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PEC 241 - Austeridade

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CPI – BRASIL - CATALOGAÇÃO

Austeridade e retrocesso - finanças públicas e

política fiscal no Brasil.

São Paulo: Fórum, 21; Fundação Friedrich Ebert

Stiftung (FES); GT de Macro da Sociedade Brasi-

leira de Economia Política (SEP); e Plataforma

Política Social, setembro de 2016.

1 volume.

ISBN: 978-85-99138-87-8

1.Economia. 2. Desenvolvimento. 3.

Finanças públicas. 4. Austeridade econômica. 5.

Michel Temer. 5 Dilma Rousseff.

1ª edição

São Paulo, setembro de 2016

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ÍndiceSumário Executivo 7

Introdução 15

1. Superávitprimário:ainsensatezconduzapolíticafiscal 17

1.1 Políticafiscal:breveperspectivahistórica 19

1.2 Contraçãofiscalexpansionistaeocírculoviciosodaausteridade 21

1.3 Oregimefiscalbrasileiro:pró-cíclico,anti-investimentoeanti-planejamento 23

1.4 Sim,háalternativas:propostasparaumnovoregimefiscal 25

2. Dívida pública e a gestão macroeconômica 27

2.1 Adívidapúblicanãoépecadonemirresponsabilidade 27

2.2Nãoháumnúmeromágicoparaadívidapública 29

2.3Dívidalíquida:melhorasapesardofardodosjuros 31

2.4DívidaBrutaeonódagestãomacroeconômica 34

3. Gasto público e o perigoso caminho da austeridade 39

3.1 Ogastopúblicoea“crisefiscal” 39

3.2GastoSocialemumpaísdesigual 41

3.3 Antecedentesdoaustericídio:oequívocodasdesonerações 42

3.4 Austeridade:umaescolhaequivocada 45

3.5 OplanoTemerdeNovoRegimeFiscal:apropostadeEstadomínimo eausteridadepermanente 47

4. Reforma tributária progressiva: uma nova agenda 51

4.1 AtributaçãodoslucrosedasrendasnoBrasilenomundo 53

4.2Umapropostaparaodebate 56

Referências 59

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Apresentação

Desdeofinalde2014,oBrasilvemsendosubmetidoàretóricaquepropõeaausteri-dadecomoúnicocaminhopararecuperaraeconomia.Comoobjetivodemelhorarascontaspúblicaserestauraracompetitivi-dadedaeconomiapormeiodereduçãodesaláriosedegastospúblicos,aausteridadesesustentaemargumentoscontroversoseatémesmofalaciosos.Entreosprincipaisexperimentosinternacionais,vempredo-minandoresultadoscontraproducentes,nãoresultandoemcrescimento,tampoucoequilíbriofiscal.Oquesimémenoscontro-versoéquetaisexperimentostêmcomo

objetivoredesenharopapeldoEstadoparaatenderinteressesvelados.NoBrasil,oajusteeconômicoortodoxo,iniciadonagestãoLevy,fracassouemretomarocrescimentoeestabilizaradívidapública,contribuindoparalançaropaísnomaiorretrocessoeconômicodasúltimasdécadas.Nãoobstante,oajusteajudouacriarascondiçõesnecessáriasparamudançadacorrelaçãodeforçaspolíticaseparaimporaopaís,passandoaolargodocrivodasurnas,umoutroprojetodesociedade.

Nessecontexto,essedocumentoprocedeumaanálisedasfinançaspúblicasepolíticafiscalnoBrasil,procurandoesclarecerasprincipaiscausasdaatualcrisefiscal,assim

Sumário Executivo

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comodescontruirsimplificaçõesemitos,muitosdosquaisbaseadosemargumentoseconômicossupostamentetécnicosquesustentamaausteridade.Odocumentotambémépropositivoaoapontaralterna-tivasfiscaisparaumprojetodepaísquevalorizeademocracia,adistribuiçãodarendaedariquezaeaexpansãodosdireitossociais.

Da agenda Fiesp ao austericídio

• A economiabrasileira entrouemumatrajetóriadedesaceleraçãonoquadriênio2011-2014depoisdodesem-penhoextraordináriodurante 2007-2010.Háfatoresqueescapamàpolíticaeconômicaeexplicamessadesaceleração,dentreelesaperdadedinamismodeumciclodomésticodeconsumoedecréditoouosdesdobramentosdacriseinterna-cional.Contudo,éimportanteapontarqueapolíticafiscalpraticadapelogovernocontribuiuparaessatrajetóriadequedadocrescimento.

• Enquantonoquadriênio2007-2010oespaçofiscalfoicanalizadoprioritaria-menteparainvestimentospúblicos,noquadriênio2011-2014ataxadeinvestimentoparoudecrescere,emcompensação,ogovernoelevousignificativamenteossubsí-diosedesoneraçõesaosetorprivado.Ogovernofezumaapostanosetorprivadoeacreditouquepromoveriaocrescimentoeconômicoviarealinhamentodepreçosmacroeconômicoseincentivosaosinves-timentosprivados–achamadaagendaFIESP.Ironicamente,aFIESPpassoudebeneficiadadaspolíticasdeumgoverno

paraalgozdomesmo.

• Comorespostaaocenáriodepioranosindicadoresfiscaisprovocadapelaquedanocrescimentoeconômicoepelasdesonerações,osegundogovernoDilmateminícioadotandoaestratégiaeconômicadoscandidatosderrotadosnopleitode2014,ouseja,realizouumchoquedepreçosadministradoseumduroajustefiscalemonetário,naesperançadequeosetorprivadoretomasseaconfiançaevoltasseainvestir.JoaquimLevyfoiosímbolodaimplementaçãodaausteridadeeconômicanoBrasilqueconsisteemumapolíticadeli-beradadeajustedaeconomiapormeiodereduçãodesaláriosegastospúblicosparasupostamenteaumentarlucrosdasempresasesuacompetitividade,assimcomotentarestabilizaratrajetóriadadívida,comresultadoscontraproducentes.

• O forte ajuste fiscal, emumaeconomia já fragilizada, agravou osproblemasexistentesecontribuiuparatransformarumadesaceleraçãoemumadepressãoeconômica.Oajuste fiscalpromovidosemostroucontraproducente,poisgerouaumentodadívidapúblicaedodéficitpúblico.

• Em2015,porexemplo,osinvesti-mentospúblicossofreramquedarealdemaisde40%nonívelfederal,ogastodecusteiocaiu5,3%,eogovernonãologrouamelhoriadasexpectativasdosagenteseconômicosquejustificariaesseajustecomvistasaretomarocrescimento.Pelocontrário,aeconomiarealsópioroueasexpectativassedeterioraram,apesardetodaaausteridadefiscalmanifestadaepraticada.Naqueleano,apesardetodooesforçodogovernoparareduzirasdespesas,quecaíram2,9%emtermosreais,asreceitasdespencarameodéficitficouaindamaior,

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evidenciandoocarátercontraproducentedoajuste:oaustericídio.

• Aviradaparaaausteridadefoiumremédioequivocadoparaosproblemaspelosquaisaeconomiabrasileirapassava.Otratamentodechoquefundadoemumacontraçãofiscal,umrápidoajustenataxadecâmbio,umchoquedepreçosadminis-tradoseumaumentodejuroscontribuiuparacriaramaiorcriseeconômicadosúltimostempos.Contudo,paradeter-minadosinteressespolíticos,oajustesemostroufuncionalaogerardesemprego,quedadesaláriosreaiseassimmudaracorrelaçãodeforçasparafavoreceraimpo-siçãodeoutroprojetodepaís,sempassarpelocrivodasurnas.

O novo regime fiscal e a imposição de outro projeto de sociedade

• Agestãodapolíticafiscalprotago-nizadapelogovernoTemerlançousinaiscontraditórioscomrelaçãoàcontinuidadedaspolíticasdeausteridade.Paraocurtoprazodefiniu-seo“keynesianismofisioló-gico”eparaolongoprazo,a“austeridadepermanente”.

• Oafrouxamentodametafiscalpara2016e2017evidenciaporumladoopragmatismoeconômicoe,poroutrolado,hipocrisiadosqueargumentampelaausteridadee,simultaneamente,passam

adefenderumdéficitprimáriorecordenonovoGoverno.

• Comomedidadelongoprazo,ogovernoTemerpropõeestabelecerum“NovoRegimeFiscal”pormeiodeumapropostadeemendaconstitucional(PEC241)quecriapor20anosumtetoparacrescimentodasdespesaspúblicasvincu-ladoàinflação.EnquantoapopulaçãoeoPIBcrescem,osgastospúblicosficamcongelados.

• Apropostaapoia-seemargumentosfalsosdequenaçõesdesenvolvidasusamregrassemelhantes.Desde2011,membrosdaUniãoEuropeiaestabeleceramumlimiteparaocrescimentodadespesaassociadoàtaxadecrescimentodelongoprazodoPIBenãoemcrescimentorealnulo.Namaioriadessespaísesjáexisteumaestruturaconso-lidadadeprestaçãodeserviçospúblicos,diferentementedoBrasilondehámuitomaiorescarênciassociaiseprecariedadesnainfraestrutura.

• Segundosnossasestimativas,aregraimplicariareduziradespesaprimáriadogovernofederaldecercade20%doPIBem2016paraalgopróximode16%doPIBaté2026ede12%em2036.

• Adicionalmente,paraqueotetoglobaldadespesasejacumprido–dadoquealgumasdespesascomoosbenefíciosprevidenciáriostendemacresceracimadainflação-osdemaisgastos(comoBolsaFamíliaeinvestimentoseminfraestrutura)precisarãoencolherde8%para4%doPIBem10anosepara3%em20anos,oquepodecomprometerofuncionamentodamáquinapúblicaeofinanciamentodeatividadesestataisbásicas.Essametanãopareceserrealista.

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• Anovaregranãoprevênenhummecanismoparalidarcomcriseseconô-micasououtroschoques.Aocontrário,tendeaengessarapolíticafiscalporduasdécadas.

• Naverdade,oqueonovoregimesepropõeafazeréretirardasociedadeedoparlamentoaprerrogativademoldarotamanhodoorçamentopúblico,quepassaráaserdefinidoporumavariáveleconômica(ataxadeinflação),eimporumapolíticapermanentedereduçãorela-tivadogastopúblico.

• Emsuma,trata-sedaimposiçãodeumprojetodepaísquedificilmentepassarianotestedeumpleitoeleitoral,únicaformadegarantirsualegitimidade.

• Quemganha?QuemnãoquerfinanciarosserviçospúblicospormeiodeimpostoseograndecapitalqueenxergaoEstadocomoconcorrentequandoesseocupasetoresquepoderiamseralvodelucrosprivados,comosaúdeeeducação.

• Quemperde?Apopulaçãomaispobre,istoé,aquelesquesãoosprincipaisbeneficiáriosdosserviçospúblicos.Alémdisso,aquelesquevislumbramumasocie-dademaisjustaeigualitária.

O falacioso discurso da austeridade

• Aausteridadeéumapolíticadeli-beradadeajustedaeconomiapormeiodereduçãodesaláriosegastospúblicos

supostamentecomoobjetivodereduziradívidaeaumentarlucroseacompetitivi-dadedasempresas.

• ArecomendaçãodequeoEstadodevecortargastosemmomentosdecrisepartedeumafaláciadecomposiçãoquedesconsideraquesetodososagentescortaremgastosaomesmotempo,inclusiveoEstado,nãohácaminhopossívelparaocrescimento.Asoluçãomaisrazoávelparatratardeumdesajustefiscalemmeioaumarecessãoé,portanto,estimularocrescimento,nãocortargasto.

• Nocírculoviciosodaausteridade,cortesdogastopúblicoinduzemareduçãodocrescimentoqueprovocanovasquedasdaarrecadaçãoque,porsuavez,exigenovoscortesdegasto.Essecírculoviciososópodeserinterrompidopordecisõesdeliberadasdogoverno,amenosquehajaampliaçãodasexportaçõeslíquidasemnívelsuficienteparacompensararetraçãodademandainterna,públicaeprivada.Estaexceçãoépoucoprováveldiantedeumacriseinterna-cionalcomoaqueomundoenfrentanestadécada,comlentarecuperaçãodademandaemaiorcompetiçãopelosmercados.

• Aobsessãoalarmistacontraqual-querelevaçãodadívidapúblicaescondeumaagendapolíticapermeadaporinte-ressesdegruposeconômicos,mastraves-tidacomoumaquestãomeramentetécnica,sejaaodefenderaretraçãodebancospúblicos,sejaaodemandarareduçãodosgastossociais.

• Nofundo,aausteridadeéprincipal-menteumproblemapolíticodedistribuiçãoderendaenãoumproblemadecontabi-lidadefiscal.Osefeitosdaausteridadeafetamdeformadistintaosdiferentesagenteseconômicoseclassessociaisde

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formaqueosmaisvulneráveis,quefazemmaisusodosserviçossociais,sãomaisafetados.

• Apesardasinúmerasevidênciascontráriasàsuaeficácia,aausteridadepersistecomoideologiaesempreretornaaodebatepolíticoporseroportunaparaosgruposdominantesdepoder.

A insensatez do superávit primário

• Oregimefiscalbrasileiroéextre-mamentepró-cíclico,ouseja,acentuaasfasesdecrescimentoederecessão.Assim,emcontextosdebaixocrescimento,abuscapelocumprimentodametafiscalpormeiodeumapolíticafiscalcontracionistaretiraestímulosàdemandaagregadaereduzaindamaisocrescimentoeconômicoeaprópriaarrecadação.

• Umsegundofatorasesublinharsobreoregimefiscalbrasileiroésuanatu-reza“anti-investimento”,porque,diantedeumaestruturadegastospúblicosrígida,oscortesdedespesarecaemprimordialmentesobreoinvestimentopúblico,umdospoucosgastospassíveisdecontingencia-mento.Omesmoregimeimpõeumalógicacurto-prazistaàgestãodapolíticafiscalesubordinaoplanejamentogovernamental.

• Naditaduradosuperávitprimário,osfinssãoatropeladospelosmeios,etudosesubmeteànecessidadedecumprirametadecurtoprazo,inclusiveoprópriocresci-mento,oempregoeobemestardapopu-lação.Portanto,umnovomodelodegestãofiscalprecisaserconstituído,decaráter

anticíclico,queviabilizeoplanejamentoequepriorizeoinvestimentopúblico.

• Hádiversasvariantesinstitucionaisparaumregimefiscal,dentreessasestãoasqueestipulammetasfiscaisajustadasaocicloeconômico,comoametade“resul-tadofiscalestrutural”.Oualternativamente,pode-seadotarbandasfiscaisdeformaanálogaaoqueocorrenoregimedemetasdeinflação.Aindaháaopção,aplicadaemalgunspaíses,deretirartodoinvestimentopúblicodocálculodosuperávitprimário(assimcomoogastocomjuroséexcluídodesseindicador)eassimincentivarousodoinvestimentopúblicocomovetordedesen-volvimentoeabrirespaçoparaatuaçãoanticíclicadogastopúblico.

Desmistificando a dívida pública

• Adívidabrasileiraétãogrande?Qualéoparâmetroparadefiniçãode“grande”?Naverdade,poucoseconomistassearriscamadefinirumparâmetroótimoparadívidapública,simplesmenteporqueasevidênciasnãoparecemindicarqueessepatamarexista.Nãoháumnúmeromágicoapartirdoqualarelaçãodívidapública/PIBtorna-seproblemática.Issovaidependerdasespecificidadesdecadapaís.

• NoBrasil,aexcessivapreocupaçãocomopatamardadívidaécarregadaporpreconceitosideológicoseporumavisãoestreitasobrearelaçãoentreEstado,moedaestataledívidapública.Umadívidaelevadapodecustarmuitocaro,masumEstadosoberanonãoquebraporcontadedívidasnasuaprópriamoeda.Porisso,anatureza

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dadívidapúblicasediferenciasubstan-cialmentedagestãodedívidasprivadaeogovernonãoincorrenasmesmasrestriçõesparagastoeendividamento.Oparalelocomaeconomiadadonadecasanãoserveparaasfinançaspúblicas.

• Entre2003e2013areduçãodarelaçãodívidalíquida/PIBfoiexpressiva,de54,3%para30,6%,muitoemboraastaxasdejuroscontinuassempesandonoorçamentopúblico.

• Adívidaexternapública,porsuavez,caiue,apartirde2006opaíspassouarealizarumapolíticadeacumulaçãodereservascambiais,tornando-secredorexternolíquido.Porcontadisso,quandoem2008acrisemundialdeterminoufortedepreciaçãodamoedabrasileira,aacumulaçãodereservascambiaispropiciousignificativosganhospatrimoniaisparaoEstadobrasileiro.

• Nofinalde2014,pelocritériodadívidalíquidanãohaviaumcenáriodetragédiafiscal,desenhadopelosecono-mistasdamídiaedomercado.Haviasim,condiçõesfinanceiraspararealizarumapolíticaanticíclicaqueampliasseoinvesti-mentopúblicoeogastosocialparaimpedirqueadesaceleraçãocíclicasetransformasseemumadepressão.Àépoca,anecessáriaeesperadadesvalorizaçãocambialapenascontribuiriaparareduziropatamardadívidalíquida,ampliandooespaçofiscalparapolíticasdeestímuloaocrescimento.

• Apesardareduçãosubstancialdadívidalíquida,naúltimadécadaadívidabrutamanteve-serelativamenteestabi-lizadaepassouacrescerapartirde2013.Diferentementedosenso-comum,essadinâmicadadívidabrutanãoéexplicadapela“gastançadogoverno”ouoresultado

primário,masprincipalmentepelaacumu-laçãodeativosporpartedoEstadocomoaacumulaçãodereservascambiaisedecréditosjuntoaoBNDES.

• Essaestratégiapossuiméritoscomo,porexemplo,areduçãodavulnerabi-lidadeexternadosetorpúblico.Damesmaformaapolíticadeexpansãodosemprés-timosdoBNDES,em2009,foiimportanteparaaaçãocontracíclicaqueassegurouarecuperaçãorápidadaeconomiabrasi-leiranamaiorcrisedahistóriadocapita-lismomundialdesdeadécadade1930.Noentanto,nãodevemosnegligenciarseuselevadoscustos.

