (Broué e Témine, 1961, p. 23 e 25).

As agitações sociais desse período, o direito do voto feminino e a reação das

forças conservadoras elevaram o número de deputados de centro e de direita nas

eleições de 1933. Os grupos de esquerda mobilizavam-se, mas a reforma agrária não

se realizava. A depressão econômica, que se refletia na diminuição dos salários e no

desemprego, enfraquecia o Governo, em razão das medidas impopulares adotadas,

enquanto os privilégios das classes dominantes tradicionais se mantinham. Em

fevereiro de 1936, a frente popular obteve 270 cadeiras no Parlamento, contra 200

para a direita e o centro. Com um governo de esquerda, houve ocupação de terras,

incêndios de igrejas e conventos e inúmeras greves gerais (Bertrand e Petrie, 1952, p.

381).

A reação das forças conservadoras levou ao fortalecimento da extrema direita

(fascismo) e à Guerra Civil entre os governistas republicanos e fascistas (1936-1939).

Enquanto a França e a Inglaterra se mantiveram neutras na Guerra Civil espanhola, a

Itália e a Alemanha ajudaram com homens e armas os revoltosos fascistas,

comandados pelo General Franco. Da mesma forma, os russos entregaram ao governo

republicano 12 milhões de rublos. Brigadas internacionais, formadas por voluntários

liberais e de esquerda de vários países, participaram ativamente dessa revolução. No

entanto, desde 1937, sindicalistas e comunistas passaram a ser eliminados do

governo. No início de 1939, os fascistas detinham a maior parte das forças militares e

as regiões mais desenvolvidas da Espanha, exceto Madri, levando os generais

governistas a se dividir e a pedir a rendição. O saldo do violento conflito foi de 600

mil mortos. No início de 1939, França, Inglaterra e EUA reconheceram o Governo do

General Franco (1939/1954) (Bertrand e Petrie, 1952, p. 393).

Em função da redução da produção agrícola, mineira e industrial, manteve-se

a distribuição controlada de matérias-primas e a aquisição da produção de trigo por

um sindicato agrícola único. As dificuldades econômicas levaram o General Franco a

manter sua aliança com o fascismo italiano e o nazismo. No plano interno, ele se aliou

à Igreja: suprimiu a lei do divórcio, restaurou a educação religiosa e devolveu as

propriedades e as prerrogativas dos jesuítas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a

Espanha manteve-se neutra, mas nutria a simpatia dos aliados por seu governo

anticomunista.

O solo espanhol para a agricultura era semelhante ao italiano: relevo mon-

tanhoso e clima seco, com secas freqüentes, necessitando de irrigação. Entretanto, a

Espanha possuía reservas carboníferas apreciáveis, com alguma disponibilidade de

cobre, chumbo, zinco e outros minerais, enquanto as reservas de ferro eram modestas.

Suas grandes deficiências eram a falta de capital para a exploração dos recursos

minerais, a implantação da infra-estrutura e a industrialização. A política nacionalista

Page 101: Capítulos extras

de Franco, no entanto, afugentava o capital estrangeiro. Uma lei de 1939 limitava a

remessa de lucros em 25% do capital investido, ao mesmo tempo em que proibia o

emprego de técnicos estrangeiros (Chardonnet, 1957, p. 385-387).

2.2.2 O isolamento internacional do pós-guerra

Pela insuficiência de capitais e por não desejar democratizar-se, a Espanha

ficou fora do Plano Marshall e do progresso europeu do pós-guerra. Mantendo-se

isolada no plano internacional, os esforços para o desenvolvimento foram

eminentemente internos. Assim, em 1941 a Espanha criou o Instituto Nacional da

Indústria, para financiar o desenvolvimento industrial. Foram implantadas algumas

indústrias de consumo, apesar da insuficiência de energia e de produtos siderúrgicos.

Em 1950, a ONU revogou a resolução de 1946, segundo a qual seus filiados deveriam

retirar seus embaixadores de Madri. Em seguida, a Espanha foi admitida na

Organização para Alimentação e Agricultura; porém, ela somente ingressou na

UNESCO em 30-1-1953 e na ONU em 14-12-1955 (Mirador, 1995, p. 4110).

Em 1953, a Espanha havia assinado um acordo de ajuda recíproca com os

Estados Unidos, de quem recebeu ajuda financeira para fins militares. Entre

1954/1958, essa ajuda foi de US$ 341 milhões de dólares. No entanto, a economia

espanhola continuava se deteriorando e a inflação chegava a 15,5% ao ano, em

1956/1957; em 1958, iniciou-se a implantação de um plano econômico de caráter

recessivo. Em 1960, a agricultura, que contava com 47% da população ativa, recebia

apenas 13% dos investimentos totais do país. A produção agrícola era inferior à de

1935. Com uma área irrigada desprezível, ela cresceu apenas 37,8%, entre 1953 e

1963. A produção de energia continuava aquém das necessidades internas e os meios

de comunicação subdesenvolvidos isolavam a Espanha do resto da europa (Cerda e

Ros, 1965, p. 68).

Apesar da existência de um governo central forte e da ajuda financeira norte-

americana, as agitações sociais e as greves bloqueavam o desenvolvimento econômico

espanhol. O plano de estabilização de 1958 provocou crescimento econômico lento

nos anos seguintes. A partir de 1962, no entanto, o crescimento agrícola tomou

impulso, com aumento substancial da produção de trigo, gado e aves, graças ao

aumento da produtividade, via emprego de fertilizantes e tratores. Porém, o progresso

da agricultura não impediu o êxodo rural intenso em direção das cidades espanholas,

como para a França, Suíça e Alemanha. Desse modo, a população ativa empregada na

agricultura caiu pela metade em dez anos, passando de 47%, para 26%. A taxa de

crescimento média anual da renda nacional foi de 3,8% entre 1940 e 1955 e de 5,6%

entre 1955 e 1963. Nos três primeiros anos da década de 1960, a taxa média de

Page 102: Capítulos extras

crescimento anual da economia espanhola foi de 6,8% (Cerda e Ros, 1965, p. 63).

Entre 1953 e 1963, a produção industrial espanhola cresceu 106%, sendo as

maiores variações verificadas na transformação de minerais não metálicos (213%), na

geração de energia elétrica (152%) e na indústria química (101%). Esse impulso

industrializante ocorreu impulsionado pelo Instituto Nacional da Indústria, que se

dedicou à investigação mineral, particularmente petróleo e gás, à produção de energia

hidroelétrica e termelétrica, à produção siderúrgica e de metais não ferrosos e à

fabricação de material ferroviário. Esse Instituto avançou também na indústria de

transformação, criando estatais para produzir navios, materiais aeronáuticos e

automóveis, máquinas agrícolas, motores e aparelhos elétricos, bem como para a

fabricação de bens de consumo duráveis, de uso doméstico (Cerda e Ros, 1965, p. 80-

81).

A industrialização avançou mais rapidamente por meio do primeiro plano

indicativo de desenvolvimento (1964-1967), elaborado por técnicos católicos da

Ordem Opus Dei. Nesse período, o produto nacional bruto cresceu 35% e a renda percapita 28%. Com o crescimento econômico, ampliou-se a dimensão da classe média,

bem como as reivindicações políticas. No final dos anos de 1960, acentuou-se a

agitação política nas universidades e cresceu a atuação dos grupos separatistas. O

General Franco faleceu em 20-11-1975. Assumiu o poder o rei Juan Carlos I, que

iniciou um processo de modernização institucional. Em 1978, foi promulgada a nova

constituição espanhola, que tornou a Espanha uma monarquia parlamentar, retirou da

Igreja o status oficial e garantiu os direitos humanos e civis. O partido comunista foi

legalizado e a Falange dissolvida.50

A redemocratização da Espanha permitiu que o país fosse admitido na

Organização do Atlântico Norte (1982) e na Comunidade Econômica Européia

(1986). Esses dois acontecimentos foram fundamentais no plano político e econômico

internacional. Em primeiro lugar, a Espanha assegurou um lugar de destaque nas

mesas de negociações internacionais, juntamente com os principais países

desenvolvidos. Em segundo lugar, o ingresso no Mercado Comum europeu significou

o acesso a grandes fontes de financiamento de longo prazo, para a implantação de

projetos de desenvolvimento econômico. Além disso, a partir dessa data, a Espanha

passou a exportar seus produtos sem taxas de importação para a Comunidade

Européia, o segundo maior mercado consumidor do mundo.

A indústria espanhola concentra-se atualmente em três regiões: (a) no Norte(Astúrias e Províncias Bascas), a mais industrializada, dispondo de minério de ferro,

carvão e abundante energia elétrica, além de indústrias siderúrgicas, químicas,

50 Grupo paramilitar fascista, fundado em Madri, em 1933. Esse grupo fundiu-se em 1937 com os demais

movimentos de direita, tornando-se o partido único do General Franco.

Page 103: Capítulos extras

mecânicas e de construção naval; (b) na Catalunha, cuja capital é Barcelona, uma

zona tradicional de produtos têxteis, que está acolhendo indústrias químicas,

mecânicas e de veículos; e (c) nas zonas mineiras do Sudoeste, onde as indústrias

existentes são, sobretudo, as que transformam produtos minerais. Nessas três regiões,

há uma importante indústria agroalimentar, com base em azeite, vinhos, produtos

lácteos e conservas de carnes e de vegetais.

Atualmente, a Espanha é o maior produtor mundial de azeite de oliva e um dos

maiores fabricantes de vinhos. Grande parte da atividade agrícola é feita em lavouras

irrigadas. As frutas representam mais de 70% das exportações agrícolas espanholas,

cuja pauta inclui ainda beterraba açucareira, linho, algodão, fumo, legumes, hortaliças

e ovinos, cujo rebanho é de mais de 14 milhões de cabeças. No início da década de

1980, a indústria automobilística espanhola tornou-se a sétima mais importante do

mundo. Atualmente, o turismo constitui uma das mais importantes atividades

econômicas e a Espanha ocupa a segunda posição no ranking mundial, depois da

França, movimentando anualmente cerca de US$ 45 bilhões.

As exportações espanholas cresceram 12,4% entre 1965/1980, 5,7% nos anos

de 1980 e 10,9% nos anos de 1990, explicando um crescimento econômico global

relativamente acelerado, principalmente entre 1965/1980 (Tabela 2.1 de Souza,

2005, e Tabela 1). Nos anos de 1990, o crescimento anual da produção desacelerou-se

(2,2% ao ano), mas ainda se manteve acima do crescimento verificado na Alemanha,

França e Itália. Em 1999, com um PIB de US$ 551,6 bilhões de dólares, a Espanha se

mantinha como a 10a economia do mundo, atrás do Canadá (US$ 591,4) e do Brasil

(US$ 742,8). Seu PNB per capita de US$ 14.000 era superior ao da Nova Zelândia

(US$ 13.780) e Portugal (US$ 10.600). Em 2003, o PIB espanhol encontrava-se no

seu oitavo ano de crescimento consecutivo (2,4%, devendo atingir 3% em 2004). Isso

resultou do controle das despesas públicas e da redução de impostos, o que fortaleceu

a poupança e o investimento. Estima-se que até 2010 deverá ocorrer a convergência

de sua renda per capita em relação à renda per capita dos países mais ricos do mundo.

A taxa de desemprego, no entanto, continua sendo a mais alta da UE: 11,3%

em 2003, devendo reduzir-se em 2004 para 10,8%. A ampliação da comunidade

européia para a europa do Leste deverá beneficiar a economia espanhola, ao criar

novas oportunidades para suas exportações, que deverá crescer 3,8% em 2004

(Google: Luís Reis Ribeiro). A situação da Espanha em relação ao pacto da

estabilidade do euro está bastante favorável, pois o superávit orçamentário de 0,5%

do PIB em 2003 deverá se manter entre 0,1% e 0,3% até 2007 e a dívida pública

deverá se reduzir para menos de 44% do PIB (Google: Economia da Espanha).

Page 104: Capítulos extras

2.3 Desenvolvimento de Portugal

Portugal, com 92 mil km2 e 9,8 milhões de pessoas (1993), teve sua formação

econômica ligada à ocupação da Península Ibérica como um todo. Isso ocorreu com a

chegada de colonos que emigraram das ilhas do Mediterrâneo entre 4.000 e 1.500

a.C. e que trouxeram a metalurgia do cobre. No sul do país, constata-se a influência

de fenícios, gregos e púnicos, através da metalurgia e artesanato em ourivesaria; essa

influência se adicionou à cultura celta. A rivalidade comercial com os cartaginenses

trouxe os romanos até a Península Ibérica, resultando na ocupação militar e

administrativa no início da era cristã. Como na Espanha, o domínio árabe iniciado em

711 durou quatro a cinco séculos. Os árabes introduziram técnicas agrícolas e

artesanais novas, instituições administrativas, judiciais e militares; várias palavras

árabes foram incorporadas ao idioma português, enriquecendo o seu vocabulário.

Entre 1139 e 1249, as ordens militares e os cruzados contribuíram decisivamente para

expulsar os árabes do país.

Dom Diniz (1261-1395), rei de Portugal entre 1279 e 1395, consolidou a

centralização administrativa e a unificação cultural do país. Destacou-se

especialmente pelo incentivo concedido à agricultura; mandou construir canais e secar

pântanos; limitou os privilégios territoriais da Igreja; protegeu a classe mercantil e

reorganizou a marinha de guerra. Em 1290, para evitar que os jovens portugueses

fossem obrigados a completar seus estudos em universidades estrangeiras, criou a

Universidade de Lisboa; também determinou o uso exclusivo do idioma português nos

documentos oficiais. Em 1297, pelo Tratado de Alcañices, firmou a fronteira com

Castela, o que estimulou o comércio entre os dois países. Em 1308, realizou um

tratado comercial com a Inglaterra, depois do restabelecimento do tráfego entre os

dois países (Mirador, 1995, p. 9177).

Nos anos que se seguem, Dom Diniz concedeu forte apoio à marinha mercante

e à construção naval. Em certas ocasiões, os armadores ficavam isentos de impostos e

dotados de outros privilégios. Desse modo, eles passaram a dominar o comércio nas

principais praças européias e no Mediterrâneo. Desenvolveu-se o ambicioso plano de

substituir o comércio muçulmano no mundo então conhecido, pois os contatos com

árabes e judeus haviam ampliado os conhecimentos marítimos. Intensificou-se,

portanto, a exploração do litoral africano, culminando com o contorno do Cabo de

Boa Esperança (1488), a chegada às Índias (1497) e o Descobrimento do Brasil

(1500). Com o domínio da rota do Cabo, surgiu o empório comercial português no

Oriente. Seguiu-se um período de intenso tráfico de ouro, escravos, marfim,

especiarias e outros produtos exóticos.

O Tratado de Tordesilhas, de 1494, havia estabelecido a divisão das

descobertas ultramarinhas entre Portugal e Espanha. Porém, os navegadores

Page 105: Capítulos extras

portugueses desejavam penetrar nos territórios conquistados pelos espanhóis, o que

favoreceu a expansão territorial do Brasil. Entre 1505 e 1515, constituiu-se o Império

Português nas Índias. Seguiu-se um período de prosperidade econômica e cultural. O

declínio do império português, no entanto, começou em 1578, com a morte do Rei

Sebastião no Marrocos. Em 1580, por haver herdado a coroa portuguesa, Felipe II, rei

da Espanha, tornou-se também rei de Portugal (Godinho apud Mirador, 1995, p.

9184). Com o apoio da França, em guerra com a Espanha, Portugal recuperou sua

independência em 1640. O país procurou obter em seguida o reconhecimento

internacional de sua independência. A oposição vinha da Holanda, que desejava

tomar conta de possessões portuguesas na África e no Brasil. Os holandeses foram

expulsos de Luanda e São Tomé em 1648 e do Brasil em 1654. No final do século 17,

com o esfacelamento das possessões portuguesas na África e Ásia, Portugal

intensificou a colonização do Brasil.

2.3.1 O Tratado de Methuen

Para manter suas colônias, Portugal precisava do apoio de grandes potências, o

que explica a realização de tratados desfavoráveis como o de Methuen, de 1703, que

ligou economicamente o país ao Reino Unido. Por esse tratado, Portugal obrigou-se a

importar manufaturas têxteis da Inglaterra. Os ingleses, em contrapartida, ficaram

comprometidos a importar vinhos portugueses, pagando a estes 2/3 dos direitos im-

postos aos vinhos franceses. Foi um tratado desfavorável a Portugal, primeiro porque

os impostos de importação, cobrados na Inglaterra, sobre os vinhos portugueses, já

eram 50% inferiores aos cobrados dos vinhos franceses. Assinado o acordo, na

verdade, os impostos aos vinhos portugueses aumentaram, em vez de diminuírem

(Azevedo, 1978, p. 397).

Porém, as vendas de vinhos para a Inglaterra aumentaram pelo fim das

restrições quantitativas. O crescimento das exportações levou muitas regiões a

substituir a produção de trigo, centeio e cevada por parreirais. Com a expansão das

receitas das exportações, cresceram substancialmente as importações manufaturadas

da Inglaterra, facilitadas pela assinatura do referido tratado (Castro, 1978, p. 96).

Assim, pelo Tratado de Methuen, Portugal ficou alijado da industrialização, o que

afetou igualmente o Brasil. Pequenas fábricas criadas no Brasil foram fechadas pela

administração portuguesa, que seguiu fielmente o Tratado, enquanto os ingleses

continuavam importando vinhos da França e de outros países da europa. Como

conseqüência, o ouro do Brasil transferia-se automaticamente para a Inglaterra, para

pagar os déficits comerciais com os ingleses (Cerda e Ros, 1965, p. 68).

Para a assinatura desse tratado, além da necessidade do apoio político inglês,

Page 106: Capítulos extras

foi fundamental também o interesse da aristocracia agrária portuguesa, produtora de

vinhos. Resultou a dependência econômica e tecnológica de Portugal em relação à

Inglaterra. Nas primeiras décadas do reinado de João V (1689-1750), o comércio

marítimo português mantinha-se em expansão, enquanto as vias internas de

transporte e de comunicações permaneciam precárias. Nesse período, realizam-se

também os tratados com a Espanha que influenciaram a expansão territorial do Brasil.

Muito contribuiu o brasileiro Alexandre de Gusmão, principal conselheiro político de

João V. Ele dirigiu o Tratado de Madri (1750), que substituiu o Tratado de

Tordesilhas na delimitação das fronteiras entre o Brasil e as possessões espanholas.

No reinado de José I (1750-1777), destacou-se o Marquês de Pombal, que foi

Primeiro Ministro e por quase 30 anos aplicou uma política que ficou conhecida como

“despotismo esclarecido”. Ele colocou em prática, desde 1750, uma política de

monopolização do comércio e de equilíbrio da balança comercial, procurando impedir

a exportação de ouro para a Inglaterra. Ele criou novas indústrias e expandiu as

existentes, como têxteis e vidraria. Com esse objetivo, procurou aumentar a

participação da nobreza na atividade comercial, reformou a administração pública e

modernizou a Universidade de Coimbra. O terremoto, que praticamente destruiu

Lisboa, em 1755, deu a Pombal a oportunidade de exercer poderes ditatoriais. No

Brasil, ele estimulou a produção e a exportação de fumo e açúcar, bem como a

ocupação das Missões por portugueses e brasileiros; em função disso, recebeu forte

oposição dos jesuítas. Pombal expulsou-os de Portugal e conseguiu que fossem

banidos da Espanha e que o próprio Papa extinguisse a Ordem dos Jesuítas.

Pombal entendia que o ouro do Brasil beneficiava apenas a Inglaterra e que

sem o desenvolvimento da agricultura e da indústria de nada serviriam novas leis e

bons princípios políticos. Defendeu a substituição de importações, como a indústria

têxtil, pois calculava em 20 milhões de cruzados as importações de tecidos da

Inglaterra, cuja lã era importada de Portugal e que recebia uma valorização de 400%.

Ele via no predomínio britânico no transporte marítimo das mercadorias exportadas e

importadas por Portugal um dos importantes fatores da sangria de divisas em direção

da Inglaterra (Castro, 1978, p. 111). Após a queda de Pombal e o fim do período do

despotismo esclarecido, veio uma época de perseguição intelectual. As companhias

monopolistas foram extintas e estimulou-se a indústria, mas continuava o predomínio

do comércio colonial na economia portuguesa. A educação passou a ser controlada

pelo Estado e, em 1779, fundou-se a Academia Real de Ciências (Mirador, 1995, p.

9188).

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2.3.2 A independência do Brasil e a nova política econômica

Em 1807, Portugal foi invadido pelas tropas francesas e a família real partiu

para o Brasil, chegando no Rio de Janeiro em 1808. Três anos depois, os franceses

foram rechaçados de Portugal, mas Dom João VI só retornou em 1822, ano em que

Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil. Em 1832, com a perda do Brasil, o

ministro da Fazenda, José Xavier Mousinho da Silveira, defendeu a idéia de que

Portugal deveria desenvolver atividades agrícolas e industriais para substituir a

produção expropriada das colônias. Procurou aproximar Portugal do restante da

Europa, aboliu impostos, monopólios e rendimentos vitalícios, que reverteram para a

Coroa. Extinguiu a hereditariedade dos cargos públicos e reformulou o sistema

educacional.

Por volta de 1840, a indústria utilizava apenas duas máquinas a vapor, número

que aumentou para 95 em 1851. A aristocracia dos barões era forte e a economia

continuava sob o comando de setores ligado ao comércio exterior e à especulação

financeira. O lento crescimento da agricultura provocava escassez de alimentos e

elevação de preços. Contudo, já se cogitava na abertura de estradas de ferro e no

estabelecimento de condições mínimas para o desenvolvimento da indústria nacional.

No final do século 19, o país tinha dificuldades em manter seu império colonial em

torno das principais colônias, Angola e Moçambique. Nesse período, as potências

industriais européias intensificaram a exploração da África, colocando em xeque

territórios disputados pelos portugueses. Diante disso, Portugal adotou a políticaeconômica da regeneração para fomentar o mercado interno em articulação com os

mercados coloniais, o que elevou a dívida pública. A produtividade agrícola estagnou

e os salários cresceram, dificultando a industrialização. Para incentivar a indústria, o

governo investiu em ferrovias, mas as comunicações internas continuavam precárias.

A indústria cresceu com o ingresso de capitais estrangeiros, sobretudo ingleses,

franceses e belgas (Cabral, 1981, p. 185-187).

Entre 1870 e 1900, Portugal passou por um pequeno surto de industrialização,

comandado pelo aumento dos preços dos produtos primários exportados. Cresceu a

produção de manufaturas de consumo final, como têxteis, fumo, alimentos

processados, vidros e cerâmica. Ao mesmo tempo, aumentaram as importações de

máquinas e equipamentos industriais; das colônias vinha o algodão para a indústria

têxtil. Entre as empresas fundadas nesse período, a maioria concentrava-se em Lisboa.

O declínio das exportações de vinhos na década de 1890 e o aumento das importações

de trigo, que deslocava a produção nacional, menos competitiva, geraram déficits

comerciais que prejudicaram a industrialização incipiente. Em função disso, a Lei dos

Cereais de 1889 procurou proteger a produção nacional de trigo, mas o custo de vida

subiu, prejudicando as populações mais pobres. Com essa lei protecionista, findou a

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época da “Regeneração” (Cabral, 1981, p. 319).

Por volta de 1900, Portugal possuía 5,5 milhões de pessoas; 61,4% da

população ativa ocupava-se na agricultura, 19,4% na indústria e 19,2% nos serviços.

A indústria contava com 220 mil operários, concentrando-se mais da metade em

Lisboa, Porto, Braga e Setúbal. Os assalariados rurais localizavam-se preferentemente

no sul do país. Havia crise na monarquia pelo desgaste das instituições, corrupção dos

políticos e descontentamento popular. Para conter a agitação, a monarquia adotou a

ditadura, que acabou provocando a proclamação da República portuguesa em 1910

(Netto, 1986, p.15). Seguiu-se um período de agitação política e de alta de preços,

culminando com o golpe militar de 1926. Para resolver a crise econômica, Antônio de

Oliveira Salazar assumiu o comando da economia em 1928. Em poucos meses, ele

equilibrou o orçamento com drástico corte de gastos e aumento de impostos.

Restringiu os meios de pagamentos e conteve a inflação. Com isso, adquiriu grande

prestígio a ponto de submeter os militares. Ele se tornou Primeiro Ministro em 1932.

No ano seguinte, a nova constituição do país instaurou o Estado Novo, regime

autoritário fundado sobre o nacionalismo, catolicismo e anticomunismo.

Concentrando o poder político e econômico, Salazar instituiu o trabalho

forçado nas colônias, formou a polícia secreta e centralizou as decisões dos

investimentos, para expandir o setor industrial. Elaborou a Lei da Reconstituição

Econômica (1936-1950), onde constava apenas a enumeração de metas a serem

atingidas, sem subordinação a qualquer dotação orçamentária. Essas metas visavam

desenvolver a infra-estrutura: ferrovias, hidroelétricas, rede elétrica nacional,

irrigação das lavouras, reflorestamento e fomento industrial (Secretariado Nacional da

Informação, 1967, p. 6). Os setores que mais cresceram entre 1930 e 1950 foram:

pesca, papel, borracha, moagem, transportes e comunicações; poucas empresas

concentravam 50 a 87% do capital desses setores; concentração maior ocorria ainda

nas indústrias de cimento, química, máquinas e equipamentos elétricos, onde algumas

poucas empresas detinham 70 a 99% do capital setorial. O crescimento econômico

estava sendo concentrado em setores-chave (Netto, 1986, p. 22).

2.3.3 Os planos de fomento de Portugal

Durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal manteve-se neutro, o que deu a

Salazar uma trégua para resolver os problemas internos.51 O I Plano de Fomento

(1953/1958) restringiu-se aos investimentos estatais nas áreas de comunicação,

51 Por recearem o comunismo, as potências aliadas resolveram apoiar o Estado Novo, um regime não

democrático, permitindo que Portugal ingressasse na OTAN e na ONU, eventos que ocorreram,respectivamente, em 1949 e em 1955.

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transportes, agricultura, implantação de novas indústrias e ampliação de indústrias

existentes. O II Plano de Fomento (1959/1964) previu considerável soma de recursos

para investimentos na metrópole, com o objetivo de incrementar o PIB, reduzir o

desemprego e equilibrar o balanço de pagamentos. Em termos de desenvolvimento,

Portugal estava muito abaixo da média européia. Em 1960, a renda per capita do país

atingia apenas US$ 250 anuais; a ingestão de calorias per capita diária montava a

2.500 calorias (3.000 para a média européia); 24,3% da população alojavam-se mal;

57,5% não possuíam luz elétrica; 80% não dispunham de instalações sanitárias e 86%

não tinham acesso à água potável (Netto, 1986, p. 24).

Pela insuficiência de investimentos em saneamento e saúde pública, a

incidência de tuberculose na população ainda era alta. A propriedade das terras era

muito concentrada, com baixo uso de tratores e insumos modernos. No setor

industrial e financeiro, a concentração do capital também era substancial. Em 1962,

52% das exportações portuguesas eram de matérias-primas e produtos semima-

nufaturados, contra 61% de importações manufaturadas. Seguia-se uma troca desi-

gual, que se refletia em uma balança comercial permanentemente desequilibrada,

amenizada em parte pelos lucros auferidos nas colônias, com as quais se mantinha a

troca desigual, desta vez em benefício da metrópole portuguesa (Netto, 1986, p. 27).

Em função desses planos de fomento, com a construção de novas barragens, a

geração de energia hidráulica passou de 153 milhões de kW em 1950 para 1.779

milhões em 1965; a produção de ferro-gusa e de ligas de ferro subiu de 41 mil t em

1960 para 276 mil em 1965. A produção de automóveis de passeio elevou-se de 17

mil em 1964 para 33 mil em 1965. Algumas indústrias praticamente duplicaram e

outras aumentaram mais do que 100% o volume de sua produção entre 1960 e 1965,

notadamente a indústria alimentar, minerais não metálicos e borracha (Secretariado

Nacional da Informação, 1967).

Grande parte das despesas previstas nesses planos de fomento incluía as

colônias: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe,

Macau e Timor. Levando-se em conta o comércio internacional, Portugal não vinha

tirando vantagens dessa colonização, embora pudesse prejudicar o desenvolvimento

das colônias. Em 1950, o déficit comercial de Portugal foi de 2,5 bilhões de contos,

quantia que subiu para 6,3 bilhões em 1960 e para 10 bilhões em 1965.52 As

importações vinham crescendo em função principalmente do esforço de

industrialização. Porém, as exportações, sobretudo de tecidos, vinhos, conservas de

peixe e cortiça, não conseguiam cobrir as importações necessárias ao

52 Esse déficit também ocorreu com as colônias: 3,3 milhões de contos em 1960 e 1,5 milhão em 1964.

O principal déficit foi com Moçambique (1,5 milhão de contos em 1960 e 1,4 milhão de contos em1964) e o único superávit foi com Angola em 1964 (1,2 milhão de contos) (Secretariado Nacional daInformação, 1967, p. 86).

Page 110: Capítulos extras

desenvolvimento.

Os resultados dos planos de fomento foram significativos em termos de infra-

estrutura. As estradas asfaltadas duplicaram entre 1950 e 1965: 16,7 mil km, para

31,5 mil km (incluindo o continente e as ilhas). Nesse período, o número de

passageiros transportados por trem passou de 31,3 milhões, para 126,5 milhões. O

número de navios aumentou de 51 em 1953 para 183 no fim do I Plano (1958). No II

Plano, o porto de Lisboa foi ampliado e a carga movimentada por navios passou de 3

milhões de t em 1950 para 6 milhões em 1965 (Secretariado Nacional da Informação,

1967, p. 84 e 105).

No início dos anos de 1960, eclodiram as lutas de libertação nas colônias

(Angola, 1961; Guiné, 1963 e Moçambique, 1964). Para conseguir apoio externo à

colonização, o governo português concedeu certa abertura à economia, o que

estimulou a industrialização. Essa esperança foi renovada com a substituição de

Salazar, falecido em 1968. Em seu lugar ingressou Marcelo Caetano, com carreira

política feita dentro do regime. “Renovação na continuidade” foi o lema do novo

Presidente, que manteve mais de 130 mil soldados nas colônias (40% do orçamento

nacional), a fim de combater as rebeliões.

Em 1970, a população portuguesa era de 9 milhões de pessoas, estando 31%

no setor primário (19% do PIB), 34% no setor secundário (46,4% do PIB) e 35% no

setor terciário. Devido à falta de emprego, cerca de 30% da população ativa foi

obrigada a emigrar, correspondendo a 1,4 milhões de portugueses, que entre 1961 e

1973 ingressaram na França, Alemanha, Canadá e Venezuela. A remessa de soldados

para sufocar as rebeliões nas colônias não ajudou a reduzir o desemprego, em função

do deslocamento de gastos de outras rubricas do orçamento público. A solução foi

aumentar os impostos; entre 1970 e 1973, os impostos indiretos cresceram 74% e

outros impostos 53% (Netto, 1986, p. 32-35). As guerras coloniais e a situação

econômica aprofundaram a crise do regime fascista. Entre 1972 e 1973, surgiram

contestações nos quartéis; no início de 1974, multiplicam-se as greves e em 25 de

abril desse mesmo ano o Governo de Marcelo Caetano caiu.53

53 O estopim da “Revolução dos Cravos” foi a publicação do livro Portugal e o Futuro, pelo General

António de Spínola. Com esse livro, ele defendeu uma solução política e não militar para o fim daguerra colonial.