• Aestratégiadeacumulaçãosimul-tâneadeativosepassivos,comgrandediferencialderentabilidadeentreeles,explicaboapartedaelevadacontadejuros.Em2015,somando-seoscustosdeoportunidadedamanutençãodasreservasinternacionaisedoscréditosaoBNDEScomoresultadodasoperaçõesdeswapscambiais,chegamosa4,9%doPIB.

• Emsuma,seoobjetivoforequa-cionaradívidabrutaéprecisodesataronódagestãomacroeconômica,reduzirsubs-tancialmenteogastocomjuroseponderarocustodaestratégiadeacumulaçãodeativos.AideiaquesedisseminounoBrasildequeaogovernosócompetecontrolarosgastosprimários,desconsiderandooscustosebenefíciosfiscaisdasdemaispolí-ticasmacroeconômicas,deveserrevistaeamplamentedebatida.

Mito da gastança federal

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• O diagnóstico convencionaldacrisepelaqualpassaopaíssetraduzsimplificadamentenaseguintenarrativa:osgovernosdoPTexpandiramdemaisosgastospúblicos,encobriramodéficitpúblicocrescentepormeiodachamada“contabilidadecriativa”edas“pedaladasfiscais”eessetipodepolíticafiscalexpan-sionistaenadatransparentedestruiuaconfiançadomercadoemergulhouopaísnaestagflação.

• Contudo,aanálisedosdadosmostraque,defato,adespesadogovernovemcrescendoaumritmoelevadoeestávelhátempos.Astaxasmédiasdecrescimentorealdogastodogovernofederaldosúltimosquatrogovernosforam:FHCII(3,9%),LulaI(5,2%),LulaII(5,5%)eDilmaI(3,8%).

• Oprincipalfatorpordetrásdocres-cimentodasdespesasnaesferafederalnãosãoosgastoscompessoal,comomuitosacusam.EstescrescemsistematicamenteabaixodoPIBetiveramsuamenortaxadeexpansãorealjustamentenogovernoDilmaI(-0,3%),aocontráriodoqueocorre,porexemplo,nosestadosemunicípios,ondeogastocomsalárioseaposentadoriasdeservidorestemcrescidoa5,5%aoano,inde-pendentementedacoloraçãopartidáriadogovernante.

• Omotordogastofederaltemsidoosbenefíciossociais(aposentadoriasepensõesdoINSS,benefíciosaidososedeficientes,seguro-desemprego,bolsafamília,etc),quehojeconsomemmetadedogastodaUnião(maisdeR$500bilhõesem2015)ecrescemataxassistematica-mentesuperioresaoPIBpelomenosdesde1999,porinfluênciaprincipaldefatoresdemográficos,dajustaformalizaçãoedosdireitosconsagradosnaConstituiçãoe,adicionalmente,pelapolíticadevalorização

dosaláriomínimo.

• Porém,umavisãomaisacuradadosgastossociaismostraquetampouconestaáreahouveexpansãodesenfreada,sobre-tudofrenteàsdemandassociaisbrasileiras,equeapolíticadevalorizaçãodosaláriomínimocontribuiuparaestecenário,mascomimpactossobreareduçãodadesigual-daderelevantes.Certamenteépossíveldiscutirexcessosetornarogastomaiseficiente,masaspossibilidadesdefontesdefinanciamentodiscutidasnestedocumentoevidenciamqueesteéumdebatequedeveenvolvertodaasociedadebrasileira.

• Valenotarque,adespeitodegastoselevados,ogovernoconseguiumanterresultadosfiscaispositivosnaúltimadécadaemeiapeloaumentodacargatributária(1999-2005)oupelocrescimentomaisaceleradodoPIB(2006-2011).NosgovernosLula,enquantoopaíscrescia,nãohaviadesajustefiscalapesardocrescimentodogastopúblico.Masapartirde2012,comaquedadocrescimentoeconômicoecomasdesoneraçõestributárias,houveumapioradosresultadosfiscais.

Reforma tributária, já!

• Aestruturatributáriabrasileiraéextremamenteperversacomosmaispobreseaclassemédiaebenevolentecomosmaisricos.Essesistemasingularéreflexotantodofederalismobrasileiroedadualidadetributária(impostosecontribuiçõessobre-postos),quantodealgumasrecomendaçõesdepolíticaqueomainstream econômicopropagounasdécadasde80e90eque

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foramincorporadasdeformabastanteacríticaoupeculiarpeloBrasil.

• Aagendadereformasdatributaçãosobrearendaeopatrimônio,queenvolveumforteconflitodistributivo,permaneceutotalmenteembargadanosúltimos20anos,nãotendoogovernofederalapresentadoqualquerpropostadereformamaissubs-tancialquevisasseampliaraprogressivi-dadeoumesmocorrigirasgravesdistorçõesensejadaspelaatuallegislação.

• OBrasilfoiumdosprimeirospaíseseatéhojeumdospoucosqueisentouecontinuaisentandodeimpostoderendaosdividendosdistribuídosaacionistas,talcomoapequenaEstônia.

• De acordo comos dados dasdeclaraçõesdeimpostoderenda,as70milpessoasmaisricasdoBrasil,repre-sentandomeiomilésimodapopulaçãoadulta,concentram8,2%dototaldarendadasfamílias,índiceestequenãoencontraparaleloentreaseconomiasquedispõemdeinformaçõessemelhantes.Essemesmoseletogrupopagouapenas6,7%deimpostoderendasobreessemontante.

• Alémdeinjusta,essaassimetriaentreotratamentotributáriodispensadoadividendosesaláriostemsidoresponsávelporumfenômenoconhecidopor“pejoti-zação”,queéaconstituiçãodeempresasporprofissionaisliberais,artistaseatletascomoobjetivodepagarmenosimpostosdoquecomoautônomosouassalariados.

• Nessecontexto,apropostadeseaumentaralíquotasdoimpostoderendadaspessoasfísicassemrevogaraisençãodedividendosnãoproporcionaumaredistri-buiçãoderendatãoefetivaumavezqueasalíquotasprogressivasdatabeladoImposto

deRenda(IRPF)sóatingemos“rendi-mentostributáveis”,oquenãoincluiatual-menteadistribuiçãodelucrosedividendosquesãoasprincipaisfontesderendadosmaisricos.Então,qualquerpropostadereformadoimpostoderendaquenãopassepelatributaçãodosdividendosnãoserátãoefetivanosobjetivosdecontribuircomumamaiorjustiçafiscaletambémgerarreceitasextrasparaogoverno.

• Naatualconjunturadecrise,époucorazoávelcrernapossibilidadedeumequilíbriofiscalcombaixocresci-mento.Issoimplicaque,nocurtoprazo,deveríamosnomínimoassegurarespaçofiscalparaoinvestimentopúblicoeparagastossociaisdeelevadoimpactosobreobem-estardascamadasmaisvulneráveisdapopulação.

• Uma reforma tributária, quecombineeficiênciaeequidadepoderiaatuarincentivandoocrescimentoeconô-micodelongoprazoaoreduziratributaçãodolucroedaproduçãodasempresas,aomesmotempoemqueconcentraoajustefiscaldecurtoprazosobreumapequenaparceladapoupançadosmaisricos,nãodiretamenterelacionadaaoinvestimento,e,porconseguinte,vinculadaaummaiorníveldeempregoeproduto.Assim,ganha-setempoparaaprimoraroutraspropostasdereformasestruturaisdasdespesas,debatê-lascomasociedadeepactuá-lasdemocraticamente

SUMÁRIO EXECUTIVO

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Todoodebateacercadequaldeveserapolíticafiscalmaisadequadaparapromoverocrescimentoeodesenvolvimentoeconô-micotrazconsigopressupostosteóricosediferentesvisõesdesociedade.Nãopoderiaserdiferentecomaatualvisãoquedominaodebatepúblicobrasileiro,defendendoareduçãodopapeldoEstado,ocortedegastoseaprivatizaçãodopatrimôniopúblico.Talvisão,predominantenosgrandesveículosdeimprensa,trazconsigoargumentaçõesteóricasemetodológicasquestionáveis.Alémdisso,estáatreladaaumaconcepçãodesociedademuitodiferentedaquelaconsagradapelosbrasi-leirosnaConstituiçãode1988,quepreviaaconstruçãodeumasociedadebaseada

nosdireitosuniversais,garantidospeloEstado.Eainda,intencionalmenteounão,atendeainteressesprivadosdaquelesquenãoqueremarcarcomofinanciamentodeserviçospúblicosefavoreceograndecapitalqueenxergaoEstadocomoconcorrentequandoesseocupasetoresquepoderiamseralvodelucrosprivados.

Estesesclarecimentosiniciaissãoneces-sários,poiséprecisodeixarclaroqueodebateacercadapolíticafiscaldeumEstadocomoobrasileironãoéapenasumadiscussãotécnica,paraserrealizadaentreespecialistas.ApolíticafiscaleopapeldoEstadodevemseralvodeumamplodebatedemocrático,visandoauxiliarasociedade

Introdução

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nasescolhasquetomaráequedefinirãoaconstruçãodenossanaçãonaspróximasdécadas.Aoseconomistasdosmaisdife-rentesmatizesetendências,cabeesclarecerapopulaçãoacercadoscustosebenefí-ciosdecadaescolha,dasconsequênciaspositivasenegativasdecadamedida,dosinteresseseprojetossociaisescamoteadosatrásdecadadebate,sempredeixandotransparenteseuspontosdepartidaeseuspressupostosteóricos.Apenasodebatefrancoehonestodeideias,semapretensãodesubstituiradecisãosobe-ranadapopulaçãoexpressapeloresultadoeleitoral,podeesclareceraosinteressados,“nãoiniciados”nasveredasdaliteraturaeconômica,overdadeirosignificadodecadaconceitoedecadadiscussãopresentenoscadernosdeeconomia.

Nessecontexto,opresentedocumentotemcomoumdeseusobjetivoscentraisdesconstruirmitosexistentesnodebatepúblicoacercadapolíticafiscal,dadívidapúblicaedesuarelaçãocomaatualcrisebrasileira.Aofazê-lo,buscaexporrazõesteóricasehistóricasparafundamentaruma interpretaçãodiferentedaquelaoferecidapelodiscursohegemônicoacercadasvariáveisfiscaisesuafunçãoemumaeconomiademercado.Alémdeapontardadoseliteraturarelevantesobreotemaparademonstrarseusargumentos,odocu-mentonãosecontentaemdescontruirodiscursodominante,oferecendotambémpropostasesoluçõesparaalgumasquestõescomplexas,comooregimefiscal,agestãodadívidaeaestruturatributárianoBrasil.

Paraisso,otextosedivideemquatroseções:aseção1,intituladaSuperávit primário: a insensatez conduz a política fiscaltratadopapeldapolíticafiscalnocrescimento,dosefeitosperversosdaausteridadesobreaatividadeeconômica,dosproblemasdo

regimefiscalbrasileiroedasalternativasparareformadoregimefiscal.Aseção2,Dívida pública e a gestão macroeconômica trata inicialmentedasconsequênciaseconômicasdadívidapúblicaedosmitosqueenvolvemotema.EmseguidamostraaevoluçãorecentedadívidalíquidaedadívidabrutanoBrasil,apontandoseusdeterminantesedesmistificandoaideiadequeosuperávitprimárioéavariávelcentralparacontroledadívida.Jáaseção3,intituladaGasto público e o perigoso caminho da austeridade,abordaaevoluçãodogastopúbliconoBrasileremontaumanarrativadahistóricaeconômicarecentenoBrasiltendoaquestãofiscalcomofoco.Porfimaseção4,Reforma tributária progres-siva: uma agenda negligenciada,apontaosprincipaisproblemasdainjustacargatributáriabrasileira,mostracomoexistemalternativasparaofinanciamentodoEstadoSocialnoBrasil,eapresentaumapropostadereformatributáriacentradanataxaçãodadistribuiçãodelucrosedividendos,dentreoutrasmudançasnecessáriasnaatualestru-turatributáriacomplexaeinjusta.

Espera-sequeaocabodestedocumento,oleitorpossaaomenostertidoaoportuni-dadedequestionaralgunsconceitosquetinhacomoverdadesabsolutas,abrindo-seaexplorarumuniversodedúvidasqueoconduzamparacompreendermelhoracomplexidadedoobjetoeconômico,ampliandoapossibilidadededebateacercadosrumosdoBrasilparaaspróximasdécadas.

INTRODUÇÃO

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Apolíticafiscaltemumpapelfundamentalnaconstruçãodeummodelodedesenvol-vimentosocialedistributivo.AsformasdearrecadaçãoedegastodoEstadosãodeter-minantesparaocrescimentoeconômico,paraadistribuiçãodarendaedariqueza,paraaorganizaçãodosserviçossociaiseparaaexpansãodainfraestruturaurbanaelogística.Há,portanto,muitasdimen-sõesquearticulamapolíticafiscalcomodesenvolvimento.Nessaseção,discute-seemumplanoteóricoeconceitualcomooregimefiscalbrasileiroéumentraveaocrescimentoeconômicoecomoaopçãopelaausteridadefiscaléinadequada.

Noplanomacroeconômicoapolíticafiscal

temaimportantetarefadecontraporosmovimentosacentuadosdoritmodeativi-dade,achamadaatuaçãoanticíclica.Essaatuaçãodeveserguiadapeloobjetivodesustentarocrescimentoeconômicoeoempregodeformaapermitiroavançodastransformaçõesestruturaisinerentesaoprocessodedesenvolvimento.E,paraasustentaçãodocrescimento,aorientaçãodogastopúblicoéestratégica,poissetratadeumafonteautônomadedemandaagregada.

Opressupostoimplícitonestatarefaéqueomododeproduçãocapitalistatemmecanismoscíclicosendógenosetendeagerarcrisesperiódicas.Essascrisessãoda

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1.

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naturezadosistemacapitalista,cujasdeci-sõesdeproduçãosãofeitassobincertezaearealizaçãodaproduçãopodeesbarrarnainsuficiênciadedemanda.Essecarátercíclicoéamplificadopelosetorfinanceiroqueaceleraaacumulaçãocapitalistapormeiodosistemadecréditoedomercadodecapitais,aomesmotempoemquegerabolhasdeativoseoaumentodaalavan-cagemprivada que, nomomentodereversãocíclica,ampliamaprofundidadeeduraçãodarecessão.

1.1 Política fiscal: breve perspectiva histórica

Odebateacercadopapeldapolíticafiscalnaseconomiascapitalistasavançadassofreuumagrandereviravoltanadécadade1930,comoresultadodosesforçosdecontençãodosefeitosdagrandedepressão.Atéentão,apolíticafiscalerautilizadasomentecomoformadedarcontadaspoucasfunçõesdoEstado,comosegu-rança,justiçaeeducaçãobásica.Obrasdeinfraestruturatambémeram,adependerdesuaviabilidadefinanceira,tarefadoEstado,massemprevistascomoúltimorecursoaofinanciamentoprivado.

Apósacrisede1930,dadaaincapacidadedoliberalismoeconômicodaqueletempoemrecuperaraatividadeeoemprego,algunsgovernospassaramasevalerdoorçamentopúblicocomoformadesuperarosimpactosmaisimediatosdacrise.Aadoçãodefrentesdeemprego(noNewDealestadunidense)oudepolíticasdevalorizaçãodopreçodocaféatravésdecompraspúblicas(noinício

doGovernoVargas)sãoexemplosclássicosdeutilizaçãodoorçamentopúblicocomoformadereverterumprocessoderecessãoeconômica.

Nessecontextohistórico,apolíticafiscalpassaaassumirumpapeldeprotagonismoentreaspolíticaseconômicaseateoriaeconômicapassaporumaprofundatrans-formaçãoqueacompanhaanovarealidadehistórica.Consideradoopaidamodernamacroeconomia,Keynesdefendiaqueosgastospúblicospodemedevematuarcomo“estimuladores”daatividadeeconômica,umavezquesuarealizaçãocriaumacadeiadecontrataçõesegastosprivadosqueaceleraemultiplicaseusefeitosnotecidoeconômico. Em momentos de queda da atividade, cabe ao Estado promover investimentos públicos mais vultosos, estimulando os empresários a retomar seus investimentos e criando demanda para os produtores das mais variadas atividades. Alémdisso,aopromoverogastopúblico,oEstadoestariaatuandoparaatenuarodesemprego,fazendocomqueasfamíliastenhammaisrendae,destaforma,sigamconsumindoosprodutosdosempresáriosprivados.

EstaconcepçãodeKeynesnuncafoimuitobemrecebidapelosdefensoresdolibe-ralismoeconômico,queacreditamqueaintervençãodoEstadonaeconomiaapenasagravaosproblemas,devendoomercadoautocorrigirseus“desvios”.Keynes,noentanto,apontavaparaoirrealismodasconcepçõesliberaisemostravacomoalgumasaçõesqueindividualmentepodemparecerracionaiseadequadas,quandotomadaspeloconjuntodasociedade,semostramcompletamentenegativas.

Umexemploclássicodesteparadoxo(queficouconhecidocomofaláciada

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composição,ouseja,quandoseconsideraqueotodopossuiasmesmaspropriedadesdaspartesqueocompõe)éaatitudedosindivíduosdiantedoavançodeumprocessorecessivo:commedodeperderemseusempregos,osindivíduosracional-mentedecidemaumentarsuapoupançaereduzirseuconsumo,objetivandocriaruma“reserva”paraostemposdifíceis.Oproblemaéque,umavezqueasfamíliaseempresáriosdecidempoupar,adentra-seemumcenárioondeháumafortereduçãodademanda.Comaquedadoconsumo,osempresáriosproduzemmenos,demitemseusfuncionários,quepassamaconsumircadavezmenosedemandarcadavezmenosprodutos.Nofinal,cria-seumaespiralrecessiva,ondesalárioselucroscaem,frustrandocoletivamenteatenta-tivaindividualdeaumentarapoupança.Ou seja, diante de uma crise, se todos cortarem gastos, inclusive o Estado, não há caminho possível paraocrescimento.Amenosque,diantedadesalavancagemdosetorpúblicoedosetorprivadodoméstico,osetorexternoaumentesuademandaporprodutosdeexportaçãoepromovaumarecuperaçãopormeiodestasvendas.A solução para um desajuste fiscal em meio a uma recessão é, portanto, esti-mular o crescimento, não cortar gasto.

Nessecenário,seriaadequadoencontrarumafontededemandaquenãodependadasdecisõesindividuais,umavezquetaisdecisõesbuscamracionalmentepreservaronívelderendadecadapessoa.Ouseja,éprecisoencontrarumafontede“demandaautônoma”,quefuncionenacontramãodociclo econômico, sendocapazderevertersuatendênciadescendente.Éexatamenteparaissoqueserveapolíticafiscal,estimularumafontedegastoautô-nomaquenãoseorientapelocritériodoganhoindividual,massimporrazõesde

ganhossociais.Alémdisso,ogastopúblicoéreceitaprivada,ouseja,deumpontodevistacontábil,odéficitpúblicorepresentaaumentodapoupançadosetorprivado,oqueauxiliaosempresáriosasuperaremosmomentosmaisgravesdarecessão.

Nosanosapósasegundaguerramundialforma-seumconsensoemtornodopapelativodapolíticafiscaledeseuaspectoanticícliconasprincipaiseconomiascapi-talistas.Essapolíticafiscalanticíclicanãodeveserentendidacomotemporária,masumaformapermanenteatuaçãosobreademandaagregadadeacordocomasfasesdocicloeconômico.Nafaseascendentedociclo,comaumentodastaxasdecres-cimentoeconômico,épossívelreduziropapeldogastopúblico(paraevitarcrisesdesuperproduçãooubolhasdeativos)pormeiodeumapolíticafiscalmaiscontra-cionista,ondeoEstadopasseafazerumapoupançamaiselevadaenquantoosoutrosagenteseconômicosseguemgastandoeinvestindocadavezmais;aorevés,nosmomentosdebaixadocicloeconômico,quandoastaxasdecrescimentodesace-lerameficamaténegativas,cabeaoEstadousarseuorçamentoparacontrastaratendênciarecessiva,realizandoinvesti-mentosegastosemumcenárioondefamí-liaseempresárioslutamdesesperadamenteparareduzirseuconsumoeaumentarsuapoupança.

Apenasemmeadosdadécadade1980,comaascensãodoneoliberalismo,queapolíticafiscalvoltaaassumirumpapelsecundário,demeroestabilizadordadívidapúblicaedoníveldepreços.Na onda inaugurada pelo “monetarismo”, propagou-se a ideia de que o gasto público é inútil, no longo prazo, como forma de induzir o crescimento econômico.Nestecenário,apolíticamacroeconômicapassouapriorizar

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aestabilidadedepreçosenãomaisamanu-tençãodoempregoedocrescimento.Noentanto,ascrisesconsecutivasdoneoli-beralismo,nadécadade1990eem2008,colocaramemxequeestesdogmas,inclu-sivedentrodomainstreameconômico.Apolíticafiscalcomocomponentecentraleanticíclicodeumaestratégiamacroeco-nômicavoltoudefinitivamenteaodebate.

Acentralidadedapolíticafiscaltemsidodestacadainclusivenocentrodosistemaeconômico internacional. Emboraobloqueio ideológico à atuação anticí-clica da política fiscal seja uma reali-dade tanto nos EUA, quanto na Europa,ondeamaioriaconservadoraexistentenosparlamentosemesmodentrodosórgãosdegovernobuscoulimitarautilizaçãodoinvestimentopúblicocomoformadeincentivaraatividadeeconômica,insti-tuiçõestradicionalmenteconservadorassinalizaramvisõesopostas.Obancocentralamericano,porexemplo,atribuiurecente-menteàtimidezdapolíticafiscalumadasrazõesparaalentaeinsegurarecuperaçãonorte-americana.Namesmadireção,oFMItemquestionadoaausteridadeeinsistidonanecessidadedeampliaçãodoinvesti-mentopúblicocomoformadecontornaracrise.

Emartigodejunhode2016intitulado“Neoliberalism: Oversold?”I,economistasdoFMIfizeramdurascríticasàausteri-dadefiscalaoafirmarqueessaspolíticassetornamumempecilhoaoprópriocres-cimentoeconômicoe,consequentemente,àarrecadaçãotributáriaeassimaoalcancedasmetasfiscais.Osautoresreconhecemquenãoexisteumníveldeendividamentopúblicoótimoquepoderiaservircomoumametadepolíticaeconômica.Nãoobstante,oscustosdeumajustefiscalpodemsergrandes.Oaumentodetributospoderia

distorcero ladodaofertaenquantoocortedegastospoderiadeprimiroladodademanda,tendendoaelevaroníveldodesempregoecolaborarparaaeclosãodecriseseconômicas.

Namesmalinha,oex-secretáriodetesouroamericanoLarrySummersapontaosefeitosnegativosecontraproducentesdaconsoli-daçãofiscalemcenáriosdecriseII.Porfim,economistasNobelcomoPaulKrugmaneJosephStiglitztêminsistidonanecessi-dadedecolocarapolíticafiscalnocentrodeumaestratégiaderetomadadocresci-mentoeconômico,apontandoosganhosnãoapenasdeemprego,mastambémdeprodutividade.Contudo,adespeitodasinúmerasevidênciascontrárias,odiscursodaausteridadeseguedominantenoBrasil.

1.2 Contração fiscal expansionista e o círculo vicioso da austeridade

A obsessão alarmista contra qualquer elevação da dívida pública esconde uma agenda política a favor dos grupos financeiros e internacionais travestida como uma questão meramente técnica, seja ao defender a retração de bancos públicos, seja ao sugerir redução dos gastos sociais.Alémdisso,talobsessãopodegerarseucontrário,ouseja,produziraprópriaelevaçãodoendividamentoquesequeriaevitar.Istotendeaocorrerparti-cularmenteemcircunstânciasdedesace-leraçãocíclicadaeconomiaedasreceitastributárias.

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Paraevitarqueumadesaceleraçãocíclicasetransformeemumarecessão,pode-selançarmãodapossibilidadedefinanciarodéficitpúblicocomdívidas.Searecessãoseinstalar,odéficitpúblicoaumentarádequalquermaneiraporcausadacontraçãodogastoprivadoe,portanto,daarrecadaçãotributária.Portanto,émelhor aumentar o déficit público para evitar uma recessão do que experimentá-lo por causa de uma recessãoIII.

Em meio à recessão, se o governo procurar evitar o aprofundamento do déficit público aumentando impostos ou cortando suas despesas, ele estará simplesmente piorando a sua situação patrimonial e a do setor privado,ouseja,cortaráaindamaisasreceitasdosetorprivadoexatamentequandoelasjáestãocaindoporqueasempresas,noagregado,procuramcortardespesasparapagardívidas.No círculo vicioso da austeridade, cortes do gasto público induzem à redução do crescimento que provocam novas quedas da arreca-dação e exigem novos cortes de gasto (Figura1).Essecírculoviciososótendeaserinterrompidopordecisõesdeliberadasdogoverno,amenosquehajaampliaçãodasexportaçõeslíquidasemnívelsuficienteparacompensaracausaçãocumulativa

daretraçãodademandainterna,públicaeprivada.Estaexceçãoémenosprováveldiantedeumacriseinternacionalcomoaqueomundoenfrentanestadécada,comlentarecuperaçãodademandaemaiorcompetiçãopelosmercados.

Ademais,paraefeitosdasustentabilidadedadívidapúblicanãoimportaovalorabso-lutodamesma,masseuvalorrelativoaoPIB.Seogovernocontribuirparainstalarumarecessãoaocortarasreceitasdosetorprivado,acontraçãodoPIBaumentaráarelaçãodívidapública/PIBindependente-mentedoesforçodepoupardogoverno.Emoutraspalavras,adinâmicadadívidapúblicatambémdependedoefeitodogastopúbliconoconjuntodaeconomia:seogastopúblicopossuirelevadoefeitomultiplicador(ouseja,altacapacidadedepromoverocrescimentoeconômicoesepropagarpelorestantedaeconomia)ehouverumaelevadaelasticidade-PIBdareceitatributária(ouseja,seaarrecadaçãodeimpostoscrescermaisqueocrescimentodoPIBemmomentosdeexpansãoeconô-mica),entãooaumentodogastopúblicopodeestimularocrescimentoapontodepromovermelhoresresultadosfiscais.Caso,porém,ogovernopromovaumaretraçãodosinvestimentosegastospúblicoscomelevadomultiplicadorcomoobjetivodemelhorarsuasituaçãofiscal,épossívelqueocortedegastosseprove,nãoapenascontracionista,mastambémnegativoparaadinâmicadoendividamentopúblico.

Aliteraturainternacionaltemsedebruçadosobreestetema,chegandoaresultadosbastantediversosarespeitodotamanhodosmultiplicadores,quepodemvariarentrevalorespróximosdaunidadeatévaloressuperioresa3,5.AuerbacheGorod-nichenkoIVdemonstramque,alémdevariarconformeotipodegastoexecutadopelo

Figura 1: CICLO VICIOSO DA AUSTERIDADE

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governo,osmultiplicadores tambémvariamconformeocicloeconômico,podendoalcançarvaloressuperioresa2emmomentosdecrise.Damesmaforma,existemmuitasevidênciasquedemons-tramqueomultiplicadordosinvestimentospúblicos(eminfraestruturaenaáreasocial)ésuperioraqueleverificadonosimplesconsumodogovernoV.Porfim,tambémcaberessaltarqueexistemevidênciasdequeaelasticidadedaarrecadaçãopúblicanoBrasilésuperioràunidade,ouseja,queaarrecadaçãodeimpostosvariamaisqueoPIB,comaamplitudevariandoconformefatorescomoformalização,mudançasregu-latóriasecicloeconômicoVI.Emmomentosdecrise,tambémédeseesperarqueessatendênciaseacentue,tendoemvistaqueaquedadaatividadepromoveoatraso/nãopagamentodeimpostoseareduçãodasimportações(fonteimportantedereceitafiscal),reduzindoaarrecadaçãoemumritmomaiorqueaquedadoPIB,conformeverificadoaolongode2015.Nessecenário,ocortedosgastospúblicospodepromoverexatamenteoquebuscavaevitar:adeterio-raçãodasituaçãofiscaldoEstadobrasileiro,comumaumentodarelaçãoDívida/PIB.

Contraajustificativakeynesianaparaapolíticaanticíclica,economistasneoclás-sicosrecorreramàhipótesedeexpectativasracionaisparacriticaroaumentododéficitemquaisquercircunstâncias.Oataqueneoliberalàpolíticafiscalanticíclicafoilevadoaseugrausuperiorcomahipótesede“austeridadefiscalexpansionista”,queargumentaque,assimcomooaumentodogastopúblicopoderialevaràretraçãomaisqueproporcionaldogastoprivado,ocortedogastopúblicolevariaàampliaçãomaisqueproporcionaldogastoprivado.Destemodo,ajustificativaparaapolíticafiscalanticíclicaeraviradadeponta-cabeça:cortesproduzemcrescimentoeredução

dadívida,gastosproduzeminflaçãoemaisdívida.Como,mediaçãoentreoajustefiscaleaexpansãoeconômica,osdefensoresdessateoriaargumentamqueoaumentodaconfiançadosagenteséresponsávelpeloaumentodoconsumoedoinvestimentoprivados.

Noentanto,essamediaçãoémuitofrágil:(quase)ninguém acredita mais no que Paul Krugman chamou de “fada da confiança” (confidence fairy). Empre-sários não investem só porque o governo fez ajuste fiscal, mas quando há expec-tativas de lucro e demanda para o seu produto, da mesma forma as famílias não consomem mais por que o governo fez ajuste fiscal, mas quando há aumento de renda disponível e estabilidade no emprego. Porisso,aocontráriodoprevistopelateoriadacontraçãofiscalexpansio-nista,quandoumapolíticabruscadeauste-ridadefiscaléexecutadaparacorreratrásdeumametafiscalirreal,oresultadoéumimpulsocontracionistaquepodejogaraeconomiaemrecessãoe,então,aceleraroaumentodarelaçãodívida/PIB,derru-bandoaarrecadaçãotributáriamaisdoqueocortedogastopúblico,adependerdosmultiplicadoresfiscaisedaelasticidadedaarrecadaçãoàvariaçãodoPIB.Emváriasocasiõeshistóricasanalisadas,oremédiodaausteridadeagravouoproblemaquepretendiaresolver,forçandoopróprioFMIeoutrosex-expoentesdateoriada“austeridadefiscalexpansionista”amudardeopiniãoVII.

1.3 O regime fiscal brasileiro: pró-cíclico,

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anti-investimento e anti-planejamento

Nocasobrasileiro,a estrutura fiscal cons-tituída a partir do estabelecimento do chamado “tripé macroeconômico” é marcada pela pró-ciclicidade. Comoametafiscaléfixa,desconsiderandoasalte-raçõesnocicloeconômico,elapotencializaasaltasebaixasdaatividadeeconômica.

Pordefinição,ogovernotemcontrolesobreasuadecisãodegasto,masnãosobreasuaarrecadação,quedependedocrescimentoeconômico.Dessaforma,oestabeleci-mentodeumametaanualimplicaqueogovernosecomprometacomumresultadofiscalcombaseemumaexpectativadearre-cadação,considerandoumcrescimentoeconômicoestimado.Trata-se de acertar um alvo em movimento.

Nodecorrerdoano,ocrescimentopodenãose realizarconformeprojetadoeresultaremumaarrecadaçãomenordoqueaprevista,comprometendooresul-tadofiscal.Diantedisso,ogovernopode:a)anunciarquenãovaimaiscumprirameta,oqueimplicaemumfortedesgastecomocongressoecomasociedadeb)nãoanunciarnadae,pormeiodemedidasartificiaiscomoasreceitasnãorecorrentes(receitasextraordinárias,descontoseantecipaçãodedividendos,contabilidadecriativaetc.)oupostergaçãodepagamentos(porexemplo,aschamadas“pedaladas”),cumprircontabilmenteametaprimária;ouc)tomarmedidasadicionaisparaaumentarosimpostosoureduzirosgastosdeformaagarantirametafiscaldoperíodo.Dastrêsopções,asduasprimeirassãopéssimasparaacredibilidadedogovernoeaúltima

opçãoéamaisajustadaaoregimefiscalvigente,noentanto,éapiordentreelas–tantoemtermosdecrescimentoquantodistributivos.

Em contextos de baixo crescimento, a busca pelo cumprimento da meta fiscal por meio de uma política fiscal contra-cionista retira estímulos à demanda agregada de uma economia já desaque-cida e reduz ainda mais o crescimento econômico e a própria arrecadação. Da mesma forma, o regime fiscal brasileiro se mostra inapropriado quando o cres-cimento econômico é maior do que o projetado.Nessecaso,nãohádesincen-tivoparaqueoexcessodearrecadaçãosematerializenaexpansãodogastopúblico.Essegastoadicionalsobreumaeconomiajáaquecidapodegerarumexcessodedemandaagregadaepressõesadicionaissobreoníveldepreços.Emsíntese,no regime de metas fiscais anuais, não somente o resultado fiscal é pró-cíclico, mas a busca pelo cumprimento da meta fiscal ao longo do ano acentua o ciclo econômico.

Um segundo fator a se destacar é a natu-reza “anti-investimento” do regime fiscal atual. Isso ocorre pois a estrutura de gastos públicos no Brasil é bastante rígida, fazendo com que qualquer corte de gastos recaia primordialmente sobre o investimento público, um dos poucos gastos passível de contingenciamento. Sendoassim,todavezqueaeconomiaadentraumperíododebaixocrescimento,comquedadereceitasedificuldadedeobtençãodarígidametadesuperávitprimário,oprimeiroalvodoscortessãoosinvestimentospúblicos,fazendocomquequalquertentativadeplanejá-losnolongoprazosetransformeemumexercíciodeficção.Aindaqueseprocurepreservaros

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investimentosprioritáriosemestágioavan-çadodeexecução,sabe-sequenestalógicaoiníciodenovosinvestimentoscostumaserpostergado.Afinal,émaisfácilcortargastosquevãogerarbenefíciosfuturosdoqueaquelesquetrazembenefíciospresentes.

Dessa forma,o regime de superávit primário impõe uma lógica curto--prazista à gestão da política fiscal, desprestigiando os instrumentos de planejamento governamental.Estascaracterísticastrazemumelevadograudeincertezaaoplanejador,quesevêsempresubsumidoaoregimedemetasprimárias,fazendocomqueopaísabramãodeseufuturoparagarantirumametapresente,quepodeaprofundararecessãoesemostrarincapazdemelhorarasituaçãodascontaspúblicas.Na ditadura do superávit primário, os fins são atropelados pelos meios, e tudo se subordina à necessi-dade de cumprir a meta, inclusive o crescimento, o emprego e o bem estar da população.

1.4 Sim, há alternativas: propostas para um novo regime fiscal

Areversãodaatualcriseeconômicabrasi-leiradependedeumtrabalhocoordenado,deváriosfatorespolíticoseeconômicosquesuperamemmuitooescopodestedocumento.Noentanto,aquestãoquecabecolocaraquiéqueexistemalterna-tivasaoinadequadoregimefiscalbrasileiroqueauxiliamaretomadadocrescimento,

tirandoopaísdarecessãoeaomesmotempoapontandoparaamelhoriadascontaspúblicasnomédio/longoprazo.EssasalternativassecontrapõemàpropostaderegimefiscaldogovernoTemer,queserádiscutidanaseção3.4dessedocumento.

Portanto,umnovomodelodegestãofiscalprecisaentraremvigor:ummodelodecaráteranticíclico,queviabilizeoplane-jamentoequepriorizeoinvestimentopúblico.Nestesentido,trêsalternativassãoaquiindicadasparaalimentarodebatepúblicosobreotema.