Page 111: Capítulos extras

2.3.4 A descolonização portuguesa

Com a revolução democrática, acelerou-se o processo de descolonização54 e

uma nova constituição foi aprovada. Ocorreram nacionalizações de bancos e de

vários outros setores. A descolonização abrupta foi traumática, principalmente em

Angola, provocando o retorno de 800 mil portugueses residentes na África. Na área do

emprego, concederam-se reajustes reais para os salários, reduziu-se a jornada de

trabalho e instituiu-se o seguro-desemprego; ao mesmo tempo, proibiu-se a despedida

sem justa causa e elevou-se o valor das pensões por aposentadoria e invalidez. Assim,

o número de emigrantes portugueses caiu de 70 mil em 1974 para 45 mil em 1975

(Netto, 1986, p. 58).55

A morosidade com que as terras desapropriadas ilegalmente na Revolução dos

Cravos estavam sendo devolvidas aos seus legítimos donos provocou nova crise

política em 1978. Ao mesmo tempo, Portugal preparava-se para ingressar na

Comunidade Econômica Européia. O rápido crescimento do PIB do período

1965/1980 (5,3%), desacelerou-se nos anos seguintes, chegando a 0,1% entre

1980/1993. Em 1965, somente 3% das exportações eram compostos por máquinas e

materiais de transporte, percentual que passou para 17% em 1988, o que dá uma

idéia da evolução da industrialização do país. Entre 1965/1988, o PNB per capitacresceu 3,1%, atingindo US$ 9.130 em 1993. Com as perturbações sociais e as

dificuldades econômicas, a inflação portuguesa elevou-se de 11,7% ao ano entre

1965/1980, para 20,1% ao ano entre 1980/1988. Em 1985, o analfabetismo era de

16% para o total da população e de 20% para o caso das mulheres (Banco Mundial,

1990).

O PIB português cresceu 3,1% ao ano nos anos de 1980 e 2,5% nos anos de

1990. Após o ingresso de Portugal na União Européia, em 1986, o desenvolvimento

português acelerou-se. Como a economia portuguesa encontra-se ainda menos

desenvolvida, os objetivos das autoridades econômicas tem sido o de fazer a renda de

Portugal convergir para a média européia. Assim, o PIB per capita português em

dólares PPC aumentou de 5.630 em 1985, para 17.000 em 2000; nesses dois anos, a

média da UE era de 10.640 e 22.455 dólares PPC, enquanto os valores de

Luxemburgo, o país de maior nível de renda da União Européia, montavam a 14.725 e

54 A Independência de Guiné-Bissau foi proclamada em 24-9-1974; seguiram-se a independência de

Moçambique (25-6-1975), Cabo Verde (5-7-1975), São Tomé e Príncipe (12-7-1975) e de Angola(11-11-1975).

55 Entre abril de 1974 e agosto de 1975 formam-se seis governos provisórios; este foi um período demuita agitação social. Em fins de novembro o Governo do General Costa Gomes prometeu adevolução das terras expropriadas aos antigos proprietários. Portugal encontrou o equilíbrio políticocom a contenção dos grupos extremistas de esquerda e com a promulgação de uma novaConstituição. Em 27-6-1976, o General Eanes elegeu-se Presidente da República; a partir desetembro desse mesmo ano, o socialista Mário Soares tornou-se o novo Chefe de Governo.

Page 112: Capítulos extras

a 40.500 dólares PPC. Nesse período, o PIB per capita de Portugal em relação ao PIB

per capita da UE subiu de 53% para 76% e de 38% para 52% em relação a

Luxemburgo. A taxa de crescimento do PIB per capita português foi de 7,5% ao ano

contra 5% para a UE (Carvalho: <www.dpp.pt/pdf/Converg_ real.pdf>).

Portugal também aumentou a sua participação na economia mundial. O seu

PNB subiu de US$ 85,7 bilhões em 1993, para US$ 105,9 bilhões em 1999 (34 no

rank mundial), correspondendo a US$ 10.600 per capita (47 no rank mundial;

crescimento de 2,9% entre 1998/1999). Em 1998, a esperança de vida em Portugal

era de 72 anos para homens e de 79 anos para mulheres, enquanto a taxa de

analfabetismo montava a 6% (homens) e a 11% (mulheres) (Banco Mundial, 1995 e

2003 e Tabelas 1.3 e 1.4 de Souza, 2005).

Apesar do progresso dos últimos anos, em 2004 a economia de Portugal

continuava baseada na agricultura; 75% da produção primária destinavam-se à

exportação (pescados, cereais, azeitonas, uvas, carnes, produtos lácteos, madeiras,

minérios). As principais indústrias centravam-se em têxteis, calçados, madeira, papel,

metalurgia, refino de petróleo, vinhos, pescados e produtos químicos. O turismo é

uma atividade econômica de muita relevância pelo volume de dinheiro que

movimenta e pelo número de empregos criados. Com a ajuda da União Européia, a

economia vem se desenvolvendo rapidamente, a ponto de exportar capitais. Em 1995,

590 novas empresas foram criadas, e elas empregavam 4 mil novos trabalha-dores em

1999.

Portugal procura adaptar-se ao condicionamento imposto pela União Européia

(pacto de estabilidade). Em 2004, o déficit público deverá aproximar-se de zero. Há

um plano de aumento da produtividade, que hoje é de 50% da produtividade média

da União Européia. Nove setores econômicos, representando 50% do emprego e do

PIB português, foram estudados, sendo catalogadas as principais barreiras ao aumento

da produtividade: alto grau de informalidade (evasão fiscal, evasão de obrigações

sociais e de normas de trabalho); baixa capitalização; barreiras à entrada no mercado;

burocracia nos licenciamentos; ineficiências na prestação de serviços públicos; rigidez

na legislação trabalhista e estrutura industrial fragmentada e de pequena escala. Essas

barreiras ao aumento da produtividade deverão ser eliminadas para que a economia

portuguesa exerça maior atração ao capital estrangeiro e tenha maior competitividade

nos mercados externos (Pesquisa Google: “Portugal 2010: acelerar o crescimento da

produtividade”).

Page 113: Capítulos extras

3 Desenvolvimento do Canadá e da Austrália

3.1 Desenvolvimento do Canadá

A história do Canadá começou com a viagem de John Cabot, em 1497, seguin-

do-se de outros desembarques de comerciantes que buscavam peles e bacalhau para

abastecer as peixarias da Inglaterra e da França, como Jacques Cartier, em 1534.

Samuel Champlain iniciou o povoamento do Canadá, ao fundar Port Royal e Quebec,

entre 1608 e 1633. Por meio da caça e da pesca, desenvolveu-se um sistema de trocas

de ferramentas, armas e peles entre comerciantes, índios e colonos. A busca de peles

de animais levou à ocupação do interior do continente. Disputas freqüentes ocorriam

entre franceses e ingleses pelas terras canadenses e a hegemonia colonial. A partir de

1650, para firmar sua posição no Canadá e reduzir a dependência das importações de

fumo e açúcar da Espanha, a Inglaterra incentivou o desenvolvimento dessas

atividades em suas colônias (Easterbrook e Aitken, 1958, p. 37).

Após 1660, organizaram-se expedições para converter índios, ampliar a pesca e

obter peles, sobretudo de castor. Intensificaram-se os conflitos entre as colônias

inglesas da América do Norte e o Canadá francês, quando colonos e caçadores de

língua inglesa ficaram impedidos de avançar nas áreas em litígio. O maior empenho

inglês no desenvolvimento de suas colônias explicava-se pela necessidade de matérias-

primas e alimentos para o abastecimento da Grã-Bretanha, enquanto a França era

relativamente auto-suficiente em relação a esses produtos. A Guerra dos Sete Anos

entre os dois países começou em 1756. A estratégia inglesa consistia em interceptar os

navios franceses que abasteciam o Canadá, que deixou de ser francês em 1763, com a

assinatura do Tratado de Paz em Paris (Easterbrook e Aitken, 1958, p. 108).

Com o fim da “Nova França”, abriu-se uma nova fase do desenvolvimento

canadense. Novos colonos estenderam sua influência no norte e nordeste do

Continente, instalando fazendas, fundando cidades e construindo estradas para escoar

a produção agrícola em direção dos portos para exportação ao Reino Unido. O solo

americano constituiu para a Inglaterra uma “verdadeira mina de ouro”. O Canadá

desempenhou um papel importante nesse processo de colonização, exportando peles,

produtos da pesca, óleo de baleia, madeira e cereais. A população crescente das

colônias inglesas passou a ter renda cada vez maior, estimulando o consumo dos

produtos de sua indústria (Wynn, 1990, p. 240).

A Guerra da Independência das 13 colônias americanas, em 1776, afetou o

monopólio comercial britânico, mas cerca de 30 mil pessoas leais à Inglaterra

emigraram para o Canadá. O fluxo de pioneiros norte-americanos continuou até 1812.

Em 1825, houve intensa imigração da Inglaterra, que concentrou seus esforços nas

Page 114: Capítulos extras

colônias que restaram ao norte. As diversas colônias canadenses foram unificadas em

torno de um governo central (dominion, 1867), para evitar sua anexação pelos EUA. A

adoção do livre cambismo pelo Reino Unido levou à supressão dos direitos

preferenciais para produtos de suas colônias, que reduziu os laços econômicos com a

metrópole. Diante disso, tornou-se necessário conceder às colônias uma autonomia

crescente (Mirador, 1995, p. 1976).

Além da pesca e da produção de peles, o trigo e a extração da madeira foram

importantes produtos coloniais. Em 1846, 40 mil t com madeiras e trigo foram

embarcadas no porto de Quebec em direção à Grã-Bretanha. Investimentos eram

feitos, inclusive pela Igreja, na construção de canais, navios, bancos e nas primeiras

ferrovias. No entanto, o livre comércio inglês aniquilou o único mercado real do

Canadá, que era a Grã-Bretanha. Essa situação agravou-se pelo fechamento da saída

para o Pacífico, quando os EUA tomaram o Oregon, em 1846. A atividade exportadora

recuperou-se, algum tempo depois, com o comércio incluindo o Reino Unido e os

EUA. Assim, em 1854 a população canadense era cinco vezes maior do que a do início

do século 19 e o Canadá já possuía 408 km de ferrovias. Em 1867, a frota mercante

canadense era a quarta maior do mundo e entre 1870 e 1880 ela cresceu

substancialmente. Contudo, tendo em vista as inovações tecnológicas, com o aço

substituindo a madeira e o ferro, havia desemprego e recessão nas atividades

manufatureiras de mercado interno. Muitas indústrias locais fecharam, tendo em vista

a concorrência da moderna indústria inglesa, sobretudo nos ramos de construção

naval e siderurgia (Morton, 1989, p. 50 e 97).

3.1.1 Ferrovia transcontinental, colonização e exportação

Para facilitar a integração do território e o escoamento das exportações, entre

1881 e 1885, foi construída pela iniciativa privada a primeira ferrovia

transcontinental canadense, com quase cinco mil km; ela passou a ligar Montreal ao

Oceano Pacífico. Essa ferrovia resultou da condição imposta pela Columbia Britânica

para ingressar no dominion. Um grupo privado ganhou a concessão para a construção

da via férrea, em troca de 25 milhões de dólares em espécie, dez milhões de hectares

de terras ao longo da linha e o direito de explorá-la com exclusividade por 20 anos,

além de isenção de tributos locais sobre as terras. A idéia do Governo foi desenvolver

o mercado interno de produtos manufaturados e abastecer a economia urbana no

Leste, com alimentos e matérias-primas do Oeste. Nas margens dessa ferrovia houve

intensa colonização e desenvolvimento. Franquias monopolísticas idênticas às da

Ferrovia Transcontinental para investidores privados também ocorreram para os

serviços de bondes urbanos, energia elétrica e telefones (Morton, 1989, p. 100 e 102).

Page 115: Capítulos extras

Nos anos de 1890, o aumento da produção de ouro da África do Sul ajudou a

elevar o preço internacional de alimentos e matérias-primas. Além disso, o baixo custo

dos fretes, embora não estimulasse a indústria naval canadense, possibilitou o

aumento da exportação de trigo. Em 1895, construiu-se a primeira usina hidrelétrica,

e a partir de 1896, com o fechamento da fronteira agrícola nos EUA, ocorreu intenso

fluxo migratório para o oeste canadense. Esse impulso ao povoamento aumentou

substancialmente a produção de trigo e expandiu o setor de mercado interno para as

manufaturas do leste. Entre 1896 e 1911, mais de um milhão de pessoas fixou-se no

oeste.

A produção de trigo aumentou de 9,9 milhões de t para 73,6 milhões de t.

Ramais ferroviários foram construídos em todas as partes, usando-se mão-de-obra

colonial na entressafra e com recursos públicos destinados à colonização. Em cada

cruzamento de ferrovia nascia uma cidade, o que estimulava a construção civil, o

comércio, os serviços e a própria indústria. Havia ampla liberdade para os capitais

privados, que eram investidos livremente em todos os setores (Morton, 1989, p. 125-

129).

Portanto, foram os produtos agrícolas básicos de exportação, a integração

econômica interna e a colonização de imensas áreas agrícolas que impulsionaram o

crescimento econômico canadense. Inicialmente, desempenharam importante papel a

pesca de bacalhau e o comércio de peles, mas essas atividades não proporcionaram a

colonização efetiva. A pequena base demográfica inicial foi estabelecida mais por

imposição imperial, do que por fatores econômicos. Os colonizadores não formavam

ainda um mercado local que incentivasse a industrialização. De outra parte, a

ausência de produtos de exportação com fortes encadeamentos sobre a economia local

inibiu a expansão colonial inicial. O censo de 1851 mostrou que a base industrial

canadense, da época, limitava-se a serrarias e moinhos voltados para a exportação

(Watkins, 1977, p. 274).

No final do século 19, as exportações se diversificaram. Além de bacalhau,

peles e madeiras, incluíam-se queijos, cereais e carnes. Nessa época, a industrialização

canadense ainda se encontrava muito atrasada, em comparação com a Inglaterra,

Estados Unidos e Alemanha. Contudo, a população começou a crescer pelas

imigrações, o que ajudou a expandir o mercado interno. Entre 1896 e 1913, houve um

verdadeiro boom de exportação de produtos primários, como trigo, cobre e níquel,

com intensos encadeamentos sobre a industrialização. A base exportadora influenciou,

segundo Watkins (1977, p. 278), tanto os investimentos industriais na substituição de

importações e na industrialização de produtos primários exportáveis, como o aumento

das importações via elevação da renda interna.

O fator relevante, a fundamentar a análise de Waltkins, é o de que a área

Page 116: Capítulos extras

agrícola do Canadá era pequena, aberta e bastante próxima dos Estados Unidos. Por

mais que o país crescesse, ele não chegava a ser um concorrente sério para os Estados

Unidos. Além disso, o Canadá foi capaz de copiar, adaptar e aperfeiçoar tecnologias

estrangeiras, à medida que ocorriam as grandes transformações na economia mundial.

Entre 1900 e 1920, o grau de industrialização desse país acelerou-se, com a

implantação de novas usinas siderúrgicas, impulsionadas pela construção de ferrovias

em todo o território nacional (incluída uma nova linha transcontinental), inúmeras

fábricas de calçados, roupas, ferragens, máquinas, motores, produtos alimentares e

outros bens de consumo final (Morton, 1989, p. 130).

Em 1914, o Canadá entrou em guerra contra os impérios austro-húngaro e

alemão, ao lado dos aliados. Os gastos de defesa vinham sendo efetuados

consideravelmente desde 1897, e a partir de 1909 a maioria das províncias passou a

adotar treinamento militar em suas escolas; previa-se defesa contra ataques a portos,

pontes e canais. Com o conflito, que no início agravou a depressão, o Governo

canadense recorreu a empréstimos que elevou a dívida interna de 434 milhões para

2,5 bilhões de dólares. Graças às exportações de trigo para alimentar os exércitos

aliados, em substituição ao trigo russo, impedidos de entrar na europa, bem como de

madeira, munições e armas, essa dívida foi rapidamente paga nos anos seguintes.

Grupos empresariais canadenses souberam tirar partido do conflito, expandindo suas

empresas, ou criando novos empreendimentos com base no “aprender fazendo”, para

produzir munições, granadas, fuzis, substâncias químicas, explosivos, navios e aviões

(Morton, 1989, p. 155).

Ao iniciar a Primeira Guerra Mundial, o Canadá ainda era essencialmente

agrícola, exportando trigo, níquel e cobre. O desenvolvimento industrial foi

estimulado pelo governo que fornecia energia elétrica a preço de custo,

principalmente na província de Ontário. Depois da guerra, cresceu o movimento

operário, surgindo novas centrais de sindicatos, com aumento do número de filiados.

Simultaneamente, a redução da taxa de lucro de algumas ferrovias levou a sua

nacionalização. As causas eram as baixas tarifas de transporte e a insuficiência de

energia elétrica em algumas regiões, para a eletrificação das linhas. Simultaneamente,

ocorreu forte emigração de colonos para outras áreas. Apesar disso, investimentos

norte-americanos ingressaram em massa no Canadá nos anos de 1920, ao mesmo

tempo em que o mercado dos EUA abriu-se ainda mais para os produtos canadenses.

Contribuía também para reorientar os investimentos internacionais, a decadência

britânica do pós-guerra e o surgimento dos EUA como nova potência mundial. Os

novos setores de atração do capital e, posteriormente, responsáveis pelo crescimento

econômico de outros ramos de atividade, foram rodovias, telefonia, aeronáutica e a

indústria automobilística (Morton, 1989, p. 178).

Page 117: Capítulos extras

A criação de um cartel para a comercialização de trigo no mercado

internacional estimulou ainda mais a produção desse cereal no Canadá, que alcançou

uma superprodução em 1928. Com a redução dos preços internacionais, em

decorrência da queda da bolsa de Nova Iorque, a crise desencadeou-se em todo o

setor de mercado interno, aumentando a taxa de desemprego de 3%, em 1929, para

11%, em 1930, e 23%, em 1933. Em 1931, o Canadá ficou independente,

permanecendo, no entanto, membro da Comunidade Britânica. Nos anos que se

seguiram, os Estados Unidos, para sustentar sua economia, criavam dificuldades

adicionais para os canadenses. Um terço do emprego industrial desapareceu com a

Grande Depressão, e a renda líquida agrícola reduziu-se de 417 milhões, em 1929,

para 109 milhões de dólares, em 1933. Em 1935, com o objetivo de reerguer a

economia, o Governo canadense adotou a política do New Deal dos EUA, criando

salário desemprego, jornada máxima de trabalho e salário mínimo (Morton, 1989, p.

184-194).

3.1.2 Exportações manufaturadas e desenvolvimento

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Canadá participou com homens e armas

e abasteceu a indústria norte-americana com máquinas, motores para aviões,

ferramentas, equipamentos e instrumentos diversos. A indústria canadense recebeu

incentivos tarifários e crédito de US$ 1,5 bilhão. Assim, em 1943, 1.200 mil

trabalhadores estavam empregados na indústria de guerra, muitos dos quais em

fábricas novas; cerca de dois terços da produção canadense destinava-se aos aliados.

No plano financeiro, para contornar o problema da escassez de dólares norte-

americanos, o Governo canadense promoveu com o EUA um plano de integração das

duas economias; simultaneamente, a dívida de mais de US$ 4 bilhões com a Inglaterra

foi em parte perdoada e o restante aplicado na economia canadense na forma de

investimentos diretos. O capital externo era sempre bem-vindo, sem discriminação. A

produção de bens não essenciais de consumo, controlada durante a guerra, estimulou

a economia no final dos anos de 1940, gerando uma situação de pleno emprego,

mesmo com o ingresso crescente de mulheres no mercado de trabalho (Morton, 1989,

p. 204-206).

Os efeitos positivos da Segunda Guerra Mundial e as fortes relações

diplomáticas e econômicas com os Estados Unidos levaram ao envolvimento do

Canadá na Guerra da Coréia, em 1951. A Guerra Fria e o rearmamento que seguiram

à Guerra da Coréia ajudaram a sustentar a economia, que se debilitara com a redução

dos investimentos norte-americanos. O governo canadense aumentou os

investimentos públicos em novas ferrovias, construção de hidroelétricas, extração de

Page 118: Capítulos extras

petróleo e energia nuclear. O crescimento econômico canadense do pós-guerra atraiu

1,5 milhão de imigrantes entre 1945 e 1957. O déficit público, no entanto, aumentou

32% entre 1957 e 1961, em razão dos gastos destinados a setores com altos índices de

emprego, como construção civil, ao treinamento de trabalhadores e às universidades

(Morton, 1989, p. 227 e 238).

A recuperação econômica veio a partir de 1961, com a exportação de trigo para

a China e União Soviética, o principal item da pauta exportadora canadense. O crédito

para a recuperação da indústria automobilística trouxe prosperidade para as cidades

industriais. Construiu-se uma grande usina termelétrica e a segunda linha do metrô de

Toronto; algumas províncias receberam filiais de multinacionais da indústria

automobilística, gerando novos empregos. Contudo, a economia canadense

continuava muito dependente dos investimentos externos e do mercado norte-

americano. Dois terços de suas exportações destinavam-se aos EUA, e as dificuldades

econômicas desse país, no início dos anos de 1970, devido à Guerra do Vietnã,

afetaram a economia canadense. A recuperação dos EUA e da europa logo em seguida

reduziu o desemprego no Canadá para menos de 6% em 1973 (Morton, 1989, p. 246

e 271).

A taxa média de crescimento anual da economia canadense foi de 4,6%, entre

1970 e 1980, impulsionada pela produção de bens manufaturados (9,7% ao ano),

reduzindo-se para 2,6% entre 1980 e 1993. No início dos anos de 1980, o Canadá

sofreu uma grande crise econômica. Em 1979, o número de desempregados chegava a

836 mil, quantia que passou para 1.314 mil em 1982.56 Nesse ano, o PNB caiu 4%, em

termos reais. A dívida pública subiu de US$ 13 bilhões, em 1979, para US$ 36 bilhões

em 1984 (Morton, 1990, p. 667). A recuperação econômica veio uma vez mais pelo

aumento das exportações, que cresceram, em média, 4,5% ao ano entre 1970/1980 e

5,6% ao ano entre 1980/1993.

Constata-se que o comércio internacional tem grande importância na economia

canadense. O Canadá é a 8a economia que mais exporta no mundo, com US$ 140

bilhões em 1990 e US$ 248 bilhões em 1998, com superávit na balança comercial.

Nesse período, sua participação nas exportações mundiais subiu de 3,5% para 3,7%. O

percentual de exportações de produtos manufaturados, em relação ao total das

exportações, elevou-se de 59% para 66% (52% e 55% para o caso do Brasil). Entre

1970 e 1993, a estrutura da pauta exportadora canadense mudou como segue:

combustíveis minerais e metais, de 26% do total exportado para 17%; outros produtos

primários, de 22% para 17%; maquinaria e equipamentos de transporte, de 32% para

40%; outros produtos manufaturados, de 19%, para 26% (Banco Mundial, 1995, p.

56 O desenvolvimento econômico canadense, ao atrair novos emigrantes, duplicou a população nacional

entre 1945 e 1985, quando atingiu 25 milhões de pessoas.

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183 e 209). Em 1999, com um PNB de US$ 591,4 bilhões, o Canadá classificava-se

como a nona economia do mundo, à frente da Espanha (US$ 551,6 bilhões) e atrás do

Brasil (US$ 742,8 bilhões) e China (US$ 980,2 bilhões). Nesse mesmo ano, o PNB percapita canadense montava a US$ 19.320, inferior ao da Itália (US$ 19.710) e

Austrália (US$ 20.050), mas superior ao da Irlanda (US$ 19.160) e Espanha (US$

14.000) (Tabela 2.1 de Souza, 2005).

As dimensões continentais do Canadá indicam que ainda há muitas áreas a

serem desenvolvidas e que seu potencial econômico é muito grande. O processo

recente de integração ao NAFTA, o bloco econômico formado com os Estados Unidos e

o México, vem se constituindo em importante fator do desenvolvimento canadense.57

Os Estados Unidos é o maior mercado para o Canadá, que em 1993 absorveu 80,3%

de suas exportações e forneceu 73% das importações. As tarifas entre Canadá e EUA

foram extintas em 1998. A redução por 10 anos das tarifas com o México deverá

ocorrer em breve. A proteção social concedida pelo governo canadense à sua

população é uma das mais abrangentes do mundo. O seguro-saúde é quase

generalizado, e as taxas de desemprego e de inflação são as mais baixas do mundo.

Contudo, a taxa de crescimento de 1,7% do PIB em 2003 foi considerada baixa. Isso

levou o Banco do Canadá a projetar corte dos juros para estimular o consumo interno.

Em janeiro de 2004, as vendas de automóveis para o mercado norte-americano

estavam fracas, assim como o nível da produção petrolífera e a demanda do setor de

construção civil.

3.2 Desenvolvimento da Austrália

Como o Canadá, a Austrália faz parte da Comunidade Britânica, havendo

alguns pontos comuns na formação econômica dos dois países. Provavelmente, o

primeiro navegador a atingir a costa da Austrália tenha sido o holandês Willem Janz,

entre 1605 e 1606. Seguiu-se a viagem do espanhol Luís Torres e, entre 1610 e 1642,

as expedições de holandeses a serviço da Companhia das Índias Orientais. No entanto,

as novas terras continuaram abandonadas pelos europeus até meados do século 18,

por seu isolamento no oceano Pacífico. Somente em 1768 a Real Sociedade

Geográfica de Londres encarregou o capitão James Cook de organizar expedições para

desbravar o continente australiano. Cook tomou posse das novas terras em nome da

Inglaterra em 1770. A ocupação do território ocorreu em seguida, com a deportação

57 Em 1988, Estados Unidos e Canadá assinaram um tratado de vantagens comerciais recíprocas e que

se transformou em um tratado de livre comércio em fins de 1993, com a inclusão do México. Emvigor desde janeiro de 1994, esse acordo elimina gradativamente as tarifas alfandegárias, o queestimula as exportações dentro do bloco e freia as exportações de outros países para o NAFTA.

Page 120: Capítulos extras

de condenados penais, que abarrotavam os cárceres ingleses e que antes era feita para

a América do Norte. Em 1788, por ordem de Lord Sydney, desembarcou na Austrália

uma expedição com mais de mil homens, incluindo 750 condenados, soldados e

funcionários públicos, além de alimentos, animais e instrumentos de trabalho (Jose,

1930, p. 23).

Chefiava essa expedição o capitão Arthur Phillip, o primeiro governador-geral

da Austrália e fundador da cidade de Sydney. Entre 1788 e 1830, ocorreu a

deportação de milhares de condenados penais ingleses, acompanhados por soldados,

que passaram a colonizar as novas terras. Havia permanente escassez de alimentos e

de produtos manufaturados de primeira necessidade, pois os carregamentos vindos da

Inglaterra demoravam a chegar ou se perdiam em acidentes. Assim, Phillip solicitou o

envio de colonos livres e trabalhadores especializados no trabalho com madeira e

ferro. Desse modo, a colônia passou a produzir desde o início de sua fundação

produtos manufaturados para consumo interno. A prioridade, portanto, era o

abastecimento do mercado interno em formação. Os produtos agrícolas locais eram

adquiridos pelo governo e vendidos à população, sem fins lucrativos. Os produtos

importados eram igualmente controlados pelo governo, principalmente o rum, que

servia como moeda. Apesar dessas decisões centralizadas, surgiram grupos privados

que se dedicavam, sobretudo, à criação de ovelhas. Eles importavam da Inglaterra,

desde 1803, animais de raça superior para aperfeiçoar o rebanho (Jose, 1930, p. 26 e

36).

A falta de chuvas, a adversidade do solo e a falta de mantimentos tornavam a

vida nas novas terras muito difícil. O isolamento e o abandono da metrópole logo

despertaram o sentimento de libertação. Os próprios guardas dos apenados

abandonavam a função e se tornavam colonos. Foi necessário enviar da Inglaterra

uma corporação especial (New South Wales Corps), para o policiamento da colônia. Ao

assumir em 1795, o novo governador John Hunter constatou que a colônia já

produzia a maior parte dos artigos manufaturados que consumia. Havia, no entanto,

forte oposição dos oficiais da Wales Corps às orientações do governador, o que

provocou a sua remoção para a Inglaterra. Com isso, o governador centralizou o

poder. Ele mandou construir edifícios e estradas, encorajou a exploração agrícola de

novas áreas, criou uma nova moeda para substituir o rum e restaurou o equilíbrio

social e econômico. A redistribuição de terras favoreceu as grandes propriedades.

Contudo, os beneficiários deveriam dispor de um capital não inferior a 500 libras

esterlinas, para poderem cultivar as novas terras. Essa regra tinha como objetivo atrair

colonos ingleses com capitais. A partir de 1831, as terras passaram a ser vendidas,

para financiar o transporte de colonos livres. Os novos colonos deveriam pagar as

terras em sete anos de trabalho (Mirador, 1995, p. 1029).

Page 121: Capítulos extras

3.2.1 Base exportadora e protecionismo

A descoberta de ouro, ferro, carvão e metais não ferrosos, no século 19, foi

fundamental para o desenvolvimento da colônia, porque ajudou a ampliar a base

industrial nascente. Foram estimuladas as agroindústrias, as atividades interligadas

com a mineração e a indústria leve de bens de consumo. Os rumores da descoberta de

ouro, em 1851, atraíram para o interior da Austrália milhares de garimpeiros de todo

o mundo. Com isso, muitas áreas australianas se despovoaram. Em Melbourne, em um

mês, atracaram 82 navios, com 12 mil imigrantes espontâneos. Entre 1851 e 1861,

chegaram à Austrália e à Nova Zelândia, onde também se descobriu ouro, 508.802

imigrantes. O número de colonos na Austrália não passava de 500 mil em 1850; com

as imigrações, esse número atingiu 3,5 milhões em 1900 e oito milhões em 1950. Em

1956, a população australiana atingia 9,5 milhões de pessoas, incluindo-se os nativos

(Mota, 1964, p. 229).

Na esteira do progresso industrial surgiram as universidades de Sidney, em

1852, e de Melbourne em 1854. As colônias australianas eram desarticuladas entre si,

relacionando-se diretamente com a metrópole. As mais industrializadas eram

protecionistas, enquanto as demais praticavam uma política de maior abertura com o

exterior. Foi o temor de perder as ilhas próximas para as potências européias que

acelerou a formação da federação australiana, entre 1891 e 1900. As colônias

passaram a se denominar Estados, mantendo-se a autonomia interna, mas com

política externa comum. Foram atribuídos ao governo central os assuntos relacionados

com a alfândega, comércio, imigração e defesa. Para proteger a indústria nascente,

foram elevadas as tarifas de importação. Acentuou-se a intervenção do Estado em

várias áreas de atuação do país. A capital australiana foi instalada em Melbourne.