Emprimeirolugar,énecessáriorepensaraformacomoéestabelecidaametafiscalatualmente.Aocentrarfogoemumametafiscalrígidadesuperávitprimário,nãoselevaemconsideraçãoapossibilidadedemudançasabruptasoucíclicasines-peradasnoritmodecrescimentoeconô-mico,tornandoapolíticafiscalumaforçapró-cíclica.Portanto,é de fundamental importância mudar a forma de calcular as metas fiscais, ajustando-as ao ciclo econômico e uma primeira alternativa é a utilização de um “resultado fiscal estrutural”, comoobservadonoChileenaAlemanha.Ouseja,noconceitoestru-turalderesultadofiscal,busca-seretiraroelementocíclicodocálculodametafiscal.

Alternativamente,uma forma de apri-morar e flexibilizar o regime fiscal brasileiro é com a adoção de bandas fiscais de forma análoga ao que ocorre no regime de metas de inflação.DessaformaoEstadopodeimplementarumapolíticaanticíclicadentrodoslimitesdabandaestabelecida.Ouainda,umregimedebandasescalonadaspodeinstitucionalizarumapolíticaanticíclica,aoestabelecerparacadapatamardecrescimentoumabandafiscalespecífica.Assim,quantomaioro

1 . SUPERÁVIT PRIMÁRIO: A INSENSATEZ CONDUZ A POLÍTICA FISCAL

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crescimentoeconômico,maisaltodeveráseroresultadofiscale,quantomenorocrescimento,menorseráoesforçofiscalexigido.

Emterceirolugar,énecessárioqueeven-tuaiscortesdegastospúblicospreservemomáximopossívelosprojetosdeinvesti-mentopúblico,possibilitandoqueoplane-jamentodestesinvestimentosnãosejamdiretamenteafetadospelamudançadeorientaçãonapolíticafiscal.Nestesentido,seriaimportanteretirardocálculodoresultadoprimárioestruturalatotalidadedosinvestimentospúblicos,umavezqueestasdecisõessãodelongoprazo,trazemretornossociaiseeconômicosenãodeve-riamserparalisadaspordecisõescurto--prazistas.Aretiradadosinvestimentospúblicosdocálculodoprimárioforçariaodebateacercadacomposiçãodosgastoscorrentes,revelandoaseventuaisinefi-ciênciasdestesecentrandofogonosseusefeitosdinâmicos.

Oprincípiodachamada“regradeouro”estabelecequeosinvestimentospúblicosproporcionamumaacumulaçãodeativosquegeramrendaebemestar futuro,tornandoessesgastosemalgointertempo-ralmentesustentável.Retirar todo inves-timento público do cálculo do superávit primário (assim como o gasto com juros é excluído desse indicador) pode ser uma alternativa interessante para o regime fiscal brasileiro, pois incentiva o uso do investimento público como vetor de desenvolvimento e abre espaço para atuação anticíclica do gasto público.

1 . SUPERÁVIT PRIMÁRIO: A INSENSATEZ CONDUZ A POLÍTICA FISCAL

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Dívida pública e a gestão macroeconômica

2.1 A dívida pública não é pecado nem irresponsabilidade

NoBrasil,aexcessivapreocupaçãocomopatamardadívida é carregadaporpreconceitosideológicoseporumavisãoestreitasobrearelaçãoentreEstado,moedaestataledívidapública.A ideia de que o aumento da dívida pública é neces-sariamente negativo repousa sobre uma visão moralista da economia, a

mesma que aponta o mercado como a esfera virtuosa da sociedade e o Estado como a esfera ineficiente. De fato, a dura aversão a qualquer aumento de dívida pública está na essência da visão neoliberal, na qual a austeridade cons-titui o remédio amargo e doloroso, mas necessário para expurgar os excessos cometidos pelo Estado.

Nessesentido,essaexcessivapreocupaçãocomopatamardadívidaéfrequentementecarregadaporpreconceitosideológicoseporumavisãoestreitasobrearelaçãoentreEstado,moedaestataledívidapública.Umadívidaelevadapodecustarmuitocaro,masumEstadosoberanonãoquebraporconta

2.

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28 I 2. DÍVIDA PÚBLICA E A GESTÃO MACROECONÔMICA

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dedívidasnasuaprópriamoeda,eporissoanaturezadadívidapúblicasediferenciasubs-tancialmentedagestãodedívidasprivadas,eogovernonãoincorrenasmesmasrestriçõesparagastoeendividamento.O paralelo com a economia da dona de casa não serve para as finanças públicas.

Adívidapúblicaédanaturezadoregimecapitalistaedeveserenxergadasemprecon-ceitosideológicos.Trata-sedaquiloqueosetorpúblico(noBrasil,União,estadosemunicípios)devenaformadedívidacontratual( juntoacredoresprivados,agên-ciasgovernamentaisouorganizaçõesmulti-laterais)oudívidamobiliária,ouseja,títulospúblicos.Comoinstituição,adívidapúblicaexistelegitimamenteemtodosospaísesdomundo,poisnemsempreépossíveloudesejávelquedispêndiospúblicossejamfinanciadoscomimpostosoucomemissãomonetáriapuraesimples.Nestecaso,ogastopúblicoéfinanciadocomdívidas.Écomumquedívidasfinanciemoinves-timentopúblico,quemuitasvezesexigedispêndioqueexcededisponibilidadesdoorçamentoanual,masquegeraestímulooucriacondiçõesparaatividadesprivadasquevãogerarimpostosaolongodotempo.

Do ponto de vista da gestão macroeconô-mica, a possibilidade de financiar gasto público com dívida pública é importante, seja para manter operando os serviços sociais, seja para realizar políticas contracíclicas e evitar a contração de gastos privadose,portanto,impedirumarecessãoquepodeprejudicaraprópriaarre-cadaçãodeimpostoseaumentaraprópriadívidapública(emrelaçãoaoPIB).

Adívidapodeaumentar tambémporcontadosjuroscobradossobreadívidaanterior, independentementededéfi-citsprimáriosdosetorpúblico,ouseja,

independentementedofatodeasdespesasnão-financeirasseremmaioresdoquereceitasnão-financeiras.Comosesabe,enquantoobalançoouresultado(supe-rávitoudéficit)primárioexcluiogasto(“serviço”)oriundodadívidapública,oresultadonominaldascontaspúblicasinclui.

Alémdefinanciargastosfinanceirosenão-financeirosdosetorpúblico,títulospúblicostambémsãousadospararealizaçãodapolíticamonetária,atravésdasoperaçõesdemercadoaberto,voltadasadiminuir(ouaumentar)liquideznomercadofinan-ceirocomavenda(ourecompra)detítulospúblicose,dessemodo,influenciarataxadejuros.Ouseja,alémdefinanciarogastopúblico,adívidapúblicatambémtemafunçãodeoperarapolíticamonetária.Nestesentido,adívidapúblicaéumativoprivadodosmaisimportantes,poisénelaqueosinvestidoressedirecionamemmomentosdeincerteza,servindocomoâncoraeportosegurodariquezaprivada.

2.2 Não há um número mágico para a dívida pública

Em2011,duranteodebateparlamentarsobreoaumentodolimitedadívidapúblicanosEUA,umartigodeCarmenReinhart&KennethRogofffoimuitoinfluenteaoapresentardadosparaargumentarque,apartirdopatamarde90%doPIB,adívidapúblicalevariaàquedasignificativadocrescimentoeconômico.Poucotempo

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178 183

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64 68 62

99106

Figura 2: DÍVIDA BRUTA DE PAÍSES SELECIONADOS Fonte: FMI, Elaboração própria.

depois,oargumentofoidesconstruídomostrando,primeiro,queosexercícioseconométricostinhamespecificaçõeseprocedimentosequivocadosIX.Segundo,comgrandeprobabilidade,osentidodecausalidadeerainverso,ouseja,obaixocrescimentoouarecessãoéquelevariamaumaumentodoendividamentopúblico,sejapordesaceleraremoritmodocresci-mentodaarrecadaçãotributária,sejaporativaremgatilhosautomáticosdegastopúblico,comoosegurodesempregooucertosdispêndiosfixadosporleiindepen-dentementedocomportamentodaarreca-daçãoedaposturadepolíticaeconômica(maisoumenos“austera”)dosgovernos.

Defato,não há um número mágico a partir do qual a relação dívida pública/PIB torna-se problemática.Algunspaísestemdívidamenordoqueabrasileira,porexemploArgentina(56%doPIBem2015),ouChile(14%),masoutrospaísestemdívidasubstancialmentemaiorcomoEspanha(99%),EUA(106%)e Japão

(248%).Nesse contexto, a dívida brasi-leira é tão grande? Qual é o parâmetro para definição de grande? Na verdade, os economistas não se arriscam a definir parâmetro ótimo para dívida pública, simplesmente porque ele não existe.

Maisdoqueprocurarumpatamarespe-cífico,aanáliserelevanteéadatrajetóriadadívidapública.Considearandoesseaspecto,conformedadosdoFMI,adívidapúblicabrasileiracresceunosúltimosanos,passandode64%doPIBem2007para69%doPIBem2015,masissonãoéumaespe-cificidadebrasileira,outrospaísestambémcontabilizaramaumentodesuasdívidas,oquemostraqueosmesmosreagiramaosefeitosdacriseinternacionalde2008:comomostraafigura2,aArgentinapassoude45%para54%doPIB,aFrançade64%para97%aEspanhade36%para99%.Essesaumentosdedívidanãonecessariamenteimplicamemdescontrolefiscal.Há,noentanto,duascircunstânciasemqueoaumentodasdívidastendeagerarinstabilidadeeconômica:

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1)Quandoataxadejurossobreadívidaémuitoelevada,aumentandoocustodosserviçosdadívidae,eventualmente,gerandoumatrajetóriaexplosivadadívida.Ocustofiscaldeumapolíticaprolongadadejuros altos não apenas desloca um volume significativo do orçamento corrente para o pagamento de juros, mas pode gerar uma trajetória insus-tentável, o que em certas circunstâncias pode provocar inflação e desvalorização cambial.OJapão,porexemplo,temdívidaaltaquenãorepresentaumproblemaiminente porque podem refinanciar(“rolar”)adívidaataxasdejurosmuitobaixas,àsvezesaténegativas.

2) Quando é denominada, vendida e paga em moeda que não é emitida pelo Estado endividado. Issogerafragilidadefinanceira,poisopaíspodeterdificuldadedeobtermoedaexternaousóobtê-laapreçoscaros.Curiosamente,comoaItálianãocontrolaoBancoCentralqueemiteamoedaemquesuadívidaédenominada,ouseja,oEuro,opaíssofreumtipodiferentedevulnerabilidade“externa”(como,emdife-rentesgraus,Espanha,PortugaleGrécia),poisestásujeitoavariaçõesdejurossobresuadívidaquenãoécapazdecontrolarpormeiodeoperaçõesdoBancoCentral.

Nocasobrasileiro,veremosqueapolíticamonetáriaéumgrandedeterminantedavariaçãodaevoluçãodadívidapúblicainterna.Noentanto,adívidaeavulnera-bilidadeexternasdiminuírammuitodesde2002.Nesteano,67,4%dadívidareferiam-seàdívidainternae32,6%àdívidaexterna.Em2014,adívidainternatotalpassoua95,1%eadívidaexternaa4,9%.Essaúltimacaiupois,apartirde2006,opaísacumuloureservasemdólaremexcessoaoscompro-missosdecurtoprazo,aomesmotempoemqueaUnião(proprietáriadasreservas

cambiais)reduziuseuendividamentoexterno,tornandoosetorpúblicoumcredorexternolíquido.

Alémdisso,parteimportantedadívidaexterna(ouseja,ativosfinanceirosdepropriedadeestrangeira)édenominadaemReais,oquediminuiavulnerabilidadedopaísadesvalorizaçõescambiais.Comoasreservassãoconcentradasemdólares,umadesvalorizaçãodorealperanteodólarreduzadívidapúblicalíquida(adívidabrutamenososativosdosetorpúblico,comoasreservascambiais)egeraganhospatrimoniaisqueoBancoCentraltransferesemestralmenteparaoTesouroNacional.Em2015,essesganhospatrimoniaisresul-tantesdadepreciaçãocambial(de47%emtermosnominaisemrelaçãoaodólar,oude28%emtermosefetivosreais)somaramR$260bilhões,algobemmaiordoqueoprejuízodoBCcomoperaçõesdesegurocambialoferecidoaagentesprivados(naformadeswapscambiais),deR$90bilhões.

2.3 Dívida líquida: melhoras apesar do fardo dos juros

Ocomportamentodadívidalíquidanãodependeexclusivamentedosresultadosprimárioalvejadospelametafiscal.Suaevoluçãoétambémimpactadapelopaga-mentodejuros,pelavariaçãocambialepelavendaoucompradeativospúblicosX.Porexemplo,depoisdafortereduçãodadívidatrazidapeloPlanoCollor,oaltoníveldossuperávitsprimáriosaté1995easreceitas

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comprivatizaçõesconteriamocresci-mentodadívidainterna(mesmocomoreconhecimentodepassivoscontingentesou“esqueletos”),casoocustofiscaldapolíticamonetárianãofossesobredeter-minantedareproduçãoampliadadadívida.Logo,mesmonoperíodoentre1991e1998,adívidapúblicacresceuporcausadacapi-talizaçãodopequenopassivoexistenteem1991combaseemjurosinternacionalmenteelevadíssimos(deacordocomdadosdoBancoCentral,verQuadro1).

Àsvezessealegaqueoreconhecimentoeaassunçãodedívidas(passivoscontingentesou“esqueletos”) foramresponsáveispelaelevaçãodadívidapúblicaduranteogovernoFernandoHenriqueCardoso.CálculosdePêgoFilho&PinheiroXI,contudo,mostramqueistoequivalea5%davariaçãodadívidaentrejaneirode1996 ejunhode2003,erepresentaapenas40%dasreceitasobtidascomsuperávitsprimá-rioseprivatizações.

O que determina a trajetória explosiva da dívida no período FHC são os juros muito elevados e o lançamento de títulos indexados em dólar para evitar a crise da âncora cambial. Comosesabe,a

defesadapolíticacambialdepoisdoPlanoRealcontou,primeiro,comoaumentododiferencialdejurosparaatraircapitaisinte-ressadosemtítulosdecurtoprazodenomi-nadosnamoedabrasileira.Éporissoqueocustofiscaldapolíticadejurosaltosmaisquedobrouentre1993e1998,adespeitodoefeitofavorávelsobreasustentabilidadedadívidaprovocadopelossuperávitsprimá-riosepelasprivatizações.Emsegundolugar,oTesouroNacionalpassoualançartítulospúblicoscomcláusulasdevariaçãocambial,demaneiraaassegurarrentabili-dadeemdólaratraenteparaportadoresdetítulosdenominadosemReaisouparafornecersegurocambialparaempresasendividadasexternamente,dadooriscodedepreciaçãodamoedabrasileira.Issotrans-feriaoriscodadepreciaçãocambialparaoTesouroNacional,oqueteriaimpactosignificativosobreatrajetóriadadívidaapartirdejaneirode1999,quandoumafortecrisecambialdeterminouadepreciaçãodoReal.

Entre1999e2002,defato,emboraamédiadosresultadosprimáriossuperasse3%doPIB,adívidaaumentouporcausadapreservaçãodeumpatamarelevadodetaxadejuros(adespeitodamudançadoregime

Quadro 1: VARIÁVEIS FISCAIS E DÍVIDA DO SETOR PÚBLICO CONSOLIDADO – 1991-1998 (% PIB) Fonte: Banco Central. Elaboração própria.

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cambial)edoimpactodadesvalorizaçãocambialsobreostítulospúblicosindexadosemdólar(verQuadro2).

Já entre 2003 e 2013 a redução da relação dívida líquida/PIB total foi expressiva, de 54,3% para 30,6% segundo o Banco Central, muito embora as taxas de juros

Quadro 3: DETERMINANTES DA VARIAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA LÍQUIDA (% PIB, 1999-2002) Fonte: Banco Central. Elaboração própria.

2. DÍVIDA PÚBLICA E A GESTÃO MACROECONÔMICA

Quadro 2: DETERMINANTES DA VARIAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA LÍQUIDA (% PIB, 1999-2002) Fonte: Banco Central. Elaboração própria.

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continuassem elevadíssimas interna-cionalmente (quadro 3).Nesseperíodo,areduçãoseexplicapelapermanênciadesuperávitsprimáriosepeloaumentodataxadecrescimentodoPIBnominal,maspoderiasermuitomaiorcasoapolíticamonetárianãopermanecesseextrema-menteconservadora.

Éverdadequeataxadejurosassumiutendênciadequeda,masmanteveopatamardemaiortaxadomundonamédiadoperíodo.Semembargo,apesardatendênciadereduçãodarelaçãodívidalíquida/PIB,acargadejurosdadívidapúblicacontinuou,antesdacrisefinanceirade2008,namédiade7%doPIBentre2003e2007,maisdoqueodobrodossuperávitsprimários.

A dívida externa, por sua vez, caiu e, a partir de 2006 o país passou a realizar uma política de acumulação de reservas cambiais em excesso aos compromissos de curto prazo tornando-se credor líquido. Por conta disso, quando em 2008 a crise mundial determinou forte depreciação da moeda brasileira, a acumulação de reservas cambiais propi-ciou significativos ganhos patrimoniais relacionadosàdívidaexterna líquida(dívidabrutadiminuídapelasreservascambiais),comovoltariaaocorrernoperíododedepreciaçãocambialiniciadonosegundosemestrede2011.

Entre2011e2014,adepreciaçãocambialcontinuoucontribuindopara reduziradívidalíquida.Osuperávitprimárioaumentouem2011(emrelaçãoa2009e2010),massuacontribuiçãodiminuiuem2012e2013juntocomadesaceleraçãodoPIB,atéodéficitprimárioverificadoem2014,comomostraoquadro3.

Emsuma,no final de 2014, pelo critério

da dívida líquida não havia um cenário de tragédia fiscal, desenhado pelos economistas de mercado. Havia, sim, condições financeiras para realizar uma política anticíclica que ampliasse o investimento público e o gasto social para impedir que a desaceleração cíclica se transformasse na maior recessão da história recente. Contudo,aofensivapelaausteridadefiscalnegligenciouadívidalíquidacomocritériodeavaliaçãoda“solvência”doEstadoeprivilegiouadívidabruta.