Canberra, a capital definitiva, teve sua construção iniciada em 1913 e inaugurada em

1927 (Mirador, 1995, p. 1030).

A Austrália participou das duas Guerras Mundiais ao lado do Reino Unido,

adquirindo personalidade internacional. Continuava a política da proteção da

indústria nacional contra a concorrência estrangeira e a força dos sindicatos era cada

vez maior. Em função disso, o Partido Trabalhista manteve-se no poder entre 1910 e

1923. Em 1931, o país passou a integrar a Comunidade Britânica, adquirindo total

independência. Apesar do protecionismo, a Austrália manteve um setor exportador

ativo, direcionado principalmente para a Comunidade Britânica. As exportações de lã,

carnes, trigo, açúcar e metais não ferrosos foram fundamentais para o

desenvolvimento australiano. A pecuária bovina foi outra atividade importante na

formação econômica da Austrália. A produção de carnes bovina, ovina e suína

aumentou substancialmente desde meados dos anos de 1930. A partir de 1950,

ocorreu a diversificação da produção agrícola desse país, com o aumento da produção

Page 122: Capítulos extras

de frutas, fumo e algodão, estes dois últimos produtos tradicionalmente importados.

Esse desenvolvimento com base no protecionismo e nas exportações foi muito

importante, sobretudo pelo relacionamento da Austrália com a Inglaterra, permitindo

a importação de tecnologia. Em 1956, as exportações australianas totalizavam 17% da

renda nacional. As atividades econômicas principais, até a Primeira Guerra Mundial,

eram constituídas pela pecuária, agricultura e mineração. Em 1911, apenas 20% da

população ativa estava ocupada na indústria. O grande impulso ao crescimento

industrial decorreu da instalação da grande siderurgia na região produtora de carvão

de Newcastle, entre 1914/1918. Isso gerou o desenvolvimento das indústrias de

construção naval, máquinas agrícolas, tratores e automóveis (Mota, 1964, p. 235).

Outro fator da industrialização australiana foi o grande afluxo de capitais

estrangeiros, entre 1918 e 1929, sobretudo norte-americanos, canadenses e ingleses.

Estima-se que, entre 1947 e 1957, os investimentos estrangeiros, principalmente

diretos, montaram a 675 milhões de libras e os empréstimos do Banco Mundial a US$

318 milhões. Mais significativas foram as receitas de exportação, que subiram de 223

milhões de libras em 1945, para 1 bilhão de libras em 1955. A Grande Depressão

Mundial da década de 1930 atingiu fortemente a Austrália, de sorte que o pessoal

ocupado na indústria não chegou a dobrar, entre 1928 e 1948, passando de 450 mil

para 849 mil. Contudo, sete anos mais tarde, em 1955, esse país contava com mais de

um milhão de trabalhadores no setor industrial. Nesse período, os principais fatores

do crescimento econômico australiano foram as exportações e o afluxo de capital

estrangeiro (Mota, 1964, p. 238).

Conclui-se que, em face do isolamento geográfico, sem as vinculações da

Austrália com a Comunidade Britânica, que lhe permitiu inserir-se dinamicamente no

comércio internacional, seria muito difícil seu desenvolvimento econômico em um

período de tempo relativamente curto. Esse país conseguiu diversificar sua pauta

exportadora, substituir importações e incentivar o ingresso de capitais externos. Foi

fundamental também o papel do Estado na realização de investimentos em

transportes, comunicações, irrigação e energia elétrica e na adoção de políticas de

proteção à indústria nacional nascente.

Entre 1965 e 1980, a Austrália cresceu 4% ao ano, no mesmo ritmo da França e

mais do que a Alemanha e EUA. Entre 1980 e 1990, sua economia expandiu-se em um

ritmo somente inferior ao do Japão, em relação ao grupo de países da Tabela 2.1 de

Souza, 2005, e Tabela 1. Esse crescimento mais acelerado foi impulsionado pelo

dinamismo das exportações, que cresceram 7,9% entre 1990/1999, contra 6,9% entre

1980/1990. As exportações continuaram crescendo rapidamente em 1998/1999

(6,1%), o que manteve a expansão do PNB total em 3,8% ao ano. Em 1999, o PNB da

Austrália atingiu US$ 380,8 bilhões e o PNB per capita US$ 20.050, um dos maiores

Page 123: Capítulos extras

do mundo (Banco Mundial, 2003).

Na virada do século 21, a Austrália apresenta-se como uma das economias mais

abertas e competitivas do mundo. Entre 1997 e 2000, ela cresceu 4% ao ano e 4,1%

em 2001, a maior taxa das economias ricas. A inflação média nos anos de 1990 foi de

apenas 2,3% ao ano, inferior às taxas da europa (3,2%) e dos EUA (2,9%). Por

conseguinte, a taxa de juros reais é bastante baixa, o que estimula o investimento. O

índice de emprego cresceu 1,2% ao ano, entre setembro de 2000 e setembro de 2002,

quando a taxa de desemprego atingia 6,2%, contra 10,9% em dezembro de 1992. O

que vem permitindo crescimento relativamente acelerado, com inflação baixa, é o

aumento da produtividade total, que entre 1995/2000 se manteve em ritmo superior

ao dos países do G7 (Pesquisa Google: “Economia da Austrália”). 58

Esse aumento de competitividade elevou a participação das exportações de

manufaturados no total das exportações australianas (16% em 1990 para 29% em

1998). As exportações totais da Austrália subiram de US$ 39,8 em 1990, para US$ 69

bilhões em 2000. O rápido crescimento de suas exportações (7,9% entre 1990/1999)

vem explicando o crescimento econômico acelerado. Os principais produtos

exportados continuam sendo carvão, ouro, carnes, lã, alumínio, minério de ferro e

maquinaria. A base exportadora de produtos primários (57% do total em 2000),

entretanto, depende muito da cotação dos preços internacionais e dos mercados

norte-americano e japonês, bem como do ritmo de crescimento dessas economias. O

PNB per capita da Austrália, o 26o mais elevado do mundo (US$ 20.050 dólares de

1999), indica que um país pode desenvolver-se em função de uma base exportadora

agrícola e que a industrialização resulta da elevação geral do nível de renda (Viner,

1969), da implantação de infra-estruturas e do surgimento de um empresariado

disposto a adotar inovações tecnológicas e assumir riscos (cf. Capítulo 6, adiante).

4 Irlanda: uma breve síntese

A Irlanda é um pequeno país europeu, membro da Comunidade Britânica, que

vem conhecendo extraordinário crescimento econômico nos últimos anos. Sua capital

fica em Dublin e o país possui uma população de quatro milhões de pessoas (1999);

seu território é de apenas 70 mil km2 (exclui a Irlanda do Norte, com 14 mil km2 e

cerca de 1,6 milhões de pessoas). Esse país tornou-se, em 2004, o novo modelo de

país com desenvolvimento rápido. Sua economia centra-se nas exportações, pois o

mercado interno é diminuto. Quando ingressou na União Européia, em 1973, seu PNB

58 Grupo dos sete países aliados mais ricos e que inclui os EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido,

Itália e Canadá. Em certas ocasiões, esse grupo convida a Rússia para as suas reuniões, por seupoderio militar, formando o G8.

Page 124: Capítulos extras

per capita era igual a 30% da média européia (US$ 19.160 em 1999), passando para

120% em 2003. Nesse ano, o PIB irlandês atingiu US$ 164 bilhões e as exportações

US$ 134 bilhões, com superávit comercial de US$ 29 bilhões (60% das exportações

desse país se destinam à União Européia e 22% aos EUA).

A economia irlandesa especializou-se em setores de tecnologia moderna

(indústria farmacêutica, softwares). Hoje o país é exportador de capitais para a União

Européia; há 20 anos iniciou a transformação da estrutura produtiva agrícola em uma

economia industrial desenvolvida graças a um projeto de desenvolvimento, com

recursos a fundo perdido recebidos da União Européia. Esse projeto incluía incentivos

para atrair empresas exportadoras de alta tecnologia e investimentos em pesquisa e

desenvolvimento, educação e qualificação da mão-de-obra (Gazeta Mercantil, Editoria

Internacional, 19/03/2004, p. A-19).

Em 2004, a Irlanda deverá apresentar um déficit orçamentário de apenas 1,1%

do PIB. Esse percentual deverá persistir até 2007, em razão dos grandes investimentos

públicos em infra-estrutura, o que ajudará a manter a economia com altas taxas de

crescimento, devendo atingir 5,2% em 2006 (Google: Economia da Irlanda).

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique os fatores relevantes do desenvolvimento econômico da França e da

Alemanha.

2. Explique a importância do Tratado de Maastricht, que viabilizou a criação do euro,

para o desenvolvimento da União Européia.

3. Você considera que os fatores do desenvolvimento italiano e espanhol foram os

mesmos?

Comente-os.

4. Explique o papel das exportações no desenvolvimento de países como Canadá e

Austrália. Qual a importância do comércio externo para esses países nos dias

atuais?

5. Explique o papel das inovações tecnológicas nas fases concorrencial e monopolista

da Revolução Industrial Inglesa.

6. Quais foram os fatores comuns do desenvolvimento econômico dos países exami-

nados?

7. Na sua opinião, quais foram as principais razões do atraso de Portugal em

desenvolver a sua economia em relação aos demais países europeus?

Page 125: Capítulos extras

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Page 127: Capítulos extras

6DESENVOLVIMENTO SEGUNDO STUART MILL EALFRED MARSHALL59

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Uma das principais preocupações dos economistas clássicos foi com o estadoestacionário, situação em que tanto o capital, como a população e o produto, param de

crescer e as taxas de salário e de lucro caem para seu nível natural. Como foi visto,

para Adam Smith a economia tende progressivamente ao estado estacionário, pela

concorrência entre os empresários, que reduz a taxa de lucro para seu nível natural,

eliminando a possibilidade de acumulação de capital. Já para David Ricardo, o ano tem que ocorreria o estado estacionário aproximar-se-ia ainda mais rapidamente pela

existência de rendimentos decrescentes na agricultura e pelo crescimento demográfico

acelerado, fatores não neutralizados pelo progresso técnico, que levam à utilização de

terras cada vez menos férteis. Desse modo, o custo de vida aumentaria, assim como os

salários nominais, reduzindo a taxa de lucro e os estímulos ao investimento produtivo.

Stuart Mill, no entanto, possuía uma visão otimista, ao considerar que o ritmo

do progresso técnico superaria o crescimento demográfico, gerando desenvolvimento.

Justificava seu otimismo lembrando que os aperfeiçoamentos na produção, no

comércio e nos serviços, pelo uso mais eficiente do capital conjunto (grandes

sociedades anônimas, associações de produtores, cooperativas de produção e

consumo) “propiciam espaço e campo para um aumento indefinido do capital e da

produção, assim como para o aumento da população que costuma acompanhá-los”

(Mill, 1983, v. 2, p. 214).

1 Abordagem de Stuart Mill: impactos das inovações tecnológicas

Stuart Mill estudou a influência do progresso técnico sobre a distribuição do

produto entre os capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras (Mill, 1983, v. 2,

p. 223-233). Aumentos na produção, considerando uma parcela fixa de terra, podem

resultar do crescimento demográfico, da acumulação de capital ou de inovações

tecnológicas aplicadas na produção. Suponha inicialmente que se cultivem terras de

mesma qualidade e que sejam constantes o estoque de capital, a quantidade de terra e

a tecnologia. Havendo crescimento demográfico, enquanto não se estender a margem

59 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 3 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).

Page 128: Capítulos extras

de cultivo para terras menos férteis, a competição entre consumidores e trabalhadores

pelos produtos e empregos disponíveis aumenta os preços e reduz os salários,

aumentando os lucros.

Como os trabalhadores em maior número dividirão a mesma quantidade de

mercadorias, o bem-estar diminuirá. A população necessitará de mais alimentos, e a

margem de cultivo deslocar-se-á para terras menos férteis, o que reduzirá a

produtividade da terra e do trabalho. Maiores quantidades de alimentos serão

produzidas com maior custo e seu preço subirá. Com crescimento demográfico e

maior demanda de alimentos, sem melhoria tecnológica, a utilização de terras menos

férteis aumenta a renda nas melhores terras, como foi visto nas Tabelas 3.1 e 3.2 de

Souza, 2005.

Supondo que a população não varie, assim como a tecnologia e a qualidade das

terras, a expansão do estoque de capital aumentará a produtividade do trabalho: os

preços caem e os salários reais sobem. A melhoria das condições de vida dos

trabalhadores aumentará tanto a demanda de alimentos, como a demanda de outros

bens e serviços. Sendo assim, a população tenderá a crescer, pressionando ainda mais

a demanda de alimentos e os preços voltarão a subir. Se o progresso técnico for mais

lento do que o crescimento demográfico, a margem de cultivo deslocar-se-á para

terras menos férteis. Como foi visto na seção sobre Ricardo, a utilização de terras

menos produtivas, com o mesmo número de trabalhadores e o mesmo estoque de

capital, faz subir os preços e os salários, diminuindo os lucros e elevando a renda da

terra.

Na ausência de progresso técnico, com quantidade fixa de terra e mesmo

consumo individual, o emprego de mais capital e de mais trabalho, na mesma

proporção, aumentará a demanda e os preços dos alimentos. Maiores preços elevam

tanto os salários nominais como o valor da produção agrícola. Contudo, eventuais

lucros extraordinários não permanecerão com os arrendatários, porque a competição

pela terra transformará parte desse excedente em renda, transferida aos proprietários

de terras (Mill, 1983, v. 2, p. 226).

Considerando fixos o capital e a população, aperfeiçoamentos repentinos nas

técnicas de produção, tais como máquinas mais eficientes, processos mais baratos, ou

importações de insumos mais econômicos, reduzirão os preços dos alimentos e os

salários nominais, aumentando os lucros (Mill, 1983, v. 2, p. 227). Aperfeiçoamentos

nos meios de transportes, por exemplo, expandem as áreas de mercado e reduzem os

custos unitários de transporte, tanto de artigos de luxo, como de produtos consumidos

pela classe trabalhadora. As inovações que ocorrem na produção de bens-salário

reduzem seus preços e, então, os salários dos trabalhadores. Assim sendo, a taxa de

lucro aumenta. A redução do preço dos bens de luxo não influencia os salários por

Page 129: Capítulos extras

não entrarem na cesta de consumo dos trabalhadores.

1.1 Tipos de inovações tecnológicas

Percebe-se, desse modo, que os aperfeiçoamentos na agricultura são

fundamentais para o desenvolvimento econômico, tanto por baratear os alimentos e

outros produtos consumidos pelos trabalhadores, como por reduzir o custo dos

insumos de origem agrícola, utilizados pela indústria. Tais inovações são de dois tipos:

(a) inovações do tipo I (economizam trabalho): com a mesma área e menostrabalhadores, produz-se a mesma quantidade de produto; (b) inovações do tipo II(economizam terra): com a mesma área e a mesma quantidade de trabalhadores

obtêm-se maiores quantidades de produto; ou a mesma produção, em área menor, com

menos trabalhadores. Não sendo necessária uma produção maior, as terras marginais

podem ser abandonadas: o preço dos produtos, os salários nominais e a renda se

reduzem, e os lucros aumentam (Mill, 1983, v. 2, p. 228).

Com as inovações do tipo II, economizando-se tanto a terra como o trabalho, o

efeito sobre as terras marginais é ainda mais intenso: áreas menores, produzindo

mais, com menos trabalho, exercem fortes impactos sobre a redução dos preços dos

produtos agrícolas e dos salários nominais, elevando os lucros. Com o segundo tipo de

inovação, o efeito sobre os preços será maior do que com o primeiro, porque ao efeitotecnologia deve-se acrescentar o efeito recuo da margem extensiva para terras de

fertilidade superior. Os dois tipos de inovações diminuem a renda da terra, mas pelo

segundo ela é reduzida mais intensamente (Tabela 1).

Tabela 1 - Influência da variação tecnológica sobre a renda da terra, lucros e salários,segundo Stuart Mill.

SITUAÇÃO INICIALP0 = 2,50

INOVAÇÃO DOTIPO I

P1 = 1,875

INOVAÇÃO DOTIPO II

P2 = 1,406

SITUAÇÃO 3P3 = P0 = 2,50TIPO DE

TERRACULTI-VADA

Produ-çãofísica

Rendafísica

Rendamone-tária

Produ-çãofísica

Rendafísica

Rendamone-tária

Produ-çãofísica

Rendafísica

Rendamonetá-ria

Pro-duçãofísica

Rendafísica

Rendamone-tária

ABC

TOTAL

1008060

240

40200

60

100500

150

1008060

240

40200

60

75,037,50,0

112,5

133,33106,67

0,00240,00

26,660,000,00

26,66

37,480,000,00

37,48

200160120480

80400

200100

0

Fonte: Dados adaptados de Mill (1983, v. 2, p. 228 ss).

A inovação do tipo I abate o preço em 25%, porque a produção do bem

incorpora 25% menos de trabalho. A renda monetária fica diminuída em 25% nos dois

tipos de terra. O estoque de capital K e a quantidade de terra N são constantes. Na

Page 130: Capítulos extras

situação inicial, o preço de mercado é R$ 2,50. A renda monetária nas terras do tipo Aé igual a R$ 100,00 (40 x 2,50) e nas terras do tipo B é R$ 50,00 (20 x 2,50). A terra

do tipo C não gera renda.

Supondo que a demanda de trabalho Ld caia 25%, quais serão os impactos

sobre os preços, salários, lucros e renda da terra? O preço Pn também cairá 25%,

assim como os salários, porque são proporcionais à quantidade de trabalho

incorporada na produção do bem (P1 = 0,75 x R$ 2,50 = R$ 1,875). Os salários reais

permanecem constantes, assim como os lucros. A mesma renda física, inalterada, gera

uma renda monetária 25% menor: R$ 75,00 nas terras do tipo A (40 x 1,875) e R$

37,50 nas terras de tipo B (20 x 1,875). Quem perde são os proprietários de terras e

os trabalhadores que ficaram desempregados.

A inovação do tipo II reduz com mais intensidade o preço e a renda, pois, além

de diminuir o emprego de mão-de-obra, também reduz a terra cultivada. Partindo da

situação inicial, suponha que o capital K permaneça constante e que a tecnologia

permita o abandono das terras do tipo C, uma vez que a produção total pode

permanecer igual a 240 t. A redução do emprego de trabalho é proporcional à

retração da produção física, isto é, 60/240, ou 25%.

As terras do tipo A e B produzirão, conjuntamente, 240 t de trigo; cada área

aumentará a produção em 33,33% (240/180 = 1,3333). A produção de A aumentará

para 133,33 (100 x 1,3333) e a de B para 106,67 (80 x 1,3333). A terra do tipo Bregulará o preço do mercado, sem gerar renda. Por conseguinte, o preço cairá 56,2%,

proporcionalmente ao recuo da margem, de R$ 2,50 para R$ 1,406 (R$ 2,50 x60/106,67). A renda física total passará a 26,66 t (= 133,33 – 106,67) e a renda

monetária total mudará para R$ 37,48 (26,66 x R$ 1,406).

Como os preços se reduzem mais do que proporcionalmente ao custo dos bens

(o trabalho incorporado cai somente 25%), o salário real aumenta, beneficiando os

trabalhadores que continuam empregados. Os lucros também crescerão porque a

combinação da melhoria da produtividade (33,33%) com a redução dos custos (25%)

compensam a queda dos preços (−56,2). A renda global da terra cai de R$ 150,00

para R$ 112,50 (tipo I) e para R$ 37,48 (tipo II).Os proprietários de terras serão, portanto, hostis às inovações tecnológicas,

principalmente em relação àquelas que economizam terras. Na inovação do tipo I, em

relação à situação inicial, a manutenção do salário real constante não afetará o

crescimento demográfico se a disponibilidade de alimentos se mantiver constante. No

longo prazo, com o aumento da população, crescerá a demanda e o preço, o que

reduzirá os salários reais e a taxa de lucro, elevando a renda da terra.

Geralmente, ocorrem inovações tecnológicas com aumento do estoque de

capital e da demanda de trabalhadores. Se as variações tecnológicas economizarem

Page 131: Capítulos extras

trabalho e terra, a renda, os preços e os salários monetários tenderão a baixar e os

lucros a subir. Se a população se expandir com maior velocidade do que o progresso

técnico agrícola, irão se reduzir a disponibilidade de alimentos, os salários reais e os

lucros, aumentando a renda fundiária.

Na prática, tem-se verificado crescimento demográfico secular relativamente

rápido, com o progresso tecnológico viabilizando o cultivo de terras improdutivas e

evitando a elevação demasiada dos preços. No longo prazo, a recuperação de terras

marginais pela drenagem, correção dos solos e irrigação, permitindo sua utilização,

tende a aumentar a renda nas terras melhores e mais próximas dos centros urbanos,

uma vez que os preços se elevam com os custos de produção e de transporte.

No caso em que duplicam proporcionalmente todos os fatores de produção, em

todos os tipos de terra, sem inovações, ficando inalterados os custos médios, pela

duplicação do rendimento (situação 3 da Tabela 1), os preços continuam inalterados e

regulados pela terra do tipo C. Nesse caso, duplicam-se tanto a renda física como a

renda monetária. O produto continuará sendo obtido com a mesma quantidade de

trabalho, mantendo-se constante a produtividade na terra marginal, como na situação

inicial, não alterando, portanto, seu preço. Quando a produção aumenta dessa forma,

o dono da terra será o único que se beneficiará, porque irá obter maior renda na

mesma terra, sem realizar gastos. Os salários e a taxa de lucro permanecerão

constantes, em face do crescimento idêntico tanto da demanda como da oferta de

alimentos.

Em síntese, as inovações tecnológicas aplicadas na agricultura tendem a

penalizar os proprietários das terras. Na ausência de inovações, com crescimento

demográfico positivo, o custo de subsistência dos trabalhadores tende a elevar-se e os

lucros a declinar. Estes últimos efeitos podem, às vezes, ser neutralizados pela

tecnologia, apesar do aumento da população.

1.2 Queda da taxa de lucro no longo prazo

No processo de desenvolvimento de uma economia, a taxa de lucro tende a

declinar. Esse fato é, de certo modo, neutralizado pela tecnologia e por outros fatores,

que remetem para o futuro o “fantasma” do estado estacionário. Porém, como a

população continua crescendo, aumentando a demanda de alimentos, o progresso

tecnológico tem sido feito, preferencialmente, no sentido de viabilizar terras

marginais, permitindo o deslocamento da margem extensiva para terras antes impro-

dutivas e mais distantes dos centros urbanos. Stuart Mill analisou a proposição de

Adam Smith segundo a qual a taxa de lucro do sistema se reduz com a acumulação do

capital, em razão da concorrência criada pelo aumento do número de empresários,

Page 132: Capítulos extras

fato que faz o preço do produto cair.

Contudo, à medida que os preços de todos os produtos caem na mesma

proporção, incluindo-se os das matérias-primas, a taxa de lucro se mantém constante.

Para que a taxa de lucro caia, é necessário que os preços de alguns insumos se

mantenham constantes, enquanto o preço do produto se reduz; ou que os preços de

tais insumos tenham subido, enquanto o preço do produto permaneça constante. A

tendência é a de os salários aumentarem com os preços dos alimentos, como foi visto,

e este fator constitui o item de maior peso no custo de produção.

Mill observou que nem sempre um excesso de oferta deprime os preços, como

pensava Smith, porque parte dos novos investimentos se efetua na extração de ouro e

de outros metais preciosos, usados como moeda. Além disso, a oferta monetária pode

expandir-se nos bancos, criando moeda adicional, que age no sentido de elevar a

demanda agregada e o nível geral de preços. De outra parte, se o aumento da oferta

de moeda acompanhar a oferta de bens e serviços, o nível geral de preços irá se

manter estável. Não há razão para supor, portanto, que a concorrência entre os

produtores seja a principal responsável pela queda da taxa de lucro no longo prazo

(Mill, 1983, v. 2, p. 236).

Os preços são determinados, portanto, não apenas do lado da oferta, mas

também pela concorrência do lado da demanda. Como a população cresce, sendo a

produção de subsistência limitada pela qualidade das terras, os preços dos alimentos e

os salários monetários tenderão a subir e os lucros a cair. Por conseguinte, a queda da

taxa de lucro resulta mais da oferta insuficiente de bens de consumo dos trabalhadores,que eleva os salários, do que da concorrência entre os produtores. Na verdade, o

aumento da concorrência vista por Adam Smith pode ser interpretado como a redução

do “campo de aplicação” do capital (Mill, 1983, v. 2, p. 237): os melhores negócios vão

sendo realizados pelos primeiros empresários que chegam ao mercado e a taxa de

retorno dos investimentos vai caindo à medida que projetos menos rentáveis vão

sendo executados e que a margem dos negócios vai deslocando-se para a fronteira, à

semelhança da margem de cultivo.

Novos investimentos ocorrerão enquanto a taxa de retorno r se mantiver acima

da taxa de retorno mínima r*. Assim sendo, o estoque de capital se manterá em

crescimento. A diferença (r – r*) pode reduzir-se pela queda tendencial de r, ou pela

elevação de r* = i + i*. Desse modo, os investimentos podem ser inibidos tanto pela

elevação da taxa de juro i, como pelo aumento do desvio-padrão da taxa de juro (i*),

ou prêmio de riscos dos negócios (guerras, corrupção, perigo de desapropriação ou de

nacionalização, ineficiência das instituições, instabilidade das políticas

governamentais etc.). Contudo, determinados fatores podem neutralizar a queda

tendencial da taxa de lucro, segundo Mill (1983, v. 2, p. 241):

Page 133: Capítulos extras

a) desperdício de capital: durante os períodos de euforia, o superdimensiona-

mento de projetos e a indivisibilidade do capital geram capacidade ociosa.

No longo prazo, o estoque de capital torna-se mais adequado às necessida-

des da economia e a produção cresce sem necessidade de investimentos

adicionais e os lucros sobem;

b) aperfeiçoamentos na produção: barateando algum produto consumido pelos

trabalhadores, os salários monetários se reduzem no médio prazo;

c) insumos mais baratos: o acesso a uma nova fonte de matéria-prima, ou

aperfeiçoamentos na produção e preços mais baixos diminuem os custos; e

d) exportação de capitais: a busca de terras mais férteis e de outros recursos

naturais, assim como de lucros mais elevados em outros países ou regiões

tem sustentado a taxa de lucro no país ou região de origem.

A exportação de capitais, ao mesmo tempo em que reduz a concorrência

interna entre os capitalistas, neutralizando a queda da taxa de lucro, permite o cultivo

de produtos alimentares mais baratos no exterior, para consumo dos trabalhadores no

país importador. De outra parte, o comércio exterior expande a dimensão do mercado

interno e aumenta o campo de aplicação para o capital. Importações de produtos mais

baratos para consumo dos trabalhadores (alimentos e produtos intermediários usados

na produção de bens de consumo) equivalem ao recuo da margem extensiva dentro

do país, elevando o salário-produto e a taxa de lucro e reduzindo as rendas.

Teoricamente, a existência de fatores neutralizantes à queda da taxa de lucro, como o

desenvolvimento tecnológico, não é suficiente para evitar que a sociedade chegue um

dia a um estado de crescimento zero. A posição de Stuart Mill, porém, difere daquela

de seus mestres, como será visto a seguir.

1.3 O estado estacionário de Stuart Mill

Como foi examinado, tanto para Smith, como para Ricardo, o estado

estacionário ocorre antes que a sociedade tenha atingido um nível de vida suficien-

temente elevado, e que se elimine a miséria da grande maioria da população. Para

Stuart Mill, ao contrário, o estado estacionário ocorreria com a maximização do nível

de bem-estar do conjunto da sociedade. O progresso tecnológico diversifica-se conti-

nuamente e o estado estacionário deslocar-se-ia para um futuro remoto. Quando ele

viesse a ocorrer, todos teriam atingido elevado padrão de vida. A acumulação de capi-

tal cessará, mas a preocupação da sociedade será com a cultura, o lazer e a evolução

espiritual. A preservação do meio ambiente faria parte das necessidades do lazer.

Page 134: Capítulos extras

“Estou propenso a crer que essa condição estacionária representaria, noconjunto, uma enorme melhoria de nossa condição atual. Confesso que nãome encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estadonormal dos seres humanos é o de sempre lutar para progredir do ponto devista econômico; que pensam que atropelar e pisar os outros, dar cotoveladase andar sempre no encalço do outro são o destino mais desejável da espéciehumana, quando na realidade são os sintomas desagradáveis de uma das fasesdo progresso industrial” (Mill, 1983, p. 252).

Nos países subdesenvolvidos, a preocupação com o crescimento do produto

continuaria, enquanto nos países mais avançados a maior atenção estaria voltada para

a distribuição da renda e da riqueza. Com crescimento econômico tendendo a zero, a

população também deixaria de crescer, mantendo constante a renda per capita. A

adoção de um sistema tributário progressivo sobre a renda e a riqueza, limitando-se os

montantes que poderiam ser recebidos como doação ou herança, seria outra maneira

de gerar maior igualdade econômica entre os indivíduos. A sociedade apresentaria um

conjunto amplo de trabalhadores bem remunerados, com grande poder de compra. O

tempo para o lazer seria maior porque o progresso tecnológico evitaria o trabalho

pesado e cansativo, reduzindo o tempo necessário à produção de bens (Mill, 1983, v.

2, p. 254).

2. Incursão à abordagem neoclássica: Alfred Marshall

A trajetória de uma economia em crescimento foi caracterizada, na visão de

Stuart Mill, por constantes inovações tecnológicas, suscetíveis de reduzir custos e

elevar a taxa de lucro, compatibilizando os conflitos distributivos entre capitalistas,

trabalhadores e rentistas. Assim sendo, no longo prazo, ao atingir o estado

estacionário, a sociedade teria alcançado, simultaneamente, elevado nível de vida,

vigorando salários relativamente elevados para a classe trabalhadora, com o

desaparecimento da miséria do seio da população.

A abordagem neoclássica é similar, predominando uma visão otimista do

processo de produção. Segundo os economistas neoclássicos, o crescimento econômico

gera distribuição eqüitativa para todos os agentes econômicos segundo sua

contribuição para o processo produtivo. Os frutos do progresso técnico são

distribuídos sem conflitos aos proprietários dos fatores de produção segundo sua

produtividade marginal.

Eles aceitaram o princípio malthusiano da população e, a partir de 1770,

apresentaram algumas reformulações e contribuições acerca do pensamento clássico,

até então predominante. Três autores destacaram-se por essa época: O fundador da

escola austríaca, Carl Menger (1840-1921), o inglês William Jevons (1835-1882) e o

Page 135: Capítulos extras

francês Léon Walras (1834-1910).60 No início do século 20, os discípulos desses três

economistas aperfeiçoaram a teoria de seus mestres, formando três escolas: a inglesa,

com Alfred Marshall (1842-1824); a austríaca, com Böhm-Bawerk (1851-1914) e a de

Lausanne, com Vilfredo Pareto (1848-1923). A escola neoclássica ou marginalista

fundamentou a política econômica dos países capitalistas desenvolvidos,

principalmente até a Crise de 1929.