2.4 Dívida Bruta e o nó da gestão macroeconômica

AlgunsdosprincipaisindicadoresfiscaissedeteriorarammuitorapidamentenoBrasildesde2013.Issovemreforçandoavisãodosenso-comum,dequeogovernogastamuitoequeessaéaprincipalcausadocrescenteendividamento.Será?

Otemanãoésimples.A trajetória da dívida pública responde a uma inte-ração muito complexa entre as diversas políticas macroeconômicas: cambial, creditícia, monetária e fiscal.Porisso,éimportanteavaliaroquantodadeterioraçãofiscalestárelacionadaaoresultadoprimário–istoé,aodescompassoentreasreceitasedespesasprimárias–,quecaptaaspectosmaisdiretosdapolíticafiscalpropriamentedita,eoquantosedeveaquestõesmaisgeraisdagestãomacroeconômica.

Antes,valeanalisarbrevementeasituaçãofiscalbrasileiraemtermoscomparativos

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paraidentificaridiossincrasiasetambémaquelesaspectosqueseassemelhamàstendênciasprevalecentesnamaiorpartedospaísesquetambémestãopassandoporumadeterioraçãofiscalnaatualfasedegranderecessãodaeconomiamundial.Oquesepodeconcluirapartirdessaanálise?

1) AdívidalíquidanoBrasilalcançou36,2%doPIBem2015,queéumvalorpoucosuperioràmédiamundial(33,9%doPIB).Porém,adívidabrutade66,5%doPIBéelevadaemtermoscomparativosesedete-riorounosúltimosanos,aproximandooBrasildos27%paísesmaisendividadosnomundo.Háumatendênciadeaumentodasdívidasbrutasnomundocomoumtodocujamédiapassoude46,5%em2011para54,3%doPIBem2015,masissoocorreucommaiorvelocidadenoBrasilapós2013.

2) O Brasil não distamuito dastendênciasmundiaisemtermosderesul-tadoprimário.Opaísocupaumaposiçãomediananascomparaçõesinternacionais,apesardaconversãodosuperávitprimáriode1,7%doPIBem2013paradéficitde1,9%doPIBem2015.Norestodomundotambémestáprevalecendoumadeterio-raçãonosresultadosprimários:emmédia,asprojeçõesdoFMIapontamparaaumentodosdéficitsde0,7%doPIBem2013para2,3%em2015.

3) Ocenárioécompletamentedistintoquandoanalisamosoresultadonominal,que incluiacontade juros.OdéficitnominalnoBrasilmaisquetriplicoude3,0%doPIBem2013para10,3%doPIBem2015,quaseotriplodamédiamundialde3,7%doPIB.

4) Norestodomundo,ovolumedejurosestárelativamenteestabilizadoemumbaixopatamar(emmédia,umpouco

acimade1%doPIB)eadeterioraçãonosresultadosnominaisestásendopuxadapelasjámencionadasquedasnosresultadosprimários.JánoBrasilocorreumfenômenomuitopeculiar:acontadejurossaltoude4,7%doPIBem2013para8,5%doPIBem2015erespondepelamaiorpartedadete-rioraçãonoresultadonominal.

Taisconstataçõesnoslevamapelomenosdoisquestionamentossobreasidiossincra-siasbrasileiras:oqueexplicaadiferençaentreumnívelmedianodeendividamentolíquidoeaelevadadívidabruta?Comoépossívelumgovernocomumnívelmedianodeendividamentolíquidoviraterumadasmaiorescontasdejurosentreospaísesdoplaneta?

Pararesponderaomenosparcialmenteestasquestões,seránecessárioapresentaralgunsconceitosemecanismosdeinte-raçãodaspolíticasmacroeconômicas,oqueprocuraremosfazerdemaneiradidática.Adívidabrutaéototaldasdívidasdogoverno,principalmenteostítulospúblicosemitidospeloTesouroNacional.Adívidalíquidacorrespondeàdiferençaentreadívidabrutaeosativosqueogovernopossui,comoasreservasinternacionaiseoscréditosjuntoàsinstituiçõesfinanceiras,ouseja,odinheiroqueoBNDES,oBBeaCaixadevemaoTesouro.

Quandoogovernovaiaomercadodecâmbioe troca reaispordólaresquepassarão a compor suas reservas ouquandoemprestarecursosaoBNDESajurossubsidiadosparafinanciarosinves-timentosprivados,comofezamplamentenosúltimosanos,eleaumentaaquanti-dadedemoedaouliquidezdaeconomia.Pelamaneiracomooperanossapolíticamonetária,oBancoCentralvendetítulospúblicosdoTesouroNacionalemtroca

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dessamoedaadicionalparaenxugaraliquidez.IstoporqueapolíticadecombateàinflaçãonoBrasilestámuitofocadanocontroledaliquidezviacompraevendadetítulospúblicosdecurtíssimoprazopeloBancoCentralnaschamadasoperaçõescompromissadas.OutrocaminhoseriaopróprioTesouroNacionalseantecipareemitirtítulosdadívidapúblicademelhorperfildoqueostítulosdecurtíssimoprazoqueoBancoCentralcolocarianomercado.Detodomodo,oresultadodadecisãodogovernodeampliarsuasreservasinternacionaisoucapitalizarobancopúblicoterácomocontrapartidaoaumentodadívidabrutaedosativossimultaneamente.Daíaexplicação:o governo nos últimos anos reduziu substancialmente sua dívida líquida, mas simultaneamente aumentou a dívida bruta para acumular ativos.

Essa estratégia possui méritos como, por exemplo, a redução da vulnera-bilidade externa do setor público, ao converter sua posição para credor em moeda estrangeira, como já discutido. Damesmaforma,apolíticadeexpansãodosempréstimosdoBNDES,em2009,foiessencialparaaaçãocontracíclicaqueassegurouarecuperaçãorápidadaeconomiabrasileiraemrelaçãoàmaiorcrisedahistóriadocapitalismomundialdesdeadécadade1930.

HáquesealertarqueoBNDESquetemsidoalvodeenormeconfusãoideológicaaosetratardascontasfiscais.Énessecontextoqueseinscrevemdeterminadaspropostas–porexemplo,aantecipaçãodeR$100bilhõesdosempréstimosqueoTesouroconcedeuaobancoeaPECquepretenderetiraravinculaçãoconstitucionalderecursosdoFATaoBNDES–comoobjetivodereduzirsobremaneiraoumesmofecharo

BNDESenãonecessariamenteequacionarosdilemasrelacionadosàdebilidadedemercadofinanceirodelongoprazonoBrasil.Negligencia-seapresençadefalhasestruturais( jurosrecorrentementealtos,faltadefontesprivadasdelongoprazoemmoedalocaletc.)queexigemqueoBNDESfinancienãosomenteprojetosdegrandesexternalidades,comoinfraestruturaeinovação,mastambémaampliaçãogeraldecapacidadeprodutiva.Semdúvida,oataqueideológicoaoBNDESnãopoderiaviremmomentopior,emquearecessãoexigequeobancosirvadeinstrumentodeestabilizaçãodociclodecrédito.

Apesar disso, não podemos negligen-ciar os elevados custos dessa política de acumulação de ativos.Opaíspassouadispordeumvolumeexpressivodereservasinternacionais,quealcançouummontantesuperioraR$1.400bilhõesem2015(oucercadeUS$360bilhões)eéremuneradopelasbaixíssimastaxasdejurosvigentesnomercadointernacional,alémdecercadeR$500bilhõesdecréditosjuntoaoBNDES,quepagaaoTesouroalgopróximoa5%aoano.Suacontrapartidaéoaumentoequiva-lentedadívidapúblicaqueécaptadaaumcustomédiomuitomaisalto,aoredorde13%,equepoucosemodificounosúltimosanos.

A estratégia de acumulação simultânea de ativos e passivos, com grande dife-rencial de rentabilidade entre eles, explica boa parte da elevada conta de juros. Asestimativasdocustodeopor-tunidade,queconsideramosdiferenciaisentreasremuneraçõesdosativosedeumacarteiraequivalentecomacomposiçãomédiadostítulosdadívidapública,sãodaordemde2,7%doPIBem2015paramanutençãodasreservasinternacionaise0,7%doPIBnocasodosempréstimosao

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Figura 3: – DÉFICIT NOMINAL DO SETOR PÚBLICO. (% DO PIB)Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do BCB. Nota: Inclui estimativas dos custos de oportunidade da manutenção das reservas e dos créditos BNDES, além dos passivos junto a bancos e fundos públicos contraídos em anos anteriores e quitados em 2015.

BNDESXII(Figura3).

Masaindaestamoslongeexplicarocustode8,5%doPIBemjurosregistradosem2015equerefleteasperdasespecialmentealtasqueoBancoCentraltevenoanopassadocomaschamadasoperaçõesdeswapcambial,quesãoutilizadasparatentarcontrolaracotaçãododólar.

Otermoswapsignificapermutae,simpli-ficadamente,oqueoBancoCentralfazsãocontratoscomosagentesdomercadoemquesecomprometeapagaravariaçãodataxadecâmbioeemtrocarecebeumataxadejurospós-fixadaqueépróximadaSelic.Osswapscambiaissãoinstrumentosimportantes,masaconduçãodapolíticacambialnoBrasilfoiquestionávelnosúltimosanos.QuandooBancoCentralvendeoucompradólarfuturopormeiodeswaps,elefazmuitomaisdoque“oferecerhedgeparaosagentesprivados”,comorepeteodiscursooficial.Essasoperaçõespermitemaosagentesseposicionaremdeformaespeculativanaposiçãooposta

àqueladoBC.QuandoessasposiçõessomammontantesemtornodeUS$100bilhões,oresultadodessesswapspodeimporperdasgrandesparaumladoouparaooutroXIV.

Apósaseleiçõesde2014,anovaequipeeconômicasinalizouaomercadoumamudançanapolíticacambial,quesetornariamaisflexível.Ataxadecâmbioseguiria,portanto,orumoapontadopelomercado.Nofundo,o Banco Central sinalizou que o mercado poderia apostar contra a sua posição e que ele não interviria de forma incisiva usando o seu poder de market maker. E foi o que aconteceu, o dólar saiu de cerca de R$ 2,60 em dezembro de 2014 para R$ 3,90 em dezembro do ano seguinte, uma desvalorização de 50% que resultou em enormes ganhos ao mercado e enormes perdas ao Banco Central.Assim,osaldodasoperaçõesdeswapscambiaisgerouprejuízosdeR$89,7bilhõesou1,5%doPIBqueestãocontabi-lizadosnacontadejuros.

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Valenotarque,para2015,somando-se os custos de oportunidade da manu-tenção das reservas internacionais e dos créditos aos BNDES com o resultado das operações de swaps cambiais, chegamos a 4,9% do PIB (Figura 3).Éclaroqueestaanáliseémuitosimples.Arigor,aavaliaçãodapolíticacambialdeveriaconsiderarbenefíciosindiretosdamenorvolatilidadecambialedareduçãodafragilidadeexternadaeconomiabrasileira.AssimcomoosretornosindiretosdosempréstimosaoBNDESemtermosdedividendospagosaoTesouroemaiorcrescimentoeconô-mico.Poréméútilparailustraraordem degrandezadosvalores.Chegamosamaisdametadedos8,5%doPIBdacontadejurosedodéficitnominalde10,4%doPIB,equasenãofalamosexplicitamentedoresultadoprimáriooudapolíticafiscalpropriamentedita.

Mesmoos3,6%doPIBrestantesdejurostambémguardamcorrelaçãocomaspolí-ticasmacroeconômicasmaisgeraisporquesãoinfluenciadospelasaltastaxasdejurospraticadasnomercadointerno.Ouseja,apolíticadealtosjurosimpõeumenormecusto fiscal aoconjuntodepolíticaseconômicas(fiscal,cambial,monetária,industrial).

São diversas as razões para os elevados níveis de taxas de juros no Brasil. Estas passam pela estrutura oligopolizada do mercado financeiro e uma cultura curto prazista que se formou pelo menos desde o período de hiperinflação; até o modus operandi da política monetária, que utiliza a taxa Selic como principal (e quiçá o único) instrumento de controle da inflação.Hádeseressaltarqueataxadejurostemumforteviéspolítico,sendotantomaiorquantomaisrefémforemasautoridadesmonetáriasdosetorfinanceiro.

Poroutrolado,asconsequênciasdasaltastaxasdejurossãodrásticas,comooelevadocustomédiodadívidamobiliáriainterna.Umasimulaçãosimplesindicaqueumareduçãodeapenas3pontospercentuaisdataxadejurosgerariaumaeconomiaparaoscofrespúblicosdaordemde1,9%doPIBnacontadejuros.

Em suma, é preciso desatar o nó da gestão macroeconômica se o verdadeiro objetivo for equacionar os problemas fiscais. A ideia que se disseminou no Brasil de que ao governo só compete controlar os gastos primários, não havendo nenhum limite para os custos fiscais das demais políticas macroeco-nômicas, deve ser revista sobpenadecontinuarmos“enxugandogelo”,comocriticouanosatrásumacertaex-ministradogovernoLulaaosereferiràpropostadeajustefiscaldeumex-ministrodaFazenda.Mesmoporquedesataronódagestãomacroeconômicaenvolve,entreoutrosdesafios,removeralgunsdosobstáculosestruturaisaocrescimentodaeconomiabrasileira,comoosjurosaltoseaprecarie-dadedosmecanismosdefinanciamentodoinvestimentodelongoprazo.Semcres-cimentoficamuitomaisdifícilpromoverqualquerajustefiscal,comoargumenta-remosmaisadiante

2. DÍVIDA PÚBLICA E A GESTÃO MACROECONÔMICA

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3.1 O gasto público e a “crise fiscal”

Odiagnósticoconvencionaldacrisepelaqualpassaopaís,dopontodevistaeconô-micoefiscal,traduz-sesimplificadamentenaseguintenarrativa:osgovernosdoPTexpandiramdemaisosgastospúblicos,principalmentedepoisdacriseinterna-cional,encobriramodéficitpúblicocres-centepormeiodachamada“contabilidadecriativa”edas“pedaladasfiscais”,eessetipodepolíticafiscalexpansionistaenadatransparentedestruiuaconfiançadomercadoemergulhouopaísnaestagflação.

Emoposiçãoaessediagnóstico,aseçãoqueseguereconstróiahistóriadogastopúblicodosúltimos16anosapartirdassérieshistóricasdereceitasedespesasdogovernocentraldivulgadaspeloTesouro.Essetrabalhomostraoseguinte:

1) A despesa do governo vem crescendo a um ritmo elevado e incrivelmente estável (acima do PIB) há mais tempo,antesmesmodaflexibilizaçãofiscalpostaemmarchaapartirde2006,inclusivenosperíodosdeajustefiscal.Astaxasmédiasdecrescimentorealdogastodosúltimosquatrogovernos,conformevemosnoquadro4,foram:FHCII(3,9%),LulaI(5,2%),LulaII(5,5%)eDilmaI(3,8%)–já

Gasto público e o perigoso caminho da austeridade

3.

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consideradosnessescálculososefeitosdaschamadaspedaladasfiscais(despesaspagasporintermédiodebancosefundospúblicos)eossubsídiosdoBNDESquenãotransitampeloorçamento(Quadro4).

2) O principal fator por trás do cresci-mento das despesas na esfera federal não são os gastos com pessoal,comomuitosleigosacreditam.EstescrescemsistematicamenteabaixodoPIBetiveramsuamenortaxarealdeexpansãojustamentenogovernoDilmaI(-0,3%),aocontráriodoqueocorre,porexemplo,nosestadosemunicípios,ondeogastocomsalárioseaposentadoriasdeservidorestemcrescidoa5,5%aoano,independentementedacolo-raçãopartidáriadogovernante.

3) O motor do gasto federal tem sido os benefícios sociais (aposentadoriasepensõesdoINSS,benefíciosaidososedefi-cientes,seguro-desemprego,bolsafamília,etc),quehojeconsomemmetadedogastodaUnião(maisdeR$500bilhões)ecrescemataxassistematicamentesuperioresaoPIBpelomenosdesde1999,porinfluênciaprincipaldefatoresdemográficos,dajusta

formalizaçãoedosdireitosconsagradosnaConstituiçãoe,adicionalmente,pelapolíticadevalorizaçãodosaláriomínimo.

4) A despeito de gastos elevados, o governo conseguiu manter resultados fiscais positivos na última década e meia peloaumentodacargatributária(1999-2005)oupelocrescimentomaisaceleradodoPIB(2006-2011).Contudo,desde2012,com a combinação de baixas taxas de crescimento econômico e desonera-ções tributárias, os resultados fiscais pioraram significativamente,mesmoqueataxadeexpansãodasdespesastenhainclusivecaídoumpouco.

Issosignificaqueogastonãofoielevadosubstancialmentenosúltimosanos?Não,nãosignifica.Contudo,asevidênciasapon-tadasservempararelativizaraimpressãoquesedisseminou,mesmoentreosespecia-listasemfinançaspúblicas,dequeoúltimogovernoteriasidoparticularmenteirres-ponsávelcomaexpansãodogastopúblico.

Comoargumentaremosadiante,a piora fiscal não passa tanto por quanto o

Quadro 4: TAXAS REAL DE CRESCIMENTO DAS RECEITAS E DESPESAS PRIMÁRIAS DO GOVERNO CENTRAL, POR PERÍODO DE GOVERNO, CONVER-TIDAS PELO DEFLATOR IMPLÍCITO DO PIB.Elaboração própria. Nota: As despesas de 2015 com a quitação dos passivos junto a bancos e fundos públicos contraídos foram distribuídas de acordo com seu período de competência.

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governo gastou, mas como gastou e também como desonerou.Epelainca-pacidadedessapolíticadeevitaradesace-leraçãodataxadecrescimentoeconômicoquecaide4,6%aoanoentre2007e2010para2,2%entre2011e2014.O efeito da desaceleração econômica sobre os indi-cadores fiscais é conhecido: as receitas caem mais acentuadamente do que a produção, enquanto as despesas e seu ritmo de crescimento são mais rígidos. ResultandoemmenorreceitaemproporçãodoPIBemaiordespesaemproporçãodoPIB.Ébasicamenteissoqueexplica,comosalientamos,porqueumsuperávitprimáriosuperiora2%doPIBem2011sedeteriorouparadéficitde0,57%doPIBem2014eaindamaiorem2015.