Os economistas neoclássicos romperam com a teoria clássica do valor trabalho.

Para eles, o valor dos bens define-se por sua utilidade, ou capacidade de satisfazer às

necessidades humanas. O valor passa a ter um caráter subjetivo e influenciado pela

escassez; bens abundantes possuem baixa utilidade marginal e baixo preço, ocorrendo

o contrário, quando eles se tornam escassos. Isso é válido também para os fatores de

produção. A produtividade de cada fator diminui à medida que aumenta o seu

emprego no processo produtivo. Na margem, a produtividade de cada fator reflete sua

escassez relativa e, portanto, seu valor. Assim, o preço de cada fator será igual à

produtividade marginal respectiva.

2.1 As suposições neoclássicas

Os clássicos centraram sua análise do lado da oferta, com ênfase na formação

dos salários. Aumentando-se a produção, automaticamente gera-se emprego e renda,

implicando no aumento proporcional da demanda agregada. Os neoclássicos

raciocinavam explicitamente em termos de uma função de produção agregada com

proporções variáveis. Eles enfocaram a teoria do capital através de uma relação mais

ampla com os salários e os lucros. Essa maior flexibilidade da função de produção

permite que determinado produto seja obtido com mais capital, sem o aumento

simultâneo do emprego do fator trabalho e vice-versa.

Contudo, os economistas neoclássicos, ao contrário dos clássicos, não

apresentaram uma formulação de longo prazo, contemplando explicitamente o

desenvolvimento econômico. Centraram sua análise no curto prazo, com ênfase nos

problemas de mercado, na melhor alocação de recursos, isto é, na eficiência

microeconômica da produção. Consideravam o desenvolvimento como um processo

gradual, contínuo e harmonioso, derivado da acumulação de capital, e “mostravam-se,

em geral, otimistas quanto às possibilidades de um progresso econômico contínuo”

(Meier e Baldwin, 1968, p. 101).

Nessa linha de pensamento, os economistas neoclássicos consideraram que o

60 Walras foi professor da Universidade de Lausanne (Suíça) e um dos fundadores da Economia Matemática; como

Menger e Jevons, ele fundamentou o valor da troca na utilidade marginal e na escassez. Sua maior contribuiçãofoi a análise do equilíbrio geral, através de um sistema de equações simultâneas. Nesse sistema, háinterdependência entre os preços de oferta e de demanda. No equilíbrio geral dos preços, as quantidadesofertadas e demandadas tornam-se iguais em todos os mercados.

Page 136: Capítulos extras

sistema econômico tende ao pleno emprego, com preços e salários flexíveis, e que as

remunerações dos fatores de produção se distribuem segundo suas produtividades

marginais. Nesse contexto, não existiria conflito distributivo entre os agentes

econômicos, tendo em vista que a própria eficiência alocativa se encarregaria de

proceder à justiça distributiva. Ademais, eles supõem que o crescimento econômico

tende a elevar os salários reais dos trabalhadores no longo prazo, tendo em vista a

contínua demanda de trabalho. Para isso contribui a mecanização do trabalho, que

aumenta sua produtividade, gerando rendas médias maiores, tanto para os capitalistas

como para os trabalhadores.

Alfred Marshall, o mais representativo dos economistas neoclássicos, ao

mencionar alguns aspectos do desenvolvimento econômico em sua obra fundamental,

Princípios de economia, mostra-se muito otimista. Para ele, o crescimento da riqueza

ocorre de forma gradativa e harmoniosa, fomentada por crescente acumulação de

capital, como se pode ver na citação seguinte:

“De todos os lados novas perspectivas se oferecem, todas elastendendo a transformar o caráter de nossa vida social e industrial, e ahabilitar-nos a empregar grandes reservas de capitais, a fim de promovernovas satisfações e novos meios de economizar esforços para aplicaçãoantecipada destes, tendo em vista necessidades remotas. Parece não haver boarazão para acreditar que estejamos próximos de uma situação estacionária, naqual não haverá novas necessidades importantes a serem satisfeitas, na qualnão mais haja lugar para investir proveitosamente o esforço atual paraprevenir o porvir, e na qual a acumulação de riqueza deixará de serrecompensada. Toda a história do homem mostra que suas necessidades seexpandem com o crescimento de sua riqueza e de seus conhecimentos”(Marshall, 1982, v. 1, p. 197).

Essa afirmação otimista tem sua razão de ser na capacidade de trabalho do

homem e nas possibilidades tecnológicas, que geram novas oportunidades de

crescimento. A esse respeito, afirma que “enquanto a parte que a natureza representa

na produção mostra uma tendência para os rendimentos decrescentes, o papel

representado pelo homem mostra uma tendência para os rendimentos crescentes”

(Marshall apud Meier e Baldwin, 1968, p. 109). O trabalho e a parcimônia

desempenham papel essencial. A poupança é fundamental para a realização do

investimento.

Segundo Marshall, as pessoas poupam por amor à família. A harmonia familiar

repete-se no conjunto da economia, assim como a eficiência da firma se reproduz no

agregado. Por conseguinte, ele não acreditava na existência de um estado estacionário

futuro. Novas necessidades de consumo geram novos investimentos e excessos de

produção em relação ao consumo, induzindo novas poupanças e novos investimentos.

Page 137: Capítulos extras

Ha um círculo virtuoso entre consumo, produção e desenvolvimento contínuo. Para

Marshall, portanto, acumulação de capital, crescimento e desenvolvimento são três

aspectos de um mesmo fenômeno, que se origina, de um lado, no desejo de consumo

e, de outro, na propensão a poupar. As pessoas poupam e acumulam por hábitos de

parcimônia e expectativas do futuro e afeição familiar. A estabilidade social joga um

papel importante na formação de poupança por parte das empresas e dos indivíduos

(Marshall, 1982, v. 1, p. 200).

Esses fatores primários da formação de poupança são regulados pela taxa de

juros: se ela for alta, os indivíduos preferem consumir no futuro e auferir rendimentos

hoje. Um declínio da taxa de juros tende a reduzir a oferta de poupança e a

acumulação de capital. A taxa de juros é o preço do capital: a oferta de capital

(poupança) depende diretamente da taxa de juros; enquanto a demanda de capital

(investimento) depende inversamente dessa taxa. O empresário demanda poupança

até o ponto em que a renda marginal da última unidade de capital empregada (taxa

de retorno do capital) for maior ou igual ao custo de captação, ou taxa de juros

(Marshall, 1982, v. 1, p. 204).

Marshall e os neoclássicos em seu conjunto consideram a acumulação de

capital, a poupança e a taxa de juros elementos fundamentais do crescimento e do

desenvolvimento econômico. As pessoas poupam por motivos econômicos e não

econômicos. Variáveis institucionais, como um sistema financeiro eficiente que capte

poupança em excesso em determinadas regiões e setores, e as transfiram para

aplicações alternativas em outras partes com insuficiência de recursos, são

fundamentais no desenvolvimento. Mais tarde, economistas da linha neoclássica

apontaram que o efeito demonstração ou desejo de manter o consumo dos países

desenvolvidos, por parte dos países subdesenvolvidos, tem caráter redutor do

desenvolvimento, ao baixar a taxa de poupança. Da mesma forma, altos salários na

burocracia estatal, comissões estéreis e desvio de verbas para contas particulares ou

para os cofres dos partidos políticos reduzem a capacidade de poupança do país,

elevam o desperdício de recursos e afugentam o ingresso de capitais de instituições

internacionais, para obras sociais ou investimentos produtivos.

Page 138: Capítulos extras

2.2 Organização industrial e economias externas

Do lado da produção, Marshall destacou a organização industrial, a divisão do

trabalho (economias de escala), e investimentos em infra-estruturas (economiasexternas) (Marshall, 1982, v. 1, p. 229). Ele criou este último termo, que tem sido

empregado em modelos posteriores de crescimento industrial. As economias externas

surgem pelos seguintes fatores: (a) pela concentração de indústrias em um mesmo

local, atraídas pelas interdependências tecnológicas existentes entre as atividades, que

permitem minimizar o custo de transporte de produtos e insumos; (b) pela formação

de um mercado de trabalho especializado; (c) pela troca de idéias entre empresários,

que podem reunir-se com maior facilidade; e (d) pelas melhorias infra-estruturais

efetuadas por particulares ou pelo Estado, beneficiando o conjunto do complexo

localizado no mesmo local.

Mesmo nos primórdios da civilização, algumas atividades se desenvolveram de

preferência em locais com algumas vantagens de localização, como fácil acesso por

terra ou por água, existência de matéria-prima, ou mão-de-obra. Em função disso,

houve uma tendência de as diferentes aldeias se especializarem na produção de

alguns tipos de mercadorias. A concentração industrial, também promovida pelas

cortes, atraía a mão-de-obra especializada de muitos lugares, como da Arábia e do

Egito. A maior parte da indústria inglesa, antes da era do algodão e do vapor, era

mantida por colônias de flamengos (Marshall, 1982, v. 1, p. 233).

A concentração industrial, facilitada inicialmente pela existência de recursos

naturais e por incentivos, desenvolveu-se pela difusão do progresso técnico. Muitos

conhecimentos deixam de ser segredo e caem no domínio de outros empresários;

inúmeras indústrias desenvolvem-se. A disponibilidade de mão-de-obra aglomera as

empresas e estas atraem trabalhadores de outras regiões. A existência de empregos

alternativos em um mesmo lugar reduz os riscos dos trabalhadores ficarem inativos.

De outra parte, a abundância de trabalho qualificado aumenta a segurança das

empresas, que podem aceitar pedidos de produção sem receio de não poder atendê-

los por falta de mão-de-obra.

A diversificação industrial forma um mercado com maior oferta de

trabalhadores. A expansão do emprego aumenta a renda familiar, mesmo que haja

redução dos salários reais. Contudo, a aglomeração excessiva de indústrias em um

mesmo local pode produzir deseconomias externas, como elevação dos preços dos

terrenos e dos salários, pela maior concorrência. Elas surgem, sobretudo, para firmas

de pequeno e médio porte que produzem apenas para o mercado nacional.

Marshall destacou a importância das economias internas para neutralizar as

deseconomias externas. As primeiras surgem com o aumento da escala,

principalmente quando a firma passa a produzir também para os mercados externos.

Page 139: Capítulos extras

A eficiência microeconômica da firma depende, segundo Marshall (1982, v. 1, p. 240

ss): (a) de sua organização, que se explica pela influência da maquinaria, que permite

maior divisão do trabalho; (b) da concentração de indústrias especializadas em certas

localidades, geradoras de economias externas; (c) da produção em larga escala para

exportação, dando surgimento a economias internas; e (d) da capacidade empresarial.

A produção em grande escala para os mercados nacional e internacional

permite o uso de máquinas ainda mais especializadas, incrementando a produtividade

dos fatores de produção. Com isso, os lucros aumentam, estimulando novos

investimentos no próprio setor, ou em outros. Empresas de pequena e média

dimensão podem beneficiar-se, igualmente, ao produzirem de forma associada com

grandes firmas mais dinâmicas. “As principais vantagens da produção em massa são a

economia de mão-de-obra, a economia de máquinas e a economia de materiais”

(Marshall, 1982, v. 1, p. 239). Em suma, para Marshall, como para Adam Smith, as

causas determinantes do desenvolvimento econômico encontram-se na expansão dos

mercados externos. Isso foi exemplificado pelo crescimento da economia inglesa nos

séculos 18 e 19, assim como pelas economias dos EUA, Japão e de outros países anos

mais tarde. Isso se explica, segundo os neoclássicos, pela alocação interna mais

eficiente de recursos.

A expansão do mercado externo, contudo, precisa ser efetuada em consonância

com a liberdade de comércio e com o desenvolvimento interno dos meios de

transporte. Entretanto, Marshall admitiu algum protecionismo no caso das indústriasnascentes para que “o esforço desenvolvido em algumas indústrias altamente

progressivas se possa estender sobre grande parte do sistema industrial do país”

(Marshall apud Mota, 1964, p. 67). De outra parte, como Adam Smith, ele identificou

uma harmonia de interesses entre a expansão comercial de alguns países e as

economias importadoras, à medida que os primeiros realizam investimentos nos meios

de transporte dos últimos, permitindo o desenvolvimento de seu mercado interno.61

Os fatores não econômicos do desenvolvimento são os seguintes, segundo

Marshall (1982, v. 2, p. 307): (a) aperfeiçoamento das leis e das instituições; (b)

mobilidade da mão-de-obra; (c) grau de urbanização; (d) a preocupação com o futuro

que induz a poupar no presente; e (e) investimentos em educação geral e técnica, ou

capital humano. Ele preocupou-se também com o “problema da pobreza”, que

apresenta implicações econômicas e sociais. Essas causas entrelaçam-se em diferentes

níveis, explicando os aspectos cumulativos de miséria (Mota, 1964, p. 69). Exemplo é

a questão dos salários e sua relação com os níveis de vida, os indicadores de

desenvolvimento, o custo de produção e a taxa de lucro da economia.

61 A China deverá investir em infra-estruturas no Brasil, a partir de 2004/05, visando escoar as exportações

brasileiras de soja pelo Pacífico, reduzindo assim as distâncias e os custos de transporte.

Page 140: Capítulos extras

A contribuição de Marshall foi fundamental para chamar a atenção para a

importância da organização interna das empresas no processo de crescimento

econômico, individual e coletivo. Grande parte do crescimento econômico ocidental,

no final do século 19, foi creditada ao aumento da produtividade das empresas,

proveniente da adoção de novos métodos gerenciais. Contudo, algumas suposições da

análise neoclássica têm-se mostrado pouco realistas, como a idéia de concorrência

perfeita, pleno emprego, flexibilidade de preços e salários e harmonia na distribuição

de renda.62

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique os efeitos sobre a renda da terra, lucros e salários de inovações

tecnológicas poupadoras de trabalho e de terra.

2. Quais os fatores da queda da taxa de lucro no longo prazo, segundo Stuart Mill?

3. Qual a visão de Stuart Mill sobre o estado estacionário futuro? Compare-a com a

visão de Adam Smith e David Ricardo.

4. Qual o papel da organização industrial no desenvolvimento econômico segundo

Marshall? O que são economias internas e economias externas?

5. Quais as causas determinantes do desenvolvimento econômico, segundo Marshall?

6. Trace um paralelo entre o pensamento de Alfred Marshall e Stuart Mill.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. São Paulo: AbrilCultural, 1982. 2 v.MEIER, Gerald M.; BALDWIN, Robert E. Desenvolvimento econômico. São Paulo:Mestre Jou, 1968.MILL, John S. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações àfilosofia social. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 2v. (Coleção Os Economistas).MOTA, Fernando de O. Manual do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundode Cultura, 1964.SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

62 Muitos desses pontos foram criticados por Keynes, como será visto no Capítulo 5.

Page 141: Capítulos extras

7PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO63

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

O pensamento econômico brasileiro envolve as correntes neoliberal,

desenvolvimentista e socialista, além do pensamento eclético e independente de

Inácio Rangel. O pensamento desenvolvimentista compreendia a corrente ligada ao

setor privado e a linha vinculada ao setor público, sendo esta última desdobrada,

ainda, em desenvolvimentismo nacionalista e não nacionalista (Bielschowsky, 1988, p.

284). Segundo a corrente desenvolvimentista, a transformação da economia brasileira

seria impossível sem industrialização, planejamento econômico e ampla participação

do Estado no processo produtivo. Essa corrente surgiu na década de 1930, com a

Grande Depressão e tomou corpo na administração pública e em órgãos como a

Confederação Nacional da Indústria e a Federação das Indústrias de São Paulo; sua

divulgação ocorreu a partir dos estudos econômicos da década de 1940 (Missão Cooke

e Missão Abbink); porém, foi a partir do surgimento do pensamento cepalino que ela

se consolidou definitivamente no Brasil, apesar das críticas ferrenhas do pensamento

neoliberal, liderado por Eugênio Gudin (1886-1986).

1. Pensamento neoliberal de Eugênio Gudin

Segundo os neoliberais, o crescimento econômico precisa ocorrer com base em

uma economia estabilizada. Em segundo lugar, ele deve fundamentar-se no aumento

de produtividade e não em políticas expansionistas, geradoras de industrialização a

qualquer custo. Eles consideravam como de fundamental importância o combate à

inflação, o aumento da produtividade, o estímulo às exportações, a liberdade ao

capital estrangeiro e participação mínima do Estado no controle da economia. A

ideologia neoliberal filia-se aos economistas clássicos ingleses, mas sofreu modificações

após o recrudescimento das crises do sistema capitalista na década de 1930. Sob a

influência do keynesianismo, passou-se a aceitar medidas anticíclicas praticadas pelos

63 Este texto é uma versão ampliada da seção 7.3 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).

Page 142: Capítulos extras

governos. O termo neoliberal compreende, segundo Bielschowsky (1988, p. 43), essa

modificação, pois os economistas dessa corrente passaram a admitir “alguma

intervenção estatal saneadora de imperfeições de mercado que, segundo reconheciam,

afetavam economias subdesenvolvidas como a brasileira”.

A corrente neoliberal, na qual se destacaram Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de

Bulhões, Dênio Nogueira e Daniel Carvalho, tinha como projeto econômico básico o

crescimento com equilíbrio das contas públicas; ela se fundamentava no livre

mercado, fazendo oposição às teses desenvolvimentistas lideradas pelo pensamento

cepalino. Em termos de política de combate à inflação, ela se identificava com o

monetarismo: os meios de pagamentos precisam expandir-se no mesmo ritmo das

transações econômicas, considerando-se constante a velocidade de circulação da

moeda. Os aumentos dos gastos públicos, sem correspondência com novas receitas,

elevam o volume de dinheiro na economia e geram inflação. As tentativas de

enxugamento do excesso de moeda em circulação, pelo lançamento de títulos

públicos, aumentam as taxas de juros e as despesas públicas, realimentando o déficit

público e a inflação. A expansão do crédito age no mesmo sentido de fazer crescer o

estoque de moeda e os preços, sendo, portanto, combatida pela corrente neoliberal. O

crescimento deve ocorrer após o saneamento da economia, para não provocar

desequilíbrios ainda maiores e abortar a própria expansão econômica futura. Os

desequilíbrios existentes resultariam de erros de política econômica do governo e não

de falhas de mercado (Bielschowsky, 1988, p. 284).

Segundo Eugênio Gudin (1886/1986), havia pleno emprego e inflação na

região Sul/Sudeste do país e desemprego no Norte/Nordeste, uma vez que esta última

região não conseguia empregar toda a mão-de-obra disponível. Havendo depressão, as

empresas do Sul/Sudeste reduzem a produção. Com pleno emprego, investimentos no

Sul/Sudeste tenderiam a elevar ainda mais os preços. Investimentos na melhoria da

produtividade, principalmente nos setores exportadores, seriam medidas coerentes

(Gudin, 1979, v. 2, p. 217-220). Com poupança interna escassa e afluxo insuficiente

de capitais estrangeiros, que não deseja atrair, o país lançava mão da emissão de

moeda, acelerando a inflação. Para atrair poupança externa, Gudin defendia a

completa liberdade para a remessa de lucros, por parte das multinacionais. Segundo

ele, o benefício do capital estrangeiro no desenvolvimento precisa ser avaliado “na

base da renda nacional e de seu incremento e não na do balanço de pagamentos”

(Gudin, 1979, v. 2, p. 95).

A grande procura de recursos para consumo e investimento tendia a elevar a

Page 143: Capítulos extras

taxa de juros interna. Desse modo, havia “uma tendência a suprir com crédito a falta

de capital”, com a conseqüente expansão dos meios de pagamentos e da inflação.

Formava-se um círculo vicioso: a pressão inflacionária aumentava as taxas de juros e o

valor do serviço da dívida pública interna; “os empreendimentos governamentais,

sempre numerosos, passavam a ser financiados pelo déficit orçamentário, que

novamente provoca a pressão inflacionária, e assim por diante” (Gudin, 1979, v. 2, p.

46). Por outro lado, o aumento do crédito e os déficits públicos produzem excesso de

demanda, causadora de inflação, juntamente com a elevação dos salários sem

correspondência com maior produtividade. A inflação também se devia às

desvalorizações cambiais, porque encarecem as importações e isso se retransmite aos

preços dos bens domésticos, pela redução da oferta interna de bens. De modo geral, o

protecionismo, ao encarecer as importações, provoca inflação, afeta a eficiência

produtiva e reduz as exportações. Isso se explica porque os recursos se deslocam das

atividades exportadoras para a produção de bens anteriormente importados, com

altos custos médios.

No fim da década de 1940, o debate econômico no Brasil centrava-se

principalmente na “mística do planejamento”, a que se opunha Gudin, e na “mística

do equilíbrio instantâneo”, criticada por Prebisch. O planejamento era defendido pelos

economistas da CEPAL e por Roberto Simonsen, entre outros, em virtude do baixo

nível de renda da grande maioria da população e do “atraso” do desenvolvimento dos

países latino-americanos. Com o planejamento, tinha-se como objetivo orientar a

alocação dos recursos para áreas prioritárias e de caráter social. O planejamento,

como técnica, não exclui a participação privada. Pelo contrário, cria um clima de

confiança que estimula o investimento privado e o crescimento econômico. Nesse

sentido, Gudin concordava com a idéia de “plano”, que restabelece ao Estado sua

antiga função de fomentador da atividade econômica. O Estado Liberal, porém, tem

como função “estabelecer as regras do jogo, mas não a de jogar” (Gudin, apud

Magalhães, 1961, p. 12-13). Ele aceitava alguma forma de intervenção do Estado na

economia, para corrigir falhas do mercado, em determinadas áreas, principalmente

em períodos de depressão.64

Porém, a estratégia de Gudin para as economias subdesenvolvidas, como a

brasileira, não incluía o planejamento econômico. As variáveis fundamentais para o

64 Para os desenvolvimentistas, constitui grande desperdício de forças relegar a um plano secundário um

importante agente do desenvolvimento, que é o Estado. Do lado neoliberal, a grande objeção é que a excessivaintervenção estatal acaba inibindo a iniciativa privada, mola-mestra do desenvolvimento capitalista.

Page 144: Capítulos extras

desenvolvimento eram: (a) atração do capital estrangeiro; (b) formação do mercado

de capitais; (c) assistência técnica e concessão de crédito seletivo para a agricultura;

(d) educação geral e profissionalizante; (e) incentivos ao aumento da produtividade;

e (f) promoção das exportações. Adicionalmente, o governo precisaria preservar a

estabilidade monetária e cambial, deixando ao mercado a tarefa de assegurar a

máxima eficiência do sistema.

A industrialização constituía para ele uma forma de diversificar a economia e

minimizar as flutuações cíclicas; porém, era contrário à industrialização subsidiada de

altos custos e baixa produtividade, porque privilegiava alguns grupos, em detrimento

do resto da economia. Sendo regulada pelo mercado, ela deveria absorver a mão-de-

obra excedente da agricultura, liberada gradativamente pela mecanização. O Estado

não deveria produzir, nem comercializar, porque a iniciativa privada gera bens e

serviços com maior produtividade, pela concorrência do mercado. São os

consumidores, no exercício de uma verdadeira democracia econômica, que orientam

as empresas a produzir determinados bens, em quantidades específicas, e não um

burocrata do planejamento central. Contudo, a simples manipulação de instrumentos

de curto prazo, isto é, as políticas monetária, fiscal, creditícia e cambial, sem a

definição de objetivos e estratégias de longo prazo, por parte da sociedade, tende a

levar a economia “a navegar em círculos”.

“Mas a Economia Liberal ou a Democracia Econômica não implicam emlaissez-faire, no sentido de ausência de governo ou de desinteresse do Estadopela ordem econômica. O seu princípio cardial é de que o Estado deve, emprincípio e por todos os meios, evitar interferir no campo da economiaprivada. O Estado pode facilitar, estimular, premiar. Pode, nas fases dedepressão, promover a realização de um programa de obras públicas,destinado a impulsionar a atividade econômica. Mas o Estado não devefabricar, não deve plantar, não deve comercializar, porque a economiaprivada dispõe para isso de uma grande superioridade de elementos” (Gudin,1951, p. 34).

Embora a economia neoliberal delegue ao setor privado, por meio dos

mecanismos de mercado, a tarefa de produzir, cabe ao governo um rigoroso controle

das variáveis macroeconômicas, para manter a economia em um equilíbrio estável

permanente. As variáveis relevantes a serem controladas são as que dizem respeito à

evolução dos meios de pagamentos, crédito, contas públicas e balanço de pagamentos.

Page 145: Capítulos extras

2 Desenvolvimentistas ligados ao setor privado

Entre o empresariado e o setor público encontrava-se a corrente desenvol-

vimentista, que fazia oposição às teses neoliberais. Para ela, a industrialização, com

alguma forma de planejamento e participação estatal, constituía a condição

indispensável ao desenvolvimento econômico. Entre os desenvolvimentistas ligados ao

setor privado nacional, destacaram-se Roberto Simonsen, João Paulo de Almeida

Magalhães e Nuno Figueiredo. Eles obtinham da Confederação Nacional da Indústria

e da Federação das Indústrias de São Paulo o apoio institucional de que necessitavam.

Teoricamente, vinculavam-se a Keynes e a Prebisch. Defendiam a substituição de

importações, o protecionismo e crédito abundante e barato (Bielschowsky, 1988, p.

284).

2.1 Roberto Simonsen e o planejamento global

Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), engenheiro, empresário e político

brasileiro, idealizou instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI) e o Serviço Social da Indústria (SESI). Ele ainda fundou o Centro das

Indústrias e a Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo. Desde a década de

1930, ele vinha propondo a industrialização do Brasil como forma de

desenvolvimento. Defendeu a criação de indústrias de base, como a siderurgia e a

química. Considerava viável a implantação de um capitalismo moderno no país, com

decisivo apoio governamental, por meio de políticas protecionistas e planejamento

econômico global. Em 1937, Roberto Simonsen já destacava o papel do Estado na

substituição de importações, por meio de tarifas elevadas para bens que pudessem ser

manufaturados internamente, destinando as divisas economizadas à importação de

máquinas e insumos industriais.

Havia, porém, forte oposição à industrialização do Brasil, por parte dos EUA e

da oligarquia agrário-exportadora nacional. Esta última concorria com a indústria por

recursos públicos e políticas macroeconômicas, como desvalorizações cambiais,

efetuadas para encarecer as importações, reduziam suas receitas de exportação. No

caso do EUA, o surgimento de novos países industrializados era visto como fator de

redução de mercado para suas manufaturas. Dirigindo-se a esses opositores, Roberto

Simonsen argumentava que a industrialização beneficiaria a todos, pelo aumento das

Page 146: Capítulos extras

compras de matérias-primas, insumos industriais, máquinas, equipamentos e bens de

consumo duráveis.

Na defesa da industrialização, Simonsen opunha-se ao Plano Marshall para a

América Latina, porque significaria, segundo ele, o retorno desses países ao papel de

simples produtores de matérias-primas para a exportação, permanecendo

consumidores de produtos manufaturados dos países desenvolvidos. Ele não

acreditava que esse plano acarretasse investimentos industriais em um país como o

Brasil. Desse modo, como seus críticos, ele também não considerava que houvesse

impactos do desenvolvimento agrícola sobre a industrialização. Ele propunha a

transformação de matérias-primas no próprio país, a ampliação da capacidade

portuária e a abertura de rodovias para induzir investimentos industriais.

Tendo em vista as fortes oposições externas e internas, existentes por volta de

1950, a industrialização brasileira não poderia efetuar-se apenas pela iniciativa

privada e com a ajuda das “livres” forças do mercado. Tornava-se, portanto,

necessário o apoio governamental e a adoção de políticas protecionistas e de

estímulos à implantação de infra-estruturas e novas indústrias. Nesse sentido, Roberto

Simonsen acreditava ser indispensável o planejamento global para a concentração de

esforços direcionados a objetivos específicos de desenvolvimento. Em suas palestras e

artigos, procurava identificar planejamento com democracia, conciliando

intervencionismo com livre iniciativa. Isso se explica, porque o planejamento era visto

como uma iniciativa de cunho socialista e contrário aos interesses do capital privado.

Na concepção dos desenvolvimentistas ligados ao setor privado, porém, o

intervencionismo deveria atingir as áreas não cobertas pela iniciativa privada, como

eletrificação, siderurgia, petróleo, insumos básicos, material bélico e outras atividades-

chave, incluindo o que denominou “moderna agricultura de alimentação”

(Bielschowsky, 1988, p. 102).

Em suma, as idéias dos desenvolvimentistas ligados ao setor privado resumiam-

se na preservação do mercado interno para o setor privado nacional, na oposição ao

aumento dos salários e da tributação dos lucros, bem como na existência de crédito

barato e abundante para investimentos industriais. Para eles, a inflação não decorria

da expansão do crédito, mas do déficit público, da elevação salarial e da escassez de

alimentos para os trabalhadores. Os investimentos estatais constituíam um

desdobramento natural da programação econômica, mas deveriam deixar uma

participação máxima à iniciativa privada nacional. Quanto ao capital estrangeiro,

argumentavam que ele deveria ser orientado preferencialmente para as atividades

Page 147: Capítulos extras

comerciais e agrícolas, bem como para os ramos industriais ainda não explorados no

Brasil (Bielschowsky, 1988, p. 113).

2.2 Almeida Magalhães e a tese da poupança forçada

Além de admitirem que o crédito não causa inflação, os desenvolvimentistas

aceitavam que uma taxa moderada de inflação favorece o desenvolvimento. A

elevação do nível geral de preços, com salários monetários constantes, reduz os

salários reais, o que estimula os investimentos. A inflação constitui, portanto, uma

poupança forçada, embolsada pelos empresários, que se traduz em novos

investimentos. A tese da poupança forçada, como estímulo ao desenvolvimento, foi

defendida por João Paulo de Almeida Magalhães, a partir dos anos de 1950. Ele

opunha-se às posições neoliberais de combate à inflação, causadoras de recessão e

desemprego. Para ele, baixos níveis de inflação constituem um mecanismo de

poupança forçada, que coloca recursos à disposição dos empresários, por meio do

crédito e da possibilidade de aumentarem os preços com uma margem acima dos

custos médios. Ele rejeitava a tese de pleno emprego da economia brasileira,

defendida por Eugênio Gudin. Ele argumentava que havia mão-de-obra subempregada

na agricultura e no setor terciário urbano, que poderia ser absorvida por novos

investimentos financiados por crédito ou poupança forçada. Ele sustentou a idéia de

que a inflação moderada desempenha papel fundamental no desenvolvimento

econômico.

Se a economia estivesse em uma situação de pleno emprego, como sustentava

Gudin, novos investimentos seriam inflacionários; assim, a única alternativa para

deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção seria aumentar a

produtividade dos fatores. Com desemprego, o investimento precisa crescer de alguma

forma para recuperar o “atraso” do desenvolvimento em relação aos países

desenvolvidos. Porém, mesmo com desemprego de trabalho, o crescimento fica

limitado pela escassez de capital. Existe, portanto, um limite superior para o

crescimento econômico, dado pela acumulação de capital. Desse modo, para

maximizar a taxa de crescimento e aumentar o nível de emprego, torna-se necessário

o aporte de poupança interna e externa (Magalhães, 1961, p. 153).