3.2 Gasto Social em um país desigual

Argumenta-sequegrandepartedodese-quilíbriofiscaladvémdocrescimentodosgastossociais.Defato,houveumcresci-mentoexpressivodessegastoentre2002e2015,comomostraorecenteestudodaSTNsobreotemaXVI.Oacréscimodosgastossociaisfederais,noperíododemaisdeumadécada,foidaordemde3pontospercentuaisdoPIB,concentradonasáreasdeeducaçãoecultura(0,74p.p.doPIB),assistênciasocial(0,78p.p.doPIB),eprevi-dênciasocial(0,97p.p.doPIB),estaúltimacomomaiorpatamarnototaldegastossociais(cercade50%).Osdispêndioscomsaúde,porsuavez,mantiveram-seestáveis.

OaumentodosgastossociaisnoBrasiltraz

consigoumconjuntodequestõessobreseuimpactoredistributivoesuaimportânciaenquantoinstrumentodepromoçãosocialeampliaçãodobem-estardapopulaçãomaiscarentedopaís.Apenasastransfe-rênciassociaisdiretas,quepassaramdeR$112,2bilhõesparaR$343,3bilhõesentre2002e2014,foramresponsáveisporquasemetadedareduçãodadesigualdadederenda(mensuradapeloíndicedeGiniquediminuiude0,594para0,523nomesmoperíodo)eumterçodamelhorianoindi-cadordepobreza,quando6,8milhõesdepessoasdeixaramasituaçãodepobreza.Osefeitospositivosdessesgastossobreasociedade,nestesentido,semostramrelevantes.

Aqui cabe destacar não somente aampliaçãodeprogramasdetransferênciasderenda,masprincipalmenteapolíticadevalorizaçãodosaláriomínimo(SM).AvinculaçãoentreovalordoSMeopisodamaiorpartedosbenefíciossociais(previ-denciários,seguro-desempregoetc.),estabelecidanaConstituiçãoFederal,fazcomqueapolíticadevalorizaçãoacarreteganhosdistributivos.Alémdosimpactosnomercadodetrabalhodiretamentesobreopisodosrendimentosdosegmentoformaleindiretamentepormeiodeseupapelsinali-zador,inclusivenomercadoinformal,epelocustodeoportunidadedeumtrabalhadorpermanecernainformalidade.Benefí-ciosquenãopodemsernegligenciados,aindaqueseuscustoselimitespossamserdiscutidos.

Odéficitprimáriode2016temsidoapresen-tadocomoummalnecessárioeirrecorrívelfrenteàherançadogovernoDilma,quedevesercorrigidoem2017.Comoomaiorcomponentededispêndiosãoosbenefí-ciosprevidenciáriosecomocresceram,aindaqueemmenormedida,osgastoscom

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educaçãoesaúdeasolução“natural”passaaseracontençãodestasdespesas.Oatualprojetodecongelamentoemtermosreaisdosgastosprimárioscaminhanestadireção,comodiscutiremoscommaiorprofundi-dadenaseção3.4destedocumento.Porora,valeadvertirque,assimqueoPIBvoltaracrescer,umavezadotadaestapolítica,aproporçãodestesgastosnoprodutocairágradualmente.Estaremosdiantedeumasituaçãoemqueopaís,aosedesenvolver,terágastoscomsaúdeeeducaçãodecres-centesnotempo,oquenãoparececompa-tívelcomasatuaiseenormesdemandassociaisnestasáreasequetendemaampliardevidoaoenvelhecimentodapopulação.

Comoestessãobenspúblicosfornecidosàpopulação,talreduçãoresultaemquedadosbenefíciosindiretosaostrabalhadores.Excluídosdetaisserviços,essesteriamquebuscá-losnosetorprivado(tendoquereduziroutrosgastosmenosessenciais)ousimplesmentepassaravivercomumpadrãomaisbaixodebemestar.

Seocorteemsaúdeeeducaçãotemumcaráterindireto,aspropostasdedesin-dexaçãodaprevidênciatêmumimpactodiretosobreascontaspúblicasesaláriorealdostrabalhadores,bemcomodosrendi-mentosdecamadasdesprotegidasdapopu-lação.Comomaisde50%dosgastosdaprevidênciasãobenefíciospagosnovalordeumsaláriomínimoesabendoqueestadespesaperfazalgoemtornode8%doPIB,onãoreajustedosbenefícios–sejadopisosegundoomínimosejadoprópriomínimopelainflaçãopassada,járepresentariaumaeconomiasubstancialparaoscofresdogovernofederal.Éóbvioquenãoédesejávelqueoajusteocorraexclusivamentesobreessafraçãodapopulação,emaisespecifi-camentesobreumcomponentedarendacomgrandeimportânciadopontodevista

distributivo,comoéaprevidência.

Em suma, uma visão mais acurada dos gastos sociais mostra que tampouco nesta área houve expansão desenfreada, sobretudo frente às demandas sociais brasileiras, e que seus benefícios em termos distributivos e na ampliação do bem-estar da população mais carente do país não podem e não devem ser relegados a um plano secundário.Numacomparaçãointernacional,ocrescimentodosgastossociaisnoBrasilinclusivefoimenordoqueoutros paísesXVIInosúltimosanos.Odéficithabitacional,aausênciadesaneamentobásicoemquase30%dosdomicílioseaprecáriaqualidadedasaúdeedaeducaçãotornamevidentesaausênciadeumEstadodeBem-EstarSocialnoBrasil.Certamente é possível discutir excessos e tornar o gasto mais eficiente, mas as possibilidades de fontes de financiamento discutidas neste documento evidenciam que este é um debate que deve envolver toda a sociedade brasileira.

3.3 Antecedentes do austericídio: o equívoco das desonerações

Quais fatores estariam por detrás da desaceleração econômica a partir de 2011? Semdúvidanãopodemosnegli-genciaraconjunçãodefatoresinternoseexternos,comoaperdadedinamismodoboomdomésticodeconsumodecrédito,ouosdesdobramentosdacrisefinanceira

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Quadro 5: RANKING DE CRESCIMENTO DO PIB. TAXAS AO ANO DE CRESCI-MENTO REAL EM MOEDA NACIONAL. Fonte: Elaboração própria com dados do World Economic Outlook Database do FMI.06/11/2015.

internacional.Aconjunturadesfavorávellevouàrevisãodeprojetosdeinvesti-mentosemescalaglobaleàintensificaçãodaconcorrênciapelospoucosmercadosdomésticosquepermanecerammaisdinâmicos,oqueacentuouasrestriçõesexternasaocrescimentoquehaviamsidorelaxadasduranteoboomdosuperciclodascommodities.

SeobservarmosocrescimentoeconômicodoBrasildasúltimasduasdécadas,comoapresentadonoquadro5,verificamosque,excetonoquadriênio2007-2010,opaíssemprecresceuabaixodamédiamundial,emumaposiçãoquevariadas25%a32%piorestaxasentrecercade180paísescominformaçõesdisponíveisnobancodedadosdoFMI.Aeconomiabrasileirasenotabilizouporumaperformancemedíocreemtermoscomparativosporquasetodo

períodopós-PlanoReal.Nãoobstante,háqueseressalvarqueoquadriênio2011-2014éaquelenoqualaeconomiamundialmenoscresceu.

Aindaassim,oargumentodacriseinter-nacionalnãoexplicatodoodiferencialdedesempenhoentreosquadriênios2007-2010e2011-2014.Nosdoisperíodos,aeconomiamundialcresceu,emmédia,ataxasmuitopróximas,aomesmotempoemqueataxadecrescimentodaeconomiabrasileiracaiupelametade.OBrasilatra-vessourelativamentebemapiorfasedacriseinternacionalem2008e2009e,nacontramãodastendênciasmundiais,mantevedinamismoeconômicoaolongodequasetodooquadriênio2007-2010,galgandováriasposiçõesnorankingdecrescimentodospaíses.Essequadrofoitotalmenterevertidonoúltimoquadriênio

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ecaminhaparaseraindapiornoatual.

Asquestõesquesecolocamnessecontextosão:por que o governo não conseguiu evitar que a economia desacelerasse no quadriênio 2011-2014 depois do desempenho extraordinário durante 2007-2010? A causa principal teria sido o aprofundamento do ciclo de expansão fiscal ou a mal chamada “nova matriz macroeconômica heterodoxa”, como argumentam alguns economistas?

Nossaperspectivaéquenemascondiçõesexternasnemoexpansionismofiscalemsiexplicamacriseeconômicaefiscalemsuaplenitude.Comovimos,porumladoocenárioexternojáeraadversodesdeacrisede2008.Poroutrolado,oritmodeexpansãodogastonãosealteroumuitonosdoisquadriênios,comoapresentamosanteriormentenoquadro4.

Contudo,houveumamudançacrucialnaconduçãodapolíticafiscalapartirde2011.Primeiramente,ocorreumafortecontraçãofiscalem2011comaumentodametadesuperávit,desaceleraçãodoconsumopúblicoequedadoinvestimentopúbliconaordemde12%.Esseajuste,concomitantecompolíticascontracionistasdejurosemacroprudenciais,contribuiuparaafortedesaceleraçãodaeconomiabrasileiraqueestagnouentreoterceirotrimestrede2011eosegundode2012XVIII.

Emseguida,opadrãodeexpansãofiscalfoialterado.Enquanto no quadriênio 2007-2010 o espaço fiscal foi canalizado prioritariamente para investimentos públicos, que cresceram a taxas reais de 24% ao ano, no quadriênio 2011-2014 ataxadeinvestimentoparoudecrescere, em compensação, o governo elevou significativamente os subsídios ao setor

privado, como os do Minha Casa Minha Vida e os do BNDES, os subsídios à tarifa de energia elétrica, além das desone-rações tributárias (R$25bilhõesanuaisapenascomadesoneraçãodafolha).Ainflexãonomixdapolíticafiscaltemduasrazões:umapragmáticaeoutraestraté-gica.Apragmáticaestárelacionadaaumapercepçãodequeaexecuçãodeinvesti-mentosémaislentanaesferapúblicadoquenaprivada,eem2011tivemosoescân-dalodoDNIT(DepartamentoNacionaldeInfraestruturadeTransportes),queagravouessasituação.Aestratégicadizrespeitoaumavisãodeque,oferecendoestímulossuficientesaosetorprivado,viadesoneraçõesousubsídios,alavanca-seoinvestimentoeocrescimento.Ouseja,amudançanapolíticafiscalenvolveuumaconstataçãoeumaaposta:diantedadificuldadedecontinuarexpandindoosinvestimentospúblicos,o governo acre-ditou que promoveria o crescimento econômico via incentivos aos investi-mentos privados – a chamada agenda FIESP, a real matriz macroeconômica que vigorou com apoio do empresariado até começar a fazer água.

Diantedadesaceleraçãodocrescimento,porqueogovernoprivilegiouasdesone-raçõesfiscaisemdetrimentodaexpansãodoinvestimentopúblicoeoutrosgastos?UmautorqueajudanessareflexãoéoeconomistaMichalKalecki.Emumartigoseminalde1943,intitulado“OsaspectosPolíticosdoPlenoEmprego”,eleapontaque,nosperíodosrecessivos,quandosereduzaoposiçãoaumdéficitpúblicopeloblocodeinteressesdo“mercado”eseusteóricos,tambémseconsolidaumavisãodequeacomposiçãododéficitdeveocorrerpreferencialmenteporestímulosaosinvestimentosprivados.Entretanto,Kaleckiargumentaqueestecaminhonãoé

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omaisadequadoparareativaraeconomia,quandocomparadocomaalternativadeacelerarinvestimentospúblicoseestimularoconsumodasmassas.Eainda,possuiumadificuldadepráticaporqueareaçãodosempresáriosseráincerta.Searecessãoéprofunda,osempresáriospodemformarumavisãomuitopessimistasobreofuturoeasmedidastenderãoaterapenasumpequenoefeitoounenhumefeitosobreoinvestimento.

Nessemesmotexto,oautorretrataqueseforemefetuadastentativasdemanutençãodeumaltoníveldeemprego,haveráumaforteoposiçãoconservadoraqueinduziráogovernoaretornaràpolíticadecortedegastos.NaspalavrasdeKalecki:

[…]masseforemfeitastentativasdeaplicaressemétodoafimdemanteroaltoníveldeempregoalcançadonasubsequentepros-

peridade,éprovávelquehaveráumaforteoposiçãoporpartedos‘líderesempresa-riais’.Comojáfoiassinalado,umplenoempregoduradouronãoéabsolutamentedogostodeles.Nessasituaçãoéprovávelaformaçãodeumpoderosoblocodegrandesempresárioserentistas,queencontrariamaisdeumeconomistaparadeclararqueasituaçãoéclaramenteenferma.Apressãodetodasessasforças,eemparticulardasgrandesempresas,muitoprovavelmenteinduziriaoGovernoaretornaràpolíticaortodoxadecortedodéficitorçamentário.

Publicadoem1943,ainquietudeprincipaldotextopermaneceatual:oplenoempregonãoconvémaograndecapital.Infelizmente,aprendemosmuitopoucocomasliçõesdopassado,enossoslíderesdeesquerdamuitasvezescontribuemparaadissemi-naçãodosenso-comumaoadotaremo

discurso–easpolíticas–quepertencemàortodoxiaeconômica.

3.3 Austeridade: uma escolha equivocada

Como resposta ao cenário de franca deterioração fiscal provocado pela queda no crescimento e pelas desonerações, o segundo governo Dilma tem início adotando a estratégia econômica dos candidatos derrotados no pleito de 2014, ou seja, realizando um duro ajuste fiscal e monetário, na esperança de que o setor privado retomasse a confiança e voltasse a investir.Aideiaeraadequeacontraçãofiscalseriaexpansionista,passandoapenasporumcurtoperíodorecessivonecessáriopararecuperaraconfiançanaspolíticasdeEstado.Nestaagenda,arecuperaçãodascontaspúblicasépontocentral,valendo-sedecortesorçamentáriosedareduçãodopapeldosbancospúblicos.

Masaocontráriodoquemuitosecono-mistas afirmam,o ajuste econômicopropostopelogovernovaimuitoalémdo“ajustefiscal”,queaparececomotemacentraldodebatepúblicoatual.Joaquim Levy foi o símbolo da implementação da austeridade econômica no país que consiste em uma política deliberada de ajuste da economia por meio de redução de salários e gastos públicos. Trata-sedereequilibrarospreçosrelativos,ouget the prices right,comocostumamdizeroseconomistasortodoxos.Serianecessárioreajustardeumasóvezospreçosadmi-nistradosdefasados,liberalizaragestãoda

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taxadecâmbio,retirarosincentivosfiscaissetoriais,eliminarocréditosubsidiadoerecolocarapolíticamonetáriaemseu“pontodeequilíbrio”.Valelembrarqueocritérioda“eficiência”paraoacertodospreçosrelativosnãoéneutro,adespeitodofatodequemuitosdosdefensoresdaausteridadeseabstêmdetecerconsidera-çõesdistributivas.

Paraeles,talconjuntode“ajustes”estabi-lizariaaeconomia,permitindoarecupe-raçãodaconfiançadosetorprivado,queseriaomotordeumanovafasedecres-cimentoeconômico.Porissomesmo,asmudançasforamrapidamentelevadasacabo,promovendoaomesmotempoumenormeimpactoinflacionárioeumagranderetraçãodaatividadeeconômica,sobapromessadequeestesefeitosseriamapenaspassageiros.Comomostraafigura4,essa virada para a austeridade foi um remédio equivocado para os problemas pelos quais a economia brasileira passava.

Odesempregoeainflaçãodisparamsemrecuperaraconfiançadosagenteseocrescimentoeconômico.O“ajustefiscal”fracassou,comomuitoshaviamprevisto,efaz-senecessárioelaborarumanovaestra-tégiadedesenvolvimentoparatiraroBrasildacrisequeseencontra.

Nessesentido,o equacionamento dos problemas fiscais não depende apenas do resultado primário e do corte de gastos e a piora dos resultados primários se deve em grande parte à profunda desacele-ração econômica. Em 2015, por exemplo, apesar de todo o esforço do governo para reduzir as despesas, que chegou a queda real de 2,9% do gasto primário federal, as receitas despencaram e o déficit ficou ainda maior, evidenciando o caráter contraproducente do ajuste: o austericídio.Ouseja,ocortedegastoemconjunturascomoade2015nãoégarantiademelhores indicadoresfiscais,comefeito,ascontaspúblicaspioraramcoma

Figura 4: DESEMPREGO E INFLAÇÃO NO BRASIL. Fonte: : IBGE, Banco Central. Elaboração própria

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interrupçãodeinvestimentospúblicosecontingenciamentodeverbasparasaúdeeeducação.

Em 2015, ainda, os investimentos públicos sofreram queda de 41,4% no nível federal, o gasto de custeio caiu 5,3%, e o governo não logrou a melhoria das expectativas dos agentes econômicos que justificaria esse ajuste com vistas a retomar o crescimento.Pelocontrário,aeconomiarealsópioroueasexpectativassedeterioraram.Assim,austeridadefiscalmanifestadaepraticadafoiumfiasco.

3.4 O plano Temer de Novo Regime Fiscal: a proposta de Estado mínino e austeridade permanente

A gestão da política fiscal protagoni-zada pelo governo Temer lançou sinais contraditórios com relação à continui-dade das políticas de austeridade. Para o curto prazo definiu-se o “keynesia-nismo fisiológico” e para o longo prazo, a “austeridade permanente”.

Oafrouxamentodametafiscalpara2016e2017evidenciaporumladoopragmatismoeconômicoe,poroutrolado,hipocrisiadosqueargumentampelaausteridadee,simultaneamente,passamadefenderumdéficitprimáriorecordenonovogoverno.Jácomomedidaestrutural,agestãoTemer

apresentaumapropostaque,muitomaisdoqueumareformafiscal,representaaimpo-siçãodeoutroprojetodepaís,incompatívelcomaConstituiçãode1988.

O Plano do Governo Temer de estabe-lecer um “Novo Regime Fiscal”, por meio de uma proposta de emenda constitu-cional (PEC 241) que cria por 20 anos um teto para crescimento das despesas públicas vinculado à inflação,vemsendoadvogadopormuitosideólogoseanalistasdemercadocomoumavançoinstitucionaleumamedidanecessáriaparareequilibrarascontaspúblicas.Essesmesmosanalistas,demaneiraacrítica,chegamacompararainiciativabrasileiraaosmecanismosdegestãofiscalqueoutrasnaçõesmaisdesenvolvidasestãoadotando.OprópriodocumentodogovernojustificandoaoCongressoo“NovoRegimeFiscal”(apeli-dadodenominalismo)dizqueotetoseráanticíclicoporcontrolaradespesaenquantopermitequeoresultadofiscaloscilecomocicloeconômico.

Lamentavelmente,estaseoutrasafir-maçõessobreo“NovoRegimeFiscal”sãofalaciosas,conformeprocuraremosesclareceraqui.Emprimeirolugar,háqueseesclareceraenormediferençaentreasregrasfiscaisqueospaísesmaisavançadospassaramaaplicarnaúltimadécadaeo“NovoRegimeFiscal”.AUniãoEuropeia,porexemplo,utilizametasfiscaisestrutu-raisajustadasaocicloeconômicoecláu-sulasdeescape,quepermitemque,emsituaçõesdegravecriseeconômicacomoaquevivemos,asrestriçõesfiscaissejamrelaxadastemporariamente.

Complementarmente,desde 2011 os membros da UE estabeleceram um limite para o crescimento da despesa associado à taxa de crescimento de

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longo prazo do PIB.Assim,seasestima-tivasindicamqueaeconomiacresceráaumamédiade2%aoano,ogastonãopodecrescermaisdoqueissoparagarantirque,nomédioprazo,sejapossívelreduzirodéficit.Na maioria desses países já existe uma estrutura consolidada de prestação de serviços públicos, dife-rentemente do Brasil onde há maiores carências sociais e precariedades na infraestrutura (urbana, econômica e social).SendomaisrazoávelquetaispaísesdesenvolvidossepreocupememmanterotamanhodeseusEstadosestabilizadosemrelaçãoàeconomia,aofixaremumataxadecrescimentodasdespesaspúblicasigualàtaxadecrescimentodoPIBnomédioprazo.

Esseregimefiscaleuropeuétotalmentedife-rentedo“nominalismotupiniquim”,noqualéestabelecidoqueogastoagregadodevetercrescimentorealnulo,independentementedequantocresçaoPIBouapopulação.

Se aplicada literalmente, a regra brasi-leira reduziria a despesa primária do governo federal de cerca de 20% do PIB em 2016 para algo em torno de 16% do PIB até 2026 ou mesmo 12% em 2026 (ver figura 5)XIX.Naprática,aoestabelecerumapolíticadereduçãopermanentedogastoseestáperenizandoumapolíticafiscalcontra-cionistaequenãotemnadade“anticíclica”.DiferentedoquedizaexposiçãodemotivosdaPEC,aregraéacíclica,poisogastoserádeterminadodeformaindependentedocicloeconômico.

Além disso, a nova regra não prevê nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques. Ao contrário, tende a engessar a política fiscal por duas décadas e contribuir zero para o crescimento da demanda agre-gada, puxando para baixo o crescimento do PIB.

Asfaláciaseperigosembutidosnãoparam

Figura 5: SIMULAÇÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS SOB O NOVO REGIME FISCAL 2015-2016 Fonte: Elaboração própria

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poraqui.O documento do governo ao justificar ao Congresso o “Novo Regime Fiscal”, por exemplo, afirma que a proposta de “nominalismo” é uma medida democrática. IstoporqueopapeldoPoderExecutivoseriaexclusivamenteodeestabelecerumtetoparaogastoglobal.Cabendoàsociedade,pormeiodeseusrepresentantesnoparlamento,alocarosrecursosentreosdiversosprogramas.Essemesmoprincípiodemocráticoservecomojustificativaparao“NovoRegimeFiscal”contemplarumamudançanafórmuladecálculodospisosdegastoemsaúdeeeducação,sobopressupostodequeasregrasconstitucionaisanterioresqueindexamessespisosapercentuaisdareceita(oudoPIB)geramineficiêncianaaplicaçãodosrecursospúblicos.Propõem-se,comoalternativa,queosvaloresreaisdospisosdegastosemsaúdeeeducaçãofiquemcongeladosporduasdécadas(apenassendoreajustadospelainflação),masisso,segundoapropostanãoimpedeasocie-dade,pormeiodeseusrepresentantes,dedefinirdespesamaiselevadaparasaúdeeeducação,desdequeconsistentescomolimitetotaldegastos.

Ora, na verdade o que o novo regime propõe fazer é retirar da sociedade e do parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do orçamento público, que passará a ser definido por uma variável econômica (a taxa de inflação). Impõe-se uma política de redução do gasto pelo período de duas décadas e a participação democrática no processo orçamentário fica reduzida a meramente delimitar quais gastos e programas serão mais ou menos contidos. NãocausasurpresaquetamanhaconfusãosobreosprincípiosdemocráticosvenhadeumPoderExecutivoquenãopassoupelocrivodasurnas.

Oquesimsurpreendeéumavisãonomínimosimplistasobreaspráticaspolíticasnonossopaís,asquaisosintegrantesdoGovernoTemerconhecemmuitobem.Dadaamaneiracomo,infelizmente,operanossaestruturapolítica,oprocessodeci-sórioémuitasvezescapturadoemfavordegruposmaisorganizadosedemaiorpodereconômicoeemdetrimentodaparcelamaisexpressivadanossapopulação,quesãoosprincipaisbeneficiáriosdossistemaspúblicosdesaúdeeeducação.Éexata-menteporadmitirqueosinteressesdessapopulaçãomaiscarenteestãosubrepre-sentadosnodiaadiadanossapolíticaqueosnossosconstituintespreocuparam-seemestabelecerregrasdegastosmínimosdesaúdeeeducaçãoqueevitassemperdaderelevânciadessasdespesasaolongodotempo.Garantir que os gastos com saúde e educação aumentem conforme o país cresce é um dever cívico que o novo regime fiscal menospreza.

Diantedessequadro,nãoépossívelprevercomcertezaofuturodosgastosdesaúdeeeducaçãocaso,comopropõeogoverno,osmínimosfiquemcongeladosemvaloresreais(esejamreajustadosapenaspelainflação).Aindaqueomaiscrívelsejaumaconvergênciagradualparaessesmínimosemprejuízodapopulaçãomaiscarentedopaís.Deacordocomumexercíciobastantesimplificadodesimulação,issopodesigni-ficarumaquedadosatuais4%doPIBgastosemsaúdeeeducaçãoparaalgopróximode3%doPIBem10anos(verafigura5).

Alémdisso,é preciso refletir sobre a viabilidade prática do teto de gasto global, considerando que existem despesas que inevitavelmente cres-cerão mais do que a inflação, como é o caso dos benefícios previdenciários.Asprojeçõesmaisotimistasparaareforma

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daPrevidênciaindicamqueogastocomaposentadoriasepensões(40%dadespesaprimária)permaneceránomínimoestávelemproporçãodoPIBporumadécadaemeiaedepoisvoltaráacrescer.Jáasproje-çõesmaisrealistasapontamparacresci-mentodasdespesasprevidenciáriasde0,8%a3%doPIBnapróximadécadaemrespostaapressõesdemográficas.

Sobtalcenário, para que o teto global da despesa seja cumprido, os demais gastos – os quais compreendem desde benefícios sociais como a Bolsa Família, salário de servidores, gastos com ciência e tecnologia, forças armadas, legislativo e judiciário, investimentos em infraestru-tura, etc. – precisariam encolher quase pela metade em 10 anos (de 8% para 4% do PIB ou até 3% do PIB em 20 anos), o que é pouco crível porque compro-meteria o funcionamento da máquina pública e inviabilizaria o financiamento de funções estatais básicas.Essametanãopareceserrealista,oquelevaacrerqueoteto,naprática,éinviáveleseráflexibilizado.

Porfim,chamaaatençãoafaltadepreocu-paçãoemlimitargastosquenãoaparecemnoorçamentoprimário,comooselevadosmontantesdejuros–diantedosimplório(eequivocado)argumentodosdefensoresdapropostadequeestescairiamautomatica-mentesobonovoregimefiscal.

Portanto,onovoregimefiscalédesastrosopois,(i)dopontodevistamacroeconô-mico,representaumentraveaocresci-mentoeconômicoeaatuaçãoanticíclicadoEstado,(ii)dopontodevistasocialsignificaadestruiçãodaconstituiçãode1988eumarroxonosserviçossociaisespecialmenteeducaçãoesaúdee(iii)dopontodevistapolíticoesseretiraopoderdocongressoedasociedadedemoldaro

tamanhodoorçamentopúblicoe,deformaantidemocrática,impõeumnovopactosocial-semlegitimidadesocial-emtornodeumEstadomínimo.

3 . GASTO PÚBLICO E O PERIGOSO CAMINHO DA AUSTERIDADE

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I 51

OBrasiléumdospaísesemdesenvol-vimentocomumadasmaiorescargastributáriasdomundo,quealcançou32,7%doPIBem2013,fatoestequeéfrequente-mentelembradoporaquelesquecriticamotamanhodoEstadobrasileiro.Contudo,maispreocupantedoqueoníveldacargatributáriabrasileira,quepodeserjustifi-cadoàluzdoestadodebem-estarsocialqueviemosconstruindosobinspiraçãodassocial-democraciaseuropeias,nossaestruturadetributaçãoéextremamenteperversacomosmaispobreseaclassemédiaebenevolentecomosmaisricos.

Coincidentemente,nossacargatributáriaestáapenasumpoucoabaixodamédiade

34,1%doPIBnospaísesdaOCDE,mas,aocontráriodelá,ondeosimpostossobrearendaeapropriedadesãoaprincipalfontedefinanciamentoestatal(emmédia,13,4%doPIB)eatributaçãosobrebenseserviçoséinferioraumterçodacarga(11,2%doPIB),aquinoBrasilquasemetadedacargaadvémdeimpostossobrebenseserviços(15,4%doPIB)eosimpostossobrearendaeapropriedadenãochegamaumquartodototal(8,1%doPIB).

Além de arrecadarmos pouco sobre a renda e a propriedade, o fazemos de modo pouco progressivo e também ineficiente, por exemplo, tributando muito o lucro gerado pela empresa e

Reforma tributária progressiva: uma nova agenda

4.

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52 I

isentando os dividendos distribuídos às pessoas físicas,sóciasouacionistas,justa-mentequandopoderíamosdiferenciá-lasdeacordocomacapacidadecontributivadecadauma,comoocorrecomatributaçãodossalários.

Poroutrolado,nossatributaçãosobrebenseserviçoséumaverdadeiracolchaderetalhos,comtributosnastrêsesferasdegoverno,algunssesobrepondoaosoutros,outrosincidindodeformacumulativanacadeiaprodutiva,comcustosqueemgeralsãorepas-sadosaospreçosequeoneramasrendasdapopulaçãodemodoregressivo,pesandomaissobreobolsodequemconsometudoqueganha,ouseja,osmaispobres.

Esse sistema singular é reflexo tanto do federalismo brasileiro e da dualidade tributária (impostos e contribuições sobrepostos), quanto de algumas reco-mendações de política que o mainstream econômico propagou nas décadas de 80 e 90 e que foram incorporadas de forma bastante acrítica ou peculiar pelo Brasil. Entreessesmantras,destaca-seavisãodequeaspolíticastributáriasdeveriamseeximirdeobjetivosredistributivos(porexemplo,fazercomqueosricospaguemmaisimpostosdoqueospobres,viatribu-taçãoprogressivadarendaouseletivadosbensdeconsumo),umavezquemedidascomessafinalidadepoderiamresultaremineficiênciaseconômicaspordistorcerospreçosrelativosedesestimularosindi-víduosmaiscapazeseempreendedores.Nessecaso,osimpostosdeveriamserosmaisneutrospossíveis,asautoridadestributáriasdeveriamsepreocuparapenasemarrecadar,eoproblemadistributivodeveriaserresolvidopeloladodogastopúblico,porintermédiodosistemadeproteçãosocial,comoaspolíticasdetrans-ferênciaderendafocalizadasnaquelesque

maisprecisam.

Alémdessaorientaçãomaisgeral, asautoridadestributáriasbrasileirasforammuitoinfluenciadasporduaspropostasbastantedefendidaspelosliberaisameri-canosduranteosgovernosReaganeBush.Essesdefendiamareduçãodasalíquotasmáximasaplicadasaoimpostoderendadaspessoasfísicaseaisençãodosrendimentosderivadosdedividendosdistribuídos,comoargumentodequeapoupançaeoinves-timentoprivadosaumentariam,gerandomaiorcrescimentodoPIBedasreceitastributárias.NoBrasil,essaseoutrasmedidasdeincentivoaosditos“investidores”foramadotadasnasdécadasde1980e1990,nummovimentoqueoex-secretáriodaReceitaFederalEverardoMacieldenominoude“antecipaçãohistórica”.

O Brasil foi um dos primeiros países e até hoje um dos poucos que isentou e continua isentando integralmente de imposto de renda os dividendos distri-buídos a acionistas, tal como a pequena Estônia. México e Grécia, que também aplicavam a isenção, voltaram atrás há alguns anos, enquanto a maioria dos países desenvolvidos (incluindo os Estados Unidos) mantém, com alguns ajustes e modificações, o sistema clás-sico de tributação do lucro, que prevê a cobrança em duas etapas, na empresa e depois na pessoa física.

Aomesmotempoemqueisentavadivi-dendos,mantinhaaalíquotamáximadoimpostoderendadapessoafísica(27,5%)emumpatamarbaixoparaospadrõesinter-nacionaisepermitiaumaamplagamadededuçõesnopagamentodeimpostoderendapelasempresasepessoasfísicas,ogovernobrasileiropassoualançarmãodeumconjuntodeinstrumentostributários

4. REFORMA TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA: UMA NOVA AGENDA

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I 534. REFORMA TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA: UMA NOVA AGENDA

comfinsarrecadatórios,comoacriaçãodaContribuiçãoProvisóriasobreMovi-mentaçõesFinanceiras(CPMF)em1997eoaumentodaContribuiçãoprovisóriaparaofinaciamentodaSeguridadeSocial(Cofins)em1999.

Nesteperíododemedidasqueampliavamacargatributáriaeacomplexidadedenossosistema,iniciou-seodebatenacionalemtornodanecessidadedeumareformatributáriasimplificadora,quepassariapelafusãodeváriostributos(ICMS,ISS,IPIePIS/Cofins)epelacriaçãodeumImpostosobreoValorAdicionado(IVA),aexemplodaseconomiasmaisdesenvolvidas.Diantedaresistênciadeestadosemunicípiosaperdercompetênciatributária,apropostadereformafoisendodesidratadadeseuímpetoinicial(oIVA)efatiadaemtrêsvetores:aUniãotentandomodernizarasistemáticadecobrançadoPIS/Cofins(introduzindoummecanismodecréditoparcialdeinsumosparaalgumasatividadeseconômicas),osmunicípiosintroduzindoumaalíquotamínimaeampliandoalistadeserviçossujeitaàtributaçãodeseuimposto,oISS,eosestadosbuscandoumacordoatéhojeinconclusoparaterminarcomaguerrafiscalecorrigirasdistorçõeseconômicasgeradaspeloICMS.

Dadooconflitodistributivoentreasesferasdafederaçãoeentreossetoresdaeconomiaatingidosporessasmudanças,osavançosconcretizadosapósumadécadaemeiadedebatesforammínimosepersistimostendoumsistematributárioincrivelmenteineficientedopontodevistaeconômico.Aomesmotempo, a agenda de reformas da tributação sobre a renda e o patrimônio, permaneceu totalmente embargada nos últimos 20 anos, não tendo o governo federal apresentado qualquer proposta de reforma mais substancial que visasse

ampliar a progressividade ou mesmo corrigir as graves distorções ensejadas pela atual legislação.

Felizmente,agranderepercussãodaobradoeconomistafrancêsThomasPiketty,juntamentecomapublicizaçãodedadosdasdeclaraçõesdeimpostoderendadaspessoasfísicasnoBrasil,contribuiuparaqueostemasdaprogressividadetributáriaesuarelaçãocomadesigualdadesocialtenhamvoltadoapautarodebatepúblico.Contudo,estranhamentenenhumadasmedidasanunciadasrecentementepelogovernoafastadooupelogovernointerinotocamnoproblemaprincipaldatributaçãodarendanoBrasil,queéaisençãodedivi-dendosdistribuídosaacionistas,pontoestequepassaremosaexplicardidaticamenteaseguir.

4.1 A tributação dos lucros e das rendas no Brasil e no mundo

OsistemaclássicodetributaçãodoslucrosedividendosquesedisseminounoséculoXXsebaseianoqueseconvencionouchamar“duplatributação”,ouseja,atributaçãoemduasetapas,dolucronapessoajurídica(empresa)e,posteriormente,havendodistribuiçãodedividendosaosacionistas,tambémnapessoafísica.Emboraolucrooriginalsejaumsó,hánesseprocedi-mentoumadistinçãoentreoqueérendadaempresaeoqueérendapessoaleque,comotal,podeidealmentesersubmetidaaoprincípiodaprogressividade,ouseja,a

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54 I

alíquotascrescentesconformeacapaci-dadecontributivadobeneficiário.

Essemodeloéoqueprevaleceaindahojenamaioriadospaísesdesenvolvidoseemdesenvolvimento,emboraalgumasnaçõestenhamintroduzidomecanismosdecompensaçãonapessoafísicadepartedoimpostopagonapessoajurídica.Em média, os 34 países da OCDE tributam o lucro em 25% na pessoa jurídica e em mais 24% na pessoa física. No Brasil, a tributação do lucro varia com o porte da empresa e pode a chegar a 34% entre imposto de renda (IRPJ) e contribuição social (CSLL), mas os dividendos distri-buídos aos acionistas das empresas (grandes ou pequenos) estão comple-tamente isentos desde 1996.