Descartando-se aumentos substanciais de poupança voluntária, a economia

precisaria crescer, portanto, mediante poupança forçada. Desse modo, a capacidade de

Page 148: Capítulos extras

crescimento da economia poderia aumentar de modo compulsório. A poupança

forçada significa uma proposição oposta à de Gudin, para o qual os investimentos

precisam ser cortados para reduzir a inflação. “Nos países desenvolvidos, em que o

teto é o fator trabalho, nossas conclusões coincidem com as daquele autor”

(Magalhães, 1961, p. 97).

Porém, o modelo de Magalhães da poupança forçada encontra um limite no

momento em que os grupos prejudicados reagem, recuperando perdas. Ao

provocarem uma espiral inflacionária, eliminam a poupança forçada e a possibilidade

de deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção. Contudo, havendo

defasagem na recuperação de perdas salariais e de outros rendimentos fixos, ocorrerá

poupança forçada e as remarcações de preços estimulam os investimentos. Na

possibilidade de a economia poder contar com a ajuda de poupança externa, o papel

da poupança forçada fica reduzido. Em conclusão, o crescimento pode efetuar-se com

inflação ou sem ela, desde que outros fatores não sejam limitantes, como mão-de-obra

especializada, tecnologia, capacidade empresarial e capitais externos (Magalhães,

1961, p. 99).

Embora a queda dos salários reais resulte em concentração de renda, ela

proporciona aumento dos investimentos. Entretanto, tendo em vista que a inflação

causa graves distorções no longo prazo, Magalhães alertava para a necessidade de

incentivar-se a poupança voluntária, salientando que isso só seria possível com maior

crescimento da renda nacional. A corrente desenvolvimentista ligada ao setor privado,

na verdade, defendia seus próprios interesses. Ela desejava importar equipamentos

com subsídios cambiais e preservar o mercado interno para suas empresas. Para

preservar seus lucros, ela recomendava que se evitasse a tributação excessiva,

argumentando a necessidade de estimular os investimentos e evitar a evasão de

capitais. Da mesma forma, criticava a fixação do salário mínimo em níveis

considerados elevados e reclamava dos altos encargos sociais. Os economistas dessa

linha mantinham um discurso adequado aos anseios da classe patronal nacional.

3 Desenvolvimentistas ligados ao setor público

Os economistas desenvolvimentistas ligados ao setor público dividiam-se em

duas correntes, a nacionalista e a não nacionalista. A industrialização com forte apoio

estatal consistia o ponto em comum desses dois grupos. A divergência encontrava-se

Page 149: Capítulos extras

na participação do capital estrangeiro e na adoção de políticas de estabilização prévias

a qualquer programa de desenvolvimento.

3.1 Celso Furtado e a corrente nacionalista ligada ao setor público

A corrente nacionalista ligada ao setor público teve como expoentes Celso

Furtado, Rômulo de Almeida e Américo de Oliveira. Eles consideravam que a

participação de empresas estatais era fundamental para a industrialização e o

desenvolvimento de projetos prioritários, tais como os de mineração, petróleo,

energia, transportes, telecomunicações e indústrias básicas. Teoricamente estavam

ligados, como os desenvolvimentistas do setor privado, a um ecletismo keynesiano e

às teses cepalinas. Defendiam a industrialização por substituição de importações e

contavam com a ampla participação do Estado na correção de desequilíbrios

estruturais e na eliminação dos pontos de estrangulamentos do crescimento

(Bielschowsky, 1988, p. 284).

Celso Monteiro Furtado, nascido em 1920, na Paraíba, foi um dos diretores da

CEPAL e do Grupo Misto CEPAL/BNDES. Ele participou da elaboração do Plano de

Metas do governo Kubitschek, que deu origem à Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da qual foi o primeiro superintendente.

Juntamente com Prebisch, ele desenvolveu e divulgou a análise estruturalista da

CEPAL. Em seus escritos, defende a ampla participação do Estado na economia, por

meio do investimento em setores estratégicos, a submissão da política monetária e

cambial aos objetivos do desenvolvimento e a realização, pelo Estado, da reforma

agrária e redistribuição de renda (Bielschowsky, 1988, p. 159).

Assim como Wallich (1969), Furtado entendia que a dinâmica do crescimento

encontrava-se nas pressões de demanda e que as inovações tecnológicas podiam ser

importadas, sob a coordenação do Estado. O planejamento estatal orientaria o

crescimento, rompendo com estruturas arcaicas, bloqueadoras do desenvolvimento.

Segundo ele, a transformação das estruturas agrícolas aumentaria continuamente a

produtividade, pela transferência de fatores e atividades das zonas rurais para o meio

urbano.65 A introdução do progresso técnico na agricultura eleva a renda agrícola,

pelo aumento da produção para a exportação e o mercado interno. Maior demanda de

65 Ver seção 1.5 do Capítulo 1.

Page 150: Capítulos extras

produtos manufaturados pela agricultura estimularia a renda urbana, que demandaria

produtos agrícolas, estimulando uma vez mais o desenvolvimento.

O aumento da produtividade agrícola provocaria uma tendência ao

desequilíbrio do balanço de pagamentos, o que exigiria um controle permanente pelo

Estado de importações não essenciais. Ele considerava que o desenvolvimento não

constitui uma etapa histórica pela qual todos os países deverão passar, e que o

subdesenvolvimento resulta da expansão da economia mundial, desde a Revolução

Industrial na Inglaterra. Centros industriais constituídos em alguns países geraram

uma periferia subdesenvolvida e dependente; o subdesenvolvimento seria subproduto

do desenvolvimento capitalista mundial. A industrialização periférica, feita à imagem

daquela dos países centrais, efetua-se sobre uma estrutura arcaica, pouco diversificada

e de baixa produtividade. Para não interromper o crescimento por estrangulamentos

prematuros do balanço de pagamentos, a industrialização exigiria constantes

investimentos em infra-estruturas e em atividades complementares (Furtado, 1961, p.

171).

Ao Estado caberia, portanto, a realização de tais investimentos, pois novas

oportunidades de negócio nem sempre são percebidas pelo ângulo da firma; grandes

investimentos deixam de ser efetuados, tendo em vista o volume de recursos

necessários. Em muitos casos, a realização desses investimentos ficaria obstruída pela

insuficiência de poupança interna e pela baixa capacidade de importar. Torna-se

necessário, portanto, recorrer aos capitais externos. Para Furtado, porém, como para

os demais economistas dessa corrente, a preferência ficava para os empréstimos

realizados de governo a governo, porque teoricamente seriam obtidos sob condições

mais vantajosas. Da mesma forma, Celso Furtado procurava evitar os laços de

dependência ao capitalismo internacional, preferindo um modelo de crescimento

voltado para o dinamismo do setor de mercado interno, porque o crescimento

atrelado ao desempenho das exportações de produtos agrícolas mostrava-se

vulnerável em função de receitas instáveis e com poder de compra decrescente.

Essa postura, no entanto, conflitava com a observação de que o

desenvolvimento fica bloqueado pelo estancamento da capacidade de importar.66 Os

desequilíbrios do balanço de pagamentos, decorrentes do crescimento das

importações e da constância ou declínio do poder de compra externo, deveriam ser

sanados por substituições de importações, programadas pelo governo, e não por

66 Um exemplo numérico da tendência ao desequilíbrio externo, quando se avança no processo de crescimento por

substituição de importações, foi apresentado em Souza, 2005, Tabelas 1.6 e 1.7 do Capítulo 1, seção 1.5.

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políticas monetárias contracionistas, redutoras do nível do investimento. O argumento

de Furtado era de que as altas taxas de desemprego das economias subdesenvolvidas

exigem crescimento econômico mais acelerado. Como este se faz com elevação do

coeficiente de importações, “qualquer tentativa de correção do desequilíbrio,

mediante desvalorização, provoca sem demora uma redução no ritmo do crescimento,

pelo simples fato de que eleva os preços dos bens de capital relativamente aos de

consumo” (Furtado, 1961, p. 226).

Segundo Celso Furtado e os estruturalistas de modo geral, a oferta das

economias subdesenvolvidas é muito rígida, gerando o processo inflacionário. Isso se

explica por não ser possível, no curto prazo, aumentar a oferta quando os preços

sobem, ou reduzi-la quando caem. Enquanto isso, a demanda diversifica-se de modo

acelerado, em função do efeito demonstração do consumo dos países desenvolvidos. O

único meio de eliminar essa tendência inflacionária é expandir a oferta. O problema

da inflação, portanto, reside na própria superação do subdesenvolvimento, o que se

obteria de modo mais rápido pelo planejamento global e setorial. Este aumentaria a

eficiência da industrialização, ao eliminar os estrangulamentos decorrentes da

heterogeneidade e rigidez estruturais.

Em suma, Furtado considerava fundamental a participação do Estado na

economia: (a) atuando diretamente no setor produtivo, por meio de empresas

estatais; (b) planejando a distribuição regional e setorial dos investimentos; (c)

subordinando a política monetária ao desenvolvimento; (d) promovendo uma distri-

buição de renda mais eqüitativa no sentido de dinamizar o setor de mercado interno;

e, (e) controlando o afluxo de capital estrangeiro, para que a dependência financeira

excessiva não retirasse do país sua autonomia na gestão de problemas econômicos

fundamentais. Celso Furtado mantinha, portanto, uma postura nacionalista e estati-

zante, conforme o pensamento predominante da corrente nacionalista ligada ao setor

público.

No início da década de 1960, ao esgotar-se o modelo de substituição de

importações, Celso Furtado defendia uma estratégia de desenvolvimento pelo

aumento da produtividade e distribuição de renda. A elevação da demanda de bens de

consumo dos trabalhadores induziria a adoção de inovações tecnológicas na produção

de bens de consumo e na agricultura. Preços mais baixos e salários mais altos

aumentariam a demanda de produtos industriais. A transformação da estrutura

agrária agiria no mesmo sentido, com o meio rural consumindo bens industriais

(Furtado, 1961, p. 266).

Page 152: Capítulos extras

3.2 Roberto Campos e a corrente não nacionalista ligada ao setor público

Entre os economistas da corrente não nacionalista do setor público, destacaram-

se Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva. Eles defendiam a industrialização

com ampla participação do capital estrangeiro e com planejamento parcial.

Caracterizavam-se também pela defesa de políticas de estabilização e achavam que o

Estado não devia ocupar os espaços onde a iniciativa privada podia atuar com maior

eficiência. Esses eram os pontos de contato com a corrente neoliberal. A diferença

residia na defesa da industrialização com planejamento estatal, porém parcial ou

setorial (Bielschowsky, 1988, p. 123).

Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) foi membro da Comissão Mista

Brasil-Estados Unidos (1951-1953), que realizou amplo diagnóstico da economia

brasileira e que originou o BNDES e o Grupo Misto CEPAL/BNDES (1953/1955). Ele

preferia o capital estrangeiro ao estatal, mesmo em setores considerados de segurança

nacional, como mineração e energia. Defendia a industrialização com apoio estatal,

pois considerava necessário compensar a debilidade privada para investir. A

participação do Estado seria feita mediante planejamento parcial e coordenação

política. Segundo ela, a grande meta do planejamento é “contingenciar recursos

escassos entre objetivos concorrentes e escalonar sua utilização eficiente no tempo e

no espaço”. Com o planejamento, pode-se maximizar o crescimento econômico,

reduzir o consumo supérfluo e canalizar poupanças pelo aperfeiçoamento dos

mecanismos de captação. O governo tem “a faculdade telescópica” para visualizar

onde atuar com prioridade. “Através da tributação, pode o governo comprimir o

consumo presente em benefício da acumulação de capital para investimentos”

(Campos, 1952, p. 16).

O ponto de partida do planejamento é o recenseamento das necessidades de

investimento, nos diferentes setores, seguido do levantamento das fontes dos recursos

disponíveis. O critério preferencial do planejamento é a melhoria da produtividade;

para isso, escolhem-se primeiro os projetos de rentabilidade mais imediata,

principalmente aqueles suscetíveis de atrair a iniciativa privada. De outra parte, sendo

escassos os recursos, e tendo em vista o máximo retorno no menor tempo possível,

recomendava Campos a concentração dos investimentos em áreas já providas com

alguma infra-estrutura básica. Tornava-se necessário evitar a dispersão espacial e

setorial dos recursos, para evitar a diluição e o enfraquecimento dos efeitos de

encadeamento e de multiplicação dos investimentos. Assim, Campos recomendava a

Page 153: Capítulos extras

alocação dos recursos em pontos de crescimento, formados por indústrias motrizes e

indústrias-chave,67 ou pontos de germinação, como transporte, energia e indústrias

básicas (Campos, 1952, p. 22).

A indústria automobilística foi um ponto de germinação importante, no fim dos

anos de 1950, pelo desenvolvimento da indústria de autopeças e atividades correlatas.

Os recursos foram alocados também em pontos de estrangulamento, como aqueles com

insuficiência de oferta de energia, transportes, portos, aço, fertilizantes etc. Essas

insuficiências de ofertas setoriais agravam-se na medida em que a industrialização

avança. No contexto do Plano de Metas (1956/1961), a idéia básica foi transformar

tais pontos de estrangulamento em pontos de germinação, por meio da melhoria da

produtividade agrícola e da implantação de algumas indústrias-chave, como

siderurgia e material de transporte.

Campos considerava como um vício do planejamento a superestimação do

capital físico em relação ao capital humano, como educação, pesquisa e formação

técnica. Em muitos casos, a “mecanização prematura” leva à subutilização pela

carência de desenvolvimento educacional e tecnológico. Para os países

subdesenvolvidos, portanto, “uma melhoria de produtividade através de

equipamentos relativamente baratos, ainda que de menor eficiência mecânica, é mais

importante do que o aumento de produtividade através de equipamentos de alta

densidade de capital e destinados à poupança de mão-de-obra” (Campos, 1952, p.

29).

Concordando com Wallich (1969) que o desenvolvimento pode ser derivado do

desenvolvimento de outros países, através da importação de tecnologia e de capitais,

ele apostava no crescimento desequilibrado: o surgimento e a correção de

desequilíbrios e a disseminação dos efeitos do crescimento nos demais setores e no

espaço são opções que levam ao aumento do tamanho da economia. Em relação à

inflação, ele preferia o gradualismo aos choques ortodoxos, para não causar recessão.

Sua estratégia consistia em limitar a expansão do crédito a um ritmo que permitisse à

economia desinflar paulatinamente. Para ele, a inflação resultava do estímulo ao

consumo, do efeito demonstração que reduzia a taxa de poupança e desequilibrava o

balanço de pagamentos. Em relação às visões extremas do monetarismo e do

estruturalismo, mantinha uma posição eclética (Bielschowsky, 1988, p. 140).

A poupança forçada gera crescimento no curto prazo, mas a concentração de

67 Estes conceitos serão tratados com detalhes no Capítulo 8, do livro do Autor (Souza, 2005).

Page 154: Capítulos extras

renda resultante aumenta o consumo supérfluo e os investimentos improdutivos em

imóveis e em divisas estrangeiras; isso desestimula o aumento da produtividade e da

eficiência. A inflação persistente distorce os investimentos, afastando-os de áreas

básicas como energia e transportes, principalmente quando as tarifas não

acompanham os custos. Seu combate pelo controle de preços, porém, aumenta as

expectativas, elevando as tendências inflacionárias. Na agricultura, ele inibe o

aumento da oferta e pressiona os preços. “O ideal seria, então, um nível moderado de

inflação, uma alta gentil e suave dos níveis dos preços, de modo a lubrificar a

economia, premiar os ousados sem, entretanto, punir demasiadamente os prudentes”

(Campos, 1953, p. 33 e 38).

Roberto Campos considerava o pseudonacionalismo nocivo ao desenvolvimento,

ao provocar escassez de capital. Enquanto o capital estrangeiro era banido de setores

de baixa rentabilidade, permitia-se a atuação de empresas multinacionais na indústria

de transformação, o filé mignon da economia. O governo ficava “roendo o osso” em

setores ditos de “segurança nacional, como petróleo, energia elétrica e mineração”,

deixando de alocar recursos em áreas sociais (Campos apud Bielschowsky, 1988, p.

147).

Segundo ele, o capital estrangeiro deveria ser destinado, preferencialmente, a

setores de alta relação capital/trabalho, que exigem investimentos de longo período

de maturação, envolvendo altos riscos, como a prospecção de petróleo, e baixa

rentabilidade direta, como energia e transportes. Investindo em infra-estruturas, de

menor rentabilidade, o governo cria economias externas para empresas multinacionais,

que atuam livremente em setores de alta taxa de lucro, quando seria desejável que

ocorresse o contrário, isto é, que o capital estrangeiro gerasse externalidades para

empresas nacionais, de menor competitividade. Geralmente, porém, as empresas

estrangeiras não eram atraídas aos setores infra-estruturais pelo congelamento

tarifário, que comprimia a taxa de lucro. Roberto Campos criticava ainda os

nacionalistas ao afirmar que o argumento da sangria da remessa de lucros é

teoricamente equivocado, por não levar em conta seus efeitos sobre o crescimento do

produto: elevação da produtividade nacional, aumento das exportações, substituição

de importações e transformação tecnológica, além de maior capacidade interna de

poupança (Bielschowsky, 1988, p. 148).

Page 155: Capítulos extras

4 Inácio Rangel e a corrente socialista

O pensamento econômico brasileiro ligado ao desenvolvimento completa-se

com a inclusão dos economistas socialistas e do pensamento independente de Inácio

Rangel. A corrente socialista ligava-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ao

Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo como principais representantes

Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães. Esses autores,

baseando-se na doutrina marxista, buscavam viabilizar o desenvolvimento capitalista

no Brasil, a fim de facilitar sua passagem ao socialismo. A maioria deles defendia a

tese de que a agricultura brasileira permanecia feudal, sendo necessária a reforma

agrária para transformar as relações de trabalho do meio rural e promover o

desenvolvimento econômico. Argumentavam que duas contradições básicas estavam

presentes na sociedade brasileira: o monopólio da propriedade da terra e o

imperialismo internacional. O planejamento econômico, com ênfase na empresa

privada nacional e no Estado, apresentava-se como uma condição necessária para

evitar a dependência ao imperialismo externo (Bielschowsky, 1988, p. 284).

Inácio de Moura Rangel (1914-1994) foi assessor econômico do governo

Vargas, membro do Conselho Nacional do Petróleo e técnico do BNDES. Destacou-se

das demais correntes por ter efetuado uma adaptação própria de elementos teóricos

provenientes de Adam Smith, Keynes e Marx. Em relação à inflação, por exemplo, ao

contrário da idéia monetarista, ele partiu do pressuposto de que os preços apresentam

variações autônomas em relação ao estoque de moeda. A relação entre moeda e

preços pode ser vista pelo exame da equação de Fischer: Mv = pY, onde M são os

meios de pagamentos, v a velocidade de circulação da moeda, p o nível geral de

preços e Y o nível da atividade econômica. Pela teoria quantitativa da moeda, sendo v

constante, o aumento de M não causa elevação de Y, mas de p: a causalidade é da

moeda para os preços. Inversamente, uma redução autônoma dos meios de

pagamentos deprime os preços e causa recessão.

Segundo Rangel, em uma economia oligopolizada como a brasileira, isso não

acontece porque as empresas recorrem ao crédito bancário para financiar seus

estoques e mantêm ou mesmo elevam seus preços. Por outro lado, o produto não cai

quando há expansão autônoma dos preços, mas provoca aumento dos meios de

pagamentos ou da velocidade de circulação da moeda. Os problemas de caixa dos

bancos são resolvidos pelo Banco Central ou por emissão de moeda, implicando que a

causalidade ocorre dos preços para a moeda e não o contrário. O governo exerce, a

Page 156: Capítulos extras

esse respeito, um papel passivo: a inflação teria origem no mercado e não no

Ministério da Fazenda (Rangel, 1986, p. 25).

Em outro extremo, os estruturalistas explicam a causalidade preços e moeda

pela existência de pontos de estrangulamentos, como oferta insuficiente de produtos

importados e inelasticidade da oferta agrícola. Contudo, as grandes transformações

estruturais da economia brasileira, nas décadas de 1950 e 1970, ampliaram as

pressões inflacionárias em vez de arrefecê-las. Desse modo, Rangel criticou a

insuficiente ênfase na demanda, tanto por monetaristas como por estruturalistas. Em

sua opinião, não é a inelasticidade da oferta de produtos agrícolas que explica a

elevação de preços, mas as imperfeições de mercado do lado da intermediação

comercial, entre produtores e consumidores. Ao mesmo tempo, a essencialidade dos

produtos agrícolas produz rigidez de demanda relativamente independente das

flutuações de preços. No entanto, a sociedade tolera a inflação pela funcionalidade

entre inflação e crescimento econômico. Corte no crédito, aumento da taxa de

redesconto do Banco Central e controle de preços inibem o crescimento da produção,

gerando desemprego e agravando as crises (Rangel, 1986, p. 28).

A tese estruturalista da rigidez da oferta agrícola vem ao encontro da idéia da

insuficiência do mercado interno para o crescimento econômico. A reforma agrária

aumenta a oferta de alimentos e a renda das populações agrícolas, assim como a

demanda dos trabalhadores. Para Rangel, no entanto, o aumento da oferta agrícola

não seria suficiente para reduzir a inflação. Seria preciso também aperfeiçoar os

canais de comercialização dos produtos agrícolas, tornando o setor agropecuário mais

concorrencial. Outro ponto que distingue seu pensamento é o fundamento teórico da

reforma agrária. Nos anos de 1960, os economistas de esquerda discutiam se o modo

de produção da agricultura era feudal ou capitalista; isso era importante para a

definição do tipo de reforma agrária a ser proposta.

Segundo Guimarães (1981), as relações de produção da agricultura brasileira

eram feudais, sendo necessária uma reforma agrária ampla para transformá-las e

permitir o desenvolvimento capitalista no país. Já para Caio da Silva Prado Júnior

(1907-1990) tais relações sempre foram capitalistas, como atestaria a existência de

uma agricultura exportadora (Prado Jr., 1981). Desse modo, o desenvolvimento não

precisaria passar, necessariamente, pela reforma agrária, mas pela extensão da

legislação trabalhista do meio urbano ao homem do campo; ao estimular o pagamento

de salários, ela ampliaria o mercado consumidor nas zonas rurais, estimulando a

industrialização e o desenvolvimento capitalista.

Page 157: Capítulos extras

4.1 Relações de produção da agricultura

Rangel (1977) assume uma posição intermediária, conciliadora. Ele argumenta

que as relações de produção são feudais no interior das fazendas, explicando a

posição sociopolítica do “coronel” e sua dominação extra-econômica do camponês que

trabalha e habita em suas terras, e que tais relações se mostram capitalistas no

relacionamento da unidade produtiva rural com o mercado. Esses dois modos de

produção, simultâneos, constituem o fundamento da tese de Rangel sobre a dualidade

básica da economia brasileira. Sua proposta consistia em romper com a dominação do

proprietário em relação ao camponês, existente pelo fato de este habitar em suas

terras. A fim de desenvolver o mercado de trabalho no meio rural e incentivar o

desenvolvimento do capitalismo no campo, sugere uma “reforma agrária” diferente.

Ela consistiria na doação ou venda de uma pequena gleba de terra ao

trabalhador rural (1 a 2 hectares), para que ele pudesse aumentar seu poder de

barganha no mercado de trabalho. Desse modo, cultivando sua pequena lavoura de

subsistência, ele poderia recusar salários muito baixos, evitando, assim, a exploração

por parte dos fazendeiros. Ao mesmo tempo, poderia elevar sua renda e produzir

parte da subsistência, com produtos que retiraria de sua própria terra.

Esse dualismo explicaria a existência de um Brasil moderno, capitalista, ao lado

de um Brasil arcaico, feudal. Essa dualidade também se manifestaria historicamente

por: (a) fazenda escrava x fazenda mercantil-exportadora; (b) latifúndio feudal x

fazenda mercantil-exportadora; (c) latifúndio feudal x capitalismo industrial (a partir

dos anos de 1930). A tese central é a de que a estrutura sociopolítica nacional se torna

influenciada pela estrutura dual da economia, quando o poder político passa a ser

exercido por duas frentes aliadas, mas ao mesmo tempo em conflito (Rangel, apud

Bielschowsky, 1988, p. 254).

As crises cíclicas do capitalismo internacional influenciaram as alianças

internas, ao definirem a intensidade e a natureza das relações entre centro e periferia.

A tese da dualidade marcou o posicionamento político de Rangel e sua opção pela tese

da substituição de importações, como modo de transformar a estrutura econômica do

país. O protecionismo não apenas contém a tendência à expansão do consumo, acima

das possibilidades da oferta interna, como também equilibra o balanço de pagamentos

e promove o desenvolvimento industrial. A idéia subjacente é a de que apenas as

exportações de produtos agrícolas não seriam suficientes para elevar o nível de

emprego e transformar a economia nacional, além de manter a estrutura dual na

Page 158: Capítulos extras

agricultura.

Era preciso o estímulo do Estado para industrializar o país, o que só poderia ser

efetuado, rapidamente, pela substituição de importações. Contudo, o modelo leva à

capacidade ociosa, porque a substituição de importações efetua-se gradativamente em

setores com menor demanda e com maior coeficiente de capital e sofisticação

tecnológica. A minimização dos desequilíbrios pode ser obtida pelo planejamento

governamental.

A partir dos anos de 1970, a penetração do capitalismo no campo transformou

o latifúndio feudal em propriedades capitalistas, aumentando a produtividade do

trabalho e desempregando milhões de trabalhadores. À medida que essas pessoas não

encontram trabalho, não cresce o mercado interno para bens de consumo popular. O

elevado contingente de desempregados, tanto no meio urbano, como nas zonas rurais,

está explicando as crescentes ocupações de terras por agricultores. A reforma agrária

torna-se imperiosa para expandir a oferta interna de alimentos e matérias-primas

agrícolas. De outra parte, a economia necessita crescer para expandir o emprego. Sem

reforma agrária e redistribuição de renda, o crescimento econômico efetua-se com

elevada taxa de exploração e baixa propensão a consumir por parte dos trabalhadores

(Rangel, 1986, p. 58).

Outra conclusão de Rangel foi que o desenvolvimento industrial produziu uma

nova classe de fazendeiros no “comando dos modernos meios de produção”,

diferenciando-se do latifúndio exportador paulista e do latifúndio gaúcho substitutivo

de importações. O velho pacto de 1930, firmado entre o latifúndio feudal e o

capitalismo industrial nacional, estaria para ser substituído por uma nova aliança, a

fim de viabilizar o desenvolvimento capitalista no Brasil (Rangel, 1986, p. 149).

5 Algumas teses em debate no Brasil após 1964

O esgotamento do modelo de substituição de importações, no início dos anos

de 1960, levou os formuladores da política econômica governamental a dar à

economia brasileira maior abertura ao comércio internacional. Durante os primeiros

anos do regime militar, entre 1964 e 1967, sob a direção de Roberto Campos

(Ministério do Planejamento) e de Octávio Gouvêa de Bulhões (Ministério da

Fazenda), efetuou-se, no Brasil, ampla reforma econômico-financeira, criando as bases

para o crescimento econômico posterior, que foi sustentado pela expansão das

Page 159: Capítulos extras

exportações e por uma fase posterior de substituição de importações. A confiança

depositada pelo setor privado na política econômica, a reforma fiscal e a capacidade

ociosa existente no sistema produtivo contribuíram para acelerar o crescimento

econômico entre 1968 e 1973, ano em que ocorreu o primeiro choque do petróleo,

que desacelerou o crescimento da economia nacional nos anos seguintes.

As exportações de produtos manufaturados desempenharam importante papel

no crescimento após 1968, viabilizando importações de bens de capital e de insumos

industriais, o que gerou importantes impactos no setor de mercado interno. Elas

mudaram a pauta exportadora brasileira, passando de 17,9% das exportações totais,

em 1957/1961, para 29,7% em 1973 (Langoni, 1976, p. 61).

5.1 Exportar ou substituir importações

Em termos de ideologia desenvolvimentista, o grande debate do período iniciado

em 1964, até o início dos anos de 1980, centrou-se na dicotomia entre “orientar a

economia para as exportações” ou continuar com o “processo de substituição de

importações”. Os críticos do modelo econômico brasileiro afirmavam que o governo

concedia incentivos em demasia aos exportadores, enquanto aumentava a

concentração de renda no país. Como será visto adiante, no contexto do II PND

(1975/1979), o Brasil avançou intensamente na substituição de importações,

principalmente de insumos básicos.

Os críticos do “modelo exportador” não percebiam que o coeficiente de

emprego no setor exportador é muito maior do que no setor de substituição de

importações. Os produtos manufaturados exportados por um país como o Brasil, para

os quais possui vantagens comparativas, são os de tecnologia mais simples e que

incorporam maiores proporções de trabalho, o fator relativamente mais abundante.

Utilizando-se o raciocínio oposto, percebe-se que os produtos importados substituídos

são os de capital mais intensivo. A industrialização por substituição de importações

tende a economizar o fator abundante e empregar mais o fator escasso. Desse modo, o

crescimento do emprego no Brasil não acompanha o ritmo do crescimento econômico.

No longo prazo, aumenta a participação da renda do capital no produto, em

detrimento da renda do trabalho. Assim, a produção por substituição de importações

tende a elevar a concentração de renda no país.

Além disso, essas indústrias concentram-se nas regiões mais industrializadas do

Page 160: Capítulos extras

país, como no sudeste, aumentando as desigualdades regionais; enquanto a produção

para exportação, incorporando tecnologias de trabalho mais intensivo, corresponde a

atividades que se concentram de preferência nas regiões periféricas. Essas indústrias,

crescendo rapidamente, aumentam a capacidade de importar do país e criam

empregos nas regiões mais pobres, reduzindo as desigualdades pessoais e regionais da

renda. Desse modo, o crescimento por substituição de importações tem aumentado a

concentração espacial e pessoal da renda. A população 10% mais pobre detinha 1,1%

da renda, em 1970, contra 1,2% em 1960; enquanto a população 10% mais rica

aumentou essa participação de 39,7% para 47,8% (Langoni, 1976, p. 127).

5.2 Bresser Pereira e o subdesenvolvimento industrializado

A economia brasileira cresceu 7% ao ano, em média, entre 1948/61, com

intensa industrialização. O PIB subiu de US$ 19,5 bilhões em 1965, para US$ 323,6

bilhões em 1988. A participação da indústria no produto variou de 33% para 43% no

mesmo período (Banco Mundial, 1990, p. 189). Contudo, o aumento do nível de vida

da maioria da população não foi tão rápido. Em 1965, o consumo diário de calorias

per capita era de 2.402 (EUA: 3.224; México: 2.644); em 1988, esse número subiu

para 2.656 (EUA: 3.645; México: 3.132) (Banco Mundial, 1990, p. 239). O lento

crescimento dos indicadores de desenvolvimento gerou a idéia de que o país continua

subdesenvolvido, apesar de industrializado. A concentração de renda gerou uma

classe média com nível de renda europeu (uma Bélgica), e uma população pobre e

subnutrida, nos moldes indianos.68 Em 1974/1975, 36% das pessoas viviam abaixo da

linha de pobreza (não possuíam renda suficiente para o atendimento das necessidades

básicas), sendo 38,6% nas áreas rurais e 34,4% nas áreas urbanas (Fava, 1984, p.

105).

Em 1989, a distribuição de renda no Brasil apresentava a seguinte estrutura: os

20% mais ricos detinham 67,5% da renda, enquanto para os 20% mais pobres esse

valor era de apenas 2,1%. Esse foi o mesmo percentual da Guatemala e Guiné-Bissau,

sendo inferior ao de países de renda média, como Venezuela (4,8%, 1989) e México

(4,1%, 1984) (Banco Mundial, 1995, p. 239). No Brasil, dos 168 milhões de

68 Essa dicotomia levou Edmar Bacha a cunhar o termo Belíndia para se referir ao Brasil, uma vez que, em termos

de contingentes populacionais e níveis de renda, o país seria formado por uma Bélgica (as classes média e alta) epor uma Índia (a maioria pobre).

Page 161: Capítulos extras

habitantes em 1999, 53,1 milhões eram considerados pobres e 22,6 milhões eram

indigentes (ver Capítulo 1 de Souza, 2005, Tabela 1). Percebe-se, portanto, a

existência de 92 milhões de pessoas formando as classes média e alta, que constituem

a base do setor produtor de bens de consumo, principalmente os de natureza

supérflua, de tecnologia importada. O efeito-demonstração do consumo e a

importação de tecnologia constituem o elemento dinâmico do modelo. Portanto, o

subdesenvolvimento industrializado, segundo Bresser Pereira, “caracteriza-se pela

tentativa de reproduzir na periferia os padrões de consumo do centro, em benefício de

uma minoria capitalista e tecnoburocrática”69 (Pereira, 1981, p. 22).

O padrão de acumulação do subdesenvolvimento industrializado gera um

dualismo no interior do setor industrial, um segmento que produz bens de consumo

dos trabalhadores, com base em tecnologias mais tradicionais, e outro que elabora

produtos de consumo de luxo, reproduzido dos padrões de consumo dos países

desenvolvidos e com base em tecnologia importada. Ao se adotarem técnicas com alta

relação capital/trabalho, aumenta no longo prazo tanto a participação da renda do

capital na renda total, como a participação dos maiores salários e ordenados na massa

salarial da economia. Desse modo, o modelo concentra a renda, favorecendo a

demanda de bens de consumo duráveis e de luxo. Ao se produzirem esses bens com as

mesmas técnicas dos países desenvolvidos, substituindo importações, reproduz-se o

sistema voltado para a produção de bens de consumo das elites.

A limitação do crescimento desse modelo não se encontra na incapacidade de

absorção de mão-de-obra ociosa pela economia, porque não se apóia no consumo

popular, mas no consumo das elites. O modelo não depende da renda dos

trabalhadores, mas da renda das classes média e alta, que se resguardavam dos efeitos

nocivos da inflação, por meio de aplicações financeiras, ou por remarcações

constantes de preços. A reprodução do consumo de luxo dos países desenvolvidos

tende a pressionar o balanço de pagamentos e a dificultar o funcionamento do

modelo. Produzir para exportação torna-se uma necessidade tanto para importar bens

de capital e produzir internamente bens supérfluos, como para desafogar a oferta de

setores que dependem da renda das classes menos favorecidas. No entanto, a

reorientação da economia para a exportação encontra oposição na própria lógica do

modelo, que é copiar os padrões de consumo do centro, para atender ao mercado

69 O termo é empregado para expressar a expansão da nova classe média (técnicos, gerentes, funcionários públicos

graduados), que aumentou de importância no Brasil, nas últimas décadas, com a acumulação de capital e ocrescimento da classe empresarial.

Page 162: Capítulos extras

interno, e não produzir para a exportação, ou para ampliar a oferta de bens de

consumo dos trabalhadores. De outra parte, as empresas multinacionais que se

instalam no país nem sempre estão interessadas em produzir para a exportação, mas

abastecer o mercado interno protegido, de difícil acesso a partir do exterior.

Segundo Bresser Pereira, o limite do modelo que leva ao subdesenvolvimento

industrializado não se encontra no estrangulamento externo ou na baixa taxa de

absorção da mão-de-obra desempregada, mas em mudanças políticas violentas,

suscetíveis de desorganizar a classe política estatal/liberal, simultaneamente com o

fortalecimento político dos partidos ligados às organizações sindicais. Nesse caso, “as

classes capitalista e tecnoburocrática seriam obrigadas a fazer constantes e crescentes

concessões à classe trabalhadora, até o ponto em que o padrão de acumulação

perdesse suas características concentradoras e excludentes. O problema, portanto,

resume-se em uma relação de forças políticas” (Pereira, 1981, p. 319).

A redemocratização do Brasil, principalmente após a promulgação da nova

Constituição, em 1988, implicou nova divisão do poder político entre as classes

dominantes e os representantes dos trabalhadores, poderia ter levado a variações do

modelo básico, em favor de um crescimento maior dos setores que produzem para a

exportação e para o consumo da população de menor renda.70 As elevadas taxas de

inflação e a conseqüente concentração de renda, em favor das classes mais ricas

tendiam, até início dos anos de 1990, a manter o dinamismo de crescimento dos

setores que produzem bens de consumo duráveis e bens de luxo. As políticas de

combate à inflação, a exemplo do Plano Real de 1994, por outro lado, gerando

desemprego e achatamento salarial, tendem a reduzir a demanda e a produção dos

bens de consumo dos trabalhadores, pouco afetando a produção dos bens de luxo

consumida pelas classes média e alta.

Diante da tendência à concentração de renda e à manutenção do modelo de

subdesenvolvimento industrializado, torna-se necessária a participação do Estado no

planejamento e coordenação geral da atividade econômica. Nesse sentido, Bresser

Pereira recomenda: (a) conceder menor prioridade ao setor produtor de bens de luxo

e incentivá-lo a exportar seus produtos e a reorientar os investimentos para setores

estratégicos; (b) dar prioridade aos setores produtores de bens de capital e de

insumos básicos; (c) promover a expansão do setor produtor de bens de consumo dos

70 O governo Lula, do Partido dos Trabalhadores, no poder desde 1-1-2003, continuou com a política macroeconômica do

governo Fernando Henrique Cardoso, de centro-direita, procurando a estabilização econômica e o crescimento dasexportações.

Page 163: Capítulos extras

trabalhadores; (d) elevar a carga tributária sobre a renda, consumo de bens de luxo,

herança, lucros imobiliários e ganhos de capital; e (e) alocar recursos em obras sociais

básicas de atendimento da população e de alto coeficiente de trabalho.

A originalidade da sugestão está no aumento do nível de emprego via política

fiscal e na realocação do gasto, e não em políticas demagógicas de elevação dos

salários nominais, com reflexo negativo sobre a taxa de lucro e o nível do

investimento. Contudo, quanto à política salarial, a idéia de Bresser Pereira era

transferir aos trabalhadores os ganhos de produtividade, além de evitar perdas

salariais. Ainda no campo intervencionista, ele sugere o controle de preços, dados o

caráter oligopolista da indústria nacional e o controle dos investimentos estrangeiros

no país (Pereira, 1981, p. 323).

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique a dualidade básica de Inácio Rangel.

2. Explique a idéia de subdesenvolvimento industrializado de Bresser Pereira.

3. Relacione as principais conclusões do Capítulo 7 (veja o livro).

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Page 165: Capítulos extras

8GLOBALIZAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO DA ECONOMIAMUNDIAL71

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

As idéias da CEPAL e o debate travado entre os economistas liberais e

desenvolvimentistas, assim como a discussão entre produzir para a exportação ou

substituir importações, tornaram-se ultrapassadas com a globalização da economia

mundial a partir do fim dos anos de 1980. Com o aumento da concorrência mundial,

cada país passou a produzir e a exportar aqueles bens para os quais apresenta maiores

vantagens comparativas de custos, e a importar bens mais baratos, produzidos em

melhores condições em outros países. Essa idéia clássica completa-se com a tendência

contemporânea das empresas multinacionais de implantar filiais para produzir bens

nos países onde os custos de produção são mais baixos. As grandes firmas dos países

desenvolvidos mantêm no centro as atividades mais nobres de pesquisa e gestão,

deslocando para as periferias menos desenvolvidas a função produtiva, para abastecer

o mundo todo, incluindo o próprio mercado nacional.

A globalização derivou, inicialmente, da modificação do processo de produção

fordista, baseado nas economias de escala, verticalização da produção e produção em

série, para processos mais flexíveis, de menor dimensão. Tornou-se possível o

desmembramento do processo produtivo em partes independentes, que passaram a

ser terceirizadas ou produzidas em locais diferentes. O desenvolvimento da

informática e dos meios de comunicação permitiu às matrizes o controle das filiais a

distância, nas mais distantes regiões ou países. Desse modo, partes do processo

produtivo de grandes empresas foram deslocadas para outros locais, em função dos

menores custos salariais, da qualificação da mão-de-obra e da disponibilidade dos

recursos naturais.

Uma das características da industrialização atual é esse caráter regional, de

deslocamento de filiais de empresas no espaço, em função de vantagens locacionais. O

desenvolvimento industrial japonês espraiou-se em direção da Coréia do Sul, Taiwan,

Cingapura e Hong-Kong. Desses locais, o capital produtivo está se deslocando para a

China, Malásia, Indonésia e Tailândia. Filiais de empresas norte-americanas e

européias seguem a mesma rota, não apenas no sudeste asiático, como também na

71 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 7 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).

Page 166: Capítulos extras

América Latina. Essa industrialização tardia tem sido explicada pela abordagem dos

“gansos voadores”, segundo a qual as transferências de tecnologia, os investimentos

estrangeiros e o comércio internacional geram nova divisão internacional do trabalho

e o desenvolvimento econômico de regiões e países mais pobres (Amsden, 1992, p.

134).

Porém, a globalização não resultou apenas da mobilidade internacional dos

capitais de risco e da conseqüente abertura das economias para bens e serviços. A

característica mais marcante foi a grande mobilidade de capitais especulativos,

resultante tanto da maior abertura das economias, principalmente a partir do fim dos

anos de 1980, como da desregulamentação dos mercados domésticos para transações

financeiras internacionais e do desenvolvimento das indústrias de informática e

comunicações; este avanço reduziu os custos das informações, permitindo aos

investidores em todo o mundo acompanhar os preços dos títulos durante os pregões

diários das bolsas de New York, Tóquio e Londres.

Em 1995, o total de capital existente no mundo atingia US$ 32 trilhões no

mercado de ações, US$ 35 trilhões no mercado de derivativos e US$ 800 bilhões

especulativos circulavam diariamente no mundo (Wall Street Journal, apud Alcântara,

1995, p. 101). Estes últimos são considerados voláteis (hot money), porque derivam de

negócios fechados em um país e abertos em um outro, instantaneamente, pela

Internet. Desse dinheiro, 80% pertencem a seguradoras, fundos de pensão e a fundos

mútuos de investimento localizados nos EUA, assim como a bancos norte-americanos

e europeus.

O caráter de volatilidade desses capitais e a impossibilidade de seu controle

constituem um grande problema para a política econômica dos países. A grande

evasão de capitais voláteis do México, em dezembro de 1994, provocou uma grave

crise econômica que se estendeu a outros países em desenvolvimento. O governo

mexicano havia fundamentado sua política de combate à inflação no volume de suas

reservas internacionais, composta basicamente por capitais voláteis. Ele liberou

importações de bens de consumo para estancar os preços internos, causando déficits

sucessivos na balança comercial (6% do PIB), cobertos pelo afluxo de capitais

externos especulativos.

Entre 1991/1993, o México havia atraído US$ 75 bilhões para financiar o

déficit de conta corrente de US$ 62 bilhões. Enquanto os investimentos atingiam 22%

do PIB, a taxa de poupança interna era de apenas 14% do PIB (20 a 25% do PIB nos

principais países industrializados e em desenvolvimento). O esgotamento das reservas

cambiais levou o governo a desvalorizar o peso. Essa desvalorização e a convulsão

política interna aumentaram os riscos, provocando a interrupção do afluxo anual de

US$ 25 bilhões; seguiram-se a evasão de capitais e o repatriamento de hot money.

Page 167: Capítulos extras

Segundo Feldstein (1995, p. 2), “foi a falta de um fundo suficientemente grande de

capital de investimento de longo prazo, internacionalmente móvel, que tornou

impossível para o México continuar financiando um déficit em conta corrente de US$

30 bilhões”.

1 Capitais especulativos no Brasil

Grandes afluxos de capitais especulativos também causam problemas no curto

prazo, por aumentar a base monetária e provocar inflação. No Brasil, o Banco Central

permite a entrada e a saída desses capitais, mas impõe algumas restrições quando seu

volume atinge certo nível. Após a crise do México, até março de 1995, haviam saído

do Brasil mais de US$ 6 bilhões. Com as altas taxas internas de juros, no contexto do

Plano Real, em fins de julho desse mesmo ano, as reservas internacionais do país

voltaram ao nível de antes da crise mexicana (US$ 39 bilhões).

Em 2004, dez anos depois da crise mexicana, os capitais voláteis atingiram a

extraordinária cifra de US$ 2,6 trilhões, segundo a revista Carta Capital. Essa

mobilidade de capitais em direção dos países em desenvolvimento é explicada pela

busca de ganhos diante dos baixos juros e do baixo crescimento dos países ricos, além

da redução dos riscos em países como a China e Brasil. A elevação da taxa de juros de

longo prazo nos EUA, porém, pode reduzir esse movimento, revertendo o fluxo de

capitais para a economia norte-americana.

Constatou-se, em síntese, que os déficits da balança comercial não podem ser

cobertos durante muito tempo com capitais voláteis. As exportações precisam crescer

para financiar importações que se expandem com o crescimento da renda e a

globalização das economias. Além disso, torna-se necessário aumentar a poupança

interna (estímulos à formação de sistemas privados de pensões e aposentadorias

complementares agem nesse sentido) e atrair capitais externos de longo prazo, para

financiar os investimentos e aumentar a competitividade do sistema produtivo. Essas

mudanças da economia mundial afetaram o pensamento econômico brasileiro. Todos,

inclusive os partidos de esquerda, estão conscientes de que o afluxo de capitais

externos e de novas tecnologias é fundamental para elevar o nível de emprego e

promover o desenvolvimento econômico. Também há um relativo consenso de que é

necessário promover a estabilização da moeda e a inserção cada vez maior do Brasil

na economia internacional.

Desde 1990, nos governos Collor e Itamar Franco, procurou-se eliminar os

controles administrativos sobre as importações e exportações e reduzir

gradativamente as alíquotas de importações; tornou-se imperioso expandir cada vez

mais as exportações, para financiar os déficits do balanço de pagamentos. A estratégia

Page 168: Capítulos extras

foi expandir a oferta nacional de bens e serviços, induzindo a indústria nacional a

aumentar sua competitividade.72 Com o aumento das importações, os preços dos

alimentos e produtos manufaturados têm-se reduzido, mas com elevação do

desemprego. Porém, mesmo os economistas liberais entendem que integrar a

economia não significa “entregar” o setor de mercado interno às multinacionais.

Conflitos ocorreram no final dos anos de 1990 entre interesses nacionais e

internacionais; este foi o caso dos setores têxtil e automobilístico, que, depois de uma

abertura precoce e exagerada, receberam maior fechamento, com elevação de

alíquotas. Houve reclamações dos EUA, do Japão e da Coréia do Sul junto à Organi-

zação Mundial do Comércio, que é o fórum internacional que regulamenta o comércio

entre os países.

Em 2004, o governo brasileiro continuou estimulando as exportações e o afluxo

de capitais internacionais de risco. A credibilidade do governo está sendo construída

através da preservação da estabilidade da moeda, da contenção dos gastos públicos e

das reformas econômicas. A idéia é a de que o crescimento econômico, com a

economia estável e mais produtiva, produzirá melhor distribuição de renda. Isso

deverá ocorrer com mais emprego e melhoria dos salários reais. O aumento do grau

de abertura do Brasil às importações, decorrente também da consolidação do

Mercosul, tem contribuído tanto para reduzir os preços internos de alimentos e bens

de consumo duráveis, como para induzir as empresas a aumentarem sua

produtividade, pela maior concorrência no mercado.73

O primeiro grande desafio da economia brasileira é gerar superávits na balança

comercial, para pagar a dívida externa e gerar crescimento econômico. Em 1995, as

importações brasileiras atingiram US$ 50 bilhões e as exportações US$ 46,5 bilhões,

com déficit de US$ 3,5 bilhões; após 1999, com a desvalorização cambial, as

exportações reagiram, mas o superávit só ocorreu em 2001 (US$ 2,64 bilhões); em

2004, as exportações deverão atingir US$ 90 bilhões, com um superávit de cerca de

US$ 31 bilhões.

A segunda dificuldade da economia é gerar superávit primário crescente para

sanear as contas públicas. O déficit público total do Brasil, em relação ao PIB, foi igual

a 5,9% em 1996, chegando a 8% em 1998 e a 5,2% em 2003. Esse aumento ocorreu

em função do crescimento das despesas com o funcionalismo e com os juros da dívida

72 O Programa Nacional de Produtividade e Competitividade, lançado pelo governo brasileiro em 1989, levou à abertura co-

mercial do Brasil. Redução de alíquotas e taxa de câmbio valorizada permitiram a importação de máquinas e equipamentosmais modernos e insumos básicos, tornando a indústria mais eficiente e competitiva; anos depois essa indústria habilitou-se a conquistar novos mercados externos em diferentes países; em 2004, o superávit da balança comercial deverá atingirUS$ 31 bilhões.

73 A taxa de crescimento da produtividade da indústria de transformação caiu 10,1% entre 1985/1990, aumentan-do 41,6% entre 1990/1995 e 16,7% entre 1995/2002 (<www.ipeadata.gov.br>).

Page 169: Capítulos extras

pública. O governo vem adotando uma política de austeridade, procurando elevar as

receitas e reduzir despesas, resultando em cortes de investimentos. Desse modo, o

superávit primário do Governo Central cresceu de R$ 1,8 bilhão em 1997, para R$

21,1 bilhões em 2000 e a R$ 39,3 bilhões em 2003. Nos primeiros meses de 2004,

esse superávit já atingiu R$ 17,5 bilhões. Além da questão da estabilização, o grande

desafio do governo é levar a economia a uma nova fase de crescimento rápido, a fim

de reduzir o desemprego e melhorar os indicadores de desenvolvimento do país.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique o processo de globalização da economia mundial.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALCÂNTARA, Eurípedes. O capital que derrubou fronteiras. Veja, São Paulo: Abril, no

13, 29 mar. 95.

AMSDEN, Alice H. A difusão do desenvolvimento: o modelo de industrialização tardia

e a grande Ásia Oriental. Revista de Economia Política, v. 12, no 1 (45), jan./mar.

1992.

FELDSTEIN, Martin. Fluxo de capitais: muito pouco, bem longe do suficiente. GazetaMercantil, 7, 8 e 9 jul. 95. Caderno Fim de Semana, p. 2. (Tradução. de TheEconomist.)SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 170: Capítulos extras

9A TEORIA DOS PÓLOS DE CRESCIMENTO DEFRANÇOIS PERROUX74

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

A teoria dos pólos de crescimento foi desenvolvida por François Perroux, em

1955, ao observar a concentração industrial na França, em torno de Paris, e na

Alemanha, ao longo do Vale da Ruhr. Os pólos industriais de crescimento surgem em

torno de uma aglomeração urbana importante (Paris), ao longo das grandes fontes de

matérias-primas (Vale da Ruhr), assim como nos locais de passagem de fluxos

comerciais significativos e em torno de uma grande área agrícola dependente (São

Paulo). O pólo de crescimento tem uma forte identificação geográfica, porque ele é

produto das economias de aglomeração geradas pelos complexos industriais, que são

liderados pelas indústrias motrizes. Um complexo industrial é um conjunto de

atividades ligadas por relações de insumo-produto. Ele se torna um pólo de

crescimento quando for liderado por uma ou mais indústrias motrizes; e ele se tornará

um pólo de desenvolvimento quando provocar transformações estruturais e expandir

o produto e o emprego no meio em que está inserido (Souza, 1993, p. 33).

1 Noção de indústria motriz

A indústria motriz, líder do complexo de atividades, formando o pólo

industrial, apresenta as seguintes características: (a) cresce a uma taxa superior à

média da indústria nacional; (b) possui inúmeras ligações de insumo-produto, através

das compras e vendas de insumos efetuadas em seu meio; (c) apresenta-se como uma

atividade inovadora, geralmente de grande dimensão e de estrutura oligopolista; (d)

possui grande poder de mercado, influenciando os preços dos produtos e dos insumos

e, portanto, a taxa de crescimento das atividades satélites a ela ligadas; (e) produz

geralmente para o mercado nacional e, mesmo, para o mercado externo. O conceito

de indústria motriz mostra-se, portanto, mais amplo do que o de indústria-chave.75

Toda indústria motriz é uma indústria-chave, mas nem sempre toda indústria-chave é

uma indústria motriz. A primeira, além de possuir efeitos de encadeamento superiores

74 Esta é uma versão ampliada da seção 8.2.1 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).75 Conforme a seção 8.3.3 de Souza (2005), indústria-chave é aquela com efeitos de encadeamento pela

compra e venda de insumos acima da média da economia.

Page 171: Capítulos extras

à unidade, do ponto de vista da matriz de insumo-produto, caracteriza-se pela efetiva

dimensão de seus efeitos de encadeamento, exercendo, portanto, impulsos motores

significativos sobre o crescimento local e regional. Não ocorrendo indução

significativa do crescimento no interior do complexo, a atividade-chave não será

motora.

A noção de crescimento polarizado dominou o planejamento regional em vários

países; para não enfraquecer os efeitos de encadeamento, com a pulverização dos

investimentos em todo o território nacional, a estratégia consistia em concentrá-los

em pontos específicos estrategicamente distribuídos no espaço. Na França surgiu o

programa das oito metrópoles nacionais de equilíbrio (em relação à capital) e cinco

cidades novas foram implantadas em torno da região parisiense; da mesma forma, 14

cidades novas foram criadas na Inglaterra para contrabalançar a influência excessiva

de Londres. No Brasil, os investimentos do Plano de Metas foram concentrados em

torno das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, para o aproveitamento das

economias externas existentes nessas áreas metropolitanas (Campos, 1952).

Essas cidades-pólos da França e Inglaterra foram concebidas como lugar central

do desenvolvimento, tendo a indústria e os eixos de transporte como base. Elas foram

ligadas entre si e com a metrópole nacional por vias rápidas de transporte (ferrovias,

auto-estradas); a integração espacial resultaria da própria integração interna desses

pólos. A noção de pólo, no entanto, ultrapassa a análise weberiana da minimização

dos custos de transportes, englobando a análise das relações interindustriais, tendo o

modelo de Leontief como fundamento teórico. Assim, as empresas ligadas

tecnologicamente por relações de insumo-produto (polarização técnica) precisariam

ficar localizadas junto umas das outras. Elas economizariam com os custos de

transporte de insumos, gerando a polarização geográfica. A aglomeração de empresas

em uma dada localidade passa a produzir economias externas, que são ganhos

gerados externamente à firma, independentemente de sua ação. Segue-se também,

por fim, uma polarização humana pela concentração de trabalhadores, técnicos e

capacidade empresarial na mesma localidade (Boudeville, 1972).

As indústrias motrizes atraem as empresas satélites, fornecedoras de insumos

ou utilizadoras dos produtos das primeiras como insumos, desencadeando o

crescimento local e regional. Assim, os governos têm atraído empresas, como

montadoras de automóveis que formam complexos industriais aglomerando em um

mesmo local mais de 20 empresas prestadoras. Utilizam-se incentivos fiscais,

empréstimos subsidiados, treinamento de mão-de-obra e instalação de infra-estruturas

para motivar a vinda de grandes empresas para determinadas áreas. Em certos países

pode surgir uma verdadeira “guerra fiscal” entre regiões, o que prejudica as finanças

públicas pela renúncia fiscal. Em certas regiões, no entanto, os incentivos concedidos

Page 172: Capítulos extras

às empresas motrizes nem sempre geram os resultados esperados. Citam-se casos na

França e Canadá (Polèse, 1994, p. 95) em que as novas empresas não provocaram o

desenvolvimento local, porque suas relações de insumo-produto se deram,

preferencialmente, com a economia nacional e com o exterior. Pior do que isso são os

enclaves, ou complexos industriais implantados em certas regiões, em que os efeitos

de encadeamento da produção e de multiplicação de renda ocorreram com o exterior

e não com as economias nacionais.76

2 Economias e deseconomias de aglomeração

O surgimento de deseconomias de aglomeração nos grandes centros urbanos

tem levado as empresas a se relocalizarem na periferia das regiões metropolitanas e

para outras regiões, em busca de mão-de-obra mais barata e de incentivos fiscais.

Essas deseconomias se manifestam pelo encarecimento do fator trabalho, elevação dos

preços dos terrenos e dos aluguéis, falta de espaço para expansão das empresas,

poluição e congestionamento urbano. Essas deseconomias externas atingem mais as

empresas industriais, particularmente aquelas que necessitam de muito espaço para

movimentar materiais e as que utilizam mão-de-obra menos qualificada e em maiores

quantidades. Pelo contrário, os serviços mais especializados e atividades

tecnologicamente avançadas continuam preferindo localizar-se nos centros nacionais

principais.

A idéia de um pólo central, motor do crescimento, e de uma periferia agrícola e

subdesenvolvida, a ser polarizada, corresponde a uma simplificação errônea da teoria

do crescimento polarizado de François Perroux. Na verdade, ele supôs a existência de

alguns pólos principais, com porte semelhante, e de vários pólos secundários, de

menor dimensão, hierarquizados, servindo de ponte e de filtragem aos efeitos de

encadeamento emanados dos pólos superiores. As noções de pólo e de região

polarizada estão intimamente associadas com as idéias de urbanização e de

industrialização. A região polarizada contém vários centros urbanos e industriais

secundários relacionando-se com o pólo central dinâmico. Estão presentes, portanto,

as noções de funcionalidade, hierarquia e heterogeneidade nas relações do pólo no

interior da região polarizada. “Existe uma hierarquia no poder de encadeamento dos

setores de atividades, como existe uma hierarquia na irradiação das cidades. Essas

76 Complexos de mineração no interior de regiões, ou mesmo, junto a portos de exportação, podem

constituir exemplos de enclaves industriais implantados em regiões subdesenvolvidas. Em muitoscasos, o enclave é inevitável pela ausência de mercados locais. A solução é diversificar paulati-namente a estrutura produtiva local, implantando-se atividades integradas ao pólo principal.

Page 173: Capítulos extras

duas hierarquias, uma técnica, outra geográfica, são independentes e formam duas

dimensões distintas” (Boudeville, 1972, p. 32).

A visão da polarização, com um pólo urbano e industrial constituindo o centro

e uma área polarizada agrícola formando a periferia, não está, portanto, de acordo

com as idéias de Perroux e de Boudeville, seu principal discípulo. Pelo menos, a

polarização não constitui uma concepção estática, mas dinâmica. No início do

processo de industrialização e de urbanização de uma região o sistema é, de fato, mais

dual do que em fases mais evoluídas, quando a tendência é a de se formar regiões

menos polarizadas e, portanto, mais homogêneas. A concentração tende a aumentar

com o crescimento acelerado, porém chega um ponto em que ocorre um processo

natural de desconcentração ou de despolarização, pela ação do mercado, ou em

decorrência de políticas públicas.

Seguindo a concepção dinâmica da polarização, Richardson (1980, p. 77)

afirma que o modelo centro-periferia apresenta quatro estágios de evolução. No

primeiro, o padrão de localização mostra-se bastante disperso e pré-industrial, porque

a população encontra-se difusa no interior da região. No segundo, o crescimento

econômico concentra-se ligeiramente no centro principal, em detrimento da periferia

que continua predominantemente agrícola. No terceiro, passa a ocorrer certa

dispersão espacial do crescimento em alguns centros secundários, no interior da

região polarizada. Finalmente, no quarto estágio, intensifica-se a integração espacial

de subespaços interdependentes, englobando outras regiões no mesmo estágio de

desenvolvimento, como nos países europeus. Ocorre posteriormente a

descentralização do crescimento econômico, com o desenvolvimento dos diferentes

centros e a redução das desigualdades regionais.

Em termos de política regional de desenvolvimento, a idéia de considerar a

hierarquia dos pólos urbanos e industriais de crescimento, no interior das regiões, é

para evitar a concentração demográfica e econômica excessiva no pólo hegemônico,

em detrimento da periferia rural e subdesenvolvida. A hierarquia dos pólos segue a

idéia da hierarquia urbana da teoria do lugar central de Christaller (Souza, 1999,

cap. 2). A diferença fundamental dessa teoria, em relação à teoria dos pólos de

crescimento, está na ênfase à prestação de serviços, por parte dos centros urbanos, e

não na função indutora da indústria motriz do pólo de crescimento e nas

interdependências que ela gera entre firmas compradoras e vendedoras de insumos na

região polarizada ou no interior do próprio centro principal.

3 Formas do desenvolvimento polarizado

A relação entre a noção de pólo de crescimento e a teoria da localização

Page 174: Capítulos extras

encontra-se nas economias de aglomeração geradas nos centros urbanos e industriais.

Elas resultam da interdependência entre as atividades, notadamente as indústrias

motrizes e as indústrias satélites, fornecedoras ou compradoras de insumos. Elas deri-

vam, também, das economias externas geradas pelas infra-estruturas existentes nos

centros urbanos, pela concentração dos consumidores e de mão-de-obra especializada,

bem como pela disponibilidade de serviços os mais variados.

Essas economias de aglomeração explicam, portanto, a concentração das

empresas, formando complexos industriais localizados. Do ponto de vista geográfico,

os pólos de crescimento podem ser locais, regionais, nacionais e internacionais. Os

pólos internacionais de crescimento podem ter sua área de influência bloqueada pelas

fronteiras político-administrativas, gerando “um conflito entre os espaços econômicos

das grandes unidades econômicas (firmas, indústrias ou pólos) e os espaços

politicamente organizados dos Estados nacionais” (Perroux, 1977, p. 155).

Esse entrave ao desenvolvimento está sendo abolido em algumas áreas

internacionais, pela integração comercial entre blocos de países. Pólos de integração

podem ser implantados junto às áreas fronteiriças. No Rio Grande do Sul constitui

exemplo, ainda que modesto, o projeto de instalação de uma laminadora e de uma

usina reconversora de energia na cidade de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.

A construção de outra ponte internacional, interligando São Borja com a cidade

argentina de San Tomé, formando um canal adicional de integração espacial do

Mercosul, constitui outro elemento de mudança estrutural.