Antesdisso,opaístributavaosdividendosdeformalineareexclusivanafonte,comumaalíquotade15%,independentementedoseuvolume.Emboraimperfeito,esse

sistemadetributaçãoerasimplese,aomenos,capturavaparteda rendadaspessoasmaisricas,quevivemdedividendosdesuasempresas.Aisençãopropiciouumaumentoderendaconsiderávelparaessasfamílias,contribuindoparaconsolidarumquadrodeelevadíssimaeestávelconcen-traçãoderendanotopodadistribuição.

Deacordocomosdadosdasdeclaraçõesdeimpostoderenda,as70 mil pessoas mais ricas do Brasil, representando meio milésimo da população adulta, concen-tram 8,2% do total da renda das famílias, índice este que não encontra paralelo entre as economias que dispõem de informações semelhantes. Os dados fiscais também revelam que esse seleto grupo ganhou em média R$ 4,2 milhões em 2013 e pagou apenas 6,7% de imposto de renda sobre esse montante,consi-derandoostributosrecolhidossobreosrendimentosfinanceiroseoutrasrendastributáveis–cargatributáriainferioràquela

Figura 6: PROPORÇÃO DE RENDIMENTOS ISENTOS, TRIBUTÁVEIS E IMPOSTO DEVIDO POR FAIXAS DE SALÁRIOS MÍNIMOS – BRASIL - 2013 Fonte: Receita Federal do Brasil, elaboração própria.

Salários Mínimos

4. REFORMA TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA: UMA NOVA AGENDA

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pagapelamaioriadosassalariadosdeclassemédiaaltadopaís.Afigura6retrataessadistorção.

OutrapeculiaridaderelevantenoBrasilquereduzopotencialarrecadatórioeredistributivodoimpostoderendasãooselevadosvolumesdesubsídiosnaformadededuçõesaosgastosprivadosemsaúdeeeducação.TaisdeduçõesnoIRPFchegaramaR$69,35bilhõesem2013ou60%doimpostodevidototal.

Além de injusta, a assimetria entre o tratamento tributário dispensado a divi-dendos e salários tem sido responsável por um fenômeno conhecido por “pejoti-zação”, que é a constituição de empresas por profissionais liberais, artistas e atletas com o objetivo de pagar menos impostos do que como autônomos ou assalariados.Issoépossívelemvirtudederegimestributáriosespeciaisaplicadosamicroepequenasempresas,quereduzematributaçãototalanomáximo16%dofatura-mentoe,conjugadocomaisençãodedivi-dendos,garanteumaexpressivavantagemnacomparaçãocomaalíquotamáximadoimpostoderendadaspessoasfísicas(27,5%).Aomesmotempoquesignificaaperdadereceitas,essefenômenoprecarizaasrelaçõestrabalhistas.

Nessecontexto,qualquer proposta de reforma do imposto de renda que não passe pela tributação dos dividendos não será tão efetiva nos objetivos de promover justiça fiscal e gerar receitas extras para o governo. De acordo com estimativas de Gobetti e Orair, a tribu-tação dos dividendos pode gerar uma receita adicional entre R$ 43 bilhões e R$ 58 bilhões, dependendo das alíquotas a que seriam submetidos, cuja ordem de grandeza é mais ou menos equivalente

à da recriação da CPMF e com efeitos menos deletérios sobre a atividade econômica e a inflação XX.

Emcontrapartida,a proposta de se aumentar alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas sem revogar a isenção de dividendos não propor-ciona uma redistribuição de renda tão efetiva. Porummotivoóbvio:asalíquotasprogressivasdatabeladoIRPFsóatingemos“rendimentostributáveis”,oquenãoincluiatualmenteosdividendos,nemosrendimentosdeaplicaçõesfinanceirasquesãoasprincipaisfontesderendadosmaisricos.Então,qualquerpropostadereformadoimpostoderendaquenãopassepelatributaçãodosdividendosnãoserátãoefetivanosobjetivosdecontribuircomumamaiorjustiçafiscaletambémgerarreceitasextrasparaogoverno.

Éclaroqueoêxitoseriamaiorseatribu-taçãodosdividendosfossecomplemen-tadapormedidasadicionaisdetributaçãoprogressivasobrearendaeopatrimônio,comoarevisãodasalíquotasdoIRPFedoimpostosobreherança(ITCMD)oumesmoainstituiçãodoimpostosobregrandesfortunas(IGF).Taismedidassãopositivasemseusobjetivos,mesmoqueseusimpactosarrecadatóriospossamsermaismodestos.

Nossasalíquotasdoimpostosobreherança,porexemplo,estãodesalinhadasnacompa-raçãointernacional.AalíquotanoReinoUnidoéde40%.Emoutrospaíses,elaévariável:nosEstadosUnidos,amédiaéde29%;noChile,13%.NoBrasilacobrançadeITCMDvariaemcadaestado,comfaixasdísparesentre1%e8%.PaísescomoArgen-tina,Colômbia,França,Índia,Noruega,SuéciaeUruguaiadotamoImpostosobreGrandesFortunas(IGF),comalíquotas

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queestãoentre0,4%a4,8%.OBrasilsequerregulamentouesseimpostoprevistonaConstituiçãode88.

Tampoucopassadespercebidoque,noBrasilqueéumpaísextenso,conformadoporvastasáreasrurais,aparticipaçãodoImpostoTerritorialRural(ITR)tenhainci-dênciainsignificante,de0,01%doPIB.Demaneiramaisgeral,praticamentetodososimpostossobreapropriedadenopaís(ITR,IPTU,ITCMD,IPVAetc.),emmaioroumenorgrau,sãocaracterizadospelobaixograudeprogressividadeepelaexistênciadeumpotencialdearrecadaçãopoucoexplorado.

Some-seaissoumconjuntodeisençõesebenefíciostributáriosaosrendimentosdocapitalquepoderiamserrevistos(isençõesdoIRPFparaLetrasdeCréditodoAgro-negócio,LetrasdeCréditoImobiliárioerendimentoscomaçõescomvalormensaltransacionadoabaixodeR$20mil,entreoutras).

Emresumo,háumaamplagamademedidasquepoderiamseradotadasparaampliaraarrecadaçãosobrearendaeopatrimôniodosmaisricos.

Sobreesteponto,valedestacarqueaexpe-riênciarecentedospaísesdesenvolvidosmostraqueatributaçãodarendaedapropriedadedosmaisricospodeserumaalternativainteressantedeconsolidaçãofiscalemepisódiosdecrisecomooquevivemos.Umdosprincipaisdesdobra-mentosdoperíododagranderecessão,apósacriseinternacionalde2008,foiodequeamaioriadospaísesdaOCDEpromoveumudançastributáriasdiscricionáriasparaampliarsuasreceitase,emresposta,amédiadacargatributáriadessespaísessaltoude32,7%doPIBem2009para34,4%

em2014.Alémdisso,emmaisdametadedospaísesdaOCDEospacotestributáriosincluíramalgumtipodemedidaampliandoataxaçãosobreosmaisricos,inclusiveosdividendos,comoobjetivodeliberadodefazercomqueoônusdosajustesfiscaisseconcentremaisnotopodadistribuição,emboraalgunstambémtenhamreduzidoatributaçãosobreolucrodaempresaparacompensar.Aagendadaprogressividadevoltouàordemdodianomundodesenvol-vido.Infelizmente,otematemsidoapenastangenciadonoBrasil.

4.2 Uma proposta para o debate

Acrisefiscalcolocounocentrododebatenacionalanecessidadedesepromoverreformasestruturaisquepossibilitemreequilibrarascontasdogovernonomédioprazo,oqueenvolvemedidastantonocampodasdespesasquantodasreceitas.Contudo,acrisepolíticaesocialacentuouemamplossetoresdapopulação,sobretudodaclassemédia,ograudeintolerânciacompropostasquefaçamqualquerreferênciaaaumentodeimpostos.O sentimento disseminado é de que a sociedade não aceita “pagar o pato” por uma crise que teria sido produzida exclusivamente pela incompetência e corrupção do governo, e esse clamor tem sido opor-tunisticamente galvanizado por setores que são corresponsáveis pela crise, como a FIESP, e que na prática tentam trans-ferir o ônus para as camadas sociais mais vulneráveis e sem voz.

Portanto,essecenárioexigeoenfren-tamento desse argumento falacioso

4. REFORMA TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA: UMA NOVA AGENDA

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mostrandoque,emprimeirolugar,osgrandesempresáriostêmsidohistorica-mentebeneficiadospelonossosistematributárioaopagaremmenosimpostorelativamenteàrendadotrabalhadordaclassemédiaqueumtrabalhadordaclassemédiaeque,noperíodorecente,receberamdogovernobilhõesdereaisemsubsídiosedesonerações.Emsegundolugar,éimportantequeseesclareçaquenossa carga tributária não cresce desde 2005, tendo oscilado entre 32% e 33% do PIB há mais de uma década. Fenômenoqueseexplica,porumlado,pelocompor-tamentoextraordináriodamassasalarialformalizadaqueimpulsionouaarrecadação(algoquejádásinaisdeesgotamento),e,nadireçãocontrária,pelapolíticaagressivadedesoneraçõestributáriasdonívelfederal.

Nessecontexto,quaisseriamoscontornosdeumareformatributáriaqueamplieaprogressividade?Emprimeirolugar,aexpe-riênciadaseconomiasmaisdesenvolvidasmostraqueatributaçãosobredividendospodeserampliadanoBrasil,masquenossopaístributaemníveismuitoaltosolucronaempresa.Então,umcaminhoevolutivonaturalseriadiscutirmosnoBrasilaimple-mentaçãodeumareforma do imposto de renda que passasse por três pontos: a redução das alíquotas do IRPJ/CSLL, o fim da dedutibilidade dos chamados Juros Sobre Capital Próprio (JSCP) e a retomada da tributação dos dividendos recebidos pelos acionistas. Essa reforma do imposto de renda também pode ser acompanhada de uma reforma gradual do PIS/Cofins desde que seja resguar-dado o financiamento da seguridade social. Esse é um tributo extremamente complexo, ineficiente do ponto de vista econômico e regressivo, ou seja, que onera proporcionalmente mais a renda do pobre do que do rico. Resumidamente

falando,oPIS/Cofinscoexistehojecomdoisregimes,umcumulativoeoutronão-cumu-lativo,alémdosregimesespeciais.

Uma simulação dos impactos dessareformatributáriasugerequeosganhosdearrecadaçãooriundosdatributaçãodosdividendospelasalíquotasprogres-sivasdoIRPFedofimdasdeduçõesdosJSCPseriamsuficientesparafinanciarareduçãoimediatadatributaçãodoIRPJ/CSLLdosatuais34%para29%eaindaareduçãogradualdaalíquotadoPIS/Cofins,começandopor9%em2016eapartirdaícaindo0,5pontoporcentualporano,atéchegaraos6%em2022,convertendo-seemumimpostosobrevaloradicionadocomplenoaproveitamentodecréditoseregimeúnico.Segundoesseexercício,teríamosinicialmenteumincrementodaarrecadaçãoemR$47,1bilhõesou0,91%doPIB,masprogressivamenteesseaumentodacargatributáriasedissipariaatésetornarnulo.

Evidentemente,trata-sedeumexercíciosimplificado,masútilparailustraragran-dezadosvalores.TantoareduçãodoIRPJaoníveldaempresa,quantoasimplificaçãoereduçãodoPIS/Cofinstendemapropi-ciarumasituaçãomuitomaisfavorávelaomundodosnegócios.Alémdisso,teremosumsistematributáriomenosregressivonoconsumoemaisprogressivonarenda,oquetambémtendeacontribuirparaocresci-mentoeconômicoedistribuiçãodarenda.

Uma proposta de reforma como essa, que garante que o aumento da carga tributária será provisório e servirá para financiar não só o déficit fiscal atual mas a transição para uma estrutura tribu-tária mais justa e eficiente, tem muito mais chances de ter apoio na socie-dade e ser aprovada no Congresso. Porcerto,existemoutrasmedidastributárias

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importantesquepodemviraseradotadas,comoaquelaslistadasnaseção4.1queampliamaprogressidadedatributaçãosobrepatrimônio,bemcomoatãosonhadauniformizaçãodosimpostossobreovaloradicionado,masessaúltimaintegraumaagendademaislongoprazo,cujaconcre-tizaçãodependedequesejadadoumprimeiropassocomooapontadoaqui.

Oquesedeveteremmenteéque,na atual conjuntura de crise, é pouco razoável crer na possibilidade de um equilíbrio fiscal com baixo crescimento. Isso implica que, no curto prazo, deveríamos no mínimo assegurar espaço fiscal para o investimento público e para gastos sociais de elevado impacto sobre o bem-estar das camadas mais vulneráveis da população.

Uma reforma tributária, combinando eficiência e equidade, tal qual deli-neamos nessa seção, poderia atuar nessa direção, incentivando o crescimento econômico de longo prazo ao reduzir a tributação do lucro e da produção das empresas, ao mesmo tempo em que concentra o ajuste fiscal de curto prazo sobre uma pequena parcela da poupança dos mais ricos, não diretamente rela-cionada ao investimento, e, por conse-guinte, vinculada a um maior nível de emprego e produto. Assim, ganha-se tempo para aprimorar outras propostas de reformas estruturais das despesas, debatê-las com a sociedade e pactuá-las democraticamente. Diferentementedepropostasprecipitadasdereformasdogastoquehojeestãonodebatepúblicoealmejamsuprimirdireitosconsagradosconstitucionalmentesemsequerpassarempelocrivodasurnas.Éclaroqueissonãoimpedeque,desdejá,ogovernopromovareavaliaçõesdeprogramasebenefícios

fiscaisineficientesedeprivilégiosinjusti-ficados.Porém,deve-semanteroobjetivodemocráticodeconstruireaperfeiçoaroEstadoSocial,aocontráriodasmedidasemdiscussãoquevisamsuadescontruçãoeadeturpaçãodaConstituiçãode1988.

4. REFORMA TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA: UMA NOVA AGENDA

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I 59

I - Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide

Furceri.

II- Fatás, A. & Summers, L.H. The Permanent

Effects of Fiscal Consolidations, NBER, working

paper 22374, junho de 2016.

III - Como discutido no livro “Austeridade Para

Quem?” organizado por Belluzzo e Bastos

(2015).

IV - Auerbach & Gorodnichenko (2011), Fiscal

Multipliers in Recession and Expansion. NBER

Working Paper No. 17447.

V - Ver, por exemplo, CBO (2012). Esti-

mated Impact of the American Recovery and

Reinvestment Act on Employment and Economic

Output from October 2011 through December 2011.

CBO, Washington, DC.

VI - IPEA (2009) O que explica a queda recente

da receita tributária federal? NOTA TÉCNICA

DA DIMAC-IPEA.

VII - Ver, por exemplo, (i) Guajardo et al.,

“Expansionary Austerity: New International

Evidence”. IMF

Working Paper 11/158, julho de 2011, (ii) Batini

et al. (Successful Austerity in the United States,

Europe and Japan), (iii) Mark Blyth (Auste-

rity: The history of a dangerous idea. NY:

Oxford University Press, 2013) e (iv) Perotti

Referências

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60 I

(Fiscal policy in recessions. What have we

learn? Macroeconomic policy after the crisis.

Cambrigde, MA: MIT Press, 2014) .

VIII - Carmen Reinhart & Ken Rogoff (2010),

Growth in a Time of Debt. Working Paper 15639,

National Bureau of Economic Research.

IX - Herdorn et al. “Does High Public Debt

Consistently Stifle Economic Growth? A Critique

of Reinhart and Rogoff”, Peri Working Papers,

2013.

X - Para maiores detalhes ver Bastos (2016),

“Crescimento da dívida pública e política mone-

tária no Brasil (1991-2014)”, Texto para Discussão

do Instituto de Economia da Unicamp.

XI - Ver Pêgo Filho & Pinheiro Os passivos

contingentes e a dívida pública no Brasil:

evolução Recente (1996-2003) e perspectivas

(2004-2006). Planejamento e Políticas Públicas,

n. 26, jun./dez. 2003.

XII - Ou déficit de 1,1% do PIB em 2015 quando

excluímos o pagamento extraordinário de

passivos de anos anteriores junto a bancos e

fundos públicos.

XIII - Vale notar que esses cálculos não incor-

poram os efeitos positivos da acumulação

de reservas, que aumentam a confiança na

economia brasileira, e dos empréstimos do

BNDES, que produz um efeito multiplicador

sobre os investimentos financiados.

XIV - Sobre os swaps e a política cambial ver

Pedro Rossi (2016) “Taxa de câmbio e Política

Cambial no Brasil”, Editora FGV.

XV - Ver, por exemplo, BNDES (2015) “Custo

Líquido dos Empréstimos do Tesouro ao

BNDES”. Nota Conjunta APE e AF-BNDES,

Agosto de 2015.

XVI - Ver Secretaria do Tesouro Nacional “Gasto

Social do Governo Central de 2002 a 2015”.

XVII - O mesmo estudo da STN indica que,

segundo dados do FMI, entre 2002 e 2013,

houve aumento de mais de 11% do gasto social

em todos os grupos de países selecionados,

com exceção da Ásia emergente.

XVII - Ver Serrano e Summa “A desaceleração

rudimentar da economia brasileira desde 2011”.

Em: Earp, F. S.; Bastian, E.; Modenesi, A. M.

Como vai o Brasil? Rio de Janeiro, 2013.

XIX - Sob um cenário bastante otimista de

retomada do crescimento econômico a 2,5% ao

ano a partir de 2018, ainda que inferior à média

de crescimento do PIB dos últimos 20 anos

próxima de 3%. É claro que essas estimativas

dependem de hipóteses sobre a evolução do

PIB e inflação, entre outras variáveis incertezas.

XX - Sergio Gobetti e Rodrigo Orair, “Progres-

sividade Tributária: a agenda negligenciada”

Texto para Discussão do IPEA, no2190.

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