A teoria do crescimento polarizado distingue, ainda, os eixos de

desenvolvimento, que são constituídos por uma via de transporte e por centros de

crescimento, com infra-estruturas para atividades industriais e de prestação de

serviços. Constitui um exemplo o eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo, ao longo da BR-

116, com indústrias importantes localizadas em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e

Novo Hamburgo. Outros exemplos podem ser citados ao longo das grandes rodovias

que passam por importantes pólos urbano-industriais, como São Paulo, Rio de Janeiro

e Belo Horizonte. Um pólo de crescimento pode constituir um pólo de

desenvolvimento apenas em relação à região onde está implantado. Em conseqüência,

ele poderá exercer efeitos nocivos ao desenvolvimento de outras regiões, através da

troca desigual e pela drenagem de capitais financeiros, mão-de-obra especializada e

atividades produtivas. Essas diversas formas de drenagem de valores e fatores podem

esgotar a vitalidade econômica das demais regiões e aumentar as disparidades

regionais do país.

A região central, onde se localiza o pólo, pode exercer, portanto, efeitos

propulsores e efeitos regressivos sobre outras regiões (Myrdal, 1968; Hirschman,

1974). Os efeitos propulsores são os efeitos de encadeamento da produção e do

Page 175: Capítulos extras

emprego sobre atividades induzidas de regiões vizinhas. Quando as indústrias

motrizes do pólo urbano-industrial central realizam inovações tecnológicas e

expandem a sua produção, elas aumentam suas compras de outras regiões e ampliam

a oferta de produtos, em alguns casos com preços menores. Os efeitos regressivos

correspondem à drenagem referida. Adotando novas técnicas e produzindo novos

bens, as indústrias motrizes do pólo aumentam a demanda de fatores, elevando seus

preços, o que provoca destruição criadora nas regiões periféricas. Através do sistema

bancário, elas demandam crédito para inovações e drenam recursos financeiros de

outras áreas. O pólo urbano/industrial será de desenvolvimento quando os efeitos

propulsores excederem os efeitos regressivos. À medida que a região tiver sucesso na

neutralização de parte dos efeitos regressivos e internalizar de alguma forma os

efeitos propulsores provenientes de outras áreas, ela estará passando por um processo

acumulativo de desenvolvimento (Myrdal, 1968, p. 62).

4 Separatismo e renúncia de soberania

Para Hirschman, igualmente, a concentração dos investimentos no pólo de

crescimento poderá exercer efeitos favoráveis e desfavoráveis no resto do país. Mesmo

assim, ele mostrou-se contrário à dispersão dos recursos públicos em todas as regiões.

Seu argumento é o de que a dispersão dos recursos, para manter o crescimento

equilibrado, enfraquece os efeitos de encadeamento no interior do pólo, anulando

qualquer propagação espacial do crescimento econômico entre regiões. Sua estratégia

é a de escolher alguns projetos-chave para concentrar o esforço do crescimento. Ele

advertiu, no entanto, que a difusão sistemática de efeitos desfavoráveis ao

desenvolvimento sobre as regiões mais pobres pode reforçar os argumentos em favor

do separatismo. Regiões pobres poderiam ter vantagens de se separar de regiões-pólo,

formando um país independente. Permanecendo integradas, elas não teriam

autonomia para formular políticas econômicas. “A ausência de soberania econômica

para temas como emissão de moeda ou a determinação da taxa de câmbio pode

prejudicar consideravelmente o desenvolvimento de uma região” (Hirschman, 1974,

p. 219 e 223).

A idéia de separatismo é a antítese dos argumentos em favor do abandono da

soberania nacional, quando dois países se fundem, ou como ocorre de forma mais

amena no processo de integração de blocos econômicos. Neste caso, a suposição é a

de que os efeitos propulsores provenientes dos países-membros superem os efeitos

regressivos. No Brasil, acredita-se que o Centro-Sul exerceu efeitos regressivos

significativos sobre a Região Nordeste. Eles teriam sido mais importantes nos períodos

Page 176: Capítulos extras

em que foram adotadas políticas restritivas às importações, para favorecer o

desenvolvimento da indústria nacional, que estava concentrada no eixo Rio-São

Paulo. As populações das regiões periféricas, sobretudo a nordestina, foram obrigadas

a pagar mais caro por produtos de pior qualidade oriundos da região central, antes

fornecidos pelo exterior.77

Constata-se, dessa forma, que nem todo pólo de crescimento constitui um pólo

de desenvolvimento. De outra parte, como salientou Aydalot (1985, p. 132), uma

grande empresa, um complexo siderúrgico, por exemplo, não constitui um pólo, a

menos que gere em sua volta um amplo conjunto de outras empresas. Um pólo

compreende um conjunto de atividades fortemente conectadas, lideradas por uma

indústria motriz, que gera efeitos adicionais na economia; a noção de pólo não se

confunde, portanto, com a idéia de ataque frontal (big push) de Rosenstein-Rodan

(1969), que diz respeito ao crescimento de inúmeras atividades ao mesmo tempo, sem

necessariamente formarem complexos industriais e muito menos pólos.

A difusão dos efeitos de encadeamento a partir do pólo de crescimento exige a

presença de canais de transmissão, compreendendo atividades ligadas, meios de

transporte e de comunicações desenvolvidos, bem como uma rede urbana fortemente

conectada. As novas atividades implantadas em determinada área, para difundirem o

crescimento no espaço, precisam mostrar-se adequadas ao seu meio, tanto em termos

da estrutura produtiva existente, como da tecnologia e dos recursos naturais e

humanos. Uma política de desenvolvimento com base em pólos de crescimento não

deve centrar-se apenas na implantação da indústria motriz em determinada região,

mas precisa incentivar também o surgimento de atividades satélites, fornecedoras de

insumos para a atividade principal. A possibilidade de absorver os produtos das

empresas motrizes é outro fator importante de integração e ampliação do pólo. Como

exemplos, podem ser citadas as empresas de segunda e terceira geração de um pólo

petroquímico; pequenas e médias empresas transformadoras de plásticos são

fundamentais para a geração de valor agregado e emprego no interior do pólo

principal.

A criação de infra-estruturas de apoio, como energia, estradas e portos,

constitui canais que favorecem a difusão espacial e intersetorial dos efeitos de

encadeamento entre o pólo de crescimento e as demais empresas da região. A

melhoria da navegação fluvial, reduzindo os custos de transportes, atrai novas

empresas para a área. A expansão da renda e do emprego constitui um novo fator de

dinamismo do comércio e dos serviços, ampliando o mercado local e capacitando-o a 77 Ver Capítulo 1, seção 1.4. Da mesma forma, o crescimento da região de Atenas, na Grécia, teria

exercido fortes efeitos regressivos sobre as áreas próximas, em um raio de 200 km,desindustrializando-as após o início dos anos de 1950 (Aydalot, 1985, p. 130).

Page 177: Capítulos extras

atrair novas empresas produtoras de bens de consumo final, como bebidas e produtos

alimentícios. Constitui também instrumentos para o aumento da integração setorial e

espacial uma legislação favorável ao desenvolvimento, como a que permite a

concessão de serviços de utilidade pública pelo setor privado. Os investimentos em

infra-estrutura aumentam substancialmente, o que gera novos patamares de cresci-

mento econômico. A privatização de empresas públicas libera o governo para a reali-

zação de outras atividades, como o planejamento indicativo do desenvolvimento, o

que orienta a realização de investimentos estratégicos do ponto de vista do desen-

volvimento econômico, como aqueles que aumentam a integração entre os pólos,

indústrias e regiões.

5 Despolarização do crescimento econômico

No processo de crescimento da economia nacional, há uma fase de

concentração setorial e espacial da indústria (polarização), com o aumento das

desigualdades regionais até um ponto máximo; posteriormente, ocorre a reversão des-

sa tendência: as regiões periféricas crescem mais rápido, o que reduz as desigualdades

regionais (despolarização). François Perroux havia apontado em parte esse fenômeno,

ao salientar a concentração do crescimento em pólos de crescimento e a sua difusão

posterior no conjunto da economia (Perroux, 1977, p. 146). Nessa observação ficam

implícitas as idéias de polarização e de despolarização, ou seja, a noção da difusão

espacial do crescimento econômico.

Deixando-se o mercado agir livremente, alguns pontos do espaço tenderiam a

constituir pólos de crescimento, ocorrendo, enquanto isso, efeitos propulsores e efeitos

regressivos desses pólos principais em direção dos pólos secundários e de suas áreas

de influência. Tanto os efeitos propulsores, como os efeitos regressivos ficam

bloqueados pelo isolamento das diferentes áreas, em relação ao pólo principal. A

adoção de uma política de crescimento menos polarizado, ao favorecer a

descentralização das indústrias para as áreas periféricas, poderia acelerar a tendência

natural do mercado, promovendo a difusão dos efeitos propulsores a partir dos pólos.

Tal política implicaria o aumento da integração de espaços desconectados, acelerando

um processo que, ao contrário, levaria muito tempo para a sua efetivação.

A idéia básica do crescimento por pólos, a partir do centro principal,

envolvendo centros secundários, fundamenta-se na maximização dos efeitos de

indução dos investimentos, em contraposição a uma política de dispersão dos recursos

em todo o espaço: o volume dos investimentos em cada área e setor seria tão pequeno

que seus efeitos não possuiriam a força suficiente para desencadear um processo de

indução do crescimento entre setores e regiões. O grande problema das políticas de

Page 178: Capítulos extras

crescimento desequilibrado e polarizado são os desvios políticos, que se traduzem na

excessiva concentração dos recursos em certos setores e regiões, em benefício de

determinados grupos, em detrimento do conjunto da população.78 Porém, a teoria da

polarização não postula, necessariamente, a concentração dos recursos em um ou dois

pólos principais, mas se traduz, de preferência, no incentivo ao desenvolvimento de

pólos secundários, com base em empresas suscetíveis de se tornarem polarizadas, na

criação de canais de difusão dos efeitos de encadeamento em toda a rede urbana e nas

áreas rurais. A indústria motriz e o próprio pólo não se desenvolvem se não houver

atividades polarizadas nos centros inferiores da hierarquia urbana e nas áreas

periféricas, a menos que tais atividades motrizes possam produzir exclusivamente

para a exportação. Seus efeitos sobre o desenvolvimento de atividades de mercado

interno serão fracos ou nulos na ausência de atividades induzidas e de canais de

integração apropriados.

A obtenção de crescimento menos polarizado passa pelo desenvolvimento da

rede urbana, articulada aos centros principais por canais de transporte e de

comunicação. Isso favorece os contatos entre as empresas polarizadas, situadas nos

centros menores, com as empresas motrizes dos centros de maior porte. As atividades

motrizes existentes nos centros médios exercem, igualmente, seus efeitos sobre as

firmas polarizadas localizadas em seu próprio meio, bem como sobre aquelas

atividades situadas em centros urbanos menores em todos os pontos da periferia. Os

estímulos à agricultura e à criação de atividades agroindustriais promovem o

desenvolvimento das áreas agrícolas e de pequenas cidades na sua proximidade (ver

Capítulo 9), o que induz ao crescimento inclusive das atividades motrizes localizadas

nos pólos industriais mais importantes.

Com o objetivo de se obter resultados imediatos, a atenção tem-se voltado para

a expansão das exportações e da agricultura como um todo, pelos efeitos significativos

que esses setores exercem sobre o nível de emprego e de renda. Os benefícios sociais

do desenvolvimento agrícola se elevam ainda mais se houver investimentos no

desenvolvimento dos serviços rurais, como eletrificação, oferta de água, silos,

armazéns, transporte, saúde, educação, assistência técnica e extensão rural, além de

crédito e preços mínimos, o que repercute no desenvolvimento de pequenas cidades

do interior. Investimentos em comunidades agrícolas podem ser mais eficientes no

desenvolvimento regional, do que a sustentação de um crescimento baseado somente

em um pequeno número de centros urbanos (Richardson and Townroe, 1986, p. 672).

Há experiências pouco satisfatórias resultantes da transferência integral de

políticas de crescimento por pólos de países desenvolvidos para países

subdesenvolvidos. Complexos industriais pesados têm constituído enclaves em regiões

78 Ver no Capítulo 10 a noção de rent-seeking.

Page 179: Capítulos extras

subdesenvolvidas ao gerar fracos encadeamentos sobre a produção e o emprego. Uma

estratégia alternativa pode ser a localização de complexos agroindustriais em regiões

rurais. Tais pólos interligam as pequenas localidades ao campo e a cidades maiores,

onde se localizam as demais indústrias. A expansão da produtividade e da renda

dinamizaria as indústrias dos centros urbanos principais, induzindo a implantação

posterior, via mercado, de indústrias pesadas e atividades de tecnologia mais

sofisticada.

Em resumo, a indústria motriz não constitui o único elemento do

desenvolvimento regional. Cada região precisa basear o seu crescimento econômico

tanto na agricultura, como em atividades industriais mais tradicionais, produtoras de

bens de consumo final, como as vinculadas ao vestuário, alimentação e bebidas. As

indústrias induzidas são tão indispensáveis ao pólo como as indústrias motrizes. Além

disso, nenhuma indústria sobrevive sem infra-estruturas, mão-de-obra com bons níveis

de instrução e serviços básicos para o atendimento da população, como saneamento

básico, habitação, segurança e saúde.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Defina indústria motriz e estabeleça sua diferença da indústria-chave.2. O que são economias e deseconomias de aglomeração?3. Quais são as formas do desenvolvimento polarizado?4. Explique as vantagens e desvantagens do separatismo e da renúncia da soberania.5. Explique os princípios da despolarização do crescimento econômico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ed.Ouvrières, 1974.

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Page 180: Capítulos extras

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________. Desenvolvimento regional (versão preliminar). Porto Alegre: UFRGS, Curso

de Pós-Graduação em Economia, 1999. 144 p.

_______. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 181: Capítulos extras

10SETORES-CHAVE DA ECONOMIA BRASILEIRA79

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

As noções de polarização, efeitos de encadeamento e indústrias-chave foram

amplamente utilizadas a partir de meados dos anos de 1950. Contudo, os estudos

empíricos realizados para diferentes países não chegaram à conclusão se as economias

com as mais altas taxas de crescimento foram as que seguiram uma estratégia de

crescimento desequilibrado, em favor de setores com elevados índices de

encadeamento. Alguns trabalhos indicaram associação positiva entre grau de

diversificação e taxa de crescimento: os países que mais cresceram nem sempre foram

aqueles que concentraram os investimentos em setores-chave (Yotopoulos e Lau,

1970).

No caso do Brasil, a industrialização realizou-se desde os anos de 1930 por

substituição de importações. Em meados dos anos de 1950, durante o Plano de Metas,

os investimentos concentraram-se preferencialmente em indústrias consideradas

chave, como automóveis, química e construção naval, sobretudo na região Sudeste.

Considerando-se o longo prazo, no entanto, os setores implantados nem sempre são

os de mais altos índices de encadeamento, não coincidindo necessariamente com os

setores-chave.

Testes efetuados por Locatelli (1983, p. 425) indicaram que o crescimento da

economia brasileira, entre 1949/1967, não foi desequilibrado em favor de setores-

chave, exceto quando sua análise realizou-se no nível de agregação de 22 setores.

Porém, mesmo que os investimentos se concentrem no curto prazo em atividades-

chave, no longo prazo o crescimento tende a se diversificar pela ação do mercado, que

busca corrigir os equilíbrios. No curto prazo, a estratégia de crescimento

desequilibrado maximiza os efeitos de encadeamento totais, gerando necessidades a

serem satisfeitas, que se traduzem em crescimento mais equilibrado ao longo do

tempo. A questão da diversificação, no longo prazo, parece ser resolvida pelos

próprios mecanismos de mercado.

79 Esta é uma versão ampliada da seção 8.4 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).

Page 182: Capítulos extras

1 Conflito entre maximizar o produto ou o emprego

Um dos grandes problemas da industrialização continua sendo o conflito entre

maximizar o produto ou o emprego. No Brasil, a industrialização não tem gerado

muito emprego. Entre 1949/1979, os setores de mais rápido crescimento da produção

não foram os intensivos em trabalho (Locatelli, 1983, p. 430). A industrialização

brasileira tende a se efetuar com elevada relação capital/trabalho, em virtude de as

técnicas serem importadas dos países desenvolvidos, onde o trabalho é o fator escasso.

Hazari e Krishnamurty (1970, p. 184), estudando a economia indiana com dados dos

censos de 1960 e 1970 e com coeficientes de insumo-produto do biênio 1964/1965,

concluíram que os setores-chave do ponto de vista do produto não geram muito

emprego. Ponderando os índices de encadeamento pelos coeficientes de trabalho, eles

constataram ser os setores agroindustriais os que mais criam emprego no processo de

crescimento econômico.

No caso brasileiro, entre os 35 setores mais importantes do ponto de vista da

geração direta e indireta do emprego, em 1975, 31 eram vinculados à agricultura. A

maioria dos setores metalúrgicos, elétrico, químico e petroquímico, com alta relação

K/L, não cria muito emprego por unidade de variação da demanda final (Souza, 1988,

p. 123). A industrialização por substituição de importações gera relativamente pouco

emprego, ao passo que a exportação de produtos com vantagens comparativas centra-

se justamente naqueles setores intensivos em trabalho. Em 1970, o emprego de 256,6

homens/ano exportava um milhão de cruzeiros e apenas 116,4 homens/ano bastavam

para produzir a mesma quantia de substituição de importações (Locatelli, 1985, p.

143).

Entre os 121 setores de 1975, apenas 15 foram chave no encadeamento da

produção, destacando-se Abate e preparação de aves, Embalagens metálicas,

Destilação de álcool, Couros e peles e Beneficiamento de fibras naturais. Entre esses

15 setores, sete são vinculados à agricultura e quatro pertencem ao grupo metal-

mecânico. Do total de setores, 61 apresentaram fortes encadeamentos verticais da

produção e apenas 39 possuíam fortes encadeamentos horizontais. Isso indica os

fortes efeitos industrializantes da substituição de importações (Souza, 1988, p. 152 e

270-272).

Entre os 12 setores-chave na geração do emprego, excetuando-se Distribuição,

Transporte ferroviário e Outros serviços de reparação, os demais se vinculavam ao

setor primário (Quadro 1). Nenhum dos setores-chave do ponto de vista do produto

foi chave segundo a geração de emprego. Tanto o setor primário como os serviços de

reparação e o setor de distribuição empregam muita mão-de-obra. Em 1975, o setor

ferroviário brasileiro encontrava-se sucateado e a redução de sua atividade não vinha

Page 183: Capítulos extras

sendo acompanhada por demissões.80

Tendo em vista a tendência ao estrangulamento externo da economia

brasileira, torna-se importante incentivar a expansão dos setores exportadores. Nesse

sentido, o conhecimento dos setores-chave na promoção de exportações líquidas

(exportações menos importações) torna-se relevante. Em 1975, no conjunto dos 121

setores, o Brasil apresentava 33 setores-chave desse ponto de vista, sendo três

simultaneamente chave na geração de emprego e outros dois também chave na

geração da produção. Entre os 15 principais setores-chave das exportações líquidas,

12 vinculavam-se à agroindústria, com destaque para o complexo cafeeiro, óleos

vegetais em bruto e lavoura de trigo e soja (Quadro 1).

Quadro 1 Os principais setores-chave da economia brasileira segundo aprodução, o emprego, as exportações líquidas e a formação decapital, em 1975, ordenados pela dimensão dos índices deencadeamento.

Produçãoa Emprego Exportações líquidasb Formação de capitalc

Abate e preparação deaves

Agropecuária Extração de mineraismetálicos

Caminhões e ônibus

Embalagens metálicas Lavoura de arroz Beneficiamento de café Construção civilDestilação de álcool Outras lavouras Óleos vegetais em bruto Tratores/máq. rodoviáriasCouros e peles Criação de bovinos Lavoura de trigo e soja Cimento e clínquerBeneficiamento de fibras

naturaisCaça e pesca Moagem de café e café

solúvelBombas hidráulicas

motoresPapel e papelão Extrat. vegetal e silvicultura Extração petróleo/gás

naturalIndústria naval

Bombashidráulicas/motores

Lavoura de cana-de-açúcar Transporte ferroviário Turbinas e caldeiras

Indústria naval Lavoura de café Usinas de açúcar Peças de cimentoLaminados plásticos Distribuição Lavoura de café Máquinas e equip.

agrícolasPetroquímica Lavoura de trigo e soja Beneficiamento de

produtos vegetaisEstruturas metal e

serralheriaMóveis de metal Transporte ferroviário Refino de açúcar Máquinas não agrícolasOutros prod.

metalúrgicosOutr. serviços reparação Benefic. de fibras naturais Laminados de aço

Motores, aparelhoselétricos

− Couros e peles Condutores elétricos

Móveis de madeira − Fiação de tecidos naturais Veículos ferroviáriosCelulose e pasta − Conservas de frutas e

legumesArames trefilados

Fonte: Souza (1988, Tabelas 9, 10, 13 e 16)

Notas: a Inclui todos os setores-chave; b Inclui 15 dos 33 setores-chave; c Entre os 35 setores-chave, incluem–se os 15 maisimportantes.

Em 1975, cinco ou seis indústrias consideradas “modernas”, de capital mais 80 Visando a privatização, o número de funcionários da Rede Ferroviária Federal reduziu-se de 44.646

em 1995, para 19.550 em 1996, eliminando o déficit da empresa de R$ 30 milhões ao mês. Entre1996 e 1999, ano que ela foi liquidada, foram cedidos em leilão 25.895 km de ferrovias, medianteconcessão dos serviços por 30 anos.

Page 184: Capítulos extras

intensivo, eram chave do ponto de vista da produção, mas não geravam muito

emprego ou não apresentavam exportações líquidas significativas. Com altos

coeficientes de importações e maiores níveis de produtividade do trabalho, essas

indústrias vão aparecer na lista de setores-chave quando os índices de encadeamento

forem ponderados pelo coeficiente de capital. Assim, 35 setores mostravam-se chave

na formação de capital, sendo apenas cinco vinculados ao complexo agropecuário.81

Entre os 15 principais setores-chave segundo este critério, 12 pertenciam à Metal-

mecânica, demonstrando a grande relevância das indústrias metalúrgicas e mecânicas

na formação de capital. Cabe salientar, a esse respeito, a importância dos setores

Caminhões/ônibus, Construção civil, Tratores/máquinas rodoviárias,

Cimento/clínquer e Bombas hidráulicas/motores (Quadro 1).

Observa-se que as atividades com os maiores efeitos de encadeamento do

crescimento pertencem ao segmento moderno da indústria, com mais alta relação

capital/trabalho e tecnologia mais sofisticada, enquanto um maior número de

atividades agroindustriais são atividades-chave no encadeamento da produção e as

atividades agropecuárias exercem os mais altos efeitos sobre o emprego. Percebe-se,

desse modo, que um setor pode ser chave segundo um critério e pouco relevante do

ponto de vista de outros objetivos de política. Geralmente, as atividades mais

importantes na formação de capital ou no encadeamento da produção não geram

muito emprego e conflitam quanto aos demais objetivos de política.

2 Setores conciliadores de objetivos de política

Os setores-chave segundo os diferentes critérios de política foram obtidos pela

média dos índices de encadeamento das diferentes variáveis. No estudo referido

(Souza, 1988), essas variáveis foram: produção, emprego, salários, renda,

exportações líquidas, demanda final, variação da demanda final (crescimento no curto

prazo) e formação de capital (crescimento a longo prazo).

Os principais setores conciliadores dos diferentes objetivos de política

econômica foram Óleos vegetais em bruto, Moagem de café/café solúvel, Transportes

ferroviários, Extração de minerais metálicos e Usinas de açúcar (Tabela 1). Do

conjunto dos 121 setores da matriz brasileira de 1975, 23 foram chave em relação aos

diferentes objetivos de política, sendo 13 pertencentes ao complexo agroindustrial,

processando matérias-primas ou fornecendo insumos industriais. Isso demonstra a

grande importância dos setores vinculados ao complexo agrícola no processo de

81 Além de Tratores/máquinas rodoviárias e Máquinas/equipamentos agrícolas, também eram chave ossetores Serrarias/ madeira compensada, Artigos de madeira e Extrativa vegetal/silvicultura.

Page 185: Capítulos extras

industrialização da economia brasileira naquele ano (Souza, 1988, p. 191). O Brasil

apresentava, em 1975, uma indústria relativamente diversificada e com fortes índices

de encadeamento vertical e horizontal da produção. Os encadeamentos

permaneceram significativos quando os elementos da matriz de Leontief foram

ponderados pelos coeficientes de emprego e outros indicadores, relativos a diversos

objetivos de política. No entanto, ainda se encontrava a presença significativa de

setores tradicionais na criação de emprego e na geração de exportações líquidas.

Tabela 1 Setores-chave segundo os diferentes critérios de política econômica, Brasil,

1975 (Ui.j

> 1 e Uxi. > 1).

Ordem Setores de atividade U.j U*i.

010203040506070809101112131415

Óleos vegetais em brutoMoagem de café e café solúvelTransporte ferroviárioExtração de minerais metálicosUsinas de açúcarAgropecuáriaBeneficiamento de tecidos de fibras naturaisConservas de frutas e legumesDestilação de álcoolPeças para máquinas e ferramentasOutras lavourasCouros e pelesTurbinas e caldeirasBombas hidráulicas e motoresIndústria naval

1,861,791,701,621,541,541,451,231,221,181,181,171,171,151,14

1,171,254,291,521,321,131,191,162,461,661,582,141,361,801,04

Fonte: Souza (1988, p. 191).

3 Mudança da estrutura econômica brasileira, 1980/2002

A Tabela 2 mostra a mudança da estrutura econômica brasileira entre

1980/1991, através dos produtos-chave no encadeamento da produção. Em 1991,

havia 19 produtos-chave, contra 17 em 1980. Entre os produtos-chave deste último

ano, 11 encontravam-se também na relação de 1991; os produtos ausentes foram

Outros produtos têxteis, Seguros, Produtos do café, Leite beneficiado, Serviços

industriais de utilidade pública e Bebidas.

Os produtos-chave no encadeamento da produção, presentes em 1991 e

ausentes em 1980, foram Tecidos artificiais, Fios têxteis artificiais, Produtos de

minerais não metálicos, Artigos de plástico, Produtos químicos não petroquímicos,

Tintas, Outros produtos químicos e Adubos. Constata-se uma troca de Outros

produtos têxteis, por Tecidos e Fios têxteis artificiais e, ainda, três produtos ligados à

agroindústria e dois de serviços, por produtos ligados à indústria mais moderna, de

Page 186: Capítulos extras

capital mais intensivo, como os produtos vinculados à química. Essas mudanças

estruturais refletem o avanço da industrialização brasileira, teriam sido mais intensas

se o crescimento econômico continuasse ocorrendo nos anos de 1980. Produtos

siderúrgicos básicos e Laminados de aço se mantiveram nas duas primeiras posições

em 1991. Nas posições seguintes, encontram-se produtos da indústria têxtil, que

passou por intensa reestruturação em decorrência da abertura da economia nos anos

de 1990 e a forte concorrência de importações da Coréia do Sul e da China.

A exclusão de produtos da agroindústria pode ser explicada pela política

discriminatória contra a agricultura praticada nos dois primeiros anos do governo

Collor. Outra observação digna de nota foi a redução dos encadeamentos médios,

para frente e para trás, de Produtos siderúrgicos básicos e de Laminados de aço. Isso

pode ser explicado pela redução do ritmo de crescimento da economia e pela

mudança dos preços relativos, que leva os diferentes setores a substituir insumos mais

caros por insumos mais baratos, desde que a tecnologia permita. De outra parte, a

importância da siderurgia como indústria motora da industrialização tem se reduzido

à medida que surgem novas indústrias básicas, como a indústria petroquímica.

Tabela 2 Produtos-chave do Brasil no encadeamento da produção, 1980 e 1991(U.j > 1 e U*i. > 1).

Ordem Produtos-chave em 1980 Produtos-chave em 1991Produtos (U.j +U*i.)/2 Produtos (U.j+U*i.)/2

1 Produtos siderúrgicos básicos 2,11 Produtos siderúrgicos básicos 1,612 Laminados de aço 1,61 Laminados de aço 1,383 Produtos metalúrgicos não ferrosos 1,47 Fios têxteis artificiais 1,354 Produtos derivados da borracha 1,28 Fios têxteis naturais 1,335 Farinha de trigo 1,25 Produtos químicos não petroquímicos 1,296 Outros veículos e peças 1,23 Produtos metalúrgicos não ferrosos 1,267 Fabr. e manut. de máquinas e

equipamentos1,22 Adubos 1,26

8 Tecidos naturais 1,21 Produtos derivados da borracha 1,249 Seguros 1,19 Outros produtos metalúrgicos 1,23

10 Outros produtos têxteis 1,17 Tintas 1,2311 Papel, celulose, papelão, artefatos

derivados1,16 Tecidos artificiais 1,18

12 Fios têxteis naturais 1,14 Tecidos naturais 1,1613 Serviços industriais de utilidade

pública1,14 Papel, celulose, papelão, artefatos

derivados1,16

14 Leite beneficiado 1,12 Outros produtos químicos 1,1515 Outros produtos metalúrgicos 1,10 Farinha de trigo 1,1416 Produtos do café 1,08 Produtos de minerais não metálicos 1,1317 Bebidas 1,05 Artigos de plástico 1,1218 − − Outros veículos e peças 1,0919 − − Fabr. e manut. de máquinas e

equipamentos1,07

Fonte: Souza (1996a).

Page 187: Capítulos extras

Nos anos de 1990, a abertura da economia às importações e a valorização

cambial implicaram a reestruturação da economia brasileira. A análise da mudança

estrutural da economia no período 1990/1998 está indicada na Tabela 3. Foram

calculados os índices de encadeamentos verticais e horizontais para cada ano do

período e identificados os setores-chave. Na tabela, colocou-se a soma de cada um dos

índices, bem como a soma dos encadeamentos totais dos setores-chave, a fim de

analisar sua evolução no período.

Como se observa na Tabela 3, a soma dos índices de encadeamentos verticais

caiu 15% em 1998, em comparação a 1990. Isto significa que o impacto de variações

da demanda final de cada setor sobre o conjunto da economia ficou menor pela maior

abertura da economia nacional ao exterior e pela valorização cambial do período, que

barateou as importações de insumos e de bens de capital. Com isso, a indústria

nacional conseguiu modernizar-se; porém, as relações internas de insumos ficaram

mais fracas. Isso explica o crescimento dos encadeamentos horizontais de apenas

3,8%, no período, bem como a redução dos encadeamentos totais dos setores-chave

de 16,8 em 1990, para 16 em 1997 e 9,8 em 1998 (−41,7%).

Tabela 3 Evolução dos índices de encadeamentos totais da economia brasileira,1990/1998.

Encadeamentos

Totais

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Variação

entre

1990/1998

(%)

• Para trás 28,6 27,6 25,6 25,6 24,5 25,5 26,6 26,6 24,3 −15.0

• Para frente 26,2 26,1 27,0 27,0 27,2 26,3 27,3 27,3 27,2 3,8

Setores-chave 16,8 15,3 16,6 12,7 12,5 14,2 17,2 16,0 9,8 −41.7Fontes: Souza (2001) e IBGE. Matrizes de insumo-produto, 1990 a 1998.

Fonte: Souza (2001)

Page 188: Capítulos extras

4 Mudança de estrutura do emprego, 1990/2002

A redução da integração intersetorial interna retratada na Tabela 3 e na Figura

1, fruto da abertura da economia brasileira às importações nos anos de 1990,

traduziu-se em forte mudança estrutural nesse período. Entre 1990 e 1995, o pessoal

ocupado na economia brasileira cresceu 2.645 mil (+4,5%); a indústria, porém,

desempregou 873 mil (−9,3%), passando de 9.427 mil pessoas ocupadas em 1990,

para 8.554 mil em 1995. Os setores industriais que mais desempregaram no período

foram: minerais não metálicos (−102 mil); têxtil (−100 mil), máquinas e tratores (−98

mil); outros produtos metalúrgicos (−96 mil) e calçados (−73 mil). Na construção

civil, o nível de emprego também se reduziu substancialmente (−507 mil, −12,9%),

mas cresceu na agricultura (252 mil, +1,7%), provavelmente devido ao retorno de

desempregados urbanos. O pessoal ocupado também cresceu no setor terciário (3.775,

+12,5%), com destaque para os serviços (+3.032 mil), comércio (1.252 mil) e

transportes (178 mil). O emprego também caiu na administração pública (−394 mil) e

nas instituições financeiras (−207 mil), fruto do necessário ajuste (Souza, 2001, p.

629).

Como se observava na Tabela 4, em 2002, a indústria ainda não havia

recuperado o número de pessoas ocupadas de 1990 (9.034 mil, contra 9.427 mil). O

nível de emprego na indústria continuou em declínio até 1998, recuperando-se após

com a desvalorização cambial de 1999; houve um aumento de 932 mil pessoas

ocupadas entre 1998/2002 (+ 11,5%), ou 226 mil entre 1995/2002 (+ 2,6%). Neste

último período, a recuperação foi mais intensa nos setores de madeira/mobiliário

(119 mil, + 14,1%), máquinas/tratores (118 mil + 28%), outros produtos

metalúrgicos (99 mil, + 16,2%) e artigos do vestuário (93 mil + 5,6%). Continuaram

desempregando as indústrias têxteis (– 65 mil), material elétrico (– 40 mil), alimentar

(– 33 mil) e eletrônica (– 31 mil). Na agricultura o número de pessoas ocupadas

reduziu-se em 2.655 mil pessoas (–17,5%), enquanto o setor terciário continuou

apresentando o maior crescimento (6.941 mil, ou 20,5%), seguido da construção civil

(635 mil + 18,5%). Mesmo com a ocupação da fronteira agrícola, a agricultura

brasileira ainda continua liberando mão-de-obra para o meio urbano-industrial. O

setor terciário, sobretudo o comércio e os serviços, vêm crescendo rapidamente, acom-

panhando o ritmo da urbanização do país.

Page 189: Capítulos extras

Tabela 4 Pessoas ocupadas na economia brasileira, por setor de atividade, 1995/2002(1.000 pessoas).

Variação1995/2002Setores de

atividade1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Pessoasocupadas

%

Agricultura 15.163 13.906 13.679 13.293 14.363 13.496 12.166 12.508 –2.655 –17,5Total da indústria 8.808 8.459 8.269 8.102 8.148 8.837 8.932 9.034 226 2,6– Extrativa mineral 230 207 205 208 190 203 196 206 –25 –10,7– Petróleo e gás 31 26 25 27 37 47 59 62 31 100,7– Mineral não

metálico444 436 453 414 430 469 453 444 0 0,1

– Siderurgia 96 84 79 74 70 80 80 81 –15 –15,6– Metalurgia não

ferrosos56 55 52 55 55 63 63 63 6 11,4

– Outros produt.metalúrgicos

612 628 640 663 643 712 712 711 99 16,2

– Máquinas etratores

422 418 413 388 381 469 509 540 118 28,0

– Material elétrico 153 141 136 132 121 131 132 114 –40 –25,9– Material eletrônico 123 113 109 98 90 97 98 92 –31 –25,3– Autom., caminh.

ônibus88 79 82 68 73 80 78 75 –13 –14,4

– Peças e outrosveículos

236 213 207 193 207 229 224 222 –15 –6,2

– Madeira emobiliário

843 856 835 789 812 926 921 962 119 14,1

– Papel e gráfica 434 423 411 410 424 429 422 423 –11 –2,5– Indústria da

borracha67 55 53 48 48 56 55 53 –14 –20,3

– Elementosquímicos

78 76 79 60 57 55 55 57 –21 –26,8

– Refino do petróleo 68 62 60 49 45 45 45 46 –21 –31,7– Químicos diversos 159 155 161 161 157 151 150 155 –4 –2,5– Farmacêut. e

perfumaria129 126 126 128 119 125 123 120 –9 –6,7

– Artigos de plástico 165 180 183 185 200 216 214 208 43 26,3– Indústria têxtil 308 247 237 231 238 253 247 244 –65 –20,9– Artigos do

vestuário1.644 1.589 1.448 1.410 1.432 1.660 1.697 1.737 93 5,6

– Fabricação decalçados

361 344 321 335 334 412 397 398 37 10,4

– IndústriaAlimentar

1.536 1.486 1.480 1.468 1.470 1.402 1.480 1.503 –33 –2,1

– Indústrias diversas 527 463 474 509 514 528 523 520 –7 –1,3Construção civil 3.429 3.523 3.701 4.036 3.909 4.012 3.924 4.064 635 18,5Setor terciário 33.826 33.877 34.474 35.335 36.118 38.716 39.399 40.767 6.941 20,5Total da economia 61.226 59.765 60.123 60.767 62.578 65.151 64.421 66.373 5.147 8,4Fontes: IBGE. Tabela de recursos e usos, 1995/99. Rio de Janeiro, 2000 e Sistema de contas nacionais, Brasil, 2000/02. Rio deJaneiro,2003.Obs.: Pessoas ocupadas compreendem: empregadores, empregados, trabalhadores por conta própria e trabalhadores nãoremunerados.

Page 190: Capítulos extras

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Explique os conflitos entre maximizar o produto e o emprego no caso da economia

brasileira.

2. Com base no Quadro 1 e nas Tabelas 1 a 4, comente acerca das mudanças

estruturais da economia brasileira entre 1975/1991 e 1990/2002.

3. Comente acerca dos setores conciliadores de política econômica.

4. Comente acerca da mudança da estrutura do emprego da economia brasileira

entre 1990/2002.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HAZARI, Bharat R.; KRISHNAMURTY, J. Employment implications of India’s industrialization:

analysis in an output framework. The Review of Economics and Statistics, v. 52, no 2, May

1970.

LOCATELLI, Ronaldo L. Relações intersetoriais e estratégia de desenvolvimento: o caso

brasileiro reexaminado. Revista Brasileira de Economia, v. 37, no 4, out./dez. 1983.

___________. Industrialização, crescimento e emprego: uma avaliação da experiência brasileira.

Rio de Janeiro : IPE/INPES, 1985.

SOUZA, Nali de Jesus. O papel da agricultura na integração intersetorial brasileira 1988. Tese

(Doutorado) – IPE/USP. São Paulo: Faculdade de Economia e Administração, 321 p.

_______. Estrutura produtiva, mudança tecnológica e desenvolvimento econômico:

dimensionamento do complexo agroindustrial do Brasil e do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:

CPGE/UFRGS/CNPQ, 1996a.

_______. The effects of foreign trade liberalization upon the Brazilian level of employment

and upon industrial structure, 1980/2000. In: KANTARELIS, Demetri. Global business &

economics review – anthology 2001. Worcester (MA): Business & Economics Society

International, 2001. p. 625–636.

_______. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

YOTOPOULOS, Pan A.; LAU, Lawrence J. A test for balanced and unbalanced growth. The

Review of Economics and Statistics, v. 52, no 4, Nov. 1970.

Page 191: Capítulos extras

11INTEGRAÇÃO REGIONAL E MERCOSUL82

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

No passado, a eliminação de barreiras à livre circulação de bens e serviços

entre regiões e Estados representou um passo decisivo no desenvolvimento do setor

de mercado interno. Como foi visto no Capítulo 2, este foi o caso da unificação dos

diferentes Estados na Alemanha e Itália, no final do século 19, e das regiões francesas

um século antes. No Brasil, a eliminação dos impostos de exportação entre os Estados

e a construção de rodovias interestaduais agiu no mesmo sentido e consolidou a

hegemonia da economia paulista. Nos Estados Unidos e Canadá, a construção de

grandes ferrovias auxiliou na conquista de extensas regiões no Oeste e no escoamento

da produção das novas áreas para os mercados mundiais. A partir de 1958, a

unificação européia agiu no mesmo sentido, ao ampliar o mercado para cada país-

membro. As economias de escala no interior de cada nação reduziram os custos

médios e incrementaram os lucros e os investimentos. Com o aumento da

concorrência das importações, no entanto, muitas empresas perderam mercado e

outras desapareceram. Surgiu a necessidade de reconversão industrial e de se

aumentar gradativamente a produtividade dos fatores e melhorar a qualidade dos

produtos.

A integração regional na América do Sul aumentou com a implantação do

Mercosul.83 Ele originou-se do Acordo Tripartite Corpus-Itaipu de 1979; os passos

seguintes foram a Ata de Integração e Cooperação de 1986 entre Brasil e Argentina e

o Tratado de Integração e Cooperação de 1989, com a inclusão do Uruguai. O

Mercosul foi finalmente estabelecido com a admissão do Paraguai, pelo Tratado de

Assunção de 26/3/1991. Neste tratado estava prevista a seguinte estratégia: (a) livre

movimentação de bens, serviços e fatores entre os países-membros, com a eliminação

gradual das barreiras alfandegárias; (b) políticas e tarifas externas comuns, bem como

adoção das mesmas estratégias em fóruns comerciais internacionais; (c) coordenação

de políticas cambiais, monetárias e fiscais, bem como adoção de políticas setoriais

para a indústria, mercados de capitais, serviços aduaneiros, transportes e

comunicações; e (d) harmonização das legislações internas que fossem importantes

82 Este material é um anexo à seção 8.4 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).83 A experiência anterior de integração regional foi a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio),

criada em 1960, e que incluía o México, além dos países da América do Sul. Em 1980, ela transformou-se naALADI (Associação Latino-Americana de Integração). Essa experiência fracassou pela extrema heterogeneidadedos países-membros.

Page 192: Capítulos extras

para agilizar a integração regional (Jaguaribe, 1992, p. 32).

Em 1996 foi assinado o Acordo de Complementação Econômica com o Chile

(junho) e a Bolívia (dezembro), que os tornou membros associados do Mercosul,

podendo participar das reuniões de cúpula. Esse acordo previa o estabelecimento de

área de livre comércio entre o Mercosul e os dois países para a maior parte do

comércio bilateral até 2004, quando as tarifas de importação entre os países

signatários estariam uniformizadas. Além das disciplinas comerciais, o acordo tratava

da integração física, da complementação e da cooperação econômica, científica e

tecnológica. Em 1999, foram aprovados os regimes de salvaguardas e de solução de

controvérsias. Em 2002, foram renegociados os programas de redução de tarifas, com

vistas a acelerar os prazos originalmente previstos para a liberalização do comércio.

Nesse ano, o Brasil obteve importantes concessões para a exportação de automóveis

para o Chile.

Tabela 1 Exportações, importações e saldo comercial do Brasil em relação aos demaispaíses do Mercosul, Chile e Bolívia, 1980/2004 (US$ milhões).

Brasil e Argentina Brasil e Uruguai Brasil e Paraguai Brasil e Chile Brasil e Bolívia

Anos Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Sald

o

Exp. Imp. Sald

o

Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Sald

o

1980 1.092 757 335 311 196 115 409 91 318 ... ... ... ... ... ...

1984 853 511 342 136 123 13 333 40 293 281 225 56 141 15 125

1990 645 1.400 −755 295 581 −286 380 332 49 484 485 −1 182 35 147

1991 1.476 1.609 −133 337 413 −76 496 221 276 677 491 186 256 25 231

1992 3.040 1.732 1.308 514 302 212 543 195 348 924 478 446 333 16 317

1993 3.659 2.717 942 776 385 390 952 276 677 1.110 436 675 431 19 411

1994 4.136 3.662 474 732 569 163 1.054 352 701 999 592 407 470 23 447

1995 4.041 5.591 −1.550 812 738 74 1.301 515 786 1.210 1.094 117 530 28 502

1996 5.170 6.805 −1.635 811 944 −133 1.325 552 772 1.055 920 135 532 62 469

1997 6.769 7.941 −1.172 869 967 −98 1.406 518 889 1.196 974 223 720 26 694

1998 6.748 8.023 −1.275 881 1.042 −162 1.249 351 899 1.024 817 208 676 22 653

1999 5.364 5.812 −448 670 647 23 744 260 484 896 719 177 443 23 420

2000 6.233 6.842 −610 669 602 67 832 351 480 1.246 969 278 364 140 224

2001 5.002 6.206 −1.204 641 503 138 720 300 420 1.352 845 506 333 256 77

2002 2.342 4.743 −2.401 410 485 −74 558 383 175 1.461 649 812 421 396 25

2003 4.561 4.673 −112 404 538 −134 707 475 232 1.880 821 1.059 360 520 −160

2004a 4.004 3.021 983 356 281 75 476 173 303 1.346 734 612 284 352 −68Fonte: MDIC. Secretaria do Comércio Exterior (SECEX). Disponível em <www.desenvolvimento.gov.br>.Nota: a Os valores referem-se aos meses de janeiro a julho de 2004.Obs.: As exportações e as importações são as do Brasil em relação ao país respectivo.

Analisando-se a Tabela 1, constata-se que a recessão econômica do início dos

anos de 1980 reduziu o intercâmbio comercial entre os países do Mercosul. Em 1990,

as exportações brasileiras para a Argentina ainda não haviam recuperado o nível de

1980, embora as importações daquele país houvessem quase duplicado. Após a

Page 193: Capítulos extras

implementação do Mercosul, entre 1991 e 1992, as exportações do Brasil para a

Argentina duplicaram e as importações continuaram crescendo rapidamente. Com os

demais países do bloco houve igual intensificação do comércio, sobretudo das

exportações brasileiras. Até o início do Plano Real, em 1994, o saldo da balança

comercial do Brasil manteve-se superavitário em relação aos demais parceiros do

Mercosul, incluindo-se o Chile e a Bolívia.

Após 1995, no entanto, com a valorização do real, os saldos comerciais foram

deficitários, principalmente com a Argentina. O déficit manteve-se acima de US$ 1

bilhão entre 1995 e 1998; com a desvalorização cambial no Brasil, esse déficit caiu

para menos da metade em 1999 e 2000; em virtude da reação da Argentina, que

adotou medidas restritivas às exportações brasileiras, esse déficit aumentou em 2001

e chegou a US$ 2,4 bilhões em 2002, em função da adoção pelo Brasil de medidas

igualmente restritivas. Em 2003, o déficit se reduziu para US$ 112 milhões, porém o

intercâmbio comercial entre os dois países caiu para menos de US$ 5 bilhões. Com a

recuperação da economia, o Brasil já acumulou um superávit de quase US$ 1 bilhão

no primeiro semestre de 2004, o que está provocando reclamações da indústria

argentina, sobretudo em relação a produtos como calçados, carne de frango, têxteis e

eletrodomésticos.84 Essas restrições de ambas as partes acabam prejudicando a

integração e as economias respectivas; elas decorrem de vantagens comparativas

momentâneas, em virtude de desvalorizações cambiais mais acentuadas em um dos

países.

Em relação ao Uruguai, intercala-se superávit com déficit após 1995; com o

Paraguai, Chile e Bolívia a situação é de superávit ao longo do tempo. As importações

provenientes da Bolívia eram extremamente baixas até 1999 (US$ 23 milhões); após a

implantação do gasoduto Bolívia/Brasil, em 1999, com 3.150 km de extensão, elas se

elevaram substancialmente; com a importação de gás, elas chegaram a US$ 140

milhões em 2000 e a US$ 520 milhões em 2003. Uma subsidiária da Petrobrás

Internacional explora gás na Bolívia desde 2001, em sociedade com a estatal Petrolera

Andina e a Total francesa.

Em 2004, os principais produtos exportados e importados pelo Brasil de seus

parceiros do Mercosul foram: (a) exportados para a Argentina: automóveis e peças

para veículos, tratores e máquinas agrícolas, outros veículos, equipamentos de

telecomunicação, minério de ferro, motores, máquinas e equipamentos; (b)

importados da Argentina: trigo, naftas e outras matérias-primas para a petroquímica,

petróleo, automóveis e gás natural; (c) exportados para o Uruguai: petróleo, tratores,

84 Em 14-7-2004, Brasil e Argentina estabeleceram cotas de exportação de 90 mil fogões em 2004 e 47.500 até

julho de 2005. Também foram negociadas quotas para a exportação de produtos têxteis, calçados, geladeiras emáquinas de lavar.

Page 194: Capítulos extras

veículos e peças para veículos, açúcar, carnes de suíno e açúcar; (d) importados doUruguai: malte, embalagens de vidro e plástico, naftas, arroz, produtos de borracha,

leite, carnes e cimento; (e) exportados para o Paraguai: fertilizantes, tratores e

máquinas agrícolas, pneus, embalagens, sementes, tecidos, produtos alimentares e

produtos químicos; (f) importados do Paraguai: soja e derivados, algodão, carnes,

milho, trigo, couros e madeiras; (g) exportados para o Chile: petróleo, carnes,

automóveis, tratores, chassis com motor, carroçarias para veículos, produtos químicos

e siderúrgicos, carnes e calçados; (h) importados do Chile: minério de cobre, álcool

metílico, produtos químicos, pasta de madeira, salmão, peças para aviões e

helicópteros, vinhos, caixa de marcha para veículos e filé de peixe; (i) exportados paraa Bolívia: soja, produtos siderúrgicos, tratores e máquinas agrícolas, papel e cartão,

óleo diesel, calçados, produtos químicos, pneus, tecidos e eletrodomésticos; (j)

importados da Bolívia: gás natural (85%), petróleo, couros, minérios de zinco e ligas

de estanho.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Pelo fato de o Brasil estar apresentando constantes superávits comerciais com o

Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia, você acredita que a integração está sendo

pouco favorável para esses países? Fundamente sua resposta.

2. No contexto da globalização das economias, consolidação do Mercosul e luta para

a estabilização econômica, entre as abordagens examinadas neste capítulo, qual a

estratégia de desenvolvimento que você recomendaria para o Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JAGUARIBE, Hélio. Significação do Mercosul. In: IBGE. Mercosul Sinopse Estatística.

Rio de Janeiro, v. 1, 1992.

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 195: Capítulos extras

12INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA AGRICULTURA85

SOUZA, Nali de Jesus.

Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Como foi visto nas seções anteriores do livro de Souza (2005), à medida que a

economia passa a ser cada vez mais industrializada, as interdependências entre as

atividades rurais e a indústria reforçam as funções da agricultura no desenvolvimento

econômico. Os vínculos de interdependência ampliam-se na proporção em que a

agricultura se torna absorvedora do progresso técnico e em que a indústria se adapta

às necessidades da agricultura, fornecendo-lhe insumos e adquirindo seus produtos. O

resultado dessa interação beneficia toda a economia, via geração de emprego e renda.

O aumento da arrecadação pública dinamiza os diferentes setores do sistema, por

meio dos gastos governamentais. A interação entre os setores é função da

agroindustrialização e da adoção de inovações na agricultura, bem como da

diversificação da produção agrícola.

O Estado pode acelerar essa integração por intermédio do incentivo à criação

de agroindústrias e cooperativas de produção e à adoção de técnicas agrícolas mais

modernas, por meio de políticas de crédito e preço que levem ao aumento da

produção das várias culturas. As cooperativas, conjugando esforços de um conjunto de

agricultores, interligando-os com o mercado, têm a virtude de incentivar a produção,

aumentar a renda dos agricultores e estimular as inovações tecnológicas.86

A difusão de técnicas existentes tem sido a principal fonte de crescimento da

produtividade agrícola nos países subdesenvolvidos. A abordagem da difusão considera

que as diferenças da produtividade do trabalho e da terra, entre agricultores e regiões,

podem ser reduzidas pela maior difusão do conhecimento tecnológico entre os

agricultores tradicionais. Para o caso do algodão em São Paulo, Pastore et al (1982, p.

78) salientaram que, quanto mais concentrada espacialmente for a produção, tanto

maiores serão os contatos entre os agricultores e pesquisadores, intensificando a

demanda e a adoção de inovações tecnológicas.

1 Tipos de inovações tecnológicas

A dificuldade da adoção de técnicas disponíveis, geralmente criadas em países 85 Este texto constitui um anexo ao Capítulo 9 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).86 Na análise fica implícita a suposição da existência de demanda para a produção adicional da economia, em vir-

tude das possibilidades de exportação e da geração de renda no próprio processo.

Page 196: Capítulos extras

desenvolvidos, diz respeito a sua adequação às características dos países

subdesenvolvidos e à criação de conhecimentos adicionais, adaptativos, mediante

estações experimentais pelo sistema industrial. Em segundo lugar, a adoção dessas

técnicas dependerá da disponibilidade de crédito a ser alocado à pesquisa tecnológica,

à educação e ao financiamento dos agricultores. Tanto as inovações mecânicas(poupadoras de mão-de-obra), como as inovações bioquímicas (poupadoras de terra),

são importantes para o desenvolvimento industrial, mas elas precisam ser adaptadas

às características das regiões e dos produtos (tais como clima, tipo de solo,

disponibilidade de água, elasticidade-preço da demanda), para não causarem

distorções na alocação de recursos.

Determinados insumos modernos exigem abundância de água e topografia

regular. Em muitos casos, técnicas baratas, como novos métodos de cultivo,

espaçamento correto, sementes selecionadas, adequação da cultura ao tipo de solo,

adubação orgânica, podem ser suficientes para aumentar a produtividade e a renda

dos agricultores. A conjugação coletiva de esforços (cooperativas, sindicatos, grupos

de vizinhos) para a aquisição de máquinas agrícolas pode constituir uma solução

relativamente barata para a mecanização de pequenas propriedades, gerando

resultados compensadores. O aumento da produtividade agrícola, em decorrência da

adoção de inovações, expande a oferta dos produtos. Se a curva de demanda

permanecer inalterada, o novo equilíbrio do mercado ocorrerá com redução de preços

e aumento das quantidades demandadas. Essa redução de preços será tanto maior

quanto mais inelástica for a demanda do produto, em relação aos preços. Quanto mais

ela for elástica, tanto menos estes se reduzem com o deslocamento da oferta.

Se a demanda do produto for horizontal (perfeitamente elástica), somente as

quantidades demandadas aumentarão, com o deslocamento da oferta, ficando os

preços constantes. Em outro extremo, se a demanda for vertical (perfeitamente

inelástica), o deslocamento da oferta provocará apenas redução de preços, ficando

inalteradas as quantidades demandadas. A inelasticidade da demanda de um produto

pode provocar a redução da receita total do agricultor, pela queda de preços não

compensada pela elevação das quantidades. Quanto mais elástica for a demanda, um

deslocamento da curva de oferta para a direita, em decorrência de inovações

tecnológicas, provocará um aumento maior das quantidades demandadas, em relação

à queda dos preços, o que eleva a renda dos produtores. Se a demanda for inelástica,

o aumento das quantidades demandadas não será maior do que a redução do preço e

a receita do agricultor irá se reduzir em decorrência da adoção de inovações

tecnológicas.

Page 197: Capítulos extras

2 Efeitos das inovações tecnológicas

No caso dos produtos de exportação, em que o preço é dado pelas condições do

mercado internacional, com demanda infinitamente elástica (pequena participação do

país no mercado externo), toda inovação tecnológica aumenta as quantidades

ofertadas sem reduzir o preço. Neste caso, o efeito sobre o aumento da receita do

produtor será máximo. Este tem sido o caso da soja, uma vez que a colheita brasileira

ocorre na entressafra dos EUA, o maior produtor mundial. Isso explica a tendência

para se utilizarem insumos modernos na produção de soja. Dependendo da

elasticidade da curva de oferta, a receita pode, portanto, reduzir-se no setor agrícola

em função do aumento da produção total. Este é o caso da maioria dos demais

produtos, em que os produtores são numerosos e o mercado aproximadamente

concorrencial.

No caso de produtos industriais, as inovações tecnológicas, em geral, implicam

certo grau de monopólio (registro de patentes, por exemplo) e os preços não se

reduzem com as inovações, ou caem menos do que proporcionalmente aos custos

médios. O produtor tende a obter lucro puro até que outros produtores entrem no

mercado, produzindo bens semelhantes ou adotando tecnologias similares. Se o

produto agrícola for industrializado em grande escala e se a demanda, por

conseguinte, for mais estável, a flutuação dos preços agrícolas será menor,

favorecendo a adoção de inovações tecnológicas. Esse fato explica por que as

inovações tecnológicas tendem a concentrar-se nos produtos agrícolas de exportação,

como soja, laranja para suco, entre outros.

No caso de produtos agrícolas industrializáveis, as imperfeições de mercado do

lado da agroindústria podem levar à queda de preços das matérias-primas, objeto de

transformação, a menos que sua escassez induza a agroindústria a pagar preços

maiores, com o objetivo de assegurar maior regularidade em seu fornecimento.

Quando as flutuações das quantidades demandadas e dos preços são muito grandes,

há um componente de risco muito elevado nas decisões do agricultor, em relação à

adoção de inovações. Este é o caso dos produtos alimentares de consumo doméstico,

que são, em grande parte, cultivados em pequenas propriedades: os agricultores têm

dificuldades para adotar inovações, em primeiro lugar, pelo tipo de produto que

cultivam; em segundo lugar, pela escassez de recursos terra e capital; finalmente, pela

dificuldade de acesso ao crédito.

As inovações tecnológicas exercem um efeito alocativo ao deslocar os recursos

da produção de culturas com demanda menos elástica, principalmente alimentos, para

produtos com demanda mais elástica. Com a substituição de culturas em terras mais

férteis e mais bem situadas em relação ao mercado, a produção de bens com demanda

menos elástica, como alimentos, tende a reduzir-se ou a deslocar-se para terras menos

Page 198: Capítulos extras

férteis, ou para áreas mais distantes do mercado, em direção da fronteira agrícola. Há,

portanto, visível prejuízo para a política de combate à inflação. As inovações

tecnológicas exercem, também, efeito distributivo, porque o excedente do produtor

aumenta mais no caso dos produtos com demanda mais elástica, como os produtos de

exportação.

3 Modelo da inovação induzida

Observa-se que a introdução de inovações tecnológicas na produção de bens

com demanda de baixa elasticidade implica na necessidade de adoção simultânea de

políticas de preços mínimos, para estimular o produtor. Contudo, a ocorrência de

preços de garantia acima dos preços de mercado resulta no aumento dos estoques

reguladores do governo e de seus gastos. Assim, a possibilidade de exportação e de

industrialização desses produtos passa a ser uma grande alternativa para a ampliação

do mercado. Constata-se, portanto, que o livre funcionamento do mercado pode

provocar uma mudança significativa na estrutura produtiva agrícola, com a produção

de determinados bens crescendo mais do que a de outros. Neste caso, as inovações

tecnológicas são induzidas pela mudança dos preços relativos e pela resposta

institucional às mudanças do mercado (Hayami e Ruttan, 1971).

No modelo da inovação induzida, os preços são os sinalizadores do mercado dos

produtos agrícolas e dos fatores de produção. Os agricultores procuram adotar

inovações tecnológicas para poupar os insumos cujo preço aumentou em relação aos

demais. As instituições públicas são induzidas a desenvolver a tecnologia mais

rentável. Essa resposta institucional depende dos preços do mercado e da existência de

grupos de pressão na sociedade, suscetíveis de induzir a realização da pesquisa

pública, bem como de outros objetivos macroeconômicos e políticos. O aspecto

político-social torna-se muito importante na materialização de uma oferta real de

inovações e esse aspecto foi salientado por Janvry (1978).

A estrutura socioeconômica (posse da terra, nível tecnológico, preço dos

produtos e dos insumos, acesso ao crédito, informação e educação) e a estruturapolítico-burocrática (sistema de pressão social, sistema de compensação eleitoral,

burocrática e legislativa) interagem no sistema de demanda e de oferta de inovações,

exercendo uma filtragem a ponto de modificar o equilíbrio que existiria como

resultado das forças naturais de mercado. Assim, torna-se necessário minimizar as

distorções que produzem vieses na geração e na adoção de inovações tecnológicas,

por meio de políticas agrícolas adequadas.

O aumento da produtividade agrícola nas regiões de minifúndio torna-se

indispensável para melhorar o nível de vida das populações envolvidas e aumentar a

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oferta de alimentos. A política brasileira de estímulo às exportações (principalmente

as minidesvalorizações cambiais, a partir de 1968, até os anos de 1980), o aumento

do preço internacional dos produtos agrícolas no fim dos anos de 1960, bem como as

inovações tecnológicas adotadas, beneficiaram a expansão das exportações agrícolas,

especialmente da soja. Para Melo (1982, p. 434), este último fator foi o mais relevante

para explicar as alterações na composição da pauta exportadora em relação à

produção para o mercado interno, devido às diferenças no valor absoluto das

elasticidades-preço da demanda entre os produtos exportáveis e domésticos. O efeitoalocativo provocou elevação do preço dos bens alimentares, entre 1967/1979,

prejudicando especialmente as famílias de menor renda, principalmente nas regiões

mais pobres do Brasil.

Políticas favoráveis à adoção de inovações tecnológicas no setor agrícola são

indispensáveis para aumentar o consumo de bens industriais por parte dos

agricultores, elevar a produção agropecuária e evitar o crescimento dos preços dos

alimentos. Nesse contexto, torna-se muito importante salientar a relevância das

políticas de preços mínimos e de crédito rural, principalmente aquelas orientadas para

o agricultor de baixa renda e para o conjunto dos trabalhadores do meio rural.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO

1. Quais são as principais dificuldades de aplicação de técnicas agrícolas desenvol-

vidas em outros países?

2. Explique os diferentes impactos das inovações tecnológicas sobre preços agrícolas,

nível da produção e renda dos agricultores.

3. Explique o mecanismo de autocontrole de Paiva.

4. A agricultura teria a função de transferir poupanças para a indústria; por outro

lado, os agricultores reclamam que é impossível produzir sem crédito abundante e

subsidiado. Em sua opinião, como a agricultura poderia desenvolver-se e, ao

mesmo tempo, contribuir para o crescimento dos demais setores?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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perspective. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1971.

JANVRY, Alain de. Social structure and biased technical change in Argentine

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The Johns Hopkins University Press, 1978.

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MELO, Fernando B. H. Inovações tecnológicas e efeitos distributivos: o caso de uma

economia semi-aberta. Revista Brasileira de Economia, v. 36, no 4, out./dez. 1982.

PASTORE, José et al. Condicionantes da produtividade da pesquisa agrícola no Brasil.

In: SAYAD, João (Org.). Economia Agrícola: ensaios. São Paulo: IPE/USP, 1982. (Série

Relatórios de Pesquisa, no 11.)

SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.